GONÇALVES, Tatiana Mol. Devoção à Virgem em Mariana
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DEVOÇÃO À VIRGEM EM MARIANA COLONIAL:<br />
RELIGIOSIDADE, CULTURA E PODER<br />
1- A devoção mariana como objeto historiográfico<br />
Virgínia A. Castro Buarque (Profa. Depto. História/UFOP)<br />
Juam Carlos Thimótheo (Graduando História/UFOP)<br />
<strong>Tatiana</strong> <strong>Mol</strong> Gonçalves (Graduanda História /UFOP)<br />
Maria, mãe de Jesus, é quase desconhecida enquanto figura histórica. As fontes<br />
bíblicas sobre ela são muito escassas, e os trechos mais extensos a seu respeito<br />
(presentes nos Evangelhos de Mateus e Lucas, capítulos 1 e 2), correspondentes <strong>à</strong>s<br />
narrativas de infância de Jesus, são de historicidade duvidosa: há eventos<br />
cronologicamente equivocados e contradições inconciliáveis entre os dois autores.<br />
Alguns exegetas conclu<strong>em</strong> que tais textos foram acrescentados posteriormente <strong>à</strong><br />
Escritura e, desta forma, não seriam a descrição de um test<strong>em</strong>unho pessoal, mas sim a<br />
coletânea de m<strong>em</strong>órias variadas, coligidas de diferentes maneiras, com veracidades<br />
históricas distintas. Logo, como afirma John Mackenzie, “As provas históricas genuínas<br />
acerca de Maria são tão escassas e frágeis que imporiam ao historiador, se se tratasse de<br />
qualquer outra figura, um <strong>em</strong>baraçado silêncio [...] Mas isso deixou a imaginação da<br />
devoção cristã totalmente solta [...] A Maria da lenda, arte, poesia, hinódia e mesmo<br />
teologia cristã é uma figura fictícia”. 1 Compreend<strong>em</strong>os este ficcional não como<br />
“mentira” ou “erro”, e sim como uma dimensão específica da realidade, referente ao<br />
imaginário histórico, que tece, com as d<strong>em</strong>ais esferas da experiência social, extensas e<br />
profundas relações.<br />
Assim, <strong>em</strong>bora nos primórdios da tradição da Igreja, a religiosidade mariana fosse<br />
quase inexistente, o início do período medieval marca sua incorporação e crescente<br />
importância, conforme explicita Hans Küng:<br />
[...] no que se refere <strong>à</strong> tradição do Ocidente e de Roma, apenas no século V<br />
encontramos o primeiro ex<strong>em</strong>plo de uma invocação latina direta, <strong>em</strong> estilo de hino,<br />
a Maria [...]; somente no século VI o nome de Maria foi introduzido no cânon<br />
romano da missa [...] somente no final do século VI [...] se desenvolveu uma poética<br />
marial latina s<strong>em</strong>pre mais rica [...] apenas no século VII foram assumidas as festas<br />
marianas orientais da anunciação, morte, nascimento e purificação [...] Apenas no<br />
fim do século X surg<strong>em</strong> certas lendas sobre a força prodigiosa da oração a Maria. 2<br />
Maria, quando considerada como uma produção imaginária e não uma personag<strong>em</strong><br />
histórica, pode ser entendida como uma representação social, mediante a qual são<br />
1<br />
MCKENZIE, John. A mãe de Jesus no Novo Testamento. Concilium, Petrópolis, n. 188/8, 17-29, 1983.<br />
p. 18.<br />
2<br />
KÜNG, Hans. Maria nas Igrejas. Concilium, Petrópolis, n. 188/8, 3-10, 1983. p. 4.
expressas concepções e ideários que promov<strong>em</strong> identidade e suscitam relações sociais. 3<br />
Existe, contudo, uma especificidade na simbólica mariana: ela não é auto-referente, mas<br />
reporta-se a um sist<strong>em</strong>a cultural-religioso mais amplo, do qual é componente: o<br />
cristianismo. Assim, Maria não se configura como a manifestação ontológica primeira<br />
da Verdade ou do Sentido, pois este é um atributo da divindade. Ela constitui-se, então,<br />
por analogia, como sujeito histórico coletivo (a humanidade, o povo, os fiéis...), 4 cuja<br />
identidade é tecida mediante a proclamação e adesão a este Sentido revelado, isto é, <strong>à</strong><br />
Palavra Encarnada, nominada como Cristo. 5 Como expressão derivada da Palavra,<br />
portanto, a simbólica mariana não viabiliza uma interpretação desprovida de quaisquer<br />
vínculos eclesiais, sob o risco de comprometer o significado da fé, basilarmente<br />
cristológica. Assim, a Igreja estruturou um saber específico sobre Maria, divisão do<br />
conhecimento teológico, a mariologia; este saber visa propiciar uma melhor<br />
interpretação da figura e do papel de Maria, devendo tornar-se também um el<strong>em</strong>ento<br />
impulsionador da devoção mariana. Produção sist<strong>em</strong>atizada e legitimada pela instituição<br />
católica, os postulados mariológicos, ao ser<strong>em</strong> difundidos através das práticas pastorais,<br />
foram paulatinamente adquirindo outras tantas leituras, enriquecedoras da piedade<br />
mariana enquanto experiência significante do real.<br />
Assim, do início dos t<strong>em</strong>pos modernos, quando o cristianismo adquiriu<br />
proporções mundiais, até a cont<strong>em</strong>poraneidade, a mariologia passou por três momentos<br />
distintos e até contraditórios. O primeiro desses períodos é bastante longo, indo do<br />
Concílio de Trento (1545-1563) até o pontificado de Pio XII (1939-1958), sendo<br />
marcado pelo ufanismo mariano, importante recurso da Igreja frente ao crescimento de<br />
outras denominações religiosas, <strong>à</strong> secularização e <strong>à</strong> concentração de poder por parte do<br />
Estado. Os anos 60 do século XX, por sua vez, com a promoção do Concílio do<br />
Vaticano II, vivenciaram um “silêncio mariológico”, numa tentativa de<br />
redirecionamento dos excessos anteriores. Por fim, a partir de meados dos anos 70, a<br />
mariologia foi retomada sob novas perspectivas, especialmente as da teologia da<br />
libertação e da teologia f<strong>em</strong>inista. 6<br />
3 Para a relação entre símbolo e imaginário social, ver BACKZO, Bronislaw. Imaginação social. In:<br />
Enciclopédia Einaudi: anthropos-hom<strong>em</strong>. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. V. 5.<br />
4 Cf. o conceito de “personalidade coletiva”, formulado <strong>em</strong> âmbito teológico por ROBINSON, H. Wheeler, <strong>em</strong><br />
1936, e retomado <strong>em</strong> 1949. Ver: BORN, A. van den (org.). Pessoa. In: Dicionário Enciclopédico da Bíblia.<br />
Petrópolis: Vozes; Porto: Centro do Livro Brasileiro, 1971. p. 1189.<br />
