BANCO DO BRASIL – Lisboa Serra, poeta, tribuno e presidente
BANCO DO BRASIL – Lisboa Serra, poeta, tribuno e presidente
BANCO DO BRASIL – Lisboa Serra, poeta, tribuno e presidente
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CPI <strong>–</strong> Brasil. Catalogação-na-fonte<br />
Rio de Janeiro - RJ<br />
Pinheiro, Fernando<br />
<strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong><br />
- <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 2<br />
1. <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong><br />
<strong>–</strong> LISBOA SERRA, POETA, TRIBUNO E PRESIDENTE<br />
<strong>–</strong> Criação, organização e funcionamento do Banco do<br />
Brasil (1853/1855)<br />
<strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, o campeão da luta em defesa do<br />
Banco do Brasil <strong>–</strong> Câmara dos Deputados <strong>–</strong><br />
meados do século XIX.<br />
2. HISTÓRIA 3. BIOGRAFIA INSTITUCIONAL<br />
4. ENSAIOS 5. 240 pp.<br />
Proibida a reprodução (Lei 5.988/73).<br />
Reservados todos os direitos do autor. Proibida<br />
qualquer reprodução desta obra por qualquer meio ou<br />
forma (eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia,<br />
gravação ou qualquer sistema de reprodução), sem<br />
a autorização prévia do autor.<br />
Obra amparada pelos Direitos Autorais.<br />
Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ<br />
2011
3 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
ICONOGRAFIA<br />
RETRATO DE JOÃO DUARTE LISBOA SERRA (1818/1855)<br />
Panteão Maranhense, de Antônio Henriques Leal <strong>–</strong> 1874<br />
Obra custodiada pelos seguintes acervos:<br />
Instituto Histórico Geográfico Brasileiro <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />
Biblioteca Nacional <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />
Centro Cultural Banco do Brasil <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ<br />
Galeria de Presidentes do Banco do Brasil (1854/2004)<br />
Galeria de Patronos da Academia de Letras dos Funcionários do<br />
Banco do Brasil<br />
Assembleia Legislativa Imperial<br />
Ilustração da obra Notices of Brazil in 1828 and 1829 <strong>–</strong> vol. II,<br />
p. 426, de Robert Walsh, editado, em 1830, em Londres.<br />
Digitizing sponsor: Brown University <strong>–</strong> Not in Copyright <strong>–</strong> Free<br />
Download & Streaming <strong>–</strong> Internet Archive <strong>–</strong> Mozilla Firebox.<br />
Arcos da Lapa <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />
Ilustração da obra Notices of Brazil in 1828 and 1829 <strong>–</strong> vol. I,<br />
p. 498, de Robert Walsh, editado, em 1830, em Londres <strong>–</strong><br />
Idem, idem.<br />
CÉDULAS <strong>DO</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong><br />
<strong>–</strong> 30$000 <strong>–</strong> 50$000 <strong>–</strong> 100$000 <strong>–</strong> 200$000<br />
Emitidas em 1854 (gestão do <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>)<br />
Impressas pelo American Bank Note Company <strong>–</strong> in História do<br />
Banco do Brasil, vol. II, de Cláudio Pacheco (edição 1993)<br />
<strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> Auditório Ed. SEDAN <strong>–</strong> 21° andar<br />
Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ <strong>–</strong> 20/11/1995<br />
1° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social, realizado<br />
pela Academia de Letras dos Funcionários do Banco. LUIZ JORGE<br />
DE OLIVEIRA, diretor de Finanças do Banco do Brasil (30/3/1983<br />
a 15/2/1995) faz o uso da palavra, ladeado por Alain Vallabriga,<br />
consul<strong>–</strong>geral honorário da República do Senegal <strong>–</strong> Foto: Ivanoé <strong>–</strong><br />
Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil
Apresentação<br />
SUMÁRIO<br />
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 4<br />
<strong>–</strong> A Missão Social do Banco do Brasil<br />
Luiz Jorge de Oliveira, diretor de Finanças do Banco<br />
do Brasil (30/3/1993 a 15/2/1995) 5<br />
Capítulo I<br />
<strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> e o seu tempo<br />
16<br />
Capítulo II<br />
<strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, 18° governador da Província da Bahia 58<br />
Capítulo III<br />
<strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, deputado e <strong>presidente</strong> do BB<br />
65<br />
Capítulo IV<br />
<strong>–</strong> BB: organização e funcionamento<br />
206<br />
Capítulo V<br />
<strong>–</strong> Homenagem de Gonçalves Dias a <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
235<br />
Bibliografia<br />
239
5 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
O diretor Luiz Jorge de Oliveira faz o uso da palavra, ao lado<br />
do diplomata Alain Vallabriga, cônsul<strong>–</strong>geral honorário da<br />
República do Senegal <strong>–</strong> Foto: Ivanoé<br />
Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil<br />
Apresentação<br />
A MISSÃO SOCIAL <strong>DO</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong><br />
LUIZ JORGE DE OLIVEIRA<br />
Diretor de Finanças do Banco do Brasil (30/3/1993 a 15/2/1995)<br />
É com muita honra que atendo ao convite<br />
que me foi feito pelo escritor Fernando Pinheiro para<br />
participar da abertura dos trabalhos deste Seminário<br />
promovido pela Academia de Letras dos Funcionários<br />
do Banco do Brasil, em que se procurará discutir o<br />
papel do Banco no processo de integração social.<br />
A presença e a importância do Banco na<br />
sociedade brasileira são de tal ordem a ponto de ter<br />
contribuído, ao longo de sua história, para a formação<br />
dessa egrégia Academia de Letras.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 6<br />
A história do Banco do Brasil não é a<br />
história de uma instituição cuja influência se tenha resumido<br />
exclusivamente à esfera econômica. Ao contrário, sua<br />
contribuição à sociedade brasileira vai muito além das<br />
externalidades geradas diretamente pelos empréstimos<br />
concedidos.<br />
O surgimento daquela que foi a primeira<br />
instituição financeira no País deu-se há quase dois<br />
séculos, ainda quando o Brasil era apenas uma<br />
colônia portuguesa. A contingência histórica, porém,<br />
havia trazido para este lado do Atlântico a Família<br />
Real da Coroa Lusitana, em fuga das constantes<br />
ameaças por parte das tropas francesas.<br />
Assim, em 12 de outubro de 1808, é fundado<br />
o Banco do Brasil e inaugurada, na cidade do Rio<br />
de Janeiro, a primeira de suas Dependências. Este<br />
foi o primeiro banco a funcionar nos domínios portugueses<br />
e o quarto emissor de moeda em todo o mundo, precedido<br />
apenas pelos bancos da Suécia, Inglaterra e França.<br />
Desde seu surgimento, o Banco do Brasil já<br />
trazia sua marca de estimulador do desenvolvimento<br />
econômico. Através do crédito à indústria e à agricultura,<br />
o BB também tornou possível o aprofundamento do<br />
processo de integração nacional.<br />
Assim tem sido desde o final do século<br />
passado, quando surgiram as primeiras linhas de<br />
crédito direcionadas ao assentamento de imigrantes europeus<br />
em lavouras de café, as quais passavam a sofrer os<br />
primeiros impactos da libertação da mão-de-obra<br />
escrava.
7 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Nessa mesma época, o ciclo da borracha<br />
tornava a região amazônica extremamente atrativa do<br />
ponto de vista empresarial. Reafirmando uma vez<br />
mais sua vocação desenvolvimentista e de estímulo à<br />
integração nacional, o Banco inaugura sua segunda<br />
agência em Manaus em 1908.<br />
Algumas décadas mais tarde, em 1937, é<br />
criada a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial<br />
(CREAI), através da qual o Banco institui o crédito<br />
rural especializado e lança as bases para o fomento<br />
da atividade industrial nascente.<br />
Pouco a pouco, o Banco vai firmando as<br />
bases necessárias para a promoção do desenvolvimento<br />
econômico, através de sua atuação estreita na concessão<br />
do crédito agrícola, do crédito industrial e de sua<br />
presença no comércio exterior.<br />
No entanto, o fato de pertencer à esfera de<br />
poder da União, confere à empresa de capital aberto<br />
Banco do Brasil característica peculiar de instituição pública<br />
federal. Com isso, fica evidenciado seu caráter de<br />
instrumento para a ação econômica do Governo.<br />
Em sua esfera de ação encontrava-se até<br />
meados da década de 60 a Superintendência da<br />
Moeda e do Crédito (SUMOC), que desempenhava o papel<br />
de autoridade monetária e terminou sendo substituída pelo<br />
Banco Central, criado em 1964.<br />
Além disso, o Banco exerceu durante muito<br />
tempo as principais funções e responsabilidades na<br />
cadeia do comércio internacional, mantendo, para<br />
tanto, em sua estrutura a Carteira de Comércio Exterior<br />
(CACEX).
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 8<br />
Com isso, o Banco manteve sempre a sua<br />
conduta de alguma forma voltada para o<br />
desenvolvimento do País, no sentido mais amplo do<br />
termo. Suas características de instituição financeira<br />
pública e sua condição de principal banco de Governo<br />
facilitavam a visualização de sua missão social, como<br />
subproduto de sua ação financiadora dos agentes<br />
econômicos <strong>–</strong> governo, empresas e famílias.<br />
No entanto, a dinânima de transformações na<br />
sociedade provoca mudanças também na arquitetura<br />
institucional financeira brasileira. Mudou o mundo,<br />
mudou o País, mudou o Banco.<br />
Para cumprir com as missões que lhe<br />
foram sendo atribuídas ao longo de sua História,<br />
o Banco sempre contou com recursos oficiais, orçamentários<br />
ou não, por parte de seu acionista majoritário.<br />
Mesmo com a criação do Banco Central, o<br />
Governo manteve no Banco funções de autoridade monetária.<br />
Por meio da utilização da “Conta Movimento”, o Banco<br />
movimentava recursos do orçamento monetário, a rigor,<br />
um apêndice do orçamento fiscal.<br />
Esse procedimento é substancialmente alterado<br />
em 1986, quando a Conta<strong>–</strong>Movimento é encerrada junto<br />
ao Banco do Brasil e Banco Central. A partir de<br />
então, o BB passaria, a atuar quase que integralmente<br />
com recursos próprios e os captados no mercado e,<br />
teria o seu desempenho avaliado por critérios desse<br />
mesmo mercado.
9 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Essa mudança contribui para reforçar a<br />
característica peculiar que o Banco do Brasil carrega<br />
enquanto instituição pública que mantém alguma<br />
interface com o mercado e a economia. Por um lado,<br />
ele se apresenta, enquanto organismo pertencente ao<br />
aparelho do Estado, com missão de atuar como<br />
instrumento auxiliar do Governo. Por outro, no entanto,<br />
o Banco se apresenta como instituição do setor financeiro<br />
que busca apresentar resultados positivos e concorre com<br />
uma série de outras empresas do setor.<br />
Oscilando entre esses dois eixos, público e<br />
privado, o Banco do Brasil manteve uma dualidade que<br />
chegou a atingir as avaliações do desempenho e da<br />
eficiência da Instituição.<br />
Ora, se avaliada unicamente sob a ótica<br />
dos critérios de eficiência pública, uma instituição financeira<br />
poderia apresentar um determinado resultado. Porém,<br />
caso os critérios utilizados no procedimento avaliativo<br />
fossem aqueles de eficiência privada, os resultados<br />
certamente seriam diferentes.<br />
A diretriz atual do Governo Federal aponta<br />
para um Banco do Brasil que seja eficiente, simultaneamente,<br />
em termos de seu desempenho empresarial e de agente<br />
de governo.<br />
Nessa linha de raciocínio, a definição da<br />
estratégia do conglomerado para o período 95/99<br />
estabeleceu de maneira cristalina a missão do BB de<br />
“ser o melhor banco do Brasil, assegurar a satisfação<br />
dos clientes, atender às expectativas dos acionistas e<br />
contribuir para o desenvolvimento do País”.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 10<br />
Assim, será esta postura empresarial que<br />
deverá orientar as decisões que levarão o Banco a<br />
atingir sua Visão de Futuro e a justificar sua existência<br />
enquanto instituição financeira singular.<br />
Por outro lado, o Banco deverá cada vez<br />
mais separar, e tornar transparente em tal separação,<br />
a utilização de recursos para as diferentes áreas de<br />
atuação, de modo a poder bem exercitar seu papel.<br />
Dessa forma, por exemplo, como ocorre na assistência<br />
creditícia ao setor agrícola <strong>–</strong> onde sobressai sua ação<br />
junto aos mini e pequenos produtores <strong>–</strong> ou quando se<br />
fizer presente em praças cuja escala não garante a<br />
cobertura das despesas fixas e variáveis das agências. Nesse<br />
caso, há que se cuidar de sua viabilização como empresa<br />
mediante adequada remuneração.<br />
O País vive uma nova fase, a sociedade está<br />
a exigir do Banco maior dinamismo e critérios mais<br />
explícitos de avaliação de sua eficiência empresarial.<br />
Em outras palavras, a melhor contribuição social que<br />
o Banco pode oferecer se concretiza em atingir a<br />
missão explicitada na definição estratégica.<br />
Para ser o melhor banco do Brasil, o BB<br />
deve dar um salto de qualidade, em que não seja<br />
apenas o maior banco do País. E para tanto deve<br />
incorporar critérios de aferição de eficiência mais<br />
universais.<br />
Para assegurar a satisfação de seus clientes,<br />
o Banco está invertendo a equação com a qual operou<br />
no passado. O cliente não mais vem ao Banco porque<br />
ele é o BB, mas porque assim o deseja, em face da
11 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
qualidade de seus produtos e seu atendimento. Atender bem,<br />
oferecer um bom atendimento deve fazer parte da<br />
preocupação permanente da direção e dos funcionários.<br />
Um cliente mal atendido é um cidadão insatisfeito.<br />
Uma operação mal realizada é a antítese da boa gestão<br />
dos recursos do conjunto da sociedade confiados às<br />
instituições financeiras.<br />
De outra parte, o Banco do Brasil assume<br />
a forma jurídica de uma Sociedade Anônima e<br />
deve se preocupar em atender às expectativas dos<br />
acionistas, seja ele o Governo ou as pessoas. Isso é<br />
tanto mais verdadeiro quando se imagina que os movimentos<br />
de ampliação de capital são fontes importantes de<br />
captação de recursos junto ao mercado.<br />
Na verdade, a contribuição do Banco para a<br />
promoção do desenvolvimento do País talvez seja,<br />
nos dias de hoje, a forma mais concreta para que<br />
ele revele o caráter social de sua missão.<br />
De fato, o sucesso econômico leva à melhoria<br />
das condições sociais. Não há como dissociar esses<br />
objetivos. O apoio às atividades produtivas é, portanto,<br />
efetiva contribuição social que o Banco oferece.<br />
Na busca da promoção do desenvolvimento,<br />
o Banco conta com uma série de linhas de crédito<br />
que ele oferece à sociedade. As de maior tradição são<br />
aquelas vinculadas às atividades agrícolas e de pecuária.<br />
Como principal agente do crédito agrícola no País, o BB<br />
oferece recursos para preparo, plantio, colheita e<br />
armazenagem da produção agrícola. Por outro lado,<br />
opera como agente do PROAGRO e do FINAME no<br />
âmbito rural.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 12<br />
Ao assegurar o financiamento da safra e de<br />
sua comercialização e armazenagem, o Banco acaba<br />
exercendo papel essencial no processo de formação da<br />
renda agrícola e de fixação da população rural em seu<br />
meio sócio<strong>–</strong>econômico de origem. Para isso, o BB tem<br />
difundido o Programa de Fortalecimento da Agricultura<br />
Familiar <strong>–</strong> PRONAF e Programa Especial de Geração de<br />
Renda Rural <strong>–</strong> PROGER, cujos objetivos visam melhorar<br />
a renda das famílias rurais, através de financiamentos<br />
de custeio e investimento.<br />
Um dos problemas que o País tem enfrentado<br />
nas últimas décadas refere-se aos movimentos<br />
migratórios do campo em direção às cidades, das regiões<br />
mais pobres em direção às regiões mais industrializadas e<br />
mais desenvolvidas. Ao participar diretamente do<br />
processo de fixação do homem no campo, o Banco do<br />
Brasil contribui para reduzir tal movimento, diminuindo<br />
em conseqüência a disparidade social do País. Nesse<br />
sentido, o BB vem atuando com um dos principais<br />
agentes do Programa Especial de Crédito para a Reforma<br />
Agrária <strong>–</strong> PROCERA, que visa o financiamento de<br />
assentamento de famílias em projetos aprovados pelo<br />
INCRA, contribuindo dessa maneira para a diminuição<br />
dos conflitos no campo.<br />
O Banco conta ainda com uma área<br />
voltada para os negócios com as cooperativas, através<br />
da qual consegue estabelecer contato com uma<br />
quantidade expressiva de brasileiros, atendendo a sua<br />
demanda por crédito em áreas estratégicas como<br />
agricultura, saúde e outras.
13 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
O Banco tem como uma de suas prioridades<br />
o atendimento às micro e pequenas empresas. Aliás,<br />
constitui tendência mundial estimular a criação de<br />
micro e pequenas empresas como alternativa viável<br />
de produção e desenvolvimento econômico<strong>–</strong>social.<br />
Através de acordos e convênios assinados com<br />
a SEBRAE, o Banco tem participado diretamente do<br />
esforço desenvolvido pelo poder público para criar as<br />
bases de consolidação de um sólido setor constituído<br />
por empresas de pequeno porte. Dentre os produtos<br />
mais recentes, há que se destacar o “Business Card”,<br />
através do qual o microempresário obterá crédito de<br />
até 30 dias sem maiores custos financeiros.<br />
Além disso, o Banco desenvolve atividades<br />
na área de seguridade. Constituiu recentemente<br />
empresa, em parceria com grupos privados, para<br />
atender à demanda potencial de complementação de<br />
aposentadoria individual. Ademais, constituiu empresa<br />
de previdência complementar fechada. Assim, o modelo<br />
inovador da PREVI passa a funcionar como conhecimento<br />
acumulado para novas formas de previdência. Tal<br />
novidade ocorre num momento em que a Previdência<br />
oficial apresenta problemas estruturais e de ordem financeira,<br />
devendo sofrer alterações significativas caso as alterações<br />
constitucionais sejam aprovadas.<br />
Simultaneamente, o Banco desenvolve uma<br />
série de atividades em suas relações com a comunidade,<br />
em que ficam evidenciados seus propósitos sociais. É<br />
o caso da Fundação Banco do Brasil, do esporte, da<br />
educação, do meio<strong>–</strong>ambiente e da cultura.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 14<br />
A Fundação Banco do Brasil tem apoiado<br />
iniciativas e projetos nas áreas de ciência e<br />
tecnologia, saúde e assistência social, educação, cultura,<br />
recreação e desportos e assistência a comunidades<br />
urbano-rurais.<br />
O Banco tem contribuído, também, de forma<br />
bastante expressiva para o desenvolvimento das atividades<br />
esportivas no País. Ao investir na divulgação e fixação<br />
de sua imagem junto ao público jovem, o Banco<br />
cumpre com função social de extrema importância ao<br />
ajudar o desenvolvimento dos esportes no País. Esta é<br />
uma área em que o Brasil apresenta um enorme<br />
potencial de desenvolvimento, bastando para tanto<br />
vontade de investir no futuro do esporte nacional.<br />
No que se refere às atividades culturais,<br />
além da Fundação, o Banco participa do fomento da<br />
expressão cultural e artística. É nessa linha que foi<br />
recuperado o espaço do edifício da Rua Primeiro de<br />
Março, 66, Rio de Janeiro. Aqui funciona o Centro<br />
Cultural Banco do Brasil, que tem se notabilizado<br />
pelo apoio conferido às manifestações culturais de toda<br />
ordem nesta cidade.<br />
No plano educacional, o Banco mantém o<br />
BB-Educar, para viabilizar um programa nacional de<br />
alfabetização de adultos e cidadania. A iniciativa procura<br />
engajar os funcionários nessa tarefa, realçando o<br />
compromisso social da Empresa e de seu corpo<br />
funcional, fortalecendo os laços históricos do Banco<br />
com a sociedade brasileira.
15 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
É importante registrar, ainda, que o Banco<br />
acredita que a defesa do meio-ambiente é a defesa<br />
da qualidade de vida da Humanidade. Assim, o Banco<br />
vem apoiando uma série de iniciativas, no sentido da<br />
preservação e recuperação do meio ambiente e do<br />
fortalecimento da consciência ecológica.<br />
A busca de um Banco moderno e eficiente<br />
não é incompatível com a busca de um Banco<br />
cumpridor de sua missão social e zeloso dos interesses<br />
da maioria da população. Pelo contrário, para poder<br />
exercer com mais competência sua missão social, o<br />
Banco deve contar com os elementos objetivos da<br />
realidade na qual está inserido.<br />
Finalmente, para cumprir essa tarefa com<br />
êxito, é notório o apoio do corpo funcional. Nesse<br />
sentido, recente pesquisa realizada junto aos<br />
funcionários do Banco permite supor que o papel por<br />
eles idealizado neste momento é o de um banco com marcante<br />
atuação comercial, mas que não perde de vista seu<br />
papel social. (1)<br />
(1) LUIZ JORGE DE OLIVEIRA, diretor de Finanças do Brasil<br />
(30/3/1993 a 15/2/1995) <strong>–</strong> in A missão social do Banco do Brasil<br />
<strong>–</strong> Palestra proferida, em 20/11/1995, no Auditório do Banco do<br />
Brasil <strong>–</strong> Rua Senador Dantas, 105, 21°, andar <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />
<strong>–</strong> RJ, ao ensejo da abertura do 1° Seminário Banco do Brasil<br />
e a Integração Social, promovido pela Academia de Letras dos<br />
Funcionários do Banco do Brasil, sob a presidência do escritor<br />
Fernando Pinheiro.
1<br />
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 16<br />
LISBOA SERRA E O SEU TEMPO<br />
Do Atlântico Norte ao Atlântico Sul<br />
Com aproximação dos meados do século XIX, surge<br />
um cometa riscando o céu do Brasil. A fim de<br />
marcar o evento de uma singularidade poética, a<br />
Revista Minerva Brasiliense publica O Cometa de 1843.<br />
Eis um trecho citado:<br />
“Era o mês do Trácio o quinto dia,<br />
E Sírio inda nos ares se mostrava<br />
Rutilante fanal que o sul aclara,<br />
E as naus partido buscam<br />
Em demanda da pérola formosa<br />
Que vinha abrilhantar a coroa augusta.
17 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
(...)<br />
Mas ele inda no céu brilhou por noites<br />
Sobre Orion se estendendo<br />
E quase paralelo à térrea senda<br />
E subiu e subiu, na cor morrendo,<br />
Té que foi lá topar entre as estrelas.<br />
(...)<br />
Deus os creou no espaço<br />
Deve, pois, ter um fim; nada creado<br />
Vaga incerto nos ares se librando.<br />
Oh! Quem diz que não são numes do Eterno?<br />
Oh! Quem diz que um tal astro não possa ser<br />
Anjo do sistema que passeia,<br />
Visitando os domínios que dirige?<br />
Quem diz que não será cárcere errante,<br />
Cheio d’almas de réprobos d’hum mundo,<br />
Vivo, morto, e julgado antes do nosso?<br />
Ninguém, certo, ninguém. Tais conjecturas<br />
São como outras quaisquer soltas ao vento.” (2)<br />
Revelações metafísicas contemplam as perguntas<br />
do <strong>poeta</strong>, confirmadas posteriormente por Carl Jung no<br />
inconsciente coletivo. A psicofera dos planetas viaja mundos<br />
afora levando as vibrações mentais de seus habitantes.<br />
Estrelas são mundos de luz, onde o homem, um dia, na<br />
evolução divina que se estende na alvorada dos milênios,<br />
chegará revestido da mesma substância que as<br />
envolvem.<br />
(2) A. F. DUTRA E MELLO <strong>–</strong> in Revista Minerva Brasiliense, n° 20,<br />
de 15 de agosto de 1844, vol. II, p. 624 e 625 <strong>–</strong> Acervo:<br />
Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 18<br />
É oportuno revelar que a Astronomia clássica tem<br />
por evangelho a teoria de que os quasares <strong>–</strong> núcleos<br />
luminosos de galáxias muito distantes <strong>–</strong> possuem<br />
luminosidade superior a um bilhão de vez maior que<br />
a do Sol.<br />
Na Via Láctea existem mais de cem bilhões de sóis.<br />
Em bilhões e bilhões de galáxias, quantos sóis existiriam?<br />
Isto nos leva a afirmar que o Universo é luz.<br />
Na descoberta de luas e sóis, galáxias e nebulosas,<br />
poeiras luminosas que irradiam a beleza, o mundo dos<br />
<strong>poeta</strong>s, revelando os sonhos, mostra a realidade tecida em<br />
túnica inconsútil.<br />
Luas cor<strong>–</strong>de<strong>–</strong>prata, luas alaranjadas, luas<br />
azuladas, luas das cores do pôr<strong>–</strong>do<strong>–</strong>sol, luas vestidas de<br />
arco<strong>–</strong>íris, luas cor<strong>–</strong>de<strong>–</strong>mel, luas de cores e nuances,<br />
que lembram a luminosidade do olhar de cada mulher, viajam<br />
em órbitas que o homem ainda não conhece.<br />
As teorias existentes sobre a formação do<br />
Universo ainda se debatem, umas contra as outras,<br />
simplesmente porque algumas correntes científicas não<br />
podem definir como finito o tempo e o espaço. Os<br />
mundos nascem, crescem, envelhecem, contraem-se,<br />
explodem e renascem, numa incessante transformação.<br />
A ideia de que o Universo teria surgido há<br />
15 bilhões de anos, numa grande explosão, define<br />
a morte das estrelas implodidas, os buracos negros.<br />
As hipóteses permanecem ainda em aberto porque estão<br />
surgindo a descoberta de novas muralhas de quasares.<br />
As elucubrações, que o poema O Cometa de 1843<br />
sugere, são válidas dentro de uma percepção sonhadora e<br />
feliz.
19 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
A primavera dos povos e o papa<br />
Nos meados do século XIX, o panorama<br />
mundial revela, na Europa, uma série de revoluções<br />
que tinham por finalidade promover mudanças políticas,<br />
econômicas e sociais. Essa onda de transformação social,<br />
que visava inclusive à independência e à unificação nacional,<br />
contra o domínio estrangeiro, ficou conhecida como a<br />
primavera dos povos. Entraram em turbulência social<br />
diversos países: França, Alemanha, Hungria, Áustria e<br />
Itália.<br />
Ao volver o olhar para a religiosidade de<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> e a figura central da Europa, naqueles<br />
idos, recordemos um pouco a trajetória luminosa do sumo<br />
pontífice Pio IX (cardeal Giovanni Maria Mastai-Ferreti).<br />
Logo no início do seu pontificado, em junho de<br />
1846, anistiou os antigos revolucionários nos Estados<br />
papais. Os políticos conservadores não gostaram da<br />
medida. Eclodiu o clima de revolução. Dois anos<br />
mais tarde, é obrigado a sair de Roma e refugia-se<br />
no território napolitano. Refugiado, o papa pede socorro<br />
aos países de predominância católica e, no ano seguinte,<br />
Roma é ocupada por tropas francesas que lhe<br />
permitem o retorno à cidade sitiada, em 1850. Durante<br />
toda a sua trajetória pontifícia, que se estendeu até<br />
1878, esteve sob a proteção de tropas estrangeiras.<br />
É comovedor relembrar os feitos desse grande<br />
homem que despertou a atenção dos políticos europeus<br />
que o viam, no início de seu pontificado, como líder<br />
capaz de fazer a unificação da Itália. Liberal, por<br />
excelência, amou a todos sem exclusividade de partidos<br />
ou de classes e até mesmo na Igreja, entre tantos
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 20<br />
gestos de grandeza espiritual, aboliu a obrigatoriedade<br />
dos judeus de assistirem sermões cristãos toda semana e<br />
permitiu-lhes que participassem das obras de caridade<br />
do Vaticano.<br />
Ainda dentro da contemporaneidade dessa<br />
época, o mundo espiritual ilumina as visões de<br />
Bernardette Soutirous, na gruta de Lourdes, nos Pireneus<br />
franceses, local onde se desenvolveu, com intensa<br />
frequência, um centro de peregrinação cristã, afluindo<br />
multidões de pessoas do mundo inteiro. O papa Pio IX,<br />
devoto do culto de Maria, regozija-se diante da<br />
grandiosa manifestação de fé, sem dúvida, fiel ao legado<br />
de Gregório XVI que estimulara ativamente a devoção<br />
à Imaculada Conceição.<br />
PANORAMA NACIONAL<br />
Situação política<br />
O tempo é o do II Império. D. Pedro II é o<br />
Imperador. A Corte é o Rio de Janeiro.<br />
Com o fim da guerra dos Farrapos, no Rio<br />
Grande do Sul, nos idos de 1845: “A aura romântica<br />
do movimento se expressou com a presença de Garibaldi,<br />
o herói de dois mundos”, expressão do jornalista Léo<br />
Schlafman (3), encerrou-se a fase de revoltas e lutas<br />
sangrentas que se estabeleceram em diversos recantos<br />
do País e definiu-se um curso institucional estável.<br />
(3) LÉO SCHLAFMAN <strong>–</strong> in Jornal do Brasil <strong>–</strong> 16/1/ 2003, p. A<strong>–</strong> 13.
21 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Desenvolvimento econômico<br />
Entusiasta da emissão bancária, o economista<br />
inglês Adam Smith exerceu forte influência no panorama<br />
econômico nacional. É importante observarmos:<br />
“A substituição do papel, em lugar da moeda de<br />
ouro e de prata, é uma maneira de substituir um<br />
instrumento de comércio extremamente dispendioso, por<br />
outro que custa menos e é mais cômodo.” (4)<br />
Com a divulgação do livro Riqueza das Nações,<br />
de Adam Smith, irradiou-se o pensamento econômico<br />
no Brasil, tendo como precursor José Silva <strong>Lisboa</strong>, o<br />
Visconde de Cairú e, com o advento do Decreto n° 376,<br />
de 12 de agosto de 1844, foi estabelecida uma política<br />
alfandegária.<br />
A esse respeito, citamos Cláudio Pacheco:<br />
“À sombra da proteção aduaneira, começou um<br />
moderado surto industrial no País. Dezenas de<br />
fábricas foram implantadas, notadamente de tecidos,<br />
alimentos, manufaturados de madeira e de metais. A nossa<br />
velha agroindústria de açúcar ganhou novo impulso, com a<br />
introdução de engenhos movidos a vapor, que vieram<br />
substituir antigos engenhos movidos à água ou à força<br />
animal.” (5)<br />
No período de 1842 a 1855 em que residiu<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, no Rio de Janeiro, cidade com menos<br />
de 200.000 habitantes, o panorama se apresentava<br />
(4) ADAM SMITH <strong>–</strong> in<br />
Riqueza das Nações, cap. II, vol. II.<br />
(5) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />
p. 296 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />
1979.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 22<br />
fecundo e adequado ao surgimento de novas atividades<br />
sócio-econômicas que iriam alavancar o desenvolvimento do<br />
Brasil: a reorganização dos meios de transportes da Capital,<br />
através de veículos de propriedade de Jacques<br />
Bourbousson (1844), transporte de cargas e de<br />
mercadorias, através de veículos, realizado por casas<br />
comerciais (1850), a navegação a vapor para a Europa<br />
(1851), a instalação do Tribunal do Comércio (1851),<br />
a entrega de correspondências pelo Correio (1852), a<br />
iluminação a gás nos principais logradouros públicos (1854),<br />
lançamento da máquina de costura (1854) [LOS RIOS<br />
FILHO, 1946]<br />
É ainda desse período, o estabelecimento<br />
industrial Ponta D’Areia, em Niterói, de propriedade do barão<br />
de Mauá, destinado à fabricação de guindastes de<br />
patente, molinetes, guinchos, bombas, caldeiras a vapor,<br />
fundição de peças metálicas e estaleiro de embarcações de<br />
madeira e de ferro [PACHECO, 1979].<br />
Aspectos culturais<br />
Nas décadas em que viveu <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na<br />
Capital do Império, havia apresentação de artistas<br />
italianos e franceses nos teatros. O repertório musical,<br />
conforme divulgado pelos jornais e revistas da época, era<br />
composto, em sua maioria, por obras de Wagner, Verdi,<br />
Donizetti, Bellini e Mercadante. O público também<br />
apreciava as sonatinas, os rondós, os concertos. Os<br />
recitativos de versos eram apresentados nos salões. O<br />
lirismo estava na voz dos <strong>poeta</strong>s e declamadores.<br />
Instalado em 1848 o Conservatório de Música. O Cassino<br />
Fluminense e a Estrangeira, com orquestra, recebiam os<br />
estrangeiros e aristocratas. Os bailes populares eram
23 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
realizados no Café Neuville e no Hotel de Itália [LOS<br />
RIOS FILHO, 1946]<br />
No meio de uma população em que a maioria<br />
era constituída de semi<strong>–</strong>analfabetos, uma elite de<br />
intelectuais vivia na cidade do Rio de Janeiro<br />
desfrutando do pensamento francês contido nos livros de<br />
autoria de Rabelais, Mostesquieu, Chateaubriand, Balzac,<br />
Diderot, Rousseau e Beaumarcahis [LOS RIOS FILHO, 1946].<br />
Os principais veículos de comunicação daquela<br />
época eram o Jornal do Commercio, o Correio Mercantil<br />
e o Correio da Tarde e as revistas Minerva Brasiliense, a<br />
Lanterna Mágica, o Ramalhete das Damas, o Almanaque<br />
Laemmert. O proprietário do Jornal do Commercio era J.<br />
Villeneuve, de família francesa que viria a ser<br />
conhecida, nos tempos atuais, como nome de<br />
famosos pilotos participantes de corridas de<br />
automobilismo (Fórmula 1 e Fórmula Indy).<br />
Dentre as matérias de jornal, observamos a<br />
publicação de folhetins de novela ou romance, os<br />
acrósticos em homenagem a personalidades do Império,<br />
as elegias que, naqueles idos, eram conhecidas com o<br />
nome de nênia ou epicédio. Os principais reclames, hoje<br />
denominados anúncios: leilão de escravos, movimento do<br />
porto, superior rapé, pianos ingleses legítimos, viagens de<br />
paquetes franceses a vapor, daguerreotypo (fotografia),<br />
ama de leite, coletes para senhoras (sortimento de<br />
Paris), fotografia sobre papel e marfim, papéis com<br />
pintados, depósitos de bichos, botica homeopática, etc.<br />
Gonçalves Dias, ao fazer o lançamento de<br />
Primeiros Cantos, inicia o período romântico no Brasil,<br />
Odorico Mendes, o mais conhecido tradutor de Virgílio<br />
(Eneida, Bucólicas e Geórgicas), retira-se da ilha de
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 24<br />
São Luís do Maranhão <strong>–</strong> aonde a brisa, que vem<br />
do Caribe e do Atlântico africano, retém o clima dos trópicos<br />
<strong>–</strong> e se instala no Rio de Janeiro para ser o redator da<br />
Revista Minerva Brasiliense, e se afirma como <strong>poeta</strong>,<br />
jornalista e político; <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, o <strong>poeta</strong> que<br />
encantou o mundo literário de Coimbra, retorna ao Brasil<br />
e dedica-se à política, representando, na Câmara dos<br />
Deputados, a terra natal e servindo a importantes<br />
missões do Governo imperial.<br />
Simultaneamente com a presença do grupo<br />
de intelectuais maranhenses que despertou o florescimento<br />
da literatura nacional, outros nomes de igual valor<br />
surgiram: Joaquim Manuel de Macedo, romancista, Araújo<br />
Porto Alegre, <strong>poeta</strong> e artista, Gonçalves de Magalhães,<br />
<strong>poeta</strong> e teatrólogo, Bernardo Guimarães, <strong>poeta</strong> e romancista,<br />
autor do romance Escrava Isaura que inspirou duas<br />
versões para o cinema e uma para a televisão e<br />
imortalizou, ainda em vida, a atriz Lucélia Santos no<br />
papel<strong>–</strong>título. Junqueira Freire, autor de Inspirações do claustro,<br />
Álvares de Azevedo, <strong>poeta</strong> e novelista, Casimiro de<br />
Abreu, <strong>poeta</strong>, Martins Pena, dramaturgo.<br />
Na cena teatral, era o tempo do ator João<br />
Caetano que saía pelo comércio a pedir patrocínios, e<br />
a cidade comovida ouvia a palavra de frei Francisco<br />
Mont’Alverne, o mais consagrado orador sacro da<br />
época. O <strong>poeta</strong> maranhense, Tobias Pinheiro, vice- <strong>presidente</strong><br />
da União Brasileira de Escritores, lembra-nos o famoso<br />
<strong>tribuno</strong>:<br />
“Este é o Canto do Cisne. Outros, no entanto,<br />
mais de cem, são os lúcidos sermões...<br />
Há semblantes marcados pelo pranto,<br />
agitam-se de arroubo os corações.
25 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Voz e gestos de ator, mas nele um santo<br />
se detém, conquistando as afeições;<br />
pela religião se eleva o canto,<br />
canto maior que todas as canções.” (6)<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, terníssimo <strong>poeta</strong><br />
Com o olhar em direção das paisagens<br />
cobertas de choupos e salgueiros, nos cinceirais do<br />
Minho e da Beira, em terras de Portugal, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
escreveu poesia romântica que veio enriquecer a<br />
Revista Acadêmica, da Universidade de Coimbra, a<br />
cidade hoje conhecida mundialmente nos versos da<br />
música portuguesa:<br />
“Coimbra dos doutores,<br />
Pra nós os seus cantores<br />
A fonte dos amores és tu”.<br />
Subindo pelo Vouga, de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, poesia<br />
dos idos de 1839, igualada em beleza ao romantismo da<br />
canção O pastor no rochedo, de Schubert, abre, em grande<br />
estilo, a nossa apresentação da obra poética do autor<br />
maranhense. Seus primeiros versos seguem rumo a<br />
paisagem da natureza, musa que lhe inspira doce<br />
enlevo: (7)<br />
(6) TOBIAS PINHEIRO <strong>–</strong> in Menino do Bandolim, 140, de Tobias<br />
Pinheiro <strong>–</strong> 2ª edição <strong>–</strong> Grafos <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ <strong>–</strong> 1997.<br />
(7) LISBOA SERRA <strong>–</strong> in Pantheon Maranhense, de Antônio Henriques<br />
Leal <strong>–</strong> pp. 171 a 198 <strong>–</strong> Acervo: Instituto Histórico Geográfico<br />
Brasileiro.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 26<br />
“Sumiu-se o sol! É quase amortecida<br />
A muda desmaiada natureza!<br />
E em dormente langor, em paz serena<br />
Parece molemente reclinar-se<br />
Nos torvos braços da calada noite,<br />
Que de sombras em leito majestoso<br />
A vai acalentando”.<br />
Na 2ª estrofe em diante, a poesia continua<br />
descrevendo o pôr-do-sol, o cenário bucólico que cerca o<br />
pastor em cismares profundos que a saudade inspira.<br />
Vamos ver a cena que o <strong>poeta</strong> nos legou:<br />
“Sumiu-se o sol! E as prateadas nuvens<br />
Que sobranceiras podem vê-lo ainda<br />
Perder-se pelo abismo, vão-se orlando<br />
De rica franja, que em matiz mimoso<br />
As cores d’alma todas têm pintadas<br />
Na hora da saudade.<br />
O manso gado, que na oposta margem,<br />
Pascendo ao som de pastoris avenas<br />
Gozou do dia fúlgidos ardores<br />
Ora vadeia vagaroso o rio,<br />
Ora já do aprisco ruminando à porta,<br />
E do tenro filhinho a tez lambendo<br />
Pelo pastor aguarda.<br />
Tudo respira plácido sossego!<br />
Só ligeiro batel, que vai cortando<br />
A branda face do cristal luzente,<br />
Ondas formando que os anéis retratam<br />
Crespas, mimosas, de engraçada coma,<br />
Com sumido suspiro está turbando<br />
O silêncio geral à hora tão meiga,<br />
E sobre o leito de brilhantes pérolas<br />
Obriga a tremular suavemente<br />
Os salgueiros da margem...
27 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Com os olhos fitos no arenoso fundo,<br />
Rosto sombrio, definhado aspecto,<br />
No tosco bordo o peito debruçado<br />
E, suspensa no braço, a fronte pálida<br />
Como quem todo em si embevecido<br />
D’angústias sofre dolorosos transes<br />
Vai aflito mancebo.<br />
Debalde intenta procurar nos ecos<br />
Consolo a seus pesares;<br />
Aperta-lhe a garganta atroz cadeia,<br />
Mais rígida que o bronze e lhe sufoca<br />
A triste voz no peito...<br />
Os olhos estão secos, nem das pálpebras<br />
Túmidas, como enchente represada,<br />
Lhe é dado verter mágicas gotas,<br />
Que lhe molhando as faces lhe mitiguem<br />
Os sofrimentos d’alma.<br />
Em vão pretende do ansiado peito<br />
Um suspiro soltar, que amenizando<br />
D’amargas aflições atro veneno,<br />
Lhe consista provar na soledade<br />
Doce melancolia;<br />
Sem aos lábios chegar, seus ais fenecem<br />
Os mais acerbos pelo baldo esforço<br />
Na fonte, que os verteu, vai entornando<br />
Requinte das essências de amarguras<br />
De negro fel em bagas.<br />
Quem tantas dores lhe entranhou no seio?<br />
Quem lhe gravou no juvenil semblante<br />
A macilenta cor que tinge as faces<br />
No extremo da agonia?
Ah! Não me iludes, sedutor enleio!<br />
Que traz ele o cuidado em triste ausência,<br />
Afogam-lhe o sorrir memórias ternas,<br />
Disfarçadas com as vestes de amargura:<br />
É essa dor que lhe corta os seios d’alma<br />
É a dor da saudade.”<br />
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 28<br />
Ainda na segunda estrofe, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
encontra similaridade entre as prateadas nuvens do<br />
pôr-do-sol e as cores, em matiz mimoso, que estão<br />
n’alma do pastor. A saudade, mesmo sendo atroz, tem<br />
a cor do poente. Belas imagens de elevada inspiração.<br />
Nas terceira e quarta estrofes, o <strong>poeta</strong><br />
descreve a movimentação do cenário, “O manso gado,<br />
que na oposta margem, / pascendo ao som de pastoris<br />
avenas” e o deslizar de um ligeiro batel faz ondas no rio,<br />
“Com sumido suspiro está turbando/ O silêncio geral à hora tão<br />
meiga, / E sobre o leito de brilhantes pérolas / Obriga a<br />
tremular suavemente / Os salgueiros da margem...”<br />
Em seguida, o autor retrata as paisagens<br />
íntimas em que está envolvido o personagem, um jovem<br />
pastor em transes de aflição. É um mergulho à alma,<br />
ao recôndito do coração, onde se encontram guardados<br />
os segredos e os mistérios da vida. O mundo íntimo<br />
de cada um é tão complexo quanto o mundo externo<br />
onde as aparências têm o seu reino. Se houver<br />
desencantos, a criatura humana logo terá condições<br />
de buscar atitudes que gerem conforto e refazimento<br />
interior.<br />
As sete últimas estrofes do poema Subindo pelo<br />
Vouga, de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, espelham a realidade daqueles<br />
que sentem saudades e estão mergulhados na<br />
sensação de perda de algo ou de alguém. Este<br />
sofrimento ainda existe, de forma atroz, porque os
29 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
sofredores ainda não tiveram oportunidade de<br />
compreender o destino. Por que alguém deposita toda a<br />
sua alma num corpo que vai morrer, numa situação<br />
que vai acabar? Onde está a transcendência?<br />
O vate maranhense, por antonomásia, O cisne<br />
de Itapecuru, compreendeu o sentido da saudade na mesma<br />
intensidade em que sentiu Fagundes Varela, o último<br />
<strong>poeta</strong> do período romântico brasileiro, ao escrever O<br />
Evangelho na Selva, a mais bela elegia escrita em língua<br />
portuguesa, segundo Carlos Drummond de Andrade e uma<br />
das 10 mais consagradas no mundo inteiro, na<br />
apreciação do <strong>poeta</strong> Ivo Barroso.<br />
Neste contexto, a última estrofe do poema vem<br />
revestida da sabedoria que deslinda os enigmas do<br />
caminhar:<br />
“Ah! Não me iludes, sedutor enleio!/ Que traz ele o<br />
cuidado em triste ausência, / Afogam-lhe o sorrir memórias<br />
ternas, / Disfarçadas com as vestes de amargura:/ É essa<br />
dor que lhe corta os seios d’alma / É a dor da saudade.”<br />
Ao iniciarmos a apresentação da poesia Ao<br />
correr das lágrimas, de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, contida na obra<br />
Parnaso Maranhense, de diversos autores, ressaltamos que<br />
o tema < saudades > persiste com bastante ênfase.<br />
O texto é derramado em versos que, a princípio,<br />
lembram o estilo que iria, tempos depois, ser<br />
adotado pelo <strong>poeta</strong> paraibano Augusto dos Anjos, sem<br />
ter a consistência romântica do <strong>poeta</strong> maranhense, mas<br />
de grande beleza nas formas aparentemente tétricas.<br />
Abrangendo sutilmente a área metafísica, o<br />
autor homenageado tem recursos filosóficos que estão<br />
em processo de transmutação. Eis o texto contido na<br />
obra citada:
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 30<br />
“Borbulhai, doces lágrimas; caí-me<br />
Por sobre as murchas faces desbotadas<br />
Pelo afã da saudade; <strong>–</strong> vinde, amigas,<br />
Vinde abrandar-me com o roçar mavioso<br />
Este febril ardor que as afogueia.<br />
Assim... assim, correi; oh! São mais doces<br />
Os vossos ternos ósculos que os beijos<br />
Das formosas Huris; cala-me n’alma<br />
Um bálsamo suavíssimo que embebe<br />
As fibras todas do ulcerado peito<br />
E a medula dos ossos m’ estremece.<br />
A terra em que caís envolve os restos<br />
De dois entes que amei com as forças d’ alma;<br />
Regai-a, minhas lágrimas, ditosas.”<br />
Desdobramos o primeiro bloco do poema com<br />
as palavras iniciais de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: “Borbulhai, doces<br />
lágrimas: caí-me”. Materialmente, sabemos que elas são<br />
salgadas mas o <strong>poeta</strong>, amando-as intensamente, disse<br />
“doces lágrimas” e, revestindo-as nesse grande amor,<br />
acrescentou com ternura: “Assim... assim, correi os vossos<br />
ternos ósculos são mais doces que os beijos das formosas Huris”.<br />
O escritor Lúcio de Mendonça, pai de Daniel<br />
de Mendonça, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (27/12/1922 a<br />
21/02/1923 <strong>–</strong> interino), também nos falou das famosas huris<br />
(virgens belas do Alcorão, mulheres de beleza prodigiosa):<br />
“o paraíso maometano, com todas as huris do profeta,<br />
não sorria mais delicioso à mente sonhadora do<br />
beduíno errante!” (8)<br />
(8) LÚCIO DE MEN<strong>DO</strong>NÇA, imortal da Academia Brasileira de<br />
Letras <strong>–</strong> in Esboços e Perfis, p. 109.
