memória e narrativa através das cartas de william michaud
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MEMÓRIA E NARRATIVA ATRAVÉS DAS CARTAS DE<br />
WILLIAM MICHAUD (1848 – 1902)<br />
INTRODUÇÃO<br />
Dizem que longe é um lugar que não existe, e que se quisermos<br />
é só pensar e já estaremos lá. Será que lá é o paraíso? Crio asas<br />
e subo aos céus, o vento me leva tão suavemente que quase me<br />
embala... daqui on<strong>de</strong> estou é bem provável que nunca se saiba<br />
mesmo, on<strong>de</strong> iremos chegar...<br />
(Lucile Justus)<br />
Conforme Eva Dietrich 1 (2003), o sonho do paraíso terrestre <strong>de</strong>s-<br />
<strong>de</strong> as origens da humanida<strong>de</strong> contrastava com a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escas-<br />
sez, infelicida<strong>de</strong> e sofrimento <strong>de</strong> muitos homens. Em contraste com<br />
o paraíso bíblico do qual o homem foi banido para sempre, o paraíso<br />
terrestre era uma utopia longínqua, mas que parecia atingível. De<br />
acordo com a mitologia bíblica, o caminho para chegar ao paraíso<br />
sempre foi penoso e perigoso, e no seu final situava-se um mundo<br />
imaginário que refletia muito mais os <strong>de</strong>sejos do homem do que a<br />
natureza real.<br />
A busca pelo paraíso terrestre recebeu novo impulso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> novos continentes e países. As <strong>de</strong>scrições sobre a<br />
riqueza da natureza brasileira e sobre a inocência <strong>de</strong> seus habitantes<br />
representaram o imaginário <strong>de</strong> um paraíso. Animais e frutas exóticas<br />
foram levados para a Europa fornecendo, assim, provas da rique-<br />
za do país e transformando sonhos em objetos tocáveis. No século<br />
XIX, a floresta nativa se transformou em um símbolo <strong>de</strong> uma visão<br />
romântica do Brasil.<br />
Autora: Nilva Lichtsteiner<br />
Orientador: Rafael Tassi Teixeira<br />
Inicialmente, a floresta era vista como um abrigo <strong>de</strong> animais e ho-<br />
mens selvagens que inspirava respeito e medo aos “invasores” euro-<br />
peus. Porém, no curso do século XIX, essa visão mudou fundamental-<br />
mente influenciada pela nova visão romântica da natureza.<br />
Uma obra que contribuiu <strong>de</strong>cisivamente para essa nova visão foi a<br />
Nouvelle Héloise <strong>de</strong> Jean Jacques Rousseau 2 , que <strong>de</strong>screve uma vida<br />
campestre <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> a alma humana se abre para as maravilhas<br />
da natureza e on<strong>de</strong> o homem vive em plena harmonia com a mesma.<br />
De fato, o novo relacionamento entre homem e natureza significava<br />
uma re<strong>de</strong>scoberta do jardim do É<strong>de</strong>n e a volta a uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que o<br />
homem havia perdido há muito tempo atrás. Acreditava-se que essa i<strong>de</strong>n-<br />
tida<strong>de</strong> se encontrava na natureza original – pura, virgem e selvagem – e a<br />
floresta nativa era um dos exemplos mais verda<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>ssa natureza. Tal-<br />
vez tenha sido esse o <strong>de</strong>sejo que levou o jovem sonhador William Michaud,<br />
movido por uma fascinação romântica a conhecer as belezas do Brasil.<br />
A Ilha <strong>de</strong> Superagüi, junto ao litoral paranaense, foi o cenário i<strong>de</strong>al<br />
para realizar um sonho quase utópico <strong>de</strong> alguns imigrantes vindos da<br />
Europa no século XIX, que embalados em um sonho <strong>de</strong> lá formar uma<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 1<br />
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colônia in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte organizada ao modo europeu, cujo principal obje-<br />
tivo era cultivar a terra e fazer progresso, fez <strong>de</strong>ssa colônia,a princípio,<br />
um pedaço do paraíso terreal. Neste contexto, William Michaud, que<br />
por algum tempo estabeleceu-se no Rio <strong>de</strong> Janeiro, logo voltou sua<br />
atenção para a colônia <strong>de</strong> Superagüi, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foi um dos mais impor-<br />
tantes colonizadores.<br />
Deve-se ressaltar que a participação dos colonos no <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento da colônia foi bastante notável tempos antes <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>clínio.<br />
Apesar <strong>de</strong> não contar com uma igreja ou escola, a colônia viveu mo-<br />
mentos <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> e chegou a exportar vários produtos <strong>de</strong> con-<br />
sumo, dos quais o café teria sido o mais rendoso.<br />
William Michaud tornou-se, ao longo dos anos, conhecido na história<br />
cultural do Paraná, por meio <strong>de</strong> suas obras já expostas no Museu <strong>de</strong> Artes<br />
do Paraná, no Museu Oscar Niemeyer (MON), na Fundação Cultural <strong>de</strong><br />
Curitiba e também em coleções particulares. Dentre as obras consagra-<br />
<strong>das</strong> à iconografia <strong>de</strong> Estado do Paraná, as pinturas <strong>de</strong> Michaud estão<br />
muito bem representa<strong>das</strong> a cargo <strong>de</strong> sua qualida<strong>de</strong> como ilustrador do<br />
cotidiano e por sua interpretação pessoal da natureza, que o inspirou a<br />
vegetação tropical.<br />
No entanto, apesar <strong>de</strong> seu significado cultural, pouco se sabia<br />
sobre o homem Michaud, sobre suas experiências e seus pensa-<br />
mentos. Sua história, até pouco tempo, fora construída <strong>através</strong> <strong>de</strong><br />
poucas fontes como, por exemplo, uma citação nas <strong>memória</strong>s do<br />
Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taunay 3 e <strong>de</strong> mitos formados por seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes<br />
em Superagüi.<br />
Somente a partir da transcrição <strong>das</strong> inúmeras <strong>cartas</strong>, envia<strong>das</strong> por<br />
Michaud a seus parentes na Suíça, pelas historiadoras Marjolaine Gui-<br />
san e Françoise Lambert, 4 ganhou-se acesso a uma fonte documental<br />
<strong>de</strong> uma <strong>memória</strong> rica em informações e sentimentos. Através <strong>de</strong>las,<br />
po<strong>de</strong>mos conhecer as impressões subjetivas <strong>de</strong> um imigrante europeu<br />
do século XIX no Brasil, suas experiências neste ambiente completa-<br />
mente diverso daquele <strong>de</strong> sua origem, e as comparações que ele fazia<br />
entre o Velho e o Novo Mundo.<br />
Po<strong>de</strong>mos, ainda, conhecer a história <strong>de</strong> um homem que testemu-<br />
nhou importantes transformações sociais no contexto da socieda<strong>de</strong> em<br />
que vivia e fatos objetivos sobre as condições <strong>de</strong> vida na colônia <strong>de</strong><br />
Superagüi, entre os anos 1852 e 1902, com muitos <strong>de</strong>talhes da vida<br />
cotidiana, além <strong>de</strong> saber <strong>de</strong> que modo eventos históricos, como o fim da<br />
monarquia, a Revolução Fe<strong>de</strong>ralista, as mudanças <strong>de</strong> governos estadu-<br />
ais e as disputas comerciais entre o Brasil e a Europa influenciaram na<br />
vida daqueles colonos.<br />
E por fim, temos acesso a assuntos subjetivos e íntimos, como as<br />
motivações do autor <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> e as reflexões que ele fazia sobre sua<br />
<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o país <strong>de</strong> sua origem, para passar sua vida em um<br />
novo continente e em um mundo tão diferente do seu.<br />
Os documentos sobre Michaud, publicados por Guisan e Lambert<br />
(2002), constituem-se em setenta e uma <strong>cartas</strong> e setenta e seis <strong>de</strong>-<br />
senhos e aquarelas. Algumas <strong>cartas</strong> foram en<strong>de</strong>reça<strong>das</strong> a seu pai e<br />
datam dos primeiros meses <strong>de</strong> sua chegada ao Brasil, na região do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro. A maior parte <strong>das</strong> <strong>cartas</strong>, foi escrita em Superagüi e<br />
enviada à Suíça para duas <strong>de</strong> suas irmãs, Nancy e Emma, e para sua<br />
sobrinha Alice, a partir <strong>de</strong> 1883.<br />
Parte <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> e <strong>de</strong>senhos, juntamente com dois ca<strong>de</strong>rnos nos quais<br />
Nancy escreveu resumidamente o essencial <strong>de</strong> informações sobre a vida <strong>de</strong><br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 2<br />
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seu irmão, foram doados por ela em 1922, ao Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey.<br />
Quarenta anos mais tar<strong>de</strong>, o acervo do museu foi enriquecido com<br />
um conjunto <strong>de</strong> <strong>cartas</strong> escritas por Michaud à sua irmã Emma, <strong>das</strong><br />
quais foi feita uma doação ao Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey. O Museu é<br />
hoje o principal, se não o único <strong>de</strong>positário <strong>das</strong> correspondências <strong>de</strong><br />
William Michaud, além <strong>de</strong> quarenta e nove <strong>de</strong>senhos em grafite e vinte<br />
e sete aquarelas.<br />
O objetivo <strong>de</strong>ssa monografia, foi analisar o significado da pro-<br />
dução da <strong>memória</strong> <strong>através</strong> <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> e <strong>das</strong> pinturas <strong>de</strong> William Mi-<br />
chaud, na colônia <strong>de</strong> Superagüi, entre os anos 1848 e 1902. Numa<br />
tentativa <strong>de</strong> relacionar, apreen<strong>de</strong>r e enten<strong>de</strong>r a <strong>memória</strong> por ele pro-<br />
duzida a partir <strong>de</strong> suas correspondências, buscou-se um diálogo atra-<br />
vés dos teóricos, entre outros, Maurice Halbwachs, Michael Pollak,<br />
Jacy A. <strong>de</strong> Seixas e Maria Stella Bresciani, que nos esclareceram<br />
questões fundamentais no que diz respeito à <strong>memória</strong>, sentimento<br />
e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />
Da mesma forma, para os objetivos mais específicos, o autor Sér-<br />
gio Buarque <strong>de</strong> Holanda abordando questões sobre a visão do paraíso<br />
terreal imaginado pelo homem e Simon Schama, tratando <strong>de</strong> ques-<br />
tões paisagísticas. Paralelamente, realizou-se uma pesquisa em outras<br />
fontes, que nos forneceram informações sobre a vida <strong>de</strong> Michaud e o<br />
contexto político, cultural e econômico do Paraná e do Brasil no século<br />
XIX. Como principais fontes citamos: Eva Dietrich, Giralda Seyferth,<br />
Etelvina M. <strong>de</strong> Castro Trinda<strong>de</strong>, Oswaldo Truzzi, José Murilo <strong>de</strong> Car-<br />
valho, entre outros.<br />
A metodologia utilizada para alcançar o objetivo proposto, consis-<br />
tiu primeiramente numa análise <strong>de</strong>talhada da fonte primária, as <strong>cartas</strong><br />
e as pinturas <strong>de</strong> Michaud, com o objetivo <strong>de</strong> classificar seu conteúdo<br />
e <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar linhas gerais que caracterizavam a <strong>memória</strong> produzida<br />
por ele. Para isso, foi necessária a tradução <strong>das</strong> passagens <strong>das</strong> <strong>cartas</strong><br />
utiliza<strong>das</strong> para análise, da língua francesa para o português. A tradu-<br />
ção <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> foi realizada pela autora em estilo livre, com a intenção<br />
<strong>de</strong> reproduzir o sentido da escrita, mais do que <strong>de</strong> fornecer uma tradu-<br />
ção literária do conteúdo.<br />
Por fim, complementou-se a análise <strong>de</strong> fontes documentais visi-<br />
tando-se os lugares on<strong>de</strong> Michaud passou praticamente toda sua vida,<br />
com o intuito <strong>de</strong> visualizar os ambientes e os cenários que foram refe-<br />
rência na formação <strong>de</strong> sua <strong>memória</strong>.<br />
A primeira visita realizou-se no Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey, em 12<br />
<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2006, on<strong>de</strong> se encontra o acervo <strong>das</strong> obras <strong>de</strong> Michaud<br />
e que, coinci<strong>de</strong>ntemente, foi a casa na qual ele passou sua infância e<br />
adolescência, até que <strong>de</strong>cidiu emigrar para o Brasil. No museu, Mada-<br />
me Guisan e Lambert, gentilmente disponibilizaram para esta pesqui-<br />
sa, as <strong>cartas</strong> originais e os <strong>de</strong>senhos em grafite e as aquarelas.<br />
A segunda visita se <strong>de</strong>u na colônia <strong>de</strong> Superagüi, no mês <strong>de</strong> agosto<br />
<strong>de</strong> 2007. Foi possível, inclusive, conhecer as terras on<strong>de</strong> Michaud cul-<br />
tivou e também reconhecer o lugar on<strong>de</strong> construiu sua casa. Existem,<br />
atualmente, algumas ruínas <strong>das</strong> colunas da casa on<strong>de</strong> habitou com sua<br />
família, contudo, a i<strong>de</strong>ntificação do lugar só se faz possível, <strong>através</strong> <strong>de</strong><br />
suas pinturas que permitem uma localização pela topografia e forma-<br />
ções rochosas, já que não restou quase nenhum vestígio <strong>das</strong> edifica-<br />
ções do século XIX.<br />
Nem mesmo no cemitério <strong>de</strong> Superagüi, on<strong>de</strong> Michaud foi sepul-<br />
tado, foi possível localizar seu túmulo, pois não há nenhuma lápi<strong>de</strong> que<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 3<br />
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indique a situação <strong>das</strong> sepulturas. Por sinal, até mesmo nesse lugar, a<br />
natureza está reconquistando o espaço tomado pelo homem, e a água<br />
do mar está corroendo aos poucos o terreno reservado aos mortos.<br />
Quanto à estrutura dos capítulos, consi<strong>de</strong>rou-se, no primeiro, um<br />
panorama geral sobre as origens da colônia <strong>de</strong> Superagüi, breve his-<br />
tória da imigração suíça na colônia, bem como a apresentação biográ-<br />
fica <strong>de</strong> William Michaud. O segundo capítulo, abordou a análise <strong>das</strong><br />
<strong>cartas</strong> do autor no contexto <strong>de</strong> sua vida, seu perfil, seus primeiros<br />
dias em terras do Brasil, bem como seu encantamento com o novo.<br />
Aprofundou-se com mais <strong>de</strong>talhes sobre sua vida em Superagüi, sua<br />
mudança <strong>de</strong> visão e expressivida<strong>de</strong> com o passar dos anos naquele<br />
lugar, além dos momentos <strong>de</strong> transformações na história do Paraná e<br />
do Brasil naquele século.<br />
No terceiro capítulo, analisaram-se questões referentes à memó-<br />
ria, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e sentimentos vividos e transmitidos pelo autor atra-<br />
vés <strong>de</strong> suas <strong>cartas</strong> e pinturas. Neste sentido, abordou-se como refe-<br />
renciais teóricos, os conceitos <strong>de</strong>senvolvidos por Maurice Halbwachs,<br />
Michael Pollak, Jacy Alves <strong>de</strong> Seixas e Maria Stella Bresciani.<br />
Deste momento em diante, esta monografia buscou estabelecer<br />
uma relação coerente com as idéias aqui propostas, no intuito <strong>de</strong> ofe-<br />
recer ao leitor uma viagem <strong>através</strong> da história, da <strong>memória</strong> e da reali-<br />
da<strong>de</strong> <strong>de</strong> um imigrante suíço que adotou o Brasil, precisamente Supera-<br />
güi, como sua nova pátria.<br />
1. WILLIAM MICHAUD E A COLÔNIA<br />
DE SUPERAGÜI<br />
1.1. As origens da colônia <strong>de</strong> Superagüi<br />
Assim como em todo o Brasil, a colonização do Paraná também<br />
teve seu início pelo litoral.<br />
Acredita-se que as costas da baía <strong>de</strong> Paranaguá e, portanto, <strong>de</strong><br />
Guaraqueçaba, foram conheci<strong>das</strong> pela primeira vez entre 1501 e<br />
1503; e que provavelmente foi explorada a costa até Cananéia. A<br />
baía aparece nos mapas <strong>de</strong> 1520, o que sugere sua <strong>de</strong>scoberta por<br />
via marítima. Chegaram até ela diferentes náufragos <strong>das</strong> expedi-<br />
ções realiza<strong>das</strong> entre 1501 e 1514. (ALVAR; ALVAR, 1979, p. 6).<br />
Têm-se as primeiras notícias <strong>de</strong> que em 1549/50 uma expedição es-<br />
panhola com <strong>de</strong>stino ao Rio da Prata veio a naufragar nas costas da Pe-<br />
nínsula <strong>de</strong> Superagüi, por força <strong>de</strong> uma violenta tempesta<strong>de</strong>. Esses re-<br />
latos se encontram no livro escrito pelo etnógrafo alemão Hans Sta<strong>de</strong>n, 5<br />
que integrava esta expedição. (CARDOSO; WESTPHALEN, 1986).<br />
As costas da baía <strong>de</strong> Paranaguá, Guaraqueçaba e Superagüi, eram<br />
portanto a porta <strong>de</strong> entrada para os exploradores vindos da Europa, que<br />
chegavam aqui com objetivo <strong>de</strong> explorar as riquezas do litoral paranaense.<br />
“Há relatos <strong>de</strong> que os portugueses que buscavam ouro nesta região por<br />
volta <strong>de</strong> 1565, teriam <strong>de</strong>scoberto pequenas manchas auríferas em Iguape,<br />
Paranaguá e no Planalto curitibano.” (STECA; FLORES, 2002, p. 2).<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 4<br />
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O litoral paranaense, teve por volta <strong>de</strong> 1578 até 1580, como primei-<br />
ros povoadores, os índios carijós, pertencentes ao grupo Tupi-Guarani,<br />
que se fixaram na região após o <strong>de</strong>saparecimento dos ocupantes dos<br />
sambaquis,6 os “tambaquibas” – chamados pelos ban<strong>de</strong>irantes <strong>de</strong> “pés<br />
largos” – primeiros habitantes do litoral. (ALVAR; ALVAR, op. cit.).<br />
A partir da chegada do homem branco ao litoral paranaense, em<br />
sua maioria aventureiros e exploradores (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a ocupação efetiva do<br />
território paranaense no litoral, em fins do século XVI, no período da<br />
dominação espanhola), vindos do litoral paulista, em busca <strong>de</strong> índios<br />
para escravizar e à procura <strong>de</strong> metais preciosos, <strong>de</strong>senvolveu-se um<br />
papel importante na questão da hibridação cultural na região.<br />
Em 1614, registrou-se a concessão da sesmaria 7 <strong>de</strong> Diogo Unhate,<br />
escrivão da Câmara <strong>de</strong> São Paulo, entre as barras do Ararapira e do Su-<br />
peragüi. “Foi a primeira sesmaria concedida no litoral paranaense. Não se<br />
sabe ao certo se Unhate se fixou em Superagüi. Todavia seu nome ficou<br />
ligado ao rio do Unhate.” (CARDOSO; WESTPHALEN, op. cit. p. 35).<br />
Esses aventureiros e exploradores, juntamente com os índios ca-<br />
rijós, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> castelhanos e portugueses, <strong>de</strong>gredados ou<br />
egressos da civilização e mais tar<strong>de</strong> os africanos, adotaram os mesmos<br />
modos <strong>de</strong> vida. A partir do entrosamento <strong>de</strong>stes povos <strong>de</strong>u-se origem<br />
ao povo caiçara 8 , habitante da região <strong>de</strong> Paranaguá, Guaraqueçaba,<br />
Superagüi e <strong>de</strong> todo o litoral paranaense. (VON BEHR, 1997).<br />
Des<strong>de</strong> 1643, já existia a povoação <strong>de</strong> Nossa Senhora do Rosário or-<br />
ganizada pelo ban<strong>de</strong>irante e explorador Gabriel <strong>de</strong> Lara. Este <strong>de</strong>scobriu<br />
por volta <strong>de</strong> 1646, tanto o ouro beta (veio), quanto o ouro <strong>de</strong> lavagem<br />
(garimpo <strong>de</strong> rios). Lara fundou, em 1648, a Vila <strong>de</strong> Nossa Senhora do Ro-<br />
sário <strong>de</strong> Paranaguá<br />
com a aprovação<br />
<strong>de</strong> Eleodoro Ébano<br />
Pereira, represen-<br />
tante do Governa-<br />
dor Geral do Brasil,<br />
Duarte Corrêa Vas-<br />
queanes.<br />
A existência <strong>de</strong><br />
ouro em Parana-<br />
guá <strong>de</strong>spertou o<br />
interesse da coroa<br />
portuguesa que,<br />
para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r tais interesses, criou a Capitania <strong>de</strong> Paranaguá e como<br />
organizador e <strong>de</strong>fensor da capitania nomeou em 1660, Gabriel <strong>de</strong> Lara<br />
como seu capitão-mor 9 . Em 1653, existiam em Paranaguá e no Planalto<br />
curitibano cerca <strong>de</strong> onze jazi<strong>das</strong> auríferas. Guaraqueçaba, que na lín-<br />
gua tupi quer dizer “lugar <strong>de</strong> guarás”, surgiu aos poucos na parte norte<br />
da Baía <strong>de</strong> Paranaguá. Formava o segundo distrito do município (<strong>de</strong><br />
Paranaguá) até seu <strong>de</strong>smembramento em 1880. (STECA; FLORES,<br />
op. cit.).<br />
FIGURA 2 – MICHAUD, William.<br />
Mapa da baía <strong>de</strong> Paranaguá e Ilha <strong>de</strong> Superagüi, [18--?].<br />
Acervo: Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey – Suíça<br />
Nota: Imagem extraída <strong>de</strong>: GUISAN; LAMBERT, 2002, p. 54.<br />
No início da década <strong>de</strong> 1770, missionários da casa <strong>de</strong> Missões <strong>de</strong><br />
Cananéia, fundaram um estabelecimento agrícola e religioso em Su-<br />
peragüi, com o objetivo <strong>de</strong> catequizar os índios carijós. Fazen<strong>das</strong> que<br />
utilizavam trabalho escravo instalaram-se no local no final do século<br />
XVIII, trazendo pela primeira vez negros à região.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 5<br />
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Em 1854, segundo relatório do primeiro presi<strong>de</strong>nte da Província<br />
do Paraná, Zacarias <strong>de</strong> Góes e Vasconcellos, Guaraqueçaba era a<br />
nona cida<strong>de</strong> paranaense em população, contava com 3.476 pessoas<br />
além <strong>de</strong> 258 escravos – que não constavam dos levantamentos<br />
populacionais [...]. (VON BEHR, op.cit. p. 38).<br />
Com a <strong>de</strong>scoberta do ouro na região, criou-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
mão-<strong>de</strong>-obra, sendo este metal precioso o responsável pelo aumento<br />
<strong>de</strong> escravos no Paraná, primeiramente os indígenas, <strong>de</strong>pois os afri-<br />
canos. Como a produtivida<strong>de</strong> local era insatisfatória e a aquisição do<br />
escravo africano era quase impossível <strong>de</strong>vido a seu custo elevado, o<br />
indígena tornou-se o escravo na mineração. “As regiões que mais co-<br />
laboraram para o aumento dos escravos no Paraná foram aquelas em<br />
que havia lavras <strong>de</strong> ouro como: Paranaguá, Iguape, Cananéia, Ribeira<br />
(Apiaí), Sertões do Açungüi (Itambé), Furnas e Campos <strong>de</strong> Curitiba.”<br />
(STECA; FLORES, op. cit. p. 63).<br />
1.2. História da imigração Suíça na colônia<br />
Até meados do século XIX, a economia brasileira repousava es-<br />
sencialmente sob a mão-<strong>de</strong>-obra escrava, porém, com a forte pressão<br />
que a Inglaterra exercia sobre o Brasil, para que fosse colocado um<br />
fim ao tráfico negreiro e à escravidão, tornou-se urgente, ao jovem Im-<br />
perador do Brasil D. Pedro II, encontrar trabalhadores para substituir<br />
progressivamente a mão-<strong>de</strong>-obra escrava. Diante <strong>de</strong>sse dilema, uma<br />
<strong>das</strong> alternativas para o Império e aos gran<strong>de</strong>s fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> café, foi<br />
favorecer a imigração em massa <strong>de</strong> homens livres, capazes <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r<br />
esta <strong>de</strong>manda. (GUISAN; LAMBERT, 2002).<br />
Em <strong>de</strong>corrência <strong>das</strong> mudanças econômicas, sociais e mesmo políticas<br />
que começaram a ocorrer a partir dos meados do século XIX, os<br />
imigrantes europeus assumiram cada vez maior importância, notadamente<br />
nas três últimas déca<strong>das</strong> daquele século, enquanto o tra-<br />
balho escravo ia, progressivamente, per<strong>de</strong>ndo o seu significado [...].<br />
(GRAF, 1999, p. 89).<br />
Neste sentido, a partir <strong>de</strong> 1850, o governo <strong>de</strong> São Paulo empreen-<br />
<strong>de</strong>u um amplo programa <strong>de</strong> colonização, que contribuiu <strong>de</strong>cisivamente<br />
para a expansão da economia paranaense e para a renovação <strong>de</strong> sua<br />
estrutura social. Entre 1853 (quando da emancipação da Província do<br />
Paraná, <strong>de</strong>smembrada da Província <strong>de</strong> São Paulo) e 1886, o Paraná re-<br />
cebeu cerca <strong>de</strong> 20 mil imigrantes. O principal objetivo da vinda <strong>de</strong>sses<br />
imigrantes para o Paraná era a colonização e a formação <strong>de</strong> lavouras<br />
<strong>de</strong> subsistência para abastecimento dos centros urbanos.<br />
De acordo com as autoras Lucinéia Cunha Steca e Mariléia Dias<br />
Flores (2002), houve no Paraná, duas formas <strong>de</strong> colonização: a organi-<br />
zada oficialmente, promovida pelo Governo Imperial e pelos Presi<strong>de</strong>n-<br />
tes da Província; e a não oficial, que era promovida por particulares. As<br />
colônias oficiais eram organiza<strong>das</strong> para um <strong>de</strong>terminado grupo étnico<br />
mas, quase sempre, recebiam colonos <strong>de</strong> diferentes nacionalida<strong>de</strong>s e<br />
<strong>de</strong> diferentes regiões do Brasil. Este foi o caso da colônia Assungüi,<br />
que a princípio era <strong>de</strong> ingleses e <strong>de</strong>pois recebeu elementos franceses,<br />
alemães, nacionais e outros.<br />
Cada um dos povos que colonizaram o Paraná, formou colônias<br />
nas regiões do Estado: Curitiba, Paranaguá, Morretes, Antonina, Gua-<br />
raqueçaba e Guaratuba eram localida<strong>de</strong>s que concentravam boa parte<br />
da imigração. (STECA; FLORES, op. cit.).<br />
Neste sentido, ano após ano, as alterações na composição popula-<br />
cional evi<strong>de</strong>nciavam este incentivo à imigração, levando os brasileiros, em<br />
áreas rurais e urbanas, a um convívio cotidiano com estrangeiros 10 . Entre<br />
estes, <strong>de</strong>stacamos aqueles vindos da Suíça, como é o caso <strong>de</strong> William Mi-<br />
chaud, que viveu em Superagüi entre 1852 e 1902, e <strong>de</strong>ixou para a história<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 6<br />
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do Paraná um gran<strong>de</strong> legado que inclui <strong>cartas</strong> relatando a vida e o cotidiano<br />
na colônia e pinturas que retratam a natureza paranaense do século XIX.<br />
Segundo as autoras Steca; Flores, a partir <strong>de</strong> 1810, D. João VI<br />
tentou trazer suíços para o Brasil, buscando solucionar a questão da<br />
substituição da mão-<strong>de</strong>-obra escrava pela livre. Sua tentativa, no en-<br />
tanto, fracassou em <strong>de</strong>trimento da falta <strong>de</strong> estrutura econômica for-<br />
necida pelo governo à essas famílias e também pela não compreensão<br />
dos proprietários <strong>de</strong> terras, que não sabiam diferenciar entre o traba-<br />
lhador livre e o escravo. (STECA; FLORES, op. cit.).<br />
No entanto, o processo <strong>de</strong> imigração ganhou ênfase <strong>através</strong> da<br />
fundação <strong>de</strong> colônias <strong>de</strong> imigrantes, a partir da segunda meta<strong>de</strong> do<br />
século XIX, <strong>de</strong>sta vez com o apoio imperial.<br />
Neste contexto, os comerciantes e empresários suíços que se fi-<br />
xaram no Rio <strong>de</strong> Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, obtiveram sucesso<br />
e riquezas <strong>através</strong> da importação <strong>de</strong> relógios e têxteis, bem como da<br />
exportação <strong>de</strong> produtos coloniais brasileiros. Faz-se importante lem-<br />
brar, que essa imigração individual <strong>de</strong>ve ser diferenciada da imigração<br />
em massa para os quais uma propaganda direcionada anunciou o Bra-<br />
sil como o país <strong>das</strong> maravilhas, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>ria viver bem e ter um<br />
futuro próspero.<br />
De fato, a gran<strong>de</strong> maioria dos imigrantes era representada por<br />
pessoas pobres e sem sustento, muitas vezes <strong>de</strong>semprega<strong>das</strong> em con-<br />
seqüência <strong>das</strong> racionalizações da Revolução Industrial 11 . Para estes, o<br />
Novo Mundo, primeiramente os Estados Unidos, mas também o Brasil,<br />
foi anunciado como <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s oportunida<strong>de</strong>s.<br />
Na Suíça, atuava entre outros Emil <strong>de</strong> Paravicini 12 , como agente<br />
geral para o Brasil, que aliciava centenas <strong>de</strong> pessoas dispostas a emi-<br />
grar prometendo um futuro próspero <strong>através</strong> da plantação <strong>de</strong> café.<br />
Na verda<strong>de</strong>, estes trabalhadores foram contratados para substituir a<br />
mão <strong>de</strong> obra escrava nas plantações. A maioria nunca conseguiu rea-<br />
lizar seu sonho <strong>de</strong> obter terras próprias, pois se endividavam com os<br />
proprietários <strong>das</strong> fazen<strong>das</strong> que financiavam sua viagem até o Brasil e<br />
o começo da nova existência no país. (DIETRICH; ROSSFELD; ZIE-<br />
GLER, 2003).<br />
O Paraná ainda não havia se emancipado quando, estabeleceram-<br />
se duas colônias particulares compostas por europeus no Estado. Uma<br />
<strong>de</strong>las, a colônia Tereza, fundada pelo filantropo suíço Jean Maurice<br />
Faivre, em 1847, localizada às margens do Rio Ivaí e vale do Rio Iguaçu,<br />
em área <strong>de</strong> florestas tropicais e distante uns 100 quilômetros ao norte<br />
<strong>de</strong> Guarapuava, com cerca <strong>de</strong> 87 imigrantes franceses. Como afirma<br />
Wachowicz, “Faivre era um sonhador, i<strong>de</strong>alizou fundar uma comunida-<br />
<strong>de</strong> agrícola feliz, longe da escravidão e do dinheiro, que segundo ele,<br />
corrompia os homens”. (WACHOWICZ, 2002. p. 146).<br />
A outra colônia foi a <strong>de</strong> Superagüi, fundada por Charles Perret<br />
Gentil, em 1852, na baía <strong>de</strong> Paranaguá, hoje município <strong>de</strong> Guaraqueça-<br />
ba. Sem subvenção do governo, ali instalaram-se 35 imigrantes suíços,<br />
alemães, italianos e maior número <strong>de</strong> nacionais, predominando entre<br />
estes, o elemento mameluco 13 . (WACHOWICZ, op. cit.).<br />
De acordo com Emilio Scherer (1988), as “Acta Tropica” 14 publica-<br />
ram em um <strong>de</strong> seus primeiros volumes, valiosa contribuição bem do-<br />
cumentada <strong>de</strong> Walter Bodmer 15 , que <strong>de</strong>monstra como, entre os anos<br />
1800 e 1870, várias correntes migratórias da Suíça direcionaram-se à<br />
América do Sul, particularmente para o Brasil.<br />
Um <strong>de</strong>sses imigrantes foi Charles Perret Gentil, suíço da cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Neuenburg, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1841 representava a Confe<strong>de</strong>ração Suíça<br />
como Cônsul Geral no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Contudo, Perret Gentil era um<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 7<br />
| História | 2008
visionário que <strong>de</strong>cidiu <strong>de</strong>ixar seu cargo como Cônsul para <strong>de</strong>dicar-se à<br />
tentativa <strong>de</strong> fundar uma Companhia <strong>de</strong> Colonização em gran<strong>de</strong> estilo.<br />
Neste sentido, para ele, a gigantesca e quase <strong>de</strong>spovoada Provín-<br />
cia do Paraná, era i<strong>de</strong>al para fundar uma colonização constituída por<br />
imigrantes europeus. A região possuía uma enorme riqueza florestal,<br />
gran<strong>de</strong> área <strong>de</strong> terras férteis, rios e correntes <strong>de</strong> água que favoreciam<br />
a irrigação i<strong>de</strong>al para o solo, além <strong>de</strong> um clima ameno. Devido a es-<br />
tes fatores a região se mostrava bastante promissora, particularmente<br />
quando o novo governo escolheria a pequena cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba para<br />
ser se<strong>de</strong> do governo. Tal fato <strong>de</strong>spertou a atenção <strong>de</strong> Perret Gentil que<br />
percebeu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um porto que viria a situar-se junto à baía<br />
<strong>de</strong> Paranaguá.<br />
Dentro <strong>de</strong>ste contexto, voltou sua atenção à Península <strong>de</strong> Supera-<br />
güi, situada na entrada da baía e à Ilha <strong>das</strong> Peças, ambas liga<strong>das</strong> entre<br />
si pelo canal <strong>de</strong> Superagüi. A região prevista para a colonização possuía<br />
uma extensão <strong>de</strong> 35 mil hectares adquiridos por Perret Gentil – por ato<br />
notarial, em 14 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1852 16 –, e dividia-se em três partes: uma,<br />
situada no continente que compreendia um terreno montanhoso; a ou-<br />
tra era a península, separada da primeira parte pela baía dos Pinheiros<br />
e pelo canal do Varadouro ; e a terceira parte, formada pela Ilha <strong>das</strong><br />
Peças entre outras ilhas <strong>de</strong> menor tamanho. (SCHERER, 1988).<br />
Por ocasião <strong>de</strong> suas viagens à Europa em 1846/47 e em 1851/52,<br />
Perret Gentil fizera vasta propaganda <strong>de</strong> seu então planejado projeto<br />
em Superagüi. Aparentemente, ele havia feito um projeto para a divi-<br />
são da colônia, no qual previa o estabelecimento <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
várias al<strong>de</strong>ias. Os primeiros cem terrenos da cida<strong>de</strong> planejada seriam<br />
entregues a preços preferenciais, sob a condição <strong>de</strong> logo construir.<br />
Preços ainda mais vantajosos seriam oferecidos para aqueles que, pró-<br />
ximos à cida<strong>de</strong>, quisessem estabelecer uma oficina ou uma instalação<br />
industrial e assentar-se lá com sua família.<br />
Não se po<strong>de</strong> negar que os planos <strong>de</strong> Perret-Gentil, examinando-os<br />
a miú<strong>de</strong>, ao lado dos interesses comerciais próprios, também levavam<br />
em conta os interesses dos colonos e que po<strong>de</strong>riam facilitar o esta-<br />
belecimento <strong>de</strong> alguns recém-chegados que não possuíssem dinheiro.<br />
Deste modo, foi prometido que, para aqueles que <strong>de</strong>sejassem traba-<br />
lhar primeiro para o proprietário da colônia, seria reservada uma par-<br />
cela <strong>de</strong> terreno. 17<br />
Para a construção da Igreja e da escola, o terreno necessário foi<br />
colocado à disposição, gratuitamente, da mesma forma que as casas<br />
dos sacerdotes, dos professores e dos farmacêuticos-médicos. Cada<br />
al<strong>de</strong>ia teria uma pastagem para uso comum. Cada um po<strong>de</strong>ria ven<strong>de</strong>r<br />
seus produtos a quem, on<strong>de</strong> e quando quisessem. Somente para as<br />
mercadorias básicas como café, açúcar e arroz, o fundador da colônia<br />
reservava-se o direito <strong>de</strong> preferência.<br />
Na divisão <strong>das</strong> parcelas <strong>de</strong>veria ser consi<strong>de</strong>rada uma distribuição<br />