5 AZEVEDO, Marcelo de Carvalho. A oração de Maria, intérprete da Palavra. Convergência. Petrópolis,<br />
189, 56,62, jan./fev. 1986. p. 58.<br />
6 KÜNG, Hans. Op. Cit. p. 3-4.<br />
2
Em paralelo, foi promovida uma redescoberta da devoção mariana como objeto de<br />
pesquisa por parte da historiografia ocidental, com destaque aos trabalhos de P. Boutry 7<br />
e de J. Lafaye. 8 Quanto <strong>à</strong> historiografia brasileira, a t<strong>em</strong>ática é abarcada somente de<br />
forma pontual, quer seja por obras eclesiásticas de cunho m<strong>em</strong>orialista 9 , quer por<br />
produções desenvolvidas pela Comissão de Estudos de História da Igreja na América<br />
Latina (CEHILA), as quais objetivam interpretar a realidade socioreligiosa a partir do<br />
protagonismo dos grupos populares 10 , quer ainda por publicações de viés acadêmico,<br />
geralmente decorrente de pesquisas de pós-graduação. 11 Essa tríplice abordag<strong>em</strong>, a<br />
despeito de seus distintos <strong>em</strong>basamentos teóricos e procedimentos metodológicos,<br />
partilha uma assertiva comum, afirmando a importância das crenças na constituição de<br />
uma identidade social. Neste sentido, r<strong>em</strong>et<strong>em</strong>os <strong>à</strong> concepção de crença formulada por<br />
Michel de Certeau como fundamento da presente reflexão sobre a devoção mariana:<br />
“[...] entendo por crença não o objeto do crer (um dogma, um programa etc.), mas o<br />
investimento das pessoas <strong>em</strong> uma proposição, o ato de enunciá-la considerando-a<br />
verdadeira – noutros termos, uma ‘modalidade’ da afirmação e não o seu conteúdo”. 12<br />
2- A devoção mariana <strong>em</strong> Minas Colonial<br />
O relativo silêncio historiográfico acerca da devoção mariana, ainda vigente, é<br />
ainda mais expressivo quando contraposto <strong>à</strong> amplitude e <strong>à</strong> profundidade alcançadas pela<br />
piedade marial no Brasil. Afinal, as referências imaginárias da sociedade brasileira<br />
foram, por mais de trezentos anos, sustentadas pelo arcabouço teológico, filosófico e<br />
moral da religião católica. Ora, nessa religiosidade de orig<strong>em</strong> ibérica, a devoção<br />
mariana é componente essencial: “com efeito”, nos diz Clodovis Boff, “o catolicismo<br />
português era profundamente mariano. A figura de Maria contribui historicamente para<br />
a construção daquela nação na sua coesão interna e inspirou as suas maiores <strong>em</strong>presas<br />
7<br />
BOUFLET, Joachim e BOUTRY, Philippe. Un signe dans le ciel: les apparitions de la Vierge. Paris:<br />
Grasset, 1997.<br />
8<br />
LAFAYE, J. Quetzalcóatl y Guadalupe. México: Fondo de Cultura Econômica, 1977.<br />
9<br />
A ex<strong>em</strong>plo de TRINDADE, Raimundo, cônego. A Arquidiocese de <strong>Mariana</strong>: subsídios para sua<br />
história. 2ª. ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1953.<br />
10<br />
A ex<strong>em</strong>plo de HOORNAERT, Eduardo et alii. História da Igreja no Brasil. Primeira Época. 4ª. ed.<br />
Petrópolis: Vozes, 1992.<br />
11<br />
A ex<strong>em</strong>plo de VAINFAS, Ronaldo e SOUZA, Juliana B. A. Nossa Senhora, o fumo e a dança. In:<br />
NOVAES, Adauto. A outra marg<strong>em</strong> do Ocidente. São Paulo: Cia. das Letras, 1999.<br />
12<br />
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 2ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 278. Grifo do<br />
autor.<br />
3
políticas, como as guerras contra os mouros e as grandes descobertas marítimas. O<br />
marianismo português fazia parte da alta política de Estado”. 13<br />
Trazida para o Brasil com a conquista e a evangelização, a devoção mariana<br />
alcançou grande vulto na sociedade colonial. Um simples levantamento permite<br />
constatar que grande parte das paróquias da capitania de Minas Geras foram<br />
consagradas unicamente a Maria, enquanto o restante fragmentava-se entre inúmeros<br />
santos e várias representações de Cristo. 14 Aliás, mesmo na atualidade, “37% das<br />
paróquias brasileiras são dedicadas <strong>à</strong> Mãe de Deus (enquanto que na catolicíssima<br />
Polônia este índice não supera os 24%)”. 15 Tal índice, bastante expressivo, permite-nos<br />
perceber uma das características da devoção mariana que mais viabilizou sua grande<br />
penetração social: o riquíssimo potencial simbólico contido na multiplicidade de suas<br />
invocações, expressas nos muitos nomes de imagens e igrejas existentes. Segundo<br />
Eduardo Hoornaert, “pode-se escrever uma História do Brasil descrevendo os diversos<br />
significados que a imag<strong>em</strong> de Nossa Senhora teve ao longo desta história”. 16<br />
Concordamos com esta afirmativa: a pluralidade das representações marianas constitui-<br />
se um el<strong>em</strong>ento que viabiliza a promoção de inúmeras identidades aos diferentes grupos<br />
sociais, étnicos e de gênero.<br />
Neste ensaio, utilizar<strong>em</strong>os como fonte privilegiada os Capítulos de Visita <strong>em</strong>itidos<br />
pelos bispos responsáveis pelo território das Minas Gerais, por si ou por seus<br />
representantes, ao longo do século XVIII, após a realização de uma visita pastoral<br />
diocesana. Estes documentos foram transcritos e editados <strong>em</strong> três volumes pelo Arquivo<br />
Eclesiástico da Arquidiocese de <strong>Mariana</strong> (AEAM), encontrando-se, assim, disponíveis <strong>à</strong><br />
pesquisa. 17 As visitas nele descritas deveriam ocorrer <strong>em</strong> periodicidade anual, segundo<br />
as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia; todavia, no caso do bispado<br />
possuir grande extensão territorial, como ocorria na zona mineira, a visita poderia ser<br />
13<br />
BOFF, Clodovis. Maria na cultura brasileira. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 9.<br />
14<br />
De 19 paróquias instituídas por provimento régio <strong>em</strong> 1724, 10 eram consagradas a Maria, 1 era<br />
dedicada a Jesus, 5 a algum santo(a), 1 tinha duplo padroeiro, sendo um deles a <strong>Virg<strong>em</strong></strong>, e duas não<br />
puderam ter seu orago identificado, cf. Arquidiocese de <strong>Mariana</strong>: guia geral. <strong>Mariana</strong>: D. Viçoso, 2000;<br />
Anuário Católico do Brasil. Rio de Janeiro: CERIS, 2005. V. 1.<br />
15<br />
FERNANDES, Rub<strong>em</strong> César. Imagens da Paixão: Igreja no Brasil e na Polônia. In: SANCHIS, Pierre<br />
