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Jesus, luz do mundo - Fernando Pinheiro

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JESUS,<br />

LUZ DO MUNDO<br />

Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong><br />

Ecce Homo, de Antonio Ciseri<br />

The picture: Ecce Homo (Behold the Man) – Pilate presenting<br />

<strong>Jesus</strong> to the crowd by Antonio Ciseri.<br />

Author: Antonio Ciseri (October 25, 1821 – March 8, 1891)<br />

A cena é narrada no conto Cláudia Prócula, da obra<br />

<strong>Jesus</strong>, <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, de Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>.<br />

Rio de Janeiro – RJ – 2011


FERNANDO PINHEIRO – 2<br />

“Lembro-me agora da construção imponente onde<br />

Pilatos lavou as suas mãos e me presenteou com a<br />

vida verdadeira...”<br />

VOZ DO RAIO RUBI – 15 de agosto de 2010<br />

Link http: // rosane – avoz<strong>do</strong>raiorubi.blogspot.com/<br />

Para Sempre Eu Vou Te Amar!<br />

Mensagem de <strong>Jesus</strong> Cristo<br />

Canaliza<strong>do</strong>ra: Rosane Amantéa<br />

2ª capa: Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> (foto da Galeria de Presidentes<br />

da Academia de Letras <strong>do</strong>s Funcionários <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong><br />

Brasil)


3 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Observação<br />

O Certifica<strong>do</strong> de Registro ou Averbação,<br />

concedi<strong>do</strong> ao escritor Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>, pelo Escritório<br />

de Direitos Autorais – Fundação Biblioteca Nacional<br />

– Ministério da Cultura, protege a literalidade <strong>do</strong><br />

trabalho apresenta<strong>do</strong>, e não as ideias nele contidas.<br />

/<br />

Em preâmbulo à Apresentação de nosso<br />

trabalho, temos a honra de anunciar, como já é<br />

<strong>do</strong> conhecimento de centenas de milhões de pessoas, que<br />

<strong>Jesus</strong> é o grande liberta<strong>do</strong>r das algemas escravocratas.<br />

Enquanto o grande liberta<strong>do</strong>r estimula–nos para<br />

que resplandeçamos a nossa <strong>luz</strong>, as sombras, que<br />

promovem o jugo à cadeia de ciclos de sofrimento, ainda<br />

varrem to<strong>do</strong> o planeta, em estertores agônicos e os<br />

mun<strong>do</strong>s não unifica<strong>do</strong>s dentro de um perío<strong>do</strong> de tempo<br />

que se esgota, nos planos da evolução. Isto porque<br />

as evidências comprovam a colheita da semeadura que<br />

distingue o trigo e a eliminação <strong>do</strong> joio que tem os dias<br />

conta<strong>do</strong>s para joeirar em outras lavras, longe <strong>do</strong> planeta.<br />

Esta certeza alenta–nos o ânimo porque a Terra,<br />

dentro da separação <strong>do</strong> joio e <strong>do</strong> trigo, está ascenden<strong>do</strong><br />

a um plano maior de consciência, em que se configura<br />

o advento da 5ª dimensão, ou a Jerusalém <strong>do</strong>s céus.<br />

A essência <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> da volta de <strong>Jesus</strong> é a presença<br />

dEle em nosso coração.


CPI - Brasil. Catalogação–na–fonte<br />

FERNANDO PINHEIRO – 4<br />

<strong>Pinheiro</strong>, Fernan<strong>do</strong><br />

JESUS, LUZ DO MUNDO / Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong><br />

ISBN<br />

1. Paráfrase criativa inspirada na Bíblia. Reconta<strong>do</strong> da<br />

obra original de Amélia Rodrigues (Espírito),<br />

psicografada por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco e de O Evangelho<br />

nas Selvas, de Fagundes Varela e Vida de <strong>Jesus</strong>, de<br />

Plínio Salga<strong>do</strong><br />

2. A Noite da Aparição (textos) – in Nosso Senhor das Águas,<br />

de Max Carphentier<br />

3. Evangelhos 4. A vida de <strong>Jesus</strong><br />

5. Contos evangélicos 6. Comentários <strong>do</strong>s Contos<br />

7. Poesia e Prosa poética 8. Brochura 276 pp.


5 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

FERNANDO HENRIQUES PINHEIRO, contista, cronista,<br />

ensaísta (áreas de História, Música Clássica, Filosofia,<br />

Comportamento Humano), fez seus estu<strong>do</strong>s no<br />

Seminário Arquidiocesano de São Luís <strong>do</strong> Maranhão<br />

(hoje, Centro Teológico <strong>do</strong> Maranhão), presidente da<br />

Academia de Letras <strong>do</strong>s Funcionários <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong><br />

Brasil (mandatos: 1995 a 1998, 1998 a 2001, 2004 a 2007<br />

e 2007 a 2010)<br />

Honrarias e condecorações:<br />

● Prêmio Nacional de Livros Publica<strong>do</strong>s<br />

– Concedi<strong>do</strong> pela AICLAF – Academia Internacional<br />

●<br />

de Ciências, Letras, Artes e Filosofia <strong>do</strong> Rio de<br />

Janeiro<br />

Diploma Moção de Congratulações<br />

– Assembléia Legislativa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />

(sessão solene de 20 de maio de 1998)<br />

– Câmara Municipal <strong>do</strong> Rio de Janeiro (sessões solenes<br />

de 16 de setembro de 1998 e 13 de agosto de 2001)<br />

Bibliografia <strong>do</strong> autor<br />

Livros publica<strong>do</strong>s e inéditos<br />

A SARÇA ARDENTE (crônicas) – 180 pp. (1988)<br />

JESUS, LUZ DO MUNDO (contos) – 276 pp. (2011)<br />

HISTÓRIA DO BANCO DO BRASIL (1950/2009) 1.223 pp. (2011)<br />

BANCO DO BRASIL<br />

- LISBOA SERRA, poeta, tribuno e presidente – 234 pp. (2011)<br />

BANCO DO BRASIL – CONSULTORIA JURÍDICA – ensaios<br />

históricos – autores diversos (co-autoria) – 378 pp. (2011)


FERNANDO PINHEIRO – 6<br />

FLAMA E VOZ (palestras e discursos) – 194 pp. (2011)<br />

MÚSICA PARA CANTO E PIANO (ensaios) – 200 pp. (2011)<br />

OS VENTOS DO AMANHECER (ensaios) – 232 pp. (2011)<br />

PERFUME DAS PARTITURAS (ensaios) – 180 pp. (2011)<br />

Palestras (em seminários)<br />

A presença <strong>do</strong>s funcionários <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil na música<br />

clássica – in 4° Seminário Banco <strong>do</strong> Brasil e a Integração<br />

Social – pp. 177 a 200) (2000)<br />

Angola – in 1° Seminário Banco <strong>do</strong> Brasil e a Integração<br />

Social – pp. 91 a 97 (1995)<br />

Caio de Mello Franco, diplomata e poeta – in 5° Seminário Banco<br />

<strong>do</strong> Brasil e a Integração Social – pp. 15 a 31 (2004)<br />

Karlos Rischbieter, presidente <strong>do</strong> BB (9/2/1977 a 16/3/1979) –<br />

in 6° Seminário Banco <strong>do</strong> Brasil e a Integração Social –<br />

CCBB – Rio de Janeiro pp. 9 a 20 (2005)<br />

Odilon Braga: flama e voz – in 5° Seminário Banco <strong>do</strong> Brasil<br />

e a Integração Social – pp. 126 a 164 (2004)<br />

Por onde an<strong>do</strong>u Villa-Lobos? – in 3° Seminário Banco <strong>do</strong> Brasil<br />

e a Integração Social – pp. 187 a 202) (1999)<br />

Prefácio<br />

Um olhar sobre o ontem e o hoje, de Zorrillo de Almeida Sobrinho<br />

– Produtora M de Publicações e Propaganda – 344 pp. –<br />

Campo Grande - MS (2000)


7 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

SUMÁRIO<br />

SANTUÁRIO DE BELEZA<br />

P.<br />

– Yeda Dantas Bacellar 9<br />

À LUZ DO LUAR 15<br />

1. ANUNCIANDO A ENCARNAÇÃO DO VERBO 25<br />

2. CARAVANAS DO DESERTO 31<br />

3. OS DOUTORES DO TEMPLO 36<br />

4. NATANAEL 44<br />

5. SIMÃO BAR JONAS 48<br />

6. O BANQUETE DE LEVI 54<br />

7. NICODEMOS 60<br />

8. O PILOTO DE BIGAS 64<br />

9. SALOMÉ 68<br />

10. AS BODAS DE CANÁ 75<br />

11. A CURA DO CEGO DE NASCENÇA 86<br />

12. BARTIMEU 90<br />

13. A CURA DE UM LEPROSO 94<br />

14. A CURA DOS DEZ LEPROSOS 99<br />

15. PAULUS, O CENTURIÃO 103<br />

16. A MULHER PARALÍTICA 107<br />

17. A TEMPESTADE NO MAR 111<br />

18. ANOITECER EM GERASA 117<br />

19. GENESARÉ 124


FERNANDO PINHEIRO - 8<br />

20. VERÔNICA 129<br />

21. MANHÃ EM NAZARÉ 135<br />

22. MADALENA 142<br />

23. MARTA 151<br />

24. ZAQUEU 157<br />

25. A SAMARITANA 164<br />

26. BEN MORDECKAI 171<br />

27. MANHÃ EM JERUSALÉM 176<br />

28. TABOR 183<br />

29. LÁZARO 191<br />

30. A MOEDA DE CÉSAR 204<br />

31. NOS CAMINHOS DE JERICÓ 209<br />

32. O DISCURSO PROFÉTICO 212<br />

33. GETSÊMANI 217<br />

34. CAIFÁS 222<br />

35. DESOLAÇÃO 226<br />

36. CLÁUDIA PRÓCULA 233<br />

37. SIMÃO, O CIRENEU 242<br />

38. O OLHAR DE BEN–HUR 247<br />

39. MARIA DE NAZARÉ 252<br />

40. A PRESENÇA DIÁFANA 255<br />

41. A NOITE DA APARIÇÃO (Max Carphentier) 260<br />

Amor–Sabe<strong>do</strong>ria 272<br />

BIBLIOGRAFIA 275<br />

ÍNDICE REMISSIVO 277


9 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

SANTUÁRIO DE BELEZA<br />

Yeda Dantas Bacellar<br />

Designer e artista plástica<br />

Adentro este santuário de beleza na qualidade<br />

de convidada, para expressar a admiração e o encantamento<br />

que me envolvem, ao acompanhar o autor nesta viagem<br />

de enlevo literário, que ele empreende na companhia<br />

soberba de Fagundes Varela, Plínio Salga<strong>do</strong>, Dival<strong>do</strong> Pereira<br />

Franco e Amélia Rodrigues, através <strong>do</strong>s páramos sagra<strong>do</strong>s<br />

da vida mística de <strong>Jesus</strong> Cristo.<br />

Enten<strong>do</strong> esse relato literário como a expressão<br />

da revelação feita a Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> por essa Luz da<br />

Sabe<strong>do</strong>ria Divina, tal qual aquela que se revelou a Maria<br />

Madalena e Paulo de Tarso.


FERNANDO PINHEIRO – 10<br />

Quan<strong>do</strong> a inspiração artística se apossa de uma<br />

pessoa, ela também sobe até o cume <strong>do</strong> monte Tabor,<br />

onde o próprio autor descobre a primeira revelação<br />

das intercomunicações intergalácticas. E desse Tabor,<br />

descortina<strong>do</strong> pelo êxtase artístico, você desce à planície<br />

como Moisés descera, antes, <strong>do</strong> Monte Horeb, e <strong>Jesus</strong><br />

Cristo o fez <strong>do</strong> monte Tabor, naquele momento, para<br />

compartilhar o êxtase místico com os companheiros da<br />

caminhada existencial.<br />

Mas, as paisagens energéticas <strong>do</strong>s espaços<br />

siderais só se descerram para os que tentam e possuem<br />

o <strong>do</strong>m de ouvir os astros siderais, como já confessou<br />

Olavo Bilac. A emoção constitutiva da contemplação<br />

estética é aparentada da meditação <strong>do</strong>s místicos, como<br />

Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> o insinua na sua demonstração de<br />

apreço pelas vidas de Teresinha de Lisieux e de Teresa<br />

d’Ávila, a <strong>do</strong>utora da contemplação mística <strong>do</strong> Eterno e<br />

<strong>do</strong> Uno na História <strong>do</strong> Cristianismo.<br />

Mas tanto o êxtase estético como o êxtase místico<br />

religioso são impulsiona<strong>do</strong>s pela crença na Unidade fértil,<br />

gera<strong>do</strong>ra da Multiplicidade, que Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> foi<br />

encontrar no filósofo Spinoza e que este descobriu, como<br />

uma intuição primordial, que lhe permitiu descortinar a<br />

explicação recôndita da existência.<br />

É a mesma intuição original <strong>do</strong> Judaísmo e <strong>do</strong><br />

Cristianismo que se encontra na versão primeira da origem<br />

<strong>do</strong> Universo no livro <strong>do</strong> Gênesis: Deus criou o homem à<br />

sua imagem, à imagem de Deus o criou, macho e fêmea<br />

ele o criou. Curioso que também os Upanishads, livro<br />

sagra<strong>do</strong> <strong>do</strong>s hindus, descrevem que o Absoluto, origem de<br />

todas as coisas, também resulta <strong>do</strong> Amor <strong>do</strong> macho e da


11 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

fêmea: ele era, na realidade, tão grande como um homem<br />

e uma mulher abraça<strong>do</strong>s! Revelação extraordinária: quan<strong>do</strong><br />

o Homem e a Mulher se unem, num abraço de Amor, se<br />

igualam ao Absoluto! E o famoso livro I Ching da cultura<br />

chinesa coincide nessa intuição da realidade, como uma<br />

Unidade produzida pelo Amor de Yang e Yin, os opostos<br />

macho e fêmea, princípio e fim, dia e noite, <strong>luz</strong> e trevas,<br />

grande e pequeno.<br />

Nada surpreendente, portanto, que essa viagem<br />

estética de Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> passe por Maria Madalena,<br />

a mulher cujo Amor produziu uma Fé tão grande, tão<br />

poderosa que redimensionou o Cristianismo, estimulan<strong>do</strong><br />

os discípulos a pregar o Evangelho. O Amor de Maria<br />

Madalena não podia acreditar na morte de seu Ama<strong>do</strong>.<br />

A tocha da Fé, da intuição feminina, das energias<br />

interpessoais, diria Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>, gestada no cadinho<br />

de um Amor imenso, gritava-lhe interiormente: Ele vive! E<br />

Maria Madalena viu <strong>Jesus</strong> ressuscita<strong>do</strong>. E Maria Madalena<br />

correu a proclamar para os discípulos atemoriza<strong>do</strong>s, como<br />

agora Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> fala para o mun<strong>do</strong>, o meu Amor<br />

ressuscitou. O Amor inspira<strong>do</strong> em <strong>Jesus</strong>. O Amor não<br />

morre. Ele está vivo. Ele é a Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>. A Luz <strong>do</strong><br />

Mun<strong>do</strong> não se extinguiu.<br />

Esse mesmo encontro pessoal teve Paulo de Tarso,<br />

na estrada de Damasco, com o <strong>Jesus</strong> Cristo das esferas<br />

espirituais superiores, de que fala Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>. E o<br />

Amor pelo Uno brotou aos borbotões <strong>do</strong> coração de Paulo<br />

e lhe outorgou aquela Fé que mu<strong>do</strong>u o mun<strong>do</strong>, cristianizou<br />

o mun<strong>do</strong>. Tessalonicenses, <strong>Jesus</strong> Cristo venceu a Morte.<br />

O Amor ressuscitou. Sois imortais, tais quais os deuses<br />

Dionísio e Orfeu, ressuscitareis. O Amor venceu tu<strong>do</strong>.<br />

Venceu até a morte. O Amor não morre. A Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong><br />

não se extinguiu, diz Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>.


FERNANDO PINHEIRO – 12<br />

Há cerca de cinco mil anos, as vibrações<br />

espirituais cósmicas brotam em catadupas daquela fonte<br />

inexaurível <strong>do</strong> primeiro capítulo <strong>do</strong> Gênesis. A tocha<br />

de Moisés se inflamou no fogo de Amor por Iavé.<br />

Resplandeceu, então, por milênios a Luz de Israel, a<br />

<strong>luz</strong> que ilumina os caminhos de um povo, uma nação,<br />

acesa na intuição daquela Lei <strong>do</strong> versículo 17 <strong>do</strong> capítulo<br />

2: Mas da árvore <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> bem e <strong>do</strong> mal não<br />

deves comer, porque no dia em que o fizeres serás<br />

condena<strong>do</strong> a morrer.<br />

A Lei é a Aliança de Amor entre Deus e Israel.<br />

O cumprimento da Lei é a manifestação <strong>do</strong> Amor a Deus,<br />

e Deus se enche de Amor por quem a cumpre e o cumula<br />

de bens: vida longa, sucesso, riqueza, fertilidade, vasta<br />

descendência e higidez. O descumprimento da Lei é a<br />

manifestação <strong>do</strong> desamor a Deus, e Deus também se<br />

desagrada de quem a infringe e o cobre de maldições:<br />

vida breve, insucesso, pobreza, infertilidade e <strong>do</strong>ença.<br />

E Moisés empunhou a tocha <strong>do</strong> Amor de Deus<br />

por Israel e, por quarenta anos, liderou a marcha <strong>do</strong><br />

povo eleito para as terras prometidas de Canaã. A Lei<br />

Mosaica foi e é a Luz de Israel, a <strong>luz</strong> de um povo,<br />

de uma nação, acesa na tocha de Amor por Iavé.<br />

Há <strong>do</strong>is mil anos, novas vibrações espirituais<br />

cósmicas e mais poderosas, captadas por espíritos<br />

inflama<strong>do</strong>s no Amor pelo Absoluto e pelo Uno, de que<br />

fala Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>, como Maria Madalena e Paulo de<br />

Tarso, entraram em sintonia com o grande avatar da<br />

era moderna, <strong>Jesus</strong> Cristo, que intuiu a nova revelação,<br />

iluminação muito mais ampla, para a Humanidade toda<br />

e para o Universo inteiro.


13 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

E tal era a energia <strong>do</strong> Amor de Paulo de Tarso,<br />

que ele se dirige à Igreja de Jerusalém, a igreja da família<br />

de <strong>Jesus</strong> Cristo, e ousa declarar: eu tenho um Amor tão<br />

grande pelo Absoluto que ele me infundiu uma <strong>luz</strong> mais<br />

forte que a de vocês, ele colocou em minhas mãos a<br />

tocha da Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>. O Amor que me une a <strong>Jesus</strong><br />

Cristo é tão grande, que ele me confiou a missão de<br />

revelá-lo a to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>. E ele ama a Humanidade toda,<br />

toda a sua obra, não apenas um povo, uma nação: ele<br />

é a Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>.<br />

E, por isso, <strong>Jesus</strong> Cristo foi condena<strong>do</strong> à morte,<br />

porque afirmou que é o Amor ao Absoluto, a Deus, que<br />

salva, que vivifica, que nos torna imortais, que ressuscita,<br />

que nos faz deuses. O Amor faz o homem justo. Não é<br />

a Lei que faz o homem justo. A Lei condena o Homem,<br />

isto sim. O homem, dinamiza<strong>do</strong> pelas energias espirituais<br />

superiores, é bom, é justo, não necessita de Lei. Ele se<br />

harmoniza com o Absoluto.<br />

Foi essa a grande revelação que encheu Paulo<br />

de Tarso de força tal, que o impulsionou a empunhar a<br />

tocha da Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> e a difundir o cristianismo pelo<br />

mun<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong> de sua época. O Amor <strong>do</strong> Absoluto<br />

tu<strong>do</strong> envolve, a Humanidade toda e o Cosmos to<strong>do</strong>,<br />

<strong>Jesus</strong>, a Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, dirá Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>. O Amor<br />

<strong>do</strong> Absoluto não se restringe apenas a um povo, mas a<br />

toda a Humanidade, a sua obra toda.<br />

O Amor salva, disse <strong>Jesus</strong> Cristo, o Amor <strong>do</strong><br />

Homem pelo Absoluto e o Amor <strong>do</strong> Absoluto pelo Homem.<br />

O Homem possuí<strong>do</strong> pelo Amor é justo, é bom, é perfeito,<br />

é feliz, é imortal, é Deus. “Vós sois deuses” está escrito<br />

no texto sagra<strong>do</strong>.


FERNANDO PINHEIRO – 14<br />

Aí está a revelação captada pelo grande avatar,<br />

<strong>Jesus</strong> Cristo, o Absoluto é Amor e, por isso, criou o<br />

Homem à sua imagem, macho e fêmea ele os criou<br />

(Gênesis 1, 27). Só o Amor existe, só o Amor é eterno, só o<br />

Amor constrói: faça–se, aquela palavra mágica <strong>do</strong> início <strong>do</strong><br />

Gênesis, é o próprio Absoluto assumin<strong>do</strong> a multiplicidade<br />

de formas que compõem o Cosmos, e se renovam a cada<br />

instante, é a fertilidade <strong>do</strong> Amor.<br />

Essas também as vibrações espirituais cósmicas<br />

<strong>do</strong> Absoluto, captadas pelos Upanishads <strong>do</strong> hinduísmo<br />

na espetacular imagem <strong>do</strong> abraço aperta<strong>do</strong> entre o<br />

macho e a fêmea, e pelo I Ching <strong>do</strong>s chineses, no<br />

equilíbrio <strong>do</strong> Yang e <strong>do</strong> Yin, que tu<strong>do</strong> envolve na<br />

harmoniosa conjunção <strong>do</strong> macho e da fêmea, na sinfonia<br />

<strong>do</strong> Amor.<br />

Amar é o fundamental. Ama e viverás. Ama e<br />

serás eterno. Ama e terás o conhecimento. <strong>Jesus</strong>, o<br />

Amor <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, ou, como revela Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>, <strong>Jesus</strong>,<br />

Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>.<br />

Com intenso júbilo, vejo crescer o seleto grupo<br />

de autores que, no Brasil, escreveram em versos ou<br />

em prosa poética ou mesmo em forma romanceada<br />

a respeito da vida de <strong>Jesus</strong>: Fagundes Varela, Bittencourt<br />

Sampaio, Plínio Salga<strong>do</strong>, Bastos Tigre, Huberto Rohden,<br />

Dival<strong>do</strong> Pereira Franco (Amélia Rodrigues – Espírito),<br />

Francisco Cândi<strong>do</strong> Xavier, Max Carphentier, Tasso da<br />

Silveira e, a partir <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>s de 2011, Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>.


15 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

À LUZ DO LUAR<br />

Graças a Deus conseguimos escrever, como se<br />

fosse um sonho à <strong>luz</strong> <strong>do</strong> luar, contos que lembram<br />

os feitos de <strong>Jesus</strong> como mensagens urgentes para o<br />

homem ser permanentemente feliz.<br />

Colhen<strong>do</strong> as informações, citan<strong>do</strong> as passagens<br />

bíblicas e os quatro evangelistas que as escreveram,<br />

recompomos a trajetória terrena de <strong>Jesus</strong>, sem alterar o<br />

texto original. <strong>Jesus</strong>, <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> se expande na matéria<br />

recontada da obra de Amélia Rodrigues (Espírito),<br />

psicografada por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco e de Anchieta<br />

ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela e Vida de<br />

<strong>Jesus</strong>, de Plínio Salga<strong>do</strong>.


FERNANDO PINHEIRO - 16<br />

Apresentamo-nos como um simples divulga<strong>do</strong>r<br />

da Boa Nova e destacamos as palavras de Amélia<br />

Rodrigues (Espírito)¸ na psicografia de Dival<strong>do</strong> Pereira<br />

Franco:<br />

“À semelhança <strong>do</strong>s dias em que <strong>Jesus</strong> viveu entre<br />

nós, os tempos atuais ensejam a restauração viva e<br />

atuante da Mensagem cristã, pois que, convertida em<br />

laboratório de experiências aflitivas, a Terra continua<br />

sen<strong>do</strong> campo rico de oportunidades para a vivência<br />

evangélica.” (1)<br />

<strong>Jesus</strong>, <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é a <strong>luz</strong> que se projeta em<br />

seus feitos que buscamos descrever e fazer a citação de<br />

autores que, igualmente, sentem essa <strong>luz</strong> para despertar<br />

a criatura humana ao caminho que conduz ao paraíso<br />

de que nos falaram Ele próprio e to<strong>do</strong>s aqueles que<br />

vieram ao mun<strong>do</strong> somente para servir.<br />

O esta<strong>do</strong> emocional <strong>do</strong> homem, nos i<strong>do</strong>s de<br />

2011, marco inicial em que o planeta está passan<strong>do</strong> da<br />

3ª para a 5ª dimensão vibracional, simultaneamente, na<br />

separação <strong>do</strong> joio e <strong>do</strong> trigo, é o mesmo <strong>do</strong> filho pródigo:<br />

triste e abati<strong>do</strong> começa a entender que os cria<strong>do</strong>s de<br />

sua família tinham condições de vida melhores <strong>do</strong> que<br />

a sua. A alegria de voltar ao lar é mais importante <strong>do</strong><br />

que todas as ilusões reunidas.<br />

(1) AMÉLIA RODRIGUES (Espírito) – in Primícias <strong>do</strong> Reino (Prólogo),<br />

pp. 18 e 19 – 7ª edição, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco<br />

– Livraria Espírita Alvorada Editora – 9/2000 – Salva<strong>do</strong>r – BA.


17 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

No conceito transitório de liberdade, o filho<br />

pródigo retirou-se da casa paterna onde ele vivia e seguiu,<br />

por estranhos caminhos, sem ter a certeza <strong>do</strong> amanhã.<br />

<strong>Jesus</strong> falou por parábolas àquela gente simples<br />

<strong>do</strong> campo, a fim de que, por símbolos e imagens da<br />

paisagem campestre, pudesse de imediato compreendê-lo.<br />

Em acenos de mãos, em palavras deixou exemplos de<br />

rara beleza que nem mesmo o verbo sibilino <strong>do</strong>s profetas<br />

conseguiu superá-lo.<br />

A cada pessoa <strong>do</strong>sava a palavra, a fim de<br />

não violar a natureza íntima de cada um. Conhece<strong>do</strong>r<br />

profun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s enigmas, nunca causou impacto nas<br />

consciências que buscavam a reabilitação diante das leis<br />

divinas. Amou a to<strong>do</strong>s, como forma de despertá-los para<br />

a felicidade reservada a to<strong>do</strong>s os seres humanos.<br />

O pensamento de <strong>Jesus</strong>, reproduzin<strong>do</strong> a síntese<br />

da vida humana e <strong>do</strong>s anjos, tem um senti<strong>do</strong> universal<br />

e pode ser percebi<strong>do</strong> em Saturno, Mercúrio, Vênus e<br />

nas estrelas:<br />

“Precisamos afirmar ao mun<strong>do</strong> que o homem<br />

é o príncipe <strong>do</strong> paraíso, sem ter a necessidade de usar<br />

roupagens sombrias bem diferentes da <strong>luz</strong> que vibra em<br />

seu ser mais profun<strong>do</strong>, aguardan<strong>do</strong> apenas um impulso<br />

para resplandecer.” (2)<br />

(2) FERNANDO PINHEIRO – in Prefácio e 4ª capa <strong>do</strong> livro Um olhar<br />

sobre o ontem e o hoje, de Zorrillo de Almeida Sobrinho – Produtora<br />

M. de Publicações e Propaganda – Campo Grande – MS – 2000.


FERNANDO PINHEIRO - 18<br />

A palavra de <strong>Jesus</strong>, que buscamos retratar<br />

numa linguagem atual, nos tempos da comunicação<br />

instantânea e da consolidação das sociedades de massa,<br />

é um convite para entender os valores reais da vida,<br />

e, com este conhecimento, libertamo-nos das algemas<br />

escravocratas e, caminhan<strong>do</strong> livres, podemos antever um<br />

porvir radioso onde a felicidade será permanente.<br />

Preliminarmente, o nosso muito obriga<strong>do</strong> é<br />

destina<strong>do</strong> a <strong>Jesus</strong> pela inspiração <strong>do</strong> seu nome que<br />

buscamos, poeticamente, em prosa descrever dentro das<br />

possibilidades que nos permitem desfrutar os deleites das<br />

fontes límpidas. Depois são extensivos à Yeda Dantas<br />

Bacellar que redigiu o Prefácio Santuário de Beleza, bem<br />

como ao eminente ora<strong>do</strong>r Dival<strong>do</strong> Pereira Franco que<br />

escreveu a obra ditada por Amélia Rodrigues, fonte<br />

inexaurível de sublime inspiração.<br />

Agradecimentos extensivos a Nilson de Souza<br />

Pereira, presidente <strong>do</strong> Centro Espírita Caminho da Redenção,<br />

em Salva<strong>do</strong>r – BA, cessionário das obras psicografadas<br />

por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco.<br />

Agradecemos também ao Reveren<strong>do</strong> Pastor<br />

Guilhermino Cunha, Presidente <strong>do</strong> Supremo Concílio da Igreja<br />

Presbiteriana <strong>do</strong> Brasil (1994/2002), que leu, nos i<strong>do</strong>s de 1993,<br />

vários capítulos, quan<strong>do</strong> ainda não estava completa a<br />

obra, e emitiu, para gáudio nosso, a seguinte opinião:<br />

“Ao to<strong>do</strong> são 20 contos evangélicos. O autor<br />

inspira-se no texto sagra<strong>do</strong> e vai contan<strong>do</strong>, de forma<br />

bastante agradável, várias passagens <strong>do</strong> Novo Testamento.<br />

É pura poesia em forma de prosa; a sensibilidade está


19 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

em cada parágrafo e remete o leitor a uma consulta ao<br />

texto original, a Bíblia.<br />

<strong>Jesus</strong>, <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é uma criativa paráfrase; assim<br />

a leitura vai mais além <strong>do</strong> que o mero prazer literário e<br />

sugere vida, transformação, enlevo espiritual.<br />

Percebe-se, nitidamente, o carinho e a dedicação <strong>do</strong><br />

autor para com o Mestre <strong>Jesus</strong>. Partin<strong>do</strong> da parábola, <strong>do</strong><br />

versículo, <strong>do</strong> ensinamento ele transmuta o conto em aula<br />

e quem sai lucran<strong>do</strong> é o leitor, mediante o belo trabalho<br />

da arte de contar histórias que Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> nos<br />

proporciona.” (3)<br />

Os agradecimentos prosseguem ainda aos elogios<br />

que recebemos de Solange Rech (1946/2008), poeta<br />

catarinense, que redigiu, ainda investi<strong>do</strong> nas funções de<br />

gerente–executivo <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil – UEN Rural e<br />

Agroindustrial – Brasília – DF, as seguintes linhas:<br />

“Embaraçosa para uns, estimulante para muitos, a<br />

figura de <strong>Jesus</strong> de Nazaré vai se descortinan<strong>do</strong> para<br />

os leitores de <strong>Jesus</strong>, <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> como alguém que vai<br />

montan<strong>do</strong> um mosaico. A cada história lida, a cada tema<br />

comenta<strong>do</strong> mais se delineiam os contornos <strong>do</strong> Divino<br />

Mestre e daqueles com quem conviveu.<br />

(3) Rev. GUILHERMINO CUNHA, presidente <strong>do</strong> Supremo Concílio da<br />

Igreja Presbiteriana <strong>do</strong> Brasil (1994/2002) – Carta de autorização<br />

concedida, em 19/10/2006, ao escritor Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>, na<br />

qual afirma: “seu gesto é o de um escritor, ético nas suas<br />

atitudes e preciso nas suas palavras.”


FERNANDO PINHEIRO - 20<br />

Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> mostra-nos que, ao contrário<br />

<strong>do</strong> que possa parecer, <strong>Jesus</strong> é a essência da simplicidade.<br />

Nisso faz coro a Tasso da Silveira, poeta espiritualista<br />

paranaense, em seu Cântico <strong>do</strong> Cristo <strong>do</strong> Corcova<strong>do</strong>.<br />

Para os que creem, <strong>Jesus</strong>, <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é quase<br />

uma reza. Para os que não creem, é uma advertência:<br />

a de que a prática <strong>do</strong> bem deve ser buscada por to<strong>do</strong>s,<br />

independentemente de suas crenças e <strong>do</strong>utrinas.”<br />

<br />

Assim como Teresa de Lisieux, a Santa<br />

Teresinha <strong>do</strong> Menino <strong>Jesus</strong>, poetisa e <strong>do</strong>utora da Igreja,<br />

lamentava não saber hebraico nem grego para poder<br />

pregar as Escrituras Sagradas, no original, sentimo-nos<br />

também na mesma situação. Teresa d´Ávila é santa e<br />

<strong>do</strong>utora da Igreja.<br />

Em qualquer circunstância, reconhecemos que<br />

Deus, em Sua infinita bondade, assiste à nossa realidade<br />

espiritual, acompanhan<strong>do</strong>-nos os passos. A dimensão não<br />

se restringe apenas ao que lemos, vemos, ouvimos ou<br />

escrevemos, pois o coração está à frente levan<strong>do</strong> o<br />

amor que sentimos, com a proteção de <strong>Jesus</strong>, o herói<br />

imbatível <strong>do</strong> sistema solar.<br />

Sentimos a necessidade de citar as últimas<br />

palavras da cerimônia da missa cantada, em aramaico, por<br />

Gabriel Dahhu, padre da Igreja Sirian Orto<strong>do</strong>xa, exibidas<br />

no Programa Fantástico da Rede Globo, de 27/3/2005.<br />

O final da oração Pai Nosso de <strong>Jesus</strong>, traduzi<strong>do</strong> em legenda<br />

em português, é o seguinte: “De ti nasce toda vontade<br />

reinante, o poder e a força viva que se renova a cada<br />

dia e a tu<strong>do</strong> embeleza.”


21 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

A fim de compreendermos melhor o mun<strong>do</strong><br />

e o tempo em que viveu <strong>Jesus</strong> e a expansão de<br />

sua Doutrina, é necessário destacar a palavra de<br />

observa<strong>do</strong>res que retrataram a realidade histórica.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, ressaltamos que a melhor<br />

referência está expressa em cada antelóquio <strong>do</strong>s livros<br />

dita<strong>do</strong>s por Amélia Rodrigues, na psicografia de Dival<strong>do</strong><br />

Pereira Franco: Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, Há Flores no Caminho,<br />

Quan<strong>do</strong> voltar a Primavera, Primícias <strong>do</strong> Reino, Trigo de Deus,<br />

Dias Venturosos e . . . Até o fim <strong>do</strong>s tempos.<br />

Dentre eles, vale destacar Notícias Históricas,<br />

inseridas em Trigo de Deus, obra de autoria de Amélia<br />

Rodrigues, na psicografia de Dival<strong>do</strong> Pereira Franco:<br />

“Não obstante profundamente arraiga<strong>do</strong> na História<br />

o pensamento cristão, ainda existem aqueles que teimam<br />

em negar a existência de <strong>Jesus</strong>, informan<strong>do</strong> que Ele<br />

pertence à galeria <strong>do</strong>s mitos, bem como a Sua <strong>do</strong>utrina<br />

é resulta<strong>do</strong> de lendas e elaborações imaginosas muito ao<br />

gosto da tradição oriental...<br />

A linguagem <strong>do</strong>s fatos não lhes basta, e a palavra<br />

insuspeita de inúmeros historia<strong>do</strong>res não lhes constitui<br />

prova.<br />

Descomprometi<strong>do</strong>, Flávio Josefo se refere à existência<br />

<strong>do</strong> Mestre e aos acontecimentos que Lhe cercaram a<br />

vida, inserin<strong>do</strong>-O nos fastos <strong>do</strong> Império Romano, sem<br />

qualquer riqueza de comentários.


FERNANDO PINHEIRO - 22<br />

A incomum adesão de milhares de pessoas em poucos<br />

anos após a Sua morte, as notáveis Cartas de Paulo e as<br />

narrações das Testemunhas daqueles dias, que vieram a<br />

formar os Evangelhos, igualmente, para eles, não passam<br />

de suspeitosos <strong>do</strong>cumentos elabora<strong>do</strong>s com o fim de<br />

torná-lO real, arrancan<strong>do</strong>-O <strong>do</strong> campo conceptual para o<br />

terrestre.<br />

Desencadeadas as perseguições contra os Seus<br />

segui<strong>do</strong>res, sejam na Palestina, logo após Sua morte, ou<br />

em Roma, a partir de Nero, ou em to<strong>do</strong> o Império,<br />

quase imediatamente, historia<strong>do</strong>res criteriosos, que se<br />

opunham à Doutrina, testemunharam a Sua realidade. Entre<br />

eles, Tácito, nos Anais, 15:44, referin<strong>do</strong>-se ao incêndio de<br />

Roma e à acusação assacada por Nero e seus famanazes<br />

contra os cristãos, para livrarem-se da suspeita geral que<br />

lhes atribuía a responsabilidade <strong>do</strong> crime, diz:<br />

...Embora os conheci<strong>do</strong>s esforços humanos de to<strong>do</strong>s,<br />

os da liberalidade <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r e <strong>do</strong>s sacrifícios ofereci<strong>do</strong>s<br />

aos deuses, nada era suficiente para liberar a crença,<br />

que se generalizava, de que o incêndio fôra ordena<strong>do</strong>.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, para acabar com esse rumor, Nero conseguiu<br />

encontrar os responsáveis nos cristãos, gentalha odiada<br />

por to<strong>do</strong>s, face às suas abominações, e os castigou com<br />

incomum crueldade. Cristo, de quem tomou o nome, foi<br />

executa<strong>do</strong> por Pôncio Pilatos durante o reina<strong>do</strong> de Tibério.<br />

Detida por um instante, esta superstição daninha apareceu<br />

de novo, não somente na Judéia, onde se encontrava o<br />

mal enraiza<strong>do</strong>, mas igualmente em Roma, esse lugar<br />

onde se narra, etc ...


23 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Apesar <strong>do</strong> parcialismo <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r sobre a crença<br />

cristã, a sua referência em torno da morte de <strong>Jesus</strong>,<br />

nos dias de Pôncio Pilatos, durante o reina<strong>do</strong> de Tibério,<br />

testemunha a existência real <strong>do</strong> Crucifica<strong>do</strong>.” (4)<br />

Em nossos dias, argumentan<strong>do</strong> a capacidade <strong>do</strong><br />

Império Romano “de acolher, de absorver e enriquecer-se<br />

com as contribuições de to<strong>do</strong>s os povos que <strong>do</strong>minou.”,<br />

(5) o diplomata italiano Giuseppe Magno, cônsul-geral da<br />

República da Itália, eluci<strong>do</strong>u:<br />

“Somente perante os cristãos, que reivindicavam a<br />

primazia <strong>do</strong> reino de Deus, o Esta<strong>do</strong> romano tentou reagir<br />

instauran<strong>do</strong> uma política de repressão: o cre<strong>do</strong> <strong>do</strong>s cristãos,<br />

entre outras coisas, minava as bases <strong>do</strong> sistema econômico,<br />

reivindican<strong>do</strong> para os escravos a mesma dignidade e os<br />

mesmos direitos <strong>do</strong>s homens livres.” (6)<br />

Voltan<strong>do</strong> ao ponto central das referências<br />

históricas acerca <strong>do</strong> tempo em que viveu <strong>Jesus</strong>, Amélia<br />

Rodrigues (Espírito), através da psicografia de Dival<strong>do</strong><br />

Pereira Franco nos dá uma lição de História ou de<br />

(4) AMÉLIA RODRIGUES – in Pelos Caminhos de <strong>Jesus</strong>, psicografa<strong>do</strong><br />

por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – pp. 13, 14 – Idem, idem.<br />

(5 e 6) GIUSEPPE MAGNO, cônsul–geral da Itália no Rio de Janeiro,<br />

nos i<strong>do</strong>s de 1998. Posteriormente, nos i<strong>do</strong>s de 2007/2011, em<br />

andamento, Giuseppe Magno é o embaixa<strong>do</strong>r da Itália em<br />

Honduras – in Itália, <strong>luz</strong> mediterrânea, palestra proferida, em<br />

11/12/1998, ao ensejo da realização <strong>do</strong> 2° Seminário Banco<br />

<strong>do</strong> Brasil e a Integração Social, promovi<strong>do</strong> pela Academia de<br />

Letras <strong>do</strong>s Funcionários <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil, sob a presidência <strong>do</strong><br />

escritor Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>.


FERNANDO PINHEIRO - 24<br />

Direito Internacional. A informação <strong>do</strong> diplomata italiano<br />

corresponde à mesma realidade histórica ditada por<br />

Amélia Rodrigues:<br />

“Tolera<strong>do</strong>s pela “Lex romana”, como praticamente<br />

to<strong>do</strong>s os que cultuavam seus deuses e religiões trazi<strong>do</strong>s<br />

para o Império na razão em que o mesmo estendia os<br />

seus territórios, e de certo mo<strong>do</strong> confundi<strong>do</strong>s com o<br />

Judaísmo, que gozava <strong>do</strong> privilégio de “religião nacional”,<br />

os segui<strong>do</strong>res de <strong>Jesus</strong> foram colhi<strong>do</strong>s pela armadilha da<br />

impiedade quan<strong>do</strong> o impera<strong>do</strong>r declarou que não era<br />

“lícito ser cristão”, inician<strong>do</strong> as rudes e dilacera<strong>do</strong>ras<br />

perseguições a partir daquele tormentoso ano de 64.” (7)<br />

A perseguição aos cristãos se alongaria por<br />

<strong>do</strong>is séculos, precisamente até o ano de 313, na gestão<br />

<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r Constantino que aprovou as normas<br />

estabelecidas no Edito de Milão.<br />

Se na teoria da origem das espécies, Darwin<br />

estabeleceu que o Universo foi cria<strong>do</strong> de matéria<br />

inorgânica e no conceito de Einstein “tu<strong>do</strong> é energia”,<br />

podemos dizer que o Sol, a Lua e as estrelas, <strong>Jesus</strong> e<br />

to<strong>do</strong>s nós possuímos <strong>luz</strong>. Mas o título honorífico “<strong>luz</strong><br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>” é, singularmente, atribuí<strong>do</strong> a <strong>Jesus</strong>, a quem<br />

temos a imensa honra de ser um <strong>do</strong>s últimos<br />

contistas e ensaístas de Sua vida e obra.<br />

(7) AMÉLIA RODRIGUES – in Pelos caminhos de <strong>Jesus</strong>, p. 206 –<br />

3ª edição – 1998, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco –<br />

Livraria Espírita Alvorada Editora – Salva<strong>do</strong>r – BA – Idem, idem.


25 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

1<br />

ANUNCIANDO A ENCARNAÇÃO DO VERBO<br />

Elogia<strong>do</strong> por Adelmar Tavares, advoga<strong>do</strong> <strong>do</strong> Banco<br />

<strong>do</strong> Brasil (1925/1930), em discurso de posse na Academia<br />

Brasileira de Letras, Fagundes Varela é o nobre cantor<br />

de Anchieta ou O Evangelho nas Selvas que nos abre a<br />

narrativa evangélica:<br />

“E como a virgem pálida mirasse,<br />

Continuou assim: – Sobre o seu seio<br />

Há desci<strong>do</strong> <strong>do</strong> Altíssimo a virtude,<br />

Terás um filho poderoso e forte,<br />

E que – Filho de Deus – será chama<strong>do</strong>.<br />

Eis a serva de Deus – faça–se nela<br />

Sua santa vontade, – diz a virgem.


FERNANDO PINHEIRO - 26<br />

E o celeste envia<strong>do</strong> abrin<strong>do</strong> as asas<br />

Volta, entre nuvens de brilhantes cores,<br />

À sidérea mansão. – Salvo era o mun<strong>do</strong>:<br />

Tinha se feito a <strong>luz</strong> que alumiava<br />

A matéria fecunda, ia fazer–se<br />

A viva <strong>luz</strong> que alumiar devéra<br />

As almas imortais em seu caminho;<br />

Ia chegar ao mun<strong>do</strong> o Prometi<strong>do</strong>,<br />

Aquele que esperava que viesse,<br />

Que trouxesse um consolo aos que chorassem,<br />

Que desse ao pobre um lar, ao triste um gozo,<br />

Ao romeiro um bordão, ao nauta um leme,<br />

Ao cego a <strong>luz</strong>, ao moribun<strong>do</strong> a vida,<br />

Aos povos a verdade! – Era já tempo.<br />

(...)<br />

Da clara estirpe de David, o grande,<br />

A glória de Israel, o rei–profeta,<br />

O ungi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Senhor, o herói, o sábio,<br />

O mais nobre cantor que há visto o mun<strong>do</strong>,<br />

Era a eleita de Deus, <strong>do</strong>s céus princesa,<br />

Dos homens esperança, – era Maria,<br />

Filha de Ana e de Joaquim, esposa<br />

Do operário José. A nó<strong>do</strong>a infausta<br />

Do vício original não maculava<br />

A esplêndida candura de seu rosto,<br />

Norma sublime, divinal modelo<br />

Da perfeição <strong>do</strong>s anjos. A inocência,<br />

A bondade infinita, radiavam<br />

Iguais a duas fúlgidas estrelas,<br />

Em seu laurel da excelsa virgindade.<br />

Seus gestos graciosos, os seus passos<br />

Mais leves e sutis, eram medi<strong>do</strong>s<br />

Por suave harmonia. Um – que – de etéreo,


27 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

De indefini<strong>do</strong> e vago, derramavam<br />

Por toda a parte seus olhares. – Almas<br />

Tinham as rosas <strong>do</strong>s sarçais selvagens,<br />

Se as tocavam seus de<strong>do</strong>s.” (8)<br />

Almas das rosas – assim o poeta Fagundes Varela<br />

nos faz pensar.<br />

Assim como a concha <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar esconde<br />

a pérola que será exposta no momento oportuno, o<br />

coração <strong>do</strong> homem possui segre<strong>do</strong>s que serão revela<strong>do</strong>s<br />

em idêntica situação.<br />

O tempo corre em espaços matemáticos. Na<br />

precisão de um segun<strong>do</strong>, a flor se abre um pouco mais,<br />

o relâmpago desencadeia as chuvas, o pulo das aves<br />

sacode polens de flores.<br />

E qual hora <strong>do</strong> homem realizar seus sonhos,<br />

se ainda não sabe prever em um segun<strong>do</strong> antes a<br />

manifestação <strong>do</strong> relâmpago nem ver a flor se abrin<strong>do</strong> em<br />

tão pouco tempo e ainda está muito longe de determinar<br />

o gesto que antecede o voo <strong>do</strong>s pássaros?<br />

A natureza se expandin<strong>do</strong> nele mostra a<br />

hora da sede, <strong>do</strong> sono, <strong>do</strong> acordar sem que ele tenha<br />

necessidade de recorrer a outros meios.<br />

As aves e os animais, no instinto da<br />

conservação, têm esses meios que dão equilíbrio em<br />

suas vidas, mergulhadas inconscientemente nas forças <strong>do</strong><br />

Universo.<br />

(8) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –<br />

poema – Canto I – Cap. XVI, XVII – pp. 18, 19 – Livraria Imperial<br />

– 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.


FERNANDO PINHEIRO - 28<br />

A alma <strong>do</strong>s pássaros ou a energia <strong>do</strong>s pássaros<br />

desperta no homem o voo de suas melhores energias.<br />

A alma <strong>do</strong>s rios a vontade de correr, a alma <strong>do</strong>s<br />

ventos o sonho de desfilar na imaginação <strong>do</strong>s amores<br />

que encontra no caminho, a alma das rosas <strong>do</strong>s sarçais<br />

selvagens, a inspiração poética de Fagundes Varella que<br />

a faz ver no toque sutil das mãos de Maria de Nazaré.<br />

Há movimentação constante de forças crian<strong>do</strong><br />

o destino de futuras flores, ainda inseminadas nos<br />

pólens de árvores que os pássaros sacodem; há energias<br />

mentais, que se cristalizaram nos sorrisos e na ternura,<br />

construin<strong>do</strong> o sonho <strong>do</strong>s amores numa vida em comum.<br />

Nas circunstâncias que o envolvem, o homem<br />

pensa buscar soluções, definir esquemas que produzem<br />

resulta<strong>do</strong>s positivos, mas não sabe as implicações que o<br />

futuro lhe responderá nesses gestos.<br />

Quem pode prever a resposta de um olhar, se<br />

ainda não tem consciência da intensidade em que foi<br />

emiti<strong>do</strong> nem sabe em que ponto será acolhi<strong>do</strong> pela<br />

apreciação alheia?<br />

Há um referencial de vida em cada ser humano.<br />

Daí o cuida<strong>do</strong> de não expormos aquilo que deve ser<br />

guarda<strong>do</strong> para não chocar a visão de quem não possui<br />

o mesmo referencial. O segre<strong>do</strong> da vida ou o mistério<br />

<strong>do</strong>s véus que se estenderam nos templos e lugares<br />

sagra<strong>do</strong>s de to<strong>do</strong>s os povos serviam apenas para nos<br />

livrar <strong>do</strong> infortúnio.<br />

A citação <strong>do</strong> Canto IX – p. 283, de Anchieta ou<br />

O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela, é oportuna:<br />

“Há sofrimentos como os segre<strong>do</strong>s da famosa esfinge,<br />

cumpre deixá–los no mistério envoltos!”


29 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

O silêncio sempre esteve liga<strong>do</strong> à sabe<strong>do</strong>ria<br />

e, dentro das implicações que desconhecemos, há um<br />

refazimento das energias desperdiçadas em campos<br />

emocionais diferentes <strong>do</strong> nosso estágio evolutivo.<br />

É por isso que vemos a importância de<br />

resulta<strong>do</strong>s negativos naqueles empreendimentos que<br />

pensamos ser o melhor, mas o tempo revelará a fragilidade<br />

<strong>do</strong>s sonhos cria<strong>do</strong>s na imaginação.<br />

O importante é deixar-se conduzir pelas energias<br />

que criam os verdadeiros sonhos, saben<strong>do</strong> que a missão<br />

de cada um tem ligações profundas em fontes que jorram<br />

sabe<strong>do</strong>ria a alcance de to<strong>do</strong>s.<br />

Quan<strong>do</strong> o homem se mantiver tranquilo na<br />

adversidade, verá que há sinais lhe indican<strong>do</strong> outros<br />

caminhos onde pode seguir sentin<strong>do</strong> a alma <strong>do</strong>s rios<br />

corren<strong>do</strong>, a alma das rosas, perfuman<strong>do</strong>, a alma <strong>do</strong>s<br />

ventos – Sílfide – se misturan<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s os seres da<br />

Criação.<br />

<br />

Acreditamos que com a vibração luminosa <strong>do</strong><br />

amor estendida por toda a superfície terrena, as camadas<br />

densas e escuras que a envolvem, falamos de psicofera,<br />

serão extintas, assim como faz a vela acesa clarean<strong>do</strong> o<br />

que antes era escuridão.<br />

O amor fará o maior milagre que jamais<br />

aconteceu no planeta, transformá–lo em paraíso, na<br />

consciência <strong>do</strong>s anjos que a revelam em suas mensagens<br />

de <strong>luz</strong>, desde os tempos bíblicos.


FERNANDO PINHEIRO - 30<br />

Dores, tristeza, saudades, lutas e sofrimento serão<br />

recordações <strong>do</strong> homem que deixou a influência <strong>do</strong> animal<br />

nele aparecer.<br />

O advento de uma era de paz está a caminho,<br />

em distâncias que podem ser encurtadas pela população<br />

da Terra. Nesse senti<strong>do</strong>, as catástrofes andam a galope<br />

em direção de zonas de risco que tendem a se globalizar.<br />

A Era de Aquarius se abriu neste século, ainda não<br />

sentida em to<strong>do</strong>s os níveis da espiritualidade. No planeta<br />

em renovação, haverá uma civilização sem temores <strong>do</strong><br />

futuro e dócil à inspiração superior.<br />

<br />

Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes<br />

Varela (Canto I, pp. 19 e 20), conclui a anunciação <strong>do</strong><br />

Verbo encarna<strong>do</strong>:<br />

“Neta de um rei, mulher de um jornaleiro,<br />

Pobre, singela, humilde, mas senhora<br />

De toda a humanidade: desprezada<br />

Dos escravos <strong>do</strong>s Césares nefan<strong>do</strong>s,<br />

Mais forte, gloriosa, triunfante<br />

Ao la<strong>do</strong> de seu Filho e de quem sofre;<br />

Eis a mulher que soergueu os homens<br />

Do fun<strong>do</strong> abismo onde os lançara o erro!<br />

Eis a predestinada, a quem o Eterno<br />

Enviara seu lúci<strong>do</strong> ministro<br />

Anuncian<strong>do</strong> a encarnação <strong>do</strong> Verbo.”


31 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

2<br />

CARAVANAS DO DESERTO<br />

“Ten<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong> nasci<strong>do</strong> em Belém de Judéia, no<br />

tempo <strong>do</strong> rei Herodes, vieram uns magos <strong>do</strong> Oriente a<br />

Jerusalém. Onde está aquele que é nasci<strong>do</strong> rei <strong>do</strong>s judeus?<br />

Vimos a sua estrela no Oriente, e viemos a<strong>do</strong>rá–lo.” (9)<br />

<br />

Os caminhantes que vieram <strong>do</strong> Oriente traziam<br />

mapas enrola<strong>do</strong>s em papiros para sentir com as mãos<br />

as previsões que sentiam na alma acerca <strong>do</strong> nascimento<br />

<strong>do</strong> mais glorioso filho de Judá, região de homens<br />

consagra<strong>do</strong>s a Deus, onde surgiram muitos profetas.<br />

(9) MATEUS, 2:1 e 2


FERNANDO PINHEIRO - 32<br />

As vestimentas <strong>do</strong>s magos tinham sinais de<br />

ostentação e de riqueza, carregavam perfumes e essências<br />

raras que eram derramadas no corpo, ao re<strong>do</strong>r de<br />

lareiras improvisadas, perfuman<strong>do</strong> o ambiente volta<strong>do</strong><br />

exclusivamente a meditações acerca <strong>do</strong> destino <strong>do</strong>s<br />

homens.<br />

Os caminhantes orientais conheciam os astros<br />

e suas influências no mun<strong>do</strong> material, as leis que<br />

definem o aparelhamento de cada ser humano diante da<br />

vida, consultan<strong>do</strong> sempre os astros e a numerologia,<br />

artes divinatórias ainda presentes nos dias atuais.<br />

A estrela de Belém, que alumiou a manje<strong>do</strong>ura<br />

<strong>do</strong> menino que veio salvar a humanidade permanece como<br />

símbolo de orientação a outras caravanas que seguem<br />

sem rumo. Basta um olhar para o alto e o panorama<br />

será radiante como a aurora que surge a cada alvorecer.<br />

Com a inspiração da mensagem de <strong>Jesus</strong>: “E<br />

to<strong>do</strong> aquele que receber, em meu nome, uma criança<br />

como esta, recebe a mim”, ampliamos o assunto <strong>do</strong><br />

tema, com o ensaio Imagens <strong>do</strong> Deserto, da obra Os<br />

Ventos <strong>do</strong> Amanhecer, de Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>:<br />

Flores atiradas ao deserto por caravanas que<br />

passam apressadas. Suas cargas estão pesadas de<br />

coisas supérfluas. São necessárias ao consumo transitório,<br />

mas não têm proveito no destino da viagem. Raul<br />

Seixas, na música O trem das 7, percebeu isso.<br />

O tempo vai fenecen<strong>do</strong> as flores desprendidas<br />

de suas raízes. Chegará um momento em que essas flores<br />

virarão adubos fertilizan<strong>do</strong> as searas, mesmo que se<br />

encontrem em terrenos desérticos.


33 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

No campo humano, há aridez <strong>do</strong>s sentimentos<br />

quan<strong>do</strong> desprezam anjos solitários em tenra idade, a<br />

vagar pelas ruas, venden<strong>do</strong> limões, balas de açúcar,<br />

limpan<strong>do</strong> pára-brisas de outras caravanas, nos sinais<br />

de trânsito, ou ingressan<strong>do</strong>, por vítimas <strong>do</strong> erro adulto,<br />

no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> crime.<br />

Segun<strong>do</strong> informação divulgada numa entrevista<br />

levada ao ar, em 14/9/2002, pela Rádio Catedral FM, são<br />

mortos, anualmente, 3.000 menores no tráfico de drogas<br />

na cidade <strong>do</strong> Rio de Janeiro. O JB (23/5/2009), 1ª página,<br />

publica retrato colori<strong>do</strong> de menor aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> apanhan<strong>do</strong><br />

seus pertences em bueiro (Créditos: Guilherme Gonçalves).<br />

Não obstante as vicissitudes da vida, o olhar<br />

da criança é sempre <strong>do</strong>ce, sem me<strong>do</strong> das circunstâncias.<br />

A feiura vem da comparação tendenciosa <strong>do</strong> adulto que<br />

a aprecia <strong>do</strong> seu ponto-de-vista.<br />

Além das aparências, as necessidades existenciais<br />

ressurgem com força <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>ra. O destino das flores<br />

tem percursos imprevistos pelo homem. Ele se livra delas,<br />

pensan<strong>do</strong> em seu trajeto pessoal, sem saber das<br />

consequências.<br />

O homem, desconhecen<strong>do</strong> a realidade imortal<br />

que o envolve, ainda se debate nos grilhões da morte,<br />

onde coloca tristeza e desolação.<br />

Mas é preciso que ele se inspire em Francisco<br />

de Assis (1182/1226), o mais santo <strong>do</strong>s italianos e o<br />

mais italiano <strong>do</strong>s santos, que poeticamente nos falou <strong>do</strong><br />

irmão-sol, da irmã-lua e da proteção <strong>do</strong>s animais, sem<br />

perder a referência principal <strong>do</strong> homem no contexto <strong>do</strong><br />

universo.


FERNANDO PINHEIRO - 34<br />

Prestigia<strong>do</strong> pela presença de Edgar<strong>do</strong> Amorim<br />

Rego, gerente da Carteira de Operações de Câmbio<br />

(Camio/Gecam) <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil (12/4/1972 a abril/1984),<br />

e <strong>do</strong> embaixa<strong>do</strong>r Afonso Arinos de Melo Franco Filho,<br />

proferimos a palestra de abertura <strong>do</strong> 5° Seminário Banco <strong>do</strong><br />

Brasil e a Integração Social, na qual homenageamos o poeta<br />

e embaixa<strong>do</strong>r Caio de Mello Franco, citan<strong>do</strong> a poesia<br />

destinada a São Francisco de Assis:<br />

“És o gênio <strong>do</strong> Amor, na natureza!<br />

Teu irmão Sol te aquece e te ilumina ...<br />

Se é noite, Soror Lua, cristalina,<br />

Desfaz-se em ouro, toda em ouro acesa ...” (11)<br />

Nós sabemos que as necessidades das criaturas<br />

são imensas. Há an<strong>do</strong>rinhas pie<strong>do</strong>sas em louvor <strong>do</strong><br />

Cria<strong>do</strong>r nos claustros <strong>do</strong>s conventos, pardais solitários<br />

que buscam galhos secos para construir novos ninhos,<br />

abelhas se ligan<strong>do</strong> ao trabalho de classe, borboletas<br />

voejam em saltos que sobressaem a cor, o brilho, a<br />

destreza <strong>do</strong>s movimentos.<br />

Se a fauna é rica em suas espécies, a flora<br />

tem flores e arbustos em tapetes mágicos que encantam<br />

to<strong>do</strong>s os olhares.<br />

Se uma flor cai, sozinha, mostran<strong>do</strong> o teci<strong>do</strong><br />

de velu<strong>do</strong> que a compõe, não podemos ver a beleza<br />

morren<strong>do</strong>. A beleza é eterna, tem uma transparência que<br />

fica registrada no campo astral, assim como o exemplo<br />

daqueles que vieram ao mun<strong>do</strong> para servir.<br />

(11) CAIO DE MELLO FRANCO – in Vida que passa... (poemas) – p. 197<br />

– Typographia <strong>do</strong> Annuário <strong>do</strong> Brasil – Rio de Janeiro – 1924.