favorável da água, da mata, dos pastos e da terra para as plantações.<br />
Também era mencionado que artífices como pedreiros, carpinteiros e<br />
construtores <strong>de</strong> carroças, etc, po<strong>de</strong>riam contar logo com trabalho lu-<br />
crativo (DURIEUX, 2001).<br />
Neste contexto, começaram a vir os primeiros imigrantes da Eu-<br />
ropa, muitos em busca <strong>de</strong> melhores oportunida<strong>de</strong>s e até riquezas, ou-<br />
tros imbuídos por espírito aventureiro, a fim <strong>de</strong> explorar as belezas da<br />
natureza. Conforme cada um adquiria seu pedaço <strong>de</strong> terra, a colônia<br />
começou a <strong>de</strong>senvolver-se <strong>de</strong> forma lenta, mas bastante organizada.<br />
Em 1854, habitavam na colônia 13 famílias européias, num total <strong>de</strong><br />
33 pessoas. Entre estes estava o suíço Willam Michaud, personagem<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 8<br />
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central <strong>de</strong>sta monografia. Em 1860, Superagüi já possuía 90 famílias,<br />
com uma população <strong>de</strong> 420 pessoas. Nesta ocasião, Charles Perret<br />
Gentil solicitava por ofício ao governo imperial do Brasil, auxílio pecu-<br />
niário para impulsionar a colônia. Queixava-se da falta <strong>de</strong> escola e <strong>de</strong><br />
uma igreja. Não há relatos se foi atendido.<br />
No entanto, no ano <strong>de</strong> 1861 a colônia <strong>de</strong> Superagüi teria exportado vá-<br />
rios produtos <strong>de</strong> consumo, dos quais o café e o peixe eram os mais rendosos.<br />
É possível ter uma idéia <strong>de</strong> tais empreendimentos por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos e<br />
aquarelas pintados por William Michaud, visto que retratava com <strong>de</strong>talhes a<br />
vida na colônia. Como por exemplo, verifica-se, na pintura a seguir.<br />
FIGURA 3 – MICHAUD, William.<br />
A proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Michaud junto à Ilha <strong>de</strong> Superagüi, [18--?].<br />
Acervo: Coleção privada<br />
Nota: Imagem extraída <strong>de</strong>: GUISAN; LAMBERT, 2002, p. 59.<br />
Em 1863, a varíola chegava à Província do Paraná. A doença vinha<br />
provavelmente <strong>de</strong> Santos e se transmitia pelas comunicações marí-<br />
timas freqüentes entre a colônia <strong>de</strong> Superagüi e o porto <strong>de</strong> Santos.<br />
Sabe-se que algumas pessoas foram acometi<strong>das</strong> pela doença. A colô-<br />
nia não contava com hospital, nem posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Em casos <strong>de</strong> emer-<br />
gência recorriam a William Michaud que era conhecedor da medicina<br />
alternativa. A colônia contava com uma escola primária que funcionava<br />
na própria casa <strong>de</strong> Michaud e com uma sub-<strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> policia entre-<br />
gue aos cuidados <strong>de</strong> Theodoro Sigwalt, também morador da colônia.<br />
Em 1879, Superagüi contava com 150 casas <strong>das</strong> quais 140 eram<br />
<strong>de</strong> estrangeiros que colonizaram a ilha por mais <strong>de</strong> 30 anos. Produzia-<br />
se vinho e açúcar; fabricavam-se tijolos; havia serraria, estaleiro e en-<br />
genhos para beneficiar café, arroz mandioca e cana-<strong>de</strong>-açúcar.<br />
Um fato histórico para a colônia <strong>de</strong> Superagüi naquela época,<br />
foi a visita <strong>de</strong> Afonso d’Escragnolle Taunay 18 e sua comitiva nos<br />
dias 13 e 14 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1886. Tão ilustres visitas causaram<br />
euforia na colônia, que para recebê-los, organizou uma gran<strong>de</strong> fes-<br />
ta na casa <strong>de</strong> William Michaud, on<strong>de</strong> os mesmos se hospedaram.<br />
Taunay tornou-se amigo e admirador <strong>de</strong> Michaud. (GUISAN; LAM-<br />
BERT, op. cit.).<br />
Não há um consenso no que diz respeito ao início da <strong>de</strong>cadência<br />
da colônia. Porém, é sabido que fatores adversos, entre os quais o não<br />
recebimento <strong>de</strong> subvenção do governo, por ser uma colônia particular,<br />
e o isolamento contribuíram para que a colônia parasse <strong>de</strong> crescer<br />
no final do século XIX. Outro fator é apontado por Leôni<strong>das</strong> Boutin<br />
(1983). Segundo ele, um relatório do presi<strong>de</strong>nte da Província, Dr. Er-<br />
melino <strong>de</strong> Leão, informa em 1875 que a colônia Superagüi, graças ao<br />
seu fundador, conseguiu elevar-se a lisonjeiro estado <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong>,<br />
mas por falecimento do diretor Charles Perret Gentil, a colônia caíra<br />
em esmorecimento. Diz ainda que a colônia estava reduzida a alguns<br />
poucos colonos que, <strong>de</strong>dicando-se ao trabalho e no espírito <strong>de</strong> perma-<br />
nência, conseguiram constituir-se no <strong>de</strong>correr dos anos, em pequenos<br />
proprietários. (BOUTIN, 1983).<br />
A Revolução Fe<strong>de</strong>ralista 19 <strong>de</strong> 1893/95 teria sido outro importante<br />
fator a contribuir para a <strong>de</strong>cadência da colônia. Este evento teria tra-<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 9<br />
| História | 2008
zido para Superagüi muitas inquietações, on<strong>de</strong> diversas casas teriam<br />
sido saquea<strong>das</strong> obrigando a população a refugiar-se nos matos.<br />
De acordo com o censo realizado pelo próprio Michaud em 1900,<br />
Superagüi contava com 1.480 pessoas, este número revela que houve<br />
um certo progresso em relação ao início da colônia – embora não tão<br />
grandioso. Nesta época, dos fundadores, viviam apenas Michaud e Gio-<br />
vanni Batista Rovero. Todos os outros: suíços, italianos e alemães esta-<br />
vam mortos, não obstante, <strong>de</strong>ixaram numerosa <strong>de</strong>scendência. O futuro<br />
não trouxe maiores progressos à colônia. No final do século XIX e início<br />
do XX, a população diminuíra sensivelmente. De acordo com o censo <strong>de</strong><br />
1920, apenas 125 pessoas habitavam Superagüi. (SCHERER, op. cit.).<br />
Atualmente, a Ilha é habitada por cerca <strong>de</strong> 1.200 pessoas. Entre<br />
eles, vários <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes dos primeiros estrangeiros que chegaram<br />
FIGURA 4 – MICHAUD, William.<br />
Dois homens à caça comcavalo e cão, [18--?].<br />
Aquarela com relevos <strong>de</strong> guache, 35 x 28,5 cm.<br />
Acervo: Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey – Suíça<br />
Nota: Imagem extraída <strong>de</strong>: GUISAN; LAMBERT,<br />
2002, p. 47.<br />
a Superagüi, e que fizeram sua<br />
própria história, história contada<br />
por meio dos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes que<br />
preservam na <strong>memória</strong> lembran-<br />
ças daqueles tempos, as quais lhe<br />
foram conta<strong>das</strong> <strong>de</strong> geração em<br />
geração. (BAGGIO, 2004). Além<br />
<strong>de</strong>ssas lembranças, vivas hoje no<br />
presente e na vida dos cidadãos<br />
<strong>de</strong> Superagüi, contamos com a<br />
<strong>memória</strong> individual e coletiva rela-<br />
tada <strong>através</strong> <strong>de</strong> missivas escritas<br />
por William Michaud à sua família<br />
na Suíça, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua partida para o Brasil em 1848, até poucos meses<br />
antes <strong>de</strong> sua morte em 1902.<br />
As <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud são fontes importantes <strong>de</strong> informações so-<br />
bre a vida cotidiana na colônia <strong>de</strong> Superagüi, sobre acontecimentos<br />
históricos como a Proclamação da República e a Revolução Fe<strong>de</strong>ralista<br />
do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, sobre o Brasil do século XIX visto pelos olhos <strong>de</strong><br />
um imigrante e sobre assuntos íntimos relacionados ao estado emocio-<br />
nal e reflexões filosóficas do autor.<br />
Além <strong>das</strong> <strong>cartas</strong>, Michaud <strong>de</strong>ixou para o Paraná, para o Brasil e<br />
para a Suíça, inúmeras pinturas nas quais retratava cuidadosamente a<br />
natureza e o cotidiano da colônia.<br />
FIGURA 5 – MICHAUD, William.<br />
Auto-retrato, 1896.<br />
Aquarela com relevos <strong>de</strong> guache, 13,5 x 10,5 cm.<br />
Acervo: Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey – Suíça<br />
Nota: Imagem extraída <strong>de</strong>: GUISAN; LAMBERT,<br />
2002, p.120.<br />
1.3. O personagem William<br />
Michaud<br />
Guillaume Henri Michaud, cha-<br />
mado <strong>de</strong> William por sua família,<br />
nasceu em Vevey, Suíça, aos 21 <strong>de</strong><br />
junho <strong>de</strong> 1829. Passou sua adoles-<br />
cência levando uma vida <strong>de</strong> confor-<br />
to na casa dos pais, Henry Michaud<br />
e Louise Baer, burgueses vindos <strong>de</strong><br />
La Tour-<strong>de</strong>-Peilz, bem sucedidos no<br />
comércio e no mercado <strong>de</strong> vinho em<br />
Vevey <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1825.<br />
O jovem William recebeu boa<br />
educação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo freqüentou a escola primária e no colégio<br />
apren<strong>de</strong>u francês, história e <strong>de</strong>senho clássico. Ainda muito jovem,<br />
manifestou aptidões para o <strong>de</strong>senho e a pintura. Devido a ausência do<br />
pai, que muitas vezes viajava para cuidar <strong>de</strong> negócios e também para<br />
cumprir com <strong>de</strong>veres do serviço militar, sua mãe assumia um papel<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 10<br />
| História | 2008
importante na criação do filho. Em 19 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1844, com apenas<br />
15 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, Michaud sofreu duro golpe com a morte prematura<br />
<strong>de</strong> sua mãe e este triste episódio o oprimiu brutalmente. (GUISAN;<br />
LAMBERT, op. cit.).<br />
Naquela época, não eram raros os relatos <strong>de</strong> pessoas que viviam<br />
no Brasil e noticiavam seus parentes na Suíça sobre seu sucesso,<br />
então é muito provável que Michaud tenha ouvido sobre esses emi-<br />
grantes durante as recepções sociais organiza<strong>das</strong> por sua mãe, em<br />
sua casa. Um relato teria vindo do comerciante conhecido da família,<br />
Charles Pra<strong>de</strong>z, que trabalhava no Rio <strong>de</strong> Janeiro, e que por ocasião<br />
<strong>de</strong> suas férias na Suíça, encontrou o jovem Michaud e o aconselhou a<br />
emigrar para o Brasil.<br />
Outro estímulo recebeu Michaud <strong>de</strong> seu amigo <strong>de</strong> infância, Henri<br />
Doge, também <strong>de</strong> Vevey, que já havia tomado a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> emigrar.<br />
Doge propôs a Michaud que trabalhasse com ele no Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
na criação <strong>de</strong> bicho-da-seda, que era na época bastante incentivada<br />
pelo governo imperial. Sem encontrar resistência do pai, Michaud, que<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a morte da mãe pensara seriamente em <strong>de</strong>ixar a casa paterna,<br />
acabou aceitando a proposta.<br />
Na carta <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1848, Michaud noticiara sua irmã<br />
mais velha Emma, que partiria rumo ao Brasil entre 6 e 7 <strong>de</strong> novem-<br />
bro daquele ano. Michaud e seu amigo Henri Doge viajaram até Paris<br />
com a carroça do Correio e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alguns dias tomaram o trem<br />
até Le Havre. 20 O navio no qual partiriam atrasou-se, <strong>de</strong> forma que<br />
os dois só pu<strong>de</strong>ram seguir viagem em meados <strong>de</strong> novembro. Embar-<br />
caram no veleiro “Achile” e após 72 dias <strong>de</strong> travessia tempestuosa<br />
chegaram ao ancoradouro <strong>de</strong> Fort Villegagnon 21 em 1º <strong>de</strong> fevereiro<br />
<strong>de</strong> 1849. Todo o trajeto <strong>de</strong> sua viagem foi contado em <strong>de</strong>talhes em<br />
um diário que William escreveu e enviou ao pai, e que, aparentemente<br />
não foi conservado.<br />
Ao chegar ao Brasil encontrou seu compatriota Charles Pra<strong>de</strong>z,<br />
que o recebeu cordialmente. Estabeleceu-se em uma casa <strong>de</strong> campo,<br />
junto à baía <strong>de</strong> Guanabara, on<strong>de</strong> teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar<br />
outros compatriotas. Não obstante, logo seguiu caminho juntamente<br />
com Doge para uma fazenda <strong>de</strong> café que se situava em Jacarepaguá,<br />
on<strong>de</strong> permaneceu por quase três semanas. Neste meio, Michaud teve<br />
a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a respeito <strong>das</strong> plantações mais comuns<br />
utiliza<strong>das</strong> no Brasil. (SCHERER, op. cit.).<br />
Seu amigo Henri Doge já havia partido em busca <strong>de</strong> contatos com<br />
outros suíços, em Cantagalo e outras colônias do Vale do Paraíba,<br />
mas, sem sucesso, voltou a encontrar-se com Michaud e <strong>de</strong> lá segui-<br />
ram paraa fazenda Palmital a 15 milhas do Rio <strong>de</strong> Janeiro a fim <strong>de</strong> tra-<br />
balhar com a criação do bicho da seda. Após dois anos, a experiência<br />
fracassou totalmente <strong>de</strong>vido às condições climáticas do Brasil, levando<br />
os bichos-<strong>de</strong>-seda a <strong>de</strong>generar-se. Com isso Michaud voltou ao Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, on<strong>de</strong> seu conhecido Charles Pra<strong>de</strong>z tentava empregá-lo em<br />
uma casa suíça <strong>de</strong> comércio.<br />
Enquanto Michaud esperava por uma colocação no Rio <strong>de</strong> Ja-<br />
neiro, conheceu um engenheiro francês, geólogo e agrimensor, <strong>de</strong><br />
nome Vallé, que era encarregado pela agrimensura, levantamentos<br />
cartográficos e pesquisas geológicas pelo governo <strong>de</strong> Minas Gerais e<br />
Goiás. Vallé procurava um ajudante que possuísse a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>-<br />
senhar. O convite chamou a atenção <strong>de</strong> Michaud, que logo se <strong>de</strong>ixou<br />
seduzir pela proposta. Entre 1851 e 1854 percorreu com Vallé gran<strong>de</strong><br />
extensão do interior do Brasil. Michaud aprimorou seus conhecimen-<br />
tos em Geologia, Matemática e Ciências Naturais. Desenvolveu tam-<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 11<br />
| História | 2008
ém sua capacida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>senhar, ilustrando levantamentos carto-<br />
gráficos para o governo <strong>de</strong> Goiás, com <strong>de</strong>senhos a pena. Com isso,<br />
chamou a atenção do presi<strong>de</strong>nte da Província que o convidou para ser<br />
professor <strong>de</strong> francês e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho em Goiás. Michaud não aceitou a<br />
proposta alegando temer isolar-se sem amigos, voltando em seguida<br />
ao Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Em 1854, com vinte e cinco anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, Michaud saiu do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro – provavelmente viajando em um navio mercante – rumo a Su-<br />
peragüi, on<strong>de</strong> conheceu a colônia na qual passaria o resto <strong>de</strong> sua vida.<br />
Adquiriu uma proprieda<strong>de</strong>, a qual abrangia uma faixa <strong>de</strong> terreno que<br />
se estendia da costa do canal por cima <strong>das</strong> montanhas, até à planície<br />
do litoral, com dois gran<strong>de</strong>s dorsos <strong>de</strong> montanhas e um rio fundo que<br />
abastecia a proprieda<strong>de</strong>.<br />
Conheceu Maria Custódia do Carmo Américo, nativa da Ilha com a<br />
qual se casou naquele mesmo ano. Em 1855 nasceu sua primeira filha,<br />
a qual levou o nome <strong>de</strong> sua mãe, Louise. Michaud teve sete filhas e<br />
dois filhos, construindo em seguida uma confortável casa em alvenaria<br />
para a família. Dedicou-se à terra, particularmente ao plantio <strong>de</strong> café<br />
e à vinicultura, tornando-se um pequeno agricultor 22 . (GUISAN; LAM-<br />
BERT, op. cit.).<br />
A partir <strong>de</strong> 1883, Michaud confiou os trabalhos da lavoura à sua es-<br />
posa e filhos, o que lhe ren<strong>de</strong>u mais liberda<strong>de</strong> para aceitar a nomeação<br />
como professor, proposta pelo governo da Província do Paraná. Seus<br />
alunos eram reunidos em um anexo em sua proprieda<strong>de</strong>. No entanto, em<br />
1888 as aulas foram suspensas “por falta <strong>de</strong> verbas” e só retoraram em<br />
novembro <strong>de</strong> 1890. Neste mesmo ano Michaud foi nomeado Juiz <strong>de</strong> Paz<br />
da colônia Superagüi. Dois anos <strong>de</strong>pois, em julho <strong>de</strong> 1892, por motivos<br />
políticos, 23 Michaud per<strong>de</strong>u seu cargo como professor novamente.<br />
Em meados <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1894 – novamente por questões políticas<br />
e intrigas que sofria <strong>de</strong> certos moradores da colônia – Michaud foi,<br />
por engano, <strong>de</strong>tido, acusado <strong>de</strong> ser partidário dos revolucionários fe-<br />
<strong>de</strong>ralistas e preso em Paranaguá. No entanto, logo sua inocência foi<br />
reconhecida e <strong>através</strong> da ajuda do Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nácar, 24 foi posto em<br />
liberda<strong>de</strong> imediatamente. Ao retornar a casa, encontrou a proprieda<strong>de</strong><br />
saqueada e em estado lamentável. Em 1895, foi novamente convidado<br />
a dar aulas, mas não aceitou. Já em ida<strong>de</strong> avançada – perto dos 68<br />
anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> – mais uma vez lhe foi oferecido o cargo <strong>de</strong> professor e<br />
ele acabou aceitando. 25<br />
Os últimos <strong>de</strong>z anos da vida <strong>de</strong> Michaud não passariam sem que pe-<br />
sados golpes ocorressem. A crise econômica e a corrupção geral, além<br />
<strong>das</strong> epi<strong>de</strong>mias como sarampo e malária, juntamente com as <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns<br />
revolucionárias, repercutiram gravemente não só na colônia, mas em<br />
toda a Província do Paraná. A perda da esposa, a prisão e a <strong>de</strong>struição<br />
<strong>de</strong> sua casa, soma<strong>das</strong> a tempesta<strong>de</strong>s, más colheitas e doenças conta-<br />
giosas provocaram em Michaud arrependimento <strong>de</strong> ter vindo ao Brasil.<br />
Na velhice foi obrigado a voltar aos trabalhos no campo e, para<br />
contribuir com o orçamento doméstico, acabou se tornando comercian-<br />
te – ele que em toda sua vida <strong>de</strong>testou o comércio – trabalhando com<br />
o comércio <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, sendo a exportação uma <strong>das</strong> mais importantes<br />
fontes <strong>de</strong> lucro. Com o <strong>de</strong>correr dos anos, após per<strong>de</strong>r sua esposa e<br />
os amigos, Michaud isolou-se cada vez mais, sendo a sua única preo-<br />
cupação o futuro dos filhos.<br />
Em 1899, aos 70 anos, Michaud foi convidado pelos irmãos a vi-<br />
sitar a Suíça, mas mesmo assim não aceitou o convite sob diversos<br />
pretextos. Escreveu, em 30 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1902, sua última carta. Veio a<br />
falecer ao meio dia, em 7 <strong>de</strong> setembro do mesmo ano, aos setenta e<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 12<br />
| História | 2008
três anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Seu corpo se encontra sepultado no cemitério <strong>de</strong><br />
Superagüi. (GUISAN; LAMBERT, op. cit.).<br />
2. ANÁLISE DAS CARTAS DE<br />
WILLIAM MICHAUD<br />
As <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> William Michaud 26 representam uma fonte ines-<br />
timável para pesquisa. Por meio <strong>de</strong>las, po<strong>de</strong>mos conhecer a<br />
história <strong>de</strong> um homem que testemunhou importantes transfor-<br />
mações sociais no contexto da socieda<strong>de</strong> em que vivia; elas tra-<br />
tam também <strong>de</strong> um exercício da <strong>memória</strong> em que o autor relata<br />
fatos objetivos sobre as condições <strong>de</strong> vida na colônia <strong>de</strong> Supera-<br />
güi entre os anos 1852 e 1902. Por meio <strong>das</strong> <strong>cartas</strong>, nos é pos-<br />
sível saber, por exemplo, quais produtos os colonos utilizavam<br />
para seu sustento, sobre as condições climáticas, as doenças<br />
que flagelavam os nativos e imigrantes, as vias <strong>de</strong> comunicação<br />
c o m o m u n d o a f o r a e m u i t o s o u t r o s a s p e c t o s d a v i d a c o t i d i a n a .<br />
É possível saber também, <strong>através</strong> <strong>das</strong> observações do autor, como<br />
os eventos <strong>de</strong> dimensões maiores influenciaram a vida daqueles co-<br />
lonos, como o fim da monarquia, a revolução fe<strong>de</strong>ralista, as mudan-<br />
ças <strong>de</strong> governos estaduais e as disputas comerciais entre o Brasil<br />
e a Europa. Indo mais além, nos é possível conhecer as impressões<br />
subjetivas <strong>de</strong> um imigrante europeu do século XIX no Brasil, suas<br />
experiências neste ambiente completamente diverso daquele <strong>de</strong> sua<br />
origem e as comparações que ele fazia entre os dois continentes.<br />
E por fim, temos acesso a assuntos subjetivos e íntimos, como as<br />
motivações do autor <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> e as reflexões que ele fazia sobre sua<br />
<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o país <strong>de</strong> origem para passar a vida em um novo<br />
continente e em um mundo tão diferente do seu.<br />
Po<strong>de</strong>mos, portanto, a partir do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Michaud, argumen-<br />
tar acerca dos valores, costumes e habilida<strong>de</strong>s trazidos pelos imigrantes<br />
na época em questão. Por meios <strong>de</strong> seus relatos é possível também<br />
apreen<strong>de</strong>r uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> representações e visões <strong>de</strong> um indivíduo in-<br />
serido em uma socieda<strong>de</strong> na qual constantes transformações ocorriam.<br />
2.1. As <strong>cartas</strong> no contexto da vida<br />
Antes <strong>de</strong> entrarmos na análise <strong>de</strong> conteúdo <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> William<br />
Michaud é importante relacioná-las com as fases <strong>de</strong> sua vida e é rele-<br />
vante constatar que a produção <strong>de</strong> <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud não era contínua<br />
ou em intervalos regulares.<br />
Deseja-se ressaltar que, inicialmente, suas missivas relatavam so-<br />
bre o encantamento e admiração pelo Novo Mundo, no entanto, mais<br />
tar<strong>de</strong>, suas <strong>cartas</strong> são objetivas: contam sobre a situação <strong>de</strong> vida, as<br />
vantagens e <strong>de</strong>svantagens <strong>de</strong> viver no Brasil, e com a aproximação do<br />
fim <strong>de</strong> sua vida, suas referências tornaram-se mais negativas.<br />
A primeira fase <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> esten<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1848 a agos-<br />
to 1850. Em sua maioria, são dirigi<strong>das</strong> ao pai. Nelas, encontramos as<br />
primeiras impressões <strong>de</strong> um Novo Mundo, escritas por um jovem en-<br />
tusiástico que ansiava compartilhar seu maravilhamento, seu encanta-<br />
mento inicial e suas experiências com o pai.<br />
As <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud trazem muitas informações relevantes, so-<br />
bre como um imigrante europeu enxergava o Brasil, quais as diferenças<br />
que mais lhe chamavam atenção e como ele avaliava sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong><br />
escolher o Brasil como nova pátria.<br />
Após sua última carta escrita ao pai, em 1850, existe uma lacuna<br />
<strong>de</strong> trinta e três anos, até o momento em que Michaud retomou o con-<br />
tato com sua irmã mais velha, Emma, em 1883.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 13<br />
| História | 2008
A ausência <strong>de</strong> <strong>cartas</strong> durante trinta e três anos nos faz <strong>de</strong>duzir<br />
que, provavelmente, a Michaud faltava ou tempo ou interesse <strong>de</strong> se co-<br />
municar com sua família. É possível que ele se comunicasse ainda com<br />
seu pai, mas essas <strong>cartas</strong> <strong>de</strong>sapareceram. No entanto, esta correspon-<br />
dência em potencial teria cessado no mais tardar em 1864, quando seu<br />
pai faleceu. Existe ainda a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ele ter se comunicado com<br />
outros irmãos, pois além <strong>de</strong> Emma e Nancy, que conservaram suas<br />
<strong>cartas</strong>, ele tinha mais três irmãs e um irmão.<br />
FIGURA 7 – MICHAUD, William.<br />
Carta 27 enviada para irmã Emma, 05 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1898.<br />
Acervo: Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey – Suíça<br />
Nota: Imagem extraída <strong>de</strong> fotografia a partir da carta original, durante<br />
pesquisa da autora no Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey, em 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2006.<br />
De qualquer forma, po<strong>de</strong>mos constatar que existe uma lacuna<br />
significativa na <strong>memória</strong> transmitida por Michaud ao que se refere à<br />
época do início da colônia <strong>de</strong> Superagüi. Com isso, faltam, infelizmen-<br />
te, relatos sobre o crescimento e os progressos da colônia, sobre as<br />
ambições e os planos dos imigrantes com respeito à sua empreita-<br />
da. Quando Michaud retomou o contato com sua família, a colônia <strong>de</strong><br />
Superagüi, na realida<strong>de</strong>, já estava em <strong>de</strong>clínio, consi<strong>de</strong>rando que seu<br />
fundador Perret-Gentil falecera sem conseguir uma conexão terrestre<br />
com as cida<strong>de</strong>s vizinhas, tampouco, a instalação <strong>de</strong> uma igreja ou <strong>de</strong><br />
uma infra-estrutura administrativa.<br />
Após retomar o contato com suas irmãs – Nancy e Emma – as<br />
<strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud seguiam entre os anos 1883 e 1894 com intervalos<br />
<strong>de</strong> alguns meses e eram correspondências típicas entre pessoas com<br />
laços familiares que se mantinham informa<strong>das</strong> sobre a vida.<br />
A vida <strong>de</strong> Michaud sofreu uma cisão em 1894/1895, quando du-<br />
rante a revolução fe<strong>de</strong>ralista, foi preso e sua proprieda<strong>de</strong> saqueada, e<br />
poucos meses <strong>de</strong>pois per<strong>de</strong>u sua esposa Custodia, após curta e vio-<br />
lenta doença. A partir <strong>das</strong> observações do autor, seria relevante dizer<br />
que tais eventos tiraram Michaud <strong>de</strong> seu equilíbrio.<br />
O saque <strong>de</strong> sua proprieda<strong>de</strong>, não só o <strong>de</strong>ixou revoltado com o go-<br />
verno e as pessoas locais que participaram <strong>de</strong>ste evento, mas causou<br />
também um prejuízo material enorme.<br />
Quanto à esposa, Michaud não fazia muitas referências, não obs-<br />
tante, percebe-se em dois momentos <strong>de</strong> suas <strong>cartas</strong> que para ele, Cus-<br />
tódia tinha um papel muito importante em sua vida, assim como o teve<br />
sua mãe. Per<strong>de</strong>r Custódia significou para Michaud, per<strong>de</strong>r sua pessoa<br />
mais amada e <strong>de</strong> maior confiança.<br />
Após essas per<strong>das</strong>, a troca <strong>de</strong> <strong>cartas</strong> ficou mais intensa <strong>de</strong> 1894<br />
até sua morte em 1902. Elas seguiam em intervalos <strong>de</strong> um mês, às<br />
vezes só semanas. Os relatos sobre a vida cotidiana ficaram mais raros<br />
e cresciam os <strong>de</strong>sabafos sobre a situação política e econômica do país,<br />
os comparativos entre o Brasil e a Suíça e as reflexões sobre o próprio<br />
<strong>de</strong>stino. Michaud mostrava um crescente interesse pelo mundo afora,<br />
agra<strong>de</strong>cia às irmãs várias vezes pelo envio dos jornais e livros da Suíça<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 14<br />
| História | 2008
e comentava sobre as notícias. Ao que parece, Michaud compensava<br />
o isolamento e a solidão, que cresciam na medida em que seus amigos<br />
no Brasil faleciam, por um contato cada vez mais intenso com suas<br />
irmãs e um envolvimento cada vez maior com obras intelectuais.<br />
É necessário mencionar que, embora para cada fase <strong>de</strong> sua vida<br />
predominasse em seus relatos um <strong>de</strong>terminado assunto ou um senti-<br />
mento, não há referência a um assunto exclusivo, ou seja, Michaud não<br />
se referia a um assunto ou sentimento isolado. Relatava sobre vários<br />
assuntos, no entanto, percebe-se que ele dava ênfase a uma discussão<br />
em particular mais do que a outras. Como exemplo, po<strong>de</strong>mos citar os<br />
relatos dos momentos em que ele era mais reflexivo e crítico em rela-<br />
ção à sua situação na colônia, sem <strong>de</strong>ixar contudo, <strong>de</strong> comentar sobre<br />
seu encantamento com a vida naquele lugar, etc.<br />
2.2. O perfil <strong>de</strong> William Michaud<br />
As inúmeras <strong>cartas</strong> do autor nos permitem traçar um perfil da pes-<br />
soa <strong>de</strong> William Michaud, seu caráter, suas convicções e suas atitu<strong>de</strong>s.<br />
A história <strong>de</strong> sua vida sugere que sua personalida<strong>de</strong> era forte o sufi-<br />
ciente para levar em frente seu projeto <strong>de</strong> vida como agricultor numa<br />
região tão afastada como Superagüi, criar uma família <strong>de</strong> nove filhos e<br />
ganhar um certo status e reconhecimento <strong>de</strong> pessoas como o Viscon<strong>de</strong><br />
Alfredo d’Escrangnolle Taunay. 28<br />
De fato, alguns trechos <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud, indicam que sua<br />
personalida<strong>de</strong> era marcada por serieda<strong>de</strong>, honestida<strong>de</strong> e rigi<strong>de</strong>z. Isto<br />
se faz perceber, já em uma <strong>das</strong> primeiras <strong>cartas</strong> envia<strong>das</strong> por ele à sua<br />
irmã Emma, após retomar o contato com sua família na Suíça. Nesta<br />
ocasião, relatou sobre sua vida em Superagüi, argumentando que, para<br />
ele, a honestida<strong>de</strong> estaria acima do sucesso:<br />
Chère soeur [Emma] 20 mai 1884<br />
[...] avec un peu plus <strong>de</strong> blague et <strong>de</strong> hardiesse j’aurais peut-être<br />
mieux réussi, mais ces moyens m’ont toujours répugné, [...]<br />
[...] l’on parle souvent <strong>de</strong> ceux qui ont fait fortune, mais l’on ne<br />
fait jamais une comparaison avec l’immense majorité qui végète<br />
et qui sont peut-être plus honnêtes hommes que ceux qui ont fait<br />
fortune, [...]<br />
[...] si nous avons la conviction d’avoir rempli nos <strong>de</strong>voirs, nous<br />
pouvons, avec une bonne conscience, dormir parfaitement tranquilles,<br />
sans nous inquiéter trop du len<strong>de</strong>main ; […]. 29 (GUISAN;<br />
LAMBERT, 2002. p. 61).<br />
Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> perceber, no trecho escrito acima, uma<br />
tentativa <strong>de</strong> justificar a própria falta <strong>de</strong> sucesso econômico. Michaud<br />
estava ciente <strong>de</strong> que vários emigrantes da sua pátria fizeram sucesso<br />
e <strong>de</strong>sfrutavam da admiração dos seus compatriotas.<br />
Po<strong>de</strong>-se, portanto, <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista, advogar que Michaud<br />
portava uma boa porção <strong>de</strong> orgulho e buscava o reconhecimento <strong>de</strong><br />
seus próximos, como po<strong>de</strong>mos constatar na carta seguinte, em relato<br />
à sua irmã Emma, sobre sua tarefa <strong>de</strong> professor e sobre a confiança<br />
absoluta do governo, o qual não controlava o seu <strong>de</strong>sempenho e nem<br />
prescrevia os métodos <strong>de</strong> ensino que ele <strong>de</strong>veria seguir:<br />
Ma chère soeur [Emma] Superaguy, le 1 er décembre 1883<br />
Tu vois que pour que l’on ait une telle confiance en moi, j’ai dû gagner<br />
par ma conduite jusqu’à présent irréprochable et exemplaire grâce à<br />
ma bonne éducation. [...]. 30 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 56).<br />
Seu orgulho manifestou-se também mais tar<strong>de</strong>, em uma <strong>das</strong> <strong>cartas</strong><br />
escritas à sua irmã Nancy, na qual recusou a oferta <strong>de</strong> ir para a Suíça às<br />
suas custas e <strong>de</strong> sua irmã Emma, por sentir-se humilhado em aceitar este<br />
tipo <strong>de</strong> presente:<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 15<br />
| História | 2008
Chère Nancy Superaguy, 20 janvier 1897<br />
[...] je refuse d’aller en Suisse pour bien <strong>de</strong>s raisons, la principale<br />
est qu’il ne me convient pas <strong>de</strong> faire ce voyage à vos frais, tu comprendras<br />
que c’est humiliant pour moi [...]. 31 (GUISAN; LAMBERT,<br />
op. cit. p.128).<br />
Embora Michaud fora filho <strong>de</strong> um negociante <strong>de</strong> vinhos bem su-<br />
cedido, menosprezava essa ativida<strong>de</strong>. Tome-se como exemplo <strong>de</strong>sta<br />
atitu<strong>de</strong>, o argumento citado na carta escrita para a sobrinha Alice:<br />
Ma chère Alice Superaguy, 1 er juillet 1896<br />
[...] j’ai ouvert un petit magasin. [...] Je vends toutes sortes <strong>de</strong> provisions:<br />
boeuf salé du Rio <strong>de</strong> la Plata, lard, tabac, eau-<strong>de</strong>-vie, épiceries,<br />
médicaments, etc., etc., [...] me voilà donc <strong>de</strong>venu négociant,<br />
moi qui ai toujours eu horreur du négoce! [...]. 32 (GUISAN; LAM-<br />
BERT, op. cit. p. 116).<br />
Esta mensagem reforça a idéia <strong>de</strong> que Michaud valorizava muito<br />
mais as pessoas que criavam e trabalhavam com as próprias mãos.<br />
O que po<strong>de</strong> explicar também, o fato <strong>de</strong> ele não ter se estabelecido<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro – on<strong>de</strong> teve muitos conhecidos suíços trabalhando<br />
com sucesso no comércio – preferindo se instalar em Superagüi e<br />
contribuir na criação e no crescimento daquela colônia.<br />
Sua aversão ao comércio po<strong>de</strong> ter origem no relacionamento com-<br />
plicado que vivia com seu pai. Em sua adolescência, Michaud possuía<br />
um vínculo bem mais forte com sua mãe, cuja morte prematura em<br />
1844, foi um dos motivos <strong>de</strong> sua partida para o Brasil:<br />
Ma chère Alice Superaguy, 1 er juillet 1896<br />
[...] Je me souviens toujours <strong>de</strong> la mienne, si bonne et si tendre<br />
et que j’aimais tant! Et c’est principalement pour cause <strong>de</strong> cette<br />
mort, que j’ai quitté la Suisse [...]. 33 (GUISAN; LAMBERT, op.<br />
cit. p. 115).<br />
Em suas <strong>cartas</strong>, Michaud jamais comentou seu relacionamento<br />
