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BANCO DO BRASIL – Lisboa Serra, poeta, tribuno e presidente

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CPI <strong>–</strong> Brasil. Catalogação-na-fonte<br />

Rio de Janeiro - RJ<br />

Pinheiro, Fernando<br />

<strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong><br />

- <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 2<br />

1. <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong><br />

<strong>–</strong> LISBOA SERRA, POETA, TRIBUNO E PRESIDENTE<br />

<strong>–</strong> Criação, organização e funcionamento do Banco do<br />

Brasil (1853/1855)<br />

<strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, o campeão da luta em defesa do<br />

Banco do Brasil <strong>–</strong> Câmara dos Deputados <strong>–</strong><br />

meados do século XIX.<br />

2. HISTÓRIA 3. BIOGRAFIA INSTITUCIONAL<br />

4. ENSAIOS 5. 240 pp.<br />

Proibida a reprodução (Lei 5.988/73).<br />

Reservados todos os direitos do autor. Proibida<br />

qualquer reprodução desta obra por qualquer meio ou<br />

forma (eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia,<br />

gravação ou qualquer sistema de reprodução), sem<br />

a autorização prévia do autor.<br />

Obra amparada pelos Direitos Autorais.<br />

Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ<br />

2011


3 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

ICONOGRAFIA<br />

RETRATO DE JOÃO DUARTE LISBOA SERRA (1818/1855)<br />

Panteão Maranhense, de Antônio Henriques Leal <strong>–</strong> 1874<br />

Obra custodiada pelos seguintes acervos:<br />

Instituto Histórico Geográfico Brasileiro <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />

Biblioteca Nacional <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />

Centro Cultural Banco do Brasil <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ<br />

Galeria de Presidentes do Banco do Brasil (1854/2004)<br />

Galeria de Patronos da Academia de Letras dos Funcionários do<br />

Banco do Brasil<br />

Assembleia Legislativa Imperial<br />

Ilustração da obra Notices of Brazil in 1828 and 1829 <strong>–</strong> vol. II,<br />

p. 426, de Robert Walsh, editado, em 1830, em Londres.<br />

Digitizing sponsor: Brown University <strong>–</strong> Not in Copyright <strong>–</strong> Free<br />

Download & Streaming <strong>–</strong> Internet Archive <strong>–</strong> Mozilla Firebox.<br />

Arcos da Lapa <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />

Ilustração da obra Notices of Brazil in 1828 and 1829 <strong>–</strong> vol. I,<br />

p. 498, de Robert Walsh, editado, em 1830, em Londres <strong>–</strong><br />

Idem, idem.<br />

CÉDULAS <strong>DO</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong><br />

<strong>–</strong> 30$000 <strong>–</strong> 50$000 <strong>–</strong> 100$000 <strong>–</strong> 200$000<br />

Emitidas em 1854 (gestão do <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>)<br />

Impressas pelo American Bank Note Company <strong>–</strong> in História do<br />

Banco do Brasil, vol. II, de Cláudio Pacheco (edição 1993)<br />

<strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> Auditório Ed. SEDAN <strong>–</strong> 21° andar<br />

Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ <strong>–</strong> 20/11/1995<br />

1° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social, realizado<br />

pela Academia de Letras dos Funcionários do Banco. LUIZ JORGE<br />

DE OLIVEIRA, diretor de Finanças do Banco do Brasil (30/3/1983<br />

a 15/2/1995) faz o uso da palavra, ladeado por Alain Vallabriga,<br />

consul<strong>–</strong>geral honorário da República do Senegal <strong>–</strong> Foto: Ivanoé <strong>–</strong><br />

Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil


Apresentação<br />

SUMÁRIO<br />

FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 4<br />

<strong>–</strong> A Missão Social do Banco do Brasil<br />

Luiz Jorge de Oliveira, diretor de Finanças do Banco<br />

do Brasil (30/3/1993 a 15/2/1995) 5<br />

Capítulo I<br />

<strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> e o seu tempo<br />

16<br />

Capítulo II<br />

<strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, 18° governador da Província da Bahia 58<br />

Capítulo III<br />

<strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, deputado e <strong>presidente</strong> do BB<br />

65<br />

Capítulo IV<br />

<strong>–</strong> BB: organização e funcionamento<br />

206<br />

Capítulo V<br />

<strong>–</strong> Homenagem de Gonçalves Dias a <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

235<br />

Bibliografia<br />

239


5 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

O diretor Luiz Jorge de Oliveira faz o uso da palavra, ao lado<br />

do diplomata Alain Vallabriga, cônsul<strong>–</strong>geral honorário da<br />

República do Senegal <strong>–</strong> Foto: Ivanoé<br />

Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil<br />

Apresentação<br />

A MISSÃO SOCIAL <strong>DO</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong><br />

LUIZ JORGE DE OLIVEIRA<br />

Diretor de Finanças do Banco do Brasil (30/3/1993 a 15/2/1995)<br />

É com muita honra que atendo ao convite<br />

que me foi feito pelo escritor Fernando Pinheiro para<br />

participar da abertura dos trabalhos deste Seminário<br />

promovido pela Academia de Letras dos Funcionários<br />

do Banco do Brasil, em que se procurará discutir o<br />

papel do Banco no processo de integração social.<br />

A presença e a importância do Banco na<br />

sociedade brasileira são de tal ordem a ponto de ter<br />

contribuído, ao longo de sua história, para a formação<br />

dessa egrégia Academia de Letras.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 6<br />

A história do Banco do Brasil não é a<br />

história de uma instituição cuja influência se tenha resumido<br />

exclusivamente à esfera econômica. Ao contrário, sua<br />

contribuição à sociedade brasileira vai muito além das<br />

externalidades geradas diretamente pelos empréstimos<br />

concedidos.<br />

O surgimento daquela que foi a primeira<br />

instituição financeira no País deu-se há quase dois<br />

séculos, ainda quando o Brasil era apenas uma<br />

colônia portuguesa. A contingência histórica, porém,<br />

havia trazido para este lado do Atlântico a Família<br />

Real da Coroa Lusitana, em fuga das constantes<br />

ameaças por parte das tropas francesas.<br />

Assim, em 12 de outubro de 1808, é fundado<br />

o Banco do Brasil e inaugurada, na cidade do Rio<br />

de Janeiro, a primeira de suas Dependências. Este<br />

foi o primeiro banco a funcionar nos domínios portugueses<br />

e o quarto emissor de moeda em todo o mundo, precedido<br />

apenas pelos bancos da Suécia, Inglaterra e França.<br />

Desde seu surgimento, o Banco do Brasil já<br />

trazia sua marca de estimulador do desenvolvimento<br />

econômico. Através do crédito à indústria e à agricultura,<br />

o BB também tornou possível o aprofundamento do<br />

processo de integração nacional.<br />

Assim tem sido desde o final do século<br />

passado, quando surgiram as primeiras linhas de<br />

crédito direcionadas ao assentamento de imigrantes europeus<br />

em lavouras de café, as quais passavam a sofrer os<br />

primeiros impactos da libertação da mão-de-obra<br />

escrava.


7 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Nessa mesma época, o ciclo da borracha<br />

tornava a região amazônica extremamente atrativa do<br />

ponto de vista empresarial. Reafirmando uma vez<br />

mais sua vocação desenvolvimentista e de estímulo à<br />

integração nacional, o Banco inaugura sua segunda<br />

agência em Manaus em 1908.<br />

Algumas décadas mais tarde, em 1937, é<br />

criada a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial<br />

(CREAI), através da qual o Banco institui o crédito<br />

rural especializado e lança as bases para o fomento<br />

da atividade industrial nascente.<br />

Pouco a pouco, o Banco vai firmando as<br />

bases necessárias para a promoção do desenvolvimento<br />

econômico, através de sua atuação estreita na concessão<br />

do crédito agrícola, do crédito industrial e de sua<br />

presença no comércio exterior.<br />

No entanto, o fato de pertencer à esfera de<br />

poder da União, confere à empresa de capital aberto<br />

Banco do Brasil característica peculiar de instituição pública<br />

federal. Com isso, fica evidenciado seu caráter de<br />

instrumento para a ação econômica do Governo.<br />

Em sua esfera de ação encontrava-se até<br />

meados da década de 60 a Superintendência da<br />

Moeda e do Crédito (SUMOC), que desempenhava o papel<br />

de autoridade monetária e terminou sendo substituída pelo<br />

Banco Central, criado em 1964.<br />

Além disso, o Banco exerceu durante muito<br />

tempo as principais funções e responsabilidades na<br />

cadeia do comércio internacional, mantendo, para<br />

tanto, em sua estrutura a Carteira de Comércio Exterior<br />

(CACEX).


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 8<br />

Com isso, o Banco manteve sempre a sua<br />

conduta de alguma forma voltada para o<br />

desenvolvimento do País, no sentido mais amplo do<br />

termo. Suas características de instituição financeira<br />

pública e sua condição de principal banco de Governo<br />

facilitavam a visualização de sua missão social, como<br />

subproduto de sua ação financiadora dos agentes<br />

econômicos <strong>–</strong> governo, empresas e famílias.<br />

No entanto, a dinânima de transformações na<br />

sociedade provoca mudanças também na arquitetura<br />

institucional financeira brasileira. Mudou o mundo,<br />

mudou o País, mudou o Banco.<br />

Para cumprir com as missões que lhe<br />

foram sendo atribuídas ao longo de sua História,<br />

o Banco sempre contou com recursos oficiais, orçamentários<br />

ou não, por parte de seu acionista majoritário.<br />

Mesmo com a criação do Banco Central, o<br />

Governo manteve no Banco funções de autoridade monetária.<br />

Por meio da utilização da “Conta Movimento”, o Banco<br />

movimentava recursos do orçamento monetário, a rigor,<br />

um apêndice do orçamento fiscal.<br />

Esse procedimento é substancialmente alterado<br />

em 1986, quando a Conta<strong>–</strong>Movimento é encerrada junto<br />

ao Banco do Brasil e Banco Central. A partir de<br />

então, o BB passaria, a atuar quase que integralmente<br />

com recursos próprios e os captados no mercado e,<br />

teria o seu desempenho avaliado por critérios desse<br />

mesmo mercado.


9 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Essa mudança contribui para reforçar a<br />

característica peculiar que o Banco do Brasil carrega<br />

enquanto instituição pública que mantém alguma<br />

interface com o mercado e a economia. Por um lado,<br />

ele se apresenta, enquanto organismo pertencente ao<br />

aparelho do Estado, com missão de atuar como<br />

instrumento auxiliar do Governo. Por outro, no entanto,<br />

o Banco se apresenta como instituição do setor financeiro<br />

que busca apresentar resultados positivos e concorre com<br />

uma série de outras empresas do setor.<br />

Oscilando entre esses dois eixos, público e<br />

privado, o Banco do Brasil manteve uma dualidade que<br />

chegou a atingir as avaliações do desempenho e da<br />

eficiência da Instituição.<br />

Ora, se avaliada unicamente sob a ótica<br />

dos critérios de eficiência pública, uma instituição financeira<br />

poderia apresentar um determinado resultado. Porém,<br />

caso os critérios utilizados no procedimento avaliativo<br />

fossem aqueles de eficiência privada, os resultados<br />

certamente seriam diferentes.<br />

A diretriz atual do Governo Federal aponta<br />

para um Banco do Brasil que seja eficiente, simultaneamente,<br />

em termos de seu desempenho empresarial e de agente<br />

de governo.<br />

Nessa linha de raciocínio, a definição da<br />

estratégia do conglomerado para o período 95/99<br />

estabeleceu de maneira cristalina a missão do BB de<br />

“ser o melhor banco do Brasil, assegurar a satisfação<br />

dos clientes, atender às expectativas dos acionistas e<br />

contribuir para o desenvolvimento do País”.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 10<br />

Assim, será esta postura empresarial que<br />

deverá orientar as decisões que levarão o Banco a<br />

atingir sua Visão de Futuro e a justificar sua existência<br />

enquanto instituição financeira singular.<br />

Por outro lado, o Banco deverá cada vez<br />

mais separar, e tornar transparente em tal separação,<br />

a utilização de recursos para as diferentes áreas de<br />

atuação, de modo a poder bem exercitar seu papel.<br />

Dessa forma, por exemplo, como ocorre na assistência<br />

creditícia ao setor agrícola <strong>–</strong> onde sobressai sua ação<br />

junto aos mini e pequenos produtores <strong>–</strong> ou quando se<br />

fizer presente em praças cuja escala não garante a<br />

cobertura das despesas fixas e variáveis das agências. Nesse<br />

caso, há que se cuidar de sua viabilização como empresa<br />

mediante adequada remuneração.<br />

O País vive uma nova fase, a sociedade está<br />

a exigir do Banco maior dinamismo e critérios mais<br />

explícitos de avaliação de sua eficiência empresarial.<br />

Em outras palavras, a melhor contribuição social que<br />

o Banco pode oferecer se concretiza em atingir a<br />

missão explicitada na definição estratégica.<br />

Para ser o melhor banco do Brasil, o BB<br />

deve dar um salto de qualidade, em que não seja<br />

apenas o maior banco do País. E para tanto deve<br />

incorporar critérios de aferição de eficiência mais<br />

universais.<br />

Para assegurar a satisfação de seus clientes,<br />

o Banco está invertendo a equação com a qual operou<br />

no passado. O cliente não mais vem ao Banco porque<br />

ele é o BB, mas porque assim o deseja, em face da


11 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

qualidade de seus produtos e seu atendimento. Atender bem,<br />

oferecer um bom atendimento deve fazer parte da<br />

preocupação permanente da direção e dos funcionários.<br />

Um cliente mal atendido é um cidadão insatisfeito.<br />

Uma operação mal realizada é a antítese da boa gestão<br />

dos recursos do conjunto da sociedade confiados às<br />

instituições financeiras.<br />

De outra parte, o Banco do Brasil assume<br />

a forma jurídica de uma Sociedade Anônima e<br />

deve se preocupar em atender às expectativas dos<br />

acionistas, seja ele o Governo ou as pessoas. Isso é<br />

tanto mais verdadeiro quando se imagina que os movimentos<br />

de ampliação de capital são fontes importantes de<br />

captação de recursos junto ao mercado.<br />

Na verdade, a contribuição do Banco para a<br />

promoção do desenvolvimento do País talvez seja,<br />

nos dias de hoje, a forma mais concreta para que<br />

ele revele o caráter social de sua missão.<br />

De fato, o sucesso econômico leva à melhoria<br />

das condições sociais. Não há como dissociar esses<br />

objetivos. O apoio às atividades produtivas é, portanto,<br />

efetiva contribuição social que o Banco oferece.<br />

Na busca da promoção do desenvolvimento,<br />

o Banco conta com uma série de linhas de crédito<br />

que ele oferece à sociedade. As de maior tradição são<br />

aquelas vinculadas às atividades agrícolas e de pecuária.<br />

Como principal agente do crédito agrícola no País, o BB<br />

oferece recursos para preparo, plantio, colheita e<br />

armazenagem da produção agrícola. Por outro lado,<br />

opera como agente do PROAGRO e do FINAME no<br />

âmbito rural.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 12<br />

Ao assegurar o financiamento da safra e de<br />

sua comercialização e armazenagem, o Banco acaba<br />

exercendo papel essencial no processo de formação da<br />

renda agrícola e de fixação da população rural em seu<br />

meio sócio<strong>–</strong>econômico de origem. Para isso, o BB tem<br />

difundido o Programa de Fortalecimento da Agricultura<br />

Familiar <strong>–</strong> PRONAF e Programa Especial de Geração de<br />

Renda Rural <strong>–</strong> PROGER, cujos objetivos visam melhorar<br />

a renda das famílias rurais, através de financiamentos<br />

de custeio e investimento.<br />

Um dos problemas que o País tem enfrentado<br />

nas últimas décadas refere-se aos movimentos<br />

migratórios do campo em direção às cidades, das regiões<br />

mais pobres em direção às regiões mais industrializadas e<br />

mais desenvolvidas. Ao participar diretamente do<br />

processo de fixação do homem no campo, o Banco do<br />

Brasil contribui para reduzir tal movimento, diminuindo<br />

em conseqüência a disparidade social do País. Nesse<br />

sentido, o BB vem atuando com um dos principais<br />

agentes do Programa Especial de Crédito para a Reforma<br />

Agrária <strong>–</strong> PROCERA, que visa o financiamento de<br />

assentamento de famílias em projetos aprovados pelo<br />

INCRA, contribuindo dessa maneira para a diminuição<br />

dos conflitos no campo.<br />

O Banco conta ainda com uma área<br />

voltada para os negócios com as cooperativas, através<br />

da qual consegue estabelecer contato com uma<br />

quantidade expressiva de brasileiros, atendendo a sua<br />

demanda por crédito em áreas estratégicas como<br />

agricultura, saúde e outras.


13 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

O Banco tem como uma de suas prioridades<br />

o atendimento às micro e pequenas empresas. Aliás,<br />

constitui tendência mundial estimular a criação de<br />

micro e pequenas empresas como alternativa viável<br />

de produção e desenvolvimento econômico<strong>–</strong>social.<br />

Através de acordos e convênios assinados com<br />

a SEBRAE, o Banco tem participado diretamente do<br />

esforço desenvolvido pelo poder público para criar as<br />

bases de consolidação de um sólido setor constituído<br />

por empresas de pequeno porte. Dentre os produtos<br />

mais recentes, há que se destacar o “Business Card”,<br />

através do qual o microempresário obterá crédito de<br />

até 30 dias sem maiores custos financeiros.<br />

Além disso, o Banco desenvolve atividades<br />

na área de seguridade. Constituiu recentemente<br />

empresa, em parceria com grupos privados, para<br />

atender à demanda potencial de complementação de<br />

aposentadoria individual. Ademais, constituiu empresa<br />

de previdência complementar fechada. Assim, o modelo<br />

inovador da PREVI passa a funcionar como conhecimento<br />

acumulado para novas formas de previdência. Tal<br />

novidade ocorre num momento em que a Previdência<br />

oficial apresenta problemas estruturais e de ordem financeira,<br />

devendo sofrer alterações significativas caso as alterações<br />

constitucionais sejam aprovadas.<br />

Simultaneamente, o Banco desenvolve uma<br />

série de atividades em suas relações com a comunidade,<br />

em que ficam evidenciados seus propósitos sociais. É<br />

o caso da Fundação Banco do Brasil, do esporte, da<br />

educação, do meio<strong>–</strong>ambiente e da cultura.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 14<br />

A Fundação Banco do Brasil tem apoiado<br />

iniciativas e projetos nas áreas de ciência e<br />

tecnologia, saúde e assistência social, educação, cultura,<br />

recreação e desportos e assistência a comunidades<br />

urbano-rurais.<br />

O Banco tem contribuído, também, de forma<br />

bastante expressiva para o desenvolvimento das atividades<br />

esportivas no País. Ao investir na divulgação e fixação<br />

de sua imagem junto ao público jovem, o Banco<br />

cumpre com função social de extrema importância ao<br />

ajudar o desenvolvimento dos esportes no País. Esta é<br />

uma área em que o Brasil apresenta um enorme<br />

potencial de desenvolvimento, bastando para tanto<br />

vontade de investir no futuro do esporte nacional.<br />

No que se refere às atividades culturais,<br />

além da Fundação, o Banco participa do fomento da<br />

expressão cultural e artística. É nessa linha que foi<br />

recuperado o espaço do edifício da Rua Primeiro de<br />

Março, 66, Rio de Janeiro. Aqui funciona o Centro<br />

Cultural Banco do Brasil, que tem se notabilizado<br />

pelo apoio conferido às manifestações culturais de toda<br />

ordem nesta cidade.<br />

No plano educacional, o Banco mantém o<br />

BB-Educar, para viabilizar um programa nacional de<br />

alfabetização de adultos e cidadania. A iniciativa procura<br />

engajar os funcionários nessa tarefa, realçando o<br />

compromisso social da Empresa e de seu corpo<br />

funcional, fortalecendo os laços históricos do Banco<br />

com a sociedade brasileira.


15 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

É importante registrar, ainda, que o Banco<br />

acredita que a defesa do meio-ambiente é a defesa<br />

da qualidade de vida da Humanidade. Assim, o Banco<br />

vem apoiando uma série de iniciativas, no sentido da<br />

preservação e recuperação do meio ambiente e do<br />

fortalecimento da consciência ecológica.<br />

A busca de um Banco moderno e eficiente<br />

não é incompatível com a busca de um Banco<br />

cumpridor de sua missão social e zeloso dos interesses<br />

da maioria da população. Pelo contrário, para poder<br />

exercer com mais competência sua missão social, o<br />

Banco deve contar com os elementos objetivos da<br />

realidade na qual está inserido.<br />

Finalmente, para cumprir essa tarefa com<br />

êxito, é notório o apoio do corpo funcional. Nesse<br />

sentido, recente pesquisa realizada junto aos<br />

funcionários do Banco permite supor que o papel por<br />

eles idealizado neste momento é o de um banco com marcante<br />

atuação comercial, mas que não perde de vista seu<br />

papel social. (1)<br />

(1) LUIZ JORGE DE OLIVEIRA, diretor de Finanças do Brasil<br />

(30/3/1993 a 15/2/1995) <strong>–</strong> in A missão social do Banco do Brasil<br />

<strong>–</strong> Palestra proferida, em 20/11/1995, no Auditório do Banco do<br />

Brasil <strong>–</strong> Rua Senador Dantas, 105, 21°, andar <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />

<strong>–</strong> RJ, ao ensejo da abertura do 1° Seminário Banco do Brasil<br />

e a Integração Social, promovido pela Academia de Letras dos<br />

Funcionários do Banco do Brasil, sob a presidência do escritor<br />

Fernando Pinheiro.


1<br />

FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 16<br />

LISBOA SERRA E O SEU TEMPO<br />

Do Atlântico Norte ao Atlântico Sul<br />

Com aproximação dos meados do século XIX, surge<br />

um cometa riscando o céu do Brasil. A fim de<br />

marcar o evento de uma singularidade poética, a<br />

Revista Minerva Brasiliense publica O Cometa de 1843.<br />

Eis um trecho citado:<br />

“Era o mês do Trácio o quinto dia,<br />

E Sírio inda nos ares se mostrava<br />

Rutilante fanal que o sul aclara,<br />

E as naus partido buscam<br />

Em demanda da pérola formosa<br />

Que vinha abrilhantar a coroa augusta.


17 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

(...)<br />

Mas ele inda no céu brilhou por noites<br />

Sobre Orion se estendendo<br />

E quase paralelo à térrea senda<br />

E subiu e subiu, na cor morrendo,<br />

Té que foi lá topar entre as estrelas.<br />

(...)<br />

Deus os creou no espaço<br />

Deve, pois, ter um fim; nada creado<br />

Vaga incerto nos ares se librando.<br />

Oh! Quem diz que não são numes do Eterno?<br />

Oh! Quem diz que um tal astro não possa ser<br />

Anjo do sistema que passeia,<br />

Visitando os domínios que dirige?<br />

Quem diz que não será cárcere errante,<br />

Cheio d’almas de réprobos d’hum mundo,<br />

Vivo, morto, e julgado antes do nosso?<br />

Ninguém, certo, ninguém. Tais conjecturas<br />

São como outras quaisquer soltas ao vento.” (2)<br />

Revelações metafísicas contemplam as perguntas<br />

do <strong>poeta</strong>, confirmadas posteriormente por Carl Jung no<br />

inconsciente coletivo. A psicofera dos planetas viaja mundos<br />

afora levando as vibrações mentais de seus habitantes.<br />

Estrelas são mundos de luz, onde o homem, um dia, na<br />

evolução divina que se estende na alvorada dos milênios,<br />

chegará revestido da mesma substância que as<br />

envolvem.<br />

(2) A. F. DUTRA E MELLO <strong>–</strong> in Revista Minerva Brasiliense, n° 20,<br />

de 15 de agosto de 1844, vol. II, p. 624 e 625 <strong>–</strong> Acervo:<br />

Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 18<br />

É oportuno revelar que a Astronomia clássica tem<br />

por evangelho a teoria de que os quasares <strong>–</strong> núcleos<br />

luminosos de galáxias muito distantes <strong>–</strong> possuem<br />

luminosidade superior a um bilhão de vez maior que<br />

a do Sol.<br />

Na Via Láctea existem mais de cem bilhões de sóis.<br />

Em bilhões e bilhões de galáxias, quantos sóis existiriam?<br />

Isto nos leva a afirmar que o Universo é luz.<br />

Na descoberta de luas e sóis, galáxias e nebulosas,<br />

poeiras luminosas que irradiam a beleza, o mundo dos<br />

<strong>poeta</strong>s, revelando os sonhos, mostra a realidade tecida em<br />

túnica inconsútil.<br />

Luas cor<strong>–</strong>de<strong>–</strong>prata, luas alaranjadas, luas<br />

azuladas, luas das cores do pôr<strong>–</strong>do<strong>–</strong>sol, luas vestidas de<br />

arco<strong>–</strong>íris, luas cor<strong>–</strong>de<strong>–</strong>mel, luas de cores e nuances,<br />

que lembram a luminosidade do olhar de cada mulher, viajam<br />

em órbitas que o homem ainda não conhece.<br />

As teorias existentes sobre a formação do<br />

Universo ainda se debatem, umas contra as outras,<br />

simplesmente porque algumas correntes científicas não<br />

podem definir como finito o tempo e o espaço. Os<br />

mundos nascem, crescem, envelhecem, contraem-se,<br />

explodem e renascem, numa incessante transformação.<br />

A ideia de que o Universo teria surgido há<br />

15 bilhões de anos, numa grande explosão, define<br />

a morte das estrelas implodidas, os buracos negros.<br />

As hipóteses permanecem ainda em aberto porque estão<br />

surgindo a descoberta de novas muralhas de quasares.<br />

As elucubrações, que o poema O Cometa de 1843<br />

sugere, são válidas dentro de uma percepção sonhadora e<br />

feliz.


19 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

A primavera dos povos e o papa<br />

Nos meados do século XIX, o panorama<br />

mundial revela, na Europa, uma série de revoluções<br />

que tinham por finalidade promover mudanças políticas,<br />

econômicas e sociais. Essa onda de transformação social,<br />

que visava inclusive à independência e à unificação nacional,<br />

contra o domínio estrangeiro, ficou conhecida como a<br />

primavera dos povos. Entraram em turbulência social<br />

diversos países: França, Alemanha, Hungria, Áustria e<br />

Itália.<br />

Ao volver o olhar para a religiosidade de<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> e a figura central da Europa, naqueles<br />

idos, recordemos um pouco a trajetória luminosa do sumo<br />

pontífice Pio IX (cardeal Giovanni Maria Mastai-Ferreti).<br />

Logo no início do seu pontificado, em junho de<br />

1846, anistiou os antigos revolucionários nos Estados<br />

papais. Os políticos conservadores não gostaram da<br />

medida. Eclodiu o clima de revolução. Dois anos<br />

mais tarde, é obrigado a sair de Roma e refugia-se<br />

no território napolitano. Refugiado, o papa pede socorro<br />

aos países de predominância católica e, no ano seguinte,<br />

Roma é ocupada por tropas francesas que lhe<br />

permitem o retorno à cidade sitiada, em 1850. Durante<br />

toda a sua trajetória pontifícia, que se estendeu até<br />

1878, esteve sob a proteção de tropas estrangeiras.<br />

É comovedor relembrar os feitos desse grande<br />

homem que despertou a atenção dos políticos europeus<br />

que o viam, no início de seu pontificado, como líder<br />

capaz de fazer a unificação da Itália. Liberal, por<br />

excelência, amou a todos sem exclusividade de partidos<br />

ou de classes e até mesmo na Igreja, entre tantos


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 20<br />

gestos de grandeza espiritual, aboliu a obrigatoriedade<br />

dos judeus de assistirem sermões cristãos toda semana e<br />

permitiu-lhes que participassem das obras de caridade<br />

do Vaticano.<br />

Ainda dentro da contemporaneidade dessa<br />

época, o mundo espiritual ilumina as visões de<br />

Bernardette Soutirous, na gruta de Lourdes, nos Pireneus<br />

franceses, local onde se desenvolveu, com intensa<br />

frequência, um centro de peregrinação cristã, afluindo<br />

multidões de pessoas do mundo inteiro. O papa Pio IX,<br />

devoto do culto de Maria, regozija-se diante da<br />

grandiosa manifestação de fé, sem dúvida, fiel ao legado<br />

de Gregório XVI que estimulara ativamente a devoção<br />

à Imaculada Conceição.<br />

PANORAMA NACIONAL<br />

Situação política<br />

O tempo é o do II Império. D. Pedro II é o<br />

Imperador. A Corte é o Rio de Janeiro.<br />

Com o fim da guerra dos Farrapos, no Rio<br />

Grande do Sul, nos idos de 1845: “A aura romântica<br />

do movimento se expressou com a presença de Garibaldi,<br />

o herói de dois mundos”, expressão do jornalista Léo<br />

Schlafman (3), encerrou-se a fase de revoltas e lutas<br />

sangrentas que se estabeleceram em diversos recantos<br />

do País e definiu-se um curso institucional estável.<br />

(3) LÉO SCHLAFMAN <strong>–</strong> in Jornal do Brasil <strong>–</strong> 16/1/ 2003, p. A<strong>–</strong> 13.


21 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Desenvolvimento econômico<br />

Entusiasta da emissão bancária, o economista<br />

inglês Adam Smith exerceu forte influência no panorama<br />

econômico nacional. É importante observarmos:<br />

“A substituição do papel, em lugar da moeda de<br />

ouro e de prata, é uma maneira de substituir um<br />

instrumento de comércio extremamente dispendioso, por<br />

outro que custa menos e é mais cômodo.” (4)<br />

Com a divulgação do livro Riqueza das Nações,<br />

de Adam Smith, irradiou-se o pensamento econômico<br />

no Brasil, tendo como precursor José Silva <strong>Lisboa</strong>, o<br />

Visconde de Cairú e, com o advento do Decreto n° 376,<br />

de 12 de agosto de 1844, foi estabelecida uma política<br />

alfandegária.<br />

A esse respeito, citamos Cláudio Pacheco:<br />

“À sombra da proteção aduaneira, começou um<br />

moderado surto industrial no País. Dezenas de<br />

fábricas foram implantadas, notadamente de tecidos,<br />

alimentos, manufaturados de madeira e de metais. A nossa<br />

velha agroindústria de açúcar ganhou novo impulso, com a<br />

introdução de engenhos movidos a vapor, que vieram<br />

substituir antigos engenhos movidos à água ou à força<br />

animal.” (5)<br />

No período de 1842 a 1855 em que residiu<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, no Rio de Janeiro, cidade com menos<br />

de 200.000 habitantes, o panorama se apresentava<br />

(4) ADAM SMITH <strong>–</strong> in<br />

Riqueza das Nações, cap. II, vol. II.<br />

(5) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />

p. 296 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />

1979.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 22<br />

fecundo e adequado ao surgimento de novas atividades<br />

sócio-econômicas que iriam alavancar o desenvolvimento do<br />

Brasil: a reorganização dos meios de transportes da Capital,<br />

através de veículos de propriedade de Jacques<br />

Bourbousson (1844), transporte de cargas e de<br />

mercadorias, através de veículos, realizado por casas<br />

comerciais (1850), a navegação a vapor para a Europa<br />

(1851), a instalação do Tribunal do Comércio (1851),<br />

a entrega de correspondências pelo Correio (1852), a<br />

iluminação a gás nos principais logradouros públicos (1854),<br />

lançamento da máquina de costura (1854) [LOS RIOS<br />

FILHO, 1946]<br />

É ainda desse período, o estabelecimento<br />

industrial Ponta D’Areia, em Niterói, de propriedade do barão<br />

de Mauá, destinado à fabricação de guindastes de<br />

patente, molinetes, guinchos, bombas, caldeiras a vapor,<br />

fundição de peças metálicas e estaleiro de embarcações de<br />

madeira e de ferro [PACHECO, 1979].<br />

Aspectos culturais<br />

Nas décadas em que viveu <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na<br />

Capital do Império, havia apresentação de artistas<br />

italianos e franceses nos teatros. O repertório musical,<br />

conforme divulgado pelos jornais e revistas da época, era<br />

composto, em sua maioria, por obras de Wagner, Verdi,<br />

Donizetti, Bellini e Mercadante. O público também<br />

apreciava as sonatinas, os rondós, os concertos. Os<br />

recitativos de versos eram apresentados nos salões. O<br />

lirismo estava na voz dos <strong>poeta</strong>s e declamadores.<br />

Instalado em 1848 o Conservatório de Música. O Cassino<br />

Fluminense e a Estrangeira, com orquestra, recebiam os<br />

estrangeiros e aristocratas. Os bailes populares eram


23 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

realizados no Café Neuville e no Hotel de Itália [LOS<br />

RIOS FILHO, 1946]<br />

No meio de uma população em que a maioria<br />

era constituída de semi<strong>–</strong>analfabetos, uma elite de<br />

intelectuais vivia na cidade do Rio de Janeiro<br />

desfrutando do pensamento francês contido nos livros de<br />

autoria de Rabelais, Mostesquieu, Chateaubriand, Balzac,<br />

Diderot, Rousseau e Beaumarcahis [LOS RIOS FILHO, 1946].<br />

Os principais veículos de comunicação daquela<br />

época eram o Jornal do Commercio, o Correio Mercantil<br />

e o Correio da Tarde e as revistas Minerva Brasiliense, a<br />

Lanterna Mágica, o Ramalhete das Damas, o Almanaque<br />

Laemmert. O proprietário do Jornal do Commercio era J.<br />

Villeneuve, de família francesa que viria a ser<br />

conhecida, nos tempos atuais, como nome de<br />

famosos pilotos participantes de corridas de<br />

automobilismo (Fórmula 1 e Fórmula Indy).<br />

Dentre as matérias de jornal, observamos a<br />

publicação de folhetins de novela ou romance, os<br />

acrósticos em homenagem a personalidades do Império,<br />

as elegias que, naqueles idos, eram conhecidas com o<br />

nome de nênia ou epicédio. Os principais reclames, hoje<br />

denominados anúncios: leilão de escravos, movimento do<br />

porto, superior rapé, pianos ingleses legítimos, viagens de<br />

paquetes franceses a vapor, daguerreotypo (fotografia),<br />

ama de leite, coletes para senhoras (sortimento de<br />

Paris), fotografia sobre papel e marfim, papéis com<br />

pintados, depósitos de bichos, botica homeopática, etc.<br />

Gonçalves Dias, ao fazer o lançamento de<br />

Primeiros Cantos, inicia o período romântico no Brasil,<br />

Odorico Mendes, o mais conhecido tradutor de Virgílio<br />

(Eneida, Bucólicas e Geórgicas), retira-se da ilha de


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 24<br />

São Luís do Maranhão <strong>–</strong> aonde a brisa, que vem<br />

do Caribe e do Atlântico africano, retém o clima dos trópicos<br />

<strong>–</strong> e se instala no Rio de Janeiro para ser o redator da<br />

Revista Minerva Brasiliense, e se afirma como <strong>poeta</strong>,<br />

jornalista e político; <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, o <strong>poeta</strong> que<br />

encantou o mundo literário de Coimbra, retorna ao Brasil<br />

e dedica-se à política, representando, na Câmara dos<br />

Deputados, a terra natal e servindo a importantes<br />

missões do Governo imperial.<br />

Simultaneamente com a presença do grupo<br />

de intelectuais maranhenses que despertou o florescimento<br />

da literatura nacional, outros nomes de igual valor<br />

surgiram: Joaquim Manuel de Macedo, romancista, Araújo<br />

Porto Alegre, <strong>poeta</strong> e artista, Gonçalves de Magalhães,<br />

<strong>poeta</strong> e teatrólogo, Bernardo Guimarães, <strong>poeta</strong> e romancista,<br />

autor do romance Escrava Isaura que inspirou duas<br />

versões para o cinema e uma para a televisão e<br />

imortalizou, ainda em vida, a atriz Lucélia Santos no<br />

papel<strong>–</strong>título. Junqueira Freire, autor de Inspirações do claustro,<br />

Álvares de Azevedo, <strong>poeta</strong> e novelista, Casimiro de<br />

Abreu, <strong>poeta</strong>, Martins Pena, dramaturgo.<br />

Na cena teatral, era o tempo do ator João<br />

Caetano que saía pelo comércio a pedir patrocínios, e<br />

a cidade comovida ouvia a palavra de frei Francisco<br />

Mont’Alverne, o mais consagrado orador sacro da<br />

época. O <strong>poeta</strong> maranhense, Tobias Pinheiro, vice- <strong>presidente</strong><br />

da União Brasileira de Escritores, lembra-nos o famoso<br />

<strong>tribuno</strong>:<br />

“Este é o Canto do Cisne. Outros, no entanto,<br />

mais de cem, são os lúcidos sermões...<br />

Há semblantes marcados pelo pranto,<br />

agitam-se de arroubo os corações.


25 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Voz e gestos de ator, mas nele um santo<br />

se detém, conquistando as afeições;<br />

pela religião se eleva o canto,<br />

canto maior que todas as canções.” (6)<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, terníssimo <strong>poeta</strong><br />

Com o olhar em direção das paisagens<br />

cobertas de choupos e salgueiros, nos cinceirais do<br />

Minho e da Beira, em terras de Portugal, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

escreveu poesia romântica que veio enriquecer a<br />

Revista Acadêmica, da Universidade de Coimbra, a<br />

cidade hoje conhecida mundialmente nos versos da<br />

música portuguesa:<br />

“Coimbra dos doutores,<br />

Pra nós os seus cantores<br />

A fonte dos amores és tu”.<br />

Subindo pelo Vouga, de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, poesia<br />

dos idos de 1839, igualada em beleza ao romantismo da<br />

canção O pastor no rochedo, de Schubert, abre, em grande<br />

estilo, a nossa apresentação da obra poética do autor<br />

maranhense. Seus primeiros versos seguem rumo a<br />

paisagem da natureza, musa que lhe inspira doce<br />

enlevo: (7)<br />

(6) TOBIAS PINHEIRO <strong>–</strong> in Menino do Bandolim, 140, de Tobias<br />

Pinheiro <strong>–</strong> 2ª edição <strong>–</strong> Grafos <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ <strong>–</strong> 1997.<br />

(7) LISBOA SERRA <strong>–</strong> in Pantheon Maranhense, de Antônio Henriques<br />

Leal <strong>–</strong> pp. 171 a 198 <strong>–</strong> Acervo: Instituto Histórico Geográfico<br />

Brasileiro.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 26<br />

“Sumiu-se o sol! É quase amortecida<br />

A muda desmaiada natureza!<br />

E em dormente langor, em paz serena<br />

Parece molemente reclinar-se<br />

Nos torvos braços da calada noite,<br />

Que de sombras em leito majestoso<br />

A vai acalentando”.<br />

Na 2ª estrofe em diante, a poesia continua<br />

descrevendo o pôr-do-sol, o cenário bucólico que cerca o<br />

pastor em cismares profundos que a saudade inspira.<br />

Vamos ver a cena que o <strong>poeta</strong> nos legou:<br />

“Sumiu-se o sol! E as prateadas nuvens<br />

Que sobranceiras podem vê-lo ainda<br />

Perder-se pelo abismo, vão-se orlando<br />

De rica franja, que em matiz mimoso<br />

As cores d’alma todas têm pintadas<br />

Na hora da saudade.<br />

O manso gado, que na oposta margem,<br />

Pascendo ao som de pastoris avenas<br />

Gozou do dia fúlgidos ardores<br />

Ora vadeia vagaroso o rio,<br />

Ora já do aprisco ruminando à porta,<br />

E do tenro filhinho a tez lambendo<br />

Pelo pastor aguarda.<br />

Tudo respira plácido sossego!<br />

Só ligeiro batel, que vai cortando<br />

A branda face do cristal luzente,<br />

Ondas formando que os anéis retratam<br />

Crespas, mimosas, de engraçada coma,<br />

Com sumido suspiro está turbando<br />

O silêncio geral à hora tão meiga,<br />

E sobre o leito de brilhantes pérolas<br />

Obriga a tremular suavemente<br />

Os salgueiros da margem...


27 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Com os olhos fitos no arenoso fundo,<br />

Rosto sombrio, definhado aspecto,<br />

No tosco bordo o peito debruçado<br />

E, suspensa no braço, a fronte pálida<br />

Como quem todo em si embevecido<br />

D’angústias sofre dolorosos transes<br />

Vai aflito mancebo.<br />

Debalde intenta procurar nos ecos<br />

Consolo a seus pesares;<br />

Aperta-lhe a garganta atroz cadeia,<br />

Mais rígida que o bronze e lhe sufoca<br />

A triste voz no peito...<br />

Os olhos estão secos, nem das pálpebras<br />

Túmidas, como enchente represada,<br />

Lhe é dado verter mágicas gotas,<br />

Que lhe molhando as faces lhe mitiguem<br />

Os sofrimentos d’alma.<br />

Em vão pretende do ansiado peito<br />

Um suspiro soltar, que amenizando<br />

D’amargas aflições atro veneno,<br />

Lhe consista provar na soledade<br />

Doce melancolia;<br />

Sem aos lábios chegar, seus ais fenecem<br />

Os mais acerbos pelo baldo esforço<br />

Na fonte, que os verteu, vai entornando<br />

Requinte das essências de amarguras<br />

De negro fel em bagas.<br />

Quem tantas dores lhe entranhou no seio?<br />

Quem lhe gravou no juvenil semblante<br />

A macilenta cor que tinge as faces<br />

No extremo da agonia?


Ah! Não me iludes, sedutor enleio!<br />

Que traz ele o cuidado em triste ausência,<br />

Afogam-lhe o sorrir memórias ternas,<br />

Disfarçadas com as vestes de amargura:<br />

É essa dor que lhe corta os seios d’alma<br />

É a dor da saudade.”<br />

FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 28<br />

Ainda na segunda estrofe, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

encontra similaridade entre as prateadas nuvens do<br />

pôr-do-sol e as cores, em matiz mimoso, que estão<br />

n’alma do pastor. A saudade, mesmo sendo atroz, tem<br />

a cor do poente. Belas imagens de elevada inspiração.<br />

Nas terceira e quarta estrofes, o <strong>poeta</strong><br />

descreve a movimentação do cenário, “O manso gado,<br />

que na oposta margem, / pascendo ao som de pastoris<br />

avenas” e o deslizar de um ligeiro batel faz ondas no rio,<br />

“Com sumido suspiro está turbando/ O silêncio geral à hora tão<br />

meiga, / E sobre o leito de brilhantes pérolas / Obriga a<br />

tremular suavemente / Os salgueiros da margem...”<br />

Em seguida, o autor retrata as paisagens<br />

íntimas em que está envolvido o personagem, um jovem<br />

pastor em transes de aflição. É um mergulho à alma,<br />

ao recôndito do coração, onde se encontram guardados<br />

os segredos e os mistérios da vida. O mundo íntimo<br />

de cada um é tão complexo quanto o mundo externo<br />

onde as aparências têm o seu reino. Se houver<br />

desencantos, a criatura humana logo terá condições<br />

de buscar atitudes que gerem conforto e refazimento<br />

interior.<br />

As sete últimas estrofes do poema Subindo pelo<br />

Vouga, de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, espelham a realidade daqueles<br />

que sentem saudades e estão mergulhados na<br />

sensação de perda de algo ou de alguém. Este<br />

sofrimento ainda existe, de forma atroz, porque os


29 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

sofredores ainda não tiveram oportunidade de<br />

compreender o destino. Por que alguém deposita toda a<br />

sua alma num corpo que vai morrer, numa situação<br />

que vai acabar? Onde está a transcendência?<br />

O vate maranhense, por antonomásia, O cisne<br />

de Itapecuru, compreendeu o sentido da saudade na mesma<br />

intensidade em que sentiu Fagundes Varela, o último<br />

<strong>poeta</strong> do período romântico brasileiro, ao escrever O<br />

Evangelho na Selva, a mais bela elegia escrita em língua<br />

portuguesa, segundo Carlos Drummond de Andrade e uma<br />

das 10 mais consagradas no mundo inteiro, na<br />

apreciação do <strong>poeta</strong> Ivo Barroso.<br />

Neste contexto, a última estrofe do poema vem<br />

revestida da sabedoria que deslinda os enigmas do<br />

caminhar:<br />

“Ah! Não me iludes, sedutor enleio!/ Que traz ele o<br />

cuidado em triste ausência, / Afogam-lhe o sorrir memórias<br />

ternas, / Disfarçadas com as vestes de amargura:/ É essa<br />

dor que lhe corta os seios d’alma / É a dor da saudade.”<br />

Ao iniciarmos a apresentação da poesia Ao<br />

correr das lágrimas, de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, contida na obra<br />

Parnaso Maranhense, de diversos autores, ressaltamos que<br />

o tema < saudades > persiste com bastante ênfase.<br />

O texto é derramado em versos que, a princípio,<br />

lembram o estilo que iria, tempos depois, ser<br />

adotado pelo <strong>poeta</strong> paraibano Augusto dos Anjos, sem<br />

ter a consistência romântica do <strong>poeta</strong> maranhense, mas<br />

de grande beleza nas formas aparentemente tétricas.<br />

Abrangendo sutilmente a área metafísica, o<br />

autor homenageado tem recursos filosóficos que estão<br />

em processo de transmutação. Eis o texto contido na<br />

obra citada:


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 30<br />

“Borbulhai, doces lágrimas; caí-me<br />

Por sobre as murchas faces desbotadas<br />

Pelo afã da saudade; <strong>–</strong> vinde, amigas,<br />

Vinde abrandar-me com o roçar mavioso<br />

Este febril ardor que as afogueia.<br />

Assim... assim, correi; oh! São mais doces<br />

Os vossos ternos ósculos que os beijos<br />

Das formosas Huris; cala-me n’alma<br />

Um bálsamo suavíssimo que embebe<br />

As fibras todas do ulcerado peito<br />

E a medula dos ossos m’ estremece.<br />

A terra em que caís envolve os restos<br />

De dois entes que amei com as forças d’ alma;<br />

Regai-a, minhas lágrimas, ditosas.”<br />

Desdobramos o primeiro bloco do poema com<br />

as palavras iniciais de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: “Borbulhai, doces<br />

lágrimas: caí-me”. Materialmente, sabemos que elas são<br />

salgadas mas o <strong>poeta</strong>, amando-as intensamente, disse<br />

“doces lágrimas” e, revestindo-as nesse grande amor,<br />

acrescentou com ternura: “Assim... assim, correi os vossos<br />

ternos ósculos são mais doces que os beijos das formosas Huris”.<br />

O escritor Lúcio de Mendonça, pai de Daniel<br />

de Mendonça, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (27/12/1922 a<br />

21/02/1923 <strong>–</strong> interino), também nos falou das famosas huris<br />

(virgens belas do Alcorão, mulheres de beleza prodigiosa):<br />

“o paraíso maometano, com todas as huris do profeta,<br />

não sorria mais delicioso à mente sonhadora do<br />

beduíno errante!” (8)<br />

(8) LÚCIO DE MEN<strong>DO</strong>NÇA, imortal da Academia Brasileira de<br />

Letras <strong>–</strong> in Esboços e Perfis, p. 109.


