GONÇALVES, Tatiana Mol. Devoção à Virgem em Mariana
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oração mental e devoção de Nossa Senhora [...]”. 26 Os postulados da moralidade<br />
católica eram ratificados, no bojo da piedade marial, sob uma perspectiva de gênero,<br />
mediante o endosso <strong>à</strong>s representações da virgindade e da maternidade. O padrão de<br />
conduta f<strong>em</strong>inina então preconizado pelo clero estabelecia o celibato para as mulheres<br />
solteiras e viúvas, e a fidelidade e a procriação para as casadas, segundo um modelo de<br />
ord<strong>em</strong> natural e imutável, que também estipulava ao gênero o recato e a obediência. 27<br />
Daí a importância conferida pelos prelados ao ensino da piedade mariana aos<br />
fiéis, pois os pedidos <strong>à</strong>s intercessões da <strong>Virg<strong>em</strong></strong> eram muitas vezes associados a<br />
sentidos teológico-devocionais não reconhecidos pela ortodoxia católica: “Muito<br />
especial é a oração ‘Estrela do Céu’, louvando a <strong>Virg<strong>em</strong></strong>. Escrita <strong>em</strong> forma de cruz, ela<br />
deve ser fixada atrás da porta da casa, para resguardar o lar e seus moradores de todos<br />
os males”. 28 Neste sentido, o episcopado preocupou-se <strong>em</strong> b<strong>em</strong> fundamentar a piedade<br />
mariana na dogmática endossada por Trento, recomendando, e ao mesmo t<strong>em</strong>po,<br />
fiscalizando, a prática da leitura espiritual sobre Nossa Senhora: “[...] para cujo efeito<br />
lhes lerão, <strong>à</strong> estação da Missa nos ditos dias, um ex<strong>em</strong>plo ou prodígios de Nossa<br />
Senhora pelo Catecismo ou outro livro devoto, o que farão pena de se lhes trancar”. 29<br />
2.2- Práticas<br />
A devoção mariana difundida na América Portuguesa nos moldes de uma<br />
religiosidade tridentina promoveu o expurgo de experiências “extraordinárias” (como a<br />
percepção de sons, imagens e odores, a recepção de estigmas etc.), até então associados<br />
<strong>à</strong> experiência mística que <strong>em</strong>ergira no Ocidente cristão entre os séculos XIII e XVII.<br />
Todavia, o sobrenatural, e sobretudo o taumatúrgico, não se faziam ausentes da piedade<br />
mariana, mas foram sendo paulatinamente vinculados <strong>à</strong> autoridade eclesiástica. Assim,<br />
alguns objetos marianos, principalmente o terço e o escapulário de Nossa Senhora do<br />
Carmo, continuavam a ser portados pelos fiéis, mas deveriam ser antecipadamente<br />
bentos por um sacerdote. 30<br />
26<br />
Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Matriz de Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo.,<br />
28 nov. 1760. Apud: Ibid. p. 123.<br />
27<br />
PRIORE, Mary del. As atitudes da Igreja <strong>em</strong> face da mulher no Brasil Colônia. In: MARCÍLIO, M. L.<br />
(Org.). Família, mulher, sexualidade e Igreja na História do Brasil. São Paulo: Loyola, 1993. p. 174.<br />
28<br />
GAMA, Lélia Vidal Gomes de. <strong>Devoção</strong> e nostalgia. Belo Horizonte: Biblioteca Pública Estadual Luiz<br />
de Bessa, 1984. Não há numeração de página.<br />
29<br />
Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Matriz de Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo,<br />
28 nov. 1760. Apud: RODRIGUES, Flávio Carneiro, mons. Op. Cit. V. 1. p. 122. Ver também Capítulo<br />
de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Igreja Paroquial do Sr. Bom Jesus do Monte Furquim. Op. Cit;<br />
Capítulo de Visita do Dr. José dos Santos <strong>à</strong> Igreja Paroquial de Santo Antônio da Casa Branca. Op. Cit.<br />
30<br />
AZEVEDO, Carlos Moreira (Org.). Op. Cit. p. 582.<br />
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