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memória e território na cidade de deus, rio de janeiro - UFF

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Revista VITAS – Visões Transdiscipli<strong>na</strong>res sobre Ambiente e Socieda<strong>de</strong> – www.uff.br/revistavitas<br />

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 5, <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2012<br />

MEMÓRIA E TERRITÓRIO NA CIDADE DE DEUS, RIO DE JANEIRO:<br />

REFLEXÕES INICIAIS A PARTIR DE UMA POLÍTICA DE GOVERNO EM<br />

ECONOMIA SOLIDÁRIA<br />

Sérgio Ricardo Rodrigues Castilho 1<br />

sergiorodriguescastilho@gmail.com<br />

Resumo: o artigo faz um exercício <strong>de</strong> reflexão sobre os temas da <strong>memória</strong> e do<br />

<strong>territó<strong>rio</strong></strong> a partir da experiência <strong>de</strong> participação em política <strong>de</strong> governo, o Projeto<br />

Memória, que ocorreu no município do Rio <strong>de</strong> Janeiro no âmbito do Programa “Rio<br />

Economia Solidária”, da Secretaria Especial <strong>de</strong> Desenvolvimento Econômico Solidá<strong>rio</strong><br />

da Prefeitura da Cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, entre 2010 e 2011.<br />

Palavras-chave: <strong>memória</strong> coletiva, <strong>territó<strong>rio</strong></strong>, economia solidária, Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus.<br />

INTRODUÇÃO:<br />

O título <strong>de</strong>ste artigo exige uma justificativa. Procurarei fazer um exercício <strong>de</strong><br />

reflexão sobre os temas da <strong>memória</strong> e do <strong>territó<strong>rio</strong></strong> a partir da experiência <strong>de</strong> minha<br />

participação numa política <strong>de</strong> governo no município do Rio <strong>de</strong> Janeiro entre novembro<br />

<strong>de</strong> 2010 e junho outubro <strong>de</strong> 2011. Me expresso em termo <strong>de</strong> uma “política <strong>de</strong> governo”<br />

- e não <strong>de</strong> “política pública” 2 - intencio<strong>na</strong>lmente, para lembrar que o qualificativo<br />

público não é, a<strong>na</strong>liticamente falando, uma <strong>de</strong>corrência <strong>na</strong>tural das ações do “Estado”.<br />

A política <strong>de</strong> governo em questão foi o Projeto Memória executado entre<br />

novembro <strong>de</strong> 2010 e outubro <strong>de</strong> 2011, no âmbito do Programa “Rio Economia<br />

1 Professor do Departamento <strong>de</strong> Sociologia da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense. Membro do Grupo <strong>de</strong><br />

Pesquisa do CNPq “Fronteiras Políticas e Transformação Estatal’ e da Incubadora <strong>de</strong> Empreendimentos<br />

Econômicos Solidá<strong>rio</strong>s, ambos da <strong>UFF</strong>.<br />

2 “Estudar políticas públicas do ângulo da antropologia social implica, <strong>de</strong> saída, suspen<strong>de</strong>r a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

público como qualificativo para os fins das ações <strong>de</strong> Estado, as quais po<strong>de</strong>riam ser melhor <strong>de</strong>scritas<br />

como políticas gover<strong>na</strong>mentais. Políticas gover<strong>na</strong>mentais <strong>de</strong>vem ser entendidas como planos, ações e<br />

tecnologias <strong>de</strong> governo formuladas não só <strong>de</strong>s<strong>de</strong> organizações administrativas <strong>de</strong> Estados <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is,<br />

mas também a partir <strong>de</strong> diferentes modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> organizações não redutíveis àquelas que estão<br />

<strong>de</strong>finidas em termos jurídico e administrativos enquanto partícipes <strong>de</strong> administrações públicas<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. Pensamos aqui não ape<strong>na</strong>s em ONGs e movimentos sociais, mas também em organismos<br />

multilaterais <strong>de</strong> fomento e <strong>de</strong> cooperação técnica inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l para o <strong>de</strong>senvolvimento”. (Souza Lima e<br />

Castro, 2008: 369)


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ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 5, <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2012<br />

Solidária”, pela Secretaria Especial <strong>de</strong> Desenvolvimento Econômico Solidá<strong>rio</strong> da<br />

Prefeitura da Cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro (www.<strong>rio</strong>.rj.gov.br/web/se<strong>de</strong>s). Embora o Projeto<br />

Memória tenha atuado em quatro <strong>territó<strong>rio</strong></strong>s (Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus; Complexo do Alemão;<br />

Complexo <strong>de</strong> Manguinhos; e Morro Santa Marta) irei me referir aqui ape<strong>na</strong>s às questões<br />

<strong>de</strong>rivadas da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, no qual foi mais bem sucedido.<br />

Num primeiro momento contextualizarei tanto o projeto quanto a Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Deus. Num segundo momento apresentarei as premissas teórico-metodológicas que<br />

orientaram as ações do projeto nos <strong>territó<strong>rio</strong></strong>s (baseadas principalmente em Halbawchs,<br />

Gramsci e Pollak). Num terceiro momento <strong>de</strong>screverei as ações e farei algumas<br />

reflexões iniciais acerca das situações e do material que coletamos.<br />

Tenho a convicção <strong>de</strong> que o Projeto Memória – embora em uma escala peque<strong>na</strong><br />

- levantou questões importantes para o estudo da <strong>memória</strong> coletiva em comunida<strong>de</strong>s<br />

pobres <strong>na</strong> <strong>cida<strong>de</strong></strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro 3 , que recolocam <strong>na</strong> or<strong>de</strong>m do dia as relações entre o<br />

po<strong>de</strong>r político e <strong>de</strong> Estado e a <strong>memória</strong> ‘popular’ ou dos pobres. Retomarei, portanto,<br />

num quarto e último momento, algumas <strong>de</strong>ssas questões.<br />

1 – O CONTEXTO DE REALIZAÇÃO DO PROJETO MEMÓRIA<br />

A Secretaria Especial <strong>de</strong> Desenvolvimento Econômico Solidá<strong>rio</strong> da Cida<strong>de</strong> do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro (SEDES/PCRJ) foi criada pelo prefeito eleito pelo PMDB em 2008,<br />

Eduardo Paes (2009-2012).<br />

Paes não tem entre seus atributos o da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária. Aos vinte e três anos<br />

iniciou sua carreira política tor<strong>na</strong>ndo-se sub-prefeito da Barra da Tijuca <strong>na</strong><br />

administração <strong>de</strong> César Maia (1993-1996), foi o vereador mais votado da <strong>cida<strong>de</strong></strong> em<br />

1996 pelo PV, <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral eleito em 1998 (não terminou o mandato como<br />

vereador) e reeleito em 2002. Reeleito pelo PFL em 2002 ingressa no PSDB em 2003.<br />

Durante esse mandato teve uma contun<strong>de</strong>nte atuação <strong>na</strong> <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> corrupção no<br />

Governo Lula e no episódio que passou a ser conhecido como mensalão. Com a<br />

3 Nele atuaram três pessoas, além do fotógrafo e do cinegrafista, que eram “compartilhados” com o<br />

“Rio Economia Solidária”. Aproveito ainda a oportunida<strong>de</strong> para manifestar que Flávia Ruas Pereira<br />

Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>s coletou parte do material empírico que <strong>de</strong>u origem a esse artigo.


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reeleição <strong>de</strong> Lula em 2006 e o arrefecimento das <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> corrupção, Paes muda<br />

novamente e vai – em outubro <strong>de</strong> 2007, a tempo <strong>de</strong> se tor<strong>na</strong>r candidato <strong>na</strong>s eleições<br />

vindouras – para o PMDB, apadrinhado pelo gover<strong>na</strong>dor Sérgio Cabral.<br />

Um dos elementos que colaborou <strong>na</strong> eleição <strong>de</strong> Paes foi a estratégia bem<br />

sucedida <strong>de</strong> apresentá-lo como representante <strong>de</strong> uma nova era <strong>na</strong> <strong>cida<strong>de</strong></strong>, <strong>na</strong> qual os<br />

gover<strong>na</strong>ntes municipais, estaduais e da união agiriam em uníssono, garantindo recursos<br />

para a combalida economia da <strong>cida<strong>de</strong></strong>. O Gover<strong>na</strong>dor Sérgio Cabral foi hábil no<br />

estabelecimento <strong>de</strong> uma ponte entre o presi<strong>de</strong>nte Lula e a candidatura <strong>de</strong> Paes, <strong>de</strong> forma<br />

que o presi<strong>de</strong>nte sequer se manifestou apoiando a candidatura <strong>de</strong> Alessandro Molon,<br />

<strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral candidato pelo PT após fortes lutas inter<strong>na</strong>s – e, portanto, adversá<strong>rio</strong><br />