31 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Assim como na poesia anterior (Subindo pelo<br />
Vouga, de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>) que contém os versos: “Lhe é<br />
dado verter lágrimas / Que lhe molhando as faces lhe mitiguem<br />
/ Os sofrimentos d’alma./, o <strong>poeta</strong>, ainda neste bloco,<br />
apresenta-nos uma fórmula mágica, de efeito terapêutico:<br />
chorar: “... calam-me n’alma/ Um bálsamo suavíssimo que<br />
embebe / As fibras todas do ulcerado peito / E a medula<br />
dos ossos m’ estremece.<br />
A seguir, no segundo bloco do poema, o<br />
autor acredita nesta transcendência que alcança o reino<br />
da espiritualidade. Mesmo com a separação do corpo<br />
físico, é sempre a alma que sente, conforme veremos a<br />
seguir: “Sentir doce emoção, ao toque elétrico / Das lágrimas<br />
de um pai, hão de vibrar-se, / E lá no céu, no coro dos<br />
hosanas, / Hão de n’ esta revelar saudades.”<br />
Os dons concedidos pela clemência de Deus,<br />
segundo se vê na poesia, não têm preço nem louvores<br />
na linguagem dos seres humanos, nem retiram a<br />
lembrança dos amores que partiram. No entanto, se<br />
houvesse a destruição dos liames afetivos, num<br />
esquecimento eterno, conclui o <strong>poeta</strong>: “... oh! Menos belo, /<br />
Menos grande seria o dom celeste!...”. Eis, na íntegra, o<br />
bloco que acabamos de comentar:<br />
“Ide beijar-lhe as lourinhas tranças,<br />
Ensopar seus ossinhos descarnados<br />
E sumir-vos enfim nas cinzas d’ ambos.<br />
Oh! Sim hão de esses restos inanidos<br />
E à-toa pelos vermes espalhados<br />
Sentir doce emoção, ao toque elétrico<br />
Das lágrimas de um pai, hão de vibrar-se,<br />
E lá no céu, no coro dos hosanas,<br />
Hão de n’esta revelar saudades.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 32<br />
Saudades? Sim, que em glória embora envoltos<br />
Dos anjos na mansão, junto ao Eterno,<br />
Jamais olvidarão doces primícias<br />
Que gozaram na Terra, e muitas vezes<br />
Tantas delícias trocaram gostosos<br />
Pela tenra lembrança do passado ...<br />
Os beijos maternais quem há de dá-los<br />
Tão suaves no céu? Que seio d’anjo<br />
Pode ao seio d’hum Pai ser igualado<br />
Quando entre risos o filhinho estreita<br />
Em fervoroso amplexo? E os brincos<br />
Infantinos do Irmão? E o doce enlevo<br />
Dos mimos de uma Irmã? Oh! É sublime<br />
A clemência de Deus; <strong>–</strong> aos Seus eleitos<br />
Concede dons sem preço, sem louvores<br />
Na língua dos humanos, mas se acaso<br />
Lhe tirasse a lembrança maviosa<br />
De quanto n’este mundo mais amaram,<br />
Se de todo vedasse as esperanças,<br />
E destruísse os laços que os prendiam<br />
Aos entes que na vida idolatraram,<br />
Se um olvido perpétuo... oh! Menos belo,<br />
Menos grande seria o dom celeste!...”<br />
A seguir, no último bloco, é bem reflexivo o<br />
trecho do poema: “... assim tudo / Nesta vida s’esvai,<br />
acaba, esquece! ...” ; o autor finaliza dirigindo-se, a<br />
exemplo do santo de Assis que fala do irmão Sol e da<br />
irmã Lua, aos ventos da tarde e à lua dos fulgores<br />
para não esquecer seus amados que se foram, e até<br />
encerra suplicando: “Em torno modulai-lhes dúlios cânticos”. Eis<br />
o texto:<br />
“Sagradas cinzas, inanidos restos<br />
Dos filhos que adorei, mimoso símbolo<br />
De inocência e de paz; esta capela<br />
De flores, como vós, puras, singelas,
33 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Esta capela que ensopou, tecendo,<br />
De prantos vossa Mãe de dor transida,<br />
Há de breve murchar; hão de por terra<br />
Pelo vento rojadas flores, flores<br />
Para sempre perder-se... assim tudo<br />
Nesta vida s’ esvai, acaba, esquece!...<br />
Eterna é só a dor pungente, amarga<br />
Que n’ alma, qual tesouro, preservamos<br />
Com avaro egoísmo.<br />
Vicejai formosíssimas,<br />
Florinhas que plantei junto ao seu túmulo!<br />
E vós, ó zéfiros, que guias a tarde:<br />
E vós, ó lua, que espargis fulgores<br />
No silêncio da noite, ouvi piedosos<br />
Meus gemidos sem fim; n’ esta erma estância.<br />
Oh! Não os olvideis, sede-lhe sócios<br />
Em torno modulai-lhes dúlios cânticos.”<br />
Prosseguindo a apresentação da poesia No cemitério<br />
dos cristãos, de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, queremos ressaltar inicialmente<br />
as imagens ideoplásticas de rara beleza: “E vós, ó zéfiros,<br />
que guias a tarde, E vós, ó lua, que espargis fulgores no<br />
silêncio da noite”. O tema elegíaco sempre mereceu<br />
apreciação dos artistas que o interpretaram e dos<br />
compositores que o elevaram à transfiguração.<br />
Neste contexto, surgiram, na cena lírica,<br />
Orfeu, de Gluck, Tristão e Isolda, de Wagner, no canto<br />
os belíssimos réquiens (Mozart, Verdi, Bruckner, etc.), A<br />
morte e a donzela, de Schubert, e no balé A morte do<br />
cisne, do Lago do Cisne, de Tchaikowsky.<br />
Ao retornar a São Luís do Maranhão, em<br />
março de 1842, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> prestou <strong>tribuno</strong> à<br />
memória de sua irmã Leonor, no cemitério local, de<br />
onde surgiu a inspiração para escrever a elegia
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 34<br />
No cemitério dos cristãos. Antes, anotou palavras que<br />
inspiram uma prece sentida:<br />
“Em qualquer recanto do Globo em que me asile,<br />
no labiríntico tumultuar das cortes, ou no plácido remanso<br />
da natureza, no centro da risonha prosperidade, ou a<br />
braços com a feia adversidade, oh! nunca este dia<br />
deixará de ser por mim consagrado à mais viva, à<br />
mais pungente saudade, nem os meus suspiros,<br />
convertidos em ardentes preces, deixarão de subir ao<br />
trono do Senhor”.<br />
O tema central da elegia No cemitério dos<br />
cristãos, de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, é a saudade e as meditações<br />
acerca da vida em outra dimensão maior. Assim é o<br />
início do canto elegíaco:<br />
“Asilo da solidão!... morada escusa<br />
Dos mortos! Quão sublime falas<br />
Ao coração do Vate, que te busca<br />
De saudosas memórias repassado,<br />
(Oh! Quão saudosas!) e no pó das campas<br />
Vem meditar saudades, que revela<br />
silêncio dos túmulos!” (9)<br />
Acompanhar o pensamento poético de <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong> é o mesmo que ouvir a avena tangida ao longe<br />
pelo pastor, a musicalidade tem o dom de conduzir<br />
rebanhos. Se fôssemos comparar, em música, a poesia<br />
do <strong>poeta</strong> maranhense, com certeza, iríamos citar o<br />
Réquiem (parte V), de Anton Bruckner. Em 20/9/2009, o<br />
maestro Charles Roussin, à frente da Camerata Antíqua<br />
de Curitiba. regeu esta música.<br />
(9) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1//1855) <strong>–</strong> in Cemitério dos Cristãos <strong>–</strong> Tributo de Saudade <strong>–</strong><br />
Typographia Monarchica <strong>–</strong> 1842 <strong>–</strong> Acervo: Biblioteca Nacional.
35 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Como nos cabe o privilégio de escrever sobre<br />
esta poesia, redigida em 10 de março de 1842, no<br />
mesmo ano em que Gonçalves Dias publicava Primeiros<br />
Cantos, frisamos que o período é romântico e as<br />
circunstâncias dolorosas que envolveram o recémchegado<br />
doutor de Coimbra, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, deixaram-no<br />
em profunda reflexão acerca da vida que veio<br />
numa expressiva mensagem de transfiguração.<br />
A invocação meditativa do <strong>poeta</strong> à sua irmã<br />
coloca-o, nestes versos de saudades, num vazio em<br />
que há um profundo sentimento de perda:<br />
“Irmã! ... nome do céu com que se ameiga<br />
A índole mais crua! ... nos meus braços<br />
Jamais tens de roçar sem que as entranhas<br />
Com farpa envenenada vá calar-me<br />
Raladora saudade! ... A casta, a pura<br />
Companheira fiel da infância minha,<br />
Irmã do sangue e d’ alma me há fugido,<br />
Fugido!... e para sempre! ...<br />
P’ra sempre! (Voz cruel do desengano!)<br />
P’ra sempre m’ a roubou a fria lousa<br />
Do gelado sepulcro! ...<br />
A saudade aperta-lhe o coração e recorda:<br />
“Não mais hão de o seu colo de alabastro<br />
Cingir os braços meus; <strong>–</strong> dos róseos lábios<br />
Não mais um meigo riso, uma ternura,<br />
Uma palavra só da voz tão meiga! ...”<br />
A invocação entra no campo do sagrado, o<br />
<strong>poeta</strong> recorda:<br />
“Doce nome de irmão! Com que magia<br />
Saía d’esses lábios inocentes!<br />
Essa voz divinal, só merecia<br />
Os cânticos de Deus; <strong>–</strong> ao céu voaste,
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 36<br />
Anjo meu muito amado, e lá modulas<br />
Os cânticos de Deus: asinhas brancas<br />
Nos azulados ares te equilibram<br />
Em torno do Seu trono.<br />
Mas ah! Não percas tu com a forma angélica<br />
Ideias do passado (tão ditoso)<br />
Lá no seio da glória uma lembrança<br />
Guarda do Irmão querido!”<br />
(...)<br />
Espraiando o olhar sobre os jazigos do<br />
cemitério, aquele olhar do mundo das formas e das<br />
aparências em que inspirou o rei Salomão a falar do<br />
mesmo assunto, o <strong>poeta</strong> contemplou o final daqueles<br />
que se apegam a este mundo:<br />
“Vaidade d’ este mundo! Vã soberba!<br />
Ostentação! Grandezas! Eis a escolha<br />
Onde certo o naufrágio vos espera!”<br />
A luz original, que o compositor austríaco<br />
Gustav Mahler a transformou em sinfonia, ilumina os<br />
escritos do <strong>poeta</strong>:<br />
“No berço, e no sepulcro, <strong>–</strong> dois elos<br />
Da viagem do homem sobre a terra <strong>–</strong><br />
Seus desígnios bem claros patenteiam.<br />
Iguais todos formando a natureza.<br />
Mas na cega carreira o mortal cego,<br />
Da essência deslembrado, não receia<br />
Transgredir esta lei suave e doce!<br />
Tão suave, tão doce, que bastara<br />
Delícias a entornar sobre o universo!<br />
Ah! Se viesse meditar nas campas<br />
Um’ hora ao menos o mortal na vida! ”<br />
A inspiração poética, revelada a seguir, denota<br />
a sabedoria que vem do Ganges: “Na literatura védica<br />
está escrito que há duas maneiras do ser humano deixar
37 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
o mundo material: uma na luz e outra na escuridão. Quando<br />
ele vai na luz, não volta; mas se ele partir na escuridão,<br />
volta.” (10) Eis os versos de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>:<br />
“Mas tu sorris de gosto lá no empíreo<br />
Tu és grata ao Senhor, e não te lembra<br />
peso que na terra abandonaste.”<br />
A invocação meditativa finaliza expressando o<br />
conforto espiritual que a religião transmite:<br />
“Doce religião! Sem o teu bálsamo<br />
Que seria o mortal nas amarguras<br />
Da vida? Este conforto tão suave<br />
Quem me daria? Quem? Se tu não foras?”<br />
Completando a homenagem elegíaca, ainda no<br />
texto da poesia No cemitério dos cristãos, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
apresenta-nos diversas trovas, com rimas nos 2° e 4°<br />
versos:<br />
“Ela era a própria inocência<br />
A beleza, a castidade;<br />
Arraiava-lhe nas faces<br />
A flor mimosa da idade.<br />
Tinha a virtude no peito,<br />
Trazia a paz no semblante:<br />
meigo som de sua voz<br />
Era doce, insinuante.<br />
Um só volver de seus olhos,<br />
De seus lábios um sorriso<br />
Na terra aos mortais lembrava<br />
Delícias do paraíso.<br />
(10) FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> in A Sarça Ardente, p. 78 <strong>–</strong> Folha<br />
Carioca Editora <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ <strong>–</strong> 1988 <strong>–</strong> Prêmio<br />
Nacional de Livros Publicados <strong>–</strong> AICLAF / Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ.
E qual o lírio fragrante<br />
Que rijo ferro ceifou,<br />
Tantos encantos n’ um dia<br />
A dura Parca roubou!<br />
Ah! Foi um anjo,<br />
Que ao céu subiu...<br />
Foi uma rosa<br />
Que não se abriu...<br />
Foi um perfume<br />
Que s’ exalou...<br />
Uma harmonia<br />
Que ressoou ...”<br />
Foi uma estrela<br />
Que resplendeu<br />
E n’ um momento<br />
Desapareceu...<br />
Era uma inerme,<br />
Casta pombinha;<br />
Doce esperança<br />
Só no céu tinha.<br />
Ouvia perto<br />
Piar abutre<br />
Que de inocência,<br />
Fero, se nutre.<br />
Ao céu voando<br />
Símbolo de amor,<br />
Fugiu às garras<br />
De negro açor.<br />
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 38
39 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
E o anjo e a rosa,<br />
Mago perfume<br />
E a harmonia<br />
Que dons resumem.<br />
Como há na pedra<br />
P’ro aço rude<br />
Em Deus há imã<br />
Para a virtude.” (11)<br />
O consagrado <strong>poeta</strong> Gonçalves Dias, em junho<br />
de 1841, quando estava na Universidade de Coimbra,<br />
Portugal, escreve um epicédio, o 1° canto do bardo<br />
maranhense, em solidariedade à dor de seu amigo e<br />
companheiro de bancos escolares, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>:<br />
Epicédio<br />
Passa la bella donna e par che dorma.<br />
Tasso<br />
Seu rosto pálido e belo<br />
Já não tem vida nem cor!<br />
Sobre ele a morte descansa,<br />
Envolta em baço palor.<br />
Cerraram-se olhos tão puros,<br />
Que tinham tanto fulgor;<br />
(11) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> in Cemitério dos Cristãos <strong>–</strong> Tributo de Saudade <strong>–</strong><br />
Typographia Monarchica <strong>–</strong> 1842 <strong>–</strong> Acervo: IHGB <strong>–</strong> Instituto<br />
Histórico Geográfico Brasileiro.
Coração que tanto amava<br />
Já hoje não sente amor;<br />
Que o anjo belo da morte<br />
A par desse anjo baixou!<br />
Trocaram brandas palavras,<br />
Que Deus somente escutou.<br />
Ventura, prazer, ledice<br />
Duma outra vida contou;<br />
E o anjo puro da terra<br />
Prazer da terra enjeitou.<br />
Depois co’as asas candentes<br />
O formoso anjo do céu<br />
Roçou-lhe a face mimosa,<br />
Cobriu-lhe o rosto co’um véu.<br />
Depois o corpo engraçado<br />
Deixou à terra sem vida,<br />
De tênue palor coberto,<br />
<strong>–</strong> Verniz de estátua esquecida.<br />
E bela assim, como um lírio<br />
Murcho da sesta ao ardor,<br />
Teve a inocência dos anjos,<br />
Tendo o viver duma flor.<br />
Foi breve! <strong>–</strong> mas a desgraça<br />
A testa não lhe enrugou,<br />
E aos pés do Deus que a criara<br />
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 40
41 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Alma inda virgem levou.<br />
Sai da larva a borboleta,<br />
Sai da rocha o diamante,<br />
De um cadáver mudo e frio<br />
Sai uma alma radiante.<br />
Não choremos essa morte,<br />
Não choremos casos tais;<br />
Quando a terra perde um justo,<br />
Conta um anjo o céu de mais.<br />
O primeiro canto escrito por GONÇALVES DIAS<br />
(dedicado ao Dr. João Duarte LISBOA SERRA)<br />
Epicédio<br />
On dirait que le ciel aux coeurs plus magnanimes<br />
Measure plus de maux.<br />
Lamartine<br />
Perfeita formosura em tenra idade<br />
Qual flor, que antecipada foi colhida,<br />
Murchada está da mão da sorte dura.<br />
Camões<br />
Lá, bem longe daqui, em tarde amena,<br />
Gozando a viração das frescas auras,<br />
Que do Brasil os bosques brandamente<br />
Faziam balançar, <strong>–</strong> e que espalhavam<br />
No éter encantado odor, pureza <strong>–</strong><br />
Do que a rosa mais bela, <strong>–</strong> meiga e casta,<br />
Como as virgens do sol,
Que de vezes não foi ela pendente<br />
Dos braços fraternais em meigo abraço;<br />
Como mimosa flor presa, enlaçada<br />
A tenro arbusto que a vergôntea débil<br />
Lhe ampara docemente. . .<br />
E o Irmão que só nela se revia,<br />
O Irmão que a adorava, qual se adora<br />
Um mimo do Senhor;<br />
Que a tinha por farol, conforto e guia,<br />
Os seus dias contava por encantos;<br />
E as virtudes co’os dias pleiteavam.<br />
E ela morreu no viço de seus anos!...<br />
E a laje fria e muda dos sepulcros<br />
Se fechou sobre o ente esmorecido<br />
Ao despontar de vida<br />
Tão rica de esperanças e tão cheia<br />
De formosura e graças!...<br />
Campa! campa! que de terror incutes!<br />
Quanto esse teu silêncio me horroriza!<br />
E quanto se assemelha a tua calma<br />
À do cruel malvado que impassível<br />
Contempla a sua vítima torcer-se<br />
Em convulsões horríveis, desesp’radas;<br />
Cruas vascas da morte!...<br />
Quem tão má fé te criou?<br />
Tu que tragas o ente que esmorece<br />
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 42
43 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Ao despontar de vida<br />
Tão rica de esperanças e tão cheia<br />
De formosura e graças?!<br />
O farol se apagou? A luz sumiu-se!<br />
Como o fugaz clarão do meteoro,<br />
Extinguiu-se a esperança; e o malfadado<br />
Sobre a terra deserta em vão procura<br />
Traços dessa que amou, que tanto o amara,<br />
Da jovem companheira de seus brincos,<br />
Pesares e alegrias.<br />
Ele a procurai... o viajor pasmado<br />
Nos campos de Pompeia, alonga a vista<br />
Pela amplidão do plano,<br />
Destroços e ruínas encontrando,<br />
Onde esperava movimento e vida.<br />
Não poder eu a troco de meu sangue<br />
Poupar-te dessas lágrimas metade!<br />
Oh! poder que eu pudesse! <strong>–</strong> e almo sorriso.<br />
Que tanto me compraz ver-te nos lábios,<br />
Inda uma vez brilhasse!<br />
E essa existência,<br />
Que tão cara me é, ta visse eu leda,<br />
E feliz como a vida dos Arcanjos!<br />
Infeliz é quem chora: ela finou<strong>–</strong>se,<br />
Porque os anjos à terra não pertencem:<br />
Mas lá dos imortais sobre os teus dias
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 44<br />
A suspirada irmã vela incessante.<br />
Vinde, cândidas rosas, açucenas,<br />
Vinde, roxas saudades;<br />
Orvalhai, tristes lágrimas, as c’roas,<br />
Que hão de a campa adornar por mim depostas<br />
Em holocausto à vítima da morte.<br />
Inocência, pudor, beleza e graça<br />
Com ela nessa campa adormeceram.<br />
Anjo no coração, anjo no rosto,<br />
Devera o amor chorar sobre o teu seio,<br />
Que não grinaldas fúnebres tecer-te;<br />
Devera voz d’esposo acalentar-te<br />
O sono da inocência, <strong>–</strong> não grosseira<br />
Canção de trovador não conhecido.” (12)<br />
Nos idos de 1855, por recomendação médica,<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> afastou-se da Presidência do Banco do<br />
Brasil; momentos antes de morrer, pressentindo a<br />
mudança do destino de sua vida, escreveu a última<br />
poesia, com o título em latim, Domine Exaudi Orationem<br />
Meam!:<br />
“Morrer tão moço ainda! Quando apenas<br />
Começava a pagar à pátria amada<br />
Um escasso tributo, que devia<br />
A seus doces extremos!”<br />
(12) GONÇALVES DIAS <strong>–</strong> in Homenagem a <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> <strong>–</strong> Epicédio<br />
escrito na Universidade de Coimbra <strong>–</strong> 1841.
45 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Morrer tendo no peito tanta vida,<br />
Tanta ideia na mente, tanto sonho,<br />
Tanto afã de servi-la, caminhando<br />
Ao futuro com ela!...<br />
Se ao menos de meus filhos eu pudesse,<br />
Educados por mim, legar-lhes o esforço...<br />
Mas, ah! Que os deixo <strong>–</strong> tenras floresinhas<br />
À mercê dos tufões.<br />
Vencerão das paixões o insano embate?<br />
Sucumbirão na luta do egoísmo?<br />
As crenças, a virtude, o sentimento<br />
Quem lhes há de inspirar?<br />
Não te peço, meu Deus, mesquinhos gozos<br />
D’ este mundo ilusório mas suplico<br />
Tempo de vida <strong>–</strong> quanto baste apenas <strong>–</strong><br />
Para educar meus filhos.<br />
É curto o prazo, dai-me embora o fel<br />
Dos sofrimentos, sorverei contente,<br />
Lúcida a mente, macerai-me as carnes<br />
Estortegai-me o corpo.<br />
E após, tranquilo, volverei ao seio<br />
Da eternidade. A fímbria do Teu manto,
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 46<br />
Face em terra, beijando-o, <strong>–</strong> o meu destino<br />
Ouvirei de Teus lábios”. (12)<br />
Vida Acadêmica<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> era sócio do Instituto Histórico<br />
Geográfico Brasileiro. Durante o 2° Reinado, outros<br />
<strong>presidente</strong>s do Banco do Brasil pertenceram àquele<br />
Instituto: Visconde de Itaboraí, Conselheiro Cândido<br />
Batista de Oliveira, Visconde de Inhomirim, Visconde<br />
de Jequitinhonha, Barão de Cotegipe.<br />
A respeito da vida acadêmica de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />
o dicionarista bibliográfico Sacramento Blake registra<br />
as seguintes informações:<br />
“Foi um dos fundadores da Sociedade de<br />
Estatística, sócio do Instituto Histórico e Geográfico<br />
Brasileiro, e cultor fervoroso das letras, principalmente<br />
da poesia, desde os bancos acadêmicos, época em<br />
que foi colaborador da Crônica Literária, de Coimbra.<br />
Escreveu:<br />
<strong>–</strong> Subindo pelo Vouga <strong>–</strong> que publicou com muitas<br />
outras na Revista Acadêmica, de Coimbra, 1839, e<br />
vem reproduzida no Pantheon Maranhense, tomo 2°,<br />
pp. 177 a 179 ;<br />
(12) LISBOA SERRA <strong>–</strong> Apud Pantheon Maranhense, de Antônio<br />
Henriques Leal <strong>–</strong> pp. 171 a 198 <strong>–</strong> Ano de 1874 <strong>–</strong> Biografia e<br />
retrato <strong>–</strong> Acervo: Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.
47 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
<strong>–</strong> No cemitério dos cristãos: elegia <strong>–</strong> escrita ao<br />
visitar o túmulo de sua irmã, falecida um ano<br />
antes, achando-se ele em Coimbra <strong>–</strong> Vem no Tributo<br />
de saudade, à memória de sua suspirada irmã, dona<br />
Leonor Francisca <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, publicado no<br />
Maranhão em 1842, e no dito Pantheon, tomo 2°, pp.<br />
180 a 186;<br />
<strong>–</strong> Um adeus aos meus amigos. Coimbra, 1841. É<br />
uma poesia em sua retirada da universidade.<br />
<strong>–</strong> Domine, exaudi orationem meam <strong>–</strong> É a sua última<br />
composição poética; e uma enternecida prece, partida<br />
de um coração de pai estremecido à lembrança<br />
cruel, de deixar seus filhos órfãos, escrita pouco<br />
antes de morrer, publicada no Correio Mercantil, e<br />
depois na Selecta Brasiliense, de J.M.P. de<br />
Vasconcelos, e no Pantheon citado;<br />
<strong>–</strong> À Sua Majestade Imperial o senhor D. Pedro II em<br />
seu aniversário de 2 de dezembro de 1844 <strong>–</strong> Vem no<br />
Minerva Brasileira, vol. 3°., pp. 75 a 77. Há também<br />
impresso, de sua pena, um relatório de Fazenda.”<br />
(13)<br />
Ainda com relação à vida acadêmica de<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, o escritor Joaquim Manoel de Macedo faz<br />
os seguintes comentários:<br />
“Na cidade de São Luís do Maranhão fez seus<br />
estudos primários. Muito aplaudido pela<br />
(13) SACRAMENTO BLAKE, Augusto Victorino Alves, <strong>–</strong> in Dicionário<br />
Bibliográfico Brasileiro <strong>–</strong> vol. 3 <strong>–</strong> Acervo: Instituto Histórico<br />
Geográfico Brasileiro <strong>–</strong> Rio de Janeiro.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 48<br />
sua brilhante inteligência, doce caráter e ótimo<br />
procedimento, seguiu em 1834 para Portugal e na<br />
Universidade de Coimbra tomou os graus de bacharel<br />
formado em matemática e em ciências naturais.<br />
Em Coimbra, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> cultivou a poesia<br />
com ardor e preanunciando-se, em felizes<br />
composições, futuro <strong>poeta</strong> de alto merecimento: entre<br />
alguns de seus belos cantos avulta o que tem<br />
por título Subindo pelo Vouga. De volta ao seu<br />
Maranhão a sepultura de sua irmã queridíssima o fez<br />
derramar d’alma. No Cemitério dos Cristãos <strong>–</strong> canção,<br />
melodia melancólica, profunda, longo gemido cheio do<br />
mais terno sentimento.<br />
Companheiro, amigo fiel de Gonçalves Dias,<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> também <strong>poeta</strong> inspirado parecia ter<br />
de acompanhá-lo no amor e no culto das musas.<br />
Mas não foi assim: por que? ... ninguém o sabe.<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> deixou o Maranhão, e veio para a<br />
capital do Império em 1842: já abastado pela herança<br />
paterna, duplicou a fortuna com o dote elevado de<br />
muito querida noiva que desposou, coroando ternos<br />
votos antes trocados em Coimbra com amada jovem<br />
fluminense.<br />
Contradição inexplicável! ... após o enlace poético,<br />
feliz, abençoado, resplendente de amor, o <strong>poeta</strong><br />
divorciou-se com as musas!...<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> foi nomeado inspetor da tesouraria<br />
da província do Rio de Janeiro. Foram as cifras e os<br />
cálculos que apagaram nele a flama da poesia?
49 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Como quer que fosse, o jovem <strong>poeta</strong> sufocou<br />
em sua alma as inspirações de seu gênio, e todo se<br />
voltou para o positivismo da administração e para<br />
as aspirações políticas.<br />
Semanas antes de morrer, o conselheiro João<br />
Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> escreveu os mais simples e<br />
sentidíssimos versos na sua enternecedora prece<br />
Domine, exaudi orationem meam, que saiu do<br />
coração de pai estremecido e a lembrar os filhos<br />
que ia deixar órfãos. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> desceu à<br />
sepultura aos trinta e sete anos de idade, legando<br />
à pátria a memória de um homem honrado, de<br />
esclarecida inteligência e do mais generoso coração.”<br />
(14)<br />
Aura elegíaca<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> que falou de saudades em sua<br />
terníssima poesia, poeticamente também foi saudado por<br />
R. A. Valle de Carvalho, na crônica biográfica intitulada<br />
Uma lágrima à memória do Exmo. Sr. Conselheiro<br />
João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, publicada originalmente pelo<br />
Observador de <strong>Lisboa</strong>, n° 42, de 14 de maio de 1855,<br />
e transcrita, na seção Necrologia do Pantheon<br />
Maranhense, de Antônio Henriques Leal. A referida<br />
matéria traz uma aura elegíaca de rara beleza, a seguir:<br />
"No dia 16 de abril, depois de longos<br />
sofrimentos, sucumbiu no Rio de Janeiro, vítima de<br />
uma nefrite albuminosa, o conselheiro João<br />
Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, natural desta província e<br />
(14) JOAQUIM MANOEL DE MACE<strong>DO</strong> <strong>–</strong> in Ano Biográfico Brasileiro <strong>–</strong><br />
Acervo: Instituto Histórico Geográfico Brasileiro <strong>–</strong> Rio de Janeiro.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 50<br />
membro de uma das suas principais famílias,<br />
deixando inconsoláveis uma virtuosa esposa, seis<br />
inocentes filhinhos e numerosos parentes e amigos.<br />
Este falecimento é um daqueles que não<br />
levam somente a desolação e o luto ao coração das<br />
pessoas que, ou pelos laços de sangue, ou pelos da<br />
amizade, eram ligados ao ilustre finado; mas também<br />
arranca uma sentida lágrima, um gemido profundo ao<br />
Brasil: não morreu só o parente extremoso, o amigo<br />
franco e leal, e sim ainda o varão justo, o<br />
brasileiro distinto!<br />
A nossa sociedade, jovem, como é, luta com<br />
todos os preconceitos e aberrações que preludiam a<br />
última ruína das sociedades envelhecidas e gastas;<br />
quando pois no meio das lentas agonias desta<br />
gangrena moral, surge uma inteligência robusta, um<br />
caráter puro e firme, que não temendo afrontar a corrupção<br />
da época, radicada em sórdidos, mas poderosos<br />
interesses, estigmatiza os vícios pelo exemplo<br />
das virtudes sociais, devemos abençoá-lo e seguilo;<br />
e quando por um dos imperscrutáveis arcanos da<br />
divindade essa inteligência se apaga, esse caráter se<br />
some nos umbrais da eternidade, cumpre chorá-lo.<br />
O conselheiro <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> era uma dessas<br />
inteligências, era um desses carácteres: os seus<br />
compromissos, os seus patrícios jamais chorarão<br />
sua morte assaz.<br />
Oriundo de uma família honesta e abastada,<br />
os seus pais reconheceram o talento, que nele<br />
espontâneo se revelava e o destinaram às letras.<br />
Depois de haver recebido nesta província a<br />
educação primária e secundária, foi cultivar os<br />
estudos superiores em Coimbra, onde, rodeado de
51 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
geral estima e no meio de sinceros e merecidos<br />
aplausos, foi graduado em matemáticas e ciências<br />
físicas. Regressou em 1842 ao seu berço natal a<br />
rever os amigos e os parentes e a colher o fruto de<br />
suas lucubrações. Mas, por inspiração benéfica, ele<br />
antevia logo que o Maranhão era um círculo<br />
demasiadamente acanhado à expansão de sua<br />
alma, à realização das suas ideias e em demanda<br />
de um teatro mais amplo, embarcou, no mesmo<br />
ano, para o Rio de Janeiro.<br />
O mancebo que voltara da velha Europa, rico<br />
de afeições e de conhecimento, e que se ausentara<br />
da sua pátria, não instigado por uma ambição<br />
egoísta, mas guiado por um pensamento generoso,<br />
entrou só e desconhecido na Corte do Brasil.<br />
Aí os brilhantes dotes de seu bem formado coração<br />
lhe granjearam a aliança com uma das melhores<br />
famílias, e as mais valiosas recomendações <strong>–</strong> o<br />
talento e a modéstia lhe conquistaram um círculo de<br />
bons e dedicados amigos. Eram estes os ainda<br />
tênues raios de uma aurora brilhante, que lhe<br />
sorria, era o prelúdio do seu futuro engrandecimento. O<br />
prestígio maravilhoso, a honra e o irresistível<br />
predomínio da inteligência fizeram o resto.<br />
O governo, que se busca apoiar-se em colunas<br />
sólidas, não podia deixar no esquecimento essa<br />
ilustração precoce: chamou-o a si e confiou-lhe<br />
sucessivamente cargos da mais alta importância,<br />
em cujas funções o jovem maranhense realizou<br />
sobejamente todas as esperanças, que nele haviam<br />
depositado.<br />
Acompanhemo-lo na sua tão brilhante quanto<br />
rápida carreira.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 52<br />
Nascido a 31 de maio de 1818, contava ele<br />
apenas 24 anos de idade, quando foi para o Rio de<br />
Janeiro. A inspetoria do tesouro geral da província do<br />
Rio foi a sua estreia na vida pública. Nomeado para<br />
esse emprego, desenvolveu no seu exercício tal<br />
inteligência e zelo que o governo o julgou digno de<br />
missão mais alta. Chamou-o para a tesouraria<br />
nacional, e ali continuou ele a corresponder ao<br />
grande conceito, que já acompanhava o seu nome.<br />
Não era alta a esfera que devia circunscrever a<br />
capacidade do conselheiro <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>; e o governo<br />
bem compreendeu esta verdade, confiando-lhe uma<br />
comissão da mais elevada importância Depois de haver<br />
recebido nesta província a educação primária e<br />
secundária, foi cultivar a presidência da Bahia. Só por<br />
espaço de trinta dias regeu ele os destinos desta<br />
província, porque uma inesperada mudança no<br />
governo trouxe, como consequência, a de todos os seus<br />
delegados: mas esses trinta dias foram bastante<br />
para ele desenvolver uma administração justiceira e<br />
sábia, que anunciava à Bahia um futuro<br />
esperançoso; esses trinta dias foram bastantes<br />
para ele rodear<strong>–</strong>se de simpatias, de amigos, de<br />
admiradores; e quando se retirou, ficava o seu<br />
nome escrito em caracteres indeléveis no coração do<br />
povo bahiano.<br />
Trata<strong>–</strong>se de criar o banco nacional; o membro<br />
do gabinete, encarregado de sua organização,<br />
descobriu no conselheiro <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> essa<br />
inteligência capaz de o ajudar em tarefa tão árdua:<br />
e, depois de constituído, não quis entregar a sua<br />
infância a outra tutela senão à daquele nume, sobre<br />
quem havia pesado em grande parte, o trabalho
53 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
da sua instituição: coube, portanto, ao conselheiro<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> a presidência do banco nacional.<br />
Deixou, então, cercado do respeito e da afeição<br />
dos seus subordinados, de ser tesoureiro do<br />
tesouro nacional, cujo exercício havia reassumido,<br />
desde que voltara da Bahia; e seus bons serviços,<br />
prestados nessa repartição, foram remunerados com<br />
o título de conselho.<br />
Ele não gozava somente da estima e consideração<br />
do governo, mas também as simpatias e do amor do<br />
povo, em testemunho do que os sufrágios dos<br />
maranhenses o levaram por duas vezes a câmara<br />
quadrienal como seu representante.<br />
Para um homem de 36 anos de idade e que<br />
tinha 12 de residência na Corte, é muito!<br />
Vão quebrar-se os elos da cadeia dourada<br />
que prendia o passado fecundo e puro do homem<br />
virtuoso a um porvir ainda mais puro e mais<br />
fecundo: uma nuvem negra passou sobre a face<br />
do astro, que há pouco se erguera no Oriente e<br />
já difundia uma luz tão vigorosa, tão sua: a<br />
morte pousou à raiz da árvore cheia de seiva e<br />
de vida, que em poucos anos havia crescido, florido<br />
e frutificado mil vezes.<br />
Morreu o conselheiro <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> no vigor da<br />
idade, entre os sorrisos de uma fortuna lisonjeira!<br />
E pôde nos últimos instantes desta vida<br />
transitória volver sem pejo os olhos para a corrida<br />
senda: (rara satisfação) o seu passado não tinha<br />
uma nódoa, o seu coração um remorso sequer para<br />
azedar-lhe o inevitável cálice, a que está sujeita a<br />
humanidade inteira. Assim morre o justo!
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 54<br />
Nele o homem particular e o público<br />
disputavam o amor e as bençãos dos seus<br />
concidadãos e da pátria.<br />
Extremoso para com os seus parentes, sincero<br />
e constante para com os seus amigos, lhano,<br />
afável, oficioso e acessível a todos, ele sabia<br />
insinuar-se nos corações dos que o comunicavam<br />
e acabava por dominá-los.<br />
Não por vã ostentação, nem para lisonjear o seu<br />
amor próprio, ele ambicionava fazer bem aos seus<br />
semelhantes: mas sim pelo santo desejo de buscar a<br />
verdadeira felicidade dos que o cercavam; os seus<br />
olhos não estavam ermos de pranto, enquanto outros<br />
chorassem, os seus lábios não se sorriam, enquanto<br />
outros gemessem, o seu coração sensível não se alegrava,<br />
enquanto outros se debatessem com os horrores do<br />
pesar. Não é preciso irmos longe para encontrarmos<br />
vestígios bem recentes e vivos da sua mão piedosa: o<br />
Maranhão, onde vivemos, que nos vê e nos conhece<br />
a todos, pôde por si só dar um testemunho<br />
eloquente da sua caridade. Quantas famílias ele não<br />
levantou da indigência, quantos órfãos não amparou,<br />
quantas viúvas não socorreu, a quantos pobres com<br />
mão desconhecida não ministrou o pão quotidiano?<br />
Dispondo na Corte de grande e justa<br />
preponderância, conquistada pelos seus reconhecidos<br />
merecimentos, não foi para si que dela se valeu,<br />
mas para o infeliz, para o desfavorecido, que<br />
nunca invocaram debalde a sua proteção. Ele era<br />
incansável, multiplicava-se para beneficiar.<br />
Quem o considere como funcionário público, quer<br />
como homem meramente político, não encontrou
55 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
na vida do conselheiro <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> senão motivos<br />
para admirar.<br />
As mudanças sucessivas de empregos de uma<br />
certa ordem para outros de uma ordem superior<br />
provam exuberadamente que ele crescia de dia<br />
em dia na confiança do governo, confiança esta que<br />
tocou ao apogeu com a sua nomeação para a<br />
presidência do banco nacional.<br />
Como homem político às ideias sãs e<br />
humanitárias que ele professava e sempre buscou<br />
realizar, bastam para pôr em relevo os sentimentos<br />
patrióticos do seu coração generoso. Estranho à<br />
sórdida e mentida política de personalidades e<br />
egoísmo <strong>–</strong> apanágio da mediocridade <strong>–</strong> ele bebia os<br />
princípios desta ciência na filosofia e no evangelho:<br />
para ele o fim da política era o bem<strong>–</strong> estar moral e<br />
material da sociedade por meio da ordem, da<br />
liberdade e da igualdade. Detestava essa liberdade<br />
frenética e delirante que substitui o governo pela<br />
anarquia, a moralidade pela depravação, a religião<br />
pela impiedade, a virtude pelo crime.<br />
Esta era a sua convicção política, íntima,<br />
profunda, convicção que ressalta em todos os seus<br />
escritos, em todos os seus discursos; era o escopo,<br />
a que sempre se dirigiu firme e resoluto, sem<br />
embargo de ver a seu lado estes ou aqueles<br />
homens, porque ele reconhecia que em política “as<br />
ideias são tudo, e os homens pouco." (15)<br />
(15) R. A. VALLE DE CARVALHO <strong>–</strong> in Crônica biográfica intitulada<br />
Uma lágrima à memória do Exmo. Sr. Conselheiro João Duarte<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, publicada originalmente pelo Observador de <strong>Lisboa</strong>,<br />
n° 42, de 14 de maio de 1855, e transcrita, na seção Necrologia<br />
do Pantheon Maranhense, de Antônio Henriques Leal.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 56<br />
Ainda dentro do tema elegíaco, reproduzimos<br />
as notas extraídas das seguintes obras:<br />
Revista Popular <strong>–</strong> Tomo XIV, p. 101:<br />
16 de abril de 1855 <strong>–</strong> Falece nesta Corte,<br />
pelas 11 horas da noite, o doutor João Duarte <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong>, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil e deputado à<br />
assembleia geral legislativa. Poeta distinto, sua alma<br />
expandiu-se em uma bela e terníssima poesia, que é<br />
o seu testamento poético.<br />
Dicionário Bibliográfico Português (Tomo Décimo),<br />
de Innocêncio Francisco da Silva:<br />
João Duarte LISBOA SERRA <strong>–</strong> Publicou diversas<br />
poesias nos periódicos literários de Portugal e do<br />
Brasil, e todos o apreciavam por seu amor às<br />
letras, e por seus especiais estudos na ciência<br />
administrativa e em finanças. Morreu no Rio de<br />
Janeiro em 16 de abril de 1855. Tem biografia e<br />
retrato no Pantheon maranhense, do Dr. Henriques<br />
Leal, tomo II, pp. 171 a 178.<br />
O terceiro volume (pp. 414 e 4l5) do<br />
Diccionario Bibliographico Brazileiro, de Augusto Victorino<br />
Alves Sacramento Blake, editado no Rio de Janeiro, no<br />
ano de 1895, pela Imprensa Nacional, registra as<br />
referências biográficas sobre <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>:<br />
“João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> <strong>–</strong> Filho do<br />
comendador Francisco João <strong>Serra</strong> e de dona Leonor<br />
Duarte <strong>Serra</strong>, nasceu em Itapecuru, província do<br />
Maranhão, a 31 de maio de 1818 e faleceu a 16<br />
de abril de 1855. Bacharel em matemática, em<br />
ciências físicas e naturais pela Universidade de<br />
Coimbra, onde teve por contemporâneos seu patrício A.<br />
Gonçalves Dias e o bem conhecido literato português<br />
João de Lemos, foi inspetor da tesouraria
57 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
provincial do Rio de Janeiro: presidiu a província<br />
da Bahia e representou sua província natal na<br />
sessão legislativa de 1848 em substituição do<br />
doutor Joaquim Franco de Sá, e na legislatura de<br />
1853 a 1856, que não chegou a ver terminada. Foi<br />
um dos fundadores da sociedade de estatística,<br />
sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brazileiro e<br />
cultor fervoroso das letras, principalmente da poesia,<br />
desde os bancos acadêmicos, época em que foi<br />
colaborador da Chronica Litteraria, de Coimbra.”<br />
A obra Os Presidentes da Província da Bahia<br />
(1824/1889), de Arnold Wildberger destaca a<br />
matéria:<br />
“Um necrologista da época escreveu a respeito:<br />
Não se encontra em toda a vida do conselheiro <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong> um só fato que venha desmentir o seu procedimento. O<br />
homem que raciocinava era o homem que trabalhava. Jamais<br />
durante o tempo em que foi representante da Nação se<br />
suscitou uma ideia tendente ao progresso moral e material<br />
do seu país, que não fosse defendida pela sua eloquente<br />
voz, pela sua vigorosa lógica. Seus discursos são eternos<br />
momentos dessa verdade.” (16)<br />
No Registro das Ordens Honoríficas Brasileiras,<br />
constante do Arquivo Público Nacional, Rio de Janeiro,<br />
vemos a referência de que o Imperador D. Pedro II,<br />
no dia 7/9/1847, condecorou <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> com a<br />
comenda da Imperial Ordem da Rosa, grau de<br />
Oficial.<br />
(16) ARNOLD WILDBERG <strong>–</strong> Os Presidentes da Província da Bahia<br />
(1824/1889), p. 311 <strong>–</strong> Galeria Nacional <strong>–</strong> Vultos Proeminentes da<br />
História Brasileira <strong>–</strong> 1° fascículo, p. 950 <strong>–</strong> Tipografia Beneditina<br />
Ltda. <strong>–</strong> Acervo: Biblioteca Nacional <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ.
2<br />
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 58<br />
LISBOA SERRA<br />
18° Presidente da Província da Bahia<br />
O período de governo de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na<br />
província da Bahia foi bastante curto. Na cidade do<br />
Rio de Janeiro, o Jornal do Commercio, edição de 25 de<br />
outubro de 1848, publicou na coluna Interior a seguinte<br />
reportagem:<br />
“Bahia, 16 de outubro<br />
O vapor Imperatriz que aqui chegou no dia<br />
11 do corrente trouxe-nos a estrondosa notícia da<br />
mudança do ministério, da ascensão ao poder do<br />
partido saquarema, e da nomeação do Sr. Gonçalves<br />
Martins para <strong>presidente</strong> daquela província.
59 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Não gastarei tempo nem palavras para descrever<br />
a surpresa geral, direi mesmo o estupor que causaram<br />
estas notícias, não por desagradáveis, mas por<br />
inesperadas. Havia apenas trinta dias que tínhamos<br />
recebido do Rio um novo <strong>presidente</strong>, sem que nos<br />
fosse dado apreciar os motivos da demissão do Sr.<br />
Vasconcelos, e esse novo <strong>presidente</strong> tinha sucessor.<br />
Serei justo para com o Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>.<br />
A sensação desagradável produzida aqui pela<br />
inesperada nomeação de S. Exª estava quase<br />
totalmente desvanecida. Inteligente e conciliador, a sua<br />
administração não se tinha mostrado propensa<br />
para nenhum dos lados políticos que dividem<br />
o Império; apresentava um desejo ardente pelos<br />
melhoramentos materiais da província, e já alguma<br />
coisa havia conseguido neste louvável empenho.<br />
Se a nomeação do Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> não tivesse<br />
aparecido como uma consequência da necessidade<br />
proclamada, na tribuna da Câmara dos Deputados,<br />
de estabelecer a tão célebre ferraria da liberdade,<br />
poderia ter sido ótimo delegado do atual ministério,<br />
que me parece possuído do espírito de prudência,<br />
moderação, tolerância, justiça. Nomeado porém<br />
nas circunstâncias que indiquei, acolhido com<br />
entusiásticos aplausos por uma parcialidade política<br />
que queria inverter a província, vindo substituir um<br />
<strong>presidente</strong> cuja demissão não se justificava, havia<br />
razão para crer que o Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> tornar-se-ia<br />
por fim instrumento de um partido. Não podia,<br />
portanto, ser conivente; e acrescentarei que largou na<br />
melhor posição, porquanto seria impossível, à vista da<br />
opinião da província, que pudesse satisfazer à<br />
expectativa que criara, não falando nas marteladas
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 60<br />
que soariam na bigorna tão apregoada na tribuna<br />
temporária.”<br />
No dia seguinte, o Jornal do Commercio<br />
(edição de 26/10/1848), divulgou o Comunicado que abordou<br />
a seguinte matéria:<br />
"O Ex-Presidente da Bahia<br />
Pelas folhas da Bahia chegadas ultimamente pelo<br />
vapor Guapiassu, sabemos que o Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
havia entregue a presidência ao seu sucessor: é força<br />
que algumas palavras digamos sobre os atos de<br />
sua administração.<br />
A presidência do Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, efêmera entre<br />
todas as do Brasil, onde contudo não usam de ser<br />
contadas pelos anos, não passam de um dia além<br />
de um mês: foi a posse a 11 de setembro, entregou<br />
a presidência a 12 de outubro. Já se vê pois que não<br />
teremos de fazer largas dissertações, porque em tão<br />
curto período não há planos que se realizem, nem<br />
sementes que produzem. O que o Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
faria com algum tempo de presidência não o<br />
sabemos nós , e nem que o adivinhássemos o<br />
diríamos agora; mas o que ele poderia fazer, o que<br />
ele talvez fizesse é o que aproximadamente podemos<br />
conjeturar, e o que vamos tentar com os documentos à<br />
vista: exporemos os fatos, as consequências tire-as<br />
quem quiser.<br />
No mesmo dia em que tomou posse, expediu o<br />
Sr. <strong>Serra</strong> uma circular que não era outra coisa senão<br />
o programa de sua administração futura, para que o<br />
pensamento do governo fosse bem conhecido, para que<br />
fosse compartilhado por todas as autoridades de<br />
quem a sua realização dependia. <strong>–</strong>
61 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Era a ordem pública, cujo estado era satisfatório<br />
então como agora; era a segurança individual,<br />
precária e contingente em alguns pontos da província.<br />
Para isto seria preciso restabelecer a confiança<br />
naqueles lugares, e fazer cumprir as leis preventivas<br />
e repressivas: era bastante por certo, mas não é<br />
de se fazer em um dia, nem em trinta dias. <strong>–</strong> Era<br />
também indispensável a presença acurada e<br />
vigilante das autoridades nos termos da sua<br />
jurisdição: as ordens partiram, mas não tiveram<br />
tempo de serem cumpridas. Continuará a arder aquele<br />
fogo de discórdia de Pilão Arcado que ameaça<br />
conflagrar toda a província? <strong>–</strong> Era enfim os<br />
melhoramentos materiais que reconhecia como um dos<br />
seus primeiros deveres e o principal fim de sua<br />
missão; os melhoramentos morais <strong>–</strong> fiscalização<br />
cuidadosa das rendas públicas <strong>–</strong> economia rigorosa<br />
<strong>–</strong> aplicação e distribuição severa e justa.<br />
As palavras eram belas decerto, mas como<br />
os programas também não são mais do que<br />
palavras, a imprensa guardou silêncio até que viu<br />
e depreendeu dos atos do governo provincial que<br />
a sua intenção era cumpri-la e levá-la a efeito.<br />
Mas um fato ocorreu de que se tem ocupado<br />
alguns jornais da Corte, e que convém aqui<br />
explicar <strong>–</strong> a demissão do inspetor da tesouraria,<br />
que ainda não tinha tomado posse do seu emprego,<br />
nem prestado juramento, se a tal ato se pode<br />
chamar demissão.<br />
“Tenho resolvido, dizia o ex-<strong>presidente</strong>, sem<br />
que contraria o pensamento de que me acho<br />
possuído, de não fazer inovação e mudança<br />
alguma no pessoal da administração, sem causa
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 62<br />
suficiente e justificado motivo, tornar de nenhum efeito<br />
a referida nomeação."<br />
Sim, de boa mente o acreditamos, não tinha<br />
por fim o ex-<strong>presidente</strong> da Bahia fazer inovação<br />
na província, que bem o mostrou ele durante o<br />
curto período de sua administração.<br />
A propósito, vejamos o que foi publicado em<br />
S. Salvador da Bahia, no dia 15 de setembro de<br />
1848, pelo jornal Correio Mercantil:<br />
"Espinhosa, por sem dúvida, foi a posição em<br />
que transata administração da província colocou o<br />
Exmo. Sr. Dr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> no momento de tomar<br />
conta do governo da província. Esse ato<br />
excepcional, esse ato intempestivo, pelo qual foi<br />
nomeado Dr. Tibério, inspetor da tesouraria<br />
provincial, no domingo 10 do corrente, com data de<br />
9, pelo antecessor do Exmo. Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />
quando este se achava já em palácio, acaba de<br />
ser cassado, conservando o Exmo. Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
as coisas no mesmo posto em que elas se achavam<br />
quando aportou a esta província."<br />
"Duvidamos, continua o Mercantil, que fosse o<br />
bem público quem ditasse esta nomeação.”<br />
A isto parece opor-se o ato do atual <strong>presidente</strong><br />
que acaba de dar posse àquele inspetor: não o aprovamos<br />
nem reprovamos, observamos somente que se tal<br />
nomeação fosse justa, se fosse verdadeiramente honesta<br />
para quem a fez o antecessor do Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> teria<br />
encetado a sua carreira por dar este passo, e não o<br />
deixaria de reserva como verba de estamento, como<br />
destes atos que os homens praticam. Indiferentes à<br />
opinião, porque no dia subsequente terão deixado de<br />
existir.
63 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Íamos dizendo que a imprensa baiana guardara<br />
silêncio."<br />
Ao concluirmos este tópico que aborda a<br />
passagem de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> no governo da província<br />
da Bahia, nos idos de 1848, reiniciamos, a seguir, a<br />
transcrição do livro Pantheon Maranhense, de Antônio<br />
Henriques Leal:<br />
“Os debates, que houve por essa ocasião,<br />
foram irrefragável testemunho do bom conceito<br />
que geralmente se formava do caráter e virtudes<br />
políticas deste distinto maranhense, e que ele veio<br />
ainda mais confirmar nos trinta dias em que<br />
administrou a Bahia; porque tendo a 29 de setembro<br />
de 1848 subido ao poder oposta política, o novo<br />
gabinete o exonerou dessas funções que eram de<br />
confiança. Não foi suficiente tão brevíssimo prazo<br />
para os baianos concebessem as mais auspiciosas<br />
esperanças de sua administração, e ele conquistasse<br />
as simpatias gerais, angariadas pelas maneiras<br />
afáveis, atenciosas e corteses com que acolhia a<br />
todos sem distinção hierárquica, de princípios e<br />
nacionalidades; e o critério, prudência e segurança<br />
com que resolvia as questões e negócios administrativos.<br />
A sua partida de S. Salvador teve um<br />
acompanhamento numerosíssimo e espontâneo <strong>–</strong> desde<br />
o arcebispo, dos mais altos funcionários civis e<br />
militares, do corpo catedrático da Faculdade de<br />
Medicina, até o mais humilde cristão <strong>–</strong> todos à uma<br />
porfiaram em dar-lhe, neste solene momento eloquente,<br />
demonstrações de alta estima em que o tinham.”<br />
(...)
