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Estudos Sobre a Histeria: Ouvindo as histéricas, o que com elas ...

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<strong>Estudos</strong> <strong>Sobre</strong> a <strong>Histeria</strong>: <strong>Ouvindo</strong> <strong>as</strong> histéric<strong>as</strong>, o <strong>que</strong> <strong>com</strong> el<strong>as</strong> Freud aprende?<br />

Marília Flores<br />

A hipótese de Freud e Breuer na Comunicação Preliminar (1893), construída a<br />

partir da observação clínica, era <strong>que</strong> os fenômenos histéricos tinham uma causa<br />

desencadeante, um fato ocorrido amiúde há muitos anos, <strong>que</strong> fora a<strong>com</strong>panhado de<br />

grande dose de emoção <strong>que</strong> não pôde ser descarregada em atos reflexos conscientes e<br />

nem desg<strong>as</strong>tada pela <strong>as</strong>sociação <strong>com</strong> outros materiais mentais conscientes. A emoção<br />

permanecia “estrangulada” e a lembrança da experiência a ela relacionada permanecia<br />

fora da consciência. Os sintom<strong>as</strong> seriam símbolos mnêmicos dessa lembrança e modos<br />

de expressão do somatório de excitação. A explicação para este desfecho patológico era<br />

<strong>que</strong> a experiência traumática original ocorreu enquanto o indivíduo se encontrava num<br />

estado hipnóide de dissociação mental (Breuer) ou <strong>que</strong> a experiência foi considerada<br />

in<strong>com</strong>patível <strong>com</strong> o ego do indivíduo e teve <strong>que</strong> ser desviada da consciência (Freud).<br />

O método catártico de terapia consistia em promover, sob leve hipnose, a<br />

repetição da experiência juntando na consciência a experiência original e sua emoção de<br />

forma <strong>que</strong> esta pudesse ser descarregada ou abreagida, eliminando-se, portanto, o<br />

sintoma. Subjacente a esta teoria encontrava-se a ideia, depois transformada em<br />

conceito por Freud, do princípio de constância. A abreação clínica é necessária por<strong>que</strong> o<br />

aparelho mental busca eliminar ou manter constante a quantidade de excitação nele<br />

presente.<br />

Na conferência de 11 de janeiro de 1893 Freud enuncia: “Se uma pessoa<br />

experimentar uma impressão psíquica, algo em seu sistema nervoso, <strong>que</strong> por enquanto<br />

denominamos de „soma de excitação‟, aumenta. Ora, em todo indivíduo existe a<br />

tendência a reduzir esta soma de excitação, a fim de preservar sua saúde...”<br />

A sugestão hipnótica <strong>com</strong>o instrumento psicoterápico possibilitaria o acesso à<br />

experiência isolada da consciência, eliminando a eficácia patogênica da ideia <strong>que</strong> não<br />

fora abreagida por oc<strong>as</strong>ião da experiência traumática, permitindo <strong>que</strong> sua emoção<br />

estrangulada encontr<strong>as</strong>se uma saída através da fala; ou uma correção por <strong>as</strong>sociação a<br />

outr<strong>as</strong> idei<strong>as</strong> conscientes, ou sua eliminação por sugestão do médico.


Em 1892, na Comunicação Preliminar, nem Freud nem Breuer consideravam<br />

este método <strong>com</strong>o de cura da histeria; escrevem: “é verdade <strong>que</strong> não curamos a histeria<br />

na medida em <strong>que</strong> ela dependa de fatores disposicionais. Nada podemos fazer contra a<br />

recorrência de estados hipnóides. Além disso, durante a f<strong>as</strong>e produtiva de uma histeria<br />

aguda, nosso método não pode impedir <strong>que</strong> <strong>as</strong> manifestações laboriosamente eliminad<strong>as</strong><br />

sejam, de imediato, substituíd<strong>as</strong> por outr<strong>as</strong>...A descoberta do mecanismo psíquico d<strong>as</strong><br />

manifestações histéric<strong>as</strong> nos levou para mais perto apen<strong>as</strong> de uma <strong>com</strong>preensão do<br />

mecanismo dos sintom<strong>as</strong> histéricos, e não d<strong>as</strong> caus<strong>as</strong> intern<strong>as</strong> da histeria. Nada mais<br />

fizemos <strong>que</strong> tocar de leve na etiologia da histeria...”<br />

O método catártico era invenção de Breuer, <strong>que</strong> Freud aderiu, pois satisfazia a<br />

sua curiosidade científica bem mais <strong>que</strong> <strong>as</strong> imposições sob hipnose usad<strong>as</strong> por Charcot.<br />

