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O Cortiço - português no enem

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O <strong>Cortiço</strong>, de Aluísio de Azevedo<br />

O <strong>Cortiço</strong> foi publicado em 1890, em meio à atividade febril de produção literária a que Aluísio<br />

Azevedo se viu obrigado, em seu projeto de profissionalizar-se como escritor. Teve de escrever<br />

muitos romances e contos para atender a pedidos de editores, que procuravam corresponder ao<br />

gosto do público leitor, um gosto marcado pelo pior tipo de romantismo. Por isso, produziu muita<br />

literatura inferior, baixamente romântica, estilisticamente descuidada. Mas O <strong>Cortiço</strong> tem situação<br />

inteiramente à parte nessa produção numerosa e quase toda sem importância, pois neste livro<br />

Aluísio pôs em prática os princípios naturalistas, em que acreditava, e toda a sua capacidade<br />

artística.<br />

Narrado em 3ª pessoa, a obra tem um narrador onisciente que se situa fora do mundo narrado e/ou<br />

descrito. Há um total distanciamento entre o narrador e o mundo ficcional. Há o predomínio na<br />

narrativa do discurso indireto livre, o que permite ao autor revelar o pensamento das personagens.<br />

A visão do narrador é fatalista pois as camadas populares são vistas como animais condenados ao<br />

meio social que habitam, homens fadados a viverem como animais selvagens.<br />

O cenário é descrito com ambiente e os caracteres em toda a sua sujeira, podridão e promiscuidade,<br />

com uma intenção crítica - mostrar a miséria do proletariado urba<strong>no</strong> - sem esconder a náusea que o<br />

narrador sente diante da realidade que revela, mas posicionando-se de maneira solidária junto ao<br />

povo do cortiço: "Sentia-se naquela fermentação sangüínea, naquela gula viçosa de plantas<br />

rasteiras ...o prazer animal de existir,... E naquela terra, ...naquela umidade quente e lodosa,<br />

começou a minhoca a esfervilhar, a crescer,... uma coisa viva, uma geração que parecia<br />

espontânea,... multiplicar-se como larvas <strong>no</strong> esterco."<br />

Romance de cunho social, O <strong>Cortiço</strong>, de Aluísio Azevedo, é o marco da literatura realista-naturalista<br />

brasileira. Uma história envolvente e sombria de uma habitação coletiva <strong>no</strong> Rio de Janeiro do<br />

Segundo Império que tem como tema a ambição e a exploração do homem pelo próprio homem. De<br />

um lado, João Romão, que aspira à riqueza, e Miranda, já rico, que aspira à <strong>no</strong>breza. Do outro lado,<br />

a "gentalha", caracterizada como um conjunto de animais, movidos pelo instinto e pela fome. Todas<br />

as existências se entrelaçam e repercutem umas nas outras. O cortiço é o núcleo gerador de tudo e<br />

foi feito à imagem de seu proprietário, cresce, se desenvolve e se transforma com João Romão.<br />

No século XIX, os cortiços eram galpões de madeira habitados por trabalhadores não-qualificados.<br />

Esses galpões eram subdivididos internamente. O proprietário era geralmente <strong>português</strong>, do<strong>no</strong> de<br />

armazém próximo. Mas havia outros interessados: o Conde D'Eu, marido da princesa Isabel, foi<br />

do<strong>no</strong> de um imenso cortiço, o "Cabeça-de-porco", onde viviam mais de 4 mil pessoas.<br />

O romance é de nítido recorte sociológico, representando as relações entre o elemento <strong>português</strong>,<br />

que explora o Brasil em sua ânsia de enriquecimento, e o elemento brasileiro, apresentado como<br />

inferior e vilmente explorado pelo <strong>português</strong>. A obra revela a aceitação de idéias filosóficas e<br />

científicas do tempo: a redução das criaturas ao nível animal (zoomorfismo) é característica do<br />

