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475 O PRELÚDIO DO GOLPE CIVIL E MILITAR NO BRASIL Dayane ...

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RESUMO<br />

O <strong>PRELÚDIO</strong> <strong>DO</strong> <strong>GOLPE</strong> <strong>CIVIL</strong> E <strong>MILITAR</strong> <strong>NO</strong> <strong>BRASIL</strong><br />

<strong>Dayane</strong> Cristina Guarnieri<br />

Prof. Hernan Ramiro Ramirez (Orientador)<br />

O trabalho desenvolve-se, principalmente, em torno da análise do estágio<br />

final do governo Goulart ou dos acontecimentos preliminar ao golpe civil e<br />

militar de 1964, que encerra com o período democrático. Por meio dos<br />

periódicos Ultima Hora e Jornal do Brasil, realizou-se a seleção de<br />

acontecimentos que ocorreram em março de 1964 registrados nos<br />

impressos, com o objetivo de perfazer momentos que antecedem o golpe,<br />

para compreender a repercussão dos eventos nos jornais. Com o auxílio<br />

das fontes citadas investiga-se os fatores da instabilidade política e da<br />

intensificação dos conflitos, assim como a possível disseminação do<br />

discurso golpista, com a intenção de recepcionar um golpe reacionário ou<br />

impedir a suposta o reeleição de Jango. Sobretudo, antes da escolha dos<br />

eventos foi de suma importância conhecer o processo de construção do<br />

político Goulart, para saber quais as bases que alicerçavam sua postura<br />

política e como suas idéias e convicções se refletiram na presidência da<br />

República e na sociedade. A partir de referências como Moniz Bandeira,<br />

Caio Navarro Toledo, Marieta Ferreira, Rodrigo de Sá Motta e Oswaldo<br />

Munteal, buscou-se, conhecer com o complemento mútuo, entre a<br />

bibliografia e os periódicos caracterizar os últimos instantes da recente<br />

democracia..<br />

Palavras-Chave: Goulart, Periódicos, Golpe.<br />

<strong>475</strong>


IMPASSES <strong>DO</strong> GOVER<strong>NO</strong> GOULART<br />

Jango governa o Brasil em um período de intensas lutas por<br />

interesses, conquista de direitos, ou permanência de privilégios no âmbito<br />

nacional no qual, grupos percebem que poderiam ganhar espaço na esfera<br />

política e assim obter a concessões de suas reivindicações. Em um cenário<br />

de anseios, os particulares e proclamação de direitos gerais, Goulart se<br />

encontra pressionado, pelos conservadores que o considerava “uma<br />

ameaça, pois seu governo possibilitaria a entrada do comunismo no país e<br />

a instauração da Republica Sindicalista” 269 e pelas forças de esquerda<br />

“ressaltava sua ausência de liderança de esquerda capaz de agregar e<br />

neutralizar os segmentos radicais”. 270<br />

Motta (2006) interpreta a volta do presidencialismo, por meio do<br />

plebiscito, como uma vitória de Goulart, sua imagem contraditória, que<br />

oscilava entre o habilidoso e o desastrado agora se característica pela<br />

esperteza.<br />

[...] O novo quadro despertou a esperança de<br />

que a situação melhorasse, uma vez que as<br />

sucessivas crises do período parlamentarista<br />

ficariam para trás e o presidente poderia de<br />

fato exercer seu mandato. Porém o retorno do<br />

presidencialismo também suscitou temores de<br />

que a crise social e a política pudessem se<br />

agravar e especialmente, de que Goulart<br />

viesse a manifestar tendências políticas<br />

consideradas perigosas. 271<br />

Na concepção de Bandeira (2001) Goulart dividi a vitória do<br />

plebiscito que lhe garantiria a presidência com o PSD (Partido Social<br />

Democrata), o que orientou seu a composição do ministério<br />

269 FERREIRA, Marieta de Moraes. João Goulart entre a memória e a história. Rio de Janeiro: FGV, 2006.<br />

p.11.<br />

270 Ibid. , p. 22<br />

271 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Jango e o Golpe de 1964 na Caricatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p.58.<br />

