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Monografia de Marcelo Leite

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO<br />

PRÓ-REITORIA ACADÊMICA<br />

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA<br />

LINHA DE PESQUISA: FAMÍLIA E INTERAÇÃO SOCIAL.<br />

ESCOLA E REPRESENTAÇÃO: COMO PROFESSORES DO ENSINO<br />

FUNDAMENTAL REPRESENTAM AS FAMÍLIAS RESULTANTES DE UNIÕES<br />

HOMOAFETIVAS<br />

MARCELO FERREIRA LEITE<br />

RECIFE/PE<br />

2010


MARCELO FERREIRA LEITE<br />

ESCOLA E REPRESENTAÇÃO: COMO PROFESSORES DO ENSINO<br />

FUNDAMENTAL REPRESENTAM AS FAMÍLIAS RESULTANTES DE UNIÕES<br />

HOMOAFETIVAS<br />

<strong>Marcelo</strong> Ferreira <strong>Leite</strong><br />

Dissertação para <strong>de</strong>fesa pública, como<br />

requisito para obtenção para o título <strong>de</strong><br />

mestre, no Mestrado <strong>de</strong> Psicologia Clínica,<br />

da Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Pernambuco.<br />

Orientadora: Profa. Dra. Maria Cristina<br />

Lopes <strong>de</strong> Almeida Amazonas<br />

Co-orientadora: Profa. Dra. Luciana Leila<br />

Fontes Vieira<br />

RECIFE-PE<br />

2010<br />

II


<strong>Marcelo</strong> Ferreira <strong>Leite</strong><br />

ESCOLA E REPRESENTAÇÃO: COMO PROFESSORES DO ENSINO<br />

FUNDAMENTAL REPRESENTAM AS FAMÍLIAS RESULTANTES DE UNIÕES<br />

HOMOAFETIVAS<br />

Aprovada em: ______ <strong>de</strong> _______________ <strong>de</strong> 2010<br />

Comissão examinadora<br />

______________________________________<br />

Profa. Dra. Maria Cristina Lopes <strong>de</strong> Almeida Amazonas<br />

(Orientadora – UNICAP)<br />

__________________________________<br />

Profa. Dra. Cristina Maria <strong>de</strong> Souza Brito Dias<br />

(UNICAP)<br />

_________________________________<br />

Profa. Dra. Maria das Mercês Cavalcanti Cabral<br />

(UFRPE)<br />

III


LAMENTO SERTANEJO<br />

Dominguinhos / Gilberto Gil<br />

Por ser <strong>de</strong> lá<br />

Do sertão, lá do cerrado<br />

Lá do interior do mato<br />

Da caatinga e do roçado<br />

Eu quase não saio<br />

Eu quase não tenho amigo<br />

Eu quase que não consigo<br />

Ficar na cida<strong>de</strong> sem viver contrariado<br />

Por ser <strong>de</strong> lá<br />

Na certa, por isso mesmo<br />

Não gosto <strong>de</strong> cama mole<br />

Não sei comer sem torresmo<br />

Eu quase não falo<br />

Eu quase não sei <strong>de</strong> nada<br />

Sou como rês <strong>de</strong>sgarrada<br />

Nessa multidão, boiada caminhando à esmo<br />

IV


AGRADECIMENTOS<br />

A Deus, por tudo que ele tem feito por mim;<br />

Aos meus amigos, pelo afeto, pelo o encorajamento, em especial a A<strong>de</strong>rval Farias,<br />

Dival Cantarelli, Kleyton Pereira, Angelita Danielle, Tárcio, Carolina, Karina<br />

Vasconcelos, Erika Pires Ramos, Hellena Mello e todo o grupo L.I, Melissa, Maria<br />

Lucia (Malu), Polyanna, Rossanna, Drª Lucia Francisco e todos que torceram e não<br />

<strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> acreditar em mim;<br />

Às minhas famílias, por terem feito <strong>de</strong> mim parte do que sou hoje;<br />

Agra<strong>de</strong>ço a minha esposa pela tolerância e pela oportunida<strong>de</strong> da convivência;<br />

Á minha orientadora, pelas palavras incentivadoras e por todo apoio, paciência e fé<br />

que <strong>de</strong>dicou a mim nesses últimos tempos;<br />

Á minha co-orientadora, pelo carinho e pelas palavras amigas;<br />

Aos meus colegas e amigos <strong>de</strong> turma do mestrado, pelo incentivo, torcida e a<br />

amiza<strong>de</strong> que sei será eterna;<br />

Agra<strong>de</strong>ço aos meus avós, que, apesar <strong>de</strong> terem me <strong>de</strong>ixado tão cedo, me<br />

ensinaram a tempo que a maior riqueza é o amor que se compartilha;<br />

Agra<strong>de</strong>ço ao meu sertão, que me ensinou a ser forte... porque é em sua terra seca<br />

que está fincada a raiz da minha história.<br />

V


RESUMO<br />

Este trabalho teve como objetivo analisar a maneira como os professores do Ensino<br />

Fundamental <strong>de</strong> escolas públicas e particulares, da cida<strong>de</strong> do Recife, representam<br />

as famílias constituídas por um casal homossexual. Para alcançar tal propósito,<br />

foram utilizados dois instrumentos: 1) o Procedimento <strong>de</strong> Desenho-Estórias com<br />

Tema; 2) Entrevista semi-estruturada. Os dados coletados por meio <strong>de</strong>sses<br />

instrumentos foram submetidos à Análise d Conteúdo, em torno <strong>de</strong> três temas: 1)<br />

Como professores representam famílias constituídas por casal do mesmo sexo; 2)<br />

como representam as crianças que vivem nestas famílias e, 3) como vêem o papel<br />

da escola na construção das diferenças <strong>de</strong> gênero. Quanto ao primeiro tema, o<br />

discurso dos participantes revela uma concepção homofóbica, prevalecendo a<br />

tendência a consi<strong>de</strong>rar este tipo <strong>de</strong> família como anormal, porém, reconhecendo a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respeitá-la. No segundo tema, as professoras, em sua maioria,<br />

revelaram acreditar que as crianças advindas <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> família sofrem ou po<strong>de</strong>m<br />

sofrer preconceitos, tanto por parte da escola quanto da socieda<strong>de</strong>. Revelaram,<br />

também, preocupação quanto à futura orientação sexual <strong>de</strong>stas crianças. No terceiro<br />

tema, afirmaram que nem a escola, tampouco os professores, estão preparados<br />

para lidar com o tema da sexualida<strong>de</strong>, e, principalmente, com o da<br />

homossexualida<strong>de</strong>. Apesar da premente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformação das práticas<br />

pedagógicas sobre o referido tema, ficou claro que essa mudança não se dará <strong>de</strong><br />

forma rápida, fácil e simples, em razão do po<strong>de</strong>r e da resistência da or<strong>de</strong>m<br />

heteronormativa que circula nas relações sociais. Portanto, no que tange a uma<br />

educação não-sexista e não-homofóbica, vislumbra-se um processo lento e radical<br />

<strong>de</strong> mudanças que <strong>de</strong>ve envolver todos os componentes da escola.<br />

Palavras-chave: Representação, família, escola, diferença <strong>de</strong> gênero.<br />

VI


ABSTRACT<br />

This study aimed to examine how teachers of basic education of public and private<br />

schools in the city of Recife represent families consisting of a homosexual couple. In<br />

or<strong>de</strong>r to achieve this goal, were used two instruments: 1) Thematic Drawing and<br />

Story Telling Procedure; 2) Semi-structured interview. Data collected through these<br />

instruments were subjected to Content Analysis around three themes: 1) How<br />

teachers represent families consisting of same-sex couple; 2) How do they represent<br />

children living in these families; and 3) How do they see school‟s role in the<br />

construction of gen<strong>de</strong>r differences. As for the first theme, the discourse of<br />

participants reveals a homophobic i<strong>de</strong>a, the prevailing ten<strong>de</strong>ncy to consi<strong>de</strong>r this type<br />

of family abnormal, however, recognizing the need to respect it. On the second topic,<br />

teachers mostly revealed to believe that children resulting from this type of family<br />

suffer or may suffer prejudice from both school and society. Teachers have also<br />

revealed concerns about the future sexual orientation of these children. In the third<br />

theme, they said that neither school nor teachers are prepared to <strong>de</strong>al with the issue<br />

of sexuality, especially with homosexuality. Despite the urgent need for<br />

transformation of teaching practices on that topic, it became clear that this change<br />

will not happen quickly, easily and simply, because of the power and endurance of<br />

heteronormative or<strong>de</strong>r circulating in social relationships. So when it comes to a nonsexist<br />

and non-homophobic education, we consi<strong>de</strong>r a slow and radical process of<br />

changes that must involve all components of school.<br />

Keywords: Representation, family, school, gen<strong>de</strong>r difference.<br />

VII


RESUMEN<br />

Éste trabajo tuvo por objetivo analizar el modo como los profesores <strong>de</strong> la enseñanza<br />

primaria <strong>de</strong> las escuelas públicas y particulares, <strong>de</strong> la ciudad <strong>de</strong> Recife, representan<br />

las familias constituidas por una pareja homosexual. Para alcanzar esta finalidad<br />

fueran usados do procedimientos: 1) El <strong>de</strong> dibujo–cuento con motivo; 2) entrevista<br />

semiestructurada, los datos recaudados con La administración <strong>de</strong> estos<br />

instrumentos fueron sometidos a La análisis <strong>de</strong> contenido, en re<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> três temas:<br />

1) cómo los profesores representan familias constituidas por parejas <strong>de</strong> lo mismo<br />

sexo; 2) cómo representan los niños que viven en estas familias y 3) cómo perciben<br />

la responsabilidad <strong>de</strong> la escuela en la construcción <strong>de</strong> las diferencias <strong>de</strong> género. En<br />

cuanto al primer motivo, los discursos en general <strong>de</strong>mostraron una concepción<br />

cargada <strong>de</strong> homofobia, prevaleciendo la ten<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar esta especie <strong>de</strong><br />

familia anormal, pero, siempre reconociendo la necesidad <strong>de</strong> respétala. En el secón<br />

tema, las profesoras, en su gran<strong>de</strong> mayoría, afirmaron creer que los niños<br />

proce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> esas familias sufren o pue<strong>de</strong>n sufrir prejuicio, tanto en la escuela<br />

como en la sociedad. Demostraron, también, preocupación en cuanto a futura<br />

orientación sexual <strong>de</strong> estos niños. En el tercero motivo, afirmaron que ni la escuela,<br />

tampoco los profesores, tienen preparo para trabajar el tema <strong>de</strong> la sexualidad y, a ún<br />

menos con el <strong>de</strong> la homosexualidad. A pesar <strong>de</strong> la urgente necesidad <strong>de</strong><br />

transformación en la pedagogía a respeto <strong>de</strong> la homosexualidad, está claro que este<br />

cambio no ocurrirá <strong>de</strong> manera, simple, fácil, ni rápida en razón <strong>de</strong>l po<strong>de</strong>r y <strong>de</strong> la<br />

resistencia <strong>de</strong>l or<strong>de</strong>n heteronormativo que ro<strong>de</strong>a las relaciones sociales. Por lo tanto,<br />

en relación a una educación sin homofobia y no sexista, se entrevé un proceso<br />

<strong>de</strong>spacio y extremo <strong>de</strong> mudanzas que <strong>de</strong>berá envolver todos los elementos<br />

constituyentes <strong>de</strong> la escuela.<br />

Palabras- clave: representación, familia, escuela, diferencia <strong>de</strong> género.<br />

VIII


SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................<br />

1.FAMÍLIA ...........................................................................................................................<br />

1.1. As transformações familiares e a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> configurações atuais .........<br />

1.2. Famílias <strong>de</strong> composição homoafetiva .................................................................<br />

2. ESCOLA E REPRESENTAÇÃO . ................................................................................ 38<br />

3. MÉTODO ...................................................................................................................<br />

3.1Participantes..................................................................................................................<br />

3.2 Instrumentos ...........................................................................................................<br />

3.3 Procedimento <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados ........................................................................<br />

3.4 Procedimento <strong>de</strong> análise dos dados ....................................................................<br />

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS .....................................................................................<br />

4.1 A representação dos professores acerca <strong>de</strong> famílias constituídas por uniões<br />

homoafetivas .....................................................................................................................<br />

4.2 Como os professores percebem as crianças que vivem neste tipo <strong>de</strong> família<br />

.............................................................................................................................................<br />

4.3. O papel da escola na construção das diferenças sexuais<br />

.............................................................................................................................................<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................<br />

REFERÊNCIAS......................................................................................................................<br />

IX<br />

09<br />

13<br />

13<br />

22<br />

54<br />

54<br />

58<br />

59<br />

60<br />

62<br />

62<br />

72<br />

80<br />

96<br />

100


INTRODUÇÃO<br />

A expectativa social é a <strong>de</strong> que as pessoas constituam uma família em<br />

mol<strong>de</strong>s tradicionais: pai, mãe e filhos, e qualquer outro mo<strong>de</strong>lo ten<strong>de</strong> a ser visto<br />

como “disfuncional”. Para nossa socieda<strong>de</strong>, o i<strong>de</strong>al familiar consi<strong>de</strong>ra necessário um<br />

casal <strong>de</strong> sexos diferentes para que as coisas funcionem bem e as crianças possam<br />

se constituir saudavelmente. O i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> família nuclear se reflete em diversos<br />

âmbitos sociais, <strong>de</strong>ntre eles o escolar. Pesquisas (Amazonas, Ribeiro & Barbosa,<br />

2003) vêm <strong>de</strong>monstrando que na escola a representação <strong>de</strong> família que predomina<br />

é a nuclear tradicional, constituída por um casal heterossexual e seus filhos. Este<br />

mo<strong>de</strong>lo é transmitido <strong>de</strong> várias maneiras, incluindo os procedimentos acadêmicos e<br />

<strong>de</strong> formação cívica e cidadã. No âmbito da escola, os livros didáticos (Amazonas,<br />

Lima, Siqueira &Arruda, 2008), ainda privilegiam o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família nuclear. Os<br />

professores <strong>de</strong> ensino fundamental conservam a representação <strong>de</strong> família como um<br />

casal e seus filhos e, durante o ano letivo, as datas comemorativas que dizem<br />

respeito à família enfatizam esse mo<strong>de</strong>lo, entre outras situações vividas pelas<br />

crianças no âmbito escolar e que vão repercutir sobre sua formação (Arcover<strong>de</strong>,<br />

2007). Por outro lado, cada vez mais nos <strong>de</strong>paramos com outros mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> vida<br />

familiar e entre estes mo<strong>de</strong>los um que vem se tornando frequente é o das uniões<br />

homoafetivas. Estas famílias estão também <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> se apresentar na forma <strong>de</strong><br />

um casal exclusivo para incluir filhos, quer estes advenham <strong>de</strong> relacionamentos<br />

heterossexuais anteriores, quer <strong>de</strong> adoção, inseminação artificial com doadores, ou<br />

outros meios quaisquer. O fato é que a escola já começa a receber crianças que<br />

9


vivem nestas novas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> família e é provável que isto venha a ocorrer<br />

com uma frequência cada vez maior. Deste modo, consi<strong>de</strong>ramos que é importante<br />

que a escola, e nela todos os que a compõem, estejam preparados para conviver<br />

com a diversida<strong>de</strong>, respeitando-a, <strong>de</strong> modo a oferecer um ambiente saudável para<br />

todas as crianças in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> credo, raça, religião e, também da orientação<br />

sexual <strong>de</strong> seus pais.<br />

Estas foram as razões que nos levaram a realizar este estudo. Nossa questão<br />

central era: como será que professores do Ensino Fundamental, que lidam com<br />

crianças pequenas, em geral entre os seis e os onze anos, representam uma família<br />

que se constitui por um casal do mesmo sexo? Acreditamos que a forma como eles<br />

representam este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família vai orientar suas práticas educativas quando se<br />

<strong>de</strong>pararem com estas famílias no cotidiano. A literatura (Farias & Maia, 2009) vem<br />

mostrando que uma família formada por um casal homossexual é vista sempre como<br />

perigosa para os filhos, sendo levantados vários tipos <strong>de</strong> dúvidas e suposições,<br />

inclusive em relação à futura orientação sexual <strong>de</strong>stas crianças.<br />

As representações influenciam o modo não só como percebemos o mundo,<br />

mas como lidamos com ele. Vamos além e dizemos que as representações<br />

constroem realida<strong>de</strong>s, elas tornam legítimo ou ilegítimo um <strong>de</strong>terminado modo <strong>de</strong><br />

ser. Segundo Woodward (2000, p. 08) “a representação atua simbolicamente para<br />

classificar o mundo e nossas relações no seu interior”. Além disso, a representação<br />

inclui as práticas <strong>de</strong> significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os<br />

significados são produzidos, posicionando-nos como sujeitos. Ainda <strong>de</strong> acordo com<br />

a autora, “é por meio dos significados produzidos pelas representações que damos<br />

sentido à nossa experiência e àquilo que somos”.<br />

10


Na esteira <strong>de</strong>ssas reflexões e no tocante à questão da(s) família(s), Mello<br />

(2005a) diz que, “as representações sociais relativas à família vêm sofrendo<br />

alterações significativas no Brasil e no mundo” (p. 17). E que diante <strong>de</strong>sse contexto<br />

sócio-cultural, afirma o autor: “as lutas <strong>de</strong> lésbicas e gays pela conquista <strong>de</strong><br />

legitimida<strong>de</strong> social para as suas relações amorosas apontam para questionamentos<br />

profundos dos fundamentos estruturadores do i<strong>de</strong>ário <strong>de</strong> família conjugal” (p. 201).<br />

Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo geral investigar como os<br />

professores do Ensino Fundamental, da Região Política Administrativa – RPA 1 –<br />

centro da cida<strong>de</strong> do Recife, representam famílias formadas por casais homoafetivos.<br />

A primeira parte <strong>de</strong>ste trabalho versa sobre as transformações históricas pela<br />

qual passou e passa a família, até as novas configurações que a família vem<br />

apresentando. Neste mesmo capítulo, focou-se a configuração <strong>de</strong> família constituída<br />

por um casal homoafetivo, por intermédio da sexualida<strong>de</strong>, da compreensão que se<br />

tem da homossexualida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> como a visão <strong>de</strong>sta interfere <strong>de</strong> modo significativo no<br />

reconhecimento social e jurídico do direito <strong>de</strong> casais homossexuais constituírem<br />

famílias e gozarem, tanto <strong>de</strong>ste reconhecimento, quanto da proteção do Estado, nos<br />

mesmos mol<strong>de</strong>s como ocorre em relação às famílias <strong>de</strong> casais heterossexuais.<br />

Na segunda parte da dissertação, foi trabalhada a importância do surgimento<br />

da escola e do colégio e sua relação com os vínculos e o sentimento <strong>de</strong> família.<br />

Abordam-se, ainda, as representações <strong>de</strong> família que são produzidas e reproduzidas<br />

nas escolas por meio da educação.<br />

A terceira parte diz respeito à metodologia adotada na investigação, isto é,<br />

trata-se <strong>de</strong> uma pesquisa qualitativa na qual foram entrevistadas 30 professoras <strong>de</strong><br />