35 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

A tristeza <strong>do</strong> homem em ver as flores perden<strong>do</strong><br />

o viço e a graça é em decorrência de sua visão voltada<br />

ao curto espaço-limite onde está circunscrito.<br />

Quan<strong>do</strong> ele não destruir a fauna e a flora<br />

e vir nos anjos solitários das ruas de cidades<br />

companheiros em difícil teste, compreenderá que a vida<br />

está em tu<strong>do</strong>.<br />

Testes difíceis to<strong>do</strong>s passam, até mesmo aqueles<br />

que contribuíram na evolução planetária sentiram a<br />

aridez <strong>do</strong> deserto – Spinoza, indigente, Galileu, escarneci<strong>do</strong>,<br />

Beethoven, sur<strong>do</strong>, Braille, tuberculoso, Pavlov, cego,<br />

Gabriela Mistral, cancerosa, e os mártires que marcaram<br />

a História.<br />

A revelação <strong>do</strong>s profetas e poetas que viam a<br />

vida resplandecer, em esta<strong>do</strong>s mais sutis, é decantada em<br />

linguagem comovente por aqueles que saíram vitoriosos de<br />

suas provas de libertação íntima.<br />

Tem gente ainda perguntan<strong>do</strong> por que Raul Seixas<br />

é cita<strong>do</strong> nas Caravanas <strong>do</strong> Deserto? É simples responder:<br />

ele quis se referir, na canção Trem das Sete que “não<br />

tem passagem nem bagagem na viagem”, pois não<br />

levaremos nada daqui, títulos, riqueza, pobreza, apenas a<br />

vibração que carregamos que nos indicará o caminho que<br />

está na sintonia em que vivemos e continuamos a<br />

viver sempre de estágio em estágio, na escala evolutiva,<br />

a chamada escada de Jacó.


3<br />

OS DOUTORES DO TEMPLO<br />

FERNANDO PINHEIRO - 36<br />

Picture: Teaching in the Temple by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />

Após a festa da Páscoa, Maria, a mais bela<br />

judia, procurava o seu filho ama<strong>do</strong> em Jerusalém. A<br />

preocupação humana era, aos poucos, abafada pela<br />

confiança em Deus.<br />

No terceiro dia de busca, a alegria inefável<br />

tomou conta da Rosa Mística ao ver o seu filho entre<br />

os <strong>do</strong>utores.<br />

Aqueles senhores <strong>do</strong> templo, que conheciam o<br />

Cântico <strong>do</strong>s Cânticos, de Salomão, as leis e os profetas,<br />

estavam admira<strong>do</strong>s com a sabe<strong>do</strong>ria de <strong>Jesus</strong>. Ele ainda<br />

criança, apenas <strong>do</strong>ze anos de idade, e já os ensinava<br />

como Mestre.


37 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

O momento é um <strong>do</strong>s mais expressivos da<br />

narrativa evangélica porque os <strong>do</strong>utores, ao contemplar<br />

a beleza primaveril encarnada num menino, estavam<br />

mais inclina<strong>do</strong>s a receber a <strong>luz</strong> que ilumina os<br />

caminhos <strong>do</strong> homem.<br />

Numa <strong>do</strong>ce admiração, eles se lembraram de<br />

Davi, quan<strong>do</strong> era também criança, apascentan<strong>do</strong> as<br />

ovelhas e cantan<strong>do</strong> salmos que o imortalizaram.<br />

No plano mental, o homem aprecia a beleza<br />

comparan<strong>do</strong>-a com experiências vividas ou refletidas em<br />

sua alma. É um estágio entre o saber humano e a<br />

sabe<strong>do</strong>ria que deslinda os enigmas <strong>do</strong> caminhar.<br />

Um segun<strong>do</strong> antes, <strong>Jesus</strong> foi compara<strong>do</strong> a Davi<br />

e, um segun<strong>do</strong> depois, ultrapassou as fronteiras<br />

da comparação humana, num êxtase que atinge a<br />

transcendência <strong>do</strong>s fatos conheci<strong>do</strong>s.<br />

No reencontro de Maria com o filho ama<strong>do</strong>,<br />

as ressonâncias <strong>do</strong> Cântico <strong>do</strong>s Cânticos, de Salomão,<br />

gravadas no inconsciente coletivo de que nos falou Carl<br />

Jung (12) parecem estar gravadas no ar: “vistes aquele<br />

a quem ama a minha alma?” (13)<br />

(12) A descoberta <strong>do</strong> inconsciente coletivo, de Carl Gustav Jung,<br />

psicólogo suíço (1875/1961), data <strong>do</strong> século XX, mas já existia<br />

desde que o mun<strong>do</strong> é mun<strong>do</strong>, assim como o átomo, etc.<br />

Consideran<strong>do</strong> que o Cântico <strong>do</strong>s Cânticos, de Salomão, é<br />

anterior aos tempos de <strong>Jesus</strong>, é natural que pairava na<br />

psicosfera terrestre (campo astral) os registros mnemônicos ou<br />

vibrações psíquicas <strong>do</strong> autor bíblico. Para os indianos eram os<br />

registros akáshicos e para os cristãos o Livro da Vida.<br />

(13) SALOMÃO – in Cântico <strong>do</strong>s Cânticos.


FERNANDO PINHEIRO - 38<br />

A resposta <strong>do</strong> Mestre ama<strong>do</strong>, num tom<br />

interrogativo, conforme menciona Lucas, o escritor da<br />

mansuetude de <strong>Jesus</strong>, no dizer <strong>do</strong> poeta italiano Dante<br />

Alighieri, é sem comparação: “por que é que me<br />

procuráveis? Não sabeis que me convém tratar <strong>do</strong>s<br />

negócios de meu Pai?” (14)<br />

No plano invisível, onde reina o inconsciente<br />

coletivo, as ressonâncias <strong>do</strong> Cântico <strong>do</strong>s Cânticos, de<br />

Salomão, ganham a atmosfera azulada que os <strong>do</strong>utores<br />

da lei conheciam:<br />

“Desci ao jardim das nogueiras,<br />

para ver os novos frutos <strong>do</strong> vale,<br />

para ver se floresciam as vides<br />

e brotavam as romeiras”. (15)<br />

No plano evangélico, o autor sacro ressalta<br />

a responsabilidade de <strong>Jesus</strong>, ainda criança, diante da<br />

obra <strong>do</strong> Pai Celestial. E concluiu: “E crescia <strong>Jesus</strong> em<br />

sabe<strong>do</strong>ria, em estatura e em graça para com Deus e os<br />

homens.” (16)<br />

<br />

Neste episódio bíblico, vamos ver a personalidade<br />

de <strong>Jesus</strong> descrita nos versos de Fagundes Varela, ao<br />

escrever a narrativa poética Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas:<br />

(14) LUCAS, 2:49 (15) SALOMÃO – in Cântico <strong>do</strong>s Cânticos<br />

(16) LUCAS, 2:52


39 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

“Correm semanas, meses, correm anos,<br />

E o menino formoso e delica<strong>do</strong>,<br />

A quem seus nobres pais deram no exílio<br />

O nome de <strong>Jesus</strong>, torna-se forte,<br />

Avisa<strong>do</strong> e gentil. A etérea calma,<br />

A candura <strong>do</strong>s anjos, resplandecem<br />

Em seu rosto a<strong>do</strong>rável; a prudência,<br />

A graça, a discrição, em belas máximas<br />

Dimanam de seus lábios. A <strong>do</strong>çura<br />

Da palavra eloquente, os gestos meigos,<br />

A expressão inefável <strong>do</strong>s olhares,<br />

Cativam corações, que ardentes buscam,<br />

Além d´aqueles <strong>do</strong>tes felicíssimos,<br />

Um – que – de estranho e grande, que pressentem<br />

E os enche de alvoroço!... – Asas, quem sabe,<br />

Ligeiras, invisíveis, se recurvam<br />

Sobre aquelas espáduas! Misterioso,<br />

Veda<strong>do</strong> aos olhos <strong>do</strong>s mortais, descansa,<br />

Talvez, o diadema <strong>do</strong> Infinito<br />

Sobre aquela cabeça imaculada!...<br />

Dois lustros tinha apenas e <strong>do</strong>is anos,<br />

Quan<strong>do</strong> em Jerusalém seus pais zelosos,<br />

Finda a festa da Páscoa, o procuravam,<br />

Que a seu la<strong>do</strong> o não viam, – assombra<strong>do</strong>s,<br />

Foram acha-lo em meio de <strong>do</strong>utores,<br />

Dos livros de Moisés volven<strong>do</strong> as folhas,<br />

Reduzin<strong>do</strong> ao silêncio os mais sagazes<br />

E velhos sacer<strong>do</strong>tes. Tão profunda,<br />

Tão vasta sapiência então mostrava!...<br />

Dos serões estivais, das quentes sestas,<br />

Dos folgue<strong>do</strong>s <strong>do</strong> povo, ingênuo e simples,<br />

Era <strong>Jesus</strong> o mimo, o encanto, a vida;


As jovens mães paravam junto à porta<br />

Do pobre carpinteiro, e contemplavam,<br />

Suspirosas, a cândida criança:<br />

– Feliz aquela cujos seios puros<br />

Te aleitaram – diziam; outras vezes,<br />

Traziam seus filhinhos inocentes<br />

Para ouvirem o lin<strong>do</strong> companheiro,<br />

Folgar com ele pelos verdes pra<strong>do</strong>s,<br />

Cren<strong>do</strong>, oh!, divina fé! que a inteligência,<br />

A graça, a mansidão, a ingenuidade<br />

Do afortuna<strong>do</strong>, loiro Nazareno,<br />

Passassem a seus tími<strong>do</strong>s amigos.<br />

Longe, porém, de se entregar incauto<br />

Aos loucos brincos <strong>do</strong>s primeiros anos,<br />

Ou simular austeridade imprópria<br />

Da ridente estação das esperanças,<br />

Ele enchia de amor e de alegria<br />

Tu<strong>do</strong> quanto o cercava! Seus olhares<br />

Fariam desabrochar na sombra os lírios,<br />

Cantar os maviosos passarinhos,<br />

Que, <strong>do</strong> basto arvore<strong>do</strong>, vinham mansos<br />

Pousar sobre seus ombros! As torrentes,<br />

As virações ligeiras, e os rumores<br />

Dos silva<strong>do</strong>s espessos, a seu gesto,<br />

Das harpas e saltérios imitavam<br />

As harmonias ternas e sau<strong>do</strong>sas.” (17)<br />

FERNANDO PINHEIRO - 40<br />

(17) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –<br />

poema – Canto II – Capítulo IX – pp. 56, 57, 58 – Livraria Imperial<br />

– 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.


41 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Ano 12. Em Roma, transcorria a gestão de Tibério<br />

César à frente <strong>do</strong>s destinos da Casa Senhorial de César.<br />

Em Jerusalém, inicia-se a missão de <strong>Jesus</strong>. Dignidade e<br />

elevação. As escadarias <strong>do</strong> templo foi o primeiro lugar onde<br />

falou em público e seus primeiros ouvintes foram os<br />

<strong>do</strong>utores da lei. Depois todas as classes de pessoas foram<br />

beneficiadas pelas suas bençãos, suas <strong>luz</strong>es que jorravam,<br />

em profusão, em sabe<strong>do</strong>ria plena. Desde aquela época até<br />

os nossos dias, sua <strong>luz</strong> permanece irradian<strong>do</strong> sempre.<br />

Aliás, desde o início <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, como se posiciona o texto<br />

inaugural da Bíblia Sagrada: “No princípio era o Verbo e<br />

o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus ”. (18)<br />

A nossa pequenez desaparece e renasce um<br />

senti<strong>do</strong> de grandeza quan<strong>do</strong> compreendemos e aceitamos<br />

as palavras de <strong>Jesus</strong>; voltamos ao pensamento inseri<strong>do</strong><br />

na temática Tu<strong>do</strong> Vibra, de nossa lavra.<br />

As pessoas que vemos, falamos, ouvimos e<br />

sentimos suas emoções, estão envolvidas em oportunidades<br />

valiosas que temos para dar testemunhos daquilo que<br />

somos. Em todas elas vemos a manifestação divina,<br />

embora haja, à primeira vista, desencantos na aproximação.<br />

Mas, ao analisar a situação, notamos que essas<br />

pessoas vieram num momento em que precisamos<br />

demonstrar aquilo que permanece estável no nosso íntimo.<br />

O equilíbrio tem a característica da igualdade. Onde<br />

houver uma fonte jorran<strong>do</strong>, haverá sempre um receptáculo<br />

colhen<strong>do</strong> as dádivas preciosas.<br />

(18) JOÃO, 1:1


FERNANDO PINHEIRO - 42<br />

Ninguém caminha sozinho. Nos passos <strong>do</strong>s que<br />

avançam em direção aos recantos onde reina a paz,<br />

há marcas indeléveis que beneficiam aqueles que andam<br />

na retaguarda.<br />

O sorriso de quem se <strong>do</strong>a em benefício daqueles<br />

que estão em situação de desconforto emocional movimenta<br />

energias que os ajudam a buscar essas mesmas energias<br />

que estão armazenadas dentro deles.<br />

É por isso que devemos ter muito carinho<br />

e ternura, quan<strong>do</strong> pessoas incompreensíveis e inconformadas<br />

com a vida se aproximam de nós.<br />

A inconformação <strong>do</strong>mina essas pessoas porque<br />

o mun<strong>do</strong> moderno, volta<strong>do</strong> à transitoriedade de to<strong>do</strong>s<br />

os valores, não contribui de forma generalizada para<br />

valorização da vida humana, principalmente daquelas que<br />

precisam de ajuda para se recomporem interiormente.<br />

Podemos ter a certeza de que se a vida nos<br />

beneficia com os amores que nos encantam a alma,<br />

de igual mo<strong>do</strong>, a lei de igualdade, posicionan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s<br />

os seres ao ponto de origem, permite, pela troca<br />

de vibrações que se completam, a aproximação de<br />

irmãos precisan<strong>do</strong> sentir o nosso estímulo.<br />

Os ventos, as chuvas, os climas, a irradiação<br />

solar, as camadas de ozônio estabelecem, no espaço, o<br />

ecossistema, embora seja danifica<strong>do</strong> pela poluição, em<br />

perío<strong>do</strong>s de ciclos que se renovam, até a saturação <strong>do</strong>s<br />

meios de vida atuais que terão, em futuro próximo,<br />

novas transformações no meio–ambiente.


43 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Tu<strong>do</strong> vibra e emite energia. O que nos<br />

parece incompleto em um instante, em outro a<br />

complementação surge. Até mesmo na explosão de<br />

corpos celestes em extinção, a vida ressurge vitoriosa.<br />

To<strong>do</strong> o Universo é energia inteligente,<br />

sobressain<strong>do</strong> desde os primeiros sintomas de observação,<br />

nos reinos da Criação (mineral, vegetal, animal) até<br />

chegar à inteligência e à intuição <strong>do</strong> homem que começa a<br />

entender o que antes era ti<strong>do</strong> como mistérios da vida.<br />

Tu<strong>do</strong> nos cerca em motivos varia<strong>do</strong>s, sempre<br />

a demonstrar que as circunstâncias, favorecen<strong>do</strong>-nos o<br />

momento, vêm nos situar nos lugares onde encontramos<br />

pessoas precisan<strong>do</strong> de sorrisos e outras que nos oferecem,<br />

nos instantes em que estamos tristes e desanima<strong>do</strong>s.<br />

Quan<strong>do</strong> nos sentimos interliga<strong>do</strong>s com as<br />

energias <strong>do</strong> Universo que movem a Ursa Maior e demais<br />

constelações da Via-Láctea, os sistemas planetários e<br />

galáxias espalhadas pelo infinito, podemos ter, de uma<br />

vez por todas, a certeza de que não haverá força<br />

alguma que possa nos prejudicar.<br />

Se há um clima desfavorável ao nosso<br />

bem-estar, devemos estar atentos para o serviço de<br />

recomposição, primeiramente verifican<strong>do</strong> se estamos em<br />

harmonia conosco para espalhar àqueles que nos chegam<br />

pelos impulsos das vibrações que emitimos.


4<br />

NATANAEL<br />

FERNANDO PINHEIRO - 44<br />

O encontro amigável de Filipe com Natanael<br />

ocorreu num momento em que começava a se formar<br />

o grupo <strong>do</strong>s 12 apóstolos messiânicos. O clima era de<br />

expectativa e de contentamento.<br />

Na conversa entre ambos foi revelada a notícia<br />

aguardada por to<strong>do</strong>s os cidadãos israelitas:<br />

“Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei,<br />

e a quem se referiram os profetas: <strong>Jesus</strong> de Nazaré,<br />

filho de José. Perguntou Natanael: Pode vir alguma<br />

coisa boa de Nazaré? Respondeu Filipe: Vem e vê.”<br />

(19)<br />

(19) JOÃO, 1:45, 46


45 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

A dúvida de que se revestiu a pergunta de<br />

Natanael, imediatamente desfeita por Filipe, num claro<br />

chamamento ao ministério divino, desperta-nos o interesse<br />

de saber maiores informações a respeito da cidade de<br />

Nazaré.<br />

Com a autorização <strong>do</strong> autor, transcrevemos da<br />

obra Trigo de Deus, de Amélia Rodrigues, psicografa<strong>do</strong> por<br />

Dival<strong>do</strong> Pereira Franco, título que presta homenagem a<br />

um <strong>do</strong>s mártires <strong>do</strong> Cristianismo, vítima da perseguição<br />

<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r Trajano:<br />

“Depois dEle, quan<strong>do</strong> o incêndio <strong>do</strong> amor tomou<br />

conta das vidas e os mártires se levantaram para<br />

glorificá-Lo, colocan<strong>do</strong> sobre os ombros as cruzes<br />

<strong>do</strong>s testemunhos, Inácio de Antioquia, Seu discípulo,<br />

denuncia<strong>do</strong> e condena<strong>do</strong>, antes de seguir a Roma para<br />

o holocausto, declarou:<br />

“Sou trigo de Deus e desejo ser tritura<strong>do</strong> e os dentes<br />

das feras devem moer-me, para que possa ser ofereci<strong>do</strong><br />

como limpo pão de Cristo.”<br />

(...)<br />

Ao tempo de <strong>Jesus</strong>, Nazaré era uma aldeia perdida<br />

nas encostas <strong>do</strong>s montes de calcário, na região da Baixa<br />

Galiléia. Parecia uma pérola, que esplendia entre pedras<br />

brutas, cercada de flores miúdas quase que permanentes.<br />

Fundada, fazia mais de <strong>do</strong>is mil anos, antes de<br />

<strong>Jesus</strong>, não tinha qualquer importância, porque nenhuma<br />

estrada significativa a atravessava, exceto quan<strong>do</strong> se seguia<br />

a rota algo escarpada na direção <strong>do</strong> Egito, caminho<br />

certamente percorri<strong>do</strong> por Maria, José e o Filho, quan<strong>do</strong><br />

da fuga para liberar-se <strong>do</strong> ódio de Herodes.


FERNANDO PINHEIRO - 46<br />

Nazaré se tornaria conhecida depois dEle.<br />

Não é o lugar que torna notável o homem, mas<br />

este que, extraordinário, dignifica o lugar de sua origem<br />

elevan<strong>do</strong>-o ao estágio de grandeza, de notoriedade.<br />

Nazaré situa-se em uma bacia, a quase quatrocentos<br />

metros, acima <strong>do</strong> nível <strong>do</strong> mar Mediterrâneo.<br />

O seu é um clima privilegia<strong>do</strong> e o vale de Jezrael é<br />

sempre fértil e verde, haven<strong>do</strong> mereci<strong>do</strong> <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r<br />

Flávio Josefo comentários entusiásticos e comove<strong>do</strong>res.<br />

Ao oeste, podem-se ver o monte Carmelo e o mar;<br />

a leste está o vale <strong>do</strong> Jordão; ao sul, a planície de Esdrelon,<br />

região onde está Megui<strong>do</strong> e na qual o rei Josias sofreu sua<br />

terrível derrota; ali também lutaram os Macabeus, sonhan<strong>do</strong><br />

com a liberdade. Mais ao sul, encontra-se o monte de<br />

Gelboé e, a nordeste, o lago de Tiberíades.<br />

Saul fora derrota<strong>do</strong> pelos filisteus muito perto dali,<br />

nas cercanias de Gelboé, fican<strong>do</strong> assinala<strong>do</strong> o seu fracasso<br />

face à desobediência à profecia de Samuel, o último <strong>do</strong>s<br />

Juízes, que lhe vieram falar através da mediunidade<br />

exuberante da pitonisa de En<strong>do</strong>r...<br />

Não sen<strong>do</strong> uma aldeia importante, esteve sujeita a<br />

Jafa, a Séforis, a Quislot, e ficou quase esquecida.<br />

A população da Galiléia era constituída por sírios,<br />

que vieram <strong>do</strong> Norte, gentios, romanos de mea<strong>do</strong> <strong>do</strong> século I,<br />

a.C., gregos que fugiram das conquistas de Alexandre<br />

Magno, e pelo povo da região, que falavam o dialeto<br />

arameu, uma linguagem pobre que se arrimava às<br />

imagens vivas da Natureza, sem dispor de um vocabulário<br />

próprio para vestir as idéias.


47 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

,<br />

Não seja, portanto, de estranhar que o Mestre<br />

usasse a mesma palavra para definir, às vezes, coisas e<br />

acontecimentos diferentes.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, era comum que um mesmo<br />

vocabulário adquirisse um significa<strong>do</strong> mais genérico, o que,<br />

certamente, criou dificuldades para o entendimento das<br />

anotações escriturísticas.” (20)<br />

A narrativa de João, ainda no 1° capítulo <strong>do</strong> texto<br />

sagra<strong>do</strong>, revela-nos outro encontro de comovente beleza:<br />

“Quan<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong> viu Natanael aproximar-se, disse<br />

a seu respeito: Aqui está um verdadeiro israelista, em<br />

quem não há nada falso. Perguntou-lhe Natanael: De<br />

onde me conheces? Respondeu <strong>Jesus</strong>: Antes que Filipe te<br />

chamasse, ti vi quan<strong>do</strong> estavas debaixo da figueira. Então<br />

Natanael declarou: Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és<br />

o Rei de Israel! Disse <strong>Jesus</strong>: Porque disse que te vi<br />

debaixo da figueira, crês? Coisas maiores <strong>do</strong> que esta verás.<br />

Então acrescentou: Na verdade, na verdade vos digo que<br />

vereis o céu aberto e os anjos de Deus subin<strong>do</strong> e<br />

descen<strong>do</strong> sobre o Filho <strong>do</strong> homem.” (21)<br />

(20) AMÉLIA RODRIGUES – in Trigo de Deus, psicografa<strong>do</strong> por<br />

(21)<br />

Dival<strong>do</strong> Pereira Franco, pp. 11, 53, 54 – 3ª edição – 1999 –<br />

Livraria Espírita Alvorada Editora – Salva<strong>do</strong>r – BA – Idem, idem).<br />

JOÃO, 1:47 a 49


5<br />

SIMÃO BAR JONAS<br />

FERNANDO PINHEIRO - 48<br />

Na Galileia corria a fama das <strong>do</strong>utrinas santas<br />

e luminosas divulgadas por <strong>Jesus</strong>, o amigo <strong>do</strong>s sofre<strong>do</strong>res<br />

deste mun<strong>do</strong>. O poeta Fagundes Varela, na inspiração<br />

sublime de transmitir passagens evangélicas, narra a<br />

última pesca de Simão Bar Jonas, o pesca<strong>do</strong>r convoca<strong>do</strong><br />

para o novo labor:<br />

“Nas horas melancólicas da tarde,<br />

Quan<strong>do</strong> se esconde o sol entre as montanhas<br />

E a <strong>luz</strong> crepuscular povoa o vale<br />

De tristeza, de amores, de saudades,<br />

Um dia vaguean<strong>do</strong> pensativo<br />

À verde margem de sereno lago,<br />

Vê sobre a areia <strong>do</strong>is batéis vazios,<br />

E a pouco espaço sobre escuras rochas,<br />

Tisna<strong>do</strong>s e grosseiros pesca<strong>do</strong>res<br />

Lavan<strong>do</strong> as finas redes. Ao mais velho,<br />

Da Galileia habita<strong>do</strong>r antigo,


49 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Dirige–se <strong>Jesus</strong>: – Simão, que fazes?<br />

Puxa ao lago o teu barco e lança as redes,<br />

Quero te ver pescar. – Mestre, responde<br />

Tristemente Simão, a noite inteira<br />

Eu ontem trabalhei, e hoje, debalde,<br />

Nem um peixinho achei; porém, tu mandas,<br />

Cumpre–me obedecer. Ajunta as redes,<br />

Chama os sócios e desce, o lenho impele,<br />

Toma o Senhor consigo e faz–se ao largo.<br />

XIII<br />

Sobre as águas serenas, lança, estende<br />

O teci<strong>do</strong> sutil de finas malhas;<br />

Depois, aos poucos, lentamente o tira,<br />

Dos amigos robustos ajuda<strong>do</strong>.<br />

Mas o peso excessivo as linhas quebra,<br />

Quebra as delgadas cordas; outros barcos<br />

Do barco de Simão se acercam logo.<br />

Assombrosa fortuna. À tona d´água<br />

Re<strong>luz</strong>em, pulam, turbilhões de peixes<br />

Os mais estranhos no tamanho e forma,<br />

Os mais aprecia<strong>do</strong>s no merca<strong>do</strong>;<br />

Uns agitan<strong>do</strong> as barbas filiformes,<br />

Encrespan<strong>do</strong> as escamas de mil cores,<br />

Fazen<strong>do</strong> resvalar nas turvas ondas<br />

O <strong>do</strong>rso bolea<strong>do</strong>, úmi<strong>do</strong> e pingue;<br />

Outros <strong>do</strong>bran<strong>do</strong> o prolonga<strong>do</strong> corpo<br />

Baten<strong>do</strong> as águas, como a lisa folha<br />

De larga e forte espada damascena,<br />

Lançan<strong>do</strong> à roda inúmeros respingos;<br />

Abrin<strong>do</strong> outros as asas matizadas<br />

De azuis lavores, de cetíneas manchas,


Procuran<strong>do</strong> transpor o mobil circo,<br />

De instante a instante mais estreito ainda.<br />

Depois se ajuntam, se misturam, rolam,<br />

Ondas vivas represas por encanto<br />

Nos limites de mágico desenho<br />

Feito por mão de fada caprichosa.<br />

Os barcos atulha<strong>do</strong>s mal flutuam,<br />

Deixan<strong>do</strong> apenas as delgadas bordas<br />

Fora das águas boliçosas, prestes<br />

A passarem sobre elas; entretanto,<br />

À direita, à esquerda, à proa, à popa<br />

Os cardumes aquáticos pululam.<br />

XIV<br />

– Retira–te de mim!... Simão exclama,<br />

Retira–te de mim, Senhor, te digo!<br />

Homem culpa<strong>do</strong> sou, escuras nó<strong>do</strong>as<br />

Minha vida enegrecem! – Não te assustes,<br />

Respondeu–lhe <strong>Jesus</strong>, meigo e risonho,<br />

Foste até hoje pesca<strong>do</strong>r de peixes,<br />

Mas de homens pesca<strong>do</strong>r serás agora. –<br />

Simão curva a cabeça e fecha os olhos.<br />

Chegan<strong>do</strong> à praia as redes aban<strong>do</strong>na,<br />

Deixa o barco na areia, e acompanha<strong>do</strong><br />

De Thiago e de João, fiéis amigos,<br />

Em seguimento <strong>do</strong> Senhor caminham. (18)<br />

FERNANDO PINHEIRO - 50<br />

(18) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –<br />

poema – Canto III – Cap, XII, XIII e XIV – pp. 56, 57, 58 – Livraria<br />

Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de<br />

Letras.


51 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

O colégio apostólico estava em formação. Nesse<br />

senti<strong>do</strong>, buscamos o pensamento em direção <strong>do</strong> tema<br />

grupos sociais onde to<strong>do</strong>s nós, de alguma forma, fazemos<br />

parte.<br />

Na caminhada em direção <strong>do</strong> destino que o<br />

homem busca, ele faz muitos estágios nos lugares onde<br />

deve permanecer por algum tempo.<br />

Em alguns passa horas, dias ou meses; em<br />

outros se demora por alguns anos ou a vida inteira,<br />

numa profissão ou atividade que justifique a sustentação<br />

de sua vida física ou a afirmação de seus talentos que<br />

devem ser distribuí<strong>do</strong>s sem recompensa.<br />

Nesses estágios há o encontro de companheiros<br />

que se interligam para compor determinada classe social<br />

com o objetivo de cumprir determinações que engrandecem<br />

a participação de cada um.<br />

Dia após dia, em número que cresce até<br />

a complementação das tarefas atribuídas, ocorre a<br />

identificação <strong>do</strong> papel de to<strong>do</strong>s os participantes no<br />

grupo social. Nele são formadas as grandes amizades<br />

que o tempo não dispersará.<br />

As modificações, no panorama social, são<br />

imposições imperiosas <strong>do</strong>s fatos busca<strong>do</strong>s como forma de<br />

afirmação de viver. To<strong>do</strong>s buscam o progresso, varian<strong>do</strong><br />

sempre os meios como estão sen<strong>do</strong> processa<strong>do</strong>s.<br />

Os lugares das pessoas estão sempre se<br />

modifican<strong>do</strong>, quer no conceito e atribuições a cada<br />

função, quer no deslocamento de posições que irão<br />

modificar a estrutura social.


FERNANDO PINHEIRO - 52<br />

O tempo, fluin<strong>do</strong> como as águas das fontes,<br />

estende a duração necessária, marcan<strong>do</strong> a posição em<br />

que o fato ocorreu nas atividades humanas. Esse recurso,<br />

que temos em mãos, auxilia-nos na realização de nossas<br />

tarefas.<br />

Quantos fatos se nos apresentam, exigin<strong>do</strong>-nos<br />

o posicionamento para que determinada circunstância<br />

crie característica própria, com marcas <strong>do</strong> nosso proceder!<br />

Nesse jogo de decisão, que envolve pessoas<br />

e ocorrências, o nosso ideal está subordina<strong>do</strong> às<br />

circunstâncias que nos fazem despertar para a realidade<br />

<strong>do</strong> fato que está acontecen<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> percebemos a hora<br />

de agir, a vontade cresce e se expande nas pessoas que<br />

nos cercam.<br />

Como é importante mantermos aqueles amores<br />

que não têm laços físicos, entregan<strong>do</strong>-os à vida que<br />

nos rodeia em circunstâncias gera<strong>do</strong>ras da alteração<br />

de lugares. O tempo e o espaço se interligam naqueles<br />

momentos imperecíveis. Depois, não haverá saudade<br />

nem apego ao que ficou guarda<strong>do</strong> dentro de nós.<br />

Os dias chegam trazen<strong>do</strong> e levan<strong>do</strong> todas<br />

as situações de que participamos, mesmo que seja<br />

apenas em pensamento. Neles ainda há amores precisan<strong>do</strong><br />

ouvir a nossa voz.<br />

Se o tempo for ligeiro, com o voo das<br />

águias, certamente outras aves que voam mais baixo<br />

enternecerão o olhar de quem demorou tanto a sentir<br />

que somos iguais.


53 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Nas ligações de interesse social, os grupos<br />

se reúnem motiva<strong>do</strong>s pelos objetivos que perseguem,<br />

estoicamente, embora haja obstáculos no desempenho<br />

da função de cada participante.<br />

Motivos de mal-estar ou qualquer indisposição<br />

orgânica ou emocional de algum integrante podem<br />

modificar o andamento da reunião desses grupos.<br />

Basta que haja, apenas, um decréscimo na vontade de<br />

continuar manten<strong>do</strong> vivo o fulgor <strong>do</strong> ideal, o panorama<br />

perde a claridade que apresentava antes.<br />

Os grupos sociais são instáveis, em decorrência<br />

da instabilidade de seus componentes. Mas, à proporção<br />

que cada um incorpore o ideal em comum, a unidade<br />

surge como força inextinguível.<br />

O mais perfeito exemplo de grupo social, vivi<strong>do</strong><br />

neste planeta, atingin<strong>do</strong> essa unidade foi, sem dúvida, o<br />

colégio apostólico que reuniu 12 discípulos, convoca<strong>do</strong> pelo<br />

Mestre <strong>Jesus</strong>.


6<br />

O BANQUETE DE LEVI<br />

FERNANDO PINHEIRO - 54<br />

Em Cafarnaum, no banquete de Levi, a<br />

alegria se manifesta esfuziante e bela. <strong>Jesus</strong> estava<br />

presente. Como se vestia o sublime convida<strong>do</strong>? O poeta<br />

Raimun<strong>do</strong> Correia falou-nos da túnica inconsútil (38)<br />

e Amélia Rodrigues, quan<strong>do</strong> descreve o momento em<br />

que <strong>Jesus</strong> falou a seus discípulos (“Segui-me, eu vos<br />

farei pesca<strong>do</strong>res de homens” (39), ditou a Dival<strong>do</strong> Pereira<br />

Franco: “A túnica descia-lhe até os pés, tecida na roca,<br />

em tom carrega<strong>do</strong> de mármore...”). (40)<br />

(38) RAIMUNDO CORREIA – in Poesias, p. 229 – DICIONÁRIO novo<br />

AURÉLIO – O Dicionário da Língua Portuguesa, p. 1096 – Editora<br />

Nova Fronteira – 1999.<br />

(39) MATEUS, 4:19<br />

(40) AMÉLIA RODRIGUES (Espírito) – in Trigo de Deus, p. 20, 3ª<br />

edição, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria<br />

Espírita Alvorada Editora – 1999 – Salva<strong>do</strong>r – BA.


55 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Passa<strong>do</strong>s os dias em que saíra de Nazaré,<br />

estivera no deserto, <strong>Jesus</strong> caminha na orla de Tiberíades,<br />

numa manhã primaveril, onde ondas são levemente<br />

eriçadas e sumidas no voo que o vento desfaz.<br />

Em frente à alfândega, <strong>Jesus</strong> fez uma parada<br />

e dirige o olhar em direção de Levi, o cobra<strong>do</strong>r de<br />

impostos, que ao mesmo tempo identifica aquele olhar,<br />

recrudescen<strong>do</strong> nele a vocação para servir à humanidade,<br />

como escritor da Boa Nova. Num átimo, ouviu-o dizer:<br />

“segue-me”.<br />

Ao entardecer, Levi, expandin<strong>do</strong>-se em alegria,<br />

oferece a <strong>Jesus</strong> e seus discípulos um banquete que tem<br />

a presença de publicanos e peca<strong>do</strong>res. A mesa estava<br />

repleta: vinhos de várias procedências nas cores de<br />

ametista, ouro velho e de rubi; frutas saborosas e peixes<br />

defuma<strong>do</strong>s adquiri<strong>do</strong>s de merca<strong>do</strong>res em trânsito.<br />

O banquete de Levi é narra<strong>do</strong> pelo próprio<br />

evangelista, mais conheci<strong>do</strong> com o nome de Mateus:<br />

“Enquanto <strong>Jesus</strong> estava jantan<strong>do</strong> na casa de Mateus,<br />

chegaram muitos cobra<strong>do</strong>res de impostos e peca<strong>do</strong>res<br />

e sentaram-se à mesa com <strong>Jesus</strong> e seus discípulos. Os<br />

fariseus, ven<strong>do</strong> isto, perguntaram aos seus discípulos: Por<br />

que come o vosso mestre com os cobra<strong>do</strong>res de impostos<br />

e peca<strong>do</strong>res? <strong>Jesus</strong>, porém, ouvin<strong>do</strong> isto, disse: Não<br />

necessitam de médicos os são, mas, sim, os <strong>do</strong>entes. Ide,<br />

porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e<br />

não sacrifícios. Pois eu não vim chamar os justos, e,<br />

sim, os peca<strong>do</strong>res ao arrependimento.” (41)<br />

(41) MATEUS, 9:9 a 13


FERNANDO PINHEIRO - 56<br />

Os cobra<strong>do</strong>res de impostos, ou publicanos, não<br />

tinham aceitação geral <strong>do</strong>s seus conterrâneos, pois eram<br />

encarrega<strong>do</strong>s de recolher o imposto devi<strong>do</strong> a César.<br />

No entanto, nada disso impedia que <strong>Jesus</strong><br />

escolhesse um discípulo daquela classe social. A missão<br />

de reunir os apóstolos estava sen<strong>do</strong> cumprida.<br />

Mateus estava feliz numa felicidade que se<br />

estenderia no decorrer <strong>do</strong>s evos, na obra evangélica que<br />

nos chega nos dias de hoje, como se fosse fruta<br />

madura, pronta para ser saboreada. A imagem é material<br />

mas o significa<strong>do</strong> é espiritual.<br />

<br />

A inspiração <strong>do</strong> poeta Fagundes Varela, na obra<br />

Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, é manifestada no poder<br />

descritivo, transmiti<strong>do</strong> em versos, da narrativa evangélica:<br />

“Deixan<strong>do</strong> os fariseus e escribas mu<strong>do</strong>s,<br />

Mu<strong>do</strong>s os assistentes, boquiabertos,<br />

Afasta-se <strong>Jesus</strong>; na larga praça,<br />

Bem junto <strong>do</strong> telônio, ou grande mesa,<br />

Onde estavam então os cobra<strong>do</strong>res<br />

Dos dinheiros reais e <strong>do</strong>s tributos,<br />

Vê, ao passar, senta<strong>do</strong> um publicano;<br />

Detém-se, encara-o, fita-lhe no rosto<br />

Um desses fun<strong>do</strong>s, divinais olhares<br />

Que aos seios d´alma rápi<strong>do</strong>s penetram,<br />

E laceram os véus da consciência.<br />

– Levante-te, Levi, filho de Alfeu,<br />

Que chamarei Mateus, e vem comigo.


57 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Mateus não titubeia e não vacila,<br />

Ergue-se, deixa tu<strong>do</strong>, ao chão arroja<br />

O próprio manto que trazia aos ombros,<br />

Guia o senhor à casa onde reside.<br />

Faz aprestar esplêndi<strong>do</strong> banquete,<br />

Chama os pobres à mesa, e alegres folgam<br />

Por to<strong>do</strong> aquele dia. Os vis escribas,<br />

Os invejosos fariseus lhe dizem:<br />

– Que! censurais os vícios e defeitos<br />

Do vulgacho grosseiro, vós, o Mestre,<br />

E comeis no festim <strong>do</strong> publicano,<br />

Senta<strong>do</strong> entre rasteiros peca<strong>do</strong>res!<br />

O Senhor lhes responde: – Ouvi, malévolos!<br />

Os que estão são, sabeis? não necessitam<br />

Dos socorros <strong>do</strong> médico, aos enfermos<br />

São eles destina<strong>do</strong>s. Neste mun<strong>do</strong><br />

Não venho aos justos ensinar, mas, vêde,<br />

Chamar à penitência os peca<strong>do</strong>res!<br />

E outras santas verdades repetin<strong>do</strong><br />

Os reduz ao silêncio, envergonha<strong>do</strong>s.” (42)<br />

<br />

Ao aceitar a missão de seguir <strong>Jesus</strong>, Mateus<br />

demonstrou, com exemplo edificante, como ser feliz para<br />

sempre. Beneficia<strong>do</strong>s também por esta salutar sugestão<br />

de viver inteligentemente, que o enre<strong>do</strong> evangélico sugere,<br />

a transformamos em comentários:<br />

(42) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – pp. 91, 92 – Obras Completas de Fagundes<br />

Varela – B.L. Garnier, Livreiro Editor – 1889 – Rio de Janeiro –<br />

Acervo: Academia Brasileira de Letras.


FERNANDO PINHEIRO - 58<br />

A condição essencial para ser feliz é viver<br />

inteligentemente. A inteligência acima das emoções e<br />

deixar que nossos atos tenham a direção que lhe é<br />

própria.<br />

A emoção é o despertar daquilo que gostamos.<br />

Com justa razão, o reflexo <strong>do</strong> que pensamos, no<br />

campo <strong>do</strong> desejo, atrai as pessoas que possuem essas<br />

mesmas características, estabelecen<strong>do</strong> um vínculo.<br />

E com maior ênfase, as pessoas <strong>do</strong> mesmo<br />

enre<strong>do</strong> de comportamento tendem a se aproximar, nos<br />

liames das responsabilidades, pois nada no Universo fica<br />

incompleto. O que começou, em olhares aparentemente<br />

ingênuos, exige a complementação.<br />

O caminhar de quem vive das emoções é<br />

bastante oscilante, vai depender, inclusive, da oscilação<br />

das pessoas que seguem impulsionadas pelos mesmos<br />

gestos. Não sabem a razão por que gostam de alguém.<br />

Às vezes, confundem o acessório com o essencial, nos<br />

detalhes que vão desde o cabelo, a roupa, etc., sem<br />

penetrar na essência <strong>do</strong> querer.<br />

Quan<strong>do</strong> as emoções não são filtradas pela<br />

inteligência, geram um vazio que leva à depressão, pois<br />

não houve identificação da finalidade <strong>do</strong>s encontros. O<br />

gostar se restringe a querer, numa posse ilusória.<br />

Ninguém pode deter para si o que pertence a<br />

Deus, sem ter o risco <strong>do</strong> sofrimento. Todas as pessoas<br />

que passam por nós, delirantes pela febre das noites<br />

escuras, têm seus vínculos em amores que precisam<br />

eternizar o momento, em cumprimento <strong>do</strong> efeito ação e<br />

reação.


59 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

A rede <strong>do</strong>s pensamentos que vem <strong>do</strong> espírito<br />

imortal é tão extensa quanto a sua existência, no campo<br />

físico e nos estágios de aprendiza<strong>do</strong> nos horizontes que<br />

ultrapassam suas fronteiras. Nessa rede estão entrelaça<strong>do</strong>s<br />

os interesses maiores de nossa evolução.<br />

Quantas vezes sentimos uma simpatia forte<br />

por alguém que nos desperta a emoção e queremos<br />

logo manter uma ligação afetiva, sem sabermos das<br />

circunstâncias em que se encontra essa pessoa. Sem<br />

dúvida, sempre ocorrem outros vínculos de responsabilidade<br />

que a impedem de ter horas livres para desfrutar desse<br />

enlevo embriaga<strong>do</strong>r.<br />

É tão sublime a emoção que sentimos ao<br />

vermos pessoas despertan<strong>do</strong>-nos a sensibilidade. São<br />

os encontros de caminhos diversos que se cruzam<br />

conosco para dar uma mensagem, mesmo que seja tão<br />

breve como o abrir de asas das borboletas.<br />

To<strong>do</strong>s nós temos um roteiro de caminhar, nele<br />

estão os amores que nos sensibilizam a alma, mas<br />

por uma razão secundária, no passa<strong>do</strong> espiritual, não<br />

demos o valor que eles merecem. E, assim, voltam para<br />

completar o vazio que passou despercebi<strong>do</strong>.<br />

Como são tantos os amores que nos chegam,<br />

devemos agir inteligentemente, verifican<strong>do</strong> o papel que<br />

ocupamos em seus relacionamentos, deixan<strong>do</strong>-os livres em<br />

seus caminhos, aman<strong>do</strong>-os cada vez mais, embora não<br />

haja necessidade de nossa presença para provar-lhes o<br />

que sentimos.


7<br />

NICODEMOS<br />

FERNANDO PINHEIRO - 60<br />

O cenário e a situação psicológica em que se<br />

encontrava Nicodemos, o <strong>do</strong>utor da Lei que pediu uma<br />

entrevista a <strong>Jesus</strong>, constam <strong>do</strong> livro Primícias <strong>do</strong> Reino,<br />

de Amélia Rodrigues, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira<br />

Franco. A seguir, transcritos:<br />

“O plenilúnio vestia Jerusalém de prata. (*)<br />

A torre Antônia, altaneira ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Templo, parecia<br />

um vigia assesta<strong>do</strong> sobre a cidade <strong>do</strong>s profetas, observan<strong>do</strong><br />

os movimentos suspeitos em toda a parte...<br />

(*) João, 3:1 a 15 (abril de 29)<br />

(Nota da Autora Espiritual)


61 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Fora <strong>do</strong>s muros circunjacentes, as terras de Acra<br />

e Bezeta estuavam de ver<strong>do</strong>r, carrean<strong>do</strong> o vento frio na<br />

direção da urbe em repouso.<br />

No Templo deserto, a essa hora da noite, crepitam<br />

as chamas da perpétua vigília.<br />

Transeuntes noctívagos conduzem archotes, embora a<br />

claridade de Celene espalhada sobre o basalto <strong>do</strong> piso.<br />

As casas, de portas cerradas, estão mergulhadas em<br />

profun<strong>do</strong> silêncio.<br />

<strong>Jesus</strong>, em casa de amigos, espera.<br />

Aquela entrevista, Ele a concedeu prazerosamente sem<br />

qualquer impedimento. Recebera a solicitação e, como a<br />

desejasse, aquiescera generoso.<br />

(...)<br />

Quan<strong>do</strong> chegou à casa, conduzi<strong>do</strong> por devota<strong>do</strong><br />

discípulo dEle, e O viu, não pôde <strong>do</strong>minar a emoção que<br />

o assustou de chofre.<br />

Experimentou a impressão de conhecê-Lo.<br />

Também Ele parecia identificá-lo cordialmente, como<br />

se o conhecesse e esperasse o encontro.<br />

Num átimo de minuto, procurou recordar, no<br />

coração, onde O vira, quan<strong>do</strong> O encontrara. Foi inútil.<br />

Na acústica da mente parecia ouvi-Lo dizer: “eu te<br />

conheço, Nicodemos bar Nicodemo, desde antes...” (22)<br />

(22) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias <strong>do</strong> Reino, psicografa<strong>do</strong> por<br />

Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora –<br />

Salva<strong>do</strong>r – BA – Idem, idem.


FERNANDO PINHEIRO - 62<br />

Com o propósito de semear a beleza na seara<br />

em que trabalhamos, e acreditan<strong>do</strong> naquilo que é<br />

evidente, surgi<strong>do</strong> na elucidação feita por <strong>Jesus</strong> a<br />

Nicodemos, apresentamos a matéria sob o título de<br />

Fenômenos Íntimos:<br />

A cada amanhecer, despertamos com ânimo<br />

firme para enfrentar as situações que se nos apresentam<br />

com a finalidade de que haja participação de nossos<br />

gestos.<br />

De etapa em etapa, vamos conhecen<strong>do</strong> o roteiro<br />

<strong>do</strong> caminho. Tu<strong>do</strong> é simples e claro. Mas, quan<strong>do</strong> o<br />

nosso olhar se alonga em direção às necessidades de<br />

apoio que sentimos virem de companheiros de jornada,<br />

vemos que algo deve ser feito em benefício deles.<br />

A princípio, o aspecto enigmático cobre-nos a<br />

visão. Mas, à proporção que sentimos sermos úteis<br />

àqueles que nos rodeiam, a ideia surge na mente como<br />

as águas nascen<strong>do</strong> nas fontes.<br />

O amor que impulsiona os movimentos<br />

harmoniosos da natureza envolve o homem estimulan<strong>do</strong>-o<br />

para que participe desta festa invisível de mística beleza.<br />

Assim como os pássaros mudam de penugem,<br />

os répteis a coloração da pele, no homem a mudança<br />

de status íntimo tem um significa<strong>do</strong> da maior<br />

importância. A crisálida nos dá a borboleta, os fenômenos<br />

íntimos, que eclodem <strong>do</strong> ser espiritual, revelam o homem<br />

novo.<br />

Na transformação <strong>do</strong>s seres vivos, há um<br />

renascimento. A beleza de sons e cores acompanha-nos<br />

no ciclo renova<strong>do</strong>r das quatro estações <strong>do</strong> ano, fazen<strong>do</strong>-nos<br />

crescer em harmonia.


63 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

No homem o crescimento interior é o momento<br />

mais importante de sua vida, simplesmente porque<br />

reconhece a sua identificação no cenário <strong>do</strong> Cosmos.<br />

A sua intuição, de uma comprovação inquestionável,<br />

ultrapassa os limites de sua inteligência acostumada a<br />

clarear os aspectos meramente frios e calculistas.<br />

Nasce um novo homem, é como o nascer <strong>do</strong> sol.<br />

Quantas pessoas, animais, vegetais ficam expostos para<br />

receber a claridade e o calor que dele derramam!<br />

Quem já sente o nascimento de um novo<br />

alento dentro <strong>do</strong> seu íntimo pode estar certo de que ao<br />

re<strong>do</strong>r muitas pessoas e circunstâncias esperam ser<br />

beneficiadas pela sua participação.<br />

Como a evolução prossegue em ritmo crescente,<br />

quan<strong>do</strong> surge um estágio que se desloca, avançan<strong>do</strong>,<br />

outro que se interliga é beneficia<strong>do</strong> pelo avanço.<br />

É por essa razão que ninguém está só. Sempre<br />

existem participantes de sua caminhada, em qualquer<br />

ponto em que se encontra. Aqueles que não o<br />

acompanharam quan<strong>do</strong> ele seguiu adiante, outros na<br />

frente o aguardam para formarem outro elo de uma<br />

nova fase evolutiva.<br />

E, ainda, aqueles outros que ficaram sempre<br />

indagan<strong>do</strong> qual o caminho, sem vontade de procurá-lo,<br />

terão em suas companhias os seus semelhantes que<br />

farão a mesma pergunta, até que um dia, por uma<br />

razão forte, deixarão a <strong>luz</strong> penetrar em suas mentes<br />

viciadas e entenderão por que havia tanta exortação nas<br />

palavras <strong>do</strong>s seus amigos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> distante.


8<br />

O PILOTO DE BIGAS<br />

FERNANDO PINHEIRO - 64<br />

Picture: Christ and the rich young ruler by Heinrich Hofmann (1824/1911)<br />

O piloto de bigas, o mesmo moço rico de<br />

que no relatam as Escrituras Sagradas (23), teve uma<br />

entrevista com <strong>Jesus</strong>. Outro piloto de corridas, chama<strong>do</strong><br />

Ben-Hur, conforme mostra<strong>do</strong> pelo cinema que revelou<br />

Charlton Heston no papel-título, também conheceu o<br />

rabi da Galileia, apenas de longe, ao vê-lo a caminho<br />

<strong>do</strong> Gólgota.<br />

Amélia Rodrigues (Espírito), no livro Primícias <strong>do</strong><br />

Reino, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco, descreve<br />

a cena em que ocorreu a participação <strong>do</strong> piloto de<br />

bigas, acidenta<strong>do</strong> na pista de corridas, em Cesareia.<br />

(23) MATEUS, 19:16 a 30 MARCOS, 10:17 a 31


65 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

É impressionante a narrativa da autora<br />

espiritual (Amélia Rodrigues, na psicografia de Dival<strong>do</strong><br />

Pereira) que utiliza imagens de rara beleza poética num<br />

cenário em que ocorre a tragédia e destaca sobretu<strong>do</strong><br />

a ação <strong>do</strong> moço rico, assoberba<strong>do</strong> com a agenda de<br />

compromissos e, em seguida, a recomposição de seu<br />

esta<strong>do</strong> mental, onde ainda recrudesciam imagens<br />

inesquecíveis da entrevista com <strong>Jesus</strong>:<br />

“Enquanto escravos precípites arrastam-no da pista,<br />

foge mentalmente à cena brutal que o esmaga, e entre as<br />

névoas que lhe sombreiam os olhos parece vê-Lo.” (24)<br />

A roupagem carnal é desfeita mas não é o fim.<br />

Quem pode delimitar a ação divina nos fatos que<br />

ultrapassam a nossa realidade material? Há recursos<br />

inefáveis àqueles que são merece<strong>do</strong>res da felicidade, em<br />

qualquer situação em que se encontram.<br />

O estu<strong>do</strong> reflexivo da atitude <strong>do</strong> moço rico que<br />

se encontrou com <strong>Jesus</strong>, leva-nos a pensar na liberação<br />

interna <strong>do</strong> ser humano que precisa descobrir o que lhe<br />

convém a nível de interiorização de alma.<br />

O apego a pessoas, coisas, trabalho, ideais está<br />

mais liga<strong>do</strong> às contingências <strong>do</strong> momento <strong>do</strong> que as<br />

necessidades reais <strong>do</strong> nosso ser que vive em dimensões<br />

superiores à matéria.<br />

(24) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias <strong>do</strong> Reino – pp. 81 e 82 –<br />

7ª edição, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria<br />

Espírita Alvorada Editora – 9/2000 – Salva<strong>do</strong>r – BA – Idem, idem.


FERNANDO PINHEIRO - 66<br />

Se reconhecêssemos que tu<strong>do</strong> e to<strong>do</strong>s estão<br />

imanta<strong>do</strong>s em uma só essência cósmica, este é o<br />

argumento de Spinoza, veríamos que nossa preocupação<br />

pelos resulta<strong>do</strong>s não tem razão alguma de existir.<br />

A dedicação ao trabalho que nos cabe fazer e o<br />

amor pelas pessoas de nosso convívio e, ainda, a devoção<br />

que temos pelo ideal escolhi<strong>do</strong> são estímulos para que<br />

a vida se complete dentro de nós.<br />

O importante é distinguir o amor e o apego.<br />

Ambos são diferentes, embora, na aparência, estejam<br />

no mesmo nível de igualdade. Possuem uma realidade<br />

única de extremidades opostas.<br />

A diferença é que o apego está volta<strong>do</strong> às<br />

exigências <strong>do</strong> que sentimos sem a visão interna e o<br />

amor é o reconhecimento de que tu<strong>do</strong> se manifesta com<br />

um fim útil, embora não tenhamos a compreensão.<br />

O particularismo de observarmos pessoas que<br />

amamos ou serviços que prestamos tira-nos a<br />

tranquilidade quan<strong>do</strong> a ordem <strong>do</strong>s acontecimentos se<br />

inverte para elaborar circunstâncias novas com outra<br />

dimensão maior que não podemos alcançar.<br />

Ninguém ainda permaneceu tranquilo diante <strong>do</strong>s<br />

fatos que alteram as condições de vida, no lar e no<br />

trabalho, se manteve-se preso a condicionamentos que<br />

estipulam a vida apenas no terreno das aparências<br />

materiais.<br />

É necessário que a criatura humana<br />

compreenda o mun<strong>do</strong> íntimo em que está mergulhada<br />

para que notícias como desolação por perdas de lugares,<br />

saudades de pessoas amadas não tirem a alegria<br />

permanente que devem possuir sempre.


67 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Afinal, quem somos nós para conduzir o<br />

destino das pessoas se ainda temos muita dificuldade<br />

em compreender o nosso? Mas sabemos que há uma<br />

energia que nos envolve em comunhão permanente.<br />

Nossos pensamentos participam ativamente neste contexto,<br />

sem resquícios de apego.<br />

O importante é termos deixa<strong>do</strong> planta<strong>do</strong> o amor<br />

nos corações que se afastaram materialmente de nós e<br />

que, em outros lugares ou em outra dimensão, possam<br />

se sentir felizes com a certeza de que, em outro nível<br />

de consciência onde o amor se expande pelo Cosmos,<br />

não há separação.<br />

Tu<strong>do</strong> já foi estabeleci<strong>do</strong> antes de trabalharmos.<br />

O campo, as sementes, o tempo e as condições de<br />

semear. Os frutos pertencem à obra <strong>do</strong> Universo que<br />

beneficiará a to<strong>do</strong>s que estiverem conosco no momento <strong>do</strong><br />

plantio. Eles continuam trabalhan<strong>do</strong> em suas tarefas e<br />

não temos o direito de retê-los mentalmente junto de nós.<br />

Quan<strong>do</strong> compreendemos o caminhar das pessoas<br />

que nos acompanham, uma sensação de conforto e de<br />

tranquilidade se estabelece no nosso íntimo, não importa<br />

a direção escolhida, pois no Universo a energia que<br />

harmoniosamente move os corpos celestes é a mesma<br />

que dá forças ao homem para viver, onde estiver.


9<br />

SALOMÉ<br />

FERNANDO PINHEIRO - 68<br />

No planalto de Moab, ergue-se a fortaleza de<br />

Maqueronte, onde o festim acontecia sob as chamas<br />

vermelhas <strong>do</strong>s lampadários prega<strong>do</strong>s nas paredes e, ao<br />

re<strong>do</strong>r, guardas protegiam o imenso salão repleto de<br />

dançarinas, músicos e convida<strong>do</strong>s. Era o aniversário de<br />

Herodes Ântipas, tetrarca da Galileia.<br />

Entre os participantes, estavam Herodíades e<br />

Salomé, mãe e filha; o procônsul Lucius Vitellius,<br />

acompanha<strong>do</strong> de uma comitiva de bajula<strong>do</strong>res e serviçais,<br />

além <strong>do</strong>s membros da Corte e da família <strong>do</strong> tetrarca.<br />

O luxo estava presente em tu<strong>do</strong>, nas roupas,<br />

nas joias, nos tapetes persas e babilônicos, nos teci<strong>do</strong>s<br />

colori<strong>do</strong>s oriun<strong>do</strong>s de Damasco, estendi<strong>do</strong>s nos corre<strong>do</strong>res<br />

de pedra lavrada. Flores coloridas e perfumadas em cima<br />

de mesas de ébano e mogno completavam a decoração.


69 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

O festim de Herodes é descrito no poema bíblico<br />

Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela.<br />

São 10 cantos, em 8.482 versos decassílabos soltos. Vale<br />

ressaltar o Canto IV:<br />

“Os primores da Europa, o luxo da Ásia,<br />

o fausto desta, a profusão daquela,<br />

de Herodes o palácio aformoseiam.<br />

Mil candeeiros, transparentes rochas,<br />

argênteos lampadários iluminam<br />

as vastas arcarias marchetadas<br />

<strong>do</strong>s mais lin<strong>do</strong>s mosaicos <strong>do</strong> Oriente,<br />

E as colunas de mármore, as pilastras<br />

cobertas de lavores, e as paredes<br />

ornamentadas de brasões pomposos.<br />

Os gratos sons das harpas e <strong>do</strong>çainas,<br />

Das cítaras e flautas, repercutem<br />

Fora da larga praça, onde confusa<br />

Cochila a multidão maravilhada.<br />

Celebra o rei vai<strong>do</strong>so e dissoluto<br />

Seu dia natalício. As salas todas<br />

Estão cheias de amigos e convivas:<br />

Ricos hebreus, latinos cavaleiros,<br />

Senhores <strong>do</strong> Ocidente e <strong>do</strong> Levante.<br />

As mais belas romanas da soberba,<br />

Mas depravada corte <strong>do</strong> tirano,<br />

As mais airosas filhas da Circássía,<br />

E as ninfas mais gentis das ilhas gregas,<br />

À lauta mesa reclinadas ouvem<br />

Os torpes, desonestos galanteios<br />

Dos escravos de César. Petulante,<br />

De louro coroa<strong>do</strong>, e verde mirto,<br />

Do amor emblema, e símbolo da glória,


Em macia camilha repimpa<strong>do</strong>,<br />

Excita à ebriedade o rei da festa<br />

Seus libertinos, cínicos parceiros.<br />

Bela, apesar <strong>do</strong> vício, a fronte esbelta<br />

Aos joelhos <strong>do</strong> amante repousan<strong>do</strong>,<br />

Herodias sorri. De espaço a espaço,<br />

Gracioso escanção, ágil, travesso,<br />

Demônio de malícia em tenra idade,<br />

As taças de ouro que a seus pés re<strong>luz</strong>em,<br />

Do excitante falerno enche, dizen<strong>do</strong><br />

Imodestos gracejos. Nenhum pajem<br />

Do mais devasso camarim <strong>do</strong> império<br />

O vencera em audácia e desvergonha!<br />

Entretanto, meu Deus! é uma menina,<br />

No albor da a<strong>do</strong>lescência, rósea, loira,<br />

Olhos azuis brilhantes, lábios de anjo!<br />

E esta menina é filha de Herodias!...”<br />

(25)<br />

FERNANDO PINHEIRO - 70<br />

Do la<strong>do</strong> de lá, o profeta, que clama no<br />

deserto, estava numa cela com um olhar meditativo<br />

pairan<strong>do</strong> no ar. A lembrança <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> era recordada<br />

com inefável alegria.<br />

As inspirações de sabe<strong>do</strong>ria foram colocadas<br />

em prática nas pregações que fez ao anunciar a chegada<br />

<strong>do</strong> Messias, preparan<strong>do</strong>-lhe o caminho.<br />

(25) FAGUNDES VARELA, L. N. – Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –<br />

poema – Canto IV – Capítulo XIV – pp. 134, 135 – Livraria Imperial<br />

– 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.