<strong>de</strong> Paes.<br />

Como um dos resultados da eleição <strong>de</strong> Paes e do acordo que se estabeleceu com<br />

o PT foi criada a SEDES/PCRJ, uma Secretaria sem recursos e sem pessoal, entregue a<br />

um secretá<strong>rio</strong> originá<strong>rio</strong> da militância “histórica” partidária, mas também com perfil<br />

acadêmico.<br />

“Economia solidária” tornou-se um epíteto comum a uma enorme gama <strong>de</strong><br />

experiências, movimentos e classes sociais que procuram resistir às relações <strong>de</strong><br />

produção e à cultura capitalista, apostando em formas alter<strong>na</strong>tivas <strong>de</strong> produzir e viver<br />

coletivamente (França Filho; Laville: 2004). Des<strong>de</strong> uma perspectiva mais geral ela<br />

recoloca em diálogo, é a hipótese que levanto, as perspectivas marxistas e a<strong>na</strong>rquistas<br />

que se separaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fim da Associação Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Trabalhadores em 1872,<br />

atualizando a crítica a socieda<strong>de</strong> capitalista no sentido <strong>de</strong> incorporar também as<br />

<strong>de</strong>mandas do “movimento ver<strong>de</strong>” iniciado <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 60 do século passado.<br />

No Brasil a economia solidária tem se manifestado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos noventa do<br />

século passado e conquistado maior expressivida<strong>de</strong> a partir do início do século XXI,<br />

coincidindo essa maior expressivida<strong>de</strong> com o Governo Lula (2003-2006/2007-2010) e o<br />

Fórum Social Mundial <strong>de</strong> Porto Alegre em 2001 (Gaiger, 2004). O Fórum Brasileiro <strong>de</strong><br />

Economia Solidária (www.fbes.org.br) foi criado em 2002, e <strong>na</strong> sua carta <strong>de</strong> fundação<br />

clamava pela criação <strong>de</strong> uma Secretaria Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Economia Solidária<br />

(www.mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.asp) o que <strong>de</strong> fato ocorreu em 2003,


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no inte<strong>rio</strong>r do Ministé<strong>rio</strong> do Trabalho e Emprego (e sua direção entregue a Paul Singer,<br />

economista e militante histórico da esquerda, com trânsito tanto entre os grupos<br />

religiosos <strong>de</strong> base quanto entre os grupos marxistas ainda presentes no PT). A<br />

“economia solidária” abrange movimentos e <strong>de</strong>mandas não só sociais e políticas, mas<br />

também formas <strong>de</strong> organização econômica que se guiam pelos princípios da<br />

horizontalida<strong>de</strong> e da ausência da produção do lucro através dos empreendimentos<br />

econômicos solidá<strong>rio</strong>s (EES 4 ).<br />

Embora a “economia solidária” se configure como uma força social razoável no<br />

cená<strong>rio</strong> do Brasil atual (conferir o sítio da SENAES para dados acerca da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

EES existentes no país, bem como sua distribuição regio<strong>na</strong>l) e exista um Fórum <strong>de</strong><br />

economia solidária <strong>na</strong> <strong>cida<strong>de</strong></strong> e no Estado (cirandas.net/fcp-rj) dificilmente po<strong>de</strong>ria ser<br />

dito que a SEDES foi criada por força ou pressão do “movimento”. Mais ainda: o<br />

secretá<strong>rio</strong> indicado pelo PT e aceito pelo prefeito eleito não era originá<strong>rio</strong> do<br />

movimento <strong>de</strong> economia solidária.<br />

No que pese todas essas dificulda<strong>de</strong>s iniciais e estruturais, a SEDES po<strong>de</strong> ser<br />

consi<strong>de</strong>rada, ao fi<strong>na</strong>l do primeiro mandato <strong>de</strong> Paes, (recentemente reeleito para mais<br />

uma mandato, 2013-2016) bem sucedida. Mas do que <strong>de</strong>cuplicou seu orçamento inicial<br />

(que era, no ano <strong>de</strong> 2009, <strong>de</strong> risíveis R$ 300.000,00, incluindo o pagamento do pessoal)<br />

captou recursos – principalmente no Governo Fe<strong>de</strong>ral, no MTE e no Ministé<strong>rio</strong> da<br />

Justiça – da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> R$ 10.000,00, melhorou o pagamento do pessoal e conseguiu<br />

alguns técnicos essenciais. Não per<strong>de</strong>u, no entanto, o seu caráter <strong>de</strong> “especial”, o que<br />

implica <strong>na</strong> continuida<strong>de</strong> da inexistência <strong>de</strong> pessoal próp<strong>rio</strong>, com concurso para<br />

provimento <strong>de</strong> cargos. Em outras palavras, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sfeita pelo prefeito a qualquer<br />

momento.<br />

O programa Rio Economia Solidária – <strong>de</strong> agora em diante chamado <strong>de</strong> “Rio<br />

Ecosol” – foi realizado com recursos captados <strong>de</strong> um convênio entre o Ministé<strong>rio</strong> da<br />

4 Segundo a <strong>de</strong>finição da SENAES, os EES são necessariamente coletivos e suprafamiliares (associações,<br />

cooperativas, empresas autogestionárias, grupos <strong>de</strong> produção, clubes <strong>de</strong> trocas etc.), cujos participantes<br />

são trabalhadores dos meios urbano e rural que exercem a autogestão das ativida<strong>de</strong>s e da alocação dos<br />

seus resultados, e que realizam ativida<strong>de</strong>s econômicas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> bens, <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços, <strong>de</strong><br />

fundos <strong>de</strong> crédito (cooperativas <strong>de</strong> crédito e os fundos rotativos populares), <strong>de</strong> comercialização (compra,<br />

venda e troca <strong>de</strong> insumos, produtos e serviços) e <strong>de</strong> consumo solidá<strong>rio</strong>. As ativida<strong>de</strong>s econômicas <strong>de</strong>vem<br />

ser permanentes ou principais, ou seja, a razão <strong>de</strong> ser da organização. Disponível em:<br />

www.mte.gov.br/ecosolidaria. Acesso em 22/10/2010


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Justiça e a SENAES/TEM no âmbito do PRONASCI 5 - e aconteceu entre novembro <strong>de</strong><br />

2010 e novembro <strong>de</strong> 2012. O Programa se realizou em quatro <strong>territó<strong>rio</strong></strong>s, como já<br />

mencionei, a saber: Complexo do Alemão, Complexo <strong>de</strong> Manguinhos, Morro Santa<br />

Marta e o conjunto habitacio<strong>na</strong>l Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. Como, com exceção do Santa Marta,<br />

todos são muito gran<strong>de</strong>s e populosos foram escolhidas subáreas em cada um <strong>de</strong>les: no<br />

Complexo do Alemão a Nova Brasília (que ainda assim possui quase trinta mil<br />

habitantes), em Manguinhos a Varginha e <strong>na</strong> Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus a Quadra XV.<br />

Utilizo o termo “<strong>territó<strong>rio</strong></strong>” por dois motivos. Primeiro, porque ele me permite<br />

fugir as armadilhas resultantes da palavra homogeneizadora - e portanto, simplificadora,<br />

“favela”. Segundo porque o termo é chave para a execução das “políticas sociais” a<br />

partir do Governo Lula, se mantendo como tal no Governo Dilma. Territó<strong>rio</strong> é<br />

entendido a partir da concepção <strong>de</strong> Milton Santos como lugar não ape<strong>na</strong>s geográfico,<br />

mas on<strong>de</strong> se geram valores culturais, antropológicos, econômicos, sociais. Os <strong>territó<strong>rio</strong></strong>s<br />

<strong>de</strong>vem servir, <strong>na</strong>s concepções que permeiam as políticas sociais atuais como o local<br />

para aplicação das políticas <strong>de</strong> governo, <strong>de</strong> articulação umas às outras tomando como<br />

base <strong>de</strong> sua efetivação a “matriz” territorial. Po<strong>de</strong>r-se-ia argumentar que utilizado <strong>de</strong>ssa<br />

forma o conceito <strong>de</strong> Milton Santos unilateriza o aspecto horizontal, <strong>de</strong>ixando em<br />

segundo plano exatamente aquela que po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar a maior virtu<strong>de</strong> do<br />

argumento do geógrafo, isto é, possibilitar o acesso à dimensão vertical do <strong>territó<strong>rio</strong></strong>,<br />

que conecta o local as re<strong>de</strong>s mais amplas no contexto do capitalismo globalizado<br />

(Santos, 2000). Embora correto do ponto <strong>de</strong> vista a<strong>na</strong>lítico tal argumento oblitera a<br />

percepção <strong>de</strong> que a difusão da noção <strong>de</strong> <strong>territó<strong>rio</strong></strong> <strong>na</strong> execução das políticas sociais<br />

5 PRONASCI é a sigla para Programa Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Segurança Pública com Cidadania, um programa do<br />

Governo Fe<strong>de</strong>ral iniciado em 20 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007, no segundo mandato do Presi<strong>de</strong>nte Lula (2006-2010).<br />

Ele se <strong>de</strong>fine da seguinte forma: “Desenvolvido pelo Ministé<strong>rio</strong> da Justiça, o Programa Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong><br />

Segurança Pública com Cidadania (Pro<strong>na</strong>sci) marca uma iniciativa inédita no enfrentamento à<br />

crimi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> no país. O projeto articula políticas <strong>de</strong> segurança com ações sociais; p<strong>rio</strong>riza a prevenção e<br />

busca atingir as causas que levam à violência, sem abrir mão das estratégias <strong>de</strong> or<strong>de</strong><strong>na</strong>mento social e<br />

segurança pública. Entre os principais eixos do Pro<strong>na</strong>sci <strong>de</strong>stacam-se a valorização dos profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong><br />

segurança pública; a reestruturação do sistema penitenciá<strong>rio</strong>; o combate à corrupção policial e o<br />

envolvimento da comunida<strong>de</strong> <strong>na</strong> prevenção da violência. O Pro<strong>na</strong>sci é composto por 94 ações que<br />

envolvem a União, estados, municípios e a própria comunida<strong>de</strong>. Alguns <strong>de</strong>staques são: Bolsa<br />

Formação; Formação Policial; Mulheres da Paz; Protejo; Sistema Prisio<strong>na</strong>l; Plano Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong><br />

Habitação para Profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> Segurança Pública ”. Extraído <strong>de</strong> www.MJ.gov.br/pro<strong>na</strong>sci. Acesso em<br />

06/03/2010.