476


presidencialista Hermes Lima, Francisco San Tiago Dantas, João<br />

Magabeira, Celso Furtado, Almino Afonso e muitos outros com tendência<br />

centro-esquerda. 272 O período que delimita o governo presidencialista do<br />

governo Goulart de 23 de janeiro de 1963 a 31 de março de 1964 é<br />

repleto de conflitos que dificultam sua administração, dentre eles o quadro<br />

político em que Jango toma posse, contribui para dificultar a<br />

administração do governo.<br />

A crise de “representatividade” dos partidos<br />

políticos evidenciava-se por alguns sintomas<br />

característicos; nas duas ultimas eleições,<br />

verificou-se tanto um aumento do número de<br />

votos em brancos e nulos [...], como o<br />

número de alianças e coligações (em alguns<br />

estados, assistiu-se à formação de<br />

“esdrúxulas” alianças entre o PTB e UDN; 47%<br />

dos eleitos pela Câmara Federal vieram de<br />

coligações). 273<br />

Toledo (1991) aborda o surgimento da Frente Parlamentar<br />

Nacionalista (FPN) e da Ação Democrática Parlamentar (ADP) que<br />

“surgirão na cena política com o propósito de articular, respectivamente,<br />

“progressistas” e “conservadores” que atuavam nos diferentes partidos<br />

políticos”. 274 Essas organizações suprapartidárias demonstram a crise de<br />

representatividade dos anos 60.<br />

Outros agravantes que dificultaram a administração de Jango era<br />

a crise econômico-financeira marcada pelo déficit internacional, a inflação<br />

e retração do crescimento. É importante ressaltar que a situação de<br />

bancarrota econômica que o país enfrentava não se manifestou<br />

precisamente no momento do governo Jango mais era uma herança de<br />

272<br />

BANDEIRA Luiz Alberto Moniz. O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil (1961-1964). 7. ed.<br />

Rio de Janeiro: Revan, 2001.<br />

273<br />

TOLE<strong>DO</strong>, Caio Navarro Junior. O Governo Goulart e o Golpe 64. 11. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1991, p.<br />

69.<br />

274 TOLE<strong>DO</strong>, op. cit. , p. 71.<br />

477


outros governos, “desde o governo de JK a expansão acelerada da<br />

economia agravou as contas externas”: 275<br />

O plano trienal, concebido por Celso Furtado para implantação no<br />

início de 1963, pretendia liquidar esses problemas, no entanto, ele não<br />

obteve resultados satisfatórios, pois previa a contenção dos salários do<br />

funcionalismo público e dependia da concessão de créditos do governo<br />

estadunidense. “Porém pressões da esquerda contra os aspectos<br />

impopulares das medidas e as negociações com os EUA levaram o<br />

governo a abandonar o plano, e as medidas de enfrentar os desafios<br />

econômicos foram postergados”. 276<br />

O Plano Trienal esbarrava em uma contradição, o movimento<br />

operário e o próprio Goulart não simpatizavam com a idéia de compressão<br />

dos salários para restabelecer a cálculo econômico, pois obviamente<br />

prejudicaria os trabalhadores, o que inviabilizava a política financeira de<br />

Celso Furtado e San Tiago Dantas, o governo Goulart e a democracia. 277<br />

O confronto entre o movimento sindical e os conservadores, dificultava a<br />

administração do Governo Goulart:<br />

A participação políticas das lideranças sindicais<br />

horrorizava a sensibilidade conservadora, que<br />

considerava inaceitável e perigosa a<br />

transformação dessas figuras em atores<br />

políticos de prestígio. Os temores eram ainda<br />

mais intensos graças a percepção de que o<br />

governo Goulart dava cobertura às ações dos<br />

sindicalista em troca de apoio político. Na<br />

realidade tratava-se de uma aliança<br />

construída, nos anos anteriores, especialmente<br />

no período em que Jango foi ministro do<br />

Trabalho de Vargas (de junho de 1953 a<br />

275 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Jango e o Golpe de 1964 na Caricatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p.<br />