71 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

O texto sagra<strong>do</strong> narra:<br />

“Houve um homem envia<strong>do</strong> de Deus, cujo nome era<br />

João. Este veio como testemunha para testificar a respeito<br />

da <strong>luz</strong>, a fim de que to<strong>do</strong>s cressem por meio dele.”<br />

(...)<br />

“A <strong>luz</strong> verdadeira que ilumina a to<strong>do</strong>s os homens<br />

estava vin<strong>do</strong> ao mun<strong>do</strong>. Estava no mun<strong>do</strong>, o mun<strong>do</strong> foi<br />

feito por meio dele mas o mun<strong>do</strong> não o conheceu. Veio<br />

para o que era seu, mas os seus não o receberam. Mas<br />

a to<strong>do</strong>s os que o receberam, àqueles que creem no seu<br />

nome, deu-lhes o poder de serem filhos de Deus – filhos<br />

nasci<strong>do</strong>s não <strong>do</strong> sangue, nem da vontade da carne, nem<br />

da vontade <strong>do</strong> homem, mas de Deus.” (26)<br />

Ainda liga<strong>do</strong> aos momentos inesquecíveis, viu<br />

aquele homem, descen<strong>do</strong> à margem <strong>do</strong> rio, a irradiar a<br />

beleza <strong>do</strong>s sábios e disse: “eis o Cordeiro de Deus que<br />

tira os peca<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”. (27)<br />

Naquela noite de recordações, ouviu sons de<br />

cítaras e harpas mistura<strong>do</strong>s com vozes humanas. Numa<br />

cantilena suave, os ventos nas árvores abafaram o ruí<strong>do</strong><br />

distante e um sono fechou os seus olhos.<br />

(26) JOÃO, 1:6 a 13<br />

(27) JOÃO, 1:36


FERNANDO PINHEIRO - 72<br />

Lá na frente, o festim prossegue no clima de<br />

excitação. Os comensais se apressam em comer as<br />

guloseimas e saborear os vinhos louros, sem medir os<br />

excessos. É a hora da lascívia e <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s exacerba<strong>do</strong>s.<br />

Música excitante e lânguida é derramada em canto<br />

popular por uma escrava.<br />

No intervalo da música, as <strong>luz</strong>es maiores são<br />

apagadas, as mulheres retiraram seus véus que encobriam<br />

o rosto, crian<strong>do</strong> um clima de conquista aos homens<br />

presentes no salão. Ao recomeçar, em movimento lento,<br />

depois presto, faz evolução em cadência lasciva e<br />

frenética, animan<strong>do</strong> Salomé a entrar em cena. Com um<br />

sorriso nos lábios, começou a dançar.<br />

A admiração correu nos olhos de todas as<br />

pessoas que assistiram à cena inusitada, deixan<strong>do</strong> o<br />

rei completamente transtorna<strong>do</strong>. O teto parecia desabar<br />

e tu<strong>do</strong> flutuava na expectativa.<br />

A menina–moça, princesa núbil, tirou o véu<br />

<strong>do</strong>s ombros, mexia o corpo inteiro ondulan<strong>do</strong> o ventre<br />

desnu<strong>do</strong> em ritmos que suas pernas sustentavam. Seus<br />

ombros inclinavam-se em posições em que oferecia os<br />

lábios, os cabelos, os seios firmes.<br />

Assim como está escrito nas cartas de Paulo de<br />

Tarso a assertiva “estamos cerca<strong>do</strong>s por uma nuvem<br />

de testemunhas” (28), o poeta Fagundes Varela deixa<br />

transparecer esta idéia–verdade na dança de Salomé:<br />

(28) PAULO DE TARSO – in Epístolas Hebreus, 12:1.


73 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

“Entretanto,<br />

escrava da cadência, mas senhora<br />

<strong>do</strong>s requebra<strong>do</strong>s, lângui<strong>do</strong>s meneios,<br />

sobre as flores <strong>do</strong>s séricos tapetes,<br />

mais ligeira que a leve borboleta,<br />

mais bela que os espíritos errantes<br />

que à noite brincam nos rosais cheirosos,<br />

ela volteia, – a <strong>do</strong>ida bailadeira!” (29)<br />

Ainda no Capítulo XIV, <strong>do</strong> Canto IV, de Fagundes<br />

Varela, a dança de Salomé é descrita em primorosos<br />

versos decassílabos soltos:<br />

“Na dança figurada, aos ágeis passos<br />

Mistura os mais garri<strong>do</strong>s movimentos,<br />

Os gestos mais lascivos. Arquejante,<br />

Às vezes pára <strong>do</strong> salão no centro,<br />

Suspira e cerra os olhos... vai, quem sabe,<br />

Sucumbir de cansaço! Mas engano!<br />

Reanima-se, ri, levanta os braços,<br />

Flexível como a serpe encurva o corpo,<br />

E num rápi<strong>do</strong> giro se aproxima<br />

Do fascina<strong>do</strong> Herodes, sacudin<strong>do</strong><br />

Sobre seus pés as rosas da grinalda<br />

Entre os aplausos mil <strong>do</strong>s assistentes.<br />

(29) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas<br />

– poema – Canto IV – Capítulo XIV – p. 134 – Livraria Imperial –<br />

1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.


FERNANDO PINHEIRO - 74<br />

Depois, qual passarinho caprichoso,<br />

Que das nuvens descen<strong>do</strong>, em tarde estiva,<br />

Modera o voo, quan<strong>do</strong> a terra avista,<br />

Ela os passos afrouxa, e segue a me<strong>do</strong>,<br />

O mais lento tanger <strong>do</strong>s instrumentos.<br />

Imita a corça, quan<strong>do</strong> alegre salta,<br />

Quan<strong>do</strong> corre veloz; é viva abelha<br />

Sobre os lírios <strong>do</strong> vale adejan<strong>do</strong>;<br />

Mimoso colibri; quan<strong>do</strong> descansa,<br />

Tão leve, que não <strong>do</strong>bra das alfombras<br />

A mais delgada flor! Por largo tempo,<br />

Assim deleita a vista <strong>do</strong>s convivas;<br />

Ofegante por fim, extenuada,<br />

Faz um último esforço, e mansamente<br />

Cai, pétala de rosa, aos pés de Herodes.” (30)<br />

Depois da dança, a tragédia conhecida. Mais<br />

tarde, no monte Calvário, acompanhada de Maria de<br />

Nazaré, Joana de Cusa, Marta e Maria de Magdala,<br />

Salomé está no monte Calvário assistin<strong>do</strong> ao martírio de<br />

<strong>Jesus</strong>. A partir daí, dedicou-se a rememorar os feitos <strong>do</strong><br />

Mestre ama<strong>do</strong>, envolvida na atmosfera das blandícias<br />

que o Reino de esplen<strong>do</strong>r, à semelhança <strong>do</strong> Sol, estende<br />

as criaturas nascidas em sua órbita sideral.<br />

Um ambiente oriental é cria<strong>do</strong> na música Os 7<br />

Véus, de Richard Strauss. O 1° primeiro movimento é<br />

de uma beleza impressionante. A interpretação da cantora<br />

lírica Maria Ewing supera todas as críticas.<br />

(30) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto IV – Capítulo XIV – pp. 134, 135 – Livraria<br />

Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de<br />

Letras.


75 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

10<br />

AS BODAS DE CANÁ<br />

Picture: Marriage at Cana by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />

“Nessas horas de calma e de amargura,<br />

De aflição e prazer, de riso e de lágrimas,<br />

Chusmas alegres de louçãs pastoras,<br />

Camponesas gentis, zagais esbeltos,<br />

Em trajes festivais, brincam e dançam,<br />

Cantam e jogam, <strong>do</strong> arvore<strong>do</strong> à sombra,<br />

Ou sobre as alcatifas de verdura,<br />

Que a frente a<strong>do</strong>rnam de formosa granja:<br />

É dia de noiva<strong>do</strong>. Pressurosas<br />

Acodem <strong>do</strong>s subúrbios e arre<strong>do</strong>res<br />

Dos maiorais mais ricos as famílias,<br />

E as famílias <strong>do</strong>s pobres jornaleiros,<br />

Aos folgue<strong>do</strong>s das bodas; vem entre elas<br />

A filha de Joaquim e o santo esposo;<br />

Chegam também <strong>Jesus</strong> e seus amigos.” (31)<br />

(31) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas<br />

– poema – Canto III – Capítulo VII – p. 86 – Livraria Imperial –<br />

1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.


FERNANDO PINHEIRO - 76<br />

Diante das circunstâncias evidentes, quan<strong>do</strong><br />

ele chegou à pérgula da vivenda campestre, o movimento<br />

musical toca<strong>do</strong> por flautas e pífaros era um allegro<br />

moderato alla zíngara.<br />

Os noivos, reuni<strong>do</strong>s no atrium, recebiam<br />

as felicitações <strong>do</strong>s amigos e familiares. Passa<strong>do</strong>s alguns<br />

minutos, voltam ao salão de festas, onde havia maior<br />

concentração de pessoas. Os convida<strong>do</strong>s celebravam a festa<br />

<strong>do</strong> casamento com júbilos no coração e apanhavam, com<br />

as mãos, frutas, <strong>do</strong>ces, peixes assa<strong>do</strong>s estendi<strong>do</strong>s nas<br />

bandejas e copos de vinhos de várias procedências.<br />

Sorrisos de meninas-moças e olhares de rapazes<br />

se misturavam reacenden<strong>do</strong> esperanças em uniões<br />

futuras. O sonho de construir um lar vinha como a<br />

brisa que refresca e alenta.<br />

Um convida<strong>do</strong> retardatário chegou com sorriso<br />

nos lábios e ofertou à sua namorada a última rosa <strong>do</strong><br />

inverno. Um beijo de agradecimento que ela lhe deu no<br />

rosto espalhou no ambiente um pouco mais de ternura.<br />

Maria estava contente com a chegada <strong>do</strong> filho,<br />

naquele lugar em que tu<strong>do</strong> era festa. Foram <strong>do</strong>is<br />

meses de separação, desde que ela saíra de Nazaré a<br />

convite da família <strong>do</strong>s noivos.<br />

As comemorações decorriam normalmente.<br />

Conversas animadas de amigos e galanteios entre os<br />

jovens namora<strong>do</strong>s criavam um clima de futuros encontros.<br />

Ao notar que estava faltan<strong>do</strong> vinho, Maria se<br />

dirige ao seu filho pensan<strong>do</strong> que isto poderia ser de<br />

mau sinal para os noivos que estavam começan<strong>do</strong> uma<br />

vida em comum.


77 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

<strong>Jesus</strong> estava acima de todas as preocupações<br />

humanas e, fitan<strong>do</strong> amorosamente Maria, disse, num<br />

tom carinhoso: “mulher, que tenho eu contigo? Ainda<br />

não chegou a minha hora.” (32)<br />

Maria, conhecen<strong>do</strong> o amor e a sabe<strong>do</strong>ria <strong>do</strong> seu<br />

filho, falou tranquila aos serventes: “fazei tu<strong>do</strong> o que<br />

ele vos disser.” (33)<br />

O evangelista João, comentan<strong>do</strong> a transformação<br />

da água em vinho, torna explícito que “estavam ali seis<br />

talhas de pedra que os judeus usavam para as<br />

purificações, e cada uma levava uma ou duas metretas”.<br />

(34)<br />

Consideran<strong>do</strong> que cada métrête (medida grega)<br />

corresponde a 40 litros, e o fato de haver 6 talhas de<br />

pedra (6 x 40), poderíamos avaliar que estavam à disposição<br />

<strong>do</strong>s convivas no mínimo 240 ou no máximo 480 litros<br />

de vinho. Adega excelente.<br />

O sorriso de confiança de Maria estava em<br />

sintonia com os gestos meditativos de <strong>Jesus</strong> que, um<br />

instante depois, falou aos serventes: “enchei de água<br />

essas talhas. E encheram-nas até em cima”. (35)<br />

Quan<strong>do</strong> os vasilhames chegaram, ele num<br />

toque de mãos converte a água em vinho, apenas nota<strong>do</strong><br />

pelos serventes e pelos convida<strong>do</strong>s que estavam bem<br />

próximos (o chefe <strong>do</strong> cerimonial não sabia da<br />

procedência <strong>do</strong> vinho).<br />

(32) JOÃO: 2:4 (33) JOÃO, 2:5 (34) JOÃO, 2:6 (35) JOÃO: 2:7


FERNANDO PINHEIRO - 78<br />

Ao se aproximar <strong>do</strong> grupo de pessoas que assiste<br />

ao fenômeno de magia sublimada, o chefe <strong>do</strong> cerimonial<br />

provou a água feito vinho e chamou o noivo e lhe falou:<br />

“To<strong>do</strong>s põem primeiro o vinho bom e, quan<strong>do</strong> já<br />

beberem fartamente, então o inferior; mas tu guardaste<br />

até agora o bom vinho.” (36)<br />

Caná da Galileia foi o primeiro lugar onde<br />

<strong>Jesus</strong> começou a demonstrar seus sinais de grandeza,<br />

percebi<strong>do</strong>s por Maria, Natanael, Filipe e outros discípulos.<br />

<br />

A narrativa poética de Fagundes Varela, o cantor<br />

da natureza, acerca das bodas de Caná vem revestida<br />

de aura romântica e bucólica. Vale assinalar:<br />

VIII<br />

“Os tangeres de simples instrumentos,<br />

Doces, melodiosos, e a roda<br />

Dos tamborins sonoros, algum tempo<br />

Medem da mocidade as ágeis danças,<br />

E dissipam as mágoas da velhice;<br />

Os bons vinhos depois, os bons guisa<strong>do</strong>s,<br />

A fartura da mesa <strong>do</strong> banquete,<br />

As condições confundem as idades.<br />

(36) JOÃO, 2:10


79 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Os pais <strong>do</strong>s desposa<strong>do</strong>s, diligentes<br />

Andam de la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong>, as taças enchem,<br />

Os cria<strong>do</strong>s incitam, e solícitos<br />

Trazem novos manjares, novos pratos<br />

Que aos convivas afáveis apresentam.<br />

Tecem das noivas as cândidas amigas,<br />

E os amigos <strong>do</strong> noivo o epitalâmio<br />

Usa<strong>do</strong> nessas eras. Entretanto,<br />

Da noite as horas infiéis e tredas,<br />

Que lentas esvoaçam sobre a fronte<br />

Do solitário pensa<strong>do</strong>r, que cercam<br />

A dura barra <strong>do</strong> infeliz cativo<br />

De pavorosas sombras, e prolongam<br />

Do lívi<strong>do</strong>, aterra<strong>do</strong> agonizante<br />

Os martírios cruéis, correm velozes<br />

Onde brilha o prazer, soam os risos,<br />

Onde o júbilo agita as asas de ouro!<br />

O dia se aproxima. A grande mesa<br />

Terceira vez coberta de iguarias,<br />

Gostosos acepipes, <strong>do</strong>ces frutos,<br />

Não mais alegra os olhos, – a tristeza<br />

Debuxa-se no rosto <strong>do</strong>s convivas.<br />

Está fin<strong>do</strong> o festim?... Estão vazias<br />

As ânforas e taças! Vinho, vinho!<br />

Dai-nos mais vinhos! Um <strong>do</strong>s amigos grita.<br />

– Pois acabou-se o vinho? diz surpresa<br />

A rainha da festa, – que desgosto!<br />

Nem uma gota ao menos acharemos:<br />

Os odres estão secos. Mais penoso<br />

Mostra-se o enfa<strong>do</strong> nos semblantes to<strong>do</strong>s.<br />

Então Maria volta-se a seu Filho,<br />

Que ao la<strong>do</strong> estava pensativo e mu<strong>do</strong>,


FERNANDO PINHEIRO - 80<br />

Sobre um velho taburno recosta<strong>do</strong>.<br />

– Vês? – murmura com gesto suplicante.<br />

IX<br />

Ora, no fun<strong>do</strong> da espaçosa sala<br />

Sobre tosco alicerce ou rijo assento,<br />

De forte alvenaria, colocadas<br />

Seis grandes talhas de granito estavam<br />

Destinadas, segun<strong>do</strong> a lei antiga,<br />

As santas abluções; <strong>Jesus</strong> ouvin<strong>do</strong><br />

O materno pedi<strong>do</strong> se levanta.<br />

Acerca-se da mesa <strong>do</strong> banquete:<br />

– Enchei aquelas talhas d´água pura! –<br />

– D´água? ... to<strong>do</strong>s exclamam? – Sim, responde<br />

A esposa de José, ele não zomba,<br />

Fazei o que vos diz, tereis o vinho –<br />

Num volver d´olhos, servos e senhores,<br />

Incrédulos, mas lhanos e corteses,<br />

Atenden<strong>do</strong> aos caprichos da amizade,<br />

Que inocente capricho o caso julgam,<br />

Enchem, a transbordar, as grandes talhas.<br />

– Tomai agora os cântaros e jarras,<br />

Ordena o Senhor, – tomai os frascos,<br />

E as ânforas também: – estão repletas<br />

De vinho aquelas talhas. – Curiosos<br />

À roda de <strong>Jesus</strong> to<strong>do</strong>s se apinham.<br />

Primeiro, enchem os servos grandes vasos,<br />

Depois, os canjirões, depois os copos<br />

Que a seus amos entregam... Maravilha!<br />

Em vez d´água das fontes, clara e fresca,<br />

Tão grata aos caminheiros <strong>do</strong> deserto,<br />

Aos cabreiros das serras, rubro vinho<br />

Escuma e ferve nas vasilhas fundas,


81 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Acordan<strong>do</strong> o prazer e o regozijo<br />

Entre os cansa<strong>do</strong>s, mu<strong>do</strong>s bebe<strong>do</strong>res.<br />

Uma grita estron<strong>do</strong>sa e prolongada<br />

Saúda o autor <strong>do</strong> portentoso feito.<br />

<strong>Jesus</strong>, porém, esquiva-se aos aplausos,<br />

E como d´antes, vai sentar-se calmo<br />

Sobre o velho taburno que deixara.” (37)<br />

<br />

São tantas as pessoas que vemos nos lugares<br />

mais diversos, sempre passan<strong>do</strong> impressões que nos<br />

sensibilizam. Quantos olhares vieram em silêncio<br />

interpretan<strong>do</strong> mensagens que nos fazem pensar?<br />

São amores ocultos que ainda não se revelam<br />

abertamente, abafa<strong>do</strong>s pelas circunstâncias <strong>do</strong> momento,<br />

que exigem o deslocamento a lugares onde não podemos<br />

ir, devi<strong>do</strong> ao preenchimento de lacunas sentimentais<br />

por pessoas que desconhecemos.<br />

Os compromissos <strong>do</strong> coração têm exigências<br />

delineadas por normas de conduta que não permitem o<br />

encontro desses amores fora das horas onde se reúnem<br />

para desempenhar papéis no cenário social.<br />

Quanta vontade de permanecerem juntos naqueles<br />

recintos públicos que o tempo marca, numa despedida<br />

silenciosa, no final da jornada de trabalho, dia após dia!<br />

(37) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto III – Capítulo VIII – pp. 86, 87, 88, 89 –<br />

Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia<br />

Brasileira de Letras.


FERNANDO PINHEIRO - 82<br />

Numa atmosfera azulada nasce o encanto da<br />

vida que abranda os acidentes <strong>do</strong> caminho. O amor se<br />

expande em profusão como as espumas das cachoeiras e<br />

<strong>do</strong>s rios que desembocam no mar.<br />

São sagra<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os laços que sustentam a<br />

convivência <strong>do</strong>s amores, tanto no lar como no trabalho;<br />

cada qual em espaços adequa<strong>do</strong>s, mas não longe <strong>do</strong><br />

tempo que os envolve sem amarras.<br />

Se fôssemos buscar as raízes <strong>do</strong>s sentimentos<br />

<strong>do</strong>s amores, o momento atual, onde to<strong>do</strong>s os interesses<br />

estão concentra<strong>do</strong>s, se perderia na contagem <strong>do</strong> tempo.<br />

Liga<strong>do</strong>s à perenidade <strong>do</strong> amor, podemos dizer que<br />

chegamos antes de qualquer fato novo. Não importa a<br />

preocupação <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, <strong>do</strong> presente e <strong>do</strong> futuro, basta<br />

o momento que se eterniza.<br />

Se há amores-perfeitos, miosótis azuis,<br />

margaridas amarelas, rosas cor-de-rosa, há também os<br />

lírios vesti<strong>do</strong>s de lama à espera da chuva que revelará<br />

a brancura que possuem.<br />

Na visão emocional, nos deslumbramos com o<br />

olhar <strong>do</strong>ce, o gesto de ternura, o andar que passa<br />

deixan<strong>do</strong> traços invisíveis que nos marcam com letras de<br />

fogo.<br />

A poesia, o sonho, o amor nos acompanham em<br />

to<strong>do</strong>s os lugares por onde vamos. Os amores enterneci<strong>do</strong>s<br />

nos estimulam a acreditar naquilo que sentimos.<br />

Se a nossa vida se resumisse na plenitude <strong>do</strong>s<br />

amores que encontramos, o círculo da felicidade seria tão<br />

pequenino. Há lacunas a serem preenchidas no campo<br />

<strong>do</strong>s sentimentos e outros amores, que ainda não foram


83 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

desperta<strong>do</strong>s, esperam uma palavra de carinho, um gesto<br />

singular que lhes permitem identificar quem somos.<br />

Todas as pessoas que estão conosco, não importa<br />

conferir o tempo, as situações que fazem parte <strong>do</strong> nosso<br />

viver, os jardins e os pântanos são manifestações da vida,<br />

reveladas claramente ou ainda há um tempo de plantar,<br />

antes da colheita que abastecerá todas as carências por<br />

onde passamos.<br />

No clima da certeza <strong>do</strong> amor, a canção <strong>do</strong> exílio<br />

(palmeiras, sabiá, saudades), ainda tocada em blues que<br />

lembram a namorada, os amores e a terra distante <strong>do</strong><br />

solda<strong>do</strong> americano, será transformada, algum dia, num<br />

canto de louvor aos amores que se encontram em todas<br />

as searas.<br />

<br />

No círculo que abrange nossas ações, somos<br />

impulsiona<strong>do</strong>s a ficar perto das pessoas que atraímos com<br />

os pensamentos.<br />

Necessita<strong>do</strong>s de participar de acontecimentos<br />

que nos estimulam a ter uma convivência mais próxima,<br />

conhecemos pessoas que vêm preencher lacunas que<br />

sentíamos desde quan<strong>do</strong> os nossos sonhos eram<br />

pequeninos pensamentos esparsos.<br />

Na aproximação o gosto suave <strong>do</strong> namoro não<br />

ultrapassa as fronteiras <strong>do</strong> nosso mun<strong>do</strong> íntimo e<br />

desconhecemos aquele amor que não soube se expressar.<br />

As impressões <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> recrudescem com<br />

tintas novas no panorama aberto pelas decisões que<br />

rompem romances recém–idealiza<strong>do</strong>s.


FERNANDO PINHEIRO - 84<br />

Diante de uma onda que dissipa a realização de<br />

sonhos em comum, vemos muitos casais passarem por<br />

experiências que irão servir como aprendiza<strong>do</strong> de vida.<br />

Isto não quer dizer que há a obrigatoriedade de<br />

conviverem juntos o tempo to<strong>do</strong>. Aliás, na natureza, a<br />

espontaneidade e o amor se expandem em manifestações<br />

que se expressam em cores, sons e belezas imperecíveis.<br />

Responsabilidade e aban<strong>do</strong>no se misturam em<br />

medidas que estabilizam o momento oscilante em que os<br />

pares se encontram.<br />

Ficar perto ou longe vai sofren<strong>do</strong> variações que<br />

podem estabelecer um ritmo razoável de equilíbrio para<br />

quem vai viven<strong>do</strong> a vida a sós, depois <strong>do</strong>s carinhos que<br />

pareciam sem fim.<br />

Situações de embaraço requerem o emprego da<br />

inteligência, com o esquecimento das paixões das primeiras<br />

noites que eram motivos para aquecer um clima que<br />

diminuiu com a realidade <strong>do</strong> jogo de forças.<br />

A orientação inteligente para aqueles que<br />

passam por esses momentos de reflexão é a harmonia<br />

a ser buscada dentro de si. E depois reconhecer que<br />

o importante é se desligar <strong>do</strong>s liames que trazem entrave<br />

à sua evolução espiritual.<br />

A busca da harmonia propicia a apreciação das<br />

ligações efetivamente verdadeiras que se estabelecem nos<br />

níveis superiores da consciência, onde reina o amor. É<br />

de lá que nos chega um referencial maior – a família<br />

espiritual – que pode ser ampliada nos lugares por<br />

onde passamos.


85 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Quan<strong>do</strong> o homem se imanta na energia que o<br />

envolve e se manifesta em toda a natureza, ele reconhece<br />

em cada ser vivo um companheiro de jornada evolutiva,<br />

com as características de uma só família.<br />

As mudanças <strong>do</strong> grau evolutivo <strong>do</strong> planeta<br />

atingem a ordem social, notadamente a família, onde<br />

o casamento, na maioria das vezes, é apenas uma<br />

experiência para se observar como será uma vida feliz<br />

que terão juntos aqueles que trazem amor em seus<br />

corações.<br />

Enquanto o homem se apegar aos embaraços de<br />

um amor não correspondi<strong>do</strong>, a ilusão de que poderá<br />

conquistá-lo pode diminuir suas forças no avanço que<br />

deve fazer.<br />

A evolução é o ritmo <strong>do</strong> tempo. Ninguém pode<br />

ficar deti<strong>do</strong> em circunstâncias monótonas. A vida é<br />

sempre movimento. Seguir adiante é a nossa meta.<br />

Na harmonia que se expande de nosso ser,<br />

estabelecemos uma ligação com aqueles que nos amam<br />

reconhecen<strong>do</strong> a família da qual participamos.


11<br />

FERNANDO PINHEIRO - 86<br />

A CURA DO CEGO DE NASCENÇA<br />

Picture: Healing the blind man by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />

Inspirada em João, 9:1 a 41, Amélia<br />

Rodrigues (Espírito) narra, no livro Trigo de Deus,<br />

psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco, a situação em<br />

que estava envolvi<strong>do</strong> o homem cego de nascença:<br />

“A cena incomparável da restituição da vista, ao<br />

cego de nascença, produzira um impacto singular e<br />

poderoso nos que o conheciam.” (45)<br />

(45) AMÉLIA RODRIGUES – in Trigo de Deus, p. 28, psicografa<strong>do</strong> por<br />

Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – 4ª edição – 10/2000 – Livraria Espírita<br />

Alvorada Editora – Salva<strong>do</strong>r – BA.


87 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Acusa<strong>do</strong> o seu benfeitor de ter pratica<strong>do</strong> uma<br />

ação benévola, no dia de sába<strong>do</strong>, o homem cego não se<br />

importunou com os comentários malévolos e disse: “se ele<br />

é peca<strong>do</strong>r, não sei. Era cego e, agora, vejo”. (46)<br />

Naquela época, e posteriormente por muito<br />

tempo, os fariseus e muitos publicanos se evidenciavam<br />

mais pela opinião de seus comparsas, não raro inverídica,<br />

<strong>do</strong> que pelo mérito pessoal. E aqueles cidadãos,<br />

possui<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s eleva<strong>do</strong>s predica<strong>do</strong>s de humildade,<br />

renúncia ao falacioso destaque social, estoicismo no ideal<br />

sublime de servir, parcimônia nos gastos pessoais, eram<br />

considera<strong>do</strong>s fracos.<br />

Sem dúvida, <strong>Jesus</strong> era a antítese <strong>do</strong> sonho<br />

judeu que esperava um liberta<strong>do</strong>r das garras da águia<br />

romana. Ele veio na condição de lídimo liberta<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

espírito das algemas escravocratas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, renitente<br />

aos erros atávicos que ressurgem quan<strong>do</strong> a vontade firme<br />

ao bem ainda vacila e deixa dar vazão as tendências<br />

condicionadas ao comportamento repetitivo.<br />

<br />

Quan<strong>do</strong> pensamos em buscar a cura de nossos<br />

males físicos, devemos antes de tu<strong>do</strong>, compreender<br />

o mecanismo que se estabelece nas vibrações mentais.<br />

(46) JOÃO, 9:25


FERNANDO PINHEIRO - 88<br />

Manter em esta<strong>do</strong> permanente a tranquilidade<br />

é o hábito que buscamos conservar durante o nosso<br />

viver. No entanto, em algumas ocasiões, sentimo-nos<br />

acometi<strong>do</strong>s de uma <strong>do</strong>r de cabeça, <strong>do</strong>r no peito, com<br />

náuseas e ficamos surpreendi<strong>do</strong>s com o que aconteceu<br />

conosco.<br />

De mo<strong>do</strong> geral, nesses casos, procuramos um<br />

médico e uma farmácia para adquirir os remédios que<br />

aliviarão a <strong>do</strong>r física que sentimos.<br />

Muitas vezes, esses males são de natureza<br />

espiritual ou emocional. Vivemos num mun<strong>do</strong> cerca<strong>do</strong> de<br />

vibrações mentais de pessoas que nos espreitam com<br />

múltiplos motivos e, dentre os quais, há os que nasceram<br />

da inconformação, <strong>do</strong> descontentamento e da inveja.<br />

Num mun<strong>do</strong> de renovação nos comportamentos<br />

humanos são elimina<strong>do</strong>s lixos mentais – a exemplo da<br />

correnteza de enchentes de chuva – muitas escórias<br />

descem por água abaixo.<br />

Os expurgos mentais da higienação <strong>do</strong> planeta<br />

ocorrem a cada instante. Na essência da vida, não há<br />

mal naquilo que causa transtorno na vida das pessoas.<br />

Tu<strong>do</strong> nos chega como lição. Quan<strong>do</strong> vemos<br />

cair o telha<strong>do</strong> da casa <strong>do</strong> vizinho, fortalecemos o nosso<br />

com vigas–mestras.<br />

Quan<strong>do</strong> alguém sente um mal-estar, no trabalho<br />

ou nos lugares onde permanece algumas horas ou<br />

instantes, denota que houve uma predisposição de seus<br />

centros de força para atrair as vibrações desarmoniosas<br />

daqueles que precisam ser esclareci<strong>do</strong>s.


89 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

O Universo é um centro de forças magnéticas<br />

onde gravitam as correntes que formam o conjunto<br />

harmonioso <strong>do</strong> equilíbrio, direcionan<strong>do</strong> sempre a lacuna<br />

para o respectivo preenchimento, dentro da igualdade das<br />

forças que se completam.<br />

Assim, a vibração <strong>do</strong> inconformismo, emitida<br />

nos planos da vida, vai parar naqueles que podem<br />

informar, consolar, espalhar esperanças, mesmo não sen<strong>do</strong><br />

responsáveis pelos embaraços que surgem.<br />

Tu<strong>do</strong> está mergulha<strong>do</strong> nas leis <strong>do</strong> equilíbrio,<br />

embora haja lacunas a serem preenchidas somente<br />

quan<strong>do</strong> chegar o tempo adequa<strong>do</strong>, como o nascimento<br />

das flores, <strong>do</strong>s frutos, <strong>do</strong>s pássaros, <strong>do</strong>s animais e de<br />

tu<strong>do</strong>, enfim.<br />

Estamos no mun<strong>do</strong> para servir. Desenvolvemos<br />

a nossa sensibilidade para estarmos em contato com as<br />

fontes que irradiam o amor e a sabe<strong>do</strong>ria, buscan<strong>do</strong><br />

primeiramente esses recursos dentro de nós.<br />

Aqueles que se sentem acometi<strong>do</strong>s de males<br />

físicos, sensíveis à <strong>do</strong>r alheia, podem estar certos de<br />

que estão a serviço da harmonia <strong>do</strong> ambiente em que<br />

vivem, embora isto lhes custe um aprendiza<strong>do</strong> amargo<br />

por desconhecer as forças íntimas capazes de neutralizar<br />

to<strong>do</strong> o mal físico ou emocional.<br />

Com os centros energéticos, que trazemos no<br />

íntimo, fortaleci<strong>do</strong>s pelas nossas atitudes de amor, nos<br />

sentimos felizes em servir aqueles que nos chegam, pela<br />

corrente invisível <strong>do</strong> pensamento, encaminhan<strong>do</strong>-os aos<br />

lugares onde reina a paz.


12<br />

BARTIMEU<br />

FERNANDO PINHEIRO - 90<br />

Em prosseguimento a narrativa de Amélia<br />

Rodrigues na obra Trigo de Deus, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong><br />

Pereira Franco, eis a situação em que estava envolvi<strong>do</strong> o<br />

homem cego de nascença; não era Bartimeu, o cego de<br />

Jericó, de que falaremos em seguida:<br />

“A cena incomparável da restituição da vista,<br />

ao cego de nascença, produzira um impacto singular e<br />

poderoso nos que o conheciam.<br />

Haven<strong>do</strong> nasci<strong>do</strong> nas sombras da cegueira, o jovem<br />

tornara-se mendigo. Exibia sua aflição à misericórdia <strong>do</strong>s<br />

passantes, que o consideravam filho <strong>do</strong> peca<strong>do</strong>.


91 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Preconceituoso, na sua imensa ignorância, o povo,<br />

à época, desdenhava os enfermos e considerava-os<br />

puni<strong>do</strong>s por Deus. A impiedade, dessa atitude decorrente,<br />

caracterizava os eleitos que, dia a dia, mais se distanciavam<br />

<strong>do</strong> objetivo sagra<strong>do</strong> da vida, que é o amor.<br />

Com a escudela na mão, o infortuna<strong>do</strong> suplicava ajuda,<br />

até o momento em que <strong>Jesus</strong> o resgatou da treva exterior.<br />

Pode-se-lhe imaginar o júbilo, a emoção.<br />

Apresentara-se à família e aos amigos, dan<strong>do</strong> a<br />

notícia feliz. Nunca, porém, esperava reação em contrário.<br />

Não conhecia os homens, ignorava o mun<strong>do</strong>.<br />

Como o evento sucedera-se em um sába<strong>do</strong>, a hipocrisia<br />

farisaica convocou-o a depoimento e inquirição sórdida,<br />

assinalada por ameaças, desprezo da sua palavra e dúvida<br />

quanto à evidência de que fora porta<strong>do</strong>r.<br />

Os pais acovarda<strong>do</strong>s ante a truculência pre<strong>do</strong>minante<br />

nos poderosos, quan<strong>do</strong> interroga<strong>do</strong>s, responderam que o<br />

jovem, sim, era seu filho, que nascera cego, porém, como<br />

sucedera a cura, não sabiam, somente ele o poderia<br />

informar com segurança, pois já era responsável por si<br />

mesmo, tinha idade para depor.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, ele repetiu com riqueza de detalhes e<br />

ingenuidade, como ocorrera o fato liberta<strong>do</strong>r.<br />

Insta<strong>do</strong> a afirmar que <strong>Jesus</strong> era peca<strong>do</strong>r, não teve<br />

alternativa em discrepar <strong>do</strong>s arrogantes, indagan<strong>do</strong>,<br />

como poderia alguém que não fosse de Deus realizar o<br />

que Ele conseguira.<br />

E, inesperadamente, perguntou-lhes se queriam ser<br />

Seus discípulos.


FERNANDO PINHEIRO - 92<br />

A resposta e a pergunta lúcida, chocan<strong>do</strong> os seus<br />

algozes, fizeram que o expulsassem da sinagoga.” (47)<br />

Dentre tantas outras curas de cego de nascença,<br />

realizadas por <strong>Jesus</strong>, destacamos a de Bartimeu, em<br />

Jericó. A respeito, Amélia Rodrigues, inspirada no<br />

Evangelho, narra no livro Pelos Caminhos de <strong>Jesus</strong>,<br />

psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco:<br />

“Havia, em Jericó, um conheci<strong>do</strong> mendigo, filho de<br />

Timeu, por isso chama<strong>do</strong> Bartimeu, que era cego. (*)<br />

– “<strong>Jesus</strong>, Filho de Davi, tem piedade de nós”.<br />

– Que queres que te faça”, inquiriu <strong>Jesus</strong>.<br />

– Rabboni, que eu veja!”, respondeu-lhe o cego.<br />

– Vai, a tua fé te salvou.”<br />

“Bartimeu não teve tempo sequer para reflexionar,<br />

pois a voz, vibrante e rica de harmonias, penetran<strong>do</strong>-lhe<br />

a acústica da alma, fez que lhe explodisse a claridade nos<br />

olhos apaga<strong>do</strong>s e ele enxergou.<br />

A <strong>luz</strong> <strong>do</strong>urada <strong>do</strong> Sol, o verde da vida, as cores<br />

variadas da festa <strong>do</strong> dia e <strong>do</strong> sorriso <strong>do</strong>s homens,<br />

<strong>do</strong>minaram-no, impon<strong>do</strong> a sinfonia das lágrimas.<br />

À <strong>do</strong>r <strong>do</strong> momento inusita<strong>do</strong> fez-se a adaptação e<br />

a alegria da visão em festa de beleza.<br />

(47) AMÉLIA RODRIGUES – in Trigo de Deus, pp. 28 e 29, psicografa<strong>do</strong><br />

por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – 3ª edição – 1999 – Livraria Espírita<br />

Alvorada Editora – Salva<strong>do</strong>r – BA.<br />

(*) MARCOS, 10:48 a 53


93 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Quan<strong>do</strong> ele quis agradecer, o Mestre se havia<br />

afasta<strong>do</strong>.<br />

Nunca Ele recebia o reconhecimento <strong>do</strong>s beneficiários<br />

<strong>do</strong> Seu Amor.<br />

Bartimeu é o símbolo <strong>do</strong>s cegos espiritualmente, em<br />

to<strong>do</strong>s os tempos.<br />

Jericó é ainda o mun<strong>do</strong> moderno.<br />

Pede-se-Lhe que cure e recusa-se a saúde que Ele<br />

oferece.<br />

Anela-se pela Sua presença, enquanto Ele é repeli<strong>do</strong><br />

pela astúcia e ambição humana.<br />

Buscan<strong>do</strong> a paz que Ele representa, os homens<br />

fomentam a guerra em que se consomem.<br />

São os cegos espirituais que têm <strong>Jesus</strong> e, porque<br />

sem fé, não O buscam, ou, quan<strong>do</strong> Ele chega, rejeitam-nO.<br />

Esta é a cegueira maior e pior, porque da alma<br />

rebelde, ingrata e insatisfeita.” (48)<br />

(48) AMÉLIA RODRIGUES – in Pelos Caminhos de <strong>Jesus</strong>, pp. 102, 103 –<br />

1ª edição – 1988 – psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco –<br />

Livraria Espírita Alvorada Editora – Salva<strong>do</strong>r – BA.


13<br />

A CURA DE UM LEPROSO<br />

FERNANDO PINHEIRO - 94<br />

Experimentava o desprezo de seus compatriotas<br />

que lhe segregavam o convívio, alojan<strong>do</strong>–o no Vale <strong>do</strong>s<br />

Imun<strong>do</strong>s. Teve notícias daquele profeta da Galiléia que<br />

curou muitos leprosos. (49)<br />

Agora, reencontran<strong>do</strong>–o de passagem por<br />

Jerusalém, disse: “Senhor, se quiseres, bem podes<br />

limpar–me!”. Havia, na inflexão da voz, uma súplica. A<br />

esperança brotava, em seu ser mais profun<strong>do</strong>, como se<br />

fosse aquele dia a oportunidade única de ficar cura<strong>do</strong>.<br />

(49) MARCOS, 1:40 a 44 LUCAS, 7:13 a 19


95 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Sentin<strong>do</strong> a <strong>do</strong>r daquele irmão, o Mestre<br />

apie<strong>do</strong>u–se e, estenden<strong>do</strong> a mão, tocou–o e disse–lhe:<br />

“quero, sê limpo”. No mesmo instante, os teci<strong>do</strong>s<br />

degenera<strong>do</strong>s se recompuseram, voltan<strong>do</strong> à normalidade.<br />

A lepra desapareceu.<br />

Impressiona<strong>do</strong> com o seu novo esta<strong>do</strong> de saúde<br />

e, para<strong>do</strong>, em êxtase, diante da grandeza radiante<br />

<strong>do</strong> Mestre, o leproso, acanha<strong>do</strong>, balbucian<strong>do</strong>, parecia<br />

perguntar: “que devo fazer, agora, Senhor?”<br />

“Não digas a ninguém”, respondeu <strong>Jesus</strong>,<br />

“mas, vai mostrar–te aos sacer<strong>do</strong>tes e oferece pela tua<br />

purificação o que Moisés determinou, para que lhes<br />

servir de testemunho”.<br />

Amélia Rodrigues,<br />

<br />

no livro Primícias <strong>do</strong> Reino,<br />

psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco, relata o texto<br />

final deste episódio e o comenta à <strong>luz</strong> da sabe<strong>do</strong>ria:<br />

“O Estranho Rabi tornara–se diáfano. Uma beleza<br />

incomparável dEle se irradiava. Parecia sorrir.<br />

A turba acercou–se, muda de espanto, e constatou–lhe<br />

a cura.<br />

Estuante, emoções em desalinho, saiu a correr.<br />

Mente em torvelinho, coração descompassa<strong>do</strong>, voltava<br />

à cidade...<br />

Antes, a pedradas fora expulso. Agora, cantan<strong>do</strong><br />

felicidade, retornava.<br />

Pelo caminho, no entanto, sem poder guardar silêncio,<br />

contava o prodígio de que fora objeto.


FERNANDO PINHEIRO - 96<br />

A noite caíra sem preâmbulos.<br />

À <strong>luz</strong> das estrelas longínquas o Mestre reuniu os<br />

discípulos, em agradável aconchego.<br />

Chega<strong>do</strong> a hora <strong>do</strong> repasto e preparada a fogueira<br />

aquece<strong>do</strong>ra, foram distribuí<strong>do</strong>s pão e peixe defuma<strong>do</strong>.<br />

Acercan<strong>do</strong>–se <strong>do</strong> Rabi, Simão indagou curioso:<br />

– Seria necessário que o leproso pagasse o tributo?<br />

– À lei, os respeitos de justiça, respondeu <strong>Jesus</strong>.<br />

E desejan<strong>do</strong> esclarecer os companheiros não refeitos<br />

da grande emoção, prosseguiu:<br />

– Legalmente, ele estava morto. Trazi<strong>do</strong> à vida, por<br />

mercê de Nosso Pai, deverá ser reconheci<strong>do</strong> por aqueles<br />

que representam a tradição. O tributo, não entendemos<br />

como pagamento ou louvor, puro e simples, mas como<br />

expressão de testemunho de reingresso nos estatutos <strong>do</strong>s<br />

homens.<br />

Espicaça<strong>do</strong> pela curiosidade, André indagou:<br />

– Será justa a recomendação de silêncio? Não<br />

se faz necessário que to<strong>do</strong>s identifiquem os sinais da<br />

Mensagem de Vida, para que se disponham ao Reino de<br />

Deus que está próximo?<br />

O Mestre espraiou os olhos em derre<strong>do</strong>r, como a<br />

delimitar os sítios onde se encontrava, e redarguiu:<br />

– Não transcorreu muito tempo, eu vos falei que sois<br />

o sal da Terra... Para que serve o sal se perde o sabor?<br />

Diluin<strong>do</strong>–se no repasto, o sal se faz presente sem alarde<br />

e to<strong>do</strong>s o podem identificar...<br />

E depois de uma breve pausa como se desejasse<br />

caracterizar melhor os dias próximos, esclareceu:


97 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

– O Reino <strong>do</strong>s Céus não fará nota<strong>do</strong> pelas atrações<br />

externas. A Terra sempre foi rica de homens e mulheres<br />

prodigiosos, profetas e rabis, cura<strong>do</strong>res e adivinhos. Acima<br />

deles to<strong>do</strong>s, no entanto, o Filho <strong>do</strong> Homem há vela<strong>do</strong>.<br />

E esclarecen<strong>do</strong> melhor os discípulos incipientes,<br />

prosseguiu:<br />

– O leproso de hoje contaminou–se espiritualmente<br />

em pretérito próximo. Ontem, soberbo e egoísta, banhou–se<br />

nas lágrimas <strong>do</strong>s oprimi<strong>do</strong>s, abusan<strong>do</strong> <strong>do</strong> corpo como os<br />

ventos bravios das tamareiras solitárias. Retornou aos<br />

caminhos de tormento em si mesmo atormenta<strong>do</strong>, para<br />

ressarcir penosamente. O lega<strong>do</strong> que hoje recebeu é de<br />

responsabilidade antes que de merecimento. O Pai<br />

misericordioso não deseja a punição <strong>do</strong> filho rebelde ou<br />

ingrato, mas a sua renovação...<br />

Como se consultasse o leve cicio da noite, arrematou<br />

com um acento de tristeza na voz:<br />

– Nem to<strong>do</strong>s, porém, podem isto compreender.<br />

“Neste momento, apalpan<strong>do</strong> as carnes refeitas, exibe<br />

o corpo aos curiosos e fala sobre Aquele a Quem<br />

desconhece com alegria e leviandade. A cura mais importante<br />

não a experimentou: é aquela que não se restringe à forma,<br />

e sim ao espírito. Lavada a morféia, ele continua leproso.<br />

Acautelai–vos <strong>do</strong> contágio das misérias que os olhos não<br />

veem, mas que entenebrecem a razão e perturbam o<br />

coração...”<br />

Simão, desejan<strong>do</strong> mais esclarecimentos, inquiriu<br />

com respeito:


FERNANDO PINHEIRO - 98<br />

– Rabi, se o <strong>do</strong>ente não se pôde beneficiar com a<br />

cura, ter–lhe–ia si<strong>do</strong> esta de utilidade?<br />

– Simão, – respondeu, bon<strong>do</strong>so, <strong>Jesus</strong> – o Reino <strong>do</strong>s<br />

Céus é uma mensagem de amor para to<strong>do</strong>s: desalenta<strong>do</strong>s<br />

e sofre<strong>do</strong>res, atormenta<strong>do</strong>s e enfermos to<strong>do</strong>s receberão o<br />

convite de acor<strong>do</strong> com as suas necessidades. A nós compete<br />

espalhar as dádivas de <strong>luz</strong> e bençãos, sem a preocupação<br />

imediata de como serão recebidas ou utilizadas. Cada<br />

coração é responsável pelas sementes que recolhe. Fruin<strong>do</strong> a<br />

dádiva de <strong>luz</strong>, pode escolher onde entesourar as esperanças.<br />

O Sol espraia vida em to<strong>do</strong> lugar, indistintamente e,<br />

embora o pântano continue pútri<strong>do</strong>, o astro rei insiste sobre<br />

o seu <strong>do</strong>rso, onde a peste e a morte se agasalham,<br />

semean<strong>do</strong> esperança...<br />

Levantou-se e, afastan<strong>do</strong>–se <strong>do</strong> grupo, em silêncio,<br />

mergulhou na noite, e desapareceu.<br />

A montanha continuava envolta em sombras, ao<br />

fun<strong>do</strong>.<br />

Enquanto as gemas <strong>do</strong>s minutos formavam o colar<br />

<strong>do</strong>s séculos, os acontecimentos daquele dia passavam para<br />

os dias <strong>do</strong> amanhã sem–fim...” (50 )<br />

(50) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias <strong>do</strong> Reino, p. 132, 133, 134 –<br />

4ª edição – psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria<br />

Espírita Alvorada Editora – 1987 – Salva<strong>do</strong>r – BA.


99 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

14<br />

A CURA DOS DEZ LEPROSOS<br />

Atravessan<strong>do</strong> a fronteira da Samaria e Galiléia,<br />

a caminho de Jerusalém, <strong>Jesus</strong> e seus discípulos<br />

conseguiram chegar a uma pequena aldeia cercada por<br />

uma escassa vegetação.<br />

Ouviram, então, uma voz rouca e desfalecida:<br />

“<strong>Jesus</strong>, Mestre, tem misericórdia de nós”.<br />

O Mestre olhou aqueles seres humanos, mutila<strong>do</strong>s<br />

pela lepra, que lhe revelaram a decomposição gradual em<br />

que se entregaram.<br />

Um sentimento de profunda compaixão saía <strong>do</strong><br />

seu rosto ilumina<strong>do</strong>, ressaltan<strong>do</strong>–lhe a aura resplandecente<br />

que emitiu irradiações da mais pura energia capaz<br />

de operar a cura daqueles homens embaraça<strong>do</strong>s nos<br />

desencantos.


FERNANDO PINHEIRO - 100<br />

O impulso das vibrações salutares, ao penetrar o<br />

campo magnético danifica<strong>do</strong> por outras vibrações diferentes,<br />

desperta as forças íntimas <strong>do</strong> paciente que passa a fazer<br />

a sua própria cura. Daí, a compreensão das sábias<br />

palavras <strong>do</strong> Mestre “a tua fé te salvou” que tem uma<br />

conotação íntima com o nosso argumento.<br />

É por isso que os semea<strong>do</strong>res das blandícias <strong>do</strong><br />

paraíso reconhecem a vocação que possuem ao distribuir<br />

os talentos que inspiram o bom ânimo aos desalenta<strong>do</strong>s,<br />

a alegria aos tristes e o estímulo da saúde aos enfermos.<br />

Em to<strong>do</strong>s os lugares e em todas as épocas, o<br />

homem sempre recebeu auxílio para crescer em sabe<strong>do</strong>ria<br />

e amor que eliminam to<strong>do</strong>s os obstáculos da caminhada.<br />

Nas roupagens <strong>do</strong> sofrimento, ele possui um<br />

aspecto desola<strong>do</strong>r: o espírito exteriormente enfermo e<br />

degradante transmite ao corpo físico a sua fisionomia<br />

transitória. Mas, bem no íntimo dessa presença cósmica<br />

imortal, há uma fonte inesgotável de energias que podem<br />

plasmar as mais belas manifestações que, igualmente, se<br />

refletirão no corpo.<br />

Por conhecer, com clareza, essa verdade, o Mestre<br />

aju<strong>do</strong>u aqueles irmãos em difíceis provas a recompor a<br />

saúde e lhes disse: “ide, e mostrar–vos aos sacer<strong>do</strong>tes”.<br />

Conclui a narrativa de Lucas: “<strong>Jesus</strong> perguntou:<br />

não foram dez os que foram limpos? Onde estão os nove?<br />

Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, senão<br />

este estrangeiro? Então lhe disse: levanta–te, e vai; a<br />

tua fé te salvou.” (51)<br />

(51) LUCAS, 17:11 a 19


101 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

A cura <strong>do</strong>s dez leprosos faz–nos pensar a respeito<br />

<strong>do</strong> caminhar <strong>do</strong> homem. Os padecimentos humanos têm<br />

a sua origem no desconheci<strong>do</strong>. Se o homem descobrisse a<br />

sua identificação no cenário <strong>do</strong> Cosmos, saberia o caminho<br />

que conduziria ao seu objetivo.<br />

A criança diante da borboleta, o índio diante<br />

<strong>do</strong>s animais selvagens identificam a finalidade <strong>do</strong>s<br />

encontros. Nenhum <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is fica assusta<strong>do</strong> ao se defrontar<br />

com as espécies diferentes.<br />

A cada instante, o ser humano tem oportunidade<br />

de entrar em contato com seus semelhantes. Algumas<br />

vezes, ele pode programar os encontros, mas em outras<br />

não tem tempo de pensar como agir nas horas <strong>do</strong><br />

imprevisto. Tu<strong>do</strong> vai depender <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> emocional em<br />

que se encontra.<br />

Ocorrências e fatos conturba<strong>do</strong>s acerca das<br />

oscilações das atividades humanas nos chegam como<br />

se fossem ventos fortes antes da chuva. Muitos são<br />

surpreendi<strong>do</strong>s e leva<strong>do</strong>s por essa onda invisível que renova<br />

os ambientes.<br />

Homens imprevidentes mudam de lugar, por<br />

força das circunstâncias que vão passan<strong>do</strong>, arrastan<strong>do</strong> aos<br />

lugares em que eles se posicionaram mentalmente. Quem<br />

tem me<strong>do</strong> vai para o lugar onde o me<strong>do</strong> está; quem<br />

tem ânimo firme ultrapassa os obstáculos, avançan<strong>do</strong>.<br />

Quem busca a beleza a encontra, reforçan<strong>do</strong> a<br />

disposição de vê-la brilhar cada vez mais. Quem a buscou<br />

pelos caminhos <strong>do</strong> desvio, mesmo assim a encontrará<br />

em formas que lhe despertem que ela existe. Quem já<br />

se identificou com o movimento renova<strong>do</strong>r da Criação vê


FERNANDO PINHEIRO - 102<br />

que em tu<strong>do</strong> há beleza. A evolução se manifestan<strong>do</strong> em<br />

seus reinos, sem que nenhum esteja certo ou erra<strong>do</strong> em<br />

relação ao que se interliga.<br />

A evolução é progressiva. De sintomas de<br />

sensibilidade oriun<strong>do</strong>s desde os minerais, vegetais e<br />

animais, eclode no ponto máximo da inteligência<br />

que deslinda os enigmas <strong>do</strong> caminhar, facultan<strong>do</strong> ao<br />

homem a capacidade de compreender a vida. Mas, até<br />

que se afirme nesta postura, experimenta os apelos e<br />

tendências de sua natureza animal, que desviam seus<br />

objetivos sagra<strong>do</strong>s a roteiros onde a permissividade corre<br />

livre, ainda não convertida totalmente ao mun<strong>do</strong> da<br />

razão, hoje ampliada nas vertentes da inspiração.<br />

Inconforma<strong>do</strong> se rebela contra situações que<br />

lhe promovem o reajuste com o meio em que vive e,<br />

intoxica<strong>do</strong> de pensamentos em desequilíbrio, busca as<br />

bebidas, o sexo a qualquer preço, as viagens onde tem<br />

pouco a aprender. Engana<strong>do</strong> pelos risos de quem<br />

igualmente busca companhia, não sabe entender o amor<br />

em suas nascentes cristalinas e deturpa as amizades que<br />

lhe poderiam acalmar seus anseios, recain<strong>do</strong> sempre à<br />

desilusão e desencantos.<br />

Quan<strong>do</strong> põe em prática os <strong>do</strong>ns que o<br />

Cria<strong>do</strong>r lhe deu para que se aproxime a Ele e goze <strong>do</strong>s<br />

deleites da felicidade interminável, os padecimentos que<br />

lhe faziam vítima desaparecem por completo.<br />

Há estímulos incessantes ao homem na busca<br />

dessa felicidade, sem apego a terceiros que podem lhe<br />

trazer saudades, tristeza e desolação. A força, que faz<br />

movimentar seu corpo físico e as correntes <strong>do</strong> seu<br />

pensamento, vem <strong>do</strong> espírito que o reveste na caminhada<br />

terrena.


103 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

15<br />

PAULUS, O CENTURIÃO<br />

O canto III da obra Anchieta ou o Evangelho nas<br />

Selvas, de Fagundes Varella, é pertinente ao assunto.<br />

“Já de Cafarnaum ao longe avista<br />

As verdes eminências matizadas<br />

De florentes arbustos, quan<strong>do</strong> chega<br />

Ofegante ancião a seu encontro.<br />

– Creio em vosso poder, Senhor, lhe fala,<br />

Por isso corro a vos buscar, ouvi-me:<br />

Um bom centurião suspira aflito<br />

De moribun<strong>do</strong> servo à cabeceira;<br />

Sabe quanto valeis... se vós quiserdes...<br />

E embaraça<strong>do</strong> cala-se. – Não temas,<br />

Responde-lhe o Senhor, – que bom obraste,<br />

Mostra-me a hesitação de teu amigo,<br />

Irei ver o <strong>do</strong>ente. E segue o velho.<br />

Mas, o centurião apenas sabe<br />

Que <strong>Jesus</strong> se aproxima, envia logo<br />

Por alguns companheiros, que o rodeiam,<br />

Esta humilde mensagem: – Não sou digno,<br />

Senhor, de entrares em meu pobre asilo;


FERNANDO PINHEIRO - 104<br />

Manda, e meu servo ficará cura<strong>do</strong>.<br />

– Oh! na verdade, o Salva<strong>do</strong>r exclama,<br />

Ao povo se voltan<strong>do</strong>, longe estava<br />

De supor tanta fé por estas terras!<br />

Ide, ordena aos atentos mensageiros,<br />

São achareis de vosso amigo o servo...<br />

Glória ao Filho de Deus! No mesmo instante,<br />

No sombrio aposento, onde inda há pouco,<br />

Sob as garras da morte convulsava,<br />

Ergue-se alegre sobre o morno leito,<br />

Lançan<strong>do</strong> ao chão as grossas coberturas,<br />

O servo redivivo! Um tal prodígio<br />

Liga o centurião à nova crença.” (52)<br />

<br />

A radiosa manhã estendia claridade e<br />

deixava-se ser soprada pelo vento que trazia o cheiro das<br />

algas que se espalhava nas praias. As árvores sacudiam<br />

folhas que faziam desenhos nas sombras no chão.<br />

Situada entre Magdala e Corazin, a bela<br />

Cafarnaum possuía uma fisionomia quase cosmopolita,<br />

transitavam gentes de várias procedências. As vias, que<br />

davam acesso à cidade, eram a estrada de Damasco,<br />

da Ituréia, da Decápole, e da Fenícia. Merca<strong>do</strong>res traziam<br />

especiarias, figos e tâmaras, vinho galileu e queijo de<br />

ovelhas. A pesca era bastante cultivada.<br />

(52) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –<br />

poema – Canto III – Capítulo XXII, pp. 102, 103 – Livraria Imperial<br />

– 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.


105 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Cafarnaum tinha um <strong>do</strong>ce mistério. Quan<strong>do</strong><br />

<strong>Jesus</strong> voltava àquela cidade, sentia seus habitantes<br />

transparecer a singela <strong>do</strong>s campos onde os lírios crescem.<br />

Naquela manhã, um grupo de judeus respeitáveis,<br />

os anciães <strong>do</strong> povo, vai ao encontro de <strong>Jesus</strong> e lhe falou<br />

nesse senti<strong>do</strong>:<br />

“Senhor, viemos em nome <strong>do</strong> centurião, nosso<br />

amigo, para vos dizer que o servo dele está enfermo e<br />

necessita de socorro urgente. Somos gratos ao centurião<br />

pela ajuda que nos deu ao edificar a nossa sinagoga.” (54)<br />

O Mestre, conhecen<strong>do</strong> os sofrimentos humanos,<br />

estendeu àqueles homens, que acreditavam nele, um<br />

olhar lúci<strong>do</strong> e transparente e, num gesto de bondade,<br />

aceitou o convite.<br />

Um clima de contentamento envolve os anciães <strong>do</strong><br />

povo e to<strong>do</strong>s eles ficam agradeci<strong>do</strong>s. Sem perder tempo,<br />

seguem os passos de <strong>Jesus</strong> que ia em frente caminhan<strong>do</strong><br />

com firmeza.<br />

Lá adiante <strong>do</strong> caminho vem outro grupo de<br />

pessoas que, ao chegar perto deles, diz não ser necessário<br />

que vá até lá e transmite as palavras <strong>do</strong> centurião:<br />

“Senhor, não te incomodes, pois não sou digno de que entres<br />

em minha casa. Por isso não me julguei digno de ir ter<br />

contigo. Dize porém uma palavra, e o meu servo será<br />

cura<strong>do</strong>.”<br />

Relatan<strong>do</strong> ainda a mensagem <strong>do</strong> centurião, os<br />

mensageiros concluíram nesse senti<strong>do</strong>: “ele conhece a<br />

hierarquia militar e, ten<strong>do</strong> solda<strong>do</strong> sob seu coman<strong>do</strong>, diz<br />

(54) LUCAS, 7:1 a 10


FERNANDO PINHEIRO - 106<br />

a este: vai e ele vai e a outro: vem e ele vem e ao meu<br />

servo: fazei isto e ele o faz”. Ora, Mestre, se tu ordenares<br />

aos teus discípulos eles farão a tua vontade.”<br />

Recrudescida quase 20 séculos mais tarde, surge<br />

uma atmosfera de tranquilidade e de repouso, nos<br />

movimentos <strong>do</strong> Intróito, comove<strong>do</strong>ramente simples, e <strong>do</strong><br />

Libera me <strong>do</strong> Réquiem, de Giuseppe Verdi, apresenta<strong>do</strong><br />

em 17 de agosto de 2002, pela Orquestra Sinfônica e<br />

Coro <strong>do</strong> Theatro Municipal <strong>do</strong> Rio de Janeiro, sob a<br />

regência <strong>do</strong> maestro Romano Gan<strong>do</strong>lfi, ten<strong>do</strong> como solistas<br />

Cláudia Riccitelli, soprano, Regina Elena Mesquita, mezzosoprano,<br />

Juan Gambina, tenor e Maurício Luz, baixo.<br />

Narra ainda o evangelista Lucas: “Ouvin<strong>do</strong> isto,<br />

<strong>Jesus</strong> se maravilhou dele e, voltan<strong>do</strong>-se, disse à multidão<br />

que o seguia: Digo-vos que nem ainda em Israel achei<br />

tanta fé.”<br />

Os <strong>do</strong>is grupos de mensageiros seguiram rumo<br />

à vivenda <strong>do</strong> centurião para lhe revelarem as palavras<br />

de afirmação daquele homem que curava a to<strong>do</strong>s que a<br />

ele recorriam.<br />

Quan<strong>do</strong> eles estavam se aproximan<strong>do</strong> da<br />

vivenda, uma nuvem de poeira veio surgin<strong>do</strong> lentamente<br />

e, no meio, um vozerio ecoou despertan<strong>do</strong> a atenção das<br />

comitivas. Ali estavam os amigos e familiares <strong>do</strong> centurião<br />

que lhe deram a notícia de que o servo estava cura<strong>do</strong>.<br />

Toda a alegria <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, que poderia conter<br />

num coração, o solda<strong>do</strong> romano a sentia. A confiança<br />

que ele depositou em <strong>Jesus</strong> era grande demais e não<br />

poderia ficar apenas entre os amigos da Sinagoga.