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 64<br />
“Chegado a Corte com tão avantajada posição,<br />
procurou o Ministério neutralizar a má impressão<br />
ocasionada por este ato, dando-lhe o título de<br />
Conselho, e daí a pouco nomeando-o tesoureiro<br />
geral da Fazenda Nacional. Foi isto ocasião para<br />
que se lhe descobrisse e apreciasse a aptidão e<br />
bom senso prático em negócios da Fazenda.” (17)<br />
(17) ANTÔNIO HENRIQUES LEAL <strong>–</strong> in Pantheon Maranhense <strong>–</strong><br />
Biografia e retrato de João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> <strong>–</strong> Ano de<br />
1874 <strong>–</strong> Acervo: Instituto Histórico Geográfico Brasileiro <strong>–</strong> Rio<br />
de Janeiro <strong>–</strong> RJ.
65 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
3<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />
deputado e <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil<br />
Suplente do deputado Joaquim Franco de Sá,<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> fez a estreia na Câmara dos Deputados,<br />
localizada no edifício Cadeia Velha, no mesmo local onde<br />
se ergue hoje a Assembleia Legislativa do Estado do Rio<br />
de Janeiro, na sessão de 24/5/1848, presidida<br />
interinamente pelo 1° Secretário, Muniz Barreto, no<br />
momento em que era discutida a resolução autorizando<br />
o governo a dar estatutos à Escola de Medicina do<br />
Rio de Janeiro, com a emenda do deputado Couto<br />
Ferraz.<br />
Elegantemente trajando um fraque (naquela<br />
época não havia o uso de ternos), o deputado <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong> ocupa a tribuna para justificar o voto contra a<br />
resolução em debate:<br />
"... entende que, se ao governo fosse conferida a<br />
autorização para confeccionar os estatutos para a Escola<br />
de Medicina, não poderia fazer cousa melhor do que<br />
incumbir à Faculdade de Medicina dessa mesma<br />
confecção, porque ela já tem a experiência
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 66<br />
de 16 anos. Não acha inconveniente, como se disse,<br />
em ser o diretor proposto em lista tríplice pela<br />
faculdade, porque nas academias os homens de<br />
mais conhecimentos, de mais talento e de mais habilidade,<br />
adquirem certa ascendência, contra a qual ninguém<br />
se revolta. Vota contra a resolução e contra a<br />
emenda, enquanto não for melhor esclarecido, porque a<br />
lei está bem concebida, e não a quer alterar." (*)<br />
Antes do advento da abolição da escravatura<br />
em que se notabilizaram grandes vultos da Pátria, a<br />
voz de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> surge, no alvorecer do tempo, como<br />
precursora desse movimento. A sessão plenária é do dia<br />
14 de junho de 1848:<br />
“Tudo quanto o orador exige de um governo<br />
para que o seu apoio possa ser franco e decidido<br />
reduz-se a duas condições essenciais:<br />
1ª <strong>–</strong> que ele garanta ao País todas as liberdades<br />
e as riquezas que a constituição e as leis<br />
têm outorgadas, pois é monarquista de coração,<br />
e como tal deseja que se conserve o que<br />
a constituição tem estabelecido, e<br />
2ª <strong>–</strong> que o governo desenvolva uma vontade firme e<br />
enérgica no emprego das medidas necessárias<br />
para lançar longe de nós essa nuvem negra e<br />
medonha que nos vem das terras africanas.<br />
Ela encerra uma questão de vida e morte<br />
para o futuro do império.” (*)<br />
(*) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> Discursos proferidos, em 24/5/1848 e 14/6/1848,<br />
pelo deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong><br />
Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.
67 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Com a possibilidade da concorrência do capital<br />
estrangeiro na economia nacional, a presença de<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, na sessão de 12/4/1853, já se destacava<br />
revelando-se um nacionalista. Eis alguns trechos<br />
proferidos na tribuna da Câmara dos Deputados:<br />
"Se nós, Sr. Presidente, não tivéssemos nenhum<br />
princípio desta indústria, eu diria que recorrêssemos<br />
inteiramente à indústria estrangeira, não antecipássemos<br />
a época do seu nascimento no nosso País: mas desde<br />
que o País tem já capitais empregados, desde que há<br />
estabelecimentos com princípio de vida e braços que se<br />
empregam nesse trabalho, entendo que é elemento a<br />
que se deve atender quando legislarmos. Se sacrificarmos<br />
agora o princípio da navegação, o princípio da construção,<br />
se não tivermos a ambos como elementos auxiliares da<br />
riqueza pública, teremos, no futuro, de achar<strong>–</strong>nos em<br />
grandes dificuldades, dificilmente conquistaremos a nossa<br />
independência nesta parte, e o nosso comércio ficará<br />
sempre exposto a gravíssimas contingências.<br />
Ora, os direitos de ancoragem já têm sido<br />
diminuídos, e são esses direitos os que mais<br />
imediatamente protegem a navegação."<br />
Fazendo um aparte, o deputado Ferraz disse:<br />
"Esses direitos protegem a navegação<br />
estrangeira e não a nacional, o que é contrário<br />
ao princípio do nobre deputado.”<br />
Retomando a palavra, o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
explicitou:<br />
“Mas é uma franqueza (franquia) como tantas<br />
outras que se concedem ao comércio em geral, o
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 68<br />
qual o nobre deputado, bem como eu, deseja<br />
ardentemente proteger. Eis aqui como a navegação<br />
pode ser animada sem prejuízo da construção.<br />
Mas, se a indústria da navegação e do<br />
comércio tem seus elementos, se um deles é a<br />
construção naval, não sei se seremos muito<br />
prudentes em não criarmos nada a este respeito,<br />
ainda mais se destruirmos o que já temos.<br />
Concordo em que se auxiliem mutuamente;<br />
entendo que as maiores necessidades, o maior<br />
incremento da navegação pode dar maior<br />
desenvolvimento aos estabelecimentos de construção;<br />
mas afirmo ao nobre deputado que se a indústria<br />
estrangeira, se a construção estrangeira continuar<br />
a ser sempre mais protegida que a nacional,<br />
nunca chegaremos a este ponto; qualquer que seja<br />
a atividade do comércio, não teremos nunca construção<br />
naval, e não teremos por esta razão, que é de<br />
simples intuição: <strong>–</strong> ninguém quer perder seus<br />
capitais, ninguém quer empreender negócios sabendo<br />
antecipadamente que tem de perder neles. Nem mesmo<br />
o governo do País poderia dar impulso a esta<br />
indústria por meio de suas construções de guerra<br />
ou defesa, porque não encontraria operários, que não<br />
se fazem de um dia para outro, e sem escola e<br />
sem estímulos.<br />
Se o nobre deputado mostrar que a medida<br />
não mata, não prejudica essencialmente o princípio<br />
da construção naval, concordarei inteiramente com<br />
ele; mas enquanto não vir que a construção nacional<br />
fica pelo menos equiparada à estrangeira, hesitarei<br />
em dar o meu voto a uma medida semelhante,<br />
porque dela pode vir perda de grandes capitais
69 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
para o País, e a morte de uma indústria em que<br />
fundo esperanças para a Nação.<br />
O fato de haver-se mandado construir<br />
vapores na Europa prova decerto que não temos<br />
estabelecimentos em estado de prestar-se a todas<br />
as necessidades da nossa marinha; mas nem por<br />
isso devemos voltar ao começo, desprezar aquilo<br />
que já temos conseguido, para ficarmos em pior<br />
situação; entendo antes que em questão semelhante,<br />
embora estejamos agora mal, devemos preparar o<br />
terreno para um melhor futuro. (...)<br />
Exatamente, porque entendo que convém esperar<br />
por cálculos mais bem confeccionados, por<br />
trabalhos mais regulares, de modo que, quando der o<br />
meu voto à semelhante medida, possa ter consciência<br />
de que não vou matar estabelecimentos que estão em<br />
brilhante começo, não vou destruir capitais<br />
empregados em indústrias que julgo muito dignas de<br />
animação, nem tolher por medidas pouco refletidas o<br />
futuro do País, que não depende de uma ou outra<br />
medida isoladamente, de uma ou outra indústria<br />
exclusivamente, mas de todas as fontes da produção<br />
e da riqueza, as quais todas têm igual direito aos<br />
desvelos dos poderes do Estado.” (23)<br />
(23) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 12/4/1853, pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />
Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 70<br />
Sob a presidência de Pereira da Silva, a<br />
sessão plenária dos deputados, iniciada às 11 horas<br />
da manhã do dia 18 de abril de 1853, recebe um<br />
ofício de João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, entregando o<br />
diploma de deputado eleito pela província do Maranhão.<br />
Nas atividades parlamentares do dia 9 de<br />
junho de 1853 dão-nos mostras como voa o destino<br />
em direção de quem o faz. Em outubro de 1848,<br />
depois de retornar do governo da Bahia, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
assume a tesouraria<strong>–</strong>geral do Império e seu trabalho<br />
ressurge alguns anos depois.<br />
Corre o tempo, ei-lo como relator da lª<br />
Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados a<br />
apresentar aos seus pares seus feitos transcorridos na<br />
administração pública.<br />
Nesta seqüência de fatores que se interligam,<br />
os anais da sessão plenária de 9 de junho de 1853<br />
da Câmara dos Deputados reproduzem fielmente estas<br />
circunstâncias:<br />
“O Sr. LISBOA SERRA pede urgência para a<br />
leitura de um parecer da comissão de fazenda de<br />
que faz parte. A urgência é aprovada, depois do que,<br />
é lido e julgado objeto de deliberação o seguinte:<br />
PARECER<br />
A comissão de fazenda, tendo examinado<br />
atentamente o relatório e proposta do Sr. Ministro<br />
da Fazenda relativamente à medida tomada pelo<br />
governo de emprestar aos dois bancos estabelecidos<br />
nesta corte, sob caução de apólices da dívida<br />
pública em letras do tesouro de 500$ cada uma,<br />
até a quantia de 4,000,000$000, é de parecer que
71 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
se adote a mencionada proposta, para o que a<br />
converte em projeto de lei.<br />
Como, porém, entendesse a comissão que<br />
semelhante medida seria por si só insuficiente para<br />
produzir o desejado efeito de aliviar a praça do<br />
Rio de Janeiro dos embaraços com que atualmente<br />
luta por deficiência de meio circulante, por isso<br />
que além de ser o empréstimo limitado pelo valor<br />
das apólices depositadas, o que por certo o<br />
reduzirá a mui tênues proporções nas atuais<br />
circunstâncias dos bancos, não podem aquelas letras<br />
desempenhar completamente as funções de moeda,<br />
já por não serem na totalidade dos pagamentos<br />
recebidas nas estações públicas, já por não terem<br />
curso forçado nas transações particulares, e já<br />
finalmente pelo alto valor de cada uma delas,<br />
resolveu a mesma comissão, tendo ouvido o<br />
respectivo Sr. ministro, e de acordo com ele, fazer<br />
à referida proposta alguns aditamentos, e submete<br />
à vossa consideração a dita<br />
PROPOSTA<br />
“Artigo único <strong>–</strong> Fica aprovada a deliberação<br />
tomada pelo governo de emprestar aos dois bancos<br />
desta corte em bilhetes do tesouro, sob caução de<br />
apólices da dívida pública, a quantia que for<br />
indispensável para suprir a deficiência de dinheiros<br />
que a praça do Rio de Janeiro está sofrendo atualmente,<br />
contanto que a soma emprestada não se eleve a<br />
mais de 4,000,000$000; podendo tais bilhetes serem<br />
recebidos com o respectivo desconto nas estações<br />
públicas da corte, na razão que for fixada pelo<br />
ministro da Fazenda.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 72<br />
EMENDAS DA COMISSÃO<br />
Acrescentem-se: <strong>–</strong> A assembleia geral<br />
legislativa resolve:<br />
Em vez de <strong>–</strong> artigo único <strong>–</strong> diga-se <strong>–</strong> art. 1°<br />
Art. 2°, aditivo <strong>–</strong> O governo fica, além<br />
disso, autorizado para facultar aos mencionados bancos<br />
a elevação de sua emissão até a importância de<br />
6,000,000$000, dividida entre eles na razão de<br />
seus fundos efetivamente realizados, sendo as<br />
suas letras recebidas nas estações públicas e<br />
nos pagamentos entre os particulares no município<br />
do Rio de Janeiro.<br />
Parágrafo 1° <strong>–</strong> Esta emissão será caucionada por<br />
igual valor em metais preciosos, apólices da<br />
dívida pública, sendo tomadas ao par as de<br />
6%, letras do tesouro e bilhetes da alfândega<br />
com o desconto correspondente ao prazo do<br />
vencimento, ou por títulos de crédito particulares<br />
com boas garantias computados por metade do<br />
seu valor. Esta caução será depositada nas<br />
casas dos próprios bancos e recolhida em<br />
cofres, dos quais será claviculário o fiscal ou<br />
comissário que para cada banco for nomeado<br />
pelo ministro da Fazenda.<br />
Parágrafo 2° <strong>–</strong> Esta emissão não poderá ser<br />
aplicada senão ao desconto de letras da terra<br />
com duas firmas pelo menos, e cujos prazos não<br />
excedam a 90 dias, e ao das letras do tesouro e<br />
bilhetes da alfândega.<br />
Parágrafo 3° <strong>–</strong> Os bancos são obrigados a realizar<br />
suas letras em moeda corrente, conservando<br />
sempre para esse fim em cofre um fundo<br />
disponível, nunca inferior a um terço da<br />
respectiva emissão.
73 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Parágrafo 4° <strong>–</strong> Entre os limites de quatro meses e<br />
um ano o governo marcará um prazo, findo o<br />
qual não serão mais recebidas nas estações<br />
públicas, nem nas transações particulares, salvo o<br />
caso de convenção entre as partes, as letras<br />
dos mencionados bancos.<br />
Parágrafo 5° <strong>–</strong> Os fiscais, ou comissários de que<br />
trata o parágrafo 1° e art. 2°. serão incumbidos<br />
de inspecionar as operações dos bancos, e de<br />
suspender qualquer deliberação contrária às<br />
disposições desta lei, dando imediatamente<br />
conta ao governo, que deliberará definitivamente.<br />
Art. 3° Aditivo. Ficam revogadas todas as<br />
disposições em contrário.<br />
Paço da Câmara dos Deputados, em 9 de Junho<br />
de 1853. <strong>–</strong> João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>. <strong>–</strong> Francisco<br />
Antônio Ribeiro."<br />
Na sessão de 11 de junho de 1853, entra<br />
em 2ª discussão a proposta do governo sobre os<br />
empréstimos aos bancos. Os principais oradores a usar<br />
a palavra foram os deputados Viriato e Silveira da<br />
Mota, com apartes de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>. Dois dias depois<br />
continuou em pauta a discussão do projeto. Usou a<br />
tribuna o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>. Eis, a seguir, alguns<br />
trechos do discurso:<br />
“Sr. Presidente, cônscio da minha incapacidade<br />
para a tribuna (não apoiados), eu não a ocuparia por<br />
certo, e me resignaria ao mais completo silêncio se<br />
pudesse conciliá-lo com a consciência do meu dever;<br />
sendo porém membro da comissão da Fazenda que<br />
não só deu parecer sobre o projeto do governo, mas<br />
julgou dever fazer-lhe algumas modificações, julgo-me<br />
obrigado a justificar o meu procedimento;
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 74<br />
porém antes de entrar nessa matéria a Câmara<br />
permitirá que eu cumpra, o mais sucintamente que me<br />
for possível, um outro dever a que me julgo<br />
igualmente obrigado.<br />
Membro novo de uma Câmara nova, não<br />
tendo feito parte da legislatura passada, e só<br />
acidentalmente aparecido na política em 1848,<br />
quando dominavam ideias contrárias as que se<br />
acham hoje no poder, eu me julgo obrigado a bem<br />
definir a minha posição, não somente em relação<br />
à administração atual, como à nova oposição que<br />
começa a se manifestar no parlamento. E além de<br />
ser isso para mim um dever nas circunstâncias<br />
em que me acho e acabo de expor, entendo que<br />
é também de suma conveniência que quando<br />
um gabinete que, há anos rege os destinos do país,<br />
se apresenta em face de uma Câmara nova,<br />
cada um dos seus membros manifeste da<br />
maneira a mais franca e explícita o seu pensamento<br />
a respeito da administração (apoiados); só assim<br />
poderemos fazer alguma coisa de bom e útil no<br />
curto período de nossas sessões legislativas; só<br />
assim se poderão evitar as discussões estéreis e<br />
as lutas intermináveis que tanto têm prejudicado o<br />
crédito do sistema representativo entre nós; só<br />
assim poderão os partidos que se julgam aptos para<br />
fazerem a felicidade do país, governando-o, ensaiar<br />
suas forças, reunir seus recursos e calcular as<br />
probabilidades da vitória na luta com seus<br />
adversários; só assim, finalmente, a coroa, do<br />
fastígio dos poderes constitucionais, poderá ouvir<br />
as vozes reais do país, e ser esclarecida sobre<br />
suas verdadeiras necessidades.
75 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Pouco afeito às lutas tempestuosas dos<br />
partidos extremos, incapaz de fanatizar-me por um<br />
princípio qualquer a ponto de julgá-lo o único meio de<br />
salvação para o país, como por temperamento,<br />
essencialmente moderado em minhas opiniões<br />
políticas... “<br />
Na sessão de 21 de junho de 1853, entrando<br />
novamente em discussão, o projeto recebeu críticas do<br />
deputado Nebias. Saiu em defesa o deputado <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong> que declarou estar convencido que “a instituição<br />
com que queremos dotar o País há de ser fonte de muitos<br />
benefícios”. Naquele momento, surgia na<br />
adversidade a luta em defesa da criação do Banco do<br />
Brasil. Prosseguindo, o orador maranhense elucidou:<br />
“Não estranho que haja opiniões contrárias, que<br />
se encare a questão de diversos modos, e debaixo de<br />
pontos de vista que conduzam a diferentes<br />
conclusões; porém, partir-se dos mesmos princípios,<br />
raciocinar-se sobre as mesmas bases e tirarem-se<br />
conclusões contrárias, isso é que eu não<br />
compreendo facilmente: foi somente isso que me<br />
maravilhou.<br />
O nobre deputado começou declarando que<br />
via uma como surpresa no projeto em relação<br />
àquilo que se recomendava na fala do trono, e disse<br />
que nela se aludia a instituições que dessem<br />
expansão ao crédito do País, enquanto que a<br />
medida proposta tinha por fim principal o melhoramento<br />
do meio circulante.<br />
Eu, senhores, acho que são pontos tão ligados,<br />
tão idênticos entre si, que não sei como o nobre<br />
deputado possa assim ser surpreendido pela face<br />
em que o governo considerou a questão.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 76<br />
O crédito, senhores, é composto de dois<br />
elementos distintos, porque ele é baseado na<br />
crença de que a soma que se empresta, que se<br />
confia a outrem, não será restituída, não diminuída,<br />
mas aumentada, e para alcançar-se este resultado<br />
duas considerações são necessárias; não basta<br />
que se entregue a soma com ganho nominal, é<br />
necessário que essa soma, assim aumentada, seja<br />
intrinsecamente maior do que a despendida, e isso<br />
é o que não acontecerá por certo se a moeda<br />
que serve hoje de medida dos valores não tiver<br />
esse mesmo valor, porém menor no termo do<br />
contrato; vê-se pois que o crédito da moeda, ou<br />
melhoramento do meio circulante, está intimamente<br />
ligado com a expansão do crédito propriamente dito.<br />
Ficou também o nobre deputado impressionado<br />
pela ideia de que este banco impediria, pela forma<br />
por que se acha constituído, a criação de outras<br />
instituições de semelhante natureza; porém eu peço<br />
vênia para dizer ao nobre deputado que isto é<br />
puro engano seu.<br />
Certamente que o País não comporta atualmente<br />
muitos estabelecimentos desta ordem; eu creio até que<br />
este banco será por muito tempo suficiente para<br />
satisfazer as necessidades de nossas praças; ele<br />
porém não tem privilégio exclusivo, não há proibição<br />
alguma de que se organizem outros bancos, desde<br />
que necessidades reais os reclamarem; o que o<br />
projeto quer é criar um banco solidamente<br />
constituído, que possa melhorar o meio circulante o<br />
que não poderiam fazer muitos pequenos bancos,<br />
e o que pode ser feito pelo atual com maior segurança<br />
e perfeição. Repito, pois, que este banco
77 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
não é criado em prejuízo de todos os outros que<br />
podem reclamar as necessidades do País, embora<br />
tenha ele de ser o único por algum tempo..."<br />
O deputado Brandão, fazendo um aparte ao<br />
discurso de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, indagou: “E as caixas<strong>–</strong>filiais?”<br />
Retomando a palavra, o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
elucidou: “...é justamente com as suas caixas<strong>–</strong>filiais<br />
que poderá fazer ao País todo o benefício que dele se<br />
espera.”<br />
O deputado Nebias também fez um aparte,<br />
num tom exclamativo: “Há de absorver os recursos<br />
das províncias."<br />
A elucidação do orador maranhense prossegue<br />
da tribuna: “Será justamente o contrário; são os<br />
grandes mercados, como o do Rio de Janeiro e outros, que<br />
hão de por muito tempo ministrar recursos aos<br />
pequenos mercados do império; já atualmente isto<br />
acontece, e com a organização das caixas<strong>–</strong>filiais<br />
acontecerá em muito maior escala."<br />
Em seguida, dois deputados dirigiram apartes<br />
ao orador da tribuna, nesta ordem:<br />
“O Sr. Nebias: <strong>–</strong> Mas agora no Rio de Janeiro se fez um<br />
empréstimo de 4,000,000$000.<br />
O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Ao mercado do Rio de Janeiro faz-se um<br />
empréstimo de 4.000,000$000, e as pequenas praças<br />
do império não se lhes empresta nada”.<br />
A resposta do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> elucida: “Este<br />
empréstimo feito à praça do Rio de Janeiro reverte<br />
certamente uma grande parte em benefício das<br />
pequenas praças do império”. (Apoiados)
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 78<br />
O deputado Brandão não se conformou com<br />
a resposta e ainda retrucou: “Não sei como”.<br />
A elucidação do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> é bem<br />
evidente:<br />
“É claríssimo, o nobre deputado não nega<br />
decerto, porque seria negar a evidência dos fatos,<br />
que pelas circunstâncias em que há meses se<br />
achou o mercado do Rio de Janeiro uma parte de<br />
seus capitais emigrou para certas províncias em<br />
busca de empregos mais lucrativos....”<br />
Importa que eles teriam de voltar imediatamente<br />
ao seu centro, ao lugar em que residem seus<br />
proprietários, e onde ainda com menores lucros se<br />
julgariam por motivos bem olvidos melhor compensados<br />
se não cessassem sem perda de tempo as dificuldades<br />
da praça do Rio de Janeiro; eis como o empréstimo<br />
votado vai diretamente beneficiar essas províncias.<br />
Disse<strong>–</strong>se mais que este banco assim organizado<br />
podia exercer uma influência mui decisiva e<br />
perniciosa nos destinos do império; eu, senhores,<br />
sinto<strong>–</strong>me amesquinhado, como brasileiro, com a<br />
enunciação de semelhantes ideias. Pois, instituições<br />
que em toda parte são um poderoso elemento de<br />
ordem, pois, a riqueza, pois a propriedade do País podem<br />
jamais ser infensas à sua felicidade, ao seu<br />
progresso? Pode<strong>–</strong>se razoavelmente recear sua<br />
influência na administração do País? Pela minha<br />
parte. em vez de prejudicial, como supõem os nobres<br />
deputados, eu estou convencido de que ela seria<br />
útil e muito útil à Nação.<br />
O que digo é que não posso desconfiar da<br />
influência dos bancos, não posso pôr<strong>–</strong>me em guarda
79 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
contra a propriedade e riqueza do País; eu não<br />
suponho o governo do meu País tão fraco,<br />
estabelecido sobre bases tão precárias, que tenha<br />
de sujeitar<strong>–</strong>se à influência indébita de um banco<br />
para engrandecê<strong>–</strong>lo em prejuízo das instituições<br />
pátrias”.<br />
O deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> prosseguiu da<br />
tribuna da Câmara dos Deputados o vigoroso discurso<br />
da inesquecível tarde de 21 de junho de 1853:<br />
"O nobre figurou alguns casos em que a<br />
moeda<strong>–</strong>papel podia valer até mais do que o ouro<br />
que ela representa, ter um ágio sobre o metal;<br />
mas antes disto fez uma longa exposição de<br />
princípios para provar que a circulação de papéis<br />
de crédito tinha vantagens sobre a circulação da<br />
moeda metálica. Eu professo também esta opinião.<br />
Entendo que a soma dos valores que inutilmente se<br />
emprega na moeda, que não é mais do que um<br />
meio de fazer um comércio, é inutilmente distraída<br />
da indústria e fica improdutiva. Entendo que quanto<br />
menor capital se amortecer neste serviço, tanto<br />
mais lucrará o País; mas não sei como o nobre<br />
deputado, estabelecendo este princípio, combate o<br />
banco, que não tem outro fim senão fazer a maior<br />
soma de transações no mercado com a menor soma<br />
possível da moeda.<br />
Formado o banco, seria crueldade privar as<br />
províncias de ter o seu quinhão nos lucros do<br />
mesmo banco. Se o nobre deputado tanto exagera<br />
os lucros do banco que se vai criar, fique certo<br />
de que as províncias hão de participar dele na proporção<br />
das suas forças. As caixas<strong>–</strong>filiais hão de ser<br />
organizadas à custa desse mesmo capital
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 80<br />
que se estipula para o banco central; os<br />
capitais do Rio de Janeiro já se derramam pelas<br />
províncias; os diferentes bancos da Bahia,<br />
Pernambuco, Rio Grande do Sul têm recebido capitais<br />
desta praça; se hoje há dificuldade da passagem<br />
deles, se não se pode aproveitar de pronto todas as<br />
vantagens do seu movimento, haverá de menos essa<br />
dificuldade quando existirem instituições que se<br />
correspondam e possam entender-se no sentido de<br />
suas recíprocas conveniências." (18)<br />
Com o objetivo de promover a imagem do<br />
Brasil no exterior, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> foi um dos integrantes<br />
da Comissão de Fazenda e de Comércio, Indústria e<br />
Artes, da Câmara dos Deputados, que emitiu parecer<br />
favorável, em 23/6/1853, à proposição do deputado Cândido<br />
Mendes de Almeida, destinada à aprovação de um crédito<br />
de 100:000$, a fim de amparar as despesas do Governo<br />
necessárias para que produtos brasileiros pudessem estar<br />
na Exposição Internacional de Paris, realizada em maio<br />
de 1855 [SERRA, 1853].<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> participou da sessão plenária<br />
de 01 de julho de 1853 da Câmara dos Deputados<br />
que elevou à categoria de província, com a<br />
denominação de Oyapockia, o território compreendido<br />
entre os rios Nhamundá, Amazonas, o Oceano Atlântico,<br />
e os limites setentrionais do Império. A capital da<br />
nova província recebeu o nome de Macapá.<br />
(18) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 21/6/1853, pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />
Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.
81 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Hoje um dos representantes daquela província que<br />
recebeu, tempos depois, o nome de Estado do Amapá, no<br />
Congresso Nacional é o senador maranhense José<br />
Sarney, <strong>presidente</strong> do Congresso Nacional, o consagrado<br />
autor do romance Saraminda, a saga que imortaliza as terras<br />
regulamentadas pelo voto do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
(PL/MA).<br />
Assim como o destino conduziu um <strong>poeta</strong> do<br />
Maranhão à Presidência do Banco do Brasil, em seus<br />
primórdios, tempos depois, o mesmo destino entregou nas<br />
mãos de outro <strong>poeta</strong> maranhense o governo da República:<br />
“Em 1985, por fios do destino, coube-me presidir a<br />
transição, a volta da democracia. Consegui sair ileso e<br />
íntegro dessa luta de facas.” (19)<br />
Se em <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> encontramos o vate da<br />
elegia, em José Sarney o <strong>poeta</strong> que celebra a vida<br />
desde o início:<br />
CANÇÃO MAIOR PARA ROSEANA<br />
José Sarney<br />
Há em minha sombra, agora,<br />
a claridade de pequeninos gestos<br />
construindo o tempo,<br />
invadindo o campo dos meus olhares<br />
com as nuvens de pássaros,<br />
as canções vivas de aboios velhos, garças,<br />
(19) JOSÉ SARNEY, senador da República <strong>–</strong> in Jornal do Brasil <strong>–</strong><br />
De jaquetão e bigode <strong>–</strong> p. A<strong>–</strong>11 <strong>–</strong> edição: sexta<strong>–</strong>feira 26 de<br />
março de 2004.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 82<br />
guarás vermelhos de asas abertas,<br />
pássaros boiando no espaço<br />
riscando nomes em tudo:<br />
a presença de teus olhos, filha.<br />
Já o barco da noite<br />
me descobre com falas de acalanto<br />
e lendas nascem,<br />
os príncipes, dragões e estrelas<br />
onde o lago é mágico e existe<br />
o fantástico jogo das histórias simples<br />
para os teus ouvidos.<br />
A velha bruxa,<br />
danças e modinhas,<br />
e o polichinelo<br />
governa o tempo<br />
navegando<br />
nas águas<br />
da tua companhia.<br />
Há no meu olhar nas tardes, nas manhãs,<br />
nas ruas, nas casas, no mar,<br />
o espaço, a vida e o encanto de tua lembrança.<br />
Todas as coisas trazem<br />
teus pequeninos olhos<br />
e as árvores, os pássaros, e os incensos<br />
falam de tua inocência.<br />
E a madrugada com o teu chamado ao mundo,<br />
na menina que saúda o dia,<br />
arranca a palavra Amor dos seus abismos<br />
para entregá-la<br />
indestrutível<br />
e pura<br />
a tuas pequeninas mãos.<br />
Anjo e pássaro agora sou.<br />
O teu sorriso me prolonga<br />
além do dia, além da noite, além da morte,<br />
e chega aos infinitos da esperança
83 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
porque agora, está em tudo,<br />
nas minhas mãos, no meu andar,<br />
no meu morrer,<br />
no meu silêncio, nas minhas lágrimas,<br />
na face do mundo:<br />
o sorriso de Roseana". (20)<br />
A Canção Maior para Roseana, de José Sarney,<br />
escrita em 09/09/1953, na cidade de São Luís do<br />
Maranhão, contém o sentido musical que transmite a<br />
essência que somente os lírios do campo possuem.<br />
Sustentado pelo movimento suave, doce e<br />
moderado (semínima = 69) e pianíssimo quase<br />
embalando, o Canto do Maior Amor, de Francisco<br />
Mignone, escrito nos idos de 1948, sugerindo a mesma<br />
musicalidade que contém os versos do <strong>poeta</strong> José<br />
Sarney, traz a letra de Sylvio Moreaux (1908/1956),<br />
inspirado num abraço à filha pequenina:<br />
“Luz do sol, clarões de luar, passarinhos a<br />
cantar, rumorejos de mil fontes, coloridos horizontes,<br />
belas flores perfumadas, despontar das alvoradas, a alegria<br />
matutina...”<br />
Numa época em que ninguém ainda falava<br />
sobre reforma agrária, o relator da Comissão de<br />
Fazenda, deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, na sessão de 30 de<br />
julho de 1853, da Câmara dos Deputados, concluiu o<br />
parecer que beneficiava a colonização alemã no Estado<br />
de Santa Catarina:<br />
(20) JOSÉ SARNEY, senador da República <strong>–</strong> in Saudades Mortas,<br />
pp. 129 e 130 <strong>–</strong> Ano 2000 <strong>–</strong> Autorização concedida ao escritor<br />
Fernando Pinheiro, em 17/11/2003, pelo senador José Sarney,<br />
<strong>presidente</strong> do Senado Federal.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 84<br />
"E considerando a comissão de fazenda que a<br />
Nação ganha mais em distribuir as terras, mesmo<br />
gratuitamente, com quem as queira cultivar, do que em<br />
conservá-las desaproveitadas; considerando mais que<br />
os colonos estrangeiros não devem ficar de melhor<br />
condição que os nacionais; e finalmente atendendo a<br />
que os suplicantes, pela maior parte, beneficiarão de<br />
boa fé os terrenos que atualmente ocupam.”<br />
Quando se debatia, na sessão de 18 de<br />
agosto de 1853, o projeto relativo à concessão de<br />
privilégio para a navegação a vapor no Amazonas, o<br />
deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> usou a tribuna para comentar:<br />
"Eu já disse em princípio que não sou<br />
panegirista dos privilégios; mas quando é necessário<br />
para criar uma indústria qualquer de muita vantagem,<br />
quando é por assim dizer necessário para educação<br />
do povo, a fim de mostrar praticamente as<br />
vantagens, a exequibilidade da coisa, entendo que o<br />
privilégio se deve dar. Entendo mais que o único meio<br />
de fazer<strong>–</strong>se alguma coisa no futuro, que o maior<br />
estímulo para futuras empresas é a demonstração<br />
prática das vantagens das primeiras associações, e<br />
eis porque nunca deplorarei os favores que lhes são<br />
concedidos, embora venham elas a realizar<br />
enormíssimos lucros.<br />
Talvez pareça absurda esta proposição, mas eu<br />
julgo que se firmarmos muito bem no País o espírito<br />
de associação, nada podemos fazer com celeridade;<br />
é preciso que os lucros sejam tais para aqueles que<br />
se arriscam a tantas contingências, que não só<br />
estimulem os capitais do País, mas ainda os<br />
capitais estrangeiros; então é que começará a haver<br />
verdadeira concorrência, é que o governo se achará
85 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
habilitado para usar com vantagem das faculdades<br />
que lhe houver dar ao corpo legislativo.<br />
Mas, ainda por outro lado foi atacado o<br />
privilégio, isto é, como um grande mal, por isso que<br />
a concorrência era um grande bem. Ora, esta<br />
argumentação cai por si mesma, em vista do que<br />
acabei de expor, porquanto esse grande bem não<br />
será realizável sem esse pequeno mal.<br />
E será esse mal tão grande como foi figurado<br />
pelo nobre deputado que o apresentou? Decerto que<br />
não; como é que a companhia há de lucrar muito<br />
sem que o público lucre muito mais? O que se<br />
poderia, quando muito, dizer era que outras empresas<br />
idênticas não viriam compartilhar durante esses 30 anos<br />
das grandes vantagens que essa navegação promete,<br />
mas esses novos empresários não constituem o<br />
público que, mesmo durante esses 30 anos, chamarei<br />
de demonstração prática, há de lucrar imensamente.<br />
E na verdade, senhores, como poderemos separar<br />
neste caso o interesse da companhia do interesse do<br />
público, do interesse do País?<br />
Pois os interesses da companhia não hão<br />
de ser apenas uma quota do interesse público?<br />
Pode a companhia lucrar sem a navegação seja<br />
frequentada? Esta navegação há de ser frequentada<br />
só porque o País queira fazer a felicidade, concorrer<br />
para os enormes lucros da companhia, e não pelo<br />
cálculo do próprio proveito, do próprio interesse,<br />
preferindo a navegação a vapor à navegação<br />
imperfeita que existia até agora, ou a falta absoluta<br />
de navegação ?...”
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 86<br />
O deputado Cândido Mendes de Almeida<br />
que fez anteriormente um pronunciamento sobre a<br />
matéria, dirigiu ao seu conterrâneo da pré-amazônia<br />
maranhense, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, um breve aparte:<br />
“Podia tratar<strong>–</strong>se com a companhia.”<br />
O orador da tribuna reiniciou o discurso:<br />
“Se nós tratássemos com uma companhia teria<br />
alguma razão o nobre deputado; mas quando o<br />
governo fez este contrato a companhia não existia;<br />
era preciso que ela se formasse, e para que ela se<br />
formasse era necessário dar<strong>–</strong>lhe grandes vantagens,<br />
estimulá<strong>–</strong>la muito. Nem este privilégio pode matar<br />
inteiramente a concorrência para a navegação dos<br />
afluentes do Amazonas; aí não se lhe dá senão um<br />
direito de preferência, e direito de preferência que não<br />
se estabelece senão quando há identidade de<br />
circunstâncias; quando houver uma companhia, uma<br />
empresa ou indivíduo que tenha adiantado trabalhos, feito<br />
despesas, consumido tempo em explorações que não<br />
tenham sido tentadas pela companhia, essa<br />
empresa, indivíduo, ou companhia, virá tratar<br />
diretamente com o governo sem temer a preferência<br />
prometida; ao menos assim o entendo, e julgo que o<br />
contrário seria cruelíssimo. Mas dando de não<br />
existirem esses trabalhos antecipados, dado caso de<br />
que se conceda preferência à companhia em<br />
igualdade de circunstância mesmo para a navegação<br />
dos lugares onde não há obstáculos nem<br />
dificuldades a vencer, ainda assim o público não<br />
seria prejudicado, ao menos quanto ao tempo de<br />
esse benefício, porque é indubitável que a companhia<br />
estará em posição de poder mais prontamente<br />
estabelecer a navegação em qualquer outra linha<br />
cuja conveniência seja demonstrada.
87 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Também não é concludente a objeção de<br />
ser pequeno o capital estipulado pelo governo,<br />
por que o governo não estabeleceu o máximo, e sim<br />
o mínimo, e quando o estabeleceu, é natural que<br />
tivesse bem estudado a questão, de modo que se<br />
achasse habilitado para decidir que este mínimo<br />
bastava para satisfação das obrigações a que<br />
imediatamente se sujeitava a companhia. Eu afirmo<br />
ao nobre deputado que, ou sejam capitais do País,<br />
ou do estrangeiro, desde que a empresa dê lucro,<br />
há de sempre haver muito capital para manter e<br />
levar a navegação aos pontos os mais remotos da<br />
província.<br />
Não tocarei senão muito de leve em algumas<br />
outras observações, e pedirei licença ao nobre<br />
deputado que os apresentou para dizer-lhe que as<br />
acho um pouco deslocadas, um pouco estranhas à<br />
questão, pois que se referem a atos ou trabalhos<br />
que propriamente devem ser fiscalizados pelos,<br />
imediatamente, interessados. Assim, a melhor ou<br />
pior gestão, a nomeação de um ou outro indivíduo<br />
que deva exercer funções na companhia, tudo isto<br />
pertence quase exclusivamente àqueles a quem<br />
cumpre imediatamente zelar os interesses da<br />
companhia.<br />
Se, porém, desses atos pudessem resultar<br />
desvantagens para os fins que o governo teve em<br />
vista, então aí está o mesmo governo para reclamar<br />
convenientemente, porque o contrato o arma para isto, e<br />
nem podia ser de outro modo, porque é ele o único<br />
fiscal da sua execução, deve acompanhar os<br />
trabalhos da companhia de modo que deles derive<br />
ao País toda a vantagem que tem direito a esperar.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 88<br />
O nobre deputado desceu a fatos, falou em<br />
uma nomeação que tivera lugar. Eu, sem querer<br />
entrar na questão, que julgo imprópria na Câmara,<br />
pedir-lhe-ei licença somente para dizer ao nobre<br />
deputado, porque acho ser isto um dever de<br />
consciência, que pude obter informações que muito<br />
abonam esse indivíduo, não só quanto à sua<br />
inteligência, como quanto a outras qualidades já<br />
provadas pela experiência. Consta-me que é maior<br />
de 25 anos (e por consequência não chamarei<br />
menino nem criança), que teve já encargos mui<br />
penosos que demandavam muita inteligência, muita<br />
probidade, muita integridade; que foi sócio, ou pelo<br />
menos gerente de uma casa milionária, e se sairá<br />
muito bem dessa comissão; creio que foi ela um<br />
dos tirocínios que mais o habilitou para o cargo que<br />
atualmente exerce na companhia. Repito, Sr.<br />
Presidente, que não me encarrego da defesa de<br />
um indivíduo que nem conheço pessoalmente; toco<br />
nisto apenas de passagem, e com um desencargo<br />
de consciência, visto que se trata da reputação<br />
alheia, e em sentido contrário à notícia que tenho<br />
da pessoa em questão, e que achando-se esta<br />
ausente não pode alegar em própria defesa.<br />
O fato da demora do vapor deve ser na<br />
verdade muito justificado para ser revelado, porque<br />
suponho que uma das vantagens de tais empresas<br />
é a pontualidade; condição sem a qual desaparecem<br />
muitos dos seus mais felizes resultados (Apoiados).<br />
Mas há casos de força maior, motivos superiores a<br />
toda exceção, que não admitem esta regra, como<br />
sejam os que têm relação com a ordem, a<br />
tranquilidade pública, ou uma necessidade grande,<br />
urgente, mesmo administrativa; são casos em que
89 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
a exceção produz um interesse maior do<br />
que a regra; mas em geral é preciso que o governo<br />
tenha toda a atenção, todo o cuidado para que<br />
nessas empresas não haja relaxação, para que o<br />
público seja servido com a maior pontualidade.<br />
Uma observação fez o nobre deputado de<br />
muito peso, e foi a falta que se nota no<br />
privilégio de uma estipulação quanto ao modo de<br />
rescindi-lo, porque todas as vantagens que tenho<br />
apresentado, essa mesma demonstração prática<br />
de que tenho falado, poderiam ser completamente<br />
conseguidas antes dos 30 anos; e então por um<br />
cálculo de interesse legítimo, poderia convir ao<br />
governo a rescisão, e, por qualquer maneira, a<br />
liberdade da navegação do Amazonas.<br />
Verdade é que reduzindo-se a questão a um<br />
cálculo de vantagens e conveniências para o governo<br />
e para a companhia, poderão dificuldades ser em<br />
qualquer tempo vencidas, sem dependência de<br />
prévia estipulação; mas eu entendo que, ao menos<br />
como objeto de estudo, se deve tomar nota desta<br />
observação, para que em todos os contratos futuros<br />
se inclua a cláusula que já vi incluída no último<br />
contrato para a construção da estrada de ferro.<br />
É claro que quaisquer que sejam as vantagens<br />
que se possam tirar de tais privilégios, podem-se<br />
dar ainda maiores vantagens em que passado certo<br />
tempo volte a indústria ao estado de perfeita<br />
liberdade, e para isso bom será que o governo<br />
desde já, para evitar exigências desarrazoadas,<br />
estabeleça o modo de conseguir este resultado.<br />
É com o tempo, senhores, que se aprende, é<br />
com o estudo que chegaremos à perfectibilidade;
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 90<br />
por muito que estudássemos a matéria nem<br />
todas as condições que se deveriam estipular seriam<br />
incluídas nos nossos primeiros contratos, não<br />
poderíamos equipar-nos desde logo aos países<br />
mais amestrados, e que têm feito desta matéria<br />
muito especial estudo, tanto teórico como prático; não<br />
tenho pois em vista censurar por isso ao governo,<br />
mas somente pedir-lhe que tome nota desta falta, a<br />
fim de nos aproveitarmos da experiência, para que<br />
ela não seja perdida.<br />
Sr. Presidente, se bem compreendi a emenda<br />
que se acabou de ler, não alcanço o que ela<br />
significa, ou por outra, julgo que nada significa. Eu<br />
quisera que o seu nobre autor me dissesse se ela<br />
importa uma autorização para qualquer despesa no<br />
futuro (o que não posso crer), se abre desde já<br />
um crédito ao governo para fazer a desapropriação<br />
quando ela se tornar necessária; porque do<br />
contrário não vejo alcance algum nessa emenda. Deus<br />
nos livre de autorizações das quais se possa a<br />
contrário senso tirar a conclusão de que o<br />
governo está sem elas de mãos atadas para<br />
promover tudo quanto for de utilidade pública.<br />
Já disse que é um cálculo de vantagens e<br />
desvantagens que o governo fará depois; para isto<br />
está sempre autorizado, bem como para em tempo<br />
oportuno, pois que o corpo legislativo se reúne todos<br />
os anos, pedir-lhe as faculdades extraordinárias de<br />
que carecer; entendo todavia que, ainda que aprovemos<br />
esta emenda, aprovando também o contrato, ela não<br />
terá força alguma para obrigar a companhia a<br />
aceitar as condições do governo; desde que se<br />
não pudesse voltar a novos
91 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
ajustes para estabelecer essas condições<br />
onerosas, a emenda nada significaria, porque a<br />
companhia ficaria com pleno direito para recusar ao<br />
governo suas imposições quando ele quisesse usar<br />
desta autorização, que não pode por forma alguma<br />
importar uma inovação no contrato feito.<br />
Sr. Presidente, eu de nada mais me lembro<br />
para oferecer à consideração da casa, mesmo<br />
porque parte dos meus apontamentos estão<br />
inutilizados com as respostas e explicações dadas<br />
pelo nobre ministro. Não sei se já declarei tão<br />
expressamente como desejo que votarei a favor<br />
de qualquer autorização que habilite o governo para<br />
desde já fazer a substituição da vantagem do<br />
privilégio pela de um maior favor pecuniário,<br />
mas isso, já se vê, com acordo da parte<br />
interessada, se esta reconhecer que é melhor ou lhe<br />
convém traduzir o privilégio em vantagem pecuniária.<br />
Se puder haver um acordo entre o governo e<br />
a companhia a este respeito, de modo que não se<br />
firam direitos adquiridos que repousam sobre a fé<br />
de um contrato solene feito com o governo do País,<br />
porque isso poderia ter funestas consequências, e<br />
matar o espírito de associação que tanto desejo ver<br />
promovido entre nós; se puder haver este acordo,<br />
digo, estou pronto a votar por todas as autorizações<br />
que a Câmara quiser conceder ao governo.” (21)<br />
(21) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 18/8/1853, pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />
Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 92<br />
Na sessão de 19 de agosto de 1853, a<br />
Câmara dos Deputados aprovou o arquivamento do<br />
parecer, assinado pelos deputados Ribeiro de Andrada e<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, membros da Comissão de Fazenda, referente<br />
à demonstração das operações de preparo, assinatura e<br />
substituição do papel-moeda na corte e município do Rio de<br />
Janeiro, a cargo da junta administrativa da caixa de<br />
amortização, desde 24 de dezembro de 1835 até 31 de<br />
julho deste corrente ano.<br />
A questão do privilégio a ser concedido pelo<br />
governo a empresa que explore a navegação do<br />
Amazonas voltou ao debate na sessão plenária de 19<br />
de agosto de 1853. A atuação brilhante de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />
antecedida por Pacheco, causou excelente impressão aos<br />
seus dignos pares. Mais uma vez, fomos buscar,<br />
nos anais da Câmara dos Deputados, o relato<br />
comovedor:<br />
"Tomarei pouco tempo à casa, visto que tenho<br />
somente por fim dar uma breve resposta ao<br />
nobre deputado que me precedeu; uso da palavra<br />
menos pelo interesse da discussão, tendo sido<br />
prevenido pelo nobre deputado pelo Pará do que<br />
para dar um público testemunho do respeito que<br />
consagro ao nobre deputado a que me refiro.<br />
Sr. Presidente, quando se traduzem as opiniões<br />
alheias, a despeito das melhores intenções, peca-se<br />
de ordinário contra a fidelidade, e é assim que a<br />
opinião de qualquer indivíduo, referido por outros<br />
embora na melhor boa fé aparece com cores<br />
diferentes.<br />
Eu, Sr. Presidente, estou de acordo com o<br />
nobre deputado na questão teórica da liberdade
93 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
industrial, e nem proferi palavra que autorizasse<br />
o pensamento contrário; o que somente disse e repito<br />
é que os rigorosos princípios da ciência não podem<br />
ser aplicados em países, em sociedades novas, que<br />
não estão ainda em estado normal, que não têm<br />
todos os elementos de riqueza, todo o movimento e<br />
atividade já desenvolvidos nas sociedades antigas.<br />
Portanto, não sou panegirista dos privilégios; nesta<br />
questão votarei pela emenda que se acha sobre a<br />
mesa; o que desejo é que o corpo legislativo proceda<br />
de modo que não apareça depois a desconfiança<br />
nos negócios tratados com o governo.<br />
Para se poder reduzir essa concessão<br />
unicamente a dinheiro sem prejuízo da empresa,<br />
Sr. Presidente, era preciso saber-se mais alguma<br />
coisa que nos autorizasse a concluir que ela podia<br />
dispensar o privilégio; e eu não quero argumentar com<br />
dados resultantes dos trabalhos encetados pela<br />
companhia, a questão está em verdade hoje muito<br />
esclarecida à custa de suas diligências e riscos, mas<br />
eu não julgo possível que lhe sejam retiradas por<br />
isso as vantagens estipuladas no contrato celebrado<br />
quando a matéria estava na maior obscuridade,<br />
quando os capitais empregados na empresa iam<br />
correr grandíssimos riscos, quando o negócio tinha<br />
uma natureza muito mais aleatória.<br />
Os lucros, Sr. Presidente, não podem ser tão<br />
grandes como se afiguram, porque por essa subvenção<br />
não vem a companhia a ter os 13% de seu capital<br />
como se tem dito; nesse caso eu votaria contra o<br />
projeto, acharia muito inconveniente que o governo<br />
desse tão grandes interesses, porque seria isso um<br />
incentivo para que a companhia dormisse o sono<br />
da inércia; mas não acontece assim: essa
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 94<br />
Subvenção pode ser não um lucro, mas uma<br />
indenização de capitais destruídos; a companhia ia<br />
empreender uma navegação cujos resultados não eram<br />
conhecidos, e podia dar-se o caso de consumir logo<br />
os seus capitais, e pois essa subvenção virá ser uma<br />
indenização, ao menos em parte, das suas perdas.<br />
O nobre deputado também trouxe para a<br />
discussão a desnecessidade do privilégio, por isso<br />
que este negócio de navegação a vapor está hoje<br />
bem conhecido, ao alcance de todos, e não precisa<br />
mais ser privilegiado. Eu devo dizer que o privilégio<br />
não é concedido à navegação a vapor, mas sim à<br />
navegação de um rio cuja navegabilidade não estava<br />
livre de embaraços, dependia ao menos em certos<br />
pontos de trabalhos prévios, navegação cujas<br />
vantagens em relação à empresa eram duvidosas pela<br />
inatividade do comércio, pela falta de população, etc.,<br />
e é para esse ponto que se devem voltar as nossas<br />
vistas; é esta a verdadeira face da questão.<br />
O nobre deputado tocou em outro ponto<br />
sobre o qual estamos de acordo, e é uma<br />
recomendação que fez ao governo sobre a qual<br />
eu insisto, porque se, como eu penso, nesses<br />
contratos o elemento da confiança e da moralidade<br />
entra como base para ambas as partes contratantes,<br />
entendo que esses contratos não devem ser<br />
transmissíveis independentemente da vontade do<br />
governo, visto que eu entendo que a sorte de tais<br />
empresas está ligada ao caráter e capacidade dos<br />
indivíduos que se põem à frente delas, podendo<br />
muito bem um contrato, que deveria ser muito<br />
vantajoso, torna-se prejudicial ao País somente pela
95 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
mudança do pessoal da sua administração e<br />
direção.<br />
Julgo também que não há uma grande<br />
diferença entre as duas medidas que se acham<br />
consignadas nas emendas que estão sobre a mesa,<br />
porque seus autores concordam na conveniência de<br />
se habilitar o governo para livrar-se do privilégio; a<br />
diferença única consiste em que uma das emendas<br />
respeita mais os direitos adquiridos por essa<br />
companhia, e a outra não dá maior importância a<br />
esses direitos, respeitando mais os direitos da<br />
Câmara que julga feridos pelo governo; mas eu<br />
entendo que nós alcançaremos ambos os resultados<br />
votando pela emenda do nobre deputado da Bahia, e<br />
estabelecendo em uma lei separada que os privilégios<br />
daqui por diante deverão ser concedidos tão somente<br />
pelo corpo legislativo; esse meio parece-me oferecer<br />
menos odiosidade, e por isso ser mais conveniente.<br />
Quanto ao direito, as duas emendas parecem<br />
divergentes; e quanto ao fato, direi que, quer se<br />
estabeleça um privilégio, quer se dê uma subvenção<br />
maior, os resultados serão os mesmos por muitos<br />
anos, porquanto o fato mesmo de dar o governo uma<br />
forte subvenção a essa companhia o inabilitará<br />
para dá-la a outras que, por ventura, se organizem.<br />
Não é possível que, quando o País está em<br />
sua infância, possa aparecer competência com uma<br />
empresa auxiliada pelo governo; e pois os mesmos<br />
princípios do nobre deputado estabelecem o privilégio,<br />
senão explicita, ao menos tacitamente.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 96<br />
No momento exato em que um vozerio do<br />
plenário bradava votos, na sessão de 14 setembro de<br />
1853, para a anuência da Câmara dos Deputados<br />
conceder empréstimo à República Oriental do Uruguai,<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> usou a palavra:<br />
“Sr. Presidente, serei breve, visto que a<br />
Câmara está disposta a votar. Conheço que a<br />
questão está esgotada; mas as poucas palavras<br />
que tenho a dizer referem-se mais ao crédito do<br />
País, que temos obrigação de zelar, do que a<br />
matéria do projeto em si mesma. Precisamos hoje,<br />
mais do que nunca, do nosso crédito, para todas<br />
as operações que possam vir em auxílio das nossas<br />
grandes empresas, para facilitar o nosso progresso<br />
nas vias de melhoramentos que agora encetamos.<br />
Se pois a Câmara dos Srs. Deputados tivesse de<br />
votar por esta medida, me parece que fará, pairando<br />
sobre ela a suspeita de ser uma operação, muito<br />
aleatória, um empréstimo ruinoso e inteiramente<br />
perdido, poderia isto ter alguma influência sobre o<br />
nosso próprio crédito.<br />
Eu, pois, no pouco que vou dizer, terei<br />
principalmente em vista mostrar que esta operação<br />
deve antes fortalecer do que enfraquecer o crédito<br />
nacional.<br />
(23) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 12/4/1853, pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />
Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.