31 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Assim como na poesia anterior (Subindo pelo<br />

Vouga, de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>) que contém os versos: “Lhe é<br />

dado verter lágrimas / Que lhe molhando as faces lhe mitiguem<br />

/ Os sofrimentos d’alma./, o <strong>poeta</strong>, ainda neste bloco,<br />

apresenta-nos uma fórmula mágica, de efeito terapêutico:<br />

chorar: “... calam-me n’alma/ Um bálsamo suavíssimo que<br />

embebe / As fibras todas do ulcerado peito / E a medula<br />

dos ossos m’ estremece.<br />

A seguir, no segundo bloco do poema, o<br />

autor acredita nesta transcendência que alcança o reino<br />

da espiritualidade. Mesmo com a separação do corpo<br />

físico, é sempre a alma que sente, conforme veremos a<br />

seguir: “Sentir doce emoção, ao toque elétrico / Das lágrimas<br />

de um pai, hão de vibrar-se, / E lá no céu, no coro dos<br />

hosanas, / Hão de n’ esta revelar saudades.”<br />

Os dons concedidos pela clemência de Deus,<br />

segundo se vê na poesia, não têm preço nem louvores<br />

na linguagem dos seres humanos, nem retiram a<br />

lembrança dos amores que partiram. No entanto, se<br />

houvesse a destruição dos liames afetivos, num<br />

esquecimento eterno, conclui o <strong>poeta</strong>: “... oh! Menos belo, /<br />

Menos grande seria o dom celeste!...”. Eis, na íntegra, o<br />

bloco que acabamos de comentar:<br />

“Ide beijar-lhe as lourinhas tranças,<br />

Ensopar seus ossinhos descarnados<br />

E sumir-vos enfim nas cinzas d’ ambos.<br />

Oh! Sim hão de esses restos inanidos<br />

E à-toa pelos vermes espalhados<br />

Sentir doce emoção, ao toque elétrico<br />

Das lágrimas de um pai, hão de vibrar-se,<br />

E lá no céu, no coro dos hosanas,<br />

Hão de n’esta revelar saudades.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 32<br />

Saudades? Sim, que em glória embora envoltos<br />

Dos anjos na mansão, junto ao Eterno,<br />

Jamais olvidarão doces primícias<br />

Que gozaram na Terra, e muitas vezes<br />

Tantas delícias trocaram gostosos<br />

Pela tenra lembrança do passado ...<br />

Os beijos maternais quem há de dá-los<br />

Tão suaves no céu? Que seio d’anjo<br />

Pode ao seio d’hum Pai ser igualado<br />

Quando entre risos o filhinho estreita<br />

Em fervoroso amplexo? E os brincos<br />

Infantinos do Irmão? E o doce enlevo<br />

Dos mimos de uma Irmã? Oh! É sublime<br />

A clemência de Deus; <strong>–</strong> aos Seus eleitos<br />

Concede dons sem preço, sem louvores<br />

Na língua dos humanos, mas se acaso<br />

Lhe tirasse a lembrança maviosa<br />

De quanto n’este mundo mais amaram,<br />

Se de todo vedasse as esperanças,<br />

E destruísse os laços que os prendiam<br />

Aos entes que na vida idolatraram,<br />

Se um olvido perpétuo... oh! Menos belo,<br />

Menos grande seria o dom celeste!...”<br />

A seguir, no último bloco, é bem reflexivo o<br />

trecho do poema: “... assim tudo / Nesta vida s’esvai,<br />

acaba, esquece! ...” ; o autor finaliza dirigindo-se, a<br />

exemplo do santo de Assis que fala do irmão Sol e da<br />

irmã Lua, aos ventos da tarde e à lua dos fulgores<br />

para não esquecer seus amados que se foram, e até<br />

encerra suplicando: “Em torno modulai-lhes dúlios cânticos”. Eis<br />

o texto:<br />

“Sagradas cinzas, inanidos restos<br />

Dos filhos que adorei, mimoso símbolo<br />

De inocência e de paz; esta capela<br />

De flores, como vós, puras, singelas,


33 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Esta capela que ensopou, tecendo,<br />

De prantos vossa Mãe de dor transida,<br />

Há de breve murchar; hão de por terra<br />

Pelo vento rojadas flores, flores<br />

Para sempre perder-se... assim tudo<br />

Nesta vida s’ esvai, acaba, esquece!...<br />

Eterna é só a dor pungente, amarga<br />

Que n’ alma, qual tesouro, preservamos<br />

Com avaro egoísmo.<br />

Vicejai formosíssimas,<br />

Florinhas que plantei junto ao seu túmulo!<br />

E vós, ó zéfiros, que guias a tarde:<br />

E vós, ó lua, que espargis fulgores<br />

No silêncio da noite, ouvi piedosos<br />

Meus gemidos sem fim; n’ esta erma estância.<br />

Oh! Não os olvideis, sede-lhe sócios<br />

Em torno modulai-lhes dúlios cânticos.”<br />

Prosseguindo a apresentação da poesia No cemitério<br />

dos cristãos, de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, queremos ressaltar inicialmente<br />

as imagens ideoplásticas de rara beleza: “E vós, ó zéfiros,<br />

que guias a tarde, E vós, ó lua, que espargis fulgores no<br />

silêncio da noite”. O tema elegíaco sempre mereceu<br />

apreciação dos artistas que o interpretaram e dos<br />

compositores que o elevaram à transfiguração.<br />

Neste contexto, surgiram, na cena lírica,<br />

Orfeu, de Gluck, Tristão e Isolda, de Wagner, no canto<br />

os belíssimos réquiens (Mozart, Verdi, Bruckner, etc.), A<br />

morte e a donzela, de Schubert, e no balé A morte do<br />

cisne, do Lago do Cisne, de Tchaikowsky.<br />

Ao retornar a São Luís do Maranhão, em<br />

março de 1842, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> prestou <strong>tribuno</strong> à<br />

memória de sua irmã Leonor, no cemitério local, de<br />

onde surgiu a inspiração para escrever a elegia


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 34<br />

No cemitério dos cristãos. Antes, anotou palavras que<br />

inspiram uma prece sentida:<br />

“Em qualquer recanto do Globo em que me asile,<br />

no labiríntico tumultuar das cortes, ou no plácido remanso<br />

da natureza, no centro da risonha prosperidade, ou a<br />

braços com a feia adversidade, oh! nunca este dia<br />

deixará de ser por mim consagrado à mais viva, à<br />

mais pungente saudade, nem os meus suspiros,<br />

convertidos em ardentes preces, deixarão de subir ao<br />

trono do Senhor”.<br />

O tema central da elegia No cemitério dos<br />

cristãos, de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, é a saudade e as meditações<br />

acerca da vida em outra dimensão maior. Assim é o<br />

início do canto elegíaco:<br />

“Asilo da solidão!... morada escusa<br />

Dos mortos! Quão sublime falas<br />

Ao coração do Vate, que te busca<br />

De saudosas memórias repassado,<br />

(Oh! Quão saudosas!) e no pó das campas<br />

Vem meditar saudades, que revela<br />

silêncio dos túmulos!” (9)<br />

Acompanhar o pensamento poético de <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong> é o mesmo que ouvir a avena tangida ao longe<br />

pelo pastor, a musicalidade tem o dom de conduzir<br />

rebanhos. Se fôssemos comparar, em música, a poesia<br />

do <strong>poeta</strong> maranhense, com certeza, iríamos citar o<br />

Réquiem (parte V), de Anton Bruckner. Em 20/9/2009, o<br />

maestro Charles Roussin, à frente da Camerata Antíqua<br />

de Curitiba. regeu esta música.<br />

(9) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1//1855) <strong>–</strong> in Cemitério dos Cristãos <strong>–</strong> Tributo de Saudade <strong>–</strong><br />

Typographia Monarchica <strong>–</strong> 1842 <strong>–</strong> Acervo: Biblioteca Nacional.


35 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Como nos cabe o privilégio de escrever sobre<br />

esta poesia, redigida em 10 de março de 1842, no<br />

mesmo ano em que Gonçalves Dias publicava Primeiros<br />

Cantos, frisamos que o período é romântico e as<br />

circunstâncias dolorosas que envolveram o recémchegado<br />

doutor de Coimbra, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, deixaram-no<br />

em profunda reflexão acerca da vida que veio<br />

numa expressiva mensagem de transfiguração.<br />

A invocação meditativa do <strong>poeta</strong> à sua irmã<br />

coloca-o, nestes versos de saudades, num vazio em<br />

que há um profundo sentimento de perda:<br />

“Irmã! ... nome do céu com que se ameiga<br />

A índole mais crua! ... nos meus braços<br />

Jamais tens de roçar sem que as entranhas<br />

Com farpa envenenada vá calar-me<br />

Raladora saudade! ... A casta, a pura<br />

Companheira fiel da infância minha,<br />

Irmã do sangue e d’ alma me há fugido,<br />

Fugido!... e para sempre! ...<br />

P’ra sempre! (Voz cruel do desengano!)<br />

P’ra sempre m’ a roubou a fria lousa<br />

Do gelado sepulcro! ...<br />

A saudade aperta-lhe o coração e recorda:<br />

“Não mais hão de o seu colo de alabastro<br />

Cingir os braços meus; <strong>–</strong> dos róseos lábios<br />

Não mais um meigo riso, uma ternura,<br />

Uma palavra só da voz tão meiga! ...”<br />

A invocação entra no campo do sagrado, o<br />

<strong>poeta</strong> recorda:<br />

“Doce nome de irmão! Com que magia<br />

Saía d’esses lábios inocentes!<br />

Essa voz divinal, só merecia<br />

Os cânticos de Deus; <strong>–</strong> ao céu voaste,


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 36<br />

Anjo meu muito amado, e lá modulas<br />

Os cânticos de Deus: asinhas brancas<br />

Nos azulados ares te equilibram<br />

Em torno do Seu trono.<br />

Mas ah! Não percas tu com a forma angélica<br />

Ideias do passado (tão ditoso)<br />

Lá no seio da glória uma lembrança<br />

Guarda do Irmão querido!”<br />

(...)<br />

Espraiando o olhar sobre os jazigos do<br />

cemitério, aquele olhar do mundo das formas e das<br />

aparências em que inspirou o rei Salomão a falar do<br />

mesmo assunto, o <strong>poeta</strong> contemplou o final daqueles<br />

que se apegam a este mundo:<br />

“Vaidade d’ este mundo! Vã soberba!<br />

Ostentação! Grandezas! Eis a escolha<br />

Onde certo o naufrágio vos espera!”<br />

A luz original, que o compositor austríaco<br />

Gustav Mahler a transformou em sinfonia, ilumina os<br />

escritos do <strong>poeta</strong>:<br />

“No berço, e no sepulcro, <strong>–</strong> dois elos<br />

Da viagem do homem sobre a terra <strong>–</strong><br />

Seus desígnios bem claros patenteiam.<br />

Iguais todos formando a natureza.<br />

Mas na cega carreira o mortal cego,<br />

Da essência deslembrado, não receia<br />

Transgredir esta lei suave e doce!<br />

Tão suave, tão doce, que bastara<br />

Delícias a entornar sobre o universo!<br />

Ah! Se viesse meditar nas campas<br />

Um’ hora ao menos o mortal na vida! ”<br />

A inspiração poética, revelada a seguir, denota<br />

a sabedoria que vem do Ganges: “Na literatura védica<br />

está escrito que há duas maneiras do ser humano deixar


37 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

o mundo material: uma na luz e outra na escuridão. Quando<br />

ele vai na luz, não volta; mas se ele partir na escuridão,<br />

volta.” (10) Eis os versos de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>:<br />

“Mas tu sorris de gosto lá no empíreo<br />

Tu és grata ao Senhor, e não te lembra<br />

peso que na terra abandonaste.”<br />

A invocação meditativa finaliza expressando o<br />

conforto espiritual que a religião transmite:<br />

“Doce religião! Sem o teu bálsamo<br />

Que seria o mortal nas amarguras<br />

Da vida? Este conforto tão suave<br />

Quem me daria? Quem? Se tu não foras?”<br />

Completando a homenagem elegíaca, ainda no<br />

texto da poesia No cemitério dos cristãos, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

apresenta-nos diversas trovas, com rimas nos 2° e 4°<br />

versos:<br />

“Ela era a própria inocência<br />

A beleza, a castidade;<br />

Arraiava-lhe nas faces<br />

A flor mimosa da idade.<br />

Tinha a virtude no peito,<br />

Trazia a paz no semblante:<br />

meigo som de sua voz<br />

Era doce, insinuante.<br />

Um só volver de seus olhos,<br />

De seus lábios um sorriso<br />

Na terra aos mortais lembrava<br />

Delícias do paraíso.<br />

(10) FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> in A Sarça Ardente, p. 78 <strong>–</strong> Folha<br />

Carioca Editora <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ <strong>–</strong> 1988 <strong>–</strong> Prêmio<br />

Nacional de Livros Publicados <strong>–</strong> AICLAF / Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ.


E qual o lírio fragrante<br />

Que rijo ferro ceifou,<br />

Tantos encantos n’ um dia<br />

A dura Parca roubou!<br />

Ah! Foi um anjo,<br />

Que ao céu subiu...<br />

Foi uma rosa<br />

Que não se abriu...<br />

Foi um perfume<br />

Que s’ exalou...<br />

Uma harmonia<br />

Que ressoou ...”<br />

Foi uma estrela<br />

Que resplendeu<br />

E n’ um momento<br />

Desapareceu...<br />

Era uma inerme,<br />

Casta pombinha;<br />

Doce esperança<br />

Só no céu tinha.<br />

Ouvia perto<br />

Piar abutre<br />

Que de inocência,<br />

Fero, se nutre.<br />

Ao céu voando<br />

Símbolo de amor,<br />

Fugiu às garras<br />

De negro açor.<br />

FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 38


39 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

E o anjo e a rosa,<br />

Mago perfume<br />

E a harmonia<br />

Que dons resumem.<br />

Como há na pedra<br />

P’ro aço rude<br />

Em Deus há imã<br />

Para a virtude.” (11)<br />

O consagrado <strong>poeta</strong> Gonçalves Dias, em junho<br />

de 1841, quando estava na Universidade de Coimbra,<br />

Portugal, escreve um epicédio, o 1° canto do bardo<br />

maranhense, em solidariedade à dor de seu amigo e<br />

companheiro de bancos escolares, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>:<br />

Epicédio<br />

Passa la bella donna e par che dorma.<br />

Tasso<br />

Seu rosto pálido e belo<br />

Já não tem vida nem cor!<br />

Sobre ele a morte descansa,<br />

Envolta em baço palor.<br />

Cerraram-se olhos tão puros,<br />

Que tinham tanto fulgor;<br />

(11) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> in Cemitério dos Cristãos <strong>–</strong> Tributo de Saudade <strong>–</strong><br />

Typographia Monarchica <strong>–</strong> 1842 <strong>–</strong> Acervo: IHGB <strong>–</strong> Instituto<br />

Histórico Geográfico Brasileiro.


Coração que tanto amava<br />

Já hoje não sente amor;<br />

Que o anjo belo da morte<br />

A par desse anjo baixou!<br />

Trocaram brandas palavras,<br />

Que Deus somente escutou.<br />

Ventura, prazer, ledice<br />

Duma outra vida contou;<br />

E o anjo puro da terra<br />

Prazer da terra enjeitou.<br />

Depois co’as asas candentes<br />

O formoso anjo do céu<br />

Roçou-lhe a face mimosa,<br />

Cobriu-lhe o rosto co’um véu.<br />

Depois o corpo engraçado<br />

Deixou à terra sem vida,<br />

De tênue palor coberto,<br />

<strong>–</strong> Verniz de estátua esquecida.<br />

E bela assim, como um lírio<br />

Murcho da sesta ao ardor,<br />

Teve a inocência dos anjos,<br />

Tendo o viver duma flor.<br />

Foi breve! <strong>–</strong> mas a desgraça<br />

A testa não lhe enrugou,<br />

E aos pés do Deus que a criara<br />

FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 40


41 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Alma inda virgem levou.<br />

Sai da larva a borboleta,<br />

Sai da rocha o diamante,<br />

De um cadáver mudo e frio<br />

Sai uma alma radiante.<br />

Não choremos essa morte,<br />

Não choremos casos tais;<br />

Quando a terra perde um justo,<br />

Conta um anjo o céu de mais.<br />

O primeiro canto escrito por GONÇALVES DIAS<br />

(dedicado ao Dr. João Duarte LISBOA SERRA)<br />

Epicédio<br />

On dirait que le ciel aux coeurs plus magnanimes<br />

Measure plus de maux.<br />

Lamartine<br />

Perfeita formosura em tenra idade<br />

Qual flor, que antecipada foi colhida,<br />

Murchada está da mão da sorte dura.<br />

Camões<br />

Lá, bem longe daqui, em tarde amena,<br />

Gozando a viração das frescas auras,<br />

Que do Brasil os bosques brandamente<br />

Faziam balançar, <strong>–</strong> e que espalhavam<br />

No éter encantado odor, pureza <strong>–</strong><br />

Do que a rosa mais bela, <strong>–</strong> meiga e casta,<br />

Como as virgens do sol,


Que de vezes não foi ela pendente<br />

Dos braços fraternais em meigo abraço;<br />

Como mimosa flor presa, enlaçada<br />

A tenro arbusto que a vergôntea débil<br />

Lhe ampara docemente. . .<br />

E o Irmão que só nela se revia,<br />

O Irmão que a adorava, qual se adora<br />

Um mimo do Senhor;<br />

Que a tinha por farol, conforto e guia,<br />

Os seus dias contava por encantos;<br />

E as virtudes co’os dias pleiteavam.<br />

E ela morreu no viço de seus anos!...<br />

E a laje fria e muda dos sepulcros<br />

Se fechou sobre o ente esmorecido<br />

Ao despontar de vida<br />

Tão rica de esperanças e tão cheia<br />

De formosura e graças!...<br />

Campa! campa! que de terror incutes!<br />

Quanto esse teu silêncio me horroriza!<br />

E quanto se assemelha a tua calma<br />

À do cruel malvado que impassível<br />

Contempla a sua vítima torcer-se<br />

Em convulsões horríveis, desesp’radas;<br />

Cruas vascas da morte!...<br />

Quem tão má fé te criou?<br />

Tu que tragas o ente que esmorece<br />

FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 42


43 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Ao despontar de vida<br />

Tão rica de esperanças e tão cheia<br />

De formosura e graças?!<br />

O farol se apagou? A luz sumiu-se!<br />

Como o fugaz clarão do meteoro,<br />

Extinguiu-se a esperança; e o malfadado<br />

Sobre a terra deserta em vão procura<br />

Traços dessa que amou, que tanto o amara,<br />

Da jovem companheira de seus brincos,<br />

Pesares e alegrias.<br />

Ele a procurai... o viajor pasmado<br />

Nos campos de Pompeia, alonga a vista<br />

Pela amplidão do plano,<br />

Destroços e ruínas encontrando,<br />

Onde esperava movimento e vida.<br />

Não poder eu a troco de meu sangue<br />

Poupar-te dessas lágrimas metade!<br />

Oh! poder que eu pudesse! <strong>–</strong> e almo sorriso.<br />

Que tanto me compraz ver-te nos lábios,<br />

Inda uma vez brilhasse!<br />

E essa existência,<br />

Que tão cara me é, ta visse eu leda,<br />

E feliz como a vida dos Arcanjos!<br />

Infeliz é quem chora: ela finou<strong>–</strong>se,<br />

Porque os anjos à terra não pertencem:<br />

Mas lá dos imortais sobre os teus dias


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 44<br />

A suspirada irmã vela incessante.<br />

Vinde, cândidas rosas, açucenas,<br />

Vinde, roxas saudades;<br />

Orvalhai, tristes lágrimas, as c’roas,<br />

Que hão de a campa adornar por mim depostas<br />

Em holocausto à vítima da morte.<br />

Inocência, pudor, beleza e graça<br />

Com ela nessa campa adormeceram.<br />

Anjo no coração, anjo no rosto,<br />

Devera o amor chorar sobre o teu seio,<br />

Que não grinaldas fúnebres tecer-te;<br />

Devera voz d’esposo acalentar-te<br />

O sono da inocência, <strong>–</strong> não grosseira<br />

Canção de trovador não conhecido.” (12)<br />

Nos idos de 1855, por recomendação médica,<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> afastou-se da Presidência do Banco do<br />

Brasil; momentos antes de morrer, pressentindo a<br />

mudança do destino de sua vida, escreveu a última<br />

poesia, com o título em latim, Domine Exaudi Orationem<br />

Meam!:<br />

“Morrer tão moço ainda! Quando apenas<br />

Começava a pagar à pátria amada<br />

Um escasso tributo, que devia<br />

A seus doces extremos!”<br />

(12) GONÇALVES DIAS <strong>–</strong> in Homenagem a <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> <strong>–</strong> Epicédio<br />

escrito na Universidade de Coimbra <strong>–</strong> 1841.


45 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Morrer tendo no peito tanta vida,<br />

Tanta ideia na mente, tanto sonho,<br />

Tanto afã de servi-la, caminhando<br />

Ao futuro com ela!...<br />

Se ao menos de meus filhos eu pudesse,<br />

Educados por mim, legar-lhes o esforço...<br />

Mas, ah! Que os deixo <strong>–</strong> tenras floresinhas<br />

À mercê dos tufões.<br />

Vencerão das paixões o insano embate?<br />

Sucumbirão na luta do egoísmo?<br />

As crenças, a virtude, o sentimento<br />

Quem lhes há de inspirar?<br />

Não te peço, meu Deus, mesquinhos gozos<br />

D’ este mundo ilusório mas suplico<br />

Tempo de vida <strong>–</strong> quanto baste apenas <strong>–</strong><br />

Para educar meus filhos.<br />

É curto o prazo, dai-me embora o fel<br />

Dos sofrimentos, sorverei contente,<br />

Lúcida a mente, macerai-me as carnes<br />

Estortegai-me o corpo.<br />

E após, tranquilo, volverei ao seio<br />

Da eternidade. A fímbria do Teu manto,


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 46<br />

Face em terra, beijando-o, <strong>–</strong> o meu destino<br />

Ouvirei de Teus lábios”. (12)<br />

Vida Acadêmica<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> era sócio do Instituto Histórico<br />

Geográfico Brasileiro. Durante o 2° Reinado, outros<br />

<strong>presidente</strong>s do Banco do Brasil pertenceram àquele<br />

Instituto: Visconde de Itaboraí, Conselheiro Cândido<br />

Batista de Oliveira, Visconde de Inhomirim, Visconde<br />

de Jequitinhonha, Barão de Cotegipe.<br />

A respeito da vida acadêmica de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />

o dicionarista bibliográfico Sacramento Blake registra<br />

as seguintes informações:<br />

“Foi um dos fundadores da Sociedade de<br />

Estatística, sócio do Instituto Histórico e Geográfico<br />

Brasileiro, e cultor fervoroso das letras, principalmente<br />

da poesia, desde os bancos acadêmicos, época em<br />

que foi colaborador da Crônica Literária, de Coimbra.<br />

Escreveu:<br />

<strong>–</strong> Subindo pelo Vouga <strong>–</strong> que publicou com muitas<br />

outras na Revista Acadêmica, de Coimbra, 1839, e<br />

vem reproduzida no Pantheon Maranhense, tomo 2°,<br />

pp. 177 a 179 ;<br />

(12) LISBOA SERRA <strong>–</strong> Apud Pantheon Maranhense, de Antônio<br />

Henriques Leal <strong>–</strong> pp. 171 a 198 <strong>–</strong> Ano de 1874 <strong>–</strong> Biografia e<br />

retrato <strong>–</strong> Acervo: Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.


47 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

<strong>–</strong> No cemitério dos cristãos: elegia <strong>–</strong> escrita ao<br />

visitar o túmulo de sua irmã, falecida um ano<br />

antes, achando-se ele em Coimbra <strong>–</strong> Vem no Tributo<br />

de saudade, à memória de sua suspirada irmã, dona<br />

Leonor Francisca <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, publicado no<br />

Maranhão em 1842, e no dito Pantheon, tomo 2°, pp.<br />

180 a 186;<br />

<strong>–</strong> Um adeus aos meus amigos. Coimbra, 1841. É<br />

uma poesia em sua retirada da universidade.<br />

<strong>–</strong> Domine, exaudi orationem meam <strong>–</strong> É a sua última<br />

composição poética; e uma enternecida prece, partida<br />

de um coração de pai estremecido à lembrança<br />

cruel, de deixar seus filhos órfãos, escrita pouco<br />

antes de morrer, publicada no Correio Mercantil, e<br />

depois na Selecta Brasiliense, de J.M.P. de<br />

Vasconcelos, e no Pantheon citado;<br />

<strong>–</strong> À Sua Majestade Imperial o senhor D. Pedro II em<br />

seu aniversário de 2 de dezembro de 1844 <strong>–</strong> Vem no<br />

Minerva Brasileira, vol. 3°., pp. 75 a 77. Há também<br />

impresso, de sua pena, um relatório de Fazenda.”<br />

(13)<br />

Ainda com relação à vida acadêmica de<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, o escritor Joaquim Manoel de Macedo faz<br />

os seguintes comentários:<br />

“Na cidade de São Luís do Maranhão fez seus<br />

estudos primários. Muito aplaudido pela<br />

(13) SACRAMENTO BLAKE, Augusto Victorino Alves, <strong>–</strong> in Dicionário<br />

Bibliográfico Brasileiro <strong>–</strong> vol. 3 <strong>–</strong> Acervo: Instituto Histórico<br />

Geográfico Brasileiro <strong>–</strong> Rio de Janeiro.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 48<br />

sua brilhante inteligência, doce caráter e ótimo<br />

procedimento, seguiu em 1834 para Portugal e na<br />

Universidade de Coimbra tomou os graus de bacharel<br />

formado em matemática e em ciências naturais.<br />

Em Coimbra, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> cultivou a poesia<br />

com ardor e preanunciando-se, em felizes<br />

composições, futuro <strong>poeta</strong> de alto merecimento: entre<br />

alguns de seus belos cantos avulta o que tem<br />

por título Subindo pelo Vouga. De volta ao seu<br />

Maranhão a sepultura de sua irmã queridíssima o fez<br />

derramar d’alma. No Cemitério dos Cristãos <strong>–</strong> canção,<br />

melodia melancólica, profunda, longo gemido cheio do<br />

mais terno sentimento.<br />

Companheiro, amigo fiel de Gonçalves Dias,<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> também <strong>poeta</strong> inspirado parecia ter<br />

de acompanhá-lo no amor e no culto das musas.<br />

Mas não foi assim: por que? ... ninguém o sabe.<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> deixou o Maranhão, e veio para a<br />

capital do Império em 1842: já abastado pela herança<br />

paterna, duplicou a fortuna com o dote elevado de<br />

muito querida noiva que desposou, coroando ternos<br />

votos antes trocados em Coimbra com amada jovem<br />

fluminense.<br />

Contradição inexplicável! ... após o enlace poético,<br />

feliz, abençoado, resplendente de amor, o <strong>poeta</strong><br />

divorciou-se com as musas!...<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> foi nomeado inspetor da tesouraria<br />

da província do Rio de Janeiro. Foram as cifras e os<br />

cálculos que apagaram nele a flama da poesia?


49 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Como quer que fosse, o jovem <strong>poeta</strong> sufocou<br />

em sua alma as inspirações de seu gênio, e todo se<br />

voltou para o positivismo da administração e para<br />

as aspirações políticas.<br />

Semanas antes de morrer, o conselheiro João<br />

Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> escreveu os mais simples e<br />

sentidíssimos versos na sua enternecedora prece<br />

Domine, exaudi orationem meam, que saiu do<br />

coração de pai estremecido e a lembrar os filhos<br />

que ia deixar órfãos. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> desceu à<br />

sepultura aos trinta e sete anos de idade, legando<br />

à pátria a memória de um homem honrado, de<br />

esclarecida inteligência e do mais generoso coração.”<br />

(14)<br />

Aura elegíaca<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> que falou de saudades em sua<br />

terníssima poesia, poeticamente também foi saudado por<br />

R. A. Valle de Carvalho, na crônica biográfica intitulada<br />

Uma lágrima à memória do Exmo. Sr. Conselheiro<br />

João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, publicada originalmente pelo<br />

Observador de <strong>Lisboa</strong>, n° 42, de 14 de maio de 1855,<br />

e transcrita, na seção Necrologia do Pantheon<br />

Maranhense, de Antônio Henriques Leal. A referida<br />

matéria traz uma aura elegíaca de rara beleza, a seguir:<br />

"No dia 16 de abril, depois de longos<br />

sofrimentos, sucumbiu no Rio de Janeiro, vítima de<br />

uma nefrite albuminosa, o conselheiro João<br />

Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, natural desta província e<br />

(14) JOAQUIM MANOEL DE MACE<strong>DO</strong> <strong>–</strong> in Ano Biográfico Brasileiro <strong>–</strong><br />

Acervo: Instituto Histórico Geográfico Brasileiro <strong>–</strong> Rio de Janeiro.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 50<br />

membro de uma das suas principais famílias,<br />

deixando inconsoláveis uma virtuosa esposa, seis<br />

inocentes filhinhos e numerosos parentes e amigos.<br />

Este falecimento é um daqueles que não<br />

levam somente a desolação e o luto ao coração das<br />

pessoas que, ou pelos laços de sangue, ou pelos da<br />

amizade, eram ligados ao ilustre finado; mas também<br />

arranca uma sentida lágrima, um gemido profundo ao<br />

Brasil: não morreu só o parente extremoso, o amigo<br />

franco e leal, e sim ainda o varão justo, o<br />

brasileiro distinto!<br />

A nossa sociedade, jovem, como é, luta com<br />

todos os preconceitos e aberrações que preludiam a<br />

última ruína das sociedades envelhecidas e gastas;<br />

quando pois no meio das lentas agonias desta<br />

gangrena moral, surge uma inteligência robusta, um<br />

caráter puro e firme, que não temendo afrontar a corrupção<br />

da época, radicada em sórdidos, mas poderosos<br />

interesses, estigmatiza os vícios pelo exemplo<br />

das virtudes sociais, devemos abençoá-lo e seguilo;<br />

e quando por um dos imperscrutáveis arcanos da<br />

divindade essa inteligência se apaga, esse caráter se<br />

some nos umbrais da eternidade, cumpre chorá-lo.<br />

O conselheiro <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> era uma dessas<br />

inteligências, era um desses carácteres: os seus<br />

compromissos, os seus patrícios jamais chorarão<br />

sua morte assaz.<br />

Oriundo de uma família honesta e abastada,<br />

os seus pais reconheceram o talento, que nele<br />

espontâneo se revelava e o destinaram às letras.<br />

Depois de haver recebido nesta província a<br />

educação primária e secundária, foi cultivar os<br />

estudos superiores em Coimbra, onde, rodeado de


51 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

geral estima e no meio de sinceros e merecidos<br />

aplausos, foi graduado em matemáticas e ciências<br />

físicas. Regressou em 1842 ao seu berço natal a<br />

rever os amigos e os parentes e a colher o fruto de<br />

suas lucubrações. Mas, por inspiração benéfica, ele<br />

antevia logo que o Maranhão era um círculo<br />

demasiadamente acanhado à expansão de sua<br />

alma, à realização das suas ideias e em demanda<br />

de um teatro mais amplo, embarcou, no mesmo<br />

ano, para o Rio de Janeiro.<br />

O mancebo que voltara da velha Europa, rico<br />

de afeições e de conhecimento, e que se ausentara<br />

da sua pátria, não instigado por uma ambição<br />

egoísta, mas guiado por um pensamento generoso,<br />

entrou só e desconhecido na Corte do Brasil.<br />

Aí os brilhantes dotes de seu bem formado coração<br />

lhe granjearam a aliança com uma das melhores<br />

famílias, e as mais valiosas recomendações <strong>–</strong> o<br />

talento e a modéstia lhe conquistaram um círculo de<br />

bons e dedicados amigos. Eram estes os ainda<br />

tênues raios de uma aurora brilhante, que lhe<br />

sorria, era o prelúdio do seu futuro engrandecimento. O<br />

prestígio maravilhoso, a honra e o irresistível<br />

predomínio da inteligência fizeram o resto.<br />

O governo, que se busca apoiar-se em colunas<br />

sólidas, não podia deixar no esquecimento essa<br />

ilustração precoce: chamou-o a si e confiou-lhe<br />

sucessivamente cargos da mais alta importância,<br />

em cujas funções o jovem maranhense realizou<br />

sobejamente todas as esperanças, que nele haviam<br />

depositado.<br />

Acompanhemo-lo na sua tão brilhante quanto<br />

rápida carreira.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 52<br />

Nascido a 31 de maio de 1818, contava ele<br />

apenas 24 anos de idade, quando foi para o Rio de<br />

Janeiro. A inspetoria do tesouro geral da província do<br />

Rio foi a sua estreia na vida pública. Nomeado para<br />

esse emprego, desenvolveu no seu exercício tal<br />

inteligência e zelo que o governo o julgou digno de<br />

missão mais alta. Chamou-o para a tesouraria<br />

nacional, e ali continuou ele a corresponder ao<br />

grande conceito, que já acompanhava o seu nome.<br />

Não era alta a esfera que devia circunscrever a<br />

capacidade do conselheiro <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>; e o governo<br />

bem compreendeu esta verdade, confiando-lhe uma<br />

comissão da mais elevada importância Depois de haver<br />

recebido nesta província a educação primária e<br />

secundária, foi cultivar a presidência da Bahia. Só por<br />

espaço de trinta dias regeu ele os destinos desta<br />

província, porque uma inesperada mudança no<br />

governo trouxe, como consequência, a de todos os seus<br />

delegados: mas esses trinta dias foram bastante<br />

para ele desenvolver uma administração justiceira e<br />

sábia, que anunciava à Bahia um futuro<br />

esperançoso; esses trinta dias foram bastantes<br />

para ele rodear<strong>–</strong>se de simpatias, de amigos, de<br />

admiradores; e quando se retirou, ficava o seu<br />

nome escrito em caracteres indeléveis no coração do<br />

povo bahiano.<br />

Trata<strong>–</strong>se de criar o banco nacional; o membro<br />

do gabinete, encarregado de sua organização,<br />

descobriu no conselheiro <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> essa<br />

inteligência capaz de o ajudar em tarefa tão árdua:<br />

e, depois de constituído, não quis entregar a sua<br />

infância a outra tutela senão à daquele nume, sobre<br />

quem havia pesado em grande parte, o trabalho


53 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

da sua instituição: coube, portanto, ao conselheiro<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> a presidência do banco nacional.<br />

Deixou, então, cercado do respeito e da afeição<br />

dos seus subordinados, de ser tesoureiro do<br />

tesouro nacional, cujo exercício havia reassumido,<br />

desde que voltara da Bahia; e seus bons serviços,<br />

prestados nessa repartição, foram remunerados com<br />

o título de conselho.<br />

Ele não gozava somente da estima e consideração<br />

do governo, mas também as simpatias e do amor do<br />

povo, em testemunho do que os sufrágios dos<br />

maranhenses o levaram por duas vezes a câmara<br />

quadrienal como seu representante.<br />

Para um homem de 36 anos de idade e que<br />

tinha 12 de residência na Corte, é muito!<br />

Vão quebrar-se os elos da cadeia dourada<br />

que prendia o passado fecundo e puro do homem<br />

virtuoso a um porvir ainda mais puro e mais<br />

fecundo: uma nuvem negra passou sobre a face<br />

do astro, que há pouco se erguera no Oriente e<br />

já difundia uma luz tão vigorosa, tão sua: a<br />

morte pousou à raiz da árvore cheia de seiva e<br />

de vida, que em poucos anos havia crescido, florido<br />

e frutificado mil vezes.<br />

Morreu o conselheiro <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> no vigor da<br />

idade, entre os sorrisos de uma fortuna lisonjeira!<br />

E pôde nos últimos instantes desta vida<br />

transitória volver sem pejo os olhos para a corrida<br />

senda: (rara satisfação) o seu passado não tinha<br />

uma nódoa, o seu coração um remorso sequer para<br />

azedar-lhe o inevitável cálice, a que está sujeita a<br />

humanidade inteira. Assim morre o justo!


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 54<br />

Nele o homem particular e o público<br />

disputavam o amor e as bençãos dos seus<br />

concidadãos e da pátria.<br />

Extremoso para com os seus parentes, sincero<br />

e constante para com os seus amigos, lhano,<br />

afável, oficioso e acessível a todos, ele sabia<br />

insinuar-se nos corações dos que o comunicavam<br />

e acabava por dominá-los.<br />

Não por vã ostentação, nem para lisonjear o seu<br />

amor próprio, ele ambicionava fazer bem aos seus<br />

semelhantes: mas sim pelo santo desejo de buscar a<br />

verdadeira felicidade dos que o cercavam; os seus<br />

olhos não estavam ermos de pranto, enquanto outros<br />

chorassem, os seus lábios não se sorriam, enquanto<br />

outros gemessem, o seu coração sensível não se alegrava,<br />

enquanto outros se debatessem com os horrores do<br />

pesar. Não é preciso irmos longe para encontrarmos<br />

vestígios bem recentes e vivos da sua mão piedosa: o<br />

Maranhão, onde vivemos, que nos vê e nos conhece<br />

a todos, pôde por si só dar um testemunho<br />

eloquente da sua caridade. Quantas famílias ele não<br />

levantou da indigência, quantos órfãos não amparou,<br />

quantas viúvas não socorreu, a quantos pobres com<br />

mão desconhecida não ministrou o pão quotidiano?<br />

Dispondo na Corte de grande e justa<br />

preponderância, conquistada pelos seus reconhecidos<br />

merecimentos, não foi para si que dela se valeu,<br />

mas para o infeliz, para o desfavorecido, que<br />

nunca invocaram debalde a sua proteção. Ele era<br />

incansável, multiplicava-se para beneficiar.<br />

Quem o considere como funcionário público, quer<br />

como homem meramente político, não encontrou


55 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

na vida do conselheiro <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> senão motivos<br />

para admirar.<br />

As mudanças sucessivas de empregos de uma<br />

certa ordem para outros de uma ordem superior<br />

provam exuberadamente que ele crescia de dia<br />

em dia na confiança do governo, confiança esta que<br />

tocou ao apogeu com a sua nomeação para a<br />

presidência do banco nacional.<br />

Como homem político às ideias sãs e<br />

humanitárias que ele professava e sempre buscou<br />

realizar, bastam para pôr em relevo os sentimentos<br />

patrióticos do seu coração generoso. Estranho à<br />

sórdida e mentida política de personalidades e<br />

egoísmo <strong>–</strong> apanágio da mediocridade <strong>–</strong> ele bebia os<br />

princípios desta ciência na filosofia e no evangelho:<br />

para ele o fim da política era o bem<strong>–</strong> estar moral e<br />

material da sociedade por meio da ordem, da<br />

liberdade e da igualdade. Detestava essa liberdade<br />

frenética e delirante que substitui o governo pela<br />

anarquia, a moralidade pela depravação, a religião<br />

pela impiedade, a virtude pelo crime.<br />

Esta era a sua convicção política, íntima,<br />

profunda, convicção que ressalta em todos os seus<br />

escritos, em todos os seus discursos; era o escopo,<br />

a que sempre se dirigiu firme e resoluto, sem<br />

embargo de ver a seu lado estes ou aqueles<br />

homens, porque ele reconhecia que em política “as<br />

ideias são tudo, e os homens pouco." (15)<br />

(15) R. A. VALLE DE CARVALHO <strong>–</strong> in Crônica biográfica intitulada<br />

Uma lágrima à memória do Exmo. Sr. Conselheiro João Duarte<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, publicada originalmente pelo Observador de <strong>Lisboa</strong>,<br />

n° 42, de 14 de maio de 1855, e transcrita, na seção Necrologia<br />

do Pantheon Maranhense, de Antônio Henriques Leal.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 56<br />

Ainda dentro do tema elegíaco, reproduzimos<br />

as notas extraídas das seguintes obras:<br />

Revista Popular <strong>–</strong> Tomo XIV, p. 101:<br />

16 de abril de 1855 <strong>–</strong> Falece nesta Corte,<br />

pelas 11 horas da noite, o doutor João Duarte <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong>, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil e deputado à<br />

assembleia geral legislativa. Poeta distinto, sua alma<br />

expandiu-se em uma bela e terníssima poesia, que é<br />

o seu testamento poético.<br />

Dicionário Bibliográfico Português (Tomo Décimo),<br />

de Innocêncio Francisco da Silva:<br />

João Duarte LISBOA SERRA <strong>–</strong> Publicou diversas<br />

poesias nos periódicos literários de Portugal e do<br />

Brasil, e todos o apreciavam por seu amor às<br />

letras, e por seus especiais estudos na ciência<br />

administrativa e em finanças. Morreu no Rio de<br />

Janeiro em 16 de abril de 1855. Tem biografia e<br />

retrato no Pantheon maranhense, do Dr. Henriques<br />

Leal, tomo II, pp. 171 a 178.<br />

O terceiro volume (pp. 414 e 4l5) do<br />

Diccionario Bibliographico Brazileiro, de Augusto Victorino<br />

Alves Sacramento Blake, editado no Rio de Janeiro, no<br />

ano de 1895, pela Imprensa Nacional, registra as<br />

referências biográficas sobre <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>:<br />

“João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> <strong>–</strong> Filho do<br />

comendador Francisco João <strong>Serra</strong> e de dona Leonor<br />

Duarte <strong>Serra</strong>, nasceu em Itapecuru, província do<br />

Maranhão, a 31 de maio de 1818 e faleceu a 16<br />

de abril de 1855. Bacharel em matemática, em<br />

ciências físicas e naturais pela Universidade de<br />

Coimbra, onde teve por contemporâneos seu patrício A.<br />

Gonçalves Dias e o bem conhecido literato português<br />

João de Lemos, foi inspetor da tesouraria


57 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

provincial do Rio de Janeiro: presidiu a província<br />

da Bahia e representou sua província natal na<br />

sessão legislativa de 1848 em substituição do<br />

doutor Joaquim Franco de Sá, e na legislatura de<br />

1853 a 1856, que não chegou a ver terminada. Foi<br />

um dos fundadores da sociedade de estatística,<br />

sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brazileiro e<br />

cultor fervoroso das letras, principalmente da poesia,<br />

desde os bancos acadêmicos, época em que foi<br />

colaborador da Chronica Litteraria, de Coimbra.”<br />

A obra Os Presidentes da Província da Bahia<br />

(1824/1889), de Arnold Wildberger destaca a<br />

matéria:<br />

“Um necrologista da época escreveu a respeito:<br />

Não se encontra em toda a vida do conselheiro <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong> um só fato que venha desmentir o seu procedimento. O<br />

homem que raciocinava era o homem que trabalhava. Jamais<br />

durante o tempo em que foi representante da Nação se<br />

suscitou uma ideia tendente ao progresso moral e material<br />

do seu país, que não fosse defendida pela sua eloquente<br />

voz, pela sua vigorosa lógica. Seus discursos são eternos<br />

momentos dessa verdade.” (16)<br />

No Registro das Ordens Honoríficas Brasileiras,<br />

constante do Arquivo Público Nacional, Rio de Janeiro,<br />

vemos a referência de que o Imperador D. Pedro II,<br />

no dia 7/9/1847, condecorou <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> com a<br />

comenda da Imperial Ordem da Rosa, grau de<br />

Oficial.<br />

(16) ARNOLD WILDBERG <strong>–</strong> Os Presidentes da Província da Bahia<br />

(1824/1889), p. 311 <strong>–</strong> Galeria Nacional <strong>–</strong> Vultos Proeminentes da<br />

História Brasileira <strong>–</strong> 1° fascículo, p. 950 <strong>–</strong> Tipografia Beneditina<br />

Ltda. <strong>–</strong> Acervo: Biblioteca Nacional <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ.


2<br />

FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 58<br />

LISBOA SERRA<br />

18° Presidente da Província da Bahia<br />

O período de governo de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na<br />

província da Bahia foi bastante curto. Na cidade do<br />

Rio de Janeiro, o Jornal do Commercio, edição de 25 de<br />

outubro de 1848, publicou na coluna Interior a seguinte<br />

reportagem:<br />

“Bahia, 16 de outubro<br />

O vapor Imperatriz que aqui chegou no dia<br />

11 do corrente trouxe-nos a estrondosa notícia da<br />

mudança do ministério, da ascensão ao poder do<br />

partido saquarema, e da nomeação do Sr. Gonçalves<br />

Martins para <strong>presidente</strong> daquela província.


59 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Não gastarei tempo nem palavras para descrever<br />

a surpresa geral, direi mesmo o estupor que causaram<br />

estas notícias, não por desagradáveis, mas por<br />

inesperadas. Havia apenas trinta dias que tínhamos<br />

recebido do Rio um novo <strong>presidente</strong>, sem que nos<br />

fosse dado apreciar os motivos da demissão do Sr.<br />

Vasconcelos, e esse novo <strong>presidente</strong> tinha sucessor.<br />

Serei justo para com o Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>.<br />

A sensação desagradável produzida aqui pela<br />

inesperada nomeação de S. Exª estava quase<br />

totalmente desvanecida. Inteligente e conciliador, a sua<br />

administração não se tinha mostrado propensa<br />

para nenhum dos lados políticos que dividem<br />

o Império; apresentava um desejo ardente pelos<br />

melhoramentos materiais da província, e já alguma<br />

coisa havia conseguido neste louvável empenho.<br />

Se a nomeação do Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> não tivesse<br />

aparecido como uma consequência da necessidade<br />

proclamada, na tribuna da Câmara dos Deputados,<br />

de estabelecer a tão célebre ferraria da liberdade,<br />

poderia ter sido ótimo delegado do atual ministério,<br />

que me parece possuído do espírito de prudência,<br />

moderação, tolerância, justiça. Nomeado porém<br />

nas circunstâncias que indiquei, acolhido com<br />

entusiásticos aplausos por uma parcialidade política<br />

que queria inverter a província, vindo substituir um<br />

<strong>presidente</strong> cuja demissão não se justificava, havia<br />

razão para crer que o Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> tornar-se-ia<br />

por fim instrumento de um partido. Não podia,<br />

portanto, ser conivente; e acrescentarei que largou na<br />

melhor posição, porquanto seria impossível, à vista da<br />

opinião da província, que pudesse satisfazer à<br />

expectativa que criara, não falando nas marteladas


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 60<br />

que soariam na bigorna tão apregoada na tribuna<br />

temporária.”<br />

No dia seguinte, o Jornal do Commercio<br />

(edição de 26/10/1848), divulgou o Comunicado que abordou<br />

a seguinte matéria:<br />

"O Ex-Presidente da Bahia<br />

Pelas folhas da Bahia chegadas ultimamente pelo<br />

vapor Guapiassu, sabemos que o Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

havia entregue a presidência ao seu sucessor: é força<br />

que algumas palavras digamos sobre os atos de<br />

sua administração.<br />

A presidência do Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, efêmera entre<br />

todas as do Brasil, onde contudo não usam de ser<br />

contadas pelos anos, não passam de um dia além<br />

de um mês: foi a posse a 11 de setembro, entregou<br />

a presidência a 12 de outubro. Já se vê pois que não<br />

teremos de fazer largas dissertações, porque em tão<br />

curto período não há planos que se realizem, nem<br />

sementes que produzem. O que o Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

faria com algum tempo de presidência não o<br />

sabemos nós , e nem que o adivinhássemos o<br />

diríamos agora; mas o que ele poderia fazer, o que<br />

ele talvez fizesse é o que aproximadamente podemos<br />

conjeturar, e o que vamos tentar com os documentos à<br />

vista: exporemos os fatos, as consequências tire-as<br />

quem quiser.<br />

No mesmo dia em que tomou posse, expediu o<br />

Sr. <strong>Serra</strong> uma circular que não era outra coisa senão<br />

o programa de sua administração futura, para que o<br />

pensamento do governo fosse bem conhecido, para que<br />

fosse compartilhado por todas as autoridades de<br />

quem a sua realização dependia. <strong>–</strong>


61 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Era a ordem pública, cujo estado era satisfatório<br />

então como agora; era a segurança individual,<br />

precária e contingente em alguns pontos da província.<br />

Para isto seria preciso restabelecer a confiança<br />

naqueles lugares, e fazer cumprir as leis preventivas<br />

e repressivas: era bastante por certo, mas não é<br />

de se fazer em um dia, nem em trinta dias. <strong>–</strong> Era<br />

também indispensável a presença acurada e<br />

vigilante das autoridades nos termos da sua<br />

jurisdição: as ordens partiram, mas não tiveram<br />

tempo de serem cumpridas. Continuará a arder aquele<br />

fogo de discórdia de Pilão Arcado que ameaça<br />

conflagrar toda a província? <strong>–</strong> Era enfim os<br />

melhoramentos materiais que reconhecia como um dos<br />

seus primeiros deveres e o principal fim de sua<br />

missão; os melhoramentos morais <strong>–</strong> fiscalização<br />

cuidadosa das rendas públicas <strong>–</strong> economia rigorosa<br />

<strong>–</strong> aplicação e distribuição severa e justa.<br />

As palavras eram belas decerto, mas como<br />

os programas também não são mais do que<br />

palavras, a imprensa guardou silêncio até que viu<br />

e depreendeu dos atos do governo provincial que<br />

a sua intenção era cumpri-la e levá-la a efeito.<br />

Mas um fato ocorreu de que se tem ocupado<br />

alguns jornais da Corte, e que convém aqui<br />

explicar <strong>–</strong> a demissão do inspetor da tesouraria,<br />

que ainda não tinha tomado posse do seu emprego,<br />

nem prestado juramento, se a tal ato se pode<br />

chamar demissão.<br />

“Tenho resolvido, dizia o ex-<strong>presidente</strong>, sem<br />

que contraria o pensamento de que me acho<br />

possuído, de não fazer inovação e mudança<br />

alguma no pessoal da administração, sem causa


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 62<br />

suficiente e justificado motivo, tornar de nenhum efeito<br />

a referida nomeação."<br />

Sim, de boa mente o acreditamos, não tinha<br />

por fim o ex-<strong>presidente</strong> da Bahia fazer inovação<br />

na província, que bem o mostrou ele durante o<br />

curto período de sua administração.<br />

A propósito, vejamos o que foi publicado em<br />

S. Salvador da Bahia, no dia 15 de setembro de<br />

1848, pelo jornal Correio Mercantil:<br />

"Espinhosa, por sem dúvida, foi a posição em<br />

que transata administração da província colocou o<br />

Exmo. Sr. Dr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> no momento de tomar<br />

conta do governo da província. Esse ato<br />

excepcional, esse ato intempestivo, pelo qual foi<br />

nomeado Dr. Tibério, inspetor da tesouraria<br />

provincial, no domingo 10 do corrente, com data de<br />

9, pelo antecessor do Exmo. Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />

quando este se achava já em palácio, acaba de<br />

ser cassado, conservando o Exmo. Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

as coisas no mesmo posto em que elas se achavam<br />

quando aportou a esta província."<br />

"Duvidamos, continua o Mercantil, que fosse o<br />

bem público quem ditasse esta nomeação.”<br />

A isto parece opor-se o ato do atual <strong>presidente</strong><br />

que acaba de dar posse àquele inspetor: não o aprovamos<br />

nem reprovamos, observamos somente que se tal<br />

nomeação fosse justa, se fosse verdadeiramente honesta<br />

para quem a fez o antecessor do Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> teria<br />

encetado a sua carreira por dar este passo, e não o<br />

deixaria de reserva como verba de estamento, como<br />

destes atos que os homens praticam. Indiferentes à<br />

opinião, porque no dia subsequente terão deixado de<br />

existir.


63 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Íamos dizendo que a imprensa baiana guardara<br />

silêncio."<br />

Ao concluirmos este tópico que aborda a<br />

passagem de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> no governo da província<br />

da Bahia, nos idos de 1848, reiniciamos, a seguir, a<br />

transcrição do livro Pantheon Maranhense, de Antônio<br />

Henriques Leal:<br />

“Os debates, que houve por essa ocasião,<br />

foram irrefragável testemunho do bom conceito<br />

que geralmente se formava do caráter e virtudes<br />

políticas deste distinto maranhense, e que ele veio<br />

ainda mais confirmar nos trinta dias em que<br />

administrou a Bahia; porque tendo a 29 de setembro<br />

de 1848 subido ao poder oposta política, o novo<br />

gabinete o exonerou dessas funções que eram de<br />

confiança. Não foi suficiente tão brevíssimo prazo<br />

para os baianos concebessem as mais auspiciosas<br />

esperanças de sua administração, e ele conquistasse<br />

as simpatias gerais, angariadas pelas maneiras<br />

afáveis, atenciosas e corteses com que acolhia a<br />

todos sem distinção hierárquica, de princípios e<br />

nacionalidades; e o critério, prudência e segurança<br />

com que resolvia as questões e negócios administrativos.<br />

A sua partida de S. Salvador teve um<br />

acompanhamento numerosíssimo e espontâneo <strong>–</strong> desde<br />

o arcebispo, dos mais altos funcionários civis e<br />

militares, do corpo catedrático da Faculdade de<br />

Medicina, até o mais humilde cristão <strong>–</strong> todos à uma<br />

porfiaram em dar-lhe, neste solene momento eloquente,<br />

demonstrações de alta estima em que o tinham.”<br />

(...)