107 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

16<br />

A MULHER PARALÍTICA<br />

Healing at Bethesda by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />

A narrativa de Lucas, o evangelista, no<br />

capítulo 13, refere-se à cura de uma paralítica:<br />

“E ensinava no sába<strong>do</strong>, numa das sinagogas. Estava<br />

ali uma mulher que tinha um espírito de enfermidade,<br />

havia já dezoito anos. Ela estava curvada, e não podia de<br />

mo<strong>do</strong> algum endireitar-se. Ven<strong>do</strong>-a <strong>Jesus</strong>, chamou-a a si,<br />

e lhe disse: Mulher, estás livre da tua enfermidade. Então<br />

ele pôs as mãos sobre ela, e logo ela se endireitou, e<br />

glorificava a Deus.” (55)<br />

(55) LUCAS, 13:10 a 13


FERNANDO PINHEIRO - 108<br />

A enfermidade, que vinha <strong>do</strong> astral inferior,<br />

se manifestava no plano material. Ações <strong>do</strong> passa<strong>do</strong><br />

comprovaram a união entre ambos. Se há infração, há<br />

infrator. O presente recrudesce o passa<strong>do</strong>. As vibrações<br />

deletérias identificam a ligação em que os comparsas<br />

se compraziam. Enfermos estavam ambos: a mulher<br />

paralítica e o espírito de enfermidade.<br />

A caridade de <strong>Jesus</strong> manifestou-se tanto no<br />

plano material como no espiritual. O Mestre, em tom<br />

decisivo, faz o agressor enfermo se retirar da mulher<br />

e lhe comunica a libertação.<br />

A questão é bem delicada porque envolve duas<br />

esferas distintas: a material e a espiritual. Se observarmos<br />

as Sagradas Escrituras, veremos que <strong>Jesus</strong> eluci<strong>do</strong>u o<br />

enigma, em várias oportunidades, indican<strong>do</strong> os rumos<br />

para o caminho da libertação.<br />

<br />

No mesmo passo, podemos apreciar as<br />

observações que surgem no caminhar da humanidade<br />

em busca da evolução.<br />

Durante a vida terrena, o homem vive dentro<br />

<strong>do</strong> padrão vibratório que se coaduna com os seus<br />

interesses. Ele sempre busca aquilo que sente,<br />

encontran<strong>do</strong>-o de forma adequada à sua evolução.<br />

Nas oscilações <strong>do</strong> equilíbrio emocional, há uma<br />

apreciação particular em que ele não compreende o<br />

infortúnio em forma de bençãos e o aprimoramento sadio<br />

em criações futuras de angústia e <strong>do</strong>r.


109 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Essas oscilações existem porque o homem<br />

ainda não aprendeu a se harmonizar. Sem a consciência<br />

de ser o herdeiro natural <strong>do</strong>s <strong>do</strong>ns <strong>do</strong> Cria<strong>do</strong>r, ele<br />

busca evasivas para manter viva a ilusão, iludin<strong>do</strong>-se<br />

e arrastan<strong>do</strong> aqueles que estão liga<strong>do</strong>s a ele por laços<br />

mútuos de responsabilidade.<br />

A ligação perdura enquanto houver alimentação<br />

<strong>do</strong>s interesses em comum, pois a sintonia é força que<br />

une <strong>do</strong>is pontos distantes.<br />

Nesse círculo <strong>do</strong> aprendiza<strong>do</strong> renova<strong>do</strong>r, há<br />

uns que seguem à frente se libertan<strong>do</strong> das algemas<br />

escravizantes e ajudam àqueles que permanecem na<br />

retaguarda.<br />

Mas a grande maioria ainda não conseguiu sair<br />

das imantações psíquicas em que está mergulhada, onde<br />

se compraz com as emoções que se convertem em<br />

instintos grosseiros da animalidade.<br />

A evolução desses seres humanos é lenta, pois<br />

sempre têm ao seu re<strong>do</strong>r companheiros igualmente<br />

ludibria<strong>do</strong>s pela ilusão, capazes de provocarem atritos nos<br />

roteiros de vida que levam, como as espécies inferiores<br />

que lutam para sobreviver.<br />

Há uma combinação invisível de pensamentos<br />

entre os interesses em comum de pessoas que se<br />

aproximam, plasman<strong>do</strong> uma circunstância que se<br />

evidenciará no momento adequa<strong>do</strong>.<br />

Nesse imenso fluxo caminha a humanidade<br />

disseminan<strong>do</strong> seus interesses que tanto buscou no<br />

campo <strong>do</strong> desejo. A literatura é vastíssima, desde os<br />

mais remotos tempos, até os dias de hoje, onde, com o


FERNANDO PINHEIRO – 110<br />

auxílio da informática, as múltiplas atitudes individuais<br />

ou sociais são anotadas.<br />

Em sua caminhada terrena, a humanidade<br />

experimentou toda espécie de desejo. Em to<strong>do</strong>s o reflexo<br />

se cumpriu, determinan<strong>do</strong> que suas buscas foram<br />

encontradas. No meio delas, frustração e realização se<br />

confundem, porque em sua maioria ainda não aprendeu<br />

a escolher o que deseja ou, melhor, a não desejar<br />

aquilo que lhe é destina<strong>do</strong> por direito natural. E,<br />

assim, segue impulsionada pelas circunstâncias que lhe<br />

favorecem o momento, sem saber discernir quais os<br />

aspectos mais relevantes de sua evolução.<br />

Amplian<strong>do</strong> este argumento, o homem, diante<br />

de sua vida, vê pessoas diferentes, numa cronologia<br />

variável, umas alguns minutos, outras alguns dias ou<br />

meses, outras ainda com o tempo mais estendi<strong>do</strong>, sem<br />

saber exatamente a importância que cada uma deveria ter.<br />

Como ele é o realiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> seu destino, busca<br />

aquilo que lhe convém, no conceito imediatista ou não,<br />

e recebe o reflexo de suas ações nas circunstâncias que<br />

lhe são próprias.<br />

No Cosmos não há injustiça, tu<strong>do</strong> se interliga<br />

recompon<strong>do</strong> situações que se engrandecem. No plano<br />

cármico, as leis estão subordinadas ao livre-arbítrio,<br />

pois aqueles que fazem mau uso desta opção não<br />

compreendem ainda a necessidade de conviverem<br />

harmoniosamente com tu<strong>do</strong> que os cerca.<br />

No futuro, no regime das leis superiores em<br />

que, um dia, a Terra será envolvida, o carma coletivo,<br />

que gera sofrimentos, será aboli<strong>do</strong>, como to<strong>do</strong>s os<br />

resquícios de escravidão no campo social e político.


111 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

17<br />

A TEMPESTADE NO MAR<br />

A obra Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de<br />

Fagundes Varella, narra a tempestade no mar:<br />

“Mas, pouco e pouco, as nuvens nacaradas,<br />

Que no céu <strong>do</strong> Ocidente refulgiam,<br />

Conglobam-se rugin<strong>do</strong> e se transformam<br />

Em grossos rolos de funéreo crepe.<br />

Frias lufadas de raivoso vento<br />

Correm <strong>do</strong>bran<strong>do</strong> as árvores <strong>do</strong>s montes,<br />

Erguen<strong>do</strong> turbilhões de folhas secas<br />

Do chão revolto e negro. Aves sinistras<br />

Voam, soltan<strong>do</strong> pios lamentosos,<br />

Em busca de um abrigo. O escuro lago<br />

Encrespa-se, bravejoso, as ondas cerra<br />

Joga de um la<strong>do</strong> e d´outro o pobre lenho,<br />

Sem leme, sem governo, a vela rôta,


FERNANDO PINHEIRO – 112<br />

Alaga<strong>do</strong> o franzino cavername!<br />

E a noite estende lúgubre, me<strong>do</strong>nha,<br />

Sobre a face <strong>do</strong> abismo as amplas asas,<br />

Retalhadas de rápi<strong>do</strong>s coriscos!...<br />

– Nossos esforços são inúteis! Bradam<br />

Tristemente os barqueiros, se agarram<br />

Às tábuas vacilantes esperan<strong>do</strong><br />

A sentença da sorte. Porém, calmo<br />

Como o que <strong>do</strong>rme sobre um leito firme,<br />

Ressona o Salva<strong>do</strong>r deita<strong>do</strong> à popa!<br />

Levantai-vos, Senhor, que nos perdemos!<br />

Gritam seus aterra<strong>do</strong>s companheiros.<br />

Abre os olhos <strong>Jesus</strong>, boceja e senta-se<br />

Sobre a molhada esteira; olhar austero<br />

Lança aos medrosos, trêmulos amigos.<br />

– Onde está a vossa fé? Clama e estenden<strong>do</strong><br />

Para o nubla<strong>do</strong> céu a destra santa,<br />

Serenai! Eu ordeno! exclama. Os ventos<br />

Param na vastidão <strong>do</strong> torvo espaço,<br />

Curvam-se as ondas bravas, irritadas<br />

E, quais humildes cães à voz severa<br />

De severo senhor, o <strong>do</strong>rso abaixam,<br />

E lambem mansamente a escura barca...<br />

Os negrumes dissipam-se, e as estrelas<br />

Aparecem formosas, rutilantes,<br />

Do céu azul nos páramos sublimes!” (56)<br />

(56) FAGUNDES VARELA, Luís Nicolau (1841/1875) – in Anchieta ou O<br />

Evangelho nas Selvas – Obras completas (pp. 107, 108), edição<br />

organizada por Visconti Coaracy – B. L. Garnier, Livreiro Editor –<br />

Rio de Janeiro – 1886 – Acervo: Biblioteca Nacional.


113 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

O entardecer romântico era visto no poente<br />

que formava nuvens cor-de-rosa e avermelhadas e na<br />

brisa que soprava um canto quase imperceptível.<br />

Os discípulos de <strong>Jesus</strong> acercaram-se da praia<br />

onde as ondas correm, se levantam rolan<strong>do</strong> umas sobre<br />

as outras para formarem grandes ondas que vêm<br />

volumosas em murmúrio e, mais na frente, se desfazem<br />

crian<strong>do</strong> rendas de espuma.<br />

A pequena embarcação foi vistoriada por<br />

completo. As velas, os remos, o leme e a rede de pescar<br />

estavam em perfeito esta<strong>do</strong> de conservação.<br />

A comitiva que entrou no barco era composta<br />

exclusivamente pelos discípulos de <strong>Jesus</strong> e tinham a<br />

intenção de alcançar a outra banda <strong>do</strong> mar antes <strong>do</strong><br />

amanhecer.<br />

A noite veio vin<strong>do</strong> silenciosa. A poucos<br />

quilômetros da terra firme, podia-se ver as <strong>luz</strong>es <strong>do</strong>s<br />

lampadários piscarem em pontos diminutos e ao re<strong>do</strong>r<br />

desenhos das montanhas faziam vultos que se<br />

misturavam na escuridão.<br />

A viagem prossegue lentamente. Um instante<br />

depois, <strong>Jesus</strong> foi visto a<strong>do</strong>rmecen<strong>do</strong> na popa <strong>do</strong> barco.<br />

Os discípulos conversam a respeito <strong>do</strong>s ditos e<br />

feitos <strong>do</strong> Mestre numa exclamação de profun<strong>do</strong> respeito e<br />

deslumbramento. As curas de cegos, leprosos, paralíticos<br />

tinham uma ressonância que atingia as fronteiras de<br />

suas almas.<br />

Simão, homem <strong>do</strong> mar, conhece aquelas águas,<br />

aqueles ventos que se formam naquela época <strong>do</strong> ano e<br />

percebe a natural mudança que se faz presente no<br />

tempo que se carrega de nuvens escuras.


FERNANDO PINHEIRO – 114<br />

A apreensão toma conta de to<strong>do</strong>s os viajantes,<br />

menos aquele que <strong>do</strong>rmia. O mar é cerca<strong>do</strong> pelas nuvens<br />

que derramam tempestade fazen<strong>do</strong> sacudir a pequena<br />

embarcação.<br />

Rajadas de água invadem o barco que fica<br />

completamente desgoverna<strong>do</strong>. Suor, chuva forte e água<br />

<strong>do</strong> mar se misturam no rosto de cada um deles.<br />

Sem poderem se conter, os discípulos correm<br />

apressa<strong>do</strong>s ao lugar <strong>do</strong> barco onde <strong>Jesus</strong> estava <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong><br />

e lhe pedem ajuda em súplica carregada de receio.<br />

“Senhor, salvai-nos estamos perecen<strong>do</strong>” (57),<br />

falaram seus discípulos, num coro de vozes improvisa<strong>do</strong>,<br />

despertan<strong>do</strong>-o.<br />

Um relâmpago risca o espaço e to<strong>do</strong>s veem<br />

<strong>Jesus</strong> envolvi<strong>do</strong> na claridade de prata e ouro que se<br />

desfez um segun<strong>do</strong> depois. Ele se ergue e abre os braços.<br />

Numa mentalização sutil, mas profunda, fez<br />

ecoar de seus lábios uma voz enérgica para calar,<br />

emudecer, aquietar os ventos, o mar, a tempestade.<br />

<strong>Jesus</strong> triunfante e a confiança voltou a reinar<br />

no coração <strong>do</strong>s seus discípulos. A embarcação prossegue<br />

estável, firme em águas tranquilas em direção à cidade<br />

de Gerasa.<br />

No tópico <strong>Jesus</strong> acalma a tempestade, o<br />

evangelista Mateus conclui a narrativa: “Aqueles homens<br />

se admiraram, dizen<strong>do</strong>: quem é este homem, que até<br />

os ventos e o mar lhe obedecem?” (58)<br />

(57) MATEUS, 8:25 (58) MATEUS, 8:27


115 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

<br />

Cada época se distingue por suas características.<br />

Seus reflexos atingem a to<strong>do</strong>s como a chuva, o vento,<br />

o sol e as noites de luar.<br />

As etapas <strong>do</strong> tempo estabelecem marcas que<br />

registram acontecimentos que ficam na memória <strong>do</strong>s<br />

povos e civilizações.<br />

As ideias e conceitos que ultrapassam as<br />

fronteiras de cada geração e se mantêm atuais trazem<br />

argumentos que se fundamentam na harmonia <strong>do</strong><br />

Universo. Nestes passos, é muito importante observarmos<br />

o papel que exercemos perante a vida, sempre flexível<br />

naquilo que pensamos e agimos. Construamos o nosso<br />

amanhã.<br />

As oportunidades de refazimento interior vêm<br />

com um tempo conta<strong>do</strong>. A dúvida e a incerteza naquilo<br />

que pensamos fazer, um dia, deixa um vazio que,<br />

mais tarde, terá de ser preenchi<strong>do</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> elaboramos um plano de ação, já<br />

existem as condições favoráveis para o início, embora<br />

haja dificuldades comuns a tu<strong>do</strong> que se expande.<br />

As situações análogas se unem, pensamento a<br />

pensamento, ideia a ideia, numa corrente de interesses<br />

afins. Estamos sempre liga<strong>do</strong>s com aqueles que precisam<br />

se comunicar conosco. Nesses encontros, temos a<br />

oportunidade de verificar, pela apreciação alheia, como<br />

está sen<strong>do</strong> realizada a nossa comunicação de sentimentos.<br />

Vivemos num mun<strong>do</strong> de informações<br />

heterogêneas, pois o campo <strong>do</strong> pensamento é bastante<br />

cultiva<strong>do</strong> por diferentes grupos sociais que marcam<br />

presença em todas as atividades humanas. Nos albores<br />

<strong>do</strong> novo milênio, é de conhecimento geral o declínio da


FERNANDO PINHEIRO – 116<br />

ética atual que dá interpretação desvirtuada da natureza<br />

intrínseca <strong>do</strong> homem.<br />

Mesmo assim, acreditamos no despertar da<br />

eterna primavera no coração de cada criatura humana,<br />

principalmente naquelas que já semeiam a palavra que<br />

deslinda os enigmas <strong>do</strong> caminhar.<br />

Nos lugares onde o vento forte anuncia a<br />

tempestade, vemos a destruição de árvores que foram<br />

tocadas em sua sensibilidade para transmutar a energia<br />

de suas vidas. Nos homens e nas instituições que criam,<br />

sujeitos à lei da evolução contida na natureza inteira,<br />

o mesmo fenômeno acontece.<br />

Essa transmutação ocorre sob diversos aspectos<br />

que se classificam em crise econômica, perdas de<br />

ganhos, desprestígio social e dificuldades para expor<br />

ideias renova<strong>do</strong>ras em campos que foram danifica<strong>do</strong>s pela<br />

emoção desfigurada.<br />

Mesmo que fossem destruí<strong>do</strong>s os rios e os<br />

mares, a água surgiria de algum lugar e se a<br />

humanidade, que se desgasta, chegasse ao fun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

vale, haveria sempre alguém na montanha a indicar<br />

caminhos. No decorrer <strong>do</strong>s milênios, o homem constroi<br />

e destroi o que é transitório e a humanidade faz e<br />

desfaz civilizações, buscan<strong>do</strong> sempre a identificação das<br />

exigências <strong>do</strong> tempo.<br />

A civilização da dualidade caminha para o fim<br />

e a civilização da consciência da Unidade começa a<br />

despertar centenas de milhões de criaturas humanas<br />

que estão se libertan<strong>do</strong> de algemas escravocratas. É<br />

o fim <strong>do</strong> mito de Prometeu, que falsificou o mun<strong>do</strong>,<br />

e o recrudescimento da mensagem de <strong>Jesus</strong> que é a<br />

verdade, o caminho e a vida.


117 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

18<br />

ANOITECER EM GERASA<br />

Antes que anoiteça em Gerasa, a nossa<br />

narrativa é precedida pelo Canto III, de Fagundes Varela,<br />

que se des<strong>do</strong>bra nos planos mais sutis da consciência<br />

humana, onde habitam os seres das paragens bucólicas,<br />

tanto na esfera física quanto na espiritual e, os seres<br />

conflitantes que vivem, transitoriamente, em atrito com a<br />

harmonia <strong>do</strong> Universo, até que sejam desobsedia<strong>do</strong>s pela<br />

<strong>luz</strong> divina.<br />

“Põe-se o sol; <strong>do</strong>s outeiros e <strong>do</strong>s vales<br />

Soltam as avesitas inocentes<br />

Maviosos reclamos: – Vinde, vinde,<br />

Vinde alegres cantores da floresta,<br />

Dizem com seu falar melodioso,


A noite desce e as virações fagueiras<br />

Perfumam nossos ninhos delica<strong>do</strong>s<br />

Dos mais gratos o<strong>do</strong>res <strong>do</strong> deserto;<br />

Da estrela <strong>do</strong> pastor a <strong>luz</strong> suave<br />

O ermo encantará, quan<strong>do</strong> sau<strong>do</strong>sas<br />

Pelo clarão d´aurora suspirarmos! –<br />

Nas bordas <strong>do</strong>s regatos cristalinos<br />

Abrem-se <strong>do</strong>cemente os grandes lírios<br />

E murmuram baixinho: – que mimoso,<br />

Que peregrino, lisonjeiro silfo,<br />

Passa junto de nós, nos beija e foge?<br />

Ai! se voar pudéssemos, felizes<br />

Iríamos brincar nas moles sedas<br />

Onde repousa o beija–flor agora...<br />

Mais longe um pouco, as borboletas negras,<br />

Boêmias vagabundas, pairam, giram,<br />

Descen<strong>do</strong> ao frio chão de espaço a espaço,<br />

Medrosas cochilan<strong>do</strong>: – estamos perto<br />

Do lugar <strong>do</strong> festim? A loira fada,<br />

Cuja varinha nossas danças rege,<br />

Terá da<strong>do</strong> começo ao grande baile?<br />

Descansemos aqui, sobre estas flores<br />

Estendamos as asas de velu<strong>do</strong>,<br />

Banhemo-nos de orvalho e de ambrosia!<br />

Além, de manso lago à superfície,<br />

Na corola <strong>do</strong>s mornos nenúfares,<br />

Ajuntam-se ligeiros vaga-lumes,<br />

De azula<strong>do</strong> clarão iluminan<strong>do</strong><br />

As pétalas macias: – como é belo<br />

Nosso palácio mágico! – murmuram.<br />

– E qual o cavaleiro arma<strong>do</strong> de aço,<br />

Das finas hásteas <strong>do</strong>s compri<strong>do</strong>s juncos,<br />

FERNANDO PINHEIRO - 118


119 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

,<br />

Mira o rijo besouro <strong>luz</strong>idio<br />

O castelo brilhante. – Curiosa,<br />

Como a criança que o perigo afronta,<br />

Fascinada debruça-se a lagarta<br />

Da larga folha onde enroscada vive.<br />

Mais longe ainda, nos sarçais oculto,<br />

Bar<strong>do</strong> da solidão, tristonho canta<br />

O lamentoso grilo; e, além, travessos,<br />

Pulam à flor <strong>do</strong> lago transparente<br />

Os cardumes de pávi<strong>do</strong>s peixinhos,<br />

Ansiosos de ver nos céus tranquilos<br />

As primeiras estrelas radiarem!...<br />

Oh! nessas horas de poesia infinda,<br />

(...) – Apenas descem<br />

O Salva<strong>do</strong>r e os seus à lisa praia,<br />

Quan<strong>do</strong> um grito estridente e pavoroso,<br />

Como rugir de fera em antro escuro,<br />

De imigo sangue pressentin<strong>do</strong> o cheiro,<br />

Abala o espaço e chega a seus ouvi<strong>do</strong>s.<br />

– Céus! – Não temais, olhai a nossa dextra;<br />

Vêde aqueles densos ciparissos? –<br />

Diz o Senhor, – é um cemitério, tristes,<br />

Entre a espessura os túmulos alvejam;<br />

Não distinguis?... – Senhor! – Olhai de novo.<br />

Então da mesta sombra <strong>do</strong> arvore<strong>do</strong>,<br />

Sanguentos membros, retorcida boca,<br />

Lábios cobertos de espumosa baba,<br />

Cheios de lo<strong>do</strong> e cinzas os cabelos,<br />

Um homem seminu surgiu, bramin<strong>do</strong>;<br />

Lançou-se às plantas, arrancan<strong>do</strong> as folhas,<br />

Lançou-se às tumbas, levan<strong>do</strong> as lousas,


FERNANDO PINHEIRO - 120<br />

Arrojou–se no chão morden<strong>do</strong> as pedras,<br />

E nas convulsas mãos esfarelan<strong>do</strong><br />

Torrões calcários, carcomi<strong>do</strong>s ossos!<br />

Depois, ergue-se; gotejava o sangue<br />

Dos pés, <strong>do</strong> peito, <strong>do</strong> inflama<strong>do</strong> rosto;<br />

Volveu à roda as hórridas pupilas<br />

Onde o fogo <strong>do</strong> inferno chamejava,<br />

Rangeu com fúria os dentes, e avistan<strong>do</strong><br />

A poucos passos o Senhor: – Oh! vai–te,<br />

<strong>Jesus</strong>, Filho de Deus, não me atormentes –<br />

Gritou torcen<strong>do</strong> os braços macera<strong>do</strong>s.<br />

– Qual é o teu nome? – o Salva<strong>do</strong>r pergunta:<br />

Responde, que te ordeno! – Uma voz rouca,<br />

Feia e destemperada, não <strong>do</strong>s lábios,<br />

Mas das entranhas fez–se ouvir, e disse:<br />

– Chamo-me – Legião – tua virtude<br />

Reconheço, bem vês, e teu império;<br />

Mas não me obrigues a voltar, te rogo,<br />

À negra estância das eternas <strong>do</strong>res!<br />

Era uma multidão de infensos gênios<br />

Que assim falavam n´uma voz apenas!<br />

Ora, a pouca distância, na planície,<br />

Suja manada de animais imun<strong>do</strong>s<br />

Grunhia revolven<strong>do</strong> a verde relva,<br />

Ven<strong>do</strong>-a, <strong>Jesus</strong>, dirige-se aos demônios:<br />

– Deixai meu pobre servo, ide alojar-vos<br />

Daqueles brutos nos nojentos corpos! –<br />

No mesmo instante a cálida tartárea<br />

Ganha, silvan<strong>do</strong>, a sórdida manada,<br />

Que enfurecida e cega, salta e corre,<br />

Se encaracola, morde-se, esbraveja,


121 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

E galgan<strong>do</strong> um roche<strong>do</strong> íngreme, bronco,<br />

No mais fun<strong>do</strong> das águas se despenha.” (59)<br />

<br />

Identifica<strong>do</strong> o irmão naquele corpo oprimi<strong>do</strong> por<br />

mentes obsessoras da esfera espiritual, o Mestre exortou-as<br />

a sair <strong>do</strong> campo vibratório que pertencia ao outro<br />

enfermo.<br />

Vítima e algozes se entrelaçavam em conflitos<br />

violentos. Passa<strong>do</strong> e presente se interligavam<br />

simultaneamente em recrudescência viva e permanente.<br />

Chegaram ao ponto, pela ligação coesa, de assumirem a<br />

mesma posição: algoz e vítima, reciprocamente.<br />

Deve<strong>do</strong>res de si mesmos, em vingança em<br />

comum, seria difícil dizer qual deles esqueceria os danos<br />

recebi<strong>do</strong>s e se desligaria <strong>do</strong> nefasto intercâmbio mental.<br />

As paixões torpes estavam acirradas em demasia. Era<br />

o torpor e o extermínio de uma guerra particular.<br />

Os inimigos mais cruéis estavam escondi<strong>do</strong>s das<br />

aparências materiais e aproveitavam-se desse meio para<br />

derramar sobre o cúmplice <strong>do</strong> crime em comum as<br />

vibrações deletérias.<br />

Os agressores invisíveis para o plano físico<br />

identificaram a energia benéfica que se desprendia <strong>do</strong><br />

Mestre <strong>Jesus</strong> e, ainda, petrifica<strong>do</strong>s pelo engano justiceiro,<br />

quiseram continuar na perseguição implacável.<br />

(59) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto III – Capítulo XXXIV, pp. 112, 113 – Canto<br />

IV – Capítulo – pp. 124, 125, 126 – Livraria Imperial – 1875 – Rio<br />

de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.


FERNANDO PINHEIRO - 122<br />

O Senhor <strong>Jesus</strong>, em tom decisivo e revelan<strong>do</strong><br />

mansuetude na voz, disse ao primeiro desta legião: “sai<br />

dele e não voltes nunca mais”. (60). A ordem, revestida<br />

pela sabe<strong>do</strong>ria, foi imediatamente obedecida. A respeito,<br />

o evangelista Lucas assim se pronunciou: “Pois <strong>Jesus</strong><br />

tinha ordena<strong>do</strong> ao espírito imun<strong>do</strong> que saísse <strong>do</strong> homem.”<br />

(61)<br />

Nas encostas negras, surradas pela maresia <strong>do</strong><br />

mar da Galiléia, os últimos raios solares banhavam de<br />

cores e nuanças a tarde que começava a desfalecer.<br />

Gergesa ou Gerasa foi recolher-se mais ce<strong>do</strong>.<br />

Os irmãos das esferas em litígio, beneficia<strong>do</strong>s<br />

pela presença <strong>do</strong> Senhor <strong>do</strong>s espíritos, receberam a <strong>luz</strong><br />

<strong>do</strong>s céus clarean<strong>do</strong>-os por dentro, na despedida <strong>do</strong> sol<br />

entre a paisagem que escurecia.<br />

<br />

O passa<strong>do</strong> de lutas incompletas, estenden<strong>do</strong><br />

oportunidades de refazimento, ressurge em novas<br />

roupagens, testemunhan<strong>do</strong> a imortalidade <strong>do</strong> ser humano<br />

que não pode ser mais trata<strong>do</strong> apenas em sua forma<br />

física.<br />

Interesses no campo <strong>do</strong>s sentimentos unem as<br />

criaturas humanas entre si, em comunhão que se estende<br />

além das esferas físicas. O presente se refletirá no futuro,<br />

assim como o passa<strong>do</strong> se reflete no presente.<br />

60 e 61 – LUCAS, 8:29


123 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Cobranças sentimentais, queixas <strong>do</strong>s amores<br />

incompreendi<strong>do</strong>s, tristeza e saudades <strong>do</strong>s dias que o<br />

tempo levou, ainda são mantidas entre os interessa<strong>do</strong>s, até<br />

que a realidade da vida lhes mostre um novo caminho.<br />

A obsessão varre os lares <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> inteiro,<br />

despertan<strong>do</strong> mensagens de renovação naqueles que se<br />

sentem tristes, desanima<strong>do</strong>s e até mesmo com sintomas<br />

de distorção psíquica.<br />

Isto faz-nos lembrar a gota d'água que cai da<br />

chuva: no espaço fica trêmula ao sabor <strong>do</strong> vento e, mais<br />

tarde, desce aos lençóis d'água para fluir suavemente<br />

benefician<strong>do</strong> as searas.’<br />

Nas neblinas da madrugada, um novo dia vem<br />

surgin<strong>do</strong>, assim mesmo acontecen<strong>do</strong> com o paraíso na<br />

Terra começan<strong>do</strong> a resplandecer diante de tantas<br />

necessidades humanas que estão sen<strong>do</strong> absorvidas pela<br />

presença <strong>do</strong> amor.<br />

Na fase de transição planetária da 3° para<br />

a 5ª dimensão, observamos que os sentimentos de<br />

simplicidade e humildade estão aumentan<strong>do</strong>, logicamente<br />

com a diminuição <strong>do</strong> desapego a toda forma que ressalta<br />

o ego: personalidade, títulos, cargos, riqueza material,<br />

preocupação com aqueles que não nos seguiram os<br />

passos, a fim de que possamos ascender à vibração<br />

que está sen<strong>do</strong> implantada no planeta, com a irradiação<br />

das <strong>luz</strong>es que emanam da camada de fótons da estrela<br />

Alcíone, a grande descoberta <strong>do</strong> astrônomo Harley, à<br />

frente de muitos outros cientistas que o confirmaram. Os<br />

tempos novos são chega<strong>do</strong>s...


FERNANDO PINHEIRO - 124<br />

19<br />

GENESARÉ<br />

A citação <strong>do</strong> Evangelho é de Amélia Rodrigues<br />

(Espírito) no livro Trigo de Deus, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong><br />

Pereira Franco:<br />

“Narra Marcos (62) que, assim que saíram <strong>do</strong><br />

barco, os de lá reconheceram-nO, acorreram de toda<br />

aquela região e começaram a levar enfermos nos<br />

catres para o lugar onde sabiam que Ele se encontrava.<br />

Nas aldeias, cidades e casas, onde quer que entrava,<br />

colocavam os enfermos nas praças e rogavam-Lhe que<br />

os deixasse tocar pelo menos a franja da Sua capa.<br />

E quan<strong>do</strong> O tocavam, ficavam cura<strong>do</strong>s.” (63)<br />

(62) MARCOS, 6:53 a 56 – Nota da Autora espiritual.<br />

(63) AMÉLIA RODRIGUES – in Trigo de Deus, p. 90, 4ª edição,<br />

psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria Espírita<br />

Alvorada Editora – 10/2000 – Salva<strong>do</strong>r – BA.


125 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Nas formosas praias de Genesaré, ele esteve<br />

no meio da multidão, despertan<strong>do</strong>-a para as aquisições<br />

imorre<strong>do</strong>uras.<br />

À sua volta, a famigerada desfiguração humana<br />

estampada no semblante de cada um, resultante das<br />

atitudes tresloucadas assumidas deliberadamente por<br />

imposição de enganosas aparências.<br />

A to<strong>do</strong>s que a ele acorriam, havia a restauração<br />

da saúde. Os cegos recuperavam a visão material, muitos<br />

conseguin<strong>do</strong> perceber, no íntimo <strong>do</strong> ser, a <strong>luz</strong> espalhan<strong>do</strong><br />

o vigor tanto nas células degeneradas como na alma.<br />

Naquela tarde, os fluí<strong>do</strong>s, constituí<strong>do</strong>s da mais<br />

pura essência que na Terra apareceu, emana<strong>do</strong>s da<br />

aura espiritual <strong>do</strong> Mestre, conseguiram o maior trabalho<br />

de cura de que se tem notícia.<br />

A multidão saciada da sua necessidade mais<br />

urgente: a saúde.<br />

To<strong>do</strong>s buscavam a saúde naquele sol de<br />

irradiante beleza, esparzin<strong>do</strong> energias nos músculos hirtos<br />

e com deformidades. Tocan<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s e deixan<strong>do</strong>-se<br />

tocar nas fímbrias das suas vestes, que brilham em<br />

claridade desconhecida, <strong>do</strong>nde saíam as “virtudes” que<br />

curam, como anotaram os evangelistas das Sagradas<br />

Escrituras.<br />

Sentin<strong>do</strong> a <strong>do</strong>r que se espalhava, acercou-se<br />

de to<strong>do</strong>s os sofre<strong>do</strong>res que não sabiam como sair <strong>do</strong><br />

sofrimento, aman<strong>do</strong> e deixan<strong>do</strong>-se amar.<br />

Momentos inesquecíveis e lembra<strong>do</strong>s sempre<br />

com estímulo a to<strong>do</strong>s nós para que o amor dissipe as<br />

consequências <strong>do</strong> desamor.


FERNANDO PINHEIRO - 126<br />

A caravana <strong>do</strong>s sofre<strong>do</strong>res é imensa, sempre à<br />

espera de quem a tire <strong>do</strong> precipício onde se encontra.<br />

À semelhança daquela tarde inesquecível, o<br />

Mestre <strong>Jesus</strong> nos espera, a fim de que possamos<br />

receber a <strong>luz</strong> que alumiará nossos passos, em direção<br />

a ele, Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>.<br />

<br />

Nesse enlevo, pensemos na transmutação que<br />

ocorre no planeta. Tu<strong>do</strong> acontece com precisão. O<br />

tempo delineia, em espaços matemáticos, as situações<br />

que to<strong>do</strong>s passam.<br />

A cada instante, o homem se defronta com a<br />

realidade que lhe é própria. A sua vida lhe pertence, boa<br />

ou aparentemente ruim. A retórica <strong>do</strong> acaso é nula;<br />

não cria nada senão para aqueles que buscam evasivas<br />

para se justificar de suas ilusões.<br />

Em cada segun<strong>do</strong> de vida, o emocional e o<br />

racional humanos funcionam estabelecen<strong>do</strong> circunstâncias<br />

futuras. São perfis variáveis de momento a momento,<br />

dependen<strong>do</strong> da natureza intrínseca de cada indivíduo.<br />

As emoções estão muito ligadas ao sentimento,<br />

a razão à lógica, às necessidades reais que cada um<br />

pode estabelecer.<br />

Como o homem ainda não sabe completamente<br />

o que lhe convém, deixa-se levar por aquilo que sente,<br />

sem levar em conta a importância das implicações<br />

que podem acarretar em seu viver.


127 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Nos níveis de compreensão da vida, há<br />

resulta<strong>do</strong>s que podem conferir situações de bem-estar ou<br />

de monotonia ou mesmo de desencantos se as emoções<br />

não tiverem a sublimação adequada.<br />

Portanto, não é questão de estabelecer um<br />

marco entre as emoções e a razão. Todas são importantes<br />

na vida <strong>do</strong> homem.<br />

Na sublimação <strong>do</strong>s ideais superiores da vida<br />

tu<strong>do</strong> converge para a razão, ou mais precisamente<br />

à inteligência, embora haja traços de emoção nos<br />

comportamentos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s. O lirismo, a ternura, o<br />

romance, que vêm <strong>do</strong> campo emocional, ganham<br />

conotações profundas de beleza espiritual.<br />

Viver sem a inteligência, sem o devi<strong>do</strong> preparo,<br />

seria a<strong>do</strong>tar um referencial onde carências e frustrações<br />

minariam o campo <strong>do</strong> sentimento.<br />

Quan<strong>do</strong> o tempo de brincar passa, o adulto<br />

não deseja ser mais criança naquelas circunstâncias.<br />

Suas atenções se voltam a oportunidades que constroem<br />

o seu amanhã.<br />

Assim acontece com as emoções. No início, o<br />

emocional ocupa grande parte <strong>do</strong> seu viver, depois sente<br />

necessidade de transcender às sensações físicas e ganha<br />

consciência da sublimação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> íntimo em que vive.<br />

A energia pura de sua essência dissipa os<br />

resquícios de carência emotiva e desejos pessoais.<br />

Sente-se interliga<strong>do</strong> com um espaço maior <strong>do</strong> que aquele<br />

onde estava. O raio de ação se amplia em dimensões<br />

que desconhece, crian<strong>do</strong> um clima favorável ao seu<br />

engrandecimento.


FERNANDO PINHEIRO - 128<br />

Nesse estágio evolutivo, o la<strong>do</strong> inteligente tem<br />

pre<strong>do</strong>minância sobre suas emoções. Quan<strong>do</strong> estas vêm à<br />

tona são revestidas da sublimação. O amor faz este<br />

milagre da transmutação.<br />

Tu<strong>do</strong>, que lhe chega, tem um respeito muito<br />

grande, como nunca senti<strong>do</strong> antes, as pessoas, os<br />

animais, as plantas, os objetos, tu<strong>do</strong>, enfim.<br />

A compreensão de sua vida passa a ser<br />

normal. O seu tempo é emprega<strong>do</strong> com sabe<strong>do</strong>ria, não<br />

há desperdício em desencontros que não contribuíram<br />

neste novo estágio, apenas a lição de renúncia.<br />

Sente vontade de exteriorizar o que está em<br />

seu íntimo. De consciência pessoal voltada ao egoísmo,<br />

ganha uma consciência de classe, de grupo e começa<br />

a trabalhar em benefício de to<strong>do</strong>s que sentem tristeza e<br />

desolação.<br />

O homem, viven<strong>do</strong> este trabalho, é útil à sua<br />

comunidade, ao planeta que a<strong>do</strong>ece, desde os tempos<br />

da distante Genesaré onde a cura de to<strong>do</strong>s os males<br />

ocorreram em profusão. Seguem-se os séculos, uns após<br />

os outros; não são muitos, apenas 20 entre aqueles<br />

dias inesquecíveis de <strong>Jesus</strong> às margens <strong>do</strong> mar da<br />

Galiléia. Mas a transição vem ocorren<strong>do</strong>, em profundas<br />

transformações, sempre para o melhor.<br />

Em praia de Genesaré faz–nos lembrar ainda<br />

uma das aparições de <strong>Jesus</strong> redivivo (João, 8:1 ss)<br />

comentada na obra <strong>Jesus</strong> Nazareno, de Huberto Rohden<br />

(vol. 2, p. 340), filósofo de formação jesuíta: “Um como<br />

halo de indefinível mistério, uma como atmosfera tecida<br />

de paz serena e discretas saudades envolvem esta cena...”


129 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

20<br />

VERÔNICA<br />

Na praia formosa de Cafarnaum, o Mestre<br />

acabara de chegar da outra margem <strong>do</strong> lago Tiberíades e<br />

uma grande multidão o cercou na ânsia de ouvir suas<br />

mensagens. (64)<br />

À frente de um pequeno grupo, estava Jairo,<br />

chefe da Sinagoga, que se dirigiu a <strong>Jesus</strong> pedin<strong>do</strong>-lhe<br />

que fosse à sua casa para curar-lhe a filha.<br />

(64) MARCOS, 5:30 e 34


FERNANDO PINHEIRO - 130<br />

A multidão aumentava a cada instante, pois o<br />

amor enterneci<strong>do</strong>, que <strong>do</strong>ava àquela gente, era grande<br />

demais. To<strong>do</strong>s estavam admira<strong>do</strong>s pela presença magnífica<br />

de um ser celestial entre eles, oriun<strong>do</strong> das mais elevadas<br />

esferas de <strong>luz</strong> e cor que se espalham pelo infinito.<br />

Conhece<strong>do</strong>r profun<strong>do</strong> da alma humana, amava<br />

e deixava-se ser ama<strong>do</strong>, para realçar a reciprocidade<br />

<strong>do</strong> amor, <strong>do</strong> amor que liga o homem ao Cosmos, numa<br />

visível manifestação da presença divina.<br />

A mulher da Decápolis, região composta por dez<br />

cidades gregas que se erguiam ao longo da Palestina,<br />

sabia de seus feitos de grandeza que se manifestavam<br />

na cura <strong>do</strong>s leprosos, enfermos de toda <strong>do</strong>ença e nas<br />

lições preciosas que esclarecem a realidade da vida.<br />

A oportunidade era valiosa: agora estava diante<br />

dele que atraiu a atenção de todas as pessoas presentes<br />

naquela praia a fim de distribuir as dádivas preciosas<br />

de que era possui<strong>do</strong>r.<br />

To<strong>do</strong>s os tratamentos para extinguir o fluxo<br />

de sangue foram inúteis. Sacer<strong>do</strong>tes, médicos, exorcistas<br />

estiveram diante de seus olhos sem apresentar resulta<strong>do</strong>s<br />

benéficos. Foram gastas as reservas de dinheiro que<br />

ela economizara.<br />

Quase exausta na busca de saúde, sentia uma<br />

esperança nascer naquele dia. O alvoroço era geral. O<br />

Mestre, com passos firmes e fortes, seguia em direção da<br />

casa de Jairo para socorrer a filha que estava prostrada<br />

na cama.<br />

Na caminhada que fez junto à multidão, gestos<br />

e exclamações de profunda admiração eram manifesta<strong>do</strong>s,


131 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

misturan<strong>do</strong>-se ao canto feliz das crianças – pueri<br />

hebreorum – carrega<strong>do</strong> de versos de alegria. Esta cena<br />

comovente seria, mais tarde, repetida em Jerusalém, na<br />

entrada triunfal de <strong>Jesus</strong>.<br />

A mulher hemorroíssa, ven<strong>do</strong> que aquele<br />

homem poderia curar-lhe o fluxo de sangue, tocou-lhe<br />

as fímbrias <strong>do</strong> manto e sentiu-se curada.<br />

O sangue estancara, uma sensação de bem-estar<br />

invadiu-lhe o ser, intimamente agradecida, ouviu-o<br />

indagar: “Quem tocou nas minhas vestes? Responderam-lhe<br />

os discípulos: vês que a multidão te aperta, e dizes:<br />

quem me tocou?”<br />

Ele olhou ao re<strong>do</strong>r para ver quem foi cura<strong>do</strong><br />

pelas irradiações luminosas que saíam de sua aura<br />

divina, descritas nas narrativas evangélicas como as<br />

virtudes que curam.<br />

Naquele instante, a mulher aproximou-se<br />

tremen<strong>do</strong> e, prostran<strong>do</strong>-se diante dele, disse toda a<br />

verdade: “fui eu, Senhor, que era uma pobre coitada!<br />

Sabia que tinhas o <strong>do</strong>m de curar e apenas tocan<strong>do</strong> em<br />

tuas vestes eu seria curada”.<br />

“Ele lhe disse: Filha, a tua fé te salvou. Vai<br />

em paz, e sê curada deste teu mal”.<br />

Quanta emoção sentiu naquele instante! Ele<br />

seguiu em frente à casa de Jairo e ela ficou parada ali<br />

como estivesse em profun<strong>do</strong> êxtase, reven<strong>do</strong> mentalmente<br />

aquele olhar <strong>do</strong>ce e sereno que suavizou a sua alma<br />

cansada e triste.<br />

Aqueles que presenciaram a cena de comovente<br />

beleza tocaram-na para despertar <strong>do</strong> sonho que seus<br />

olhos abertos viram.


FERNANDO PINHEIRO - 132<br />

A mulher curada retornou ao lar, agora<br />

nascida outra vez. O testemunho de que era porta<strong>do</strong>ra<br />

serviu para despertar o coração daqueles que ainda<br />

não conheceram Aquele que é o caminho, a verdade<br />

e a vida.<br />

Acreditamos que a mulher da Decápolis era a<br />

mesma pessoa que enxugou o rosto de <strong>Jesus</strong>, a caminho<br />

<strong>do</strong> Calvário. Cenas de sangue antes e cenas de sangue<br />

depois, isto foi o elemento vital que uniu Verônica a<br />

<strong>Jesus</strong>. No plano espiritual os liames afetivos são eternos.<br />

Acreditar está mais liga<strong>do</strong> ao esta<strong>do</strong> emocional<br />

<strong>do</strong> que ao racional ou inteligente. A fé de que falou<br />

<strong>Jesus</strong> à mulher hemorroíssa tem um valor primordial<br />

na realização da cura. É o envolvimento na unidade,<br />

na consciência plena da realidade.<br />

A manifestação da unidade que sentimos na<br />

ligação com as pessoas que estão conviven<strong>do</strong> conosco<br />

é muito importante, pois isola o culto à nossa transitória<br />

personalidade, enfoca<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong> exclusivo.<br />

Os atributos que compõem a nossa<br />

personalidade servem-nos apenas à identificação <strong>do</strong><br />

campo de atividade em que estamos envolvi<strong>do</strong>s.<br />

Usá-los em proveito próprio seria desperdiçar tesouros<br />

que não nos pertencem.<br />

Há muitas lacunas no campo <strong>do</strong>s sentimentos<br />

à espera de nossa participação, a fim de que nada<br />

fique incompleto nas relações humanas que nos<br />

ajudam a recompor o equilíbrio.


133 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Pode parecer monótona a hora em que estamos<br />

reuni<strong>do</strong>s com pessoas que pensamos não vivenciar das<br />

ideias que trazemos conosco. Mas há um mecanismo<br />

entrelaçan<strong>do</strong>-nos em circunstâncias que nos dizem respeito.<br />

O princípio <strong>do</strong> to<strong>do</strong>, <strong>do</strong> conjunto da<br />

participação de cada um, nas experiências que se<br />

expressam junto de nós, eleva-nos a níveis superiores<br />

onde a consciência se expande.<br />

O mecanismo <strong>do</strong>s encontros surge nas<br />

irradiações de nossos pensamentos e nas inclinações<br />

mentais em que nos posicionamos. Este é um princípio<br />

estabeleci<strong>do</strong> em todas as manifestações de pessoas que<br />

se interligam por motivos que sugerem o despertar de<br />

um novo estágio evolutivo.<br />

Quan<strong>do</strong> sentimos a energia, que nos envolve,<br />

circulan<strong>do</strong> no campo mental daqueles que nos rodeiam,<br />

vemos que a realidade única é o poder indivisível por<br />

qualquer força de circunstâncias transitórias.<br />

Nessa aceitação, pelos sentimentos revesti<strong>do</strong>s<br />

da inteligência, o nosso íntimo, em to<strong>do</strong>s os campos<br />

da manifestação exterior, permanece estável e<br />

imperturbável, mesmo que a mais inquietante situação<br />

esteja acontecen<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong> em que vivemos.<br />

O serviço às circunstâncias envolven<strong>do</strong> os<br />

companheiros, que precisam ter a elucidação <strong>do</strong>s valores<br />

reais da vida, é o senti<strong>do</strong> único de nossa existência.<br />

A cada momento, sentimos em nosso íntimo<br />

a tranquilidade se manifestan<strong>do</strong> como as águas <strong>do</strong> oásis,<br />

no deserto, quan<strong>do</strong> a tempestade de areia passa. Isto é o<br />

resulta<strong>do</strong> da conservação de atitudes coerentes com a<br />

inteligência, buscadas na simplicidade de todas as coisas.


FERNANDO PINHEIRO - 134<br />

Só pelo fato de mantermos essa atitude de<br />

equilíbrio emocional, estamos contribuin<strong>do</strong> na apreciação<br />

de pessoas que vêm conosco participar de momentos<br />

aparentemente passageiros.<br />

A vibração, que sai de nosso íntimo, interliga-se<br />

com a disposição mental daqueles que nos observam<br />

tentan<strong>do</strong> absorver as expressões que podem ser úteis à<br />

sua forma de viver.<br />

Como a simplicidade deslinda qualquer enigma,<br />

sentimos que a nossa singela postura de vida vai<br />

servir de referencial para que suas atitudes sejam<br />

revisadas da forma que lhes for conveniente.<br />

O importante é despertar as pessoas para as<br />

potencialidades que possuem arquivadas interiormente,<br />

deixan<strong>do</strong>-as livres para escolher o padrão de<br />

comportamento que tem relação com suas tendências e<br />

aptidões.<br />

Quan<strong>do</strong> sentimos o nosso serviço à causa da<br />

vida sen<strong>do</strong> aprecia<strong>do</strong> por aqueles que nos acompanham<br />

os passos, estamos elevan<strong>do</strong>-nos a outros níveis de<br />

consciência, onde a unidade, nós, os companheiros e<br />

tu<strong>do</strong> que nos cerca, é a força que nos estimula a<br />

seguir adiante.


135 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

21<br />

MANHÃ EM NAZARÉ<br />

Picture: Teaching in the Temple by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />

Manhã de primavera em Nazaré. (65)<br />

A vegetação, em plena eflorescência, espalhan<strong>do</strong><br />

no ar o aroma das flores frescas.<br />

Nesse clima ameno da natureza, em contraste<br />

com o <strong>do</strong>s homens, o Mestre entra na Sinagoga de<br />

Nazaré, dia de sába<strong>do</strong>, reencontran<strong>do</strong> os amigos e<br />

familiares.<br />

Após a leitura <strong>do</strong>s salmos e anotações <strong>do</strong>s<br />

profetas, feita pelo dirigente da liturgia, foi franqueada a<br />

palavra.<br />

(65) LUCAS, 4:18 a 28 MARCOS, 6:1 a 6 MATEUS, 13: 54 a 57


FERNANDO PINHEIRO - 136<br />

Solicita<strong>do</strong> intimamente por aqueles que<br />

confiavam nele, o Mestre, levantan<strong>do</strong>-se, espraiou o<br />

olhar à assistência, espalhan<strong>do</strong> irradiações salutares, e<br />

dirigiu-se ao lugar de destaque e abriu, nas anotações<br />

de Isaías, o texto designa<strong>do</strong> para aquele dia:<br />

“O Espírito <strong>do</strong> Senhor está sobre mim, pois que<br />

me ungiu para anunciar boas novas aos pobres, enviou-me<br />

para proclamar a libertação aos cativos, restaurar a vista<br />

aos cegos, para pôr em liberdade os oprimi<strong>do</strong>s, e anunciar<br />

o ano da graça <strong>do</strong> Senhor”.<br />

Ao fechar o livro sagra<strong>do</strong> <strong>do</strong>s profetas, entregou-o<br />

ao assistente da Sinagoga, fez uma breve pausa e, diante<br />

da plateia em expectativa, acrescentou, com firmeza na<br />

voz: “Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvi<strong>do</strong>s,<br />

em mim, o anuncia<strong>do</strong>. Eu sou aquele que se esperava.”<br />

A profecia foi cumprida. <strong>Jesus</strong> anunciou-a<br />

publicamente. Os sacer<strong>do</strong>tes <strong>do</strong> ofício religioso ficaram<br />

irrita<strong>do</strong>s com a atitude inusitada daquele homem que<br />

conseguiu atrair a atenção de to<strong>do</strong>s os presentes.<br />

Serenidade, energia, brandura misturam-se nos<br />

olhos daquele sábio diante das expressões mais acentuadas<br />

<strong>do</strong> farisaísmo judaico. Comprometi<strong>do</strong> com a verdade, não<br />

se recusou a manifestá-la, no momento oportuno.<br />

Mesmo sentin<strong>do</strong> a presença <strong>do</strong> Mestre,<br />

evidenciada por uma nobreza nunca igualada, um<br />

magnetismo envolvente, suave como a cítara tangida<br />

ao longe e meigo como uma criança, os fariseus<br />

inquiriram-no sobre as façanhas realizadas em Cafarnaum.<br />

Os anciães <strong>do</strong> povo entreolhavam-se e indagavam<br />

uns aos outros, com profunda surpresa: “não é este o<br />

filho de José?” Os amigos se maravilharam, mas os<br />

cépticos exigiam fatos comprobatórios. Foi dito na plateia:


137 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

“Faze também aqui na tua terra tu<strong>do</strong> o que ouvimos<br />

ter si<strong>do</strong> feito em Cafarnaum.”<br />

A essa altura, a Sinagoga estava em completa<br />

balbúrdia, espalhada pelos detratores da palavra de <strong>Jesus</strong>.<br />

O dirigente <strong>do</strong> ofício impôs silêncio no auditório.<br />

O ilustre visitante, retoman<strong>do</strong> a palavra, disse:<br />

“Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem<br />

recebi<strong>do</strong> na sua própria terra. Em verdade vos digo que<br />

muitas viúvas que existiam em Israel nos dias de Elias,<br />

quan<strong>do</strong> o céu se cerrou por três anos e seis meses, de<br />

sorte que em toda a terra houve grande fome. Mas a<br />

nenhuma delas foi envia<strong>do</strong> Elias, senão a uma viúva de<br />

Sarepta de Si<strong>do</strong>m. E muitos leprosos havia em Israel no<br />

tempo <strong>do</strong> profeta Eliseu, e nenhum deles foi purifica<strong>do</strong>,<br />

senão Naamã, o sírio... Não são os eleitos os únicos...”<br />

“To<strong>do</strong>s na sinagoga, ouvin<strong>do</strong> estas coisas, se<br />

encheram de ira”, concluiu o evangelista Lucas.<br />

Não houve clima favorável para <strong>Jesus</strong> continuar<br />

elucidan<strong>do</strong> os acontecimentos que comprovam a vontade<br />

divina. Não teve condições de prosseguir.<br />

Sem se deixar afetar pela confusão, o Mestre<br />

acompanhou a multidão, ávida por eliminá-lo da<br />

comunidade, até a um aclive da montanha, a fim de ser<br />

atira<strong>do</strong> de lá de cima.<br />

Recompon<strong>do</strong> as vestes desfeitas pela ventania<br />

forte, ele amainou os temperamentos iracun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s<br />

nazarenos da Sinagoga e, fitan<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s com seu olhar<br />

da mais pura expressão de amor, conseguiu passar<br />

entre eles, incólume, fazen<strong>do</strong> o caminho de volta.


FERNANDO PINHEIRO - 138<br />

A narrativa evangélica em que se destaca a<br />

presença de <strong>Jesus</strong> numa sinagoga de Nazaré, leva-nos<br />

a refletir sobre a realidade única que nos envolve.<br />

Quan<strong>do</strong> dizemos que vamos fazer algo ou que<br />

gostamos de alguma coisa, pessoa ou situação, sem<br />

sabermos que tu<strong>do</strong> acontece nos ditames de uma lei<br />

maior, estamos afirman<strong>do</strong> o nosso ego.<br />

Se Deus quiser é a expressão que deve reger<br />

todas as nossas ações. Mesmo porque ainda, sem nos<br />

conhecermos intimamente, mudamos de ideia a toda hora,<br />

no fluxo das circunstâncias que passam.<br />

Se a síntese <strong>do</strong> pensamento religioso e científico,<br />

revelada por Spinoza, judeu holandês, se concentra no<br />

conceito de que to<strong>do</strong> o Universo é constituí<strong>do</strong> de uma<br />

só substância que ganha todas as formas e conteú<strong>do</strong>s,<br />

devemos reconhecer a importância <strong>do</strong> “eu” divino <strong>do</strong><br />

nosso ser acima das referências pessoais.<br />

O homem ainda cultua a personalidade como<br />

se tivesse substância transcendente. Puro engano. As<br />

desilusões que criou o envolvem com aspectos sombrios.<br />

Enquanto isso, ele vagueia no rumo <strong>do</strong>s negócios e<br />

interesses que se interligam com outros companheiros,<br />

sobrepon<strong>do</strong>-os sempre com a sua personalidade para que<br />

a vaidade lhe norteie o destino.<br />

To<strong>do</strong> o sofrimento <strong>do</strong> homem está no<br />

desconhecimento de sua realidade divina, pois se isola,<br />

como a célula <strong>do</strong> câncer no organismo, da manifestação<br />

que faz a vida ser única.


139 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

O culto à personalidade é engano que se<br />

adapta a situações dissimula<strong>do</strong>ras para que as aparências<br />

tenham pre<strong>do</strong>mínio sobre aquilo que deveria ser. Assim,<br />

o mun<strong>do</strong> moderno vive num clima artificial, pessoas<br />

dan<strong>do</strong> desculpas para justificar situações que parecem<br />

ter um brilho da personalidade.<br />

O conceito de grandeza gira sempre em torno<br />

de falsas aparências. Os fariseus hipócritas se ajuntam,<br />

desde os tempos bíblicos, para compor a casta que ilude<br />

e arrasta multidões à decepção e ao amargor.<br />

Por que a cultura que entroniza a personalidade<br />

humana não reconhece Deus em todas as pessoas, seres<br />

de toda natureza e formas de infinitas concepções?<br />

Nós sabemos que a vida que vem surgin<strong>do</strong> nos<br />

reinos inferiores da Criação (mineral e vegetal), sonha ser<br />

um dia o homem para reconhecer a sua identificação no<br />

cenário evolutivo <strong>do</strong> universo.<br />

Mas ele, no estágio entre animal e anjo, duvida<br />

de sua capacidade de se engrandecer, pois suas forças<br />

são pequeninas demais.<br />

Se participar <strong>do</strong> movimento da vida única que<br />

envolve tu<strong>do</strong> que existe, certamente a sentirá dentro de<br />

si, com possibilidades de fazer tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> mesmo, se<br />

Deus quiser.<br />

A partir daí, ele reconhecerá Deus no próximo,<br />

Deus nos animais, Deus nas estrelas, Deus no arco-íris,<br />

Deus no fogo, Deus na água, Deus na terra e Deus no<br />

espaço.<br />

Para eliminar as mazelas, <strong>do</strong>res e aborrecimentos,<br />

tão comuns na vida humana, devemos abolir o culto à<br />

nossa personalidade que pertence mais ao mun<strong>do</strong> de


FERNANDO PINHEIRO - 140<br />

mentira, em que to<strong>do</strong>s recebem influência, e pensar no<br />

“eu” divino que não a<strong>do</strong>ece, não fica triste e nem se<br />

preocupa com as incertezas criadas pelo homem, nos<br />

negócios, na política e na administração em geral.<br />

To<strong>do</strong>s caminham, a exemplo <strong>do</strong>s animais, em<br />

direção de paisagens verdejantes e fontes cristalinas,<br />

onde podem matar a fome e a sede de todas as<br />

necessidades e conhecimentos que permitem reconhecer<br />

em tu<strong>do</strong> a vontade de Deus.<br />

Enquanto o homem viver de ilusão, sem saber<br />

distinguir a emoção e a inteligência, a personalidade e o<br />

“eu” divino, o instinto e o sentimento, não será feliz.<br />

O destino dele, seguin<strong>do</strong> a parábola conhecida, é<br />

voltar à casa paterna que não tem demarcação específica,<br />

mas se encontra onde ele estiver, inclusive dentro de si.<br />

É por isso que tu<strong>do</strong> que vive tem religiosidade,<br />

ou seja, inclinação a se religar a Deus. Os pássaros e os<br />

animais se entregam a essa <strong>do</strong>ce religação, onde não lhes<br />

falta nada para sobreviver. A palavra religião vem <strong>do</strong><br />

verbo religare, de fonte latina, a mesma fonte que fez<br />

desabrochar “a última flor <strong>do</strong> Lácio”, no dizer de Bilac.<br />

Mas o homem moderno ainda tem receio e<br />

desconfiança sobre o muito que foi fala<strong>do</strong> por líderes<br />

que se utilizavam da religiosidade para escravizar-lhe<br />

o pensamento, mesmo fora das tradições religiosas.<br />

È o mito de Prometeu falsifican<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>.<br />

Nascidas nas fontes límpidas <strong>do</strong> amor, todas<br />

as religiões têm por finalidade estimular os homens<br />

a reconhecer que estamos ampara<strong>do</strong>s por Deus. Seus<br />

mensageiros e sacer<strong>do</strong>tes cumprem missão que lhes<br />

engrandece a visão de vida.


