Tese Julio Martín da Fonseca.pdf - Universidade Aberta
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Departamento de Educação e Ensino a Distância<br />
Teatro Universitário<br />
A experiência do TUT<br />
(Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa)<br />
Júlio <strong>Martín</strong> <strong>da</strong> <strong>Fonseca</strong><br />
Lisboa, 2012<br />
Mestrado em Arte e Educação
Mestrado em Arte e Educação<br />
Teatro Universitário<br />
A experiência do TUT<br />
(Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa)<br />
Júlio <strong>Martín</strong> <strong>da</strong> <strong>Fonseca</strong><br />
Dissertação apresenta<strong>da</strong> para obtenção de Grau de Mestre em<br />
Arte e Educação<br />
Orientador: Professor Amílcar Martins<br />
Coorientadora: Professora Eugénia Vasques<br />
Lisboa, 2012<br />
I
Resumo<br />
Este estudo de caso sobre o percurso de 30 anos do grupo de Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
Técnica de Lisboa, pretendeu reflectir e avaliar o contributo que o teatro universitário<br />
pode <strong>da</strong>r para o desenvolvimento pessoal, cultural, artístico e científico de docentes e<br />
discentes, permitindo uma melhor integração dos aspectos racionais e emocionais e<br />
potenciando as capaci<strong>da</strong>des de interacção e de comunicação dos universitários, entre<br />
eles e com a socie<strong>da</strong>de em que vivemos.<br />
Palavras Chave<br />
Teatro Universitário; Teatro; Desenvolvimento Pessoal; Desenvolvimento Cultural.<br />
Teatro Universitário<br />
Activi<strong>da</strong>de teatral, especificamente realiza<strong>da</strong> no meio universitário ou do ensino<br />
superior, a nível <strong>da</strong> formação, <strong>da</strong> criação e <strong>da</strong> investigação teórica ou prática.<br />
Teatro<br />
Forma de arte dinâmica, em que vemos homens e mulheres em acção – o que fazem e<br />
porque o fazem – e temos uma íntima percepção do mundo e <strong>da</strong> condição humana,<br />
vendo através dos olhos dos outros. É uma forma de expressão humana, partilha<strong>da</strong> entre<br />
público e actores, que tem lugar no presente, mas que nos transporta para outros tempos<br />
e lugares.<br />
Desenvolvimento Pessoal<br />
Temática que abarca os diversos conhecimentos, conceitos, recursos e técnicas<br />
relacionados com o desenvolvimento do potencial humano, tais como:<br />
Autoconhecimento; Comunicação interpessoal; Relacionamento humano.<br />
Desenvolvimento Cultural<br />
Temática que engloba áreas do conhecimento, que se dedicam ao estudo e compreensão<br />
do comportamento humano e suas realizações, nomea<strong>da</strong>mente através <strong>da</strong> literatura e <strong>da</strong>s<br />
artes.<br />
II
Summary<br />
This case study about the course of 30 years of theatre group of the Technical<br />
University of Lisbon wanted to reflect and evaluate the contribution that the University<br />
Theatre can give to personal development, cultural, artistic and scientific teachers and<br />
learners, allowing a better integration of rational and emotional aspects and<br />
strengthening the capacities of interaction and communication between them and the<br />
society in which we live.<br />
Keywords<br />
University Theatre; Theatre; Personal Development; Cultural Development.<br />
University Theatre<br />
Theatrical activity specifically held at University or higher education, training, creation<br />
and theoretical research or practice.<br />
Theatre<br />
Dynamic art form, in which we see men and women in action – what they do and why<br />
they do it – and we have an intimate understanding of the world and the human<br />
condition, seeing through the eyes of others. Is a form of human expression, shared<br />
between the public and stakeholders, which takes place at present, but that transports us<br />
to other times and places.<br />
Personal Development<br />
That covers the various thematic knowledge, concepts, features and techniques related<br />
to the development of human potential, such as: Self-knowledge; Interpersonal<br />
communication; Human relationship.<br />
Cultural Development<br />
Theme that covers areas of knowledge, who are dedicated to the study and<br />
understanding of human behavior and his accomplishments, in particular through the<br />
literature and the arts.<br />
III
Agradecimentos<br />
Em primeiro lugar, quero agradecer ao Professor Amílcar Martins, pela<br />
oportuni<strong>da</strong>de que me proporcionou de voltar à universi<strong>da</strong>de, com a criação do MAE,<br />
por ter aceitado ser o meu Artenauta Orientador, e ter começado a acompanhar o<br />
percurso do TUT desde 2009. Tive o privilégio de usufruir <strong>da</strong> sua sábia envolvência, <strong>da</strong><br />
sua dinâmica saltimbanca, do seu rigor geométrico e <strong>da</strong> beleza do crescimento em<br />
espiral, através <strong>da</strong> partilha dos nossos “sótãos” experienciais e vivenciais.<br />
Agradeço também à Professora Eugénia Vasques, por todo o estímulo, interesse<br />
e disponibili<strong>da</strong>de que demonstrou. Como lhe disse aquando do convite que lhe fiz para<br />
ser minha Coorientadora “gostaria muito de re-ligare relações mais próximas com<br />
pessoas que foram marcantes na minha formação humana e artística” como foi o seu<br />
caso, sendo minha Professora na ESTC. Penitencio-me por não ter sabido aproveitar <strong>da</strong><br />
melhor forma, todo o seu saber e experiência, pela minha crónica falta de tempo.<br />
fizemos.<br />
Congratulo-me igualmente com os meus MAE colegas, pelo percurso que<br />
Estou profun<strong>da</strong>mente agradecido, ao Professor Arantes e Oliveira, pela superior<br />
visão de ter criado o TUT, e de forma muito especial, ao Jorge Listopad por estes 30<br />
anos que temos compartilhado juntos, e que transformaram a minha vi<strong>da</strong><br />
completamente.<br />
Abraço, fortemente, o Nuno Cortez e o Manuel Vieira, meus companheiros de<br />
“Troika” virtuosa, assim como a Ângela Pinto, o João Nunes e a Helena Simões,<br />
tutianos <strong>da</strong> primeira hora, e o apoio, talento e amizade do José Figueiredo, <strong>da</strong> Ana<br />
Nunes, e de to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong>de tutiana.<br />
Saúdo a memória do meu Pai, Júlio Coelho <strong>da</strong> <strong>Fonseca</strong>, e celebro a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
minha família, <strong>da</strong> minha queri<strong>da</strong> Mãe, Isabel <strong>Martín</strong>, <strong>da</strong> minha Companheira de muitas<br />
Obras, Silvina Pereira, e <strong>da</strong> minha Íris.<br />
IV
Índice Geral<br />
Preâmbulo 2<br />
Introdução 3<br />
Primeiro Capítulo 5<br />
1 Quadro teórico-conceptual <strong>da</strong> investigação 5<br />
1.1 O Teatro Universitário na História do Teatro 5<br />
1.2 O Teatro Universitário e a sua projeção no mundo contemporâneo 7<br />
1.3 O Teatro Universitário em Portugal 8<br />
Segundo Capítulo 13<br />
2 Considerações iniciais 13<br />
2.1 Focos geradores e orientadores <strong>da</strong> investigação 13<br />
2.2 Questão orientadora <strong>da</strong> investigação 13<br />
2.3 Questões de investigação 14<br />
2.4 Objetivos <strong>da</strong> investigação 14<br />
2.5 Contexto <strong>da</strong> Acção: Caracterização do TUT 14<br />
2.6 Metodologia empírica <strong>da</strong> investigação 15<br />
2.7 Procedimentos metodológicos 16<br />
2.8 Técnicas de investigação 17<br />
2.8.1 Observação participante 17<br />
2.8.2 Entrevistas em profundi<strong>da</strong>de 17<br />
2.8.3 Entrevistas de grupo 17<br />
2.8.4 Documentos do Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica 18<br />
2.8.5 Documentos pessoais 18<br />
2.8.6 Imagens: vídeos e fotografias 18<br />
Terceiro Capítulo 19<br />
3 A Cultura e o Teatro na Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa 19<br />
3.1 A Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa 19<br />
3.2 A Cultura na Universi<strong>da</strong>de Técnica 19<br />
3.2.1 A Dança e o Teatro 20<br />
3.3 Os Grupos de Teatro <strong>da</strong> UTL 20<br />
3.3.1 GTIST – Grupo de Teatro do IST 21<br />
3.3.2 O Rastilho – Grupo de Artes Representativas <strong>da</strong> FA 23<br />
3.3.3 KULA – ISEG 24<br />
V
3.3.4 TEAGRO – ISA 24<br />
3.3.5 Grupo de Teatro do ISCSP 26<br />
3.4 Ciclo de Teatro <strong>da</strong> UTL no Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de 27<br />
Quarto Capítulo 29<br />
4 A experiência do TUT ao longo de 30 anos 29<br />
4.1 Apresentação do grupo de estudo - TUT 29<br />
4.2 Listagem de espetáculos – 1982 – 2012 31<br />
4.2.1 O início: 1981-1982 33<br />
4.2.2 Período de 1983 – 1988 37<br />
4.2.3 Período de 1989 – 1999 88<br />
4.2.4 Período de 2000 – 2008 102<br />
4.2.5 Período de 2009 – 2012 126<br />
Conclusões 140<br />
Referências bibliográficas 143<br />
Webgrafia 145<br />
Blografia 145<br />
Apêndices 146<br />
Apêndice 1 – Historial do TUT 147<br />
Apêndice 2 – Textos e Autores (apresentados por fases) 153<br />
Apêndice 3 – Listagem de Colaboradores do TUT 155<br />
Apêndice 4 – Entrevista a Jorge Listopad 157<br />
Apêndice 5 – Entrevista ao Professor Doutor Arantes e Oliveira 176<br />
Apêndice 5 – Entrevista de Grupo 179<br />
Apêndice 7 – Texto no Boletim do TUT do Professor Dr. J. Lopes <strong>da</strong> Silva 188<br />
Apêndice 8 - Texto no Boletim do TUT do Professor Dr. Arantes e Oliveira 190<br />
Apêndice 9 - Texto no Boletim do TUT de Jorge Listopad 193<br />
Apêndice 10 - Quando o Teatro é Liber<strong>da</strong>de 194<br />
Apêndice 11 - Boletim do TUT 195<br />
Anexos (em CD) 196<br />
Anexo 1 – Fotografias de espetáculos 196<br />
Anexo 2 – Programas e Cartazes 196<br />
Anexo 3 – Críticas e Notícias 196<br />
VI
O que podia ter sido é uma abstração<br />
(…)<br />
O tempo passado e o tempo futuro<br />
O que podia ter sido e o que foi<br />
Tendem para um só fim, que é sempre presente.<br />
T. S. Elliot in “Quatro Quartetos”<br />
1
Preâmbulo<br />
Esta investigação foi uma oportuni<strong>da</strong>de, para reconstruir e refletir sobre o<br />
percurso de um grupo de teatro universitário, desde 1981, <strong>da</strong>ta do seu início, até este<br />
momento, ano de 2012, coincidindo justamente com o fim do ano lectivo, e após a<br />
apresentação do espetáculo mais recente.<br />
O material recolhido foi abun<strong>da</strong>nte, uma vez que esteve disperso ao longo dos<br />
anos, pois não havia nenhum espaço próprio para o conservar.<br />
Esta investigação que começou por ser um estudo de caso sobre o Teatro <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Técnica, acabou por adquirir também, contornos de uma investigação-<br />
ação, pois foi necessário intervir em prol <strong>da</strong> sua salvaguar<strong>da</strong>, preservação e<br />
continui<strong>da</strong>de, mediante a sensibilização para que fosse disponibilizado um espaço<br />
próprio, a urgência em criar uma associação que lhe desse existência jurídica e a<br />
prossecução normal <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des do grupo em termos de formação complementar,<br />
cultural e artística, que consoli<strong>da</strong>sse o TUT na UTL.<br />
Após a análise dos <strong>da</strong>dos selecionados, constituídos por Programas, Fotografias,<br />
Notícias, Críticas, Diários de Bordo, anotações e outros materiais, foi possível delinear<br />
uma trajetória que revelou um percurso de significado no desenvolvimento <strong>da</strong>s pessoas<br />
que fizeram parte desta experiência teatral.<br />
Sendo uma investigação, que merece ser aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>, pelos novos territórios<br />
que se abrem ao teatro universitário, no futuro multicultural e multidisciplinar <strong>da</strong>s<br />
próprias universi<strong>da</strong>des e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em geral, esta é apenas uma primeira abor<strong>da</strong>gem,<br />
que reconhece, no entanto, a existência em liber<strong>da</strong>de, de espaços próprios para o Teatro<br />
Universitário.<br />
2
INTRODUÇÃO<br />
O Teatro no Ocidente, desenvolve-se á luz <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e anuncia a livre reflexão<br />
sobre o mundo e a existência humana. Num único verso, a humani<strong>da</strong>de pode ver-se e<br />
ouvir-se. Através <strong>da</strong> Comédia e <strong>da</strong> Tragédia, ri e chora, ama e odeia, empolga-se e<br />
aterroriza-se. Parece assim criar instrumentos para compreender e aceitar a trágica e<br />
paradoxal condição humana.<br />
O teatro, enquanto espaço de interpelação, de descoberta e de diálogo, modelou<br />
de certa forma a ideia de Universi<strong>da</strong>de. Esta Instituição milenar e local de reunião dos<br />
vários saberes, integrou desde as suas origens a invenção teatral, auxiliar de um método<br />
pe<strong>da</strong>gógico de ensino e aprendizagem, servindo-se entre outras, <strong>da</strong>s potenciali<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />
exposição pública, <strong>da</strong> argumentação, do diálogo dramatizado, para fazer passar o<br />
conhecimento e a aquisição de competências.<br />
Hoje, em que o teatro e a universi<strong>da</strong>de se continuam a entrecruzar, torna-se<br />
contudo importante diferenciar o que são os estudos de teatro na universi<strong>da</strong>de (com os<br />
seus objetivos de formar profissionais que investiguem, divulguem e ensinem o<br />
fenómeno teatral e que produzam espetáculos) e o que é ou deve ser, a função do teatro<br />
universitário enquanto ativi<strong>da</strong>de extracurricular, de desenvolvimento pessoal, relacional,<br />
cultural e artístico. Os estudos de teatro na universi<strong>da</strong>de e o teatro universitário,<br />
prosseguindo propósitos diferentes podem no entanto, e sem dúvi<strong>da</strong> alguma, iluminar-se<br />
mutuamente.<br />
É importante reconhecer que uma prática teatral universitária, constituí<strong>da</strong> como<br />
um Laboratório, realiza uma transversali<strong>da</strong>de de saberes e de âmbitos (como a arte, a<br />
educação, a comunicação e a ciência) e que instala um espaço de liber<strong>da</strong>de, de<br />
intimi<strong>da</strong>de e de experimentação de si próprio, com os outros e com o mundo<br />
circun<strong>da</strong>nte.<br />
Tendo isto em conta, pretendemos refletir e avaliar, através de um estudo de<br />
caso – o Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica - o contributo que o teatro universitário pode<br />
<strong>da</strong>r para o desenvolvimento pessoal, cultural, artístico e científico de docentes, discentes<br />
e a comuni<strong>da</strong>de em geral, permitindo uma melhor integração dos aspetos racionais e<br />
emocionais e potenciando as capaci<strong>da</strong>des de interação e de comunicação dos<br />
universitários, entre eles e com a socie<strong>da</strong>de em que vivemos.<br />
3
No Primeiro Capítulo, refere-se o enquadramento teórico sobre o Teatro<br />
Universitário, a sua relação com a História do Teatro e a sua atuali<strong>da</strong>de e projeção no<br />
mundo e em Portugal.<br />
No Segundo Capítulo, apresenta-se a metodologia utiliza<strong>da</strong> para o trabalho de<br />
investigação. Identificam-se as questões de investigação e definem-se os objetivos.<br />
Desta forma, contextualiza-se o objeto fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> investigação.<br />
O Terceiro Capítulo, enuncia a vivência cultural, particularmente no âmbito do<br />
teatro, no seio <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa.<br />
No Quarto Capítulo, descreve-se e analisa-se a ativi<strong>da</strong>de do Teatro <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Técnica/TUT ao longo dos seus 30 anos de existência.<br />
Nas conclusões são expostas as considerações e reflexões que respondem<br />
essencialmente à questão orientadora e aos objetivos propostos.<br />
Para a fun<strong>da</strong>mentação teórica do trabalho recorreu-se às Referências<br />
Bibliográficas e à recolha de documentos do grupo e pessoais, que se encontram nos<br />
Apêndices e nos Anexos.<br />
4
Primeiro Capítulo<br />
1 Quadro teórico-conceptual <strong>da</strong> investigação<br />
1.1 O Teatro Universitário na História do Teatro<br />
As Histórias do Teatro dão conta de uma convivência permanente e estreito<br />
contacto entre a Universi<strong>da</strong>de e a ativi<strong>da</strong>de teatral. No entanto, de um modo geral,<br />
apenas aí aparecem breves referências ao teatro estu<strong>da</strong>do e apresentado pelos estu<strong>da</strong>ntes<br />
nas universi<strong>da</strong>des europeias. Parece pois haver um défice de reflexão sobre a ativi<strong>da</strong>de<br />
específica do teatro universitário ao longo do tempo, e que sabemos ter sido importante<br />
na vi<strong>da</strong> escolar.<br />
Desde o alvor <strong>da</strong>s primeiras Universi<strong>da</strong>des na I<strong>da</strong>de Média que era costume<br />
terem lugar representações dramáticas, quer como diversão, quer como exercício<br />
pe<strong>da</strong>gógico. Na primeira metade do século XVI, as Universi<strong>da</strong>des eram polos de cultura<br />
clássica, onde se estu<strong>da</strong>vam os mais admiráveis modelos <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de, como<br />
Terêncio, Séneca e Plauto. É disso exemplo, o Teatro Humanístico do século XVI<br />
realizado pelos estu<strong>da</strong>ntes nas universi<strong>da</strong>des, como no caso de Coimbra e Évora em<br />
Portugal. Foi no ambiente universitário que foram cria<strong>da</strong>s obras que viriam mais tarde a<br />
fazer parte do repertório teatral europeu. À sombra <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Salamanca foi<br />
cria<strong>da</strong> a Celestina de Fernando Rojas, e em Coimbra a Comedia Eufrosina de Jorge<br />
Ferreira de Vasconcelos, não sendo difícil de aferir que “Las aulas de la universi<strong>da</strong>de<br />
renacentista respiraban, pues, un ambiente teatral” (Menéndez Peláez, 2003:584).<br />
Esta tradição do teatro na vivência universitária, nomea<strong>da</strong>mente através <strong>da</strong><br />
representação de peças teatrais pelos estu<strong>da</strong>ntes, teve continui<strong>da</strong>de e desenvolveu-se de<br />
diferentes formas, como o drama escolar protestante que foi muito estimulado e apoiado<br />
pela Reforma nos países do norte <strong>da</strong> Europa, assim como o teatro escolar jesuítico, o<br />
Teatro Novilatino dos séculos XVI, XVII e XVIII.<br />
Mas somente no século XIX começamos a ter notícias <strong>da</strong> constituição de grupos<br />
de teatro exclusivamente universitários. Por exemplo, na Grã-Bretanha foi forma<strong>da</strong> em<br />
1855 a “Cambridge University’s Amateur Dramatic Company” e em 1885 a “Oxford<br />
University Dramatic Society”. No século XX e no outro lado do Atlântico, a<br />
Universi<strong>da</strong>de de Harvard, nos Estados Unidos <strong>da</strong> América, criou em 1912 um curso de<br />
5
escrita dramática, e destes cursos, segundo P. Mignom, saíram jovens dramaturgos<br />
como Eugène O’Neill que começaram por ser representados nas universi<strong>da</strong>des.<br />
Na The Oxford Illustrated History of Theatre J. Brown assinala que uma série de<br />
grupos de teatro emergiram nos anos 60 nas universi<strong>da</strong>des americanas, como o caso do<br />
Yale Repertory Theatre e, na The Cambridge Guide to Theatre, Martin Banham refere<br />
que no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90, do século XX, cerca de 92,2 % <strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des<br />
americanas desenvolveram ativi<strong>da</strong>des teatrais, tendo-se realizado cerca de 30.000<br />
produções, que correspondem a 150.000 representações para 45 milhões de<br />
espectadores.<br />
Mais perto de nós, em Espanha, é de salientar o grupo de teatro universitário “La<br />
Barraca” dirigido pelo poeta e dramaturgo Federico Garcia Lorca, que fez teatro<br />
itinerante pela Espanha Republicana, representando os clássicos <strong>da</strong> dramaturgia<br />
espanhola. Também J. Calvo relembra, que nos anos sessenta do século XX muitos<br />
encenadores, atores e dramaturgos vieram do teatro universitário, como por exemplo<br />
José Sanchis Sinisterra. Na Historia del Teatro Español. Siglo XX, num capítulo<br />
dedicado ao chamado “Teatro Independente”, aparece uma referência ao “Teatro<br />
Universitário de Murcia”, que existe desde 1955, mas que se inscreveu no panorama<br />
teatral em 1967 sob a direção de César Oliva e que se considera ser um caso<br />
representativo do teatro universitário espanhol “por la coherencia y continui<strong>da</strong>d de su<br />
trayectoria, por la cali<strong>da</strong>d y la vocación experimentalista de sus espectáculos, por el<br />
rigor y serie<strong>da</strong>d de su trabajo y por su trascendencia nacional” (Ramón, 2001:479).<br />
Luciano Garcia Lorenzo, em Aproximación Al Teatro Español Universitario<br />
(TEU) de 1999, publica uma compilação de textos de encenadores, dramaturgos e<br />
estudiosos de teatro, mostrando os percursos do Teatro Universitário em Espanha, numa<br />
monografia que abarca os anos de 1940 até 1970 do século XX. Esta panorâmica sobre<br />
a prática teatral universitária é, segundo Garcia Lorenzo, uma contribuição relevante<br />
para o estudo do teatro em geral, <strong>da</strong><strong>da</strong> a importância deste teatro na vi<strong>da</strong> teatral<br />
espanhola.<br />
6
1.2 O Teatro Universitário e a sua projeção no mundo contemporâneo<br />
As notícias <strong>da</strong> participação em Festivais de Teatro Universitário portugueses, de<br />
inúmeros grupos de diferentes países, assim como a deslocação de grupos nacionais um<br />
pouco por todo o mundo, comprovam por si só a dinâmica internacional <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />
teatral universitária.<br />
Um dos lugares privilegiados onde se pode encontrar informação específica a<br />
nível global é a Associação Internacional de Teatro Universitário - AITU/IUTA.<br />
Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na Universi<strong>da</strong>de de Liège, em 1994, a AITU tem como objetivo “o<br />
desenvolvimento e a promoção por todo o mundo, <strong>da</strong> formação teatral, <strong>da</strong> criação e <strong>da</strong><br />
investigação teórica e prática ao nível dos estudos superiores ou universitários”, e está<br />
presente em todos os continentes, contando com membros em mais de cinquenta países,<br />
incluindo o Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica - TUT.<br />
Esta associação internacional pretende ser um fórum privilegiado onde<br />
professores, profissionais, criadores e teóricos podem comunicar e partilhar as suas<br />
investigações e incertezas. Proporciona também um espaço para o intercâmbio e a<br />
colaboração entre os grupos de teatro universitário, incrementando o diálogo e a<br />
compreensão entre culturas, através inclusivamente <strong>da</strong> presença dos responsáveis de<br />
festivais, estando acessível a to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong>de académica interessa<strong>da</strong> no teatro.<br />
É ain<strong>da</strong> de assinalar que a AITU organiza um congresso bianual, tendo sido já<br />
realizados na Bélgica (1994), Canadá (1997), Senegal (1999), Polónia (2001), Grécia<br />
(2003), Itália (2006), México (2008), Reino Unido (2010) e o próximo será este ano, em<br />
2012, em Minsk, na Bielorrússia. Têm sido abor<strong>da</strong>dos temas tão diversos como: a<br />
afirmação <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de do teatro na universi<strong>da</strong>de; as relações do teatro<br />
universitário com o teatro profissional e o teatro não profissional; as relações do teatro<br />
universitário com os organismos oficiais; os repertórios e o público; as práticas e as<br />
investigações no teatro universitário; o desenvolvimento e a cooperação entre os grupos<br />
de teatro universitários; a estruturação dos intercâmbios entre os diferentes membros e o<br />
estabelecimento de comunicações regulares entre todos, de forma a constituir uma rede<br />
mundial do teatro universitário.<br />
A participação em associações internacionais deste tipo revela-se <strong>da</strong> maior<br />
importância, no sentido de alargar, enriquecer e aprofun<strong>da</strong>r, a reflexão acerca de<br />
questões gerais e específicas relativas ao teatro universitário, assim como ao<br />
estabelecimento de colaborações e parcerias.<br />
7
1.3 O Teatro Universitário em Portugal<br />
Já foi referido que em Portugal no século XVI, se apresentava teatro nas<br />
Universi<strong>da</strong>des de Coimbra e Évora e que, estas representações feitas pelos estu<strong>da</strong>ntes<br />
universitários envolviam grande pompa e soleni<strong>da</strong>de. Sá de Miran<strong>da</strong>, Jorge Ferreira de<br />
Vasconcelos e António Ferreira oferecem-nos exemplos de um teatro clássico<br />
representado, segundo se pode inferir quer pelos para-textos (dedicatórias nas obras),<br />
quer mesmo por documentação dispersa.<br />
Em Tras a nevoa vem o sol - As comédias de Jorge Ferreira de Vasconcelos,<br />
uma dissertação de Doutoramento de 2009, Silvina Pereira no capítulo “Teoria e prática<br />
do teatro europeu e português no século XVI” referindo-se quanto às práticas teatrais<br />
em Portugal no século XVI no que concerne ao teatro escolar e humanístico em<br />
Coimbra e Évora, dá conta no contexto português, dos autores, do repertório<br />
representado e de locais de representação, podendo-se concluir quanto a si que “Não<br />
temos um trabalho aprofun<strong>da</strong>do sobre o teatro nas Universi<strong>da</strong>des em Portugal e, por<br />
isso, as notícias sobre as representações teatrais no século XVI são muito incompletas”<br />
(Pereira:2009) pelo que, há que estu<strong>da</strong>r esta época sem ideias preconcebi<strong>da</strong>s, mas<br />
fun<strong>da</strong>mentalmente a partir de documentação.<br />
Também é sabido que, to<strong>da</strong> essa ativi<strong>da</strong>de teatral decorria <strong>da</strong> obrigação inscrita<br />
dos Estatutos <strong>da</strong>s Universi<strong>da</strong>des de promoverem representações que envolviam lentes e<br />
alunos, um hábito intimamente relacionado com a vi<strong>da</strong> académica. Deste modo, se<br />
praticavam matérias humanísticas como o Latim e a Retórica, e se aplicavam processos<br />
de aprendizagem assentes em técnicas de memorização.<br />
A tradição <strong>da</strong>s representações dramáticas continuou mas, com o triunfo <strong>da</strong><br />
Contra-Reforma, esta estimulante ativi<strong>da</strong>de artística, rapi<strong>da</strong>mente viria no nosso país a<br />
ser substituído pelo denominado teatro jesuítico, um teatro de cariz religioso, cujo<br />
expoente maior foi o Padre Luís <strong>da</strong> Cruz e assim, segundo o epitáfio de Luiz Francisco<br />
Rebello “A Universi<strong>da</strong>de de Coimbra, que foi o berço do teatro clássico, seria também o<br />
seu túmulo” (Rebello, 2000:60). 1<br />
1 Claude-Henri Frèches que estudou o teatro escolar em Le Theatre Neo-Latim au Portugal (1550-1745),<br />
lamenta que o pouco que se sabe decorra do texto e muito pouco sobre os acontecimentos reais e as<br />
pessoas envolvi<strong>da</strong>s.<br />
8
Temos testemunhos avulsos de alguns escritores portugueses como, por<br />
exemplo, Almei<strong>da</strong> Garrett ou Fialho de Almei<strong>da</strong>, que tendo realizado os seus estudos<br />
em Coimbra, contam como participaram na vi<strong>da</strong> académica através <strong>da</strong>s representações<br />
teatrais, ou Eça de Queirós que, enquanto estu<strong>da</strong>nte de Direito em Coimbra, fez parte do<br />
grupo académico de teatro, especializando-se em personagens de “pai nobre”, tendo<br />
chegado, segundo o próprio, a ponderar envere<strong>da</strong>r pela vi<strong>da</strong> do teatro. Ou seja, a<br />
ativi<strong>da</strong>de teatral, parece ter sido nuclear na formação dos estu<strong>da</strong>ntes mas, segundo a<br />
visão sarcástica de Fialho de Almei<strong>da</strong>, Em Coimbra – Récitas de Estu<strong>da</strong>ntes, em 1903,<br />
tais espetáculos “não mereceram traslado nos arquivos, onde a vi<strong>da</strong> dos académicos não<br />
consta além do registo <strong>da</strong> matrícula, e algumas notas de ano, estenografa<strong>da</strong>s em língua<br />
seca e burocrática” (Almei<strong>da</strong>, 1960:1). Ou seja, esta é uma história que está ain<strong>da</strong> por<br />
fazer.<br />
António Pedro em Escritos sobre Teatro, de meados do século passado, dedica<br />
nessa obra, um parágrafo de reflexão sobre o teatro universitário. Diz-nos ele, que:<br />
“Há, ao que suponho, duas espécies possíveis de teatro universitário: o<br />
que deveria funcionar como aula prática duma cadeira de História do Teatro e o<br />
que poderia servir de laboratório experimental para uma cadeira de Estética. Só<br />
dentro destas duas categorias o teatro académico é, de facto, universitário.<br />
Prevejo ain<strong>da</strong> (…) a hipótese dum teatro académico não universitário, isto é,<br />
ligado à vi<strong>da</strong> social dos estu<strong>da</strong>ntes, embora desligado <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> escolar.”<br />
(Pedro, 2001: 294).<br />
Esta reflexão, clarifica o que deveriam ser as práticas dos estudos superiores de<br />
teatro e o que deve ser o teatro universitário ou, segundo o autor, o teatro académico<br />
feito pelos estu<strong>da</strong>ntes. O escritor e dramaturgo Jorge de Sena, põe o enfoque num plano<br />
diferente e pertinente, tendo formulado todo um programa de liber<strong>da</strong>de que se abre para<br />
a descoberta, experimentação e afirmação <strong>da</strong> cultura na vi<strong>da</strong> pessoal e social:<br />
"Cabe, pois, a um teatro universitário <strong>da</strong>r o tom <strong>da</strong>s ressurreições<br />
culturais, segundo os ventos mais actualizados <strong>da</strong> cultura; cabe-lhe, também,<br />
impor, com a sua autori<strong>da</strong>de, autores novos, julgando representativos, cujas<br />
peças podem até não ser, para nós, obras-primas, desde que essas peças pareçam<br />
significativas de tendências artísticas que, no teatro e pelo teatro, urge<br />
esclarecer. Tudo isto o teatro universitário pode fazer, com outros resultados<br />
teóricos e práticos que o teatro de amadores não atingirá nunca - porque o teatro<br />
de amadores abre-se <strong>da</strong> cultura para a vi<strong>da</strong>, e um teatro universitário abre-se <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> para a cultura" (Sena, 1988: 292).<br />
9
É neste sentido que, ao longo do século XX, alguns grupos de teatro<br />
universitário foram surgindo em diversas ci<strong>da</strong>des do país. Dos mais antigos e<br />
paradigmáticos destacam-se desde logo, o TEUC/Teatro dos Estu<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de de Coimbra, que iniciou a ativi<strong>da</strong>de no ano de 1938 sob a direção artística<br />
do Professor Paulo Quintela; o CITAC/Círculo de Iniciação Teatral <strong>da</strong> Academia de<br />
Coimbra; o TUP/Teatro Universitário do Porto, fun<strong>da</strong>do em 1948 por um grupo de<br />
estu<strong>da</strong>ntes; o Cénico de Direito, criado no ano de 1954 e que foi o primeiro grupo de<br />
teatro universitário de Lisboa, ou o GTL/Grupo de Teatro de Letras, <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de<br />
Lisboa, fun<strong>da</strong>do em 1965 e que desempenhou um papel marcante no teatro e no meio<br />
universitário durante a crise académica de 1969, contando nesse período com a<br />
participação de Luís Miguel Cintra, Jorge Silva Melo e Eduar<strong>da</strong> Dionísio que se<br />
estrearam no grupo e, a partir dele, fun<strong>da</strong>ram o Teatro <strong>da</strong> Cornucópia.<br />
Em 2009, José Oliveira Barata, intimamente ligado ao teatro universitário, como<br />
ator e encenador, oferece-nos em Máscaras <strong>da</strong> Utopia, uma História do Teatro<br />
Universitário em Portugal entre os anos de 1938 e 1974. Nas suas conclusões enuncia<br />
que, numa primeira fase, foi possível constatar que o surgimento do teatro universitário<br />
vem <strong>da</strong>r resposta, por um lado, aos “anseios de professores e alunos que compreendem<br />
que o modelo monológico do ensino universitário está esgotado” promovendo esta<br />
ativi<strong>da</strong>de como “projecto de complementari<strong>da</strong>de cultural” e, por outro, numa tentativa<br />
de melhor compreender o fenómeno teatral “procurar descobrir as virtuali<strong>da</strong>des do texto<br />
dramático para além do apertado espaço <strong>da</strong> sala de aula”, concluindo que “O<br />
aparecimento do teatro universitário surge assim, numa primeira fase, como<br />
necessi<strong>da</strong>de superadora face às limitações de duas instituições: a literária e a<br />
universitária.” (Barata, 2009: 336).<br />
Num segundo momento do seu estudo, e <strong>da</strong>ndo resposta às necessi<strong>da</strong>des senti<strong>da</strong>s<br />
pelos grupos em termos de “formação, informação e experimentação” Oliveira Barata<br />
questiona a natureza e a função do teatro universitário, como sendo distinta <strong>da</strong> do teatro<br />
profissional. Para este investigador, nos teatros universitários, apesar de genericamente<br />
estarem condicionados na sua continui<strong>da</strong>de pelos “microciclos geracionais” (Barata,<br />
2009:339) houve seguramente, quanto a si, um vector estruturante na estabili<strong>da</strong>de dos<br />
grupos que os salvaguardou do regime político e social vigente, assim como “de<br />
qualquer lógica de mercado ou de subordinação a gostos estabelecidos” (Barata, 2009:<br />
337) e que lhes permitiu proceder à “divulgação de repertórios esquecidos,<br />
10
marginalizados ou tidos como exclusiva proprie<strong>da</strong>de de eruditos” (Barata, 2009: 337).<br />
Esse vector foi “a independência” (Barata, 2009: 339).<br />
O trabalho de José Oliveira Barata traz para os estudos de teatro uma reflexão há<br />
muito necessária, mas o seu âmbito de investigação termina no ano de 1974, ou seja,<br />
ficam de fora as quase quatro déca<strong>da</strong>s mais recentes de Teatro Universitário, um<br />
período em que a socie<strong>da</strong>de portuguesa entrou numa era de liber<strong>da</strong>des cívicas, e uma<br />
mu<strong>da</strong>nça de século que nos introduziu num tempo de constantes mu<strong>da</strong>nças e do<br />
surgimento de múltiplos desafios de acordo com os novos tempos.<br />
Lembremos que, por exemplo, na Breve História do Teatro Português, no<br />
capítulo sobre “O Teatro depois de 25 de Abril”, de Luiz Francisco Rebello, apenas se<br />
encontra uma breve referência à participação de grupos de teatro universitário nas<br />
campanhas de dinamização cultural, o que diz muito sobre a necessi<strong>da</strong>de de que esta<br />
vertente específica se constitua como área de investigação no nosso país.<br />
Outros aspetos há, para além <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de teatral desenvolvi<strong>da</strong> por ca<strong>da</strong> grupo,<br />
que muito têm contribuído para o lançamento e desenvolvimento do teatro universitário,<br />
e que merecem to<strong>da</strong> a atenção, pois são a expressão <strong>da</strong> fortuna do mesmo, refiro-me,<br />
por exemplo, à realização de Festivais e à publicação de Revistas.<br />
Momentos de especial relevância e de conhecimento mútuo, entre as várias<br />
experiências teatrais universitárias nacionais e também estrangeiras, foram e são os<br />
proporcionados pelos Festivais de Teatro Universitário. Entre os vários, realizados ao<br />
longo dos anos e promovidos por diversas instituições de ensino superior do país, são de<br />
destacar pelas suas repercussões alarga<strong>da</strong>s a to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong>de local e nacional, a<br />
BUC/Bienal Universitária de Coimbra, que floresceu nos anos 80 com as várias SITU/<br />
Semana Internacional de Teatro Universitário, que teve início em 1978, e mais<br />
recentemente o FATAL/Festival Anual de Teatro Académico de Lisboa.<br />
O FATAL, partindo <strong>da</strong> iniciativa e com a coordenação <strong>da</strong> Reitoria <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de de Lisboa, teve a sua primeira edição em 1999, tendo conseguido reunir<br />
pela primeira vez, numa mostra do género, muitos dos diversos grupos de teatro<br />
académicos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. A partir desse momento fun<strong>da</strong>dor, o FATAL foi-se alargando<br />
progressivamente à participação de grupos de teatro universitário de todo o país e de<br />
Espanha, ganhando uma dimensão nacional e internacional, crescendo em número de<br />
espectadores e de reconhecimento por parte <strong>da</strong> crítica teatral e <strong>da</strong> comunicação social. O<br />
Festival foi enriquecendo o seu perfil, com a organização de Tertúlias realiza<strong>da</strong>s após os<br />
espetáculos, envolvendo atores, encenadores, convi<strong>da</strong>dos e público, bem como com a<br />
11
promoção de workshops de diferentes temáticas relaciona<strong>da</strong>s com as artes cénicas, e<br />
incluindo na sua programação, para além dos espetáculos de teatro, a apresentação de<br />
performances em diferentes locais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.<br />
Outra iniciativa <strong>da</strong> maior importância é a edição de revistas, como foi o caso <strong>da</strong><br />
Revista Teatrouniversitário, publica<strong>da</strong> pelo TEUC entre 1978 e 1988. Também, mais<br />
recentemente, a Revista Fatal, deu início com o seu número 1, saí<strong>da</strong> em 2008, ao que<br />
chamou “os contributos para a História do Teatro Universitário” que tem permitido, ano<br />
após ano, que distintas personali<strong>da</strong>des partilhem as suas reflexões e experiências nesta<br />
área e, que os diversos coletivos de teatro universitário divulguem o seu historial, sendo<br />
que em 2011, já se encontravam referenciados 42 grupos em todo o país.<br />
É de assinalar, no entanto, que apesar de estar a ser recolhi<strong>da</strong> informação e<br />
testemunhos do pós-25 de Abril de 1974 e dos anos 90 e seguintes, existe, talvez por<br />
questões geracionais, uma lacuna relativa aos anos 80. Deste modo, experiências<br />
universitárias que se evidenciaram nesta déca<strong>da</strong> pela sua diferença e quali<strong>da</strong>de, como o<br />
grupo Íbis/ISCTE, e que influenciaram o aparecimento de outros grupos e a estética de<br />
alguns criadores, são desconheci<strong>da</strong>s ou pouco conheci<strong>da</strong>s atualmente. Assim como, e,<br />
alargando esta reflexão ao teatro profissional e a grupos e pessoas que marcaram esta<br />
época como o Teatro do Século; o Teatro Maizum; o Teatro Persona; o Teatro Espaço;<br />
o Teatro do Mundo; o Grupo de Teatro Hoje/Teatro <strong>da</strong> Graça, entre outros e,<br />
encenadores como Carlos Fernando e Mário Feliciano, fun<strong>da</strong>dor do Teatro <strong>da</strong><br />
Politécnica, e também os espetáculos de Andrzej Kowalsky, o surgimento do Teatro de<br />
Rua, Teatro-Bar e, Performances ain<strong>da</strong> sem esse nome, de João Grosso e/ou Ângela<br />
Pinto, forneceram, ca<strong>da</strong> um à sua maneira, um imaginário teatral e estético ao teatro<br />
universitário.<br />
Pelo exposto, parece-me pertinente a continuação de estudos que ofereçam uma<br />
panorâmica sobre o percurso e a natureza <strong>da</strong> prática teatral universitária após o 25 de<br />
Abril de 1974. Nomea<strong>da</strong>mente este que aqui se apresenta sobre o TUT, mediante o<br />
acompanhamento, de forma privilegia<strong>da</strong>, <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de de um grupo, formado nos anos<br />
oitenta, na Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa e que visa contribuir para uma reflexão<br />
sobre a presença e a função que o teatro universitário tem tido em Portugal, e que pode<br />
vir a ter em universi<strong>da</strong>des que se querem projetar para o séc. XXI.<br />
12
2 Considerações iniciais<br />
Segundo Capítulo<br />
2.1 Focos geradores e orientadores <strong>da</strong> investigação<br />
Esta investigação de âmbito qualitativo, partiu de uma visão geral, verticalmente<br />
histórica e horizontalmente alarga<strong>da</strong> às múltiplas experiências do teatro universitário, e<br />
pretendeu realizar uma análise holística <strong>da</strong> vivência, experiência e reflexão dos vários<br />
aspetos que têm integrado o teatro universitário na reali<strong>da</strong>de académica, e no panorama<br />
cultural, focalizando no percurso do Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa – TUT.<br />
No caso específico do TUT, que pertence a uma universi<strong>da</strong>de técnica, talvez<br />
mais do que em qualquer outra, o teatro vivencia-se como uma necessi<strong>da</strong>de, para que<br />
aquela cumpra a sua função de formação global dos indivíduos, uma vez que<br />
proporciona um espaço de reflexão, de expressão e de estímulo à comunicação,<br />
criativi<strong>da</strong>de e imaginação, complementar ao ensino <strong>da</strong>s ciências e <strong>da</strong>s técnicas e que se<br />
revela como fun<strong>da</strong>mental para qualquer formação de carácter superior.<br />
2.2 Questão orientadora <strong>da</strong> investigação<br />
O ponto de parti<strong>da</strong> e a linha orientadora desta investigação configurou-se na<br />
seguinte questão:<br />
“De que modo o Teatro Universitário pode contribuir para o<br />
desenvolvimento pessoal, cultural, artístico e científico <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de<br />
universitária?”<br />
13
2.3 Questões de investigação<br />
Com este estudo pretendeu-se refletir sobre as seguintes questões:<br />
- Qual o contributo que o teatro universitário pode <strong>da</strong>r (ou dá) para o<br />
desenvolvimento pessoal dos discentes e docentes universitários?<br />
- Qual o contributo que o teatro universitário pode <strong>da</strong>r (ou dá) para o<br />
desenvolvimento cultural <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de universitária?<br />
- Qual o contributo que o teatro universitário pode <strong>da</strong>r (ou dá) para o<br />
desenvolvimento do teatro?<br />
2.4 Objetivos <strong>da</strong> investigação<br />
A investigação pretendeu atingir os seguintes objetivos:<br />
- Compreender a função do teatro na universi<strong>da</strong>de.<br />
- Identificar o contributo do teatro na formação dos estu<strong>da</strong>ntes universitários.<br />
- Compreender como foi a génese do TUT.<br />
- Identificar o percurso do TUT durante a direção do seu fun<strong>da</strong>dor.<br />
- Compreender quais poderão ser os novos desafios para o teatro universitário.<br />
- Identificar qual o contributo que o teatro universitário poderá <strong>da</strong>r à socie<strong>da</strong>de.<br />
2.5 Contexto <strong>da</strong> Ação: Caracterização do TUT<br />
O grupo de Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa/TUT foi fun<strong>da</strong>do em<br />
Outubro de 1981 pelo Professor Jorge Listopad, a convite do então Reitor <strong>da</strong> UTL,<br />
Professor Eduardo Arantes e Oliveira e, desde então, tem proporcionado através <strong>da</strong><br />
prática teatral, um espaço de formação e desenvolvimento pessoal, cultural e artístico.<br />
Desde 2009, e com uma nova direção, assegura<strong>da</strong> por Nuno Cortez, Manuel Vieira e<br />
Júlio <strong>Martín</strong> <strong>da</strong> <strong>Fonseca</strong>, o TUT é uma associação de carácter cultural, pe<strong>da</strong>gógico, e<br />
científico, que integra estu<strong>da</strong>ntes, professores e investigadores de várias Facul<strong>da</strong>des e<br />
Institutos Superiores que fazem parte desta Universi<strong>da</strong>de.<br />
14
2.6 Metodologia empírica <strong>da</strong> investigação<br />
«Os investigadores qualitativos estabelecem estratégias e procedimentos que<br />
lhes permitam tomar em consideração as experiências do ponto de vista do<br />
informador. O processo de condução de investigação qualitativa reflecte uma<br />
espécie de diálogo entre os investigadores e os respectivos sujeitos, <strong>da</strong>do estes<br />
não serem abor<strong>da</strong>dos por aqueles de uma forma neutra» (Bog<strong>da</strong>n, 1994:51).<br />
No estudo intitulado Investigação qualitativa em educação, Bog<strong>da</strong>n & Biklen<br />
apresentam cinco características <strong>da</strong> investigação qualitativa com graus de evidência<br />
mais ou menos importantes: 1- a fonte direta de <strong>da</strong>dos é o ambiente natural e o<br />
investigador o instrumento principal; 2- é descritiva; 3- os investigadores interessam-se<br />
mais pelo processo do que pelos resultados ou produtos; 4- análise dos <strong>da</strong>dos tende a ser<br />
feita de forma indutiva; 5- o significado é de vital importância.<br />
Assim, “o objetivo dos investigadores qualitativos é o de expandir e não o de<br />
limitar a compreensão” (Bog<strong>da</strong>n, 1994: 62), tendo dois caminhos que se traduzem na<br />
abor<strong>da</strong>gem metodológica mais acerta<strong>da</strong> para esta investigação, que se baseia na<br />
observação direta do trabalho desenvolvido pelo TUT ao longo dos anos, quer na sua<br />
ativi<strong>da</strong>de formativa, quer na de ensaios, produção e apresentação de espetáculos em<br />
vários lugares de Portugal e no estrangeiro: o estudo de caso e o etnográfico.<br />
De facto, a vivência etnográfica foi o primeiro veículo de recolha de informação<br />
para a análise deste estudo de caso, <strong>da</strong>do que durante todos estes anos de trabalho de<br />
campo, assumi pessoalmente diversas funções: Monitor, Dramaturgista, Produtor,<br />
Actor, algumas vezes também como Espectador, e mais recentemente como Encenador<br />
e Diretor Artístico. Esta observação a diferentes níveis e o envolvimento quotidiano<br />
produziram notas de campo de diferente natureza.<br />
A observação continua<strong>da</strong> <strong>da</strong>s diferentes ativi<strong>da</strong>des e interações, fez despertar a<br />
vontade de efetuar algumas entrevistas, e assim coligir as perspetivas individuais dos<br />
participantes e outros colaboradores artísticos, e conhecer melhor a forma como se<br />
envolveram no grupo e como depois evoluíram os seus percursos profissionais e<br />
pessoais.<br />
Por último, propus-me explorar e analisar os diferentes fundos do arquivo do<br />
grupo e <strong>da</strong> sua ativi<strong>da</strong>de e assim reconstruir a sua história e o seu percurso. As<br />
perspetivas pessoais puderam, deste modo, ser confronta<strong>da</strong>s com o material documental,<br />
fazendo emergir a memória vivencial destes elementos que dão continui<strong>da</strong>de ao grupo.<br />
15
2.7 Procedimentos Metodológicos<br />
Este estudo enquadra-se no paradigma qualitativo de investigação, preconizado por<br />
Bog<strong>da</strong>n & Biklen, pretendendo investigar um fenómeno em to<strong>da</strong> a sua complexi<strong>da</strong>de e<br />
em contexto natural. Os instrumentos de recolha dos elementos de análise foram sendo<br />
construídos ao longo <strong>da</strong> fase exploratória <strong>da</strong> investigação, num processo que pretendeu<br />
ser de reformulação sistemática. A vali<strong>da</strong>ção dos elementos recolhidos resultou <strong>da</strong><br />
triangulação dos <strong>da</strong>dos provenientes de várias fontes, como a observação, entrevistas e<br />
análise <strong>da</strong> documentação.<br />
Este estudo resultou de uma experiência pessoal, ou seja, <strong>da</strong> reflexão que foi sendo<br />
feita ao longo <strong>da</strong> minha presença no TUT desde o seu primeiro momento, e que<br />
contribui para desenvolver esta investigação, procurando saber mais sobre a natureza e a<br />
função do Teatro Universitário.<br />
As razões que, de alguma forma, puderam limitar este estudo são: o estudo de caso<br />
como estratégia metodológica, que obriga a uma investigação em profundi<strong>da</strong>de, o fator<br />
tempo e os recursos humanos disponíveis.<br />
O percurso <strong>da</strong> investigação envolveu as fases de legitimação junto <strong>da</strong> direção do<br />
TUT e de motivação <strong>da</strong>s pessoas para colaborarem; a fase exploratória através de<br />
algumas entrevistas a partir de guiões pouco estruturados; a recolha de elementos de<br />
análise mediante entrevistas semiestrutura<strong>da</strong>s, observações participa<strong>da</strong>s e verificação de<br />
documentos e, por último, a análise de conteúdo dos elementos recolhidos.<br />
Sendo que ao longo destes quase 30 anos de existência do TUT, passaram pelo<br />
grupo muitos estu<strong>da</strong>ntes e colaboradores artísticos, e não sendo possível inquiri-los a<br />
todos, foi forçoso recorrer ao processo de amostragem. Sendo que na fase exploratória<br />
se utilizou o método de amostragem por conveniência e, na fase de recolha de <strong>da</strong>dos a<br />
técnica de amostragem de casos típicos, uma vez que, como investigador, conheço a<br />
população abrangi<strong>da</strong>.<br />
Na recolha e análise de elementos, foram utiliza<strong>da</strong>s as técnicas de observação<br />
participante, a entrevista e a análise de conteúdo. Como instrumentos de recolha e<br />
análise, foram utilizados a gravação, o registo de observações, notas de campo, pesquisa<br />
documental e categorização.<br />
16
2.8 Técnicas de investigação<br />
2.8.1 Observação participante<br />
Este instrumento de investigação é flexível durante a sua aplicação e, tratando-se<br />
de um estudo qualitativo, combina e permite o levantamento de questões teóricas e<br />
vivenciais.<br />
A observação atravessa diferentes fases: a inserção no grupo e o estabelecimento<br />
de relações com os seus membros, o esforço de captação de uma visão de conjunto<br />
através do estudo <strong>da</strong>s anotações do diário de campo e dos documentos que permitem<br />
reconstituir a história do grupo, e por último sistematizar, organizar e analisar todos os<br />
<strong>da</strong>dos, para uma melhor compreensão do grupo.<br />
2.8.2 Entrevistas em profundi<strong>da</strong>de<br />
A entrevista em profundi<strong>da</strong>de é um tipo de entrevista flexível, dinâmica e pode<br />
ser livre de estrutura ou como foi neste caso semiestrutura<strong>da</strong>. Serve para compreender:<br />
perspectivas de vi<strong>da</strong>, experiências e, de como as pessoas sentem, expressam e vivem<br />
determina<strong>da</strong>s situações.<br />
Como seguem um modelo de conversação, podem aproveitar-se situações<br />
informais para serem realiza<strong>da</strong>s, de modo a que as pessoas se sintam livres para falar.<br />
2.8.3 Entrevistas de grupo<br />
As entrevistas de grupo realizam-se normalmente a um conjunto de pessoas que<br />
estando reuni<strong>da</strong>s, exprimem livremente os seus pensamentos e as suas experiências.<br />
Para conseguir este tipo de informação, é determinante que o investigador usufrua <strong>da</strong><br />
confiança <strong>da</strong>s pessoas envolvi<strong>da</strong>s.<br />
17
2.8.4 Documentos do Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica<br />
Procedeu-se à recolha e organização de todo o material gráfico produzido pelo<br />
grupo ao longo <strong>da</strong> sua ativi<strong>da</strong>de até ao presente, tais como: programas, folhetos e<br />
cartazes, e também vídeos e fotografias. Foi possível reunir to<strong>da</strong> esta documentação, até<br />
agora dispersa, assim como elencar e organizar os textos <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de dos espetáculos<br />
produzidos.<br />
2.8.5 Documentos pessoais<br />
Os documentos pessoais caracterizam-se por serem escritos na primeira pessoa,<br />
e são constituídos por diários de bordo, memórias e anotações.<br />
Foi <strong>da</strong> maior importância aceder a este tipo de documentos e recolher deste<br />
modo, experiências e pensamentos adequados a esta investigação.<br />
2.8.6 Imagens: vídeos e fotografias<br />
Os vídeos e fotografias constituíram-se como documentos <strong>da</strong> maior importância<br />
na investigação, sobretudo porque recor<strong>da</strong>m, confirmam, e aclaram a reali<strong>da</strong>de descrita<br />
pelas palavras.<br />
Com estes procedimentos metodológicos, brevemente descritos, é possível uma<br />
aproximação à vivência e ativi<strong>da</strong>de do Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica.<br />
18
Terceiro Capítulo<br />
3 A Cultura e o Teatro na Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa<br />
3.1 A Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa<br />
A Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa/UTL, foi cria<strong>da</strong> em 1930, a partir de quatro<br />
Escolas já existentes: a Escola Superior de Medicina Veterinária, atual Facul<strong>da</strong>de de<br />
Medicina Veterinária/FMV o Instituto Superior de Agronomia/ISA, o Instituto Superior<br />
de Ciências Económicas e Financeiras, atual Instituto Superior de Economia e<br />
Gestão/ISEG, e o Instituto Superior Técnico/IST. Posteriormente, surgiram três novos<br />
estabelecimentos de ensino superior: o Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, em<br />
1961, atual Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas/ISCSP, o Instituto Superior<br />
de Educação Física, em 1976, atual Facul<strong>da</strong>de de Motrici<strong>da</strong>de Humana/FMH e a<br />
Facul<strong>da</strong>de de Arquitetura/FA, em 1979.<br />
Pode ler-se no site desta Instituição que a UTL entende ter como Missão<br />
“Promover, desenvolver e transmitir o conhecimento científico, técnico e artístico nos<br />
seus domínios específicos de intervenção”, privilegiando sempre a quali<strong>da</strong>de e,<br />
“a<strong>da</strong>ptado às necessi<strong>da</strong>des dinâmicas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, numa perspetiva ético-cultural e de<br />
crescente internacionalização”. Tem como primeiro objetivo: “Promover um ensino de<br />
referência, orientado para a inovação e a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, apoiado numa investigação de<br />
quali<strong>da</strong>de internacional, capaz de projetar a UTL como Pólo de Ciência, Arte e<br />
Cultura”. Esta superior vocação é consubstancia<strong>da</strong> pelo apoio efetivo <strong>da</strong>do pela<br />
Instituição, ao longo dos anos, à realização <strong>da</strong>s mais diversas ativi<strong>da</strong>des artísticas.<br />
3.2 A Cultura na Universi<strong>da</strong>de Técnica<br />
O enriquecimento a nível cultural <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de académica <strong>da</strong> UTL insere-se<br />
“na estratégia de construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de e do seu papel de fomento<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia” procurando alargar os horizontes dos seus estu<strong>da</strong>ntes e o seu<br />
desenvolvimento enquanto ci<strong>da</strong>dãos, intervenientes e transformadores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />
Neste âmbito, existe uma preocupação com o envolvimento dos alunos em to<strong>da</strong> a<br />
dinâmica universitária, através também <strong>da</strong> promoção e realização de eventos artísticos e<br />
19
culturais e do estímulo à sua participação, possibilitando deste modo incutir<br />
vivencialmente, valores humanistas, éticos e estéticos.<br />
Ativi<strong>da</strong>des culturais como o teatro, a música e a fotografia, entre outras, são<br />
desenvolvi<strong>da</strong>s nas suas Escolas por inúmeros grupos e núcleos e têm, sem dúvi<strong>da</strong>, um<br />
importante papel na promoção, simultaneamente, <strong>da</strong> cultura na academia e, <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa a nível nacional e internacional.<br />