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recentes permitiu <strong>de</strong> fato, importantes avanços <strong>na</strong>s políticas <strong>de</strong> combate à pobreza e a<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>. As razões para isso são muitas, e não po<strong>de</strong>m ser tratadas nos limites <strong>de</strong>sse<br />

artigo.<br />

O objetivo mais geral que o “Rio Ecosol” perseguia era o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

solidá<strong>rio</strong> (“Rio Economia Solidária”. Plano <strong>de</strong> Trabalho. SEDES/PCRJ. 2009.),<br />

entendido este como um <strong>de</strong>senvolvimento para todos (Cf. Singer, 2004), que não<br />

reproduza as condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> características do <strong>de</strong>senvolvimento capitalista e<br />

respeite os limites ecológicos <strong>de</strong> nossa relação com o planeta. Capacitou e qualificou<br />

pessoas <strong>de</strong> forma a apoiar empreendimentos econômicos solidá<strong>rio</strong>s (EES) <strong>na</strong>s<br />

comunida<strong>de</strong>s envolvidas, por meio <strong>de</strong> fomento e equipagem, capacitação, qualificação e<br />

profissio<strong>na</strong>lização da gestão dos EES.<br />

Localizado <strong>na</strong> Zo<strong>na</strong> Oeste, o Conjunto Habitacio<strong>na</strong>l da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus<br />

simboliza o fracasso da política <strong>de</strong> remoções adotada, com truculência, entre meados<br />

da década <strong>de</strong> 60 e meados da década <strong>de</strong> 70 pelas administrações <strong>de</strong> Carlos Lacerda,<br />

Negrão <strong>de</strong> Lima e Chagas Freitas, sucessivamente. A população para lá levada a partir<br />

<strong>de</strong> 1966, quando fortes chuvas e enchentes anteciparam o calendá<strong>rio</strong> proposto, era<br />

composta por pessoas <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> sessenta diferentes favelas e/ou comunida<strong>de</strong>s pobres,<br />

a maior parte <strong>na</strong> zo<strong>na</strong> sul do Rio <strong>de</strong> Janeiro, diversas removidas à força (Valladares,<br />

1978). Encravada entre os bairros <strong>de</strong> Jacarepaguá e Barra da Tijuca, a Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus<br />

conta com 65 mil pessoas, em 6.658 unida<strong>de</strong>s resi<strong>de</strong>nciais, projetadas nos anos 1960<br />

para abrigar 25 mil habitantes.<br />

Às áreas planejadas <strong>de</strong> casas e apartamentos vieram se juntar uma gran<strong>de</strong><br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> moradores e novas áreas ocupadas. Os moradores atuais divi<strong>de</strong>m-se por<br />

uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s (Jardim do Amanhã; 69 [São Jorge]; Sitio;<br />

Quadra XIII; Tijolinho; Karatê; Aps; Panta<strong>na</strong>l I e II; Tanguará; Conjunto da PM;<br />

Comunida<strong>de</strong> Josué; Laminha; Guacha; Mangueirinha; Bariri; Quadra XV; Portelinha;<br />

Rocinha II; Quintanilha; Mouquiço e Cabritinho foram citadas pelos moradores)<br />

A população pobre e indigente <strong>na</strong> região alcança 26,3% (Firjan, 2010). Marcada<br />

pelo estigma da violência e do tráfico <strong>de</strong> drogas principalmente a partir da veiculação do<br />

filme Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus (Fer<strong>na</strong>ndo Meirelles, 2002), recebeu uma UPP a partir <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong>


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fevereiro <strong>de</strong> 2009. Permanece controverso se o tráfico <strong>de</strong> drogas foi <strong>de</strong> fato<br />

<strong>de</strong>smantelado e até que ponto trata-se <strong>de</strong> uma nova forma <strong>de</strong> policiamento.<br />

A população <strong>de</strong>sempregada <strong>na</strong> CDD é <strong>de</strong> 22,3%, taxa mais alta <strong>de</strong> todo o<br />

Município do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Ape<strong>na</strong>s 49% dos empregados tem carteira assi<strong>na</strong>da,<br />

16,3% tem uma situação “mal <strong>de</strong>finida” e 13,8% trabalham por conta própria (Firjan,<br />

2010). Pesquisa realizada em 1970 i<strong>de</strong>ntificava, entre a força <strong>de</strong> trabalho empregada,<br />

43,9% operá<strong>rio</strong>s da indústria (vá<strong>rio</strong>s ramos) e construção civil e 25,6% eram<br />

trabalhadores não especializados do setor <strong>de</strong> serviços (empregadas domésticas,<br />

lava<strong>de</strong>iras, porteiros, serventes, etc (Valladares, 1978: 74). Ficou evi<strong>de</strong>nte, inclusive a<br />

partir das falas <strong>de</strong> diversos moradores, a diminuição da força <strong>de</strong> trabalho empregada <strong>na</strong><br />

indústria, a informalização do trabalho e o aumento da solução “por conta própria”.<br />

2 – O PROJETO MEMÓRIA: PREMISSAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS<br />

A <strong>memória</strong> dos povos e grupos é um po<strong>de</strong>roso estimulante da vida social. Foi<br />

principalmente a partir <strong>de</strong> Halbawchs que a <strong>memória</strong> coletiva foi alçada a objeto <strong>de</strong><br />

estudos das ciências sociais. Michel Pollak, por sua vez, trouxe (no fi<strong>na</strong>l do século XX)<br />

avanços importantes ao ultrapassar o caráter opressor e uniformizador da <strong>memória</strong><br />

coletiva <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> qual o primeiro ficou preso, bem como tematizar a relação entre<br />

<strong>memória</strong> e construção das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais.<br />

A filiação <strong>de</strong> Halbwachs a Durkheim e a Escola Sociológica Francesa é<br />

conhecida. O ponto <strong>de</strong> partida é o mesmo: a preeminência do coletivo sobre o<br />

indivíduo, limitação das expressões individuais pelos arranjos coletivos.<br />

Tal preeminência ou conformação não significa em Halbwachs (2006: 8-10)<br />

uma negação da liberda<strong>de</strong> individual ou conformismo social. O espaço para a criação e<br />

para a expressão individual existe. A noção <strong>de</strong> consciência coletiva, avanço notável das<br />

ciências sociais e huma<strong>na</strong>s do século XX (embora formulada já no fi<strong>na</strong>l do século XIX<br />

em A divisão do trabalho social, <strong>de</strong> Émile Durkheim) não podia chegar a suas últimas<br />

consequências por conta da antiquada imagem – cristalizada pelo pensamento filosófico<br />

kantiano e neo-kantiano – da “consciência <strong>de</strong> si”. Halbwachs investiu <strong>na</strong> tradição


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fenomenológica <strong>de</strong> Bergson e Husserl, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> traz a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> intencio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> da<br />

consciência: esta é sempre consciência para algo, consciência relacio<strong>na</strong>l.<br />

A <strong>memória</strong> coletiva não é uma consciência <strong>de</strong> algo objetivamente dado (a<br />

a<strong>na</strong>logia durkheimia<strong>na</strong> <strong>de</strong> tratar os fatos sociais como coisas é ape<strong>na</strong>s uma a<strong>na</strong>logia, que<br />

preten<strong>de</strong> dotar o objeto <strong>de</strong> estudo da Sociologia <strong>de</strong> relevância epistemológica, e não<br />

equiparar as coisas sociais às coisas físicas como o próp<strong>rio</strong> repetiu diversas vezes, nem<br />

sempre sendo bem entendido), mas <strong>de</strong> algo que se reconstrói à medida que age, que<br />

rememora. Assim, <strong>na</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>memória</strong> coletiva:<br />

Talvez seja possível admitir que um número enorme <strong>de</strong> lembranças reapareça porque os<br />

outros nos fazem recordá-la; também se há <strong>de</strong> convir que, mesmo não estando esses<br />

outros materialmente presentes, se po<strong>de</strong> falar <strong>de</strong> <strong>memória</strong> coletiva quando evocamos um<br />

fato que tivesse um lugar <strong>na</strong> vida <strong>de</strong> nosso grupo e que víamos, que vemos ainda agora<br />

no momento em que o recordamos, do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong>sse grupo. (Halbwachs, 2006:<br />

41).<br />

A recordação em comum é a matéria da <strong>memória</strong> social. Um processo complexo<br />

