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JESUS,<br />
LUZ DO MUNDO<br />
Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong><br />
Ecce Homo, de Antonio Ciseri<br />
The picture: Ecce Homo (Behold the Man) – Pilate presenting<br />
<strong>Jesus</strong> to the crowd by Antonio Ciseri.<br />
Author: Antonio Ciseri (October 25, 1821 – March 8, 1891)<br />
A cena é narrada no conto Cláudia Prócula, da obra<br />
<strong>Jesus</strong>, <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, de Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>.<br />
Rio de Janeiro – RJ – 2011
FERNANDO PINHEIRO – 2<br />
“Lembro-me agora da construção imponente onde<br />
Pilatos lavou as suas mãos e me presenteou com a<br />
vida verdadeira...”<br />
VOZ DO RAIO RUBI – 15 de agosto de 2010<br />
Link http: // rosane – avoz<strong>do</strong>raiorubi.blogspot.com/<br />
Para Sempre Eu Vou Te Amar!<br />
Mensagem de <strong>Jesus</strong> Cristo<br />
Canaliza<strong>do</strong>ra: Rosane Amantéa<br />
2ª capa: Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> (foto da Galeria de Presidentes<br />
da Academia de Letras <strong>do</strong>s Funcionários <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong><br />
Brasil)
3 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Observação<br />
O Certifica<strong>do</strong> de Registro ou Averbação,<br />
concedi<strong>do</strong> ao escritor Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>, pelo Escritório<br />
de Direitos Autorais – Fundação Biblioteca Nacional<br />
– Ministério da Cultura, protege a literalidade <strong>do</strong><br />
trabalho apresenta<strong>do</strong>, e não as ideias nele contidas.<br />
/<br />
Em preâmbulo à Apresentação de nosso<br />
trabalho, temos a honra de anunciar, como já é<br />
<strong>do</strong> conhecimento de centenas de milhões de pessoas, que<br />
<strong>Jesus</strong> é o grande liberta<strong>do</strong>r das algemas escravocratas.<br />
Enquanto o grande liberta<strong>do</strong>r estimula–nos para<br />
que resplandeçamos a nossa <strong>luz</strong>, as sombras, que<br />
promovem o jugo à cadeia de ciclos de sofrimento, ainda<br />
varrem to<strong>do</strong> o planeta, em estertores agônicos e os<br />
mun<strong>do</strong>s não unifica<strong>do</strong>s dentro de um perío<strong>do</strong> de tempo<br />
que se esgota, nos planos da evolução. Isto porque<br />
as evidências comprovam a colheita da semeadura que<br />
distingue o trigo e a eliminação <strong>do</strong> joio que tem os dias<br />
conta<strong>do</strong>s para joeirar em outras lavras, longe <strong>do</strong> planeta.<br />
Esta certeza alenta–nos o ânimo porque a Terra,<br />
dentro da separação <strong>do</strong> joio e <strong>do</strong> trigo, está ascenden<strong>do</strong><br />
a um plano maior de consciência, em que se configura<br />
o advento da 5ª dimensão, ou a Jerusalém <strong>do</strong>s céus.<br />
A essência <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> da volta de <strong>Jesus</strong> é a presença<br />
dEle em nosso coração.
CPI - Brasil. Catalogação–na–fonte<br />
FERNANDO PINHEIRO – 4<br />
<strong>Pinheiro</strong>, Fernan<strong>do</strong><br />
JESUS, LUZ DO MUNDO / Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong><br />
ISBN<br />
1. Paráfrase criativa inspirada na Bíblia. Reconta<strong>do</strong> da<br />
obra original de Amélia Rodrigues (Espírito),<br />
psicografada por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco e de O Evangelho<br />
nas Selvas, de Fagundes Varela e Vida de <strong>Jesus</strong>, de<br />
Plínio Salga<strong>do</strong><br />
2. A Noite da Aparição (textos) – in Nosso Senhor das Águas,<br />
de Max Carphentier<br />
3. Evangelhos 4. A vida de <strong>Jesus</strong><br />
5. Contos evangélicos 6. Comentários <strong>do</strong>s Contos<br />
7. Poesia e Prosa poética 8. Brochura 276 pp.
5 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
FERNANDO HENRIQUES PINHEIRO, contista, cronista,<br />
ensaísta (áreas de História, Música Clássica, Filosofia,<br />
Comportamento Humano), fez seus estu<strong>do</strong>s no<br />
Seminário Arquidiocesano de São Luís <strong>do</strong> Maranhão<br />
(hoje, Centro Teológico <strong>do</strong> Maranhão), presidente da<br />
Academia de Letras <strong>do</strong>s Funcionários <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong><br />
Brasil (mandatos: 1995 a 1998, 1998 a 2001, 2004 a 2007<br />
e 2007 a 2010)<br />
Honrarias e condecorações:<br />
● Prêmio Nacional de Livros Publica<strong>do</strong>s<br />
– Concedi<strong>do</strong> pela AICLAF – Academia Internacional<br />
●<br />
de Ciências, Letras, Artes e Filosofia <strong>do</strong> Rio de<br />
Janeiro<br />
Diploma Moção de Congratulações<br />
– Assembléia Legislativa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />
(sessão solene de 20 de maio de 1998)<br />
– Câmara Municipal <strong>do</strong> Rio de Janeiro (sessões solenes<br />
de 16 de setembro de 1998 e 13 de agosto de 2001)<br />
Bibliografia <strong>do</strong> autor<br />
Livros publica<strong>do</strong>s e inéditos<br />
A SARÇA ARDENTE (crônicas) – 180 pp. (1988)<br />
JESUS, LUZ DO MUNDO (contos) – 276 pp. (2011)<br />
HISTÓRIA DO BANCO DO BRASIL (1950/2009) 1.223 pp. (2011)<br />
BANCO DO BRASIL<br />
- LISBOA SERRA, poeta, tribuno e presidente – 234 pp. (2011)<br />
BANCO DO BRASIL – CONSULTORIA JURÍDICA – ensaios<br />
históricos – autores diversos (co-autoria) – 378 pp. (2011)
FERNANDO PINHEIRO – 6<br />
FLAMA E VOZ (palestras e discursos) – 194 pp. (2011)<br />
MÚSICA PARA CANTO E PIANO (ensaios) – 200 pp. (2011)<br />
OS VENTOS DO AMANHECER (ensaios) – 232 pp. (2011)<br />
PERFUME DAS PARTITURAS (ensaios) – 180 pp. (2011)<br />
Palestras (em seminários)<br />
A presença <strong>do</strong>s funcionários <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil na música<br />
clássica – in 4° Seminário Banco <strong>do</strong> Brasil e a Integração<br />
Social – pp. 177 a 200) (2000)<br />
Angola – in 1° Seminário Banco <strong>do</strong> Brasil e a Integração<br />
Social – pp. 91 a 97 (1995)<br />
Caio de Mello Franco, diplomata e poeta – in 5° Seminário Banco<br />
<strong>do</strong> Brasil e a Integração Social – pp. 15 a 31 (2004)<br />
Karlos Rischbieter, presidente <strong>do</strong> BB (9/2/1977 a 16/3/1979) –<br />
in 6° Seminário Banco <strong>do</strong> Brasil e a Integração Social –<br />
CCBB – Rio de Janeiro pp. 9 a 20 (2005)<br />
Odilon Braga: flama e voz – in 5° Seminário Banco <strong>do</strong> Brasil<br />
e a Integração Social – pp. 126 a 164 (2004)<br />
Por onde an<strong>do</strong>u Villa-Lobos? – in 3° Seminário Banco <strong>do</strong> Brasil<br />
e a Integração Social – pp. 187 a 202) (1999)<br />
Prefácio<br />
Um olhar sobre o ontem e o hoje, de Zorrillo de Almeida Sobrinho<br />
– Produtora M de Publicações e Propaganda – 344 pp. –<br />
Campo Grande - MS (2000)
7 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
SUMÁRIO<br />
SANTUÁRIO DE BELEZA<br />
P.<br />
– Yeda Dantas Bacellar 9<br />
À LUZ DO LUAR 15<br />
1. ANUNCIANDO A ENCARNAÇÃO DO VERBO 25<br />
2. CARAVANAS DO DESERTO 31<br />
3. OS DOUTORES DO TEMPLO 36<br />
4. NATANAEL 44<br />
5. SIMÃO BAR JONAS 48<br />
6. O BANQUETE DE LEVI 54<br />
7. NICODEMOS 60<br />
8. O PILOTO DE BIGAS 64<br />
9. SALOMÉ 68<br />
10. AS BODAS DE CANÁ 75<br />
11. A CURA DO CEGO DE NASCENÇA 86<br />
12. BARTIMEU 90<br />
13. A CURA DE UM LEPROSO 94<br />
14. A CURA DOS DEZ LEPROSOS 99<br />
15. PAULUS, O CENTURIÃO 103<br />
16. A MULHER PARALÍTICA 107<br />
17. A TEMPESTADE NO MAR 111<br />
18. ANOITECER EM GERASA 117<br />
19. GENESARÉ 124
FERNANDO PINHEIRO - 8<br />
20. VERÔNICA 129<br />
21. MANHÃ EM NAZARÉ 135<br />
22. MADALENA 142<br />
23. MARTA 151<br />
24. ZAQUEU 157<br />
25. A SAMARITANA 164<br />
26. BEN MORDECKAI 171<br />
27. MANHÃ EM JERUSALÉM 176<br />
28. TABOR 183<br />
29. LÁZARO 191<br />
30. A MOEDA DE CÉSAR 204<br />
31. NOS CAMINHOS DE JERICÓ 209<br />
32. O DISCURSO PROFÉTICO 212<br />
33. GETSÊMANI 217<br />
34. CAIFÁS 222<br />
35. DESOLAÇÃO 226<br />
36. CLÁUDIA PRÓCULA 233<br />
37. SIMÃO, O CIRENEU 242<br />
38. O OLHAR DE BEN–HUR 247<br />
39. MARIA DE NAZARÉ 252<br />
40. A PRESENÇA DIÁFANA 255<br />
41. A NOITE DA APARIÇÃO (Max Carphentier) 260<br />
Amor–Sabe<strong>do</strong>ria 272<br />
BIBLIOGRAFIA 275<br />
ÍNDICE REMISSIVO 277
9 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
SANTUÁRIO DE BELEZA<br />
Yeda Dantas Bacellar<br />
Designer e artista plástica<br />
Adentro este santuário de beleza na qualidade<br />
de convidada, para expressar a admiração e o encantamento<br />
que me envolvem, ao acompanhar o autor nesta viagem<br />
de enlevo literário, que ele empreende na companhia<br />
soberba de Fagundes Varela, Plínio Salga<strong>do</strong>, Dival<strong>do</strong> Pereira<br />
Franco e Amélia Rodrigues, através <strong>do</strong>s páramos sagra<strong>do</strong>s<br />
da vida mística de <strong>Jesus</strong> Cristo.<br />
Enten<strong>do</strong> esse relato literário como a expressão<br />
da revelação feita a Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> por essa Luz da<br />
Sabe<strong>do</strong>ria Divina, tal qual aquela que se revelou a Maria<br />
Madalena e Paulo de Tarso.
FERNANDO PINHEIRO – 10<br />
Quan<strong>do</strong> a inspiração artística se apossa de uma<br />
pessoa, ela também sobe até o cume <strong>do</strong> monte Tabor,<br />
onde o próprio autor descobre a primeira revelação<br />
das intercomunicações intergalácticas. E desse Tabor,<br />
descortina<strong>do</strong> pelo êxtase artístico, você desce à planície<br />
como Moisés descera, antes, <strong>do</strong> Monte Horeb, e <strong>Jesus</strong><br />
Cristo o fez <strong>do</strong> monte Tabor, naquele momento, para<br />
compartilhar o êxtase místico com os companheiros da<br />
caminhada existencial.<br />
Mas, as paisagens energéticas <strong>do</strong>s espaços<br />
siderais só se descerram para os que tentam e possuem<br />
o <strong>do</strong>m de ouvir os astros siderais, como já confessou<br />
Olavo Bilac. A emoção constitutiva da contemplação<br />
estética é aparentada da meditação <strong>do</strong>s místicos, como<br />
Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> o insinua na sua demonstração de<br />
apreço pelas vidas de Teresinha de Lisieux e de Teresa<br />
d’Ávila, a <strong>do</strong>utora da contemplação mística <strong>do</strong> Eterno e<br />
<strong>do</strong> Uno na História <strong>do</strong> Cristianismo.<br />
Mas tanto o êxtase estético como o êxtase místico<br />
religioso são impulsiona<strong>do</strong>s pela crença na Unidade fértil,<br />
gera<strong>do</strong>ra da Multiplicidade, que Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> foi<br />
encontrar no filósofo Spinoza e que este descobriu, como<br />
uma intuição primordial, que lhe permitiu descortinar a<br />
explicação recôndita da existência.<br />
É a mesma intuição original <strong>do</strong> Judaísmo e <strong>do</strong><br />
Cristianismo que se encontra na versão primeira da origem<br />
<strong>do</strong> Universo no livro <strong>do</strong> Gênesis: Deus criou o homem à<br />
sua imagem, à imagem de Deus o criou, macho e fêmea<br />
ele o criou. Curioso que também os Upanishads, livro<br />
sagra<strong>do</strong> <strong>do</strong>s hindus, descrevem que o Absoluto, origem de<br />
todas as coisas, também resulta <strong>do</strong> Amor <strong>do</strong> macho e da
11 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
fêmea: ele era, na realidade, tão grande como um homem<br />
e uma mulher abraça<strong>do</strong>s! Revelação extraordinária: quan<strong>do</strong><br />
o Homem e a Mulher se unem, num abraço de Amor, se<br />
igualam ao Absoluto! E o famoso livro I Ching da cultura<br />
chinesa coincide nessa intuição da realidade, como uma<br />
Unidade produzida pelo Amor de Yang e Yin, os opostos<br />
macho e fêmea, princípio e fim, dia e noite, <strong>luz</strong> e trevas,<br />
grande e pequeno.<br />
Nada surpreendente, portanto, que essa viagem<br />
estética de Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> passe por Maria Madalena,<br />
a mulher cujo Amor produziu uma Fé tão grande, tão<br />
poderosa que redimensionou o Cristianismo, estimulan<strong>do</strong><br />
os discípulos a pregar o Evangelho. O Amor de Maria<br />
Madalena não podia acreditar na morte de seu Ama<strong>do</strong>.<br />
A tocha da Fé, da intuição feminina, das energias<br />
interpessoais, diria Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>, gestada no cadinho<br />
de um Amor imenso, gritava-lhe interiormente: Ele vive! E<br />
Maria Madalena viu <strong>Jesus</strong> ressuscita<strong>do</strong>. E Maria Madalena<br />
correu a proclamar para os discípulos atemoriza<strong>do</strong>s, como<br />
agora Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> fala para o mun<strong>do</strong>, o meu Amor<br />
ressuscitou. O Amor inspira<strong>do</strong> em <strong>Jesus</strong>. O Amor não<br />
morre. Ele está vivo. Ele é a Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>. A Luz <strong>do</strong><br />
Mun<strong>do</strong> não se extinguiu.<br />
Esse mesmo encontro pessoal teve Paulo de Tarso,<br />
na estrada de Damasco, com o <strong>Jesus</strong> Cristo das esferas<br />
espirituais superiores, de que fala Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>. E o<br />
Amor pelo Uno brotou aos borbotões <strong>do</strong> coração de Paulo<br />
e lhe outorgou aquela Fé que mu<strong>do</strong>u o mun<strong>do</strong>, cristianizou<br />
o mun<strong>do</strong>. Tessalonicenses, <strong>Jesus</strong> Cristo venceu a Morte.<br />
O Amor ressuscitou. Sois imortais, tais quais os deuses<br />
Dionísio e Orfeu, ressuscitareis. O Amor venceu tu<strong>do</strong>.<br />
Venceu até a morte. O Amor não morre. A Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong><br />
não se extinguiu, diz Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>.
FERNANDO PINHEIRO – 12<br />
Há cerca de cinco mil anos, as vibrações<br />
espirituais cósmicas brotam em catadupas daquela fonte<br />
inexaurível <strong>do</strong> primeiro capítulo <strong>do</strong> Gênesis. A tocha<br />
de Moisés se inflamou no fogo de Amor por Iavé.<br />
Resplandeceu, então, por milênios a Luz de Israel, a<br />
<strong>luz</strong> que ilumina os caminhos de um povo, uma nação,<br />
acesa na intuição daquela Lei <strong>do</strong> versículo 17 <strong>do</strong> capítulo<br />
2: Mas da árvore <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> bem e <strong>do</strong> mal não<br />
deves comer, porque no dia em que o fizeres serás<br />
condena<strong>do</strong> a morrer.<br />
A Lei é a Aliança de Amor entre Deus e Israel.<br />
O cumprimento da Lei é a manifestação <strong>do</strong> Amor a Deus,<br />
e Deus se enche de Amor por quem a cumpre e o cumula<br />
de bens: vida longa, sucesso, riqueza, fertilidade, vasta<br />
descendência e higidez. O descumprimento da Lei é a<br />
manifestação <strong>do</strong> desamor a Deus, e Deus também se<br />
desagrada de quem a infringe e o cobre de maldições:<br />
vida breve, insucesso, pobreza, infertilidade e <strong>do</strong>ença.<br />
E Moisés empunhou a tocha <strong>do</strong> Amor de Deus<br />
por Israel e, por quarenta anos, liderou a marcha <strong>do</strong><br />
povo eleito para as terras prometidas de Canaã. A Lei<br />
Mosaica foi e é a Luz de Israel, a <strong>luz</strong> de um povo,<br />
de uma nação, acesa na tocha de Amor por Iavé.<br />
Há <strong>do</strong>is mil anos, novas vibrações espirituais<br />
cósmicas e mais poderosas, captadas por espíritos<br />
inflama<strong>do</strong>s no Amor pelo Absoluto e pelo Uno, de que<br />
fala Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>, como Maria Madalena e Paulo de<br />
Tarso, entraram em sintonia com o grande avatar da<br />
era moderna, <strong>Jesus</strong> Cristo, que intuiu a nova revelação,<br />
iluminação muito mais ampla, para a Humanidade toda<br />
e para o Universo inteiro.
13 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
E tal era a energia <strong>do</strong> Amor de Paulo de Tarso,<br />
que ele se dirige à Igreja de Jerusalém, a igreja da família<br />
de <strong>Jesus</strong> Cristo, e ousa declarar: eu tenho um Amor tão<br />
grande pelo Absoluto que ele me infundiu uma <strong>luz</strong> mais<br />
forte que a de vocês, ele colocou em minhas mãos a<br />
tocha da Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>. O Amor que me une a <strong>Jesus</strong><br />
Cristo é tão grande, que ele me confiou a missão de<br />
revelá-lo a to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>. E ele ama a Humanidade toda,<br />
toda a sua obra, não apenas um povo, uma nação: ele<br />
é a Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>.<br />
E, por isso, <strong>Jesus</strong> Cristo foi condena<strong>do</strong> à morte,<br />
porque afirmou que é o Amor ao Absoluto, a Deus, que<br />
salva, que vivifica, que nos torna imortais, que ressuscita,<br />
que nos faz deuses. O Amor faz o homem justo. Não é<br />
a Lei que faz o homem justo. A Lei condena o Homem,<br />
isto sim. O homem, dinamiza<strong>do</strong> pelas energias espirituais<br />
superiores, é bom, é justo, não necessita de Lei. Ele se<br />
harmoniza com o Absoluto.<br />
Foi essa a grande revelação que encheu Paulo<br />
de Tarso de força tal, que o impulsionou a empunhar a<br />
tocha da Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> e a difundir o cristianismo pelo<br />
mun<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong> de sua época. O Amor <strong>do</strong> Absoluto<br />
tu<strong>do</strong> envolve, a Humanidade toda e o Cosmos to<strong>do</strong>,<br />
<strong>Jesus</strong>, a Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, dirá Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>. O Amor<br />
<strong>do</strong> Absoluto não se restringe apenas a um povo, mas a<br />
toda a Humanidade, a sua obra toda.<br />
O Amor salva, disse <strong>Jesus</strong> Cristo, o Amor <strong>do</strong><br />
Homem pelo Absoluto e o Amor <strong>do</strong> Absoluto pelo Homem.<br />
O Homem possuí<strong>do</strong> pelo Amor é justo, é bom, é perfeito,<br />
é feliz, é imortal, é Deus. “Vós sois deuses” está escrito<br />
no texto sagra<strong>do</strong>.
FERNANDO PINHEIRO – 14<br />
Aí está a revelação captada pelo grande avatar,<br />
<strong>Jesus</strong> Cristo, o Absoluto é Amor e, por isso, criou o<br />
Homem à sua imagem, macho e fêmea ele os criou<br />
(Gênesis 1, 27). Só o Amor existe, só o Amor é eterno, só o<br />
Amor constrói: faça–se, aquela palavra mágica <strong>do</strong> início <strong>do</strong><br />
Gênesis, é o próprio Absoluto assumin<strong>do</strong> a multiplicidade<br />
de formas que compõem o Cosmos, e se renovam a cada<br />
instante, é a fertilidade <strong>do</strong> Amor.<br />
Essas também as vibrações espirituais cósmicas<br />
<strong>do</strong> Absoluto, captadas pelos Upanishads <strong>do</strong> hinduísmo<br />
na espetacular imagem <strong>do</strong> abraço aperta<strong>do</strong> entre o<br />
macho e a fêmea, e pelo I Ching <strong>do</strong>s chineses, no<br />
equilíbrio <strong>do</strong> Yang e <strong>do</strong> Yin, que tu<strong>do</strong> envolve na<br />
harmoniosa conjunção <strong>do</strong> macho e da fêmea, na sinfonia<br />
<strong>do</strong> Amor.<br />
Amar é o fundamental. Ama e viverás. Ama e<br />
serás eterno. Ama e terás o conhecimento. <strong>Jesus</strong>, o<br />
Amor <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, ou, como revela Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>, <strong>Jesus</strong>,<br />
Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>.<br />
Com intenso júbilo, vejo crescer o seleto grupo<br />
de autores que, no Brasil, escreveram em versos ou<br />
em prosa poética ou mesmo em forma romanceada<br />
a respeito da vida de <strong>Jesus</strong>: Fagundes Varela, Bittencourt<br />
Sampaio, Plínio Salga<strong>do</strong>, Bastos Tigre, Huberto Rohden,<br />
Dival<strong>do</strong> Pereira Franco (Amélia Rodrigues – Espírito),<br />
Francisco Cândi<strong>do</strong> Xavier, Max Carphentier, Tasso da<br />
Silveira e, a partir <strong>do</strong>s i<strong>do</strong>s de 2011, Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>.
15 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
À LUZ DO LUAR<br />
Graças a Deus conseguimos escrever, como se<br />
fosse um sonho à <strong>luz</strong> <strong>do</strong> luar, contos que lembram<br />
os feitos de <strong>Jesus</strong> como mensagens urgentes para o<br />
homem ser permanentemente feliz.<br />
Colhen<strong>do</strong> as informações, citan<strong>do</strong> as passagens<br />
bíblicas e os quatro evangelistas que as escreveram,<br />
recompomos a trajetória terrena de <strong>Jesus</strong>, sem alterar o<br />
texto original. <strong>Jesus</strong>, <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> se expande na matéria<br />
recontada da obra de Amélia Rodrigues (Espírito),<br />
psicografada por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco e de Anchieta<br />
ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela e Vida de<br />
<strong>Jesus</strong>, de Plínio Salga<strong>do</strong>.
FERNANDO PINHEIRO - 16<br />
Apresentamo-nos como um simples divulga<strong>do</strong>r<br />
da Boa Nova e destacamos as palavras de Amélia<br />
Rodrigues (Espírito)¸ na psicografia de Dival<strong>do</strong> Pereira<br />
Franco:<br />
“À semelhança <strong>do</strong>s dias em que <strong>Jesus</strong> viveu entre<br />
nós, os tempos atuais ensejam a restauração viva e<br />
atuante da Mensagem cristã, pois que, convertida em<br />
laboratório de experiências aflitivas, a Terra continua<br />
sen<strong>do</strong> campo rico de oportunidades para a vivência<br />
evangélica.” (1)<br />
<strong>Jesus</strong>, <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é a <strong>luz</strong> que se projeta em<br />
seus feitos que buscamos descrever e fazer a citação de<br />
autores que, igualmente, sentem essa <strong>luz</strong> para despertar<br />
a criatura humana ao caminho que conduz ao paraíso<br />
de que nos falaram Ele próprio e to<strong>do</strong>s aqueles que<br />
vieram ao mun<strong>do</strong> somente para servir.<br />
O esta<strong>do</strong> emocional <strong>do</strong> homem, nos i<strong>do</strong>s de<br />
2011, marco inicial em que o planeta está passan<strong>do</strong> da<br />
3ª para a 5ª dimensão vibracional, simultaneamente, na<br />
separação <strong>do</strong> joio e <strong>do</strong> trigo, é o mesmo <strong>do</strong> filho pródigo:<br />
triste e abati<strong>do</strong> começa a entender que os cria<strong>do</strong>s de<br />
sua família tinham condições de vida melhores <strong>do</strong> que<br />
a sua. A alegria de voltar ao lar é mais importante <strong>do</strong><br />
que todas as ilusões reunidas.<br />
(1) AMÉLIA RODRIGUES (Espírito) – in Primícias <strong>do</strong> Reino (Prólogo),<br />
pp. 18 e 19 – 7ª edição, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco<br />
– Livraria Espírita Alvorada Editora – 9/2000 – Salva<strong>do</strong>r – BA.
17 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
No conceito transitório de liberdade, o filho<br />
pródigo retirou-se da casa paterna onde ele vivia e seguiu,<br />
por estranhos caminhos, sem ter a certeza <strong>do</strong> amanhã.<br />
<strong>Jesus</strong> falou por parábolas àquela gente simples<br />
<strong>do</strong> campo, a fim de que, por símbolos e imagens da<br />
paisagem campestre, pudesse de imediato compreendê-lo.<br />
Em acenos de mãos, em palavras deixou exemplos de<br />
rara beleza que nem mesmo o verbo sibilino <strong>do</strong>s profetas<br />
conseguiu superá-lo.<br />
A cada pessoa <strong>do</strong>sava a palavra, a fim de<br />
não violar a natureza íntima de cada um. Conhece<strong>do</strong>r<br />
profun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s enigmas, nunca causou impacto nas<br />
consciências que buscavam a reabilitação diante das leis<br />
divinas. Amou a to<strong>do</strong>s, como forma de despertá-los para<br />
a felicidade reservada a to<strong>do</strong>s os seres humanos.<br />
O pensamento de <strong>Jesus</strong>, reproduzin<strong>do</strong> a síntese<br />
da vida humana e <strong>do</strong>s anjos, tem um senti<strong>do</strong> universal<br />
e pode ser percebi<strong>do</strong> em Saturno, Mercúrio, Vênus e<br />
nas estrelas:<br />
“Precisamos afirmar ao mun<strong>do</strong> que o homem<br />
é o príncipe <strong>do</strong> paraíso, sem ter a necessidade de usar<br />
roupagens sombrias bem diferentes da <strong>luz</strong> que vibra em<br />
seu ser mais profun<strong>do</strong>, aguardan<strong>do</strong> apenas um impulso<br />
para resplandecer.” (2)<br />
(2) FERNANDO PINHEIRO – in Prefácio e 4ª capa <strong>do</strong> livro Um olhar<br />
sobre o ontem e o hoje, de Zorrillo de Almeida Sobrinho – Produtora<br />
M. de Publicações e Propaganda – Campo Grande – MS – 2000.
FERNANDO PINHEIRO - 18<br />
A palavra de <strong>Jesus</strong>, que buscamos retratar<br />
numa linguagem atual, nos tempos da comunicação<br />
instantânea e da consolidação das sociedades de massa,<br />
é um convite para entender os valores reais da vida,<br />
e, com este conhecimento, libertamo-nos das algemas<br />
escravocratas e, caminhan<strong>do</strong> livres, podemos antever um<br />
porvir radioso onde a felicidade será permanente.<br />
Preliminarmente, o nosso muito obriga<strong>do</strong> é<br />
destina<strong>do</strong> a <strong>Jesus</strong> pela inspiração <strong>do</strong> seu nome que<br />
buscamos, poeticamente, em prosa descrever dentro das<br />
possibilidades que nos permitem desfrutar os deleites das<br />
fontes límpidas. Depois são extensivos à Yeda Dantas<br />
Bacellar que redigiu o Prefácio Santuário de Beleza, bem<br />
como ao eminente ora<strong>do</strong>r Dival<strong>do</strong> Pereira Franco que<br />
escreveu a obra ditada por Amélia Rodrigues, fonte<br />
inexaurível de sublime inspiração.<br />
Agradecimentos extensivos a Nilson de Souza<br />
Pereira, presidente <strong>do</strong> Centro Espírita Caminho da Redenção,<br />
em Salva<strong>do</strong>r – BA, cessionário das obras psicografadas<br />
por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco.<br />
Agradecemos também ao Reveren<strong>do</strong> Pastor<br />
Guilhermino Cunha, Presidente <strong>do</strong> Supremo Concílio da Igreja<br />
Presbiteriana <strong>do</strong> Brasil (1994/2002), que leu, nos i<strong>do</strong>s de 1993,<br />
vários capítulos, quan<strong>do</strong> ainda não estava completa a<br />
obra, e emitiu, para gáudio nosso, a seguinte opinião:<br />
“Ao to<strong>do</strong> são 20 contos evangélicos. O autor<br />
inspira-se no texto sagra<strong>do</strong> e vai contan<strong>do</strong>, de forma<br />
bastante agradável, várias passagens <strong>do</strong> Novo Testamento.<br />
É pura poesia em forma de prosa; a sensibilidade está
19 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
em cada parágrafo e remete o leitor a uma consulta ao<br />
texto original, a Bíblia.<br />
<strong>Jesus</strong>, <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é uma criativa paráfrase; assim<br />
a leitura vai mais além <strong>do</strong> que o mero prazer literário e<br />
sugere vida, transformação, enlevo espiritual.<br />
Percebe-se, nitidamente, o carinho e a dedicação <strong>do</strong><br />
autor para com o Mestre <strong>Jesus</strong>. Partin<strong>do</strong> da parábola, <strong>do</strong><br />
versículo, <strong>do</strong> ensinamento ele transmuta o conto em aula<br />
e quem sai lucran<strong>do</strong> é o leitor, mediante o belo trabalho<br />
da arte de contar histórias que Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> nos<br />
proporciona.” (3)<br />
Os agradecimentos prosseguem ainda aos elogios<br />
que recebemos de Solange Rech (1946/2008), poeta<br />
catarinense, que redigiu, ainda investi<strong>do</strong> nas funções de<br />
gerente–executivo <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil – UEN Rural e<br />
Agroindustrial – Brasília – DF, as seguintes linhas:<br />
“Embaraçosa para uns, estimulante para muitos, a<br />
figura de <strong>Jesus</strong> de Nazaré vai se descortinan<strong>do</strong> para<br />
os leitores de <strong>Jesus</strong>, <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> como alguém que vai<br />
montan<strong>do</strong> um mosaico. A cada história lida, a cada tema<br />
comenta<strong>do</strong> mais se delineiam os contornos <strong>do</strong> Divino<br />
Mestre e daqueles com quem conviveu.<br />
(3) Rev. GUILHERMINO CUNHA, presidente <strong>do</strong> Supremo Concílio da<br />
Igreja Presbiteriana <strong>do</strong> Brasil (1994/2002) – Carta de autorização<br />
concedida, em 19/10/2006, ao escritor Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>, na<br />
qual afirma: “seu gesto é o de um escritor, ético nas suas<br />
atitudes e preciso nas suas palavras.”
FERNANDO PINHEIRO - 20<br />
Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong> mostra-nos que, ao contrário<br />
<strong>do</strong> que possa parecer, <strong>Jesus</strong> é a essência da simplicidade.<br />
Nisso faz coro a Tasso da Silveira, poeta espiritualista<br />
paranaense, em seu Cântico <strong>do</strong> Cristo <strong>do</strong> Corcova<strong>do</strong>.<br />
Para os que creem, <strong>Jesus</strong>, <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é quase<br />
uma reza. Para os que não creem, é uma advertência:<br />
a de que a prática <strong>do</strong> bem deve ser buscada por to<strong>do</strong>s,<br />
independentemente de suas crenças e <strong>do</strong>utrinas.”<br />
<br />
Assim como Teresa de Lisieux, a Santa<br />
Teresinha <strong>do</strong> Menino <strong>Jesus</strong>, poetisa e <strong>do</strong>utora da Igreja,<br />
lamentava não saber hebraico nem grego para poder<br />
pregar as Escrituras Sagradas, no original, sentimo-nos<br />
também na mesma situação. Teresa d´Ávila é santa e<br />
<strong>do</strong>utora da Igreja.<br />
Em qualquer circunstância, reconhecemos que<br />
Deus, em Sua infinita bondade, assiste à nossa realidade<br />
espiritual, acompanhan<strong>do</strong>-nos os passos. A dimensão não<br />
se restringe apenas ao que lemos, vemos, ouvimos ou<br />
escrevemos, pois o coração está à frente levan<strong>do</strong> o<br />
amor que sentimos, com a proteção de <strong>Jesus</strong>, o herói<br />
imbatível <strong>do</strong> sistema solar.<br />
Sentimos a necessidade de citar as últimas<br />
palavras da cerimônia da missa cantada, em aramaico, por<br />
Gabriel Dahhu, padre da Igreja Sirian Orto<strong>do</strong>xa, exibidas<br />
no Programa Fantástico da Rede Globo, de 27/3/2005.<br />
O final da oração Pai Nosso de <strong>Jesus</strong>, traduzi<strong>do</strong> em legenda<br />
em português, é o seguinte: “De ti nasce toda vontade<br />
reinante, o poder e a força viva que se renova a cada<br />
dia e a tu<strong>do</strong> embeleza.”
21 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
A fim de compreendermos melhor o mun<strong>do</strong><br />
e o tempo em que viveu <strong>Jesus</strong> e a expansão de<br />
sua Doutrina, é necessário destacar a palavra de<br />
observa<strong>do</strong>res que retrataram a realidade histórica.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, ressaltamos que a melhor<br />
referência está expressa em cada antelóquio <strong>do</strong>s livros<br />
dita<strong>do</strong>s por Amélia Rodrigues, na psicografia de Dival<strong>do</strong><br />
Pereira Franco: Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, Há Flores no Caminho,<br />
Quan<strong>do</strong> voltar a Primavera, Primícias <strong>do</strong> Reino, Trigo de Deus,<br />
Dias Venturosos e . . . Até o fim <strong>do</strong>s tempos.<br />
Dentre eles, vale destacar Notícias Históricas,<br />
inseridas em Trigo de Deus, obra de autoria de Amélia<br />
Rodrigues, na psicografia de Dival<strong>do</strong> Pereira Franco:<br />
“Não obstante profundamente arraiga<strong>do</strong> na História<br />
o pensamento cristão, ainda existem aqueles que teimam<br />
em negar a existência de <strong>Jesus</strong>, informan<strong>do</strong> que Ele<br />
pertence à galeria <strong>do</strong>s mitos, bem como a Sua <strong>do</strong>utrina<br />
é resulta<strong>do</strong> de lendas e elaborações imaginosas muito ao<br />
gosto da tradição oriental...<br />
A linguagem <strong>do</strong>s fatos não lhes basta, e a palavra<br />
insuspeita de inúmeros historia<strong>do</strong>res não lhes constitui<br />
prova.<br />
Descomprometi<strong>do</strong>, Flávio Josefo se refere à existência<br />
<strong>do</strong> Mestre e aos acontecimentos que Lhe cercaram a<br />
vida, inserin<strong>do</strong>-O nos fastos <strong>do</strong> Império Romano, sem<br />
qualquer riqueza de comentários.
FERNANDO PINHEIRO - 22<br />
A incomum adesão de milhares de pessoas em poucos<br />
anos após a Sua morte, as notáveis Cartas de Paulo e as<br />
narrações das Testemunhas daqueles dias, que vieram a<br />
formar os Evangelhos, igualmente, para eles, não passam<br />
de suspeitosos <strong>do</strong>cumentos elabora<strong>do</strong>s com o fim de<br />
torná-lO real, arrancan<strong>do</strong>-O <strong>do</strong> campo conceptual para o<br />
terrestre.<br />
Desencadeadas as perseguições contra os Seus<br />
segui<strong>do</strong>res, sejam na Palestina, logo após Sua morte, ou<br />
em Roma, a partir de Nero, ou em to<strong>do</strong> o Império,<br />
quase imediatamente, historia<strong>do</strong>res criteriosos, que se<br />
opunham à Doutrina, testemunharam a Sua realidade. Entre<br />
eles, Tácito, nos Anais, 15:44, referin<strong>do</strong>-se ao incêndio de<br />
Roma e à acusação assacada por Nero e seus famanazes<br />
contra os cristãos, para livrarem-se da suspeita geral que<br />
lhes atribuía a responsabilidade <strong>do</strong> crime, diz:<br />
...Embora os conheci<strong>do</strong>s esforços humanos de to<strong>do</strong>s,<br />
os da liberalidade <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r e <strong>do</strong>s sacrifícios ofereci<strong>do</strong>s<br />
aos deuses, nada era suficiente para liberar a crença,<br />
que se generalizava, de que o incêndio fôra ordena<strong>do</strong>.<br />
Desse mo<strong>do</strong>, para acabar com esse rumor, Nero conseguiu<br />
encontrar os responsáveis nos cristãos, gentalha odiada<br />
por to<strong>do</strong>s, face às suas abominações, e os castigou com<br />
incomum crueldade. Cristo, de quem tomou o nome, foi<br />
executa<strong>do</strong> por Pôncio Pilatos durante o reina<strong>do</strong> de Tibério.<br />
Detida por um instante, esta superstição daninha apareceu<br />
de novo, não somente na Judéia, onde se encontrava o<br />
mal enraiza<strong>do</strong>, mas igualmente em Roma, esse lugar<br />
onde se narra, etc ...
23 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Apesar <strong>do</strong> parcialismo <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r sobre a crença<br />
cristã, a sua referência em torno da morte de <strong>Jesus</strong>,<br />
nos dias de Pôncio Pilatos, durante o reina<strong>do</strong> de Tibério,<br />
testemunha a existência real <strong>do</strong> Crucifica<strong>do</strong>.” (4)<br />
Em nossos dias, argumentan<strong>do</strong> a capacidade <strong>do</strong><br />
Império Romano “de acolher, de absorver e enriquecer-se<br />
com as contribuições de to<strong>do</strong>s os povos que <strong>do</strong>minou.”,<br />
(5) o diplomata italiano Giuseppe Magno, cônsul-geral da<br />
República da Itália, eluci<strong>do</strong>u:<br />
“Somente perante os cristãos, que reivindicavam a<br />
primazia <strong>do</strong> reino de Deus, o Esta<strong>do</strong> romano tentou reagir<br />
instauran<strong>do</strong> uma política de repressão: o cre<strong>do</strong> <strong>do</strong>s cristãos,<br />
entre outras coisas, minava as bases <strong>do</strong> sistema econômico,<br />
reivindican<strong>do</strong> para os escravos a mesma dignidade e os<br />
mesmos direitos <strong>do</strong>s homens livres.” (6)<br />
Voltan<strong>do</strong> ao ponto central das referências<br />
históricas acerca <strong>do</strong> tempo em que viveu <strong>Jesus</strong>, Amélia<br />
Rodrigues (Espírito), através da psicografia de Dival<strong>do</strong><br />
Pereira Franco nos dá uma lição de História ou de<br />
(4) AMÉLIA RODRIGUES – in Pelos Caminhos de <strong>Jesus</strong>, psicografa<strong>do</strong><br />
por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – pp. 13, 14 – Idem, idem.<br />
(5 e 6) GIUSEPPE MAGNO, cônsul–geral da Itália no Rio de Janeiro,<br />
nos i<strong>do</strong>s de 1998. Posteriormente, nos i<strong>do</strong>s de 2007/2011, em<br />
andamento, Giuseppe Magno é o embaixa<strong>do</strong>r da Itália em<br />
Honduras – in Itália, <strong>luz</strong> mediterrânea, palestra proferida, em<br />
11/12/1998, ao ensejo da realização <strong>do</strong> 2° Seminário Banco<br />
<strong>do</strong> Brasil e a Integração Social, promovi<strong>do</strong> pela Academia de<br />
Letras <strong>do</strong>s Funcionários <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil, sob a presidência <strong>do</strong><br />
escritor Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>.
FERNANDO PINHEIRO - 24<br />
Direito Internacional. A informação <strong>do</strong> diplomata italiano<br />
corresponde à mesma realidade histórica ditada por<br />
Amélia Rodrigues:<br />
“Tolera<strong>do</strong>s pela “Lex romana”, como praticamente<br />
to<strong>do</strong>s os que cultuavam seus deuses e religiões trazi<strong>do</strong>s<br />
para o Império na razão em que o mesmo estendia os<br />
seus territórios, e de certo mo<strong>do</strong> confundi<strong>do</strong>s com o<br />
Judaísmo, que gozava <strong>do</strong> privilégio de “religião nacional”,<br />
os segui<strong>do</strong>res de <strong>Jesus</strong> foram colhi<strong>do</strong>s pela armadilha da<br />
impiedade quan<strong>do</strong> o impera<strong>do</strong>r declarou que não era<br />
“lícito ser cristão”, inician<strong>do</strong> as rudes e dilacera<strong>do</strong>ras<br />
perseguições a partir daquele tormentoso ano de 64.” (7)<br />
A perseguição aos cristãos se alongaria por<br />
<strong>do</strong>is séculos, precisamente até o ano de 313, na gestão<br />
<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r Constantino que aprovou as normas<br />
estabelecidas no Edito de Milão.<br />
Se na teoria da origem das espécies, Darwin<br />
estabeleceu que o Universo foi cria<strong>do</strong> de matéria<br />
inorgânica e no conceito de Einstein “tu<strong>do</strong> é energia”,<br />
podemos dizer que o Sol, a Lua e as estrelas, <strong>Jesus</strong> e<br />
to<strong>do</strong>s nós possuímos <strong>luz</strong>. Mas o título honorífico “<strong>luz</strong><br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>” é, singularmente, atribuí<strong>do</strong> a <strong>Jesus</strong>, a quem<br />
temos a imensa honra de ser um <strong>do</strong>s últimos<br />
contistas e ensaístas de Sua vida e obra.<br />
(7) AMÉLIA RODRIGUES – in Pelos caminhos de <strong>Jesus</strong>, p. 206 –<br />
3ª edição – 1998, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco –<br />
Livraria Espírita Alvorada Editora – Salva<strong>do</strong>r – BA – Idem, idem.
25 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
1<br />
ANUNCIANDO A ENCARNAÇÃO DO VERBO<br />
Elogia<strong>do</strong> por Adelmar Tavares, advoga<strong>do</strong> <strong>do</strong> Banco<br />
<strong>do</strong> Brasil (1925/1930), em discurso de posse na Academia<br />
Brasileira de Letras, Fagundes Varela é o nobre cantor<br />
de Anchieta ou O Evangelho nas Selvas que nos abre a<br />
narrativa evangélica:<br />
“E como a virgem pálida mirasse,<br />
Continuou assim: – Sobre o seu seio<br />
Há desci<strong>do</strong> <strong>do</strong> Altíssimo a virtude,<br />
Terás um filho poderoso e forte,<br />
E que – Filho de Deus – será chama<strong>do</strong>.<br />
Eis a serva de Deus – faça–se nela<br />
Sua santa vontade, – diz a virgem.
FERNANDO PINHEIRO - 26<br />
E o celeste envia<strong>do</strong> abrin<strong>do</strong> as asas<br />
Volta, entre nuvens de brilhantes cores,<br />
À sidérea mansão. – Salvo era o mun<strong>do</strong>:<br />
Tinha se feito a <strong>luz</strong> que alumiava<br />
A matéria fecunda, ia fazer–se<br />
A viva <strong>luz</strong> que alumiar devéra<br />
As almas imortais em seu caminho;<br />
Ia chegar ao mun<strong>do</strong> o Prometi<strong>do</strong>,<br />
Aquele que esperava que viesse,<br />
Que trouxesse um consolo aos que chorassem,<br />
Que desse ao pobre um lar, ao triste um gozo,<br />
Ao romeiro um bordão, ao nauta um leme,<br />
Ao cego a <strong>luz</strong>, ao moribun<strong>do</strong> a vida,<br />
Aos povos a verdade! – Era já tempo.<br />
(...)<br />
Da clara estirpe de David, o grande,<br />
A glória de Israel, o rei–profeta,<br />
O ungi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Senhor, o herói, o sábio,<br />
O mais nobre cantor que há visto o mun<strong>do</strong>,<br />
Era a eleita de Deus, <strong>do</strong>s céus princesa,<br />
Dos homens esperança, – era Maria,<br />
Filha de Ana e de Joaquim, esposa<br />
Do operário José. A nó<strong>do</strong>a infausta<br />
Do vício original não maculava<br />
A esplêndida candura de seu rosto,<br />
Norma sublime, divinal modelo<br />
Da perfeição <strong>do</strong>s anjos. A inocência,<br />
A bondade infinita, radiavam<br />
Iguais a duas fúlgidas estrelas,<br />
Em seu laurel da excelsa virgindade.<br />
Seus gestos graciosos, os seus passos<br />
Mais leves e sutis, eram medi<strong>do</strong>s<br />
Por suave harmonia. Um – que – de etéreo,
27 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
De indefini<strong>do</strong> e vago, derramavam<br />
Por toda a parte seus olhares. – Almas<br />
Tinham as rosas <strong>do</strong>s sarçais selvagens,<br />
Se as tocavam seus de<strong>do</strong>s.” (8)<br />
Almas das rosas – assim o poeta Fagundes Varela<br />
nos faz pensar.<br />
Assim como a concha <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar esconde<br />
a pérola que será exposta no momento oportuno, o<br />
coração <strong>do</strong> homem possui segre<strong>do</strong>s que serão revela<strong>do</strong>s<br />
em idêntica situação.<br />
O tempo corre em espaços matemáticos. Na<br />
precisão de um segun<strong>do</strong>, a flor se abre um pouco mais,<br />
o relâmpago desencadeia as chuvas, o pulo das aves<br />
sacode polens de flores.<br />
E qual hora <strong>do</strong> homem realizar seus sonhos,<br />
se ainda não sabe prever em um segun<strong>do</strong> antes a<br />
manifestação <strong>do</strong> relâmpago nem ver a flor se abrin<strong>do</strong> em<br />
tão pouco tempo e ainda está muito longe de determinar<br />
o gesto que antecede o voo <strong>do</strong>s pássaros?<br />
A natureza se expandin<strong>do</strong> nele mostra a<br />
hora da sede, <strong>do</strong> sono, <strong>do</strong> acordar sem que ele tenha<br />
necessidade de recorrer a outros meios.<br />
As aves e os animais, no instinto da<br />
conservação, têm esses meios que dão equilíbrio em<br />
suas vidas, mergulhadas inconscientemente nas forças <strong>do</strong><br />
Universo.<br />
(8) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –<br />
poema – Canto I – Cap. XVI, XVII – pp. 18, 19 – Livraria Imperial<br />
– 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.
FERNANDO PINHEIRO - 28<br />
A alma <strong>do</strong>s pássaros ou a energia <strong>do</strong>s pássaros<br />
desperta no homem o voo de suas melhores energias.<br />
A alma <strong>do</strong>s rios a vontade de correr, a alma <strong>do</strong>s<br />
ventos o sonho de desfilar na imaginação <strong>do</strong>s amores<br />
que encontra no caminho, a alma das rosas <strong>do</strong>s sarçais<br />
selvagens, a inspiração poética de Fagundes Varella que<br />
a faz ver no toque sutil das mãos de Maria de Nazaré.<br />
Há movimentação constante de forças crian<strong>do</strong><br />
o destino de futuras flores, ainda inseminadas nos<br />
pólens de árvores que os pássaros sacodem; há energias<br />
mentais, que se cristalizaram nos sorrisos e na ternura,<br />
construin<strong>do</strong> o sonho <strong>do</strong>s amores numa vida em comum.<br />
Nas circunstâncias que o envolvem, o homem<br />
pensa buscar soluções, definir esquemas que produzem<br />
resulta<strong>do</strong>s positivos, mas não sabe as implicações que o<br />
futuro lhe responderá nesses gestos.<br />
Quem pode prever a resposta de um olhar, se<br />
ainda não tem consciência da intensidade em que foi<br />
emiti<strong>do</strong> nem sabe em que ponto será acolhi<strong>do</strong> pela<br />
apreciação alheia?<br />
Há um referencial de vida em cada ser humano.<br />
Daí o cuida<strong>do</strong> de não expormos aquilo que deve ser<br />
guarda<strong>do</strong> para não chocar a visão de quem não possui<br />
o mesmo referencial. O segre<strong>do</strong> da vida ou o mistério<br />
<strong>do</strong>s véus que se estenderam nos templos e lugares<br />
sagra<strong>do</strong>s de to<strong>do</strong>s os povos serviam apenas para nos<br />
livrar <strong>do</strong> infortúnio.<br />
A citação <strong>do</strong> Canto IX – p. 283, de Anchieta ou<br />
O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela, é oportuna:<br />
“Há sofrimentos como os segre<strong>do</strong>s da famosa esfinge,<br />
cumpre deixá–los no mistério envoltos!”
29 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
O silêncio sempre esteve liga<strong>do</strong> à sabe<strong>do</strong>ria<br />
e, dentro das implicações que desconhecemos, há um<br />
refazimento das energias desperdiçadas em campos<br />
emocionais diferentes <strong>do</strong> nosso estágio evolutivo.<br />
É por isso que vemos a importância de<br />
resulta<strong>do</strong>s negativos naqueles empreendimentos que<br />
pensamos ser o melhor, mas o tempo revelará a fragilidade<br />
<strong>do</strong>s sonhos cria<strong>do</strong>s na imaginação.<br />
O importante é deixar-se conduzir pelas energias<br />
que criam os verdadeiros sonhos, saben<strong>do</strong> que a missão<br />
de cada um tem ligações profundas em fontes que jorram<br />
sabe<strong>do</strong>ria a alcance de to<strong>do</strong>s.<br />
Quan<strong>do</strong> o homem se mantiver tranquilo na<br />
adversidade, verá que há sinais lhe indican<strong>do</strong> outros<br />
caminhos onde pode seguir sentin<strong>do</strong> a alma <strong>do</strong>s rios<br />
corren<strong>do</strong>, a alma das rosas, perfuman<strong>do</strong>, a alma <strong>do</strong>s<br />
ventos – Sílfide – se misturan<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s os seres da<br />
Criação.<br />
<br />
Acreditamos que com a vibração luminosa <strong>do</strong><br />
amor estendida por toda a superfície terrena, as camadas<br />
densas e escuras que a envolvem, falamos de psicofera,<br />
serão extintas, assim como faz a vela acesa clarean<strong>do</strong> o<br />
que antes era escuridão.<br />
O amor fará o maior milagre que jamais<br />
aconteceu no planeta, transformá–lo em paraíso, na<br />
consciência <strong>do</strong>s anjos que a revelam em suas mensagens<br />
de <strong>luz</strong>, desde os tempos bíblicos.
FERNANDO PINHEIRO - 30<br />
Dores, tristeza, saudades, lutas e sofrimento serão<br />
recordações <strong>do</strong> homem que deixou a influência <strong>do</strong> animal<br />
nele aparecer.<br />
O advento de uma era de paz está a caminho,<br />
em distâncias que podem ser encurtadas pela população<br />
da Terra. Nesse senti<strong>do</strong>, as catástrofes andam a galope<br />
em direção de zonas de risco que tendem a se globalizar.<br />
A Era de Aquarius se abriu neste século, ainda não<br />
sentida em to<strong>do</strong>s os níveis da espiritualidade. No planeta<br />
em renovação, haverá uma civilização sem temores <strong>do</strong><br />
futuro e dócil à inspiração superior.<br />
<br />
Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes<br />
Varela (Canto I, pp. 19 e 20), conclui a anunciação <strong>do</strong><br />
Verbo encarna<strong>do</strong>:<br />
“Neta de um rei, mulher de um jornaleiro,<br />
Pobre, singela, humilde, mas senhora<br />
De toda a humanidade: desprezada<br />
Dos escravos <strong>do</strong>s Césares nefan<strong>do</strong>s,<br />
Mais forte, gloriosa, triunfante<br />
Ao la<strong>do</strong> de seu Filho e de quem sofre;<br />
Eis a mulher que soergueu os homens<br />
Do fun<strong>do</strong> abismo onde os lançara o erro!<br />
Eis a predestinada, a quem o Eterno<br />
Enviara seu lúci<strong>do</strong> ministro<br />
Anuncian<strong>do</strong> a encarnação <strong>do</strong> Verbo.”
31 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
2<br />
CARAVANAS DO DESERTO<br />
“Ten<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong> nasci<strong>do</strong> em Belém de Judéia, no<br />
tempo <strong>do</strong> rei Herodes, vieram uns magos <strong>do</strong> Oriente a<br />
Jerusalém. Onde está aquele que é nasci<strong>do</strong> rei <strong>do</strong>s judeus?<br />
Vimos a sua estrela no Oriente, e viemos a<strong>do</strong>rá–lo.” (9)<br />
<br />
Os caminhantes que vieram <strong>do</strong> Oriente traziam<br />
mapas enrola<strong>do</strong>s em papiros para sentir com as mãos<br />
as previsões que sentiam na alma acerca <strong>do</strong> nascimento<br />
<strong>do</strong> mais glorioso filho de Judá, região de homens<br />
consagra<strong>do</strong>s a Deus, onde surgiram muitos profetas.<br />
(9) MATEUS, 2:1 e 2
FERNANDO PINHEIRO - 32<br />
As vestimentas <strong>do</strong>s magos tinham sinais de<br />
ostentação e de riqueza, carregavam perfumes e essências<br />
raras que eram derramadas no corpo, ao re<strong>do</strong>r de<br />
lareiras improvisadas, perfuman<strong>do</strong> o ambiente volta<strong>do</strong><br />
exclusivamente a meditações acerca <strong>do</strong> destino <strong>do</strong>s<br />
homens.<br />
Os caminhantes orientais conheciam os astros<br />
e suas influências no mun<strong>do</strong> material, as leis que<br />
definem o aparelhamento de cada ser humano diante da<br />
vida, consultan<strong>do</strong> sempre os astros e a numerologia,<br />
artes divinatórias ainda presentes nos dias atuais.<br />
A estrela de Belém, que alumiou a manje<strong>do</strong>ura<br />
<strong>do</strong> menino que veio salvar a humanidade permanece como<br />
símbolo de orientação a outras caravanas que seguem<br />
sem rumo. Basta um olhar para o alto e o panorama<br />
será radiante como a aurora que surge a cada alvorecer.<br />
Com a inspiração da mensagem de <strong>Jesus</strong>: “E<br />
to<strong>do</strong> aquele que receber, em meu nome, uma criança<br />
como esta, recebe a mim”, ampliamos o assunto <strong>do</strong><br />
tema, com o ensaio Imagens <strong>do</strong> Deserto, da obra Os<br />
Ventos <strong>do</strong> Amanhecer, de Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>:<br />
Flores atiradas ao deserto por caravanas que<br />
passam apressadas. Suas cargas estão pesadas de<br />
coisas supérfluas. São necessárias ao consumo transitório,<br />
mas não têm proveito no destino da viagem. Raul<br />
Seixas, na música O trem das 7, percebeu isso.<br />
O tempo vai fenecen<strong>do</strong> as flores desprendidas<br />
de suas raízes. Chegará um momento em que essas flores<br />
virarão adubos fertilizan<strong>do</strong> as searas, mesmo que se<br />
encontrem em terrenos desérticos.
33 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
No campo humano, há aridez <strong>do</strong>s sentimentos<br />
quan<strong>do</strong> desprezam anjos solitários em tenra idade, a<br />
vagar pelas ruas, venden<strong>do</strong> limões, balas de açúcar,<br />
limpan<strong>do</strong> pára-brisas de outras caravanas, nos sinais<br />
de trânsito, ou ingressan<strong>do</strong>, por vítimas <strong>do</strong> erro adulto,<br />
no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> crime.<br />
Segun<strong>do</strong> informação divulgada numa entrevista<br />
levada ao ar, em 14/9/2002, pela Rádio Catedral FM, são<br />
mortos, anualmente, 3.000 menores no tráfico de drogas<br />
na cidade <strong>do</strong> Rio de Janeiro. O JB (23/5/2009), 1ª página,<br />
publica retrato colori<strong>do</strong> de menor aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> apanhan<strong>do</strong><br />
seus pertences em bueiro (Créditos: Guilherme Gonçalves).<br />
Não obstante as vicissitudes da vida, o olhar<br />
da criança é sempre <strong>do</strong>ce, sem me<strong>do</strong> das circunstâncias.<br />
A feiura vem da comparação tendenciosa <strong>do</strong> adulto que<br />
a aprecia <strong>do</strong> seu ponto-de-vista.<br />
Além das aparências, as necessidades existenciais<br />
ressurgem com força <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>ra. O destino das flores<br />
tem percursos imprevistos pelo homem. Ele se livra delas,<br />
pensan<strong>do</strong> em seu trajeto pessoal, sem saber das<br />
consequências.<br />
O homem, desconhecen<strong>do</strong> a realidade imortal<br />
que o envolve, ainda se debate nos grilhões da morte,<br />
onde coloca tristeza e desolação.<br />
Mas é preciso que ele se inspire em Francisco<br />
de Assis (1182/1226), o mais santo <strong>do</strong>s italianos e o<br />
mais italiano <strong>do</strong>s santos, que poeticamente nos falou <strong>do</strong><br />
irmão-sol, da irmã-lua e da proteção <strong>do</strong>s animais, sem<br />
perder a referência principal <strong>do</strong> homem no contexto <strong>do</strong><br />
universo.
FERNANDO PINHEIRO - 34<br />
Prestigia<strong>do</strong> pela presença de Edgar<strong>do</strong> Amorim<br />
Rego, gerente da Carteira de Operações de Câmbio<br />
(Camio/Gecam) <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil (12/4/1972 a abril/1984),<br />
e <strong>do</strong> embaixa<strong>do</strong>r Afonso Arinos de Melo Franco Filho,<br />
proferimos a palestra de abertura <strong>do</strong> 5° Seminário Banco <strong>do</strong><br />
Brasil e a Integração Social, na qual homenageamos o poeta<br />
e embaixa<strong>do</strong>r Caio de Mello Franco, citan<strong>do</strong> a poesia<br />
destinada a São Francisco de Assis:<br />
“És o gênio <strong>do</strong> Amor, na natureza!<br />
Teu irmão Sol te aquece e te ilumina ...<br />
Se é noite, Soror Lua, cristalina,<br />
Desfaz-se em ouro, toda em ouro acesa ...” (11)<br />
Nós sabemos que as necessidades das criaturas<br />
são imensas. Há an<strong>do</strong>rinhas pie<strong>do</strong>sas em louvor <strong>do</strong><br />
Cria<strong>do</strong>r nos claustros <strong>do</strong>s conventos, pardais solitários<br />
que buscam galhos secos para construir novos ninhos,<br />
abelhas se ligan<strong>do</strong> ao trabalho de classe, borboletas<br />
voejam em saltos que sobressaem a cor, o brilho, a<br />
destreza <strong>do</strong>s movimentos.<br />
Se a fauna é rica em suas espécies, a flora<br />
tem flores e arbustos em tapetes mágicos que encantam<br />
to<strong>do</strong>s os olhares.<br />
Se uma flor cai, sozinha, mostran<strong>do</strong> o teci<strong>do</strong><br />
de velu<strong>do</strong> que a compõe, não podemos ver a beleza<br />
morren<strong>do</strong>. A beleza é eterna, tem uma transparência que<br />
fica registrada no campo astral, assim como o exemplo<br />
daqueles que vieram ao mun<strong>do</strong> para servir.<br />
(11) CAIO DE MELLO FRANCO – in Vida que passa... (poemas) – p. 197<br />
– Typographia <strong>do</strong> Annuário <strong>do</strong> Brasil – Rio de Janeiro – 1924.