Naturalismo e revela a influência das teorias da Biologia do século XIX (darwinismo, lamarquismo) e<br />

o Determinismo (raça, meio, momento).<br />

O sexo é, em O <strong>Cortiço</strong>, força mais degradante que a ambição e a cobiça. A supervalorização do<br />

sexo, típica de determinismo biológico e do naturalismo, conduz Aluísio a focalizar diversas formas<br />

de "patologia" sexual: "acanalhamento" das relações matrimoniais, adultério, prostituição,<br />

lesbianismo etc.<br />

Na elaboração de O <strong>Cortiço</strong>, Aluísio Azevedo seguiu, como em Casa de Pensão (que é bastante<br />

inferior), a técnica naturalista de Zola. Visitou inúmeras habitações coletivas do Rio; interrogou<br />

lavadeiras, sapoeiras, vendedores, cavouqueiros; observou-lhes a linguagem; escutou atento os<br />

ruídos coletivos dos cortiços; sentiu-lhes o cheiro (como na obra de Zola, as imagens olfativas têm<br />

importância na fixação do ambiente, segundo um processo criado pelos naturalistas); viu-lhes a<br />

promiscuidade e <strong>no</strong>tou que as coletividades, apesar de divergirem, são ligadas por um estranho<br />

sentimento de classe que as une, <strong>no</strong>s momentos mais críticos, quando são esquecidos os ódios e as<br />

divergências. Com toda essa “documentação”, criou o enredo em tomo de um problema social que<br />

se tomava mais e mais grave, com a formação de mandes massas urbanas proletárias, constituídas<br />

em boa parte pelos operários dos primórdios da industrialização do país.


Duas grandes qualidades devem ser observadas <strong>no</strong> estilo de O <strong>Cortiço</strong>: uma é a grande capacidade<br />

de representação visual do autor, certamente relacionada com sua habilidade para o desenho<br />

(Aluísio exerceu, em certa época, a atividade de caricaturista) e que faz que tenhamos<br />

freqüentemente, ao ler o romance, a impressão de estarmos assistindo a um filme; a outra é a sua<br />

formidável habilidade para dar vida à multidão, ao grande grupo huma<strong>no</strong> dos moradores do cortiço.<br />

De fato, vemos, <strong>no</strong> romance, essa coletividade pulsar, reagir, legando-se, deprimindo-se ou irandose<br />

— e ocupando o lugar de personagem central da obra. Desse grupo variado e animado destacamse<br />

alguns tipos, a que o romancista soube atribuir urna individualidade marcante. Entre estes<br />

últimos, é inesquecível a figura de Rita Baiana, a bela, sensual, generosa e graciosa mulata, que se<br />

tor<strong>no</strong>u uma das personagens mais <strong>no</strong>táveis da literatura brasileira. Deve se <strong>no</strong>tar que <strong>no</strong> romance,<br />

as mulheres são reduzidas a três condições: de objeto, usadas e aviltadas pelo homem: Bertoleza e<br />

Piedade; de objeto e sujeito, simultaneamente: Rita Baiana; e de sujeito, são as que se independem<br />

do homem, prostituindo-se: Leonie e Pombinha.<br />

Veja exemplos de descrição realista e objetiva dos tipo huma<strong>no</strong>s na obra:<br />

João Romão: E seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer, ia e<br />

vinha da pedreira para a venda, da venda hortas e ao capinzal, sempre em mangas de camisa,<br />

tamancos, sem meias, olhando para todos os lados, com o seu eter<strong>no</strong> ar de cobiça apoderando-se,<br />

com os olhos, de tudo aquilo de que ele não pode apoderar-se logo com as unhas.<br />

...possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava resignado as mais duras privações.<br />

Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco<br />

estopa cheio de palha.<br />

Albi<strong>no</strong>: Fechava a fila das primeiras lavadeiras, o Albi<strong>no</strong>, um sujeito afeminado, fraco, cor de<br />

aspargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caia, numa só linha, até o<br />

pescocinho mole e fi<strong>no</strong>.<br />

Botelho: Era um pobre-diabo caminhando para os setenta a<strong>no</strong>s, antipático, cabelo branco, curto e<br />

duro como escova, barba e bigode do mesmos teor; muito macilento, com uns óculos redondos que<br />

lhe aumentavam o tamanho da pupila e davam-lhe à cara uma expressão de abutre, perfeitamente<br />

de acordo com o seu nariz adunco e com a sua boca sem lábios: viam-lhe ainda todos os dentes<br />

mas, tão gastos, que pareciam 1imados até ao meio. (...) Atirou-se muito às especulações; durante<br />

a guerra do Paraguai ainda ganhara forte, chegando a ser bem rico; mas a roda desandou e, de<br />

malogro em malogro, foi-lhe escapando tudo por entre as suas garras de ave de rapina.<br />