<strong>de</strong> composição <strong>de</strong> imagens, <strong>na</strong>rrativas, textos, etc., que atravessam grupos <strong>de</strong> maior ou<br />

menor número, mais ou menos articulados a outros grupos sociais. O grau <strong>de</strong><br />

complexificação <strong>de</strong>ssa <strong>memória</strong> coletiva <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> tanto do grau <strong>de</strong> articulação e relação<br />

entre o maior número <strong>de</strong> grupos quanto do tipo <strong>de</strong> experiências que os grupos<br />

vivenciam.<br />

A <strong>memória</strong> coletiva é, portanto, plural. Ela nega a existência <strong>de</strong> uma <strong>memória</strong><br />

universal, enfatizando o pluralismo das perspectivas no inte<strong>rio</strong>r do coletivo. Retomando<br />

preocupações centrais à obra <strong>de</strong> Durkheim, mas melhor apetrechado conceitualmente do<br />

que aquele em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu diálogo com a fenomenologia, Halbwachs tematizou o<br />

investimento do indivíduo no grupo, seu grau e nível <strong>de</strong> envolvimento como capaz <strong>de</strong><br />

um protagonismo maior ou menor <strong>na</strong> construção social da <strong>memória</strong> coletiva.<br />

Des<strong>de</strong> a perspectiva do inte<strong>rio</strong>r <strong>de</strong> um grupo social <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do, a relação entre<br />

o coletivo e o indivíduo não é, <strong>de</strong> forma alguma, simples. De forma análoga aos efeitos<br />

das relações entre diversos grupos sociais, <strong>na</strong>s quais a <strong>memória</strong> coletiva se compõe <strong>de</strong><br />

lembranças distintas, com graus <strong>de</strong> articulação e intensida<strong>de</strong> também distintos, a relação<br />

entre os indivíduos e o coletivo ao qual pertencem num momento <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do também


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varia <strong>de</strong> acordo com a posição daqueles no inte<strong>rio</strong>r <strong>de</strong>ste. Por mais que a <strong>memória</strong><br />

coletiva seja uma força social, ela não apaga a importância do vetor individual:<br />

Contudo, se a <strong>memória</strong> coletiva tira sua força e sua duração por ter como base um<br />

conjunto <strong>de</strong> pessoas, são os indivíduos que se lembram, enquanto integrantes do grupo.<br />

Desta massa <strong>de</strong> lembranças comuns, umas apoiadas <strong>na</strong>s outras, não são as mesmas que<br />

aparecerão com maior intensida<strong>de</strong> a cada um <strong>de</strong>les. De bom grado, diríamos que cada<br />

<strong>memória</strong> individual é um ponto <strong>de</strong> vista sobre a <strong>memória</strong> coletiva, que este ponto <strong>de</strong><br />

vista muda segundo o lugar que ali ocupo e que esse mesmo lugar muda segundo as<br />

relações que mantenho com outros ambientes. (Halbwachs, 2006: 69)<br />

A noção <strong>de</strong> <strong>memória</strong> coletiva enfatiza o aspecto <strong>de</strong> construção e<br />

reconstrução permanente da vida social. Por ela, po<strong>de</strong>mos ter acesso às diversas vias <strong>de</strong><br />

construção e sedimentação da vida social, bem como suas tensões em direções distintas.<br />

O que Halbwachs se permitiu em termos <strong>de</strong> flexibilida<strong>de</strong> para compreen<strong>de</strong>r a vida<br />

social via a noção <strong>de</strong> <strong>memória</strong>, enrijeceu por outro lado em termos <strong>de</strong> sua compreensão<br />

da história e da <strong>memória</strong> histórica. O que se avançou em termos <strong>de</strong> compreensão da<br />

<strong>memória</strong> coletiva via pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perspectivas e <strong>de</strong> intencio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> da consciência<br />

se per<strong>de</strong>u numa visão <strong>de</strong> história aparentemente reificada<br />

Pollak vai além <strong>de</strong> Halbwachs, mas este permanece uma referência importante<br />

para aquele. Halbawchs já insinuava não ape<strong>na</strong>s a seletivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> toda a <strong>memória</strong>, mas<br />

também um processo <strong>de</strong> ‘negociação’ para conciliar <strong>memória</strong> coletiva e <strong>memória</strong>s<br />

individuais. Pollak, no entanto, se interessa ainda pelos processos e atores que intervêm<br />

no trabalho <strong>de</strong> constituição e <strong>de</strong> formalização das <strong>memória</strong>s. Dessa forma, não se trata<br />

mais <strong>de</strong> lidar com os fatos sociais como coisas, mas a<strong>na</strong>lisar como – através <strong>de</strong> que<br />

processos – os fatos sociais se tor<strong>na</strong>m coisas. (Pollak, 1990)<br />

A história oral, tal como praticada por Pollak, privilegia os excluídos, os<br />

margi<strong>na</strong>lizados e as minorias, transformando a empatia com os grupos estudados uma<br />

regra metodológica. Tal perspectiva foi central para nosso trabalho no Projeto Memória.<br />

Os elementos constitutivos da <strong>memória</strong> individual e coletiva são, para Pollak, os<br />

acontecimentos (acontecimentos vividos pessoalmente e acontecimentos vividos por<br />

tabela); as pessoas, perso<strong>na</strong>gens (perso<strong>na</strong>gens encontradas realmente no <strong>de</strong>correr da<br />

vida e perso<strong>na</strong>gens freqüentadas por tabela) e os lugares (existem lugares da <strong>memória</strong>


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sem correspondência cronológica necessária; da mesma forma lugares longínquos, fora<br />

do espaço-tempo <strong>de</strong> uma pessoa, po<strong>de</strong>m se tor<strong>na</strong>r importantes). (Pollak, 1992)<br />

O autor tematiza ainda, o que é importante para nosso tema, as relações entre a<br />

<strong>memória</strong> e a construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social. Para ele, existem três elementos<br />

fundamentais <strong>na</strong> construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>: a) a unida<strong>de</strong> física (o sentimento <strong>de</strong> ter<br />

fronteiras físicas, no indivíduo, ou fronteiras <strong>de</strong> pertencimento ao grupo, no caso <strong>de</strong> um<br />

coletivo); b) a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do tempo (no sentido físico, mas também no sentido<br />

moral e psicológico); c) fi<strong>na</strong>lmente, há o sentimento <strong>de</strong> coerência, ou seja, <strong>de</strong> que os<br />

diferentes elementos que formam um indivíduo são efetivamente unificados (1992).<br />

(...) a <strong>memória</strong> é um elemento constituinte do sentimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, tanto individual<br />

como coletiva, <strong>na</strong> medida em que ela e também um fator extremamente importante do<br />

sentimento <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> coerência <strong>de</strong> uma pessoa ou <strong>de</strong> um grupo em sua<br />

reconstrução <strong>de</strong> si. (Pollak, 1992: 204)<br />

Em uma aplicação fasci<strong>na</strong>nte <strong>de</strong> seu método e concepções, Pollak escreveu um<br />

livro intitulado “A experiência concentracionária” (1990). Nessa bela e ao mesmo<br />

tempo rigorosa obra, o autor explora a história <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> três mulheres judias,<br />

sobreviventes <strong>de</strong> campos <strong>de</strong> concentração. A situação extrema a que foram submetidas<br />

tor<strong>na</strong> o estudo exemplar para a abordagem dos processos sociais <strong>de</strong> construção da<br />

<strong>memória</strong>.<br />

Os sobreviventes <strong>de</strong> campos <strong>de</strong> concentração possuem uma enorme<br />

ambivalência acerca da <strong>memória</strong> acerca daquilo que viveram. Por um lado lembrar o<br />

que aconteceu é um <strong>de</strong>ver, uma obrigação para que aquilo não mais aconteça. Por outro<br />

lado lembrar é também acertar contas com certa culpa resultante do fato <strong>de</strong> que<br />

sobrevivi, mas outros como eu (e também, muitas vezes, meus familiares) não<br />

sobreviveram. Por que eu sobrevivi e os outros não? Enfim, é o espectro do<br />

colaboracionismo que ronda este aspecto do recordar.<br />

Nessas condições, “rememorar” o que aconteceu nos campos <strong>de</strong> concentração é<br />

conflituoso. Das três judias estudadas por Pollak, uma era francesa, uma alemã e a outra<br />

da área que após a II Guerra Mundial se tornou Israel. A judia francesa tem no processo<br />

<strong>de</strong> recordar uma tarefa especialmente dolorosa, pois o que lhe permitiu viver em


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Auschwitz foi servir às mulheres dos oficiais da SS como manicure, profissão que<br />

exercia antes <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>portação (Pollak, 1990: 103).<br />

Claramente, o sentimento <strong>de</strong> coerência, que ajuda a consolidar uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social no indivíduo, encontra-se aí embaralhado, submetido a forças e<br />

pressões distintas. Mas o caso extremo ape<strong>na</strong>s unilateraliza o dilema do viver,<br />

permanecer e construir uma história: estabelecer acordos, cumpli<strong>cida<strong>de</strong></strong>s, alianças,<br />

lembrar e esquecer – tomar parte.<br />

Os trabalhos <strong>de</strong> Halbawchs e, mais ainda, <strong>de</strong> Pollak, são centrais para nosso<br />

entendimento da <strong>memória</strong> das comunida<strong>de</strong>s pobres e faveladas do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Se<br />

somarmos a eles a perspectiva gramscia<strong>na</strong> da hegemonia como construção e exercício<br />

do bloco no po<strong>de</strong>r que alia coerção e consentimento, teremos estabelecidas as bases que<br />

orientaram nossa perspectiva.<br />

Gramsci, como sabemos, foi extremamente inovador e origi<strong>na</strong>l ao tratar a<br />

relação entre economia e socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma muito aguda, evitando os <strong>de</strong>terminismos<br />

simplistas do marxismo vulgar. Para ele a cultura e a organização social da vida<br />

intelectual tem suas próprias especifi<strong>cida<strong>de</strong></strong>s, <strong>de</strong>rivadas da autonomia que possuem<br />

frente à vida econômica e suas <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ções (2000a) .<br />