92-93.<br />

276 MOTTA, loc cit.<br />

277 BANDEIRA Luiz Alberto Moniz. O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil (1961-1964). 7. ed.<br />

Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 106<br />

478


fevereiro de 1954). Desde então, os laços de<br />

Jango com os lideres do movimento sindical<br />

foram estreitados e estes forneceram apoio<br />

decisivo para ao presidente em momentos<br />

importantes, como na campanha da legalidade<br />

que viabilizou sua posse, em agosto de<br />

1961. 278<br />

De acordo com Ferreira (2006), a partir do momento em Goulart,<br />

se torna Ministro do Trabalho sua imagem passa a ser associada<br />

diretamente ao comunismo, o que implicou uma barreira tomar a posse da<br />

presidência. “Ao longo do seu governo, a onda de medo do comunismo<br />

intensificou-se, contaminando inúmeros segmentos da sociedade<br />

brasileira, inclusive militares que, a princípio, não eram simpatizantes da<br />

conspiração que resultou no golpe de militar”. 279<br />

Com Goulart, os sindicatos conquistam a oportunidade de<br />

negociar com o governo e obter liberdades para fazer reclamações que<br />

visavam melhorar as condições de sobrevivência da população<br />

desfavorecida pela distribuição de renda desigual. Ele possui prioridades<br />

que se identificavam com a origem de seu partido o PTB, o reformismo, e<br />

a base eleitoral que deveria atrair os votos dos trabalhadores. Acrescenta-<br />

se a essa configuração a propagação de sua imagem como o herdeiro de<br />

Vargas, o resultado, após a renúncia de Quadros, era de oposição. 280<br />

Esse cenário de oposição nacional ao governo se insere em uma<br />

conjuntura mundial sob o julgo da constante tensão e ameaça comunista.<br />

[...] esse período é marcado pelos conflitos<br />

decorrentes da Guerra Fria, e no caso da<br />

278 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Jango e o Golpe de 1964 na Caricatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.<br />

104.<br />

279<br />

FERREIRA, Marieta de Moraes. João Goulart entre a memória e a história. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.<br />