97 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Disse o nobre deputado que primeiro impugnou o<br />
projeto que não tínhamos motivo algum para esperar<br />
que o estado de fortuna da República Oriental<br />
melhorasse consideravelmente em pouco tempo, e que,<br />
portanto, a necessidade que hoje se dá de auxílio<br />
por parte do governo do Brasil teria do continuar<br />
indefinidamente, e quase com a certeza de não<br />
poderem ser jamais indenizados os nossos<br />
sacrifícios.<br />
É um puro engano, é quase que uma<br />
ofensa feita à Providência. Um país novo, cheio de<br />
recursos, com grandes aspirações e magníficas<br />
proporções, e que tem diante de si um futuro<br />
risonho, não pode ser condenado a acabar, a<br />
não vencer dificuldades cujas causas são bem<br />
conhecidas. Essas causas não podem ser<br />
permanentes, como supõe o nobre deputado; o<br />
estado de decadência, a perturbação das finanças da<br />
República Oriental é consequente das desgraças<br />
porque acabou de passar. Desde que deixarem de<br />
pesar sobre ela essas desgraças, desde que a paz<br />
ali se estabelecer de uma maneira sólida, eu<br />
creio que as finanças do país se restabelecerão<br />
em muito pouco tempo.<br />
Mas disse o nobre deputado que ainda por um<br />
longo período talvez continuasse a necessidade deste<br />
subsídio. Senhores, eu entendo que não. Hoje é<br />
indispensável para a vida daquele Estado o<br />
empréstimo de que se trata; mas as rendas têm<br />
de crescer ali, não só pelo efeito natural do<br />
restabelecimento da paz, como porque com este dinheiro<br />
a administração se montará completamente; com este<br />
dinheiro ganhará o governo tempo para ir<br />
meditando sobre as verdadeiras necessidades,
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 98<br />
os verdadeiros interesses do país, para<br />
concluir suas reformas, examinar as suas tarifas e criar<br />
novas fontes de renda. De modo que duplicadas<br />
serão as causas do aumento de seus recursos, por<br />
um lado a paz, a tranquilidade, maior produção,<br />
maior consumo, aumento de população, etc., e por<br />
outro, melhoramento do sistema de impostos, melhor<br />
fiscalização e melhor organização.<br />
O dinheiro, senhores, que formos emprestar<br />
a esse país (e nisto divirjo um pouco do nobre<br />
deputado pelo Rio de Janeiro que falou sustentando<br />
a proposta) não irá servir para melhoramentos<br />
materiais, é insuficiente para isto, nem é tempo<br />
para que esse Estado se lance nessas vias; seria<br />
neste momento uma grande imprudência; esse<br />
dinheiro vai consolidar a paz ministrando ao governo<br />
da República, nas críticas circunstâncias em que se<br />
acha, os meios de administrar o país.<br />
Mas, perguntou o nobre deputado que falou<br />
por último em oposição, como com o dinheiro se<br />
faz paz e sustenta a ordem? Senhores, com o<br />
dinheiro não se evitam sempre as revoluções;<br />
não há uma maneira pronta de comparar a<br />
paz; mas serve para montar a administração, para<br />
dotar o país de instituições, e são estas que<br />
protegem a paz e promovem a prosperidade.<br />
Não há também, senhores, o perigo de nos<br />
acharmos por isso embaraçados nesta ocasião, em<br />
que também empreendemos melhoramentos que<br />
demandam grandes despesas. Se bem meditarmos<br />
na operação, queremos que, dispondo o Brasil, como<br />
dispõe, de um crédito que chamarei, em atenção ao<br />
seu estado de prosperidade e à moralidade de seu<br />
governo, ilimitado, o empréstimo
99 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
que fazemos aos nossos vizinhos é tão somente<br />
deste crédito. Por péssimas que sejam as coisas<br />
ali, por péssimo que seja o estado das suas<br />
finanças, nunca deixarão eles de pagar<strong>–</strong>nos os<br />
juros; com esses juros cessarão todas as nossas<br />
dificuldades, não teremos por isso novos encargos. Eu<br />
afirmo ao nobre deputado, para dissipar-lhe esse<br />
escrúpulo que se não pudermos dispor de<br />
recursos próprios, muito fácil nos será obter quaisquer<br />
somas somente hipotecando o nosso crédito, para<br />
acudirmos às necessidades do Estado Oriental sem<br />
comprometimento dos grandes interesses que tratamos<br />
de promover. Mas eu disse em princípio que, bem<br />
longe de prejudicar ao nosso crédito, esta operação<br />
o auxiliaria. Já demonstrei como não o prejudica,<br />
porque não vamos fazer um empréstimo ruinoso<br />
para o país, nem sobrecarregar<strong>–</strong>nos de pesados<br />
encargos. Agora que ela o auxilia é claro, porque<br />
produz grandes benefícios; o de estreitar os laços<br />
de recíproca amizade que já nos unem; o de por<br />
bem patente o desinteresse de nossa política, até<br />
hoje tão caluniada, o de aumentar a recíproca<br />
confiança entre os governos dos dois países,<br />
habilitando<strong>–</strong>nos assim para com o nosso juízo e<br />
conselho auxiliarmos a um povo irmão nas questões<br />
que ali se possam suscitar, questões que poderão<br />
ser de grande alcance para o nosso País, ou se trate<br />
de medidas políticas, ou tão somente de medidas<br />
fiscais, pois é patente que a muitos respeitos<br />
existem entre nós comungam de gravíssimos<br />
interesses.<br />
Nem estas minhas sinceras considerações<br />
podem despertar injustas suscetibilidades, porquanto<br />
eu só me refiro a uma influência moral muito<br />
legítima, uma influência toda amigável e benéfica
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 100<br />
como o Brasil não se pejaria de conceder a qualquer<br />
país amigo, e como de fato tem muitas vezes<br />
concedido, influência além disso toda no interesse<br />
daquele mesmo Estado. E isto salta aos olhos,<br />
porque quando se trata de satisfazer necessidades tão<br />
palpitantes como são agora as do Estado Oriental,<br />
se não forem elas por nós satisfeitas esse Estado<br />
terá de recorrer a outras nações, e assim a influência<br />
moral que poderíamos ganhar ou aumentar com<br />
prática de recíprocos ofícios e favores será ganha<br />
por essas nações.<br />
Ora, com essa influência o Estado Oriental<br />
não lucrará tanto, nem se poderá tão facilmente<br />
estabelecer essa recíproca e útil confiança, porque<br />
há divergência de interesses entre ele e essas<br />
nações, enquanto que para conosco em todas as<br />
questões que possam suscitar<strong>–</strong>se acontecerá sempre<br />
o contrário! O interesse daquela República estará<br />
de acordo com o nosso, e a solução há de, portanto,<br />
ser<strong>–</strong>lhe sempre mais propícia, mais conforme a<br />
seus desejos e conveniências. Portanto, não tem<br />
o Estado Oriental que recear da nossa influência,<br />
nem debaixo do ponto de vista político, e os fatos<br />
têm mais poder que as minhas palavras para provar<br />
esta asserção, nem debaixo do ponto de vista<br />
financeiro. Da própria fiscalização e regularização<br />
de suas finanças, de levar a efeito as medidas de<br />
que mais necessita, resultarão para o Brasil<br />
grandes vantagens. Eis como e porque entendo que<br />
a intimidade de nossas relações será sempre<br />
benéfica para ambos os países.<br />
O nobre deputado pretendeu defender a utilidade<br />
de um adiamento por oito meses. Creio ter já<br />
respondido a este ponto, quando demonstrei
101 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
que não se trata de satisfazer a necessidades<br />
permanentes daquele país, mas sim a necessidades<br />
de ocasião; consequentemente vê a Câmara que a questão<br />
da oportunidade é neste caso principal; é neste<br />
período que aquele país precisa deste recurso, e se<br />
lhe faltar talvez que inutilmente lhe seja depois<br />
oferecido.<br />
Como que insinuou o nobre deputado que o<br />
Estado Oriental não tratava da liquidação da sua<br />
dívida, e de haver<strong>–</strong>se com os seus credores do<br />
melhor modo. Senhores, é fato que hoje está no<br />
domínio do público, que a liquidação da dívida do<br />
Estado Oriental se está fazendo por uma junta<br />
de três membros, dos quais um é empregado do governo<br />
imperial, empregado que reúne em si todas as<br />
habilitações não só para representar ali os nossos<br />
interesses, como para atender nesse trabalho aos<br />
sãos princípios da ciência econômica.<br />
Demais, a quantia pedida não poderá por<br />
modo algum ser aplicada ao pagamento imediato<br />
dessa dívida: a liquidação a que se está<br />
procedendo não é para o fim de fazer<strong>–</strong>se um pronto<br />
pagamento, e sim para que a dívida seja definida,<br />
legalizada e fundada; o Estado não poderá fazer<br />
mais do que pagar depois pontualmente os juros;<br />
nem o contrário seria praticável, pois a amortização<br />
há de necessariamente ser lenta, e segundo as<br />
bases consagradas hoje pela ciência e adotadas<br />
pelas nações mais amestradas nesta especialidade.<br />
Limito<strong>–</strong>me, senhores, a estas considerações; não<br />
quero contrariar o desejo que a Câmara manifesta<br />
de votar sobre o projeto, e suponho ter dito quanto<br />
era suficiente para que as observações feitas pelos<br />
nobres deputados que impugnam a medida não
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 102<br />
possam nem levemente prejudicar ao crédito público<br />
do nosso País, que tanto nos cumpre zelar.” (23)<br />
Após o discurso proferido pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> a respeito do empréstimo à República<br />
Oriental do Uruguai, que acabamos de ver, nenhum<br />
outro membro da Câmara dos Deputados solicitou a<br />
palavra. Colocado em votação o projeto foi encaminhado<br />
à comissão de redação.<br />
Encerramos este tópico para mencionar que,<br />
com o pedido de urgência do deputado Visconde de<br />
Baependi, o projeto autorizando o governo imperial a<br />
conceder empréstimo à República Oriental do Uruguai<br />
foi, naquela sessão, devidamente aprovado.<br />
Ainda com relação ao empréstimo ao Uruguai,<br />
destacamos ainda a presença, em plenário da<br />
Assembleia Legislativa do Império, do ministro das<br />
Relações Exteriores, Antônio Limpo de Abreu, o Visconde<br />
de Abaeté, “expondo as razões da medida que o<br />
governo solicitou ao corpo legislativo”. (24)<br />
Na mesma edição, o Jornal do Commercio<br />
destaca o expediente de 31 de agosto de 1853,<br />
assinado por Joaquim José Rodrigues Torres, que<br />
(23) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 14/9/1853, pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />
Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.<br />
(24) Jornal do Commercio <strong>–</strong> in Memória <strong>–</strong> Há 150 anos <strong>–</strong> Empréstimo<br />
ao Uruguai <strong>–</strong> Edição de domingo, 14 e segunda-feira, 15 de<br />
setembro de 2003, p. A<strong>–</strong>23 <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ.
103 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
comunica que “a comissão nomeada pelo governo para<br />
receber a assinatura das pessoas que quiserem tomar<br />
parte na compra de ações para o novo Banco do Brasil,<br />
criado pela Lei de julho deste ano, anuncia que as<br />
assinaturas estarão abertas, na sala da Caixa de<br />
Amortização, durante os dias 15, 16 e 17 do corrente<br />
mês”.<br />
Dentre as honrarias recebidas pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, destacamos o encargo que recebeu da<br />
Câmara dos Deputados, transcrito da Ata de 24 de<br />
setembro de 1853:<br />
“O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> comunica, como orador da<br />
deputação, que ontem levara à presença de S.M.<br />
Imperador, os autógrafos da lei que fixa a despesa<br />
geral do império, e orça a receita para o exercício de<br />
1854/1855, que desempenhara a sua missão, e que<br />
S.M. respondera: que os examinaria.”<br />
No dia seguinte (25 de setembro de 1853),<br />
o ano legislativo da Câmara dos Deputados foi<br />
encerrado com a presença de D. Pedro II, Imperador do<br />
Brasil. Na fala do trono, o Imperador manifestou-se<br />
cheio de júbilo ao anunciar que todas as províncias<br />
desfrutam de tranquilidade. Em Deus e nos bons<br />
sentimentos dos brasileiros estava confiante na<br />
continuação de tão grande benefício. Revelou que se tem<br />
empenhado em manter relações de paz e amizade<br />
com todas as potências da Europa e da América.<br />
Quanto aos congressistas o Imperador<br />
agradeceu a colaboração prestada ao governo e a<br />
solicitude manifestada em satisfazer as necessidades<br />
do País, salientando a criação de um banco nacional,<br />
in verbis:
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 104<br />
“A lei que criou um banco nacional, e as<br />
medidas com que autorizastes o meu governo para<br />
aliviar o nosso comércio de exportação, para<br />
proteger a agricultura e a indústria, dando a vida e<br />
o desenvolvimento a diversas empresas, e para<br />
melhorar a instrução pública, são provas irrecusáveis<br />
do zelo e dedicação com que sempre vos desvelais<br />
pelos interesses da Nação.” (17)<br />
A respeito da criação do Banco do Brasil,<br />
destacamos que a presença do deputado maranhense,<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, foi de vital importância, por essa<br />
razão, ao ensejo de nossa gestão à frente da<br />
Academia de Letras dos Funcionários do Banco do<br />
Brasil, o reconhecemos como o símbolo da luta em<br />
defesa do Banco do Brasil.<br />
A nossa homenagem a <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> vem<br />
antecedida pelo depoimento do consagrado jurista,<br />
Cláudio Pacheco, autor da História do Banco do Brasil:<br />
“Na sessão de 13 de junho de 1853, ao<br />
continuar a discussão do projeto sobre empréstimos<br />
aos Bancos, que aqui estamos considerando como<br />
iniciativa estreitamente ligada ao projeto de criação<br />
do banco nacional, pois visava a acudir os dois<br />
estabelecimentos que iam fundir<strong>–</strong>se nesta criação,<br />
ocupou a tribuna o Deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, que foi,<br />
sem dúvida, na Câmara dos Deputados, durante os<br />
debates em torno dos dois projetos de que<br />
(17) D. PEDRO II <strong>–</strong> in Anais da Assembleia Geral Legislativa <strong>–</strong><br />
Sessão Imperial de Encerramento do Ano Legislativo em 25<br />
de setembro de 1853 <strong>–</strong> Acervo: Academia de Letras dos<br />
Funcionários do Banco do Brasil.
105 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
estamos tratando, o mais lúcido e o mais brilhante<br />
defensor da política financeira do Governo. E como<br />
também logo adiante aparece ele como primeiro<br />
<strong>presidente</strong> do novo Banco, torna<strong>–</strong>se assim uma das<br />
personalidades marcantes da nossa História e por<br />
isto queremos dar-lhe o devido relevo.” (18)<br />
Outro depoimento que comprova a luta de<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> em defesa do Banco do Brasil vem do<br />
escritor Fernando Monteiro, autor do livro A Velha Rua<br />
Direita:<br />
"Seu primeiro Presidente, função no exercício<br />
da qual morreu no ano seguinte, ainda bastante<br />
jovem, foi o <strong>poeta</strong> e deputado maranhense João<br />
Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>."<br />
(...)<br />
“Deputado<strong>–</strong>geral, coube<strong>–</strong>lhe defender, na Câmara,<br />
o pensamento do futuro Visconde de Itaboraí,<br />
visando ao estabelecimento da unidade da emissão<br />
bancária, com a criação do Banco do Brasil, que<br />
D. Pedro II recomendara em sua Fala ao Trono lida<br />
ao instalar<strong>–</strong>se a legislatura em 3 de maio de 1853.”<br />
(19)<br />
A atuação parlamentar de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
reinicia, em 10 de maio de 1854, com sua eleição para<br />
membro da 1ª Comissão de Orçamento da Câmara dos<br />
Deputados, ao mesmo tempo em que é nomeado para<br />
a deputação que apresentou a S. M. Imperador os<br />
pêsames pelo falecimento da Srª D. Maria II.<br />
(18) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> Vol. I,<br />
p. 352 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas <strong>–</strong> Rio de Janeiro<strong>–</strong>RJ <strong>–</strong> 1980.<br />
(19) FERNAN<strong>DO</strong> MONTEIRO <strong>–</strong> in A Velha Rua Direita, p. 70 <strong>–</strong><br />
Gráficos Bloch S.A. <strong>–</strong> 1965 <strong>–</strong> Rio de Janeiro.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 106<br />
A sessão de 13/5/1854 é marcada por debates<br />
em torno de loterias. No mesmo dia foi lida e aprovada a<br />
emenda do deputado Ferraz concedendo isenção de impostos<br />
a loterias destinadas a casas de caridade.<br />
“O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> declara que sendo signatário<br />
da primeira emenda apresentada o ano passado na<br />
discussão deste projeto no senado, está disposto a<br />
retirá<strong>–</strong>la também, não porque tenham desaparecido as<br />
razões muito ponderosas que então o determinaram,<br />
mas sim por estar convencido de que qualquer<br />
alteração no projeto importará delongas muito<br />
prejudiciais e danosas às obras pias que ele tem<br />
em vista proteger, e cuja urgência o orador reconhece.<br />
Oferecerá, pois, se nisso concordarem os<br />
demais signatários da emenda, a mesma ideia em<br />
projeto separado e talvez mesmo prescindir disso<br />
se a Câmara e o governo quiserem, no orçamento da<br />
despesa, consignar algum algarismo para ocorrer ao<br />
serviço do culto e aos reparos dos templos do<br />
município neutro, única porção do Império onde tão<br />
importante serviço corre inteiramente abandonado dos<br />
poderes do Estado.<br />
Faz mais algumas considerações, a fim de<br />
demonstrar que entre as mais urgentes necessidades<br />
desta ordem figuram as que sofre a freguesia de<br />
S. João Batista da Lagoa, como já em outra ocasião<br />
teve a honra de denunciar à Câmara e ao País.”<br />
No plenário da Câmara dos Deputados, é<br />
realizada, em 17/5/1854, a leitura do parecer da<br />
comissão de constituição e poderes, referente à<br />
incompatibilidade do cargo de deputado com o de<br />
<strong>presidente</strong> do Banco do Brasil. A esse respeito,
107 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
apresentamos, a seguir, apenas o início e o final<br />
da manifestação de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>:<br />
“Sr. Presidente, o empenho que tenho mostrado<br />
em querer dirigir algumas palavras à Câmara, não<br />
é porque pretenda tomar parte nesta discussão; o<br />
meu melindre pessoal me inibe disso, mas unicamente<br />
para dar algumas explicações e bem definir a<br />
minha posição no negócio de que se trata.<br />
Senhores, a Lei de 5 de julho do ano passado,<br />
criando o cargo de <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil,<br />
estabeleceu sem dúvida uma entidade nova na ordem<br />
administrativa, sem nenhuma relação, afinidade ou<br />
semelhança com alguma outra até então existente.<br />
Ora, sendo um membro do corpo legislativo<br />
nomeado para este cargo, cumpria examinar se ele<br />
estava compreendido entre os empregos de que trata<br />
a constituição no art. 32, isto é, se havia ou não<br />
incompatibilidade entre as funções do <strong>presidente</strong> do<br />
Banco do Brasil e as de membro do corpo legislativo.<br />
Ressaltam à primeira vista, Sr. Presidente,<br />
valiosas razões contra a incompatibilidade, razões<br />
derivadas já da mesma lei; já do estatuto orgânico<br />
do estabelecimento, já do nosso direito público<br />
administrativo em geral, e já finalmente das<br />
disposições e práticas das nações cultas, que como<br />
nós se regem pelo sistema representativo, e possuem<br />
instituições de crédito da mesma natureza.<br />
Quanto ao indivíduo que tem a honra de<br />
dirigir<strong>–</strong>vos a palavra, podeis estar certos, senhores,<br />
que a resolução da questão em nada o afeta,<br />
nenhuma influência pode ter sobre a sua sorte;<br />
o que somente desejava estar conseguido, era
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 108<br />
libertar<strong>–</strong>se da grande responsabilidade que<br />
sobre ele pesava, e conquanto pelo melindre da sua<br />
posição tenha de abster<strong>–</strong>se de tomar parte no<br />
debate, declara ingenuamente à Câmara que, qualquer<br />
que seja a sua deliberação, ele a aplaudirá<br />
sinceramente, e a terá como a melhor, a mais justa,<br />
a mais conveniente."<br />
Desfrutando dos vencimentos de deputado,<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> exerceu gratuitamente o cargo de<br />
<strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a 15/1/1855), e<br />
foi na tribuna da Câmara dos Deputados o local<br />
onde expôs, com transparência e honradez, toda a<br />
administração a ele confiada naquele<br />
período.<br />
A discussão, acerca dos limites de Goiás e<br />
Maranhão, entrou pela segunda vez em pauta, na<br />
sessão de 23 de maio de 1854, e mereceu do<br />
deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> uma apreciação centrada ao<br />
modo da divisão ou demarcação que resulta da<br />
emenda (não aprovada pela Câmara) do deputado Fleury:<br />
“Muitas poucas considerações farei, e que<br />
estas versarão principalmente sobre a emenda<br />
oferecida pelo deputado por Goiás.<br />
Felicito<strong>–</strong>me, Sr. Presidente, por ver que a medida<br />
que estamos discutindo na parte essencial merece<br />
completamente o assentimento do nobre autor da<br />
emenda; felicito<strong>–</strong>me disto, porque é o maior<br />
argumento que se poderia apresentar em favor da<br />
emenda; e pois as minhas considerações limitar<strong>–</strong><br />
se<strong>–</strong>ão ao modo da divisão ou demarcação que<br />
resulta da emenda do nobre deputado.<br />
Parece<strong>–</strong>me que, mui longe de quebrarmos o<br />
pomo de discórdia de que falou o nobre
109 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
deputado, essa exceção contida na emenda é que<br />
poderá criá<strong>–</strong>lo.<br />
Decidida a questão da conveniência da<br />
desanexação de uma parte do território da província<br />
de Goiás, pergunto: qual é a divisa mais natural?<br />
Existindo ela na natureza o mais completamente<br />
possível, devemos nós perdê<strong>–</strong>la, desvirtuá<strong>–</strong>la, criando<br />
um desvio, uma exceção ? Se o rio é a divisa entre<br />
as duas províncias, qual deve ser a divisa no rio<br />
para a questão das ilhas? Parece-me que o eixo da<br />
corrente. Se o rio constitui, por assim dizer, um<br />
território neutro, qual deve ser em rigor a divisa<br />
entre as duas províncias, senão o meio desse rio,<br />
que é marcado pelo eixo, pela maior força de sua<br />
corrente?<br />
Parece<strong>–</strong>me pois que, em atenção à conveniência<br />
de uma mais natural e melhor divisão, e à maior<br />
simplicidade, o nobre deputado poderia fazer o<br />
sacrifício de desistir de sua emenda.<br />
Eu não quero combatê<strong>–</strong>la de frente; se o<br />
nobre deputado liga a esta questão uma grande<br />
importância e a Câmara lhe prestar o seu<br />
assentimento, eu terei de submeter<strong>–</strong>me sem relutância,<br />
visto que está fora de dúvida a questão principal;<br />
mas fica<strong>–</strong>me o pesar de que nós, entrando no exame<br />
da questão, não colhamos em resultado todas as<br />
vantagens que podíamos colher para as duas<br />
províncias, não façamos a obra tão completa como<br />
podia ser.<br />
Nem se pode dizer que a inconstância das<br />
correntes do rio, a mudança do seu leito, tornam<br />
necessária esta declaração, ou duvidoso o limite<br />
fixado no projeto; porquanto, se em circunstâncias
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 110<br />
extraordinárias o rio sai do seu leito natural, uma vez<br />
marcadas as divisas, a questão é de tempo, de<br />
pouco tempo, porque ele voltará ao seu estado normal<br />
e cada província conhecerá o seu território.<br />
Até mesmo pela conveniência geral, perguntarei<br />
qual das duas províncias pode primeiro tirar<br />
proveito dessas ilhas, cultivá<strong>–</strong>las, povoá<strong>–</strong>las? Qual<br />
delas? Aquela que está mais próxima, aquela que<br />
tem mais facilidade na navegação, no transporte,<br />
ou a que fica mais afastada, que tem o obstáculo de<br />
uma corrente a atravessar?<br />
Eu ofereço unicamente estas considerações ao<br />
nobre deputado e à Câmara, sem querer, por<br />
modo algum, hostilizar acintemente a emenda que<br />
se acha em discussão, à qual com muito pesar<br />
terei de negar o meu voto.”<br />
Em seguida, quatro deputados, Paula Fonseca,<br />
Cândido Mendes de Almeida, Saraiva, e Ferraz<br />
usaram a palavra no debate da emenda. Depois,<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> retomou a tribuna para ressaltar<br />
importantes considerações:<br />
“Pouco direi, Sr. Presidente; os nobres deputados,<br />
que me precederam, preveniram quanto pretendia<br />
oferecer à consideração da Câmara. Não sei se foi<br />
bem ouvida a minha reclamação ao proferir o nobre<br />
deputado por Minas esta expressão: <strong>–</strong> ambição<br />
insondável da província do Maranhão. <strong>–</strong> Mas, depois<br />
do que se tem dito, me julgo dispensado de<br />
responder neste ponto ao nobre deputado: a sua<br />
asserção tem sido vitoriosamente combatida por todos<br />
os oradores que depois dele entraram no debate; está<br />
pois bem demonstrado que a questão é pura e<br />
simplesmente de conveniência pública; e
111 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
neste caso o nobre deputado me permitirá que<br />
repila completamente toda a ideia de transação<br />
particular.<br />
Não sei, Sr. Presidente, como em uma questão<br />
de semelhante natureza se possa fazer transações. E<br />
com que fim? Para que se não faça completamente o<br />
bem? Para que se faça parte do bem somente e<br />
se conserve um bocadinho do mal? Parece<strong>–</strong>me<br />
antes que era o caso de decidir<strong>–</strong>se pelas regras<br />
gerais de direito e de conveniência pública, sem<br />
nenhum apelo a qualquer outro princípio.<br />
Uma outra proposição foi emitida que poderia<br />
também alhear votos da medida proposta no projeto<br />
e tornar mais simpática a emenda. Disse<strong>–</strong>se que a<br />
questão era do fraco contra o forte. Mas, senhores,<br />
onde o fraco, onde o forte neste negócio? Todos<br />
quantos podiam ter interesses pelo lado de Goiás<br />
foram ouvidos, e todos concordam na alta<br />
conveniência da anexação daquele território ao<br />
Maranhão. Nessas informações, nessas consultas,<br />
vejo implicitamente incluídas essas ilhas; porque<br />
a nenhum dos informantes, a nenhuma das<br />
autoridades a que se consultou, lembrou por certo<br />
que fossem conservadas a Goiás as ilhas que<br />
ficam mais próximas do Maranhão, quando sobre<br />
essas ilhas a questão de direito e de conveniência<br />
é tão aplicável como sobre a margem toda.<br />
Portanto, suponho que a emenda do nobre<br />
deputado de algum modo se opõe a esses votos<br />
unânimes, já das autoridades civis e eclesiásticas<br />
da sua província, já de seus representantes<br />
constantemente pronunciados em favor da anexação,<br />
que, no meu modo de ver, compreende essas ilhas.<br />
O nobre deputado pela Bahia apresentou algumas<br />
outras considerações também derivadas
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 112<br />
da conveniência pública para sustentar que o rio<br />
devia exclusivamente pertencer a uma ou a outra<br />
província; porque, disse ele, à polícia do rio fica<br />
assim mais fácil, não é preciso para ela acordo dos<br />
dois governos, podendo simplesmente um fazê-la e<br />
regulá<strong>–</strong>la convenientemente.<br />
Outro nobre deputado pela mesma província,<br />
que acaba de sentar<strong>–</strong>se, respondeu cabalmente a<br />
este ponto, mostrando que não há dificuldade quanto<br />
à perseguição e prisão de criminosos, ou apreensão<br />
dos contrabandos; o rio não separará nações<br />
estranhas, mas partes de um mesmo todo; e se não<br />
tem havido acordo antecipado entre as províncias que<br />
se acham em tais circunstâncias, se alguma coisa<br />
resta fazer, cabe isso aos governos provinciais,<br />
ou aos poderes gerais, e não deve ser causa de<br />
modificarmos a nossa opinião a respeito da<br />
conveniência geral. Será um grande mal que sobre<br />
todos esses pontos as províncias limítrofes não se<br />
entendam, porquanto o que se diz do rio pode<br />
dizer<strong>–</strong>se das fronteiras terrestres.<br />
Mas, prevalecendo<strong>–</strong>me da argumentação do nobre<br />
deputado, direi que mesmo a melhor polícia pede que<br />
essas ilhas fiquem pertencendo àquela das províncias<br />
que por se achar mais próxima puder exercer mais<br />
ação, mais influência, cujas autoridades puderem<br />
exercer mais vigilância na prevenção dos crimes, e mais<br />
energia na perseguição dos criminosos.<br />
Pelo mesmo raciocínio do nobre deputado,<br />
poderia chegar a concluir que, quando o criminoso<br />
da província do Maranhão conseguir açoutar<strong>–</strong>se, o<br />
que é mui fácil pela pequena distância, em uma<br />
dessas ilhas, caso venham a pertencer à província<br />
de Goiás, estará sob a proteção, se tal proteção
113 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
pode haver, das autoridades dessa província, gozará<br />
de imunidades, não será possível prendê<strong>–</strong>lo.<br />
Esta razão, repito, não me parece forte,<br />
porque, quando muito revela falta de disposição<br />
ou providência, muito fácil de remediar<strong>–</strong>se; mas, se<br />
prevalecesse, eu me serviria dela em favor da<br />
anexação das ilhas ao lado direito, que sobre elas<br />
pode exercer uma influência mais direta, mais eficaz,<br />
quanto à polícia. o nobre deputado pela Bahia, que<br />
falou em último lugar, perguntou se alguma dessas<br />
províncias podia satisfazer, de maneira completa e<br />
eficaz, a polícia dessas ilhas.<br />
Julgo que a questão não pode ser resolvida<br />
em absoluto; não me atreverei a dizer que o<br />
Maranhão se obriga absolutamente por isso; mas<br />
relativamente, entendo que o Maranhão dispõe de<br />
mais meios, que a maior soma de relações que<br />
existem entre aquela comarca e a capital do<br />
Maranhão explica bem a maior facilidade dessa<br />
polícia, e a maior prontidão de providências, etc.”<br />
A parte final da argumentação do deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> realça a importância maior das relações<br />
comerciais e maior rapidez nas comunicações realizadas<br />
pelo lado do Maranhão, notadamente pela Comarca<br />
de Carolina. E quanto à extensão territorial daquele<br />
estado, o deputado maranhense concluiu: “temos quanto<br />
nos basta, se não temos demais.”<br />
O sumário do expediente da Câmara dos<br />
Deputados, na sessão de 6/6/1854, presidida pelo deputado<br />
Visconde de Baependi, menciona a febre da praça e<br />
o discurso de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>. Pedindo a palavra, no<br />
regime de urgência, e consultada a Câmara,
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 114<br />
o deputado maranhense recebeu autorização para usar<br />
a tribuna. Eis o discurso:<br />
“Sr. Presidente, o projeto com que ocuparei por<br />
momentos a atenção da Câmara tem em seu<br />
abono a opinião do governo. S. Exª o Sr. Presidente<br />
do Conselho, no seu relatório apresentado este<br />
ano ao corpo legislativo, diz a respeito da matéria<br />
dele o seguinte:<br />
"A Lei n° 683 isentando as notas do banco<br />
do respectivo selo não fez menção do selo<br />
proporcional correspondente ao seu fundo incorporado.<br />
Creio que a omissão desse favor não foi intencional,<br />
e que conviria que a isenção se estendesse a esse<br />
imposto, sendo além disso o governo autorizado a<br />
cunhar gratuitamente o ouro de toque legal que for<br />
levado à Casa da Moeda por conta do mesmo<br />
banco.<br />
A justiça e urgência de medidas legislativas<br />
neste sentido são reveladas imediatamente pela<br />
simples leitura deste período do relatório do Sr.<br />
ministro da Fazenda. A justiça, porque parece que a<br />
lei da criação do Banco do Brasil, teve intenção de<br />
isentá<strong>–</strong>lo do imposto de selo correspondente ao seu<br />
capital; assim como o isentava expressamente do<br />
imposto do selo correspondente às notas que emitisse.<br />
Nem parece natural que, concedendo a lei<br />
um favor tão amplo, lhe pusesse restrição de tão<br />
pequeno alcance. Também pelo que respeita à taxa<br />
de cunhagem ou amoedação do ouro em barras<br />
que dos cofres do banco fosse levado à Casa da<br />
Moeda parece clara a intenção da lei, porquanto<br />
estabelecendo como regra que o fundo disponível
115 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
garantido da sua emissão pudesse ser feito em<br />
moeda corrente ou em barras de ouro de 22 quilates,<br />
avaliadas pelo preço legal, sem dedução alguma,<br />
implicitamente consagrou a ideia de que pela<br />
amoedação essas barras não se diminuía o valor do<br />
fundo disponível; de outro modo ficaria alterada a<br />
relação que a lei criou entre ele e as notas em<br />
circulação.<br />
Quanto à urgência, ela me parece de primeira<br />
intuição. O Banco do Brasil incorpora atualmente o<br />
seu capital; e um ato do poder executivo tem<br />
declarado que esta ocasião é a própria para se<br />
efetuar o pagamento do selo.<br />
Mas quando mesmo este favor não estivesse<br />
tão claramente incluído naquela lei, eu não<br />
hesitaria em propor à Câmara dos Srs. deputados, e<br />
julgo que ela não duvidaria concedê<strong>–</strong>lo. Não se<br />
trata de um estabelecimento precário, ou de interesse<br />
secundário: o Banco do Brasil, senhores, é o<br />
complemento de um vasto plano de organização e<br />
reformas que honrarão sempre e levarão à História<br />
o nome do seu ilustre autor, desse cidadão que,<br />
ainda há pouco coberto de glória deixou a alta<br />
administração do Estado.<br />
Esse distinto estadista, compreendendo<br />
perfeitamente as necessidades da época em que<br />
fora chamado aos conselhos da Coroa; tendo<br />
felizmente restabelecido a paz no interior, e removido<br />
do exterior todas as causas de futuras perturbações, não<br />
perdeu um momento, ao mesmo passo que, por uma<br />
política justa e moderada, procurava consolidar a<br />
fraternidade e harmonia na família brasileira,<br />
dispunha os meios, preparava o País para receber o<br />
impulso e movimento que o
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 116<br />
seu estado de crescente prosperidade e as ideias do<br />
tempo lhe haviam infalivelmente imprimir.<br />
Para isto era necessário dar nova organização<br />
e mais moralidade à repartições por onde se<br />
arrecadam ou fiscalizam as rendas do Estado. Era<br />
ainda para isso necessário regularizar, dar mais<br />
expansão e desenvolvimento ao nosso crédito no<br />
interior, e firmá<strong>–</strong>lo no exterior onde tínhamos a<br />
resgatar uma grande dívida prestes a vencer<strong>–</strong>se, e<br />
donde devíamos atrair capitais e braços para o<br />
nosso movimento industrial.<br />
O código comercial, a reforma do tesouro e<br />
tesourarias, os trabalhos e estudos sobre alfândegas,<br />
e finalmente essa brilhante operação de crédito<br />
realizada em Londres, são resultados sem dúvida<br />
grandes, devidos ao seu esforço ou obtidos com o<br />
seu concurso, e por si suficientes para estabelecer<br />
o crédito de qualquer administração. O que porém<br />
completou, ou para melhor dizer, o que completará,<br />
no futuro, sua obra gigantesca, é sem contradição,<br />
a criação do Banco do Brasil, ao qual está marcado<br />
o alto destino de regularizar e dar maior estabilidade<br />
ao nosso meio circulante e cooperar com o governo na<br />
grande obra de civilização e de progresso.<br />
Vê, pois, a Câmara que um estabelecimento<br />
que tanto promete ao País deve merecer<strong>–</strong>lhe todos os<br />
cuidados, e se torna digno da proteção e favor dos<br />
poderes do Estado. Podia terminar aqui, Sr. Presidente,<br />
mas cedendo à imperiosa necessidade da minha<br />
penosa situação, neste momento invocarei ainda a<br />
indulgência da Câmara para que me seja lícito<br />
entrar na exposição e restabelecer a verdade de<br />
alguns fatos que possam ter sido desnaturados<br />
pela malevolência.
117 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
A nossa praça, senhores, acaba de passar por<br />
um grande abalo; o equilíbrio das suas operações<br />
foi por alguns dias perturbado; ela convalesce<br />
apenas dessa grande enfermidade que, decompondo-lhe<br />
a fisionomia, pôde por instantes alterar<strong>–</strong>lhe a<br />
placidez do espírito e a lucidez das idéias.<br />
Nas grandes ocasiões, nos momentos perigosos<br />
de crise, é necessário que aqueles a quem<br />
incumbe cuidar de grandes interesses, ameaçados ou<br />
comprometidos, se mostrem solícitos no desempenho<br />
de tão sagrado encargo.<br />
Como <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil tenho profunda<br />
convicção de haver religiosamente cumprido o meu<br />
dever, empregando tanto dentro como fora do<br />
estabelecimento tudo quanto estava ao meu alcance<br />
para remover as causas do mal, ou ao menos minorar<strong>–</strong><br />
lhe a intensidade.<br />
Não tenho por fim alardear serviços, gosto<br />
mui pouco de ocupar o público com a minha<br />
fraca individualidade, é a modéstia uma das<br />
virtudes que mais tenho procurado cultivar e arraigar<br />
no meu espírito; quando a razão pública se<br />
desvaira, quando se acha excitada por maneira<br />
que se pode tornar o ludíbrio do primeiro aventureiro<br />
que astuciosamente quiser incutir<strong>–</strong>lhe as mais<br />
falsas ideias, entendo que aquele que, exercendo<br />
funções públicas, for vítima de caluniosas imputações,<br />
deve procurar colocar<strong>–</strong>se, para restaurar a verdade,<br />
no ponto mais elevado a que possa atingir, a fim de<br />
que a sua voz soe bastante forte para que o País<br />
todo a escute e fique habilitado para julgá<strong>–</strong>lo.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 118<br />
Sou atualmente, Sr. Presidente, o alvo de um<br />
desses ardis, inventado sem dúvida pelo interesse,<br />
pelo ódio, pelo despeito, ou por qualquer motivo<br />
de malevolência, e tendo a fortuna de possuir<br />
uma cadeira no seio da representação nacional,<br />
prevaleço<strong>–</strong>me dela para destruí<strong>–</strong>lo.<br />
Entendo que neste sagrado recinto não deve<br />
ter assento, já não digo aquele sob cuja fronte<br />
pesa o ferrete de uma ação reprovada, mas ainda<br />
o que estiver sob a impressão de uma imputação<br />
desairosa, antes que se tenha completamente<br />
justificado perante o País. Insinua<strong>–</strong>se não franca<br />
e lealmente, de modo que possa ter lugar a refutação<br />
e a defesa, mas à meia voz e traiçoeiramente, haver<br />
eu, se não promovido ao menos alimentado em<br />
próprio proveito essa febre ardente que tornou por<br />
alguns dias delirante a praça do Rio de Janeiro.<br />
E a maior falsidade que lábios de homem<br />
tenham jamais pronunciado! Encho<strong>–</strong>me de justa<br />
indignação ao referi<strong>–</strong>la; sinto asco e repugnância<br />
em ocupar<strong>–</strong>me dela; voto ao mais completo desprezo<br />
o ente mesquinho e baixo que por ventura a<br />
inventou; mas não posso conformar<strong>–</strong>me com a<br />
doutrina da indiferença em matéria semelhante”.<br />
O <strong>presidente</strong> da Câmara, Conde de Baependi<br />
dirige o olhar em direção da tribuna e indaga ao<br />
orador que está usando a palavra: ”as observações<br />
que o nobre deputado faz tem relação com o projeto<br />
que quer apresentar?"
119 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
A resposta do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> é<br />
esclarecedora e prossegue comentando o assunto em<br />
pauta:<br />
"São fatos que têm alguma relação com o<br />
objeto. Se uma tal imputação, senhores, me fosse<br />
feita diretamente por alguém, decerto não desceria<br />
à baixeza de justificar<strong>–</strong>me; castigaria o insolente<br />
ou desprezaria o miserável, conforme o caráter<br />
do indivíduo que me a fizesse. Se pudessem achar<br />
o eco ou entrada no ânimo dos que governam, se<br />
sua confiança em mim fosse por isso levemente<br />
alterada, também não despenderia palavras,<br />
ser-me-ia fácil por um ato de dignidade, desses que<br />
o homem de bem sabe praticar sem esforço em tais<br />
circunstâncias, assumir uma posição sobranceira.<br />
Nada disto, porém, acontece infelizmente; é<br />
uma voz vaga, sem provas, sem autor conhecido, mas<br />
que no estado excepcional em que se acha<br />
a nossa praça, no momento da liquidação dos<br />
prejuízos, quando cada qual deseja achar uma<br />
desculpa às suas imprudências, ou um desabafo<br />
ao seu despeito, esta voz pode ter achado eco.<br />
Se vivêssemos em uma época tão falta de<br />
crenças que ninguém se pudesse julgar ao abrigo das<br />
mais atroz imputação, se não valessem já longos<br />
anos de uma vida sem manchas, de uma conduta<br />
ilibada, se fossem insuficientes as provas de<br />
desinteresse e abnegação em lugares onde fáceis<br />
abusos bastariam para produzir enormes fortunas, o<br />
que restaria ao homem de bem para vindicar o seu<br />
caráter? Deveria resignar<strong>–</strong>se a ver seu nome<br />
confundido entre nomes de reputação duvidosa?
