ENTREVISTA/WALTER RODRIGUES Fazer jornalismo ... - Fae
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<strong>ENTREVISTA</strong>/<strong>WALTER</strong> <strong>RODRIGUES</strong><br />
<strong>Fazer</strong> <strong>jornalismo</strong> independente é ter disposição para o sacrifício<br />
Rodolfo Tiengo<br />
O Projeto Memória.Com entrevistou Walter Rodrigues, editor do semanário Colunão,<br />
durante o 4º Encontro Nacional de História da Mídia, realizado em São Luís (MA). Walter<br />
é jornalista conhecido por imprimir postura radical ao modo como faz <strong>jornalismo</strong>. Após<br />
enfrentar problemas com diretores de jornais e forças políticas locais, ele decidiu criar seu<br />
jornal pessoal, Colunão. Walter defende que a publicação representa um modo<br />
independente de fazer <strong>jornalismo</strong>. O jornalista publica matérias e artigos periodicamente no<br />
blog http://walter.rodrigues.zip.net.<br />
Memória.Com - Como surgiu a idéia de publicar o Colunão?<br />
Walter Rodrigues - O Colunão surgiu depois das várias vezes em que eu tinha coluna<br />
política nos jornais e esta acabava por causa de censura. Era censurado e saía para outro. Eu<br />
tive coluna no jornal Imparcial e no jornal O Debate. Em ambos os casos houve censura,<br />
com origem na influência do senador José Sarney sobre esses jornais. Depois eu fiz um<br />
acordo com o Jornal Pequeno, que era tradicionalmente contra o Sarney e que tinha certa<br />
abertura no noticiário. Ou seja, admitia notícias que não fossem do exclusivo interesse da<br />
corrente política a que se vinculava. Então nós fizemos uma coluna lá, que depois de algum<br />
tempo se transformou no Colunão. Era um encarte dentro do Jornal Pequeno, como se<br />
fosse um outro jornal dentro do jornal. Saía uma vez por semana, num acordo de absoluta<br />
autonomia editorial. Era assim que funcionava. Eu respondia a todos os processos contra<br />
mim. E sempre consegui fazer com que a Justiça reconhecesse a tese de que o único<br />
responsável era eu e não o editor do jornal.<br />
Memória.Com - Algum motivo para escolher esse nome para o jornal?<br />
Walter - Eu tinha feito um suplemento uma vez que, de forma tola, batizei de WR Jornal,<br />
porque todo mundo me chamava de WR. Quando eu lancei fiz uma coluna dentro desse<br />
suplemento que se chamava Colunão. E as pessoas achavam engraçado e começaram a<br />
chamar o jornal de Colunão. E como eu sempre admiti que a voz do povo é a voz de Deus,
quando eu o relancei, coloquei o nome. Esse acordo durou anos no Jornal Pequeno, até que<br />
um governador eleito pelo Sarney, José Reinaldo, com uma oposição feroz e até irracional<br />
ao Jornal Pequeno, depois que assumiu brigou com o Sarney e cooptou o jornal pela via do<br />
excesso de publicidade. Por exemplo, o jornal circulava às vezes com 16 páginas, sendo<br />
quatro de publicidade do governo. Quer dizer, isso é doação de recursos públicos. Então, o<br />
Jornal Pequeno passou a adotar uma linha de considerar que qualquer crítica ao governo<br />
era contra seus interesses. E como esse negócio de dinheiro na mão é um vício maior que<br />
cocaína, então depois de um tempo o jornal começou a fazer todo tipo de transação com<br />
gente ruim, inclusive um prefeito do interior conhecido como grileiro de terras e assassino<br />
de posseiros. E nessa confusão eles acabaram me comunicando que não me queriam mais.<br />
Então eu tive que levantar acampamento e após alguns meses em que fiquei tentando<br />
construir uma alternativa, resolvi lançar o Colunão em vôo solo. Aí fiz uma outra<br />
numeração. Comecei do número 1 de novo.<br />
Memória.Com - Como foi a receptividade?<br />
Walter - A receptividade das pessoas é ótima. Os leitores e os assinantes são muito<br />