Enredo<br />

O <strong>Cortiço</strong> conta principalmente duas histórias: a de João Romão e Miranda, dois comerciantes, o<br />

primeiro, o avarento do<strong>no</strong> do cortiço, que vive com uma escrava a qual ele mente liberdade. Com o<br />

tempo sua inveja de Miranda, me<strong>no</strong>s rico mas mais fi<strong>no</strong>, com um casamento de fachada, leva-o a<br />

querer se casar com sua filha (e tornar-se Barão <strong>no</strong> futuro, tal qual Miranda se torna <strong>no</strong> meio da<br />

história). Isto faz com que ele se refine e mais tarde tente devolver Bertoleza, a escrava, a seu<br />

antigo do<strong>no</strong> (ela se mata antes de perder a liberdade). A outra história é a de Jerônimo e Rita<br />

Baiana, o primeiro, um trabalhador <strong>português</strong> que é seduzido pela Baiana e vai se abrasileirando.<br />

Acaba por abandonar a mulher, pára de pagar a escola da filha e matar o ex-amante de Rita Baiana.<br />

No pa<strong>no</strong> de fundo existem várias histórias secundárias, <strong>no</strong>tavelmente as de Pombinha, Leocádia e<br />

Machona, assim como a do próprio cortiço, que parece adquirir vida própria como personagem.<br />

Vejamos.<br />

A área suburbana do Rio de Janeiro do século XIX é o cenário da história de um esperto e pão-duro<br />

comerciante <strong>português</strong> chamado João Romão. Comprando um peque<strong>no</strong> estabelecimento comercial,<br />

este consegue se aliar a uma negra escrava fugida de <strong>no</strong>me Bertoleza, proprietária de uma pequena<br />

quitanda. Para agradá-la, falsifica uma carta de alforria que asseguraria à negra a tão desejada<br />

liberdade. O peque<strong>no</strong> estabelecimento, mantido pela esperteza de João Romão e o trabalho árduo<br />

de Bertoleza, começa a crescer. Aos poucos o <strong>português</strong> começa a construir e alugar pequenas<br />

casas, o que leva a edificação de um grande cortiço: a "Estalagem São Romão." Logo se ergueriam<br />

<strong>no</strong>vas pendências, como a pedreira (que servia emprego aos moradores) e o armazém (onde os<br />

mesmos compravam seus artigos de necessidade). O crescimento só não agrada ao Senhor Miranda,<br />

do<strong>no</strong> de um sobrado vizinho.


Nas casas do cortiço, figuras das mais variadas caracterizações podem ser vistas e apreciadas: entre<br />

eles o negro Alexandre, a lavadeira Machona, a moça Pombinha, Jerônimo e Piedade (casal de<br />

portugueses), e a sensual Rita Baiana, que desfilava toda a sua sensualidade dançando nas festas.<br />

Num desses encontros feitos de música e gritos, Jerônimo se encanta com a dança de Rita Baiana, o<br />

que provoca ciúmes em Firmo, amante da moça. Há uma violenta briga, e Firmo fere o jovem<br />

<strong>português</strong> com uma navalha, fugindo logo depois. Jerônimo vai parar num hospital.<br />

Forma-se um <strong>no</strong>vo cortiço perto dali, recebendo o apelido de "Cabeça-de-gato" pelos moradores do<br />

cortiço de João Romão. Estes, por sua vez, os apelidam de "Carapicus", o que já indica a competição<br />

e a rincha entre eles. Enquanto isso, Jerônimo volta do hospital e, numa emboscada, mata Firmo,<br />

agora morador do cortiço rival. Enquanto o jovem <strong>português</strong> larga a mulher para viver com Rita<br />

Baiana, o pessoal do "Cabeça-de-gato" entra em guerra com os moradores do cortiço de João<br />