11


escolas públicas e particulares da cida<strong>de</strong> do Recife. Neste capítulo <strong>de</strong>screvemos<br />

também o procedimento adotado tanto para a coleta dos dados quanto para a<br />

análise.<br />

Na quarta e última parte, apresentamos os resultados encontrados que foram<br />

analisados em torno <strong>de</strong> três eixos, a saber: 1) A representação dos professores<br />

acerca <strong>de</strong> famílias constituídas por uniões homoafetivas; 2) Como os professores<br />

percebem as crianças que vivem neste tipo <strong>de</strong> família; 3) O papel da escola na<br />

construção das diferenças sexuais. Toda a análise foi realizada entrelaçando as<br />

falas dos entrevistados com a literatura consultada que versa sobre as respectivas<br />

temáticas: escola, família e homossexualida<strong>de</strong>.<br />

12


1. FAMÍLIA<br />

1.1. As transformações familiares e a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> configurações atuais<br />

Neste capítulo serão analisadas as transformações históricas pelas quais<br />

a família vem passando, e como tais transformações influenciaram <strong>de</strong> forma<br />

significativa suas configurações e formas <strong>de</strong> funcionamento.<br />

A partir dos documentos iconográficos relatados por Ariès (1981),<br />

<strong>de</strong>paramo-nos com a rarida<strong>de</strong>, ao menos até o século XVI, das cenas <strong>de</strong> interior e<br />

<strong>de</strong> família. A princípio, a protagonista das imagens iconográficas é a multidão, não a<br />

multidão como temos hoje, maciça e anônima, mas a multidão das assembléias nas<br />

ruas e/ou em lugares públicos como as igrejas, por exemplo, multidão essa<br />

composta por vizinhos, matronas e crianças, e nunca por pessoas estranhas umas<br />

as outras.<br />

Nessa representação, há cenas <strong>de</strong> ruas e <strong>de</strong> mercados, <strong>de</strong> jogos e <strong>de</strong><br />

ofícios bem como <strong>de</strong> armas ou <strong>de</strong> aulas, <strong>de</strong> igrejas etc. Era a partir <strong>de</strong>ssa dinâmica<br />

que a iconografia situava naturalmente os acontecimentos e/ou as pessoas que se<br />

<strong>de</strong>sejava retratar. De forma gradual, começava a surgir a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> isolar os retratos<br />

individuais ou familiares. No entanto, por muito tempo, o essencial a ser<br />

representado era a vida exterior e pública, isso até o século XVII, período em que a<br />

iconografia da família se tornou rica e mais numerosa.<br />

Até o século XVII, não havia marcadas distinções entre a vida pública e a<br />

vida privada, ou seja, o privado era vivido em público. Somente a partir <strong>de</strong>sse século<br />

13


é que tal distinção vem à tona, representada pela não participação do social na vida<br />

íntima do casal. Segundo Ariès (1980: 190):<br />

As cerimônias tradicionais que acompanhavam o casamento, e que eram<br />

consi<strong>de</strong>radas mais importantes do que as cerimônias religiosas, como a<br />

benção do leito nupcial, a visita dos convidados aos recém-casados já<br />

<strong>de</strong>itados, as brinca<strong>de</strong>iras durante a noite <strong>de</strong> núpcias etc., são mais uma<br />

prova do direito da socieda<strong>de</strong> sobre a intimida<strong>de</strong> do casal. Por que haveria<br />

alguma objeção, se na realida<strong>de</strong> não existia quase nenhuma intimida<strong>de</strong>,<br />

se as pessoas viviam misturadas umas com as outras, senhores e criados,<br />

crianças e adultos, em casas permanentemente abertas às indiscrições<br />

dos visitantes? Não que a família não existisse como realida<strong>de</strong> vivida:<br />

seria paradoxal contestá-la. Mas ela não existia como sentimento ou como<br />

valor.<br />

À medida que o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sse sentimento <strong>de</strong> família se<br />

solidifica, entre os séculos XV e XVIII, reduz-se, automaticamente, a intervenção do<br />

público na vida privada. Nesse período, i<strong>de</strong>ntifica-se esse sentimento familiar<br />

apenas nas classes abastadas, a dos homens ricos e importantes do campo ou da<br />

cida<strong>de</strong>, incluindo-se nesses grupos a aristocracia, a burguesia, os artesãos e os<br />

comerciantes.<br />

Apenas a partir do século XVIII, é que esse sentimento <strong>de</strong> família se<br />

esten<strong>de</strong> a todas as camadas sociais às quais se impôs essa conscientização. Essa<br />

evolução que se <strong>de</strong>u nos últimos séculos, muitas vezes foi compreendida como o<br />

triunfo do individualismo sobre as obrigações sociais, nas quais figurava a família.<br />

Mas não havia esse individualismo que se temia, apenas a família, em um processo<br />

14


<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização, tinha canalizado toda a energia do casal para servir aos<br />

interesses <strong>de</strong> uma posterida<strong>de</strong> <strong>de</strong>liberadamente reduzida. Nesse sentido, toda a<br />

evolução <strong>de</strong> nossos costumes contemporâneos torna-se incompreensível se<br />

<strong>de</strong>sprezarmos esse prodigioso crescimento do sentimento <strong>de</strong> família. Logo, não<br />

houve o triunfo do individualismo, mas sim, o da família.<br />

Vale salientar que a família se esten<strong>de</strong>u à medida que a sociabilida<strong>de</strong> se<br />

retraiu; é como se a família mo<strong>de</strong>rna tivesse substituído as antigas relações sociais.<br />

A história <strong>de</strong> nossos costumes se limita em parte a esse longo esforço do homem<br />

para se afastar <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> que impunha uma pressão não mais suportada.<br />

Assim, a casa per<strong>de</strong>u seu caráter <strong>de</strong> lugar público que possuía até o século XVII.<br />

A análise iconográfica nos leva a compreen<strong>de</strong>r que o sentimento <strong>de</strong><br />

família na Ida<strong>de</strong> Média era bastante diferente daquele que nasceu entre os séculos<br />

XV e XVI, <strong>de</strong>senvolvendo-se e consolidando-se nos séculos seguintes, XVII e XVIII.<br />

Essa diferença tão acentuada nos faz afirmar que tal sentimento era inexistente na<br />

“Ida<strong>de</strong> das Trevas”. Mas vale salientar que, para os historiadores do direito e da<br />

socieda<strong>de</strong>, os laços <strong>de</strong> sangue não constituíam um único grupo, e sim dois,<br />

distintos, embora concêntricos: um era a família, que po<strong>de</strong> ser comparada à nossa<br />

família conjugal mo<strong>de</strong>rna; e a outra a linhagem, esta última estendia sua<br />

solidarieda<strong>de</strong> a todos os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> um mesmo ancestral.<br />

Assim, a diferença entre a família na Ida<strong>de</strong> Média e a família na Ida<strong>de</strong><br />

Mo<strong>de</strong>rna po<strong>de</strong> ser representada pelos termos: linhagem e família respectivamente.<br />

É importante <strong>de</strong>marcar a latente oposição entre os termos, pois o progresso <strong>de</strong> um<br />

provocaria o enfraquecimento do outro. Segundo Ariès (1981, p. 143-144):<br />

15


[...] A solidarieda<strong>de</strong> da linhagem e a indivisão do patrimônio se<br />

<strong>de</strong>senvolveram, [...] em consequência da dissolução do Estado. A família<br />

conjugal mo<strong>de</strong>rna seria, portanto, a consequência <strong>de</strong> uma evolução que,<br />

no final da Ida<strong>de</strong> Media, teria enfraquecido a linhagem e as tendências à<br />

indivisão.<br />

Na Ida<strong>de</strong> Média, a linhagem era o único sentimento <strong>de</strong> caráter familiar<br />

conhecido, muito diferente do sentimento <strong>de</strong> família que aparece na iconografia dos<br />

séculos XVI e XVII. Na linhagem, os laços <strong>de</strong> sangue se estendiam sem levar em<br />

conta os valores nascidos da coabitação e da intimida<strong>de</strong>, ela nunca se reunia num<br />

espaço comum. Ao contrario disso, o sentimento <strong>de</strong> família, que se <strong>de</strong>senvolve com<br />

o enfraquecimento da linhagem, está ligado à casa, ao governo da casa e à vida na<br />

casa. Esse sentimento que diz respeito a essa família mo<strong>de</strong>rna, segundo Mello<br />

(2005a) <strong>de</strong>stina-se à socialização amorosa das crianças, priorizando-se a intimida<strong>de</strong><br />

e a privacida<strong>de</strong> do casal e <strong>de</strong> seus filhos, cabendo agora aos pais, solícitos e<br />

eficazes, a transmissão dos valores, hábitos e tradições socialmente dominantes.<br />

Portanto, nesse sentido, o casamento passa a significar a formação <strong>de</strong><br />

uma aliança entre dois indivíduos que dizem se amar (Mello, 2005a), e não mais<br />

uma aliança entre dois grupos sociais ou linhagens, que <strong>de</strong>veria garantir a<br />

passagem da riqueza e <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> duas famílias a seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes (Farias &<br />

Maia, 2009, p. 53). Segundo Mello (2005a, p. 26-27):<br />

As práticas e os valores <strong>de</strong>ssa família mo<strong>de</strong>rna foram assumidos até<br />

recentemente como absolutos e universais, tanto nas análises históricas<br />

quanto nos estudos referentes às socieda<strong>de</strong>s contemporâneas, numa<br />

perspectiva nitidamente etnocêntrica, que <strong>de</strong>fine o diferente como inferior.<br />

16


Apesar da sociabilida<strong>de</strong> entre socieda<strong>de</strong> e família não ter mais a mesma<br />

dinâmica da Ida<strong>de</strong> Média, a família sempre foi afetada pelas moções sociais. Nesse<br />

sentido:<br />

As expressivas transformações sociais, políticas, culturais e econômicas<br />

do último século têm afetado, sobremaneira, a família e o casamento,<br />

especialmente nas socieda<strong>de</strong>s em que a inserção das mulheres na esfera<br />

pública e a consequente conquista <strong>de</strong> direitos formais <strong>de</strong> cidadania estão<br />

a <strong>de</strong>safiar a hierarquia sexual que, ao longo da história, tem legitimado<br />

organizações societárias androcêntricas (Mello, 2005a, p. 32).<br />

Assim, o foco da família sofre uma significante alteração: agora, cabe aos<br />

pais não só a reprodução biológica, mas especialmente a educação e os cuidados<br />

com os filhos, transmitindo valores, costumes e tradições sociais. Vale salientar<br />

ainda que neste bojo está incutida uma representação <strong>de</strong> família que, mesmo com<br />

todas as mudanças ocorridas, se esten<strong>de</strong> ao longo da história.<br />

Diante <strong>de</strong>sse processo <strong>de</strong> configuração e representação familiar, surgem<br />

várias mudanças, tais como, a divisão dos papéis sexuais familiares e a inserção<br />

das mulheres no mercado <strong>de</strong> trabalho, sendo essa, talvez, a mais significativa das<br />

mudanças. Segundo as autoras Farias e Maia (2009, p. 57):<br />

Por volta do século XIX, as mulheres começam a absorver uma parte dos<br />

empregos que aparecem com o surgimento da economia industrial, além<br />

dos trabalhos domiciliares ou temporários. Apesar <strong>de</strong> as mulheres terem<br />

ingressado no mercado <strong>de</strong> trabalho, inclusive aquelas que eram casadas,<br />

17


isso não significa que elas tenham adquirido autonomia em relação ao<br />

po<strong>de</strong>r masculino.<br />

Segundo o Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância – (Farias &<br />

Maia, 2009), nas socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais, especialmente entre as décadas <strong>de</strong> 1960 e<br />

1970, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família se caracterizava pelo casamento monogâmico. Este<br />

mo<strong>de</strong>lo era “[...] apoiado num casal estável articulado em torno <strong>de</strong> papéis sexuais<br />

repartidos rigorosamente entre os cônjuges.” Neste período, havia a crença <strong>de</strong> que a<br />

família tinha uma formatação <strong>de</strong>finitiva, ou seja, um mo<strong>de</strong>lo único aceitável,<br />

consequência da industrialização, tornando-se um mo<strong>de</strong>lo universal. Na década <strong>de</strong><br />

1990, dá-se uma diminuição dos casamentos, concomitante ao aumento <strong>de</strong> outras<br />

formas <strong>de</strong> uniões, passando-se, assim, a valorizar os laços familiares por meio dos<br />

quais a família exercia os papéis <strong>de</strong> proteção e <strong>de</strong>senvolvimento psíquico e afetivo<br />

das pessoas que <strong>de</strong>la faziam parte.<br />

Ainda segundo o Unicef (Farias & Maia, 2009), a família é entendida<br />

como sendo uma instituição que visa à reprodução física e social <strong>de</strong> seus membros<br />

a partir <strong>de</strong> relações afetivo-sexuais, tanto por consanguinida<strong>de</strong>, como por alianças,<br />

compreen<strong>de</strong>ndo, nesse bojo, o casamento, os compadres, os agregados etc. Para o<br />

Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística – IBGE (2000), a família consiste em<br />

um grupo <strong>de</strong> pessoas que são ligadas por um laço <strong>de</strong> parentesco, <strong>de</strong>pendência<br />

doméstica ou normas <strong>de</strong> convivência, todos sendo resi<strong>de</strong>ntes na mesma casa.<br />

À luz <strong>de</strong>ssa reflexão, po<strong>de</strong>mos perceber que o universo da compreensão<br />

e do entendimento <strong>de</strong> família or<strong>de</strong>na-se a partir <strong>de</strong> várias concepções. No entanto,<br />

estas concepções não se cristalizam. Elas estão sempre em movimento, sendo, por<br />

isso mesmo, sempre modificadas. Portanto, a família é uma instituição em constante<br />

18


mutação e, assim, vazada por influências socioculturais e político-econômicas que<br />

alteram sua dinâmica e estrutura. Nessa margem, percebemos que, além da<br />

concepção <strong>de</strong> família variar conforme a socieda<strong>de</strong> e a época em que se vive,<br />

também muda sua composição e o mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>alizado. Nesse sentido, segundo<br />

Farias e Maia (2009, p. 58-59):<br />

O Brasil, nos últimos 50 anos, tem se <strong>de</strong>parado, além da família nuclear, com<br />

a formação <strong>de</strong> novas configurações familiares, como, por exemplo:<br />

Família em que os cônjuges não são casados, mas mantém uma<br />

relação estável, sejam estes heterossexuais ou homossexuais;<br />

Família monoparental, em que só há a presença <strong>de</strong> um dos cônjuges;<br />

Família reconstituída ou recasada, em que um ou ambos os cônjuges<br />

tiveram um casamento anterior.<br />

Família extensa, em que há a presença <strong>de</strong> avós, tios ou outros<br />

parentes, além do núcleo pai, mãe e filhos;<br />

Famílias abrangentes em que, além <strong>de</strong>stes membros já citados na<br />

família extensa, há também pessoas que não têm relação <strong>de</strong><br />

consanguinida<strong>de</strong> entre si, tais como madrinhas, amigas, etc.<br />

Como po<strong>de</strong>mos perceber diversos tipos <strong>de</strong> família po<strong>de</strong>m existir numa<br />

mesma época e socieda<strong>de</strong> e cada família po<strong>de</strong> modificar sua estrutura durante sua<br />

trajetória. Por isso, ela é variável e não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada um fenômeno natural e<br />

estanque, pois a família reflete os pensamentos e os valores <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> ou<br />

<strong>de</strong> um grupo social em <strong>de</strong>terminada época.<br />

De acordo com Serapioni (2005), entre os principais fatores que contribuíram<br />

para o surgimento <strong>de</strong> novas formas familiares estão: as mudanças na lei referente<br />

19


às relações conjugais e <strong>de</strong> filiação, (nessas mudanças da lei, o que se <strong>de</strong>staca é o<br />

fato das ciências jurídicas não mais se limitarem às questões puramente biológicas,<br />

mas sim consi<strong>de</strong>rar na lei a importância da afetivida<strong>de</strong> na filiação); o<br />

enfraquecimento da <strong>de</strong>limitação dos papéis sexuais, espaço público – masculino,<br />

espaço privado – feminino; o aumento da in<strong>de</strong>pendência econômica e cultural dos<br />

sujeitos; a pluralização dos estilos <strong>de</strong> vida; e a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos entre homens e<br />

mulheres, culminando na diminuição <strong>de</strong> casamentos insatisfatórios . Nesse sentido,<br />

segundo (Mello, 2005a, p. 17):<br />

[...] as representações sociais das famílias vem se modificando em razão do<br />

aumento do número <strong>de</strong> divórcios e da monoparentalida<strong>de</strong>, da in<strong>de</strong>pendência<br />

da sexualida<strong>de</strong> em relação ao casamento e à reprodução, da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

duas pessoas se relacionarem afetiva e sexualmente sem habitarem a<br />

mesma residência, da existência <strong>de</strong> relações que aceitam a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

parceiros afetivo-sexuais simultaneamente e das mudanças dos papéis <strong>de</strong><br />

gênero.<br />

Diante <strong>de</strong>sses processos <strong>de</strong> transformações dos mo<strong>de</strong>los familiares e das<br />

dinâmicas das famílias, o direito brasileiro tentou se adaptar reconhecendo novas<br />

configurações <strong>de</strong> família, como a monoparental e a união estável. Vale salientar que,<br />

embora a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 tenha se manifestado a favor <strong>de</strong> algumas<br />

novas concepções <strong>de</strong> família, consi<strong>de</strong>rando-as como tal, não teceu, em qualquer<br />

momento, consi<strong>de</strong>rações acerca dos casais homossexuais como entida<strong>de</strong> familiar.<br />

Esse silêncio, em relação a essa questão, nos aponta uma omissão do po<strong>de</strong>r<br />

constituinte que optou por afastar as relações homossexuais do espaço familiar.<br />

20


Nesse caso, é conveniente perguntarmos: somos todos, realmente, iguais perante a<br />

lei?<br />

Na concepção <strong>de</strong> família, por mais que essas transformações tenham<br />

ocorrido, o mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>alizado ainda é a família nuclear heterossexual. É<br />

fundamental, portanto, acompanharmos as mudanças em torno <strong>de</strong>ssa temática com<br />

o intuito <strong>de</strong> evitarmos a naturalização e a estigmatização <strong>de</strong> outras configurações.<br />

21


1.2. Famílias <strong>de</strong> composição homoafetiva<br />

Neste item discutiremos a questão da configuração familiar homoafetiva por<br />

intermédio da sexualida<strong>de</strong>, da compreensão que se tem da homossexualida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

como a visão <strong>de</strong>sta interfere, <strong>de</strong> modo significativo, no reconhecimento social e<br />

jurídico do direito <strong>de</strong> casais homossexuais constituírem famílias e gozarem, tanto do<br />

reconhecimento social e jurídico, quanto da proteção do Estado, nos mesmos<br />

mol<strong>de</strong>s como é ofertado às famílias heterossexuais.<br />

Segundo Foucault (1988, p. 98), “nas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, a sexualida<strong>de</strong> não é<br />

o elemento mais rígido, mas um dos dotados da maior instrumentalida<strong>de</strong>: utilizável<br />

no maior número <strong>de</strong> manobras, e po<strong>de</strong>ndo servir <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> apoio, <strong>de</strong> articulação<br />