3.2.1 A Dança e o Teatro<br />
A Dança tem sido uma ativi<strong>da</strong>de artística particularmente desenvolvi<strong>da</strong> na<br />
Escola <strong>da</strong> UTL mais vocaciona<strong>da</strong> para a expressão corporal – a Facul<strong>da</strong>de de<br />
Motrici<strong>da</strong>de Humana.<br />
O Teatro é outra <strong>da</strong>s áreas artísticas que tem tradições históricas na UTL<br />
enquanto ativi<strong>da</strong>de complementar dos estu<strong>da</strong>ntes, através <strong>da</strong> realização de diversas<br />
iniciativas, como cursos e espetáculos, e a inscrição no território cultural <strong>da</strong> academia e<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Lisboa, de alguns grupos de teatro universitário. Por outro lado, o<br />
reconhecimento <strong>da</strong> importância do desenvolvimento <strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong>des de expressão vocal<br />
e corporal por parte dos professores, visando captar e estimular um maior interesse dos<br />
estu<strong>da</strong>ntes pelos conteúdos apresentados, tem levado a UTL a promover vários cursos<br />
de Técnicas Teatrais para Docentes.<br />
A área do Teatro tem tido, de facto, uma presença constante na reali<strong>da</strong>de<br />
académica <strong>da</strong> UTL, e a expressão desse vigor traduz-se na diversi<strong>da</strong>de de projetos e de<br />
ações de formação realiza<strong>da</strong>s, e na existência continua<strong>da</strong> de vários grupos teatrais.<br />
3.3 Os Grupos de Teatro <strong>da</strong> UTL<br />
O grupo mais antigo, em termos de fun<strong>da</strong>ção, é o Grupo Cénico <strong>da</strong> Associação<br />
dos Estu<strong>da</strong>ntes do Instituto Superior Técnico, que surgiu em 1960, mas que acabou em<br />
1971. Assim sendo, o grupo com maior ativi<strong>da</strong>de ininterrupta até hoje, é o Teatro <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Técnica/TUT, que iniciou a sua activi<strong>da</strong>de em 1981.<br />
Outros grupos com existência mais efémera marcaram, no entanto, a sua<br />
presença na UTL e, na história por fazer, do teatro universitário pós-25 de Abril. No<br />
antigo Instituto Superior de Economia, constituiu-se em meados dos anos 80 o grupo<br />
KULA que apresentou alguns trabalhos. Também nos finais desta déca<strong>da</strong>, em 1988/89,<br />
20
antigos elementos do TUT criaram o Teagro, no Instituto Superior de Agronomia, no<br />
que veio a ser de certa forma a génese do futuro Teatro <strong>da</strong> Garagem. Outro grupo<br />
fun<strong>da</strong>do por estu<strong>da</strong>ntes que tiveram vivência teatral no TUT foi o RASTILHO, Grupo<br />
de Artes Representativas <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Arquitectura, que funcionou entre 2001 e<br />
2010. No interior do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, tem havido<br />
várias experiências teatrais, sem continui<strong>da</strong>de, algumas delas estimula<strong>da</strong>s por antigos<br />
elementos do TUT.<br />
3.3.1 GTIST - Grupo de Teatro do Instituto Superior Técnico<br />
1ª fase – 1960:1971<br />
O Grupo de Teatro do Instituto Superior Técnico/GTIST, surge numa 1ª fase, no<br />
final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 50 e início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60 do século passado, altura em que,<br />
segundo o historial do grupo “desempenhou um importante papel no movimento<br />
académico”. O grupo, com a mais longa história no seio <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de, veio a<br />
extinguir-se por volta de 1971. Segundo uma pesquisa efetua<strong>da</strong> pelo colectivo em 1992,<br />
e suporta<strong>da</strong> em algumas publicações associativas e relatos verbais de antigos elementos<br />
<strong>da</strong> altura, sobre a ativi<strong>da</strong>de teatral do grupo neste período, foi possível identificar alguns<br />
trabalhos apresentados nesses anos, como “Mário ou eu próprio” de José Régio, com<br />
encenação de Rogério Paulo e “O dia seguinte” de Luiz Francisco Rebello, com<br />
encenação de Armando Cortez, ambos em 1959/60. Um espetáculo muito bem recebido<br />
pela crítica, e considerado “um marco na história do teatro universitário em Portugal”<br />
foi “Autores modernos”, quatro excertos de peças dos dramaturgos Georg Büchner,<br />
Berthold Brecht, Bernardo Santareno e Jean Paul Sartre, com encenação de Mário Sério,<br />
figura intelectual que marcou a identi<strong>da</strong>de do grupo até ao seu final em 1970/71.<br />
2ª fase – 1992:2010<br />
Depois de 1971, segundo as informações disponíveis, não parece ter havido<br />
qualquer ativi<strong>da</strong>de até 1992, o ano em que foi fun<strong>da</strong>do o atual Grupo de Teatro. Nesse<br />
ano lectivo Carlos Pessoa, oriundo do TUT, leciona o primeiro curso de formação.<br />
Desde então e, sobretudo a partir de 1996, consoli<strong>da</strong>-se o lado formador do grupo: um<br />
Curso de Cenografia e Realização Plástica, dirigido por José Espa<strong>da</strong>, também antigo<br />
colaborador do TUT, e Hernâni Gonçalves, e o início <strong>da</strong> organização regular do Atelier<br />
21
de Iniciação ao Teatro, ou Curso de Formação de Expressão Dramática, com uma<br />
duração de seis meses.<br />
Em 1994, é apresenta<strong>da</strong> a 1ª Criação do GTIST “Woyzeck” de Georg Bückner,<br />
com encenação de Pedro Matos, encenador que ficará ligado ao grupo até 1997. Em<br />
1998 é apresenta<strong>da</strong> a 4ª Criação do GTIST “Para acabar de vez com a cultura”, um texto<br />
de Woody Allen, que dá início à colaboração de Gonçalo Amorim com o grupo. Em<br />
1999, a 5ª Criação do GTIST: “Marte (e casas) ”, assinala o regresso <strong>da</strong>s encenações e<br />
dramaturgias de Pedro Matos, uma colaboração que se irá estender até o ano 2000.<br />
O GTIST tem apresentado uma ou duas produções anuais, procurando com a sua<br />
ativi<strong>da</strong>de teatral “o desenvolvimento do pensamento através do processo de criação e de<br />
participação ativa no tecido teatral universitário em Portugal”. O grupo assinala<br />
também, a sua participação em festivais e encontros, dentro e fora do país,<br />
nomea<strong>da</strong>mente o Festival de Teatro Universitário <strong>da</strong> Beira Interior, os Encontros<br />
Internacionais de Teatro Académico de Lyon, entre 2002 e 2004, e o CYCLE<br />
MECHANICS, produzido pelo CITAC. Este coletivo tem organizado regularmente a<br />
celebração do Dia Mundial do Teatro no Instituto Superior Técnico e uma semana<br />
dedica<strong>da</strong> ao teatro.<br />
A partir de 2000, com a apresentação <strong>da</strong> Performance “Matei-o porque era meu”<br />
(8ª criação do GTIST) Susana Vi<strong>da</strong>l, encenadora e atriz profissional, iniciou a sua<br />
colaboração com o grupo, que se manteve até 2008, pugnando por “uma estética muito<br />
própria e tendo como base a criação experimental, onde os processos e metodologias<br />
questionam as diferentes formas teatrais e onde os atores têm um envolvimento mais<br />
ativo na própria criação”. O seu último trabalho com este grupo “ANIQUILA”, foi a 18ª<br />
Criação do GTIST que participou no 9º FATAL/Festival Anual de Teatro Académico de<br />
Lisboa.<br />
Em 2009, Gustavo Vicente, oriundo do próprio grupo, assume a direção artística<br />
e encena “Agora o Monstro”, a 19ª Criação do GTIST inspirado em O Sono do Monstro<br />
de Enki Bilal, espectáculo que ganha o Prémio FATAL 2009. Em 2010, apresentaram<br />
“Intervalo para Dançar” inspirado em O Livro do Desassossego de Fernando Pessoa, em<br />
2011 “Cabeça de cão” e em 2012 “Que<strong>da</strong> em Branco”, tendo sido, to<strong>da</strong>s elas, criações<br />
coletivas com a direção de Gustavo Vicente.<br />
Este elenco de espetáculos produzidos pelo GTIST dá conta <strong>da</strong> expressiva<br />
ativi<strong>da</strong>de teatral deste grupo de teatro universitário, em plena ativi<strong>da</strong>de desde 1992/93,<br />
22
que reclama um teatro como espaço de experimentação e um lugar aberto a novas<br />
ideias, segundo se infere pela sua própria formulação:<br />
“O teatro é o nosso ponto de encontro, o lugar privilegiado <strong>da</strong> procura.<br />
Escolhemos o teatro para a procura de identi<strong>da</strong>des, de possibili<strong>da</strong>des, de caminhos, de<br />
limites. Conhecer-me para poder conhecer melhor o outro. O teatro é um dos nossos<br />
espaços de aprendizagem e conhecimento. No início de ca<strong>da</strong> ano lectivo, nasce um novo<br />
grupo com a inclusão de novos elementos e recomeça um novo Curso de Expressão<br />
Dramática em que, qualquer pessoa, do I.S.T. ou não, pode participar. Neste espaço que<br />
criámos temos várias formas de falar, de mexer, de mostrar, de <strong>da</strong>r. O teatro é a nossa<br />
dádiva e a nossa busca”. 2<br />
3.3.2 O RASTILHO - Grupo de Artes Representativas <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de<br />
Arquitetura<br />
Outra experiência representativa <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de teatral produzi<strong>da</strong> na Universi<strong>da</strong>de<br />
Técnica de Lisboa é a deste grupo que foi fun<strong>da</strong>do na Facul<strong>da</strong>de de Arquitetura <strong>da</strong> UTL<br />
em 2001, e que apresentou 11 espetáculos, tendo quatro deles participado no FATAL,<br />
assim como noutros Festivais de Teatro Universitário, portugueses e internacionais,<br />
como aconteceu em 2008 no XIII MITEU, em Ourense, Espanha.<br />
O grupo obteve a colaboração de diferentes encenadores como Andrea Bertoni,<br />
que dirigiu em 2002, o primeiro espetáculo do grupo “Esboço de Um Jardim Animado”<br />
uma criação coletiva. Trabalharam também com o RASTILHO, Jorge Caetano e Sílvia<br />
Valentim, tendo sido David Silva - que passou pelo TUT, assim como outros elementos<br />
2 Site do GTIST.<br />
23
deste grupo - o encenador que mais se identificou com este projeto teatral, desde 2003,<br />
com “Um Pouco Mais Alto, Por Favor!” de Woody Allen, até ao ano de 2010. O<br />
espetáculo “Othello” de Shakespeare, Prémio Público do FATAL 2008 e Menção<br />
Honrosa, foi o último trabalho conhecido deste grupo.<br />
3.3.3 KULA – Instituto Superior de Economia e Gestão<br />
Nos anos 80, este grupo, dirigido pelo ator e encenador Filipe Petronilho, à<br />
época ligado ao Teatro Maizum, encenou alguns espetáculos no Instituto Superior de<br />
Economia, sobre os quais existem alguns ecos. O dinamizador deste grupo, encontra-se<br />
desde alguns anos em Angola e, apesar do nossos contactos, não foi possível aceder a<br />
nenhuma documentação, como programas ou folhetos, por forma que possamos falar<br />
desta experiência e deixar aqui a memória desse trabalho.<br />
3.3.4 TEAGRO – Instituto Superior de Agronomia<br />
Sobre este grupo e esta experiência que decorreu nos anos 90, procedeu-se a<br />
uma entrevista a um dos seus fun<strong>da</strong>dores e Diretor do grupo, o Nuno Cortez - Professor<br />
do ISA, um dos primeiros elementos do TUT e atual Presidente <strong>da</strong> sua Direção - que<br />
lembrou o percurso realizado, refletindo no propósito que o animou aquando <strong>da</strong> sua<br />
fun<strong>da</strong>ção. Vejamos um excerto do seu testemunho:<br />
NC: Bem, é assim, embora Agronomia seja uma escola com mais tradição de<br />
garraia<strong>da</strong>s, toura<strong>da</strong>s, fados e coisas do género, em tempos, um ex-presidente do<br />
conselho diretivo em conversa comigo, disse-me que chegou a haver lá, de facto, um<br />
grupo de teatro, mas eu nunca vi qualquer documentação sobre esse grupo, isto, antes<br />
do 25 de Abril, portanto, uma coisa mais antiga. Nos anos mais recentes, tivemos assim<br />
dois grupos. Houve um grupo que se formou em 1988/89, isto é, quando aquele núcleo<br />
principal do TUT se desfez ou se desmembrou. Eu estava lá em Agronomia e estava o<br />
Carlos Pessoa também, e com ele fizemos lá um início de trabalho que não chegou a ter<br />
propriamente uma designação, chamamos-lhe simplesmente Teatro em Agronomia.<br />
Inicialmente organizou-se uma exposição de fotografia com base naqueles trabalhos que<br />
a gente ia fazendo de improvisação, dentro dos ensaios e etc. Portanto o corolário desse<br />
primeiro ano de ativi<strong>da</strong>de foi uma exposição de fotografia encena<strong>da</strong>, com música,<br />
portanto foi um elemento cénico específico, sem ser propriamente uma peça de teatro.<br />
Depois, o Carlos Pessoa começou a <strong>da</strong>r, de facto, um cunho muito pessoal a esse grupo,<br />
a ponto de, nos últimos tempos, já não ter quase ninguém de Agronomia, já ser com<br />
pessoal que entretanto estava com ele na Escola Superior de Teatro, estu<strong>da</strong>ntes de lá.<br />
24
Isso acabou por <strong>da</strong>r origem ao projeto dele, ao Teatro <strong>da</strong> Garagem, entretanto ele<br />
desligou-se de Agronomia e… depois…<br />
JMF: Isso foi durante quanto tempo?<br />
NC: Isto durou aí uns dois, três anos… Depois disso, na sequência de um sarau cultural<br />
de uma semana africana, os estu<strong>da</strong>ntes que a organizavam, sabendo que eu tinha estado<br />
ligado ao teatro, vieram-me pedir apoio para encenar uma coisa. Assim, a um mês de se<br />
fazer o sarau cultural, queriam preparar alguma coisa. E então, o que eu acabei por fazer<br />
com eles foi uma leitura encena<strong>da</strong> de poesia, de poesia africana, que acabou por ser uma<br />
coisa engraça<strong>da</strong>. Na sequência disso, houve então um grupo de meia dúzia de estu<strong>da</strong>ntes<br />
que vieram ter comigo no sentido, de facto, de se criar um grupo. Esse grupo nós<br />
batizámo-lo mesmo de TeAgro. Esse grupo começou a trabalhar textos variados, fez-se<br />
um primeiro espetáculo com base em textos avulsos, porque os textos eram contos do<br />
José Eduardo Água Lusa, que tinha an<strong>da</strong>do lá em Agronomia, e havia assim uma certa<br />
ligação, e também com várias coisas que foram introduzi<strong>da</strong>s com base nos improvisos<br />
sobre esses contos. Portanto, isso foi feito lá em Agronomia e foi feito no Teatro <strong>da</strong><br />
Comuna também, no âmbito <strong>da</strong> semana académica de Lisboa, na altura não havia ain<strong>da</strong><br />
o FATAL. Depois, esse grupo, no ano a seguir, preparou uma coisa, digamos assim, um<br />
bocadinho mais elabora<strong>da</strong> que teve umas três ou quatro representações, to<strong>da</strong>s lá em<br />
Agronomia, com base em textos, também variados. Textos humorísticos do Pão com<br />
Manteiga, havia um texto do O’Neill, havia um texto do Woody Allen, foi também um<br />
espetáculo montado com várias histórias, digamos assim, que foi feito lá… E havia o<br />
projeto de se fazer o “Não bebas dessa água” do Woody Allen, que chegou-se a fazer<br />
um trabalho de dramaturgia, chegou-se a começar a ensaiar, mas depois nunca se<br />
chegou a concretizar. Entretanto o grupo, as pessoas que estavam no último ano,<br />
acabaram o curso e saíram, como acontece. Ain<strong>da</strong> chegou a haver num outro ano a<br />
seguir, uma coisa com base em poesia, essencialmente, que foi feito lá em Agronomia<br />
também. Esse foi só um espetáculo, uma coisa única, um evento único. Já foi um grupo<br />
mais pequeno, mas em que se trabalharam quatro, cinco textos, desde o Allan Poe, até<br />
uma coisa do Pessoa, e que se fez também assim uma coisa desse género. Esse grupo,<br />
portanto, este grupo de Agronomia funcionou, se não me engano, isso eu não consigo<br />
precisar exatamente a <strong>da</strong>ta do início, mas foi na segun<strong>da</strong> metade <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90.<br />
Digamos, o toque de finados desse grupo, foi, no fundo, a i<strong>da</strong> para o ISA, do TUT, que<br />
no fundo, absorveu as pessoas que lá estavam e que queriam fazer teatro (…) Depois<br />
disso, ain<strong>da</strong> houve um outro projeto de um grupo de Agronomia, por iniciativa lá de um<br />
aluno que mobilizou algumas pessoas e que acabou por fazer um espetáculo que até foi<br />
feito numa sala de aula, mas que foi um espetáculo que teve só uma ou duas<br />
representações e pronto. Eles acabaram por utilizar a designação de TeAgro, falaram<br />
comigo e eu disse-lhes que “sim senhora”. Embora tivesse sido assim um bocadinho pai<br />
do nome, não pus qualquer problema a que eles fossem herdeiros do nome, digamos<br />
assim, mas foi também um evento único, uma coisa esporádica. Acho que fiz o historial<br />
todo. 3<br />
Nesta entrevista com o Nuno Cortez foi possível comprovar como o TUT, pelo<br />
facto de reunir pessoas de várias Escolas e Institutos Superiores se tornou, de certa<br />
forma, um polo de criação de outras experiências teatrais universitárias ou profissionais.<br />
3 Excerto <strong>da</strong> entrevista concedi<strong>da</strong> por Nuno Cortez a Júlio <strong>Martín</strong> <strong>da</strong> <strong>Fonseca</strong>, realiza<strong>da</strong> na sede do TUT,<br />
no Palácio Burnay, em Maio de 2011.<br />
25
3.3.5 Grupo de Teatro do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas<br />
O Teatro no ISCSP tem existido pontualmente. Conhecem-se algumas tentativas<br />
de criação de um grupo com mais continui<strong>da</strong>de, nomea<strong>da</strong>mente por parte de antigos<br />
membros do TUT. Entre os anos de 1998 e 2000, assistiu-se a uma ativi<strong>da</strong>de mais<br />
regular, em que o grupo de teatro se apresentou com alguns espetáculos com direção do<br />
ator João Cabral e com o Apoio Plástico de Mariana Sá Nogueira e a colaboração de<br />
Paula Sá Nogueira, como foi a apresentação de “Tran-glo-mango” que chegou a ser<br />
representado no Teatro Cinearte<br />
A 13 de Julho de 2011, foi apresentado um musical no Teatrinho do Palácio<br />
Burnay por uma denomina<strong>da</strong> “Companhia de Teatro CC – ISCSP”, uma peça escrita<br />
por Ana Luísa Reis e Eurico Graça, com o título de “Que História é a Tua?”, e com<br />
encenação de Ana Luísa Reis.<br />
26
Em conversa com a encenadora fiquei com a ideia de que seria um projeto para<br />
continuar, no entanto, até ao momento, tal não se verificou.<br />
3.4 - Ciclo de Teatro <strong>da</strong> UTL no Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de<br />
Assinalando o 75º Aniversário <strong>da</strong> sua criação a Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa<br />
desenvolveu ao longo do ano letivo de 2005/2006 um conjunto de iniciativas destina<strong>da</strong>s<br />
a apresentar ao público o testemunho <strong>da</strong>s suas múltiplas ativi<strong>da</strong>des.<br />
As comemorações, numa organização conjunta <strong>da</strong> Reitoria <strong>da</strong> UTL e do Teatro<br />
<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica/TUT, proporcionaram a apresentação de um ciclo de teatro,<br />
que teve como objetivo transformar-se num “encontro dos grupos de teatro existentes<br />
nas Escolas que integram a Universi<strong>da</strong>de”. O programa que ora divulgamos fazia justiça<br />
desse propósito:<br />
No dia 22 de Fevereiro<br />
Silva.<br />
23 de Fevereiro<br />
O RASTILHO – “Pinóquio & Capuchinho”, com texto e encenação de David<br />
O GTIST (Grupo de Teatro do Instituto Superior Técnico) apresentou<br />
“Vertigens”, com texto e encenação de Susana Vi<strong>da</strong>l<br />
27
25 e 26 de Fevereiro<br />
Estreia, <strong>da</strong> última produção do TUT "Só, no Quartier Latin", a partir do poema<br />
de António Nobre "Lusitânia no Bairro Latino" com direcção de Jorge Listopad.<br />
O TUT, que nesse ano celebrava o seu 25º Aniversário, apresentou também a<br />
sua primeira criação de 1982 "À espera dos Bárbaros", uma dramatização do poema de<br />
Constantin Kavafy.<br />
Veja-se, a propósito deste Ciclo de Teatro <strong>da</strong> UTL, o parecer do então Reitor, o<br />
Professor Doutor José Lopes <strong>da</strong> Silva:<br />
“No palco <strong>da</strong> existência, momentos há em que deixar um marco é assinalar<br />
importância.<br />
E sendo importante assinalar os 75 anos de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> UTL, não menos importante<br />
será <strong>da</strong>r lugar à expressão de uma outra forma de agir não confina<strong>da</strong> à dimensão<br />
estrita de docente, de aluno ou de não docente.<br />
Todos somos actores.<br />
Mas alguns sentiram-no de uma forma mais intensa e deram corpo e voz a<br />
personagens, organizando-se em grupos de actores.<br />
Todos são actores.<br />
Ao corporizar esta dimensão cultural e artística, e ao associar-se às<br />
Comemorações em curso, agradeço a colaboração dos Grupos de Teatro<br />
intervenientes.<br />
Pela sua precedência, seja-me permitido distinguir a participação do TUT,<br />
nascido há 25 anos pelo apoio do então Reitor Arantes de Oliveira e ao longo do<br />
tempo mol<strong>da</strong>do pelo Professor Jorge Listopad, mestre <strong>da</strong> obra de excelência que<br />
o TUT tem revelado ser.” 4<br />
Este testemunho é representativo <strong>da</strong> importância que a UTL tem reconhecido às<br />
ativi<strong>da</strong>des complementares de formação, como o Teatro e, neste caso especificamente,<br />
ao trabalho desenvolvido nesta área pelo Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica.<br />
Aqui chegados irei passar ao tema nuclear desta dissertação, a descrição e<br />
reflexão dos 30 anos de percurso do TUT, e <strong>da</strong> sua contribuição para o desenvolvimento<br />
pessoal, cultural, artístico e científico <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de universitária.<br />
4 Programa do Ciclo de Teatro <strong>da</strong> UTL, apresentado no Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de em 2006.<br />
28
Quarto Capítulo<br />
4 A experiência do TUT ao longo de 30 anos<br />
4.1 Apresentação do grupo de estudo - TUT<br />
O grupo de Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa/TUT é constituído por<br />
estu<strong>da</strong>ntes, professores e investigadores <strong>da</strong>s várias Facul<strong>da</strong>des e Institutos Superiores<br />
que integram a Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa. Foi fun<strong>da</strong>do em Outubro de 1981 por<br />
Jorge Listopad, a convite do então Reitor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa, Professor<br />
Eduardo Arantes e Oliveira, sendo atualmente dirigido pelo ator e encenador Júlio<br />
<strong>Martín</strong> <strong>da</strong> <strong>Fonseca</strong>.<br />
Desde então o TUT tem cumprido o seu papel de formação cultural, visando a<br />
expressão artística teatral nas suas diversas vertentes: o movimento e a expressão<br />
corporal, a otimização respiratória e o controlo vocal, a comunicação verbal e não-<br />
verbal, o trabalho de ator. Longe dos auditórios e salas de aula, o TUT proporciona aos<br />
seus formandos os instrumentos que lhes permitem vislumbrar um olhar outro sobre o<br />
mundo que os rodeia, nomea<strong>da</strong>mente através do jogo teatral, <strong>da</strong> linguagem cénica e <strong>da</strong>s<br />
emoções dramáticas, sem esquecer uma experiência vivencial de inter-relacionamento<br />
humano, fun<strong>da</strong>mental para habitar na nossa complexa socie<strong>da</strong>de.<br />
Como fruto deste trabalho coletivo, têm sido apresentados regularmente ao público<br />
espetáculos diversos, variando consoante a capaci<strong>da</strong>de e apetência dos seus elementos.<br />
Nas suas mais de duas déca<strong>da</strong>s de existência, sempre sob direção de Jorge Listopad até<br />
2008, o TUT tem apresentado criações coletivas, construí<strong>da</strong>s, quer a partir de poemas e<br />
outros textos não teatrais, quer de obras teatrais clássicas, visitando autores tão diversos<br />
como Constantin Kavafy, Jorge Luis Borges, Claudel, Alberto Pimenta, Francisco<br />
Tenreiro, Büchner, Goldoni, Ibne Azme, Chaucer, Calderón de la Barca, Ghelderode,<br />
Camões, Almei<strong>da</strong> Garret, Jorge de Sena, Gabriel Garcia Marques, Kafka, Lioubomir<br />
Simovitch, Cesário Verde, Alexandre O’Neill, Ruy Belo, Grabato Dias, Álvaro de<br />
Campos, Vasco Graça Moura, Bertold Brecht, António José <strong>da</strong> Silva, Gil Vicente,<br />
Anrique <strong>da</strong> Mota, Robert Walser, St-Exupéry, George Steiner, Teolin<strong>da</strong> Gersão, Edel<br />
Atemkristall, Ramiro Osório, Eurípides, Alma<strong>da</strong> Negreiros, António Patrício, Dino<br />
Buzzatti, Jorge Listopad, Antonin Artaud, Jaime Salazar Sampaio, Karel e Josef Capek,<br />
29
Sófocles, Jean Anouilh e Maria Zambrano, conquistando o elogio unânime do público e<br />
<strong>da</strong> crítica e tendo recebido, apesar de não ser um grupo profissional, três prémios <strong>da</strong><br />
Associação Portuguesa de Críticos de Teatro.<br />
Também com o TUT têm colaborado, quer a nível <strong>da</strong> formação quer dos<br />
espetáculos, inúmeros profissionais <strong>da</strong>s mais varia<strong>da</strong>s áreas, como Vera Castro e Nuno<br />
Carinhas, como Figurinistas, os Telectu - Jorge Lima Barreto e Vítor Rua, e Carlos<br />
Zíngaro, como Músicos, Bernardo Gama, como Coreógrafo, Luís de Almei<strong>da</strong> e José<br />
Carlos Nascimento, como Desenhadores de Luz, e muitos outros, sendo de destacar o<br />
inesquecível e estruturante trabalho de corpo e voz, realizado ao longo dos primeiros<br />
anos do TUT pela atriz e professora Clara Joana.<br />
O TUT tem apresentado os seus espetáculos nos mais diversos locais, interiores<br />
ou exteriores, desde Palácios, Jardins, Bibliotecas, Museus, Navios, Torre de Belém,<br />
Central Tejo, Armazéns ou Auditórios, revelando uma hábil a<strong>da</strong>ptação a diferentes<br />
espaços.<br />
Tem participado também em Festivais de Teatro, nacionais e internacionais,<br />
sendo de realçar as deslocações a Pontevedra (Espanha), Grenoble (França), Bratislava<br />
(Eslováquia) e Olomouc (República Checa).<br />
30
4.2 Listagem de espectáculos (1982 – 2012)<br />
1982 À Espera dos Bárbaros<br />
1983 Everything and Nothing<br />
Anúncio feito a Maria<br />
1984 Leôncio e Lena na Estalagem de Mirandolina<br />
1985 O Jardim <strong>da</strong>s Delícias<br />
Orfeu Dizem Negro...<br />
Doce Inimigo<br />
1986 Doce Inimigo<br />
Jardim <strong>da</strong>s Delícias<br />
Viagem ao Mundo do Teatro - Esta Noite Improvisa-se<br />
1987 Sentimento de um Ocidental<br />
Cristóvão Colombo<br />
1988 Segismundo na Torre de Belém<br />
As casas não acontecem, habitam-se!<br />
Macbeth<br />
1989 Acuso, Gilles de Rais<br />
1990 Portugal Três<br />
1991 Marques & Kompanhia<br />
1992 Ivanov<br />
Marques & Kompanhia II<br />
1993 Marques & Kompanhia II<br />
Para onde foram os pedreiros na noite em que ficou pronta a muralha <strong>da</strong><br />
China<br />
1994 O Teatro Ambulante Chopalovitch - 1 a parte<br />
O Valente Sol<strong>da</strong>do Schveik<br />
1995 A Detenção dos Actores do Teatro Ambulante Chopalovitch<br />
1996 Lusofonias<br />
A Detenção dos Actores do Teatro Ambulante Chopalovitch<br />
A Arte e a Engenharia<br />
1997 Hotel Savoy<br />
A Ron<strong>da</strong> dos Meninos<br />
31
1998 A Ron<strong>da</strong> dos Meninos<br />
A Porta <strong>da</strong> Lei<br />
Os burros no Teatro português - 1ª Parte<br />
1999 Os burros no Teatro português<br />
2001 Gata Borralheira<br />
2002 Quem foi o Arquitecto <strong>da</strong> Torre de Babel?<br />
Histórias de ver e de an<strong>da</strong>r<br />
2003 Quem foi o Arquitecto <strong>da</strong> Torre de Babel? - Excertos<br />
Amor cinza perfeito<br />
Hipólito e Fedra: 1º Assalto<br />
2004 Pierrot e Arlequim na Reitoria<br />
O Principezinho, Pierrot e Arlequim<br />
Deserto Habitado<br />
2005 Deserto Habitado<br />
2006 Só… no Quartier Latin<br />
2007 Triplo Salto<br />
2008 Os Cenci<br />
2009 Os Cenci II<br />
2010 Venenos Indispensáveis<br />
2011 Comédia de Insectos<br />
Venenos Indispensáveis<br />
Comemorações dos 30 anos do TUT e Homenagem a Jorge Listopad<br />
Barioná<br />
2012 Antígonas<br />
32
4.2.1 O início: 1981-1982<br />
Tudo começou com a leitura do folheto que anunciava a realização de um Curso<br />
de Teatro promovido pelo Departamento de Ativi<strong>da</strong>des Culturais <strong>da</strong> UTL. Feitas as<br />
inscrições em Dezembro de 1981, o Curso teve início no dia 7 de Janeiro de 1982, na<br />
Reitoria <strong>da</strong> UTL, na Alame<strong>da</strong> de Santo António dos Capuchos. Como Nuno Cortez<br />
recor<strong>da</strong> num documento interno do grupo “eram seis e meia <strong>da</strong> tarde, chovia<br />
copiosamente…”.<br />
33
Aguar<strong>da</strong>ndo-nos, no interior <strong>da</strong> antiga Capela do Palácio Centeno, 5 estava Jorge<br />
Listopad, professor de Teatro do Conservatório Nacional e que iria ser o orientador<br />
destes 30 jovens, que iam chegando molhados <strong>da</strong> chuva invernal mas curiosos. Após<br />
uma breve apresentação, teve início o trabalho, começando com um aquecimento de<br />
corpo e voz dirigido pela actriz Clara Joana. Deste modo, segundo documentação<br />
interna “nascia um grupo de jovens amantes de teatro, com to<strong>da</strong> a disponibili<strong>da</strong>de para a<br />
aprendizagem, sensibilização e informação do fenómeno teatral”.<br />
Ao ritmo semanal de segun<strong>da</strong>s e quintas <strong>da</strong>s 18h30 até às 21h, fomos penetrando<br />
de forma autêntica e crítica no mundo do teatro, ligando a prática com a teoria, através<br />
de uma dinâmica gera<strong>da</strong> pelo trabalho de voz e corpo (expressão corporal, dicção,<br />
desinibição) efetuado pela Clara Joana, em colaboração estreita com Jorge Listopad e,<br />
com o qual “todo o universo teatral ia sendo revelado, quer através de informações<br />
teóricas (história, escolas, filosofias), quer através de práticas (improvisações,<br />
interiorizações)”.<br />
Este processo de trabalho proporcionou a descoberta e o domínio progressivo<br />
<strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong>des corporais e vocais dos jovens candi<strong>da</strong>tos a atores, criando<br />
simultaneamente um espaço de encontro vivo e atuante e, progressivamente elaborado,<br />
o qual acabou por <strong>da</strong>r origem a uma seleção natural que culminou num grupo mais<br />
homogéneo de quinze elementos.<br />
5 Man<strong>da</strong>do construir pela Rainha D. Catarina de Bragança, para as suas aias, aquando do regresso a<br />
Portugal, após a morte, em 1685, de seu marido, Carlos II de Inglaterra.<br />
34
Ao longo do curso, que incluiu inúmeras i<strong>da</strong>s em conjunto a espetáculos, que<br />
contribuíram para o desenvolvimento de um olhar mais lúcido e crítico em relação aos<br />
espetáculos teatrais e outras propostas culturais, fomos desenvolvendo um trabalho em<br />
torno do poema “À espera dos Bárbaros” de Constantin Cavafy, que despertou no grupo<br />
uma ver<strong>da</strong>deira paixão e que foi ao encontro <strong>da</strong> vontade de “criar algo coletivo que<br />
desse realização prática e sedimentasse os conhecimentos obtidos”.<br />
A dramatização do poema de Cavafy foi apresenta<strong>da</strong> em Maio, nos átrios do<br />
Teatro Trin<strong>da</strong>de, incluí<strong>da</strong> no espetáculo de encerramento do ano lectivo <strong>da</strong> UTL,<br />
constituindo-se como a estreia e primeira apresentação pública do TUT. O acolhimento<br />
caloroso e o interesse demonstrado pelos que não tiveram oportuni<strong>da</strong>de de assistir à<br />
apresentação pública <strong>da</strong> dramatização, foi tão grande, que levou a que voltássemos a<br />
apresentá-la, semanas depois, no Salão Nobre do IST.<br />
35
Em Janeiro de 1983, fomos convi<strong>da</strong>dos a participar na abertura do ano<br />
académico, que teve lugar na Biblioteca do então Instituto Superior de Economia, atual<br />
ISEG. Desta vez, o texto que serviu de “motor do trabalho” foi o “El hacedor” de Jorge<br />
Luis Borges. Foram escolhi<strong>da</strong>s duas páginas e meia denomina<strong>da</strong>s “Todo o mundo e<br />
Ninguém”, uma reflexão poética, com ecos vicentinos, sobre a condição do ser criador.<br />
Esta foi também uma oportuni<strong>da</strong>de de trabalharem em conjunto, pela primeira vez,<br />
todos os grupos culturais <strong>da</strong> UTL (coro, <strong>da</strong>nça e grupo de metais), contando-se ain<strong>da</strong><br />
com a colaboração <strong>da</strong> cantora lírica Dulce Cabrita.<br />
O novo ano letivo, trouxe naturalmente novos elementos ao grupo, o que<br />
motivou um reajustamento de horário, sendo acrescentado mais um dia de ensaios, a<br />
4ªfeira, de forma a permitir, por um lado, a partilha dos conhecimentos adquiridos e, por<br />
outro, possibilitar que ca<strong>da</strong> um dos grupos isola<strong>da</strong>mente experimentasse outros<br />
caminhos. Assim, o recém chegado 1º ano desenvolveu um percurso próprio, apoiado<br />
pelos membros do ano anterior, que entretanto foram preparando, lendo, estu<strong>da</strong>ndo e<br />
improvisando sobre a peça “Leôncio e Lena” de Georg Büchner.<br />
No final do ano letivo 1982/83, surgiu a oportuni<strong>da</strong>de e o convite aliciante para<br />
o grupo participar, enquanto figuração especial, na peça de Paul Claudel “O anúncio<br />
feito a Maria”, encena<strong>da</strong> por Jorge Listopad, uma produção do Teatro Nacional D.<br />
Maria II e apresenta<strong>da</strong> no vizinho Palácio <strong>da</strong> Independência, ao Rossio. Este foi um<br />
momento privilegiado de vivenciar a construção e carreira de um espetáculo de teatro<br />
36
profissional, possibilitando a convivência com um conjunto excelente de atores e<br />
atrizes, como Eunice Muñoz, João Perry, Manuela de Freitas, António Rama e Catarina<br />
Avelar, entre outros.<br />
O grupo participou com dezassete elementos, tendo os restantes treze criado um<br />
espetáculo baseado na dramatização de poemas de Alberto Pimenta e Francisco José<br />
Tenreiro, espetáculo que foi apresentado no doutoramento “honoris causa” do Doutor<br />
Azeredo Perdigão.<br />
Com estas duas criações, encerrou-se mais um ano letivo, e em Outubro desse<br />
ano, de novo reunidos, sentiu-se a necessi<strong>da</strong>de de materializar o trabalho desenvolvido,<br />
na forma de encenação e montagem de peças teatrais, objetivo este que por querer ser<br />
concretizado, não permitiu (por falta de tempo, meios e espaço), a entra<strong>da</strong> a novos<br />
elementos no início desse novo ano escolar.<br />
4.2.2 Período de 1983 – 1988<br />
Com o início do ano letivo 1983/84, o grupo é de novo solicitado para colaborar<br />
no encerramento de um Congresso, organizado pela Facul<strong>da</strong>de de Medicina Veterinária.<br />
Para este efeito foi encena<strong>da</strong> uma cena de “A Estalajadeira” de Carlo Goldoni e a<br />
teatralização de dois poemas africanos.<br />
37
Após a participação nesta iniciativa, e livre de outros compromissos, o grupo<br />
teve a possibili<strong>da</strong>de de se debruçar sobre as obras teatrais, e as condições necessárias a<br />
nível de produção, que permitissem viabilizar a concretização <strong>da</strong> montagem de um<br />
espetáculo. Por essa altura, tinha-se vindo a trabalhar duas peças, sendo difícil a escolha<br />
de uma delas. O impasse foi ultrapassado, quando surgiu a ideia, ousa<strong>da</strong> e aliciante, de<br />
fazer a fusão <strong>da</strong>s duas peças e encená-las num único espetáculo. Eram elas: “Leôncio e<br />
Lena” de Georg Büchner, e a “A Estalajadeira” de Carlo Goldoni. O projeto comum<br />
viria a chamar-se, com to<strong>da</strong> a proprie<strong>da</strong>de “Leôncio e Lena na estalagem de<br />
Mirandolina”.<br />
No dia 5 de Dezembro de 1983, anotava no meu Diário de Bordo, que este era<br />
um “compromisso de não interrupção do trabalho de grupo” no sentido de não<br />
corresponder a outros convites e solicitações. Ficou decidido que o espetáculo seria<br />
apresentado no Palácio Centeno e nos seus jardins, no Verão, com a possibili<strong>da</strong>de de vir<br />
a ser integrado na programação do Festival <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de de Lisboa. Segundo Listopad<br />
seria necessário criar um “Grupo de trabalho para Organigrama. Criativi<strong>da</strong>de<br />
Organiza<strong>da</strong>.”<br />
Para a concretização desta montagem, foram encontrados dentro dos elementos<br />
do grupo, dramaturgistas, que a par dos ensaios e improvisações iam entrecruzando as<br />
duas peças; cenógrafos, que tiraram partido dos espaços interiores e exteriores do<br />
Palácio-Reitoria; figurinistas e assistentes de encenação; responsáveis pela produção,<br />
que conseguiram com o apoio <strong>da</strong> Câmara Municipal de Lisboa e <strong>da</strong> Polícia fechar uma<br />
<strong>da</strong>s ruas laterais, durante o período do espetáculo, para que o ruído do trânsito não<br />
perturbasse as cenas exteriores; luz e som; promoção, relações públicas e frente de casa;<br />
todos os membros se empenharam na construção de um espetáculo que fosse digno e<br />
belo, e no qual fosse possível transparecer a experiência de três anos intensos de<br />
aprendizagem teatral.<br />
38
Vejamos o texto escrito para o Programa do espetáculo, por José Artur Pestana,<br />
um dos elementos do grupo na altura:<br />
vivi<strong>da</strong>:<br />
A Isabel fazia anos, e chovia.<br />
Havia bolos, poucos, e seis ou sete pessoas em volta de uma mesa improvisa<strong>da</strong>.<br />
Eu comi o último pe<strong>da</strong>ço do bolo, e em resposta à questão: “Fazemos o Leôncio e<br />
Lena ou fazemos A estalajadeira?” disse: - “ Porque não fazer Leôncio e Lena na<br />
estalagem de Mirandolina?”. O Listopad, para espanto meu, agarrou a ideia e disseme:<br />
- “Podes começar a fazer a dramaturgia”. Assim, vi-me a fazer algo que nunca<br />
tinha feito, nem nunca pensara fazer.<br />
Ideias havia muitas, mas começar a trabalhá-las, foi um pouco difícil.<br />
O Listopad disse-me: - “Põe o Alexandre a trabalhar contigo. Vai ser uma grande<br />
aju<strong>da</strong>”.<br />
E foi. Sózinhos, ca<strong>da</strong> um no seu canto diário, em minha casa, em cafés cheios de<br />
quartas-feiras europeias, em Madrid, o trabalho foi avançando timi<strong>da</strong>mente, no<br />
início, tinha medo dos cortes, como se fossem censura.<br />
O Listopad tinha sempre ideias que discutíamos. Regularmente os resultados eram<br />
submetidos à prova do grupo: “O Leôncio e Lena está a perder sentido” – “Estão a<br />
favorecer A estalajadeira” – “Cortaram a cena mais bonita” – “Este diálogo era tão<br />
giro”.<br />
Chegou-se a um ponto em que o puzzle parecia não ter solução. Mas a solução ia<br />
aparecendo, e deu-se o trabalho por acabado.<br />
Mas o lápis está sempre pronto a cortar uma frase que durante os ensaios se chega à<br />
conclusão que não resulta, e o cesto de papéis é rebuscado à procura de outra que<br />
afinal faz falta.<br />
O produto final é o trabalho possível <strong>da</strong> nossa virgin<strong>da</strong>de, inexperiência, do nosso<br />
gozo, prazer.<br />
É ain<strong>da</strong> Goldoni?<br />
É ain<strong>da</strong> Büchner?<br />
É Leôncio e Lena na estalagem de Mirandolina. 6<br />
Alexandre Leitão deixou registado o seu testemunho quanto à experiência<br />
6 Programa Leôncio e Lena na estalagem de Mirandolina. Sublinhados do autor.<br />
39
Da explosão <strong>da</strong> ideia, nuvem de fumo disforme; passo a passo como ser em<br />
gestação vai a obra tomando forma, desenhando-se-lhe os contornos. Primeiro a<br />
gestos largos. Lascas que saltam. Curvas que se ajustam. Peças do puzzle que se<br />
encaixam.<br />
Mais uma volta do princípio ao fim. O traço do cume dos montes torna-se exacto.<br />
Uns toques de lima. Retomam-se pe<strong>da</strong>ços antes eliminados. Novos golpes. A<br />
sutura é mais cui<strong>da</strong><strong>da</strong>, os nós menos volumosos.<br />
Há que não deixar que o fim desfie. Que o cordel esgace de alto a baixo. Há uma<br />
castanha por estoirar presa entre os dentes.<br />
Os pormenores têm agora o volume de alicerces. Fios como panos de fundo. O<br />
equilíbrio vai infectando a balança. A mão ao de leve alisa as cicatrizes, uma ou<br />
outra aspereza faísca ain<strong>da</strong> em toques de esmeril.<br />
Vai o barco encostando ao cais. São os ajustes finais, exigências de conjunto.<br />
A obra aí está.<br />
Por detrás está tudo o que foi sonhado. No mundo de peças construí<strong>da</strong>s na<br />
imaginação entre colhera<strong>da</strong>s de sopa, trambulhões nos autocarros, cigarros calmos<br />
de fim de noite.<br />
Fica o gozo <strong>da</strong>s metamorfoses, <strong>da</strong>s coisas impossíveis, de tudo o que aconteceu<br />
dentro <strong>da</strong> caixinha que se chama crânio”. 7<br />
E Jorge Listopad, escrevia no programa, a sua visão do Teatro Universitário:<br />
Turismo<br />
Eis a nossa jorna<strong>da</strong>. Jorna<strong>da</strong>? Ca<strong>da</strong> viagem a sério é uma aventura. O teatro de<br />
estu<strong>da</strong>ntes é isso mesmo, aventura. E neste caso por razões acresci<strong>da</strong>s, a saber:<br />
a) inauguramos para o teatro um novo espaço plural, não convencionado, percorrido<br />
pela acção crisma<strong>da</strong> pelo público que nele participa;<br />
b) juntamos duas grandes peças de dois séculos diferentes, uma clássica mas não tanto<br />
como parece, outra heterodoxa em travesti clássico, mediante um acidente<br />
organizado, se possível não mortal, pelo contrário belo ou, como se diz hoje,<br />
produtivo;<br />
c) confrontamos assim o mundo fechado que quer abrir-se (Leôncio e Lena) com um<br />
mundo aberto (A estalajadeira) em deman<strong>da</strong> de definição. Dois mundos,<br />
efectivamente: de chuva, do spleen e do protestantismo cultural de um lado, do sol,<br />
do ruído, do catolicismo temperamental do outro. Nem um nem outro é pior ou<br />
7 Programa Leôncio e Lena na estalagem de Mirandolina.<br />
40
melhor. São apenas diferentes – e complementares. O abstracto de Georg Büchner<br />
foge para o concreto italiano de Carlo Goldoni que aprende as novas dos<br />
refugiados, dissidentes, dir-se-ia hoje. A conferência Norte-Sul, e Sul-Norte. Se o<br />
Norte ensina a sonhar, o sul ensina o valor do real. O símbolo setentrional, torna-se<br />
sinal do meio-dia. A linguagem completa-se.<br />
Quanto aos actores que praticamente pisam o palco (palco?) pela primeira vez,<br />
os de Leôncio e Lena precisam de poesia e sensibili<strong>da</strong>de que forjam a sua técnica<br />
para se exprimirem. Os intérpretes de A estalajadeira têm de erguer personagens de<br />
carne e osso, embora deforma<strong>da</strong>s pela verve do autor. O gesto, tal como a<br />
indumentária de Leôncio e Lena, estão sequiosos de cor e temperamento, por<br />
quanto o movimento e o guar<strong>da</strong>-roupa dos goldianos exibem mais do que são.<br />
Talvez não valha a pena confirmar que tudo o que o espectador vê, é feito,<br />
como diz algures Mirandolina “pela mão própria”: pela mão própria do grupo. Será<br />
o teatro o último cozinhado artesanal?<br />
Texto meu inútil? Oxalá. O espectáculo modesto e orgulhoso ao fazer <strong>da</strong>s<br />
poucas forças algo, se for minimamente convincente, condena estas linhas a<br />
tornarem-se caducas. Será vitória neste tempo de poucas vitórias em geral e do<br />
palco em particular, e do turismo apenas oficial e oficioso. 8<br />
O espetáculo teve um excelente acolhimento por parte do público e mesmo de<br />
muitos profissionais <strong>da</strong> área. É de assinalar que as sessões estiveram sempre esgota<strong>da</strong>s,<br />
e que foi conseguido um interesse muito especial por parte <strong>da</strong> crítica, que foi pródiga<br />
em elogios, conforme se pode inferir pelos excertos apresentados:<br />
(…) uma alegria esfuziante.<br />
Orlando Neves, Diário de Notícias, 5/7/1984<br />
(...) É possível ver o espectáculo de mil maneiras: deixarmo-nos penetrar pelo ar <strong>da</strong><br />
noite, pela musicali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s palavras e dos sons – e a peça passa a ser cheiros,<br />
arrepios, langores, convite. Ou compenetrarmo-nos bem dos textos de origem,<br />
surpreender neles a intervenção dramatúrgica, as sonori<strong>da</strong>des próprias dos dois e<br />
tão diferentes séculos ali representados – e tudo passa a ser jogo de inteligência,<br />
piscadela de olho cultural.<br />
Helena Vaz <strong>da</strong> Silva, Diário de Notícias, 6/7/1984<br />
(…) Sobre o Teatro <strong>da</strong> Técnica e seu encenador caem os aplausos do público. Pela<br />
noite agradável. Pelo espectáculo.<br />
Anabela Mendes, Expresso, 7/7/1984<br />
(…) No verão sufocante que vivemos, esta representação dos estu<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Técnica é uma nota de frescura e de quali<strong>da</strong>de num panorama teatral<br />
não muito animador.<br />
Tito Lívio, a capital, 7/7/1984<br />
(…) Mirandolina recebe em sua casa, aqui toma<strong>da</strong> de empréstimo num notável<br />
aproveitamento do magnífico espaço do Palácio Centeno. Mas a eficácia do<br />
espectáculo não poderia ter sido atingi<strong>da</strong>, se não fosse o perceptível trabalho com<br />
os actores, que aqui me parece uma <strong>da</strong>s conquistas maiores do Teatro <strong>da</strong> técnica.<br />
Não há uma personagem mal defini<strong>da</strong>, não há uma única figura que não se recorte,<br />
8 Programa Leôncio e Lena na estalagem de Mirandolina. Sublinhados do autor.<br />
41
com coerência, ao longo do espectáculo, não há uma única situação à qual não se<br />
tenha emprestado o rigor <strong>da</strong> concepção cénica e a inteligência <strong>da</strong> composição<br />
dramática.<br />
António Mega Ferreira, Jornal de Letras, 10/7/1984<br />
Paralelamente, alguns dos elementos do TUT, ain<strong>da</strong> fizeram no dia 30 de Junho,<br />
Sábado, pelas 10h, uma leitura <strong>da</strong> Cena 1ª do I Ato e Cena 1ª do II Ato <strong>da</strong> peça de<br />
Garrett “Frei Luís de Sousa”, na nova Embaixa<strong>da</strong> dos Estados Unidos <strong>da</strong> América, a<br />
convite de Helena Vaz <strong>da</strong> Silva, Presidente do Centro Nacional de Cultura.<br />
Recordo com emoção o meu trabalho com a personagem Telmo.<br />
Depois <strong>da</strong>s férias de Verão, o grupo voltou a encontrar-se no dia 24 de<br />
Setembro, tomando a decisão de abrir um novo 1º ano em 1984/85, e segundo Listopad<br />
“filtrar desde o princípio para grupo de 15”. Dos anos anteriores, mantinha-se um<br />
núcleo coeso de cerca de 10 elementos, que desejavam ardentemente continuar juntos a<br />
trabalhar com o Listopad. Manteve-se a regulari<strong>da</strong>de dos encontros, duas vezes por<br />
semana, e planificou-se para “Outubro/Novembro/Dezembro – Direção centrípeta” e,<br />
em “Janeiro – Direção centrífuga”. Foram surgindo várias ideias, desde a preparação de<br />
“Espectáculo ambulante” que permitisse a participação em Festivais, nomea<strong>da</strong>mente no<br />
SITU em Coimbra, ou repetir a “Colaboração com Teatro profissional”. De facto,<br />
devido à experiência e quali<strong>da</strong>de reconheci<strong>da</strong>, que o grupo tinha atingido, em termos de<br />
conseguir apoios podíamos “Cultivar ambigui<strong>da</strong>de do grupo, no sentido de sermos<br />
grupo estu<strong>da</strong>ntil (Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian) e grupo não estu<strong>da</strong>ntil (Ministério <strong>da</strong><br />
Cultura)”. Eramos na ver<strong>da</strong>de um “Grupo de Alternativa”.<br />
42
No dia 8 de Outubro, surgiu uma proposta para fazermos um espetáculo de Natal<br />
para os filhos dos funcionários <strong>da</strong> UTL, o que nos obrigou a considerar o conceito de<br />
“planificação”. Assim, teríamos um “1º período de trabalho a efectuar até ao fim do<br />
ano” onde se poderia trabalhar dramaturgicamente “Um pequeno trabalho cénico com<br />
duração aproxima<strong>da</strong> de 10-15 minutos a ser apresentado na abertura solene do ano<br />
lectivo <strong>da</strong> UTL, em princípios de janeiro” e simultaneamente “Um espetáculo para ser<br />
representado em palco, com estreia em Coimbra na SITU, no mês de Maio. O tema<br />
desta peça será a liber<strong>da</strong>de, ou a aparente liber<strong>da</strong>de em que nós vivemos”. Também num<br />
“2º período de trabalho a efectuar após as férias de Natal” faríamos a “Nova abertura do<br />
Curso de teatro aos interessados neste. As sessões serão às terças e sextas na Reitoria ou<br />
numa sala <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Veterinária. Alguns elementos do grupo irão exercer as<br />
funções de monitores em colaboração com Jorge Listopad e Clara Joana. Estão funções<br />
serão remunera<strong>da</strong>s”. Entretanto, continuaríamos a trabalhar no espetáculo a ser estreado<br />
em Coimbra.<br />
A temática <strong>da</strong> “liber<strong>da</strong>de” começou a servir de base para muitas improvisações.<br />
Vivíamos ain<strong>da</strong> com o Muro de Berlim, e sentíamos que “Mundo livre com mundo não<br />
livre, não é mundo”, pelo que, surgia a inquietação <strong>da</strong> “Liber<strong>da</strong>de – duplo<br />
constrangimento” pois “É difícil a liber<strong>da</strong>de. Ter de escolher” e líamos a “Morte de<br />
Danton” de Buchner. No dia 15, depois do período de aquecimento físico, vocal e<br />
emocional, leu-se pela primeira vez o conto de Chaucer “The Woman of Bath” dos<br />
Canterbury Tales: uma história sobre a liber<strong>da</strong>de e o duplo constrangimento, o domínio<br />
<strong>da</strong> mulher, a pobreza e a virtude. A personagem, Cavaleiro do conto “oscila entre duas<br />
escolhas, e quando não escolhe, tem tudo”. Decorria o mês de Outubro, deixava-se a<br />
agitação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, e nos fins de tarde no interior <strong>da</strong> antiga Capela, improvisava-se num<br />
primeiro momento:<br />
Anti-Café-Concerto de Anti Telejornal. Anti Notícias.<br />
Ontem, um homem apaixonou-se por uma mulher na Argentina. Hoje, mar esteve<br />
tranquilo e azul. Às cinco horas, um operário não caiu, e não partiu uma perna.<br />
Uma folha caiu na Aveni<strong>da</strong>, às 8 horas <strong>da</strong> manhã.<br />
43<br />
22/10/1984 9<br />
E continuava-se logo de segui<strong>da</strong>, no mesmo dia, ca<strong>da</strong> vez mais concentrados,<br />
peregrinando pelas estra<strong>da</strong>s de Chaucer:<br />
9 Diário de Bordo de Júlio <strong>Martín</strong> <strong>da</strong> <strong>Fonseca</strong>.
Entre criança e mulher, adolescente. Despertar, descobrir de outro tempo, outro<br />
espaço, outro corpo, por definir, mas que se pressente.<br />
1 – Inocência, e alguém observa. Brinca e esconde, passeia, esconde, deita-se,<br />
esconde. (Teresa/Pedro)<br />
2 – Inocência, com medo (já não é inocência, porque sabe do que pode acontecer,<br />
medo), alguém observa. Paula descobre o pé, a perna. João Rei, vê.<br />
3 – Inocência, com medo e curiosi<strong>da</strong>de. Vence a curiosi<strong>da</strong>de, o medo. (Descobre<br />
homem/ bom selvagem/ animal inocente). Como reage a mulher? Misto de mulher<br />
e mãe e adolescente-criança. Mulher (não sabe), vê sair de si, primeira criança. Ela<br />
nunca viu crianças. (Júlio/Lena)<br />
4 – Descoberta <strong>da</strong> sensuali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>s “armas” <strong>da</strong> sedução. Homem “voyeur”. Ela<br />
acaba por fugir. (Mafal<strong>da</strong>/Rogério) 10<br />
Uma semana depois, recebíamos mais um convite para participar no espetáculo<br />
de Abertura do Ano Letivo, no Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de. Para corresponder dignamente a esta<br />
proposta, mas sem despender muito tempo na sua preparação, era fun<strong>da</strong>mental que o<br />
que apresentássemos fosse: simples, breve, agradável de concretizar e que não<br />
implicasse muito investimento de tempo e de trabalho. Esta ocasião foi sobretudo mais<br />
uma oportuni<strong>da</strong>de de reflexão:<br />
Para quem? O que fazemos, o que somos capazes? O que fazemos, o que sentimos?<br />
O que os professores não sabem? O que os alunos não sabem exprimir?<br />
1 – O que nos convém dizer – nesta ocasião? 2 – Simples – nítido.<br />
Falta um objetivo. Uma moral? Um sentido, no grupo.<br />
Existe grande dispersão, também em nós. Vontade de afirmação.<br />
De dizer, mais do que ser escutado.<br />
44<br />
29/10/1984<br />
Sentia-se já no grupo aqueles que eram mais criativos, aqueles que tentavam ser,<br />
e aqueles que ain<strong>da</strong> não o eram. As improvisações propostas aju<strong>da</strong>vam a percorrer esse<br />
caminho que correspondia a essa “necessi<strong>da</strong>de de criar”. Leio no Diário de Bordo:<br />
Série de entrevistas com personali<strong>da</strong>des fictícias.<br />
Burocrata perfeito. Político desinteressado.<br />
Artista que só quer ganhar dinheiro.<br />
Dois entrevistadores que se entrevistam um ao outro.<br />
Entrevistador que entrevista um e responde outro.<br />
Anti notícias.<br />
Estes momentos, suscitavam in<strong>da</strong>gações sobre a natureza do ato teatral. Um mês<br />
depois, já em Novembro, sentia-se as virtuali<strong>da</strong>des deste “Método progressivo –<br />
10 Diário de Bordo …
enquadramento não rígido, que se vai construindo” que o Listopad conduzia, e que nos<br />
permitia tomar consciência que o Teatro, segundo o seu parecer “Vive do tempo.<br />
Sismógrafo do tempo. Matéria. Movediça, mu<strong>da</strong> rapi<strong>da</strong>mente. Percursos dos tempos.<br />
Sensível à época, ao tempo. Leite matinal. Nunca é o mesmo. Envelhece. Tem de se<br />
inventar sempre”.<br />
Retornando às aventuras do Cavaleiro de Chaucer, desvelava-se o simbólico <strong>da</strong>s<br />
situações, através <strong>da</strong> sua “vagabun<strong>da</strong>gem pelo mundo” e a sua relação com outros<br />
viajantes, como os flautistas mágicos, sedutores de ratos e de crianças, personagens<br />
míticas <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média, que com a sua alegria, confundem os outros através do<br />
sarcasmo e <strong>da</strong> ironia. Através <strong>da</strong> pia<strong>da</strong> sensível e inteligente:<br />
vão denunciando os “pecados” (estupidez) dos outros (tipicamente estúpidos,<br />
porque só pensam no seu prazer e a vi<strong>da</strong> escapasse-lhes). Dando realce à prisão em<br />
que as pessoas vivem, sem se aperceberem.<br />
45<br />
05/11/1984<br />
Jorge Listopad fazia com que todos mergulhassem nessas “paisagens de alma”<br />
onde era tangível, a perceção de que “O Cavaleiro procura algo que não encontra.<br />
Questiona-se a si próprio. Esta só. Sabe que a resposta, tem que agra<strong>da</strong>r à Rainha. Ela,<br />
já conhece a resposta. Ele sabe que ela sabe. Aceitar a morte. Prefiguração do futuro”,<br />
segundo o olhar do encenador.<br />
Os encontros bissemanais são ver<strong>da</strong>deiros ensaios vivenciais, de teatro sem<br />
dúvi<strong>da</strong>, mas também culturais, estéticos, filosóficos, metafísicos. Aprende-se a<br />
multiplicar as ações, a conhecer a mecânica dos vasos comunicantes, a “Economia <strong>da</strong>s<br />
ideias. Fazer coisas distintas em sítios diferentes. Os dias são distintos”, ain<strong>da</strong> sob a<br />
perceção e sensibili<strong>da</strong>de de Jorge Listopad.<br />
Enquanto se vai preparando o espetáculo, vão surgindo outras questões: Onde<br />
apresenta-lo? “Em local não conotado ou em local convencionado?” Surgem propostas,<br />
como “Espaço novo – relacionado com viagens” ou “Estação de caminho-de-ferro,<br />
abandona<strong>da</strong>”. Entretanto, as improvisações continuam. O conto de Chaucer torna-se<br />
apenas mais um elemento “matéria de teatro, não mais”. Vão-se criando situações, estas<br />
constroem os diálogos, e a peça começa a surgir entre corpos e vozes.<br />
Velha – subtil ironia – Única que tem visão coerente do mundo. Única com<br />
discurso. Sageza – que vem de Visão do mundo ou Experiência ou Transcendência.