35 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
A tristeza <strong>do</strong> homem em ver as flores perden<strong>do</strong><br />
o viço e a graça é em decorrência de sua visão voltada<br />
ao curto espaço-limite onde está circunscrito.<br />
Quan<strong>do</strong> ele não destruir a fauna e a flora<br />
e vir nos anjos solitários das ruas de cidades<br />
companheiros em difícil teste, compreenderá que a vida<br />
está em tu<strong>do</strong>.<br />
Testes difíceis to<strong>do</strong>s passam, até mesmo aqueles<br />
que contribuíram na evolução planetária sentiram a<br />
aridez <strong>do</strong> deserto – Spinoza, indigente, Galileu, escarneci<strong>do</strong>,<br />
Beethoven, sur<strong>do</strong>, Braille, tuberculoso, Pavlov, cego,<br />
Gabriela Mistral, cancerosa, e os mártires que marcaram<br />
a História.<br />
A revelação <strong>do</strong>s profetas e poetas que viam a<br />
vida resplandecer, em esta<strong>do</strong>s mais sutis, é decantada em<br />
linguagem comovente por aqueles que saíram vitoriosos de<br />
suas provas de libertação íntima.<br />
Tem gente ainda perguntan<strong>do</strong> por que Raul Seixas<br />
é cita<strong>do</strong> nas Caravanas <strong>do</strong> Deserto? É simples responder:<br />
ele quis se referir, na canção Trem das Sete que “não<br />
tem passagem nem bagagem na viagem”, pois não<br />
levaremos nada daqui, títulos, riqueza, pobreza, apenas a<br />
vibração que carregamos que nos indicará o caminho que<br />
está na sintonia em que vivemos e continuamos a<br />
viver sempre de estágio em estágio, na escala evolutiva,<br />
a chamada escada de Jacó.
3<br />
OS DOUTORES DO TEMPLO<br />
FERNANDO PINHEIRO - 36<br />
Picture: Teaching in the Temple by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />
Após a festa da Páscoa, Maria, a mais bela<br />
judia, procurava o seu filho ama<strong>do</strong> em Jerusalém. A<br />
preocupação humana era, aos poucos, abafada pela<br />
confiança em Deus.<br />
No terceiro dia de busca, a alegria inefável<br />
tomou conta da Rosa Mística ao ver o seu filho entre<br />
os <strong>do</strong>utores.<br />
Aqueles senhores <strong>do</strong> templo, que conheciam o<br />
Cântico <strong>do</strong>s Cânticos, de Salomão, as leis e os profetas,<br />
estavam admira<strong>do</strong>s com a sabe<strong>do</strong>ria de <strong>Jesus</strong>. Ele ainda<br />
criança, apenas <strong>do</strong>ze anos de idade, e já os ensinava<br />
como Mestre.
37 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
O momento é um <strong>do</strong>s mais expressivos da<br />
narrativa evangélica porque os <strong>do</strong>utores, ao contemplar<br />
a beleza primaveril encarnada num menino, estavam<br />
mais inclina<strong>do</strong>s a receber a <strong>luz</strong> que ilumina os<br />
caminhos <strong>do</strong> homem.<br />
Numa <strong>do</strong>ce admiração, eles se lembraram de<br />
Davi, quan<strong>do</strong> era também criança, apascentan<strong>do</strong> as<br />
ovelhas e cantan<strong>do</strong> salmos que o imortalizaram.<br />
No plano mental, o homem aprecia a beleza<br />
comparan<strong>do</strong>-a com experiências vividas ou refletidas em<br />
sua alma. É um estágio entre o saber humano e a<br />
sabe<strong>do</strong>ria que deslinda os enigmas <strong>do</strong> caminhar.<br />
Um segun<strong>do</strong> antes, <strong>Jesus</strong> foi compara<strong>do</strong> a Davi<br />
e, um segun<strong>do</strong> depois, ultrapassou as fronteiras<br />
da comparação humana, num êxtase que atinge a<br />
transcendência <strong>do</strong>s fatos conheci<strong>do</strong>s.<br />
No reencontro de Maria com o filho ama<strong>do</strong>,<br />
as ressonâncias <strong>do</strong> Cântico <strong>do</strong>s Cânticos, de Salomão,<br />
gravadas no inconsciente coletivo de que nos falou Carl<br />
Jung (12) parecem estar gravadas no ar: “vistes aquele<br />
a quem ama a minha alma?” (13)<br />
(12) A descoberta <strong>do</strong> inconsciente coletivo, de Carl Gustav Jung,<br />
psicólogo suíço (1875/1961), data <strong>do</strong> século XX, mas já existia<br />
desde que o mun<strong>do</strong> é mun<strong>do</strong>, assim como o átomo, etc.<br />
Consideran<strong>do</strong> que o Cântico <strong>do</strong>s Cânticos, de Salomão, é<br />
anterior aos tempos de <strong>Jesus</strong>, é natural que pairava na<br />
psicosfera terrestre (campo astral) os registros mnemônicos ou<br />
vibrações psíquicas <strong>do</strong> autor bíblico. Para os indianos eram os<br />
registros akáshicos e para os cristãos o Livro da Vida.<br />
(13) SALOMÃO – in Cântico <strong>do</strong>s Cânticos.
FERNANDO PINHEIRO - 38<br />
A resposta <strong>do</strong> Mestre ama<strong>do</strong>, num tom<br />
interrogativo, conforme menciona Lucas, o escritor da<br />
mansuetude de <strong>Jesus</strong>, no dizer <strong>do</strong> poeta italiano Dante<br />
Alighieri, é sem comparação: “por que é que me<br />
procuráveis? Não sabeis que me convém tratar <strong>do</strong>s<br />
negócios de meu Pai?” (14)<br />
No plano invisível, onde reina o inconsciente<br />
coletivo, as ressonâncias <strong>do</strong> Cântico <strong>do</strong>s Cânticos, de<br />
Salomão, ganham a atmosfera azulada que os <strong>do</strong>utores<br />
da lei conheciam:<br />
“Desci ao jardim das nogueiras,<br />
para ver os novos frutos <strong>do</strong> vale,<br />
para ver se floresciam as vides<br />
e brotavam as romeiras”. (15)<br />
No plano evangélico, o autor sacro ressalta<br />
a responsabilidade de <strong>Jesus</strong>, ainda criança, diante da<br />
obra <strong>do</strong> Pai Celestial. E concluiu: “E crescia <strong>Jesus</strong> em<br />
sabe<strong>do</strong>ria, em estatura e em graça para com Deus e os<br />
homens.” (16)<br />
<br />
Neste episódio bíblico, vamos ver a personalidade<br />
de <strong>Jesus</strong> descrita nos versos de Fagundes Varela, ao<br />
escrever a narrativa poética Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas:<br />
(14) LUCAS, 2:49 (15) SALOMÃO – in Cântico <strong>do</strong>s Cânticos<br />
(16) LUCAS, 2:52
39 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
“Correm semanas, meses, correm anos,<br />
E o menino formoso e delica<strong>do</strong>,<br />
A quem seus nobres pais deram no exílio<br />
O nome de <strong>Jesus</strong>, torna-se forte,<br />
Avisa<strong>do</strong> e gentil. A etérea calma,<br />
A candura <strong>do</strong>s anjos, resplandecem<br />
Em seu rosto a<strong>do</strong>rável; a prudência,<br />
A graça, a discrição, em belas máximas<br />
Dimanam de seus lábios. A <strong>do</strong>çura<br />
Da palavra eloquente, os gestos meigos,<br />
A expressão inefável <strong>do</strong>s olhares,<br />
Cativam corações, que ardentes buscam,<br />
Além d´aqueles <strong>do</strong>tes felicíssimos,<br />
Um – que – de estranho e grande, que pressentem<br />
E os enche de alvoroço!... – Asas, quem sabe,<br />
Ligeiras, invisíveis, se recurvam<br />
Sobre aquelas espáduas! Misterioso,<br />
Veda<strong>do</strong> aos olhos <strong>do</strong>s mortais, descansa,<br />
Talvez, o diadema <strong>do</strong> Infinito<br />
Sobre aquela cabeça imaculada!...<br />
Dois lustros tinha apenas e <strong>do</strong>is anos,<br />
Quan<strong>do</strong> em Jerusalém seus pais zelosos,<br />
Finda a festa da Páscoa, o procuravam,<br />
Que a seu la<strong>do</strong> o não viam, – assombra<strong>do</strong>s,<br />
Foram acha-lo em meio de <strong>do</strong>utores,<br />
Dos livros de Moisés volven<strong>do</strong> as folhas,<br />
Reduzin<strong>do</strong> ao silêncio os mais sagazes<br />
E velhos sacer<strong>do</strong>tes. Tão profunda,<br />
Tão vasta sapiência então mostrava!...<br />
Dos serões estivais, das quentes sestas,<br />
Dos folgue<strong>do</strong>s <strong>do</strong> povo, ingênuo e simples,<br />
Era <strong>Jesus</strong> o mimo, o encanto, a vida;
As jovens mães paravam junto à porta<br />
Do pobre carpinteiro, e contemplavam,<br />
Suspirosas, a cândida criança:<br />
– Feliz aquela cujos seios puros<br />
Te aleitaram – diziam; outras vezes,<br />
Traziam seus filhinhos inocentes<br />
Para ouvirem o lin<strong>do</strong> companheiro,<br />
Folgar com ele pelos verdes pra<strong>do</strong>s,<br />
Cren<strong>do</strong>, oh!, divina fé! que a inteligência,<br />
A graça, a mansidão, a ingenuidade<br />
Do afortuna<strong>do</strong>, loiro Nazareno,<br />
Passassem a seus tími<strong>do</strong>s amigos.<br />
Longe, porém, de se entregar incauto<br />
Aos loucos brincos <strong>do</strong>s primeiros anos,<br />
Ou simular austeridade imprópria<br />
Da ridente estação das esperanças,<br />
Ele enchia de amor e de alegria<br />
Tu<strong>do</strong> quanto o cercava! Seus olhares<br />
Fariam desabrochar na sombra os lírios,<br />
Cantar os maviosos passarinhos,<br />
Que, <strong>do</strong> basto arvore<strong>do</strong>, vinham mansos<br />
Pousar sobre seus ombros! As torrentes,<br />
As virações ligeiras, e os rumores<br />
Dos silva<strong>do</strong>s espessos, a seu gesto,<br />
Das harpas e saltérios imitavam<br />
As harmonias ternas e sau<strong>do</strong>sas.” (17)<br />
FERNANDO PINHEIRO - 40<br />
(17) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –<br />
poema – Canto II – Capítulo IX – pp. 56, 57, 58 – Livraria Imperial<br />
– 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.
41 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Ano 12. Em Roma, transcorria a gestão de Tibério<br />
César à frente <strong>do</strong>s destinos da Casa Senhorial de César.<br />
Em Jerusalém, inicia-se a missão de <strong>Jesus</strong>. Dignidade e<br />
elevação. As escadarias <strong>do</strong> templo foi o primeiro lugar onde<br />
falou em público e seus primeiros ouvintes foram os<br />
<strong>do</strong>utores da lei. Depois todas as classes de pessoas foram<br />
beneficiadas pelas suas bençãos, suas <strong>luz</strong>es que jorravam,<br />
em profusão, em sabe<strong>do</strong>ria plena. Desde aquela época até<br />
os nossos dias, sua <strong>luz</strong> permanece irradian<strong>do</strong> sempre.<br />
Aliás, desde o início <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, como se posiciona o texto<br />
inaugural da Bíblia Sagrada: “No princípio era o Verbo e<br />
o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus ”. (18)<br />
A nossa pequenez desaparece e renasce um<br />
senti<strong>do</strong> de grandeza quan<strong>do</strong> compreendemos e aceitamos<br />
as palavras de <strong>Jesus</strong>; voltamos ao pensamento inseri<strong>do</strong><br />
na temática Tu<strong>do</strong> Vibra, de nossa lavra.<br />
As pessoas que vemos, falamos, ouvimos e<br />
sentimos suas emoções, estão envolvidas em oportunidades<br />
valiosas que temos para dar testemunhos daquilo que<br />
somos. Em todas elas vemos a manifestação divina,<br />
embora haja, à primeira vista, desencantos na aproximação.<br />
Mas, ao analisar a situação, notamos que essas<br />
pessoas vieram num momento em que precisamos<br />
demonstrar aquilo que permanece estável no nosso íntimo.<br />
O equilíbrio tem a característica da igualdade. Onde<br />
houver uma fonte jorran<strong>do</strong>, haverá sempre um receptáculo<br />
colhen<strong>do</strong> as dádivas preciosas.<br />
(18) JOÃO, 1:1
FERNANDO PINHEIRO - 42<br />
Ninguém caminha sozinho. Nos passos <strong>do</strong>s que<br />
avançam em direção aos recantos onde reina a paz,<br />
há marcas indeléveis que beneficiam aqueles que andam<br />
na retaguarda.<br />
O sorriso de quem se <strong>do</strong>a em benefício daqueles<br />
que estão em situação de desconforto emocional movimenta<br />
energias que os ajudam a buscar essas mesmas energias<br />
que estão armazenadas dentro deles.<br />
É por isso que devemos ter muito carinho<br />
e ternura, quan<strong>do</strong> pessoas incompreensíveis e inconformadas<br />
com a vida se aproximam de nós.<br />
A inconformação <strong>do</strong>mina essas pessoas porque<br />
o mun<strong>do</strong> moderno, volta<strong>do</strong> à transitoriedade de to<strong>do</strong>s<br />
os valores, não contribui de forma generalizada para<br />
valorização da vida humana, principalmente daquelas que<br />
precisam de ajuda para se recomporem interiormente.<br />
Podemos ter a certeza de que se a vida nos<br />
beneficia com os amores que nos encantam a alma,<br />
de igual mo<strong>do</strong>, a lei de igualdade, posicionan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s<br />
os seres ao ponto de origem, permite, pela troca<br />
de vibrações que se completam, a aproximação de<br />
irmãos precisan<strong>do</strong> sentir o nosso estímulo.<br />
Os ventos, as chuvas, os climas, a irradiação<br />
solar, as camadas de ozônio estabelecem, no espaço, o<br />
ecossistema, embora seja danifica<strong>do</strong> pela poluição, em<br />
perío<strong>do</strong>s de ciclos que se renovam, até a saturação <strong>do</strong>s<br />
meios de vida atuais que terão, em futuro próximo,<br />
novas transformações no meio–ambiente.
43 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Tu<strong>do</strong> vibra e emite energia. O que nos<br />
parece incompleto em um instante, em outro a<br />
complementação surge. Até mesmo na explosão de<br />
corpos celestes em extinção, a vida ressurge vitoriosa.<br />
To<strong>do</strong> o Universo é energia inteligente,<br />
sobressain<strong>do</strong> desde os primeiros sintomas de observação,<br />
nos reinos da Criação (mineral, vegetal, animal) até<br />
chegar à inteligência e à intuição <strong>do</strong> homem que começa a<br />
entender o que antes era ti<strong>do</strong> como mistérios da vida.<br />
Tu<strong>do</strong> nos cerca em motivos varia<strong>do</strong>s, sempre<br />
a demonstrar que as circunstâncias, favorecen<strong>do</strong>-nos o<br />
momento, vêm nos situar nos lugares onde encontramos<br />
pessoas precisan<strong>do</strong> de sorrisos e outras que nos oferecem,<br />
nos instantes em que estamos tristes e desanima<strong>do</strong>s.<br />
Quan<strong>do</strong> nos sentimos interliga<strong>do</strong>s com as<br />
energias <strong>do</strong> Universo que movem a Ursa Maior e demais<br />
constelações da Via-Láctea, os sistemas planetários e<br />
galáxias espalhadas pelo infinito, podemos ter, de uma<br />
vez por todas, a certeza de que não haverá força<br />
alguma que possa nos prejudicar.<br />
Se há um clima desfavorável ao nosso<br />
bem-estar, devemos estar atentos para o serviço de<br />
recomposição, primeiramente verifican<strong>do</strong> se estamos em<br />
harmonia conosco para espalhar àqueles que nos chegam<br />
pelos impulsos das vibrações que emitimos.
4<br />
NATANAEL<br />
FERNANDO PINHEIRO - 44<br />
O encontro amigável de Filipe com Natanael<br />
ocorreu num momento em que começava a se formar<br />
o grupo <strong>do</strong>s 12 apóstolos messiânicos. O clima era de<br />
expectativa e de contentamento.<br />
Na conversa entre ambos foi revelada a notícia<br />
aguardada por to<strong>do</strong>s os cidadãos israelitas:<br />
“Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei,<br />
e a quem se referiram os profetas: <strong>Jesus</strong> de Nazaré,<br />
filho de José. Perguntou Natanael: Pode vir alguma<br />
coisa boa de Nazaré? Respondeu Filipe: Vem e vê.”<br />
(19)<br />
(19) JOÃO, 1:45, 46
45 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
A dúvida de que se revestiu a pergunta de<br />
Natanael, imediatamente desfeita por Filipe, num claro<br />
chamamento ao ministério divino, desperta-nos o interesse<br />
de saber maiores informações a respeito da cidade de<br />
Nazaré.<br />
Com a autorização <strong>do</strong> autor, transcrevemos da<br />
obra Trigo de Deus, de Amélia Rodrigues, psicografa<strong>do</strong> por<br />
Dival<strong>do</strong> Pereira Franco, título que presta homenagem a<br />
um <strong>do</strong>s mártires <strong>do</strong> Cristianismo, vítima da perseguição<br />
<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r Trajano:<br />
“Depois dEle, quan<strong>do</strong> o incêndio <strong>do</strong> amor tomou<br />
conta das vidas e os mártires se levantaram para<br />
glorificá-Lo, colocan<strong>do</strong> sobre os ombros as cruzes<br />
<strong>do</strong>s testemunhos, Inácio de Antioquia, Seu discípulo,<br />
denuncia<strong>do</strong> e condena<strong>do</strong>, antes de seguir a Roma para<br />
o holocausto, declarou:<br />
“Sou trigo de Deus e desejo ser tritura<strong>do</strong> e os dentes<br />
das feras devem moer-me, para que possa ser ofereci<strong>do</strong><br />
como limpo pão de Cristo.”<br />
(...)<br />
Ao tempo de <strong>Jesus</strong>, Nazaré era uma aldeia perdida<br />
nas encostas <strong>do</strong>s montes de calcário, na região da Baixa<br />
Galiléia. Parecia uma pérola, que esplendia entre pedras<br />
brutas, cercada de flores miúdas quase que permanentes.<br />
Fundada, fazia mais de <strong>do</strong>is mil anos, antes de<br />
<strong>Jesus</strong>, não tinha qualquer importância, porque nenhuma<br />
estrada significativa a atravessava, exceto quan<strong>do</strong> se seguia<br />
a rota algo escarpada na direção <strong>do</strong> Egito, caminho<br />
certamente percorri<strong>do</strong> por Maria, José e o Filho, quan<strong>do</strong><br />
da fuga para liberar-se <strong>do</strong> ódio de Herodes.
FERNANDO PINHEIRO - 46<br />
Nazaré se tornaria conhecida depois dEle.<br />
Não é o lugar que torna notável o homem, mas<br />
este que, extraordinário, dignifica o lugar de sua origem<br />
elevan<strong>do</strong>-o ao estágio de grandeza, de notoriedade.<br />
Nazaré situa-se em uma bacia, a quase quatrocentos<br />
metros, acima <strong>do</strong> nível <strong>do</strong> mar Mediterrâneo.<br />
O seu é um clima privilegia<strong>do</strong> e o vale de Jezrael é<br />
sempre fértil e verde, haven<strong>do</strong> mereci<strong>do</strong> <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r<br />
Flávio Josefo comentários entusiásticos e comove<strong>do</strong>res.<br />
Ao oeste, podem-se ver o monte Carmelo e o mar;<br />
a leste está o vale <strong>do</strong> Jordão; ao sul, a planície de Esdrelon,<br />
região onde está Megui<strong>do</strong> e na qual o rei Josias sofreu sua<br />
terrível derrota; ali também lutaram os Macabeus, sonhan<strong>do</strong><br />
com a liberdade. Mais ao sul, encontra-se o monte de<br />
Gelboé e, a nordeste, o lago de Tiberíades.<br />
Saul fora derrota<strong>do</strong> pelos filisteus muito perto dali,<br />
nas cercanias de Gelboé, fican<strong>do</strong> assinala<strong>do</strong> o seu fracasso<br />
face à desobediência à profecia de Samuel, o último <strong>do</strong>s<br />
Juízes, que lhe vieram falar através da mediunidade<br />
exuberante da pitonisa de En<strong>do</strong>r...<br />
Não sen<strong>do</strong> uma aldeia importante, esteve sujeita a<br />
Jafa, a Séforis, a Quislot, e ficou quase esquecida.<br />
A população da Galiléia era constituída por sírios,<br />
que vieram <strong>do</strong> Norte, gentios, romanos de mea<strong>do</strong> <strong>do</strong> século I,<br />
a.C., gregos que fugiram das conquistas de Alexandre<br />
Magno, e pelo povo da região, que falavam o dialeto<br />
arameu, uma linguagem pobre que se arrimava às<br />
imagens vivas da Natureza, sem dispor de um vocabulário<br />
próprio para vestir as idéias.
47 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
,<br />
Não seja, portanto, de estranhar que o Mestre<br />
usasse a mesma palavra para definir, às vezes, coisas e<br />
acontecimentos diferentes.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, era comum que um mesmo<br />
vocabulário adquirisse um significa<strong>do</strong> mais genérico, o que,<br />
certamente, criou dificuldades para o entendimento das<br />
anotações escriturísticas.” (20)<br />
A narrativa de João, ainda no 1° capítulo <strong>do</strong> texto<br />
sagra<strong>do</strong>, revela-nos outro encontro de comovente beleza:<br />
“Quan<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong> viu Natanael aproximar-se, disse<br />
a seu respeito: Aqui está um verdadeiro israelista, em<br />
quem não há nada falso. Perguntou-lhe Natanael: De<br />
onde me conheces? Respondeu <strong>Jesus</strong>: Antes que Filipe te<br />
chamasse, ti vi quan<strong>do</strong> estavas debaixo da figueira. Então<br />
Natanael declarou: Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és<br />
o Rei de Israel! Disse <strong>Jesus</strong>: Porque disse que te vi<br />
debaixo da figueira, crês? Coisas maiores <strong>do</strong> que esta verás.<br />
Então acrescentou: Na verdade, na verdade vos digo que<br />
vereis o céu aberto e os anjos de Deus subin<strong>do</strong> e<br />
descen<strong>do</strong> sobre o Filho <strong>do</strong> homem.” (21)<br />
(20) AMÉLIA RODRIGUES – in Trigo de Deus, psicografa<strong>do</strong> por<br />
(21)<br />
Dival<strong>do</strong> Pereira Franco, pp. 11, 53, 54 – 3ª edição – 1999 –<br />
Livraria Espírita Alvorada Editora – Salva<strong>do</strong>r – BA – Idem, idem).<br />
JOÃO, 1:47 a 49
5<br />
SIMÃO BAR JONAS<br />
FERNANDO PINHEIRO - 48<br />
Na Galileia corria a fama das <strong>do</strong>utrinas santas<br />
e luminosas divulgadas por <strong>Jesus</strong>, o amigo <strong>do</strong>s sofre<strong>do</strong>res<br />
deste mun<strong>do</strong>. O poeta Fagundes Varela, na inspiração<br />
sublime de transmitir passagens evangélicas, narra a<br />
última pesca de Simão Bar Jonas, o pesca<strong>do</strong>r convoca<strong>do</strong><br />
para o novo labor:<br />
“Nas horas melancólicas da tarde,<br />
Quan<strong>do</strong> se esconde o sol entre as montanhas<br />
E a <strong>luz</strong> crepuscular povoa o vale<br />
De tristeza, de amores, de saudades,<br />
Um dia vaguean<strong>do</strong> pensativo<br />
À verde margem de sereno lago,<br />
Vê sobre a areia <strong>do</strong>is batéis vazios,<br />
E a pouco espaço sobre escuras rochas,<br />
Tisna<strong>do</strong>s e grosseiros pesca<strong>do</strong>res<br />
Lavan<strong>do</strong> as finas redes. Ao mais velho,<br />
Da Galileia habita<strong>do</strong>r antigo,
49 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Dirige–se <strong>Jesus</strong>: – Simão, que fazes?<br />
Puxa ao lago o teu barco e lança as redes,<br />
Quero te ver pescar. – Mestre, responde<br />
Tristemente Simão, a noite inteira<br />
Eu ontem trabalhei, e hoje, debalde,<br />
Nem um peixinho achei; porém, tu mandas,<br />
Cumpre–me obedecer. Ajunta as redes,<br />
Chama os sócios e desce, o lenho impele,<br />
Toma o Senhor consigo e faz–se ao largo.<br />
XIII<br />
Sobre as águas serenas, lança, estende<br />
O teci<strong>do</strong> sutil de finas malhas;<br />
Depois, aos poucos, lentamente o tira,<br />
Dos amigos robustos ajuda<strong>do</strong>.<br />
Mas o peso excessivo as linhas quebra,<br />
Quebra as delgadas cordas; outros barcos<br />
Do barco de Simão se acercam logo.<br />
Assombrosa fortuna. À tona d´água<br />
Re<strong>luz</strong>em, pulam, turbilhões de peixes<br />
Os mais estranhos no tamanho e forma,<br />
Os mais aprecia<strong>do</strong>s no merca<strong>do</strong>;<br />
Uns agitan<strong>do</strong> as barbas filiformes,<br />
Encrespan<strong>do</strong> as escamas de mil cores,<br />
Fazen<strong>do</strong> resvalar nas turvas ondas<br />
O <strong>do</strong>rso bolea<strong>do</strong>, úmi<strong>do</strong> e pingue;<br />
Outros <strong>do</strong>bran<strong>do</strong> o prolonga<strong>do</strong> corpo<br />
Baten<strong>do</strong> as águas, como a lisa folha<br />
De larga e forte espada damascena,<br />
Lançan<strong>do</strong> à roda inúmeros respingos;<br />
Abrin<strong>do</strong> outros as asas matizadas<br />
De azuis lavores, de cetíneas manchas,
Procuran<strong>do</strong> transpor o mobil circo,<br />
De instante a instante mais estreito ainda.<br />
Depois se ajuntam, se misturam, rolam,<br />
Ondas vivas represas por encanto<br />
Nos limites de mágico desenho<br />
Feito por mão de fada caprichosa.<br />
Os barcos atulha<strong>do</strong>s mal flutuam,<br />
Deixan<strong>do</strong> apenas as delgadas bordas<br />
Fora das águas boliçosas, prestes<br />
A passarem sobre elas; entretanto,<br />
À direita, à esquerda, à proa, à popa<br />
Os cardumes aquáticos pululam.<br />
XIV<br />
– Retira–te de mim!... Simão exclama,<br />
Retira–te de mim, Senhor, te digo!<br />
Homem culpa<strong>do</strong> sou, escuras nó<strong>do</strong>as<br />
Minha vida enegrecem! – Não te assustes,<br />
Respondeu–lhe <strong>Jesus</strong>, meigo e risonho,<br />
Foste até hoje pesca<strong>do</strong>r de peixes,<br />
Mas de homens pesca<strong>do</strong>r serás agora. –<br />
Simão curva a cabeça e fecha os olhos.<br />
Chegan<strong>do</strong> à praia as redes aban<strong>do</strong>na,<br />
Deixa o barco na areia, e acompanha<strong>do</strong><br />
De Thiago e de João, fiéis amigos,<br />
Em seguimento <strong>do</strong> Senhor caminham. (18)<br />
FERNANDO PINHEIRO - 50<br />
(18) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –<br />
poema – Canto III – Cap, XII, XIII e XIV – pp. 56, 57, 58 – Livraria<br />
Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de<br />
Letras.
51 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
O colégio apostólico estava em formação. Nesse<br />
senti<strong>do</strong>, buscamos o pensamento em direção <strong>do</strong> tema<br />
grupos sociais onde to<strong>do</strong>s nós, de alguma forma, fazemos<br />
parte.<br />
Na caminhada em direção <strong>do</strong> destino que o<br />
homem busca, ele faz muitos estágios nos lugares onde<br />
deve permanecer por algum tempo.<br />
Em alguns passa horas, dias ou meses; em<br />
outros se demora por alguns anos ou a vida inteira,<br />
numa profissão ou atividade que justifique a sustentação<br />
de sua vida física ou a afirmação de seus talentos que<br />
devem ser distribuí<strong>do</strong>s sem recompensa.<br />
Nesses estágios há o encontro de companheiros<br />
que se interligam para compor determinada classe social<br />
com o objetivo de cumprir determinações que engrandecem<br />
a participação de cada um.<br />
Dia após dia, em número que cresce até<br />
a complementação das tarefas atribuídas, ocorre a<br />
identificação <strong>do</strong> papel de to<strong>do</strong>s os participantes no<br />
grupo social. Nele são formadas as grandes amizades<br />
que o tempo não dispersará.<br />
As modificações, no panorama social, são<br />
imposições imperiosas <strong>do</strong>s fatos busca<strong>do</strong>s como forma de<br />
afirmação de viver. To<strong>do</strong>s buscam o progresso, varian<strong>do</strong><br />
sempre os meios como estão sen<strong>do</strong> processa<strong>do</strong>s.<br />
Os lugares das pessoas estão sempre se<br />
modifican<strong>do</strong>, quer no conceito e atribuições a cada<br />
função, quer no deslocamento de posições que irão<br />
modificar a estrutura social.
FERNANDO PINHEIRO - 52<br />
O tempo, fluin<strong>do</strong> como as águas das fontes,<br />
estende a duração necessária, marcan<strong>do</strong> a posição em<br />
que o fato ocorreu nas atividades humanas. Esse recurso,<br />
que temos em mãos, auxilia-nos na realização de nossas<br />
tarefas.<br />
Quantos fatos se nos apresentam, exigin<strong>do</strong>-nos<br />
o posicionamento para que determinada circunstância<br />
crie característica própria, com marcas <strong>do</strong> nosso proceder!<br />
Nesse jogo de decisão, que envolve pessoas<br />
e ocorrências, o nosso ideal está subordina<strong>do</strong> às<br />
circunstâncias que nos fazem despertar para a realidade<br />
<strong>do</strong> fato que está acontecen<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> percebemos a hora<br />
de agir, a vontade cresce e se expande nas pessoas que<br />
nos cercam.<br />
Como é importante mantermos aqueles amores<br />
que não têm laços físicos, entregan<strong>do</strong>-os à vida que<br />
nos rodeia em circunstâncias gera<strong>do</strong>ras da alteração<br />
de lugares. O tempo e o espaço se interligam naqueles<br />
momentos imperecíveis. Depois, não haverá saudade<br />
nem apego ao que ficou guarda<strong>do</strong> dentro de nós.<br />
Os dias chegam trazen<strong>do</strong> e levan<strong>do</strong> todas<br />
as situações de que participamos, mesmo que seja<br />
apenas em pensamento. Neles ainda há amores precisan<strong>do</strong><br />
ouvir a nossa voz.<br />
Se o tempo for ligeiro, com o voo das<br />
águias, certamente outras aves que voam mais baixo<br />
enternecerão o olhar de quem demorou tanto a sentir<br />
que somos iguais.
53 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Nas ligações de interesse social, os grupos<br />
se reúnem motiva<strong>do</strong>s pelos objetivos que perseguem,<br />
estoicamente, embora haja obstáculos no desempenho<br />
da função de cada participante.<br />
Motivos de mal-estar ou qualquer indisposição<br />
orgânica ou emocional de algum integrante podem<br />
modificar o andamento da reunião desses grupos.<br />
Basta que haja, apenas, um decréscimo na vontade de<br />
continuar manten<strong>do</strong> vivo o fulgor <strong>do</strong> ideal, o panorama<br />
perde a claridade que apresentava antes.<br />
Os grupos sociais são instáveis, em decorrência<br />
da instabilidade de seus componentes. Mas, à proporção<br />
que cada um incorpore o ideal em comum, a unidade<br />
surge como força inextinguível.<br />
O mais perfeito exemplo de grupo social, vivi<strong>do</strong><br />
neste planeta, atingin<strong>do</strong> essa unidade foi, sem dúvida, o<br />
colégio apostólico que reuniu 12 discípulos, convoca<strong>do</strong> pelo<br />
Mestre <strong>Jesus</strong>.
6<br />
O BANQUETE DE LEVI<br />
FERNANDO PINHEIRO - 54<br />
Em Cafarnaum, no banquete de Levi, a<br />
alegria se manifesta esfuziante e bela. <strong>Jesus</strong> estava<br />
presente. Como se vestia o sublime convida<strong>do</strong>? O poeta<br />
Raimun<strong>do</strong> Correia falou-nos da túnica inconsútil (38)<br />
e Amélia Rodrigues, quan<strong>do</strong> descreve o momento em<br />
que <strong>Jesus</strong> falou a seus discípulos (“Segui-me, eu vos<br />
farei pesca<strong>do</strong>res de homens” (39), ditou a Dival<strong>do</strong> Pereira<br />
Franco: “A túnica descia-lhe até os pés, tecida na roca,<br />
em tom carrega<strong>do</strong> de mármore...”). (40)<br />
(38) RAIMUNDO CORREIA – in Poesias, p. 229 – DICIONÁRIO novo<br />
AURÉLIO – O Dicionário da Língua Portuguesa, p. 1096 – Editora<br />
Nova Fronteira – 1999.<br />
(39) MATEUS, 4:19<br />
(40) AMÉLIA RODRIGUES (Espírito) – in Trigo de Deus, p. 20, 3ª<br />
edição, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria<br />
Espírita Alvorada Editora – 1999 – Salva<strong>do</strong>r – BA.
55 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Passa<strong>do</strong>s os dias em que saíra de Nazaré,<br />
estivera no deserto, <strong>Jesus</strong> caminha na orla de Tiberíades,<br />
numa manhã primaveril, onde ondas são levemente<br />
eriçadas e sumidas no voo que o vento desfaz.<br />
Em frente à alfândega, <strong>Jesus</strong> fez uma parada<br />
e dirige o olhar em direção de Levi, o cobra<strong>do</strong>r de<br />
impostos, que ao mesmo tempo identifica aquele olhar,<br />
recrudescen<strong>do</strong> nele a vocação para servir à humanidade,<br />
como escritor da Boa Nova. Num átimo, ouviu-o dizer:<br />
“segue-me”.<br />
Ao entardecer, Levi, expandin<strong>do</strong>-se em alegria,<br />
oferece a <strong>Jesus</strong> e seus discípulos um banquete que tem<br />
a presença de publicanos e peca<strong>do</strong>res. A mesa estava<br />
repleta: vinhos de várias procedências nas cores de<br />
ametista, ouro velho e de rubi; frutas saborosas e peixes<br />
defuma<strong>do</strong>s adquiri<strong>do</strong>s de merca<strong>do</strong>res em trânsito.<br />
O banquete de Levi é narra<strong>do</strong> pelo próprio<br />
evangelista, mais conheci<strong>do</strong> com o nome de Mateus:<br />
“Enquanto <strong>Jesus</strong> estava jantan<strong>do</strong> na casa de Mateus,<br />
chegaram muitos cobra<strong>do</strong>res de impostos e peca<strong>do</strong>res<br />
e sentaram-se à mesa com <strong>Jesus</strong> e seus discípulos. Os<br />
fariseus, ven<strong>do</strong> isto, perguntaram aos seus discípulos: Por<br />
que come o vosso mestre com os cobra<strong>do</strong>res de impostos<br />
e peca<strong>do</strong>res? <strong>Jesus</strong>, porém, ouvin<strong>do</strong> isto, disse: Não<br />
necessitam de médicos os são, mas, sim, os <strong>do</strong>entes. Ide,<br />
porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e<br />
não sacrifícios. Pois eu não vim chamar os justos, e,<br />
sim, os peca<strong>do</strong>res ao arrependimento.” (41)<br />
(41) MATEUS, 9:9 a 13
FERNANDO PINHEIRO - 56<br />
Os cobra<strong>do</strong>res de impostos, ou publicanos, não<br />
tinham aceitação geral <strong>do</strong>s seus conterrâneos, pois eram<br />
encarrega<strong>do</strong>s de recolher o imposto devi<strong>do</strong> a César.<br />
No entanto, nada disso impedia que <strong>Jesus</strong><br />
escolhesse um discípulo daquela classe social. A missão<br />
de reunir os apóstolos estava sen<strong>do</strong> cumprida.<br />
Mateus estava feliz numa felicidade que se<br />
estenderia no decorrer <strong>do</strong>s evos, na obra evangélica que<br />
nos chega nos dias de hoje, como se fosse fruta<br />
madura, pronta para ser saboreada. A imagem é material<br />
mas o significa<strong>do</strong> é espiritual.<br />
<br />
A inspiração <strong>do</strong> poeta Fagundes Varela, na obra<br />
Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, é manifestada no poder<br />
descritivo, transmiti<strong>do</strong> em versos, da narrativa evangélica:<br />
“Deixan<strong>do</strong> os fariseus e escribas mu<strong>do</strong>s,<br />
Mu<strong>do</strong>s os assistentes, boquiabertos,<br />
Afasta-se <strong>Jesus</strong>; na larga praça,<br />
Bem junto <strong>do</strong> telônio, ou grande mesa,<br />
Onde estavam então os cobra<strong>do</strong>res<br />
Dos dinheiros reais e <strong>do</strong>s tributos,<br />
Vê, ao passar, senta<strong>do</strong> um publicano;<br />
Detém-se, encara-o, fita-lhe no rosto<br />
Um desses fun<strong>do</strong>s, divinais olhares<br />
Que aos seios d´alma rápi<strong>do</strong>s penetram,<br />
E laceram os véus da consciência.<br />
– Levante-te, Levi, filho de Alfeu,<br />
Que chamarei Mateus, e vem comigo.
57 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Mateus não titubeia e não vacila,<br />
Ergue-se, deixa tu<strong>do</strong>, ao chão arroja<br />
O próprio manto que trazia aos ombros,<br />
Guia o senhor à casa onde reside.<br />
Faz aprestar esplêndi<strong>do</strong> banquete,<br />
Chama os pobres à mesa, e alegres folgam<br />
Por to<strong>do</strong> aquele dia. Os vis escribas,<br />
Os invejosos fariseus lhe dizem:<br />
– Que! censurais os vícios e defeitos<br />
Do vulgacho grosseiro, vós, o Mestre,<br />
E comeis no festim <strong>do</strong> publicano,<br />
Senta<strong>do</strong> entre rasteiros peca<strong>do</strong>res!<br />
O Senhor lhes responde: – Ouvi, malévolos!<br />
Os que estão são, sabeis? não necessitam<br />
Dos socorros <strong>do</strong> médico, aos enfermos<br />
São eles destina<strong>do</strong>s. Neste mun<strong>do</strong><br />
Não venho aos justos ensinar, mas, vêde,<br />
Chamar à penitência os peca<strong>do</strong>res!<br />
E outras santas verdades repetin<strong>do</strong><br />
Os reduz ao silêncio, envergonha<strong>do</strong>s.” (42)<br />
<br />
Ao aceitar a missão de seguir <strong>Jesus</strong>, Mateus<br />
demonstrou, com exemplo edificante, como ser feliz para<br />
sempre. Beneficia<strong>do</strong>s também por esta salutar sugestão<br />
de viver inteligentemente, que o enre<strong>do</strong> evangélico sugere,<br />
a transformamos em comentários:<br />
(42) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – pp. 91, 92 – Obras Completas de Fagundes<br />
Varela – B.L. Garnier, Livreiro Editor – 1889 – Rio de Janeiro –<br />
Acervo: Academia Brasileira de Letras.
FERNANDO PINHEIRO - 58<br />
A condição essencial para ser feliz é viver<br />
inteligentemente. A inteligência acima das emoções e<br />
deixar que nossos atos tenham a direção que lhe é<br />
própria.<br />
A emoção é o despertar daquilo que gostamos.<br />
Com justa razão, o reflexo <strong>do</strong> que pensamos, no<br />
campo <strong>do</strong> desejo, atrai as pessoas que possuem essas<br />
mesmas características, estabelecen<strong>do</strong> um vínculo.<br />
E com maior ênfase, as pessoas <strong>do</strong> mesmo<br />
enre<strong>do</strong> de comportamento tendem a se aproximar, nos<br />
liames das responsabilidades, pois nada no Universo fica<br />
incompleto. O que começou, em olhares aparentemente<br />
ingênuos, exige a complementação.<br />
O caminhar de quem vive das emoções é<br />
bastante oscilante, vai depender, inclusive, da oscilação<br />
das pessoas que seguem impulsionadas pelos mesmos<br />
gestos. Não sabem a razão por que gostam de alguém.<br />
Às vezes, confundem o acessório com o essencial, nos<br />
detalhes que vão desde o cabelo, a roupa, etc., sem<br />
penetrar na essência <strong>do</strong> querer.<br />
Quan<strong>do</strong> as emoções não são filtradas pela<br />
inteligência, geram um vazio que leva à depressão, pois<br />
não houve identificação da finalidade <strong>do</strong>s encontros. O<br />
gostar se restringe a querer, numa posse ilusória.<br />
Ninguém pode deter para si o que pertence a<br />
Deus, sem ter o risco <strong>do</strong> sofrimento. Todas as pessoas<br />
que passam por nós, delirantes pela febre das noites<br />
escuras, têm seus vínculos em amores que precisam<br />
eternizar o momento, em cumprimento <strong>do</strong> efeito ação e<br />
reação.
59 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
A rede <strong>do</strong>s pensamentos que vem <strong>do</strong> espírito<br />
imortal é tão extensa quanto a sua existência, no campo<br />
físico e nos estágios de aprendiza<strong>do</strong> nos horizontes que<br />
ultrapassam suas fronteiras. Nessa rede estão entrelaça<strong>do</strong>s<br />
os interesses maiores de nossa evolução.<br />
Quantas vezes sentimos uma simpatia forte<br />
por alguém que nos desperta a emoção e queremos<br />
logo manter uma ligação afetiva, sem sabermos das<br />
circunstâncias em que se encontra essa pessoa. Sem<br />
dúvida, sempre ocorrem outros vínculos de responsabilidade<br />
que a impedem de ter horas livres para desfrutar desse<br />
enlevo embriaga<strong>do</strong>r.<br />
É tão sublime a emoção que sentimos ao<br />
vermos pessoas despertan<strong>do</strong>-nos a sensibilidade. São<br />
os encontros de caminhos diversos que se cruzam<br />
conosco para dar uma mensagem, mesmo que seja tão<br />
breve como o abrir de asas das borboletas.<br />
To<strong>do</strong>s nós temos um roteiro de caminhar, nele<br />
estão os amores que nos sensibilizam a alma, mas<br />
por uma razão secundária, no passa<strong>do</strong> espiritual, não<br />
demos o valor que eles merecem. E, assim, voltam para<br />
completar o vazio que passou despercebi<strong>do</strong>.<br />
Como são tantos os amores que nos chegam,<br />
devemos agir inteligentemente, verifican<strong>do</strong> o papel que<br />
ocupamos em seus relacionamentos, deixan<strong>do</strong>-os livres em<br />
seus caminhos, aman<strong>do</strong>-os cada vez mais, embora não<br />
haja necessidade de nossa presença para provar-lhes o<br />
que sentimos.
7<br />
NICODEMOS<br />
FERNANDO PINHEIRO - 60<br />
O cenário e a situação psicológica em que se<br />
encontrava Nicodemos, o <strong>do</strong>utor da Lei que pediu uma<br />
entrevista a <strong>Jesus</strong>, constam <strong>do</strong> livro Primícias <strong>do</strong> Reino,<br />
de Amélia Rodrigues, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira<br />
Franco. A seguir, transcritos:<br />
“O plenilúnio vestia Jerusalém de prata. (*)<br />
A torre Antônia, altaneira ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Templo, parecia<br />
um vigia assesta<strong>do</strong> sobre a cidade <strong>do</strong>s profetas, observan<strong>do</strong><br />
os movimentos suspeitos em toda a parte...<br />
(*) João, 3:1 a 15 (abril de 29)<br />
(Nota da Autora Espiritual)
61 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Fora <strong>do</strong>s muros circunjacentes, as terras de Acra<br />
e Bezeta estuavam de ver<strong>do</strong>r, carrean<strong>do</strong> o vento frio na<br />
direção da urbe em repouso.<br />
No Templo deserto, a essa hora da noite, crepitam<br />
as chamas da perpétua vigília.<br />
Transeuntes noctívagos conduzem archotes, embora a<br />
claridade de Celene espalhada sobre o basalto <strong>do</strong> piso.<br />
As casas, de portas cerradas, estão mergulhadas em<br />
profun<strong>do</strong> silêncio.<br />
<strong>Jesus</strong>, em casa de amigos, espera.<br />
Aquela entrevista, Ele a concedeu prazerosamente sem<br />
qualquer impedimento. Recebera a solicitação e, como a<br />
desejasse, aquiescera generoso.<br />
(...)<br />
Quan<strong>do</strong> chegou à casa, conduzi<strong>do</strong> por devota<strong>do</strong><br />
discípulo dEle, e O viu, não pôde <strong>do</strong>minar a emoção que<br />
o assustou de chofre.<br />
Experimentou a impressão de conhecê-Lo.<br />
Também Ele parecia identificá-lo cordialmente, como<br />
se o conhecesse e esperasse o encontro.<br />
Num átimo de minuto, procurou recordar, no<br />
coração, onde O vira, quan<strong>do</strong> O encontrara. Foi inútil.<br />
Na acústica da mente parecia ouvi-Lo dizer: “eu te<br />
conheço, Nicodemos bar Nicodemo, desde antes...” (22)<br />
(22) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias <strong>do</strong> Reino, psicografa<strong>do</strong> por<br />
Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora –<br />
Salva<strong>do</strong>r – BA – Idem, idem.
FERNANDO PINHEIRO - 62<br />
Com o propósito de semear a beleza na seara<br />
em que trabalhamos, e acreditan<strong>do</strong> naquilo que é<br />
evidente, surgi<strong>do</strong> na elucidação feita por <strong>Jesus</strong> a<br />
Nicodemos, apresentamos a matéria sob o título de<br />
Fenômenos Íntimos:<br />
A cada amanhecer, despertamos com ânimo<br />
firme para enfrentar as situações que se nos apresentam<br />
com a finalidade de que haja participação de nossos<br />
gestos.<br />
De etapa em etapa, vamos conhecen<strong>do</strong> o roteiro<br />
<strong>do</strong> caminho. Tu<strong>do</strong> é simples e claro. Mas, quan<strong>do</strong> o<br />
nosso olhar se alonga em direção às necessidades de<br />
apoio que sentimos virem de companheiros de jornada,<br />
vemos que algo deve ser feito em benefício deles.<br />
A princípio, o aspecto enigmático cobre-nos a<br />
visão. Mas, à proporção que sentimos sermos úteis<br />
àqueles que nos rodeiam, a ideia surge na mente como<br />
as águas nascen<strong>do</strong> nas fontes.<br />
O amor que impulsiona os movimentos<br />
harmoniosos da natureza envolve o homem estimulan<strong>do</strong>-o<br />
para que participe desta festa invisível de mística beleza.<br />
Assim como os pássaros mudam de penugem,<br />
os répteis a coloração da pele, no homem a mudança<br />
de status íntimo tem um significa<strong>do</strong> da maior<br />
importância. A crisálida nos dá a borboleta, os fenômenos<br />
íntimos, que eclodem <strong>do</strong> ser espiritual, revelam o homem<br />
novo.<br />
Na transformação <strong>do</strong>s seres vivos, há um<br />
renascimento. A beleza de sons e cores acompanha-nos<br />
no ciclo renova<strong>do</strong>r das quatro estações <strong>do</strong> ano, fazen<strong>do</strong>-nos<br />
crescer em harmonia.
63 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
No homem o crescimento interior é o momento<br />
mais importante de sua vida, simplesmente porque<br />
reconhece a sua identificação no cenário <strong>do</strong> Cosmos.<br />
A sua intuição, de uma comprovação inquestionável,<br />
ultrapassa os limites de sua inteligência acostumada a<br />
clarear os aspectos meramente frios e calculistas.<br />
Nasce um novo homem, é como o nascer <strong>do</strong> sol.<br />
Quantas pessoas, animais, vegetais ficam expostos para<br />
receber a claridade e o calor que dele derramam!<br />
Quem já sente o nascimento de um novo<br />
alento dentro <strong>do</strong> seu íntimo pode estar certo de que ao<br />
re<strong>do</strong>r muitas pessoas e circunstâncias esperam ser<br />
beneficiadas pela sua participação.<br />
Como a evolução prossegue em ritmo crescente,<br />
quan<strong>do</strong> surge um estágio que se desloca, avançan<strong>do</strong>,<br />
outro que se interliga é beneficia<strong>do</strong> pelo avanço.<br />
É por essa razão que ninguém está só. Sempre<br />
existem participantes de sua caminhada, em qualquer<br />
ponto em que se encontra. Aqueles que não o<br />
acompanharam quan<strong>do</strong> ele seguiu adiante, outros na<br />
frente o aguardam para formarem outro elo de uma<br />
nova fase evolutiva.<br />
E, ainda, aqueles outros que ficaram sempre<br />
indagan<strong>do</strong> qual o caminho, sem vontade de procurá-lo,<br />
terão em suas companhias os seus semelhantes que<br />
farão a mesma pergunta, até que um dia, por uma<br />
razão forte, deixarão a <strong>luz</strong> penetrar em suas mentes<br />
viciadas e entenderão por que havia tanta exortação nas<br />
palavras <strong>do</strong>s seus amigos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> distante.
8<br />
O PILOTO DE BIGAS<br />
FERNANDO PINHEIRO - 64<br />
Picture: Christ and the rich young ruler by Heinrich Hofmann (1824/1911)<br />
O piloto de bigas, o mesmo moço rico de<br />
que no relatam as Escrituras Sagradas (23), teve uma<br />
entrevista com <strong>Jesus</strong>. Outro piloto de corridas, chama<strong>do</strong><br />
Ben-Hur, conforme mostra<strong>do</strong> pelo cinema que revelou<br />
Charlton Heston no papel-título, também conheceu o<br />
rabi da Galileia, apenas de longe, ao vê-lo a caminho<br />
<strong>do</strong> Gólgota.<br />
Amélia Rodrigues (Espírito), no livro Primícias <strong>do</strong><br />
Reino, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco, descreve<br />
a cena em que ocorreu a participação <strong>do</strong> piloto de<br />
bigas, acidenta<strong>do</strong> na pista de corridas, em Cesareia.<br />
(23) MATEUS, 19:16 a 30 MARCOS, 10:17 a 31
65 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
É impressionante a narrativa da autora<br />
espiritual (Amélia Rodrigues, na psicografia de Dival<strong>do</strong><br />
Pereira) que utiliza imagens de rara beleza poética num<br />
cenário em que ocorre a tragédia e destaca sobretu<strong>do</strong><br />
a ação <strong>do</strong> moço rico, assoberba<strong>do</strong> com a agenda de<br />
compromissos e, em seguida, a recomposição de seu<br />
esta<strong>do</strong> mental, onde ainda recrudesciam imagens<br />
inesquecíveis da entrevista com <strong>Jesus</strong>:<br />
“Enquanto escravos precípites arrastam-no da pista,<br />
foge mentalmente à cena brutal que o esmaga, e entre as<br />
névoas que lhe sombreiam os olhos parece vê-Lo.” (24)<br />
A roupagem carnal é desfeita mas não é o fim.<br />
Quem pode delimitar a ação divina nos fatos que<br />
ultrapassam a nossa realidade material? Há recursos<br />
inefáveis àqueles que são merece<strong>do</strong>res da felicidade, em<br />
qualquer situação em que se encontram.<br />
O estu<strong>do</strong> reflexivo da atitude <strong>do</strong> moço rico que<br />
se encontrou com <strong>Jesus</strong>, leva-nos a pensar na liberação<br />
interna <strong>do</strong> ser humano que precisa descobrir o que lhe<br />
convém a nível de interiorização de alma.<br />
O apego a pessoas, coisas, trabalho, ideais está<br />
mais liga<strong>do</strong> às contingências <strong>do</strong> momento <strong>do</strong> que as<br />
necessidades reais <strong>do</strong> nosso ser que vive em dimensões<br />
superiores à matéria.<br />
(24) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias <strong>do</strong> Reino – pp. 81 e 82 –<br />
7ª edição, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria<br />
Espírita Alvorada Editora – 9/2000 – Salva<strong>do</strong>r – BA – Idem, idem.
FERNANDO PINHEIRO - 66<br />
Se reconhecêssemos que tu<strong>do</strong> e to<strong>do</strong>s estão<br />
imanta<strong>do</strong>s em uma só essência cósmica, este é o<br />
argumento de Spinoza, veríamos que nossa preocupação<br />
pelos resulta<strong>do</strong>s não tem razão alguma de existir.<br />
A dedicação ao trabalho que nos cabe fazer e o<br />
amor pelas pessoas de nosso convívio e, ainda, a devoção<br />
que temos pelo ideal escolhi<strong>do</strong> são estímulos para que<br />
a vida se complete dentro de nós.<br />
O importante é distinguir o amor e o apego.<br />
Ambos são diferentes, embora, na aparência, estejam<br />
no mesmo nível de igualdade. Possuem uma realidade<br />
única de extremidades opostas.<br />
A diferença é que o apego está volta<strong>do</strong> às<br />
exigências <strong>do</strong> que sentimos sem a visão interna e o<br />
amor é o reconhecimento de que tu<strong>do</strong> se manifesta com<br />
um fim útil, embora não tenhamos a compreensão.<br />
O particularismo de observarmos pessoas que<br />
amamos ou serviços que prestamos tira-nos a<br />
tranquilidade quan<strong>do</strong> a ordem <strong>do</strong>s acontecimentos se<br />
inverte para elaborar circunstâncias novas com outra<br />
dimensão maior que não podemos alcançar.<br />
Ninguém ainda permaneceu tranquilo diante <strong>do</strong>s<br />
fatos que alteram as condições de vida, no lar e no<br />
trabalho, se manteve-se preso a condicionamentos que<br />
estipulam a vida apenas no terreno das aparências<br />
materiais.<br />
É necessário que a criatura humana<br />
compreenda o mun<strong>do</strong> íntimo em que está mergulhada<br />
para que notícias como desolação por perdas de lugares,<br />
saudades de pessoas amadas não tirem a alegria<br />
permanente que devem possuir sempre.
67 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Afinal, quem somos nós para conduzir o<br />
destino das pessoas se ainda temos muita dificuldade<br />
em compreender o nosso? Mas sabemos que há uma<br />
energia que nos envolve em comunhão permanente.<br />
Nossos pensamentos participam ativamente neste contexto,<br />
sem resquícios de apego.<br />
O importante é termos deixa<strong>do</strong> planta<strong>do</strong> o amor<br />
nos corações que se afastaram materialmente de nós e<br />
que, em outros lugares ou em outra dimensão, possam<br />
se sentir felizes com a certeza de que, em outro nível<br />
de consciência onde o amor se expande pelo Cosmos,<br />
não há separação.<br />
Tu<strong>do</strong> já foi estabeleci<strong>do</strong> antes de trabalharmos.<br />
O campo, as sementes, o tempo e as condições de<br />
semear. Os frutos pertencem à obra <strong>do</strong> Universo que<br />
beneficiará a to<strong>do</strong>s que estiverem conosco no momento <strong>do</strong><br />
plantio. Eles continuam trabalhan<strong>do</strong> em suas tarefas e<br />
não temos o direito de retê-los mentalmente junto de nós.<br />
Quan<strong>do</strong> compreendemos o caminhar das pessoas<br />
que nos acompanham, uma sensação de conforto e de<br />
tranquilidade se estabelece no nosso íntimo, não importa<br />
a direção escolhida, pois no Universo a energia que<br />
harmoniosamente move os corpos celestes é a mesma<br />
que dá forças ao homem para viver, onde estiver.
9<br />
SALOMÉ<br />
FERNANDO PINHEIRO - 68<br />
No planalto de Moab, ergue-se a fortaleza de<br />
Maqueronte, onde o festim acontecia sob as chamas<br />
vermelhas <strong>do</strong>s lampadários prega<strong>do</strong>s nas paredes e, ao<br />
re<strong>do</strong>r, guardas protegiam o imenso salão repleto de<br />
dançarinas, músicos e convida<strong>do</strong>s. Era o aniversário de<br />
Herodes Ântipas, tetrarca da Galileia.<br />
Entre os participantes, estavam Herodíades e<br />
Salomé, mãe e filha; o procônsul Lucius Vitellius,<br />
acompanha<strong>do</strong> de uma comitiva de bajula<strong>do</strong>res e serviçais,<br />
além <strong>do</strong>s membros da Corte e da família <strong>do</strong> tetrarca.<br />
O luxo estava presente em tu<strong>do</strong>, nas roupas,<br />
nas joias, nos tapetes persas e babilônicos, nos teci<strong>do</strong>s<br />
colori<strong>do</strong>s oriun<strong>do</strong>s de Damasco, estendi<strong>do</strong>s nos corre<strong>do</strong>res<br />
de pedra lavrada. Flores coloridas e perfumadas em cima<br />
de mesas de ébano e mogno completavam a decoração.
69 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
O festim de Herodes é descrito no poema bíblico<br />
Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela.<br />
São 10 cantos, em 8.482 versos decassílabos soltos. Vale<br />
ressaltar o Canto IV:<br />
“Os primores da Europa, o luxo da Ásia,<br />
o fausto desta, a profusão daquela,<br />
de Herodes o palácio aformoseiam.<br />
Mil candeeiros, transparentes rochas,<br />
argênteos lampadários iluminam<br />
as vastas arcarias marchetadas<br />
<strong>do</strong>s mais lin<strong>do</strong>s mosaicos <strong>do</strong> Oriente,<br />
E as colunas de mármore, as pilastras<br />
cobertas de lavores, e as paredes<br />
ornamentadas de brasões pomposos.<br />
Os gratos sons das harpas e <strong>do</strong>çainas,<br />
Das cítaras e flautas, repercutem<br />
Fora da larga praça, onde confusa<br />
Cochila a multidão maravilhada.<br />
Celebra o rei vai<strong>do</strong>so e dissoluto<br />
Seu dia natalício. As salas todas<br />
Estão cheias de amigos e convivas:<br />
Ricos hebreus, latinos cavaleiros,<br />
Senhores <strong>do</strong> Ocidente e <strong>do</strong> Levante.<br />
As mais belas romanas da soberba,<br />
Mas depravada corte <strong>do</strong> tirano,<br />
As mais airosas filhas da Circássía,<br />
E as ninfas mais gentis das ilhas gregas,<br />
À lauta mesa reclinadas ouvem<br />
Os torpes, desonestos galanteios<br />
Dos escravos de César. Petulante,<br />
De louro coroa<strong>do</strong>, e verde mirto,<br />
Do amor emblema, e símbolo da glória,
Em macia camilha repimpa<strong>do</strong>,<br />
Excita à ebriedade o rei da festa<br />
Seus libertinos, cínicos parceiros.<br />
Bela, apesar <strong>do</strong> vício, a fronte esbelta<br />
Aos joelhos <strong>do</strong> amante repousan<strong>do</strong>,<br />
Herodias sorri. De espaço a espaço,<br />
Gracioso escanção, ágil, travesso,<br />
Demônio de malícia em tenra idade,<br />
As taças de ouro que a seus pés re<strong>luz</strong>em,<br />
Do excitante falerno enche, dizen<strong>do</strong><br />
Imodestos gracejos. Nenhum pajem<br />
Do mais devasso camarim <strong>do</strong> império<br />
O vencera em audácia e desvergonha!<br />
Entretanto, meu Deus! é uma menina,<br />
No albor da a<strong>do</strong>lescência, rósea, loira,<br />
Olhos azuis brilhantes, lábios de anjo!<br />
E esta menina é filha de Herodias!...”<br />
(25)<br />
FERNANDO PINHEIRO - 70<br />
Do la<strong>do</strong> de lá, o profeta, que clama no<br />
deserto, estava numa cela com um olhar meditativo<br />
pairan<strong>do</strong> no ar. A lembrança <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> era recordada<br />
com inefável alegria.<br />
As inspirações de sabe<strong>do</strong>ria foram colocadas<br />
em prática nas pregações que fez ao anunciar a chegada<br />
<strong>do</strong> Messias, preparan<strong>do</strong>-lhe o caminho.<br />
(25) FAGUNDES VARELA, L. N. – Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –<br />
poema – Canto IV – Capítulo XIV – pp. 134, 135 – Livraria Imperial<br />
– 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.