26<br />

280<br />

GOMES & FERREIRA. Jango: as múltiplas faces. Rio de Janeiro: FGV, 2008.<br />

479


América Latina, pelos impactos da Revolução<br />

Cubana sobre o continente e sobre a política<br />

norte americana para a região. [...] era a nova<br />

fase da “política de ajuda” que teve sua mais<br />

perfeita expressão na “Aliança para o<br />

Progresso”. [...] que pretendia estabelecer<br />

modificações nas estruturas sociais dos<br />

Estados “atrasados” da América, e, deste<br />

modo, impedir o aparecimento de novos<br />

movimentos revolucionários no continente. Por<br />

precaução, porém se a política da “Aliança<br />

para o Progresso” fracassasse, o governo<br />

Kennedy elaboraria a “Doutrina da Contra-<br />

Insurgência”, que previa a retomada da velha<br />

política intervencionista caso a “política de<br />

ajuda” não conseguisse garantir os seus<br />

objetivos. Buscaria uma cooperação com as<br />

forças armadas dos países latino-americanos<br />

[...]. 281<br />

O contexto internacional interferia na política brasileira,<br />

identificando as propostas reformistas do governo Goulart, com tentativas<br />

subversivas ou comunistas. Com base no ambiente de conflito nacional e<br />

internacional prioriza-se, por meio dos periódicos Ultima Hora e o Jornal<br />

do Brasil, estudar os eventos que traduzem com intensidade as barreiras<br />

para a governamentabilidade. A escolha das fontes consiste no<br />

pressuposto de abordar visões dispares sobre os mesmos acontecimentos.<br />

A reconstituição das lutas políticas e sociais<br />

através da imprensa tem sido alvo de muitas<br />

das pesquisas recentes. Nos vários tipos de<br />

periódicos e até mesmo em cada um deles<br />

encontramos projetos políticos e visões de<br />

mundo representativos de diversos setores da<br />

sociedade. A leitura dos discursos expressos<br />

nos jornais permite acompanhar o movimento<br />

das idéias que circulam na época. A análise do<br />

ideário e da prática política dos representantes<br />

da imprensa revela a complexidade da luta<br />

social. Grupos se aproximam e se distanciam<br />

281 MUNTEAL, Oswaldo; VENTAPANE, Jaqueline; FREIXO, Adriano de. O Brasil de João Goulart: um<br />

projeto de Nação. Rio de Janeiro: PUC, Contraponto, 2006, p. 8-9.<br />

480


segundo as conveniências do momento; seus<br />

projetos se interpenetram, se mesclam e são<br />

matizados.[...] O confronto das falas, que<br />

exprimem idéias e práticas, permite ao<br />

pesquisador captar com riqueza de detalhes, o<br />

significado da atuação de diferentes grupos<br />

que se orientam por interesses específicos. 282<br />

Capelato (1994) ressalta que Samuel Wainer afirmou que, “até a<br />

época da ditadura, o poder da imprensa na história do Brasil era quase<br />

monopolista. Ela liderou e comandou os movimentos políticos de maior<br />

significação”. 283 Dentre os eventos que ela apresenta se encontra a queda<br />

da democracia articulada pelos revolucionários civis, militares e<br />

jornalistas, ela cita Júlio de Mesquita proprietário do jornal o Estado de<br />

São Paulo como participante e articulador, junto com outros grupos, do<br />

derrubada do Governo Goulart. 284<br />

O primeiro acontecimento investigado em ambos os periódicos,<br />

foi o comício do dia 13 de março, que representa as reformas de base<br />

proposta pelo governo, que almejava demonstrar para os eleitores algo<br />

concreto, que honrasse a característica reformista do governo e que<br />

garantisse o apoio maciço da maioria da população.<br />

O COMÍCIO<br />

Após o malogro do Plano Trienal e da tentativa de acabar com a<br />

inflação e conceder crescimento ao país Jango intensifica a necessidade<br />

das Reformas de Base. O período que antecede o Comício do dia 13 de<br />

Março de 1964, representado nos periódicos é de expectativas, tanto<br />

positivas (reformas sociais, exercício da democracia), como negativas<br />

(golpes e radicalismos).<br />

282 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e História no Brasil. São Paulo: Contexto, 1994, p. 34.<br />

283 CAPELATO. op. cit. , p. 24-25<br />

284 CAPELATO. op. cit. , p. 54<br />

481


A preocupação expressa nos noticiários, artigos e editoriais<br />

referem-se aos rumos que Goulart daria a sua “nova política”. O periódico<br />

Ultima Hora era defensor de Goulart, pois ele surge com o apoio de<br />

Getúlio Vargas, que ao retornar ao governo, por meio da votação direta<br />

da população, possuía a percepção que necessitaria do respaldo da<br />

imprensa periódica. Portanto, de acordo com Capelato (1994):<br />

Consciente da necessidade de ter uma base de<br />

sustentação no meio jornalístico, o presidente<br />

eleito procurou Samuel Wainer, com quem<br />

articulou a criação do Última Hora em 1951, a<br />

partir dessa época travou-se intensa peleja<br />

entre esse órgão getulista e os porta vozes da<br />

UDN (União Democrática Nacional) – O Estado<br />

de S. Paulo e Tribuna de imprensa,<br />

principalmente. 285<br />

Nas circunstâncias expostas é evidente que o UH apoiou o<br />

herdeiro de Vargas, fato explícito na totalidade do recorte cronológico, que<br />