(org.). Catolicismo: modernidade e tradição. São Paulo: Loyola, 1992. p. 74.<br />
16<br />
HOORNAERT, Eduardo et alii. História da Igreja no Brasil. Primeira Época. 4ª. ed. Petrópolis: Vozes,<br />
1992. p. 346-347.<br />
17<br />
Agradec<strong>em</strong>os a Monsenhor Flávio Carneiro Rodrigues, Diretor do Arquivo Eclesiástico da<br />
Arquidiocese de <strong>Mariana</strong> (AEAM), a generosa doação dos Cadernos Históricos do Arquivo Eclesiástico<br />
da Arquidiocese de <strong>Mariana</strong>, nos quais os Capítulos foram transcritos, a qual viabilizou a formulação<br />
deste ensaio.<br />
4
concluída <strong>em</strong> cinco anos. 18 O recurso aos Capítulos de Visita por parte dos prelados<br />
mostrou-se de grande importância para presentificação da Igreja na área mineradora:<br />
eles não apenas divulgavam as determinações pontifícias, como também transmitiam as<br />
interpretações da liderança eclesiástica local, uma vez que os bispos, lidando com<br />
conjunturas socioculturais bastante distintas daquelas existentes na Metrópole, eram<br />
instados a fazer adaptações e concessões. Neste processo, a devoção mariana tornava-se<br />
um recurso simbólico de conferência de autoridade: o prelado, imbuído da atribuição do<br />
magistério, normatizava, instigava ou corrigia práticas de piedade marial, por sua vez<br />
diretamente relacionadas a comportamentos sociais e políticos.<br />
2.1- Sentidos<br />
Nos Capítulos de Visita da capitania de Minas Gerais, a devoção mariana<br />
assumiu destacado enfoque salvífico, estando vinculada a uma teologia da graça e da<br />
predestinação: “[...] por ser o dito exercício mui grato aos Divinos olhos e utilíssimo <strong>à</strong>s<br />
Almas de todos os fiéis aos quais será a cordial devoção de Nossa Senhora sinal muito<br />
provável da predestinação para a b<strong>em</strong>-aventurança eterna [...].” 19 Segundo a tradição da<br />
Igreja, constituída desde a patrística (com Santo Agostinho), 20 e enriquecida durante o<br />
medievo (destacadamente com São Boaventura e São Bernardo) e os t<strong>em</strong>pos modernos<br />
(a ex<strong>em</strong>plo de Grignion de Montfort), Maria antecede e explicita a redenção concedida<br />
ao gênero humano, postulado que adquiriu estatuto dogmático nos séculos XIX<br />
(Imaculada Conceição) e XX (Assunção).<br />
A esperança vivida pelos fiéis de que, a despeito de suas muitas fraquezas<br />
humanas, chegariam <strong>à</strong> salvação, mostrava-se então intimamente associada <strong>à</strong> função<br />
mediadora atribuída <strong>à</strong> <strong>Virg<strong>em</strong></strong>, que também fora qualificada como advogada dos<br />
pecadores e das almas do Purgatório. Tal papel intercessório, aliás extensivo a uma<br />
gama de santos no cotidiano religioso da América Portuguesa, era suplicado pelos<br />
devotos através das mais diversas práticas (terços, novenas, procissões...), que por sua<br />
18 OLIVEIRA, A. C. A difusão da doutrina católica <strong>em</strong> Minas Gerais no século XVIII: análise das<br />
pastorais dos bispos. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 36, 189-217, 2002.<br />
19 Capítulo de Visita do Doutor José dos Santos e de D. Fr. Manoel da Cruz <strong>à</strong> Capela de Nossa Senhora<br />
da Conceição da Cachoeira do Brumado, 10 maio 1761. Apud: Ibid. p. 61. Ver também Capítulos de<br />
Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Igreja Paroquial do Sr. Bom Jesus do Monte do Furquim, 10 jul. 1761.<br />
Apud: Ibid.<br />
20 SANTO AGOSTINHO. A <strong>Virg<strong>em</strong></strong> Maria: c<strong>em</strong> textos agostinianos com comentários. São Paulo:<br />
Paulus, 1996. p. 13: “No texto do Enchiridion X, 34, trata-se não somente de analogias [...], mas de um<br />
relacionamento vital, que toca no centro mesmo do mistério da Encarnação e da Redenção, visto que no<br />
seio de Maria é que v<strong>em</strong> a nascer, com Cristo, a sua Igreja”.<br />
5
vez r<strong>em</strong>etiam, de forma geral, a três pilares representativos do imaginário mariano, de<br />
potenciais implicações políticas e sociais:<br />
[...] a figura de Maria é a da Mãe que cuida e protege, da Rainha que defende e<br />
salva, da Senhora que suscita o respeito e as homenagens do coração. [...] Isso faz<br />
com que o patronato nacional mariano [e, acrescentamos, também os das cidades e<br />
vilas] esteja freqüent<strong>em</strong>ente ligado a um imaginário muito rico, entretecido de<br />
aparições, milagres e prodígios vários, que cria uma tradição popular que se registra<br />
nas lendas. 21<br />
Todavia, no tocante <strong>à</strong> cidade de <strong>Mariana</strong> (estatuto obtido <strong>em</strong> 1745, <strong>em</strong><br />
substituição <strong>à</strong> denominação de Vila de Nossa Senhora do Carmo), espacialidade<br />
privilegiada por este ensaio, não identificamos nos documentos pesquisados, nenhuma<br />
menção a intervenções miraculosas de Maria, o que pode estar relacionado ao refluxo<br />
das experiências místicas durante o setecentos, <strong>em</strong> prol de uma piedade mais voltada <strong>à</strong><br />
dimensão ético-social, especialmente <strong>à</strong> prática da caridade. 22 O que as fontes ressaltam<br />
é a atuação protetora da <strong>Virg<strong>em</strong></strong>, seja diante dos males deste mundo, seja na condução<br />
das almas para a felicidade eterna após a morte: “[...] pelo que receberão de Deus Nosso<br />
Senhor e de sua Mãe Santíssima mui avultados prêmios assim nesta como na vida<br />
eterna [...]”. 23 Desta forma, o tom assumido pelos textos episcopais priorizou uma ótica<br />
compensatória que não excluía as benesses terrenas, ao invés de ater-se a uma<br />
compreensão da existência <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente pejorativa, característica <strong>em</strong> geral atribuída<br />
pela historiografia <strong>à</strong> religiosidade colonial; 24 sugere-se, neste sentido, que o ideário das<br />
Luzes não deixou de portar uma faceta católica, dotando o cristianismo colonial de uma<br />
ótica valorativa do hom<strong>em</strong> e da ord<strong>em</strong> social, cuja “natureza” deveria então ser<br />
corrigida e sacralizada pela Igreja. 25<br />
Por fim, a devoção mariana estava inter-relacionada <strong>à</strong> ex<strong>em</strong>plaridade moral:<br />
“muito exorto e admoesto os Senhores Pregadores para que <strong>em</strong> todos os seus sermões<br />