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 64<br />

“Chegado a Corte com tão avantajada posição,<br />

procurou o Ministério neutralizar a má impressão<br />

ocasionada por este ato, dando-lhe o título de<br />

Conselho, e daí a pouco nomeando-o tesoureiro<br />

geral da Fazenda Nacional. Foi isto ocasião para<br />

que se lhe descobrisse e apreciasse a aptidão e<br />

bom senso prático em negócios da Fazenda.” (17)<br />

(17) ANTÔNIO HENRIQUES LEAL <strong>–</strong> in Pantheon Maranhense <strong>–</strong><br />

Biografia e retrato de João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> <strong>–</strong> Ano de<br />

1874 <strong>–</strong> Acervo: Instituto Histórico Geográfico Brasileiro <strong>–</strong> Rio<br />

de Janeiro <strong>–</strong> RJ.


65 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

3<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />

deputado e <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil<br />

Suplente do deputado Joaquim Franco de Sá,<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> fez a estreia na Câmara dos Deputados,<br />

localizada no edifício Cadeia Velha, no mesmo local onde<br />

se ergue hoje a Assembleia Legislativa do Estado do Rio<br />

de Janeiro, na sessão de 24/5/1848, presidida<br />

interinamente pelo 1° Secretário, Muniz Barreto, no<br />

momento em que era discutida a resolução autorizando<br />

o governo a dar estatutos à Escola de Medicina do<br />

Rio de Janeiro, com a emenda do deputado Couto<br />

Ferraz.<br />

Elegantemente trajando um fraque (naquela<br />

época não havia o uso de ternos), o deputado <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong> ocupa a tribuna para justificar o voto contra a<br />

resolução em debate:<br />

"... entende que, se ao governo fosse conferida a<br />

autorização para confeccionar os estatutos para a Escola<br />

de Medicina, não poderia fazer cousa melhor do que<br />

incumbir à Faculdade de Medicina dessa mesma<br />

confecção, porque ela já tem a experiência


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 66<br />

de 16 anos. Não acha inconveniente, como se disse,<br />

em ser o diretor proposto em lista tríplice pela<br />

faculdade, porque nas academias os homens de<br />

mais conhecimentos, de mais talento e de mais habilidade,<br />

adquirem certa ascendência, contra a qual ninguém<br />

se revolta. Vota contra a resolução e contra a<br />

emenda, enquanto não for melhor esclarecido, porque a<br />

lei está bem concebida, e não a quer alterar." (*)<br />

Antes do advento da abolição da escravatura<br />

em que se notabilizaram grandes vultos da Pátria, a<br />

voz de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> surge, no alvorecer do tempo, como<br />

precursora desse movimento. A sessão plenária é do dia<br />

14 de junho de 1848:<br />

“Tudo quanto o orador exige de um governo<br />

para que o seu apoio possa ser franco e decidido<br />

reduz-se a duas condições essenciais:<br />

1ª <strong>–</strong> que ele garanta ao País todas as liberdades<br />

e as riquezas que a constituição e as leis<br />

têm outorgadas, pois é monarquista de coração,<br />

e como tal deseja que se conserve o que<br />

a constituição tem estabelecido, e<br />

2ª <strong>–</strong> que o governo desenvolva uma vontade firme e<br />

enérgica no emprego das medidas necessárias<br />

para lançar longe de nós essa nuvem negra e<br />

medonha que nos vem das terras africanas.<br />

Ela encerra uma questão de vida e morte<br />

para o futuro do império.” (*)<br />

(*) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> Discursos proferidos, em 24/5/1848 e 14/6/1848,<br />

pelo deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong><br />

Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.


67 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Com a possibilidade da concorrência do capital<br />

estrangeiro na economia nacional, a presença de<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, na sessão de 12/4/1853, já se destacava<br />

revelando-se um nacionalista. Eis alguns trechos<br />

proferidos na tribuna da Câmara dos Deputados:<br />

"Se nós, Sr. Presidente, não tivéssemos nenhum<br />

princípio desta indústria, eu diria que recorrêssemos<br />

inteiramente à indústria estrangeira, não antecipássemos<br />

a época do seu nascimento no nosso País: mas desde<br />

que o País tem já capitais empregados, desde que há<br />

estabelecimentos com princípio de vida e braços que se<br />

empregam nesse trabalho, entendo que é elemento a<br />

que se deve atender quando legislarmos. Se sacrificarmos<br />

agora o princípio da navegação, o princípio da construção,<br />

se não tivermos a ambos como elementos auxiliares da<br />

riqueza pública, teremos, no futuro, de achar<strong>–</strong>nos em<br />

grandes dificuldades, dificilmente conquistaremos a nossa<br />

independência nesta parte, e o nosso comércio ficará<br />

sempre exposto a gravíssimas contingências.<br />

Ora, os direitos de ancoragem já têm sido<br />

diminuídos, e são esses direitos os que mais<br />

imediatamente protegem a navegação."<br />

Fazendo um aparte, o deputado Ferraz disse:<br />

"Esses direitos protegem a navegação<br />

estrangeira e não a nacional, o que é contrário<br />

ao princípio do nobre deputado.”<br />

Retomando a palavra, o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

explicitou:<br />

“Mas é uma franqueza (franquia) como tantas<br />

outras que se concedem ao comércio em geral, o


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 68<br />

qual o nobre deputado, bem como eu, deseja<br />

ardentemente proteger. Eis aqui como a navegação<br />

pode ser animada sem prejuízo da construção.<br />

Mas, se a indústria da navegação e do<br />

comércio tem seus elementos, se um deles é a<br />

construção naval, não sei se seremos muito<br />

prudentes em não criarmos nada a este respeito,<br />

ainda mais se destruirmos o que já temos.<br />

Concordo em que se auxiliem mutuamente;<br />

entendo que as maiores necessidades, o maior<br />

incremento da navegação pode dar maior<br />

desenvolvimento aos estabelecimentos de construção;<br />

mas afirmo ao nobre deputado que se a indústria<br />

estrangeira, se a construção estrangeira continuar<br />

a ser sempre mais protegida que a nacional,<br />

nunca chegaremos a este ponto; qualquer que seja<br />

a atividade do comércio, não teremos nunca construção<br />

naval, e não teremos por esta razão, que é de<br />

simples intuição: <strong>–</strong> ninguém quer perder seus<br />

capitais, ninguém quer empreender negócios sabendo<br />

antecipadamente que tem de perder neles. Nem mesmo<br />

o governo do País poderia dar impulso a esta<br />

indústria por meio de suas construções de guerra<br />

ou defesa, porque não encontraria operários, que não<br />

se fazem de um dia para outro, e sem escola e<br />

sem estímulos.<br />

Se o nobre deputado mostrar que a medida<br />

não mata, não prejudica essencialmente o princípio<br />

da construção naval, concordarei inteiramente com<br />

ele; mas enquanto não vir que a construção nacional<br />

fica pelo menos equiparada à estrangeira, hesitarei<br />

em dar o meu voto a uma medida semelhante,<br />

porque dela pode vir perda de grandes capitais


69 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

para o País, e a morte de uma indústria em que<br />

fundo esperanças para a Nação.<br />

O fato de haver-se mandado construir<br />

vapores na Europa prova decerto que não temos<br />

estabelecimentos em estado de prestar-se a todas<br />

as necessidades da nossa marinha; mas nem por<br />

isso devemos voltar ao começo, desprezar aquilo<br />

que já temos conseguido, para ficarmos em pior<br />

situação; entendo antes que em questão semelhante,<br />

embora estejamos agora mal, devemos preparar o<br />

terreno para um melhor futuro. (...)<br />

Exatamente, porque entendo que convém esperar<br />

por cálculos mais bem confeccionados, por<br />

trabalhos mais regulares, de modo que, quando der o<br />

meu voto à semelhante medida, possa ter consciência<br />

de que não vou matar estabelecimentos que estão em<br />

brilhante começo, não vou destruir capitais<br />

empregados em indústrias que julgo muito dignas de<br />

animação, nem tolher por medidas pouco refletidas o<br />

futuro do País, que não depende de uma ou outra<br />

medida isoladamente, de uma ou outra indústria<br />

exclusivamente, mas de todas as fontes da produção<br />

e da riqueza, as quais todas têm igual direito aos<br />

desvelos dos poderes do Estado.” (23)<br />

(23) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 12/4/1853, pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />

Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 70<br />

Sob a presidência de Pereira da Silva, a<br />

sessão plenária dos deputados, iniciada às 11 horas<br />

da manhã do dia 18 de abril de 1853, recebe um<br />

ofício de João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, entregando o<br />

diploma de deputado eleito pela província do Maranhão.<br />

Nas atividades parlamentares do dia 9 de<br />

junho de 1853 dão-nos mostras como voa o destino<br />

em direção de quem o faz. Em outubro de 1848,<br />

depois de retornar do governo da Bahia, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

assume a tesouraria<strong>–</strong>geral do Império e seu trabalho<br />

ressurge alguns anos depois.<br />

Corre o tempo, ei-lo como relator da lª<br />

Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados a<br />

apresentar aos seus pares seus feitos transcorridos na<br />

administração pública.<br />

Nesta seqüência de fatores que se interligam,<br />

os anais da sessão plenária de 9 de junho de 1853<br />

da Câmara dos Deputados reproduzem fielmente estas<br />

circunstâncias:<br />

“O Sr. LISBOA SERRA pede urgência para a<br />

leitura de um parecer da comissão de fazenda de<br />

que faz parte. A urgência é aprovada, depois do que,<br />

é lido e julgado objeto de deliberação o seguinte:<br />

PARECER<br />

A comissão de fazenda, tendo examinado<br />

atentamente o relatório e proposta do Sr. Ministro<br />

da Fazenda relativamente à medida tomada pelo<br />

governo de emprestar aos dois bancos estabelecidos<br />

nesta corte, sob caução de apólices da dívida<br />

pública em letras do tesouro de 500$ cada uma,<br />

até a quantia de 4,000,000$000, é de parecer que


71 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

se adote a mencionada proposta, para o que a<br />

converte em projeto de lei.<br />

Como, porém, entendesse a comissão que<br />

semelhante medida seria por si só insuficiente para<br />

produzir o desejado efeito de aliviar a praça do<br />

Rio de Janeiro dos embaraços com que atualmente<br />

luta por deficiência de meio circulante, por isso<br />

que além de ser o empréstimo limitado pelo valor<br />

das apólices depositadas, o que por certo o<br />

reduzirá a mui tênues proporções nas atuais<br />

circunstâncias dos bancos, não podem aquelas letras<br />

desempenhar completamente as funções de moeda,<br />

já por não serem na totalidade dos pagamentos<br />

recebidas nas estações públicas, já por não terem<br />

curso forçado nas transações particulares, e já<br />

finalmente pelo alto valor de cada uma delas,<br />

resolveu a mesma comissão, tendo ouvido o<br />

respectivo Sr. ministro, e de acordo com ele, fazer<br />

à referida proposta alguns aditamentos, e submete<br />

à vossa consideração a dita<br />

PROPOSTA<br />

“Artigo único <strong>–</strong> Fica aprovada a deliberação<br />

tomada pelo governo de emprestar aos dois bancos<br />

desta corte em bilhetes do tesouro, sob caução de<br />

apólices da dívida pública, a quantia que for<br />

indispensável para suprir a deficiência de dinheiros<br />

que a praça do Rio de Janeiro está sofrendo atualmente,<br />

contanto que a soma emprestada não se eleve a<br />

mais de 4,000,000$000; podendo tais bilhetes serem<br />

recebidos com o respectivo desconto nas estações<br />

públicas da corte, na razão que for fixada pelo<br />

ministro da Fazenda.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 72<br />

EMENDAS DA COMISSÃO<br />

Acrescentem-se: <strong>–</strong> A assembleia geral<br />

legislativa resolve:<br />

Em vez de <strong>–</strong> artigo único <strong>–</strong> diga-se <strong>–</strong> art. 1°<br />

Art. 2°, aditivo <strong>–</strong> O governo fica, além<br />

disso, autorizado para facultar aos mencionados bancos<br />

a elevação de sua emissão até a importância de<br />

6,000,000$000, dividida entre eles na razão de<br />

seus fundos efetivamente realizados, sendo as<br />

suas letras recebidas nas estações públicas e<br />

nos pagamentos entre os particulares no município<br />

do Rio de Janeiro.<br />

Parágrafo 1° <strong>–</strong> Esta emissão será caucionada por<br />

igual valor em metais preciosos, apólices da<br />

dívida pública, sendo tomadas ao par as de<br />

6%, letras do tesouro e bilhetes da alfândega<br />

com o desconto correspondente ao prazo do<br />

vencimento, ou por títulos de crédito particulares<br />

com boas garantias computados por metade do<br />

seu valor. Esta caução será depositada nas<br />

casas dos próprios bancos e recolhida em<br />

cofres, dos quais será claviculário o fiscal ou<br />

comissário que para cada banco for nomeado<br />

pelo ministro da Fazenda.<br />

Parágrafo 2° <strong>–</strong> Esta emissão não poderá ser<br />

aplicada senão ao desconto de letras da terra<br />

com duas firmas pelo menos, e cujos prazos não<br />

excedam a 90 dias, e ao das letras do tesouro e<br />

bilhetes da alfândega.<br />

Parágrafo 3° <strong>–</strong> Os bancos são obrigados a realizar<br />

suas letras em moeda corrente, conservando<br />

sempre para esse fim em cofre um fundo<br />

disponível, nunca inferior a um terço da<br />

respectiva emissão.


73 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Parágrafo 4° <strong>–</strong> Entre os limites de quatro meses e<br />

um ano o governo marcará um prazo, findo o<br />

qual não serão mais recebidas nas estações<br />

públicas, nem nas transações particulares, salvo o<br />

caso de convenção entre as partes, as letras<br />

dos mencionados bancos.<br />

Parágrafo 5° <strong>–</strong> Os fiscais, ou comissários de que<br />

trata o parágrafo 1° e art. 2°. serão incumbidos<br />

de inspecionar as operações dos bancos, e de<br />

suspender qualquer deliberação contrária às<br />

disposições desta lei, dando imediatamente<br />

conta ao governo, que deliberará definitivamente.<br />

Art. 3° Aditivo. Ficam revogadas todas as<br />

disposições em contrário.<br />

Paço da Câmara dos Deputados, em 9 de Junho<br />

de 1853. <strong>–</strong> João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>. <strong>–</strong> Francisco<br />

Antônio Ribeiro."<br />

Na sessão de 11 de junho de 1853, entra<br />

em 2ª discussão a proposta do governo sobre os<br />

empréstimos aos bancos. Os principais oradores a usar<br />

a palavra foram os deputados Viriato e Silveira da<br />

Mota, com apartes de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>. Dois dias depois<br />

continuou em pauta a discussão do projeto. Usou a<br />

tribuna o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>. Eis, a seguir, alguns<br />

trechos do discurso:<br />

“Sr. Presidente, cônscio da minha incapacidade<br />

para a tribuna (não apoiados), eu não a ocuparia por<br />

certo, e me resignaria ao mais completo silêncio se<br />

pudesse conciliá-lo com a consciência do meu dever;<br />

sendo porém membro da comissão da Fazenda que<br />

não só deu parecer sobre o projeto do governo, mas<br />

julgou dever fazer-lhe algumas modificações, julgo-me<br />

obrigado a justificar o meu procedimento;


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 74<br />

porém antes de entrar nessa matéria a Câmara<br />

permitirá que eu cumpra, o mais sucintamente que me<br />

for possível, um outro dever a que me julgo<br />

igualmente obrigado.<br />

Membro novo de uma Câmara nova, não<br />

tendo feito parte da legislatura passada, e só<br />

acidentalmente aparecido na política em 1848,<br />

quando dominavam ideias contrárias as que se<br />

acham hoje no poder, eu me julgo obrigado a bem<br />

definir a minha posição, não somente em relação<br />

à administração atual, como à nova oposição que<br />

começa a se manifestar no parlamento. E além de<br />

ser isso para mim um dever nas circunstâncias<br />

em que me acho e acabo de expor, entendo que<br />

é também de suma conveniência que quando<br />

um gabinete que, há anos rege os destinos do país,<br />

se apresenta em face de uma Câmara nova,<br />

cada um dos seus membros manifeste da<br />

maneira a mais franca e explícita o seu pensamento<br />

a respeito da administração (apoiados); só assim<br />

poderemos fazer alguma coisa de bom e útil no<br />

curto período de nossas sessões legislativas; só<br />

assim se poderão evitar as discussões estéreis e<br />

as lutas intermináveis que tanto têm prejudicado o<br />

crédito do sistema representativo entre nós; só<br />

assim poderão os partidos que se julgam aptos para<br />

fazerem a felicidade do país, governando-o, ensaiar<br />

suas forças, reunir seus recursos e calcular as<br />

probabilidades da vitória na luta com seus<br />

adversários; só assim, finalmente, a coroa, do<br />

fastígio dos poderes constitucionais, poderá ouvir<br />

as vozes reais do país, e ser esclarecida sobre<br />

suas verdadeiras necessidades.


75 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Pouco afeito às lutas tempestuosas dos<br />

partidos extremos, incapaz de fanatizar-me por um<br />

princípio qualquer a ponto de julgá-lo o único meio de<br />

salvação para o país, como por temperamento,<br />

essencialmente moderado em minhas opiniões<br />

políticas... “<br />

Na sessão de 21 de junho de 1853, entrando<br />

novamente em discussão, o projeto recebeu críticas do<br />

deputado Nebias. Saiu em defesa o deputado <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong> que declarou estar convencido que “a instituição<br />

com que queremos dotar o País há de ser fonte de muitos<br />

benefícios”. Naquele momento, surgia na<br />

adversidade a luta em defesa da criação do Banco do<br />

Brasil. Prosseguindo, o orador maranhense elucidou:<br />

“Não estranho que haja opiniões contrárias, que<br />

se encare a questão de diversos modos, e debaixo de<br />

pontos de vista que conduzam a diferentes<br />

conclusões; porém, partir-se dos mesmos princípios,<br />

raciocinar-se sobre as mesmas bases e tirarem-se<br />

conclusões contrárias, isso é que eu não<br />

compreendo facilmente: foi somente isso que me<br />

maravilhou.<br />

O nobre deputado começou declarando que<br />

via uma como surpresa no projeto em relação<br />

àquilo que se recomendava na fala do trono, e disse<br />

que nela se aludia a instituições que dessem<br />

expansão ao crédito do País, enquanto que a<br />

medida proposta tinha por fim principal o melhoramento<br />

do meio circulante.<br />

Eu, senhores, acho que são pontos tão ligados,<br />

tão idênticos entre si, que não sei como o nobre<br />

deputado possa assim ser surpreendido pela face<br />

em que o governo considerou a questão.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 76<br />

O crédito, senhores, é composto de dois<br />

elementos distintos, porque ele é baseado na<br />

crença de que a soma que se empresta, que se<br />

confia a outrem, não será restituída, não diminuída,<br />

mas aumentada, e para alcançar-se este resultado<br />

duas considerações são necessárias; não basta<br />

que se entregue a soma com ganho nominal, é<br />

necessário que essa soma, assim aumentada, seja<br />

intrinsecamente maior do que a despendida, e isso<br />

é o que não acontecerá por certo se a moeda<br />

que serve hoje de medida dos valores não tiver<br />

esse mesmo valor, porém menor no termo do<br />

contrato; vê-se pois que o crédito da moeda, ou<br />

melhoramento do meio circulante, está intimamente<br />

ligado com a expansão do crédito propriamente dito.<br />

Ficou também o nobre deputado impressionado<br />

pela ideia de que este banco impediria, pela forma<br />

por que se acha constituído, a criação de outras<br />

instituições de semelhante natureza; porém eu peço<br />

vênia para dizer ao nobre deputado que isto é<br />

puro engano seu.<br />

Certamente que o País não comporta atualmente<br />

muitos estabelecimentos desta ordem; eu creio até que<br />

este banco será por muito tempo suficiente para<br />

satisfazer as necessidades de nossas praças; ele<br />

porém não tem privilégio exclusivo, não há proibição<br />

alguma de que se organizem outros bancos, desde<br />

que necessidades reais os reclamarem; o que o<br />

projeto quer é criar um banco solidamente<br />

constituído, que possa melhorar o meio circulante o<br />

que não poderiam fazer muitos pequenos bancos,<br />

e o que pode ser feito pelo atual com maior segurança<br />

e perfeição. Repito, pois, que este banco


77 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

não é criado em prejuízo de todos os outros que<br />

podem reclamar as necessidades do País, embora<br />

tenha ele de ser o único por algum tempo..."<br />

O deputado Brandão, fazendo um aparte ao<br />

discurso de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, indagou: “E as caixas<strong>–</strong>filiais?”<br />

Retomando a palavra, o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

elucidou: “...é justamente com as suas caixas<strong>–</strong>filiais<br />

que poderá fazer ao País todo o benefício que dele se<br />

espera.”<br />

O deputado Nebias também fez um aparte,<br />

num tom exclamativo: “Há de absorver os recursos<br />

das províncias."<br />

A elucidação do orador maranhense prossegue<br />

da tribuna: “Será justamente o contrário; são os<br />

grandes mercados, como o do Rio de Janeiro e outros, que<br />

hão de por muito tempo ministrar recursos aos<br />

pequenos mercados do império; já atualmente isto<br />

acontece, e com a organização das caixas<strong>–</strong>filiais<br />

acontecerá em muito maior escala."<br />

Em seguida, dois deputados dirigiram apartes<br />

ao orador da tribuna, nesta ordem:<br />

“O Sr. Nebias: <strong>–</strong> Mas agora no Rio de Janeiro se fez um<br />

empréstimo de 4,000,000$000.<br />

O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Ao mercado do Rio de Janeiro faz-se um<br />

empréstimo de 4.000,000$000, e as pequenas praças<br />

do império não se lhes empresta nada”.<br />

A resposta do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> elucida: “Este<br />

empréstimo feito à praça do Rio de Janeiro reverte<br />

certamente uma grande parte em benefício das<br />

pequenas praças do império”. (Apoiados)


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 78<br />

O deputado Brandão não se conformou com<br />

a resposta e ainda retrucou: “Não sei como”.<br />

A elucidação do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> é bem<br />

evidente:<br />

“É claríssimo, o nobre deputado não nega<br />

decerto, porque seria negar a evidência dos fatos,<br />

que pelas circunstâncias em que há meses se<br />

achou o mercado do Rio de Janeiro uma parte de<br />

seus capitais emigrou para certas províncias em<br />

busca de empregos mais lucrativos....”<br />

Importa que eles teriam de voltar imediatamente<br />

ao seu centro, ao lugar em que residem seus<br />

proprietários, e onde ainda com menores lucros se<br />

julgariam por motivos bem olvidos melhor compensados<br />

se não cessassem sem perda de tempo as dificuldades<br />

da praça do Rio de Janeiro; eis como o empréstimo<br />

votado vai diretamente beneficiar essas províncias.<br />

Disse<strong>–</strong>se mais que este banco assim organizado<br />

podia exercer uma influência mui decisiva e<br />

perniciosa nos destinos do império; eu, senhores,<br />

sinto<strong>–</strong>me amesquinhado, como brasileiro, com a<br />

enunciação de semelhantes ideias. Pois, instituições<br />

que em toda parte são um poderoso elemento de<br />

ordem, pois, a riqueza, pois a propriedade do País podem<br />

jamais ser infensas à sua felicidade, ao seu<br />

progresso? Pode<strong>–</strong>se razoavelmente recear sua<br />

influência na administração do País? Pela minha<br />

parte. em vez de prejudicial, como supõem os nobres<br />

deputados, eu estou convencido de que ela seria<br />

útil e muito útil à Nação.<br />

O que digo é que não posso desconfiar da<br />

influência dos bancos, não posso pôr<strong>–</strong>me em guarda


79 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

contra a propriedade e riqueza do País; eu não<br />

suponho o governo do meu País tão fraco,<br />

estabelecido sobre bases tão precárias, que tenha<br />

de sujeitar<strong>–</strong>se à influência indébita de um banco<br />

para engrandecê<strong>–</strong>lo em prejuízo das instituições<br />

pátrias”.<br />

O deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> prosseguiu da<br />

tribuna da Câmara dos Deputados o vigoroso discurso<br />

da inesquecível tarde de 21 de junho de 1853:<br />

"O nobre figurou alguns casos em que a<br />

moeda<strong>–</strong>papel podia valer até mais do que o ouro<br />

que ela representa, ter um ágio sobre o metal;<br />

mas antes disto fez uma longa exposição de<br />

princípios para provar que a circulação de papéis<br />

de crédito tinha vantagens sobre a circulação da<br />

moeda metálica. Eu professo também esta opinião.<br />

Entendo que a soma dos valores que inutilmente se<br />

emprega na moeda, que não é mais do que um<br />

meio de fazer um comércio, é inutilmente distraída<br />

da indústria e fica improdutiva. Entendo que quanto<br />

menor capital se amortecer neste serviço, tanto<br />

mais lucrará o País; mas não sei como o nobre<br />

deputado, estabelecendo este princípio, combate o<br />

banco, que não tem outro fim senão fazer a maior<br />

soma de transações no mercado com a menor soma<br />

possível da moeda.<br />

Formado o banco, seria crueldade privar as<br />

províncias de ter o seu quinhão nos lucros do<br />

mesmo banco. Se o nobre deputado tanto exagera<br />

os lucros do banco que se vai criar, fique certo<br />

de que as províncias hão de participar dele na proporção<br />

das suas forças. As caixas<strong>–</strong>filiais hão de ser<br />

organizadas à custa desse mesmo capital


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 80<br />

que se estipula para o banco central; os<br />

capitais do Rio de Janeiro já se derramam pelas<br />

províncias; os diferentes bancos da Bahia,<br />

Pernambuco, Rio Grande do Sul têm recebido capitais<br />

desta praça; se hoje há dificuldade da passagem<br />

deles, se não se pode aproveitar de pronto todas as<br />

vantagens do seu movimento, haverá de menos essa<br />

dificuldade quando existirem instituições que se<br />

correspondam e possam entender-se no sentido de<br />

suas recíprocas conveniências." (18)<br />

Com o objetivo de promover a imagem do<br />

Brasil no exterior, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> foi um dos integrantes<br />

da Comissão de Fazenda e de Comércio, Indústria e<br />

Artes, da Câmara dos Deputados, que emitiu parecer<br />

favorável, em 23/6/1853, à proposição do deputado Cândido<br />

Mendes de Almeida, destinada à aprovação de um crédito<br />

de 100:000$, a fim de amparar as despesas do Governo<br />

necessárias para que produtos brasileiros pudessem estar<br />

na Exposição Internacional de Paris, realizada em maio<br />

de 1855 [SERRA, 1853].<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> participou da sessão plenária<br />

de 01 de julho de 1853 da Câmara dos Deputados<br />

que elevou à categoria de província, com a<br />

denominação de Oyapockia, o território compreendido<br />

entre os rios Nhamundá, Amazonas, o Oceano Atlântico,<br />

e os limites setentrionais do Império. A capital da<br />

nova província recebeu o nome de Macapá.<br />

(18) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 21/6/1853, pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />

Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.


81 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Hoje um dos representantes daquela província que<br />

recebeu, tempos depois, o nome de Estado do Amapá, no<br />

Congresso Nacional é o senador maranhense José<br />

Sarney, <strong>presidente</strong> do Congresso Nacional, o consagrado<br />

autor do romance Saraminda, a saga que imortaliza as terras<br />

regulamentadas pelo voto do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

(PL/MA).<br />

Assim como o destino conduziu um <strong>poeta</strong> do<br />

Maranhão à Presidência do Banco do Brasil, em seus<br />

primórdios, tempos depois, o mesmo destino entregou nas<br />

mãos de outro <strong>poeta</strong> maranhense o governo da República:<br />

“Em 1985, por fios do destino, coube-me presidir a<br />

transição, a volta da democracia. Consegui sair ileso e<br />

íntegro dessa luta de facas.” (19)<br />

Se em <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> encontramos o vate da<br />

elegia, em José Sarney o <strong>poeta</strong> que celebra a vida<br />

desde o início:<br />

CANÇÃO MAIOR PARA ROSEANA<br />

José Sarney<br />

Há em minha sombra, agora,<br />

a claridade de pequeninos gestos<br />

construindo o tempo,<br />

invadindo o campo dos meus olhares<br />

com as nuvens de pássaros,<br />

as canções vivas de aboios velhos, garças,<br />

(19) JOSÉ SARNEY, senador da República <strong>–</strong> in Jornal do Brasil <strong>–</strong><br />

De jaquetão e bigode <strong>–</strong> p. A<strong>–</strong>11 <strong>–</strong> edição: sexta<strong>–</strong>feira 26 de<br />

março de 2004.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 82<br />

guarás vermelhos de asas abertas,<br />

pássaros boiando no espaço<br />

riscando nomes em tudo:<br />

a presença de teus olhos, filha.<br />

Já o barco da noite<br />

me descobre com falas de acalanto<br />

e lendas nascem,<br />

os príncipes, dragões e estrelas<br />

onde o lago é mágico e existe<br />

o fantástico jogo das histórias simples<br />

para os teus ouvidos.<br />

A velha bruxa,<br />

danças e modinhas,<br />

e o polichinelo<br />

governa o tempo<br />

navegando<br />

nas águas<br />

da tua companhia.<br />

Há no meu olhar nas tardes, nas manhãs,<br />

nas ruas, nas casas, no mar,<br />

o espaço, a vida e o encanto de tua lembrança.<br />

Todas as coisas trazem<br />

teus pequeninos olhos<br />

e as árvores, os pássaros, e os incensos<br />

falam de tua inocência.<br />

E a madrugada com o teu chamado ao mundo,<br />

na menina que saúda o dia,<br />

arranca a palavra Amor dos seus abismos<br />

para entregá-la<br />

indestrutível<br />

e pura<br />

a tuas pequeninas mãos.<br />

Anjo e pássaro agora sou.<br />

O teu sorriso me prolonga<br />

além do dia, além da noite, além da morte,<br />

e chega aos infinitos da esperança


83 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

porque agora, está em tudo,<br />

nas minhas mãos, no meu andar,<br />

no meu morrer,<br />

no meu silêncio, nas minhas lágrimas,<br />

na face do mundo:<br />

o sorriso de Roseana". (20)<br />

A Canção Maior para Roseana, de José Sarney,<br />

escrita em 09/09/1953, na cidade de São Luís do<br />

Maranhão, contém o sentido musical que transmite a<br />

essência que somente os lírios do campo possuem.<br />

Sustentado pelo movimento suave, doce e<br />

moderado (semínima = 69) e pianíssimo quase<br />

embalando, o Canto do Maior Amor, de Francisco<br />

Mignone, escrito nos idos de 1948, sugerindo a mesma<br />

musicalidade que contém os versos do <strong>poeta</strong> José<br />

Sarney, traz a letra de Sylvio Moreaux (1908/1956),<br />

inspirado num abraço à filha pequenina:<br />

“Luz do sol, clarões de luar, passarinhos a<br />

cantar, rumorejos de mil fontes, coloridos horizontes,<br />

belas flores perfumadas, despontar das alvoradas, a alegria<br />

matutina...”<br />

Numa época em que ninguém ainda falava<br />

sobre reforma agrária, o relator da Comissão de<br />

Fazenda, deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, na sessão de 30 de<br />

julho de 1853, da Câmara dos Deputados, concluiu o<br />

parecer que beneficiava a colonização alemã no Estado<br />

de Santa Catarina:<br />

(20) JOSÉ SARNEY, senador da República <strong>–</strong> in Saudades Mortas,<br />

pp. 129 e 130 <strong>–</strong> Ano 2000 <strong>–</strong> Autorização concedida ao escritor<br />

Fernando Pinheiro, em 17/11/2003, pelo senador José Sarney,<br />

<strong>presidente</strong> do Senado Federal.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 84<br />

"E considerando a comissão de fazenda que a<br />

Nação ganha mais em distribuir as terras, mesmo<br />

gratuitamente, com quem as queira cultivar, do que em<br />

conservá-las desaproveitadas; considerando mais que<br />

os colonos estrangeiros não devem ficar de melhor<br />

condição que os nacionais; e finalmente atendendo a<br />

que os suplicantes, pela maior parte, beneficiarão de<br />

boa fé os terrenos que atualmente ocupam.”<br />

Quando se debatia, na sessão de 18 de<br />

agosto de 1853, o projeto relativo à concessão de<br />

privilégio para a navegação a vapor no Amazonas, o<br />

deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> usou a tribuna para comentar:<br />

"Eu já disse em princípio que não sou<br />

panegirista dos privilégios; mas quando é necessário<br />

para criar uma indústria qualquer de muita vantagem,<br />

quando é por assim dizer necessário para educação<br />

do povo, a fim de mostrar praticamente as<br />

vantagens, a exequibilidade da coisa, entendo que o<br />

privilégio se deve dar. Entendo mais que o único meio<br />

de fazer<strong>–</strong>se alguma coisa no futuro, que o maior<br />

estímulo para futuras empresas é a demonstração<br />

prática das vantagens das primeiras associações, e<br />

eis porque nunca deplorarei os favores que lhes são<br />

concedidos, embora venham elas a realizar<br />

enormíssimos lucros.<br />

Talvez pareça absurda esta proposição, mas eu<br />

julgo que se firmarmos muito bem no País o espírito<br />

de associação, nada podemos fazer com celeridade;<br />

é preciso que os lucros sejam tais para aqueles que<br />

se arriscam a tantas contingências, que não só<br />

estimulem os capitais do País, mas ainda os<br />

capitais estrangeiros; então é que começará a haver<br />

verdadeira concorrência, é que o governo se achará


85 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

habilitado para usar com vantagem das faculdades<br />

que lhe houver dar ao corpo legislativo.<br />

Mas, ainda por outro lado foi atacado o<br />

privilégio, isto é, como um grande mal, por isso que<br />

a concorrência era um grande bem. Ora, esta<br />

argumentação cai por si mesma, em vista do que<br />

acabei de expor, porquanto esse grande bem não<br />

será realizável sem esse pequeno mal.<br />

E será esse mal tão grande como foi figurado<br />

pelo nobre deputado que o apresentou? Decerto que<br />

não; como é que a companhia há de lucrar muito<br />

sem que o público lucre muito mais? O que se<br />

poderia, quando muito, dizer era que outras empresas<br />

idênticas não viriam compartilhar durante esses 30 anos<br />

das grandes vantagens que essa navegação promete,<br />

mas esses novos empresários não constituem o<br />

público que, mesmo durante esses 30 anos, chamarei<br />

de demonstração prática, há de lucrar imensamente.<br />

E na verdade, senhores, como poderemos separar<br />

neste caso o interesse da companhia do interesse do<br />

público, do interesse do País?<br />

Pois os interesses da companhia não hão<br />

de ser apenas uma quota do interesse público?<br />

Pode a companhia lucrar sem a navegação seja<br />

frequentada? Esta navegação há de ser frequentada<br />

só porque o País queira fazer a felicidade, concorrer<br />

para os enormes lucros da companhia, e não pelo<br />

cálculo do próprio proveito, do próprio interesse,<br />

preferindo a navegação a vapor à navegação<br />

imperfeita que existia até agora, ou a falta absoluta<br />

de navegação ?...”


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 86<br />

O deputado Cândido Mendes de Almeida<br />

que fez anteriormente um pronunciamento sobre a<br />

matéria, dirigiu ao seu conterrâneo da pré-amazônia<br />

maranhense, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, um breve aparte:<br />

“Podia tratar<strong>–</strong>se com a companhia.”<br />

O orador da tribuna reiniciou o discurso:<br />

“Se nós tratássemos com uma companhia teria<br />

alguma razão o nobre deputado; mas quando o<br />

governo fez este contrato a companhia não existia;<br />

era preciso que ela se formasse, e para que ela se<br />

formasse era necessário dar<strong>–</strong>lhe grandes vantagens,<br />

estimulá<strong>–</strong>la muito. Nem este privilégio pode matar<br />

inteiramente a concorrência para a navegação dos<br />

afluentes do Amazonas; aí não se lhe dá senão um<br />

direito de preferência, e direito de preferência que não<br />

se estabelece senão quando há identidade de<br />

circunstâncias; quando houver uma companhia, uma<br />

empresa ou indivíduo que tenha adiantado trabalhos, feito<br />

despesas, consumido tempo em explorações que não<br />

tenham sido tentadas pela companhia, essa<br />

empresa, indivíduo, ou companhia, virá tratar<br />

diretamente com o governo sem temer a preferência<br />

prometida; ao menos assim o entendo, e julgo que o<br />

contrário seria cruelíssimo. Mas dando de não<br />

existirem esses trabalhos antecipados, dado caso de<br />

que se conceda preferência à companhia em<br />

igualdade de circunstância mesmo para a navegação<br />

dos lugares onde não há obstáculos nem<br />

dificuldades a vencer, ainda assim o público não<br />

seria prejudicado, ao menos quanto ao tempo de<br />

esse benefício, porque é indubitável que a companhia<br />

estará em posição de poder mais prontamente<br />

estabelecer a navegação em qualquer outra linha<br />

cuja conveniência seja demonstrada.


87 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Também não é concludente a objeção de<br />

ser pequeno o capital estipulado pelo governo,<br />

por que o governo não estabeleceu o máximo, e sim<br />

o mínimo, e quando o estabeleceu, é natural que<br />

tivesse bem estudado a questão, de modo que se<br />

achasse habilitado para decidir que este mínimo<br />

bastava para satisfação das obrigações a que<br />

imediatamente se sujeitava a companhia. Eu afirmo<br />

ao nobre deputado que, ou sejam capitais do País,<br />

ou do estrangeiro, desde que a empresa dê lucro,<br />

há de sempre haver muito capital para manter e<br />

levar a navegação aos pontos os mais remotos da<br />

província.<br />

Não tocarei senão muito de leve em algumas<br />

outras observações, e pedirei licença ao nobre<br />

deputado que os apresentou para dizer-lhe que as<br />

acho um pouco deslocadas, um pouco estranhas à<br />

questão, pois que se referem a atos ou trabalhos<br />

que propriamente devem ser fiscalizados pelos,<br />

imediatamente, interessados. Assim, a melhor ou<br />

pior gestão, a nomeação de um ou outro indivíduo<br />

que deva exercer funções na companhia, tudo isto<br />

pertence quase exclusivamente àqueles a quem<br />

cumpre imediatamente zelar os interesses da<br />

companhia.<br />

Se, porém, desses atos pudessem resultar<br />

desvantagens para os fins que o governo teve em<br />

vista, então aí está o mesmo governo para reclamar<br />

convenientemente, porque o contrato o arma para isto, e<br />

nem podia ser de outro modo, porque é ele o único<br />

fiscal da sua execução, deve acompanhar os<br />

trabalhos da companhia de modo que deles derive<br />

ao País toda a vantagem que tem direito a esperar.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 88<br />

O nobre deputado desceu a fatos, falou em<br />

uma nomeação que tivera lugar. Eu, sem querer<br />

entrar na questão, que julgo imprópria na Câmara,<br />

pedir-lhe-ei licença somente para dizer ao nobre<br />

deputado, porque acho ser isto um dever de<br />

consciência, que pude obter informações que muito<br />

abonam esse indivíduo, não só quanto à sua<br />

inteligência, como quanto a outras qualidades já<br />

provadas pela experiência. Consta-me que é maior<br />

de 25 anos (e por consequência não chamarei<br />

menino nem criança), que teve já encargos mui<br />

penosos que demandavam muita inteligência, muita<br />

probidade, muita integridade; que foi sócio, ou pelo<br />

menos gerente de uma casa milionária, e se sairá<br />

muito bem dessa comissão; creio que foi ela um<br />

dos tirocínios que mais o habilitou para o cargo que<br />

atualmente exerce na companhia. Repito, Sr.<br />

Presidente, que não me encarrego da defesa de<br />

um indivíduo que nem conheço pessoalmente; toco<br />

nisto apenas de passagem, e com um desencargo<br />

de consciência, visto que se trata da reputação<br />

alheia, e em sentido contrário à notícia que tenho<br />

da pessoa em questão, e que achando-se esta<br />

ausente não pode alegar em própria defesa.<br />

O fato da demora do vapor deve ser na<br />

verdade muito justificado para ser revelado, porque<br />

suponho que uma das vantagens de tais empresas<br />

é a pontualidade; condição sem a qual desaparecem<br />

muitos dos seus mais felizes resultados (Apoiados).<br />

Mas há casos de força maior, motivos superiores a<br />

toda exceção, que não admitem esta regra, como<br />

sejam os que têm relação com a ordem, a<br />

tranquilidade pública, ou uma necessidade grande,<br />

urgente, mesmo administrativa; são casos em que


89 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

a exceção produz um interesse maior do<br />

que a regra; mas em geral é preciso que o governo<br />

tenha toda a atenção, todo o cuidado para que<br />

nessas empresas não haja relaxação, para que o<br />

público seja servido com a maior pontualidade.<br />

Uma observação fez o nobre deputado de<br />

muito peso, e foi a falta que se nota no<br />

privilégio de uma estipulação quanto ao modo de<br />

rescindi-lo, porque todas as vantagens que tenho<br />

apresentado, essa mesma demonstração prática<br />

de que tenho falado, poderiam ser completamente<br />

conseguidas antes dos 30 anos; e então por um<br />

cálculo de interesse legítimo, poderia convir ao<br />

governo a rescisão, e, por qualquer maneira, a<br />

liberdade da navegação do Amazonas.<br />

Verdade é que reduzindo-se a questão a um<br />

cálculo de vantagens e conveniências para o governo<br />

e para a companhia, poderão dificuldades ser em<br />

qualquer tempo vencidas, sem dependência de<br />

prévia estipulação; mas eu entendo que, ao menos<br />

como objeto de estudo, se deve tomar nota desta<br />

observação, para que em todos os contratos futuros<br />

se inclua a cláusula que já vi incluída no último<br />

contrato para a construção da estrada de ferro.<br />

É claro que quaisquer que sejam as vantagens<br />

que se possam tirar de tais privilégios, podem-se<br />

dar ainda maiores vantagens em que passado certo<br />

tempo volte a indústria ao estado de perfeita<br />

liberdade, e para isso bom será que o governo<br />

desde já, para evitar exigências desarrazoadas,<br />

estabeleça o modo de conseguir este resultado.<br />

É com o tempo, senhores, que se aprende, é<br />

com o estudo que chegaremos à perfectibilidade;


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 90<br />

por muito que estudássemos a matéria nem<br />

todas as condições que se deveriam estipular seriam<br />

incluídas nos nossos primeiros contratos, não<br />

poderíamos equipar-nos desde logo aos países<br />

mais amestrados, e que têm feito desta matéria<br />

muito especial estudo, tanto teórico como prático; não<br />

tenho pois em vista censurar por isso ao governo,<br />

mas somente pedir-lhe que tome nota desta falta, a<br />

fim de nos aproveitarmos da experiência, para que<br />

ela não seja perdida.<br />

Sr. Presidente, se bem compreendi a emenda<br />

que se acabou de ler, não alcanço o que ela<br />

significa, ou por outra, julgo que nada significa. Eu<br />

quisera que o seu nobre autor me dissesse se ela<br />

importa uma autorização para qualquer despesa no<br />

futuro (o que não posso crer), se abre desde já<br />

um crédito ao governo para fazer a desapropriação<br />

quando ela se tornar necessária; porque do<br />

contrário não vejo alcance algum nessa emenda. Deus<br />

nos livre de autorizações das quais se possa a<br />

contrário senso tirar a conclusão de que o<br />

governo está sem elas de mãos atadas para<br />

promover tudo quanto for de utilidade pública.<br />

Já disse que é um cálculo de vantagens e<br />

desvantagens que o governo fará depois; para isto<br />

está sempre autorizado, bem como para em tempo<br />

oportuno, pois que o corpo legislativo se reúne todos<br />

os anos, pedir-lhe as faculdades extraordinárias de<br />

que carecer; entendo todavia que, ainda que aprovemos<br />

esta emenda, aprovando também o contrato, ela não<br />

terá força alguma para obrigar a companhia a<br />

aceitar as condições do governo; desde que se<br />

não pudesse voltar a novos


91 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

ajustes para estabelecer essas condições<br />

onerosas, a emenda nada significaria, porque a<br />

companhia ficaria com pleno direito para recusar ao<br />

governo suas imposições quando ele quisesse usar<br />

desta autorização, que não pode por forma alguma<br />

importar uma inovação no contrato feito.<br />

Sr. Presidente, eu de nada mais me lembro<br />

para oferecer à consideração da casa, mesmo<br />

porque parte dos meus apontamentos estão<br />

inutilizados com as respostas e explicações dadas<br />

pelo nobre ministro. Não sei se já declarei tão<br />

expressamente como desejo que votarei a favor<br />

de qualquer autorização que habilite o governo para<br />

desde já fazer a substituição da vantagem do<br />

privilégio pela de um maior favor pecuniário,<br />

mas isso, já se vê, com acordo da parte<br />

interessada, se esta reconhecer que é melhor ou lhe<br />

convém traduzir o privilégio em vantagem pecuniária.<br />

Se puder haver um acordo entre o governo e<br />

a companhia a este respeito, de modo que não se<br />

firam direitos adquiridos que repousam sobre a fé<br />

de um contrato solene feito com o governo do País,<br />

porque isso poderia ter funestas consequências, e<br />

matar o espírito de associação que tanto desejo ver<br />

promovido entre nós; se puder haver este acordo,<br />

digo, estou pronto a votar por todas as autorizações<br />

que a Câmara quiser conceder ao governo.” (21)<br />

(21) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 18/8/1853, pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />

Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 92<br />

Na sessão de 19 de agosto de 1853, a<br />

Câmara dos Deputados aprovou o arquivamento do<br />

parecer, assinado pelos deputados Ribeiro de Andrada e<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, membros da Comissão de Fazenda, referente<br />

à demonstração das operações de preparo, assinatura e<br />

substituição do papel-moeda na corte e município do Rio de<br />

Janeiro, a cargo da junta administrativa da caixa de<br />

amortização, desde 24 de dezembro de 1835 até 31 de<br />

julho deste corrente ano.<br />

A questão do privilégio a ser concedido pelo<br />

governo a empresa que explore a navegação do<br />

Amazonas voltou ao debate na sessão plenária de 19<br />

de agosto de 1853. A atuação brilhante de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />

antecedida por Pacheco, causou excelente impressão aos<br />

seus dignos pares. Mais uma vez, fomos buscar,<br />

nos anais da Câmara dos Deputados, o relato<br />

comovedor:<br />

"Tomarei pouco tempo à casa, visto que tenho<br />

somente por fim dar uma breve resposta ao<br />

nobre deputado que me precedeu; uso da palavra<br />

menos pelo interesse da discussão, tendo sido<br />

prevenido pelo nobre deputado pelo Pará do que<br />

para dar um público testemunho do respeito que<br />

consagro ao nobre deputado a que me refiro.<br />

Sr. Presidente, quando se traduzem as opiniões<br />

alheias, a despeito das melhores intenções, peca-se<br />

de ordinário contra a fidelidade, e é assim que a<br />

opinião de qualquer indivíduo, referido por outros<br />

embora na melhor boa fé aparece com cores<br />

diferentes.<br />

Eu, Sr. Presidente, estou de acordo com o<br />

nobre deputado na questão teórica da liberdade


93 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

industrial, e nem proferi palavra que autorizasse<br />

o pensamento contrário; o que somente disse e repito<br />

é que os rigorosos princípios da ciência não podem<br />

ser aplicados em países, em sociedades novas, que<br />

não estão ainda em estado normal, que não têm<br />

todos os elementos de riqueza, todo o movimento e<br />

atividade já desenvolvidos nas sociedades antigas.<br />

Portanto, não sou panegirista dos privilégios; nesta<br />

questão votarei pela emenda que se acha sobre a<br />

mesa; o que desejo é que o corpo legislativo proceda<br />

de modo que não apareça depois a desconfiança<br />

nos negócios tratados com o governo.<br />

Para se poder reduzir essa concessão<br />

unicamente a dinheiro sem prejuízo da empresa,<br />

Sr. Presidente, era preciso saber-se mais alguma<br />

coisa que nos autorizasse a concluir que ela podia<br />

dispensar o privilégio; e eu não quero argumentar com<br />

dados resultantes dos trabalhos encetados pela<br />

companhia, a questão está em verdade hoje muito<br />

esclarecida à custa de suas diligências e riscos, mas<br />

eu não julgo possível que lhe sejam retiradas por<br />

isso as vantagens estipuladas no contrato celebrado<br />

quando a matéria estava na maior obscuridade,<br />

quando os capitais empregados na empresa iam<br />

correr grandíssimos riscos, quando o negócio tinha<br />

uma natureza muito mais aleatória.<br />

Os lucros, Sr. Presidente, não podem ser tão<br />

grandes como se afiguram, porque por essa subvenção<br />

não vem a companhia a ter os 13% de seu capital<br />

como se tem dito; nesse caso eu votaria contra o<br />

projeto, acharia muito inconveniente que o governo<br />

desse tão grandes interesses, porque seria isso um<br />

incentivo para que a companhia dormisse o sono<br />

da inércia; mas não acontece assim: essa


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 94<br />

Subvenção pode ser não um lucro, mas uma<br />

indenização de capitais destruídos; a companhia ia<br />

empreender uma navegação cujos resultados não eram<br />

conhecidos, e podia dar-se o caso de consumir logo<br />

os seus capitais, e pois essa subvenção virá ser uma<br />

indenização, ao menos em parte, das suas perdas.<br />

O nobre deputado também trouxe para a<br />

discussão a desnecessidade do privilégio, por isso<br />

que este negócio de navegação a vapor está hoje<br />

bem conhecido, ao alcance de todos, e não precisa<br />

mais ser privilegiado. Eu devo dizer que o privilégio<br />

não é concedido à navegação a vapor, mas sim à<br />

navegação de um rio cuja navegabilidade não estava<br />

livre de embaraços, dependia ao menos em certos<br />

pontos de trabalhos prévios, navegação cujas<br />

vantagens em relação à empresa eram duvidosas pela<br />

inatividade do comércio, pela falta de população, etc.,<br />

e é para esse ponto que se devem voltar as nossas<br />

vistas; é esta a verdadeira face da questão.<br />

O nobre deputado tocou em outro ponto<br />

sobre o qual estamos de acordo, e é uma<br />

recomendação que fez ao governo sobre a qual<br />

eu insisto, porque se, como eu penso, nesses<br />

contratos o elemento da confiança e da moralidade<br />

entra como base para ambas as partes contratantes,<br />

entendo que esses contratos não devem ser<br />

transmissíveis independentemente da vontade do<br />

governo, visto que eu entendo que a sorte de tais<br />

empresas está ligada ao caráter e capacidade dos<br />

indivíduos que se põem à frente delas, podendo<br />

muito bem um contrato, que deveria ser muito<br />

vantajoso, torna-se prejudicial ao País somente pela


95 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

mudança do pessoal da sua administração e<br />

direção.<br />

Julgo também que não há uma grande<br />

diferença entre as duas medidas que se acham<br />

consignadas nas emendas que estão sobre a mesa,<br />

porque seus autores concordam na conveniência de<br />

se habilitar o governo para livrar-se do privilégio; a<br />

diferença única consiste em que uma das emendas<br />

respeita mais os direitos adquiridos por essa<br />

companhia, e a outra não dá maior importância a<br />

esses direitos, respeitando mais os direitos da<br />

Câmara que julga feridos pelo governo; mas eu<br />

entendo que nós alcançaremos ambos os resultados<br />

votando pela emenda do nobre deputado da Bahia, e<br />

estabelecendo em uma lei separada que os privilégios<br />

daqui por diante deverão ser concedidos tão somente<br />

pelo corpo legislativo; esse meio parece-me oferecer<br />

menos odiosidade, e por isso ser mais conveniente.<br />

Quanto ao direito, as duas emendas parecem<br />

divergentes; e quanto ao fato, direi que, quer se<br />

estabeleça um privilégio, quer se dê uma subvenção<br />

maior, os resultados serão os mesmos por muitos<br />

anos, porquanto o fato mesmo de dar o governo uma<br />

forte subvenção a essa companhia o inabilitará<br />

para dá-la a outras que, por ventura, se organizem.<br />

Não é possível que, quando o País está em<br />

sua infância, possa aparecer competência com uma<br />

empresa auxiliada pelo governo; e pois os mesmos<br />

princípios do nobre deputado estabelecem o privilégio,<br />

senão explicita, ao menos tacitamente.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 96<br />

No momento exato em que um vozerio do<br />

plenário bradava votos, na sessão de 14 setembro de<br />

1853, para a anuência da Câmara dos Deputados<br />

conceder empréstimo à República Oriental do Uruguai,<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> usou a palavra:<br />

“Sr. Presidente, serei breve, visto que a<br />

Câmara está disposta a votar. Conheço que a<br />

questão está esgotada; mas as poucas palavras<br />

que tenho a dizer referem-se mais ao crédito do<br />

País, que temos obrigação de zelar, do que a<br />

matéria do projeto em si mesma. Precisamos hoje,<br />

mais do que nunca, do nosso crédito, para todas<br />

as operações que possam vir em auxílio das nossas<br />

grandes empresas, para facilitar o nosso progresso<br />

nas vias de melhoramentos que agora encetamos.<br />

Se pois a Câmara dos Srs. Deputados tivesse de<br />

votar por esta medida, me parece que fará, pairando<br />

sobre ela a suspeita de ser uma operação, muito<br />

aleatória, um empréstimo ruinoso e inteiramente<br />

perdido, poderia isto ter alguma influência sobre o<br />

nosso próprio crédito.<br />

Eu, pois, no pouco que vou dizer, terei<br />

principalmente em vista mostrar que esta operação<br />

deve antes fortalecer do que enfraquecer o crédito<br />

nacional.<br />

(23) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 12/4/1853, pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />

Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.