às mais variadas estratégias”.<br />

Neste contexto, não existiria uma única estratégia válida para toda a<br />

socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo uniforme, referente a todas as manifestações do sexo. A i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> muitas vezes ter sido tentado, por diferentes meios, reduzir todo o sexo à sua<br />

função reprodutiva, à sua forma heterossexual e adulta, bem como à sua<br />

legitimida<strong>de</strong> matrimonial, não explicaria os múltiplos objetivos visados, os inúmeros<br />

meios postos em ação nas políticas sexuais concernentes aos dois sexos, às<br />

diferentes ida<strong>de</strong>s e às classes sociais.<br />

Ainda segundo Foucault (1998), é a partir do século VXIII que surgem quatro<br />

gran<strong>de</strong>s conjuntos estratégicos que <strong>de</strong>senvolverão dispositivos específicos <strong>de</strong> saber<br />

e po<strong>de</strong>r a respeito do sexo. Embora não tenham nascido concomitantemente, os<br />

conjuntos estratégicos assumiram coerência e atingiram certa eficácia na or<strong>de</strong>m do<br />

po<strong>de</strong>r e produtivida<strong>de</strong> e do saber, fato que nos permite <strong>de</strong>screvê-los <strong>de</strong> maneira<br />

22


estanque, dada as suas relativas autonomias. São eles: a histerização do corpo da<br />

mulher; a pedagogização do sexo da criança; a socialização das condutas <strong>de</strong><br />

procriação; e a psiquiatrização do prazer perverso.<br />

No que tange à primeira estratégia, o corpo da mulher foi analisado como um<br />

corpo integralmente saturado <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma que fora consi<strong>de</strong>rado, no<br />

campo das práticas médicas, sob o efeito <strong>de</strong> uma patologia que lhe seria intrínseca<br />

e que a colocaria em comunicação com o corpo social, com o espaço familiar e com<br />

a vida das crianças. Por conseguinte, essa mulher, tal como conceituada, produziria<br />

e <strong>de</strong>veria garantir, por meio <strong>de</strong> uma responsabilida<strong>de</strong> biológico-moral, durante todo o<br />

período da educação dos filhos, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a mulher nasce para a reprodução e<br />

o cuidado.<br />

No dispositivo da pedagogização do sexo das crianças, as quais eram<br />

<strong>de</strong>finidas como seres sexuais “liminares”, elas eram consi<strong>de</strong>radas, ao mesmo tempo,<br />

aquém do sexo e inseridas no sexo. Desse modo, os infantes estavam<br />

permanentemente sob uma perigosa linha <strong>de</strong>marcada pelos pais, educadores,<br />

médicos e, mais tar<strong>de</strong>, psicólogos, todos encarregados da questão da sexualida<strong>de</strong><br />

da criança. Essa pedagogização se manifestou, sobretudo, pela guerra travada<br />

contra a masturbação, a qual durou quase dois séculos, no Oci<strong>de</strong>nte.<br />

O terceiro dispositivo, que se refere à socialização das condutas <strong>de</strong><br />

procriação, era composto <strong>de</strong> três tipos, a saber: a socialização econômica, que tanto<br />

atuava através <strong>de</strong> incitações ou freios à fecundida<strong>de</strong> dos casais, como por meio <strong>de</strong><br />

medidas sociais ou fiscais; a socialização política, mediante a responsabilização dos<br />

casais acerca <strong>de</strong> todo o corpo social; a socialização médica, a qual se dava pelo<br />

valor patogênico atribuído às práticas <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> nascimentos.<br />

23


E, por fim, a psiquiatrização do prazer perverso, a qual tinha como principal<br />

papel a normalização e patologização <strong>de</strong> toda conduta sexual, o que nos conduziu a<br />

perceber que, nesse período, houve a procura por uma tecnologia corretiva para tais<br />

anomalias. Segundo Foucault (1998, p. 100):<br />

Na preocupação com o sexo, que aumenta ao longo <strong>de</strong> todo o século XIX,<br />

quatro figuras se esboçam como objetos privilegiados <strong>de</strong> saber, alvos e<br />

pontos <strong>de</strong> fixação dos empreendimentos do saber: a mulher histérica, a<br />

criança masturbadora, o casal malthusiano, o adulto perverso, cada uma<br />

correlativa <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas estratégias que, <strong>de</strong> formas diversas, percorreram e<br />

utilizam o sexo das crianças, das mulheres e dos homens.<br />

Diante <strong>de</strong>ssa reflexão, percebe-se, a priori, que se trata na verda<strong>de</strong> da<br />

produção da sexualida<strong>de</strong>, o que nos impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> concebê-la como uma espécie <strong>de</strong><br />

dado da natureza que o “po<strong>de</strong>r” é tentado a colocar em xeque, ou como um domínio<br />

obscuro que o “saber” tentaria, pouco a pouco, <strong>de</strong>svelar. Nesse sentido, Foucault<br />

(1998, p. 100) diz que:<br />

A sexualida<strong>de</strong> é o nome que se po<strong>de</strong> dar a um dispositivo histórico: não à<br />

realida<strong>de</strong> subterrânea que se apreen<strong>de</strong> com dificulda<strong>de</strong>, mas à gran<strong>de</strong> re<strong>de</strong><br />

da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres,<br />

a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos<br />

controles e das resistências, enca<strong>de</strong>iam-se uns aos outros, segundo algumas<br />

gran<strong>de</strong>s estratégias <strong>de</strong> saber e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

24


Compreen<strong>de</strong>r a sexualida<strong>de</strong> como um dispositivo histórico, leva-nos a<br />

reconhecer sua capacida<strong>de</strong> performativa 1 , e como tal, passível <strong>de</strong> transformação. A<br />

maneira como as civilizações se relacionaram com a sexualida<strong>de</strong> variou muito ao<br />

longo do tempo, <strong>de</strong> acordo com a cultura e o momento histórico em cada socieda<strong>de</strong>.<br />

Nesse sentido, no que tange à relação homossexual, tal prática também já passou<br />

por diversas transformações e foi percebida <strong>de</strong> diferentes maneiras, como se po<strong>de</strong><br />

perceber ao longo da história.<br />

No inicio do período Renascentista, a homossexualida<strong>de</strong> transitava sem<br />

causar maiores incômodos à socieda<strong>de</strong>. Porém, <strong>de</strong>ntro do mesmo período, também<br />

foi possível observar sua con<strong>de</strong>nação ao lado <strong>de</strong> práticas como a magia e a heresia.<br />

Da mesma maneira, na época clássica, a homossexualida<strong>de</strong> era con<strong>de</strong>nada, não<br />

mais por razões religiosas, e sim por questões morais. Segundo Castro (2009, p.<br />

217):<br />

A homossexualida<strong>de</strong>, a que o Renascimento tinha dado liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

expressão, doravante entraria no silêncio e passaria para o lado da proibição,<br />

herdando as antigas con<strong>de</strong>nações <strong>de</strong> uma sodomia agora <strong>de</strong>ssacralizada. Na<br />

época clássica, a homossexualida<strong>de</strong> será o amor da <strong>de</strong>srazão. Os<br />

homossexuais, por conseguinte, serão internados junto aos portadores <strong>de</strong><br />

doenças venéreas, os <strong>de</strong>senfreados, os pródigos.<br />

Vale salientar que a categorização psicológica, psiquiátrica e médica da<br />

homossexualida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>u quando esta foi caracterizada pela qualida<strong>de</strong> da<br />

1 Performativida<strong>de</strong>. O conceito tem origem na distinção feita por J.L. Austin entre enunciados constativos (ou<br />

<strong>de</strong>scritivos) e enunciados performativos. Um enunciado performativo – o termo advém do inglês “perform an<br />

action”, isto é, “realizar uma ação” –, fazer alguma coisa acontecer, po<strong>de</strong>ndo ser julgado como bem-sucedido<br />

ou mal-sucedido. A teórica feminista queer, Judith Butler, argumenta que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero e a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sexual são produzidas por meio <strong>de</strong> repetidos enunciados performativos (Silva, 2000:90b).<br />

25


sensibilida<strong>de</strong> sexual, em outras palavras, pela maneira do masculino e do feminino<br />

intervirem em si mesmos. Na rota <strong>de</strong>ssa reflexão, a homossexualida<strong>de</strong> surgiu como<br />

uma das figuras da sexualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>calcada da prática da sodomia, como uma<br />

espécie <strong>de</strong> androgenia interior, um hermafroditismo da alma. Segundo Castro (2009,<br />

p. 217):<br />

No século XIX, aparece na psiquiatria, na jurisprudência, e na literatura toda<br />

uma série <strong>de</strong> discursos sobre as espécies e subespécies <strong>de</strong><br />

homossexualida<strong>de</strong>. Através <strong>de</strong> tais discursos, por outro lado, a<br />

homossexualida<strong>de</strong> começou a falar, a reivindicar sua naturalida<strong>de</strong>. Na cultura<br />

grega clássica, a linha <strong>de</strong> separação entre um homem afeminado e um<br />

homem viril não coinci<strong>de</strong> com a oposição homo e heterossexual. Antes,<br />

marca uma diferença <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> a respeito dos prazeres. O afeminado se<br />

caracteriza pela preguiça, a indolência. A categoria <strong>de</strong> homossexualida<strong>de</strong> é<br />

pouco a<strong>de</strong>quada para analisar a experiência grega dos prazeres.<br />

Para melhor compreen<strong>de</strong>r o modo como a homossexualida<strong>de</strong> é entendida<br />

hoje, em nossa cultura, é importante conhecermos alguns fatos históricos. Antes da<br />

lei mosaica 2 , por exemplo, poucas culturas haviam <strong>de</strong>monstrado preocupação moral<br />

no que diz respeito às relações entre pessoas do mesmo sexo.<br />

Segundo Spencer et al (1996, citados em Farias & Maia, 2009, p. 24), nas<br />

antigas civilizações, o fator significativo das relações sexuais não era se uma pessoa<br />

o fazia com alguém do mesmo sexo ou do sexo oposto, mas sim que atos sexuais e<br />

2 A Lei Mosaica, estabelecida por Moisés, compõe, junto com a Torá, uma série <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns e proibições que<br />

ditavam o senso moral e o sentimento <strong>de</strong> justiça do povo hebreu, a fim <strong>de</strong> estabelecer uma melhor relação do<br />

ser humano com Deus e com seu próximo. Além disso, ela também continha as leis cerimoniais que regulavam<br />

o ministério do santuário do Tabernáculo.<br />

26


qual a posição (ativa/passiva) ela tinha nesta relação, o que estava diretamente<br />

ligado ao seu status social. Entre os babilônicos, ocorria a prostituição homossexual<br />

masculina na qual aqueles que <strong>de</strong>sempenhavam tal profissão assumiam sempre<br />

uma postura passiva.<br />

Essa questão entre passivida<strong>de</strong>/ativida<strong>de</strong> e status social é compreendida<br />

quando analisamos o fato <strong>de</strong> que, se um homem tivesse relação sexual com outro<br />

homem <strong>de</strong> status igual ou superior ao seu, isto lhe traria sorte; no entanto, se a<br />

relação ocorresse com um escravo ou uma pessoa <strong>de</strong> status inferior, tal fato atrairia<br />

azar. Assim, respeitadas as posturas ativo/passivo, não havia reprovação na<br />

Babilônia. Já no Egito, a relação sexual entre dois homens era extremamente<br />

con<strong>de</strong>nada e mal vista.<br />

Na China, segundo Farias e Maia (2009, p. 25), “na época da dinastia Zhou<br />

(1122-256 a.C), o casamento era visto como uma ligação entre duas famílias para<br />

garantir-lhes riqueza e status, assim, o amor românico era permitido fora <strong>de</strong>le”.<br />

Nesse contexto, ao homem era permitido vivenciar uma relação homossexual fora<br />

do casamento. Deste modo, assim como na Babilônia, as relações entre pessoas do<br />

mesmo sexo, na China, eram caracterizadas por um dos parceiros ser <strong>de</strong> uma<br />

camada social baixa, assumindo a postura passiva, e o outro, <strong>de</strong> uma camada social<br />

superior, assumindo a postura ativa na relação.<br />

Não há relatos nessas civilizações acerca <strong>de</strong> relações entre duas mulheres.<br />

Isto se <strong>de</strong>ve, provavelmente, à <strong>de</strong>svalorização da mulher nas culturas antigas. Nas<br />

socieda<strong>de</strong>s mais recentes, tal fato se justificaria por haver menos estudos sobre as<br />

relações sexuais entre mulheres e não pela inexistência da homossexualida<strong>de</strong><br />

feminina.<br />

27


Na Grécia, as relações entre dois homens tinham características próprias.<br />

Não era possível afirmar que os gregos tinham relações homossexuais, posto que,<br />

além <strong>de</strong> o conceito <strong>de</strong> homossexualida<strong>de</strong> ser atual, o tipo <strong>de</strong> relação que incluía o<br />

sexo entre dois homens era <strong>de</strong>nominado pe<strong>de</strong>rastia e consistia em um ritual <strong>de</strong><br />

passagem realizado por um homem mais velho que, por meio <strong>de</strong> sua experiência,<br />

iniciava um rapaz jovem na socieda<strong>de</strong>. Desta maneira, além <strong>de</strong> o jovem se tornar<br />

um cidadão, acreditava-se que este ritual lhe traria mais habilida<strong>de</strong> para atuar na<br />

guerra e no meio político. Segundo Farias e Maia (2009, p. 27):<br />

Entre as mulheres, esse tipo <strong>de</strong> relação também ocorria, mas havia<br />

diferenças significativas em relação à pe<strong>de</strong>rastia masculina. Uma <strong>de</strong>las é que<br />

a relação afetivo-sexual entre duas mulheres não tinha o objetivo <strong>de</strong><br />

integração à vida social, mas <strong>de</strong> iniciação a uma vida sentimental e erótica.<br />

Outra se relaciona ao período <strong>de</strong> ocorrência da pe<strong>de</strong>rastia masculina e das<br />

relações afetivo-sexuais entre as mulheres. Enquanto a primeira existiu por<br />

volta do século V, a segunda é datada dos séculos VII e VI a.C.<br />

Em Roma, antes do século II a.C., também havia, por parte dos homens<br />

adultos, o costume <strong>de</strong> se relacionar sexualmente com os escravos ou com os<br />

homens jovens livres, sujeitando-os a uma posição passiva, maneira pela qual se<br />

garantia sua autorida<strong>de</strong>. Embora os homens adotassem esta prática, eles não<br />

aceitavam o lesbianismo, visto que tal atitu<strong>de</strong> confrontava a visão <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong><br />

e po<strong>de</strong>r do romano.<br />

A partir do século II a.C., há uma mudança em relação à maneira como a<br />

sexualida<strong>de</strong> é vista em Roma. A i<strong>de</strong>ia do homem dominador vai sendo amenizada<br />

pelas concepções gregas <strong>de</strong> amor por meninos, que passa não só a ser praticado,<br />

28


mas aceito socialmente e até exaltado na literatura. Entretanto, para os romanos<br />

<strong>de</strong>ssa época, persiste a valorização do homem que assumia a postura ativa.<br />

É preciso <strong>de</strong>stacar, no entanto, que, apesar da introjeção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias gregas,<br />

nesse mesmo período, algumas leis e penalida<strong>de</strong>s foram criadas em Roma para<br />

tentar conter as relações homossexuais. Segundo Farias e Maia (2009, p. 30):<br />

Em 342, os imperadores Constantino e Constâncio estabeleceram a pena <strong>de</strong><br />

morte, na fogueira, para aqueles que tivessem postura homossexual passiva,<br />

embora haja relatos <strong>de</strong> que o próprio Constâncio tinha relações<br />

homossexuais com reféns bárbaros. [...] É importante refletir sobre a<br />

con<strong>de</strong>nação da homossexualida<strong>de</strong> nessa época, levando em consi<strong>de</strong>ração<br />

que a expectativa <strong>de</strong> vida era <strong>de</strong> apenas 25 anos e, para que a população<br />

romana se mantivesse, era necessário que cada mulher tivesse, em média,<br />

cinco filhos.<br />

A baixa expectativa <strong>de</strong> vida, somada às catástrofes naturais e às guerras, eram<br />

ameaças constantes à dizimação da população romana. Deste modo, é possível<br />

compreen<strong>de</strong>r os motivos que levaram Justiniano a criar duas leis contra a<br />

homossexualida<strong>de</strong>: uma antes e outra <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 542, ano em que uma epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong><br />

peste bubônica chegou a matar cerca <strong>de</strong> quinhentas pessoas por dia.<br />

Sem significativas mudanças nos séculos anteriores, até 1700, compreendia-<br />

se a relação entre pessoas do mesmo sexo como um pecado contra Deus, ou seja,<br />

uma falha moral. A partir do século XVIII, ela passou a ser consi<strong>de</strong>rada um crime<br />

social, um pecado contra a natureza, que o Estado <strong>de</strong>veria combater. Com a<br />

influência do Racionalismo, entre os séculos XVII e XVIII, as explicações religiosas<br />

para os fenômenos da vida foram per<strong>de</strong>ndo espaço para a ciência. Dessa forma, a<br />

29


medicina passou a ter importante papel na família, orientando os comportamentos,<br />

inclusive os relacionados à sexualida<strong>de</strong>.<br />

É na era Vitoriana, século XIX, que a repressão sexual alcança seu ápice.<br />

Valoriza-se o sexo exclusivamente <strong>de</strong>stinado à procriação, a virginda<strong>de</strong> da mulher e<br />

o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> maternida<strong>de</strong> pura, on<strong>de</strong> a mulher não manifestava seus <strong>de</strong>sejos sexuais.<br />

É também neste século que se consolidam as diferenças entre o que se <strong>de</strong>nominou<br />

sexualida<strong>de</strong> normal – exclusiva para procriação –, e perversa – outras formas <strong>de</strong><br />

sexualida<strong>de</strong> que não visassem à procriação. Essa última sexualida<strong>de</strong> era associada<br />

a fatores patológicos e foi estabelecida a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a heterossexualida<strong>de</strong> seria o<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> normalida<strong>de</strong>, enquanto a homossexualida<strong>de</strong> o <strong>de</strong> perversida<strong>de</strong>, que iria<br />

<strong>de</strong> encontro ao i<strong>de</strong>al existente <strong>de</strong> preservação da família e estímulo à procriação.<br />

Segundo Costa (2004, p. 226):<br />

No que concerne à sexualida<strong>de</strong>, uma modificação notável foi introduzida na<br />

vida do casal. Até o século XIX, a sexualida<strong>de</strong> interferia muito pouco na<br />

estabilida<strong>de</strong> familiar. A soli<strong>de</strong>z <strong>de</strong> um casal não <strong>de</strong>pendia do nível <strong>de</strong><br />

sexualida<strong>de</strong> que permeasse a relação. O exercício sexual no casamento<br />

restringia-se à cópula com vistas à procriação. O sexo tinha um andamento<br />

conjugal oculto, isento <strong>de</strong> comentário público.<br />

Nesse passo, a homossexualida<strong>de</strong> começou a ser vista como uma<br />

ina<strong>de</strong>quação médica e psicológica, fato que acarretou o início <strong>de</strong> pesquisas sobre o<br />

tema da sexualida<strong>de</strong> no âmbito da medicina. Todavia, ao invés <strong>de</strong> <strong>de</strong>smistificarem<br />

certas crenças errôneas, essas pesquisas acabaram por reafirmar a repressão<br />

sexual por meio <strong>de</strong> normas e teorias. Assim, a homossexualida<strong>de</strong> passou a ser<br />

consi<strong>de</strong>rada uma anomalia hereditária, a qual <strong>de</strong>veria ser tratada e curada.<br />

30


Segundo Farias e Maia (2009), a partir do século XX, o psicanalista Sigmund<br />