Cavaleiro – homem sem discurso, apanhado na ratoeira. Faz viagem, em que mu<strong>da</strong><br />
de estado. Ele é objeto. Nasceu cavaleiro. Não tem certezas. Não tem consciência<br />
<strong>da</strong>s coisas. Tenta escapar. Adquire experiências e não sabedoria. Como Ulisses –<br />
Viaja, colhe experiências, mas com dificul<strong>da</strong>de de assimilação. Viaja por viajar.<br />
Viagem é a única maneira de fugir de si próprio. Ver outras coisas. Rever o mundo.<br />
Geral mente, viagem é fuga. Para o cavaleiro, viagem é prisão. Impossibili<strong>da</strong>de de<br />
participar diretamente. Sempre entre escolhas, onde não pode escolher.<br />
46<br />
12/11/1984.<br />
Listopad dirige a análise dramatúrgica do texto. As cenas são reescritas. Procura-<br />
se um “discurso com plenitude de equilíbrio” e reconhece-se que as “Metáforas são<br />
mais bonitas”.<br />
Em relação aos figurinos e guar<strong>da</strong>-roupa, iniciam-se contactos com o Teatro<br />
Nacional e o Teatro Experimental de Cascais, no sentido de conseguir apoio e<br />
empréstimo de materiais. Quanto ao espaço cénico, visualiza-se e sente-se que, um<br />
mesmo espaço pode representar diferentes coisas, e que “A pessoa faz o espaço, tanto<br />
como o espaço faz a pessoa”. Questões práticas, como a necessi<strong>da</strong>de de ter uma<br />
aparelhagem sonora, para ser usa<strong>da</strong> nos ensaios, têm que ser resolvi<strong>da</strong>s. Deste modo, se<br />
vai exercitando a aprendizagem de áreas específicas que a Produção de um espetáculo<br />
obriga.<br />
Dezembro, dia 3, começa-se a compor o guião e as sequências de cenas. As<br />
improvisações aju<strong>da</strong>ram a compreender “coisas” que não estavam no texto original.<br />
Percebe-se que é possível a simultanei<strong>da</strong>de de cenas que não sejam muito importantes, e<br />
que “Todo o flashback é indicativo presente. Não há ontem”. Todos sentem que com<br />
este espetáculo, estão a entrar “noutra dimensão”.<br />
Dia 13 de Dezembro, um pequeno grupo de “Tutianos”, que paralela e<br />
autonomamente, tem estado a trabalhar numa peça para crianças, apresenta num<br />
auditório do Instituto Superior Técnico “Os Gnomos do Natal”.<br />
A 7 de Janeiro de 1985, recomeçam os trabalhos. O processo a seguir é, não<br />
optar “deixar fluir, deixar acontecer, libertar o texto. A ação do conto, ser a nossa ação.<br />
Sermos nós o cavaleiro que procura e não tem resposta. E quando não opta (dos tantos<br />
caminhos a seguir), encontra o caminho. A velha não dá uma resposta como as outras.<br />
Ela dá uma certeza… (a salvação?) ”. Para além dos estímulos intelectuais, de imagens<br />
inspiradoras, e de frases inespera<strong>da</strong>s “Teatro é sagrado”, Listopad transmite indicações<br />
físicas muito precisas
Fixar olhar – dá segurança, naturali<strong>da</strong>de. Corpo vai atrás do olhar, do falar. Pisar o<br />
chão. O corpo vai atrás do an<strong>da</strong>r.<br />
Transplantar pela imaginação, a experiência, o conhecimento e a reali<strong>da</strong>de, para<br />
onde não há.<br />
Comunicação não-verbal. Comunicação teatral. Palavra. Gesto. Relação humana.<br />
Não ter medo. Não ter ridículo.<br />
47<br />
11/04/1985<br />
Entretanto, surge um convite para participar nesse Verão, nos 2 os Encontros de<br />
Poesia em Vila Viçosa. Uma oportuni<strong>da</strong>de de retiro nos campos abertos e noites<br />
estrela<strong>da</strong>s do Alentejo. O conto de Chaucer ain<strong>da</strong> não estava pronto e, Listopad, talvez<br />
inspirado por esta incursão a Sul, propõe um espetáculo estival sobre poesia árabe, O<br />
Jardim <strong>da</strong>s Delícias, uma dramatização de poemas de amor de Ibne Azne. Recordo<br />
ain<strong>da</strong> versos como:<br />
Se me dizes que é possível chegar ao céu<br />
Digo-te que sim<br />
E que sei onde fica a esca<strong>da</strong> 11<br />
Esta viagem poética, quente e perfuma<strong>da</strong> por um cenário de laranjas, a uma<br />
cultura próxima, mas desconheci<strong>da</strong>, foi antecipa<strong>da</strong> e intensifica<strong>da</strong> com a participação na<br />
Animação <strong>da</strong> Área do Chiado, uma organização <strong>da</strong> Escola Superior de Belas Artes de<br />
Lisboa, onde o TUT acabou por estrear este espetáculo, no Pátio <strong>da</strong> ESBAL, num<br />
Domingo, a 7 de Julho de 1985. No dia seguinte, partimos para Vila Viçosa.<br />
11 Excerto do poema O Jardim <strong>da</strong>s Delícias de Ibne Azne.
Entretanto, havia sido feito um outro convite, para participarmos em finais de<br />
Julho, nas Jorna<strong>da</strong>s de Letras e Artes dos Países Africanos de Língua Portuguesa,<br />
promovi<strong>da</strong>s pelo Serviço ACARTE – Animação, Criação Artística e Educação pela<br />
Arte, <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian. Por isso, logo que regressámos de Vila Viçosa,<br />
vogámos ain<strong>da</strong> mais para Sul e, num cenário de areia e ao som de percussões,<br />
apresentámos e <strong>da</strong>nçámos a poesia africana de expressão portuguesa, com o espetáculo<br />
Orfeu Dizem Negro, nos dias 25 e 26 de Julho, a partir de textos de Agostinho Neto,<br />
José Craveirinha, Al<strong>da</strong> do Espírito Santo, Manuel Lopes, Arlindo Barbeitos, Noémia de<br />
Sousa, David Mestre, Osvaldo Alcântara, Francisco José Tenreiro, Ovídio Martins,<br />
Gabriel Mariano, Rui Knopfil, Hélder Proença, Rui de Noronha, Jorge Barbosa e<br />
Viriato <strong>da</strong> Cruz.<br />
48
Jorge Listopad escreveu no programa do espetáculo que:<br />
O Grupo de Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa que produziu recentemente<br />
o espectáculo teatral de poesia árabe por ocasião <strong>da</strong>s festas poéticas em Vila<br />
Viçosa, foi convi<strong>da</strong>do pelo Professor Manuel Ferreira com assentimento<br />
espontâneo <strong>da</strong> Directora do Serviço de Animação, Criação Artística e Educação<br />
pela Arte Dra. Ma<strong>da</strong>lena Perdigão em abalançar-se, <strong>da</strong> mesma forma, na poesia<br />
negra de expressão portuguesa.<br />
Encomen<strong>da</strong>? Gostamos destas apostas curtas, eu e o grupo. Forçam a densi<strong>da</strong>de,<br />
por vezes; provocam a inspiração, por vezes; acor<strong>da</strong>m as potenciali<strong>da</strong>des. Em três<br />
semanas foram feitas: a escolha, a dramaturgia, esboçado o espectáculo, sem<br />
descui<strong>da</strong>r os ensaios normais <strong>da</strong> peça de fôlego que se prepara para estrear no<br />
Outono.<br />
Opção: simplici<strong>da</strong>de, orali<strong>da</strong>de genuína, tentativa de penetrar, em textos cuja<br />
banali<strong>da</strong>de e urgência se casam maravilhosamente. Escolha: sem ler as biografias<br />
dos poetas, escolher os Poemas: os poemas que balizam as diferentes terras,<br />
canta<strong>da</strong>s, ama<strong>da</strong>s, pelas vozes íntimas e porta-vozes colectivas.<br />
Orfeu é negro, Mas Orfeu é Orfeu porque canta. O resto é literatura. 12<br />
Regressados <strong>da</strong>s férias de Verão, o grupo concentrou-se nos ensaios sobre o<br />
texto de Chaucer, que viria a <strong>da</strong>r origem ao espetáculo Doce Inimigo, sempre com a<br />
assistência vocal aos atores <strong>da</strong> Clara Joana, do desenho de luz do saudoso Luís<br />
d’Almei<strong>da</strong>, que nos acompanhou sempre, desde o início, o fabuloso Guar<strong>da</strong>-roupa do<br />
Nuno Carinhas, a Música original para Ban<strong>da</strong> Magnética, dos Telectu, a Assistência de<br />
Canto <strong>da</strong> Natália de Matos, a Coreografia <strong>da</strong> Wan<strong>da</strong> Ribeiro <strong>da</strong> Silva, a Assistência de<br />
Produção do também saudoso Luís Figueiredo Tomé e Apontamentos Cénicos de<br />
Tomás Taveira. Era a inauguração <strong>da</strong>s Torres <strong>da</strong>s Amoreiras, o cometa passava próximo<br />
12 Programa do espetáculo Orfeu Dizem Negro, produção de 1985.<br />
49
<strong>da</strong> Terra, e o Centro Nacional de Cultura dinamizava o Halley Hall, onde o TUT<br />
apresentou o espetáculo de 15 a 30 de Novembro, com casas cheias.<br />
Nuno Carinhas escreveu para o Programa, um texto a que intitulou:<br />
Sem luxo….<br />
Sem luxo, um outro tipo de sensuali<strong>da</strong>de. Uma época de frio, como se isso fosse<br />
a definição <strong>da</strong> temperatura medieval. (Também os fatos emprestados doutra<br />
“viagem” cheiram a humi<strong>da</strong>de). Os materiais são de uma intemporali<strong>da</strong>de difícil de<br />
relacionar e no entanto, são o valor <strong>da</strong> própria intemporali<strong>da</strong>de. E podem ser um<br />
sucesso de procura numa loja aqui ao lado. Feitos de novo, vindos <strong>da</strong> fábrica com o<br />
envelhecimento simulado.<br />
Pretende-se o respeito a uma época sombria e receosa de Pestes.<br />
Ca<strong>da</strong> fato é um conjunto de sobreposições de formas com texturas diferentes.<br />
Cimentos e barros e verduras de plástico. 13<br />
E Jorge Listopad, apresentava à sua maneira esta nova aventura teatral:<br />
Doce inimigo <strong>da</strong> nossa escolha<br />
Não é por causa <strong>da</strong> séria e diverti<strong>da</strong> beleza do poema de Chaucer, que<br />
livremente dramatizamos o texto para a cena. Nem pela sua medievali<strong>da</strong>de<br />
moderna de viagem incerta. Também porque, de modo exemplar, ilustra o<br />
sentimento crescente de hoje: de que vivemos a ilusão <strong>da</strong> escolha. O cavaleiro do<br />
Rei Artur, sempre perante a alternativa (a condenação à morte ou a resposta certa, a<br />
promessa à velha ou não conseguir a resposta, o casamento com a vellha feia e fiel<br />
ou com a jovem bela e infiel), só por fim, perante a terceira alternativa, se recusa –<br />
a escolher. Ao rejeitar o princípio <strong>da</strong> escolha, torna-se, pela primeira vez livre.<br />
Nesse momento, milagre exemplar também, a velha bruxa transforma-se em<br />
bel<strong>da</strong>de e na mais fiel e dócil <strong>da</strong>s esposas.<br />
13 Programa do espetáculo Doce inimigo, de 1985.<br />
50
O Conto <strong>da</strong> Mulher de Bath de Chaucer é igualmente revelador <strong>da</strong> psicologia<br />
feminina – aos retratos <strong>da</strong>s duas ou três mulheres do texto original, acrescentamos<br />
uma meia dúzia de esboços de seres femininos, neste momento histórico em que a<br />
mulher, constrangi<strong>da</strong> e constrangente, em vias de se libertar <strong>da</strong> sua dupla condição.<br />
Quanto ao espectáculo, melancólico e alegre, mal seria que tivessemos de<br />
explicar a sua feitura. Ou ela é visível, ou falhamos. Em ambos os casos, com<br />
prazer, sem qualquer constrangimento, além do grau dos nossos talentos e <strong>da</strong>s<br />
nossas parcas economias. 14<br />
Doce Inimigo revelou-se um sucesso. No Diário de Lisboa, o crítico de Teatro,<br />
Carlos Porto, apeli<strong>da</strong>va os jovens atores de OTNI’S – Objetos Teatrais Não<br />
Identificados, e o espetáculo, apesar de ser de Teatro Universitário, recebeu três prémios<br />
<strong>da</strong> Associação Portuguesa de Críticos de Teatro:<br />
Prémio Actor Revelação<br />
Prémio Melhor Figurino<br />
Prémio Especial pela Quali<strong>da</strong>de Absoluta<br />
Leio no meu Diário de Bordo que no último dia do espetáculo, Listopad<br />
entusiasmado com o resultado obtido, assinalou que tínhamos realizado um ato de:<br />
Heroísmo. Técnica e criativi<strong>da</strong>de. O que fazemos é um serviço, inútil.<br />
O mais belo serviço. Ao artista ninguém agradece.<br />
14 Programa do espetáculo Doce inimigo, de 1985. Sublinhados do autor.<br />
51
Após esta intensa jorna<strong>da</strong>, o mês de Dezembro foi empregue em descanso.<br />
Recomeçámos, segundo o Diário de Bordo, a 14 de Janeiro de 1986:<br />
Observação do que vê e do que faz.<br />
Imitação ou sentir a situação e a partir <strong>da</strong>í criar outra reali<strong>da</strong>de.<br />
Cultivar a imaginação. Descritivo e imaginativo.<br />
Inspiração vem <strong>da</strong> pintura, muitas vezes.<br />
Ir contra o texto. Ler de maneiras diferentes.<br />
O importante ás vezes não é o que se diz mas como se diz.<br />
De to<strong>da</strong>s as coisas se pode fazer teatro.<br />
Com as imagens de Cesário Verde. Alma<strong>da</strong> Negreiros.<br />
No dia 20 de Janeiro, iniciaram-se os trabalhos e o 1º Ano começou com 35<br />
novos alunos. Falou-se de “A vi<strong>da</strong> é sonho” de Calderón <strong>da</strong> la Barca. De que<br />
Meyerhold, nos anos 20, fez uma encenação moderna. De que Segismundo, é o Hamlet<br />
espanhol, o Lorenzacio, espanhol, etc.<br />
As improvisações orienta<strong>da</strong>s fazem parte do processo de trabalho, tanto com os<br />
mais novos como para os “veteranos”. Elas permitem ter uma visão plástica <strong>da</strong> cena e<br />
criar sequências cinematográficas.<br />
No dia 6 de Fevereiro, Listopad informa os mais velhos do grupo, de que se<br />
ausentaria numa viagem a Macau, permanecendo aí algum tempo. E agora, o que fazer?<br />
Estamos catorze à descoberta de um projeto teatral. Qual o ponto de parti<strong>da</strong>?<br />
Temos texto, ou em vez de um princípio teórico, partir de uma disponibili<strong>da</strong>de na<br />
prática, à espera do sensível. Grande diálogo. João Nunes, treme o pé. João-Rei,<br />
sentado na cadeira rotativa. Isabel, rói as unhas. Teresa, ouve de perna cruza<strong>da</strong>.<br />
Maria João, presente com os seus cabelos longos. Nuno, com alergia, alergia do<br />
tédio. Paula, ouve meio deita<strong>da</strong>. Pedro, tempo de criança. Luís de Castro, de<br />
brinco.<br />
Calderón de la Barca.<br />
Clara Joana, a não perder o barco. Alexandre, rola a bola de ténis amarela entre as<br />
mãos, porque deixou de fumar. Pestana, fuma, de losango azul brilhante na orelha<br />
esquer<strong>da</strong>. Júlio, escrevo.<br />
Discussão desgastante. Espetáculo para apresentar ao público.<br />
Metodologia de trabalho. Coordenador rotativo.<br />
Método de trabalho:<br />
1º Encontrar um tema.<br />
Palavra, quadro, texto, objeto. Tragédia Grega.<br />
No dia 13 de Fevereiro, e após reunião <strong>da</strong> Comissão Cultural <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de, é<br />
atribuído ao Grupo, um orçamento de dez mil escudos mensais, permitindo que a Maria<br />
52
João, a Ângela, o João e o Júlio, que entretanto têm vindo a assumir a função de<br />
Monitores, junto dos mais novos, possam receber por esse trabalho.<br />
Ain<strong>da</strong> com o Listopad, presente, decide-se começar a ler A Vi<strong>da</strong> é Sonho de<br />
Calderón de la Barca, e a palavra de ordem é “Prá frente Barroco”. Os seus inputs<br />
poético-filosóficos são sempre desconcertantes e estimulantes:<br />
O problema é sentir o texto.<br />
Não sabemos onde é para a frente e para trás, podemos avançar para trás.<br />
Além <strong>da</strong> peça, alguém a vê, e alguém vê que alguém vê a peça. Multiplicação de<br />
visões; sempre única.<br />
Magia dos espelhos.<br />
No dia 17 de Fevereiro, depois de uma aula de aquecimento, Jorge Listopad<br />
ministra uma aula sobre Teatro, aos alunos do 1º ano:<br />
Na Arte há sempre várias soluções. Não é exata e única como a ciência.<br />
Muitas energias e sentidos adormecidos.<br />
Teatro – Theatron, em grego, é “algo que é visto” (publicamente) portanto diante<br />
de um público. Visão em comum.<br />
Datas importantes. Ciclo <strong>da</strong> natureza. Riqueza que vem do pão que a terra dá.<br />
Festas. Tragoi – Tragédia, mascarados como cabras e ovelhas. Essas festas<br />
evoluem em textos teatrais. Ritos, festas…<br />
A Grécia fez-se desses primeiros textos teatrais. Perigo comum, deu definição de<br />
Estado. Primeiras peças gregas são sobre a Batalha de Salamina “Os Persas” (Os<br />
bárbaros).<br />
Nascimento do Teatro coincide com o nascimento <strong>da</strong> Grécia. Grande tensão<br />
dramática de um povo que se começa a definir.<br />
Teatro é arte que fala de pessoas. Quando alguém se quer conhecer, projeta-se na<br />
cena. Projeção. Testemunho <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Sombra do homem, às vezes atrás, às<br />
vezes á frente.<br />
Teatro liberta homem do desconhecido. Investiga. Ciência de intuição, magia, arte,<br />
inspiração. Não sabemos como é arte, como é criação.<br />
Duas enti<strong>da</strong>des. Os que produzem, os que consomem.<br />
Sem público não há Teatro, é preciso para que se consuma, se faça.<br />
Teatro tem menos importância quando o homem não tem perigo, é feliz.<br />
Quando o povo tem problemas, quando recorre, a palavra liberta, quando se quer<br />
conhecer, o teatro é mais forte. Antes do 25 de Abril, o Teatro foi modo de<br />
encontrar terreno onde se podia refletir em comum sobre a situação.<br />
Responsabili<strong>da</strong>de maior. Criou metalinguagem que a censura não compreendia,<br />
mas público sim. Tiveram de se encontrar soluções. É como um rio subterrâneo.<br />
Nunca morre. É cão fiel, sombra, testemunho, é coisa bonita, mas custa.<br />
Teatro é também palavra. Palavra foi sempre importante. E em Portugal, o espaço,<br />
o material, foi sempre relegado para segundo plano. Desde Gil Vicente, <strong>da</strong>va-se<br />
importância só à palavra. Daí vem a expressão do teatro declamado.<br />
53
Por esta altura, dá-se início com os recentes membros do grupo, à leitura de<br />
textos de Cesário Verde. A poesia é aqui apresenta<strong>da</strong> como matéria de teatro. O silêncio<br />
é mágico:<br />
Poesia é cantante. Não desequilibrar o conteúdo poético e a forma poética. Palavras<br />
importantes, mas <strong>da</strong>ndo mais importância à musicali<strong>da</strong>de do poema.<br />
Spleen inglês – nostalgia.<br />
Dandy – snobe, finge com bom gosto, mas não acredita, é máscara.<br />
Não existe uma leitura, existem várias leituras de um mesmo texto.<br />
Cesário Verde, o primeiro poeta português com uma reali<strong>da</strong>de sincrónica (desse<br />
momento).<br />
Ca<strong>da</strong> palavra devia ser acompanha<strong>da</strong> de imagens. Ca<strong>da</strong> palavra deve ser cheia.<br />
Ver alguma coisa por detrás de ca<strong>da</strong> palavra.<br />
Imaginar – Imagem.<br />
Cesário Verde an<strong>da</strong>va com um objetivo, às vezes parava.<br />
Cesário verde morava em Lin<strong>da</strong>-a Velha. Foi a pé de casa até ao Poço dos Negros,<br />
onde havia uma loja.<br />
Ritmo de passos. Não desenvolve. Corresponde ao Impressionismo francês.<br />
Mesmo nível de perceção <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Imaginação. Perceção do espaço, do som,<br />
do corpo.<br />
Inventar uma história, um texto, e tentar representar na próxima vez, através de um<br />
estímulo pictórico. Criar situações, relações, conflitos.<br />
No dia 20 de Janeiro, os temas sucedem-se em catadupa. Junta-se tudo, desde as<br />
origens do conto popular português, aos Gregos, as Mil e uma noites, os Brâmanes, o<br />
Haiti, os Indianos, o simbolismo do Ovo, o nascimento do Sol, a Dama pé de cabra de<br />
Herculano e a Antologia do Conto Fantástico Português.<br />
Assistir ao ensaio geral do Japonês Kazu Ono e ver o espetáculo Alé – Aliento<br />
dos Els Comediants, apresentado na Mostra de Teatro Espanhol, tornam a nossa<br />
vivência teatral ain<strong>da</strong> mais estimulante. História do Teatro, Literatura, Pintura, to<strong>da</strong>s as<br />
áreas artísticas são convoca<strong>da</strong>s nas sessões de trabalho do TUT, fazendo de ca<strong>da</strong> uma<br />
delas uma experiência fascinante e irrepetível.<br />
Robinson Crusoé, apareceu no dia 21 de Fevereiro:<br />
Naufragou e criou a sua própria existência a partir do zero.<br />
A ver<strong>da</strong>deira história. A a<strong>da</strong>ptação ao ambiente. Homem só pode viver em<br />
socie<strong>da</strong>de.<br />
Como Gulliver, que foi livro político contra a política inglesa <strong>da</strong> época. Inventou<br />
símbolos, códigos.<br />
Evoluir de livros políticos para infantis.<br />
Encontro de dois mundos. Selvagem e civilizado. Filho <strong>da</strong> civilização.<br />
Normalmente são conflituosos estes encontros. Quando uma cultura encontra outra.<br />
Livro precursor <strong>da</strong> etnologia humana. Culturas diferentes. Antropocentrismo dos<br />
europeus. Talvez um dos primeiros romances.<br />
Pela teatral de Shakespeare “Tempestade” mesmo tema que Crusoé.<br />
54
Aimé Cézanne escreveu “A Tempestade” peça de um negro que conta a chega<strong>da</strong><br />
dos náufragos à ilha. Robinson visto do outro lado.<br />
O corpo é condicionado pelas necessi<strong>da</strong>des psicofísicas.<br />
O que passa entre vocês é o tempo.<br />
No dia 28 de Fevereiro, fala-se de dramaturgia, técnica do trabalho do Actor,<br />
Teatro, Reforma, Renascimento, etc. A divulgação do saber continua:<br />
A<strong>da</strong>ptação – mesma cena, mas assumi<strong>da</strong> de maneira diferente.<br />
Equiparação – transposição de cena para outra paralela.<br />
Falar sem mexer a cabeça e sem pestanejar. Ter consciência do volume do som, <strong>da</strong><br />
fala. Importância <strong>da</strong> fala, <strong>da</strong> palavra, do gesto. Falar mal é perder-se o que se diz.<br />
Teatro não é apenas texto, mas também movimento do actor no espaço.<br />
Gesto, movimento, olhar.<br />
Às vezes palavras e gestos podem ter intenções diferentes, e o movimento pode ser<br />
mais importante. Leitura, explicação <strong>da</strong> cena.<br />
Reforma. Erasmo foi convi<strong>da</strong>do a Lisboa pelo próprio Rei.<br />
Na Rua Nova do Alma<strong>da</strong>, existiu um Centro <strong>da</strong> Reforma. Época confusa.<br />
Há relativamente pouco tempo que se faz teatro “en ronde” (em arena) - É<br />
diferente. Entre palco e plateia – fosso, cortina. Palco à italiana chegou no<br />
Renascimento, altura em que o Teatro encontrou poiso. Renascimento italiano.<br />
Na I<strong>da</strong>de Média, o teatro fazia-se nas ruas ou diante <strong>da</strong>s igrejas e pátios <strong>da</strong> nobreza,<br />
dos castelos. Na Câmara <strong>da</strong>s Rainhas.<br />
Foi Itália e Inglaterra que começa a criar as primeiras casas de teatro.<br />
Itália – grandes casas com grande maquinaria. Jogos de perspectivas (técnicas de<br />
pintura)<br />
Anfiteatro – teatro grego Locais escolhidos com conhecimento perfeito <strong>da</strong> acústica,<br />
luz. Teatro de Epi<strong>da</strong>uro – meio natureza, meio construção. Natureza corrigi<strong>da</strong>.<br />
Pessoas sentem-se bem, sem angústias de multidão.<br />
Corrente de água que circun<strong>da</strong>. Prática e Estética, ligados.<br />
Teatro Isabelino de Shakespeare. Interpenetração entre palco e plateia. Teatros<br />
fechados, redondos. “Globo” – redondo. Renascimento. De um mundo que é<br />
redondo, nova cosmovisão do mundo, mar que não acaba.<br />
Palco e plateia têm pouca segurança em se saber onde se está.<br />
Teatro é outra fala. Não é a reali<strong>da</strong>de, mas é outra reali<strong>da</strong>de. Por isso teatral.<br />
Em Março desse ano de 1986, começa-se a analisar o texto de A Vi<strong>da</strong> é Sonho:<br />
Cenário com palavras.<br />
Sonho – infra reali<strong>da</strong>de, supra-reali<strong>da</strong>de.<br />
Até à I<strong>da</strong>de Média não havia problemas, havia ordem. Deus e o diabo.<br />
Barroco – chegou a época <strong>da</strong> dúvi<strong>da</strong>. O que é o futuro? O que é o poder?<br />
Esboço de Personagem.<br />
Rei é gordo como o mundo.<br />
Ele gira à volta de si, como se não tivesse pernas. Homem de gabinete. Como se<br />
olhasse através de telescópio. Humanista, porque está longe <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de.<br />
Apanhado pelo mundo invisível, que se pode ver através de instrumentos de<br />
medi<strong>da</strong>. Confunde-se, ain<strong>da</strong> não há fronteiras. Astrologia não se diferencia <strong>da</strong><br />
Astronomia, Alquimia com Química, Física com Metafísica.<br />
Ciências humanas. Ciências mágicas, não ciências.<br />
55
Último tempo em que não havia diferenças entre ciências ocultas e ciências cultas.<br />
No Barroco convivem esses dois sistemas. Na perceção de pessoas, do mundo,<br />
encontramos esses dois mundos juntos. Ain<strong>da</strong>. Quanto mais longe <strong>da</strong> civilização,<br />
mais perto desses mundos ain<strong>da</strong> não separados.<br />
No Sul, estiveram muito em contacto com outras civilizações. No Norte, foram<br />
isolados. Sincretismo cristão no norte é muito estranho, utiliza coisas não cristãs.<br />
Cenas têm dois aspetos. Íntimos ou públicos.<br />
Diálogos, monólogos escondidos, separados <strong>da</strong> civilização.<br />
Tudo o que é público, é muito público, publici<strong>da</strong>de é transparente.<br />
Como contar? Como dizer? Qual o tom? A intenção?<br />
Há duas possibili<strong>da</strong>des.<br />
É um relato, como secretário de estado a ministro. É objetivo. Tom único.<br />
Ou teatral. Cheio de coisas. Pessoas têm de imaginar. Teatrali<strong>da</strong>de, como narrativa.<br />
Fica em aberto.<br />
Entrar no espelho, perturba o teatro.<br />
Entrar e voltar do espelho.<br />
Passar <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de ao sonho e vice-versa.<br />
Sonho de alguém. Borges.<br />
Entre dois polos. Entre quente e frio. Positivo e negativo.<br />
Entretanto, continua o trabalho de improvisação, <strong>da</strong> sensibilização do corpo.<br />
Imaginar o ver, o olhar. Ter consciência que temos potenciali<strong>da</strong>des que não<br />
aproveitamos. Cultivar sentidos. Imaginar sentidos. Imaginar o que pode ser visto e<br />
mostrá-lo. Ver o que os outros não veem. Desenvolver a memória dos sentidos. Treinar,<br />
experimentar, refrescar os sentidos: ver, tocar, cheirar. Repetir os exercícios, embora<br />
nunca <strong>da</strong> mesma maneira. Repetição em espiral para algo mais complexo.<br />
Simultaneamente, continuam as leituras sobre o texto de Cesário Verde, as<br />
reflexões filosóficas e científicas, o dia-a-dia cultural, artístico e político, no seu sentido<br />
mais nobre e alargado, e o treino <strong>da</strong> disponibili<strong>da</strong>de para as surpresas:<br />
Nunca se sabe.<br />
Teatro – Pe<strong>da</strong>gogia.<br />
Sensação de surpresa.<br />
Desfazer rotina.<br />
Cesário Verde – Sismógrafo <strong>da</strong> Época. Homem não muito culto, mas sensível.<br />
Catálogo de to<strong>da</strong> a moderni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> época.<br />
Impressionismo e conflito. Desejo de evasão, fuga através de sonho ou reali<strong>da</strong>de.<br />
Aqui não se acerta, to<strong>da</strong>s as respostas são váli<strong>da</strong>s.<br />
“A vi<strong>da</strong> é sempre longe” Rimbaud.<br />
Tudo pode ser teatral.<br />
Dramatizar. Inspirar para algo mais. Ponto de parti<strong>da</strong> é Cesário Verde.<br />
Saber o que fazemos. Fazer aula sobre a aula.<br />
Realismo concreto. Esboços rápidos, colagens.<br />
Portugal é líquido, é porto. Mar. Última estação para o mar.<br />
Azul Portugal.<br />
O passado vem através <strong>da</strong> água. História é água.<br />
Encontrar o que é importante.<br />
Conhecer linhas gerais.<br />
56
Através <strong>da</strong>s palavras, amamos.<br />
O núcleo dos mais velhos e o núcleo dos mais novos vão-se misturando,<br />
assistindo e participando nas sessões uns dos outros. A prática teatral, vivi<strong>da</strong> desta<br />
forma, é uma iniciação:<br />
Teatro, testemunha do estilo de uma época (como os vestidos).<br />
Mo<strong>da</strong> nunca é gratuita, ela cria gosto, e o gosto cria-a a ela. Relação dialéctica<br />
entre as coisas. Ca<strong>da</strong> 20 anos, a mo<strong>da</strong> mu<strong>da</strong> radicalmente. Reagir contra gostos ou<br />
reconhecimento de um estilo.<br />
Gosto é luta contra Pai. Nunca contra Avô.<br />
Não podemos comparar teatro de há 20 anos com hoje. Só arquivando esse<br />
espetáculo, através de outra linguagem.<br />
Não sabemos na<strong>da</strong> como se passou teatro. Calculamos.<br />
Apostar tudo o que tem, mas tudo o que tem, depende do dia.<br />
Na<strong>da</strong> escapa a um actor, na sensibili<strong>da</strong>de. Racionalmente, não pode explicar.<br />
Teatro e Dança, nunca se repetem.<br />
Teatro é o mais velho artesanato do homem, que reflete sobre o homem.<br />
Projeção do homem para se compreender. Difícil medir.<br />
Teatro é um risco muito grande. Teatro não tem rede. Para quem gosta de arriscar,<br />
é a coisa mais bela que há.<br />
Público que vai ao Teatro é mais comprometido com o espetáculo, que o que vai ao<br />
cinema. Ir ao Teatro é um acto mais comprometedor. Ir ao cinema é uma ocasião.<br />
Teatro tem uma relação pública com o público.<br />
Fascinação mágica no escuro do Teatro.<br />
Compromisso com o Teatro é mais pessoal, mais espiritual. O comportamento é<br />
diferente do que no cinema. O cinema nasceu como brincadeira. Tem algo de<br />
lúdico. Nasceu como coisa de arraial.<br />
Teatro é testemunho. No Teatro, o espírito crítico é maior. Não se é subjugado, não<br />
se é dominado.<br />
No cinema não se sente comuni<strong>da</strong>de de pessoas. No cinema está-se só com a<br />
imagem. No Teatro, não. No cinema não há risco. No Teatro nunca se sabe.<br />
Cinema é mecânica. Teatro é vi<strong>da</strong>.<br />
Palavra morta, torna-se viva, no teatro.<br />
A que está ligado o Teatro? Psicologia, Antropologia, Literatura, Filosofia,<br />
Linguística (Omnipresença), Artes Plásticas, Estética <strong>da</strong> Imagem, Estética,<br />
Sociologia, Política, História.<br />
Ler Cesário Verde.<br />
Chegados a Abril, confirma-se a parti<strong>da</strong> de Listopad para Macau, no Verão. Faz-<br />
se um ponto <strong>da</strong> situação do que se poderá fazer entretanto, e de como continuar a<br />
trabalhar em conjunto. Enquanto isso, Listopad sublinha que o “Actor atrofia-se se não<br />
desenvolver to<strong>da</strong>s as potenciali<strong>da</strong>des” e propõe uma improvisação a partir de uma cena<br />
<strong>da</strong> peça do Calderón. Enquanto a orienta, Listopad como que brinca. Sente-se nele o<br />
prazer do teatro, de jogar ao teatro. Infância.<br />
57
Paralelamente aos ensaios e ao trabalho de formação e integração dos novos<br />
elementos, o grupo foi preparando com a peça Doce Inimigo, a sua participação na<br />
BUC/Bienal Universitária de Coimbra, e na V SITU/Semana Internacional de Teatro<br />
Universitário, que contava com a presença de muitos grupos estrangeiros,<br />
nomea<strong>da</strong>mente polacos.<br />
Após a deslocação do TUT a Coimbra, no balanço feito pelo grupo, foi notório<br />
que tinha sido uma experiência artística e cultural extraordinária, uma convivência<br />
excelente pelas condições de permanência no evento, durante to<strong>da</strong> a longa semana de 2<br />
a 11 de Maio de 1986, que permitiram que, além <strong>da</strong> apresentação do nosso espetáculo,<br />
ter a oportuni<strong>da</strong>de de ver também os outros. Listopad referiu que tinha havido<br />
elementos novos. Elementos fáticos novos. E que foi visível um salto entre os ensaios e<br />
a apresentação no Teatro Gil Vicente «O espetáculo se “Coze” sozinho, como as batatas<br />
depois de se apagar o lume. Acredito pela experiência, mas também pela fé».<br />
Voltemos a Calderón, com o olhar do encenador:<br />
Moderni<strong>da</strong>de de Segismundo. Não é um, mas plural.<br />
Homem moderno, perdeu estatuto, feito de uma fé, ideologia, retrato. Até séc.<br />
XVIII homem tinha caracter único. Depois não. Dostoievsky foi o 1º a entendê-lo.<br />
Homem já não é feito de uma força. Nasce numa cama, onde já não morre. Perca<br />
de fé. Religião perdeu força ou relativizou-se. Ca<strong>da</strong> vez sabemos mais. Ca<strong>da</strong><br />
informação nos traz novas potenciali<strong>da</strong>des. Somos capazes de imaginar-nos em<br />
várias situações. Ultimas defesas em nome <strong>da</strong> tradição, leis, pequeno burguês<br />
defende-se contra caos, angústia, vazio, confusão. Pequenos burocratas, to<strong>da</strong>s as<br />
regras, to<strong>da</strong>s as normas que realizam, vêm do medo terrível.<br />
Medo que assume Segismundo. De não saber quem é, o que é a vi<strong>da</strong>, para quê.<br />
Ca<strong>da</strong> dia se preenche esse vazio. Moderni<strong>da</strong>de de Segismundo.<br />
Segismundo – força vital.<br />
Calderón quis fazer peça sobre Segismundo, como Shakespeare sobre Hamlet.<br />
Há mundos lineares e outros sem linha.<br />
Há mundos redondos e outros infinitos.<br />
Teatro é intuitivo. Às vezes precede a ciência.<br />
O grupo assiste e participa numa espécie de ping-pong semanal entre Calderón<br />
de la Barca e Cesário Verde, que vai alimentando leituras e conversações, que se<br />
prolongam após os ensaios.<br />
Cesário nunca se identifica totalmente com uma coisa.<br />
Poesia – é uma linguagem do simbólico. Não pode ser realista, apenas pode sugerir<br />
reali<strong>da</strong>de, através de outra linguagem: como a escultura, a pintura<br />
Caminho no poema.<br />
De uma subtileza, chega ao vernáculo, a uma reali<strong>da</strong>de só portuguesa.<br />
58
Viagem do absurdo ao real.<br />
Não basta analisar, é preciso tirar conclusões.<br />
“Por causa <strong>da</strong>s árvores, não perca a floresta”.<br />
“Não sei como se faz. Por isso se faz teatro experimentando.”<br />
“A gente desarma<strong>da</strong>, tem armas diferentes”<br />
Ulisses – James Joyce – Simultanei<strong>da</strong>de de reali<strong>da</strong>des.<br />
Proust, Beckett.<br />
“Teatro não existe se não há conflito”.<br />
Duas possibili<strong>da</strong>des de fazer:<br />
Preparar<br />
Improvisar – deixar entrar no corpo<br />
Ca<strong>da</strong> um deve ter caracter. Para fazer coletivo, é necessário uma individuali<strong>da</strong>de.<br />
Ca<strong>da</strong> um deve construir a própria história.<br />
No dia 2 de Junho, e seguintes, começa-se a conhecer melhor quem é<br />
Segismundo e as outras personagens, <strong>da</strong> peça de Calderón:<br />
Sabe sonhando; sonhando sabe.<br />
Expressionismo/Barroco.<br />
Barroco – duplo (verso e reverso).<br />
Segismundo é ser metafísico, agita to<strong>da</strong> a peça.<br />
Prazer <strong>da</strong>s palavras. Não ter medo delas.<br />
Living Theatre – Palavra não é agente de comunicação, mas de perturbação.<br />
Peça de relações. To<strong>da</strong>s as personagens têm relações extremamente complexas.<br />
Do natural ao cultural.<br />
De uma aldeia a Nova Yorque.<br />
Choque cultural. Rotura.<br />
Besta torna-se besta raffiné.<br />
Somos impuros diante de Calderón. Temos de realizar uma alquimia.<br />
Obra pe<strong>da</strong>gógica ou obra-prima?<br />
No fecho desse ano letivo, o TUT foi convi<strong>da</strong>do a participar na III Festa de<br />
Teatro de Alma<strong>da</strong> e, como ia decorrer no Verão e em espaços ao ar livre, optou-se por<br />
repor o Jardim <strong>da</strong>s Delíciasa, baseado na poesia árabe de Ibne Azne.<br />
No reinício <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des e começo do novo ano letivo, surgiram convites para<br />
o TUT se apresentar nalguns espaços universitários, nomea<strong>da</strong>mente no ISCTE, na<br />
Semana Cultural de Receção ao Novo Aluno, e no Instituto Superior Técnico, integrado<br />
no 75º Aniversário <strong>da</strong> AEIST. Surge a ideia de se fazer uma espécie de ensaio aberto,<br />
denominado Viagem ao Mundo do Teatro, a partir de exercícios de voz e corpo, e <strong>da</strong><br />
representação de pequenas cenas explicando a origem e natureza do Teatro e seus<br />
elementos constituintes. Teatro e Pe<strong>da</strong>gogia de mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s.<br />
Com o início <strong>da</strong>s aulas em Outubro desse ano, chega uma nova forna<strong>da</strong> de<br />
alunos, compondo um novo 1º Ano. Listopad propõe um novo autor: Ghelderode, e uma<br />
obra apresenta<strong>da</strong> como um exercício de Teatro noturno, de paixões profun<strong>da</strong>s e<br />
59
notáveis. Recomeçam as improvisações orienta<strong>da</strong>s, sabendo-se que “Não se faz<br />
experiência sobre experimentação. As experiências são feitas segundo métodos<br />
conhecidos”. Com elas “despoletam-se energias. Energias psicológicas”, e<br />
desenvolvem-se capaci<strong>da</strong>des de a<strong>da</strong>ptabili<strong>da</strong>de a situações.<br />
Para uma melhor organização dos ensaios, fica decidido que: à 2ª feira, o<br />
trabalho com a Clara Joana, abrange todos os elementos do grupo; à 5ª feira, trabalham<br />
os mais velhos o texto de Calderón, e à 4ª feira ou 6ªfeira, os mais novos trabalham no<br />
texto Cristóvão Colombo de Ghelderode, com o apoio dos Monitores. Uma planificação<br />
invejável, que ficou regista<strong>da</strong> no Diário de Bordo:<br />
Como articular?<br />
Procurar o comum. Vai facilitar atores a serem só atores. E vendo vão aprender.<br />
No fundo no teatro não deveria haver diferenças.<br />
Anos 20 deste século, não havia distinções entre mais ou menos importantes. To<strong>da</strong><br />
a gente podia fazer grandes e pequenos papéis. Expressionismo, quis demonstrar<br />
que o teatro é um trabalho coletivo.<br />
Aqui, somos um pouco marginais no teatro, marginais estu<strong>da</strong>ntis.<br />
Marginais em tudo.<br />
“O Teatro não imita a reali<strong>da</strong>de. Cria outra reali<strong>da</strong>de.”<br />
Criação de papel:<br />
Psicológico (racionaliza-nos) – imita a reali<strong>da</strong>de<br />
Fenomenológico (joga com os mistérios do homem) – um mundo que vomita,<br />
deixa fluir.<br />
Para poder imitar, tem de conhecer. Para poder conhecer, tem que existir. Para<br />
poder existir, tem que seguir uma linha psicológica. Nós próprios não somos assim.<br />
Tem que se <strong>da</strong>r significado ao vazio.<br />
Colombo. Viagem de Colombo – prolongamento <strong>da</strong> bola.<br />
Improvisação – geralmente não se critica; aproveita-se.<br />
São visões, é muito pessoal.<br />
Atenção com Tensão – Teatro.<br />
Imaginem se começa sem Colombo. Os atores olham. Concentrados. Concentram<br />
pela atenção num ponto, onde ele não está. Como se cresce, nasce, cria. Ele<br />
aparece.<br />
Consciência do mundo à volta a partir de coisas tão simples como improvisar<br />
bolinhas de sabão.<br />
Seguiu-se o retorno a Segismundo e ao texto A Vi<strong>da</strong> é Sonho. Dos desafios<br />
enfrentados para a sua representação assinalei que:<br />
Na i<strong>da</strong>de média, ator era considerado ser estranho, porque se transformava.<br />
Descobrir “A vi<strong>da</strong> é sonho”<br />
Ca<strong>da</strong> personagem é um instrumento.<br />
O ator tem que ter:<br />
Rotina, que faz realce<br />
Técnica – dizer tudo no momento próprio<br />
Temos de encontrar estilo, para exprimir as coisas de hoje.<br />
60
Calderón é peça de um estilo.<br />
Colombo vem sem estilo, pode ser qualquer um.<br />
Nós agora estamos no meio <strong>da</strong>s contradições. Nós próprios somos contradição.<br />
Mas sem tragédia.<br />
Ir entrando na personagem<br />
Sentir a plástica <strong>da</strong> ação. Aqui palavras são mais que palavras. Isso é teatro.<br />
Ionesco sobreviverá a Beckett.<br />
E chegados a Novembro, o TUT apresentou no ISCTE e no IST o exercício<br />
teatral Viagem ao Mundo do Teatro – Esta Noite Improvisa-se. A ativi<strong>da</strong>de estendia-se<br />
em várias frentes:<br />
habitual…<br />
Ao longo do mês e até ao fim do ano, os ensaios forão decorrendo no seu ritmo<br />
Palavra dá a ver.<br />
O princípio é duro. Porque vocês ain<strong>da</strong> estão a apanhar os papéis.<br />
Não faz como eu faço, eu faço mal.<br />
Não ter medo <strong>da</strong> palavra.<br />
Naturali<strong>da</strong>de teatral. Teatral mas natural.<br />
O que é teatral é exatamente essa força.<br />
Querem fazer a cena em movimento. Para ter uma ideia do que é?<br />
Estamos sempre perto de alguma coisa se romper.<br />
Situação limite.<br />
Não esquecer que silêncio vive de palavras.<br />
Marcação vai aju<strong>da</strong>r.<br />
61<br />
17/11/1986
Impregnados de desafios estimulantes, os textos de Calderón e de Ghelderode,<br />
acentuam o ambiente teatral e cultural de excelência, proporcionando uma pe<strong>da</strong>gogia<br />
posta em ação:<br />
Criação de atmosfera. Criação de coletivi<strong>da</strong>de.<br />
Não se pode fazer com intensi<strong>da</strong>de todo o tempo.<br />
Cansaço – Saturação – vem de uma grande intensi<strong>da</strong>de.<br />
Tempos mortos, redundâncias, devem ter a sua função na obra de arte, e na<br />
pe<strong>da</strong>gogia.<br />
Vários ritmos. Intervalos. Pausas. Descansos. Da saturação possível do espectador.<br />
Leitura, explicações, meditações, aproximação às personagens.<br />
Faz-se o diálogo já em movimento para ver como é.<br />
Anulação <strong>da</strong> fronteira do real.<br />
Viagem que dissipa a reali<strong>da</strong>de. Grotesco que é quase sonho.<br />
Dizer coisas bonitas, que talvez não existam.<br />
Navio que perdeu a rota.<br />
62<br />
19/11/1986<br />
Dia após dia, os desafios sucedem-se. A experiência artística adensa-se:<br />
Gil Vicente – Pré-Cristóvão Colombiano.<br />
Heróis ain<strong>da</strong> não sabem que as coisas são relativas.<br />
“Nós acabamos, espetáculo”.<br />
“É fácil morrer – deixar morrer”.<br />
Espetáculo de fragmentos – estilhaços.<br />
Mais uma via de conhecimento.<br />
Trabalho rigoroso, disciplinado.<br />
Voluntariado é mais disciplinado, porque opção livre.<br />
Espetáculo de Liber<strong>da</strong>de e Rigor.<br />
Juntar uma e outra é a grandeza <strong>da</strong>s coisas.<br />
24 /11/1986<br />
“A arte e a técnica”<br />
Teatro – ciência inexata.<br />
Muitas definições, porque não há nenhuma.<br />
Teatro é testemunha do homem.<br />
Surgiu quando o homem se quis ver. Se quis questionar. De onde vinha? Quem<br />
era? Para onde vai?<br />
Eu precisava ouvir e ver.<br />
Aju<strong>da</strong> para imaginar, criar.<br />
Há momentos em que eu preciso de ouvir texto.<br />
Preciso ligações.<br />
É preciso pedras to<strong>da</strong>s aqui.<br />
26 /11/1986
Aí eu sou capaz de compor.<br />
Palavras são cheias.<br />
Não ter medo.<br />
Bolas… de sabão.<br />
“Parece que vocês hoje, estão feridos pela poesia”.<br />
Tudo deve lá estar: quer psicologia, quer poesia.<br />
Personagens relâmpagos.<br />
Justo em relação à imagem de uma reali<strong>da</strong>de<br />
Quase são pinturas fala<strong>da</strong>s.<br />
Prefiro a grandeza à geniali<strong>da</strong>de.<br />
O que se faz à custa de trabalho, como Robinson Crusoé.<br />
63<br />
15/12/1986<br />
19/12/1986<br />
Estando a ensaiar o texto de Calderón, soubemos a 22 de Dezembro, que o<br />
Teatro Ibérico, também iria pôr em cena A Vi<strong>da</strong> é Sonho. Listopad comentou que pela<br />
primeira vez em Lisboa, dois grupos de teatro apresentariam a mesma peça, num curto<br />
espaço de tempo. Acrescentou que, Meiningem havia assinalado que existem leituras e<br />
visões diferentes sobre o mesmo texto, podendo-se mesmo refundir o próprio texto, pois<br />
“Não há ninguém neutro. To<strong>da</strong> a gente quer alguma coisa”.<br />
Entramos no ano de 1987, que irá culminar com a apresentação no Palácio<br />
Centeno de Sentimento de um Ocidental, uma dramatização do poema homónimo de<br />
Cesário Verde. Estreia no TUT de Carlos Pessoa. Acrescente-se ain<strong>da</strong> a representação<br />
de excertos de A Vi<strong>da</strong> é Sonho, de Calderón de la Barca, por ocasião <strong>da</strong> toma<strong>da</strong> de posse<br />
do novo Reitor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa, e a estreia estival de Cristóvão<br />
Colombo, segundo a peça homónima de M. Ghelderode, nos Navios “Ponta Delga<strong>da</strong>” e<br />
“Gil Eanes”, acostados à época, no Cais de Alcântara.<br />
O pulsar deste período intenso e rico, é visível através <strong>da</strong>s anotações dos ensaios<br />
de Calderón e Ghelderode, onde se pode vislumbrar o evoluir do processo criativo<br />
teatral de Jorge Listopad. A 14 de Janeiro de 1987, segundo leio no meu Diário de<br />
Bordo, concluía:<br />
Orientação é essa. Linha geral está. Mas falta muito.<br />
Tudo são palavras.<br />
Nesta peça palavras são visíveis.<br />
Uma semana mais tarde, oferece-nos novos conceitos e ideias muito próprias:
Democracia artística é isso, dá-nos direito aos nossos erros.<br />
Existem também interzonas. Zona de ninguém. Zona preparatória – purgatório.<br />
Pela primeira vez Teatro na Torre de Belém. Peça bilingue.<br />
Ano Europeu do Barroco. Jorna<strong>da</strong>s Culturais.<br />
Neobarroco. Neoexpressionismo.<br />
Tudo extremamente rápido, com um dinamismo ca<strong>da</strong> vez maior.<br />
Arrasa tudo. Esvazia.<br />
Gestos elegantes, às vezes relembram gestos antigos.<br />
Ter poder é dominar. Tomar posse.<br />
Vertigem.<br />
Movimentos parcos. Poucos. Não ter medo do parado.<br />
Movimento pela voz e expressão corporal.<br />
Ver-se conflito. Ver palavra. É a palavras que se deve ver.<br />
Sentir relações com o outro. Relações físicas. São raios que passam.<br />
“Eu não proponho na<strong>da</strong>. Proponho reflexão.”<br />
“Você não vai dizer na<strong>da</strong> sobre ela. Vai ser ela. Viscosina.”<br />
Talvez cantora de Cabaré.<br />
Tem de seduzir diretor, para depois seduzir público.<br />
Terreno <strong>da</strong> imaginação, trabalhou em terreno do real.<br />
Imaginário constrói-se em terreno real.<br />
Surge a partir de improvisações. Cenas paralelas.<br />
Libertar o passado. Imaginar Curriculum. Inventar a sua vi<strong>da</strong>.<br />
“Lentidão é arrogante, agressiva”.<br />
“Viagem, por viajar, não chegar”.<br />
Quanto mais perdido, mais encontrado.<br />
Viagem dá meditação profun<strong>da</strong> do seu próprio movimento.<br />
Perdição, mas perdição feliz. Estranhamente.<br />
Camus, tem isso. Momento privilegiado em que toma consciência <strong>da</strong> sua alma.<br />
No momento de perdição, entre coisas. Único recurso é reflexão, que leva ao seu<br />
próprio centro. Através <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de, se chega.<br />
Gelderode – Camus, Sartre, Beckett.<br />
Colombo, não é personagem histórica, é moderna.<br />
Discurso estranho que é monólogo.<br />
Através do caminho, perdição feliz.<br />
“Colombo, perdição feliz”.<br />
64<br />
21/01/1987<br />
1º Ver o que é.<br />
2º Sobre o que é, aplicar um método.<br />
“Estou muito cansado. Sou público. Muito exigente. Quero que me distraiam.”<br />
Colombo. Inventa nesse momento, como se inventasse.<br />
Surpreendido com o que está a dizer.<br />
Através do que dizemos, <strong>da</strong>s palavras, descobrimos.<br />
A Palavra pensa, descobre. Independentemente do que pensa.<br />
Outsider. Homem que espera. Não precisa de fazer barba. Está só.<br />
A peça tem também um caracter de infantili<strong>da</strong>de.<br />
Não posso fazer o que quero, porque não sei o que quero.<br />
Até a história não significa na<strong>da</strong>.<br />
Calderón tem alguma coisa oriental, em to<strong>da</strong> a sua textura.<br />
Palavras aju<strong>da</strong>m a afirmar o que não está firme.<br />
Palavras procuram confirmar identi<strong>da</strong>de nova.<br />
Segismundo está apaixonado pela mulher. Tal como é.<br />
Ele não sabe o que fazer com o fluxo que despertou nele ao ver o feminino.
Teatro – Atualizar coisas.<br />
Ver através dos olhos de hoje.<br />
“O voo de Lindberg” de Brecht.<br />
“Oratória” – Cornucópia.<br />
Animais obedecem aos poetas.<br />
Voz de animal ferido. Gemidos.<br />
Palavras caem como mel. Discurso acaba.<br />
Épico – como se não fosse poema. Contado.<br />
Alucinação lúci<strong>da</strong>. Atingiu nova ética.<br />
Abolição <strong>da</strong>s fronteiras entre sonho e reali<strong>da</strong>de.<br />
Segismundo está a escapar do Factum, Fado.<br />
Está no intermédio. Purgatório.<br />
Aceleração onírica.<br />
“De King-Kong a King” de Calderón<br />
65<br />
30/01/1987<br />
02/02/1987<br />
16/02/1987<br />
23/01/1987<br />
Concentração. Imaginação.<br />
Memória emocional – Abandono pelos pais.<br />
Descoberta que podemos ter muitos pais.<br />
Fornecer memória de outra situação transferi<strong>da</strong>.<br />
(Stanislavsky falou pouco disso, ele falava mais de memória factológica).<br />
Fazer passar imagens emocionais.<br />
Desven<strong>da</strong>r – Fornecer – o próprio ator.<br />
Sonho sonhado trabalhado por nós.<br />
Matéria onírica. “A Vi<strong>da</strong> é Sonho”, trabalhado pelo sonho.<br />
To<strong>da</strong>s as situações <strong>da</strong> peça são concretas.<br />
No princípio – Discurso é discurso. Não psicológico. Pan – simpatia.<br />
Veludo. Sem oscilações. Patético.<br />
Triste é homem que tem consciência.<br />
Melancólico é estado de espírito?<br />
23/02/1987<br />
Jorge Listopad, que nos havia acostumado a vê-lo sempre com um lenço ao<br />
pescoço, neste dia usava um cachecol amarelo. Enquanto falava, escutava e observava,<br />
ia limpando o cachimbo. Depois acendia-o. Dir-se-ia fogueira alenta<strong>da</strong> pelo próprio<br />
sopro.