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 120<br />
Não, mil vezes; preferira, então, o sacrifício de<br />
qualquer posição, por mais brilhante que pudesse<br />
ser, quisera antes uma obscuridade honesta.<br />
Havia, senhores, no princípio ainda deste ano,<br />
dois estabelecimentos de crédito funcionando nesta<br />
praça. Um contava de existência mais de 14 anos,<br />
operava sobre um capital realizado de 5,000,000$<br />
dividido em 10.000 ações; outro contava apenas 2<br />
anos de existência, e funcionava na praça com 80%<br />
do seu capital. Estes dois estabelecimentos gozavam<br />
de bem merecida reputação, suas ações tinham<br />
no mercado um valor muito acima do nominal.<br />
Resolvida a incorporação destes dois<br />
estabelecimentos para formarem o novo criado pela<br />
Lei de 5 de julho do ano passado, suas ações<br />
declinaram de valor; o ágio de que gozavam<br />
desapareceu quase completamente, não por efeito de<br />
descrédito, mas em consequência da lei indeclinável<br />
que preside às transações e permutas; esperava<strong>–</strong>se<br />
a grande emissão das ações do novo banco; e<br />
alimentavam todos a esperança de poder obtê<strong>–</strong>las<br />
pelo seu valor nominal.<br />
No momento de realizar<strong>–</strong>se a fusão pareceu a<br />
todos os interessados que era mais prudente, mais<br />
conveniente que, em vez de fazer<strong>–</strong>se a passagem<br />
completa do ativo e passivo das massas para o novo<br />
banco, elas fossem conservadas por algum tempo em<br />
liquidação, e esta ideia foi consagrada nos estatutos<br />
que são hoje a lei fundamental do estabelecimento.<br />
Daqui resultaram graves inconvenientes, que a<br />
princípio não se previram. As ações correspondentes<br />
à parte preponderante do capital não foram, em<br />
virtude deste acordo, imediatamente entregues aos
121 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
respectivos acionistas; ficaram ligadas à liquidação,<br />
para a qual se havia estipulado o prazo de um ano.<br />
Ficaram, pois, no mercado apenas 30.000<br />
ações do novo banco, as quais podiam ser<br />
adquiridas com muito menor sacrifício do que as<br />
antigas; ao mesmo passo que davam igual direito<br />
aos lucros do futuro banco.<br />
Esta foi a origem de todo o mal; foi sobre<br />
esta base que os agiotas estabeleceram o seu mui<br />
hábil e bem combinado plano.<br />
Do ponto em que me achava colocado,<br />
pude bem conhecer o caviloso manejo, mas não<br />
dependia de mim contrariá<strong>–</strong>lo. Dispondo de<br />
grandes recursos, eles puderam dominar completamente<br />
o mercado e impor<strong>–</strong>lhe a lei de sua vontade. De<br />
hora a hora, de minuto a minuto, produziram notáveis<br />
alterações nos preços, que em 8 dias se acharam<br />
duplicados. Eram as mesmas ações que giravam<br />
constantemente em alta progressiva, e com tal<br />
velocidade que podia encontrar<strong>–</strong>se no jogo sem<br />
capitais e na independência absoluta dos<br />
estabelecimentos de crédito.<br />
Confesso que, a princípio, nenhuma impressão<br />
me causou essa subida de valor; todos esperavam<br />
e era natural que as novas ações excedessem<br />
mesmo os limites em que antes da fusão ser<br />
acharam as dos antigos bancos que gozavam de<br />
menos prerrogativas. Quando, porém, todas as raias<br />
foram excedidas, quando a febre principiou a<br />
manifestar<strong>–</strong>se com mais intensidade, conheci que<br />
se estava cavando um abismo que podia tornar<strong>–</strong>se<br />
o sorvedouro de muitas fortunas, e procurei por<br />
todos os meios ao meu alcance conjurar o mal.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 122<br />
Exortei a uns, exprobrei a outros, aconselhei<br />
a muitos. Vendo, porém, que tudo era infrutífero,<br />
conhecendo que o balancete publicado de acordo<br />
com a lei orgânica do banco era uma arma<br />
traiçoeira e perigosa nas mãos dos especuladores,<br />
que por ele faziam conceber aos incautos<br />
esperanças loucas de enormes lucros, entendi que<br />
era conveniente e indispensável esclarecer ao público<br />
sobre a verdadeira inteligência daquele documento.<br />
Lembrei-me, então, de recorrer à tribuna, e incontinenti<br />
me apresentei nessa Casa.<br />
À V. Exª, Sr. Presidente, e alguns dos meus<br />
amigos mais íntimos, manifestei a minha intenção.<br />
Tive, entretanto, de ceder às observações de<br />
alguns dos mais conspícuos membros desta Casa.<br />
Restava<strong>–</strong>me um único recurso, era a imprensa: a<br />
ela recorri, pois, para salvar meus escrúpulos e<br />
evitar que aquela peça oficial, mal compreendida,<br />
fosse ainda agravar o mal.<br />
E será necessário que aduza provas materiais<br />
para repelir uma tal imputação inventada, sem<br />
dúvida, por aqueles que tinham imediato interesse<br />
em acoroçoar o jogo, autorizando<strong>–</strong>o com o nome de<br />
uma pessoa que devia supor<strong>–</strong>se bem informada dos<br />
negócios do banco? Será preciso que demonstre mais<br />
claramente que não tive, que não podia ter<br />
parte alguma em um jogo que sempre reputei<br />
imoral para os que o inventaram ou estavam<br />
iniciados nos seus segredos, desigual e perigoso<br />
para todos os que nele tomavam parte?<br />
Se a minha posição oficial no banco era<br />
no meu modo de ver (embora não fosse por<br />
temperamento avesso aos azares do jogo) um<br />
obstáculo moral invencível, que não me era dado
123 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
transpor sem a consciência da própria desonra,<br />
poderia compartilhar nos interesses com os que<br />
por força de sua vontade dirigiam o jogo?<br />
Animar<strong>–</strong>me<strong>–</strong>ia a tocar em ganhos adquiridos sem<br />
contingência alguma de perda, sem esse perigo que<br />
legitima os lucros dos capitais arriscados.<br />
Uma tal participação seria na minha opinião<br />
um verdadeiro crime, e praticado por quem tivesse<br />
como eu uma posição oficial a guardar no banco<br />
subiria ainda seu ponto o escândalo; semelhante<br />
imputação cai, pois, por si mesma.<br />
Sr. Presidente, segundo m'o tem permitido minha<br />
pequena fortuna, tenho procurado associar<strong>–</strong>me ao<br />
movimento industrial do meu País, tomando uma<br />
pequena parte em todas ou quase todas as<br />
empresas que têm relação com o seu progresso e<br />
desenvolvimento. Sou, pois, acionista originário de<br />
quase todas as empresas desta natureza criadas<br />
modernamente nesta Corte, e havia de preferir, para<br />
estrear na carreira do azar, as ações da única<br />
companhia para com a qual deveres imprescritíveis<br />
me impunham o mais circunspeto procedimento.<br />
Tinha por inscrição inicial no novo banco oitenta<br />
ações, 50 das quais representavam a minha<br />
caução, na forma dos estatutos. Antes que a febre<br />
tivesse chegado ao seu auge converti<strong>–</strong>as em ações<br />
do antigo Banco do Brasil, com as quais substitui<br />
a minha caução para libertar<strong>–</strong>me das apreensões<br />
de sucessivas chamadas de capital; e tendo<br />
convicção de que, obrando assim, não posterguei<br />
nenhum princípio, não feri nenhuma delicadeza, não<br />
preteri a mínima conveniência. Eis todas as minhas<br />
transações sobre as ações do banco.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 124<br />
Tenho concluído, restando-me agradecer à<br />
Câmara a atenção que se dignou prestar<strong>–</strong>me. Posso<br />
a qualquer hora fazer um inventário público dos<br />
meus módicos haveres, e preferira legar a meus<br />
filhos uma pobreza honesta, a miséria mesmo, a<br />
ajuntar-lhe um só óbolo com preterição dos preceitos<br />
de honra e da própria dignidade. Tenho concluído,<br />
e agradeço à Câmara o haver<strong>–</strong>me permitido este<br />
pequeno desvio da matéria em discussão."<br />
Com a assinatura de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, o Paço<br />
da Câmara dos Deputados, em 3 de junho de 1854,<br />
fez publicar o seguinte aviso:<br />
“Vai à mesa o seguinte projeto, o qual depois<br />
de lido e julgado objeto de deliberação vai a<br />
imprimir para entrar na ordem dos trabalhos:<br />
A Assembleia Legislativa Geral resolve:<br />
Art. 1° <strong>–</strong> A isenção do imposto de selo concedida<br />
pela Lei n° 386 de 3 de julho do ano passado às<br />
notas emitidas pelo Banco do Brasil é extensiva ao<br />
capital incorporado.<br />
Art. 2° <strong>–</strong> Será gratuitamente cunhado todo o ouro de<br />
toque legal que for levado à Casa da Moeda por<br />
conta do mesmo banco.<br />
Art. 3° <strong>–</strong> Ficam revogadas as disposições em<br />
contrário.”<br />
Com a visão de Europa, onde esteve durante<br />
o período de 1834 a 1841, o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />
na tribuna da Câmara dos Deputados, no dia 10 de<br />
junho de 1854, apresenta uma apreciação acadêmica<br />
sobre a agricultura e faz comentários a respeito da<br />
administração pública:
125 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
"Sr. Presidente, mui pequena parte tomarei<br />
nesta discussão; não tinha mesmo intenção de entrar<br />
nela, mas determinou-me a isso o discurso ontem<br />
proferido pelo nobre deputado por São Paulo.<br />
Este distinto membro, cujas opiniões sempre acatei,<br />
pareceu<strong>–</strong>me equivocar<strong>–</strong>se a respeito de uma proposição<br />
que emitiu tratando de instituições bancais nas<br />
províncias; é principalmente sobre ela que versarão<br />
as minhas observações; é tal, entretanto, o respeito<br />
que lhe consagro, que antes de tocar no ponto em<br />
que discordamos, e como compensação do sacrifício<br />
que isso me custa, falarei daquilo em que me acho<br />
em perfeito acordo com ele.<br />
É inegável, Sr. Presidente, que o futuro do<br />
País depende dos seus melhoramentos materiais, e<br />
que ocupam o primeiro lugar entre estes as vias<br />
de comunicação e o aperfeiçoamento dos processos<br />
agrícolas. É tão geralmente reconhecida hoje esta<br />
verdade, que demorar em demonstrá<strong>–</strong>la fora<br />
desconhecer o valor inestimável do tempo. Também<br />
acho de mui pequeno alcance para o País a questão<br />
suscitada pelos nobres deputados por Pernambuco;<br />
o que deve preceder, na sua marcha progressiva,<br />
o ensino profissional, as escolas de agricultura ou<br />
as vias de comunicação?<br />
Esta questão que chamarei puramente acadêmica,<br />
só poderia ter uma solução absoluta se tivesse de ser<br />
aplicada a um país inteiramente inculto; mas quando<br />
temos já grandes interesses comprometidos por falta de<br />
credibilidade quando uma grande parte de nossos<br />
produtos fica inteiramente desaproveitada pelas<br />
dificuldades do transporte, toda dúvida fere a boa<br />
razão.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 126<br />
No estado atual da agricultura, antes mesmo<br />
de qualquer melhoramento nos processos empregados,<br />
as boas vias de comunicação não só aumentariam,<br />
consideravelmente e sem dependência de novas<br />
forças, a nossa produção, como lhe imprimiria mais<br />
valor pela cessação de enormes despesas de que<br />
atualmente se vê sobrecarregada para chegar ao<br />
mercado.<br />
A questão, pois, tem uma solução prática de<br />
primeira intuição. As vias de comunicação sem<br />
escolas de agricultura produziriam desde já grandes<br />
resultados; as escolas de agricultura sem vias de<br />
comunicação ou seriam inúteis, ou de mui escasso<br />
fruto.<br />
As vias de comunicação são, além disso, o<br />
meio mais eficaz de promover o aperfeiçoamento<br />
dos processos agrícolas, a difusão de todas as luzes,<br />
a civilização, enfim; e os trabalhos que lhe são<br />
relativos pedem tempo que pode ser utilmente<br />
empregado no ensino e estudo da agricultura.<br />
Pensem bem nisto todos os depositários da<br />
autoridade pública, e não só da que emana dos<br />
poderes gerais, mas ainda e principalmente dos<br />
provinciais, aos quais o ato adicional parece ter<br />
confiado especialmente este melindroso encargo.<br />
Não existe, pois, no meu modo de ver, a menor<br />
dúvida quanto à ordem do trabalho; toda a questão versa<br />
sobre os meios de satisfazer a tão grandes, a tão<br />
urgentes necessidades. É ali que se encontram as<br />
verdadeiras dificuldades, procedendo umas de defeito da<br />
nossa organização superior, outras do nosso estado de<br />
infância, outras finalmente da escassez dos nossos<br />
recursos.
127 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
É indubitável que a nossa organização<br />
administrativa superior será por muito tempo um<br />
estorvo ao progresso pronto do País. Não cabe<br />
nas forças humanas, não há capacidade ou aptidão<br />
que baste para bem desempenhar todos os<br />
diversos encargos, os árduos e multiplicados deveres<br />
que pesam sobre alguns ministérios.<br />
O ministério do império é, sem contradição,<br />
um dos mais sobrecarregados. É disso uma prova<br />
evidente o relatório que pelo muito digno ministro<br />
atual foi este ano presente ao corpo legislativo, e<br />
que é, sem dúvida, um dos mais completos e<br />
noticiosos que lhe tem sido apresentado.<br />
É tal a multiplicidade de objetos, a<br />
heterogeneidade das matérias, que não só faltará<br />
o tempo, como a disposição de espírito necessária<br />
para que um só homem possa atender a todas elas<br />
do modo por que o exige e o reclama um país novo,<br />
onde tudo se acha por criar, a vida de mero<br />
expediente é grandíssimo mal, porque o tempo<br />
de organização é preciso e não pode ser bem<br />
aproveitado sem aquela audácia de iniciativa e de<br />
ação que só pode ter o homem profissional. E quem<br />
pode ser profissional em todos os ramos do serviço<br />
público a cargo do ministério do império?<br />
Este defeito orgânico já não é felizmente<br />
inteiramente negado ou desconhecido; o Sr. ex<strong>–</strong> ministro<br />
do império o demonstrou cabalmente; S.Exª. o Sr.<br />
ministro atual está também muito longe de dissimulá<strong>–</strong><br />
lo; mas apresentando e descrevendo ambos fielmente<br />
o mal; nem um nem outro o atacam diretamente,<br />
indicando o verdadeiro remédio.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 128<br />
A divisão da secretaria em diferentes diretorias<br />
com chefes habilitados é, sem dúvida, recomendável,<br />
como consagração do princípio da divisão do trabalho,<br />
cujos resultados são inquestionáveis na prática; mas<br />
será por si só insuficiente para dar ao serviço das<br />
diferentes repartições de que se compõe aquele ministério<br />
o movimento e regularidade que a marcha natural do<br />
País está imperiosamente reclamando. Sem falar de<br />
outras grandes divisões que, com muito proveito para<br />
o País, podiam constituir ministérios diferentes,<br />
lembrarei somente uma que mais relação tem com o<br />
objeto em questão <strong>–</strong> obras públicas.<br />
Neste indispensável ramo do serviço público,<br />
quase tudo está por criar, quase tudo depende de<br />
organização, e carece de regularidade; não é com<br />
meios tão acanhados que há de conseguir os<br />
resultados gigantescos a que aspiramos.<br />
Para dotarmos o País com bons jurisconsultos<br />
criamos cursos jurídicos; para curar da saúde<br />
pública, escolas de medicina; para o ensino da arte<br />
da guerra, escolas militares, academias de marinha;<br />
onde, porém, as instituições que devem preparar o<br />
pessoal idôneo para satisfação das grandes<br />
necessidades de que principalmente depende o<br />
futuro do nosso País? (Apoiados)."<br />
Nessa mesma oportunidade, respondendo a<br />
um aparte do deputado Silveira da Mota, o deputado<br />
<strong>Serra</strong> falou sobre a escola militar e outros assuntos:<br />
“Leio no relatório do muito digno e ilustrado<br />
Sr. ministro da guerra uma ideia que me faz<br />
conceber alguma esperança nessa escola; é a
129 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
separação da parte civil da propriamente militar;<br />
sem isso quase nenhum contingente de pessoal<br />
nos poderá ela prestar para os trabalhos a que me<br />
refiro.<br />
Não nego que os alunos da nossa escola<br />
militar que tiverem aproveitado seu tempo,<br />
dedicando<strong>–</strong>se seriamente ao estudo das matérias<br />
que ali se ensinam, possam ser considerados<br />
homens instruídos e bem preparados teoricamente<br />
mas isso não basta, porque é e somente então,<br />
que eles deviam começar o estudo das aplicações<br />
sem o que para mui pouco poderão prestar como<br />
engenheiros. São justamente essas escolas práticas<br />
que não temos, nem ainda rudimentárias.<br />
Atualmente são as viagens os únicos meios<br />
de que podemos dispor para alcançarmos neste<br />
ponto as luzes de que precisamos; além delas só<br />
nos resta o recurso da introdução de bons<br />
professores, de homens abalizados neste ramo dos<br />
conhecimentos humanos; mas este meio para ser<br />
proveitoso pressupõe a existência de grandes obras,<br />
porque é só na continuação do trabalho que se pode<br />
adquirir os mais úteis conhecimentos práticos.<br />
A mesma espécie de trabalho sofre grandes<br />
modificações segundo a natureza do solo, os<br />
acidentes do terreno e mil outras circunstâncias<br />
locais, e é somente o complexo de todos os sistemas<br />
em cada espécie de trabalho e o conhecimento de<br />
todas estas espécies que constitui a ciência prática<br />
do engenheiro.<br />
Enquanto, pois, empregarmos os meios<br />
adequados para criar um pessoal idôneo, o que só<br />
pode ser obra do tempo, resta<strong>–</strong>nos um único recurso,
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 130<br />
é o dos engajamentos no estrangeiro. Não nutro a<br />
este respeito o menor preconceito, nem vejo o<br />
menor desar para o Império, pois observo que<br />
países muito mais adiantados que o nosso, na<br />
estrada da civilização, se valem de habilitações<br />
estranhas naquilo em que, por circunstâncias<br />
especiais, um povo se torna sempre mais insigne<br />
que outro.<br />
O nobre deputado tocou em outro ponto no<br />
qual eu estou também de acordo: sobre a necessidade<br />
de melhor definir os encargos gerais e<br />
provinciais quanto aos melhoramentos materiais e<br />
vias de comunicação. O nobre deputado notou que<br />
algumas obras em que os interesses tanto são<br />
gerais como provinciais são de ordinários os<br />
menos atendidos por uma espécie de dúvida acerca<br />
da competência dado alguns casos em que ambos<br />
geral e provincial tratam do mesmo objeto<br />
simultaneamente, perturbando<strong>–</strong>se reciprocamente.<br />
Sinto tão profundamente a necessidade de<br />
alguma providência a esse respeito, que já em 1848,<br />
fazendo parte desta Casa, apresentei um requerimento<br />
que foi muito debatido, e afinal aprovado, para que<br />
uma comissão de três membros da Câmara<br />
que tivesse por adjuntos dois membros externos<br />
fizesse um traçado das principais artérias de<br />
comunicação de que carecemos, apresentando<strong>–</strong>as,<br />
segundo a sua maior urgência, assim em relação<br />
aos grandes centros de produção já existentes,<br />
como aos que fosse conveniente criar e desenvolver.<br />
Por este trabalho ficariam bem discriminadas<br />
as estradas gerais das províncias, e proceder<strong>–</strong>se<strong>–</strong>ia<br />
com ordem nos trabalhos, dando preferência ao<br />
mais urgente, e, conquanto as obras no princípio
131 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
parecessem isoladas, fariam sempre parte de um<br />
mesmo todo e possuiríamos, no futuro, um sistema<br />
completo de comunicações.<br />
Não se trataria de precisar miudamente a<br />
direção das estradas, o que demandaria uma<br />
triangulação geral do País, e um estudo minucioso da<br />
topografia e acidentes dos terrenos que tivessem de<br />
atravessar. Era um trabalho feito no gabinete, tendo<br />
por base somente os fatos existentes, as explorações<br />
e reconhecimentos até hoje feitos.<br />
Não sei mesmo se essa comissão foi nomeada,<br />
mas como o nobre deputado me despertou essa<br />
lembrança, eu o verificarei, e, no caso negativo,<br />
solicitarei a intervenção da mesa.<br />
Tratarei agora daquelas proposições do nobre<br />
deputado pela província de São Paulo que me<br />
pareceram menos exatas, e por isso dignas de<br />
retificação, na parte do seu discurso em que se<br />
ocupou das instituições bancais. Disse o nobre<br />
deputado que essas instituições estabelecidas do<br />
modo porque o têm sido, consideradas em relação<br />
às províncias, lhe eram danosas, criando o<br />
monopólio em favor da Corte para onde emigrariam<br />
todos os capitais provinciais, com prejuízo dos<br />
estabelecimentos industriais que nelas se poderiam<br />
formar.<br />
É inteiramente o contrário. Em vez do monopólio<br />
em favor da Corte, houve perfeita igualdade; as<br />
mesmas concessões foram feitas às províncias por<br />
meio das caixas<strong>–</strong>filiais; em vez de fugirem os<br />
capitais das províncias para a Corte, serão os<br />
capitais da Corte que se derramarão sobre<br />
as províncias, em vez de serem prejudicados
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 132<br />
estabelecimentos industriais receberão nova vida e<br />
maior desenvolvimento.<br />
Se é evidente que desde que em ponto<br />
qualquer há certo movimento comercial, os bancos<br />
o podem muito favorecer e ativar, criando ou dando<br />
maior expansão ao crédito, não é menos certo que<br />
nos pequenos círculos os benefícios de tais<br />
estabelecimentos terão limites muito acanhados se<br />
se conservarem adstritos às circunstâncias locais e<br />
não procurarem estabelecer relações mais extensas com<br />
outros pontos mais favorecidos tenham por ventura<br />
com aquele afinidades naturais.<br />
Se cada província criar ou conservar seus<br />
estabelecimentos de crédito isolados dos da Corte,<br />
as notáveis vantagens de que goza este grande<br />
empório comercial não poderiam jamais difundir<strong>–</strong>se<br />
pelo Império. Não só continuaria a haver, como até<br />
aqui, um câmbio desvantajoso sobre as províncias e<br />
entre elas, mas ainda se conservariam as grandes<br />
diferenças que hoje se notam no preço dos capitais,<br />
dando origem à diversidade de interesses que eles<br />
produzem e que, em algumas províncias, se elevam<br />
ao duplo e até ao triplo do que dão nesta Côrte<br />
em transações regulares.<br />
Inferi, não sei se com razão, que o nobre<br />
deputado lamentava que a organização dos<br />
estabelecimentos de crédito nas províncias fosse<br />
dependente de ato do poder geral.<br />
Mas não só se acha esse princípio consagrado<br />
hoje pelo nosso direito administrativo, mas é ele conforme<br />
a prática das nações mais adiantadas nestas<br />
matérias. Até 1840 dependeu em França do poder<br />
executivo, em virtude de uma lei do ano XI
133 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
a concessão da faculdade para a incorporação de<br />
bancos departamentais, e foram por esta maneira<br />
criados todos os que existiam nos diferentes pontos<br />
do reino até aquela data; mas pela lei de 30 de<br />
junho de 1840 foi esse poder revogado pelo corpo<br />
legislativo, e só com a autorização dele se podem<br />
hoje formar instituições bancais.<br />
Essa é também a prática da Inglaterra, são<br />
inteiramente proibidos bancos públicos até uma certa<br />
distância de Londres.<br />
Na América do Norte cada estado tem<br />
plena autoridade neste ponto, daí resulta a<br />
heterogeneidade de sistemas bancais da União,<br />
sendo os bancos dos estados do norte perfeitamente<br />
livres, enquanto que os dos estados do sul são<br />
pela maior parte modelados pelo sistema<br />
predominante na Europa e que, na verdade, parece<br />
mais racional e prudente.<br />
O princípio, pois, da intervenção benéfica dos<br />
poderes gerais do Estado, assim para proteger a<br />
fortuna pública como para estabelecer o crédito sobre<br />
bases sólidas, a fim de que seja ele suscetível<br />
de toda a expansão e desenvolvimento, e possa, a<br />
seu turno, ativar o movimento comercial e pôr em<br />
ação todas as forças produtivas do país, é um<br />
princípio geralmente adotado e de grandíssimo<br />
alcance na sorte dos estados.<br />
As caixas<strong>–</strong>filiais do Banco do Brasil gozarão<br />
das mesmas prerrogativas que a este foram<br />
concedidas pela Lei de 5 de julho; facilitarão,<br />
pois, os movimentos de fundos, cuja dificuldade tanto<br />
acanha hoje as relações interprovinciais, embaraçando<br />
sobremodo operações, aliás, muito
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 134<br />
importantes que em certas quadras do ano costumam<br />
realizar<strong>–</strong>se em algumas províncias com capitais<br />
desta praça; concorrerão para que se conserve em<br />
cada círculo comercial o meio circulante necessário às<br />
suas transações, evitando as deslocações que hoje se<br />
dão pela necessidade de passar esses capitais<br />
debaixo da forma de moeda, o que tantas vezes<br />
tem desequilibrado os nossos mercados, e farão por<br />
fim desaparecer, ou ao menos diminuir<br />
sensivelmente, a grande diferença que hoje se nota<br />
nas taxas do juro dos principais centros comerciais do<br />
Império, já difundindo capitais, já desenvolvendo o<br />
crédito local, já regularizando as operações comerciais, e<br />
já finalmente tornando mais geral e uniforme a<br />
unidade de valor representada pela nossa moeda<br />
corrente.<br />
E poderiam obter<strong>–</strong>se tão transcendentes<br />
resultados por meio de estabelecimentos ou efêmeros,<br />
ou inteiramente locais e isolados, como os que<br />
poderiam ser mantidos sob a tutela dos poderes<br />
provinciais?<br />
Seria sensato, seria prudente, seria mesmo<br />
possível que se facultasse às suas notas entrada<br />
nas estações públicas? Que perturbações, que<br />
perigos, que variedade de padrões, que desordem<br />
monetária se não iria produzir no País!<br />
Também não é exata a asserção de que o<br />
Banco do Brasil possa recear competência e por<br />
isso opor<strong>–</strong>se à organização de estabelecimentos<br />
bancais propriamente industriais nas províncias.<br />
Jamais por sua influência, ou em atenção a seus<br />
interesses, deixará o governo geral de legalizar a<br />
incorporação de tais companhias, quando as julgar<br />
sensatas e bem cabidas, porque neste caso, bem
135 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
longe de poderem ferir as legítimas conveniências<br />
do banco, virão a ser os seus melhores auxiliares,<br />
dando uma forma regular e uma existência definida<br />
a uma grande parte da fortuna pública, que, pelo<br />
modo por que ainda se acha em todo o Império, não<br />
pode oferecer base sólida para operações sensatas.<br />
Devo por último assegurar ao nobre deputado<br />
que a sua província será uma daquelas que primeiro<br />
gozarão das vantagens que lhes promete a Lei de<br />
5 de julho; porque, tendo o novo banco aceitado e<br />
reconhecido o fato da incorporação de uma caixa<strong>–</strong><br />
filial ali criada pelo antigo, cuja primeira entrada de<br />
10% havia ele já feito realizar, não depende o começo<br />
de suas operações senão da confecção do respectivo<br />
regulamento, impressão e preparo de notas e outros<br />
trabalhos preparatórios, de que ora se ocupa<br />
desveladamente a diretoria, até aqui muito atarefada<br />
com os trabalhos da própria organização.<br />
Posso e devo, além disso, afirmar ao nobre<br />
deputado que não só a diretoria do banco, como o<br />
governo nutrem a este respeito os melhores desejos.”<br />
(33)<br />
Com a presença do ministro da guerra,<br />
brigadeiro Pedro de Alcântara Bellegarde, questões<br />
militares ocuparam a ordem do dia da sessão do<br />
dia 17 de junho de 1854, na Câmara dos Deputados.<br />
(33) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 10/6/1854, pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />
Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 136<br />
Antes, porém, de retomar o assunto em<br />
pauta, o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> faz comentários sobre<br />
o gabinete do Império:<br />
"Sr. Presidente, mui breves considerações farei<br />
sobre a matéria em discussão. Podia aproveitar<strong>–</strong>me da<br />
ocasião para entrar no exame e apreciação dos<br />
atos da administração em relação à política considerada<br />
debaixo do ponto de vista mais genérico, abstenho<strong>–</strong><br />
me entretanto disso, porque tenho convicção de que<br />
nenhum serviço real poderia assim prestar ao<br />
País, quando todos parecem fazer justiça às<br />
patrióticas intenções do gabinete; limitar<strong>–</strong>me<strong>–</strong>ei<br />
pois neste ponto a declarar que lhe dou um pleno<br />
voto de confiança, voto de confiança que julgo até<br />
dispensado de justificar.<br />
E seria porventura necessário que aquele que<br />
estreou na carreira política por um voto em favor<br />
das ideias da justiça, de moderação e de tolerância;<br />
que aquele que voltando a este recinto, tendo<br />
atravessado uma época de peripécias políticas,<br />
teve por primeiro pensamento a fusão racional de<br />
princípios quase idênticos que já não podiam<br />
constituir bandeiras diferentes, o esquecimento de antigos<br />
ódios, o abraço fraternal das sumidades do País,<br />
como a melhor garantia das instituições pátrias,<br />
viesse agora explicar longamente as razões que<br />
sustentara com seu fraco apoio ao gabinete que se<br />
encarregou de realizar este pensamento? Não cairia em<br />
flagrante contradição se, com uma oposição insensata,<br />
aumentasse as dificuldades com que terá ele por<br />
certo de lutar no seu patriótico empenho?<br />
Mas nem somente este compromisso tácito de<br />
honra determina o meu procedimento; outros motivos
137 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
não menos nobres me prendem ao atual gabinete.<br />
Além de antigas ilustrações, de reputações<br />
estabelecidas, e que, por assim dizer, pertencem já<br />
à história do País, possui ele nomes inteiramente<br />
novos nos conselhos da Coroa, abonados pelos<br />
mais honrosos precedentes, moços cheios de vida,<br />
de instrução e patriotismo, que desejam sinceramente<br />
consagrar<strong>–</strong>se à causa pública, que não têm outra<br />
ambição senão a da glória, campeões, enfim, de uma<br />
nobre cruzada de civilização e de progresso, cuja<br />
fé partilho, cujos esforços sempre secundarei. Se<br />
algum dia deveres imprescritíveis me pusessem em<br />
luta com tais homens, e meu coração, habituado a<br />
estimá<strong>–</strong>lo, sofreria com isso a mais dolorosa violência.<br />
Limitar<strong>–</strong>me<strong>–</strong>ei, pois, as considerações secundárias;<br />
não sairei da esfera propriamente administrativa;<br />
acompanharei apenas o relatório do nobre ministro da<br />
guerra na parte em que ele tem relação com o<br />
orçamento que se discute.<br />
Começarei, Sr. Presidente, lamentando que S.Exª,<br />
que felizmente possui conhecimentos profissionais,<br />
incontestável talento, vastíssima erudição; que S. Exª<br />
membro de um gabinete que conta com o apoio de<br />
uma maioria compacta no seio da representação<br />
nacional, não tenha mais confiança em si, não peça<br />
mais francamente o que julga necessário ao serviço<br />
público, porque raras vezes se dão circunstâncias tão<br />
felizes, que eu desejava ver mui bem aproveitadas.<br />
Há na vida das nações momentos que<br />
representam séculos, e que uma vez perdidos<br />
jamais se recuperam. A questão da ocasião, da<br />
oportunidade que, considerada filosoficamente, parece
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 138<br />
secundária, torna<strong>–</strong>se muitas vezes na sua aplicação<br />
a questão principal, e decide do êxito dos planos<br />
mais bem combinados.<br />
Em mais de um tópico do relatório do nobre<br />
ministro da guerra vislumbra<strong>–</strong>se, não direi alguma<br />
hesitação, porque sou o primeiro a reconhecer a sua<br />
vasta e variada instrução, a sua alta capacidade como<br />
militar, como acadêmico e como literato, mas uma<br />
espécie de acanhamento em emitir toda a sua<br />
opinião...”<br />
Naquele instante, o ministro da guerra,<br />
lançando o olhar para a tribuna, faz um aparte do<br />
discurso do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: “É simples<br />
deferência.”<br />
Ao retomar a palavra, o deputado maranhense<br />
agradece a gentileza do ministro da guerra, e continua:<br />
“Como membro do corpo legislativo, agradeço<br />
a V.Exa. essa deferência, mas julgo que seria<br />
melhor pôr de parte qualquer consideração, a fim de<br />
poder tirar do tempo e das circunstâncias o maior<br />
partido possível, não só em proveito e benefício do<br />
País, como para glória e honra do nobre ministro,<br />
cuja amizade tanto prezo, de cuja estima há tanto tempo<br />
me honro.<br />
O nobre ministro, tratando da Secretaria de<br />
Estado dos Negócios da Guerra, emite uma opinião<br />
mui sensata; reconhece nela defeitos orgânicos;<br />
indica um meio de melhorar o serviço e a sorte dos<br />
empregados, elevando<strong>–</strong>lhes ao mesmo tempo o<br />
caráter e dando<strong>–</strong>lhes mais independência e<br />
garantias, mas termina este primeiro artigo do seu<br />
relatório por um <strong>–</strong> talvez <strong>–</strong> que eu desejara ver
139 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
substituído por uma expressão mais positiva e<br />
terminante.<br />
Expondo o estado da Contadoria Geral da<br />
Guerra, aponta igualmente o nobre ministro um<br />
defeito orgânico, a falta de centralização, que é causa<br />
de grande demora no expediente, sem um proveito<br />
correspondente para fiscalização e economia, e<br />
conquanto mais positivamente indique o remédio,<br />
adotando o princípio já prático nas repartições do<br />
Ministério da Fazenda, não solicita nenhuma autorização<br />
nem dá a conhecer uma intenção deliberada de<br />
levar a efeito as necessárias reformas.”<br />
Retomando o aparte, o Sr. ministro da guerra<br />
falou: “aceito qualquer autorização a esse respeito."<br />
De volta com a palavra, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
continuou o discurso:<br />
"Eis como eu desejava que o nobre ministro<br />
procedesse, fazendo assim mais justiça a si mesmo,<br />
e depositando mais confiança no conceito que merece<br />
ao corpo legislativo, a quem deve falar com toda a<br />
franqueza sobre as necessidades do serviço público.<br />
Aplaudo a declaração que acaba de fazer e desde já<br />
lhe hipoteco o meu voto para todas as autorizações<br />
de que possa carecer.<br />
Quanto à escola militar e às reformas que ela<br />
tão urgentemente reclama, sinto profundamente que<br />
no seu relatório não se exprimisse o nobre ministro<br />
da guerra de uma maneira que desse garantias de<br />
que as necessidades do País seriam neste ponto<br />
completamente satisfeitas. Ainda aí usa V.Exª do<br />
advérbio talvez, e é isso que me induz a pedir<strong>–</strong>lhe<br />
que preste toda a sua atenção a este ponto, sem<br />
dúvida importante, do serviço do seu cargo; que
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 140<br />
o considere nas suas vastas proporções em<br />
relação ao movimento industrial do País, e que<br />
nesse sentido desenvolva o mais depressa possível<br />
um plano completo de reforma.<br />
O que pude colher da leitura do relatório,<br />
combinando diversos lugares, não bastou para<br />
convencer<strong>–</strong>me de que essas reformas seriam assim<br />
concebidas, antes me levou a desconfiar que só e<br />
unicamente tivessem elas em vista completar a<br />
instrução propriamente militar dos alunos da escola.<br />
Eu não repilo, antes reconheço a necessidade<br />
de estudos práticos propriamente militares para cada<br />
uma das armas de que se compõe o nosso exército;<br />
hei de sempre louvar o ministro que se esforça por<br />
satisfazer a essa necessidade; reconheço que esta é a<br />
parte que mais especialmente pertence ao ministério da<br />
Guerra, e que o maior desenvolvimento que eu exijo<br />
teria mais relação com o Ministério do Império,<br />
mas não posso conceder que a especialidade e<br />
competência de cada ministério sejam tão restritas que<br />
vão além das justas conveniências da divisão racional<br />
do trabalho, e se oponham à organização completa de um<br />
sistema qualquer e ao cabal desenvolvimento de<br />
qualquer ideia útil, embora pela íntima ligação dos<br />
conhecimentos humanos possa ideia interessar a<br />
mais de um ministério.<br />
A administração é uma só; a cada um dos<br />
ministros corre igual obrigação de atender as<br />
grandes necessidades do País. A iniciativa deve<br />
pertencer àquele que mais habilitado se achar para<br />
satisfazê<strong>–</strong>las.<br />
O País reclama urgentemente um pessoal<br />
idôneo para cuidar do seu desenvolvimento material
141 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
e industrial; nenhuma das nossas instituições pode<br />
ministrá<strong>–</strong>lo a não ser a escola militar, onde já com<br />
regularidade se ensinam todas ou quase todas as<br />
disciplinas que constituem a parte teórica da<br />
engenharia civil; seriam necessários muitos anos<br />
para criar pelo Ministério do Império o que já hoje<br />
possui o ministério; e pois a este deve caber a<br />
iniciativa das reformas indispensáveis para que<br />
aquele estabelecimento não só melhor satisfaça o seu<br />
fim especial, mas ainda preste ao Império os mais<br />
assinalados serviços de que, na atualidade, carece.<br />
Sem a mais completa separação entre a<br />
carreira civil e a militar dificilmente atingiremos o<br />
desejado fim; porque a vida militar, oferecendo<br />
atualmente poucos atrativos, e impondo penosos<br />
sacrifícios, afugenta e desvia da escola grande<br />
número dos seus melhores alunos. Aqueles mesmos<br />
que, cedendo à força irresistível da vocação, se<br />
têm dedicado a semelhantes estudos e encetado a<br />
carreira das armas, tendo saído da escola com os<br />
mais honrosos títulos e distinções, e conquistado uma<br />
brilhante reputação, passada a quadra dourada<br />
das primeiras ilusões e perdidas as esperanças<br />
de encontrar naquela carreira uma posição condigna<br />
ao seu merecimento, a tem por fim abandonado,<br />
renunciando com a farda a todas as suas<br />
aspirações, a todos os incentivos da própria vocação,<br />
porque sem os estudos práticos indispensáveis para<br />
poderem empregar<strong>–</strong>se como engenheiros civis mal<br />
poderiam dar um só passo em semelhante terreno.<br />
E não haverá algum meio de evitar<strong>–</strong>se<br />
essa perda, esse desvio constante de grandes<br />
capacidades, de inteligências superiores que podiam<br />
ser tão utilmente para o País, tão vantajosamente
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 142<br />
para elas, empregar<strong>–</strong>se nos importantes trabalhos<br />
de que d'ora em diante estarão essencialmente<br />
dependentes os futuros destinos do Império? Eu<br />
creio que sim, e que para isso cumpria<strong>–</strong>nos, desde<br />
já, criar pelo ensino das convenientes aplicações a<br />
engenharia civil, e melhorar a carreira militar das<br />
armas científicas.<br />
Digo das armas científicas para que não se<br />
infira que pretendo reforçar ou insistir na exigência<br />
há pouco feita por um digno membro pela província<br />
do Rio Grande do Sul, exigência aliás justa, e a que<br />
daria pleno assentimento se as nossas finanças<br />
permitissem.<br />
Mas se torna por enquanto impossível atender<br />
convenientemente às justas reclamações dessa<br />
numerosa classe de prestantíssimos servidores do<br />
Estado, o que se poderia, sendo necessário, provar<br />
pelo mesmo relatório do nobre ministro, do qual se vê<br />
que o mínimo aumento de 10 rs. diários no valor da<br />
etapa produzida no orçamento da despesa a enorme<br />
diferença de 98:000$800; se nos não é por<br />
enquanto permitido melhorar a sorte de todo o nosso<br />
exército, não julgo que isso possa impedir<strong>–</strong>nos de<br />
proceder parcialmente nesse sentido, atendendo primeiro<br />
ao mais urgente, e seguindo a ordem natural das<br />
ideias.<br />
Já vê o nobre deputado pela província do<br />
Ceará que também tomou hoje parte nesta discussão, que<br />
bem a meu pesar divirjo neste ponto da sua<br />
opinião. O nobre deputado, pelo modo por que se<br />
exprimiu, pareceu<strong>–</strong>me não admitir trabalhos<br />
parciais, reformas lentas, melhoramentos isolados;<br />
só julga úteis os sistemas completos e que de<br />
uma vez satisfaçam a todas as necessidades e
143 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
encerrem todos os benefícios. Em teoria, em bons<br />
desejos, acompanho o nobre deputado; começo porém<br />
a tornar<strong>–</strong>me homem prático e a contentar<strong>–</strong>me com o<br />
possível, quando não posso atingir ao perfeito.<br />
Se, pois, não tivéssemos contraído tantos<br />
compromissos indispensáveis para a marcha da<br />
administração, se a nossa renda não se achasse<br />
quase toda comprometida em despesas decretadas<br />
por leis anteriores, eu pediria com o nobre deputado<br />
pelo Rio Grande do Sul um melhoramento de<br />
soldos e vantagens para todo o exército, e procuraria<br />
fazer desaparecer muitas outras desigualdades de<br />
tratamento entre diferentes classes de empregados e<br />
funcionários públicos. Na impossibilidade, porém, de<br />
tudo conseguirmos, não devemos deixar de fazer o<br />
que nos for possível.<br />
É assim que por várias leis têm sido ultimamente<br />
melhor aquinhoadas diversas classes de servidores<br />
do Estado; é assim que ainda há poucos dias<br />
aprovamos aqui um projeto que melhora a sorte de<br />
alguns militares e estende certos favores a um<br />
círculo mais dilatado; e quem tiver bem atento<br />
aos atos da administração do País, há alguns<br />
anos, reconhecerá facilmente que este pensamento<br />
de há muito existe nos conselhos da Coroa.<br />
Melhorando, pois, a sorte dos militares das<br />
armas científicas, já aumentando<strong>–</strong>lhes os soldos e<br />
outras vantagens, já alargando o quadro dos oficiais<br />
do estado<strong>–</strong>maior, de modo que haja mais algum<br />
estímulo à ação, alguma esperança a mais pela<br />
perspectiva de um futuro menos remoto, eu julgo que<br />
se conseguiria atrair e conservar nessa classe as<br />
capacidades e talentos que hoje lhe fogem,<br />
separando completamente o curso militar do curso
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 144<br />
civil, e dando a este todo o desenvolvimento<br />
prático necessário para poder formar verdadeiros<br />
engenheiros, teríamos feito ao País um dos maiores<br />
benefícios que ele hoje reclama de nós.<br />
Nem eu lamentarei qualquer aumento de despesa<br />
com um semelhante fim, porque a consideraria<br />
despesa produtiva, que contribuindo para o aumento<br />
da riqueza pública em breve nos daria larga<br />
compensação, habilitando<strong>–</strong>nos para atendermos a mil<br />
outras necessidades.<br />
Já tivemos no País, na província do Rio de<br />
Janeiro, uma escola de arquitetos medidores que<br />
infelizmente foi há muito extinta; parecia a todos que<br />
tinha ela sido uma criação inútil; que não podia<br />
frutificar entre nós e que seriam inteiramente perdidas<br />
as somas com ela despendidas; essa escola deixou<br />
de existir pelo descrédito; foi pouco frequentada pela<br />
falta de estímulos; não chegou mesmo a ser conhecida<br />
fora da província; vejo entretanto hoje grandes<br />
resultados dessa instituição. Em muitos pontos da<br />
província são os alunos dela que hoje dirigem os<br />
melhoramentos materiais, e de alguns existem<br />
trabalhos importantes, obras que honrariam a<br />
qualquer engenheiro.<br />
Difícil nos seria na atualidade lançar os<br />
fundamentos de uma nova escola; mas aproveite o<br />
nobre ministro, como eu confiadamente espero da sua<br />
ilustração e patriotismo, o que já existe criado na<br />
escola militar, dê o maior desenvolvimento possível<br />
aos estudos de aplicação para os alunos paisanos<br />
sem prejuízo da instrução prática dos que forem<br />
propriamente militares, segundo a arma a que<br />
pertencerem; melhore a sorte dos lentes, faça enfim<br />
do professorado um estado, da engenharia uma
145 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
carreira, uma profissão cheia de esperanças e rica<br />
de futuro para o verdadeiro merecimento, e terá<br />
direito à gratidão do País, terá completado o maior<br />
benefício de que ele atualmente merece.<br />
Para seguir a ordem do relatório do nobre<br />
ministro, caberia aqui tratar do recrutamento e<br />
engajamento. Algumas proposições foram há pouco<br />
emitidas na Casa que carecem de retificação, mas<br />
fazendo<strong>–</strong>a como julgo do meu dever, não desejo<br />
despertar suscetibilidades. Acho mui nobre, mui<br />
legítimo o procedimento de todos os Srs. deputados<br />
que, quando julgam feridos os direitos das<br />
localidades que mais positivamente representam,<br />
acodem imediatamente por elas; mas entendo que<br />
entre as increpâncias insensatas e as exigências<br />
razoáveis do dever há muita diferença. Tratando<br />
dos ônus a lei deve ser entendida, e deve dispor da<br />
mesma maneira que quando trata das vantagens.<br />
(Apoiados). Se todos os cidadãos têm igual direito<br />
aos gozos e cômodos da sociedade, por que razão<br />
hão de recair sobre eles desigualmente os ônus?<br />
O princípio, pois, que vejo ainda com pesar<br />
contestado, da divisão proporcional deste imposto de<br />
sangue pelas diferentes províncias segundo a sua<br />
população, é um princípio que eu já suponha fora<br />
de discussão, porque já foi consagrado por uma<br />
lei, e que poderia encontrar dificuldades na<br />
prática, mas que eu não esperava mais ver<br />
posto em dúvida. Não é mais tempo de averiguarmos<br />
se o recrutamento prejudica mais a uma do que a<br />
outra localidade; a lei tratou de satisfazer uma<br />
grande necessidade pública.<br />
Não se pode bem, senhores, classificar entre<br />
nós o homem laborioso ou o homem vadio; os
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 146<br />
diferentes costumes, o modo de viver em cada<br />
localidade, cria ocupações especiais, intermitências no<br />
trabalho, que ora exige forças de gigante, ora permite<br />
completo repouso, e ora falta inteiramente sem nada<br />
depor contra os indivíduos nem constituí<strong>–</strong>los<br />
vadios. Porque um homem não tem um lar seu, não<br />
se tornou proprietário, muitas vezes não tem mesmo<br />
uma residência fixa, não se segue que seja um ente<br />
pernicioso à sociedade, um vadio. A cultura, as<br />
ocupações e os costumes do norte diferem muito dos<br />
do sul.<br />
Há no norte mais vadios; deve por isso dar<br />
mais recrutas, dizem alguns nobres deputados das<br />
províncias do sul, mas eu lhes replicarei sem rancor e<br />
ingenuamente, que eles estão muito enganados.<br />
Falariam com mais exatidão, se dissessem que o<br />
excessivo, o desapiedado rigor do recrutamento nas<br />
decadentes províncias do norte tem aumentado<br />
consideravelmente o número desses indivíduos<br />
que alguns nobres deputados chamam vadios, e que<br />
eu apenas chamarei desgraçados, que aterrados<br />
pelas crueldades inerentes ao recrutamento deixam<br />
o amanho de suas terras ou qualquer outro serviço<br />
e ocupação honesta para se embrenharem nas<br />
matas e fugirem da ação dos encarregados desse<br />
serviço, que só devera ser confiado a homens muito<br />
sisudos para não degenerar em perseguição e<br />
verdadeira caçada de homens, como já foi denominado<br />
no parlamento.<br />
Se fosse exato o princípio estabelecido pelos<br />
nobres deputados de que o recrutamento é feito no<br />
norte somente à custa dos vadios, o número<br />
desses indivíduos deveria diminuir sensivelmente<br />
pelo recrutamento; mas não acontece assim; este
147 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
número cresce, e cresce extraordinariamente com<br />
grave prejuízo da sempre raquítica e acanhada e<br />
hoje agonizante lavoura dessas porções do território<br />
brasileiro que eu não cessarei de recomendar à<br />
proteção dos poderes do Estado; o terror, pois,<br />
explica melhor o fato, e espero que os nobres deputados<br />
me façam a justiça de crer que estou falando nas<br />
melhores intenções e de muita boa fé.<br />
Há muitos vadios no norte! Tomai, senhores,<br />
um desses indivíduos que fazem vida nômada no<br />
norte, e comparai<strong>–</strong>o com a espécie semelhante que<br />
habita o sul do Brasil (porque também por aqui os<br />
há), e reconhecereis comigo que toda a diferença<br />
é nominal; chama<strong>–</strong>se aqui <strong>–</strong> gaúcho <strong>–</strong> acolá <strong>–</strong> garimpeiro,<br />
<strong>–</strong> em outro lugar <strong>–</strong> camarada, sertanejo, etc., etc., e<br />
são estes indivíduos tão indispensáveis no sul como<br />
no norte.<br />
Se para a exploração e trabalho das minas<br />
fazem falta na província deste nome os garimpeiros e<br />
faiscadores, não menos falta fazem nas províncias do<br />
norte, os camaradas e sertanejos para cuidarem do<br />
gado, amestrarem os cavalos e ocuparem<strong>–</strong>se de<br />
muitas outras obrigações e misteres. E se há<br />
exatidão no que há tempos me referiu um mineiro<br />
sincero e de costumes patriarcais com quem viajei,<br />
devo concluir em favor do homem do norte quanto<br />
à qualidade do amor ao trabalho. Dizia<strong>–</strong>me esse<br />
indivíduo, lamentando a indolência dos seus<br />
comprovincianos, que era necessário recrutamento,<br />
que ali se traduzia por guerra aos vadios, para que<br />
uma grande parte deles procurasse empregar<strong>–</strong>se, e<br />
que por isso ele, nas ocasiões de aperto de<br />
serviço nas suas lavras ou fazendas, entendia<strong>–</strong>se
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 148<br />
com as autoridades locais para que simulassem a<br />
intenção de recrutar.<br />
Ora, sendo isto assim, o que não afirmo, a<br />
conclusão devia ser em favor do homem do norte,<br />
que só tomado de terror deixa o trabalho,<br />
enquanto que o do sul só forçado pelo terror se<br />
revolve a procurá<strong>–</strong>lo.<br />
O que é verdade, senhores, é que em toda a<br />
parte onde a riqueza se adquire com pouco trabalho,<br />
onde com algumas horas apenas de sacrifício<br />
se obtém subsistência segura para muitos dias,<br />
aqueles que não sentem ou não compreendem a<br />
vantagem de acumular um pecúlio para acudir<br />
às precisões inesperadas da vida, trabalham<br />
com intermitência, segundo a medida de suas<br />
necessidades.<br />
Que diferença notável poderá achar<strong>–</strong>se entre o<br />
indivíduo que na província de Minas, aguilhoado<br />
pelas privações, dá<strong>–</strong>se alguns dias ao trabalho da<br />
mineração para entregar<strong>–</strong>se depois à indolência, e<br />
o que no Pará, cedendo aos mesmos estímulos,<br />
embrenha<strong>–</strong>se nas matas para extrair goma elástica?<br />
É notável, senhores, que na mesma sessão, quase<br />
na mesma hora em que o nobre deputado pelo Ceará<br />
pugnava pela elevação do caráter do nosso exército,<br />
em que combatia o rigor das leis militares e pedia<br />
para o soldado uma igualdade perfeita perante a<br />
lei, o nobre deputado pela província de Minas<br />
afirmasse que o recrutamento só se fazia entre os<br />
vadios e crapulosos, de modo que sendo assim o<br />
exército não seria mais um depósito de réprobos e de<br />
homens perniciosos ao País, para os quais seriam<br />
poucos todos os rigores.
149 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Eu estimaria muito, portanto, Sr. Presidente,<br />
para que se pudessem realizar os desejos do nobre<br />
deputado pelo Ceará, que províncias como a de<br />
Minas, cuja morigeração sou o primeiro a reconhecer,<br />
dessem também o seu contingente de recrutas para<br />
que ao menos pela fusão se melhorasse a sorte do<br />
Exército (Apoiados), para que viessem dali alguns<br />
santos confundir<strong>–</strong>se com esses demônios do norte, que<br />
seja dito de passagem, tantas vezes se têm<br />
mostrado dignos da bandeira que defendem<br />
(Apoiados, risadas.)<br />
Entendo que o princípio admitido, o princípio<br />
inconcusso, e sobre que não deve haver mais<br />
discussão, é que todas as províncias são<br />
obrigadas a concorrer para força pública, para o<br />
Exército do País, com contingentes em relação às<br />
suas circunstâncias e à sua população. Dou de<br />
barato que todas aquelas que o não têm feito até<br />
hoje, têm cedido à força de dificuldades invencíveis,<br />
dificuldades que o governo do País, que os poderes<br />
do Estado, que cada um de nós em particular se<br />
esforçará constantemente por vencer ou remover.” (34)<br />
No tocante às dificuldades da Fábrica de<br />
Ferro Ypanema, que mereceram destaque no relatório<br />
do ministro da Guerra, apresentado na Câmara<br />
dos Deputados, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> manifestou<strong>–</strong>se, naquela<br />
oportunidade, preocupado com o destino da fábrica<br />
(34) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 17/6/1854, pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />
Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 150<br />
e de seus empregados e apresentou ao Sr. ministro algumas<br />
sugestões recomendáveis, a seguir mencionadas:<br />
“Tratando das fábricas, o nobre ministro<br />
denuncia o estado deplorável da de ferro de<br />
Ypanema quanto ao seu futuro. Na verdade,<br />
faltando<strong>–</strong>lhe um dos elementos indispensáveis do<br />
trabalho, o combustível, não sei como poderá<br />
continuar semelhante estabelecimento.<br />
O nobre ministro que em todo o seu relatório<br />
pela concisão, pela naturalidade de sua linguagem,<br />
revela conhecimentos profissionais, não podia<br />
certamente desconhecer que a falta principal é a<br />
de viabilidade, de estradas que ponham a fábrica<br />
ao abrigo de tais contingências; entretanto o<br />
nobre ministro, não podendo de pronto vencer<br />
esta dificuldade, propõe uma medida, por assim<br />
declinatória, que acho até certo justificável e sensata.<br />
As minhas observações, pois, não se dirigem<br />
a contrariar os desejos do nobre ministro, mas<br />
somente a acautelar que não percamos os meios, uma<br />
vez adquiridos, não inutilizemos o pessoal existente e<br />
já habilitado nos trabalhos da Fábrica de Ferro<br />
Ypanema. Esse pessoal não pode reduzir<strong>–</strong>se a<br />
completa inação sem perder<strong>–</strong>se inteiramente. Não<br />
falo já do material que não for transportável, pois<br />
com algum cuidado poderá ser conservado; mas<br />
aqueles homens preciosos, que mais se têm<br />
ocupado dessa espécie de indústria, não devem ser<br />
inteiramente distraídos em outro serviço, não devem<br />
ser inutilizados.<br />
Tenho lembrança de que na província da<br />
Bahia existem minas mui ricas de diversos<br />
minerais, e principalmente de ferro. Creio que em
151 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Nazaré, a pouca distância do porto de mar, na<br />
Cachoeira, mesmo à beira<strong>–</strong>mar há ricos mananciais.<br />
Se, pois, estas explorações pudessem marchar agora<br />
com mais alguma atividade, se as amostras<br />
ultimamente vindas pudessem ser ensaiadas e<br />
oferecessem resultado satisfatório, ter<strong>–</strong>se<strong>–</strong>ia achado<br />
emprego útil para esses homens, até que os trabalhos<br />
da fábrica de Ypanema pudessem continuar de novo.<br />
São estas, Sr. Presidente, as considerações que<br />
tinha a apresentar à Câmara e ao nobre ministro, a<br />
quem peço me desculpe a ousadia com que me<br />
aventurei a oferecê<strong>–</strong>las à sua ilustrada inteligência.”<br />
A presença do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na<br />
sessão de 27 de junho de 1854, da Câmara dos<br />
Deputados, revela-nos o seu pensamento a respeito<br />
do sistema de governo adotado no gabinete do Império<br />
e ainda sobre a repercussão da distribuição das<br />
ações do Banco do Brasil:<br />
“O pensamento organizador, o pensamento, por<br />
assim dizer, verdadeiro e genuíno da política do<br />
País, eu o considerava por tal forma simbolizado na<br />
pessoa do <strong>presidente</strong> do Conselho, que a única<br />
designação dessa pessoa, antes mesmo de se ter<br />
formado o gabinete, devia dar ideia da combinação<br />
ministerial que ia ter lugar.<br />
Entendia também que todos aqueles que, bem<br />
informados das vistas e intenções do <strong>presidente</strong> do<br />
Conselho, aceitassem o seu convite para formar o<br />
gabinete, tinham contraído com ele um compromisso<br />
de honra para secundar seus esforços no sentido que<br />
lhe parecia mais conducente ao interesse público, e<br />
que todas as vezes que se dessem entre eles<br />
divergências irreconciliáveis na marcha dos negócios,
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 152<br />
não se estabeleceria uma questão de gabinete,<br />
mas teria de retirar<strong>–</strong>se dele o ministro dissidente sem<br />
a menor perturbação na política, uma vez que a<br />
Coroa continuasse a prestar seu assentimento ao<br />
pensamento que presidiu à organização do gabinete.<br />
Todos vós sabeis, senhores, a que ponto de<br />
inconsistência chegaram entre nós os ministérios<br />
antes da criação da presidência do Conselho; era<br />
até então considerado como um desar a continuação<br />
no poder, desde que algum dos seus membros, às<br />
vezes por motivos bem fúteis, entendia dever<br />
retirar<strong>–</strong>se; ninguém queria aparecer demasiadamente<br />
agarrado à pasta, e dessa singular inconsistência,<br />
dessas contínuas mudanças, se originaram grande<br />
parte dos nossos males.<br />
Ocupar uma posição publicamente definida e<br />
aceita por todo o País, nunca pode ser desairoso a<br />
quem quer que seja; ceder à influência indébita, à<br />
pessoa e não à autoridade, com um fim de utilidade<br />
pública, isso fora ignominioso e indigno de qualquer<br />
homem honesto que tivesse o sentimento da própria<br />
dignidade: disso seriam incapazes os atuais ministros,<br />
a quem o País todo faz a devida justiça.<br />
O nobre deputado arguiu fortemente ao Sr.<br />
Presidente do Conselho por algumas declarações por<br />
ele feitas no Senado por ocasião de uma calorosa<br />
discussão que ali tivera lugar, declarações na sua<br />
opinião perigosíssimas, porque tinham por fim, ou<br />
produziam o efeito de descobrir a Coroa. O nobre<br />
deputado foi, na minha opinião, injusto. Entendo<br />
que, quando se diz de um modo genérico que a<br />
Coroa tem uma intervenção nos negócios do País,<br />
tem<strong>–</strong>se dito uma verdade incontestável.