71 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
O texto sagra<strong>do</strong> narra:<br />
“Houve um homem envia<strong>do</strong> de Deus, cujo nome era<br />
João. Este veio como testemunha para testificar a respeito<br />
da <strong>luz</strong>, a fim de que to<strong>do</strong>s cressem por meio dele.”<br />
(...)<br />
“A <strong>luz</strong> verdadeira que ilumina a to<strong>do</strong>s os homens<br />
estava vin<strong>do</strong> ao mun<strong>do</strong>. Estava no mun<strong>do</strong>, o mun<strong>do</strong> foi<br />
feito por meio dele mas o mun<strong>do</strong> não o conheceu. Veio<br />
para o que era seu, mas os seus não o receberam. Mas<br />
a to<strong>do</strong>s os que o receberam, àqueles que creem no seu<br />
nome, deu-lhes o poder de serem filhos de Deus – filhos<br />
nasci<strong>do</strong>s não <strong>do</strong> sangue, nem da vontade da carne, nem<br />
da vontade <strong>do</strong> homem, mas de Deus.” (26)<br />
Ainda liga<strong>do</strong> aos momentos inesquecíveis, viu<br />
aquele homem, descen<strong>do</strong> à margem <strong>do</strong> rio, a irradiar a<br />
beleza <strong>do</strong>s sábios e disse: “eis o Cordeiro de Deus que<br />
tira os peca<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”. (27)<br />
Naquela noite de recordações, ouviu sons de<br />
cítaras e harpas mistura<strong>do</strong>s com vozes humanas. Numa<br />
cantilena suave, os ventos nas árvores abafaram o ruí<strong>do</strong><br />
distante e um sono fechou os seus olhos.<br />
(26) JOÃO, 1:6 a 13<br />
(27) JOÃO, 1:36
FERNANDO PINHEIRO - 72<br />
Lá na frente, o festim prossegue no clima de<br />
excitação. Os comensais se apressam em comer as<br />
guloseimas e saborear os vinhos louros, sem medir os<br />
excessos. É a hora da lascívia e <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s exacerba<strong>do</strong>s.<br />
Música excitante e lânguida é derramada em canto<br />
popular por uma escrava.<br />
No intervalo da música, as <strong>luz</strong>es maiores são<br />
apagadas, as mulheres retiraram seus véus que encobriam<br />
o rosto, crian<strong>do</strong> um clima de conquista aos homens<br />
presentes no salão. Ao recomeçar, em movimento lento,<br />
depois presto, faz evolução em cadência lasciva e<br />
frenética, animan<strong>do</strong> Salomé a entrar em cena. Com um<br />
sorriso nos lábios, começou a dançar.<br />
A admiração correu nos olhos de todas as<br />
pessoas que assistiram à cena inusitada, deixan<strong>do</strong> o<br />
rei completamente transtorna<strong>do</strong>. O teto parecia desabar<br />
e tu<strong>do</strong> flutuava na expectativa.<br />
A menina–moça, princesa núbil, tirou o véu<br />
<strong>do</strong>s ombros, mexia o corpo inteiro ondulan<strong>do</strong> o ventre<br />
desnu<strong>do</strong> em ritmos que suas pernas sustentavam. Seus<br />
ombros inclinavam-se em posições em que oferecia os<br />
lábios, os cabelos, os seios firmes.<br />
Assim como está escrito nas cartas de Paulo de<br />
Tarso a assertiva “estamos cerca<strong>do</strong>s por uma nuvem<br />
de testemunhas” (28), o poeta Fagundes Varela deixa<br />
transparecer esta idéia–verdade na dança de Salomé:<br />
(28) PAULO DE TARSO – in Epístolas Hebreus, 12:1.
73 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
“Entretanto,<br />
escrava da cadência, mas senhora<br />
<strong>do</strong>s requebra<strong>do</strong>s, lângui<strong>do</strong>s meneios,<br />
sobre as flores <strong>do</strong>s séricos tapetes,<br />
mais ligeira que a leve borboleta,<br />
mais bela que os espíritos errantes<br />
que à noite brincam nos rosais cheirosos,<br />
ela volteia, – a <strong>do</strong>ida bailadeira!” (29)<br />
Ainda no Capítulo XIV, <strong>do</strong> Canto IV, de Fagundes<br />
Varela, a dança de Salomé é descrita em primorosos<br />
versos decassílabos soltos:<br />
“Na dança figurada, aos ágeis passos<br />
Mistura os mais garri<strong>do</strong>s movimentos,<br />
Os gestos mais lascivos. Arquejante,<br />
Às vezes pára <strong>do</strong> salão no centro,<br />
Suspira e cerra os olhos... vai, quem sabe,<br />
Sucumbir de cansaço! Mas engano!<br />
Reanima-se, ri, levanta os braços,<br />
Flexível como a serpe encurva o corpo,<br />
E num rápi<strong>do</strong> giro se aproxima<br />
Do fascina<strong>do</strong> Herodes, sacudin<strong>do</strong><br />
Sobre seus pés as rosas da grinalda<br />
Entre os aplausos mil <strong>do</strong>s assistentes.<br />
(29) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas<br />
– poema – Canto IV – Capítulo XIV – p. 134 – Livraria Imperial –<br />
1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.
FERNANDO PINHEIRO - 74<br />
Depois, qual passarinho caprichoso,<br />
Que das nuvens descen<strong>do</strong>, em tarde estiva,<br />
Modera o voo, quan<strong>do</strong> a terra avista,<br />
Ela os passos afrouxa, e segue a me<strong>do</strong>,<br />
O mais lento tanger <strong>do</strong>s instrumentos.<br />
Imita a corça, quan<strong>do</strong> alegre salta,<br />
Quan<strong>do</strong> corre veloz; é viva abelha<br />
Sobre os lírios <strong>do</strong> vale adejan<strong>do</strong>;<br />
Mimoso colibri; quan<strong>do</strong> descansa,<br />
Tão leve, que não <strong>do</strong>bra das alfombras<br />
A mais delgada flor! Por largo tempo,<br />
Assim deleita a vista <strong>do</strong>s convivas;<br />
Ofegante por fim, extenuada,<br />
Faz um último esforço, e mansamente<br />
Cai, pétala de rosa, aos pés de Herodes.” (30)<br />
Depois da dança, a tragédia conhecida. Mais<br />
tarde, no monte Calvário, acompanhada de Maria de<br />
Nazaré, Joana de Cusa, Marta e Maria de Magdala,<br />
Salomé está no monte Calvário assistin<strong>do</strong> ao martírio de<br />
<strong>Jesus</strong>. A partir daí, dedicou-se a rememorar os feitos <strong>do</strong><br />
Mestre ama<strong>do</strong>, envolvida na atmosfera das blandícias<br />
que o Reino de esplen<strong>do</strong>r, à semelhança <strong>do</strong> Sol, estende<br />
as criaturas nascidas em sua órbita sideral.<br />
Um ambiente oriental é cria<strong>do</strong> na música Os 7<br />
Véus, de Richard Strauss. O 1° primeiro movimento é<br />
de uma beleza impressionante. A interpretação da cantora<br />
lírica Maria Ewing supera todas as críticas.<br />
(30) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto IV – Capítulo XIV – pp. 134, 135 – Livraria<br />
Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de<br />
Letras.
75 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
10<br />
AS BODAS DE CANÁ<br />
Picture: Marriage at Cana by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />
“Nessas horas de calma e de amargura,<br />
De aflição e prazer, de riso e de lágrimas,<br />
Chusmas alegres de louçãs pastoras,<br />
Camponesas gentis, zagais esbeltos,<br />
Em trajes festivais, brincam e dançam,<br />
Cantam e jogam, <strong>do</strong> arvore<strong>do</strong> à sombra,<br />
Ou sobre as alcatifas de verdura,<br />
Que a frente a<strong>do</strong>rnam de formosa granja:<br />
É dia de noiva<strong>do</strong>. Pressurosas<br />
Acodem <strong>do</strong>s subúrbios e arre<strong>do</strong>res<br />
Dos maiorais mais ricos as famílias,<br />
E as famílias <strong>do</strong>s pobres jornaleiros,<br />
Aos folgue<strong>do</strong>s das bodas; vem entre elas<br />
A filha de Joaquim e o santo esposo;<br />
Chegam também <strong>Jesus</strong> e seus amigos.” (31)<br />
(31) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas<br />
– poema – Canto III – Capítulo VII – p. 86 – Livraria Imperial –<br />
1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.
FERNANDO PINHEIRO - 76<br />
Diante das circunstâncias evidentes, quan<strong>do</strong><br />
ele chegou à pérgula da vivenda campestre, o movimento<br />
musical toca<strong>do</strong> por flautas e pífaros era um allegro<br />
moderato alla zíngara.<br />
Os noivos, reuni<strong>do</strong>s no atrium, recebiam<br />
as felicitações <strong>do</strong>s amigos e familiares. Passa<strong>do</strong>s alguns<br />
minutos, voltam ao salão de festas, onde havia maior<br />
concentração de pessoas. Os convida<strong>do</strong>s celebravam a festa<br />
<strong>do</strong> casamento com júbilos no coração e apanhavam, com<br />
as mãos, frutas, <strong>do</strong>ces, peixes assa<strong>do</strong>s estendi<strong>do</strong>s nas<br />
bandejas e copos de vinhos de várias procedências.<br />
Sorrisos de meninas-moças e olhares de rapazes<br />
se misturavam reacenden<strong>do</strong> esperanças em uniões<br />
futuras. O sonho de construir um lar vinha como a<br />
brisa que refresca e alenta.<br />
Um convida<strong>do</strong> retardatário chegou com sorriso<br />
nos lábios e ofertou à sua namorada a última rosa <strong>do</strong><br />
inverno. Um beijo de agradecimento que ela lhe deu no<br />
rosto espalhou no ambiente um pouco mais de ternura.<br />
Maria estava contente com a chegada <strong>do</strong> filho,<br />
naquele lugar em que tu<strong>do</strong> era festa. Foram <strong>do</strong>is<br />
meses de separação, desde que ela saíra de Nazaré a<br />
convite da família <strong>do</strong>s noivos.<br />
As comemorações decorriam normalmente.<br />
Conversas animadas de amigos e galanteios entre os<br />
jovens namora<strong>do</strong>s criavam um clima de futuros encontros.<br />
Ao notar que estava faltan<strong>do</strong> vinho, Maria se<br />
dirige ao seu filho pensan<strong>do</strong> que isto poderia ser de<br />
mau sinal para os noivos que estavam começan<strong>do</strong> uma<br />
vida em comum.
77 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
<strong>Jesus</strong> estava acima de todas as preocupações<br />
humanas e, fitan<strong>do</strong> amorosamente Maria, disse, num<br />
tom carinhoso: “mulher, que tenho eu contigo? Ainda<br />
não chegou a minha hora.” (32)<br />
Maria, conhecen<strong>do</strong> o amor e a sabe<strong>do</strong>ria <strong>do</strong> seu<br />
filho, falou tranquila aos serventes: “fazei tu<strong>do</strong> o que<br />
ele vos disser.” (33)<br />
O evangelista João, comentan<strong>do</strong> a transformação<br />
da água em vinho, torna explícito que “estavam ali seis<br />
talhas de pedra que os judeus usavam para as<br />
purificações, e cada uma levava uma ou duas metretas”.<br />
(34)<br />
Consideran<strong>do</strong> que cada métrête (medida grega)<br />
corresponde a 40 litros, e o fato de haver 6 talhas de<br />
pedra (6 x 40), poderíamos avaliar que estavam à disposição<br />
<strong>do</strong>s convivas no mínimo 240 ou no máximo 480 litros<br />
de vinho. Adega excelente.<br />
O sorriso de confiança de Maria estava em<br />
sintonia com os gestos meditativos de <strong>Jesus</strong> que, um<br />
instante depois, falou aos serventes: “enchei de água<br />
essas talhas. E encheram-nas até em cima”. (35)<br />
Quan<strong>do</strong> os vasilhames chegaram, ele num<br />
toque de mãos converte a água em vinho, apenas nota<strong>do</strong><br />
pelos serventes e pelos convida<strong>do</strong>s que estavam bem<br />
próximos (o chefe <strong>do</strong> cerimonial não sabia da<br />
procedência <strong>do</strong> vinho).<br />
(32) JOÃO: 2:4 (33) JOÃO, 2:5 (34) JOÃO, 2:6 (35) JOÃO: 2:7
FERNANDO PINHEIRO - 78<br />
Ao se aproximar <strong>do</strong> grupo de pessoas que assiste<br />
ao fenômeno de magia sublimada, o chefe <strong>do</strong> cerimonial<br />
provou a água feito vinho e chamou o noivo e lhe falou:<br />
“To<strong>do</strong>s põem primeiro o vinho bom e, quan<strong>do</strong> já<br />
beberem fartamente, então o inferior; mas tu guardaste<br />
até agora o bom vinho.” (36)<br />
Caná da Galileia foi o primeiro lugar onde<br />
<strong>Jesus</strong> começou a demonstrar seus sinais de grandeza,<br />
percebi<strong>do</strong>s por Maria, Natanael, Filipe e outros discípulos.<br />
<br />
A narrativa poética de Fagundes Varela, o cantor<br />
da natureza, acerca das bodas de Caná vem revestida<br />
de aura romântica e bucólica. Vale assinalar:<br />
VIII<br />
“Os tangeres de simples instrumentos,<br />
Doces, melodiosos, e a roda<br />
Dos tamborins sonoros, algum tempo<br />
Medem da mocidade as ágeis danças,<br />
E dissipam as mágoas da velhice;<br />
Os bons vinhos depois, os bons guisa<strong>do</strong>s,<br />
A fartura da mesa <strong>do</strong> banquete,<br />
As condições confundem as idades.<br />
(36) JOÃO, 2:10
79 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Os pais <strong>do</strong>s desposa<strong>do</strong>s, diligentes<br />
Andam de la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong>, as taças enchem,<br />
Os cria<strong>do</strong>s incitam, e solícitos<br />
Trazem novos manjares, novos pratos<br />
Que aos convivas afáveis apresentam.<br />
Tecem das noivas as cândidas amigas,<br />
E os amigos <strong>do</strong> noivo o epitalâmio<br />
Usa<strong>do</strong> nessas eras. Entretanto,<br />
Da noite as horas infiéis e tredas,<br />
Que lentas esvoaçam sobre a fronte<br />
Do solitário pensa<strong>do</strong>r, que cercam<br />
A dura barra <strong>do</strong> infeliz cativo<br />
De pavorosas sombras, e prolongam<br />
Do lívi<strong>do</strong>, aterra<strong>do</strong> agonizante<br />
Os martírios cruéis, correm velozes<br />
Onde brilha o prazer, soam os risos,<br />
Onde o júbilo agita as asas de ouro!<br />
O dia se aproxima. A grande mesa<br />
Terceira vez coberta de iguarias,<br />
Gostosos acepipes, <strong>do</strong>ces frutos,<br />
Não mais alegra os olhos, – a tristeza<br />
Debuxa-se no rosto <strong>do</strong>s convivas.<br />
Está fin<strong>do</strong> o festim?... Estão vazias<br />
As ânforas e taças! Vinho, vinho!<br />
Dai-nos mais vinhos! Um <strong>do</strong>s amigos grita.<br />
– Pois acabou-se o vinho? diz surpresa<br />
A rainha da festa, – que desgosto!<br />
Nem uma gota ao menos acharemos:<br />
Os odres estão secos. Mais penoso<br />
Mostra-se o enfa<strong>do</strong> nos semblantes to<strong>do</strong>s.<br />
Então Maria volta-se a seu Filho,<br />
Que ao la<strong>do</strong> estava pensativo e mu<strong>do</strong>,
FERNANDO PINHEIRO - 80<br />
Sobre um velho taburno recosta<strong>do</strong>.<br />
– Vês? – murmura com gesto suplicante.<br />
IX<br />
Ora, no fun<strong>do</strong> da espaçosa sala<br />
Sobre tosco alicerce ou rijo assento,<br />
De forte alvenaria, colocadas<br />
Seis grandes talhas de granito estavam<br />
Destinadas, segun<strong>do</strong> a lei antiga,<br />
As santas abluções; <strong>Jesus</strong> ouvin<strong>do</strong><br />
O materno pedi<strong>do</strong> se levanta.<br />
Acerca-se da mesa <strong>do</strong> banquete:<br />
– Enchei aquelas talhas d´água pura! –<br />
– D´água? ... to<strong>do</strong>s exclamam? – Sim, responde<br />
A esposa de José, ele não zomba,<br />
Fazei o que vos diz, tereis o vinho –<br />
Num volver d´olhos, servos e senhores,<br />
Incrédulos, mas lhanos e corteses,<br />
Atenden<strong>do</strong> aos caprichos da amizade,<br />
Que inocente capricho o caso julgam,<br />
Enchem, a transbordar, as grandes talhas.<br />
– Tomai agora os cântaros e jarras,<br />
Ordena o Senhor, – tomai os frascos,<br />
E as ânforas também: – estão repletas<br />
De vinho aquelas talhas. – Curiosos<br />
À roda de <strong>Jesus</strong> to<strong>do</strong>s se apinham.<br />
Primeiro, enchem os servos grandes vasos,<br />
Depois, os canjirões, depois os copos<br />
Que a seus amos entregam... Maravilha!<br />
Em vez d´água das fontes, clara e fresca,<br />
Tão grata aos caminheiros <strong>do</strong> deserto,<br />
Aos cabreiros das serras, rubro vinho<br />
Escuma e ferve nas vasilhas fundas,
81 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Acordan<strong>do</strong> o prazer e o regozijo<br />
Entre os cansa<strong>do</strong>s, mu<strong>do</strong>s bebe<strong>do</strong>res.<br />
Uma grita estron<strong>do</strong>sa e prolongada<br />
Saúda o autor <strong>do</strong> portentoso feito.<br />
<strong>Jesus</strong>, porém, esquiva-se aos aplausos,<br />
E como d´antes, vai sentar-se calmo<br />
Sobre o velho taburno que deixara.” (37)<br />
<br />
São tantas as pessoas que vemos nos lugares<br />
mais diversos, sempre passan<strong>do</strong> impressões que nos<br />
sensibilizam. Quantos olhares vieram em silêncio<br />
interpretan<strong>do</strong> mensagens que nos fazem pensar?<br />
São amores ocultos que ainda não se revelam<br />
abertamente, abafa<strong>do</strong>s pelas circunstâncias <strong>do</strong> momento,<br />
que exigem o deslocamento a lugares onde não podemos<br />
ir, devi<strong>do</strong> ao preenchimento de lacunas sentimentais<br />
por pessoas que desconhecemos.<br />
Os compromissos <strong>do</strong> coração têm exigências<br />
delineadas por normas de conduta que não permitem o<br />
encontro desses amores fora das horas onde se reúnem<br />
para desempenhar papéis no cenário social.<br />
Quanta vontade de permanecerem juntos naqueles<br />
recintos públicos que o tempo marca, numa despedida<br />
silenciosa, no final da jornada de trabalho, dia após dia!<br />
(37) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto III – Capítulo VIII – pp. 86, 87, 88, 89 –<br />
Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia<br />
Brasileira de Letras.
FERNANDO PINHEIRO - 82<br />
Numa atmosfera azulada nasce o encanto da<br />
vida que abranda os acidentes <strong>do</strong> caminho. O amor se<br />
expande em profusão como as espumas das cachoeiras e<br />
<strong>do</strong>s rios que desembocam no mar.<br />
São sagra<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os laços que sustentam a<br />
convivência <strong>do</strong>s amores, tanto no lar como no trabalho;<br />
cada qual em espaços adequa<strong>do</strong>s, mas não longe <strong>do</strong><br />
tempo que os envolve sem amarras.<br />
Se fôssemos buscar as raízes <strong>do</strong>s sentimentos<br />
<strong>do</strong>s amores, o momento atual, onde to<strong>do</strong>s os interesses<br />
estão concentra<strong>do</strong>s, se perderia na contagem <strong>do</strong> tempo.<br />
Liga<strong>do</strong>s à perenidade <strong>do</strong> amor, podemos dizer que<br />
chegamos antes de qualquer fato novo. Não importa a<br />
preocupação <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, <strong>do</strong> presente e <strong>do</strong> futuro, basta<br />
o momento que se eterniza.<br />
Se há amores-perfeitos, miosótis azuis,<br />
margaridas amarelas, rosas cor-de-rosa, há também os<br />
lírios vesti<strong>do</strong>s de lama à espera da chuva que revelará<br />
a brancura que possuem.<br />
Na visão emocional, nos deslumbramos com o<br />
olhar <strong>do</strong>ce, o gesto de ternura, o andar que passa<br />
deixan<strong>do</strong> traços invisíveis que nos marcam com letras de<br />
fogo.<br />
A poesia, o sonho, o amor nos acompanham em<br />
to<strong>do</strong>s os lugares por onde vamos. Os amores enterneci<strong>do</strong>s<br />
nos estimulam a acreditar naquilo que sentimos.<br />
Se a nossa vida se resumisse na plenitude <strong>do</strong>s<br />
amores que encontramos, o círculo da felicidade seria tão<br />
pequenino. Há lacunas a serem preenchidas no campo<br />
<strong>do</strong>s sentimentos e outros amores, que ainda não foram
83 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
desperta<strong>do</strong>s, esperam uma palavra de carinho, um gesto<br />
singular que lhes permitem identificar quem somos.<br />
Todas as pessoas que estão conosco, não importa<br />
conferir o tempo, as situações que fazem parte <strong>do</strong> nosso<br />
viver, os jardins e os pântanos são manifestações da vida,<br />
reveladas claramente ou ainda há um tempo de plantar,<br />
antes da colheita que abastecerá todas as carências por<br />
onde passamos.<br />
No clima da certeza <strong>do</strong> amor, a canção <strong>do</strong> exílio<br />
(palmeiras, sabiá, saudades), ainda tocada em blues que<br />
lembram a namorada, os amores e a terra distante <strong>do</strong><br />
solda<strong>do</strong> americano, será transformada, algum dia, num<br />
canto de louvor aos amores que se encontram em todas<br />
as searas.<br />
<br />
No círculo que abrange nossas ações, somos<br />
impulsiona<strong>do</strong>s a ficar perto das pessoas que atraímos com<br />
os pensamentos.<br />
Necessita<strong>do</strong>s de participar de acontecimentos<br />
que nos estimulam a ter uma convivência mais próxima,<br />
conhecemos pessoas que vêm preencher lacunas que<br />
sentíamos desde quan<strong>do</strong> os nossos sonhos eram<br />
pequeninos pensamentos esparsos.<br />
Na aproximação o gosto suave <strong>do</strong> namoro não<br />
ultrapassa as fronteiras <strong>do</strong> nosso mun<strong>do</strong> íntimo e<br />
desconhecemos aquele amor que não soube se expressar.<br />
As impressões <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> recrudescem com<br />
tintas novas no panorama aberto pelas decisões que<br />
rompem romances recém–idealiza<strong>do</strong>s.
FERNANDO PINHEIRO - 84<br />
Diante de uma onda que dissipa a realização de<br />
sonhos em comum, vemos muitos casais passarem por<br />
experiências que irão servir como aprendiza<strong>do</strong> de vida.<br />
Isto não quer dizer que há a obrigatoriedade de<br />
conviverem juntos o tempo to<strong>do</strong>. Aliás, na natureza, a<br />
espontaneidade e o amor se expandem em manifestações<br />
que se expressam em cores, sons e belezas imperecíveis.<br />
Responsabilidade e aban<strong>do</strong>no se misturam em<br />
medidas que estabilizam o momento oscilante em que os<br />
pares se encontram.<br />
Ficar perto ou longe vai sofren<strong>do</strong> variações que<br />
podem estabelecer um ritmo razoável de equilíbrio para<br />
quem vai viven<strong>do</strong> a vida a sós, depois <strong>do</strong>s carinhos que<br />
pareciam sem fim.<br />
Situações de embaraço requerem o emprego da<br />
inteligência, com o esquecimento das paixões das primeiras<br />
noites que eram motivos para aquecer um clima que<br />
diminuiu com a realidade <strong>do</strong> jogo de forças.<br />
A orientação inteligente para aqueles que<br />
passam por esses momentos de reflexão é a harmonia<br />
a ser buscada dentro de si. E depois reconhecer que<br />
o importante é se desligar <strong>do</strong>s liames que trazem entrave<br />
à sua evolução espiritual.<br />
A busca da harmonia propicia a apreciação das<br />
ligações efetivamente verdadeiras que se estabelecem nos<br />
níveis superiores da consciência, onde reina o amor. É<br />
de lá que nos chega um referencial maior – a família<br />
espiritual – que pode ser ampliada nos lugares por<br />
onde passamos.
85 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Quan<strong>do</strong> o homem se imanta na energia que o<br />
envolve e se manifesta em toda a natureza, ele reconhece<br />
em cada ser vivo um companheiro de jornada evolutiva,<br />
com as características de uma só família.<br />
As mudanças <strong>do</strong> grau evolutivo <strong>do</strong> planeta<br />
atingem a ordem social, notadamente a família, onde<br />
o casamento, na maioria das vezes, é apenas uma<br />
experiência para se observar como será uma vida feliz<br />
que terão juntos aqueles que trazem amor em seus<br />
corações.<br />
Enquanto o homem se apegar aos embaraços de<br />
um amor não correspondi<strong>do</strong>, a ilusão de que poderá<br />
conquistá-lo pode diminuir suas forças no avanço que<br />
deve fazer.<br />
A evolução é o ritmo <strong>do</strong> tempo. Ninguém pode<br />
ficar deti<strong>do</strong> em circunstâncias monótonas. A vida é<br />
sempre movimento. Seguir adiante é a nossa meta.<br />
Na harmonia que se expande de nosso ser,<br />
estabelecemos uma ligação com aqueles que nos amam<br />
reconhecen<strong>do</strong> a família da qual participamos.
11<br />
FERNANDO PINHEIRO - 86<br />
A CURA DO CEGO DE NASCENÇA<br />
Picture: Healing the blind man by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />
Inspirada em João, 9:1 a 41, Amélia<br />
Rodrigues (Espírito) narra, no livro Trigo de Deus,<br />
psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco, a situação em<br />
que estava envolvi<strong>do</strong> o homem cego de nascença:<br />
“A cena incomparável da restituição da vista, ao<br />
cego de nascença, produzira um impacto singular e<br />
poderoso nos que o conheciam.” (45)<br />
(45) AMÉLIA RODRIGUES – in Trigo de Deus, p. 28, psicografa<strong>do</strong> por<br />
Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – 4ª edição – 10/2000 – Livraria Espírita<br />
Alvorada Editora – Salva<strong>do</strong>r – BA.
87 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Acusa<strong>do</strong> o seu benfeitor de ter pratica<strong>do</strong> uma<br />
ação benévola, no dia de sába<strong>do</strong>, o homem cego não se<br />
importunou com os comentários malévolos e disse: “se ele<br />
é peca<strong>do</strong>r, não sei. Era cego e, agora, vejo”. (46)<br />
Naquela época, e posteriormente por muito<br />
tempo, os fariseus e muitos publicanos se evidenciavam<br />
mais pela opinião de seus comparsas, não raro inverídica,<br />
<strong>do</strong> que pelo mérito pessoal. E aqueles cidadãos,<br />
possui<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s eleva<strong>do</strong>s predica<strong>do</strong>s de humildade,<br />
renúncia ao falacioso destaque social, estoicismo no ideal<br />
sublime de servir, parcimônia nos gastos pessoais, eram<br />
considera<strong>do</strong>s fracos.<br />
Sem dúvida, <strong>Jesus</strong> era a antítese <strong>do</strong> sonho<br />
judeu que esperava um liberta<strong>do</strong>r das garras da águia<br />
romana. Ele veio na condição de lídimo liberta<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
espírito das algemas escravocratas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, renitente<br />
aos erros atávicos que ressurgem quan<strong>do</strong> a vontade firme<br />
ao bem ainda vacila e deixa dar vazão as tendências<br />
condicionadas ao comportamento repetitivo.<br />
<br />
Quan<strong>do</strong> pensamos em buscar a cura de nossos<br />
males físicos, devemos antes de tu<strong>do</strong>, compreender<br />
o mecanismo que se estabelece nas vibrações mentais.<br />
(46) JOÃO, 9:25
FERNANDO PINHEIRO - 88<br />
Manter em esta<strong>do</strong> permanente a tranquilidade<br />
é o hábito que buscamos conservar durante o nosso<br />
viver. No entanto, em algumas ocasiões, sentimo-nos<br />
acometi<strong>do</strong>s de uma <strong>do</strong>r de cabeça, <strong>do</strong>r no peito, com<br />
náuseas e ficamos surpreendi<strong>do</strong>s com o que aconteceu<br />
conosco.<br />
De mo<strong>do</strong> geral, nesses casos, procuramos um<br />
médico e uma farmácia para adquirir os remédios que<br />
aliviarão a <strong>do</strong>r física que sentimos.<br />
Muitas vezes, esses males são de natureza<br />
espiritual ou emocional. Vivemos num mun<strong>do</strong> cerca<strong>do</strong> de<br />
vibrações mentais de pessoas que nos espreitam com<br />
múltiplos motivos e, dentre os quais, há os que nasceram<br />
da inconformação, <strong>do</strong> descontentamento e da inveja.<br />
Num mun<strong>do</strong> de renovação nos comportamentos<br />
humanos são elimina<strong>do</strong>s lixos mentais – a exemplo da<br />
correnteza de enchentes de chuva – muitas escórias<br />
descem por água abaixo.<br />
Os expurgos mentais da higienação <strong>do</strong> planeta<br />
ocorrem a cada instante. Na essência da vida, não há<br />
mal naquilo que causa transtorno na vida das pessoas.<br />
Tu<strong>do</strong> nos chega como lição. Quan<strong>do</strong> vemos<br />
cair o telha<strong>do</strong> da casa <strong>do</strong> vizinho, fortalecemos o nosso<br />
com vigas–mestras.<br />
Quan<strong>do</strong> alguém sente um mal-estar, no trabalho<br />
ou nos lugares onde permanece algumas horas ou<br />
instantes, denota que houve uma predisposição de seus<br />
centros de força para atrair as vibrações desarmoniosas<br />
daqueles que precisam ser esclareci<strong>do</strong>s.
89 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
O Universo é um centro de forças magnéticas<br />
onde gravitam as correntes que formam o conjunto<br />
harmonioso <strong>do</strong> equilíbrio, direcionan<strong>do</strong> sempre a lacuna<br />
para o respectivo preenchimento, dentro da igualdade das<br />
forças que se completam.<br />
Assim, a vibração <strong>do</strong> inconformismo, emitida<br />
nos planos da vida, vai parar naqueles que podem<br />
informar, consolar, espalhar esperanças, mesmo não sen<strong>do</strong><br />
responsáveis pelos embaraços que surgem.<br />
Tu<strong>do</strong> está mergulha<strong>do</strong> nas leis <strong>do</strong> equilíbrio,<br />
embora haja lacunas a serem preenchidas somente<br />
quan<strong>do</strong> chegar o tempo adequa<strong>do</strong>, como o nascimento<br />
das flores, <strong>do</strong>s frutos, <strong>do</strong>s pássaros, <strong>do</strong>s animais e de<br />
tu<strong>do</strong>, enfim.<br />
Estamos no mun<strong>do</strong> para servir. Desenvolvemos<br />
a nossa sensibilidade para estarmos em contato com as<br />
fontes que irradiam o amor e a sabe<strong>do</strong>ria, buscan<strong>do</strong><br />
primeiramente esses recursos dentro de nós.<br />
Aqueles que se sentem acometi<strong>do</strong>s de males<br />
físicos, sensíveis à <strong>do</strong>r alheia, podem estar certos de<br />
que estão a serviço da harmonia <strong>do</strong> ambiente em que<br />
vivem, embora isto lhes custe um aprendiza<strong>do</strong> amargo<br />
por desconhecer as forças íntimas capazes de neutralizar<br />
to<strong>do</strong> o mal físico ou emocional.<br />
Com os centros energéticos, que trazemos no<br />
íntimo, fortaleci<strong>do</strong>s pelas nossas atitudes de amor, nos<br />
sentimos felizes em servir aqueles que nos chegam, pela<br />
corrente invisível <strong>do</strong> pensamento, encaminhan<strong>do</strong>-os aos<br />
lugares onde reina a paz.
12<br />
BARTIMEU<br />
FERNANDO PINHEIRO - 90<br />
Em prosseguimento a narrativa de Amélia<br />
Rodrigues na obra Trigo de Deus, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong><br />
Pereira Franco, eis a situação em que estava envolvi<strong>do</strong> o<br />
homem cego de nascença; não era Bartimeu, o cego de<br />
Jericó, de que falaremos em seguida:<br />
“A cena incomparável da restituição da vista,<br />
ao cego de nascença, produzira um impacto singular e<br />
poderoso nos que o conheciam.<br />
Haven<strong>do</strong> nasci<strong>do</strong> nas sombras da cegueira, o jovem<br />
tornara-se mendigo. Exibia sua aflição à misericórdia <strong>do</strong>s<br />
passantes, que o consideravam filho <strong>do</strong> peca<strong>do</strong>.
91 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Preconceituoso, na sua imensa ignorância, o povo,<br />
à época, desdenhava os enfermos e considerava-os<br />
puni<strong>do</strong>s por Deus. A impiedade, dessa atitude decorrente,<br />
caracterizava os eleitos que, dia a dia, mais se distanciavam<br />
<strong>do</strong> objetivo sagra<strong>do</strong> da vida, que é o amor.<br />
Com a escudela na mão, o infortuna<strong>do</strong> suplicava ajuda,<br />
até o momento em que <strong>Jesus</strong> o resgatou da treva exterior.<br />
Pode-se-lhe imaginar o júbilo, a emoção.<br />
Apresentara-se à família e aos amigos, dan<strong>do</strong> a<br />
notícia feliz. Nunca, porém, esperava reação em contrário.<br />
Não conhecia os homens, ignorava o mun<strong>do</strong>.<br />
Como o evento sucedera-se em um sába<strong>do</strong>, a hipocrisia<br />
farisaica convocou-o a depoimento e inquirição sórdida,<br />
assinalada por ameaças, desprezo da sua palavra e dúvida<br />
quanto à evidência de que fora porta<strong>do</strong>r.<br />
Os pais acovarda<strong>do</strong>s ante a truculência pre<strong>do</strong>minante<br />
nos poderosos, quan<strong>do</strong> interroga<strong>do</strong>s, responderam que o<br />
jovem, sim, era seu filho, que nascera cego, porém, como<br />
sucedera a cura, não sabiam, somente ele o poderia<br />
informar com segurança, pois já era responsável por si<br />
mesmo, tinha idade para depor.<br />
Desse mo<strong>do</strong>, ele repetiu com riqueza de detalhes e<br />
ingenuidade, como ocorrera o fato liberta<strong>do</strong>r.<br />
Insta<strong>do</strong> a afirmar que <strong>Jesus</strong> era peca<strong>do</strong>r, não teve<br />
alternativa em discrepar <strong>do</strong>s arrogantes, indagan<strong>do</strong>,<br />
como poderia alguém que não fosse de Deus realizar o<br />
que Ele conseguira.<br />
E, inesperadamente, perguntou-lhes se queriam ser<br />
Seus discípulos.
FERNANDO PINHEIRO - 92<br />
A resposta e a pergunta lúcida, chocan<strong>do</strong> os seus<br />
algozes, fizeram que o expulsassem da sinagoga.” (47)<br />
Dentre tantas outras curas de cego de nascença,<br />
realizadas por <strong>Jesus</strong>, destacamos a de Bartimeu, em<br />
Jericó. A respeito, Amélia Rodrigues, inspirada no<br />
Evangelho, narra no livro Pelos Caminhos de <strong>Jesus</strong>,<br />
psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco:<br />
“Havia, em Jericó, um conheci<strong>do</strong> mendigo, filho de<br />
Timeu, por isso chama<strong>do</strong> Bartimeu, que era cego. (*)<br />
– “<strong>Jesus</strong>, Filho de Davi, tem piedade de nós”.<br />
– Que queres que te faça”, inquiriu <strong>Jesus</strong>.<br />
– Rabboni, que eu veja!”, respondeu-lhe o cego.<br />
– Vai, a tua fé te salvou.”<br />
“Bartimeu não teve tempo sequer para reflexionar,<br />
pois a voz, vibrante e rica de harmonias, penetran<strong>do</strong>-lhe<br />
a acústica da alma, fez que lhe explodisse a claridade nos<br />
olhos apaga<strong>do</strong>s e ele enxergou.<br />
A <strong>luz</strong> <strong>do</strong>urada <strong>do</strong> Sol, o verde da vida, as cores<br />
variadas da festa <strong>do</strong> dia e <strong>do</strong> sorriso <strong>do</strong>s homens,<br />
<strong>do</strong>minaram-no, impon<strong>do</strong> a sinfonia das lágrimas.<br />
À <strong>do</strong>r <strong>do</strong> momento inusita<strong>do</strong> fez-se a adaptação e<br />
a alegria da visão em festa de beleza.<br />
(47) AMÉLIA RODRIGUES – in Trigo de Deus, pp. 28 e 29, psicografa<strong>do</strong><br />
por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – 3ª edição – 1999 – Livraria Espírita<br />
Alvorada Editora – Salva<strong>do</strong>r – BA.<br />
(*) MARCOS, 10:48 a 53
93 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Quan<strong>do</strong> ele quis agradecer, o Mestre se havia<br />
afasta<strong>do</strong>.<br />
Nunca Ele recebia o reconhecimento <strong>do</strong>s beneficiários<br />
<strong>do</strong> Seu Amor.<br />
Bartimeu é o símbolo <strong>do</strong>s cegos espiritualmente, em<br />
to<strong>do</strong>s os tempos.<br />
Jericó é ainda o mun<strong>do</strong> moderno.<br />
Pede-se-Lhe que cure e recusa-se a saúde que Ele<br />
oferece.<br />
Anela-se pela Sua presença, enquanto Ele é repeli<strong>do</strong><br />
pela astúcia e ambição humana.<br />
Buscan<strong>do</strong> a paz que Ele representa, os homens<br />
fomentam a guerra em que se consomem.<br />
São os cegos espirituais que têm <strong>Jesus</strong> e, porque<br />
sem fé, não O buscam, ou, quan<strong>do</strong> Ele chega, rejeitam-nO.<br />
Esta é a cegueira maior e pior, porque da alma<br />
rebelde, ingrata e insatisfeita.” (48)<br />
(48) AMÉLIA RODRIGUES – in Pelos Caminhos de <strong>Jesus</strong>, pp. 102, 103 –<br />
1ª edição – 1988 – psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco –<br />
Livraria Espírita Alvorada Editora – Salva<strong>do</strong>r – BA.
13<br />
A CURA DE UM LEPROSO<br />
FERNANDO PINHEIRO - 94<br />
Experimentava o desprezo de seus compatriotas<br />
que lhe segregavam o convívio, alojan<strong>do</strong>–o no Vale <strong>do</strong>s<br />
Imun<strong>do</strong>s. Teve notícias daquele profeta da Galiléia que<br />
curou muitos leprosos. (49)<br />
Agora, reencontran<strong>do</strong>–o de passagem por<br />
Jerusalém, disse: “Senhor, se quiseres, bem podes<br />
limpar–me!”. Havia, na inflexão da voz, uma súplica. A<br />
esperança brotava, em seu ser mais profun<strong>do</strong>, como se<br />
fosse aquele dia a oportunidade única de ficar cura<strong>do</strong>.<br />
(49) MARCOS, 1:40 a 44 LUCAS, 7:13 a 19
95 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Sentin<strong>do</strong> a <strong>do</strong>r daquele irmão, o Mestre<br />
apie<strong>do</strong>u–se e, estenden<strong>do</strong> a mão, tocou–o e disse–lhe:<br />
“quero, sê limpo”. No mesmo instante, os teci<strong>do</strong>s<br />
degenera<strong>do</strong>s se recompuseram, voltan<strong>do</strong> à normalidade.<br />
A lepra desapareceu.<br />
Impressiona<strong>do</strong> com o seu novo esta<strong>do</strong> de saúde<br />
e, para<strong>do</strong>, em êxtase, diante da grandeza radiante<br />
<strong>do</strong> Mestre, o leproso, acanha<strong>do</strong>, balbucian<strong>do</strong>, parecia<br />
perguntar: “que devo fazer, agora, Senhor?”<br />
“Não digas a ninguém”, respondeu <strong>Jesus</strong>,<br />
“mas, vai mostrar–te aos sacer<strong>do</strong>tes e oferece pela tua<br />
purificação o que Moisés determinou, para que lhes<br />
servir de testemunho”.<br />
Amélia Rodrigues,<br />
<br />
no livro Primícias <strong>do</strong> Reino,<br />
psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco, relata o texto<br />
final deste episódio e o comenta à <strong>luz</strong> da sabe<strong>do</strong>ria:<br />
“O Estranho Rabi tornara–se diáfano. Uma beleza<br />
incomparável dEle se irradiava. Parecia sorrir.<br />
A turba acercou–se, muda de espanto, e constatou–lhe<br />
a cura.<br />
Estuante, emoções em desalinho, saiu a correr.<br />
Mente em torvelinho, coração descompassa<strong>do</strong>, voltava<br />
à cidade...<br />
Antes, a pedradas fora expulso. Agora, cantan<strong>do</strong><br />
felicidade, retornava.<br />
Pelo caminho, no entanto, sem poder guardar silêncio,<br />
contava o prodígio de que fora objeto.
FERNANDO PINHEIRO - 96<br />
A noite caíra sem preâmbulos.<br />
À <strong>luz</strong> das estrelas longínquas o Mestre reuniu os<br />
discípulos, em agradável aconchego.<br />
Chega<strong>do</strong> a hora <strong>do</strong> repasto e preparada a fogueira<br />
aquece<strong>do</strong>ra, foram distribuí<strong>do</strong>s pão e peixe defuma<strong>do</strong>.<br />
Acercan<strong>do</strong>–se <strong>do</strong> Rabi, Simão indagou curioso:<br />
– Seria necessário que o leproso pagasse o tributo?<br />
– À lei, os respeitos de justiça, respondeu <strong>Jesus</strong>.<br />
E desejan<strong>do</strong> esclarecer os companheiros não refeitos<br />
da grande emoção, prosseguiu:<br />
– Legalmente, ele estava morto. Trazi<strong>do</strong> à vida, por<br />
mercê de Nosso Pai, deverá ser reconheci<strong>do</strong> por aqueles<br />
que representam a tradição. O tributo, não entendemos<br />
como pagamento ou louvor, puro e simples, mas como<br />
expressão de testemunho de reingresso nos estatutos <strong>do</strong>s<br />
homens.<br />
Espicaça<strong>do</strong> pela curiosidade, André indagou:<br />
– Será justa a recomendação de silêncio? Não<br />
se faz necessário que to<strong>do</strong>s identifiquem os sinais da<br />
Mensagem de Vida, para que se disponham ao Reino de<br />
Deus que está próximo?<br />
O Mestre espraiou os olhos em derre<strong>do</strong>r, como a<br />
delimitar os sítios onde se encontrava, e redarguiu:<br />
– Não transcorreu muito tempo, eu vos falei que sois<br />
o sal da Terra... Para que serve o sal se perde o sabor?<br />
Diluin<strong>do</strong>–se no repasto, o sal se faz presente sem alarde<br />
e to<strong>do</strong>s o podem identificar...<br />
E depois de uma breve pausa como se desejasse<br />
caracterizar melhor os dias próximos, esclareceu:
97 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
– O Reino <strong>do</strong>s Céus não fará nota<strong>do</strong> pelas atrações<br />
externas. A Terra sempre foi rica de homens e mulheres<br />
prodigiosos, profetas e rabis, cura<strong>do</strong>res e adivinhos. Acima<br />
deles to<strong>do</strong>s, no entanto, o Filho <strong>do</strong> Homem há vela<strong>do</strong>.<br />
E esclarecen<strong>do</strong> melhor os discípulos incipientes,<br />
prosseguiu:<br />
– O leproso de hoje contaminou–se espiritualmente<br />
em pretérito próximo. Ontem, soberbo e egoísta, banhou–se<br />
nas lágrimas <strong>do</strong>s oprimi<strong>do</strong>s, abusan<strong>do</strong> <strong>do</strong> corpo como os<br />
ventos bravios das tamareiras solitárias. Retornou aos<br />
caminhos de tormento em si mesmo atormenta<strong>do</strong>, para<br />
ressarcir penosamente. O lega<strong>do</strong> que hoje recebeu é de<br />
responsabilidade antes que de merecimento. O Pai<br />
misericordioso não deseja a punição <strong>do</strong> filho rebelde ou<br />
ingrato, mas a sua renovação...<br />
Como se consultasse o leve cicio da noite, arrematou<br />
com um acento de tristeza na voz:<br />
– Nem to<strong>do</strong>s, porém, podem isto compreender.<br />
“Neste momento, apalpan<strong>do</strong> as carnes refeitas, exibe<br />
o corpo aos curiosos e fala sobre Aquele a Quem<br />
desconhece com alegria e leviandade. A cura mais importante<br />
não a experimentou: é aquela que não se restringe à forma,<br />
e sim ao espírito. Lavada a morféia, ele continua leproso.<br />
Acautelai–vos <strong>do</strong> contágio das misérias que os olhos não<br />
veem, mas que entenebrecem a razão e perturbam o<br />
coração...”<br />
Simão, desejan<strong>do</strong> mais esclarecimentos, inquiriu<br />
com respeito:
FERNANDO PINHEIRO - 98<br />
– Rabi, se o <strong>do</strong>ente não se pôde beneficiar com a<br />
cura, ter–lhe–ia si<strong>do</strong> esta de utilidade?<br />
– Simão, – respondeu, bon<strong>do</strong>so, <strong>Jesus</strong> – o Reino <strong>do</strong>s<br />
Céus é uma mensagem de amor para to<strong>do</strong>s: desalenta<strong>do</strong>s<br />
e sofre<strong>do</strong>res, atormenta<strong>do</strong>s e enfermos to<strong>do</strong>s receberão o<br />
convite de acor<strong>do</strong> com as suas necessidades. A nós compete<br />
espalhar as dádivas de <strong>luz</strong> e bençãos, sem a preocupação<br />
imediata de como serão recebidas ou utilizadas. Cada<br />
coração é responsável pelas sementes que recolhe. Fruin<strong>do</strong> a<br />
dádiva de <strong>luz</strong>, pode escolher onde entesourar as esperanças.<br />
O Sol espraia vida em to<strong>do</strong> lugar, indistintamente e,<br />
embora o pântano continue pútri<strong>do</strong>, o astro rei insiste sobre<br />
o seu <strong>do</strong>rso, onde a peste e a morte se agasalham,<br />
semean<strong>do</strong> esperança...<br />
Levantou-se e, afastan<strong>do</strong>–se <strong>do</strong> grupo, em silêncio,<br />
mergulhou na noite, e desapareceu.<br />
A montanha continuava envolta em sombras, ao<br />
fun<strong>do</strong>.<br />
Enquanto as gemas <strong>do</strong>s minutos formavam o colar<br />
<strong>do</strong>s séculos, os acontecimentos daquele dia passavam para<br />
os dias <strong>do</strong> amanhã sem–fim...” (50 )<br />
(50) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias <strong>do</strong> Reino, p. 132, 133, 134 –<br />
4ª edição – psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria<br />
Espírita Alvorada Editora – 1987 – Salva<strong>do</strong>r – BA.
99 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
14<br />
A CURA DOS DEZ LEPROSOS<br />
Atravessan<strong>do</strong> a fronteira da Samaria e Galiléia,<br />
a caminho de Jerusalém, <strong>Jesus</strong> e seus discípulos<br />
conseguiram chegar a uma pequena aldeia cercada por<br />
uma escassa vegetação.<br />
Ouviram, então, uma voz rouca e desfalecida:<br />
“<strong>Jesus</strong>, Mestre, tem misericórdia de nós”.<br />
O Mestre olhou aqueles seres humanos, mutila<strong>do</strong>s<br />
pela lepra, que lhe revelaram a decomposição gradual em<br />
que se entregaram.<br />
Um sentimento de profunda compaixão saía <strong>do</strong><br />
seu rosto ilumina<strong>do</strong>, ressaltan<strong>do</strong>–lhe a aura resplandecente<br />
que emitiu irradiações da mais pura energia capaz<br />
de operar a cura daqueles homens embaraça<strong>do</strong>s nos<br />
desencantos.
FERNANDO PINHEIRO - 100<br />
O impulso das vibrações salutares, ao penetrar o<br />
campo magnético danifica<strong>do</strong> por outras vibrações diferentes,<br />
desperta as forças íntimas <strong>do</strong> paciente que passa a fazer<br />
a sua própria cura. Daí, a compreensão das sábias<br />
palavras <strong>do</strong> Mestre “a tua fé te salvou” que tem uma<br />
conotação íntima com o nosso argumento.<br />
É por isso que os semea<strong>do</strong>res das blandícias <strong>do</strong><br />
paraíso reconhecem a vocação que possuem ao distribuir<br />
os talentos que inspiram o bom ânimo aos desalenta<strong>do</strong>s,<br />
a alegria aos tristes e o estímulo da saúde aos enfermos.<br />
Em to<strong>do</strong>s os lugares e em todas as épocas, o<br />
homem sempre recebeu auxílio para crescer em sabe<strong>do</strong>ria<br />
e amor que eliminam to<strong>do</strong>s os obstáculos da caminhada.<br />
Nas roupagens <strong>do</strong> sofrimento, ele possui um<br />
aspecto desola<strong>do</strong>r: o espírito exteriormente enfermo e<br />
degradante transmite ao corpo físico a sua fisionomia<br />
transitória. Mas, bem no íntimo dessa presença cósmica<br />
imortal, há uma fonte inesgotável de energias que podem<br />
plasmar as mais belas manifestações que, igualmente, se<br />
refletirão no corpo.<br />
Por conhecer, com clareza, essa verdade, o Mestre<br />
aju<strong>do</strong>u aqueles irmãos em difíceis provas a recompor a<br />
saúde e lhes disse: “ide, e mostrar–vos aos sacer<strong>do</strong>tes”.<br />
Conclui a narrativa de Lucas: “<strong>Jesus</strong> perguntou:<br />
não foram dez os que foram limpos? Onde estão os nove?<br />
Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, senão<br />
este estrangeiro? Então lhe disse: levanta–te, e vai; a<br />
tua fé te salvou.” (51)<br />
(51) LUCAS, 17:11 a 19
101 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
A cura <strong>do</strong>s dez leprosos faz–nos pensar a respeito<br />
<strong>do</strong> caminhar <strong>do</strong> homem. Os padecimentos humanos têm<br />
a sua origem no desconheci<strong>do</strong>. Se o homem descobrisse a<br />
sua identificação no cenário <strong>do</strong> Cosmos, saberia o caminho<br />
que conduziria ao seu objetivo.<br />
A criança diante da borboleta, o índio diante<br />
<strong>do</strong>s animais selvagens identificam a finalidade <strong>do</strong>s<br />
encontros. Nenhum <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is fica assusta<strong>do</strong> ao se defrontar<br />
com as espécies diferentes.<br />
A cada instante, o ser humano tem oportunidade<br />
de entrar em contato com seus semelhantes. Algumas<br />
vezes, ele pode programar os encontros, mas em outras<br />
não tem tempo de pensar como agir nas horas <strong>do</strong><br />
imprevisto. Tu<strong>do</strong> vai depender <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> emocional em<br />
que se encontra.<br />
Ocorrências e fatos conturba<strong>do</strong>s acerca das<br />
oscilações das atividades humanas nos chegam como<br />
se fossem ventos fortes antes da chuva. Muitos são<br />
surpreendi<strong>do</strong>s e leva<strong>do</strong>s por essa onda invisível que renova<br />
os ambientes.<br />
Homens imprevidentes mudam de lugar, por<br />
força das circunstâncias que vão passan<strong>do</strong>, arrastan<strong>do</strong> aos<br />
lugares em que eles se posicionaram mentalmente. Quem<br />
tem me<strong>do</strong> vai para o lugar onde o me<strong>do</strong> está; quem<br />
tem ânimo firme ultrapassa os obstáculos, avançan<strong>do</strong>.<br />
Quem busca a beleza a encontra, reforçan<strong>do</strong> a<br />
disposição de vê-la brilhar cada vez mais. Quem a buscou<br />
pelos caminhos <strong>do</strong> desvio, mesmo assim a encontrará<br />
em formas que lhe despertem que ela existe. Quem já<br />
se identificou com o movimento renova<strong>do</strong>r da Criação vê
FERNANDO PINHEIRO - 102<br />
que em tu<strong>do</strong> há beleza. A evolução se manifestan<strong>do</strong> em<br />
seus reinos, sem que nenhum esteja certo ou erra<strong>do</strong> em<br />
relação ao que se interliga.<br />
A evolução é progressiva. De sintomas de<br />
sensibilidade oriun<strong>do</strong>s desde os minerais, vegetais e<br />
animais, eclode no ponto máximo da inteligência<br />
que deslinda os enigmas <strong>do</strong> caminhar, facultan<strong>do</strong> ao<br />
homem a capacidade de compreender a vida. Mas, até<br />
que se afirme nesta postura, experimenta os apelos e<br />
tendências de sua natureza animal, que desviam seus<br />
objetivos sagra<strong>do</strong>s a roteiros onde a permissividade corre<br />
livre, ainda não convertida totalmente ao mun<strong>do</strong> da<br />
razão, hoje ampliada nas vertentes da inspiração.<br />
Inconforma<strong>do</strong> se rebela contra situações que<br />
lhe promovem o reajuste com o meio em que vive e,<br />
intoxica<strong>do</strong> de pensamentos em desequilíbrio, busca as<br />
bebidas, o sexo a qualquer preço, as viagens onde tem<br />
pouco a aprender. Engana<strong>do</strong> pelos risos de quem<br />
igualmente busca companhia, não sabe entender o amor<br />
em suas nascentes cristalinas e deturpa as amizades que<br />
lhe poderiam acalmar seus anseios, recain<strong>do</strong> sempre à<br />
desilusão e desencantos.<br />
Quan<strong>do</strong> põe em prática os <strong>do</strong>ns que o<br />
Cria<strong>do</strong>r lhe deu para que se aproxime a Ele e goze <strong>do</strong>s<br />
deleites da felicidade interminável, os padecimentos que<br />
lhe faziam vítima desaparecem por completo.<br />
Há estímulos incessantes ao homem na busca<br />
dessa felicidade, sem apego a terceiros que podem lhe<br />
trazer saudades, tristeza e desolação. A força, que faz<br />
movimentar seu corpo físico e as correntes <strong>do</strong> seu<br />
pensamento, vem <strong>do</strong> espírito que o reveste na caminhada<br />
terrena.
103 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
15<br />
PAULUS, O CENTURIÃO<br />
O canto III da obra Anchieta ou o Evangelho nas<br />
Selvas, de Fagundes Varella, é pertinente ao assunto.<br />
“Já de Cafarnaum ao longe avista<br />
As verdes eminências matizadas<br />
De florentes arbustos, quan<strong>do</strong> chega<br />
Ofegante ancião a seu encontro.<br />
– Creio em vosso poder, Senhor, lhe fala,<br />
Por isso corro a vos buscar, ouvi-me:<br />
Um bom centurião suspira aflito<br />
De moribun<strong>do</strong> servo à cabeceira;<br />
Sabe quanto valeis... se vós quiserdes...<br />
E embaraça<strong>do</strong> cala-se. – Não temas,<br />
Responde-lhe o Senhor, – que bom obraste,<br />
Mostra-me a hesitação de teu amigo,<br />
Irei ver o <strong>do</strong>ente. E segue o velho.<br />
Mas, o centurião apenas sabe<br />
Que <strong>Jesus</strong> se aproxima, envia logo<br />
Por alguns companheiros, que o rodeiam,<br />
Esta humilde mensagem: – Não sou digno,<br />
Senhor, de entrares em meu pobre asilo;
FERNANDO PINHEIRO - 104<br />
Manda, e meu servo ficará cura<strong>do</strong>.<br />
– Oh! na verdade, o Salva<strong>do</strong>r exclama,<br />
Ao povo se voltan<strong>do</strong>, longe estava<br />
De supor tanta fé por estas terras!<br />
Ide, ordena aos atentos mensageiros,<br />
São achareis de vosso amigo o servo...<br />
Glória ao Filho de Deus! No mesmo instante,<br />
No sombrio aposento, onde inda há pouco,<br />
Sob as garras da morte convulsava,<br />
Ergue-se alegre sobre o morno leito,<br />
Lançan<strong>do</strong> ao chão as grossas coberturas,<br />
O servo redivivo! Um tal prodígio<br />
Liga o centurião à nova crença.” (52)<br />
<br />
A radiosa manhã estendia claridade e<br />
deixava-se ser soprada pelo vento que trazia o cheiro das<br />
algas que se espalhava nas praias. As árvores sacudiam<br />
folhas que faziam desenhos nas sombras no chão.<br />
Situada entre Magdala e Corazin, a bela<br />
Cafarnaum possuía uma fisionomia quase cosmopolita,<br />
transitavam gentes de várias procedências. As vias, que<br />
davam acesso à cidade, eram a estrada de Damasco,<br />
da Ituréia, da Decápole, e da Fenícia. Merca<strong>do</strong>res traziam<br />
especiarias, figos e tâmaras, vinho galileu e queijo de<br />
ovelhas. A pesca era bastante cultivada.<br />
(52) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –<br />
poema – Canto III – Capítulo XXII, pp. 102, 103 – Livraria Imperial<br />
– 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.