97 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Disse o nobre deputado que primeiro impugnou o<br />

projeto que não tínhamos motivo algum para esperar<br />

que o estado de fortuna da República Oriental<br />

melhorasse consideravelmente em pouco tempo, e que,<br />

portanto, a necessidade que hoje se dá de auxílio<br />

por parte do governo do Brasil teria do continuar<br />

indefinidamente, e quase com a certeza de não<br />

poderem ser jamais indenizados os nossos<br />

sacrifícios.<br />

É um puro engano, é quase que uma<br />

ofensa feita à Providência. Um país novo, cheio de<br />

recursos, com grandes aspirações e magníficas<br />

proporções, e que tem diante de si um futuro<br />

risonho, não pode ser condenado a acabar, a<br />

não vencer dificuldades cujas causas são bem<br />

conhecidas. Essas causas não podem ser<br />

permanentes, como supõe o nobre deputado; o<br />

estado de decadência, a perturbação das finanças da<br />

República Oriental é consequente das desgraças<br />

porque acabou de passar. Desde que deixarem de<br />

pesar sobre ela essas desgraças, desde que a paz<br />

ali se estabelecer de uma maneira sólida, eu<br />

creio que as finanças do país se restabelecerão<br />

em muito pouco tempo.<br />

Mas disse o nobre deputado que ainda por um<br />

longo período talvez continuasse a necessidade deste<br />

subsídio. Senhores, eu entendo que não. Hoje é<br />

indispensável para a vida daquele Estado o<br />

empréstimo de que se trata; mas as rendas têm<br />

de crescer ali, não só pelo efeito natural do<br />

restabelecimento da paz, como porque com este dinheiro<br />

a administração se montará completamente; com este<br />

dinheiro ganhará o governo tempo para ir<br />

meditando sobre as verdadeiras necessidades,


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 98<br />

os verdadeiros interesses do país, para<br />

concluir suas reformas, examinar as suas tarifas e criar<br />

novas fontes de renda. De modo que duplicadas<br />

serão as causas do aumento de seus recursos, por<br />

um lado a paz, a tranquilidade, maior produção,<br />

maior consumo, aumento de população, etc., e por<br />

outro, melhoramento do sistema de impostos, melhor<br />

fiscalização e melhor organização.<br />

O dinheiro, senhores, que formos emprestar<br />

a esse país (e nisto divirjo um pouco do nobre<br />

deputado pelo Rio de Janeiro que falou sustentando<br />

a proposta) não irá servir para melhoramentos<br />

materiais, é insuficiente para isto, nem é tempo<br />

para que esse Estado se lance nessas vias; seria<br />

neste momento uma grande imprudência; esse<br />

dinheiro vai consolidar a paz ministrando ao governo<br />

da República, nas críticas circunstâncias em que se<br />

acha, os meios de administrar o país.<br />

Mas, perguntou o nobre deputado que falou<br />

por último em oposição, como com o dinheiro se<br />

faz paz e sustenta a ordem? Senhores, com o<br />

dinheiro não se evitam sempre as revoluções;<br />

não há uma maneira pronta de comparar a<br />

paz; mas serve para montar a administração, para<br />

dotar o país de instituições, e são estas que<br />

protegem a paz e promovem a prosperidade.<br />

Não há também, senhores, o perigo de nos<br />

acharmos por isso embaraçados nesta ocasião, em<br />

que também empreendemos melhoramentos que<br />

demandam grandes despesas. Se bem meditarmos<br />

na operação, queremos que, dispondo o Brasil, como<br />

dispõe, de um crédito que chamarei, em atenção ao<br />

seu estado de prosperidade e à moralidade de seu<br />

governo, ilimitado, o empréstimo


99 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

que fazemos aos nossos vizinhos é tão somente<br />

deste crédito. Por péssimas que sejam as coisas<br />

ali, por péssimo que seja o estado das suas<br />

finanças, nunca deixarão eles de pagar<strong>–</strong>nos os<br />

juros; com esses juros cessarão todas as nossas<br />

dificuldades, não teremos por isso novos encargos. Eu<br />

afirmo ao nobre deputado, para dissipar-lhe esse<br />

escrúpulo que se não pudermos dispor de<br />

recursos próprios, muito fácil nos será obter quaisquer<br />

somas somente hipotecando o nosso crédito, para<br />

acudirmos às necessidades do Estado Oriental sem<br />

comprometimento dos grandes interesses que tratamos<br />

de promover. Mas eu disse em princípio que, bem<br />

longe de prejudicar ao nosso crédito, esta operação<br />

o auxiliaria. Já demonstrei como não o prejudica,<br />

porque não vamos fazer um empréstimo ruinoso<br />

para o país, nem sobrecarregar<strong>–</strong>nos de pesados<br />

encargos. Agora que ela o auxilia é claro, porque<br />

produz grandes benefícios; o de estreitar os laços<br />

de recíproca amizade que já nos unem; o de por<br />

bem patente o desinteresse de nossa política, até<br />

hoje tão caluniada, o de aumentar a recíproca<br />

confiança entre os governos dos dois países,<br />

habilitando<strong>–</strong>nos assim para com o nosso juízo e<br />

conselho auxiliarmos a um povo irmão nas questões<br />

que ali se possam suscitar, questões que poderão<br />

ser de grande alcance para o nosso País, ou se trate<br />

de medidas políticas, ou tão somente de medidas<br />

fiscais, pois é patente que a muitos respeitos<br />

existem entre nós comungam de gravíssimos<br />

interesses.<br />

Nem estas minhas sinceras considerações<br />

podem despertar injustas suscetibilidades, porquanto<br />

eu só me refiro a uma influência moral muito<br />

legítima, uma influência toda amigável e benéfica


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 100<br />

como o Brasil não se pejaria de conceder a qualquer<br />

país amigo, e como de fato tem muitas vezes<br />

concedido, influência além disso toda no interesse<br />

daquele mesmo Estado. E isto salta aos olhos,<br />

porque quando se trata de satisfazer necessidades tão<br />

palpitantes como são agora as do Estado Oriental,<br />

se não forem elas por nós satisfeitas esse Estado<br />

terá de recorrer a outras nações, e assim a influência<br />

moral que poderíamos ganhar ou aumentar com<br />

prática de recíprocos ofícios e favores será ganha<br />

por essas nações.<br />

Ora, com essa influência o Estado Oriental<br />

não lucrará tanto, nem se poderá tão facilmente<br />

estabelecer essa recíproca e útil confiança, porque<br />

há divergência de interesses entre ele e essas<br />

nações, enquanto que para conosco em todas as<br />

questões que possam suscitar<strong>–</strong>se acontecerá sempre<br />

o contrário! O interesse daquela República estará<br />

de acordo com o nosso, e a solução há de, portanto,<br />

ser<strong>–</strong>lhe sempre mais propícia, mais conforme a<br />

seus desejos e conveniências. Portanto, não tem<br />

o Estado Oriental que recear da nossa influência,<br />

nem debaixo do ponto de vista político, e os fatos<br />

têm mais poder que as minhas palavras para provar<br />

esta asserção, nem debaixo do ponto de vista<br />

financeiro. Da própria fiscalização e regularização<br />

de suas finanças, de levar a efeito as medidas de<br />

que mais necessita, resultarão para o Brasil<br />

grandes vantagens. Eis como e porque entendo que<br />

a intimidade de nossas relações será sempre<br />

benéfica para ambos os países.<br />

O nobre deputado pretendeu defender a utilidade<br />

de um adiamento por oito meses. Creio ter já<br />

respondido a este ponto, quando demonstrei


101 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

que não se trata de satisfazer a necessidades<br />

permanentes daquele país, mas sim a necessidades<br />

de ocasião; consequentemente vê a Câmara que a questão<br />

da oportunidade é neste caso principal; é neste<br />

período que aquele país precisa deste recurso, e se<br />

lhe faltar talvez que inutilmente lhe seja depois<br />

oferecido.<br />

Como que insinuou o nobre deputado que o<br />

Estado Oriental não tratava da liquidação da sua<br />

dívida, e de haver<strong>–</strong>se com os seus credores do<br />

melhor modo. Senhores, é fato que hoje está no<br />

domínio do público, que a liquidação da dívida do<br />

Estado Oriental se está fazendo por uma junta<br />

de três membros, dos quais um é empregado do governo<br />

imperial, empregado que reúne em si todas as<br />

habilitações não só para representar ali os nossos<br />

interesses, como para atender nesse trabalho aos<br />

sãos princípios da ciência econômica.<br />

Demais, a quantia pedida não poderá por<br />

modo algum ser aplicada ao pagamento imediato<br />

dessa dívida: a liquidação a que se está<br />

procedendo não é para o fim de fazer<strong>–</strong>se um pronto<br />

pagamento, e sim para que a dívida seja definida,<br />

legalizada e fundada; o Estado não poderá fazer<br />

mais do que pagar depois pontualmente os juros;<br />

nem o contrário seria praticável, pois a amortização<br />

há de necessariamente ser lenta, e segundo as<br />

bases consagradas hoje pela ciência e adotadas<br />

pelas nações mais amestradas nesta especialidade.<br />

Limito<strong>–</strong>me, senhores, a estas considerações; não<br />

quero contrariar o desejo que a Câmara manifesta<br />

de votar sobre o projeto, e suponho ter dito quanto<br />

era suficiente para que as observações feitas pelos<br />

nobres deputados que impugnam a medida não


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 102<br />

possam nem levemente prejudicar ao crédito público<br />

do nosso País, que tanto nos cumpre zelar.” (23)<br />

Após o discurso proferido pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> a respeito do empréstimo à República<br />

Oriental do Uruguai, que acabamos de ver, nenhum<br />

outro membro da Câmara dos Deputados solicitou a<br />

palavra. Colocado em votação o projeto foi encaminhado<br />

à comissão de redação.<br />

Encerramos este tópico para mencionar que,<br />

com o pedido de urgência do deputado Visconde de<br />

Baependi, o projeto autorizando o governo imperial a<br />

conceder empréstimo à República Oriental do Uruguai<br />

foi, naquela sessão, devidamente aprovado.<br />

Ainda com relação ao empréstimo ao Uruguai,<br />

destacamos ainda a presença, em plenário da<br />

Assembleia Legislativa do Império, do ministro das<br />

Relações Exteriores, Antônio Limpo de Abreu, o Visconde<br />

de Abaeté, “expondo as razões da medida que o<br />

governo solicitou ao corpo legislativo”. (24)<br />

Na mesma edição, o Jornal do Commercio<br />

destaca o expediente de 31 de agosto de 1853,<br />

assinado por Joaquim José Rodrigues Torres, que<br />

(23) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 14/9/1853, pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />

Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.<br />

(24) Jornal do Commercio <strong>–</strong> in Memória <strong>–</strong> Há 150 anos <strong>–</strong> Empréstimo<br />

ao Uruguai <strong>–</strong> Edição de domingo, 14 e segunda-feira, 15 de<br />

setembro de 2003, p. A<strong>–</strong>23 <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ.


103 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

comunica que “a comissão nomeada pelo governo para<br />

receber a assinatura das pessoas que quiserem tomar<br />

parte na compra de ações para o novo Banco do Brasil,<br />

criado pela Lei de julho deste ano, anuncia que as<br />

assinaturas estarão abertas, na sala da Caixa de<br />

Amortização, durante os dias 15, 16 e 17 do corrente<br />

mês”.<br />

Dentre as honrarias recebidas pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, destacamos o encargo que recebeu da<br />

Câmara dos Deputados, transcrito da Ata de 24 de<br />

setembro de 1853:<br />

“O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> comunica, como orador da<br />

deputação, que ontem levara à presença de S.M.<br />

Imperador, os autógrafos da lei que fixa a despesa<br />

geral do império, e orça a receita para o exercício de<br />

1854/1855, que desempenhara a sua missão, e que<br />

S.M. respondera: que os examinaria.”<br />

No dia seguinte (25 de setembro de 1853),<br />

o ano legislativo da Câmara dos Deputados foi<br />

encerrado com a presença de D. Pedro II, Imperador do<br />

Brasil. Na fala do trono, o Imperador manifestou-se<br />

cheio de júbilo ao anunciar que todas as províncias<br />

desfrutam de tranquilidade. Em Deus e nos bons<br />

sentimentos dos brasileiros estava confiante na<br />

continuação de tão grande benefício. Revelou que se tem<br />

empenhado em manter relações de paz e amizade<br />

com todas as potências da Europa e da América.<br />

Quanto aos congressistas o Imperador<br />

agradeceu a colaboração prestada ao governo e a<br />

solicitude manifestada em satisfazer as necessidades<br />

do País, salientando a criação de um banco nacional,<br />

in verbis:


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 104<br />

“A lei que criou um banco nacional, e as<br />

medidas com que autorizastes o meu governo para<br />

aliviar o nosso comércio de exportação, para<br />

proteger a agricultura e a indústria, dando a vida e<br />

o desenvolvimento a diversas empresas, e para<br />

melhorar a instrução pública, são provas irrecusáveis<br />

do zelo e dedicação com que sempre vos desvelais<br />

pelos interesses da Nação.” (17)<br />

A respeito da criação do Banco do Brasil,<br />

destacamos que a presença do deputado maranhense,<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, foi de vital importância, por essa<br />

razão, ao ensejo de nossa gestão à frente da<br />

Academia de Letras dos Funcionários do Banco do<br />

Brasil, o reconhecemos como o símbolo da luta em<br />

defesa do Banco do Brasil.<br />

A nossa homenagem a <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> vem<br />

antecedida pelo depoimento do consagrado jurista,<br />

Cláudio Pacheco, autor da História do Banco do Brasil:<br />

“Na sessão de 13 de junho de 1853, ao<br />

continuar a discussão do projeto sobre empréstimos<br />

aos Bancos, que aqui estamos considerando como<br />

iniciativa estreitamente ligada ao projeto de criação<br />

do banco nacional, pois visava a acudir os dois<br />

estabelecimentos que iam fundir<strong>–</strong>se nesta criação,<br />

ocupou a tribuna o Deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, que foi,<br />

sem dúvida, na Câmara dos Deputados, durante os<br />

debates em torno dos dois projetos de que<br />

(17) D. PEDRO II <strong>–</strong> in Anais da Assembleia Geral Legislativa <strong>–</strong><br />

Sessão Imperial de Encerramento do Ano Legislativo em 25<br />

de setembro de 1853 <strong>–</strong> Acervo: Academia de Letras dos<br />

Funcionários do Banco do Brasil.


105 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

estamos tratando, o mais lúcido e o mais brilhante<br />

defensor da política financeira do Governo. E como<br />

também logo adiante aparece ele como primeiro<br />

<strong>presidente</strong> do novo Banco, torna<strong>–</strong>se assim uma das<br />

personalidades marcantes da nossa História e por<br />

isto queremos dar-lhe o devido relevo.” (18)<br />

Outro depoimento que comprova a luta de<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> em defesa do Banco do Brasil vem do<br />

escritor Fernando Monteiro, autor do livro A Velha Rua<br />

Direita:<br />

"Seu primeiro Presidente, função no exercício<br />

da qual morreu no ano seguinte, ainda bastante<br />

jovem, foi o <strong>poeta</strong> e deputado maranhense João<br />

Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>."<br />

(...)<br />

“Deputado<strong>–</strong>geral, coube<strong>–</strong>lhe defender, na Câmara,<br />

o pensamento do futuro Visconde de Itaboraí,<br />

visando ao estabelecimento da unidade da emissão<br />

bancária, com a criação do Banco do Brasil, que<br />

D. Pedro II recomendara em sua Fala ao Trono lida<br />

ao instalar<strong>–</strong>se a legislatura em 3 de maio de 1853.”<br />

(19)<br />

A atuação parlamentar de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

reinicia, em 10 de maio de 1854, com sua eleição para<br />

membro da 1ª Comissão de Orçamento da Câmara dos<br />

Deputados, ao mesmo tempo em que é nomeado para<br />

a deputação que apresentou a S. M. Imperador os<br />

pêsames pelo falecimento da Srª D. Maria II.<br />

(18) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> Vol. I,<br />

p. 352 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas <strong>–</strong> Rio de Janeiro<strong>–</strong>RJ <strong>–</strong> 1980.<br />

(19) FERNAN<strong>DO</strong> MONTEIRO <strong>–</strong> in A Velha Rua Direita, p. 70 <strong>–</strong><br />

Gráficos Bloch S.A. <strong>–</strong> 1965 <strong>–</strong> Rio de Janeiro.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 106<br />

A sessão de 13/5/1854 é marcada por debates<br />

em torno de loterias. No mesmo dia foi lida e aprovada a<br />

emenda do deputado Ferraz concedendo isenção de impostos<br />

a loterias destinadas a casas de caridade.<br />

“O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> declara que sendo signatário<br />

da primeira emenda apresentada o ano passado na<br />

discussão deste projeto no senado, está disposto a<br />

retirá<strong>–</strong>la também, não porque tenham desaparecido as<br />

razões muito ponderosas que então o determinaram,<br />

mas sim por estar convencido de que qualquer<br />

alteração no projeto importará delongas muito<br />

prejudiciais e danosas às obras pias que ele tem<br />

em vista proteger, e cuja urgência o orador reconhece.<br />

Oferecerá, pois, se nisso concordarem os<br />

demais signatários da emenda, a mesma ideia em<br />

projeto separado e talvez mesmo prescindir disso<br />

se a Câmara e o governo quiserem, no orçamento da<br />

despesa, consignar algum algarismo para ocorrer ao<br />

serviço do culto e aos reparos dos templos do<br />

município neutro, única porção do Império onde tão<br />

importante serviço corre inteiramente abandonado dos<br />

poderes do Estado.<br />

Faz mais algumas considerações, a fim de<br />

demonstrar que entre as mais urgentes necessidades<br />

desta ordem figuram as que sofre a freguesia de<br />

S. João Batista da Lagoa, como já em outra ocasião<br />

teve a honra de denunciar à Câmara e ao País.”<br />

No plenário da Câmara dos Deputados, é<br />

realizada, em 17/5/1854, a leitura do parecer da<br />

comissão de constituição e poderes, referente à<br />

incompatibilidade do cargo de deputado com o de<br />

<strong>presidente</strong> do Banco do Brasil. A esse respeito,


107 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

apresentamos, a seguir, apenas o início e o final<br />

da manifestação de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>:<br />

“Sr. Presidente, o empenho que tenho mostrado<br />

em querer dirigir algumas palavras à Câmara, não<br />

é porque pretenda tomar parte nesta discussão; o<br />

meu melindre pessoal me inibe disso, mas unicamente<br />

para dar algumas explicações e bem definir a<br />

minha posição no negócio de que se trata.<br />

Senhores, a Lei de 5 de julho do ano passado,<br />

criando o cargo de <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil,<br />

estabeleceu sem dúvida uma entidade nova na ordem<br />

administrativa, sem nenhuma relação, afinidade ou<br />

semelhança com alguma outra até então existente.<br />

Ora, sendo um membro do corpo legislativo<br />

nomeado para este cargo, cumpria examinar se ele<br />

estava compreendido entre os empregos de que trata<br />

a constituição no art. 32, isto é, se havia ou não<br />

incompatibilidade entre as funções do <strong>presidente</strong> do<br />

Banco do Brasil e as de membro do corpo legislativo.<br />

Ressaltam à primeira vista, Sr. Presidente,<br />

valiosas razões contra a incompatibilidade, razões<br />

derivadas já da mesma lei; já do estatuto orgânico<br />

do estabelecimento, já do nosso direito público<br />

administrativo em geral, e já finalmente das<br />

disposições e práticas das nações cultas, que como<br />

nós se regem pelo sistema representativo, e possuem<br />

instituições de crédito da mesma natureza.<br />

Quanto ao indivíduo que tem a honra de<br />

dirigir<strong>–</strong>vos a palavra, podeis estar certos, senhores,<br />

que a resolução da questão em nada o afeta,<br />

nenhuma influência pode ter sobre a sua sorte;<br />

o que somente desejava estar conseguido, era


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 108<br />

libertar<strong>–</strong>se da grande responsabilidade que<br />

sobre ele pesava, e conquanto pelo melindre da sua<br />

posição tenha de abster<strong>–</strong>se de tomar parte no<br />

debate, declara ingenuamente à Câmara que, qualquer<br />

que seja a sua deliberação, ele a aplaudirá<br />

sinceramente, e a terá como a melhor, a mais justa,<br />

a mais conveniente."<br />

Desfrutando dos vencimentos de deputado,<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> exerceu gratuitamente o cargo de<br />

<strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a 15/1/1855), e<br />

foi na tribuna da Câmara dos Deputados o local<br />

onde expôs, com transparência e honradez, toda a<br />

administração a ele confiada naquele<br />

período.<br />

A discussão, acerca dos limites de Goiás e<br />

Maranhão, entrou pela segunda vez em pauta, na<br />

sessão de 23 de maio de 1854, e mereceu do<br />

deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> uma apreciação centrada ao<br />

modo da divisão ou demarcação que resulta da<br />

emenda (não aprovada pela Câmara) do deputado Fleury:<br />

“Muitas poucas considerações farei, e que<br />

estas versarão principalmente sobre a emenda<br />

oferecida pelo deputado por Goiás.<br />

Felicito<strong>–</strong>me, Sr. Presidente, por ver que a medida<br />

que estamos discutindo na parte essencial merece<br />

completamente o assentimento do nobre autor da<br />

emenda; felicito<strong>–</strong>me disto, porque é o maior<br />

argumento que se poderia apresentar em favor da<br />

emenda; e pois as minhas considerações limitar<strong>–</strong><br />

se<strong>–</strong>ão ao modo da divisão ou demarcação que<br />

resulta da emenda do nobre deputado.<br />

Parece<strong>–</strong>me que, mui longe de quebrarmos o<br />

pomo de discórdia de que falou o nobre


109 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

deputado, essa exceção contida na emenda é que<br />

poderá criá<strong>–</strong>lo.<br />

Decidida a questão da conveniência da<br />

desanexação de uma parte do território da província<br />

de Goiás, pergunto: qual é a divisa mais natural?<br />

Existindo ela na natureza o mais completamente<br />

possível, devemos nós perdê<strong>–</strong>la, desvirtuá<strong>–</strong>la, criando<br />

um desvio, uma exceção ? Se o rio é a divisa entre<br />

as duas províncias, qual deve ser a divisa no rio<br />

para a questão das ilhas? Parece-me que o eixo da<br />

corrente. Se o rio constitui, por assim dizer, um<br />

território neutro, qual deve ser em rigor a divisa<br />

entre as duas províncias, senão o meio desse rio,<br />

que é marcado pelo eixo, pela maior força de sua<br />

corrente?<br />

Parece<strong>–</strong>me pois que, em atenção à conveniência<br />

de uma mais natural e melhor divisão, e à maior<br />

simplicidade, o nobre deputado poderia fazer o<br />

sacrifício de desistir de sua emenda.<br />

Eu não quero combatê<strong>–</strong>la de frente; se o<br />

nobre deputado liga a esta questão uma grande<br />

importância e a Câmara lhe prestar o seu<br />

assentimento, eu terei de submeter<strong>–</strong>me sem relutância,<br />

visto que está fora de dúvida a questão principal;<br />

mas fica<strong>–</strong>me o pesar de que nós, entrando no exame<br />

da questão, não colhamos em resultado todas as<br />

vantagens que podíamos colher para as duas<br />

províncias, não façamos a obra tão completa como<br />

podia ser.<br />

Nem se pode dizer que a inconstância das<br />

correntes do rio, a mudança do seu leito, tornam<br />

necessária esta declaração, ou duvidoso o limite<br />

fixado no projeto; porquanto, se em circunstâncias


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 110<br />

extraordinárias o rio sai do seu leito natural, uma vez<br />

marcadas as divisas, a questão é de tempo, de<br />

pouco tempo, porque ele voltará ao seu estado normal<br />

e cada província conhecerá o seu território.<br />

Até mesmo pela conveniência geral, perguntarei<br />

qual das duas províncias pode primeiro tirar<br />

proveito dessas ilhas, cultivá<strong>–</strong>las, povoá<strong>–</strong>las? Qual<br />

delas? Aquela que está mais próxima, aquela que<br />

tem mais facilidade na navegação, no transporte,<br />

ou a que fica mais afastada, que tem o obstáculo de<br />

uma corrente a atravessar?<br />

Eu ofereço unicamente estas considerações ao<br />

nobre deputado e à Câmara, sem querer, por<br />

modo algum, hostilizar acintemente a emenda que<br />

se acha em discussão, à qual com muito pesar<br />

terei de negar o meu voto.”<br />

Em seguida, quatro deputados, Paula Fonseca,<br />

Cândido Mendes de Almeida, Saraiva, e Ferraz<br />

usaram a palavra no debate da emenda. Depois,<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> retomou a tribuna para ressaltar<br />

importantes considerações:<br />

“Pouco direi, Sr. Presidente; os nobres deputados,<br />

que me precederam, preveniram quanto pretendia<br />

oferecer à consideração da Câmara. Não sei se foi<br />

bem ouvida a minha reclamação ao proferir o nobre<br />

deputado por Minas esta expressão: <strong>–</strong> ambição<br />

insondável da província do Maranhão. <strong>–</strong> Mas, depois<br />

do que se tem dito, me julgo dispensado de<br />

responder neste ponto ao nobre deputado: a sua<br />

asserção tem sido vitoriosamente combatida por todos<br />

os oradores que depois dele entraram no debate; está<br />

pois bem demonstrado que a questão é pura e<br />

simplesmente de conveniência pública; e


111 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

neste caso o nobre deputado me permitirá que<br />

repila completamente toda a ideia de transação<br />

particular.<br />

Não sei, Sr. Presidente, como em uma questão<br />

de semelhante natureza se possa fazer transações. E<br />

com que fim? Para que se não faça completamente o<br />

bem? Para que se faça parte do bem somente e<br />

se conserve um bocadinho do mal? Parece<strong>–</strong>me<br />

antes que era o caso de decidir<strong>–</strong>se pelas regras<br />

gerais de direito e de conveniência pública, sem<br />

nenhum apelo a qualquer outro princípio.<br />

Uma outra proposição foi emitida que poderia<br />

também alhear votos da medida proposta no projeto<br />

e tornar mais simpática a emenda. Disse<strong>–</strong>se que a<br />

questão era do fraco contra o forte. Mas, senhores,<br />

onde o fraco, onde o forte neste negócio? Todos<br />

quantos podiam ter interesses pelo lado de Goiás<br />

foram ouvidos, e todos concordam na alta<br />

conveniência da anexação daquele território ao<br />

Maranhão. Nessas informações, nessas consultas,<br />

vejo implicitamente incluídas essas ilhas; porque<br />

a nenhum dos informantes, a nenhuma das<br />

autoridades a que se consultou, lembrou por certo<br />

que fossem conservadas a Goiás as ilhas que<br />

ficam mais próximas do Maranhão, quando sobre<br />

essas ilhas a questão de direito e de conveniência<br />

é tão aplicável como sobre a margem toda.<br />

Portanto, suponho que a emenda do nobre<br />

deputado de algum modo se opõe a esses votos<br />

unânimes, já das autoridades civis e eclesiásticas<br />

da sua província, já de seus representantes<br />

constantemente pronunciados em favor da anexação,<br />

que, no meu modo de ver, compreende essas ilhas.<br />

O nobre deputado pela Bahia apresentou algumas<br />

outras considerações também derivadas


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 112<br />

da conveniência pública para sustentar que o rio<br />

devia exclusivamente pertencer a uma ou a outra<br />

província; porque, disse ele, à polícia do rio fica<br />

assim mais fácil, não é preciso para ela acordo dos<br />

dois governos, podendo simplesmente um fazê-la e<br />

regulá<strong>–</strong>la convenientemente.<br />

Outro nobre deputado pela mesma província,<br />

que acaba de sentar<strong>–</strong>se, respondeu cabalmente a<br />

este ponto, mostrando que não há dificuldade quanto<br />

à perseguição e prisão de criminosos, ou apreensão<br />

dos contrabandos; o rio não separará nações<br />

estranhas, mas partes de um mesmo todo; e se não<br />

tem havido acordo antecipado entre as províncias que<br />

se acham em tais circunstâncias, se alguma coisa<br />

resta fazer, cabe isso aos governos provinciais,<br />

ou aos poderes gerais, e não deve ser causa de<br />

modificarmos a nossa opinião a respeito da<br />

conveniência geral. Será um grande mal que sobre<br />

todos esses pontos as províncias limítrofes não se<br />

entendam, porquanto o que se diz do rio pode<br />

dizer<strong>–</strong>se das fronteiras terrestres.<br />

Mas, prevalecendo<strong>–</strong>me da argumentação do nobre<br />

deputado, direi que mesmo a melhor polícia pede que<br />

essas ilhas fiquem pertencendo àquela das províncias<br />

que por se achar mais próxima puder exercer mais<br />

ação, mais influência, cujas autoridades puderem<br />

exercer mais vigilância na prevenção dos crimes, e mais<br />

energia na perseguição dos criminosos.<br />

Pelo mesmo raciocínio do nobre deputado,<br />

poderia chegar a concluir que, quando o criminoso<br />

da província do Maranhão conseguir açoutar<strong>–</strong>se, o<br />

que é mui fácil pela pequena distância, em uma<br />

dessas ilhas, caso venham a pertencer à província<br />

de Goiás, estará sob a proteção, se tal proteção


113 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

pode haver, das autoridades dessa província, gozará<br />

de imunidades, não será possível prendê<strong>–</strong>lo.<br />

Esta razão, repito, não me parece forte,<br />

porque, quando muito revela falta de disposição<br />

ou providência, muito fácil de remediar<strong>–</strong>se; mas, se<br />

prevalecesse, eu me serviria dela em favor da<br />

anexação das ilhas ao lado direito, que sobre elas<br />

pode exercer uma influência mais direta, mais eficaz,<br />

quanto à polícia. o nobre deputado pela Bahia, que<br />

falou em último lugar, perguntou se alguma dessas<br />

províncias podia satisfazer, de maneira completa e<br />

eficaz, a polícia dessas ilhas.<br />

Julgo que a questão não pode ser resolvida<br />

em absoluto; não me atreverei a dizer que o<br />

Maranhão se obriga absolutamente por isso; mas<br />

relativamente, entendo que o Maranhão dispõe de<br />

mais meios, que a maior soma de relações que<br />

existem entre aquela comarca e a capital do<br />

Maranhão explica bem a maior facilidade dessa<br />

polícia, e a maior prontidão de providências, etc.”<br />

A parte final da argumentação do deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> realça a importância maior das relações<br />

comerciais e maior rapidez nas comunicações realizadas<br />

pelo lado do Maranhão, notadamente pela Comarca<br />

de Carolina. E quanto à extensão territorial daquele<br />

estado, o deputado maranhense concluiu: “temos quanto<br />

nos basta, se não temos demais.”<br />

O sumário do expediente da Câmara dos<br />

Deputados, na sessão de 6/6/1854, presidida pelo deputado<br />

Visconde de Baependi, menciona a febre da praça e<br />

o discurso de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>. Pedindo a palavra, no<br />

regime de urgência, e consultada a Câmara,


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 114<br />

o deputado maranhense recebeu autorização para usar<br />

a tribuna. Eis o discurso:<br />

“Sr. Presidente, o projeto com que ocuparei por<br />

momentos a atenção da Câmara tem em seu<br />

abono a opinião do governo. S. Exª o Sr. Presidente<br />

do Conselho, no seu relatório apresentado este<br />

ano ao corpo legislativo, diz a respeito da matéria<br />

dele o seguinte:<br />

"A Lei n° 683 isentando as notas do banco<br />

do respectivo selo não fez menção do selo<br />

proporcional correspondente ao seu fundo incorporado.<br />

Creio que a omissão desse favor não foi intencional,<br />

e que conviria que a isenção se estendesse a esse<br />

imposto, sendo além disso o governo autorizado a<br />

cunhar gratuitamente o ouro de toque legal que for<br />

levado à Casa da Moeda por conta do mesmo<br />

banco.<br />

A justiça e urgência de medidas legislativas<br />

neste sentido são reveladas imediatamente pela<br />

simples leitura deste período do relatório do Sr.<br />

ministro da Fazenda. A justiça, porque parece que a<br />

lei da criação do Banco do Brasil, teve intenção de<br />

isentá<strong>–</strong>lo do imposto de selo correspondente ao seu<br />

capital; assim como o isentava expressamente do<br />

imposto do selo correspondente às notas que emitisse.<br />

Nem parece natural que, concedendo a lei<br />

um favor tão amplo, lhe pusesse restrição de tão<br />

pequeno alcance. Também pelo que respeita à taxa<br />

de cunhagem ou amoedação do ouro em barras<br />

que dos cofres do banco fosse levado à Casa da<br />

Moeda parece clara a intenção da lei, porquanto<br />

estabelecendo como regra que o fundo disponível


115 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

garantido da sua emissão pudesse ser feito em<br />

moeda corrente ou em barras de ouro de 22 quilates,<br />

avaliadas pelo preço legal, sem dedução alguma,<br />

implicitamente consagrou a ideia de que pela<br />

amoedação essas barras não se diminuía o valor do<br />

fundo disponível; de outro modo ficaria alterada a<br />

relação que a lei criou entre ele e as notas em<br />

circulação.<br />

Quanto à urgência, ela me parece de primeira<br />

intuição. O Banco do Brasil incorpora atualmente o<br />

seu capital; e um ato do poder executivo tem<br />

declarado que esta ocasião é a própria para se<br />

efetuar o pagamento do selo.<br />

Mas quando mesmo este favor não estivesse<br />

tão claramente incluído naquela lei, eu não<br />

hesitaria em propor à Câmara dos Srs. deputados, e<br />

julgo que ela não duvidaria concedê<strong>–</strong>lo. Não se<br />

trata de um estabelecimento precário, ou de interesse<br />

secundário: o Banco do Brasil, senhores, é o<br />

complemento de um vasto plano de organização e<br />

reformas que honrarão sempre e levarão à História<br />

o nome do seu ilustre autor, desse cidadão que,<br />

ainda há pouco coberto de glória deixou a alta<br />

administração do Estado.<br />

Esse distinto estadista, compreendendo<br />

perfeitamente as necessidades da época em que<br />

fora chamado aos conselhos da Coroa; tendo<br />

felizmente restabelecido a paz no interior, e removido<br />

do exterior todas as causas de futuras perturbações, não<br />

perdeu um momento, ao mesmo passo que, por uma<br />

política justa e moderada, procurava consolidar a<br />

fraternidade e harmonia na família brasileira,<br />

dispunha os meios, preparava o País para receber o<br />

impulso e movimento que o


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 116<br />

seu estado de crescente prosperidade e as ideias do<br />

tempo lhe haviam infalivelmente imprimir.<br />

Para isto era necessário dar nova organização<br />

e mais moralidade à repartições por onde se<br />

arrecadam ou fiscalizam as rendas do Estado. Era<br />

ainda para isso necessário regularizar, dar mais<br />

expansão e desenvolvimento ao nosso crédito no<br />

interior, e firmá<strong>–</strong>lo no exterior onde tínhamos a<br />

resgatar uma grande dívida prestes a vencer<strong>–</strong>se, e<br />

donde devíamos atrair capitais e braços para o<br />

nosso movimento industrial.<br />

O código comercial, a reforma do tesouro e<br />

tesourarias, os trabalhos e estudos sobre alfândegas,<br />

e finalmente essa brilhante operação de crédito<br />

realizada em Londres, são resultados sem dúvida<br />

grandes, devidos ao seu esforço ou obtidos com o<br />

seu concurso, e por si suficientes para estabelecer<br />

o crédito de qualquer administração. O que porém<br />

completou, ou para melhor dizer, o que completará,<br />

no futuro, sua obra gigantesca, é sem contradição,<br />

a criação do Banco do Brasil, ao qual está marcado<br />

o alto destino de regularizar e dar maior estabilidade<br />

ao nosso meio circulante e cooperar com o governo na<br />

grande obra de civilização e de progresso.<br />

Vê, pois, a Câmara que um estabelecimento<br />

que tanto promete ao País deve merecer<strong>–</strong>lhe todos os<br />

cuidados, e se torna digno da proteção e favor dos<br />

poderes do Estado. Podia terminar aqui, Sr. Presidente,<br />

mas cedendo à imperiosa necessidade da minha<br />

penosa situação, neste momento invocarei ainda a<br />

indulgência da Câmara para que me seja lícito<br />

entrar na exposição e restabelecer a verdade de<br />

alguns fatos que possam ter sido desnaturados<br />

pela malevolência.


117 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

A nossa praça, senhores, acaba de passar por<br />

um grande abalo; o equilíbrio das suas operações<br />

foi por alguns dias perturbado; ela convalesce<br />

apenas dessa grande enfermidade que, decompondo-lhe<br />

a fisionomia, pôde por instantes alterar<strong>–</strong>lhe a<br />

placidez do espírito e a lucidez das idéias.<br />

Nas grandes ocasiões, nos momentos perigosos<br />

de crise, é necessário que aqueles a quem<br />

incumbe cuidar de grandes interesses, ameaçados ou<br />

comprometidos, se mostrem solícitos no desempenho<br />

de tão sagrado encargo.<br />

Como <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil tenho profunda<br />

convicção de haver religiosamente cumprido o meu<br />

dever, empregando tanto dentro como fora do<br />

estabelecimento tudo quanto estava ao meu alcance<br />

para remover as causas do mal, ou ao menos minorar<strong>–</strong><br />

lhe a intensidade.<br />

Não tenho por fim alardear serviços, gosto<br />

mui pouco de ocupar o público com a minha<br />

fraca individualidade, é a modéstia uma das<br />

virtudes que mais tenho procurado cultivar e arraigar<br />

no meu espírito; quando a razão pública se<br />

desvaira, quando se acha excitada por maneira<br />

que se pode tornar o ludíbrio do primeiro aventureiro<br />

que astuciosamente quiser incutir<strong>–</strong>lhe as mais<br />

falsas ideias, entendo que aquele que, exercendo<br />

funções públicas, for vítima de caluniosas imputações,<br />

deve procurar colocar<strong>–</strong>se, para restaurar a verdade,<br />

no ponto mais elevado a que possa atingir, a fim de<br />

que a sua voz soe bastante forte para que o País<br />

todo a escute e fique habilitado para julgá<strong>–</strong>lo.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 118<br />

Sou atualmente, Sr. Presidente, o alvo de um<br />

desses ardis, inventado sem dúvida pelo interesse,<br />

pelo ódio, pelo despeito, ou por qualquer motivo<br />

de malevolência, e tendo a fortuna de possuir<br />

uma cadeira no seio da representação nacional,<br />

prevaleço<strong>–</strong>me dela para destruí<strong>–</strong>lo.<br />

Entendo que neste sagrado recinto não deve<br />

ter assento, já não digo aquele sob cuja fronte<br />

pesa o ferrete de uma ação reprovada, mas ainda<br />

o que estiver sob a impressão de uma imputação<br />

desairosa, antes que se tenha completamente<br />

justificado perante o País. Insinua<strong>–</strong>se não franca<br />

e lealmente, de modo que possa ter lugar a refutação<br />

e a defesa, mas à meia voz e traiçoeiramente, haver<br />

eu, se não promovido ao menos alimentado em<br />

próprio proveito essa febre ardente que tornou por<br />

alguns dias delirante a praça do Rio de Janeiro.<br />

E a maior falsidade que lábios de homem<br />

tenham jamais pronunciado! Encho<strong>–</strong>me de justa<br />

indignação ao referi<strong>–</strong>la; sinto asco e repugnância<br />

em ocupar<strong>–</strong>me dela; voto ao mais completo desprezo<br />

o ente mesquinho e baixo que por ventura a<br />

inventou; mas não posso conformar<strong>–</strong>me com a<br />

doutrina da indiferença em matéria semelhante”.<br />

O <strong>presidente</strong> da Câmara, Conde de Baependi<br />

dirige o olhar em direção da tribuna e indaga ao<br />

orador que está usando a palavra: ”as observações<br />

que o nobre deputado faz tem relação com o projeto<br />

que quer apresentar?"


119 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

A resposta do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> é<br />

esclarecedora e prossegue comentando o assunto em<br />

pauta:<br />

"São fatos que têm alguma relação com o<br />

objeto. Se uma tal imputação, senhores, me fosse<br />

feita diretamente por alguém, decerto não desceria<br />

à baixeza de justificar<strong>–</strong>me; castigaria o insolente<br />

ou desprezaria o miserável, conforme o caráter<br />

do indivíduo que me a fizesse. Se pudessem achar<br />

o eco ou entrada no ânimo dos que governam, se<br />

sua confiança em mim fosse por isso levemente<br />

alterada, também não despenderia palavras,<br />

ser-me-ia fácil por um ato de dignidade, desses que<br />

o homem de bem sabe praticar sem esforço em tais<br />

circunstâncias, assumir uma posição sobranceira.<br />

Nada disto, porém, acontece infelizmente; é<br />

uma voz vaga, sem provas, sem autor conhecido, mas<br />

que no estado excepcional em que se acha<br />

a nossa praça, no momento da liquidação dos<br />

prejuízos, quando cada qual deseja achar uma<br />

desculpa às suas imprudências, ou um desabafo<br />

ao seu despeito, esta voz pode ter achado eco.<br />

Se vivêssemos em uma época tão falta de<br />

crenças que ninguém se pudesse julgar ao abrigo das<br />

mais atroz imputação, se não valessem já longos<br />

anos de uma vida sem manchas, de uma conduta<br />

ilibada, se fossem insuficientes as provas de<br />

desinteresse e abnegação em lugares onde fáceis<br />

abusos bastariam para produzir enormes fortunas, o<br />

que restaria ao homem de bem para vindicar o seu<br />

caráter? Deveria resignar<strong>–</strong>se a ver seu nome<br />

confundido entre nomes de reputação duvidosa?