153 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Pois, aquele que tem o direito de nomear e<br />
demitir livremente os ministros não terá também o<br />
direito de intervir nos negócios do País? Quanto a<br />
mim julgo que as mudanças ministeriais não se<br />
fazem por mero gosto, por alta recreação a Coroa, e<br />
sim tendo por base os negócios do País. Não posso,<br />
pois, compreender mudança razoável no ministério que<br />
não importe a ideia na intervenção nos negócios<br />
dessa inteligência suprema que dirige os destinos<br />
da Nação.<br />
Eu creio que se lendo em boa fé, sem intenções<br />
hostis, o discurso do nobre <strong>presidente</strong> do Conselho se<br />
conhecerá que as suas palavras não dizem mais do<br />
que isto, porquanto não se tratava, então, de ato<br />
algum do governo do qual pudesse resultar desar ou<br />
responsabilidade para o ministério, e que este<br />
quisesse lançar de si acobertando<strong>–</strong>se com a Coroa.<br />
Tratava<strong>–</strong>se em tese da direção dos negócios do<br />
País, falava<strong>–</strong>se em geral da interferência da Coroa<br />
se eu não sei como exprimindo<strong>–</strong>se em absoluto um<br />
pensamento que está de acordo com a constituição<br />
se possa ofender as conveniências."<br />
À esta altura do discurso, o deputado<br />
Ferraz, querendo tomar parte, dirigiu<strong>–</strong>se ao orador e<br />
indagou<strong>–</strong>lhe: “se ele reconhecer que foi no calor da<br />
discussão que emitiu essa proposição, e a retirar, bem.”<br />
Nesse instante, os ânimos se incendiaram.<br />
O Visconde de Paraná, ministro da Fazenda, e<br />
<strong>presidente</strong> do Conselho, não se conteve com o aparte do<br />
deputado Fleury e foi bastante categórico: “sustento o<br />
que disse no sentido verdadeiro.” A outra intervenção
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 154<br />
do deputado Fleury parece aumentar o fogo na fogueira:<br />
“Nesse caso corrija o orador."<br />
O temperamento dócil e brando do deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, a exemplo do meigo rabino da Galileia<br />
que enfrentou energicamente os escribas e fariseus<br />
hipócritas, revestiu-se de igual energia para disseminar a<br />
verdade:<br />
"Eu não estou aqui à disposição do nobre<br />
deputado, nem à disposição do nobre ministro para<br />
aceitar essas correções: acabo de dizer o que<br />
entendo das palavras do nobre ministro. Disse<br />
que, na minha opinião, exprimiam elas um<br />
pensamento inteiramente conforme a constituição, porque<br />
não se discutia no Senado um ato qualquer da<br />
administração do qual pudesse resultar<br />
responsabilidade a alguém. Direi agora que tamanha<br />
é a minha convicção neste ponto, que tão verdadeiras<br />
acho aquelas palavras, que eu mesmo não me<br />
arrependeria de havê<strong>–</strong>las pronunciado.<br />
Eu creio que os exemplos que o nobre deputado<br />
aduziu, as práticas citadas principalmente na<br />
Inglaterra, vêm antes ao apoio da minha do que da<br />
sua opinião. Sem insistir mais neste ponto, direi<br />
simplesmente que essas mesmas publicações feitas na<br />
Inglaterra por ocasião dos fatos que o nobre<br />
deputado citou, se não depõem grandemente contra<br />
os ministros daquela Nação, o que julgo contrário às<br />
intenções do nobre deputado, vêm fortalecer mais a<br />
minha opinião e justificar plenamente as expressões<br />
do nobre <strong>presidente</strong> do Conselho.<br />
O nobre deputado que me precedeu respondeu<br />
em parte a algumas observações do primeiro<br />
orador a respeito da interferência que alguns
155 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
empregados do Tesouro possam ter nos trabalhos<br />
apresentados ao corpo legislativo...<br />
Eu não procuro torturar o pensamento do<br />
nobre deputado. Pareceu<strong>–</strong>me ouvir falar na influência<br />
de três indivíduos; e como me acho no mundo das<br />
realidades, procurarei encontrar esses três indivíduos<br />
nos empregados da administração da Fazenda. Se<br />
vou além do pensamento do nobre deputado, retiro<br />
qualquer expressão nesse sentido; o meu desejo não<br />
é criar castelos, mas apenas, em situação do meu<br />
dever, oferecer à Câmara considerações muito<br />
modestas, porém sinceras e verdadeiras, para assim<br />
atenuar a força com que o nobre deputado costuma<br />
argumentar. Eu entendo que qualquer ministro da<br />
Fazenda, por mais hábil que seja, acha<strong>–</strong>se na<br />
completa impossibilidade de confeccionar o relatório<br />
sem ouvir a muitos empregados da administração .<br />
Então nada mais direi a este respeito.<br />
Falou também o nobre deputado de uma<br />
medida de administração atual, por ocasião da<br />
distribuição das ações do Banco do Brasil. Sr.<br />
Presidente, é aqui duplicado o meu acanhamento;<br />
entretanto entendo que qualquer que seja a posição<br />
do indivíduo corre<strong>–</strong>lhe sempre o dever de restabelecer<br />
lealmente a verdade dos fatos de que tiver<br />
conhecimento, de minorar a gravidade de certas<br />
imputações que, não tendo lado algum útil, podem<br />
criar dificuldades e produzir males para o futuro.<br />
Não posso ser suspeito de parcialidade,<br />
tratando<strong>–</strong>se de objeto que tem relação com um<br />
estabelecimento a quem me lisonjeio de ver ligado<br />
o meu nome, e de cujo feliz futuro depende de<br />
algum modo a minha reputação; o meu maior
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 156<br />
desejo é vê<strong>–</strong>lo prosperar, e é por isso mesmo<br />
que desejara ver removidas para sempre quaisquer<br />
prevenções filhas da errada apreciação dos fatos.<br />
Eu não encararei a questão pelo lado porque a<br />
encarou o nobre deputado que me precedeu; ele<br />
tratou de medir o valor das concessões feitas ao<br />
banco, do ônus a que a lei o submeteu; eu não<br />
entrarei nesta análise; entendo que ela não serve,<br />
de modo algum, para a questão. A questão é saber<br />
se a medida adotada pelo nobre ministro na<br />
distribuição das ações, que pelos estatutos do<br />
banco, ficou a seu cargo distribuir, foi legal; se foi<br />
conveniente e conforme aos princípios da ciência.<br />
Para conhecermos se esta medida foi legal<br />
ou ilegal não temos outro padrão senão os<br />
estatutos do banco atual, que são ao mesmo tempo<br />
um contrato celebrado entre o governo e os antigos<br />
bancos estabelecidos nesta Corte. Tendo em minha<br />
opinião sido mal classificado como imposto o donativo<br />
voluntário obtido por ocasião da distribuição das ações<br />
feitas pelo governo, só depois e acidentalmente<br />
considerarei também a questão em relação aos<br />
poderes constitucionais." (35)<br />
O Sr. Ferraz, o parlamentar que precedeu<br />
o deputado maranhense, na ordem dos trabalhos do dia,<br />
sem pedir-lhe um aparte, falou em direção à tribuna,<br />
deixando transparecer resquícios de amargura: “como um<br />
verdadeiro imposto como é o das loterias, como são<br />
todos os outros."<br />
(35) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 27/6/1854, pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />
Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.
157 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Ao retomar a palavra, o deputado <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong> continuou firme e sereno:<br />
"Vou considerar, repito, a questão da legalidade<br />
não em relação à constituição (tratarei desta<br />
questão em segundo lugar), mas em relação ao<br />
pacto, ao contrato subsistente entre o banco e o<br />
governo.<br />
Foi expressamente declarado em um dos<br />
artigos dos estatutos que aos bancos então<br />
existentes e que pela sua fusão deviam formar em<br />
grande parte, o novo devia ficar pertencendo certo<br />
número de ações; que um dado número delas<br />
seria distribuído pelo governo antes da definitiva<br />
incorporação do estabelecimento.<br />
Foi mais acordado que, se acaso o governo<br />
não pudesse distribuir essas ações, se não achasse<br />
quem as tomasse, elas passariam para o banco, a<br />
fim de serem por ele distribuídas oportunamente com<br />
todas as restantes, até completar o capital de<br />
trinta mil contos. Assistia, pois, ao governo quanto<br />
à distribuição de trinta mil ações, um direito igual<br />
àquele que o banco teria no futuro, depois de<br />
organizado, para distribuir não só aquelas que lhe<br />
eram já destinadas nos estatutos, como as que o<br />
governo não tivesse podido distribuir.<br />
O governo achou<strong>–</strong>se embaraçado na distribuição<br />
dessas ações, mas exatamente pelo motivo oposto<br />
àquele que os estatutos pressupunham; o governo não<br />
as pôde distribuir, não porque não houvesse quem<br />
as pretendesse, mas por excessiva afluência de<br />
pretendentes; milhares de ações eram pedidas além<br />
daquelas que se podiam distribuir..."
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 158<br />
O deputado Ferraz novamente interrompeu,<br />
por alguns segundos, o orador que fazia da tribuna a<br />
exposição de argumentos e falou: "sendo o número<br />
de 30.000 dava-se uma a cada um." O deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, com elevado respeito, o ouviu atentamente<br />
e prosseguiu em seu discurso:<br />
"A observação que o nobre deputado me fez a<br />
honra de dirigir no seu aparte, não responderei,<br />
considero<strong>–</strong>a cabalmente respondida pela parte do<br />
relatório do nobre ministro que trata desta matéria.<br />
Revogaram<strong>–</strong>se, pois, as instruções com que as<br />
ações deviam ser distribuídas, e deram<strong>–</strong>se novas,<br />
adotando<strong>–</strong>se o princípio que o nobre deputado combateu.<br />
O nobre deputado disse que tinha havido uma<br />
falta de fé para com os indivíduos que primeiro<br />
concorreram a assinar, porque foram falseadas as<br />
condições pelas quais eles tinham sido convidados<br />
a concorrer...”<br />
Em seguida, o orador, na tribuna, recebe<br />
outro aparte do deputado Ferraz que demonstrou um<br />
olhar vago: “toquei nisso por acaso: sei que a matéria<br />
é difícil.” <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> continuou o discurso:<br />
“Não fazendo o nobre deputado disto<br />
argumento principal, direi também de passagem que o<br />
público não tinha notícia dessas instruções, que elas<br />
eram reservadíssimas e que, portanto, não se podia dar<br />
a falta de fé arguida.<br />
Mas o nobre ministro entendeu que o meio<br />
mais crucial de desembaraçar<strong>–</strong>se da dificuldade<br />
era criar uma razão de preferência que não fosse<br />
pessoal; entendeu que um donativo feito por essa<br />
ocasião com um fim especial de pública utilidade,
159 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
devendo diminuir os pretendentes, era preferível à<br />
distinção de pessoas, e cortaria outros inconvenientes<br />
que ele aponta no seu relatório...”<br />
O aparte do deputado Ferraz surge outra vez:<br />
“Houve razão de preferência? Creio que não."<br />
A resposta de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> é clara:<br />
“De preferência, sim; o donativo dava a referência<br />
aos que o fizessem sobre os que recusassem a<br />
fazê<strong>–</strong>los não bastava por si só, nem excluía ou<br />
dispensava absolutamente uma certa idoneidade<br />
que tinha relação com os futuros destinos do<br />
estabelecimento. Procurou<strong>–</strong>se evitar que as ações<br />
fossem cair em massa nas mãos dos agiotas. Foi<br />
para esse fim que se estabeleceram algumas cautelas.<br />
Mas voltemos à questão. O governo podia,<br />
segundo os estatutos, distribuir ações; o banco podia<br />
igualmente distribuí<strong>–</strong>las; a única diferença era<br />
quanto ao tempo. Vejamos, pois, se nesta expressão<br />
<strong>–</strong> distribuir <strong>–</strong> está incluída a faculdade de que<br />
usou o nobre ministro da Fazenda.<br />
Não temos necessidade de procurar longe em<br />
fonte estranha a explicação desta palavra, o seu<br />
sentido genuíno temo<strong>–</strong>lo nos seus próprios estatutos.<br />
Estabelecendo rendas, segundo as quais se devia<br />
tornar efetiva no futuro a distribuição das ações<br />
que ficassem ao banco, dizem os estatutos que<br />
"quando se tivesse de fazer essa distribuição, se<br />
abriria subscrição com o fim de vender em benefício<br />
do fundo de reserva do banco as ações que ele<br />
tivesse de distribuir”. Portanto, a ideia de <strong>–</strong> distribuir<br />
<strong>–</strong> não repele mesmo até a faculdade de <strong>–</strong> vender.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 160<br />
Mas, disse o nobre deputado, sendo este<br />
chamado donativo um verdadeiro imposto não só foi<br />
ilegal sem a interferência do poder legislativo, único<br />
competente para lançá<strong>–</strong>lo, mas ainda prejudicial e<br />
contra os preceitos da economia, que condena todo o<br />
imposto que recai sobre o capital. Eu, porém, lhe<br />
replicarei que não só não foi um imposto, como que<br />
não recaiu sobre o capital.<br />
Não foi um imposto, porque não tem nenhum<br />
dos principais característicos; a sua espontaneidade,<br />
o seu fim de reconhecida utilidade pública, a falta<br />
de qualquer sanção penal lhe dão as verdadeiras<br />
feições, as únicas feições que lhe cabem, de<br />
uma subscrição voluntária, como tantas outras que<br />
se têm realizado para diversas obras pias, mesmo<br />
por intervenção do governo.<br />
Os impostos, disse o nobre deputado, não<br />
devem destruir o capital. Não contesto o princípio,<br />
mas nego a aplicação. Quando essas ações foram<br />
distribuídas tinham já na estima geral um valor<br />
muito superior ao nominal, muito superior mesmo ao<br />
donativo arbitrado; havia, pois, um lucro imediato<br />
para quem as recebesse; esse lucro era apenas<br />
diminuído pelo donativo voluntário; o efeito da<br />
medida, pois, não foi destruir capitais, diminuir os<br />
ganhos, os lucros, que ainda assim vieram com o<br />
tempo a tornar<strong>–</strong>se descomunais.<br />
Disse o nobre deputado: “Houve uma grande<br />
falta em não se mencionar essa verba entre as de<br />
receita do orçamento”. Eu creio firmemente que a<br />
administração não teve intenção de ocultar essa verba<br />
ao corpo legislativo; ela seria deslocada no<br />
orçamento que discutimos, mas consta do relatório do<br />
nobre ministro, que ali nos faz uma fiel exposição
161 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
dessa medida, dando conta do seu produto e<br />
da aplicação que terá.<br />
Entendo, Sr. Presidente, que o que cumpria à<br />
administração era unicamente o que ela fez, isto é,<br />
trazer o fato ao conhecimento do poder legislativo;<br />
não vejo necessidade de pedir sua autorização<br />
para aplicar<strong>–</strong>se o produto desse donativo ao único<br />
fim para que foi pedido pelo governo, e dado por<br />
todos os subscritores, constituindo uma cláusula<br />
especial que não poderia ser contrariada por<br />
nenhum dos poderes do Estado.<br />
O deputado Ferraz, acompanhando atentamente<br />
a exposição do deputado maranhense, perguntou-lhe:<br />
“Quem impôs essa condição?" <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
respondeu-lhe: “A administração a propôs, e foi aceita por<br />
todos aqueles que quiseram inscrever-se.” O deputado, no<br />
breve diálogo, concluiu: “Assim tudo se explica.”<br />
A palavra volta, de imediato, ao orador da<br />
tribuna, deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>:<br />
“Julgo, pois, que o corpo legislativo não podia<br />
desviar de sua verdadeira aplicação o produto<br />
desse donativo, e se o fizesse por certo que não<br />
procederia regularmente, o que somente poderia era<br />
anular o ato do governo, fazendo uma lei pela<br />
qual, renunciando àquele donativo que o governo havia<br />
legalmente recebido, o mandasse restituir aos<br />
subscritores originários dessas ações; mas não<br />
concebo com sem uma nova declaração feita por estes<br />
se lhe pudesse dar um destino diferente.<br />
Chego, Sr. Presidente, ao último tópico do<br />
discurso do nobre deputado; nunca me julguei<br />
apto para as lutas políticas; tenho<strong>–</strong>me sempre<br />
limitado a justificar o meu voto, e a coerência do
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 162<br />
meu procedimento, o qual procuro sempre modelar<br />
pelo grande princípio da utilidade pública; todavia<br />
não posso agora eximir<strong>–</strong>me de fazer algumas<br />
considerações sobre a política hoje adotada pelo<br />
Gabinete, sobre a política da conciliação, que, tendo<br />
sempre sido objeto dos meus mais ardentes votos,<br />
vejo hoje combatida na tribuna por um tão ilustre<br />
orador; não posso deixar, repito, de empenhar<br />
todas as minhas forças na sustentação de uma<br />
política que tendo sido tão nobremente proclamada<br />
pela Coroa, tão francamente explicada no Senado<br />
brasileiro, tão lealmente observada pelo governo,<br />
com tanta abnegação praticada pelos mais distintos<br />
chefes do antigo partido conservador, eu considero<br />
a única capaz de fazer a felicidade do meu País.<br />
Mas nem só a convicção, aliás, profunda da<br />
minha franqueza me aconselhava essa prudente<br />
reserva e abstenção nas questões políticas, ainda por<br />
outros motivos evita<strong>–</strong>as cuidadosamente. As nossas<br />
questões políticas têm sido até aqui o eco, o<br />
reflexo de nossas desgraçadas dissensões intestinas;<br />
alimentava<strong>–</strong>as o despeito, os mais extintos ódios, as<br />
reações sempre crescentes; tinham quase sempre por<br />
fim ou recuperar posições perdidas, desacreditando<br />
os que as ocupavam, quando enfraquecidos os<br />
partidos pela longa ausência do poder, e cônscios<br />
de sua incapacidade para reconquistá<strong>–</strong>la, o supremo<br />
prazer da vingança, o desejo de tornar mais amarga<br />
a tarefa da administração a seus contrários.<br />
Nessas circunstâncias, quem não fosse dominado<br />
pela ambição, quem não tivesse injúrias a vingar,<br />
vinganças a satisfazer, quem não se visse forçado<br />
a acudir por sua honra ultrajada, ou a repelir
163 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
injustas provocações, não sei que grande estímulo<br />
pudesse encontrar nas nossas discussões desse<br />
tempo. Hoje, porém, senhores, as coisas se passam<br />
de maneira diferente, não por efeito do poder<br />
absoluto de um só indivíduo, de um círculo, ou<br />
ainda de um partido, senão como resultado óbvio da<br />
nossa civilização, senão porque todos os espíritos<br />
tendem hoje para as ideias de ordem e de<br />
estabilidade, os mais ilustrados pela convicção, e os<br />
menos polidos pelo cansaço e inanição.<br />
Antes mesmo que essas ideias de conciliação<br />
tivessem uma maioria no seio da representação<br />
nacional e fizessem parte do programa do atual<br />
ministério, elas já se achavam no pensamento de<br />
todos, e quando, ao entrar neste recinto, nos achamos<br />
face a face com vossos contrários, sem ódio e sem<br />
rancor; quando, em vez de se cruzarem despeitosos<br />
olhares, as mãos se estenderam reciprocamente em<br />
sinal de aliança, ninguém inquiriu as causas desse<br />
fenômeno; ninguém dele se mostrou maravilhado,<br />
porque as ideias simples não se definem,<br />
porque os elementos essenciais do coração humano<br />
são idênticos, porque, dadas certas causas gerais, em<br />
presença da luz da evidência, não há para todos<br />
os corações senão um sentimento, como para todas<br />
as inteligências o mesmo pensamento.<br />
E será necessário que eu aduza provas para<br />
demonstrar até à evidência esta tendência dos<br />
espíritos, este progresso verdadeiramente notável do<br />
País quanto às ideias políticas? Uma consideração<br />
bastaria para conseguí<strong>–</strong>lo completamente. Antigamente<br />
tudo se discutia entre nós; nada havia de fixo;<br />
nada estava definitivamente aceito; os princípios
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 164<br />
cardeais do nosso pacto fundamental não estavam<br />
isentos dessa contingência.<br />
Pouco a pouco, à sombra de alguns anos<br />
de paz e de concórdia, as ideias se foram<br />
notavelmente modificando; começamos todos a<br />
reconhecer que cometíamos um grande erro procurando<br />
a causa do mal nas instituições, quando ela só<br />
existia nos homens, não porque deixassem de arder<br />
no fogo do patriotismo, não porque não almejassem<br />
todos por dedicar<strong>–</strong>se à causa do progresso do seu<br />
País, mas por um efeito natural das paixões<br />
alimentadas por essas incessantes lutas.<br />
Desde logo começaram nossas vistas a<br />
dirigir-se espontaneamente para outros horizontes ..."<br />
Sabendo que algo renovador ali estava<br />
acontecendo, naquele instante, e ouvindo atentamente as<br />
sábias ponderações do talentoso orador maranhense, o<br />
deputado Ferraz aventurou-se mais num aparte:<br />
“Havemos de discutir nas reformas judiciárias esses<br />
princípios.”<br />
A sabedoria de quem conhece o tempo em<br />
que vive e a direção do destino que o envolve<br />
para erguer os tristes e desanimados e até mesmo os<br />
iludidos pelas aparências fugazes, sem dúvida, estava<br />
na alma cândida do deputado maranhense e <strong>presidente</strong><br />
do Banco do Brasil, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>.<br />
A resposta de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> veio revestida de<br />
simplicidade e humildade, teor vibratório de elevada<br />
importância que se encontra no Self e não ego:<br />
“Eu não sei se tomarei parte nessa<br />
discussão, mas estou convencido de que não<br />
faltarão neste recinto homens muito distintos que<br />
tomem sobre si a sustentação das ideias que
165 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
tão mal anuncio; o que ingenuamente posso declarar<br />
ao nobre deputado é que não proferiria uma só<br />
palavra se m'as não ditasse a profunda convicção<br />
da verdade; e quem obra cedendo a tais estímulos,<br />
não poderá jamais evitar ou fugir das discussões...”<br />
No último aparte, o deputado Ferraz deixa<br />
transparecer o ímpeto em construir algo mais em<br />
benefício do social, e se expressa: “O que eu digo é que<br />
havia necessidade de reformas."<br />
Prosseguindo o discurso, o deputado <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong> esclarece a última dúvida do deputado que se<br />
converteu às essas ideias brilhantes de renovação<br />
comportamental, e ainda legou-nos outros ensinamentos,<br />
uma lição de vida:<br />
“Essas reformas foram em parte atendidas, e<br />
foi por meio dessas prudentes concessões, dessa<br />
homenagem prestada ao que havia de mais racional<br />
nas exigências dos diferentes partidos, que podemos<br />
chegar ao estado de calma em que hoje nos<br />
achamos.<br />
Bastou que houvesse um governo dotado de boas<br />
intenções em circunstâncias de poder fazer o<br />
bem, um governo que dispondo da força moral que<br />
lhe davam, não só os nomes que o compunham, com<br />
a sua longa existência, pudesse tornar práticas<br />
algumas garantias constitucionais, e principiar a<br />
desenvolver os verdadeiros germes da riqueza e da<br />
felicidade pública para operar<strong>–</strong>se tão grande<br />
transformação na sociedade brasileira, e para<br />
convencer a todos de que as instituições tais quais<br />
eram bastavam para levar o País ao
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 166<br />
apogeu da prosperidade e da glória, se elas fossem<br />
fielmente executadas e lealmente desenvolvidas.<br />
Bastou a adoção sincera de algumas grandes<br />
ideias da oposição, que esse governo pôde<br />
converter em realidade; bastou o reconhecimento ou<br />
a satisfação de algumas necessidades públicas<br />
geralmente sentidas e o estudo e a importância<br />
dada aos melhoramentos materiais do País; bastou<br />
somente isto, senhores, para formar a opinião pública<br />
e convencê<strong>–</strong>la da inutilidade das reformas radicais<br />
do nosso pacto fundamental.<br />
E poderemos nestas circunstâncias afirmar<br />
que o ministério atual criou uma nova política?<br />
Eu não quero atribuir<strong>–</strong>lhe a honra da invenção,<br />
não tenho por fim lisonjeá<strong>–</strong>lo; ele cedeu com as<br />
ideias do tempo, compreendeu perfeitamente as<br />
necessidades da época em que foi chamado a<br />
governar o País; porém não fez mais do que<br />
continuar, declarando<strong>–</strong>o, previamente, a mesma<br />
política que o seu antecessor de há muito praticava sem<br />
declará<strong>–</strong>lo.<br />
Se, pois, é este o estado real das coisas,<br />
se é este o sentimento geral do País, para que,<br />
senhores, dar uma cor diferente à conciliação que se<br />
opera? Por ventura encarada por esta maneira a<br />
questão, maneira única racional e verdadeira, seria<br />
conveniente conservar in aeternum a divisão já não<br />
entre as ideias, mas somente entre os homens?<br />
Qual é o grande princípio que pedisse mártires?<br />
Qual seria a bandeira em que se envolvessem na<br />
hora do martírio esses homens inteligentes, esses<br />
chefes distintos que só combatiam por amor à<br />
Pátria.
167 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Como poderiam eles honestamente negar<strong>–</strong>se ao<br />
serviço do País, quando este exigisse seu valioso<br />
concurso para mais segura e desassombradamente<br />
marchar na senda gloriosa que hoje enceta?<br />
Amais a discussão? Quereis os partidos? Não<br />
vos afadigueis, que eles reaparecerão. Vê<strong>–</strong>los<strong>–</strong>ei<br />
sair do nosso próprio seio, não já com essas<br />
bandeiras tintas de sangue, mas tendo por divisas a<br />
satisfação das nossas mais palpitantes necessidades;<br />
não tendo por fim reformas constitucionais, mas a<br />
melhor resolução das questões administrativas,<br />
econômicas e industriais. Só então constituiremos<br />
verdadeiramente uma nação civilizada; só então<br />
teremos um caráter nacional, cuja base essencial é<br />
o amor às instituições pátrias.<br />
Terminarei, Sr. Presidente, fazendo um pedido ao<br />
Gabinete. Não desista ele do seu plano gigantesco,<br />
não descoroçoe com a frieza das dedicações; o<br />
entusiasmo não é próprio das épocas de transição; o<br />
entusiasmo fora um caráter emprestado e mal<br />
cabido na atualidade; prossiga na sua obra<br />
meritória, e terá por fim as bençãos do País inteiro;<br />
uma tal causa é digna dos maiores sacrifícios.<br />
O ministério mataria em flor as mais risonhas<br />
esperanças da Pátria se os não fizesse, se<br />
abandonasse em meio a sua obra grandiosa.<br />
São estes os meus votos como representante da<br />
Nação; como homem, porém, como cidadão, e como<br />
brasileiro, eu não duvidaria gritar na praça pública <strong>–</strong><br />
maldição sobre aqueles acintemente quiserem<br />
perturbar o Gabinete na realização de ideias tão<br />
santas, tão justas, tão sublimes, na realização de<br />
ideias das quais dependem, na
(36)<br />
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 168<br />
minha opinião, os futuros destinos do País.” (Apoiados).<br />
Aberta às 9 horas da manhã a sessão do<br />
dia 06 de julho de 1854, na Câmara dos Deputados,<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> usou a palavra para justificar alguns<br />
artigos aditivos oferecidos pela Comissão de Orçamento<br />
os quais eram desenvolvidas ideias apresentadas<br />
pelo ministro da Fazenda que tinham por finalidade<br />
atender as necessidades do serviço público.<br />
Considerando que o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
era o <strong>presidente</strong> da Comissão de Orçamento e autor da<br />
matéria econômica em debate no plenário, extratamos<br />
dos anais da Câmara dos Deputados os artigos que<br />
nos despertam a atenção pelo valor histórico:<br />
“O segundo aditivo autoriza o governo a<br />
despender até a quantia de cem contos de réis<br />
com o começo da edificação de uma casa de moeda.<br />
A Câmara sabe que um tal estabelecimento torna-se<br />
um elemento indispensável à administração, e que à<br />
medida que se forem realizando as sábias vistas<br />
do poder legislativo no resgate do papel<strong>–</strong>moeda se<br />
irá sentindo a necessidade de montá<strong>–</strong>lo, de maneira<br />
que possa acudir às exigências da circulação<br />
monetária no País. Não poderá, pois, permanecer no<br />
lugar em que se acha, o qual, além de ser<br />
acanhadíssimo, é o mais impróprio possível. A<br />
atual Casa da Moeda está<br />
(36) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 27/6/1854, pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />
Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.
169 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
colocada no centro do Tesouro Público Nacional;<br />
ocupa o pavimento térreo do edifício e tem suas<br />
fornalhas e suas máquinas de vapor justamente<br />
por baixo do arquivo em que se guardam os mais<br />
importantes documentos para as finanças do Estado.<br />
Concordará, pois, de prover<strong>–</strong>se a este ramo do<br />
serviço público.<br />
Outro artigo tem por objeto autorizar o governo<br />
a cunhar moedas de ouro de 5$, e de prata de<br />
200 rs. É óbvia a necessidade dessa medida, porque<br />
o desaparecimento das notas miúdas do centro<br />
principal da circulação, por causas que agora<br />
omitirei, tem nele deixado um vácuo que só pode ser<br />
preenchido com o fracionamento de moeda de ouro.<br />
A imperfeição da nossa moeda de cobre, o seu grande<br />
peso, etc., tornam também indispensável a criação<br />
de moedas de prata de menor valor que as atuais.<br />
As de 200 rs., que a comissão propõe, reunirão ainda<br />
todas as condições de comodidade e beleza, e<br />
satisfarão atualmente as exigências de grande número<br />
de pequenas transações que com grande abuso, aliás<br />
justificado pela necessidade, se efetuam por meio de<br />
bilhetes e cédulas particulares. Não há empresa,<br />
companhia ou estabelecimento que não realize uma<br />
emissão mais ou menos considerável de tais bilhetes, e<br />
já mais de um tem feito bancarrota com menor<br />
prejuízo para a praça do que para a moralidade<br />
pública.<br />
Diz outro aditivo o seguinte: “A Lei de 5 de<br />
julho de 1853 compreende o fundo incorporado do<br />
Banco do Brasil.”<br />
O relatório da Comissão de Orçamento,<br />
naquela sessão do dia 06/07/1854, estava em debate.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 170<br />
Selecionamos alguns comentários feitos pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>:<br />
“O que unicamente se pretende, pois, com o<br />
cunho das moedas é estabelecer a confiança<br />
pública pela certeza de que debaixo de um certo<br />
peso se contém o mesmo valor. Toda a perfeição do<br />
trabalho artístico, todos os emblemas e figuras que<br />
nelas se gravam, não têm outro fim senão fortalecer essa<br />
confiança dificultando a contrafação e a fraude.<br />
V.Exª me permitirá, Sr. Presidente, pois que vem<br />
mui a propósito e pode prestar<strong>–</strong>me muito auxílio<br />
para a completa justificação deste artigo, que eu<br />
comemore algumas opiniões ou observações emitidas<br />
pelo nobre deputado pela província da Bahia, que<br />
principalmente se tem empenhado na discussão desta<br />
lei, e tira delas os verdadeiros corolários.<br />
(...)<br />
É verdade que hoje se sente no grande centro<br />
das transações, no mercado desta Corte, alguma<br />
diminuição no meio circulante, alguma contração na<br />
circulação monetária, mas essa diminuição não<br />
procede, na minha opinião, senão de que a<br />
agricultura do País em geral melhorou de sorte. Até<br />
aqui uma das consequências do comércio de escravos<br />
era ter os lavradores em constante dependência dos<br />
grandes centros comerciais, que era por assim<br />
dizer credores do interior do País.<br />
Os agricultores não viam a moeda, não<br />
usavam dela nas suas transações; de ordinário<br />
ainda os mais opulentos desta província tinham<br />
apenas um crédito na Corte, nas casas comerciais
171 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
dos seus correspondentes, e sobre elas sacavam<br />
nas suas precisões.<br />
Desta maneira quase toda a moeda se<br />
concentrava na praça da Corte; hoje, porém, é<br />
inegável que não só porque os capitais produzidos<br />
pela agricultura não têm já esse desvio, essa aplicação<br />
constante e ruinosa, como porque a Providência Divina<br />
nos tem unicamente favorecido com abundantes<br />
colheitas, e conservado um preço favorável aos<br />
produtos de nossa agricultura, estes lavradores<br />
têm melhorado muito de condição; são hoje pela maior<br />
parte credores dos seus correspondentes e têm levado<br />
para as diferentes localidades grande parte do meio<br />
circulante deste mercado.<br />
As notas miúdas principalmente e uma grande<br />
parte do ouro de cunho nacional têm desaparecido.<br />
Não há porém mais do que uma deslocação dos<br />
grandes para os pequenos mercados que se têm<br />
enriquecido, e fazem hoje a dinheiro as transações<br />
que antes faziam a crédito. Só a moeda de ouro<br />
podia ser exportada, mas é de todos sabido<br />
que, nas circunstâncias atuais do câmbio, a sua<br />
exportação não foi ainda efetuada em grande escala.<br />
Algumas moedas do cunho antigo, que são mais bem<br />
recebidas na circulação europeia, poderão ter saído,<br />
mas em tão pequena escala, que não podem influir no<br />
fenômeno apresentado pelo nobre deputado.<br />
Se, pois, o aumento da riqueza nacional, o<br />
incremento que vai tomando o País exige maior soma<br />
de moeda para as suas transações, não
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 172<br />
só fica evidentemente demonstrada a oportunidade da<br />
criação do Banco do Brasil, mas ainda a alta<br />
conveniência, a necessidade mesmo de habilitá<strong>–</strong>lo<br />
com todos os meios indispensáveis para bem<br />
preencher a sua missão.<br />
Mas o nobre deputado afirmou que já se<br />
dava impossibilidade na realização da emissão do<br />
banco, visto como as entradas ultimamente feitas<br />
se tinham verificado integralmente nas suas<br />
próprias notas. A ser exato este fato, dele deduziria<br />
mais um forte argumento em favor da medida que<br />
proponho; mas devo informar à Câmara de que ele<br />
não existiu, não se deu semelhante dificuldade, se<br />
bem que possa ser prevista se por meio de medidas<br />
adequadas se não procurar melhor a situação. A<br />
emissão que o banco tem em circulação se acha,<br />
não só garantida, segunda a exigência da sua lei<br />
orgânica, mais ainda com muita superabundância.<br />
Direi mais para convencer o nobre deputado<br />
de que esta deficiência de meio circulante não é<br />
o resultado de exportações de metais, que nas<br />
entradas até hoje realizadas predomina o ouro<br />
sobre o papel; há mais de dois terços de metal<br />
contra um terço de notas. Não tenho, portanto, as<br />
apreensões que o nobre deputado manifestou,<br />
porque confio em que o câmbio se firmará com a<br />
presença da nova colheita; continuarão, é certo, a atuar<br />
as causas da deslocação, mas essas não me dão o<br />
menor abalo.<br />
Não pude bem compreender o nobre deputado,<br />
quando referiu que ouvira alguém este extravagante<br />
pensamento: <strong>–</strong> as notas do banco são boas somente<br />
para forrar quartos de dormir! <strong>–</strong> Se estas<br />
palavras não têm um sentido oculto
173 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
que não penetro, algum sal, alguma graça que<br />
não me acho habilitado para apreciar, elas não<br />
podem exprimir senão a supina ignorância de quem<br />
primeiro as pronunciou.<br />
Posso afirmar à Câmara que a administração do<br />
banco tem observado restritamente na emissão de<br />
suas notas, não só as prescrições da prudência,<br />
com os são princípios da ciência; que elas estão<br />
em perfeita harmonia com as necessidades da<br />
circulação, e que bem longe de se acharem<br />
depreciadas correm parelhas com qualquer outra<br />
espécie representativa de valores.<br />
Para demonstrá<strong>–</strong>lo apresentarei um fato que<br />
fala por si; o nosso movimento de emissão tem sido<br />
sempre progressivo, as nossas notas não têm voltado<br />
ao troco, não tem entrado no banco senão em<br />
pagamentos, de mistura com outras espécies. Nem<br />
poderia mesmo resultar qualquer depreciação no valor<br />
dessas notas do fato de que o nobre deputado a<br />
pretendeu derivar. Esse fato foi desmentido pelo<br />
nobre ministro da Fazenda; ele não aceitou nas<br />
transações do Tesouro declaração alguma especial<br />
sobre a moeda do pagamento, mas ainda quando se<br />
desse, outras seriam as suas consequências.<br />
O nobre ministro, quando se exprimiu a este<br />
respeito, não negou, por modo algum, a conveniência<br />
de conservar<strong>–</strong>se invariável a unidade monetária, e,<br />
por conseguinte, a identidade de todos os seus<br />
representativos; o que disse foi o que quando o<br />
câmbio se achasse por tal modo firme que nenhum<br />
receio pudesse haver de grande baixa dentro do prazo<br />
da operação, ele não duvidaria aceitar tal condição,<br />
uma vez que dela pudesse
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 174<br />
resultar vantagem para o Tesouro, porquanto estaria<br />
então bem certo de que nenhuma alteração produziria<br />
na unidade monetária.<br />
Mas ainda supondo que ele se enganasse, a<br />
depreciação resultante, se pudesse dar<strong>–</strong>se, far<strong>–</strong><br />
se<strong>–</strong>ia sentir mais sobre as notas do governo do<br />
que sobre as do banco, porque aquelas são<br />
propriamente papel<strong>–</strong>moeda, enquanto estas, podendo<br />
ser realizadas em metal, teriam mais uma<br />
probabilidade em seu favor.<br />
Propondo esse artigo, repito, não me acho<br />
impressionado pela necessidade do momento. Não<br />
sou dos que julgam que teremos uma grande baixa<br />
no câmbio, que estamos na proximidade de uma<br />
grande crise. Suponho, senhores, que esta mesma<br />
depressão que há dias se tem notado não se liga<br />
por modo algum a acontecimentos estranhos à praça;<br />
não tem explicação senão na paralisação do<br />
comércio, na ausência completa do café nos depósitos<br />
desta Corte.<br />
Esta causa, porém, vai imediatamente cessar;<br />
e começa desde já a desaparecer com a presença<br />
da nova colheita no nosso mercado, colheita que,<br />
segundo todos os cálculos, é tão abundante como<br />
não há memória de outra. Não contesto o<br />
princípio apresentado e desenvolvido pelo nobre<br />
deputado de que a importação se balanceia sempre<br />
com a exportação; não creio porém que possa haver<br />
uma tal diminuição na importação, que esse<br />
balanço se torne impossível; tanto mais quanto ele<br />
não se pode verificar por cada navio, mas somente<br />
depois de um certo tempo de recíprocas operações.<br />
Nem de outro modo poderia jamais dar<strong>–</strong>se o<br />
caso de ser uma praça credora
175 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
de outra, e às vezes adiantar todo o capital<br />
com que nela se faz o comércio.<br />
O principal produto da nossa agricultura é<br />
felizmente ainda muito procurado nos mercados do<br />
mundo.” (37)<br />
A discussão na Câmara dos Deputados<br />
relativa ao requerimento do deputado Junqueira, na<br />
sessão de 26 de agosto de 1854, teve a participação<br />
do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, que esteve, mais uma vez,<br />
em defesa do Banco do Brasil, a empresa instalada e<br />
presidida por ele, na Rua da Alfândega, esquina com<br />
a da Candelária, e que abriu, em sua segunda face<br />
de funcionamento, as portas para o público num<br />
verão carioca <strong>–</strong> manhã do dia 10 de abril de 1854.<br />
Eis, a seguir, a apresentação do deputado maranhense:<br />
“Sr. Presidente, não pedi a palavra com o fim<br />
de obstar a que o nobre deputado obtenha, acerca<br />
da matéria sobre o que versa o seu requerimento,<br />
todas as informações que ele deseja; fui movido a<br />
isso, não só pela deferência com que por todos os<br />
motivos sou obrigado a tratar o nobre deputado; como<br />
porque entendo que o governo pouco poderia<br />
adiantar sobre o assunto.<br />
As observações do nobre deputado terminaram<br />
com o seguinte requerimento: “Requeiro se peçam<br />
informações ao governo sobre os estatutos que se<br />
têm de confeccionar dos bancos filiais do Brasil<br />
(37) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 27/6/1854, pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />
Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 176<br />
em relação à conveniência de se atender às<br />
necessidades das províncias, principalmente as<br />
duas condições seguintes: lª, de se poder dar o<br />
dinheiro a prazo de 3, 6 e 9 meses; 2ª,<br />
de se dar uma quantia por amortização à lavoura,<br />
segundo as precisões das províncias e<br />
circunstâncias dos bancos.”<br />
A este respeito, Sr. Presidente, é que me<br />
pareceu que o governo pouco podia por ora<br />
adiante, e que me corria o dever de informar ao<br />
nobre deputado o estado da questão.<br />
A Lei de 5 de julho e o Decreto de 31 de<br />
agosto do ano passado contêm, em suma, todas<br />
as explicações de que o nobre deputado possa<br />
carecer; são a lei e os estatutos do Banco do<br />
Brasil. As caixas<strong>–</strong>filiais não são senão uma<br />
dependência deste grande estabelecimento, não<br />
podem ter uma legislação inteiramente diferente;<br />
podem comportar uma outra modificação acidental,<br />
mas nunca naqueles pontos em que interessam, por<br />
assim dizer, os princípios fundamentais do<br />
estabelecimento. Se, pois, o nobre deputado recorrer<br />
a esses dois documentos, ali achará a doutrina donde<br />
pode derivar todos os esclarecimentos que pretende.<br />
As operações do Banco do Brasil foram<br />
explicitamente declaradas nos seus estatutos; as<br />
caixas<strong>–</strong>filiais, que são uma parte integrante deste<br />
estabelecimento, hão de reger<strong>–</strong>se semelhantemente.<br />
Conquanto o governo tenha reservado o<br />
direito de aprovar definitivamente os estatutos<br />
dessas caixas que ficarão a cargo da diretoria do<br />
Banco do Brasil confeccionar, já vê a Câmara
177 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
que, como acabo de dizer, esses estatutos hão de<br />
tirar toda a sua força das disposições da lei e<br />
do decreto...” (38)<br />
Em forma de diálogo, prosseguimos, abaixo, a<br />
transcrição da matéria em debate, extraída dos Anais<br />
da Câmara dos Deputados, que teve a participação,<br />
além de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, dos deputados Junqueira,<br />
Brandão, Góis Siqueira:<br />
"O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Mas podem ser modificadas em<br />
relação às necessidades das províncias.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> A este respeito direi ao<br />
nobre deputado que estas questões foram<br />
ventiladas, longamente discutidas no seio do<br />
parlamento por ocasião da organização do banco.<br />
Os bancos provinciais requerem ou desejam, segundo<br />
a expressão do nobre deputado, faculdades<br />
inteiramente divergentes daquelas que foram<br />
concedidas ao banco central. Não contesto, Sr.<br />
Presidente, que as províncias tenham necessidades<br />
especiais, nem pretendo contrariar os desejos do nobre<br />
deputado, eles são muito dignos de realização; mas<br />
é necessário que atendamos à natureza da<br />
instituição que os deve satisfazer; o Banco do<br />
Brasil, criado como foi, banco de circulação, banco de<br />
emissão, não pode comportar os serviços que aliás<br />
se podem exigir de bancos de outra natureza...<br />
(38) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> in Discurso proferido em 26/8/1854, pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong> Acervo:<br />
Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 178<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Então não fazem bem nenhum<br />
às províncias.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O nobre deputado sabe que os<br />
bancos de emissão repousam sobre duas grandes<br />
condições; exigem não somente crédito, perfeita<br />
solvabilidade dos títulos sobre que operam, mas<br />
ainda grande mobilidade, isto é, facilidade da<br />
realização dos capitais assim empregados, porque, de<br />
outro modo, os bancos de tal natureza não poderiam<br />
jamais satisfazer os compromissos que tomassem...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Não apoiado.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O nobre deputado me dá um<br />
não apoiado, mas eu que respeito muito a sua opinião<br />
para desprezar as explicações que me possa dar, as<br />
hei de por isso provocar. O nobre deputado sabe que<br />
um banco de emissão e de depósito, qualquer que<br />
seja o lugar em que funcione, nas províncias como na<br />
Corte, contrai obrigações a termo fixo e à vista, é<br />
necessário, é inquestionavelmente necessário que esteja<br />
sempre habilitado a satisfazer a estas obrigações; mas<br />
se ele compromete em empréstimos, em empregos<br />
hipotecários de longo termo, os recursos que lhe devem<br />
servir para as eventualidades do momento, como quer o<br />
nobre deputado que esse banco fique em<br />
circunstâncias normais? ...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Acontece que o Banco da Bahia<br />
tem mostrado o contrário.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Peço ao nobre deputado que<br />
não traga para a discussão nenhum dos<br />
estabelecimentos existentes no País, porque desejo<br />
tratar então questão com o maior melindre possível,<br />
sem aventurar uma só proposição que
179 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
possa prejudicá<strong>–</strong>los levemente; as nossas conclusões<br />
não serão por isso menos rigorosas.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Vamos à verdade, à verdade.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Direi em tese ao nobre<br />
deputado que um banco que usa da faculdade<br />
de emitir pela metade do seu capital realizado, que<br />
contrai compromissos a termo ou à vista por<br />
uma soma quase igual a seu capital, e às vezes<br />
até superior a ele, que compromete em empregos<br />
hipotecários a longos prazos uma grande parte dos<br />
seus recursos que não sei agora avaliar, mas que<br />
excede talvez a metade de seu fundo realizado...<br />
O Sr. Junqueira: - Talvez à terça parte, 1,400 a<br />
1,500:000$000.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Então é mais da metade, mais<br />
de dois terços do capital realizado do banco a que<br />
contra todos os meus desejos o nobre deputado<br />
insiste em referir<strong>–</strong>se.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Mais tem dinheiros a juro.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Estes dinheiros a juro são<br />
um dos lados perigosos dos estabelecimentos<br />
semelhantes; não desejava fazer aplicação alguma,<br />
acho esta discussão inconveniente.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Falemos a verdade, e mesmo<br />
sobre o Banco da Bahia.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Longe, e bem longe de<br />
mim a intenção de emitir qualquer pensamento<br />
desfavorável ao futuro desse estabelecimento, cujos<br />
serviços sou o primeiro a reconhecer, a cuja<br />
administração faço a devida justiça; a nossa<br />
questão é somente quanto à sua organização e à<br />
natureza de suas funções. As mais arriscadas
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 180<br />
operações podem dar magníficos resultados em<br />
circunstâncias normais; mas a prudência humana<br />
recomenda certos limites ao jogo aventuroso, ao<br />
risco não só dos indivíduos, como e com mais<br />
razão ainda dos estabelecimentos...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Mas o banco já tem vivido<br />
nove ou dez anos perfeitamente.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Felicito<strong>–</strong>o por isso, mas<br />
esse fato não destrói as considerações que acabo de<br />
fazer. Mas toma dinheiros a juro, disse o<br />
nobre deputado com o fim de pôr bem patentes os<br />
recursos desse banco.<br />
Senhores, debaixo de certo ponto de vista, as<br />
quantias tomadas a juro ou a termo fixo envolvem<br />
um perigo ainda maior que o da emissão. O nobre<br />
deputado sabe que da emissão dos bancos uma<br />
grande parte é muita irradiada na circulação;<br />
ocupa pontos mais remotos do centro das operações<br />
dos bancos; por assim dizer, descapitaliza<strong>–</strong>se<br />
completamente; perde as feições de capital servindo<br />
para satisfazer as necessidades urgentes da vida.<br />
Nessa parte ao menos de sua emissão estão<br />
eles isentos de sofrer choques violentos pela<br />
combinação dos credores; esses credores não podem<br />
ser tocados ao mesmo tempo da mesma ideia de<br />
vir sobre o banco receber o que se lhes deve.<br />
É desta grande propriedade de emissão, desta<br />
circunstância de ficar uma parte dela consagrada ao<br />
serviço da sociedade que os economistas modernos<br />
têm derivado a regra de que também os bancos<br />
de emissão podem, dentro de certos limites, fazer<br />
empregos mais permanentes...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Apoiado.