105 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Cafarnaum tinha um <strong>do</strong>ce mistério. Quan<strong>do</strong><br />
<strong>Jesus</strong> voltava àquela cidade, sentia seus habitantes<br />
transparecer a singela <strong>do</strong>s campos onde os lírios crescem.<br />
Naquela manhã, um grupo de judeus respeitáveis,<br />
os anciães <strong>do</strong> povo, vai ao encontro de <strong>Jesus</strong> e lhe falou<br />
nesse senti<strong>do</strong>:<br />
“Senhor, viemos em nome <strong>do</strong> centurião, nosso<br />
amigo, para vos dizer que o servo dele está enfermo e<br />
necessita de socorro urgente. Somos gratos ao centurião<br />
pela ajuda que nos deu ao edificar a nossa sinagoga.” (54)<br />
O Mestre, conhecen<strong>do</strong> os sofrimentos humanos,<br />
estendeu àqueles homens, que acreditavam nele, um<br />
olhar lúci<strong>do</strong> e transparente e, num gesto de bondade,<br />
aceitou o convite.<br />
Um clima de contentamento envolve os anciães <strong>do</strong><br />
povo e to<strong>do</strong>s eles ficam agradeci<strong>do</strong>s. Sem perder tempo,<br />
seguem os passos de <strong>Jesus</strong> que ia em frente caminhan<strong>do</strong><br />
com firmeza.<br />
Lá adiante <strong>do</strong> caminho vem outro grupo de<br />
pessoas que, ao chegar perto deles, diz não ser necessário<br />
que vá até lá e transmite as palavras <strong>do</strong> centurião:<br />
“Senhor, não te incomodes, pois não sou digno de que entres<br />
em minha casa. Por isso não me julguei digno de ir ter<br />
contigo. Dize porém uma palavra, e o meu servo será<br />
cura<strong>do</strong>.”<br />
Relatan<strong>do</strong> ainda a mensagem <strong>do</strong> centurião, os<br />
mensageiros concluíram nesse senti<strong>do</strong>: “ele conhece a<br />
hierarquia militar e, ten<strong>do</strong> solda<strong>do</strong> sob seu coman<strong>do</strong>, diz<br />
(54) LUCAS, 7:1 a 10
FERNANDO PINHEIRO - 106<br />
a este: vai e ele vai e a outro: vem e ele vem e ao meu<br />
servo: fazei isto e ele o faz”. Ora, Mestre, se tu ordenares<br />
aos teus discípulos eles farão a tua vontade.”<br />
Recrudescida quase 20 séculos mais tarde, surge<br />
uma atmosfera de tranquilidade e de repouso, nos<br />
movimentos <strong>do</strong> Intróito, comove<strong>do</strong>ramente simples, e <strong>do</strong><br />
Libera me <strong>do</strong> Réquiem, de Giuseppe Verdi, apresenta<strong>do</strong><br />
em 17 de agosto de 2002, pela Orquestra Sinfônica e<br />
Coro <strong>do</strong> Theatro Municipal <strong>do</strong> Rio de Janeiro, sob a<br />
regência <strong>do</strong> maestro Romano Gan<strong>do</strong>lfi, ten<strong>do</strong> como solistas<br />
Cláudia Riccitelli, soprano, Regina Elena Mesquita, mezzosoprano,<br />
Juan Gambina, tenor e Maurício Luz, baixo.<br />
Narra ainda o evangelista Lucas: “Ouvin<strong>do</strong> isto,<br />
<strong>Jesus</strong> se maravilhou dele e, voltan<strong>do</strong>-se, disse à multidão<br />
que o seguia: Digo-vos que nem ainda em Israel achei<br />
tanta fé.”<br />
Os <strong>do</strong>is grupos de mensageiros seguiram rumo<br />
à vivenda <strong>do</strong> centurião para lhe revelarem as palavras<br />
de afirmação daquele homem que curava a to<strong>do</strong>s que a<br />
ele recorriam.<br />
Quan<strong>do</strong> eles estavam se aproximan<strong>do</strong> da<br />
vivenda, uma nuvem de poeira veio surgin<strong>do</strong> lentamente<br />
e, no meio, um vozerio ecoou despertan<strong>do</strong> a atenção das<br />
comitivas. Ali estavam os amigos e familiares <strong>do</strong> centurião<br />
que lhe deram a notícia de que o servo estava cura<strong>do</strong>.<br />
Toda a alegria <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, que poderia conter<br />
num coração, o solda<strong>do</strong> romano a sentia. A confiança<br />
que ele depositou em <strong>Jesus</strong> era grande demais e não<br />
poderia ficar apenas entre os amigos da Sinagoga.
107 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
16<br />
A MULHER PARALÍTICA<br />
Healing at Bethesda by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />
A narrativa de Lucas, o evangelista, no<br />
capítulo 13, refere-se à cura de uma paralítica:<br />
“E ensinava no sába<strong>do</strong>, numa das sinagogas. Estava<br />
ali uma mulher que tinha um espírito de enfermidade,<br />
havia já dezoito anos. Ela estava curvada, e não podia de<br />
mo<strong>do</strong> algum endireitar-se. Ven<strong>do</strong>-a <strong>Jesus</strong>, chamou-a a si,<br />
e lhe disse: Mulher, estás livre da tua enfermidade. Então<br />
ele pôs as mãos sobre ela, e logo ela se endireitou, e<br />
glorificava a Deus.” (55)<br />
(55) LUCAS, 13:10 a 13
FERNANDO PINHEIRO - 108<br />
A enfermidade, que vinha <strong>do</strong> astral inferior,<br />
se manifestava no plano material. Ações <strong>do</strong> passa<strong>do</strong><br />
comprovaram a união entre ambos. Se há infração, há<br />
infrator. O presente recrudesce o passa<strong>do</strong>. As vibrações<br />
deletérias identificam a ligação em que os comparsas<br />
se compraziam. Enfermos estavam ambos: a mulher<br />
paralítica e o espírito de enfermidade.<br />
A caridade de <strong>Jesus</strong> manifestou-se tanto no<br />
plano material como no espiritual. O Mestre, em tom<br />
decisivo, faz o agressor enfermo se retirar da mulher<br />
e lhe comunica a libertação.<br />
A questão é bem delicada porque envolve duas<br />
esferas distintas: a material e a espiritual. Se observarmos<br />
as Sagradas Escrituras, veremos que <strong>Jesus</strong> eluci<strong>do</strong>u o<br />
enigma, em várias oportunidades, indican<strong>do</strong> os rumos<br />
para o caminho da libertação.<br />
<br />
No mesmo passo, podemos apreciar as<br />
observações que surgem no caminhar da humanidade<br />
em busca da evolução.<br />
Durante a vida terrena, o homem vive dentro<br />
<strong>do</strong> padrão vibratório que se coaduna com os seus<br />
interesses. Ele sempre busca aquilo que sente,<br />
encontran<strong>do</strong>-o de forma adequada à sua evolução.<br />
Nas oscilações <strong>do</strong> equilíbrio emocional, há uma<br />
apreciação particular em que ele não compreende o<br />
infortúnio em forma de bençãos e o aprimoramento sadio<br />
em criações futuras de angústia e <strong>do</strong>r.
109 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Essas oscilações existem porque o homem<br />
ainda não aprendeu a se harmonizar. Sem a consciência<br />
de ser o herdeiro natural <strong>do</strong>s <strong>do</strong>ns <strong>do</strong> Cria<strong>do</strong>r, ele<br />
busca evasivas para manter viva a ilusão, iludin<strong>do</strong>-se<br />
e arrastan<strong>do</strong> aqueles que estão liga<strong>do</strong>s a ele por laços<br />
mútuos de responsabilidade.<br />
A ligação perdura enquanto houver alimentação<br />
<strong>do</strong>s interesses em comum, pois a sintonia é força que<br />
une <strong>do</strong>is pontos distantes.<br />
Nesse círculo <strong>do</strong> aprendiza<strong>do</strong> renova<strong>do</strong>r, há<br />
uns que seguem à frente se libertan<strong>do</strong> das algemas<br />
escravizantes e ajudam àqueles que permanecem na<br />
retaguarda.<br />
Mas a grande maioria ainda não conseguiu sair<br />
das imantações psíquicas em que está mergulhada, onde<br />
se compraz com as emoções que se convertem em<br />
instintos grosseiros da animalidade.<br />
A evolução desses seres humanos é lenta, pois<br />
sempre têm ao seu re<strong>do</strong>r companheiros igualmente<br />
ludibria<strong>do</strong>s pela ilusão, capazes de provocarem atritos nos<br />
roteiros de vida que levam, como as espécies inferiores<br />
que lutam para sobreviver.<br />
Há uma combinação invisível de pensamentos<br />
entre os interesses em comum de pessoas que se<br />
aproximam, plasman<strong>do</strong> uma circunstância que se<br />
evidenciará no momento adequa<strong>do</strong>.<br />
Nesse imenso fluxo caminha a humanidade<br />
disseminan<strong>do</strong> seus interesses que tanto buscou no<br />
campo <strong>do</strong> desejo. A literatura é vastíssima, desde os<br />
mais remotos tempos, até os dias de hoje, onde, com o
FERNANDO PINHEIRO – 110<br />
auxílio da informática, as múltiplas atitudes individuais<br />
ou sociais são anotadas.<br />
Em sua caminhada terrena, a humanidade<br />
experimentou toda espécie de desejo. Em to<strong>do</strong>s o reflexo<br />
se cumpriu, determinan<strong>do</strong> que suas buscas foram<br />
encontradas. No meio delas, frustração e realização se<br />
confundem, porque em sua maioria ainda não aprendeu<br />
a escolher o que deseja ou, melhor, a não desejar<br />
aquilo que lhe é destina<strong>do</strong> por direito natural. E,<br />
assim, segue impulsionada pelas circunstâncias que lhe<br />
favorecem o momento, sem saber discernir quais os<br />
aspectos mais relevantes de sua evolução.<br />
Amplian<strong>do</strong> este argumento, o homem, diante<br />
de sua vida, vê pessoas diferentes, numa cronologia<br />
variável, umas alguns minutos, outras alguns dias ou<br />
meses, outras ainda com o tempo mais estendi<strong>do</strong>, sem<br />
saber exatamente a importância que cada uma deveria ter.<br />
Como ele é o realiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> seu destino, busca<br />
aquilo que lhe convém, no conceito imediatista ou não,<br />
e recebe o reflexo de suas ações nas circunstâncias que<br />
lhe são próprias.<br />
No Cosmos não há injustiça, tu<strong>do</strong> se interliga<br />
recompon<strong>do</strong> situações que se engrandecem. No plano<br />
cármico, as leis estão subordinadas ao livre-arbítrio,<br />
pois aqueles que fazem mau uso desta opção não<br />
compreendem ainda a necessidade de conviverem<br />
harmoniosamente com tu<strong>do</strong> que os cerca.<br />
No futuro, no regime das leis superiores em<br />
que, um dia, a Terra será envolvida, o carma coletivo,<br />
que gera sofrimentos, será aboli<strong>do</strong>, como to<strong>do</strong>s os<br />
resquícios de escravidão no campo social e político.
111 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
17<br />
A TEMPESTADE NO MAR<br />
A obra Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de<br />
Fagundes Varella, narra a tempestade no mar:<br />
“Mas, pouco e pouco, as nuvens nacaradas,<br />
Que no céu <strong>do</strong> Ocidente refulgiam,<br />
Conglobam-se rugin<strong>do</strong> e se transformam<br />
Em grossos rolos de funéreo crepe.<br />
Frias lufadas de raivoso vento<br />
Correm <strong>do</strong>bran<strong>do</strong> as árvores <strong>do</strong>s montes,<br />
Erguen<strong>do</strong> turbilhões de folhas secas<br />
Do chão revolto e negro. Aves sinistras<br />
Voam, soltan<strong>do</strong> pios lamentosos,<br />
Em busca de um abrigo. O escuro lago<br />
Encrespa-se, bravejoso, as ondas cerra<br />
Joga de um la<strong>do</strong> e d´outro o pobre lenho,<br />
Sem leme, sem governo, a vela rôta,
FERNANDO PINHEIRO – 112<br />
Alaga<strong>do</strong> o franzino cavername!<br />
E a noite estende lúgubre, me<strong>do</strong>nha,<br />
Sobre a face <strong>do</strong> abismo as amplas asas,<br />
Retalhadas de rápi<strong>do</strong>s coriscos!...<br />
– Nossos esforços são inúteis! Bradam<br />
Tristemente os barqueiros, se agarram<br />
Às tábuas vacilantes esperan<strong>do</strong><br />
A sentença da sorte. Porém, calmo<br />
Como o que <strong>do</strong>rme sobre um leito firme,<br />
Ressona o Salva<strong>do</strong>r deita<strong>do</strong> à popa!<br />
Levantai-vos, Senhor, que nos perdemos!<br />
Gritam seus aterra<strong>do</strong>s companheiros.<br />
Abre os olhos <strong>Jesus</strong>, boceja e senta-se<br />
Sobre a molhada esteira; olhar austero<br />
Lança aos medrosos, trêmulos amigos.<br />
– Onde está a vossa fé? Clama e estenden<strong>do</strong><br />
Para o nubla<strong>do</strong> céu a destra santa,<br />
Serenai! Eu ordeno! exclama. Os ventos<br />
Param na vastidão <strong>do</strong> torvo espaço,<br />
Curvam-se as ondas bravas, irritadas<br />
E, quais humildes cães à voz severa<br />
De severo senhor, o <strong>do</strong>rso abaixam,<br />
E lambem mansamente a escura barca...<br />
Os negrumes dissipam-se, e as estrelas<br />
Aparecem formosas, rutilantes,<br />
Do céu azul nos páramos sublimes!” (56)<br />
(56) FAGUNDES VARELA, Luís Nicolau (1841/1875) – in Anchieta ou O<br />
Evangelho nas Selvas – Obras completas (pp. 107, 108), edição<br />
organizada por Visconti Coaracy – B. L. Garnier, Livreiro Editor –<br />
Rio de Janeiro – 1886 – Acervo: Biblioteca Nacional.
113 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
O entardecer romântico era visto no poente<br />
que formava nuvens cor-de-rosa e avermelhadas e na<br />
brisa que soprava um canto quase imperceptível.<br />
Os discípulos de <strong>Jesus</strong> acercaram-se da praia<br />
onde as ondas correm, se levantam rolan<strong>do</strong> umas sobre<br />
as outras para formarem grandes ondas que vêm<br />
volumosas em murmúrio e, mais na frente, se desfazem<br />
crian<strong>do</strong> rendas de espuma.<br />
A pequena embarcação foi vistoriada por<br />
completo. As velas, os remos, o leme e a rede de pescar<br />
estavam em perfeito esta<strong>do</strong> de conservação.<br />
A comitiva que entrou no barco era composta<br />
exclusivamente pelos discípulos de <strong>Jesus</strong> e tinham a<br />
intenção de alcançar a outra banda <strong>do</strong> mar antes <strong>do</strong><br />
amanhecer.<br />
A noite veio vin<strong>do</strong> silenciosa. A poucos<br />
quilômetros da terra firme, podia-se ver as <strong>luz</strong>es <strong>do</strong>s<br />
lampadários piscarem em pontos diminutos e ao re<strong>do</strong>r<br />
desenhos das montanhas faziam vultos que se<br />
misturavam na escuridão.<br />
A viagem prossegue lentamente. Um instante<br />
depois, <strong>Jesus</strong> foi visto a<strong>do</strong>rmecen<strong>do</strong> na popa <strong>do</strong> barco.<br />
Os discípulos conversam a respeito <strong>do</strong>s ditos e<br />
feitos <strong>do</strong> Mestre numa exclamação de profun<strong>do</strong> respeito e<br />
deslumbramento. As curas de cegos, leprosos, paralíticos<br />
tinham uma ressonância que atingia as fronteiras de<br />
suas almas.<br />
Simão, homem <strong>do</strong> mar, conhece aquelas águas,<br />
aqueles ventos que se formam naquela época <strong>do</strong> ano e<br />
percebe a natural mudança que se faz presente no<br />
tempo que se carrega de nuvens escuras.
FERNANDO PINHEIRO – 114<br />
A apreensão toma conta de to<strong>do</strong>s os viajantes,<br />
menos aquele que <strong>do</strong>rmia. O mar é cerca<strong>do</strong> pelas nuvens<br />
que derramam tempestade fazen<strong>do</strong> sacudir a pequena<br />
embarcação.<br />
Rajadas de água invadem o barco que fica<br />
completamente desgoverna<strong>do</strong>. Suor, chuva forte e água<br />
<strong>do</strong> mar se misturam no rosto de cada um deles.<br />
Sem poderem se conter, os discípulos correm<br />
apressa<strong>do</strong>s ao lugar <strong>do</strong> barco onde <strong>Jesus</strong> estava <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong><br />
e lhe pedem ajuda em súplica carregada de receio.<br />
“Senhor, salvai-nos estamos perecen<strong>do</strong>” (57),<br />
falaram seus discípulos, num coro de vozes improvisa<strong>do</strong>,<br />
despertan<strong>do</strong>-o.<br />
Um relâmpago risca o espaço e to<strong>do</strong>s veem<br />
<strong>Jesus</strong> envolvi<strong>do</strong> na claridade de prata e ouro que se<br />
desfez um segun<strong>do</strong> depois. Ele se ergue e abre os braços.<br />
Numa mentalização sutil, mas profunda, fez<br />
ecoar de seus lábios uma voz enérgica para calar,<br />
emudecer, aquietar os ventos, o mar, a tempestade.<br />
<strong>Jesus</strong> triunfante e a confiança voltou a reinar<br />
no coração <strong>do</strong>s seus discípulos. A embarcação prossegue<br />
estável, firme em águas tranquilas em direção à cidade<br />
de Gerasa.<br />
No tópico <strong>Jesus</strong> acalma a tempestade, o<br />
evangelista Mateus conclui a narrativa: “Aqueles homens<br />
se admiraram, dizen<strong>do</strong>: quem é este homem, que até<br />
os ventos e o mar lhe obedecem?” (58)<br />
(57) MATEUS, 8:25 (58) MATEUS, 8:27
115 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
<br />
Cada época se distingue por suas características.<br />
Seus reflexos atingem a to<strong>do</strong>s como a chuva, o vento,<br />
o sol e as noites de luar.<br />
As etapas <strong>do</strong> tempo estabelecem marcas que<br />
registram acontecimentos que ficam na memória <strong>do</strong>s<br />
povos e civilizações.<br />
As ideias e conceitos que ultrapassam as<br />
fronteiras de cada geração e se mantêm atuais trazem<br />
argumentos que se fundamentam na harmonia <strong>do</strong><br />
Universo. Nestes passos, é muito importante observarmos<br />
o papel que exercemos perante a vida, sempre flexível<br />
naquilo que pensamos e agimos. Construamos o nosso<br />
amanhã.<br />
As oportunidades de refazimento interior vêm<br />
com um tempo conta<strong>do</strong>. A dúvida e a incerteza naquilo<br />
que pensamos fazer, um dia, deixa um vazio que,<br />
mais tarde, terá de ser preenchi<strong>do</strong>.<br />
Quan<strong>do</strong> elaboramos um plano de ação, já<br />
existem as condições favoráveis para o início, embora<br />
haja dificuldades comuns a tu<strong>do</strong> que se expande.<br />
As situações análogas se unem, pensamento a<br />
pensamento, ideia a ideia, numa corrente de interesses<br />
afins. Estamos sempre liga<strong>do</strong>s com aqueles que precisam<br />
se comunicar conosco. Nesses encontros, temos a<br />
oportunidade de verificar, pela apreciação alheia, como<br />
está sen<strong>do</strong> realizada a nossa comunicação de sentimentos.<br />
Vivemos num mun<strong>do</strong> de informações<br />
heterogêneas, pois o campo <strong>do</strong> pensamento é bastante<br />
cultiva<strong>do</strong> por diferentes grupos sociais que marcam<br />
presença em todas as atividades humanas. Nos albores<br />
<strong>do</strong> novo milênio, é de conhecimento geral o declínio da
FERNANDO PINHEIRO – 116<br />
ética atual que dá interpretação desvirtuada da natureza<br />
intrínseca <strong>do</strong> homem.<br />
Mesmo assim, acreditamos no despertar da<br />
eterna primavera no coração de cada criatura humana,<br />
principalmente naquelas que já semeiam a palavra que<br />
deslinda os enigmas <strong>do</strong> caminhar.<br />
Nos lugares onde o vento forte anuncia a<br />
tempestade, vemos a destruição de árvores que foram<br />
tocadas em sua sensibilidade para transmutar a energia<br />
de suas vidas. Nos homens e nas instituições que criam,<br />
sujeitos à lei da evolução contida na natureza inteira,<br />
o mesmo fenômeno acontece.<br />
Essa transmutação ocorre sob diversos aspectos<br />
que se classificam em crise econômica, perdas de<br />
ganhos, desprestígio social e dificuldades para expor<br />
ideias renova<strong>do</strong>ras em campos que foram danifica<strong>do</strong>s pela<br />
emoção desfigurada.<br />
Mesmo que fossem destruí<strong>do</strong>s os rios e os<br />
mares, a água surgiria de algum lugar e se a<br />
humanidade, que se desgasta, chegasse ao fun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
vale, haveria sempre alguém na montanha a indicar<br />
caminhos. No decorrer <strong>do</strong>s milênios, o homem constroi<br />
e destroi o que é transitório e a humanidade faz e<br />
desfaz civilizações, buscan<strong>do</strong> sempre a identificação das<br />
exigências <strong>do</strong> tempo.<br />
A civilização da dualidade caminha para o fim<br />
e a civilização da consciência da Unidade começa a<br />
despertar centenas de milhões de criaturas humanas<br />
que estão se libertan<strong>do</strong> de algemas escravocratas. É<br />
o fim <strong>do</strong> mito de Prometeu, que falsificou o mun<strong>do</strong>,<br />
e o recrudescimento da mensagem de <strong>Jesus</strong> que é a<br />
verdade, o caminho e a vida.
117 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
18<br />
ANOITECER EM GERASA<br />
Antes que anoiteça em Gerasa, a nossa<br />
narrativa é precedida pelo Canto III, de Fagundes Varela,<br />
que se des<strong>do</strong>bra nos planos mais sutis da consciência<br />
humana, onde habitam os seres das paragens bucólicas,<br />
tanto na esfera física quanto na espiritual e, os seres<br />
conflitantes que vivem, transitoriamente, em atrito com a<br />
harmonia <strong>do</strong> Universo, até que sejam desobsedia<strong>do</strong>s pela<br />
<strong>luz</strong> divina.<br />
“Põe-se o sol; <strong>do</strong>s outeiros e <strong>do</strong>s vales<br />
Soltam as avesitas inocentes<br />
Maviosos reclamos: – Vinde, vinde,<br />
Vinde alegres cantores da floresta,<br />
Dizem com seu falar melodioso,
A noite desce e as virações fagueiras<br />
Perfumam nossos ninhos delica<strong>do</strong>s<br />
Dos mais gratos o<strong>do</strong>res <strong>do</strong> deserto;<br />
Da estrela <strong>do</strong> pastor a <strong>luz</strong> suave<br />
O ermo encantará, quan<strong>do</strong> sau<strong>do</strong>sas<br />
Pelo clarão d´aurora suspirarmos! –<br />
Nas bordas <strong>do</strong>s regatos cristalinos<br />
Abrem-se <strong>do</strong>cemente os grandes lírios<br />
E murmuram baixinho: – que mimoso,<br />
Que peregrino, lisonjeiro silfo,<br />
Passa junto de nós, nos beija e foge?<br />
Ai! se voar pudéssemos, felizes<br />
Iríamos brincar nas moles sedas<br />
Onde repousa o beija–flor agora...<br />
Mais longe um pouco, as borboletas negras,<br />
Boêmias vagabundas, pairam, giram,<br />
Descen<strong>do</strong> ao frio chão de espaço a espaço,<br />
Medrosas cochilan<strong>do</strong>: – estamos perto<br />
Do lugar <strong>do</strong> festim? A loira fada,<br />
Cuja varinha nossas danças rege,<br />
Terá da<strong>do</strong> começo ao grande baile?<br />
Descansemos aqui, sobre estas flores<br />
Estendamos as asas de velu<strong>do</strong>,<br />
Banhemo-nos de orvalho e de ambrosia!<br />
Além, de manso lago à superfície,<br />
Na corola <strong>do</strong>s mornos nenúfares,<br />
Ajuntam-se ligeiros vaga-lumes,<br />
De azula<strong>do</strong> clarão iluminan<strong>do</strong><br />
As pétalas macias: – como é belo<br />
Nosso palácio mágico! – murmuram.<br />
– E qual o cavaleiro arma<strong>do</strong> de aço,<br />
Das finas hásteas <strong>do</strong>s compri<strong>do</strong>s juncos,<br />
FERNANDO PINHEIRO - 118
119 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
,<br />
Mira o rijo besouro <strong>luz</strong>idio<br />
O castelo brilhante. – Curiosa,<br />
Como a criança que o perigo afronta,<br />
Fascinada debruça-se a lagarta<br />
Da larga folha onde enroscada vive.<br />
Mais longe ainda, nos sarçais oculto,<br />
Bar<strong>do</strong> da solidão, tristonho canta<br />
O lamentoso grilo; e, além, travessos,<br />
Pulam à flor <strong>do</strong> lago transparente<br />
Os cardumes de pávi<strong>do</strong>s peixinhos,<br />
Ansiosos de ver nos céus tranquilos<br />
As primeiras estrelas radiarem!...<br />
Oh! nessas horas de poesia infinda,<br />
(...) – Apenas descem<br />
O Salva<strong>do</strong>r e os seus à lisa praia,<br />
Quan<strong>do</strong> um grito estridente e pavoroso,<br />
Como rugir de fera em antro escuro,<br />
De imigo sangue pressentin<strong>do</strong> o cheiro,<br />
Abala o espaço e chega a seus ouvi<strong>do</strong>s.<br />
– Céus! – Não temais, olhai a nossa dextra;<br />
Vêde aqueles densos ciparissos? –<br />
Diz o Senhor, – é um cemitério, tristes,<br />
Entre a espessura os túmulos alvejam;<br />
Não distinguis?... – Senhor! – Olhai de novo.<br />
Então da mesta sombra <strong>do</strong> arvore<strong>do</strong>,<br />
Sanguentos membros, retorcida boca,<br />
Lábios cobertos de espumosa baba,<br />
Cheios de lo<strong>do</strong> e cinzas os cabelos,<br />
Um homem seminu surgiu, bramin<strong>do</strong>;<br />
Lançou-se às plantas, arrancan<strong>do</strong> as folhas,<br />
Lançou-se às tumbas, levan<strong>do</strong> as lousas,
FERNANDO PINHEIRO - 120<br />
Arrojou–se no chão morden<strong>do</strong> as pedras,<br />
E nas convulsas mãos esfarelan<strong>do</strong><br />
Torrões calcários, carcomi<strong>do</strong>s ossos!<br />
Depois, ergue-se; gotejava o sangue<br />
Dos pés, <strong>do</strong> peito, <strong>do</strong> inflama<strong>do</strong> rosto;<br />
Volveu à roda as hórridas pupilas<br />
Onde o fogo <strong>do</strong> inferno chamejava,<br />
Rangeu com fúria os dentes, e avistan<strong>do</strong><br />
A poucos passos o Senhor: – Oh! vai–te,<br />
<strong>Jesus</strong>, Filho de Deus, não me atormentes –<br />
Gritou torcen<strong>do</strong> os braços macera<strong>do</strong>s.<br />
– Qual é o teu nome? – o Salva<strong>do</strong>r pergunta:<br />
Responde, que te ordeno! – Uma voz rouca,<br />
Feia e destemperada, não <strong>do</strong>s lábios,<br />
Mas das entranhas fez–se ouvir, e disse:<br />
– Chamo-me – Legião – tua virtude<br />
Reconheço, bem vês, e teu império;<br />
Mas não me obrigues a voltar, te rogo,<br />
À negra estância das eternas <strong>do</strong>res!<br />
Era uma multidão de infensos gênios<br />
Que assim falavam n´uma voz apenas!<br />
Ora, a pouca distância, na planície,<br />
Suja manada de animais imun<strong>do</strong>s<br />
Grunhia revolven<strong>do</strong> a verde relva,<br />
Ven<strong>do</strong>-a, <strong>Jesus</strong>, dirige-se aos demônios:<br />
– Deixai meu pobre servo, ide alojar-vos<br />
Daqueles brutos nos nojentos corpos! –<br />
No mesmo instante a cálida tartárea<br />
Ganha, silvan<strong>do</strong>, a sórdida manada,<br />
Que enfurecida e cega, salta e corre,<br />
Se encaracola, morde-se, esbraveja,
121 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
E galgan<strong>do</strong> um roche<strong>do</strong> íngreme, bronco,<br />
No mais fun<strong>do</strong> das águas se despenha.” (59)<br />
<br />
Identifica<strong>do</strong> o irmão naquele corpo oprimi<strong>do</strong> por<br />
mentes obsessoras da esfera espiritual, o Mestre exortou-as<br />
a sair <strong>do</strong> campo vibratório que pertencia ao outro<br />
enfermo.<br />
Vítima e algozes se entrelaçavam em conflitos<br />
violentos. Passa<strong>do</strong> e presente se interligavam<br />
simultaneamente em recrudescência viva e permanente.<br />
Chegaram ao ponto, pela ligação coesa, de assumirem a<br />
mesma posição: algoz e vítima, reciprocamente.<br />
Deve<strong>do</strong>res de si mesmos, em vingança em<br />
comum, seria difícil dizer qual deles esqueceria os danos<br />
recebi<strong>do</strong>s e se desligaria <strong>do</strong> nefasto intercâmbio mental.<br />
As paixões torpes estavam acirradas em demasia. Era<br />
o torpor e o extermínio de uma guerra particular.<br />
Os inimigos mais cruéis estavam escondi<strong>do</strong>s das<br />
aparências materiais e aproveitavam-se desse meio para<br />
derramar sobre o cúmplice <strong>do</strong> crime em comum as<br />
vibrações deletérias.<br />
Os agressores invisíveis para o plano físico<br />
identificaram a energia benéfica que se desprendia <strong>do</strong><br />
Mestre <strong>Jesus</strong> e, ainda, petrifica<strong>do</strong>s pelo engano justiceiro,<br />
quiseram continuar na perseguição implacável.<br />
(59) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto III – Capítulo XXXIV, pp. 112, 113 – Canto<br />
IV – Capítulo – pp. 124, 125, 126 – Livraria Imperial – 1875 – Rio<br />
de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.
FERNANDO PINHEIRO - 122<br />
O Senhor <strong>Jesus</strong>, em tom decisivo e revelan<strong>do</strong><br />
mansuetude na voz, disse ao primeiro desta legião: “sai<br />
dele e não voltes nunca mais”. (60). A ordem, revestida<br />
pela sabe<strong>do</strong>ria, foi imediatamente obedecida. A respeito,<br />
o evangelista Lucas assim se pronunciou: “Pois <strong>Jesus</strong><br />
tinha ordena<strong>do</strong> ao espírito imun<strong>do</strong> que saísse <strong>do</strong> homem.”<br />
(61)<br />
Nas encostas negras, surradas pela maresia <strong>do</strong><br />
mar da Galiléia, os últimos raios solares banhavam de<br />
cores e nuanças a tarde que começava a desfalecer.<br />
Gergesa ou Gerasa foi recolher-se mais ce<strong>do</strong>.<br />
Os irmãos das esferas em litígio, beneficia<strong>do</strong>s<br />
pela presença <strong>do</strong> Senhor <strong>do</strong>s espíritos, receberam a <strong>luz</strong><br />
<strong>do</strong>s céus clarean<strong>do</strong>-os por dentro, na despedida <strong>do</strong> sol<br />
entre a paisagem que escurecia.<br />
<br />
O passa<strong>do</strong> de lutas incompletas, estenden<strong>do</strong><br />
oportunidades de refazimento, ressurge em novas<br />
roupagens, testemunhan<strong>do</strong> a imortalidade <strong>do</strong> ser humano<br />
que não pode ser mais trata<strong>do</strong> apenas em sua forma<br />
física.<br />
Interesses no campo <strong>do</strong>s sentimentos unem as<br />
criaturas humanas entre si, em comunhão que se estende<br />
além das esferas físicas. O presente se refletirá no futuro,<br />
assim como o passa<strong>do</strong> se reflete no presente.<br />
60 e 61 – LUCAS, 8:29
123 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Cobranças sentimentais, queixas <strong>do</strong>s amores<br />
incompreendi<strong>do</strong>s, tristeza e saudades <strong>do</strong>s dias que o<br />
tempo levou, ainda são mantidas entre os interessa<strong>do</strong>s, até<br />
que a realidade da vida lhes mostre um novo caminho.<br />
A obsessão varre os lares <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> inteiro,<br />
despertan<strong>do</strong> mensagens de renovação naqueles que se<br />
sentem tristes, desanima<strong>do</strong>s e até mesmo com sintomas<br />
de distorção psíquica.<br />
Isto faz-nos lembrar a gota d'água que cai da<br />
chuva: no espaço fica trêmula ao sabor <strong>do</strong> vento e, mais<br />
tarde, desce aos lençóis d'água para fluir suavemente<br />
benefician<strong>do</strong> as searas.’<br />
Nas neblinas da madrugada, um novo dia vem<br />
surgin<strong>do</strong>, assim mesmo acontecen<strong>do</strong> com o paraíso na<br />
Terra começan<strong>do</strong> a resplandecer diante de tantas<br />
necessidades humanas que estão sen<strong>do</strong> absorvidas pela<br />
presença <strong>do</strong> amor.<br />
Na fase de transição planetária da 3° para<br />
a 5ª dimensão, observamos que os sentimentos de<br />
simplicidade e humildade estão aumentan<strong>do</strong>, logicamente<br />
com a diminuição <strong>do</strong> desapego a toda forma que ressalta<br />
o ego: personalidade, títulos, cargos, riqueza material,<br />
preocupação com aqueles que não nos seguiram os<br />
passos, a fim de que possamos ascender à vibração<br />
que está sen<strong>do</strong> implantada no planeta, com a irradiação<br />
das <strong>luz</strong>es que emanam da camada de fótons da estrela<br />
Alcíone, a grande descoberta <strong>do</strong> astrônomo Harley, à<br />
frente de muitos outros cientistas que o confirmaram. Os<br />
tempos novos são chega<strong>do</strong>s...
FERNANDO PINHEIRO - 124<br />
19<br />
GENESARÉ<br />
A citação <strong>do</strong> Evangelho é de Amélia Rodrigues<br />
(Espírito) no livro Trigo de Deus, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong><br />
Pereira Franco:<br />
“Narra Marcos (62) que, assim que saíram <strong>do</strong><br />
barco, os de lá reconheceram-nO, acorreram de toda<br />
aquela região e começaram a levar enfermos nos<br />
catres para o lugar onde sabiam que Ele se encontrava.<br />
Nas aldeias, cidades e casas, onde quer que entrava,<br />
colocavam os enfermos nas praças e rogavam-Lhe que<br />
os deixasse tocar pelo menos a franja da Sua capa.<br />
E quan<strong>do</strong> O tocavam, ficavam cura<strong>do</strong>s.” (63)<br />
(62) MARCOS, 6:53 a 56 – Nota da Autora espiritual.<br />
(63) AMÉLIA RODRIGUES – in Trigo de Deus, p. 90, 4ª edição,<br />
psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria Espírita<br />
Alvorada Editora – 10/2000 – Salva<strong>do</strong>r – BA.
125 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Nas formosas praias de Genesaré, ele esteve<br />
no meio da multidão, despertan<strong>do</strong>-a para as aquisições<br />
imorre<strong>do</strong>uras.<br />
À sua volta, a famigerada desfiguração humana<br />
estampada no semblante de cada um, resultante das<br />
atitudes tresloucadas assumidas deliberadamente por<br />
imposição de enganosas aparências.<br />
A to<strong>do</strong>s que a ele acorriam, havia a restauração<br />
da saúde. Os cegos recuperavam a visão material, muitos<br />
conseguin<strong>do</strong> perceber, no íntimo <strong>do</strong> ser, a <strong>luz</strong> espalhan<strong>do</strong><br />
o vigor tanto nas células degeneradas como na alma.<br />
Naquela tarde, os fluí<strong>do</strong>s, constituí<strong>do</strong>s da mais<br />
pura essência que na Terra apareceu, emana<strong>do</strong>s da<br />
aura espiritual <strong>do</strong> Mestre, conseguiram o maior trabalho<br />
de cura de que se tem notícia.<br />
A multidão saciada da sua necessidade mais<br />
urgente: a saúde.<br />
To<strong>do</strong>s buscavam a saúde naquele sol de<br />
irradiante beleza, esparzin<strong>do</strong> energias nos músculos hirtos<br />
e com deformidades. Tocan<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s e deixan<strong>do</strong>-se<br />
tocar nas fímbrias das suas vestes, que brilham em<br />
claridade desconhecida, <strong>do</strong>nde saíam as “virtudes” que<br />
curam, como anotaram os evangelistas das Sagradas<br />
Escrituras.<br />
Sentin<strong>do</strong> a <strong>do</strong>r que se espalhava, acercou-se<br />
de to<strong>do</strong>s os sofre<strong>do</strong>res que não sabiam como sair <strong>do</strong><br />
sofrimento, aman<strong>do</strong> e deixan<strong>do</strong>-se amar.<br />
Momentos inesquecíveis e lembra<strong>do</strong>s sempre<br />
com estímulo a to<strong>do</strong>s nós para que o amor dissipe as<br />
consequências <strong>do</strong> desamor.
FERNANDO PINHEIRO - 126<br />
A caravana <strong>do</strong>s sofre<strong>do</strong>res é imensa, sempre à<br />
espera de quem a tire <strong>do</strong> precipício onde se encontra.<br />
À semelhança daquela tarde inesquecível, o<br />
Mestre <strong>Jesus</strong> nos espera, a fim de que possamos<br />
receber a <strong>luz</strong> que alumiará nossos passos, em direção<br />
a ele, Luz <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>.<br />
<br />
Nesse enlevo, pensemos na transmutação que<br />
ocorre no planeta. Tu<strong>do</strong> acontece com precisão. O<br />
tempo delineia, em espaços matemáticos, as situações<br />
que to<strong>do</strong>s passam.<br />
A cada instante, o homem se defronta com a<br />
realidade que lhe é própria. A sua vida lhe pertence, boa<br />
ou aparentemente ruim. A retórica <strong>do</strong> acaso é nula;<br />
não cria nada senão para aqueles que buscam evasivas<br />
para se justificar de suas ilusões.<br />
Em cada segun<strong>do</strong> de vida, o emocional e o<br />
racional humanos funcionam estabelecen<strong>do</strong> circunstâncias<br />
futuras. São perfis variáveis de momento a momento,<br />
dependen<strong>do</strong> da natureza intrínseca de cada indivíduo.<br />
As emoções estão muito ligadas ao sentimento,<br />
a razão à lógica, às necessidades reais que cada um<br />
pode estabelecer.<br />
Como o homem ainda não sabe completamente<br />
o que lhe convém, deixa-se levar por aquilo que sente,<br />
sem levar em conta a importância das implicações<br />
que podem acarretar em seu viver.
127 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Nos níveis de compreensão da vida, há<br />
resulta<strong>do</strong>s que podem conferir situações de bem-estar ou<br />
de monotonia ou mesmo de desencantos se as emoções<br />
não tiverem a sublimação adequada.<br />
Portanto, não é questão de estabelecer um<br />
marco entre as emoções e a razão. Todas são importantes<br />
na vida <strong>do</strong> homem.<br />
Na sublimação <strong>do</strong>s ideais superiores da vida<br />
tu<strong>do</strong> converge para a razão, ou mais precisamente<br />
à inteligência, embora haja traços de emoção nos<br />
comportamentos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s. O lirismo, a ternura, o<br />
romance, que vêm <strong>do</strong> campo emocional, ganham<br />
conotações profundas de beleza espiritual.<br />
Viver sem a inteligência, sem o devi<strong>do</strong> preparo,<br />
seria a<strong>do</strong>tar um referencial onde carências e frustrações<br />
minariam o campo <strong>do</strong> sentimento.<br />
Quan<strong>do</strong> o tempo de brincar passa, o adulto<br />
não deseja ser mais criança naquelas circunstâncias.<br />
Suas atenções se voltam a oportunidades que constroem<br />
o seu amanhã.<br />
Assim acontece com as emoções. No início, o<br />
emocional ocupa grande parte <strong>do</strong> seu viver, depois sente<br />
necessidade de transcender às sensações físicas e ganha<br />
consciência da sublimação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> íntimo em que vive.<br />
A energia pura de sua essência dissipa os<br />
resquícios de carência emotiva e desejos pessoais.<br />
Sente-se interliga<strong>do</strong> com um espaço maior <strong>do</strong> que aquele<br />
onde estava. O raio de ação se amplia em dimensões<br />
que desconhece, crian<strong>do</strong> um clima favorável ao seu<br />
engrandecimento.
FERNANDO PINHEIRO - 128<br />
Nesse estágio evolutivo, o la<strong>do</strong> inteligente tem<br />
pre<strong>do</strong>minância sobre suas emoções. Quan<strong>do</strong> estas vêm à<br />
tona são revestidas da sublimação. O amor faz este<br />
milagre da transmutação.<br />
Tu<strong>do</strong>, que lhe chega, tem um respeito muito<br />
grande, como nunca senti<strong>do</strong> antes, as pessoas, os<br />
animais, as plantas, os objetos, tu<strong>do</strong>, enfim.<br />
A compreensão de sua vida passa a ser<br />
normal. O seu tempo é emprega<strong>do</strong> com sabe<strong>do</strong>ria, não<br />
há desperdício em desencontros que não contribuíram<br />
neste novo estágio, apenas a lição de renúncia.<br />
Sente vontade de exteriorizar o que está em<br />
seu íntimo. De consciência pessoal voltada ao egoísmo,<br />
ganha uma consciência de classe, de grupo e começa<br />
a trabalhar em benefício de to<strong>do</strong>s que sentem tristeza e<br />
desolação.<br />
O homem, viven<strong>do</strong> este trabalho, é útil à sua<br />
comunidade, ao planeta que a<strong>do</strong>ece, desde os tempos<br />
da distante Genesaré onde a cura de to<strong>do</strong>s os males<br />
ocorreram em profusão. Seguem-se os séculos, uns após<br />
os outros; não são muitos, apenas 20 entre aqueles<br />
dias inesquecíveis de <strong>Jesus</strong> às margens <strong>do</strong> mar da<br />
Galiléia. Mas a transição vem ocorren<strong>do</strong>, em profundas<br />
transformações, sempre para o melhor.<br />
Em praia de Genesaré faz–nos lembrar ainda<br />
uma das aparições de <strong>Jesus</strong> redivivo (João, 8:1 ss)<br />
comentada na obra <strong>Jesus</strong> Nazareno, de Huberto Rohden<br />
(vol. 2, p. 340), filósofo de formação jesuíta: “Um como<br />
halo de indefinível mistério, uma como atmosfera tecida<br />
de paz serena e discretas saudades envolvem esta cena...”
129 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
20<br />
VERÔNICA<br />
Na praia formosa de Cafarnaum, o Mestre<br />
acabara de chegar da outra margem <strong>do</strong> lago Tiberíades e<br />
uma grande multidão o cercou na ânsia de ouvir suas<br />
mensagens. (64)<br />
À frente de um pequeno grupo, estava Jairo,<br />
chefe da Sinagoga, que se dirigiu a <strong>Jesus</strong> pedin<strong>do</strong>-lhe<br />
que fosse à sua casa para curar-lhe a filha.<br />
(64) MARCOS, 5:30 e 34
FERNANDO PINHEIRO - 130<br />
A multidão aumentava a cada instante, pois o<br />
amor enterneci<strong>do</strong>, que <strong>do</strong>ava àquela gente, era grande<br />
demais. To<strong>do</strong>s estavam admira<strong>do</strong>s pela presença magnífica<br />
de um ser celestial entre eles, oriun<strong>do</strong> das mais elevadas<br />
esferas de <strong>luz</strong> e cor que se espalham pelo infinito.<br />
Conhece<strong>do</strong>r profun<strong>do</strong> da alma humana, amava<br />
e deixava-se ser ama<strong>do</strong>, para realçar a reciprocidade<br />
<strong>do</strong> amor, <strong>do</strong> amor que liga o homem ao Cosmos, numa<br />
visível manifestação da presença divina.<br />
A mulher da Decápolis, região composta por dez<br />
cidades gregas que se erguiam ao longo da Palestina,<br />
sabia de seus feitos de grandeza que se manifestavam<br />
na cura <strong>do</strong>s leprosos, enfermos de toda <strong>do</strong>ença e nas<br />
lições preciosas que esclarecem a realidade da vida.<br />
A oportunidade era valiosa: agora estava diante<br />
dele que atraiu a atenção de todas as pessoas presentes<br />
naquela praia a fim de distribuir as dádivas preciosas<br />
de que era possui<strong>do</strong>r.<br />
To<strong>do</strong>s os tratamentos para extinguir o fluxo<br />
de sangue foram inúteis. Sacer<strong>do</strong>tes, médicos, exorcistas<br />
estiveram diante de seus olhos sem apresentar resulta<strong>do</strong>s<br />
benéficos. Foram gastas as reservas de dinheiro que<br />
ela economizara.<br />
Quase exausta na busca de saúde, sentia uma<br />
esperança nascer naquele dia. O alvoroço era geral. O<br />
Mestre, com passos firmes e fortes, seguia em direção da<br />
casa de Jairo para socorrer a filha que estava prostrada<br />
na cama.<br />
Na caminhada que fez junto à multidão, gestos<br />
e exclamações de profunda admiração eram manifesta<strong>do</strong>s,
131 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
misturan<strong>do</strong>-se ao canto feliz das crianças – pueri<br />
hebreorum – carrega<strong>do</strong> de versos de alegria. Esta cena<br />
comovente seria, mais tarde, repetida em Jerusalém, na<br />
entrada triunfal de <strong>Jesus</strong>.<br />
A mulher hemorroíssa, ven<strong>do</strong> que aquele<br />
homem poderia curar-lhe o fluxo de sangue, tocou-lhe<br />
as fímbrias <strong>do</strong> manto e sentiu-se curada.<br />
O sangue estancara, uma sensação de bem-estar<br />
invadiu-lhe o ser, intimamente agradecida, ouviu-o<br />
indagar: “Quem tocou nas minhas vestes? Responderam-lhe<br />
os discípulos: vês que a multidão te aperta, e dizes:<br />
quem me tocou?”<br />
Ele olhou ao re<strong>do</strong>r para ver quem foi cura<strong>do</strong><br />
pelas irradiações luminosas que saíam de sua aura<br />
divina, descritas nas narrativas evangélicas como as<br />
virtudes que curam.<br />
Naquele instante, a mulher aproximou-se<br />
tremen<strong>do</strong> e, prostran<strong>do</strong>-se diante dele, disse toda a<br />
verdade: “fui eu, Senhor, que era uma pobre coitada!<br />
Sabia que tinhas o <strong>do</strong>m de curar e apenas tocan<strong>do</strong> em<br />
tuas vestes eu seria curada”.<br />
“Ele lhe disse: Filha, a tua fé te salvou. Vai<br />
em paz, e sê curada deste teu mal”.<br />
Quanta emoção sentiu naquele instante! Ele<br />
seguiu em frente à casa de Jairo e ela ficou parada ali<br />
como estivesse em profun<strong>do</strong> êxtase, reven<strong>do</strong> mentalmente<br />
aquele olhar <strong>do</strong>ce e sereno que suavizou a sua alma<br />
cansada e triste.<br />
Aqueles que presenciaram a cena de comovente<br />
beleza tocaram-na para despertar <strong>do</strong> sonho que seus<br />
olhos abertos viram.
FERNANDO PINHEIRO - 132<br />
A mulher curada retornou ao lar, agora<br />
nascida outra vez. O testemunho de que era porta<strong>do</strong>ra<br />
serviu para despertar o coração daqueles que ainda<br />
não conheceram Aquele que é o caminho, a verdade<br />
e a vida.<br />
Acreditamos que a mulher da Decápolis era a<br />
mesma pessoa que enxugou o rosto de <strong>Jesus</strong>, a caminho<br />
<strong>do</strong> Calvário. Cenas de sangue antes e cenas de sangue<br />
depois, isto foi o elemento vital que uniu Verônica a<br />
<strong>Jesus</strong>. No plano espiritual os liames afetivos são eternos.<br />
Acreditar está mais liga<strong>do</strong> ao esta<strong>do</strong> emocional<br />
<strong>do</strong> que ao racional ou inteligente. A fé de que falou<br />
<strong>Jesus</strong> à mulher hemorroíssa tem um valor primordial<br />
na realização da cura. É o envolvimento na unidade,<br />
na consciência plena da realidade.<br />
A manifestação da unidade que sentimos na<br />
ligação com as pessoas que estão conviven<strong>do</strong> conosco<br />
é muito importante, pois isola o culto à nossa transitória<br />
personalidade, enfoca<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong> exclusivo.<br />
Os atributos que compõem a nossa<br />
personalidade servem-nos apenas à identificação <strong>do</strong><br />
campo de atividade em que estamos envolvi<strong>do</strong>s.<br />
Usá-los em proveito próprio seria desperdiçar tesouros<br />
que não nos pertencem.<br />
Há muitas lacunas no campo <strong>do</strong>s sentimentos<br />
à espera de nossa participação, a fim de que nada<br />
fique incompleto nas relações humanas que nos<br />
ajudam a recompor o equilíbrio.
133 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Pode parecer monótona a hora em que estamos<br />
reuni<strong>do</strong>s com pessoas que pensamos não vivenciar das<br />
ideias que trazemos conosco. Mas há um mecanismo<br />
entrelaçan<strong>do</strong>-nos em circunstâncias que nos dizem respeito.<br />
O princípio <strong>do</strong> to<strong>do</strong>, <strong>do</strong> conjunto da<br />
participação de cada um, nas experiências que se<br />
expressam junto de nós, eleva-nos a níveis superiores<br />
onde a consciência se expande.<br />
O mecanismo <strong>do</strong>s encontros surge nas<br />
irradiações de nossos pensamentos e nas inclinações<br />
mentais em que nos posicionamos. Este é um princípio<br />
estabeleci<strong>do</strong> em todas as manifestações de pessoas que<br />
se interligam por motivos que sugerem o despertar de<br />
um novo estágio evolutivo.<br />
Quan<strong>do</strong> sentimos a energia, que nos envolve,<br />
circulan<strong>do</strong> no campo mental daqueles que nos rodeiam,<br />
vemos que a realidade única é o poder indivisível por<br />
qualquer força de circunstâncias transitórias.<br />
Nessa aceitação, pelos sentimentos revesti<strong>do</strong>s<br />
da inteligência, o nosso íntimo, em to<strong>do</strong>s os campos<br />
da manifestação exterior, permanece estável e<br />
imperturbável, mesmo que a mais inquietante situação<br />
esteja acontecen<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong> em que vivemos.<br />
O serviço às circunstâncias envolven<strong>do</strong> os<br />
companheiros, que precisam ter a elucidação <strong>do</strong>s valores<br />
reais da vida, é o senti<strong>do</strong> único de nossa existência.<br />
A cada momento, sentimos em nosso íntimo<br />
a tranquilidade se manifestan<strong>do</strong> como as águas <strong>do</strong> oásis,<br />
no deserto, quan<strong>do</strong> a tempestade de areia passa. Isto é o<br />
resulta<strong>do</strong> da conservação de atitudes coerentes com a<br />
inteligência, buscadas na simplicidade de todas as coisas.
FERNANDO PINHEIRO - 134<br />
Só pelo fato de mantermos essa atitude de<br />
equilíbrio emocional, estamos contribuin<strong>do</strong> na apreciação<br />
de pessoas que vêm conosco participar de momentos<br />
aparentemente passageiros.<br />
A vibração, que sai de nosso íntimo, interliga-se<br />
com a disposição mental daqueles que nos observam<br />
tentan<strong>do</strong> absorver as expressões que podem ser úteis à<br />
sua forma de viver.<br />
Como a simplicidade deslinda qualquer enigma,<br />
sentimos que a nossa singela postura de vida vai<br />
servir de referencial para que suas atitudes sejam<br />
revisadas da forma que lhes for conveniente.<br />
O importante é despertar as pessoas para as<br />
potencialidades que possuem arquivadas interiormente,<br />
deixan<strong>do</strong>-as livres para escolher o padrão de<br />
comportamento que tem relação com suas tendências e<br />
aptidões.<br />
Quan<strong>do</strong> sentimos o nosso serviço à causa da<br />
vida sen<strong>do</strong> aprecia<strong>do</strong> por aqueles que nos acompanham<br />
os passos, estamos elevan<strong>do</strong>-nos a outros níveis de<br />
consciência, onde a unidade, nós, os companheiros e<br />
tu<strong>do</strong> que nos cerca, é a força que nos estimula a<br />
seguir adiante.
135 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
21<br />
MANHÃ EM NAZARÉ<br />
Picture: Teaching in the Temple by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />
Manhã de primavera em Nazaré. (65)<br />
A vegetação, em plena eflorescência, espalhan<strong>do</strong><br />
no ar o aroma das flores frescas.<br />
Nesse clima ameno da natureza, em contraste<br />
com o <strong>do</strong>s homens, o Mestre entra na Sinagoga de<br />
Nazaré, dia de sába<strong>do</strong>, reencontran<strong>do</strong> os amigos e<br />
familiares.<br />
Após a leitura <strong>do</strong>s salmos e anotações <strong>do</strong>s<br />
profetas, feita pelo dirigente da liturgia, foi franqueada a<br />
palavra.<br />
(65) LUCAS, 4:18 a 28 MARCOS, 6:1 a 6 MATEUS, 13: 54 a 57
FERNANDO PINHEIRO - 136<br />
Solicita<strong>do</strong> intimamente por aqueles que<br />
confiavam nele, o Mestre, levantan<strong>do</strong>-se, espraiou o<br />
olhar à assistência, espalhan<strong>do</strong> irradiações salutares, e<br />
dirigiu-se ao lugar de destaque e abriu, nas anotações<br />
de Isaías, o texto designa<strong>do</strong> para aquele dia:<br />
“O Espírito <strong>do</strong> Senhor está sobre mim, pois que<br />
me ungiu para anunciar boas novas aos pobres, enviou-me<br />
para proclamar a libertação aos cativos, restaurar a vista<br />
aos cegos, para pôr em liberdade os oprimi<strong>do</strong>s, e anunciar<br />
o ano da graça <strong>do</strong> Senhor”.<br />
Ao fechar o livro sagra<strong>do</strong> <strong>do</strong>s profetas, entregou-o<br />
ao assistente da Sinagoga, fez uma breve pausa e, diante<br />
da plateia em expectativa, acrescentou, com firmeza na<br />
voz: “Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvi<strong>do</strong>s,<br />
em mim, o anuncia<strong>do</strong>. Eu sou aquele que se esperava.”<br />
A profecia foi cumprida. <strong>Jesus</strong> anunciou-a<br />
publicamente. Os sacer<strong>do</strong>tes <strong>do</strong> ofício religioso ficaram<br />
irrita<strong>do</strong>s com a atitude inusitada daquele homem que<br />
conseguiu atrair a atenção de to<strong>do</strong>s os presentes.<br />
Serenidade, energia, brandura misturam-se nos<br />
olhos daquele sábio diante das expressões mais acentuadas<br />
<strong>do</strong> farisaísmo judaico. Comprometi<strong>do</strong> com a verdade, não<br />
se recusou a manifestá-la, no momento oportuno.<br />
Mesmo sentin<strong>do</strong> a presença <strong>do</strong> Mestre,<br />
evidenciada por uma nobreza nunca igualada, um<br />
magnetismo envolvente, suave como a cítara tangida<br />
ao longe e meigo como uma criança, os fariseus<br />
inquiriram-no sobre as façanhas realizadas em Cafarnaum.<br />
Os anciães <strong>do</strong> povo entreolhavam-se e indagavam<br />
uns aos outros, com profunda surpresa: “não é este o<br />
filho de José?” Os amigos se maravilharam, mas os<br />
cépticos exigiam fatos comprobatórios. Foi dito na plateia:
137 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
“Faze também aqui na tua terra tu<strong>do</strong> o que ouvimos<br />
ter si<strong>do</strong> feito em Cafarnaum.”<br />
A essa altura, a Sinagoga estava em completa<br />
balbúrdia, espalhada pelos detratores da palavra de <strong>Jesus</strong>.<br />
O dirigente <strong>do</strong> ofício impôs silêncio no auditório.<br />
O ilustre visitante, retoman<strong>do</strong> a palavra, disse:<br />
“Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem<br />
recebi<strong>do</strong> na sua própria terra. Em verdade vos digo que<br />
muitas viúvas que existiam em Israel nos dias de Elias,<br />
quan<strong>do</strong> o céu se cerrou por três anos e seis meses, de<br />
sorte que em toda a terra houve grande fome. Mas a<br />
nenhuma delas foi envia<strong>do</strong> Elias, senão a uma viúva de<br />
Sarepta de Si<strong>do</strong>m. E muitos leprosos havia em Israel no<br />
tempo <strong>do</strong> profeta Eliseu, e nenhum deles foi purifica<strong>do</strong>,<br />
senão Naamã, o sírio... Não são os eleitos os únicos...”<br />
“To<strong>do</strong>s na sinagoga, ouvin<strong>do</strong> estas coisas, se<br />
encheram de ira”, concluiu o evangelista Lucas.<br />
Não houve clima favorável para <strong>Jesus</strong> continuar<br />
elucidan<strong>do</strong> os acontecimentos que comprovam a vontade<br />
divina. Não teve condições de prosseguir.<br />
Sem se deixar afetar pela confusão, o Mestre<br />
acompanhou a multidão, ávida por eliminá-lo da<br />
comunidade, até a um aclive da montanha, a fim de ser<br />
atira<strong>do</strong> de lá de cima.<br />
Recompon<strong>do</strong> as vestes desfeitas pela ventania<br />
forte, ele amainou os temperamentos iracun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s<br />
nazarenos da Sinagoga e, fitan<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s com seu olhar<br />
da mais pura expressão de amor, conseguiu passar<br />
entre eles, incólume, fazen<strong>do</strong> o caminho de volta.
FERNANDO PINHEIRO - 138<br />
A narrativa evangélica em que se destaca a<br />
presença de <strong>Jesus</strong> numa sinagoga de Nazaré, leva-nos<br />
a refletir sobre a realidade única que nos envolve.<br />
Quan<strong>do</strong> dizemos que vamos fazer algo ou que<br />
gostamos de alguma coisa, pessoa ou situação, sem<br />
sabermos que tu<strong>do</strong> acontece nos ditames de uma lei<br />
maior, estamos afirman<strong>do</strong> o nosso ego.<br />
Se Deus quiser é a expressão que deve reger<br />
todas as nossas ações. Mesmo porque ainda, sem nos<br />
conhecermos intimamente, mudamos de ideia a toda hora,<br />
no fluxo das circunstâncias que passam.<br />
Se a síntese <strong>do</strong> pensamento religioso e científico,<br />
revelada por Spinoza, judeu holandês, se concentra no<br />
conceito de que to<strong>do</strong> o Universo é constituí<strong>do</strong> de uma<br />
só substância que ganha todas as formas e conteú<strong>do</strong>s,<br />
devemos reconhecer a importância <strong>do</strong> “eu” divino <strong>do</strong><br />
nosso ser acima das referências pessoais.<br />
O homem ainda cultua a personalidade como<br />
se tivesse substância transcendente. Puro engano. As<br />
desilusões que criou o envolvem com aspectos sombrios.<br />
Enquanto isso, ele vagueia no rumo <strong>do</strong>s negócios e<br />
interesses que se interligam com outros companheiros,<br />
sobrepon<strong>do</strong>-os sempre com a sua personalidade para que<br />
a vaidade lhe norteie o destino.<br />
To<strong>do</strong> o sofrimento <strong>do</strong> homem está no<br />
desconhecimento de sua realidade divina, pois se isola,<br />
como a célula <strong>do</strong> câncer no organismo, da manifestação<br />
que faz a vida ser única.