ainda panegíricos [que] mistur<strong>em</strong> discursos ascéticos e doutrinais <strong>em</strong> que exager<strong>em</strong> a<br />
virtude, enfei<strong>em</strong> o vício e do pecado e aconselh<strong>em</strong> a prática do santo exercício da<br />
21<br />
BOFF, Clodovis. Mariologia social. Op. Cit. p. 304. Grifos do autor.<br />
22<br />
LE BRUN, Jacques. Le grande siècle de la spiritualité française et ses lend<strong>em</strong>ains. In: Histoire<br />
spirituelle de la France. Paris: Beauchesne, 1964.<br />
23<br />
Capítulo de Visita do Doutor José dos Santos e de D. Fr. Manoel da Cruz <strong>à</strong> Capela de Nossa Senhora<br />
da Conceição da Cachoeira do Brumado, 10 maio 1761. Apud: RODRIGUES, Flávio Carneiro, mons.<br />
Cadernos Históricos do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de <strong>Mariana</strong>. V.1. <strong>Mariana</strong>, 1998. p. 61<br />
24<br />
AZZI, Riolando. Teologia no Brasil: considerações históricas. In: VVAA. História da teologia na<br />
América Latina. São Paulo: Paulinas, 1981.<br />
25<br />
AZEVEDO, Carlos Moreira (Org.). História Religiosa de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000.<br />
V. 2.<br />
6
oração mental e devoção de Nossa Senhora [...]”. 26 Os postulados da moralidade<br />
católica eram ratificados, no bojo da piedade marial, sob uma perspectiva de gênero,<br />
mediante o endosso <strong>à</strong>s representações da virgindade e da maternidade. O padrão de<br />
conduta f<strong>em</strong>inina então preconizado pelo clero estabelecia o celibato para as mulheres<br />
solteiras e viúvas, e a fidelidade e a procriação para as casadas, segundo um modelo de<br />
ord<strong>em</strong> natural e imutável, que também estipulava ao gênero o recato e a obediência. 27<br />
Daí a importância conferida pelos prelados ao ensino da piedade mariana aos<br />
fiéis, pois os pedidos <strong>à</strong>s intercessões da <strong>Virg<strong>em</strong></strong> eram muitas vezes associados a<br />
sentidos teológico-devocionais não reconhecidos pela ortodoxia católica: “Muito<br />
especial é a oração ‘Estrela do Céu’, louvando a <strong>Virg<strong>em</strong></strong>. Escrita <strong>em</strong> forma de cruz, ela<br />
deve ser fixada atrás da porta da casa, para resguardar o lar e seus moradores de todos<br />
os males”. 28 Neste sentido, o episcopado preocupou-se <strong>em</strong> b<strong>em</strong> fundamentar a piedade<br />
mariana na dogmática endossada por Trento, recomendando, e ao mesmo t<strong>em</strong>po,<br />
fiscalizando, a prática da leitura espiritual sobre Nossa Senhora: “[...] para cujo efeito<br />
lhes lerão, <strong>à</strong> estação da Missa nos ditos dias, um ex<strong>em</strong>plo ou prodígios de Nossa<br />
Senhora pelo Catecismo ou outro livro devoto, o que farão pena de se lhes trancar”. 29<br />
2.2- Práticas<br />
A devoção mariana difundida na América Portuguesa nos moldes de uma<br />
religiosidade tridentina promoveu o expurgo de experiências “extraordinárias” (como a<br />
percepção de sons, imagens e odores, a recepção de estigmas etc.), até então associados<br />
<strong>à</strong> experiência mística que <strong>em</strong>ergira no Ocidente cristão entre os séculos XIII e XVII.<br />
Todavia, o sobrenatural, e sobretudo o taumatúrgico, não se faziam ausentes da piedade<br />
mariana, mas foram sendo paulatinamente vinculados <strong>à</strong> autoridade eclesiástica. Assim,<br />
alguns objetos marianos, principalmente o terço e o escapulário de Nossa Senhora do<br />
Carmo, continuavam a ser portados pelos fiéis, mas deveriam ser antecipadamente<br />
bentos por um sacerdote. 30<br />
26<br />
Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Matriz de Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo.,<br />
28 nov. 1760. Apud: Ibid. p. 123.<br />
27<br />
PRIORE, Mary del. As atitudes da Igreja <strong>em</strong> face da mulher no Brasil Colônia. In: MARCÍLIO, M. L.<br />
(Org.). Família, mulher, sexualidade e Igreja na História do Brasil. São Paulo: Loyola, 1993. p. 174.<br />
28<br />
GAMA, Lélia Vidal Gomes de. <strong>Devoção</strong> e nostalgia. Belo Horizonte: Biblioteca Pública Estadual Luiz<br />
de Bessa, 1984. Não há numeração de página.<br />
29<br />
Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Matriz de Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo,<br />
28 nov. 1760. Apud: RODRIGUES, Flávio Carneiro, mons. Op. Cit. V. 1. p. 122. Ver também Capítulo<br />
de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Igreja Paroquial do Sr. Bom Jesus do Monte Furquim. Op. Cit;<br />
Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Igreja Paroquial de Santo Antônio da Casa Branca. Op. Cit.<br />
30<br />
AZEVEDO, Carlos Moreira (Org.). Op. Cit. p. 582.<br />
7
Uma das mais importantes facetas tridentinas da devoção mariana nas colônias<br />
lusitanas foi a incorporação da devotio moderna, religiosidade <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente afetiva e<br />
introspectiva, <strong>em</strong> que a figura da <strong>Virg<strong>em</strong></strong> ocupava um lugar de destaque. 31 Na<br />
sociedade colonial brasileira, esta espiritualidade entrecruzou-se com um revigoramento<br />
da oração vocal, que fora criticada pelos seguidores da devotio, que a consideravam<br />
d<strong>em</strong>asiadamente formalista e exteriorizante; 32 houve, porém, uma articulação da prece<br />
falada com as meditações silenciosas, inclusive aquelas integrantes das orações do terço<br />
e do rosário. Fortalecia-se, dessa forma, nas Minas setecentistas, uma devoção mariana<br />
pautada na recitação das Ave-Marias, entrecortada pela pregação e pelo canto, e muitas<br />
vezes promovida de forma comunitária.<br />
Nos Capítulos de Visita, as menções <strong>à</strong>s preces marianas eram bastante<br />
diversificadas. Tais documentos repetidamente citavam o Ângelus 33 (sucessão de três<br />
Ave-Marias, entr<strong>em</strong>eadas por versículos bíblicos e concluídas por uma oração final), 34<br />
exercício espiritual que operava como um breviário popular: enquanto os cônegos da<br />
catedral de <strong>Mariana</strong> e o clero <strong>em</strong> geral rezavam a liturgia das horas, os fiéis deveriam<br />
recitar as Ave-Marias. Esta prece, por sua vez, estava associada <strong>à</strong> sacralização da vida<br />