No início de Março, recomeçavam os preceitos “listopadianos”:<br />
No Teatro na<strong>da</strong> é certo.<br />
Teatro não tem leis. Teatro faz suas leis.<br />
Ca<strong>da</strong> espetáculo é um mundo. Que começa e acaba.<br />
Ca<strong>da</strong> espetáculo é diferente, tem sua lei.<br />
Não há receita. É bom não saber na<strong>da</strong>. É aprender através do fazer.<br />
Intervalo – Descansar do público. Direito ao público.<br />
Intervalo produtivo – Deve sempre ser.<br />
Vias reflexivas. Subconscientes.<br />
Objetivos – Campos – Linhas de força.<br />
Drama - relação conflituosa.<br />
Nesta peça, nunca ninguém está calmo com ninguém.<br />
Oposições de pensamento.<br />
66<br />
02/03/1987<br />
Todos sempre presentes. Preparar o público <strong>da</strong>s existências <strong>da</strong>s personagens.<br />
A revolta de Segismundo é a tristeza.<br />
Omnipresente. Parecer muitos, em todos os lados. Como serpente.<br />
An<strong>da</strong>ndo de quatro patas. Marcação de animal.<br />
Clotaldo fala, como se as palavras prolongassem o mundo.<br />
Todos são duplos.<br />
13/04/1987
Finalmente chegou o momento de apresentar ao público Cristóvão Colombo. O<br />
processo de trabalho: “Liber<strong>da</strong>de – Rigor – Criativi<strong>da</strong>de”.<br />
Sobre a peça, que se revelou um sucesso de público, pela quali<strong>da</strong>de e pelo<br />
insólito de ser representa<strong>da</strong> em dois navios, acostados lado a lado, e atracados na Doca<br />
de Alcântara (Lisboa), Jorge Listopad escreveu no programa:<br />
Cristóvão Colombo, nessa esqueci<strong>da</strong> e desde a estreia em 1929 mal ama<strong>da</strong> e<br />
to<strong>da</strong>via deslumbrante peça de Michel Ghelderode, é o homem que corre para a<br />
perdição do seu estatuto social até se poder reconhecer em essência indestrutível.<br />
Será o sonho? Nem isso fica. Acaba em forma de estátua, que diz o "fim" <strong>da</strong><br />
navegação terrestre e marítima, teatral e existencial.<br />
A Navegação, pois do lento suicídio ritual, <strong>da</strong> melancolia delirante, do humor e<br />
ironia delicados que nem a tragédia apaga, surge como símbolo em três quadros<br />
que são três tempos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />
Por mera coincidência - que aqui se saú<strong>da</strong> - o Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica, com<br />
os novíssimos alunos do Curso, celebra à sua maneira Cristóvão Colombo, nos<br />
próximos tempos um ídolo oficializado. Mas que viva também o outro, outsider,<br />
nosso alter-ego. 15<br />
Após as Férias de Verão, e no começo do novo ano letivo, entraram novos<br />
estu<strong>da</strong>ntes para o 1º Ano e reiniciaram-se os ensaios e o trabalho de pré-produção de A<br />
Vi<strong>da</strong> é Sonho. As improvisações possibilitavam a criação de tempos e situações<br />
diferentes. No início <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong>s cenas, o mais importante não era o texto, mas a<br />
situação. Vários colaboradores iam assistindo às sessões de pesquisa, como o Francisco<br />
d’Orey, a Olga Roriz, o Carlos Zíngaro, que acabou por criar a ambiência sonora do<br />
espetáculo, fazendo <strong>da</strong> antiga Capela do Palácio Centeno, um exigente Laboratório<br />
15 Programa Cristovão Colombo, 1987.<br />
67
Teatral. Tornou-se claro também, que Calderón fora o primeiro a compreender que o<br />
palco, a cena, é o mundo do Teatro. Mas porque “Teatro é todo o lado onde se faz”,<br />
começou a surgir a ideia de apresentar o espetáculo nos Jerónimos ou na Torre de<br />
Belém. Dizia Listopad em Novembro:<br />
“Ter medo é bom. Aju<strong>da</strong>”.<br />
68<br />
09/11/1987<br />
Jerónimos.<br />
Diálogo tem de ter relevo.<br />
Rio sem margens. Nesta fase não ter medo de exagerar.<br />
Revelar-se nos monólogos. Diálogos são convenções sociais.<br />
Manipular, manipulando.<br />
Todos têm vários rostros, várias máscaras.<br />
Dramático e trágico. Não lírico. É o barroco que engana.<br />
16/11/1987<br />
18/11/1987<br />
Torre de Belém – Matéria<br />
Jerónimos – Espírito<br />
As personagens têm ca<strong>da</strong> vez mais dimensão. Espessura.<br />
19/11/1987<br />
Vertigem <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Não sabemos se sonhamos, ou se é reali<strong>da</strong>de. Levantar a<br />
dúvi<strong>da</strong> no espectador. Tudo o que pode perturbar a quietude do público.<br />
Ambigui<strong>da</strong>de com a reali<strong>da</strong>de palpável. Quem sou eu, quem somos nós. Atmosfera<br />
de incerteza. Duvi<strong>da</strong>r <strong>da</strong> própria existência. Como personagem e como ator que faz<br />
a personagem. E assim coloca-se a Magia. Perturbação. É como <strong>da</strong>r ao público<br />
ópio. São os que não têm imaginação, que não são capazes de viajar por eles<br />
próprios, que se drogam. Irrupção do irracional. Ca<strong>da</strong> um tem matéria<br />
contraditória. Dilemas. Magia espiritual. Como se faz? Incorporando.<br />
Agentes <strong>da</strong>s coisas mágicas: Segismundo, Basílio, Clotaldo, Clarim.<br />
Agentes dinâmicos: os outros.<br />
Menina (Cortina Teatral) é tudo isso. Magia melancólica.<br />
Animal de palco. Natureza teatral. Teatro.<br />
Teatro é concreto. Acor<strong>da</strong>r à vi<strong>da</strong>.<br />
Abrir a caixa. Encontrar a vi<strong>da</strong>.<br />
Pirandelo faz isso, mas é leigo.<br />
Aqui é Metafísico. Tarkovsky.<br />
Nomes, pessoas, artistas, são evocados nesse Dezembro:<br />
27/11/1987<br />
Kierkegaard, Unamuno, Bíblia, Dostoievsky, Kafka, Existencialistas, Sartre…
“Se Deus não castigasse, o mundo era um caos.”<br />
69<br />
04/12/1987<br />
14/12/1987<br />
Interromper sempre que necessário. Para ganhar intensi<strong>da</strong>de. Dar estímulos.<br />
No Teatro há o teatral (epidérmico) e o conceptual (filosofia).<br />
Não há resposta, há reflexão.<br />
Tensão entre beleza e feal<strong>da</strong>de, entre consonância e dissonância.<br />
O porquê desta peça? Possibili<strong>da</strong>de de estu<strong>da</strong>ntes fazerem teatro profissional!<br />
Demonstrar isso. E que função acabou. Fez todo o itinerário. Acabou em beleza.<br />
Despedi<strong>da</strong> de um perCurso. Depois: estatuto diferente.<br />
17/12/1987<br />
“Estatuto diferente” significou para alguns dos elementos do TUT, sobretudo os<br />
mais experientes e que ao longo dos anos se tinham vindo a apaixonar mais pelo Teatro,<br />
e que se preparavam agora para o Calderón, a possibili<strong>da</strong>de de se vir a constituir uma<br />
Companhia de Teatro Profissional, que seria dirigi<strong>da</strong> pelo Listopad. O assunto era<br />
falado e refletido, pois alguns dos “Tutianos” começavam a receber convites para<br />
participar em espetáculos profissionais ou integrar Companhias de Teatro.<br />
O grupo entrou no ano de 1988, imbuído de um espírito Neobarroco. O ritmo, o<br />
pulsar vibrante dos ensaios e <strong>da</strong> produção, foram sendo marcados pelas tonali<strong>da</strong>des<br />
culturais e sociais do que se estava a viver na época. Estava-se no mundo, mas não se<br />
era só deste mundo. As asas barrocas empurravam para o chão e ensinavam a voar por<br />
dentro.<br />
De segui<strong>da</strong>, o Diário de Bordo fixou as palavras que construíram o caminho<br />
dramatúrgico, de improvisação, criação e de encenação e aju<strong>da</strong>ram a <strong>da</strong>r carne e alma às<br />
personagens <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> é Sonho e especialmente a Segismundo:<br />
As palavras não devem acompanhar a ação.<br />
Alienação? Iluminação?<br />
1ª Vez. Cósmico – Solaris (Reconhecer-se – como quando ela acor<strong>da</strong> e olha para a<br />
mão e pergunta: Quem sou eu?) – Mito de Sísifo.<br />
Água. Dentro de água, sonho.<br />
Nunca saber se é sonho ou reali<strong>da</strong>de. Êxtase. Parar e esperar ou nem esperar, ficar.<br />
2ª vez que acor<strong>da</strong> na Torre, é como quem desperta sobressaltado, com medo, e fica<br />
sem voz. Quer gritar e não pode. “No sueño, pues toco.”<br />
Segundo despertar, pensa que sonhou. Já não sabe – nunca – se é sonho ou<br />
reali<strong>da</strong>de.<br />
Início é como um sonho.<br />
Face tranquila e voz terrível. Face terrífica e voz doce.
Não é expressionismo. Não é deformação. Não é expressão exagera<strong>da</strong>. É<br />
espirituali<strong>da</strong>de orgânica. É magia espiritual.<br />
Ir e vir.<br />
“Viva la muerte” – Frase de Unamuno quando começou a guerra civil de Espanha.<br />
Forçar a ser chefe.<br />
Corpo místico. Como no rugby, formação espontânea. Ver<strong>da</strong>de mágica.<br />
Ver a matéria. O espírito está na matéria. Matéria – Mater – Mãe.<br />
Dia Solene – Autorização <strong>da</strong> Torre de Belém.<br />
Criar/predispor ambiente para o ensaio.<br />
Como vê a sua entra<strong>da</strong>? Pergunta Listopad.<br />
E fornece elementos. Dá imagens.<br />
Como vê isso?<br />
Ao fazermos cortes no texto, puxamos o que está lá.<br />
Trazemos o essencial ao de cima.<br />
70<br />
3/1/1988<br />
6/1/1988<br />
8/1/1988<br />
“É muito raro na vi<strong>da</strong> compreendermos que outro pode vir a ser<br />
personagem/personali<strong>da</strong>de muito importante”<br />
Segismundo entra na corte com filosofia e ideologia. Acredita que a Honra, a<br />
Bon<strong>da</strong>de e a Luz são valores melhores que os seus contrários. Por isso, não casa<br />
com Rosaura. Paixão é preteri<strong>da</strong> pela Honra.<br />
A importância <strong>da</strong> concentração. Passagem para outra reali<strong>da</strong>de.<br />
Despir a pele. Banho. Casulo.<br />
“Tudo acaba bem, a vi<strong>da</strong> é eterna”<br />
“Dança; não filosofa”<br />
“Marcação é interpretação”<br />
Marcação está nas palavras. Ou não. Mas assume-se.<br />
11/01/1988<br />
13/1/1988<br />
Há 2500 anos - “Ser visto”. Definição de Teatro.<br />
Música em Teatro também se vê.<br />
Mimetismo – palavra grega – imitação <strong>da</strong> natureza. Não é imitação pura, mas<br />
apanhar linha geral. Apanhar elementos de mimetismo e transformá-los. Matériaprima<br />
a ser transforma<strong>da</strong>.<br />
15/01/1988<br />
An<strong>da</strong>r – ser observado.<br />
Falar – ser ouvido.<br />
Voz Fonogénica.
Diálogo – palavra grega.<br />
Dia através <strong>da</strong> palavra. Conversação. O que se passa através do dia.<br />
Um com outros e outros com um.<br />
Diálogo não através <strong>da</strong> palavra. Gestos. Sinais.<br />
Fazer um Curso de Teatro, significa ter um projeto.<br />
Teatro tem o seu tempo, diferente do real. Tem as suas próprias regras do jogo.<br />
Não se ensina na<strong>da</strong>! Aprende-se.<br />
Pe<strong>da</strong>gogia.<br />
Ensinar Expressão Dramática nas Escolas Preparatórias e Secundárias.<br />
Faz muita falta!<br />
Alguns que frequentam este Curso, podiam fazê-lo.<br />
Há problemas. Mas ultrapassáveis.<br />
Sensibilização dos sentidos. Colocação de voz. Respiração.<br />
Utilizamos mal as palavras.<br />
Sensibilizar novas forças. Economizar outras.<br />
Energias.<br />
História <strong>da</strong>s Ideias.<br />
Não se pode aprender Teatro, sem saber o que é.<br />
Teatro é arte estranha, que sobrevive. Uma <strong>da</strong>s mais antigas artes.<br />
Mimicry – como um animal que imita a morte.<br />
Através do diálogo, existe sempre conflito.<br />
Teatro – jogo dos conflitos.<br />
“Música para si” com Isabel de Castro na Cornucópia.<br />
Tempo real.<br />
Ser visto pelos outros, é a melhor definição de Teatro.<br />
Quem sou eu? Actor. Como se reconhece? Estou a falar e estou no meio.<br />
E sou visto por todos.<br />
Fazer ensaio de uma cena.<br />
Ver o que é Teatro. Já!<br />
Atingir estado onde as coisas já não têm nome.<br />
Inferno – ausência de saí<strong>da</strong>, graça, salvação; impossibili<strong>da</strong>de de comunicação.<br />
Novas formas de intensi<strong>da</strong>de. Cruel<strong>da</strong>de terrível que se acredita e que se pega ao<br />
espectador. Teatro autêntico – exploração de si próprio – (Artaud) trabalhar a<br />
subjetivi<strong>da</strong>de, excesso, histeria, sem limites, super-subjetivi<strong>da</strong>de.<br />
Laboratório. Procurar novos sentimentos, novas formas. Mas trabalhar sobre elas.<br />
Não somos o que fazemos, mas mostramos o que poderíamos ser.<br />
Pe<strong>da</strong>gogia. Ética<br />
Teatro é, ou mostra.<br />
Tadeus Kantor – vem <strong>da</strong> linha Artaudiana.<br />
Artaud, imaginou inferno. Kantor, viu inferno.<br />
Podem-se seguir várias vias de trabalho.<br />
“Há coisas que estão no ar”<br />
“Temos material muito quente entre mãos”<br />
Durante improviso, perdem-se superestruturas; portugueses, homem, mulher,<br />
branco…<br />
“É privilégio viver na viragem do milénio”<br />
Reflexão – “Quem somos, para onde vamos”<br />
Soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de secreta. Corpo místico – corpo físico, que se transcende.<br />
No improviso existiu soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de.<br />
71<br />
16/1/1988
“Fé é muito mais certa, que qualquer certeza” Kierkegaard.<br />
Esta peça é sobre o crescimento. Crescimento é Fé.<br />
Romper fronteiras, entre Sim e Não.<br />
Romper fronteiras, entre existência e não existência.<br />
Romper fronteiras entre sonho e reali<strong>da</strong>de.<br />
72<br />
18/1/1988<br />
Vozes têm de ter cores.<br />
O texto é poético por si, não precisa de lirismo.<br />
Metamorfose continua. Feérico.<br />
Grande tensão na peça.<br />
Entra<strong>da</strong>s são de vi<strong>da</strong> e de morte.<br />
Explorar os limites <strong>da</strong> representação.<br />
Teatro – ser visto.<br />
Por quem? Por outros. Para todos? Para alguém? Pelo próprio?<br />
Ser visto! O quê? Como? Porquê? Para quê?<br />
20/1/1988<br />
Teatro é barco.<br />
Os mesmos nomes. As mesmas cor<strong>da</strong>s.<br />
Neste momento vocês são um grupo. É obrigatório sentir a presença dos outros.<br />
Falar por medo do silêncio.<br />
Acerca <strong>da</strong> distância. Estar perto é fazer parte de nós.<br />
Estar distante é observarmo-nos.<br />
Transmitir o fluido <strong>da</strong> peça.<br />
Dizer coisas belas, mágicas.<br />
Descobrir o que nunca ninguém antes descobriu.<br />
23/1/1988<br />
Não há uma maneira, mas várias.<br />
O que é poesia? Silêncio, densi<strong>da</strong>de, cor <strong>da</strong>s palavras.<br />
Palavras não têm significado que está lá, mas aquele que é <strong>da</strong>do por quem lê.<br />
O nosso corpo acompanha o nosso pensamento. O corpo fala.<br />
Actor tem de ser muito bom observador <strong>da</strong>s reali<strong>da</strong>des que o cercam.<br />
Exercitar a memória. Várias memórias, que trabalha, que traduz, do passado, do<br />
presente, do futuro – como num sonho, utopias.<br />
Actor trabalha através de imagens. Imagens, imaginário, imaginação.<br />
Actor – colecionador de imagens. Também, imaginador do futuro.<br />
Há outras artes, importantes no teatro.<br />
Teatro é uma arte estranha.<br />
Hegel dizia que as artes se dividem em cinco grupos. Esqueceu-se do Teatro.<br />
Pensava que teatro é poesia.<br />
Há ciências que convergem no teatro. Psicologia, Sociologia, História, Filosofia,<br />
Antropologia.<br />
Habituar a ler. Leitura branca, sem emoções.<br />
Ter coragem de ter medo. Não ter medo. Não ter medo de ler. Ler um livro.<br />
25/1/1988
É bom ter surpresas, durante o espetáculo. Sinais que ninguém sabe o que é.<br />
É bom. Intrigante.<br />
73<br />
27/1/1988<br />
Misturar teoria e prática.<br />
Teatro cura contra a inibição. Teatro pode salvar. Teatro é terapêutico para muita<br />
gente. Teatro fascina sobretudo pessoas que sentem que são incompletas. Tomam<br />
consciência. E por isso tentam se superar.<br />
Conspiração – inspirar juntamente, duas pessoas que têm o mesmo ritmo de<br />
inspiração.<br />
Dramaturgista – saber o que quer dizer.<br />
Através <strong>da</strong> leitura, ouve-se com atenção o texto. Informar. Sentimento que o texto<br />
inspira. Ver as palavras. Simpatizar com palavras. Saber ver. Saber ouvir.<br />
28/01/1988<br />
Qual a imagem mais antiga de que nos lembramos?<br />
O cheiro? O tacto? O pala<strong>da</strong>r? O som? A sensação? A situação?<br />
Quando sentimos pela primeira vez o frio? O calor? A chuva? A praia? A mãe?<br />
O pai? A amizade? O Natal? A solidão? A música? A alegria? O beijo? A morte?<br />
O nascimento? A mu<strong>da</strong>nça? O sonho? A vi<strong>da</strong>?<br />
Carlos Fragateiro. TELA. ESE de Leiria.<br />
Dois a dois.<br />
Um tem que convencer o outro, porque é que o seu jardim é mais bonito.<br />
A Companhia “La Barraca” representou “La vi<strong>da</strong> és sueño” de Calderón de la<br />
Barca, em 1932. Lorca interpretou “La sombra”.<br />
Murillo Mendes, poeta.<br />
“Este mundo é um sistema de coisas invisíveis, manifesta<strong>da</strong>s visivelmente”<br />
São Paulo.<br />
“O Espelho Imaginário” de Eduardo Lourenço. Pintura, anti pintura, não pintura.<br />
Nunca repisamos as cenas muito. Passamos pra frente. Depois voltamos.<br />
Primeiro dia na Torre de Belém.<br />
Surpreender-me com o espaço.<br />
Exercício de dessincronização entre Movimentos e Ações:<br />
Correr e cantar em ritmos diferentes<br />
Correr rápido e cantar lento ou correr lento e cantar rápido<br />
Jogar basquetebol e cantar a Ave- Maria<br />
An<strong>da</strong>r de bicicleta e fazer uma declaração de amor<br />
Limpar o pó ou ouvidos e falar com o médico <strong>da</strong> caixa<br />
Ações simultâneas contraditórias.<br />
29/1/1988<br />
1/2/1988<br />
2/2/1988
Exercício com uma bola. Bola é reconhecimento do próprio corpo. Coexistem duas<br />
atitudes, reconhecer o objeto e reconhecer o corpo. O que se faz com ela, revelanos.<br />
Fala de nós de maneira radical. Descobre-nos. Jogo consigo próprio. Tomar<br />
posse <strong>da</strong> bola, ou deixar que ela nos tome posse. Importância é que temos corpo.<br />
Corpo tem muitas coisas, muitas relações, muitas forças. Bolas não são apenas<br />
bolas. Podem ser muitas coisas. Imaginação. Transformar objetos normais em<br />
especiais. Privilegiados no momento certo. Dar outra natureza às coisas.<br />
Transformam, representam, sinais.<br />
Encontro com objeto desconhecido.<br />
Gritar. Jogo com o outro. Grito como estafeta. Comuni<strong>da</strong>de do grito. Sério, como<br />
se o grito se pudesse partir. Dádiva de um a outro; precioso. Não despachar. Ritual.<br />
Comunhão. Coletivo.<br />
Vamos ler:<br />
Ler como se fosse o sujeito do objeto<br />
Ele é o que está a ler.<br />
“Não tenho medo de grandes sentimentos, mas tenho medo de grandes palavras”.<br />
74<br />
4/2/1988<br />
Partilha. Rituais ocidentais, orientais. Mesma coisa partilha<strong>da</strong> por todos.<br />
Comunhão cria comuni<strong>da</strong>de. Teatro é feito por uma comuni<strong>da</strong>de, que enfrenta<br />
indivíduos que não têm na<strong>da</strong> em comum, que cria por um momento um sentimento<br />
– um espírito – que é por todos partilhado. Por isso o teatro foi controlado, foi mais<br />
vigiado – em certos momentos – porque tinha mais força de fazer convergir forças<br />
latentes. No cinema isso não acontece, porque são imagens mecânicas.<br />
Representam reali<strong>da</strong>de de 2º grau, não imediata. No Teatro coexistem vivos com<br />
vivos. Convivem em comum. Mesma atmosfera, mesma conjuntura. Convergência<br />
estranha. Duas reali<strong>da</strong>des iguais de quali<strong>da</strong>de humana. Num momento excecional<br />
pode-se criar comuni<strong>da</strong>de entre palco e plateia, e na plateia pode surgir uma força<br />
comum. No teatro há um elemento subversivo.<br />
Lançar cor<strong>da</strong>. Caminhar sobre ela. Ca<strong>da</strong> um faz seu caminho.<br />
Ca<strong>da</strong> um deve tomar a sua responsabili<strong>da</strong>de do que quer fazer.<br />
Poema – rio submerso a todo o espetáculo. Única voz.<br />
Fio vermelho que passa.<br />
Odisseia foi canta<strong>da</strong>, não recita<strong>da</strong>.<br />
“As ações, vamos tirá-las fora do poema”<br />
11/2/1988<br />
13/2/1988<br />
Evidente – vidente – visível.<br />
“Tudo se deve pagar”.<br />
Criar curto-circuitos entre mim e mundo. Pôr em contacto com coisas exteriores.<br />
Curiosi<strong>da</strong>de produtiva.<br />
Teatro não é imitação, são traços reais.<br />
Partilhar sensações, não ter medo.<br />
18/2/1988
“Aprende e analisa to<strong>da</strong>s as palavras. Depois esquece-as. Elas ficaram lá dentro”.<br />
“Já não há marcação. Está esgota<strong>da</strong> pela convenção”.<br />
Nalguns poemas existem: Forças irracionais. Ocultas. Despertar ecos profundos.<br />
Slogans metafísicos. Monumentali<strong>da</strong>de. Porta-vozes. Palavras escritas em pedra.<br />
Ca<strong>da</strong> palavra está cheia de experiências míticas. Arritmias. Gritos. Dramatismo.<br />
Trágico. Privilégio de retirar o véu. Descobrir o hieróglifo.<br />
“Todos os grandes textos de teatro têm buracos”.<br />
Lugar para ações, criação de ações.<br />
“É preciso ver a respiração <strong>da</strong> peça”.<br />
75<br />
19/2/1988<br />
24/2/1988<br />
Linguagem através do toque <strong>da</strong> mão. Falar contactando com as mãos. Criar<br />
relação.<br />
Treinar observação. Imaginar o outro.<br />
25/2/1988<br />
Fazer improvisações sobre o que são as personagens. Qual o seu passado.<br />
“Nunca se perde duas vezes, a mesma coisa”<br />
Às vezes, o corpo faz uma coisa e a fala diz outra.<br />
Dois discursos. O corpo trai, a voz.<br />
O que se lembra?<br />
Como se lembra?<br />
Qual a consequência do que se lembra?<br />
Não imitação, mas superação do real. Linhas gerais do gesto.<br />
De uma incapaci<strong>da</strong>de, surge uma capaci<strong>da</strong>de outra.<br />
Êxtase – Confissões do corpo onírico (real estranho).<br />
29/2/1988<br />
3/3/1988<br />
Memória genética. Memória imagina<strong>da</strong>. Memória que ain<strong>da</strong> não existe.<br />
10/3/1988<br />
“Serviço de amor.”<br />
Por causa de árvore, não ver floresta. Fazer de fraquezas, forças.<br />
É fácil não fazer na<strong>da</strong>. “É beleza criar coisas”.<br />
Do texto faz-se espetáculo.<br />
É muito fácil ser popular e perder tempo. Mas nós não podemos perder tempo.<br />
Arte e Cultura são doenças. Mas são doenças santas. Artista não é normal.<br />
“Não ter medo de ter medo”.<br />
Este espetáculo não existe.<br />
Criar, encenar é pe<strong>da</strong>gógico.<br />
Uma vez explicados, somos todos inocentes. Somos inocentes, sempre.
Ser imortal por um momento. Por isso fazemos.<br />
Quando criamos, somos deuses.<br />
76<br />
14/3/1988<br />
“O que é a Vi<strong>da</strong>?”<br />
Não são perguntas retóricas de um discurso. São perguntas efetivas. Que anseiam<br />
por resposta. Extrema solidão. Gravita. Fluidez. Mercúrio. Deus não existe? Onde<br />
estou? Alguém? Só?<br />
Ouve e aprende.<br />
“Céus, se é ver<strong>da</strong>de que sonho…”<br />
É oração! As palavras atravessaram-me…<br />
21/3/1988<br />
Imaginar é lembrar imagem, de forma espontânea/instintiva ou tomar consciência.<br />
Proporcionar espaço de disponibili<strong>da</strong>de exterior e interior. Libertar o que vai<br />
dentro. Descobrir. Deixar fluir.<br />
Imaginar uma situação que não viveram.<br />
Memória do futurível, do absurdo, <strong>da</strong> imaginação, do irreal.<br />
Pós-Stanislavsky<br />
Imaginação. Imaginação que sai dele, mas não é ele. Chegar a essa imaginação de<br />
uma maneira atraente, através do contacto sensorial. Pelos sentidos essa reali<strong>da</strong>de<br />
se pode tornar real.<br />
Visualização. Visão. Primeiro elemento que joga o ator. Improvisações de<br />
visualização. Sem análise do texto. Princípio de visualização. Vamos imaginar que<br />
não há teto. Imaginamos um céu e tentamos vê-lo de uma maneira mais detalha<strong>da</strong><br />
possível. Capaci<strong>da</strong>de de visualizar. Entrar na ficção.<br />
24/3/1988<br />
“Barroco em reflexão”<br />
Homem que fala ao homem. Não é solidão, é melancolia. Não é tragédia.<br />
Transparência opaca.<br />
“Coisas que sabem, mas não sabem que sabem”<br />
“Sentir – é saber de maneira diferente”<br />
“Teatro finge uma reali<strong>da</strong>de múltipla”.<br />
Tudo o que está escrito, tem mais valor, aparentemente.<br />
Peso <strong>da</strong> palavra escrita. Talvez temor, terror, tremor.<br />
Solidário é aquilo que é sólido.<br />
Teatro – espelho, reflexo, projeção para além dos espelhos<br />
(atravessá-los, ir para além deles).<br />
9/3/1988<br />
7/4/1988
O espetáculo Segismundo …estreou em Abril de 1988, na Torre de Belém.<br />
Simultaneamente decorria um Ciclo de Reflexão sobre o Barroco pois, nesse ano,<br />
celebrava-se o Ano Europeu do Barroco.<br />
Listopad escreveu no programa:<br />
PORQUÊ?<br />
"Há aqui três coisas ... "<br />
Basílio, rei <strong>da</strong> Polónia em A Vi<strong>da</strong> é Sonho<br />
Primeira:<br />
Teatro. Porquê ain<strong>da</strong> fazer Teatro? Calderón. Porquê ain<strong>da</strong> fazer Calderón? Texto<br />
no programa. Porquê escrever porquê ain<strong>da</strong> fazer teatro e porquê ain<strong>da</strong> fazer<br />
Calderón?<br />
Porquê porquê?<br />
A primeira resposta, global e última: o teatro, sombra <strong>da</strong>s sombras, Calderón,<br />
Mestre iniciático do sonho do sonho, e essa escrita de aprendiz de vigília, mas tal<br />
como a arte em geral, tal como deus em particular, ocidental, oriental, tal como a<br />
77
ausência dele, e tal como as línguas do mundo babilónico (ó torre), tal como to<strong>da</strong>s<br />
as doenças santifica<strong>da</strong>s, tal como as dissonâncias <strong>da</strong> alma, tal como o absoluto, tal<br />
como a ver<strong>da</strong>de, tal como o destino (máscara), tal como a Morte, são as nossas<br />
ficções. Vivemos enquanto perduram.<br />
As ficções são provas de inexistência? Únicas provas irredutíveis que temos.<br />
"Notável confusão", diz uma personagem no 1.° acto. Ficção.<br />
Outra:<br />
Barroco. Harmonia em antiharmonia. Assimetria consistente. Os "eus únicos"<br />
dissolvidos ou superados em grau superior. Dinamismo de formas de novo<br />
convencimento. Propensão para a teatrali<strong>da</strong>de. Outras regras, outras medi<strong>da</strong>s,<br />
sempre outras. Pérolas imperfeitas. Irregulari<strong>da</strong>de excessiva. O dialecto selvagem<br />
do subtil. O sentimento contrastado <strong>da</strong> existência. Paixão e fantasia quiçá<br />
orientalista. Elan.<br />
Barroco porque sem ele não haverá neobarroco porque sem ele não haverá pósbarroco.<br />
Arte autónoma, enfim liberta as formas. Até à anarquia. Até à revolução.<br />
Até à permanência de movimento. Barrocchus posteabellicus, barrocchus<br />
posteabarrocchus.<br />
Segismundo fala numa língua (barroco espanhol, por sinal de Calderón), quando<br />
bárbaro, l'enfant sauvage, e noutra (por sinal português palaciano) quando<br />
aculturado. De King-Kong a King. A ficção <strong>da</strong> linguística, a linguística <strong>da</strong> ficção,<br />
no coração de uma estrutura dramática.<br />
Última:<br />
Torre de Belém? Porque é de pedra nobre. Porque é a torre de Segismundo.<br />
Porque, historicamente, foi prisão política e Segismundo é prisioneiro político.<br />
Porque o barroco não se exprime e legitima só em estilo barroco. Porque é a oníria<br />
à beira <strong>da</strong>s Tágides. Porque os pedreiros <strong>da</strong> Torre eram checos sem nome dos quais<br />
ficaram as assinaturas simbólicas apostas nas pedras. Depois eu que também<br />
cheguei de lá, para perder o nome como o perdi várias vezes.<br />
Jorge Listopad, em Abril de 1988<br />
P.S.: Vivemos, os do Grupo TUT, com este texto-espectáculo dois anos. Amanhã<br />
recomeçaremos o doce abismo. Sob outros nomes… 16<br />
Segismundo na Torre de Belém teve lotações esgota<strong>da</strong>s e foi bem acolhido pelos<br />
meios de comunicação social e pela crítica, como se pode comprovar por um volumoso<br />
arquivo de recortes de imprensa, do qual se escolhe como exemplo a crítica do Expresso<br />
de Eugénia Vasques:<br />
16 Programa Segismundo na Torre de Belém.<br />
78
Durante os meses em que decorreram os ensaios e a carreira do espectáculo,<br />
continuavam, em dias alternados, as sessões de trabalho com os mais novos. O trabalho<br />
incidia num conto, vencedor de um prémio no DN Jovem intitulado “As casas não<br />
acontecem: habitam-se” de Isabel Leonor Neto Salvado:<br />
Um filósofo alemão disse que “a palavra é a nossa casa”.<br />
Arrancar os nossos segredos. Tudo passa. Fica a memória.<br />
Nós somos a nossa casa. Habitamo-la.<br />
A casa é o nosso universo. Ca<strong>da</strong> casa tem seu cheiro.<br />
“O espelho faz-me companhia”<br />
“Nós temos várias pátrias; uma delas é casa”.<br />
Tudo é possível fazer. Só é preciso perseverança e sensibili<strong>da</strong>de. Não ter medo.<br />
Arte, é saí<strong>da</strong> para muitas incertezas e inquietações. É próprio do homem fazer<br />
coisas. To<strong>da</strong> a gente pode fazer muitas coisas.<br />
79<br />
14/4/1988<br />
“Vamos tentar eliminar as nossas próprias inibições”<br />
Nós inventamos memória.<br />
Os nossos gestos e o nosso corpo, conceptualmente, aju<strong>da</strong>m-nos a lembrar coisas.<br />
Os gestos aju<strong>da</strong>m a lembrar, a contar.<br />
Tomar consciência do que somos, donde vimos, o que nos rodeia. Para onde<br />
vamos. Criar. Memória. Imagens.<br />
Quem se lembra de ter visto o mar, ou rio, ou água, pela primeira vez?<br />
Teatro é cósmico.<br />
Mostra mundos e cria mundos.<br />
Tragédia grega ajudou a criar cultura e nação.<br />
Memória é consequência do ontem.<br />
21/4/1988
“Qualquer espaço pode ser casa” quando trabalhamos com a imaginação.<br />
Captamos materiais. Imagens nossas. Tateamos terreno. Desnu<strong>da</strong>mo-nos.<br />
80<br />
5/5/1988<br />
“Palavras não nasceram sozinhas. Nasceram <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de.”<br />
Como ficamos admirados, por imaginar, e ver outros imaginar.<br />
Não forçar ninguém a improvisar.<br />
To<strong>da</strong>s as ações aguar<strong>da</strong>m (apenas?) um estímulo. Basta desencadeá-lo e as coisas<br />
acontecem.<br />
É bom que o Teatro universitário faça textos, que o teatro profissional não ousa<br />
fazer.<br />
Letras – são cofre <strong>da</strong> memória.<br />
Teatro está ligado ao surgimento <strong>da</strong>s culturas.<br />
9/5/1988<br />
Entropia na obra de arte. Apesar dela, continuar a mensagem.<br />
Criar ausências cheias. Em certos contextos, pessoas imaginam existências.<br />
Não ter medo do escuro.<br />
Apenas com som, cria-se um mundo. Com palavras.<br />
16/5/1988<br />
Tempo não é unidimensional.<br />
Tempo – Ficção<br />
Ritmo – Pulsação. Vibração. Métrica do gesto, do estar <strong>da</strong> existência. Da nossa<br />
reali<strong>da</strong>de. Ritmo é o que nos faz agir.<br />
Actor utiliza o ritmo (seu) para entrar no tempo (ficção).<br />
Suspensão – fora do tempo. Pausa.<br />
Instinto. Inspiração. Intuição. Direção.<br />
Actor entra no tempo dos outros.<br />
Há ritmos que correspondem a bases. Qual é o ritmo básico do gato?<br />
Coisas excecionais que reconhecem coisas essenciais. Entre a vi<strong>da</strong> e a morte.<br />
Ritmo binário. Pêndulo – ritmo <strong>da</strong> casa – coração <strong>da</strong> casa – prolongamento <strong>da</strong><br />
eterni<strong>da</strong>de.<br />
Digital – não corresponde a tempo cósmico – não há passado, nem futuro. Só<br />
presente. Finitude <strong>da</strong>s coisas.<br />
Um poema é feito pelos ritmos.<br />
O que é autêntico é belo. Ain<strong>da</strong> não é necessariamente obra de arte, mas é matériaprima.<br />
Obra de arte feita de matéria-prima em bruto e, burila<strong>da</strong>. Autentici<strong>da</strong>de.<br />
23/5/1988<br />
Necessi<strong>da</strong>de de expressão artística é necessário conhecer técnica, é necessário<br />
conhecer matéria-prima.<br />
Refletir sobre a palavra. Ca<strong>da</strong> palavra é a nossa experiência ou não.<br />
Tangi<strong>da</strong>s pelo conhecimento delas.<br />
Palavra não é só significado (semântica), tem também um som, ritmo, harmonia.<br />
Palavra é também som. Psicologia <strong>da</strong>s palavras.<br />
Imaginação auditiva. Inventar língua que não existe. Sons em si.
Sem relação psicológica ou orgânica.<br />
Descoberta que palavra não é na<strong>da</strong>. É símbolo. Pode perder o seu significado.<br />
“Eu quero que não façam o que quero”.<br />
Não ter medo de criar desordem na ordem.<br />
Falar com a mãe em língua estrangeira, que não existe.<br />
Fazer coisas para ninguém; para si.<br />
81<br />
30/5/1988<br />
6/6/1988<br />
Refazer o que se tem feito. Mas sem alma. Como um mecanismo.<br />
Indicações globais. Indicações individuais – personalizar; objetivar.<br />
Não ter na<strong>da</strong> a dizer. Dizer na<strong>da</strong>.<br />
Quem seduz, deve estar seduzido.<br />
Teatro – redescoberta de relações “primeiras”.<br />
Deixar-se surpreender a si próprio.<br />
Este espetáculo deve ser bonito mas desagradável. Tudo é habitável.<br />
As improvisações geravam situações poeticamente teatrais, que eram<br />
aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>s e muitas vezes continua<strong>da</strong>s nas sessões seguintes, como aconteceu no dia<br />
20 de Junho, onde vários jovens como, o realizador Pedro Sena Nunes, na altura<br />
estu<strong>da</strong>nte no IST, inventaram novas identi<strong>da</strong>des e geografias “Gostava de me chamar<br />
lâmpa<strong>da</strong> e ter uma casa nos rochedos”:<br />
Não interessa público. São livres. Mas escutem os outros.<br />
Na próxima aula, ca<strong>da</strong> um dizer o seu nome, como gostaria que fosse dito.<br />
“Tem muito talento e muito tarápido”.<br />
23/06/1988<br />
Ca<strong>da</strong> um escolhe um objeto, e faz som com ele. Individual e em conjunto.<br />
Revitalizar os sons. Dialogar com a voz, com eles (objetos).<br />
É função do Teatro, limpar palavras, respeitar, saber dizê-las, saber escrevê-las,<br />
talvez amá-las.<br />
Sons.<br />
Discoteca - é contra palavra.<br />
Publici<strong>da</strong>de – sobe o som.<br />
Poluição do som. Poluição <strong>da</strong> palavra.<br />
Quando não existe uma moral do som, as crianças são mais barulhentas.<br />
Não há respeito.<br />
Teatro – renascer o respeito para com as energias, o significado <strong>da</strong>s coisas.<br />
Ca<strong>da</strong> um assume o seu carácter na primeira parte.<br />
Solidão do solitário.<br />
Melancólico e Sau<strong>da</strong>de (Álbum de fotografias)<br />
Serena e contemplativa.
Porque sempre esta nostalgia do passado, do paraíso perdido.<br />
Solidão do solitário.<br />
Casulo. Fechar sobre si próprio.<br />
Janela – o único que quer abrir, carácter exterior.<br />
Dormir nas árvores, ter cama como os pássaros.<br />
Transitar do passado para o presente.<br />
Saltar à cor<strong>da</strong>. Saltar lúdico <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>.<br />
Cantar – expressão vital.<br />
Não encontrar definição. É linha de força, rotura.<br />
Volúvel – não é rotura.<br />
Anarquia é rotura. Revolta. Perturbante.<br />
Fazer sentir que é preciso sentir.<br />
Descontrair, saltando, sonorizando.<br />
Respiração tibetana, soprar a vela, Pssss, Schhhh, Vaio, Veio… Meni, Mena…<br />
Inventar, criar, tendo como base as consoantes e vogais. Articulando.<br />
Em vez de SPA o nome, com impulso do diafragma.<br />
Lábios. Mastigar ar. Sonori<strong>da</strong>des com caixas-de-ressonância. Inventando melodias.<br />
Muitas vezes não importam as palavras, mas a intenção<br />
Fazer de uma reali<strong>da</strong>de, uma outra reali<strong>da</strong>de.<br />
Desnaturalizar.<br />
Círculo espiritual<br />
Analisar a reali<strong>da</strong>de, através do absurdo.<br />
Ameixas.<br />
Ca<strong>da</strong> gesto é único. Ca<strong>da</strong> beijo é o primeiro. Só me lembro do sabor do beijo,<br />
quando beijo.<br />
82<br />
27/06/1988<br />
Sacralização do banal. Espessura religiosa. Religião de ca<strong>da</strong> um de nós.<br />
Ossatura do ritmo. Concentração. Intensi<strong>da</strong>de.<br />
Aquecer, para ca<strong>da</strong> um deixar de estar consigo; e partilhar um espaço comum.<br />
Criação artística é criar o azar, o acaso.<br />
Interior (Dentro) – Íntimo. Contemplativo. Religioso. Espessura.<br />
Rasgar.<br />
Exterior (Jardim <strong>da</strong>s Delícias) – Prazer. Fruta.<br />
Rua é nossa (dominar).<br />
Assalto à casa.<br />
- Mãe, eu sei que estás aqui!<br />
- É difícil fazer este papel!<br />
- Vou fazer buracos no chão do meu quarto e plantar flores!<br />
- Chamo-me Pedro, mas gostava de me chamar lâmpa<strong>da</strong>!<br />
07/07/1988<br />
Começa um labirinto.<br />
Chamo-me Francisco, vivo numa Tuba, mas preferia habitar num Piano.<br />
Conhecido por Pedro, gostava de me chamar lâmpa<strong>da</strong> e continuar a viver numa<br />
casa luminosa e quente.<br />
Os telhados são os remendos do céu. Chamo-me Lúcia, mas já me chamaram Inês.<br />
Eu não me chamo Prometeu, nem vivo numa rocha.<br />
Quem quer vir ser o meu jardim, é quase encantado, não é fechado por fora, mas<br />
por dentro.<br />
Actor tem em primeiro lugar de domesticar o espaço. Tomar posse do espaço.<br />
An<strong>da</strong>r no espaço revela a nossa psicologia.
Criar espaço – Aberto<br />
Habitar espaço – Fechado (querendo sair ou não).<br />
An<strong>da</strong>r fazendo um desenho no chão.<br />
An<strong>da</strong>r fazendo desenho, mas cego.<br />
(Acentuar tendências)<br />
Ele deslumbrado. Ela sabe onde vai.<br />
Caliban – Canibal<br />
Um ator é uma tartaruga. Para esticar a cabeça, tem de sentir segurança.<br />
Imprevisto não existe. Coisas dependem de ca<strong>da</strong> um.<br />
Estimular agressivi<strong>da</strong>de.<br />
Ter de se fazer coisas de que se não gosta.<br />
Concentrar em alguém e acontecer qualquer coisa. Bruxaria.<br />
Reescrever os clássicos.<br />
Metáfora. Abstração. Símbolo. Outra coisa, mas que exprime a reali<strong>da</strong>de de outra<br />
forma.<br />
Imitar a reali<strong>da</strong>de (Mimesis) e depois tomar-lhe a essência.<br />
“Hoje está aqui um espírito (na Reitoria) ”.<br />
Criar pequenas situações realistas/quotidianas (de memória).<br />
Criar personagens e depois abstração delas.<br />
Corrente e Lua Negra. Óculos. Barba. Sinal na cara. Lenço.<br />
Conhecer – Connaitre – nascer com qualquer coisa.<br />
Picasso a pintar, não fazia, ia fazendo, eram as formas que o levavam a outras.<br />
Ca<strong>da</strong> situação, tem uma linha de força.<br />
Cansar de uma maneira é descansar de outra.<br />
Não é só ele que faz, nós fazemos com ele.<br />
Manipulação de objetos. Um objeto pode ser qualquer coisa<br />
83<br />
11/07/1988<br />
E no mês de Julho, estreamos no Palácio Centeno, As casas não acontecem:<br />
habitam-se! No texto do programa, não assinado, lê-se que:<br />
“As casas não acontecem: habitam-se” – é um exercício – espectáculo que<br />
constitui a primeira abor<strong>da</strong>gem teatral dos alunos do 1º ano do Curso do T.U.T.<br />
(Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa), segundo o texto com o mesmo título.<br />
Trata-se de uma iniciação dirigi<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong>s sugestões de ca<strong>da</strong> aluno enquanto<br />
parte activa de um todo. Procurou-se, por conseguinte criar não só uma “casa” mas<br />
a linguagem que permite que seja “habita<strong>da</strong>”, num diálogo promotor de pe<strong>da</strong>gogia.<br />
Este brincar subtil alicerça-se num treino regular <strong>da</strong> voz, do corpo e acima de<br />
tudo <strong>da</strong> consciência criativa, indicando esse exercício de liber<strong>da</strong>de que é o teatro.<br />
A descoberta começa na transmissão dos recados íntimos de ca<strong>da</strong> um: A<br />
revelação <strong>da</strong>s “casas” é serem sempre habita<strong>da</strong>s de maneira diferente. 17<br />
17 Programa As casas não acontecem: habitam-se!
O fim deste ano lectivo não foi fácil. Após o espetáculo Segismundo na Torre de<br />
Belém, o grupo que estava desde o início e, que entretanto, passados seis anos, já tinham<br />
concluído os seus cursos superiores, aguar<strong>da</strong>va uma decisão conjunta, mas dependente<br />
<strong>da</strong> vontade de Listopad, no sentido de avançar para uma estrutura profissional, ou ca<strong>da</strong><br />
um seguiria o seu próprio rumo.<br />
Durante o Verão, com Segismundo na Torre de Belém ain<strong>da</strong> participamos no<br />
"Verão do Barroco" apresentando-se o espetáculo no Crato e em Moncorvo. Logo a<br />
seguir, Listopad convidou alguns membros do TUT, entre os quais, o autor desta<br />
dissertação, e o Carlos Pessoa, para trabalharem com ele profissionalmente no Macbeth<br />
de William Shakespeare, uma encenação sua para o Teatro Experimental de Cascais. O<br />
espetáculo estreou em Outubro, tendo sido mais tarde gravado para a RTP, e voltou a<br />
ser apresentado no Forum Picoas, ao Sal<strong>da</strong>nha, onde se fez o último espetáculo na noite<br />
de 31 de Dezembro de 1988, com passagem para o ano novo de 1989.<br />
Entretanto, em Outubro, tinham-se reiniciado as sessões de trabalho com os mais<br />
novos, que tinham entrado no ano anterior, ou que estavam a entrar nesse ano lectivo:<br />
“Pode-se fazer, dizer e pensar simultaneamente coisas diferentes”.<br />
Cativar tempo.<br />
84<br />
10/10/1988
Mas tempo era o que estava a passar, sem se tomar nenhuma decisão quanto ao<br />
que fazer com os mais velhos do grupo, pelo que “a pouco e pouco” foram abandonando<br />
o “barco” ficando apenas aqueles que <strong>da</strong>vam apoio como monitores.<br />
Começava-se a improvisar e a trabalhar em textos de Luís de Camões, Almei<strong>da</strong><br />
Garrett e Jorge de Sena, e surgia a ideia de juntar os três escritores num único<br />
espetáculo:<br />
Tempo condensado – Tempo não real – Tempo teatral. Magia e mistério do Teatro.<br />
Cinema utiliza o tempo real. Ficção <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Teatro é ficção <strong>da</strong> ficção.<br />
Teatro precisa de trabalhar sobre o improviso do desconhecido.<br />
No improviso é o corpo que às vezes man<strong>da</strong>.<br />
Utilizar imaginação e depois reflexão, ou ao contrário.<br />
O improviso é improvisado, não se sabe como é ou como vai ser.<br />
O improviso é para nós, para quem o faz, não para o público.<br />
Improviso aju<strong>da</strong> a descobrir (-se) o que não está no texto. Ca<strong>da</strong> um, traz no seu<br />
fundo uma mina de carvão ou de diamante.<br />
Improviso, despoleta ensinamento.<br />
Não é preciso procurar, mas improvisar.<br />
85<br />
14/11/1988<br />
Ca<strong>da</strong> personagem pode ter duas facetas.<br />
1º - Transformar-se numa personagem.<br />
2º - Transformar-se em diabo.<br />
Há vários diabos, por isso há vários nomes que os designam.<br />
Sedutor, tem qualquer coisa de diabo.<br />
Este grupo é melhor conceptualmente do que expressivamente.<br />
Nos improvisos, ninguém tem a coragem de ir até às últimas consequências.<br />
Juntar para dinamizar.<br />
Desejo de uma harmonia superior.<br />
Harmonia vem como pausa de tempestade. Paragem, em que o homem compreende<br />
que faz parte dos elementos. Que é casulo, de algo mais.<br />
“Portugal Três”<br />
História de um imaginário português.<br />
Três, foi o número que Deus fez.<br />
Opulência.<br />
Catolicismo absorve filosofias anteriores, mas também dos segredos e mistérios <strong>da</strong><br />
natureza. Animismo. No fundo somos todos católicos. Católico, é esse corpo com<br />
que an<strong>da</strong>mos. Corpo é nossa segun<strong>da</strong> natureza, não primeira.<br />
“Não sabia que sabia”<br />
Improviso só aju<strong>da</strong> para pescar. Depois é preciso trabalhar.<br />
O ator deve ser exato. Distanciado.<br />
Coman<strong>da</strong>nte (Nau Catrineta) que opta em suici<strong>da</strong>r-se (pecando), a <strong>da</strong>r a sua alma.<br />
Depois de analisar o que se pretende fazer:<br />
3 – Síntese <strong>da</strong>s duas personagens.<br />
Todos eles no improviso, reconheceram que a transformação partiu de uma revolta.<br />
Lâmpa<strong>da</strong>, distribui pão “que o diabo amassou”.
Artista – sedutor.<br />
Artista cria outro mundo, multiplica mundos. Tira a Deus o monopólio. Dá ideia<br />
que tira a omnipotência a Deus.<br />
Acreditamos que Deus criou o mundo.<br />
Lágrima é indivíduo. Água só.<br />
Yonesco “Cadeiras”.<br />
Homem que podia ter sido tudo e não foi na<strong>da</strong>.<br />
Sentimento português – de que to<strong>da</strong>s as vi<strong>da</strong>s são falha<strong>da</strong>s.<br />
Talvez Cristo tenha morrido com essa sensação de ter falhado.<br />
“Querer ser livre é diabólico” Dostoievsky<br />
Normalmente o diabo é contente (em ser diabo).<br />
Teresa – Itinerário <strong>da</strong> Alquimia. Percurso do alquimista,<br />
transformação/transmutação, através de um objeto.<br />
Construir: Camões. Mãe<br />
Alguém que finge que é ator, que finge que é pessoa, mas que no fundo não é na<strong>da</strong>.<br />
Marinheiros <strong>da</strong> Nau.<br />
Texto de Tabuchi “Chamam ao telefone o Sr. Pirandelo”.<br />
Fausto – Goethe<br />
Cintura para baixo – animal<br />
Cintura para cima – intelectual<br />
Assim é!<br />
Portugal III<br />
Trágico e Dramático, mas viril.<br />
“Há coisas no ar!”<br />
Definimo-nos através do outro.<br />
Gestos femininos – Lavar os cabelos, chorar, fiar.<br />
Corpos complicado – pessoas complica<strong>da</strong>s.<br />
Forma do corpo – forma de ser.<br />
Fome<br />
Defeito – não eliminar, mas tornar útil.<br />
86<br />
19/12/1988<br />
Subir e descer esca<strong>da</strong>s imaginárias.<br />
Dessincronizar movimentos. São os loucos que dessincronizam.<br />
Ver figuras dos azulejos, memorizar las e imitar las, recriar las.<br />
Maneirismo é mo<strong>da</strong>. Barroco é vivência. Manuelino – Gótico.<br />
Necessi<strong>da</strong>de de <strong>da</strong>r segundo passo.<br />
Assimilador, forjador.<br />
Portugal.<br />
Basílica de São pedro. Espaço que “esmaga”, presença de uma força mágica, ou<br />
pelo menos, de uma força forte, que existe.
Imitar através de ações físicas, um personagem.<br />
Improvisar, a partir de uma palavra: Amanhã.<br />
O exagero é cómico.<br />
Ca<strong>da</strong> situação pode ser trágica ou cómica.<br />
87<br />
24/10/1988<br />
Nem trágico nem cómico, foi sendo o abandono definitivo <strong>da</strong> maior parte dos<br />
antigos e originais elementos do TUT. Quase todos, apesar do apelo do Teatro e de<br />
convites concretos que tiveram para trabalhar no meio teatral, deram início ou<br />
empenharam-se mais vigorosamente no seu percurso de estudos e seguiram as suas<br />
carreiras profissionais e universitárias. Todos sentiram que tinha chegado o fim de um<br />
ciclo na vi<strong>da</strong> de ca<strong>da</strong> um e para o TUT.<br />
Os elementos mais novos do TUT também se ressentiram <strong>da</strong> ausência <strong>da</strong>queles<br />
“veteranos” que, apesar de tudo, iam aparecendo de uma forma mais ou menos irregular<br />
e que <strong>da</strong>vam o seu apoio e até acabavam por participar nas sessões de trabalho:<br />
Saber “Nau Catrineta”.<br />
Vários começos, vários fins.
Barco – Improvisação<br />
Caçar ratos. Ca<strong>da</strong> um procura comi<strong>da</strong> conforme o seu carácter.<br />
“Fazer Teatro, é ter confiança”<br />
88<br />
09/03/1989<br />
19/06/1989<br />
Não chorar.<br />
Grito - Paralisa to<strong>da</strong> a ação. Só quem está de pé, cai.<br />
Palavra. Oração. Choro.<br />
Quanto mais diferente, mais é o mesmo.<br />
“Não ter medo dessas diferenças.”<br />
Entre a vi<strong>da</strong> e a morte. Canto. Invocação de morte. Invocação de vi<strong>da</strong>.<br />
Naturali<strong>da</strong>de. Perfeição. Sereni<strong>da</strong>de.<br />
Fazer sempre a mesma coisa, mas melhor.<br />
26/06/1989<br />
Alguns dos mais velhos sentiam uma espécie de sentimento de orfan<strong>da</strong>de, e<br />
continuavam a encontrar-se fora do TUT.<br />
No ano de 1989, o TUT acabou por não apresentar, como estava inicialmente<br />
previsto, o espetáculo Portugal Três a partir de textos de Camões, Garrett e Sena, mas<br />
em compensação, alguns dos mais antigos elementos do TUT participaram numa<br />
produção <strong>da</strong> recém-cria<strong>da</strong> Associação de Estu<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong> Escola Superior de Teatro e<br />
Cinema, que reuniu estu<strong>da</strong>ntes de todos os anos e de to<strong>da</strong>s as áreas do Departamento de<br />
Teatro <strong>da</strong> ESTC. O projeto contou com a participação especial de membros do Teatro<br />
Espaço, e o espetáculo Acuso, Gilles de Rais, concebido a partir de um texto original,<br />
foi encenado por Graça Corrêa e Júlio <strong>Martín</strong>.<br />
4.2.3. Período de 1989 - 1999<br />
O ano lectivo de 1989-90 iniciou-se com a dinâmica habitual de trabalho de<br />
pe<strong>da</strong>gogia teatral do Listopad, através do estímulo às improvisações mediante diferentes<br />
indutores poéticos, filosóficos, vivenciais e metafísicos:<br />
Palavra não é uma reali<strong>da</strong>de.<br />
Visualizar marcas de automóveis. Hi-Fi.<br />
Volvo é Lobo em sueco.<br />
Ca<strong>da</strong> um imagina uma música dentro de si e <strong>da</strong>nça-a.