139 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
O culto à personalidade é engano que se<br />
adapta a situações dissimula<strong>do</strong>ras para que as aparências<br />
tenham pre<strong>do</strong>mínio sobre aquilo que deveria ser. Assim,<br />
o mun<strong>do</strong> moderno vive num clima artificial, pessoas<br />
dan<strong>do</strong> desculpas para justificar situações que parecem<br />
ter um brilho da personalidade.<br />
O conceito de grandeza gira sempre em torno<br />
de falsas aparências. Os fariseus hipócritas se ajuntam,<br />
desde os tempos bíblicos, para compor a casta que ilude<br />
e arrasta multidões à decepção e ao amargor.<br />
Por que a cultura que entroniza a personalidade<br />
humana não reconhece Deus em todas as pessoas, seres<br />
de toda natureza e formas de infinitas concepções?<br />
Nós sabemos que a vida que vem surgin<strong>do</strong> nos<br />
reinos inferiores da Criação (mineral e vegetal), sonha ser<br />
um dia o homem para reconhecer a sua identificação no<br />
cenário evolutivo <strong>do</strong> universo.<br />
Mas ele, no estágio entre animal e anjo, duvida<br />
de sua capacidade de se engrandecer, pois suas forças<br />
são pequeninas demais.<br />
Se participar <strong>do</strong> movimento da vida única que<br />
envolve tu<strong>do</strong> que existe, certamente a sentirá dentro de<br />
si, com possibilidades de fazer tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> mesmo, se<br />
Deus quiser.<br />
A partir daí, ele reconhecerá Deus no próximo,<br />
Deus nos animais, Deus nas estrelas, Deus no arco-íris,<br />
Deus no fogo, Deus na água, Deus na terra e Deus no<br />
espaço.<br />
Para eliminar as mazelas, <strong>do</strong>res e aborrecimentos,<br />
tão comuns na vida humana, devemos abolir o culto à<br />
nossa personalidade que pertence mais ao mun<strong>do</strong> de
FERNANDO PINHEIRO - 140<br />
mentira, em que to<strong>do</strong>s recebem influência, e pensar no<br />
“eu” divino que não a<strong>do</strong>ece, não fica triste e nem se<br />
preocupa com as incertezas criadas pelo homem, nos<br />
negócios, na política e na administração em geral.<br />
To<strong>do</strong>s caminham, a exemplo <strong>do</strong>s animais, em<br />
direção de paisagens verdejantes e fontes cristalinas,<br />
onde podem matar a fome e a sede de todas as<br />
necessidades e conhecimentos que permitem reconhecer<br />
em tu<strong>do</strong> a vontade de Deus.<br />
Enquanto o homem viver de ilusão, sem saber<br />
distinguir a emoção e a inteligência, a personalidade e o<br />
“eu” divino, o instinto e o sentimento, não será feliz.<br />
O destino dele, seguin<strong>do</strong> a parábola conhecida, é<br />
voltar à casa paterna que não tem demarcação específica,<br />
mas se encontra onde ele estiver, inclusive dentro de si.<br />
É por isso que tu<strong>do</strong> que vive tem religiosidade,<br />
ou seja, inclinação a se religar a Deus. Os pássaros e os<br />
animais se entregam a essa <strong>do</strong>ce religação, onde não lhes<br />
falta nada para sobreviver. A palavra religião vem <strong>do</strong><br />
verbo religare, de fonte latina, a mesma fonte que fez<br />
desabrochar “a última flor <strong>do</strong> Lácio”, no dizer de Bilac.<br />
Mas o homem moderno ainda tem receio e<br />
desconfiança sobre o muito que foi fala<strong>do</strong> por líderes<br />
que se utilizavam da religiosidade para escravizar-lhe<br />
o pensamento, mesmo fora das tradições religiosas.<br />
È o mito de Prometeu falsifican<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>.<br />
Nascidas nas fontes límpidas <strong>do</strong> amor, todas<br />
as religiões têm por finalidade estimular os homens<br />
a reconhecer que estamos ampara<strong>do</strong>s por Deus. Seus<br />
mensageiros e sacer<strong>do</strong>tes cumprem missão que lhes<br />
engrandece a visão de vida.
141 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Os aprendiza<strong>do</strong>s acerca da realidade divina se<br />
fazem por estágios e to<strong>do</strong>s são necessários à evolução,<br />
o que pode ser feito em sinagogas, igrejas e templos das<br />
mais variadas denominações.<br />
É claro que cada um deve se adaptar às<br />
conveniências <strong>do</strong> seu mun<strong>do</strong> interno que é, em síntese, o<br />
mesmo para to<strong>do</strong>s os homens, varian<strong>do</strong>, apenas, nas<br />
experiências individuais.<br />
Religioso ou não na orto<strong>do</strong>xia humana, o homem<br />
tem a religiosidade dentro de si. É aquele sonho que lhe<br />
clareia a visão <strong>do</strong> paraíso e, quan<strong>do</strong> está afasta<strong>do</strong> da<br />
realidade única, é aquela saudade, quase imperceptível,<br />
que o acompanha, revelan<strong>do</strong>-lhe suas origens.<br />
Em futuro próximo, as religiões sentirão a<br />
necessidade de propalar ao mun<strong>do</strong> não apenas a proteção<br />
divina que já está bastante propalada, mas o senti<strong>do</strong><br />
profun<strong>do</strong> das palavras “Vós sois Deuses” proferidas por<br />
<strong>Jesus</strong>.<br />
Nesta consciência de que somos Deuses, na<br />
acepção <strong>do</strong> Cristo e não <strong>do</strong>s homens, há um senti<strong>do</strong><br />
profun<strong>do</strong> da Unidade e nenhuma separação existe.<br />
Assim, o próprio <strong>Jesus</strong> é igual a nós, diferencian<strong>do</strong>–se<br />
apenas a vibração existente. <strong>Jesus</strong> não é apenas o<br />
Senhor da Terra, estrela de 1ª grandeza, mas o Senhor<br />
das Galáxias, graças ao imenso poder da <strong>luz</strong> que possui,<br />
e nós outros pirilampos voejan<strong>do</strong> pelas noites tropicais.<br />
No entanto, se incorporarmos em nosso ser<br />
profun<strong>do</strong> as palavras de <strong>Jesus</strong>, veremos que a nossa<br />
<strong>luz</strong> cresce à medida de nosso merecimento e da graça<br />
divina que nos liberta de to<strong>do</strong> o sofrimento.
22<br />
MADALENA<br />
FERNANDO PINHEIRO - 142<br />
Primícias <strong>do</strong> Reino, de Amélia Rodrigues<br />
(Espírito), livro psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco,<br />
revela um traço marcante no comportamento de Madalena:<br />
“De coração generoso, gostava de ajudar e por ser<br />
infeliz compreendia a <strong>do</strong>r <strong>do</strong>s sofre<strong>do</strong>res e se apiedava<br />
da aflição <strong>do</strong>s desditosos. Suas mãos e de<strong>do</strong>s adereça<strong>do</strong>s<br />
derramavam moedas e ofertavam pães, e se as portas<br />
da sua casa se fechavam frequentemente aos servos <strong>do</strong><br />
prazer, seus servos tinham severas ordens de abri-las à<br />
<strong>do</strong>r e ao sofrimento que buscasse ajuda ou guarida.” (66)<br />
(66) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias <strong>do</strong> Reino, p. 184 – 4ª edição<br />
– psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria Espírita<br />
Alvorada Editora – 9/2000 – Salva<strong>do</strong>r – BA.
143 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Anteriormente, no século 19, o poeta Fagundes<br />
Varela, ao descrever a cena ambientada na casa <strong>do</strong><br />
fariseu de que nos fala a Bíblia Sagrada, narra em versos<br />
o perfil de Madalena. Antes, porém, vale ressaltar que o<br />
texto sagra<strong>do</strong> não menciona o nome da peca<strong>do</strong>ra. Entre os<br />
fariseus, peca<strong>do</strong>ra poderia significar mulher prostituta como<br />
também aquela que não observava os costumes farisaicos.<br />
“Pura, como na infância, abençoada<br />
Pelo Santo entre os santos, Magdalena,<br />
Que este era o nome da infeliz perdida,<br />
Foge <strong>do</strong>s seus amantes opulentos,<br />
Entrega aos pobres jóias e riquezas,<br />
Que Satan deparara, e mais formosa,<br />
Descoberta a cabeça, os pés descalços,<br />
Acompanha o Senhor por toda a parte.” (67)<br />
O fariseu, rico de valores amoeda<strong>do</strong>s, ven<strong>do</strong><br />
que uma oportunidade rara de receber o rabi da<br />
Galiléia batera em sua porta, preparou-lhe uma recepção,<br />
a fim de se projetar no conceito <strong>do</strong>s seus patriotas.<br />
E, assim, escolheu os músicos, os amigos e parentes<br />
para recepcioná-lo.<br />
O anfitrião estava interessa<strong>do</strong> na repercussão<br />
que teria seu nome como um amigo daquele homem<br />
que, se triunfasse na política, conforme supunha,<br />
ganharia um lugar de destaque ao seu la<strong>do</strong>.<br />
(67) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas<br />
– poema – Canto III – Capítulo XXXIII – pp. 111, 112 – Livraria<br />
Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira<br />
de Letras.
FERNANDO PINHEIRO - 144<br />
Aquele povo da Judeia estava ansioso para ter<br />
um líder que viesse libertá-lo das algemas de Roma. E<br />
o Mestre, possui<strong>do</strong>r de um poder enérgico e bran<strong>do</strong>,<br />
sobressaía diante daqueles que presenciassem suas<br />
atitudes elevadas. Até mesmo na singeleza de suas<br />
palavras aos camponeses, havia nele uma dignidade que<br />
deslumbrava a to<strong>do</strong>s.<br />
Saben<strong>do</strong> o que estava ocorren<strong>do</strong> na casa de<br />
seu antigo parceiro de noites de orgia, a peca<strong>do</strong>ra teve<br />
a curiosidade de conhecer aquele visitante que irradiava<br />
uma beleza comovente. Mesmo sem ter recebi<strong>do</strong> o convite,<br />
conseguiu penetrar no recinto onde estavam reuni<strong>do</strong>s<br />
os convida<strong>do</strong>s. Tu<strong>do</strong> nela estava em desalinho, suas<br />
emoções, seus cabelos e suas vestes.<br />
Simão, acostuma<strong>do</strong> às formalidades de recepção,<br />
acolheu o ilustre visitante na tentativa de surpreendê-lo<br />
em público. Mas a ternura da conhecida mulher era mais<br />
forte que os gestos externos de pureza daquele fariseu.<br />
Os minutos e as horas seguidas, naquele<br />
ambiente, foram toma<strong>do</strong>s pelas atitudes da peca<strong>do</strong>ra<br />
que se libertou das sombras <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. Numa atitude<br />
pie<strong>do</strong>sa e sentin<strong>do</strong> algo renova<strong>do</strong>r dentro de si, deixou<br />
cair lágrimas que se misturavam à água <strong>do</strong> vaso de<br />
alabastro que ela derramava nos pés dele, enxugou-os com<br />
seus cabelos se<strong>do</strong>sos e os perfumou com essências raras.<br />
O fariseu, observan<strong>do</strong> que tu<strong>do</strong> acontecia sob a<br />
vista de to<strong>do</strong>s os presentes, em pensamentos, zombou<br />
daquele homem que estava em sua casa e disse só para<br />
si mesmo: “se este fosse profeta, saberia quem é a
145 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
mulher que o tocou, pois é uma peca<strong>do</strong>ra”. (68)<br />
Perceben<strong>do</strong> o que se passava no íntimo <strong>do</strong><br />
anfitrião, o Mestre ama<strong>do</strong> inicia um pequeno diálogo com<br />
Simão. O evangelista Lucas narra:<br />
“Disse <strong>Jesus</strong> ao fariseu: “Simão, uma coisa tenho a<br />
dizer-te. Respondeu ele: Dize-a, Mestre. Certo cre<strong>do</strong>r tinha<br />
<strong>do</strong>is deve<strong>do</strong>res. Um lhe devia quinhentos e o outro<br />
cinquenta denários. Não ten<strong>do</strong> eles com que pagar,<br />
per<strong>do</strong>ou-lhes a ambos. Dize-me, pois, qual deles o amará<br />
mais? Respondeu-lhe Simão: Tenho para mim que é aquele<br />
a quem mais per<strong>do</strong>ou. Disse-lhe <strong>Jesus</strong>: Julgaste bem.<br />
Então, voltan<strong>do</strong>-se para a mulher, disse a Simão: Vês tu<br />
esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água<br />
para os pés; esta, porém, regou com lágrimas os meus<br />
pés, e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste<br />
ósculo, mas ela, desde que entrou, não cessou de me beijar<br />
os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta<br />
ungiu-me os pés com unguento. Por isso te digo que os<br />
seus muitos peca<strong>do</strong>s lhe são per<strong>do</strong>a<strong>do</strong>s, pois muito amou.<br />
Mas aquele a quem pouco é per<strong>do</strong>a<strong>do</strong>, pouco ama. Então<br />
<strong>Jesus</strong> disse à mulher: Os teus peca<strong>do</strong>s te são per<strong>do</strong>a<strong>do</strong>s.”<br />
(69)<br />
Uma sensação de espanto e admiração corria<br />
nos olhos de Simão. Acostuma<strong>do</strong> a formalidades em que<br />
se evidenciam o engano, ele sentia dificuldade em<br />
compreender palavras de libertação. Os convida<strong>do</strong>s à<br />
(68, 69) LUCAS, 7:39 a 49
FERNANDO PINHEIRO - 146<br />
mesa começaram a falar entre si: “Quem é este que até<br />
per<strong>do</strong>a peca<strong>do</strong>s.” (70)<br />
A peca<strong>do</strong>ra estava convertida. O amor possibilita<br />
o encontro da verdadeira felicidade. Feliz, sentiu-se<br />
realizada, e saiu como entrara: a correr, a correr...<br />
<br />
O Canto III da obra Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas, de Fagundes Varela também revela a narrativa<br />
poética acerca da peca<strong>do</strong>ra. Vale assinalar:<br />
“Toda sua existência, e seu passa<strong>do</strong><br />
Esqueci<strong>do</strong>s, ressurtem!... A cabana<br />
De seus honestos pais, os áureos sonhos<br />
Da descui<strong>do</strong>sa e santa meninice,<br />
O céu azul, as balsas florescentes<br />
Os serões da família, e... sobre tu<strong>do</strong>,<br />
Ai!... a inocência da primeira idade!<br />
Crenças divinas que alimentam anjos!...<br />
Tu<strong>do</strong> isto apareceu! de novo... ao longe,<br />
À <strong>luz</strong> de um céu puríssimo, criva<strong>do</strong><br />
De milhares de estrelas refulgentes!...<br />
Depois, volven<strong>do</strong> os olhos a si mesma,<br />
Examinan<strong>do</strong> as nó<strong>do</strong>as indeléveis<br />
Que de su´alma o espelho embaciavam,<br />
Viu <strong>do</strong> colar as pérolas mudadas<br />
Em lágrimas de fogo, e as ametistas,<br />
(70) LUCAS, 7:49
147 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Os graú<strong>do</strong>s rubis <strong>do</strong>s braceletes,<br />
Em quentes gotas de fervente sangue!...<br />
Então sobre as espáduas da perdida<br />
Rebentaram de novo as asas de anjo!<br />
Em soluços desata, <strong>do</strong>lorosos,<br />
Lança-se compungida aos pés de Cristo,<br />
De lágrimas e bálsamos os cobre,<br />
E os envolven<strong>do</strong> nas madeixas negras,<br />
Os enxuga, prostrada, arrependida.<br />
XXXII<br />
– Oh! não!... murmura o fariseu consigo,<br />
Este mancebo zomba de nós outros!<br />
Se ele fosse profeta, bem soubera<br />
Quanto é rasteira e vil a criatura<br />
Que pranteia a seus pés! – <strong>Jesus</strong> o encara,<br />
E diz estas palavras: – Ouve, amigo:<br />
Tinha um bom merca<strong>do</strong>r <strong>do</strong>is deve<strong>do</strong>res;<br />
Um quinhentos dinheiros lhe pedira,<br />
Outro apenas cinquenta; pobre ambos<br />
Nunca puderam lhe pagar tais somas,<br />
Ele, porém, as remitiu sem queixas:<br />
Qual <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is lhe devêra ser mais grato?<br />
– Oh! certamente, o fariseu responde,<br />
O que maior quantia recebera! –<br />
– Julgaste bem, o Salva<strong>do</strong>r prossegue,<br />
Estou sob teu teto, não me déste<br />
Para lavar os pés um pouco d´água,<br />
E nem déste o ósculo fraterno,<br />
E nem minha cabeça perfumaste<br />
De bálsamos suaves; entretanto,<br />
Ela banhou-me os pés com tristes lágrimas,<br />
Ela os cobriu de beijos incessantes,
E os ungiu de perfumes preciosos!...<br />
Por isso agora digo: os seus peca<strong>do</strong>s<br />
Remiti<strong>do</strong>s estão, amou, e muito! –<br />
E voltan<strong>do</strong>-se à humilde peca<strong>do</strong>ra,<br />
Lhe diz: – Mulher, levanta-te, não chores,<br />
Pois a fé te salvou! – Assim falan<strong>do</strong><br />
Ergue-se e sai da sala <strong>do</strong> banquete.” (71)<br />
FERNANDO PINHEIRO - 148<br />
<br />
A cada encontro que temos com pessoas<br />
diferentes é uma oportunidade para nos recompor ou<br />
revelar aquilo que já está composto. Esta é uma dádiva<br />
preciosa.<br />
Quan<strong>do</strong> o homem conhece as suas reais<br />
necessidades, ele não se lembra mais <strong>do</strong>s seus desejos<br />
pessoais, pois confia no suprimento de suas lacunas<br />
que, um dia, desaparecerão.<br />
Quan<strong>do</strong> ingressa no esta<strong>do</strong> de consciência<br />
superior, a oscilação das emoções acerca <strong>do</strong> seu viver<br />
não o atinge mais, pois já conseguiu perceber as energias<br />
interiores de sua parte transcendental.<br />
O despertar dessa iniciação íntima traz<br />
descobertas de situações que o engrandecem cada vez<br />
mais, afastan<strong>do</strong>-o, por completo, de conceitos de<br />
comportamento que lhe traziam tristeza e desolação,<br />
depois de momentos aparentemente felizes.<br />
(71) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto III – Capítulo XXXI, XXXII – pp. 110,<br />
111 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia<br />
Brasileira de Letras.
149 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
A energia, vin<strong>do</strong> de dentro dele mesmo, se<br />
expande harmoniosamente em canais que se estabelecem<br />
em suas comunidades de habitação e trabalho, crian<strong>do</strong><br />
um clima adequa<strong>do</strong> para que o convívio salutar se<br />
estabeleça.<br />
Somente a partir daí, ele é útil a to<strong>do</strong>s que<br />
o cercam. Quanta suavidade sente nas oportunidades<br />
de semear, compreenden<strong>do</strong> as condições que se<br />
apresentaram no momento próprio, com a certeza de<br />
que tu<strong>do</strong> está fluin<strong>do</strong> corretamente!<br />
Isto vem comprovar que os desígnios superiores<br />
da natureza estão acima <strong>do</strong>s desejos caprichosos <strong>do</strong><br />
homem que ainda não compreendeu a sua realidade<br />
no plano cósmico.<br />
Nesta consciência mais ampla, o homem de<br />
mentalidade superior compreende que é importante seguir<br />
o roteiro de vida que se lhe apresentou quan<strong>do</strong> teve<br />
condições de sentir a harmonização de sua parte interna.<br />
O roteiro de serviço surge no momento<br />
adequa<strong>do</strong>, sem a necessidade de fazer planos,<br />
antecipadamente, o que poderia incorrer em temor e<br />
preocupação pelos resulta<strong>do</strong>s, se fossem feitos com a<br />
análise <strong>do</strong>s fatos exteriores.<br />
Quan<strong>do</strong> o homem vive a sua parte mais<br />
importante, ele se integra com os movimentos da<br />
natureza que estabelecem o tempo e o espaço em seus<br />
devi<strong>do</strong>s lugares.<br />
Seus movimentos são coordena<strong>do</strong>s pela sabe<strong>do</strong>ria<br />
implantada em sua essência etérica que ainda não teve<br />
o reconhecimento necessário. A cultura exacerbada pela
FERNANDO PINHEIRO - 150<br />
sobrevivência <strong>do</strong> corpo, nos dias atuais, não lhe estimula<br />
o autoconhecimento.<br />
No passa<strong>do</strong> histórico, mensageiros que traziam a<br />
energia da sabe<strong>do</strong>ria eram sacrifica<strong>do</strong>s, pois os líderes<br />
transitórios não admitiam que o homem pudesse ter algo<br />
superior ao seu corpo físico. Mas, atualmente, já está<br />
haven<strong>do</strong> uma abertura para que este conhecimento seja<br />
reconheci<strong>do</strong>, sem preconceitos.<br />
Tu<strong>do</strong> está se modifican<strong>do</strong>. O aprendiza<strong>do</strong> pelo<br />
sofrimento está desgastan<strong>do</strong> muito o homem moderno.<br />
Ele colhe a sementeira egóica, pois não teve condições<br />
de apreciar a clareza <strong>do</strong>s fatos que se interligam.<br />
O movimento que o homem faz interiormente,<br />
descobrin<strong>do</strong> a realidade da vida única, faz com que<br />
exista finalmente tranquilidade para sua existência, com<br />
reflexos positivos em seu corpo físico.<br />
Se o homem obedecesse às sugestões sábias <strong>do</strong><br />
seu mun<strong>do</strong> interno, onde sua mente está mergulhada,<br />
veria que tem condições de não deixar que as<br />
enfermidades, tristeza e desolação se incorporem em<br />
sua vida.<br />
Com a aquisição de tão preciosa dádiva, a<br />
felicidade será constante, a alegria terá bases profundas,<br />
sem receios de desmoronamento, uma inefável leveza o<br />
revestirá por completo.<br />
E como num fluir de energias, sentin<strong>do</strong> um<br />
bem-estar que o comove suavemente, ele se <strong>do</strong>a aman<strong>do</strong><br />
seus companheiros de jornada evolutiva, na certeza de<br />
que esse amor pertence à harmonia <strong>do</strong> Cosmos.
151 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
23<br />
MARTA<br />
O cenário comovente onde residiu Marta e<br />
seus irmãos Lázaro e Maria, em Betânia, é descrito por<br />
Amélia Rodrigues (Espírito), no livro Primícias <strong>do</strong> Reino,<br />
psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco:<br />
“Cercada por imensos campos de cevada, pequenos<br />
bosques de olive<strong>do</strong>s e figueiras que sombreiam a estrada<br />
de Jericó serpenteante junto às muralhas, Betânia ficava<br />
a uma hora de Jerusalém.” (72)<br />
(72) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias <strong>do</strong> Reino, pp. 169 – 4ª edição<br />
psicografa<strong>do</strong> por DIVALDO PEREIRA FRANCO – Livraria Espírita<br />
Alvorada Editora – 9/2000 – Salva<strong>do</strong>r – BA.
FERNANDO PINHEIRO - 152<br />
A caminhada tinha si<strong>do</strong> longa. A poeira<br />
estendia uma camada fina que se espalhava pelos trajes<br />
<strong>do</strong>s viajantes. À entrada da casa avistava-se o caminho<br />
em linhas sinuosas e se perdia pela vegetação adentro.<br />
As irmãs de Lázaro, alegres pela singular visita,<br />
irradiavam júbilo e, em cada volver de olhar, expressavam<br />
ternura que sentiam sair <strong>do</strong>s olhos meigos e bran<strong>do</strong>s de<br />
<strong>Jesus</strong>, que pareciam o oceano visto <strong>do</strong> alto. Quanta<br />
energia na brandura e quanta meiguice para afagar os<br />
corações que se assemelham às ondas que se quebram<br />
beijan<strong>do</strong> a praia!<br />
No clima suave e alenta<strong>do</strong>r, as irmãs de<br />
Lázaro, Maria e Marta, sentiam-se em festa. To<strong>do</strong> o<br />
contentamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, em sua forma mais refinada,<br />
podia estar conti<strong>do</strong> naqueles corações. Estavam felizes,<br />
na singeleza de suas vidas, e agora viviam os encantos<br />
que lhes foram desperta<strong>do</strong>s. A magia era amar, amar<br />
simplesmente e simplesmente amar.<br />
Marta de Betânia, preocupada em preparar a<br />
alimentação para os visitantes, permaneceu por muito<br />
tempo na cozinha. E, com receio de não acabar sozinha<br />
os pratos de comida, foi à procura de Maria.<br />
Ao entrar no recinto onde o divino amigo<br />
estava conversan<strong>do</strong> com a sua irmã, Marta pediu-lhe<br />
ajuda.<br />
Os olhos de Maria estavam mergulha<strong>do</strong>s nesse<br />
oceano de ternura e brandura que comparamos ao<br />
Mestre <strong>Jesus</strong>. A conquista era total. Agora sua alma<br />
pertencia ao reino, ao grande reino onde o amor é<br />
eterno, longe, muito longe da posse <strong>do</strong> que é transitório.
153 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Se até mesmo na transitoriedade de um prazer,<br />
a alma espairece e se entrega totalmente, o que não<br />
dizer diante de um deleite eterno?<br />
Contemplan<strong>do</strong> as paisagens íntimas que se<br />
desprendiam <strong>do</strong> olhar de Marta e pareciam aqueles<br />
caminhos que se perdiam na vegetação afora, <strong>Jesus</strong><br />
disse: “Marta, Marta, estás ansiosa e preocupada com<br />
muitas coisas, mas uma só é necessária. Maria escolheu<br />
a boa parte, a qual não lhe será tirada”. (73)<br />
Quanta filosofia de vida contida em poucas<br />
palavras! O ensinamento poderia ser compara<strong>do</strong> com<br />
outro, de igual valor, que diz: “buscai o reino de Deus<br />
e Sua justiça e todas as outras coisas te serão<br />
acrescentadas.” (74)<br />
Realmente, ninguém casa, ninguém faz política,<br />
ninguém compra ou vende algo, ninguém faz nada, sem<br />
as circunstâncias favoráveis, a sintonia tempo-e-espaço<br />
e o reflexo da causa sobre o efeito. Quem faz tu<strong>do</strong> isto?<br />
O homem é apenas o co-cria<strong>do</strong>r, dentro de uma Criação<br />
existente até mesmo antes dele nascer.<br />
Tu<strong>do</strong> segue em busca de seus ninhos. Os<br />
pássaros no crepúsculo; o homem depois de um dia de<br />
trabalho, volta ao lar e, dentro <strong>do</strong> sono, sonha com<br />
as regiões alcan<strong>do</strong>radas e de lá absorve novas forças<br />
(73) LUCAS, 10:41 e 42<br />
(74) MATEUS, 6:33
FERNANDO PINHEIRO - 154<br />
para o seu viver. As águas <strong>do</strong>s rios, que correm para<br />
o mar, são transformadas em chuva para cair em<br />
suas nascentes.<br />
O silêncio de Marta diante da resposta, que<br />
Maria não sabia como dar, calou fun<strong>do</strong> e ficou<br />
mergulha<strong>do</strong> em seu ser mais profun<strong>do</strong> e de lá emergiu,<br />
no decorrer de toda a sua vida, em pureza cristalina,<br />
para abafar as preocupações anteriores.<br />
A verdade, por ser revolucionária, risca, como<br />
a flecha, o espaço e atinge o alvo numa precisão única.<br />
Mais tarde, a sós com a sua irmã, quis saber<br />
tu<strong>do</strong> o que o Mestre lhe havia fala<strong>do</strong>. Quis saber <strong>do</strong><br />
detalhe que faz a diferença: sua vida antes, sua vida<br />
depois.<br />
Já recebera o suficiente, o necessário, mas<br />
queria acrescentar algo que os sonhos da alma podiam<br />
prever. Era a linguagem eterna, numa interpretação<br />
pessoal, que lhe fazia presença como um raio de sol,<br />
na alvorada, clarean<strong>do</strong>-lhe suavemente.<br />
<br />
O destino <strong>do</strong> homem está liga<strong>do</strong> intrinsecamente<br />
ao seu proceder anterior que se reflete nas circunstâncias<br />
inexoráveis que terá de passar.<br />
O passa<strong>do</strong> e o presente se interligam para<br />
compor o futuro que já foi traça<strong>do</strong> por suas ações<br />
próprias na cumplicidade de outras pessoas que formam<br />
o enre<strong>do</strong> <strong>do</strong> comportamento.<br />
Quan<strong>do</strong> ele nasce, traz um roteiro delinea<strong>do</strong><br />
por essas circunstâncias, isto em decorrência de atitudes
155 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
assumidas perante o tempo, o companheiro que o recebe<br />
para entregar-lhe o destino que ele elegeu por vontade<br />
própria.<br />
As tarefas que executa, pensan<strong>do</strong> em seu<br />
aprimoramento, visam sempre colimar os objetivos de sua<br />
missão, previamente escrita pelos seus méritos pessoais,<br />
antes mesmo que a oportunidade de realizá-la tivesse<br />
a sua participação. Esses méritos já se fazem demonstrar<br />
nas aptidões e tendências de natureza puramente<br />
congênita.<br />
Assim como a semente contém a presença da<br />
árvore em formação, no homem, que semeia a beleza, a<br />
realidade da vida única o reveste com forças suficientes<br />
a suplantar qualquer obstáculo.<br />
Em todas as caminhadas, ele passa pelas fases<br />
<strong>do</strong> crescimento com muitas lutas e lágrimas, sorrin<strong>do</strong><br />
mais tarde nas vitórias de suas conquistas.<br />
Aqueles que pressentem que têm uma missão a<br />
cumprir, nos varia<strong>do</strong>s departamentos da vida, certamente<br />
sentirão que algo acontecerá para que seus caminhos de<br />
luta sejam abertos.<br />
Há uma ligação invisível aos olhos humanos<br />
nos interesses que visam ao bem-estar <strong>do</strong>s agrupamentos<br />
sociais. A adversidade ainda existe em virtude da<br />
incompreensão daqueles que têm dificuldades em andar<br />
no ritmo <strong>do</strong>s que semeiam a beleza.<br />
Como revelam os fatos históricos, em<br />
determinada época em que não houve aclamação popular<br />
num gesto construtivo, em outra esse mesmo gesto<br />
mereceu aprovação <strong>do</strong>s que estiveram na posição daqueles<br />
que se mostraram antagônicos.
FERNANDO PINHEIRO - 156<br />
Mais na frente, surgem, em presença física ou<br />
na lembrança imorre<strong>do</strong>ura, aqueles que lutaram para<br />
manter vivo o ideal por uma vida feliz.<br />
E, assim, os semea<strong>do</strong>res da beleza são sempre<br />
lembra<strong>do</strong>s como condutores da humanidade. Aquilo que<br />
realizaram, um dia, mereceu seus esforços, nas lutas<br />
constantes, seus carinhos de quem realiza a obra-prima,<br />
sem pensar nas horas de lazer que poderiam usufruir.<br />
O ideal fala mais alto e a compreensão pelos<br />
desígnios superiores alcança o íntimo de seu ser,<br />
como a dizer-lhes que o importante é semear aquilo<br />
que lhes chega por inspiração.<br />
As vibrações das pessoas, beneficiadas por seus<br />
trabalhos, aumentarão o campo energético em que suas<br />
auras estão mergulhadas, propician<strong>do</strong> uma irradiação<br />
luminosa que comprovará o valor daquilo que foi planta<strong>do</strong><br />
num momento feliz.<br />
É por esta razão que vemos como é bom<br />
semear a inspiração oriunda <strong>do</strong> plano superior da vida,<br />
a fim de que haja um número sempre crescente daqueles<br />
que buscam a felicidade como forma de viver.<br />
Falar em felicidade de maneira isolada é o<br />
mesmo que atribuir a existência de infelicidade junto<br />
àqueles que têm dificuldades em caminhar.<br />
Mas, como vemos a beleza se irradian<strong>do</strong> por<br />
toda a parte, é necessário compreendermos que são<br />
felizes aqueles que lutam para se recompor, mesmo<br />
passan<strong>do</strong> pelas provações mais difíceis da vida.<br />
Antes de cair ao solo, as chuvas eram nuvens<br />
sombrias que escondiam tão grandiosa dádiva.
157 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
24<br />
ZAQUEU<br />
A notícia se espalhara pela cidade de Jericó:<br />
Levi, um cobra<strong>do</strong>r de impostos foi convida<strong>do</strong> para<br />
seguir <strong>Jesus</strong>. Isto despertou em Zaqueu a esperança<br />
de conhecê-lo pessoalmente e, quem sabe, receber uma<br />
palavra que esclarecesse a sua vida tumultuada. Mas<br />
apenas olhar aquele homem, possivelmente o espera<strong>do</strong><br />
pelos profetas e <strong>do</strong>utores da lei, pensou, era tu<strong>do</strong> que<br />
desejava naquele instante.<br />
A multidão crescia, cada vez mais, no trajeto<br />
pelas ruas e, quan<strong>do</strong> Zaqueu a viu surgir de longe,<br />
começou a correr ao seu encontro, sem pensar nas<br />
posturas formais que sempre se atribuiu em público, e
FERNANDO PINHEIRO - 158<br />
subiu no galho de um sicômoro para ver de mais<br />
perto a cena comovente.<br />
Cerca<strong>do</strong> pelos amigos e admira<strong>do</strong>res, o povo<br />
em geral, <strong>Jesus</strong> andava firme, irradian<strong>do</strong> uma beleza<br />
nobre e transparente, ao alcance de to<strong>do</strong>s, despertan<strong>do</strong>lhes<br />
o amor.<br />
Príncipe <strong>do</strong> paraíso, tornava-se igual a to<strong>do</strong>s,<br />
fazen<strong>do</strong>-lhes pensar que a hora de serem felizes para<br />
sempre tinha chega<strong>do</strong>. Amava o amor e era o próprio<br />
amor a transparecer em seus gestos e palavras.<br />
Na alma de Zaqueu havia uma nítida<br />
impressão de tê-lo conheci<strong>do</strong> desde antes, não sabia<br />
quan<strong>do</strong>. A sensação de leveza o embalava a recantos<br />
distantes e o trazia de volta que sentia estar sempre<br />
perto dele. Assim são os amores que se reconhecem<br />
mutuamente.<br />
“Zaqueu, falou <strong>Jesus</strong>, desce depressa. Hoje me<br />
convém pousar em tua casa”. (75)<br />
A emoção no cobra<strong>do</strong>r de impostos cresceu<br />
tanto quanto a arrecadação nos dias de maior movimento.<br />
Era inacreditável, pensou, como ele falara o seu nome<br />
no meio <strong>do</strong> povo.<br />
Zaqueu correu depressa à sua residência para<br />
dizer, abraçan<strong>do</strong> e beijan<strong>do</strong> à esposa enternecida, o<br />
encanto <strong>do</strong> encontro que lhe sensibilizou a alma.<br />
(75) LUCAS, 19:5
159 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Em poucos minutos, a <strong>luz</strong> <strong>do</strong> sol ia deixan<strong>do</strong><br />
no crepúsculo cores e nuanças que as nuvens retinham<br />
em desfalecimento. A noite começou a nascer...<br />
A discriminação social veio em murmúrio: “E<br />
ven<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s isto, murmuravam, dizen<strong>do</strong> que entrara<br />
para ser hóspede de um homem peca<strong>do</strong>r”. (76)<br />
Ao ouvir a palavra que lhe causara traumas,<br />
Zaqueu toma a iniciativa e se dirige humildemente a<br />
<strong>Jesus</strong>: “Senhor, eis que eu <strong>do</strong>u aos pobres metade <strong>do</strong>s<br />
meus bens, e se nalguma coisa tenho defrauda<strong>do</strong> alguém,<br />
o restituo quadruplica<strong>do</strong>!” (77)<br />
Naquele instante a emoção cortou a fala de<br />
Zaqueu e, páli<strong>do</strong> por ter gasto sua última expressão<br />
verbal, manifestou em gestos o apelo para que o Mestre<br />
entrasse em sua casa.<br />
Num sorriso de amor, amor qualifica<strong>do</strong> na mais<br />
pura essência da vida, <strong>Jesus</strong> falou: “hoje veio a<br />
salvação a esta casa, porque também este é filho de<br />
Abraão. Pois o Filho <strong>do</strong> Homem veio buscar e salvar o<br />
que se havia perdi<strong>do</strong>”. (78)<br />
<br />
A narrativa de Fagundes Varela, no Canto VI,<br />
<strong>do</strong> poema Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, traz um<br />
resumo <strong>do</strong> episódio Zaqueu, ocorri<strong>do</strong> na cidade de Jericó.<br />
Vale ressaltar:<br />
(76) LUCAS, 19:7 (77) LUCAS, 19:8 (78) LUCAS, 19:9 e 10
FERNANDO PINHEIRO - 160<br />
“Chega <strong>Jesus</strong>, e o povo se atropela,<br />
Ajunta-se e o rodeia. A uns incita<br />
A vã curiosidade; a outros guiam<br />
A esperança e a fé. Um publicano<br />
A quem chamavam Zaqueu, homem de posses,<br />
Mas de estatura pequenina e frágil,<br />
Não poden<strong>do</strong> de perto olhar o Cristo,<br />
Qual travessa criança aos galhos sobe<br />
De um alto sicômoro, e dentre as folhas<br />
Espreita cuida<strong>do</strong>so... Num relance<br />
O Salva<strong>do</strong>r o vê. – Zaqueu, lhe fala,<br />
Desce e vem ter comigo, muito importa<br />
Que na tua morada hoje eu pernoite. –<br />
Apressa-se Zaqueu, desce, e contente<br />
Guia o Senhor à casa hospitaleira.<br />
Novas murmurações, novas censuras<br />
Partem <strong>do</strong>s fariseus e <strong>do</strong>s escribas,<br />
Ven<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong> seguir um publicano<br />
E albergar-se debaixo de seu teto.<br />
Zaqueu diz ao chegar: – Quero, metade<br />
Dar, Senhor, de meus bens aos infelizes,<br />
E quatro vezes mais darei, se acaso<br />
Meu próximo lesei em seus negócios.<br />
– Hoje, exclama <strong>Jesus</strong>, em teu asilo<br />
Entrou a salvação! Sobre os lares<br />
Do Eterno Padre as bençãos se espalharam!<br />
O seio de Abrahão pulsou de júbilo,<br />
Pois o Filho <strong>do</strong> Homem veio ao mun<strong>do</strong><br />
Buscar o que nas sombras vacilava,<br />
E salvar o que havia pereci<strong>do</strong>!<br />
XX
161 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
A <strong>luz</strong> acorda o mun<strong>do</strong>. A natureza<br />
De seu berço levanta-se formosa<br />
E saúda o Senhor. Sobre as montanhas,<br />
Nas grimpas <strong>do</strong> arvore<strong>do</strong>, e sobre as ondas,<br />
O glorioso príncipe <strong>do</strong>s astros<br />
Feliz esparze as dádivas primeiras.” (79)<br />
<br />
A visita de <strong>Jesus</strong> à casa de Zaqueu teve por<br />
finalidade redimensionar valores.<br />
A irradiação de nossos pensamentos envolve as<br />
pessoas que temos oportunidade de mantermos contato,<br />
deixan<strong>do</strong> nelas o sentimento, características <strong>do</strong> proceder<br />
que a<strong>do</strong>tamos.<br />
Nos momentos de nossa participação no convívio<br />
social, devemos ter muito carinho e cuida<strong>do</strong> na exposição<br />
de ideias e atitudes, pois qualquer decréscimo de amor<br />
pode afetar o equilíbrio emocional de quem nos ouve e<br />
assiste.<br />
Em cada criatura humana existe um mecanismo<br />
de energias que modula os aspectos que lhe dizem<br />
respeito, sobressain<strong>do</strong>-lhe a forma estruturada nas suas<br />
atitudes e procedimentos.<br />
(79) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto VI – Capítulos XIX e XX – pp. 181, 182 –<br />
Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia<br />
Brasileira de Letras.
FERNANDO PINHEIRO - 162<br />
O aspecto de beleza, revesti<strong>do</strong> de cores e<br />
nuanças, que plasma a aura espiritual <strong>do</strong>s seres<br />
humanos, pode ser constante e inalterável para aqueles<br />
que seguem seguros na luminosidade de todas as ações<br />
e gestos que inspiram a sabe<strong>do</strong>ria.<br />
Mas a grande maioria das pessoas anda<br />
buscan<strong>do</strong>, na firmeza <strong>do</strong> equilíbrio emocional, em escalas<br />
ascendentes e descendentes, os valores reais <strong>do</strong> espírito<br />
sujeitos ainda à comparação de outros valores aprecia<strong>do</strong>s<br />
por aqueles que se apegam ao mun<strong>do</strong> das formas.<br />
Em to<strong>do</strong>s os instantes, devemos exteriorizar as<br />
emoções sublimadas que cultivamos no nosso íntimo, a<br />
fim de que os companheiros, acompanhan<strong>do</strong>-nos os passos,<br />
possam ser beneficia<strong>do</strong>s pelas atitudes que tomamos.<br />
O clima de reconforto é a necessidade principal<br />
<strong>do</strong>s grupos humanos que precisam dar maior dimensão<br />
às vibrações oriundas das pessoas que trazem consigo<br />
o amor e a simplicidade, dissipan<strong>do</strong> o tumulto <strong>do</strong>s<br />
interesses que passam deixan<strong>do</strong> um vazio.<br />
Na aproximação com as pessoas <strong>do</strong> nosso<br />
convívio, as vibrações que sentimos vir delas têm uma<br />
conotação valiosa despertan<strong>do</strong>-nos às lições que lhes são<br />
próprias.<br />
Todas as mensagens íntimas <strong>do</strong>s companheiros<br />
servem-nos para estu<strong>do</strong> e apreciação das necessidades<br />
que deverão ser redimensionadas por aspectos capazes<br />
de engrandecê-los em relação aos valores da vida.<br />
São olhares revelan<strong>do</strong> situação incômoda ou<br />
convite à participação de suas alegrias; são gestos que<br />
demonstram timidez ou ousadia <strong>do</strong>s planos que não<br />
conseguiram realizar.
163 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Quantos sorrisos de pessoas que conhecemos<br />
estão à flor da pele, esperan<strong>do</strong> a nossa manifestação<br />
de sorrir primeiro!<br />
Se compreendermos que basta um leve gesto<br />
de amor para tocar as pessoas, aumentaremos o círculo<br />
de amizade que nos trará bem-estar que se espalha a<br />
to<strong>do</strong>s quantos de nós se aproximam.<br />
Mistura<strong>do</strong>s à multidão, encontramos os amores<br />
que desconhecemos, comprometi<strong>do</strong>s com os momentos<br />
diferentes <strong>do</strong>s nossos, mas com grande afinidade de<br />
gostos pelo mesmo trabalho que realizamos no campo <strong>do</strong><br />
sentimento.<br />
Ainda existem os tími<strong>do</strong>s e receosos que<br />
não conseguem dirigir-nos a palavra, porta<strong>do</strong>res de<br />
desconfiança ou da falta de nossa aproximação junto a<br />
eles que lhe possam modificar-lhe a postura.<br />
Os novos companheiros que vem integrar o<br />
grupo social onde prestamos serviços são assim<br />
como árvores recém-nascidas que precisam de cuida<strong>do</strong>s<br />
especiais para reflorescer com brilho e vigor.<br />
Quan<strong>do</strong> participamos de reuniões no campo<br />
astral, durante o sono <strong>do</strong> corpo físico, vemos, com<br />
intensa alegria, o júbilo de companheiros da evolução<br />
cósmica vir ao nosso encontro numa elevação de<br />
propósitos ainda não sentida pelos melhores preletores<br />
que a Terra possui.<br />
Façamos uma experiência e veremos o resulta<strong>do</strong><br />
positivo: à noite, antes de <strong>do</strong>rmir, esquecer to<strong>do</strong> o<br />
cuida<strong>do</strong> que o dia nos proporcionou e ouvir músicas<br />
que despertem a beleza e, principalmente, colocar o<br />
pensamento em profunda oração.
25<br />
A SAMARITANA<br />
FERNANDO PINHEIRO - 164<br />
Picture: Woman at the well by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />
“Vem o cântaro encher, na água da fonte,<br />
A mais linda mulher da Samaria...” (80)<br />
Na paisagem bíblica de Caio de Mello Franco,<br />
o sol, irradian<strong>do</strong> <strong>luz</strong> nas nuvens, fazia o céu escarlarte:<br />
“Em sangue o amplo horizonte.”<br />
(80) CAIO DE MELLO FRANCO – in Vida que passa... – poemas – p. 75<br />
– Typographia <strong>do</strong> Annuário <strong>do</strong> Brasil – 1924 – Acervo: Biblioteca<br />
Popular Pedro Nava – Glória – Rio de Janeiro – RJ.
165 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Nos tempos de Jezabel, Samaria era uma região<br />
bastante rica e próspera. Por volta <strong>do</strong> século VIII a.C.,<br />
os assírios, sob o coman<strong>do</strong> de Sargão II, invadiram aquela<br />
região impon<strong>do</strong> o idioma arameu ou aramaico, juntamente<br />
com uma grande quantidade de crenças e superstições<br />
que por lá se espalharam por muito tempo.<br />
Seis séculos depois, os macabeus destruíram<br />
grande parte das edificações da Samaria que só foi<br />
reconstruída por Herodes que servia ao impera<strong>do</strong>r romano.<br />
Entretida com pensamentos liga<strong>do</strong>s à rotina <strong>do</strong><br />
dia-a-dia, estampan<strong>do</strong> no rosto a cor queimada de sol, e<br />
os cabelos encobertos por um turbante, a jovem mulher,<br />
carregan<strong>do</strong> um cântaro vazio, caminha em direção <strong>do</strong> poço<br />
de Jacó. Ao chegar ali, surpreende-se ao ver um homem<br />
assenta<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> poço, como se estivesse a esperá-la<br />
por muito tempo.<br />
Envolvida por enorme fascínio, ela o contemplou<br />
enternecida e, movida pela leveza que percorria o seu<br />
coração, desviou o olhar para o fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> poço e,<br />
naquele instante, sentiu o encanto íntimo da água.<br />
Compreenden<strong>do</strong> que o amor desperta os<br />
encantos da vida e ven<strong>do</strong> nela a sensação de quem<br />
sente os ventos das tardes ensolaradas, o Mestre<br />
envolveu-a num sorriso <strong>do</strong>ce e lhe falou suavemente:<br />
“dá-me de beber.” (81)<br />
(81) JOÃO, 4: 1 a 42
FERNANDO PINHEIRO - 166<br />
A vontade de chamar a atenção daquele<br />
estrangeiro, que lhe dirigiu a palavra, era imensa, mas a<br />
emoção que tomou conta <strong>do</strong> seu coração era maior,<br />
mesmo assim deixou extravasar um pouco de amargura:<br />
“como sen<strong>do</strong> tu judeu, me pedes de beber a mim,<br />
que sou mulher samaritana? (Pois os judeus não se dão<br />
com os samaritanos”).<br />
“Se conhecesses o <strong>do</strong>m de Deus”, continuou,<br />
afável, o Mestre, “e quem é o que te pede: dá-me de<br />
beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva”.<br />
A samaritana curvou-se numa atitude de<br />
reverência. Após uma pequena pausa, exclamou:<br />
“Senhor, tu não tens como tirá-la, e o poço é fun<strong>do</strong>.<br />
Onde tens a água viva? És tu maior <strong>do</strong> que o nosso<br />
pai Jacó, que nos deu o poço, <strong>do</strong> qual ele próprio<br />
bebeu e, bem assim, os seus filhos e o seu ga<strong>do</strong>?”<br />
Houve uma expectativa inebriante. Com um<br />
sorriso afável, ele respondeu à moça:<br />
“Qualquer que beber desta água tornará a ter sede,<br />
mas aquele que beber da água que eu lhe der, nunca<br />
mais terá sede, porque a água que eu lhe oferecer se<br />
fará nele uma fonte que jorra para a vida eterna".<br />
De imediato, a jovem samaritana disse: “Senhor, dá-me<br />
dessa água para que eu não mais tenha sede, nem<br />
precise vir aqui tirá-la.” [JOÃO, 4: 1 a 42]<br />
Pedin<strong>do</strong> a ela chamar o mari<strong>do</strong> e voltar ali,<br />
<strong>Jesus</strong> fez ampliar o conceito de água viva. Ela lhe<br />
respondeu que não o tinha.<br />
“Disse-lhe <strong>Jesus</strong>: tens razão em dizer que não tens<br />
mari<strong>do</strong>, pois já tiveste cinco mari<strong>do</strong>s, e o que agora<br />
tens não é teu mari<strong>do</strong>. Isto disseste com verdade.”
167 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Emocionada pela revelação, a moça se expressou:<br />
“Senhor, vejo que és profeta. Nossos pais a<strong>do</strong>raram<br />
neste monte, mas vós, os judeus, dizeis que é em<br />
Jerusalém o lugar onde se deve a<strong>do</strong>rar.”<br />
O Mestre, pressentin<strong>do</strong> as tendências religiosas<br />
que iriam surgir, no decorrer <strong>do</strong>s séculos, eluci<strong>do</strong>u:<br />
“Mas vem a hora, e já chegou, em que os<br />
verdadeiros a<strong>do</strong>ra<strong>do</strong>res a<strong>do</strong>rarão o Pai em espírito e<br />
em verdade, pois o Pai procura a tais que assim o<br />
a<strong>do</strong>rem. Deus é Espírito, e importa que o a<strong>do</strong>rem em<br />
espírito e em verdade.” [JOÃO, 4: 1 a 42]<br />
Palavras tão esclarece<strong>do</strong>ras, nunca antes<br />
ouvidas, encheram-na de contentamento e, num impulso<br />
de emoção, falou-lhe: “eu sei que o Messias (chama<strong>do</strong><br />
Cristo) vem. Quan<strong>do</strong> ele vier, nos explicará tu<strong>do</strong>”.<br />
O diálogo foi concluí<strong>do</strong> por <strong>Jesus</strong>: “Eu o sou,<br />
eu que falo contigo.”<br />
Perceben<strong>do</strong> a grandeza <strong>do</strong> ensinamento, a jovem<br />
samaritana deixou-se levar por imensa alegria a esparzir<br />
entre seus amigos e familiares. Pôs-se a correr e a<br />
gritar: “Vinde, vede um homem que me disse tu<strong>do</strong> o que<br />
tenho feito. Porventura, não é este o Cristo?”<br />
A atitude da jovem samaritana fez afluir grupos<br />
de pessoas que se reuniram junto ao poço de Jacó.<br />
Naquele instante, os discípulos retornaram à<br />
presença <strong>do</strong> Mestre, deixan<strong>do</strong> para trás a cidade, onde<br />
foram buscar alimentos. Pediram-lhe que se alimentasse.<br />
Com a atenção voltada aos mora<strong>do</strong>res de Sicar,<br />
<strong>Jesus</strong> dirige-se aos discípulos com a intenção de que<br />
to<strong>do</strong>s pudessem ouvi-lo:
FERNANDO PINHEIRO - 168<br />
“A minha comida é fazer a vontade daquele que<br />
me enviou, e realizar a sua obra. Não dizeis: ainda há<br />
quatro meses até à ceifa? Eu vos digo: erguei os vossos<br />
olhos, e vede os campos! Já estão brancos para a ceifa.<br />
O ceifeiro recebe desde já o seu galardão, desde já ceifa<br />
a colheita para a vida eterna, e assim se regozijam tanto<br />
o semea<strong>do</strong>r como o ceifeiro. Pois é verdadeiro o dita<strong>do</strong>:<br />
um é o semea<strong>do</strong>r, e o outro é o ceifeiro. Eu vos enviei<br />
a ceifar onde não trabalhastes; outros trabalharam, e<br />
vós entrastes no seu trabalho.” [JOÃO, 4: 1 a 42]<br />
<br />
Junto ao poço de Jacó, na cidade de Sicar, a<br />
jovem samaritana teve um encontro, o mais importante<br />
de sua vida. Não eram apenas os ensinamentos que a<br />
encantavam, mas a beleza da voz de <strong>Jesus</strong>.<br />
Cada criatura humana tem uma sonoridade<br />
específica na voz. O som é ondula<strong>do</strong> na vibração<br />
característica de cada uma.<br />
Assim como se encontra o esta<strong>do</strong> emocional<br />
das pessoas, a voz escoa os sentimentos que as<br />
caracterizam, embora haja momentos de disfarce para<br />
encobrir circunstâncias simula<strong>do</strong>ras.<br />
Algumas carregam o peso das aflições diárias e<br />
despejam palavras que desarticulam o esta<strong>do</strong> emocional<br />
daqueles que são cúmplices de suas ações.<br />
Outras sublimam seus ideais e enternecem, com<br />
<strong>do</strong>ces carinhos, as palavras – sementes de jardim –<br />
que distribuem a to<strong>do</strong>s quantos por elas passam.
169 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Se a música suave traz vibrações que nos<br />
estimulam a desenvolver os centros energéticos <strong>do</strong> nosso<br />
ser, a voz, que carrega os sentimentos de quem a<br />
emite, pode levar-nos a situações conforta<strong>do</strong>ras.<br />
Há amores que se ligam profundamente na voz.<br />
Aquela vibração traz recordação de experiências que<br />
voltam para serem completadas. Uma alegria íntima<br />
estimula-nos quan<strong>do</strong> ouvimos a voz de quem nos agrada.<br />
Como os sons podem ser conduzi<strong>do</strong>s à<br />
harmonia, a sonoridade humana, contida na voz, pode<br />
levar-nos a esta<strong>do</strong>s de sublimação de sentimentos. É<br />
claro que os sons estimula<strong>do</strong>res da sensualidade não<br />
podem conduzir a esses níveis superiores, pois têm<br />
raízes profundas nos senti<strong>do</strong>s da matéria.<br />
Os amores, em diálogo, gostam de ouvir suas<br />
vozes falan<strong>do</strong> de belezas íntimas que somente eles podem<br />
identificar na mesma intensidade em que foram criadas.<br />
Quantas vezes, ouvimos, pessoalmente ou por<br />
telefone, pessoas envolvidas nos momentos de frágil<br />
consistência que criamos, sem dar a elas o valor que<br />
a oportunidade oferece!<br />
Nunca a mesma hora se repete. Alteram-se as<br />
circunstâncias em que nos defrontamos com alguém,<br />
chegan<strong>do</strong>, às vezes, a se tornar cada vez mais difícil<br />
a nossa participação nesses envolvimentos, pelo clima<br />
de incerteza em que nos deixamos envolver.<br />
Os encontros são marcas <strong>do</strong> destino e por<br />
isso mesmo devem merecer to<strong>do</strong> o carinho e respeito,<br />
pois não entendemos ainda os fatores racionais que<br />
estabelecem essa circunstância que vem apenas com o<br />
fim de nos ajudar.
FERNANDO PINHEIRO - 170<br />
Se há enigma no meio da observação pessoal,<br />
não importa, não podemos imaginá-lo em forma de<br />
obstáculo, pois os primeiros encontros são tão ingênuos<br />
e não podem ameaçar a nossa tranquilidade.<br />
E se, no decorrer das oportunidades, houver<br />
sinais de desconforto das vibrações contidas na voz de<br />
quem nos responde, devemos amá-la cada vez mais como<br />
uma pessoa que está precisan<strong>do</strong> tanto de nosso amor.<br />
Não podemos ver rosas em to<strong>do</strong>s os lugares<br />
por onde passamos, mas não devemos andar de<br />
mãos cheias de sementes sem a vontade de semear.<br />
Quem tem amor no coração distribua.<br />
Assim como os agentes afins se aglutinam<br />
forman<strong>do</strong> um grupo homogêneo, a vibração da voz tem<br />
peculiaridade específica que identifica os interlocutores<br />
no ponto em comum.<br />
Como a finalidade da missão inteligente <strong>do</strong><br />
homem é disseminar o amor, seja no silêncio quan<strong>do</strong><br />
as circunstâncias exigem, ou na voz articulada <strong>do</strong>s<br />
sons se houver identificação e receptividade de quem<br />
a deseja ouvir.
171 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
26<br />
BEN MORDECKAI<br />
Picture: Sermon on the Mount by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />
Anestesia<strong>do</strong> pelo torpor a que se acostumara<br />
desde as primeiras decepções da vida, antes ditosa e<br />
feliz, Mathias Ben Mordeckai, entre tantos outros<br />
sofre<strong>do</strong>res, estava ali ao pé da montanha, sem saber<br />
o que estava sen<strong>do</strong> dito.<br />
A lembrança <strong>do</strong>s dias felizes em Acra e a<br />
amargura <strong>do</strong>s desencantos que sobrevieram das ações<br />
movidas contra ele no Sinédrio, fez Ben Mordeckai<br />
sentir-se completamente infeliz. Perden<strong>do</strong> os bens materiais<br />
e a família, foi acometi<strong>do</strong> por grave <strong>do</strong>ença. Mesmo assim,<br />
havia nele uma esperança clarean<strong>do</strong> como uma chama<br />
bruxuleante soprada pelo vento [AMÉLIA RODRIGUES/1998].
FERNANDO PINHEIRO - 172<br />
<strong>Jesus</strong> disse o Sermão da Montanha a uma<br />
plateia composta por galileus, judeus e estrangeiros vin<strong>do</strong>s<br />
da Decápolis e de outras regiões vizinhas. Suas palavras<br />
cheias de sabe<strong>do</strong>ria eram um alento para os desalenta<strong>do</strong>s,<br />
os tristes e os sofre<strong>do</strong>res.<br />
Sábio e simples, amoroso em to<strong>do</strong>s os gestos,<br />
no olhar, no sorriso que afagava, no sentir a <strong>do</strong>r alheia,<br />
como se fosse a sua própria <strong>do</strong>r, sem culpa alguma.<br />
Falava <strong>do</strong> reino a que pertencia, estenden<strong>do</strong><br />
suas balizas aos lugares onde já se vislumbrava uma<br />
messe a crescer. To<strong>do</strong>s pertenciam ao mesmo rebanho,<br />
ven<strong>do</strong> neles irmãos com possibilidades futuras de<br />
restauração de saúde.<br />
O vento corria lentamente carregan<strong>do</strong> a vibração<br />
amorosa de sua voz.<br />
Ben Mordeckai, que estava a pouca distância<br />
daquele sábio, não poderia avaliar claramente a grandeza<br />
<strong>do</strong> momento. Não distinguira nenhuma palavra; ouvira<br />
um som que se misturava ao vento, confortan<strong>do</strong>-o por<br />
dentro.<br />
Ao levantar a cabeça em direção àquele que<br />
disseminava o amor, naquelas paragens, conseguiu captar<br />
a vibração que fluía <strong>do</strong>s olhos meigos <strong>do</strong> rabino da<br />
Galiléia e compreendeu o enlevo que arrebatava a to<strong>do</strong>s<br />
na mais pura magia.<br />
No despertar de ânimos, ouviu somente as<br />
palavras: “bem-aventura<strong>do</strong>s os aflitos, pois que serão<br />
consola<strong>do</strong>s”, (82) reten<strong>do</strong> aquele olhar amoroso em sua<br />
(82) LUCAS, 6:17 a 49
173 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
alma, comparan<strong>do</strong>-o a mais bela jóia que o mun<strong>do</strong> lhe<br />
poderia dar.<br />
<br />
Mathias Ben Mordeckai, personagem verídica<br />
que presenciou o Sermão da Montanha, foi revelada,<br />
em primeira mão, no livro Quan<strong>do</strong> voltar a Primavera,<br />
de Amélia Rodrigues (Espírito), psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong><br />
Pereira Franco:<br />
“Ergueu a cabeça a fim de quebrar a magia <strong>do</strong><br />
instante e cravou os olhos nubla<strong>do</strong>s na figura diáfana e<br />
majestosa <strong>do</strong> Rabi...” (83)<br />
A difícil experiência, quase silenciosa, de Ben<br />
Mordeckai chega aos nossos dias como mensagem de<br />
reflexão acerca das verdades <strong>do</strong> tempo.<br />
Cada criatura humana possui um código<br />
pessoal que foi obti<strong>do</strong> através <strong>do</strong> seu aprendiza<strong>do</strong> nos<br />
inúmeros outros códigos que delineiam normas de conduta.<br />
Na revelação <strong>do</strong>s desencantos divulga<strong>do</strong>s pelos<br />
meios de comunicação, não há por parte de muitos<br />
ouvintes uma reflexão acerca da gravidade <strong>do</strong>s fatos que<br />
abalam a estrutura emocional de quem por eles passa.<br />
(83) AMÉLIA RODRIGUES (Espírito) – in Quan<strong>do</strong> voltar a Primavera,<br />
p. 42 – 5ª edição – psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco –<br />
Livraria Espírita Alvorada Editora – 1998 – Salva<strong>do</strong>r – BA.