Ao empregá-lo, visando alcançar a cena traumática, depara-se <strong>com</strong> um fenômeno <strong>que</strong><br />

chamou de “regressão”, <strong>as</strong> <strong>as</strong>sociações do paciente retrocediam e levavam o analista a<br />

se ocupar do p<strong>as</strong>sado.<br />

O <strong>que</strong> é a histeria? Era a <strong>que</strong>stão <strong>que</strong> animava Freud.<br />

A dissensão entre Freud e Breuer <strong>com</strong>eçou na teoria. Breuer não admitia o<br />

inconsciente (ou divisão na consciência <strong>com</strong>o chamavam) senão em decorrência de<br />

traum<strong>as</strong> ocorridos sob estados hipnóides, <strong>com</strong>uns em pesso<strong>as</strong> neurótic<strong>as</strong> por disposição.<br />

Freud, guiado pela noção de repressão, percebia o inconsciente <strong>com</strong>o um material<br />

isolado da consciência e se intrigava <strong>com</strong> o fenômeno da conversão. Por <strong>que</strong> emoções<br />

não express<strong>as</strong> viriam se expressar <strong>com</strong>o padecimentos físicos e impedimentos?<br />

Também na prática clínica Freud e Breuer divergiram; a clara transferência<br />

erótica <strong>que</strong> movia a análise de Ana O. era invisível para o seu médico Breuer, e foi essa<br />

transferência <strong>que</strong> levou Freud a conceber a sexualidade na etiologia da histeria.<br />

Na “História do Movimento Psicanalítico” (1914), Freud relembra um episódio<br />

<strong>que</strong> ilustra um saber inconsciente de Breuer. Um dia, p<strong>as</strong>seava ele <strong>com</strong> Breuer pela<br />

cidade, quando se aproximou um homem <strong>que</strong> desejava falar-lhe <strong>com</strong> urgência, Freud<br />

af<strong>as</strong>tou-se, deixando-os a sós; quando o homem foi embora, Breuer explicou <strong>que</strong> o<br />

homem era marido de uma de su<strong>as</strong> pacientes neurótic<strong>as</strong>, e <strong>com</strong>enta em francês: “ess<strong>as</strong><br />

cois<strong>as</strong> são sempre segredos de alcova!” Freud, estupefato, não <strong>com</strong>preendeu; Breuer<br />

explica: cois<strong>as</strong> do leito conjugal.<br />

Quanto mais Freud se descartava do método hipnótico, mais se lhe configurava o<br />

fenômeno da resistência, <strong>que</strong> ele logicamente p<strong>as</strong>sou a ver <strong>com</strong>o importante indicador<br />

do núcleo do problema.


Frau Emmy gostava de ser hipnotizada, ao menos se tornava mais receptível,<br />

menos hostil à Freud neste estado.<br />

Na noite de 11 de maio de 1889, após uma sugestão de Freud, Frau Emmy<br />

desvia o <strong>as</strong>sunto e <strong>com</strong>eça a falar sobre o seu medo de <strong>as</strong>ilos de loucos. Freud considera<br />