181 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Honro<strong>–</strong>me com o apoiado<br />
do nobre deputado, mas estimarei merecê<strong>–</strong>lo depois<br />
de me tiver explicado melhor. É somente nesta parte<br />
em que a emissão pelas circunstâncias que acabo<br />
de referir toma o caráter de um depósito permanente<br />
que os economistas modernos entendem que alguns<br />
empregos a maior prazo se pode fazer, mas<br />
entendem todos, e com muita razão, que esses<br />
dinheiros tomados a juro a termos fixos, esses<br />
depósitos realizáveis à vista, são ainda mais<br />
precários para os estabelecimentos, e constituem um<br />
maior perigo do que o da emissão.<br />
E, com efeito, esses capitais não têm de<br />
ordinário a sua localização nos bancos como um<br />
emprego permanente, apenas aguardam a ocasião<br />
de melhor se empregarem; estão por assim dizer ao<br />
serviço das indústrias; desde que estas lhes abrem<br />
os braços, que os convidam, desde que algum<br />
emprego mais lucrativo desponta no horizonte<br />
comercial, os depositantes correm em tropel aos<br />
bancos para reclamar esses valores que vão ter<br />
aplicação muito diferente. E como esses depósitos<br />
são de ordinário feitos por pessoas residentes na<br />
localidade e com os fins que acabo de mencionar,<br />
acontece que muitas vezes essas exigências se<br />
apresentam em massa, pondo assim em perigo<br />
iminente os bancos que tivessem tido a imprudência<br />
de aplicar esses capitais a empregos permanentes...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Que mal poderia fazer ao<br />
Banco do Brasil que os bancos filiais trabalhassem<br />
com o da Bahia?<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Se acaso a organização do<br />
Banco da Bahia fosse, o que não afirmo, divergente<br />
dos princípios que regem a matéria; se fosse
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 182<br />
divergente das regras estabelecidas na lei orgânica<br />
do Banco do Brasil, decerto não poderia, fundindo<strong>–</strong>se ou<br />
convertendo<strong>–</strong>se em caixa<strong>–</strong>filial deste, conservá<strong>–</strong>la; teria<br />
de sofrer modificações; mas se preferir continuar a<br />
sua existência atual, se não quiser converter<strong>–</strong>se, quem<br />
o constrangerá ? Eu entendo que os desejos do nobre<br />
deputado podem ser completamente satisfeitos, se<br />
separarmos essa parte hipotecária, essa parte do emprego<br />
permanente dos capitais que em toda a parte<br />
constituem por si mesmos estabelecimentos<br />
diferentes. O nobre deputado sabe que sobre esta<br />
base são organizados em quase toda Alemanha, na<br />
Polônia e na Bélgica estabelecimentos rurais,<br />
estabelecimentos hipotecários, mas por modo algum<br />
poderão os estabelecimentos regulares de crédito que<br />
se ocupam de operações comerciais, cuja existência<br />
depende essencialmente da sua mobilidade, da<br />
rapidez de suas operações, prestar<strong>–</strong>se a semelhante<br />
serviço senão em mui pequena escala, dentro dos limites<br />
que acabo de ponderar, dentro dos limites da parte da<br />
emissão que se pode considerar como um depósito<br />
permanente.<br />
Não vejo, pois, que os interesses locais sejam<br />
prejudicados com a organização de caixas<strong>–</strong>filiais. É<br />
verdade que naquelas localidades onde já existirem<br />
interesses pronunciados haverá pontos a ajustar<br />
com os estabelecimentos aí existentes, mas quero crer<br />
que o resultado desses ajustes não poderá ser<br />
outro senão o interesse das localidades. O nobre<br />
deputado falando sobre este assunto me pareceu<br />
confundir algumas vezes o interesse dos<br />
estabelecimentos com os da localidade, com os<br />
interesses da sociedade e do comércio em geral...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Não me lembro de tal coisa.
183 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O nobre deputado deu a<br />
entender isto quando disse que o Banco do Brasil<br />
estava organizado como uma máquina de guerra...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> De uma maneira ameaçadora.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Senhores, eu desejarei<br />
sempre ser ameaçado por esta maneira, ser ameaçado<br />
por alguém que me ofereça o mesmo serviço de que<br />
careço com condições mais favoráveis; esta ameaça<br />
será sempre muito benéfica para o País a quem for<br />
feita; esta ameaça poderia somente assustar aos<br />
interesses da associação na parte em que eles não<br />
estivessem perfeitamente conformes com os interesses<br />
gerais da localidade...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Até que é o terreno do combate.<br />
O Sr. Presidente (dirigindo-se ao orador): - O nobre<br />
deputado já tem esgotado o tempo destinado para<br />
a discussão do requerimento.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Pouco tenho dito sobre a<br />
matéria, porque alguns apartes do nobre deputado<br />
a que julguei dever dar toda a atenção não<br />
consentiram que eu seguisse o fio do meu discurso;<br />
mas direi em resumo ao nobre deputado que a<br />
diretoria do Banco do Brasil tem ainda pouco<br />
tempo de exercício de suas funções para poder<br />
aventurar um juízo sobre a conveniência de<br />
reformas profundas nos seus estatutos. Algumas<br />
ideias tem ela já a respeito da conveniência de<br />
alargarem um pouco mais a esfera de sua ação<br />
no interesse público e no interesse do estabelecimento;<br />
essas ideias foram há pouco tempo consignadas em<br />
um relatório apresentado à assembleia geral, mas não<br />
puderam ser por ela apreciadas. Na organização<br />
dos estatutos das
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 184<br />
caixas<strong>–</strong>filiais é natural que o Banco do Brasil<br />
procure consignar as ideias que lhe tem parecido<br />
conforme aos interesses do banco central (matriz)<br />
e que darão também resultados benéficos nas<br />
províncias.<br />
O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Isto é que é preciso ventilar, é<br />
se darão resultados benéficos, ou se matarão os<br />
bancos provinciais.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Se o nobre deputado atendesse<br />
à minha proposição, não me daria este aparte;<br />
algumas das modificações que a diretoria entendeu dever<br />
propor à assembleia geral, se pelos trâmites legais<br />
fossem adotadas, autorizariam o banco a admitir<br />
algumas práticas conformes aos desejos que os nobres<br />
deputados têm manifestado e que constituem alguns<br />
de seus postulados; parece<strong>–</strong>me pois que não foi bem<br />
cabido o seu aparte.<br />
O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Não é só isto que se quer.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Eu me referia às providências<br />
que a diretoria entendeu durante o curto período<br />
da sua administração dever reclamar dos poderes<br />
competentes para mais livremente obrar em sentido<br />
favorável ao estabelecimento e ao público; nas<br />
modificações, que se pretende, entra essa ideia do<br />
nobre deputado de alongar<strong>–</strong>se um pouco mais os<br />
prazos de certos títulos admitidos como caução no<br />
banco; mas esta ideia há de sempre ser subordinada<br />
aos grandes princípios que regem a matéria ...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Aí é que está o engano.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> ... esta ideia não há de<br />
comprometer a mobilidade que os bancos de emissão<br />
precisam ter ...
185 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Aí está o erro.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> De outra maneira a diretoria<br />
do banco não se atreveria a propô<strong>–</strong>la. As mesmas<br />
franquezas (franquias) poderão convir em maior ou menor<br />
escala às caixas<strong>–</strong>filiais, conforme os usos e<br />
costumes comerciais das diferentes localidades: são<br />
circunstâncias a apreciar na confecção dos estatutos<br />
das caixas<strong>–</strong>filiais, e os trâmites para este trabalho<br />
estão consignados na lei e nos estatutos do banco.<br />
O nobre deputado insiste em que estas ideias são<br />
errôneas. Senhores, eu não desejo tratar esta questão<br />
como uma questão acadêmica: entretanto o nobre<br />
deputado tem em tese anunciado alguns princípios<br />
contra os quais é preciso protestar imediatamente...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Fale em relação ao Brasil.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Os pontos capitais da ciência<br />
econômica podem sofrer modificações na aplicação<br />
em um ou outro ponto do globo, mas não<br />
modificações que os façam mudar inteiramente de<br />
natureza; o princípio verdadeiro no ponto A não pode<br />
ser inteiramente falso no ponto B.<br />
O Sr. Góes Siqueira: <strong>–</strong> Apoiado.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O que o nobre deputado<br />
me pode dizer é que, em algumas localidades,<br />
circunstâncias especiais podem alterar muito a<br />
aplicação dos princípios ...<br />
O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Apoiado.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> ... mas no fundo não admito<br />
uma ciência para a Europa e outra diferente para<br />
a América. (Apoiados.) Quando os princípios eternos<br />
da ciência, os princípios imutáveis da razão não
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 186<br />
produzirem na prática todas suas consequências,<br />
procuremos as causas locais e acharemos então a<br />
explicação natural da diferença; mas não devemos<br />
pôr em dúvida os grandes princípios por causa de<br />
pequenas contrariedades na prática... (Apoiados.)<br />
O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Muitos princípios econômicos que<br />
passavam por verdadeiros no século passado, hoje<br />
são conhecidos por falsos.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Na economia política não, 2 e 2<br />
são 4.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> V. Exª, Sr. Presidente, me<br />
permitirá responder a este aparte do nobre<br />
deputado. Ou não há ciência econômica ou há<br />
de haver algum princípio como este que o nobre<br />
deputado anuncia, há de haver princípios certos,<br />
invariáveis, sobre que se baseie o nosso raciocínio;<br />
de outro modo não existe ciência.<br />
Nem esses princípios são contestados nos<br />
Estados Unidos, nem em ponto algum do mundo há<br />
fatos que os destruam ... (Apoiados)<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Porque no Brasil não querem<br />
a emissão ?<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> As ideias do nobre deputado<br />
partem de um princípio falso; o nobre deputado<br />
entende que a emissão é uma riqueza, que o<br />
papel é uma riqueza ...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Não disse isto, mas o crédito.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O crédito não se improvisa...<br />
Sr. Presidente, esta discussão iria longe ...<br />
Os Srs. Junqueira e Brandão: <strong>–</strong> Deve ir porque<br />
é muito importante.
187 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Seria necessário que a Câmara<br />
me consentisse continuar a falar sobre a matéria...<br />
O Sr. Presidente: <strong>–</strong> O nobre deputado pode continuar<br />
em outro dia.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Os bancos americanos, como<br />
dizia, não destroem nenhum grande princípio de<br />
economia política, pelo contrário, se averiguarmos<br />
os fatos veremos que os confirmam. O crédito não<br />
se pode decretar, não se pode antecipar; o crédito<br />
é a confiança, e não sei como se antecipa a<br />
confiança; o crédito não é valor real, não é valor<br />
criado; o crédito é o resultado da riqueza feita;<br />
o contrário disto iria até destruir pela base os<br />
princípios econômicos mais comezinhos, iria destruir<br />
pela base o princípio do trabalho; o trabalho não<br />
seria mais riqueza; a riqueza seria o papel, seria<br />
o crédito.<br />
Mas sobre que base seria este crédito<br />
estabelecido? O nobre deputado poderia tirar a<br />
conclusão que desejava se, dando todo o valor que<br />
também dou ao crédito, partisse sempre do princípio de<br />
que ele é subordinado à existência da riqueza, a<br />
possibilidade da solvabilidade é uma conseqüência<br />
do trabalho.<br />
Nos Estados Unidos mesmo os fatos não se têm<br />
passado como o nobre deputado pretende; ali o<br />
crédito não tem precedido a riqueza, tem acompanhado<br />
a riqueza...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Tem ajudado a riqueza.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O crédito ali concorre para<br />
que a riqueza se torne cada vez mais produtiva,<br />
para que tenha uma circulação mais ampla ...
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 188<br />
O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Então V.Exª está no nosso princípio?<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Perdoe<strong>–</strong>me, não, senhor.<br />
São inegáveis os grandes benefícios que os Estados<br />
Unidos têm recebido do crédito, mas o crédito nos<br />
Estados Unidos tem<strong>–</strong>se desenvolvido do mesmo<br />
modo que em todas as partes do mundo, somente<br />
com maior rapidez, não só porque é país novo,<br />
como por mil outras circunstâncias que não vem para<br />
o caso apresentar...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O Brasil também é país novo.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Perdoe<strong>–</strong>me o nobre deputado,<br />
tire de todas estas questões o elemento do tempo e<br />
as conclusões serão as mesmas; em um país velho<br />
os recursos são mais morosos, a marcha é mais<br />
lenta; em um país novo todos os princípios são<br />
os mesmos, o elemento do tempo é que sofre<br />
modificação; a marcha é mais rápida, mas isto não<br />
muda em nada a natureza da coisa; quando há<br />
crédito como quatro deve haver riqueza como quatro<br />
(Apoiados). É somente deste princípio que se há de<br />
derivar a confiança; é somente deste princípio<br />
que se podem tirar consequências verdadeiras. É<br />
justamente porque nos Estados Unidos os caminhos<br />
de ferro, as empresas industriais, os empregos<br />
produtivos têm marchado rapidamente, que o crédito se<br />
tem rapidamente constituído. Já vê o nobre deputado<br />
que o fato confirma o princípio: não há a contradição que<br />
quis enxergar, os Estados Unidos não estão<br />
isentos dos preceitos gerais que regulam o crédito em<br />
todas as partes do mundo. À medida que uma<br />
indústria vai mostrando sua eficácia, e produzindo<br />
maiores vantagens, vai<strong>–</strong>se tornando mais extenso,
189 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
mais amplo, mais regular, mais poderoso o crédito que<br />
sobre ela se baseia (Apoiados). Não posso, pois,<br />
conceber o crédito como coisa diferente da riqueza;<br />
não posso considerar outra fonte de riqueza que não<br />
seja o trabalho.<br />
Nem mesmo quanto à organização bancária<br />
encontra o nobre deputado apoio nos Estados Unidos<br />
para a exageração da sua proposição; se o nobre<br />
deputado me apresenta bancos que emitem 5 e 6<br />
vezes o seu capital, eu lhe apresentarei outros, e<br />
em grande extensão dos estados da União, em que<br />
essas emissões são reguladas por princípios ainda<br />
mais restritos do que aqueles que nos regem.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Há outros que têm outros<br />
princípios.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Há hoje nos Estados Unidos<br />
instituições bancais cuja relação entre a reserva e<br />
a emissão varia consideravelmente, desde 4 até<br />
90%, e já vê o nobre deputado que nessa mesma<br />
escala há de achar alguma semelhança com o que<br />
se passa entre nós.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Há perfeita liberdade: não se<br />
impõe ônus aos bancos.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O nobre deputado insiste em<br />
uma asserção inteiramente contrária aos fatos; o<br />
nobre deputado até acusa o nosso governo de<br />
vexatório para com os bancos, quando é certo que a<br />
sua ação tem sido sempre benéfica, e muito mais<br />
desinteressada que a de alguns estados da<br />
União, onde se têm imposto taxas exageradas e<br />
empréstimos forçados, muitas vezes mal disfarçados<br />
sob o título de caução ou depósito para autorizar a<br />
emissão. É de todos sabido que nos estados
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 190<br />
do sul da confederação norte<strong>–</strong>americana os bancos<br />
se regem por mais restritas regras que os<br />
nossos, que os bancos de alguns estados são<br />
obrigados a concorrer, dadas certas circunstâncias, com<br />
empréstimos forçados, o que desnatura completamente<br />
a instituição...<br />
O Sr. Presidente: <strong>–</strong> O nobre deputado terá a palavra<br />
depois, porque já passou a hora destinada para a<br />
discussão desta matéria.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Bem, Sr. Presidente, peço<br />
desculpa a V.Exª, peço desculpa à Câmara por ter<br />
abusado tanto da bondade de V.Exª, mas foi o<br />
interesse da discussão que me levou a isso.<br />
Vozes: <strong>–</strong> Muito bem, muito bem!<br />
A discussão foi adiada pela hora.”<br />
Ainda em discussão, na sessão de 2/9/1854,<br />
na Câmara dos Deputados, o requerimento do deputado<br />
Junqueira a respeito de esclarecimentos ao governo acerca<br />
dos estatutos das caixas<strong>–</strong>filiais do Banco do Brasil. Eis o<br />
debate:<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Sr. Presidente, é essa uma<br />
matéria que reputo de muita transcendência, por isso<br />
peço licença à Casa para abusar de sua<br />
paciência, para dizer algumas palavras em<br />
resposta ao nobre deputado que teve a bondade de tomar<br />
em atenção o meu requerimento e alguma coisa dizer<br />
(suponho que não tudo quanto fosse bastante), para<br />
tranquilizar<strong>–</strong>me para poder o País ficar seguro acerca<br />
da marcha que tem de seguir o Banco do Brasil<br />
em relação às caixas<strong>–</strong>filiais que têm de estabelecer<br />
nas diferentes províncias.
191 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
O nobre deputado remeteu<strong>–</strong>me para a lei<br />
orgânica do banco e para os estatutos; disse que<br />
eu aí devia encontrar quanto fosse suficiente para<br />
satisfazer<strong>–</strong>me. Agradeço ao nobre deputado a<br />
bondade de assim dirigir<strong>–</strong>me, porém peço perdão<br />
para dizer<strong>–</strong>lhe que já tinha tido isto em consideração<br />
e que nada pude adiantar, apesar de querer o<br />
nobre deputado como que levar<strong>–</strong>me pela mão, fazerme<br />
iniciar na grande ciência financeira...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Não apoiado.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O nobre deputado não pôde<br />
achar ofensa nestas minhas palavras ...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Mas possa achar ironia e<br />
não agradeço.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Também não há ironia, porque<br />
posso dizer de mim em relação ao nobre deputado<br />
que apenas me inicio nessa ciência, que é por<br />
curiosidade que dela me ocupo, entretanto que esta<br />
ciência é da profissão do nobre deputado, é a sua<br />
especialidade, é terreno em que pode combater<strong>–</strong>me<br />
com muita vantagem.<br />
Mas remetendo<strong>–</strong>me o nobre deputado para a lei<br />
orgânica e estatutos do Banco do Brasil, pareceu<br />
querer com isto fazer<strong>–</strong>me crer que a lei do fado é<br />
imutável, que já estava determinado qual a sorte<br />
das províncias em relação ao banco, isto é, que o<br />
Banco do Brasil, estando organizado com todos os<br />
recursos tem todos os meios de dirigir o crédito,<br />
de auxiliá<strong>–</strong>lo, de suplantá<strong>–</strong>lo, entretanto é ele que<br />
tem de organizar as caixas<strong>–</strong>filiais das províncias.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 192<br />
É verdade que disse o nobre deputado que o<br />
banco não se pode afastar da base fundamental com<br />
que foi estabelecida...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Essencialmente.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Em que consiste o essencialmente<br />
com que este banco foi organizado? Não há senão a<br />
lei que mandou incorporar um banco, e eu pergunto<br />
ao nobre deputado: na lei estão estabelecidos os<br />
prazos ou ficou isto para os estatutos? O nobre<br />
deputado responderá que essa maneira não é da<br />
lei orgânica; eu aqui a tenho e nela não estão<br />
determinados os prazos em que se deve dar<br />
dinheiro. Ora, como a lei está feita eu não poderia<br />
argumentar contra a lei, mas como os estatutos<br />
podem ser modificados, como ainda não existem as<br />
caixas<strong>–</strong>filiais das províncias, como essas<br />
caixas<strong>–</strong>filiais têm de receber seus estatutos do<br />
banco, entendi que fazia algum serviço ao País,<br />
promovendo uma discussão, chamando a atenção<br />
do banco e do governo para que nos estatutos<br />
que se tem de confeccionar sejam atendidas as<br />
circunstâncias peculiares das províncias; é coisa<br />
que ainda se pode fazer, é remédio que ainda se<br />
pode dar. E porque é coisa que ainda se pode<br />
fazer, entendi que devia chamar a atenção da<br />
Câmara e do governo, assim como a atenção do<br />
País, para este ponto, a fim de que se dê remédio<br />
àquilo que se me antolha, que pode trazer grande<br />
mal. Se eu não provocasse esta discussão, não<br />
procurasse chamar a atenção da diretoria do banco<br />
e do governo para tomar em consideração este objeto,<br />
o que se diria depois? Sem dúvida, poderia dizer<strong>–</strong>se<br />
que ninguém pensou em semelhante coisa, ninguém<br />
fazia caso disto. Quero, pois, desde já,
193 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
remediar o mal que suponho certo se não se tomarem<br />
algumas providências.<br />
Seja<strong>–</strong>me permitido dizer de passagem que o<br />
Banco do Brasil está organizado de maneira (não<br />
poderei falar contra a lei, mas creio que poderei falar<br />
da lei, tratando de um objeto que tem relação com<br />
ela), que o banco está organizado de maneira que<br />
não pode fazer bem ao País. A Nação tem de pagar<br />
pelo seu papel que é muito acreditado um prêmio;<br />
quando a Nação era senhora desse crédito, era<br />
senhora da praça, tinha meios de governar os<br />
capitalistas, entretanto que hoje tem de pagar juro<br />
por um dinheiro mais acreditado possível...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Não compreendo o nobre deputado.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O Banco do Brasil não tem<br />
de receber um prêmio ou juro de certa quantia que<br />
resgatar em diante?...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Se não tivesse receio de<br />
ofender ao nobre deputado, o remeteria de novo<br />
para a lei e para os estatutos do banco.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Oh! Senhor! Pois a Nação<br />
não pagará juro de certa época em diante?<br />
Conceda<strong>–</strong>me argumentar com minha linguagem chã,<br />
senão com a linguagem da ciência...<br />
O Sr. Paula Santos: <strong>–</strong> Paga, sim senhor.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Não é favor ao banco, é<br />
porque o governo quer pagar a sua dívida: deve<br />
ou não o governo a importância das notas em<br />
circulação?<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O governo não fica devendo<br />
ao banco e lhe não presta todo o seu crédito?
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 194<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Se não quiser resgatar o<br />
papel<strong>–</strong>moeda, não fica.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O Banco do Brasil tendo o<br />
direito de ter o seu papel recebido como o papel<br />
do governo nas estações públicas faz com que<br />
nenhum estabelecimento de crédito nas províncias se<br />
possa sustentar contra um estabelecimento desta<br />
ordem, com uma força extraordinária; eles hão de<br />
ser sufocados...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O nobre deputado está em<br />
erro quanto a esta parte.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Quando assim falo, não estou<br />
argumentando contra as boas intenções do nobre<br />
<strong>presidente</strong> do banco, nem posso ter a certeza de que<br />
o nobre deputado será sempre o <strong>presidente</strong> do banco...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> A lei até nisto foi previdente.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Por quê? ...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Pelo que dispôs acerca dos<br />
bancos existentes nas províncias.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Facultou sim o bem ou o mal, mas<br />
quando passarem os estatutos para os bancos das<br />
províncias, se não se tomarem algumas cautelas, esses<br />
bancos não terão outros recursos senão entregarem<strong>–</strong>se à<br />
discrição. Pensa o nobre deputado que esses<br />
estabelecimentos de crédito nas províncias não estão<br />
ameaçados? que poderão deixar de se entregarem à<br />
discrição? Creio que estão com este temor?<br />
O Sr. Brandão: <strong>–</strong> São pigmeus à vista do gigante.<br />
Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Com o meu requerimento, eu procurava<br />
prevenir o mal, tinha em vista que o Banco do
195 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Brasil tendo em atenção os bancos das províncias, ou<br />
apresentasse meios tais que a esses bancos conviesse<br />
incorporarem<strong>–</strong>se, ou então pudessem viver sem ser<br />
sufocados. Se o Banco do Brasil não oferecer às<br />
províncias prazos mais longos do que os<br />
estabelecidos para a praça do Rio de Janeiro,<br />
esses bancos nenhuma utilidade podem produzir<br />
às províncias...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Nem o Banco do Brasil poderá<br />
competir com os outros em tais operações.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Porque não poderá competir?<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Porque as caixas<strong>–</strong>filiais não<br />
podem fazer as mesmas operações em vista das<br />
restrições de seus estatutos.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O nobre deputado sabe que<br />
as caixas<strong>–</strong>filiais têm a emissão do duplo do seu<br />
fundo, e tendo a emissão do duplo do seu fundo,<br />
podem ter dinheiro mais barato para poder<br />
acabar com os bancos existentes, que não podem<br />
existir com tal concorrência, depois sendo o único<br />
estabelecimento de crédito, pode impor a lei como<br />
quiser, entretanto que as caixas recebem todo o<br />
auxílio do grande banco.<br />
A outra parte do meu requerimento diz respeito<br />
a dinheiros dados à lavoura, ou a negociantes com<br />
íntimas relações com a lavoura, de modo que são<br />
lançados estes dinheiros na produção da lavoura.<br />
Argumenta o nobre deputado dizendo que os<br />
princípios da ciência são eternos; mas de que<br />
ciência nos fala? de economia pública? ...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> De qualquer ciência.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 196<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> A economia política não está<br />
conhecida como ciência com princípios eternos;<br />
alguns concedem esses princípios, outros não, e<br />
senão vejam se os economistas estão concordes<br />
em todos os pontos ...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Em alguns estão.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Pois os bancos não poderão ser<br />
organizados de maneira que possam dar algum<br />
dinheiro por antecipação a prazos mais longos à<br />
lavoura ? !<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Até certo ponto o concedi no<br />
meu discurso.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Se as praças de Pernambuco<br />
e Bahia não precisam para suas transações<br />
comerciais de mais do que um banco com o fundo de<br />
4.000:000$, por exemplo, não será do interesse que<br />
esse banco possa dispor de alguns mil contos por<br />
antecipação à lavoura?...<br />
O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Devo observar ao nobre deputado<br />
de que o tempo destinado para a discussão dos<br />
requerimentos está concluído.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Assim não podemos fazer nada;<br />
creio que não se tem gasto com esta discussão uma<br />
hora...<br />
O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Não é uma hora, são ¾ (três<br />
quartos) depois de aberta a sessão...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Julgo que não excedem os ¾<br />
(três quartos). Parece<strong>–</strong>me que devemos acabar com<br />
isto, pouco mais tenho a dizer...<br />
O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Então, melhor seria propor a<br />
urgência.
197 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Pois sim, senhor, proporei a<br />
urgência para se concluir essa discussão.<br />
O Sr. Presidente: <strong>–</strong> O Sr. deputado pede a urgência<br />
para se discutir até o meio<strong>–</strong>dia.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Meio dia já é, seja até ½<br />
(meia hora).<br />
A Câmara vota a urgência para se discutir o<br />
requerimento até ½ (meia) hora.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Agradeço à Câmara a deferência<br />
que teve para comigo; não gastarei mais palavras<br />
neste agradecimento por causa do tempo que se<br />
deve aproveitar na discussão do requerimento.<br />
Sr. Presidente, eu direi que em tese os bancos<br />
devem ser organizados conforme as circunstâncias<br />
locais; os primeiros bancos que foram organizados<br />
eram propriamente de depósito e não de circulação,<br />
depois foram de depósito e circulação, e finalmente<br />
de depósito, circulação e emissão; porque não<br />
principiou logo a ciência com toda a perfeição<br />
relativamente aos bancos! Não se sabe que as<br />
circunstâncias da localidade, as circunstâncias do<br />
comércio, a tendência dos povos, vão fazendo<br />
modificar as ideias a respeito daquilo que a ciência<br />
humana faz aparecer?...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Está sustentando a minha<br />
opinião; há bancos para todos os fins.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Eu quero concluir daqui que o<br />
banco, embora restrito às necessidades da praça<br />
do Rio de Janeiro, sendo um banco de circulação,<br />
e estando estabelecido por certo modo, tendo de<br />
entrar em operações das quais tem de receber<br />
juros dos cofres públicos, deve ao menos de
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 198<br />
alguma maneira atenuar os males que a lavoura<br />
está sofrendo, e que nos tem posto aqui tão embaraçados<br />
como na discussão sobre a venda de escravos<br />
de umas para outras propriedades; sirva ao menos<br />
esse banco para, de algum modo, auxiliar os<br />
lavradores, já que ele não está organizado nos<br />
princípios da conveniência das províncias, mas nos<br />
princípios da conveniência da praça do Rio de<br />
Janeiro, na conveniência dos seus acionistas, quando<br />
por ventura estes queiram ser indiferentes aos<br />
interesses e necessidades das províncias.<br />
O Banco da Bahia, como já tive ocasião de<br />
observar, é um exemplo do que há pouco afirmei; um<br />
banco que tem vivido 10 anos perfeitamente em<br />
estado normal, dando interesses aos seus acionistas,<br />
auxiliando a lavoura, se fosse montado debaixo<br />
desses princípios absolutos da ciência poderia ter<br />
assim vivido? E quais são esses princípios absolutos<br />
da ciência? Foi debaixo desses princípios que o<br />
Banco do Brasil se organizou? Antigamente se dizia<br />
que não se podia estabelecer banco que não fosse com<br />
ouro e prata; no entanto, no Brasil estabeleceram<strong>–</strong>se<br />
bancos com papel<strong>–</strong>moeda, com moeda<strong>–</strong>papel do<br />
governo; eis aqui, pois, uma prova em contrário<br />
desses princípios absolutos.<br />
Se esses princípios fossem tão verdadeiros<br />
como se quer persuadir, então eu poderia aplicar<br />
ao Banco do Brasil o que o nobre deputado aqui<br />
nos disse: "Um banco conforme vós quereis organizar,<br />
é um banco que pode ser de um momento para<br />
outro destruído, porque seus credores, os possuidores<br />
de seus vales, podem afluir em um momento dado<br />
a tirar o seu capital.” Ora, eu perguntarei: o Banco
199 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
do Brasil que foi organizado podendo emitir até o t<br />
riplo do seu capital, não pode correr o mesmo<br />
perigo em um momento dado ? ...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O triplo de quê?<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Do seu fundo real...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Do seu fundo disponível.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Sim. Mas, senhores, qual é o<br />
banco que possa ser assim destruído senão por<br />
abusos extraordinários, abusos muito notáveis nos<br />
seus gerentes? Quais serão as causas que no<br />
Brasil obriguem os bancos a suspender seus<br />
pagamentos? Pode dar<strong>–</strong>se caso do banco suspender<br />
seus pagamentos, mas durante algum tempo,<br />
porém depois há de continuar; darei um exemplo de<br />
menor para maior, mas que pode explicar o meu<br />
pensamento: a Caixa Econômica da Bahia, o primeiro<br />
estabelecimento de crédito ali estabelecido depois do<br />
extinto banco, atravessou a revolução maior por que<br />
tem passado a província; a Caixa Econômica existia,<br />
e não tinha criado raízes o crédito na minha<br />
província, apareceu a revolução de 1837 e a Caixa<br />
Econômica foi obrigada a suspender as suas<br />
operações.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Tinha bilhetes em circulação?<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Tinha seus vales...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Eram à vista?<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Sim. Mas voltou a província a<br />
seu estado normal e voltou a Caixa Econômica a<br />
seu estado normal, ninguém sofreu; atravessou<br />
portanto sem se perder o seu crédito, e isto durante<br />
o período da maior revolução que aí teve lugar.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 200<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Ótimo, magnífico! É preciso<br />
confessar que é sobre isto que se tomam as cautelas.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O que isto quer dizer, senhores,<br />
é que princípios absolutos nesta matéria não se<br />
podem dar, que as circunstâncias fazem modificar<br />
estes princípios. Senhores, as circunstâncias fazem,<br />
para me exprimir de uma maneira clara, que a<br />
certos princípios que se não contestam se possam<br />
acrescentar circunstâncias que paralelamente levem<br />
o carro da civilização, da indústria no caminho<br />
direto, bem como os pactos não podem ser contrários<br />
aos princípios essenciais do contrato.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Nos casos de convenção.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Tudo é convenção neste mundo.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Neste caso nego; há condições<br />
essenciais sobre as quais não pode haver convenção.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Sr. Presidente, por ocasião<br />
dessa questão que por aí anda de comandita, porque<br />
há essa gritaria senão por conveniência? É claro que<br />
as comanditas podem existir, porque não são<br />
contrárias à lei ...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Quem nega a legalidade das<br />
comanditas?<br />
O Sr. Presidente: Esta questão não vem para aqui.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Eu creio que tem muita<br />
relação, mas enfim a porei de lado. Disse o nobre<br />
deputado no seu discurso que não via que os<br />
interesses locais fossem prejudicados com a<br />
organização das caixas<strong>–</strong>filiais. Pode o nobre deputado<br />
nos dar a segurança de que se hão de atender<br />
às circunstâncias do País? Que se hão de estender
201 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
os prazos? Que se há de dar algum dinheiro à<br />
lavoura para a amortização? Ele não nos pode<br />
afiançar isto; então, como diz que não se dá<br />
prejuízo às localidades?...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Porque não se pode dar<br />
competência neste caso.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Se pudesse estar certo que o<br />
Banco da Bahia não sofreria com essa organização<br />
da caixa<strong>–</strong>filial, que as caixas<strong>–</strong>filiais tratariam de<br />
conservar, de fazer com que os bancos existentes<br />
nas províncias continuassem a viver, eu também<br />
não teria estas apreensões, mas se ele não nos<br />
pode dar esta segurança ...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Não sou competente para dar;<br />
em grande parte dependerá do procedimento, do<br />
modo de viver dos bancos locais.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Se eu conseguisse, Sr. Presidente,<br />
que o meu pensamento fosse tomado em consideração<br />
pelo governo e pelos diretores do banco, eu já teria<br />
ganho muito e alcançaria que o governo e os diretores<br />
do banco, quando tivessem de organizar os bancos<br />
filiais nas províncias, o fariam de maneira que não<br />
causassem a morte dos bancos que lá existissem.<br />
Disse o nobre deputado que existe o Banco da<br />
Bahia e continuará a existir como até agora; mas,<br />
senhores, eu direi que o Banco da Bahia não se<br />
importaria de lutar com a concorrência, uma vez que<br />
não visse que corria o risco de, acabado o seu<br />
tempo de vida, se lhe dissesse: “Não posso mais<br />
vos conceder emissão porque o Império já está<br />
bastante saturado de papel, e o governo precisa<br />
desse meio poderoso para suas transações”.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 202<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Não apoiado.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O nobre deputado pode me<br />
afiançar que isto não acontecerá?<br />
O Sr. Brandão: <strong>–</strong> Não pode asseverar.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Não, não pode.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> E nem o nobre deputado pode<br />
também ter base alguma para asseverar que se<br />
realizará o que teme.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Senhores, eu não posso nada;<br />
mesmo o que estou dizendo não sei se terá conexão<br />
(Não apoiado). Mas o que tenho na ideia são<br />
pensamentos tirados do que vejo se passar na<br />
minha terra e no País, onde só vejo lutas por<br />
pedaços de pão. Ora, digo eu, além de estarmos lutando<br />
por pedaços de pão, deveremos consentir que se<br />
venha a assentar uma máquina que absorva todos<br />
esses pedaços de pão (apoiado, reclamação), e que<br />
faça com que não possamos aproveitar algumas<br />
migalhas...<br />
O Sr. Góes Siqueira: <strong>–</strong> Não há razão para se<br />
dizer isso, ao menos por ora.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Ora, não há razão! Senhores,<br />
não devemos cortejar senão a verdade...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Apoiado.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> ... o nobre deputado é médico<br />
e está me dando apartes, e eu lhe pergunto se<br />
não seria melhor que, quando ele fosse consultado<br />
por um doente para saber qual o remédio que<br />
devia dar para lhe restabelecer a saúde, antes<br />
do que ter de repentinamente combater a moléstia,<br />
e então correr o risco de errar? Senhores, eu
203 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
reconheço a minha deficiência de talentos (não<br />
apoiados), não aspiro a ser grande médico, talvez<br />
seja um empírico ...<br />
O Sr. Paula Cândido: <strong>–</strong> Pois é raro, quase todos<br />
querem ser médicos...<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Menos eu. Mas, senhores, como<br />
dizia, sou fraco, e apenas lanço mão desses<br />
instintos de conservação que a natureza nos dá<br />
quando é atacada...<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Atacada!<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> Não é o nobre deputado quem<br />
me atacou; ainda mais essa (Risadas).<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> O requerimento é seu, eu<br />
respondi apenas.<br />
O Sr. Junqueira: <strong>–</strong> O nobre deputado respondeu<br />
para o País, e qualquer que olhar para o discurso<br />
de V.Exª e ler o que eu disse, há de pensar, há de<br />
mesmo acreditar que o nobre deputado é quem tem<br />
razão, e para que eu possa fazer calar no espírito de<br />
meus compatriotas alguma das verdades que disse, é<br />
preciso que fale muito e repise a matéria. Sr.<br />
Presidente, eu concluso, mesmo porque, vendo que o<br />
nobre deputado pediu a palavra, não devo continuar,<br />
porque tenho conseguido o meu fim que é chamar a<br />
discussão a pontos frisantes, e quero que se vá<br />
ao fundo da questão. Desejo ouvir o nobre deputado,<br />
porque quero saber se o Banco do Brasil não<br />
será essa máquina de que falei, que ele não<br />
hostilizará aos bancos da província e não será a<br />
causa de sua morte; é este o meu fim, e se o nobre<br />
deputado puder me tranquilizar tanto quanto a esse<br />
respeito, eu tenho tranquilizado a minha consciência,<br />
promovendo a
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 204<br />
discussão tenho correspondido à confiança de meus<br />
concidadãos quando me deram os votos que me<br />
fizeram ter assento nesta Casa.<br />
O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Se não há mais quem peça<br />
a palavra, vou pôr a votos.<br />
Uma voz: <strong>–</strong> O Sr. <strong>Serra</strong> pediu a palavra.<br />
O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Não lh'a posso conceder, o<br />
regimento não permite, porque já falou uma vez.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Quero responder.<br />
O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Não lhe posso dar a palavra<br />
para responder.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> Explicar<strong>–</strong>me...<br />
O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Nem para explicar.<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> (sentado): <strong>–</strong> Quisera ao menos<br />
protestar contra a errada proposição do nobre<br />
deputado quando disse que o banco impunha ônus<br />
ao País, quando muito, pelo contrário, foi o Estado<br />
quem lh'os impôs exigindo nada menos que um<br />
empréstimo de dez mil contos de réis sem juros...<br />
O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Atenção!!<br />
O Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>: <strong>–</strong> ... praza a Deus, possa o<br />
banco prestar tão grande serviço ao País!...<br />
O Sr. Presidente: <strong>–</strong> Ordem!<br />
Julga<strong>–</strong>se a matéria suficientemente discutida, e posto<br />
a votos o requerimento é rejeitado por 32 votos<br />
contra 31.” (39)<br />
(39) LISBOA SERRA, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil (5/9/1853 a<br />
15/1/1855) <strong>–</strong> Discurso proferido, em 2/9/1854, pelo deputado<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> in Anais da Assembleia Legislativa Imperial <strong>–</strong><br />
Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do Banco do<br />
Brasil.
205 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
A atuação parlamentar do deputado <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong> na Câmara dos Deputados abrange discursos,<br />
votação, emendas, requerimentos, pareceres, emendas,<br />
apartes, sendo que a maioria dos pronunciamentos diz<br />
respeito ao Banco do Brasil.<br />
O último discurso proferido pelo deputado <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong> na Câmara dos Deputados ocorreu no dia de 5<br />
de setembro de 1854, data em que completara 1 ano<br />
de nomeação no cargo de <strong>presidente</strong> do Banco do<br />
Brasil. Nesse mesmo mês e ano, estreava no Teatro<br />
Lírico Fluminense, no Rio de Janeiro, a ópera Il<br />
Trovatore, de Giuseppe Verdi, num cenário noturno de<br />
impressões góticas que nos fazem lembrar a Idade Média,<br />
na Espanha, inspirado nos romances de cavalaria.<br />
Como referência bibliográfica, vale ressaltar<br />
que os discursos proferidos na Assembleia Legislativa<br />
Imperial pelo deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>presidente</strong> do Banco do<br />
Brasil (5/9/1853 a 15/1/1855), foram digitados pela Câmara<br />
dos Deputados em Brasília e remetida, nos idos de 1998,<br />
uma cópia à Academia de Letras dos Funcionários do Banco<br />
do Brasil por gentileza de Antônio Geraldo de Azevedo<br />
Guedes, <strong>presidente</strong> da ABC <strong>–</strong> Associação Brasileira de ex-<br />
Congressistas <strong>–</strong> Anexo I da Câmara dos Deputados.<br />
João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, imortalizado pela Pátria,<br />
é patrono da Cadeira n° 26 da Academia de Letras dos<br />
Funcionários do Banco do Brasil, sendo o primeiro ocupante o<br />
romancista Ribamar Galiza (1915/1987) que teve a honra de<br />
ser o gerente das agências Barreiras <strong>–</strong> BA (1945/1949),<br />
Caxias<strong>–</strong>MA (1949/1958) e São Luís <strong>–</strong> MA (1958/1964), ocupada,<br />
a partir dos idos de 1993, pelo escritor Fernando Pinheiro.
4<br />
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 206<br />
BB: organização e funcionamento<br />
Quando o deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> foi<br />
nomeado <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil, em 5/9/1853,<br />
dois acontecimentos ocuparam a manchete nos principais<br />
jornais da época: a renúncia do Ministério presidido por<br />
Rodrigues Torres, o futuro Visconde de Itaboraí, e o teste<br />
inaugural da primeira estrada de ferro construída no<br />
Império, com trecho entre Mauá e Raiz da <strong>Serra</strong><br />
da Estrela.<br />
Anteriormente, no IHGB <strong>–</strong> Instituto Histórico<br />
Geográfico Brasileiro, em sessão presidida pelo imperador<br />
Dom Pedro II que incumbira ao <strong>poeta</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />
consócio do IHGB, a tarefa de fazer a cobertura da<br />
inauguração da ferrovia.
207 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Dois meses depois, houve a primeira reunião<br />
da Diretoria do Banco do Brasil. Cláudio Pacheco a<br />
comenta:<br />
“Foi a 5 de dezembro de 1853 que se reuniu<br />
pela primeira vez a Diretoria do novo Banco do<br />
Brasil. A sessão foi presidida pelo Conselheiro<br />
João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> e compareceram os<br />
Diretores Diogo Duarte Silva, Joaquim José dos<br />
Santos Júnior, Teófilo Benedito Otoni, João Inácio<br />
Tavares, João Pereira Darrigue Faro, João Francisco<br />
Emery, Baltazar Jácome de Abreu e Souza, José<br />
Justino Pereira de Faria, Dr. Antônio Alves da Silva<br />
Pinto Júnior, José Carlos Mayrink e George Gracie.”<br />
(40)<br />
Nessa reunião foi comunicada a desistência<br />
dos diretores Militão Máximo de Souza e Irineu<br />
Evangelista de Sousa, ambos nomeados no mês anterior.<br />
Irineu Evangelista de Sousa, o barão de Mauá, seguiu para a<br />
iniciativa privada, onde obteve sucesso inigualável a qualquer<br />
outro empresário do Império e Militão Máximo de Souza, o<br />
visconde de Andaraí, tempos depois, no período de<br />
18/10/1869 a 6/10/1870, dirigiu os destinos do Banco do<br />
Brasil, sucedendo a Dias de Carvalho.<br />
Posteriormente, participaram da Diretoria:<br />
Antônio Gomes Netto, Bernardo Ribeiro de Carvalho,<br />
Francisco Xavier Pereira, Jeronymo José de Mesquita,<br />
(40) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong><br />
vol. I, p. 381 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />
jan./1980.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 208<br />
João Henrique Ulrich, José de Araújo Coelho, Visconde<br />
do Rio Bonito, Conselheiro José Pedro Dias de<br />
Carvalho. Comissão Fiscal: João Manuel Pereira da<br />
Silva, Barão de Itamaraty e João Teixeira Bastos. (41)<br />
Ainda na primeira reunião de Diretoria<br />
do Banco do Brasil, foi deliberada a criação da<br />
comissão destinada a redigir um projeto de<br />
regimento interno e, ainda, outra medida de relevante<br />
importância, conforme observamos:<br />
"É de assinalar<strong>–</strong>se a preocupação com que<br />
logo na primeira sessão a Diretoria cogitou de exercer<br />
a sua principal e mais grave função, a de Banco<br />
emissor, pois já no mesmo dia foi aprovado um<br />
ensaio ou chapa preparada pela Casa da Moeda<br />
para os bilhetes do Banco, a serem “assinados de<br />
rubrica pelo Presidente e com nomes inteiros" por<br />
dois Diretores.” (42)<br />
Com a escrita de próprio punho do diretorsecretário,<br />
Teófilo Otoni, foi redigida a ata da<br />
segunda sessão da Diretoria, realizada em 09/12/1853,<br />
que consta, entre outras, a decisão dos diretores<br />
autorizando o <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> a encomendar da<br />
Inglaterra o seguinte material:<br />
(41) Centenário do Banco do Brasil (1854/1954) <strong>–</strong> in Catálogo da<br />
exposição comemorativa realizada na Biblioteca Nacional<br />
(pp. 40) nos dias 5 a 15 de abril de 1954 <strong>–</strong> Editado por<br />
Comp. e Imp. Irmãos Di Giorgio & Cia. <strong>–</strong> Rio de Janeiro.<br />
(42) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I, p. 382<br />
<strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> jan./1980.
209 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
“pelo próximo paquete 400 mil tiras do papel que ora<br />
serve para emissão do Banco do Brasil" (43)<br />
No andamento das reuniões da Diretoria,<br />
presididas pelo <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, foram-se, aos<br />
poucos, estabelecendo medidas adequadas para o<br />
funcionamento do Banco do Brasil, mediante a criação<br />
de equipes de trabalho, onde surgiu a Comissão Especial<br />
de Objetos, semente que deu origem a Unidade de<br />
Tecnologia e Materiais.<br />
Uma das tarefas dessa comissão foi examinar,<br />
na oitava reunião de Diretoria, realizada em 12/1/1854,<br />
a aquisição de imóveis para abrigar as futuras instalações<br />
do Banco do Brasil. O parecer da comissão foi aprovado<br />
e continha os seguintes termos:<br />
“E porque é de esperar que em pouco tempo<br />
as operações do Banco sejam de natureza e<br />
importância tal que tornem insuficiente para seu<br />
expediente a capacidade do edifício em que se vai<br />
estabelecer, são igualmente de parecer que desde<br />
já se trate da aquisição, não só do prédio contíguo<br />
ao novo edifício pelo lado da Rua da<br />
Candelária, mas ainda a dos dois que se lhe seguem<br />
pelo lado da Rua da Alfândega, porque deste modo<br />
ficará o Banco com os necessários recursos, dos<br />
quais se poderá utilizar oportuna e<br />
convenientemente, segundo o exigirem o seu<br />
desenvolvimento e futuras necessidades." (44)<br />
(43) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I, p. 382<br />
<strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> jan./1980.<br />
(44) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> Idem, idem
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 210<br />
Antes da instalação, em 30/04/1926, na Rua<br />
Primeiro de Março, 66, onde funciona atualmente o<br />
Centro Cultural Banco do Brasil e a Agência Primeiro de<br />
Março, o Banco do Brasil teve a sua primeira sede,<br />
na segunda fase de criação, localizada na Rua da<br />
Alfândega, 17, esquina da Rua da Candelária, no Rio<br />
de Janeiro, no período de 10/04/1854 a 30/04/1926.<br />
Durante a administração do <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong>, podemos verificar, conforme mencionado em atas<br />
da Diretoria, mencionadas por Cláudio Pacheco, foram-se<br />
aumentando o número de comissões encarregadas de<br />
dar movimento às atividades do Banco do Brasil:<br />
“Comissão destinada à elaboração do Regimento Interno”,<br />
“Comissão de Emissão”, “Comissão Especial dos Objetos Materiais”,<br />
“Comissão de Seleção de Pessoal”, “Comissão de Descontos”,<br />
“Comissão de Cadastro”, e “Comissão de Caixas<strong>–</strong>Filiais”.<br />
Essas comissões foram a semente que deu<br />
origem às denominações da estrutura organizacional do BB:<br />
UF Infraestrutura, UF Gestão de Pessoas, UF Gestão de<br />
Riscos, UF Tecnologia, UA Auditoria, UA EMC, UA<br />
Jurídico, UEN Comercial, UEN Governo, UEN<br />
Internacional, UEN Reestruturação de Ativos Operacionais,<br />
UEN Rural e Agroindustrial, UEN Varejo e Serviços,<br />
UF Contadoria, UF Controladoria, UF Controles Internos,<br />
UF Finanças e Agências do Banco do Brasil.<br />
O quadro do funcionalismo do Banco do Brasil,<br />
no início de suas atividades, era formado do pessoal<br />
dos extintos Banco Comercial do Rio de Janeiro e do<br />
Banco do Brasil, de iniciativa de Mauá. O destino já<br />
bem de longe assinalava que a existência do Banco do<br />
Brasil privado ou privatizado não fazia sentido. O
211 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
rumo certo a tradição já o delineou, desde o Império:<br />
Banco do Brasil (estatal). Surgiram os primeiros cargos:<br />
secretário, oficial<strong>–</strong>maior, guarda<strong>–</strong>livros, contador<strong>–</strong>tesoureiro,<br />
cobrador e contínuo.<br />
No que se refere às medidas adotadas pelo<br />
Banco do Brasil quanto à fusão de bancos, naquela<br />
época assunto pioneiro no País, hoje muito comum<br />
no mercado globalizado, o historiador Cláudio Pacheco<br />
comenta a matéria:<br />
“Na sessão de 3 de abril é que foi tomada<br />
uma deliberação em bases concretas, porquanto o<br />
Presidente leu um projeto de contrato, conta corrente<br />
e liquidação que o Conselho Diretor do Banco do<br />
Brasil lhe enviara em resultado das negociações que<br />
com ele entabulara. Em face disto, a Diretoria aprovou<br />
um substitutivo, com alterações e supressões,<br />
elaborado por seu próprio Presidente, para servir de<br />
norma na continuação das mesmas negociações. Era<br />
uma verdadeira minuta de contrato,<br />
pela qual, conforme se estipulava no intróito, “as<br />
Diretorias dos dois Bancos existentes nesta Corte e<br />
a do novo Banco do Brasil” acordariam nas<br />
condições “para a execução do artigo 77 dos<br />
Estatutos de 31 de agosto de 1853”. (45)<br />
(45) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />
p. 384 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />
jan./1980)
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 212<br />
Nas últimas sessões da Diretoria foram<br />
adotadas decisões a respeito de limite de crédito (hoje,<br />
alçadas de Direção Geral e de Agências), desconto e cautela<br />
de letras e a realização de empréstimos sobre<br />
penhores com prazo máximo de 4 meses, e ainda<br />
referentes a operações e escriturações. O início de<br />
expediente do Banco do Brasil, marcado para 10h:00<br />
min, naquela época, ainda é, hoje, o mesmo para o<br />
público.<br />
Fazendo uma analogia passado / presente,<br />
notamos que o <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, ao conservar<br />
um espaço destinado ao oratório ou “passo de procissão”<br />
dentro do edifício da Rua da Alfândega, implantou no<br />
Banco do Brasil o sentido social, hoje amplamente divulgado<br />
nas atividades da Fundação Banco do Brasil e do<br />
Centro Cultural Banco do Brasil, e com destaque especial<br />
para a memória institucional promovida pela Academia de<br />
Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> redigiu e apresentou aos<br />
Senhores acionistas o primeiro relatório do Banco do Brasil,<br />
datado de 21/7/1854, publicado pela Typographia J.<br />
Villeneuve & Cia., no mesmo ano. Ao reproduzirmos este<br />
documento, constatamos a justificativa dos atos<br />
administrativos do <strong>presidente</strong><strong>–</strong>fundador:<br />
“Devendo o nosso estabelecimento sua origem<br />
e organização ao Decreto n° 1.223 de 31 de agosto<br />
de 1853, que, desenvolvendo o pensamento da Lei<br />
n° 683 de 5 de julho do mesmo ano, prescreveu as<br />
normas e condições de sua existência; cumpre<strong>–</strong>nos<br />
expor as razões por que somente em 10 de abril do<br />
ano corrente pôde ele dar começo às suas operações.