As formulações relativas à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> intelectuais<br />

comprometidos com os domi<strong>na</strong>dos mantiveram, no geral, sua atualida<strong>de</strong>. O argumento é<br />

conhecido: todo grupo ou classe social fundamental cria intelectuais comprometidos<br />

com seus interesses que são responsáveis, em larga medida, pela condução e manejo dos<br />

órgãos <strong>de</strong> direção estatal e/ou <strong>de</strong> difusão privada das i<strong>de</strong>ologias domi<strong>na</strong>ntes. Os grupos<br />

ou classes sociais domi<strong>na</strong>ntes possuem, no entanto, uma vantagem comparativa<br />

evi<strong>de</strong>nte <strong>na</strong> “produção/criação” <strong>de</strong>sses intelectuais, já que tem acesso privilegiado a<br />

recursos econômicos e <strong>de</strong> todo tipo (2000a: 36-49)<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reafirmar, no plano das i<strong>de</strong>ias e da cultura <strong>de</strong> uma forma geral,<br />

a domi<strong>na</strong>ção e supremacia levam a uma produção constante e orientada das i<strong>de</strong>ias e<br />

i<strong>de</strong>ologias domi<strong>na</strong>ntes. Fazer frente a essa produção não é tarefa simples, mas<br />

absolutamente imprescindível. A luta pela hegemonia – entendida como direção cultural


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e política mais coerção – <strong>de</strong>manda um trabalho constante <strong>de</strong> crítica das i<strong>de</strong>ias e<br />

i<strong>de</strong>ologias domi<strong>na</strong>ntes. Este trabalho crítico <strong>de</strong>ve ser levado a cabo por um novo grupo<br />

<strong>de</strong> pessoas que esteja comprometido com a história, a cultura e os interesses dos<br />

domi<strong>na</strong>dos, <strong>na</strong>s suas mais diversas expressões (2000b: 126-288)<br />

Outro grupo <strong>de</strong> formulações gramscia<strong>na</strong>s que se mantêm relevantes para os dias<br />

<strong>de</strong> hoje diz respeito à crítica incisiva da separação entre trabalho físico-muscular e<br />

trabalho intelectual. Não se trata, ao fi<strong>na</strong>l das contas, <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção <strong>na</strong>tural ou<br />

biológica relativa à suposta incapa<strong>cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos indivíduos, grupos ou classes<br />

para pensar ou atuar intelectualmente. Trata-se <strong>de</strong> capa<strong>cida<strong>de</strong></strong>s sociais adquiridas e<br />

estimuladas a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das condições econômicas e sociais. Assim como para<br />

o trabalho físico, existe trei<strong>na</strong>mento para o trabalho intelectual, bem como <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das<br />

condições facilitadoras (tempo livre, recursos para a educação, etc.)<br />

O que esses autores e seus escritos nos ensi<strong>na</strong>m é que a produção da <strong>memória</strong> é<br />

condicio<strong>na</strong>da socialmente. Os moradores dos <strong>territó<strong>rio</strong></strong>s em que atuamos têm sido<br />

historicamente <strong>de</strong>sprivilegiados tanto nos seus direitos econômicos e sociais quanto no<br />

direito à produção <strong>de</strong> uma <strong>memória</strong> que conte a história <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu ponto <strong>de</strong> vista, sua<br />

perspectiva.<br />

3 – O PROJETO MEMÓRIA: OBJETIVOS E ATIVIDADES<br />

O Projeto Memória tinha como preocupação central acessar e ajudar no processo<br />

<strong>de</strong> consolidação <strong>de</strong> <strong>memória</strong>s coletivas e individuais nos locais on<strong>de</strong> atuava. Partia <strong>de</strong><br />

uma premissa simples, e constatada pela literatura (Bianca Me<strong>de</strong>iros, 2006; Valladares,<br />

2005; Zaluar e Alvito, 1998; Velho e Alvito, 1996; Perlman, 1981): as comunida<strong>de</strong>s<br />

pobres e as favelas possuem um histórico negativo, sendo conhecidas majoritariamente<br />

pelas suas mazelas sociais e estigmatizadas tanto pela opinião pública quanto pelo po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> Estado, que lhe nega acesso a bens públicos necessá<strong>rio</strong>s (quando existem são <strong>de</strong><br />

péssima qualida<strong>de</strong>). A <strong>memória</strong> aparece assim, simultaneamente como um elemento<br />

agluti<strong>na</strong>dor, <strong>na</strong> sua diversida<strong>de</strong>, do tecido social local, bem como catalisador <strong>de</strong><br />

sentimentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e pertencimento positivos, que são pré-requisito para<br />

qualquer ação transformadora.


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Obviamente não estava sozinho e muito menos era pioneiro nesse tipo <strong>de</strong><br />

iniciativa. Diversas iniciativas nesse sentido têm acontecido no Rio <strong>de</strong> Janeiro nos<br />

últimos anos. Embora todas elas apontem numa mesma direção, a da consolidação <strong>de</strong><br />

<strong>memória</strong>s populares que sirvam <strong>de</strong> instrumento para o fortalecimento <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s<br />

pobres e historicamente <strong>de</strong>sprivilegiadas, elas assumem configurações e práticas<br />

distintas. Embora seja interessante distinguir entre as <strong>memória</strong>s <strong>de</strong> favela e as <strong>memória</strong>s<br />

em favela, para lembrar que toda a e qualquer forma <strong>de</strong> <strong>memória</strong> coletiva <strong>de</strong> grupos<br />

subordi<strong>na</strong>dos só será bem sucedida se encontrar aliados <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> mais ampla e que,<br />

portanto, a oposição entre os “<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro” e os “<strong>de</strong> fora” carece <strong>de</strong> sentido quando<br />

absolutizada (Grynspan e Pandolfi: 2007: 83-87) acredito ser mais prolífico utilizar –<br />

criticamente, e <strong>de</strong> forma renovada – a “velha” distinção entre Estado e socieda<strong>de</strong> civil.<br />

A autonomia da última continua sendo a medida para a construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

melhor. Retomarei essa questão no último ponto.<br />

Uma lista sumária e aleatória das experiências <strong>de</strong>senvolvidas nesse campo <strong>de</strong>ve<br />

citar: a iniciativa da antropóloga Ligia Segala <strong>na</strong> Rocinha a partir <strong>de</strong> meados dos anos<br />

70, com o projeto Varal <strong>de</strong> Lembranças (Segala e Silva, 1983) a ONG Centro <strong>de</strong><br />

Estudos e Ações Solidárias (CEASM), atuante <strong>na</strong> região do Complexo da Maré <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

meados dos anos 80, tendo criado o marco que é o Museu da Maré<br />

(www.museudamare.org.br) em 2006; o grupo “Condutores <strong>de</strong> Memória”, atuante a<br />

partir <strong>de</strong> 2000 <strong>na</strong> região da Tijuca e contando com o apoio da ONG IBASE<br />

(www.ibase.org.br) ; o Museu a Céu Aberto do Morro da Providência, criado em 2006,<br />

com apoio e recursos da Prefeitura do Rio <strong>de</strong> Janeiro; em Santa Teresa, no Morro dos<br />

Prazeres a iniciativa do Casarão dos Prazeres (Worcman, 2004); no morro da Serrinha,<br />

em Madureira, o trabalho <strong>de</strong> preservação do jongo, importante manifestação cultural<br />

negra está sendo realizado pelo grupo Cultural Jongo da Serrinha<br />

(www.jongodaserrinha.org.br).<br />

No Projeto Memória o trabalho envolveu a realização <strong>de</strong> “Ofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong> Memória”<br />

e entrevistas dos mais diversos tipos, procurando <strong>de</strong>senvolver nos moradores dos<br />

<strong>territó<strong>rio</strong></strong>s a percepção da importância da <strong>memória</strong> enquanto elemento constituinte da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e da autoestima. Foram realizadas <strong>na</strong> Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus três ofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong><br />

<strong>memória</strong> envolvendo cento e seis participantes e <strong>de</strong>zesseis entrevistas em profundida<strong>de</strong>.