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 120<br />

Não, mil vezes; preferira, então, o sacrifício de<br />

qualquer posição, por mais brilhante que pudesse<br />

ser, quisera antes uma obscuridade honesta.<br />

Havia, senhores, no princípio ainda deste ano,<br />

dois estabelecimentos de crédito funcionando nesta<br />

praça. Um contava de existência mais de 14 anos,<br />

operava sobre um capital realizado de 5,000,000$<br />

dividido em 10.000 ações; outro contava apenas 2<br />

anos de existência, e funcionava na praça com 80%<br />

do seu capital. Estes dois estabelecimentos gozavam<br />

de bem merecida reputação, suas ações tinham<br />

no mercado um valor muito acima do nominal.<br />

Resolvida a incorporação destes dois<br />

estabelecimentos para formarem o novo criado pela<br />

Lei de 5 de julho do ano passado, suas ações<br />

declinaram de valor; o ágio de que gozavam<br />

desapareceu quase completamente, não por efeito de<br />

descrédito, mas em consequência da lei indeclinável<br />

que preside às transações e permutas; esperava<strong>–</strong>se<br />

a grande emissão das ações do novo banco; e<br />

alimentavam todos a esperança de poder obtê<strong>–</strong>las<br />

pelo seu valor nominal.<br />

No momento de realizar<strong>–</strong>se a fusão pareceu a<br />

todos os interessados que era mais prudente, mais<br />

conveniente que, em vez de fazer<strong>–</strong>se a passagem<br />

completa do ativo e passivo das massas para o novo<br />

banco, elas fossem conservadas por algum tempo em<br />

liquidação, e esta ideia foi consagrada nos estatutos<br />

que são hoje a lei fundamental do estabelecimento.<br />

Daqui resultaram graves inconvenientes, que a<br />

princípio não se previram. As ações correspondentes<br />

à parte preponderante do capital não foram, em<br />

virtude deste acordo, imediatamente entregues aos


121 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

respectivos acionistas; ficaram ligadas à liquidação,<br />

para a qual se havia estipulado o prazo de um ano.<br />

Ficaram, pois, no mercado apenas 30.000<br />

ações do novo banco, as quais podiam ser<br />

adquiridas com muito menor sacrifício do que as<br />

antigas; ao mesmo passo que davam igual direito<br />

aos lucros do futuro banco.<br />

Esta foi a origem de todo o mal; foi sobre<br />

esta base que os agiotas estabeleceram o seu mui<br />

hábil e bem combinado plano.<br />

Do ponto em que me achava colocado,<br />

pude bem conhecer o caviloso manejo, mas não<br />

dependia de mim contrariá<strong>–</strong>lo. Dispondo de<br />

grandes recursos, eles puderam dominar completamente<br />

o mercado e impor<strong>–</strong>lhe a lei de sua vontade. De<br />

hora a hora, de minuto a minuto, produziram notáveis<br />

alterações nos preços, que em 8 dias se acharam<br />

duplicados. Eram as mesmas ações que giravam<br />

constantemente em alta progressiva, e com tal<br />

velocidade que podia encontrar<strong>–</strong>se no jogo sem<br />

capitais e na independência absoluta dos<br />

estabelecimentos de crédito.<br />

Confesso que, a princípio, nenhuma impressão<br />

me causou essa subida de valor; todos esperavam<br />

e era natural que as novas ações excedessem<br />

mesmo os limites em que antes da fusão ser<br />

acharam as dos antigos bancos que gozavam de<br />

menos prerrogativas. Quando, porém, todas as raias<br />

foram excedidas, quando a febre principiou a<br />

manifestar<strong>–</strong>se com mais intensidade, conheci que<br />

se estava cavando um abismo que podia tornar<strong>–</strong>se<br />

o sorvedouro de muitas fortunas, e procurei por<br />

todos os meios ao meu alcance conjurar o mal.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 122<br />

Exortei a uns, exprobrei a outros, aconselhei<br />

a muitos. Vendo, porém, que tudo era infrutífero,<br />

conhecendo que o balancete publicado de acordo<br />

com a lei orgânica do banco era uma arma<br />

traiçoeira e perigosa nas mãos dos especuladores,<br />

que por ele faziam conceber aos incautos<br />

esperanças loucas de enormes lucros, entendi que<br />

era conveniente e indispensável esclarecer ao público<br />

sobre a verdadeira inteligência daquele documento.<br />

Lembrei-me, então, de recorrer à tribuna, e incontinenti<br />

me apresentei nessa Casa.<br />

À V. Exª, Sr. Presidente, e alguns dos meus<br />

amigos mais íntimos, manifestei a minha intenção.<br />

Tive, entretanto, de ceder às observações de<br />

alguns dos mais conspícuos membros desta Casa.<br />

Restava<strong>–</strong>me um único recurso, era a imprensa: a<br />

ela recorri, pois, para salvar meus escrúpulos e<br />

evitar que aquela peça oficial, mal compreendida,<br />

fosse ainda agravar o mal.<br />

E será necessário que aduza provas materiais<br />

para repelir uma tal imputação inventada, sem<br />

dúvida, por aqueles que tinham imediato interesse<br />

em acoroçoar o jogo, autorizando<strong>–</strong>o com o nome de<br />

uma pessoa que devia supor<strong>–</strong>se bem informada dos<br />

negócios do banco? Será preciso que demonstre mais<br />

claramente que não tive, que não podia ter<br />

parte alguma em um jogo que sempre reputei<br />

imoral para os que o inventaram ou estavam<br />

iniciados nos seus segredos, desigual e perigoso<br />

para todos os que nele tomavam parte?<br />

Se a minha posição oficial no banco era<br />

no meu modo de ver (embora não fosse por<br />

temperamento avesso aos azares do jogo) um<br />

obstáculo moral invencível, que não me era dado


123 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

transpor sem a consciência da própria desonra,<br />

poderia compartilhar nos interesses com os que<br />

por força de sua vontade dirigiam o jogo?<br />

Animar<strong>–</strong>me<strong>–</strong>ia a tocar em ganhos adquiridos sem<br />

contingência alguma de perda, sem esse perigo que<br />

legitima os lucros dos capitais arriscados.<br />

Uma tal participação seria na minha opinião<br />

um verdadeiro crime, e praticado por quem tivesse<br />

como eu uma posição oficial a guardar no banco<br />

subiria ainda seu ponto o escândalo; semelhante<br />

imputação cai, pois, por si mesma.<br />

Sr. Presidente, segundo m'o tem permitido minha<br />

pequena fortuna, tenho procurado associar<strong>–</strong>me ao<br />

movimento industrial do meu País, tomando uma<br />

pequena parte em todas ou quase todas as<br />

empresas que têm relação com o seu progresso e<br />

desenvolvimento. Sou, pois, acionista originário de<br />

quase todas as empresas desta natureza criadas<br />

modernamente nesta Corte, e havia de preferir, para<br />

estrear na carreira do azar, as ações da única<br />

companhia para com a qual deveres imprescritíveis<br />

me impunham o mais circunspeto procedimento.<br />

Tinha por inscrição inicial no novo banco oitenta<br />

ações, 50 das quais representavam a minha<br />

caução, na forma dos estatutos. Antes que a febre<br />

tivesse chegado ao seu auge converti<strong>–</strong>as em ações<br />

do antigo Banco do Brasil, com as quais substitui<br />

a minha caução para libertar<strong>–</strong>me das apreensões<br />

de sucessivas chamadas de capital; e tendo<br />

convicção de que, obrando assim, não posterguei<br />

nenhum princípio, não feri nenhuma delicadeza, não<br />

preteri a mínima conveniência. Eis todas as minhas<br />

transações sobre as ações do banco.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 124<br />

Tenho concluído, restando-me agradecer à<br />

Câmara a atenção que se dignou prestar<strong>–</strong>me. Posso<br />

a qualquer hora fazer um inventário público dos<br />

meus módicos haveres, e preferira legar a meus<br />

filhos uma pobreza honesta, a miséria mesmo, a<br />

ajuntar-lhe um só óbolo com preterição dos preceitos<br />

de honra e da própria dignidade. Tenho concluído,<br />

e agradeço à Câmara o haver<strong>–</strong>me permitido este<br />

pequeno desvio da matéria em discussão."<br />

Com a assinatura de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, o Paço<br />

da Câmara dos Deputados, em 3 de junho de 1854,<br />

fez publicar o seguinte aviso:<br />

“Vai à mesa o seguinte projeto, o qual depois<br />

de lido e julgado objeto de deliberação vai a<br />

imprimir para entrar na ordem dos trabalhos:<br />

A Assembleia Legislativa Geral resolve:<br />

Art. 1° <strong>–</strong> A isenção do imposto de selo concedida<br />

pela Lei n° 386 de 3 de julho do ano passado às<br />

notas emitidas pelo Banco do Brasil é extensiva ao<br />

capital incorporado.<br />

Art. 2° <strong>–</strong> Será gratuitamente cunhado todo o ouro de<br />

toque legal que for levado à Casa da Moeda por<br />

conta do mesmo banco.<br />

Art. 3° <strong>–</strong> Ficam revogadas as disposições em<br />

contrário.”<br />

Com a visão de Europa, onde esteve durante<br />

o período de 1834 a 1841, o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />

na tribuna da Câmara dos Deputados, no dia 10 de<br />

junho de 1854, apresenta uma apreciação acadêmica<br />

sobre a agricultura e faz comentários a respeito da<br />

administração pública:


125 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

"Sr. Presidente, mui pequena parte tomarei<br />

nesta discussão; não tinha mesmo intenção de entrar<br />

nela, mas determinou-me a isso o discurso ontem<br />

proferido pelo nobre deputado por São Paulo.<br />

Este distinto membro, cujas opiniões sempre acatei,<br />

pareceu<strong>–</strong>me equivocar<strong>–</strong>se a respeito de uma proposição<br />

que emitiu tratando de instituições bancais nas<br />

províncias; é principalmente sobre ela que versarão<br />

as minhas observações; é tal, entretanto, o respeito<br />

que lhe consagro, que antes de tocar no ponto em<br />

que discordamos, e como compensação do sacrifício<br />

que isso me custa, falarei daquilo em que me acho<br />

em perfeito acordo com ele.<br />

É inegável, Sr. Presidente, que o futuro do<br />

País depende dos seus melhoramentos materiais, e<br />

que ocupam o primeiro lugar entre estes as vias<br />

de comunicação e o aperfeiçoamento dos processos<br />

agrícolas. É tão geralmente reconhecida hoje esta<br />

verdade, que demorar em demonstrá<strong>–</strong>la fora<br />

desconhecer o valor inestimável do tempo. Também<br />

acho de mui pequeno alcance para o País a questão<br />

suscitada pelos nobres deputados por Pernambuco;<br />

o que deve preceder, na sua marcha progressiva,<br />

o ensino profissional, as escolas de agricultura ou<br />

as vias de comunicação?<br />

Esta questão que chamarei puramente acadêmica,<br />

só poderia ter uma solução absoluta se tivesse de ser<br />

aplicada a um país inteiramente inculto; mas quando<br />

temos já grandes interesses comprometidos por falta de<br />

credibilidade quando uma grande parte de nossos<br />

produtos fica inteiramente desaproveitada pelas<br />

dificuldades do transporte, toda dúvida fere a boa<br />

razão.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 126<br />

No estado atual da agricultura, antes mesmo<br />

de qualquer melhoramento nos processos empregados,<br />

as boas vias de comunicação não só aumentariam,<br />

consideravelmente e sem dependência de novas<br />

forças, a nossa produção, como lhe imprimiria mais<br />

valor pela cessação de enormes despesas de que<br />

atualmente se vê sobrecarregada para chegar ao<br />

mercado.<br />

A questão, pois, tem uma solução prática de<br />

primeira intuição. As vias de comunicação sem<br />

escolas de agricultura produziriam desde já grandes<br />

resultados; as escolas de agricultura sem vias de<br />

comunicação ou seriam inúteis, ou de mui escasso<br />

fruto.<br />

As vias de comunicação são, além disso, o<br />

meio mais eficaz de promover o aperfeiçoamento<br />

dos processos agrícolas, a difusão de todas as luzes,<br />

a civilização, enfim; e os trabalhos que lhe são<br />

relativos pedem tempo que pode ser utilmente<br />

empregado no ensino e estudo da agricultura.<br />

Pensem bem nisto todos os depositários da<br />

autoridade pública, e não só da que emana dos<br />

poderes gerais, mas ainda e principalmente dos<br />

provinciais, aos quais o ato adicional parece ter<br />

confiado especialmente este melindroso encargo.<br />

Não existe, pois, no meu modo de ver, a menor<br />

dúvida quanto à ordem do trabalho; toda a questão versa<br />

sobre os meios de satisfazer a tão grandes, a tão<br />

urgentes necessidades. É ali que se encontram as<br />

verdadeiras dificuldades, procedendo umas de defeito da<br />

nossa organização superior, outras do nosso estado de<br />

infância, outras finalmente da escassez dos nossos<br />

recursos.


127 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

É indubitável que a nossa organização<br />

administrativa superior será por muito tempo um<br />

estorvo ao progresso pronto do País. Não cabe<br />

nas forças humanas, não há capacidade ou aptidão<br />

que baste para bem desempenhar todos os<br />

diversos encargos, os árduos e multiplicados deveres<br />

que pesam sobre alguns ministérios.<br />

O ministério do império é, sem contradição,<br />

um dos mais sobrecarregados. É disso uma prova<br />

evidente o relatório que pelo muito digno ministro<br />

atual foi este ano presente ao corpo legislativo, e<br />

que é, sem dúvida, um dos mais completos e<br />

noticiosos que lhe tem sido apresentado.<br />

É tal a multiplicidade de objetos, a<br />

heterogeneidade das matérias, que não só faltará<br />

o tempo, como a disposição de espírito necessária<br />

para que um só homem possa atender a todas elas<br />

do modo por que o exige e o reclama um país novo,<br />

onde tudo se acha por criar, a vida de mero<br />

expediente é grandíssimo mal, porque o tempo<br />

de organização é preciso e não pode ser bem<br />

aproveitado sem aquela audácia de iniciativa e de<br />

ação que só pode ter o homem profissional. E quem<br />

pode ser profissional em todos os ramos do serviço<br />

público a cargo do ministério do império?<br />

Este defeito orgânico já não é felizmente<br />

inteiramente negado ou desconhecido; o Sr. ex<strong>–</strong> ministro<br />

do império o demonstrou cabalmente; S.Exª. o Sr.<br />

ministro atual está também muito longe de dissimulá<strong>–</strong><br />

lo; mas apresentando e descrevendo ambos fielmente<br />

o mal; nem um nem outro o atacam diretamente,<br />

indicando o verdadeiro remédio.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 128<br />

A divisão da secretaria em diferentes diretorias<br />

com chefes habilitados é, sem dúvida, recomendável,<br />

como consagração do princípio da divisão do trabalho,<br />

cujos resultados são inquestionáveis na prática; mas<br />

será por si só insuficiente para dar ao serviço das<br />

diferentes repartições de que se compõe aquele ministério<br />

o movimento e regularidade que a marcha natural do<br />

País está imperiosamente reclamando. Sem falar de<br />

outras grandes divisões que, com muito proveito para<br />

o País, podiam constituir ministérios diferentes,<br />

lembrarei somente uma que mais relação tem com o<br />

objeto em questão <strong>–</strong> obras públicas.<br />

Neste indispensável ramo do serviço público,<br />

quase tudo está por criar, quase tudo depende de<br />

organização, e carece de regularidade; não é com<br />

meios tão acanhados que há de conseguir os<br />

resultados gigantescos a que aspiramos.<br />

Para dotarmos o País com bons jurisconsultos<br />

criamos cursos jurídicos; para curar da saúde<br />

pública, escolas de medicina; para o ensino da arte<br />

da guerra, escolas militares, academias de marinha;<br />

onde, porém, as instituições que devem preparar o<br />

pessoal idôneo para satisfação das grandes<br />

necessidades de que principalmente depende o<br />

futuro do nosso País? (Apoiados)."<br />

Nessa mesma oportunidade, respondendo a<br />

um aparte do deputado Silveira da Mota, o deputado<br />

<strong>Serra</strong> falou sobre a escola militar e outros assuntos:<br />

“Leio no relatório do muito digno e ilustrado<br />

Sr. ministro da guerra uma ideia que me faz<br />

conceber alguma esperança nessa escola; é a


129 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

separação da parte civil da propriamente militar;<br />

sem isso quase nenhum contingente de pessoal<br />

nos poderá ela prestar para os trabalhos a que me<br />

refiro.<br />

Não nego que os alunos da nossa escola<br />

militar que tiverem aproveitado seu tempo,<br />

dedicando<strong>–</strong>se seriamente ao estudo das matérias<br />

que ali se ensinam, possam ser considerados<br />

homens instruídos e bem preparados teoricamente<br />

mas isso não basta, porque é e somente então,<br />

que eles deviam começar o estudo das aplicações<br />

sem o que para mui pouco poderão prestar como<br />

engenheiros. São justamente essas escolas práticas<br />

que não temos, nem ainda rudimentárias.<br />

Atualmente são as viagens os únicos meios<br />

de que podemos dispor para alcançarmos neste<br />

ponto as luzes de que precisamos; além delas só<br />

nos resta o recurso da introdução de bons<br />

professores, de homens abalizados neste ramo dos<br />

conhecimentos humanos; mas este meio para ser<br />

proveitoso pressupõe a existência de grandes obras,<br />

porque é só na continuação do trabalho que se pode<br />

adquirir os mais úteis conhecimentos práticos.<br />

A mesma espécie de trabalho sofre grandes<br />

modificações segundo a natureza do solo, os<br />

acidentes do terreno e mil outras circunstâncias<br />

locais, e é somente o complexo de todos os sistemas<br />

em cada espécie de trabalho e o conhecimento de<br />

todas estas espécies que constitui a ciência prática<br />

do engenheiro.<br />

Enquanto, pois, empregarmos os meios<br />

adequados para criar um pessoal idôneo, o que só<br />

pode ser obra do tempo, resta<strong>–</strong>nos um único recurso,


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 130<br />

é o dos engajamentos no estrangeiro. Não nutro a<br />

este respeito o menor preconceito, nem vejo o<br />

menor desar para o Império, pois observo que<br />

países muito mais adiantados que o nosso, na<br />

estrada da civilização, se valem de habilitações<br />

estranhas naquilo em que, por circunstâncias<br />

especiais, um povo se torna sempre mais insigne<br />

que outro.<br />

O nobre deputado tocou em outro ponto no<br />

qual eu estou também de acordo: sobre a necessidade<br />

de melhor definir os encargos gerais e<br />

provinciais quanto aos melhoramentos materiais e<br />

vias de comunicação. O nobre deputado notou que<br />

algumas obras em que os interesses tanto são<br />

gerais como provinciais são de ordinários os<br />

menos atendidos por uma espécie de dúvida acerca<br />

da competência dado alguns casos em que ambos<br />

geral e provincial tratam do mesmo objeto<br />

simultaneamente, perturbando<strong>–</strong>se reciprocamente.<br />

Sinto tão profundamente a necessidade de<br />

alguma providência a esse respeito, que já em 1848,<br />

fazendo parte desta Casa, apresentei um requerimento<br />

que foi muito debatido, e afinal aprovado, para que<br />

uma comissão de três membros da Câmara<br />

que tivesse por adjuntos dois membros externos<br />

fizesse um traçado das principais artérias de<br />

comunicação de que carecemos, apresentando<strong>–</strong>as,<br />

segundo a sua maior urgência, assim em relação<br />

aos grandes centros de produção já existentes,<br />

como aos que fosse conveniente criar e desenvolver.<br />

Por este trabalho ficariam bem discriminadas<br />

as estradas gerais das províncias, e proceder<strong>–</strong>se<strong>–</strong>ia<br />

com ordem nos trabalhos, dando preferência ao<br />

mais urgente, e, conquanto as obras no princípio


131 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

parecessem isoladas, fariam sempre parte de um<br />

mesmo todo e possuiríamos, no futuro, um sistema<br />

completo de comunicações.<br />

Não se trataria de precisar miudamente a<br />

direção das estradas, o que demandaria uma<br />

triangulação geral do País, e um estudo minucioso da<br />

topografia e acidentes dos terrenos que tivessem de<br />

atravessar. Era um trabalho feito no gabinete, tendo<br />

por base somente os fatos existentes, as explorações<br />

e reconhecimentos até hoje feitos.<br />

Não sei mesmo se essa comissão foi nomeada,<br />

mas como o nobre deputado me despertou essa<br />

lembrança, eu o verificarei, e, no caso negativo,<br />

solicitarei a intervenção da mesa.<br />

Tratarei agora daquelas proposições do nobre<br />

deputado pela província de São Paulo que me<br />

pareceram menos exatas, e por isso dignas de<br />

retificação, na parte do seu discurso em que se<br />

ocupou das instituições bancais. Disse o nobre<br />

deputado que essas instituições estabelecidas do<br />

modo porque o têm sido, consideradas em relação<br />

às províncias, lhe eram danosas, criando o<br />

monopólio em favor da Corte para onde emigrariam<br />

todos os capitais provinciais, com prejuízo dos<br />

estabelecimentos industriais que nelas se poderiam<br />

formar.<br />

É inteiramente o contrário. Em vez do monopólio<br />

em favor da Corte, houve perfeita igualdade; as<br />

mesmas concessões foram feitas às províncias por<br />

meio das caixas<strong>–</strong>filiais; em vez de fugirem os<br />

capitais das províncias para a Corte, serão os<br />

capitais da Corte que se derramarão sobre<br />

as províncias, em vez de serem prejudicados


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 132<br />

estabelecimentos industriais receberão nova vida e<br />

maior desenvolvimento.<br />

Se é evidente que desde que em ponto<br />

qualquer há certo movimento comercial, os bancos<br />

o podem muito favorecer e ativar, criando ou dando<br />

maior expansão ao crédito, não é menos certo que<br />

nos pequenos círculos os benefícios de tais<br />

estabelecimentos terão limites muito acanhados se<br />

se conservarem adstritos às circunstâncias locais e<br />

não procurarem estabelecer relações mais extensas com<br />

outros pontos mais favorecidos tenham por ventura<br />

com aquele afinidades naturais.<br />

Se cada província criar ou conservar seus<br />

estabelecimentos de crédito isolados dos da Corte,<br />

as notáveis vantagens de que goza este grande<br />

empório comercial não poderiam jamais difundir<strong>–</strong>se<br />

pelo Império. Não só continuaria a haver, como até<br />

aqui, um câmbio desvantajoso sobre as províncias e<br />

entre elas, mas ainda se conservariam as grandes<br />

diferenças que hoje se notam no preço dos capitais,<br />

dando origem à diversidade de interesses que eles<br />

produzem e que, em algumas províncias, se elevam<br />

ao duplo e até ao triplo do que dão nesta Côrte<br />

em transações regulares.<br />

Inferi, não sei se com razão, que o nobre<br />

deputado lamentava que a organização dos<br />

estabelecimentos de crédito nas províncias fosse<br />

dependente de ato do poder geral.<br />

Mas não só se acha esse princípio consagrado<br />

hoje pelo nosso direito administrativo, mas é ele conforme<br />

a prática das nações mais adiantadas nestas<br />

matérias. Até 1840 dependeu em França do poder<br />

executivo, em virtude de uma lei do ano XI


133 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

a concessão da faculdade para a incorporação de<br />

bancos departamentais, e foram por esta maneira<br />

criados todos os que existiam nos diferentes pontos<br />

do reino até aquela data; mas pela lei de 30 de<br />

junho de 1840 foi esse poder revogado pelo corpo<br />

legislativo, e só com a autorização dele se podem<br />

hoje formar instituições bancais.<br />

Essa é também a prática da Inglaterra, são<br />

inteiramente proibidos bancos públicos até uma certa<br />

distância de Londres.<br />

Na América do Norte cada estado tem<br />

plena autoridade neste ponto, daí resulta a<br />

heterogeneidade de sistemas bancais da União,<br />

sendo os bancos dos estados do norte perfeitamente<br />

livres, enquanto que os dos estados do sul são<br />

pela maior parte modelados pelo sistema<br />

predominante na Europa e que, na verdade, parece<br />

mais racional e prudente.<br />

O princípio, pois, da intervenção benéfica dos<br />

poderes gerais do Estado, assim para proteger a<br />

fortuna pública como para estabelecer o crédito sobre<br />

bases sólidas, a fim de que seja ele suscetível<br />

de toda a expansão e desenvolvimento, e possa, a<br />

seu turno, ativar o movimento comercial e pôr em<br />

ação todas as forças produtivas do país, é um<br />

princípio geralmente adotado e de grandíssimo<br />

alcance na sorte dos estados.<br />

As caixas<strong>–</strong>filiais do Banco do Brasil gozarão<br />

das mesmas prerrogativas que a este foram<br />

concedidas pela Lei de 5 de julho; facilitarão,<br />

pois, os movimentos de fundos, cuja dificuldade tanto<br />

acanha hoje as relações interprovinciais, embaraçando<br />

sobremodo operações, aliás, muito


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 134<br />

importantes que em certas quadras do ano costumam<br />

realizar<strong>–</strong>se em algumas províncias com capitais<br />

desta praça; concorrerão para que se conserve em<br />

cada círculo comercial o meio circulante necessário às<br />

suas transações, evitando as deslocações que hoje se<br />

dão pela necessidade de passar esses capitais<br />

debaixo da forma de moeda, o que tantas vezes<br />

tem desequilibrado os nossos mercados, e farão por<br />

fim desaparecer, ou ao menos diminuir<br />

sensivelmente, a grande diferença que hoje se nota<br />

nas taxas do juro dos principais centros comerciais do<br />

Império, já difundindo capitais, já desenvolvendo o<br />

crédito local, já regularizando as operações comerciais, e<br />

já finalmente tornando mais geral e uniforme a<br />

unidade de valor representada pela nossa moeda<br />

corrente.<br />

E poderiam obter<strong>–</strong>se tão transcendentes<br />

resultados por meio de estabelecimentos ou efêmeros,<br />

ou inteiramente locais e isolados, como os que<br />

poderiam ser mantidos sob a tutela dos poderes<br />

provinciais?<br />

Seria sensato, seria prudente, seria mesmo<br />

possível que se facultasse às suas notas entrada<br />

nas estações públicas? Que perturbações, que<br />

perigos, que variedade de padrões, que desordem<br />

monetária se não iria produzir no País!<br />

Também não é exata a asserção de que o<br />

Banco do Brasil possa recear competência e por<br />

isso opor<strong>–</strong>se à organização de estabelecimentos<br />

bancais propriamente industriais nas províncias.<br />

Jamais por sua influência, ou em atenção a seus<br />

interesses, deixará o governo geral de legalizar a<br />

incorporação de tais companhias, quando as julgar<br />

sensatas e bem cabidas, porque neste caso, bem


135 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

longe de poderem ferir as legítimas conveniências<br />

do banco, virão a ser os seus melhores auxiliares,<br />

dando uma forma regular e uma existência definida<br />

a uma grande parte da fortuna pública, que, pelo<br />

modo por que ainda se acha em todo o Império, não<br />

pode oferecer base sólida para operações sensatas.<br />

Devo por último assegurar ao nobre deputado<br />

que a sua província será uma daquelas que primeiro<br />

gozarão das vantagens que lhes promete a Lei de<br />

5 de julho; porque, tendo o novo banco aceitado e<br />

reconhecido o fato da incorporação de uma caixa<strong>–</strong><br />

filial ali criada pelo antigo, cuja primeira entrada de<br />

10% havia ele já feito realizar, não depende o começo<br />

de suas operações senão da confecção do respectivo<br />

regulamento, impressão e preparo de notas e outros<br />

trabalhos preparatórios, de que ora se ocupa<br />

desveladamente a diretoria, até aqui muito atarefada<br />

com os trabalhos da própria organização.<br />

Posso e devo, além disso, afirmar ao nobre<br />

deputado que não só a diretoria do banco, como o<br />

governo nutrem a este respeito os melhores desejos.”<br />

(33)<br />

Com a presença do ministro da guerra,<br />

brigadeiro Pedro de Alcântara Bellegarde, questões<br />

militares ocuparam a ordem do dia da sessão do<br />

dia 17 de junho de 1854, na Câmara dos Deputados.<br />

(33) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 10/6/1854, pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />

Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 136<br />

Antes, porém, de retomar o assunto em<br />

pauta, o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> faz comentários sobre<br />

o gabinete do Império:<br />

"Sr. Presidente, mui breves considerações farei<br />

sobre a matéria em discussão. Podia aproveitar<strong>–</strong>me da<br />

ocasião para entrar no exame e apreciação dos<br />

atos da administração em relação à política considerada<br />

debaixo do ponto de vista mais genérico, abstenho<strong>–</strong><br />

me entretanto disso, porque tenho convicção de que<br />

nenhum serviço real poderia assim prestar ao<br />

País, quando todos parecem fazer justiça às<br />

patrióticas intenções do gabinete; limitar<strong>–</strong>me<strong>–</strong>ei<br />

pois neste ponto a declarar que lhe dou um pleno<br />

voto de confiança, voto de confiança que julgo até<br />

dispensado de justificar.<br />

E seria porventura necessário que aquele que<br />

estreou na carreira política por um voto em favor<br />

das ideias da justiça, de moderação e de tolerância;<br />

que aquele que voltando a este recinto, tendo<br />

atravessado uma época de peripécias políticas,<br />

teve por primeiro pensamento a fusão racional de<br />

princípios quase idênticos que já não podiam<br />

constituir bandeiras diferentes, o esquecimento de antigos<br />

ódios, o abraço fraternal das sumidades do País,<br />

como a melhor garantia das instituições pátrias,<br />

viesse agora explicar longamente as razões que<br />

sustentara com seu fraco apoio ao gabinete que se<br />

encarregou de realizar este pensamento? Não cairia em<br />

flagrante contradição se, com uma oposição insensata,<br />

aumentasse as dificuldades com que terá ele por<br />

certo de lutar no seu patriótico empenho?<br />

Mas nem somente este compromisso tácito de<br />

honra determina o meu procedimento; outros motivos


137 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

não menos nobres me prendem ao atual gabinete.<br />

Além de antigas ilustrações, de reputações<br />

estabelecidas, e que, por assim dizer, pertencem já<br />

à história do País, possui ele nomes inteiramente<br />

novos nos conselhos da Coroa, abonados pelos<br />

mais honrosos precedentes, moços cheios de vida,<br />

de instrução e patriotismo, que desejam sinceramente<br />

consagrar<strong>–</strong>se à causa pública, que não têm outra<br />

ambição senão a da glória, campeões, enfim, de uma<br />

nobre cruzada de civilização e de progresso, cuja<br />

fé partilho, cujos esforços sempre secundarei. Se<br />

algum dia deveres imprescritíveis me pusessem em<br />

luta com tais homens, e meu coração, habituado a<br />

estimá<strong>–</strong>lo, sofreria com isso a mais dolorosa violência.<br />

Limitar<strong>–</strong>me<strong>–</strong>ei, pois, as considerações secundárias;<br />

não sairei da esfera propriamente administrativa;<br />

acompanharei apenas o relatório do nobre ministro da<br />

guerra na parte em que ele tem relação com o<br />

orçamento que se discute.<br />

Começarei, Sr. Presidente, lamentando que S.Exª,<br />

que felizmente possui conhecimentos profissionais,<br />

incontestável talento, vastíssima erudição; que S. Exª<br />

membro de um gabinete que conta com o apoio de<br />

uma maioria compacta no seio da representação<br />

nacional, não tenha mais confiança em si, não peça<br />

mais francamente o que julga necessário ao serviço<br />

público, porque raras vezes se dão circunstâncias tão<br />

felizes, que eu desejava ver mui bem aproveitadas.<br />

Há na vida das nações momentos que<br />

representam séculos, e que uma vez perdidos<br />

jamais se recuperam. A questão da ocasião, da<br />

oportunidade que, considerada filosoficamente, parece


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 138<br />

secundária, torna<strong>–</strong>se muitas vezes na sua aplicação<br />

a questão principal, e decide do êxito dos planos<br />

mais bem combinados.<br />

Em mais de um tópico do relatório do nobre<br />

ministro da guerra vislumbra<strong>–</strong>se, não direi alguma<br />

hesitação, porque sou o primeiro a reconhecer a sua<br />

vasta e variada instrução, a sua alta capacidade como<br />

militar, como acadêmico e como literato, mas uma<br />

espécie de acanhamento em emitir toda a sua<br />

opinião...”<br />

Naquele instante, o ministro da guerra,<br />

lançando o olhar para a tribuna, faz um aparte do<br />

discurso do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: “É simples<br />

deferência.”<br />

Ao retomar a palavra, o deputado maranhense<br />

agradece a gentileza do ministro da guerra, e continua:<br />

“Como membro do corpo legislativo, agradeço<br />

a V.Exa. essa deferência, mas julgo que seria<br />

melhor pôr de parte qualquer consideração, a fim de<br />

poder tirar do tempo e das circunstâncias o maior<br />

partido possível, não só em proveito e benefício do<br />

País, como para glória e honra do nobre ministro,<br />

cuja amizade tanto prezo, de cuja estima há tanto tempo<br />

me honro.<br />

O nobre ministro, tratando da Secretaria de<br />

Estado dos Negócios da Guerra, emite uma opinião<br />

mui sensata; reconhece nela defeitos orgânicos;<br />

indica um meio de melhorar o serviço e a sorte dos<br />

empregados, elevando<strong>–</strong>lhes ao mesmo tempo o<br />

caráter e dando<strong>–</strong>lhes mais independência e<br />

garantias, mas termina este primeiro artigo do seu<br />

relatório por um <strong>–</strong> talvez <strong>–</strong> que eu desejara ver


139 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

substituído por uma expressão mais positiva e<br />

terminante.<br />

Expondo o estado da Contadoria Geral da<br />

Guerra, aponta igualmente o nobre ministro um<br />

defeito orgânico, a falta de centralização, que é causa<br />

de grande demora no expediente, sem um proveito<br />

correspondente para fiscalização e economia, e<br />

conquanto mais positivamente indique o remédio,<br />

adotando o princípio já prático nas repartições do<br />

Ministério da Fazenda, não solicita nenhuma autorização<br />

nem dá a conhecer uma intenção deliberada de<br />

levar a efeito as necessárias reformas.”<br />

Retomando o aparte, o Sr. ministro da guerra<br />

falou: “aceito qualquer autorização a esse respeito."<br />

De volta com a palavra, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

continuou o discurso:<br />

"Eis como eu desejava que o nobre ministro<br />

procedesse, fazendo assim mais justiça a si mesmo,<br />

e depositando mais confiança no conceito que merece<br />

ao corpo legislativo, a quem deve falar com toda a<br />

franqueza sobre as necessidades do serviço público.<br />

Aplaudo a declaração que acaba de fazer e desde já<br />

lhe hipoteco o meu voto para todas as autorizações<br />

de que possa carecer.<br />

Quanto à escola militar e às reformas que ela<br />

tão urgentemente reclama, sinto profundamente que<br />

no seu relatório não se exprimisse o nobre ministro<br />

da guerra de uma maneira que desse garantias de<br />

que as necessidades do País seriam neste ponto<br />

completamente satisfeitas. Ainda aí usa V.Exª do<br />

advérbio talvez, e é isso que me induz a pedir<strong>–</strong>lhe<br />

que preste toda a sua atenção a este ponto, sem<br />

dúvida importante, do serviço do seu cargo; que


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 140<br />

o considere nas suas vastas proporções em<br />

relação ao movimento industrial do País, e que<br />

nesse sentido desenvolva o mais depressa possível<br />

um plano completo de reforma.<br />

O que pude colher da leitura do relatório,<br />

combinando diversos lugares, não bastou para<br />

convencer<strong>–</strong>me de que essas reformas seriam assim<br />

concebidas, antes me levou a desconfiar que só e<br />

unicamente tivessem elas em vista completar a<br />

instrução propriamente militar dos alunos da escola.<br />

Eu não repilo, antes reconheço a necessidade<br />

de estudos práticos propriamente militares para cada<br />

uma das armas de que se compõe o nosso exército;<br />

hei de sempre louvar o ministro que se esforça por<br />

satisfazer a essa necessidade; reconheço que esta é a<br />

parte que mais especialmente pertence ao ministério da<br />

Guerra, e que o maior desenvolvimento que eu exijo<br />

teria mais relação com o Ministério do Império,<br />

mas não posso conceder que a especialidade e<br />

competência de cada ministério sejam tão restritas que<br />

vão além das justas conveniências da divisão racional<br />

do trabalho, e se oponham à organização completa de um<br />

sistema qualquer e ao cabal desenvolvimento de<br />

qualquer ideia útil, embora pela íntima ligação dos<br />

conhecimentos humanos possa ideia interessar a<br />

mais de um ministério.<br />

A administração é uma só; a cada um dos<br />

ministros corre igual obrigação de atender as<br />

grandes necessidades do País. A iniciativa deve<br />

pertencer àquele que mais habilitado se achar para<br />

satisfazê<strong>–</strong>las.<br />

O País reclama urgentemente um pessoal<br />

idôneo para cuidar do seu desenvolvimento material


141 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

e industrial; nenhuma das nossas instituições pode<br />

ministrá<strong>–</strong>lo a não ser a escola militar, onde já com<br />

regularidade se ensinam todas ou quase todas as<br />

disciplinas que constituem a parte teórica da<br />

engenharia civil; seriam necessários muitos anos<br />

para criar pelo Ministério do Império o que já hoje<br />

possui o ministério; e pois a este deve caber a<br />

iniciativa das reformas indispensáveis para que<br />

aquele estabelecimento não só melhor satisfaça o seu<br />

fim especial, mas ainda preste ao Império os mais<br />

assinalados serviços de que, na atualidade, carece.<br />

Sem a mais completa separação entre a<br />

carreira civil e a militar dificilmente atingiremos o<br />

desejado fim; porque a vida militar, oferecendo<br />

atualmente poucos atrativos, e impondo penosos<br />

sacrifícios, afugenta e desvia da escola grande<br />

número dos seus melhores alunos. Aqueles mesmos<br />

que, cedendo à força irresistível da vocação, se<br />

têm dedicado a semelhantes estudos e encetado a<br />

carreira das armas, tendo saído da escola com os<br />

mais honrosos títulos e distinções, e conquistado uma<br />

brilhante reputação, passada a quadra dourada<br />

das primeiras ilusões e perdidas as esperanças<br />

de encontrar naquela carreira uma posição condigna<br />

ao seu merecimento, a tem por fim abandonado,<br />

renunciando com a farda a todas as suas<br />

aspirações, a todos os incentivos da própria vocação,<br />

porque sem os estudos práticos indispensáveis para<br />

poderem empregar<strong>–</strong>se como engenheiros civis mal<br />

poderiam dar um só passo em semelhante terreno.<br />

E não haverá algum meio de evitar<strong>–</strong>se<br />

essa perda, esse desvio constante de grandes<br />

capacidades, de inteligências superiores que podiam<br />

ser tão utilmente para o País, tão vantajosamente


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 142<br />

para elas, empregar<strong>–</strong>se nos importantes trabalhos<br />

de que d'ora em diante estarão essencialmente<br />

dependentes os futuros destinos do Império? Eu<br />

creio que sim, e que para isso cumpria<strong>–</strong>nos, desde<br />

já, criar pelo ensino das convenientes aplicações a<br />

engenharia civil, e melhorar a carreira militar das<br />

armas científicas.<br />

Digo das armas científicas para que não se<br />

infira que pretendo reforçar ou insistir na exigência<br />

há pouco feita por um digno membro pela província<br />

do Rio Grande do Sul, exigência aliás justa, e a que<br />

daria pleno assentimento se as nossas finanças<br />

permitissem.<br />

Mas se torna por enquanto impossível atender<br />

convenientemente às justas reclamações dessa<br />

numerosa classe de prestantíssimos servidores do<br />

Estado, o que se poderia, sendo necessário, provar<br />

pelo mesmo relatório do nobre ministro, do qual se vê<br />

que o mínimo aumento de 10 rs. diários no valor da<br />

etapa produzida no orçamento da despesa a enorme<br />

diferença de 98:000$800; se nos não é por<br />

enquanto permitido melhorar a sorte de todo o nosso<br />

exército, não julgo que isso possa impedir<strong>–</strong>nos de<br />

proceder parcialmente nesse sentido, atendendo primeiro<br />

ao mais urgente, e seguindo a ordem natural das<br />

ideias.<br />

Já vê o nobre deputado pela província do<br />

Ceará que também tomou hoje parte nesta discussão, que<br />

bem a meu pesar divirjo neste ponto da sua<br />

opinião. O nobre deputado, pelo modo por que se<br />

exprimiu, pareceu<strong>–</strong>me não admitir trabalhos<br />

parciais, reformas lentas, melhoramentos isolados;<br />

só julga úteis os sistemas completos e que de<br />

uma vez satisfaçam a todas as necessidades e


143 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

encerrem todos os benefícios. Em teoria, em bons<br />

desejos, acompanho o nobre deputado; começo porém<br />

a tornar<strong>–</strong>me homem prático e a contentar<strong>–</strong>me com o<br />

possível, quando não posso atingir ao perfeito.<br />

Se, pois, não tivéssemos contraído tantos<br />

compromissos indispensáveis para a marcha da<br />

administração, se a nossa renda não se achasse<br />

quase toda comprometida em despesas decretadas<br />

por leis anteriores, eu pediria com o nobre deputado<br />

pelo Rio Grande do Sul um melhoramento de<br />

soldos e vantagens para todo o exército, e procuraria<br />

fazer desaparecer muitas outras desigualdades de<br />

tratamento entre diferentes classes de empregados e<br />

funcionários públicos. Na impossibilidade, porém, de<br />

tudo conseguirmos, não devemos deixar de fazer o<br />

que nos for possível.<br />

É assim que por várias leis têm sido ultimamente<br />

melhor aquinhoadas diversas classes de servidores<br />

do Estado; é assim que ainda há poucos dias<br />

aprovamos aqui um projeto que melhora a sorte de<br />

alguns militares e estende certos favores a um<br />

círculo mais dilatado; e quem tiver bem atento<br />

aos atos da administração do País, há alguns<br />

anos, reconhecerá facilmente que este pensamento<br />

de há muito existe nos conselhos da Coroa.<br />

Melhorando, pois, a sorte dos militares das<br />

armas científicas, já aumentando<strong>–</strong>lhes os soldos e<br />

outras vantagens, já alargando o quadro dos oficiais<br />

do estado<strong>–</strong>maior, de modo que haja mais algum<br />

estímulo à ação, alguma esperança a mais pela<br />

perspectiva de um futuro menos remoto, eu julgo que<br />

se conseguiria atrair e conservar nessa classe as<br />

capacidades e talentos que hoje lhe fogem,<br />

separando completamente o curso militar do curso


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 144<br />

civil, e dando a este todo o desenvolvimento<br />

prático necessário para poder formar verdadeiros<br />

engenheiros, teríamos feito ao País um dos maiores<br />

benefícios que ele hoje reclama de nós.<br />

Nem eu lamentarei qualquer aumento de despesa<br />

com um semelhante fim, porque a consideraria<br />

despesa produtiva, que contribuindo para o aumento<br />

da riqueza pública em breve nos daria larga<br />

compensação, habilitando<strong>–</strong>nos para atendermos a mil<br />

outras necessidades.<br />

Já tivemos no País, na província do Rio de<br />

Janeiro, uma escola de arquitetos medidores que<br />

infelizmente foi há muito extinta; parecia a todos que<br />

tinha ela sido uma criação inútil; que não podia<br />

frutificar entre nós e que seriam inteiramente perdidas<br />

as somas com ela despendidas; essa escola deixou<br />

de existir pelo descrédito; foi pouco frequentada pela<br />

falta de estímulos; não chegou mesmo a ser conhecida<br />

fora da província; vejo entretanto hoje grandes<br />

resultados dessa instituição. Em muitos pontos da<br />

província são os alunos dela que hoje dirigem os<br />

melhoramentos materiais, e de alguns existem<br />

trabalhos importantes, obras que honrariam a<br />

qualquer engenheiro.<br />

Difícil nos seria na atualidade lançar os<br />

fundamentos de uma nova escola; mas aproveite o<br />

nobre ministro, como eu confiadamente espero da sua<br />

ilustração e patriotismo, o que já existe criado na<br />

escola militar, dê o maior desenvolvimento possível<br />

aos estudos de aplicação para os alunos paisanos<br />

sem prejuízo da instrução prática dos que forem<br />

propriamente militares, segundo a arma a que<br />

pertencerem; melhore a sorte dos lentes, faça enfim<br />

do professorado um estado, da engenharia uma


145 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

carreira, uma profissão cheia de esperanças e rica<br />

de futuro para o verdadeiro merecimento, e terá<br />

direito à gratidão do País, terá completado o maior<br />

benefício de que ele atualmente merece.<br />

Para seguir a ordem do relatório do nobre<br />

ministro, caberia aqui tratar do recrutamento e<br />

engajamento. Algumas proposições foram há pouco<br />

emitidas na Casa que carecem de retificação, mas<br />

fazendo<strong>–</strong>a como julgo do meu dever, não desejo<br />

despertar suscetibilidades. Acho mui nobre, mui<br />

legítimo o procedimento de todos os Srs. deputados<br />

que, quando julgam feridos os direitos das<br />

localidades que mais positivamente representam,<br />

acodem imediatamente por elas; mas entendo que<br />

entre as increpâncias insensatas e as exigências<br />

razoáveis do dever há muita diferença. Tratando<br />

dos ônus a lei deve ser entendida, e deve dispor da<br />

mesma maneira que quando trata das vantagens.<br />

(Apoiados). Se todos os cidadãos têm igual direito<br />

aos gozos e cômodos da sociedade, por que razão<br />

hão de recair sobre eles desigualmente os ônus?<br />

O princípio, pois, que vejo ainda com pesar<br />

contestado, da divisão proporcional deste imposto de<br />

sangue pelas diferentes províncias segundo a sua<br />

população, é um princípio que eu já suponha fora<br />

de discussão, porque já foi consagrado por uma<br />

lei, e que poderia encontrar dificuldades na<br />

prática, mas que eu não esperava mais ver<br />

posto em dúvida. Não é mais tempo de averiguarmos<br />

se o recrutamento prejudica mais a uma do que a<br />

outra localidade; a lei tratou de satisfazer uma<br />

grande necessidade pública.<br />

Não se pode bem, senhores, classificar entre<br />

nós o homem laborioso ou o homem vadio; os


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 146<br />

diferentes costumes, o modo de viver em cada<br />

localidade, cria ocupações especiais, intermitências no<br />

trabalho, que ora exige forças de gigante, ora permite<br />

completo repouso, e ora falta inteiramente sem nada<br />

depor contra os indivíduos nem constituí<strong>–</strong>los<br />

vadios. Porque um homem não tem um lar seu, não<br />

se tornou proprietário, muitas vezes não tem mesmo<br />

uma residência fixa, não se segue que seja um ente<br />

pernicioso à sociedade, um vadio. A cultura, as<br />

ocupações e os costumes do norte diferem muito dos<br />

do sul.<br />

Há no norte mais vadios; deve por isso dar<br />

mais recrutas, dizem alguns nobres deputados das<br />

províncias do sul, mas eu lhes replicarei sem rancor e<br />

ingenuamente, que eles estão muito enganados.<br />

Falariam com mais exatidão, se dissessem que o<br />

excessivo, o desapiedado rigor do recrutamento nas<br />

decadentes províncias do norte tem aumentado<br />

consideravelmente o número desses indivíduos<br />

que alguns nobres deputados chamam vadios, e que<br />

eu apenas chamarei desgraçados, que aterrados<br />

pelas crueldades inerentes ao recrutamento deixam<br />

o amanho de suas terras ou qualquer outro serviço<br />

e ocupação honesta para se embrenharem nas<br />

matas e fugirem da ação dos encarregados desse<br />

serviço, que só devera ser confiado a homens muito<br />

sisudos para não degenerar em perseguição e<br />

verdadeira caçada de homens, como já foi denominado<br />

no parlamento.<br />

Se fosse exato o princípio estabelecido pelos<br />

nobres deputados de que o recrutamento é feito no<br />

norte somente à custa dos vadios, o número<br />

desses indivíduos deveria diminuir sensivelmente<br />

pelo recrutamento; mas não acontece assim; este


147 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

número cresce, e cresce extraordinariamente com<br />

grave prejuízo da sempre raquítica e acanhada e<br />

hoje agonizante lavoura dessas porções do território<br />

brasileiro que eu não cessarei de recomendar à<br />

proteção dos poderes do Estado; o terror, pois,<br />

explica melhor o fato, e espero que os nobres deputados<br />

me façam a justiça de crer que estou falando nas<br />

melhores intenções e de muita boa fé.<br />

Há muitos vadios no norte! Tomai, senhores,<br />

um desses indivíduos que fazem vida nômada no<br />

norte, e comparai<strong>–</strong>o com a espécie semelhante que<br />

habita o sul do Brasil (porque também por aqui os<br />

há), e reconhecereis comigo que toda a diferença<br />

é nominal; chama<strong>–</strong>se aqui <strong>–</strong> gaúcho <strong>–</strong> acolá <strong>–</strong> garimpeiro,<br />

<strong>–</strong> em outro lugar <strong>–</strong> camarada, sertanejo, etc., etc., e<br />

são estes indivíduos tão indispensáveis no sul como<br />

no norte.<br />

Se para a exploração e trabalho das minas<br />

fazem falta na província deste nome os garimpeiros e<br />

faiscadores, não menos falta fazem nas províncias do<br />

norte, os camaradas e sertanejos para cuidarem do<br />

gado, amestrarem os cavalos e ocuparem<strong>–</strong>se de<br />

muitas outras obrigações e misteres. E se há<br />

exatidão no que há tempos me referiu um mineiro<br />

sincero e de costumes patriarcais com quem viajei,<br />

devo concluir em favor do homem do norte quanto<br />

à qualidade do amor ao trabalho. Dizia<strong>–</strong>me esse<br />

indivíduo, lamentando a indolência dos seus<br />

comprovincianos, que era necessário recrutamento,<br />

que ali se traduzia por guerra aos vadios, para que<br />

uma grande parte deles procurasse empregar<strong>–</strong>se, e<br />

que por isso ele, nas ocasiões de aperto de<br />

serviço nas suas lavras ou fazendas, entendia<strong>–</strong>se


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 148<br />

com as autoridades locais para que simulassem a<br />

intenção de recrutar.<br />

Ora, sendo isto assim, o que não afirmo, a<br />

conclusão devia ser em favor do homem do norte,<br />

que só tomado de terror deixa o trabalho,<br />

enquanto que o do sul só forçado pelo terror se<br />

revolve a procurá<strong>–</strong>lo.<br />

O que é verdade, senhores, é que em toda a<br />

parte onde a riqueza se adquire com pouco trabalho,<br />

onde com algumas horas apenas de sacrifício<br />

se obtém subsistência segura para muitos dias,<br />

aqueles que não sentem ou não compreendem a<br />

vantagem de acumular um pecúlio para acudir<br />

às precisões inesperadas da vida, trabalham<br />

com intermitência, segundo a medida de suas<br />

necessidades.<br />

Que diferença notável poderá achar<strong>–</strong>se entre o<br />

indivíduo que na província de Minas, aguilhoado<br />

pelas privações, dá<strong>–</strong>se alguns dias ao trabalho da<br />

mineração para entregar<strong>–</strong>se depois à indolência, e<br />

o que no Pará, cedendo aos mesmos estímulos,<br />

embrenha<strong>–</strong>se nas matas para extrair goma elástica?<br />

É notável, senhores, que na mesma sessão, quase<br />

na mesma hora em que o nobre deputado pelo Ceará<br />

pugnava pela elevação do caráter do nosso exército,<br />

em que combatia o rigor das leis militares e pedia<br />

para o soldado uma igualdade perfeita perante a<br />

lei, o nobre deputado pela província de Minas<br />

afirmasse que o recrutamento só se fazia entre os<br />

vadios e crapulosos, de modo que sendo assim o<br />

exército não seria mais um depósito de réprobos e de<br />

homens perniciosos ao País, para os quais seriam<br />

poucos todos os rigores.