213 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Os Estatutos que acompanharam esse decreto<br />
tinham a dupla qualidade de lei orgânica da<br />
instituição e contrato bilateral entre o Governo e as<br />
administrações dos antigos estabelecimentos bancais<br />
existentes nesta Corte, devidamente autorizadas por<br />
seus acionistas. Uma das condições deste contrato<br />
tornava dependente de um ato do Governo a<br />
incorporação definitiva do estabelecimento, porque<br />
só depois de verificada a distribuição que ficou a<br />
seu cargo fazer de trinta mil ações nesta Corte,<br />
podiam ser convocados todos os acionistas a fim de<br />
elegeram a Diretoria que devia instalar e dar princípio<br />
às suas operações (art. 71 dos Estatutos).<br />
Dificuldades de que estais hoje completamente<br />
informados retardaram até os últimos dias do mês<br />
de outubro o processo dessa distribuição, de modo<br />
que somente no dia 3 de novembro pôde ter lugar a<br />
primeira reunião da Assembleia Geral.<br />
Terminados os trabalhos dessa longa sessão<br />
que se prolongou até o dia 18 desse mês, foi em<br />
5 de dezembro instalado o novo estabelecimento em<br />
uma das salas do antigo Banco do Brasil, onde<br />
continuou a Diretoria a celebrar suas sessões e a<br />
ocupar<strong>–</strong>se de trabalhos preparatórios até os últimos<br />
dias de março.<br />
De 5 de dezembro de 1853, dia da instalação<br />
do Banco do Brasil, a 10 de abril de 1854, dia da<br />
sua entrada em operações, decorreram quatro meses,<br />
período que só parecerá excessivamente longo aos<br />
que não atentarem e refletirem na multiplicidade<br />
dos preparativos indispensáveis para pôr em<br />
movimento um estabelecimento da ordem e importância<br />
do Banco do Brasil; tanto mais quanto, em virtude<br />
do contrato que precedeu a sua
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 214<br />
organização, não podia ele contrair demasiadamente<br />
sua esfera de ação, e entrar, como fora mais natural,<br />
lenta e progressivamente no uso de suas faculdades,<br />
porque tinha grandes compromissos a satisfazer,<br />
devendo desde logo substituir os dois antigos Bancos<br />
então existentes, que, movendo já grandes<br />
massas de capitais, alimentavam largo círculo de<br />
operações e entretinham vastas relações com a<br />
praça do Rio de Janeiro.<br />
E tendo o direito de emitir notas uma das<br />
mais importantes prerrogativas do novo estabelecimento,<br />
e por amor da qual tinha ele prescindido de muitas<br />
operações, aliás, vantajosas, aceitando restrições<br />
consideráveis ao direito e liberdade de que já de há<br />
muito gozavam no País as instituições de crédito,<br />
não podia a Diretoria resolver<strong>–</strong>se a abrir operações<br />
sem a necessária provisão de papel para fazer face<br />
às exigências da circulação e retirar dela as notas<br />
dos antigos Bancos, que orçavam pela soma de três<br />
mil contos de réis.<br />
Felizmente, ao Governo Imperial não havia<br />
escapado esta dificuldade, nem esquecido os meios<br />
de removê<strong>–</strong>la. Informado das delongas e sacrifícios<br />
que a confecção de seus bilhetes na Europa traria<br />
ao estabelecimento que projetara, e desejando ao<br />
mesmo tempo honrar os artistas nacionais<br />
ministrando<strong>–</strong>lhes ocasião de distinguirem<strong>–</strong>se, havia<br />
com muita antecipação autorizado por conta do<br />
Estado as despesas com a aquisição de máquinas<br />
e utensílios necessários, a fim de tentar na Casa<br />
da Moeda um ensaio de semelhantes trabalhos.
215 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
Na difícil conjuntura em que então se achava,<br />
julgou<strong>–</strong>se feliz a Diretoria quando ao seu exame<br />
foi submetida a primeira nota de cem mil réis<br />
preparada em oficinas nacionais, por artistas<br />
brasileiros. Desde logo reconheceu que esta<br />
dificuldade era, ao menos provisoriamente, vencível no<br />
próprio País; podendo dispor para as primeiras<br />
estampas de algumas tiras de papel especial e<br />
reputado bom pelos entendedores, em que imprimiam<br />
suas letras os antigos Bancos, envidou todos os<br />
esforços para que os respectivos trabalhos<br />
marchassem com a maior atividade, fazendo<br />
imediatamente para Londres nova encomenda de<br />
papel, a fim de que não fossem eles por tal falta<br />
interrompidos.<br />
Folgo de poder declarar<strong>–</strong>vos, em nome da<br />
Diretoria, que neste como em todos os outros casos,<br />
em que teve ela de dirigir<strong>–</strong>se ao Governo Imperial,<br />
o encontrou sempre solicito em coadjuvá<strong>–</strong>la e<br />
protegê<strong>–</strong>la. Por ordem do atual Sr. Ministro da Fazenda<br />
os trabalhos assim da Casa da Moeda, como da<br />
oficina de estamparia, tornaram<strong>–</strong>se contínuos, sendo<br />
apenas interrompidos durante a noite para não<br />
comprometer a sua perfeição.<br />
Esses processos, porém, são, por sua natureza,<br />
lentos. Somente em princípios de abril pôde<br />
reputar<strong>–</strong>se vencida esta principal dificuldade, e<br />
tendo<strong>–</strong>se, entretanto, ocupado desveladamente a<br />
Diretoria de tudo quanto era concernente à<br />
organização internacional, e conseguido remover muitas<br />
outras dificuldades de menor alcance, achou<strong>–</strong>se<br />
desde logo habilitada para dar começo às
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 216<br />
operações do estabelecimento.” (46)<br />
O ingresso ao quadro de funcionalismo do<br />
Banco do Brasil, através de concursos seriamente<br />
realizados em rígidas normas, onde são aprovados os<br />
mais capacitados candidatos, mereceu do ex<strong>–</strong>ministro<br />
da Fazenda, Delfim Netto, o comentário: “O Banco do<br />
Brasil é um celeiro de talentos, onde Governo busca os<br />
melhores assessores.”<br />
Essa tradição é oriunda desde o dia 19 de<br />
abril de 1854, quando houve decisão da Diretoria:<br />
“se abrissem concursos para se escolherem os<br />
mais idôneos e preencherem-se assim as vagas dos<br />
lugares de escriturários”. (47)<br />
Pacheco:<br />
Nesse assunto, continua o relato de Cláudio<br />
“Cabe aqui adiantar que, já no relatório<br />
apresentado aos acionistas com data de 21 de julho<br />
de 1854, o Presidente do Banco dava contas de que<br />
a Diretoria estava convicta de que, no tocante à<br />
fixação e às admissões de pessoal para o serviço<br />
do estabelecimento, procedera com moderação e<br />
parcimônia dignas de nota.<br />
Eis o que, a respeito, diz esse relatório:<br />
(46) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />
p. 388, 389 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de<br />
Janeiro <strong>–</strong> jan./1980)<br />
(47) Idem, idem, obra citada <strong>–</strong> vol. I, p. 390.
217 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
"Entende, porém, de seu dever a Diretoria<br />
dar<strong>–</strong>vos conhecimento do quadro do pessoal e dos<br />
vencimentos por ela arbitrados aos diferentes<br />
empregados. Na organização deste trabalho, bem<br />
como nas nomeações que teve de fazer, procurou<br />
corresponder fielmente ao vosso pensamento<br />
solenemente manifestado na reunião promíscua que<br />
precedeu a fusão dos estabelecimentos extintos,<br />
respeitando a equidade com que quisestes fossem<br />
preferidos para os lugares do novo os empregados<br />
daqueles, não tendo admitido pessoa alguma<br />
estranha senão para os empregos especiais.<br />
Desejando porém evitar despesas não<br />
reclamadas pela necessidade, ao mesmo passo<br />
que formava o quadro tendo em atenção os<br />
variados trabalhos de que no futuro terá de<br />
ocupar<strong>–</strong>se o estabelecimento, procurou limitar as<br />
nomeações ao estritamente necessário na atualidade,<br />
deixando vagos cinco dos lugares criados. E<br />
conquanto a liquidação dos Bancos fundidos,<br />
ocupando exclusivamente alguns dos nossos mais<br />
prestimosos empregados, tenha produzido embaraços<br />
ao pronto expediente, espera a Diretoria que,<br />
terminada ela, poderá por muito tempo dispensar<br />
novas nomeações, aproveitando aliás toda a<br />
possibilidade de redução no futuro”. (48)<br />
(48) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />
p. 390 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />
jan./1980.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 218<br />
Numa análise comparativa das normas do<br />
passado e as do presente, podemos verificar que o<br />
Banco do Brasil vem cumprindo as determinações,<br />
que fundamentam a estrutura pela qual foi criado,<br />
emanadas, nos idos de 1853, pelo <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong> e sua Diretoria, ressaltando que a terceirização<br />
de serviços já era prevista, conforme se observa do<br />
parágrafo anterior.<br />
Um registro histórico de relevante importância:<br />
Da exposição comemorativa do centenário do Banco do<br />
Brasil (1854/1954), realizada de 5 a 15/04/1954, pelo<br />
Museu e Arquivo Histórico do Banco do Brasil, na<br />
Biblioteca Nacional, foi exibido o papel-moeda, emissões<br />
de 1854 e 1855 do Banco do Brasil, com as seguintes<br />
especificações:<br />
“Gravado na Casa da Moeda pelo 2° Abridor F.F.<br />
Paradela<br />
500$000 <strong>–</strong> Emblema da Abundância<br />
50$000 <strong>–</strong> Figura de mulher repousando numa rede.”<br />
Pelo desenho da cédula, em circulação no tempo<br />
de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, podemos verificar que o <strong>presidente</strong><strong>–</strong><br />
fundador do BB não esqueceu as inspirações sublimes<br />
que o fizeram sonhar no luar de Coimbra e colocou<br />
nas mãos do público a representação significativa de<br />
grande valia, elemento vital: a abundância (riqueza) e<br />
a mulher.<br />
Embora amplamente comentada anteriormente,<br />
na fase em que revelamos a atuação parlamentar<br />
de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, a incompatibilidade de cargos consta da<br />
História do Banco do Brasil (vol. I, p. 391), de Cláudio Pacheco:
219 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
“Na sessão de 18 de maio de 1854, a Diretoria<br />
tomou conhecimento de ofício de seu Presidente, o<br />
Conselheiro <strong>Serra</strong>, também deputado, comunicando<br />
que a Comissão de Constituição e Poderes da<br />
Câmara dos Deputados aprovara parecer opinando<br />
pela incompatibilidade das funções de legislador<br />
com as do mesmo cargo de Presidente do Banco e<br />
que, por isto, julgava dever abster<strong>–</strong>se do exercício<br />
da Presidência até a decisão final da referida Casa<br />
Legislativa.<br />
Mas já na sessão da Diretoria realizada no<br />
dia seguinte, 19 de maio, presidida pelo Diretor<br />
Francisco Xavier Pereira, constou novo ofício do<br />
Presidente <strong>Serra</strong> comunicando que a Câmara dos<br />
Deputados, desprezando o parecer de sua Comissão<br />
de Constituição e Poderes, decidira pela inexistência<br />
da incompatibilidade, pelo que resolvia continuar<br />
durante a sessão legislativa no exercício da<br />
Presidência, voltando a presidir as sessões da<br />
Diretoria, mas renunciando, em favor dos cofres do<br />
Banco, aos vencimentos que lhe eram inerentes, enquanto<br />
percebesse subsídios como representante da Nação.<br />
O que ocorreu, na verdade, externamente às<br />
sessões da Diretoria, foi que, por ter o Sr. <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong> assumido a Presidência do novo Banco sem<br />
renunciar previamente ao seu mandato de membro<br />
da Câmara dos Deputados, surgiram dúvidas em<br />
torno da compatibilidade constitucional entre as duas<br />
serventias. Quando se deu a sua posse nessa<br />
Presidência, o Parlamento Imperial estava em recesso<br />
e, assim, logo que ele se abriu, em começo de maio,<br />
o próprio <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> oficializou essa dúvida, com<br />
o dirigir à própria Casa Parlamentar de que fazia
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 220<br />
parte uma consulta que foi objeto de parecer em<br />
Comissão, de debates em plenário e de decisão<br />
final deste mesmo plenário.” (49)<br />
Os primeiros meses de operações realizadas<br />
pelo Banco do Brasil foram notícias nos principais<br />
jornais da época. Ao analisar o interesse do público<br />
por esse movimento, o historiador Cláudio Pacheco<br />
apresenta o comentário da principal manchete do Jornal<br />
do Commercio:<br />
“No fim de maio de 1854, quando o Banco do<br />
Brasil estava operando há menos de dois meses,<br />
surgiram especulações e comentários no sentido de<br />
que o seu sucesso já era extraordinário e de que<br />
as suas expectativas de crescimento e de lucratividade<br />
eram as mais auspiciosas.<br />
Sob o título <strong>–</strong> A Febre na Praça, o Jornal do<br />
Commercio de 29 de maio publicou um comunicado,<br />
em que focalizava aquilo que chamou de “fenômeno<br />
assombroso” que ocorria na praça no que respeita<br />
ao mercados dos fundos, onde algumas ações de<br />
empresas e principalmente as ações do Banco do<br />
Brasil estiveram alcançando muito altas.<br />
A especulação em torno de ações esteve se<br />
transformando em um verdadeiro jogo que exercia<br />
poderosa atração não somente sobre comerciantes,<br />
fabricantes, artistas, como até sobre militares,<br />
(49) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />
p. 391 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S A <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />
jan./1980.
221 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
empregados públicos, altos funcionários do Estado,<br />
sobre pessoas, enfim, até então inteiramente<br />
estranhas à praça, que passaram a correr a ela<br />
pressurosos, misturando<strong>–</strong>se com os agiotas e<br />
tomando parte no mesmo jogo e na embriaguez do<br />
momento, no afã, na febre de adquirir ações,<br />
principalmente do Banco do Brasil.<br />
O comunicado a que estamos nos referindo e que<br />
extratamos acentuou que sobre as ações do Banco do<br />
Brasil é que se estabeleciam as primeiras cotações, as<br />
quais exerciam depois uma influência simpática sobre<br />
as dos outros efeitos da mesma natureza.<br />
Acrescentou que se dizia geralmente que “a<br />
publicação do balancete sobre o estado do mesmo<br />
Banco em 30 de abril passado, demonstrando<br />
lucros superiores a toda expectativa dera causa ao<br />
movimento ascendente que desde então começaram a<br />
experimentar as suas ações no mercado.<br />
Mas o comunicado, reconhecendo que o<br />
balancete dizia sem dúvida a verdade e que<br />
demonstrava um grande lucro, advertiu ser absurdo<br />
querer derivar a lei do juro, a taxa dos interesses,<br />
que aos seus acionistas daria no futuro o Banco do<br />
Brasil, pois no começo das operações de tais<br />
estabelecimentos, enquanto se incorporava o capital,<br />
interferiam circunstâncias excepcionais, que podiam<br />
aumentar extraordinariamente os primeiros dividendos,<br />
sem que depois este alto nível pudesse ser mantido.<br />
E continuava.<br />
“Temos profunda convicção de que o Banco do<br />
Brasil dará um bom lucro aos seus acionistas, que<br />
será um excelente emprego de capitais; não nos
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 222<br />
admiraria, portanto (pois seria coisa muito natural)<br />
que as suas ações tivessem no estigma geral um<br />
valor acima do nominal; o que só pretendemos combate<br />
é a febre, é o jogo insensato com preterição dos mais<br />
sagrados princípios da razão e da moral se está<br />
fazendo na nossa praça e que pode, com a ruína<br />
de muitos cidadãos honestos, em proveito de mui<br />
poucos especuladores, perturbar o justo equilíbrio das<br />
relações comerciais e produzir males incalculáveis ao<br />
País”.<br />
O articulista atribuiu aos promotores da febre<br />
o seguinte raciocínio:<br />
“Se em vinte dias de exercício com a décima<br />
parte apenas do seu capital e sem ter feito<br />
completo uso de sua emissão, pôde o Banco do<br />
Brasil ganhar mais de 88 contos de réis, terá<br />
infalivelmente ganho no fim de junho, época do<br />
primeiro dividendo, mais de 332 contos, dará<br />
portanto o interesse correspondente a perto de<br />
50% ao ano. E se isto é agora assim, o que não<br />
acontecerá quando funcionar com todo o seu capital e<br />
tiver empregado toda a sua emissão?”<br />
Mas querendo incutir termos de moderação e<br />
prudência, o comunicado analisou o primeiro<br />
balancete do Banco do Brasil, para concluir que os<br />
lucros nele apresentados não poderiam manter por<br />
diante a mesma altitude, pelo que não era lícito<br />
derivar deles a lei dos interesses que de futuro<br />
daria o estabelecimento.<br />
Em uma publicação a pedido, na mesma edição,<br />
foi dito que o banco nacional era incontestavelmente o<br />
maior estabelecimento de crédito que se tinha<br />
fundado no Brasil até então,
223 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
e que a sua estabilidade estava consolidada pela<br />
sua lei fundamental e orgânica e pelos interesses<br />
de uma grande parte da população laboriosa e<br />
econômica que nele tinha depositado seus capitais.<br />
Foi lembrado ainda que o caso do estabelecimento<br />
não era o de uma empresa nova, pois já surgira<br />
reunindo, além do seu prestígio, o crédito ganho por<br />
espaço de 15 anos pelo Banco Comercial e o muito<br />
crédito que em pouco tempo soube ganhar o velho<br />
Banco do Brasil. Assim, reunia toda essa imensa<br />
freguesia e os lucros dos dois Bancos.<br />
Dessa forma, as ações do noviço Banco do<br />
Brasil prematuramente iniciavam o habitual ritmo<br />
de oscilação de cotações em bolsa dos títulos<br />
desta espécie. Embora desusadamente tivessem sido<br />
lançadas numa área de acirrada disputa e em alta<br />
de mundo atrativo, passariam mais tarde pelo jogo<br />
pendular de quedas e novas ascensões, de decepções<br />
e novas efusões, como ainda hoje lhes acontece.”<br />
(50)<br />
A coluna Memória <strong>–</strong> Há 150 anos, do Jornal do<br />
Commercio (edição de 23/10/2003) menciona matéria sobre<br />
a distribuição das trinta mil ações do BB:<br />
“O Imperador D. Pedro II e sua irmã, D. Maria II,<br />
rainha de Portugal, eram os grandes e maiores<br />
acionistas com 100 ações cada. Todos os demais<br />
variavam decrescentemente entre 80 ou apenas 2<br />
ações, numa listagem publicada em ordem alfabética<br />
e sob o nome próprio de cada acionista.”<br />
(50) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />
pp. 396, 397 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />
<strong>–</strong> jan./1980.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 224<br />
Como vimos anteriormente, a febre da praça<br />
teve um comentário elucidativo de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>,<br />
na Câmara dos Deputados. Acrescentando mais uma<br />
palavra a respeito, encerramos este assunto com a<br />
citação do historiador Cláudio Pacheco:<br />
“Finalmente é possível concluir que tudo foi um<br />
extraordinário sucesso na fundação do novo Banco,<br />
não só pelo grande favor público que mereceu,<br />
pelo enorme interesse na aquisição de suas ações,<br />
pela imediata valorização dessas ações, como<br />
porque a subscrição delas deu margem a que se<br />
arrecadasse uma vultosa quantia para se aplicar<br />
em melhoramentos urgentes nas calçadas da cidade<br />
do Rio de Janeiro”. (51)<br />
Na administração de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, à frente<br />
do Banco do Brasil, não houve instalação de agências,<br />
embora houvesse reuniões de Diretoria estabelecendo a<br />
criação de Caixa<strong>–</strong>Filial na cidade de Ouro Preto, Minas<br />
Gerais, normas para conversão da Caixa-Filial de São<br />
Paulo e a do Rio Grande de São Pedro do Sul, e a<br />
resolução de criar mais de uma Caixa-Filial em cada<br />
Província.<br />
Além dessas dificuldades em iniciar a<br />
implantação de rede de agências, hoje uma das<br />
estruturas que solidificam a vanguarda do Banco do Brasil<br />
no meio empresarial do País, o historiador Cláudio<br />
Pacheco comenta:<br />
(51) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />
pp. 377 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />
jan./1980.
225 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
“... Mas, nessas providências, houve a habitual<br />
demora imposta não só pelas distâncias e pelas<br />
dificuldades de comunicação, como pela carência de<br />
meios, no interior, para se fazer a impressão, ou<br />
mesmo a importação das notas a serem postas em<br />
circulação. Aliás, pela dificuldade de obtê<strong>–</strong>las no<br />
País, sem maior delonga, optou<strong>–</strong>se inicialmente por<br />
mandar prepará<strong>–</strong>las em Londres.” (52)<br />
A primeira expansão imobiliária do Banco do<br />
Brasil ocorreu com a deliberação da Diretoria, em 02<br />
de janeiro de 1855, de comprar três prédios contíguos<br />
ao que estava ocupando na Rua da Alfândega,<br />
esquina com a Rua da Candelária, que estavam sendo<br />
negociados com a Irmandade do Santíssimo da Freguesia<br />
de N. Srª da Candelária. A respeito da transação<br />
comercial, Cláudio Pacheco expõe:<br />
“Esta operação foi realmente efetivada, assim<br />
como também justificada no relatório aos acionistas,<br />
datado de 26 de julho de 1855, com os argumentos de<br />
que o edifício em que o Banco se achava estabelecido<br />
não tinha a capacidade necessária para<br />
satisfazer todas as necessidades do serviço em<br />
suas diversas repartições, de que se antevia o<br />
futuro desenvolvimento, bem como a instalação de<br />
uma oficina para estampar as notas do Banco, de<br />
modo a se concentrar tudo o que fosse concernente<br />
à emissão. Procurou<strong>–</strong>se justificar a prematuridade<br />
(52) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I, p. 404<br />
<strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> jan./1980)
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 226<br />
da aquisição com o receio de futuro aumento de<br />
preço, dada a localidade em que se achavam tais<br />
prédios, e com a vantagem de fruição de renda<br />
resultante do seu aluguel, enquanto não fosse<br />
necessário ocupá-los.” (53)<br />
Colaborador de jornais em Coimbra e no<br />
Rio de Janeiro, <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> é o autor do Estatuto do<br />
Banco do Brasil, elaborado nos idos de 1853, hoje<br />
mantidas as cláusulas pétreas. A primeira reforma<br />
ocorreu logo no ano seguinte com o objetivo de<br />
facilitar o desempenho das atividades, e, conforme<br />
consta do relatório de 21 de julho de 1854,<br />
encaminhado à Assembleia Geral de Acionistas,<br />
“a fim de alargar convenientemente a esfera de ação<br />
do Banco, tão limitada hoje a alguns respeitos, que<br />
ainda em princípio de sua existência e com metade<br />
apenas do seu capital realizado, vê já paralisada<br />
uma parte de seus recursos ativos”. (54)<br />
Depois de aprovada pelos acionistas, houve<br />
necessidade de submetê-la à aprovação do Governo.<br />
Conforme observamos do relatório de 1855 do Marquês<br />
de Paraná, ministro da Fazenda, houve restrições sobre<br />
algumas cláusulas apresentadas, e ainda emite uma<br />
apreciável elucidação:<br />
(53) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />
p. 403 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />
<strong>–</strong> jan./1980.<br />
(54) Idem, obra citada, pp. 398, 399.
227 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
“... o poder de multiplicar os recursos do crédito por<br />
meio de emissão de um papel, que preenche as<br />
funções da moeda, nunca poderá ser exercido sem<br />
inconvenientes, se os títulos admitidos a desconto<br />
não contiverem prazos curtos de vencimento, que<br />
permitam aos Bancos, nos dias de crise ou de<br />
desconfiança, recolherem com a necessária celeridade o<br />
seu fundo e fazerem face aos seus empenhos”.<br />
(55)<br />
Para encerrar este relato sobre a trajetória de<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Presidência do Banco do Brasil,<br />
buscamos, mais uma vez, no legado de Cláudio Pacheco<br />
o registro histórico:<br />
“Logo no primeiro ano de funcionamento o<br />
Banco do Brasil sofreu descontinuidades no exercício<br />
da sua presidência, pois em janeiro de 1855,<br />
precisamente ao começar a sessão do dia 15, seu<br />
primeiro Presidente, o Conselheiro João Duarte<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, afastou<strong>–</strong>se, por ter adoecido, não mais<br />
voltando ao cargo, vindo a falecer em 16 de abril<br />
seguinte. Na sua sessão extraordinária do dia<br />
posterior, a Diretoria tomou conhecimento de que ele<br />
falecera na véspera, e aprovou por unanimidade as<br />
homenagens consistentes em tomar luto por oito dias,<br />
em acompanhar o enterro e mandar dizer Missa em<br />
dia oportuno.<br />
(55) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />
pp. 399, 400 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />
<strong>–</strong> jan./1980.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 228<br />
Ascendeu então à Presidência, transitoriamente,<br />
o Diretor Francisco Xavier Pereira, por ser o mais<br />
votado, permanecendo em exercício desde o dia 15<br />
de janeiro até 3 de abril, quando, nomeado pelo<br />
Imperador para Vice-Presidente, por decreto do dia<br />
anterior, assumiu o Visconde do Rio Bonito, até<br />
que, nomeado para Presidente efetivo, conforme<br />
Decreto de 28 de abril, lido na sessão de 10 de<br />
setembro de 1855, tomou posse Rodrigues Torres,<br />
já então Visconde de Itaboraí, que presidiu a sessão<br />
do dia 17 do mesmo mês. (56)<br />
Na trajetória do Banco do Brasil, desde 1854<br />
até os nossos dias, ressaltamos que três <strong>presidente</strong>s<br />
faleceram em pleno mandato: <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, Manoel<br />
Pinto de Souza Dantas (nome de logradouro onde<br />
está situada a sede da Academia de Letras dos<br />
Funcionários do Banco do Brasil: Rua Senador Dantas,<br />
105) e o Barão de Cotegipe (João Maurício Wanderley).<br />
Corre o tempo; surge o século XX. O<br />
reconhecimento da excelente administração do <strong>presidente</strong><br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> reaparece, com singular admiração: o<br />
estadista João Alfredo Correia, aos 75 anos de idade,<br />
depois de ocupar os mais elevados cargos do Império,<br />
preside o Banco do Brasil e apresenta, nos idos de<br />
1912, o relatório à Assembleia dos Acionistas:<br />
(56) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />
p. 406 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A.<strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />
<strong>–</strong> jan./1980.
229 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
“... declarou ele que logo, sob a sua Presidência, a<br />
Diretoria tivera de corrigir anormalidades, a primeira<br />
das quais consistira na quebra de uma tradição,<br />
que viera de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> e Itaboraí, os dois<br />
primeiros <strong>presidente</strong>s do Banco em meados do<br />
século passado, sob cujas gestões o Banco<br />
esmerava<strong>–</strong>se em sua função essencial de fazer<br />
circular rapidamente o dinheiro por todo o comércio,<br />
alto, médio e pequeno, em descontos proporcionais<br />
à capacidade produtiva e solvente de cada um e<br />
em escala que descia por avultado número às letras<br />
menores de quinhentos mil réis.” (57)<br />
O pensamento político do deputado <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
foi definido, na sessão de 13 de junho de 1853 da<br />
Câmara dos Deputados, destinada a discutir o projeto<br />
sobre empréstimos aos bancos. A referência é<br />
de autoria de Cláudio Pacheco:<br />
“Ele próprio definiu a sua personalidade<br />
política, quando, no início desse discurso, confessou<br />
que não podia pertencer exclusivamente a nenhum<br />
partido, porque estes não admitem a mínima restrição e<br />
ele, orador, não podia prescindir das suas. Então<br />
explicou, com força de eloquência e de expressão:<br />
“Se me fosse lícito nestas circunstâncias<br />
hastear uma nova bandeira; se a minha voz<br />
soasse bastante forte para ser ouvida em todo o<br />
País, ou fosse tão simpática que pudesse atrair os<br />
ânimos dos homens eminentes na política, eu seria,<br />
Senhores, o mais sincero propugnador da ideia da<br />
(57) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. IV, p. 17<br />
<strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> jan./1980.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 230<br />
conciliação dos partidos, não entendendo por<br />
esta expressão a junção anômala e informe de<br />
massas discordes e heterogêneas que se repelem;<br />
mas a fusão racional de princípios quase idênticos<br />
que já podem constituir bandeiras diferentes; mas<br />
o esquecimento de antigos ódios, mas o abraço<br />
fraternal das sumidades do País, só e unicamente no<br />
interesse do País e da causa constitucional”.<br />
Lembrou depois que em sessão anterior fizera<br />
a mais completa manifestação do seu pensamento<br />
político e assim o reiterou:<br />
“Amo, Senhores, a coerência das ideias quando<br />
elas não se opõem à marcha progressiva do<br />
espírito humano, e o que eu então disse é o que<br />
ainda hoje sinto; as minhas exigências de então,<br />
em parte somente satisfeitas, são ainda as minhas<br />
exigências de hoje; hoje, como então, eu não<br />
reportarei o meu procedimento às pessoas que<br />
compõem a administração, mas somente a sua<br />
marcha administrativa, aos princípios governamentais<br />
e às garantias de felicidade que ofereçam para o<br />
País. Completa repressão do tráfico de africanos,<br />
eficaz promoção dos melhoramentos materiais do<br />
País e inteira liberdade nas eleições que têm de<br />
constituir o Corpo Legislativo, eram em suma as<br />
minhas principais condições para dar meu apoio a<br />
qualquer gabinete”. (...)<br />
Logo procurou demonstrar que, quanto à primeira<br />
exigência, a ação do Governo era satisfatória:<br />
“Esse tráfego hediondo, esse labéu da nossa<br />
civilização, esse obstáculo, esse estorvo invencível ao<br />
nosso progresso material e moral, deve considerar<strong>–</strong>se
231 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
extinto; os dados estatísticos o demonstram, e esses<br />
mesmos desembarques que tiveram ultimamente<br />
lugar ainda mais me confirmam nessa opinião<br />
porque dão eles um evidente testemunho do<br />
pensamento de que se acha animado o Governo.<br />
Quanto aos dois outros pontos de suas<br />
exigências <strong>–</strong> a promoção dos melhoramentos materiais<br />
e liberdade das eleições <strong>–</strong> , confessou<strong>–</strong>se muito<br />
exigente e reconheceu as dificuldades do Governo,<br />
assim como também reconheceu o seu empenho, a sua<br />
atenção quanto ao primeiro ponto e as suas<br />
providências para repressão de abusos e escândalos<br />
quanto ao segundo.” (58)<br />
A respeito de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, vale salientar<br />
a opinião dos deputados daquela época:<br />
Augusto de Oliveira: - “... sendo eu o primeiro a fazer<br />
justiça à probidade do caráter do seu ilustre autor,<br />
assim como a reconhecer que o ilustre deputado pela<br />
Província do Maranhão, tanto pelos seus precedentes,<br />
como pelo seu procedimento, nesta Casa, é credor<br />
da estima de seus colegas.” (sessão em 25/07/1853)<br />
Pacheco: “... eu não tenho mais do que socorrer<strong>–</strong>me a<br />
uma proposição de um nobre deputado pelo Maranhão,<br />
o Sr. <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, que é um dos ornamentos desta<br />
Casa.” (sessão em 05/08/1853)<br />
(58) CLÁUDIO PACHECO <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I,<br />
pp. 352, 353 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas S.A.<strong>–</strong> Rio de Janeiro<br />
<strong>–</strong> jan./1980.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 232<br />
Jansen do Paço: - “O nobre deputado argumenta sempre com<br />
moderação e delicadeza” (sessão em 13/9/1853)<br />
Ferraz: - “Primus inter pares” (sessão em 27/06/1854).<br />
Ressaltamos que, na Câmara dos Deputados,<br />
contemporâneos de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, estavam figuras<br />
exponenciais do Império: Torres Homem, José Maria<br />
da Silva Paranhos, Figueira de Melo, Muniz Barreto,<br />
Cândido Mendes de Almeida, Pereira da Silva, Conde<br />
de Baependi, entre outros.<br />
Dos parlamentares citados acima, destacamos<br />
que Torres-Homem (Visconde de Inhomerim), conduziu os<br />
destinos do Banco do Brasil (16/8/1866 a 31/8/1869) e<br />
Pereira da Silva integrou o Conselho Fiscal, nos idos<br />
de 1854. Há que se destacar também nomes de notoriedade<br />
nacional que fizeram parte da equipe do <strong>presidente</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong>: Teófilo Otoni, Barão de Itamarati, Visconde do Rio<br />
Bonito (João Pereira Darrigue de Faro), <strong>presidente</strong> do BB<br />
(16/4/1855 a 10/9/1855), José Pedro Dias de Carvalho,<br />
<strong>presidente</strong> do BB (8/7/1857 a 15/2//1858).<br />
A respeito de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, o <strong>poeta</strong> Tobias<br />
Pinheiro escreveu, em carta de 08/12/2003, endereçada ao<br />
escritor Fernando Pinheiro: “Graças à inspiração poética<br />
e aos lances oratórios, foi logo considerado um dos<br />
mais vibrantes oradores da Câmara”. (...) sua inspiração<br />
tem o fulgor das alvoradas”.<br />
Em <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> aprendemos uma lição de<br />
vida. Na poesia, saudade, elegia, pôr-do-sol sobre o<br />
Mondego que banha a cidade de Coimbra e, ainda,<br />
ternura no sofrimento, aliviando dores e carregando-as<br />
para Aquele Sublime Amor, até mesmo em seus
233 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
últimos momentos da trajetória terrena, na Presidência<br />
do Banco do Brasil (“... o meu destino ouvirei de Tua voz.”)<br />
Na tribuna defendeu o fim do tráfico negreiro<br />
(“...essa nuvem negra e medonha que vem das terras<br />
africanas”), a criação do Banco do Brasil (“a instituição<br />
com que queremos dotar o País, há de ser fonte de<br />
muitos benefícios”) e na própria empresa que instalou,<br />
nos idos de 1853, a missão sublime de ser o<br />
primeiro <strong>presidente</strong> na longa estrada do destino sem<br />
interrupção, direcionando-a aos altos rumos onde hoje<br />
ambos estão: o BB no prestígio do topo do ranking<br />
empresarial e ele nas regiões resplandecentes onde colocou<br />
o pensamento, até mesmo antes de partir.<br />
Na Coroa a voz atuante de estadista, o<br />
conselheiro que ajudou apaziguar os últimos conflitos<br />
e revoluções que vinham devastando as províncias do<br />
Império, transferindo as honras ao pacificador, Duque<br />
de Caxias.<br />
Em todos os seus compatriotas do passado o<br />
reconhecimento de um fidalgo, humilde e nobre, um<br />
homem de elevada dignidade, nunca pronunciou<br />
palavras de desamor e, na tribuna, no calor dos<br />
debates, sempre foi sábio e generoso, não revidou<br />
palavras revestidas de desencantos e sempre buscou<br />
encaminhá-las para a luz original, onde Gustav Mahler<br />
a transformou em sinfonia.<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, o <strong>presidente</strong> n° 1 do BB<br />
(em ordem cronológica e em méritos pessoais e<br />
administrativos). Quis o destino que o ápice fosse o<br />
início e desenvolveu-se numa trajetória que chega<br />
aos nossos dias, graças a Deus.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 234<br />
Dentre os filhos de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> com Ignez<br />
Amália de Sampaio <strong>Serra</strong>, ressaltamos Cláudio <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong>, educado desde a infância na Europa, formado em<br />
Medicina e Cirurgia pela Universidade de Edimburgo.<br />
Nos idos de 1869 apresentou tese com o título Do Tétano<br />
e sua therapêutica (Acervo: Biblioteca Nacional) na<br />
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a fim de exercer a<br />
profissão de médico no Império do Brasil.<br />
Diante da evidência dos fatos, podemos acrescentar<br />
que <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> tinha méritos que atingiam os planos<br />
superiores da vida, em virtude da resposta alçada da oração<br />
feita antes de morrer. Não conhecemos outro poder maior.<br />
Se o ritmo de nossas palavras tivesse sido<br />
registrado em notas musicais, os versos de <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
seriam anotados em partitura, sobressaindo um sinal da<br />
harmonia feita em coda, repetição do primeiro movimento<br />
que dá qualidade à obra musical:<br />
“Não te peço, meu Deus, mesquinhos gozos<br />
D’ este mundo ilusório mas suplico<br />
Tempo de vida <strong>–</strong> quanto baste apenas <strong>–</strong><br />
Para educar meus filhos.” (59)<br />
(59) LISBOA SERRA <strong>–</strong> Apud Pantheon Maranhense, de Antônio<br />
Henriques Leal <strong>–</strong> pp. 171 a 198 <strong>–</strong> Biografia e retrato <strong>–</strong> Acervo:<br />
Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.
235 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
“O que faz de alguém <strong>poeta</strong> é a<br />
capacidade de fazer da sua vida poesia, e<br />
da poesia sua vida”.<br />
BRUNA BARBIERI (in<br />
Nefelibatamente ...)<br />
São Luís, Maranhão, 2004<br />
HOMENAGEM DE GONÇALVES DIAS<br />
“Ao Dr. João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong><br />
Mais um pungir de acérrima saudade,<br />
Mais um canto de lágrimas ardentes,<br />
Oh! minha Harpa, <strong>–</strong> oh! minha Harpa desditosa.<br />
Escuta, ó meu amigo: da minha alma<br />
Foi uma lira outrora o instrumento;<br />
Cantava nela amor, prazer, venturas,<br />
Até que um dia a morte inexorável<br />
Triste pranto de irmão veio arrancar-te!<br />
As lágrimas dos olhos me caíram,
“E a minha lira emudeceu de mágoa!<br />
Então aventei eu que a vida inteira<br />
Do bardo, era um perene sacerdócio<br />
De lágrimas e dor; <strong>–</strong> tomei uma Harpa:<br />
Na corda da aflição gemeu minha alma,<br />
Foi meu primeiro canto um epicédio!<br />
Minha alma batizou-se em pranto amargo,<br />
Na frágua do sofrer purificou-se!<br />
Lancei depois meus olhos sobre o mundo,<br />
Cantor do sofrimento e da amargura;<br />
E vi que a dor aos homens circundava,<br />
Como em roda da terra o mar se estreita;<br />
Que apenas desfrutamos, <strong>–</strong> miserandos!<br />
Desbotado prazer entre mil dores,<br />
<strong>–</strong> Uma rosa entre espinhos aguçados,<br />
Um ramo entre mil vagas combatido.<br />
Voltou-se então p’ra Deus o meu esp’rito,<br />
E a minha voz queixosa perguntou-lhe:<br />
<strong>–</strong> Senhor, porque do nada me tiraste,<br />
Ou por que a tua voz onipotente<br />
Não fez secar da minha vida a sebe,<br />
Quando eu era principio e feto - apenas?<br />
Outra voz respondeu-me dentro d’alma:<br />
<strong>–</strong> Ardam teus dias como o feno, <strong>–</strong> ou durem<br />
Como o fogo de tocha resinosa,<br />
<strong>–</strong> Como rosa em jardim sejam brilhantes,<br />
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 236
237 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
”Ou baços como o cardo montesinho.<br />
Não deixes de cantar, ó triste bardo.”<br />
“E as cordas da minha harpa <strong>–</strong> da primeira<br />
À extrema <strong>–</strong> da maior à mais pequena,<br />
Nas asas do tufão <strong>–</strong> entre perfumes,<br />
Um cântico de amores exaltaram<br />
Ao trono do Senhor; <strong>–</strong> e eu disse às turbas:<br />
- Ele nos faz gemer porque nos ama;<br />
Vem o perdão nas lágrimas contritas,<br />
Nas asas do sofrer desce a demência;<br />
Sobre quem chora mais ele mais vela!<br />
Seu amor divinal é como a lâmpada,<br />
Na abóbada dum templo pendurada,<br />
Mais luz filtrando em mais opacas trevas.<br />
Eu o conheço: <strong>–</strong> o cântico do bardo<br />
É bálsamo ao que morre, <strong>–</strong> é lenitivo,<br />
Mas doloroso, mas funéreo e triste<br />
A quem lhe carpe infausto a morte crua.<br />
Mas quando a alma do justo, espedaçando<br />
O invólucro de lodo, aos céus remonta,<br />
Como estrada de luz correndo os astros,<br />
Seguindo o som dos cânticos dos anjos<br />
Que na presença do Senhor se elevam;<br />
Choro... tão bem Jesus chorou a Lázaro!<br />
Mas na excelsa visão que se me antolha<br />
Bebo consolações, <strong>–</strong> minha alma anseia
A hora em que também há de asilar-se<br />
“No seio imenso do perdão do Eterno.<br />
Chora, amigo: porém quando sentires<br />
O pranto nos teus olhos condensar-se,”<br />
“Que já não pode mais banhar-te as faces,<br />
Ergue os olhos ao céu, onde a luz mora,<br />
Onde o orvalho se cria, onde parece<br />
Que a tímida esperança nasce e habita.<br />
E se eu <strong>–</strong> feliz! <strong>–</strong> puder inda algum dia<br />
Ferir por teu respeito na minha harpa<br />
A leda corda onde o prazer palpita,<br />
A corda do prazer que ainda inteira,<br />
Que virgem de emoção inda conservo,<br />
Suspenderei minha harpa dalgum tronco<br />
Em of’renda à fortuna; <strong>–</strong> ali sozinha,<br />
Tangida pelo sopro só do vento,<br />
Há de mistérios conversar co’a noite.<br />
De acorde estreme perfumando as brisas:<br />
Qual Harpa de Sião presa aos salgueiros<br />
Que não há de cantar a desventura,<br />
Tendo cantos gentis vibrado nela.” (59)<br />
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 238<br />
(59) GONÇALVES DIAS <strong>–</strong> Homenagem ao Dr. João Duarte <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> <strong>–</strong><br />
Coimbra, junho de 1841 <strong>–</strong> Primeiros Cantos <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />
1846.
239 <strong>–</strong> <strong>BANCO</strong> <strong>DO</strong> <strong>BRASIL</strong> <strong>–</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong>, <strong>poeta</strong>, <strong>tribuno</strong> e <strong>presidente</strong><br />
BIBLIOGRAFIA<br />
Autorizada pelos autores ao escritor Fernando Pinheiro,<br />
excetuando-se a de domínio público.<br />
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15 de agosto de 1844, vol. II, p. 624 e 625 <strong>–</strong> Acervo: Instituto<br />
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GONÇALVES DIAS, Antônio <strong>–</strong> in Homenagem a <strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> <strong>–</strong><br />
Epicédio escrito na Universidade de Coimbra <strong>–</strong> 1841 <strong>–</strong> Primeiros<br />
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HENRIQUES LEAL, Antônio, <strong>–</strong> in Pantheon Maranhense <strong>–</strong> Biografia<br />
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Banco do Brasil.<br />
LISBOA SERRA, João Duarte, <strong>presidente</strong> do Banco do Brasil<br />
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<strong>Lisboa</strong> <strong>Serra</strong> na Assembleia Legislativa Imperial: 12/4/1853,<br />
21/6/1853, 18/8/1853, 14/9/1853, 10/6/1854, 17/6/1854, 27/6/1854,<br />
26/8/1854, 2/9/1854. <strong>–</strong> Acervo: Academia de Letras dos<br />
Funcionários do Banco do Brasil.<br />
.<br />
.<br />
Apud Pantheon Maranhense, de Antônio Henriques Leal <strong>–</strong><br />
pp. 171 a 198 <strong>–</strong> Acervo: Instituto Histórico Geográfico<br />
Brasileiro.<br />
in Cemitério dos Cristãos <strong>–</strong> Tributo de Saudade <strong>–</strong> Plaquete<br />
publicada pela Typographia Monarchica <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong><br />
1842 <strong>–</strong> Acervo: Biblioteca Nacional.<br />
MACE<strong>DO</strong>, Joaquim Manoel de, <strong>–</strong> in Ano Biográfico Brasileiro <strong>–</strong><br />
Acervo: Instituto Histórico Geográfico Brasileiro <strong>–</strong> Rio de<br />
Janeiro.
FERNAN<strong>DO</strong> PINHEIRO <strong>–</strong> 240<br />
MONTEIRO, Fernando, <strong>–</strong> in A Velha Rua Direita, p. 70 <strong>–</strong> Gráficos<br />
Bloch S.A. <strong>–</strong> 1965 <strong>–</strong> Rio de Janeiro. <strong>–</strong> Autorização concedida,<br />
em 5/12/2003, por Alina Rodrigues Primavera Monteiro, viúva<br />
de Fernando Monteiro. <strong>–</strong> Acervo: Academia de Letras dos<br />
Funcionários do Banco do Brasil.<br />
OLIVEIRA, Luiz Jorge de Oliveira, diretor de Finanças do Brasil<br />
(30/3/1993 a 15/2/1995) <strong>–</strong> in A missão social do Banco do Brasil<br />
<strong>–</strong> Palestra proferida, em 20/11/1995, ao ensejo da abertura<br />
do 1° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social.<br />
<strong>–</strong> Autorização concedida, em 6/12/2006, por Luiz Jorge de<br />
Oliveira.<br />
PACHECO, Cláudio <strong>–</strong> in História do Banco do Brasil <strong>–</strong> vol. I, pp. 296, 352,<br />
353 377, 381, 382, 384, 388, 389, 390, 391, 396, 397, 398, 399,<br />
400, 403, 404, 406 <strong>–</strong> vol. IV, p. 17 <strong>–</strong> AGGS <strong>–</strong> Indústrias Gráficas<br />
S.A. <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> 1979 <strong>–</strong> Autorização concedida, em<br />
3/11/2003, por Inês de Sampaio Pacheco, filha de Cláudio<br />
Pacheco. <strong>–</strong> Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do<br />
Banco do Brasil.<br />
PINHEIRO, Tobias <strong>–</strong> in Menino do Bandolim, 140, de Tobias Pinheiro<br />
<strong>–</strong> 2ª edição <strong>–</strong> Grafos <strong>–</strong> Rio de Janeiro<strong>–</strong>RJ <strong>–</strong> 1997. <strong>–</strong> Autorização<br />
concedida, em 8/12/2003, por Tobias Pinheiro. <strong>–</strong> Acervo:<br />
Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.<br />
SACRAMENTO BLAKE, Augusto Victorino Alves, <strong>–</strong> in Dicionário<br />
Bibliográfico Brasileiro <strong>–</strong> vol. 3 <strong>–</strong> Acervo: Instituto Histórico<br />
Geográfico Brasileiro <strong>–</strong> Rio de Janeiro.<br />
VALLE DE CARVALHO, R. A. <strong>–</strong> Crônica biográfica intitulada Uma<br />
lágrima à memória do Exmo. Sr. Conselheiro João Duarte <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Serra</strong>, publicada originalmente pelo Observador de <strong>Lisboa</strong>,<br />
n° 42, de 14 de maio de 1855, e transcrita, na seção Necrologia<br />
do Pantheon Maranhense, de Antônio Henriques Leal. <strong>–</strong><br />
Acervo: Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.<br />
WILDBERG, Arnold <strong>–</strong> Os Presidentes da Província da Bahia (1824/<br />
1889), p. 311 <strong>–</strong> Galeria Nacional <strong>–</strong> Vultos Proeminentes da História<br />
Brasileira <strong>–</strong> 1° fascículo, p. 950 <strong>–</strong> Tipografia Beneditina Ltda. <strong>–</strong><br />
Acervo: Biblioteca Nacional <strong>–</strong> Rio de Janeiro <strong>–</strong> RJ.<br />
Embora não faça parte da Bibliografia desta obra,<br />
o nome de LISBOA SERRA integra o Virtual American<br />
Biographies <strong>–</strong> Edited by Appletons Encyclopedia, conforme<br />
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