Freud, <strong>de</strong>senvolveu uma teoria que apresentou avanços para o conceito da<br />

sexualida<strong>de</strong>, embora tenha <strong>de</strong>ixado obscuro em seu pensamento a questão da<br />

homossexualida<strong>de</strong>. Entretanto, vale salientar que, apesar <strong>de</strong> sua importância para<br />

as ciências psicológicas, a obscurida<strong>de</strong> que em vida Freud não conseguiu dirimir,<br />

não permaneceu por muito tempo nesse campo científico. No ano <strong>de</strong> 1999, o<br />

Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Psicologia pôs em vigência a Resolução 0001/99, afirmando<br />

que a homossexualida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>veria ser consi<strong>de</strong>rada doença ou perversão e que<br />

os psicólogos <strong>de</strong>veriam contribuir, com o seu conhecimento, para uma reflexão<br />

sobre o preconceito, bem como para o <strong>de</strong>saparecimento da discriminação e<br />

estigmatização daqueles que apresentam comportamentos e/ou práticas<br />

homoeróticas. Para Farias e Maia (2009, p. 51):<br />

Devido às concepções religiosas e cientificas presentes na história recente,<br />

hoje a homossexualida<strong>de</strong> ainda carrega um forte estereótipo: a pessoa<br />

homossexual seria <strong>de</strong>sajustada, imoral e não se po<strong>de</strong>ria confiar muito em seu<br />

juízo moral.<br />

O fator prejudicial que a pessoa homossexual carrega está no estigma social<br />

e não na sua orientação sexual. Algumas pessoas homossexuais, na tentativa <strong>de</strong><br />

evitar o preconceito, escon<strong>de</strong>m a manifestação <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>sejos e são direcionados<br />

a uma vida solitária em que outros fatores, que não a sexualida<strong>de</strong>, são priorizados<br />

como forma <strong>de</strong> buscar a realização pessoal e reprimir os <strong>de</strong>sejos homossexuais.<br />

Para Dias (2006, citado em Farias e Maia, 2009, p.51):<br />

[...] a homossexualida<strong>de</strong> não é uma opção, assim como também não é a<br />

heterossexualida<strong>de</strong>. A escolha resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> contar para outras pessoas,<br />

31


e é nesse sentido que se po<strong>de</strong> dizer que o indivíduo “escolhe” ser gay, ao<br />

passar pelo ritual <strong>de</strong> contar às pessoas e se mostrar verda<strong>de</strong>iramente,<br />

afrontando os valores sexuais hegemônicos. O indivíduo opta entre ser ou<br />

não socialmente reconhecido como homossexual, mas não opta por <strong>de</strong>sejar<br />

ou não homossexualmente.<br />

Nesse sentido, o mais importante seria saber lidar com a diversida<strong>de</strong> entre<br />

pessoas, <strong>de</strong> maneira que fosse garantida para todos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da<br />

orientação sexual, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usufruir uma vida com dignida<strong>de</strong>, direitos e<br />

<strong>de</strong>veres na socieda<strong>de</strong>.<br />

Dentre os direitos fundamentais <strong>de</strong>veria estar o direito <strong>de</strong> constituir família,<br />

posto que, há bem pouco tempo, era impossível pensar na inserção da família<br />

constituída por pares homossexuais no Direito <strong>de</strong> Família. Isso porque, durante<br />

muito tempo e hodiernamente, eles são alvo <strong>de</strong> discriminação e rejeição social.<br />

No Brasil, apenas a partir da década <strong>de</strong> 1990, os homossexuais iniciaram as<br />

intervenções no campo político passando a questionar a verda<strong>de</strong>, até então<br />

absoluta, <strong>de</strong> que a família e o casamento diriam respeito estritamente às relações<br />

afetivo-sexuais entre casais do sexo oposto. No entanto, legalmente, a família<br />

composta por pais e/ou mães homossexuais ainda não <strong>de</strong>sfruta <strong>de</strong> um<br />

reconhecimento jurídico e social. Segundo Mello (2005, p. 201b):<br />

As representações sociais relativas à família, por sua vez, estão sofrendo<br />

alterações significativas no Brasil e no mundo, sendo a luta <strong>de</strong> lésbicas e<br />

gays pela conquista <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> social para suas relações amorosas<br />

estáveis uma das que aponta para questionamentos profundos acerca dos<br />

fundamentos estruturadores do i<strong>de</strong>ário <strong>de</strong> família conjugal. Da mesma forma,<br />

32


as lutas em torno do reconhecimento social e jurídico da dimensão familiar<br />

das uniões homossexuais estão constitutivamente associadas à<br />

afirmação/negação do mito da complementarieda<strong>de</strong> dos sexos e dos gêneros,<br />

o qual restringe ao casal homem-mulher a competência moral e social para<br />

<strong>de</strong>sempenhar as funções atribuídas à instituição familiar, especialmente no<br />

que diz respeito à parentalida<strong>de</strong>.<br />

Esse não reconhecimento social e jurídico das relações amorosas estáveis<br />

entre os homossexuais, como uma família, é a principal interdição que atinge gays e<br />

lésbicas no contexto da realida<strong>de</strong> brasileira, principalmente no tocante à socialização<br />

<strong>de</strong> crianças, estando fundada em uma <strong>de</strong>fesa irrestrita da conjugalida<strong>de</strong> e da<br />

parentalida<strong>de</strong> como possibilida<strong>de</strong>s limitadas ao universo da norma heterocêntrica.<br />

Em particular, no Brasil, <strong>de</strong>ve-se registrar que o ano <strong>de</strong> 1995 é consi<strong>de</strong>rado um<br />

marco para a luta homossexual, pois foi nesse período que se <strong>de</strong>u a apresentação,<br />

pela então Deputada Marta Suplicy, do Projeto <strong>de</strong> Lei Nº 1151/95, que instituía a<br />

união civil entre pessoas do mesmo sexo, aten<strong>de</strong>ndo à <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> inúmeros<br />

grupos homossexuais organizados pelo país. Com a apresentação <strong>de</strong>sse projeto,<br />

setores expressivos da socieda<strong>de</strong> brasileira associam-se em torno <strong>de</strong> um diálogo<br />

inédito acerca da prerrogativa <strong>de</strong> gays e lésbicas usufruírem <strong>de</strong> direitos que,<br />

necessariamente, implicariam no questionamento da norma heterocêntrica<br />

responsável pela estruturação dos pressupostos éticos, morais e legais relativos à<br />

família patriarcal.<br />

Essas discussões acerca do mencionado Projeto revelaram que lésbicas e<br />

gays, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cidadãos, eram discriminados e excluídos da fruição <strong>de</strong><br />

direitos humanos fundamentais na esfera da família, o que implicava na negação <strong>de</strong><br />

33


sua dignida<strong>de</strong> e intrínseca humanida<strong>de</strong>, já que seus vínculos afetivo-sexuais<br />

estáveis não podiam contar com a proteção legal do Estado. Destaque-se que essa<br />

omissão estatal não está relacionada à legalida<strong>de</strong> ou ilegalida<strong>de</strong> da<br />

homossexualida<strong>de</strong>, tampouco a uma <strong>de</strong>finição científica <strong>de</strong> patologização dos<br />

homossexuais.<br />

De igual modo, é importante apontarmos o fato <strong>de</strong> que essa luta para uma<br />

re<strong>de</strong>finição das representações e práticas sociais relativas à família, não se restringe<br />

ao universo dos homossexuais, haja vista que esse segmento, só muito<br />

recentemente, vem assumindo publicamente um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> integração social plena<br />

por meio do reconhecimento da dimensão familiar <strong>de</strong> suas relações amorosas<br />

estáveis. Até então, a maioria dos movimentos por reconhecimento <strong>de</strong> novas<br />

configurações familiares era encabeçada por indivíduos heterossexuais que<br />

<strong>de</strong>sejavam a re<strong>de</strong>finição <strong>de</strong>ssas configurações para incluir famílias monoparentais,<br />

recompostas, uniões estáveis, entre outras.<br />

Assim, percebe-se que pessoas <strong>de</strong> sexos diferentes (heterossexuais), que se<br />

elegeram como parceiros afetivo-sexuais e que construíram arranjos familiares<br />

distintos da família conjugal mo<strong>de</strong>rna, igualmente se encontram em busca do fim da<br />

rejeição social, afirmando seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> serem reconhecidas como cidadãos cujas<br />

famílias <strong>de</strong>vem ser respeitadas e protegidas não apenas pelo Estado, mas por toda<br />

a socieda<strong>de</strong>.<br />

Com a apresentação do já citado Projeto <strong>de</strong> Lei Nº 1151/95, outra importante<br />

discussão teve espaço no cenário político nacional: o caráter eminentemente<br />

constitucional da proposta. Era latente que o <strong>de</strong>samparo legal às uniões<br />

homossexuais <strong>de</strong>veria ter sido tratado por meio <strong>de</strong> uma emenda à Constituição e<br />

34


não através <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> lei ordinária. O resultado <strong>de</strong>sses embates jurídicos<br />

levou os <strong>de</strong>fensores da legitimida<strong>de</strong> das uniões homossexuais a diluírem o objetivo<br />

precípuo do Projeto, qual seja: conferir às uniões homossexuais os direitos conjugais<br />

já assegurados aos casais heterossexuais, ainda que sem a proposição da<br />

legalização do casamento civil gay.<br />

Por outro lado, os opositores admitiram apenas aquilo que era evi<strong>de</strong>nte: que a<br />

família não é um dado “natural” ou “divino”, como argumentavam, mas sim, o<br />

resultado <strong>de</strong> um acordo social, historicamente <strong>de</strong>terminado, on<strong>de</strong> são <strong>de</strong>finidos<br />

quais vínculos afetivo-sexuais <strong>de</strong>vem ser reconhecidos pelo Estado como geradores<br />

<strong>de</strong> direitos civis <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m conjugal e parental. Segundo Mello (2005b, p. 211),<br />

[...] os opositores ao Projeto, em geral fundados numa leitura religiosa da<br />

homossexualida<strong>de</strong>, enten<strong>de</strong>m que lésbicas e gays são livres para estabelecer<br />

os vínculos afetivo-sexuais que quiserem, mas não teriam o direito <strong>de</strong><br />

reivindicar a proteção do Estado para relações fundadas nos “apelos da<br />

sensualida<strong>de</strong>” e não em um “amor verda<strong>de</strong>iro”. Semelhantes relações não<br />

passariam da materialização <strong>de</strong> um misto <strong>de</strong> pecado, doença, crime e mau-<br />

caratismo, numa afronta à socieda<strong>de</strong>, à natureza e a Deus. O direito à<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> orientação sexual não é concebido, assim, como a garantia <strong>de</strong><br />

usufruto dos direitos <strong>de</strong>correntes do exercício <strong>de</strong>sta liberda<strong>de</strong> no contexto <strong>de</strong><br />

uniões afetivo-sexuais estáveis.<br />

Para esses parlamentares, a compreensão que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m não po<strong>de</strong> ser<br />

compreendida como discriminação ou violação dos direitos humanos e da cidadania,<br />

visto que, para eles, são os homossexuais que se auto-discriminam ao se recusarem<br />

a ingressar na norma heterocêntrica. De outro lado, os parlamentares que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m<br />

35


a aprovação do projeto, apesar <strong>de</strong> evitarem qualquer referência aos casais<br />

homossexuais como unida<strong>de</strong> familiar e ao contrato <strong>de</strong> união/parceria civil como<br />

sinônimo <strong>de</strong> casamento, reconhecem que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> orientação sexual vigente<br />

no país implicaria na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecer a igualda<strong>de</strong> entre os casais<br />

homossexuais e heterossexuais na esfera pública, com vistas à superação da<br />

discriminação que atingem os últimos. Assim, um Estado laico, ou dito laico, não<br />

po<strong>de</strong>ria se tornar refém <strong>de</strong> concepções religiosas que negam a dimensão histórica e<br />

social da família, numa implícita alusão ao fato <strong>de</strong> que as uniões homossexuais<br />

seriam, também, entida<strong>de</strong>s familiares, fundadas por sujeitos que, ao não po<strong>de</strong>rem<br />

<strong>de</strong>cidir livre e racionalmente acerca <strong>de</strong> sua orientação sexual, terminam sendo<br />

involuntariamente excluídos dos direitos restritos ao universo da norma<br />

heterocêntrica.<br />

Segundo Roudinesco (2003), o que incomoda as pessoas conservadoras, não<br />

seria o fato <strong>de</strong> os casais homossexuais estarem questionando os valores e o mo<strong>de</strong>lo<br />

tradicional da família, mas sim o <strong>de</strong> estes casais <strong>de</strong>monstrarem a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

incluírem neles, ou seja, <strong>de</strong> serem consi<strong>de</strong>rados iguais, e <strong>de</strong>tentores do mesmo<br />

respeito e direitos.<br />

Vê-se, então, que o processo <strong>de</strong> construção da conjugalida<strong>de</strong> homossexual<br />

situa-se no contexto mais amplo <strong>de</strong> todas as transformações que vêm atingindo as<br />

representações e práticas sociais relativas à família, especialmente nas últimas três<br />

décadas. Nesse período, a expansão <strong>de</strong> fenômenos como o divórcio, a<br />

monoparentalida<strong>de</strong>, as uniões estáveis, as famílias recasadas, os casais sem filhos,<br />

a gravi<strong>de</strong>z na adolescência e na maturida<strong>de</strong>, tornaram-se expressões concretas <strong>de</strong><br />

36


que a família no Brasil hodierno não é a mesma <strong>de</strong> algumas poucas décadas atrás.<br />

Segundo Mello (2005a, p. 223):<br />

A luta dos homossexuais pelo reconhecimento da legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas<br />

relações afetivo-sexuais reproduz, então, uma trajetória já trilhada em relação<br />

aos atributos raça, etnia, religião, nacionalida<strong>de</strong>, geração, classe social e<br />

nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>, entre outros, os quais <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finidos, no<br />

contexto da socieda<strong>de</strong> brasileira, como <strong>de</strong>terminantes na <strong>de</strong>finição dos<br />

sujeitos que estão socialmente autorizados a se elegerem como cônjuges na<br />

construção <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> familiar – ainda que permaneça uma tendência<br />

para a valorização social dos casais homogâmicos. O objetivo último <strong>de</strong>sta<br />

reivindicação parece ser a consagração do entendimento <strong>de</strong> que quaisquer<br />

duas pessoas que se elejam como parceiros afetivo-sexuais,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> orientação sexual, <strong>de</strong>vem ser vistas como um casal<br />

conjugal, po<strong>de</strong>ndo usufruir, indistintamente, dos direitos civis, na esfera das<br />

relações familiares, assegurados pelo Estado.<br />

Assim, as relações amorosas estáveis entre homossexuais começam a ser<br />

vistas como uma das modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> família que passa a ganhar visibilida<strong>de</strong> social<br />

no final do século XX, com o casal conjugal sendo concebido menos como grupo<br />

organizado e hierarquizado, <strong>de</strong>stinado à reprodução biológica, e mais como espaço<br />

<strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> cooperação mútua, consagrado à reprodução social.<br />

37


2. ESCOLA E REPRESENTAÇÃO<br />

Neste capítulo, trabalharemos com a importância do surgimento da escola e<br />

do colégio e sua relação com os vínculos e o sentimento <strong>de</strong> família. Abordaremos,<br />

ainda, as representações <strong>de</strong> família que são produzidas e reproduzidas nas escolas<br />

por meio da educação.<br />

Segundo Ariès (1981), a história da educação revela o progresso do<br />

sentimento da infância na mentalida<strong>de</strong> comum. Vale salientar que, na Ida<strong>de</strong> Média,<br />

a escola e o colégio eram reservados a um pequeno número <strong>de</strong> clérigos e<br />

misturavam as diferentes ida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um espírito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> costumes,<br />

tornando-se, no início dos tempos mo<strong>de</strong>rnos, um meio <strong>de</strong> isolar cada vez mais as<br />

crianças durante um período <strong>de</strong> formação, tanto moral como intelectual, <strong>de</strong> a<strong>de</strong>strá-<br />

las, graças a uma disciplina mais autoritária, e <strong>de</strong>sse modo separá-las da socieda<strong>de</strong><br />

dos adultos.<br />

Entretanto, essa evolução do século XV ao XVIII, não se <strong>de</strong>u sem<br />

resistências, pois os traços que eram comuns na Ida<strong>de</strong> Média persistiram por longo<br />

tempo, até mesmo no interior dos colégios. As escolas particulares se multiplicaram<br />

ameaçando o monopólio das escolas da catedral. Como consequência, os cônegos<br />

tentaram impor limites à ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus concorrentes. Mas é importante<br />

apontarmos aqui que esses limites não estavam relacionados à ida<strong>de</strong>. Nesse<br />

processo escolar, existiam os contratos <strong>de</strong> pensão, espécie <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong><br />

aprendizagem, pelos quais as famílias fixavam as condições <strong>de</strong> pensão <strong>de</strong> seu filho;<br />

raramente dizia-se a ida<strong>de</strong> do menino, como se tal dado não tivesse valor. Essa<br />

preocupação com a ida<strong>de</strong> se tornaria fundamental apenas a partir do século XIX,<br />

38


fato que <strong>de</strong>monstra que, anteriormente, achava-se natural um adulto <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong><br />

apren<strong>de</strong>r misturar-se a um auditório infantil, pois o que importava era a matéria<br />

ensinada, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da ida<strong>de</strong> dos alunos.<br />

Ainda segundo o autor, no final do século XV, na Europa, após conservar as<br />

crianças em casa até a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sete ou nove anos (geralmente, sete era a ida<strong>de</strong><br />

em que os meninos <strong>de</strong>ixavam as mães para ingressar na escola ou no mundo dos<br />

adultos), tanto os meninos quanto as meninas eram colocados nas casas <strong>de</strong> outras<br />

pessoas para fazerem os serviços domésticos. Essas crianças, inseridas em novos<br />

lares, lá permaneciam por um período <strong>de</strong> sete a nove anos, portanto até os 14 ou 18<br />

anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Nesse processo, os infantes eram chamados <strong>de</strong> aprendizes.<br />

Nesse período, essa era a forma adotada pelos pais para que os filhos<br />

obtivessem conhecimento e boas maneiras. Assim, percebe-se que o serviço<br />

doméstico era confundido com a aprendizagem e utilizado como uma forma muito<br />

comum <strong>de</strong> educação. As crianças aprendiam pela prática, e esta prática não se<br />

restringia a uma profissão, mormente porque, na época, não havia limites entre a<br />

profissão e a vida particular. Era, por conseguinte, por meio do serviço doméstico<br />

que o “mestre” transmitia a uma criança, não ao seu filho, mas a um infante advindo<br />

<strong>de</strong> outra família, a bagagem <strong>de</strong> conhecimentos, a experiência prática e o valor<br />

humano que porventura possuísse.<br />

Portanto, toda educação se fazia através da aprendizagem e dava-se a esta a<br />

noção e um sentido muito mais amplo que aquele adquirido mais tar<strong>de</strong>. As famílias,<br />

ao enviarem suas crianças para outras famílias, o faziam com ou sem contrato, a fim<br />

<strong>de</strong> que elas <strong>de</strong>ssem início às suas vidas e, nesse novo ambiente, apren<strong>de</strong>ssem as<br />

maneiras <strong>de</strong> um cavalheiro, um ofício, ou mesmo para que frequentassem uma<br />

