GONÇALVES, Tatiana Mol. Devoção à Virgem em Mariana
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expressas concepções e ideários que promov<strong>em</strong> identidade e suscitam relações sociais. 3<br />
Existe, contudo, uma especificidade na simbólica mariana: ela não é auto-referente, mas<br />
reporta-se a um sist<strong>em</strong>a cultural-religioso mais amplo, do qual é componente: o<br />
cristianismo. Assim, Maria não se configura como a manifestação ontológica primeira<br />
da Verdade ou do Sentido, pois este é um atributo da divindade. Ela constitui-se, então,<br />
por analogia, como sujeito histórico coletivo (a humanidade, o povo, os fiéis...), 4 cuja<br />
identidade é tecida mediante a proclamação e adesão a este Sentido revelado, isto é, <strong>à</strong><br />
Palavra Encarnada, nominada como Cristo. 5 Como expressão derivada da Palavra,<br />
portanto, a simbólica mariana não viabiliza uma interpretação desprovida de quaisquer<br />
vínculos eclesiais, sob o risco de comprometer o significado da fé, basilarmente<br />
cristológica. Assim, a Igreja estruturou um saber específico sobre Maria, divisão do<br />
conhecimento teológico, a mariologia; este saber visa propiciar uma melhor<br />
interpretação da figura e do papel de Maria, devendo tornar-se também um el<strong>em</strong>ento<br />
impulsionador da devoção mariana. Produção sist<strong>em</strong>atizada e legitimada pela instituição<br />
católica, os postulados mariológicos, ao ser<strong>em</strong> difundidos através das práticas pastorais,<br />
foram paulatinamente adquirindo outras tantas leituras, enriquecedoras da piedade<br />
mariana enquanto experiência significante do real.<br />
Assim, do início dos t<strong>em</strong>pos modernos, quando o cristianismo adquiriu<br />
proporções mundiais, até a cont<strong>em</strong>poraneidade, a mariologia passou por três momentos<br />
distintos e até contraditórios. O primeiro desses períodos é bastante longo, indo do<br />
Concílio de Trento (1545-1563) até o pontificado de Pio XII (1939-1958), sendo<br />
marcado pelo ufanismo mariano, importante recurso da Igreja frente ao crescimento de<br />
outras denominações religiosas, <strong>à</strong> secularização e <strong>à</strong> concentração de poder por parte do<br />
Estado. Os anos 60 do século XX, por sua vez, com a promoção do Concílio do<br />
Vaticano II, vivenciaram um “silêncio mariológico”, numa tentativa de<br />
redirecionamento dos excessos anteriores. Por fim, a partir de meados dos anos 70, a<br />
mariologia foi retomada sob novas perspectivas, especialmente as da teologia da<br />
libertação e da teologia f<strong>em</strong>inista. 6<br />
3 Para a relação entre símbolo e imaginário social, ver BACKZO, Bronislaw. Imaginação social. In:<br />
Enciclopédia Einaudi: anthropos-hom<strong>em</strong>. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. V. 5.<br />
4 Cf. o conceito de “personalidade coletiva”, formulado <strong>em</strong> âmbito teológico por ROBINSON, H. Wheeler, <strong>em</strong><br />
1936, e retomado <strong>em</strong> 1949. Ver: BORN, A. van den (org.). Pessoa. In: Dicionário Enciclopédico da Bíblia.<br />
Petrópolis: Vozes; Porto: Centro do Livro Brasileiro, 1971. p. 1189.<br />
5 AZEVEDO, Marcelo de Carvalho. A oração de Maria, intérprete da Palavra. Convergência. Petrópolis,<br />
189, 56,62, jan./fev. 1986. p. 58.<br />
6 KÜNG, Hans. Op. Cit. p. 3-4.<br />
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