com o pai, somente uma vez <strong>de</strong>ixou transparecer sua amargura, ao<br />
comentar sobre uma viagem que havia feito uma <strong>de</strong> suas irmãs para<br />
a Itália, lamentando que o pai não lhe <strong>de</strong>ra dinheiro para fazer o mes-<br />
mo, pois teria preferência por seu irmão mais jovem Henri:<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 9 juillet 1899<br />
[...] Le pauvre père avait <strong>de</strong> la peine à se délier les cordons <strong>de</strong> la<br />
bourse pour en tirer quelques batz pour moi, oui pour Henri c’était<br />
outre chose [...]. 34 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 156).<br />
Pouco mais <strong>de</strong> um ano antes <strong>de</strong> sua morte, Michaud manifestou amar-<br />
gura e uma forte <strong>de</strong>sconfiança nos homens, até mesmo aos mais próximos.<br />
Pressentindo que sua vida se aproximava do fim, pediu à irmã que enviasse<br />
certa quantia em dinheiro a seu filho José, para que este pu<strong>de</strong>sse pagar<br />
a parte dos outros filhos na herança, ficar com sua proprieda<strong>de</strong> e cuidar<br />
<strong>das</strong> filhas que ainda não haviam se casado. Contudo, na correspondência<br />
seguinte, ele revogou seu pedido pois <strong>de</strong>sconfiava que José po<strong>de</strong>ria ficar<br />
com o dinheiro, não honrando seus compromissos para com os irmãos:<br />
Chère Nancy Superaguy, le 9 juin 1901<br />
[...] on ne peut jamais se fier aux gens, même aux enfants; quelle<br />
certitu<strong>de</strong> puis-je avoir qu’ après moi, José remplira scrupuleusement<br />
son <strong>de</strong>voir? Voilà plus d’un <strong>de</strong>mi-siècle que j’ai appris à<br />
connaître les hommes à mes dépens et j’ai perdu toute confiance<br />
en leurs promesses ; [...]. 35 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 168).<br />
É provável que esta <strong>de</strong>sconfiança não fosse um traço original <strong>de</strong><br />
Michaud, mas uma conseqüência <strong>das</strong> experiências da última fase <strong>de</strong><br />
sua vida, com a pilhagem <strong>de</strong> sua proprieda<strong>de</strong> pelas tropas republica-<br />
nas, as intrigas políticas no Paraná que lhe custaram sua posição e<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 16<br />
| História | 2008
sua renda como professor e o fracasso dos planos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
para Superagüi, tudo isso agravado pela solidão após a perda da espo-<br />
sa e dos amigos próximos.<br />
Mesmo assim, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>duzir que Michaud não era um homem<br />
extrovertido e que se relacionava facilmente com as pessoas. O pró-<br />
prio Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taunay o <strong>de</strong>screveu como pessoa “tímida e retraída”.<br />
Isto po<strong>de</strong> explicar o fato <strong>de</strong> Michaud ter escolhido viver na natureza,<br />
afastado <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s aglomerações <strong>de</strong> pessoas. 36<br />
Não obstante, um traço que diferenciava e <strong>de</strong>stacava Michaud era<br />
sua poli<strong>de</strong>z e educação. Como filho <strong>de</strong> uma família burguesa suíça, ele<br />
havia adquirido uma educação severa. E mesmo vivendo as dificulda-<br />
<strong>de</strong>s comuns <strong>de</strong> um agricultor, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> sua força física, nunca<br />
<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> manter seu interesse intelectual:<br />
Chère Nancy Superaguy, le 9 juin 1901<br />
[...] Le vicomte Taunay, <strong>de</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, m’envoie toujours <strong>de</strong>s<br />
journaux français, Le Matin, Le Figaro et d’autres. [...]. 37 (GUISAN;<br />
LAMBERT, op. cit. p.83).<br />
A mesma correspondência nos permite saber que, além <strong>de</strong> ler re-<br />
gularmente os jornais da Europa, que recebia com atrasos <strong>de</strong> aparen-<br />
temente dois meses, ele era um leitor interessado em autores como<br />
Zola, Tolstoi e Nietzsche.<br />
Além dos jornais franceses, recebia <strong>através</strong> <strong>de</strong> suas irmãs – Emma<br />
e Nancy – também os jornais da Suíça. De fato, a missiva a seguir<br />
revela que ele preferia estes jornais, provavelmente porque traziam<br />
notícias <strong>de</strong> sua terra <strong>de</strong> origem, mas possivelmente também, porque<br />
os jornais suíços eram mais objetivos e menos censurados, visto que<br />
a Suíça foi o único país da Europa on<strong>de</strong> os liberais tinham vencido os<br />
conservadores nos conflitos dos anos cinqüenta:<br />
Chère soeur [Nancy] Superaguy, 18 juillet 1892<br />
J’ai reçu toujours exactement les journaux que tu veux bien<br />
m’envoyer, et qui me font tant plaisir, à moi et aux amis qui lisent<br />
et qui les préfèrent aux journaux français. [...]. 38 (GUISAN; LAM-<br />
BERT, op. cit. p. 90).<br />
Todo esse contato com as notícias do mundo, os acontecimentos polí-<br />
ticos e as correntes intelectuais, mantiveram nele um espírito interessado<br />
e crítico. Ele era capaz <strong>de</strong> formular opiniões claras sobre acontecimentos<br />
tão distantes como a revolta dos “boxers” 39 na China:<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 9 octobre 1900<br />
[...] Qu’est-ce que nous dirions en Suisse si les Chinois venaient<br />
<strong>de</strong>spotiquement nous voler quelques lambeaux <strong>de</strong> territoires comme<br />
les Européens font en Chine, et nous remplir <strong>de</strong> bronzes et<br />
<strong>de</strong> bouddhas, on les expulserait incontinent ! Eh bien, je suis pour<br />
les Chinois; ils font justement ce que nous ferions à leur place ;<br />
[...]. 40 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p.162).<br />
Neste sentido, po<strong>de</strong>mos dizer que Michaud foi um cidadão <strong>de</strong> dois<br />
extremos: <strong>de</strong> um lado, estava fisicamente afastado do mundo como<br />
poucas outras pessoas, <strong>de</strong> outro, estava intelectualmente ligado ao<br />
mundo como poucas outras pessoas também.<br />
Quanto às questões <strong>das</strong> crenças íntimas, é possível perceber que<br />
Michaud era uma pessoa temente a Deus. Em algumas <strong>cartas</strong> fazia<br />
referência a Deus quando agra<strong>de</strong>cia pela vida ou colocava seu <strong>de</strong>stino<br />
em suas mãos. Mesmo assim, sua fé não era absoluta, o que parece<br />
compreensível à medida que conhecemos sua mente crítica:<br />
Ma chère Emma Superaguy, 8 décembre 1899<br />
[...] Car nous voilà dans la septantaine; c’est la fin <strong>de</strong> la fin, ou la<br />
mort; [...] Pour ceux qui ont la foi, ce terme fatal n’est rien, mais<br />
pour ceux qui comme moi sont assaillis <strong>de</strong> doutes ! [...]. 41 (GUI- GUI-<br />
SAN; LAMBERT, op. cit. p. 160).<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 17<br />
| História | 2008
Uma importante fonte externa que reflete sobre o caráter <strong>de</strong> Mi-<br />
chaud, vem <strong>de</strong> seu amigo, o Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taunay. Ele <strong>de</strong>monstrava um<br />
conhecimento profundo da “alma” <strong>de</strong> Michaud e uma gran<strong>de</strong> admira-<br />
ção pelo seu intelecto, ao escrever:<br />
Lá, naquele Superagui primitivo, <strong>de</strong> caráter rural, vive um homem cuja<br />
cultura e cujo gênio estão em contraste direto com seu ambiente social,<br />
do qual ele tanto se <strong>de</strong>staca... Ele que, com toda razão, po<strong>de</strong>ria<br />
ter uma posição respeitada e distinguida na socieda<strong>de</strong>, pois inteligência,<br />
os melhores modos, aparência simpática, nada disto lhe faltava.<br />
Mas ele era tímido <strong>de</strong>mais e retraído em si mesmo. Estava satisfeito<br />
com as belezas naturais extraordinárias que o cercavam. Preferia essa<br />
vida, na verda<strong>de</strong>. Nenhuma ambição incitava-o, embora com os talentos,<br />
o conhecimento e a habilida<strong>de</strong> que o distinguiam, pu<strong>de</strong>sse ter<br />
alcançado um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque nas fileiras dos homens <strong>de</strong> letra ou<br />
artistas. Mas ele não queria <strong>de</strong>ixar Superagui. E também, por quê ?,<br />
perguntava-se, <strong>de</strong>ixando passar os dias, meses, anos naquela monotonia,<br />
porque tinha felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do coração. A felicida<strong>de</strong> que é<br />
<strong>de</strong>sconhecida aos insensatos e aos pequenos espíritos, ou parecelhes<br />
<strong>de</strong>sprezível. (TAUNAY, ap. SCHERER, p. 70).<br />
A citação é longa, todavia ela <strong>de</strong>screve <strong>de</strong> forma compreensível,<br />
como o Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taunay conseguiu expressar, o que faz <strong>de</strong> Mi-<br />
chaud, um personagem tão fascinante; sendo eminente, os aspectos<br />
<strong>de</strong> uma pessoa atípica: ele era um imigrante burguês chegado ao Bra-<br />
sil, não por necessida<strong>de</strong> econômica, como a maioria dos imigrantes <strong>de</strong>-<br />
pois <strong>de</strong>le, mas por curiosida<strong>de</strong> e com espírito aventureiro e que apesar<br />
<strong>de</strong> sua origem, tornou-se um trabalhador rural que levou seu projeto<br />
<strong>de</strong> vida a cabo. Mesmo assim, nunca <strong>de</strong>ixou sua herança intelectual e<br />
preservou seu espírito crítico e interessado até o fim <strong>de</strong> sua vida.<br />
2.3. O encantamento inicial<br />
Ainda em sua terra natal, antes <strong>de</strong> partir Michaud escreveu uma<br />
carta para sua irmã Emma, na qual relatou que para ele, a viagem ao<br />
Brasil era vista como uma aventura e o Brasil como um país selvagem,<br />
cheio <strong>de</strong> crocodilos e serpentes, repleto <strong>de</strong> perigos:<br />
Chère soeur [Emma] Vevey, le 28 octobre 1848<br />
[...] puis nous repartons pour aller environ 30 lieues dans l’intérieur<br />
parmi les crocodiles et les serpents. [...]<br />
[...] M. Perret m’a fait ca<strong>de</strong>au d’un sac <strong>de</strong> nuit, et papa d’un fusil<br />
<strong>de</strong> chasse et d’une paire <strong>de</strong> beaux pistolets, car nous allons dans<br />
un pays tout à fait sauvage [...]<br />
[...] si je ne meurs pas là-bas, je resterai ton dévoué frère [...]. 42<br />
(GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 39).<br />
Ao chegar ao Brasil, a primeira impressão relatada por Michaud<br />
em sua carta enviada ao pai, foi sobre o gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> negros que<br />
viu na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Cher père Rio <strong>de</strong> Janeiro, le 12 mars 1849<br />
Le singulier aspect <strong>de</strong> la ville et le grand nombre <strong>de</strong> noirs qui fourmillent<br />
dans les rues m’ont étonné le premier jour, mais cela a vite<br />
passé, il me semble que j’habite Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>puis longtemps.<br />
[...]. 43 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 40).<br />
Logo em seguida mostrou sua fascinação pela natureza brasileira,<br />
um dos motivos <strong>de</strong> sua viagem:<br />
Cher père Rio <strong>de</strong> Janeiro, le 12 mars 1849<br />
Tu ne peux te faire aucune idée <strong>de</strong> la beauté, <strong>de</strong> la magnificence<br />
et <strong>de</strong> la richesse <strong>de</strong> la végétation au Brésil. [...] On voit partout<br />
<strong>de</strong>s arbres gigantesques couverts <strong>de</strong> lianes, <strong>de</strong> plantes grimpantes,<br />
aux fleurs les plus belles jusqu’au sommet, <strong>de</strong>s cocotiers<br />
élégants et beaucoup d’autres espèces <strong>de</strong> palmiers que je ne<br />
connais pas, <strong>de</strong>s bananiers aux larges feuilles, <strong>de</strong>s bambous et<br />
<strong>de</strong>s noyers <strong>de</strong> l’In<strong>de</strong> magnifiques au milieu <strong>de</strong> la belle verdure à<br />
droite et à gauche <strong>de</strong> la route <strong>de</strong>s petites maisons <strong>de</strong> campagne<br />
bien mignonnes et blanches comme la neige, ce qui contraste<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 18<br />
| História | 2008
admirablement bien avec le vert foncé <strong>de</strong> la verdure. [...]. 44 (GUI-<br />
SAN; LAMBERT, op. cit. p. 41, 42).<br />
A mensagem transmitida por Michaud nesta missiva, vem ao<br />
encontro às consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Sergio Buarque <strong>de</strong> Holanda em sua<br />
obra, “Visão do Paraíso” on<strong>de</strong> busca mostrar a visão <strong>de</strong> um Novo<br />
Mundo. Segundo o autor “[...] o tema do Paraíso Terreal repre-<br />
sentou em diferentes épocas, um modo <strong>de</strong> interpretar-se a histó-<br />
FIGURA 8 – MICHAUD, William.<br />
Canto da floresta e tucanos, [18--?].<br />
Aquarela com relevos <strong>de</strong> guache e <strong>de</strong> verniz, 31,5 x 23,5, cm.<br />
Acervo: Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey – Suíça<br />
Nota: Imagem extraída <strong>de</strong>: GUISAN; LAMBERT, 2002, p. 124<br />
ria, um efeito da história e<br />
um fator da história. [...].”<br />
(HOLANDA, 1996, prefá-<br />
cio – p. XIV).<br />
Complementando este<br />
sentimento e esta visão,<br />
Sergio Buarque <strong>de</strong> Holanda<br />
(1996) agrega que o paraíso<br />
seria para os viajantes da<br />
época, um lugar do Oriente,<br />
on<strong>de</strong> to<strong>das</strong> as espécies <strong>de</strong><br />
essências e plantas frutífe-<br />
ras encontram-se planta<strong>das</strong>.<br />
Lá estaria a árvore da vida;<br />
não haveria calor nem frio, mas uma temperatura sempre amena.<br />
Haveria também neste lugar, uma fonte da qual jorram quatro rios.<br />
“Chama-se em grego Paraíso, e É<strong>de</strong>n em hebraico, palavra esta que<br />
em nossa língua quer dizer Jardim <strong>das</strong> Delícias.”[...] Po<strong>de</strong>ria crer-se<br />
que lá estava o paraíso terrestre. (HOLANDA, op. cit. p.169).<br />
Em busca <strong>de</strong> contrastes, torna-se interessante avaliar como a “vi-<br />
são <strong>de</strong> paraíso” em Michaud ocorreu somente na fase do encantamen-<br />
to inicial. Não obstante, temos algumas menções pontuais sobre esta<br />
visão que ce<strong>de</strong>ria, no futuro, lugar para uma visão mais realista sobre<br />
a vida difícil <strong>de</strong> um colonizador.<br />
Muito ao contrário <strong>de</strong>sta visão, po<strong>de</strong>-se apontar o naturalista Ju-<br />
lius Platzmann (1832 – 1902), que viveu no litoral paranaense entre<br />
1858 e 1864, o qual <strong>de</strong>screveu em suas <strong>cartas</strong>, na maioria <strong>das</strong> vezes,<br />
ser o lugar on<strong>de</strong> vivia, um cenário que lhe conferia enorme satisfação<br />
e, otimista, enaltecia <strong>de</strong> qualquer forma aquele seu “paraíso terreal.”<br />
“[...] Feliz aquele que souber exercer a liberda<strong>de</strong>, como eu por seis<br />
anos exerci, no fundo da Baía <strong>de</strong> Paranaguá. Então para ele será como<br />
foi para mim, tudo acolhedor, tudo alentador, tudo prazer.” (TREVISAN,<br />
2002, p. 13).<br />
Retomando as <strong>cartas</strong>, po<strong>de</strong>-se dizer que também não faltou a Mi-<br />
chaud quando começou a trabalhar na fazenda Palmital no interior do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, relatos sobre a fauna brasileira que impressionava tan-<br />
to o Velho Mundo.<br />
Cher père Palmital, le 24 mai 1849<br />
La colline élevée que tu vois <strong>de</strong>rrière la maison (colline, en portugais<br />
morro) est une forêt vierge impénétrable peuplée d’animaux<br />
<strong>de</strong> toutes les espèces: onces noires, chats-tigres, une espèce<br />
<strong>de</strong> daim, sangliers, lapins, serpents <strong>de</strong> toutes les espèces, singes,<br />
perroquets; les plus terribles serpents sont les surucuru,<br />
la sauroutigu et les jarraraques. [...]. 45 (GUISAN; LAMBERT, op.<br />
cit. p. 49).<br />
Neste sentido, encontramos novamente a “visão do paraíso” ex-<br />
plorada por Sergio Buarque <strong>de</strong> Holanda: “Quase se po<strong>de</strong> dizer <strong>de</strong><br />
to<strong>das</strong> as <strong>de</strong>scrições medievais do É<strong>de</strong>n que são inconcebíveis sem a<br />
presença <strong>de</strong> uma extraordinária fauna mais ou menos antropomórfica.”<br />
(HOLANDA, op. cit. p. 17).<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 19<br />
| História | 2008
O fato <strong>de</strong> encontrar no Brasil inúmeras espécies <strong>de</strong> animais <strong>de</strong>s-<br />
conhecidos, com as características mais diversas e jamais imagina-<br />
dos pelos imigrantes, reforçou provavelmente a idéia <strong>de</strong> que haviam<br />
reencontrado o paraíso com todos os animais originalmente criados<br />
por Deus, ou como argumenta Holanda: “Ela pertence, a bem dizer,<br />
aos arrabal<strong>de</strong>s daquele jardim mágico, e foi posta ali aparentemen-<br />
te pela própria mão <strong>de</strong> Deus.” (HOLANDA, op. cit. p. 17).<br />
Ainda na mesma carta, Michaud revelou como a adaptação aos<br />
costumes brasileiros acontecia naturalmente:<br />
Cher père Palmital, le 24 mai 1849<br />
J’ai adopté, Henri aussi, le costume brésilien, un chapeau du Chili,<br />
veste blanche, gran<strong>de</strong>s bottes larges; à cheval on a l’habitu<strong>de</strong> d’y<br />
fourrer ses pistolets, son couteau et son portefeuille, etc., et dans<br />
la saison <strong>de</strong>s pluies on s’affuble d’un morceau <strong>de</strong> drap carré, fendu<br />
au milieu pour passer la tête, on appelle ça un poncho. [...]. 46 (GUI-<br />
SAN; LAMBERT, op. cit. p. 49).<br />
Na carta seguinte, aparecem alguns comentários esclarecedores,<br />
que mostram que a convivência entre os povos <strong>de</strong> diferentes etnias<br />
não era tão harmoniosa, e que o uso da violência era comum nesta<br />
época e nesta região:<br />
Cher père Palmital, le 18 octobre 1849<br />
[...] Outre le Chinois nous avons d’autres connaissances, ce sont les<br />
planteurs brésiliens et portugais et quelques familles <strong>de</strong> mulâtres<br />
et d’indigènes. Ces <strong>de</strong>rniers sont <strong>de</strong>s gens excessivement bons et<br />
hospitaliers, la race la plus mauvaise et la plus perfi<strong>de</strong> est la portugaise,<br />
c’est pire que les noirs; au commencement <strong>de</strong> notre séjour<br />
nous nous étions imaginé pouvoir mener les noirs par la douceur,<br />
mais ce n’est qu’à grands coups <strong>de</strong> trique qu’on s’en fait obéir. [...]<br />
Quant aux Italiens j’ai déjà lavé la figure à l’un d’eux <strong>de</strong> manière<br />
qu’ils n’ont eu aucune envie <strong>de</strong> se mesurer avec nous, ils ont filé<br />
tout doux leur noeud; nous sommes habitués à l’idée <strong>de</strong>s stylets,<br />
car ce n’est qu’à coups <strong>de</strong> couteau et coups <strong>de</strong> fusil que s’arrangent<br />
les affaires dans ce pays, mais jamais ouvertement, toujours en cachette,<br />
les Brésiliens sont trop lâches. [...] 47 (GUISAN; LAMBERT,<br />
op. cit. p. 51).<br />
Parece a<strong>de</strong>quado incorporar neste contexto, a importância da An-<br />
tropologia como ciência do homem, e os argumentos colocados pelas<br />
autoras Marina <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Marconi e Zelia M. Neves Presotto (2005),<br />
sobre as diferenças culturais e suas características comuns, ou seja,<br />
todos os povos estabelecem juízos em relação aos modos <strong>de</strong> vida dife-<br />
rentes dos seus. Sendo assim, o relativismo cultural discorda do con-<br />
ceito <strong>de</strong> valores e normas absolutos e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a hipótese <strong>de</strong> que os jul-<br />
gamentos <strong>de</strong>vem ser sempre relativos à própria cultura on<strong>de</strong> surgem.<br />
Indo mais além, <strong>de</strong> acordo com as autoras, a relativida<strong>de</strong> cultural “[...]<br />
ensina que uma cultura <strong>de</strong>ve ser compreendida e avaliada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
seus próprios mol<strong>de</strong>s e padrões, mesmo que estes pareçam estranhos<br />
e exóticos. [...]”. (MARCONI; PRESOTTO, 2005, p. 17).<br />
Neste sentido, segundo as autoras, o hibridismo cultural, ou seja, a<br />
fusão <strong>de</strong> duas culturas diferentes – que têm na assimilação um proces-<br />
so no qual diferentes grupos ocupam território comum, mesmo vindos<br />
<strong>de</strong> diversos lugares –, “alcançam uma solidarieda<strong>de</strong> cultural”. (MAR-<br />
CONI; PRESOTTO, op. cit. p. 45).<br />
Segundo Herskovits, citado pelas autoras, o termo aculturação,<br />
“[...] não implica, <strong>de</strong> modo algum, que as culturas que entraram em<br />
contato se <strong>de</strong>vam distinguir uma da outra como ‘superior’ ou ‘mais<br />
avançada’, ou como tendo um ‘maior conteúdo <strong>de</strong> civilização’, ou por<br />
diferir em qualquer outra forma qualitativa.[...]”. (MARCONI; PRE-<br />
SOTTO, op. cit. p. 46).<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 20<br />
| História | 2008
Para os dias atuais, os comentários da carta acima, parecem co-<br />
mentários bastante xenófobos, mas mesmo com toda a subjetivida<strong>de</strong>,<br />
não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser um testemunho interessante dos conflitos entre ou-<br />
tras culturas, conflitos esses, típicos <strong>de</strong> um país que estava recebendo<br />
imigrantes <strong>de</strong> diferentes origens.<br />
É importante avaliar, portanto, que como <strong>memória</strong>, as <strong>cartas</strong> <strong>de</strong><br />
Michaud <strong>de</strong>vem ser vistas como uma relação influenciada consi<strong>de</strong>ra-<br />
velmente por suas características pessoais. Não se trata aqui, da visão<br />
<strong>de</strong> todos os imigrantes, mas a visão pessoal e subjetiva do imigrante<br />
Michaud, um suíço <strong>de</strong> origem burguesa, ao mesmo tempo <strong>de</strong> um jovem<br />
<strong>de</strong> espírito aventureiro e ainda, possivelmente, movido pela mágoa da<br />
perda recente <strong>de</strong> sua mãe e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ganhar o reconhecimento <strong>de</strong><br />
um pai que <strong>de</strong>monstrava preferência ao irmão mais jovem.<br />
Diante <strong>de</strong>ssa problemática, cabe ressaltar que provavelmente a<br />
<strong>memória</strong> <strong>de</strong> um imigrante italiano <strong>de</strong> origem humil<strong>de</strong> e movido por ne-<br />
cessida<strong>de</strong> econômica, seria diferente daquela <strong>de</strong> Michaud, assim como<br />
a <strong>memória</strong> <strong>de</strong> um português que imigrou como funcionário da Corte<br />
Imperial seria outra vez diferente.<br />
Cada imigrante, a priori, <strong>através</strong> do filtro da sua origem étnica e<br />
da sua personalida<strong>de</strong>, dará <strong>de</strong>staque diferente às suas impressões, irá<br />
ressaltar umas e suprimir outras, irá criticar certos modos e comporta-<br />
mentos e elogiar outros.<br />
Sendo assim, é uma <strong>memória</strong> ambivalente: ela nos permite saber<br />
algo do objeto, o Brasil do século XIX, mas também tirar conclusões<br />
sobre o sujeito, o imigrante William Michaud.<br />
Neste contexto, parece a<strong>de</strong>quado consi<strong>de</strong>rar as análises <strong>de</strong> Oswal-<br />
do Truzzi, sobre os estudos migratórios e os diferentes contextos histó-<br />
ricos da imigração no Brasil, ao sugerir que: “[...] Ao enfatizar valores,<br />
costumes e habilida<strong>de</strong>s trazi<strong>das</strong> pelos imigrantes, promove-se uma<br />
sobrevalorização da cultura do grupo, muitas vezes em <strong>de</strong>trimento dos<br />
condicionantes estruturais impostos pela socieda<strong>de</strong> que os recebeu.<br />
[...].” (TRUZZI, 2005, p.144).<br />
2.4. Michaud em Superagüi<br />
As missivas que relatavam a chegada <strong>de</strong> Michaud ao Brasil e <strong>de</strong><br />
seu primeiro encantamento, terminaram em 1850. Quando retomou<br />
o contato com sua família em 1883, a riqueza documental ofereci-<br />
da pelas <strong>cartas</strong> nos traz subsídios para uma análise diversificada <strong>de</strong><br />
suas <strong>memória</strong>s.<br />
Po<strong>de</strong>-se diferenciar entre informações objetivas sobre a vida co-<br />
FIGURA 9 – MICHAUD, William.<br />
Parada à beira da água e fabricação <strong>de</strong> um barco, [18--?].<br />
Aquarela com relevos <strong>de</strong> guache e verniz, 39 x 28 cm.<br />
Acervo: Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey – Suíça<br />
Nota: Imagem extraída <strong>de</strong>: GUISAN; LAMBERT,<br />
2002, p. 47.<br />
tidiana na ilha <strong>de</strong> Superagüi e<br />
relatos subjetivos do autor <strong>das</strong><br />
<strong>cartas</strong> sobre a sua condição<br />
<strong>de</strong> vida e a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> segui-la<br />
sua vida no Brasil. Além disso,<br />
suas <strong>cartas</strong> oferecem uma visão<br />
valiosa <strong>de</strong> como eventos histó-<br />
ricos interferiram na vida dos<br />
colonos, que durante déca<strong>das</strong><br />
viveram intocados <strong>de</strong> disputas<br />
políticas.<br />
2.4.1 Relatos sobre a vida<br />
na colônia<br />
Deseja-se ressaltar que a<br />
<strong>memória</strong> repassada pelas <strong>cartas</strong><br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 21<br />
| História | 2008
do autor não traz somente impressões subjetivas do imigrante Michaud,<br />
mas traz também informações objetivas sobre a vida na colônia. Refere-<br />
se aqui sobre as passagens on<strong>de</strong> ele mencionava o clima, as doenças da<br />
sua época, o sustento, as vias <strong>de</strong> comunicação com o mundo externo,<br />
etc.<br />
Trata-se, portanto, <strong>de</strong> relatos em que a <strong>memória</strong> po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>-<br />
rada mais “verda<strong>de</strong>ira” 48 , ou seja, o autor tinha nenhum, ou poucos mo-<br />
tivos para dar uma interpretação subjetiva aos fatos, ou <strong>de</strong> distorcê-los<br />
por alguma razão pessoal e emocional.<br />
Com isso, do ponto <strong>de</strong> vista da <strong>memória</strong>, os relatos sobre a vida<br />
na colônia se contrapõem a aspectos como o Brasil do século XIX visto<br />
pelo imigrante Michaud, ou os momentos <strong>de</strong> reflexão do autor <strong>das</strong> car-<br />
tas, cujos traços são fortemente subjetivos.<br />
Através da riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes contidos nas <strong>cartas</strong>, é possível ob-<br />
termos uma idéia <strong>de</strong> como a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Superagüi estava estrutu-<br />
rada na segunda meta<strong>de</strong> do século XIX:<br />
Ma chère soeur [Emma] Superaguy, le 1 er décembre 1883<br />
Sous le rapport <strong>de</strong> société, nous n’avons ici personne à l’exception<br />
<strong>de</strong> Louis Durieux <strong>de</strong> Vevey et Sigwalt (Alsacien) un homme <strong>de</strong> 60<br />
ans, très instruit, que je vois souvent avec plaisir, le reste sont 3<br />
familles italiennes, et <strong>de</strong>s Brésiliens, <strong>de</strong> bonnes gens, mais sans<br />
aucune instruction. [...]. 49 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 57).<br />
Chère soeur [Nancy] Superaguy, 20 février 1886<br />
[...] Le Superaguy est une contrée et pas une bourga<strong>de</strong> ou village,<br />
chacun habite sur son terrain, on <strong>de</strong>vrait plutôt dire que le Superaguy<br />
est un village <strong>de</strong> 2 lieues <strong>de</strong> longueur. [...]. 50 (GUISAN; LAM-<br />
BERT, op. cit. p. 69).<br />
Quanto à situação alimentar, po<strong>de</strong>-se argumentar a partir dos re-<br />
latos <strong>das</strong> <strong>cartas</strong>, que em momento algum faltou aos habitantes <strong>de</strong> Su-<br />
peragui o que comer, isto porque a natureza sempre oferecia alimentos<br />
em abundância:<br />
Chère Nancy Superaguy, 25 septembre 1901<br />
[...] il n’y a pas <strong>de</strong> comparaisons à faire; nous avons tout ce que le<br />
pays peut donner; en abondance: café, canne à sucre, manioc, légumes<br />
et racines du pays, toutes sortes <strong>de</strong> fruits, [...]. 51 (GUISAN;<br />
LAMBERT, op. cit. p. 175).<br />
Importa dizer, portanto, que o principal sustento <strong>de</strong> Michaud e sua<br />
família foi a agricultura, em particular o cultivo do café. Somente em<br />
ida<strong>de</strong> mais avançada ele começou a ter uma renda extra como profes-<br />
sor. Sendo assim, encontramos nas <strong>cartas</strong> vários relatos nos quais o<br />
autor comenta sobre suas preocupações com as colheitas e o preço do<br />
café, com sucessivos altos e baixos:<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 12 septembre 1894<br />
[...] Surtout cette année nous ne pouvons pas compter sur notre<br />
café, la cueillette étant presque nulle, à cause <strong>de</strong> la sécheresse<br />
<strong>de</strong> novembre, décembre et janvier passés. [...]. 52 (GUISAN; LAM-<br />
BERT, op. cit. p.93).<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 28 juin 1897<br />
Les affaires au Brésil ne vont pas bien, tout est excessivement<br />
cher et nous vendons notre café pour un prix dérisoire; l’année<br />
passée nous le vendions à 25.000 reis les 15 kilos, aujourd’hui<br />
nous ne recevons plus que 10.000 [...]. 53 (GUISAN; LAMBERT,<br />
op. cit. p. 140).<br />
Chère Nancy Superaguy, 18 juillet 1898<br />
[...] nous faisons une assez bonne récolte et les prix ont presque<br />
doublé. L’année passée nous vendions à 9.000 reis les 15 kilos, et<br />
cette année on le paie à Paranaguá 15.000 et l’on dit qu’il ira à<br />
25.000. [...]. 54 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 147).<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 22<br />
| História | 2008
Em “História geral da civilização brasileira Tomo III – o Brasil re-<br />
publicano” (2004), aborda-se <strong>de</strong>talhadamente a questão cafeeira do<br />
século XIX. No entanto, notadamente, nesta e em outras obras pes-<br />
quisa<strong>das</strong> encontra-se muito pouco ou nenhuma menção às culturas<br />
cafeeiras no litoral paranaense. (FAUSTO, 2004).<br />
Po<strong>de</strong>-se, portanto, interpretar tal fato, como sendo um indício <strong>de</strong> que<br />
este tipo <strong>de</strong> cultura mais isolada não chegou a ganhar significado econô-<br />
mico importante nesta região. Em conseqüência disso, <strong>de</strong>duz-se que os<br />
colonizadores <strong>de</strong> Superagüi abandonaram o plantio do café e <strong>de</strong>ixaram as<br />
culturas à mercê da mata nativa. Ainda hoje é possível encontrar árvores<br />
<strong>de</strong> café “perdi<strong>das</strong>” <strong>de</strong>ntro <strong>das</strong> áreas antigas dos colonizadores, que foram<br />
reconquista<strong>das</strong> pela mata nativa .<br />
Sobre o café, é preciso dizer que a taxa <strong>de</strong> câmbio e as guerras<br />
tarifárias também já eram assuntos no século XIX, como se permite<br />
analisar nas <strong>cartas</strong> do autor:<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 28 juin 1897<br />
[...] (Le franc vaut actuellement 1280 reis quand en 1889 il valait<br />
338 réis), [...]. 55 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 140).<br />
Chère Nancy Superaguy, le 9 juin 1901<br />
[...] Les grands centres n’exportent pas pour cause <strong>de</strong>s droits d’entrée<br />
en Europe, c’est une guerre <strong>de</strong> tarifs. [...]<br />
[...] c’est possible que le gouvernement soit obligé à modifier les<br />
tarifs d’importation d’Europe pour pouvoir exporter son café, sinon<br />
ce sera la ruine <strong>de</strong>s gran<strong>de</strong>s plantations. [...]. 56 (GUISAN; LAM-<br />
BERT, op. cit. p. 167, 168).<br />
O quadro a seguir revela como este mecanismo funcionou:<br />
FIGURA 10 – Tabela <strong>de</strong> café, 2004.<br />
Nota: Imagem extraída <strong>de</strong>: (NETTO, ap. Fausto. op. cit. p. 202).<br />
Boris Fausto, 57 agrega que, “[...] no período <strong>de</strong> 1889-1894, houve<br />
uma queda da taxa cambial mais rápida do que a dos preços interna-<br />
cionais, incrementando portanto, a renda dos empresários em moeda<br />
nacional. [...]”. (FAUSTO, op. cit. p. 202).<br />
Mais tar<strong>de</strong>, a guerra tarifária teve efeitos <strong>de</strong>vastadores sobre os<br />
agricultores e apesar <strong>de</strong> um clima favorável e boas colheitas, a impos-<br />
sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exportar e gerar divisas jogou a economia em uma crise:<br />
Chère Emma Superaguy, 28 août 1901<br />
Ici, à peu près tout va plutôt mal que bien. L’agriculteur, aux conditions<br />
actuelles, ne peut plus vivre; c’est la failleté pour les grands<br />
établissements agricoles et la misère et les privations pour la petite<br />
agriculture; l’on ne voit plus d’argent; tout se fait par échanges;<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 23<br />
| História | 2008
c’est désolant. Les <strong>de</strong>nrées sont assez bon marché, mais ne pouvant<br />
pas vendre tu ne peux pas acheter; nous avons en abondance<br />
tout ce que la terre peut donner; il ne nous manque que l’argent<br />
qui <strong>de</strong>vient <strong>de</strong> plus en plus rare: le café mûrit, sèche et tombe <strong>de</strong><br />
l’arbre sur la terre où il germe et est perdu, la canne à sucre se sèche<br />
sur pied, <strong>de</strong>s milliers d’oranges tombent et pourrissent à terre,<br />
la moitié <strong>de</strong>s bananes pourrissent sur pied, la mandioca, nous en<br />
avons à foison, etc. C’est l’abondance et en même temps la misère.<br />
[...]. 58 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 173).<br />
Diante <strong>de</strong>ssa mesma problemática, contribuiu Michaud valoro-<br />
samente em uma <strong>de</strong> suas últimas <strong>cartas</strong>, ao trazer uma explicação,<br />
sobre por que o cultivo <strong>de</strong> café no litoral do Paraná não teve o su-<br />
cesso esperado:<br />
Ma chère Emma Superaguy, 6 janvier 1902<br />
[...] comme nous sommes à la limite <strong>de</strong> la zone qui produit les caféiers,<br />
la production est bien inférieure ici; un millier <strong>de</strong> pieds <strong>de</strong><br />
caféiers à Rio et São Paulo peut donner <strong>de</strong> 100 à 200 arrobas quand<br />
ici il faut 4.000 pieds pour rendre autant! A São Paulo ont ne fait que<br />
l’on ne fait que <strong>de</strong>ux cueillettes par an, et ici l’on commence à cueillir<br />
en mars pour finir en octobre en repassant plusieurs fois par les<br />
mêmes arbres, tu vois quelle économie <strong>de</strong> temps pour eux et quelle<br />
perte pour nous! [...]. 59 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 180).<br />
Neste contexto, apontam as autoras Lucinéia Cunha Steca e Ma-<br />
riela Dias Flores (2002), que o surgimento do café se <strong>de</strong>u no Paraná<br />
em meados do século XIX e sua produção inicial em solo paranaen-<br />
se teria sido um prolongamento da produção paulista. Suas primeiras<br />
plantações teriam sido realiza<strong>das</strong> por algumas colônias funda<strong>das</strong> na<br />
Região Norte da Província. A produção do café, a priori, não gerava<br />
gran<strong>de</strong> importância econômica, contudo, introduziu uma cultura que<br />