O que ca<strong>da</strong> palavra provoca.<br />
Ca<strong>da</strong> um reproduz uma música.<br />
Ca<strong>da</strong> cena tem a sua musicali<strong>da</strong>de.<br />
Diálogo entre pessoas, mas não falando, ca<strong>da</strong> um canta a sua música, com o seu<br />
ritmo.<br />
Com a entra<strong>da</strong> no ano de 1990, Listopad ia encenar no Teatro <strong>da</strong> Graça/Grupo<br />
de Teatro Hoje, a peça Benilde ou a Virgem Mãe de José Régio, e tendo eu manifestado<br />
a vontade de fazer a peça Ju<strong>da</strong>s de António Patrício, convidou-me a integrar o elenco,<br />
no que seria um “sonho” de Benilde na peça. As improvisações e reflexões teatrais no<br />
TUT acabavam por ser matiza<strong>da</strong>s por estas reali<strong>da</strong>des:<br />
Memória. Sensação.<br />
Imagem não é passa<strong>da</strong>, nem futura, é presente.<br />
De ca<strong>da</strong> pessoa que vem aqui, pode-se fazer um criador.<br />
Consciencialização do que é Teatro, do que é Cultura, e qual é o nosso papel.<br />
No tempo de Jesus, surgiram vários, Jesus Cristo, e só ficou um. É preciso estar<br />
pronto. Esperava-se um Messias.<br />
Reali<strong>da</strong>de que está só na Arte. Autonomia <strong>da</strong> Arte.<br />
Maneirismo. Linha de força que se está a enfraquecer. Decadência.<br />
Maneirismo do Moderno é o Pós-Moderno.<br />
Barroco era forte. Maneirismo do Barroco é Rococó. Que é fraco.<br />
Pode-se enganar, mas não tem erros.<br />
“Eu quero que vocês obedeçam sem que eu diga”.<br />
Oficina.<br />
Progresso faz-se na dialéctica entre conservador e revolucionário.<br />
Reflexão sobre Teatro, teatralmente.<br />
“Ju<strong>da</strong>s” de António Patrício. Maior peça. Oração.<br />
Chegamos às coisas não pela geometria, mas pela paixão. Febre.<br />
Linhas tortas, contorci<strong>da</strong>s. Barroco.<br />
Após a leitura de “Ju<strong>da</strong>s” de António Patrício, Listopad chorou.<br />
Normalmente nós traímos por muito pouco. Trinta dinheiros era uma fortuna.<br />
Para ressuscitar, precisa de ser crucificado.<br />
Sem traidor, não podia ser feito, o que foi feito.<br />
Ju<strong>da</strong>s foi alter-ego, duplo de Jesus.<br />
A liber<strong>da</strong>de de Ju<strong>da</strong>s é a morte.<br />
Metafísica do destino. Supercatolicismo, que já não é.<br />
Visão que rasga e ultrapassa. Transcendente.<br />
Visão. Existe algures. Existe em mim. Todo o mundo dentro de mim.<br />
89<br />
21/01/1990<br />
Ocasionalmente, o TUT era visitado por artistas ou professores que vinham<br />
assistir ou colaborar nas sessões de trabalho. Em finais de Janeiro, uma professora de<br />
voz, de nacionali<strong>da</strong>de belga, criou um ambiente muito propício ao trabalho de<br />
concentração, através <strong>da</strong> respiração, e de uma lentidão nutriente que conduzia a uma
interiori<strong>da</strong>de e profundi<strong>da</strong>de apaziguadora. Foram evoca<strong>da</strong>s imagens interiores, como,<br />
por exemplo, a imagem de uma gota de água a cair num lago, a bolha que se forma, as<br />
pequenas on<strong>da</strong>s, etc. Desta forma, o som “sai de dentro, do som primordial à palavra”.<br />
Depois, voltou-se às improvisações, individuais e de grupo:<br />
Ofícios, onde tudo depende do momento.<br />
É preciso ter confiança em algo que nos é superior.<br />
Aquecimento físico e espiritual. Concentração liga as duas coisas.<br />
Improviso. Mesa. Cadeira. Pai chega a casa.<br />
Tocar materiais.<br />
“Eu vejo, não olho”<br />
Sentir mãos. A mão é una.<br />
Mãos – Criam grupo – Relações térmicas<br />
Falar é respirar. Respira e espírito, têm a mesma origem linguística.<br />
Autonomia do corpo e do ser.<br />
Incomodi<strong>da</strong>de dá tensão entre mim e o mundo.<br />
Atma – Grande alma<br />
Atmen – Respirar em alemão<br />
Alemão tem relações com o sânscrito.<br />
Ca<strong>da</strong> corpo tem muitos tesouros enterrados. Toque. Cheiro. Ver.<br />
Menos luz, maior concentração.<br />
No Renascimento, surgiu o edifício Teatro.<br />
Saborear as palavras. Dar as palavras.<br />
Lovaina. Turim.<br />
Teatro <strong>da</strong> Técnica – Os Bárbaros.<br />
Leitura<br />
1º Normal<br />
2º Sussurro<br />
3º Monossílabos<br />
4º Silêncio (ler para si)<br />
5º Crescendo<br />
Primeiro, uma a uma, depois tudo seguido.<br />
Chegados a Março, o trabalho de formação e de levantamento <strong>da</strong> peça a partir<br />
<strong>da</strong>s improvisações, e de referências culturais de to<strong>da</strong> a ordem, continuava:<br />
Corpo. Voz. Interpretação. Teoria.<br />
O corpo é mais vanguardista do que a voz.<br />
Voz é pior nas ci<strong>da</strong>des. Motivos antropológicos e sociológicos.<br />
“Três peças de Tchekov”<br />
Tudo o que se sabe, tem de se aplicar.<br />
O que não se sabe, tem de se aprender ao lado.<br />
Saber o que quer é manipulação. Teatro é manipulação.<br />
Transformar uma reali<strong>da</strong>de, para criar outra. Manipular o público.<br />
Sem palavras. Personagem cria<strong>da</strong>, come um biscoito.<br />
Inventar e fazer.<br />
90
Rimo-nos quando é: inesperado, absurdo, exagerado, crítico, não é normal, saímos<br />
de nós, do que sabemos, mas sem lhe <strong>da</strong>rmos importância. Lúdico.<br />
Riso é inseguro, não vem do seguro.<br />
Situação reconhecível.<br />
Absurdo – Utiliza-se do real para transmitir outra coisa.<br />
Boxe. Ping-Pong. Espelho.<br />
Estes novos que prestam vassalagem.<br />
“Já não é Teatro, (já) é um outro Teatro”.<br />
91<br />
23/03/1990<br />
Escolher um objeto. Relacionar-se com ele. Ser o objeto.<br />
Apreender o espírito do objeto.<br />
Objeto não tem história.<br />
Dificul<strong>da</strong>de em não demonstrar o objeto de uma forma ativa.<br />
Filtrar a reali<strong>da</strong>de pela racionali<strong>da</strong>de.<br />
Lado formal. Lado interior.<br />
Máquina fotográfica. Estrela. Jornal.<br />
Criar álbum de fotografias.<br />
Guizos, paus, gorro, búzio, cor<strong>da</strong>.<br />
Tijolo – Estar debaixo ou encima. Fazer parte de uma comuni<strong>da</strong>de.<br />
Tábua de engomar. Megafone. Cinto.<br />
Experiência estranha. Entrar em gorros que não conhecemos.<br />
Vi<strong>da</strong> de objetos e vi<strong>da</strong> do Teatro.<br />
Ver – Que<strong>da</strong>. Que<strong>da</strong> é grande arte do ator. Que<strong>da</strong> em ralenti.<br />
Corpo – Compor, decompor o próprio corpo.<br />
“Nunca deixar-se fechar”<br />
“Mais importante, ter cabeça ergui<strong>da</strong>, o sol, ter rapariga”.<br />
“Peça de Vaclav Havel”.<br />
Novembro. Jorge em Novembro.<br />
Yonesco.<br />
Weinberg (Francês) – Gatos que falam.<br />
Filósofo – Henry Sourieux, analisou 120 situações possíveis. Tudo são repetições.<br />
Arte é o pessoal.<br />
Tudo é ligado.<br />
Se não se sabe fechar porta, não se pode conhecer Deus.<br />
Esquecer porta. Inventá-la. Imaginá-la.<br />
A resposta já está na pergunta.<br />
Face a uma situação, a mesma, agir ca<strong>da</strong> vez pior, é isto a crise.<br />
Antes de preencher esquema, analisá-lo.<br />
Manipular objetos.<br />
Transportar objetos e transpor um obstáculo. Ex: porta.<br />
Esca<strong>da</strong>, mala, cadeira, guar<strong>da</strong>-chuva…<br />
Barroco<br />
Édipo Rei. Prometeu. As aves. Arte poética. Ajax. Antígona. Sófocles.<br />
Sonho de Segismundo. Desenho <strong>da</strong> roupa marcado na pele (depois de dormir).<br />
Visualização de uma palavra. Materializar. Aproximar – Afastar. Surpresa.<br />
Admirar. Contar. Épico. Dança de Símbolos.<br />
Nau.<br />
Desde o Gótico, as Igrejas tomam as terminologias dos barcos. Nau – Nave.<br />
Dança à volta do sagrado, <strong>da</strong> palavra, Nau.
Veja as palavras. Através <strong>da</strong>s palavras, veem-se os objetos.<br />
Querer <strong>da</strong>r palavras. Querer pô-las em comum.<br />
No canto, palavras perdem o seu conteúdo.<br />
Dominar o espaço. Origem <strong>da</strong> voz. Origem do espaço. Questão psicológica.<br />
Dominar, tomar posse. Possuir o espaço.<br />
Cantar o canto, como se fosse açúcar muito fino, e cheira a baunilha.<br />
Caldeirão de coisas e sentimentos.<br />
Fome interior. Símbolo.<br />
Camões. Musa. Fa<strong>da</strong>. Voa. Harmoniza. Transparente.<br />
Ela não man<strong>da</strong>, mas eles obedecem.<br />
É preciso <strong>da</strong>r carácter.<br />
Um percurso iniciático não se interrompe, é perigoso!<br />
Sweet Movie. Mankiewicz.<br />
Física <strong>da</strong> imagem é a imitação <strong>da</strong> visão.<br />
Uma história deve ser feita de substantivos. Poucos adjetivos.<br />
92<br />
02/04/1990<br />
Todo este trabalho se concluiu com a apresentação de Portugal Três no Palácio<br />
Centeno, que teve notícia de estreia, pelo Rui Eduardo Paes, no Diário de Lisboa:<br />
Listopad escreveu no Programa:<br />
Explícito implícito
Explicar o título do espectáculo será, neste caso, explicar a feitura do<br />
espectáculo. Explicar a feitura do espectáculo, será explicar o seu sentido ou pelo<br />
menos aproximar-se dele. Mas explicar, explicar sempre, não será a nossa doença<br />
ocidental, e neste caso de extremo ocidental: doença um pouco vergonhosa se de<br />
teatro se tratasse. Porque mal do teatro se não contivesse, no seu próprio corpo, a<br />
chave para abrir. E se a contivesse, mal do público que não tomasse posse dele.<br />
Isto dito, em aparente contradição (mas aqui não explico, apenas informo), peço<br />
o favor de tomarem nota de três:<br />
PORTUGAL TRÊS é elaborado a partir de 3 textos de estranha cumplici<strong>da</strong>de<br />
mútua, a saber:<br />
- A Nau Catrineta na versão de Almei<strong>da</strong> Garrett.<br />
- um conto de Jorge de Sena Super Fluminas Babilonis, do volume Novas<br />
an<strong>da</strong>nças do Demónio e cujos interlocutores principais são Camões e a sua mãe.<br />
- e um poema do mesmo, com o mesmo título.<br />
O resto são segmentos <strong>da</strong> experiência de ca<strong>da</strong> um dos presentes no palco<br />
improvisado, isto é, Portugal quatro ad infinitum, que se sinaliza em matemática<br />
por um 8 deitado horizontalmente, deitado horizontalmente no barco fantasma<br />
chamado Portugal. O espectáculo ele próprio. 18<br />
No ano seguinte, em 1991, os novos membros do TUT e monitores trabalharam<br />
com o Listopad a dramatização de textos de Kavafy, Kafka e Gabriel Garcia Marques,<br />
<strong>da</strong>ndo origem ao espetáculo Marques & Kompanhia:<br />
Teatro abre outros espaços para além dos do poder.<br />
O ator é um animal sensível (captar), animal inteligente (refletir) e um animal de<br />
energias energéticas volúveis (criar).<br />
No teatro a violência tem de ser cultiva<strong>da</strong>.<br />
Modular o tom e modular a voz.<br />
Dizendo, tomamos posse dos sentimentos.<br />
Só dizendo somos donos <strong>da</strong>s sensações<br />
93<br />
24/01/1991<br />
28/01/1991<br />
Sentir o momento privilegiado, intensi<strong>da</strong>de, consciência, reconhecimento.<br />
Tensão cria<strong>da</strong> artificialmente. A arte é teatral.<br />
07/02/1991<br />
Exercícios com o corpo, ter frio, mas lutar contra o frio.<br />
O abstrato parte do concreto.<br />
O ator apanha e absorve o espaço.<br />
A nossa cara é uma prisão, é preciso libertar.<br />
A prisão vem com a civilização, cultura, censura. Observar as coisas que estão em<br />
nós, conhecer o nosso corpo, as forças que existem nele.<br />
18 Programa Portugal Três, 1990.
Ver a cor do outro. A cor <strong>da</strong>s letras e a cor <strong>da</strong>s palavras.<br />
Aprender a gritar. Grito. Bárbaros.<br />
Ideia de processo, primeiro lento, depois dá um salto.<br />
94<br />
14/02/1991<br />
21/02/1991<br />
04/03/1991<br />
Inventar. Iniciativa que tem que sair de ca<strong>da</strong> um, tem que sentir que é o momento<br />
próprio.<br />
Um dos pecados do teatro português é que é gentil.<br />
Força: corpo contra outro corpo. Força – dinamismo.<br />
14/03/1991<br />
No teatro os erros assumem-se. Não vamos repetir senão estragamos.<br />
Importância de criar espessura na personagem<br />
18/03/1991<br />
09/05/1991<br />
Improvisos. Evolução em bola de neve.<br />
Se inspirarmos o outro, somos inspirados.<br />
Ca<strong>da</strong> um conta história do seu personagem para o resto do grupo.<br />
Desfazer o vazio. É difícil começar, precisamos de aquecimento.<br />
16/05/1991<br />
29/05/1991<br />
A arte é meio instrumento de conhecer as coisas; trata as coisas que a ciência não<br />
trata, não descobriu; procura o que não sabe, o que não é definível.<br />
O teatro procura na razão de ser diferente.<br />
Atenção ao acaso inspirador; criar sistemas de acasos.<br />
A arte é só uma matemática de acasos.<br />
06/06/1991<br />
Dizer o texto ao mesmo tempo que se joga à bola. Ações desconexas.<br />
03/06/1991
O que se vê não é preciso dizer.<br />
95<br />
10/06/1991<br />
Após este percurso, o TUT deslocou-se pela primeira vez ao estrangeiro e<br />
participou nos “Rencontres de Théâtre et Jeunesse pour l’Europe” em Grenoble, na<br />
França. Esta viagem permitiu consoli<strong>da</strong>r as relações de grupo e <strong>da</strong>r origem a um novo<br />
fôlego do TUT.<br />
A existência é uma máquina estranha.<br />
O homem é um mistério.<br />
Teatro é um mistério feito pelo homem que é um mistério.<br />
16/09/1991<br />
Em 1992, alguns dos novos membros do TUT e monitores, foram convi<strong>da</strong>dos a<br />
participar na gravação para a RTP <strong>da</strong> peça homónima de A. Tchekov “Ivanov” numa<br />
realização de Jorge Listopad.
Nesse ano, apresentou-se uma versão a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong> do anterior espetáculo, a que se<br />
chamou Marques & Kompanhia II, em que aos textos de Kavafy, Kafka e de Gabriel<br />
Garcia Marques, se acrescentaram textos de Jorge Listopad. O labor pessoal e coletivo,<br />
continuava imerso num oceano de estímulos intelectuais e sensoriais:<br />
Dizer alguma coisa como se fosse a primeira de um espetáculo e deve concentrar<br />
to<strong>da</strong> a sua atenção em si.<br />
Conflito não é agressão, é diferença. Exercício com base no conflito, criar conflito.<br />
Exercício de fazer discurso como se fosse uma mosca.<br />
Intercâmbio – assim se faz o teatro. Não sermos passivos, ter olhar ativo.<br />
96<br />
09/02/1991<br />
Transparência: estreitamento, redução, diminuição.<br />
Oposto de peso, mais fácil que leveza. Desmaterialização não é liquidez.<br />
Analisar texto passo a passo, palavra a palavra.<br />
Conceptualizar.<br />
“Ter o corpo dentro ou o corpo fora.”<br />
Deslocação em cima de uma cadeira, manipulação dos objetos.<br />
Mundo dos objetos. Consciencializar tudo aquilo que se faz.<br />
10/02/1991<br />
16/02/1991<br />
27/02/1991
E o TUT fez mais uma viagem e deslocou-se ao Festival “Istropolitana Project”<br />
em Bratislava, na Eslováquia.<br />
No ano lectivo de 1992-93, o TUT participou na Bienal Universitária de<br />
Coimbra /BUC, onde voltou apresentou no Teatro Gil Vicente, o espetáculo Marques &<br />
Kompanhia II.<br />
E mais tarde, numa nova versão do espetáculo que se intitulou Para onde foram<br />
os pedreiros na noite em que ficou pronta a muralha <strong>da</strong> China, o TUT apresentou-se no<br />
Teatro <strong>da</strong> Malaposta e mais tarde, no Palácio <strong>da</strong> Cerca, integrado na Programação do X<br />
Festival de Teatro de Alma<strong>da</strong>. Jorge Listopad escreveu que:<br />
MANIFESTO SEM PROGRAMA PRECISO<br />
Procuro onde posso, diz a mão direita à mão esquer<strong>da</strong>. Procuro o que no teatro<br />
não está gasto, em favor do grão de loucura esvoaçando no espaço novo, contra as<br />
medianias cómo<strong>da</strong>s, em favor do sentimento lírico do fracasso humano, contra os<br />
serviços prestados em regime de contraparti<strong>da</strong>, em favor do acto gratuito <strong>da</strong> dávi<strong>da</strong>,<br />
contra as estratégias, em favor do fascínio do risco, contra o realismo, em favor <strong>da</strong><br />
lógica. Procuro as formas do tempo.<br />
Procuramos, diz a mão esquer<strong>da</strong> à mão direita, o nosso teatro. Pesamos as almas<br />
e os corpos. Não percebemos? Como se participássemos numa conferência em<br />
língua que não se estende e em que os auscultadores <strong>da</strong> tradução simultânea não<br />
funcionam. Assistimos então, olhando as palavras e os seus porta-vozes.<br />
Complica<strong>da</strong>, a máquina do mundo e do teatro; sempre começamos e sorrimos um<br />
pouco.<br />
Em suma é a sério: o espectáculo que vão ver, é orgulhoso e humilde. É<br />
precário e rápido (difícil manter a tensão em obras longas e lentas). Feito hoje para<br />
ser visto agora. Em todo o caso para consumir antes do fim do século, qual quê,<br />
antes do fim do ano. O espectáculo que vão ver é uma <strong>da</strong>s pedrinhas no charco, um<br />
pequeno foco de perturbação –há outros – para lembrar o que a socie<strong>da</strong>de está em<br />
vias de esquecer.<br />
E não digo mais. 19<br />
Em 1993-94, o TUT era um grupo renovado, com a entra<strong>da</strong> de novos elementos<br />
no TUT e, após o período inicial de formação, começou a trabalhar-se na peça<br />
homónima de Lioubomir Simovitch O Teatro Ambulante Chopalovitch, <strong>da</strong> qual se veio<br />
a apresentar a 1 a parte, nos Jardins <strong>da</strong> Reitoria <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa.<br />
19 Programa Para onde foram os pedreiros na noite em que ficou pronta a muralha <strong>da</strong> China.<br />
97
Alguns dos estu<strong>da</strong>ntes do TUT, numa colaboração especial com a Companhia de<br />
Teatro de Alma<strong>da</strong>, participaram na peça O Valente Sol<strong>da</strong>do Schveik a partir do romance<br />
homónimo de Jaroslav Hasek, encena<strong>da</strong> pelo Listopad, no Teatro Municipal de Alma<strong>da</strong>.<br />
No ano seguinte, em 1995, o grupo manteve-se e foi concluído o trabalho sobre<br />
a peça de Lioubomir Simovitch, o que levou à apresentação de A Detenção dos Actores<br />
do Teatro Ambulante Chopalovitch, no Teatro Cinearte, de 12 a 18 de Maio, e à<br />
participação no Festival de Teatro XVII CITEMOR, em Montemor-o-Velho, no Teatro<br />
Esther de Carvalho.<br />
Em 1996, manteve-se o mesmo núcleo, mas mudou-se de “casa”. Por<br />
necessi<strong>da</strong>de de organização e aproveitamento de espaços do Palácio Centeno, como<br />
98
Reitoria <strong>da</strong> UTL, a antiga Capela, que serviu desde o início como local de ensaios do<br />
TUT e Salão Nobre, foi transformado em zona de escritórios e arquivos, pelo que o<br />
grupo foi forçado a procurar um outro espaço para trabalhar. Acabou por transferir-se<br />
para o LNEC/Laboratório Nacional de Engenharia Civil, onde um dos elementos do<br />
TUT era Investigador, e o Professor Arantes e Oliveira, Reitor Fun<strong>da</strong>dor do TUT, tinha<br />
sido Director.<br />
Este ano, apesar <strong>da</strong>s circunstâncias difíceis, acabou por revelar-se produtivo,<br />
apresentando-se Lusofonias, uma Dramatização de Poesia de Expressão Portuguesa,<br />
sobre alguns poemas de Cesário Verde, Alexandre O’Neill, Ruy Belo e José Pedro<br />
Grabato Dias, um espetáculo preparado para os participantes do VI Encontro de<br />
Associações <strong>da</strong>s Universi<strong>da</strong>des de Língua Portuguesa, representado no dia 2 de Abril<br />
de 1996, no Foyer do Bloco Principal <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian. Também<br />
acedendo a um convite para participar na I Mostra de Teatro Universitário, em<br />
Pontevedra na Galiza, representou-se A Detenção dos Actores do Teatro Ambulante<br />
Chopalovitch, segundo a peça O Teatro Ambulante de Chopalovitch de Lioubomir<br />
Simovitch, tendo-se no regresso feito a sua reposição no Teatro Cinearte, em Lisboa.<br />
Ain<strong>da</strong> nesse ano apresentou-se A Arte e a Engenharia, uma <strong>da</strong>matização de<br />
poemas de Álvaro de Campos, para a Inauguração do Pavilhão Ferry Borges, no âmbito<br />
do 50 o aniversário do Laboratório Nacional de Engenharia Civil.<br />
99
O ano de 1997 foi marcado pela colaboração especial com o Teatro <strong>da</strong> Garagem,<br />
no espectáculo Hotel Savoy a partir do romance homónimo de Joseph Roth, apresentado<br />
na Sala polivalente do ACARTE/Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian.<br />
Nesse mesmo ano o TUT estreou A Ron<strong>da</strong> dos Meninos a partir <strong>da</strong> obra “A<br />
Ron<strong>da</strong> dos Meninos Expostos” de Vasco Graça Moura; excertos de “Medeia” de<br />
Eurípides e “A Excepção e a Regra” de Bertolt Brecht, na Sala de Convívio do<br />
LNEC/Laboratório Nacional de Engenharia Civil. A carreira prosseguiu a 25 de Junho,<br />
no Centro de Estudos Judiciários, a 30 de Junho, no Instituto Português <strong>da</strong> Juventude de<br />
Faro e, no Palácio de Fronteira, nos dias 19 e 20 de Dezembro de 1997.<br />
100
Em 1998, voltou-se a apresentar A Ron<strong>da</strong> dos Meninos desta vez no Teatro<br />
CINEARTE/A Barraca, nos dias 6 e 7 de Fevereiro. O TUT participou também com<br />
este espetáculo no Festival Internacional de Teatro XV FESTA, em Alma<strong>da</strong>, na sala<br />
Virgílio Martinho do Teatro Municipal de Alma<strong>da</strong>.<br />
Foi ain<strong>da</strong> apresentado o conto A Porta <strong>da</strong> Lei extraído <strong>da</strong> obra “O Processo de<br />
Kafka” – anteriormente já apresentado na Biblioteca do antigo Instituto Superior de<br />
Economia, atual ISEG, no início dos anos 90 - no âmbito do ciclo de conferências “100<br />
Livros deste século” no Centro Cultural de Belém.<br />
A nova produção deste ano, foi Os burros no Teatro português - 1ª Parte, a<br />
partir <strong>da</strong> peça D. Quixote e Sancho Pança, de António José <strong>da</strong> Silva, dito “O Judeu” e<br />
apresenta<strong>da</strong> no Centro de Estudos Judiciários, no dia 6 de Julho.<br />
O ano de 1999 foi de novo um ano de mu<strong>da</strong>nças de espaço. Desta feita o TUT<br />
transitou para o Instituto Superior de Agronomia, onde um dos elementos do TUT era<br />
101
Professor, e foi possível começar a utilizar a Sala <strong>da</strong> antiga Biblioteca, como local de<br />
ensaios.<br />
Nesse ano foi apresentado o espetáculo completo de Os burros no Teatro<br />
português a partir de textos de António José <strong>da</strong> Silva, e também de Anrique <strong>da</strong> Mota,<br />
Gil Vicente e Alexandre O’Neill. As representações decorreram no Laboratório<br />
Nacional de Engenharia Civil, no dia 26 de Abril – no que foi uma despedi<strong>da</strong> do LNEC<br />
que acolheu o TUT durante cerca de três anos - na Biblioteca do Instituto Superior de<br />
Agronomia – no que se constituiu como a estreia deste novo espaço - no âmbito <strong>da</strong><br />
Semana Cultural do ISA e, na Facul<strong>da</strong>de de Motrici<strong>da</strong>de Humana, no dia 23 de Junho<br />
de 1999.<br />
4.2.4. Período de 2000-2008<br />
O ano lectivo de 1999-2000 significou uma nova etapa para o TUT. Foram<br />
abertas inscrições para a entra<strong>da</strong> de novos elementos, e foi feito um ver<strong>da</strong>deiro<br />
renovamento do grupo. Ao longo do ano foi realizado um trabalho de formação dos<br />
novos estu<strong>da</strong>ntes, sempre com a aju<strong>da</strong> de monitores, elementos com mais experiência, e<br />
que foram sempre acompanhando as sessões de trabalho, conduzi<strong>da</strong>s pela pe<strong>da</strong>gogia em<br />
ação de Listopad.<br />
102
O ano 2000, foi também o ano de um regresso mais ativo e participante de<br />
alguns dos primeiros “Tutianos”. Integrando as diferentes gerações, que se reconheciam<br />
na linguagem comum adquiri<strong>da</strong> pela convivência com o processo criativo de Listopad,<br />
foi possível criar em 2001 a Gata Borralheira segundo a peça homónima de Robert<br />
Walser. O espetáculo foi apresentado no Pequeno Auditório <strong>da</strong> Caixa Geral de<br />
Depósitos, no âmbito do 70 o aniversário <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa, e na<br />
Biblioteca do Edifício Central do Instituto Superior de Agronomia, lugar de ensaios do<br />
grupo.<br />
O TUT esteve também presente com este espetáculo no Festival “Poetry without<br />
Borders” em Olomouc na Républica Checa. O poeta e escritor Walter Hugo Mãe,<br />
acompanhou-nos nesta viagem.<br />
103
O grupo esteve também em Praga, terra natal de Jorge Listopad.<br />
A carreira do espetáculo Gata Borralheira terminou com uma série de<br />
apresentações no Teatro Cinearte – A Barraca.<br />
104
Em 2001-2002, começou-se uma reflexão sobre as palavras, as diferentes<br />
línguas e sobre a construção <strong>da</strong> Torre de Babel. Em Janeiro, deu-se início a um trabalho<br />
de construção de situações dramáticas e <strong>da</strong>s personagens:<br />
Imaginar tudo o que é ver<strong>da</strong>deiro. Não é ver<strong>da</strong>de, mas é ver<strong>da</strong>deiro.<br />
Improvisação – os improvisos criam factos.<br />
Reflexão sobre a condição humana, sobre a condição civilizacional.<br />
O teatro reflete a dialéctica <strong>da</strong> exceção e <strong>da</strong> regra.<br />
105<br />
04/02/2002<br />
Este trabalho resultou em Quem foi o Arquitecto <strong>da</strong> Torre de Babel? a partir de<br />
textos de St-Exupéry, George Steiner e Jorge Listopad. No texto coletivo que consta no<br />
programa do espetáculo, pode ler-se que:<br />
1. A história de duas construções: <strong>da</strong> Torre de Babel e do espectáculo<br />
A história por detrás deste espectáculo tem quase 5 000 anos. Quase tantos como o<br />
aparecimento <strong>da</strong> primeira civilização agrária e <strong>da</strong>s primeiras Ci<strong>da</strong>des-estado nessa<br />
terra entre os rios, que ain<strong>da</strong> hoje evoca imagens e recor<strong>da</strong>ções na nossa memória<br />
retrospectiva. Embora possamos traçar um tempo e um local geográfico na origem<br />
desta história, esta não é uma representação histórica, pois as mesmas questões<br />
presentes no espectáculo podem ser coloca<strong>da</strong>s hoje: porquê construir a torre, quem<br />
a vai continuar depois de nós, quem foi, afinal, o arquitecto <strong>da</strong> torre e porque não<br />
está ele aqui entre nós. A história é marca<strong>da</strong> pela ausência do arquitecto, e a maior<br />
questão coloca<strong>da</strong> é talvez: Está o arquitecto entre nós? Ou estamos sózinhos nesta<br />
tarefa hérculea de construção? Nesta falha de comunicação está o ponto de parti<strong>da</strong><br />
para outra questão: Existe uma língua perfeita absoluta?<br />
Este espectáculo quer ser uma viagem através de reminicências do colectivo, tendo<br />
como ponto de parti<strong>da</strong> a Torre de Babel e a génese <strong>da</strong> civilização, mas onde não<br />
podia deixar de estar presente outra génese: a do cristianismo. Esta última é<br />
invoca<strong>da</strong> através <strong>da</strong> compra de madeira por sol<strong>da</strong>dos estrangeiros (mais uma vez a<br />
incomunicabili<strong>da</strong>de) e pelo discurso revelador <strong>da</strong> filha do carpinteiro.
Os personagens desta construção são os trabalhadores <strong>da</strong> torre naquilo que poderia<br />
ser uma jorna normal. Esses homens e mulheres trabalham, comem, bebem,<br />
dormem, conversam e interrogam-se.<br />
Este não é um espectáculo histórico mas com história. E que local mais seguro para<br />
procurar os fios desta história conheci<strong>da</strong> por todos que a memória de ca<strong>da</strong> um de<br />
nós? E assim foi. A preparação deste espectáculo recorreu à improvisação dos<br />
actores, ao estudo de ensaios de Umberto Eco e George Steiner, a textos recolhidos<br />
de diversas fontes e a textos escritos pelos membros do TUT.<br />
O guar<strong>da</strong>-roupa, a cargo de Armin<strong>da</strong> Coelho, foi inspirado por uma recolha de<br />
fatos tradicionais de trabalho utilizados em Trás-os-Montes. O reino maravilhoso<br />
de Miguel Torga, o reino rural e profundo, pautado pelas estações e pelo trabalho<br />
agrícola, está para o imaginário colectivo Português como a Mesopotâmia para o<br />
imaginário colectivo Europeu – o primeiro, e aquele que está na génese <strong>da</strong><br />
civilização actual. O som, a cargo de António Rocha, resulta <strong>da</strong> recolha de canções<br />
tradicionais do trabalho utiliza<strong>da</strong>s em Portugal. Estas canções acompanhavam o<br />
trabalho de pedreiros, agricultores, lavadeiras, etc., e foram recolhi<strong>da</strong>s, na sua<br />
maior parte, por Giacometti durante os anos 60 em todo o território Português.<br />
Desta forma, o espectáculo atingiu a sua forma actual. Dizemos forma actual<br />
porque acreditamos não haver forma final para ele. Por um lado, os trabalhadores<br />
<strong>da</strong> torre não conseguem encontrar respostas definitivas, do mesmo modo que a<br />
história <strong>da</strong> civilização não está concluí<strong>da</strong> e é constantemente refeita. Por outro<br />
lado, este espectáculo retira inspiração do cenário e do público, e ca<strong>da</strong><br />
representação será diferente. 20<br />
O TUT esteve presente com este espetáculo nos “XIV Rencontres de Théâtre et<br />
Jeunesse pour l’Europe” em Grenoble, na França.<br />
20 Programa Quem foi o Arquitecto <strong>da</strong> Torre de Babel? Texto coletivo.<br />
106
espetáculo.<br />
Na Central Tejo/Museu <strong>da</strong> Electrici<strong>da</strong>de, em Lisboa, prosseguiu a carreira do<br />
Sobre o que foi este percurso de construção <strong>da</strong> Torre entre Lisboa – Grenoble –<br />
Lisboa, lê-se no texto do Programa:<br />
As representações no Museu de Electrici<strong>da</strong>de<br />
A estreia efectuou-se em Grenoble, no âmbito do Festival Internacional 14èmes<br />
Rencontres du Jeune Théâtre Européen, que decorreu nesta ci<strong>da</strong>de de 28 de Junho<br />
a 7 de Julho de 2002. A representação realizou-se nos jardins do Museu de<br />
Grenoble, entre árvores gigantescas e muros altos, plataformas por onde os<br />
trabalhadores tentavam elevar-se para ver mais além.<br />
Nunca como então, a necessi<strong>da</strong>de de elevação nos pareceu uma razão tão evidente<br />
para a construção <strong>da</strong> torre. Uma outra surpresa ocorreu nesta representação em<br />
Grenoble: o espectáculo terminou com a destruição <strong>da</strong> torre e o desejo de<br />
recomeçar a construção sem os erros do passado. Em certos excertos, o Português<br />
deu também lugar ao Francês, Inglês ou Alemão, <strong>da</strong>ndo mais significado à<br />
interrogação sobre a existência de uma língua perfeita absoluta, à confusão de<br />
línguas que se seguiu à destruição <strong>da</strong> Torre de Babel no trecho <strong>da</strong> Bíblia e à<br />
incomunicabili<strong>da</strong>de por vezes presente entre os trabalhadores e o arquitecto e entre<br />
os próprios trabalhadores.<br />
Escolhemos o Museu de Electrici<strong>da</strong>de para representar este espectáculo pelas<br />
características únicas do espaço. Trata-se de uma construção ampla, à beira rio, em<br />
tijolo — o material utilizado na Torre de Babel — e com a presença de máquinas<br />
evocativas e com vi<strong>da</strong> própria como se de animais pré-históricos se tratassem. O<br />
espaço permite trabalhar com carrinhos e argamassa, e os muros de tijolo erguemse<br />
como uma torre já existente, ao lado <strong>da</strong> qual construiremos uma nova com<br />
material novo.<br />
As representações aqui no Museu de Electrici<strong>da</strong>de serão para nós mais uma<br />
aventura à descoberta de um novo espaço. Esperamos que o sejam também para o<br />
espectador. Boa viagem! Bom trabalho! 21<br />
21 Programa Quem foi o Arquitecto <strong>da</strong> Torre de Babel?, no Museu <strong>da</strong> Electrici<strong>da</strong>de. Texto coletivo.<br />
107
Ain<strong>da</strong> em 2002, o TUT participou na apresentação de Histórias de ver e de<br />
an<strong>da</strong>r através <strong>da</strong> leitura de alguns contos, do livro homónimo de Teolin<strong>da</strong> Gersão. O<br />
Lançamento do livro realizou-se no Foyer do Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de.<br />
Em 2003, apresentou-se uma versão reduzi<strong>da</strong> de Quem foi o Arquitecto <strong>da</strong> Torre<br />
de Babel? – Excertos, desta vez na Facul<strong>da</strong>de de Motrici<strong>da</strong>de Humana.<br />
Nesse mesmo ano, o TUT participou numa leitura encena<strong>da</strong> de textos de Edel<br />
Atemkristall e de Ramiro Osório - “dois monges atravessam um rio” - por ocasião do<br />
Lançamento do livro escrito por ambos "Amor cinza perfeito", apresentado por Teresa<br />
Rita Lopes, na sala de exposições <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Portuguesa de Autores<br />
Contudo, a principal produção desse ano, foi Hipólito e Fedra: 1º Assalto, a<br />
partir <strong>da</strong> tragédia grega de Euripídes "Hipólito" apresenta<strong>da</strong> no Espaço do Teatro <strong>da</strong><br />
Garagem.<br />
Sobre a construção deste espetáculo, um dos elementos do TUT, a Sofia Parente,<br />
descreve todo o processo criativo, revelador do nível de reflexão teatral que se atingia<br />
durante os ensaios:<br />
A construção deste espectáculo começou por uma longa fase de desconstrução:<br />
desconstrução do texto, <strong>da</strong>s ideias prévias sobre o que deveria ser a representação<br />
de uma tragédia Grega nos dias de hoje, do espaço cénico. Desconhecíamos o<br />
caminho e o ponto de chega<strong>da</strong> mas iniciámos a viagem à descoberta do texto<br />
“Hipólito”, uma tragédia já representa<strong>da</strong> há 2.400 anos no chão de calcário de<br />
anfiteatros onde a nossa civilização iniciou a maior aventura de to<strong>da</strong>s, à descoberta<br />
do objecto <strong>da</strong> antropologia.<br />
Surpreendeu-nos a lucidez e a riqueza conti<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s frases deste texto.<br />
A desconstrução refere-se aqui à <strong>da</strong> sequência, não a desconstrução <strong>da</strong>s frases ou<br />
dos diálogos, esses foram mantidos em to<strong>da</strong> a sua grandeza. Este processo foi<br />
longo mas produtivo e dele ressaltou a trama familiar que constitui, a nosso ver, o<br />
ponto fulcral <strong>da</strong> tragédia “Hipólito”. Desta descoberta resultou a opção pela<br />
designação “Hipólito e Fedra”. Estão lá todos os elementos <strong>da</strong> tragédia: o incesto, a<br />
108
sugestão do parricídio, o destino traçado pelos deuses, a imperfeição humana; mas<br />
estão lá também os elementos <strong>da</strong>s tramas familiares. Eis um pai e um filho em<br />
confronto, uma mulher apaixona<strong>da</strong> à procura de uma solução para a fogueira do<br />
desejo que a consome, os laços (nem sempre de amizade) entre as personagens<br />
Fedra/ama, Hipólito/companheiros, as mulheres do coro assistindo a tudo.<br />
O coro leva-nos ao segundo ponto de desconstrução. Como fazer hoje uma tragédia<br />
Grega, cujas ressonâncias são tão profun<strong>da</strong>s na nossa Civilização? O coro, coluna<br />
vertebral <strong>da</strong> tragédia, foi mantido nas suas funções de ligação e clarificação de<br />
certas cenas, mas havia que lhe <strong>da</strong>r uma identi<strong>da</strong>de. Encontramo-la nas mulheres<br />
de Trezena, no povo, nos trabalhadores oleiros. O coro multiplica-se, como um<br />
caleidoscópio multiplica as cores perceptíveis ao olho humano pela passagem <strong>da</strong><br />
luz, sem, no entanto, deixar de ser um corpo de personagens concreto e constante<br />
em todo o espectáculo.<br />
Simultaneamente, descobrimos o espaço cénico para o nosso espectáculo, e com<br />
essa descoberta pudemos, enfim, iniciar a procura <strong>da</strong> forma. A uma trama familiar,<br />
íntima como devem ser as tramas familiares, convinha um espaço exíguo, onde os<br />
acontecimentos fossem apresentados de forma circular e repetitiva, como circular e<br />
repetitivo é o movimento <strong>da</strong>s ro<strong>da</strong>s de oleiro. Fechamos os personagens num<br />
círculo de espectadores e eis-nos de volta ao anfiteatro Grego, onde os actores<br />
também estavam rodeados e não enfrentam uma plateia como hoje.<br />
Se o texto já nos tinha parecido rico à parti<strong>da</strong>, quando o corpo o levou à cena, essa<br />
impressão foi reforça<strong>da</strong>. Navegamos na crista de ca<strong>da</strong> palavra, refreamos gestos<br />
inúteis, pois à perfeição <strong>da</strong>s ideias e <strong>da</strong>s palavras e à exigui<strong>da</strong>de do espaço não<br />
convém acrescentar adornos inúteis.<br />
E eis-nos diante de um espectáculo, entre a multiplici<strong>da</strong>de de espectáculos<br />
possíveis que uma obra desta grandeza encerra. Por isso lhe chamamos “Primeiro<br />
assalto”; a este, outros se seguirão. É por obras de alquimia como esta que o TUT<br />
continua a existir. 22<br />
Hipólito e Fedra: 1º Assalto<br />
Armin<strong>da</strong> Moisés Coelho, a figurinista, escreveu para o Programa, o testemunho<br />
do seu percurso criativo neste espetáculo:<br />
22 Documento interno do TUT, escrito por Sofia Parente.<br />
109
Acerca dos figurinos de Hipólito<br />
História antiga com espírito moderno, acção moderna sobre<br />
tema antigo.<br />
Jorge Listopad<br />
Os figurinos, tal como os adereços e o espaço, entre outros, fazem parte de um<br />
todo: não acrescentam, não justificam, não ilustram, mas fundem-se, identificamse.<br />
Neste âmbito e de acordo com a minha forma de trabalhar, procurei entender o<br />
pensamento de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s personagens, onde e como se movimentam a nível<br />
espacial e emocional, a nível individual e na interacção com os outros. Por<br />
exemplo, Fedra e Ama são duas personagens que ocupam o mesmo espaço, mas de<br />
forma diferente. Fedra tem identi<strong>da</strong>de, tem posição e um destino a cumprir, a Ama<br />
não tem nome, mas tem presença, é a causadora <strong>da</strong> acção. Fedra delira, apela,<br />
protesta, é instável; a Ama pondera, reflecte, é madura e tem capaci<strong>da</strong>de de<br />
a<strong>da</strong>ptação. Fedra é requinta<strong>da</strong>; a Ama é prática e dinâmica.<br />
Semelhante a Fedra e a sua Ama é o papel de Hipólito e do seu Companheiro, pois<br />
partilham o mesmo caminho. Também o Companheiro não tem nome, também este<br />
previne, alerta, indica causas; Hipólito partilha o seu espaço mas demarca-se.<br />
Quanto a <strong>Tese</strong>u e Hipólito, são pai e filho, sem falarem entre si como tal. <strong>Tese</strong>u é<br />
poder, é forma imponente, não precisa de atributos especiais, senão de marcar a sua<br />
presença. Finalmente, o Narrador é um elemento dos nossos dias ou de outros dias.<br />
Alguém que interrompe, corta, surpreende e esclarece, anuncia como um repórter.<br />
Entra e sai simplesmente.<br />
Afrodite e Artémis são deusas, por vezes quase humanas, com personali<strong>da</strong>des<br />
opostas mas ambas egocêntricas, poderosas, caprichosas. São espíritos do passado<br />
mas presentes. Os Rapazes dos Cavalos e o Coro acompanham, anunciam, ora<br />
distantes ora perto, são presenças semi-presentes, que tanto podem ser público<br />
como outras pessoas quaisquer.<br />
O espaço partilhado por todos, que atinge quem o circun<strong>da</strong> e ultrapassa, é um<br />
espaço sem começo e sem fim. Espaço entre o que é espiritual e mun<strong>da</strong>no, local de<br />
acção cortado por elementos esvaziados do seu contexto mas com outra reali<strong>da</strong>de.<br />
As palavras do encenador Jorge Listopad, em epígrafe, as ideias explora<strong>da</strong>s pelo<br />
grupo, os sons experimentados, todo o trabalho desenvolvido ao longo dos ensaios,<br />
foram o mote de inspiração. A referência ao moderno ou antigo não significa, a<br />
meu ver, propriamente a marcação de um estilo, mas algo que está presente e que<br />
se sente, sem evidência. 23<br />
23 Programa Hipólito e Fedra: 1º Assalto<br />
110
Jorge Listopad escreveu também no programa que:<br />
t r a g é d i a e r ó t i c a<br />
Por muito que julgue saber sobre as personagens <strong>da</strong> tragédia “Hyppolytos”, não é<br />
suficiente. Enfim, não acabei o meu trabalho. Talvez seja para não ser acabado,<br />
esse drama erótico de Eurípides, autor, de entre os dramaturgos gregos, o menos<br />
“grego” e já mais nosso: mesclado, ambíguo, condicional. Talvez essa Fedra, o<br />
novo modelo de mulher, Hipólito, depreciador dela, aquela Ama sem nome próprio<br />
e to<strong>da</strong>via de primeira importância para fixar a intriga e desenrolar os fios <strong>da</strong><br />
desolação, e todos os outros, enclavinhados num processo de vi<strong>da</strong> e de morte,<br />
inscritos nas finas e pérfi<strong>da</strong>s teias de Eros, não me sejam <strong>da</strong>dos a terminar (e a<br />
arquivar) de uma vez para sempre. Intolerante, o facto? Pelo contrário. Hoje, quero<br />
dizer, por esta vez, neste primeiro assalto, aos olhos fechados condenei os actores,<br />
os artistas-técnicos e os vendedores de som mas, igualmente, o público, no círculo,<br />
dentro <strong>da</strong> imagem geométrico-mítica cirurgicamente opera<strong>da</strong> pelo destino traçado<br />
de então. Num segundo assalto abrir-se-ia a arena? Ajustaria a eventual nova<br />
disposição palco-plateia à nova pesquisa <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, quem sabe, fulgurante?<br />
Pergunto como um menino, talvez filho de Medeia do mesmo autor, ain<strong>da</strong> sem<br />
culpa, não queimado pelas circunstâncias do mundo figurado.<br />
Alguns dos meus mais chegados colaboradores nesta proposta redigiram para o<br />
programa, coisas perfeitas. Apropriaram-se do espectáculo. Assim seja. Agora é a<br />
tua vez, ó leitor-espectador. Prossigamos. 24<br />
No final de 2003, a Coreógrafa Paula Massano começou a colaborar com o TUT.<br />
Na sessão de 2 de Outubro, dirige na primeira parte do ensaio o aquecimento, o trabalho<br />
de corpo. Depois, Listopad continua a sessão,. Paula Massano fica a assistir:<br />
Paula Massano faz o aquecimento.<br />
24 Programa Hipólito e Fedra: 1º Assalto.<br />
111
Postura – Visualizar<br />
De pé. Peso do corpo bem distribuído nos pés.<br />
Cabeça a elevar-se. Pés a enraizarem.<br />
Sentados. Alongamento <strong>da</strong> coluna vertebral.<br />
O corpo descontraído, a cabeça a elevar-se (vértebras), o cóccix a enterrar-se.<br />
A coluna pode estender-se, alongar-se.<br />
Movimento interno do corpo. Estender um braço, uma perna, o pescoço<br />
(de olhos fechados, sentado ou deitado).<br />
Movimento – Sequência.<br />
Listopad continua.<br />
Chove. Proteger <strong>da</strong> chuva. Ir para casa. Ver televisão. Ir deitar.<br />
Ter fome e levantar. Tentar adormecer, tendo perdido o sono. Dormir e sonhar.<br />
Matéria artística. Memória imediata, de experiência, afetiva, futura.<br />
Memória de coisas que não há. Memórias de sonhos.<br />
Utopia – Sonho a realizar – (como Portugal)<br />
Atopia – Não lugar<br />
Heterotopia – Outro lugar que não conhecemos<br />
Topos – Lugar<br />
Matemática/Linguística<br />
Fazer com corpo, sonho que não existe.<br />
R e L – são <strong>da</strong> mesma família<br />
“jaz no próprio telúrico <strong>da</strong> língua”<br />
“Neto do Camilo Pessanha não sabe português. É chinês. Não sabe quem é o avô.”<br />
Qual a cor do poema?<br />
António Patrício e Camilo Pessanha estiveram na mesma altura em Macau, mas<br />
não se conheceram.<br />
Exercício <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> – Relação e Emoção.<br />
Um marca ritmo – Outro <strong>da</strong>nça<br />
Um <strong>da</strong>nça – Outro responde<br />
Sequência de movimentos.<br />
Imagina que és um Todo-o-Terreno (Descentrar)<br />
Acão é sempre resultado de conflito.<br />
Poema rítmico com uma palavra.<br />
Exemplo: Frio, Primavera<br />
Principezinho – Capítulo XXIV<br />
Ver o original francês. Gerard Philipe, gravou.<br />
“Deserto Habitado”<br />
Invisível Fotogénico – Ver Tarkovsky<br />
Circuito sem descrição (sem ser descritivo).<br />
O que se faz, não é o que se diz, mas relaciona-se…<br />
Conhecer é nascer com as palavras.<br />
Usar a criativi<strong>da</strong>de.<br />
Ousar a criação.<br />
Espaço de liber<strong>da</strong>de, de jogo.<br />
“Somos irresponsáveis, mas conscientes”, comprometidos.<br />
112<br />
02/10/2003<br />
13/10/2003<br />
16/10/2003
113<br />
23/10/2003<br />
Paula Massano, fez em 1983 uma Coreografia com pequenas bolas.<br />
Eles e elas caminhavam com bolas de cor nas mãos, que induziam o movimento.<br />
São palavras que nos fazem?<br />
Somos nós que fazemos palavras?<br />
Quem somos?<br />
O abismo do Teatro.<br />
Três irmãs, mas uma é homem. Mas não diz na<strong>da</strong>, é assim.<br />
Tensão. O Teatro permite-se estas fantasias.<br />
10/11/2003<br />
TUT, grupo que através do Teatro cultiva a Cultura, faz parte de uma história do<br />
Teatro Estu<strong>da</strong>ntil e do Teatro Português.<br />
I<strong>da</strong> conjunta ao Teatro para uma perceção comum de Artefactos Teatrais.<br />
Simbiose – Ideia Dramatúrgica para “O Principezinho” e “Pierrot e Columbina” de<br />
Alma<strong>da</strong> Negreiros<br />
Espetáculo na Reitoria.<br />
TUT de novo na Reitoria, 22 anos depois.<br />
Tut i quanti.<br />
Bertold Brecht – “Há os que dizem Sim e os que dizem Não.”<br />
13/11/2003<br />
17/12/2003<br />
O culminar do trabalho realizado até ao fim de Dezembro, resultou na<br />
apresentação, no início de 2004, de Pierrot e Arlequim na Reitoria. Com Alma<strong>da</strong><br />
Negreiros, o TUT regressava “22 anos depois” ao espaço que o viu nascer: O Palácio<br />
Centeno/Reitoria <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa. O lugar de encontro e de ensaios<br />
continuou a ser a Biblioteca do ISA, mas foi bom saber que a antiga Capela, deixava de<br />
ser depósito de arquivo, e voltava a recuperar a digni<strong>da</strong>de de Salão Nobre.
O espetáculo terminava com a frase “O teatro pergunta sempre” que refletia o<br />
processo de criação experimentado por todos os fazedores em cena. As interrogações<br />
que eram já encontros com o inesperado <strong>da</strong>s situações propostas.<br />
Deste modo, foi sendo construído o espetáculo O Principezinho, Pierrot e<br />
Arlequim a partir de “Pierrot e Arlequim” de Alma<strong>da</strong> Negreiros e de “O Principezinho”<br />
de St-Exupéry, que foi apresentado na Biblioteca do Instituto Superior de Agronomia.<br />
Ain<strong>da</strong> em 2004, na continuação de trabalho, e tendo-se acrescentado mais textos,<br />
nomea<strong>da</strong>mente de António Patrício, Ramiro Osório, Dino Buzatti e Jorge Listopad,<br />
criou-se Deserto Habitado, que foi também apresentado no Instituto Superior de<br />
Agronomia.<br />
114
No ano lectivo de 2004-2005, retomaram-se os ensaios de Deserto Habitado,<br />
criação que a “pouco e pouco” se ia apurando:<br />
Ok, continuamos!<br />
Pequenas situações concretas:<br />
Cozer ovo<br />
Lavar os dentes<br />
Ca<strong>da</strong> coisa banal contém a sua metáfora, à procura de uma essência.<br />
Ca<strong>da</strong> um faz e os outros estão atentos.<br />
1ª etapa – fazer concreto<br />
2ª etapa – fazer abstrato, sem apoio de coisas concretas<br />
Estar atento à linha de força.<br />
Tão concreto que se torna abstrato<br />
Abstrato é no fundo simbólico.<br />
Estamos a qui para fazer teatro, apesar de ca<strong>da</strong> vez menos, se saber o que é teatro.<br />
E isso é interessante, fazer coisas que não sabemos o que é.<br />
115<br />
09/2004<br />
Teatro é conflito, é processo.<br />
Tribunal – (Ritual)<br />
Juiz, Defesa, Acusador.<br />
Criar processo!<br />
Criar improvisação do Processo, revela linhas de força, energias, surpreende.<br />
É pena não se filmar, não se tomar notas.<br />
A pe<strong>da</strong>gogia desaparece.<br />
Teatro artesanal, não computorizado, feito de vozes, corpos, espaços, tempos.<br />
“Deserto somos nós, está dentro de nós.”<br />
“O poço também.”<br />
07/10/2004<br />
11/10/2004<br />
Em 2005, com o Deserto já “dentro de nós” o espetáculo estava pronto.<br />
Primeiramente, apresentado ao público no Jardim de Inverno do Teatro Municipal S.<br />
Luiz. Listopad escreveu no Programa:<br />
A DESCOBERTA<br />
Já se sabe: o teatro não é o que era. Mas sabe-se menos que durante to<strong>da</strong> a sua<br />
história longínqua, dramática, sinuosa, insinuante também, o teatro não desafiava o<br />
mundo dos deuses e dos humanos do mesmo modo. O teatro foi sempre outro.<br />
"Deserto Habitado" que preparámos, improvisando e reflectindo, com uma<br />
pequena equipa de intérpretes queridos, cenógrafas gemina<strong>da</strong>s e músico non plus<br />
ultra, é uma parábola livre, aparentemente não dota<strong>da</strong> de conflito central, sendo
uma reprodução forçosamente inexacta do que pensamos quando pensamos sobre o<br />
mundo de hoje, do que sentimos quando sentimos sobre o teatro em volta de nós.<br />
Sem personagens heróicas, sem figuras integrais, sem textos prontos para o<br />
consumo, viajamos, melhor, vagabundeamos de um fragmento a outro, nós<br />
próprios provavelmente contaminados, fragmentados, cercados pelo sentimento e<br />
inteligência. De uma cena a outra, haverá diferença de temperatura? de<br />
temperamento? de desejo?<br />
Também por isso hesitamos, encurralados entre o sim e o não, entre a monotonia e<br />
a aventura, entre os ecos distantes e a opaci<strong>da</strong>de dos corpos, entre o afastamento<br />
voluntário e o drama de viver a (sua) vi<strong>da</strong>.<br />
Sim, ain<strong>da</strong> hesitamos. Mas o tempo, a máquina a laminar, não nos deixa muito a<br />
reflectir. Agora ou nunca. 25<br />
Depois <strong>da</strong> representação no S. Luiz, o TUT deslocou-se a França onde voltou a<br />
participar nos “XVII Rencontres de Théâtre et Jeunesse pour l’Europe” em Grenoble.<br />
25 Programa Deserto Habitado.<br />
116
Em 2006, sentiu-se a necessi<strong>da</strong>de de refletir sobre Portugal, os poetas<br />
portugueses e a poesia:<br />
“A palavra faz a flor”.<br />
É a palavra que faz a flor!<br />
117<br />
09/02/2006<br />
E desta forma, a partir do poema “Lusitânia no Bairro Latino” de António Nobre<br />
e de textos de Camões, Cesário Verde, Grabato Dias, Alexandre O'Neill e Fernando<br />
Pessoa, criou-se Só… no Quartier Latin.