141 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Os aprendiza<strong>do</strong>s acerca da realidade divina se<br />

fazem por estágios e to<strong>do</strong>s são necessários à evolução,<br />

o que pode ser feito em sinagogas, igrejas e templos das<br />

mais variadas denominações.<br />

É claro que cada um deve se adaptar às<br />

conveniências <strong>do</strong> seu mun<strong>do</strong> interno que é, em síntese, o<br />

mesmo para to<strong>do</strong>s os homens, varian<strong>do</strong>, apenas, nas<br />

experiências individuais.<br />

Religioso ou não na orto<strong>do</strong>xia humana, o homem<br />

tem a religiosidade dentro de si. É aquele sonho que lhe<br />

clareia a visão <strong>do</strong> paraíso e, quan<strong>do</strong> está afasta<strong>do</strong> da<br />

realidade única, é aquela saudade, quase imperceptível,<br />

que o acompanha, revelan<strong>do</strong>-lhe suas origens.<br />

Em futuro próximo, as religiões sentirão a<br />

necessidade de propalar ao mun<strong>do</strong> não apenas a proteção<br />

divina que já está bastante propalada, mas o senti<strong>do</strong><br />

profun<strong>do</strong> das palavras “Vós sois Deuses” proferidas por<br />

<strong>Jesus</strong>.<br />

Nesta consciência de que somos Deuses, na<br />

acepção <strong>do</strong> Cristo e não <strong>do</strong>s homens, há um senti<strong>do</strong><br />

profun<strong>do</strong> da Unidade e nenhuma separação existe.<br />

Assim, o próprio <strong>Jesus</strong> é igual a nós, diferencian<strong>do</strong>–se<br />

apenas a vibração existente. <strong>Jesus</strong> não é apenas o<br />

Senhor da Terra, estrela de 1ª grandeza, mas o Senhor<br />

das Galáxias, graças ao imenso poder da <strong>luz</strong> que possui,<br />

e nós outros pirilampos voejan<strong>do</strong> pelas noites tropicais.<br />

No entanto, se incorporarmos em nosso ser<br />

profun<strong>do</strong> as palavras de <strong>Jesus</strong>, veremos que a nossa<br />

<strong>luz</strong> cresce à medida de nosso merecimento e da graça<br />

divina que nos liberta de to<strong>do</strong> o sofrimento.


22<br />

MADALENA<br />

FERNANDO PINHEIRO - 142<br />

Primícias <strong>do</strong> Reino, de Amélia Rodrigues<br />

(Espírito), livro psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco,<br />

revela um traço marcante no comportamento de Madalena:<br />

“De coração generoso, gostava de ajudar e por ser<br />

infeliz compreendia a <strong>do</strong>r <strong>do</strong>s sofre<strong>do</strong>res e se apiedava<br />

da aflição <strong>do</strong>s desditosos. Suas mãos e de<strong>do</strong>s adereça<strong>do</strong>s<br />

derramavam moedas e ofertavam pães, e se as portas<br />

da sua casa se fechavam frequentemente aos servos <strong>do</strong><br />

prazer, seus servos tinham severas ordens de abri-las à<br />

<strong>do</strong>r e ao sofrimento que buscasse ajuda ou guarida.” (66)<br />

(66) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias <strong>do</strong> Reino, p. 184 – 4ª edição<br />

– psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria Espírita<br />

Alvorada Editora – 9/2000 – Salva<strong>do</strong>r – BA.


143 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Anteriormente, no século 19, o poeta Fagundes<br />

Varela, ao descrever a cena ambientada na casa <strong>do</strong><br />

fariseu de que nos fala a Bíblia Sagrada, narra em versos<br />

o perfil de Madalena. Antes, porém, vale ressaltar que o<br />

texto sagra<strong>do</strong> não menciona o nome da peca<strong>do</strong>ra. Entre os<br />

fariseus, peca<strong>do</strong>ra poderia significar mulher prostituta como<br />

também aquela que não observava os costumes farisaicos.<br />

“Pura, como na infância, abençoada<br />

Pelo Santo entre os santos, Magdalena,<br />

Que este era o nome da infeliz perdida,<br />

Foge <strong>do</strong>s seus amantes opulentos,<br />

Entrega aos pobres jóias e riquezas,<br />

Que Satan deparara, e mais formosa,<br />

Descoberta a cabeça, os pés descalços,<br />

Acompanha o Senhor por toda a parte.” (67)<br />

O fariseu, rico de valores amoeda<strong>do</strong>s, ven<strong>do</strong><br />

que uma oportunidade rara de receber o rabi da<br />

Galiléia batera em sua porta, preparou-lhe uma recepção,<br />

a fim de se projetar no conceito <strong>do</strong>s seus patriotas.<br />

E, assim, escolheu os músicos, os amigos e parentes<br />

para recepcioná-lo.<br />

O anfitrião estava interessa<strong>do</strong> na repercussão<br />

que teria seu nome como um amigo daquele homem<br />

que, se triunfasse na política, conforme supunha,<br />

ganharia um lugar de destaque ao seu la<strong>do</strong>.<br />

(67) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas<br />

– poema – Canto III – Capítulo XXXIII – pp. 111, 112 – Livraria<br />

Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira<br />

de Letras.


FERNANDO PINHEIRO - 144<br />

Aquele povo da Judeia estava ansioso para ter<br />

um líder que viesse libertá-lo das algemas de Roma. E<br />

o Mestre, possui<strong>do</strong>r de um poder enérgico e bran<strong>do</strong>,<br />

sobressaía diante daqueles que presenciassem suas<br />

atitudes elevadas. Até mesmo na singeleza de suas<br />

palavras aos camponeses, havia nele uma dignidade que<br />

deslumbrava a to<strong>do</strong>s.<br />

Saben<strong>do</strong> o que estava ocorren<strong>do</strong> na casa de<br />

seu antigo parceiro de noites de orgia, a peca<strong>do</strong>ra teve<br />

a curiosidade de conhecer aquele visitante que irradiava<br />

uma beleza comovente. Mesmo sem ter recebi<strong>do</strong> o convite,<br />

conseguiu penetrar no recinto onde estavam reuni<strong>do</strong>s<br />

os convida<strong>do</strong>s. Tu<strong>do</strong> nela estava em desalinho, suas<br />

emoções, seus cabelos e suas vestes.<br />

Simão, acostuma<strong>do</strong> às formalidades de recepção,<br />

acolheu o ilustre visitante na tentativa de surpreendê-lo<br />

em público. Mas a ternura da conhecida mulher era mais<br />

forte que os gestos externos de pureza daquele fariseu.<br />

Os minutos e as horas seguidas, naquele<br />

ambiente, foram toma<strong>do</strong>s pelas atitudes da peca<strong>do</strong>ra<br />

que se libertou das sombras <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. Numa atitude<br />

pie<strong>do</strong>sa e sentin<strong>do</strong> algo renova<strong>do</strong>r dentro de si, deixou<br />

cair lágrimas que se misturavam à água <strong>do</strong> vaso de<br />

alabastro que ela derramava nos pés dele, enxugou-os com<br />

seus cabelos se<strong>do</strong>sos e os perfumou com essências raras.<br />

O fariseu, observan<strong>do</strong> que tu<strong>do</strong> acontecia sob a<br />

vista de to<strong>do</strong>s os presentes, em pensamentos, zombou<br />

daquele homem que estava em sua casa e disse só para<br />

si mesmo: “se este fosse profeta, saberia quem é a


145 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

mulher que o tocou, pois é uma peca<strong>do</strong>ra”. (68)<br />

Perceben<strong>do</strong> o que se passava no íntimo <strong>do</strong><br />

anfitrião, o Mestre ama<strong>do</strong> inicia um pequeno diálogo com<br />

Simão. O evangelista Lucas narra:<br />

“Disse <strong>Jesus</strong> ao fariseu: “Simão, uma coisa tenho a<br />

dizer-te. Respondeu ele: Dize-a, Mestre. Certo cre<strong>do</strong>r tinha<br />

<strong>do</strong>is deve<strong>do</strong>res. Um lhe devia quinhentos e o outro<br />

cinquenta denários. Não ten<strong>do</strong> eles com que pagar,<br />

per<strong>do</strong>ou-lhes a ambos. Dize-me, pois, qual deles o amará<br />

mais? Respondeu-lhe Simão: Tenho para mim que é aquele<br />

a quem mais per<strong>do</strong>ou. Disse-lhe <strong>Jesus</strong>: Julgaste bem.<br />

Então, voltan<strong>do</strong>-se para a mulher, disse a Simão: Vês tu<br />

esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água<br />

para os pés; esta, porém, regou com lágrimas os meus<br />

pés, e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste<br />

ósculo, mas ela, desde que entrou, não cessou de me beijar<br />

os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta<br />

ungiu-me os pés com unguento. Por isso te digo que os<br />

seus muitos peca<strong>do</strong>s lhe são per<strong>do</strong>a<strong>do</strong>s, pois muito amou.<br />

Mas aquele a quem pouco é per<strong>do</strong>a<strong>do</strong>, pouco ama. Então<br />

<strong>Jesus</strong> disse à mulher: Os teus peca<strong>do</strong>s te são per<strong>do</strong>a<strong>do</strong>s.”<br />

(69)<br />

Uma sensação de espanto e admiração corria<br />

nos olhos de Simão. Acostuma<strong>do</strong> a formalidades em que<br />

se evidenciam o engano, ele sentia dificuldade em<br />

compreender palavras de libertação. Os convida<strong>do</strong>s à<br />

(68, 69) LUCAS, 7:39 a 49


FERNANDO PINHEIRO - 146<br />

mesa começaram a falar entre si: “Quem é este que até<br />

per<strong>do</strong>a peca<strong>do</strong>s.” (70)<br />

A peca<strong>do</strong>ra estava convertida. O amor possibilita<br />

o encontro da verdadeira felicidade. Feliz, sentiu-se<br />

realizada, e saiu como entrara: a correr, a correr...<br />

<br />

O Canto III da obra Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas, de Fagundes Varela também revela a narrativa<br />

poética acerca da peca<strong>do</strong>ra. Vale assinalar:<br />

“Toda sua existência, e seu passa<strong>do</strong><br />

Esqueci<strong>do</strong>s, ressurtem!... A cabana<br />

De seus honestos pais, os áureos sonhos<br />

Da descui<strong>do</strong>sa e santa meninice,<br />

O céu azul, as balsas florescentes<br />

Os serões da família, e... sobre tu<strong>do</strong>,<br />

Ai!... a inocência da primeira idade!<br />

Crenças divinas que alimentam anjos!...<br />

Tu<strong>do</strong> isto apareceu! de novo... ao longe,<br />

À <strong>luz</strong> de um céu puríssimo, criva<strong>do</strong><br />

De milhares de estrelas refulgentes!...<br />

Depois, volven<strong>do</strong> os olhos a si mesma,<br />

Examinan<strong>do</strong> as nó<strong>do</strong>as indeléveis<br />

Que de su´alma o espelho embaciavam,<br />

Viu <strong>do</strong> colar as pérolas mudadas<br />

Em lágrimas de fogo, e as ametistas,<br />

(70) LUCAS, 7:49


147 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Os graú<strong>do</strong>s rubis <strong>do</strong>s braceletes,<br />

Em quentes gotas de fervente sangue!...<br />

Então sobre as espáduas da perdida<br />

Rebentaram de novo as asas de anjo!<br />

Em soluços desata, <strong>do</strong>lorosos,<br />

Lança-se compungida aos pés de Cristo,<br />

De lágrimas e bálsamos os cobre,<br />

E os envolven<strong>do</strong> nas madeixas negras,<br />

Os enxuga, prostrada, arrependida.<br />

XXXII<br />

– Oh! não!... murmura o fariseu consigo,<br />

Este mancebo zomba de nós outros!<br />

Se ele fosse profeta, bem soubera<br />

Quanto é rasteira e vil a criatura<br />

Que pranteia a seus pés! – <strong>Jesus</strong> o encara,<br />

E diz estas palavras: – Ouve, amigo:<br />

Tinha um bom merca<strong>do</strong>r <strong>do</strong>is deve<strong>do</strong>res;<br />

Um quinhentos dinheiros lhe pedira,<br />

Outro apenas cinquenta; pobre ambos<br />

Nunca puderam lhe pagar tais somas,<br />

Ele, porém, as remitiu sem queixas:<br />

Qual <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is lhe devêra ser mais grato?<br />

– Oh! certamente, o fariseu responde,<br />

O que maior quantia recebera! –<br />

– Julgaste bem, o Salva<strong>do</strong>r prossegue,<br />

Estou sob teu teto, não me déste<br />

Para lavar os pés um pouco d´água,<br />

E nem déste o ósculo fraterno,<br />

E nem minha cabeça perfumaste<br />

De bálsamos suaves; entretanto,<br />

Ela banhou-me os pés com tristes lágrimas,<br />

Ela os cobriu de beijos incessantes,


E os ungiu de perfumes preciosos!...<br />

Por isso agora digo: os seus peca<strong>do</strong>s<br />

Remiti<strong>do</strong>s estão, amou, e muito! –<br />

E voltan<strong>do</strong>-se à humilde peca<strong>do</strong>ra,<br />

Lhe diz: – Mulher, levanta-te, não chores,<br />

Pois a fé te salvou! – Assim falan<strong>do</strong><br />

Ergue-se e sai da sala <strong>do</strong> banquete.” (71)<br />

FERNANDO PINHEIRO - 148<br />

<br />

A cada encontro que temos com pessoas<br />

diferentes é uma oportunidade para nos recompor ou<br />

revelar aquilo que já está composto. Esta é uma dádiva<br />

preciosa.<br />

Quan<strong>do</strong> o homem conhece as suas reais<br />

necessidades, ele não se lembra mais <strong>do</strong>s seus desejos<br />

pessoais, pois confia no suprimento de suas lacunas<br />

que, um dia, desaparecerão.<br />

Quan<strong>do</strong> ingressa no esta<strong>do</strong> de consciência<br />

superior, a oscilação das emoções acerca <strong>do</strong> seu viver<br />

não o atinge mais, pois já conseguiu perceber as energias<br />

interiores de sua parte transcendental.<br />

O despertar dessa iniciação íntima traz<br />

descobertas de situações que o engrandecem cada vez<br />

mais, afastan<strong>do</strong>-o, por completo, de conceitos de<br />

comportamento que lhe traziam tristeza e desolação,<br />

depois de momentos aparentemente felizes.<br />

(71) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto III – Capítulo XXXI, XXXII – pp. 110,<br />

111 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia<br />

Brasileira de Letras.


149 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

A energia, vin<strong>do</strong> de dentro dele mesmo, se<br />

expande harmoniosamente em canais que se estabelecem<br />

em suas comunidades de habitação e trabalho, crian<strong>do</strong><br />

um clima adequa<strong>do</strong> para que o convívio salutar se<br />

estabeleça.<br />

Somente a partir daí, ele é útil a to<strong>do</strong>s que<br />

o cercam. Quanta suavidade sente nas oportunidades<br />

de semear, compreenden<strong>do</strong> as condições que se<br />

apresentaram no momento próprio, com a certeza de<br />

que tu<strong>do</strong> está fluin<strong>do</strong> corretamente!<br />

Isto vem comprovar que os desígnios superiores<br />

da natureza estão acima <strong>do</strong>s desejos caprichosos <strong>do</strong><br />

homem que ainda não compreendeu a sua realidade<br />

no plano cósmico.<br />

Nesta consciência mais ampla, o homem de<br />

mentalidade superior compreende que é importante seguir<br />

o roteiro de vida que se lhe apresentou quan<strong>do</strong> teve<br />

condições de sentir a harmonização de sua parte interna.<br />

O roteiro de serviço surge no momento<br />

adequa<strong>do</strong>, sem a necessidade de fazer planos,<br />

antecipadamente, o que poderia incorrer em temor e<br />

preocupação pelos resulta<strong>do</strong>s, se fossem feitos com a<br />

análise <strong>do</strong>s fatos exteriores.<br />

Quan<strong>do</strong> o homem vive a sua parte mais<br />

importante, ele se integra com os movimentos da<br />

natureza que estabelecem o tempo e o espaço em seus<br />

devi<strong>do</strong>s lugares.<br />

Seus movimentos são coordena<strong>do</strong>s pela sabe<strong>do</strong>ria<br />

implantada em sua essência etérica que ainda não teve<br />

o reconhecimento necessário. A cultura exacerbada pela


FERNANDO PINHEIRO - 150<br />

sobrevivência <strong>do</strong> corpo, nos dias atuais, não lhe estimula<br />

o autoconhecimento.<br />

No passa<strong>do</strong> histórico, mensageiros que traziam a<br />

energia da sabe<strong>do</strong>ria eram sacrifica<strong>do</strong>s, pois os líderes<br />

transitórios não admitiam que o homem pudesse ter algo<br />

superior ao seu corpo físico. Mas, atualmente, já está<br />

haven<strong>do</strong> uma abertura para que este conhecimento seja<br />

reconheci<strong>do</strong>, sem preconceitos.<br />

Tu<strong>do</strong> está se modifican<strong>do</strong>. O aprendiza<strong>do</strong> pelo<br />

sofrimento está desgastan<strong>do</strong> muito o homem moderno.<br />

Ele colhe a sementeira egóica, pois não teve condições<br />

de apreciar a clareza <strong>do</strong>s fatos que se interligam.<br />

O movimento que o homem faz interiormente,<br />

descobrin<strong>do</strong> a realidade da vida única, faz com que<br />

exista finalmente tranquilidade para sua existência, com<br />

reflexos positivos em seu corpo físico.<br />

Se o homem obedecesse às sugestões sábias <strong>do</strong><br />

seu mun<strong>do</strong> interno, onde sua mente está mergulhada,<br />

veria que tem condições de não deixar que as<br />

enfermidades, tristeza e desolação se incorporem em<br />

sua vida.<br />

Com a aquisição de tão preciosa dádiva, a<br />

felicidade será constante, a alegria terá bases profundas,<br />

sem receios de desmoronamento, uma inefável leveza o<br />

revestirá por completo.<br />

E como num fluir de energias, sentin<strong>do</strong> um<br />

bem-estar que o comove suavemente, ele se <strong>do</strong>a aman<strong>do</strong><br />

seus companheiros de jornada evolutiva, na certeza de<br />

que esse amor pertence à harmonia <strong>do</strong> Cosmos.


151 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

23<br />

MARTA<br />

O cenário comovente onde residiu Marta e<br />

seus irmãos Lázaro e Maria, em Betânia, é descrito por<br />

Amélia Rodrigues (Espírito), no livro Primícias <strong>do</strong> Reino,<br />

psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco:<br />

“Cercada por imensos campos de cevada, pequenos<br />

bosques de olive<strong>do</strong>s e figueiras que sombreiam a estrada<br />

de Jericó serpenteante junto às muralhas, Betânia ficava<br />

a uma hora de Jerusalém.” (72)<br />

(72) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias <strong>do</strong> Reino, pp. 169 – 4ª edição<br />

psicografa<strong>do</strong> por DIVALDO PEREIRA FRANCO – Livraria Espírita<br />

Alvorada Editora – 9/2000 – Salva<strong>do</strong>r – BA.


FERNANDO PINHEIRO - 152<br />

A caminhada tinha si<strong>do</strong> longa. A poeira<br />

estendia uma camada fina que se espalhava pelos trajes<br />

<strong>do</strong>s viajantes. À entrada da casa avistava-se o caminho<br />

em linhas sinuosas e se perdia pela vegetação adentro.<br />

As irmãs de Lázaro, alegres pela singular visita,<br />

irradiavam júbilo e, em cada volver de olhar, expressavam<br />

ternura que sentiam sair <strong>do</strong>s olhos meigos e bran<strong>do</strong>s de<br />

<strong>Jesus</strong>, que pareciam o oceano visto <strong>do</strong> alto. Quanta<br />

energia na brandura e quanta meiguice para afagar os<br />

corações que se assemelham às ondas que se quebram<br />

beijan<strong>do</strong> a praia!<br />

No clima suave e alenta<strong>do</strong>r, as irmãs de<br />

Lázaro, Maria e Marta, sentiam-se em festa. To<strong>do</strong> o<br />

contentamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, em sua forma mais refinada,<br />

podia estar conti<strong>do</strong> naqueles corações. Estavam felizes,<br />

na singeleza de suas vidas, e agora viviam os encantos<br />

que lhes foram desperta<strong>do</strong>s. A magia era amar, amar<br />

simplesmente e simplesmente amar.<br />

Marta de Betânia, preocupada em preparar a<br />

alimentação para os visitantes, permaneceu por muito<br />

tempo na cozinha. E, com receio de não acabar sozinha<br />

os pratos de comida, foi à procura de Maria.<br />

Ao entrar no recinto onde o divino amigo<br />

estava conversan<strong>do</strong> com a sua irmã, Marta pediu-lhe<br />

ajuda.<br />

Os olhos de Maria estavam mergulha<strong>do</strong>s nesse<br />

oceano de ternura e brandura que comparamos ao<br />

Mestre <strong>Jesus</strong>. A conquista era total. Agora sua alma<br />

pertencia ao reino, ao grande reino onde o amor é<br />

eterno, longe, muito longe da posse <strong>do</strong> que é transitório.


153 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Se até mesmo na transitoriedade de um prazer,<br />

a alma espairece e se entrega totalmente, o que não<br />

dizer diante de um deleite eterno?<br />

Contemplan<strong>do</strong> as paisagens íntimas que se<br />

desprendiam <strong>do</strong> olhar de Marta e pareciam aqueles<br />

caminhos que se perdiam na vegetação afora, <strong>Jesus</strong><br />

disse: “Marta, Marta, estás ansiosa e preocupada com<br />

muitas coisas, mas uma só é necessária. Maria escolheu<br />

a boa parte, a qual não lhe será tirada”. (73)<br />

Quanta filosofia de vida contida em poucas<br />

palavras! O ensinamento poderia ser compara<strong>do</strong> com<br />

outro, de igual valor, que diz: “buscai o reino de Deus<br />

e Sua justiça e todas as outras coisas te serão<br />

acrescentadas.” (74)<br />

Realmente, ninguém casa, ninguém faz política,<br />

ninguém compra ou vende algo, ninguém faz nada, sem<br />

as circunstâncias favoráveis, a sintonia tempo-e-espaço<br />

e o reflexo da causa sobre o efeito. Quem faz tu<strong>do</strong> isto?<br />

O homem é apenas o co-cria<strong>do</strong>r, dentro de uma Criação<br />

existente até mesmo antes dele nascer.<br />

Tu<strong>do</strong> segue em busca de seus ninhos. Os<br />

pássaros no crepúsculo; o homem depois de um dia de<br />

trabalho, volta ao lar e, dentro <strong>do</strong> sono, sonha com<br />

as regiões alcan<strong>do</strong>radas e de lá absorve novas forças<br />

(73) LUCAS, 10:41 e 42<br />

(74) MATEUS, 6:33


FERNANDO PINHEIRO - 154<br />

para o seu viver. As águas <strong>do</strong>s rios, que correm para<br />

o mar, são transformadas em chuva para cair em<br />

suas nascentes.<br />

O silêncio de Marta diante da resposta, que<br />

Maria não sabia como dar, calou fun<strong>do</strong> e ficou<br />

mergulha<strong>do</strong> em seu ser mais profun<strong>do</strong> e de lá emergiu,<br />

no decorrer de toda a sua vida, em pureza cristalina,<br />

para abafar as preocupações anteriores.<br />

A verdade, por ser revolucionária, risca, como<br />

a flecha, o espaço e atinge o alvo numa precisão única.<br />

Mais tarde, a sós com a sua irmã, quis saber<br />

tu<strong>do</strong> o que o Mestre lhe havia fala<strong>do</strong>. Quis saber <strong>do</strong><br />

detalhe que faz a diferença: sua vida antes, sua vida<br />

depois.<br />

Já recebera o suficiente, o necessário, mas<br />

queria acrescentar algo que os sonhos da alma podiam<br />

prever. Era a linguagem eterna, numa interpretação<br />

pessoal, que lhe fazia presença como um raio de sol,<br />

na alvorada, clarean<strong>do</strong>-lhe suavemente.<br />

<br />

O destino <strong>do</strong> homem está liga<strong>do</strong> intrinsecamente<br />

ao seu proceder anterior que se reflete nas circunstâncias<br />

inexoráveis que terá de passar.<br />

O passa<strong>do</strong> e o presente se interligam para<br />

compor o futuro que já foi traça<strong>do</strong> por suas ações<br />

próprias na cumplicidade de outras pessoas que formam<br />

o enre<strong>do</strong> <strong>do</strong> comportamento.<br />

Quan<strong>do</strong> ele nasce, traz um roteiro delinea<strong>do</strong><br />

por essas circunstâncias, isto em decorrência de atitudes


155 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

assumidas perante o tempo, o companheiro que o recebe<br />

para entregar-lhe o destino que ele elegeu por vontade<br />

própria.<br />

As tarefas que executa, pensan<strong>do</strong> em seu<br />

aprimoramento, visam sempre colimar os objetivos de sua<br />

missão, previamente escrita pelos seus méritos pessoais,<br />

antes mesmo que a oportunidade de realizá-la tivesse<br />

a sua participação. Esses méritos já se fazem demonstrar<br />

nas aptidões e tendências de natureza puramente<br />

congênita.<br />

Assim como a semente contém a presença da<br />

árvore em formação, no homem, que semeia a beleza, a<br />

realidade da vida única o reveste com forças suficientes<br />

a suplantar qualquer obstáculo.<br />

Em todas as caminhadas, ele passa pelas fases<br />

<strong>do</strong> crescimento com muitas lutas e lágrimas, sorrin<strong>do</strong><br />

mais tarde nas vitórias de suas conquistas.<br />

Aqueles que pressentem que têm uma missão a<br />

cumprir, nos varia<strong>do</strong>s departamentos da vida, certamente<br />

sentirão que algo acontecerá para que seus caminhos de<br />

luta sejam abertos.<br />

Há uma ligação invisível aos olhos humanos<br />

nos interesses que visam ao bem-estar <strong>do</strong>s agrupamentos<br />

sociais. A adversidade ainda existe em virtude da<br />

incompreensão daqueles que têm dificuldades em andar<br />

no ritmo <strong>do</strong>s que semeiam a beleza.<br />

Como revelam os fatos históricos, em<br />

determinada época em que não houve aclamação popular<br />

num gesto construtivo, em outra esse mesmo gesto<br />

mereceu aprovação <strong>do</strong>s que estiveram na posição daqueles<br />

que se mostraram antagônicos.


FERNANDO PINHEIRO - 156<br />

Mais na frente, surgem, em presença física ou<br />

na lembrança imorre<strong>do</strong>ura, aqueles que lutaram para<br />

manter vivo o ideal por uma vida feliz.<br />

E, assim, os semea<strong>do</strong>res da beleza são sempre<br />

lembra<strong>do</strong>s como condutores da humanidade. Aquilo que<br />

realizaram, um dia, mereceu seus esforços, nas lutas<br />

constantes, seus carinhos de quem realiza a obra-prima,<br />

sem pensar nas horas de lazer que poderiam usufruir.<br />

O ideal fala mais alto e a compreensão pelos<br />

desígnios superiores alcança o íntimo de seu ser,<br />

como a dizer-lhes que o importante é semear aquilo<br />

que lhes chega por inspiração.<br />

As vibrações das pessoas, beneficiadas por seus<br />

trabalhos, aumentarão o campo energético em que suas<br />

auras estão mergulhadas, propician<strong>do</strong> uma irradiação<br />

luminosa que comprovará o valor daquilo que foi planta<strong>do</strong><br />

num momento feliz.<br />

É por esta razão que vemos como é bom<br />

semear a inspiração oriunda <strong>do</strong> plano superior da vida,<br />

a fim de que haja um número sempre crescente daqueles<br />

que buscam a felicidade como forma de viver.<br />

Falar em felicidade de maneira isolada é o<br />

mesmo que atribuir a existência de infelicidade junto<br />

àqueles que têm dificuldades em caminhar.<br />

Mas, como vemos a beleza se irradian<strong>do</strong> por<br />

toda a parte, é necessário compreendermos que são<br />

felizes aqueles que lutam para se recompor, mesmo<br />

passan<strong>do</strong> pelas provações mais difíceis da vida.<br />

Antes de cair ao solo, as chuvas eram nuvens<br />

sombrias que escondiam tão grandiosa dádiva.


157 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

24<br />

ZAQUEU<br />

A notícia se espalhara pela cidade de Jericó:<br />

Levi, um cobra<strong>do</strong>r de impostos foi convida<strong>do</strong> para<br />

seguir <strong>Jesus</strong>. Isto despertou em Zaqueu a esperança<br />

de conhecê-lo pessoalmente e, quem sabe, receber uma<br />

palavra que esclarecesse a sua vida tumultuada. Mas<br />

apenas olhar aquele homem, possivelmente o espera<strong>do</strong><br />

pelos profetas e <strong>do</strong>utores da lei, pensou, era tu<strong>do</strong> que<br />

desejava naquele instante.<br />

A multidão crescia, cada vez mais, no trajeto<br />

pelas ruas e, quan<strong>do</strong> Zaqueu a viu surgir de longe,<br />

começou a correr ao seu encontro, sem pensar nas<br />

posturas formais que sempre se atribuiu em público, e


FERNANDO PINHEIRO - 158<br />

subiu no galho de um sicômoro para ver de mais<br />

perto a cena comovente.<br />

Cerca<strong>do</strong> pelos amigos e admira<strong>do</strong>res, o povo<br />

em geral, <strong>Jesus</strong> andava firme, irradian<strong>do</strong> uma beleza<br />

nobre e transparente, ao alcance de to<strong>do</strong>s, despertan<strong>do</strong>lhes<br />

o amor.<br />

Príncipe <strong>do</strong> paraíso, tornava-se igual a to<strong>do</strong>s,<br />

fazen<strong>do</strong>-lhes pensar que a hora de serem felizes para<br />

sempre tinha chega<strong>do</strong>. Amava o amor e era o próprio<br />

amor a transparecer em seus gestos e palavras.<br />

Na alma de Zaqueu havia uma nítida<br />

impressão de tê-lo conheci<strong>do</strong> desde antes, não sabia<br />

quan<strong>do</strong>. A sensação de leveza o embalava a recantos<br />

distantes e o trazia de volta que sentia estar sempre<br />

perto dele. Assim são os amores que se reconhecem<br />

mutuamente.<br />

“Zaqueu, falou <strong>Jesus</strong>, desce depressa. Hoje me<br />

convém pousar em tua casa”. (75)<br />

A emoção no cobra<strong>do</strong>r de impostos cresceu<br />

tanto quanto a arrecadação nos dias de maior movimento.<br />

Era inacreditável, pensou, como ele falara o seu nome<br />

no meio <strong>do</strong> povo.<br />

Zaqueu correu depressa à sua residência para<br />

dizer, abraçan<strong>do</strong> e beijan<strong>do</strong> à esposa enternecida, o<br />

encanto <strong>do</strong> encontro que lhe sensibilizou a alma.<br />

(75) LUCAS, 19:5


159 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Em poucos minutos, a <strong>luz</strong> <strong>do</strong> sol ia deixan<strong>do</strong><br />

no crepúsculo cores e nuanças que as nuvens retinham<br />

em desfalecimento. A noite começou a nascer...<br />

A discriminação social veio em murmúrio: “E<br />

ven<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s isto, murmuravam, dizen<strong>do</strong> que entrara<br />

para ser hóspede de um homem peca<strong>do</strong>r”. (76)<br />

Ao ouvir a palavra que lhe causara traumas,<br />

Zaqueu toma a iniciativa e se dirige humildemente a<br />

<strong>Jesus</strong>: “Senhor, eis que eu <strong>do</strong>u aos pobres metade <strong>do</strong>s<br />

meus bens, e se nalguma coisa tenho defrauda<strong>do</strong> alguém,<br />

o restituo quadruplica<strong>do</strong>!” (77)<br />

Naquele instante a emoção cortou a fala de<br />

Zaqueu e, páli<strong>do</strong> por ter gasto sua última expressão<br />

verbal, manifestou em gestos o apelo para que o Mestre<br />

entrasse em sua casa.<br />

Num sorriso de amor, amor qualifica<strong>do</strong> na mais<br />

pura essência da vida, <strong>Jesus</strong> falou: “hoje veio a<br />

salvação a esta casa, porque também este é filho de<br />

Abraão. Pois o Filho <strong>do</strong> Homem veio buscar e salvar o<br />

que se havia perdi<strong>do</strong>”. (78)<br />

<br />

A narrativa de Fagundes Varela, no Canto VI,<br />

<strong>do</strong> poema Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, traz um<br />

resumo <strong>do</strong> episódio Zaqueu, ocorri<strong>do</strong> na cidade de Jericó.<br />

Vale ressaltar:<br />

(76) LUCAS, 19:7 (77) LUCAS, 19:8 (78) LUCAS, 19:9 e 10


FERNANDO PINHEIRO - 160<br />

“Chega <strong>Jesus</strong>, e o povo se atropela,<br />

Ajunta-se e o rodeia. A uns incita<br />

A vã curiosidade; a outros guiam<br />

A esperança e a fé. Um publicano<br />

A quem chamavam Zaqueu, homem de posses,<br />

Mas de estatura pequenina e frágil,<br />

Não poden<strong>do</strong> de perto olhar o Cristo,<br />

Qual travessa criança aos galhos sobe<br />

De um alto sicômoro, e dentre as folhas<br />

Espreita cuida<strong>do</strong>so... Num relance<br />

O Salva<strong>do</strong>r o vê. – Zaqueu, lhe fala,<br />

Desce e vem ter comigo, muito importa<br />

Que na tua morada hoje eu pernoite. –<br />

Apressa-se Zaqueu, desce, e contente<br />

Guia o Senhor à casa hospitaleira.<br />

Novas murmurações, novas censuras<br />

Partem <strong>do</strong>s fariseus e <strong>do</strong>s escribas,<br />

Ven<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong> seguir um publicano<br />

E albergar-se debaixo de seu teto.<br />

Zaqueu diz ao chegar: – Quero, metade<br />

Dar, Senhor, de meus bens aos infelizes,<br />

E quatro vezes mais darei, se acaso<br />

Meu próximo lesei em seus negócios.<br />

– Hoje, exclama <strong>Jesus</strong>, em teu asilo<br />

Entrou a salvação! Sobre os lares<br />

Do Eterno Padre as bençãos se espalharam!<br />

O seio de Abrahão pulsou de júbilo,<br />

Pois o Filho <strong>do</strong> Homem veio ao mun<strong>do</strong><br />

Buscar o que nas sombras vacilava,<br />

E salvar o que havia pereci<strong>do</strong>!<br />

XX


161 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

A <strong>luz</strong> acorda o mun<strong>do</strong>. A natureza<br />

De seu berço levanta-se formosa<br />

E saúda o Senhor. Sobre as montanhas,<br />

Nas grimpas <strong>do</strong> arvore<strong>do</strong>, e sobre as ondas,<br />

O glorioso príncipe <strong>do</strong>s astros<br />

Feliz esparze as dádivas primeiras.” (79)<br />

<br />

A visita de <strong>Jesus</strong> à casa de Zaqueu teve por<br />

finalidade redimensionar valores.<br />

A irradiação de nossos pensamentos envolve as<br />

pessoas que temos oportunidade de mantermos contato,<br />

deixan<strong>do</strong> nelas o sentimento, características <strong>do</strong> proceder<br />

que a<strong>do</strong>tamos.<br />

Nos momentos de nossa participação no convívio<br />

social, devemos ter muito carinho e cuida<strong>do</strong> na exposição<br />

de ideias e atitudes, pois qualquer decréscimo de amor<br />

pode afetar o equilíbrio emocional de quem nos ouve e<br />

assiste.<br />

Em cada criatura humana existe um mecanismo<br />

de energias que modula os aspectos que lhe dizem<br />

respeito, sobressain<strong>do</strong>-lhe a forma estruturada nas suas<br />

atitudes e procedimentos.<br />

(79) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto VI – Capítulos XIX e XX – pp. 181, 182 –<br />

Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia<br />

Brasileira de Letras.


FERNANDO PINHEIRO - 162<br />

O aspecto de beleza, revesti<strong>do</strong> de cores e<br />

nuanças, que plasma a aura espiritual <strong>do</strong>s seres<br />

humanos, pode ser constante e inalterável para aqueles<br />

que seguem seguros na luminosidade de todas as ações<br />

e gestos que inspiram a sabe<strong>do</strong>ria.<br />

Mas a grande maioria das pessoas anda<br />

buscan<strong>do</strong>, na firmeza <strong>do</strong> equilíbrio emocional, em escalas<br />

ascendentes e descendentes, os valores reais <strong>do</strong> espírito<br />

sujeitos ainda à comparação de outros valores aprecia<strong>do</strong>s<br />

por aqueles que se apegam ao mun<strong>do</strong> das formas.<br />

Em to<strong>do</strong>s os instantes, devemos exteriorizar as<br />

emoções sublimadas que cultivamos no nosso íntimo, a<br />

fim de que os companheiros, acompanhan<strong>do</strong>-nos os passos,<br />

possam ser beneficia<strong>do</strong>s pelas atitudes que tomamos.<br />

O clima de reconforto é a necessidade principal<br />

<strong>do</strong>s grupos humanos que precisam dar maior dimensão<br />

às vibrações oriundas das pessoas que trazem consigo<br />

o amor e a simplicidade, dissipan<strong>do</strong> o tumulto <strong>do</strong>s<br />

interesses que passam deixan<strong>do</strong> um vazio.<br />

Na aproximação com as pessoas <strong>do</strong> nosso<br />

convívio, as vibrações que sentimos vir delas têm uma<br />

conotação valiosa despertan<strong>do</strong>-nos às lições que lhes são<br />

próprias.<br />

Todas as mensagens íntimas <strong>do</strong>s companheiros<br />

servem-nos para estu<strong>do</strong> e apreciação das necessidades<br />

que deverão ser redimensionadas por aspectos capazes<br />

de engrandecê-los em relação aos valores da vida.<br />

São olhares revelan<strong>do</strong> situação incômoda ou<br />

convite à participação de suas alegrias; são gestos que<br />

demonstram timidez ou ousadia <strong>do</strong>s planos que não<br />

conseguiram realizar.


163 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Quantos sorrisos de pessoas que conhecemos<br />

estão à flor da pele, esperan<strong>do</strong> a nossa manifestação<br />

de sorrir primeiro!<br />

Se compreendermos que basta um leve gesto<br />

de amor para tocar as pessoas, aumentaremos o círculo<br />

de amizade que nos trará bem-estar que se espalha a<br />

to<strong>do</strong>s quantos de nós se aproximam.<br />

Mistura<strong>do</strong>s à multidão, encontramos os amores<br />

que desconhecemos, comprometi<strong>do</strong>s com os momentos<br />

diferentes <strong>do</strong>s nossos, mas com grande afinidade de<br />

gostos pelo mesmo trabalho que realizamos no campo <strong>do</strong><br />

sentimento.<br />

Ainda existem os tími<strong>do</strong>s e receosos que<br />

não conseguem dirigir-nos a palavra, porta<strong>do</strong>res de<br />

desconfiança ou da falta de nossa aproximação junto a<br />

eles que lhe possam modificar-lhe a postura.<br />

Os novos companheiros que vem integrar o<br />

grupo social onde prestamos serviços são assim<br />

como árvores recém-nascidas que precisam de cuida<strong>do</strong>s<br />

especiais para reflorescer com brilho e vigor.<br />

Quan<strong>do</strong> participamos de reuniões no campo<br />

astral, durante o sono <strong>do</strong> corpo físico, vemos, com<br />

intensa alegria, o júbilo de companheiros da evolução<br />

cósmica vir ao nosso encontro numa elevação de<br />

propósitos ainda não sentida pelos melhores preletores<br />

que a Terra possui.<br />

Façamos uma experiência e veremos o resulta<strong>do</strong><br />

positivo: à noite, antes de <strong>do</strong>rmir, esquecer to<strong>do</strong> o<br />

cuida<strong>do</strong> que o dia nos proporcionou e ouvir músicas<br />

que despertem a beleza e, principalmente, colocar o<br />

pensamento em profunda oração.


25<br />

A SAMARITANA<br />

FERNANDO PINHEIRO - 164<br />

Picture: Woman at the well by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />

“Vem o cântaro encher, na água da fonte,<br />

A mais linda mulher da Samaria...” (80)<br />

Na paisagem bíblica de Caio de Mello Franco,<br />

o sol, irradian<strong>do</strong> <strong>luz</strong> nas nuvens, fazia o céu escarlarte:<br />

“Em sangue o amplo horizonte.”<br />

(80) CAIO DE MELLO FRANCO – in Vida que passa... – poemas – p. 75<br />

– Typographia <strong>do</strong> Annuário <strong>do</strong> Brasil – 1924 – Acervo: Biblioteca<br />

Popular Pedro Nava – Glória – Rio de Janeiro – RJ.


165 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Nos tempos de Jezabel, Samaria era uma região<br />

bastante rica e próspera. Por volta <strong>do</strong> século VIII a.C.,<br />

os assírios, sob o coman<strong>do</strong> de Sargão II, invadiram aquela<br />

região impon<strong>do</strong> o idioma arameu ou aramaico, juntamente<br />

com uma grande quantidade de crenças e superstições<br />

que por lá se espalharam por muito tempo.<br />

Seis séculos depois, os macabeus destruíram<br />

grande parte das edificações da Samaria que só foi<br />

reconstruída por Herodes que servia ao impera<strong>do</strong>r romano.<br />

Entretida com pensamentos liga<strong>do</strong>s à rotina <strong>do</strong><br />

dia-a-dia, estampan<strong>do</strong> no rosto a cor queimada de sol, e<br />

os cabelos encobertos por um turbante, a jovem mulher,<br />

carregan<strong>do</strong> um cântaro vazio, caminha em direção <strong>do</strong> poço<br />

de Jacó. Ao chegar ali, surpreende-se ao ver um homem<br />

assenta<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> poço, como se estivesse a esperá-la<br />

por muito tempo.<br />

Envolvida por enorme fascínio, ela o contemplou<br />

enternecida e, movida pela leveza que percorria o seu<br />

coração, desviou o olhar para o fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> poço e,<br />

naquele instante, sentiu o encanto íntimo da água.<br />

Compreenden<strong>do</strong> que o amor desperta os<br />

encantos da vida e ven<strong>do</strong> nela a sensação de quem<br />

sente os ventos das tardes ensolaradas, o Mestre<br />

envolveu-a num sorriso <strong>do</strong>ce e lhe falou suavemente:<br />

“dá-me de beber.” (81)<br />

(81) JOÃO, 4: 1 a 42


FERNANDO PINHEIRO - 166<br />

A vontade de chamar a atenção daquele<br />

estrangeiro, que lhe dirigiu a palavra, era imensa, mas a<br />

emoção que tomou conta <strong>do</strong> seu coração era maior,<br />

mesmo assim deixou extravasar um pouco de amargura:<br />

“como sen<strong>do</strong> tu judeu, me pedes de beber a mim,<br />

que sou mulher samaritana? (Pois os judeus não se dão<br />

com os samaritanos”).<br />

“Se conhecesses o <strong>do</strong>m de Deus”, continuou,<br />

afável, o Mestre, “e quem é o que te pede: dá-me de<br />

beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva”.<br />

A samaritana curvou-se numa atitude de<br />

reverência. Após uma pequena pausa, exclamou:<br />

“Senhor, tu não tens como tirá-la, e o poço é fun<strong>do</strong>.<br />

Onde tens a água viva? És tu maior <strong>do</strong> que o nosso<br />

pai Jacó, que nos deu o poço, <strong>do</strong> qual ele próprio<br />

bebeu e, bem assim, os seus filhos e o seu ga<strong>do</strong>?”<br />

Houve uma expectativa inebriante. Com um<br />

sorriso afável, ele respondeu à moça:<br />

“Qualquer que beber desta água tornará a ter sede,<br />

mas aquele que beber da água que eu lhe der, nunca<br />

mais terá sede, porque a água que eu lhe oferecer se<br />

fará nele uma fonte que jorra para a vida eterna".<br />

De imediato, a jovem samaritana disse: “Senhor, dá-me<br />

dessa água para que eu não mais tenha sede, nem<br />

precise vir aqui tirá-la.” [JOÃO, 4: 1 a 42]<br />

Pedin<strong>do</strong> a ela chamar o mari<strong>do</strong> e voltar ali,<br />

<strong>Jesus</strong> fez ampliar o conceito de água viva. Ela lhe<br />

respondeu que não o tinha.<br />

“Disse-lhe <strong>Jesus</strong>: tens razão em dizer que não tens<br />

mari<strong>do</strong>, pois já tiveste cinco mari<strong>do</strong>s, e o que agora<br />

tens não é teu mari<strong>do</strong>. Isto disseste com verdade.”


167 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Emocionada pela revelação, a moça se expressou:<br />

“Senhor, vejo que és profeta. Nossos pais a<strong>do</strong>raram<br />

neste monte, mas vós, os judeus, dizeis que é em<br />

Jerusalém o lugar onde se deve a<strong>do</strong>rar.”<br />

O Mestre, pressentin<strong>do</strong> as tendências religiosas<br />

que iriam surgir, no decorrer <strong>do</strong>s séculos, eluci<strong>do</strong>u:<br />

“Mas vem a hora, e já chegou, em que os<br />

verdadeiros a<strong>do</strong>ra<strong>do</strong>res a<strong>do</strong>rarão o Pai em espírito e<br />

em verdade, pois o Pai procura a tais que assim o<br />

a<strong>do</strong>rem. Deus é Espírito, e importa que o a<strong>do</strong>rem em<br />

espírito e em verdade.” [JOÃO, 4: 1 a 42]<br />

Palavras tão esclarece<strong>do</strong>ras, nunca antes<br />

ouvidas, encheram-na de contentamento e, num impulso<br />

de emoção, falou-lhe: “eu sei que o Messias (chama<strong>do</strong><br />

Cristo) vem. Quan<strong>do</strong> ele vier, nos explicará tu<strong>do</strong>”.<br />

O diálogo foi concluí<strong>do</strong> por <strong>Jesus</strong>: “Eu o sou,<br />

eu que falo contigo.”<br />

Perceben<strong>do</strong> a grandeza <strong>do</strong> ensinamento, a jovem<br />

samaritana deixou-se levar por imensa alegria a esparzir<br />

entre seus amigos e familiares. Pôs-se a correr e a<br />

gritar: “Vinde, vede um homem que me disse tu<strong>do</strong> o que<br />

tenho feito. Porventura, não é este o Cristo?”<br />

A atitude da jovem samaritana fez afluir grupos<br />

de pessoas que se reuniram junto ao poço de Jacó.<br />

Naquele instante, os discípulos retornaram à<br />

presença <strong>do</strong> Mestre, deixan<strong>do</strong> para trás a cidade, onde<br />

foram buscar alimentos. Pediram-lhe que se alimentasse.<br />

Com a atenção voltada aos mora<strong>do</strong>res de Sicar,<br />

<strong>Jesus</strong> dirige-se aos discípulos com a intenção de que<br />

to<strong>do</strong>s pudessem ouvi-lo:


FERNANDO PINHEIRO - 168<br />

“A minha comida é fazer a vontade daquele que<br />

me enviou, e realizar a sua obra. Não dizeis: ainda há<br />

quatro meses até à ceifa? Eu vos digo: erguei os vossos<br />

olhos, e vede os campos! Já estão brancos para a ceifa.<br />

O ceifeiro recebe desde já o seu galardão, desde já ceifa<br />

a colheita para a vida eterna, e assim se regozijam tanto<br />

o semea<strong>do</strong>r como o ceifeiro. Pois é verdadeiro o dita<strong>do</strong>:<br />

um é o semea<strong>do</strong>r, e o outro é o ceifeiro. Eu vos enviei<br />

a ceifar onde não trabalhastes; outros trabalharam, e<br />

vós entrastes no seu trabalho.” [JOÃO, 4: 1 a 42]<br />

<br />

Junto ao poço de Jacó, na cidade de Sicar, a<br />

jovem samaritana teve um encontro, o mais importante<br />

de sua vida. Não eram apenas os ensinamentos que a<br />

encantavam, mas a beleza da voz de <strong>Jesus</strong>.<br />

Cada criatura humana tem uma sonoridade<br />

específica na voz. O som é ondula<strong>do</strong> na vibração<br />

característica de cada uma.<br />

Assim como se encontra o esta<strong>do</strong> emocional<br />

das pessoas, a voz escoa os sentimentos que as<br />

caracterizam, embora haja momentos de disfarce para<br />

encobrir circunstâncias simula<strong>do</strong>ras.<br />

Algumas carregam o peso das aflições diárias e<br />

despejam palavras que desarticulam o esta<strong>do</strong> emocional<br />

daqueles que são cúmplices de suas ações.<br />

Outras sublimam seus ideais e enternecem, com<br />

<strong>do</strong>ces carinhos, as palavras – sementes de jardim –<br />

que distribuem a to<strong>do</strong>s quantos por elas passam.


169 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Se a música suave traz vibrações que nos<br />

estimulam a desenvolver os centros energéticos <strong>do</strong> nosso<br />

ser, a voz, que carrega os sentimentos de quem a<br />

emite, pode levar-nos a situações conforta<strong>do</strong>ras.<br />

Há amores que se ligam profundamente na voz.<br />

Aquela vibração traz recordação de experiências que<br />

voltam para serem completadas. Uma alegria íntima<br />

estimula-nos quan<strong>do</strong> ouvimos a voz de quem nos agrada.<br />

Como os sons podem ser conduzi<strong>do</strong>s à<br />

harmonia, a sonoridade humana, contida na voz, pode<br />

levar-nos a esta<strong>do</strong>s de sublimação de sentimentos. É<br />

claro que os sons estimula<strong>do</strong>res da sensualidade não<br />

podem conduzir a esses níveis superiores, pois têm<br />

raízes profundas nos senti<strong>do</strong>s da matéria.<br />

Os amores, em diálogo, gostam de ouvir suas<br />

vozes falan<strong>do</strong> de belezas íntimas que somente eles podem<br />

identificar na mesma intensidade em que foram criadas.<br />

Quantas vezes, ouvimos, pessoalmente ou por<br />

telefone, pessoas envolvidas nos momentos de frágil<br />

consistência que criamos, sem dar a elas o valor que<br />

a oportunidade oferece!<br />

Nunca a mesma hora se repete. Alteram-se as<br />

circunstâncias em que nos defrontamos com alguém,<br />

chegan<strong>do</strong>, às vezes, a se tornar cada vez mais difícil<br />

a nossa participação nesses envolvimentos, pelo clima<br />

de incerteza em que nos deixamos envolver.<br />

Os encontros são marcas <strong>do</strong> destino e por<br />

isso mesmo devem merecer to<strong>do</strong> o carinho e respeito,<br />

pois não entendemos ainda os fatores racionais que<br />

estabelecem essa circunstância que vem apenas com o<br />

fim de nos ajudar.


FERNANDO PINHEIRO - 170<br />

Se há enigma no meio da observação pessoal,<br />

não importa, não podemos imaginá-lo em forma de<br />

obstáculo, pois os primeiros encontros são tão ingênuos<br />

e não podem ameaçar a nossa tranquilidade.<br />

E se, no decorrer das oportunidades, houver<br />

sinais de desconforto das vibrações contidas na voz de<br />

quem nos responde, devemos amá-la cada vez mais como<br />

uma pessoa que está precisan<strong>do</strong> tanto de nosso amor.<br />

Não podemos ver rosas em to<strong>do</strong>s os lugares<br />

por onde passamos, mas não devemos andar de<br />

mãos cheias de sementes sem a vontade de semear.<br />

Quem tem amor no coração distribua.<br />

Assim como os agentes afins se aglutinam<br />

forman<strong>do</strong> um grupo homogêneo, a vibração da voz tem<br />

peculiaridade específica que identifica os interlocutores<br />

no ponto em comum.<br />

Como a finalidade da missão inteligente <strong>do</strong><br />

homem é disseminar o amor, seja no silêncio quan<strong>do</strong><br />

as circunstâncias exigem, ou na voz articulada <strong>do</strong>s<br />

sons se houver identificação e receptividade de quem<br />

a deseja ouvir.


171 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

26<br />

BEN MORDECKAI<br />

Picture: Sermon on the Mount by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />

Anestesia<strong>do</strong> pelo torpor a que se acostumara<br />

desde as primeiras decepções da vida, antes ditosa e<br />

feliz, Mathias Ben Mordeckai, entre tantos outros<br />

sofre<strong>do</strong>res, estava ali ao pé da montanha, sem saber<br />

o que estava sen<strong>do</strong> dito.<br />

A lembrança <strong>do</strong>s dias felizes em Acra e a<br />

amargura <strong>do</strong>s desencantos que sobrevieram das ações<br />

movidas contra ele no Sinédrio, fez Ben Mordeckai<br />

sentir-se completamente infeliz. Perden<strong>do</strong> os bens materiais<br />

e a família, foi acometi<strong>do</strong> por grave <strong>do</strong>ença. Mesmo assim,<br />

havia nele uma esperança clarean<strong>do</strong> como uma chama<br />

bruxuleante soprada pelo vento [AMÉLIA RODRIGUES/1998].


FERNANDO PINHEIRO - 172<br />

<strong>Jesus</strong> disse o Sermão da Montanha a uma<br />

plateia composta por galileus, judeus e estrangeiros vin<strong>do</strong>s<br />

da Decápolis e de outras regiões vizinhas. Suas palavras<br />

cheias de sabe<strong>do</strong>ria eram um alento para os desalenta<strong>do</strong>s,<br />

os tristes e os sofre<strong>do</strong>res.<br />

Sábio e simples, amoroso em to<strong>do</strong>s os gestos,<br />

no olhar, no sorriso que afagava, no sentir a <strong>do</strong>r alheia,<br />

como se fosse a sua própria <strong>do</strong>r, sem culpa alguma.<br />

Falava <strong>do</strong> reino a que pertencia, estenden<strong>do</strong><br />

suas balizas aos lugares onde já se vislumbrava uma<br />

messe a crescer. To<strong>do</strong>s pertenciam ao mesmo rebanho,<br />

ven<strong>do</strong> neles irmãos com possibilidades futuras de<br />

restauração de saúde.<br />

O vento corria lentamente carregan<strong>do</strong> a vibração<br />

amorosa de sua voz.<br />

Ben Mordeckai, que estava a pouca distância<br />

daquele sábio, não poderia avaliar claramente a grandeza<br />

<strong>do</strong> momento. Não distinguira nenhuma palavra; ouvira<br />

um som que se misturava ao vento, confortan<strong>do</strong>-o por<br />

dentro.<br />

Ao levantar a cabeça em direção àquele que<br />

disseminava o amor, naquelas paragens, conseguiu captar<br />

a vibração que fluía <strong>do</strong>s olhos meigos <strong>do</strong> rabino da<br />

Galiléia e compreendeu o enlevo que arrebatava a to<strong>do</strong>s<br />

na mais pura magia.<br />

No despertar de ânimos, ouviu somente as<br />

palavras: “bem-aventura<strong>do</strong>s os aflitos, pois que serão<br />

consola<strong>do</strong>s”, (82) reten<strong>do</strong> aquele olhar amoroso em sua<br />

(82) LUCAS, 6:17 a 49


173 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

alma, comparan<strong>do</strong>-o a mais bela jóia que o mun<strong>do</strong> lhe<br />

poderia dar.<br />

<br />

Mathias Ben Mordeckai, personagem verídica<br />

que presenciou o Sermão da Montanha, foi revelada,<br />

em primeira mão, no livro Quan<strong>do</strong> voltar a Primavera,<br />

de Amélia Rodrigues (Espírito), psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong><br />

Pereira Franco:<br />

“Ergueu a cabeça a fim de quebrar a magia <strong>do</strong><br />

instante e cravou os olhos nubla<strong>do</strong>s na figura diáfana e<br />

majestosa <strong>do</strong> Rabi...” (83)<br />

A difícil experiência, quase silenciosa, de Ben<br />

Mordeckai chega aos nossos dias como mensagem de<br />

reflexão acerca das verdades <strong>do</strong> tempo.<br />

Cada criatura humana possui um código<br />

pessoal que foi obti<strong>do</strong> através <strong>do</strong> seu aprendiza<strong>do</strong> nos<br />

inúmeros outros códigos que delineiam normas de conduta.<br />

Na revelação <strong>do</strong>s desencantos divulga<strong>do</strong>s pelos<br />

meios de comunicação, não há por parte de muitos<br />

ouvintes uma reflexão acerca da gravidade <strong>do</strong>s fatos que<br />

abalam a estrutura emocional de quem por eles passa.<br />

(83) AMÉLIA RODRIGUES (Espírito) – in Quan<strong>do</strong> voltar a Primavera,<br />

p. 42 – 5ª edição – psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco –<br />

Livraria Espírita Alvorada Editora – 1998 – Salva<strong>do</strong>r – BA.


FERNANDO PINHEIRO - 174<br />

Por estarem longe dessas notícias, parece<br />

que nada disso pode tocá-los. O que lhes interessa é<br />

saber que estão bem vesti<strong>do</strong>s e com dinheiro no bolso<br />

para comprar tu<strong>do</strong> que lhes dá alegria de viver. Não<br />

se interessam em saber de sua realidade mais profunda,<br />

onde seus sonhos estão a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>s pela aparência<br />

daquilo que pensam ser o melhor. Apenas os deleites <strong>do</strong><br />

corpo lhes merecem atenção.<br />

Nem mesmo o impacto que a vida surpreende<br />

os desatentos, em situações iguais as suas, consegue<br />

despertá-los para outras dimensões. Assemelham-se a<br />

animais, com arreios, puxan<strong>do</strong> carroças, enxergan<strong>do</strong><br />

apenas alguns passos à frente.<br />

Os desencantos servem-nos para esclarecer<br />

aquilo que precisa ser transforma<strong>do</strong>, no propósito <strong>do</strong><br />

acerto, com vistas a ampliar nosso entendimento da<br />

vida. Mas o que normalmente ainda se vê é o susto,<br />

o temor e a preocupação pelas situações que foram<br />

desfeitas pelas verdades <strong>do</strong> tempo.<br />

Num clima vicioso ainda se apegam àquilo<br />

que foi destruí<strong>do</strong>. Parecem não perceber que o tempo,<br />

como os ventos da tempestade, renova to<strong>do</strong>s os<br />

ambientes onde a respiração estava mergulhada no ar<br />

poluí<strong>do</strong>. Ainda preferem respirar poluição porque as<br />

rajadas desses ventos batem fortes.<br />

Como é grande a divulgação <strong>do</strong>s desencantos<br />

por toda a parte onde transitamos e mesmo dentro de<br />

nossos lares, através <strong>do</strong> rádio e televisão, devemos<br />

desligar-nos da forma negativa como nos chegam e<br />

tirar proveito da lição para que tais ocorrências não<br />

venham a se concretizar diante de nossos olhos.


175 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

E, numa placidez meditativa, mentalizar os<br />

irmãos que serviram de provas difíceis, colocan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o<br />

nosso amor <strong>do</strong> coração para que essa onda invisível<br />

viaje até eles, confortan<strong>do</strong>-os e eliminan<strong>do</strong> os miasmas<br />

mentais que lhes tiram a tranquilidade de viver.<br />

A verdade de que tu<strong>do</strong> se interliga, para<br />

recompor situações que espelham a beleza, tem conotações<br />

profundas que se espalham pelo tempo e espaço onde<br />

to<strong>do</strong>s os nossos pensamentos podem fluir.<br />

Amemos os jovens embaraça<strong>do</strong>s no confinamento,<br />

as crianças que assustadas nos pedem uma colaboração<br />

para viver, as moças que sentem necessidade de<br />

namorar e não encontram ninguém, os i<strong>do</strong>sos que<br />

sentem saudades e os amores que nos amam.<br />

Transmutar os desencantos em alegria inefável,<br />

as lágrimas em sorrisos, a preocupação <strong>do</strong> futuro<br />

desconheci<strong>do</strong> pela certeza <strong>do</strong> nascer <strong>do</strong>s novos dias<br />

num clima em que plantamos a coragem de servir,<br />

sem sermos vistos pela curiosidade alheia, leva-nos a<br />

recantos onde somente o pensamento cheio de amor<br />

pode chegar.