diária, pois deveria ser rezada “[...] ao romper do dia, ao meio-dia e depois de posto o<br />
sol [...]”, quando o pároco de cada localidade deveria “[...] fazer sinal no sino [...]”,<br />
conclamando os fiéis <strong>à</strong> prece. 35 Tais horários não eram fortuitos, sendo estipulados por<br />
um sínodo de Praga, no século XVII, segundo o qual o som matutino dos sinos traria ao<br />
pensamento a ressurreição; o meridiano, a crucificação; o vespertino, a encarnação. 36<br />
31<br />
GALILEA, Segundo. As raízes da espiritualidade latino-americana. São Paulo: Paulinas, 1984. p. 13.<br />
32<br />
Ibid. p. 581.<br />
33<br />
Cf., por ex<strong>em</strong>plo, Capítulo de Visita de D. Frei João da Cruz <strong>à</strong> Igreja da Freguesia de S. Caetano, 8<br />
nov. 1742. Apud: RODRIGUES, Flávio Carneiro, mons. Op. Cit. V. 1. Ver também Capítulo de Visita de<br />
D. Frei João da Cruz <strong>à</strong> Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Vila do Carmo, 24 mar. 1743.<br />
Apud: Ibid.<br />
34<br />
Esta oração surgiu na primeira metade do século XIV, com o João XXII, mas a forma <strong>em</strong> que vigorava<br />
no setecentos foi formulada apenas na segunda metade do século XVI, quando foi editado num livro<br />
latino de orações marianas por Pio V. Sua maior difusão ocorreu principalmente a partir do século XVII.<br />
BALTHASAR, Hans Urs von et alii. O culto a Maria hoje. São Paulo: Paulinas, 1979. p. 262<br />
35<br />
Capítulo de Visita de D. Fr. João da Cruz <strong>à</strong> Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição da Vila do<br />
Carmo, 24 mar. 1743. p. 67. Apud: Ibid. V. 1. . Cf. também Capítulo de Visita de D. Fr. João da Cruz <strong>à</strong><br />
Igreja da Freguesia de S. Caetano, 8 nov. 1742. Apud: Ibid. V. 1.<br />
36<br />
BALTHASAR, Hans Urs von et alii. Op. Cit. p. 263.<br />
8
Os Capítulos de Visita também mencionam o rosário 37 (comportando cento e<br />
cinqüenta ave-marias, <strong>em</strong> correspondência aos salmos, de mesmo quantitativo) 38 , b<strong>em</strong><br />
como a versão reduzida desta oração, o terço (com suas cinqüenta Ave-Marias) 39 : “[...]<br />
Compete, pois, aos referidos Capelães [...] recitar devotamente com os mesmos Fiéis as<br />
saudações do Rosário Mariano e do Ângelus.” 40 A legitimação tridentina a tais orações<br />
foi reforçada pelas confirmações pontifícias de Pio V (1569 e 1571) e pela concessão de<br />
indulgências por Bento XIII (1724) e Bento XIV (1742), conforme destacado pelos<br />
prelados: “[...] e no principio de cada mês exort<strong>em</strong> a que se confess<strong>em</strong> nele para<br />
ganhar<strong>em</strong> a indulgência plenária que concedeu o nosso Santíssimo Padre Benedito<br />
décimo tércio, aos que rezar<strong>em</strong> de joelhos as três Ave-Marias [...]”. 41 Tais indulgências,<br />
por sua vez, não pod<strong>em</strong> ser dissociadas de uma conotação política: rezado desde o<br />
medievo, o rosário <strong>em</strong>erge como símbolo identitário da cristandade com a vitória dos<br />
príncipes cristãos sobre os muçulmanos na batalha de Lepanto, <strong>em</strong> 1571; a partir de<br />
então, ele teve sua recitação coletiva e pública estimulada pelos dominicanos, sobretudo<br />
por ocasião de alguma crise social ou enfrentamento armado, como nos combaters<br />
contra os protestantes. 42 O rosário foi difundido na América Portuguesa pelos frades<br />
capuchinhos, que para isto obtiveram licença do superior geral dos dominicanos,<br />
difundindo também a devoção entre os grupos africanos. 43 Neste sentido, “Já o<br />
primeiro bispo de <strong>Mariana</strong>, D. Frei Manuel da Cruz, atestava que no interior de Minas,<br />
inclusive nas capelas, estava <strong>em</strong> prática a recitação do rosário [...]”. 44<br />
37 A partir do século XII, a oração da Ave-Maria alcançou maior difusão, sendo repetida com auxílio de<br />
cordinhas munidas por nós, e sendo também unida <strong>à</strong> prece do Pai-Nosso. Durante séculos, a tradição<br />
considerou s. Domingos como o criador do rosário. Não é possível aduzir provas decisivas neste sentido,<br />
mas é certo que o rosário teve orig<strong>em</strong> na ord<strong>em</strong> dos pregadores, no início do século XIII. Também outras<br />
associações religiosas, como a Companhia de Jesus, o adotaram e contribuíram de maneira significativa<br />
para sua difusão <strong>em</strong> toda a Igreja. BALTHASAR, Hans Urs von et alii. Op. Cit. p. 267.<br />
38 Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Igreja Paroquial do Sr. Bom Jesus do Monte do Furquim,<br />
10 jul. 1761. Apud: Ibid. V. 2. Ver também Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Igreja paroquial<br />
do Sr. João Baptista do Morro Grande.Apud: Ibid. V. 2.<br />
39 Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos e D. Fr. Manoel da Cruz <strong>à</strong> Capela de Nossa Senhora da<br />
Conceição da Cachoeira do Brumado, 13 maio 1764. Apud: Ibid. V. 2. Cf. também Capítulo de Visita do<br />
Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Igreja Paroquial de Santo Antonio da Casa Branca, 28 abr. 1768. Apud: Ibid. V. 2.<br />
40 Relatório do Episcopado de <strong>Mariana</strong> Para a Sagrada Congregação do Concílio de Trento [1º de julho de<br />
1757]. Apud: RODRIGUES, Flávio Carneiro de, mons. Cadernos Históricos do Arquivo Eclesiástico da<br />
Arquidiocese de <strong>Mariana</strong>. V. 3. <strong>Mariana</strong>, 2005. p. 81.<br />
41 Carta Pastoral de D. Frei Antônio de Guadalupe, 14 dez. 1727. Apud: RODRIGUES, Flávio Rodrigues,<br />
mons. Op. Cit. V. 1. p.12.<br />
42 BOFF, Clodovis. Mariologia social: o significado da <strong>Virg<strong>em</strong></strong> para a sociedade. São Paulo: Paulus,<br />
2006. p. 112-113.<br />
43 HOORNAERT, Eduardo et alii. História da Igreja no Brasil. Op. Cit. p. 348.<br />
44 RUPERT, Arlindo. A Igreja no Brasil. V. III (1700-1822). Santa Maria: Pallotti, 1988. p. 267.<br />
9
Ad<strong>em</strong>ais, tais preces, mas sobretudo o terço, eram, por sua vez, muitas vezes<br />
sucedidas pela recitação da ladainha de Nossa Senhora, principalmente a lauretana, ou<br />
poderiam ainda ser integradas <strong>à</strong>s chamadas “coroas” e <strong>à</strong>s novenas marianas. 45 Essas<br />
preces assumiram, <strong>em</strong> muitas ocasiões, a faceta de responsos, numa composição oral<br />
praticamente perdida na cont<strong>em</strong>poraneidade. 46<br />