marca o fim da Presidência de Jango. O período que matiza os últimos<br />

dias desse governo, denúncia a mobilização das forças que queriam<br />

acabar com a democracia, derrubar o Goulart, impedir o exercício<br />

democrático (o direito de se manifestar), e a conquista das reivindicações<br />

populares.<br />

Criado 1981 o Jornal do Brasil, em 1954 a Condessa Maurina<br />

Dunshee de Abranches Pereira Carneiro e seu genro Manuel Francisco<br />

Nascimento Brito assume a direção e realizam uma renovação de<br />

influencia estadunidense. Em janeiro de 1962, Alberto Dines assume o<br />

cargo de diretor-chefe do jornal, sistematizando as reformas 286<br />

285 CAPELATO. op. cit. , p. 51.<br />

286 BARBOSA, Marialva. História cultural da imprensa, Brasil 1900-2000. Rio de Janeiro: Mauad. 2007. p.<br />

162<br />

482


Abreu (2006) pronuncia que jornalista Alberto Dines, chefe de<br />

redação do Jornal do Brasil, mostrou que o jornal identificava Jango como<br />

o “antilegalista”. Em 1961 o periódico defendeu a posse de Goulart, no<br />

entanto, com a Revolta dos Sargentos em 13 de setembro de 1963 pede a<br />

intervenção das Forças Armadas, mediante a postura amena do governo<br />

com relação aos revoltosos. Com esse episódio muitos jornais, dentre eles<br />

o Jornal do Brasil posicionam-se contra o Governo Jango 287 e acirram-se<br />

durante após o Comício do dia 13 de março.<br />

A par do descontrole inflacionário, o déficit no<br />

balanço de pagamentos aumentava<br />

rapidamente. Diante dessa situação, Goulart<br />

decidiu apoiar a esquerda radical e promover<br />

comícios nas principais cidades do país a fim<br />

de mobilizar a população em favor das<br />

“reformas de base”. Decidiu também que iria<br />

promover as reformas por decreto passando<br />

por cima do Congresso. 288<br />

Munteal (2008, p18) observa, que o comício não deve ser<br />

considerado como um marco zero do debate político dos anos de 1960, e<br />

nem como capaz de deflagrar o golpe de 64, o que deve ser analisado é<br />

as intenções do discurso; 289<br />

Após o inflamado comício da Central do Brasil,<br />

com as participações ativas de João Goulart,<br />

Leonel Brizola, Miguel Arraes, Roberto Silveira,<br />

Francisco Julião, dentre outros destacados<br />

personagens da linha de frente trabalhista e<br />

socialista, um outro momento de reflexão do<br />

presidente Jango foi a mensagem do dia 15 de<br />

março de 1964 dirigida ao Congresso Nacional.<br />

Nela João Goulart combina um repertório de<br />

287 FERREIRA, Marieta de Moraes. João Goulart entre a memória e a história. In ABREU, Alzira Abreu de.<br />

1964: a imprensa ajudou a derrubar o governo Goulart. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 111-123.<br />

288 FERREIRA, op.cit. , p. 122.<br />

289 MUNTEAL, Oswaldo. As Reformas de Base na Era Jango, Pós-Doutorado em administração publica,<br />

fundação Getulio Vargas Rio de Janeiro, 2008.<br />

483


medidas econômicas e iniciativas políticas que<br />

poderiam freqüentar qualquer discurso liberal<br />

de orientação Keynesianista. No entanto podese<br />

observar uma diferença substancial na<br />

proposta trabalhista da época. O suicídio de<br />

Vagas, a renúncia de Jânio Quadros, e as<br />

disputas internas entre PSD e PTB<br />

desgastaram sobremaneira o ex-presidente<br />

que operava com uma persona administrativa/<br />

racional, e uma sombra fundada num discurso<br />

radicalizado e projetado nos supostos anseios<br />

das massas, como se elas soubessem o seu<br />

caminho com clareza. Esta tensão fragilizou<br />

em larga escala a efetividade das reformas.<br />

[...] 290<br />

“O grande comício de ontem na Praça da República – o maior da<br />

história do Brasil reuniu uma multidão calculada entre 150 e 200 mil<br />

pessoas”. Jango afirmou que “Democracia é precisamente isto: o povo<br />

livre para manifestar-se na praça pública apesar da campanha de terror<br />

ideológico e de sabotagem organizada pela reação”. 291<br />

“Foi um fim de semana de postulações históricas, amparadas<br />

pela realidade do Decreto da SUPRA e da encampação da refinarias<br />

particulares [...]”. 292 Goulart propôs o “plebiscito das Reformas de Base,<br />