carinhosos porque o que mais me impressiona é o sujeito fazer a assinatura, pagar, não<br />
receber o jornal e ligar para reclamar quase pedindo desculpa de estar reclamando. Eu fico<br />
até envergonhado porque tenho vontade de pegar o carro e levar o jornal na casa da pessoa.<br />
Tem gente que pergunta: “Qual é a banca perto de minha casa que tem o jornal, porque o<br />
jornal não tem chegado aqui”. A tiragem é de quatro mil exemplares. E a distribuição é em<br />
São Luis, Caxias e Imperatriz.<br />
Mas a distribuição é difícil por aqui. Quando eu comecei, procurei o distribuidor que fazia<br />
circular o jornal do Sarney, que tem uma distribuição mais organizada. Estava tudo certo, já<br />
estava quase saindo do escritório, quando ele me fez a terrível pergunta: “Mas nesse jornal<br />
não vai ter nada que possa me criar problema, vai?”. Aí eu disse que podia criar problema<br />
pra qualquer um, pois o jornal é independente. Então ele disse que precisaria consultar o<br />
pessoal.<br />
Dessa consulta ao pessoal ele jura que não disseram para ele não aceitar, mas que ele<br />
chegou à conclusão de que não deveria aceitar. Eu tive que contratar um serviço próprio de
distribuição. No primeiro número distribuímos 25% das assinaturas; 75% nós não<br />
distribuímos. Aí arranjei um outro distribuidor, o atual, que melhorou muito, mas está<br />
precário. E como a gente não tem dinheiro pra contratar distribuição alternativa, isso acaba<br />
sendo um verdadeiro inferno. Tem dia que eu nem durmo preocupado com isso.<br />
Memória.Com - Qual o perfil do leitor do Colunão?<br />
Walter - Estudantes ainda são poucos porque é incrível como estudantes lêem pouco<br />
jornal, mesmo estando no curso de Comunicação. Muitos políticos, funcionários públicos,<br />
advogados, promotores, de modo que o jornal consegue ser influente, mas corre o risco de<br />
matar o editor antes do número dez. [o jornal estava no número cinco quando a entrevista<br />
foi concedida]. Matar o editor de exaustão, porque 95% do meu tempo eu dedico a<br />
atividades que não são jornalísticas. Eu faço o jornal num estado de estresse terrível. Ainda<br />
tem o estresse do outro dia de notar os erros de revisão, o título que saiu trocado. Você<br />
enlouquece com isso. E quando chega na segunda-feira começa a loucura do sujeito que<br />
não recebeu assinatura.<br />
Memória.Com - Como o jornal sobrevive?<br />
Walter - Nós temos um acordo de parceria. O jornal não fixou a linha de que ele não quer<br />
publicidade. Nós apenas fixamos uma declaração de princípios que diz qual é nossa<br />
constituição, nossa opinião, nosso ponto de vista sobre uma porção de coisas, o que nós não<br />
publicamos. Nós esclarecemos que toda publicidade precisa ser identificada. Não<br />
admitimos a chamada matéria paga, que é uma falsificação — esse negócio de cercadura<br />
para identificar o anúncio é código de jornalistas, mas o leitor não sabe. Então fazemos esse<br />
tipo de coisa e abrimos que aceitamos publicidade. Na verdade a única publicidade que nós<br />
temos é de sindicatos que divulgam seus informativos com a assinatura. Foi num acordo<br />
que nós fizemos em uma reunião em que fiz questão de chamar pessoas do PSOL, PT,<br />
outros do PC do B e disse: “Vocês podem escrever o que vocês quiserem, inclusive contra<br />
mim, eu só espero que vocês não briguem entre si dentro do Colunão, mas se brigarem não<br />
me chamem como mediador”. O jornal é quase inteiramente feito por mim. Mas tem
colaboradores. A minha vontade é que haja mais colaboradores. Não há vontade de que eu<br />
seja o único redator, distribuidor.<br />
Memória.Com - O que é <strong>jornalismo</strong> independente para você?<br />
Walter - Em primeiro lugar, o <strong>jornalismo</strong> independente é uma coisa bastante simples. É<br />