O espetáculo foi apresentado no Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de, no Instituto Superior de<br />
Agronomia, no Teatro Municipal Mirita Casimiro, no Monte de Estoril, no Cine-Teatro<br />
Aveni<strong>da</strong>, de Castelo Branco, na Biblioteca Municipal Eugénio de Andrade, no Fundão,<br />
e no Teatro Cinearte/A Barraca.<br />
Listopad escreveu no programa:<br />
Um dia com António Nobre<br />
Um dia, exactamente numa tarde memorável para mim, fazendo o caminho do<br />
Fundão amigo para Lisboa, soube ler, de modo radicalmente diferente, o poeta<br />
António Nobre: fiquei surpreendido e deliciado pela força dramática,<br />
interconflictual do poema lírico-épico “Lusitânia no Bairro Latino”, parte do seu<br />
único livro “Só” – esse mais belo nome para um volume de poesia. Sabia que, com<br />
Cesário Verde, é dos primeiros poetas modernos, ain<strong>da</strong> romântico mas com<br />
distância dos românticos anteriores, ele próprio jogador de distâncias entre a<br />
orali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> partitura popular e dos seus refinados registos vocais, o cromático do<br />
verbo, etc., etc.….<br />
118
“Só”, pois. Prometi-me esse texto como a noiva ao noivo. Cresceu na minha<br />
imaginação dramatúrgica e cénica num opus, numa ópera, ópera sem cantores, uma<br />
cantata sem apetrechos, numa auto-encenação do poeta mas igualmente numa<br />
autobiografia de Portugal. Portugal não só saudosista, segundo a fama sem<br />
proveito, mas igualmente real, realista, surrealizante, até chegar a um objecto de<br />
certa cruel<strong>da</strong>de de percepção, quiçá perversa. Porém, a palavra perverso tem já o<br />
verso no seu radical… Quem diria que esse Portugal de ontem de António Nobre<br />
transporta tendencialmente certas características até hoje, navegando num “<strong>da</strong>rk<br />
continent” cheio de sol, lá onde vivemos. Mas chega de introdução.<br />
Chamei, não, pedi a colaboração de muita gente boa, de actores e não-actores, de<br />
músicos, cenógrafos, figurinistas, coreógrafos, luminotécnicos, alguns felizmente<br />
em ruptura (light) com a sua profissão rotineira de obreiros de espectáculos. Com<br />
os meus agradecimentos os nomes encontram-se no programa do espectáculo.<br />
*<br />
A maioria <strong>da</strong>s coisas que se fazem com tanto talento e esforço no teatro português,<br />
por vezes, parecem-me desnecessárias. Oxalá que o mesmo não se aplique a “Só…<br />
no Quartier Latin” que agora apresentamos, no duplo aniversário dos 75 anos <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa e dos 25 anos do TUT – Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
Técnica, de ininterrupta e generosa história. Eis o nosso serviço mínimo e máximo<br />
do que somos capazes.<br />
Se falharmos, amargo será o nosso coração.<br />
*<br />
Procurávamos o logótipo que fosse mais do que um logótipo, para o nosso<br />
espectáculo-rapsódia. Num acaso chegou (caiu, efectivamente) às nossas mãos a<br />
pintura de Sá Nogueira (1921-2002), um amigo, um companheiro, meu primeiro<br />
cenógrafo teatral em Portugal – há 50 anos.<br />
O logótipo ideal desse grande pintor lírico era isso: a solidão fora do real<br />
convencido. 26<br />
26 Programa Só… no Quartier Latin, em Fevereiro de 2006<br />
119
Em 2006-2007, o ponto de parti<strong>da</strong> para as sessões de trabalho foram os contos<br />
de Dino Buzzati, e a consciência social:<br />
“Programação é inspiração”<br />
Teatro – Ato social<br />
Urgências, éticas e outras<br />
De dizer, de congregar.<br />
120<br />
10/2006<br />
Desta forma nasceu o Triplo Salto a partir de três contos do livro “Os Sete<br />
Mensageiros” de Dino Buzzati. O espectáculo foi apresentado em 2007 na Central<br />
Tejo/Museu <strong>da</strong> Electrici<strong>da</strong>de e no Instituto Superior de Agronomia.
Jorge Listopad escreve sobre o espetáculo que:<br />
Três contos do livro “Os Sete Mensageiros” de Dino Buzzati (1906-1972), três<br />
narrativas bastante diferentes mas com o mesmo denominador comum. Três saltos,<br />
de facto assaltos, do real ao absurdo, do maravilhoso ao concreto: o nosso pão de<br />
todos os dias?<br />
Curioso, o autor italiano do grande romance “O deserto dos Tártaros“,<br />
dramatizado e filmado, achou a forma de contos mais perfeita: a explosão filma<strong>da</strong><br />
em câmara lenta. A nós, do TUT, Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa, coube<br />
mostrá-los ao vivo, portanto, teatralmente; correr o risco com os nossos corpos e<br />
almas; correr outro risco: que as regras existem para ser ultrapassa<strong>da</strong>s se fosse<br />
necessário. Correr o risco.<br />
A primeira história procura, com um príncipe, os confins do reino, o finito.<br />
Encontra?<br />
O segundo conto acompanha a que<strong>da</strong> de um ser humano banal, que<strong>da</strong> não livre,<br />
fasea<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> assim mais cruel, kafkiana. Albert Camus, que a<strong>da</strong>ptou uma <strong>da</strong>s<br />
peças de Buzzati, considerou o texto uma obra-prima.<br />
121
A terceira narrativa cria o abismo de estranho companheirismo pelas vias<br />
realistas. A vagabun<strong>da</strong>gem dos caprichosos gangsters, entre as perguntas não<br />
expressas e as respostas silenciosas.<br />
O trabalho de encenação foi dividido por vários membros do TUT, esse de<br />
grande tradição e de nenhuma rotina.<br />
A cenografia e os figurinos, o desenho musical, têm as competências de novos<br />
membros.<br />
“Triplo Salto” no Museu <strong>da</strong> Electrici<strong>da</strong>de é, para o TUT, uma honra, o<br />
incentivo, imaginativo, e também já uma certa tradição. 27<br />
Em 2007-2008, o Listopad convidou-me a entrar como ator na próxima<br />
produção do TUT que seria Os Cenci de Antonin Artaud. Os ensaios e as improvisações<br />
começaram na Biblioteca do ISA:<br />
Cenci está aberto psicofisicamente e teatralmente até onde pode ir!<br />
Ausência de Deus.<br />
Facha<strong>da</strong> – Controle social.<br />
Corpos redondos por metros quadrados.<br />
122<br />
10/01/2008<br />
Nas anotações deixa<strong>da</strong>s no meu Diário de Bordo, referia o cansaço que<br />
começava a aparecer no Listopad. Um cansaço físico, dos ensaios, não intelectual, pois<br />
continuava atento e surpreendente. Eu, no entanto, questionava-me:<br />
27 Triplo Salto.<br />
Listopad está com medo…<br />
Quer saber, até onde pode ir. Quer chegar! Mas porquê está peça?<br />
Teatro é isso, Expressão que faz Impressão, é tudo Pressão, que é o substantivo.<br />
Intensi<strong>da</strong>de<br />
Mas Pressão não tem que ser conflito, pode ser Parábola.<br />
Festa – Último filme de Kubrik.<br />
Máscaras, Mistério, Enigma. Porque estão ou não estão lá.<br />
Cenografia. Vazio ou tudo cheio de mesas. Ou só uma mesa com comi<strong>da</strong>.<br />
Jantar volante. Em forma de Assembleia <strong>da</strong> República.<br />
Poder, domina os presentes.<br />
Cenci, Força anímica.<br />
Acho que sim! Tire o acho! Sim!<br />
Penso que sim! Tire o penso! Sim!<br />
Assim dá mais força!<br />
Tivemos patético, poético, terno, agora teatro.<br />
Silêncio. Um minuto.
Seminário como instrumento de conhecimento.<br />
Teatro precisa de vivência.<br />
Não sublinhar os adjetivos, eles já valem por si<br />
Teatro é ouvir e depois responder, e depois ouvir. É contracenar.<br />
Banquete – Vós e alface.<br />
Ensaio como espetáculo. Repetido, improvisado.<br />
Vários Cenci.<br />
Cenci – elemento que introduz o mal.<br />
Explicação do mal absoluto, que quer atingir e não consegue.<br />
Faz mal por falta de realização pessoal.<br />
Mal, no sentido grego, vem de infelici<strong>da</strong>de caseira.<br />
Teatro é para ser visto, não para ser explicado, explicadinho.<br />
Livro: Segundo Artaud.<br />
Marcação espontânea.<br />
Atopia – Não é Utopia, não tem esperança.<br />
123<br />
14/01/2008<br />
Caves do Vaticano, não se sabe o que se passa; livros proibidos; fala-se baixo.<br />
Parar em relação a uma frase, discutir a forma de a dizer, alternativas.<br />
Parar a Cena!<br />
Quer emigrar do palco.<br />
17/01/2008<br />
Ensaio é reflexão filosófica, é teatro, e é desportivo – como o rugby – é um ensaio<br />
de concretização.<br />
Que seria do calor se não houvesse frio.<br />
Que seria <strong>da</strong> alegria se não houvesse dor.<br />
Textos de Artaud “Loucura e Morte”.<br />
Filme “Jesse James”, orgânico, osmose com teatro.<br />
Tudo está à procura de uma outra (coisa).<br />
“Escola de Actor. O que é que se pode fazer com um texto.”<br />
Talvez ler di<strong>da</strong>scálias. Fazer <strong>da</strong>s rubricas, texto teatral, vivo.<br />
Voz do Autor. Criação de atmosfera.<br />
21/01/2008<br />
Criar obstáculos pelas palavras e talvez pela marcação.<br />
Zona Shakespeariana.<br />
Pedreiros - Trabalhar com pedras<br />
Atrás <strong>da</strong>s palavras há coisas que não se dizem.<br />
Beatriz tem que ter volume humano. Espaços interiores. Cama<strong>da</strong>s de humani<strong>da</strong>de.<br />
Beatriz acredita nalguma coisa. Sente-se condena<strong>da</strong> porque é Cenci.<br />
24/01/08
Ter imagens/propostas para personagens, como por exemplo animais.<br />
Semear objetos.<br />
Os limites do caos.<br />
É como ir até ao Afeganistão via Air Somália.<br />
Voar no Abismo.<br />
“Justificar fazer Artaud, fazendo-o!”<br />
Máquina de oratória versus falar com as suas próprias palavras.<br />
124<br />
28/02/2008<br />
13/03/2008<br />
05/2008<br />
A produção ia avançando, mas o cansaço impedia uma presença continua<strong>da</strong> de<br />
Listopad nos ensaios, pelo que se tomou a decisão de eu assumir a encenação do<br />
espetáculo, seguindo as linhas gerais, mas a<strong>da</strong>ptando e solucionando situações que<br />
ain<strong>da</strong> não tinham sido trabalha<strong>da</strong>s, assim como a a<strong>da</strong>ptação do espetáculo ao espaço<br />
onde seria apresentado: o “Cabaret Maxime” na Praça <strong>da</strong> Alegria.<br />
Relembro o texto breve deixado por Listopad:<br />
Como se justifica programar Artaud? Fazendo.
Por minha conta pessoal, ca<strong>da</strong> espectáculo é o último. 28<br />
Após a carreira do espetáculo, tiveram que se tomar decisões. Listopad já não<br />
podia assegurar a direção do grupo e, portanto, era necessário encontrar uma forma de<br />
<strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de ao TUT. Optou-se pela constituição de uma equipa diretiva, que de<br />
certa forma já existia, composta pelos elementos mais antigos que se mantinham ligados<br />
ao grupo, e que estariam por isso, melhor preparados para a liderança. A saber: o Nuno<br />
Cortez e o Júlio <strong>Martín</strong>, fun<strong>da</strong>dores do TUT, e o Manuel Vieira ligado ao grupo há mais<br />
de quinze anos.<br />
Uma <strong>da</strong>s priori<strong>da</strong>des desta equipa, com o apoio do Listopad, foi a de solicitar<br />
uma reunião com a Reitoria <strong>da</strong> UTL, no sentido de solicitar a cedência de um espaço<br />
onde o grupo pudesse ensaiar e, salvaguar<strong>da</strong>r todo o espólio que se encontrava disperso<br />
por vários locais e com diferentes pessoas. No seguimento deste pedido, e pela primeira<br />
desde o início <strong>da</strong> sua existência, o TUT, a partir deste ano de 2008, ficou a dispor no<br />
Palácio Burnay - onde funcionam os Serviços Sociais <strong>da</strong> UTL - de duas salas contíguas.<br />
Uma sala maior para ensaios, e uma outra mais pequena, para escritório, arquivo e<br />
arrumações de material técnico, figurinos e outros. Procedeu-se de imediato, com a<br />
colaboração de todos os elementos do grupo, ao transporte e arrumação de todos os<br />
materiais.<br />
28 Programa do Cenci.<br />
125
4.2.5. Período de 2009-2012<br />
Logo que o Listopad informou o Reitor <strong>da</strong> UTL de que se iria retirar, a<br />
Universi<strong>da</strong>de deixou de financiar a ativi<strong>da</strong>de do Grupo – que se traduzia numa verba<br />
para pagamento do trabalho do Listopad e de um monitor - pondo em causa a existência<br />
do grupo e a sua continui<strong>da</strong>de. Na ver<strong>da</strong>de, ao longo de 27 anos, foi sendo sempre<br />
renovado um valor monetário - que se manteve praticamente inalterável desde o seu<br />
início, sem nunca ter sido atualizado – numa espécie de acordo de cavalheiros,<br />
primeiramente estabelecido entre o Reitor e Jorge Listopad. O TUT não tinha, de facto,<br />
nenhuma autonomia, nem existência legal. O grupo tinha agora finalmente um espaço,<br />
mas não tinha apoio financeiro por parte <strong>da</strong> UTL.<br />
As regras tinham mu<strong>da</strong>do e, neste novo contexto, fomos informados que se o<br />
TUT quisesse ser apoiado pela UTL teria de se constituir em associação, com existência<br />
jurídica própria, algo que aliás, era desejado pela atual equipa diretiva do grupo, desde<br />
há muito tempo. Iniciaram-se de imediato to<strong>da</strong>s as diligências nesse sentido,<br />
nomea<strong>da</strong>mente a re<strong>da</strong>ção dos estatutos e o estudo <strong>da</strong> melhor formulação jurídica, de<br />
molde a que a UTL fosse também sócia fun<strong>da</strong>dora e constituinte desta nova Associação<br />
com o TUT.<br />
Paralelamente a to<strong>da</strong>s estas démarches deu-se início ao novo ano lectivo, com o<br />
anúncio de abertura de inscrições:<br />
126
Foi também apresentado à Reitoria <strong>da</strong> UTL um plano pormenorizado de<br />
ativi<strong>da</strong>des a desenvolver no corrente ano lectivo de 2008-2009.<br />
A equipa diretiva do TUT, ia visitando e informando regularmente o Listopad do<br />
desenrolar dos trabalhos, ao que ele correspondia com satisfação e apreço:<br />
Em casa de Listopad.<br />
Conta-nos que ao comprar a Agen<strong>da</strong> do próximo ano, coincidiu com telefonema <strong>da</strong><br />
esposa de Carlos Porto, anunciando a sua “parti<strong>da</strong>”.<br />
Foi o Listopad que lhe cedeu o Comércio do Porto e o Jornal de Letras.<br />
Nós três. Listopad, Nuno e eu. Falta Vieira. Três vi<strong>da</strong>s.<br />
Fala-nos de livro de um jovem autor.<br />
Chega sua esposa Helena.<br />
Francisca está em Andorra e Lourdes, rezando a Nossa Senhora.<br />
Ouve Martinu, Ópera “Juliete et la clée des songes”<br />
Listopad sonha com o TUT, que vamos para Itália, Grenoble, Brnó.<br />
Falamos de Tolentino Mendonça, Jacinto Lucas Pires.<br />
Listopad conta-nos que Lucas Pires convidou-o para Diretor do Teatro Nacional.<br />
127<br />
30/10/2008<br />
Artaud é teatro de ideias, não esquecer isso, e Energia; falar, mais do que palavras,<br />
é transmitir energia.<br />
03/11/2008<br />
A próxima produção do TUT seria de novo Os Cenci de Artaud. A carreira do<br />
espetáculo no “Cabaret Maxime” tinha sido um êxito em termos de público, e era<br />
unânime a vontade do Grupo em revisitar este texto. Procedeu-se a uma nova<br />
dramaturgia, com algumas alterações, e a uma outra visão do espetáculo, em termos de
ealização plástica – que ficou mais despoja<strong>da</strong> e essencialista – e de encenação,<br />
integrando também os novos elementos que ingressavam no TUT.<br />
O trabalho de formação decorria normalmente, mantendo a mesma linha de<br />
improvisações orienta<strong>da</strong>s, estimulantes, inespera<strong>da</strong>s e desafiadoras, de descoberta e<br />
encontro de outras reali<strong>da</strong>des, interiores e de relação com o mundo e com os outros. Por<br />
outro lado, sem o apoio financeiro <strong>da</strong> Reitoria, tornava-se fulcral para a apresentação do<br />
próximo espetáculo, racionalizar os custos e não ter despesas de produção. A escolha do<br />
local seria determinante para atingir esse objetivo.<br />
Muitas vezes se tinha falado, de que existia no Palácio Burnay um Teatrinho, mas<br />
eu nunca o tinha visto, de forma que num dia de ensaio - com todo o grupo - mais<br />
precisamente no dia 4 de Dezembro de 2008, segundo o que escrevi no meu Diário de<br />
Bordo “Vimos Teatrinho do Palácio Burnay”. A decisão em estrear o espetáculo ali, foi<br />
imediata e unanime. O espaço encontrava-se abandonado, cheio de “tralhas” e muito<br />
sujo, mas não escondia a sua particular beleza e potenciali<strong>da</strong>des. Foi organizado um dia<br />
inteiro de trabalho, com materiais de limpeza, e os próprios elementos do grupo,<br />
procederam à total arrumação e limpeza <strong>da</strong> sala do Teatrinho, do seu palco, camarins,<br />
sub-palco e arreca<strong>da</strong>ções.<br />
Entrados em 2009, o TUT concorreu pela primeira vez sem o Listopad ao apoio <strong>da</strong><br />
Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian, mas com a atual equipa diretiva. Esta aju<strong>da</strong> revelava-se<br />
fun<strong>da</strong>mental, porque ain<strong>da</strong> decorriam as conversações com o Gabinete Jurídico <strong>da</strong><br />
Reitoria, no sentido do grupo se constituir como Associação e, como tal, ain<strong>da</strong> não<br />
tínhamos nenhum apoio.<br />
Solicita<strong>da</strong> uma reunião com o Reitor <strong>da</strong> UTL, para uma apresentação formal <strong>da</strong><br />
nova equipa dirigente do TUT, esta foi prontamente viabiliza<strong>da</strong>, tendo sido<br />
salvaguar<strong>da</strong>do por parte do Professor Doutor Ramôa Ribeiro – Reitor à época <strong>da</strong> UTL –<br />
o total interesse pela continui<strong>da</strong>de do TUT e assegura<strong>da</strong> a plena confiança na sua atual<br />
direção. Foi ain<strong>da</strong> manifestado por parte do Reitor, todo o seu empenho pessoal, no<br />
sentido de agilizar a constituição <strong>da</strong> Associação e posterior apoio formal ao grupo.<br />
Foi com enorme satisfação, que recebemos a notícia do apoio <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção<br />
Calouste Gulbenkian, ver<strong>da</strong>deiro mecenas protetor, ao longo dos anos, do teatro<br />
universitário. E com este alento suplementar se ultimaram os preparativos para a estreia<br />
do espetáculo.<br />
Entre os dias 20 e 24 de Maio de 2009, com sessões esgota<strong>da</strong>s, foi apresentado no<br />
Teatro do Palácio Burnay Os Cenci II segundo a peça homónima de Antonin Artaud,<br />
128
com encenação de Júlio <strong>Martín</strong> <strong>da</strong> <strong>Fonseca</strong>. Na altura, foi anexado ao Programa –o<br />
mesmo do ano anterior – uma folha de sala, com o novo elenco e colaboradores e, onde<br />
escrevi:<br />
Passagem<br />
29 Programa Os Cenci II.<br />
Receber o testemunho de alguém, com quem se começou a descobrir o teatro e se<br />
fez um percurso em conjunto ao longo de 27 anos, tem um duplo sabor de fraterna<br />
soleni<strong>da</strong>de e de serena inquietação. Jorge Listopad é um homem em completa<br />
sintonia com o momento presente. Para ele, o teatro em geral e o teatro<br />
universitário em particular, cumpre uma função cultural e de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, com<br />
obrigações sociais e existenciais, enriquecendo a vi<strong>da</strong> com modos diferentes de ver<br />
e de ser, através <strong>da</strong> criação de metáforas plenas de poesia. Alguém consciente <strong>da</strong><br />
impermanência <strong>da</strong>s coisas, mas capaz de construir ordem numa situação caótica, ou<br />
gerar algum caos criativo numa ordenação esclerosa<strong>da</strong>, e com uma permanente<br />
atenção à singular complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s inúmeras e múltiplas possibili<strong>da</strong>des. Um<br />
criador, comprometido pe<strong>da</strong>gogicamente com o desenvolvimento pessoal dos<br />
elementos do grupo, e valorizando sobretudo essa dinâmica interna, a qualquer<br />
espectaculari<strong>da</strong>de para consumo exterior. E portador de uma voz própria, feita de<br />
experiência e saber, partilha<strong>da</strong> com companheiros de jorna<strong>da</strong> e comprometi<strong>da</strong> com<br />
o colectivo, com os jovens e com uma “alma” para a socie<strong>da</strong>de.<br />
É neste testemunho que todos nós Tutianos, e em particular o Nuno Cortez, o<br />
Manuel Vieira e eu nos reconhecemos, e que nos impele a seguir caminho,<br />
vislumbrando outras experiências inaugurais, ilumina<strong>da</strong>s por uma pe<strong>da</strong>gogia de<br />
abertura permanente à descoberta e ao encontro de outras, novas ou seminais,<br />
reali<strong>da</strong>des científicas e culturais.<br />
E oficiando a Passagem: Antonin Artaud. É ele justamente quem, em meados do<br />
conturbado séc. XX, proclama uma renova<strong>da</strong> atenção ao corpo e às forças vitais do<br />
ser humano, no que será secun<strong>da</strong>do por nomes como Jerzy Grotowski, no teatro, e<br />
Merce Cunningham, na <strong>da</strong>nça. O corpo e a voz como instrumentos privilegiados de<br />
encarnação, comunicação e manifestação artística. Lugares por excelência onde<br />
habita o Teatro Universitário. 29<br />
Jorge Listopad, Júlio <strong>Martín</strong> <strong>da</strong> <strong>Fonseca</strong>, Nuno Cortez, Manuel Vieira<br />
129
No ano lectivo de 2009-2010, houve uma enorme afluência de novos elementos.<br />
As sessões de trabalho chegavam a reunir cerca de 40 pessoas, entre antigos e recém-<br />
chegados ao grupo, que para além de discentes de diferentes Escolas e Institutos<br />
Superiores, e com ca<strong>da</strong> vez mais frequência oriundos do Programa Erasmus, eram<br />
também estu<strong>da</strong>ntes de Mestrado, Doutoramento, Professores e Investigadores.<br />
Demos início ao projeto “A Pessoa como Centro do Desenvolvimento”<br />
pretendendo-se prosseguir com o trajeto iniciado de facto há 30 anos, cumprindo os<br />
objetivos a que o TUT se propõe através de uma ativi<strong>da</strong>de reparti<strong>da</strong> em duas vertentes<br />
complementares, visando quer a formação cultural e humana dos estu<strong>da</strong>ntes<br />
universitários, quer a formação técnica que normalmente resulta na apresentação ao<br />
público de um espetáculo teatral. Esta abor<strong>da</strong>gem permitirá ain<strong>da</strong> desenvolver<br />
competências nas áreas <strong>da</strong> comunicação, criativi<strong>da</strong>de, inovação, iniciativa, trabalho em<br />
equipa e toma<strong>da</strong> de decisões, fun<strong>da</strong>mentais para a integração dos formandos no<br />
mercado de trabalho e para o seu sucesso profissional.<br />
Entretanto, e após uma demora<strong>da</strong> elaboração dos estatutos, em consonância com<br />
o Gabinete Jurídico <strong>da</strong> Reitoria, e tendo-se formalizado os passos necessários para o<br />
efeito, o TUT constituiu-se finalmente como Associação “de carácter cultural,<br />
pe<strong>da</strong>gógico, e científico que tem por objecto a promoção de acções de desenvolvimento<br />
do Ensino e <strong>da</strong> Arte, na área do Teatro e Expressão Dramática e no âmbito <strong>da</strong> Produção<br />
Artística”, tendo sido feita a Escritura, na Reitoria <strong>da</strong> UTL. no dia 12 de Fevereiro de<br />
2010. Como sócios fun<strong>da</strong>dores constavam Jorge Listopad, Júlio <strong>Martín</strong> <strong>da</strong> <strong>Fonseca</strong>,<br />
Nuno Cortez e Manuel Vieira, conforme fotografia acima apresenta<strong>da</strong>.<br />
130
Manuel Vieira, Nuno Cortez, Júlio <strong>Martín</strong> <strong>da</strong> <strong>Fonseca</strong>, Reitor Ramôa Ribeiro, Jorge Listopad<br />
Subsequentemente, foram sendo tratados outros assuntos tendentes ao normal<br />
funcionamento <strong>da</strong> Associação, nomea<strong>da</strong>mente nas Finanças, Segurança Social e,<br />
abertura de conta na Caixa Geral de Depósitos.<br />
Conseguimos também que fosse possível, ao abrigo do “Processo de Bolonha”,<br />
que os estu<strong>da</strong>ntes pudessem requerer que no seu certificado de habilitações, fossem<br />
averba<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des extracurriculares desenvolvi<strong>da</strong>s durante a sua passagem pela<br />
Universi<strong>da</strong>de, nomea<strong>da</strong>mente no que se refere a uma participação ativa no TUT.<br />
Nesse ano foi apresentado o espetáculo “Venenos Indispensáveis” segundo<br />
Jaime Salazar Sampaio, estreado no Teatro <strong>da</strong> Malaposta, no dia 1 de Maio. Seguiu a<br />
carreira, integrado no “4º Encontro de Escolas no Teatro”, no Teatro do Palácio Burnay<br />
de 13 a 23 de Maio com sessões esgota<strong>da</strong>s e, no Teatro Florbela Espanca, em Vila<br />
Viçosa, no dia 27 de Maio.<br />
131
Sobre o espetáculo escrevi no Programa a seguinte reflexão:<br />
Conheci o Jaime Salazar Sampaio, num Seminário de Interpretação, dirigido pela<br />
Glicínia Quartin, a partir de textos dele, na Escola Superior de Teatro e Cinema,<br />
ain<strong>da</strong> no Bairro Alto. O espanto pela sua escrita poética foi-me acompanhando, até<br />
que em 2009, num Ciclo de Leituras Encena<strong>da</strong>s de Autores Portugueses<br />
Contemporâneos, apresentado na Livraria Bulhosa, pelo Teatro Maizum e dirigido<br />
por Silvina Pereira, mais precisamente a 21 de Abril, dia dedicado à leitura <strong>da</strong>s<br />
suas peças curtas, curtinhas e encurta<strong>da</strong>s, reuni<strong>da</strong>s no seu livro Lanterna Mágica,<br />
que fiquei absur<strong>da</strong>mente cativado e, partilhei com o Nuno e o Vieira, sobre o<br />
interesse que estas obras teatrais teriam para o teatro universitário. Por outro lado,<br />
parecia ser também a sequência mais adequa<strong>da</strong> após as duas versões de “Os Cenci”<br />
de Antonin Artaud. Porque, se para Artaud, o palco não era suficiente para nele<br />
caber to<strong>da</strong> a tragédia <strong>da</strong> cruel<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, para o absurdo, a vi<strong>da</strong> por si só não<br />
bastava para alcançar o espanto <strong>da</strong> sua plenitude, apenas consegui<strong>da</strong> no palco. Mas,<br />
qual é o lugar do teatro do absurdo hoje? Corresponderá ele ain<strong>da</strong> ao sentimento de<br />
uma abandona<strong>da</strong> e estonteante condição humana? E se o substrato do Teatro do<br />
Absurdo foi o Simbolismo, o Absurdismo poderá vir a ser o substrato do quê? Num<br />
mundo global que como alguém disse nos torna a todos vizinhos mas não irmãos,<br />
procuramos através de Venenos Indispensáveis, e mantendo entre nós as palavras<br />
de Jaime Salazar Sampaio, agarrar os instantes, descascar as palavras, curar as<br />
acções e encarnar numa vi<strong>da</strong> mais intensa à procura e ao encontro de formas<br />
inaugurais de nos relacionarmos. 30<br />
30 Programa Venenos Indispensáveis.<br />
132
Paralelamente o TUT realizou ain<strong>da</strong> uma Ação Piloto de Formação e<br />
Desenvolvimento, no dia 25 de Maio, com a duração de 4 horas, incidindo nas<br />
Competências Comunicacionais e em Técnicas de Apresentação, para Docentes,<br />
discentes, Investigadores e outros interessados com formação superior.<br />
No início do ano lectivo de 2010-2011, convidámos o Listopad a visitar-nos no<br />
Palácio Burnay, para conhecer o novo grupo, os novos estu<strong>da</strong>ntes e, assistir a uma <strong>da</strong>s<br />
sessões de trabalho. Após o aquecimento de corpo e voz, com que sempre iniciámos os<br />
ensaios, e após ter terminado um exercício de projeção de voz, ensinado por Clara<br />
Joana, e mantido inalterável desde as primeiras sessões do TUT, Listopad comentou:<br />
Projeção SPA, que tem 30 anos, proponho transformar em duas coisas.<br />
Som e depois movimento.<br />
133
“Transformar uma coisa em duas. É o que faz o Teatro.”<br />
134<br />
11/11/2010<br />
Paralelamente ao período normal de formação, iniciámos a preparação <strong>da</strong>s<br />
comemorações dos 30 anos do TUT e dos ensaios para o próximo espetáculo. Esta foi<br />
uma oportuni<strong>da</strong>de de contactar e reatar laços com antigos “Tutianos”, recolher e<br />
organizar informação, memórias e documentos que estavam esquecidos e dispersos, e<br />
preparar a edição de um Boletim comemorativo que reunisse testemunhos de todos<br />
aqueles que ao longo de três déca<strong>da</strong>s vivenciaram ou colaboraram com o TUT.<br />
O Reitor, Professor Doutor Ramôa Ribeiro, tinha entretanto falecido, e a nova<br />
Equipa Reitoral, apesar dos nossos relatórios e projetos de ativi<strong>da</strong>de entregues, com<br />
orçamentos descriminados, e mantendo os mesmos valores praticamente inalteráveis há<br />
quase 30 anos, não avançava com nenhum apoio financeiro. Face á nossa insistência, e<br />
sendo a própria UTL sócia fun<strong>da</strong>dora <strong>da</strong> Associação, foi-nos informado que teria de ser<br />
celebrado um “Protocolo de prestação de serviço entre a Universi<strong>da</strong>de Técnica de<br />
Lisboa e o grupo de Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa”. E começámos a<br />
preparar esse Protocolo.<br />
Em Maio, estreámos a Comédia de Insectos a partir do texto “Ze života hmyzu”<br />
de Josef e Karel Čapek no Teatro <strong>da</strong> Malaposta, a que se seguiu a apresentação de uma<br />
série de espetáculos, de 18 a 22 de Maio, no Teatro do Palácio Burnay.
Sobre o espetáculo, escrevi o seguinte texto:<br />
Para a celebração dos 30 anos do TUT, procurávamos “algo” diferente, pouco<br />
conhecido, que abrisse uma janela intemporal, por onde se pudesse contemplar e<br />
transfigurar a nossa condição humana, e por um casual e feliz encontro com o João<br />
Soares Santos - investigador independente e autor do livro “Estudos sobre Artes<br />
Cénicas Asiáticas” - soube desta peça, curiosamente originária do país e <strong>da</strong> cultura<br />
do nosso fun<strong>da</strong>dor.<br />
Karel e Josef Capek escreveram a Comédia de Insectos, também conheci<strong>da</strong> como<br />
O Mundo em que vivemos, e publicaram-na em Checo em 1921. A peça foi<br />
representa<strong>da</strong> pela primeira vez no Teatro Nacional de Brno, na Checoslováquia, e<br />
teve a sua estreia a 8 de Março de 1922, tendo sido representa<strong>da</strong> no mesmo ano na<br />
América e no ano seguinte em Londres.<br />
A Comédia de Insectos através <strong>da</strong> combinação de várias formas, como a fábula, a<br />
revista e a sátira, apresenta-nos uma profun<strong>da</strong> reflexão sobre a humani<strong>da</strong>de e a<br />
efemeri<strong>da</strong>de do tempo. A maior parte <strong>da</strong>s personagens são insectos<br />
antropomorfizados ou humanos insectomorfizados, que espelham as nossas mais<br />
íntimas pulsões de vi<strong>da</strong> e de morte. Visão sensível e acura<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e do<br />
mundo em que vivemos, os irmãos Capek oferecem-nos com esta obra, a<br />
possibili<strong>da</strong>de de estarmos conscientemente presentes e acompanharmos<br />
luminosamente o ciclo <strong>da</strong> existência e tudo o que dela imana e transcende. 31<br />
O TUT, nesse ano, colaborou ain<strong>da</strong> no “Verão na Técnica” uma iniciativa <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa, destina<strong>da</strong> aos alunos do 10 e 11º ano do Ensino<br />
Secundário, visando proporcionar a oportuni<strong>da</strong>de de conhecer e experimentar o ritmo e<br />
o espírito <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> académica. O TUT voltou a apresentar, nessa ocasião, o espetáculo<br />
Venenos Indispensáveis a partir de textos de Jaime Salazar Sampaio, no Instituto<br />
Superior de Agronomia, para centenas de jovens alunos.<br />
31 Programa a Comédia de Insectos.<br />
135
O início do ano lectivo de 2011-2012 foi marcado pela intensi<strong>da</strong>de dos<br />
preparativos para as Comemorações dos 30 anos do TUT. Tendo-se garantido o apoio<br />
do Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de para esta iniciativa, foi-se desenvolvendo todo um trabalho de<br />
produção e promoção do evento, assim como dos ensaios dos espetáculos a apresentar, e<br />
a feitura do Boletim.<br />
E a 30 de Novembro, poucos dias depois de Listopad ter completado 90 anos,<br />
iniciaram-se no Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de, completamente cheio, e com a presença <strong>da</strong><br />
Embaixatriz <strong>da</strong> República Checa, as “Comemorações dos 30 anos do TUT e<br />
Homenagem a Jorge Listopad” com uma Exposição, dramatização do poema de<br />
Constantin Kavafy “À Espera dos Bárbaros” – que se constituiu como a estreia absoluta<br />
do TUT trinta anos antes no mesmíssimo Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de - a apresentação <strong>da</strong> peça<br />
“Comédia de Insectos” a partir do texto “Ze života hmyzu” de Josef e Karel Čapek,<br />
segui<strong>da</strong> de projeção de vídeo, sobre a vi<strong>da</strong> e obra de Jorge Listopad, Homenagem<br />
Pública no palco e, a dramatização do poema de Paul Éluard “Liber<strong>da</strong>de”, como<br />
símbolo do teatro universitário.<br />
Na Cerimónia, agradeceu-se também o apoio <strong>da</strong>do pelos Reitores <strong>da</strong> UTL ao<br />
TUT, ao longo dos anos, especialmente ao seu Fun<strong>da</strong>dor, Professor Doutor Arantes e<br />
Oliveira.<br />
Procedeu-se também publicamente à assinatura do Protocolo entre a UTL e o<br />
TUT, o que iria permitir ao grupo receber o apoio necessário ao seu funcionamento.<br />
Até ao fim do ano, não foi no entanto possível obter qualquer verba de apoio.<br />
136
Nuno Cortez, Reitora Profª Helena Pereira, Prof. Arantes e Oliveira, Jorge Listopad, Prof. J. Lopes <strong>da</strong> Silva<br />
Em Dezembro desse ano, alguns membros do TUT, tiveram ain<strong>da</strong> uma<br />
participação especial com o TEO – Teatro do Ourives, no espetáculo Barioná segundo<br />
Jean-Paul Sartre, no Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de.<br />
Em 2012, e tendo havido eleições para a constituição de uma nova Equipa<br />
Reitoral, a direção do TUT pediu uma audiência, para se apresentar ao novo Reitor.<br />
Estando agen<strong>da</strong><strong>da</strong>, mas tendo sido desmarca<strong>da</strong> por compromissos de última hora, a<br />
reunião acabou por ser feita, umas semanas mais tarde com um dos Vice-Reitores, que<br />
nos informou que o Protocolo ia ser anulado, que a verba pedi<strong>da</strong> referente ao apoio à<br />
ativi<strong>da</strong>de do TUT do ano anterior, devia ter sido paga pela antiga Equipa Reitoral, e que<br />
a partir de agora iria ser feito um concurso para apoio a projetos culturais, a que<br />
poderíamos concorrer. Assim fizemos.<br />
A 24 de Março, e correspondendo a um convite que nos fizeram, o TUT<br />
representou a UTL, nas comemorações dos 50 Anos <strong>da</strong> Crise Académica de 1962.<br />
Apresentámos uma dramatização do poema de Paul Éluard “Liber<strong>da</strong>de”.<br />
137
A ativi<strong>da</strong>de do grupo foi continuando normalmente e, a 12 de Maio, estreámos<br />
no Teatro <strong>da</strong> Malaposta Antígonas a partir de Sófocles, Jean Anouilh, Bertold Brecht e<br />
Maria Zambrano.<br />
O TUT fez segui<strong>da</strong>mente uma curta carreira no Teatro do Bairro, entre 16 e 20<br />
de Maio, e depois no Palácio Burnay, de 25 a 27 de Maio.<br />
A propósito do espetáculo escrevi no programa que:<br />
O Teatro é uma <strong>da</strong>s primeiras fontes e últimos redutos de uma leitura globalizante<br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de humana. Irmã <strong>da</strong> Democracia - no Ocidente - porque opera<strong>da</strong> também<br />
138
por múltiplas vontades convergentes, é atenta vigilante <strong>da</strong>s visões reducionistas.<br />
Nele, habita o mistério profundo que impulsiona o emergir de ca<strong>da</strong> gesto e de ca<strong>da</strong><br />
palavra, ain<strong>da</strong> sem língua própria. Palavra que se faz carne, e se faz alma, como<br />
Antígona.<br />
Antígona, dádiva grega, acompanha-nos há mais de dois mil e quinhentos anos,<br />
como um testamento feito testemunho, ao longo <strong>da</strong> viagem <strong>da</strong> nossa civilização<br />
ocidental. A sua voz adquire múltiplos timbres, as suas palavras fazem-se ouvir em<br />
diferentes línguas, os seus olhos mu<strong>da</strong>m de cor, a sua presença reveste-se dos<br />
lugares onde é convoca<strong>da</strong>, mas o grito em sangue que nos faz sentir, abre a carne<br />
do nosso nome à imanência do real, ao mistério <strong>da</strong> existência humana e à fonte<br />
matricial <strong>da</strong> justiça.<br />
Antígona, tem o perfume de uma santi<strong>da</strong>de laica, que reacende em nós a<br />
consciência <strong>da</strong> condição humana, que se pode elevar corajosamente, acima <strong>da</strong> sua<br />
efémera fragili<strong>da</strong>de. Como o Teatro, e nomea<strong>da</strong>mente o Teatro Universitário.<br />
Com Antígona, o TUT cumpre um ciclo de 30 anos, que se iniciou com “À espera<br />
dos Bárbaros” de Constantin Cavafy. Gregos e Bárbaros. Fim de um ciclo, início<br />
de outro.<br />
Agora, Antígonas, de vários autores – Sófocles, Jean Anouilh, Bertold Brecht,<br />
Maria Zambrano - e situa<strong>da</strong>s em épocas distintas, irão coexistir, dialogar, e<br />
conduzir livremente todos aqueles que quiserem mergulhar na nudez do eterno<br />
presente, e acender com elas uma frágil chama “Amor, Terra Prometi<strong>da</strong>” 32<br />
Crítica de Helena Simões, no Jornal de Letras – 30 de Maio a 12 de Junho de 2012<br />
Neste momento em que se procedeu à fusão entre a UTL e a UL, confiamos na<br />
continui<strong>da</strong>de do TUT como grupo de Teatro UniversiTário de Lisboa.<br />
32 Programa Antígonas.<br />
139
CONCLUSÕES<br />
O TUT tem proporcionado através do teatro, um espaço de formação e<br />
desenvolvimento pessoal, cultural e artístico, complementar ao ensino <strong>da</strong>s ciências e <strong>da</strong>s<br />
técnicas, assumindo assim, uma importância particular <strong>da</strong> formação universitária na<br />
UTL.<br />
O TUT entende que a prática teatral se deve constituir como um Laboratório que<br />
realiza uma transversali<strong>da</strong>de de saberes - como a arte, a educação, a comunicação e a<br />
ciência – instaurando um espaço imprescindível de liber<strong>da</strong>de, de intimi<strong>da</strong>de e de<br />
experimentação, de si próprio, com os outros e com o mundo em que vivemos.<br />
Através do jogo teatral, <strong>da</strong> linguagem cénica e <strong>da</strong>s emoções dramáticas, sem<br />
esquecer uma experiência vivencial de inter-relacionamento humano, fun<strong>da</strong>mental para<br />
habitar plenamente na nossa complexa socie<strong>da</strong>de, o TUT tem oferecido a possibili<strong>da</strong>de<br />
de adquirir um conjunto de instrumentos que viabilizem uma leitura crítica e criativa <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de sociocultural que nos rodeia.<br />
A participação ativa, participativa e sobretudo vivencial na experiência do TUT,<br />
possibilita um ver<strong>da</strong>deiro diálogo e o desenvolvimento de competências<br />
comunicacionais e expressivas, que fortalecem as relações interpessoais e<br />
consciencializam a dimensão pessoal e social <strong>da</strong> pessoa.<br />
Por outro lado, livre de compromissos empresariais e ideológicos, o teatro na<br />
Universi<strong>da</strong>de ganha e oferece, uma liber<strong>da</strong>de de existência que lhe possibilita, uma<br />
confluência de saberes e não saberes, uma afluência orto e heterodoxa e, uma influência<br />
reflexiva e refletora, no olhar que estu<strong>da</strong>mos, sobre um mundo que muitas vezes não vê,<br />
ou não quer ver, a reali<strong>da</strong>de que tem à sua frente.<br />
O teatro, particularmente na Universi<strong>da</strong>de, sendo um Laboratório <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>;<br />
analisa-a, recriando-a; ouve-a, <strong>da</strong>ndo-lhe voz; observa-a, <strong>da</strong>ndo-a a ver; experimenta-a,<br />
submetendo-a à prova do bico de Bunsen – que é a cena; numa procura intemporal do<br />
verso uno, num encontro permanente dos versos plurais, e numa construção, ca<strong>da</strong> dia<br />
renova<strong>da</strong>, no seio <strong>da</strong> Alma Mater universitária.<br />
No caso específico do TUT, que pertence a uma universi<strong>da</strong>de técnica, o teatro é<br />
uma necessi<strong>da</strong>de, para que aquela cumpra a sua função de desenvolvimento global do<br />
ser humano, uma vez que faculta um espaço de reflexão, de expressão e de estímulo à<br />
140
comunicação, criativi<strong>da</strong>de e imaginação, que se revelam conjuntamente fun<strong>da</strong>mentais<br />
para qualquer formação de carácter superior.<br />
O teatro é uma ativi<strong>da</strong>de coletiva, que depende <strong>da</strong> contribuição de muitas<br />
pessoas, e é também um local que oferece a oportuni<strong>da</strong>de de viver a cooperação numa<br />
ativi<strong>da</strong>de artística que produz obras de arte, de uma maneira flagrante, e num tempo e<br />
espaço concentrado. O teatro oferece um palco onde se pode observar como se cria e dá<br />
a ver uma obra de arte, o que pode oferecer pistas a quem queira compreender o<br />
processo criativo artístico.<br />
Este estudo de caso, assentou numa minha experiência pessoal, enquanto<br />
membro do grupo e pretendeu <strong>da</strong>r a possibili<strong>da</strong>de de compreender os “como” e os<br />
“porquê” que caracterizam a prática do teatro universitário em geral e, a do TUT em<br />
particular, procurando descobrir o que há nele de mais característico e essencial,<br />
tentando identificar padrões que poderão vir a ser aplicados em outros casos<br />
semelhantes.<br />
Numa perspetiva pe<strong>da</strong>gógica, constata-se a importância de que no âmbito de<br />
uma educação formal científica de excelência académica, exista paralelamente uma<br />
experiência de educação não formal – como é o caso do presente estudo - no qual se<br />
incluam valores culturais, artísticos, comunicacionais e humanos, em prol <strong>da</strong> formação<br />
integral <strong>da</strong> pessoa e de uma ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia mais consciente e empreendedora.<br />
Os 30 anos de ativi<strong>da</strong>de ininterrupta do TUT são de salientar, pelo facto de uma<br />
tal longevi<strong>da</strong>de ser pouco frequente ao nível dos grupos de teatro universitários e, por<br />
isso significar que ao longo desse período o TUT contribuiu para a formação de mais de<br />
600 jovens que desempenham, atualmente, as mais varia<strong>da</strong>s funções na socie<strong>da</strong>de - quer<br />
a nível científico quer artístico e cultural - alguns mesmo em lugares de destaque a nível<br />
nacional e internacional, sem esquecer que tal ativi<strong>da</strong>de só tem sido possível graças ao<br />
apoio permanente e continuado <strong>da</strong> Reitoria <strong>da</strong> UTL e <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Calouste<br />
Gulbenkian.<br />
A linha orientadora desta investigação configurava-se na vontade de saber qual a<br />
função e a razão de ser do Teatro Universitário. E conhecendo o percurso de atores,<br />
encenadores, poetas, escritores, professores, reitores, cientistas, políticos e outros, que<br />
viveram esta experiência teatral nos diferentes grupos e em diversas épocas, pode-se<br />
compreender melhor de um modo mais significativo, o que se potenciou em todos eles e<br />
elas, a nível de uma mais consciente e melhor intervenção no espaço público:<br />
141
As activi<strong>da</strong>des circum-escolares, como o teatro universitário, constituem uma<br />
aprendizagem complementar de formação académica que a Universi<strong>da</strong>de faculta e<br />
são um factor de convivência, de abertura de horizontes, de confronto, de<br />
experiência cívica e de trabalho colectivo” 33<br />
Apesar de existir esta consciência, ao mais alto nível, o Teatro Universitário no<br />
nosso país, ain<strong>da</strong> não usufrui de uma plena inserção institucional nas Universi<strong>da</strong>des,<br />
como acontece, por exemplo, em Espanha e noutros países europeus.<br />
Um fator que pode ser determinante nesse apoio, talvez assente na continui<strong>da</strong>de<br />
e saber pe<strong>da</strong>gógico e artístico de quem dirige os grupos. Paulo Quintela manteve-se à<br />
frente do TEUC desde 1938 e ao longo de 30 anos e, Listopad conduziu o TUT durante<br />
27 anos. Sabemos também, e é comum na experiência universitária, que mais do que um<br />
grupo, têm sido vários os grupos que foram passando, tendo como continui<strong>da</strong>de apenas<br />
alguns elementos, que regular ou irregularmente, mantêm essa ligação. Pelo que<br />
poderíamos quase dizer, que o grupo até hoje mais do que ter cumprido 30 anos,<br />
cumpriu 1 ano, 30 vezes. Porque ca<strong>da</strong> um dos anos correspondeu a um percurso único e<br />
irrepetível de um grupo de pessoas, que partilhou exclusivamente um conjunto de<br />
experiências e vivências muito próprias:<br />
“Trabalho de criação e de liber<strong>da</strong>de, de invenção, de descoberta, de comunicação, o<br />
teatro enriquece a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de e dá mais sentido ao que aqui se<br />
constrói.” 34<br />
Sabemos que é através <strong>da</strong> Cultura que alcançamos a nossa humani<strong>da</strong>de, e são<br />
necessários lugares onde possamos pousar as malas e contemplar…<br />
O Teatro Universitário abre uma área de estudo, inter e multidisciplinar, com<br />
imensas questões e muitas possibili<strong>da</strong>des de futuro. É uma Arte <strong>da</strong> Relação, uma<br />
Pe<strong>da</strong>gogia posta em Cena, um local de encontro <strong>da</strong> Arte e Educação.<br />
33<br />
Emílio Rui Vilar, Presidente <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian, Presidente do CITAC (1960-1961).<br />
Revista Fatal, nº 2, 2009.<br />
34<br />
António Sampaio <strong>da</strong> Nóvoa , Reitor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Lisboa, Revista Fatal, nº 1, 2008, pág. 65.<br />
Antigo membro do TEUC e participante de outros grupos de Teatro Universitário.<br />
142
Metodologia<br />
Referências bibliográficas<br />
Bog<strong>da</strong>n, R. & Biklen, S. (1994). Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto<br />
Editora.<br />
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Guia para Auto-Aprendizagem. Lisboa: Universi<strong>da</strong>de <strong>Aberta</strong>.<br />
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Editorial Presença.<br />
Hill, M.M. & Hill, A. (2008). Investigação por questionário. Lisboa: Edições Sílabo.<br />
Quivy, R. e Campenhoudt, L.V. (1998). Manual de Investigação em Ciências Sociais.<br />
Tema<br />
Lisboa: Gradiva.<br />
Banham, M. (1992 ). The Cambridge Guide to Theatre. New York: Cambridge<br />
University Press.<br />
Barata, José Oliveira (2009). Máscaras <strong>da</strong> Utopia – História do Teatro Universitário<br />
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University Press.<br />
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Madrid: Editorial Gredos.<br />
Freches, Claude-Henri. (1964). Le Theatre Neo-Latin au Portugal. Lisbonne: Librairie<br />
Bertrand.<br />
Lorenzo, L. (1999). Aproximación al Teatro Español Universitario (TEU). Madrid:<br />
Consejo Superior de Investigaciones Científicas.<br />
Martins, A. (2002). Didáctica <strong>da</strong>s Expressões. Lisboa: Universi<strong>da</strong>de <strong>Aberta</strong>.<br />
Menéndes Peláez, Jesus. (2003). El teatro escolar latino-castellano en el siglo XVI. In<br />
Javier Huerta Calvo (Org.), Historia del Teatro Español. Madrid: Editorial<br />
Gredos.<br />
Mignom, P. (1973). Historia del Teatro Contemporaneo. Madrid: Ediciones<br />
Gua<strong>da</strong>rrama.<br />
Pavis, P. (1999). Dicionário de Teatro. S. Paulo: Editora Perspectiva.<br />
Pavis, P. (2002). Dictionnaire du théâtre. Paris: Armand Colin.<br />
143
Pedro, A. (2001). Escritos sobre Teatro. Angelus Novus & Cotovia – TNSJ<br />
Pereira, Silvina (2010). Tras a nevoa vem o Sol – As comédias de Jorge Ferreira de<br />
Vasconcelos, <strong>Tese</strong> de doutoramento, (policopiado) Universi<strong>da</strong>de de<br />
Lisboa, Lisboa.<br />
Ramón, F. (2001). Historia del Teatro Español. Siglo XX. Madrid: Cátedra.<br />
Rebello, Luiz Francisco (2000). Breve História do Teatro Português. Mem Martins:<br />
Publicações Europa-América.<br />
Sena, Jorge (1998). Sobre teatro universitário. In Do teatro em Portugal. Lisboa:<br />
Edições 70, 291-293.<br />
Programa (1983). Anúncio feito a Maria. TNDMII<br />
Programa (1984). Leôncio e Lena na Estalagem de Mirandolina. TUT<br />
Programa (1985). Orfeu Dizem Negro. FCG/TUT<br />
Programa (1986). Doce Inimigo. TUT<br />
Programa (1988). Segismundo na Torre de Belém. IPPC/TUT<br />
Programa (1990). Portugal Três. TUT<br />
Programa (2001). Gata Borralheira. TUT<br />
Programa (2002). Quem foi o Arquitecto <strong>da</strong> Torre de Babel?. TUT<br />
Programa (2003). Hipólito e Fedra – 1º Assalto. TUT<br />
Programa (2004). Deserto Habitado. TUT<br />
Programa (2005). Deserto Habitado. TUT<br />
Programa (2006). Só… no Quartier Latin. TUT<br />
Programa (2007). Triplo Salto. TUT<br />
Programa (2008). Os Cenci. TUT<br />
Programa (2010). Venenos Indispensáveis. TUT<br />
Programa (2011). Comédia de Insectos. TUT<br />
Programa (2012). Antígonas. TUT<br />
Revista Fatal nº1 – 2008<br />
Revista Fatal nº2 – 2009<br />
Revista Fatal nº3 – 2010<br />
Revista Fatal nº4 – 2011<br />
Revista Fatal nº5 – 2012<br />
144
WEBGRAFIA<br />
FATAL - http://www.fatal.ul.pt/<br />
GTIST - http://teatro.ist.utl.pt/<br />
UTL - http://www.utl.pt/<br />
BLOGRAFIA<br />
TUT - blogdotut.blogspot.com<br />
145
APÊNDICES<br />
146
Apêndice 1 - Historial do TUT<br />
1982 - 2012<br />
1982 À Espera dos Bárbaros<br />
Dramatização de poema de Constantin Kavafy<br />
Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de<br />
1983 Everything and Nothing<br />
Dramatização de texto de EL Hacedor de Jorge Luis Borges<br />
Biblioteca do Instituto Superior de Economia e Gestão<br />
Anúncio feito a Maria<br />
Figuração especial na peça homónima de Paul Claudel, apresenta<strong>da</strong> pelo<br />
Teatro Nacional D. Maria II<br />
Palácio <strong>da</strong> Independência<br />
Dramatização de alguns poemas de Alberto Pimenta e Francisco<br />
Tenreiro, por ocasião do Doutoramento honoris causa do Doutor<br />
Azeredo Perdigão<br />
Reitoria <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa<br />
Participação no espectáculo de encerramento do I Congresso Nacional de<br />
Medicina Veterinária com um excerto <strong>da</strong> peça La Locandiera de Carlo<br />
Goldoni e dramatização de poemas de Francisco Tenreiro<br />
Facul<strong>da</strong>de de Medicina Veterinária<br />
1984 Leôncio e Lena na Estalagem de Mirandolina<br />
Fusão de Leonce und Lena de G. Büchner com La Locandiera de Carlo<br />
Goldoni<br />
Reitoria <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa<br />
1985 O Jardim <strong>da</strong>s Delícias<br />
Dramatização de poemas de amor de Ibne Azne<br />
Pátio <strong>da</strong> ESBAL – Animação <strong>da</strong> Área do Chiado<br />
2 os Encontros de Poesia em Vila Viçosa<br />
Orfeu Dizem Negro...<br />
Dramatização de Poesia Africana de Expressão Portuguesa<br />
Sala Polivalente - Serviço ACARTE - Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian<br />
Doce Inimigo<br />
Segundo o conto “The Woman of Bath” dos Cantebury Tales de Chaucer<br />
Halley Hall - Centro Comercial <strong>da</strong>s Amoreiras<br />
Este espectáculo recebeu três prémios <strong>da</strong> Associação Portuguesa de<br />
Críticos de Teatro:<br />
* Prémio Actor Revelação<br />
* Prémio Melhor Figurino<br />
* Prémio Especial pela Quali<strong>da</strong>de Absoluta<br />
1986 Doce Inimigo<br />
Participação na Bienal Universitária de Coimbra - BUC<br />
Teatro Gil Vicente<br />
147
Jardim <strong>da</strong>s Delícias<br />
Participação no III Festival do Teatro de Alma<strong>da</strong><br />
Viagem ao Mundo do Teatro - Esta Noite Improvisa-se<br />
Exercício teatral com base na experiência do grupo<br />
ISCTE - Semana Cultural de Recepção ao Novo Aluno<br />
Instituto Superior Técnico - 75º Aniversário <strong>da</strong> AEIST<br />
1987 Sentimento de um Ocidental<br />
Dramatização do poema homónimo de Cesário Verde<br />
Reitoria <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa<br />
De King-Kong a King<br />
Excertos de A Vi<strong>da</strong> é Sonho, de Calderón de La Barca. Apresentado por<br />
ocasião <strong>da</strong> toma<strong>da</strong> de posse do Reitor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa<br />
Reitoria <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa<br />
Cristóvão Colombo<br />
Segundo a peça homónima de M. Ghelderode<br />
Navios “Ponta Delga<strong>da</strong>” e “Gil Eanes” - Cais de Alcântara<br />
1988 Segismundo na Torre de Belém<br />
Segundo La Vi<strong>da</strong> es Sueño de Calderón de La Barca<br />
Torre de Belém<br />
As casas não acontecem, habitam-se!<br />
Dramatização de um texto de Isabel Leonor Neto Salvado, 1º Prémio de<br />
texto do DN Jovem<br />
Reitoria <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa<br />
Segismundo (A Vi<strong>da</strong> é Sonho)<br />
Segundo La Vi<strong>da</strong> es Sueño de Calderón de La Barca. Participação no<br />
"Verão do Barroco"<br />
Crato e Moncorvo<br />
Macbeth<br />