27<br />

MANHÃ EM JERUSALÉM<br />

FERNANDO PINHEIRO - 176<br />

<strong>Jesus</strong> wrote in the sand by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />

Um clima suave espalhava-se diante de uma<br />

pequena multidão reunida ao la<strong>do</strong> direito <strong>do</strong> templo.<br />

As vibrações amorosas de sua voz dulcificavam o coração<br />

de to<strong>do</strong>s ali presentes como se fossem o prelúdio das<br />

sinfonias.<br />

O amor era prega<strong>do</strong> na beleza original que se<br />

revelava num olhar <strong>do</strong>ce e bran<strong>do</strong> que, num primeiro<br />

contato, parecia ser de uma criança e, num instante<br />

mais profun<strong>do</strong>, na atitude <strong>do</strong>s grandes profetas.


177 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Apenas em sua placidez meditativa já conseguia<br />

reunir, em grupo homogêneo, to<strong>do</strong>s que estavam presentes<br />

à sua volta. O amor se espalha como aroma de lavanda<br />

campesina, envolven<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> ao re<strong>do</strong>r.<br />

Mas, numa radiosa manhã em Jerusalém, esse<br />

manto diáfano de vibrações foi rasga<strong>do</strong> pela precipitação<br />

de outro grupo de pessoas que se dirigira em direção de<br />

<strong>Jesus</strong> e seus discípulos.<br />

A pequena multidão que o ouvira antes, ven<strong>do</strong><br />

o tumulto que vinha à sua frente, aos poucos foi se<br />

dispersan<strong>do</strong>.<br />

Uma jovem mulher ia à frente, fugin<strong>do</strong> à fúria<br />

implacável de seus acusa<strong>do</strong>res e carrascos.<br />

O grupo, que a empurrava era impie<strong>do</strong>so e<br />

perverso, não tivera oportunidade de ouvir as palavras<br />

que descortinam os panoramas íntimos de comovente<br />

beleza. Quem sabe se tivesse chega<strong>do</strong> ali uma hora antes<br />

tu<strong>do</strong> seria diferente?<br />

Os escribas e fariseus apresentaram a <strong>Jesus</strong><br />

a mulher de vestes esfarrapadas e perguntaram-lhe a<br />

sua opinião a respeito da acusação de que ela era<br />

vítima.<br />

Um silêncio se fez presente. O clima ficou<br />

mergulha<strong>do</strong> na expectativa. Um instante depois, a<br />

resposta veio revestida de misericórdia, alicerce onde se<br />

estrutura to<strong>do</strong> Evangelho de <strong>Jesus</strong>, com ressonância aos<br />

dias atuais.<br />

O Mestre olhou de relance a mulher ultrajada<br />

e, inclinan<strong>do</strong>-se, sensibiliza<strong>do</strong>, escreveu na areia traços de<br />

desenhos que lhes despertassem a atenção.


FERNANDO PINHEIRO - 178<br />

بةثجذرشصئپچژڤکگۀی۴چژۀ (84)<br />

A resposta imediata <strong>do</strong> Mestre criaria<br />

embaraços naqueles que cultuavam a aspereza da lei<br />

de Moisés que determinara pena de morte à mulher<br />

adúltera. Era, de certa forma, a lei <strong>do</strong> talião, não<br />

obstante César atribuir a Roma o direito sobre a vida<br />

de seus súditos. A Palestina, como sabemos, estava<br />

naquela época sob o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> império romano.<br />

Era época de celebração de data importante no<br />

calendário judeu. As festas das tendas criavam uma<br />

disposição coletiva à tolerância. Eram dias em que se<br />

comemoravam a saída <strong>do</strong> Egito, a passagem pelo deserto<br />

onde se abrigavam sob tendas e a chegada triunfal à<br />

terra prometida.<br />

Justamente nesse clima totalmente favorável, os<br />

ensinamentos <strong>do</strong> amor, testa<strong>do</strong>s numa das provas mais<br />

difíceis, seriam revela<strong>do</strong>s como mensagens inesquecíveis.<br />

Como houve insistência <strong>do</strong> grupo, a resposta<br />

veio clara e cristalina como as águas que se derramam<br />

das fontes: “aquele que dentre vós está sem peca<strong>do</strong>, seja<br />

o primeiro a lhe atirar uma primeira pedra...” (85)<br />

(84) Letras <strong>do</strong> idioma árabe, apresentadas para ilustração <strong>do</strong> texto,<br />

não têm conotação alguma com os traços na areia escritos por<br />

<strong>Jesus</strong>.<br />

(85) JOÃO, 8:7


179 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Relata ainda o evangelista João: “quan<strong>do</strong> ouviram<br />

isto, foram-se retiran<strong>do</strong> um a um, a começar pelos<br />

mais velhos”, até que ficou só <strong>Jesus</strong> e a mulher no meio<br />

onde estava. Depois da saída de to<strong>do</strong>s, pôde o Mestre<br />

fitar os olhos alivia<strong>do</strong>s da mulher considerada adúltera<br />

pelos acusa<strong>do</strong>res, e disse em tom mergulha<strong>do</strong> em<br />

melodia de ternura: “mulher, onde estão eles? Ninguém<br />

te condenou?”<br />

“Respondeu ela, ninguém, Senhor. Disse <strong>Jesus</strong>:<br />

Nem eu também te condeno. Vai e não peques mais.” (86)<br />

<br />

A respeito da pena de talião, vejamos a opinião<br />

<strong>do</strong> eminente jurista Luís Ivani de Amorim Araújo<br />

(1923/2007), professor de Direito Internacional da UNICAN<br />

– Universidade Cândi<strong>do</strong> Mendes, a quem, nos i<strong>do</strong>s de<br />

1995, sucedemos no cargo de presidente da Academia de<br />

Letras <strong>do</strong>s Funcionários <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil:<br />

“O Jus Talionis foi, não há a negar, consequência<br />

<strong>do</strong> descomedimento de vingança privada. No talionar alguém<br />

surge equivalência entre o dano e a reação.<br />

5. Os costumes evoluem e o talião é substituí<strong>do</strong> por uma<br />

indenização paga à vítima ou aos seus familiares.” (87)<br />

(86) JOÃO, 8: 9 a 11<br />

(87) LUÍS IVANI DE AMORIM ARAÚJO – in Do Julgamento e da Pena<br />

nos Sistemas Jurídicos da Antiguidade, p. 5 – BVZ Edições Comércio<br />

e Representações – 1993 – Rio de Janeiro – RJ.


FERNANDO PINHEIRO - 180<br />

Outro jurista de renome, Aliomar Baleeiro, no<br />

estilo em que sobressai amenidade e leveza, se expressa:<br />

“Os bons Códigos não matam, nem paralisam o<br />

Direito, não o esterilizam nem ancilosam. Nascem e crescem<br />

em ramos e brotos novos, como as árvores sadias em<br />

cada primavera.” (88)<br />

O assunto evangélico versa sobre a mulher<br />

adúltera. Com a evolução <strong>do</strong>s costumes, hoje o adultério<br />

não é mais crime. Assistimos ao surgimento de um<br />

novo relacionamento de casais – casamento branco –<br />

destituí<strong>do</strong> de união estável, onde se caracteriza a falta<br />

de realização de um acervo comum, mútua assistência,<br />

e afectio maritalis. Para muitos, sexo e amizade, ou<br />

amizade colorida.<br />

As madrugadas de lua cheia são encanta<strong>do</strong>ras.<br />

Orvalhos de prata são derrama<strong>do</strong>s numa <strong>luz</strong> suave.<br />

O clima de ternura envolve-nos numa <strong>do</strong>ce magia.<br />

Mas, nos primeiros raios <strong>do</strong> sol, vemos<br />

desvanecer a <strong>luz</strong> suave da lua com os ruí<strong>do</strong>s das<br />

pessoas que buscam o trabalho nos lugares onde<br />

passam várias horas seguidas.<br />

Depois, à noite sentem necessidade de voltar<br />

ao lar, onde a vida afetiva as espera para recompor<br />

carências e ampliar horizontes já plenamente ocupa<strong>do</strong>s<br />

pelos sentimentos de amor.<br />

(88) ALIOMAR BALEEIRO – in Revista Forense 181/9 – Apud Discurso<br />

proferi<strong>do</strong> pelo ministro Xavier de Albuquerque, em 21/maio/1975,<br />

no Supremo Tribunal Federal, publica<strong>do</strong> sob o título “Aliomar<br />

de Andrade Baleeiro”, p. 27, pelo STF – Departamento de<br />

Imprensa Nacional – 1975 – Brasília – DF. – Francisco Manoel<br />

Xavier de Albuquerque, advoga<strong>do</strong> <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil (1952 a 1972),<br />

presidente <strong>do</strong> Supremo Tribunal Federal (16/2/1981 a 21/2/1983).


181 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Sugestões de encantos enlaçam-nos de mil<br />

mo<strong>do</strong>s. A mulher é sempre a mensageira da vida. O<br />

poder de sedução que ela possui é superior às armas<br />

<strong>do</strong>s guerreiros que conquistaram espaços no campo social<br />

e político.<br />

Basta um olhar, um sorriso, um jeito no andar<br />

e sacudir os cabelos, os meneios de seios para comover<br />

quem a aprecia. O convite ao amor, que a mulher inspira,<br />

vem suave como a <strong>luz</strong> das madrugadas de lua cheia.<br />

Nos sonhos cor-de-rosa, vê alguém que lhe<br />

possa valorizar a sua alma humana e inquieta que<br />

precisa se acalmar para perceber a influência <strong>do</strong> plano<br />

mais sutil onde mora a beleza.<br />

Assim como a rosa foi criada para espalhar<br />

perfume, o corpo feminino leva-nos a emoções onde o<br />

coração vai à frente. Seria pequenino demais limitá-lo<br />

apenas às sensações <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s. A energia <strong>do</strong>s<br />

sentimentos sublima<strong>do</strong>s ultrapassa fronteiras que limitam<br />

os espaços físicos.<br />

O amor percorre o mun<strong>do</strong> em núpcias<br />

dançantes, renascen<strong>do</strong> as flores que se multiplicam em<br />

florestas, aumentan<strong>do</strong> a população de nações e mun<strong>do</strong>s<br />

desconheci<strong>do</strong>s. No céu bilhões de olhos ilumina<strong>do</strong>s fazem<br />

a festa das galáxias em fenômenos indescritíveis.<br />

Sem perceberem o movimento que distribui a<br />

beleza <strong>do</strong>s planos mais sutis, os casais que levam a vida<br />

em comum longe <strong>do</strong> amor – casamento branco – vão<br />

sentir algum dia, em algum lugar, a vontade de amar.<br />

Sabemos que há beleza inefável que vem das<br />

esferas resplandecentes como o sol que se reflete na lua<br />

derraman<strong>do</strong> orvalhos de prata e na harmonia sincronizada


FERNANDO PINHEIRO - 182<br />

<strong>do</strong>s anéis de Saturno com dezoito luas conhecidas a<br />

iluminar aquele planeta em noites alaranjadas, azuladas,<br />

cores de poente e das madrugadas que anunciam uma<br />

<strong>luz</strong> maior.<br />

Quan<strong>do</strong> sentimos as sugestões que embelezam<br />

a vida, ficamos mergulha<strong>do</strong>s no Universo como a gota<br />

de orvalho que cai no oceano sem a necessidade de<br />

aparecer porque o importante é o fluxo das energias<br />

que a movimenta.<br />

Ciclo de mudanças é normal num mun<strong>do</strong> que<br />

se desgasta em experiências devasta<strong>do</strong>ras. A degradação<br />

social ganha espaços quan<strong>do</strong> não há atenção para<br />

a harmonia que vem da natureza.<br />

Com receio de encarar a realidade que o<br />

infelicita, o homem busca evasivas e fugas que o iludem<br />

em momentos passageiros. A falácia de uma posição<br />

social, passageira nos valores que se alteram, não é<br />

aceita em nenhum instante. A ilusão lhe traz um<br />

prazer mórbi<strong>do</strong>, com reflexos em <strong>do</strong>enças e sofrimentos.<br />

No clima anuncia<strong>do</strong> em cartazes e propaganda<br />

que estimulam os usuários a práticas consideradas<br />

aceitáveis, todas as camadas sociais sofrem-lhe o assédio.<br />

O fumo, o álcool, a droga, o sexo em desalinho, que<br />

aviltam a dignidade humana, se movem nesses espaços.<br />

Quan<strong>do</strong> os a<strong>do</strong>lescentes despertam para a vida<br />

conjugal encontram o meio infesta<strong>do</strong> de vícios e distorções<br />

que lhes dificultam a escolha de uma companheira<br />

que ainda não se contaminou.<br />

Nesse aprendiza<strong>do</strong> difícil, a valorização daquilo<br />

que há de vir, tem um senti<strong>do</strong> amplo de grandeza que<br />

somente quem passou por isso sabe o quanto é grandioso.


183 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

28<br />

TABOR<br />

Vision: Transfiguration of Christ by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />

Os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas<br />

descrevem a cena em que <strong>Jesus</strong> fala com os “mortos”,<br />

no monte Tabor. Reproduzimos, a seguir, o texto <strong>do</strong><br />

evangelista Lucas:<br />

“Cerca de oito dias depois destas palavras, tomou<br />

consigo a Pedro, João e Tiago e subiu ao monte<br />

a fim de orar. Estan<strong>do</strong> ele oran<strong>do</strong>, transfigurou-se a<br />

aparência <strong>do</strong> seu rosto, e suas vestes ficaram brancas e<br />

resplandecentes. Estavam falan<strong>do</strong> com ele <strong>do</strong>is homens,<br />

Moisés e Elias, os quais apareceram em glória, e falavam<br />

da sua morte, a qual havia de cumprir-se em Jerusalém.<br />

Pedro e os que estavam com ele estavam carrega<strong>do</strong>s<br />

de sono, mas quan<strong>do</strong> despertaram, viram a sua glória e


FERNANDO PINHEIRO - 184<br />

aqueles <strong>do</strong>is homens que estavam com ele. Quan<strong>do</strong><br />

estes se apartavam dele, disse Pedro a <strong>Jesus</strong>: Mestre,<br />

bom é que estejamos aqui. Façamos três tendas, uma<br />

para ti, uma para Moisés e uma para Elias. Ele não<br />

sabia o que estava dizen<strong>do</strong>.<br />

Enquanto ele dizia isto, veio uma nuvem e os<br />

cobriu com a sua sombra e, entran<strong>do</strong> eles na nuvem,<br />

temeram. Saiu da nuvem uma voz que dizia: Este é o<br />

meu ama<strong>do</strong> Filho; a ele ouvi. Ten<strong>do</strong> soa<strong>do</strong> aquela voz,<br />

<strong>Jesus</strong> se achou só. Eles se calaram, e por aqueles dias<br />

não contaram a ninguém nada <strong>do</strong> que tinham visto.” (89)<br />

A obra A Sarça Ardente, de Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>,<br />

que aborda o comportamento humano (notadamente os<br />

liames afetivos) e a espiritualidade, traz um comentário a<br />

respeito:<br />

“A revelação espiritual é destinada a to<strong>do</strong>s,<br />

independente de convicção religiosa, classe social ou<br />

condicionamento de situações adversas.<br />

A comunicação espiritual foi autorizada pelo<br />

Inigualável Galileu quan<strong>do</strong> subiu o monte Tabor.<br />

O fenômeno de rara beleza mereceu a contribuição<br />

de Moisés que, na época em que se cobriu da<br />

roupagem carnal, proibira o comércio nefasto das<br />

informações espirituais.” (90)<br />

(89) LUCAS, 9:28 a 36<br />

(90) FERNANDO PINHEIRO – in A Sarça Ardente, p. 61 – Folha<br />

Carioca – 1988 – Rio de Janeiro – RJ – Prêmio Nacional de<br />

Livros Publica<strong>do</strong>s concedi<strong>do</strong> pela AICLAF – RJ.


185 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

“A transfiguração <strong>do</strong> Mestre ama<strong>do</strong> é apreciada<br />

pelas religiões como o ponto culminante de ascese<br />

espiritual de que se tem notícia.<br />

(...)<br />

Somente aqueles que já possuíam a mediunidade<br />

santificada pelo amor puderam presenciar o diálogo<br />

que <strong>Jesus</strong> manteve com os chama<strong>do</strong>s mortos,<br />

veneráveis pais da raça judia, Moisés e Elias.<br />

Até quan<strong>do</strong> o planeta terá difama<strong>do</strong>res<br />

condenan<strong>do</strong> o exemplo e a aprovação da comunicação<br />

<strong>do</strong>s espíritos revelada pelo conhece<strong>do</strong>r de todas as<br />

causas?<br />

Quem poderá deter o pensamento que sai <strong>do</strong><br />

espírito, tanto na esfera espiritual, onde se encontra<br />

livre, ou preso pelas vibrações reduzidíssimas da<br />

matéria carnal?<br />

(...)<br />

Quan<strong>do</strong> o homem colocar amor em seu coração,<br />

verá que os fenômenos conti<strong>do</strong>s na Natureza são<br />

sábios de uma sabe<strong>do</strong>ria superior à sua e não<br />

haverá mais razão para menosprezar o que está à<br />

sua volta.” (91)<br />

<br />

(91) FERNANDO PINHEIRO – in A Sarça Ardente, p. 61 – Idem, idem.


FERNANDO PINHEIRO - 186<br />

Com as palavras “devemos redescobrir o<br />

profun<strong>do</strong> misticismo conti<strong>do</strong> na simplicidade desta oração,<br />

cara à tradição popular”, (92) o Papa João Paulo II, ao<br />

completar 24 anos de pontifica<strong>do</strong>, assinou, em 16/10/2002,<br />

a carta apostólica Rosarium Virginis Mariæ em que expõe<br />

as mudanças no rosário. Dentre os mistérios de <strong>luz</strong><br />

(eventos), incluí<strong>do</strong>s no <strong>do</strong>cumento, figura a transfiguração<br />

de <strong>Jesus</strong>.<br />

O fenômeno de beleza espiritual em que se<br />

des<strong>do</strong>bra a cena <strong>do</strong> Tabor vivida por <strong>Jesus</strong>, Moisés e<br />

Elias, acompanha<strong>do</strong>s de alguns discípulos, põe fim a<br />

interdição que proibira o intercâmbio com os chama<strong>do</strong>s<br />

“mortos”. O próprio autor da interdição, Moisés, viera, em<br />

corpo espiritual, revogá-la. <strong>Jesus</strong> preside a solenidade em<br />

que é sugeri<strong>do</strong> pelos apóstolos fazer três tendas: “uma<br />

para ele, uma para Moisés e outra para Elias”.<br />

Antes da prece de agradecimento ao Senhor<br />

<strong>Jesus</strong>, ao final da palestra em torno da Depressão,<br />

realizada na UERJ, em agosto/2003, onde se concentrou<br />

uma multidão de pessoas, o renoma<strong>do</strong> tribuno Dival<strong>do</strong><br />

Pereira Franco, na visão kardecista, destacou os benefícios<br />

salutares que advém da comunicação com os espíritos<br />

de <strong>luz</strong>, e concluiu: “No monte Tabor ocorreu a primeira<br />

sessão espírita”. (93)<br />

(92) Jornal O Globo, Caderno O Mun<strong>do</strong> – p. 35 – edição de 17 de<br />

outubro de 2002.<br />

(93) DIVALDO PEREIRA FRANCO – in Palestra proferida, em<br />

8/8/2003, na Concha Acústica da UERJ – Rio de Janeiro – RJ.


187 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Com poder evocativo às passagens bíblicas e<br />

às belas imagens da natureza, o poeta Fagundes Varela,<br />

no Canto IV, <strong>do</strong> poema Anchieta ou O Evangelho nas Selvas,<br />

narra a cena <strong>do</strong> Monte Tabor:<br />

“A lua desvendada, e mais formosa<br />

Do que o nácar marinho, o céu percorre,<br />

Como um cisne alvejante em manso lago.<br />

Sobre o tapiz da relva, sonolentos,<br />

Os companheiros de <strong>Jesus</strong> descansam;<br />

A poucos passos, entre verdes balsas,<br />

Ora e medita o Mestre. Longas horas<br />

De silêncio e terror sobre eles passam.<br />

– Irmãos, diz um, baixinho, – por ventura,<br />

Dorme o Senhor? – Talvez, outro responde.<br />

– Vejamos, fala Pedro, os outros chama,<br />

Erguem-se e cautelosos se aproximam<br />

Do perfuma<strong>do</strong>, verdejante abrigo:<br />

Mas, ofusca<strong>do</strong>s param, débil grito<br />

Em seus lábios fenece; apavora<strong>do</strong>s,<br />

Uns contra os outros cerram-se, tremen<strong>do</strong>...<br />

Que viva <strong>luz</strong> feriu-lhes as retinas?<br />

Que flamejante gládio ergueu-se à frente<br />

Dos servos <strong>do</strong> Senhor? Que ferro em brasa<br />

Lhes roçou pelas carnes? Pobres seres!<br />

É que o meigo <strong>Jesus</strong>, o lhano amigo,<br />

O modesto e singelo companheiro,<br />

Pela primeira vez se revelava<br />

Em toda a glória da divina essência!...<br />

Oh! não há duvidar! É ele o Cristo!<br />

Mas seu corpo, seu rosto, os belos olhos,<br />

O sorriso, a expressão, não são terrestres!<br />

Da humanidade o sangue não anima<br />

Aquelas formas lúcidas, etéreas,


FERNANDO PINHEIRO - 188<br />

Onde a celeste perfeição fulgura,<br />

Não à corpórea vista, mas à vista<br />

Sublime da razão!... Loucos poetas!<br />

De límpi<strong>do</strong> cristal, de neve fúlgida,<br />

À <strong>luz</strong> <strong>do</strong> sol nascente refletin<strong>do</strong><br />

As pompas mil <strong>do</strong> primitivo mun<strong>do</strong>,<br />

Diríeis as brilhantes vestimentas;<br />

Diríeis, das mais nítidas estrelas,<br />

Nos primores <strong>do</strong> íris, semeadas,<br />

O resplen<strong>do</strong>r da fronte augusta!<br />

Fontes de <strong>luz</strong>, auroras <strong>do</strong> infinito,<br />

Oceanos de graças inefáveis,<br />

Seus olhares diríeis!... Vãs palavras!<br />

Frias imagens de precário sonho!<br />

Afadigoso esforço!... Aves da terra,<br />

Águias das brenhas, rasgareis o espaço,<br />

E o sol contemplareis na imensidade;<br />

Copiareis <strong>do</strong> prisma as lindas cores;<br />

Da aurora boreal a refulgência<br />

A vossos quadros passareis; <strong>do</strong>s astros<br />

Dareis a claridade a vossas obras...<br />

Mas a grandeza <strong>do</strong> Senhor... Loucura!...<br />

– Aos pés <strong>do</strong> Senhor, em áurea nuvem,<br />

Mais leda que o arrebol da madrugada<br />

Os páramos polares clarean<strong>do</strong>,<br />

À dextra, humilde e majestoso a um tempo,<br />

O nobre vulto de Moisés descansa,<br />

Como outrora no cimo da montanha,<br />

Sobre as tábuas da lei, ouvin<strong>do</strong> o Eterno;<br />

À sinistra, o colosso <strong>do</strong>s profetas,<br />

O espanto de Israel, grave e severo,<br />

Como em seu ígneo carro triunfante,


189 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Repousa o ilustre e veneran<strong>do</strong> Elias!...<br />

Uma <strong>luz</strong> implacável tu<strong>do</strong> envolve.<br />

Qual imenso bulcão, em cujo bojo<br />

Ruge e circula a férvida matéria<br />

Donde procede o raio, a terra treme,<br />

E funda, e surdamente, brama e ronca!<br />

– O espírito de Deus abala o espaço.<br />

XXVIII<br />

Os companheiros de <strong>Jesus</strong> recuam,<br />

Voltam os olhos, nada mais enxergam!<br />

Possuí<strong>do</strong>s de me<strong>do</strong>, e refletin<strong>do</strong><br />

Que a cegueira os tocara, ao chão se arrojam,<br />

E nas úmidas mãos o rosto ocultam.<br />

Quais infantes que sonham, quais enfermos<br />

Cujo cérebro vário a febre escalda,<br />

Soltam palavras ermas de senti<strong>do</strong>,<br />

Assim falam na relva debruça<strong>do</strong>s:<br />

– Senhor! Senhor! contigo ficaremos!<br />

Exclama o velho Pedro, – cumpre agora<br />

Levantarmos três tendas que protejam<br />

A vós, a Elias e a Moisés!...<br />

Apenas<br />

Estas estultas expressões dissera,<br />

Que uma voz me<strong>do</strong>nha se des<strong>do</strong>bra<br />

Tu<strong>do</strong> envolven<strong>do</strong> no trevoso seio,<br />

E da nuvem terrífica rebenta<br />

Um bra<strong>do</strong> atroa<strong>do</strong>r: – Este é meu Filho<br />

Ama<strong>do</strong> e predileto, hei posto n´Ele<br />

Toda a minha infinita complacência!...<br />

– Erguem-se então os trêmulos amigos:


FERNANDO PINHEIRO - 190<br />

Mas <strong>Jesus</strong> está só, e tu<strong>do</strong> é fin<strong>do</strong>.” (94)<br />

Nos versos de Fagundes Varela, revelan<strong>do</strong> poder<br />

evocativo às passagens evangélicas, vale meditar na beleza<br />

transcendente que veio da oração de <strong>Jesus</strong>, no monte<br />

Tabor:<br />

“À <strong>luz</strong> <strong>do</strong> sol nascente refletin<strong>do</strong><br />

As pompas mil <strong>do</strong> primitivo mun<strong>do</strong>,<br />

Diríeis as brilhantes vestimentas;<br />

Diríeis, das mais nítidas estrelas,<br />

Nos primores <strong>do</strong> íris, semeadas,<br />

O resplen<strong>do</strong>r da fronte augusta!<br />

Fontes de <strong>luz</strong>, auroras <strong>do</strong> infinito,<br />

Oceanos de graças inefáveis, ” (95)<br />

(94 e 95) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto III – Capítulo XXXI, XXXII – pp. 110, 111 –<br />

Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia<br />

Brasileira de Letras.


191 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

29<br />

LÁZARO<br />

Picture: Raising Lazarus by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />

A ansiedade tomara conta daqueles corações.<br />

Havia sempre a indagação <strong>do</strong> motivo por que ele se<br />

demorava tanto a atender ao pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s amigos.<br />

O mensageiro voltou sem ele, apenas confiante<br />

na expressão de seu rosto sereno e tranquilo.<br />

Dois dias após o comunica<strong>do</strong> <strong>do</strong> convite, o<br />

Mestre deman<strong>do</strong>u à Betânia, próximo a Jerusalém,<br />

onde Lázaro estava inuma<strong>do</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> ele chegou, Marta e Maria, as irmãs<br />

de Lázaro, aflitas, lamentaram-se, em copioso pranto, da<br />

ausência de <strong>Jesus</strong>, aludin<strong>do</strong> que se ele lá estivesse o<br />

fato não teria ocorri<strong>do</strong>.


FERNANDO PINHEIRO - 192<br />

O Mestre consolou-as dizen<strong>do</strong> que Lázaro<br />

apenas <strong>do</strong>rmia e logo despertaria.<br />

A letargia era de longo porte, passa<strong>do</strong>s quatro<br />

dias sem qualquer sinal de vida aparente. Fez-se uma<br />

pausa. Marta, sempre ocupada nos afazeres <strong>do</strong>mésticos,<br />

agora receben<strong>do</strong> as con<strong>do</strong>lências de parentes das cidades<br />

vizinhas, voltou à presença <strong>do</strong> Mestre. Reuni<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s<br />

os familiares, <strong>Jesus</strong> disse-lhes que se cressem, veriam a<br />

glória de Deus.<br />

No momento de uma pausa à reflexão da<br />

gravidade <strong>do</strong> acontecimento, o Mestre se dispõe a um<br />

gesto de meditação e expressou: “Pai, graças te <strong>do</strong>u<br />

porque me ouviste. Eu sei que sempre me ouves, mas<br />

eu disse isso por causa da multidão que me rodeia,<br />

para que creiam que tu me enviaste”. (96)<br />

A seguir, volven<strong>do</strong> o olhar para Lázaro, na arca<br />

mortuária, disse: “levanta-te e anda”. Impulsiona<strong>do</strong> pelo<br />

magnetismo salutar, Lázaro desataviou-se das ataduras<br />

que cingiam seu corpo, começou a andar, em obediência<br />

às palavras recebidas. Diante <strong>do</strong>s fatos consuma<strong>do</strong>s,<br />

permaneceram na memória de to<strong>do</strong>s ali presentes as<br />

palavras pronunciadas por <strong>Jesus</strong>: “Eu sou a ressurreição<br />

e a vida. Quem crê em mim, ainda que esteja morto,<br />

viverá”. (97)<br />

(96 e 97) LUCAS, 11:41 e 42


193 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

A versão poética de Fagundes Varela, inspirada<br />

na Bíblia, narra os acontecimentos em Betânia, onde<br />

Lázaro <strong>do</strong>rmia e não sonhava:<br />

“Ora, depois <strong>do</strong>s fatos menciona<strong>do</strong>s<br />

No último serão, fatos sublimes<br />

Que eternos viverão no pensamento<br />

Das gerações remidas no batismo,<br />

Persegui<strong>do</strong> o Senhor pelos tiranos<br />

Retira-se a Betânia, aldeia humilde,<br />

Onde Marta e Maria aflitas choram<br />

Junto <strong>do</strong> pobre irmão, Lázaro, enfermo,<br />

Do mal terrível que tomou seu nome.<br />

Saben<strong>do</strong> que <strong>Jesus</strong> próximo estava,<br />

Mandam logo avisar-lhe as infelizes:<br />

– Teu amigo perece, vem salvá-lo!<br />

Amava Cristo o cândi<strong>do</strong> mancebo.<br />

Sócio de infância, ingênuo companheiro<br />

De seus belos serões da mocidade.<br />

Se, Mestre, havia eleito outros discípulos<br />

Para a grande missão, nos seios d´alma<br />

A lembrança de Lázaro guardava<br />

Como um favo de mel, como um perfume,<br />

Ou como um talismã que o viandante<br />

Guarda zeloso em ásperos desertos.<br />

(...)<br />

Já quatro dias decorri<strong>do</strong>s haviam<br />

Que Lázaro cerrara os olhos baços,<br />

Quan<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong> chegou. Cheia inda estava<br />

A pobre habitação fechada e muda<br />

De lembranças <strong>do</strong> morto: o frio leito<br />

Inda guardava as formas de seu corpo,


FERNANDO PINHEIRO - 194<br />

Inda tingia as velhas coberturas<br />

O sangue <strong>do</strong>s tumores lacera<strong>do</strong>s.<br />

As sandálias no chão, no canto as roupas,<br />

O no<strong>do</strong>so bordão, e os utensílios<br />

Do trabalho usual no mesmo banco,<br />

Onde os deixara à noite derradeira,<br />

Tu<strong>do</strong> falava <strong>do</strong> infeliz mancebo!<br />

V<br />

Como o clarão de solitária estrela<br />

Entre os feios bulcões da tempestade<br />

Consola os transvia<strong>do</strong>s navegantes<br />

Na vastidão <strong>do</strong>s mares ominosos<br />

O <strong>do</strong>ce aspecto <strong>do</strong> divino Mestre<br />

Reanimou as decaídas frontes<br />

Das lacrimosas, pálidas mulheres.<br />

– Ah! se aqui fôras, dizem suspiran<strong>do</strong>,<br />

Não fenecera nosso irmão tão ce<strong>do</strong>,<br />

Teu amigo, Senhor! Mas tu<strong>do</strong> podes,<br />

O que a teu Pai pedires será feito! –<br />

– Não vos entristeçais, – respondeu Cristo,<br />

Ele há de ressurgir. – No fim <strong>do</strong>s tempos,<br />

No dia horren<strong>do</strong> <strong>do</strong> juízo eterno,<br />

Meu Deus, eu bem o sei! – Maria exclama.<br />

– Sou a ressurreição, a excelsa glória,<br />

Prossegue o Salva<strong>do</strong>r, – fonte da vida,<br />

Quem ouve minha voz, sepulto, embora,<br />

Triunfará da morte; o que respira,<br />

E sente, e pensa, e crê, durma tranquilo,<br />

Jamais perecerá! – Onde puseste<br />

O frio corpo desse pobre amigo? –<br />

– Vem, e verás, responde a ingênua Marta.<br />

Depois, chaman<strong>do</strong> a irmã silenciosa,


195 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Guia o Senhor ao túmulo de Lázaro,<br />

Negro jazigo entre roche<strong>do</strong>s fun<strong>do</strong>s.<br />

V<br />

Nas nuvens inflamadas <strong>do</strong> Ocidente<br />

Mergulha-se o sol, – quente era a terra,<br />

E os píncaros <strong>do</strong>s montes escabrosos,<br />

E as grimpas <strong>do</strong>s salgueiros e ciprestes,<br />

Ao purpúreo clarão <strong>do</strong> céu <strong>do</strong> estio<br />

Pareciam de sangue borrifa<strong>do</strong>s.<br />

Um longínquo trovão, rouco, sinistro,<br />

Tre<strong>do</strong> como o bramir das grandes onças<br />

Nas amplas furnas de fragosas serras,<br />

Soava nas extremas <strong>do</strong> horizonte.<br />

Nem uma leve aragem pelos campos!<br />

Nem o piar de um pássaro nas frondes<br />

Dos bastos olivais! Nem o bali<strong>do</strong><br />

De uma ovelha medrosa nos outeiros!...<br />

Então Marta parou mostran<strong>do</strong> a gruta<br />

Onde jazia o irmão: – Eis o sepulcro,<br />

Senhor, de vosso amigo! – Ardente pranto<br />

Corria-lhe <strong>do</strong>s olhos; – Arredada,<br />

Maria soluçava entre os arbustos.<br />

Bem no fun<strong>do</strong> da lapa cavernosa,<br />

Frio abrigo das aves agoureiras,<br />

Avultava entre lúgubres roche<strong>do</strong>s<br />

O túmulo de Lázaro. Na sombra,<br />

Como um gênio cativo, murmurava<br />

Oculto veio d´água; sobre a lousa<br />

Cruzava-se agitan<strong>do</strong> as asas frouxas<br />

Um turbilhão de estriges e morcegos,<br />

Híbri<strong>do</strong>s filhos <strong>do</strong>s trevosos antros,<br />

De la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> esverdeadas penhas,


FERNANDO PINHEIRO - 196<br />

Broncos pedaços de granito escuro<br />

Alongava-se, rudes, como os <strong>do</strong>rsos<br />

De feios crocodilos que guardassem<br />

Furna de pavorosos malefícios.<br />

VII<br />

Porém, a vasta cúpula celeste<br />

Momentos antes abrasada forja,<br />

De pesada caligem se cobria;<br />

Rijas lufadas <strong>do</strong>s raivosos ventos<br />

Sibilavam das bandas <strong>do</strong> Mar-Morto,<br />

Despin<strong>do</strong> os arvore<strong>do</strong>s seculares,<br />

Nuvens de areia erguen<strong>do</strong> pelo espaço.<br />

Deteve-se <strong>Jesus</strong>, volveu os olhos<br />

Para a grosseira pedra que encerrava<br />

Quem tanto amara neste ingrato mun<strong>do</strong>;<br />

Abaixou, suspiran<strong>do</strong>, a fronte augusta,<br />

Inclinou-se e chorou. – Surpreendi<strong>do</strong>s,<br />

Viram correr seus fátuos companheiros<br />

No belo rosto as lágrimas divinas.<br />

Pérolas <strong>do</strong> sacrário da amizade,<br />

Que no reino <strong>do</strong>s céus, fúlgidas brilham<br />

Na coroa imortal <strong>do</strong> pobre Lázaro!<br />

(...)<br />

– Vêde o quanto o prezava o grande Mestre! –<br />

O povo murmurou. – Erguei a lousa!<br />

Erguei a lousa que seus restos cobre! –<br />

Ordena o Senhor aos circunstantes.<br />

Numerosos então, – erguei eu man<strong>do</strong>! –<br />

– Senhor!... já quatro dias decorreram<br />

Depois que faleceu, féti<strong>do</strong> cheiro,<br />

Cheiro de podridão exala o corpo,<br />

Talvez coberto de asquerosos vermes!


197 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Deixa que se consuma! – disse Marta.<br />

– Não duvides, mulher, a fé sincera,<br />

Abre <strong>do</strong> céu as portas luminosas!<br />

Eia, vós outros, levantai a lousa! –<br />

Com soberano gesto ordena o Mestre.<br />

Num volver d´olhos, a pesada pedra,<br />

Rangen<strong>do</strong> sobre as bordas <strong>do</strong> sepulcro,<br />

Descia ao chão da gruta funerária,<br />

E à <strong>luz</strong> vermelha de fumoso archote<br />

Que Maria acendera, muda, horrenda,<br />

Como a garganta de tartáreo monstro,<br />

Cheia de sangue e de polutas carnes,<br />

Mostrou a tumba escancaradas fauces!...<br />

A seu eterno Pai volveu-se Cristo<br />

Neste instante solene: – Padre, Padre<br />

Por me haveres ouvi<strong>do</strong> eu te <strong>do</strong>u graças!... –<br />

Depois, erguen<strong>do</strong> a mão sobre o sepulcro,<br />

Essa mão invisível que aplacava<br />

As convulsões <strong>do</strong> mar, <strong>do</strong> céu as iras,<br />

Resoluto bra<strong>do</strong>u: – Ergue-te, Lázaro! –<br />

Abalaram-se os rígi<strong>do</strong>s pene<strong>do</strong>s<br />

Com terrível fragor! O chão lo<strong>do</strong>so,<br />

Talvez movi<strong>do</strong> por secreta chama,<br />

Tremen<strong>do</strong> se fendeu! Correu nos ares<br />

Uma listra de fogo, e à <strong>luz</strong> sulfúrea<br />

Que rápida aclarou a funda gruta,<br />

Viu a gente mover-se o branco espectro<br />

Do desgraça<strong>do</strong> moço de Betânia,<br />

Firmar as mãos nas bordas da jazida,<br />

Sacudir o sudário, abrir os olhos,<br />

E entrar de novo na mansão <strong>do</strong>s vivos!...<br />

Como negar a esplêndida verdade?


FERNANDO PINHEIRO - 198<br />

Rejeitar o prodígio? O povo humilde<br />

Sentir passar o hálito <strong>do</strong> Eterno<br />

Por aqueles roche<strong>do</strong>s, prosternou-se<br />

Aos pés de Deus que os mortos animava,<br />

Bendisse a Cristo, a aurora <strong>do</strong> Evangelho.” (98)<br />

<br />

Ao recordar o clima de aflição em que estavam<br />

mergulhadas as irmãs Marta e Maria, pensamos que a<br />

mudança <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de vigília para o de sono letárgico<br />

preocupa muitas pessoas, até hoje em dia. O esta<strong>do</strong><br />

de coma é realmente preocupante.<br />

Nas horas da incerteza, o homem fica aflito,<br />

sem saber agir, de imediato. Ele vai aguardan<strong>do</strong> os<br />

fatos esclarece<strong>do</strong>res que lhe clareiam a visão. Essa<br />

espera flutua na oscilação <strong>do</strong> seu equilíbrio, diminuin<strong>do</strong><br />

sempre nos momentos em que oscila para a fase oculta.<br />

É preciso saber confiar nas leis <strong>do</strong> equilíbrio<br />

que nos envolvem como os ventos das montanhas<br />

suavizan<strong>do</strong> os vales, como também os ventos que<br />

passam pelas flores trazen<strong>do</strong> o perfume.<br />

(98) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto VI – Capítulo III, IV, VII – pp. 188, 191, 194,<br />

195, 196 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo:<br />

Academia Brasileira de Letras.


199 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Tu<strong>do</strong> se agita. A vida está presente em tu<strong>do</strong>.<br />

Desde os elementos microssômicos até os infinitos<br />

corpos celestes, há o júbilo <strong>do</strong> existir, sem interrupção<br />

alguma. Por que haveria o homem, que já vislumbra<br />

a sua realidade imortal, ficar deti<strong>do</strong> diante <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos que lhe servem de aprimoramento?<br />

A cada dia, vemos fatos alteran<strong>do</strong> as condições<br />

de vida <strong>do</strong> homem. Parece <strong>do</strong>lorosa a perda de algo,<br />

mas terá a certeza de tu<strong>do</strong> que lhe convém? Isto<br />

somente é possível se houver uma ligação com os<br />

níveis superiores de consciência que são canais onde a<br />

sabe<strong>do</strong>ria se manifesta explican<strong>do</strong> as causas.<br />

O segre<strong>do</strong> de viver bem é aceitar a vida em<br />

tu<strong>do</strong> aquilo que ela se nos apresenta. Agradável ou<br />

desagradável são circunstâncias que têm valor. Uma<br />

denota algo completo, a outra algo por completar.<br />

O nosso roteiro de vida é o fluxo <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos que nos dizem respeito. Que adianta lutar<br />

contra a vida que elaboramos com os pensamentos!<br />

Quem pode deter o tempo que traz situações inexoráveis<br />

que teremos de passar?<br />

A revolta, a reclamação, comuns nos dias que<br />

vão fican<strong>do</strong> para trás, denota o desconhecimento daquilo<br />

que nos pertence, pois a vida nos responde aos apelos,<br />

nas situações exatas <strong>do</strong> que somos e temos conosco.<br />

Não adianta se revoltar contra os ventos que<br />

espalham o fogo, as águas das chuvas e <strong>do</strong>s rios que<br />

alagam cidades, povoa<strong>do</strong>s e vegetação.<br />

Se o homem tivesse o conhecimento da<br />

realidade da vida, não teria desencantos, simplesmente<br />

a aceitaria sem palavras de inconformação.


FERNANDO PINHEIRO - 200<br />

Quan<strong>do</strong> se critica o efeito, sem conhecer a<br />

causa, há uma perda de oportunidade de refazimento<br />

interior que seria capaz de mudar a situação<br />

aparentemente desagradável.<br />

Enquanto isso, o homem vagará, de obstáculo<br />

em obstáculo, à procura de sua riqueza maior, a única<br />

que lhe dá certeza de que não se afligirá diante <strong>do</strong>s fatos<br />

conturba<strong>do</strong>s.<br />

Se o nascimento no plano físico é <strong>do</strong>loroso, o<br />

nascimento para o mun<strong>do</strong> interno é ainda maior, pois a<br />

ilusão das aparências o agarra com to<strong>do</strong>s os tentáculos<br />

de um prazer que, mais tarde, reconhecerá fugaz, pois<br />

não estará mais em suas mãos, deixan<strong>do</strong> nele traços de<br />

desolação.<br />

Diante de um clima de revolta e inconformação,<br />

deixa<strong>do</strong> por pessoas que passam por nós, não devemos<br />

temer mal algum. As situações que criaram, num<br />

momento de descrença, são ondas se desmanchan<strong>do</strong><br />

em véus de espuma.<br />

Devemos agradecer tu<strong>do</strong> a Deus e muito cuida<strong>do</strong><br />

com o que pedimos, pois os apelos puramente transitórios<br />

podem ser converti<strong>do</strong>s em situações que iremos, mais<br />

tarde, reclamar, pon<strong>do</strong> culpas no Governo, no vizinho<br />

ou nos amores que nos levam à paixão ou à decepção.<br />

Confiemos no nosso trabalho de ligação com<br />

os ideais superiores da vida, a fim de que, em pouco<br />

tempo, possamos apreciar nas montanhas as lutas <strong>do</strong>s<br />

caminhantes <strong>do</strong> vale.


201 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Surge a reflexão agora ou nunca.<br />

A agitação se expressa nas mudanças. A vontade<br />

de ver e sentir novos rumos vem forte como os ventos<br />

da tempestade.<br />

As coisas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> se desgastam e se anulam<br />

diante das forças que surgem modifican<strong>do</strong> caminhos. É<br />

a transmutação <strong>do</strong>s tempos – reflexos que se vestem<br />

de novas roupagens.<br />

A vida é sempre única, embora suas<br />

manifestações tenham uma variedade infinita de<br />

concepções. Risos e <strong>do</strong>res, ternura e aridez de sentimentos<br />

se misturam renovan<strong>do</strong> paisagens íntimas.<br />

Quantas vezes, embalada pela emoções, a<br />

criatura humana aguarda e anseia aquilo que vem<br />

completar seus sonhos? Não lhe será surpresa a chegada<br />

da claridade que dissipará o orvalho das madrugadas.<br />

Mas o crescimento das formas e conteú<strong>do</strong>s<br />

necessita de um tempo adequa<strong>do</strong>. Por mais sublimes<br />

que sejam os sonhos, sem a hora de chegada<br />

permanecem em suas nascentes sagradas.<br />

Este é o segre<strong>do</strong> <strong>do</strong>s sábios que se sacrificavam<br />

diante de multidão de pessoas ansiosas por mudanças<br />

imediatas, sem observar a perenidade <strong>do</strong>s ideais. O Monte<br />

das Oliveiras foi o cenário mais comovente <strong>do</strong> silêncio.<br />

A agitação humana crepita sem cessar, como se<br />

fosse um enxame de abelhas ao re<strong>do</strong>r da flor. To<strong>do</strong>s<br />

querem se alimentar para produzirem o mel. É natural.<br />

Diante de tantas necessidades no campo <strong>do</strong><br />

sentimento, o homem busca aproveitar a hora no meio da<br />

agitação coletiva que se espalha em to<strong>do</strong>s os lugares.


FERNANDO PINHEIRO - 202<br />

Não há tempo a perder, o momento é agora ou nunca.<br />

Quan<strong>do</strong> surge a oportunidade para completar os<br />

planos de grandeza transcendental, ele coloca acima de<br />

tu<strong>do</strong> seus esforços sem medir sacrifícios.<br />

É por isso que vemos em muitos lugares<br />

as causas nobres defendidas por pessoas que passam<br />

influenciadas pela agitação humana. Mas, no íntimo,<br />

possuem a placidez <strong>do</strong>s oceanos em tempo de calmaria.<br />

Há uma atmosfera de convite pairan<strong>do</strong> no ar.<br />

Quem pode ajudar esta humanidade ameaçada pela<br />

destruição de valores? Os ensinamentos das religiões<br />

nascidas <strong>do</strong> amor são importantes.<br />

O convite é coletivo. To<strong>do</strong>s podem entrar na luta<br />

de recomposição daquilo que está sen<strong>do</strong> destruí<strong>do</strong>: os<br />

rios, os mares, as matas, a camada solar e o próprio<br />

reino humano onde pessoas adquirem aspectos de animais<br />

selvagens.<br />

E o amor? As galáxias se movem em círculos<br />

matemáticos espalhan<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>s que se agitam na beleza<br />

da forma e <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> desconheci<strong>do</strong>s pelo homem.<br />

Há uma combinação de elementos que formam reinos<br />

infinitos que se interligam em escalas evolutivas atestan<strong>do</strong><br />

o crescimento da vida.<br />

Mas o homem, cego em sua cultura sem amor,<br />

não percebe a necessidade de se harmonizar com os<br />

outros reinos da Criação.<br />

Mesmo in<strong>do</strong> e voltan<strong>do</strong> para refazer caminhos,<br />

ele necessita acompanhar, neste final de ciclo planetário,<br />

que se estende nos albores <strong>do</strong> século XXI, o ritmo que<br />

vem das estrelas, senti<strong>do</strong> pela mulher hemorroíssa ao


203 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

tocar a túnica inconsútil e pelo próprio Lázaro, a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong><br />

nas amarras mumificadas, depois acorda<strong>do</strong>, a fim de<br />

entender a realidade transcendente que a to<strong>do</strong>s envolve.<br />

Permaneçamos sempre atentos à mensagem<br />

inspira<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> amor revela<strong>do</strong> por <strong>Jesus</strong>, a fim de que<br />

possamos ter vida, além da vida perecível da matéria,<br />

cheia de irradiações luminosas que possam iluminar os<br />

passos daqueles que nos pedem ajuda.


30<br />

A MOEDA DE CÉSAR<br />

FERNANDO PINHEIRO - 204<br />

O Canto VI da obra Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas, de Fagundes Varella, elucida a questão monetária:<br />

“E ensinan<strong>do</strong> a brandura e a caridade,<br />

O Salva<strong>do</strong>r caminha entre verdugos!<br />

– Mestre, consulta um saduceu, conheço<br />

Que és sábio, verdadeiro, pio e reto.<br />

Que da virtude desbravais as trilhas<br />

Sem calcular futuras consequências;<br />

Dizei-me: – é justo que pague a César<br />

O tributo exigi<strong>do</strong>? – Ora, pensava<br />

O fariseu astuto, ei-lo venci<strong>do</strong>:<br />

Se assevera que não, ao rei ofende;<br />

Se assevera que sim, o povo irrita! –<br />

O Salva<strong>do</strong>r sorriu, ven<strong>do</strong> a malícia<br />

Desta cruel proposta, – refalsada,<br />

Trai<strong>do</strong>ra como a faca de <strong>do</strong>is gumes.


205 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

– Hipócrita! – exclamou, por me tentas?<br />

Deixa–me ver a moeda <strong>do</strong> tributo! –<br />

Então mostrou-lhe o pérfi<strong>do</strong> um dinheiro<br />

Onde a efígie de César ressaltava.<br />

<strong>Jesus</strong> leu a inscrição e erguen<strong>do</strong> os olhos,<br />

Severo perguntou: – Quem representa<br />

Esta imagem que vejo? – César, Mestre. –<br />

– Pois bem, o que é de César, daí a César,<br />

E a Deus o que é de Deus! – Esta resposta<br />

Encheu de confusão quan<strong>do</strong> a ouviram;<br />

Calou-se o fariseu. – Mas era o dia<br />

Do jogo vil da astúcia e da maldade.” (99)<br />

Na praça pública havia um canteiro de rosas<br />

onde o perfume envolvia a to<strong>do</strong>s os transeuntes. A pressa<br />

no caminhar não permitia que eles o desfrutassem.<br />

Sentiam algo renova<strong>do</strong>r no ar e seguiam em busca de<br />

outros lugares, preocupa<strong>do</strong>s com os problemas materiais.<br />

Nas profecias, gravadas nos rolos sagra<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

templo, estava escrito que o espera<strong>do</strong> Messias não<br />

discutirá em praça pública (“...Não contenderá, nem<br />

clamará.”) (100) Era costume daquela época, como nos<br />

tempos da Grécia pré-socrática, na ágora, os conten<strong>do</strong>res<br />

falarem alto para ganharem a causa.<br />

(99) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto VI – Capítulo III, IV, VII – pp. 188, 191,<br />

194, 195, 196 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro –<br />

Acervo: Academia Brasileira de Letras.<br />

(100) ISAÍAS, 42:2


FERNANDO PINHEIRO - 206<br />

Os ventos que sopravam o aroma das rosas<br />

se espalhavam pelas ruas, pelas casas e alcançavam<br />

sutilmente o palácio de Pilatos que ouvira falar das<br />

notícias de um homem que atraía a atenção <strong>do</strong> povo.<br />

Envolvi<strong>do</strong> por íntimas inquietações que<br />

transpareciam nos gestos trêmulos e precipita<strong>do</strong>s, na voz<br />

rouca e destoante, o representante de César chamou<br />

seus agentes secretos e os man<strong>do</strong>u à presença de <strong>Jesus</strong>.<br />

A ordem era taxativa: obter uma prova na qual o<br />

homem de Nazaré não seguia as leis e os costumes.<br />

Uma hora depois, no momento em que o Mestre<br />

ama<strong>do</strong> estava na praça cerca<strong>do</strong> de amigos e, confirman<strong>do</strong><br />

a profecia de Isaías, ele sorriu pacificamente e permitiu<br />

que os agentes secretos participassem da reunião.<br />

Num silêncio que permitiu os mensageiros<br />

ficarem à vontade, <strong>Jesus</strong> ouviu pacientemente, e com<br />

bondade, as palavras deles: “Mestre, bem sabemos que és<br />

verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus, segun<strong>do</strong> a<br />

verdade. E não dás preferência a ninguém, porque não<br />

consideras a aparência <strong>do</strong>s homens.” (101)<br />

Os olhos <strong>do</strong>s agentes secretos de Pilatos<br />

brilhavam à <strong>luz</strong> da manhã clara que se vestia de<br />

perfume das rosas. Na intimidade sentiam a vibração de<br />

paz que nunca tinham senti<strong>do</strong> antes.<br />

Os mercenários de César, embora negocian<strong>do</strong><br />

interesses que se converteriam em dinheiro, possuíam<br />

algum mérito, pois quem se aproxima de <strong>Jesus</strong> já recebe<br />

algo mais precioso que o aroma das flores das praças.<br />

(101) MATEUS, 22:16


207 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Então, eles satisfeitos por serem acolhi<strong>do</strong>s,<br />

acrescentaram: “dize-nos, pois, que te parece? É lícito<br />

pagar tributo a César, ou não?”<br />

O divino Amigo, perceben<strong>do</strong> o que se passava<br />

além das aparências e atrain<strong>do</strong>-os ao seu reino de amor,<br />

disse-lhes: “mostrai-me a moeda <strong>do</strong> tributo.”<br />

Nas mãos <strong>do</strong>s fariseus estavam re<strong>luz</strong>in<strong>do</strong> um<br />

denário, moeda de prata de meia polegada de diâmetro,<br />

sobressain<strong>do</strong> uma figura humana coroada de louros,<br />

circunscrita com a legenda: Tiberius Cæsar. <strong>Jesus</strong>,<br />

perguntou-lhes: “De quem é esta efígie e inscrição?<br />

Responderam-lhe: De César.”<br />

O Mestre, reinan<strong>do</strong> no clima de confiança que<br />

envolvia a to<strong>do</strong>s, falou amorosamente, mas com energia<br />

na voz: “dai a César o que é de César e a Deus o que<br />

é de Deus.”<br />

<br />

Na transitoriedade de todas as coisas, buscamos<br />

aquilo que irá permanecer como lição. Tu<strong>do</strong> passa, os<br />

costumes de hoje que irão se modificar nas exigências<br />

de novos tempos, situações de instabilidade nas áreas<br />

pessoais, coletivas e até mesmo planetárias.<br />

No momento em que se fala tanto em dinheiro,<br />

numa agitação como nunca antes, o destino de um povo<br />

leva-nos a refletir sobre suas necessidades, pois vemos<br />

ainda a grande maioria das criaturas humanas ter uma<br />

preocupação descabida acerca <strong>do</strong>s problemas materiais.


FERNANDO PINHEIRO - 208<br />

Quan<strong>do</strong> vemos pessoas aflitas e inconformadas<br />

diante da realidade que lhes tirou alguns sonhos de<br />

consumo, emitimos pensamentos que possam lhes ajudar<br />

a encontrar forças para viver.<br />

Vêm-nos a idéia que cria fulgurações de beleza<br />

imperecível. Onde está o amor, o arco-íris, o perfume da<br />

flor, o beijo, a ternura da mulher, o sorriso da criança?<br />

To<strong>do</strong>s nós estamos envolvi<strong>do</strong>s com as<br />

oportunidades que nos possibilitam sorrir, distribuir ânimo<br />

e esperança àqueles que, no momento, estão muito<br />

preocupa<strong>do</strong>s com o destino de suas economias e aquisição<br />

de bens de consumo.<br />

Como tu<strong>do</strong> se interliga, a experiência deles vem<br />

enriquecer a nossa existência, assim como o soluço de<br />

uma criança entre os familiares e o suspiro de quem<br />

passou pelo perigo junto àqueles que o acompanham.<br />

Ninguém está só como também nenhum povo<br />

está entregue ao acaso. Há forças mentais de comunidades<br />

inteiras vibran<strong>do</strong> para que o clima de renovação se<br />

mantenha sobre aquilo que precisa ser renova<strong>do</strong>.<br />

Aliás, as forças vivas que se espalham na<br />

natureza, como as chuvas, os rios, as tempestades e os<br />

alvoreceres de <strong>luz</strong>, seguem subordinadas às condições<br />

que as fazem surgir.<br />

Assim são os homens, liga<strong>do</strong>s aos interesses de<br />

sua evolução, andam por caminhos que mudam de<br />

paisagens, ora amenas ora um pouco menos <strong>do</strong> que<br />

foram antes, mas todas importantes.<br />

Sem esquecermos <strong>do</strong> valor <strong>do</strong> dinheiro que<br />

mantém a nossa existência física, cultivemos os recursos<br />

que nos dão a estabilidade emocional.


209 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

31<br />

NOS CAMINHOS DE JERICÓ<br />

Jerusalém estava no roteiro de viagem. A<br />

manhã veio festiva em <strong>luz</strong> e cor. Os participantes das<br />

reuniões de estu<strong>do</strong> tinham pressa em relatar ao Mestre<br />

o fato ocorri<strong>do</strong>. To<strong>do</strong>s comungavam a mesma ideia.<br />

Senta<strong>do</strong> à beira de uma árvore, nos caminhos<br />

que serpenteavam as vizinhanças de Jericó, o Mestre<br />

estava olhan<strong>do</strong> as folhas cain<strong>do</strong> empurradas pelo vento<br />

em trajetória que ninguém poderia prever. Essas folhas<br />

têm muito a ver com os homens que seguem<br />

impulsiona<strong>do</strong>s pelas forças <strong>do</strong> destino que desconhecem.


FERNANDO PINHEIRO - 210<br />

O Mestre acompanhava serenamente to<strong>do</strong>s os<br />

gestos da natureza tão imperceptíveis pelos homens.<br />

Tu<strong>do</strong> tinha um valor grandioso: os ventos, as folhas,<br />

os homens, as forças que os impulsionam.<br />

No instante em que as folhas pararam diante de<br />

um pedacinho de arbusto, seus discípulos chegaram<br />

ansiosos para contar-lhe a novidade. À frente estava João:<br />

“Mestre, vimos um homem que em teu nome expulsava<br />

demônios, e nós lhe proibimos, porque não nos segue.”<br />

(102)<br />

A vibração de zelo desfigura<strong>do</strong>, que saiu da<br />

mente <strong>do</strong>s discípulos, dispersava-se ao atingir o campo<br />

magnético em que estava envolvi<strong>do</strong> o Mestre. Ainda<br />

liga<strong>do</strong> à lição de incomparável beleza que as folhas<br />

o despertavam, não quis alimentar a ideia de revolta<br />

<strong>do</strong>s seus discípulos.<br />

A ânsia deles era muito grande. Queriam uma<br />

resposta, de imediato. Sentin<strong>do</strong> o instante exato em que<br />

deveria se manifestar, <strong>Jesus</strong> disse: “Não lhe proibais.<br />

Ninguém há que faça milagre em meu nome, e logo a<br />

seguir possa falar mal de mim, pois quem não é contra<br />

nós, é por nós.” (103)<br />

Houve um momento de silêncio, de efeito<br />

profun<strong>do</strong>. Os discípulos compreenderam que não havia<br />

razão para chamar a atenção de um estranho que estava<br />

semean<strong>do</strong> a boa semente em gestos que desconheciam.<br />

(102 e 103) MARCOS, 9:38


211 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

A ânsia deles era muito grande. Queriam uma<br />

resposta, de imediato. Sentin<strong>do</strong> o instante exato em que<br />

deveria se manifestar, <strong>Jesus</strong> disse: “Não lhe proibais.<br />

Ninguém há que faça milagre em meu nome, e logo a<br />

seguir possa falar mal de mim, pois quem não é contra<br />

nós, é por nós.” (104)<br />

Houve um momento de silêncio, de efeito<br />

profun<strong>do</strong>. Os discípulos compreenderam que não havia<br />

razão para chamar a atenção de um estranho que estava<br />

semean<strong>do</strong> a boa semente em gestos que desconheciam.<br />

<br />

É preciso ter muito cuida<strong>do</strong> com as tarefas que<br />

nos são entregues pela vida, pois cada um possui um<br />

objetivo próprio sem ter a peculiaridade que trazemos<br />

conosco. É por isso que a diversidade <strong>do</strong>s <strong>do</strong>ns <strong>do</strong> Senhor<br />

<strong>do</strong> Destino são múltiplos, tão grande quanto a escala<br />

evolutiva.<br />

A trajetória das criaturas humanas é sempre<br />

impulsionada pela vontade divina que estabelece as<br />

condições peculiares para que os movimentos em direção<br />

<strong>do</strong> destino, onde seguem, não deixem de parar. Por isso,<br />

vemos que tu<strong>do</strong> é vida, tu<strong>do</strong> está em movimento, tu<strong>do</strong> é<br />

manifestação de beleza comovente.<br />

To<strong>do</strong>s os gestos que nos chegam são apelos para<br />

que a emoção <strong>do</strong> existir não pare. Se há colaboração<br />

voltada no bem em comum, não devemos ficar deti<strong>do</strong>s<br />

demoradamente analisan<strong>do</strong> as razões por que está sen<strong>do</strong><br />

realizada, pois o tempo corre rápi<strong>do</strong> como os ventos soltos<br />

à distância.<br />

(104) MARCOS, 9:39 e 40


32<br />

O DISCURSO PROFÉTICO<br />

FERNANDO PINHEIRO - 212<br />

Em frente <strong>do</strong> templo de Salomão, num ardente<br />

entardecer de Nisan, (105) estavam reuni<strong>do</strong>s os discípulos<br />

ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Mestre. Eles lhe mostraram as edificações<br />

imponentes onde a fé e a religiosidade eram representadas<br />

em cerimônias sagradas.<br />

Um olhar se projetou no futuro, estenden<strong>do</strong><br />

cenas que se desenrolariam naqueles recintos, e a voz<br />

dele foi ouvida por to<strong>do</strong>s: “em verdade vos digo que não<br />

ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada”.<br />

(106)<br />

(105) Mês <strong>do</strong> calendário judaico.<br />

(106) MATEUS, 24:1 e 2.