Romão para vingar a morte de Firmo. Um incêndio misterioso acaba com o conflito e destrói grande<br />

parte do cortiço do velho comerciante <strong>português</strong>.<br />

João Romão reconstrói sua estalagem, que fica ainda mais próspera, e se alia a Miranda, com a<br />

intenção de freqüentar rodas mais finas e elegantes e se casar com um moça de boa educação. O<br />

verdadeiro intento do esperto comerciante é a mão de Zulmira, filha do <strong>no</strong>vo amigo. Concretizando<br />

seu sonho, só resta agora se livrar do incômodo de sua companheira Bertoleza. Isso se dá através<br />

de uma carta enviada aos proprietários da negra fugida, revelando seu esconderijo. Estes não<br />

demoram a aparecer <strong>no</strong> cortiço com o intuito de levá-la de volta. Bertoleza, percebendo a traição,<br />

suicida-se com a mesma faca de limpar peixes que usou a vida inteira para preparar as refeições de<br />

João Romão e os clientes do seu armazém.<br />

Personagens<br />

As personagens em O <strong>Cortiço</strong> não podem ser tratadas como entidades independentes, podendo ser<br />

vistas preferencialmente como partes de uma rede intrincada de influências e interações. Alguns<br />

podem ser separados em grupos de forma mais clara em grupos de relacionamento, esquema <strong>no</strong><br />

qual serão apresentados a seguir.<br />

O cortiço e o sobrado: personagem principal; sofre processo de zoomorfização; é o núcleo gerador<br />

de tudo e foi feito à imagem de seu proprietário, cresce, se desenvolve e se transforma com João<br />

Romão. Apesar de seu crescimento, desenvolvimento e transformação acompanharem os mesmos<br />

estágios na pessoas de João Romão, é, na verdade, o estabelecimento que muda o do<strong>no</strong>, não o<br />

contrário. Vê-se na evolução do cortiço um processo que não se pode evitar ou reverter,<br />

determinado desde o início da história, tendo João Romão apenas feito o que estava em seu instinto<br />

de homem desprovido de livre-arbítrio fazer. O sobrado representa para o cortiço o mesmo que<br />

Miranda representa para Romão, criando-se entre eles a mesma tensão que existe entre os dois<br />

homens.<br />

João Romão, Miranda, Bertoleza e secundariamente, Zulmira, Botelho e D.Estela: de acordo<br />

com o crítico literário Rui Mourão, os elementos conflitantes na obra "não se isolam em pla<strong>no</strong>s<br />

equidistantes. Ao contrário, o que existe [...] é um estado de permanente tensão e mútua<br />

agressão". Afirma, em outra ocasião, que dessas lutas ninguém sairá vencedor ou vencido. Miranda<br />

e João Romão, apesar de aparentarem ser diferentes frente à sociedade, são essencialmente<br />

influenciados pelos mesmos elementos, tendo que ter, portanto, o mesmo desti<strong>no</strong>. Seus rumos se<br />

tornam entrelaçados similarmente aos laços existentes entre sobrado e cortiço: vizinhos, porém<br />

distantes; diferentes, porém iguais sob olhar mais minucioso. Romão e Miranda são<br />

complementares. Bertoleza e D.Estela são, sob todas as óticas, o oposto uma da outra: a negra<br />

escrava, pobre e fiel, e a mulher branca, <strong>no</strong>bre e adúltera. Não há relação de complementação<br />

nesse caso, apenas uma forma de acentuação do abismo de inveja que une João e Miranda.<br />

Enquanto um deseja a independência, a prosperidade e a fidelidade conjugal do outro, o outro<br />

almeja os contatos, a <strong>no</strong>breza e a capacidade de esbanjamento do um. Zulmira e Botelho têm aqui<br />

papéis de meros instrumentos do autor para dar andamento à história.<br />

Jerônimo, Rita, Firmo e Piedade: nas relações entre essas personagens é demonstrado mais<br />

claramente o princípio naturalista que rege a obra de Azevedo. Suas interações são baseadas<br />

puramente <strong>no</strong> instinto, <strong>no</strong> desejo sexual, <strong>no</strong> ciúme, na ira. Jerônimo e Firmo, são, como Romão e<br />

