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As Confissões de S. Agostinho: retóricas da fé José M. Silva Rosa

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tratégia retórica mais bem consegui<strong>da</strong>. E para lá <strong>da</strong>s <strong>Confissões</strong>, talvez to<strong>da</strong><br />

a «retórica <strong>da</strong> <strong>fé</strong>» resi<strong>da</strong> na força maior do testemunho. É quando abandonamos<br />

o zelo apologético e doutrinal, e já nem pelejamos por palavras, nem<br />

sequer para <strong>de</strong>monstrar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> ou por tornar verosímil a nossa crença,<br />

mas nos tornamos testemunho vivo e cari<strong>da</strong><strong>de</strong> em acto, é então que, em silêncio<br />

(como no recente filme O Gran<strong>de</strong> Silêncio), somos ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente<br />

persuasivos.<br />

III – Dos equívocos <strong>da</strong> experiência <strong>de</strong> si (ou do turismo espiritual)<br />

Uma <strong>da</strong>s fórmulas mais famosas e mais cita<strong>da</strong>s <strong>de</strong> <strong>Agostinho</strong>, no que<br />

respeita à relação entre a experiência <strong>de</strong> si e <strong>de</strong> Deus, é <strong>da</strong> obra De Vera religione<br />

39, 72: Não an<strong>de</strong>s lá por fora; permanece em ti mesmo; no interior do<br />

homem habita a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> / Noli foras ire; in teipsum redi; in interiore homine<br />

habitat veritas. A maior parte <strong>da</strong>s citações <strong>de</strong>ste trechi acaba aqui. É com<br />

ela, por exemplo, que Husserl termina a famosa Quinta Meditação Cartesiana.<br />

Importa, contudo, apresentar-lhe o seguimento e a conclusão: E se encontrares<br />

a tua natureza mutável, transcen<strong>de</strong>-te também a ti próprio / et si<br />

tuam naturam mutabilem inveneris transcen<strong>de</strong> et teipsum.<br />

O movimento <strong>de</strong> <strong>Agostinho</strong> é sempre <strong>de</strong> fora para <strong>de</strong>ntro e <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro<br />

para cima; <strong>da</strong> interiori<strong>da</strong><strong>de</strong> para a transcendência. É precisamente isto que<br />

indica outra fórmula igualmente famosa, esta <strong>de</strong> <strong>Confissões</strong> (III, vi, 11): Tu,<br />

porém, eras mais interior do que o íntimo <strong>de</strong> mim mesmo e mais sublime do<br />

que o mais sublime <strong>de</strong> mim mesmo / Tu autem eras interior intimo meo et superior<br />

summo meo.<br />

Por causa <strong>de</strong>sta contínua transcensão, to<strong>da</strong>s as encenações do eu, por<br />

muito genuínas que sejam, e até muito fecun<strong>da</strong>s noutros planos <strong>de</strong> acção<br />

humana, se nelas e por elas nos ficarmos, mais nos ocultam a transcendência<br />

e Alteri<strong>da</strong><strong>de</strong> divina que a revelam. O “eu” e as suas experiências, mesmo<br />

nos seus voos mais altos, po<strong>de</strong>m ser justamente o que se interpõe, criando<br />

sombra, entre a alma e Deus. Don<strong>de</strong> a apóstrofe agostiniana: Sempre te <strong>de</strong>sagra<strong>de</strong><br />

o que já és se queres chegar àquilo que ain<strong>da</strong> não és. Pois on<strong>de</strong> te agra<strong>da</strong>ste,<br />

aí paraste. E se porém disseres: «já basta» aí também morreste. Aumenta<br />

sempre, avança sempre, aperfeiçoa sempre. 28<br />

28 Sermo 169, 15, 18: «Semper tibi displiceat quod es, si vis pervenire ad id quod nondum es. Nam ubi tibi<br />

placuisti, ibi remansisti. Si autem dixeris: sufficit, et peristi. Semper ad<strong>de</strong>, semper ambula, semper profice.»<br />

josé m. silva rosa di<strong>da</strong>skalia xxxvii (2007)2

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