futuramente tornar-se-ia o principal produto <strong>de</strong> exportação para a eco-<br />
nomia paranaense. (STECA; FLORES, 2002).<br />
Contudo, a gran<strong>de</strong> produção gerada em São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janei-<br />
ro, fatalmente contribuíram para que o café em regiões mais isola<strong>das</strong><br />
como Superagüi, não obtivesse o sucesso <strong>de</strong>sejado pelos colonizado-<br />
res naquela época.<br />
Outra abordagem bastante interessante ocorre quando Michaud<br />
comparou a agricultura brasileira com a européia e argumentou sobre<br />
o esgotamento <strong>das</strong> terras, um fenômeno vivido hoje em novas frentes<br />
agrícolas como no Mato Grosso e na Amazônia:<br />
Ma chère Emma Superaguy, 28 février 1896<br />
[...]Tu dis dans ta lettre, qu’après tant d’années <strong>de</strong> travail, la terre<br />
doit rendre dans un si bon pays ou plutôt doit augmenter <strong>de</strong> valeur<br />
! C’est justement le contraire; il n’y a pas <strong>de</strong> comparaison possible<br />
avec la culture européenne, où les vieilles terres ne produisent<br />
qu’à force d’engrais chimiques. Ici plus tu cultives et cueilles, plus<br />
la terre s’affaiblit. Les cueillettes successives, sans rendre à la terre<br />
ce qu’elle perd annuellement, la ruinent. L’on est donc obligé <strong>de</strong> faire<br />
continuellement <strong>de</strong> nouvelles plantations en terrain vierge, [...]. 60<br />
(GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 103).<br />
Mesmo assim, é importante enfatizar que, a abundância <strong>das</strong> terras<br />
é um fato que aparece repeti<strong>das</strong> vezes nas <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud. Deve<br />
ter sido um atrativo para tantos outros imigrantes <strong>de</strong> um continente,<br />
que ainda no século XIX sofria por <strong>de</strong>vastadoras fomes.<br />
Chère Nancy Superaguy, 25 septembre 1901<br />
[...] il n’y a pas <strong>de</strong> comparaisons à faire; nous avons tout ce que<br />
le pays peut donner; en abondance: café, canne à sucre, manioc,<br />
légumes et racines du pays, toutes sortes <strong>de</strong> fruits, les oranges et<br />
les citrons pourrissent sur terre et se per<strong>de</strong>nt toutes les années par<br />
milliers, [...]. 61 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p.175).<br />
Corroborando com esta questão, a autora Giralda Seyferth (2005),<br />
consi<strong>de</strong>ra que a propaganda brasileira utilizada para atrair imigrantes da<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 24<br />
| História | 2008
Europa, manteve-se, apesar <strong>das</strong> críticas do governo republicano ao mo<strong>de</strong>-<br />
lo <strong>de</strong> colonização subsidiada que vigorava no Império, e que a imigração<br />
prosseguiu vinculada aos interesses da colonização. No entanto, apesar do<br />
governo fe<strong>de</strong>ral ter se empenhado em acabar com os subsídios, prosseguiu<br />
pagando prêmios às companhias <strong>de</strong> navegação que faziam o transporte<br />
dos imigrantes – elas mesmas interessa<strong>das</strong> na divulgação dos programas<br />
(fossem eles governamentais ou não) – <strong>de</strong> assentamentos em áreas colo-<br />
niais do Sul do país. No início da República, ocorreu por parte do governo<br />
brasileiro, incentivar a imigração espontânea e acabar com os subsídios.<br />
De acordo com Seyferth, outra ênfase foi o argumento da proprieda<strong>de</strong> da<br />
terra como atrativo maior, mesmo para aqueles que não eram agriculto-<br />
res. Possuir terra “em quantida<strong>de</strong>” foi possivelmente um fator importante<br />
para aqueles <strong>de</strong>terminados a emigrar, e a propaganda – <strong>das</strong> empresas par-<br />
ticulares da colonização ou do governo – acentuava a facilida<strong>de</strong> com que<br />
esses estrangeiros podiam tornar-se proprietários <strong>de</strong> um lote colonial. Em<br />
sua maioria os imigrantes não conheciam a estrutura fundiária <strong>das</strong> colônias;<br />
para eles, “o lote colonial” era uma espécie <strong>de</strong> utopia da proprieda<strong>de</strong> priva-<br />
da. No caso brasileiro, a imigração subsidiada pelo governo fe<strong>de</strong>ral estava<br />
diretamente vinculada à colonização: beneficiava especialmente aqueles<br />
artesãos e agricultores que se estabelecessem com suas famílias em áreas<br />
coloniais. (SEYFERTH, 2005).<br />
Retomando as <strong>cartas</strong>, verificou-se que o clima também era um<br />
tema dominante nos relatos <strong>de</strong> Michaud. Não po<strong>de</strong>ria ser diferente<br />
para um agricultor cuja vida <strong>de</strong>pendia intimamente do bom tempo. Em<br />
uma <strong>de</strong> suas primeiras <strong>cartas</strong>, relatou favoravelmente do clima e do<br />
rendimento <strong>das</strong> terras no Brasil, em função da ausência do inverno<br />
rigoroso como existia na Europa:<br />
Chère soeur [Nancy] Superaguy, 28 décembre 1884<br />
[...] ce pays est un paradis pour les pauvres gens honnêtes et travailleurs,<br />
ils y vivront dans l’abondance, et n’auront pas à redouter<br />
ces longs hivers d’Europe si froids et terribles pour les pauvres.<br />
[...] 62 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 62).<br />
Pero <strong>de</strong> Magalhães Gandavo, citado por Holanda (1996), <strong>de</strong>sta-<br />
ca o encantamento dos europeus com o clima do Novo Mundo, “que<br />
nunca se sente frio, nem quentura excessiva” (HOLANDA, op. cit,<br />
prefácio – p. XIX).<br />
Presta-se muito bem a essa “visão <strong>de</strong> paraíso terrestre”, a sensa-<br />
ção <strong>de</strong> que para um imigrante europeu do século XIX, em um país como<br />
o Brasil, realizar certos sonhos “quase utópicos” como, por exemplo,<br />
possuir gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> terra, po<strong>de</strong>riam ser possíveis.<br />
Daí a observação, que naquela época, muitos buscavam fugir <strong>das</strong><br />
conseqüências nocivas da Revolução Industrial, que provavelmente<br />
<strong>de</strong>struiu o vínculo do homem com a terra <strong>através</strong> da mecanização e<br />
da urbanização.<br />
Indo mais além, po<strong>de</strong>-se contrapor que, para Michaud, o aspecto<br />
<strong>de</strong> paraíso vivido por ele em sua chegada ao Brasil, quando esteve no<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> tudo lhe encantava, foi bastante diferente em<br />
Superagüi, pois seu encantamento não se expressou em prazeres emo-<br />
cionais, mas em vantagens mais práticas como a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
suprimentos e a ausência do frio dos invernos europeus. Assim se nota<br />
no relato a seguir que, o inverno frio da Europa teria sido um verda<strong>de</strong>i-<br />
ro tormento, principalmente para os proletários.<br />
Chère soeur [Nancy] Superaguy, 20 février 1886<br />
[...]Un <strong>de</strong>s principaux avantages est que l’hiver ici est inconnu, la<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 25<br />
| História | 2008
maison, le bois, le poisson (ceux qui habitent le bord <strong>de</strong> la mer<br />
ou <strong>de</strong> rivières), la chasse ne coûtent rien que la peine <strong>de</strong> l’aller<br />
prendre, l’impôt territorial sera peu <strong>de</strong> choses pour hectare; que<br />
d’avantages pour les prolétaires qui crèvent <strong>de</strong> froid et <strong>de</strong> faim<br />
durant les longs hivers d’Europe si pénibles pour eux ! [...]. 63 (GUI- GUI-<br />
SAN; LAMBERT, op. cit. p. 68).<br />
Mais tar<strong>de</strong>, no entanto, Michaud não falta em <strong>de</strong>stacar também<br />
as <strong>de</strong>svantagens do clima quente e ainda comenta sobre os perigos<br />
da bebida alcoólica que possivelmente <strong>de</strong>struiu muitas existências <strong>de</strong><br />
imigrantes naquela época:<br />
Chère soeur [Nancy] Superaguy, 17 mars 1889<br />
Les étrangers au Brésil, surtout dans les zones chau<strong>de</strong>s, ne <strong>de</strong>viennent<br />
pas vieux, ce changement <strong>de</strong> climat, <strong>de</strong> nourriture et <strong>de</strong><br />
coutumes influe considérablement sur leur santé, la transpiration<br />
continuelle affaiblit beaucoup, il faut être très sobre et ne pas<br />
s’adonner à la boisson, ce qui malheureusement est le vice général<br />
ici. [...].64 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 72).<br />
Além <strong>das</strong> riquezas da terra, as <strong>cartas</strong> relatam que o mar provi<strong>de</strong>n-<br />
ciava peixes e ostras em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>. Somente a carne fresca<br />
faltava no cardápio e ela só era disponível em Paranaguá, e mesmo lá<br />
precisava ser trazida do interior, porque o litoral não oferecia condições<br />
para a criação <strong>de</strong> gado:<br />
Chère soeur [Nancy] Superaguy, 28 décembre 1884<br />
[...] tu vois donc que dans ce pays privilégié, les fleurs et les fruits<br />
se succè<strong>de</strong>nt sans interruption toute l’année; mais aussi il y’a le<br />
revers <strong>de</strong> la médaille: [...] la difficulté <strong>de</strong> élever du bétail, pour<br />
cause <strong>de</strong>s vampires qui sucent le sang du bétail et occasionnent<br />
<strong>de</strong>s ulcères, où les mouches à vers vont déposer leurs larves. [...]. 65<br />
(GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 62).<br />
Outro aspecto da vida em Superagüi relatado por Michaud aborda<br />
questões referentes às doenças e como estas tinham uma presença<br />
permanente no cotidiano dos habitantes da região. O clima sub-tropical,<br />
as condições <strong>de</strong> vida precárias, o isolamento e as doenças epidêmicas<br />
do século XIX afetaram significativamente a existência da população.<br />
Acerca disso, contribui a autora Etelvina Maria <strong>de</strong> Castro Trinda<strong>de</strong><br />
(1999), ao ressaltar que:<br />
[...] Várias cida<strong>de</strong>s, sobretudo litorâneas, apresentavam-se como<br />
focos <strong>de</strong> epi<strong>de</strong>mias e <strong>de</strong> insalubrida<strong>de</strong> e a solução para tais condições<br />
seria recorrer às práticas já difundi<strong>das</strong> em boa parte dos<br />
países do mundo oci<strong>de</strong>ntal. [...] Com o advento da República, em<br />
várias cida<strong>de</strong>s brasileiras as tentativas <strong>de</strong> acompanhar os mo<strong>de</strong>los<br />
estrangeiros <strong>de</strong>ram origem a planos que visavam, não apenas a<br />
questão higienista, mas também a mo<strong>de</strong>rnização <strong>de</strong> seus espaços.<br />
Nas urbes litorâneas, sobretudo, começaram a ser toma<strong>das</strong> providências<br />
que visavam resolver situações críticas, como o controle<br />
<strong>das</strong> doenças infecto-contagiosas que assolavam periodicamente.<br />
(TRINDADE, 1999, p. 59).<br />
Magnus Roberto <strong>de</strong> Mello Pereira (1996) contribui para esta ques-<br />
tão, ao argumentar que a vinculação imediata entre a doença e a pobreza<br />
no Paraná, <strong>de</strong>moraria até a década <strong>de</strong> 1890 para estabelecer-se plena-<br />
mente. Todavia, mesmo naquele momento, abrigaria um cunho étnico.<br />
O autor argumenta ainda que para os sanitaristas microbianos e<br />
autorida<strong>de</strong>s médicas daquela época, os imigrantes seriam sua principal<br />
fonte <strong>de</strong> preocupações, ou seja, para eles, os hábitos ‘anti-higiênicos’<br />
dos imigrantes e as doenças estavam estreitamente ligados, correla-<br />
cionava-se à chegada <strong>de</strong> imigrantes e epi<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> escarlatina, tifo,<br />
sarampo e até mesmo a lepra.<br />
Saint-Hilaire 66 , comentado por Pereira, conferiu o “aspecto pálido<br />
e cor amarela” dos habitantes <strong>de</strong> Paranaguá às “emanações que vêm<br />
dos brejos vizinhos [e] tornam o ar extremamente insalubre”. (PEREI-<br />
RA, 1996, p. 152).<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 26<br />
| História | 2008
Não obstante, Pereira aponta que o conceito <strong>de</strong> salubrida<strong>de</strong> que se<br />
adotou no Paraná era o mesmo que estava vigente na Europa do século<br />
XVIII e por quase todo o século XIX.<br />
Neste sentido, em uma <strong>de</strong> suas primeiras <strong>cartas</strong>, Michaud relatou<br />
como as doenças afetavam sempre vários membros <strong>de</strong> uma família,<br />
causando vítimas fatais, principalmente entre as crianças, nativos e<br />
imigrantes, atingidos sem discriminação. Em outra carta datada <strong>de</strong> ja-<br />
neiro <strong>de</strong> 1892, voltou a relatar que vários tipos <strong>de</strong> doenças flagelavam<br />
a população naquela época:<br />
Chère soeur [Emma] 20 mai 1884<br />
[...] Les fièvres intermittentes qui ont régné et qui règnent encore<br />
sur tout le littoral sont très mauvaises et il en est mort bien <strong>de</strong>s<br />
gens surtout les enfants; il n’y a pas <strong>de</strong> familles qui ne comptent<br />
au moins trois ou quatre mala<strong>de</strong>s; je pensais que ces fièvres attaquaient<br />
<strong>de</strong> préférence les étrangers; mais je vois que c’est le<br />
contraire, car toutes les familles brésiliennes comptent encore plus<br />
<strong>de</strong> mala<strong>de</strong>s que nous. [...]. 67 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 58).<br />
Chère Emma Superaguy, 15 février 1897<br />
J’ai été très mala<strong>de</strong> pendant environ huit jours avec <strong>de</strong> violentes douleurs<br />
à l’estomac, je crois que c’était une gastrite aiguë ou une cardialgie;<br />
je me suis drogué moi-même d’après mes livres <strong>de</strong> médicine<br />
et au bout <strong>de</strong> quelques jours je me trouvais un peu mieux. L’on ne peut<br />
pas acheter <strong>de</strong> médicine dans la pharmacie <strong>de</strong> Paranaguá sans ordre<br />
<strong>de</strong> mé<strong>de</strong>cins, ce qui est pour nous très désagréable, car il peut se<br />
présenter <strong>de</strong>s cas où l’on a pas le temps d’aller chercher un mé<strong>de</strong>cin,<br />
ou bien c’est impossible d’embarquer un mala<strong>de</strong> pour traverser la<br />
baie par tous les temps. [...]. 68 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 135).<br />
É bastante provável que a falta <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> geográfica também<br />
tenha dificultado a vida na colônia. O isolamento dos habitantes agra-<br />
vava o efeito <strong>das</strong> doenças e muitas vezes eram obrigados a recorrer à<br />
auto-medicação, como aponta a mensagem abaixo:<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 30 janvier 1892<br />
Tu auras déjà su que Louis Durieux, frère <strong>de</strong> Mlle Louise Durieux, est<br />
mort ici d’une congestion pulmonaire suite d’une influenza mal soignée.<br />
Tous mes enfants ont eu, avec la rougeole, cette maudite influenza,<br />
qui ne se déci<strong>de</strong> pas à quitter le pays et qui a tué dien du mon<strong>de</strong>, [...]<br />
Pourtant à Paranaguá, il y a la fièvre jaune, la petite vérole, la scarlatine<br />
et la rougeole ; [...]. 69 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 89).<br />
Um relato dramático sobre a chegada da peste 70 no litoral parana-<br />
ense encontra-se em algumas <strong>das</strong> últimas <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud. A <strong>de</strong>spei-<br />
to disto, importa dizer que, conforme Stefan C. Ujvari, a peste que du-<br />
rante quatro séculos – entre o XIV e XVIII – foi motivo <strong>de</strong> pânico e terror<br />
na Europa (UJVARI, 2003), teria chegado em 1899 no porto <strong>de</strong> Santos,<br />
e <strong>de</strong> lá espalhou- se para o Rio <strong>de</strong> Janeiro e para o sul do país.<br />
Em Curitiba, <strong>de</strong> acordo com a autora Maria Ignês M. <strong>de</strong> Boni<br />
(1998), “não teria sido uma exceção, e embora em menor escala do<br />
que nas cida<strong>de</strong>s como Rio <strong>de</strong> Janeiro ou São Paulo, se viu às voltas<br />
com problemas <strong>de</strong>ssa natureza.” (DE BONI, 1998, p. 25).<br />
Conforme a carta a seguir, percebemos por intermédio <strong>de</strong> uma me-<br />
mória individual a partir <strong>de</strong> Michaud, como as pessoas só aos poucos<br />
se aperceberam do que estava acontecendo à sua volta. Eventos e<br />
indícios se acumularam até que se formou a certeza:<br />
Chère soeur [Emma] Superaguy, 12 mars 1902<br />
[...] Nancy à laquelle j’ai écrit un <strong>de</strong> ces jours passés t’aura déjà<br />
dit que la peste est à Paranaguá, ou au moins quelque autre maladie<br />
qui emporte les gens en 24 heures et dont peu réchappent.<br />
D’ici personne <strong>de</strong>puis du Carnaval ne va plus à Paranaguá <strong>de</strong><br />
crainte <strong>de</strong> la contagion. Nous sommes si près <strong>de</strong> Paranaguá et<br />
nous ne savons rien <strong>de</strong> précis ! Les mé<strong>de</strong>cins sont muets comme<br />
<strong>de</strong>s carpes ; l’on dit que c’est la peste, d’autres disent que c’est le<br />
typhus noir ! Ce qui est certain c’est que la ville a été abandonnée<br />
par les familles qui ont pu le faire a temps. [...]. 71 (GUISAN; LAM-<br />
BERT, op. cit. p.82).<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 27<br />
| História | 2008
Ma chère Nancy Superaguy, 18 mars 1902<br />
[...] je crois t’avoir dit que nous sommes visités (à Paranaguá) par<br />
une épidémie ; aujourd’hui nous savons que c’est la peste. L’on ignore<br />
encore comment elle est arrivée à Paranaguá, d’où elle provient<br />
et quel est le navire qui l’a importée ; ce qui en premier lieu a donné<br />
l’éveil, ce sont les nombreux rats que l‘on trouvait morts les matin<br />
dans quelques rues. Ce qui est sûr c’est que pour le moment et<br />
<strong>de</strong>puis le 9 février tout est arrêté, que Paranaguá a été abandonné<br />
para plusieurs familles, et bien <strong>de</strong>s gens sont morts ; que toutes les<br />
affaires sont arrêtés, et que d’ici plus personne va en ville, dès le 7<br />
février. A ce que l’on dit cette maladie est très violente ; 24 heures<br />
et c’est fini ! [...]. 72 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 183, 184).<br />
2.4.2 Mudança <strong>de</strong> visão, expressivida<strong>de</strong><br />
Além dos relatos sobre as experiências <strong>de</strong> um imigrante do século<br />
XIX, inicialmente objetivos, encontramos passagens <strong>de</strong> reflexão e au-<br />
to-avaliação, quando Michaud questionou a si mesmo se sua <strong>de</strong>cisão<br />
<strong>de</strong> vir para o Brasil e ficar em Superagüi, havia sido correta ou não.<br />
São os momentos mais íntimos e subjetivos da <strong>memória</strong>, gerados<br />
em função <strong>de</strong> sua situação particular. Pela análise <strong>das</strong> <strong>cartas</strong>, po<strong>de</strong>-<br />
mos observar como as avaliações <strong>de</strong> Michaud mudam com o tempo.<br />
Po<strong>de</strong>mos perceber como o entusiasmo <strong>de</strong> um jovem aventureiro trans-<br />
formou-se em uma satisfação mo<strong>de</strong>sta entre os cinqüenta e sessenta<br />
anos, e em amargura e arrependimento no fim da vida.<br />
Na primeira carta, enviada por ele à sua irmã – após retomar o<br />
contato com sua família na Suíça – Michaud <strong>de</strong>monstrava um certo<br />
contentamento com o resultado do seu trabalho:<br />
Ma chère soeur [Emma] Superaguy, le 1 er décembre 1883<br />
[...] nous avons, ma femme e moi, toujours tenu bon, nous encourageant<br />
l’un et l’autre pour vaincre toutes les difficultés et pouvoir<br />
élever notre nombreuse famille, et grâce à notre persévérance,<br />
nous sommes parvenus à meilleurer notre position, <strong>de</strong> manière que<br />
nous sommes bien mieux que nous n’étions il y a 10 ans. [...]. 73<br />
(GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 55).<br />
Já na carta seguinte, ele <strong>de</strong>monstrava um certo arrependimento em<br />
ter se instalado em Superagüi, mesmo que conformado com sua situação:<br />
Chère soeur [Emma] 20 mai 1884<br />
[...] il me semblait que sur le bord <strong>de</strong> la mer je serais plus près<br />
d’amis et surtout du pays, pourtant mes idées ont bien changés<br />
<strong>de</strong>puis lors, et j’aurais peut-être bien fait <strong>de</strong> rester à Goyaz ; [...]<br />
[...] alors travaillons doucement, soyons économes et jouissons <strong>de</strong><br />
notre restant <strong>de</strong> vie autant que possible [...]. 74 (GUISAN; LAMBERT,<br />
op. cit. p. 61).<br />
Não obstante, sua opinião reservada mudou para quase eufórica<br />
após ter recebido a visita do Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taunay, em 13 <strong>de</strong> novembro<br />
<strong>de</strong> 1885. Os projetos da monarquia para dar novo impulso à imigração<br />
européia, a fundação <strong>de</strong> um clube <strong>de</strong> imigração em Superagüi com Mi-<br />
chaud na função <strong>de</strong> secretário, o aumento do seu salário como profes-<br />
sor, a criação <strong>de</strong> uma agência <strong>de</strong> correio tendo ele como responsável<br />
e a criação <strong>de</strong> um distrito <strong>de</strong> polícia em Superagüi, <strong>de</strong>ram um novo<br />
impulso para a colônia e ânimo aos seus habitantes:<br />
Chère soeur [Nancy] Superaguy, 20 février 1886<br />
[...] Autrefois je n’aurais jamais conseillé à aucun compatriote <strong>de</strong><br />
venir au Brésil, mais à présent je crois qu’il y aurait <strong>de</strong> l’avantage<br />
pour ceux qui n’ont pas d’avenir en Suisse à venir se fixer ici dans<br />
cette province ou à Santa Catarina ou Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. [...]. 75<br />
(GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 68).<br />
Após a proclamação da República em 15 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1889,<br />
Michaud ficou na expectativa do que o novo governo traria para a co-<br />
lônia e alguns meses mais tar<strong>de</strong>, começou a dar sinais <strong>de</strong> sentir sauda-<br />
<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seu país <strong>de</strong> origem:<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 28<br />
| História | 2008
Chère Nancy Superaguy, 17 février 1890<br />
[...] Ici au Superaguy et jusqu’à ce jour, nous ne sommes presque<br />
pas encore aperçus du changement pacifique <strong>de</strong> régime, [...]. 76<br />
(GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 76).<br />
Chère Nancy Superaguy, 30 juin 1890<br />
[...] c’est beau un arbre couvert <strong>de</strong> boutons et <strong>de</strong> fleurs, <strong>de</strong> fruits<br />
encore verts et rouges, <strong>de</strong> baies mûres, on ne voit pas cela en<br />
Suisse ! Mais je préfère encore notre beau pays avec son confort;<br />
malgré son hiver, ses neiges et surtout ce maudit froid. [...]. 77 (GUI-<br />
SAN; LAMBERT, op. cit. p.78).<br />
Sobre isso, argumenta Giralda Seyferth (2005), que as primeiras<br />
análises sociológicas da imigração que foram realiza<strong>das</strong> no Brasil en-<br />
focaram o fenômeno da assimilação, sob o ponto <strong>de</strong> vista <strong>das</strong> transfor-<br />
mações sociais e comportamentais <strong>de</strong>correntes do processo imigrató-<br />
rio. Ou seja, buscou-se dar conta, mesmo que <strong>de</strong> forma elementar, <strong>das</strong><br />
condições sociais que produzem emigrantes; com a atenção voltada<br />
para as mudanças e os conflitos resultantes do contato com outra cul-<br />
tura e socieda<strong>de</strong> e a conseqüente assimilação ou hibridismo cultural.<br />
Os dois conceitos dizem respeito às transformações que ocorreram<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o entrosamento entre indivíduos e diferentes grupos em uma<br />
<strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong>.“[...] No caso dos imigrantes europeus, assimi-<br />
lação tornou-se um conceito mais genérico e sinônimo <strong>de</strong> americaniza-<br />
ção (supondo o processo <strong>de</strong> integração cultural e social, a partir da 2ª<br />
geração, e <strong>de</strong> transferência dos i<strong>de</strong>ais nacionais e lealda<strong>de</strong>s políticas<br />
para o país adotado). [...]. ” (SEIFERTH, op. cit. p.13).<br />
O que se percebe a seguir, é que embora o autor <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> se-<br />
guisse fazendo bons comentários sobre sua nova pátria, começou a<br />
fazer uma avaliação mostrando arrependimento por haver trocado a<br />
Suíça pelo Brasil:<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 4 décembre 1890<br />
[...] gar<strong>de</strong> mes lettres pour toi et ne les publie pas; je ne veux influencier<br />
personne à venir au Brésil, tu penses bien que si c’était à<br />
refaire, je ne quitterais certainement pas la Suisse pour aucun pays<br />
du mon<strong>de</strong>; il est bon <strong>de</strong> voyager, <strong>de</strong> voir tous les pays du mon<strong>de</strong>;<br />
malgré tous les délices du Brésil, pour un Suisse, la Suisse est encore<br />
préférable ; [...]. 78 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p.82).<br />
Mais tar<strong>de</strong>, abalado por experiências dolorosas como a morte da<br />
sua esposa, a pilhagem da sua proprieda<strong>de</strong> por tropas republicanas, e<br />
cada vez mais isolado com o falecimento dos seus amigos imigrantes<br />
em Superagui, seu arrependimento ficou ainda mais pronunciado quan-<br />
do consi<strong>de</strong>rou seu tempo no Brasil “anos perdidos”, e sua vinda uma<br />
tolice motivada pela juventu<strong>de</strong>:<br />
Chère Nancy Superaguy, 21 juin 1896<br />
[...] Que <strong>de</strong> bonnes années perdues en venant ici au Brésil, et que<br />
nous aurions pu passer ensemble; mais la jeunesse est bête comme<br />
tout, et n’accepte pas <strong>de</strong> conseils. [...]. 79 (GUISAN; LAMBERT,<br />
op. cit. p. 113, 114).<br />
Mais próximo do fim da vida, abalado por uma saú<strong>de</strong> cada vez mais<br />
<strong>de</strong>bilitada e o <strong>de</strong>clínio econômico da colônia, seu arrependimento transfor-<br />
mou-se em <strong>de</strong>pressão e as alusões à morte tornaram-se mais freqüentes:<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 9 juillet 1899<br />
[...] Que te dirais-je <strong>de</strong> nous et <strong>de</strong> la vie dans ce triste Superaguy,<br />
c’est toujours la même monotonie abêtisante! [...]. 80 (GUISAN;<br />
LAMBERT, op. cit. p. 156).<br />
Ma chère Emma Superaguy, 8 décembre 1899<br />
[...] Car nous voilà dans la septantaine; c’est la fin, ou la mort; qui<br />
n’est que l’affaiblissement <strong>de</strong>s forces <strong>de</strong> l’organisme, quand il nous<br />
pousse tout doucement au terme fatal, ou la décomposition défini-<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 29<br />
| História | 2008
tive où chaque élément retourne à son origine ; reste l’âme ! [...]. 81<br />
(GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 160).<br />
Atentando para as colocações do autor <strong>das</strong> <strong>cartas</strong>, po<strong>de</strong>-se ad-<br />
vogar que para ele, foi provavelmente muito difícil avaliar sua vida e<br />
precisar reconhecer que a colônia <strong>de</strong> Superagüi não obtivera o sucesso<br />
esperado e que tantos anos <strong>de</strong> trabalho árduo não trouxeram resulta-<br />
dos que pu<strong>de</strong>ssem assegurar aos seus filhos um futuro tranqüilo.<br />
2.4.3 Momentos da História do Brasil vividos por Michaud<br />
Michaud teve a sorte, ou mais provável o azar, <strong>de</strong> viver em uma<br />
época bastante agitada do Brasil. Foi na segunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua vida,<br />
que ocorreu o fim da escravidão, o incentivo à imigração, a Proclama-<br />
ção da República e também a Revolução Fe<strong>de</strong>ralista do Rio Gran<strong>de</strong><br />
do Sul. Estes eventos, coincidiram com uma fase <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> <strong>cartas</strong><br />
intensa entre Michaud e sua família na Suíça.<br />
Com isto, temos uma documentação interessante, <strong>de</strong> como um<br />
cidadão comum viu e viveu esta fase agitada da história do Brasil e<br />
po<strong>de</strong>mos contrastar a <strong>memória</strong> coletiva ou oficial sobre estes eventos<br />
com uma <strong>memória</strong> individual e subjetiva.<br />
Chère soeur [Nancy] Superaguy, 28 décembre 1884<br />
Le gouvernement cherche tous les moyens <strong>de</strong> stimuler l’émigration,<br />
je pense que l’on va procé<strong>de</strong>r à établir un ca<strong>das</strong>tre <strong>de</strong>s terres, et<br />
aussi décréter quelques lois qui doivent favoriser l’émigration, comme<br />
la naturalisation, la liberté religieuse, le mariage civil, etc.; quand<br />
tout cela sera bien organisé, les émigrants pourront venir, même nos<br />
vignerons pour planter en vignobles les couteaux qui bor<strong>de</strong>nt la baie<br />
<strong>de</strong> Paranaguá [...]. 82 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 63).<br />
É importante mencionar que a visita do Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taunay preci-<br />
sa ser vista no contexto do incentivo à imigração. A carta escrita por<br />
Michaud em fevereiro <strong>de</strong> 1886, mostra com que medi<strong>das</strong> concretas<br />
o governo procurava valorizar as colônias <strong>de</strong> imigrantes e dar novos<br />
impulsos à imigração:<br />
Chère soeur [Nancy] Superaguy, 20 février 1886<br />
Le 13 novembre, nous avons eu l’honneur <strong>de</strong> la visite du prési<strong>de</strong>nt<br />
<strong>de</strong> la province (représentant Sa Majesté dans la province), Son<br />
Excellence Monsieur Alfredo d’Escragnolle Taunay (<strong>de</strong>scendant <strong>de</strong><br />
comtes français émigrés au Brésil en 1793); comme prési<strong>de</strong>nt <strong>de</strong><br />
la province, il en a visité toutes les colonies et pour cela il a fait le<br />
voyage au Superaguy, [...] En ce qui me concerne: il m’a augmenté<br />
mon paiement <strong>de</strong> professeur, fondé un Club d’immigration au Superaguy,<br />
nommé mon ami Sigwalt prési<strong>de</strong>nt et moi secrétaire. Il a<br />
formé du Superaguy et environs un nouveau district <strong>de</strong> police séparé<br />
<strong>de</strong> celui <strong>de</strong> la ville <strong>de</strong> Guarakessaba et m’a nommé sub<strong>de</strong>legado <strong>de</strong><br />
policia, mais j’ai refusé en faveur du fils <strong>de</strong> Siegwalt, ne pouvant pas<br />
occuper tant d’emplois; il a établi une agence <strong>de</strong> poste, et moi j’en<br />
suis chargé, <strong>de</strong> manière qu’à présent le courrier <strong>de</strong> Paranaguá vient<br />
ici tous les dix jours ; [...]. 83 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 65, 66).<br />
Parece a<strong>de</strong>quado comentar que Michaud viveu nesta época, a me-<br />
lhor fase <strong>de</strong> sua vida em Superagüi, tanto econômica como emocio-<br />
nalmente. Os cargos que recebeu <strong>de</strong> Taunay <strong>de</strong>vem ter gerado uma<br />
renda adicional razoável e o reconhecimento pessoal <strong>de</strong> uma pessoa<br />
tão influente, certamente fortaleceu seu ego.<br />
Nestas circunstâncias, a Proclamação da República <strong>de</strong>ve ter sido<br />
um evento preocupante para Michaud. Isso se percebe quando mani-<br />
festou sua esperança <strong>de</strong> que a mudança <strong>de</strong> regime não mudaria sua<br />
situação. Mesmo assim, na carta on<strong>de</strong> comentou o evento, não mos-<br />
trou <strong>de</strong>saprovação. É difícil dizer se é porque suspeitava que suas<br />
<strong>cartas</strong> eram abertas e li<strong>das</strong> pelos espiões do novo governo – <strong>de</strong> fato<br />
em uma <strong>de</strong> suas <strong>cartas</strong> posteriores comentou esta possibilida<strong>de</strong> – ou<br />
se ele percebia a República <strong>de</strong> forma positiva em vista <strong>de</strong> sua origem<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 30<br />
| História | 2008
<strong>de</strong>mocrática (a Suíça <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser governada por monarcas já no<br />
século XIII).<br />
Chère Nancy Superaguy, 17 février 1890<br />
La proclamation <strong>de</strong> la République brésilienne a surpris un peu tout le<br />
mon<strong>de</strong> ici comme en Europe, ça a été comme un coup <strong>de</strong> théâtre. Ici<br />
au Superaguy et jusqu’à ce jour, nous ne nous sommes presque pas<br />
encore aperçus du changement pacifique <strong>de</strong> régime, et Dieu veuille<br />
que cela continue ainsi jusqu’à l’organisation complète. J’espère que<br />
les réformes décrétées par le gouvernement provisoire serviront à<br />
quelque chose <strong>de</strong> bon et profiteront au peuple et au pays. Quant à<br />
une restauration monarchique il n’y faut pas songer, je la crois impossible<br />
parce que le peuple est trop content d’être libre et seul arbitre<br />
<strong>de</strong> sa <strong>de</strong>stinée. [...]. 84 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 76).<br />
O autor José Murilo <strong>de</strong> Carvalho (1987) aborda justamente este con-<br />
texto em que passava o regime político brasileiro, na transição do Império<br />
para a Republica. Segundo ele, “o povo assistiu bestializado à Proclama-<br />
ção da República [...] os acontecimentos políticos eram representações<br />
em que o povo comum aparecia como espectador ou, no máximo, como<br />
figurante. [...]”. (CARVALHO, 1987, p.140, 163). Ou seja, enten<strong>de</strong>-se<br />
que a participação popular foi quase nula na Proclamação da República.<br />
Seguindo o raciocínio <strong>de</strong> Carvalho, po<strong>de</strong>ríamos argumentar que o<br />
imaginário da República difundido pelos positivistas 85 não teve pene-<br />
tração popular, mas também porque para esses, a República em si pou-<br />
co representou, uma vez que não foram agentes ativos no processo.<br />
Ou seja, a criação, as lutas pela consolidação e o próprio alcance do<br />
imaginário republicano ficaram restritos a seus participantes.<br />
Em uma <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> seguintes, William Michaud fez um balanço<br />
aparentemente positivo dos primeiros meses <strong>de</strong> governo republicano.<br />
Para um homem <strong>de</strong> altos padrões éticos, ele parecia i<strong>de</strong>ntificar-se com<br />
as ambições morais do novo governo:<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 4 décembre 1890<br />
Nous ne sommes presque pas aperçus du changement politique,<br />
tout est tranquille et les affaires marchent bien, et je crois que<br />
dorénavant le gouvernement, qui est beaucoup plus sévère que celui<br />
<strong>de</strong> la monarchie, fera beaucoup en faveur <strong>de</strong> la moralité et <strong>de</strong><br />
l’ordre. [...]. 86 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 84).<br />
Logo em seguida, aconteceram as primeiras eleições como novida-<br />
<strong>de</strong> trazida pela República. O fato <strong>de</strong> Michaud haver participado como<br />
responsável do escritório <strong>de</strong> eleições, indica que ele continuava <strong>de</strong>sfru-<br />
tando da confiança dos governantes:<br />
Chère soeur [Nancy] Superaguy, 29 mai 1891<br />
Cette proclamation <strong>de</strong> la République a mis un peu tout sens <strong>de</strong>ssus<br />
<strong>de</strong>ssous et les affaires ne sont pas encore dans un état stable et<br />