Miranda, complementos um do outro. Um era "a força tranqüila,o pulso de chumbo, em constante<br />

tensão com a força nervosa (...) o arrebatamento que tudo desbarata <strong>no</strong> sobressalto do primeiro


instante". Mas, nas palavras de Azevedo, ambos corajosos. O autor deixa claro que nenhum deles<br />

pode fugir ao que lhes está destinado. Jerônimo, desde o dia em que viu Rita dançar pela primeira<br />

vez, estava fadado à perdição, arrastando Firmo e Piedade para o caminho do ciúme e da destruição<br />

a morte, <strong>no</strong> caso de Firmo, e a miséria e a quase-loucura, <strong>no</strong> caso de Piedade. A metamorfose de<br />

Jerônimo se dá como tentativa de se tornar Firmo antes de tirar o que lhe pertence não só Rita, mas<br />

tudo o que ela implicava: a beleza, os encantos da terra, a vida feliz do malandro sem<br />

preocupações. Cada um reage mais ou me<strong>no</strong>s de acordo como suas características pessoais,<br />

<strong>no</strong>toriamente a raça (a submissão da portuguesa e a belicosidade do mulato capoeira), mas se faz<br />

presente em todos a conformação, a inércia. Com a morte de Firmo, Jerônimo assimila o papel de<br />

seu rival, mantendo um fantasma do que era <strong>no</strong> passado, que a bebida e a Rita contribuem para<br />

esmaecer. Os elementos naturais e as circunstâncias estão sempre a sufocar qualquer manifestação<br />

psicológica independente, carregando os personagens numa correnteza inevitável e irreversível.<br />

Pombinha, Leónie e Senhorinha: desde o momento em que é apresentada, a prostituta Leónie,<br />

madrinha de uma das filhas de Augusta, representa a independência financeira que aqueles que têm<br />

vida honesta não conseguem alcançar. Vende seu corpo, mas o que faz não é crime aos olhos dos<br />

moradores do cortiço, que não tem as cínicas restrições sexuais da burguesia brasileira. Pombinha,<br />

filha de D.Isabel, era uma garota de 18 a<strong>no</strong>s que ainda não havia se tornado mulher. Após a<strong>no</strong>s<br />

esperando o momento de se casar, irá se separar do marido após pouco tempo para seguir num<br />

relacionamento homossexual com Leónie, que havia lhe iniciado <strong>no</strong> prazer sexual. Ao atiçar a<br />

sexualidade de Pombinha, fazendo com que ela atinja a puberdade, Leónie põe em funcionamento<br />

uma dinâmica de acontecimentos que passam a independer da vontade dos personagens. Pombinha<br />

possuía um desenvolvimento intelectual maior que a maioria dos personagens do cortiço, talvez por<br />

não se ter visto envolvida tão cedo nas tramas de sexo e ciúme que os consumiam. Ao ter que<br />

começar uma vida como mulher casada, não conseguiu se adaptar à falta de liberdade e foi viver<br />

com Leónie, aprendendo seu ofício. Ironicamente, a comercialização do sexo protagonizada por<br />

Leónie e Pombinha se contrapõe à vulgarização do sexo pelos moradores do <strong>Cortiço</strong> enquanto esses<br />

são escravos de seus impulsos, Leónie e Pombinha se tornam mais senhoras de si através do desejo<br />

alheio. Nesse quadro, Senhorinha, a filha de Jerônimo se insere para provar que ninguém foge ao<br />

meio: tendo sido criada num cortiço, substituindo Pombinha para seus moradores, com os pais<br />

separados e vendo homens tirar proveito da mãe de forma constante, termina tendo o mesmo<br />

desti<strong>no</strong> de Pombinha, apesar da educação que teve.<br />

Alguns personagens secundários, usados por Azevedo principalmente como objetos de estudo da<br />

temática determinista:<br />

- Henrique: filho de um fazendeiro importante que se encontra aos cuidados de Miranda até o fim<br />

de seus estudos. Cultivará um caso com D.Estela.<br />

- Valentim: filho alforriado de uma escrava por quem D. Estela nutria afeição ilimitada.<br />

- Leo<strong>no</strong>r: negrinha virgem, moradora do cortiço.<br />

- Leandra (Machona): portuguesa feroz, habitante do cortiço.<br />

- Ana das Dores: filha desquitada de Machona.<br />

- Neném: filha virgem de Machona, muito cobiçada.<br />

- Agostinho: filho caçula de Machona que morre num acidente da pedreira.<br />

- Augusta: brasileira branca, honesta, casada com Alexandre e com muitos filhos.<br />

- Alexandre: mulato, militar, dava muito valor ao seu emprego.<br />

- Juju: afilhada de Leónie.<br />

- Leocádia: portuguesa, esposa de Bru<strong>no</strong>, comete adultério com Henrique.<br />

- Bru<strong>no</strong>: ferreiro casado com Leocádia.


