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Para se desopilar o fígado: aporias e soluções ao se traduzir ... - USP

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Piccolo, Alexandre Prudente - <strong>Para</strong> <strong>se</strong> <strong>desopilar</strong> o <strong>fígado</strong>: <strong>aporias</strong> e<br />

<strong>soluções</strong> <strong>ao</strong> <strong>se</strong> <strong>traduzir</strong> Alphon<strong>se</strong> Allais<br />

de página que expliquem o trocadilho, já que propõe um outro, algo similar. A<br />

despeito da ligeira vulgarização no texto ou da afronta à “norma culta” 14 em<br />

português, a passagem pode <strong>se</strong>r compreendida (assim me parece...) com<br />

clareza e funcionar a contento no texto, pre<strong>se</strong>rvando um quê da graça inicial.<br />

Eis como Umberto ECO enuncia:<br />

Traduzir significa <strong>se</strong>mpre “cortar” algumas das con<strong>se</strong>qüências que o<br />

termo original implicava. Nes<strong>se</strong> <strong>se</strong>ntido, <strong>ao</strong> <strong>traduzir</strong> não <strong>se</strong> diz nunca a<br />

mesma coisa. A interpretação que precede cada tradução deve<br />

estabelecer quantas e quais das possíveis con<strong>se</strong>qüências ilativas que o<br />

termo sugere podemos cortar. (...) Mas a negociação nem <strong>se</strong>mpre é<br />

uma tratativa que distribui perdas e ganhos com equanimidade entre<br />

as partes em jogo. Também posso considerar satisfatória uma<br />

negociação em que concedi à contraparte mais do que ela me<br />

concedeu e contudo, considerando meu propósito inicial e sabendo que<br />

já parti em condições de nítida desvantagem, considerar-me<br />

igualmente satisfeito. (ECO, 2007: 107)<br />

Trocadilho de técnica similar <strong>se</strong> encontra em “O criminoso precavido.”<br />

Ao invadir uma joalheria, o assaltante é surpreendido pelo dono da loja, um<br />

inocente paspalhão (tipo que talvez recordas<strong>se</strong> nosso ‘português’ das piadas).<br />

Mesmo tendo sido pego em flagrante, o ladrão con<strong>se</strong>gue, <strong>se</strong>m perder a calma<br />

e com muita sagacidade, matar o proprietário que o apanhara. A fra<strong>se</strong> final<br />

do conto funciona como uma espécie de gatilho para a graça da história,<br />

confirmando a esperteza (melhor: a precaução, anunciada no título) do<br />

gatuno. Entretanto, no meio da narrativa, por duas vezes <strong>se</strong> lê no texto<br />

francês a expressão sac ad hoc, que o leitor atento (e conhecedor do latim ad<br />

hoc) pode associar <strong>ao</strong> aspecto prevenido do ladrão, que, afinal, levara consigo<br />

uma bolsa ‘especial’ para guardar as joias roubadas. Ora, podem-<strong>se</strong> <strong>se</strong>parar os<br />

<strong>se</strong>ntidos (<strong>ao</strong> menos dois) sobrepostos na expressão da <strong>se</strong>guinte maneira:<br />

14 Afinal, quem vai, vai a (e não em), dirão os puristas.<br />

TradTerm 18/2011.1, pp. 209-235 – www.usp.br/tradterm<br />

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