mediante o voto de todos os brasileiros de mais de 18 anos, o que<br />

significa com voto dos analfabetos praças de e todos os impedidos pela<br />

atual legislação eleitoral” 293 . Ou seja, com essa afirmação, ele abria<br />

espaço para acusações, que o denominavam de ditador e golpista.<br />

No seu discurso Goulart enfatiza o seu governo como a<br />

representação da verdadeira democracia, que respeita o direito da<br />

população de se manifestar e do dever do governo em promover<br />

290 MUNTEAL, op. cit. , p. 7-8<br />

291 Ultima Hora, 14 março 1964, p. 4.<br />

292 Ultima Hora, 16 março. 1964, p. 2.<br />

293 Ultima Hora, loc.cit.<br />

484


mudanças que propiciem a melhoria das condições de vida da população.<br />

Que para Jango se concretizaria na realização de reformas estruturais<br />

como a Reforma Agrária, que segundo ele “É produto de inadiável que o<br />

Brasil constitui as esperanças do povo brasileiro [...] é indispensável para<br />

melhorar o nível de vida, possibilitar a melhor remuneração do povo<br />

urbano” 294 . A encampação das refinarias e a desapropriação de terras<br />

foram as únicas medidas com um cunho concreto.<br />

Após comício, os conservadores, se mobilizam e preparam uma<br />

resposta digna ao Presidente, cujo nome é Marcha da Família com Deus e<br />

pela Liberdade, ocorrida no dia 19 de março, entre o intervalo de seis<br />

dias, ocorreram inúmeros protestos grevistas e acuações sobre as<br />

tendências subversivas, ou sobre a existência de forças reacionária que<br />

derrubariam o governo. Nos periódicos analisados, percebe-se o incêndio,<br />

tanto pela iminência de efetivas reformas, quanto pelos que temiam<br />

perder seus capitais e privilégios. A passeata representa uma<br />

manifestações de grande proporções, ela acontece “em São Paulo liderada<br />

pelo integralista Plínio Salgado, foi iniciada na “praça da República [...] até<br />