- Paula (a Bruxa): cabocla velha que exercia função de curandeira. Põe fogo <strong>no</strong> cortiço duas vezes<br />

após enlouquecer, morrendo na segunda tentativa.<br />

- Marciana: mulata velha, com mania de limpeza, mãe de Florinda, que perde o juízo quando a<br />

filha foge de casa.<br />

- Florinda: filha virgem de Marciana, que engravida de um dos vendeiros de Romão e foge de casa.<br />

- Dona Isabel: mãe de Pombinha. Seu maior sonho é ver a filha casada.<br />

- Albi<strong>no</strong>: lavadeiro homossexual, morador do cortiço.<br />

- Delporto, Pompeo, Francesco e Andrea: imigrantes italia<strong>no</strong>s que residiam <strong>no</strong> cortiço. Azevedo<br />

foi um dos primeiros a caracterizar literariamente a figura do imigrante italia<strong>no</strong> <strong>no</strong> Brasil, mesmo<br />

que de forma preconceituosa, retratando-os como carcama<strong>no</strong>s imundos.<br />

- Porfiro: mulato capoeira amigo de Firmo.<br />

- Libório: velho pão-duro que esmolava entre os outros moradores do <strong>Cortiço</strong>, mas que possuía<br />

uma fortuna escondida, da qual Romão irá se apoderar depois da morte de Libório <strong>no</strong> segundo<br />

incêndio provocado por Bruxa.<br />

- Pataca: cúmplice de Jerônimo <strong>no</strong> assassinato de Firmo, torna-se um dos aproveitadores de<br />

Piedade depois que Jerônimo vai morar com Rita.<br />

A homossexualidade retradada em O <strong>Cortiço</strong><br />

No naturalismo brasileiro o homem é visto como produto do meio e biológico. A questão da<br />

homossexualidade é tratada como desvio de conduta, a<strong>no</strong>rmal, patológico, animalesca. Assim as<br />

personagens apresentam desvios. O naturalismo é material, é do corpo não huma<strong>no</strong>. Retratando a<br />

realidade de forma objetiva, descrevendo grupos marginalizados.<br />

O autor retrata a vivência e o comportamento da sociedade sobre uma ótica estética, rica em<br />

detalhes, com teor denunciativo, rompimento com o romance convencional.<br />

Na época em que foi publicado o romance causava choque aos leitores, por seus temas que<br />

mostrava através do ficcional o factual, como por exemplo a homossexualidade de Léonie e<br />

Pombinha. Léonie configura-se como a pervertida, que desvia Pombinha do caminho, havendo<br />

apelos carnais. O autor descreve as personagens com instinto animal, patente o depreciativo,<br />

relações de interesse, sedução, desejo, poder, culminados <strong>no</strong>s processos deterministas do<br />

cientificismo/ evolucionismo.Os furtos, estrupos, homicídios ocorrem sem justificativa.<br />

Léonie - Nos dias atuais poderíamos definir Léonie, como uma mulher forte, autêntica, a frente do<br />

seu tempo. Mais por si tratar de um romance naturalista há controvérsia, já que <strong>no</strong> naturalismo<br />

Léonie seria definida como mulher pervertida, impura, aquela que tem que ser banida, pois é um<br />

"mal" que assola a sociedade e pode contaminar os que conviverem com ela.<br />

A mulher <strong>no</strong> naturalismo era tratada como objeto sexual, e tudo sobre os desvios na sexualidade<br />

estavam relacionados a fatores inter<strong>no</strong>s e exter<strong>no</strong>s. O autor caracteriza Léonie como mulher de<br />

procedência francesa que possuía um sobrado na cidade, o que demonstrava status. A busca por<br />

relação sexual para satisfazer-se:<br />

(...) Os seus lábios pintados de carmim, sua pálpebras tingidas de violeta; o seu cabelo<br />

artificialmente loiro. (AZEVEDO, 2009, p.105).<br />

Utiliza faceta para seduzir, abocanhar sua presa, um jogo de interesse, dava-lhe presente,<br />

premiando-a constantemente:<br />

O troco ficou esquecido, de propósito, sobre a cômoda (...). (pag.108)