39


escola e apren<strong>de</strong>ssem as letras latinas. A escola latina, que se <strong>de</strong>stinava apenas<br />

aos clérigos e aos latinófones, aparece como um caso isolado, reservado a uma<br />

categoria muito particular. É válido salientar que nesse período da Ida<strong>de</strong> Média a<br />

escola era uma exceção, e o fato <strong>de</strong> mais tar<strong>de</strong> ter-se estendido a toda a socieda<strong>de</strong><br />

não representava a educação medieval, a qual, como já apontamos, dava-se através<br />

da aprendizagem prática.<br />

Diante <strong>de</strong>ssas condições, é preciso <strong>de</strong>stacar que as crianças eram afastadas<br />

<strong>de</strong> suas próprias famílias muito cedo e que, por vezes, o retorno ao lar nem sempre<br />

acontecia. Nessa época, percebe-se que não havia oportunida<strong>de</strong> para a família<br />

alimentar um sentimento existencial mais profundo entre pais e filhos, o que não<br />

significava ausência <strong>de</strong> amor paterno. O que ocorria é que a família era uma<br />

realida<strong>de</strong> moral e social, mais do que sentimental (Ariès, 1981).<br />

Apenas no século XV as realida<strong>de</strong>s e os sentimentos da família se<br />

transformariam, numa revolução lenta e profunda, quase imperceptível aos olhos<br />

dos contemporâneos e dos historiadores. É a partir <strong>de</strong>sse período que começa a ser<br />

mais evi<strong>de</strong>nte a extensão da frequência escolar e esta instituição <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser<br />

reservada aos clérigos para tornar-se o instrumento normal da iniciação social, ou<br />

seja, da passagem da infância para o estado adulto.<br />

Tal evolução apontou para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um novo rigor moral da parte<br />

dos educadores, numa constante preocupação <strong>de</strong> isolar a juventu<strong>de</strong> do mundo<br />

“sujo” dos adultos, mantendo-as na inocência primitiva, treinadas para resistir às<br />

tentações da vida adulta. Essa necessida<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>u também a uma maior<br />

preocupação dos pais em vigiar seus filhos, ficando mais perto <strong>de</strong>les e evitando o<br />

abandono, ainda que temporariamente, aos cuidados <strong>de</strong> outra família. Nesse<br />

40


sentido, a educação prática realizada na convivência com outra família foi<br />

substituída pela escola e esse movimento terminou por aproximar os pais e as<br />

crianças do sentimento <strong>de</strong> família e do sentimento da infância, outrora separados. A<br />

família agora se concentra em torno da criança.<br />

Essa escolarização, tão cheia <strong>de</strong> consequências para a formação do<br />

sentimento familiar, não foi imediatamente generalizada, uma vez que uma vasta<br />

parcela da população infantil continuou a ser educada segundo as antigas práticas<br />

<strong>de</strong> aprendizagem. Segundo Ariès (1981, p. 193-194):<br />

Hoje, nossa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> e sabe que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do sucesso <strong>de</strong> seu<br />

sistema educacional. Ela possui um sistema <strong>de</strong> educação, uma consciência<br />

<strong>de</strong> sua importância. Novas ciências, como a psicanálise, a pediatria, a<br />

psicologia, consagram-se aos problemas da infância, e suas <strong>de</strong>scobertas são<br />

transmitidas aos pais através <strong>de</strong> uma vasta literatura. [...] Nosso mundo é<br />

obcecado pelos problemas físicos, morais e sexuais da infância. Essa<br />

preocupação não era conhecida da civilização medieval, pois para essa<br />

socieda<strong>de</strong> não havia problemas: assim que era <strong>de</strong>smamada, ou pouco<br />

<strong>de</strong>pois, a criança tornava-se a companheira natural do adulto.<br />

Portanto, a aprendizagem tradicional foi substituída pela escola, uma escola<br />

transformada, instrumento <strong>de</strong> disciplina severa, protegida pela justiça e pela política.<br />

Esse <strong>de</strong>senvolvimento da escola no século XVII foi uma consequência da nova<br />

preocupação dos pais com a educação dos filhos. Família e escola, juntas,<br />

resgataram a criança da socieda<strong>de</strong> adulta. Assim, a escola confinou uma infância<br />

outrora livre num regime disciplinar cada vez mais rigoroso, que nos séculos XVIII e<br />

XIX resultou no enclausuramento total dos internatos.<br />

41


Entretanto, é preciso ter em mente que esse rigor traduzia um sentimento<br />

muito distinto da antiga indiferença, trata-se agora <strong>de</strong> um amor obsessivo que<br />

dominou a socieda<strong>de</strong> a partir do século XVIII.<br />

Como resultado <strong>de</strong>sse processo, a família <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser apenas uma<br />

instituição do Direito Privado, cuja finalida<strong>de</strong> precípua era a <strong>de</strong> transmitir os bens e o<br />

nome, para assumir uma função moral e espiritual, passando a formar não apenas<br />

corpos, mas, sobretudo, almas. Contudo, é importante perceber que houve uma<br />

substituição do aprendizado, antes oferecido por outra família, por uma<br />

aprendizagem na escola, a qual, num primeiro momento, aproximou as famílias das<br />

crianças, e em outro momento, para Foucault (1988), tornou-se uma das<br />

“instituições <strong>de</strong> sequestro”, assim como os hospitais, os quartéis e as prisões.<br />

Segundo Veiga-Neto (2007), “instituição <strong>de</strong> sequestro”, é aquela que retira<br />

compulsoriamente os indivíduos do espaço familiar ou social mais amplo, e os<br />

internam durante um período longo, para moldar suas condutas, disciplinar seus<br />

comportamentos, formatar aquilo que pensam etc. Apenas a partir da Ida<strong>de</strong><br />

Mo<strong>de</strong>rna tais instituições <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser lócus <strong>de</strong> suplício e castigos físicos, para<br />

tornarem-se locais <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> corpos dóceis, on<strong>de</strong> essa docilida<strong>de</strong> torna os<br />

corpos produtivos para o sistema dominante.<br />

A organização da educação oci<strong>de</strong>ntal se inscreve no gran<strong>de</strong> processo <strong>de</strong><br />

reorganização do po<strong>de</strong>r mo<strong>de</strong>rno, que começa durante a monarquia e se aprofunda<br />

com o fim do absolutismo. Para Castro (2009, p. 134), Foucault sublinhará o<br />

processo <strong>de</strong> disciplinarização da educação, a nova importância que nela ganhará o<br />

tema do corpo. Nesse sentido, a educação se esforça para ser, por direito, o<br />

instrumento graças ao qual, em uma socieda<strong>de</strong> como a nossa, todos os indivíduos<br />

42


po<strong>de</strong>m ter acesso a qualquer tipo <strong>de</strong> discurso, haja vista que todo sistema <strong>de</strong><br />

educação é uma maneira política <strong>de</strong> manter ou modificar a apropriação dos<br />

discursos, com os saberes e os po<strong>de</strong>res que eles comportam. Segundo Silva<br />

(2000a, p. 43), no que tange à questão do discurso,<br />

Nas perspectivas críticas, a ênfase está nas formas pelas quais os recursos<br />

retóricos e expressivos do discurso são utilizados para a obtenção <strong>de</strong> certos<br />

efeitos sociais, isto é, a preocupação está nas conexões entre discurso e<br />

po<strong>de</strong>r. No contexto da crítica pós-estruturalista, o termo é utilizado para<br />

enfatizar o caráter linguístico do processo <strong>de</strong> construção do mundo social. (...)<br />

Michel Foucault (1988) argumenta que o discurso não <strong>de</strong>screve simplesmente<br />

objetos que são exteriores: o discurso “fabrica” os objetos sobre os quais fala.<br />

Assim, ele analisou, por exemplo, a sexualida<strong>de</strong> e a loucura como efeitos <strong>de</strong><br />

certos “saberes”, vistos como formas particulares <strong>de</strong> discurso.<br />

Para que esse processo <strong>de</strong> formação pu<strong>de</strong>sse se dar a contento, a escola,<br />

bem como a educação nela praticada, estabelecia sempre contato e relação com<br />

outros temas e, muitas vezes, partia <strong>de</strong> outros temas. Nesse sentido, uma das<br />

temáticas bastante próximas da educação e, portanto, da escola, é a disciplina. Vale<br />

salientar que, segundo Castro (2009, p. 110), para Foucault,<br />

o termo disciplina possui dois usos: um na or<strong>de</strong>m do saber, e outro na or<strong>de</strong>m<br />

do po<strong>de</strong>r. O primeiro, dá-se <strong>de</strong> uma forma discursiva <strong>de</strong> controle da produção<br />

<strong>de</strong> novos discursos e no segundo uso, o do po<strong>de</strong>r, é o conjunto <strong>de</strong> técnicas<br />

em virtu<strong>de</strong> das quais os sistemas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r têm por objetivo e resultado, a<br />

singularização dos indivíduos.<br />

43


É nesse contexto que a disciplina aparece como uma das formas internas <strong>de</strong><br />

controle, isto é, como uma forma discursiva <strong>de</strong> limitação do discurso. É ela que<br />

<strong>de</strong>terminará as condições que uma dita proposição <strong>de</strong>ve cumprir para entrar no<br />

campo do verda<strong>de</strong>iro, no qual se estabelece a respeito <strong>de</strong> quais objetos se <strong>de</strong>ve<br />

falar, que instrumentos conceituais ou técnicas são passíveis <strong>de</strong> utilização, em que<br />

horizonte teórico <strong>de</strong>ve inscrever-se. Vale salientar que a disciplina mantém com o<br />

corpo uma relação analítica, na qual é possível encontrar uma “microfísica do<br />

po<strong>de</strong>r”, com uma anatomia política do corpo, na construção <strong>de</strong> corpos dóceis e<br />

produtivos. Segundo Silva (2000b, p.43), “a disciplina refere-se tanto aos diferentes<br />

campos do saber – analisados em sua conexão com relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r – quanto às<br />

formas <strong>de</strong> controle e regulação social”.<br />

A disciplina nas escolas é aplicada tanto por meio da or<strong>de</strong>m do discurso,<br />

quanto através do currículo, que corrobora na relação saber e po<strong>de</strong>r. O currículo é<br />

também um dos elementos centrais das reestruturações e das reformas<br />

educacionais que, em nome da eficiência econômica, estão sendo propostas em<br />

diversos países. O currículo tem uma posição estratégica nessas reformas<br />

precisamente porque é o espaço on<strong>de</strong> se concentram e se <strong>de</strong>sdobram as lutas em<br />

torno dos diferentes significados sobre o social e sobre o político. Segundo Silva<br />

(2006, p. 10):<br />

É por meio do currículo, concebido como elemento do discurso da política<br />

educacional, que os diferentes grupos sociais, especialmente os dominantes,<br />

expressam sua visão <strong>de</strong> mundo, seu projeto social, sua “verda<strong>de</strong>”. [...] As<br />

políticas curriculares interpelam indivíduos nos diferentes níveis institucionais<br />

aos quais se dirigem, atribuindo-lhes ações e papéis específicos: burocratas,<br />

44


<strong>de</strong>legados, supervisores, diretores, professores. [...] As políticas curriculares<br />

movimentam, enfim, toda uma indústria cultural montada em torno da escola e<br />

da educação: livros didáticos, material paradidático, material audiovisual<br />

(agora chamado <strong>de</strong> multimídia).<br />

No que tange à história da educação brasileira, sobretudo nos últimos trinta<br />

anos, o que se pô<strong>de</strong> perceber é que a agenda pedagógica mais crítica alternou as<br />

discussões sobre o papel da educação formal em momentos distintos, quando se<br />

questionou a premissa da importância da escola na transmissão dos conhecimentos<br />

sistematizados historicamente, abalando assim a onipotência da ciência normal e<br />

incluindo na agenda a multiplicida<strong>de</strong> cultural e os saberes populares advindos <strong>de</strong><br />

movimentos sociais como: o feminismo, os movimentos <strong>de</strong> gays e lésbicas, dos<br />

negros, ecológicos etc. (Furlani, 2003).<br />

Nesse sentido, na década <strong>de</strong> 1980, a tônica era <strong>de</strong> uma pedagogia<br />

libertadora, cujo objetivo era possibilitar o <strong>de</strong>senvolvimento integral da criança; nos<br />

anos <strong>de</strong> 1990, a criança foi transformada em sujeito <strong>de</strong> direitos, cabendo à escola<br />

proporcionar-lhe tanto o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma cidadania plena, como promover a<br />

minimização da exclusão social.<br />

É nesse circuito reflexivo que cabe a problematização do trabalho escolar e a<br />

discussão da sexualida<strong>de</strong> e dos gêneros a partir da educação sexual com crianças<br />

do Ensino Fundamental, atrelando a essas reflexões a representação <strong>de</strong> família.<br />

Faz-se necessário aqui aclararmos o que estamos chamando <strong>de</strong> representação,<br />

qual a perspectiva que estamos adotando e o papel da escola na transmissão da<br />

representação <strong>de</strong> família e dos gêneros.<br />

De acordo com Amazonas et al (2008, p. 237),<br />

45


Na transmissão do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família, a escola enquanto instituição<br />

<strong>de</strong>sempenha um papel fundamental, principalmente, quando se trata da<br />

educação <strong>de</strong> crianças. A escola se constitui num espaço privilegiado, tanto<br />

para a produção das diferenças quanto para a luta contra qualquer forma <strong>de</strong><br />

intolerância para com elas.<br />

Assim, é preciso estar atento à representação <strong>de</strong> família transmitida pelos<br />

professores, do mesmo modo como àquela que prevalece no material didático que<br />

eles utilizam. Ambos po<strong>de</strong>m se constituir em fonte <strong>de</strong> aprendizagem tanto da<br />

discriminação quanto do respeito e da tolerância para com a diferença, durante o<br />

processo <strong>de</strong> subjetivação das crianças. É durante a infância que se forma a maior<br />

parte <strong>de</strong> nossas crenças, conscientes ou inconscientes, e estas resistirão a<br />

mudanças durante o <strong>de</strong>correr da vida. É com base nestas crenças que iremos<br />

assumir posições <strong>de</strong> sujeito que expressarão atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> respeito e tolerância para<br />

com a diferença, assim como nos possibilitarão questionar e problematizar a<br />

produção social e cultural das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e das diferenças. As i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e as<br />

diferenças não existem simplesmente como dados da natureza, elas são,<br />

necessariamente, produções discursivas (Amazonas et al. 2008).<br />

Neste trabalho vamos investigar a representação, por parte <strong>de</strong> professores do<br />

Ensino Fundamental, <strong>de</strong> família resultante <strong>de</strong> uma união homoafetiva. Interessa-nos<br />

saber o que pensam os professores sobre as uniões homoafetivas e como se<br />

sentem em relação a elas. Quais os valores e preconceitos que atribuem a esse tipo<br />

<strong>de</strong> união? Como percebem as crianças que vivem em famílias cujos pais são<br />

homossexuais? O que pensam esses profissionais quanto ao papel da escola no<br />

que tange à construção das diferenças sexuais?<br />

46


Na socieda<strong>de</strong> atual intensificou-se a visibilida<strong>de</strong> das mais variadas<br />

configurações familiares. Casais constituídos por dois homens ou por duas mulheres<br />

são muito mais que uma exceção. Melhor dizendo, são sujeitos que buscam<br />

encontrar um lugar social <strong>de</strong> reconhecimento e legitimação. É bastante provável que<br />

nas escolas a presença <strong>de</strong> crianças originadas <strong>de</strong> vínculos homoafetivos, torne-se<br />

cada vez mais frequente. Neste contexto, é necessário assegurar a legitimida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ssas famílias, bem como o direito <strong>de</strong> escolha dos cidadãos a um relacionamento<br />

afetivo livre dos preconceitos e <strong>de</strong>terminações sociais imutáveis. A criança advinda<br />

<strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> união <strong>de</strong>verá, igualmente, ter direito a uma educação livre <strong>de</strong><br />

discriminações.<br />

Em pesquisa realizada em livros didáticos e paradidáticos utilizados pelos<br />

professores do Ensino Fundamental, tanto <strong>de</strong> escolas públicas quanto particulares,<br />

na cida<strong>de</strong> do Recife, Amazonas et al.(2008) verificaram que ainda é muito forte a<br />

representação segundo a qual qualquer mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família que escape ao tradicional<br />

(pai, mãe e filhos) seria <strong>de</strong>sajustado e disfuncional. Essa representação,<br />

certamente, irá repercutir <strong>de</strong> forma extremamente negativa sobre as subjetivida<strong>de</strong>s<br />

infantis.<br />

A Constituição brasileira <strong>de</strong> 1988 assegura a proteção à família. E, como<br />

afirma Lobo (2002):<br />

Não é a família per se que é constitucionalmente protegida, mas o locus<br />

indispensável <strong>de</strong> realização e <strong>de</strong>senvolvimento da pessoa humana. Sob o<br />

ponto <strong>de</strong> vista do melhor interesse da pessoa, não po<strong>de</strong>m ser protegidas<br />

algumas entida<strong>de</strong>s familiares e <strong>de</strong>sprotegidas outras, pois a exclusão refletiria<br />

47


nas pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da vida,<br />

comprometendo a realização do princípio da dignida<strong>de</strong> humana.<br />

Deste modo, consi<strong>de</strong>rou-se <strong>de</strong> importância fundamental investigar como<br />

professores que lidam com a população infantil, representam famílias constituídas<br />

por casais do mesmo sexo.<br />

Segundo Castro, Abramovay e Silva (2004, p.289), muitos docentes do Ensino<br />

Fundamental e Médio <strong>de</strong>sempenham uma conivência não assumida com as<br />

discriminações e preconceitos em relação a homossexuais, ao consi<strong>de</strong>rarem que<br />

expressões <strong>de</strong> conotação negativa em relação a esses seriam apenas brinca<strong>de</strong>iras,<br />

coisas sem importância. Os mesmo autores, afirmam ainda que cerca <strong>de</strong> 22% dos<br />

professores pesquisados em 14 capitais no Brasil, concordam com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a<br />

homossexualida<strong>de</strong> é uma doença. Nesse sentido, vemos a importância <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>rmos melhor a questão da representação que os professores do Ensino<br />

Fundamental da nossa cida<strong>de</strong> têm <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong> constituição homoafetiva.<br />

Em relação à noção <strong>de</strong> representação que adotamos, esclarecemos que é<br />

aquela <strong>de</strong>corrente da perspectiva pós-estruturalista e da chamada “filosofia da<br />

diferença”. O pós-estruturalismo é “um movimento <strong>de</strong> pensamento – uma complexa<br />

re<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento – o que corporifica diferentes formas <strong>de</strong> prática crítica” (Peters,<br />

2000, p.29). Nesta perspectiva teórica, a noção clássica <strong>de</strong> representação é<br />

questionada, pois a linguagem e, por consequência, todo sistema <strong>de</strong> significação,<br />

passam a ser concebidos como estruturas instáveis e in<strong>de</strong>terminadas. Assim,<br />

consi<strong>de</strong>raremos a representação como um sistema <strong>de</strong> signos, sem fazer referência a<br />

qualquer conotação mentalista ou suposta interiorida<strong>de</strong> psicológica. A representação<br />

será por nós tomada apenas em sua dimensão <strong>de</strong> significante (Hall, 2000, p. 90).<br />