Os Capítulos de Visita mencionavam também dias privilegiados para a prática<br />
da piedade mariana, destacando-se <strong>em</strong> especial o domingo, t<strong>em</strong>po por excelência da<br />
celebração da eucaristia: “[...] a devoção do santíssimo Terço de Nossa Senhora, o qual<br />
deve fazer, digo, o qual se deve rezar ao menos todos os Domingos [...]”. 47 Assim, a<br />
devoção aos santos, inclusive a Maria, e a prática sacramental não se encontravam<br />
dissociadas. Outra t<strong>em</strong>poralidade privilegiada era a dos dias santificados: “[...] e que se<br />
reze o santíssimo terço de Nossa Senhora todos os Domingos e dias Santos ao qual<br />
assistirá o Rdo. Capelão e não podendo elegerá a outra qualquer pessoa pia e t<strong>em</strong>ente a<br />
Deus 48 . Os Capítulos de Visita também não realçaram o culto mariano no mês de maio<br />
49 , uma vez que a consagração desta época do ano a Maria só tornar-se-á usual no século<br />
XIX; tais textos tampouco referiram-se <strong>à</strong> devoção mariana no mês de outubro,<br />
possivelmente pela vinculação desta data <strong>à</strong> vitória de Lepanto e <strong>à</strong>s confrarias do<br />
Rosário, isto é, a uma piedade marial específica, que não se constituiu objeto da atenção<br />
dos prelados nesses documentos.<br />
Havia uma associação entre devoção mariana e figuração pictórica da fé,<br />
conforme preconizado por Trento, que precisou a função das imagens, com exclusão do<br />
lascivo e do grotesco. 50 Assim, a imag<strong>em</strong> de Maria foi muitas vezes levada <strong>em</strong><br />
procissão, seja no interior das igrejas, seja nas ruas da cidade, logo após a reza do terço.<br />
“[...] e que todas as primeiras Domingas do mês se leve a imag<strong>em</strong> da mesma Senhora<br />
<strong>em</strong> procissão ao redor da capela ou por onde for mais conveniente cantando-lhe o terço<br />
45<br />
Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Igreja Parochial do Sr. Bom Jesus do Monte do Furquim,<br />
10 jul 1761. Apud: Ibid. V. 2. Ver também Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Matriz de Nossa<br />
Senhora da Piedade da Borda do Campo, 28 nov. 1760. Apud: Ibid. V. 2.<br />
46<br />
AZEVEDO, Carlos Moreira (Org). Op. Cit. p. 613.<br />
47<br />
Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos e D. Fr. Manoel da Cruz <strong>à</strong> Capela de Nossa Senhora da<br />
Conceição da Cachoeira do Brumado, 10 maio 1761. Apud: Ibid. V. 1.<br />
48<br />
Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Capela de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira do<br />
Brumado, 17 jan. 1758. Apud: Ibid. V. 2.<br />
49<br />
O culto mariano do mês de maio originariamente vincula-se aos cultos primaveris, provindos tanto dos<br />
romanos quanto dos germanos; a tentativa de moralização dos costumes dessas festas incitou a lírica<br />
cavalheiresca <strong>em</strong> honra de Maria, “a mais bela das mulheres”. A associação entre o mês de maio e a<br />
devoção mariana vai gradativamente sendo fortalecida entre os séculos XVII e XVIII. BALTHASAR,<br />
Hans Urs von et alii. Op. Cit. p. 293-294.<br />
50<br />
AZEVEDO, Carlos Moreira (Org). Op. Cit. p. 638.<br />
10
[...]” 51 A utilização de imagens, por sua vez, estava associada <strong>à</strong> prática de procissões,<br />
que poderiam ser internas ao espaço da igreja - “[...] exorto aos seus aplicados da dita<br />
Capela e ao mesmo Reverendo Capelão lev<strong>em</strong> <strong>em</strong> procissão ao redor da imag<strong>em</strong> da<br />
mesma Senhora <strong>em</strong> um andor decent<strong>em</strong>ente preparado com algumas opas e luzes [...]”,<br />
52 - ou percorrer as ruas das cidades: “[...] que possa sair <strong>em</strong> procissão de dia pelas Ruas<br />
do Arraial ou aonde o não houver <strong>em</strong> cerco da Igreja, <strong>à</strong> exceção só de algum dia <strong>em</strong> que<br />
a circunstância do t<strong>em</strong>po obrigue a não sair da Igreja, aonde se satisfará ao mesmo<br />
Terço Cantado [...] ”. 53<br />
Por fim, pode-se ainda mencionar a importância assumida pelas festas marianas<br />
na sociedade de Minas Colonial, as quais eram enfaticamente recomendadas pelos<br />
bispos <strong>em</strong> suas Visitas, os quais não hesitavam <strong>em</strong> recriminar os capelães e os fiéis<br />
quando consideravam haver descaso no tocante a tal assunto:<br />
Enfim me parece digno de dar brevissimamente providência ao estado <strong>em</strong> que<br />
achei esta freguesia e Matriz na falta do culto a Nossa Senhora de Nazareth, sua<br />
Padroeira, quando aliás estão todos os seus Paroquianos adstritos por direito com<br />
rigorosa obrigação de justiça a festejá-la com a pompa e solenidade possível todos<br />
os anos, o que já há muitos o não fizeram, pelo que se t<strong>em</strong> feito credores da<br />
indignação Divina e da mesma Senhora Mãe de Deus, donde talvez terá resultado o<br />
deplorável estado <strong>em</strong> que se acha esta freguesia por falta de conveniências o que<br />
confio na misericórdia do Altíssimo e de sua Santíssima Mãe se r<strong>em</strong>ediará se os<br />
ditos Paroquianos der<strong>em</strong>, como dev<strong>em</strong>, pronta execução ao que determino neste<br />
provimento, pelo que mando ao Rdo. Pároco e neste particular lhe encarrego<br />
gravissimamente a consciência para que todos os anos, enquanto a Irmandade da<br />
mesma Senhora não poder festejá-a por causa de seu <strong>em</strong>penho, junto com alguns<br />
seus fregueses mais zelosos, pios e t<strong>em</strong>entes a Deus, faça eleição de doze ou quinze<br />
pessoas de sorte que vá com este numero circuindo [sic] toda a sua freguesia para<br />
que nenhum dos seus paroquianos, exceto sendo muito pobres, fique s<strong>em</strong> ser eleito e<br />
se saberá cada ano por cabeça de cada uma das pessoas a despesa que for necessária<br />
para que se festeje a mesma Senhora, ao menos com uma pompa, <strong>em</strong> atenção de<br />
estar muito decadente esta freguesia, ao que deixo ao arbítrio do Rdo. Pároco e das<br />
pessoas para a sobredita eleição adjuntas; e se alguma das pessoas eleitas, esquecida<br />
do t<strong>em</strong>or de Deus, duvidar pagar o que recolher pro rata, o Rdo. Pároco, depois de<br />
admoestar para que satisfaça <strong>em</strong> termo certo, a evitará dos ofícios Divinos, e [só] a<br />