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A realização <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s implicou em todo um trabalho <strong>de</strong> mobilização<br />

feito em conjunto com as equipes dos Pontos Solidá<strong>rio</strong>s (o Projeto Rioecosol contava<br />

em cada um dos quatro <strong>territó<strong>rio</strong></strong>s on<strong>de</strong> atuava, com uma estrutura física e <strong>de</strong> pessoal <strong>de</strong><br />

apoio às ativida<strong>de</strong>s). Foram feitas cartas-convite para cada ocasião, e os agentes do<br />

Projeto Memória. Convocávamos os moradores para vir discutir sua história e falar <strong>de</strong><br />

sua vida no local.<br />

Nessa ativida<strong>de</strong> foi fundamental o fato <strong>de</strong> diversos agentes das equipes locais<br />

serem originá<strong>rio</strong>s dos próp<strong>rio</strong>s <strong>territó<strong>rio</strong></strong>s, conhecendo diversas pessoas importantes à<br />

nossa perspectiva. De forma semelhante, as entrevistas exigiam confirmação previa e<br />

agendamento da equipe <strong>de</strong> comunicação para gravação.<br />

O procedimento utilizado <strong>na</strong>s Ofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong> Memória foi estimular a elaboração<br />

das formulações dos moradores através <strong>de</strong> uma “linha do tempo” que procurou, a partir<br />

<strong>de</strong> fontes secundárias diversas, <strong>na</strong>rrar os principais acontecimentos. O foco <strong>de</strong>ssa<br />

<strong>na</strong>rrativa estava, consoante os objetivos gerais do Rio Ecosol, <strong>na</strong>s diversas formas <strong>de</strong><br />

associativismo (político, religioso, cultural, esportivo, etc.) e <strong>na</strong> relação com os po<strong>de</strong>res<br />

públicos. Uma vez apresentado um “Power Point” com a “linha do tempo”,<br />

provocávamos os moradores quanto a suas lembranças, a pertinência e a “vera<strong>cida<strong>de</strong></strong>”<br />

daquilo que foi apresentado e à construção <strong>de</strong> suas próprias <strong>na</strong>rrativas<br />

A mobilização teve que contar com duas dificulda<strong>de</strong>s principais. Primeiro os<br />

moradores tem uma <strong>de</strong>sconfiança generalizada <strong>de</strong> qualquer ação levada a cabo pelo<br />

Estado. Como sabemos, remoções e violências <strong>de</strong> diversos tipos têm sido o cotidiano<br />

<strong>de</strong>ssas comunida<strong>de</strong>s. Segundo, contamos com um segundo nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrença ou<br />

indiferença: muitos consi<strong>de</strong>ravam o trabalho com a <strong>memória</strong> pouco concreto e <strong>de</strong><br />

poucos resultados. Nessa direção, a imediati<strong>cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> ações e ativida<strong>de</strong>s voltadas à<br />

formação para o mercado <strong>de</strong> trabalho se mostrava muito mais sedutora (existiam<br />

“Ofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong> Trabalho” concorrentes, lembremos). Nosso <strong>de</strong>safio, portanto, foi duplo:<br />

1) argumentar que era possível i<strong>na</strong>ugurar agora uma nova relação com o Estado em<br />

função <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>mocratização efetiva e <strong>de</strong> seu compromisso com a formação <strong>de</strong> uma<br />

nova polícia cidadã, comprometida com os direitos <strong>de</strong> todos os moradores da Cida<strong>de</strong> do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro bem como com o <strong>de</strong>sbaratamento do tráfico <strong>de</strong> drogas; 2) evi<strong>de</strong>nciar que<br />

o trabalho com a <strong>memória</strong> das comunida<strong>de</strong>s possui um significado ao mesmo tempo


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simbólico e prático importante para uma estratégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico<br />

solidá<strong>rio</strong>.<br />

A presença da Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Polícia Pacificadoras (UPP) <strong>na</strong> Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus<br />

permitiu um ambiente propício ao trabalho, embora instável. Propício porque nos locais<br />

on<strong>de</strong> o tráfico mantem o domínio é impossível escavar a <strong>memória</strong> e a história (como<br />

ocorreu em Manguinhos, por exemplo). Instável porque como a nova política <strong>de</strong><br />

segurança por parte do Estado é recente, ainda não se sabe se terá continuida<strong>de</strong> e se será<br />

efetiva <strong>na</strong> construção <strong>de</strong> uma nova polícia que abandone a violência como primeira<br />

opção e trate profilaticamente a questão 6 .<br />

Durante as entrevistas e Ofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong> Memória os moradores exter<strong>na</strong>lizaram suas<br />

preocupações e diversas vezes fomos instados a <strong>de</strong>sligar o gravador ou a câmara <strong>de</strong><br />

filmagem para que revelações não registradas (em “off”) fossem feitas.<br />

Muitos moradores mostraram-se, não obstante, entusiasmados com a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar e, ao perceberam que podiam (re)contar suas histórias assim como<br />

<strong>de</strong> suas famílias e <strong>de</strong> suas comunida<strong>de</strong>s, participaram ativamente do processo.<br />

Na Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus essa participação se fez maior, o que se pô<strong>de</strong> constatar<br />

também <strong>na</strong> maior participação <strong>na</strong>s Ofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong> Memória. Essa participação po<strong>de</strong> ser<br />

creditada, hipoteticamente, ao enorme estigma que essa comunida<strong>de</strong> recebeu, mais<br />

recentemente, a partir <strong>de</strong> sua exposição negativa nos meios <strong>de</strong> comunicação à distância.<br />

O filme Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus (Fer<strong>na</strong>ndo Meirelles, 2002) tratou <strong>de</strong> amplificar uma imagem<br />

extremamente negativa do lugar. Diversos moradores nos disseram que tinham que<br />

escon<strong>de</strong>r, <strong>na</strong>s suas entrevistas procurando emprego, seu verda<strong>de</strong>iro en<strong>de</strong>reço, já que<br />

este, uma vez revelado, elimi<strong>na</strong>va as chances <strong>de</strong> conseguir aquele.<br />

As ativida<strong>de</strong>s do Projeto Memória permitiram que reconstruíssemos a trajetória<br />

<strong>de</strong> rearticulação da socieda<strong>de</strong> civil <strong>na</strong> luta simultânea contra o tráfico <strong>de</strong> drogas e a<br />

6 Aprofundando esse ponto, Machado da Silva (2010: 6-7) afirma: “Dúvidas razoáveis e historicamente<br />

bem fundamentadas como estas [acerca da continuida<strong>de</strong> da política <strong>de</strong> segurança, da possiblida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

retorno dos traficantes, etc, srrc] não estimulam uma a<strong>de</strong>são incondicio<strong>na</strong>l nem um repúdio muito<br />

explícito. Ao contrá<strong>rio</strong>, favorecem a ambiguida<strong>de</strong>, essa mistura <strong>de</strong> amor e ódio, subserviência e<br />

autonomia, que tradicio<strong>na</strong>lmente caracteriza as relações das camadas populares com as instituições<br />

estatais. As UPPs, é claro, situam-se neste terreno movediço: fazendo dos alvos a serem “pacificados” um<br />

objeto <strong>de</strong> intervenção, estimulam como resposta um engajamento cívico que é mais instrumental que<br />

substantivo. Esta tem sido, creio, uma dimensão crucial do drama da <strong>de</strong>mocratização à brasileira.


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ausência seletiva do Estado. O contexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização e a reação aos efeitos<br />

negativos da forte presença do tráfico <strong>de</strong> drogas se fizeram sentir entre o fi<strong>na</strong>l da década<br />

<strong>de</strong> 90 e a primeira década do século XXI, momento em que acontece uma reorganização<br />

da socieda<strong>de</strong> civil local. Em 1998 foi fundada a CUFA (www.cufa.org.br) - inicialmente<br />

um movimento “cultural”, voltado à cultura do Hip-Hop, mas se expandindo em<br />

seguida – e, em 2003, o Comitê Comunitá<strong>rio</strong> da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus<br />

(www.<strong>cida<strong>de</strong></strong><strong>de</strong><strong>de</strong>us.org.br), que agluti<strong>na</strong> treze entida<strong>de</strong>s locais. A reação ao tráfico <strong>de</strong><br />

drogas e os efeitos que o filme “Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus” teve são reunidos <strong>de</strong> forma muito<br />

interessante pela primeira presi<strong>de</strong>nte do Comitê Comunitá<strong>rio</strong>. Ela própria teve um <strong>de</strong><br />

seus irmãos e um sobrinho envolvido no tráfico:<br />

.<br />

Aí começamos a pensar o que que a gente po<strong>de</strong>ria fazer pra... eu vi como o<br />

meus irmão entraram, enten<strong>de</strong>u? Entraram nessa situação. Aí eu pensei: se tivesse uma<br />

política pública, umas condições que tirasse aqueles jovem da rua, sei lá um projeto<br />

qualquer e achar que a gente po<strong>de</strong>ria fazer alguma coisa. E começamo a pensar, o que<br />

que nós vamo fazer pra tirar essas criança da rua? Porque a gente via muito como é que<br />

a criança entrava no tráfico. (...) Isso foi lá atrás. E também teve a questão do filme, por<br />

causa do filme Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. Aí eu falei, poxa gente, a gente luta há tanto tempo<br />

aqui, mas será que só tem traficante aqui <strong>na</strong> Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus? Será que só tem pessoa<br />

errada? E foi iniciativa do MV Bill <strong>na</strong> época, que ele conseguiu fazer essa articulação lá<br />

em Brasília. Aí veio ministro <strong>de</strong> Brasília, veio algum segmento pra po<strong>de</strong>r tentar<br />

conversar com as li<strong>de</strong>rança” (Entrevista com A<strong>na</strong> Lúcia Pereira Serafim em<br />

17/06/2011)<br />

A compreensão <strong>de</strong> que a <strong>memória</strong> é um direito <strong>de</strong> todo e qualquer grupo em<br />

associação e a perspectiva <strong>de</strong> que ela <strong>de</strong>ve se tor<strong>na</strong>r uma ferramenta <strong>de</strong> educação,<br />

conscientização e ações transversais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento cultural, social e econômico<br />

local nos levou a uma aliança com todos aqueles grupos e associações que, <strong>de</strong> forma<br />

sincera, comprometida, trabalham <strong>na</strong> perspectiva da construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mais<br />

justa e frater<strong>na</strong>. Em termos práticos isso quer dizer que reconhecemos e trabalhamos em<br />

parceria com ONGs, coletivos <strong>de</strong> moradores e associações as mais diversas. Isso<br />

significou respeitar e reconhecer o esforço coletivo empreendido por grupos locais<br />

distintos. Esses grupos <strong>de</strong>vem se tor<strong>na</strong>r no futuro dissemi<strong>na</strong>dores e apropiadores<br />

permanentes <strong>de</strong> práticas do Estado que são, pela sua própria <strong>na</strong>tureza, limitadas no<br />

tempo.