William Shakespeare<br />
Participação especial de alguns membros do TUT com o Teatro<br />
Experimental de Cascais<br />
Associação Cultural J. Stobbaerts<br />
Forum Picoas<br />
Gravação para a RTP<br />
1989 Acuso, Gilles de Rais<br />
Encenação de Graça Corrêa e Júlio <strong>Martín</strong><br />
Participação especial de alguns membros do TUT nesta Produção <strong>da</strong><br />
Associação de Estu<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong> ESTC<br />
Teatro <strong>da</strong> Comuna<br />
1990 Portugal Três<br />
Dramatização de textos de Camões, Almei<strong>da</strong> Garrett e Jorge de Sena<br />
Reitoria <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa<br />
1991 Marques & Kompanhia<br />
Dramatização de textos de Kavafy, Kafka e Gabriel Garcia Marques<br />
“Rencontres de Théâtre et Jeunesse pour l’Europe” - Grenoble<br />
148
1992 Ivanov<br />
Participação especial de alguns membros do TUT na gravação para a<br />
RTP <strong>da</strong> peça homónima de A. Tchekov<br />
R.T.P.<br />
Marques & Kompanhia II<br />
Dramatização de textos de Kavafy, Kafka, Gabriel Garcia Marques, e J.<br />
Listopad<br />
Festival “Istropolitana Project” - Bratislava<br />
1993 Marques & Kompanhia II<br />
Participação na Bienal Universitária de Coimbra - BUC<br />
Teatro Gil Vicente<br />
Para onde foram os pedreiros na noite em que ficou pronta a<br />
muralha <strong>da</strong> China<br />
Dramatização de textos de Kavafy, Kafka, Gabriel Garcia Marques, e J.<br />
Listopad<br />
Teatro <strong>da</strong> Malaposta<br />
Palácio <strong>da</strong> Cerca - X Festival de Alma<strong>da</strong><br />
1994 O Teatro Ambulante Chopalovitch - 1 a parte<br />
Segundo a peça homónima de Lioubomir Simovitch<br />
Jardins <strong>da</strong> Reitoria <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa<br />
O Valente Sol<strong>da</strong>do Schveik<br />
Colaboração especial com a Companhia de Teatro de Alma<strong>da</strong>. Peça a<br />
partir do romance homónimo de Jaroslav Hasek<br />
Teatro Municipal de Alma<strong>da</strong><br />
1995 A Detenção dos Actores do Teatro Ambulante Chopalovitch<br />
Segundo a peça O Teatro Ambulante de Chopalovitch de Lioubomir<br />
Simovitch<br />
Teatro Cinearte<br />
Participação no festival de teatro XVII CITEMOR, em Montemor o<br />
Velho, no Teatro Esther de Carvalho<br />
1996 Lusofonias<br />
Dramatização de Poesia de Expressão Portuguesa, sobre alguns poemas<br />
de Cesário Verde, Alexandre O’Neill, Ruy Belo e José Pedro Grabato<br />
Dias<br />
Foyer do Bloco Principal <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian<br />
A Detenção dos Actores do Teatro Ambulante Chopalovitch<br />
Segundo a peça O Teatro Ambulante de Chopalovitch de Lioubomir<br />
Simovitch<br />
Participação I Mostra de Teatro Universitário, em Pontevedra, Galiza<br />
Reposição no Teatro Cinearte<br />
A Arte e a Engenharia<br />
Dramatização de Poemas de Álvaro de Campos<br />
Inauguração do Pavilhão Ferry Borges, no âmbito do 50 o aniversário do<br />
Laboratório Nacional de Engenharia Civil<br />
149
1997 Hotel Savoy<br />
Colaboração especial com o Teatro <strong>da</strong> Garagem. Peça a partir do<br />
romance homónimo de Joseph Roth<br />
Sala polivalente do ACARTE - Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian<br />
A Ron<strong>da</strong> dos Meninos<br />
A partir <strong>da</strong> obra “A Ron<strong>da</strong> dos Meninos Expostos” de Vasco Graça<br />
Moura com excertos de “Medeia” de Eurípides e “A Excepção e a<br />
Regra” de Bertolt Brecht.<br />
Sala de Convivio do LNEC - Laboratório Nacional de Engenharia Civil<br />
Centro de Estudos Judiciários<br />
Instituto Português <strong>da</strong> Juventude – Faro<br />
Palácio de Fronteira<br />
1998 A Ron<strong>da</strong> dos Meninos<br />
Teatro CINEARTE – A Barraca<br />
Participação no festival internacional de teatro XV FESTA, em Alma<strong>da</strong>,<br />
na sala Virgílio Martinho do Teatro Municipal de Alma<strong>da</strong><br />
A Porta <strong>da</strong> Lei<br />
Apresentação do conto A Porta <strong>da</strong> Lei extraído <strong>da</strong> obra O Processo de<br />
Kafka, no âmbito do ciclo de conferências 100 Livros deste século<br />
Centro Cultural de Belém<br />
Os burros no Teatro português - 1ª Parte<br />
A partir <strong>da</strong> peça “D. Quixote e Sancho Pança” de António José <strong>da</strong> Silva<br />
dito “O Judeu”<br />
Centro de Estudos Judiciários<br />
2000 Os burros no Teatro português<br />
A partir de textos de António José <strong>da</strong> Silva, Anrique <strong>da</strong> Mota, Gil Vicente e Alexandre<br />
O’Neill<br />
Laboratório Nacional de Engenharia Civil<br />
Biblioteca do Instituto Superior de Agronomia no âmbito <strong>da</strong> Semana<br />
Cultural do ISA<br />
Facul<strong>da</strong>de de Motrici<strong>da</strong>de Humana<br />
2001 Gata Borralheira<br />
Segundo a peça homónima de Robert Walser<br />
Pequeno Auditório <strong>da</strong> Caixa Geral de Depósitos, no âmbito do 70 o<br />
aniversário <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa<br />
Biblioteca do Edifício Central – Instituto Superior de Agronomia<br />
Festival “Poetry without Borders” – Olomouc, Républica Checa<br />
Teatro Cinearte – A Barraca<br />
2002 Quem foi o Arquitecto <strong>da</strong> Torre de Babel?<br />
A partir de textos de St-Exupéry, George Steiner e Jorge Listopad<br />
“XIV Rencontres de Théâtre et Jeunesse pour l’Europe” – Grenoble –<br />
França<br />
Central Tejo – Museu <strong>da</strong> Electrici<strong>da</strong>de<br />
Histórias de ver e de an<strong>da</strong>r<br />
Apresentação de alguns contos do livro homónimo de Teolin<strong>da</strong> Gersão<br />
Lançamento do livro de contos de Teolin<strong>da</strong> Gersão no foyer do Teatro<br />
<strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de<br />
150
2003 Quem foi o Arquitecto <strong>da</strong> Torre de Babel? - Excertos<br />
A partir de textos de St-Exupéry, George Steiner e Jorge Listopad<br />
Facul<strong>da</strong>de de Motrici<strong>da</strong>de Humana<br />
Amor cinza perfeito<br />
Leitura orienta<strong>da</strong> de textos de Edel Atemkristall e de Ramiro Osório<br />
Lançamento do livro "amor cinza perfeito" na sala de exposições <strong>da</strong><br />
Socie<strong>da</strong>de Portuguesa de Autores<br />
Hipólito e Fedra: 1º Assalto<br />
A partir <strong>da</strong> tragédia grega de Euripídes "Hipólito"<br />
Espaço Teatro <strong>da</strong> Garagem<br />
2004 Pierrot e Arlequim na Reitoria<br />
A partir de “Pierrot e Arlequim” de Alma<strong>da</strong> Negreiros<br />
Reitoria <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa<br />
O Principezinho, Pierrot e Arlequim<br />
A partir de “Pierrot e Arlequim” de Alma<strong>da</strong> Negreiros e de “O<br />
principezinho” de St-Exupéry<br />
Instituto Superior de Agronomia<br />
Deserto Habitado<br />
A partir de textos de António Patrício, Alma<strong>da</strong> Negreiros, St-Exupéry,<br />
Ramiro Osório, Dino Buzatti e Jorge Listopad<br />
Instituto Superior de Agronomia<br />
2005 Deserto Habitado<br />
A partir de textos de António Patrício, Alma<strong>da</strong> Negreiros, St-Exupéry,<br />
Ramiro Osório, Dino Buzzati e Jorge Listopad<br />
Jardim de Inverno do Teatro Municipal S. Luiz<br />
“XVII Rencontres de Théâtre et Jeunesse pour l’Europe” – Grenoble –<br />
França<br />
2006 Só… no Quartier Latin<br />
A partir do poema “Lusitânia no Bairro Latino”de António Nobre e de<br />
textos de Camões, Cesário, Grabato Dias, O'Neill e Pessoa<br />
Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de<br />
Instituto Superior de Agronomia<br />
Teatro Municipal Mirita Casimiro, no Monte de Estoril<br />
Cine-Teatro Aveni<strong>da</strong> de Castelo Branco<br />
Biblioteca Municipal Eugénio de Andrade, no Fundão<br />
Teatro Cinearte, A Barraca<br />
2007 Triplo Salto<br />
A partir de três contos do livro “Os Sete Mensageiros” de Dino Buzzati<br />
Central Tejo – Museu <strong>da</strong> Electrici<strong>da</strong>de<br />
Instituto Superior de Agronomia<br />
2008 Os Cenci<br />
Segundo a peça homónima de Antonin Artaud<br />
Cabaret Maxime<br />
151
2009 Os Cenci II<br />
Segundo a peça homónima de Antonin Artaud<br />
Teatro do Palácio Burnay<br />
2010 Venenos Indispensáveis<br />
A partir de textos de Jaime Salazar Sampaio<br />
4º Encontro de Escolas no Teatro, no Centro Cultural Malaposta<br />
Teatro do Palácio Burnay, Lisboa<br />
Teatro Florbela Espanca, Vila Viçosa<br />
2011 Comédia de Insectos<br />
A partir do texto “Ze života hmyzu” de Josef e Karel Čapek<br />
Centro Cultural Malaposta<br />
Teatro do Palácio Burnay, Lisboa<br />
Venenos Indispensáveis<br />
A partir de textos de Jaime Salazar Sampaio<br />
Instituto Superior de Agronomia, no âmbito do encontro Verão na<br />
Técnica<br />
Comemorações dos 30 anos do TUT e Homenagem a Jorge Listopad<br />
Dramatização dos poemas de Constantin Kavafy “À Espera dos<br />
Bárbaros” e de Paul Éluard “Liber<strong>da</strong>de” e apresentação <strong>da</strong> peça<br />
“Comédia de Insectos” a partir do texto “Ze života hmyzu” de Josef e<br />
Karel Čapek<br />
Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de<br />
Barioná<br />
Jean-Paul Sartre<br />
Participação especial de alguns membros do TUT com o TEO – Teatro<br />
do Ourives<br />
Teatro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de<br />
2012 Antígonas<br />
A partir de Sófocles, Jean Anouilh, Bertold Brecht e Maria Zambrano<br />
Centro Cultural Malaposta<br />
Teatro do Bairro<br />
Palácio Burnay, Lisboa<br />
152
Apêndice 2 – Textos e Autores (apresentados por fases)<br />
Primeira fase (1981-1988)<br />
À Espera dos Bárbaros de Constantin Kavafy<br />
O Fazedor de Jorge Luís Borges<br />
Leôncio e Lena de G. Büchner<br />
A estalajadeira de Carlo Goldoni<br />
O colar <strong>da</strong> pomba de Ibne Azne<br />
Poesia Africana de Expressão Portuguesa<br />
“The Woman of Bath” dos Cantebury Tales de Chaucer<br />
Sentimento de um Ocidental de Cesário Verde<br />
* Cristóvão Colombo de Michel de Ghelderode<br />
A Vi<strong>da</strong> é Sonho de Calderón de La Barca<br />
Segun<strong>da</strong> fase (1989-2000)<br />
* As casas não acontecem, habitam-se! de Isabel Leonor Neto Salvado<br />
Portugal Três de Camões, Almei<strong>da</strong> Garrett e Jorge de Sena<br />
* Marques & Kompanhia de Kavafy, Kafka e Gabriel Garcia Marques<br />
* O Teatro Ambulante de Chopalovitch de Lioubomir Simovitch<br />
* Lusofonias de Cesário Verde, Alexandre O’Neill, Ruy Belo e José Pedro Grabato Dias<br />
A Arte e a Engenharia de Álvaro de Campos<br />
A Ron<strong>da</strong> dos Meninos de Vasco Graça Moura<br />
Medeia de Eurípides<br />
A Excepção e a Regra de Bertolt Brecht<br />
A Porta <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong> obra “O Processo” de Kafka<br />
Os burros no Teatro português de António José <strong>da</strong> Silva, Anrique <strong>da</strong><br />
Mota, Gil Vicente e Alexandre O’Neill<br />
153
Gata Borralheira de Robert Walser<br />
Terceira fase (2001-2008)<br />
Quem foi o Arquitecto <strong>da</strong> Torre de Babel? de St-Exupéry, George Steiner e Jorge<br />
Listopad<br />
Histórias de ver e de an<strong>da</strong>r de Teolin<strong>da</strong> Gersão<br />
Amor cinza perfeito de Edel Atemkristall e Ramiro Osório<br />
Hipólito e Fedra: 1º Assalto de Euripídes<br />
Pierrot e Arlequim de Alma<strong>da</strong> Negreiros<br />
O principezinho de St-Exupéry<br />
Deserto Habitado de António Patrício, Alma<strong>da</strong> Negreiros, St-Exupéry, Ramiro Osório,<br />
Dino Buzatti e Jorge Listopad<br />
Só… no Quartier Latin de António Nobre, Camões, Cesário, Grabato Dias, O'Neill e<br />
Fernando Pessoa<br />
Triplo Salto <strong>da</strong> obra “Os Sete Mensageiros” de Dino Buzzati<br />
Os Cenci de Antonin Artaud<br />
Os Cenci II de Antonin Artaud<br />
Nova Direção Artística (2009-2012)<br />
Venenos Indispensáveis de Jaime Salazar Sampaio<br />
Comédia de Insectos de Karel e Josef Capek<br />
À Espera dos Bárbaros de Constantin Kavafy<br />
Liber<strong>da</strong>de de Paul Éluard<br />
Antígonas de Sófocles, Jean Anouilh, Bertold Brecht e Maria Zambrano<br />
154
Apêndice 3 – Lista de Colaboradores do TUT<br />
Agostinho Gonçalves Fotografia<br />
Al<strong>da</strong> Salavisa Caracterização<br />
Ana Limpinho Cenografia e Adereços<br />
Ana Margari<strong>da</strong> Sanmarful Violino<br />
Ana Silva e Sousa Figurinos<br />
Ana Talagão Costureira<br />
Andrea Gonçalves Cenografia e Grafismo<br />
António Casimiro Cenografia<br />
António Fontinha Produção<br />
António Miguens Movimento<br />
António Valarinho Dramaturgia<br />
António Vitorino Rocha Música<br />
Armin<strong>da</strong> Moisés Coelho Figurinos e Adereços<br />
Bernardo Gama Movimento<br />
Carlos Zíngaro Música<br />
Catarina Manteigas Grafismo<br />
Cátia Carvalho Cenografia e Figurinos<br />
Céu Ricardo Produção<br />
Clara Joana Monitor<br />
Cláudia Nunes Grafismo<br />
Conceição Gonçalves Produção<br />
Cristina Pedro Figurinos<br />
Dulce Cabrita Canto<br />
Ema Mendes Figurinos<br />
Gabriela Figueiredo Saxofone Alto<br />
Gisela Canamero Música<br />
Graça Corrêa Produção<br />
Guilherme Frazão Sonoplastia<br />
Inês Simões Figurinos<br />
Isabel Norberto Costureira<br />
Isabel Peres Figurinos e Adereços<br />
Joana Lopes Assistentes de guar<strong>da</strong>-roupa<br />
Joana Matos Cenografia e Figurino<br />
João Vieira Cenografia e Imagem gráfica<br />
Joaquina Garcia Costureira<br />
José Carlos Nascimento Desenho de luz<br />
José Dias Montagem e operação de luz<br />
José Espa<strong>da</strong> Cenografia<br />
José Figueiredo Trombone<br />
José Pedro Caiado Música<br />
Katarzyna Pereira Piano<br />
155
Lourdes Rodrigues Costureira<br />
Luís D'Almei<strong>da</strong> Luz<br />
Luís Mesquita Figurinos<br />
Mafal<strong>da</strong> Borges Coelho Canto<br />
Manuel João Vieira Canções<br />
Margari<strong>da</strong> de Abreu Movimento<br />
Maria José Capelo Tradução<br />
Mariana Yuan Assistentes de guar<strong>da</strong>-roupa<br />
Mário Cobras Caracterização<br />
Miguel Cintra Música<br />
Nuno Carinhas Figurinos<br />
Nuno Reis Música<br />
Patrícia Maravilha Cenografia e Adereços<br />
Paula Massano Movimento<br />
Pedro Soares Fotografia<br />
Priscila Alexandre Figurinos<br />
Renata Gomes Cenografia e Grafismo<br />
Ricardo Varan<strong>da</strong>s Gomes Grafismo<br />
Sandra Pereira Figurinos<br />
Sara Franqueira Cenografia<br />
Sílvia Gouveia Figurinos<br />
Sofia Vilarinho Figurinos<br />
Tomás Figueiredo Trompa<br />
Valentim Lemos Tradução<br />
Vera Castro Figurinos<br />
Zé Pedro Clarinete baixo<br />
156
Apêndice 4 – Entrevista a Jorge Listopad<br />
Mestrado em Arte e Educação<br />
Metodologias de Investigação Educacional<br />
Ano de 2008/2009 - 1º Semestre<br />
Mês de Abril<br />
Activi<strong>da</strong>de 3<br />
Entrevista<br />
por<br />
Júlio <strong>Martín</strong> <strong>da</strong> <strong>Fonseca</strong><br />
i) Caracterização <strong>da</strong> Entrevista<br />
Tema <strong>da</strong> Entrevista: A função do Teatro Universitário. A presente entrevista tem<br />
como objetivo, registar e compreender, o pensamento, a experiência e a reflexão, do<br />
fun<strong>da</strong>dor de um grupo de teatro universitário; o Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de<br />
Lisboa. Pretendendo responder à questão central: Qual é a função do Teatro na<br />
Universi<strong>da</strong>de?<br />
Pessoa a entrevistar: Prof. Jorge Listopad, encenador, fun<strong>da</strong>dor e diretor do Teatro <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa, de 1981 a 2008.<br />
Tipo de entrevista: Semiestrutura<strong>da</strong>. Com um guião inicial, mas podendo evoluir para<br />
outros temas que se apresentem como pertinentes para o objetivo final.<br />
Tipo de perguntas: Sobre o percurso, a experiência, o pensamento, as reflexões e as<br />
visões.<br />
Registo <strong>da</strong> entrevista: Gravação áudio, assim como serão toma<strong>da</strong>s notas acerca <strong>da</strong><br />
linguagem não-verbal, expressa através <strong>da</strong>s posturas do corpo, <strong>da</strong> gestuali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />
mãos, <strong>da</strong>s expressões do rosto, <strong>da</strong> intensi<strong>da</strong>de e luminosi<strong>da</strong>de do olhar.<br />
Local <strong>da</strong> entrevista: Casa do entrevistado, numa situação informal.<br />
157
Tema A<br />
ii) Guião <strong>da</strong> entrevista<br />
Qual é a função do Teatro na Universi<strong>da</strong>de?<br />
Tema Objetivos Questões<br />
O Teatro na<br />
Universi<strong>da</strong>de<br />
Tema B<br />
O Teatro <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Técnica<br />
de Lisboa - TUT<br />
Tema C<br />
O futuro do Teatro<br />
Universitário<br />
Compreender a função<br />
do teatro na<br />
universi<strong>da</strong>de.<br />
Identificar o contributo<br />
do teatro na formação<br />
dos estu<strong>da</strong>ntes<br />
universitários.<br />
Compreender como foi<br />
a génese do TUT.<br />
Identificar o percurso<br />
do TUT durante a<br />
direção do seu<br />
fun<strong>da</strong>dor.<br />
Compreender quais<br />
poderão ser os novos<br />
desafios para o teatro<br />
universitário.<br />
Identificar qual o<br />
contributo que o teatro<br />
universitário poderá<br />
<strong>da</strong>r à socie<strong>da</strong>de.<br />
158<br />
1.1 Qual é a função do teatro na<br />
universi<strong>da</strong>de?<br />
1.2 Qual é o contributo<br />
específico que o teatro na<br />
universi<strong>da</strong>de pode <strong>da</strong>r para a<br />
formação dos estu<strong>da</strong>ntes<br />
universitários?<br />
1.3 Que olhar “outro” pode o<br />
teatro universitário <strong>da</strong>r ao<br />
fenómeno teatral?<br />
2.1 Como surgiu e evoluiu o<br />
TUT desde 1981 até 2008?<br />
2.2 Como foi escolhido o<br />
repertório do TUT ao longo<br />
destes anos?<br />
2.3 Que importância teve para o<br />
TUT, a colaboração de<br />
profissionais do espetáculo,<br />
como cenógrafos, figurinistas,<br />
músicos, entre outros?<br />
2.4 Qual a importância <strong>da</strong><br />
participação do TUT em<br />
Festivais de Teatro nacionais e<br />
internacionais?<br />
3.1 Que novos desafios enfrenta<br />
o teatro universitário, numa<br />
socie<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> vez mais on-line?<br />
3.2 Que contributo pode <strong>da</strong>r o<br />
teatro universitário, numa<br />
socie<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> vez mais<br />
multicultural?<br />
3.3 Que visão para o futuro do<br />
teatro universitário?
iii) Análise de conteúdo <strong>da</strong> entrevista<br />
Introdução<br />
159<br />
“O essencial é invisível aos olhos”<br />
Saint-Exupéry, O Principezinho<br />
Após a gravação <strong>da</strong> entrevista, transcrevi-a, deixando espaços nas duas margens, para a<br />
codificação e os comentários, e fiz em mim silêncio para tentar “desven<strong>da</strong>r o mistério<br />
que é o modo de ca<strong>da</strong> sujeito olhar para o mundo” (Bog<strong>da</strong>n, Biklen, 1994, p. 137).<br />
Li várias vezes o ponto 3 – Análise após a recolha de <strong>da</strong>dos – do V capítulo (Bog<strong>da</strong>n,<br />
Biklen, 1994), fiz algumas pesquisas na internet, mas confesso que só com o achamento<br />
e consulta de Análise de Conteúdo (Bardin, 2004) fui capaz de desbloquear, e <strong>da</strong>r início<br />
à procura <strong>da</strong>s categorias de codificação. Após várias leituras <strong>da</strong> entrevista, tornava-se<br />
para mim visível, o surgimento de indicadores que possibilitavam aceder a uma outra<br />
reali<strong>da</strong>de, para além <strong>da</strong>s respostas às questões coloca<strong>da</strong>s. Palavras que se repetiam e<br />
frases que se assemelhavam no sentido, criavam um padrão, que me permitiu<br />
vislumbrar algumas categorias de codificação. Creio que se poderão enquadrar nos<br />
“Códigos de definição <strong>da</strong> situação” (Bog<strong>da</strong>n, Biklen, 1994, p. 223), porque se<br />
focalizavam na visão, que o entrevistado tinha sobre a sua experiência e reflexão,<br />
enquanto diretor de um grupo de teatro universitário.
CATEGORIAS<br />
Tempo<br />
Teatro/Teatro<br />
Universitário<br />
Desenvolvimento<br />
MATRIZ DE CATEGORIAS DE CODIFICAÇÃO DOS DADOS<br />
SUBCATEGORIAS<br />
Ontem/História<br />
Hoje<br />
Futuro<br />
Função<br />
160<br />
UNIDADES DE REGISTO<br />
“teatro universitário tem história”<br />
“é uma história muito compri<strong>da</strong>”<br />
“No século vinte, vivi, teatro<br />
universitário que fizemos nos anos<br />
trinta, quarenta”<br />
“Mas até hoje, tem uma função”<br />
“Hoje, é tão diferente do princípio do<br />
séc. XX, e meio do séc. XX”<br />
“tempo é extremamente rápido, e essa<br />
rapidez do tempo, obriga-nos… a se<br />
assimilar, à situação de juventude que<br />
vem”<br />
“mais… em conta por esse timing<br />
estu<strong>da</strong>ntil”<br />
“Mas está também muito apressado…”<br />
“Agora teatro universitário, futuro dele,<br />
provavelmente será, nessa… sen<strong>da</strong>, que<br />
estava a esboçar…”<br />
“depende <strong>da</strong> situação, <strong>da</strong> função, <strong>da</strong><br />
universi<strong>da</strong>de”<br />
“tem uma função, digamos, de sombra,<br />
cultural do ensino”<br />
“Teatro funcionava às vezes como uma<br />
espécie de fuga, às instituições, e até à<br />
censura”<br />
“Alguns querem, porque queriam fazer,<br />
precisam de coletivo”<br />
“teatro, universitário é livre”<br />
“Teatro como aculturação à cultura.”<br />
“tudo é teatro”<br />
“é uma arte <strong>da</strong> luminosi<strong>da</strong>de.”<br />
“criar, umas novas coletivi<strong>da</strong>des, são<br />
novas fraterni<strong>da</strong>des.”<br />
“vai-se situar, numa espécie de anti<br />
situação.”<br />
Obrigação “Não tem obrigações que tem teatro não<br />
universitário”<br />
“não tem obrigação de sobreviver.”<br />
“às vezes é, uma… (reflexão – procura <strong>da</strong><br />
palavra)… obrigação, ter alguém, um<br />
treinador, que tem de ter mão sobre to<strong>da</strong>
Variabili<strong>da</strong>de<br />
Diferença<br />
Metáfora<br />
Múltipla<br />
161<br />
essa massa, de gente, que quer fazer<br />
teatro.”<br />
“O teatro, tem essas obrigações<br />
sociais… teatro profissional, tem de<br />
ganhar sua vi<strong>da</strong>, quer de maneira…<br />
ganhar vi<strong>da</strong>, para sobreviver, mas tem de<br />
ganhar vi<strong>da</strong> também para alimentar a<br />
sua existência, como tal.”<br />
“rapidez do tempo, obriga-nos… a se<br />
assimilar, à situação de juventude que<br />
vem, de jovens”<br />
“Bom, teatro universitário primeira coisa<br />
é que é diferente”<br />
“Depois há outras razões por se interessar<br />
ao teatro, acham-se… acham<br />
possibili<strong>da</strong>de de, fazer diferente, os… a<br />
maneira de ser na vi<strong>da</strong>”<br />
“Em princípio deve ser diferente… não,<br />
não, experimental, mas diferente.”<br />
“maneira totalmente diferente de fazer<br />
teatro. Porque fazer teatro universitário, é<br />
diferente. Modo diferente, de fazer…”<br />
“Faz parte do corpo, por isso é sombra, é<br />
sombra do corpo, <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de…”<br />
“gente nova, e que chegam na<br />
universi<strong>da</strong>de de vários sítios e precisam<br />
de denominador comum”<br />
“Portanto teatro mudou pele”<br />
“teatro universitário… às vezes é um<br />
fruto espontâneo”<br />
“Mas quando se diz diferente, é um<br />
primo de experimentação”<br />
“teatro universitário não é por fazer<br />
espetáculo, pode ser pe<strong>da</strong>gogicamente<br />
apenas uma espécie de chamariz”<br />
“uma crença… que pode passar lá, uma<br />
crença, alguma coisa que é cria<strong>da</strong>…<br />
nesse momento…”<br />
“Que teatro ca<strong>da</strong> vez… torna-se uma<br />
seita”<br />
“são pequenas… fugas, do que existe.”<br />
“São canais, para alguma coisa, talvez…<br />
canais… são pequenos canais…”<br />
“corredores subterrâneos…”<br />
“Agora teatro universitário, futuro dele,<br />
provavelmente será, nessa… sen<strong>da</strong>, que<br />
estava a esboçar…”<br />
“como fazer, o que fazer, com quem<br />
fazer, e para quem fazer.”<br />
“Não tem obrigações que tem teatro não
Lugar<br />
Dupla<br />
Relativa<br />
Fora<br />
162<br />
universitário, tem outras, ou não tem,<br />
ou podia ter, ou deveria ter, mas não<br />
tem obrigação de sobreviver.”<br />
“essa maneira de ser na vi<strong>da</strong> pode ser<br />
física, pode ser um pouco mais, ou<br />
pode ser física e, ain<strong>da</strong> ou mais…”<br />
“Pode fazer, pode não fazer, pode não<br />
acabar, peça…”<br />
“Porque aconteceu alguma coisa, porque<br />
não gostam, alguém não gosta, ou depois<br />
as pessoas não estão to<strong>da</strong>s de acordo.”<br />
“essa situação é muito caótica, é<br />
múltipla, ademais… ao mesmo<br />
tempo… é menos.”<br />
“mas… morte de teatro, como morte de<br />
livro, morte de literatura, morte… morte<br />
de tudo… morrem coisas, morrem<br />
civilizações, são mortais, tudo é (tom de<br />
nostalgia) mortal, pode acontecer…”<br />
“pessoas que… não são habitua<strong>da</strong>s…<br />
primeiro ir ao teatro, ir ao teatro<br />
experimental, ir ao teatro estu<strong>da</strong>ntil.”<br />
“foram ao que se chama teatro, embora<br />
nem sempre se chamava assim…”<br />
“Foi teatral, mas não foi teatro.”<br />
“não, não, experimental, mas diferente.”<br />
“quer liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong><strong>da</strong>, e liber<strong>da</strong>de não<br />
<strong>da</strong><strong>da</strong>, a todos os presentes.”<br />
“Olhe, a resposta é dupla, porque ao<br />
mesmo tempo sim, ao mesmo tempo<br />
será mais difícil.<br />
Ao mesmo tempo é ca<strong>da</strong> vez mais<br />
urgente, e ca<strong>da</strong> vez será mais<br />
abandonado.”<br />
“vai-se situar, numa espécie de anti<br />
situação.”<br />
“teatro universitário tem história, que é<br />
variável, depende <strong>da</strong> situação”<br />
“essas coisas são diferentes, é muito<br />
variável…”<br />
“E depende muito <strong>da</strong> própria direção”<br />
“porque querem fazer teatro? E respostas<br />
são também variáveis.”<br />
“depende de clientela.”<br />
“isso pode-se fazer mais facilmente com<br />
estu<strong>da</strong>ntes, do que fora… mas fora já<br />
se… fora, aprenderam, um pouquinho de<br />
teatro de estu<strong>da</strong>ntes.”<br />
“Nós temos pessoas fora… que
Relação<br />
gostavam muito, acham que foi…<br />
enriquecedor, essa estadia… no TUT.”<br />
“não fazer espetáculo para fora.”<br />
“E também não fomos tanto… tantas<br />
vezes fora”<br />
Dentro “se existe um diretor de fora ou de<br />
Eu/Pessoal<br />
Você/Entrevistador<br />
163<br />
dentro, do teatro universitário…”<br />
“e eu uma parte disso (timbre juvenil)<br />
vivi.”<br />
“No século vinte, vivi, teatro<br />
universitário”<br />
“eu sempre perguntei a meus alunos,<br />
porque querem fazer teatro?”<br />
“Isso agora falo do ponto de vista,<br />
português.”<br />
“na Republica Checa o que sei, e sei<br />
bastante, é também idêntico e…”<br />
“Eu posso, <strong>da</strong>r exemplo, que eu fazia<br />
teatro… pessoal, exemplo pessoal…<br />
fazia teatro profissional com<br />
profissionais, e fazia teatro estu<strong>da</strong>ntes…”<br />
“pessoalmente, aliás entrevista é<br />
pessoal… penso que minha atitude, em<br />
relação ao TUT, foi idêntica.”<br />
“Não há dúvi<strong>da</strong> que minha ideia básica<br />
foi, teatro universitário não é por fazer<br />
espetáculo, pode ser pe<strong>da</strong>gogicamente<br />
apenas uma espécie de chamariz”<br />
“Não isso foi mais subjetivo, mais<br />
pessoal, mas também queria mostrar<br />
que tudo é teatro, às pessoas, que estão<br />
lá.”<br />
“Bom, às vezes, pessoalmente gostei,<br />
que vem alguém exemplar…”<br />
“eu tentei evitar, embora de outro lado,<br />
me divertia… e ensinava”<br />
“Modo diferente, de fazer… e eu, último<br />
tempo utilizei muito menos”<br />
“acho que quase desde o princípio foi o<br />
meu iluminador sempre o mesmo”<br />
“Pessoalmente eu achei… é bom, mas<br />
não exagerar, não fazer espectáculo para<br />
fora.”<br />
“E, mal será do teatro, fazer disso, que<br />
estou a dizer um programa. Não é<br />
programa. É apenas reflexão.”<br />
“Teatro começou muito mais tarde, mas<br />
isso é problema histórico, que você talvez<br />
está menos interessado.”<br />
“Bom, pergunta mais…”
Nós/Coletivo<br />
164<br />
“Bom, pergunta pertinente… (reflexão)”<br />
“Olhe, a resposta é dupla, porque ao<br />
mesmo tempo sim, ao mesmo tempo será<br />
mais difícil.”<br />
“olhe, eu sempre pensei uma coisa.<br />
Que teatro ca<strong>da</strong> vez… torna-se uma<br />
seita.”<br />
“Agora você perguntou ain<strong>da</strong> outra coisa,<br />
nessa pergunta, que eu saltei…”<br />
“teatro universitário que fizemos nos<br />
anos trinta, quarenta”<br />
“essa rapidez do tempo, obriga-nos… a<br />
se assimilar, à situação de juventude que<br />
vem, de jovens”<br />
“Nós estamos, parte de uma, grande,<br />
grande… como diria… (reflexão)<br />
atmosfera, que esse teatro tem…”<br />
“Onde ficámos?”<br />
“Nós temos pessoas fora… que gostavam<br />
muito”<br />
“e se fossemos a festival foi sempre, um<br />
convite… nós não nos tentámos<br />
convi<strong>da</strong>r, foi sempre convite.<br />
E também não fomos tanto…”<br />
“Por razões financeiras, nossas”<br />
“essa avalanche, é mesmo isso, de<br />
situação, medial de… onde vivemos.”<br />
“que é o que faz falta à nossa socie<strong>da</strong>de,<br />
é uma reflexão, um tempo, espírito… se<br />
quiser dizer alma…”
Conclusão<br />
Apresento as conclusões, seguindo o aspeto inferencial <strong>da</strong> análise de conteúdo (Bardin,<br />
2004, p. 34) que me pareceu operativo, tendo em conta a minha inexperiência neste tipo<br />
de trabalho. Assim, a descrição, enumera as características do texto após tratamento; a<br />
interpretação, explica o significado dessas características; e a inferência (ou deduções<br />
lógicas), sendo a passagem entre uma e outra, pode responder a dois tipos de questões:<br />
“o que conduziu a determinado enunciado” e “quais as consequências que determinado<br />
enunciado vai provavelmente provocar”.<br />
Descrição Um dos Temas que se impôs logo de início, e que tem a ver com os quase<br />
90 anos de i<strong>da</strong>de do entrevistado, foi o do Tempo. Passado, presente e futuro. O Teatro<br />
surgiu evidenciado, através <strong>da</strong> sua Função, <strong>da</strong>s suas Obrigações, <strong>da</strong> Diferença que<br />
estabelece, e <strong>da</strong>s Metáforas que inspira. Outra <strong>da</strong>s Categorias foi a <strong>da</strong> Variabili<strong>da</strong>de<br />
complexa, <strong>da</strong>s Múltiplas situações, <strong>da</strong>s Duali<strong>da</strong>des, e <strong>da</strong> Relativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s coisas. Outro<br />
padrão, diz respeito ao estar/ir/vir Fora ou Dentro <strong>da</strong> dinâmica do teatro universitário. E<br />
numa entrevista pessoal sobre uma experiência de grupo, a questão Relacional destacou-<br />
se, através <strong>da</strong> evocação do eu, <strong>da</strong> interpelação ao entrevistador, e na referência ao<br />
coletivo.<br />
Interpretação Quanto à categoria Tempo, depreende-se que há uma constatação do<br />
percurso histórico, e uma reflexão sobre o futuro, mas a priori<strong>da</strong>de é <strong>da</strong><strong>da</strong> à atenção do<br />
presente, com a consciência <strong>da</strong> sua rapidez. O Teatro, refletiu as várias funções que a<br />
constituem, e que cumpre, tem cumprido, ou pode cumprir. Também ressaltaram as<br />
obrigações, éticas e estéticas, que tem ou não, para consigo e para com a socie<strong>da</strong>de. E as<br />
metáforas que o teatro desperta como caminho alternativo ou paralelo à vi<strong>da</strong>. A<br />
Variabili<strong>da</strong>de, emergiu <strong>da</strong> entrevista, mostrando a complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s situações, e a<br />
fluidez de uma reali<strong>da</strong>de múltipla, plástica, com pares de oposição ou complementares,<br />
em conjunção ou exclusão, num estado de não permanência e de não certezas, porque<br />
tudo e qualquer coisa está sempre dependente de algo. O Lugar, permitiu reconhecer o<br />
grupo e a sua experiência, como local de pertença e referência, delimitando uma<br />
fronteira entre estar dentro e fora dessa dinâmica única. A categoria Relação, destacou-<br />
se, ao projetar a voz pessoal <strong>da</strong>s vivências do entrevistado, a relação particular com o<br />
entrevistador, e o forte sentimento do coletivo, em termos de percurso pessoal, de grupo<br />
e de socie<strong>da</strong>de.<br />
165
Inferência O entrevistado, apesar do seu extenso percurso de vi<strong>da</strong>, não se fixou nos<br />
tempos passados, nem se projetou em profecias do amanhã. Demonstrou, uma atenção<br />
pelo tempo presente, fazendo um esforço, ou mesmo obrigando-se, a assimilar a<br />
rapidez, para estar em sintonia com a juventude, com o “espírito do tempo”. O Teatro<br />
universitário, sendo o tema de fundo <strong>da</strong> entrevista, transparece aos olhos de Listopad,<br />
com uma luminosa liber<strong>da</strong>de, como uma função cultural abrangente, de criação de<br />
novas formas de viver em conjunto, e com obrigações sociais de existência e<br />
assimilação permanente aos jovens que vêm, assumindo a sua diferença, através <strong>da</strong>s<br />
metáforas que constrói, e <strong>da</strong> criação de outros caminhos. Outro dos aspetos salientados<br />
pelo fun<strong>da</strong>dor do TUT, é a permanente relativi<strong>da</strong>de, mu<strong>da</strong>nça e múltiplas variáveis de<br />
ca<strong>da</strong> situação, alertando que na<strong>da</strong> é fixo, tudo passa, que a reali<strong>da</strong>de é complexa, feita<br />
simultaneamente de sim e não, e exemplificando uma gestão do imprevisível, do não<br />
conhecido, <strong>da</strong> não certeza, através de uma pe<strong>da</strong>gogia de abertura permanente à<br />
descoberta e ao encontro de outras, novas ou seminais, reali<strong>da</strong>des. A noção de pertença,<br />
identifica<strong>da</strong> pela vivência de um percurso comum, ficou também patente na enunciação<br />
do Lugar, fora e dentro, ressaltando que a produção do grupo não deve existir em<br />
função do exterior, mas <strong>da</strong> sua própria dinâmica interna. Da categoria relacional, emana<br />
a exposição pessoal, <strong>da</strong>s ações, vivências e pensamentos. Em relação a mim, depreende-<br />
se uma dupla enunciação, dirigi<strong>da</strong> por um lado ao entrevistador e por outro ao<br />
companheiro de jorna<strong>da</strong> e sucessor. E quanto ao coletivo, sente-se um forte<br />
compromisso e co-responsabili<strong>da</strong>de com o grupo, com os jovens e com a socie<strong>da</strong>de.<br />
iv) Considerações finais<br />
Realizar uma entrevista a alguém, com quem se começou a descobrir o teatro, se fez um<br />
percurso em conjunto ao longo de 27 anos, e de quem se recebeu o testemunho para<br />
continuar, tem um duplo sabor de soleni<strong>da</strong>de e de serena inquietação. Apesar disso,<br />
tentei manter-me distanciado metodologicamente, e abordei o guião, a entrevista e a<br />
análise de conteúdo, de forma clara e objetiva. A experiência inaugural, de após e para<br />
além, <strong>da</strong>s respostas às questões que tinha colocado, ter que vislumbrar outros sentidos<br />
no texto, revelou-se um ver<strong>da</strong>deiro desafio. Mas a descoberta de outras relações<br />
subjacentes, enriqueceu enormemente o material de parti<strong>da</strong>, e iluminou novas leituras e<br />
interpretações. As categorias e subcategorias de codificação, permitiram confirmar e<br />
consoli<strong>da</strong>r o conhecimento que tinha do entrevistado. Um homem em sintonia com o<br />
momento presente. Para quem o teatro em geral e o teatro universitário em particular,<br />
166
cumpre uma função cultural e de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, com obrigações sociais e existenciais,<br />
enriquecendo a vi<strong>da</strong> com modos diferentes de ver e ser, através <strong>da</strong> criação de metáforas<br />
plenas de poesia. Alguém consciente <strong>da</strong> impermanência <strong>da</strong>s coisas, mas capaz de<br />
construir ordem numa situação caótica, ou gerar algum caos criativo numa ordenação<br />
esclerosa<strong>da</strong>, e com uma permanente atenção à singular complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s inúmeras e<br />
múltiplas possibili<strong>da</strong>des. Um criador, comprometido pe<strong>da</strong>gogicamente com o<br />
desenvolvimento pessoal dos elementos do grupo, e privilegiando essa dinâmica<br />
interna, a qualquer espetaculari<strong>da</strong>de para consumo exterior, e portador de uma voz<br />
própria, feita de experiência e saber, partilha<strong>da</strong> com companheiros de jorna<strong>da</strong> e<br />
comprometi<strong>da</strong> com o coletivo, com os jovens, e com uma “alma” para a socie<strong>da</strong>de.<br />
167
Preparação <strong>da</strong> entrevista<br />
A entrevista realizou-se na casa do entrevistado, num lugar sossegado do<br />
Restelo, onde o fui encontrar a lanchar com a filha de treze anos. Estava<br />
bem disposto, em harmonia com a bela tarde solarenga, que iluminava to<strong>da</strong><br />
a sala. Havia um fundo de música clássica, que suavemente sintonizava a<br />
mente e os sentidos com o momento presente Após um café, voltei a<br />
explicar – agora pessoalmente - o tipo de entrevista que ia realizar, o tempo<br />
aproximado de duração, que seria de 30 minutos, para que fim, seriam<br />
utiliza<strong>da</strong>s as informações recolhi<strong>da</strong>s, e mais uma vez pedi autorização para<br />
gravar a entrevista e tomar notas.<br />
Durante a entrevista<br />
Fui verificando se o gravador estava a funcionar. Perguntei uma questão de<br />
ca<strong>da</strong> vez. Fui ouvindo com atenção, a formulação <strong>da</strong>s frases, de alguém que<br />
sendo Checo de nascimento, domina a língua portuguesa, mas tem que se<br />
esforçar oralmente, por verbalizar corretamente as palavras, pensando<br />
paralelamente em francês. Fui também, encorajando as respostas, que<br />
foram <strong>da</strong><strong>da</strong>s com voz firme, mas denotando a i<strong>da</strong>de avança<strong>da</strong> e resquícios<br />
de constipação, e olhando para os seus olhos azuis, que alterna<strong>da</strong>mente se<br />
encontravam com os meus, ou olhavam para a janela. Observei como no<br />
início, por causa <strong>da</strong> gravação, tomou um tom e uma postura mais formal,<br />
mas à medi<strong>da</strong> que a entrevista foi decorrendo, o corpo foi ficando mais<br />
solto, e começou a cruzar a perna. Tomei discretamente algumas notas,<br />
introduzi - porque se proporcionou - outras questões relativas ao tema, e<br />
apesar de algumas interrupções familiares, mantive o controlo <strong>da</strong><br />
entrevista.<br />
A seguir à entrevista<br />
Verifiquei se a gravação estava bem, e trabalhei as anotações que recolhi<br />
durante a entrevista.<br />
A entrevista em si decorreu em 28 minutos e 45 segundos.<br />
168
Entrevista com Jorge Listopad<br />
23 de Abril de 2009, às 17h<br />
1.1 e 1.2 Qual é a função do teatro na universi<strong>da</strong>de, e qual é o<br />
contributo específico que o teatro na universi<strong>da</strong>de pode <strong>da</strong>r para a<br />
formação dos estu<strong>da</strong>ntes universitários?<br />
Bom, (mu<strong>da</strong>nça no tom de voz) teatro universitário tem história, que é variável, e<br />
depende <strong>da</strong> situação, <strong>da</strong> função, <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de, e em todo o caso, é uma história muito<br />
compri<strong>da</strong>, porque, começa como uma espécie de jograis universitários, e jogos, e<br />
cantos, e bailes encenados. Mas até hoje, tem uma função, digamos, de sombra, cultural<br />
do ensino. Faz parte do corpo, por isso é sombra, é sombra do corpo, <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de…<br />
porque há um lado jocoso, lúdico, que acompanha gente nova, e que chegam na<br />
universi<strong>da</strong>de de vários sítios e precisam de denominador comum. Muitas vezes foram<br />
ao que se chama teatro, embora nem sempre se chamava assim… nem sempre foi teatro<br />
em si. Foi teatral, mas não foi teatro. Teatro começou muito mais tarde, mas isso é<br />
problema histórico, que você talvez está menos interessado. (enfático) Hoje, é tão<br />
diferente do princípio do séc. XX, e meio do séc. XX, e eu uma parte disso (timbre<br />
juvenil) vivi. No século vinte, vivi, teatro universitário que fizemos nos anos trinta,<br />
quarenta, e depois, chegou teatro político… quando situação exigia. Portanto teatro<br />
mudou pele. Teatro funcionava às vezes como uma espécie de fuga, às instituições, e até<br />
à censura, e essa função, por exemplo, neste momento em Portugal, já não existe.<br />
Portanto, teatro de novo está a procurar os seus próprios meios… seus próprios meios,<br />
de como fazer, o que fazer, com quem fazer, e para quem fazer. Portanto, essas coisas<br />
são diferentes, é muito variável… escrever uma história de teatro universitário, será<br />
uma… talvez existe mas não sei… não sei… (silêncio)<br />
Sim, cá não existe.<br />
Há vários estudos sobre, teatro universitário, sobretudo fizeram na América, vários<br />
estudos, pontuais, e na suíça… (silêncio)<br />
169
1.3 E que olhar “outro” pode o teatro universitário <strong>da</strong>r ao fenómeno<br />
teatral?<br />
Bom, teatro universitário primeira coisa é que é diferente. Não tem obrigações que tem<br />
teatro não universitário, tem outras, ou não tem, ou podia ter, ou deveria ter, mas não<br />
tem obrigação de sobreviver. Porque teatro universitário vem de ano para ano,<br />
normalmente durante ano escolar, se mu<strong>da</strong>m equipas… e depois quando acabam<br />
estudos, por uma geração, mu<strong>da</strong>-se totalmente de equipa. E depende muito <strong>da</strong> própria<br />
direção, se existe um diretor de fora ou de dentro, do teatro universitário… às vezes é<br />
um fruto espontâneo, às vezes é, uma… (reflexão – procura <strong>da</strong> palavra) obrigação, ter<br />
alguém, um treinador, que tem de ter mão sobre to<strong>da</strong> essa massa, de gente, que quer<br />
fazer teatro. O que significa quer fazer teatro? Há muitas pessoas… eu sempre perguntei<br />
a meus alunos, porque querem fazer teatro? E respostas são também variáveis. Alguns<br />
querem, porque queriam fazer, precisam de coletivo, acompanhar alguma coisa,<br />
coletiva, sobretudo se são estu<strong>da</strong>ntes de província. Isso agora falo do ponto de vista,<br />
português. Mas em França é a mesma coisa, não é… na Republica Checa o que sei, e sei<br />
bastante, é também idêntico e… Depois há outras razões por se interessar ao teatro,<br />
acham-se… acham possibili<strong>da</strong>de de, fazer diferente, os… a maneira de ser na vi<strong>da</strong>, isso,<br />
essa maneira de ser na vi<strong>da</strong> pode ser física, pode ser um pouco mais, ou pode ser física<br />
e, ain<strong>da</strong> ou mais… (silêncio – ouvem-se os passarinhos lá fora)<br />
Bom, pergunta mais…<br />
E teatro universitário, tem de ser experimental?<br />
Em princípio deve ser diferente… não, não, experimental, mas diferente. Mas quando se<br />
diz diferente, é um primo de experimentação, não é… Teatro universitário também<br />
pode-se permitir, o que teatro oficial ou oficioso ou o que vive disso, profissional, não<br />
pode fazer, como experimento. Eu posso, <strong>da</strong>r exemplo, que eu fazia teatro… pessoal,<br />
exemplo pessoal… fazia teatro profissional com profissionais, e fazia teatro<br />
estu<strong>da</strong>ntes… além de teatro na escola, de teatro, ain<strong>da</strong> terceiro, e… foram três<br />
linguagens ou pelo menos duas linguagens básicas. O teatro, tem essas obrigações<br />
sociais… teatro profissional, tem de ganhar sua vi<strong>da</strong>, quer de maneira… ganhar vi<strong>da</strong>,<br />
para sobreviver, mas tem de ganhar vi<strong>da</strong> também para alimentar a sua existência, como<br />
170
tal. Enquanto teatro, universitário é livre. Pode fazer, pode não fazer, pode não acabar,<br />
peça… o que não pode… no teatro profissional é extremamente difícil não acabar peça.<br />
Porque aconteceu alguma coisa, porque não gostam, alguém não gosta, ou depois as<br />
pessoas não estão to<strong>da</strong>s de acordo. Enquanto no profissional existe uma disciplina…<br />
não digo militar, mas uma disciplina mínima. Teatro universitário tem autodisciplina…<br />
essa autodisciplina se cria, e está cria<strong>da</strong>, exatamente… depende como essa fórmula de<br />
teatro é instituí<strong>da</strong>.<br />
2.1 e 2.2 Listopad, e no caso agora do TUT, concretamente, ao longo<br />
destes anos, desde 1981, que foi a fun<strong>da</strong>ção, até 2008, como é que<br />
evoluiu o TUT, tem assim alguma reflexão, de como é que sentiu, se<br />
houve diferenças nas motivações <strong>da</strong>s pessoas que integraram o grupo,<br />
como é que foi evoluindo em termos de repertório, como é que o<br />
repertório foi surgindo, foi em função <strong>da</strong>s pessoas, de ca<strong>da</strong> grupo?<br />
Bom, pergunta pertinente… (reflexão) pessoalmente, aliás entrevista é pessoal… penso<br />
que minha atitude, em relação ao TUT, foi idêntica. Quer maneira de trabalhar, quer<br />
maneira de escolher repertório, quer liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong><strong>da</strong>, e liber<strong>da</strong>de não <strong>da</strong><strong>da</strong>, a todos os<br />
presentes. Agora, isso não significa que, esses vinte e cinco anos, ou vinte e seis anos,<br />
foram sempre os mesmos, porque depende de clientela. E clientela mudou muito<br />
carácter em Portugal, porque Portugal mudou, está a mu<strong>da</strong>r sempre, não é… tempo é<br />
extremamente rápido, e essa rapidez do tempo, obriga-nos… a se assimilar, à situação<br />
de juventude que vem, de jovens, que vem… qual juventude… de jovens que vêm de<br />
fora. E aqui foram algumas mu<strong>da</strong>nças. Não há dúvi<strong>da</strong> que minha ideia básica foi, teatro<br />
universitário não é por fazer espetáculo, pode ser pe<strong>da</strong>gogicamente apenas uma espécie<br />
de chamariz, ou… mas podia ser também, uma coisa prática, que pode-se fazer.<br />
Portanto teatro pode fazer apenas uma educação, para teatro. Significa, educar-se a si<br />
próprio, ter sentido de sua situação física, já falámos, psicológica, psíquica, o sentido de<br />
coletivi<strong>da</strong>de, de… (reflexão) uma crença… que pode passar lá, uma crença, alguma<br />
coisa que é cria<strong>da</strong>… nesse momento… mas também teatro… pode… pode não fazer<br />
tudo isso, teatro universitário, faz adoque uma coisa, depende de uma… de uma, de<br />
uma… um momento… agora é mais difícil trabalhar, talvez, com jovens… porque são<br />
chamados diferentemente, para a cultura, isto é, ca<strong>da</strong> vez menos, e teatro tem de <strong>da</strong>r<br />
171
possibili<strong>da</strong>de… alimentar, minimamente os presentes. Portanto é uma aculturação.<br />
Teatro como aculturação à cultura.<br />
Houve uma altura, alguns anos, em que o Listopad optou, não por<br />
trabalhar peças teatrais, mas por trabalhar a partir de contos, poemas,<br />
enfim outros textos à parti<strong>da</strong> não propriamente peças de teatro, isso<br />
teve alguma razão?<br />
Não isso foi mais subjetivo, mais pessoal, mas também queria mostrar que tudo é teatro,<br />
às pessoas, que estão lá. Que basta olhar texto, imagem, e já isso pode-se dramatizar.<br />
Nós estamos, parte de uma, grande, grande… como diria… (reflexão) atmosfera, que<br />
esse teatro tem… levar consigo é poesia, essa poesia está em tudo, esse estar em tudo<br />
significa não ter medo, de fazer dramaturgias, às vezes muito ousa<strong>da</strong>s, que não…<br />
também por isso… isso pode-se fazer mais facilmente com estu<strong>da</strong>ntes, do que fora…<br />
mas fora já se… fora, aprenderam, um pouquinho de teatro de estu<strong>da</strong>ntes.<br />
2.3 Que importância teve para o TUT, e para a formação dos<br />
elementos que constituíram oTUT ao longo destes anos, a colaboração<br />
de profissionais do espetáculo, como cenógrafos, figurinistas, músicos,<br />
entre outros?<br />
Bom, às vezes, pessoalmente gostei, que vem alguém exemplar…<br />
Onde ficámos?<br />
Na colaboração dos profissionais.<br />
Sim, sim…<br />
(Interrupção)<br />
Há coisas, às vezes… funções precisam de profissionais, nem tudo podemos fazer sem<br />
profissionais, eu tentei evitar, embora de outro lado, me divertia… e ensinava, como<br />
profissional… de nome… vai-se assimilar, a uma maneira totalmente diferente de fazer<br />
teatro. Porque fazer teatro universitário, é diferente. Modo diferente, de fazer… e eu,<br />
172
último tempo utilizei muito menos, por razões, de um lado financeiras… porque isso<br />
normalmente foi pago, nem sempre foi… porque não quiseram, alguns profissionais,<br />
mas habitualmente foi pago. Mas foi sempre escolhido, a dedo… isso significa, bons, e<br />
(baixando a voz) baratos. Mas também os que são capazes, abrir os seus próprios<br />
horizontes. Nós temos pessoas fora… que gostavam muito, acham que foi…<br />
enriquecedor, essa estadia… no TUT. Alguns até, foram repetidos… sobretudo nas<br />
coisas delica<strong>da</strong>s, como é luz, porque… teatro abandona nesse momento… mas é uma<br />
arte <strong>da</strong> luminosi<strong>da</strong>de.<br />
Estava…<br />
Onde ficámos?<br />
Profissionais…<br />
(Interrupção)<br />
Pois, pois, por causa <strong>da</strong> luz… acho que quase desde o princípio foi o meu iluminador<br />
sempre o mesmo, e que… sabe perfeitamente como se trabalha. Sabe que é teatro<br />
estu<strong>da</strong>ntil… e ajudou-lhe, passagem, diferente em vários teatros, porque compreendeu<br />
como é assimilação à ética, de trabalho.<br />
2.4 E quanto à participação do TUT em Festivais de Teatro nacionais e<br />
internacionais?<br />
Bom, isso é… muito… diferenciado. Alguns teatros universitários gostam muito de<br />
viajar. Pessoalmente eu achei… é bom, mas não exagerar, não fazer espetáculo para<br />
fora. Fazer espetáculo tal e qual, falado tal qual, se possível… e se fossemos a festival<br />
foi sempre, um convite… nós não nos tentámos convi<strong>da</strong>r, foi sempre convite. E também<br />
não fomos tanto… tantas vezes fora, muito menos que outros grupos, também devido à<br />
falta de… possibili<strong>da</strong>des de alunos, sair. Por razões financeiras, nossas, e deles,<br />
eventualmente, e por razões, de estudos. Porque festivais, habitualmente são… passam-<br />
se, na época estival, e são na época de exames… em Portugal muito forte… época,<br />
Junho, Julho, que são épocas de festivais de estu<strong>da</strong>ntes, embora em Praga, em Brno<br />
fazem isso durante Páscoa, e isso é mais… mais… em conta por esse timing estu<strong>da</strong>ntil.<br />
3.1 Listopad, e agora passando para o futuro, qual poderá ser o futuro<br />
do teatro universitário? Quais acha que serão os desafios para o teatro<br />
173
na universi<strong>da</strong>de, nesta socie<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> vez mais informatiza<strong>da</strong>, com<br />
estes relacionamentos mais vias internet? A importância <strong>da</strong> presença<br />
humana, desta relação de proximi<strong>da</strong>de?<br />
Olhe, a resposta é dupla, porque ao mesmo tempo sim, ao mesmo tempo será mais<br />
difícil. Ao mesmo tempo é ca<strong>da</strong> vez mais urgente, e ca<strong>da</strong> vez será mais abandonado. É<br />
mais… como se… se procura uma nova língua de informação, de cultura, de medias,<br />
através disso… numa, através de teatro, de criativi<strong>da</strong>de, e de poesia, contra uma…<br />
avalanche, desculpe essa palavra… francesa, mas essa avalanche, é mesmo isso, de<br />
situação, medial de… onde vivemos.<br />
3.2 Mas poderá ser um local de encontro, também, numa socie<strong>da</strong>de<br />
ca<strong>da</strong> vez mais multicultural?<br />
Não, isso… podia ser um… (reflexão) problema… olhe, eu sempre pensei uma coisa.<br />
Que teatro ca<strong>da</strong> vez… torna-se uma seita. Seita… pode-se alargar… e pode-se<br />
deslightizar… que é o que faz falta à nossa socie<strong>da</strong>de, é uma reflexão, um tempo,<br />
espírito… se quiser dizer alma… e teatro, com mais dificul<strong>da</strong>de, e menos dinheiro,<br />
tenta, pode… criar, umas novas coletivi<strong>da</strong>des, são novas fraterni<strong>da</strong>des.<br />
Isso tem a ver com a tal crença que há pouco falava, que às vezes vai<br />
sendo construí<strong>da</strong>?<br />
Sim, é como se se está a construir nova língua, nova civilização… são pequenas…<br />
fugas, do que existe. São canais, para alguma coisa, talvez… canais… são pequenos<br />
canais… os corredores subterrâneos… corredores… não corredores… é subterrâneo…<br />
que pode-se passar lá. Mas ao mesmo tempo isso tudo, tem sentido de vitali<strong>da</strong>de e<br />
alegria. E, mal será do teatro, fazer disso, que estou a dizer um programa. Não é<br />