tornará a admitir, satisfazendo completamente. 54<br />
Observe-se, todavia, que a festa religiosa colonial, bastante enfocada pela<br />
historiografia brasileira com base no relato dos viajantes, que também destacaram seu<br />
aspecto de exuberância e exterioridade do culto, implicava no ápice de um processo<br />
51 Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Capela de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira do<br />
Brumado, 17 jan. 1758. Apud: Ibid. V. 2. p.63.<br />
52 Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos e D. Frei Manoel da Cruz <strong>à</strong> Capela de Nossa Senhora da<br />
Conceição da Cachoeira do Brumado, 10 maio 1761. Apud: Ibid. V. 1.<br />
53 Capítulo de Visita de D. Frei Domingos da Encarnação Pontével <strong>à</strong> Igreja de Nossa Senhora da Piedade<br />
da Borda do Campo, 7 out. 1781. Apud: Ibid. V. 2. p. 158<br />
54 Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Paróquia de Nossa Senhora de Nazareth de Cachoeira do<br />
Campo, 17 jan. 1758. Apud: Ibid. V. 2. p. 98. Ver também Capítulo de Visita do D.r João de Almeyda e<br />
Silva <strong>à</strong> Igreja Matriz de Santo Antonio da Casa Branca das Minas Gerais, 14 jan. 1748. Apud. Ibid. V.2.<br />
11
devocional construído no cotidiano, não podendo, portanto, ser considerada como uma<br />
prática meramente ostentatória – ela suscitava expressivos atos de fé (como romarias,<br />
pagamentos de promessas, participação nas celebrações), que implicavam elevados ônus<br />
financeiros e pessoais para uma população majoritariamente carente. Ad<strong>em</strong>ais, ao<br />
implicar numa ruptura, ainda que t<strong>em</strong>porária, com a rotina de trabalho, muitas vezes<br />
escravo, ela trazia ao t<strong>em</strong>po presente os anseios de uma redenção futura. O t<strong>em</strong>po da<br />
festa constituía-se como um t<strong>em</strong>po sagrado, portador de uma lógica distinta, <strong>em</strong>bora<br />
não oposta, <strong>à</strong> da exploração colonial. As festas marianas, portanto, mostraram-se<br />
também vivências tensionais, onde o mundo da ord<strong>em</strong> e da subversão, do acatamento e<br />
da crítica, disputavam expressões e espaços.<br />
2.3- Representações<br />
Na transposição do culto mariano <strong>à</strong> América, perduraram muitos el<strong>em</strong>entos<br />
<strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente políticos que foram conferidos <strong>à</strong> <strong>Virg<strong>em</strong></strong> <strong>em</strong> Portugal, onde tal piedade<br />
encontrava-se revestida pela simbólica da realeza 55 , sendo utilizada pelo Estado como<br />
recurso legitimador. Assim, delineou-se uma afirmação do poder real e metropolitano<br />
através de uma mariologia apologética e, desde o início da colonização das terras<br />
americanas, “Maria foi considerada a grande protetora dos Conquistadores, e isso foi<br />
vivido concomitant<strong>em</strong>ente aos interesses das Coroas espanhola e portuguesa [...] A<br />
conquista era considerada obra da <strong>Virg<strong>em</strong></strong> [...] Sua guerra é Santa”. 56<br />
Trazida para a América Portuguesa, a devoção <strong>à</strong> <strong>Virg<strong>em</strong></strong> adquiriu contornos<br />
específicos no contexto socioreligioso da cidade de <strong>Mariana</strong>. Zona comumente<br />
associada <strong>à</strong> atividade mineradora, <strong>à</strong> escravidão, ao afluxo migratório, <strong>à</strong> crítica da<br />
exploração metropolitana..., <strong>Mariana</strong> pode ter também sua historicidade reconstituída<br />
através da devoção de seus habitantes a três invocações da <strong>Virg<strong>em</strong></strong>, todas elas<br />
proclamadas, <strong>em</strong> diferentes momentos, padroeiras da cidade: Carmo, Conceição e<br />
Assunção. Sob tais denominações, encontram-se mescladas as dimensões religiosa,<br />
cultural e política da experiência colonial das terras das Gerais. Infelizmente, os<br />
Capítulos de Visita não particularizam tais devoções, o que nos fez então recorrer <strong>à</strong>s<br />
55 BOFF, Clodovis. Maria na Cultura Brasileira. Op. Cit. p. 23, <strong>em</strong> análise relativa ao culto de Nossa<br />
Senhora Aparecida. Consideramos que esta simbólica possa extrapolar a figura de Aparecida, vindo<br />
aplicar-se a um conjunto majoritário de devoções marianas circulantes no período colonial, com exceção<br />
de casos particularizados, associados aos grupos populares, como Nossa Senhora do Rosário.<br />
56 GEBARA, Ivone e BINGEMER, Maria Clara. Maria, mãe de Deus e mãe dos pobres. Petrópolis:<br />
Vozes, 1988. p. 147-149.<br />
12
produções da historiografia e de m<strong>em</strong>orialistas, na tentativa de interpretar as<br />
repercussões sociopolíticas dessa piedade.<br />
Em sua orig<strong>em</strong>, <strong>Mariana</strong> esteve ligada <strong>à</strong> devoção carmelitana: quando a bandeira<br />
de Salvador Fernandes Furtado de Mendonça fundou um arraial, no dia 16 de junho de<br />
1696, deu-lhe o nome de Ribeirão do Carmo, <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> a Nossa Senhora do<br />
Carmo, cuja festa é celebrada neste dia. Em pequena elevação, junto ao riacho <strong>em</strong> cujas<br />
margens fora fundado arraial, foi então erigida uma pequena capela da <strong>Virg<strong>em</strong></strong> do<br />
Carmo (atualmente consagrada a Santo Antônio). Além da coincidência de datas, um<br />
outro fator pode ter contribuído para a escolha da padroeira: na metrópole portuguesa, a<br />
devoção a Nossa Senhora do Carmo foi particularmente difundida desde o final do<br />
século XVI, pois <strong>em</strong> agradecimento pela vitória na batalha de Aljubarrota, que levou ao<br />
poder a dinastia de Avis, o chefe das tropas portuguesas, Nuno Álvares Pereira, tornou-<br />
se frade carmelita e deu início <strong>à</strong> construção do Convento do Carmo de Lisboa. 57<br />
Mas alguns anos após a fundação do arraial, a titulação da padroeira foi,<br />
paulatinamente, associada a Nossa Senhora da Conceição, a qu<strong>em</strong> também foi dedicada<br />
uma capelinha, <strong>em</strong> 1703: “Por ficar no arraial de baixo, na esplanada, <strong>em</strong> lugar mais<br />
cômodo ao culto, conquistou desde logo <strong>à</strong> capela bandeirante de cima, de Nossa<br />
Senhora do Carmo, os foros de matriz”. 58 Pouco t<strong>em</strong>po depois, esta capela não mais<br />