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As pessoas que participaram das “Ofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong> Memória” constituíram nossos<br />

interlocutores privilegiados. Diversos <strong>de</strong>les foram entrevistados individualmente. Nas<br />

ofici<strong>na</strong>s pu<strong>de</strong>mos também perguntar sobre aquelas pessoas que eram consi<strong>de</strong>radas mais<br />

importantes para a história e a <strong>memória</strong> da comunida<strong>de</strong>.<br />

Durante a realização das “Ofici<strong>na</strong>s.<strong>de</strong> Memória” o papel dos mediadores - os<br />

membros do Projeto Memória - foi extremamente importante. Isso porque foram eles<br />

que <strong>de</strong>ram “forma” ao encontro, arbitrando o tempo <strong>de</strong> uma “exposição inicial” e o<br />

tempo das falas dos moradores, além do início e do fim do encontro. A “exposição<br />

inicial” constou <strong>de</strong> dois momentos. Primeiro foi apresentada aos moradores qual era a<br />

intenção do “Projeto”, o entendimento do que seja a “<strong>memória</strong>” e sua utilida<strong>de</strong> para<br />

estratégias <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento local e melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong>.<br />

Segundo foi apresentado o “Power Point” já citado <strong>na</strong> qual uma linha do tempo sintética<br />

con<strong>de</strong>nsava os resultados da pesquisa com as fontes secundárias.<br />

Após essa “exposição inicial” os mediadores chamaram os participantes a se<br />

manifestarem sobre o que havia sido apresentado. “Isso correspon<strong>de</strong> à história <strong>de</strong><br />

vocês? Faz sentido para vocês? Existe alguma lacu<strong>na</strong> importante? Quais são as<br />

principais experiências <strong>de</strong> vocês aqui <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong>?” – foram alguns dos motes<br />

utilizados para estimular a participação.<br />

A participação foi gran<strong>de</strong>, mas bastante <strong>de</strong>sigual. Alguns preferiram não se<br />

manifestar no coletivo e, alertados pelos mediadores que num segundo momento iriam<br />

acontecer entrevistas individuais, <strong>na</strong> medida das possibilida<strong>de</strong>s, se manifestaram<br />

favoravelmente a essa alter<strong>na</strong>tiva. Embora esse “mo<strong>de</strong>lo” possa parecer fluido e quase<br />

“anárquico”, teve a enorme vantagem <strong>de</strong> permitir aparecer também pontos <strong>de</strong> tensão <strong>na</strong>s<br />

<strong>na</strong>rrativas dos moradores, resultados <strong>de</strong> suas vivências subjetivas distintas <strong>de</strong> problemas<br />

semelhantes ou <strong>de</strong> atritos intragrupais diversos.<br />

Um ponto que ficou evi<strong>de</strong>nte durante as Ofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong> Memória foi o grau <strong>de</strong><br />

esgarçamento que as relações intra-comunitárias sofreram, seja por conta da escassez<br />

resultante da omissão estatal seja por conta das imposições do tráfico <strong>de</strong> drogas –<br />

fertilizadas pelo autoritarismo mais vil, aquele que se abate sobre os pobres. Vá<strong>rio</strong>s<br />

foram os momentos <strong>de</strong> tensão entre os participantes nos quais acusações mais ou menos<br />

diretas e mais ou menos agressivas acerca da (i)legitimida<strong>de</strong> da(s) fala(s) do(s) outro(s)<br />

foram feitas.


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Num <strong>de</strong>sses momentos um morador antigo questionou a fala <strong>de</strong> um participante<br />

com a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 76 anos. De acordo com o primeiro (um reconhecido mestre <strong>de</strong> capoeira<br />

<strong>na</strong> região, morador <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1966), o segundo “nem era morador da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, e<br />

morava ali perto faz pouco tempo”. De fato o morador idoso resi<strong>de</strong> numa área contígua<br />

à Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus que por crité<strong>rio</strong>s digamos mais restritos está fora <strong>de</strong> seu limite. O<br />

mesmo morador idoso, no entanto, foi chamado diversas vezes para compor a Comissão<br />

Eleitoral das eleições para a Associação <strong>de</strong> Moradores no fi<strong>na</strong>l da década <strong>de</strong> 80 e ao<br />

longo da década <strong>de</strong> 90. Também é um ativo militante da causa da saú<strong>de</strong> pública, sendo<br />

reconhecido por todos <strong>na</strong> Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong>ssa forma. O episódio lança algumas luzes<br />

sobre o difícil processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s coletivas em comunida<strong>de</strong>s pobres<br />

e estigmatizadas.<br />

Outro momento <strong>de</strong> tensão significativa ocorreu quando uma militante antiga dos<br />

movimentos sociais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época da resistência a ditadura militar <strong>de</strong> 1964, se recusou<br />

a participar da terceira e última ofici<strong>na</strong> em função da presença da mãe <strong>de</strong> um (suposto)<br />

traficante local. Note-se que a mãe <strong>de</strong>sse (suposto) traficante fez uma fala <strong>na</strong> Ofici<strong>na</strong>,<br />

mas uma fala extremamente cuidadosa, on<strong>de</strong> exaltou a organização da comunida<strong>de</strong>, sem<br />

seque citar a polícia, a nova política <strong>de</strong> segurança ou qualquer tema afim. Na saída<br />

fomos procurados pela militante que fez questão <strong>de</strong> expor pessoalmente as razões <strong>de</strong> sua<br />

ausência. Segundo ela a referida mãe teria feito “muitos sofrerem <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong> (...)”.<br />

Ape<strong>na</strong>s para efeitos <strong>de</strong> ilustração, frisemos que das <strong>de</strong>zesseis entrevistas<br />

realizadas <strong>na</strong> Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, em cinco apareceram familiares dos entrevistados que “se<br />

envolveram”, em diferentes níveis, com o tráfico <strong>de</strong> drogas. Outras entrevistas ainda<br />

fazem referência à atuação inepta da polícia:<br />

“ela não pôs respeito [a polícia – srrc]. Ela não pôs or<strong>de</strong>m. O meu irmão, um vizinho do<br />

lado era vagabundo, era bandido. Olha, se eu for contar pra você, eu vou ficar a noite<br />

toda contando. Eles pularam, eu falei pro meu irmão, o meu irmão consertando a<br />

bicicreta, eu pedi pra pegar o meu filho pro colégio. Olha, dá o cartão do Washington,<br />

pega o Washington pra mim no colégio que eu vou po trabalho. O meu irmão: “ah, não<br />

eu tô consertando a bicicreta”. Foi coisa rápida, sabe como é que é? Eu tô consertando a<br />

bicicreta e não vou pegar o garoto não. Quando eu cheguei... aí eu tô vendo aquele<br />

tumulto, ele tinha uma <strong>na</strong>morada. Eu tô vendo aquele tumulto e a <strong>na</strong>morada <strong>de</strong>le, ah o<br />

teu irmão. O outro era bandido e ele pegou o meu irmão. Mas bateram no meu irmão.<br />

Porque a casa do meu pai...” (Maria Lúcia dos Santos Barbosa, entrevista em<br />

05/05/2011)


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Embora não possamos dar a esses dados uma estimativa estatística, chama a<br />

atenção o fato <strong>de</strong> que as pessoas mais pró-ativas da socieda<strong>de</strong> local foram envolvidas<br />

numa proporção evi<strong>de</strong>ntemente muito maior do que a da população total. O atrito entre<br />

a militante <strong>de</strong> esquerda e a mãe do traficante a que assistimos era também um atrito<br />

entre grupos locais que optaram por caminhos diversos para se resistir ao status quo...<br />

O material produzido <strong>na</strong>s “Ofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong> Memória” foi gravado em áudio e uma<br />

<strong>de</strong>las (em 13/01/2011) também em ví<strong>de</strong>o. São vinte horas <strong>de</strong> gravação em áudio e seis<br />

em ví<strong>de</strong>o/áudio com um rico material sobre a história dos <strong>territó<strong>rio</strong></strong>s, trajetórias <strong>de</strong><br />

moradores, etc.<br />

Um tratamento inicial <strong>de</strong>sse material evi<strong>de</strong>ncia a recorrência <strong>de</strong> alguns<br />

momentos-chave, bem como dinâmicas comuns, a saber: 1) o momento da chegada ao<br />

local, <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finição das vidas e projetos; 2) as tentativas <strong>de</strong> melhoria das condições <strong>de</strong><br />

vida no local <strong>de</strong> moradia: lutas levadas a cabo por uma quantida<strong>de</strong> expressiva <strong>de</strong><br />

moradores, a julgar pela proporção <strong>de</strong> interlocutores que trata <strong>de</strong> tal assunto em suas<br />