normal; le Superaguy, qui, il y a longtemps, n’est plus colonie, mais<br />
un district, est monté en gra<strong>de</strong>. Pour les élections <strong>de</strong>s députés au<br />
Congrès <strong>de</strong> l’Etat, nous avons eu nos élections ici, chez moi, et<br />
pas à la ville <strong>de</strong> Guarakessaba ... et j’ai été nommé prési<strong>de</strong>nt du<br />
bureau et chargé <strong>de</strong>s élections. [...]. 87 (GUISAN; LAMBERT, op.<br />
cit. p. 85).<br />
Na seqüência, no entanto, Michaud viu-se em meio às confusões<br />
políticas que tomaram conta do cenário, quando o primeiro presi<strong>de</strong>nte<br />
da República, Marechal Deodoro da Fonseca, renunciou e foi substi-<br />
tuído pelo Marechal Floriano Peixoto. Ele acabou per<strong>de</strong>ndo seu posto<br />
<strong>de</strong> juiz <strong>de</strong> distrito, que lhe incumbia <strong>de</strong> realizar casamentos, registros<br />
civis, etc. Isto contribuiu para que Michaud passasse a ver a República<br />
com olhos críticos:<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 30 janvier 1892<br />
[...] Comme tu l’auras lu par les journaux, tout ici est en désordre,<br />
nous n’avons plus que révolution sur révolution; tout le mon<strong>de</strong> veut<br />
gouverner et personne ne veut obéir. Notre district <strong>de</strong> paix a été sup-<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 31<br />
| História | 2008
primé, tous les employés changés, et je pense que l’on va aussi me<br />
retirer l’école, avec cela tout est d’une cherté épouvantable, le Brésil<br />
républicain désaccrédité à l’étranger, et je ne sais pas comment tout<br />
cela finira. [...]. 88 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 88, 89).<br />
Na carta seguinte, Michaud explicou como per<strong>de</strong>u o cargo <strong>de</strong> pro-<br />
fessor. Sendo que havia mantido cargos públicos durante o governo<br />
anterior, o novo governo o consi<strong>de</strong>rou um aliado político dos adversá-<br />
rios e <strong>de</strong>vido a isso, sofreu represálias.<br />
Chère soeur [Nancy] Superaguy, 18 juillet 1892<br />
Depuis ma <strong>de</strong>rnière lettre, il s’est passé bien <strong>de</strong>s événements politiques<br />
que tu auras su par les journaux. Avec ces changements,<br />
j’ai perdu mon école! Pourtant ne va pas croire que je me mêle <strong>de</strong><br />
politique, au contraire toutes ces affaires me scient le dos, mais<br />
comme j’ai été nommé l’année passée juge <strong>de</strong> paix et dans <strong>de</strong>ux<br />
élections, j’étais le prési<strong>de</strong>nt du bureau, le gouvernement actuel<br />
croit que je représente un parti politique, et pour me molester il m’a<br />
retiré l’école. [...]. 89 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 90).<br />
Mas as coisas pioraram ainda mais com a Revolução Fe<strong>de</strong>ralista<br />
do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, que começou em fevereiro 1893. A correspon-<br />
dência <strong>de</strong> julho 1894 foi a mais breve que Michaud escreveu e também<br />
a mais dramática. Ela relata as conseqüências da revolução para um<br />
cidadão comum, que não tomara partido para nenhum dos lados, mas<br />
mesmo assim, teria sofrido gran<strong>de</strong>s prejuízos.<br />
Percebemos claramente a diferença entre a <strong>memória</strong> oficial ou a<br />
historiografia, que se importaria em explicar a seqüência dos eventos,<br />
quem estava <strong>de</strong> qual lado e o porquê <strong>das</strong> coisas. Na <strong>memória</strong> individual<br />
<strong>de</strong> Michaud, na forma <strong>de</strong> uma carta apressada, isso pouco importa. O<br />
que ela relata é a conseqüência imediata para a vitima, sem querer dar<br />
explicações ou se per<strong>de</strong>r em análises objetivas:<br />
ChèreNancy Paranaguá, 23 juillet 1894<br />
J’ai reçu ta <strong>de</strong>rnière lettre mais <strong>de</strong> janvier en juin passé. Le retard<br />
est dû à la révolution. [...]<br />
Le Superaguy si tranquille autrefois a vu l’orage fondre sur lui, et moi<br />
et mes <strong>de</strong>ux fils avons été arrêtés et mis en prison ; notre innocence<br />
ayant été reconnue, l’on nous a relâches, mais pauvre soeur que <strong>de</strong><br />
dégâts faits dans nos maisons ! Que <strong>de</strong> choses disparues ! Tu ne te<br />
fais aucune idée <strong>de</strong> ce que nous avons souffert, heureusement ici à<br />
Paranaguá nous avons trouvé que <strong>de</strong> bonnes gens très compatissantes.<br />
Mes fils sont retournés au Superaguy tranquilliser ma femme et<br />
mes filles, et moi j’y retournerai aussi <strong>de</strong>main, ou après-<strong>de</strong>main. [...]<br />
Je t’écrirai plus tard pou te donner <strong>de</strong>s détails, pou aujourd’hui, je<br />
m’arrête ici. Adieu chère soeur. [...]. 90 (GUISAN; LAMBERT, op.<br />
cit. p. 91).<br />
Somente mais tar<strong>de</strong>, com mais calma, como é possível constatar<br />
na carta a seguir, Michaud conseguiu relatar os acontecimentos e co-<br />
mentar como, e por que, tais eventos o afetaram. Assim, fica evi<strong>de</strong>nte<br />
que ele não podia falar bem <strong>de</strong> nenhum dos dois lados. Percebemos<br />
novamente, como uma característica da <strong>memória</strong> individual, que ele<br />
<strong>de</strong>screveu os dois lados pelos seus comportamentos. Ele não se in-<br />
teressava pela i<strong>de</strong>ologia e as razões, nem dos republicanos e nem<br />
dos fe<strong>de</strong>ralistas. O que <strong>de</strong> fato interessava, era o efeito imediato <strong>das</strong><br />
ações <strong>de</strong>les sobre o povo que estava à margem da disputa pelo po<strong>de</strong>r.<br />
Na mesma missiva percebemos que Michaud criticava e ironizava as<br />
ações e atitu<strong>de</strong>s dos revolucionários.<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 12 septembre 1894<br />
Je t’ai écrit <strong>de</strong> Paranaguá pour te dire que je venais <strong>de</strong> sortir <strong>de</strong><br />
prison avec mes <strong>de</strong>ux fils, ma non-participation aux événements<br />
politiques ayant été reconnue par le commandant <strong>de</strong> la garnison <strong>de</strong><br />
Paranaguá. Tu as su par les journaux les événements qui se sont<br />
succédé au Brésil, à Rio <strong>de</strong> Janeiro et dans les 3 Etats du Sud. Les<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 32<br />
| História | 2008
navires révoltés à Rio contre le gouvernement <strong>de</strong> la République se<br />
sont unis aux fédéralistes du Rio Gran<strong>de</strong> et, appelés par les chefs<br />
d’opposition au Paraná, sont venus conquérir cet Etat et renverser<br />
le gouvernement. Ils ont possédé cet Etat pendant 3 mois, en<br />
vivant aux frais <strong>de</strong>s habitants et pillant villes, villages, et exigeant<br />
<strong>de</strong>s contributions en argent ! Ce sont les patriotes qui venaient<br />
sauver la patrie du <strong>de</strong>spotisme. De jolis sauveurs ! 91 [...]. (GUISAN;<br />
LAMBERT, op. cit. p. 92, 93).<br />
Não obstante, mesmo criticando os revolucionários percebe-se<br />
que os republicanos não eram vistos <strong>de</strong> uma forma melhor, <strong>de</strong>vido seu<br />
mau comportamento e <strong>de</strong>srespeito com a população da colônia.<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 12 septembre 1894<br />
[...] Au bout <strong>de</strong> 3 mois, le gouvernement <strong>de</strong> Rio est revenu en<br />
force, par terre et par mer, et alors tous ceux qui étaient impliqués<br />
ou compris directement ou indirectement, ont été arrêtés<br />
(ceux qui ne se sont pas sauvés) et emprisonnés, et aussi<br />
beaucoup d’innocents relâchés. Les soldats, noirs la plupart,<br />
envoyés au Superaguy pour arrêter les autorités nommés par<br />
les révolutionnaires, ont saisi à tort et à travers et fait le sac <strong>de</strong>s<br />
maisons <strong>de</strong> ceux qu’ils arrêtaient, et moi et mes <strong>de</strong>ux fils nous<br />
avons été du nombre <strong>de</strong>s spoliés. [...]. 92 (GUISAN; LAMBERT,<br />
op. cit. p. 92, 93).<br />
Acerca disso, po<strong>de</strong>-se dizer que parece irônico Michaud ter tido<br />
sua existência quase <strong>de</strong>struída pelos elementos do governo republica-<br />
no, sendo que ele criticava fortemente os fe<strong>de</strong>ralistas e, aparentemen-<br />
te, não ter sofrido nenhuma agressão dos mesmos.<br />
Foi a partir <strong>de</strong>ste momento que Michaud começou a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do<br />
envio regular <strong>de</strong> dinheiro <strong>de</strong> suas irmãs. E foi também a partir daí que<br />
sua visão do Brasil e <strong>de</strong> sua existência tornou-se cada vez mais nega-<br />
tiva. Ele abandonou <strong>de</strong>finitivamente sua esperança inicial no governo<br />
republicano e <strong>de</strong>clarou sua nostalgia pela monarquia:<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 10 décembre 1894<br />
[...] J’aurais bien désiré te donner plus <strong>de</strong> détails, mais nous vivons<br />
dans un si dégradant système d’espionnage, qu’il faut faire attention,<br />
même à présent que tout est un peu plus calme, à ce que l’on<br />
dit et écrit pour ne pas se compromettre, et ce système et même<br />
la répression <strong>de</strong> la presse est cause que le gouvernement républicain,<br />
au lieu <strong>de</strong> se faire aimer par la modération, se rend odieux,<br />
même à ses partisans. Adieu le bon temps, quand gouvernait le<br />
sage Dom Pedro ! Cet heureux temps ne reviendra jamais pour le<br />
Brésil ; aujourd’hui nous ne valons pas guère plus que les autres<br />
républiques <strong>de</strong> l’Amérique du Sud qui se ruinent en guerres civiles.<br />
[...]. 93 (GUISAN; LAMBERT, op. cit.p. 94).<br />
Corroborando com as questões da política brasileira do início da Repu-<br />
blica, temos nas <strong>cartas</strong> abaixo um documento interessante do ponto <strong>de</strong> vis-<br />
ta histórico, nas quais se evi<strong>de</strong>ncia que o “loteamento” <strong>de</strong> cargos políticos<br />
e a compra <strong>de</strong> votos, já havia começado nos primeiros dias da República:<br />
Chère soeur [Emma] Superaguy, 8 juin 1896<br />
[...] L’on m’a offert l’école, à condition <strong>de</strong> voter pour le gouvernement<br />
; mais ma chère, je suis décidé à m’abstenir <strong>de</strong> politique, dans<br />
ce cas-là je ne serai probablement pas nommé. Dans notre Etat du<br />
Paraná, les employés ne sont pas nommés en vue <strong>de</strong> leurs aptitu<strong>de</strong>s<br />
ou talents, mais plutôt pour leurs opinions politiques. [...]. 94<br />
(GUISAN; LAMBERT, op. cit.p. 108, 109).<br />
Chère Emma Superaguy, 15 février 1897<br />
[...] Les emplois ici sont aussi recherchés qu’en Suisse. Paranaguá<br />
est rempli <strong>de</strong> jeunes gens qui briguent les places <strong>de</strong> commis ou<br />
employés du gouvernement et les places ne sont que pour les protégés<br />
du gouvernement, tous ceux qui sont <strong>de</strong> l’opposition, ou ont<br />
l’air d’en être, sont systématiquement exclus <strong>de</strong> tout emploi. [...]. 95<br />
(GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 134).<br />
Nos anos seguintes, percebe-se que Michaud reconciliou-se com<br />
a República, mas que sentia uma aversão profunda contra o governo<br />
do Paraná:<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 33<br />
| História | 2008
Ma chère Emma Superaguy, 8 décembre 1899<br />
[...] nous sommes encore heureux d’avoir pour prési<strong>de</strong>nt <strong>de</strong> la République<br />
un homme d’élite qui finira bien avec la persévérance qui<br />
le caractérise à mettre <strong>de</strong> l’ordre dans les affaires, mais comme les<br />
Etats sont autonomes, le gouvernement fédéral n’a pas à mettre la<br />
main au Paraná, sauf dans quelques cas exceptionnels, mentionnés<br />
par la Constitution. [...]. 96 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 160).<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 9 octobre 1900<br />
[...] Tu sais que je n’ai plus l’école, l’on a nommé un individu<br />
d’une ignorance crasse, parce qu’il est dévoué au parti qui est<br />
au pouvoir ; il n’a que <strong>de</strong>ux élèves, ne leccione que 1 jour sur 6<br />
par semaine, et reçoit son paiement régulièrement, le gouvernement<br />
ne l’ignore pas, mais laisse faire ; tu peux te faire une idée<br />
à quel <strong>de</strong>gré <strong>de</strong> démoralisation cet Etat du Paraná est arrivé !<br />
Tous les jours à Coritiba même, vols et assassinats, et l’on ferme<br />
les yeux et l’on bouche les oreilles, car les meurtriers et voleurs<br />
sont <strong>de</strong>s amis du gouvernement ! [...]. 97 (GUISAN; LAMBERT,<br />
op. cit. p. 163).<br />
No caso <strong>das</strong> críticas ao governo do Paraná, <strong>de</strong>vemos observar que<br />
a <strong>memória</strong> individual é influenciada pela situação particular <strong>de</strong> Michaud,<br />
que se sentia perseguido, ou ao menos excluído, pelos governantes. Ele<br />
havia sido renomeado professor em março <strong>de</strong> 1898 – carta <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong><br />
julho 1898 – e por uma <strong>de</strong>cisão política per<strong>de</strong>u a escola novamente em<br />
1900. O trabalho como professor era uma fonte <strong>de</strong> renda importante<br />
para ele. A partir <strong>das</strong> informações transmiti<strong>das</strong> pelas <strong>cartas</strong>, sabemos<br />
que ele <strong>de</strong>via sua primeira nomeação à influencia <strong>de</strong> amigos <strong>de</strong> Parana-<br />
guá, que provavelmente estavam envolvidos na vida política e por con-<br />
seqüência, Michaud foi tido como um partidário simpatizante do grupo<br />
político <strong>de</strong>ssas pessoas. Desta forma per<strong>de</strong>u e reassumiu seu cargo<br />
várias vezes conforme as guina<strong>das</strong> políticas no governo do Paraná.<br />
3. MEMÓRIA, IDENTIDADE E<br />
SENTIMENTO<br />
Neste capítulo preten<strong>de</strong>-se discutir questões relaciona<strong>das</strong> à me-<br />
mória 98 , i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e sentimento, como construção da história vivida e<br />
documentada <strong>através</strong> <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> e <strong>das</strong> pinturas <strong>de</strong> William Michaud.<br />
3.1 A <strong>memória</strong> <strong>através</strong> <strong>das</strong> pinturas<br />
Muito mais do que pelas <strong>cartas</strong>, Michaud é conhecido pelo público<br />
paranaense por suas pinturas. Não obstante, o acesso às <strong>cartas</strong> só foi<br />
possível com a transcrição e publicação <strong>de</strong>sta fonte rica <strong>de</strong> informa-<br />
ções, conservada no Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey, pelas historiadoras<br />
Marjolaine Guisan e Françoise Lambert, em 2002.<br />
As pinturas <strong>de</strong> Michaud, no entanto, são conheci<strong>das</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muitos<br />
anos, algumas se encontram em posse <strong>de</strong> familiares <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong><br />
seus amigos e conhecidos, algumas em acervos públicos como o Mu-<br />
seu Oscar Niemayer (MON), a Fundação Cultural <strong>de</strong> Curitiba e a maio-<br />
ria <strong>de</strong>las, no Museu histórico <strong>de</strong> Vevey. É como artista que Michaud<br />
conquistou um espaço na <strong>memória</strong> artística e cultural do Paraná.<br />
Antes <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong>ve-se constatar que Michaud nunca preten<strong>de</strong>u<br />
consi<strong>de</strong>rar-se um artista. Sua educação artística foi somente a nível<br />
básico, durante sua formação no colégio <strong>de</strong> Vevey, pois jamais che-<br />
gou a freqüentar uma faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> belas artes. Po<strong>de</strong> ser que por essa<br />
razão, tenha recusado <strong>de</strong>nominar-se um artista. Em várias passagens<br />
<strong>de</strong> suas <strong>cartas</strong> fazia questão <strong>de</strong> dizer que suas pinturas só serviam <strong>de</strong><br />
ilustrações, para mostrar à sua família na Suíça, o ambiente no qual<br />
vivia e que não tinha nenhuma ambição artística:<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 34<br />
| História | 2008
Chère Nancy Superaguy, 15 novembre 1896<br />
[...] Si ces peintures n’ont aucune valeur artistique, elles te représenteront<br />
fidèlement la végétation d’ici. [...]. 99 (GUISAN; LAM-<br />
BERT, op. cit. p. 119).<br />
Chère Emma Superaguy, 16 novembre 1896<br />
[...] Je n’ai pas la prétention d’avoir fait <strong>de</strong>s chefs-d’oeuvre, [...],<br />
mais je n’ai désiré que te représenter <strong>de</strong>s arbres et quelques plantes<br />
et parasites du pays où je vis <strong>de</strong>puis tant d’années. [...]. 100<br />
(GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 120).<br />
Ma chère Alice Superaguy, 17 avril 1897<br />
Je suis content <strong>de</strong> savoir que mes <strong>de</strong>ssins vous font plaisir ; car<br />
c’est uniquement dans cette intention que je les ai <strong>de</strong>ssinés et pas<br />
du tout avec la prétention <strong>de</strong> faire admirer mon talent qui est très<br />
médiocre. [...]. 101 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 138).<br />
Michaud começou sua produção artística antes <strong>de</strong> chegar ao Bra-<br />
sil, ainda durante a passagem <strong>de</strong> Le Havre para Rio <strong>de</strong> Janeiro, como<br />
ilustrador do diário <strong>de</strong> seu companheiro <strong>de</strong> viagem Henri Doge. 102<br />
Mais tar<strong>de</strong> ganhou reconhecimento como <strong>de</strong>senhista, já no início <strong>de</strong><br />
sua vida no Brasil. Após passar um tempo no Rio <strong>de</strong> Janeiro, acompa-<br />
nhou o engenheiro francês <strong>de</strong> nome Vallée, em uma expedição cientifica<br />
pelo interior do Brasil, <strong>de</strong>senhando mapas <strong>das</strong> regiões visita<strong>das</strong>. Isto lhe<br />
ren<strong>de</strong>u uma proposta <strong>de</strong> emprego a partir do presi<strong>de</strong>nte da província <strong>de</strong><br />
Goiás, que ofereceu a ele um cargo como professor <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho:<br />
Chère soeur [Emma] 20 mai 1884<br />
[...] Ces plans me valurent – lors <strong>de</strong> mon retours à la ville <strong>de</strong> Goyaz<br />
– l’honneur d’être reçu par le prési<strong>de</strong>nt <strong>de</strong> la province qui désirait<br />
connaître le jeune homme qui avait <strong>de</strong>ssiné ces plans ; il voulait me<br />
retenir à Goyaz comme maître <strong>de</strong> <strong>de</strong>ssin et <strong>de</strong> langue française,<br />
[...]. 103 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 60, 61).<br />
Como já antes mencionado, é sabido que Michaud enviou inúmeras<br />
pinturas para suas irmãs na Suíça. Assim, temos atualmente a maioria<br />
<strong>de</strong> suas obras no Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey. Isso permitiu às historia-<br />
doras suíças, Marjolaine Guisan e Françoise Lambert, a realização <strong>de</strong><br />
uma análise interessante da produção artística <strong>de</strong> Michaud ao longo <strong>de</strong><br />
sua vida em Superagüi. Elas distinguem para esse processo <strong>de</strong> produ-<br />
ção artística, quatro fases principais.<br />
A primeira <strong>de</strong>las começou em 1885, pouco <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> retomar o<br />
contato com suas irmãs. Neste tempo, Michaud foi movido pela vonta-<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong> mostrar às suas irmãs o ambiente on<strong>de</strong> vivia. Além disso, teria<br />
sido motivado pelo encontro com o Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taunay, ele mesmo<br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma família conhecida <strong>de</strong> escultores e pintores fran-<br />
ceses, que solicitou <strong>de</strong> Michaud, pinturas com vistas <strong>de</strong> Superagüi e<br />
ainda representações <strong>de</strong> paisagens suíças, com montanhas e castelos<br />
medievais. Sabe-se que ele enviou ao longo <strong>de</strong> sua vida, várias pintu-<br />
ras para Taunay, que o consi<strong>de</strong>rava um artista “<strong>de</strong> talento notável”.<br />
A segunda fase, passou-se entre 1890 e 1891, quando produziu<br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos, na sua maioria em grafite, que segundo Mi-<br />
chaud era uma técnica mais a<strong>de</strong>quada para o trabalho na natureza. A<br />
representação da floresta tropical foi seu objeto preferido, <strong>de</strong>senhava<br />
árvores imensas cobertas <strong>de</strong> cipós e plantas, uma vegetação exube-<br />
rante povoada por tucanos e papagaios.<br />
Marjolaine Guisan e Françoise Lambert 104 <strong>de</strong>stacam que os <strong>de</strong>se-<br />
nhos <strong>de</strong> Michaud expressam sua admiração diante da beleza da paisa-<br />
gem e também seu sentimento <strong>de</strong> modéstia frente ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ste uni-<br />
verso selvagem. Isto se <strong>de</strong>monstraria, particularmente, pelo tamanho<br />
minúsculo dos seres humanos representados em diversas pinturas,<br />
muitas vezes <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sproporcional.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 35<br />
| História | 2008
Sobre isso, consi<strong>de</strong>ram-se os argumentos do autor Simon Schama<br />
(1996), que <strong>de</strong>screve um fenômeno similar na América do Norte em<br />
relação às árvores gigantes do parque nacional <strong>de</strong> Yosemite, represen-<br />
ta<strong>das</strong> por diversos pintores americanos. Schama <strong>de</strong>screve a “sensa-<br />
ção espiritual” evocada pelas po<strong>de</strong>rosas árvores, uma sensação similar<br />
àquela que Michaud provavelmente teria sentido:<br />
[...] E, precisamente porque não foram construí<strong>das</strong> pela mão do<br />
homem, as colunas vermelhas <strong>de</strong>sse sublime templo americano<br />
pareciam ter sido assenta<strong>das</strong> ali pela Providência e ali cresceram,<br />
tornando-se cada vez mais admiráveis, até que o novo Povo Eleito<br />
<strong>de</strong> Deus as <strong>de</strong>scobriu no coração do Oeste Prometido.[...]. (SCHA-<br />
MA, 1996, p. 199).<br />
Neste contexto, a <strong>de</strong>sproporção da natureza frente ao homem<br />
como manifestação <strong>de</strong> uma sensação <strong>de</strong> modéstia se expressa muito<br />
bem nas palavras <strong>de</strong> René Magritte, citado por Schama. “Vemos o<br />
quadro como exterior a nós, embora seja apenas uma representação<br />
do que experimentamos no nosso interior.” (SCHAMA, op. cit. p. 22).<br />
A terceira fase do processo <strong>de</strong> produção artística <strong>de</strong> Michaud i<strong>de</strong>n-<br />
tificada por Guisan e Lambert, são os anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1896, logo após as<br />
confusões políticas em volta da Proclamação da República, da Revolu-<br />
ção Fe<strong>de</strong>ralista e também, após o falecimento <strong>de</strong> sua esposa Custódia.<br />
Michaud passou a pintar aquarelas em cores vivas, com técnica<br />
mais <strong>de</strong>talhada. As pinturas <strong>de</strong>dica<strong>das</strong> à floresta tropical representa-<br />
ram o auge da sua produção artística. As autoras Guisan e Lambert<br />
<strong>de</strong>stacam o senso pelos <strong>de</strong>talhes, e o <strong>de</strong>sejo pela exatidão do pintor.<br />
Cada planta é colocada cuidadosamente e representada em <strong>de</strong>talhe,<br />
<strong>de</strong>limitada da outra, às vezes por relevos <strong>de</strong> guache.<br />
Esta vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> pôr or<strong>de</strong>m no mundo caótico da floresta tropical<br />
distancia as pinturas do natural e as confere um irrealismo beirando à<br />
fantasia. Simon Schama escreve sobre este fenômeno: “No mínimo,<br />
parece correto reconhecer que é nossa percepção transformadora que<br />
estabelece a diferença entre matéria bruta e paisagem. A própria pa-<br />
lavra landscape [paisagem] nos diz muito.” (SCHAMA, op. cit. p. 20).<br />
Conforme argumenta o autor, a palavra landscape, ou Landschaft em<br />
alemão, já expressa a influência transformadora do homem sobre a pai-<br />
sagem, pois é utilizada tanto para <strong>de</strong>screver uma aglomeração humana<br />
como o objeto <strong>de</strong> uma pintura.<br />
FIGURA 11 – MICHAUD, William.<br />
Cascata <strong>de</strong>ntro da floresta com índio, [18--?].<br />
Aquarela com relevos <strong>de</strong> guache e verniz, 39 x 28, cm.<br />
Acervo: Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey – Suíça<br />
Nota: Imagem extraída <strong>de</strong>: GUISAN; LAMBERT,<br />
2002, p. 47.<br />
Po<strong>de</strong>-se seguir dizen-<br />
do que, juntamente com<br />
a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> transmitir<br />
aos familiares suíços uma<br />
idéia <strong>de</strong> seu ambiente, a<br />
fascinação pela natureza<br />
<strong>de</strong>ve ter sido um fator mo-<br />
tivador para que Michaud<br />
exercesse sua ativida<strong>de</strong><br />
artística. Em várias missi-<br />
vas <strong>de</strong>screveu a riqueza e<br />
a beleza da vegetação e<br />
chegou a comparar o seu<br />
mundo ao paraíso.<br />
Ma chère Nancy Superaguy, 4 décembre 1890<br />
[...] nous sommes donc au printemps jusqu’au 21 décembre que<br />
commencera l’été pour nous ; comme je l’ai dit, nos arbres sont<br />
couverts <strong>de</strong> fleurs ; dans les forêts, il y en a <strong>de</strong>s lilas, <strong>de</strong>s jaunes<br />
d’or, <strong>de</strong>s bleus et <strong>de</strong>s rouges <strong>de</strong> toutes les nuances, on pourrait se<br />
croire au paradis, enfin les fleurs se succè<strong>de</strong>nt les unes aux autres<br />
jusqu’au mois <strong>de</strong> mai, à présent les caféiers sont couverts <strong>de</strong> fleurs<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 36<br />
| História | 2008
lanches comme les fleurs <strong>de</strong> jasmin ; <strong>de</strong>vant notre maison nous<br />
avons toutes les sortes <strong>de</strong> fleurs et arbrisseaux du pays qui sont en<br />
fleurs. [...]. 105 (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 83).<br />
Com respeito ao conceito <strong>de</strong> paraíso na pintura, temos consi<strong>de</strong>ra-<br />
ções interessantes em Simon Schama, que explica que o paraíso origi-<br />
nalmente não tinha nenhuma semelhança com a floresta tropical:<br />
O É<strong>de</strong>n era um jardim, não uma floresta. Tinha apenas duas árvores,<br />
às quais, como vimos, reservaram-se agourentos <strong>de</strong>stinos.<br />
E, apesar <strong>de</strong> todos os renovos e brotos e folhagens <strong>das</strong> cruzes<br />
ver<strong>de</strong>jantes, elas figuram ou sozinhas, ou com seu par malvado, o<br />
Conhecimento.[...]. (SCHAMA, op. cit .233).<br />
Somente nos últimos séculos a floresta silvestre passou a ser um<br />
paraíso, como explica Schama:<br />
Só no final da Ida<strong>de</strong> Média é que o paraíso passou a ser silvestre.<br />
Na mesma época em que Dante perpetuava, nas estrofes iniciais<br />
do Inferno, a velha idéia romana da mata escura como um local<br />
on<strong>de</strong> as pessoas se perdiam, a tentadora antecâmara do inferno,<br />
os arquitetos e <strong>de</strong>coradores <strong>das</strong> igrejas góticas do Norte se empenhavam<br />
em criar uma versão “florestal” do céu.”[...] Num ensaio<br />
magistral, o historiador da arte Karl Oettinger documentou essa<br />
profusão <strong>de</strong> formas arborescentes e vegetais em pórticos, púlpitos,<br />
coros, custódias e anteparos do século XV. A proliferação <strong>de</strong><br />
formas vegetais – gavinhas, folhas, ramos e árvores – não servia<br />
apenas para <strong>de</strong>corar, mas fazia parte <strong>de</strong> um programa coerente<br />
que visava tornar a igreja um jardim paradisíaco. [...]. (SCHAMA,<br />
op. cit. p. 234).<br />
A percepção da natureza como paradisíaca por Michaud, po<strong>de</strong> ser<br />
vista, portanto, não somente como uma interpretação pessoal e indivi-<br />
dual, mas também como uma percepção motivada por fatores culturais.<br />
Ou como, Simon Schama, reconhecerá, “paisagem é cultura antes <strong>de</strong> ser<br />
natureza; uma construção da imaginação projetada sobre mata, água, ro-<br />
cha”, (SCHAMA, op. cit. p. 70), ou ainda, “toda nossa tradição da paisa-<br />
gem é um produto <strong>de</strong> uma cultura comum, trata-se, a<strong>de</strong>mais, <strong>de</strong> um rico<br />
<strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> mitos, lembranças, obsessões.” (SCHAMA, op. cit. p. 24).<br />
A quarta e última fase <strong>de</strong> produção artística <strong>de</strong> Michaud esten<strong>de</strong>u-<br />
se <strong>de</strong> 1900 até o ano da sua morte em 1902. Em função <strong>de</strong> sua ida<strong>de</strong><br />
avançada e <strong>de</strong> seus problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, limitou-se a pintar as plantas<br />
<strong>de</strong> seu jardim; como bromélias e orquí<strong>de</strong>as.<br />
O estilo <strong>das</strong> pinturas era <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos botânicos. Guisan e Lam-<br />
bert 106 <strong>de</strong>stacam que a amargura e o abatimento revelados pelas <strong>cartas</strong><br />
<strong>de</strong>sta época, não se refletem nas pinturas <strong>de</strong> Michaud, ao contrário, elas<br />
FIGURA 12 – MICHAUD, William.<br />
Planta epífita com flores amarelas,<br />
família <strong>das</strong> orquí<strong>de</strong>as, [18--?].<br />
Aquarela com relevos <strong>de</strong> guache e verniz,<br />
32 x 24,5 cm.<br />
Acervo: Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey – Suíça<br />
Nota: Imagem extraída <strong>de</strong>: GUISAN; LAMBERT,<br />
2002, p. 172.<br />
revelam uma serenida<strong>de</strong> e um estilo<br />
purificado com cores radiantes.<br />
Michaud não ignorava as tendên-<br />
cias artísticas do seu tempo, mas,<br />
como sua pretensão era ilustrar a<br />
vida, não aceitava as tendências com<br />
o argumento <strong>de</strong> não serem realistas :<br />
Ma chère Alice Superaguy,<br />
17 avril 1897<br />
J’ai vu plusieurs peintures et aquarelles<br />
mo<strong>de</strong>rnes et il m’a semblé que les couleurs<br />
y sont un peu exagérées. J’y vois<br />
beaucoup <strong>de</strong> lilas ou violets pour le second<br />
plan et les lointains, mais malgré<br />
toute ma bonne volonté je ne vois pas<br />
ces couleurs dans la nature. Il est vrai<br />
que l’ombre est un peu bleuâtre violette,<br />
mais pas comme les peintres dont tu me<br />
parles les représentent. Je comprends<br />
que l’on préfère peindre la nature à grands traits, c’est plus facile<br />
mais moins naturel et ce sont les conventions <strong>de</strong> la mo<strong>de</strong> qui<br />
l’exigent. [...]. 107 (GUISAN ; LAMBERT, op. cit. p. 138).<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 37<br />
| História | 2008
Parece curioso que Michaud criticava a falta <strong>de</strong> naturalismo em outros<br />
pintores, sabendo que ele também recorria a medi<strong>das</strong> subjetivas quando<br />
colocava or<strong>de</strong>m no caos tropical e <strong>de</strong>talhava as plantas além do perceptí-<br />
vel a olho nu, criando o cenário <strong>de</strong> uma floresta idílica. Talvez isto seja um<br />
indício <strong>de</strong> que, apesar <strong>de</strong> toda rigi<strong>de</strong>z e serieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrada na técnica<br />
apurada, William Michaud manteve sua veia romântica e os olhos do imi-<br />
grante maravilhado que fora em seus primeiros dias no Brasil.<br />
O fato <strong>de</strong> Michaud ter sido reconhecido como artista e suas obras<br />
como parte da herança cultural do Paraná, po<strong>de</strong> ser um sinal <strong>de</strong> que<br />
suas pinturas, apesar <strong>das</strong> subjetivida<strong>de</strong>s, contribuíram para a constitui-<br />
ção <strong>de</strong> uma <strong>memória</strong> coletiva. Simon Schama dirá a este respeito; “A<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional, [...] per<strong>de</strong>ria muito <strong>de</strong> seu fascínio feroz sem a mís-<br />
tica <strong>de</strong> uma tradição paisagística particular: sua topografia mapeada,<br />
elaborada e enriquecida como terra natal.” (SCHAMA, op. cit. p. 26).<br />
Seguindo o raciocínio <strong>de</strong> Schama, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>duzir que as obras <strong>de</strong><br />
Michaud possuem um valor mais do que artístico, o <strong>de</strong> uma <strong>memória</strong><br />
coletiva sobre o imaginário artístico paranaense, assim como o foi Ru-<br />
gen<strong>das</strong>, 108 ao retratar imagens do Brasil.<br />
3.2 Memória, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e sentimento <strong>através</strong> <strong>das</strong> <strong>cartas</strong><br />
Quando falamos <strong>de</strong> <strong>memória</strong>, um dos autores mais citados é Mau-<br />
rice Halbwachs e sua obra “A Memória Coletiva” (1990). A afirmação<br />
central <strong>de</strong>sta obra é que a <strong>memória</strong> individual sempre existe a partir <strong>de</strong><br />
uma <strong>memória</strong> coletiva. Segundo Halbwachs, a origem <strong>de</strong> várias idéias,<br />
reflexões e sentimentos que atribuímos a nós são inspirados pelo grupo.<br />
Para ele, a <strong>memória</strong> individual não está isolada, mas se apóia em per-<br />
cepções produzi<strong>das</strong> pela <strong>memória</strong> coletiva. A vivência em vários grupos<br />
sociais ao longo do tempo seria a base da formação <strong>de</strong> uma <strong>memória</strong><br />
individual. (HALBWACHS, 1990).<br />
Em um primeiro momento, parece que esta afirmação não seria apli-<br />
cável para a <strong>memória</strong> criada pelas <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud. Sua situação par-<br />
ticular, sendo um imigrante estranho <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong> nativa <strong>de</strong> Su-<br />
peragüi, a distância física entre as diferentes proprieda<strong>de</strong>s e a ausência<br />
<strong>de</strong> um núcleo comunitário como uma igreja ou uma praça central, suge-<br />
rem que dificilmente existia uma <strong>memória</strong> coletiva forte o suficiente para<br />
influenciar <strong>de</strong> forma relevante a <strong>memória</strong> transmitida em suas <strong>cartas</strong>.<br />
Além disso, temos que a <strong>memória</strong> transmitida por Michaud é bastan-<br />
te imediata: na gran<strong>de</strong> maioria, suas <strong>cartas</strong> contam fatos ocorridos nas<br />
semanas anteriores. Isto po<strong>de</strong> sugerir que a influência <strong>de</strong> uma <strong>memória</strong><br />
coletiva seja reduzida, porque ela não teve o tempo suficiente para se<br />
formar. Isto fica claro, por exemplo, quando Michaud comentou a Procla-<br />
mação da República <strong>de</strong> forma bastante imparcial. Seguramente, ele teria<br />
comentado este evento <strong>de</strong> forma diferente com a distância <strong>de</strong> alguns<br />
anos <strong>de</strong> vivência, com as conseqüências da mudança e influenciado pela<br />