48


Desse modo, ao falarmos das representações dos professores a respeito das<br />

famílias que surgiram através <strong>de</strong> uniões homoafetivas, estaremos nos referindo às<br />

práticas <strong>de</strong> significação linguística e cultural e aos sistemas simbólicos através dos<br />

quais eles significam estas famílias (Meyer, 2003).<br />

Nosso ponto <strong>de</strong> partida será a filosofia da diferença, para a qual o mundo é<br />

fluxo, é movimento, é um vir a ser contínuo e perpétuo. A diferença não é um<br />

simples conceito, mas o fundamento <strong>de</strong> todas as coisas; pensar é mais do que<br />

reconhecer e o novo é o que ativa e leva a agir o pensamento, criando-o (Amazonas<br />

et al. 2008). Pensando <strong>de</strong>ste modo é que po<strong>de</strong>mos produzir uma existência mais<br />

livre e autêntica e agir em prol da vida (Schöpke, 2004).<br />

As representações são “formas culturais <strong>de</strong> referir, mostrar ou nomear um<br />

grupo ou um sujeito” (Louro, 1997, p. 98). Representar não é o mesmo que pensar<br />

ou reconhecer em um sentido clássico, isto é, não faz referência a um simples ato<br />

<strong>de</strong> reconhecimento do mundo, mas tem a ver com práticas discursivas que ao<br />

mesmo tempo em que nomeiam os fenômenos os constroem. Elas sempre ocorrem<br />

em campos <strong>de</strong> forças contraditórias em função <strong>de</strong> serem acionadas por diferentes<br />

perspectivas. É assim que elas se ligam às i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e às diferenças que só<br />

através das representações passam a existir. Através <strong>de</strong>las, atribuímos sentidos às<br />

nossas experiências e a nós mesmos; elas possibilitam não apenas aquilo que<br />

somos, mas aquilo que po<strong>de</strong>mos nos tornar (Woodward, 2000).<br />

As diferentes marcas/sentidos <strong>de</strong> família “funcionam competindo entre si,<br />

<strong>de</strong>slocando acentuando ou suprimindo convergências, conflitos e divergências entre<br />

diferentes discursos e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s” (Meyer, 2003, p. 42). Nesta competição, uma se<br />

torna hegemônica, mas isto não significa que esta que se sobressai seja a melhor<br />

49


forma <strong>de</strong> organização dos vínculos afetivos. Amazonas et al (2008, p. 237) afirmam<br />

que “cada representação <strong>de</strong> família (…) é apenas uma versão, uma possibilida<strong>de</strong><br />

entre tantas outras que po<strong>de</strong>riam ser produzidas”.<br />

Desse modo, ao investigar a forma como professores do Ensino Fundamental<br />

representam as uniões homoafetivas, é importante questionar a origem dos atos que<br />

construíram suas representações e as posições <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r a partir das quais elas se<br />

formaram. Isto é importante, pois são essas representações e essas posições que<br />

irão repercutir sobre suas ações em sala <strong>de</strong> aula e estarão imbricadas no processo<br />

<strong>de</strong> subjetivação e individuação das crianças que serão seus alunos. Ao<br />

representarmos a família em um <strong>de</strong>terminado mo<strong>de</strong>lo, não importa qual seja ele,<br />

apagamos as diferenças entre os vários e singulares agrupamentos familiares,<br />

escamoteamos as gradações, as continuida<strong>de</strong>s e as <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s entre eles. A<br />

diferença, nesses casos, é relegada ao status <strong>de</strong> mero acessório, <strong>de</strong> simples<br />

aci<strong>de</strong>nte (Silva, 2002).<br />

É importante salientarmos que a representação não é imparcial, visto que<br />

em seu bojo carrega um ponteiro <strong>de</strong> valoração dicotômica: “normal” ou “anormal”;<br />

“bom” ou “mau”; “certo” ou “errado”, etc. Este fato termina por produzir uma<br />

equivocada concepção segundo a qual a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família seria melhor<br />

ou pior do que o outro. No nosso enten<strong>de</strong>r, nenhuma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> família po<strong>de</strong> ser<br />

consi<strong>de</strong>rada melhor ou pior que a outra, pois o jogo valorativo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, e sempre irá<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r, necessariamente, da perspectiva que se adota. E, nesse sentido, a<br />

escola, enquanto um sistema que tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> representar, <strong>de</strong>ve atentar para seu<br />

potencial <strong>de</strong> constituir-se como um espaço que possibilite diferentes interpretações,<br />

50


pontos <strong>de</strong> vistas e perspectivas acerca dos temas por ela tratados, todos visando<br />

aten<strong>de</strong>r à preservação da dignida<strong>de</strong> humana.<br />

Outro aspecto que <strong>de</strong>vemos salientar é que professores são figuras <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong> e referência para seus alunos, responsáveis por sua formação e pela<br />

transmissão <strong>de</strong> conhecimento. Este não é um produto neutro, pois é produzido em<br />

um campo <strong>de</strong> forças, e quem o produz está numa posição <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r dizer o que é e<br />

como as coisas são ou <strong>de</strong>vem ser (Silva, 2002). É criando conceitos que<br />

transformamos o mundo e po<strong>de</strong>mos reduzir o diferente ao igual. Portanto, tanto<br />

po<strong>de</strong>mos representar a família em um único e hegemônico padrão, a saber, o<br />

nuclear, e assim enquadrarmos todos os indivíduos em uma única classe, quanto<br />

po<strong>de</strong>mos abandonar a tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir as semelhanças entre os diferentes, a<br />

tentativa incessante <strong>de</strong> classificação e abrir as possibilida<strong>de</strong>s para outras formas <strong>de</strong><br />

convivência afetiva.<br />

O professor tem um po<strong>de</strong>r que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os instrumentos <strong>de</strong> controle, como<br />

as avaliações, até simples comentários “<strong>de</strong>spretensiosos”, que influem na maneira<br />

<strong>de</strong> pensar e agir das crianças educadas por eles. Este fato também nos leva a<br />

questionar como a escola, diante <strong>de</strong> um mundo dito globalizado, lida com as<br />

políticas sociais que buscam promover ações educativas para a inclusão da<br />

diversida<strong>de</strong> sexual. Apesar <strong>de</strong> a educação sexual compor os PCN (Parâmetros<br />

Curriculares Nacionais) como um dos temas transversais, esta ainda é uma temática<br />

que encontra muita resistência por parte dos docentes. Aqueles que ousam trabalhá-<br />

los, o fazem na perspectiva biológica, reprodutiva, e quando o tema encontra-se<br />

relacionado à representação <strong>de</strong> família, verifica-se, que o mo<strong>de</strong>lo normativo<br />

heterossexista impera nos exemplos dados (Borges & Meyer, 2008).<br />

51


Muitos professores carecem <strong>de</strong> um maior conhecimento a respeito do tema,<br />

embora reconheçamos que este não é o principal empecilho. A gran<strong>de</strong> questão em<br />

torno da discussão <strong>de</strong>sta temática são as concepções heteronormativas que<br />

permeiam as noções <strong>de</strong> família e <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong>. Alguns professores tentam<br />

esquivar-se da reflexão sobre o assunto argumentando com esses fundamentos<br />

religiosos; porém, o que se salienta é a estranheza diante da composição familiar<br />

homoafetiva, vista sempre como aquela que po<strong>de</strong> causar problemas sem<br />

questionamento sobre as inúmeras dificulda<strong>de</strong>s que famílias que se enquadram no<br />

mo<strong>de</strong>lo heteronormativo também po<strong>de</strong>m enfrentar. Segundo Longaray e Ribeiro<br />

(2008):<br />

(...) a escola fabrica sujeitos e produz i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gêneros. É valido<br />

repensar que os sujeitos são constituídos por múltiplas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s – classe,<br />

raça, gênero, sexual, geracional – e que essas se inter-relacionam<br />

posicionando-os nos diversos contextos sócio-culturais. Consi<strong>de</strong>rando que a<br />

homossexualida<strong>de</strong> é uma entre as possíveis i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sexuais, mas que a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entendida como normal é a heterossexualida<strong>de</strong>, torna-se<br />

importante discutir a construção histórica <strong>de</strong>ssa, especialmente no espaço<br />

escolar, on<strong>de</strong> é possível a discussão das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sexuais, valorizando a<br />

igualda<strong>de</strong> entre os gêneros e promovendo o respeito e o reconhecimento da<br />

diversida<strong>de</strong> sexual, contribuindo assim para a minimização da homofobia<br />

<strong>de</strong>ntro do âmbito escolar.<br />

É nesta perspectiva que conduzimos nosso trabalho. Ao ouvir professores do<br />

Ensino Fundamental <strong>de</strong> escolas públicas e privadas, preten<strong>de</strong>mos investigar suas<br />

representações acerca <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família, porque acreditamos que a escola, e<br />

52


nela seu corpo docente, tem importância fundamental na formação <strong>de</strong> cidadãos que<br />

se posicionem como sujeitos livres <strong>de</strong> preconceitos e capazes <strong>de</strong> criar uma vida<br />

mais justa.<br />

53


3. MÉTODO<br />

3.1. Participantes<br />

Segundo dados da Prefeitura (EMPREL, 2000), a cida<strong>de</strong> do Recife está<br />

mapeada por Regiões Político-Administrativas (RPA) que se divi<strong>de</strong>m em seis zonas:<br />

RPA1 Centro; RPA2 Norte; RPA3 Noroeste; RPA4 Oeste; RPA5 Sudoeste; RPA6<br />

Sul. Para esta pesquisa, elegemos 10% das escolas públicas e particulares da Zona<br />

Centro da cida<strong>de</strong> do Recife (RPA1).<br />

Inicialmente, foi realizado o levantamento do número <strong>de</strong> escolas existentes<br />

nesta zona que ofereciam o Ensino Fundamental. Em seguida, sorteamos 10% das<br />

escolas públicas municipais e 10% das públicas estaduais. Proce<strong>de</strong>mos, também,<br />

ao sorteio <strong>de</strong> 10% das escolas particulares existentes na RPA1 para compor a<br />

amostra. O fato <strong>de</strong> tomar 10% <strong>de</strong> cada tipo <strong>de</strong> escola (pública municipal, pública<br />

estadual e particular) não teve a intenção <strong>de</strong> comparar os resultados entre<br />

professores <strong>de</strong> escolas diferentes, mas sim <strong>de</strong> representar amplamente a<br />

população.<br />

Em cada escola sorteada foi pedida a autorização para a realização da<br />

pesquisa. Nas escolas públicas municipais e estaduais esta autorização foi<br />

concedida pela Gerência Regional <strong>de</strong> Educação Recife Norte – GRE e pela<br />

Secretaria <strong>de</strong> Educação, Esporte e Lazer da cida<strong>de</strong> do Recife. Nas particulares, a<br />

permissão foi concedida pelos diretores <strong>de</strong> cada escola. Depois <strong>de</strong> obtida a<br />

permissão, fizemos um levantamento <strong>de</strong> todos os professores <strong>de</strong> cada escola que<br />

atuavam no Ensino Fundamental e, em seguida, sorteamos 10% <strong>de</strong>les.<br />

54


Posteriormente, agendamos um encontro com estes professores. Neste encontro,<br />

explicamos os objetivos da pesquisa, apresentamos o termo <strong>de</strong> Consentimento Livre<br />

e Esclarecido, e, somente após sua assinatura, foi iniciada a Coleta <strong>de</strong> Dados.<br />

No final da coleta, aplicamos os instrumentos a 30 professoras, sendo 18 <strong>de</strong><br />

escolas particulares e 12 <strong>de</strong> escolas públicas. Embora não tenha sido um critério<br />

pre<strong>de</strong>terminado <strong>de</strong> inclusão para a amostra, ao final todas as participantes <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa eram do sexo feminino. A faixa etária variou <strong>de</strong> 25 a 48 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>,<br />

para as professoras das escolas particulares, e 40 a 59 anos, para as professoras<br />

das escolas públicas. No que tange às escolas particulares, apenas uma era <strong>de</strong><br />

pequeno porte, ou seja, seu espaço físico é muito pequeno, composto <strong>de</strong> apenas<br />

três salas <strong>de</strong> aula e um número reduzido <strong>de</strong> alunos, por conta <strong>de</strong>ssa contingência.<br />

Todas as outras eram <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte, uma vez que tinham, no mínimo, dois pisos<br />

<strong>de</strong> salas <strong>de</strong> aula, com várias salas e laboratórios, bem como espaços <strong>de</strong> lazer, e<br />

consi<strong>de</strong>radas, <strong>de</strong>vido à sua história, <strong>de</strong> tradição na cida<strong>de</strong> do Recife. As escolas<br />

públicas variavam <strong>de</strong> médio a gran<strong>de</strong> porte, isto é, as <strong>de</strong> médio porte só possuíam<br />

uma planta baixa e tinham cerca <strong>de</strong> 10 salas <strong>de</strong> aula; as <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte, assim<br />

como as particulares, também possuíam mais <strong>de</strong> um piso <strong>de</strong> salas <strong>de</strong> aula. Vale<br />

salientar que, para a realização <strong>de</strong>ssa pesquisa, encontramos mais dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

acesso às professoras das escolas públicas do que as das escolas particulares,<br />

contrariando nossas expectativas em função da orientação religiosa da maioria das<br />

escolas particulares. Nestes casos, tanto os diretores, quanto o corpo docente,<br />

apesar <strong>de</strong> suas convicções religiosas, <strong>de</strong>monstraram maior disponibilida<strong>de</strong> para<br />

participar da pesquisa sobre a o tema da família <strong>de</strong> constituição homoafetiva do que<br />

os profissionais alocados em escolas públicas.<br />

55


TABELA DE DADOS SODIODEMOGRÁFICO<br />

PARTICIPANTES SEXO IDADE TEMPO DE<br />

DOCÊNCIA<br />

TIPO DE<br />

INSTITUIÇÃO<br />

P1 F 40 15 PARTICULAR<br />

P2 F 45 20 PARTICULAR<br />

P3 F 45 20 PARTICULAR<br />

P4 F 30 06 PARTICULAR<br />

P5 F 36 06 PARTICULAR<br />

P6 F 40 16 PÚBLICA<br />

ESTADUAL<br />

P7 F 40 20 PÚBLICA<br />

ESTADUAL<br />

P8 F 45 20 PÚBLICA<br />

MUNICIPAL<br />

P9 F 49 25 PÚBLICA<br />

MUNICIPAL<br />

P10 F 38 12 PARTICULAR<br />

P11 F 48 24 PARTICULAR<br />

P12 F 39 12 PARTICULAR<br />

P13 F 59 30 PÚBLICA<br />

ESTADUAL<br />

P14 F 41 19 PÚBLICA<br />

ESTADUAL<br />

P15 F 27 10 PARTICULAR<br />

P16 F 30 12 PARTICULAR<br />

P17 F 26 02 PARTICULAR<br />

P18 F 30 12 PARTICULAR<br />

P19 F 35 15 PARTICULAR<br />

P20 F 38 13 PARTICULAR<br />

P21 F 51 29 PÚBLICA<br />

ESTADUAL<br />

P22 F 46 16 PÚBLICA<br />

ESTADUAL<br />

P23 F 52 31 PÚBLICA<br />

56


ESTADUAL<br />

P24 F 40 18 PARTICULAR<br />

P25 F 36 10 PARTICULAR<br />

P26 F 29 03 PARTICULAR<br />

P27 F 44 20 PARTICULAR<br />

P28 F 25 08 PARTICULAR<br />

P29 F 48 20 PÚBLICA<br />

ESTADUAL<br />

P30 F 45 20 PARTICULAR<br />

57


3.2 Instrumentos<br />

Foi utilizado, para a coleta <strong>de</strong> dados, o Procedimento <strong>de</strong> Desenhos-Estórias<br />

com Tema. Esta técnica se propõe, principalmente, a investigar as representações<br />

sociais. Foi <strong>de</strong>senvolvida com fundamentação psicanalítica, porém tem sido utilizada<br />

para pesquisas em diversas perspectivas teóricas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a psicanálise até a<br />

comportamental (Aiello-Vaisberg, 1997). Em nosso estudo, preten<strong>de</strong>mos<br />

fundamentar a análise na literatura pós-estruturalista e na perspectiva dos estudos<br />

culturais.<br />

Este tipo <strong>de</strong> procedimento foi <strong>de</strong>senvolvido a partir do Procedimento <strong>de</strong><br />

Desenhos-Estórias (Trinca, 1976) e, segundo seu autor, serve como estímulo <strong>de</strong><br />

apercepção temática e é uma importante forma <strong>de</strong> expressão <strong>de</strong> conteúdos<br />

referentes à realida<strong>de</strong>. Quando relacionado a um tema qualquer (no nosso caso a<br />

representação da Família resultante <strong>de</strong> Uniões Homoafetivas), o examinando tem a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressar-se livremente diante do tema, caracterizando sua<br />

realida<strong>de</strong>.<br />

O Procedimento dos Desenhos-Estórias com Tema apresenta algumas<br />

vantagens: é fácil treinar um pesquisador em sua aplicação, po<strong>de</strong>ndo ser usado por<br />

alunos da graduação em fase <strong>de</strong> Iniciação Científica, inclusive para proce<strong>de</strong>rem à<br />

correção <strong>de</strong> forma confiável em termos <strong>de</strong> rigor científico; o material é registrado <strong>de</strong><br />

forma precisa e isso possibilita sua interpretação por pesquisador que não tenha<br />

feito pessoalmente a coleta, o que maximiza o aproveitamento dos recursos<br />

humanos requeridos pelos projetos <strong>de</strong> pesquisa; favorece uma interpretação<br />

58


significativa que um examinando faz <strong>de</strong> uma percepção, integrando seu estado<br />

psicológico passado e/ou presente (Aiello-Vaisberg, 1997).<br />

Nos <strong>de</strong>senhos não há qualquer restrição ao pensamento do examinando. A<br />

sequência <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos, seguidos da criação <strong>de</strong> uma estória, promove uma ativação<br />

dos mecanismos e dinamismos da personalida<strong>de</strong>, levando à maior profundida<strong>de</strong> e<br />

clareza.<br />

Nesta pesquisa, foi utilizado um gravador digital e um programa <strong>de</strong><br />

computador (Digital Voice Editor 3 ® , da Sony ® ) que salvava as gravações feitas, para<br />

registrar as estórias contadas pelos participantes, com o intuito <strong>de</strong> garantir maior<br />

fi<strong>de</strong>dignida<strong>de</strong> das mesmas.<br />

Ao final da aplicação do Procedimento do Desenho-Estória com Tema, foi<br />

realizada uma entrevista com cada participante contendo três questões: 1) Você já<br />

teve alguma experiência, na escola, <strong>de</strong> lidar com crianças provenientes <strong>de</strong> famílias<br />

on<strong>de</strong> o casal parental é do mesmo sexo? 2) Como você se sentiu nesta situação? 3)<br />

Como você vê o papel da escola na construção das diferenças sexuais?<br />

3.3. Procedimento <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados<br />

Antes <strong>de</strong> iniciar a coleta <strong>de</strong> dados, o projeto foi submetido e aprovado pelo<br />

Comitê <strong>de</strong> Ética da Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Pernambuco. Antes da aplicação dos<br />

instrumentos, eram explicados aos participantes os objetivos da pesquisa e<br />

solicitado que assinassem o Termo <strong>de</strong> Consentimento Livre e Esclarecido.<br />

59


A aplicação foi individual e consistiu em pedir a cada participante que<br />

<strong>de</strong>senhasse uma família em que os pais/mães eram, ambos, do mesmo sexo.<br />