213 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

A respeito <strong>do</strong> cumprimento da profecia de<br />

<strong>Jesus</strong>, Amélia Rodrigues (Espírito) no livro Quan<strong>do</strong> voltar<br />

a Primavera, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco,<br />

comenta:<br />

“Jerusalém foi destruída por Tito, que a sitiou com<br />

um vallum de oito quilômetros de comprimento, coberto<br />

de bastiões, e impie<strong>do</strong>samente crucificou os sobreviventes,<br />

golpean<strong>do</strong> as mulheres, a quase to<strong>do</strong>s matan<strong>do</strong> de fome,<br />

no sítio <strong>do</strong>s cem dias, rasgan<strong>do</strong> o véu <strong>do</strong> templo e,<br />

derruban<strong>do</strong> pedra sobre pedra, fez cumprir a profecia...”<br />

(107)<br />

<br />

A caminho <strong>do</strong> Getsêmani, o silêncio se faz<br />

presente por alguns minutos e, em seguida, <strong>Jesus</strong> dá<br />

início ao comovente discurso profético de que nos falam os<br />

escritores da Boa Nova: “Que ninguém vos engane! ...<br />

Ficai vigilantes, a fim de que não sejais surpreendi<strong>do</strong>s.<br />

O dia e a hora ninguém sabe, só o Pai, nem o Filho....”<br />

(108)<br />

<br />

(107) AMÉLIA RODRIGUES – in Quan<strong>do</strong> voltar a Primavera, p. 147 –<br />

5ª edição, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria<br />

Espírita Alvorada Editora – 1998 – Salva<strong>do</strong>r – BA.<br />

(108) MARCOS, 13:1-31 MATEUS, 24:1-51 LUCAS, 21:5-33


FERNANDO PINHEIRO - 214<br />

Geração de vidas humanas que ainda não<br />

se libertou <strong>do</strong> ciclo de sofrimentos e <strong>do</strong>res, por ainda<br />

não entender a mensagem lúcida <strong>do</strong> Mestre <strong>Jesus</strong>, está<br />

ten<strong>do</strong> a última oportunidade para acompanhar a parcela<br />

da humanidade que aguarda as promessas evangélicas.<br />

A crise <strong>do</strong>s tempos atuais, que invade os lares,<br />

templos e organizações humanas, revela a fragilidade <strong>do</strong>s<br />

conceitos que se apoiam nos valores da transitoriedade.<br />

As palavras de <strong>Jesus</strong> eram pronunciadas com<br />

ternura e bondade para abafar a reação <strong>do</strong>s discípulos<br />

acerca <strong>do</strong>s acontecimentos futuros que se desenrolariam<br />

com a geração comprometida com as injunções <strong>do</strong> final<br />

<strong>do</strong>s ciclos <strong>do</strong> tempo, focalizada em duas alternativas:<br />

permanecer a fim de construir um mun<strong>do</strong> melhor, ou ir<br />

embora para nunca mais voltar para este hotel planetário<br />

que ganhará mais uma estrela. É dessa forma que<br />

hoje compreendemos o que seja a separação <strong>do</strong> joio e <strong>do</strong><br />

trigo. É uma linguagem endereçada a alma humana.<br />

Com a saída <strong>do</strong>s responsáveis pela crise que<br />

estiveram à frente na disseminação da incerteza e <strong>do</strong>s<br />

desencantos, divulga<strong>do</strong>s pelos meios de comunicação,<br />

teremos o prima<strong>do</strong> da primavera <strong>do</strong>s poetas, da revelação<br />

<strong>do</strong>s compositores e artistas que enaltecem a natureza,<br />

a harmonia, o respeito pela vida.<br />

A composição harmoniosa das palavras de <strong>Jesus</strong><br />

ganha uma entonação que lembram um conjunto de notas<br />

musicais ♪♫♫ soltas no ar (modulações na voz) – um<br />

aroma de perfume que o vento traz, a sensação <strong>do</strong><br />

paraíso, o sonho de nossa alma revela<strong>do</strong> à <strong>luz</strong> <strong>do</strong> dia.


215 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

O discurso profético prossegue em tom vibrante<br />

e comove<strong>do</strong>r: “quem estiver nos montes não volte à cidade<br />

e quem se encontrar nos telha<strong>do</strong>s não desça – não<br />

haverá tempo.”<br />

A vibração harmoniosa da voz <strong>do</strong> profeta<br />

derrama no coração de cada um <strong>do</strong>s participantes o<br />

esclarecimento: “a grande tribulação se iniciará, levan<strong>do</strong><br />

de roldão as mazelas e misérias humanas... O sol se<br />

escurecerá, antes as sombras se levantarão da Terra e<br />

a lua se banhará de sangue...” (...) “Passará o céu e<br />

a terra, mas as minhas palavras não passarão.”<br />

<br />

A profecia está atualizada. A sombra que se<br />

levanta da Terra é a poluição ameaçan<strong>do</strong> a camada de<br />

ozônio e a lua banhada de sangue é a destruição que<br />

está no plano mental <strong>do</strong>s conquista<strong>do</strong>res que espalham<br />

a guerra no espaço, nos desertos <strong>do</strong> Levante e <strong>do</strong><br />

Afeganistão, e nas terras da antiga Mesopotâmia, de<br />

tradição bélica. A profecia tem seus ciclos.<br />

Numa civilização que busca, por caminhos<br />

estranhos, o amor que está a caminho, apenas ressoa em<br />

nosso ser o canto da profecia: “não ficará pedra sobre<br />

pedra”. E nos escombros, a nova humanidade buscará<br />

a consciência lógica de Deus para recompor o seu<br />

verdadeiro perfil, o seu verdadeiro caminho.<br />

Os regimes de força, que anulam os direitos<br />

naturais <strong>do</strong> homem, serão bani<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong>s os sistemas<br />

sociais. A paz será conhecida em sua forma original<br />

como a pureza das águas das fontes.


FERNANDO PINHEIRO - 216<br />

O amor será a essência primordial de que se<br />

nutrirá os habitantes da Terra e será <strong>do</strong>a<strong>do</strong>, em pureza<br />

lirial, a to<strong>do</strong>s e a to<strong>do</strong>s os ambientes, em todas as<br />

horas, num tempo que não acabará nunca.<br />

Nesse tempo, o sexo terá uma dimensão maior.<br />

Hoje, à semelhança de crianças que ainda não aprenderam<br />

a andar, numa festa de aniversário, come-se apenas a<br />

cobertura sem provar <strong>do</strong> bolo. O sexo está na alma e<br />

não apenas no corpo. Esta será a descoberta da nova<br />

humanidade que se libertará <strong>do</strong> jugo milenar que as<br />

aparências impõem.<br />

Com a vibração luminosa <strong>do</strong> amor estendida<br />

por toda a superfície terrena, as camadas densas e<br />

escuras, que a envolvem, formadas pela poluição mental,<br />

serão extintas, assim como faz a vela acesa clarean<strong>do</strong> o<br />

que antes era escuridão.


217 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

33<br />

GETSÊMANI<br />

Christ in the Gethsemane Garden, oil painting by Heinrich<br />

Ferdinand Hofmann (1824/1911) – The original is at the<br />

Riverside Church – New York City<br />

O poeta fluminense Fagundes Valela descreve a<br />

noite em Jerusalém:<br />

“Jerusalém <strong>do</strong>rmia. Entre os palácios,<br />

As riquezas <strong>do</strong>s príncipes romanos,<br />

As pontifícias galas, e a penúria,<br />

A vil degradação da ínfima plebe;<br />

Entre os vastos salões, as lautas mesas,<br />

Os belos camarins, os fôfos leitos,<br />

E os tugúrios fumosos, negros, frios,<br />

Os farrapos nojentos, as lareiras<br />

Apagadas; vazia ressonava<br />

A geração de escravos e mendigos,<br />

Em cujas veias circulava ainda<br />

O sangue <strong>do</strong>s austeros patriarcas!


FERNANDO PINHEIRO - 218<br />

Jerusalém <strong>do</strong>rmia. A raça impura,<br />

Que outrora livre e farta no deserto,<br />

Chorava pelo duro cativeiro<br />

Das regiões <strong>do</strong> Egito, e suspirosa<br />

Lembrava das ôlhas abundantes,<br />

E de amplas despensas e cozinhas<br />

Do grande faraó, – a raça estulta,<br />

Talvez feliz, em sonhos, se julgasse,<br />

Por partilhar os restos e as migalhas<br />

Que sobravam da orgia <strong>do</strong>s tiranos!<br />

Jerusalém <strong>do</strong>rmia. A voz pausada<br />

E rouca das latinas sentinelas<br />

Nas muralhas de escura fortaleza,<br />

O pio das corujas agoureiras<br />

Nos velhos bastiões, os longes ecos<br />

Dos nefan<strong>do</strong>s festins, de quan<strong>do</strong> em quan<strong>do</strong><br />

O silêncio da noite interrompiam.<br />

Mas, nas habitações <strong>do</strong>s sacer<strong>do</strong>tes,<br />

Nos paços <strong>do</strong>s pontífices vai<strong>do</strong>sos,<br />

Estranho movimento anunciava<br />

Importante sucesso. As portas francas,<br />

Os pátios e saguões ilumina<strong>do</strong>s,<br />

Guardas <strong>do</strong>bradas, confusão de servos,<br />

Tu<strong>do</strong>, enfim, revelava que essa noite<br />

Era não de prazeres e folgue<strong>do</strong>s,<br />

Mas de urgentes questões, graves negócios. (109)<br />

<br />

(109) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto IX – Cap. II – pp. 284, 285, 286 – Livraria<br />

Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira<br />

de Letras.


219 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

A claridade de prata vinha <strong>do</strong> luar esplêndi<strong>do</strong><br />

e a brisa da noite, balançan<strong>do</strong> as folhas <strong>do</strong>s ciprestes,<br />

trazia um afago no rosto a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong> de cada um <strong>do</strong>s<br />

seus discípulos.<br />

Naquele momento, Getsêmani era o centro das<br />

atenções <strong>do</strong>s espíritos que estavam na esfera espiritual,<br />

aguardan<strong>do</strong> o desenrolar <strong>do</strong> martírio daquele que tem<br />

ascendência sobre to<strong>do</strong>s que nascem da carne e, também,<br />

<strong>do</strong> espírito.<br />

O momento era de meditação e entrosamento<br />

com o Poder Maior que distribui todas as dádivas<br />

preciosas <strong>do</strong> Universo.<br />

A reflexão <strong>do</strong> futuro, naquelas horas de beleza<br />

espiritual, foi feita por <strong>Jesus</strong> com a mais perfeita visão<br />

<strong>do</strong>s acontecimentos que afligiriam a humanidade terrena.<br />

Narram as Escrituras que nenhum <strong>do</strong>s discípulos<br />

esteve presencian<strong>do</strong> o instante de solidão aparente<br />

<strong>do</strong> Mestre. Possivelmente, <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>, viram em sonhos as<br />

cenas dramáticas que iriam afligir a humanidade.<br />

Os planos de evolução se ligam uns aos outros,<br />

como no sonho da escada de Jacó, subin<strong>do</strong> aos céus.<br />

Os abnega<strong>do</strong>s semea<strong>do</strong>res da <strong>luz</strong> – que ajudam<br />

a humanidade a encontrar o caminho <strong>do</strong> reino celestial,<br />

identifica<strong>do</strong>s na Seara Espírita como o Parácleto, o<br />

Espírito Santo (designação genérica <strong>do</strong>s espíritos de <strong>luz</strong>),<br />

prometi<strong>do</strong> por <strong>Jesus</strong> a Seus discípulos, designa<strong>do</strong>, em<br />

outras áreas de eleva<strong>do</strong> labor, como o Espírito Santo<br />

(designação da unidade da tríade divina) – estão acima<br />

das vibrações tumultuadas das paixões passageiras.


FERNANDO PINHEIRO - 220<br />

Getsêmani é uma referência da realidade<br />

espiritual a que se reportaram os místicos cristãos e<br />

místicos não cristãos, ressaltan<strong>do</strong> o exemplo daquele<br />

que nos ensinou como é importante a meditação acerca<br />

<strong>do</strong>s acontecimentos que nos dizem respeito.<br />

Desenvolver esse raciocínio, acompanhan<strong>do</strong> a<br />

veracidade <strong>do</strong>s fatos que geram outros que se ligam entre<br />

si, é compreender a vida que nos rodeia.<br />

Três vezes ele voltou e três vezes ele os<br />

encontrou <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>: “Dormis? Não pudestes vigiar sequer<br />

uma hora”, falou amorosamente. (110)<br />

Getsêmani, naquela noite de lua cheia, era um<br />

cenário de quietude. <strong>Jesus</strong>, mergulha<strong>do</strong> na consciência<br />

cósmica, pressente os acontecimentos infelizes que se<br />

desenrolarão a partir <strong>do</strong> beijo de Judas, o amigo<br />

dissidente.<br />

Há uma tristeza pairan<strong>do</strong> no ar, não por ele,<br />

pois quem ama sempre é feliz e vitorioso, mas por<br />

causa daqueles que não o acompanharam até o fim.<br />

Não é apenas o dissidente da causa nobre, mas a<br />

grande maioria <strong>do</strong>s homens daquela época e das futuras<br />

gerações em dificuldades para sair <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> das ilusões<br />

e entrar no paraíso.<br />

(110) MATEUS, 26:36 a 56 LUCAS, 22:39 a 46


221 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Ele lançou um olhar compassivo à cidade que<br />

<strong>do</strong>rmia e viu o Tiropeón, velha esplanada que conduzia à<br />

Porta Dourada, por onde entrou triunfante na cidade,<br />

ouvin<strong>do</strong> o coro das crianças; avistou o palácio <strong>do</strong> Sumo<br />

Sacer<strong>do</strong>te, e <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> o de Herodes, perto <strong>do</strong>s<br />

jardins <strong>do</strong> Gareb; a torre Antônia, o vale <strong>do</strong> Cedron<br />

e, mais além, a subida <strong>do</strong> Gólgota que se perdia na<br />

distância da noite fria.<br />

Um instante depois, seu olhar se espalhou pelas<br />

estrelas, onde certamente entre elas ele viera e apenas<br />

mencionou aos seus discípulos como as moradas <strong>do</strong> Pai.<br />

A madrugada veio vin<strong>do</strong> cercada de vibrações<br />

tumultuadas pelos vende<strong>do</strong>res de ilusão que ofereceram<br />

trinta moedas de prata a Judas em troca de favores<br />

junto ao Sumo Sacer<strong>do</strong>te.<br />

Dirigin<strong>do</strong>-se, pela última vez, aos seus discípulos,<br />

disse: “<strong>do</strong>rmi agora e repousai; eis que é chegada a<br />

hora. O Filho <strong>do</strong> homem está sen<strong>do</strong> traí<strong>do</strong> nas mãos<br />

<strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>res. Levantai-vos, eis que é chega<strong>do</strong> aquele<br />

que me trai”.<br />

Entre as oliveiras, um pequeno grupo, carregan<strong>do</strong><br />

archotes para iluminar o caminho, acercou-se de <strong>Jesus</strong><br />

e, através de Judas, quis identificá-lo. O Mestre,<br />

adiantan<strong>do</strong>-se, numa serena demonstração de coragem,<br />

simplicidade e nobreza, falou a to<strong>do</strong>s os presentes:<br />

“saístes, como para um saltea<strong>do</strong>r, com espadas e<br />

varapaus para me prender? To<strong>do</strong>s os dias me assentava<br />

junto de vós, ensinan<strong>do</strong> no templo e não me prendestes”.<br />

Concluin<strong>do</strong>, numa expressão de amor e sabe<strong>do</strong>ria, lhes<br />

revelou que “tu<strong>do</strong> isto aconteceu para que se cumpram<br />

as escrituras <strong>do</strong>s profetas”.


34<br />

CAIFÁS<br />

FERNANDO PINHEIRO - 222<br />

Na pena de ouro, forma emblemática, <strong>do</strong><br />

poeta Fagundes Varela o ambiente pesa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Palácio <strong>do</strong><br />

Sumo Sacer<strong>do</strong>te é descrito em versos:<br />

“Mas a inveja roaz, o ódio cego,<br />

Verdadeiros demônios, rebramaram<br />

Nos corações <strong>do</strong>s fariseus protervos;<br />

To<strong>do</strong> o veneno da tartárea estância,<br />

Verteu Satan nas veias <strong>do</strong>s escribas,<br />

E no seio <strong>do</strong>s ímpios sacer<strong>do</strong>tes.<br />

– Em que pensamos nós? dizem raivosos,<br />

Que deixemos em paz o Nazareno<br />

Pregar <strong>do</strong>utrinas, operar milagres,<br />

E seduzir a plebe inconciente?<br />

O que é feito de nossa autoridade?<br />

Onde está nossa força? Por ventura,<br />

Seguin<strong>do</strong> a multidão que nos despreza,<br />

Iremos nós também beijar as plantas<br />

Do filho <strong>do</strong> mesquinho carpinteiro?<br />

Então, falou Caifás, hebreu soberbo,<br />

Pontífice arrogante, ergue–se e disse:<br />

– Nada entendeis. Obrais como insensatos.<br />

Desconheceis as práticas <strong>do</strong>s sábios.


223 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Não refletis que a salvação <strong>do</strong> povo<br />

De sangrenta lição depende apenas?<br />

Que é necessário que pereça um homem?<br />

Que a nação abalada não sucumba?<br />

Que o tempo pede sangue, e a lei decreta<br />

Que neste caso se derrame sangue? –<br />

Disse... e no pensamento de seus sócios<br />

A morte <strong>do</strong> Senhor foi resolvida!<br />

Tinha profeta<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s algozes!<br />

Cumpria que sofresse o grande Mestre!<br />

Que esgotasse de um trago a taça negra<br />

Dos terrestres martírios! Que gemesse<br />

Ao peso imenso da maldade humana!<br />

Que beijasse, feri<strong>do</strong>, as duras pedras<br />

Daquele escuro chão, não pelo povo<br />

Ingrato de Israel, mas pelo mun<strong>do</strong>,<br />

Pelo porvir das gerações cativas!<br />

Pelo triunfo eterno da verdade!” (111)<br />

<br />

No decorrer <strong>do</strong>s séculos, o homem sempre<br />

procurou í<strong>do</strong>los que lhe servissem como protótipos de<br />

sua conduta.<br />

Havia nele uma necessidade de confirmar, junto<br />

aos seus mestres, as informações que lhe chegavam nas<br />

ondas da inspiração. Oriundas de um plano superior<br />

à matéria, submetidas a leis que incorporam a harmonia<br />

<strong>do</strong> Universo, não precisariam de averiguação para atestar<br />

sua veracidade.<br />

(111) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto VI – pp. 197, 198 – Livraria Imperial –<br />

1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.


FERNANDO PINHEIRO - 224<br />

Nas esferas <strong>do</strong> sonho, o homem criou a<br />

mitologia, impregnada de deuses e í<strong>do</strong>los superiores<br />

à sua condição humana. Nas áreas da realidade tangível,<br />

fez tronos, tribunas e pódios para personagens que se<br />

destacaram no mun<strong>do</strong> das ciências, artes e competições<br />

diversas.<br />

Temos que reconhecer a contribuição valiosa<br />

que muitos deixaram no progresso mundial. Mas, ao<br />

la<strong>do</strong> <strong>do</strong> trigo, muito joio cresceu de maneira vertiginosa.<br />

Daí, a cultura <strong>do</strong> me<strong>do</strong> deixada por ilustres personagens<br />

sociais que tinham poder de <strong>do</strong>mínio na educação <strong>do</strong>s<br />

povos.<br />

A ética, que se alimenta <strong>do</strong>s códigos inspira<strong>do</strong>s<br />

nas religiões e nas <strong>do</strong>utrinas <strong>do</strong> comportamento humano,<br />

sente-se abalada ante à realidade <strong>do</strong>s costumes de uma<br />

sociedade que busca novos rumos.<br />

O homem se esqueceu de pensar na sua<br />

realidade transcendente e transfere aos seus companheiros<br />

de luta to<strong>do</strong> o questionamento <strong>do</strong> seu viver.<br />

No passa<strong>do</strong>, num recrudescimento <strong>do</strong> senti<strong>do</strong><br />

religioso, o sacer<strong>do</strong>te tinha um papel maior, de confessor.<br />

Hoje, numa roupagem mais sofisticada, o psicanalista, o<br />

astrólogo e outros intérpretes de ciências orto<strong>do</strong>xas e<br />

esotéricas são procura<strong>do</strong>s, com bastante frequência, como<br />

se a resposta estivesse fora <strong>do</strong> alcance <strong>do</strong> consulente.<br />

É necessário que o homem pare de buscar<br />

aquilo que não lhe diz respeito. A moda atual é procurar<br />

os mais exóticos meios de se descobrir, através de<br />

terceiros. É o mesmo que alguém fosse a uma loja e<br />

pedisse um componente mecânico, sem saber para qual<br />

tipo de máquina é destina<strong>do</strong>.


225 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

É claro que a ajuda de pessoa qualificada é<br />

sempre valiosa. Mas se o homem soubesse que dentro<br />

dele estão todas as respostas daquilo que deseja saber,<br />

sem dúvida seus passos teriam outra direção.<br />

É tão fácil o autoconhecimento. Basta se<br />

concentrar e deixar que sejam dissipa<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os<br />

pensamentos de preocupação da vida material. Depois,<br />

confiar nas leis <strong>do</strong> equilíbrio que estabelecem a<br />

igualdade das forças homogêneas, manten<strong>do</strong> um clima de<br />

tranquilidade para aqueles que se encontram tranquilos.<br />

Nos estágios de crescimento espiritual, é<br />

concebível admitir-se a existência de í<strong>do</strong>los que despertem<br />

os sonhos e as realizações de desejos infantis. Mas<br />

chegará um dia – qual criança que se torna a<strong>do</strong>lescente<br />

– seus brinque<strong>do</strong>s serão aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s.<br />

To<strong>do</strong>s os ensinamentos que visam o despertar<br />

da realidade imortal <strong>do</strong> homem têm um valor muito<br />

grande. Este é o trigo da parábola <strong>do</strong> amor-não-ama<strong>do</strong><br />

por aqueles que estão sufoca<strong>do</strong>s pelo joio de todas as<br />

informações que inspiram o me<strong>do</strong>.<br />

Se o homem soubesse, ainda, que a sua<br />

semelhança com o Cria<strong>do</strong>r é feita pela imortalidade da<br />

essência implantada em seu ser mais profun<strong>do</strong>, veria em<br />

tu<strong>do</strong> a vida resplandecer. Numa comparação análoga, a<br />

semente é o homem buscan<strong>do</strong> í<strong>do</strong>los, a árvore é o<br />

homem que já se identificou, dentro <strong>do</strong> mérito de seus<br />

atos, como filho <strong>do</strong> Universo.<br />

Sem dúvida, Caifás foi um í<strong>do</strong>lo que passou.<br />

No entanto, tem méritos porque teve a oportunidade de<br />

estar bem perto de <strong>Jesus</strong>. Nos segre<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Universo,<br />

“o incompleto será completo (Rabindranat Tagore)”, dentro de<br />

uma precisão de tempo que não nos cabe saber quan<strong>do</strong>.


35<br />

DESOLAÇÃO<br />

FERNANDO PINHEIRO - 226<br />

O fulgor re<strong>luz</strong>ente da pena de ouro <strong>do</strong> poeta<br />

fluminense, Fagundes Varella, brilha, intensamente, na<br />

apreciação da presença de <strong>Jesus</strong>:<br />

“No palácio <strong>do</strong> sumo sacer<strong>do</strong>te,<br />

No formoso salão de alvas colunas,<br />

Onde os graves negócios se decidem<br />

Concernentes à lei, pláci<strong>do</strong> e belo<br />

Como o sereno, cândi<strong>do</strong> <strong>luz</strong>eiro<br />

Que precede a alvorada, entre os negrumes<br />

Precursores fatais da tempestade,<br />

Apareceu <strong>Jesus</strong>; firme e seguro,<br />

Radiante de graça e de inocência,<br />

Caminhou para o estra<strong>do</strong>, onde orgulhoso,<br />

Á sombra de um <strong>do</strong>ssel de rubra seda,<br />

Em <strong>do</strong>urada cadeira pontifícia,<br />

Descansava Caifás. Fun<strong>do</strong> silêncio


227 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Reinava no sacrílego auditório.<br />

Caso intrinca<strong>do</strong>, sério e não previsto<br />

Apresentou–se então ao pensamento<br />

Do príncipe cruel. Só competia<br />

Ao governo de Roma e seus prepostos<br />

Dar sentença de morte: a lei expressa<br />

Não deixava lugar a falso arbítrio.<br />

Que julgar? Que fazer? Forjar um crime,<br />

Revesti–lo de horrendas circunstâncias,<br />

O imputar ao Senhor! Cem testemunhas,<br />

Malvadas umas, cobiçosas outras,<br />

Em auxílio <strong>do</strong>s ímpios acodiram.<br />

Mas, os pios varões, retos juízes,<br />

Pontífices ilustres, que buscavam<br />

O justo condenar, – bran<strong>do</strong>s agora,<br />

Por demais complacentes, despediam,<br />

Depois de convenci<strong>do</strong>s da calúnia,<br />

Profana<strong>do</strong>res vis, monstros perjuros,<br />

Que zombavam de Deus e da justiça!<br />

Oh! cegueira da inveja! Oh! mal se cura,<br />

Entretanto, <strong>do</strong>is sáfios publicanos,<br />

Dois consócios de Judas, o precito,<br />

Dirigiram–se ao sumo sacer<strong>do</strong>te:<br />

– Nós o ouvimos, Senhor, junto <strong>do</strong> templo<br />

Deste mo<strong>do</strong> falar: – Tenho poderes<br />

Para arrasar o templo, se o quisesse,<br />

E depois em três dias, mais seguro<br />

Levantá–lo outra vez! – Nestas palavras,<br />

Era a ressurreição que anunciava<br />

O Redentor <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>; era seu corpo<br />

O templo que das sombras mortuárias<br />

Feliz ressurgiria! – A feia intriga<br />

Silvava a sombra da verdade santa!


FERNANDO PINHEIRO - 228<br />

Então disse Caifás: – o que respondes?<br />

Tu bem vês que te acusam. – Mas o Cristo<br />

Sacudiu a cabeça tristemente,<br />

Encarou, suspiran<strong>do</strong> os delatores,<br />

E conservou–se mu<strong>do</strong>. Urgia o tempo.<br />

Convinha abreviar o atroz processo,<br />

Achar um vão pretexto, um qualquer meio,<br />

De consumar o infausto sacrifício.<br />

Retira–se Caifás. Desprotegi<strong>do</strong><br />

Ficou <strong>Jesus</strong>, sozinho exposto à sanha<br />

Do vulgacho grosseiro, e às zombarias<br />

Dos deprava<strong>do</strong>s, ímpios quadrilheiros.<br />

VI<br />

O fúlgi<strong>do</strong> clarão da estrela d´Alva<br />

Derrama–se no espaço, a rósea aurora<br />

Pouco a pouco adelgaça o céu cinéreo<br />

Que flutua nas portas <strong>do</strong> Oriente;<br />

Áureos, fulvos listões, faixas purpúreas,<br />

Brancas, argênteas franjas, atravessam<br />

As regiões festivas, onde assoma<br />

Cada dia mais forte em seus <strong>do</strong>mínios<br />

O rei das estações. No grande pátio<br />

Da casa de Caifás, sempre tristonho,<br />

Meditabun<strong>do</strong> sempre, Simão Pedro<br />

Vela perto <strong>do</strong> fogo; os ociosos<br />

Continuam as práticas estultas,<br />

Os solta<strong>do</strong>s estiram-se rosnan<strong>do</strong><br />

Sobre as lájeas <strong>do</strong> chão; mas, uma escrava<br />

Que desce nesse instante ao peristilo,<br />

Pára, surpresa, atenta considera<br />

O pobre pesca<strong>do</strong>r: – Bem o conheço,<br />

Diz a vil criatura a seus parceiros,


229 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

É este um <strong>do</strong>s amigos, e o mais velho<br />

Do mestre nazareno: – Oh! tal não digas!<br />

Exclama o Galileu amedronta<strong>do</strong>,<br />

Nunca lhe ouvi a voz, nem vi–lhe o rosto! –<br />

Porém, Malco ali estava, o servo Malco,<br />

A quem Pedro ferira. – Que! tu negas?<br />

Pois não eras no Horto? Não te lembras<br />

Que me cortaste a orelha? – acode o ímpio.<br />

Estranhas cousas, lhe responde Pedro,<br />

Falsas proposições dizes, amigo;<br />

Não sei <strong>do</strong> que falas, nem <strong>do</strong> Mestre<br />

Que os sacer<strong>do</strong>tes julgam! – Como treme<br />

O pesca<strong>do</strong>r astuto! Companheiros,<br />

Informa um <strong>do</strong>s cria<strong>do</strong>s, muitas vezes<br />

Entrei no teu batel, estou bem certo;<br />

Depois não mais o vi; por fim, nos campos,<br />

E nas praças o achei uni<strong>do</strong> aos sócios<br />

Do filho de José. – Não é verdade!<br />

Exclama Simão Pedro! – Então, prodígio!<br />

A poucos passos, n´um sombrio canto<br />

Dos aposentos térreos <strong>do</strong> palácio,<br />

Bateu o galo fortemente as asas<br />

E a voz soltou vibrante e prolongada.<br />

Simão estremeceu, – volveu os olhos<br />

Para as altas janelas, e entre as grades<br />

Viu, ao frouxo clarão da triste aurora,<br />

A figura serena e graciosa<br />

De seu divino Mestre. A consciência,<br />

Abalada e ferida fundamente,<br />

Despertou as cansadas faculdades<br />

Do singelo discípulo; os remorsos<br />

Acerbos e pungentes, a vergonha


FERNANDO PINHEIRO - 230<br />

De uma fraqueza quase que perfídia,<br />

A lembrança da culpa, o horror da pena,<br />

Como agu<strong>do</strong>s punhais dilaceraram<br />

O coração <strong>do</strong> mísero: os soluços<br />

Embargaram–lhe a voz, e quentes lágrimas,<br />

Lágrimas puras de alma arrependida,<br />

Orvalharam–lhe o rosto e as barbas brancas.” (112)<br />

<br />

Em tu<strong>do</strong> havia desolação, menos em <strong>Jesus</strong>. Ao<br />

aban<strong>do</strong>nar a audiência que presidia no Palácio <strong>do</strong> Sumo<br />

Sacer<strong>do</strong>te, Caifás deixou as sombras invadir o ambiente.<br />

Falta ao mun<strong>do</strong> de hoje e daquela época um senti<strong>do</strong><br />

maior, algo assim como uma mágica beleza.<br />

Cada pessoa humana tem uma característica<br />

que realça o seu viver. Umas se fazem conhecidas pela<br />

bondade, outras pela energia <strong>do</strong> caráter quan<strong>do</strong> a vida<br />

lhes coloca tarefas de orientar grupos sociais.<br />

E assim por diante, uma grande variedade de<br />

atributos caracteriza todas elas, umas diferentes de outras.<br />

Quan<strong>do</strong> descobrimos as tendências fortes de<br />

nossa individualidade, que nos marca a passagem nos<br />

círculos sociais, vemos nos outros a repercussão que nos<br />

é devolvida, na intensidade em que as emitimos.<br />

(112) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto IX – Cap. V, pp. 290, 291, 292, 293, 294 –<br />

Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia<br />

Brasileira de Letras.


231 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Sorrisos alegres e expressões de solidariedade<br />

são marcas indeléveis que registramos com grande emoção,<br />

pois nos estimulam a prosseguir na caminhada que<br />

buscamos.<br />

Tristezas e decepções alheias são manifestações<br />

daqueles que ainda não compreendem a extensão da<br />

mensagem de que somos porta<strong>do</strong>res.<br />

Mas, nesses casos, entreguemos a Deus o<br />

cuida<strong>do</strong> que eles merecem, convictos de que um dia,<br />

assim como o sol nasce to<strong>do</strong>s os dias, sentirão a <strong>luz</strong><br />

interior a iluminar-lhes numa festa de júbilos.<br />

Tu<strong>do</strong> é alegria na Criação. Os pássaros são os<br />

porta<strong>do</strong>res dessa alegria em trina<strong>do</strong>s que repercutem nos<br />

lugares por onde passam.<br />

A expansão da harmonia, atestan<strong>do</strong> a grandeza<br />

de tu<strong>do</strong> que nos envolve, chega a to<strong>do</strong>s os seres nos<br />

mais distantes recantos onde se encontram.<br />

E por onde o homem vai, na cidade e no<br />

campo, em terra firme e em águas navegáveis ou,<br />

ainda, nos espaços a céu aberto, há a presença de algo<br />

superior à condição humana que lhe desperta um<br />

êxtase de contentamento, demonstran<strong>do</strong> que a vida é um<br />

incessante movimento de alegria.<br />

Esse movimento, mágica beleza, que nos cerca,<br />

atinge a to<strong>do</strong>s em comunhão perene, embora haja<br />

ainda a relutância <strong>do</strong>s desalenta<strong>do</strong>s em aceitá-lo. Mas tu<strong>do</strong><br />

tem a sua hora.<br />

Cada gesto nosso obedece ao mecanismo <strong>do</strong>s<br />

impulsos que nos chegam para completar as circunstâncias<br />

que nos são próprias.


FERNANDO PINHEIRO - 232<br />

O passa<strong>do</strong>, o presente e o futuro formam o<br />

destino, o tempo que nos cabe por direito natural dentro<br />

daquilo que vivemos. Entender o destino em apenas um<br />

tempo seria desconectá-lo das fases que se completam.<br />

Na compreensão <strong>do</strong>s desígnios superiores à nossa<br />

condição humana, temos, a cada instante, a oportunidade<br />

de reconhecer o momento precioso que a própria vida<br />

nos oferece.<br />

Os amores reconhecem seus laços de ternura<br />

e êxtase, os artistas os meios que os atraíram à arte,<br />

os operários anônimos a exclusividade <strong>do</strong> nome que<br />

pertence à marca, à fábrica e aos revende<strong>do</strong>res.<br />

Quanto tempo o homem gasta para se<br />

identificar com a sua vocação! Há muitos interesses<br />

em jogo. Nas áreas em que avista lacunas a serem<br />

preenchidas, o chamamento é inadiável, mesmo<br />

consideran<strong>do</strong> que tem de se afastar <strong>do</strong>s campos que<br />

vinham sen<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>s com esmero.<br />

É nestes instantes que se vê a renúncia<br />

realçada em lugar de destaque, acima de to<strong>do</strong>s os<br />

empreendimentos já realiza<strong>do</strong>s. E, como a <strong>luz</strong>, o homem<br />

que busca atingir a plenitude, tem de irradiar seus<br />

feitos em todas as direções.


233 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

36<br />

CLÁUDIA PRÓCULA<br />

Picture: Ecce Homo – Christ before Pilate by Antonio Ciseri<br />

O sol vestia de claridade a manhã em<br />

Jerusalém. No pretório, Pôncio Pilatos caminhava, de<br />

um la<strong>do</strong> para outro, com as emoções em desalinho.<br />

Ouviam-se vozes e murmúrios que pediam a sua presença<br />

junto ao povo. (113)<br />

(113) NOTA: A exemplo de A<strong>do</strong>nias Filho, imortal da Academia<br />

Brasileira de Letras, que recontou obras estrangeiras célebres,<br />

o autor reconta o sonho de Cláudia Prócula <strong>do</strong> capítulo O<br />

Sonho de Prócula, constante <strong>do</strong> original da Vida de <strong>Jesus</strong>, de<br />

Plínio Salga<strong>do</strong> – 22ª edição – Editora Voz <strong>do</strong> Oeste – 1985 – São<br />

Paulo – SP – Acervo: Biblioteca Nacional.


FERNANDO PINHEIRO - 234<br />

Em seus aposentos, Cláudia acorda com os<br />

olhos cheios de pavor. Mal consegue recompor suas vestes<br />

e sai à procura de Pilatos para relatar-lhe o que se<br />

passa em sua alma. Com a fisionomia assustada, chega<br />

à presença de seu esposo que continua caminhan<strong>do</strong>, de<br />

um la<strong>do</strong> para outro, no imenso gabinete.<br />

Duas aflições se entrechocam. Olhares de<br />

indagação se cruzam ao mesmo tempo, acumulan<strong>do</strong> o<br />

clima de tensão. Pilatos tomou uma das mãos da esposa<br />

e a observou tão pálida, com a respiração ofegante e<br />

completamente nervosa. Ele tentou desviar a atenção dela,<br />

fazen<strong>do</strong> referência sobre os atrativos de Roma, a cidade<br />

eterna, e a necessidade imperiosa de permanecer em<br />

Jerusalém, por vontade <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r romano.<br />

Cláudia lhe disse que não era isto que a<br />

tornara triste. Estava preocupada com o sonho que tivera.<br />

Toman<strong>do</strong> fôlego, fez uma pausa e desabafou narran<strong>do</strong> o<br />

episódio, converti<strong>do</strong> em crime hedion<strong>do</strong>, que tinha a<br />

participação <strong>do</strong>s sacer<strong>do</strong>tes.<br />

Com o olhar de espanto, Pilatos continuou<br />

ouvin<strong>do</strong> Cláudia que lhe falava <strong>do</strong> sonho. Sobressaltada,<br />

contou-lhe que vira um grupo de pessoas dirigir-se ao<br />

encontro de <strong>Jesus</strong>, que estava em meditação, no Jardim<br />

das Oliveiras, o Getsêmani, e o viu sen<strong>do</strong> amarra<strong>do</strong> e<br />

conduzi<strong>do</strong> ao palácio <strong>do</strong> pontífice.<br />

Cláudia revela que viu o sangue <strong>do</strong> inocente<br />

galileu ser mancha<strong>do</strong> por seu mari<strong>do</strong> e, num tom de<br />

súplica, falou gritan<strong>do</strong>: tu és representante de Roma,<br />

“só tu tens direito de vida e de morte sobre os judeus,<br />

eu venho te pedir não sejas cúmplice desse crime.”


235 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Pilatos ouviu, comovi<strong>do</strong>, a esposa falar e,<br />

consultan<strong>do</strong> um magistra<strong>do</strong> que participava da reunião,<br />

perguntou-lhe sobre a veracidade de sonhos. A resposta<br />

dele foi alusiva ao sonho de Calpúrnia, mulher de Caio<br />

Júlio César, que previu a tragédia <strong>do</strong> assassinato <strong>do</strong><br />

impera<strong>do</strong>r. Pilatos retomou a palavra para concluir que<br />

se César atendesse ao sonho da esposa não teria i<strong>do</strong><br />

ao Sena<strong>do</strong>.<br />

O governa<strong>do</strong>r da Judéia, tentan<strong>do</strong> acalmar<br />

Cláudia, disse-lhe que iria atendê-la, desde que não<br />

houvesse uma conspiração contra César. Quan<strong>do</strong> ele<br />

acabara de expressar a sua promessa, um centurião da<br />

guarda pretoriana surgiu no pretório para comunicar<br />

que os sacer<strong>do</strong>tes trouxeram um réu para ser julga<strong>do</strong><br />

no palácio.<br />

Cláudia dirigiu o olhar ao seu mari<strong>do</strong> e<br />

disse-lhe que o sonho era uma revelação: o acusa<strong>do</strong>,<br />

amarra<strong>do</strong> pelas mãos, que adentrava ao pórtico <strong>do</strong><br />

palácio, era o mesmo homem com quem sonhara na<br />

noite anterior.<br />

Naquele instante, o vozerio <strong>do</strong> povo aumentou<br />

em coro em que se podia distinguir a súplica para que<br />

Pilatos aparecesse em público. No mesmo instante, o<br />

centurião romano disse-lhe que os juízes <strong>do</strong> Sinédrio, os<br />

sacer<strong>do</strong>tes e os fariseus negam-se a entrar no palácio.<br />

Na pintura Ecce Homo, de Antonio Ciseri, Pilatos,<br />

vestin<strong>do</strong> trajes brancos, apresenta <strong>Jesus</strong> à multidão<br />

desvairada. À direita, Cláudia, acompanhada de outra<br />

mulher, saiu triste e abatida, no entanto demonstran<strong>do</strong><br />

ser bem superiora ao mari<strong>do</strong>, envolvi<strong>do</strong> no clima sombrio.


FERNANDO PINHEIRO - 236<br />

A versão narrada, em versos, pelo poeta<br />

Fagundes Varela é de comovente beleza, realçan<strong>do</strong> a<br />

presença da mulher de Pilatos que avisou ao mari<strong>do</strong> sobre<br />

o sinistro sonho que tivera na noite anterior à presença<br />

de <strong>Jesus</strong> no Palácio diante de uma multidão furiosa.<br />

Vale ressaltar:<br />

“Não longe <strong>do</strong> Pretório, iluminada<br />

Pelos flavos clarões <strong>do</strong> sol nascente,<br />

Aparecia a casa de Pilatos,<br />

Alva, risonha, erguida entre ciprestes,<br />

Coberta de cimalhas caprichosas,<br />

Frisos sutis, colunas de alabastro,<br />

E arejadas soteias. Tão festiva<br />

Dir-se-ia a visão de tão alto castelo<br />

Pelos gênios da aurora edifica<strong>do</strong><br />

Nas regiões longínquas <strong>do</strong> Oriente,<br />

Onde termina o mar e o céu começa.<br />

Os mansos passarinhos gorjeiavam<br />

À sombra <strong>do</strong>s vergéis, as auras frescas<br />

Soerguiam as trêmulas cortinas<br />

Do belo camarim, onde entre flores,<br />

Mimosa flor também, sobre almofadas<br />

Lânguida descansava a linda esposa<br />

Do opulento pagão. Seus pensamentos<br />

Tristes deviam ser, que os rubros lábios<br />

Cerrava convulsan<strong>do</strong>, e dentre os cílios<br />

Negros, com a penugem <strong>luz</strong>idia<br />

Das escuras abelhas da floresta,<br />

Rebentavam as lágrimas sentidas.<br />

Filha airosa da Itália sonha<strong>do</strong>ra!<br />

Rôla sau<strong>do</strong>sa das alegres veigas


237 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Dos campos de Lavínia! Que pesares<br />

Ferem-te o coração? Mas, de repente,<br />

Um profun<strong>do</strong> gemi<strong>do</strong> angustioso,<br />

Os seios lhe agitou; a nobre dama<br />

Levantou-se de um alto, branca e fria<br />

Como a estátua de mármore pousada<br />

Em brônzeo pedestal junto da porta:<br />

Correu para a janela, as tranças soltas,<br />

O olhar afoguea<strong>do</strong>. Então, rui<strong>do</strong>sa<br />

Bramia a onda popular na praça,<br />

Mil vozes discordantes repetiam:<br />

– Desatai Barrabaz! Deixai-o livre! –<br />

Compreende a esposa de Pilatos<br />

A sinistra questão. Chamou um pajem,<br />

E man<strong>do</strong>u ao Pretório a toda a pressa,<br />

– Vai, dize a teu Senhor, ampara o justo,<br />

Que revelou-me um sonho pavoroso<br />

A pureza divina de seus atos,<br />

Das intenções celestes a inocência,<br />

A gloriosa origem de seu gênio! –<br />

O servo obedeceu. Nesse momento<br />

Uma nuvem trevosa e carregada<br />

Cobriu a <strong>luz</strong> <strong>do</strong> sol, – rijo nordeste<br />

No le<strong>do</strong> camarim entrou silvan<strong>do</strong>,<br />

Tremeu o pavimento, e as belas flores<br />

Que pendiam das jarras primorosas<br />

Caíram desfolhadas no tapete...” (114)<br />

(114) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto IX – Cap. VIII – pp. 296, 297, 298 –<br />

Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia<br />

Brasileira de Letras.


FERNANDO PINHEIRO - 238<br />

Ainda quanto à dúvida de Pilatos sobre a<br />

existência ou não de sonhos, dúvida que perdura até<br />

os dias de hoje para muita gente, ressaltamos os sinais<br />

<strong>do</strong> sonho:<br />

Quan<strong>do</strong> o homem vislumbra os sinais <strong>do</strong>s seus<br />

sonhos, no meio de tantas dificuldades, ele segue adiante<br />

sem temer o futuro. E aonde for preciso ir, ele vai.<br />

Para converter uma ideia subjetiva em objetiva,<br />

ele encontra um desafio que ameaça tu<strong>do</strong> aquilo que<br />

tenciona pôr em prática. Depois de ter venci<strong>do</strong> o primeiro,<br />

outros perigos passam a ser para ele uma rotina cíclica<br />

a que já se acostumou.<br />

No transcurso <strong>do</strong> seu caminhar, desce, sem<br />

decair, para preencher lacunas em cenários que lhe<br />

dizem respeito. Igualmente, ele se completa quan<strong>do</strong> se<br />

associa ao espaço que lhe é reserva<strong>do</strong> pelas forças<br />

da atração que regem o mun<strong>do</strong> das formas.<br />

Como no fluir das águas, a energia <strong>do</strong>s sonhos,<br />

que nasce n'alma, surge com força de expansão. Não<br />

se detém ante uma descida e prossegue preenchen<strong>do</strong><br />

as depressões que encontrar.<br />

As cachoeiras são grandes saltos encobrin<strong>do</strong><br />

abismos. Quan<strong>do</strong> a água desce, na integridade de sua<br />

forma e conteú<strong>do</strong>, prossegue em níveis mais abaixo<br />

benefician<strong>do</strong> as searas.<br />

Assim é o homem nos seus passos em direção<br />

das paisagens amenas. Somente nas áreas onde espalhou<br />

benefício, como as águas, pode ver um dia os<br />

frutos surgirem.


239 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

A ideia de que devemos ficar isola<strong>do</strong>s diante<br />

da agitação humana, com receio de ficarmos confusos,<br />

é a mesma que se pode ter de águas represadas num<br />

pântano. Mesmo nessas circunstâncias, a vida prossegue<br />

crian<strong>do</strong> musgos, liquens, parasitas e micróbios que<br />

enriquecem a flora.<br />

Como o homem já atingiu uma fase de<br />

crescimento que não dá mais para se fixar unicamente<br />

nas regiões parasitárias, ele ergue os olhos e vê que a<br />

natureza é muito mais.<br />

A ideia, que vem <strong>do</strong>s seus sonhos, entra em<br />

atrito com o mun<strong>do</strong> objetivo onde vive e, mesmo<br />

assim, sente que é preciso sonhar, como a água<br />

corren<strong>do</strong> que “sonha” alcançar as searas.<br />

Ninguém pode deter a verdade. A verdade está<br />

fragmentada em to<strong>do</strong>s os setores da vida humana, não<br />

é apenas religiosa. A busca é normal a to<strong>do</strong>s que não a<br />

encontram. Nesse fluxo, no caminho da perfeição, total<br />

ou restrita, estamos to<strong>do</strong>s nós como águas corren<strong>do</strong><br />

para o destino <strong>do</strong>s ciclos que se renovam.<br />

Quan<strong>do</strong> percebemos a natureza de que são<br />

feitos os nossos sonhos, todas as ameaças, desafios e<br />

perigos são ultrapassa<strong>do</strong>s porque ficaram em seus lugares<br />

e nós continuamos a caminhada.<br />

O mun<strong>do</strong> inteiro está imanta<strong>do</strong> na força da<br />

evolução. Aqueles que a percebem, dentro de si,<br />

prosseguem confiantes de que tu<strong>do</strong> que lhes acontece,<br />

agradável ou aparentemente desagradável, tem um<br />

objetivo estimulan<strong>do</strong> seus passos.


FERNANDO PINHEIRO - 240<br />

No longo trabalho interno que faz para montar<br />

a ponte <strong>do</strong> consciente ao inconsciente, onde o sonho tem<br />

o seu reino, alinhan<strong>do</strong> os níveis de sua personalidade<br />

(corporal, mental e espiritual), o homem vai descobrin<strong>do</strong><br />

o que lhe interessa em termos definitivos.<br />

Dúvidas e receios que ele criou, estimula<strong>do</strong><br />

por uma educação voltada ao presente, aos poucos vão<br />

crian<strong>do</strong> consistência em obstáculos por que terá de<br />

passar. É, em outras palavras, o impulso para decifrar a<br />

lendária inscrição da esfinge egípcia que tem profunda<br />

identificação com o atavismo que a fera em nós busca<br />

devorar.<br />

É por isto que o sonho, que nasce das fontes<br />

límpidas, deve prevalecer acima das sugestões alheias que<br />

se voltam ao reino das emoções. O sonho é a vivência<br />

da alma num campo magnético onde não existem<br />

amarras <strong>do</strong> plano físico, exceto aquelas criadas em nossa<br />

imaginação ou nos hábitos a que nos acostumamos<br />

sem o conhecimento da verdade onírica, suscetíveis a<br />

desaparecer.<br />

Ainda dentro <strong>do</strong> Sonho de Cláudia, podemos ver,<br />

na narrativa poética de Fagundes Varela, a trama sinistra<br />

que culminou com a conhecida Paixão de Cristo:<br />

“Que sinistro clarão expele as sombras<br />

Das ruas tortuosas, mal calçadas<br />

E alumia os grosseiros edifícios<br />

Da cidade vetusta? Que <strong>luz</strong>eiros<br />

Agitam-se nas trevas, numerosos,<br />

Como as chamas fugazes que tremulam<br />

Nos campos de batalha, às horas mortas,<br />

Quan<strong>do</strong> o géli<strong>do</strong> orvalho se pendura<br />

Das tendas <strong>do</strong>s guerreiros? Que rumores,


241 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Que vociferações ímpias e feras,<br />

Turbam a quietação das ermas praças,<br />

Derraman<strong>do</strong> o pavor pelas moradas<br />

Do miseran<strong>do</strong> povo? – O que procuram<br />

Esses vultos incertos, macilentos,<br />

Arma<strong>do</strong>s de bastões e de alabardas?<br />

Onde vão esses rudes quadrilheiros,<br />

Cujas lanças delgadas e lustrosas<br />

Relampejam nas trevas? – Bravo e forte,<br />

Nos horrores <strong>do</strong> crime endureci<strong>do</strong><br />

Deve ser o malfeitor que arrastam<br />

Aos tribunais supremos. – Cautelosos,<br />

Convém cercar o monstro, que não fuja,<br />

Zela<strong>do</strong>res sublimes da justiça!...<br />

Oh! divino <strong>Jesus</strong>! Manso cordeiro!<br />

Gênio da caridade e da <strong>do</strong>çura!<br />

Luminar da inocência!... És tu que passas<br />

Qual um facinoroso das montanhas,<br />

Acusa<strong>do</strong> de atrozes morticínios!<br />

És tu, que triste e páli<strong>do</strong> caminhas,<br />

Como um feroz jaguar das cordilheiras,<br />

Que os homens <strong>do</strong> sertão levam cativo<br />

Às aldeias remotas! – Salve, Cristo!<br />

Teu reina<strong>do</strong> começa neste mun<strong>do</strong>!<br />

IX<br />

Emblema da ternura lutuosa,<br />

Da beleza entre lágrimas, desmaia<br />

No plúmbeo céu a lua decrescente.<br />

Jerusalém acorda.” (...) (115)<br />

(115) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto IX – Cap. III – pp. 286, 287 – Livraria<br />

Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira<br />

de Letras.


37<br />

SIMÃO, O CIRENEU<br />

FERNANDO PINHEIRO - 242<br />

“... Adiantou-se<br />

Da multidão silente um homem forte,<br />

De espáduas largas, vigoroso colo,<br />

E tisnadas feições; era seu nome<br />

Simão, o Cireneu, – cala<strong>do</strong> e sério<br />

Ergueu Cristo pelos frouxos braços,<br />

Pôs-lhe a cruz sobre os ombros contundi<strong>do</strong>s,<br />

E aju<strong>do</strong>u-o a subir a pétrea senda.” (116)<br />

A tarde era azul, cheia de sol. Mais algumas<br />

horas as trevas <strong>do</strong>minariam inteiramente as paisagens<br />

<strong>do</strong> monte.<br />

O centurião romano, monta<strong>do</strong> a cavalo, tinha<br />

ordens para executar a sentença até antes <strong>do</strong> amanhecer<br />

<strong>do</strong> dia seguinte, sába<strong>do</strong>, consagra<strong>do</strong> ao repouso e orações.<br />

(116) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto IV – Cap. XIV – p. 307 – Livraria Imperial –<br />

1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.


243 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

A caminho <strong>do</strong> Gólgota, a multidão acompanha<br />

o prisioneiro que era fustiga<strong>do</strong>, de vez em quan<strong>do</strong>, pelo<br />

centurião para que não pudesse desfalecer e o cortejo<br />

continuasse caminhan<strong>do</strong> no percurso programa<strong>do</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong> sente o cansaço e para um<br />

pouco para respirar melhor, o solda<strong>do</strong>, embaraça<strong>do</strong> entre<br />

o dever e a piedade, olha ao re<strong>do</strong>r e vê homens<br />

mu<strong>do</strong>s e receosos.<br />

Certamente, perguntou a si mesmo: “onde<br />

estão aqueles que o aplaudiram na entrada triunfal<br />

da cidade, cinco dias antes, e os cura<strong>do</strong>s pelas<br />

suas mãos, pela sua voz, pelo seu olhar?”<br />

O centurião estava atento com as armas nas<br />

mãos para usá-las naqueles que se rebelassem contra<br />

as ordens de Pilatos e, ao mesmo tempo, sentiu-se<br />

emociona<strong>do</strong> com o gesto simples <strong>do</strong> prisioneiro.<br />

Cerca<strong>do</strong> pelas vibrações pesadas <strong>do</strong> clima<br />

<strong>do</strong>minante que exigia o suplício ao condena<strong>do</strong> e asfixia<strong>do</strong><br />

pelo receio e temor de muitos, ele sabia que algo<br />

renova<strong>do</strong>r estava acontecen<strong>do</strong> em sua vida, mesmo<br />

que fosse tão pequenino como o grão de mostarda.<br />

Lançan<strong>do</strong> o olhar um pouco mais adiante,<br />

reconhece um homem que pode ajudar o prisioneiro<br />

e o chama em voz alta.<br />

Com as vestes empoeiradas, pois acabara de<br />

chegar <strong>do</strong> campo e, revelan<strong>do</strong> me<strong>do</strong>, Simão, judeu de<br />

família grega radicada em Cirene, ficou para<strong>do</strong>. O<br />

centurião, arrancan<strong>do</strong>-lhe um feixe de lenha que ele<br />

carregava, atirou-o para bem longe e ordenou: “obedece<br />

a César”.


FERNANDO PINHEIRO - 244<br />

Simão ajuda <strong>Jesus</strong> a carregar a cruz. O<br />

Mestre lhe dirige um olhar de profun<strong>do</strong> amor que lhe<br />

dulcifica interiormente. Quantas paisagens íntimas são<br />

descerradas para que a essência etérea se manifeste?<br />

Ternura e gratidão eram-lhe reveladas claramente,<br />

sem palavras, e o benfeitor inespera<strong>do</strong> acreditou na<br />

inocência daquele homem.<br />

Eram apenas poucos minutos, o suficiente, para<br />

que a lenda pessoal <strong>do</strong> jovem cireneu lhe fosse revelada<br />

em som infinito. Impulsiona<strong>do</strong> pelas vibrações inefáveis<br />

que sentiu naquele olhar, decifrou o enigma milenar<br />

da esfinge egípcia: conheceu a si mesmo.<br />

O desprendimento solidário, a serviço <strong>do</strong>s ideais<br />

sublimes, faz esquecer nossas limitações e atrai os<br />

sentimentos de gratidão de quem recebe, acumulan<strong>do</strong><br />

forças construtivas que removem obstáculos.<br />

O amor tem esse <strong>do</strong>m: transmudar.<br />

Ao voltar para casa, Simão contou aos<br />

familiares a emoção <strong>do</strong> dia tumultua<strong>do</strong> e a alegria de<br />

sentir o seu coração mais leve, mais leve. Era o nascer<br />

de novo.<br />

No jardim flori<strong>do</strong> de sua casa, as rosas eram<br />

balançadas pelo vento que as fazia mais encanta<strong>do</strong>ras<br />

e, entre elas, um botão surgiu, naquele dia, sem que<br />

ninguém tivesse nota<strong>do</strong>.<br />

Simão, o cireneu, era um homem <strong>do</strong> campo. A<br />

vida lhe proporcionou um aprendiza<strong>do</strong> volta<strong>do</strong> ao ambiente<br />

em que vivia. É oportuno a reflexão: redimensionan<strong>do</strong> a<br />

natureza.


245 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Quan<strong>do</strong> a criatura humana sente um impulso<br />

forte que a desperta para as realizações íntimas, um<br />

novo alento lhe acrescenta à alegria de viver.<br />

A partir daí, to<strong>do</strong>s os instantes passam a ter<br />

uma importância muito grande. Planos a executar são<br />

elabora<strong>do</strong>s com precisão, com detalhes que enriquecem<br />

o objetivo principal.<br />

O ideal, subliman<strong>do</strong> a vida daquele que conduz<br />

a arte, desvanece to<strong>do</strong> clima de adversidade como a <strong>luz</strong><br />

a escuridão.<br />

A sublimação <strong>do</strong>s desejos cria espaço ao<br />

ideal que se manifesta benefician<strong>do</strong> aquele que o fez<br />

brotar dentro de si. Muitas vezes, basta uma pequena<br />

demonstração de uma qualidade nobre de um companheiro<br />

de jornada para que o estímulo à busca de novo ritmo<br />

lhe desperte rumos salutares de conduta.<br />

A complementação da lacuna passa por várias<br />

fases e, dentre elas, há aquelas em que um ponto a<br />

mais é o suficiente para preenchê-la.<br />

A exemplo da medida que marca os pontos<br />

a complementar a lacuna, devemos observar quais as<br />

pessoas mais suscetíveis de compreenderem a nossa<br />

linguagem de simplicidade que elucida os problemas da<br />

vida.<br />

Com existem várias escolas <strong>do</strong> pensamento,<br />

devemos respeitar todas as apreciações daqueles que<br />

buscam os caminhos para uma eficiente jornada<br />

evolutiva. To<strong>do</strong>s estão certos diante da realidade em que<br />

vivem. A sabe<strong>do</strong>ria também se manifesta nas situações<br />

incompletas, pois não há mal algum se a semente ainda<br />

não tem condições de dar flores e frutos.