<strong>memória</strong> coletiva formada <strong>através</strong> <strong>das</strong> experiências <strong>de</strong> seus amigos e co-<br />
nhecidos e as opiniões forma<strong>das</strong> pela imprensa nacional e internacional.<br />
Mesmo assim, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scartar a afirmação <strong>de</strong> Halbwachs.<br />
De fato, a <strong>memória</strong> individual <strong>de</strong> Michaud po<strong>de</strong> ser pouco influenciada<br />
pela <strong>memória</strong> coletiva do seu tempo e da sua região, mas sem dúvida<br />
ele já chegou ao Brasil com a bagagem <strong>de</strong> uma <strong>memória</strong> coletiva ad-<br />
quirida durante os primeiros 19 anos que viveu na Suíça.<br />
Percebemos em várias passagens como a formação <strong>de</strong> sua me-<br />
mória <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da <strong>memória</strong> adquirida na Suíça. Em concreto, isto quer<br />
dizer que uma boa parte da sua <strong>memória</strong> individual foi criada a partir<br />
<strong>de</strong> comparações com a Suíça, começando, por exemplo, com as <strong>de</strong>scri-<br />
ções do clima, que sempre <strong>de</strong>stacaram as diferenças do calor tropical<br />
do litoral paranaense com os invernos rigorosos <strong>de</strong> Europa. Além do<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 38<br />
| História | 2008
clima, po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar todos os relatos sobre a flora e fauna brasi-<br />
leira, que ganharam bastante <strong>de</strong>staque na <strong>memória</strong> <strong>de</strong> Michaud, mas<br />
que, na <strong>memória</strong> <strong>de</strong> um nativo <strong>de</strong> Superagüi, possivelmente não mere-<br />
ceriam menção, já que nunca se <strong>de</strong>frontou com nada diferente.<br />
Além disso, <strong>de</strong>ve-se consi<strong>de</strong>rar que Michaud, mesmo passando a<br />
maior parte da sua vida no Brasil, ficou estreitamente ligado à <strong>memória</strong><br />
coletiva da Suíça, pela leitura periódica dos jornais que lhe enviavam suas<br />
irmãs. Possivelmente as informações sobre a evolução da Europa rece-<br />
bi<strong>das</strong> pelos jornais serviam a Michaud como referência na avaliação da<br />
própria situação em Superagüi.<br />
Tudo isto corrobora com a afirmação <strong>de</strong> Halbwachs, <strong>de</strong> que a me-<br />
mória individual não está isolada, mas que ela toma como referência<br />
pontos externos ao sujeito. (HALBWACHS, op. cit.).<br />
Ainda seguindo Halbwachs, encontramos outro aspecto interessante<br />
aplicando conclusões <strong>de</strong> sua obra ao conjunto <strong>de</strong> <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud.<br />
Para aquele autor, existe uma diferença entre <strong>memória</strong> e história, na me-<br />
dida que a história <strong>de</strong> uma nação é formada como uma síntese dos fatos<br />
mais relevantes na <strong>memória</strong> dos cidadãos, sendo que esta história sinte-<br />
tizada po<strong>de</strong> ser muito distante da <strong>memória</strong> <strong>de</strong> um individuo que faz parte<br />
<strong>de</strong>sta nação. (HALBWACHS, op. cit.).<br />
Na visão <strong>de</strong> Halbwachs, a história é formada por gran<strong>de</strong>s aconteci-<br />
mentos, enquanto que a <strong>memória</strong> do individuo e do coletivo é baseada<br />
na continuida<strong>de</strong>:<br />
[...] O que justifica ao historiador estas pesquisas <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhe,<br />
é que o <strong>de</strong>talhe somado ao <strong>de</strong>talhe resultará num conjunto,<br />
esse conjunto se somará a outros conjuntos, e que no<br />
quadro total que resultará <strong>de</strong> to<strong>das</strong> essas sucessivas somas,<br />
nada está subordinado a nada, qualquer fato é tão interessante<br />
quanto ao outro, e merece ser enfatizado e transcrito<br />
na mesma medida. [...]. ( HALBWACHS, op. cit, p.85).<br />
Realmente, po<strong>de</strong>-se afirmar que a análise <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud é<br />
uma pesquisa <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhe, que a partir <strong>de</strong>stes <strong>de</strong>talhes é possível chegar<br />
a conclusões interessantes com respeito à vida e <strong>memória</strong> <strong>de</strong> Michaud,<br />
que qualquer fato é quase tão interessante quanto o outro, mas que<br />
a maioria <strong>de</strong>stes fatos não contribui para a criação <strong>de</strong> uma <strong>memória</strong><br />
histórica. Mesmo assim, encontramos momentos em que a <strong>memória</strong><br />
individual <strong>de</strong> Michaud mistura-se com a <strong>memória</strong> histórica do Brasil,<br />
e do Paraná, quando gran<strong>de</strong>s acontecimentos marcam a <strong>memória</strong> <strong>de</strong><br />
muitos indivíduos e formam a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> histórica <strong>de</strong> uma nação. São<br />
os momentos quando Michaud relatou o fim da Monarquia, o começo da<br />
República e as conseqüências da Revolução Fe<strong>de</strong>ralista.<br />
Outro autor que fornece percepções valiosas sobre <strong>memória</strong> e<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é Michael Pollak 109 (1992). Pollak pergunta quais são os<br />
elementos constitutivos da <strong>memória</strong> individual ou coletiva, os quais ele<br />
<strong>de</strong>fine na seqüência:<br />
[...] Em primeiro lugar, são os acontecimentos vividos pessoalmente.<br />
Em segundo lugar, são os acontecimentos que eu chamaria <strong>de</strong><br />
“vividos por tabela”, ou seja, acontecimentos vividos pelo grupo ou<br />
pela coletivida<strong>de</strong> à qual a pessoa se sente pertencer. São acontecimentos<br />
dos quais a pessoa nem sempre participou, mas que, no<br />
imaginário, tomaram tamanho relevo que, no fim <strong>das</strong> contas, é quase<br />
impossível que ela consiga saber se ela participou ou não. [...]<br />
Além <strong>de</strong>sses acontecimentos, a <strong>memória</strong> é constituída por pessoas,<br />
personagens. Aqui também po<strong>de</strong>mos aplicar o mesmo esquema,<br />
falar <strong>de</strong> pessoas realmente encontra<strong>das</strong> no <strong>de</strong>correr da vida,<br />
<strong>de</strong> personagens freqüenta<strong>das</strong> por tabela, indiretamente, mas que,<br />
por assim dizer, se transformaram quase que em conheci<strong>das</strong>, e<br />
ainda <strong>de</strong> personagens que não pertenceram necessariamente ao<br />
espaço-tempo da pessoa. [...]<br />
Além dos acontecimentos e <strong>das</strong> personagens, po<strong>de</strong>mos finalmente<br />
arrolar os lugares. Existem lugares da <strong>memória</strong>, lugares particularmente<br />
ligados a uma lembrança, que po<strong>de</strong> ser uma lembrança<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 39<br />
| História | 2008
pessoal, mas também po<strong>de</strong> não ter apoio no tempo cronológico.<br />
[...]. (POLLAK, 1992, p. 201, 202).<br />
Tomando como base esta tría<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>-se argumentar que as car-<br />
tas já analisa<strong>das</strong> <strong>de</strong> William Michaud, se enquadram em alto grau a<br />
estes critérios citados por Pollak. É possível i<strong>de</strong>ntificar no conteúdo<br />
<strong>das</strong> <strong>cartas</strong>, que a <strong>memória</strong> <strong>de</strong> Michaud constituiu-se por uma série <strong>de</strong><br />
acontecimentos, personagens e lugares.<br />
Acontecimentos como a visita do Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taunay, a morte<br />
<strong>de</strong> sua esposa e a pilhagem <strong>de</strong> sua proprieda<strong>de</strong>; personagens como<br />
Taunay, Perret Gentil, amigos e vizinhos, a família tanto no Brasil,<br />
como na Suíça, e os lugares por on<strong>de</strong> Michaud passou a longo <strong>de</strong> sua<br />
vida no Brasil, como Rio <strong>de</strong> Janeiro, Goiás, Paranaguá e Superagüi,<br />
são sem dúvida elementos constitutivos da <strong>memória</strong> <strong>de</strong> Michaud.<br />
Em relação à <strong>memória</strong> constituída por lugares, Pollak aborda uma<br />
particularida<strong>de</strong> que se aplica bastante bem no caso <strong>de</strong> Michaud:<br />
Locais muito longínquos, fora do espaço-tempo da vida <strong>de</strong> uma<br />
pessoa, po<strong>de</strong>m constituir lugar importante para a <strong>memória</strong> do grupo,<br />
e por conseguinte da própria pessoa, seja por tabela, seja por<br />
pertencimento a esse grupo. Aqui estou me referido ao exemplo <strong>de</strong><br />
certos europeus com origens nas colônias. A <strong>memória</strong> da África,<br />
seja dos Camarões ou do Congo, po<strong>de</strong> fazer herança da família<br />
com tanta força que se transforma praticamente em sentimento <strong>de</strong><br />
pertencimento. [...]. (POLLAK, op. cit. p. 202).<br />
Como já abordado antes, a <strong>memória</strong> <strong>de</strong> Michaud ficou fortemente<br />
influenciada pelo fato <strong>de</strong> ter suas origens na Suíça e <strong>de</strong> ter mantido<br />
este contato até os últimos dias <strong>de</strong> sua vida por meio <strong>das</strong> correspon-<br />
dências troca<strong>das</strong> com seus parentes e dos jornais recebidos da Euro-<br />
pa. Além disso, não é <strong>de</strong> subestimar a importância <strong>de</strong>sta <strong>memória</strong> que<br />
ele formou, junto com os outros imigrantes europeus em Superagüi,<br />
um grupo com uma origem muito diferenciada dos outros habitantes.<br />
Após discutir os elementos constitutivos da <strong>memória</strong>, Pollak aborda<br />
suas diferentes características. Em primeiro lugar, ele constata:<br />
[...] A <strong>memória</strong> é seletiva. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica<br />
registrado. A <strong>memória</strong> é, em parte, herdada, não se refere apenas à<br />
vida física da pessoa. A <strong>memória</strong> também sofre flutuações que são<br />
função do momento em que ela é articulada, em que ela está sendo<br />
expressa. As preocupações do momento constituem um elemento<br />
<strong>de</strong> estruturação da <strong>memória</strong>. [...]. (POLLAK, op. cit. p.203, 204).<br />
Neste aspecto <strong>de</strong>ve-se concordar também com Pollak. Quem analisa<br />
as <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud, apesar <strong>de</strong> toda a riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes e relatos, não<br />
po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> perceber que existem fatos que po<strong>de</strong>riam interessar ao<br />
leitor, mas que praticamente não foram abordados. Faltam, por exemplo,<br />
relatos sobre os outros imigrantes na colônia. As informações se limitam<br />
basicamente à profissão exercida por cada um <strong>de</strong>les. Sentimos falta, tam-<br />
bém, <strong>de</strong> relatos sobre os mais <strong>de</strong> trinta anos entre 1850 a 1883, nos quais<br />
Michaud ficou praticamente sem se comunicar com sua família. Ele po<strong>de</strong>-<br />
ria ter <strong>de</strong>ixado informações interessantes sobre a trajetória da colônia, so-<br />
bre sua organização, sobre o perfil e as ações do fundador Perret-Gentil.<br />
Neste caso, po<strong>de</strong>-se recorrer novamente a Pollak, ao argumentar que:<br />
[...] a <strong>memória</strong> é um fenômeno construído. Quando falo em construção,<br />
em nível individual, quero dizer que os modos <strong>de</strong> construção<br />
po<strong>de</strong>m tanto ser conscientes como inconscientes. O que a <strong>memória</strong><br />
individual grava, recalca, exclui, relembra, é evi<strong>de</strong>ntemente o resultado<br />
<strong>de</strong> um verda<strong>de</strong>iro trabalho <strong>de</strong> organização. [...]. (POLLAK, op.<br />
cit. p. 204).<br />
Seguindo este raciocínio, po<strong>de</strong>-se discutir se a omissão <strong>de</strong> mais<br />
<strong>de</strong> trinta anos <strong>de</strong> <strong>memória</strong> é um resultado <strong>de</strong> uma construção <strong>de</strong> me-<br />
mória, já que a história da colônia <strong>de</strong> Superagüi não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>-<br />
rada uma história <strong>de</strong> sucesso, do ponto <strong>de</strong> vista econômico e político.<br />
Pollak, argumenta nesse contexto:<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 40<br />
| História | 2008
[...] po<strong>de</strong>mos também dizer que há uma ligação fenomenológica muito<br />
estreita entre a <strong>memória</strong> e o sentimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Aqui o sentimento<br />
<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> está sendo tomado no seu sentido mais superficial,<br />
mas que nos basta no momento, que é o sentido da imagem em<br />
si, para si e para os outros. Isto é, a imagem que uma pessoa adquire<br />
ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e<br />
apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação,<br />
mas também para ser percebida da maneira como quer<br />
ser percebida pelos outros. [...]. (POLLAK, op. cit. p, 204).<br />
Po<strong>de</strong>-se observar que em diferentes passagens <strong>de</strong> suas <strong>cartas</strong>,<br />
Michaud construiu sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>através</strong> da <strong>memória</strong>. Citamos a este<br />
respeito, como exemplo, a justificativa por que ele não teve o mesmo<br />
sucesso econômico <strong>de</strong> outros imigrantes, exaltando nesse contexto<br />
suas qualida<strong>de</strong>s éticas:<br />
Chère soeur [Emma] 20 mai 1884<br />
[...] avec un peu plus <strong>de</strong> blague et <strong>de</strong> hardiesse j’aurais peut-être<br />
mieux réussi, mais ces moyens m’ont toujours répugné, [...]<br />
[...] l’on parle souvent <strong>de</strong> ceux qui ont fait fortune, mais l’on ne<br />
fait jamais une comparaison avec l’immense majorité qui végète<br />
et qui sont peut-être plus honnêtes hommes que ceux qui ont fait<br />
fortune, [...]<br />
[...] si nous avons la conviction d’avoir rempli nos <strong>de</strong>voirs, nous<br />
pouvons, avec une bonne conscience, dormir parfaitement tranquilles,<br />
sans nous inquiéter trop du len<strong>de</strong>main ; […]. 110 (GUISAN ;<br />
LAMBERT, 2002. p. 61).<br />
Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> enfatizar, nesta altura, que a <strong>memória</strong><br />
transmitida pelas <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud foi criada no curso <strong>de</strong> uma troca<br />
<strong>de</strong> correspondências com suas irmãs e uma sobrinha na Suíça. Isto<br />
quer dizer, primeiramente, que não foi transmitida uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> úni-<br />
ca, mas uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que se estabeleceu e concretizou-se durante<br />
os quase 20 anos <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> <strong>cartas</strong>.<br />
Em segundo lugar, <strong>de</strong>ve-se levar em conta que as <strong>cartas</strong> são dirigi-<br />
<strong>das</strong> a <strong>de</strong>stinatários muito particulares: familiares que viviam no país <strong>de</strong><br />
sua origem. Por esse fato, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>duzir que a seleção e construção<br />
da <strong>memória</strong> provavelmente foi outra do que teria sido, se as <strong>cartas</strong><br />
tivessem sido dirigi<strong>das</strong> a um amigo brasileiro ou se Michaud tivesse<br />
escrito uma auto-biografia dirigida ao público. Pollak (1992), comenta<br />
a este respeito:<br />
[...] Ninguém po<strong>de</strong> construir uma auto-imagem isenta <strong>de</strong> mudança,<br />
<strong>de</strong> negociação, <strong>de</strong> transformações em função dos outros. A construção<br />
da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é um fenômeno que se produz em referência aos<br />
outros, em referência aos critérios <strong>de</strong> aceitabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong>, e que se faz por meio <strong>de</strong> negociação direta<br />
com outros.[...]. (POLLAK, op. cit. p, 204).<br />
Muitas comparações e avaliações feitas por Michaud, po<strong>de</strong>m ser<br />
entendi<strong>das</strong> sob esta ótica. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte disso, ainda seguindo o ra-<br />
ciocínio <strong>de</strong> Pollak, a construção <strong>de</strong> um sentimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não<br />
po<strong>de</strong>ria mudar muito se o público fosse outro. Isto porque o individuo<br />
constrói sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não somente para os outros, mas principalmen-<br />
te para si mesmo, e por essa razão precisa manter uma coerência:<br />
[...] Po<strong>de</strong>mos portando dizer que a <strong>memória</strong> é um elemento constituinte<br />
do sentimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, tanto individual como coletiva,<br />
na medida que ela também é um fator extremamente importante do<br />
sentimento <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> coerência <strong>de</strong> uma pessoa ou <strong>de</strong> um<br />
grupo em sua reconstrução <strong>de</strong> si. [...]. (POLLAK, op. cit. p, 204).<br />
Com esta interpretação, corrobora também a afirmação <strong>de</strong> Jacy Alves<br />
<strong>de</strong> Seixas (2004), <strong>de</strong> que “a <strong>memória</strong> é ativada visando, <strong>de</strong> alguma forma,<br />
o controle do passado (e, portanto, do presente)”. Para a autora, “toda<br />
<strong>memória</strong> é, fundamentalmente, criação do passado”, uma reconstrução<br />
engajada do passado e que <strong>de</strong>sempenha um papel fundamental na manei-<br />
ra como os grupos reconstroem sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (SEIXAS, 2004, p. 42).<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 41<br />
| História | 2008
A idéia da coerência da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do indivíduo se encontra tam-<br />
bém em Geneviève Koubi (2004). Para ela, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do individuo<br />
é única e verda<strong>de</strong>ira, po<strong>de</strong>ndo mudar <strong>de</strong> aparência em função do am-<br />
biente no qual ela se apresenta:<br />
[...] O indivíduo, condicionado pelo meio, influenciado pelo ambiente,<br />
não tem múltiplas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s segmenta<strong>das</strong>, apenas sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
é revestida por múltiplas facetas culturais e sociais. [...].<br />
(KOUBI, 2004, p. 538).<br />
Quanto à mudança da construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ao longo do tem-<br />
po, percebe-se que Michaud inicialmente tinha uma visão mais positiva<br />
<strong>de</strong> sua vida e sua trajetória em Superagüi. Somente <strong>de</strong>pois da perda<br />
da esposa, do <strong>de</strong>clínio econômico do café e <strong>das</strong> confusões políticas,<br />
sua visão e conseqüentemente sua auto-imagem começaram a <strong>de</strong>te-<br />
riorar, fazendo lugar a um ressentimento profundo. Percebe-se uma<br />
mudança clara <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> em função <strong>das</strong> condições <strong>de</strong> vida.<br />
Po<strong>de</strong>mos dizer, portanto, que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é única num ponto es-<br />
pecífico do tempo – seguindo Pollak e Koubi, mas que ela po<strong>de</strong> mudar,<br />
que afetam o individuo.<br />
Ainda tratando-se do sentimento <strong>de</strong> frustração vivido por Michaud,<br />
po<strong>de</strong>-se verificar que não é um fenômeno individual, mas uma realida-<br />
<strong>de</strong> que atingiu muitos imigrantes europeus. Stella Bresciani (2004), na<br />
coleção “Memória e (Res)Sentimento”, cita a este respeito os autores<br />
Gilberto Freyre e Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda:<br />
[...] Se é certo que nos países <strong>de</strong> clima quente o homem po<strong>de</strong> viver<br />
sem esforço da abundância <strong>de</strong> produtos espontâneos, convém, por<br />
outro lado, não esquecer que igualmente exuberantes são, nesses<br />
países, as formas perniciosas <strong>de</strong> vida vegetal e animal, inimigas <strong>de</strong><br />
toda cultura agrícola organizada e <strong>de</strong> todo trabalho regular e sistemático.<br />
[...]. (FREYRE, ap. BRESCIANI, 2004, p. 412).<br />
De fato, muitos são os trechos nas <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud que contam<br />
<strong>das</strong> adversida<strong>de</strong>s climáticas e <strong>das</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estabelecer uma ati-<br />
vida<strong>de</strong> agrícola organizada, a exemplo da agricultura suíça.<br />
Da mesma forma, Holanda também expressa o risco <strong>de</strong> fracasso:<br />
A tentativa <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong> cultura européia em extenso território,<br />
dotado <strong>de</strong> condições naturais, se não adversas, largamente<br />
estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da socieda<strong>de</strong> brasileira,<br />
o fato dominante e mais rico <strong>de</strong> conseqüências. Trazendo<br />
<strong>de</strong> países distantes nossas formas <strong>de</strong> convívio, nossas instituições,<br />
nossas idéias, timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas<br />
vezes <strong>de</strong>sfavorável e hostil, somos ainda hoje uns <strong>de</strong>sterrados em<br />
nossa terra. [...]. (HOLANDA, ap. BRESCIANI, op. cit. p. 413).<br />
Mesmo sabendo que os ressentimentos <strong>de</strong> Michaud tinham origens<br />
muito mais varia<strong>das</strong>, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> reconhecer que a incessante<br />
luta contra a adversida<strong>de</strong> do clima litorâneo do Paraná foi um dos fatores<br />
frustrantes para ele. Tanto que, provavelmente logo após sua morte, a na-<br />
tureza reconquistou a terra que ele e sua esposa lhe haviam arrancado e<br />
hoje só se vê mata, on<strong>de</strong> uma vez havia cafezais, mandiocais e vinhedos.<br />
FIGURA 13 111 – LICHTSTEINER, Nilva – Baía <strong>de</strong> Superagüi, 2007.<br />
Acervo: Particular, Curitiba - Paraná<br />
1 fotografia col. 16 cm x 8 cm.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 42<br />
| História | 2008
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Um transe sublime e estranho, para refletir sobre minha fantasia,<br />
minha mente humana, que, passiva, agora envia e recebe influências<br />
duradouras, mantendo um incessante intercâmbio com o límpido<br />
universo que a ro<strong>de</strong>ia.<br />
(Percy Bysshe Shelley)<br />
Analisando os conceitos <strong>de</strong> Jô Gondar (2005), po<strong>de</strong>-se argumen-<br />
tar que a <strong>memória</strong> comporta várias significações, mas também que ela<br />
se abre a um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> sistemas simbólicos. Conforme ressal-<br />
ta essa autora, “tanto as palavras orais e escritas, quanto as imagens<br />
<strong>de</strong>senha<strong>das</strong> ou esculpi<strong>das</strong>, po<strong>de</strong>m servir <strong>de</strong> suporte para a construção<br />
<strong>de</strong> uma <strong>memória</strong>.” (GONDAR, 2205, p. 12).<br />
Nesta perspectiva, o objetivo <strong>de</strong>ssa monografia foi analisar o sig-<br />
nificado da produção da <strong>memória</strong> <strong>através</strong> <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> e <strong>das</strong> pinturas<br />
<strong>de</strong> William Michaud, que imigrou ao Brasil em 1849 e estabeleceu-se<br />
em 1854 na colônia <strong>de</strong> Superagüi, junto à baía <strong>de</strong> Paranaguá, após<br />
passar os primeiros dois anos na região do Rio <strong>de</strong> Janeiro e <strong>de</strong> ter<br />
percorrido entre 1851 e 1854 gran<strong>de</strong> extensão do interior do Brasil.<br />
A vida <strong>de</strong> Michaud estava intimamente ligada ao <strong>de</strong>stino da co-<br />
lônia <strong>de</strong> Superagüi, consi<strong>de</strong>rando que estabeleceu-se nesse lugar<br />
dois anos após sua fundação pelo ex-consul da Suíça Charles Perret<br />
Gentil, em 1852, e que ele provavelmente foi o último dos numerosos<br />
imigrantes europeus em Superagüi, on<strong>de</strong> veio a falecer em 1902.<br />
Este fato torna a <strong>memória</strong> transmitida pelas <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud, não<br />
só uma fonte <strong>de</strong> pesquisa valiosa sobre a visão, os motivos e os pensa-<br />
mentos <strong>de</strong> um imigrante europeu no Brasil do século XIX, mas fornece,<br />
a<strong>de</strong>mais, informações úteis sobre a vida na colônia, o clima, as doenças,<br />
o sustento, as ativida<strong>de</strong>s econômicas, a infra-estrutura, etc.<br />
Afinal, trata-se <strong>de</strong> uma passagem da história do Paraná pouco do-<br />
cumentada pelo fato <strong>de</strong> ter sido uma colônia particular, a maioria do<br />
tempo sem apoio oficial, sem a existência <strong>de</strong> uma igreja, administração<br />
ou outro tipo <strong>de</strong> núcleo comunitário. Não obstante, conseguiu <strong>de</strong>sen-<br />
volver-se <strong>de</strong> forma surpreen<strong>de</strong>nte, movida pelo empenho e a persistên-<br />
cia <strong>de</strong> seus habitantes, que contava no seu auge, em 1879, com cento<br />
e cinqüenta casas cujos moradores produziam café, vinho e açúcar,<br />
fabricavam tijolos e possuíam uma serraria, um estaleiro e engenhos<br />
para beneficiar café, arroz, mandioca e cana-<strong>de</strong>-açúcar.<br />
Por meio <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> Michaud, po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r quais po<strong>de</strong>m<br />
ser as eventuais causas que levaram a colônia ao fracasso, quando<br />
relatou sobre questões como o isolamento, o clima <strong>de</strong>sfavorável, a na-<br />
tureza fascinante mas impiedosa e <strong>das</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> obter, com o<br />
cultivo do café, uma produtivida<strong>de</strong> comparável com as plantações do<br />
interior do Paraná, além <strong>das</strong> variações imprevisíveis do preço do café<br />
e da taxa <strong>de</strong> câmbio.<br />
A partir da leitura <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> e <strong>de</strong> fontes <strong>de</strong> terceiros, foi possí-<br />
vel <strong>de</strong>monstrar que Michaud não era um imigrante comum que, como<br />
muitos imigrantes europeus, fugia da pobreza e do rigor do clima para<br />
iniciar uma nova existência nos campos do Novo Mundo. Muito mais,<br />
ele era um entusiasta e aventureiro, atraído por uma visão romântica<br />
do paraíso, <strong>de</strong>scrito por Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda em sua obra “Vi-<br />
são do Paraíso.”<br />
Como membro da classe burguesa Suíça, Michaud recebeu boa<br />
educação e certamente tinha to<strong>das</strong> as possibilida<strong>de</strong>s para levar uma<br />
carreira comercial ou pública que lhe po<strong>de</strong>ria ter conferido uma vida<br />
relativamente tranqüila e confortável. No entanto, escolheu a vida <strong>de</strong><br />
agricultor em Superagüi, e foi por meio <strong>de</strong> suas <strong>cartas</strong> que tornou-se<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 43<br />
| História | 2008
possível obter indícios sobre suas motivações <strong>de</strong> vir para o Brasil e<br />
ficar em Superagüi até o fim <strong>de</strong> sua vida, sem jamais voltar para sua<br />
terra natal.<br />
Após um fascínio inicial pelo <strong>de</strong>sconhecido e a natureza <strong>de</strong>slum-<br />
brante, percebe-se que apesar <strong>de</strong> to<strong>das</strong> as dificulda<strong>de</strong>s, o que o segu-<br />
rou em sua nova pátria foi o amor à sua esposa e filhos, os princípios<br />
<strong>de</strong> perseverança e rigi<strong>de</strong>z herdados com sua origem, o orgulho <strong>de</strong> seu<br />
caráter e a fascinação pela natureza brasileira, que nunca o <strong>de</strong>ixou.<br />
Este último fato se <strong>de</strong>monstrou na análise <strong>de</strong> suas pinturas que, ape-<br />
sar <strong>de</strong> sua pretensão <strong>de</strong> retratar a natureza somente para fins infor-<br />
mativos, revelam sua admiração pela própria, quando cuidadosamente<br />
arranjou os <strong>de</strong>talhes e quando <strong>de</strong>senhou o ser humano em dimensões<br />
minúsculas para simbolizar a majesta<strong>de</strong> da floresta tropical.<br />
A principal fonte <strong>de</strong> pesquisa nesta monografia, foram as <strong>cartas</strong><br />
envia<strong>das</strong> por Michaud a seus familiares na Suíça. Infelizmente, não te-<br />
mos notícias <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> que ele recebeu. A maior dificulda<strong>de</strong> na análise<br />
<strong>das</strong> <strong>cartas</strong> foi a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar as inúmeras informações nela<br />
conti<strong>das</strong>, <strong>de</strong> forma a po<strong>de</strong>r atingir alguma caracterização e classifica-<br />
ção que possibilitasse uma apresentação estruturada <strong>das</strong> principais<br />
idéias, e um diálogo com as fontes teóricas referente aos temas <strong>de</strong><br />
<strong>memória</strong>, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e sentimentos.<br />
Em se tratando <strong>de</strong> <strong>cartas</strong> e não <strong>de</strong> uma obra estruturada como, por<br />
exemplo, uma auto-biografia ou uma resenha, encontramos aspectos ine-<br />
rentes a trocas <strong>de</strong> correspondências: os assuntos po<strong>de</strong>m ser os mais va-<br />
riados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma mesma carta. Elas po<strong>de</strong>m conter, por exemplo, res-<br />
postas e perguntas sobre o bem estar <strong>de</strong> amigos e familiares, comentários<br />
sobre o tempo, relatos sobre eventos <strong>de</strong> cunho social, político e econômi-<br />
co e expressões <strong>de</strong> sentimentos como sauda<strong>de</strong>, alegria ou tristeza.<br />
Foi necessário, portanto, i<strong>de</strong>ntificar assuntos da mesma natureza,<br />
que se repetem, se correspon<strong>de</strong>m ou se contrastam ao longo do tempo<br />
nas diferentes <strong>cartas</strong>. Em conseqüência da i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> similari-<br />
da<strong>de</strong>s, foi realizada uma classificação ou categorização, para <strong>de</strong>pois<br />
discutir os principais temas encontrados em capítulos e tópicos espe-<br />
cíficos. Dentro do escopo <strong>de</strong> uma monografia, obviamente não foi pos-<br />
sível explorar todos os aspectos, mas somente aqueles que pareciam<br />
mais relevantes ou chamaram mais atenção.<br />
Como vantagem principal <strong>de</strong> ter as <strong>cartas</strong> como fonte <strong>de</strong> pesquisa,<br />
po<strong>de</strong>-se mencionar sua autenticida<strong>de</strong>, no sentido que elas normalmen-<br />
te referem-se a assuntos vividos pouco tempo antes. As informações<br />
nelas conti<strong>das</strong>, portanto, não passaram pelo filtro do tempo, que aca-<br />
ba separando o importante do menos importante, eliminando memó-<br />
rias in<strong>de</strong>seja<strong>das</strong> e modificando opiniões originais ao longo do período,<br />
como por exemplo, pela influência <strong>de</strong> uma <strong>memória</strong> coletiva, como bem<br />
<strong>de</strong>screve Maurice Halbwachs.<br />
Em relação à análise <strong>das</strong> <strong>cartas</strong>, po<strong>de</strong>-se diferenciar entre informa-<br />
ções objetivas sobre a vida cotidiana na ilha <strong>de</strong> Superagüi, <strong>de</strong> relatos<br />
subjetivos sobre a avaliação <strong>de</strong> Michaud, sobre a sua condição <strong>de</strong> vida<br />
e a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> segui-la no Brasil. Além disso, suas <strong>cartas</strong> oferecem uma<br />
visão valiosa <strong>de</strong> como eventos históricos interferiram na vida dos colo-<br />
nos, que durante déca<strong>das</strong> viveram intocados <strong>de</strong> disputas políticas.<br />
Em um primeiro ensaio buscou-se traçar o perfil <strong>de</strong> Michaud. Isto<br />
se mostra importante no conjunto da análise, para enten<strong>de</strong>r os motivos<br />
por que ele veio ao Brasil e sua persistência em continuar vivendo na<br />
colônia <strong>de</strong> Superagüi, para enten<strong>de</strong>r melhor o conteúdo <strong>das</strong> suas car-<br />
tas, os objetos <strong>de</strong> suas pinturas e os sentimentos que ele expressou<br />
ao longo da sua vida.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 44<br />
| História | 2008
Foi possível i<strong>de</strong>ntificar que a personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Michaud era marca-<br />
da por serieda<strong>de</strong>, honestida<strong>de</strong> e rigi<strong>de</strong>z. Outro fator perceptível no seu<br />
caráter foi o orgulho que manifestou quando recusava repetidamente<br />
as ofertas <strong>de</strong> ir para a Suíça às custas <strong>de</strong> suas irmãs, por sentir-se<br />
humilhado em aceitar este tipo <strong>de</strong> presente.<br />
I<strong>de</strong>ntificou-se uma aversão <strong>de</strong> Michaud à ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comercian-<br />
te, o que po<strong>de</strong> explicar o fato <strong>de</strong> ele não ter se estabelecido no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro – on<strong>de</strong> teve muitos conhecidos suíços trabalhando com suces-<br />
so no comércio – preferindo se instalar em Superagüi e <strong>de</strong>dicar-se à<br />
agricultura e ao <strong>de</strong>senvolvimento daquela colônia.<br />
A aversão ao comércio po<strong>de</strong> ter se originado no relacionamento<br />
complicado que teve com seu pai, que era comerciante e passava mui-<br />
to tempo viajando a negócios. Em sua adolescência, Michaud possuía<br />
um vínculo bem mais forte com sua mãe, cuja morte prematura em<br />
1844, foi um dos motivos <strong>de</strong> sua partida para o Brasil.<br />
Esta percepção sobre a personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Michaud, transmitida<br />
pela análise <strong>das</strong> <strong>cartas</strong>, pô<strong>de</strong> ser confirmada pelo relato do Viscon<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Taunay, que o <strong>de</strong>screveu como pessoa respeitada, distinguida, inte-<br />
ligente e simpática, mas, ao mesmo tempo, tímida e retraída.<br />
Outro objeto importante <strong>de</strong> análise que buscou-se enfatizar nesta<br />
monografia, a partir da revisão <strong>das</strong> <strong>cartas</strong>, refere-se ao encantamento<br />
vivido pelo autor em sua fase inicial no Brasil. Sérgio Buarque <strong>de</strong> Ho-<br />
landa, em sua obra “Visão do Paraíso”, foi ao encontro <strong>de</strong>sta questão,<br />
a partir dos argumentos apresentados ao longo <strong>de</strong> sua obra, que nos<br />
ajudaram a enten<strong>de</strong>r um pouco mais <strong>de</strong>ssa emoção vivida pelo autor<br />
<strong>das</strong> <strong>cartas</strong>. Buscou-se, em algumas menções pontuais <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> <strong>de</strong><br />
Michaud, avaliar e contrastar ao mesmo tempo esta visão <strong>de</strong> paraíso<br />