FERNANDO PINHEIRO - 174<br />
Por estarem longe dessas notícias, parece<br />
que nada disso pode tocá-los. O que lhes interessa é<br />
saber que estão bem vesti<strong>do</strong>s e com dinheiro no bolso<br />
para comprar tu<strong>do</strong> que lhes dá alegria de viver. Não<br />
se interessam em saber de sua realidade mais profunda,<br />
onde seus sonhos estão a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>s pela aparência<br />
daquilo que pensam ser o melhor. Apenas os deleites <strong>do</strong><br />
corpo lhes merecem atenção.<br />
Nem mesmo o impacto que a vida surpreende<br />
os desatentos, em situações iguais as suas, consegue<br />
despertá-los para outras dimensões. Assemelham-se a<br />
animais, com arreios, puxan<strong>do</strong> carroças, enxergan<strong>do</strong><br />
apenas alguns passos à frente.<br />
Os desencantos servem-nos para esclarecer<br />
aquilo que precisa ser transforma<strong>do</strong>, no propósito <strong>do</strong><br />
acerto, com vistas a ampliar nosso entendimento da<br />
vida. Mas o que normalmente ainda se vê é o susto,<br />
o temor e a preocupação pelas situações que foram<br />
desfeitas pelas verdades <strong>do</strong> tempo.<br />
Num clima vicioso ainda se apegam àquilo<br />
que foi destruí<strong>do</strong>. Parecem não perceber que o tempo,<br />
como os ventos da tempestade, renova to<strong>do</strong>s os<br />
ambientes onde a respiração estava mergulhada no ar<br />
poluí<strong>do</strong>. Ainda preferem respirar poluição porque as<br />
rajadas desses ventos batem fortes.<br />
Como é grande a divulgação <strong>do</strong>s desencantos<br />
por toda a parte onde transitamos e mesmo dentro de<br />
nossos lares, através <strong>do</strong> rádio e televisão, devemos<br />
desligar-nos da forma negativa como nos chegam e<br />
tirar proveito da lição para que tais ocorrências não<br />
venham a se concretizar diante de nossos olhos.
175 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
E, numa placidez meditativa, mentalizar os<br />
irmãos que serviram de provas difíceis, colocan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o<br />
nosso amor <strong>do</strong> coração para que essa onda invisível<br />
viaje até eles, confortan<strong>do</strong>-os e eliminan<strong>do</strong> os miasmas<br />
mentais que lhes tiram a tranquilidade de viver.<br />
A verdade de que tu<strong>do</strong> se interliga, para<br />
recompor situações que espelham a beleza, tem conotações<br />
profundas que se espalham pelo tempo e espaço onde<br />
to<strong>do</strong>s os nossos pensamentos podem fluir.<br />
Amemos os jovens embaraça<strong>do</strong>s no confinamento,<br />
as crianças que assustadas nos pedem uma colaboração<br />
para viver, as moças que sentem necessidade de<br />
namorar e não encontram ninguém, os i<strong>do</strong>sos que<br />
sentem saudades e os amores que nos amam.<br />
Transmutar os desencantos em alegria inefável,<br />
as lágrimas em sorrisos, a preocupação <strong>do</strong> futuro<br />
desconheci<strong>do</strong> pela certeza <strong>do</strong> nascer <strong>do</strong>s novos dias<br />
num clima em que plantamos a coragem de servir,<br />
sem sermos vistos pela curiosidade alheia, leva-nos a<br />
recantos onde somente o pensamento cheio de amor<br />
pode chegar.
27<br />
MANHÃ EM JERUSALÉM<br />
FERNANDO PINHEIRO - 176<br />
<strong>Jesus</strong> wrote in the sand by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />
Um clima suave espalhava-se diante de uma<br />
pequena multidão reunida ao la<strong>do</strong> direito <strong>do</strong> templo.<br />
As vibrações amorosas de sua voz dulcificavam o coração<br />
de to<strong>do</strong>s ali presentes como se fossem o prelúdio das<br />
sinfonias.<br />
O amor era prega<strong>do</strong> na beleza original que se<br />
revelava num olhar <strong>do</strong>ce e bran<strong>do</strong> que, num primeiro<br />
contato, parecia ser de uma criança e, num instante<br />
mais profun<strong>do</strong>, na atitude <strong>do</strong>s grandes profetas.
177 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Apenas em sua placidez meditativa já conseguia<br />
reunir, em grupo homogêneo, to<strong>do</strong>s que estavam presentes<br />
à sua volta. O amor se espalha como aroma de lavanda<br />
campesina, envolven<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> ao re<strong>do</strong>r.<br />
Mas, numa radiosa manhã em Jerusalém, esse<br />
manto diáfano de vibrações foi rasga<strong>do</strong> pela precipitação<br />
de outro grupo de pessoas que se dirigira em direção de<br />
<strong>Jesus</strong> e seus discípulos.<br />
A pequena multidão que o ouvira antes, ven<strong>do</strong><br />
o tumulto que vinha à sua frente, aos poucos foi se<br />
dispersan<strong>do</strong>.<br />
Uma jovem mulher ia à frente, fugin<strong>do</strong> à fúria<br />
implacável de seus acusa<strong>do</strong>res e carrascos.<br />
O grupo, que a empurrava era impie<strong>do</strong>so e<br />
perverso, não tivera oportunidade de ouvir as palavras<br />
que descortinam os panoramas íntimos de comovente<br />
beleza. Quem sabe se tivesse chega<strong>do</strong> ali uma hora antes<br />
tu<strong>do</strong> seria diferente?<br />
Os escribas e fariseus apresentaram a <strong>Jesus</strong><br />
a mulher de vestes esfarrapadas e perguntaram-lhe a<br />
sua opinião a respeito da acusação de que ela era<br />
vítima.<br />
Um silêncio se fez presente. O clima ficou<br />
mergulha<strong>do</strong> na expectativa. Um instante depois, a<br />
resposta veio revestida de misericórdia, alicerce onde se<br />
estrutura to<strong>do</strong> Evangelho de <strong>Jesus</strong>, com ressonância aos<br />
dias atuais.<br />
O Mestre olhou de relance a mulher ultrajada<br />
e, inclinan<strong>do</strong>-se, sensibiliza<strong>do</strong>, escreveu na areia traços de<br />
desenhos que lhes despertassem a atenção.
FERNANDO PINHEIRO - 178<br />
بةثجذرشصئپچژڤکگۀی۴چژۀ (84)<br />
A resposta imediata <strong>do</strong> Mestre criaria<br />
embaraços naqueles que cultuavam a aspereza da lei<br />
de Moisés que determinara pena de morte à mulher<br />
adúltera. Era, de certa forma, a lei <strong>do</strong> talião, não<br />
obstante César atribuir a Roma o direito sobre a vida<br />
de seus súditos. A Palestina, como sabemos, estava<br />
naquela época sob o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> império romano.<br />
Era época de celebração de data importante no<br />
calendário judeu. As festas das tendas criavam uma<br />
disposição coletiva à tolerância. Eram dias em que se<br />
comemoravam a saída <strong>do</strong> Egito, a passagem pelo deserto<br />
onde se abrigavam sob tendas e a chegada triunfal à<br />
terra prometida.<br />
Justamente nesse clima totalmente favorável, os<br />
ensinamentos <strong>do</strong> amor, testa<strong>do</strong>s numa das provas mais<br />
difíceis, seriam revela<strong>do</strong>s como mensagens inesquecíveis.<br />
Como houve insistência <strong>do</strong> grupo, a resposta<br />
veio clara e cristalina como as águas que se derramam<br />
das fontes: “aquele que dentre vós está sem peca<strong>do</strong>, seja<br />
o primeiro a lhe atirar uma primeira pedra...” (85)<br />
(84) Letras <strong>do</strong> idioma árabe, apresentadas para ilustração <strong>do</strong> texto,<br />
não têm conotação alguma com os traços na areia escritos por<br />
<strong>Jesus</strong>.<br />
(85) JOÃO, 8:7
179 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Relata ainda o evangelista João: “quan<strong>do</strong> ouviram<br />
isto, foram-se retiran<strong>do</strong> um a um, a começar pelos<br />
mais velhos”, até que ficou só <strong>Jesus</strong> e a mulher no meio<br />
onde estava. Depois da saída de to<strong>do</strong>s, pôde o Mestre<br />
fitar os olhos alivia<strong>do</strong>s da mulher considerada adúltera<br />
pelos acusa<strong>do</strong>res, e disse em tom mergulha<strong>do</strong> em<br />
melodia de ternura: “mulher, onde estão eles? Ninguém<br />
te condenou?”<br />
“Respondeu ela, ninguém, Senhor. Disse <strong>Jesus</strong>:<br />
Nem eu também te condeno. Vai e não peques mais.” (86)<br />
<br />
A respeito da pena de talião, vejamos a opinião<br />
<strong>do</strong> eminente jurista Luís Ivani de Amorim Araújo<br />
(1923/2007), professor de Direito Internacional da UNICAN<br />
– Universidade Cândi<strong>do</strong> Mendes, a quem, nos i<strong>do</strong>s de<br />
1995, sucedemos no cargo de presidente da Academia de<br />
Letras <strong>do</strong>s Funcionários <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil:<br />
“O Jus Talionis foi, não há a negar, consequência<br />
<strong>do</strong> descomedimento de vingança privada. No talionar alguém<br />
surge equivalência entre o dano e a reação.<br />
5. Os costumes evoluem e o talião é substituí<strong>do</strong> por uma<br />
indenização paga à vítima ou aos seus familiares.” (87)<br />
(86) JOÃO, 8: 9 a 11<br />
(87) LUÍS IVANI DE AMORIM ARAÚJO – in Do Julgamento e da Pena<br />
nos Sistemas Jurídicos da Antiguidade, p. 5 – BVZ Edições Comércio<br />
e Representações – 1993 – Rio de Janeiro – RJ.
FERNANDO PINHEIRO - 180<br />
Outro jurista de renome, Aliomar Baleeiro, no<br />
estilo em que sobressai amenidade e leveza, se expressa:<br />
“Os bons Códigos não matam, nem paralisam o<br />
Direito, não o esterilizam nem ancilosam. Nascem e crescem<br />
em ramos e brotos novos, como as árvores sadias em<br />
cada primavera.” (88)<br />
O assunto evangélico versa sobre a mulher<br />
adúltera. Com a evolução <strong>do</strong>s costumes, hoje o adultério<br />
não é mais crime. Assistimos ao surgimento de um<br />
novo relacionamento de casais – casamento branco –<br />
destituí<strong>do</strong> de união estável, onde se caracteriza a falta<br />
de realização de um acervo comum, mútua assistência,<br />
e afectio maritalis. Para muitos, sexo e amizade, ou<br />
amizade colorida.<br />
As madrugadas de lua cheia são encanta<strong>do</strong>ras.<br />
Orvalhos de prata são derrama<strong>do</strong>s numa <strong>luz</strong> suave.<br />
O clima de ternura envolve-nos numa <strong>do</strong>ce magia.<br />
Mas, nos primeiros raios <strong>do</strong> sol, vemos<br />
desvanecer a <strong>luz</strong> suave da lua com os ruí<strong>do</strong>s das<br />
pessoas que buscam o trabalho nos lugares onde<br />
passam várias horas seguidas.<br />
Depois, à noite sentem necessidade de voltar<br />
ao lar, onde a vida afetiva as espera para recompor<br />
carências e ampliar horizontes já plenamente ocupa<strong>do</strong>s<br />
pelos sentimentos de amor.<br />
(88) ALIOMAR BALEEIRO – in Revista Forense 181/9 – Apud Discurso<br />
proferi<strong>do</strong> pelo ministro Xavier de Albuquerque, em 21/maio/1975,<br />
no Supremo Tribunal Federal, publica<strong>do</strong> sob o título “Aliomar<br />
de Andrade Baleeiro”, p. 27, pelo STF – Departamento de<br />
Imprensa Nacional – 1975 – Brasília – DF. – Francisco Manoel<br />
Xavier de Albuquerque, advoga<strong>do</strong> <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil (1952 a 1972),<br />
presidente <strong>do</strong> Supremo Tribunal Federal (16/2/1981 a 21/2/1983).
181 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Sugestões de encantos enlaçam-nos de mil<br />
mo<strong>do</strong>s. A mulher é sempre a mensageira da vida. O<br />
poder de sedução que ela possui é superior às armas<br />
<strong>do</strong>s guerreiros que conquistaram espaços no campo social<br />
e político.<br />
Basta um olhar, um sorriso, um jeito no andar<br />
e sacudir os cabelos, os meneios de seios para comover<br />
quem a aprecia. O convite ao amor, que a mulher inspira,<br />
vem suave como a <strong>luz</strong> das madrugadas de lua cheia.<br />
Nos sonhos cor-de-rosa, vê alguém que lhe<br />
possa valorizar a sua alma humana e inquieta que<br />
precisa se acalmar para perceber a influência <strong>do</strong> plano<br />
mais sutil onde mora a beleza.<br />
Assim como a rosa foi criada para espalhar<br />
perfume, o corpo feminino leva-nos a emoções onde o<br />
coração vai à frente. Seria pequenino demais limitá-lo<br />
apenas às sensações <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s. A energia <strong>do</strong>s<br />
sentimentos sublima<strong>do</strong>s ultrapassa fronteiras que limitam<br />
os espaços físicos.<br />
O amor percorre o mun<strong>do</strong> em núpcias<br />
dançantes, renascen<strong>do</strong> as flores que se multiplicam em<br />
florestas, aumentan<strong>do</strong> a população de nações e mun<strong>do</strong>s<br />
desconheci<strong>do</strong>s. No céu bilhões de olhos ilumina<strong>do</strong>s fazem<br />
a festa das galáxias em fenômenos indescritíveis.<br />
Sem perceberem o movimento que distribui a<br />
beleza <strong>do</strong>s planos mais sutis, os casais que levam a vida<br />
em comum longe <strong>do</strong> amor – casamento branco – vão<br />
sentir algum dia, em algum lugar, a vontade de amar.<br />
Sabemos que há beleza inefável que vem das<br />
esferas resplandecentes como o sol que se reflete na lua<br />
derraman<strong>do</strong> orvalhos de prata e na harmonia sincronizada
FERNANDO PINHEIRO - 182<br />
<strong>do</strong>s anéis de Saturno com dezoito luas conhecidas a<br />
iluminar aquele planeta em noites alaranjadas, azuladas,<br />
cores de poente e das madrugadas que anunciam uma<br />
<strong>luz</strong> maior.<br />
Quan<strong>do</strong> sentimos as sugestões que embelezam<br />
a vida, ficamos mergulha<strong>do</strong>s no Universo como a gota<br />
de orvalho que cai no oceano sem a necessidade de<br />
aparecer porque o importante é o fluxo das energias<br />
que a movimenta.<br />
Ciclo de mudanças é normal num mun<strong>do</strong> que<br />
se desgasta em experiências devasta<strong>do</strong>ras. A degradação<br />
social ganha espaços quan<strong>do</strong> não há atenção para<br />
a harmonia que vem da natureza.<br />
Com receio de encarar a realidade que o<br />
infelicita, o homem busca evasivas e fugas que o iludem<br />
em momentos passageiros. A falácia de uma posição<br />
social, passageira nos valores que se alteram, não é<br />
aceita em nenhum instante. A ilusão lhe traz um<br />
prazer mórbi<strong>do</strong>, com reflexos em <strong>do</strong>enças e sofrimentos.<br />
No clima anuncia<strong>do</strong> em cartazes e propaganda<br />
que estimulam os usuários a práticas consideradas<br />
aceitáveis, todas as camadas sociais sofrem-lhe o assédio.<br />
O fumo, o álcool, a droga, o sexo em desalinho, que<br />
aviltam a dignidade humana, se movem nesses espaços.<br />
Quan<strong>do</strong> os a<strong>do</strong>lescentes despertam para a vida<br />
conjugal encontram o meio infesta<strong>do</strong> de vícios e distorções<br />
que lhes dificultam a escolha de uma companheira<br />
que ainda não se contaminou.<br />
Nesse aprendiza<strong>do</strong> difícil, a valorização daquilo<br />
que há de vir, tem um senti<strong>do</strong> amplo de grandeza que<br />
somente quem passou por isso sabe o quanto é grandioso.
183 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
28<br />
TABOR<br />
Vision: Transfiguration of Christ by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />
Os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas<br />
descrevem a cena em que <strong>Jesus</strong> fala com os “mortos”,<br />
no monte Tabor. Reproduzimos, a seguir, o texto <strong>do</strong><br />
evangelista Lucas:<br />
“Cerca de oito dias depois destas palavras, tomou<br />
consigo a Pedro, João e Tiago e subiu ao monte<br />
a fim de orar. Estan<strong>do</strong> ele oran<strong>do</strong>, transfigurou-se a<br />
aparência <strong>do</strong> seu rosto, e suas vestes ficaram brancas e<br />
resplandecentes. Estavam falan<strong>do</strong> com ele <strong>do</strong>is homens,<br />
Moisés e Elias, os quais apareceram em glória, e falavam<br />
da sua morte, a qual havia de cumprir-se em Jerusalém.<br />
Pedro e os que estavam com ele estavam carrega<strong>do</strong>s<br />
de sono, mas quan<strong>do</strong> despertaram, viram a sua glória e
FERNANDO PINHEIRO - 184<br />
aqueles <strong>do</strong>is homens que estavam com ele. Quan<strong>do</strong><br />
estes se apartavam dele, disse Pedro a <strong>Jesus</strong>: Mestre,<br />
bom é que estejamos aqui. Façamos três tendas, uma<br />
para ti, uma para Moisés e uma para Elias. Ele não<br />
sabia o que estava dizen<strong>do</strong>.<br />
Enquanto ele dizia isto, veio uma nuvem e os<br />
cobriu com a sua sombra e, entran<strong>do</strong> eles na nuvem,<br />
temeram. Saiu da nuvem uma voz que dizia: Este é o<br />
meu ama<strong>do</strong> Filho; a ele ouvi. Ten<strong>do</strong> soa<strong>do</strong> aquela voz,<br />
<strong>Jesus</strong> se achou só. Eles se calaram, e por aqueles dias<br />
não contaram a ninguém nada <strong>do</strong> que tinham visto.” (89)<br />
A obra A Sarça Ardente, de Fernan<strong>do</strong> <strong>Pinheiro</strong>,<br />
que aborda o comportamento humano (notadamente os<br />
liames afetivos) e a espiritualidade, traz um comentário a<br />
respeito:<br />
“A revelação espiritual é destinada a to<strong>do</strong>s,<br />
independente de convicção religiosa, classe social ou<br />
condicionamento de situações adversas.<br />
A comunicação espiritual foi autorizada pelo<br />
Inigualável Galileu quan<strong>do</strong> subiu o monte Tabor.<br />
O fenômeno de rara beleza mereceu a contribuição<br />
de Moisés que, na época em que se cobriu da<br />
roupagem carnal, proibira o comércio nefasto das<br />
informações espirituais.” (90)<br />
(89) LUCAS, 9:28 a 36<br />
(90) FERNANDO PINHEIRO – in A Sarça Ardente, p. 61 – Folha<br />
Carioca – 1988 – Rio de Janeiro – RJ – Prêmio Nacional de<br />
Livros Publica<strong>do</strong>s concedi<strong>do</strong> pela AICLAF – RJ.
185 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
“A transfiguração <strong>do</strong> Mestre ama<strong>do</strong> é apreciada<br />
pelas religiões como o ponto culminante de ascese<br />
espiritual de que se tem notícia.<br />
(...)<br />
Somente aqueles que já possuíam a mediunidade<br />
santificada pelo amor puderam presenciar o diálogo<br />
que <strong>Jesus</strong> manteve com os chama<strong>do</strong>s mortos,<br />
veneráveis pais da raça judia, Moisés e Elias.<br />
Até quan<strong>do</strong> o planeta terá difama<strong>do</strong>res<br />
condenan<strong>do</strong> o exemplo e a aprovação da comunicação<br />
<strong>do</strong>s espíritos revelada pelo conhece<strong>do</strong>r de todas as<br />
causas?<br />
Quem poderá deter o pensamento que sai <strong>do</strong><br />
espírito, tanto na esfera espiritual, onde se encontra<br />
livre, ou preso pelas vibrações reduzidíssimas da<br />
matéria carnal?<br />
(...)<br />
Quan<strong>do</strong> o homem colocar amor em seu coração,<br />
verá que os fenômenos conti<strong>do</strong>s na Natureza são<br />
sábios de uma sabe<strong>do</strong>ria superior à sua e não<br />
haverá mais razão para menosprezar o que está à<br />
sua volta.” (91)<br />
<br />
(91) FERNANDO PINHEIRO – in A Sarça Ardente, p. 61 – Idem, idem.
FERNANDO PINHEIRO - 186<br />
Com as palavras “devemos redescobrir o<br />
profun<strong>do</strong> misticismo conti<strong>do</strong> na simplicidade desta oração,<br />
cara à tradição popular”, (92) o Papa João Paulo II, ao<br />
completar 24 anos de pontifica<strong>do</strong>, assinou, em 16/10/2002,<br />
a carta apostólica Rosarium Virginis Mariæ em que expõe<br />
as mudanças no rosário. Dentre os mistérios de <strong>luz</strong><br />
(eventos), incluí<strong>do</strong>s no <strong>do</strong>cumento, figura a transfiguração<br />
de <strong>Jesus</strong>.<br />
O fenômeno de beleza espiritual em que se<br />
des<strong>do</strong>bra a cena <strong>do</strong> Tabor vivida por <strong>Jesus</strong>, Moisés e<br />
Elias, acompanha<strong>do</strong>s de alguns discípulos, põe fim a<br />
interdição que proibira o intercâmbio com os chama<strong>do</strong>s<br />
“mortos”. O próprio autor da interdição, Moisés, viera, em<br />
corpo espiritual, revogá-la. <strong>Jesus</strong> preside a solenidade em<br />
que é sugeri<strong>do</strong> pelos apóstolos fazer três tendas: “uma<br />
para ele, uma para Moisés e outra para Elias”.<br />
Antes da prece de agradecimento ao Senhor<br />
<strong>Jesus</strong>, ao final da palestra em torno da Depressão,<br />
realizada na UERJ, em agosto/2003, onde se concentrou<br />
uma multidão de pessoas, o renoma<strong>do</strong> tribuno Dival<strong>do</strong><br />
Pereira Franco, na visão kardecista, destacou os benefícios<br />
salutares que advém da comunicação com os espíritos<br />
de <strong>luz</strong>, e concluiu: “No monte Tabor ocorreu a primeira<br />
sessão espírita”. (93)<br />
(92) Jornal O Globo, Caderno O Mun<strong>do</strong> – p. 35 – edição de 17 de<br />
outubro de 2002.<br />
(93) DIVALDO PEREIRA FRANCO – in Palestra proferida, em<br />
8/8/2003, na Concha Acústica da UERJ – Rio de Janeiro – RJ.
187 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Com poder evocativo às passagens bíblicas e<br />
às belas imagens da natureza, o poeta Fagundes Varela,<br />
no Canto IV, <strong>do</strong> poema Anchieta ou O Evangelho nas Selvas,<br />
narra a cena <strong>do</strong> Monte Tabor:<br />
“A lua desvendada, e mais formosa<br />
Do que o nácar marinho, o céu percorre,<br />
Como um cisne alvejante em manso lago.<br />
Sobre o tapiz da relva, sonolentos,<br />
Os companheiros de <strong>Jesus</strong> descansam;<br />
A poucos passos, entre verdes balsas,<br />
Ora e medita o Mestre. Longas horas<br />
De silêncio e terror sobre eles passam.<br />
– Irmãos, diz um, baixinho, – por ventura,<br />
Dorme o Senhor? – Talvez, outro responde.<br />
– Vejamos, fala Pedro, os outros chama,<br />
Erguem-se e cautelosos se aproximam<br />
Do perfuma<strong>do</strong>, verdejante abrigo:<br />
Mas, ofusca<strong>do</strong>s param, débil grito<br />
Em seus lábios fenece; apavora<strong>do</strong>s,<br />
Uns contra os outros cerram-se, tremen<strong>do</strong>...<br />
Que viva <strong>luz</strong> feriu-lhes as retinas?<br />
Que flamejante gládio ergueu-se à frente<br />
Dos servos <strong>do</strong> Senhor? Que ferro em brasa<br />
Lhes roçou pelas carnes? Pobres seres!<br />
É que o meigo <strong>Jesus</strong>, o lhano amigo,<br />
O modesto e singelo companheiro,<br />
Pela primeira vez se revelava<br />
Em toda a glória da divina essência!...<br />
Oh! não há duvidar! É ele o Cristo!<br />
Mas seu corpo, seu rosto, os belos olhos,<br />
O sorriso, a expressão, não são terrestres!<br />
Da humanidade o sangue não anima<br />
Aquelas formas lúcidas, etéreas,
FERNANDO PINHEIRO - 188<br />
Onde a celeste perfeição fulgura,<br />
Não à corpórea vista, mas à vista<br />
Sublime da razão!... Loucos poetas!<br />
De límpi<strong>do</strong> cristal, de neve fúlgida,<br />
À <strong>luz</strong> <strong>do</strong> sol nascente refletin<strong>do</strong><br />
As pompas mil <strong>do</strong> primitivo mun<strong>do</strong>,<br />
Diríeis as brilhantes vestimentas;<br />
Diríeis, das mais nítidas estrelas,<br />
Nos primores <strong>do</strong> íris, semeadas,<br />
O resplen<strong>do</strong>r da fronte augusta!<br />
Fontes de <strong>luz</strong>, auroras <strong>do</strong> infinito,<br />
Oceanos de graças inefáveis,<br />
Seus olhares diríeis!... Vãs palavras!<br />
Frias imagens de precário sonho!<br />
Afadigoso esforço!... Aves da terra,<br />
Águias das brenhas, rasgareis o espaço,<br />
E o sol contemplareis na imensidade;<br />
Copiareis <strong>do</strong> prisma as lindas cores;<br />
Da aurora boreal a refulgência<br />
A vossos quadros passareis; <strong>do</strong>s astros<br />
Dareis a claridade a vossas obras...<br />
Mas a grandeza <strong>do</strong> Senhor... Loucura!...<br />
– Aos pés <strong>do</strong> Senhor, em áurea nuvem,<br />
Mais leda que o arrebol da madrugada<br />
Os páramos polares clarean<strong>do</strong>,<br />
À dextra, humilde e majestoso a um tempo,<br />
O nobre vulto de Moisés descansa,<br />
Como outrora no cimo da montanha,<br />
Sobre as tábuas da lei, ouvin<strong>do</strong> o Eterno;<br />
À sinistra, o colosso <strong>do</strong>s profetas,<br />
O espanto de Israel, grave e severo,<br />
Como em seu ígneo carro triunfante,
189 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Repousa o ilustre e veneran<strong>do</strong> Elias!...<br />
Uma <strong>luz</strong> implacável tu<strong>do</strong> envolve.<br />
Qual imenso bulcão, em cujo bojo<br />
Ruge e circula a férvida matéria<br />
Donde procede o raio, a terra treme,<br />
E funda, e surdamente, brama e ronca!<br />
– O espírito de Deus abala o espaço.<br />
XXVIII<br />
Os companheiros de <strong>Jesus</strong> recuam,<br />
Voltam os olhos, nada mais enxergam!<br />
Possuí<strong>do</strong>s de me<strong>do</strong>, e refletin<strong>do</strong><br />
Que a cegueira os tocara, ao chão se arrojam,<br />
E nas úmidas mãos o rosto ocultam.<br />
Quais infantes que sonham, quais enfermos<br />
Cujo cérebro vário a febre escalda,<br />
Soltam palavras ermas de senti<strong>do</strong>,<br />
Assim falam na relva debruça<strong>do</strong>s:<br />
– Senhor! Senhor! contigo ficaremos!<br />
Exclama o velho Pedro, – cumpre agora<br />
Levantarmos três tendas que protejam<br />
A vós, a Elias e a Moisés!...<br />
Apenas<br />
Estas estultas expressões dissera,<br />
Que uma voz me<strong>do</strong>nha se des<strong>do</strong>bra<br />
Tu<strong>do</strong> envolven<strong>do</strong> no trevoso seio,<br />
E da nuvem terrífica rebenta<br />
Um bra<strong>do</strong> atroa<strong>do</strong>r: – Este é meu Filho<br />
Ama<strong>do</strong> e predileto, hei posto n´Ele<br />
Toda a minha infinita complacência!...<br />
– Erguem-se então os trêmulos amigos:
FERNANDO PINHEIRO - 190<br />
Mas <strong>Jesus</strong> está só, e tu<strong>do</strong> é fin<strong>do</strong>.” (94)<br />
Nos versos de Fagundes Varela, revelan<strong>do</strong> poder<br />
evocativo às passagens evangélicas, vale meditar na beleza<br />
transcendente que veio da oração de <strong>Jesus</strong>, no monte<br />
Tabor:<br />
“À <strong>luz</strong> <strong>do</strong> sol nascente refletin<strong>do</strong><br />
As pompas mil <strong>do</strong> primitivo mun<strong>do</strong>,<br />
Diríeis as brilhantes vestimentas;<br />
Diríeis, das mais nítidas estrelas,<br />
Nos primores <strong>do</strong> íris, semeadas,<br />
O resplen<strong>do</strong>r da fronte augusta!<br />
Fontes de <strong>luz</strong>, auroras <strong>do</strong> infinito,<br />
Oceanos de graças inefáveis, ” (95)<br />
(94 e 95) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto III – Capítulo XXXI, XXXII – pp. 110, 111 –<br />
Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia<br />
Brasileira de Letras.
191 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
29<br />
LÁZARO<br />
Picture: Raising Lazarus by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />
A ansiedade tomara conta daqueles corações.<br />
Havia sempre a indagação <strong>do</strong> motivo por que ele se<br />
demorava tanto a atender ao pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s amigos.<br />
O mensageiro voltou sem ele, apenas confiante<br />
na expressão de seu rosto sereno e tranquilo.<br />
Dois dias após o comunica<strong>do</strong> <strong>do</strong> convite, o<br />
Mestre deman<strong>do</strong>u à Betânia, próximo a Jerusalém,<br />
onde Lázaro estava inuma<strong>do</strong>.<br />
Quan<strong>do</strong> ele chegou, Marta e Maria, as irmãs<br />
de Lázaro, aflitas, lamentaram-se, em copioso pranto, da<br />
ausência de <strong>Jesus</strong>, aludin<strong>do</strong> que se ele lá estivesse o<br />
fato não teria ocorri<strong>do</strong>.
FERNANDO PINHEIRO - 192<br />
O Mestre consolou-as dizen<strong>do</strong> que Lázaro<br />
apenas <strong>do</strong>rmia e logo despertaria.<br />
A letargia era de longo porte, passa<strong>do</strong>s quatro<br />
dias sem qualquer sinal de vida aparente. Fez-se uma<br />
pausa. Marta, sempre ocupada nos afazeres <strong>do</strong>mésticos,<br />
agora receben<strong>do</strong> as con<strong>do</strong>lências de parentes das cidades<br />
vizinhas, voltou à presença <strong>do</strong> Mestre. Reuni<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s<br />
os familiares, <strong>Jesus</strong> disse-lhes que se cressem, veriam a<br />
glória de Deus.<br />
No momento de uma pausa à reflexão da<br />
gravidade <strong>do</strong> acontecimento, o Mestre se dispõe a um<br />
gesto de meditação e expressou: “Pai, graças te <strong>do</strong>u<br />
porque me ouviste. Eu sei que sempre me ouves, mas<br />
eu disse isso por causa da multidão que me rodeia,<br />
para que creiam que tu me enviaste”. (96)<br />
A seguir, volven<strong>do</strong> o olhar para Lázaro, na arca<br />
mortuária, disse: “levanta-te e anda”. Impulsiona<strong>do</strong> pelo<br />
magnetismo salutar, Lázaro desataviou-se das ataduras<br />
que cingiam seu corpo, começou a andar, em obediência<br />
às palavras recebidas. Diante <strong>do</strong>s fatos consuma<strong>do</strong>s,<br />
permaneceram na memória de to<strong>do</strong>s ali presentes as<br />
palavras pronunciadas por <strong>Jesus</strong>: “Eu sou a ressurreição<br />
e a vida. Quem crê em mim, ainda que esteja morto,<br />
viverá”. (97)<br />
(96 e 97) LUCAS, 11:41 e 42
193 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
A versão poética de Fagundes Varela, inspirada<br />
na Bíblia, narra os acontecimentos em Betânia, onde<br />
Lázaro <strong>do</strong>rmia e não sonhava:<br />
“Ora, depois <strong>do</strong>s fatos menciona<strong>do</strong>s<br />
No último serão, fatos sublimes<br />
Que eternos viverão no pensamento<br />
Das gerações remidas no batismo,<br />
Persegui<strong>do</strong> o Senhor pelos tiranos<br />
Retira-se a Betânia, aldeia humilde,<br />
Onde Marta e Maria aflitas choram<br />
Junto <strong>do</strong> pobre irmão, Lázaro, enfermo,<br />
Do mal terrível que tomou seu nome.<br />
Saben<strong>do</strong> que <strong>Jesus</strong> próximo estava,<br />
Mandam logo avisar-lhe as infelizes:<br />
– Teu amigo perece, vem salvá-lo!<br />
Amava Cristo o cândi<strong>do</strong> mancebo.<br />
Sócio de infância, ingênuo companheiro<br />
De seus belos serões da mocidade.<br />
Se, Mestre, havia eleito outros discípulos<br />
Para a grande missão, nos seios d´alma<br />
A lembrança de Lázaro guardava<br />
Como um favo de mel, como um perfume,<br />
Ou como um talismã que o viandante<br />
Guarda zeloso em ásperos desertos.<br />
(...)<br />
Já quatro dias decorri<strong>do</strong>s haviam<br />
Que Lázaro cerrara os olhos baços,<br />
Quan<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong> chegou. Cheia inda estava<br />
A pobre habitação fechada e muda<br />
De lembranças <strong>do</strong> morto: o frio leito<br />
Inda guardava as formas de seu corpo,
FERNANDO PINHEIRO - 194<br />
Inda tingia as velhas coberturas<br />
O sangue <strong>do</strong>s tumores lacera<strong>do</strong>s.<br />
As sandálias no chão, no canto as roupas,<br />
O no<strong>do</strong>so bordão, e os utensílios<br />
Do trabalho usual no mesmo banco,<br />
Onde os deixara à noite derradeira,<br />
Tu<strong>do</strong> falava <strong>do</strong> infeliz mancebo!<br />
V<br />
Como o clarão de solitária estrela<br />
Entre os feios bulcões da tempestade<br />
Consola os transvia<strong>do</strong>s navegantes<br />
Na vastidão <strong>do</strong>s mares ominosos<br />
O <strong>do</strong>ce aspecto <strong>do</strong> divino Mestre<br />
Reanimou as decaídas frontes<br />
Das lacrimosas, pálidas mulheres.<br />
– Ah! se aqui fôras, dizem suspiran<strong>do</strong>,<br />
Não fenecera nosso irmão tão ce<strong>do</strong>,<br />
Teu amigo, Senhor! Mas tu<strong>do</strong> podes,<br />
O que a teu Pai pedires será feito! –<br />
– Não vos entristeçais, – respondeu Cristo,<br />
Ele há de ressurgir. – No fim <strong>do</strong>s tempos,<br />
No dia horren<strong>do</strong> <strong>do</strong> juízo eterno,<br />
Meu Deus, eu bem o sei! – Maria exclama.<br />
– Sou a ressurreição, a excelsa glória,<br />
Prossegue o Salva<strong>do</strong>r, – fonte da vida,<br />
Quem ouve minha voz, sepulto, embora,<br />
Triunfará da morte; o que respira,<br />
E sente, e pensa, e crê, durma tranquilo,<br />
Jamais perecerá! – Onde puseste<br />
O frio corpo desse pobre amigo? –<br />
– Vem, e verás, responde a ingênua Marta.<br />
Depois, chaman<strong>do</strong> a irmã silenciosa,
195 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Guia o Senhor ao túmulo de Lázaro,<br />
Negro jazigo entre roche<strong>do</strong>s fun<strong>do</strong>s.<br />
V<br />
Nas nuvens inflamadas <strong>do</strong> Ocidente<br />
Mergulha-se o sol, – quente era a terra,<br />
E os píncaros <strong>do</strong>s montes escabrosos,<br />
E as grimpas <strong>do</strong>s salgueiros e ciprestes,<br />
Ao purpúreo clarão <strong>do</strong> céu <strong>do</strong> estio<br />
Pareciam de sangue borrifa<strong>do</strong>s.<br />
Um longínquo trovão, rouco, sinistro,<br />
Tre<strong>do</strong> como o bramir das grandes onças<br />
Nas amplas furnas de fragosas serras,<br />
Soava nas extremas <strong>do</strong> horizonte.<br />
Nem uma leve aragem pelos campos!<br />
Nem o piar de um pássaro nas frondes<br />
Dos bastos olivais! Nem o bali<strong>do</strong><br />
De uma ovelha medrosa nos outeiros!...<br />
Então Marta parou mostran<strong>do</strong> a gruta<br />
Onde jazia o irmão: – Eis o sepulcro,<br />
Senhor, de vosso amigo! – Ardente pranto<br />
Corria-lhe <strong>do</strong>s olhos; – Arredada,<br />
Maria soluçava entre os arbustos.<br />
Bem no fun<strong>do</strong> da lapa cavernosa,<br />
Frio abrigo das aves agoureiras,<br />
Avultava entre lúgubres roche<strong>do</strong>s<br />
O túmulo de Lázaro. Na sombra,<br />
Como um gênio cativo, murmurava<br />
Oculto veio d´água; sobre a lousa<br />
Cruzava-se agitan<strong>do</strong> as asas frouxas<br />
Um turbilhão de estriges e morcegos,<br />
Híbri<strong>do</strong>s filhos <strong>do</strong>s trevosos antros,<br />
De la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> esverdeadas penhas,
FERNANDO PINHEIRO - 196<br />
Broncos pedaços de granito escuro<br />
Alongava-se, rudes, como os <strong>do</strong>rsos<br />
De feios crocodilos que guardassem<br />
Furna de pavorosos malefícios.<br />
VII<br />
Porém, a vasta cúpula celeste<br />
Momentos antes abrasada forja,<br />
De pesada caligem se cobria;<br />
Rijas lufadas <strong>do</strong>s raivosos ventos<br />
Sibilavam das bandas <strong>do</strong> Mar-Morto,<br />
Despin<strong>do</strong> os arvore<strong>do</strong>s seculares,<br />
Nuvens de areia erguen<strong>do</strong> pelo espaço.<br />
Deteve-se <strong>Jesus</strong>, volveu os olhos<br />
Para a grosseira pedra que encerrava<br />
Quem tanto amara neste ingrato mun<strong>do</strong>;<br />
Abaixou, suspiran<strong>do</strong>, a fronte augusta,<br />
Inclinou-se e chorou. – Surpreendi<strong>do</strong>s,<br />
Viram correr seus fátuos companheiros<br />
No belo rosto as lágrimas divinas.<br />
Pérolas <strong>do</strong> sacrário da amizade,<br />
Que no reino <strong>do</strong>s céus, fúlgidas brilham<br />
Na coroa imortal <strong>do</strong> pobre Lázaro!<br />
(...)<br />
– Vêde o quanto o prezava o grande Mestre! –<br />
O povo murmurou. – Erguei a lousa!<br />
Erguei a lousa que seus restos cobre! –<br />
Ordena o Senhor aos circunstantes.<br />
Numerosos então, – erguei eu man<strong>do</strong>! –<br />
– Senhor!... já quatro dias decorreram<br />
Depois que faleceu, féti<strong>do</strong> cheiro,<br />
Cheiro de podridão exala o corpo,<br />
Talvez coberto de asquerosos vermes!
197 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Deixa que se consuma! – disse Marta.<br />
– Não duvides, mulher, a fé sincera,<br />
Abre <strong>do</strong> céu as portas luminosas!<br />
Eia, vós outros, levantai a lousa! –<br />
Com soberano gesto ordena o Mestre.<br />
Num volver d´olhos, a pesada pedra,<br />
Rangen<strong>do</strong> sobre as bordas <strong>do</strong> sepulcro,<br />
Descia ao chão da gruta funerária,<br />
E à <strong>luz</strong> vermelha de fumoso archote<br />
Que Maria acendera, muda, horrenda,<br />
Como a garganta de tartáreo monstro,<br />
Cheia de sangue e de polutas carnes,<br />
Mostrou a tumba escancaradas fauces!...<br />
A seu eterno Pai volveu-se Cristo<br />
Neste instante solene: – Padre, Padre<br />
Por me haveres ouvi<strong>do</strong> eu te <strong>do</strong>u graças!... –<br />
Depois, erguen<strong>do</strong> a mão sobre o sepulcro,<br />
Essa mão invisível que aplacava<br />
As convulsões <strong>do</strong> mar, <strong>do</strong> céu as iras,<br />
Resoluto bra<strong>do</strong>u: – Ergue-te, Lázaro! –<br />
Abalaram-se os rígi<strong>do</strong>s pene<strong>do</strong>s<br />
Com terrível fragor! O chão lo<strong>do</strong>so,<br />
Talvez movi<strong>do</strong> por secreta chama,<br />
Tremen<strong>do</strong> se fendeu! Correu nos ares<br />
Uma listra de fogo, e à <strong>luz</strong> sulfúrea<br />
Que rápida aclarou a funda gruta,<br />
Viu a gente mover-se o branco espectro<br />
Do desgraça<strong>do</strong> moço de Betânia,<br />
Firmar as mãos nas bordas da jazida,<br />
Sacudir o sudário, abrir os olhos,<br />
E entrar de novo na mansão <strong>do</strong>s vivos!...<br />
Como negar a esplêndida verdade?
FERNANDO PINHEIRO - 198<br />
Rejeitar o prodígio? O povo humilde<br />
Sentir passar o hálito <strong>do</strong> Eterno<br />
Por aqueles roche<strong>do</strong>s, prosternou-se<br />
Aos pés de Deus que os mortos animava,<br />
Bendisse a Cristo, a aurora <strong>do</strong> Evangelho.” (98)<br />
<br />
Ao recordar o clima de aflição em que estavam<br />
mergulhadas as irmãs Marta e Maria, pensamos que a<br />
mudança <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de vigília para o de sono letárgico<br />
preocupa muitas pessoas, até hoje em dia. O esta<strong>do</strong><br />
de coma é realmente preocupante.<br />
Nas horas da incerteza, o homem fica aflito,<br />
sem saber agir, de imediato. Ele vai aguardan<strong>do</strong> os<br />
fatos esclarece<strong>do</strong>res que lhe clareiam a visão. Essa<br />
espera flutua na oscilação <strong>do</strong> seu equilíbrio, diminuin<strong>do</strong><br />
sempre nos momentos em que oscila para a fase oculta.<br />
É preciso saber confiar nas leis <strong>do</strong> equilíbrio<br />
que nos envolvem como os ventos das montanhas<br />
suavizan<strong>do</strong> os vales, como também os ventos que<br />
passam pelas flores trazen<strong>do</strong> o perfume.<br />
(98) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto VI – Capítulo III, IV, VII – pp. 188, 191, 194,<br />
195, 196 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo:<br />
Academia Brasileira de Letras.
199 – JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Tu<strong>do</strong> se agita. A vida está presente em tu<strong>do</strong>.<br />
Desde os elementos microssômicos até os infinitos<br />
corpos celestes, há o júbilo <strong>do</strong> existir, sem interrupção<br />
alguma. Por que haveria o homem, que já vislumbra<br />
a sua realidade imortal, ficar deti<strong>do</strong> diante <strong>do</strong>s<br />
acontecimentos que lhe servem de aprimoramento?<br />
A cada dia, vemos fatos alteran<strong>do</strong> as condições<br />
de vida <strong>do</strong> homem. Parece <strong>do</strong>lorosa a perda de algo,<br />
mas terá a certeza de tu<strong>do</strong> que lhe convém? Isto<br />
somente é possível se houver uma ligação com os<br />
níveis superiores de consciência que são canais onde a<br />
sabe<strong>do</strong>ria se manifesta explican<strong>do</strong> as causas.<br />
O segre<strong>do</strong> de viver bem é aceitar a vida em<br />
tu<strong>do</strong> aquilo que ela se nos apresenta. Agradável ou<br />
desagradável são circunstâncias que têm valor. Uma<br />
denota algo completo, a outra algo por completar.<br />
O nosso roteiro de vida é o fluxo <strong>do</strong>s<br />
acontecimentos que nos dizem respeito. Que adianta lutar<br />
contra a vida que elaboramos com os pensamentos!<br />
Quem pode deter o tempo que traz situações inexoráveis<br />
que teremos de passar?<br />
A revolta, a reclamação, comuns nos dias que<br />
vão fican<strong>do</strong> para trás, denota o desconhecimento daquilo<br />
que nos pertence, pois a vida nos responde aos apelos,<br />
nas situações exatas <strong>do</strong> que somos e temos conosco.<br />
Não adianta se revoltar contra os ventos que<br />
espalham o fogo, as águas das chuvas e <strong>do</strong>s rios que<br />
alagam cidades, povoa<strong>do</strong>s e vegetação.<br />
Se o homem tivesse o conhecimento da<br />
realidade da vida, não teria desencantos, simplesmente<br />
a aceitaria sem palavras de inconformação.
FERNANDO PINHEIRO - 200<br />
Quan<strong>do</strong> se critica o efeito, sem conhecer a<br />
causa, há uma perda de oportunidade de refazimento<br />
interior que seria capaz de mudar a situação<br />
aparentemente desagradável.<br />
Enquanto isso, o homem vagará, de obstáculo<br />
em obstáculo, à procura de sua riqueza maior, a única<br />
que lhe dá certeza de que não se afligirá diante <strong>do</strong>s fatos<br />
conturba<strong>do</strong>s.<br />
Se o nascimento no plano físico é <strong>do</strong>loroso, o<br />
nascimento para o mun<strong>do</strong> interno é ainda maior, pois a<br />
ilusão das aparências o agarra com to<strong>do</strong>s os tentáculos<br />
de um prazer que, mais tarde, reconhecerá fugaz, pois<br />
não estará mais em suas mãos, deixan<strong>do</strong> nele traços de<br />
desolação.<br />
Diante de um clima de revolta e inconformação,<br />
deixa<strong>do</strong> por pessoas que passam por nós, não devemos<br />
temer mal algum. As situações que criaram, num<br />
momento de descrença, são ondas se desmanchan<strong>do</strong><br />
em véus de espuma.<br />
Devemos agradecer tu<strong>do</strong> a Deus e muito cuida<strong>do</strong><br />
com o que pedimos, pois os apelos puramente transitórios<br />
podem ser converti<strong>do</strong>s em situações que iremos, mais<br />
tarde, reclamar, pon<strong>do</strong> culpas no Governo, no vizinho<br />
ou nos amores que nos levam à paixão ou à decepção.<br />
Confiemos no nosso trabalho de ligação com<br />
os ideais superiores da vida, a fim de que, em pouco<br />
tempo, possamos apreciar nas montanhas as lutas <strong>do</strong>s<br />
caminhantes <strong>do</strong> vale.
201 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Surge a reflexão agora ou nunca.<br />
A agitação se expressa nas mudanças. A vontade<br />
de ver e sentir novos rumos vem forte como os ventos<br />
da tempestade.<br />
As coisas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> se desgastam e se anulam<br />
diante das forças que surgem modifican<strong>do</strong> caminhos. É<br />
a transmutação <strong>do</strong>s tempos – reflexos que se vestem<br />
de novas roupagens.<br />
A vida é sempre única, embora suas<br />
manifestações tenham uma variedade infinita de<br />
concepções. Risos e <strong>do</strong>res, ternura e aridez de sentimentos<br />
se misturam renovan<strong>do</strong> paisagens íntimas.<br />
Quantas vezes, embalada pela emoções, a<br />
criatura humana aguarda e anseia aquilo que vem<br />
completar seus sonhos? Não lhe será surpresa a chegada<br />
da claridade que dissipará o orvalho das madrugadas.<br />
Mas o crescimento das formas e conteú<strong>do</strong>s<br />
necessita de um tempo adequa<strong>do</strong>. Por mais sublimes<br />
que sejam os sonhos, sem a hora de chegada<br />
permanecem em suas nascentes sagradas.<br />
Este é o segre<strong>do</strong> <strong>do</strong>s sábios que se sacrificavam<br />
diante de multidão de pessoas ansiosas por mudanças<br />
imediatas, sem observar a perenidade <strong>do</strong>s ideais. O Monte<br />
das Oliveiras foi o cenário mais comovente <strong>do</strong> silêncio.<br />
A agitação humana crepita sem cessar, como se<br />
fosse um enxame de abelhas ao re<strong>do</strong>r da flor. To<strong>do</strong>s<br />
querem se alimentar para produzirem o mel. É natural.<br />
Diante de tantas necessidades no campo <strong>do</strong><br />
sentimento, o homem busca aproveitar a hora no meio da<br />
agitação coletiva que se espalha em to<strong>do</strong>s os lugares.
FERNANDO PINHEIRO - 202<br />
Não há tempo a perder, o momento é agora ou nunca.<br />
Quan<strong>do</strong> surge a oportunidade para completar os<br />
planos de grandeza transcendental, ele coloca acima de<br />
tu<strong>do</strong> seus esforços sem medir sacrifícios.<br />
É por isso que vemos em muitos lugares<br />
as causas nobres defendidas por pessoas que passam<br />
influenciadas pela agitação humana. Mas, no íntimo,<br />
possuem a placidez <strong>do</strong>s oceanos em tempo de calmaria.<br />
Há uma atmosfera de convite pairan<strong>do</strong> no ar.<br />
Quem pode ajudar esta humanidade ameaçada pela<br />
destruição de valores? Os ensinamentos das religiões<br />
nascidas <strong>do</strong> amor são importantes.<br />
O convite é coletivo. To<strong>do</strong>s podem entrar na luta<br />
de recomposição daquilo que está sen<strong>do</strong> destruí<strong>do</strong>: os<br />
rios, os mares, as matas, a camada solar e o próprio<br />
reino humano onde pessoas adquirem aspectos de animais<br />
selvagens.<br />
E o amor? As galáxias se movem em círculos<br />
matemáticos espalhan<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>s que se agitam na beleza<br />
da forma e <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> desconheci<strong>do</strong>s pelo homem.<br />
Há uma combinação de elementos que formam reinos<br />
infinitos que se interligam em escalas evolutivas atestan<strong>do</strong><br />
o crescimento da vida.<br />
Mas o homem, cego em sua cultura sem amor,<br />
não percebe a necessidade de se harmonizar com os<br />
outros reinos da Criação.<br />
Mesmo in<strong>do</strong> e voltan<strong>do</strong> para refazer caminhos,<br />
ele necessita acompanhar, neste final de ciclo planetário,<br />
que se estende nos albores <strong>do</strong> século XXI, o ritmo que<br />
vem das estrelas, senti<strong>do</strong> pela mulher hemorroíssa ao
203 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
tocar a túnica inconsútil e pelo próprio Lázaro, a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong><br />
nas amarras mumificadas, depois acorda<strong>do</strong>, a fim de<br />
entender a realidade transcendente que a to<strong>do</strong>s envolve.<br />
Permaneçamos sempre atentos à mensagem<br />
inspira<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> amor revela<strong>do</strong> por <strong>Jesus</strong>, a fim de que<br />
possamos ter vida, além da vida perecível da matéria,<br />
cheia de irradiações luminosas que possam iluminar os<br />
passos daqueles que nos pedem ajuda.
30<br />
A MOEDA DE CÉSAR<br />
FERNANDO PINHEIRO - 204<br />
O Canto VI da obra Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas, de Fagundes Varella, elucida a questão monetária:<br />
“E ensinan<strong>do</strong> a brandura e a caridade,<br />
O Salva<strong>do</strong>r caminha entre verdugos!<br />
– Mestre, consulta um saduceu, conheço<br />
Que és sábio, verdadeiro, pio e reto.<br />
Que da virtude desbravais as trilhas<br />
Sem calcular futuras consequências;<br />
Dizei-me: – é justo que pague a César<br />
O tributo exigi<strong>do</strong>? – Ora, pensava<br />
O fariseu astuto, ei-lo venci<strong>do</strong>:<br />
Se assevera que não, ao rei ofende;<br />
Se assevera que sim, o povo irrita! –<br />
O Salva<strong>do</strong>r sorriu, ven<strong>do</strong> a malícia<br />
Desta cruel proposta, – refalsada,<br />
Trai<strong>do</strong>ra como a faca de <strong>do</strong>is gumes.
205 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
– Hipócrita! – exclamou, por me tentas?<br />
Deixa–me ver a moeda <strong>do</strong> tributo! –<br />
Então mostrou-lhe o pérfi<strong>do</strong> um dinheiro<br />
Onde a efígie de César ressaltava.<br />
<strong>Jesus</strong> leu a inscrição e erguen<strong>do</strong> os olhos,<br />
Severo perguntou: – Quem representa<br />
Esta imagem que vejo? – César, Mestre. –<br />
– Pois bem, o que é de César, daí a César,<br />
E a Deus o que é de Deus! – Esta resposta<br />
Encheu de confusão quan<strong>do</strong> a ouviram;<br />
Calou-se o fariseu. – Mas era o dia<br />
Do jogo vil da astúcia e da maldade.” (99)<br />
Na praça pública havia um canteiro de rosas<br />
onde o perfume envolvia a to<strong>do</strong>s os transeuntes. A pressa<br />
no caminhar não permitia que eles o desfrutassem.<br />
Sentiam algo renova<strong>do</strong>r no ar e seguiam em busca de<br />
outros lugares, preocupa<strong>do</strong>s com os problemas materiais.<br />
Nas profecias, gravadas nos rolos sagra<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
templo, estava escrito que o espera<strong>do</strong> Messias não<br />
discutirá em praça pública (“...Não contenderá, nem<br />
clamará.”) (100) Era costume daquela época, como nos<br />
tempos da Grécia pré-socrática, na ágora, os conten<strong>do</strong>res<br />
falarem alto para ganharem a causa.<br />
(99) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto VI – Capítulo III, IV, VII – pp. 188, 191,<br />
194, 195, 196 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro –<br />
Acervo: Academia Brasileira de Letras.<br />
(100) ISAÍAS, 42:2
FERNANDO PINHEIRO - 206<br />
Os ventos que sopravam o aroma das rosas<br />
se espalhavam pelas ruas, pelas casas e alcançavam<br />
sutilmente o palácio de Pilatos que ouvira falar das<br />
notícias de um homem que atraía a atenção <strong>do</strong> povo.<br />
Envolvi<strong>do</strong> por íntimas inquietações que<br />
transpareciam nos gestos trêmulos e precipita<strong>do</strong>s, na voz<br />
rouca e destoante, o representante de César chamou<br />
seus agentes secretos e os man<strong>do</strong>u à presença de <strong>Jesus</strong>.<br />
A ordem era taxativa: obter uma prova na qual o<br />
homem de Nazaré não seguia as leis e os costumes.<br />
Uma hora depois, no momento em que o Mestre<br />
ama<strong>do</strong> estava na praça cerca<strong>do</strong> de amigos e, confirman<strong>do</strong><br />
a profecia de Isaías, ele sorriu pacificamente e permitiu<br />
que os agentes secretos participassem da reunião.<br />
Num silêncio que permitiu os mensageiros<br />
ficarem à vontade, <strong>Jesus</strong> ouviu pacientemente, e com<br />
bondade, as palavras deles: “Mestre, bem sabemos que és<br />
verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus, segun<strong>do</strong> a<br />
verdade. E não dás preferência a ninguém, porque não<br />
consideras a aparência <strong>do</strong>s homens.” (101)<br />
Os olhos <strong>do</strong>s agentes secretos de Pilatos<br />
brilhavam à <strong>luz</strong> da manhã clara que se vestia de<br />
perfume das rosas. Na intimidade sentiam a vibração de<br />
paz que nunca tinham senti<strong>do</strong> antes.<br />
Os mercenários de César, embora negocian<strong>do</strong><br />
interesses que se converteriam em dinheiro, possuíam<br />
algum mérito, pois quem se aproxima de <strong>Jesus</strong> já recebe<br />
algo mais precioso que o aroma das flores das praças.<br />
(101) MATEUS, 22:16
207 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Então, eles satisfeitos por serem acolhi<strong>do</strong>s,<br />
acrescentaram: “dize-nos, pois, que te parece? É lícito<br />
pagar tributo a César, ou não?”<br />
O divino Amigo, perceben<strong>do</strong> o que se passava<br />
além das aparências e atrain<strong>do</strong>-os ao seu reino de amor,<br />
disse-lhes: “mostrai-me a moeda <strong>do</strong> tributo.”<br />
Nas mãos <strong>do</strong>s fariseus estavam re<strong>luz</strong>in<strong>do</strong> um<br />
denário, moeda de prata de meia polegada de diâmetro,<br />
sobressain<strong>do</strong> uma figura humana coroada de louros,<br />
circunscrita com a legenda: Tiberius Cæsar. <strong>Jesus</strong>,<br />
perguntou-lhes: “De quem é esta efígie e inscrição?<br />
Responderam-lhe: De César.”<br />
O Mestre, reinan<strong>do</strong> no clima de confiança que<br />
envolvia a to<strong>do</strong>s, falou amorosamente, mas com energia<br />
na voz: “dai a César o que é de César e a Deus o que<br />
é de Deus.”<br />
<br />
Na transitoriedade de todas as coisas, buscamos<br />
aquilo que irá permanecer como lição. Tu<strong>do</strong> passa, os<br />
costumes de hoje que irão se modificar nas exigências<br />
de novos tempos, situações de instabilidade nas áreas<br />
pessoais, coletivas e até mesmo planetárias.<br />
No momento em que se fala tanto em dinheiro,<br />
numa agitação como nunca antes, o destino de um povo<br />
leva-nos a refletir sobre suas necessidades, pois vemos<br />
ainda a grande maioria das criaturas humanas ter uma<br />
preocupação descabida acerca <strong>do</strong>s problemas materiais.
FERNANDO PINHEIRO - 208<br />
Quan<strong>do</strong> vemos pessoas aflitas e inconformadas<br />
diante da realidade que lhes tirou alguns sonhos de<br />
consumo, emitimos pensamentos que possam lhes ajudar<br />
a encontrar forças para viver.<br />
Vêm-nos a idéia que cria fulgurações de beleza<br />
imperecível. Onde está o amor, o arco-íris, o perfume da<br />
flor, o beijo, a ternura da mulher, o sorriso da criança?<br />
To<strong>do</strong>s nós estamos envolvi<strong>do</strong>s com as<br />
oportunidades que nos possibilitam sorrir, distribuir ânimo<br />
e esperança àqueles que, no momento, estão muito<br />
preocupa<strong>do</strong>s com o destino de suas economias e aquisição<br />
de bens de consumo.<br />
Como tu<strong>do</strong> se interliga, a experiência deles vem<br />
enriquecer a nossa existência, assim como o soluço de<br />
uma criança entre os familiares e o suspiro de quem<br />
passou pelo perigo junto àqueles que o acompanham.<br />
Ninguém está só como também nenhum povo<br />
está entregue ao acaso. Há forças mentais de comunidades<br />
inteiras vibran<strong>do</strong> para que o clima de renovação se<br />
mantenha sobre aquilo que precisa ser renova<strong>do</strong>.<br />
Aliás, as forças vivas que se espalham na<br />
natureza, como as chuvas, os rios, as tempestades e os<br />
alvoreceres de <strong>luz</strong>, seguem subordinadas às condições<br />
que as fazem surgir.<br />
Assim são os homens, liga<strong>do</strong>s aos interesses de<br />
sua evolução, andam por caminhos que mudam de<br />
paisagens, ora amenas ora um pouco menos <strong>do</strong> que<br />
foram antes, mas todas importantes.<br />
Sem esquecermos <strong>do</strong> valor <strong>do</strong> dinheiro que<br />
mantém a nossa existência física, cultivemos os recursos<br />
que nos dão a estabilidade emocional.
209 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
31<br />
NOS CAMINHOS DE JERICÓ<br />
Jerusalém estava no roteiro de viagem. A<br />
manhã veio festiva em <strong>luz</strong> e cor. Os participantes das<br />
reuniões de estu<strong>do</strong> tinham pressa em relatar ao Mestre<br />
o fato ocorri<strong>do</strong>. To<strong>do</strong>s comungavam a mesma ideia.<br />
Senta<strong>do</strong> à beira de uma árvore, nos caminhos<br />
que serpenteavam as vizinhanças de Jericó, o Mestre<br />
estava olhan<strong>do</strong> as folhas cain<strong>do</strong> empurradas pelo vento<br />
em trajetória que ninguém poderia prever. Essas folhas<br />
têm muito a ver com os homens que seguem<br />
impulsiona<strong>do</strong>s pelas forças <strong>do</strong> destino que desconhecem.