<strong>memória</strong>s (luz, água, esgoto, etc.); 3) a ascensão do tráfico a partir da década <strong>de</strong> 80, seu<br />

predomínio e o momento atual, <strong>de</strong> luta contra o tráfico; 4) as associações e organizações<br />

populares, as formas <strong>de</strong> lazer e <strong>de</strong> cultura popular.<br />

4- MEMÓRIA E TERRITÓRIO COMO FORMAS DE RESISTÊNCIA<br />

Em que medida a experiência do Projeto Memória po<strong>de</strong> nos dizer algo sobre o<br />

estudo social da <strong>memória</strong> das populações pobres? É bastante positivo que o “Estado”<br />

assuma iniciativas no sentido <strong>de</strong> permitir que as populações pobres e margi<strong>na</strong>lizadas<br />

consoli<strong>de</strong>m suas <strong>memória</strong>s e as utilizem para catapultar o <strong>de</strong>senvolvimento local. Não<br />

po<strong>de</strong>mos esquecer, no entanto, que o Estado não é monolítico, e que iniciativas do tipo<br />

aqui relatado são extremamente minoritárias, mesmo no contexto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l atual no qual<br />

às forças mais a esquerda do espectro político prepon<strong>de</strong>ram no aparelho <strong>de</strong> Estado.<br />

Problemas mais imediatos se colocam quanto à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> políticas<br />

como a <strong>de</strong>scrita (como já escrito, a própria SEDES/PCRJ não tem certeza quanto a sua<br />

continuida<strong>de</strong>), que precisam <strong>de</strong> um tempo <strong>de</strong> maturação próp<strong>rio</strong>, mas também quanto as<br />

suas formas <strong>de</strong> avaliação.


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Uma questão mais complexa diz respeito ao grau <strong>de</strong> autonomia que as<br />

populações locais po<strong>de</strong>m alcançar a partir <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> governo como o Projeto<br />

Memória, <strong>de</strong> forma que tanto a <strong>memória</strong> quanto o <strong>territó<strong>rio</strong></strong> se tornem elementos <strong>de</strong><br />

resistência. Aqui temos empecilhos teóricos e práticos para que a relação entre o Estado<br />

e a socieda<strong>de</strong> civil se torne virtuosa.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista teórico há que se cuidar quanto a certa tendência do Estado em<br />

prolongar sua tutela e os vínculos assistencialistas <strong>de</strong> toda espécie <strong>na</strong> sua relação com a<br />

socieda<strong>de</strong> civil. O “Estado” e a “socieda<strong>de</strong> civil” se colocam numa relação que é tanto<br />

<strong>de</strong> atrito e tensão quanto <strong>de</strong> complementarida<strong>de</strong>. Em momentos <strong>de</strong> paz social, a<br />

complementarida<strong>de</strong> é sempre a resultante, arranjo histórico particular no inte<strong>rio</strong>r <strong>de</strong><br />

alter<strong>na</strong>tivas possíveis. O “tamanho” do Estado, por exemplo, só po<strong>de</strong> ser medido <strong>na</strong> sua<br />

relação com a socieda<strong>de</strong> civil. .<br />

Num contexto <strong>de</strong> pobreza e extrema <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> aliado à incapa<strong>cida<strong>de</strong></strong> do<br />

‘mercado’ em resolver minimante tais questões como o que caracteriza a socieda<strong>de</strong><br />

brasileira (e isso não nega <strong>de</strong> forma nenhuma os importantes avanços conseguidos nos<br />

últimos <strong>de</strong>z anos) o Estado po<strong>de</strong> encontrar razões <strong>de</strong> toda a or<strong>de</strong>m para a perpetuação <strong>de</strong><br />

sua ação. Esta tem que ser, no entanto, limitada no tempo <strong>de</strong> forma a permitir que as<br />

forças locais se tornem efetivamente autônomas.<br />

A tensão, por sua vez, parece estar fortemente condicio<strong>na</strong>da pelo grau <strong>de</strong><br />

confiança ou legitimida<strong>de</strong> atribuído ao Estado. Do ponto <strong>de</strong> vista prático o grau <strong>de</strong><br />

confiança ou legitimida<strong>de</strong> que as populações das áreas pobres – como a Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus<br />

– possuem <strong>na</strong> atuação do Estado <strong>na</strong> <strong>cida<strong>de</strong></strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro hoje é praticamente zero.<br />

Foram tantas décadas <strong>de</strong> abandono, <strong>de</strong>scaso e truculência que alguns poucos anos <strong>de</strong><br />

uma auto propalada “nova” política <strong>de</strong> segurança ainda não foram minimamente<br />

capazes <strong>de</strong> alterar tal estado <strong>de</strong> ânimo, como já pu<strong>de</strong> afirmar apoiando-me também em<br />

Machado da Silva (2010). O resultado é, infelizmente, certa cultura da<br />

instrumentalização do Estado por parte <strong>de</strong> setores expressivos dos moradores, que veem<br />

nos programas <strong>de</strong> governo possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ganhar uma renda complementar <strong>de</strong><br />

maneira fácil e com pouco compromisso. Mesmo algumas ONGs se prestam a tal<br />

instrumentalização.


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Da parte do Estado há que se reconhecer – ao menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> minha perspectiva –<br />

um esforço <strong>de</strong> transformação e aparelhamento <strong>de</strong> pessoal para combater a pobreza e a<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> através <strong>de</strong> políticas sociais as mais diversas. A atuação numa equipe <strong>de</strong><br />

jovens funcioná<strong>rio</strong>s públicos (quase nenhum <strong>de</strong>les efetivo <strong>na</strong> SEDES, como já notei)<br />

comprometida com os i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> combate as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> melhoria <strong>de</strong> vida para<br />

populações pobres permitiu registrar tanto a força <strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>alismo quanto os entraves<br />

que a máqui<strong>na</strong> administrativo-burocrática do Estado coloca a sua realização. Num<br />

resultado paradoxal da luta por mais transparência e controle dos recursos públicos,<br />

tantos são os mecanismos <strong>de</strong> controle e certificação que a agilida<strong>de</strong> e a flexibilida<strong>de</strong><br />

necessárias á execução <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> governo em áreas carentes fica comprometida.<br />

Isso em <strong>na</strong>da <strong>de</strong>smerece, enfatizo, a importância <strong>de</strong> iniciativas do Governo Fe<strong>de</strong>ral<br />

como o Portal da Transparência e a implantação dos pregões eletrônicos através do<br />

SICONVI.<br />

Por último quero retomar o argumento <strong>de</strong> que a distinção entre Estado e<br />

socieda<strong>de</strong> civil é a melhor forma <strong>de</strong> a<strong>na</strong>lisar o grau <strong>de</strong> autonomia dos movimentos<br />

sociais e comunitá<strong>rio</strong>s, suas características e objetivos.<br />

Retomar, ainda que metaforicamente, uma oposição entre os “<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro” e os<br />

“<strong>de</strong> fora” e recair <strong>na</strong> armadilha do dualismo entre a “<strong>cida<strong>de</strong></strong>” e o “asfalto” me parece um<br />

equívoco. Utilizei a noção <strong>de</strong> <strong>territó<strong>rio</strong></strong>, como já afirmei, também para escapar as<br />

dificulda<strong>de</strong>s relativas ao uso da palavra “favela”, e enfatizar que se trata <strong>de</strong><br />

comunida<strong>de</strong>s culturais, que constroem sentidos compartilhados e se apropriam do<br />

espaço <strong>de</strong> forma coletiva. Não existe oposição entre a <strong>cida<strong>de</strong></strong> dos pobres (muitas vezes<br />

tipificada como “favela”) e a <strong>cida<strong>de</strong></strong> dos ricos, ambas coexistem se retroalimentando,<br />

como sabemos. Os mecanismos <strong>de</strong> exclusão social dos pobres são também aqueles que<br />

os excluem das áreas e terrenos com acesso a serviços públicos e facilida<strong>de</strong>s urba<strong>na</strong>s.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente temos hoje, <strong>na</strong> segunda década do século XXI, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

atualizar o conceito <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> civil (para uma discussão clássica, cf. Bobbio, 1982)<br />

<strong>de</strong> forma a fazer juz aos novos arranjos sociais tais como ONGs, parcerias público-<br />

privado, órgãos <strong>de</strong> Estado que contam com a participação da socieda<strong>de</strong> civil, etc. Não<br />

tenho competência para tal e <strong>de</strong>ixo a tarefa aos cientistas políticos (que já <strong>de</strong>vem estar


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trabalhando nisso). Não po<strong>de</strong>mos confundir a necessida<strong>de</strong> da presença do Estado para<br />

garantir serviços públicos, infraestrutura e qualificação huma<strong>na</strong> on<strong>de</strong> ele quase nunca o<br />

fez com o sufocamento ou a tutela das iniciativas e formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento locais.<br />

Foi procurando <strong>de</strong>sfazer tal confusão que o Projeto Memória atuou.<br />

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