inicial a seus olhos e como, paralelamente, ce<strong>de</strong>u lugar a uma visão<br />
mais realista sobre a vida difícil <strong>de</strong> um colonizador, fenômeno também<br />
<strong>de</strong>scrito por Sérgio Buarque em sua “Visão do Paraíso”, ou ainda por<br />
Gilberto Freyre em “Casa Gran<strong>de</strong> & Senzala”.<br />
Desejou-se ressaltar, na seqüência, a questão da <strong>memória</strong> objetiva re-<br />
passada pelas <strong>cartas</strong> autor. Dizemos “objetiva” porque, nestas passagens,<br />
o autor não tinha motivos aparentes para dar uma interpretação emocional<br />
(como no encantamento inicial) ou subjetiva (como na mudança <strong>de</strong> visão)<br />
aos fatos, ou <strong>de</strong> distorcê-los por alguma razão pessoal e emocional.<br />
I<strong>de</strong>ntificamos como <strong>memória</strong> objetiva, as passagens nas <strong>cartas</strong><br />
que trazem informações sobre a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Superagüi e como a<br />
mesma estava estruturada na segunda meta<strong>de</strong> do século XIX, sem que<br />
haja alguma valoração dos fatos por parte <strong>de</strong> Michaud. Refere-se aqui<br />
sobre as <strong>de</strong>scrições do clima sub-tropical, as condições <strong>de</strong> vida pre-<br />
cárias, o isolamento e as doenças epidêmicas, o sustento, as vias <strong>de</strong><br />
comunicação com o mundo externo, etc.<br />
Po<strong>de</strong>mos ainda enten<strong>de</strong>r como <strong>memória</strong> objetiva, os relatos <strong>de</strong>ta-<br />
lhados sobre a cafeicultura no litoral. O plantio do café foi, provavel-<br />
mente, um dos principais motivos para os agricultores se instalarem<br />
em Superagüi, pois era uma ativida<strong>de</strong> que trazia prosperida<strong>de</strong> a várias<br />
outras regiões do país. Têm-se relatos sobre a influência <strong>das</strong> condições<br />
climáticas, sobre o rendimento <strong>das</strong> culturas, a evolução dos preços, o<br />
impacto <strong>das</strong> taxas <strong>de</strong> câmbio e <strong>de</strong> barreiras tarifárias.<br />
Na seqüência da análise, abordou-se um aspecto bem mais subje-<br />
tivo da <strong>memória</strong>. Trata-se <strong>das</strong> passagens <strong>de</strong> reflexão e auto-avaliação,<br />
quando Michaud questionava a si mesmo se sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> vir para o<br />
Brasil e ficar em Superagüi, havia sido correta ou não.<br />
São os momentos mais íntimos e subjetivos da <strong>memória</strong>, gerados<br />
em função <strong>de</strong> sua situação particular. Percebe-se como o entusiasmo<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 45<br />
| História | 2008
<strong>de</strong> um jovem aventureiro transforma-se numa satisfação mo<strong>de</strong>sta com<br />
o resultado <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> trabalho no maduro homem Michaud, em ida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> cinqüenta a sessenta anos, e em amargura e arrependimento no<br />
fim da vida.<br />
Com o tempo, as comparações com o seu país <strong>de</strong> origem ficaram<br />
mais freqüentes com Michaud mostrando remorso por ter trocado a<br />
Suíça pelo Brasil.<br />
Reconhecemos, nessas comparações, a tese <strong>de</strong>fendida por Hal-<br />
bwachs, <strong>de</strong> que a vivência em vários grupos sociais ao longo do tempo<br />
seria a base da formação <strong>de</strong> uma <strong>memória</strong> individual. (HALBWACHS,<br />
1990). Percebemos em várias passagens, como a formação <strong>de</strong> sua me-<br />
mória <strong>de</strong>pendia da <strong>memória</strong> adquirida na Suíça. Além disso, <strong>de</strong>ve-se<br />
consi<strong>de</strong>rar que Michaud ficou estreitamente ligado à <strong>memória</strong> coleti-<br />
va da Suíça, pela leitura periódica dos jornais que lhe enviavam suas<br />
irmãs. Tudo isto corrobora com a afirmação <strong>de</strong> Halbwachs, <strong>de</strong> que a<br />
<strong>memória</strong> individual não está isolada, mas que ela toma como referência<br />
pontos externos ao sujeito.<br />
Verifica-se que a mudança <strong>de</strong> visão <strong>de</strong> Michaud para o negativo,<br />
tem razões materiais e emocionais. Dentre as razões materiais, po<strong>de</strong>-<br />
se i<strong>de</strong>ntificar o <strong>de</strong>clínio econômico em função da <strong>de</strong>terioração dos<br />
preços <strong>de</strong> café e da perda do sustento como professor. Como causas<br />
emocionais, temos o falecimento da esposa, a pilhagem da proprie-<br />
da<strong>de</strong> por tropas republicanas e o isolamento, com a morte dos ami-<br />
gos imigrantes em Superagüi. O arrependimento chegou ao seu auge<br />
quando Michaud consi<strong>de</strong>rou seu tempo no Brasil “anos perdidos,” e<br />
sua vinda, uma tolice motivada pela juventu<strong>de</strong>, num contraste radical<br />
da visão do jovem entusiástico Michaud, vindo para o país dos “croco-<br />
dilos e serpentes.”<br />
Michaud viveu, mais perto do fim da sua vida, uma época agitada<br />
na história do Brasil, que foi a Proclamação da República e a Revolução<br />
Fe<strong>de</strong>ralista do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Com isto, temos uma documentação<br />
interessante, <strong>de</strong> como um cidadão comum viu e viveu esses eventos da<br />
história do Brasil e po<strong>de</strong>mos contrastar a <strong>memória</strong> coletiva ou oficial<br />
sobre estes fatos com uma <strong>memória</strong> individual e subjetiva.<br />
A análise <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> confirma o raciocínio do autor José Murilo<br />
<strong>de</strong> Carvalho (1987), <strong>de</strong> que o imaginário da República difundido pelos<br />
positivistas não teve penetração popular, uma vez que o povo não foi<br />
um agente ativo no processo.<br />
No começo, Michaud era somente um espectador neutro aos acon-<br />
tecimentos, sem um posicionamento claro e mais preocupado com as<br />
conseqüências para a vida <strong>de</strong>le e da colônia, mas as coisas pioraram<br />
com a Revolução Fe<strong>de</strong>ralista do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e a pilhagem da<br />
proprieda<strong>de</strong> por tropas republicanas, que erroneamente tomaram Mi-<br />
chaud como um partidário dos revolucionários.<br />
Essa parte da <strong>memória</strong> relata as conseqüências da revolução para<br />
um cidadão comum, que não tomara partido para nenhum dos lados,<br />
mas mesmo assim teria sofrido gran<strong>de</strong>s prejuízos.<br />
Percebemos claramente a diferença entre a <strong>memória</strong> oficial e a his-<br />
toriografia, que se importa em explicar a seqüência dos eventos, quem<br />
estava <strong>de</strong> qual lado e o porquê <strong>das</strong> coisas, enquanto que na <strong>memória</strong><br />
individual <strong>de</strong> Michaud, importa a conseqüência imediata para a vítima,<br />
sem querer dar explicações ou se per<strong>de</strong>r em análises objetivas.<br />
A leitura <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> é complementada por uma análise <strong>das</strong> pin-<br />
turas <strong>de</strong> Michaud. Embora as pinturas não se expressem <strong>através</strong> <strong>de</strong><br />
palavras, elas são portadoras importantes <strong>de</strong> <strong>memória</strong>s, sentimentos e<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Segundo ressalta Simon Schama (1996), “Vemos o quadro<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 46<br />
| História | 2008
como exterior a nós, embora seja apenas uma representação do que<br />
experimentamos no nosso interior.” (SCHAMA, op. cit. p. 22).<br />
Embora Michaud sempre insistisse que suas obras não tinham valor<br />
artístico, mas apenas ilustrativo, reconhecemos nas suas pinturas e em<br />
seus <strong>de</strong>senhos, elementos artísticos como a criação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no caos<br />
tropical, colocando os objetos no lugar certo, <strong>de</strong>talhando as plantas<br />
além do perceptível a olho nu, criando o cenário <strong>de</strong> uma floresta idílica.<br />
Outro elemento artístico, <strong>de</strong>monstra-se no tamanho minúsculo dos<br />
seres humanos, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sproporcional em relação à natureza. Ele-<br />
mento que, por sinal, é característico para o pintor Rugen<strong>das</strong>.<br />
Sendo assim, nota-se que nas suas pinturas, William Michaud man-<br />
teve sua veia romântica e os olhos do imigrante maravilhado que fora<br />
em seus primeiros dias no Brasil. Parece que a <strong>memória</strong> inconscien-<br />
te <strong>das</strong> pinturas contrasta neste momento com a <strong>memória</strong> consciente,<br />
transmitida pelas <strong>cartas</strong>, mantendo uma visão bem mais positiva da<br />
natureza que o fascinava do começo ao fim.<br />
O intuito <strong>de</strong>ssa monografia foi tentar se aproximar da <strong>memória</strong><br />
<strong>de</strong> William Michaud que, por meio <strong>de</strong> suas pinturas, ganhou reconhe-<br />
cimento tanto em seu país <strong>de</strong> origem, quanto no país <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>stino.<br />
A partir da análise <strong>de</strong> suas <strong>cartas</strong>, foi possível obter acesso às expe-<br />
riências, pensamentos e sentimentos <strong>de</strong> um dos inúmeros imigrantes<br />
que vieram ao Brasil em busca <strong>de</strong> uma nova existência e muitas vezes<br />
também em busca da realização <strong>de</strong> um sonho.<br />
Embora Michaud tenha trabalhado sua vida inteira para cultivar um<br />
pedaço <strong>de</strong>sta terra imensa, para obter o sustento <strong>de</strong> sua família e prova-<br />
velmente com o objetivo <strong>de</strong> atingir um certo nível <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong>, nenhum<br />
vestígio restou, em termos materiais, daquilo que ele criou ao longo da sua<br />
vida. Neste aspecto, po<strong>de</strong>-se dizer que ele se iguala a tantos outros imigran-<br />
tes que vieram para constituir, junto com seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, este país.<br />
Importa dizer, portanto, que o que diferencia Michaud <strong>de</strong> tantos outros<br />
imigrantes cujo <strong>de</strong>stino foi parecido, é o fato <strong>de</strong> ele ter <strong>de</strong>ixado, por meio<br />
<strong>de</strong> suas <strong>cartas</strong> e pinturas, um legado que nos permite, após mais <strong>de</strong> cem<br />
anos, aproximar-nos <strong>de</strong>le e <strong>de</strong> seu tempo. Percebemos assim, a importância<br />
da criação da <strong>memória</strong> e da sua exploração como elemento do ofício da<br />
historiografia. Esta monografia terá atingido seu objetivo, se conseguiu con-<br />
tribuir <strong>de</strong> alguma forma, à apreciação da <strong>memória</strong> <strong>de</strong> William Michaud.<br />
FIGURA 14 – MICHAUD, William.<br />
Canto <strong>de</strong> floresta com brotos em crescimento, [18--?].<br />
Aquarela com relevos <strong>de</strong> guache e <strong>de</strong> verniz, 31,5 x 23,5, cm.<br />
Acervo: Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey – Suíça<br />
Nota: Imagem extraída <strong>de</strong>: GUISAN; LAMBERT, 2002, p. 149.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 47<br />
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FONTES<br />
GUISAN, Marjolaine; LAMBERT, Françoise. William Michaud lettres,<br />
<strong>de</strong>ssins et aquarelles d’un émigrante vaudois au Brésil. Montreux: Im- Im-<br />
primierie Corbaz SA, 2002.<br />
_____. Entrevista concedida a Nilva Lichtsteiner. Vevey, 12 jan. 2006.<br />
SCHERER, Emílio C. Michaud: o pintor <strong>de</strong> Superagüi. Curitiba: Im-<br />
prensa Oficial do Paraná, 1988.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 48<br />
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notas <strong>de</strong> rodapé<br />
1 Eva Dietrich é historiadora da arte, escreveu um capítulo sob o título “Imagens e <strong>cartas</strong> do Brasil” <strong>de</strong>ntro da obra “O sonho da felicida<strong>de</strong>”, on<strong>de</strong><br />
menciona o imigrante William Michaud e a questão do encantamento dos imigrantes europeus com o Brasil no século XIX.<br />
2 Jean-Jaqcues Rousseau (1712-1778): Filósofo, escritor, pedagogo e compositor suíço-francês. Foi um dos mais influentes autores europeus do<br />
século XVIII. Seu romance “A nova Heloísa”, mostra-o como <strong>de</strong>fensor da moral e da justiça divina. (DIETRICH, 2003).<br />
3 TAUNAY, ap. SCHERER, 1988, p. 70.<br />
4 Marjolaine Guisan e Françoise Lambert são historiadoras do Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey – Suíça.<br />
5 Segundo os autores Jayme Antonio Cardoso e Cecília Maria Westphalen, ao regressar à Europa o etnógrafo alemão “Hans Sta<strong>de</strong>n, publicou<br />
na Alemanha, em 1557, sua História e Descrição <strong>de</strong> um País Selvagem, on<strong>de</strong> relata sobre suas viagens, a chegada a Superagüi e o encontro com<br />
moradores portugueses da Ilha <strong>de</strong> São Vicente. Estes eram conhecedores do porto <strong>de</strong> Superagüi, pois afirmaram que a Nau <strong>de</strong> Hans Sta<strong>de</strong>n<br />
<strong>de</strong>via ter um bom piloto, uma vez que eles –, apesar <strong>de</strong> conhecerem bem o porto – com tal tempesta<strong>de</strong> nele não po<strong>de</strong>riam ter entrado. Sta<strong>de</strong>n,<br />
nesta obra, é também o autor do primeiro mapa conhecido da baía <strong>de</strong> Paranaguá. A xilogravura <strong>de</strong> Sta<strong>de</strong>n, além do canal do Superagüi, inclui<br />
com muita proprieda<strong>de</strong> as ilhas <strong>das</strong> Peças, do Mel, da Cotinga, a Rasa da Cotinga, bem como a linha da costa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Pontal do Sul, até a ponta<br />
<strong>de</strong> Caiobá e a entrada da baía <strong>de</strong> Guaratuba”. (CARDOSO; WESTPHALEN, op. cit. p. 26).<br />
6 Sambaquis, ou casqueiros: foram formados pelo <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> restos dos alimentos – por exemplo, conchas, ostras e mariscos –, com mais <strong>de</strong><br />
seis mil anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, consumidos pelos primeiros habitantes <strong>de</strong> Guaraqueçaba, no litoral paranaense. De acordo com VON BEHR, para alguns<br />
autores, “os construtores dos sambaquis viviam no interior e só <strong>de</strong>sciam ao litoral durante o inverno, buscando moluscos para alimentar-se <strong>de</strong>vido<br />
ao escasseamento da caça. As formas e dimensões <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>pósitos variam muito, chegam a atingir vários metros <strong>de</strong> altura e algumas centenas<br />
<strong>de</strong> metros <strong>de</strong> extensão. Ocorrem geralmente sobre as restingas, mas a vegetação que os recobre confun<strong>de</strong>-se totalmente com a vegetação do<br />
entorno. Às vezes, estão bem próximos <strong>de</strong> um mangue; outras, encostados em rochas cristalinas. O ciclo dos sambaquis terminou há aproximada-<br />
mente um milênio. Oferecem inúmeros dados para a interpretação e a cronologia dos aspectos geomorfológicos da região, além <strong>de</strong> serem muito<br />
importantes para o conhecimento da pré-história americana.” (VON BEHR, op. cit. p. 23).<br />
7 A lei <strong>das</strong> sesmarias instituiu-se por D. Fernando <strong>de</strong> Borgonha, em 1375, objetivando estimular o cultivo do solo português. Por essa lei, o pro-<br />
prietário que não produzisse teria <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver as terras recebi<strong>das</strong> à Coroa. No Brasil, com estatuto semelhante ao original, as primeiras doações<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 49<br />
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foram feitas em 1532, enquanto Martim Afonso <strong>de</strong> Sousa estava em São Vicente. Embora nunca se cumpriu a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver à Coroa<br />
as terras não aproveita<strong>das</strong>, no Brasil a sesmaria constituiu-se no gran<strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r da Coroa portuguesa, a quem por direito, perten-<br />
ciam, to<strong>das</strong> as terras. Aos sesmeiros cabia a obrigação <strong>de</strong> ocupar a terra e seu <strong>de</strong>ver único era pagar à Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Cristo o dízimo dos frutos que<br />
colhessem. (REVISTA BRASIL 500 ANOS, n. 2, p.70, 71).<br />
8 A palavra <strong>de</strong> origem indígena, “Kai’sara” servia para i<strong>de</strong>ntificar um completo sistema <strong>de</strong> sobrevivência e proteção. Era a cerca <strong>de</strong> proteção em volta<br />
da al<strong>de</strong>ia e também o curral feito <strong>de</strong> ramos <strong>de</strong> árvore, mergulhado <strong>de</strong>ntro d’água para cercar o peixe; mais tar<strong>de</strong> passou a ser também a palhoça da<br />
praia, utilizada para abrigar canoas e materiais <strong>de</strong> pesca. “Nos dias atuais, o termo é empregado com conotação preconceituosa, tornando urgente o<br />
resgate da verda<strong>de</strong>ira significação do termo, o que trará <strong>de</strong> volta ao pescador o orgulho <strong>de</strong> ser chamado <strong>de</strong> caiçara.” (VON BEHR, op. cit. p. 24).<br />
9 “Mor” é supressão da palavra maior. Capitão-mor era a maior autorida<strong>de</strong> local, e o era por indicação. O mesmo representava o Governo Imperial<br />
e/ou o maior interessado. (STECA; FLORES, op. cit. p. 4).<br />
10 Ressalve-se, segundo as fontes, “o enorme papel colonizador que coube aos imigrantes europeus numa província tão pobre <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra<br />
como era a nossa.” (STECA; FLORES, op. cit. p. 25).<br />
11 “Revolução Industrial correspon<strong>de</strong> a um ‘fato’ou acontecimento [grifo meu] cronológica e geograficamente <strong>de</strong>terminado. Nesse caso,<br />
ela é sinônimo, <strong>das</strong> transformações ocorri<strong>das</strong> na Europa Oci<strong>de</strong>ntal, durante a última parte do século XVIII e a primeira do século XIX, caracteri-<br />
za<strong>das</strong> pelo aparecimento do capitalismo industrial em alguns paises, sendo o aspecto mais notável <strong>de</strong>ssas transformações, sem duvida alguma,<br />
o aparecimento da máquina ou o advento do maquinismo no processo da produção industrial”. (FALCON; MOURA. 1989, p. 32).<br />
12 Agentes como Paravicini, anunciavam o Brasil como sendo o “paraíso terrestre,” utilizavam como meios <strong>de</strong> comunicação, folhetos e jornais.<br />
Um dos principais argumentos para chamar a atenção dos emigrantes, era a proprieda<strong>de</strong> da terra. Para esses emigrantes, possuir terras em<br />
quantida<strong>de</strong>, foi provavelmente, um fator importante na <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> emigrar.<br />
13 Cita-se nos dicionários <strong>de</strong> língua portuguesa – Houaiss, Michaelis, Ferreira, a expressão Mameluco como: s.m B 1: filho <strong>de</strong> índio com branco<br />
ou <strong>de</strong> branco com caboclo/ 2: membro <strong>de</strong> antiga milícia turco-egípcia.<br />
14 Acta Tropica: Publicação internacional editada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1944. É voltada para ciências biomédicas e da saú<strong>de</strong>, com ênfase na saú<strong>de</strong> humana e<br />
animal nos trópicos e sub-trópicos. (HOMEPAGE da Acta Tropica).<br />
15 Walter Bodmer, publicou o artigo : Immigration et colonisation suisses en Amérique du Sud, na Acta Tropica <strong>de</strong> número 2, na Suíça no ano <strong>de</strong> 1988.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 50<br />
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16 “Charles Perret Gentil, adquiriu a proprieda<strong>de</strong>, por ato notarial, em 14 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1852, do inglês David Stevenson e <strong>de</strong> sua esposa Jacinta.<br />
Atuou como tabelião Joaquim Jose <strong>de</strong> Castro e o documento foi legalizado pelo Consulado Geral da Suíça, que firmou o titulo <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><br />
legal”. (SCHERER, op. cit. p.13).<br />
17 Aquele que pagasse to<strong>das</strong> as <strong>de</strong>spesas da passagem e ainda dispusesse <strong>de</strong> dinheiro líquido para a manutenção até a colheita, po<strong>de</strong>ria rece-<br />
ber terrenos em prestação isto é, em parcelas <strong>de</strong> 7,6 hectares (aproximadamente 80 mil metros quadrados). De solo montanhoso fértil, por 40<br />
francos, ou 15 hectares (150 mil metros quadrados), na planície por 60 francos. Para artífices e industriais, na proximida<strong>de</strong> da futura cida<strong>de</strong>,<br />
ou <strong>das</strong> al<strong>de</strong>ias planeja<strong>das</strong>, parcelas <strong>de</strong> 3,3 hectares (aproximadamente 35 mil metros quadrados), por 30 francos. Os casais que, logo <strong>de</strong>pois<br />
da chegada, queriam tornar-se proprietários, po<strong>de</strong>riam adquirir, por pagamento a vista, por 1000 francos, 15 hectares <strong>de</strong> terras já parcialmente<br />
roça<strong>das</strong>. Este número estava limitado as primeiras 150 famílias. (SCHERER, op.cit.).<br />
18 “Alfredo d’Escragnolle, Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taunay (1843-1899), presi<strong>de</strong>nte da província do Paraná durante um ano, entre 1885 e 1886.” (GUISAN;<br />
LAMBERT, op. cit. p. 65). Texto original em francês, tradução livre da autora.<br />
19 “A Revolução Fe<strong>de</strong>ralista explodiu em 1893, no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Os fe<strong>de</strong>ralistas tinham como objetivo combater o governo <strong>de</strong> Floriano Pei-<br />
xoto. Estes queriam que o presi<strong>de</strong>nte governasse <strong>de</strong> uma forma menos centralizadora e que os Estados brasileiros pu<strong>de</strong>ssem ter uma autonomia<br />
maior”. (WACHOWICZ, op. cit. p.165).<br />
20 Le Havre foi fundada pelo rei François em 1517 no canal da mancha – que divi<strong>de</strong> a França e a Inglaterra – ; junto à margem direita do rio Sena, como<br />
cida<strong>de</strong> portuária e militar para fazer face à sua arquiinimiga, a Inglaterra. Com o tempo ganhou importância comercial como porto <strong>de</strong> partida para as<br />
Índias e Antilhas. Virou porto <strong>de</strong> emigração da Europa para as Américas, com a criação da primeira linha <strong>de</strong> conexão regular para Nova York em 1784.<br />
21 Chamada pelos índios <strong>de</strong> Sergipe pelos portugueses <strong>de</strong> as Palmas, passou a ser o Forte Coligny, em função do reduto erigido por Villegaignon,<br />
que aí instalou, em 1555, a França Antártica, então sob o nome <strong>de</strong> Ilha Henri II, homenagem ao rei da França. Hoje a Ilha <strong>de</strong> Villegaignon é ligada<br />
ao continente e é utilizada como campus da Escola Naval.<br />
22 Desta forma Michaud rompeu com o passado, e a forte ligação familiar <strong>de</strong>terminou sua permanência na Ilha até sua morte.<br />
23 “Após a mudança da Monarquia para a República, Michaud trabalhou como presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> mesa nas eleições em Superagüi. Quando um novo<br />
partido assumiu o governo do Paraná, a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mesário, por ele praticada foi interpretada como se ele fosse partidário do governo anterior,<br />
e para molestá-lo retiraram <strong>de</strong>le a escola.” (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 91). Texto original em francês, tradução da autora.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 51<br />
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24 “Manoel Antonio Guimarães (1843-1899), Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nácar, vice-presi<strong>de</strong>nte da província do Paraná em 1873 e 1877, comandante <strong>de</strong> Para-<br />
naguá.” (GUISAN; LAMBERT, op. cit. p. 65). Texto original em francês, tradução da autora.<br />
25 Michaud também era um conselheiro procurado em casos <strong>de</strong> doenças. Possuía alguns livros <strong>de</strong> medicina e tinha conhecimento da aplicação <strong>de</strong><br />
remédios, particularmente os caseiros. Curava muitas pessoas <strong>de</strong> mordi<strong>das</strong> <strong>de</strong> cobras. Como <strong>de</strong>senhista e pintor, foi autodidata, nunca recebeu<br />
instruções artísticas propriamente ditas, <strong>de</strong>pois do ensino normal <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho na escola. Aparentemente não conhecida a mistura <strong>de</strong> tintas. Cria-<br />
va com meios mo<strong>de</strong>stos seus <strong>de</strong>senhos e pinturas, mesmo assim, possuía notável técnica. (SCHERER, op. cit.).<br />
26 As <strong>cartas</strong> <strong>de</strong> William Michaud foram transcritas por Marjolaine Guisan e Françoise Lambert ambas historiadoras do museu histórico <strong>de</strong> Vevey<br />
e foram publica<strong>das</strong> no ano <strong>de</strong> 2002.<br />
27 Deseja-se transmitir a partir <strong>de</strong>sta imagem, uma idéia da forma como Michaud escrevia algumas <strong>de</strong> suas <strong>cartas</strong>. Devido à falta <strong>de</strong> papel, além<br />
<strong>de</strong> utilizar o espaço comum, escrevia sobreposto, na diagonal ou quadriculado.<br />
28 Alfredo d’Escragnolle, Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taunay (1843-1899), presi<strong>de</strong>nte da província do Paraná em 1885 e 1886. Taunay era amigo e admirador <strong>de</strong><br />
Michaud e esta amiza<strong>de</strong> contribuiu para que este, por intermédio <strong>de</strong> jornais da Suíça, do Rio <strong>de</strong> Janeiro e <strong>de</strong> Paris, enviados por Taunay, novamen-<br />
te pu<strong>de</strong>sse estabelecer contato com o mundo exterior. Taunay enviava-lhe também numerosos livros. Eram em sua maioria obras <strong>de</strong> Ciências na-<br />
turais e Filosofia. Além disso, Taunay enviava-lhe do Rio, material <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho, como: papéis especiais, pincéis, tintas, etc. (SCHERER, 1988).<br />
29 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1884, Cara irmã [Emma]<br />
[...] com um pouco mais <strong>de</strong> malícia e audácia eu talvez tivesse me saído melhor, mas estes meios sempre me repugnaram, [...] eles falam fre-<br />
qüentemente dos que fizeram fortuna, mas não se po<strong>de</strong> comparar com a imensa maioria que vegeta e que são talvez mais honestos homens do<br />
que aqueles que fizeram fortuna, [...]<br />
[...] se temos a convicção <strong>de</strong> ter cumprido os nossos <strong>de</strong>veres, po<strong>de</strong>mos, com uma boa consciência, dormir perfeitamente tranqüilos, sem nos<br />
preocupar em <strong>de</strong>masia com o dia seguinte; [...] (GUISAN; LAMBERT, 2002. p. 61). Tradução livre da autora.<br />
30 1º <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1883, Minha Cara irmã [Emma]<br />
Veja você, para que o Estado tenha tal confiança em mim, eu <strong>de</strong>vo tê-la recebido pela minha conduta até agora irrepreensível e exemplar graças<br />
à minha boa educação. [...] Tradução livre da autora.<br />
31 20 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1897, Cara Nancy<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 52<br />
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[...] Eu me recuso a ir para a Suíça, por muitas razões, a principal é que não me convém fazer esta viagem à vossa custa, você compreen<strong>de</strong>rá que<br />
é humilhante para mim. [...] Tradução livre da autora.<br />
32 1º <strong>de</strong> julho 1896, Minha querida Alice<br />
[...] Eu abri um pequeno negócio (loja).[...] Eu vendo todo tipo <strong>de</strong> provisões : charque do Rio De La Plata, toucinho, tabaco, aguar<strong>de</strong>nte, especia-<br />
rias, medicamentos, etc., etc., [...] Veja só, tornei-me um negociante, eu que sempre tive horror ao comércio ! [...] Tradução livre da autora.<br />
33 1º <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1896, Minha querida Alice<br />
[...] Eu me recordo sempre <strong>de</strong> mamãe, sua bonda<strong>de</strong> e sua ternura e que eu amei tanto ! E é principalmente <strong>de</strong>vido a sua morte, que <strong>de</strong>ixei a<br />
Suíça. [...] Tradução livre da autora.<br />
34 9 <strong>de</strong> julho 1899, Minha querida Nancy<br />
[...] O pobre pai tinha pena <strong>de</strong> soltar os cordões da bolsa para extrair algumas moe<strong>das</strong> para mim, sim mas para Henri era outra coisa. [...] Tra-<br />
dução livre da autora.<br />
35 9 <strong>de</strong> junho 1901, Cara Nancy<br />
[...] não se po<strong>de</strong> jamais confiar nas pessoas, mesmo nos filhos ; qual certeza eu posso ter que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> mim, José cumprirá escrupulosamente<br />
o seu <strong>de</strong>ver ? Veja só, há mais <strong>de</strong> meio século eu aprendi a conhecer os homens, às minhas custas, e eu já perdi toda a confiança em suas pro-<br />
messas; [...] Tradução livre da autora.<br />
36 TAUNAY, ap. SCHERER, 1988, p. 70.<br />
37 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro 1890, Cara Nancy<br />
38 18 <strong>de</strong> julho 1892, Cara irmã [Nancy]<br />
Eu tenho recebido os jornais que tu tens me enviado, e que me dão tanto prazer, a mim e aos meus amigos que lêem e que os preferem aos jornais<br />
franceses. [...] Tradução livre da autora.<br />
39 A China do final do século XIX era um país submetido aos interesses <strong>das</strong> principais potências imperialistas. Em 1900, os Boxers, membros <strong>de</strong><br />
uma socieda<strong>de</strong> secreta que praticava o boxe sagrado, iniciaram uma revolta nacionalista contra o domínio dos estrangeiros que exploravam a<br />
China diante da impotência da Dinastia Tsing, que governava o país. Mas acabaram vencidos pelos exércitos <strong>das</strong> potências oci<strong>de</strong>ntais que haviam<br />
se unido contra eles. (AQUINO, 1997, p. 219).<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 53<br />
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40 9 <strong>de</strong> outubro 1900, Minha querida Nancy<br />
[...] Que diríamos na Suíça se os Chineses viessem <strong>de</strong>spoticamente roubar -nos alguns pedaços <strong>de</strong> territórios como os Europeus fazem na<br />
China, e encher-nos <strong>de</strong> bronzes e bu<strong>das</strong>, expulsá-los-íamos impiedosamente! [...] E bem, sou a favor dos Chineses; fazem precisamente o que<br />
faríamos em seu lugar; [...] Tradução livre da autora.<br />
41 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro 1899, Minha querida Emma<br />
[...] Porque nós, na ida<strong>de</strong> dos setenta é o fim do fim, ou a morte; [...] Para os que têm a fé, este termo fatal não é nada, mas para os que como<br />
eu estão tomados <strong>de</strong> dúvi<strong>das</strong>! [...] Tradução livre da autora.<br />
42 Vevey, 28 <strong>de</strong> outubro 1848, Cara irmã [Emma]<br />
43 Rio <strong>de</strong> Janeiro, 12 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1849, Querido pai:<br />
O singular aspecto da cida<strong>de</strong> e o gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> negros que circulam nas ruas me surpreen<strong>de</strong>ram no primeiro dia, mas aquilo rapidamente<br />
passou, parece-me que habito no Rio <strong>de</strong> Janeiro há muito tempo. [...] Tradução livre da autora.<br />
44 Rio <strong>de</strong> Janeiro, 12 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1849, Querido pai:<br />
Tu não fazes idéia da beleza, da magnificência e da riqueza da vegetação no Brasil [...] vê-se por toda a parte, árvores gigantescas cobertas <strong>de</strong><br />
cipó, <strong>de</strong> plantas grimpantes, as flores mais bonitas até o topo, os coqueiros elegantes e muitas outras espécies <strong>de</strong> palmeiras que não conheço,<br />
bananeiras <strong>de</strong> largas folhas, bambus e nogueiras da Índia magníficos no meio da bonita mata à direita e à esquerda da estrada, pequenas casas<br />
<strong>de</strong> campo bem graciosas e brancas como a neve, o que contrasta admiravelmente bem com o ver<strong>de</strong> escuro da mata. [...] Tradução livre da au-<br />
tora.<br />
45 24 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1849, Querido pai:<br />
A colina elevada que vês <strong>de</strong> trás da casa (colina, em português morro) é uma floresta virgem impenetrável, povoada <strong>de</strong> animais <strong>de</strong> to<strong>das</strong> as espé-<br />
cies: onças negras, gatos- tigres, uma espécie <strong>de</strong> gamo, javalis, coelhos, serpentes <strong>de</strong> to<strong>das</strong> as espécies, macacos, papagaios; as mais terríveis<br />
são as serpentes surucuru, a sauroutigu e as jararacas. [...]Tradução livre da autora.<br />
46 Palmital, 24 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1849, Querido pai:<br />
Adotei e Henri também, a vestimenta brasileira, um chapéu do Chile, casaco branco, gran<strong>de</strong>s botas largas; [...] à cavalo tem-se o hábito <strong>de</strong> colo-<br />
car <strong>de</strong>ntro (<strong>das</strong> botas) as pistolas, a faca e a carteira, etc., e na estação <strong>das</strong> chuvas se veste <strong>de</strong> um pedaço <strong>de</strong> pano quadrado, fendido ao meio<br />
para passar a cabeça, chamamos isto, um poncho. [...] Tradução livre da autora.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 54<br />
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47 Palmital, 18 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1849, Querido pai:<br />
[...] Além dos Chineses temos outros conhecidos, que são os cultivadores brasileiros e portugueses e algumas famílias <strong>de</strong> mulatos e <strong>de</strong> indígenas.<br />
Estes são pessoas excessivamente boas e hospitaleiras, a pior raça e mais pérfida é a portuguesa, é pior que os negros; no início da nossa estada<br />
tínhamos imaginado po<strong>de</strong>r levar os negros pela doçura, mas é apenas a gran<strong>de</strong>s golpes <strong>de</strong> chicote que faz-se obe<strong>de</strong>cer. [...] Quanto aos Italianos, já<br />
<strong>de</strong>i uma surra em um <strong>de</strong>les <strong>de</strong> modo que não tenham mais nenhum <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> nos revidar, eles afastaram-se tranqüilamente; estamos acostumados<br />
à idéia <strong>de</strong> estiletes, porque neste país as coisas só se resolvem com faca<strong>das</strong> e tiros, mas nunca abertamente, sempre às escondi<strong>das</strong>, os brasileiros<br />
são <strong>de</strong>masiado covar<strong>de</strong>s. [...] Tradução livre da autora.<br />
48 Refere-se a <strong>memória</strong> verda<strong>de</strong>ira, no sentido que os relatos do autor <strong>das</strong> <strong>cartas</strong> sobre a vida na colônia não são subjetivos, mas relata com<br />
objetivida<strong>de</strong> sobre tudo a sua volta.<br />
49 1º <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro 1883, carta para irmã Emma<br />
Em relação à socieda<strong>de</strong>, nós não temos aqui ninguém, com exceção <strong>de</strong> Louis Durieu <strong>de</strong> Vevey e Sigwalt (Alsaciano), um homem <strong>de</strong> 60 anos bem<br />
instruído, que eu vejo freqüentemente com prazer, os outros são três famílias italianas e os brasileiros, boa gente, mas sem qualquer instrução.<br />
[...] Tradução livre da autora.<br />
50 Superaguy, 20 <strong>de</strong> fevereiro 1886, Cara irmã [Nancy]<br />