FERNANDO PINHEIRO - 246<br />

No ser humano o crescimento da vida se<br />

manifesta mais acentua<strong>do</strong> que nos conheci<strong>do</strong>s reinos<br />

inferiores da Criação. Isto porque o homem, através<br />

da inteligência, começa a deslindar os enigmas <strong>do</strong> seu<br />

caminhar.<br />

Esta conscientização de um mun<strong>do</strong> cerca<strong>do</strong> de<br />

maravilhas lhe dá uma responsabilidade muito grande<br />

porque assume o papel de preserva<strong>do</strong>r da natureza.<br />

Qualquer devastação <strong>do</strong>s elementos que o<br />

cercam, em processo de interação, traz consequências<br />

desastrosas que terá de passar. E não adianta desperdiçar<br />

energias reclaman<strong>do</strong> contra o mau tempo, o azar das<br />

horas e outras expressões verbais que denotam sentimentos<br />

de vaidade e presunção.<br />

Na compreensão <strong>do</strong>s recursos favoráveis à sua<br />

evolução, o homem, que já vislumbra que tem um<br />

ideal a cumprir, sente-se feliz em ser instrumento da<br />

arte e da beleza que a vida lhe oferece.<br />

Quan<strong>do</strong> o homem, então, compreende as<br />

possibilidades de ajuda àqueles que passam apressa<strong>do</strong>s<br />

em usufruir de uma ilusão fugidia, sente que eles têm<br />

o mesmo direito de participar das blandícias oferecidas<br />

pela natureza, sem que pudessem notar.<br />

A natureza não é somente as paisagens que estão<br />

no ar, na terra, nas águas, mas também aquelas que<br />

envolvem o homem no seu campo mental e espiritual.<br />

A natureza humana é a única que tem condições<br />

de sentir, com maior intensidade, as manifestações da<br />

<strong>luz</strong> e os movimentos que embelezam a vida. A natureza<br />

ao re<strong>do</strong>r é o mais eficiente recurso que o homem tem<br />

para verificar esta verdade.


247 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

38<br />

O OLHAR DE BEN-HUR<br />

Picture from Ben–Hur (movie): actor Charlton Heston looking at Christ<br />

No cenário de morte a vida resplandecia. O<br />

vento da tarde sombria espalhava o perfume <strong>do</strong>s campos<br />

flori<strong>do</strong>s de açucenas, margaridas e boninas. As folhas<br />

soltas rolavam como se fossem os sonhos <strong>do</strong>s<br />

triunfa<strong>do</strong>res da espada.<br />

O olhar de Ben-Hur era de total admiração e<br />

deslumbramento. Nunca sentira antes nada igual, nem<br />

mesmo quan<strong>do</strong> pisou o tapete vermelho ao ser recebi<strong>do</strong><br />

por César não vira nele qualquer traço que lhe<br />

despertasse a alma a<strong>do</strong>rmecida. No entanto, um homem<br />

simples e nobre, ergui<strong>do</strong> numa cruz, mostrou-lhe a<br />

maior de todas as conquistas.


FERNANDO PINHEIRO - 248<br />

Lentamente dirigiu-se a Ester, a esposa que<br />

o acompanhava, e lhe disse num sussurro comovente:<br />

“senti que a voz dele tirava a espada de minhas<br />

mãos e o ouvi falar: Pai, per<strong>do</strong>a-lhes, eles não sabem<br />

o que fazem”. (117)<br />

Toda a juventude de Ben-Hur foi movida pela<br />

represália. Nos jogos <strong>do</strong> destino, esteve prisioneiro nos<br />

embalos da galera, reman<strong>do</strong> acorrenta<strong>do</strong> numa trirreme<br />

romana. Ao resgatar a vida <strong>do</strong> cônsul Quintus Arrius<br />

de um naufrágio, ocorri<strong>do</strong> durante uma batalha naval,<br />

foi acompanhá-lo a Roma para receber de César as<br />

honras de triunfa<strong>do</strong>r de guerra.<br />

Com o prestígio adquiri<strong>do</strong>, o príncipe judeu<br />

volta as terras <strong>do</strong> Levante para competir e derrotar, na<br />

arena de Cesaréia, o tribuno Messala, o amigo de infância<br />

que se transformou em inimigo implacável. (118)<br />

Agora, no Calvário, ouvin<strong>do</strong> as palavras de<br />

perdão, sente-se mais próximo <strong>do</strong>s ideais que sonhou<br />

e respira fun<strong>do</strong> para reter algo mais <strong>do</strong> que o ar, a<br />

mente fica mergulhada na plenitude.<br />

(117) CHARLTON HESTON (1923/2008) – in Ben–Hur, a cena <strong>do</strong><br />

Calvário, dirigi<strong>do</strong> por William Wyler, filme que obteve 11 Oscars<br />

da Academia de Hollywood, ten<strong>do</strong> como protagonista principal<br />

Charlton Heston no papel–título que lhe rendeu, em 1959, o<br />

Oscar de melhor ator. No Brasil a dublagem da voz <strong>do</strong> ator<br />

Charlton Heston foi realizada por Márcio Seixas que, em entrevista<br />

realizada em 21/1/2007, no canal de televisão da rede Net – TV<br />

Veiga de Almeida, declarou que o olhar de Ben-Hur a <strong>Jesus</strong> Cristo<br />

foi uma das cenas mais impressionantes que já viu em cinema.<br />

(118) A cena da corrida de bigas, no filme Ben–Hur, é considerada, pela<br />

crítica e pelo público, o ponto máximo <strong>do</strong> cinema.


249 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Ben-Hur sentiu em <strong>Jesus</strong> a amizade que o<br />

seu amigo de infância não teve condições de demonstrar,<br />

na gratidão <strong>do</strong> cônsul que lhe dera o nome de pai<br />

e protetor, mas dentro <strong>do</strong>s limites humanos, na<br />

oportunidade de servir aos ideais nobres que o impera<strong>do</strong>r<br />

romano pouco tinha para oferecer.<br />

O coração desse jovem príncipe judeu era<br />

tão pequenino para receber tanto amor. Até aquilo<br />

que chamam de milagre ele conheceu: as energias da<br />

saúde que saíam de <strong>Jesus</strong> se espalhavam, como os<br />

ventos <strong>do</strong>s campos flori<strong>do</strong>s, benefician<strong>do</strong> os enfermos.<br />

Ele olhou ao re<strong>do</strong>r e viu seus familiares cura<strong>do</strong>s da<br />

lepra. Seus olhos se iluminaram na <strong>luz</strong> que vinha da<br />

cruz e uma alegria invadiu-lhe o ser.<br />

Naquele momento de comunhão com as esferas<br />

resplandecentes, onde gravitam as energias que movem as<br />

estrelas e ten<strong>do</strong> em <strong>Jesus</strong> a ligação maior, o paraíso<br />

parecia arder, mas aqueles que estavam sintoniza<strong>do</strong>s<br />

no amor sentiram o significa<strong>do</strong> profun<strong>do</strong> da vida.<br />

O olhar de Ben-Hur era o reflexo <strong>do</strong> olhar de<br />

<strong>Jesus</strong>. Agora, estava ven<strong>do</strong> a intimidade das rosas,<br />

<strong>do</strong>s ventos, <strong>do</strong> coração <strong>do</strong> homem, da grandeza de <strong>Jesus</strong><br />

que veio ao mun<strong>do</strong> sem ter a necessidade de usar o<br />

emblema da águia romana, embora respeitável.<br />

Quantas caminhadas foram encurtadas em<br />

apenas um passo que deu em direção <strong>do</strong> homem<br />

crucifica<strong>do</strong>! Quantos sofrimentos foram retira<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

caminho que Ben-Hur buscaria encontrar, estoicamente,<br />

nas oscilações <strong>do</strong> prestígio e da glória!<br />

O jovem príncipe ficou em silêncio por muito<br />

tempo, pensan<strong>do</strong> naquele olhar profun<strong>do</strong> que lhe<br />

revelou a sabe<strong>do</strong>ria <strong>do</strong>s valores, os que passam e


FERNANDO PINHEIRO - 250<br />

os que ficam mergulha<strong>do</strong>s no tempo, reacesos na<br />

lembrança <strong>do</strong>s amores eternos.<br />

Alguns solda<strong>do</strong>s romanos não sentiram a<br />

atmosfera azulada que fazia ponte entre aqueles que<br />

amam verdadeiramente e Aquele que é o próprio amor.<br />

Um instante depois, uma túnica foi rasgada<br />

e distribuída à sorte. Quem a ganhou, perdeu uma<br />

oportunidade de refletir sobre a vida. Um sorriso pareceu<br />

abafar o silêncio e risadas soltas pelo ar seguiram o<br />

caminho das oscilações.<br />

Um desses solda<strong>do</strong>s, que presenciou a cena<br />

trágica <strong>do</strong> Calvário, era Demetrius. Ele tocara as vestes de<br />

<strong>Jesus</strong>. Mais tarde, tornara-se amigo de Pedro, o apóstolo.<br />

De volta a Roma, o impera<strong>do</strong>r o nomeia tribuno, lota<strong>do</strong><br />

na guarda pretoriana, devi<strong>do</strong> ao combate em que<br />

saiu vence<strong>do</strong>r ao derrotar 30 homens arma<strong>do</strong>s na arena<br />

<strong>do</strong> Coliseu. No Palácio, torna-se amante de Messalina, a<br />

linda cortesã que tirava onda de sacer<strong>do</strong>tisa de Ìsis para<br />

granjear prestígio e poder.<br />

O destino fez com que ele tocasse, pela segunda<br />

vez, o manto sagra<strong>do</strong> em destroços. O impera<strong>do</strong>r romano<br />

encarregou a ele a missão de trazer para o Palácio a<br />

relíquia. Graças a interferência de Pedro, que evitou o<br />

iminente derramamento de sangue, Demetrius cumpriu<br />

a missão diante de uma circunstância em que a fé<br />

sobressaía acima das aparências físicas. Um antigo amor<br />

da primeira hora, uma linda jovem, mergulhada no efeito<br />

de um forte trauma, ocorri<strong>do</strong> semanas antes em que<br />

ela o viu ser leva<strong>do</strong> pela guarda pretoriana, conseguiu<br />

despertar, graças a fé exteriorizada no tempo em que<br />

passou coberta pelo manto.


251 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

O impera<strong>do</strong>r Calígula, de posse <strong>do</strong> manto<br />

sagra<strong>do</strong>, cometeu uma atrocidade ao mandar assassinar<br />

um prisioneiro, com o objetivo de testar o poder miraculoso<br />

das vestes. Sem a fé, logicamente, o milagre não ocorreu.<br />

De volta para casa, Ben-Hur caminhou por um<br />

riacho onde deslizavam águas cristalinas. As pedras limpas<br />

e lisas eram como homens que podiam mudar de lugar e<br />

aquelas outras nas rochas, seria necessária uma explosão<br />

para desprender <strong>do</strong> sono a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong> da consciência e<br />

depois caminhar, simplesmente caminhar.


39<br />

MARIA DE NAZARÉ<br />

FERNANDO PINHEIRO - 252<br />

Lament for strings orchestra, Opus 41, de Jack<br />

Gibbons, música escrita, em junho de 2003, e o coro final<br />

da Paixão segun<strong>do</strong> São João, de J.S. Bach, sugerem–nos a<br />

ideia <strong>do</strong> desenrolar final <strong>do</strong>s trágicos acontecimentos <strong>do</strong><br />

Monte Calvário, no qual estavam presentes numerosas<br />

mulheres, entre elas, Maria de Nazaré, Joana de Cusa,<br />

Madalena, Maria, esposa de Cleófas e apenas um homem<br />

fiel, João Evangelista, o apóstolo predileto.<br />

Este é o único momento da vida planetária em<br />

que as trevas impuseram o <strong>do</strong>mínio sobre o poder de Deus.<br />

Na Ressurreição o triunfo <strong>do</strong> herói da sepultura vazia,<br />

<strong>Jesus</strong>, a <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, ressurge no decorrer <strong>do</strong>s evos.


253 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Miguelangelo imortalizou, em La Pietá, a arte<br />

representada pela presença de Maria acolhen<strong>do</strong> no colo,<br />

com ternura, o filho morto na Cruz, em exposição<br />

permanente na Basílica de São Pedro, no Vaticano,<br />

uma das maiores atrações turísticas de Roma.<br />

Mozart, Schubert, Caccini, Gounod, Mascagni,<br />

Verdi, Fauré, Astor Piazzolla prestaram homenagem a<br />

Maria de Nazaré, nas conhecidas Ave–Maria. A comédia<br />

musical Notre Dame de Paris, baseada no romance de Victor<br />

Hugo, apresenta, em cena lírica, 53 números musicais de<br />

autoria de Richard Cocciante (também conheci<strong>do</strong> como<br />

Riccar<strong>do</strong> Cocciante), dentre os quais sobressai a Ave Maria<br />

Païe, letra de Luc Plamon<strong>do</strong>n, interpretada na voz de<br />

Hélène Ségara, de comovente beleza artística. O texto<br />

enfatiza: “Ave Maria, protège–moi de la misère, du mal et<br />

des fous qui règnent sur la Terre.”<br />

Fagundes Varella evoca o Brasil no entardecer<br />

das tardes fagueiras que saúdam a Virgem Maria:<br />

“No pórtico sublime <strong>do</strong> Oriente<br />

Surge fagueira a estrela vespertina,<br />

E, além, de nossas pobres freguesias<br />

Nos altos, alvejantes campanários,<br />

Sôa, pausa<strong>do</strong> e lento, o velho bronze<br />

Dobran<strong>do</strong>: – Ave Maria! – O viajante<br />

Que vem de terra estranha, e a pátria busca,<br />

Se ajoelha na beira <strong>do</strong> caminho,<br />

– Ave Maria – suspiroso fala.<br />

O cabreiro que desce das montanhas,<br />

Ao redil conduzin<strong>do</strong> a grei singela,<br />

Pára, levanta para os céus os olhos,<br />

E diz: – Ave Maria! – A mãe querida


Chama zelosa a prole abençoada,<br />

Junto à lareira da tranquila choça,<br />

E lhes repete a saudação divina.<br />

– Ave Maria!... na solidão <strong>do</strong>s mares<br />

Murmura o navegante: – Ave Maria!” (119)<br />

FERNANDO PINHEIRO - 254<br />

Esse clima bucólico da natureza resplandece<br />

ainda na voz da cantora Fafá de Belém que, no momento<br />

mais importante da carreira artística, cantou Ave Maria<br />

de Vicente Paiva (1908/1964) e Jaime Re<strong>do</strong>n<strong>do</strong> (1890/1952),<br />

numa apresentação que ganhou o mun<strong>do</strong>, nos i<strong>do</strong>s<br />

de 1997, na imagem transmitida, ao vivo pela televisão,<br />

da visita ao Brasil <strong>do</strong> papa João Paulo II:<br />

“Abençoai estas terras morenas, seus rios, seus campos<br />

e as noites serenas, abençoai as cascatas e as borboletas<br />

que enfeitam as matas.”<br />

A Ave Maria de Erothides de Campos, composta<br />

em 1924, inicia–se no clima nostálgico: “Cai a tarde<br />

tristonha e serena, em macio e suave langor”, imortalizada<br />

na voz de Augusto Calheiros, em 1939, e, posteriormente<br />

na de Altemar Dutra, Caetano Veloso, Inezita Barroso e<br />

Agnal<strong>do</strong> Rayol, entre outros.<br />

Se admirável é ver a felicidade das mulheres<br />

seguin<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong>, a admiração é ainda maior quan<strong>do</strong><br />

observamos ser Maria de Nazaré, a primeira cristã <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>, testemunhan<strong>do</strong> esse amor, <strong>do</strong> começo ao fim <strong>do</strong><br />

plano terreno e, continua<strong>do</strong> nas regiões resplandecentes.<br />

O pioneirismo tem esse valor imarcescível.<br />

(119) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />

Selvas – poema – Canto IV – Cap. IX – p. 129 – Livraria Imperial<br />

– 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.


255 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

40<br />

A PRESENÇA DIÁFANA<br />

Picture: Christ in Emaus by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />

Os <strong>do</strong>is viajantes estavam a caminho de<br />

Emaús conversan<strong>do</strong> a respeito <strong>do</strong>s últimos acontecimentos<br />

ocorri<strong>do</strong>s em Jerusalém. (120)<br />

Em suas reflexões havia esperança e suspeitas<br />

de que aquela mulher, que se tornara conhecida pelo<br />

nome da cidade de Magdala, estivesse falan<strong>do</strong> a verdade.<br />

(120) LUCAS, 24:13 a 34


FERNANDO PINHEIRO - 256<br />

Sem dúvida, Madalena foi a mensageira da<br />

ressurreição de <strong>Jesus</strong> que a honrou na escolha com a<br />

finalidade de ressaltar o valor de seus méritos ao<br />

aban<strong>do</strong>nar a ilusão que esteve revestida de mil encantos<br />

em seu coração de mulher.<br />

A conversa prossegue entre dúvidas e<br />

interrogações e eis que ouvem uma voz que os indaga:<br />

“que palavras são estas que, caminhan<strong>do</strong>, trocais<br />

entre vós, e por que estais tristes?” Cleófas falou<br />

interrogan<strong>do</strong>-o: “porventura, és tu o único peregrino que<br />

não sabe o que se passou, nestes dias, em Jerusalém?”<br />

E, então, os <strong>do</strong>is companheiros começaram<br />

a falar a respeito <strong>do</strong>s acontecimentos trágicos.<br />

Comentavam ainda que esperavam que fosse ele quem<br />

redimisse Israel. Aliás, muitos homens naquelas regiões<br />

pensavam <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong>.<br />

Três dias já eram decorri<strong>do</strong>s sem que eles<br />

tivessem a prova que lhes confirmasse as notícias<br />

espalhadas por Madalena.<br />

Revelavam também que algumas mulheres foram<br />

de madrugada ao sepulcro e não encontraram o corpo<br />

dele. Elas tinham visto uma visão de anjos que disseram<br />

que <strong>Jesus</strong> vive.<br />

Num gesto de amigo, aquele que eles estavam<br />

mencionan<strong>do</strong>, na conversa, aproxima-se e disse-lhes:<br />

“oh! néscios e tar<strong>do</strong>s de coração para crer em tu<strong>do</strong> o<br />

que os profetas disseram! Porventura não convinha que o<br />

Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua glória?”<br />

Explica-lhes, então, que as profecias acerca de<br />

sua vida estavam nas escrituras de Moisés e em to<strong>do</strong>s<br />

os profetas. Menciona o evangelista Lucas que “ao chegar


257 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

à aldeia para onde iam, ele fez como quem ia para<br />

mais longe. Eles lhe disseram: a tarde desce, o dia<br />

já declinou, fica conosco”.<br />

O convite foi aceito e, então, ele entrou na<br />

casa <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is viajantes. E aconteceu que, prossegue a<br />

narrativa evangélica: “estan<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong> com eles à mesa,<br />

parte o pão, abençoa antes e o distribui aos amigos<br />

aturdi<strong>do</strong>s. Quan<strong>do</strong> eles se dão conta, o reconhecem e<br />

ele desaparece”.<br />

Como não o identificaram antes? Seus corações<br />

ardiam por revelar, desde o caminho percorri<strong>do</strong>, que<br />

aquele visitante era <strong>Jesus</strong>.<br />

Os <strong>do</strong>is viajantes ficaram admira<strong>do</strong>s e voltaram<br />

a Jerusalém para relatar aos onze discípulos a visão<br />

da presença diáfana <strong>do</strong> Mestre.<br />

<br />

A presença diáfana de <strong>Jesus</strong>, nas cercanias da<br />

cidade de Emáus, transmite um clima de renovação.<br />

Em to<strong>do</strong>s os instantes, temos oportunidade de<br />

expressar nossos sentimentos diante da comunidade<br />

em que vivemos. Cada um tem uma mensagem que<br />

identifica a sua postura diante da vida.<br />

Os cenáculos de cultura e as reuniões de<br />

estu<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong> homem proliferam a cada dia mais.<br />

Há movimentos estimulan<strong>do</strong> a conquista de valores da<br />

espiritualidade que estão em todas as artes e ofícios,<br />

varian<strong>do</strong> sempre a forma de aprender e ensinar.


FERNANDO PINHEIRO - 258<br />

A conduta humana sempre mereceu destaque<br />

nos estu<strong>do</strong>s dessas associações beneméritas. Cada uma<br />

traz uma modalidade específica de conduzir seus trabalhos<br />

que visam o bem-comum.<br />

Como temos de percorrer os caminhos que a<br />

vida nos oferece, visitamos alguns lugares, deixan<strong>do</strong> a<br />

nossa contribuição para aqueles que têm necessidade<br />

de obter uma informação correta daquilo que veem por<br />

outra ótica.<br />

Nessas comparações de trabalho educativo,<br />

to<strong>do</strong>s que participam, com ânimo firme, aprendem a se<br />

localizar no lugar onde seus merecimentos apontam.<br />

É comovente observarmos as ligações de pessoas<br />

de trabalhos intelectuais diferentes se unirem com o<br />

propósito de buscar uma solução a tantos questionamentos<br />

da vida moderna. É necessário que esses grupos de<br />

estu<strong>do</strong>s se sobreponham diante daqueles que passam<br />

aturdi<strong>do</strong>s e inconforma<strong>do</strong>s com seus destinos.<br />

A renovação de ideias e atitudes coletivas é<br />

necessária nos dias de hoje, onde o clima das<br />

aparências engana<strong>do</strong>ras invade muitos lares, destruin<strong>do</strong>-os,<br />

dispersan<strong>do</strong> os casais, tentan<strong>do</strong> desestimular os filhos que<br />

acreditam nos pais envolvi<strong>do</strong>s com a separação.<br />

To<strong>do</strong>s respiram no clima em que vivem. Se<br />

há placidez nos lugares ermos, há também tumulto<br />

nos ambientes repletos de pessoas que se chocam<br />

emocionalmente.<br />

No campo social há interesses gritantes de<br />

conquista que repercutem nos movimentos de greve e<br />

protesto. No mês de maio/2009, no centro da cidade <strong>do</strong>


259 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Rio de Janeiro, uma greve inusitada: grupos de mulheres<br />

ostentan<strong>do</strong> cartazes: “Eu quero namorar.” Mas, acima de<br />

tu<strong>do</strong> que se agita no plano humano, está o reajuste<br />

harmonioso da lei de causa e efeito, revesti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

desencantos sociais. Se há carma para to<strong>do</strong>s os<br />

desencantos, por que não haveria carma para a solidão?<br />

Se cada um buscasse a compreensão <strong>do</strong> seu<br />

roteiro de vida, certamente o encontraria, sem alarde,<br />

para não prejudicar a busca <strong>do</strong> próximo que com ele<br />

convive.<br />

Se há um movimento dissipan<strong>do</strong> as vibrações<br />

amorosas, por que não haveria outro que agisse em<br />

direção contrária, onde o bem deve prevalecer?<br />

Disseminemos a semente germinante e deixemos<br />

que o tempo ári<strong>do</strong> desvaneça as ervas daninhas que<br />

impedem a floração de roseiras no jardim.<br />

<strong>Jesus</strong> Cristo é o nosso modelo de conduta.<br />

Com <strong>Jesus</strong> não tem carma nem solidão. É a<br />

vitória <strong>do</strong> amor.


41<br />

FERNANDO PINHEIRO - 260<br />

A NOITE DA APARIÇÃO<br />

Max Carphentier<br />

Membro da Academia de Letras <strong>do</strong>s Funcionários <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil<br />

Luz <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é <strong>Jesus</strong>. Corre o tempo e<br />

parece que foi ontem nas terras da Galiléia e cercanias<br />

a sua passagem mergulhada nos teci<strong>do</strong>s grosseiros da<br />

matéria. Luz por excelência, continua a irradiar o que<br />

na própria <strong>luz</strong> se manifesta: vida, vida abundante em<br />

pleno dia <strong>do</strong>s olhos meus.<br />

Por acreditar nessa <strong>luz</strong>, a <strong>luz</strong> divina, o escritor<br />

Max Carphentier, no momento de integração com essa<br />

mesma <strong>luz</strong>, escreveu, em Manaus, nos i<strong>do</strong>s de 1988,<br />

a obra Nosso Senhor das Águas, com o prefácio de Dom<br />

Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo de São Paulo.


261 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Assim como a voz de <strong>Jesus</strong> fez calar o mar<br />

revolto numa perfeita sintonia com os movimentos da<br />

natureza, em gestos que excedem toda a delimitação<br />

humana, sonhamos ao ler a atmosfera evangélica no livro<br />

<strong>do</strong> escritor amazonense. Esse sonho pertence mais as<br />

preocupações salutares da estrela guardiã, que vigia a<br />

torre de Prócion, <strong>do</strong> que os nossos em seguir <strong>Jesus</strong>.<br />

No 1° capítulo, o autor narra as luminosas<br />

emanações da estrela e, em seguida, o diálogo dessa<br />

estrela com <strong>Jesus</strong>. Acreditamos que essa comunicação<br />

possa ter ocorrida na linguagem não verbal, assim como<br />

ocorre na linguagem <strong>do</strong> maestro na orquestra sinfônica,<br />

pois as irradiações celestiais possuem <strong>luz</strong> que, por sua<br />

vez, emana coloração, velocidade, peso, densidade, e<br />

estendem um cenário clarividente e multiforme onde a<br />

sabe<strong>do</strong>ria se manifesta sem a necessidade das palavras.<br />

Sem embargo, o autor, mais adiante, elucida: “O silêncio<br />

transpassa<strong>do</strong> de lua é o único capaz de dar palavra às<br />

águas e às areias estendidas.”<br />

Se o pensamento procede da alma, não há<br />

necessidade de haver sons articula<strong>do</strong>s pela matéria, pois<br />

no campo astral já está manifesta<strong>do</strong>. Essa inquestionável<br />

verdade tiveram os reis–magos quan<strong>do</strong> souberam pelas<br />

estrelas onde <strong>Jesus</strong> nasceu.<br />

Se existiram estrelas ou irradiações de espíritos<br />

luminosos que indicavam o caminho de Belém, por que<br />

não haveria de existir estrelas ou irradiações de espíritos<br />

luminosos que indicariam, em algum lugar, a presença<br />

de <strong>Jesus</strong>, nos tempos atuais? Para elucidar os fatos,<br />

Max Carphentier, possuin<strong>do</strong> o honroso prefácio <strong>do</strong><br />

venerável príncipe da Igreja, na obra Nosso Senhor das<br />

Águas, descreve:


FERNANDO PINHEIRO - 262<br />

“Na estendida noite, Prócion, alfa <strong>do</strong> Cão Menor,<br />

deteve o curso. E inclinou-se em reverência para deixar<br />

passar a <strong>luz</strong> <strong>do</strong> Filho. E o Filho disse à estrela circunspecta:<br />

“Queri<strong>do</strong> grão das sementeiras <strong>do</strong> meu Pai, estás aqui perdida<br />

e, ao mesmo tempo, estás numa bandeira, representan<strong>do</strong><br />

o povo que visitarei ainda hoje à noite. Alegra-te pois com o<br />

teu destino: habitas assim a longínqua Terra, no pano<br />

constituí<strong>do</strong> alto campo de estrelas, como desenho que<br />

abençoa e significa uma gente boa, rebanho ama<strong>do</strong> que<br />

cultiva as águas e celebra a comunhão entre as palmeiras.<br />

Senhor, respondeu Prócion, há pouco tempo, não mais que<br />

quatro rotações minhas, vi tua <strong>luz</strong> caminhar <strong>do</strong> oriente para<br />

o ocidente, e desejei que meu posto de vigília estivesse<br />

incluí<strong>do</strong> dessa vez entre as tuas paradas, e eu pudesse te<br />

falar. Agora vejo que, além de parares junto à minha torre,<br />

realizas o meu sonho, porque eu realmente sonhava com<br />

que fosses ver bem de perto o povo e o chão que confiaste<br />

também à minha órbita. O teu sonho tu o sonhas para<br />

mim, estrela, eis que o realizas da matéria transcendente<br />

que te dei ao peito. O sonho das sementes divinas quer a<br />

perfeição <strong>do</strong>s mun<strong>do</strong>s, e me antecipa. E que preocupações<br />

tens sobre esse povo, estrela, a ponto de ansiares minha<br />

direta presença? Senhor, sabes que eu e o aproxima<strong>do</strong> Sol<br />

e a mansa Lua temos da<strong>do</strong> o melhor de nossa energia vital,<br />

de nossos influxos, para que a natureza não se afaste <strong>do</strong><br />

ponto sublime a que chegou no Amazonas. Mas influências<br />

que escapam ao nosso prodígio têm interferi<strong>do</strong>, de maneira<br />

que existem feições de descaminho que nos parecem pedra<br />

de tropeço no plano da evolução, ousadas negações de<br />

vosso <strong>do</strong>mínio perpetradas pelo arbítrio <strong>do</strong> homem. Assim,<br />

há uma perturbação crescente das águas, desde o sacrifício<br />

das cachoeiras ao envenenamento <strong>do</strong>s lagos, ao desassossego


263 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

<strong>do</strong>s rios. Há erros antigos e novos na exploração da terra,<br />

que empobrecem a terra e escravizam o homem da terra.<br />

As espécies distribuídas na selva gemem na selva e pela<br />

selva, e a selva é toda um clamor. Aturdi<strong>do</strong> por inúmeros<br />

enganos, o homem é triste, uma tristeza que não mais<br />

confia na lágrima, nem na oração insiste. Ele tem as mãos<br />

vazias de seu próprio trabalho; não porque seja servo da<br />

selva, mas porque a selva tem si<strong>do</strong> serva da usura. Um<br />

homem explora<strong>do</strong> até os ossos. E essa exploração é tão<br />

velha, e cobre-se de tantos véus, que muitos a veem já<br />

como condição natural e insuperável. Nosso zelo nos faz ver<br />

mal, Senhor, ou realmente estamos atravessan<strong>do</strong> a noite<br />

necessária? Há verdadeiramente excessos e peca<strong>do</strong>s, minha<br />

boa Prócion, e disso estão cheios e penaliza<strong>do</strong>s os teus olhos.<br />

É dramática a perspectiva de uma estrela em seu olhar o<br />

mun<strong>do</strong>, porque os segre<strong>do</strong>s da evolução, principalmente o<br />

primeiro, e o último, não lhe são confia<strong>do</strong>s. Vós, estrelas,<br />

embora guardiãs, não tendes vida suficiente para ver o círculo<br />

fechar–se sobre si mesmo. Mas vos foi dada a consciência<br />

de vigília <strong>do</strong>s pastores, e assim vossos rogos são considera<strong>do</strong>s<br />

quan<strong>do</strong> percebeis aflitos os rebanhos, e já as pesadas nuvens<br />

cercam o leste, e a alcatéia desce na fuga <strong>do</strong>s esquilos. Por<br />

isso, vou para o Amazonas. Para realizar pessoalmente a<br />

Doutrina, corrigir rumos, e saciar-me. Prócion olhou para a<br />

região <strong>do</strong>s cometas futuros, e indagou: Também tu tens<br />

ânsias, Senhor, e as queres saciar, tal como eu olho o berço<br />

das <strong>luz</strong>es peregrinas e as quero ver ainda mais belas antes<br />

de extinguir–me? Minha ânsia pela Doutrina é conhecida,<br />

estrela, é a principal. No entanto, a nova ânsia de que<br />

quero saciar-me é o encontro com um esplen<strong>do</strong>r da<br />

natureza que não viram os meus olhos da carne quan<strong>do</strong><br />

fundei a minha Igreja. Como Verbo, criei os fundamentos


FERNANDO PINHEIRO - 264<br />

da natureza, e as formas da natureza, passadas e futuras,<br />

mas só participei da beleza da minha criação quan<strong>do</strong> assumi<br />

a carne, e sofri na carne, porque há uma dimensão da<br />

natureza que só a carne conhece, e isso a dignifica, e a<br />

faz dividir com o espírito o prima<strong>do</strong> da evolução. Eis<br />

aí as primícias <strong>do</strong> pó: só a ele é da<strong>do</strong> se encantar com<br />

o pó, e conhecer e gozar a estrutura de sua dimensão<br />

transitória. Assim, devo investir-me na matéria para<br />

conhecer a beleza integral. Sobre a Doutrina, considero que,<br />

para o homem amazônico, ela deve ser ministrada agora<br />

com to<strong>do</strong>s os fundamentos volta<strong>do</strong>s para a natureza, até<br />

que para sempre se entenda que, sem a natureza salva e<br />

eficazmente usufruída pelo homem, não pode o espírito<br />

esperar da carne a parte que lhe cabe no resgate <strong>do</strong> homem<br />

e <strong>do</strong> seu sonho. E quan<strong>do</strong> te digo que tenho ânsias de<br />

Amazonas, não me refiro apenas ao êxtase passageiro <strong>do</strong>s<br />

meus olhos, que tantas vezes a natureza da Palestina viram,<br />

mas quero dizer que estou ainda por realizar–me na<br />

relação <strong>do</strong> homem com a natureza e com o próprio homem,<br />

e quero ver-me mais transpareci<strong>do</strong>. Preservação e salvação<br />

andam juntas na minha ânsia. Aquilo que chamas de noite<br />

necessária são verdadeiramente os portais da aurora. Eles<br />

se abrem de par em par, à medida que são aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s<br />

os rumos da perdição. Vou, e não tardarei em exultar pela<br />

natureza amazônica, como fazia Jeremias pela formosura<br />

de Jerusalém, e como Eu próprio exultei com a natureza<br />

da Terra Santa. Nesse instante, Prócion o interrompeu:<br />

Sei que foste feliz, Senhor, com a natureza que cercou<br />

teus dias de Jordão, e disso ainda agora deste notícia<br />

com uma nota de saudade em tua voz. Por isso, eu tinha<br />

fé em que teus olhos não se apartariam <strong>do</strong> Amazonas,<br />

onde ainda é mais intensa a natureza. Se o céu da


265 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Galiléia se abria para ti entre os perfis das colinas pie<strong>do</strong>sas,<br />

o céu <strong>do</strong> Amazonas te recolherá na oração de mãos postas<br />

das palmeiras. E se completará ante o teu rosto a face<br />

de a<strong>do</strong>ração da natureza. Se os teus olhos descansavam<br />

da <strong>luz</strong> <strong>do</strong> deserto sobre os trigais infinitos da Samaria;<br />

se a videira anciã se transmudava em querubins para o<br />

Templo <strong>do</strong> teu Pai; e se proclamaste que o sangue da<br />

videira tem dignidade para interpretar as vozes <strong>do</strong> teu<br />

sangue, no Amazonas, por sua vez, to<strong>do</strong> o verde que<br />

te exprimir o poderio das várzeas te explicará como<br />

nascente de onde surgiram as águas; e as castanheiras<br />

revelarão para Ti seus cálices fecha<strong>do</strong>s como promessas<br />

de pão <strong>do</strong> novo mun<strong>do</strong>; e o branco sangue da seringueira<br />

te confessará que cumpriu a semente de misericórdia<br />

<strong>do</strong> teu sangue. Nisso estás certa, estrela, respondeu <strong>Jesus</strong>,<br />

porque se a natureza da Palestina assistiu os frutos da<br />

Paixão, é a natureza <strong>do</strong> Amazonas que colherá os frutos<br />

completos da Ressurreição. Se falas da Ressurreição, Senhor,<br />

lembro–me de te perguntar onde estão tuas chagas, que<br />

não vejo, nem eu teu peito, nem em tuas mãos, nem em<br />

teus pés. Minhas chagas foram desaparecidas durante a<br />

Ascensão, estrela, porque o céu não guarda lembrança<br />

de infortúnios, nem poderiam subir comigo as nó<strong>do</strong>as <strong>do</strong><br />

peca<strong>do</strong>. Nem Eu descerei com elas para aumentar as<br />

chagas da Planície. Minhas chagas reapareceram após nos<br />

estigmas <strong>do</strong> Alverno, que mandei a Francisco como<br />

distinção de fé, e na carne de Francisco as minhas chagas<br />

foram banidas <strong>do</strong> Universo, e nunca mais, desde a Ascensão,<br />

elas ultrapassaram o limite de símbolo e de memória.<br />

II


FERNANDO PINHEIRO - 266<br />

<strong>Jesus</strong> e Prócion calaram-se no amor. O silêncio entre<br />

Deus e as estrelas significa a gestação de novos mun<strong>do</strong>s.<br />

E <strong>Jesus</strong> lembrou-se: Antes de chegar à tua torre, consultei<br />

teu anjo, e sei que estás interessada na preparação de novas<br />

moradas para o homem. Pois te digo que está adianta<strong>do</strong><br />

o sistema da constelação de Vega, entre tantos outros,<br />

e já seleciona<strong>do</strong>s os princípios das formas, novas<br />

propriedades da matéria, outra natureza. E quan<strong>do</strong> as<br />

eras se completarem haverá necessidade de chegada da<br />

Doutrina. Mas antes que a Terra seja saudade, o homem<br />

deve conquistar e proteger na natureza a sua própria<br />

continuidade. E a natureza <strong>do</strong> Amazonas, sen<strong>do</strong> hoje um<br />

círculo de vítimas, deverá ser o exemplo da vida equilibrada<br />

sobre o planeta, após o resgate <strong>do</strong>s vícios.<br />

E ven<strong>do</strong> o Senhor que Prócion continuava parada,<br />

e que já era adiantada a hora, falou-lhe: Não te é lícito,<br />

estrela, que pares mais de um instante, porque a rotação<br />

de uma estrela guardiã influi no sossego <strong>do</strong>s rios e nas<br />

cicatrizes das almas. A estrela sorriu dentro <strong>do</strong> próprio<br />

peito craveja<strong>do</strong> de auroras. Um sorriso de estrela demorada<br />

na felicidade. E na voz <strong>do</strong> Senhor, que se afastava, Prócion<br />

reaprendeu a música da rota.<br />

O adeus da vasta claridade deixou novamente entre<br />

as sombras a constelação visitada. E quan<strong>do</strong>, numa curva<br />

<strong>do</strong> céu, Prócion olhou a Terra, a luminosidade <strong>do</strong><br />

Mestre já envolvia a noite <strong>do</strong> planeta com a carícia geral<br />

<strong>do</strong>s bóli<strong>do</strong>s serenos. E logo em seguida o astro viu os<br />

pés <strong>do</strong> Filho, límpi<strong>do</strong> de busca, tocarem as areias tenras<br />

de uma praia <strong>do</strong> Rio Negro, haste esquerda <strong>do</strong> Amazonas.<br />

(...)


267 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

Estamos em quarto–crescente avança<strong>do</strong>. Falta à lua<br />

apenas uma ronda de terceira vigília para que o fervor<br />

da chama fria tome conta completa de seu peito. Instante<br />

propício para a chegada <strong>do</strong> Mestre: resta um reduto da<br />

treva a ser invadi<strong>do</strong>, no círculo da lua e nos <strong>do</strong>mínios da<br />

selva. A memória de todas as luas–cheias <strong>do</strong> Rio Negro<br />

concentra agora sua claridade de escamas nesse crescente<br />

aberto às esperanças. Essa é a lua Jaci, a que anualmente<br />

descia às matas para escolher entre as virgens as<br />

estrelas <strong>do</strong> seu <strong>do</strong>mínio. Essa é a mesma lua que escalvou<br />

o Gólgota, que boiou no Tiberíades, que afaga o sono das<br />

vitórias-régias e recolhe na lenda o coração <strong>do</strong> homem<br />

amazônico. Essa a estrela <strong>do</strong> novo Natal. Ela redescobre e<br />

planta na areia fértil os grãos da manje<strong>do</strong>ura.<br />

Glória a Deus nas alturas e paz na selva aos homens<br />

por Ele visita<strong>do</strong>s. De remo e inúbia, mais <strong>do</strong> que caja<strong>do</strong> e<br />

flauta, arma-se a atmosfera. A estalagem de Belém se<br />

recompõe, para um <strong>Jesus</strong> adulto, numa praia perdida <strong>do</strong> Rio<br />

Negro.<br />

IV<br />

O úmi<strong>do</strong> luar estira<strong>do</strong> sobre a areia cedeu sob seu<br />

passo. <strong>Jesus</strong>, paran<strong>do</strong>, observou que, abertas sobre as<br />

árvores menores, as palmas <strong>do</strong>s buritizeiros, tornan<strong>do</strong><br />

pródigas as sombras, distribuíam na brisa a voz múltipla<br />

<strong>do</strong>s animais da selva. Nenhuma habitação perto dali,<br />

nenhuma <strong>luz</strong> senão a minúscula suspensão de vaga–lumes<br />

novos sobre o rio. O Mestre mergulhou os pés na água e<br />

caminhou de frente para a lua na orla fluvial. A face divina<br />

voltada para o círculo repleto é um outro luar andan<strong>do</strong><br />

sobre a areia. Bendito sejas, meu Pai, que aproximaste da<br />

Terra esse rosto de santa, a compadecida das trevas, a<br />

lua que tanto me a<strong>do</strong>rmeceu entre os salgueiros de Jericó,


FERNANDO PINHEIRO - 268<br />

e que agora me recebe no Amazonas, brilhan<strong>do</strong> mais<br />

propícia à paz da selva.<br />

<strong>Jesus</strong> vai encontran<strong>do</strong> e vai sentin<strong>do</strong>, uma a uma,<br />

as manifestações da natureza que o rodeia. A circunspeção<br />

enluarada <strong>do</strong> rio chega-lhe aos pés em suspiros de<br />

espumas despertadas. O silêncio transpassa<strong>do</strong> de lua é o<br />

único capaz de dar palavra às águas e às areias estendidas.<br />

É audível o rio em sua linguagem de sombras submersas.<br />

De instante a instante, <strong>Jesus</strong> percebe outros sons da<br />

noite: a queda <strong>do</strong>s cocos maduros <strong>do</strong> patauá; o farfalhar<br />

de uma touceira de paxiúba; a insônia de um cururu<br />

compassa<strong>do</strong>, um piar de acauã treme<strong>luz</strong>in<strong>do</strong> as folhas.<br />

E o Cristo passeia devagar, e passean<strong>do</strong> reza: Graças<br />

vos <strong>do</strong>u, meu Pai, por essas belezas reunidas aos pés<br />

das fogueiras celestes. A carne de homem que me deste<br />

está tensa já, e já encantada, de abundância e de vida.<br />

Vim para conhecer a promessa de cardumes desse rio,<br />

e o rio me recebe com genuflexão religiosa. Sou feliz pelo<br />

peixe e pela liturgia <strong>do</strong> peixe. Vim para conhecer na<br />

selva a mais poderosa conjugação <strong>do</strong>s teus milagres<br />

vegetais, a transformação <strong>do</strong> teu alento cósmico em<br />

vida de carnações inumeráveis, e a selva me recebe com<br />

o ruí<strong>do</strong> devota<strong>do</strong> de frutos e de asas se expandin<strong>do</strong>. Sou<br />

feliz pela selva e pela <strong>do</strong>ação das espécies da selva. Nasço<br />

agora de novo para os homens, para o homem daqui,<br />

porta<strong>do</strong>r de toda a esperança <strong>do</strong> terceiro milênio. Esta é<br />

a minha vinda extraordinária, não prevista nos Livros, nem<br />

nos sonhos <strong>do</strong>s profetas, sem a preparação de João Batista<br />

e sem a conceição de Maria. Chego mais completo pela<br />

experiência humana da Paixão e da Morte. Eu fui toma<strong>do</strong> pelo<br />

Pai, na hora da cruz, no momento em que minha<br />

carne atingia o apogeu <strong>do</strong> sofrimento, e pouca oportunidade<br />

tive de experimentar essa carne após a Ressurreição. Quero


269 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

agora exercitá-la, entre os homens desta terra, após o<br />

momento em que, pelo ponto mais alto da <strong>do</strong>r, ela ficou<br />

mais afinada com a <strong>do</strong>r <strong>do</strong>s homens; e, pelos mistérios<br />

desvenda<strong>do</strong>s da Morte e da Ressurreição, ela também<br />

conheceu tu<strong>do</strong> o que de santo o Pai reservou para a<br />

carne <strong>do</strong>s homens. Como conheceu a morte, está mais<br />

humana a perfeição <strong>do</strong> Filho. E Eu mesmo me batizarei<br />

de novo, para a investidura na nova missão.<br />

Ten<strong>do</strong> isso balbucia<strong>do</strong>, <strong>Jesus</strong> entrou no rio e, com<br />

as mãos em concha, tirou um pouco d´água e derramou<br />

sobre a cabeça, e disse: Faço isso em memória da voz<br />

que clamava no deserto, e como invocação <strong>do</strong> Espírito<br />

Santo, e como renovação de um mistério da Doutrina.<br />

Pai, glorifica o teu Filho. Tu, que o confirmaste na<br />

face <strong>do</strong>s desertos, confirma-o agora ante o sono da selva.<br />

Tu, que o recolheste das sombras da morte, ordena-o<br />

agora para a sombra da vida.<br />

Nesse instante, abriu-se o céu como a fenda de<br />

um raio largo, demora<strong>do</strong> e orfeônico, e ouviu-se nas<br />

margens <strong>do</strong> Rio Negro como nas margens <strong>do</strong> Jordão o<br />

comprazimento de Deus: “Tu és meu Filho bem-ama<strong>do</strong>,<br />

no qual pus toda a minha complacência.” Man<strong>do</strong>-te para<br />

o esclarecimento e para o perdão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s contra a<br />

natureza. Demora-te na misericórdia e na beleza.<br />

Tão rápi<strong>do</strong> como se abrira, fechou-se o solo sagra<strong>do</strong><br />

com amálgama de nuvens, mas a selva demonstrou, pela<br />

súbita hosana levantada de suas folhas, que despertara no<br />

meio de sua própria salvação. E de novo a<strong>do</strong>rmeceu,<br />

como a criança que no meio da noite encontra o seio<br />

materno e se recolhe em seu novo sonho.<br />

Nada que o Filho recebe <strong>do</strong> Pai deixa de ser<br />

manifesta<strong>do</strong> para a elevação <strong>do</strong> homem. E o Filho, que é


FERNANDO PINHEIRO - 270<br />

o caminho da glória, sempre imediatamente depõe para o<br />

homem as benesses de sua confirmação como Salva<strong>do</strong>r.<br />

Então, agora, esse Cristo reouvi<strong>do</strong>, que tem o rosto<br />

molha<strong>do</strong> pelo batismo selvagem, e o manto úmi<strong>do</strong> pelo<br />

sereno da noite aprofundada, proclama ao luar: És tu, Rio<br />

Negro; és tu, Rio Amazonas; és tu, Madeira, Purus; sois<br />

vós, águas todas da calha poderosa, o meu novo Jordão!<br />

Agora estou verdadeiramente pronto, e estou convosco,<br />

homens filhos das águas! No deserto vingou a semente<br />

da fé. A selva agora recolherá os seus frutos, porque<br />

hoje, ao menos, to<strong>do</strong>s me reconhecerão. E Eu passo da<br />

Ressurreição entre as pedras para a Ressurreição entre as<br />

folhas, e verei as provisões que a Doutrina deixara aqui<br />

e as desenvolverei para a libertação e para a salvação <strong>do</strong><br />

homem. Alegrar-me-ei em falar de novo e diretamente<br />

para o coração <strong>do</strong> homem, já eleva<strong>do</strong> por <strong>do</strong>is milênios<br />

da minha palavra. Muitos daqui já têm a sabe<strong>do</strong>ria <strong>do</strong><br />

amor prova<strong>do</strong> na chama antiga. Em verdade, o caminho<br />

para o Pai e os homens cresceu de <strong>luz</strong>es, porque meus<br />

pastores não descansaram um minuto na longa travessia.<br />

E como alta era a noite e não havia nenhuma<br />

inquietação ao re<strong>do</strong>r, o Mestre procurou a fronteira<br />

entre a areia e a mata e deitou com a cabeça na relva, os<br />

pés cruza<strong>do</strong>s, as estrelas contan<strong>do</strong> até o sono.<br />

(...)<br />

Quan<strong>do</strong> a aurora sobre as águas sacudiu a<br />

rósea cabeleira de astros i<strong>do</strong>s, os pássaros abriram para<br />

ela o peito de cristal. <strong>Jesus</strong>, com um longo suspiro,<br />

despertou no mun<strong>do</strong> verde. Pouco a pouco, as fontes<br />

gerais da vida, tocadas pelo ritual da <strong>luz</strong> que se levanta,<br />

derramaram nos ramos e nos ares o novo dia, a renovação<br />

loura de tu<strong>do</strong>. E houve, ante a face <strong>do</strong> Mestre, como


271 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

tributo à nova claridade que chegara ao vale, um momento<br />

de intensa orquestração nas sombras indecisas.<br />

A madrugada à beira <strong>do</strong>s rios é sempre música.<br />

É lento, e especial, cada minuto dessa transição<br />

organizada pela <strong>luz</strong> na noite desmoronada da selva. Há<br />

sonos que resistem, órbitas vigilantes que se apegam<br />

aos vestígios da noite como quem se agarra às mãos<br />

de um ente ama<strong>do</strong> que desaparece. Essa a vocação, por<br />

exemplo, da coruja murucututu e <strong>do</strong> morcego andirá. Mas<br />

há os devotos da cor, os ébrios das resinas luminosas,<br />

que, ao contrário, antecipam a manhã, como se preparassem<br />

de sua própria ânsia as primeiras vestes da aparição da<br />

<strong>luz</strong>. Esse prelúdio, berço anterior e dissemina<strong>do</strong> da aurora,<br />

decorre principalmente no peito <strong>do</strong>s cantores como o<br />

rouxinol e nas grinaldas das flores trepadeiras. Nesse<br />

confronto entre os a<strong>do</strong>ra<strong>do</strong>res da noite e os acólitos reside<br />

a fina passagem, o trânsito veloz da nostalgia pelo rosto<br />

exuberante da alvorada. Porque as forças noturnas não<br />

se despedem rin<strong>do</strong>. Nem a selva, que consuma sua<br />

beleza à <strong>luz</strong> <strong>do</strong> dia, se esquece facilmente das essências<br />

que elaborou sob as estrelas. Pacifican<strong>do</strong> esses ânimos<br />

contrários, de despedida e reencontro, demora-se a<br />

comovida aurora, e sustém o tempo, em sua primeira<br />

missão cálida.<br />

Pertence, pois, ao amanhecer a primeira impressão<br />

que <strong>Jesus</strong> tem <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> amazônico: aqui, a irresistível<br />

aurora é dura<strong>do</strong>ura. Por isso que a redenção, gradual e<br />

preparada, se alonga a partir <strong>do</strong> céu. Na Palestina, o Cristo<br />

conhecera apenas a manhã súbita, o assalto da <strong>luz</strong> sobre<br />

as estepes, como se o sol não demorasse mais de uma<br />

nota de flauta para acender a lã <strong>do</strong>s rebanhos despertos.<br />

Aqui, porém, no devotamento da selva, com os cálices


FERNANDO PINHEIRO - 272<br />

repletos de mistério e água, a <strong>luz</strong> celebra mais.” (121)<br />

<br />

Amor–Sabe<strong>do</strong>ria<br />

Aprecian<strong>do</strong> a leitura da obra de Max<br />

Carphentier, podemos fazer uma pergunta esclarece<strong>do</strong>ra:<br />

se a <strong>luz</strong> <strong>do</strong> sol chega à Amazônia, oriunda de milhões<br />

de léguas de distância, por que não haveria de chegar<br />

àquela região a <strong>luz</strong> de <strong>Jesus</strong>? E, se há <strong>luz</strong> de <strong>Jesus</strong>,<br />

em algum lugar, há também a presença dele nessa <strong>luz</strong>,<br />

o que é a mais coisa. Dentro <strong>do</strong>s sonhos, já tivemos<br />

experiência idêntica que comprova a existência de <strong>Jesus</strong>.<br />

Ao resumir toda a <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> Senhor <strong>do</strong>s<br />

espíritos na palavra amor, apresentamos, neste último<br />

capítulo, o tema amor eleva<strong>do</strong> ao patamar de sabe<strong>do</strong>ria.<br />

Os semea<strong>do</strong>res da primeira hora trazem o<br />

cuida<strong>do</strong> em suas mãos. A seara, que foi preparada<br />

para receber as sementes, tem, assim mesmo, alguma<br />

adversidade porque o tempo escasso não permite uma<br />

preparação completa.<br />

No decorrer das horas, temos necessidade de<br />

semear a palavra, no momento exato, sem querermos<br />

saber se as conveniências todas estão adequadas.<br />

(121) MAX CARPHENTIER – in Nosso Senhor das Águas, pp. 16 a 26 –<br />

Prefácio de D. Paulo Evaristo Arns, Cardeal–Arcebispo de São<br />

Paulo – Abas da capa redigidas por Mansour Chalita – 1992 –<br />

Manaus – AM.


273 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

O tempo é de emergência. O ambiente social <strong>do</strong><br />

planeta virou hospital. Se a morte espreita o paciente,<br />

não é a hora de sabermos se, além <strong>do</strong> risco de vida, há<br />

unhas a cortar, cabelos a ajeitar, sapatos a engraxar e<br />

outros cuida<strong>do</strong>s individuais que estão fora da cogitação<br />

médica.<br />

No momento em que a <strong>do</strong>r se generaliza nos<br />

ambientes por onde passamos, devemos revelar a nossa<br />

postura de vida, a fim de que outros males não<br />

venham a se instalar.<br />

Mesmo que seja apenas uma palavra, um olhar<br />

carrega<strong>do</strong> de vibração amor–sabe<strong>do</strong>ria, o resulta<strong>do</strong> terá<br />

efeitos surpreendentes àqueles que passam por testes<br />

difíceis.<br />

Sem pressa nem preocupação em agir, nossa<br />

atenção se volta àqueles que convivem conosco as horas<br />

marcadas pelo trabalho em diversos setores onde a<br />

expansão se faz necessário.<br />

Em qualquer parte onde estamos, a identificação<br />

que temos pela vida é aguardada por aqueles que nos<br />

acompanham os passos, assim como nós vemos neles a<br />

oportunidade de verificar se há um clima adequa<strong>do</strong> à<br />

realização <strong>do</strong>s sonhos que nascem n´alma.<br />

Morta a emoção em desalinho, a razão existencial<br />

<strong>do</strong> viver, ou, mais precisamente, a inteligência delineia<br />

espaços onde só o amor deve existir, o amor acompanha<strong>do</strong><br />

da sabe<strong>do</strong>ria. Há, no entanto, companheiros, apressa<strong>do</strong>s<br />

em semear, que não observam as condições <strong>do</strong> tempo<br />

e assim espalham as sementes em to<strong>do</strong>s os terrenos.<br />

Na maioria das vezes, o que foi recentemente semea<strong>do</strong> é<br />

leva<strong>do</strong> pelos ventos.


FERNANDO PINHEIRO - 274<br />

O amor planta<strong>do</strong> sem a sabe<strong>do</strong>ria se desvia<br />

pelos canais que alimentarão a emoção que pode resvalar<br />

a níveis inferiores de consciência, onde reina a ilusão<br />

que gera a <strong>do</strong>r e o sofrimento.<br />

Há uma necessidade primordial que nos indica<br />

o trabalho a fazer junto àqueles que falam de saudades,<br />

solidão, me<strong>do</strong> e inconformação das vicissitudes da vida.<br />

Há, dentro de nós, um respeito e compreensão<br />

<strong>do</strong> ponto de vista em que se posicionam. Aquilo que<br />

parece desagradável é algo que lhes desperta suas<br />

forças internas, as únicas que conseguirão levar-lhes à<br />

compreensão de que tanto precisam.<br />

Enquanto isto estiver ocorren<strong>do</strong>, seguiremos o<br />

nosso caminho disseminan<strong>do</strong>, em outras searas, a<br />

palavra e o olhar que inspiram o amor ultrapassan<strong>do</strong> os<br />

níveis da personalidade humana e atingin<strong>do</strong> a consciência<br />

divina, que to<strong>do</strong>s trazem guardada dentro de si, para<br />

compreendermos a ligação que nos une.<br />

Em clima de juras, juras de “Patria, socialismo<br />

o muerte, lo juro” (122), na “Venezuela caribeña, amazónica,<br />

andina y universal” (123), o nosso pensamento está liga<strong>do</strong> a<br />

<strong>Jesus</strong>, cita<strong>do</strong>, no enlevo de vitória e de projeto social,<br />

por Hugo Chávez, ao tomar posse, pela terceira vez, no<br />

cargo de presidente, anuncian<strong>do</strong> el poder comunal: “por<br />

Cristo, o maior socialista da história, por todas as <strong>do</strong>res,<br />

por to<strong>do</strong>s os amores, por todas as esperanças”. (124)<br />

(122, 123) HUGO CHÁVEZ – Discurso de posse, em 10/1/2007, no cargo<br />

de presidente da Venezuela – Jornal El Nacional – Caracas, Venezuela<br />

(124) Apud Jornal <strong>do</strong> Brasil – Internacional – p. A–17 11/1/2007


275 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />

BIBLIOGRAFIA<br />

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Carioca Editora Ltda. – Rio de Janeiro – RJ –<br />

Acervo: Academia de Letras <strong>do</strong>s Funcionários <strong>do</strong><br />

Banco <strong>do</strong> Brasil.<br />

Anchieta ou o Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela, Luís Nicolau<br />

(1841/1875) – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro. –<br />

Acervo: Academia Brasileira de Letras.<br />

Obras completas, edição organizada por Visconti Coaracy –<br />

B. L. Garnier, Livreiro Editor – Rio de Janeiro – 1886 –<br />

Acervo: Biblioteca Nacional.<br />

Ben–Hur (filme dirigi<strong>do</strong> por William Wyler, com Charlton Heston,<br />

no papel–título).<br />

Bíblia Sagrada – Cântico <strong>do</strong>s Cânticos, de Salomão – Isaías<br />

– Evangelho (Mateus, Marcos, Lucas, João)<br />

– Epístolas (Hebreus).<br />

Dias Venturosos, de Amélia Rodrigues (Espírito), psicografa<strong>do</strong> por<br />

Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – 2ª edição – 2000 –<br />

Livraria Espírita Alvorada Editora – Salva<strong>do</strong>r – BA.<br />

Do Julgamento e da Pena nos Sistemas Jurídicos da Antiguidade, de<br />

Luís Ivani de Amorim Araújo – BVZ Edições<br />

Comércio e Representações – 1993 – Rio de<br />

Janeiro – RJ.<br />

Jornal <strong>do</strong> Brasil p. A-17 – Caderno Internacional – edição: 11/1/ 2007.


FERNANDO PINHEIRO - 276<br />

Jornal El Nacional – 10/1/2007 – Caracas, Venezuela – Discurso de<br />

posse de Hugo Chávez no cargo de presidente<br />

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O Globo Caderno: O Mun<strong>do</strong> – edição: 17/10/ 2002.<br />

Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, de Amélia Rodrigues – 7ª edição, psicografa<strong>do</strong><br />

por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria Espírita<br />

Alvorada Editora – 2000 – Salva<strong>do</strong>r – BA.<br />

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Evaristo Arns, Cardeal–Arcebispo de São Paulo – Abas da<br />

capa redigidas por Mansour Chalita – 1992 – Manaus –AM.<br />

Primícias <strong>do</strong> Reino, de Amélia Rodrigues, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong><br />

Pereira Franco – 7ª edição – 9/2000 – Livraria<br />

Espírita Alvorada – Salva<strong>do</strong>r – BA.<br />

Quan<strong>do</strong> voltar a Primavera, de Amélia Rodrigues, 5ª edição, psicografa<strong>do</strong><br />

por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria Espírita<br />

Alvorada Editora – 1998 – Salva<strong>do</strong>r – BA.<br />

Revista Forense 181/9 Apud Discurso proferi<strong>do</strong>, em 21/5/1975, pelo<br />

ministro Xavier de Albuquerque, no Supremo<br />

Tribunal Federal, publica<strong>do</strong> com o título “Aliomar<br />

de Andrade Baleeiro”, pelo STF – Departamento<br />

de Imprensa Nacional – 1975 – Brasília – DF –<br />

Acervo: Academia de Letras <strong>do</strong>s Funcionários <strong>do</strong><br />

Banco <strong>do</strong> Brasil.<br />

Trigo de Deus, de Amélia Rodrigues, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong><br />

Pereira Franco – 4ª edição – 10/2000 – Livraria<br />

Espírita Alvorada Editora – Salva<strong>do</strong>r – BA.<br />

Vida de <strong>Jesus</strong>, de Plínio Salga<strong>do</strong> – 22ª edição – 1985 – Editora Voz<br />

<strong>do</strong> Oeste – São Paulo – SP – Acervo: Biblioteca<br />

Nacional.<br />

Vida que passa..., de Caio de Mello Franco – Rio – 1924 – Acervo:<br />

Biblioteca Popular Pedro Nava – Glória – Rio de<br />

Janeiro – RJ.

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