Leónie entregou á Pombinha uma medalha de prata (...). (pag.109)<br />

(...) tomou a mão de Pombinha e meteu-lhe um anel cercado de pérolas. (pag.139)<br />

Quando sua presa caía na armadilha, ela saciava sua sede, devorando-a ferozmente toda.<br />

-Vem cá, minha flor!... Disse-lhe, puxando-a contra si (...). Sabes? Eu te quero cada vez<br />

mais!...Estou louca por ti!(p.135)<br />

E, num relance, desfez para o lado, examine, inerte, os membros atirados num abando<strong>no</strong> de<br />

bêbado. (p.136-137)<br />

No jogo do homoerotismo, essa mulher subjuga as vontades da afilhada utilizando discurso sedutor:<br />

Léonie saltava para junto dela e pôs-se a beijar-lhe, á força, os ouvidos e o pescoço, fazendo-se<br />

muito humilde, adulando-a, comprometendo-se a ser sua escrava e obedecer-lhe como um<br />

cachorrinho. (p.137).<br />

Pombinha - Na segunda análise da personagem vale ressaltar seu estereótipo de fraca, nervosa,<br />

doente, enfermiça, doente, loira, muito pálida, sua sensualidade associada a doses de i<strong>no</strong>cência,<br />

pureza, boa família, asseada.<br />

A relação homossexual entre Pombina e sua madrinha Léonie se dá em consequência de um<br />

estupro.Pombinha rompe drasticamente com os padrões impostos por ima sociedade<br />

preconceituosa, desigual, desumana. A moral cristã do naturalismo aniquila com os padrões<br />

qualquer possibilidade do "patólogico", defeituoso, se dar bem.<br />

A personagem tem a figura da mãe, que a protege e a figura do pai, um homem que fracassa e<br />

comete suicídio. Talvez essa figura do pai é substituída pelas carícias e mimos de sua madrinha<br />

Léonie. O que conta muito segundo os estudiosos para a formação da personalidade de Pombinha.<br />

Léonie perverteu Pombinha desviando-a para uma vida de prostituição, sexo e embriagues.<br />

Pombinha toma Léonie como espelho, modelo de vida a ser seguido.<br />

Observemos à afilhada, antes da relação homoérotica:<br />

"A folha era a flor do cortiço (...)". (p.37)<br />

"As mãos ocupadas com o livro de rezas, o lenço e a sombrinha(...) é mesmo umaflor(...)orçando<br />

pelos dezoito a<strong>no</strong>s, não tinha pago a natureza o cruento tributo da puberdade". (p.38).<br />

Este assunto não era segredo para ninguém, porém quando mênstruo, todos ficaram sabendo,<br />

houve comemoração, é como se as janelas da liberdade fossem abertas e pássaro pudesse<br />

finalmente voar.<br />

"E devorava-a de beijos violentos, repetidos, quentes, que sufocavam a menina, enchendo de<br />

espanto e de um instinto temor (...)" (p.135)<br />

A ruptura acontece quando Pombinha se separa do seu marido, após adultério. Atirou-se as coisas<br />

mundanas e foi morar com Léonie, mais sustentava a mãe com o dinheiro da prostituição, a qual se<br />

tor<strong>no</strong>u perita e com sua sagacidade, conquistavatodos os homens.<br />

Pombinha tinha uma afilhada e a tratava com a mesma simpatia que fora tratada por Léonie.<br />

"A cadeia continuava e continuaria interminavelmente; o cortiço estava preparando uma <strong>no</strong>va<br />

prostituta naquela pobre menina desamparada, que se fazia mulher" (p.236)<br />

Créditos: Bartolomeu Amâncio da Silva, professor de Literatura, Cursos Objetivo | Alessandra<br />

Cristina Ferreira Porto, aluna do ITA | Marcia Jovelina de Jesus,

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