[...] Superaguy é uma região e não uma povoação ou al<strong>de</strong>ia, cada um habita sobre o seu terreno, <strong>de</strong>veria antes dizer que Superaguy é uma al<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> duas milhas <strong>de</strong> comprimento. [...] Tradução livre da autora.<br />
51 Superaguy, 25 <strong>de</strong> setembro 1901, Cara Nancy:<br />
[...] não há comparações a fazer; temos tudo o que o país po<strong>de</strong> ofertar em abundância: café, cana-<strong>de</strong>-açúcar, mandioca, legumes e raízes do país,<br />
to<strong>das</strong> as espécies <strong>de</strong> frutos, [...] Tradução livre da autora.<br />
52 Superaguy, 12 <strong>de</strong> setembro 1894, Minha querida Nancy<br />
[...] sobretudo este ano não po<strong>de</strong>mos contar com o nosso café, a colheita foi quase nula, <strong>de</strong>vido à seca <strong>de</strong> novembro, <strong>de</strong>zembro e janeiro passa-<br />
dos. [...] Tradução livre da autora.<br />
53 Superaguy, 28 <strong>de</strong> junho 1897, Minha querida Nancy:<br />
[...] Os negócios no Brasil não vão bem, tudo é excessivamente caro e ven<strong>de</strong>mos o nosso café por um preço irrisório; no ano passado ven<strong>de</strong>mos<br />
a 25.000 réis cada 15 quilos, hoje não recebemos mais que 10.000 [...] Tradução livre da autora.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 55<br />
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54 Superaguy, 18 <strong>de</strong> julho 1898, Cara Nancy<br />
[...] nós fizemos muito boa colheita e os preços quase duplicaram. No ano passado vendíamos a 9.000 réis 15 quilos, neste ano nos foi pago em<br />
Paranaguá 15.000 e nos disseram que irá à 25.000. [...] Tradução livre da autora.<br />
55 Superaguy, 28 <strong>de</strong> junho 1897, Minha querida Nancy<br />
[...] (o franco vale atualmente 1280 réis quando em 1889, valia 338 reis), [...] Tradução livre da autora.<br />
56 Superaguy, 9 <strong>de</strong> junho 1901, Cara Nancy<br />
[...] os gran<strong>de</strong>s centros não exportam <strong>de</strong>vido aos direitos <strong>de</strong> entrada na Europa, é uma guerra <strong>de</strong> tarifas [...] é possível que o governo seja obri-<br />
gado a alterar as tarifas <strong>de</strong> importação da Europa para po<strong>de</strong>r exportar o seu café, se não, será a ruína <strong>das</strong> gran<strong>de</strong>s plantações. [...] Tradução<br />
livre da autora.<br />
57 Boris Fausto, Doutor em Ciências (História) pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />
58 Superaguy, 28 <strong>de</strong> agosto 1901, Querida Emma<br />
Aqui, vai tudo antes mal que bem. O agricultor, nas condições atuais, não po<strong>de</strong> mais viver; é a falência para os gran<strong>de</strong>s estabelecimentos agrí-<br />
colas e a miséria e as privações para a pequena agricultura; não se vê mais dinheiro; tudo é feito à base <strong>de</strong> trocas; é <strong>de</strong>solador. Os gêneros são<br />
bastante baratos, mas não po<strong>de</strong>ndo ven<strong>de</strong>r não po<strong>de</strong>s comprar; temos em abundância tudo o que a terra po<strong>de</strong> dar; falta-nos apenas o dinheiro<br />
que fica cada vez mais raro: o café amadurece, seca e cai da árvore sobre a terra on<strong>de</strong> germina e é perdido, a cana-<strong>de</strong>-açúcar seca sobre o pé,<br />
milhares <strong>de</strong> laranjas caem e apodrecem sobre a terra, a meta<strong>de</strong> <strong>das</strong> bananas apodrecem no pé, a mandioca, temos em abundância, etc. É ao<br />
mesmo tempo a abundância e a miséria. [...] Tradução livre da autora<br />
59 Superaguy, 6 <strong>de</strong> janeiro 1902, Minha querida Emma<br />
[...] como estamos ao limite da zona que produz os cafezais, a produção é bem inferior aqui; mil pés <strong>de</strong> cafezais no Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo<br />
po<strong>de</strong>m dar <strong>de</strong> 100 a 200 arrobas, enquanto aqui são necessários 4.000 pés para colher tanto! Em São Paulo não se faz mais <strong>de</strong> duas colheitas<br />
por ano, e aqui começamos a colher em março para terminar em outubro passando várias vezes pelas mesmas árvores, veja você que economia<br />
<strong>de</strong> tempo para eles e que perda para nós! [...] Tradução livre da autora.<br />
60 Superaguy, 28 <strong>de</strong> fevereiro 1896, Minha querida Emma<br />
[...] Dizes na tua carta, que após tanto anos <strong>de</strong> trabalho, a terra <strong>de</strong>ve ren<strong>de</strong>r neste bom país ou aumentar <strong>de</strong> valor! [...] É precisamente o contrá-<br />
rio; não há comparação possível com a cultura européia, on<strong>de</strong> as velhas terras produzem apenas à força <strong>de</strong> adubos químicos. Aqui quanto mais<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 56<br />
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cultivas e colhes, mais a terra enfraquece. Colheitas sucessivas, sem <strong>de</strong>volver à terra o que se per<strong>de</strong> anualmente, arruínam-na. Desta forma<br />
somos obrigados a fazer continuamente novas plantações em terrenos virgens. [...] Tradução livre da autora.<br />
61 Superaguy, 25 <strong>de</strong> setembro 1901, Cara Nancy<br />
[...] não há comparações a fazer; temos tudo o que o país po<strong>de</strong> ofertar em abundância: café, cana-<strong>de</strong>-açúcar, mandioca, legumes e raízes do<br />
país, to<strong>das</strong> as espécies <strong>de</strong> frutos, as laranjas e os limões apodrecem sobre a terra e per<strong>de</strong>m-se todos os anos aos milhares, [...] Tradução livre<br />
da autora.<br />
62 Superaguy, 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro 1884, Querida irmã [Nancy]<br />
[...] este país é um paraíso para as pobres pessoas honestas e trabalhadoras, eles viverão na abundância, e não terão que temer estes longos<br />
invernos da Europa tão frios e terríveis para os pobres [...] Tradução livre da autora.<br />
63 Superaguy, 20 <strong>de</strong> fevereiro 1886, Cara irmã [Nancy]<br />
[...] Uma <strong>das</strong> principais vantagens aqui é que não conhecemos o inverno, a casa, a ma<strong>de</strong>ira, o peixe (para os que habitam a beira mar ou rios), a<br />
caça nada custa, apenas o esforço <strong>de</strong> ir atrás. O imposto territorial é pouco por hectare! que <strong>de</strong>svantagens para proletários que perecem <strong>de</strong> frio<br />
e fome durante os longos invernos da Europa tão penosos para eles! [...] Tradução livre da autora.<br />
64 Superaguy, 17 <strong>de</strong> março 1889, Querida irmã [Nancy]<br />
Os estrangeiros no Brasil, sobretudo nas zonas quentes, não envelhecem. Esta mudança <strong>de</strong> clima, <strong>de</strong> alimento e <strong>de</strong> costumes influencia consi<strong>de</strong>-<br />
ravelmente a sua saú<strong>de</strong>, a transpiração contínua enfraquece muito. É necessário ser muito sóbrio e não se entregar à bebida, o que infelizmente<br />
é o vício geral aqui. [...] Tradução livre da autora.<br />
65 Superaguy, 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro 1884, Cara irmã [Nancy]<br />
[...] vês por conseguinte que neste país privilegiado, as flores e os frutos suce<strong>de</strong>m-se continuamente todo o ano; [...] mas há também o verso da<br />
medalha: [...] a dificulda<strong>de</strong> para criar o gado, <strong>de</strong>vido a vampiros que sugam seu sangue e causam úlceras, on<strong>de</strong> as moscas e os vermes <strong>de</strong>posi-<br />
taram suas larvas. [...] Tradução livre da autora.<br />
66 Auguste <strong>de</strong> Saint-Hilaire, viajante naturalista francês que passou pelo Paraná no século XIX. Saint- Hilaire <strong>de</strong>screveu sobre várias províncias,<br />
distritos e comarcas brasileiras. Sua atenção era voltada principalmente para a natureza e para a história e a organização humana, <strong>de</strong>ntro dos<br />
mais variados espaços. Escreveu sobre o homem, a mulher, a cultura, o trabalho, a socieda<strong>de</strong>, a paisagem, o relevo, a fauna e a flora.<br />
67 20 <strong>de</strong> maio 1884, Querida irmã [Emma]<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 57<br />
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[...] As febres intermitentes que reinaram e que reinam ainda sobre todo o litoral são muito agressívas e mataram muitas pessoas, sobretudo crian-<br />
ças; não há famílias que não contam pelo menos três ou quatro pacientes; pensava que estas febres atacavam preferivelmente os estrangeiros;<br />
mas vejo que é o contrário, porque to<strong>das</strong> as famílias brasileiras contam com maior número <strong>de</strong> pacientes que nós. [...] Tradução livre da autora.<br />
68 Superaguy, 15 <strong>de</strong> fevereiro 1897, Cara Emma<br />
Estive muito doente durante cerca <strong>de</strong> oito dias com violentas dores no estômago, creio que era uma gastrite aguda ou um problema <strong>de</strong> coração;<br />
eu me auto-mediquei <strong>de</strong> acordo com os meus livros <strong>de</strong> medicina e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> alguns dias encontrava-me ligeiramente melhor. Não se po<strong>de</strong>m com-<br />
prar medicamentos na farmácia <strong>de</strong> Paranaguá sem or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> médicos, o que é para nós muito <strong>de</strong>sagradável, porque po<strong>de</strong>m apresentar-se casos<br />
on<strong>de</strong> não se tem o tempo <strong>de</strong> ir procurar um médico, ou é impossível embarcar um paciente para atravessar a baía. [...] Tradução livre da autora.<br />
69 Superaguy, 30 <strong>de</strong> janeiro 1892, Minha querida Nancy<br />
[...] Já <strong>de</strong>ves saber que Louis Durieux, irmão da senhorita Louise Durieux, morreu aqui <strong>de</strong> uma congestão pulmonar seguida <strong>de</strong> uma gripe<br />
mal cuidada. [...] To<strong>das</strong> as minhas crianças estiveram com sarampo, esta maldita gripe, que não se <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o país e que já matou<br />
meio mundo [...]<br />
70 A peste era causada pela introdução da yersinia pestis, como forma <strong>de</strong> bacilo, na pele do indivíduo. A introdução ocorria <strong>através</strong> da picada<br />
da pulga do rato portadora do bacilo. Este <strong>de</strong>senvolvia-se no local da picada progredindo para os gânglios linfáticos próximos do local on<strong>de</strong> se<br />
introduziu. (UJVARI, 2003).<br />
71 Superaguy, 12 <strong>de</strong> março 1902, Cara irmã [Emma]<br />
[...] Nancy a quem escrevi um <strong>de</strong>stes dias passados já <strong>de</strong>ve ter te contado que a peste está em Paranaguá, ou pelo menos alguma outra do-<br />
ença que arrasa as pessoas em 24 horas, da qual poucos escapam. Aqui pessoa alguma vai mais a Paranaguá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Carnaval temendo o<br />
contágio. Estamos tão próximos <strong>de</strong> Paranaguá e não temos nenhuma informação precisa! Os médicos são mudos como carpas; dizem que é a<br />
peste, outros dizem que é tífus negro! O que é certo é que a cida<strong>de</strong> foi abandonada pelas famílias que pu<strong>de</strong>ram fazê-lo a tempo. [...] Tradução<br />
livre da autora.<br />
72 Superaguy, 18 <strong>de</strong> março 1902, Minha querida Nancy<br />
[...] Eu creio já haver-te dito que fomos visitados (em Paranaguá) por uma epi<strong>de</strong>mia; hoje sabemos que é a peste. Ignora-se ainda como chegou<br />
a Paranaguá, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> provém e qual navio a importou; o que primeiramente chamou a tenção, foram os numerosos ratos encontrados mortos<br />
pela manhã em algumas ruas. O que certo é, que pelo momento, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> Fevereiro tudo está parado, que Paranaguá foi abandonada por<br />
várias famílias, e muitas pessoas morreram; que todos os negócios estão parados, e que daqui nenhuma pessoa foi mais à cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 7 <strong>de</strong><br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 58<br />
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Fevereiro. Há quem diga que esta doença é muito violenta; 24 horas e é o fim! [...] Tradução livre da autora.<br />
73 Superaguy, 1 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro 1883, Minha querida irmã [Emma]<br />
[...] Nós temos, minha esposa e eu, agüentado bem e nos encorajado um ao outro todos os dias para vencer to<strong>das</strong> as dificulda<strong>de</strong>s e po<strong>de</strong>r criar<br />
nossa numerosa família, [...] e graças à nossa perseverança, melhoramos nossa situação, <strong>de</strong> modo que estamos melhor agora do que há 10 anos.<br />
[...] Tradução livre da autora.<br />
74 20 <strong>de</strong> maio 1884, Cara irmã [Emma]<br />
[...] parecia-me que à beira do mar estaria mais perto dos amigos e sobretudo do país, no entanto minhas opiniões mudaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, e<br />
talvez tivesse feito melhor se tivesse permanecido em Goiás; [...] então, trabalhamos tranqüilamente, somos econômicos e gozamos do restante<br />
<strong>de</strong> nossa vida tanto quanto possível [...] Tradução livre da autora.<br />
75 Superaguy, 20 <strong>de</strong> fevereiro 1886, Querida irmã [Nancy]<br />
[...] antigamente eu jamais aconselharia a algum compatriota que viesse ao Brasil, mas atualmente creio que seria vantagem para aqueles que<br />
não têm futuro na Suíça, vir fixar-se aqui nesta província ou em Santa Catarina ou no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. [...] Tradução livre da autora.<br />
76 Superaguy, 17 <strong>de</strong> fevereiro 1890, Cara Nancy<br />
[...] aqui em Superaguy até agora, ainda não percebemos a mudança pacífica <strong>de</strong> regime, [...] Tradução livre da autora.<br />
77 Superaguy, 30 <strong>de</strong> junho 1890, Cara Nancy<br />
[...] é belo uma árvore coberta <strong>de</strong> botões e <strong>de</strong> flores, <strong>de</strong> frutos ainda ver<strong>de</strong>s e vermelhos, as bagas maduras, não se vê isto na Suíça! Mas prefiro<br />
ainda o nosso bonito país com o seu conforto; apesar do seu inverno, as suas neves e sobretudo o maldito frio [...] Tradução livre da autora.<br />
78 Superaguy, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro 1890, Minha querida Nancy<br />
[...] guar<strong>de</strong> minhas <strong>cartas</strong> para você e não as publique; não quero influenciar pessoa alguma a vir ao Brasil. Se pu<strong>de</strong>sse voltar atrás, eu certa-<br />
mente não <strong>de</strong>ixaria a Suíça por nenhum país do mundo. É bom viajar, ver todos os países do mundo, apesar <strong>de</strong> to<strong>das</strong> as <strong>de</strong>lícias do Brasil, para<br />
um suíço, a Suíça ainda é preferível; [...] Tradução livre da autora.<br />
79 Superaguy, 21 <strong>de</strong> junho 1896, Cara Nancy<br />
[...] Que bons anos perdidos aqui no Brasil, e que teríamos podido passar juntos; mas a juventu<strong>de</strong> é tola como tudo, e não aceita conselhos. [...]<br />
Tradução livre da autora.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 59<br />
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80 Superaguy, 9 <strong>de</strong> julho 1899, Minha querida Nancy<br />
[...] Que te direi <strong>de</strong> nós e da vida neste Superagüi triste, continua a mesma monotonia aborrecedora! [...] Tradução livre da autora.<br />
81 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1899, Minha querida Emma<br />
[...] Porque nós na ida<strong>de</strong> dos setenta, é o fim ou a morte, que não é mais do que o enfraquecimento <strong>das</strong> forças do organismo, quando ele nos<br />
empurra docemente ao fim fatal, ou a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong>finitiva on<strong>de</strong> cada elemento retorna à sua origem ; resta a alma ! [...] Tradução livre da<br />
autora.<br />
82 Superaguy, 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro 1884, Querida irmã [Nancy]<br />
O governo procura todos os meios para estimular a emigração. Penso que será estabelecido um ca<strong>das</strong>tro <strong>de</strong> terras, e também que serão <strong>de</strong>-<br />
creta<strong>das</strong> algumas leis que <strong>de</strong>verão favorecer a emigração, como a naturalização, a liberda<strong>de</strong> religiosa, o casamento civil, etc... Quando tudo<br />
isto estiver bem organizado, os emigrantes po<strong>de</strong>rão vir, mesmo nossos vinhateiros para plantar em vinhedos nas encostas que beiram a baía <strong>de</strong><br />
Paranaguá. [...] Tradução livre da autora.<br />
83 No 13 <strong>de</strong> Novembro, fomos honrados com a visita do presi<strong>de</strong>nte da província (que representa a Sua Majesta<strong>de</strong> na província), Sua Excelência o Sr.<br />
Alfredo <strong>de</strong> Escragnolle Taunay (<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Con<strong>de</strong>s franceses emigrados no Brasil em 1793); como presi<strong>de</strong>nte da província, ele visitou to<strong>das</strong> as<br />
colônias e por isso ele fez a viagem a Superagüi, nós o recebemos tão bem como pu<strong>de</strong>mos e creio que ele ficou bastante lisonjeado com nossa recep-<br />
ção. Ele passou todo o dia conosco, sobretudo comigo, informou-se <strong>de</strong> tudo com uma solicitu<strong>de</strong> que eu não esperava encontrar em um personagem<br />
tão bem colocado, e que se <strong>de</strong>nominou como “melhor amigo dos colonos”, discurso no jantar, a noite baile; ele partiu no dia seguinte <strong>de</strong> manhã para<br />
Paranaguá. No que me diz respeito: aumentou-me o pagamento <strong>de</strong> professor, fundou um Clube <strong>de</strong> imigração em Superagüi, nomeando meu amigo<br />
Sigwalt presi<strong>de</strong>nte e a mim secretário. Fundou em Superagüi e arredores um novo distrito <strong>de</strong> polícia separado do da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Guarakessaba e<br />
nomeou-me sub<strong>de</strong>legado <strong>de</strong> policia, mas recusei em favor dos filhos <strong>de</strong> Siegwalt, que não po<strong>de</strong>m ocupar tantos empregos; estabeleceu uma agência<br />
<strong>de</strong> correio, e eu sou encarregado, <strong>de</strong> modo que atualmente o correio <strong>de</strong> Paranaguá venha aqui a cada <strong>de</strong>z dias; [...] Tradução livre da autora.<br />
84 Superaguy, 17 <strong>de</strong> fevereiro 1890, Cara Nancy<br />
A proclamação da República brasileira surpreen<strong>de</strong>u um pouco a todos aqui como na Europa, foi como uma peça teatral. [...] Aqui em Superaguy<br />
até agora, nós ainda quase não percebemos a mudança pacífica <strong>de</strong> regime, e Deus queira que continue assim até que a organização seja com-<br />
pleta. Espero que as reformas <strong>de</strong>creta<strong>das</strong> pelo governo provisório sirvam para algo <strong>de</strong> bom e para o aproveitamento do povo e do país. Quanto à<br />
uma restauração monárquica não se espera muito, penso que é impossível, pois o povo está <strong>de</strong>masiado contente em ser livre e único árbitro <strong>de</strong><br />
seu <strong>de</strong>stino. [...] Tradução livre da autora.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 60<br />
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85 Acontecia durante o período da República, uma série <strong>de</strong> transformações sociais, econômicas, políticas e i<strong>de</strong>ológicas, visto que várias idéias<br />
eram trazi<strong>das</strong> da Europa, como o positivismo, socialismo, liberalismo e anarquismo. (CARVALHO, op.cit).<br />
86 Superagüi, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro 1890, Minha querida Nancy<br />
Quase não nos apercebemos da mudança política, tudo está tranqüilo e os negócios andam bem, e creio que doravante o governo, que é muito<br />
mais severo que aquele da monarquia, fará muito em prol da moralida<strong>de</strong> e da or<strong>de</strong>m. [...] Tradução livre da autora.<br />
87 Superagüi, 29 <strong>de</strong> maio 1891, Cara irmã [Nancy]<br />
Esta proclamação da República <strong>de</strong>ixou tudo confuso e os negócios não estão ainda em um estado estável e normal; Superagüi, que, há muito<br />
tempo, não é mais colônia, mas um distrito, é dividido em categoria. Para as eleições dos <strong>de</strong>putados no Congresso do Estado, tivemos nossas<br />
eleições aqui em casa, e não na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Guarakessaba e fui nomeado presi<strong>de</strong>nte do escritório e responsável <strong>das</strong> eleições. [...] Tradução livre<br />
da autora.<br />
88 Superaguy, 30 <strong>de</strong> janeiro 1892, Minha querida Nancy<br />
[...] Como <strong>de</strong>ves ter lido nos jornais, muito aqui está em <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, já não temos mais que revolução sobre revolução; [...] todos querem gover-<br />
nar e ninguém quer obe<strong>de</strong>cer. Nosso distrito <strong>de</strong> paz foi abolido, todos os empregados foram substituídos e penso que vão também retirar-me<br />
a escola. Além disso, tudo está horrivelmente caro, o Brasil republicano <strong>de</strong>sacreditado no estrangeiro e não sei como tudo isso acabará. [...]<br />
Tradução livre da autora.<br />
89 Superaguy, 18 <strong>de</strong> julho 1892, Querida irmã [Nancy]<br />
Des<strong>de</strong> a minha última carta, ocorreram muitos eventos políticos que terás já visto pelos jornais. Com estas mudanças, perdi a minha escola! No<br />
entanto não creias tu que misturei-me à política, pelo contrário <strong>de</strong>i as costas para todos esses eventos, mas como fui nomeado no ano passado<br />
juiz <strong>de</strong> paz e em duas eleições, fui o presi<strong>de</strong>nte da mesa, o governo atual crê que represento um partido político, e para molestar-me retirou-me<br />
a escola. [...] Tradução livre da autora.<br />
90 Paranaguá, 23 <strong>de</strong> julho 1894, Cara Nancy<br />
Recebi sua última carta, a <strong>de</strong> Janeiro, em Junho passado. O atraso <strong>de</strong>ve-se à revolução. [...]<br />
O Superagüi anteriormente tão tranqüilo viu rugir sobre ele os trovões, eu e os meus dois filhos fomos <strong>de</strong>tidos e postos na prisão; nossa inocência<br />
foi imediatamente reconhecida, nos <strong>de</strong>ixaram dormir lá, mas pobre irmã que estragos fizeram em nossa casa! muitas coisas <strong>de</strong>sapareceram! Não<br />
fazes nenhuma idéia do que sofremos, felizmente aqui em Paranaguá encontramos boas pessoas e muito complacentes. Meus filhos retornaram<br />
a Superagüi a fim <strong>de</strong> tranqüilizar minha esposa e minhas filhas, eu retornarei amanhã, ou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhã. [...]<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 61<br />
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Escreverei mais tar<strong>de</strong> para dar-te os <strong>de</strong>talhes, por hoje, eu paro por aqui. A<strong>de</strong>us cara irmã. [...] Tradução livre da autora.<br />
91 Superaguy, 12 <strong>de</strong> setembro 1894, Minha querida Nancy<br />
Escrevi <strong>de</strong> Paranaguá para dizer-te que saí da prisão com meus dois filhos, a minha não participação nos acontecimentos políticos foi reconhecida<br />
pelo comandante da guarnição <strong>de</strong> Paranaguá. Soubeste pelos jornais os acontecimentos que se suce<strong>de</strong>ram no Brasil, Rio <strong>de</strong> Janeiro e nos 3<br />
Estados do Sul. Os navios no Rio <strong>de</strong> Janeiro revoltados contra o governo da República uniram-se aos fe<strong>de</strong>ralistas do Rio Gran<strong>de</strong> e, chamados<br />
pelos chefes <strong>de</strong> oposição do Paraná, vieram conquistar este Estado e inverter o governo. Dominaram este Estado durante três meses, vivendo<br />
às custas dos habitantes e pilhando cida<strong>de</strong>s, al<strong>de</strong>ias, e exigindo contribuições em dinheiro! Estes são os patriotas que vieram salvar a pátria do<br />
<strong>de</strong>spotismo. Belos salvadores! [...] Tradução livre da autora.<br />
92 Superaguy, 12 <strong>de</strong> setembro 1894, Minha querida Nancy<br />
[...] Ao fim <strong>de</strong> três meses, o governo do Rio <strong>de</strong> Janeiro retornou com força, por terra e por mar, então todos os que estavam implicados ou<br />
comprometidos direta ou indiretamente, foram <strong>de</strong>tidos (houve os que não se salvaram) e aprisionados, e também muitos inocentes foram soltos.<br />
Os soldados, em sua maioria negros, enviados a Superagüi para <strong>de</strong>ter as autorida<strong>de</strong>s nomea<strong>das</strong> pelos revolucionários, pren<strong>de</strong>ram sem razão<br />
(erroneamente) e saquearam as casas dos <strong>de</strong>tidos, eu e meus dois filhos estivemos no meio dos injustiçados. [...] Tradução livre da autora.<br />
93 Superaguy, 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro 1894, Minha querida Nancy<br />
[...] Desejei dar-te mais <strong>de</strong>talhes, mas vivemos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong>gradante <strong>de</strong> espionagem que é necessário tomar cuidado, mesmo que<br />
aparentemente tudo esteja mais calmo, há quem diga que escrevendo po<strong>de</strong>mos nos comprometer, e este sistema e mesmo a repressão da<br />
imprensa são as causas pelas quais o governo republicano, em vez <strong>de</strong> fazer-se gostar pela mo<strong>de</strong>ração, torna-se odioso, mesmo aos seus par-<br />
tidários. [...] A<strong>de</strong>us ao bom tempo, quando governava o sábio D. Pedro! Este feliz tempo jamais retornará para o Brasil; hoje não valemos mais<br />
que as outras repúblicas da América do Sul que se arruínam em guerras civis. [...] Tradução livre da autora.<br />
94 Superaguy, 8 <strong>de</strong> junho 1896, Cara irmã [Emma]<br />
[...] Ofereceram-me a escola, com a condição <strong>de</strong> votar no governo; mas minha cara, estou <strong>de</strong>cidido a abster-me da política, neste caso eu prova-<br />
velmente não serei nomeado. No nosso Estado do Paraná, os empregados não são nomeados por suas aptidões ou talentos, mas antes por suas<br />
opiniões políticas. [...] Tradução livre da autora.<br />
95 Superaguy, 15 <strong>de</strong> fevereiro 1897, Cara Emma<br />
[...] Os empregos aqui também são procurados como na Suíça. [...] Paranaguá é repleta <strong>de</strong> jovens pessoas que brigam por lugares nos escri-<br />
tórios, ou empregos no governo e os lugares são unicamente para os protegidos do governo, todos os que estão em oposição, ou tidos como<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 62<br />
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opositores, são excluídos sistematicamente <strong>de</strong> qualquer emprego. [...] Tradução livre da autora.<br />
96 Superaguy, 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro 1899, Minha querida Emma<br />
[...] estamos ainda honrados <strong>de</strong> ter por presi<strong>de</strong>nte da República um homem <strong>de</strong> elite que terminará bem com a perseverança que o caracteriza<br />
colocando or<strong>de</strong>m nos negócios, mas como os Estados são autônomos, o governo fe<strong>de</strong>ral não po<strong>de</strong> interferir no Paraná, exceto em alguns casos<br />
excepcionais, mencionados pela Constituição. [...] Tradução livre da autora.<br />
97 Superaguy, 9 <strong>de</strong> outubro 1900, Minha querida Nancy<br />
[...] Sabes que não tenho mais a escola, nomearam um indivíduo <strong>de</strong> uma ignorância extrema, por ser <strong>de</strong>voto ao partido que está no po<strong>de</strong>r; tem<br />
apenas dois alunos, leciona somente um dia <strong>de</strong> seis por semana, e recebe seu pagamento regularmente, o governo não o ignora, mas o <strong>de</strong>ixa<br />
fazer; po<strong>de</strong>s ter uma idéia a que grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>smoralização chegou este Estado do Paraná! Em Curitiba todos os dias ocorre o mesmo, roubos e as-<br />
sassinatos, e fecha-se os olhos e tapa-se os ouvidos, porque os assassinos e os ladrões são amigos do governo! [...] Tradução livre da autora.<br />
98 O autor Jacques Le Goff agrega para o conceito <strong>de</strong> <strong>memória</strong> a seguinte <strong>de</strong>scrição: “Fenômeno individual e psicológico, a <strong>memória</strong> liga-se tam-<br />
bém à vida social. Esta varia em função da presença ou da ausência da escrita e é objeto da atenção do Estado que, para conservar os traços <strong>de</strong><br />
qualquer acontecimento do passado, produz diversos tipos <strong>de</strong> documento/monumento, faz escrever história, acumular objetos. [...] As direções<br />
atuais da <strong>memória</strong> estão, pois, profundamente liga<strong>das</strong> às novas técnicas <strong>de</strong> cálculo, <strong>de</strong> manipulação da informação, do uso <strong>de</strong> máquinas e instru-<br />
mentos, cada vez mais complexos.” (LE GOFF, 2003, p. 419).<br />
99 Superaguy, 15 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1896, Cara Nancy<br />
[...] Se essas pinturas não possuem nenhum valor artístico, elas representam fielmente a vegetação daqui. [...] Tradução livre da autora.<br />
100 Superaguy, 16 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1896, Cara Emma<br />
[...] Não pretendi fazer uma obra <strong>de</strong> mestre, mas <strong>de</strong>sejei apenas representar as árvores e algumas plantas e parasitas do país on<strong>de</strong> vivo <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
tantos anos. [...] Tradução livre da autora.<br />
101 Superaguy, 17 <strong>de</strong> abril 1897, Minha querida Alice<br />
Estou contente em saber que meus <strong>de</strong>senhos te agradaram; porque é unicamente nesta intenção que os <strong>de</strong>senhei e <strong>de</strong> forma alguma com a<br />
pretensão <strong>de</strong> fazer admirar o meu talento que é muito medíocre. [...] Tradução livre da autora.<br />
102 Henri Doge (1822-1883), filho <strong>de</strong> Samuel Alexandre Doge, vinhateiro em Vevey, era amigo <strong>de</strong> infância <strong>de</strong> Michaud.<br />
103 20 <strong>de</strong> maio 1884, Cara irmã [Emma]<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 63<br />
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[...] Estes planos me valeram – após meu regresso à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Goiás – a honra <strong>de</strong> ser recebido pelo presi<strong>de</strong>nte da província que <strong>de</strong>sejava co-<br />
nhecer o jovem homem que havia <strong>de</strong>senhado estes planos; ele queria reter-me em Goiás como mestre <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho e <strong>de</strong> língua francesa, [...]<br />
Tradução livre da autora.<br />
104 As informações aqui argumenta<strong>das</strong> têm como referência, uma entrevista informal concedida pelas historiadoras à autora em 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />
2007, em visita ao Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey – Suíça.<br />
105 Superaguy, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro 1890, Minha querida Nancy<br />
[...] nós estamos na primavera até o 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro quando começará o verão para nós; como já o disse, nossas árvores estão cobertas <strong>de</strong> flo-<br />
res; nas florestas, lá tem lilás, amarelo ouro, azuis e vermelhos <strong>de</strong> to<strong>das</strong> as nuances, po<strong>de</strong>ria-se crer que estamos no paraíso, por último as flores<br />
suce<strong>de</strong>m-se umas às outras até o mês <strong>de</strong> Maio, atualmente os cafezais estão cobertos <strong>de</strong> flores brancas como as flores <strong>de</strong> jasmim; em frente a<br />
nossa casa temos to<strong>das</strong> as espécies <strong>de</strong> flores e arbustos do país que estão flores. [...] Tradução livre da autora.<br />
106 As informações aqui argumenta<strong>das</strong> têm como referência, uma entrevista informal concedida pelas historiadoras à autora em 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />
2006, em visita ao Museu Histórico <strong>de</strong> Vevey – Suíça.<br />
107 Superaguy, 17 <strong>de</strong> abril 1897, Minha querida Alice<br />
Vi várias pinturas e aquarelas mo<strong>de</strong>rnas e pareceu-me que suas cores são ligeiramente exagera<strong>das</strong>. Há muito lilás ou violetas para o segundo<br />
plano e nas paisagens à distância, mas apesar <strong>de</strong> minha boa vonta<strong>de</strong> não vejo estas cores na natureza. É verda<strong>de</strong> que a sombra é ligeiramente<br />
azul-violeta, mas não como os pintores dos quais falaste a representam. Compreendo que é preferível pintar a natureza a traços largos, é mais<br />
fácil porém, menos natural e são as convenções da moda que exigem-no. [...] Tradução livre da autora.<br />
108 O pintor Augsburger (Alemanha) Johann Moritz Rugen<strong>das</strong> (1802- 1858), conseguiu do ponto <strong>de</strong> vista estético, a representação mais perfeita<br />
da harmonia original entre homem e natureza. Em sua obra Forêt du Brésil estilizou a floresta selvagem e seus habitantes vivendo uma nu<strong>de</strong>z<br />
inocente criando uma nova imagem do jardim do É<strong>de</strong>n. Assim como nas obras <strong>de</strong> William Michaud, nas pinturas <strong>de</strong> Rugen<strong>das</strong> o homem também<br />
aparece minúsculo <strong>de</strong>ntro da majesta<strong>de</strong> da floresta. (DIETRICH, 2003. p. 77).<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 64<br />
| História | 2008
109 As citações usa<strong>das</strong> neste capítulo são da conferência “Memória e I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> Social”, proferida no CPDOC e transcrita e traduzida por Mo-<br />
nique Augras.<br />
110 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1884, Cara irmã [Emma]<br />
[...] com um pouco mais <strong>de</strong> malícia e audácia eu talvez tivesse me saído melhor, mas estes meios sempre me repugnaram, [...] eles falam fre-<br />
qüentemente dos que fizeram fortuna, mas não po<strong>de</strong>mos comparar com a imensa maioria que vegeta e que são talvez mais honestos homens do<br />
que aqueles que fizeram fortuna, [...]<br />
[...] se temos a convicção <strong>de</strong> ter cumprido os nossos <strong>de</strong>veres, po<strong>de</strong>mos, com uma boa consciência, dormir perfeitamente tranqüilos, sem nos<br />
preocupar em <strong>de</strong>masia com o dia seguinte; [...] (GUISAN; LAMBERT, 2002. p. 61). Tradução livre da autora.<br />
111 A partir <strong>de</strong>ssa imagem fotografada recentemente po<strong>de</strong>-se fazer uma comparação com a imagem da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Michaud, no século XIX,<br />
exposta na página 20, figura 3, <strong>de</strong>ssa monografia.<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 65<br />
| História | 2008
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| História | 2008
ANEXOS<br />
ANEXO 1<br />
CARTA ENVIADA DO RIO DE JANEIRO EM 12 DE MARÇO DE 1849<br />
ANEXO 2<br />
DOIS HOMENS À CAÇA COM CAVALO E CÃO<br />
ANEXO 3<br />
CARAVANA DE MULAS PASSANDO EM FRENTE A UMA VENDA DA PROVÍNCIA DE MINAS<br />
ANEXO 4<br />
O CAMINHO DA COLINA<br />
ANEXO 5<br />
PLANTA DE FOLHAGEM VERMELHA DENTRO DO JARDIM<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 70<br />
| História | 2008
ANEXO 6<br />
PLANTA EPIPHITE DE COR AMARELA<br />
ANEXO 7<br />
MACIÇO DE BAMBO<br />
ANEXO 8<br />
MUSEU HISTÓRICO DE VEVEY - SUÍÇA<br />
ANEXO 9<br />
MUSEU HISTÓRICO DE VEVEY ENTREVISTA COM MARJOLAINE GUISAN E FRANÇOISE LAMBERT<br />
Monografias - Universida<strong>de</strong> Tuiuti do Paraná 71<br />
| História | 2008