149 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Eu estimaria muito, portanto, Sr. Presidente,<br />

para que se pudessem realizar os desejos do nobre<br />

deputado pelo Ceará, que províncias como a de<br />

Minas, cuja morigeração sou o primeiro a reconhecer,<br />

dessem também o seu contingente de recrutas para<br />

que ao menos pela fusão se melhorasse a sorte do<br />

Exército (Apoiados), para que viessem dali alguns<br />

santos confundir<strong>–</strong>se com esses demônios do norte, que<br />

seja dito de passagem, tantas vezes se têm<br />

mostrado dignos da bandeira que defendem<br />

(Apoiados, risadas.)<br />

Entendo que o princípio admitido, o princípio<br />

inconcusso, e sobre que não deve haver mais<br />

discussão, é que todas as províncias são<br />

obrigadas a concorrer para força pública, para o<br />

Exército do País, com contingentes em relação às<br />

suas circunstâncias e à sua população. Dou de<br />

barato que todas aquelas que o não têm feito até<br />

hoje, têm cedido à força de dificuldades invencíveis,<br />

dificuldades que o governo do País, que os poderes<br />

do Estado, que cada um de nós em particular se<br />

esforçará constantemente por vencer ou remover.” (34)<br />

No tocante às dificuldades da Fábrica de<br />

Ferro Ypanema, que mereceram destaque no relatório<br />

do ministro da Guerra, apresentado na Câmara<br />

dos Deputados, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> manifestou<strong>–</strong>se, naquela<br />

oportunidade, preocupado com o destino da fábrica<br />

(34) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 17/6/1854, pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />

Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 150<br />

e de seus empregados e apresentou ao Sr. ministro algumas<br />

sugestões recomendáveis, a seguir mencionadas:<br />

“Tratando das fábricas, o nobre ministro<br />

denuncia o estado deplorável da de ferro de<br />

Ypanema quanto ao seu futuro. Na verdade,<br />

faltando<strong>–</strong>lhe um dos elementos indispensáveis do<br />

trabalho, o combustível, não sei como poderá<br />

continuar semelhante estabelecimento.<br />

O nobre ministro que em todo o seu relatório<br />

pela concisão, pela naturalidade de sua linguagem,<br />

revela conhecimentos profissionais, não podia<br />

certamente desconhecer que a falta principal é a<br />

de viabilidade, de estradas que ponham a fábrica<br />

ao abrigo de tais contingências; entretanto o<br />

nobre ministro, não podendo de pronto vencer<br />

esta dificuldade, propõe uma medida, por assim<br />

declinatória, que acho até certo justificável e sensata.<br />

As minhas observações, pois, não se dirigem<br />

a contrariar os desejos do nobre ministro, mas<br />

somente a acautelar que não percamos os meios, uma<br />

vez adquiridos, não inutilizemos o pessoal existente e<br />

já habilitado nos trabalhos da Fábrica de Ferro<br />

Ypanema. Esse pessoal não pode reduzir<strong>–</strong>se a<br />

completa inação sem perder<strong>–</strong>se inteiramente. Não<br />

falo já do material que não for transportável, pois<br />

com algum cuidado poderá ser conservado; mas<br />

aqueles homens preciosos, que mais se têm<br />

ocupado dessa espécie de indústria, não devem ser<br />

inteiramente distraídos em outro serviço, não devem<br />

ser inutilizados.<br />

Tenho lembrança de que na província da<br />

Bahia existem minas mui ricas de diversos<br />

minerais, e principalmente de ferro. Creio que em


151 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Nazaré, a pouca distância do porto de mar, na<br />

Cachoeira, mesmo à beira<strong>–</strong>mar há ricos mananciais.<br />

Se, pois, estas explorações pudessem marchar agora<br />

com mais alguma atividade, se as amostras<br />

ultimamente vindas pudessem ser ensaiadas e<br />

oferecessem resultado satisfatório, ter<strong>–</strong>se<strong>–</strong>ia achado<br />

emprego útil para esses homens, até que os trabalhos<br />

da fábrica de Ypanema pudessem continuar de novo.<br />

São estas, Sr. Presidente, as considerações que<br />

tinha a apresentar à Câmara e ao nobre ministro, a<br />

quem peço me desculpe a ousadia com que me<br />

aventurei a oferecê<strong>–</strong>las à sua ilustrada inteligência.”<br />

A presença do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na<br />

sessão de 27 de junho de 1854, da Câmara dos<br />

Deputados, revela-nos o seu pensamento a respeito<br />

do sistema de governo adotado no gabinete do Império<br />

e ainda sobre a repercussão da distribuição das<br />

ações do Banco do Brasil:<br />

“O pensamento organizador, o pensamento, por<br />

assim dizer, verdadeiro e genuíno da política do<br />

País, eu o considerava por tal forma simbolizado na<br />

pessoa do <strong>presidente</strong> do Conselho, que a única<br />

designação dessa pessoa, antes mesmo de se ter<br />

formado o gabinete, devia dar ideia da combinação<br />

ministerial que ia ter lugar.<br />

Entendia também que todos aqueles que, bem<br />

informados das vistas e intenções do <strong>presidente</strong> do<br />

Conselho, aceitassem o seu convite para formar o<br />

gabinete, tinham contraído com ele um compromisso<br />

de honra para secundar seus esforços no sentido que<br />

lhe parecia mais conducente ao interesse público, e<br />

que todas as vezes que se dessem entre eles<br />

divergências irreconciliáveis na marcha dos negócios,


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 152<br />

não se estabeleceria uma questão de gabinete,<br />

mas teria de retirar<strong>–</strong>se dele o ministro dissidente sem<br />

a menor perturbação na política, uma vez que a<br />

Coroa continuasse a prestar seu assentimento ao<br />

pensamento que presidiu à organização do gabinete.<br />

Todos vós sabeis, senhores, a que ponto de<br />

inconsistência chegaram entre nós os ministérios<br />

antes da criação da presidência do Conselho; era<br />

até então considerado como um desar a continuação<br />

no poder, desde que algum dos seus membros, às<br />

vezes por motivos bem fúteis, entendia dever<br />

retirar<strong>–</strong>se; ninguém queria aparecer demasiadamente<br />

agarrado à pasta, e dessa singular inconsistência,<br />

dessas contínuas mudanças, se originaram grande<br />

parte dos nossos males.<br />

Ocupar uma posição publicamente definida e<br />

aceita por todo o País, nunca pode ser desairoso a<br />

quem quer que seja; ceder à influência indébita, à<br />

pessoa e não à autoridade, com um fim de utilidade<br />

pública, isso fora ignominioso e indigno de qualquer<br />

homem honesto que tivesse o sentimento da própria<br />

dignidade: disso seriam incapazes os atuais ministros,<br />

a quem o País todo faz a devida justiça.<br />

O nobre deputado arguiu fortemente ao Sr.<br />

Presidente do Conselho por algumas declarações por<br />

ele feitas no Senado por ocasião de uma calorosa<br />

discussão que ali tivera lugar, declarações na sua<br />

opinião perigosíssimas, porque tinham por fim, ou<br />

produziam o efeito de descobrir a Coroa. O nobre<br />

deputado foi, na minha opinião, injusto. Entendo<br />

que, quando se diz de um modo genérico que a<br />

Coroa tem uma intervenção nos negócios do País,<br />

tem<strong>–</strong>se dito uma verdade incontestável.


153 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Pois, aquele que tem o direito de nomear e<br />

demitir livremente os ministros não terá também o<br />

direito de intervir nos negócios do País? Quanto a<br />

mim julgo que as mudanças ministeriais não se<br />

fazem por mero gosto, por alta recreação a Coroa, e<br />

sim tendo por base os negócios do País. Não posso,<br />

pois, compreender mudança razoável no ministério que<br />

não importe a ideia na intervenção nos negócios<br />

dessa inteligência suprema que dirige os destinos<br />

da Nação.<br />

Eu creio que se lendo em boa fé, sem intenções<br />

hostis, o discurso do nobre <strong>presidente</strong> do Conselho se<br />

conhecerá que as suas palavras não dizem mais do<br />

que isto, porquanto não se tratava, então, de ato<br />

algum do governo do qual pudesse resultar desar ou<br />

responsabilidade para o ministério, e que este<br />

quisesse lançar de si acobertando<strong>–</strong>se com a Coroa.<br />

Tratava<strong>–</strong>se em tese da direção dos negócios do<br />

País, falava<strong>–</strong>se em geral da interferência da Coroa<br />

se eu não sei como exprimindo<strong>–</strong>se em absoluto um<br />

pensamento que está de acordo com a constituição<br />

se possa ofender as conveniências."<br />

À esta altura do discurso, o deputado<br />

Ferraz, querendo tomar parte, dirigiu<strong>–</strong>se ao orador e<br />

indagou<strong>–</strong>lhe: “se ele reconhecer que foi no calor da<br />

discussão que emitiu essa proposição, e a retirar, bem.”<br />

Nesse instante, os ânimos se incendiaram.<br />

O Visconde de Paraná, ministro da Fazenda, e<br />

<strong>presidente</strong> do Conselho, não se conteve com o aparte do<br />

deputado Fleury e foi bastante categórico: “sustento o<br />

que disse no sentido verdadeiro.” A outra intervenção


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 154<br />

do deputado Fleury parece aumentar o fogo na fogueira:<br />

“Nesse caso corrija o orador."<br />

O temperamento dócil e brando do deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, a exemplo do meigo rabino da Galileia<br />

que enfrentou energicamente os escribas e fariseus<br />

hipócritas, revestiu-se de igual energia para disseminar a<br />

verdade:<br />

"Eu não estou aqui à disposição do nobre<br />

deputado, nem à disposição do nobre ministro para<br />

aceitar essas correções: acabo de dizer o que<br />

entendo das palavras do nobre ministro. Disse<br />

que, na minha opinião, exprimiam elas um<br />

pensamento inteiramente conforme a constituição, porque<br />

não se discutia no Senado um ato qualquer da<br />

administração do qual pudesse resultar<br />

responsabilidade a alguém. Direi agora que tamanha<br />

é a minha convicção neste ponto, que tão verdadeiras<br />

acho aquelas palavras, que eu mesmo não me<br />

arrependeria de havê<strong>–</strong>las pronunciado.<br />

Eu creio que os exemplos que o nobre deputado<br />

aduziu, as práticas citadas principalmente na<br />

Inglaterra, vêm antes ao apoio da minha do que da<br />

sua opinião. Sem insistir mais neste ponto, direi<br />

simplesmente que essas mesmas publicações feitas na<br />

Inglaterra por ocasião dos fatos que o nobre<br />

deputado citou, se não depõem grandemente contra<br />

os ministros daquela Nação, o que julgo contrário às<br />

intenções do nobre deputado, vêm fortalecer mais a<br />

minha opinião e justificar plenamente as expressões<br />

do nobre <strong>presidente</strong> do Conselho.<br />

O nobre deputado que me precedeu respondeu<br />

em parte a algumas observações do primeiro<br />

orador a respeito da interferência que alguns


155 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

empregados do Tesouro possam ter nos trabalhos<br />

apresentados ao corpo legislativo...<br />

Eu não procuro torturar o pensamento do<br />

nobre deputado. Pareceu<strong>–</strong>me ouvir falar na influência<br />

de três indivíduos; e como me acho no mundo das<br />

realidades, procurarei encontrar esses três indivíduos<br />

nos empregados da administração da Fazenda. Se<br />

vou além do pensamento do nobre deputado, retiro<br />

qualquer expressão nesse sentido; o meu desejo não<br />

é criar castelos, mas apenas, em situação do meu<br />

dever, oferecer à Câmara considerações muito<br />

modestas, porém sinceras e verdadeiras, para assim<br />

atenuar a força com que o nobre deputado costuma<br />

argumentar. Eu entendo que qualquer ministro da<br />

Fazenda, por mais hábil que seja, acha<strong>–</strong>se na<br />

completa impossibilidade de confeccionar o relatório<br />

sem ouvir a muitos empregados da administração .<br />

Então nada mais direi a este respeito.<br />

Falou também o nobre deputado de uma<br />

medida de administração atual, por ocasião da<br />

distribuição das ações do Banco do Brasil. Sr.<br />

Presidente, é aqui duplicado o meu acanhamento;<br />

entretanto entendo que qualquer que seja a posição<br />

do indivíduo corre<strong>–</strong>lhe sempre o dever de restabelecer<br />

lealmente a verdade dos fatos de que tiver<br />

conhecimento, de minorar a gravidade de certas<br />

imputações que, não tendo lado algum útil, podem<br />

criar dificuldades e produzir males para o futuro.<br />

Não posso ser suspeito de parcialidade,<br />

tratando<strong>–</strong>se de objeto que tem relação com um<br />

estabelecimento a quem me lisonjeio de ver ligado<br />

o meu nome, e de cujo feliz futuro depende de<br />

algum modo a minha reputação; o meu maior


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 156<br />

desejo é vê<strong>–</strong>lo prosperar, e é por isso mesmo<br />

que desejara ver removidas para sempre quaisquer<br />

prevenções filhas da errada apreciação dos fatos.<br />

Eu não encararei a questão pelo lado porque a<br />

encarou o nobre deputado que me precedeu; ele<br />

tratou de medir o valor das concessões feitas ao<br />

banco, do ônus a que a lei o submeteu; eu não<br />

entrarei nesta análise; entendo que ela não serve,<br />

de modo algum, para a questão. A questão é saber<br />

se a medida adotada pelo nobre ministro na<br />

distribuição das ações, que pelos estatutos do<br />

banco, ficou a seu cargo distribuir, foi legal; se foi<br />

conveniente e conforme aos princípios da ciência.<br />

Para conhecermos se esta medida foi legal<br />

ou ilegal não temos outro padrão senão os<br />

estatutos do banco atual, que são ao mesmo tempo<br />

um contrato celebrado entre o governo e os antigos<br />

bancos estabelecidos nesta Corte. Tendo em minha<br />

opinião sido mal classificado como imposto o donativo<br />

voluntário obtido por ocasião da distribuição das ações<br />

feitas pelo governo, só depois e acidentalmente<br />

considerarei também a questão em relação aos<br />

poderes constitucionais." (35)<br />

O Sr. Ferraz, o parlamentar que precedeu<br />

o deputado maranhense, na ordem dos trabalhos do dia,<br />

sem pedir-lhe um aparte, falou em direção à tribuna,<br />

deixando transparecer resquícios de amargura: “como um<br />

verdadeiro imposto como é o das loterias, como são<br />

todos os outros."<br />

(35) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 27/6/1854, pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />

Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.


157 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Ao retomar a palavra, o deputado <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong> continuou firme e sereno:<br />

"Vou considerar, repito, a questão da legalidade<br />

não em relação à constituição (tratarei desta<br />

questão em segundo lugar), mas em relação ao<br />

pacto, ao contrato subsistente entre o banco e o<br />

governo.<br />

Foi expressamente declarado em um dos<br />

artigos dos estatutos que aos bancos então<br />

existentes e que pela sua fusão deviam formar em<br />

grande parte, o novo devia ficar pertencendo certo<br />

número de ações; que um dado número delas<br />

seria distribuído pelo governo antes da definitiva<br />

incorporação do estabelecimento.<br />

Foi mais acordado que, se acaso o governo<br />

não pudesse distribuir essas ações, se não achasse<br />

quem as tomasse, elas passariam para o banco, a<br />

fim de serem por ele distribuídas oportunamente com<br />

todas as restantes, até completar o capital de<br />

trinta mil contos. Assistia, pois, ao governo quanto<br />

à distribuição de trinta mil ações, um direito igual<br />

àquele que o banco teria no futuro, depois de<br />

organizado, para distribuir não só aquelas que lhe<br />

eram já destinadas nos estatutos, como as que o<br />

governo não tivesse podido distribuir.<br />

O governo achou<strong>–</strong>se embaraçado na distribuição<br />

dessas ações, mas exatamente pelo motivo oposto<br />

àquele que os estatutos pressupunham; o governo não<br />

as pôde distribuir, não porque não houvesse quem<br />

as pretendesse, mas por excessiva afluência de<br />

pretendentes; milhares de ações eram pedidas além<br />

daquelas que se podiam distribuir..."


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 158<br />

O deputado Ferraz novamente interrompeu,<br />

por alguns segundos, o orador que fazia da tribuna a<br />

exposição de argumentos e falou: "sendo o número<br />

de 30.000 dava-se uma a cada um." O deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, com elevado respeito, o ouviu atentamente<br />

e prosseguiu em seu discurso:<br />

"A observação que o nobre deputado me fez a<br />

honra de dirigir no seu aparte, não responderei,<br />

considero<strong>–</strong>a cabalmente respondida pela parte do<br />

relatório do nobre ministro que trata desta matéria.<br />

Revogaram<strong>–</strong>se, pois, as instruções com que as<br />

ações deviam ser distribuídas, e deram<strong>–</strong>se novas,<br />

adotando<strong>–</strong>se o princípio que o nobre deputado combateu.<br />

O nobre deputado disse que tinha havido uma<br />

falta de fé para com os indivíduos que primeiro<br />

concorreram a assinar, porque foram falseadas as<br />

condições pelas quais eles tinham sido convidados<br />

a concorrer...”<br />

Em seguida, o orador, na tribuna, recebe<br />

outro aparte do deputado Ferraz que demonstrou um<br />

olhar vago: “toquei nisso por acaso: sei que a matéria<br />

é difícil.” <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> continuou o discurso:<br />

“Não fazendo o nobre deputado disto<br />

argumento principal, direi também de passagem que o<br />

público não tinha notícia dessas instruções, que elas<br />

eram reservadíssimas e que, portanto, não se podia dar<br />

a falta de fé arguida.<br />

Mas o nobre ministro entendeu que o meio<br />

mais crucial de desembaraçar<strong>–</strong>se da dificuldade<br />

era criar uma razão de preferência que não fosse<br />

pessoal; entendeu que um donativo feito por essa<br />

ocasião com um fim especial de pública utilidade,


159 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

devendo diminuir os pretendentes, era preferível à<br />

distinção de pessoas, e cortaria outros inconvenientes<br />

que ele aponta no seu relatório...”<br />

O aparte do deputado Ferraz surge outra vez:<br />

“Houve razão de preferência? Creio que não."<br />

A resposta de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> é clara:<br />

“De preferência, sim; o donativo dava a referência<br />

aos que o fizessem sobre os que recusassem a<br />

fazê<strong>–</strong>los não bastava por si só, nem excluía ou<br />

dispensava absolutamente uma certa idoneidade<br />

que tinha relação com os futuros destinos do<br />

estabelecimento. Procurou<strong>–</strong>se evitar que as ações<br />

fossem cair em massa nas mãos dos agiotas. Foi<br />

para esse fim que se estabeleceram algumas cautelas.<br />

Mas voltemos à questão. O governo podia,<br />

segundo os estatutos, distribuir ações; o banco podia<br />

igualmente distribuí<strong>–</strong>las; a única diferença era<br />

quanto ao tempo. Vejamos, pois, se nesta expressão<br />

<strong>–</strong> distribuir <strong>–</strong> está incluída a faculdade de que<br />

usou o nobre ministro da Fazenda.<br />

Não temos necessidade de procurar longe em<br />

fonte estranha a explicação desta palavra, o seu<br />

sentido genuíno temo<strong>–</strong>lo nos seus próprios estatutos.<br />

Estabelecendo rendas, segundo as quais se devia<br />

tornar efetiva no futuro a distribuição das ações<br />

que ficassem ao banco, dizem os estatutos que<br />

"quando se tivesse de fazer essa distribuição, se<br />

abriria subscrição com o fim de vender em benefício<br />

do fundo de reserva do banco as ações que ele<br />

tivesse de distribuir”. Portanto, a ideia de <strong>–</strong> distribuir<br />

<strong>–</strong> não repele mesmo até a faculdade de <strong>–</strong> vender.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 160<br />

Mas, disse o nobre deputado, sendo este<br />

chamado donativo um verdadeiro imposto não só foi<br />

ilegal sem a interferência do poder legislativo, único<br />

competente para lançá<strong>–</strong>lo, mas ainda prejudicial e<br />

contra os preceitos da economia, que condena todo o<br />

imposto que recai sobre o capital. Eu, porém, lhe<br />

replicarei que não só não foi um imposto, como que<br />

não recaiu sobre o capital.<br />

Não foi um imposto, porque não tem nenhum<br />

dos principais característicos; a sua espontaneidade,<br />

o seu fim de reconhecida utilidade pública, a falta<br />

de qualquer sanção penal lhe dão as verdadeiras<br />

feições, as únicas feições que lhe cabem, de<br />

uma subscrição voluntária, como tantas outras que<br />

se têm realizado para diversas obras pias, mesmo<br />

por intervenção do governo.<br />

Os impostos, disse o nobre deputado, não<br />

devem destruir o capital. Não contesto o princípio,<br />

mas nego a aplicação. Quando essas ações foram<br />

distribuídas tinham já na estima geral um valor<br />

muito superior ao nominal, muito superior mesmo ao<br />

donativo arbitrado; havia, pois, um lucro imediato<br />

para quem as recebesse; esse lucro era apenas<br />

diminuído pelo donativo voluntário; o efeito da<br />

medida, pois, não foi destruir capitais, diminuir os<br />

ganhos, os lucros, que ainda assim vieram com o<br />

tempo a tornar<strong>–</strong>se descomunais.<br />

Disse o nobre deputado: “Houve uma grande<br />

falta em não se mencionar essa verba entre as de<br />

receita do orçamento”. Eu creio firmemente que a<br />

administração não teve intenção de ocultar essa verba<br />

ao corpo legislativo; ela seria deslocada no<br />

orçamento que discutimos, mas consta do relatório do<br />

nobre ministro, que ali nos faz uma fiel exposição


161 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

dessa medida, dando conta do seu produto e<br />

da aplicação que terá.<br />

Entendo, Sr. Presidente, que o que cumpria à<br />

administração era unicamente o que ela fez, isto é,<br />

trazer o fato ao conhecimento do poder legislativo;<br />

não vejo necessidade de pedir sua autorização<br />

para aplicar<strong>–</strong>se o produto desse donativo ao único<br />

fim para que foi pedido pelo governo, e dado por<br />

todos os subscritores, constituindo uma cláusula<br />

especial que não poderia ser contrariada por<br />

nenhum dos poderes do Estado.<br />

O deputado Ferraz, acompanhando atentamente<br />

a exposição do deputado maranhense, perguntou-lhe:<br />

“Quem impôs essa condição?" <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

respondeu-lhe: “A administração a propôs, e foi aceita por<br />

todos aqueles que quiseram inscrever-se.” O deputado, no<br />

breve diálogo, concluiu: “Assim tudo se explica.”<br />

A palavra volta, de imediato, ao orador da<br />

tribuna, deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>:<br />

“Julgo, pois, que o corpo legislativo não podia<br />

desviar de sua verdadeira aplicação o produto<br />

desse donativo, e se o fizesse por certo que não<br />

procederia regularmente, o que somente poderia era<br />

anular o ato do governo, fazendo uma lei pela<br />

qual, renunciando àquele donativo que o governo havia<br />

legalmente recebido, o mandasse restituir aos<br />

subscritores originários dessas ações; mas não<br />

concebo com sem uma nova declaração feita por estes<br />

se lhe pudesse dar um destino diferente.<br />

Chego, Sr. Presidente, ao último tópico do<br />

discurso do nobre deputado; nunca me julguei<br />

apto para as lutas políticas; tenho<strong>–</strong>me sempre<br />

limitado a justificar o meu voto, e a coerência do


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 162<br />

meu procedimento, o qual procuro sempre modelar<br />

pelo grande princípio da utilidade pública; todavia<br />

não posso agora eximir<strong>–</strong>me de fazer algumas<br />

considerações sobre a política hoje adotada pelo<br />

Gabinete, sobre a política da conciliação, que, tendo<br />

sempre sido objeto dos meus mais ardentes votos,<br />

vejo hoje combatida na tribuna por um tão ilustre<br />

orador; não posso deixar, repito, de empenhar<br />

todas as minhas forças na sustentação de uma<br />

política que tendo sido tão nobremente proclamada<br />

pela Coroa, tão francamente explicada no Senado<br />

brasileiro, tão lealmente observada pelo governo,<br />

com tanta abnegação praticada pelos mais distintos<br />

chefes do antigo partido conservador, eu considero<br />

a única capaz de fazer a felicidade do meu País.<br />

Mas nem só a convicção, aliás, profunda da<br />

minha franqueza me aconselhava essa prudente<br />

reserva e abstenção nas questões políticas, ainda por<br />

outros motivos evita<strong>–</strong>as cuidadosamente. As nossas<br />

questões políticas têm sido até aqui o eco, o<br />

reflexo de nossas desgraçadas dissensões intestinas;<br />

alimentava<strong>–</strong>as o despeito, os mais extintos ódios, as<br />

reações sempre crescentes; tinham quase sempre por<br />

fim ou recuperar posições perdidas, desacreditando<br />

os que as ocupavam, quando enfraquecidos os<br />

partidos pela longa ausência do poder, e cônscios<br />

de sua incapacidade para reconquistá<strong>–</strong>la, o supremo<br />

prazer da vingança, o desejo de tornar mais amarga<br />

a tarefa da administração a seus contrários.<br />

Nessas circunstâncias, quem não fosse dominado<br />

pela ambição, quem não tivesse injúrias a vingar,<br />

vinganças a satisfazer, quem não se visse forçado<br />

a acudir por sua honra ultrajada, ou a repelir


163 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

injustas provocações, não sei que grande estímulo<br />

pudesse encontrar nas nossas discussões desse<br />

tempo. Hoje, porém, senhores, as coisas se passam<br />

de maneira diferente, não por efeito do poder<br />

absoluto de um só indivíduo, de um círculo, ou<br />

ainda de um partido, senão como resultado óbvio da<br />

nossa civilização, senão porque todos os espíritos<br />

tendem hoje para as ideias de ordem e de<br />

estabilidade, os mais ilustrados pela convicção, e os<br />

menos polidos pelo cansaço e inanição.<br />

Antes mesmo que essas ideias de conciliação<br />

tivessem uma maioria no seio da representação<br />

nacional e fizessem parte do programa do atual<br />

ministério, elas já se achavam no pensamento de<br />

todos, e quando, ao entrar neste recinto, nos achamos<br />

face a face com vossos contrários, sem ódio e sem<br />

rancor; quando, em vez de se cruzarem despeitosos<br />

olhares, as mãos se estenderam reciprocamente em<br />

sinal de aliança, ninguém inquiriu as causas desse<br />

fenômeno; ninguém dele se mostrou maravilhado,<br />

porque as ideias simples não se definem,<br />

porque os elementos essenciais do coração humano<br />

são idênticos, porque, dadas certas causas gerais, em<br />

presença da luz da evidência, não há para todos<br />

os corações senão um sentimento, como para todas<br />

as inteligências o mesmo pensamento.<br />

E será necessário que eu aduza provas para<br />

demonstrar até à evidência esta tendência dos<br />

espíritos, este progresso verdadeiramente notável do<br />

País quanto às ideias políticas? Uma consideração<br />

bastaria para conseguí<strong>–</strong>lo completamente. Antigamente<br />

tudo se discutia entre nós; nada havia de fixo;<br />

nada estava definitivamente aceito; os princípios


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 164<br />

cardeais do nosso pacto fundamental não estavam<br />

isentos dessa contingência.<br />

Pouco a pouco, à sombra de alguns anos<br />

de paz e de concórdia, as ideias se foram<br />

notavelmente modificando; começamos todos a<br />

reconhecer que cometíamos um grande erro procurando<br />

a causa do mal nas instituições, quando ela só<br />

existia nos homens, não porque deixassem de arder<br />

no fogo do patriotismo, não porque não almejassem<br />

todos por dedicar<strong>–</strong>se à causa do progresso do seu<br />

País, mas por um efeito natural das paixões<br />

alimentadas por essas incessantes lutas.<br />

Desde logo começaram nossas vistas a<br />

dirigir-se espontaneamente para outros horizontes ..."<br />

Sabendo que algo renovador ali estava<br />

acontecendo, naquele instante, e ouvindo atentamente as<br />

sábias ponderações do talentoso orador maranhense, o<br />

deputado Ferraz aventurou-se mais num aparte:<br />

“Havemos de discutir nas reformas judiciárias esses<br />

princípios.”<br />

A sabedoria de quem conhece o tempo em<br />

que vive e a direção do destino que o envolve<br />

para erguer os tristes e desanimados e até mesmo os<br />

iludidos pelas aparências fugazes, sem dúvida, estava<br />

na alma cândida do deputado maranhense e <strong>presidente</strong><br />

do Banco do Brasil, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>.<br />

A resposta de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> veio revestida de<br />

simplicidade e humildade, teor vibratório de elevada<br />

importância que se encontra no Self e não ego:<br />

“Eu não sei se tomarei parte nessa<br />

discussão, mas estou convencido de que não<br />

faltarão neste recinto homens muito distintos que<br />

tomem sobre si a sustentação das ideias que


165 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

tão mal anuncio; o que ingenuamente posso declarar<br />

ao nobre deputado é que não proferiria uma só<br />

palavra se m'as não ditasse a profunda convicção<br />

da verdade; e quem obra cedendo a tais estímulos,<br />

não poderá jamais evitar ou fugir das discussões...”<br />

No último aparte, o deputado Ferraz deixa<br />

transparecer o ímpeto em construir algo mais em<br />

benefício do social, e se expressa: “O que eu digo é que<br />

havia necessidade de reformas."<br />

Prosseguindo o discurso, o deputado <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong> esclarece a última dúvida do deputado que se<br />

converteu às essas ideias brilhantes de renovação<br />

comportamental, e ainda legou-nos outros ensinamentos,<br />

uma lição de vida:<br />

“Essas reformas foram em parte atendidas, e<br />

foi por meio dessas prudentes concessões, dessa<br />

homenagem prestada ao que havia de mais racional<br />

nas exigências dos diferentes partidos, que podemos<br />

chegar ao estado de calma em que hoje nos<br />

achamos.<br />

Bastou que houvesse um governo dotado de boas<br />

intenções em circunstâncias de poder fazer o<br />

bem, um governo que dispondo da força moral que<br />

lhe davam, não só os nomes que o compunham, com<br />

a sua longa existência, pudesse tornar práticas<br />

algumas garantias constitucionais, e principiar a<br />

desenvolver os verdadeiros germes da riqueza e da<br />

felicidade pública para operar<strong>–</strong>se tão grande<br />

transformação na sociedade brasileira, e para<br />

convencer a todos de que as instituições tais quais<br />

eram bastavam para levar o País ao


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 166<br />

apogeu da prosperidade e da glória, se elas fossem<br />

fielmente executadas e lealmente desenvolvidas.<br />

Bastou a adoção sincera de algumas grandes<br />

ideias da oposição, que esse governo pôde<br />

converter em realidade; bastou o reconhecimento ou<br />

a satisfação de algumas necessidades públicas<br />

geralmente sentidas e o estudo e a importância<br />

dada aos melhoramentos materiais do País; bastou<br />

somente isto, senhores, para formar a opinião pública<br />

e convencê<strong>–</strong>la da inutilidade das reformas radicais<br />

do nosso pacto fundamental.<br />

E poderemos nestas circunstâncias afirmar<br />

que o ministério atual criou uma nova política?<br />

Eu não quero atribuir<strong>–</strong>lhe a honra da invenção,<br />

não tenho por fim lisonjeá<strong>–</strong>lo; ele cedeu com as<br />

ideias do tempo, compreendeu perfeitamente as<br />

necessidades da época em que foi chamado a<br />

governar o País; porém não fez mais do que<br />

continuar, declarando<strong>–</strong>o, previamente, a mesma<br />

política que o seu antecessor de há muito praticava sem<br />

declará<strong>–</strong>lo.<br />

Se, pois, é este o estado real das coisas,<br />

se é este o sentimento geral do País, para que,<br />

senhores, dar uma cor diferente à conciliação que se<br />

opera? Por ventura encarada por esta maneira a<br />

questão, maneira única racional e verdadeira, seria<br />

conveniente conservar in aeternum a divisão já não<br />

entre as ideias, mas somente entre os homens?<br />

Qual é o grande princípio que pedisse mártires?<br />

Qual seria a bandeira em que se envolvessem na<br />

hora do martírio esses homens inteligentes, esses<br />

chefes distintos que só combatiam por amor à<br />

Pátria.


167 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Como poderiam eles honestamente negar<strong>–</strong>se ao<br />

serviço do País, quando este exigisse seu valioso<br />

concurso para mais segura e desassombradamente<br />

marchar na senda gloriosa que hoje enceta?<br />

Amais a discussão? Quereis os partidos? Não<br />

vos afadigueis, que eles reaparecerão. Vê<strong>–</strong>los<strong>–</strong>ei<br />

sair do nosso próprio seio, não já com essas<br />

bandeiras tintas de sangue, mas tendo por divisas a<br />

satisfação das nossas mais palpitantes necessidades;<br />

não tendo por fim reformas constitucionais, mas a<br />

melhor resolução das questões administrativas,<br />

econômicas e industriais. Só então constituiremos<br />

verdadeiramente uma nação civilizada; só então<br />

teremos um caráter nacional, cuja base essencial é<br />

o amor às instituições pátrias.<br />

Terminarei, Sr. Presidente, fazendo um pedido ao<br />

Gabinete. Não desista ele do seu plano gigantesco,<br />

não descoroçoe com a frieza das dedicações; o<br />

entusiasmo não é próprio das épocas de transição; o<br />

entusiasmo fora um caráter emprestado e mal<br />

cabido na atualidade; prossiga na sua obra<br />

meritória, e terá por fim as bençãos do País inteiro;<br />

uma tal causa é digna dos maiores sacrifícios.<br />

O ministério mataria em flor as mais risonhas<br />

esperanças da Pátria se os não fizesse, se<br />

abandonasse em meio a sua obra grandiosa.<br />

São estes os meus votos como representante da<br />

Nação; como homem, porém, como cidadão, e como<br />

brasileiro, eu não duvidaria gritar na praça pública <strong>–</strong><br />

maldição sobre aqueles acintemente quiserem<br />

perturbar o Gabinete na realização de ideias tão<br />

santas, tão justas, tão sublimes, na realização de<br />

ideias das quais dependem, na


(36)<br />

FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 168<br />

minha opinião, os futuros destinos do País.” (Apoiados).<br />

Aberta às 9 horas da manhã a sessão do<br />

dia 06 de julho de 1854, na Câmara dos Deputados,<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> usou a palavra para justificar alguns<br />

artigos aditivos oferecidos pela Comissão de Orçamento<br />

os quais eram desenvolvidas ideias apresentadas<br />

pelo ministro da Fazenda que tinham por finalidade<br />

atender as necessidades do serviço público.<br />

Considerando que o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

era o <strong>presidente</strong> da Comissão de Orçamento e autor da<br />

matéria econômica em debate no plenário, extratamos<br />

dos anais da Câmara dos Deputados os artigos que<br />

nos despertam a atenção pelo valor histórico:<br />

“O segundo aditivo autoriza o governo a<br />

despender até a quantia de cem contos de réis<br />

com o começo da edificação de uma casa de moeda.<br />

A Câmara sabe que um tal estabelecimento torna-se<br />

um elemento indispensável à administração, e que à<br />

medida que se forem realizando as sábias vistas<br />

do poder legislativo no resgate do papel<strong>–</strong>moeda se<br />

irá sentindo a necessidade de montá<strong>–</strong>lo, de maneira<br />

que possa acudir às exigências da circulação<br />

monetária no País. Não poderá, pois, permanecer no<br />

lugar em que se acha, o qual, além de ser<br />

acanhadíssimo, é o mais impróprio possível. A<br />

atual Casa da Moeda está<br />

(36) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 27/6/1854, pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />

Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.


169 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

colocada no centro do Tesouro Público Nacional;<br />

ocupa o pavimento térreo do edifício e tem suas<br />

fornalhas e suas máquinas de vapor justamente<br />

por baixo do arquivo em que se guardam os mais<br />

importantes documentos para as finanças do Estado.<br />

Concordará, pois, de prover<strong>–</strong>se a este ramo do<br />

serviço público.<br />

Outro artigo tem por objeto autorizar o governo<br />

a cunhar moedas de ouro de 5$, e de prata de<br />

200 rs. É óbvia a necessidade dessa medida, porque<br />

o desaparecimento das notas miúdas do centro<br />

principal da circulação, por causas que agora<br />

omitirei, tem nele deixado um vácuo que só pode ser<br />

preenchido com o fracionamento de moeda de ouro.<br />

A imperfeição da nossa moeda de cobre, o seu grande<br />

peso, etc., tornam também indispensável a criação<br />

de moedas de prata de menor valor que as atuais.<br />

As de 200 rs., que a comissão propõe, reunirão ainda<br />

todas as condições de comodidade e beleza, e<br />

satisfarão atualmente as exigências de grande número<br />

de pequenas transações que com grande abuso, aliás<br />

justificado pela necessidade, se efetuam por meio de<br />

bilhetes e cédulas particulares. Não há empresa,<br />

companhia ou estabelecimento que não realize uma<br />

emissão mais ou menos considerável de tais bilhetes, e<br />

já mais de um tem feito bancarrota com menor<br />

prejuízo para a praça do que para a moralidade<br />

pública.<br />

Diz outro aditivo o seguinte: “A Lei de 5 de<br />

julho de 1853 compreende o fundo incorporado do<br />

Banco do Brasil.”<br />

O relatório da Comissão de Orçamento,<br />

naquela sessão do dia 06/07/1854, estava em debate.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 170<br />

Selecionamos alguns comentários feitos pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>:<br />

“O que unicamente se pretende, pois, com o<br />

cunho das moedas é estabelecer a confiança<br />

pública pela certeza de que debaixo de um certo<br />

peso se contém o mesmo valor. Toda a perfeição do<br />

trabalho artístico, todos os emblemas e figuras que<br />

nelas se gravam, não têm outro fim senão fortalecer essa<br />

confiança dificultando a contrafação e a fraude.<br />

V.Exª me permitirá, Sr. Presidente, pois que vem<br />

mui a propósito e pode prestar<strong>–</strong>me muito auxílio<br />

para a completa justificação deste artigo, que eu<br />

comemore algumas opiniões ou observações emitidas<br />

pelo nobre deputado pela província da Bahia, que<br />

principalmente se tem empenhado na discussão desta<br />

lei, e tira delas os verdadeiros corolários.<br />

(...)<br />

É verdade que hoje se sente no grande centro<br />

das transações, no mercado desta Corte, alguma<br />

diminuição no meio circulante, alguma contração na<br />

circulação monetária, mas essa diminuição não<br />

procede, na minha opinião, senão de que a<br />

agricultura do País em geral melhorou de sorte. Até<br />

aqui uma das consequências do comércio de escravos<br />

era ter os lavradores em constante dependência dos<br />

grandes centros comerciais, que era por assim<br />

dizer credores do interior do País.<br />

Os agricultores não viam a moeda, não<br />

usavam dela nas suas transações; de ordinário<br />

ainda os mais opulentos desta província tinham<br />

apenas um crédito na Corte, nas casas comerciais


171 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

dos seus correspondentes, e sobre elas sacavam<br />

nas suas precisões.<br />

Desta maneira quase toda a moeda se<br />

concentrava na praça da Corte; hoje, porém, é<br />

inegável que não só porque os capitais produzidos<br />

pela agricultura não têm já esse desvio, essa aplicação<br />

constante e ruinosa, como porque a Providência Divina<br />

nos tem unicamente favorecido com abundantes<br />

colheitas, e conservado um preço favorável aos<br />

produtos de nossa agricultura, estes lavradores<br />

têm melhorado muito de condição; são hoje pela maior<br />

parte credores dos seus correspondentes e têm levado<br />

para as diferentes localidades grande parte do meio<br />

circulante deste mercado.<br />

As notas miúdas principalmente e uma grande<br />

parte do ouro de cunho nacional têm desaparecido.<br />

Não há porém mais do que uma deslocação dos<br />

grandes para os pequenos mercados que se têm<br />

enriquecido, e fazem hoje a dinheiro as transações<br />

que antes faziam a crédito. Só a moeda de ouro<br />

podia ser exportada, mas é de todos sabido<br />

que, nas circunstâncias atuais do câmbio, a sua<br />

exportação não foi ainda efetuada em grande escala.<br />

Algumas moedas do cunho antigo, que são mais bem<br />

recebidas na circulação europeia, poderão ter saído,<br />

mas em tão pequena escala, que não podem influir no<br />

fenômeno apresentado pelo nobre deputado.<br />

Se, pois, o aumento da riqueza nacional, o<br />

incremento que vai tomando o País exige maior soma<br />

de moeda para as suas transações, não


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 172<br />

só fica evidentemente demonstrada a oportunidade da<br />

criação do Banco do Brasil, mas ainda a alta<br />

conveniência, a necessidade mesmo de habilitá<strong>–</strong>lo<br />

com todos os meios indispensáveis para bem<br />

preencher a sua missão.<br />

Mas o nobre deputado afirmou que já se<br />

dava impossibilidade na realização da emissão do<br />

banco, visto como as entradas ultimamente feitas<br />

se tinham verificado integralmente nas suas<br />

próprias notas. A ser exato este fato, dele deduziria<br />

mais um forte argumento em favor da medida que<br />

proponho; mas devo informar à Câmara de que ele<br />

não existiu, não se deu semelhante dificuldade, se<br />

bem que possa ser prevista se por meio de medidas<br />

adequadas se não procurar melhor a situação. A<br />

emissão que o banco tem em circulação se acha,<br />

não só garantida, segunda a exigência da sua lei<br />

orgânica, mais ainda com muita superabundância.<br />

Direi mais para convencer o nobre deputado<br />

de que esta deficiência de meio circulante não é<br />

o resultado de exportações de metais, que nas<br />

entradas até hoje realizadas predomina o ouro<br />

sobre o papel; há mais de dois terços de metal<br />

contra um terço de notas. Não tenho, portanto, as<br />

apreensões que o nobre deputado manifestou,<br />

porque confio em que o câmbio se firmará com a<br />

presença da nova colheita; continuarão, é certo, a atuar<br />

as causas da deslocação, mas essas não me dão o<br />

menor abalo.<br />

Não pude bem compreender o nobre deputado,<br />

quando referiu que ouvira alguém este extravagante<br />

pensamento: <strong>–</strong> as notas do banco são boas somente<br />

para forrar quartos de dormir! <strong>–</strong> Se estas<br />

palavras não têm um sentido oculto


173 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

que não penetro, algum sal, alguma graça que<br />

não me acho habilitado para apreciar, elas não<br />

podem exprimir senão a supina ignorância de quem<br />

primeiro as pronunciou.<br />

Posso afirmar à Câmara que a administração do<br />

banco tem observado restritamente na emissão de<br />

suas notas, não só as prescrições da prudência,<br />

com os são princípios da ciência; que elas estão<br />

em perfeita harmonia com as necessidades da<br />

circulação, e que bem longe de se acharem<br />

depreciadas correm parelhas com qualquer outra<br />

espécie representativa de valores.<br />

Para demonstrá<strong>–</strong>lo apresentarei um fato que<br />

fala por si; o nosso movimento de emissão tem sido<br />

sempre progressivo, as nossas notas não têm voltado<br />

ao troco, não tem entrado no banco senão em<br />

pagamentos, de mistura com outras espécies. Nem<br />

poderia mesmo resultar qualquer depreciação no valor<br />

dessas notas do fato de que o nobre deputado a<br />

pretendeu derivar. Esse fato foi desmentido pelo<br />

nobre ministro da Fazenda; ele não aceitou nas<br />

transações do Tesouro declaração alguma especial<br />

sobre a moeda do pagamento, mas ainda quando se<br />

desse, outras seriam as suas consequências.<br />

O nobre ministro, quando se exprimiu a este<br />

respeito, não negou, por modo algum, a conveniência<br />

de conservar<strong>–</strong>se invariável a unidade monetária, e,<br />

por conseguinte, a identidade de todos os seus<br />

representativos; o que disse foi o que quando o<br />

câmbio se achasse por tal modo firme que nenhum<br />

receio pudesse haver de grande baixa dentro do prazo<br />

da operação, ele não duvidaria aceitar tal condição,<br />

uma vez que dela pudesse


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 174<br />

resultar vantagem para o Tesouro, porquanto estaria<br />

então bem certo de que nenhuma alteração produziria<br />

na unidade monetária.<br />

Mas ainda supondo que ele se enganasse, a<br />

depreciação resultante, se pudesse dar<strong>–</strong>se, far<strong>–</strong><br />

se<strong>–</strong>ia sentir mais sobre as notas do governo do<br />

que sobre as do banco, porque aquelas são<br />

propriamente papel<strong>–</strong>moeda, enquanto estas, podendo<br />

ser realizadas em metal, teriam mais uma<br />

probabilidade em seu favor.<br />

Propondo esse artigo, repito, não me acho<br />

impressionado pela necessidade do momento. Não<br />

sou dos que julgam que teremos uma grande baixa<br />

no câmbio, que estamos na proximidade de uma<br />

grande crise. Suponho, senhores, que esta mesma<br />

depressão que há dias se tem notado não se liga<br />

por modo algum a acontecimentos estranhos à praça;<br />

não tem explicação senão na paralisação do<br />

comércio, na ausência completa do café nos depósitos<br />

desta Corte.<br />

Esta causa, porém, vai imediatamente cessar;<br />

e começa desde já a desaparecer com a presença<br />

da nova colheita no nosso mercado, colheita que,<br />

segundo todos os cálculos, é tão abundante como<br />

não há memória de outra. Não contesto o<br />

princípio apresentado e desenvolvido pelo nobre<br />

deputado de que a importação se balanceia sempre<br />

com a exportação; não creio porém que possa haver<br />

uma tal diminuição na importação, que esse<br />

balanço se torne impossível; tanto mais quanto ele<br />

não se pode verificar por cada navio, mas somente<br />

depois de um certo tempo de recíprocas operações.<br />

Nem de outro modo poderia jamais dar<strong>–</strong>se o<br />

caso de ser uma praça credora


175 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

de outra, e às vezes adiantar todo o capital<br />

com que nela se faz o comércio.<br />

O principal produto da nossa agricultura é<br />

felizmente ainda muito procurado nos mercados do<br />

mundo.” (37)<br />

A discussão na Câmara dos Deputados<br />

relativa ao requerimento do deputado Junqueira, na<br />

sessão de 26 de agosto de 1854, teve a participação<br />

do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, que esteve, mais uma vez,<br />

em defesa do Banco do Brasil, a empresa instalada e<br />

presidida por ele, na Rua da Alfândega, esquina com<br />

a da Candelária, e que abriu, em sua segunda face<br />

de funcionamento, as portas para o público num<br />

verão carioca <strong>–</strong> manhã do dia 10 de abril de 1854.<br />

Eis, a seguir, a apresentação do deputado maranhense:<br />

“Sr. Presidente, não pedi a palavra com o fim<br />

de obstar a que o nobre deputado obtenha, acerca<br />

da matéria sobre o que versa o seu requerimento,<br />

todas as informações que ele deseja; fui movido a<br />

isso, não só pela deferência com que por todos os<br />

motivos sou obrigado a tratar o nobre deputado; como<br />

porque entendo que o governo pouco poderia<br />

adiantar sobre o assunto.<br />

As observações do nobre deputado terminaram<br />

com o seguinte requerimento: “Requeiro se peçam<br />

informações ao governo sobre os estatutos que se<br />

têm de confeccionar dos bancos filiais do Brasil<br />

(37) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 27/6/1854, pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />

Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 176<br />

em relação à conveniência de se atender às<br />

necessidades das províncias, principalmente as<br />

duas condições seguintes: lª, de se poder dar o<br />

dinheiro a prazo de 3, 6 e 9 meses; 2ª,<br />

de se dar uma quantia por amortização à lavoura,<br />

segundo as precisões das províncias e<br />

circunstâncias dos bancos.”<br />

A este respeito, Sr. Presidente, é que me<br />

pareceu que o governo pouco podia por ora<br />

adiante, e que me corria o dever de informar ao<br />

nobre deputado o estado da questão.<br />

A Lei de 5 de julho e o Decreto de 31 de<br />

agosto do ano passado contêm, em suma, todas<br />

as explicações de que o nobre deputado possa<br />

carecer; são a lei e os estatutos do Banco do<br />

Brasil. As caixas<strong>–</strong>filiais não são senão uma<br />

dependência deste grande estabelecimento, não<br />

podem ter uma legislação inteiramente diferente;<br />

podem comportar uma outra modificação acidental,<br />

mas nunca naqueles pontos em que interessam, por<br />

assim dizer, os princípios fundamentais do<br />

estabelecimento. Se, pois, o nobre deputado recorrer<br />

a esses dois documentos, ali achará a doutrina donde<br />

pode derivar todos os esclarecimentos que pretende.<br />

As operações do Banco do Brasil foram<br />

explicitamente declaradas nos seus estatutos; as<br />

caixas<strong>–</strong>filiais, que são uma parte integrante deste<br />

estabelecimento, hão de reger<strong>–</strong>se semelhantemente.<br />

Conquanto o governo tenha reservado o<br />

direito de aprovar definitivamente os estatutos<br />

dessas caixas que ficarão a cargo da diretoria do<br />

Banco do Brasil confeccionar, já vê a Câmara


177 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

que, como acabo de dizer, esses estatutos hão de<br />

tirar toda a sua força das disposições da lei e<br />

do decreto...” (38)<br />

Em forma de diálogo, prosseguimos, abaixo, a<br />

transcrição da matéria em debate, extraída dos Anais<br />

da Câmara dos Deputados, que teve a participação,<br />

além de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, dos deputados Junqueira,<br />

Brandão, Góis Siqueira:<br />

"O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Mas podem ser modificadas em<br />

relação às necessidades das províncias.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> A este respeito direi ao<br />

nobre deputado que estas questões foram<br />

ventiladas, longamente discutidas no seio do<br />

parlamento por ocasião da organização do banco.<br />

Os bancos provinciais requerem ou desejam, segundo<br />

a expressão do nobre deputado, faculdades<br />

inteiramente divergentes daquelas que foram<br />

concedidas ao banco central. Não contesto, Sr.<br />

Presidente, que as províncias tenham necessidades<br />

especiais, nem pretendo contrariar os desejos do nobre<br />

deputado, eles são muito dignos de realização; mas<br />

é necessário que atendamos à natureza da<br />

instituição que os deve satisfazer; o Banco do<br />

Brasil, criado como foi, banco de circulação, banco de<br />

emissão, não pode comportar os serviços que aliás<br />

se podem exigir de bancos de outra natureza...<br />

(38) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 26/8/1854, pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />

Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 178<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Então não fazem bem nenhum<br />

às províncias.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O nobre deputado sabe que os<br />

bancos de emissão repousam sobre duas grandes<br />

condições; exigem não somente crédito, perfeita<br />

solvabilidade dos títulos sobre que operam, mas<br />

ainda grande mobilidade, isto é, facilidade da<br />

realização dos capitais assim empregados, porque, de<br />

outro modo, os bancos de tal natureza não poderiam<br />

jamais satisfazer os compromissos que tomassem...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Não apoiado.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O nobre deputado me dá um<br />

não apoiado, mas eu que respeito muito a sua opinião<br />

para desprezar as explicações que me possa dar, as<br />

hei de por isso provocar. O nobre deputado sabe que<br />

um banco de emissão e de depósito, qualquer que<br />

seja o lugar em que funcione, nas províncias como na<br />

Corte, contrai obrigações a termo fixo e à vista, é<br />

necessário, é inquestionavelmente necessário que esteja<br />

sempre habilitado a satisfazer a estas obrigações; mas<br />

se ele compromete em empréstimos, em empregos<br />

hipotecários de longo termo, os recursos que lhe devem<br />

servir para as eventualidades do momento, como quer o<br />

nobre deputado que esse banco fique em<br />

circunstâncias normais? ...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Acontece que o Banco da Bahia<br />

tem mostrado o contrário.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Peço ao nobre deputado que<br />

não traga para a discussão nenhum dos<br />

estabelecimentos existentes no País, porque desejo<br />

tratar então questão com o maior melindre possível,<br />

sem aventurar uma só proposição que


179 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

possa prejudicá<strong>–</strong>los levemente; as nossas conclusões<br />

não serão por isso menos rigorosas.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Vamos à verdade, à verdade.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Direi em tese ao nobre<br />

deputado que um banco que usa da faculdade<br />

de emitir pela metade do seu capital realizado, que<br />

contrai compromissos a termo ou à vista por<br />

uma soma quase igual a seu capital, e às vezes<br />

até superior a ele, que compromete em empregos<br />

hipotecários a longos prazos uma grande parte dos<br />

seus recursos que não sei agora avaliar, mas que<br />

excede talvez a metade de seu fundo realizado...<br />

O Sr. Junqueira: - Talvez à terça parte, 1,400 a<br />

1,500:000$000.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Então é mais da metade, mais<br />

de dois terços do capital realizado do banco a que<br />

contra todos os meus desejos o nobre deputado<br />

insiste em referir<strong>–</strong>se.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Mais tem dinheiros a juro.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Estes dinheiros a juro são<br />

um dos lados perigosos dos estabelecimentos<br />

semelhantes; não desejava fazer aplicação alguma,<br />

acho esta discussão inconveniente.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Falemos a verdade, e mesmo<br />

sobre o Banco da Bahia.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Longe, e bem longe de<br />

mim a intenção de emitir qualquer pensamento<br />

desfavorável ao futuro desse estabelecimento, cujos<br />

serviços sou o primeiro a reconhecer, a cuja<br />

administração faço a devida justiça; a nossa<br />

questão é somente quanto à sua organização e à<br />

natureza de suas funções. As mais arriscadas


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 180<br />

operações podem dar magníficos resultados em<br />

circunstâncias normais; mas a prudência humana<br />

recomenda certos limites ao jogo aventuroso, ao<br />

risco não só dos indivíduos, como e com mais<br />

razão ainda dos estabelecimentos...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Mas o banco já tem vivido<br />

nove ou dez anos perfeitamente.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Felicito<strong>–</strong>o por isso, mas<br />

esse fato não destrói as considerações que acabo de<br />

fazer. Mas toma dinheiros a juro, disse o<br />

nobre deputado com o fim de pôr bem patentes os<br />

recursos desse banco.<br />

Senhores, debaixo de certo ponto de vista, as<br />

quantias tomadas a juro ou a termo fixo envolvem<br />

um perigo ainda maior que o da emissão. O nobre<br />

deputado sabe que da emissão dos bancos uma<br />

grande parte é muita irradiada na circulação;<br />

ocupa pontos mais remotos do centro das operações<br />

dos bancos; por assim dizer, descapitaliza<strong>–</strong>se<br />

completamente; perde as feições de capital servindo<br />

para satisfazer as necessidades urgentes da vida.<br />

Nessa parte ao menos de sua emissão estão<br />

eles isentos de sofrer choques violentos pela<br />

combinação dos credores; esses credores não podem<br />

ser tocados ao mesmo tempo da mesma ideia de<br />

vir sobre o banco receber o que se lhes deve.<br />

É desta grande propriedade de emissão, desta<br />

circunstância de ficar uma parte dela consagrada ao<br />

serviço da sociedade que os economistas modernos<br />

têm derivado a regra de que também os bancos<br />

de emissão podem, dentro de certos limites, fazer<br />

empregos mais permanentes...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Apoiado.


