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Casa em obras<br />

Ao transformar suas residências em espaços de produção e exposição, artistas<br />

dão exemplo de como diminuir a distância entre vida e arte.<br />

Por Augusto Paim<br />

reportagem<br />

Na última edição da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, em 2009, uma obra se destacava no número 400<br />

da Rua da Praia. Localizada fora dos pavilhões onde ocorre a maior parte do evento, a intervenção do artista<br />

plástico paulista Henrique Oliveira transformou um prédio público abandonado numa “casa-monstro”: uma<br />

massa disforme, saindo por portas e janelas, impedia a entrada de qualquer pessoa e dava ainda a sensação<br />

de que a construção explodiria a qualquer momento.<br />

Esse é um exemplo de quando a casa é tema do trabalho do artista. Mas Henrique não morou na sua obra<br />

de arte, como de fato fez o dadaísta alemão Kurt Schwitters (1887–1948) em sua Merzbau. De 1923 a 1937,<br />

Schwitters fez intervenções no próprio lar, em Hannover, Alemanha. Sua produção começou num quarto e<br />

foi aos poucos aumentando de tamanho, invadindo outros cômodos, criando grutas e cavernas. A casa-obra<br />

foi posteriormente destruída por bombardeios da Segunda Guerra Mundial.<br />

Outros artistas modificam a própria casa sem necessariamente alterar todo o espaço. Em 1996, a carioca<br />

Brígida Baltar encostou-se numa parede, desenhou o contorno do seu corpo e depois o “recortou”. “Na época<br />

eu pensava nas questões sobre o corpo e a identidade, e naquele lugar o corpo preenchia o espaço dos<br />

tijolos e se tornava estrutura pura. Trabalhei algum tempo com a ideia da casa como extensão do corpo”,<br />

explica Brígida, que completa: “Ali eu estava experimentando uma nova visão, um lugar único no mundo”. O<br />

processo de criação foi documentado e exposto por meio de vídeo, fotografias e slides. Os tijolos retirados<br />

da parede foram reutilizados por Brígida. “Quando me mudei, precisei restaurar a casa e todos os vãos que<br />

eu havia aberto foram fechados”, conta.<br />

A artista gaúcha Glaucis de Morais também fez a obra de arte em casa. Com a ajuda de amigos, ela escreveu<br />

repetidamente os versos “amortecendo cavo aconchego” nas quatro paredes de um dos três cômodos de seu<br />

apartamento. Intitulada Côncavo, a obra foi feita entre 1999 e 2002 e é fruto da dissertação de mestrado da<br />

artista. Permanece lá, na Rua César Lombroso, 146/6, em Porto Alegre, onde Glaucis ainda mora. O cômodo<br />

não tem luz elétrica (uma necessidade da obra) nem móvel algum, mas pode ser usado para pequenas tarefas<br />

quando não tem ninguém visitando.<br />

Detalhe da obra Côncavo, de Glaucis de Morais<br />

Intervenção Abrigo, da artista Brígida Baltar, em sua própria casa | foto: arquivo da artista<br />

Abre parênteses<br />

Fazer da própria casa um espaço de arte é uma boa<br />

ideia? Jailton Moreira, curador, professor de artes visuais<br />

e artista plástico, enxerga na pauta mais um exemplo<br />

do “movimento para não sair de casa”, estimulado<br />

pelo uso da internet. Para ele, é necessário sair do<br />

seu território de conforto para ter contato com a arte.<br />

“Pois arte é deslocar o local de aconchego e colocá-lo<br />

em outro lugar.”<br />

Para Brígida, “a casa é ou deveria ser sempre um<br />

espaço prazeroso e propício à convivência consigo<br />

mesmo, com familiares, amigos etc.”. Ela acredita que<br />

transformar a casa num espaço artístico, se é o que<br />

o morador deseja, pode ser também uma tarefa<br />

sob encomenda. “Tudo bem se quiser fazer por<br />

você mesmo, mas isso não necessariamente<br />

é arte ou o torna um artista”, diz. Tanto ela<br />

quanto Glaucis ressaltam a importância<br />

do estudo e do convívio com o circuito<br />

da arte para a formação<br />

do profissional.<br />

Os artistas e suas casas<br />

Adriana Matos Alves Duarte, mais conhecida como Xiclet,<br />

já expôs em albergue, garagem e numa república em<br />

que morou. Hoje ela vive na Rua Fradique Coutinho,<br />

1855, no bairro da Vila Madalena, em São Paulo. “Uma<br />

casa dentro de uma galeria e uma galeria dentro de<br />

uma casa” é o conceito da Casa da Xiclet, que, além de<br />

domicílio, é um espaço de exposição e interação com a<br />

arte, inaugurado oficialmente em setembro de 2001. A<br />

artista expõe trabalhos de qualquer pessoa, sem seleção<br />

nem curadoria. Tudo é pensado para ser uma brincadeira.<br />

“Não é underground, é playground” tornou-se um dos<br />

slogans. Nesse espaço, há jogos, oficinas, festas e cursos<br />

de arte culinária, além do estímulo ao ócio criativo, e<br />

por isso é frequentado por artistas que lá podem deixar<br />

o pensamento correr solto.<br />

O artista Fernando Peres tem um exemplo parecido, só<br />

que em menores proporções arquitetônicas. De janeiro<br />

de 2002 a abril de 2008, ele alugou um imóvel que ficou<br />

conhecido como A Menor Casa de Olinda. “Inventei<br />

do nada esse nome por ela ser muito pequena: uma<br />

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