que você não receba ordem, orientação de nenhum grupo político, nem mesmo dos grupos<br />
com os quais você pode simpatizar. Ou seja, se um jornal recebe orientação do PT, pode até<br />
ser um excelente jornal se o PT tiver excelentes propostas, mas ele não é um jornal<br />
independente. Só pode ser independente se a linha editorial do jornal for baseada em<br />
princípios e não em facções. O que quer dizer em princípios. Exemplo, você tem uma linha<br />
de princípio contra a tortura ou contra a fraude a licitações. Então é claro que uma notícia<br />
de fraude em licitações deve sair no jornal independentemente de quem for o acusado.<br />
Assim como você tem que ter a capacidade de poder entrevistar qualquer líder político,<br />
qualquer deputado, qualquer prefeito, qualquer governador, independentemente de você<br />
achar que ele é o pior sujeito do mundo ou o melhor. Entrevistar sempre de forma<br />
equilibrada, ou seja, você não pode nem fazer da entrevista um pelotão de fuzilamento nem<br />
um levantamento de bola para aquele que você simpatiza. O jornalista independente tem<br />
que estar disposto a eventualmente a atritar-se com todos os grupos políticos.<br />
Memória.Com - O jornalista independente não é imparcial?<br />
Walter – Não. Isso está bem definido em nossa carta de princípios, que estabelece o<br />
seguinte: ser independente não significa dizer que você não tenha posição sobre as coisas.<br />
Por exemplo, eu tenho posição a favor do MST na sua luta contra os grandes proprietários<br />
rurais. Isso é uma posição clara do Colunão, não se esconde de ninguém. Entretanto, se<br />
aparece um caso objetivo de saber se tal fazendeiro foi morto pelo MST ou não, o jornalista<br />
tem que encarar aquilo como fato. Nada justifica sonegar a informação para o leitor. Nada<br />
justifica você assumir o papel e dizer “é melhor que o leitor não saiba disso que ele pode<br />
entender errado”. Não. Você dá a informação e se você simpatiza com o MST, você tem<br />
que mostrar que um episódio isolado não define o que é certo e o que é errado na reforma
agrária. Você não pode falsificar o episódio isolado em benefício de uma tese maior por<br />
mais generosa que ela seja.<br />
Memória.Com - <strong>Fazer</strong> <strong>jornalismo</strong> independente é viável no Brasil?<br />
Walter - Acho que sim. Você tem que ter uma certa disposição para o sacrifício, porque se<br />
você não estiver disposto a se sacrificar um pouco se torna tão difícil de fazer, tão<br />
desagradável. E acho também que é uma questão de know how. Eu estou fazendo isso desta<br />
maneira pela primeira vez. Não se faz igual em Santa Catarina, em São Luis ou no Acre.<br />
Cada lugar tem um jeito. E esse jeito envolve questões como se faz para ter menos custo,<br />
para ter mais alcance. Agora mesmo eu acertei mais uma parceria. Eu vou entregar uma<br />
página do Colunão para os estudantes de Comunicação da UFMA. Eu só inventei o título<br />
Campus de Batalha. Feito isso eu disse: “Vocês fazem uma reunião e definem o que acham<br />
que deve ser uma página dos estudantes de Comunicação no Colunão. Deve ser uma página<br />
sobre a universidade? Façam. Sobre o Iraque, então falem do Iraque. Ou vocês querem<br />
fazer uma geléia geral de tudo que preocupa vocês? Vocês definem. Eu posso ser<br />
conselheiro solicitado, mas também não precisam me perguntar se não quiserem. E podem<br />
ter a posição que quiserem sobre qualquer assunto”. Vou colocar na primeira página um<br />
preço mais barato para o campus e eles se encarregam de distribuir lá. E o que o jornal<br />
vender no campus a gente divide. É uma parceria viável. Eles estão muito interessados<br />
nisso. Eles têm um jornal laboratório na universidade que esporadicamente sofre<br />
interferências do reitor.