181 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Honro<strong>–</strong>me com o apoiado<br />

do nobre deputado, mas estimarei merecê<strong>–</strong>lo depois<br />

de me tiver explicado melhor. É somente nesta parte<br />

em que a emissão pelas circunstâncias que acabo<br />

de referir toma o caráter de um depósito permanente<br />

que os economistas modernos entendem que alguns<br />

empregos a maior prazo se pode fazer, mas<br />

entendem todos, e com muita razão, que esses<br />

dinheiros tomados a juro a termos fixos, esses<br />

depósitos realizáveis à vista, são ainda mais<br />

precários para os estabelecimentos, e constituem um<br />

maior perigo do que o da emissão.<br />

E, com efeito, esses capitais não têm de<br />

ordinário a sua localização nos bancos como um<br />

emprego permanente, apenas aguardam a ocasião<br />

de melhor se empregarem; estão por assim dizer ao<br />

serviço das indústrias; desde que estas lhes abrem<br />

os braços, que os convidam, desde que algum<br />

emprego mais lucrativo desponta no horizonte<br />

comercial, os depositantes correm em tropel aos<br />

bancos para reclamar esses valores que vão ter<br />

aplicação muito diferente. E como esses depósitos<br />

são de ordinário feitos por pessoas residentes na<br />

localidade e com os fins que acabo de mencionar,<br />

acontece que muitas vezes essas exigências se<br />

apresentam em massa, pondo assim em perigo<br />

iminente os bancos que tivessem tido a imprudência<br />

de aplicar esses capitais a empregos permanentes...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Que mal poderia fazer ao<br />

Banco do Brasil que os bancos filiais trabalhassem<br />

com o da Bahia?<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Se acaso a organização do<br />

Banco da Bahia fosse, o que não afirmo, divergente<br />

dos princípios que regem a matéria; se fosse


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 182<br />

divergente das regras estabelecidas na lei orgânica<br />

do Banco do Brasil, decerto não poderia, fundindo<strong>–</strong>se ou<br />

convertendo<strong>–</strong>se em caixa<strong>–</strong>filial deste, conservá<strong>–</strong>la; teria<br />

de sofrer modificações; mas se preferir continuar a<br />

sua existência atual, se não quiser converter<strong>–</strong>se, quem<br />

o constrangerá ? Eu entendo que os desejos do nobre<br />

deputado podem ser completamente satisfeitos, se<br />

separarmos essa parte hipotecária, essa parte do emprego<br />

permanente dos capitais que em toda a parte<br />

constituem por si mesmos estabelecimentos<br />

diferentes. O nobre deputado sabe que sobre esta<br />

base são organizados em quase toda Alemanha, na<br />

Polônia e na Bélgica estabelecimentos rurais,<br />

estabelecimentos hipotecários, mas por modo algum<br />

poderão os estabelecimentos regulares de crédito que<br />

se ocupam de operações comerciais, cuja existência<br />

depende essencialmente da sua mobilidade, da<br />

rapidez de suas operações, prestar<strong>–</strong>se a semelhante<br />

serviço senão em mui pequena escala, dentro dos limites<br />

que acabo de ponderar, dentro dos limites da parte da<br />

emissão que se pode considerar como um depósito<br />

permanente.<br />

Não vejo, pois, que os interesses locais sejam<br />

prejudicados com a organização de caixas<strong>–</strong>filiais. É<br />

verdade que naquelas localidades onde já existirem<br />

interesses pronunciados haverá pontos a ajustar<br />

com os estabelecimentos aí existentes, mas quero crer<br />

que o resultado desses ajustes não poderá ser<br />

outro senão o interesse das localidades. O nobre<br />

deputado falando sobre este assunto me pareceu<br />

confundir algumas vezes o interesse dos<br />

estabelecimentos com os da localidade, com os<br />

interesses da sociedade e do comércio em geral...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Não me lembro de tal coisa.


183 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O nobre deputado deu a<br />

entender isto quando disse que o Banco do Brasil<br />

estava organizado como uma máquina de guerra...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> De uma maneira ameaçadora.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Senhores, eu desejarei<br />

sempre ser ameaçado por esta maneira, ser ameaçado<br />

por alguém que me ofereça o mesmo serviço de que<br />

careço com condições mais favoráveis; esta ameaça<br />

será sempre muito benéfica para o País a quem for<br />

feita; esta ameaça poderia somente assustar aos<br />

interesses da associação na parte em que eles não<br />

estivessem perfeitamente conformes com os interesses<br />

gerais da localidade...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Até que é o terreno do combate.<br />

O Sr. Presidente (dirigindo-se ao orador): - O nobre<br />

deputado já tem esgotado o tempo destinado para<br />

a discussão do requerimento.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Pouco tenho dito sobre a<br />

matéria, porque alguns apartes do nobre deputado<br />

a que julguei dever dar toda a atenção não<br />

consentiram que eu seguisse o fio do meu discurso;<br />

mas direi em resumo ao nobre deputado que a<br />

diretoria do Banco do Brasil tem ainda pouco<br />

tempo de exercício de suas funções para poder<br />

aventurar um juízo sobre a conveniência de<br />

reformas profundas nos seus estatutos. Algumas<br />

ideias tem ela já a respeito da conveniência de<br />

alargarem um pouco mais a esfera de sua ação<br />

no interesse público e no interesse do estabelecimento;<br />

essas ideias foram há pouco tempo consignadas em<br />

um relatório apresentado à assembleia geral, mas não<br />

puderam ser por ela apreciadas. Na organização<br />

dos estatutos das


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 184<br />

caixas<strong>–</strong>filiais é natural que o Banco do Brasil<br />

procure consignar as ideias que lhe tem parecido<br />

conforme aos interesses do banco central (matriz)<br />

e que darão também resultados benéficos nas<br />

províncias.<br />

O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Isto é que é preciso ventilar, é<br />

se darão resultados benéficos, ou se matarão os<br />

bancos provinciais.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Se o nobre deputado atendesse<br />

à minha proposição, não me daria este aparte;<br />

algumas das modificações que a diretoria entendeu dever<br />

propor à assembleia geral, se pelos trâmites legais<br />

fossem adotadas, autorizariam o banco a admitir<br />

algumas práticas conformes aos desejos que os nobres<br />

deputados têm manifestado e que constituem alguns<br />

de seus postulados; parece<strong>–</strong>me pois que não foi bem<br />

cabido o seu aparte.<br />

O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Não é só isto que se quer.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Eu me referia às providências<br />

que a diretoria entendeu durante o curto período<br />

da sua administração dever reclamar dos poderes<br />

competentes para mais livremente obrar em sentido<br />

favorável ao estabelecimento e ao público; nas<br />

modificações, que se pretende, entra essa ideia do<br />

nobre deputado de alongar<strong>–</strong>se um pouco mais os<br />

prazos de certos títulos admitidos como caução no<br />

banco; mas esta ideia há de sempre ser subordinada<br />

aos grandes princípios que regem a matéria ...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Aí é que está o engano.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> ... esta ideia não há de<br />

comprometer a mobilidade que os bancos de emissão<br />

precisam ter ...


185 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Aí está o erro.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> De outra maneira a diretoria<br />

do banco não se atreveria a propô<strong>–</strong>la. As mesmas<br />

franquezas (franquias) poderão convir em maior ou menor<br />

escala às caixas<strong>–</strong>filiais, conforme os usos e<br />

costumes comerciais das diferentes localidades: são<br />

circunstâncias a apreciar na confecção dos estatutos<br />

das caixas<strong>–</strong>filiais, e os trâmites para este trabalho<br />

estão consignados na lei e nos estatutos do banco.<br />

O nobre deputado insiste em que estas ideias são<br />

errôneas. Senhores, eu não desejo tratar esta questão<br />

como uma questão acadêmica: entretanto o nobre<br />

deputado tem em tese anunciado alguns princípios<br />

contra os quais é preciso protestar imediatamente...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Fale em relação ao Brasil.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Os pontos capitais da ciência<br />

econômica podem sofrer modificações na aplicação<br />

em um ou outro ponto do globo, mas não<br />

modificações que os façam mudar inteiramente de<br />

natureza; o princípio verdadeiro no ponto A não pode<br />

ser inteiramente falso no ponto B.<br />

O Sr. Góes Siqueira: <strong>–</strong> Apoiado.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O que o nobre deputado<br />

me pode dizer é que, em algumas localidades,<br />

circunstâncias especiais podem alterar muito a<br />

aplicação dos princípios ...<br />

O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Apoiado.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> ... mas no fundo não admito<br />

uma ciência para a Europa e outra diferente para<br />

a América. (Apoiados.) Quando os princípios eternos<br />

da ciência, os princípios imutáveis da razão não


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 186<br />

produzirem na prática todas suas consequências,<br />

procuremos as causas locais e acharemos então a<br />

explicação natural da diferença; mas não devemos<br />

pôr em dúvida os grandes princípios por causa de<br />

pequenas contrariedades na prática... (Apoiados.)<br />

O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Muitos princípios econômicos que<br />

passavam por verdadeiros no século passado, hoje<br />

são conhecidos por falsos.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Na economia política não, 2 e 2<br />

são 4.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> V. Exª, Sr. Presidente, me<br />

permitirá responder a este aparte do nobre<br />

deputado. Ou não há ciência econômica ou há<br />

de haver algum princípio como este que o nobre<br />

deputado anuncia, há de haver princípios certos,<br />

invariáveis, sobre que se baseie o nosso raciocínio;<br />

de outro modo não existe ciência.<br />

Nem esses princípios são contestados nos<br />

Estados Unidos, nem em ponto algum do mundo há<br />

fatos que os destruam ... (Apoiados)<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Porque no Brasil não querem<br />

a emissão ?<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> As ideias do nobre deputado<br />

partem de um princípio falso; o nobre deputado<br />

entende que a emissão é uma riqueza, que o<br />

papel é uma riqueza ...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Não disse isto, mas o crédito.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O crédito não se improvisa...<br />

Sr. Presidente, esta discussão iria longe ...<br />

Os Srs. Junqueira e Brandão: <strong>–</strong> Deve ir porque<br />

é muito importante.


187 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Seria necessário que a Câmara<br />

me consentisse continuar a falar sobre a matéria...<br />

O Sr. Presidente: <strong>–</strong> O nobre deputado pode continuar<br />

em outro dia.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Os bancos americanos, como<br />

dizia, não destroem nenhum grande princípio de<br />

economia política, pelo contrário, se averiguarmos<br />

os fatos veremos que os confirmam. O crédito não<br />

se pode decretar, não se pode antecipar; o crédito<br />

é a confiança, e não sei como se antecipa a<br />

confiança; o crédito não é valor real, não é valor<br />

criado; o crédito é o resultado da riqueza feita;<br />

o contrário disto iria até destruir pela base os<br />

princípios econômicos mais comezinhos, iria destruir<br />

pela base o princípio do trabalho; o trabalho não<br />

seria mais riqueza; a riqueza seria o papel, seria<br />

o crédito.<br />

Mas sobre que base seria este crédito<br />

estabelecido? O nobre deputado poderia tirar a<br />

conclusão que desejava se, dando todo o valor que<br />

também dou ao crédito, partisse sempre do princípio de<br />

que ele é subordinado à existência da riqueza, a<br />

possibilidade da solvabilidade é uma conseqüência<br />

do trabalho.<br />

Nos Estados Unidos mesmo os fatos não se têm<br />

passado como o nobre deputado pretende; ali o<br />

crédito não tem precedido a riqueza, tem acompanhado<br />

a riqueza...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Tem ajudado a riqueza.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O crédito ali concorre para<br />

que a riqueza se torne cada vez mais produtiva,<br />

para que tenha uma circulação mais ampla ...


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 188<br />

O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Então V.Exª está no nosso princípio?<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Perdoe<strong>–</strong>me, não, senhor.<br />

São inegáveis os grandes benefícios que os Estados<br />

Unidos têm recebido do crédito, mas o crédito nos<br />

Estados Unidos tem<strong>–</strong>se desenvolvido do mesmo<br />

modo que em todas as partes do mundo, somente<br />

com maior rapidez, não só porque é país novo,<br />

como por mil outras circunstâncias que não vem para<br />

o caso apresentar...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O Brasil também é país novo.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Perdoe<strong>–</strong>me o nobre deputado,<br />

tire de todas estas questões o elemento do tempo e<br />

as conclusões serão as mesmas; em um país velho<br />

os recursos são mais morosos, a marcha é mais<br />

lenta; em um país novo todos os princípios são<br />

os mesmos, o elemento do tempo é que sofre<br />

modificação; a marcha é mais rápida, mas isto não<br />

muda em nada a natureza da coisa; quando há<br />

crédito como quatro deve haver riqueza como quatro<br />

(Apoiados). É somente deste princípio que se há de<br />

derivar a confiança; é somente deste princípio<br />

que se podem tirar consequências verdadeiras. É<br />

justamente porque nos Estados Unidos os caminhos<br />

de ferro, as empresas industriais, os empregos<br />

produtivos têm marchado rapidamente, que o crédito se<br />

tem rapidamente constituído. Já vê o nobre deputado<br />

que o fato confirma o princípio: não há a contradição que<br />

quis enxergar, os Estados Unidos não estão<br />

isentos dos preceitos gerais que regulam o crédito em<br />

todas as partes do mundo. À medida que uma<br />

indústria vai mostrando sua eficácia, e produzindo<br />

maiores vantagens, vai<strong>–</strong>se tornando mais extenso,


189 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

mais amplo, mais regular, mais poderoso o crédito que<br />

sobre ela se baseia (Apoiados). Não posso, pois,<br />

conceber o crédito como coisa diferente da riqueza;<br />

não posso considerar outra fonte de riqueza que não<br />

seja o trabalho.<br />

Nem mesmo quanto à organização bancária<br />

encontra o nobre deputado apoio nos Estados Unidos<br />

para a exageração da sua proposição; se o nobre<br />

deputado me apresenta bancos que emitem 5 e 6<br />

vezes o seu capital, eu lhe apresentarei outros, e<br />

em grande extensão dos estados da União, em que<br />

essas emissões são reguladas por princípios ainda<br />

mais restritos do que aqueles que nos regem.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Há outros que têm outros<br />

princípios.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Há hoje nos Estados Unidos<br />

instituições bancais cuja relação entre a reserva e<br />

a emissão varia consideravelmente, desde 4 até<br />

90%, e já vê o nobre deputado que nessa mesma<br />

escala há de achar alguma semelhança com o que<br />

se passa entre nós.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Há perfeita liberdade: não se<br />

impõe ônus aos bancos.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O nobre deputado insiste em<br />

uma asserção inteiramente contrária aos fatos; o<br />

nobre deputado até acusa o nosso governo de<br />

vexatório para com os bancos, quando é certo que a<br />

sua ação tem sido sempre benéfica, e muito mais<br />

desinteressada que a de alguns estados da<br />

União, onde se têm imposto taxas exageradas e<br />

empréstimos forçados, muitas vezes mal disfarçados<br />

sob o título de caução ou depósito para autorizar a<br />

emissão. É de todos sabido que nos estados


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 190<br />

do sul da confederação norte<strong>–</strong>americana os bancos<br />

se regem por mais restritas regras que os<br />

nossos, que os bancos de alguns estados são<br />

obrigados a concorrer, dadas certas circunstâncias, com<br />

empréstimos forçados, o que desnatura completamente<br />

a instituição...<br />

O Sr. Presidente: <strong>–</strong> O nobre deputado terá a palavra<br />

depois, porque já passou a hora destinada para a<br />

discussão desta matéria.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Bem, Sr. Presidente, peço<br />

desculpa a V.Exª, peço desculpa à Câmara por ter<br />

abusado tanto da bondade de V.Exª, mas foi o<br />

interesse da discussão que me levou a isso.<br />

Vozes: <strong>–</strong> Muito bem, muito bem!<br />

A discussão foi adiada pela hora.”<br />

Ainda em discussão, na sessão de 2/9/1854,<br />

na Câmara dos Deputados, o requerimento do deputado<br />

Junqueira a respeito de esclarecimentos ao governo acerca<br />

dos estatutos das caixas<strong>–</strong>filiais do Banco do Brasil. Eis o<br />

debate:<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Sr. Presidente, é essa uma<br />

matéria que reputo de muita transcendência, por isso<br />

peço licença à Casa para abusar de sua<br />

paciência, para dizer algumas palavras em<br />

resposta ao nobre deputado que teve a bondade de tomar<br />

em atenção o meu requerimento e alguma coisa dizer<br />

(suponho que não tudo quanto fosse bastante), para<br />

tranquilizar<strong>–</strong>me para poder o País ficar seguro acerca<br />

da marcha que tem de seguir o Banco do Brasil<br />

em relação às caixas<strong>–</strong>filiais que têm de estabelecer<br />

nas diferentes províncias.


191 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

O nobre deputado remeteu<strong>–</strong>me para a lei<br />

orgânica do banco e para os estatutos; disse que<br />

eu aí devia encontrar quanto fosse suficiente para<br />

satisfazer<strong>–</strong>me. Agradeço ao nobre deputado a<br />

bondade de assim dirigir<strong>–</strong>me, porém peço perdão<br />

para dizer<strong>–</strong>lhe que já tinha tido isto em consideração<br />

e que nada pude adiantar, apesar de querer o<br />

nobre deputado como que levar<strong>–</strong>me pela mão, fazerme<br />

iniciar na grande ciência financeira...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Não apoiado.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O nobre deputado não pôde<br />

achar ofensa nestas minhas palavras ...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Mas possa achar ironia e<br />

não agradeço.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Também não há ironia, porque<br />

posso dizer de mim em relação ao nobre deputado<br />

que apenas me inicio nessa ciência, que é por<br />

curiosidade que dela me ocupo, entretanto que esta<br />

ciência é da profissão do nobre deputado, é a sua<br />

especialidade, é terreno em que pode combater<strong>–</strong>me<br />

com muita vantagem.<br />

Mas remetendo<strong>–</strong>me o nobre deputado para a lei<br />

orgânica e estatutos do Banco do Brasil, pareceu<br />

querer com isto fazer<strong>–</strong>me crer que a lei do fado é<br />

imutável, que já estava determinado qual a sorte<br />

das províncias em relação ao banco, isto é, que o<br />

Banco do Brasil, estando organizado com todos os<br />

recursos tem todos os meios de dirigir o crédito,<br />

de auxiliá<strong>–</strong>lo, de suplantá<strong>–</strong>lo, entretanto é ele que<br />

tem de organizar as caixas<strong>–</strong>filiais das províncias.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 192<br />

É verdade que disse o nobre deputado que o<br />

banco não se pode afastar da base fundamental com<br />

que foi estabelecida...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Essencialmente.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Em que consiste o essencialmente<br />

com que este banco foi organizado? Não há senão a<br />

lei que mandou incorporar um banco, e eu pergunto<br />

ao nobre deputado: na lei estão estabelecidos os<br />

prazos ou ficou isto para os estatutos? O nobre<br />

deputado responderá que essa maneira não é da<br />

lei orgânica; eu aqui a tenho e nela não estão<br />

determinados os prazos em que se deve dar<br />

dinheiro. Ora, como a lei está feita eu não poderia<br />

argumentar contra a lei, mas como os estatutos<br />

podem ser modificados, como ainda não existem as<br />

caixas<strong>–</strong>filiais das províncias, como essas<br />

caixas<strong>–</strong>filiais têm de receber seus estatutos do<br />

banco, entendi que fazia algum serviço ao País,<br />

promovendo uma discussão, chamando a atenção<br />

do banco e do governo para que nos estatutos<br />

que se tem de confeccionar sejam atendidas as<br />

circunstâncias peculiares das províncias; é coisa<br />

que ainda se pode fazer, é remédio que ainda se<br />

pode dar. E porque é coisa que ainda se pode<br />

fazer, entendi que devia chamar a atenção da<br />

Câmara e do governo, assim como a atenção do<br />

País, para este ponto, a fim de que se dê remédio<br />

àquilo que se me antolha, que pode trazer grande<br />

mal. Se eu não provocasse esta discussão, não<br />

procurasse chamar a atenção da diretoria do banco<br />

e do governo para tomar em consideração este objeto,<br />

o que se diria depois? Sem dúvida, poderia dizer<strong>–</strong>se<br />

que ninguém pensou em semelhante coisa, ninguém<br />

fazia caso disto. Quero, pois, desde já,


193 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

remediar o mal que suponho certo se não se tomarem<br />

algumas providências.<br />

Seja<strong>–</strong>me permitido dizer de passagem que o<br />

Banco do Brasil está organizado de maneira (não<br />

poderei falar contra a lei, mas creio que poderei falar<br />

da lei, tratando de um objeto que tem relação com<br />

ela), que o banco está organizado de maneira que<br />

não pode fazer bem ao País. A Nação tem de pagar<br />

pelo seu papel que é muito acreditado um prêmio;<br />

quando a Nação era senhora desse crédito, era<br />

senhora da praça, tinha meios de governar os<br />

capitalistas, entretanto que hoje tem de pagar juro<br />

por um dinheiro mais acreditado possível...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Não compreendo o nobre deputado.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O Banco do Brasil não tem<br />

de receber um prêmio ou juro de certa quantia que<br />

resgatar em diante?...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Se não tivesse receio de<br />

ofender ao nobre deputado, o remeteria de novo<br />

para a lei e para os estatutos do banco.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Oh! Senhor! Pois a Nação<br />

não pagará juro de certa época em diante?<br />

Conceda<strong>–</strong>me argumentar com minha linguagem chã,<br />

senão com a linguagem da ciência...<br />

O Sr. Paula Santos: <strong>–</strong> Paga, sim senhor.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Não é favor ao banco, é<br />

porque o governo quer pagar a sua dívida: deve<br />

ou não o governo a importância das notas em<br />

circulação?<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O governo não fica devendo<br />

ao banco e lhe não presta todo o seu crédito?


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 194<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Se não quiser resgatar o<br />

papel<strong>–</strong>moeda, não fica.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O Banco do Brasil tendo o<br />

direito de ter o seu papel recebido como o papel<br />

do governo nas estações públicas faz com que<br />

nenhum estabelecimento de crédito nas províncias se<br />

possa sustentar contra um estabelecimento desta<br />

ordem, com uma força extraordinária; eles hão de<br />

ser sufocados...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O nobre deputado está em<br />

erro quanto a esta parte.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Quando assim falo, não estou<br />

argumentando contra as boas intenções do nobre<br />

<strong>presidente</strong> do banco, nem posso ter a certeza de que<br />

o nobre deputado será sempre o <strong>presidente</strong> do banco...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> A lei até nisto foi previdente.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Por quê? ...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Pelo que dispôs acerca dos<br />

bancos existentes nas províncias.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Facultou sim o bem ou o mal, mas<br />

quando passarem os estatutos para os bancos das<br />

províncias, se não se tomarem algumas cautelas, esses<br />

bancos não terão outros recursos senão entregarem<strong>–</strong>se à<br />

discrição. Pensa o nobre deputado que esses<br />

estabelecimentos de crédito nas províncias não estão<br />

ameaçados? que poderão deixar de se entregarem à<br />

discrição? Creio que estão com este temor?<br />

O Sr. Brandão: <strong>–</strong> São pigmeus à vista do gigante.<br />

Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Com o meu requerimento, eu procurava<br />

prevenir o mal, tinha em vista que o Banco do


195 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Brasil tendo em atenção os bancos das províncias, ou<br />

apresentasse meios tais que a esses bancos conviesse<br />

incorporarem<strong>–</strong>se, ou então pudessem viver sem ser<br />

sufocados. Se o Banco do Brasil não oferecer às<br />

províncias prazos mais longos do que os<br />

estabelecidos para a praça do Rio de Janeiro,<br />

esses bancos nenhuma utilidade podem produzir<br />

às províncias...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Nem o Banco do Brasil poderá<br />

competir com os outros em tais operações.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Porque não poderá competir?<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Porque as caixas<strong>–</strong>filiais não<br />

podem fazer as mesmas operações em vista das<br />

restrições de seus estatutos.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O nobre deputado sabe que<br />

as caixas<strong>–</strong>filiais têm a emissão do duplo do seu<br />

fundo, e tendo a emissão do duplo do seu fundo,<br />

podem ter dinheiro mais barato para poder<br />

acabar com os bancos existentes, que não podem<br />

existir com tal concorrência, depois sendo o único<br />

estabelecimento de crédito, pode impor a lei como<br />

quiser, entretanto que as caixas recebem todo o<br />

auxílio do grande banco.<br />

A outra parte do meu requerimento diz respeito<br />

a dinheiros dados à lavoura, ou a negociantes com<br />

íntimas relações com a lavoura, de modo que são<br />

lançados estes dinheiros na produção da lavoura.<br />

Argumenta o nobre deputado dizendo que os<br />

princípios da ciência são eternos; mas de que<br />

ciência nos fala? de economia pública? ...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> De qualquer ciência.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 196<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> A economia política não está<br />

conhecida como ciência com princípios eternos;<br />

alguns concedem esses princípios, outros não, e<br />

senão vejam se os economistas estão concordes<br />

em todos os pontos ...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Em alguns estão.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Pois os bancos não poderão ser<br />

organizados de maneira que possam dar algum<br />

dinheiro por antecipação a prazos mais longos à<br />

lavoura ? !<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Até certo ponto o concedi no<br />

meu discurso.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Se as praças de Pernambuco<br />

e Bahia não precisam para suas transações<br />

comerciais de mais do que um banco com o fundo de<br />

4.000:000$, por exemplo, não será do interesse que<br />

esse banco possa dispor de alguns mil contos por<br />

antecipação à lavoura?...<br />

O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Devo observar ao nobre deputado<br />

de que o tempo destinado para a discussão dos<br />

requerimentos está concluído.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Assim não podemos fazer nada;<br />

creio que não se tem gasto com esta discussão uma<br />

hora...<br />

O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Não é uma hora, são ¾ (três<br />

quartos) depois de aberta a sessão...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Julgo que não excedem os ¾<br />

(três quartos). Parece<strong>–</strong>me que devemos acabar com<br />

isto, pouco mais tenho a dizer...<br />

O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Então, melhor seria propor a<br />

urgência.


197 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Pois sim, senhor, proporei a<br />

urgência para se concluir essa discussão.<br />

O Sr. Presidente: <strong>–</strong> O Sr. deputado pede a urgência<br />

para se discutir até o meio<strong>–</strong>dia.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Meio dia já é, seja até ½<br />

(meia hora).<br />

A Câmara vota a urgência para se discutir o<br />

requerimento até ½ (meia) hora.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Agradeço à Câmara a deferência<br />

que teve para comigo; não gastarei mais palavras<br />

neste agradecimento por causa do tempo que se<br />

deve aproveitar na discussão do requerimento.<br />

Sr. Presidente, eu direi que em tese os bancos<br />

devem ser organizados conforme as circunstâncias<br />

locais; os primeiros bancos que foram organizados<br />

eram propriamente de depósito e não de circulação,<br />

depois foram de depósito e circulação, e finalmente<br />

de depósito, circulação e emissão; porque não<br />

principiou logo a ciência com toda a perfeição<br />

relativamente aos bancos! Não se sabe que as<br />

circunstâncias da localidade, as circunstâncias do<br />

comércio, a tendência dos povos, vão fazendo<br />

modificar as ideias a respeito daquilo que a ciência<br />

humana faz aparecer?...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Está sustentando a minha<br />

opinião; há bancos para todos os fins.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Eu quero concluir daqui que o<br />

banco, embora restrito às necessidades da praça<br />

do Rio de Janeiro, sendo um banco de circulação,<br />

e estando estabelecido por certo modo, tendo de<br />

entrar em operações das quais tem de receber<br />

juros dos cofres públicos, deve ao menos de


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 198<br />

alguma maneira atenuar os males que a lavoura<br />

está sofrendo, e que nos tem posto aqui tão embaraçados<br />

como na discussão sobre a venda de escravos<br />

de umas para outras propriedades; sirva ao menos<br />

esse banco para, de algum modo, auxiliar os<br />

lavradores, já que ele não está organizado nos<br />

princípios da conveniência das províncias, mas nos<br />

princípios da conveniência da praça do Rio de<br />

Janeiro, na conveniência dos seus acionistas, quando<br />

por ventura estes queiram ser indiferentes aos<br />

interesses e necessidades das províncias.<br />

O Banco da Bahia, como já tive ocasião de<br />

observar, é um exemplo do que há pouco afirmei; um<br />

banco que tem vivido 10 anos perfeitamente em<br />

estado normal, dando interesses aos seus acionistas,<br />

auxiliando a lavoura, se fosse montado debaixo<br />

desses princípios absolutos da ciência poderia ter<br />

assim vivido? E quais são esses princípios absolutos<br />

da ciência? Foi debaixo desses princípios que o<br />

Banco do Brasil se organizou? Antigamente se dizia<br />

que não se podia estabelecer banco que não fosse com<br />

ouro e prata; no entanto, no Brasil estabeleceram<strong>–</strong>se<br />

bancos com papel<strong>–</strong>moeda, com moeda<strong>–</strong>papel do<br />

governo; eis aqui, pois, uma prova em contrário<br />

desses princípios absolutos.<br />

Se esses princípios fossem tão verdadeiros<br />

como se quer persuadir, então eu poderia aplicar<br />

ao Banco do Brasil o que o nobre deputado aqui<br />

nos disse: "Um banco conforme vós quereis organizar,<br />

é um banco que pode ser de um momento para<br />

outro destruído, porque seus credores, os possuidores<br />

de seus vales, podem afluir em um momento dado<br />

a tirar o seu capital.” Ora, eu perguntarei: o Banco


199 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

do Brasil que foi organizado podendo emitir até o t<br />

riplo do seu capital, não pode correr o mesmo<br />

perigo em um momento dado ? ...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O triplo de quê?<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Do seu fundo real...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Do seu fundo disponível.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Sim. Mas, senhores, qual é o<br />

banco que possa ser assim destruído senão por<br />

abusos extraordinários, abusos muito notáveis nos<br />

seus gerentes? Quais serão as causas que no<br />

Brasil obriguem os bancos a suspender seus<br />

pagamentos? Pode dar<strong>–</strong>se caso do banco suspender<br />

seus pagamentos, mas durante algum tempo,<br />

porém depois há de continuar; darei um exemplo de<br />

menor para maior, mas que pode explicar o meu<br />

pensamento: a Caixa Econômica da Bahia, o primeiro<br />

estabelecimento de crédito ali estabelecido depois do<br />

extinto banco, atravessou a revolução maior por que<br />

tem passado a província; a Caixa Econômica existia,<br />

e não tinha criado raízes o crédito na minha<br />

província, apareceu a revolução de 1837 e a Caixa<br />

Econômica foi obrigada a suspender as suas<br />

operações.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Tinha bilhetes em circulação?<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Tinha seus vales...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Eram à vista?<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Sim. Mas voltou a província a<br />

seu estado normal e voltou a Caixa Econômica a<br />

seu estado normal, ninguém sofreu; atravessou<br />

portanto sem se perder o seu crédito, e isto durante<br />

o período da maior revolução que aí teve lugar.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 200<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Ótimo, magnífico! É preciso<br />

confessar que é sobre isto que se tomam as cautelas.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O que isto quer dizer, senhores,<br />

é que princípios absolutos nesta matéria não se<br />

podem dar, que as circunstâncias fazem modificar<br />

estes princípios. Senhores, as circunstâncias fazem,<br />

para me exprimir de uma maneira clara, que a<br />

certos princípios que se não contestam se possam<br />

acrescentar circunstâncias que paralelamente levem<br />

o carro da civilização, da indústria no caminho<br />

direto, bem como os pactos não podem ser contrários<br />

aos princípios essenciais do contrato.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Nos casos de convenção.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Tudo é convenção neste mundo.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Neste caso nego; há condições<br />

essenciais sobre as quais não pode haver convenção.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Sr. Presidente, por ocasião<br />

dessa questão que por aí anda de comandita, porque<br />

há essa gritaria senão por conveniência? É claro que<br />

as comanditas podem existir, porque não são<br />

contrárias à lei ...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Quem nega a legalidade das<br />

comanditas?<br />

O Sr. Presidente: Esta questão não vem para aqui.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Eu creio que tem muita<br />

relação, mas enfim a porei de lado. Disse o nobre<br />

deputado no seu discurso que não via que os<br />

interesses locais fossem prejudicados com a<br />

organização das caixas<strong>–</strong>filiais. Pode o nobre deputado<br />

nos dar a segurança de que se hão de atender<br />

às circunstâncias do País? Que se hão de estender


201 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

os prazos? Que se há de dar algum dinheiro à<br />

lavoura para a amortização? Ele não nos pode<br />

afiançar isto; então, como diz que não se dá<br />

prejuízo às localidades?...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Porque não se pode dar<br />

competência neste caso.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Se pudesse estar certo que o<br />

Banco da Bahia não sofreria com essa organização<br />

da caixa<strong>–</strong>filial, que as caixas<strong>–</strong>filiais tratariam de<br />

conservar, de fazer com que os bancos existentes<br />

nas províncias continuassem a viver, eu também<br />

não teria estas apreensões, mas se ele não nos<br />

pode dar esta segurança ...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Não sou competente para dar;<br />

em grande parte dependerá do procedimento, do<br />

modo de viver dos bancos locais.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Se eu conseguisse, Sr. Presidente,<br />

que o meu pensamento fosse tomado em consideração<br />

pelo governo e pelos diretores do banco, eu já teria<br />

ganho muito e alcançaria que o governo e os diretores<br />

do banco, quando tivessem de organizar os bancos<br />

filiais nas províncias, o fariam de maneira que não<br />

causassem a morte dos bancos que lá existissem.<br />

Disse o nobre deputado que existe o Banco da<br />

Bahia e continuará a existir como até agora; mas,<br />

senhores, eu direi que o Banco da Bahia não se<br />

importaria de lutar com a concorrência, uma vez que<br />

não visse que corria o risco de, acabado o seu<br />

tempo de vida, se lhe dissesse: “Não posso mais<br />

vos conceder emissão porque o Império já está<br />

bastante saturado de papel, e o governo precisa<br />

desse meio poderoso para suas transações”.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 202<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Não apoiado.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O nobre deputado pode me<br />

afiançar que isto não acontecerá?<br />

O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Não pode asseverar.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Não, não pode.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> E nem o nobre deputado pode<br />

também ter base alguma para asseverar que se<br />

realizará o que teme.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Senhores, eu não posso nada;<br />

mesmo o que estou dizendo não sei se terá conexão<br />

(Não apoiado). Mas o que tenho na ideia são<br />

pensamentos tirados do que vejo se passar na<br />

minha terra e no País, onde só vejo lutas por<br />

pedaços de pão. Ora, digo eu, além de estarmos lutando<br />

por pedaços de pão, deveremos consentir que se<br />

venha a assentar uma máquina que absorva todos<br />

esses pedaços de pão (apoiado, reclamação), e que<br />

faça com que não possamos aproveitar algumas<br />

migalhas...<br />

O Sr. Góes Siqueira: <strong>–</strong> Não há razão para se<br />

dizer isso, ao menos por ora.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Ora, não há razão! Senhores,<br />

não devemos cortejar senão a verdade...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Apoiado.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> ... o nobre deputado é médico<br />

e está me dando apartes, e eu lhe pergunto se<br />

não seria melhor que, quando ele fosse consultado<br />

por um doente para saber qual o remédio que<br />

devia dar para lhe restabelecer a saúde, antes<br />

do que ter de repentinamente combater a moléstia,<br />

e então correr o risco de errar? Senhores, eu


203 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

reconheço a minha deficiência de talentos (não<br />

apoiados), não aspiro a ser grande médico, talvez<br />

seja um empírico ...<br />

O Sr. Paula Cândido: <strong>–</strong> Pois é raro, quase todos<br />

querem ser médicos...<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Menos eu. Mas, senhores, como<br />

dizia, sou fraco, e apenas lanço mão desses<br />

instintos de conservação que a natureza nos dá<br />

quando é atacada...<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Atacada!<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Não é o nobre deputado quem<br />

me atacou; ainda mais essa (Risadas).<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O requerimento é seu, eu<br />

respondi apenas.<br />

O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O nobre deputado respondeu<br />

para o País, e qualquer que olhar para o discurso<br />

de V.Exª e ler o que eu disse, há de pensar, há de<br />

mesmo acreditar que o nobre deputado é quem tem<br />

razão, e para que eu possa fazer calar no espírito de<br />

meus compatriotas alguma das verdades que disse, é<br />

preciso que fale muito e repise a matéria. Sr.<br />

Presidente, eu concluso, mesmo porque, vendo que o<br />

nobre deputado pediu a palavra, não devo continuar,<br />

porque tenho conseguido o meu fim que é chamar a<br />

discussão a pontos frisantes, e quero que se vá<br />

ao fundo da questão. Desejo ouvir o nobre deputado,<br />

porque quero saber se o Banco do Brasil não<br />

será essa máquina de que falei, que ele não<br />

hostilizará aos bancos da província e não será a<br />

causa de sua morte; é este o meu fim, e se o nobre<br />

deputado puder me tranquilizar tanto quanto a esse<br />

respeito, eu tenho tranquilizado a minha consciência,<br />

promovendo a


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 204<br />

discussão tenho correspondido à confiança de meus<br />

concidadãos quando me deram os votos que me<br />

fizeram ter assento nesta Casa.<br />

O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Se não há mais quem peça<br />

a palavra, vou pôr a votos.<br />

Uma voz: <strong>–</strong> O Sr. <strong>Serra</strong> pediu a palavra.<br />

O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Não lh'a posso conceder, o<br />

regimento não permite, porque já falou uma vez.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Quero responder.<br />

O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Não lhe posso dar a palavra<br />

para responder.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Explicar<strong>–</strong>me...<br />

O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Nem para explicar.<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> (sentado): <strong>–</strong> Quisera ao menos<br />

protestar contra a errada proposição do nobre<br />

deputado quando disse que o banco impunha ônus<br />

ao País, quando muito, pelo contrário, foi o Estado<br />

quem lh'os impôs exigindo nada menos que um<br />

empréstimo de dez mil contos de réis sem juros...<br />

O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Atenção!!<br />

O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> ... praza a Deus, possa o<br />

banco prestar tão grande serviço ao País!...<br />

O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Ordem!<br />

Julga<strong>–</strong>se a matéria suficientemente discutida, e posto<br />

a votos o requerimento é rejeitado por 32 votos<br />

contra 31.” (39)<br />

(39) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />

15/1/1855) <strong>–</strong> Discurso proferido, em 2/9/1854, pelo deputado<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> in Anais da Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong><br />

Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do Banco do<br />

Brasil.


205 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

A atuação parlamentar do deputado <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong> na Câmara dos Deputados abrange discursos,<br />

votação, emendas, requerimentos, pareceres, emendas,<br />

apartes, sendo que a maioria dos pronunciamentos diz<br />

respeito ao Banco do Brasil.<br />

O último discurso proferido pelo deputado <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong> na Câmara dos Deputados ocorreu no dia de 5<br />

de setembro de 1854, data em que completara 1 ano<br />

de nomeação no cargo de <strong>presidente</strong> do Banco do<br />

Brasil. Nesse mesmo mês e ano, estreava no Teatro<br />

Lírico Fluminense, no Rio de Janeiro, a ópera Il<br />

Trovatore, de Giuseppe Verdi, num cenário noturno de<br />

impressões góticas que nos fazem lembrar a Idade Média,<br />

na Espanha, inspirado nos romances de cavalaria.<br />

Como referência bibliográfica, vale ressaltar<br />

que os discursos proferidos na Assembleia Legislativa<br />

Imperial pelo deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>presidente</strong> do Banco do<br />

Brasil (5/9/1853 a 15/1/1855), foram digitados pela Câmara<br />

dos Deputados em Brasília e remetida, nos idos de 1998,<br />

uma cópia à Academia de Letras dos Funcionários do Banco<br />

do Brasil por gentileza de Antônio Geraldo de Azevedo<br />

Guedes, <strong>presidente</strong> da ABC <strong>–</strong> Associação Brasileira de ex-<br />

Congressistas <strong>–</strong> Anexo I da Câmara dos Deputados.<br />

João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, imortalizado pela Pátria,<br />

é patrono da Cadeira n° 26 da Academia de Letras dos<br />

Funcionários do Banco do Brasil, sendo o primeiro ocupante o<br />

romancista Ribamar Galiza (1915/1987) que teve a honra de<br />

ser o gerente das agências Barreiras <strong>–</strong> BA (1945/1949),<br />

Caxias<strong>–</strong>MA (1949/1958) e São Luís <strong>–</strong> MA (1958/1964), ocupada,<br />

a partir dos idos de 1993, pelo escritor Fernando Pinheiro.


4<br />

FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 206<br />

BB: organização e funcionamento<br />

Quando o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> foi<br />

nomeado <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil, em 5/9/1853,<br />

dois acontecimentos ocuparam a manchete nos principais<br />

jornais da época: a renúncia do Ministério presidido por<br />

Rodrigues Torres, o futuro Visconde de Itaboraí, e o teste<br />

inaugural da primeira estrada de ferro construída no<br />

Império, com trecho entre Mauá e Raiz da <strong>Serra</strong><br />

da Estrela.<br />

Anteriormente, no IHGB <strong>–</strong> Instituto Histórico<br />

Geográfico Brasileiro, em sessão presidida pelo imperador<br />

Dom Pedro II que incumbira ao <strong>poeta</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />

consócio do IHGB, a tarefa de fazer a cobertura da<br />

inauguração da ferrovia.


207 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Dois meses depois, houve a primeira reunião<br />

da Diretoria do Banco do Brasil. Cláudio Pacheco a<br />

comenta:<br />

“Foi a 5 de dezembro de 1853 que se reuniu<br />

pela primeira vez a Diretoria do novo Banco do<br />

Brasil. A sessão foi presidida pelo Conselheiro<br />

João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> e compareceram os<br />

Diretores Diogo Duarte Silva, Joaquim José dos<br />

Santos Júnior, Teófilo Benedito Otoni, João Inácio<br />

Tavares, João Pereira Darrigue Faro, João Francisco<br />

Emery, Baltazar Jácome de Abreu e Souza, José<br />

Justino Pereira de Faria, Dr. Antônio Alves da Silva<br />

Pinto Júnior, José Carlos Mayrink e George Gracie.”<br />

(40)<br />

Nessa reunião foi comunicada a desistência<br />

dos diretores Militão Máximo de Souza e Irineu<br />

Evangelista de Sousa, ambos nomeados no mês anterior.<br />

Irineu Evangelista de Sousa, o barão de Mauá, seguiu para a<br />

iniciativa privada, onde obteve sucesso inigualável a qualquer<br />

outro empresário do Império e Militão Máximo de Souza, o<br />

visconde de Andaraí, tempos depois, no período de<br />

18/10/1869 a 6/10/1870, dirigiu os destinos do Banco do<br />

Brasil, sucedendo a Dias de Carvalho.<br />

Posteriormente, participaram da Diretoria:<br />

Antônio Gomes Netto, Bernardo Ribeiro de Carvalho,<br />

Francisco Xavier Pereira, Jeronymo José de Mesquita,<br />

(40) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong><br />

vol. I, p. 381 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />

jan./1980.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 208<br />

João Henrique Ulrich, José de Araújo Coelho, Visconde<br />

do Rio Bonito, Conselheiro José Pedro Dias de<br />

Carvalho. Comissão Fiscal: João Manuel Pereira da<br />

Silva, Barão de Itamaraty e João Teixeira Bastos. (41)<br />

Ainda na primeira reunião de Diretoria<br />

do Banco do Brasil, foi deliberada a criação da<br />

comissão destinada a redigir um projeto de<br />

regimento interno e, ainda, outra medida de relevante<br />

importância, conforme observamos:<br />

"É de assinalar<strong>–</strong>se a preocupação com que<br />

logo na primeira sessão a Diretoria cogitou de exercer<br />

a sua principal e mais grave função, a de Banco<br />

emissor, pois já no mesmo dia foi aprovado um<br />

ensaio ou chapa preparada pela Casa da Moeda<br />

para os bilhetes do Banco, a serem “assinados de<br />

rubrica pelo Presidente e com nomes inteiros" por<br />

dois Diretores.” (42)<br />

Com a escrita de próprio punho do diretorsecretário,<br />

Teófilo Otoni, foi redigida a ata da<br />

segunda sessão da Diretoria, realizada em 09/12/1853,<br />

que consta, entre outras, a decisão dos diretores<br />

autorizando o <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> a encomendar da<br />

Inglaterra o seguinte material:<br />

(41) Centenário do Banco do Brasil (1854/1954) <strong>–</strong> in Catálogo da<br />

exposição comemorativa realizada na Biblioteca Nacional<br />

(pp. 40) nos dias 5 a 15 de abril de 1954 <strong>–</strong> Editado por<br />

Comp. e Imp. Irmãos Di Giorgio & Cia. <strong>–</strong> Rio de Janeiro.<br />

(42) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I, p. 382<br />

<strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> jan./1980.


209 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

“pelo próximo paquete 400 mil tiras do papel que ora<br />

serve para emissão do Banco do Brasil" (43)<br />

No andamento das reuniões da Diretoria,<br />

presididas pelo <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, foram-se, aos<br />

poucos, estabelecendo medidas adequadas para o<br />

funcionamento do Banco do Brasil, mediante a criação<br />

de equipes de trabalho, onde surgiu a Comissão Especial<br />

de Objetos, semente que deu origem a Unidade de<br />

Tecnologia e Materiais.<br />

Uma das tarefas dessa comissão foi examinar,<br />

na oitava reunião de Diretoria, realizada em 12/1/1854,<br />

a aquisição de imóveis para abrigar as futuras instalações<br />

do Banco do Brasil. O parecer da comissão foi aprovado<br />

e continha os seguintes termos:<br />

“E porque é de esperar que em pouco tempo<br />

as operações do Banco sejam de natureza e<br />

importância tal que tornem insuficiente para seu<br />

expediente a capacidade do edifício em que se vai<br />

estabelecer, são igualmente de parecer que desde<br />

já se trate da aquisição, não só do prédio contíguo<br />

ao novo edifício pelo lado da Rua da<br />

Candelária, mas ainda a dos dois que se lhe seguem<br />

pelo lado da Rua da Alfândega, porque deste modo<br />

ficará o Banco com os necessários recursos, dos<br />

quais se poderá utilizar oportuna e<br />

convenientemente, segundo o exigirem o seu<br />

desenvolvimento e futuras necessidades." (44)<br />

(43) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I, p. 382<br />

<strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> jan./1980.<br />

(44) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> Idem, idem


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 210<br />

Antes da instalação, em 30/04/1926, na Rua<br />

Primeiro de Março, 66, onde funciona atualmente o<br />

Centro Cultural Banco do Brasil e a Agência Primeiro de<br />

Março, o Banco do Brasil teve a sua primeira sede,<br />

na segunda fase de criação, localizada na Rua da<br />

Alfândega, 17, esquina da Rua da Candelária, no Rio<br />

de Janeiro, no período de 10/04/1854 a 30/04/1926.<br />

Durante a administração do <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong>, podemos verificar, conforme mencionado em atas<br />

da Diretoria, mencionadas por Cláudio Pacheco, foram-se<br />

aumentando o número de comissões encarregadas de<br />

dar movimento às atividades do Banco do Brasil:<br />

“Comissão destinada à elaboração do Regimento Interno”,<br />

“Comissão de Emissão”, “Comissão Especial dos Objetos Materiais”,<br />

“Comissão de Seleção de Pessoal”, “Comissão de Descontos”,<br />

“Comissão de Cadastro”, e “Comissão de Caixas<strong>–</strong>Filiais”.<br />

Essas comissões foram a semente que deu<br />

origem às denominações da estrutura organizacional do BB:<br />

UF Infraestrutura, UF Gestão de Pessoas, UF Gestão de<br />

Riscos, UF Tecnologia, UA Auditoria, UA EMC, UA<br />

Jurídico, UEN Comercial, UEN Governo, UEN<br />

Internacional, UEN Reestruturação de Ativos Operacionais,<br />

UEN Rural e Agroindustrial, UEN Varejo e Serviços,<br />

UF Contadoria, UF Controladoria, UF Controles Internos,<br />

UF Finanças e Agências do Banco do Brasil.<br />

O quadro do funcionalismo do Banco do Brasil,<br />

no início de suas atividades, era formado do pessoal<br />

dos extintos Banco Comercial do Rio de Janeiro e do<br />

Banco do Brasil, de iniciativa de Mauá. O destino já<br />

bem de longe assinalava que a existência do Banco do<br />

Brasil privado ou privatizado não fazia sentido. O


211 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

rumo certo a tradição já o delineou, desde o Império:<br />

Banco do Brasil (estatal). Surgiram os primeiros cargos:<br />

secretário, oficial<strong>–</strong>maior, guarda<strong>–</strong>livros, contador<strong>–</strong>tesoureiro,<br />

cobrador e contínuo.<br />

No que se refere às medidas adotadas pelo<br />

Banco do Brasil quanto à fusão de bancos, naquela<br />

época assunto pioneiro no País, hoje muito comum<br />

no mercado globalizado, o historiador Cláudio Pacheco<br />

comenta a matéria:<br />

“Na sessão de 3 de abril é que foi tomada<br />

uma deliberação em bases concretas, porquanto o<br />

Presidente leu um projeto de contrato, conta corrente<br />

e liquidação que o Conselho Diretor do Banco do<br />

Brasil lhe enviara em resultado das negociações que<br />

com ele entabulara. Em face disto, a Diretoria aprovou<br />

um substitutivo, com alterações e supressões,<br />

elaborado por seu próprio Presidente, para servir de<br />

norma na continuação das mesmas negociações. Era<br />

uma verdadeira minuta de contrato,<br />

pela qual, conforme se estipulava no intróito, “as<br />

Diretorias dos dois Bancos existentes nesta Corte e<br />

a do novo Banco do Brasil” acordariam nas<br />

condições “para a execução do artigo 77 dos<br />

Estatutos de 31 de agosto de 1853”. (45)<br />

(45) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />

p. 384 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />

jan./1980)


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 212<br />

Nas últimas sessões da Diretoria foram<br />

adotadas decisões a respeito de limite de crédito (hoje,<br />

alçadas de Direção Geral e de Agências), desconto e cautela<br />

de letras e a realização de empréstimos sobre<br />

penhores com prazo máximo de 4 meses, e ainda<br />

referentes a operações e escriturações. O início de<br />

expediente do Banco do Brasil, marcado para 10h:00<br />

min, naquela época, ainda é, hoje, o mesmo para o<br />

público.<br />

Fazendo uma analogia passado / presente,<br />

notamos que o <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, ao conservar<br />

um espaço destinado ao oratório ou “passo de procissão”<br />

dentro do edifício da Rua da Alfândega, implantou no<br />

Banco do Brasil o sentido social, hoje amplamente divulgado<br />

nas atividades da Fundação Banco do Brasil e do<br />

Centro Cultural Banco do Brasil, e com destaque especial<br />

para a memória institucional promovida pela Academia de<br />

Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> redigiu e apresentou aos<br />

Senhores acionistas o primeiro relatório do Banco do Brasil,<br />

datado de 21/7/1854, publicado pela Typographia J.<br />

Villeneuve & Cia., no mesmo ano. Ao reproduzirmos este<br />

documento, constatamos a justificativa dos atos<br />

administrativos do <strong>presidente</strong><strong>–</strong>fundador:<br />

“Devendo o nosso estabelecimento sua origem<br />

e organização ao Decreto n° 1.223 de 31 de agosto<br />

de 1853, que, desenvolvendo o pensamento da Lei<br />

n° 683 de 5 de julho do mesmo ano, prescreveu as<br />

normas e condições de sua existência; cumpre<strong>–</strong>nos<br />

expor as razões por que somente em 10 de abril do<br />

ano corrente pôde ele dar começo às suas operações.


