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Quatro estrelas e uma cidade: o Rio espectral de Lima Barreto ...

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Marques Rebelo<br />

parada, como se não soubesse para on<strong>de</strong> ir. Era<br />

ela mesmo, a <strong>de</strong>sgraçada não tinha morrido!<br />

Meu Deus, ficou mais negra e mais feia!<br />

Saber que sua mãe ainda estava viva fez o<br />

coração <strong>de</strong> Salete doer <strong>de</strong> infeli<strong>cida<strong>de</strong></strong>. E se<br />

Luiz a visse? Pior ainda, se um dia aquela<br />

negra aparecesse na frente <strong>de</strong> Alberto<br />

dizendo “eu sou a mãe <strong>de</strong> Salete”? Novamente<br />

afundou no assento, com medo <strong>de</strong><br />

que a mãe olhasse para o lotação e a visse<br />

lá <strong>de</strong>ntro. (Fonseca, 1990, p.161)<br />

Observemos como Salete é <strong>de</strong>sequilibrada<br />

pelo possível reconhecimento <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

(<strong>de</strong> suas origens), perante o olhar masculino. 7<br />

A superação da subalternida<strong>de</strong>, curiosamente,<br />

não se dá com sua relativa ascensão social,<br />

<strong>uma</strong> vez que realiza sua <strong>de</strong>pendência dos<br />

homens a quem agrada, engana e dissimula,<br />

como nos ensinamentos da cafetina D. Floripes.<br />

O “fantasma <strong>de</strong> sua mãe”, nos termos do<br />

narrador distanciado, vem assombrar sua<br />

ilusória inserção social, igualmente <strong>espectral</strong>,<br />

porque calcada na negação do que ela também<br />

é e <strong>de</strong> como também po<strong>de</strong> ser reconhecida:<br />

Aproximou o rosto do espelho. Ela gostaria<br />

muito <strong>de</strong> ser loura e ter olhos azuis, como aquela<br />

mulher, e como aquela mulher saber encarar<br />

os outros, como a loura fizera ao olhar para<br />

ela, da porta. Agora, contemplava bem <strong>de</strong> perto<br />

seu rosto refletido no espelho. Os olhos eram<br />

muito redondos, todo mundo dizia que olhos<br />

bonitos eram os olhos amendoados; as<br />

sobrancelhas muito grossas e negras, o nariz<br />

muito comprido, a boca muito gran<strong>de</strong>. Por<br />

que Deus a fizera tão feia assim? O que a salvava<br />

era o corpo. (I<strong>de</strong>m, p.82)<br />

146 Revista <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> Janeiro, n. 20-21, jan.-<strong>de</strong>z. 2007<br />

Na construção do feminino, via <strong>de</strong> regra, raça<br />

e classe social alternam-se, ambos <strong>de</strong>finindo<br />

estigmas e não-lugares sociais:<br />

Salete disse que <strong>de</strong>sejava inscrever-se no<br />

curso <strong>de</strong> secretariado. Foi informada <strong>de</strong> que<br />

as matérias do curso eram português, estenografia,<br />

matemática e datilografia. Havia<br />

um curso noturno e outro diurno. Para<br />

matricular-se o candidato tinha que possuir<br />

o certificado <strong>de</strong> conclusão do ginásio.<br />

O rosto <strong>de</strong> Salete ficou vermelho ao ouvir<br />

isso. Agra<strong>de</strong>ceu e saiu rapidamente.<br />

Ficou nervosa no hall esperando o elevador<br />

chegar. Estava certa <strong>de</strong> que a recepcionista<br />

ao ver o rubor <strong>de</strong> seu rosto <strong>de</strong>scobrira tudo,<br />

que ela tinha cursado apenas o primário,<br />

não tinha nenhum certificado <strong>de</strong> conclusão<br />

do ginasial para mostrar (...)<br />

Ao chegar à rua sentiu um gran<strong>de</strong> consolo<br />

ao notar que os homens viravam a cabeça<br />

para vê-la passar. (I<strong>de</strong>m, p. 36-7)<br />

O momento climático do assassinato <strong>de</strong> Salete<br />

por Chicão aponta, estranhamente, para <strong>uma</strong><br />

reconciliação irônica <strong>de</strong>sta cisão. Espontaneamente<br />

tendo promovido o reencontro com<br />

sua mãe, voltando à sua casa no Morro do Tuiuti,<br />

Salete reconhece publicamente <strong>uma</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

que fora forçada a apagar. Nas mãos <strong>de</strong> seu<br />

assassino, dias <strong>de</strong>pois, ouve “surpresa” que sua<br />

beleza é associada ao seu rosto, o suporte da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, até então repudiada por ela:<br />

“Detesto matar <strong>uma</strong> mulher bonita”, disse<br />

Chicão.<br />

“Salete olhou surpresa para o assassino.<br />

“Você me acha bonita mesmo? Jura?” (...)

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