alcançar a praça da Sé”. 295 . O jornal Ultima Hora, apazigua as denúncias<br />

golpistas e comunistas sobre o Governo, ao enfatizar, constantemente, a<br />

luta pelas reformas dentro da legalidade e do medo dos reacionários<br />

contra as forças populares.<br />

O Jornal do Brasil retrata a Marcha, com uma imagem imensa na<br />

capa, ao contrário do UH que destaca uma foto do o integralista Plínio<br />

Salgado (que lembra a imagem de Hitler).<br />

294 Ultima Hora, loc.cit.<br />

295 Ultima Hora, 20 março. 1964, p. 1.<br />

Uma multidão calculada em 500 mil participou<br />

ontem, em São Paulo, da Marcha da Família<br />

com Deus pela Liberdade em defesa da<br />

constituição e das instituições democráticas<br />

485


asileira e do repúdio ao comunismo<br />

constituindo-se no maior manifestação popular<br />

já realizada na capital paulista. 296<br />

Depois da Marcha o assunto que circula no JB, é a intenção de<br />

Jango de se reeleger com o apoio sindical e popular em 1965 e na UH<br />

multiplicam-se comentários sobre o curso do golpe conservador, com a<br />

intenção de impedir as reformas de base e emudecer as camadas<br />

populares.<br />

O governador Magalhães Pinto expressou claramente esse clima<br />

golpista “pois sem desconhecermos a existência de transformações<br />

revolucionárias em curso, resultantes das transformações de consciência<br />

do nosso povo afirmamos que a revolução comandada de cima não é<br />

outra coisa senão o golpe de Estado”. 297 Leonel Brizola também observa<br />

com clareza o que aconteceria ao país “admitiu que conforme o rumo dos<br />

acontecimentos, o Presidente João Goulart poderá não chegar ao término<br />

de seu mandato” 298<br />

Em um cenário, de conspirações golpistas, lutas ideológicas e<br />

medo, surge um fato que radicalizaria a situação de conflito do país. A<br />

revolta dos marinheiros, ou a Crise da Marinha. Segundo o jornal Ultima<br />

Hora “3.000 marujos, cabos e sargentos da Marinha, reunidos para<br />

comemorar o 2º aniversário da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros<br />

Navais recusaram-se a obedecer a ordem de prisão contra alguns de seus<br />

lideres, determinada pelo ministro Sílvio Mota”. 299 Eles exigiam “1) não<br />

punição dos revoltosos; 2) reconhecimento da Associação; 3) libertação<br />

de todos os presos inclusive o da Ilha das Cobras; 4) humanização na<br />

296 Jornal do Brasil, 20 março. 1964, p. 3.<br />

297 Jornal do Brasil, 21 março. 1964, p. 6.<br />

298 Jornal do Brasil, loc. cit.<br />

299 Ultima Hora, 27 março. 1964, p. 2<br />

486


Marinha; 4) melhoria da alimentação a bordo dos navios e dos quartéis.<br />

300<br />

O líder udenista Olavo Bilac declarou com respeito à revolta que<br />

“para a implantação de uma ditadura comunista em nosso País – objetivo<br />

final da Guerra revolucionária – é necessário debilitar o princípio da<br />

hierarquia, suscitar a indisciplina e desmoralizar as forças Armadas” 301<br />

Quando o Presidente da República se omite e<br />

se exclui do cenário da crise, quando o<br />

Ministro Sílvio Mota se sente sem condições<br />

para manter a disciplina nas corporações sob o<br />

seu comando, quando a dissensão já confunde<br />

e paralisa a oficialidade da Marinha [...] é<br />

imperioso que dirijamos nossa expectativa<br />

para [...] o Exército, principalmente, até aqui<br />

imune à vaga subversiva. 302<br />

Decisão de Jango resolve a crise dizia a manchete do UH do dia<br />

28 de março de 1964 ressaltando a “a firmeza, á energia, à autoridade” 303<br />

de Jango que colocou fim a revolta. Em contraposição o JB aborda a<br />

cumplicidade do presidente com a rebelião. “Com a nomeação do novo<br />

Ministro Paulo Mário Rodrigues [...] a libertação de todos os marinheiros e<br />

fuzileiros amotinados” e a “confirmação a permanência do Almirante<br />

Cândido da Costa Aragão no Comando do Corpo de fuzileiros Navais” que<br />

fora o líder da rebelião. 304<br />

Com a sublevação da marinha e a omissão do presidente em<br />

exercer uma punição exemplar, intensificaram-se as acusações sobre o<br />

perigo de um governo que apoiava a subversão, além de menosprezava a<br />

disciplina e a hierarquia militar. Portanto o quadro de crise que se inicia<br />