programa. É apenas reflexão.<br />
3.3 E uma visão! Que visão para o teatro na universi<strong>da</strong>de e que visão<br />
para o teatro?<br />
174
Teatro universitário ou tout court?<br />
Teatro universitário e o teatro.<br />
De teatro, realmente situação é muito pareci<strong>da</strong> com teatro universitário… está numa<br />
crise de profundi<strong>da</strong>de… e de espírito. Agora, estar em crise não significa que não existe.<br />
Mas está também muito apressado… essa situação é muito caótica, é múltipla,<br />
ademais… ao mesmo tempo… é menos. Situação… é cheio de grupos… mas isso não<br />
significa que… há mais, riqueza. (silêncio)<br />
Agora você perguntou ain<strong>da</strong> outra coisa, nessa pergunta, que eu saltei…<br />
Que visão…<br />
Visão por estu<strong>da</strong>ntil. Sim, isso foi em geral…<br />
Às vezes gente pensa, acaba teatro, está a acabar, mas… morte de teatro, como morte de<br />
livro, morte de literatura, morte… morte de tudo… morrem coisas, morrem civilizações,<br />
são mortais, tudo é (tom de nostalgia) mortal, pode acontecer… Agora teatro<br />
universitário, futuro dele, provavelmente será, nessa… sen<strong>da</strong>, que estava a esboçar…<br />
que vai-se situar, numa espécie de anti situação. Essa anti situação, tem seus obstáculos,<br />
não é… porque está esmagado, não se compreende como pode sobreviver…<br />
praticamente com pouco dinheiro, sem dinheiro… e exprimir-se, por pessoas que… não<br />
são habitua<strong>da</strong>s… primeiro ir ao teatro, ir ao teatro experimental, ir ao teatro estu<strong>da</strong>ntil.<br />
E sem público não há teatro. Basta um público, uma pessoa, na sala, e concerto será<br />
feito.<br />
175
Apêndice 5 - Entrevista com o Professor Doutor Arantes e Oliveira<br />
Reitor <strong>da</strong> UTL aquando <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção do TUT<br />
Academia <strong>da</strong>s Ciências de Lisboa<br />
Junho de 2011<br />
JMF: Quando começou então realmente o TUT, a música, o coro, isso tudo, a <strong>da</strong>nça…<br />
AO: Tratou-se de um programa ambicioso que pretendia ser a base <strong>da</strong> comemoração<br />
dos 50 anos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica. Portanto, cobria muitas coisas, e cobria também a<br />
parte cultural. A parte cultural, que a meu ver, era muito importante para uma<br />
Universi<strong>da</strong>de que tinha uma vocação aparentemente técnica; gosto de lembrar qual era o<br />
lema <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de “para que cresçam as ren<strong>da</strong>s e as abastanças”, um lema que veio<br />
<strong>da</strong> escola de economia.<br />
(tocou o telefone… pausa)<br />
AO: Também outra imagem que eu não queria deixar passar <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica, é<br />
que a Universi<strong>da</strong>de Técnica era representa<strong>da</strong> por uma nau, mas era uma nau comercial,<br />
<strong>da</strong>quelas grandes naus <strong>da</strong> carreira <strong>da</strong> Índia que, digamos, tinha pouco de tecnologia<br />
avança<strong>da</strong> e portanto, mandou-se, procurou-se, encontrou-se, quer dizer, eu já o<br />
conhecia, recorreu-se ao maior especialista de caravelas <strong>da</strong> Marinha, de design de<br />
caravelas. Ele, juntamente com um escultor, que era bastante bom, que desenhava<br />
moe<strong>da</strong>s, e portanto, os dois juntos fizeram aquela me<strong>da</strong>lha que têm os professores <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Técnica, só eles é que podem usar. E também isso mudou, porque a<br />
caravela apareceu como uma realização extremamente avança<strong>da</strong> <strong>da</strong> náutica, e era isso<br />
que se pretendia, portanto, a descente <strong>da</strong> tecnologia portuguesa. Portanto no que se<br />
refere ao aspeto cultural, procurei abordá-lo em três planos: o plano do teatro, naquela<br />
altura havia pouco teatro na Universi<strong>da</strong>de, quer dizer, hoje em dia penso que há já<br />
várias enti<strong>da</strong>des e escolas que têm teatro, mas penso que o TUT, de qualquer maneira,<br />
não só, tem ain<strong>da</strong> uma vantagem, de todos foi o mais bem-sucedido, é a impressão que<br />
eu tenho e penso que é a impressão que as pessoas têm de um modo geral. A cultura do<br />
Professor Listopad foi, de facto, extraordinária, e isso contribuiu muito para que o TUT<br />
funcionasse tão bem.<br />
JMF: E o professor já o conhecia? Como é que surgiu o convite?<br />
AO: Eu já o conhecia, porque o Professor Listopad tinha sido professor do ISCSP e<br />
portanto eu conheci-o através <strong>da</strong> Reitoria e lembrei-me dele. Depois houve também com<br />
o coro, mas o coro depois nunca mais falaram dele, não sei…<br />
176
JMF: O coro, eu penso que ain<strong>da</strong> existe, mas já não tem aquela visibili<strong>da</strong>de que teve no<br />
início.<br />
AO: Sim, portanto, e o que é que houve mais, foi o teatro, o coro, e mais… ah! a <strong>da</strong>nça.<br />
O coro foi a única coisa que se pôde fazer de música, porque os instrumentos são muito<br />
caros e o canto é mais barato, tem que se atender a isso e depois o aspeto <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça,<br />
porque houve uma escola que era, hoje em dia a Facul<strong>da</strong>de de Motrici<strong>da</strong>de Humana e<br />
tinha <strong>da</strong>nças modernas, fantásticas, além <strong>da</strong> parte folclórica e outra também que se <strong>da</strong>va<br />
menos, jazz, que era uma coisa lindíssima, e com isso conseguiu-se fazer um espetáculo<br />
no São Luís, quando foi o dia dos 50 anos, ou não foi nesse dia, porque nesse dia<br />
morreu o primeiro-ministro e o ministro <strong>da</strong> defesa, não sei se se lembra, o avião caiu, e<br />
o espetáculo foi interrompido. Foram-me dizer ao camarote, a minha secretária a chorar,<br />
a dizer que tinha acontecido uma coisa horrível e etc. Eu tive que ir ao palco pedir muita<br />
desculpa, mas que achava que devia interromper e que devíamos continuar noutro dia, e<br />
foram semanas depois que se fez então, que se comemorou os 50 anos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
Técnica, com a… não sei se o teatro nessa altura entrou, …<br />
JMF: Não.<br />
AO: Não, pois… creio que foi simplesmente a <strong>da</strong>nça e qual foi o outro que eu disse… o<br />
coro. Mas o coro também não entrou, foi um espetáculo de <strong>da</strong>nça.<br />
JMF: Pois, eu creio que o teatro foi depois… foi posterior a isso.<br />
AO: Portanto, o teatro eu fui acompanhando, fazem sempre o favor de me convi<strong>da</strong>r para<br />
assistir, e eu faço o possível por ir, por exemplo o ano passado não pude ir, mas<br />
entusiasma-me muito. Sobretudo, tenho consciencializado ultimamente para esses<br />
aspetos subsidiários do teatro, quer dizer, as pessoas seguiram carreiras fortemente<br />
inspira<strong>da</strong>s pelo teatro, pela ativi<strong>da</strong>de teatral, como mostra essa sua tese não é, isso, acho<br />
isso extremamente interessante e era nisso que eu estava a pensar, que contribuísse para<br />
a cultura dos alunos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica, mas nunca pensei que tivesse esta<br />
amplitude, que esta ação acabasse por ter consequências tão extraordinárias.<br />
JMF: Sim, porque as pessoas realmente ganharam competências de relacionamento, de<br />
comunicação, e muitas delas ocupam neste momento cargos de…<br />
AO: Eu tenho uma grande sensibili<strong>da</strong>de, eu lembro-me de uma vez, no Laboratório de<br />
Engenharia Civil, que tem recorrido ao grupo de teatro, já mesmo depois de já ter saído<br />
<strong>da</strong> Reitoria e então lembro-me que quando fizeram 50 anos do Laboratório Nacional de<br />
Engenharia Civil, eu pedi ao Professor Listopad, e isso aconteceu também outras vezes,<br />
pedi ao Professor Listopad que preparasse a cerimónia, foi também um doutoramento<br />
177
honoris causa, não foi só teatro, e foi ele que encenou, e portanto esses aspetos todos foi<br />
muito importante haver alguém que pudesse pensar no ritual <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de. Portanto,<br />
e no laboratório também, eu lembro-me que houve um momento extraordinário em que<br />
se evocou aquele que eu considero o meu mestre, que é o Professor, o Doutor, o<br />
Engenheiro Ferry Borges, que tinha morrido relativamente cedo, e foi assim, estava o<br />
salão grande do laboratório cheio de gente e a certa altura levanta-se alguém, que eu já<br />
não me lembro quem era, era a mulher dele, a Helena e vem declamar Fernando Pessoa,<br />
mas aquilo tudo no meio <strong>da</strong>s pessoas to<strong>da</strong>s que ficaram extremamente emociona<strong>da</strong>s, já<br />
não me lembro do poema que ela declamou, mas era um poema muito conhecido e ela<br />
foi magistral e houve ali qualquer coisa que aconteceu… Bem, o que é que eu lhe posso<br />
dizer mais?<br />
JMF: Muito bem. Já é ótimo Professor. E o que é que o Professor acha, sobre o futuro<br />
<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> contemplará esta importância ao teatro, neste sentido de<br />
complementar, numa Universi<strong>da</strong>de Técnica, estas…<br />
AO: Sim, acho que sim. Para já, houve a sua intervenção aqui na Academia <strong>da</strong>s<br />
Ciências no outro dia. Há estes concertos <strong>da</strong> Guar<strong>da</strong> Nacional Republicana, porque este<br />
é um espaço privilegiado no que se refere à música e também à palavra, para quem sabe<br />
aproveitá-la, este espaço aqui do Salão Nobre. Espero que no futuro haja várias coisas<br />
que possam aqui acontecer e estes elementos que eu vou passar à Secretária Geral,<br />
porque elas são muito interessa<strong>da</strong>s nesses aspetos culturais aqui na Academia, espero<br />
que tenham futuro.<br />
JMF: Muito bem Professor. Muito obrigado.<br />
178
Alexandre Vieira: Já está?<br />
JMF: Vá, Rita.<br />
Ritta Guerreiro: Não, primeiro eu não.<br />
Apêndice 6 - Entrevista de Grupo<br />
Entrevista a elementos do TUT<br />
após a carreira de espetáculos de<br />
Venenos Indispensáveis<br />
Palácio Burnay<br />
Maio de 2010<br />
Alexandre Vieira: Eu gostava de dizer que nunca teria oportuni<strong>da</strong>de de conhecer assim<br />
as raparigas bonitas, a Rita é um exemplo, se não fosse o teatro universitário. Num<br />
registo mais sério, gostaria de dizer que me ajudou bastante na comunicação … e na<br />
capaci<strong>da</strong>de de expor emoções em palco, junto de espectadores, que iriam estar a<br />
analisar, e que estariam a ver. Isso foi, foi muito gratificante para mim.<br />
Raquel Veloso: A mim, eu que entrei logo desde o primeiro ano, ajudou-me a ocupar<br />
melhor o meu tempo, como universitária. Acho, se calhar, que colegas meus perderam<br />
tempo a fazer coisas um bocado… (É ver<strong>da</strong>de, meu! Risos) Ajudou-me a ocupar melhor<br />
estes cinco anos de universi<strong>da</strong>de. E ajudou-me a evoluir como pessoa… aliás, eu que<br />
sou de ciências acho que tinha perdido muito se não fosse o TUT, porque a gente vive<br />
muito só na ciência, e aqui aprendi a alargar mais os meus horizontes, coisas que eu<br />
nunca saberia, de literatura, de peças que eu vi, se não fosse o teatro… e depois ajudou-<br />
me a estar melhor, a comunicar. Todos os meus professores me elogiam quando eu<br />
apresento trabalhos, que acham que eu falo bem, que tenho boa dicção e que sei<br />
apresentar as coisas, por isso, acho que foi esse o contributo do TUT para mim.<br />
JMF: Boa. Mais…<br />
Raquel Chilovo: Mais? André… estás com vontade. (Risos)<br />
André <strong>Fonseca</strong>: O teatro universitário contribuiu quer a nível social, em termos de<br />
conhecer pessoas, conhecer pessoas noutra dimensão, do que nós normalmente<br />
conhecemos no nosso dia-a-dia, e é uma dimensão social limita<strong>da</strong>. O facto é que no<br />
teatro, acaba por haver uma dimensão mais de fraterni<strong>da</strong>de e de grupo de trabalho e<br />
dinâmica em termos de equipa e de levar um objetivo todo em comum. Isso, na nossa<br />
179
vi<strong>da</strong>, há alturas em que ganhamos mais e outras em que perdemos, e isso volta, volta a<br />
acontecer com o teatro universitário, <strong>da</strong>í ter sido uma ideia muito vantajosa, uma aposta<br />
muito vantajosa. Quer depois por outro lado, em termos culturais que aju<strong>da</strong>mos a<br />
desenvolver, quer em termos de comunicação com as outras pessoas e mesmo em<br />
comunicação com o público; acabamos por desenvolver capaci<strong>da</strong>des que alguns de nós<br />
já têm mais desenvolvi<strong>da</strong>s que outros, e é muito importante. Aconselho a to<strong>da</strong> a gente!<br />
JMF: Muito bem… Inês!<br />
Inês Roque: Como o André disse, uma parte muito importante de estar neste grupo, foi<br />
conhecer as pessoas que conheci, não só porque conheci pessoas fantásticas, mas porque<br />
permitiu criar entre nós uma relação muito próxima e muito intima, de uma grande<br />
confiança entre nós, e é uma confiança imprescindível para trabalharmos em palco<br />
todos juntos… E para além disso, para além <strong>da</strong> parte de nos aju<strong>da</strong>r a comunicar e isso<br />
tudo que é muito importante, a ver<strong>da</strong>de é que vai até à parte mais natural de nós<br />
próprios; todos os passos que <strong>da</strong>mos durante o dia, tudo o que dizemos, aprendemos a<br />
razão pela qual dizemos as coisas dessa forma, ou a razão por que an<strong>da</strong>mos desta forma<br />
e <strong>da</strong>quela e aju<strong>da</strong>-nos muito a ligar os nossos sentimentos, as nossas sensações, as<br />
nossas emoções, a tudo o que nós mostramos fisicamente, fazemos essa ligação mais<br />
facilmente. E é muito importante e é óptimo sabermos porque é que isto acontece,<br />
pronto, acho que isso foi assim a grande novi<strong>da</strong>de para mim.<br />
Raquel Veloso: E é muito bom fazer parte de algo, fazer parte de algum projecto e é um<br />
grupo muito unido. Exato, fazes parte de uma coisa, de um grupo, e ver as coisas a<br />
evoluir, ver que és um elo num grupo e que sem ti, sem qualquer um que fosse, o grupo<br />
não era a mesma coisa.<br />
Inês Roque: A sensação de pertença é muito boa.<br />
Ritta Guerreiro: Agora é o João, está bem? Vá, que eu sou cavalheira.<br />
João B. Pires: … Para mim o TUT foi uma experiencia, tem sido uma experiencia<br />
muito, muito especial, porque para alem de vos conhecer a vocês todos, para bater na<br />
mesma tecla de to<strong>da</strong> a gente, que não deixa de ser uma tecla que merece que to<strong>da</strong> a<br />
gente bata nela, que são vocês todos; que são tipo as pessoas mais espetaculares de<br />
sempre … e claro que foi mais que isso, especialmente para mim que vim com uma<br />
espécie de objetivo escondido, que era descobrir se realmente queria, queria mesmo<br />
tentar seguir o curso de ator, decidi que sim, vamos lá ver se, se resulta, mas seja como<br />
for o TUT foi e tem sido uma experiencia imensa não só de conhecimento dos outros,<br />
mas de autoconhecimento e isso é extremamente importante para mim.<br />
180
Ritta Guerreiro: Muito bem, muito bem (palmas). Bem, é assim, eu acho que… o TUT<br />
não é?! Bem… (risos) Vá é assim, o homem é um ser bio-social e as mulheres por<br />
acréscimo. Eu acho que o TUT contribuiu este ano para experimentar coisas novas,<br />
sensações, mas acho que… Eu acho que o TUT, e no geral os teatros universitários<br />
contribuem sempre para os jovens que chegam de um meio diferente, conseguirem<br />
conhecer-se, desfrutar de outra versão, de outro meio e o teatro universitário contribui<br />
sempre para esta descoberta um pouco mais feliz. Criam-se novos grupos, e eu estou<br />
muito feliz por ter encontrado este grupo, por ter experimentado esta peça. Eu acho que<br />
um pouco de mim evoluiu, e estou a ver as coisas de outra forma. Obriga<strong>da</strong>!<br />
Nuno Augusto: Eu? Então é assim, o teatro universitário ajudou-me a desconstruir<br />
alguns monstros que me têm acompanhado desde que eu nasci; eu não sou pessoa de<br />
falar em público, e neste momento está tudo a olhar para mim e vêem-me a gaguejar. O<br />
teatro ajudou-me imenso a ultrapassar os trabalhos de grupo, a conseguir estar… aquilo<br />
é como se fosse um palco, a conseguir estar… não mas… É assim, basicamente como<br />
to<strong>da</strong> a gente está a dizer, isto é um grupo muito bom, posso dizer que contribuiu para eu<br />
ficar cá durante este tempo todo, o grupo foi muito bom, acolheu-me de uma forma<br />
espetacular, foi a primeira vez que fiz algo que nunca pensei que fosse capaz de fazer<br />
quer era representar em palco, e foi ótimo… E espero continuar durante mais tempo.<br />
E… é isso.<br />
Ana Nunes: Eu tenho muita, muita dificul<strong>da</strong>de com as palavras, ain<strong>da</strong> para mais<br />
quando é de improviso. Risos. O que eu vou dizer é aquilo que pronto, me vai sair agora<br />
neste preciso momento… O TUT simplesmente, e o teatro universitário, presumo que<br />
em geral também, mas no meu caso específico ajudou-me a descobrir quem eu sou, no<br />
fundo é isso. Eu acho que tanto a mim, como a qualquer outra pessoa, aju<strong>da</strong>-nos a<br />
descobrir a nossa própria essência, porque nós desconstruímo-nos, e acabamos por<br />
despir aquela pessoa que nós somos se calhar, porque temos que ser, para os outros. No<br />
fundo, aqui, somos nós, sem mais rodeios nem na<strong>da</strong>. És tu, no teu estado puro; fazes<br />
aquilo que sentes, dizes aquilo que sentes, porque sabes que és compreendido, porque<br />
sabes que não és mal interpretado pelos outros, porque todos estamos na mesma<br />
situação. No fundo, é a capaci<strong>da</strong>de de quase, que amar mesmo de um modo<br />
incondicional as pessoas, e sentir qualquer tipo de emoção… como disse o Júlio uma<br />
vez, os atores são os desportistas?! (JMF retifica a frase: atletas) É isso, atletas. E é isso<br />
mesmo, nós aqui temos a oportuni<strong>da</strong>de de sentir tudo aquilo que quisermos e isso faz de<br />
nós pessoas melhores, a nível depois do nosso comportamento na socie<strong>da</strong>de, e faz-nos<br />
181
crescer de uma maneira, indescritível agora, ou por palavras, não sei… a experiencia é<br />
mais do que aquilo que se pode dizer.<br />
JMF: Boa… E então?<br />
Lorena Monteiro: E então?! Não… Resta-me apenas acrescentar que, de facto foi<br />
fantástico, foi fabuloso pertencer a este grupo; não só, de facto, pelo acolhimento que já<br />
foi aqui dito, porque realmente é uma coisa extraordinária, como também pela forma<br />
como todos nós nos sentimos aqui unidos, e que praticamente esteve sempre presente,<br />
salvo raras exceções… tal não é a vontade e o gosto que todos nós tínhamos em estar<br />
presentes aqui. De facto, sinceramente eu não tenho palavras com que descrever, para<br />
além de tudo aquilo que já foi dito aqui. Portanto, um bem-haja a todos e <strong>da</strong> minha<br />
parte, muito obriga<strong>da</strong>.<br />
Gonçalo França: Eu acabo por tentar considerar to<strong>da</strong>s as experiencias <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>,<br />
com algo para o meu desenvolvimento. Vir para o TUT é mais um, eu não quero estar<br />
aqui a tentar tirar, ou melhor não quero estar aqui a tirar nenhum prestigio ao TUT, é<br />
uma experiencia muito boa, tem estado a ser muito bom e quero continuar, até porque<br />
eu estou a gostar desta coisa de ser actor, esta coisa assim do género, mas… mas para<br />
todos os efeitos, também não lhe consigo <strong>da</strong>r aquela importância de ser tão diferente<br />
para mim, porque aquilo que eu faço no TUT, eu já tento fazer no meu dia-a-dia com as<br />
outras situações, que é basicamente aprender, tentar interpretar, analisar, aprender.<br />
Pronto é só isso…<br />
Paula Bettencourt Araújo: Muito bem… Bom, para mim o TUT foi um desafio… que<br />
era um gosto que eu tinha e fiquei muito feliz de encontrar este grupo, senti-me muito<br />
realiza<strong>da</strong>… falamos muito de felici<strong>da</strong>de e de nos sentirmos bem e confesso que este ano<br />
tive um rasgo de felici<strong>da</strong>de, e foi fantástico, estou vicia<strong>da</strong>, quero mais. E nunca mais<br />
vou esquecer todo este ano de trabalho que nós tivemos. Tenho muita esperança no<br />
próximo ano e quero continuar convosco, gosto de todos… muito! E… e sinto-me livre<br />
convosco, sinto-me bem, e enquanto me sentir assim eu vou estar por perto sempre.<br />
Nita Antunes: quando eu escolhi o teatro, foi porque escolher uma ferramenta, um<br />
instrumento para me aju<strong>da</strong>r a viver ser mais feliz e fazer mais felizes os outros e… eu<br />
acho este grupo muito interessante porque somos muito diferentes uns dos outros, várias<br />
i<strong>da</strong>des, vários estados na vi<strong>da</strong>, mas existe uma uni<strong>da</strong>de entre nós, e eu acho que isso é<br />
que se pode muito sublinhar, esta uni<strong>da</strong>de na diversi<strong>da</strong>de.<br />
Margari<strong>da</strong> Cardoso: Eu não tenho muito jeito para o discurso, mas vou começar. Eu<br />
vim para o TUT desde que estou em Lisboa, ou desde que me lembro, que acho que<br />
182
tenho uma paixão pela representação, não tanto pela representação, também pelo canto,<br />
mas pronto… (risos) E então, desde que vim para Lisboa que sempre pensei, que<br />
sempre pensei entrar para um grupo de teatro, mas nunca tinha surgido a oportuni<strong>da</strong>de e<br />
também nunca me pus a procurar. E então surgiram duas colegas minhas, a Constança e<br />
a Rita, que já estiveram também com vocês, e então eu soube deste grupo, e então<br />
estava assim um bocado de pé atrás… ah, e vou para lá sozinha e não sei… e um dia, lá<br />
cheguei eu, sozinha, as primeiras pessoas que conheci foi a Ana e o António, pronto não<br />
interessa… passemos à frente… interessa, interessa. E pronto, acho que cresci muito<br />
com o TUT e nunca esperei conhecer este grupo de pessoas que conheci, pensei que<br />
fosse algo diferente, sei lá… eu gostava de fazer teatro, mas tinha aquela ideia que a<br />
maior parte <strong>da</strong>s pessoas tem, que as pessoas que representam são pessoas um bocadinho<br />
estranhas (muitos risos) mas afinal cheguei ao grupo e vi que não há pessoas estranhas,<br />
não, não há pessoas estranhas; não, não há pessoas estranhas… todos nós temos um<br />
bocadinho de estranho dentro de nós, somos nós próprios, e pronto cresci muito com<br />
isso e por essa maneira de pensar, que eu acho que era um bocadinho retrógra<strong>da</strong>, pronto,<br />
enfim… águas passa<strong>da</strong>s. Cresci muito com isso, e gosto muito de estar aqui, e pronto o<br />
tempo que puder estar mais, estarei. Pronto, estou muito nervosa e não sei o que é que<br />
hei-de dizer.<br />
Susana : Rita, Rita, o que bebeste hoje? Então é assim, eu não me dou a conhecer<br />
muito, e as vin<strong>da</strong>s para o teatro, para este grupo, foi a melhor coisa que podia ter feito,<br />
seguindo o conselho <strong>da</strong> minha amiga Mag<strong>da</strong>; uma vez que tenho mesmo de trabalhar as<br />
minhas competências, a nível intelectual, pessoal, relacional, e no teatro, para além de<br />
trabalharmos algumas personagens, trabalhamo-nos a nós mesmos, e aquilo que eu<br />
procuro como pessoa e estando no grupo várias pessoas, o que é ótimo, ca<strong>da</strong> um com as<br />
suas diferenças… e é isso que nos faz alertar para nós mesmos e crescer. O objetivo que<br />
acho que todos temos, que é evoluir interiormente e quem quer segue realmente o teatro,<br />
não é essa função aqui, mas mais a nível pessoal. Exato Ana, desenvolvimento pessoal.<br />
Rui Risona: Bem, eu sou um dinossauro. Eu e outro aqui. Eu entrei para o TUT em 93<br />
com o Vieira, a Rita, e na altura lembro-me que … a Teresa que ali está também… e na<br />
altura, lembro-me que um dos exercícios que o Listopad nos propôs foi expormo-nos ao<br />
ridículo, tirarmos partido de nos expormos ao ridículo; tirarmos partido artístico disso,<br />
mas também partido pessoal, e dezassete anos depois, sinto-me mais ridículo do que em<br />
93, no bom e no mau sentido. Mas, foi isso, para um rapaz ilhéu, que vinha lá <strong>da</strong> Ilha do<br />
Pico, que não tinha tido grande contacto com artes e com… ter estado com o Listopad<br />
183
durante vários anos, foi uma aprendizagem para a vi<strong>da</strong>, o Listopad foi a primeira pessoa<br />
por quem me apaixonei no TUT, para além de me ter apaixonado por outras, o Listopad<br />
é uma referencia, era o nosso encenador, mas era um filósofo, era um homem que nos<br />
ensinava a pensar, que nos provocava para que pensássemos, para que chegássemos a…<br />
e reconheço no Júlio essa herança do Listopad. Claro que são pessoas diferentes, são<br />
naturalmente… mas reconheço no Júlio… Não, é isso. E foi naquela altura, e acho que o<br />
TUT, passados dezassete anos dá-me mais do que eu dou ao TUT, embora tenha feito<br />
agora uma pausa de uns meses, em Setembro voltarei; e o TUT dá-me coisas que são<br />
importantes para o meu dia-a-dia, para a vi<strong>da</strong> de todos os dias, na<strong>da</strong> de transcendentes,<br />
são coisas que são transversais na minha vi<strong>da</strong>, na minha relação com os outros, na<br />
maneira de me posicionar perante os outros, perante o mundo… como me questiono,<br />
como questiono os outros… é, é bonito… E também gostei muito <strong>da</strong> Mag<strong>da</strong> no TUT.<br />
Mag<strong>da</strong> Gonçalves: Só te fica bem. Este ano a minha colaboração não foi muito<br />
presente, mas foi o suficiente para perceber que há diferentes estilos para abor<strong>da</strong>r o que<br />
quer que seja, inclusive a encenação e a interpretação, e… e pronto. Da próxima vez,<br />
peço apenas ao Vieira, que me dê mais umas horas para fazer o programa e não apenas<br />
uma noite. (risos) Mas falando no TUT em geral, foi muito importante para mim,<br />
porque ajudou-me acima de tudo a crescer, a nível interior e também a <strong>da</strong>r-me com os<br />
outros… e foi de uma importância brutal, porque surgiu numa época <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>,<br />
muito sensível, em que perdi a minha tia, quase mãe, e… acho que se não fosse o TUT<br />
não sabia… não sei sequer onde é que eu estava. Mas eu falo do TUT, eu agarrei-me ao<br />
TUT como me poderia ter agarrado a outra coisa qualquer… mas acho que no TUT<br />
arranjei talvez uma maneira de escapar, de fugir à triste reali<strong>da</strong>de que era aquela <strong>da</strong><br />
altura, e que neste momento é apenas a vi<strong>da</strong>, faz parte, a morte faz parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, mas na<br />
altura foi muito doloroso e recordo-me que ansiava muito, todos os dias pela segun<strong>da</strong> e<br />
pela quinta, e era uma tristeza para mim as sextas de manhã porque segun<strong>da</strong> nunca mais<br />
vinha e eu isso recordo-me muito. Marcou-me imenso, imenso… e acho que é muito<br />
saudável aqueles improvisos que se fazem em que é de uma tremen<strong>da</strong> solidão, e nós<br />
sabemos que estamos a ser observados por pessoas, atrevo-me a dizer boas, muitas delas<br />
estranhas e que nos estão a ver pela primeira vez, mas se nós tivermos a concentração<br />
suficiente, aqueles dois segundos, são o suficiente para nos salvar a semana to<strong>da</strong>, e eu<br />
no início via muito o TUT por ai, um escape, uma fuga. Mais tarde, quando o Listopad<br />
nos levou aos palcos, eu via o TUT como uma tremen<strong>da</strong> dor de barriga e que me levava<br />
a caminhar várias vezes para a casa de banho durante o dia e isto é ver<strong>da</strong>de… e<br />
184
detestava atuar, e ficava muito nervosa e ficava muito tensa, mas confesso que quando<br />
estava em palco, independentemente de ter corrido bem ou mal, era muito bem. Isso eu<br />
recordo-me.<br />
Francisco Branco: Já muito foi dito, no entanto, para mim o TUT foi liber<strong>da</strong>de e foi<br />
liber<strong>da</strong>de para viver a minha vi<strong>da</strong>, para vivermos a nossa própria reali<strong>da</strong>de, mas também<br />
para vivermos outras reali<strong>da</strong>des, outras vi<strong>da</strong>s diferentes e isso foi ótimo. Depois outra<br />
coisa que o TUT foi, foi desenvolvimento, e o desenvolvimento foi através do processo,<br />
não tanto a atuação no final, mas todo o processo para lá chegar, e o desenvolvimento<br />
foi intelectual, foi pessoal, foi emocional, foi a todos os níveis… e por ultimo, em<br />
termos de consciência, como é que nós nos relacionamos uns com os outros, e o que é<br />
que as nossas ações afetam outras pessoas, e como é que essas ações de outras pessoas<br />
nos afetam a nós. E ponto, foi isso, para mim o TUT foi isso.<br />
Lina: O TUT… Tal como para a Mag<strong>da</strong>, o TUT foi bastante importante para mim, para<br />
eu ousar ser própria, deixar cair as máscaras. E desde que vi pela primeira vez teatro,<br />
aos doze anos, acho eu… o teatro para mim passou a ser algo mágico… decidi então<br />
experimentar com o TUT, com o professor Listopad, estive no TUT, entrei em 2002 e<br />
infelizmente tive que sair em 2005… tentei voltar novamente agora, em 2009 e… como<br />
dizia o Rui são duas formas de encarar o teatro, as quais aprendi com as duas, adoro as<br />
duas, cresci… é um vício que eu não quero deixar; infelizmente há circunstâncias <strong>da</strong><br />
minha vi<strong>da</strong> que não me permitem ir sempre aos ensaios, em relação a este grupo devo<br />
dizer que, como foi dito, há pessoas muito diversas mas são, são muito unidos entre<br />
vocês e são uma família, basicamente entre vocês e, uma amiga minha que foi<br />
convi<strong>da</strong><strong>da</strong> para ir ver a vossa peça, os Venenos Indispensáveis, disse que, vocês eram<br />
muito diferentes mas que se <strong>da</strong>vam todos muito bem e conseguiu ver isso com vocês em<br />
palco. Tenho a agradecer também às pessoas que me rodearam no TUT inicial, ao<br />
Vieira, ao Rui, ao Júlio… A muita gente, à Rita, ao Francisco… a imensa gente, e em<br />
relação ao Júlio eu queria dizer uma coisa, que par mim, agora como diretor do atual<br />
TUT, quero dizer que para mim é um privilégio e é um prazer ver alguém que no meio<br />
artístico tem uma humil<strong>da</strong>de e uma bon<strong>da</strong>de enormes, em <strong>da</strong>r sem hipocrisias, sem na<strong>da</strong><br />
disso… uma pessoa, é rir, é <strong>da</strong>r, é bon<strong>da</strong>de, é amizade. Tanto no Júlio, como no Vieira,<br />
que lutam por manter o TUT um grupo de teatro em que to<strong>da</strong>s as pessoas crescem como<br />
pessoas, no relacionamento com os outros, em que aprendemos a ser aquilo que somos<br />
de facto e não aquilo que fomos formatizados para ser, aprendemos a ser nós próprios…<br />
E pronto, já falei de mais, obriga<strong>da</strong>.<br />
185
José Figueiredo: Bem, aqui uma palavrinha pró TUT, muito rápi<strong>da</strong> também, mas…<br />
gostava de partilhar convosco que o TUT é uma plataforma que um dia me possa<br />
permitir a desenvolver uma área, num campo que me é muito querido, como muitos de<br />
vocês sabem, que é todo esse campo do travestismo e <strong>da</strong>s “drag queen”, onde eu espero<br />
um dia vir a ser bem-sucedido. Não sei qual é a pia<strong>da</strong>, que é um espetáculo muito<br />
respeitado. De qualquer <strong>da</strong>s maneiras, e aproveitando a embalagem desta ocasião, peço<br />
que me deem um bocadinho esta tolerância porque tenho aqui ao meu lado esquerdo<br />
alguém que também pode fazer uma carreira maravilhosa nessas artes, mas de qualquer<br />
maneira, ca<strong>da</strong> um é ca<strong>da</strong> qual… Não é Xico?! Não, agora um bocadinho mais a sério,<br />
eu gostaria de nesta ocasião aqui aos colegas e aquilo que ca<strong>da</strong> um disse e também para<br />
mim foi uma experiencia muito magnífica, esta situação de descobrir o teatro numa<br />
primeira fase, e todo o bem que me fazia as nossas aulas iniciais, e depois numa<br />
segun<strong>da</strong> fase, descobrir afinal isto é um espetáculo, tá ali isto cheio de gente e temos<br />
que fazer qualquer coisa. E todo esse mundo, e to<strong>da</strong> essa dinâmica é fabulosa …<br />
Gostaria de neste momento partilhar convosco o percurso que tenho tido o prazer de<br />
partilhar com o Júlio, que para além de ser um diretor magnífico, é um ator <strong>da</strong> primeira<br />
apanha, é excelente. Com o Manuel Vieira, com o Nuno em particular, os mais antigos;<br />
e dizer-vos que gosto muito de vocês, para mim um grupo que são excecionais, e que eu<br />
não tenho tido a ocasião de fazer na<strong>da</strong> convosco no ultimo tempo, no ultimo ano, mas<br />
que certamente vamos fazer muitas coisas juntos aqui, ou lá para os lados do<br />
Intendente… Um beijinho a todos e, claro, uma palavrinha ao Listopad também, nesta<br />
ocasião, que ele também contribui muito com a sua presença neste espírito todo né, um<br />
beijo a todos. Dar aqui a palavra novamente à Lina…<br />
Lina: Peço desculpa, não queria, não… em relação ao professor Listopad, eu telefonei-<br />
lhe pessoalmente há algum tempo atrás a agradecer uma coisa que ele fez, que foi <strong>da</strong>r-<br />
me um papel que eu não imaginava fazer e o que ele fez foi confiar em mim, antes de eu<br />
conseguir ter essa confiança em mim própria e … e pronto, adoro o TUT, adoro os<br />
tutianos. Tudo para sempre.<br />
Teresa: Pronto, eu que já sai do TUT há muitos anos, revejo-me, revi-me nas vossas<br />
palavras to<strong>da</strong>s. Percebo perfeitamente os sentimentos que vos passaram quando vocês<br />
disseram o que disseram; eu também senti isso, e a prova de que o TUT é tão<br />
importante é o facto de eu, que já não estou no TUT há tantos anos, estar aqui neste<br />
jantar hoje.<br />
186
Nuno Cortez: Eu sei que a direção está dispensa<strong>da</strong>, mas já agora vou só dizer uma<br />
coisa. Achei muito interessante o que a Mag<strong>da</strong> disse ali ain<strong>da</strong> há bocadinho, a<br />
representação, isto é, nós vestirmos a pele de um personagem, permite-nos um pouco<br />
despirmos a nossa própria pele, digamos assim; e isso muitas vezes é extremamente<br />
salutar. A experiencia que a Mag<strong>da</strong> passou e que referiu ai, passei-a eu há 22 anos atrás<br />
quando nasceu o meu primeiro filho, que foi um parto muito difícil, e pronto que teve<br />
sequelas que ele ain<strong>da</strong> sente atualmente, que… esse parto ocorreu, ou seja, que a estreia<br />
<strong>da</strong> nossa peça esteve prevista para o dia em que ele nasceu, depois nós adiamos a<br />
estreia, não por ele ter nascido, mas por outras circunstancias, mas foi de facto, eu tenho<br />
a viva sensação que não dei em maluco naquela altura por causa do teatro, porque<br />
aquelas duas horas em que eu deixava de pensar nos problemas pessoais e, portanto,<br />
vivia uma outra vi<strong>da</strong>, vestia um outro papel foi o suficiente para conseguir depois<br />
aguentar tudo o resto. O teatro tem esta força e esta capaci<strong>da</strong>de de nos permitir viver<br />
uma outra vi<strong>da</strong>, e depois regressar à nossa e aguentá-la com mais força.<br />
Manuel Vieira: O TUT é um grupo de teatro universitário e, indo à génese <strong>da</strong> palavra,<br />
pretende fomentar o conhecimento universal, e universal não só na sua forma física,<br />
mas também espiritual, to<strong>da</strong> essa abertura… este espaço de liber<strong>da</strong>de que foi falado, o<br />
teatro universitário deve faze-lo e o TUT tem tomado e tem-no feito, por isso todos nós<br />
nos sentimos à vontade e sentimos que temos espaço para nos descobrirmos e para nos<br />
reencontrarmos aqui no TUT. E depois outra coisa, o TUT somos nós, não há mais<br />
ninguém.<br />
187
Apêndice 7 – Texto no Boletim do TUT do Prof. Dr. J. Lopes <strong>da</strong> Silva<br />
A PROPÓSITO DOS 30 ANOS DO TUT<br />
O ensino universitário só pode assumir esta designação se desenvolvido em ambiente de<br />
investigação e de conhecimento teórico do conhecimento, transmitindo aos estu<strong>da</strong>ntes<br />
uma formação científica sóli<strong>da</strong>, mas não ignorando preocupações de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e de<br />
cultura, pilares essenciais na formação de ci<strong>da</strong>dãos de pleno direito.<br />
Neste contexto, compete-lhe desenvolver nos formandos o espírito crítico e capaci<strong>da</strong>des<br />
para empreender, pesquisar e inovar, habilitando-os a contribuírem para o avanço do<br />
saber e respectivas aplicações.<br />
O teatro, como espaço significativo de estimulo à imaginação, de reflexão e de<br />
expressão, assume-se como uma componente complementar muito significativa do<br />
ensino <strong>da</strong>s ciências e <strong>da</strong>s técnicas e, desta forma, não podia deixar de estar incluído nas<br />
activi<strong>da</strong>des de uma Universi<strong>da</strong>de técnica.<br />
A criação do Grupo de Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica (TUT) em 1981, por decisão do<br />
Reitor, Professor Eduardo Arantes de Oliveira veio, portanto, integrar na UTL uma<br />
componente importante <strong>da</strong> sua função de formação.<br />
Como em to<strong>da</strong>s as efemérides, ao comemorar o seu trigésimo aniversário, importa<br />
recor<strong>da</strong>r o passado, olhar o presente e pensar no futuro.<br />
O passado mostra-nos uma activi<strong>da</strong>de intensa com a realização de um número<br />
significativo de espectáculos.<br />
Foi nomea<strong>da</strong>mente o caso durante o período entre 1999 e 2006 que correspondeu aos<br />
meus man<strong>da</strong>tos de Reitor, em que, mau grado as dificul<strong>da</strong>des financeiras que me<br />
obrigaram a diminuir os apoios <strong>da</strong> Reitoria, o TUT montou onze peças cujas<br />
representações não se confinaram a espaços <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de mas, bem pelo contrário, a<br />
diversos palcos nacionais nomea<strong>da</strong>mente em Cascais, Fundão, Estoril e Lisboa e<br />
internacionais como foi o caso de Grenoble (XIV e XVII Encontre de Théatre et<br />
Jeunesse pour l’Europe , 2005) e de Olomoc (República Checa).<br />
188
Para além do número apreciável de peças monta<strong>da</strong>s, importa assinalar os êxitos que<br />
estiveram associados a todos os espectáculos fruto do trabalho e <strong>da</strong> dedicação de todos<br />
os que integravam o TUT, mau grado as condições difíceis, sobretudo financeiras, que<br />
me impediram de conceder todos os apoios que me foram solicitados.<br />
Sendo certo que se tratou de um trabalho de equipa, não posso destacar o papel<br />
desempenhado pelo Professor Jorge Listopad pela quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua intervenção como<br />
dramaturgo e encenador bem expressa nas obras que escreveu e dirigiu mas, também,<br />
pelo empenho que, como director, punha de forma a assegurar os meios necessários<br />
para levar por diante as suas ideias.<br />
Olhar o presente não pode esquecer a figura de Jorge Listopad, não deixando de ter<br />
presente a sua obra como referência nas decisões a tomar.<br />
Congratulo-me, portanto, pelo facto de se aproveitar a comemoração dos 30 anos do<br />
TUT para lhe prestar mereci<strong>da</strong> homenagem e a ela me associo.<br />
Relembrar Jorge Listopad e a sua obra é certamente o ponto de parti<strong>da</strong> mais adequado<br />
para pensar o futuro.<br />
Seguindo o seu exemplo, o TUT saberá escolher os melhores caminhos a seguir de<br />
forma a manter a excelência <strong>da</strong> prestação e a dignificar a Universi<strong>da</strong>de em que se insere.<br />
Convicto que assim será, felicito o TUT pelo seu aniversário desejando-lhe os maiores<br />
êxitos para to<strong>da</strong>s as iniciativas que vier a tomar.<br />
J. Lopes <strong>da</strong> Silva<br />
28/Outubro/ 2011<br />
189
Apêndice 8 – Texto no Boletim do TUT do Prof. Dr. Arantes e Oliveira<br />
PARABÉNS PELOS 30 ANOS DO TUT<br />
NOS 80 DA UTL<br />
E NOS 90 DO JORGE<br />
Em 1980, a Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa - UTL, ain<strong>da</strong> traumatiza<strong>da</strong> pelas<br />
perturbações <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 70, comemorou o seu primeiro cinquentenário. O signatário,<br />
então Reitor, propôs-se aproveitar o ano jubilar para que a Instituição adquirisse um<br />
novo fôlego.<br />
A UTL sempre sofrera de males estruturais. O mais saliente vinha <strong>da</strong> sua própria<br />
origem: olhavam-na uns como uma federação, outros como uma confederação. Mas<br />
sofria ain<strong>da</strong> de outro mal: <strong>da</strong> carência de uma cultura humanística capaz de fecun<strong>da</strong>r a<br />
cultura essencialmente técnica que, como era natural, estivera na origem <strong>da</strong>s suas<br />
escolas.<br />
Não admira que o Reitor tivesse dificul<strong>da</strong>de em definir o seu próprio papel. Mas,<br />
paradoxalmente, foi a própria confusão então reinante que me ajudou a encontrar<br />
resposta para as perplexi<strong>da</strong>des. Em terreno tão movediço, a Reitoria foi a rocha firme<br />
onde as diferentes Escolas vieram apoiar-se: serena no meio do caos, leal para com os<br />
seus interlocutores, independente <strong>da</strong>s forças políticas em confronto, protectora dos<br />
perseguidos sem olhar às respectivas ideologias, manteve uma imagem de escrupulosa<br />
cumpridora <strong>da</strong> lei e de baluarte <strong>da</strong> ortodoxia universitária, à qual se manteve fiel a<br />
grande maioria dos docentes.<br />
Quando, em Dezembro de 1977, tomei posse como Reitor (fora, desde 1974, vice-<br />
Reitor em exercício <strong>da</strong>s funções de Reitor), a Socie<strong>da</strong>de portuguesa atingira, em<br />
democracia, um novo estado de equilíbrio. Tornou-se pois possível trabalhar para<br />
conseguir uma UTL mais de acordo com o seu projecto de sempre: descentraliza<strong>da</strong> mas<br />
uni<strong>da</strong>, ao serviço do País. Neste contexto, as comemorações do 50º aniversário<br />
constituíram uma oportuni<strong>da</strong>de única para a animar e revelar à Socie<strong>da</strong>de.<br />
Uma <strong>da</strong>s inovações então introduzi<strong>da</strong>s, e que muito beneficiaram a imagem externa <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de, consistiu em instalar a Reitoria com indispensável digni<strong>da</strong>de. Foi o<br />
próprio Ministro <strong>da</strong>s Obras Públicas que me sugeriu propor ao Governo adquirir, para<br />
integração no património do Estado e posterior cedência à Universi<strong>da</strong>de, um palácio do<br />
século XVII que pertencera a Rainha Dona Catarina de Bragança. A solução funcionou<br />
190
e, transposta para Coimbra, permitiu que, simultaneamente, a mais antiga Universi<strong>da</strong>de<br />
portuguesa adquirisse o Palácio de S. Marcos.<br />
*<br />
No âmbito <strong>da</strong>s comemorações, foi cometido aos Serviços Sociais <strong>da</strong> UTL o apoio<br />
logístico a grupos de carácter cultural (teatro, música e <strong>da</strong>nça) sob a superior orientação<br />
de uma Comissão Cultural a que eu próprio presidia. O <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça ficou a depender <strong>da</strong><br />
Escola mais adequa<strong>da</strong>: a Facul<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Motrici<strong>da</strong>de Humana. O <strong>da</strong> música foi<br />
constituído a partir de um coro de excelente quali<strong>da</strong>de. O do teatro foi confiado a Jorge<br />
Listopad. Orgulho-me de a ideia de o convi<strong>da</strong>r ter sido minha, sem ninguém ma ter<br />
sugerido.<br />
E assim, já em 1981, nasceu o TUT. Recordo como um primeiro amor a peça, “Leôncio<br />
e Lena na Estalagem de Mirandolina”. Teve por cenário a nossa preciosa Reitoria. Com<br />
que entusiasmo vi o palácio, acabado de reabilitar, ser aproveitado para uma<br />
extraordinária encenação! Recordo os jovens actores dialogando uns com os outros, de<br />
umas para as outras <strong>da</strong>s janelas <strong>da</strong> facha<strong>da</strong> tardoz do edifício, e os espectadores<br />
assistindo maravilhados, sentados em cadeiras dispostas no jardim.<br />
As comemorações foram cui<strong>da</strong>dosamente concebi<strong>da</strong>s para reforçar a coesão <strong>da</strong><br />
instituição, e constituíram a grande oportuni<strong>da</strong>de para iniciar uma nova fase <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de<br />
uma Universi<strong>da</strong>de onde, a pretexto do carácter eminentemente técnico, a digni<strong>da</strong>de e<br />
beleza do cerimonial académico costumavam ser considera<strong>da</strong>s como aspectos menores.<br />
Sem romper desnecessariamente com a tradição que lhe era própria, a UTL tornou-se, a<br />
partir do seu jubileu, a mais inovadora <strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des portuguesas. Os novos<br />
símbolos e actos académicos não faziam mais que traduzir um espírito novo. Neles se<br />
procurou interessar também os estu<strong>da</strong>ntes, muito especialmente através dos grupos<br />
culturais que, por essa altura, estavam em pleno desenvolvimento. Além de criador do<br />
TUT, Jorge Listopad tornou-se o consultor <strong>da</strong> Reitoria para a encenação <strong>da</strong>s cerimónias<br />
mais solenes <strong>da</strong> UTL, como, anos mais tarde, o seria para as do Laboratório Nacional de<br />
Engenharia Civil, quando deste fui Director.<br />
O jubileu <strong>da</strong> UTL foi oportuni<strong>da</strong>de para muitos outros acontecimentos, como a<br />
publicação do primeiro volume <strong>da</strong> História <strong>da</strong> UTL (<strong>da</strong> autoria de Veríssimo Serrão), a<br />
promoção de eventos como o Congresso "A Universi<strong>da</strong>de Portuguesa nos Anos 80", a<br />
organização de exposições sobre "O Património <strong>da</strong> UTL" e "O Presente e o Futuro <strong>da</strong><br />
UTL", o lançamento de novos cursos de licenciatura, dos primeiros cursos de mestrado,<br />
a instalação <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Arquitectura, a constituição dos primeiros departamentos,<br />
191
a fun<strong>da</strong>ção do INESC, a celebração de importantes convénios, e a instalação <strong>da</strong> Reitoria<br />
nas novas instalações.<br />
Pode dizer-se que foi a partir destas comemorações que a UTL se mobilizou em torno<br />
do seu projecto e que a socie<strong>da</strong>de portuguesa se convenceu de que, tendo finalmente<br />
ultrapassado a crise dos anos 70, a Universi<strong>da</strong>de Técnica se transformara, enquanto<br />
instituição, numa <strong>da</strong>s alavancas mais poderosas do desenvolvimento nacional.<br />
Mas não posso esconder que, em to<strong>da</strong> essa renovação <strong>da</strong> UTL, a fun<strong>da</strong>ção do TUT teve<br />
para mim um especial significado. Ao contrário de muitas iniciativas que se lançam em<br />
Portugal, e que morrem passado algum tempo, teve um desenvolvimento sustentável.<br />
Obrigado, Jorge!<br />
E obrigado a todos os que se prontificaram para continuar a tua obra e me convi<strong>da</strong>ram a<br />
colaborar nesta singela mas senti<strong>da</strong> homenagem!<br />
Eduardo Romano de Arantes e Oliveira<br />
192
Apêndice 9 – Texto no Boletim do TUT de Jorge Listopad<br />
TUT & Companhia<br />
Os dirigentes de hoje do Teatro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa – TUT –<br />
pediram-me um texto para a festa que preparam; infelizmente não sou Herberto Hélder, meu<br />
poeta amado, que recusa as encomen<strong>da</strong>s. Neste caso, pelo contrário, gostava de ter tempo e<br />
espaço para uma ampla reflexão sobre um acto teatral que desde há trinta anos faz parte <strong>da</strong><br />
cultura teatral portuguesa. O que posso é só contar.<br />
O reitor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Técnica de Lisboa, o Professor Doutor Arantes e Oliveira,<br />
naquela longínqua época, propôs-me que tomasse conta <strong>da</strong> activi<strong>da</strong>de teatral, dentro dos<br />
grupos culturais que estava a formar, a fim de equilibrar os estudos <strong>da</strong> sua universi<strong>da</strong>de<br />
técnica, isto é, mitigar a técnica com a cultura indispensável. Quanto à ideia dos equilíbrios<br />
necessários ao homem moderno, jogou com intuição certa. Que me tenha escolhido a mim, que<br />
sejam os outros a julgarem segundo os resultados.<br />
Aceitei. Na época era Presidente <strong>da</strong> Escola Superior de Teatro e Cinema – ESTC – a<br />
introduzir ou a tentar introduzir um novo espírito de ver a arte teatral, talvez menos formal e<br />
mais aberta, mais experimental, quer pe<strong>da</strong>gógica quer artisticamente. Porém, a ESCT, como<br />
parte do Ministério <strong>da</strong> Educação, a integrar as suas regras e seus códigos, implicava que<br />
vigiasse de perto a minha liber<strong>da</strong>de (ou libertinagem) nesse ensino artístico pós 25 de Abril,<br />
para não ultrapassar as fronteiras imaginárias do permitido. Ora aqui começou a aventura, pois,<br />
a partir <strong>da</strong>quele momento, no teatro universitário, podia criar outra escola, uma escola antiescola,<br />
onde se experimentassem as ideias, os achados, os novos valores, para ver o que a alma<br />
e o corpo humano podiam ain<strong>da</strong> oferecer como dádiva ao artefacto, primeiro criado para nós<br />
próprios e depois, em consequência, para os outros. Fiquei feliz.<br />
Começou então a história do TUT como ficção. Estranhamente e com rapidez<br />
inusita<strong>da</strong> a ficção tornou-se colectiva, <strong>da</strong>s primeiras dezenas de alunos, depois dos que vieram<br />
a seguir e ain<strong>da</strong> depois por muitas pessoas que passavam, duas vezes por semana, por essa<br />
porta dita estreita, ou melhor, pelas várias portas <strong>da</strong> existência criativa. Já que falo de portas<br />
menos simbolicamente, também falo <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças que nos obrigaram a trocar de sítio, tal<br />
como trocamos as nossas amizades. Muitos esforços resultaram em vitórias e eventualmente<br />
em alguns enganos.<br />
Assim começou e assim continuou. A distância entre nós como colectivo e a poesia<br />
era pequena. Transformávamo-nos à vista desarma<strong>da</strong>. Se nascia algo de novo teatro em<br />
Portugal, viveu sem a mínima obrigação, livre, apesar de todo o rigor <strong>da</strong>s preparações.<br />
Perguntar-se-ia: “o TUT envelheceu, não envelheceu?” O que me parece é que se<br />
continua a escrever o segundo volume <strong>da</strong> ficção onde todos são bem-vindos, num espaço sem<br />
fronteiras, enquanto a nova reali<strong>da</strong>de do mundo se aproxima. Atenção.<br />
Novembro 2011<br />
Jorge Listopad<br />
193
Apêndice 10 - Quando o Teatro é Liber<strong>da</strong>de<br />
Entrevista realiza<strong>da</strong> pela European Youth Voice, a elementos do TUT,<br />
em Janeiro de 2011, no Palácio Burnay<br />
http://www.europeanyouthvoice.de/2011/01/when-theatre-is-freedom/<br />
European Youth Voice<br />
The EuropeanYouthVoice project was initiated by the Aktuelles Forum. The latter is a<br />
recognized management agency for further political education and training which was<br />
founded in 1968 to offer young people a forum for political discussion that is not party-<br />
politically oriented but open for all.<br />
When theatre is freedom<br />
First, our ears catch the sound. Then it’s our eyes following the movements, going from<br />
fast to slow, from the random confusion to what seems to be a rhythmic choreography.<br />
It could be some type of ritual. It’s nothing but people using theatre to feel free.<br />
That happens every Mon<strong>da</strong>y and Thurs<strong>da</strong>y, since 1981, when the Técnica University’s<br />
Rector Eduardo Arantes de Oliveira invited Jorge Listopad to create a theatre group<br />
(TUT). The purpose is, since then, to give a cultural awareness for the students. The<br />
goal was never to attract the members of the group in such a way that they would leave<br />
the technical degree behind and choose to devote their life to the art.<br />
However, it has happened at least once with one student who left his pharmacy studies<br />
for acting: Júlio <strong>Martín</strong> <strong>da</strong> <strong>Fonseca</strong>. He is in the group since the first <strong>da</strong>y. From that<br />
time he remembers the big commitment and the enthusiasm in the TUT group. Now he<br />
is the artistic director and every rehearsal he makes an effort to inspire the members<br />
like Jorge Listopad did with him. Some of them like it so much that they stay in the<br />
TUT group even after finishing their studies.<br />
The TUT group is preparing the play “The World We Live In” by the Czech author<br />
Karel Capek to have the premiere in May<br />
By<br />
Sofia Simoes de Almei<strong>da</strong>, Portugal<br />
Viktor Machourek, Czech Republic<br />
194
Boletim do TUT<br />
195
Anexos (em CD)<br />
Anexo 1 – Fotografias de espetáculos<br />
Anexo 2 – Programas e Cartazes<br />
Anexo 3 – Críticas e Notícias<br />
196