<strong>que</strong> por não tê-la deixado esgotar esse tema há três di<strong>as</strong> atrás, ele retornara. Permite <strong>que</strong><br />

ela fale e depois apela para o seu bom senso dizendo-lhe <strong>que</strong> ela deveria acreditar mais<br />

nele e não em históri<strong>as</strong> estúpid<strong>as</strong> <strong>que</strong> ouviu sobre <strong>as</strong>ilos. Frau Emmy prossegue<br />

gaguejando:<br />

− De onde provem esta gagueira? Pergunta Freud.<br />

− Não sei.<br />

− A senhora não sabe?<br />

− Não.<br />

− Por <strong>que</strong> não?<br />

− Por<strong>que</strong> não devo saber!.<br />

Freud observa <strong>que</strong> Frau Emmy pronuncia est<strong>as</strong> últim<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> <strong>com</strong> raiva e<br />

pede para ser despertada da hipnose. Na manhã seguinte Freud prossegue <strong>com</strong> sua<br />

bateria de pergunt<strong>as</strong>. Frau Emmy, em tom de <strong>que</strong>ixa, lhe adverte <strong>que</strong> não deveria<br />

continuar lhe perguntando de onde provinha isso ou aquilo, m<strong>as</strong> <strong>que</strong> lhe deix<strong>as</strong>se contar<br />

o <strong>que</strong> tinha a dizer.<br />

Em nota de rodapé, acrescentada em 1924, Freud nos participa <strong>que</strong> soube por um<br />

médico da região de Frau Emmy, <strong>que</strong> ela se utilizara outr<strong>as</strong> vezes da hipnose, <strong>com</strong> esse<br />

mesmo médico e <strong>com</strong> outros, obtendo os mesmos resultados <strong>que</strong> <strong>com</strong> Freud, uma<br />

melhora significativa <strong>com</strong>o re<strong>com</strong>pensa pela hipnose, seguida de uma briga <strong>com</strong> o<br />

médico e piora no seu estado geral. Verdadeira <strong>com</strong>pulsão à repetição, diz Freud na<br />

nota.<br />

“As histéric<strong>as</strong> sofrem de reminiscênci<strong>as</strong>.” No c<strong>as</strong>o de Miss Lucy, a sensação<br />

subjetiva de olfato é a lembrança <strong>que</strong> se <strong>as</strong>sociou a ideia in<strong>com</strong>patível ao ego na oc<strong>as</strong>ião<br />

do trauma.<br />

Katharina viveu uma experiência na infância ignorando seu caráter sexual, só<br />

quando ocorreu uma segunda experiência dessa natureza, a lembrança da primeira veio<br />

se constituir <strong>com</strong>o trauma.<br />

Frâulein Elisabeth contava su<strong>as</strong> sofrid<strong>as</strong> históri<strong>as</strong> <strong>que</strong> a privavam dos prazeres<br />

de moça <strong>com</strong> ar alegre, “bela indiferença” pensa Freud. Também não escapa a ele <strong>que</strong><br />

ela gostava dos dolorosos cho<strong>que</strong>s elétricos aplicados por seu médico e nem <strong>que</strong> sua


expressão facial de prazer era in<strong>com</strong>patível <strong>com</strong> a dor quando era beliscada nos<br />

músculos e na pele. Nela Freud percebe, não um, m<strong>as</strong> múltiplos e recentes traum<strong>as</strong> e<br />

conversões por simbolização, novidade em relação às conversões por <strong>as</strong>similação <strong>que</strong><br />

ele já havia observado. Por exemplo, a fr<strong>as</strong>e “não podia dar um único p<strong>as</strong>so à frente” era<br />

o veículo da conversão no seu sintoma.<br />

Cäcilie fez paroxismos desse tipo de conversão. Quando contava 15 anos, estava<br />

deitada na cama, sob o olhar vigilante da rigorosa avó; subitamente deu um grito,<br />

sentira uma dor penetrante na testa entre os olhos. Esta dor se reproduziu por 30 anos e<br />

só desapareceu quando na análise disse a Freud <strong>que</strong> a avó lhe dirigira um olhar<br />

penetrante <strong>que</strong> fora direto ao cérebro (ela temia <strong>que</strong> e a avó a estivesse olhando <strong>com</strong><br />

desconfiança), e soltou uma gargalhada.<br />

“Bofetada na cara”, “punhalada no coração”. Ao tomar uma expressão verbal<br />

literalmente, a histeria faz uso da língua, é metáfora <strong>com</strong> o próprio corpo, é linguagem.<br />

A responsabilidade dos artigos <strong>as</strong>sinados é dos seus autores.<br />

Rio, 06 de agosto de 2011.

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