FERNANDO PINHEIRO - 210<br />
O Mestre acompanhava serenamente to<strong>do</strong>s os<br />
gestos da natureza tão imperceptíveis pelos homens.<br />
Tu<strong>do</strong> tinha um valor grandioso: os ventos, as folhas,<br />
os homens, as forças que os impulsionam.<br />
No instante em que as folhas pararam diante de<br />
um pedacinho de arbusto, seus discípulos chegaram<br />
ansiosos para contar-lhe a novidade. À frente estava João:<br />
“Mestre, vimos um homem que em teu nome expulsava<br />
demônios, e nós lhe proibimos, porque não nos segue.”<br />
(102)<br />
A vibração de zelo desfigura<strong>do</strong>, que saiu da<br />
mente <strong>do</strong>s discípulos, dispersava-se ao atingir o campo<br />
magnético em que estava envolvi<strong>do</strong> o Mestre. Ainda<br />
liga<strong>do</strong> à lição de incomparável beleza que as folhas<br />
o despertavam, não quis alimentar a ideia de revolta<br />
<strong>do</strong>s seus discípulos.<br />
A ânsia deles era muito grande. Queriam uma<br />
resposta, de imediato. Sentin<strong>do</strong> o instante exato em que<br />
deveria se manifestar, <strong>Jesus</strong> disse: “Não lhe proibais.<br />
Ninguém há que faça milagre em meu nome, e logo a<br />
seguir possa falar mal de mim, pois quem não é contra<br />
nós, é por nós.” (103)<br />
Houve um momento de silêncio, de efeito<br />
profun<strong>do</strong>. Os discípulos compreenderam que não havia<br />
razão para chamar a atenção de um estranho que estava<br />
semean<strong>do</strong> a boa semente em gestos que desconheciam.<br />
(102 e 103) MARCOS, 9:38
211 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
A ânsia deles era muito grande. Queriam uma<br />
resposta, de imediato. Sentin<strong>do</strong> o instante exato em que<br />
deveria se manifestar, <strong>Jesus</strong> disse: “Não lhe proibais.<br />
Ninguém há que faça milagre em meu nome, e logo a<br />
seguir possa falar mal de mim, pois quem não é contra<br />
nós, é por nós.” (104)<br />
Houve um momento de silêncio, de efeito<br />
profun<strong>do</strong>. Os discípulos compreenderam que não havia<br />
razão para chamar a atenção de um estranho que estava<br />
semean<strong>do</strong> a boa semente em gestos que desconheciam.<br />
<br />
É preciso ter muito cuida<strong>do</strong> com as tarefas que<br />
nos são entregues pela vida, pois cada um possui um<br />
objetivo próprio sem ter a peculiaridade que trazemos<br />
conosco. É por isso que a diversidade <strong>do</strong>s <strong>do</strong>ns <strong>do</strong> Senhor<br />
<strong>do</strong> Destino são múltiplos, tão grande quanto a escala<br />
evolutiva.<br />
A trajetória das criaturas humanas é sempre<br />
impulsionada pela vontade divina que estabelece as<br />
condições peculiares para que os movimentos em direção<br />
<strong>do</strong> destino, onde seguem, não deixem de parar. Por isso,<br />
vemos que tu<strong>do</strong> é vida, tu<strong>do</strong> está em movimento, tu<strong>do</strong> é<br />
manifestação de beleza comovente.<br />
To<strong>do</strong>s os gestos que nos chegam são apelos para<br />
que a emoção <strong>do</strong> existir não pare. Se há colaboração<br />
voltada no bem em comum, não devemos ficar deti<strong>do</strong>s<br />
demoradamente analisan<strong>do</strong> as razões por que está sen<strong>do</strong><br />
realizada, pois o tempo corre rápi<strong>do</strong> como os ventos soltos<br />
à distância.<br />
(104) MARCOS, 9:39 e 40
32<br />
O DISCURSO PROFÉTICO<br />
FERNANDO PINHEIRO - 212<br />
Em frente <strong>do</strong> templo de Salomão, num ardente<br />
entardecer de Nisan, (105) estavam reuni<strong>do</strong>s os discípulos<br />
ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Mestre. Eles lhe mostraram as edificações<br />
imponentes onde a fé e a religiosidade eram representadas<br />
em cerimônias sagradas.<br />
Um olhar se projetou no futuro, estenden<strong>do</strong><br />
cenas que se desenrolariam naqueles recintos, e a voz<br />
dele foi ouvida por to<strong>do</strong>s: “em verdade vos digo que não<br />
ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada”.<br />
(106)<br />
(105) Mês <strong>do</strong> calendário judaico.<br />
(106) MATEUS, 24:1 e 2.
213 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
A respeito <strong>do</strong> cumprimento da profecia de<br />
<strong>Jesus</strong>, Amélia Rodrigues (Espírito) no livro Quan<strong>do</strong> voltar<br />
a Primavera, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco,<br />
comenta:<br />
“Jerusalém foi destruída por Tito, que a sitiou com<br />
um vallum de oito quilômetros de comprimento, coberto<br />
de bastiões, e impie<strong>do</strong>samente crucificou os sobreviventes,<br />
golpean<strong>do</strong> as mulheres, a quase to<strong>do</strong>s matan<strong>do</strong> de fome,<br />
no sítio <strong>do</strong>s cem dias, rasgan<strong>do</strong> o véu <strong>do</strong> templo e,<br />
derruban<strong>do</strong> pedra sobre pedra, fez cumprir a profecia...”<br />
(107)<br />
<br />
A caminho <strong>do</strong> Getsêmani, o silêncio se faz<br />
presente por alguns minutos e, em seguida, <strong>Jesus</strong> dá<br />
início ao comovente discurso profético de que nos falam os<br />
escritores da Boa Nova: “Que ninguém vos engane! ...<br />
Ficai vigilantes, a fim de que não sejais surpreendi<strong>do</strong>s.<br />
O dia e a hora ninguém sabe, só o Pai, nem o Filho....”<br />
(108)<br />
<br />
(107) AMÉLIA RODRIGUES – in Quan<strong>do</strong> voltar a Primavera, p. 147 –<br />
5ª edição, psicografa<strong>do</strong> por Dival<strong>do</strong> Pereira Franco – Livraria<br />
Espírita Alvorada Editora – 1998 – Salva<strong>do</strong>r – BA.<br />
(108) MARCOS, 13:1-31 MATEUS, 24:1-51 LUCAS, 21:5-33
FERNANDO PINHEIRO - 214<br />
Geração de vidas humanas que ainda não<br />
se libertou <strong>do</strong> ciclo de sofrimentos e <strong>do</strong>res, por ainda<br />
não entender a mensagem lúcida <strong>do</strong> Mestre <strong>Jesus</strong>, está<br />
ten<strong>do</strong> a última oportunidade para acompanhar a parcela<br />
da humanidade que aguarda as promessas evangélicas.<br />
A crise <strong>do</strong>s tempos atuais, que invade os lares,<br />
templos e organizações humanas, revela a fragilidade <strong>do</strong>s<br />
conceitos que se apoiam nos valores da transitoriedade.<br />
As palavras de <strong>Jesus</strong> eram pronunciadas com<br />
ternura e bondade para abafar a reação <strong>do</strong>s discípulos<br />
acerca <strong>do</strong>s acontecimentos futuros que se desenrolariam<br />
com a geração comprometida com as injunções <strong>do</strong> final<br />
<strong>do</strong>s ciclos <strong>do</strong> tempo, focalizada em duas alternativas:<br />
permanecer a fim de construir um mun<strong>do</strong> melhor, ou ir<br />
embora para nunca mais voltar para este hotel planetário<br />
que ganhará mais uma estrela. É dessa forma que<br />
hoje compreendemos o que seja a separação <strong>do</strong> joio e <strong>do</strong><br />
trigo. É uma linguagem endereçada a alma humana.<br />
Com a saída <strong>do</strong>s responsáveis pela crise que<br />
estiveram à frente na disseminação da incerteza e <strong>do</strong>s<br />
desencantos, divulga<strong>do</strong>s pelos meios de comunicação,<br />
teremos o prima<strong>do</strong> da primavera <strong>do</strong>s poetas, da revelação<br />
<strong>do</strong>s compositores e artistas que enaltecem a natureza,<br />
a harmonia, o respeito pela vida.<br />
A composição harmoniosa das palavras de <strong>Jesus</strong><br />
ganha uma entonação que lembram um conjunto de notas<br />
musicais ♪♫♫ soltas no ar (modulações na voz) – um<br />
aroma de perfume que o vento traz, a sensação <strong>do</strong><br />
paraíso, o sonho de nossa alma revela<strong>do</strong> à <strong>luz</strong> <strong>do</strong> dia.
215 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
O discurso profético prossegue em tom vibrante<br />
e comove<strong>do</strong>r: “quem estiver nos montes não volte à cidade<br />
e quem se encontrar nos telha<strong>do</strong>s não desça – não<br />
haverá tempo.”<br />
A vibração harmoniosa da voz <strong>do</strong> profeta<br />
derrama no coração de cada um <strong>do</strong>s participantes o<br />
esclarecimento: “a grande tribulação se iniciará, levan<strong>do</strong><br />
de roldão as mazelas e misérias humanas... O sol se<br />
escurecerá, antes as sombras se levantarão da Terra e<br />
a lua se banhará de sangue...” (...) “Passará o céu e<br />
a terra, mas as minhas palavras não passarão.”<br />
<br />
A profecia está atualizada. A sombra que se<br />
levanta da Terra é a poluição ameaçan<strong>do</strong> a camada de<br />
ozônio e a lua banhada de sangue é a destruição que<br />
está no plano mental <strong>do</strong>s conquista<strong>do</strong>res que espalham<br />
a guerra no espaço, nos desertos <strong>do</strong> Levante e <strong>do</strong><br />
Afeganistão, e nas terras da antiga Mesopotâmia, de<br />
tradição bélica. A profecia tem seus ciclos.<br />
Numa civilização que busca, por caminhos<br />
estranhos, o amor que está a caminho, apenas ressoa em<br />
nosso ser o canto da profecia: “não ficará pedra sobre<br />
pedra”. E nos escombros, a nova humanidade buscará<br />
a consciência lógica de Deus para recompor o seu<br />
verdadeiro perfil, o seu verdadeiro caminho.<br />
Os regimes de força, que anulam os direitos<br />
naturais <strong>do</strong> homem, serão bani<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong>s os sistemas<br />
sociais. A paz será conhecida em sua forma original<br />
como a pureza das águas das fontes.
FERNANDO PINHEIRO - 216<br />
O amor será a essência primordial de que se<br />
nutrirá os habitantes da Terra e será <strong>do</strong>a<strong>do</strong>, em pureza<br />
lirial, a to<strong>do</strong>s e a to<strong>do</strong>s os ambientes, em todas as<br />
horas, num tempo que não acabará nunca.<br />
Nesse tempo, o sexo terá uma dimensão maior.<br />
Hoje, à semelhança de crianças que ainda não aprenderam<br />
a andar, numa festa de aniversário, come-se apenas a<br />
cobertura sem provar <strong>do</strong> bolo. O sexo está na alma e<br />
não apenas no corpo. Esta será a descoberta da nova<br />
humanidade que se libertará <strong>do</strong> jugo milenar que as<br />
aparências impõem.<br />
Com a vibração luminosa <strong>do</strong> amor estendida<br />
por toda a superfície terrena, as camadas densas e<br />
escuras, que a envolvem, formadas pela poluição mental,<br />
serão extintas, assim como faz a vela acesa clarean<strong>do</strong> o<br />
que antes era escuridão.
217 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
33<br />
GETSÊMANI<br />
Christ in the Gethsemane Garden, oil painting by Heinrich<br />
Ferdinand Hofmann (1824/1911) – The original is at the<br />
Riverside Church – New York City<br />
O poeta fluminense Fagundes Valela descreve a<br />
noite em Jerusalém:<br />
“Jerusalém <strong>do</strong>rmia. Entre os palácios,<br />
As riquezas <strong>do</strong>s príncipes romanos,<br />
As pontifícias galas, e a penúria,<br />
A vil degradação da ínfima plebe;<br />
Entre os vastos salões, as lautas mesas,<br />
Os belos camarins, os fôfos leitos,<br />
E os tugúrios fumosos, negros, frios,<br />
Os farrapos nojentos, as lareiras<br />
Apagadas; vazia ressonava<br />
A geração de escravos e mendigos,<br />
Em cujas veias circulava ainda<br />
O sangue <strong>do</strong>s austeros patriarcas!
FERNANDO PINHEIRO - 218<br />
Jerusalém <strong>do</strong>rmia. A raça impura,<br />
Que outrora livre e farta no deserto,<br />
Chorava pelo duro cativeiro<br />
Das regiões <strong>do</strong> Egito, e suspirosa<br />
Lembrava das ôlhas abundantes,<br />
E de amplas despensas e cozinhas<br />
Do grande faraó, – a raça estulta,<br />
Talvez feliz, em sonhos, se julgasse,<br />
Por partilhar os restos e as migalhas<br />
Que sobravam da orgia <strong>do</strong>s tiranos!<br />
Jerusalém <strong>do</strong>rmia. A voz pausada<br />
E rouca das latinas sentinelas<br />
Nas muralhas de escura fortaleza,<br />
O pio das corujas agoureiras<br />
Nos velhos bastiões, os longes ecos<br />
Dos nefan<strong>do</strong>s festins, de quan<strong>do</strong> em quan<strong>do</strong><br />
O silêncio da noite interrompiam.<br />
Mas, nas habitações <strong>do</strong>s sacer<strong>do</strong>tes,<br />
Nos paços <strong>do</strong>s pontífices vai<strong>do</strong>sos,<br />
Estranho movimento anunciava<br />
Importante sucesso. As portas francas,<br />
Os pátios e saguões ilumina<strong>do</strong>s,<br />
Guardas <strong>do</strong>bradas, confusão de servos,<br />
Tu<strong>do</strong>, enfim, revelava que essa noite<br />
Era não de prazeres e folgue<strong>do</strong>s,<br />
Mas de urgentes questões, graves negócios. (109)<br />
<br />
(109) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto IX – Cap. II – pp. 284, 285, 286 – Livraria<br />
Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira<br />
de Letras.
219 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
A claridade de prata vinha <strong>do</strong> luar esplêndi<strong>do</strong><br />
e a brisa da noite, balançan<strong>do</strong> as folhas <strong>do</strong>s ciprestes,<br />
trazia um afago no rosto a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong> de cada um <strong>do</strong>s<br />
seus discípulos.<br />
Naquele momento, Getsêmani era o centro das<br />
atenções <strong>do</strong>s espíritos que estavam na esfera espiritual,<br />
aguardan<strong>do</strong> o desenrolar <strong>do</strong> martírio daquele que tem<br />
ascendência sobre to<strong>do</strong>s que nascem da carne e, também,<br />
<strong>do</strong> espírito.<br />
O momento era de meditação e entrosamento<br />
com o Poder Maior que distribui todas as dádivas<br />
preciosas <strong>do</strong> Universo.<br />
A reflexão <strong>do</strong> futuro, naquelas horas de beleza<br />
espiritual, foi feita por <strong>Jesus</strong> com a mais perfeita visão<br />
<strong>do</strong>s acontecimentos que afligiriam a humanidade terrena.<br />
Narram as Escrituras que nenhum <strong>do</strong>s discípulos<br />
esteve presencian<strong>do</strong> o instante de solidão aparente<br />
<strong>do</strong> Mestre. Possivelmente, <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>, viram em sonhos as<br />
cenas dramáticas que iriam afligir a humanidade.<br />
Os planos de evolução se ligam uns aos outros,<br />
como no sonho da escada de Jacó, subin<strong>do</strong> aos céus.<br />
Os abnega<strong>do</strong>s semea<strong>do</strong>res da <strong>luz</strong> – que ajudam<br />
a humanidade a encontrar o caminho <strong>do</strong> reino celestial,<br />
identifica<strong>do</strong>s na Seara Espírita como o Parácleto, o<br />
Espírito Santo (designação genérica <strong>do</strong>s espíritos de <strong>luz</strong>),<br />
prometi<strong>do</strong> por <strong>Jesus</strong> a Seus discípulos, designa<strong>do</strong>, em<br />
outras áreas de eleva<strong>do</strong> labor, como o Espírito Santo<br />
(designação da unidade da tríade divina) – estão acima<br />
das vibrações tumultuadas das paixões passageiras.
FERNANDO PINHEIRO - 220<br />
Getsêmani é uma referência da realidade<br />
espiritual a que se reportaram os místicos cristãos e<br />
místicos não cristãos, ressaltan<strong>do</strong> o exemplo daquele<br />
que nos ensinou como é importante a meditação acerca<br />
<strong>do</strong>s acontecimentos que nos dizem respeito.<br />
Desenvolver esse raciocínio, acompanhan<strong>do</strong> a<br />
veracidade <strong>do</strong>s fatos que geram outros que se ligam entre<br />
si, é compreender a vida que nos rodeia.<br />
Três vezes ele voltou e três vezes ele os<br />
encontrou <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>: “Dormis? Não pudestes vigiar sequer<br />
uma hora”, falou amorosamente. (110)<br />
Getsêmani, naquela noite de lua cheia, era um<br />
cenário de quietude. <strong>Jesus</strong>, mergulha<strong>do</strong> na consciência<br />
cósmica, pressente os acontecimentos infelizes que se<br />
desenrolarão a partir <strong>do</strong> beijo de Judas, o amigo<br />
dissidente.<br />
Há uma tristeza pairan<strong>do</strong> no ar, não por ele,<br />
pois quem ama sempre é feliz e vitorioso, mas por<br />
causa daqueles que não o acompanharam até o fim.<br />
Não é apenas o dissidente da causa nobre, mas a<br />
grande maioria <strong>do</strong>s homens daquela época e das futuras<br />
gerações em dificuldades para sair <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> das ilusões<br />
e entrar no paraíso.<br />
(110) MATEUS, 26:36 a 56 LUCAS, 22:39 a 46
221 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Ele lançou um olhar compassivo à cidade que<br />
<strong>do</strong>rmia e viu o Tiropeón, velha esplanada que conduzia à<br />
Porta Dourada, por onde entrou triunfante na cidade,<br />
ouvin<strong>do</strong> o coro das crianças; avistou o palácio <strong>do</strong> Sumo<br />
Sacer<strong>do</strong>te, e <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> o de Herodes, perto <strong>do</strong>s<br />
jardins <strong>do</strong> Gareb; a torre Antônia, o vale <strong>do</strong> Cedron<br />
e, mais além, a subida <strong>do</strong> Gólgota que se perdia na<br />
distância da noite fria.<br />
Um instante depois, seu olhar se espalhou pelas<br />
estrelas, onde certamente entre elas ele viera e apenas<br />
mencionou aos seus discípulos como as moradas <strong>do</strong> Pai.<br />
A madrugada veio vin<strong>do</strong> cercada de vibrações<br />
tumultuadas pelos vende<strong>do</strong>res de ilusão que ofereceram<br />
trinta moedas de prata a Judas em troca de favores<br />
junto ao Sumo Sacer<strong>do</strong>te.<br />
Dirigin<strong>do</strong>-se, pela última vez, aos seus discípulos,<br />
disse: “<strong>do</strong>rmi agora e repousai; eis que é chegada a<br />
hora. O Filho <strong>do</strong> homem está sen<strong>do</strong> traí<strong>do</strong> nas mãos<br />
<strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>res. Levantai-vos, eis que é chega<strong>do</strong> aquele<br />
que me trai”.<br />
Entre as oliveiras, um pequeno grupo, carregan<strong>do</strong><br />
archotes para iluminar o caminho, acercou-se de <strong>Jesus</strong><br />
e, através de Judas, quis identificá-lo. O Mestre,<br />
adiantan<strong>do</strong>-se, numa serena demonstração de coragem,<br />
simplicidade e nobreza, falou a to<strong>do</strong>s os presentes:<br />
“saístes, como para um saltea<strong>do</strong>r, com espadas e<br />
varapaus para me prender? To<strong>do</strong>s os dias me assentava<br />
junto de vós, ensinan<strong>do</strong> no templo e não me prendestes”.<br />
Concluin<strong>do</strong>, numa expressão de amor e sabe<strong>do</strong>ria, lhes<br />
revelou que “tu<strong>do</strong> isto aconteceu para que se cumpram<br />
as escrituras <strong>do</strong>s profetas”.
34<br />
CAIFÁS<br />
FERNANDO PINHEIRO - 222<br />
Na pena de ouro, forma emblemática, <strong>do</strong><br />
poeta Fagundes Varela o ambiente pesa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Palácio <strong>do</strong><br />
Sumo Sacer<strong>do</strong>te é descrito em versos:<br />
“Mas a inveja roaz, o ódio cego,<br />
Verdadeiros demônios, rebramaram<br />
Nos corações <strong>do</strong>s fariseus protervos;<br />
To<strong>do</strong> o veneno da tartárea estância,<br />
Verteu Satan nas veias <strong>do</strong>s escribas,<br />
E no seio <strong>do</strong>s ímpios sacer<strong>do</strong>tes.<br />
– Em que pensamos nós? dizem raivosos,<br />
Que deixemos em paz o Nazareno<br />
Pregar <strong>do</strong>utrinas, operar milagres,<br />
E seduzir a plebe inconciente?<br />
O que é feito de nossa autoridade?<br />
Onde está nossa força? Por ventura,<br />
Seguin<strong>do</strong> a multidão que nos despreza,<br />
Iremos nós também beijar as plantas<br />
Do filho <strong>do</strong> mesquinho carpinteiro?<br />
Então, falou Caifás, hebreu soberbo,<br />
Pontífice arrogante, ergue–se e disse:<br />
– Nada entendeis. Obrais como insensatos.<br />
Desconheceis as práticas <strong>do</strong>s sábios.
223 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Não refletis que a salvação <strong>do</strong> povo<br />
De sangrenta lição depende apenas?<br />
Que é necessário que pereça um homem?<br />
Que a nação abalada não sucumba?<br />
Que o tempo pede sangue, e a lei decreta<br />
Que neste caso se derrame sangue? –<br />
Disse... e no pensamento de seus sócios<br />
A morte <strong>do</strong> Senhor foi resolvida!<br />
Tinha profeta<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s algozes!<br />
Cumpria que sofresse o grande Mestre!<br />
Que esgotasse de um trago a taça negra<br />
Dos terrestres martírios! Que gemesse<br />
Ao peso imenso da maldade humana!<br />
Que beijasse, feri<strong>do</strong>, as duras pedras<br />
Daquele escuro chão, não pelo povo<br />
Ingrato de Israel, mas pelo mun<strong>do</strong>,<br />
Pelo porvir das gerações cativas!<br />
Pelo triunfo eterno da verdade!” (111)<br />
<br />
No decorrer <strong>do</strong>s séculos, o homem sempre<br />
procurou í<strong>do</strong>los que lhe servissem como protótipos de<br />
sua conduta.<br />
Havia nele uma necessidade de confirmar, junto<br />
aos seus mestres, as informações que lhe chegavam nas<br />
ondas da inspiração. Oriundas de um plano superior<br />
à matéria, submetidas a leis que incorporam a harmonia<br />
<strong>do</strong> Universo, não precisariam de averiguação para atestar<br />
sua veracidade.<br />
(111) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto VI – pp. 197, 198 – Livraria Imperial –<br />
1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.
FERNANDO PINHEIRO - 224<br />
Nas esferas <strong>do</strong> sonho, o homem criou a<br />
mitologia, impregnada de deuses e í<strong>do</strong>los superiores<br />
à sua condição humana. Nas áreas da realidade tangível,<br />
fez tronos, tribunas e pódios para personagens que se<br />
destacaram no mun<strong>do</strong> das ciências, artes e competições<br />
diversas.<br />
Temos que reconhecer a contribuição valiosa<br />
que muitos deixaram no progresso mundial. Mas, ao<br />
la<strong>do</strong> <strong>do</strong> trigo, muito joio cresceu de maneira vertiginosa.<br />
Daí, a cultura <strong>do</strong> me<strong>do</strong> deixada por ilustres personagens<br />
sociais que tinham poder de <strong>do</strong>mínio na educação <strong>do</strong>s<br />
povos.<br />
A ética, que se alimenta <strong>do</strong>s códigos inspira<strong>do</strong>s<br />
nas religiões e nas <strong>do</strong>utrinas <strong>do</strong> comportamento humano,<br />
sente-se abalada ante à realidade <strong>do</strong>s costumes de uma<br />
sociedade que busca novos rumos.<br />
O homem se esqueceu de pensar na sua<br />
realidade transcendente e transfere aos seus companheiros<br />
de luta to<strong>do</strong> o questionamento <strong>do</strong> seu viver.<br />
No passa<strong>do</strong>, num recrudescimento <strong>do</strong> senti<strong>do</strong><br />
religioso, o sacer<strong>do</strong>te tinha um papel maior, de confessor.<br />
Hoje, numa roupagem mais sofisticada, o psicanalista, o<br />
astrólogo e outros intérpretes de ciências orto<strong>do</strong>xas e<br />
esotéricas são procura<strong>do</strong>s, com bastante frequência, como<br />
se a resposta estivesse fora <strong>do</strong> alcance <strong>do</strong> consulente.<br />
É necessário que o homem pare de buscar<br />
aquilo que não lhe diz respeito. A moda atual é procurar<br />
os mais exóticos meios de se descobrir, através de<br />
terceiros. É o mesmo que alguém fosse a uma loja e<br />
pedisse um componente mecânico, sem saber para qual<br />
tipo de máquina é destina<strong>do</strong>.
225 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
É claro que a ajuda de pessoa qualificada é<br />
sempre valiosa. Mas se o homem soubesse que dentro<br />
dele estão todas as respostas daquilo que deseja saber,<br />
sem dúvida seus passos teriam outra direção.<br />
É tão fácil o autoconhecimento. Basta se<br />
concentrar e deixar que sejam dissipa<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os<br />
pensamentos de preocupação da vida material. Depois,<br />
confiar nas leis <strong>do</strong> equilíbrio que estabelecem a<br />
igualdade das forças homogêneas, manten<strong>do</strong> um clima de<br />
tranquilidade para aqueles que se encontram tranquilos.<br />
Nos estágios de crescimento espiritual, é<br />
concebível admitir-se a existência de í<strong>do</strong>los que despertem<br />
os sonhos e as realizações de desejos infantis. Mas<br />
chegará um dia – qual criança que se torna a<strong>do</strong>lescente<br />
– seus brinque<strong>do</strong>s serão aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s.<br />
To<strong>do</strong>s os ensinamentos que visam o despertar<br />
da realidade imortal <strong>do</strong> homem têm um valor muito<br />
grande. Este é o trigo da parábola <strong>do</strong> amor-não-ama<strong>do</strong><br />
por aqueles que estão sufoca<strong>do</strong>s pelo joio de todas as<br />
informações que inspiram o me<strong>do</strong>.<br />
Se o homem soubesse, ainda, que a sua<br />
semelhança com o Cria<strong>do</strong>r é feita pela imortalidade da<br />
essência implantada em seu ser mais profun<strong>do</strong>, veria em<br />
tu<strong>do</strong> a vida resplandecer. Numa comparação análoga, a<br />
semente é o homem buscan<strong>do</strong> í<strong>do</strong>los, a árvore é o<br />
homem que já se identificou, dentro <strong>do</strong> mérito de seus<br />
atos, como filho <strong>do</strong> Universo.<br />
Sem dúvida, Caifás foi um í<strong>do</strong>lo que passou.<br />
No entanto, tem méritos porque teve a oportunidade de<br />
estar bem perto de <strong>Jesus</strong>. Nos segre<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Universo,<br />
“o incompleto será completo (Rabindranat Tagore)”, dentro de<br />
uma precisão de tempo que não nos cabe saber quan<strong>do</strong>.
35<br />
DESOLAÇÃO<br />
FERNANDO PINHEIRO - 226<br />
O fulgor re<strong>luz</strong>ente da pena de ouro <strong>do</strong> poeta<br />
fluminense, Fagundes Varella, brilha, intensamente, na<br />
apreciação da presença de <strong>Jesus</strong>:<br />
“No palácio <strong>do</strong> sumo sacer<strong>do</strong>te,<br />
No formoso salão de alvas colunas,<br />
Onde os graves negócios se decidem<br />
Concernentes à lei, pláci<strong>do</strong> e belo<br />
Como o sereno, cândi<strong>do</strong> <strong>luz</strong>eiro<br />
Que precede a alvorada, entre os negrumes<br />
Precursores fatais da tempestade,<br />
Apareceu <strong>Jesus</strong>; firme e seguro,<br />
Radiante de graça e de inocência,<br />
Caminhou para o estra<strong>do</strong>, onde orgulhoso,<br />
Á sombra de um <strong>do</strong>ssel de rubra seda,<br />
Em <strong>do</strong>urada cadeira pontifícia,<br />
Descansava Caifás. Fun<strong>do</strong> silêncio
227 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Reinava no sacrílego auditório.<br />
Caso intrinca<strong>do</strong>, sério e não previsto<br />
Apresentou–se então ao pensamento<br />
Do príncipe cruel. Só competia<br />
Ao governo de Roma e seus prepostos<br />
Dar sentença de morte: a lei expressa<br />
Não deixava lugar a falso arbítrio.<br />
Que julgar? Que fazer? Forjar um crime,<br />
Revesti–lo de horrendas circunstâncias,<br />
O imputar ao Senhor! Cem testemunhas,<br />
Malvadas umas, cobiçosas outras,<br />
Em auxílio <strong>do</strong>s ímpios acodiram.<br />
Mas, os pios varões, retos juízes,<br />
Pontífices ilustres, que buscavam<br />
O justo condenar, – bran<strong>do</strong>s agora,<br />
Por demais complacentes, despediam,<br />
Depois de convenci<strong>do</strong>s da calúnia,<br />
Profana<strong>do</strong>res vis, monstros perjuros,<br />
Que zombavam de Deus e da justiça!<br />
Oh! cegueira da inveja! Oh! mal se cura,<br />
Entretanto, <strong>do</strong>is sáfios publicanos,<br />
Dois consócios de Judas, o precito,<br />
Dirigiram–se ao sumo sacer<strong>do</strong>te:<br />
– Nós o ouvimos, Senhor, junto <strong>do</strong> templo<br />
Deste mo<strong>do</strong> falar: – Tenho poderes<br />
Para arrasar o templo, se o quisesse,<br />
E depois em três dias, mais seguro<br />
Levantá–lo outra vez! – Nestas palavras,<br />
Era a ressurreição que anunciava<br />
O Redentor <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>; era seu corpo<br />
O templo que das sombras mortuárias<br />
Feliz ressurgiria! – A feia intriga<br />
Silvava a sombra da verdade santa!
FERNANDO PINHEIRO - 228<br />
Então disse Caifás: – o que respondes?<br />
Tu bem vês que te acusam. – Mas o Cristo<br />
Sacudiu a cabeça tristemente,<br />
Encarou, suspiran<strong>do</strong> os delatores,<br />
E conservou–se mu<strong>do</strong>. Urgia o tempo.<br />
Convinha abreviar o atroz processo,<br />
Achar um vão pretexto, um qualquer meio,<br />
De consumar o infausto sacrifício.<br />
Retira–se Caifás. Desprotegi<strong>do</strong><br />
Ficou <strong>Jesus</strong>, sozinho exposto à sanha<br />
Do vulgacho grosseiro, e às zombarias<br />
Dos deprava<strong>do</strong>s, ímpios quadrilheiros.<br />
VI<br />
O fúlgi<strong>do</strong> clarão da estrela d´Alva<br />
Derrama–se no espaço, a rósea aurora<br />
Pouco a pouco adelgaça o céu cinéreo<br />
Que flutua nas portas <strong>do</strong> Oriente;<br />
Áureos, fulvos listões, faixas purpúreas,<br />
Brancas, argênteas franjas, atravessam<br />
As regiões festivas, onde assoma<br />
Cada dia mais forte em seus <strong>do</strong>mínios<br />
O rei das estações. No grande pátio<br />
Da casa de Caifás, sempre tristonho,<br />
Meditabun<strong>do</strong> sempre, Simão Pedro<br />
Vela perto <strong>do</strong> fogo; os ociosos<br />
Continuam as práticas estultas,<br />
Os solta<strong>do</strong>s estiram-se rosnan<strong>do</strong><br />
Sobre as lájeas <strong>do</strong> chão; mas, uma escrava<br />
Que desce nesse instante ao peristilo,<br />
Pára, surpresa, atenta considera<br />
O pobre pesca<strong>do</strong>r: – Bem o conheço,<br />
Diz a vil criatura a seus parceiros,
229 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
É este um <strong>do</strong>s amigos, e o mais velho<br />
Do mestre nazareno: – Oh! tal não digas!<br />
Exclama o Galileu amedronta<strong>do</strong>,<br />
Nunca lhe ouvi a voz, nem vi–lhe o rosto! –<br />
Porém, Malco ali estava, o servo Malco,<br />
A quem Pedro ferira. – Que! tu negas?<br />
Pois não eras no Horto? Não te lembras<br />
Que me cortaste a orelha? – acode o ímpio.<br />
Estranhas cousas, lhe responde Pedro,<br />
Falsas proposições dizes, amigo;<br />
Não sei <strong>do</strong> que falas, nem <strong>do</strong> Mestre<br />
Que os sacer<strong>do</strong>tes julgam! – Como treme<br />
O pesca<strong>do</strong>r astuto! Companheiros,<br />
Informa um <strong>do</strong>s cria<strong>do</strong>s, muitas vezes<br />
Entrei no teu batel, estou bem certo;<br />
Depois não mais o vi; por fim, nos campos,<br />
E nas praças o achei uni<strong>do</strong> aos sócios<br />
Do filho de José. – Não é verdade!<br />
Exclama Simão Pedro! – Então, prodígio!<br />
A poucos passos, n´um sombrio canto<br />
Dos aposentos térreos <strong>do</strong> palácio,<br />
Bateu o galo fortemente as asas<br />
E a voz soltou vibrante e prolongada.<br />
Simão estremeceu, – volveu os olhos<br />
Para as altas janelas, e entre as grades<br />
Viu, ao frouxo clarão da triste aurora,<br />
A figura serena e graciosa<br />
De seu divino Mestre. A consciência,<br />
Abalada e ferida fundamente,<br />
Despertou as cansadas faculdades<br />
Do singelo discípulo; os remorsos<br />
Acerbos e pungentes, a vergonha
FERNANDO PINHEIRO - 230<br />
De uma fraqueza quase que perfídia,<br />
A lembrança da culpa, o horror da pena,<br />
Como agu<strong>do</strong>s punhais dilaceraram<br />
O coração <strong>do</strong> mísero: os soluços<br />
Embargaram–lhe a voz, e quentes lágrimas,<br />
Lágrimas puras de alma arrependida,<br />
Orvalharam–lhe o rosto e as barbas brancas.” (112)<br />
<br />
Em tu<strong>do</strong> havia desolação, menos em <strong>Jesus</strong>. Ao<br />
aban<strong>do</strong>nar a audiência que presidia no Palácio <strong>do</strong> Sumo<br />
Sacer<strong>do</strong>te, Caifás deixou as sombras invadir o ambiente.<br />
Falta ao mun<strong>do</strong> de hoje e daquela época um senti<strong>do</strong><br />
maior, algo assim como uma mágica beleza.<br />
Cada pessoa humana tem uma característica<br />
que realça o seu viver. Umas se fazem conhecidas pela<br />
bondade, outras pela energia <strong>do</strong> caráter quan<strong>do</strong> a vida<br />
lhes coloca tarefas de orientar grupos sociais.<br />
E assim por diante, uma grande variedade de<br />
atributos caracteriza todas elas, umas diferentes de outras.<br />
Quan<strong>do</strong> descobrimos as tendências fortes de<br />
nossa individualidade, que nos marca a passagem nos<br />
círculos sociais, vemos nos outros a repercussão que nos<br />
é devolvida, na intensidade em que as emitimos.<br />
(112) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto IX – Cap. V, pp. 290, 291, 292, 293, 294 –<br />
Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia<br />
Brasileira de Letras.
231 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Sorrisos alegres e expressões de solidariedade<br />
são marcas indeléveis que registramos com grande emoção,<br />
pois nos estimulam a prosseguir na caminhada que<br />
buscamos.<br />
Tristezas e decepções alheias são manifestações<br />
daqueles que ainda não compreendem a extensão da<br />
mensagem de que somos porta<strong>do</strong>res.<br />
Mas, nesses casos, entreguemos a Deus o<br />
cuida<strong>do</strong> que eles merecem, convictos de que um dia,<br />
assim como o sol nasce to<strong>do</strong>s os dias, sentirão a <strong>luz</strong><br />
interior a iluminar-lhes numa festa de júbilos.<br />
Tu<strong>do</strong> é alegria na Criação. Os pássaros são os<br />
porta<strong>do</strong>res dessa alegria em trina<strong>do</strong>s que repercutem nos<br />
lugares por onde passam.<br />
A expansão da harmonia, atestan<strong>do</strong> a grandeza<br />
de tu<strong>do</strong> que nos envolve, chega a to<strong>do</strong>s os seres nos<br />
mais distantes recantos onde se encontram.<br />
E por onde o homem vai, na cidade e no<br />
campo, em terra firme e em águas navegáveis ou,<br />
ainda, nos espaços a céu aberto, há a presença de algo<br />
superior à condição humana que lhe desperta um<br />
êxtase de contentamento, demonstran<strong>do</strong> que a vida é um<br />
incessante movimento de alegria.<br />
Esse movimento, mágica beleza, que nos cerca,<br />
atinge a to<strong>do</strong>s em comunhão perene, embora haja<br />
ainda a relutância <strong>do</strong>s desalenta<strong>do</strong>s em aceitá-lo. Mas tu<strong>do</strong><br />
tem a sua hora.<br />
Cada gesto nosso obedece ao mecanismo <strong>do</strong>s<br />
impulsos que nos chegam para completar as circunstâncias<br />
que nos são próprias.
FERNANDO PINHEIRO - 232<br />
O passa<strong>do</strong>, o presente e o futuro formam o<br />
destino, o tempo que nos cabe por direito natural dentro<br />
daquilo que vivemos. Entender o destino em apenas um<br />
tempo seria desconectá-lo das fases que se completam.<br />
Na compreensão <strong>do</strong>s desígnios superiores à nossa<br />
condição humana, temos, a cada instante, a oportunidade<br />
de reconhecer o momento precioso que a própria vida<br />
nos oferece.<br />
Os amores reconhecem seus laços de ternura<br />
e êxtase, os artistas os meios que os atraíram à arte,<br />
os operários anônimos a exclusividade <strong>do</strong> nome que<br />
pertence à marca, à fábrica e aos revende<strong>do</strong>res.<br />
Quanto tempo o homem gasta para se<br />
identificar com a sua vocação! Há muitos interesses<br />
em jogo. Nas áreas em que avista lacunas a serem<br />
preenchidas, o chamamento é inadiável, mesmo<br />
consideran<strong>do</strong> que tem de se afastar <strong>do</strong>s campos que<br />
vinham sen<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>s com esmero.<br />
É nestes instantes que se vê a renúncia<br />
realçada em lugar de destaque, acima de to<strong>do</strong>s os<br />
empreendimentos já realiza<strong>do</strong>s. E, como a <strong>luz</strong>, o homem<br />
que busca atingir a plenitude, tem de irradiar seus<br />
feitos em todas as direções.
233 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
36<br />
CLÁUDIA PRÓCULA<br />
Picture: Ecce Homo – Christ before Pilate by Antonio Ciseri<br />
O sol vestia de claridade a manhã em<br />
Jerusalém. No pretório, Pôncio Pilatos caminhava, de<br />
um la<strong>do</strong> para outro, com as emoções em desalinho.<br />
Ouviam-se vozes e murmúrios que pediam a sua presença<br />
junto ao povo. (113)<br />
(113) NOTA: A exemplo de A<strong>do</strong>nias Filho, imortal da Academia<br />
Brasileira de Letras, que recontou obras estrangeiras célebres,<br />
o autor reconta o sonho de Cláudia Prócula <strong>do</strong> capítulo O<br />
Sonho de Prócula, constante <strong>do</strong> original da Vida de <strong>Jesus</strong>, de<br />
Plínio Salga<strong>do</strong> – 22ª edição – Editora Voz <strong>do</strong> Oeste – 1985 – São<br />
Paulo – SP – Acervo: Biblioteca Nacional.
FERNANDO PINHEIRO - 234<br />
Em seus aposentos, Cláudia acorda com os<br />
olhos cheios de pavor. Mal consegue recompor suas vestes<br />
e sai à procura de Pilatos para relatar-lhe o que se<br />
passa em sua alma. Com a fisionomia assustada, chega<br />
à presença de seu esposo que continua caminhan<strong>do</strong>, de<br />
um la<strong>do</strong> para outro, no imenso gabinete.<br />
Duas aflições se entrechocam. Olhares de<br />
indagação se cruzam ao mesmo tempo, acumulan<strong>do</strong> o<br />
clima de tensão. Pilatos tomou uma das mãos da esposa<br />
e a observou tão pálida, com a respiração ofegante e<br />
completamente nervosa. Ele tentou desviar a atenção dela,<br />
fazen<strong>do</strong> referência sobre os atrativos de Roma, a cidade<br />
eterna, e a necessidade imperiosa de permanecer em<br />
Jerusalém, por vontade <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r romano.<br />
Cláudia lhe disse que não era isto que a<br />
tornara triste. Estava preocupada com o sonho que tivera.<br />
Toman<strong>do</strong> fôlego, fez uma pausa e desabafou narran<strong>do</strong> o<br />
episódio, converti<strong>do</strong> em crime hedion<strong>do</strong>, que tinha a<br />
participação <strong>do</strong>s sacer<strong>do</strong>tes.<br />
Com o olhar de espanto, Pilatos continuou<br />
ouvin<strong>do</strong> Cláudia que lhe falava <strong>do</strong> sonho. Sobressaltada,<br />
contou-lhe que vira um grupo de pessoas dirigir-se ao<br />
encontro de <strong>Jesus</strong>, que estava em meditação, no Jardim<br />
das Oliveiras, o Getsêmani, e o viu sen<strong>do</strong> amarra<strong>do</strong> e<br />
conduzi<strong>do</strong> ao palácio <strong>do</strong> pontífice.<br />
Cláudia revela que viu o sangue <strong>do</strong> inocente<br />
galileu ser mancha<strong>do</strong> por seu mari<strong>do</strong> e, num tom de<br />
súplica, falou gritan<strong>do</strong>: tu és representante de Roma,<br />
“só tu tens direito de vida e de morte sobre os judeus,<br />
eu venho te pedir não sejas cúmplice desse crime.”
235 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Pilatos ouviu, comovi<strong>do</strong>, a esposa falar e,<br />
consultan<strong>do</strong> um magistra<strong>do</strong> que participava da reunião,<br />
perguntou-lhe sobre a veracidade de sonhos. A resposta<br />
dele foi alusiva ao sonho de Calpúrnia, mulher de Caio<br />
Júlio César, que previu a tragédia <strong>do</strong> assassinato <strong>do</strong><br />
impera<strong>do</strong>r. Pilatos retomou a palavra para concluir que<br />
se César atendesse ao sonho da esposa não teria i<strong>do</strong><br />
ao Sena<strong>do</strong>.<br />
O governa<strong>do</strong>r da Judéia, tentan<strong>do</strong> acalmar<br />
Cláudia, disse-lhe que iria atendê-la, desde que não<br />
houvesse uma conspiração contra César. Quan<strong>do</strong> ele<br />
acabara de expressar a sua promessa, um centurião da<br />
guarda pretoriana surgiu no pretório para comunicar<br />
que os sacer<strong>do</strong>tes trouxeram um réu para ser julga<strong>do</strong><br />
no palácio.<br />
Cláudia dirigiu o olhar ao seu mari<strong>do</strong> e<br />
disse-lhe que o sonho era uma revelação: o acusa<strong>do</strong>,<br />
amarra<strong>do</strong> pelas mãos, que adentrava ao pórtico <strong>do</strong><br />
palácio, era o mesmo homem com quem sonhara na<br />
noite anterior.<br />
Naquele instante, o vozerio <strong>do</strong> povo aumentou<br />
em coro em que se podia distinguir a súplica para que<br />
Pilatos aparecesse em público. No mesmo instante, o<br />
centurião romano disse-lhe que os juízes <strong>do</strong> Sinédrio, os<br />
sacer<strong>do</strong>tes e os fariseus negam-se a entrar no palácio.<br />
Na pintura Ecce Homo, de Antonio Ciseri, Pilatos,<br />
vestin<strong>do</strong> trajes brancos, apresenta <strong>Jesus</strong> à multidão<br />
desvairada. À direita, Cláudia, acompanhada de outra<br />
mulher, saiu triste e abatida, no entanto demonstran<strong>do</strong><br />
ser bem superiora ao mari<strong>do</strong>, envolvi<strong>do</strong> no clima sombrio.
FERNANDO PINHEIRO - 236<br />
A versão narrada, em versos, pelo poeta<br />
Fagundes Varela é de comovente beleza, realçan<strong>do</strong> a<br />
presença da mulher de Pilatos que avisou ao mari<strong>do</strong> sobre<br />
o sinistro sonho que tivera na noite anterior à presença<br />
de <strong>Jesus</strong> no Palácio diante de uma multidão furiosa.<br />
Vale ressaltar:<br />
“Não longe <strong>do</strong> Pretório, iluminada<br />
Pelos flavos clarões <strong>do</strong> sol nascente,<br />
Aparecia a casa de Pilatos,<br />
Alva, risonha, erguida entre ciprestes,<br />
Coberta de cimalhas caprichosas,<br />
Frisos sutis, colunas de alabastro,<br />
E arejadas soteias. Tão festiva<br />
Dir-se-ia a visão de tão alto castelo<br />
Pelos gênios da aurora edifica<strong>do</strong><br />
Nas regiões longínquas <strong>do</strong> Oriente,<br />
Onde termina o mar e o céu começa.<br />
Os mansos passarinhos gorjeiavam<br />
À sombra <strong>do</strong>s vergéis, as auras frescas<br />
Soerguiam as trêmulas cortinas<br />
Do belo camarim, onde entre flores,<br />
Mimosa flor também, sobre almofadas<br />
Lânguida descansava a linda esposa<br />
Do opulento pagão. Seus pensamentos<br />
Tristes deviam ser, que os rubros lábios<br />
Cerrava convulsan<strong>do</strong>, e dentre os cílios<br />
Negros, com a penugem <strong>luz</strong>idia<br />
Das escuras abelhas da floresta,<br />
Rebentavam as lágrimas sentidas.<br />
Filha airosa da Itália sonha<strong>do</strong>ra!<br />
Rôla sau<strong>do</strong>sa das alegres veigas
237 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Dos campos de Lavínia! Que pesares<br />
Ferem-te o coração? Mas, de repente,<br />
Um profun<strong>do</strong> gemi<strong>do</strong> angustioso,<br />
Os seios lhe agitou; a nobre dama<br />
Levantou-se de um alto, branca e fria<br />
Como a estátua de mármore pousada<br />
Em brônzeo pedestal junto da porta:<br />
Correu para a janela, as tranças soltas,<br />
O olhar afoguea<strong>do</strong>. Então, rui<strong>do</strong>sa<br />
Bramia a onda popular na praça,<br />
Mil vozes discordantes repetiam:<br />
– Desatai Barrabaz! Deixai-o livre! –<br />
Compreende a esposa de Pilatos<br />
A sinistra questão. Chamou um pajem,<br />
E man<strong>do</strong>u ao Pretório a toda a pressa,<br />
– Vai, dize a teu Senhor, ampara o justo,<br />
Que revelou-me um sonho pavoroso<br />
A pureza divina de seus atos,<br />
Das intenções celestes a inocência,<br />
A gloriosa origem de seu gênio! –<br />
O servo obedeceu. Nesse momento<br />
Uma nuvem trevosa e carregada<br />
Cobriu a <strong>luz</strong> <strong>do</strong> sol, – rijo nordeste<br />
No le<strong>do</strong> camarim entrou silvan<strong>do</strong>,<br />
Tremeu o pavimento, e as belas flores<br />
Que pendiam das jarras primorosas<br />
Caíram desfolhadas no tapete...” (114)<br />
(114) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto IX – Cap. VIII – pp. 296, 297, 298 –<br />
Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia<br />
Brasileira de Letras.
FERNANDO PINHEIRO - 238<br />
Ainda quanto à dúvida de Pilatos sobre a<br />
existência ou não de sonhos, dúvida que perdura até<br />
os dias de hoje para muita gente, ressaltamos os sinais<br />
<strong>do</strong> sonho:<br />
Quan<strong>do</strong> o homem vislumbra os sinais <strong>do</strong>s seus<br />
sonhos, no meio de tantas dificuldades, ele segue adiante<br />
sem temer o futuro. E aonde for preciso ir, ele vai.<br />
Para converter uma ideia subjetiva em objetiva,<br />
ele encontra um desafio que ameaça tu<strong>do</strong> aquilo que<br />
tenciona pôr em prática. Depois de ter venci<strong>do</strong> o primeiro,<br />
outros perigos passam a ser para ele uma rotina cíclica<br />
a que já se acostumou.<br />
No transcurso <strong>do</strong> seu caminhar, desce, sem<br />
decair, para preencher lacunas em cenários que lhe<br />
dizem respeito. Igualmente, ele se completa quan<strong>do</strong> se<br />
associa ao espaço que lhe é reserva<strong>do</strong> pelas forças<br />
da atração que regem o mun<strong>do</strong> das formas.<br />
Como no fluir das águas, a energia <strong>do</strong>s sonhos,<br />
que nasce n'alma, surge com força de expansão. Não<br />
se detém ante uma descida e prossegue preenchen<strong>do</strong><br />
as depressões que encontrar.<br />
As cachoeiras são grandes saltos encobrin<strong>do</strong><br />
abismos. Quan<strong>do</strong> a água desce, na integridade de sua<br />
forma e conteú<strong>do</strong>, prossegue em níveis mais abaixo<br />
benefician<strong>do</strong> as searas.<br />
Assim é o homem nos seus passos em direção<br />
das paisagens amenas. Somente nas áreas onde espalhou<br />
benefício, como as águas, pode ver um dia os<br />
frutos surgirem.
239 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
A ideia de que devemos ficar isola<strong>do</strong>s diante<br />
da agitação humana, com receio de ficarmos confusos,<br />
é a mesma que se pode ter de águas represadas num<br />
pântano. Mesmo nessas circunstâncias, a vida prossegue<br />
crian<strong>do</strong> musgos, liquens, parasitas e micróbios que<br />
enriquecem a flora.<br />
Como o homem já atingiu uma fase de<br />
crescimento que não dá mais para se fixar unicamente<br />
nas regiões parasitárias, ele ergue os olhos e vê que a<br />
natureza é muito mais.<br />
A ideia, que vem <strong>do</strong>s seus sonhos, entra em<br />
atrito com o mun<strong>do</strong> objetivo onde vive e, mesmo<br />
assim, sente que é preciso sonhar, como a água<br />
corren<strong>do</strong> que “sonha” alcançar as searas.<br />
Ninguém pode deter a verdade. A verdade está<br />
fragmentada em to<strong>do</strong>s os setores da vida humana, não<br />
é apenas religiosa. A busca é normal a to<strong>do</strong>s que não a<br />
encontram. Nesse fluxo, no caminho da perfeição, total<br />
ou restrita, estamos to<strong>do</strong>s nós como águas corren<strong>do</strong><br />
para o destino <strong>do</strong>s ciclos que se renovam.<br />
Quan<strong>do</strong> percebemos a natureza de que são<br />
feitos os nossos sonhos, todas as ameaças, desafios e<br />
perigos são ultrapassa<strong>do</strong>s porque ficaram em seus lugares<br />
e nós continuamos a caminhada.<br />
O mun<strong>do</strong> inteiro está imanta<strong>do</strong> na força da<br />
evolução. Aqueles que a percebem, dentro de si,<br />
prosseguem confiantes de que tu<strong>do</strong> que lhes acontece,<br />
agradável ou aparentemente desagradável, tem um<br />
objetivo estimulan<strong>do</strong> seus passos.
FERNANDO PINHEIRO - 240<br />
No longo trabalho interno que faz para montar<br />
a ponte <strong>do</strong> consciente ao inconsciente, onde o sonho tem<br />
o seu reino, alinhan<strong>do</strong> os níveis de sua personalidade<br />
(corporal, mental e espiritual), o homem vai descobrin<strong>do</strong><br />
o que lhe interessa em termos definitivos.<br />
Dúvidas e receios que ele criou, estimula<strong>do</strong><br />
por uma educação voltada ao presente, aos poucos vão<br />
crian<strong>do</strong> consistência em obstáculos por que terá de<br />
passar. É, em outras palavras, o impulso para decifrar a<br />
lendária inscrição da esfinge egípcia que tem profunda<br />
identificação com o atavismo que a fera em nós busca<br />
devorar.<br />
É por isto que o sonho, que nasce das fontes<br />
límpidas, deve prevalecer acima das sugestões alheias que<br />
se voltam ao reino das emoções. O sonho é a vivência<br />
da alma num campo magnético onde não existem<br />
amarras <strong>do</strong> plano físico, exceto aquelas criadas em nossa<br />
imaginação ou nos hábitos a que nos acostumamos<br />
sem o conhecimento da verdade onírica, suscetíveis a<br />
desaparecer.<br />
Ainda dentro <strong>do</strong> Sonho de Cláudia, podemos ver,<br />
na narrativa poética de Fagundes Varela, a trama sinistra<br />
que culminou com a conhecida Paixão de Cristo:<br />
“Que sinistro clarão expele as sombras<br />
Das ruas tortuosas, mal calçadas<br />
E alumia os grosseiros edifícios<br />
Da cidade vetusta? Que <strong>luz</strong>eiros<br />
Agitam-se nas trevas, numerosos,<br />
Como as chamas fugazes que tremulam<br />
Nos campos de batalha, às horas mortas,<br />
Quan<strong>do</strong> o géli<strong>do</strong> orvalho se pendura<br />
Das tendas <strong>do</strong>s guerreiros? Que rumores,
241 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Que vociferações ímpias e feras,<br />
Turbam a quietação das ermas praças,<br />
Derraman<strong>do</strong> o pavor pelas moradas<br />
Do miseran<strong>do</strong> povo? – O que procuram<br />
Esses vultos incertos, macilentos,<br />
Arma<strong>do</strong>s de bastões e de alabardas?<br />
Onde vão esses rudes quadrilheiros,<br />
Cujas lanças delgadas e lustrosas<br />
Relampejam nas trevas? – Bravo e forte,<br />
Nos horrores <strong>do</strong> crime endureci<strong>do</strong><br />
Deve ser o malfeitor que arrastam<br />
Aos tribunais supremos. – Cautelosos,<br />
Convém cercar o monstro, que não fuja,<br />
Zela<strong>do</strong>res sublimes da justiça!...<br />
Oh! divino <strong>Jesus</strong>! Manso cordeiro!<br />
Gênio da caridade e da <strong>do</strong>çura!<br />
Luminar da inocência!... És tu que passas<br />
Qual um facinoroso das montanhas,<br />
Acusa<strong>do</strong> de atrozes morticínios!<br />
És tu, que triste e páli<strong>do</strong> caminhas,<br />
Como um feroz jaguar das cordilheiras,<br />
Que os homens <strong>do</strong> sertão levam cativo<br />
Às aldeias remotas! – Salve, Cristo!<br />
Teu reina<strong>do</strong> começa neste mun<strong>do</strong>!<br />
IX<br />
Emblema da ternura lutuosa,<br />
Da beleza entre lágrimas, desmaia<br />
No plúmbeo céu a lua decrescente.<br />
Jerusalém acorda.” (...) (115)<br />
(115) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto IX – Cap. III – pp. 286, 287 – Livraria<br />
Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira<br />
de Letras.
37<br />
SIMÃO, O CIRENEU<br />
FERNANDO PINHEIRO - 242<br />
“... Adiantou-se<br />
Da multidão silente um homem forte,<br />
De espáduas largas, vigoroso colo,<br />
E tisnadas feições; era seu nome<br />
Simão, o Cireneu, – cala<strong>do</strong> e sério<br />
Ergueu Cristo pelos frouxos braços,<br />
Pôs-lhe a cruz sobre os ombros contundi<strong>do</strong>s,<br />
E aju<strong>do</strong>u-o a subir a pétrea senda.” (116)<br />
A tarde era azul, cheia de sol. Mais algumas<br />
horas as trevas <strong>do</strong>minariam inteiramente as paisagens<br />
<strong>do</strong> monte.<br />
O centurião romano, monta<strong>do</strong> a cavalo, tinha<br />
ordens para executar a sentença até antes <strong>do</strong> amanhecer<br />
<strong>do</strong> dia seguinte, sába<strong>do</strong>, consagra<strong>do</strong> ao repouso e orações.<br />
(116) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto IV – Cap. XIV – p. 307 – Livraria Imperial –<br />
1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.
243 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
A caminho <strong>do</strong> Gólgota, a multidão acompanha<br />
o prisioneiro que era fustiga<strong>do</strong>, de vez em quan<strong>do</strong>, pelo<br />
centurião para que não pudesse desfalecer e o cortejo<br />
continuasse caminhan<strong>do</strong> no percurso programa<strong>do</strong>.<br />
Quan<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong> sente o cansaço e para um<br />
pouco para respirar melhor, o solda<strong>do</strong>, embaraça<strong>do</strong> entre<br />
o dever e a piedade, olha ao re<strong>do</strong>r e vê homens<br />
mu<strong>do</strong>s e receosos.<br />
Certamente, perguntou a si mesmo: “onde<br />
estão aqueles que o aplaudiram na entrada triunfal<br />
da cidade, cinco dias antes, e os cura<strong>do</strong>s pelas<br />
suas mãos, pela sua voz, pelo seu olhar?”<br />
O centurião estava atento com as armas nas<br />
mãos para usá-las naqueles que se rebelassem contra<br />
as ordens de Pilatos e, ao mesmo tempo, sentiu-se<br />
emociona<strong>do</strong> com o gesto simples <strong>do</strong> prisioneiro.<br />
Cerca<strong>do</strong> pelas vibrações pesadas <strong>do</strong> clima<br />
<strong>do</strong>minante que exigia o suplício ao condena<strong>do</strong> e asfixia<strong>do</strong><br />
pelo receio e temor de muitos, ele sabia que algo<br />
renova<strong>do</strong>r estava acontecen<strong>do</strong> em sua vida, mesmo<br />
que fosse tão pequenino como o grão de mostarda.<br />
Lançan<strong>do</strong> o olhar um pouco mais adiante,<br />
reconhece um homem que pode ajudar o prisioneiro<br />
e o chama em voz alta.<br />
Com as vestes empoeiradas, pois acabara de<br />
chegar <strong>do</strong> campo e, revelan<strong>do</strong> me<strong>do</strong>, Simão, judeu de<br />
família grega radicada em Cirene, ficou para<strong>do</strong>. O<br />
centurião, arrancan<strong>do</strong>-lhe um feixe de lenha que ele<br />
carregava, atirou-o para bem longe e ordenou: “obedece<br />
a César”.