Terminado o <strong>de</strong>senho, solicitou-se que inventasse uma estória sobre o <strong>de</strong>senho e o<br />

investigador fez uso do gravador para registrar a estória, caso o participante o<br />

permitisse. Em caso <strong>de</strong> não haver permissão para a gravação, o próprio investigador<br />

anotou a estória relatada. Todos os participantes autorizaram a utilização do<br />

gravador. Qualquer dúvida apresentada pelo participante foi esclarecida, sempre no<br />

sentido <strong>de</strong> encorajá-lo à livre expressão, enfatizando-se a inexistência <strong>de</strong> exigências<br />

específicas além das instruções propriamente ditas. Foram colocados à disposição<br />

<strong>de</strong> cada participante, para realizar o <strong>de</strong>senho, um lápis preto e uma caixa <strong>de</strong> doze<br />

unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lápis colorido. A aplicação ocorreu em local apropriado, isto é, em um<br />

recinto privado. O pesquisador anotou todas as expressões do participante que<br />

podiam <strong>de</strong>notar significados, tais como risos, pausas prolongadas, recusas, etc. Não<br />

foi permitido o uso da borracha, porém foi facultada outra folha, quando algum<br />

participante solicitava. Ao final do relato da estória o pesquisador realizou um<br />

inquérito com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dirimir todas as dúvidas a respeito do <strong>de</strong>senho e da<br />

estória. Ao término da aplicação <strong>de</strong>ste procedimento, realizou-se a entrevista.<br />

3.4. Procedimento <strong>de</strong> análise dos dados<br />

Os dois instrumentos foram submetidos à Análise <strong>de</strong> Conteúdo. No caso dos<br />

Desenhos-Estórias com Tema, analisamos tanto os <strong>de</strong>senhos, quanto os títulos<br />

atribuídos a eles, as estórias e os inquéritos.<br />

60


As etapas da análise foram: 1) inicialmente os <strong>de</strong>senhos foram examinados,<br />

juntamente com seus títulos e a estória narrada pelos participantes. A partir <strong>de</strong>ste<br />

exame e dos objetivos da pesquisa, os temas foram <strong>de</strong>limitados. Da mesma<br />

maneira, foram lidas e relidas as respostas dos participantes na entrevista; 2) após a<br />

<strong>de</strong>limitação dos temas foi construída a tabela 1 (Vi<strong>de</strong> Apêndice 1). Nesta tabela<br />

constam nossas interpretações do material pictórico produzido por cada participante,<br />

levando também em consi<strong>de</strong>ração a estória narrada e o título atribuído à estória; 3)<br />

em seguida, tomamos para análise apenas o material verbal, isto é, retomamos as<br />

estórias e as respostas das entrevistas. Separamos as falas <strong>de</strong> cada participante,<br />

tanto nas estórias quanto nas entrevistas, em torno <strong>de</strong> cada tema. A partir daí,<br />

construímos nossos capítulos entremeando as falas ao levantamento <strong>de</strong> literatura já<br />

realizado. Este procedimento <strong>de</strong> análise não foi linear. A cada etapa, o pesquisador<br />

tanto trabalhou o material coletado quanto teorizou sobre ele, em um movimento<br />

constante <strong>de</strong> ida e vinda.<br />

61


4. ANÁLISE DOS RESULTADOS<br />

Dois tipos <strong>de</strong> matérias foram analisados: o material pictórico referente ao DF-<br />

E e o material verbal, as estórias e o inquérito, ainda do DF-E e o resultante das<br />

entrevistas. Como já foi dito, este material foi analisado em torno <strong>de</strong> três temas: 1) A<br />

representação dos professores acerca <strong>de</strong> famílias constituídas por uniões<br />

homoafetivas; 2) Como os professores percebem as crianças que vivem neste tipo<br />

<strong>de</strong> família; 3) O papel da escola na construção das diferenças sexuais. Discutiremos,<br />

a seguir, cada tema, entrelaçando as falas das participantes com a literatura<br />

consultada que trata das respectivas temáticas, escola, representação,<br />

homossexualida<strong>de</strong>.<br />

4.1. A representação dos professores acerca <strong>de</strong> famílias constituídas por<br />

uniões homoafetivas<br />

Apesar <strong>de</strong> todos os avanços tecnológicos e culturais que a socieda<strong>de</strong> em<br />

geral vem <strong>de</strong>sfrutando, ainda hoje, no que tange à questão da sexualida<strong>de</strong>, assim<br />

como das novas configurações <strong>de</strong> família, mais especificamente daquelas formadas<br />

a partir <strong>de</strong> uma composição homoafetiva, é possível verificar um discurso<br />

homofóbico, fundamentado em justificativas da natureza humana <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m biológica<br />

ou cultural. A homofobia se caracteriza por uma “atitu<strong>de</strong> hostil que tem como foco os<br />

homossexuais, homens e mulheres, e consiste em <strong>de</strong>signar o outro como inferior,<br />

contrário ou anormal, <strong>de</strong> modo que sua diferença o coloca fora do universo comum<br />

62


dos humanos” (Borges & Meyer, 2008, p. 60). São inúmeras as formas <strong>de</strong><br />

manifestação da homofobia: elas variam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a violência física, o assassinato, até<br />

a violência simbólica em que um pai ou mãe <strong>de</strong> um aluno po<strong>de</strong> rejeitar a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu filho ter, como colega <strong>de</strong> escola, uma criança filha <strong>de</strong> um casal<br />

homoafetivo. Ou mesmo <strong>de</strong> uma das professoras afirmar:<br />

(…) eu acho ainda um negócio muito esquisito. Muito. Pra mim…, eu<br />

realmente…, tá fora, realmente…, até contra a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. Isso aí é<br />

pecado, para o homem, para a mulher. (...) É um ser humano como qualquer<br />

outro, mas a situação, eu não aceito não. (...) Não vou nem <strong>de</strong>monstrar pra<br />

criança, pra aquela criança, que eu não to respeitando. Eu respeito. Agora, eu<br />

não aceito, não é? Eu não aprovo.(P 13)<br />

Segundo Borges e Meyer (2008, p. 63), “a escola, e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la os<br />

professores, é um território em que se constituem e se reproduzem mecanismos<br />

homofóbicos”. Estes tipos <strong>de</strong> discursos escamoteiam relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que<br />

<strong>de</strong>terminam quais as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sexuais <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas legítimas e quem<br />

está <strong>de</strong>vidamente autorizado a legitimá-las. A estas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s homossexuais,<br />

vistas como <strong>de</strong>sviantes, tudo é negado, inclusive o direito a constituir vínculos<br />

afetivos conjugais e/ou parentais. Ao <strong>de</strong>mandarem estes direitos, os homossexuais<br />

ameaçam o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> conjugalida<strong>de</strong> e parentalida<strong>de</strong> heterossexual dominante.<br />

Nesse sentido, Mello (2005a, p. 177) afirma que<br />

O questionamento do mo<strong>de</strong>lo familiar conjugal dominante é visto como<br />

sinônimo <strong>de</strong> questionamento dos próprios alicerces da vida em socieda<strong>de</strong>, a<br />

partir <strong>de</strong> um entendimento que exclui, a priori, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que as<br />

63


uniões homossexuais sejam incorporadas a esse mo<strong>de</strong>lo, uma vez que o<br />

amor e a sexualida<strong>de</strong> são <strong>de</strong>finidos como prerrogativa restrita ao universo do<br />

casamento monogâmico, indissolúvel e reprodutivo, centrado na<br />

complementarieda<strong>de</strong> dos sexos. Com base numa concepção <strong>de</strong> família que<br />

se restringe basicamente ao casal homem-mulher, civil e religiosamente<br />

casado, e seus filhos, combatem-se toda e qualquer tentativa <strong>de</strong> ampliar o<br />

sentimento social <strong>de</strong> família, <strong>de</strong> forma a assegurar o ingresso, na or<strong>de</strong>m das<br />

relações juridicamente <strong>de</strong>finidas como familiares, das uniões afetivo-sexuais<br />

constituídas por gays e lésbicas.<br />

Esta posição é refletida nas falas da maioria das professoras entrevistadas,<br />

traduzindo preconceito e homofobia em relação a este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> vínculo afetivo.<br />

(...) bom, primeiramente, assim pra mim é um pouco conflitante porque eu não<br />

sou uma pessoa que aceita esse tipo <strong>de</strong> relacionamento, assim, como uma<br />

coisa normal. Mas eu teria que, primeiramente, trabalhar comigo mesma para<br />

que evitasse a questão do preconceito (P1).<br />

Durante o trabalho <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados, esta mesma participante associou a<br />

homoafetivida<strong>de</strong> a conflitos, preconceitos, falta <strong>de</strong> aceitação, tanto por parte da<br />

socieda<strong>de</strong> quanto <strong>de</strong> si mesma, e tal postura se apresenta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o título atribuído<br />

ao <strong>de</strong>senho que realizou sobre este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família: “Família diferente‖, isto é, na<br />

concepção <strong>de</strong>sta participante a família que se constitui a partir <strong>de</strong> um casal do<br />

mesmo sexo tem como referência a norma heterossexual em relação a qual ela é<br />

que é diferente. No <strong>de</strong>senho (Vi<strong>de</strong> Apêndice 3), ela retrata um casal <strong>de</strong> homens,<br />

mas não inclui a presença <strong>de</strong> filhos. Em sua estória ela conta:<br />

64


Seriam duas pessoas que durante a infância tiveram conflitos e esses<br />

conflitos tinham a ver com a sua sexualida<strong>de</strong> (…) <strong>de</strong>vido a esses conflitos<br />

eles passaram por preconceitos. Não foram muito aceitos, principalmente no<br />

ambiente em que viviam, é… escola, vizinhança (…) apesar <strong>de</strong> todos os<br />

preconceitos existentes ao redor resolveram assumir que suas preferências<br />

sexuais eram diferentes. E um dia se encontraram e resolveram constituir<br />

uma família (P1).<br />

A estória tem um <strong>de</strong>senlace em que os homossexuais assumem sua<br />

condição, mas em todo o <strong>de</strong>senrolar a tônica recai sobre o preconceito que estas<br />

pessoas sofreram durante a vida. Segundo Veiga-Neto (2000, p. 80),<br />

A sexualida<strong>de</strong> interessa na medida em que ela funciona como um gran<strong>de</strong><br />

sistema <strong>de</strong> interdições, no qual somos levados a falar sobre nós mesmos, em<br />

termos <strong>de</strong> nossos <strong>de</strong>sejos, sucessos e insucessos, e no qual se dão fortes<br />

proibições <strong>de</strong> fazer isso ou aquilo.<br />

Tal reflexão se vê presente na fala das entrevistadas:<br />

Olha, eu não acho graça (risos). Eu não sei, eu sou hétero, eu gosto <strong>de</strong><br />

homem. Eu acho que tem... eu particularmente não acho... Eu nunca passei<br />

por essa situação, né? Eu acho que ninguém po<strong>de</strong> dizer assim, o que é<br />

realmente o que você nunca passou. Mas... é... Mas... Eu, pela minha visão,<br />

eu acho que é… eu acho que seria sem graça. (…) Deus nos fez com livre<br />

arbítrio pra gente escolher aquilo que a gente acha melhor pra gente. Só que<br />

eu acho que traz consequências que não são legais. Eu, particularmente,<br />

65


acho que é uma relação assim… E com filhos, eu acho que traz<br />

consequências pras crianças que não são legais (P 30).<br />

A entrevistada toma como referência a sua própria sexualida<strong>de</strong> para afirmar,<br />

mesmo com hesitações, que o diferente não é legal. Faz tentativas <strong>de</strong> respeitar a<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha das pessoas, mas, ao mesmo tempo, volta a reafirmar as<br />

consequências nefastas tanto para o casal homossexual quanto para seus filhos.<br />

Isto reafirma o que a literatura sobre o tema da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> vem apontando: o<br />

diferente é sempre o outro. Para Woodward (2003), as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s são fabricadas<br />

por meio da marcação da diferença, Essa marcação da diferença ocorre tanto por<br />

meio <strong>de</strong> sistemas simbólicos <strong>de</strong> representação quanto por meio <strong>de</strong> formas <strong>de</strong><br />

exclusão social.<br />

A participante P 30 é a segunda a afirmar, logo no título atribuído à estória, a<br />

questão da diferença: “Minha família diferente”. Porém, neste caso, além <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senhar (Vi<strong>de</strong> Apêndice 3) duas mulheres, ela inclui uma criança do sexo<br />

masculino representando o filho <strong>de</strong>ste casal. A estória narrada é da perspectiva da<br />

criança. Diz:<br />

Minha família é diferente, pois ao invés <strong>de</strong> um pai e uma mãe eu tenho duas<br />

mães. Meus colegas acham estranha, esta situação, mas para mim é normal,<br />

embora às vezes eu me sinta pouco à vonta<strong>de</strong>, às vezes. Amo minhas mães<br />

e não me preocupo com o que vou ser quando crescer, por enquanto gosto<br />

<strong>de</strong> meninas, não sei se vou mudar <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ia. Vamos <strong>de</strong>ixar o tempo passar (P<br />

30).<br />

66


A participante, ao contar esta estória, <strong>de</strong>ixa transparecer algumas crenças e<br />

preocupações infundadas que circulam a respeito das crianças cujo casal parental é<br />

homossexual. Uma <strong>de</strong>las é a <strong>de</strong> que essas crianças teriam dois pais ou duas mães.<br />

Pesquisas vêm mostrando que não é <strong>de</strong>ste modo que as crianças percebem o casal<br />

parental. Em geral, uma <strong>de</strong>las é vista como a mãe e a outra como uma “tia” ou<br />

simplesmente amiga da mãe, o mesmo acontecendo nos casos em que o casal<br />

homossexual é masculino (Silva, 2007). Por sua vez, Farias e Maia (2009) <strong>de</strong>stacam<br />

a gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> em geral tem em aceitar que homossexuais<br />

cui<strong>de</strong>m <strong>de</strong> uma criança e que, <strong>de</strong>vido ao preconceito e à falta <strong>de</strong> informação, temem<br />

que o casal abuse sexualmente da criança, ou que, <strong>de</strong>vido ao comportamento não<br />

normativo, influencie na sua orientação sexual, acarretando ao infante maiores<br />

problemas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psicossocial.<br />

Esta é exatamente a outra questão que aparece na estória <strong>de</strong>sta participante,<br />

a preocupação com a orientação sexual que a criança vai adotar quando crescer.<br />

Ainda que ela conte a estória afirmando que não se preocupa com o tema (não me<br />

preocupo com o que vou ser quando crescer…), ele está presente (por enquanto<br />

gosto <strong>de</strong> meninas, não sei se vou mudar <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ia). Será que ela contaria uma estória<br />

sobre uma criança que tivesse pais heterossexuais aludindo à sua possível<br />

orientação sexual ao crescer?<br />

A estranheza em torno <strong>de</strong> um casal do mesmo sexo é um tema recorrente.<br />

Quase todas as participantes dizem consi<strong>de</strong>rar a situação estranha, ou a partir <strong>de</strong><br />

terceiros, como a participante cuja estória acabamos <strong>de</strong> citar, que diz: “meus<br />

colegas acham estranha esta situação”, ou <strong>de</strong> si mesmas como no <strong>de</strong>poimento da<br />

professora que narramos a seguir:<br />

67


Então, por mais que a gente ache normal, não é. Aos nossos olhos é uma<br />

coisa diferente. A gente ser acostumado com um paradigma, né? E <strong>de</strong><br />

repente o diferente é estranho, é... nos inquieta. Mas a gente tentou assim,<br />

através <strong>de</strong> estudos, agir naturalmente, né? Porque antes <strong>de</strong> ser... é ... são<br />

pessoas. E trabalhar com pessoas a gente vê o lado emocional o tempo todo.<br />

Eu acredito que não haveria mal nenhum. O mal que eles po<strong>de</strong>riam fazer é a<br />

eles mesmos (P 12).<br />

Aquilo que está fora também constitui este sujeito. Não se trata apenas <strong>de</strong> ser<br />

heterossexual ou homossexual. O discurso nos atravessa e o que está na borda, na<br />

fronteira, assusta, inquieta, implica em contradições. De acordo com Butler (2001, p.<br />

161) “não é suficiente afirmar que os sujeitos humanos são construídos, pois a<br />

construção do humano é uma operação diferencial que produz o mais e o menos<br />

„humano‟, o inumano, o humanamente impensável”. O <strong>de</strong>sdobramento nesse sentido<br />

são construções do humano, produtoras <strong>de</strong> um lugar dos excluídos o qual limita o<br />

„humano‟ e assombra suas fronteiras, e neste caso aquilo que está fora, perturba e<br />

po<strong>de</strong> ser rearticulado.<br />

Esta mesma participante (P 12) que afirma estranhar, conclui dizendo que<br />

―(...) não haveria mal nenhum. O mal que eles po<strong>de</strong>riam fazer é a si mesmos.‖<br />

Afirmação, no mínimo, contraditória. Há mal, ainda que este esteja reservado a si<br />

mesmos. Após <strong>de</strong>senhar (Vi<strong>de</strong> Apêndice 2) uma família constituída por dois homens<br />

e duas crianças <strong>de</strong> sexos diferentes, um menino e uma menina, todos com o corpo<br />

em forma <strong>de</strong> coração e <strong>de</strong> mãos dadas, simbolizando o amor que <strong>de</strong>ve prevalecer,<br />

conta a seguinte estória:<br />

68


Era uma vez um rapaz que encontrou num outro qualida<strong>de</strong>s que … o modo<br />

<strong>de</strong> pensar, <strong>de</strong> agir, se apaixonou. Surgiu o amor, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> morarem<br />

juntos e resolveram adotar crianças e fecharam os olhos aos olhos… da<br />

socieda<strong>de</strong>. Viveram felizes, o amor prevaleceu (P12).<br />

A estória contada começa como nos contos <strong>de</strong> fada: ―Era uma vez‖ e acaba<br />

do mesmo modo: ―Viveram felizes‖… apesar da socieda<strong>de</strong>. Embora romanceada,<br />

po<strong>de</strong>mos dizer que somente o fato <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r pensar em um conto <strong>de</strong> fadas gay já é<br />

uma ruptura com os padrões heterossexistas.<br />

O título atribuído à estória também nos chamou a atenção. Utilizando<br />

símbolos matemáticos, ela põe o seguinte título: + x + = ≠ AMOR >.<br />

Traduzindo, po<strong>de</strong>ríamos talvez dizer: mais, vezes mais, igual à diferente – amor<br />

maior.<br />

Os discursos são variados, embora haja o predomínio <strong>de</strong> uma visão que faz<br />

referências reiteradas à diferença e à não normalida<strong>de</strong>. Há alguns que apontam esta<br />

diferença privilegiando o casal homoparental. Uma das professoras diz:<br />

Às vezes eu achava até que eles eram mais compreensivos do que outros<br />

pais. No caso, eram dois homens né? E era um menino que era super<br />

agressivo. Já tinha outras histórias anteriores, da família, bastante sofrido e<br />

eles resolveram ficar com esse menino. Mas eles não adotaram, eles<br />

cuidaram <strong>de</strong>le temporariamente (…). Eu achei até que eles tinham mais<br />

atenção do que os outros pais, que eram casais normais. Deram mais<br />

atenção, procuravam saber mais sobre o filho na escola do que os outros pais<br />

normalmente (P 26).<br />

69


Para Garcia, Wolf, Oliveira, Souza, Gonçalves e Oliveira ( 2007, p. 284-296).<br />