213 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Os Estatutos que acompanharam esse decreto<br />

tinham a dupla qualidade de lei orgânica da<br />

instituição e contrato bilateral entre o Governo e as<br />

administrações dos antigos estabelecimentos bancais<br />

existentes nesta Corte, devidamente autorizadas por<br />

seus acionistas. Uma das condições deste contrato<br />

tornava dependente de um ato do Governo a<br />

incorporação definitiva do estabelecimento, porque<br />

só depois de verificada a distribuição que ficou a<br />

seu cargo fazer de trinta mil ações nesta Corte,<br />

podiam ser convocados todos os acionistas a fim de<br />

elegeram a Diretoria que devia instalar e dar princípio<br />

às suas operações (art. 71 dos Estatutos).<br />

Dificuldades de que estais hoje completamente<br />

informados retardaram até os últimos dias do mês<br />

de outubro o processo dessa distribuição, de modo<br />

que somente no dia 3 de novembro pôde ter lugar a<br />

primeira reunião da Assembleia Geral.<br />

Terminados os trabalhos dessa longa sessão<br />

que se prolongou até o dia 18 desse mês, foi em<br />

5 de dezembro instalado o novo estabelecimento em<br />

uma das salas do antigo Banco do Brasil, onde<br />

continuou a Diretoria a celebrar suas sessões e a<br />

ocupar<strong>–</strong>se de trabalhos preparatórios até os últimos<br />

dias de março.<br />

De 5 de dezembro de 1853, dia da instalação<br />

do Banco do Brasil, a 10 de abril de 1854, dia da<br />

sua entrada em operações, decorreram quatro meses,<br />

período que só parecerá excessivamente longo aos<br />

que não atentarem e refletirem na multiplicidade<br />

dos preparativos indispensáveis para pôr em<br />

movimento um estabelecimento da ordem e importância<br />

do Banco do Brasil; tanto mais quanto, em virtude<br />

do contrato que precedeu a sua


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 214<br />

organização, não podia ele contrair demasiadamente<br />

sua esfera de ação, e entrar, como fora mais natural,<br />

lenta e progressivamente no uso de suas faculdades,<br />

porque tinha grandes compromissos a satisfazer,<br />

devendo desde logo substituir os dois antigos Bancos<br />

então existentes, que, movendo já grandes<br />

massas de capitais, alimentavam largo círculo de<br />

operações e entretinham vastas relações com a<br />

praça do Rio de Janeiro.<br />

E tendo o direito de emitir notas uma das<br />

mais importantes prerrogativas do novo estabelecimento,<br />

e por amor da qual tinha ele prescindido de muitas<br />

operações, aliás, vantajosas, aceitando restrições<br />

consideráveis ao direito e liberdade de que já de há<br />

muito gozavam no País as instituições de crédito,<br />

não podia a Diretoria resolver<strong>–</strong>se a abrir operações<br />

sem a necessária provisão de papel para fazer face<br />

às exigências da circulação e retirar dela as notas<br />

dos antigos Bancos, que orçavam pela soma de três<br />

mil contos de réis.<br />

Felizmente, ao Governo Imperial não havia<br />

escapado esta dificuldade, nem esquecido os meios<br />

de removê<strong>–</strong>la. Informado das delongas e sacrifícios<br />

que a confecção de seus bilhetes na Europa traria<br />

ao estabelecimento que projetara, e desejando ao<br />

mesmo tempo honrar os artistas nacionais<br />

ministrando<strong>–</strong>lhes ocasião de distinguirem<strong>–</strong>se, havia<br />

com muita antecipação autorizado por conta do<br />

Estado as despesas com a aquisição de máquinas<br />

e utensílios necessários, a fim de tentar na Casa<br />

da Moeda um ensaio de semelhantes trabalhos.


215 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

Na difícil conjuntura em que então se achava,<br />

julgou<strong>–</strong>se feliz a Diretoria quando ao seu exame<br />

foi submetida a primeira nota de cem mil réis<br />

preparada em oficinas nacionais, por artistas<br />

brasileiros. Desde logo reconheceu que esta<br />

dificuldade era, ao menos provisoriamente, vencível no<br />

próprio País; podendo dispor para as primeiras<br />

estampas de algumas tiras de papel especial e<br />

reputado bom pelos entendedores, em que imprimiam<br />

suas letras os antigos Bancos, envidou todos os<br />

esforços para que os respectivos trabalhos<br />

marchassem com a maior atividade, fazendo<br />

imediatamente para Londres nova encomenda de<br />

papel, a fim de que não fossem eles por tal falta<br />

interrompidos.<br />

Folgo de poder declarar<strong>–</strong>vos, em nome da<br />

Diretoria, que neste como em todos os outros casos,<br />

em que teve ela de dirigir<strong>–</strong>se ao Governo Imperial,<br />

o encontrou sempre solicito em coadjuvá<strong>–</strong>la e<br />

protegê<strong>–</strong>la. Por ordem do atual Sr. Ministro da Fazenda<br />

os trabalhos assim da Casa da Moeda, como da<br />

oficina de estamparia, tornaram<strong>–</strong>se contínuos, sendo<br />

apenas interrompidos durante a noite para não<br />

comprometer a sua perfeição.<br />

Esses processos, porém, são, por sua natureza,<br />

lentos. Somente em princípios de abril pôde<br />

reputar<strong>–</strong>se vencida esta principal dificuldade, e<br />

tendo<strong>–</strong>se, entretanto, ocupado desveladamente a<br />

Diretoria de tudo quanto era concernente à<br />

organização internacional, e conseguido remover muitas<br />

outras dificuldades de menor alcance, achou<strong>–</strong>se<br />

desde logo habilitada para dar começo às


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 216<br />

operações do estabelecimento.” (46)<br />

O ingresso ao quadro de funcionalismo do<br />

Banco do Brasil, através de concursos seriamente<br />

realizados em rígidas normas, onde são aprovados os<br />

mais capacitados candidatos, mereceu do ex<strong>–</strong>ministro<br />

da Fazenda, Delfim Netto, o comentário: “O Banco do<br />

Brasil é um celeiro de talentos, onde Governo busca os<br />

melhores assessores.”<br />

Essa tradição é oriunda desde o dia 19 de<br />

abril de 1854, quando houve decisão da Diretoria:<br />

“se abrissem concursos para se escolherem os<br />

mais idôneos e preencherem-se assim as vagas dos<br />

lugares de escriturários”. (47)<br />

Pacheco:<br />

Nesse assunto, continua o relato de Cláudio<br />

“Cabe aqui adiantar que, já no relatório<br />

apresentado aos acionistas com data de 21 de julho<br />

de 1854, o Presidente do Banco dava contas de que<br />

a Diretoria estava convicta de que, no tocante à<br />

fixação e às admissões de pessoal para o serviço<br />

do estabelecimento, procedera com moderação e<br />

parcimônia dignas de nota.<br />

Eis o que, a respeito, diz esse relatório:<br />

(46) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />

p. 388, 389 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de<br />

Janeiro <strong>–</strong> jan./1980)<br />

(47) Idem, idem, obra citada <strong>–</strong> vol. I, p. 390.


217 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

"Entende, porém, de seu dever a Diretoria<br />

dar<strong>–</strong>vos conhecimento do quadro do pessoal e dos<br />

vencimentos por ela arbitrados aos diferentes<br />

empregados. Na organização deste trabalho, bem<br />

como nas nomeações que teve de fazer, procurou<br />

corresponder fielmente ao vosso pensamento<br />

solenemente manifestado na reunião promíscua que<br />

precedeu a fusão dos estabelecimentos extintos,<br />

respeitando a equidade com que quisestes fossem<br />

preferidos para os lugares do novo os empregados<br />

daqueles, não tendo admitido pessoa alguma<br />

estranha senão para os empregos especiais.<br />

Desejando porém evitar despesas não<br />

reclamadas pela necessidade, ao mesmo passo<br />

que formava o quadro tendo em atenção os<br />

variados trabalhos de que no futuro terá de<br />

ocupar<strong>–</strong>se o estabelecimento, procurou limitar as<br />

nomeações ao estritamente necessário na atualidade,<br />

deixando vagos cinco dos lugares criados. E<br />

conquanto a liquidação dos Bancos fundidos,<br />

ocupando exclusivamente alguns dos nossos mais<br />

prestimosos empregados, tenha produzido embaraços<br />

ao pronto expediente, espera a Diretoria que,<br />

terminada ela, poderá por muito tempo dispensar<br />

novas nomeações, aproveitando aliás toda a<br />

possibilidade de redução no futuro”. (48)<br />

(48) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />

p. 390 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />

jan./1980.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 218<br />

Numa análise comparativa das normas do<br />

passado e as do presente, podemos verificar que o<br />

Banco do Brasil vem cumprindo as determinações,<br />

que fundamentam a estrutura pela qual foi criado,<br />

emanadas, nos idos de 1853, pelo <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong> e sua Diretoria, ressaltando que a terceirização<br />

de serviços já era prevista, conforme se observa do<br />

parágrafo anterior.<br />

Um registro histórico de relevante importância:<br />

Da exposição comemorativa do centenário do Banco do<br />

Brasil (1854/1954), realizada de 5 a 15/04/1954, pelo<br />

Museu e Arquivo Histórico do Banco do Brasil, na<br />

Biblioteca Nacional, foi exibido o papel-moeda, emissões<br />

de 1854 e 1855 do Banco do Brasil, com as seguintes<br />

especificações:<br />

“Gravado na Casa da Moeda pelo 2° Abridor F.F.<br />

Paradela<br />

500$000 <strong>–</strong> Emblema da Abundância<br />

50$000 <strong>–</strong> Figura de mulher repousando numa rede.”<br />

Pelo desenho da cédula, em circulação no tempo<br />

de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, podemos verificar que o <strong>presidente</strong><strong>–</strong><br />

fundador do BB não esqueceu as inspirações sublimes<br />

que o fizeram sonhar no luar de Coimbra e colocou<br />

nas mãos do público a representação significativa de<br />

grande valia, elemento vital: a abundância (riqueza) e<br />

a mulher.<br />

Embora amplamente comentada anteriormente,<br />

na fase em que revelamos a atuação parlamentar<br />

de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, a incompatibilidade de cargos consta da<br />

História do Banco do Brasil (vol. I, p. 391), de Cláudio Pacheco:


219 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

“Na sessão de 18 de maio de 1854, a Diretoria<br />

tomou conhecimento de ofício de seu Presidente, o<br />

Conselheiro <strong>Serra</strong>, também deputado, comunicando<br />

que a Comissão de Constituição e Poderes da<br />

Câmara dos Deputados aprovara parecer opinando<br />

pela incompatibilidade das funções de legislador<br />

com as do mesmo cargo de Presidente do Banco e<br />

que, por isto, julgava dever abster<strong>–</strong>se do exercício<br />

da Presidência até a decisão final da referida Casa<br />

Legislativa.<br />

Mas já na sessão da Diretoria realizada no<br />

dia seguinte, 19 de maio, presidida pelo Diretor<br />

Francisco Xavier Pereira, constou novo ofício do<br />

Presidente <strong>Serra</strong> comunicando que a Câmara dos<br />

Deputados, desprezando o parecer de sua Comissão<br />

de Constituição e Poderes, decidira pela inexistência<br />

da incompatibilidade, pelo que resolvia continuar<br />

durante a sessão legislativa no exercício da<br />

Presidência, voltando a presidir as sessões da<br />

Diretoria, mas renunciando, em favor dos cofres do<br />

Banco, aos vencimentos que lhe eram inerentes, enquanto<br />

percebesse subsídios como representante da Nação.<br />

O que ocorreu, na verdade, externamente às<br />

sessões da Diretoria, foi que, por ter o Sr. <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong> assumido a Presidência do novo Banco sem<br />

renunciar previamente ao seu mandato de membro<br />

da Câmara dos Deputados, surgiram dúvidas em<br />

torno da compatibilidade constitucional entre as duas<br />

serventias. Quando se deu a sua posse nessa<br />

Presidência, o Parlamento Imperial estava em recesso<br />

e, assim, logo que ele se abriu, em começo de maio,<br />

o próprio <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> oficializou essa dúvida, com<br />

o dirigir à própria Casa Parlamentar de que fazia


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 220<br />

parte uma consulta que foi objeto de parecer em<br />

Comissão, de debates em plenário e de decisão<br />

final deste mesmo plenário.” (49)<br />

Os primeiros meses de operações realizadas<br />

pelo Banco do Brasil foram notícias nos principais<br />

jornais da época. Ao analisar o interesse do público<br />

por esse movimento, o historiador Cláudio Pacheco<br />

apresenta o comentário da principal manchete do Jornal<br />

do Commercio:<br />

“No fim de maio de 1854, quando o Banco do<br />

Brasil estava operando há menos de dois meses,<br />

surgiram especulações e comentários no sentido de<br />

que o seu sucesso já era extraordinário e de que<br />

as suas expectativas de crescimento e de lucratividade<br />

eram as mais auspiciosas.<br />

Sob o título <strong>–</strong> A Febre na Praça, o Jornal do<br />

Commercio de 29 de maio publicou um comunicado,<br />

em que focalizava aquilo que chamou de “fenômeno<br />

assombroso” que ocorria na praça no que respeita<br />

ao mercados dos fundos, onde algumas ações de<br />

empresas e principalmente as ações do Banco do<br />

Brasil estiveram alcançando muito altas.<br />

A especulação em torno de ações esteve se<br />

transformando em um verdadeiro jogo que exercia<br />

poderosa atração não somente sobre comerciantes,<br />

fabricantes, artistas, como até sobre militares,<br />

(49) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />

p. 391 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S A <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />

jan./1980.


221 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

empregados públicos, altos funcionários do Estado,<br />

sobre pessoas, enfim, até então inteiramente<br />

estranhas à praça, que passaram a correr a ela<br />

pressurosos, misturando<strong>–</strong>se com os agiotas e<br />

tomando parte no mesmo jogo e na embriaguez do<br />

momento, no afã, na febre de adquirir ações,<br />

principalmente do Banco do Brasil.<br />

O comunicado a que estamos nos referindo e que<br />

extratamos acentuou que sobre as ações do Banco do<br />

Brasil é que se estabeleciam as primeiras cotações, as<br />

quais exerciam depois uma influência simpática sobre<br />

as dos outros efeitos da mesma natureza.<br />

Acrescentou que se dizia geralmente que “a<br />

publicação do balancete sobre o estado do mesmo<br />

Banco em 30 de abril passado, demonstrando<br />

lucros superiores a toda expectativa dera causa ao<br />

movimento ascendente que desde então começaram a<br />

experimentar as suas ações no mercado.<br />

Mas o comunicado, reconhecendo que o<br />

balancete dizia sem dúvida a verdade e que<br />

demonstrava um grande lucro, advertiu ser absurdo<br />

querer derivar a lei do juro, a taxa dos interesses,<br />

que aos seus acionistas daria no futuro o Banco do<br />

Brasil, pois no começo das operações de tais<br />

estabelecimentos, enquanto se incorporava o capital,<br />

interferiam circunstâncias excepcionais, que podiam<br />

aumentar extraordinariamente os primeiros dividendos,<br />

sem que depois este alto nível pudesse ser mantido.<br />

E continuava.<br />

“Temos profunda convicção de que o Banco do<br />

Brasil dará um bom lucro aos seus acionistas, que<br />

será um excelente emprego de capitais; não nos


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 222<br />

admiraria, portanto (pois seria coisa muito natural)<br />

que as suas ações tivessem no estigma geral um<br />

valor acima do nominal; o que só pretendemos combate<br />

é a febre, é o jogo insensato com preterição dos mais<br />

sagrados princípios da razão e da moral se está<br />

fazendo na nossa praça e que pode, com a ruína<br />

de muitos cidadãos honestos, em proveito de mui<br />

poucos especuladores, perturbar o justo equilíbrio das<br />

relações comerciais e produzir males incalculáveis ao<br />

País”.<br />

O articulista atribuiu aos promotores da febre<br />

o seguinte raciocínio:<br />

“Se em vinte dias de exercício com a décima<br />

parte apenas do seu capital e sem ter feito<br />

completo uso de sua emissão, pôde o Banco do<br />

Brasil ganhar mais de 88 contos de réis, terá<br />

infalivelmente ganho no fim de junho, época do<br />

primeiro dividendo, mais de 332 contos, dará<br />

portanto o interesse correspondente a perto de<br />

50% ao ano. E se isto é agora assim, o que não<br />

acontecerá quando funcionar com todo o seu capital e<br />

tiver empregado toda a sua emissão?”<br />

Mas querendo incutir termos de moderação e<br />

prudência, o comunicado analisou o primeiro<br />

balancete do Banco do Brasil, para concluir que os<br />

lucros nele apresentados não poderiam manter por<br />

diante a mesma altitude, pelo que não era lícito<br />

derivar deles a lei dos interesses que de futuro<br />

daria o estabelecimento.<br />

Em uma publicação a pedido, na mesma edição,<br />

foi dito que o banco nacional era incontestavelmente o<br />

maior estabelecimento de crédito que se tinha<br />

fundado no Brasil até então,


223 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

e que a sua estabilidade estava consolidada pela<br />

sua lei fundamental e orgânica e pelos interesses<br />

de uma grande parte da população laboriosa e<br />

econômica que nele tinha depositado seus capitais.<br />

Foi lembrado ainda que o caso do estabelecimento<br />

não era o de uma empresa nova, pois já surgira<br />

reunindo, além do seu prestígio, o crédito ganho por<br />

espaço de 15 anos pelo Banco Comercial e o muito<br />

crédito que em pouco tempo soube ganhar o velho<br />

Banco do Brasil. Assim, reunia toda essa imensa<br />

freguesia e os lucros dos dois Bancos.<br />

Dessa forma, as ações do noviço Banco do<br />

Brasil prematuramente iniciavam o habitual ritmo<br />

de oscilação de cotações em bolsa dos títulos<br />

desta espécie. Embora desusadamente tivessem sido<br />

lançadas numa área de acirrada disputa e em alta<br />

de mundo atrativo, passariam mais tarde pelo jogo<br />

pendular de quedas e novas ascensões, de decepções<br />

e novas efusões, como ainda hoje lhes acontece.”<br />

(50)<br />

A coluna Memória <strong>–</strong> Há 150 anos, do Jornal do<br />

Commercio (edição de 23/10/2003) menciona matéria sobre<br />

a distribuição das trinta mil ações do BB:<br />

“O Imperador D. Pedro II e sua irmã, D. Maria II,<br />

rainha de Portugal, eram os grandes e maiores<br />

acionistas com 100 ações cada. Todos os demais<br />

variavam decrescentemente entre 80 ou apenas 2<br />

ações, numa listagem publicada em ordem alfabética<br />

e sob o nome próprio de cada acionista.”<br />

(50) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />

pp. 396, 397 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />

<strong>–</strong> jan./1980.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 224<br />

Como vimos anteriormente, a febre da praça<br />

teve um comentário elucidativo de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />

na Câmara dos Deputados. Acrescentando mais uma<br />

palavra a respeito, encerramos este assunto com a<br />

citação do historiador Cláudio Pacheco:<br />

“Finalmente é possível concluir que tudo foi um<br />

extraordinário sucesso na fundação do novo Banco,<br />

não só pelo grande favor público que mereceu,<br />

pelo enorme interesse na aquisição de suas ações,<br />

pela imediata valorização dessas ações, como<br />

porque a subscrição delas deu margem a que se<br />

arrecadasse uma vultosa quantia para se aplicar<br />

em melhoramentos urgentes nas calçadas da cidade<br />

do Rio de Janeiro”. (51)<br />

Na administração de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, à frente<br />

do Banco do Brasil, não houve instalação de agências,<br />

embora houvesse reuniões de Diretoria estabelecendo a<br />

criação de Caixa<strong>–</strong>Filial na cidade de Ouro Preto, Minas<br />

Gerais, normas para conversão da Caixa-Filial de São<br />

Paulo e a do Rio Grande de São Pedro do Sul, e a<br />

resolução de criar mais de uma Caixa-Filial em cada<br />

Província.<br />

Além dessas dificuldades em iniciar a<br />

implantação de rede de agências, hoje uma das<br />

estruturas que solidificam a vanguarda do Banco do Brasil<br />

no meio empresarial do País, o historiador Cláudio<br />

Pacheco comenta:<br />

(51) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />

pp. 377 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />

jan./1980.


225 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

“... Mas, nessas providências, houve a habitual<br />

demora imposta não só pelas distâncias e pelas<br />

dificuldades de comunicação, como pela carência de<br />

meios, no interior, para se fazer a impressão, ou<br />

mesmo a importação das notas a serem postas em<br />

circulação. Aliás, pela dificuldade de obtê<strong>–</strong>las no<br />

País, sem maior delonga, optou<strong>–</strong>se inicialmente por<br />

mandar prepará<strong>–</strong>las em Londres.” (52)<br />

A primeira expansão imobiliária do Banco do<br />

Brasil ocorreu com a deliberação da Diretoria, em 02<br />

de janeiro de 1855, de comprar três prédios contíguos<br />

ao que estava ocupando na Rua da Alfândega,<br />

esquina com a Rua da Candelária, que estavam sendo<br />

negociados com a Irmandade do Santíssimo da Freguesia<br />

de N. Srª da Candelária. A respeito da transação<br />

comercial, Cláudio Pacheco expõe:<br />

“Esta operação foi realmente efetivada, assim<br />

como também justificada no relatório aos acionistas,<br />

datado de 26 de julho de 1855, com os argumentos de<br />

que o edifício em que o Banco se achava estabelecido<br />

não tinha a capacidade necessária para<br />

satisfazer todas as necessidades do serviço em<br />

suas diversas repartições, de que se antevia o<br />

futuro desenvolvimento, bem como a instalação de<br />

uma oficina para estampar as notas do Banco, de<br />

modo a se concentrar tudo o que fosse concernente<br />

à emissão. Procurou<strong>–</strong>se justificar a prematuridade<br />

(52) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I, p. 404<br />

<strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> jan./1980)


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 226<br />

da aquisição com o receio de futuro aumento de<br />

preço, dada a localidade em que se achavam tais<br />

prédios, e com a vantagem de fruição de renda<br />

resultante do seu aluguel, enquanto não fosse<br />

necessário ocupá-los.” (53)<br />

Colaborador de jornais em Coimbra e no<br />

Rio de Janeiro, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> é o autor do Estatuto do<br />

Banco do Brasil, elaborado nos idos de 1853, hoje<br />

mantidas as cláusulas pétreas. A primeira reforma<br />

ocorreu logo no ano seguinte com o objetivo de<br />

facilitar o desempenho das atividades, e, conforme<br />

consta do relatório de 21 de julho de 1854,<br />

encaminhado à Assembleia Geral de Acionistas,<br />

“a fim de alargar convenientemente a esfera de ação<br />

do Banco, tão limitada hoje a alguns respeitos, que<br />

ainda em princípio de sua existência e com metade<br />

apenas do seu capital realizado, vê já paralisada<br />

uma parte de seus recursos ativos”. (54)<br />

Depois de aprovada pelos acionistas, houve<br />

necessidade de submetê-la à aprovação do Governo.<br />

Conforme observamos do relatório de 1855 do Marquês<br />

de Paraná, ministro da Fazenda, houve restrições sobre<br />

algumas cláusulas apresentadas, e ainda emite uma<br />

apreciável elucidação:<br />

(53) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />

p. 403 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />

<strong>–</strong> jan./1980.<br />

(54) Idem, obra citada, pp. 398, 399.


227 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

“... o poder de multiplicar os recursos do crédito por<br />

meio de emissão de um papel, que preenche as<br />

funções da moeda, nunca poderá ser exercido sem<br />

inconvenientes, se os títulos admitidos a desconto<br />

não contiverem prazos curtos de vencimento, que<br />

permitam aos Bancos, nos dias de crise ou de<br />

desconfiança, recolherem com a necessária celeridade o<br />

seu fundo e fazerem face aos seus empenhos”.<br />

(55)<br />

Para encerrar este relato sobre a trajetória de<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Presidência do Banco do Brasil,<br />

buscamos, mais uma vez, no legado de Cláudio Pacheco<br />

o registro histórico:<br />

“Logo no primeiro ano de funcionamento o<br />

Banco do Brasil sofreu descontinuidades no exercício<br />

da sua presidência, pois em janeiro de 1855,<br />

precisamente ao começar a sessão do dia 15, seu<br />

primeiro Presidente, o Conselheiro João Duarte<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, afastou<strong>–</strong>se, por ter adoecido, não mais<br />

voltando ao cargo, vindo a falecer em 16 de abril<br />

seguinte. Na sua sessão extraordinária do dia<br />

posterior, a Diretoria tomou conhecimento de que ele<br />

falecera na véspera, e aprovou por unanimidade as<br />

homenagens consistentes em tomar luto por oito dias,<br />

em acompanhar o enterro e mandar dizer Missa em<br />

dia oportuno.<br />

(55) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />

pp. 399, 400 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />

<strong>–</strong> jan./1980.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 228<br />

Ascendeu então à Presidência, transitoriamente,<br />

o Diretor Francisco Xavier Pereira, por ser o mais<br />

votado, permanecendo em exercício desde o dia 15<br />

de janeiro até 3 de abril, quando, nomeado pelo<br />

Imperador para Vice-Presidente, por decreto do dia<br />

anterior, assumiu o Visconde do Rio Bonito, até<br />

que, nomeado para Presidente efetivo, conforme<br />

Decreto de 28 de abril, lido na sessão de 10 de<br />

setembro de 1855, tomou posse Rodrigues Torres,<br />

já então Visconde de Itaboraí, que presidiu a sessão<br />

do dia 17 do mesmo mês. (56)<br />

Na trajetória do Banco do Brasil, desde 1854<br />

até os nossos dias, ressaltamos que três <strong>presidente</strong>s<br />

faleceram em pleno mandato: <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, Manoel<br />

Pinto de Souza Dantas (nome de logradouro onde<br />

está situada a sede da Academia de Letras dos<br />

Funcionários do Banco do Brasil: Rua Senador Dantas,<br />

105) e o Barão de Cotegipe (João Maurício Wanderley).<br />

Corre o tempo; surge o século XX. O<br />

reconhecimento da excelente administração do <strong>presidente</strong><br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> reaparece, com singular admiração: o<br />

estadista João Alfredo Correia, aos 75 anos de idade,<br />

depois de ocupar os mais elevados cargos do Império,<br />

preside o Banco do Brasil e apresenta, nos idos de<br />

1912, o relatório à Assembleia dos Acionistas:<br />

(56) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />

p. 406 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A.<strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />

<strong>–</strong> jan./1980.


229 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

“... declarou ele que logo, sob a sua Presidência, a<br />

Diretoria tivera de corrigir anormalidades, a primeira<br />

das quais consistira na quebra de uma tradição,<br />

que viera de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> e Itaboraí, os dois<br />

primeiros <strong>presidente</strong>s do Banco em meados do<br />

século passado, sob cujas gestões o Banco<br />

esmerava<strong>–</strong>se em sua função essencial de fazer<br />

circular rapidamente o dinheiro por todo o comércio,<br />

alto, médio e pequeno, em descontos proporcionais<br />

à capacidade produtiva e solvente de cada um e<br />

em escala que descia por avultado número às letras<br />

menores de quinhentos mil réis.” (57)<br />

O pensamento político do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

foi definido, na sessão de 13 de junho de 1853 da<br />

Câmara dos Deputados, destinada a discutir o projeto<br />

sobre empréstimos aos bancos. A referência é<br />

de autoria de Cláudio Pacheco:<br />

“Ele próprio definiu a sua personalidade<br />

política, quando, no início desse discurso, confessou<br />

que não podia pertencer exclusivamente a nenhum<br />

partido, porque estes não admitem a mínima restrição e<br />

ele, orador, não podia prescindir das suas. Então<br />

explicou, com força de eloquência e de expressão:<br />

“Se me fosse lícito nestas circunstâncias<br />

hastear uma nova bandeira; se a minha voz<br />

soasse bastante forte para ser ouvida em todo o<br />

País, ou fosse tão simpática que pudesse atrair os<br />

ânimos dos homens eminentes na política, eu seria,<br />

Senhores, o mais sincero propugnador da ideia da<br />

(57) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. IV, p. 17<br />

<strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> jan./1980.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 230<br />

conciliação dos partidos, não entendendo por<br />

esta expressão a junção anômala e informe de<br />

massas discordes e heterogêneas que se repelem;<br />

mas a fusão racional de princípios quase idênticos<br />

que já podem constituir bandeiras diferentes; mas<br />

o esquecimento de antigos ódios, mas o abraço<br />

fraternal das sumidades do País, só e unicamente no<br />

interesse do País e da causa constitucional”.<br />

Lembrou depois que em sessão anterior fizera<br />

a mais completa manifestação do seu pensamento<br />

político e assim o reiterou:<br />

“Amo, Senhores, a coerência das ideias quando<br />

elas não se opõem à marcha progressiva do<br />

espírito humano, e o que eu então disse é o que<br />

ainda hoje sinto; as minhas exigências de então,<br />

em parte somente satisfeitas, são ainda as minhas<br />

exigências de hoje; hoje, como então, eu não<br />

reportarei o meu procedimento às pessoas que<br />

compõem a administração, mas somente a sua<br />

marcha administrativa, aos princípios governamentais<br />

e às garantias de felicidade que ofereçam para o<br />

País. Completa repressão do tráfico de africanos,<br />

eficaz promoção dos melhoramentos materiais do<br />

País e inteira liberdade nas eleições que têm de<br />

constituir o Corpo Legislativo, eram em suma as<br />

minhas principais condições para dar meu apoio a<br />

qualquer gabinete”. (...)<br />

Logo procurou demonstrar que, quanto à primeira<br />

exigência, a ação do Governo era satisfatória:<br />

“Esse tráfego hediondo, esse labéu da nossa<br />

civilização, esse obstáculo, esse estorvo invencível ao<br />

nosso progresso material e moral, deve considerar<strong>–</strong>se


231 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

extinto; os dados estatísticos o demonstram, e esses<br />

mesmos desembarques que tiveram ultimamente<br />

lugar ainda mais me confirmam nessa opinião<br />

porque dão eles um evidente testemunho do<br />

pensamento de que se acha animado o Governo.<br />

Quanto aos dois outros pontos de suas<br />

exigências <strong>–</strong> a promoção dos melhoramentos materiais<br />

e liberdade das eleições <strong>–</strong> , confessou<strong>–</strong>se muito<br />

exigente e reconheceu as dificuldades do Governo,<br />

assim como também reconheceu o seu empenho, a sua<br />

atenção quanto ao primeiro ponto e as suas<br />

providências para repressão de abusos e escândalos<br />

quanto ao segundo.” (58)<br />

A respeito de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, vale salientar<br />

a opinião dos deputados daquela época:<br />

Augusto de Oliveira: - “... sendo eu o primeiro a fazer<br />

justiça à probidade do caráter do seu ilustre autor,<br />

assim como a reconhecer que o ilustre deputado pela<br />

Província do Maranhão, tanto pelos seus precedentes,<br />

como pelo seu procedimento, nesta Casa, é credor<br />

da estima de seus colegas.” (sessão em 25/07/1853)<br />

Pacheco: “... eu não tenho mais do que socorrer<strong>–</strong>me a<br />

uma proposição de um nobre deputado pelo Maranhão,<br />

o Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, que é um dos ornamentos desta<br />

Casa.” (sessão em 05/08/1853)<br />

(58) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />

pp. 352, 353 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A.<strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />

<strong>–</strong> jan./1980.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 232<br />

Jansen do Paço: - “O nobre deputado argumenta sempre com<br />

moderação e delicadeza” (sessão em 13/9/1853)<br />

Ferraz: - “Primus inter pares” (sessão em 27/06/1854).<br />

Ressaltamos que, na Câmara dos Deputados,<br />

contemporâneos de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, estavam figuras<br />

exponenciais do Império: Torres Homem, José Maria<br />

da Silva Paranhos, Figueira de Melo, Muniz Barreto,<br />

Cândido Mendes de Almeida, Pereira da Silva, Conde<br />

de Baependi, entre outros.<br />

Dos parlamentares citados acima, destacamos<br />

que Torres-Homem (Visconde de Inhomerim), conduziu os<br />

destinos do Banco do Brasil (16/8/1866 a 31/8/1869) e<br />

Pereira da Silva integrou o Conselho Fiscal, nos idos<br />

de 1854. Há que se destacar também nomes de notoriedade<br />

nacional que fizeram parte da equipe do <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong>: Teófilo Otoni, Barão de Itamarati, Visconde do Rio<br />

Bonito (João Pereira Darrigue de Faro), <strong>presidente</strong> do BB<br />

(16/4/1855 a 10/9/1855), José Pedro Dias de Carvalho,<br />

<strong>presidente</strong> do BB (8/7/1857 a 15/2//1858).<br />

A respeito de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, o <strong>poeta</strong> Tobias<br />

Pinheiro escreveu, em carta de 08/12/2003, endereçada ao<br />

escritor Fernando Pinheiro: “Graças à inspiração poética<br />

e aos lances oratórios, foi logo considerado um dos<br />

mais vibrantes oradores da Câmara”. (...) sua inspiração<br />

tem o fulgor das alvoradas”.<br />

Em <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> aprendemos uma lição de<br />

vida. Na poesia, saudade, elegia, pôr-do-sol sobre o<br />

Mondego que banha a cidade de Coimbra e, ainda,<br />

ternura no sofrimento, aliviando dores e carregando-as<br />

para Aquele Sublime Amor, até mesmo em seus


233 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

últimos momentos da trajetória terrena, na Presidência<br />

do Banco do Brasil (“... o meu destino ouvirei de Tua voz.”)<br />

Na tribuna defendeu o fim do tráfico negreiro<br />

(“...essa nuvem negra e medonha que vem das terras<br />

africanas”), a criação do Banco do Brasil (“a instituição<br />

com que queremos dotar o País, há de ser fonte de<br />

muitos benefícios”) e na própria empresa que instalou,<br />

nos idos de 1853, a missão sublime de ser o<br />

primeiro <strong>presidente</strong> na longa estrada do destino sem<br />

interrupção, direcionando-a aos altos rumos onde hoje<br />

ambos estão: o BB no prestígio do topo do ranking<br />

empresarial e ele nas regiões resplandecentes onde colocou<br />

o pensamento, até mesmo antes de partir.<br />

Na Coroa a voz atuante de estadista, o<br />

conselheiro que ajudou apaziguar os últimos conflitos<br />

e revoluções que vinham devastando as províncias do<br />

Império, transferindo as honras ao pacificador, Duque<br />

de Caxias.<br />

Em todos os seus compatriotas do passado o<br />

reconhecimento de um fidalgo, humilde e nobre, um<br />

homem de elevada dignidade, nunca pronunciou<br />

palavras de desamor e, na tribuna, no calor dos<br />

debates, sempre foi sábio e generoso, não revidou<br />

palavras revestidas de desencantos e sempre buscou<br />

encaminhá-las para a luz original, onde Gustav Mahler<br />

a transformou em sinfonia.<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, o <strong>presidente</strong> n° 1 do BB<br />

(em ordem cronológica e em méritos pessoais e<br />

administrativos). Quis o destino que o ápice fosse o<br />

início e desenvolveu-se numa trajetória que chega<br />

aos nossos dias, graças a Deus.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 234<br />

Dentre os filhos de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> com Ignez<br />

Amália de Sampaio <strong>Serra</strong>, ressaltamos Cláudio <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong>, educado desde a infância na Europa, formado em<br />

Medicina e Cirurgia pela Universidade de Edimburgo.<br />

Nos idos de 1869 apresentou tese com o título Do Tétano<br />

e sua therapêutica (Acervo: Biblioteca Nacional) na<br />

Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a fim de exercer a<br />

profissão de médico no Império do Brasil.<br />

Diante da evidência dos fatos, podemos acrescentar<br />

que <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> tinha méritos que atingiam os planos<br />

superiores da vida, em virtude da resposta alçada da oração<br />

feita antes de morrer. Não conhecemos outro poder maior.<br />

Se o ritmo de nossas palavras tivesse sido<br />

registrado em notas musicais, os versos de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

seriam anotados em partitura, sobressaindo um sinal da<br />

harmonia feita em coda, repetição do primeiro movimento<br />

que dá qualidade à obra musical:<br />

“Não te peço, meu Deus, mesquinhos gozos<br />

D’ este mundo ilusório mas suplico<br />

Tempo de vida <strong>–</strong> quanto baste apenas <strong>–</strong><br />

Para educar meus filhos.” (59)<br />

(59) LISBOA SERRA <strong>–</strong> Apud Pantheon Maranhense, de Antônio<br />

Henriques Leal <strong>–</strong> pp. 171 a 198 <strong>–</strong> Biografia e retrato <strong>–</strong> Acervo:<br />

Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.


235 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

“O que faz de alguém <strong>poeta</strong> é a<br />

capacidade de fazer da sua vida poesia, e<br />

da poesia sua vida”.<br />

BRUNA BARBIERI (in<br />

Nefelibatamente ...)<br />

São Luís, Maranhão, 2004<br />

HOMENAGEM DE GONÇALVES DIAS<br />

“Ao Dr. João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />

Mais um pungir de acérrima saudade,<br />

Mais um canto de lágrimas ardentes,<br />

Oh! minha Harpa, <strong>–</strong> oh! minha Harpa desditosa.<br />

Escuta, ó meu amigo: da minha alma<br />

Foi uma lira outrora o instrumento;<br />

Cantava nela amor, prazer, venturas,<br />

Até que um dia a morte inexorável<br />

Triste pranto de irmão veio arrancar-te!<br />

As lágrimas dos olhos me caíram,


“E a minha lira emudeceu de mágoa!<br />

Então aventei eu que a vida inteira<br />

Do bardo, era um perene sacerdócio<br />

De lágrimas e dor; <strong>–</strong> tomei uma Harpa:<br />

Na corda da aflição gemeu minha alma,<br />

Foi meu primeiro canto um epicédio!<br />

Minha alma batizou-se em pranto amargo,<br />

Na frágua do sofrer purificou-se!<br />

Lancei depois meus olhos sobre o mundo,<br />

Cantor do sofrimento e da amargura;<br />

E vi que a dor aos homens circundava,<br />

Como em roda da terra o mar se estreita;<br />

Que apenas desfrutamos, <strong>–</strong> miserandos!<br />

Desbotado prazer entre mil dores,<br />

<strong>–</strong> Uma rosa entre espinhos aguçados,<br />

Um ramo entre mil vagas combatido.<br />

Voltou-se então p’ra Deus o meu esp’rito,<br />

E a minha voz queixosa perguntou-lhe:<br />

<strong>–</strong> Senhor, porque do nada me tiraste,<br />

Ou por que a tua voz onipotente<br />

Não fez secar da minha vida a sebe,<br />

Quando eu era principio e feto - apenas?<br />

Outra voz respondeu-me dentro d’alma:<br />

<strong>–</strong> Ardam teus dias como o feno, <strong>–</strong> ou durem<br />

Como o fogo de tocha resinosa,<br />

<strong>–</strong> Como rosa em jardim sejam brilhantes,<br />

FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 236


237 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

”Ou baços como o cardo montesinho.<br />

Não deixes de cantar, ó triste bardo.”<br />

“E as cordas da minha harpa <strong>–</strong> da primeira<br />

À extrema <strong>–</strong> da maior à mais pequena,<br />

Nas asas do tufão <strong>–</strong> entre perfumes,<br />

Um cântico de amores exaltaram<br />

Ao trono do Senhor; <strong>–</strong> e eu disse às turbas:<br />

- Ele nos faz gemer porque nos ama;<br />

Vem o perdão nas lágrimas contritas,<br />

Nas asas do sofrer desce a demência;<br />

Sobre quem chora mais ele mais vela!<br />

Seu amor divinal é como a lâmpada,<br />

Na abóbada dum templo pendurada,<br />

Mais luz filtrando em mais opacas trevas.<br />

Eu o conheço: <strong>–</strong> o cântico do bardo<br />

É bálsamo ao que morre, <strong>–</strong> é lenitivo,<br />

Mas doloroso, mas funéreo e triste<br />

A quem lhe carpe infausto a morte crua.<br />

Mas quando a alma do justo, espedaçando<br />

O invólucro de lodo, aos céus remonta,<br />

Como estrada de luz correndo os astros,<br />

Seguindo o som dos cânticos dos anjos<br />

Que na presença do Senhor se elevam;<br />

Choro... tão bem Jesus chorou a Lázaro!<br />

Mas na excelsa visão que se me antolha<br />

Bebo consolações, <strong>–</strong> minha alma anseia


A hora em que também há de asilar-se<br />

“No seio imenso do perdão do Eterno.<br />

Chora, amigo: porém quando sentires<br />

O pranto nos teus olhos condensar-se,”<br />

“Que já não pode mais banhar-te as faces,<br />

Ergue os olhos ao céu, onde a luz mora,<br />

Onde o orvalho se cria, onde parece<br />

Que a tímida esperança nasce e habita.<br />

E se eu <strong>–</strong> feliz! <strong>–</strong> puder inda algum dia<br />

Ferir por teu respeito na minha harpa<br />

A leda corda onde o prazer palpita,<br />

A corda do prazer que ainda inteira,<br />

Que virgem de emoção inda conservo,<br />

Suspenderei minha harpa dalgum tronco<br />

Em of’renda à fortuna; <strong>–</strong> ali sozinha,<br />

Tangida pelo sopro só do vento,<br />

Há de mistérios conversar co’a noite.<br />

De acorde estreme perfumando as brisas:<br />

Qual Harpa de Sião presa aos salgueiros<br />

Que não há de cantar a desventura,<br />

Tendo cantos gentis vibrado nela.” (59)<br />

FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 238<br />

(59) GONÇALVES DIAS <strong>–</strong> Homenagem ao Dr. João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> <strong>–</strong><br />

Coimbra, junho de 1841 <strong>–</strong> Primeiros Cantos <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />

1846.


239 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />

BIBLIOGRAFIA<br />

Autorizada pelos autores ao escritor Fernando Pinheiro,<br />

excetuando-se a de domínio público.<br />

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Histórico Geográfico Brasileiro.<br />

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HENRIQUES LEAL, Antônio, <strong>–</strong> in Pantheon Maranhense <strong>–</strong> Biografia<br />

e retrato de João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> <strong>–</strong> Ano de 1874 <strong>–</strong> Acervo:<br />

Instituto Histórico Geográfico Brasileiro <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ.<br />

JOSÉ SARNEY, senador da República <strong>–</strong> in Saudades Mortas,<br />

pp. 129 e 130 <strong>–</strong> Ano 2000 <strong>–</strong> Autorização concedida, em<br />

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Banco do Brasil.<br />

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21/6/1853, 18/8/1853, 14/9/1853, 10/6/1854, 17/6/1854, 27/6/1854,<br />

26/8/1854, 2/9/1854. <strong>–</strong> Acervo: Academia de Letras dos<br />

Funcionários do Banco do Brasil.<br />

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.<br />

Apud Pantheon Maranhense, de Antônio Henriques Leal <strong>–</strong><br />

pp. 171 a 198 <strong>–</strong> Acervo: Instituto Histórico Geográfico<br />

Brasileiro.<br />

in Cemitério dos Cristãos <strong>–</strong> Tributo de Saudade <strong>–</strong> Plaquete<br />

publicada pela Typographia Monarchica <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />

1842 <strong>–</strong> Acervo: Biblioteca Nacional.<br />

MACE<strong>DO</strong>, Joaquim Manoel de, <strong>–</strong> in Ano Biográfico Brasileiro <strong>–</strong><br />

Acervo: Instituto Histórico Geográfico Brasileiro <strong>–</strong> Rio de<br />

Janeiro.


FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 240<br />

MONTEIRO, Fernando, <strong>–</strong> in A Velha Rua Direita, p. 70 <strong>–</strong> Gráficos<br />

Bloch S.A. <strong>–</strong> 1965 <strong>–</strong> Rio de Janeiro. <strong>–</strong> Autorização concedida,<br />

em 5/12/2003, por Alina Rodrigues Primavera Monteiro, viúva<br />

de Fernando Monteiro. <strong>–</strong> Acervo: Academia de Letras dos<br />

Funcionários do Banco do Brasil.<br />

OLIVEIRA, Luiz Jorge de Oliveira, diretor de Finanças do Brasil<br />

(30/3/1993 a 15/2/1995) <strong>–</strong> in A missão social do Banco do Brasil<br />

<strong>–</strong> Palestra proferida, em 20/11/1995, ao ensejo da abertura<br />

do 1° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social.<br />

<strong>–</strong> Autorização concedida, em 6/12/2006, por Luiz Jorge de<br />

Oliveira.<br />

PACHECO, Cláudio <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I, pp. 296, 352,<br />

353 377, 381, 382, 384, 388, 389, 390, 391, 396, 397, 398, 399,<br />

400, 403, 404, 406 <strong>–</strong> vol. IV, p. 17 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas<br />

S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> 1979 <strong>–</strong> Autorização concedida, em<br />

3/11/2003, por Inês de Sampaio Pacheco, filha de Cláudio<br />

Pacheco. <strong>–</strong> Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do<br />

Banco do Brasil.<br />

PINHEIRO, Tobias <strong>–</strong> in Menino do Bandolim, 140, de Tobias Pinheiro<br />

<strong>–</strong> 2ª edição <strong>–</strong> Grafos <strong>–</strong> Rio de Janeiro<strong>–</strong>RJ <strong>–</strong> 1997. <strong>–</strong> Autorização<br />

concedida, em 8/12/2003, por Tobias Pinheiro. <strong>–</strong> Acervo:<br />

Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.<br />

SACRAMENTO BLAKE, Augusto Victorino Alves, <strong>–</strong> in Dicionário<br />

Bibliográfico Brasileiro <strong>–</strong> vol. 3 <strong>–</strong> Acervo: Instituto Histórico<br />

Geográfico Brasileiro <strong>–</strong> Rio de Janeiro.<br />

VALLE DE CARVALHO, R. A. <strong>–</strong> Crônica biográfica intitulada Uma<br />

lágrima à memória do Exmo. Sr. Conselheiro João Duarte <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Serra</strong>, publicada originalmente pelo Observador de <strong>Lisboa</strong>,<br />

n° 42, de 14 de maio de 1855, e transcrita, na seção Necrologia<br />

do Pantheon Maranhense, de Antônio Henriques Leal. <strong>–</strong><br />

Acervo: Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.<br />

WILDBERG, Arnold <strong>–</strong> Os Presidentes da Província da Bahia (1824/<br />

1889), p. 311 <strong>–</strong> Galeria Nacional <strong>–</strong> Vultos Proeminentes da História<br />

Brasileira <strong>–</strong> 1° fascículo, p. 950 <strong>–</strong> Tipografia Beneditina Ltda. <strong>–</strong><br />

Acervo: Biblioteca Nacional <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ.<br />

Embora não faça parte da Bibliografia desta obra,<br />

o nome de LISBOA SERRA integra o Virtual American<br />

Biographies <strong>–</strong> Edited by Appletons Encyclopedia, conforme<br />

busca Google Internet.

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