comportava o contingente populacional, sendo então construída uma igreja de grandes<br />
proporções, que continha, na ‘targeta central’, uma bela tela da Conceição: “Colocado o<br />
observador no meio da Igreja, a uma altura do tapavento, é que a pintura sobressai<br />
perfeitíssima, tomando a figura da <strong>Virg<strong>em</strong></strong> e a dos anjos as proporções justas, o<br />
movimento adequado [...]”. 59 A importância assumida pelo culto <strong>à</strong> Conceição nesta<br />
área urbana pode também ser percebida pela variedade de representações imagéticas<br />
então produzidas, destacando-se as localizadas no S<strong>em</strong>inário da Boa Morte e na capela-<br />
mor da Igreja de São Francisco de Assis. 60<br />
A devoção a Nossa Senhora da Conceição foi de fundamental importância na<br />
constituição da nacionalidade portuguesa. Os registros mais precisos datam do início do<br />
século XIV, quando sua festa foi instituída <strong>em</strong> algumas dioceses, como Coimbra,<br />
57<br />
DIAS, José de Oliveira. Notre Dame dans la piété populaire portugaise. In: MANOIR, D. Hubert du<br />
(Dir.). Marie: études sur la Sainte Vierge. T. 4. Paris: Beaucheste et ses Fils, 1956. p. 615-616. Ver<br />
também PIMENTEL, Alberto. História do culto a Nossa Senhora <strong>em</strong> Portugal. Lisboa: Guimarães,<br />
Libânio & Cia. , 1899. p. 97; 105.<br />
58<br />
VASCONCELOS, Salomão de. Breviário histórico e turístico da cidade de <strong>Mariana</strong>. Belo Horizonte:<br />
Biblioteca Mineira de Cultura, 1947. p. 47.<br />
59<br />
Ibid. p. 12.<br />
60<br />
ORESTES, João. <strong>Mariana</strong>: primeira capital de Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. do autor, 2005.<br />
13
Lamego e Lisboa. Mas a devoção <strong>à</strong> Conceição tornou-se heg<strong>em</strong>ônica com a<br />
Restauração da monarquia portuguesa, <strong>em</strong> 1640, devido <strong>à</strong> secular tradição que<br />
associava seu culto <strong>à</strong> autonomia dinástica. Assim, <strong>em</strong> 1646, a Imaculada foi declarada<br />
padroeira do Reino português e de seus domínios, título que também lhe deveria ser<br />
outorgado pelas Câmaras municipais, <strong>em</strong> conjunto com o cabido e o clero. Nesta mesma<br />
perspectiva, foi atribuída a Nossa Senhora da Conceição a reconquista do Brasil aos<br />
holandeses, <strong>em</strong> 1654. A partir de então, os sucessores dinásticos da Casa de Bragança<br />
confirmariam o culto <strong>à</strong> Conceição, como D. Pedro II, que colocou a imag<strong>em</strong> da<br />
Imaculada sobre o escudo das reais armas de Portugal, ou D. João V, que determinou<br />
aos prelados das catedrais e colegiadas a celebração de sua festa. 61<br />
Também na cidade de <strong>Mariana</strong>, a devoção a Nossa Senhora da Conceição<br />
possibilitou ao poder episcopal, ao menos implicitamente, reafirmar sua importância e<br />
suas prerrogativas perante a população: foi com uma solene novena <strong>à</strong> Imaculada que o<br />
padre Lourenço José de Queiroz Vasconcelos, representante da diocese, inaugurou uma<br />
seqüência de preces públicas, a partir de maio de 1748, <strong>em</strong> prol do feliz termo da<br />
jornada do prelado recém-nomeado, D. Frei Manuel da Cruz, que se deslocava do<br />
Maranhão a Minas Gerais, a fim de assumir o bispado então constituído. 62<br />
Porém, a ereção da diocese pelo papa Bento XIV, <strong>em</strong> 1745, também implicou<br />
<strong>em</strong> nova mudança de padroado, entregue a Nossa Senhora da Assunção: “[...] e na<br />
aludida cidade de <strong>Mariana</strong> erigimos a Igreja paroquial da B<strong>em</strong>-aventurada Maria [...] –<br />
preterida agora esta denominação – <strong>em</strong> igualmente igreja Catedral, sobre a invocação da<br />
mesma Assunção da Beatíssima <strong>Virg<strong>em</strong></strong> [...]. 63 Em decorrência, no teto da catedral<br />
(antiga igreja da Conceição) foi pintado um grande quadro representando a Assunção da<br />
<strong>Virg<strong>em</strong></strong>. 64 A devoção <strong>à</strong> Assunção teve grande difusão na cidade, como evidenciado<br />
pelas representações iconográficas no forro da igreja do S<strong>em</strong>inário da Boa Morte 65 , ou<br />
ainda na capela do Santíssimo da igreja de São Francisco de Assis. 66 Esta devoção<br />
mariana fortalecera-se <strong>em</strong> Portugal desde a ascensão da dinastia de Avis, contribuindo<br />
61 PIMENTEL, Alberto. Op. Cit. p. 265-268; 281-282; 290.<br />
62 TRINDADE, Raimundo, cônego. Op. Cit. p. 80.<br />
63 Candor Lucis Aeternae. Motus proprious no nosso Santíssimo Senhor Papa Bento XIV sobre a divisão<br />
do território do Episcopado do Rio de Janeiro, no Brasil, e a nova eração dos Episcopados de <strong>Mariana</strong> e<br />
São Paulo etc. Apud. RODRIGUES, Flávio Carneiro de, mons. Op. Cit. V. 3. p. 37.<br />
64 BAZÉN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983. V. 2. p.<br />
67-69. Ver também VASCONCELOS, Salomão de. Op. Cit. p. 47-53.<br />
65 OLIVEIRA, Mirian Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva <strong>em</strong> Minas Colonial – Ciclo Rococó.<br />
Barroco. Belo Horizonte: Imprensa Universitária. 1982/1983. V. 12. p. 172-173.<br />
66 ORESTES, João. Op. Cit. p. 32.<br />
14
para isso a data da vitória na batalha de Aljubarrota, véspera da Assunção: <strong>em</strong><br />
com<strong>em</strong>oração ao evento, foi instituído que todas as catedrais do Reino foss<strong>em</strong><br />
dedicadas <strong>à</strong> Assunção da <strong>Virg<strong>em</strong></strong>.<br />
Assim, os vínculos entre engajamento político e tradição religiosa não eram<br />
estanques na religiosidade colonial mas, desde meados do setecentos, as devoções<br />
marianas (inclusive as do Carmo, Conceição e Assunção) comportaram uma mudança<br />
significativa, passando de uma feição conquistadora a um viés moralizador e<br />
civilizatório. Neste processo, mostrou-se fundamental a atuação de irmandades leigas,<br />
juntamente com o esforço reformador dos bispos de <strong>Mariana</strong>, que inspirados <strong>em</strong> Trento,<br />
tornaram o culto <strong>à</strong>s padroeiras da cidade um instrumento de afirmação da fé católica, do<br />
poder clerical e de um refinado pensamento teológico.<br />
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