300 Jornal do Brasil, 27 março. 1964, p. 3.<br />

301 Jornal do Brasil, 27 março. 1964, p. 4.<br />

302 Jornal do Brasil, 27 março. 1964, p. 6.<br />

303 Ultima Hora, 28 março. 1964, p. 4<br />

304 Jornal do Brasil, 28 março. 1964, p. 1.<br />

487


em 1961, com a renúncia de Jânio Quadros e a tentativa de impedir a<br />

posse do vice-presidente Goulart, tem seu último ato sob o regime<br />

democrático com o pronunciamento de Goulart no Automóvel do Clube<br />

que afirmou que “não admitira que a desordem seja promovida em nome<br />

da ordem” 305<br />

Goulart ainda acreditava que “a força não resolveria, as Fôrças<br />

Armadas estavam coesas na manutenção da ordem e o povo esta<br />

vigilante e consciente de seu papel”. 306<br />

No editorial do dia 1 de abril, intitulado Fora da Lei diz “Desde<br />

ontem que se instalou no País a verdadeira Legalidade: aquela que<br />

através de armas do movimento mineira e paulista, procura<br />

imediatamente restabelecer a legalidade [..]” 307 No mesmo dia o UH<br />

continua a publicar visões otimistas do presidente ”o golpe do Estado<br />

sempre repudiado pelos sentimentos democráticos do povo brasileiro e<br />

pelo espírito legalista das Fôrças Armadas está condenado” 308 No dia 31<br />

quando as tropas de Minas Gerais se Sublevaram sob o comando de<br />

General “O comandante da IV Região Militar, General Olympio Mourão<br />

Filho, declarou rebelião contra o Gôverno Federal” juntamente com o<br />

“Comandante da Infantaria Divisionária da 4ª Região Militar General<br />

Carlos Luís Guedes”. 309<br />

De acordo com a abordagem de Abreu (2006) o que uniu<br />

imprensa, militares, igreja, classe média, empresários rurais e urbanos e<br />

diferentes setores da sociedade para depor Jango foi o comunismo. Ela<br />

305 Ultima Hora, 31 março. 1964, p. 1<br />

306 Jornal do Brasil, 1 abril. 1964, p. 8.<br />

307 Jornal do Brasil, 1 abril. 1964, p. 6.<br />

308 Ultima Hora, 1 abril. 1964, p. 3<br />

309 Ultima Hora, loc. cit.<br />

488


enfatiza que a imprensa apoiou o golpe com o intuito de restituir a ordem<br />

e colocar fim ao perigo vermelho. 310 Fatores que realmente poderiam<br />

acabar com a propalada, nos periódico, a “democracia”.<br />

310 FERREIRA, Marieta de Moraes. João Goulart entre a memória e a história. In ABREU, Alzira Abreu de.<br />

1964: a imprensa ajudou a derrubar o governo Goulart. Rio de Janeiro:<br />

489


REFERÊNCIAS<br />

BANDEIRA Luiz Alberto Moniz. O governo João Goulart: As lutas sociais no<br />

Brasil (1961-1964). 7. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.<br />

BARBOSA, Marialva. História cultural da imprensa, Brasil 1900-2000. Rio<br />

de Janeiro: Mauad. 2007, p154-167.<br />

FERREIRA, Marieta de Moraes. João Goulart entre a memória e a história.<br />

Rio de Janeiro: FGV, 2006.<br />

Jornal do Brasil, Capas, noticiários, editoriais e artigos do mês de março<br />

do ano: 1964<br />

Jornal Ultima Hora, Capas, noticiários, editoriais e artigos do mês de<br />

março do ano: 1964<br />

GOMES & FERREIRA. Jango: as múltiplas faces. Rio de Janeiro: FGV,<br />

2008.<br />

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Jango e o Golpe de 1964 na Caricatura. Rio de<br />

Janeiro: Jorge Zahar, 2006.<br />

MUNTEAL, Oswaldo; VENTAPANE, Jaqueline; FREIXO, Adriano de. O Brasil<br />

de João Goulart: um projeto de Nação. Rio de Janeiro: PUC, Contraponto,<br />

2006.<br />

MUNTEAL, Oswaldo. As Reformas de Base na Era Jango, Pós-Doutorado<br />

em administração publica, fundação Getulio Vargas Rio de Janeiro, 2008,<br />

p. 4 -128<br />

TOLE<strong>DO</strong>, Caio Navarro Junior. O Governo Goulart e o Golpe 64. 11. Ed.<br />

São Paulo: Brasiliense, 1991.<br />

490

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