FERNANDO PINHEIRO - 244<br />
Simão ajuda <strong>Jesus</strong> a carregar a cruz. O<br />
Mestre lhe dirige um olhar de profun<strong>do</strong> amor que lhe<br />
dulcifica interiormente. Quantas paisagens íntimas são<br />
descerradas para que a essência etérea se manifeste?<br />
Ternura e gratidão eram-lhe reveladas claramente,<br />
sem palavras, e o benfeitor inespera<strong>do</strong> acreditou na<br />
inocência daquele homem.<br />
Eram apenas poucos minutos, o suficiente, para<br />
que a lenda pessoal <strong>do</strong> jovem cireneu lhe fosse revelada<br />
em som infinito. Impulsiona<strong>do</strong> pelas vibrações inefáveis<br />
que sentiu naquele olhar, decifrou o enigma milenar<br />
da esfinge egípcia: conheceu a si mesmo.<br />
O desprendimento solidário, a serviço <strong>do</strong>s ideais<br />
sublimes, faz esquecer nossas limitações e atrai os<br />
sentimentos de gratidão de quem recebe, acumulan<strong>do</strong><br />
forças construtivas que removem obstáculos.<br />
O amor tem esse <strong>do</strong>m: transmudar.<br />
Ao voltar para casa, Simão contou aos<br />
familiares a emoção <strong>do</strong> dia tumultua<strong>do</strong> e a alegria de<br />
sentir o seu coração mais leve, mais leve. Era o nascer<br />
de novo.<br />
No jardim flori<strong>do</strong> de sua casa, as rosas eram<br />
balançadas pelo vento que as fazia mais encanta<strong>do</strong>ras<br />
e, entre elas, um botão surgiu, naquele dia, sem que<br />
ninguém tivesse nota<strong>do</strong>.<br />
Simão, o cireneu, era um homem <strong>do</strong> campo. A<br />
vida lhe proporcionou um aprendiza<strong>do</strong> volta<strong>do</strong> ao ambiente<br />
em que vivia. É oportuno a reflexão: redimensionan<strong>do</strong> a<br />
natureza.
245 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Quan<strong>do</strong> a criatura humana sente um impulso<br />
forte que a desperta para as realizações íntimas, um<br />
novo alento lhe acrescenta à alegria de viver.<br />
A partir daí, to<strong>do</strong>s os instantes passam a ter<br />
uma importância muito grande. Planos a executar são<br />
elabora<strong>do</strong>s com precisão, com detalhes que enriquecem<br />
o objetivo principal.<br />
O ideal, subliman<strong>do</strong> a vida daquele que conduz<br />
a arte, desvanece to<strong>do</strong> clima de adversidade como a <strong>luz</strong><br />
a escuridão.<br />
A sublimação <strong>do</strong>s desejos cria espaço ao<br />
ideal que se manifesta benefician<strong>do</strong> aquele que o fez<br />
brotar dentro de si. Muitas vezes, basta uma pequena<br />
demonstração de uma qualidade nobre de um companheiro<br />
de jornada para que o estímulo à busca de novo ritmo<br />
lhe desperte rumos salutares de conduta.<br />
A complementação da lacuna passa por várias<br />
fases e, dentre elas, há aquelas em que um ponto a<br />
mais é o suficiente para preenchê-la.<br />
A exemplo da medida que marca os pontos<br />
a complementar a lacuna, devemos observar quais as<br />
pessoas mais suscetíveis de compreenderem a nossa<br />
linguagem de simplicidade que elucida os problemas da<br />
vida.<br />
Com existem várias escolas <strong>do</strong> pensamento,<br />
devemos respeitar todas as apreciações daqueles que<br />
buscam os caminhos para uma eficiente jornada<br />
evolutiva. To<strong>do</strong>s estão certos diante da realidade em que<br />
vivem. A sabe<strong>do</strong>ria também se manifesta nas situações<br />
incompletas, pois não há mal algum se a semente ainda<br />
não tem condições de dar flores e frutos.
FERNANDO PINHEIRO - 246<br />
No ser humano o crescimento da vida se<br />
manifesta mais acentua<strong>do</strong> que nos conheci<strong>do</strong>s reinos<br />
inferiores da Criação. Isto porque o homem, através<br />
da inteligência, começa a deslindar os enigmas <strong>do</strong> seu<br />
caminhar.<br />
Esta conscientização de um mun<strong>do</strong> cerca<strong>do</strong> de<br />
maravilhas lhe dá uma responsabilidade muito grande<br />
porque assume o papel de preserva<strong>do</strong>r da natureza.<br />
Qualquer devastação <strong>do</strong>s elementos que o<br />
cercam, em processo de interação, traz consequências<br />
desastrosas que terá de passar. E não adianta desperdiçar<br />
energias reclaman<strong>do</strong> contra o mau tempo, o azar das<br />
horas e outras expressões verbais que denotam sentimentos<br />
de vaidade e presunção.<br />
Na compreensão <strong>do</strong>s recursos favoráveis à sua<br />
evolução, o homem, que já vislumbra que tem um<br />
ideal a cumprir, sente-se feliz em ser instrumento da<br />
arte e da beleza que a vida lhe oferece.<br />
Quan<strong>do</strong> o homem, então, compreende as<br />
possibilidades de ajuda àqueles que passam apressa<strong>do</strong>s<br />
em usufruir de uma ilusão fugidia, sente que eles têm<br />
o mesmo direito de participar das blandícias oferecidas<br />
pela natureza, sem que pudessem notar.<br />
A natureza não é somente as paisagens que estão<br />
no ar, na terra, nas águas, mas também aquelas que<br />
envolvem o homem no seu campo mental e espiritual.<br />
A natureza humana é a única que tem condições<br />
de sentir, com maior intensidade, as manifestações da<br />
<strong>luz</strong> e os movimentos que embelezam a vida. A natureza<br />
ao re<strong>do</strong>r é o mais eficiente recurso que o homem tem<br />
para verificar esta verdade.
247 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
38<br />
O OLHAR DE BEN-HUR<br />
Picture from Ben–Hur (movie): actor Charlton Heston looking at Christ<br />
No cenário de morte a vida resplandecia. O<br />
vento da tarde sombria espalhava o perfume <strong>do</strong>s campos<br />
flori<strong>do</strong>s de açucenas, margaridas e boninas. As folhas<br />
soltas rolavam como se fossem os sonhos <strong>do</strong>s<br />
triunfa<strong>do</strong>res da espada.<br />
O olhar de Ben-Hur era de total admiração e<br />
deslumbramento. Nunca sentira antes nada igual, nem<br />
mesmo quan<strong>do</strong> pisou o tapete vermelho ao ser recebi<strong>do</strong><br />
por César não vira nele qualquer traço que lhe<br />
despertasse a alma a<strong>do</strong>rmecida. No entanto, um homem<br />
simples e nobre, ergui<strong>do</strong> numa cruz, mostrou-lhe a<br />
maior de todas as conquistas.
FERNANDO PINHEIRO - 248<br />
Lentamente dirigiu-se a Ester, a esposa que<br />
o acompanhava, e lhe disse num sussurro comovente:<br />
“senti que a voz dele tirava a espada de minhas<br />
mãos e o ouvi falar: Pai, per<strong>do</strong>a-lhes, eles não sabem<br />
o que fazem”. (117)<br />
Toda a juventude de Ben-Hur foi movida pela<br />
represália. Nos jogos <strong>do</strong> destino, esteve prisioneiro nos<br />
embalos da galera, reman<strong>do</strong> acorrenta<strong>do</strong> numa trirreme<br />
romana. Ao resgatar a vida <strong>do</strong> cônsul Quintus Arrius<br />
de um naufrágio, ocorri<strong>do</strong> durante uma batalha naval,<br />
foi acompanhá-lo a Roma para receber de César as<br />
honras de triunfa<strong>do</strong>r de guerra.<br />
Com o prestígio adquiri<strong>do</strong>, o príncipe judeu<br />
volta as terras <strong>do</strong> Levante para competir e derrotar, na<br />
arena de Cesaréia, o tribuno Messala, o amigo de infância<br />
que se transformou em inimigo implacável. (118)<br />
Agora, no Calvário, ouvin<strong>do</strong> as palavras de<br />
perdão, sente-se mais próximo <strong>do</strong>s ideais que sonhou<br />
e respira fun<strong>do</strong> para reter algo mais <strong>do</strong> que o ar, a<br />
mente fica mergulhada na plenitude.<br />
(117) CHARLTON HESTON (1923/2008) – in Ben–Hur, a cena <strong>do</strong><br />
Calvário, dirigi<strong>do</strong> por William Wyler, filme que obteve 11 Oscars<br />
da Academia de Hollywood, ten<strong>do</strong> como protagonista principal<br />
Charlton Heston no papel–título que lhe rendeu, em 1959, o<br />
Oscar de melhor ator. No Brasil a dublagem da voz <strong>do</strong> ator<br />
Charlton Heston foi realizada por Márcio Seixas que, em entrevista<br />
realizada em 21/1/2007, no canal de televisão da rede Net – TV<br />
Veiga de Almeida, declarou que o olhar de Ben-Hur a <strong>Jesus</strong> Cristo<br />
foi uma das cenas mais impressionantes que já viu em cinema.<br />
(118) A cena da corrida de bigas, no filme Ben–Hur, é considerada, pela<br />
crítica e pelo público, o ponto máximo <strong>do</strong> cinema.
249 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Ben-Hur sentiu em <strong>Jesus</strong> a amizade que o<br />
seu amigo de infância não teve condições de demonstrar,<br />
na gratidão <strong>do</strong> cônsul que lhe dera o nome de pai<br />
e protetor, mas dentro <strong>do</strong>s limites humanos, na<br />
oportunidade de servir aos ideais nobres que o impera<strong>do</strong>r<br />
romano pouco tinha para oferecer.<br />
O coração desse jovem príncipe judeu era<br />
tão pequenino para receber tanto amor. Até aquilo<br />
que chamam de milagre ele conheceu: as energias da<br />
saúde que saíam de <strong>Jesus</strong> se espalhavam, como os<br />
ventos <strong>do</strong>s campos flori<strong>do</strong>s, benefician<strong>do</strong> os enfermos.<br />
Ele olhou ao re<strong>do</strong>r e viu seus familiares cura<strong>do</strong>s da<br />
lepra. Seus olhos se iluminaram na <strong>luz</strong> que vinha da<br />
cruz e uma alegria invadiu-lhe o ser.<br />
Naquele momento de comunhão com as esferas<br />
resplandecentes, onde gravitam as energias que movem as<br />
estrelas e ten<strong>do</strong> em <strong>Jesus</strong> a ligação maior, o paraíso<br />
parecia arder, mas aqueles que estavam sintoniza<strong>do</strong>s<br />
no amor sentiram o significa<strong>do</strong> profun<strong>do</strong> da vida.<br />
O olhar de Ben-Hur era o reflexo <strong>do</strong> olhar de<br />
<strong>Jesus</strong>. Agora, estava ven<strong>do</strong> a intimidade das rosas,<br />
<strong>do</strong>s ventos, <strong>do</strong> coração <strong>do</strong> homem, da grandeza de <strong>Jesus</strong><br />
que veio ao mun<strong>do</strong> sem ter a necessidade de usar o<br />
emblema da águia romana, embora respeitável.<br />
Quantas caminhadas foram encurtadas em<br />
apenas um passo que deu em direção <strong>do</strong> homem<br />
crucifica<strong>do</strong>! Quantos sofrimentos foram retira<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
caminho que Ben-Hur buscaria encontrar, estoicamente,<br />
nas oscilações <strong>do</strong> prestígio e da glória!<br />
O jovem príncipe ficou em silêncio por muito<br />
tempo, pensan<strong>do</strong> naquele olhar profun<strong>do</strong> que lhe<br />
revelou a sabe<strong>do</strong>ria <strong>do</strong>s valores, os que passam e
FERNANDO PINHEIRO - 250<br />
os que ficam mergulha<strong>do</strong>s no tempo, reacesos na<br />
lembrança <strong>do</strong>s amores eternos.<br />
Alguns solda<strong>do</strong>s romanos não sentiram a<br />
atmosfera azulada que fazia ponte entre aqueles que<br />
amam verdadeiramente e Aquele que é o próprio amor.<br />
Um instante depois, uma túnica foi rasgada<br />
e distribuída à sorte. Quem a ganhou, perdeu uma<br />
oportunidade de refletir sobre a vida. Um sorriso pareceu<br />
abafar o silêncio e risadas soltas pelo ar seguiram o<br />
caminho das oscilações.<br />
Um desses solda<strong>do</strong>s, que presenciou a cena<br />
trágica <strong>do</strong> Calvário, era Demetrius. Ele tocara as vestes de<br />
<strong>Jesus</strong>. Mais tarde, tornara-se amigo de Pedro, o apóstolo.<br />
De volta a Roma, o impera<strong>do</strong>r o nomeia tribuno, lota<strong>do</strong><br />
na guarda pretoriana, devi<strong>do</strong> ao combate em que<br />
saiu vence<strong>do</strong>r ao derrotar 30 homens arma<strong>do</strong>s na arena<br />
<strong>do</strong> Coliseu. No Palácio, torna-se amante de Messalina, a<br />
linda cortesã que tirava onda de sacer<strong>do</strong>tisa de Ìsis para<br />
granjear prestígio e poder.<br />
O destino fez com que ele tocasse, pela segunda<br />
vez, o manto sagra<strong>do</strong> em destroços. O impera<strong>do</strong>r romano<br />
encarregou a ele a missão de trazer para o Palácio a<br />
relíquia. Graças a interferência de Pedro, que evitou o<br />
iminente derramamento de sangue, Demetrius cumpriu<br />
a missão diante de uma circunstância em que a fé<br />
sobressaía acima das aparências físicas. Um antigo amor<br />
da primeira hora, uma linda jovem, mergulhada no efeito<br />
de um forte trauma, ocorri<strong>do</strong> semanas antes em que<br />
ela o viu ser leva<strong>do</strong> pela guarda pretoriana, conseguiu<br />
despertar, graças a fé exteriorizada no tempo em que<br />
passou coberta pelo manto.
251 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
O impera<strong>do</strong>r Calígula, de posse <strong>do</strong> manto<br />
sagra<strong>do</strong>, cometeu uma atrocidade ao mandar assassinar<br />
um prisioneiro, com o objetivo de testar o poder miraculoso<br />
das vestes. Sem a fé, logicamente, o milagre não ocorreu.<br />
De volta para casa, Ben-Hur caminhou por um<br />
riacho onde deslizavam águas cristalinas. As pedras limpas<br />
e lisas eram como homens que podiam mudar de lugar e<br />
aquelas outras nas rochas, seria necessária uma explosão<br />
para desprender <strong>do</strong> sono a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong> da consciência e<br />
depois caminhar, simplesmente caminhar.
39<br />
MARIA DE NAZARÉ<br />
FERNANDO PINHEIRO - 252<br />
Lament for strings orchestra, Opus 41, de Jack<br />
Gibbons, música escrita, em junho de 2003, e o coro final<br />
da Paixão segun<strong>do</strong> São João, de J.S. Bach, sugerem–nos a<br />
ideia <strong>do</strong> desenrolar final <strong>do</strong>s trágicos acontecimentos <strong>do</strong><br />
Monte Calvário, no qual estavam presentes numerosas<br />
mulheres, entre elas, Maria de Nazaré, Joana de Cusa,<br />
Madalena, Maria, esposa de Cleófas e apenas um homem<br />
fiel, João Evangelista, o apóstolo predileto.<br />
Este é o único momento da vida planetária em<br />
que as trevas impuseram o <strong>do</strong>mínio sobre o poder de Deus.<br />
Na Ressurreição o triunfo <strong>do</strong> herói da sepultura vazia,<br />
<strong>Jesus</strong>, a <strong>luz</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, ressurge no decorrer <strong>do</strong>s evos.
253 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Miguelangelo imortalizou, em La Pietá, a arte<br />
representada pela presença de Maria acolhen<strong>do</strong> no colo,<br />
com ternura, o filho morto na Cruz, em exposição<br />
permanente na Basílica de São Pedro, no Vaticano,<br />
uma das maiores atrações turísticas de Roma.<br />
Mozart, Schubert, Caccini, Gounod, Mascagni,<br />
Verdi, Fauré, Astor Piazzolla prestaram homenagem a<br />
Maria de Nazaré, nas conhecidas Ave–Maria. A comédia<br />
musical Notre Dame de Paris, baseada no romance de Victor<br />
Hugo, apresenta, em cena lírica, 53 números musicais de<br />
autoria de Richard Cocciante (também conheci<strong>do</strong> como<br />
Riccar<strong>do</strong> Cocciante), dentre os quais sobressai a Ave Maria<br />
Païe, letra de Luc Plamon<strong>do</strong>n, interpretada na voz de<br />
Hélène Ségara, de comovente beleza artística. O texto<br />
enfatiza: “Ave Maria, protège–moi de la misère, du mal et<br />
des fous qui règnent sur la Terre.”<br />
Fagundes Varella evoca o Brasil no entardecer<br />
das tardes fagueiras que saúdam a Virgem Maria:<br />
“No pórtico sublime <strong>do</strong> Oriente<br />
Surge fagueira a estrela vespertina,<br />
E, além, de nossas pobres freguesias<br />
Nos altos, alvejantes campanários,<br />
Sôa, pausa<strong>do</strong> e lento, o velho bronze<br />
Dobran<strong>do</strong>: – Ave Maria! – O viajante<br />
Que vem de terra estranha, e a pátria busca,<br />
Se ajoelha na beira <strong>do</strong> caminho,<br />
– Ave Maria – suspiroso fala.<br />
O cabreiro que desce das montanhas,<br />
Ao redil conduzin<strong>do</strong> a grei singela,<br />
Pára, levanta para os céus os olhos,<br />
E diz: – Ave Maria! – A mãe querida
Chama zelosa a prole abençoada,<br />
Junto à lareira da tranquila choça,<br />
E lhes repete a saudação divina.<br />
– Ave Maria!... na solidão <strong>do</strong>s mares<br />
Murmura o navegante: – Ave Maria!” (119)<br />
FERNANDO PINHEIRO - 254<br />
Esse clima bucólico da natureza resplandece<br />
ainda na voz da cantora Fafá de Belém que, no momento<br />
mais importante da carreira artística, cantou Ave Maria<br />
de Vicente Paiva (1908/1964) e Jaime Re<strong>do</strong>n<strong>do</strong> (1890/1952),<br />
numa apresentação que ganhou o mun<strong>do</strong>, nos i<strong>do</strong>s<br />
de 1997, na imagem transmitida, ao vivo pela televisão,<br />
da visita ao Brasil <strong>do</strong> papa João Paulo II:<br />
“Abençoai estas terras morenas, seus rios, seus campos<br />
e as noites serenas, abençoai as cascatas e as borboletas<br />
que enfeitam as matas.”<br />
A Ave Maria de Erothides de Campos, composta<br />
em 1924, inicia–se no clima nostálgico: “Cai a tarde<br />
tristonha e serena, em macio e suave langor”, imortalizada<br />
na voz de Augusto Calheiros, em 1939, e, posteriormente<br />
na de Altemar Dutra, Caetano Veloso, Inezita Barroso e<br />
Agnal<strong>do</strong> Rayol, entre outros.<br />
Se admirável é ver a felicidade das mulheres<br />
seguin<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong>, a admiração é ainda maior quan<strong>do</strong><br />
observamos ser Maria de Nazaré, a primeira cristã <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong>, testemunhan<strong>do</strong> esse amor, <strong>do</strong> começo ao fim <strong>do</strong><br />
plano terreno e, continua<strong>do</strong> nas regiões resplandecentes.<br />
O pioneirismo tem esse valor imarcescível.<br />
(119) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas<br />
Selvas – poema – Canto IV – Cap. IX – p. 129 – Livraria Imperial<br />
– 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.
255 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
40<br />
A PRESENÇA DIÁFANA<br />
Picture: Christ in Emaus by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)<br />
Os <strong>do</strong>is viajantes estavam a caminho de<br />
Emaús conversan<strong>do</strong> a respeito <strong>do</strong>s últimos acontecimentos<br />
ocorri<strong>do</strong>s em Jerusalém. (120)<br />
Em suas reflexões havia esperança e suspeitas<br />
de que aquela mulher, que se tornara conhecida pelo<br />
nome da cidade de Magdala, estivesse falan<strong>do</strong> a verdade.<br />
(120) LUCAS, 24:13 a 34
FERNANDO PINHEIRO - 256<br />
Sem dúvida, Madalena foi a mensageira da<br />
ressurreição de <strong>Jesus</strong> que a honrou na escolha com a<br />
finalidade de ressaltar o valor de seus méritos ao<br />
aban<strong>do</strong>nar a ilusão que esteve revestida de mil encantos<br />
em seu coração de mulher.<br />
A conversa prossegue entre dúvidas e<br />
interrogações e eis que ouvem uma voz que os indaga:<br />
“que palavras são estas que, caminhan<strong>do</strong>, trocais<br />
entre vós, e por que estais tristes?” Cleófas falou<br />
interrogan<strong>do</strong>-o: “porventura, és tu o único peregrino que<br />
não sabe o que se passou, nestes dias, em Jerusalém?”<br />
E, então, os <strong>do</strong>is companheiros começaram<br />
a falar a respeito <strong>do</strong>s acontecimentos trágicos.<br />
Comentavam ainda que esperavam que fosse ele quem<br />
redimisse Israel. Aliás, muitos homens naquelas regiões<br />
pensavam <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong>.<br />
Três dias já eram decorri<strong>do</strong>s sem que eles<br />
tivessem a prova que lhes confirmasse as notícias<br />
espalhadas por Madalena.<br />
Revelavam também que algumas mulheres foram<br />
de madrugada ao sepulcro e não encontraram o corpo<br />
dele. Elas tinham visto uma visão de anjos que disseram<br />
que <strong>Jesus</strong> vive.<br />
Num gesto de amigo, aquele que eles estavam<br />
mencionan<strong>do</strong>, na conversa, aproxima-se e disse-lhes:<br />
“oh! néscios e tar<strong>do</strong>s de coração para crer em tu<strong>do</strong> o<br />
que os profetas disseram! Porventura não convinha que o<br />
Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua glória?”<br />
Explica-lhes, então, que as profecias acerca de<br />
sua vida estavam nas escrituras de Moisés e em to<strong>do</strong>s<br />
os profetas. Menciona o evangelista Lucas que “ao chegar
257 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
à aldeia para onde iam, ele fez como quem ia para<br />
mais longe. Eles lhe disseram: a tarde desce, o dia<br />
já declinou, fica conosco”.<br />
O convite foi aceito e, então, ele entrou na<br />
casa <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is viajantes. E aconteceu que, prossegue a<br />
narrativa evangélica: “estan<strong>do</strong> <strong>Jesus</strong> com eles à mesa,<br />
parte o pão, abençoa antes e o distribui aos amigos<br />
aturdi<strong>do</strong>s. Quan<strong>do</strong> eles se dão conta, o reconhecem e<br />
ele desaparece”.<br />
Como não o identificaram antes? Seus corações<br />
ardiam por revelar, desde o caminho percorri<strong>do</strong>, que<br />
aquele visitante era <strong>Jesus</strong>.<br />
Os <strong>do</strong>is viajantes ficaram admira<strong>do</strong>s e voltaram<br />
a Jerusalém para relatar aos onze discípulos a visão<br />
da presença diáfana <strong>do</strong> Mestre.<br />
<br />
A presença diáfana de <strong>Jesus</strong>, nas cercanias da<br />
cidade de Emáus, transmite um clima de renovação.<br />
Em to<strong>do</strong>s os instantes, temos oportunidade de<br />
expressar nossos sentimentos diante da comunidade<br />
em que vivemos. Cada um tem uma mensagem que<br />
identifica a sua postura diante da vida.<br />
Os cenáculos de cultura e as reuniões de<br />
estu<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong> homem proliferam a cada dia mais.<br />
Há movimentos estimulan<strong>do</strong> a conquista de valores da<br />
espiritualidade que estão em todas as artes e ofícios,<br />
varian<strong>do</strong> sempre a forma de aprender e ensinar.
FERNANDO PINHEIRO - 258<br />
A conduta humana sempre mereceu destaque<br />
nos estu<strong>do</strong>s dessas associações beneméritas. Cada uma<br />
traz uma modalidade específica de conduzir seus trabalhos<br />
que visam o bem-comum.<br />
Como temos de percorrer os caminhos que a<br />
vida nos oferece, visitamos alguns lugares, deixan<strong>do</strong> a<br />
nossa contribuição para aqueles que têm necessidade<br />
de obter uma informação correta daquilo que veem por<br />
outra ótica.<br />
Nessas comparações de trabalho educativo,<br />
to<strong>do</strong>s que participam, com ânimo firme, aprendem a se<br />
localizar no lugar onde seus merecimentos apontam.<br />
É comovente observarmos as ligações de pessoas<br />
de trabalhos intelectuais diferentes se unirem com o<br />
propósito de buscar uma solução a tantos questionamentos<br />
da vida moderna. É necessário que esses grupos de<br />
estu<strong>do</strong>s se sobreponham diante daqueles que passam<br />
aturdi<strong>do</strong>s e inconforma<strong>do</strong>s com seus destinos.<br />
A renovação de ideias e atitudes coletivas é<br />
necessária nos dias de hoje, onde o clima das<br />
aparências engana<strong>do</strong>ras invade muitos lares, destruin<strong>do</strong>-os,<br />
dispersan<strong>do</strong> os casais, tentan<strong>do</strong> desestimular os filhos que<br />
acreditam nos pais envolvi<strong>do</strong>s com a separação.<br />
To<strong>do</strong>s respiram no clima em que vivem. Se<br />
há placidez nos lugares ermos, há também tumulto<br />
nos ambientes repletos de pessoas que se chocam<br />
emocionalmente.<br />
No campo social há interesses gritantes de<br />
conquista que repercutem nos movimentos de greve e<br />
protesto. No mês de maio/2009, no centro da cidade <strong>do</strong>
259 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Rio de Janeiro, uma greve inusitada: grupos de mulheres<br />
ostentan<strong>do</strong> cartazes: “Eu quero namorar.” Mas, acima de<br />
tu<strong>do</strong> que se agita no plano humano, está o reajuste<br />
harmonioso da lei de causa e efeito, revesti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
desencantos sociais. Se há carma para to<strong>do</strong>s os<br />
desencantos, por que não haveria carma para a solidão?<br />
Se cada um buscasse a compreensão <strong>do</strong> seu<br />
roteiro de vida, certamente o encontraria, sem alarde,<br />
para não prejudicar a busca <strong>do</strong> próximo que com ele<br />
convive.<br />
Se há um movimento dissipan<strong>do</strong> as vibrações<br />
amorosas, por que não haveria outro que agisse em<br />
direção contrária, onde o bem deve prevalecer?<br />
Disseminemos a semente germinante e deixemos<br />
que o tempo ári<strong>do</strong> desvaneça as ervas daninhas que<br />
impedem a floração de roseiras no jardim.<br />
<strong>Jesus</strong> Cristo é o nosso modelo de conduta.<br />
Com <strong>Jesus</strong> não tem carma nem solidão. É a<br />
vitória <strong>do</strong> amor.
41<br />
FERNANDO PINHEIRO - 260<br />
A NOITE DA APARIÇÃO<br />
Max Carphentier<br />
Membro da Academia de Letras <strong>do</strong>s Funcionários <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong> Brasil<br />
Luz <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é <strong>Jesus</strong>. Corre o tempo e<br />
parece que foi ontem nas terras da Galiléia e cercanias<br />
a sua passagem mergulhada nos teci<strong>do</strong>s grosseiros da<br />
matéria. Luz por excelência, continua a irradiar o que<br />
na própria <strong>luz</strong> se manifesta: vida, vida abundante em<br />
pleno dia <strong>do</strong>s olhos meus.<br />
Por acreditar nessa <strong>luz</strong>, a <strong>luz</strong> divina, o escritor<br />
Max Carphentier, no momento de integração com essa<br />
mesma <strong>luz</strong>, escreveu, em Manaus, nos i<strong>do</strong>s de 1988,<br />
a obra Nosso Senhor das Águas, com o prefácio de Dom<br />
Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo de São Paulo.
261 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Assim como a voz de <strong>Jesus</strong> fez calar o mar<br />
revolto numa perfeita sintonia com os movimentos da<br />
natureza, em gestos que excedem toda a delimitação<br />
humana, sonhamos ao ler a atmosfera evangélica no livro<br />
<strong>do</strong> escritor amazonense. Esse sonho pertence mais as<br />
preocupações salutares da estrela guardiã, que vigia a<br />
torre de Prócion, <strong>do</strong> que os nossos em seguir <strong>Jesus</strong>.<br />
No 1° capítulo, o autor narra as luminosas<br />
emanações da estrela e, em seguida, o diálogo dessa<br />
estrela com <strong>Jesus</strong>. Acreditamos que essa comunicação<br />
possa ter ocorrida na linguagem não verbal, assim como<br />
ocorre na linguagem <strong>do</strong> maestro na orquestra sinfônica,<br />
pois as irradiações celestiais possuem <strong>luz</strong> que, por sua<br />
vez, emana coloração, velocidade, peso, densidade, e<br />
estendem um cenário clarividente e multiforme onde a<br />
sabe<strong>do</strong>ria se manifesta sem a necessidade das palavras.<br />
Sem embargo, o autor, mais adiante, elucida: “O silêncio<br />
transpassa<strong>do</strong> de lua é o único capaz de dar palavra às<br />
águas e às areias estendidas.”<br />
Se o pensamento procede da alma, não há<br />
necessidade de haver sons articula<strong>do</strong>s pela matéria, pois<br />
no campo astral já está manifesta<strong>do</strong>. Essa inquestionável<br />
verdade tiveram os reis–magos quan<strong>do</strong> souberam pelas<br />
estrelas onde <strong>Jesus</strong> nasceu.<br />
Se existiram estrelas ou irradiações de espíritos<br />
luminosos que indicavam o caminho de Belém, por que<br />
não haveria de existir estrelas ou irradiações de espíritos<br />
luminosos que indicariam, em algum lugar, a presença<br />
de <strong>Jesus</strong>, nos tempos atuais? Para elucidar os fatos,<br />
Max Carphentier, possuin<strong>do</strong> o honroso prefácio <strong>do</strong><br />
venerável príncipe da Igreja, na obra Nosso Senhor das<br />
Águas, descreve:
FERNANDO PINHEIRO - 262<br />
“Na estendida noite, Prócion, alfa <strong>do</strong> Cão Menor,<br />
deteve o curso. E inclinou-se em reverência para deixar<br />
passar a <strong>luz</strong> <strong>do</strong> Filho. E o Filho disse à estrela circunspecta:<br />
“Queri<strong>do</strong> grão das sementeiras <strong>do</strong> meu Pai, estás aqui perdida<br />
e, ao mesmo tempo, estás numa bandeira, representan<strong>do</strong><br />
o povo que visitarei ainda hoje à noite. Alegra-te pois com o<br />
teu destino: habitas assim a longínqua Terra, no pano<br />
constituí<strong>do</strong> alto campo de estrelas, como desenho que<br />
abençoa e significa uma gente boa, rebanho ama<strong>do</strong> que<br />
cultiva as águas e celebra a comunhão entre as palmeiras.<br />
Senhor, respondeu Prócion, há pouco tempo, não mais que<br />
quatro rotações minhas, vi tua <strong>luz</strong> caminhar <strong>do</strong> oriente para<br />
o ocidente, e desejei que meu posto de vigília estivesse<br />
incluí<strong>do</strong> dessa vez entre as tuas paradas, e eu pudesse te<br />
falar. Agora vejo que, além de parares junto à minha torre,<br />
realizas o meu sonho, porque eu realmente sonhava com<br />
que fosses ver bem de perto o povo e o chão que confiaste<br />
também à minha órbita. O teu sonho tu o sonhas para<br />
mim, estrela, eis que o realizas da matéria transcendente<br />
que te dei ao peito. O sonho das sementes divinas quer a<br />
perfeição <strong>do</strong>s mun<strong>do</strong>s, e me antecipa. E que preocupações<br />
tens sobre esse povo, estrela, a ponto de ansiares minha<br />
direta presença? Senhor, sabes que eu e o aproxima<strong>do</strong> Sol<br />
e a mansa Lua temos da<strong>do</strong> o melhor de nossa energia vital,<br />
de nossos influxos, para que a natureza não se afaste <strong>do</strong><br />
ponto sublime a que chegou no Amazonas. Mas influências<br />
que escapam ao nosso prodígio têm interferi<strong>do</strong>, de maneira<br />
que existem feições de descaminho que nos parecem pedra<br />
de tropeço no plano da evolução, ousadas negações de<br />
vosso <strong>do</strong>mínio perpetradas pelo arbítrio <strong>do</strong> homem. Assim,<br />
há uma perturbação crescente das águas, desde o sacrifício<br />
das cachoeiras ao envenenamento <strong>do</strong>s lagos, ao desassossego
263 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
<strong>do</strong>s rios. Há erros antigos e novos na exploração da terra,<br />
que empobrecem a terra e escravizam o homem da terra.<br />
As espécies distribuídas na selva gemem na selva e pela<br />
selva, e a selva é toda um clamor. Aturdi<strong>do</strong> por inúmeros<br />
enganos, o homem é triste, uma tristeza que não mais<br />
confia na lágrima, nem na oração insiste. Ele tem as mãos<br />
vazias de seu próprio trabalho; não porque seja servo da<br />
selva, mas porque a selva tem si<strong>do</strong> serva da usura. Um<br />
homem explora<strong>do</strong> até os ossos. E essa exploração é tão<br />
velha, e cobre-se de tantos véus, que muitos a veem já<br />
como condição natural e insuperável. Nosso zelo nos faz ver<br />
mal, Senhor, ou realmente estamos atravessan<strong>do</strong> a noite<br />
necessária? Há verdadeiramente excessos e peca<strong>do</strong>s, minha<br />
boa Prócion, e disso estão cheios e penaliza<strong>do</strong>s os teus olhos.<br />
É dramática a perspectiva de uma estrela em seu olhar o<br />
mun<strong>do</strong>, porque os segre<strong>do</strong>s da evolução, principalmente o<br />
primeiro, e o último, não lhe são confia<strong>do</strong>s. Vós, estrelas,<br />
embora guardiãs, não tendes vida suficiente para ver o círculo<br />
fechar–se sobre si mesmo. Mas vos foi dada a consciência<br />
de vigília <strong>do</strong>s pastores, e assim vossos rogos são considera<strong>do</strong>s<br />
quan<strong>do</strong> percebeis aflitos os rebanhos, e já as pesadas nuvens<br />
cercam o leste, e a alcatéia desce na fuga <strong>do</strong>s esquilos. Por<br />
isso, vou para o Amazonas. Para realizar pessoalmente a<br />
Doutrina, corrigir rumos, e saciar-me. Prócion olhou para a<br />
região <strong>do</strong>s cometas futuros, e indagou: Também tu tens<br />
ânsias, Senhor, e as queres saciar, tal como eu olho o berço<br />
das <strong>luz</strong>es peregrinas e as quero ver ainda mais belas antes<br />
de extinguir–me? Minha ânsia pela Doutrina é conhecida,<br />
estrela, é a principal. No entanto, a nova ânsia de que<br />
quero saciar-me é o encontro com um esplen<strong>do</strong>r da<br />
natureza que não viram os meus olhos da carne quan<strong>do</strong><br />
fundei a minha Igreja. Como Verbo, criei os fundamentos
FERNANDO PINHEIRO - 264<br />
da natureza, e as formas da natureza, passadas e futuras,<br />
mas só participei da beleza da minha criação quan<strong>do</strong> assumi<br />
a carne, e sofri na carne, porque há uma dimensão da<br />
natureza que só a carne conhece, e isso a dignifica, e a<br />
faz dividir com o espírito o prima<strong>do</strong> da evolução. Eis<br />
aí as primícias <strong>do</strong> pó: só a ele é da<strong>do</strong> se encantar com<br />
o pó, e conhecer e gozar a estrutura de sua dimensão<br />
transitória. Assim, devo investir-me na matéria para<br />
conhecer a beleza integral. Sobre a Doutrina, considero que,<br />
para o homem amazônico, ela deve ser ministrada agora<br />
com to<strong>do</strong>s os fundamentos volta<strong>do</strong>s para a natureza, até<br />
que para sempre se entenda que, sem a natureza salva e<br />
eficazmente usufruída pelo homem, não pode o espírito<br />
esperar da carne a parte que lhe cabe no resgate <strong>do</strong> homem<br />
e <strong>do</strong> seu sonho. E quan<strong>do</strong> te digo que tenho ânsias de<br />
Amazonas, não me refiro apenas ao êxtase passageiro <strong>do</strong>s<br />
meus olhos, que tantas vezes a natureza da Palestina viram,<br />
mas quero dizer que estou ainda por realizar–me na<br />
relação <strong>do</strong> homem com a natureza e com o próprio homem,<br />
e quero ver-me mais transpareci<strong>do</strong>. Preservação e salvação<br />
andam juntas na minha ânsia. Aquilo que chamas de noite<br />
necessária são verdadeiramente os portais da aurora. Eles<br />
se abrem de par em par, à medida que são aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s<br />
os rumos da perdição. Vou, e não tardarei em exultar pela<br />
natureza amazônica, como fazia Jeremias pela formosura<br />
de Jerusalém, e como Eu próprio exultei com a natureza<br />
da Terra Santa. Nesse instante, Prócion o interrompeu:<br />
Sei que foste feliz, Senhor, com a natureza que cercou<br />
teus dias de Jordão, e disso ainda agora deste notícia<br />
com uma nota de saudade em tua voz. Por isso, eu tinha<br />
fé em que teus olhos não se apartariam <strong>do</strong> Amazonas,<br />
onde ainda é mais intensa a natureza. Se o céu da
265 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Galiléia se abria para ti entre os perfis das colinas pie<strong>do</strong>sas,<br />
o céu <strong>do</strong> Amazonas te recolherá na oração de mãos postas<br />
das palmeiras. E se completará ante o teu rosto a face<br />
de a<strong>do</strong>ração da natureza. Se os teus olhos descansavam<br />
da <strong>luz</strong> <strong>do</strong> deserto sobre os trigais infinitos da Samaria;<br />
se a videira anciã se transmudava em querubins para o<br />
Templo <strong>do</strong> teu Pai; e se proclamaste que o sangue da<br />
videira tem dignidade para interpretar as vozes <strong>do</strong> teu<br />
sangue, no Amazonas, por sua vez, to<strong>do</strong> o verde que<br />
te exprimir o poderio das várzeas te explicará como<br />
nascente de onde surgiram as águas; e as castanheiras<br />
revelarão para Ti seus cálices fecha<strong>do</strong>s como promessas<br />
de pão <strong>do</strong> novo mun<strong>do</strong>; e o branco sangue da seringueira<br />
te confessará que cumpriu a semente de misericórdia<br />
<strong>do</strong> teu sangue. Nisso estás certa, estrela, respondeu <strong>Jesus</strong>,<br />
porque se a natureza da Palestina assistiu os frutos da<br />
Paixão, é a natureza <strong>do</strong> Amazonas que colherá os frutos<br />
completos da Ressurreição. Se falas da Ressurreição, Senhor,<br />
lembro–me de te perguntar onde estão tuas chagas, que<br />
não vejo, nem eu teu peito, nem em tuas mãos, nem em<br />
teus pés. Minhas chagas foram desaparecidas durante a<br />
Ascensão, estrela, porque o céu não guarda lembrança<br />
de infortúnios, nem poderiam subir comigo as nó<strong>do</strong>as <strong>do</strong><br />
peca<strong>do</strong>. Nem Eu descerei com elas para aumentar as<br />
chagas da Planície. Minhas chagas reapareceram após nos<br />
estigmas <strong>do</strong> Alverno, que mandei a Francisco como<br />
distinção de fé, e na carne de Francisco as minhas chagas<br />
foram banidas <strong>do</strong> Universo, e nunca mais, desde a Ascensão,<br />
elas ultrapassaram o limite de símbolo e de memória.<br />
II
FERNANDO PINHEIRO - 266<br />
<strong>Jesus</strong> e Prócion calaram-se no amor. O silêncio entre<br />
Deus e as estrelas significa a gestação de novos mun<strong>do</strong>s.<br />
E <strong>Jesus</strong> lembrou-se: Antes de chegar à tua torre, consultei<br />
teu anjo, e sei que estás interessada na preparação de novas<br />
moradas para o homem. Pois te digo que está adianta<strong>do</strong><br />
o sistema da constelação de Vega, entre tantos outros,<br />
e já seleciona<strong>do</strong>s os princípios das formas, novas<br />
propriedades da matéria, outra natureza. E quan<strong>do</strong> as<br />
eras se completarem haverá necessidade de chegada da<br />
Doutrina. Mas antes que a Terra seja saudade, o homem<br />
deve conquistar e proteger na natureza a sua própria<br />
continuidade. E a natureza <strong>do</strong> Amazonas, sen<strong>do</strong> hoje um<br />
círculo de vítimas, deverá ser o exemplo da vida equilibrada<br />
sobre o planeta, após o resgate <strong>do</strong>s vícios.<br />
E ven<strong>do</strong> o Senhor que Prócion continuava parada,<br />
e que já era adiantada a hora, falou-lhe: Não te é lícito,<br />
estrela, que pares mais de um instante, porque a rotação<br />
de uma estrela guardiã influi no sossego <strong>do</strong>s rios e nas<br />
cicatrizes das almas. A estrela sorriu dentro <strong>do</strong> próprio<br />
peito craveja<strong>do</strong> de auroras. Um sorriso de estrela demorada<br />
na felicidade. E na voz <strong>do</strong> Senhor, que se afastava, Prócion<br />
reaprendeu a música da rota.<br />
O adeus da vasta claridade deixou novamente entre<br />
as sombras a constelação visitada. E quan<strong>do</strong>, numa curva<br />
<strong>do</strong> céu, Prócion olhou a Terra, a luminosidade <strong>do</strong><br />
Mestre já envolvia a noite <strong>do</strong> planeta com a carícia geral<br />
<strong>do</strong>s bóli<strong>do</strong>s serenos. E logo em seguida o astro viu os<br />
pés <strong>do</strong> Filho, límpi<strong>do</strong> de busca, tocarem as areias tenras<br />
de uma praia <strong>do</strong> Rio Negro, haste esquerda <strong>do</strong> Amazonas.<br />
(...)
267 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
Estamos em quarto–crescente avança<strong>do</strong>. Falta à lua<br />
apenas uma ronda de terceira vigília para que o fervor<br />
da chama fria tome conta completa de seu peito. Instante<br />
propício para a chegada <strong>do</strong> Mestre: resta um reduto da<br />
treva a ser invadi<strong>do</strong>, no círculo da lua e nos <strong>do</strong>mínios da<br />
selva. A memória de todas as luas–cheias <strong>do</strong> Rio Negro<br />
concentra agora sua claridade de escamas nesse crescente<br />
aberto às esperanças. Essa é a lua Jaci, a que anualmente<br />
descia às matas para escolher entre as virgens as<br />
estrelas <strong>do</strong> seu <strong>do</strong>mínio. Essa é a mesma lua que escalvou<br />
o Gólgota, que boiou no Tiberíades, que afaga o sono das<br />
vitórias-régias e recolhe na lenda o coração <strong>do</strong> homem<br />
amazônico. Essa a estrela <strong>do</strong> novo Natal. Ela redescobre e<br />
planta na areia fértil os grãos da manje<strong>do</strong>ura.<br />
Glória a Deus nas alturas e paz na selva aos homens<br />
por Ele visita<strong>do</strong>s. De remo e inúbia, mais <strong>do</strong> que caja<strong>do</strong> e<br />
flauta, arma-se a atmosfera. A estalagem de Belém se<br />
recompõe, para um <strong>Jesus</strong> adulto, numa praia perdida <strong>do</strong> Rio<br />
Negro.<br />
IV<br />
O úmi<strong>do</strong> luar estira<strong>do</strong> sobre a areia cedeu sob seu<br />
passo. <strong>Jesus</strong>, paran<strong>do</strong>, observou que, abertas sobre as<br />
árvores menores, as palmas <strong>do</strong>s buritizeiros, tornan<strong>do</strong><br />
pródigas as sombras, distribuíam na brisa a voz múltipla<br />
<strong>do</strong>s animais da selva. Nenhuma habitação perto dali,<br />
nenhuma <strong>luz</strong> senão a minúscula suspensão de vaga–lumes<br />
novos sobre o rio. O Mestre mergulhou os pés na água e<br />
caminhou de frente para a lua na orla fluvial. A face divina<br />
voltada para o círculo repleto é um outro luar andan<strong>do</strong><br />
sobre a areia. Bendito sejas, meu Pai, que aproximaste da<br />
Terra esse rosto de santa, a compadecida das trevas, a<br />
lua que tanto me a<strong>do</strong>rmeceu entre os salgueiros de Jericó,
FERNANDO PINHEIRO - 268<br />
e que agora me recebe no Amazonas, brilhan<strong>do</strong> mais<br />
propícia à paz da selva.<br />
<strong>Jesus</strong> vai encontran<strong>do</strong> e vai sentin<strong>do</strong>, uma a uma,<br />
as manifestações da natureza que o rodeia. A circunspeção<br />
enluarada <strong>do</strong> rio chega-lhe aos pés em suspiros de<br />
espumas despertadas. O silêncio transpassa<strong>do</strong> de lua é o<br />
único capaz de dar palavra às águas e às areias estendidas.<br />
É audível o rio em sua linguagem de sombras submersas.<br />
De instante a instante, <strong>Jesus</strong> percebe outros sons da<br />
noite: a queda <strong>do</strong>s cocos maduros <strong>do</strong> patauá; o farfalhar<br />
de uma touceira de paxiúba; a insônia de um cururu<br />
compassa<strong>do</strong>, um piar de acauã treme<strong>luz</strong>in<strong>do</strong> as folhas.<br />
E o Cristo passeia devagar, e passean<strong>do</strong> reza: Graças<br />
vos <strong>do</strong>u, meu Pai, por essas belezas reunidas aos pés<br />
das fogueiras celestes. A carne de homem que me deste<br />
está tensa já, e já encantada, de abundância e de vida.<br />
Vim para conhecer a promessa de cardumes desse rio,<br />
e o rio me recebe com genuflexão religiosa. Sou feliz pelo<br />
peixe e pela liturgia <strong>do</strong> peixe. Vim para conhecer na<br />
selva a mais poderosa conjugação <strong>do</strong>s teus milagres<br />
vegetais, a transformação <strong>do</strong> teu alento cósmico em<br />
vida de carnações inumeráveis, e a selva me recebe com<br />
o ruí<strong>do</strong> devota<strong>do</strong> de frutos e de asas se expandin<strong>do</strong>. Sou<br />
feliz pela selva e pela <strong>do</strong>ação das espécies da selva. Nasço<br />
agora de novo para os homens, para o homem daqui,<br />
porta<strong>do</strong>r de toda a esperança <strong>do</strong> terceiro milênio. Esta é<br />
a minha vinda extraordinária, não prevista nos Livros, nem<br />
nos sonhos <strong>do</strong>s profetas, sem a preparação de João Batista<br />
e sem a conceição de Maria. Chego mais completo pela<br />
experiência humana da Paixão e da Morte. Eu fui toma<strong>do</strong> pelo<br />
Pai, na hora da cruz, no momento em que minha<br />
carne atingia o apogeu <strong>do</strong> sofrimento, e pouca oportunidade<br />
tive de experimentar essa carne após a Ressurreição. Quero
269 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
agora exercitá-la, entre os homens desta terra, após o<br />
momento em que, pelo ponto mais alto da <strong>do</strong>r, ela ficou<br />
mais afinada com a <strong>do</strong>r <strong>do</strong>s homens; e, pelos mistérios<br />
desvenda<strong>do</strong>s da Morte e da Ressurreição, ela também<br />
conheceu tu<strong>do</strong> o que de santo o Pai reservou para a<br />
carne <strong>do</strong>s homens. Como conheceu a morte, está mais<br />
humana a perfeição <strong>do</strong> Filho. E Eu mesmo me batizarei<br />
de novo, para a investidura na nova missão.<br />
Ten<strong>do</strong> isso balbucia<strong>do</strong>, <strong>Jesus</strong> entrou no rio e, com<br />
as mãos em concha, tirou um pouco d´água e derramou<br />
sobre a cabeça, e disse: Faço isso em memória da voz<br />
que clamava no deserto, e como invocação <strong>do</strong> Espírito<br />
Santo, e como renovação de um mistério da Doutrina.<br />
Pai, glorifica o teu Filho. Tu, que o confirmaste na<br />
face <strong>do</strong>s desertos, confirma-o agora ante o sono da selva.<br />
Tu, que o recolheste das sombras da morte, ordena-o<br />
agora para a sombra da vida.<br />
Nesse instante, abriu-se o céu como a fenda de<br />
um raio largo, demora<strong>do</strong> e orfeônico, e ouviu-se nas<br />
margens <strong>do</strong> Rio Negro como nas margens <strong>do</strong> Jordão o<br />
comprazimento de Deus: “Tu és meu Filho bem-ama<strong>do</strong>,<br />
no qual pus toda a minha complacência.” Man<strong>do</strong>-te para<br />
o esclarecimento e para o perdão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s contra a<br />
natureza. Demora-te na misericórdia e na beleza.<br />
Tão rápi<strong>do</strong> como se abrira, fechou-se o solo sagra<strong>do</strong><br />
com amálgama de nuvens, mas a selva demonstrou, pela<br />
súbita hosana levantada de suas folhas, que despertara no<br />
meio de sua própria salvação. E de novo a<strong>do</strong>rmeceu,<br />
como a criança que no meio da noite encontra o seio<br />
materno e se recolhe em seu novo sonho.<br />
Nada que o Filho recebe <strong>do</strong> Pai deixa de ser<br />
manifesta<strong>do</strong> para a elevação <strong>do</strong> homem. E o Filho, que é
FERNANDO PINHEIRO - 270<br />
o caminho da glória, sempre imediatamente depõe para o<br />
homem as benesses de sua confirmação como Salva<strong>do</strong>r.<br />
Então, agora, esse Cristo reouvi<strong>do</strong>, que tem o rosto<br />
molha<strong>do</strong> pelo batismo selvagem, e o manto úmi<strong>do</strong> pelo<br />
sereno da noite aprofundada, proclama ao luar: És tu, Rio<br />
Negro; és tu, Rio Amazonas; és tu, Madeira, Purus; sois<br />
vós, águas todas da calha poderosa, o meu novo Jordão!<br />
Agora estou verdadeiramente pronto, e estou convosco,<br />
homens filhos das águas! No deserto vingou a semente<br />
da fé. A selva agora recolherá os seus frutos, porque<br />
hoje, ao menos, to<strong>do</strong>s me reconhecerão. E Eu passo da<br />
Ressurreição entre as pedras para a Ressurreição entre as<br />
folhas, e verei as provisões que a Doutrina deixara aqui<br />
e as desenvolverei para a libertação e para a salvação <strong>do</strong><br />
homem. Alegrar-me-ei em falar de novo e diretamente<br />
para o coração <strong>do</strong> homem, já eleva<strong>do</strong> por <strong>do</strong>is milênios<br />
da minha palavra. Muitos daqui já têm a sabe<strong>do</strong>ria <strong>do</strong><br />
amor prova<strong>do</strong> na chama antiga. Em verdade, o caminho<br />
para o Pai e os homens cresceu de <strong>luz</strong>es, porque meus<br />
pastores não descansaram um minuto na longa travessia.<br />
E como alta era a noite e não havia nenhuma<br />
inquietação ao re<strong>do</strong>r, o Mestre procurou a fronteira<br />
entre a areia e a mata e deitou com a cabeça na relva, os<br />
pés cruza<strong>do</strong>s, as estrelas contan<strong>do</strong> até o sono.<br />
(...)<br />
Quan<strong>do</strong> a aurora sobre as águas sacudiu a<br />
rósea cabeleira de astros i<strong>do</strong>s, os pássaros abriram para<br />
ela o peito de cristal. <strong>Jesus</strong>, com um longo suspiro,<br />
despertou no mun<strong>do</strong> verde. Pouco a pouco, as fontes<br />
gerais da vida, tocadas pelo ritual da <strong>luz</strong> que se levanta,<br />
derramaram nos ramos e nos ares o novo dia, a renovação<br />
loura de tu<strong>do</strong>. E houve, ante a face <strong>do</strong> Mestre, como
271 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
tributo à nova claridade que chegara ao vale, um momento<br />
de intensa orquestração nas sombras indecisas.<br />
A madrugada à beira <strong>do</strong>s rios é sempre música.<br />
É lento, e especial, cada minuto dessa transição<br />
organizada pela <strong>luz</strong> na noite desmoronada da selva. Há<br />
sonos que resistem, órbitas vigilantes que se apegam<br />
aos vestígios da noite como quem se agarra às mãos<br />
de um ente ama<strong>do</strong> que desaparece. Essa a vocação, por<br />
exemplo, da coruja murucututu e <strong>do</strong> morcego andirá. Mas<br />
há os devotos da cor, os ébrios das resinas luminosas,<br />
que, ao contrário, antecipam a manhã, como se preparassem<br />
de sua própria ânsia as primeiras vestes da aparição da<br />
<strong>luz</strong>. Esse prelúdio, berço anterior e dissemina<strong>do</strong> da aurora,<br />
decorre principalmente no peito <strong>do</strong>s cantores como o<br />
rouxinol e nas grinaldas das flores trepadeiras. Nesse<br />
confronto entre os a<strong>do</strong>ra<strong>do</strong>res da noite e os acólitos reside<br />
a fina passagem, o trânsito veloz da nostalgia pelo rosto<br />
exuberante da alvorada. Porque as forças noturnas não<br />
se despedem rin<strong>do</strong>. Nem a selva, que consuma sua<br />
beleza à <strong>luz</strong> <strong>do</strong> dia, se esquece facilmente das essências<br />
que elaborou sob as estrelas. Pacifican<strong>do</strong> esses ânimos<br />
contrários, de despedida e reencontro, demora-se a<br />
comovida aurora, e sustém o tempo, em sua primeira<br />
missão cálida.<br />
Pertence, pois, ao amanhecer a primeira impressão<br />
que <strong>Jesus</strong> tem <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> amazônico: aqui, a irresistível<br />
aurora é dura<strong>do</strong>ura. Por isso que a redenção, gradual e<br />
preparada, se alonga a partir <strong>do</strong> céu. Na Palestina, o Cristo<br />
conhecera apenas a manhã súbita, o assalto da <strong>luz</strong> sobre<br />
as estepes, como se o sol não demorasse mais de uma<br />
nota de flauta para acender a lã <strong>do</strong>s rebanhos despertos.<br />
Aqui, porém, no devotamento da selva, com os cálices
FERNANDO PINHEIRO - 272<br />
repletos de mistério e água, a <strong>luz</strong> celebra mais.” (121)<br />
<br />
Amor–Sabe<strong>do</strong>ria<br />
Aprecian<strong>do</strong> a leitura da obra de Max<br />
Carphentier, podemos fazer uma pergunta esclarece<strong>do</strong>ra:<br />
se a <strong>luz</strong> <strong>do</strong> sol chega à Amazônia, oriunda de milhões<br />
de léguas de distância, por que não haveria de chegar<br />
àquela região a <strong>luz</strong> de <strong>Jesus</strong>? E, se há <strong>luz</strong> de <strong>Jesus</strong>,<br />
em algum lugar, há também a presença dele nessa <strong>luz</strong>,<br />
o que é a mais coisa. Dentro <strong>do</strong>s sonhos, já tivemos<br />
experiência idêntica que comprova a existência de <strong>Jesus</strong>.<br />
Ao resumir toda a <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> Senhor <strong>do</strong>s<br />
espíritos na palavra amor, apresentamos, neste último<br />
capítulo, o tema amor eleva<strong>do</strong> ao patamar de sabe<strong>do</strong>ria.<br />
Os semea<strong>do</strong>res da primeira hora trazem o<br />
cuida<strong>do</strong> em suas mãos. A seara, que foi preparada<br />
para receber as sementes, tem, assim mesmo, alguma<br />
adversidade porque o tempo escasso não permite uma<br />
preparação completa.<br />
No decorrer das horas, temos necessidade de<br />
semear a palavra, no momento exato, sem querermos<br />
saber se as conveniências todas estão adequadas.<br />
(121) MAX CARPHENTIER – in Nosso Senhor das Águas, pp. 16 a 26 –<br />
Prefácio de D. Paulo Evaristo Arns, Cardeal–Arcebispo de São<br />
Paulo – Abas da capa redigidas por Mansour Chalita – 1992 –<br />
Manaus – AM.
273 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
O tempo é de emergência. O ambiente social <strong>do</strong><br />
planeta virou hospital. Se a morte espreita o paciente,<br />
não é a hora de sabermos se, além <strong>do</strong> risco de vida, há<br />
unhas a cortar, cabelos a ajeitar, sapatos a engraxar e<br />
outros cuida<strong>do</strong>s individuais que estão fora da cogitação<br />
médica.<br />
No momento em que a <strong>do</strong>r se generaliza nos<br />
ambientes por onde passamos, devemos revelar a nossa<br />
postura de vida, a fim de que outros males não<br />
venham a se instalar.<br />
Mesmo que seja apenas uma palavra, um olhar<br />
carrega<strong>do</strong> de vibração amor–sabe<strong>do</strong>ria, o resulta<strong>do</strong> terá<br />
efeitos surpreendentes àqueles que passam por testes<br />
difíceis.<br />
Sem pressa nem preocupação em agir, nossa<br />
atenção se volta àqueles que convivem conosco as horas<br />
marcadas pelo trabalho em diversos setores onde a<br />
expansão se faz necessário.<br />
Em qualquer parte onde estamos, a identificação<br />
que temos pela vida é aguardada por aqueles que nos<br />
acompanham os passos, assim como nós vemos neles a<br />
oportunidade de verificar se há um clima adequa<strong>do</strong> à<br />
realização <strong>do</strong>s sonhos que nascem n´alma.<br />
Morta a emoção em desalinho, a razão existencial<br />
<strong>do</strong> viver, ou, mais precisamente, a inteligência delineia<br />
espaços onde só o amor deve existir, o amor acompanha<strong>do</strong><br />
da sabe<strong>do</strong>ria. Há, no entanto, companheiros, apressa<strong>do</strong>s<br />
em semear, que não observam as condições <strong>do</strong> tempo<br />
e assim espalham as sementes em to<strong>do</strong>s os terrenos.<br />
Na maioria das vezes, o que foi recentemente semea<strong>do</strong> é<br />
leva<strong>do</strong> pelos ventos.
FERNANDO PINHEIRO - 274<br />
O amor planta<strong>do</strong> sem a sabe<strong>do</strong>ria se desvia<br />
pelos canais que alimentarão a emoção que pode resvalar<br />
a níveis inferiores de consciência, onde reina a ilusão<br />
que gera a <strong>do</strong>r e o sofrimento.<br />
Há uma necessidade primordial que nos indica<br />
o trabalho a fazer junto àqueles que falam de saudades,<br />
solidão, me<strong>do</strong> e inconformação das vicissitudes da vida.<br />
Há, dentro de nós, um respeito e compreensão<br />
<strong>do</strong> ponto de vista em que se posicionam. Aquilo que<br />
parece desagradável é algo que lhes desperta suas<br />
forças internas, as únicas que conseguirão levar-lhes à<br />
compreensão de que tanto precisam.<br />
Enquanto isto estiver ocorren<strong>do</strong>, seguiremos o<br />
nosso caminho disseminan<strong>do</strong>, em outras searas, a<br />
palavra e o olhar que inspiram o amor ultrapassan<strong>do</strong> os<br />
níveis da personalidade humana e atingin<strong>do</strong> a consciência<br />
divina, que to<strong>do</strong>s trazem guardada dentro de si, para<br />
compreendermos a ligação que nos une.<br />
Em clima de juras, juras de “Patria, socialismo<br />
o muerte, lo juro” (122), na “Venezuela caribeña, amazónica,<br />
andina y universal” (123), o nosso pensamento está liga<strong>do</strong> a<br />
<strong>Jesus</strong>, cita<strong>do</strong>, no enlevo de vitória e de projeto social,<br />
por Hugo Chávez, ao tomar posse, pela terceira vez, no<br />
cargo de presidente, anuncian<strong>do</strong> el poder comunal: “por<br />
Cristo, o maior socialista da história, por todas as <strong>do</strong>res,<br />
por to<strong>do</strong>s os amores, por todas as esperanças”. (124)<br />
(122, 123) HUGO CHÁVEZ – Discurso de posse, em 10/1/2007, no cargo<br />
de presidente da Venezuela – Jornal El Nacional – Caracas, Venezuela<br />
(124) Apud Jornal <strong>do</strong> Brasil – Internacional – p. A–17 11/1/2007
275 - JESUS, LUZ DO MUNDO<br />
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