A busca pelo reconhecimento legal da constituição <strong>de</strong> famílias homoparentais<br />

levanta, imediatamente, a questão do quanto esta busca, paradoxalmente,<br />

correspon<strong>de</strong> a uma reificação da família nuclear como mo<strong>de</strong>lo. (...) é possível<br />

supor que esta preocupação seja acrescida pelo receio em relação a<br />

eventuais “falhas” na criação <strong>de</strong>stas crianças. Entre estas estariam<br />

dificulda<strong>de</strong>s escolares ou o adoecimento dos filhos. (...) Este tipo <strong>de</strong><br />

estruturação familiar é favorecido pelo medo em relação às acusações<br />

presumidas no que diz respeito ao cuidado dos filhos: (...) parecem ter uma<br />

preocupação em cuidar <strong>de</strong> seus filhos <strong>de</strong> forma exemplar, para se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> eventuais críticas em relação ao fato <strong>de</strong> formarem uma família<br />

homoparental.<br />

Quando tratamos do reconhecimento da família homoafetiva, principalmente<br />

em relação aos filhos no processo <strong>de</strong> escolarização, não é raro encontrar certos<br />

discursos que mostram uma discrição por parte dos casais homoafetivos. Tal<br />

discrição, muitas vezes, é auto-imposta, frente à própria homossexualida<strong>de</strong>, a qual<br />

serve como estratégia <strong>de</strong> evitar discriminação e, com tal postura, também e <strong>de</strong> igual<br />

modo, tem-se a intenção <strong>de</strong> evitar discriminação em relação ao filho. É o que<br />

po<strong>de</strong>mos perceber nessa fala:<br />

(…) A gente não <strong>de</strong>sconfiava não, foi uma coisa <strong>de</strong> repente, que ela era<br />

casada, bem casada e <strong>de</strong> repente, quando a menina saiu da escola, foi que<br />

nós ficamos sabendo, enten<strong>de</strong>u? Que a mãe tinha se separado, ele já era<br />

padrasto da menina, e ela tava com uma amiga. [...] Eu acho assim, que cada<br />

um <strong>de</strong>ve procurar ser feliz do modo que quiser. Não é? Como se…, pela<br />

70


paixão, se está bem com uma mulher, o que é que impe<strong>de</strong>? Não sou contra<br />

não. Eu sou <strong>de</strong>ssas que a pessoa tem que procurar ser feliz do modo que<br />

tiver vonta<strong>de</strong>, tiver a fim. O que é que adianta tá com um homem e não ser<br />

feliz, ser espancada, um homem bater, lhe bater, lhe maltratar? Aí encontra<br />

uma pessoa do mesmo sexo que vai lhe dar carinho, lhe dar amor. Ela vai<br />

escolher o que? Do mesmo sexo (P 27).<br />

Segundo Louro (2001, p. 12) “Somos sujeitos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s transitórias e<br />

contingentes. Portanto, as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sexuais e <strong>de</strong> gênero (como todas as<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais) têm o caráter fragmentado, instável, histórico e plural”. É nesse<br />

sentido, que po<strong>de</strong>mos perceber que a fala <strong>de</strong>ssa entrevistada, representa um lócus<br />

<strong>de</strong> resistência em relação ao entendimento comum sobre a sexualida<strong>de</strong>. Ela<br />

consegue compreen<strong>de</strong>r que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> ultrapassa os limites do<br />

gênero, do que é socialmente aceito, ditado em relação ao nosso sexo. Por outro<br />

lado, caracteriza o homem como violento o que justificaria a procura por uma relação<br />

homossexual como compensação.<br />

71


4.2. Como os professores percebem as crianças que vivem neste tipo <strong>de</strong><br />

família<br />

Se no tema anterior algumas professoras postaram-se, muitas vezes, como<br />

guardiães da normativida<strong>de</strong> sexista, não reconhecendo as relações afetivo-sexuais<br />

<strong>de</strong> casais compostos pelo mesmo sexo, quando se tratou da inclusão <strong>de</strong> filhos nesta<br />

relação, esta posição conservadora se mostrou ainda mais radical. Algumas sequer<br />

incluíram crianças em seus <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> família, tampouco nas estórias contadas.<br />

As que as incluíram, apresentavam um discurso alarmista, que girava em torno da<br />

preocupação com o preconceito que estas crianças po<strong>de</strong>riam sofrer por parte da<br />

socieda<strong>de</strong>, como se esta fosse uma entida<strong>de</strong> abstrata e elas, professoras, não a<br />

constituíssem. Nesse sentido, Oliveira e Morgado (2006, p. 01) afirmam que<br />

“compreen<strong>de</strong>r o sentido da educação, da escola e da prática pedagógica e [das]<br />

suas relações com a socieda<strong>de</strong> e com as <strong>de</strong>mandas sociais” é uma questão<br />

recorrente. Dentre as falas das professoras entrevistadas, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar<br />

algumas que <strong>de</strong>monstram a preocupação em afirmar que estas crianças <strong>de</strong>vem ser<br />

tratadas como se fossem <strong>de</strong> famílias “normais”. Questionadas acerca <strong>de</strong> como<br />

lidariam com esta situação em sala <strong>de</strong> aula, o que fariam, uma das participantes<br />

afirma:<br />

Eu agiria normal. Agora, assim…, as outras crianças, não é? Eu teria que<br />

conversar com elas porque elas não iam enten<strong>de</strong>r. Enten<strong>de</strong>u? (P 28).<br />

Outra participante diz:<br />

Eu converso muito isso, é…, sobre isso com as crianças do quinto ano<br />

porque tem as aulas <strong>de</strong> gênero, reprodução humana. Eu teria muito cuidado<br />

72


porque eu acho que na socieda<strong>de</strong> que a gente vive ainda é muito difícil viver<br />

numa família assim. Ainda é muito complicado. (P2)<br />

A participante a seguir tenta refletir sobre o tema, assume uma posição <strong>de</strong><br />

quem questiona o que seria normal e o que seria anormal, porém fica confusa e<br />

compara as limitações <strong>de</strong> crianças advindas <strong>de</strong>stas famílias com crianças com<br />

necessida<strong>de</strong>s especiais. De outro lado, afirma que para os pais dos alunos é sempre<br />

um choque e que a escola precisa tomar uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> acolhimento <strong>de</strong>stas<br />

crianças do mesmo modo que acolhe as crianças das famílias ditas “normais”.<br />

Eu acredito que da mesma forma que se comporta com os ditos normais, da<br />

mesma forma como as crianças especiais, especiais em quê? Ela tem as<br />

limitações <strong>de</strong>la, é... Então todos são especiais, então todos têm as suas<br />

limitações, então por que não acolher esse tipo <strong>de</strong> família que eu acredito que<br />

para muitos tem o choque, né? Eu acredito que para os pais <strong>de</strong>va ter choque,<br />

né? Mas em questão <strong>de</strong> escola eu acredito que não. Eu acredito que eles iam<br />

acolher normal, como qualquer outra família. (P5)<br />

Outra participante <strong>de</strong>monstra uma crença bastante difundida na socieda<strong>de</strong>, ou<br />

seja, <strong>de</strong> algum modo estas crianças seriam prejudicadas, po<strong>de</strong>ndo ser em seus<br />

rendimentos escolares, na auto-estima, ou qualquer outro tipo <strong>de</strong> dano. Não<br />

po<strong>de</strong>mos negar o sofrimento psicológico <strong>de</strong>corrente do preconceito, quando tal<br />

assunto é exposto e não tratado da forma a<strong>de</strong>quada. Mas o que <strong>de</strong>ve ficar claro é<br />

que o sofrimento e o prejuízo que estas crianças po<strong>de</strong>m vir a sofrer são <strong>de</strong>correntes,<br />

não da orientação sexual <strong>de</strong> seus pais, mas da maneira como esta é <strong>de</strong>scrita pela<br />

socieda<strong>de</strong>. São os discursos difundidos sobre o que é bom ou mau, certo ou errado,<br />

73


normal ou anormal, que levarão a atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tolerância ou intolerância, respeito ou<br />

<strong>de</strong>srespeito, para com as minorias sexuais. Nesse sentido, pesquisas apontam que<br />

crianças que vivem neste tipo <strong>de</strong> família não se diferenciam das <strong>de</strong>mais em nenhum<br />

aspecto significativo (Derrida & Roudinesco, 2004). Derrida afirma:<br />

(…) há família ditas normais nas quais os filhos legítimos são infelíssimos (…)<br />

é preciso fazer <strong>de</strong> tudo para propiciar condições legais <strong>de</strong> exercício para as<br />

práticas em que o <strong>de</strong>sejo se manifesta (…) o casal homossexual é um “casal”<br />

que, por sua vez, também exige filhos legítimos. (Derrida & Roudinesco,<br />

2004, p. 49)<br />

A fala seguinte aponta para as dificulda<strong>de</strong>s e as limitações que as professoras<br />

<strong>de</strong>monstram em relação ao tema da sexualida<strong>de</strong> quando esta tem que ser pensada<br />

para além do aspecto puramente biológico/reprodutivo, mas também como aspecto<br />

social e político. Parece haver um acordo tácito em relação aos problemas <strong>de</strong> família<br />

que reverberam na escola, e mais especificamente nas professoras, problemas<br />

esses, já catalogados e conhecidos dos docentes.<br />

afirma que:<br />

(...) Ela sofria, o rendimento <strong>de</strong>la era muito baixo, a auto-estima <strong>de</strong>la era<br />

baixíssima. Porque nós temos problemas sérios tanto a prefeitura, o Estado<br />

nessa... nesse... nós professores nós temos problemas sérios <strong>de</strong> família.<br />

Famílias totalmente <strong>de</strong>sestruturadas, mas assim, o preconceito ainda é muito<br />

forte, pra se ter uma família homossexual. (P6)<br />

Segundo Farias e Maia (2009), a Desembargadora Maria Berenice Dias<br />

74


As evidências trazidas pelas pesquisas não permitem vislumbrar a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> distúrbios ou <strong>de</strong>svios <strong>de</strong> condutas pelo fato <strong>de</strong><br />

alguém ter dois pais ou duas mães. Não foram constatados quaisquer efeitos<br />

danosos ao normal <strong>de</strong>senvolvimento ou à estabilida<strong>de</strong> emocional <strong>de</strong>correntes<br />

do convívio <strong>de</strong> crianças com pais do mesmo sexo. Também não há registro<br />

<strong>de</strong> dano sequer potencial ou risco ao sadio estabelecimento dos vínculos<br />

afetivos. (p. 76)<br />

Tal afirmação po<strong>de</strong> ser percebida na fala <strong>de</strong> outra professora, quando ela diz:<br />

Bom, partindo do principio <strong>de</strong> que nós vemos a criança como centro <strong>de</strong> tudo,<br />

então, assim, pra criança, eu não percebi nenhum... não percebi algo<br />

diferente que eu pu<strong>de</strong>sse dar uma atenção maior, .(...) A criança não tinha<br />

problema nenhum quanto a isso. ( P 15 )<br />

A fala <strong>de</strong>sta professora revela um exercício comum da prática docente, no<br />

qual o mecanismo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que o integra foi e é a vigilância, no sentido <strong>de</strong> prevenir<br />

as condutas não-<strong>de</strong>sejadas, posicionando aquele que é “vigiado” em um lugar <strong>de</strong><br />

sujeito, mas, ao mesmo tempo, o professor que assim o faz, <strong>de</strong> igual modo expressa<br />

a sua própria posição-<strong>de</strong>-sujeito.<br />

Na esteira <strong>de</strong>ssa reflexão, vale salientar que, no que tange à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e à<br />

diferença, trata-se <strong>de</strong> uma relação social que está sujeita a vetores <strong>de</strong> forças, em<br />

uma constante relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que é permeada por conflitos e contradições<br />

advindas das diferentes posições que os envolvidos assumem. Nesse sentido,<br />

muitas vezes aquele que produz o discurso é convocado a ratificar seu discurso, é o<br />

que percebemos na fala <strong>de</strong>ssa outra participante.<br />

75


É... na minha turma tinha um menino, todo mundo dizia: ―tia, ele é bicha‖,<br />

mas <strong>de</strong>monstra mesmo... pelo jeito <strong>de</strong>le agir, pelo jeito <strong>de</strong> falar. O jeito <strong>de</strong>le<br />

agir, o jeito <strong>de</strong>le falar, é o jeito <strong>de</strong>le. Tinha um menino que realmente, ele<br />

sentia medo <strong>de</strong> começar a se aproximar dos meninos, pra brincar com os<br />

meninos. (P 13)<br />

Ao dividir o mundo social entre nós e eles, estamos classificando e esse<br />

processo <strong>de</strong> classificação é central na vida social. Silva (2000, p. 82), diz que “a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a diferença estão estreitamente relacionadas às formas pelas quais a<br />

socieda<strong>de</strong> produz e utiliza a classificação”. Essa observação em relação à maneira<br />

corpórea <strong>de</strong> como o aluno age, fala etc., já <strong>de</strong>monstra ser uma forma <strong>de</strong> controle, ao<br />

i<strong>de</strong>ntificar algo que na ótica da entrevistada não é “normal”. Portanto, é interessante<br />

salientarmos aqui o que diz Goellner (2003, p. 29) em relação ao corpo.<br />

O corpo é também o que <strong>de</strong>le se diz e aqui estou a afirmar que o corpo é<br />

construído, também, pela linguagem. Ou seja, a linguagem não apenas<br />

reflete o que existe. Ela própria cria o existente e, com relação ao corpo, a<br />

linguagem tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> nomeá-lo, classificá-lo, <strong>de</strong>finir-lhe normalida<strong>de</strong>s e<br />

anormalida<strong>de</strong>s, instituir.<br />

A respeito do corpo e da forma como um casal homossexual se apresenta, há<br />

crenças que consi<strong>de</strong>ram que, em um casal homossexual, cada membro reproduz<br />

um dos sexos (masculino/feminino). Por exemplo, em um casal homoafetivo<br />

feminino, uma será a mulher (lady) e a outra fará o papel do homem (fanchona).<br />

Segundo Farias e Maia (2009, p. 75):<br />

76


Existem alguns mitos sobre o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> crianças com os quais não<br />

concordamos. Um <strong>de</strong>les [...] quando nos diz que alguns estudiosos<br />

tradicionais da psicanálise salientam a importância <strong>de</strong> um pai e <strong>de</strong> uma mãe<br />

estarem presentes na vida da criança para que haja uma boa resolução do<br />

Édipo, pois do contrário, no caso <strong>de</strong> lares <strong>de</strong> mães lésbicas, em que haveria a<br />

ausência <strong>de</strong> um pai, ocorreria <strong>de</strong>senvolvimento atípico do gênero da criança.<br />

A este respeito uma das participantes, P 24, <strong>de</strong>senha uma família<br />

homossexual feminina (Vi<strong>de</strong> Anexo 3), na qual uma das componentes tem uma<br />

aparência feminina e usa, como indumentária, um vestido. Enquanto isso, a outra<br />

está tipicamente vestida como um homem. Além disto, ela conta a seguinte estória:<br />

Era uma vez duas pessoas do mesmo sexo, feminino, no caso, que se<br />

gostavam muito e resolveram viver juntas e adotaram um homem.<br />

[referindo-se ao <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> uma criança do sexo masculino]. [Acrescenta:]<br />

Seria essa? (P 24) (Grifos nossos).<br />

Contudo, também é possível constatar a existência <strong>de</strong> outros discursos a<br />

respeito das crianças que vivem nesta modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> família que divergem dos<br />

citados até aqui, <strong>de</strong>monstrando que nem todas as professoras são homofóbicas.<br />

Uma das participantes <strong>de</strong>senha um casal homossexual feminino com uma filha,<br />

todas <strong>de</strong> mãos dadas e conta a seguinte estória:<br />

São duas mulheres que se conheceram em <strong>de</strong>terminado local e se<br />

envolveram. Depois <strong>de</strong> um certo tempo, resolveram morar juntas e com um<br />

tempo <strong>de</strong> convivência <strong>de</strong>cidiram adotar uma criança porque sentiram<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter uma criança. E aí adotam essa criança, <strong>de</strong>ram todo amor<br />

e todo carinho que um casal hétero po<strong>de</strong>ria dar (P 28).<br />

77


Esta participante reconhece que casais homoafetivos têm o direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejar<br />

filhos e amá-los, porém ainda toma a norma heterossexual como referência, sem a<br />

qual parece que é quase impossível pensar ou falar.<br />

Outra participante, quando questionada sobre se já teve alguma experiência,<br />

na escola, <strong>de</strong> lidar com crianças que viviam em famílias constituídas por um casal do<br />

mesmo sexo, afirma que sim e diz como se sentiu:<br />

Normal. Eu acho isso uma coisa assim… tão normal, porque é como eu digo<br />

na minha história [refere-se à estória que contou sobre o <strong>de</strong>senho], as<br />

pessoas para serem felizes, para viverem em harmonia, em respeito, em<br />

união, não precisam ter aquela figura paterna, a figura materna, não. Eu não<br />

sei se isso mexe com a cabeça da criança, enten<strong>de</strong>u? Porém, com a minha,<br />

como eu sou adulta, não mexe nada. Po<strong>de</strong>ria ser um casal gay masculino ou<br />

um casal gay feminino criando uma criança, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que essa criança se sinta<br />

bem, que essa criança seja respeitada e amada. Não vejo porque não ser (P<br />

23).<br />

Ainda uma terceira participante afirma, a respeito da mesma questão:<br />

Não vejo diferença nenhuma, obstáculo nenhum. Se a criança não<br />

apresentava nenhum problema, falava numa boa, era uma criança saudável,<br />

tinha um bom aproveitamento escolar, não tinha complicação nenhuma. O<br />

problema que eu achava <strong>de</strong>la era mais em relação à separação dos pais, mas<br />

com relação à opção sexual da mãe, não tinha problema nenhum. Agora, em<br />

relação ao relacionamento dos pais, aí tinha problema (P 22).<br />

78


Como vemos, há professoras que não <strong>de</strong>monstram nenhuma espécie <strong>de</strong><br />

homofobia nem se referem a estas crianças diferenciando-as com base em uma<br />

heteronormativida<strong>de</strong>.<br />

Assim, po<strong>de</strong>mos dizer que a forma como as pessoas veem a questão da<br />

sexualida<strong>de</strong>, bem como a maneira pela qual elas produzem e reproduzem as<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e as diferenças, revela a sua própria construção enquanto sujeito.<br />

Professores são formados para educar respeitando e acolhendo seus alunos em<br />

suas diferenças, porém, professores são sujeitos históricos e contingentes e nem<br />

sempre conseguem escapar/<strong>de</strong>stacar-se <strong>de</strong>sta formação social. Portanto, esse<br />

mesmo discurso revela, na maneira <strong>de</strong>las perceberem e representarem as crianças<br />

advindas <strong>de</strong> casais do mesmo sexo, o choque i<strong>de</strong>ológico entre a visão da educadora<br />

e a representação social <strong>de</strong> um ambiente familiar moldado a partir <strong>de</strong> valores<br />

heterossexistas. Dessa forma, posicionar-se <strong>de</strong> um jeito ou <strong>de</strong> outro parece ser uma<br />

maneira <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r da reflexão que tal situação as convoca.<br />

79


4.3. O papel da escola na construção das diferenças sexuais<br />

Segundo Borges e Meyer (2008) a violência por discriminação sexual no<br />

Brasil, mata em torno <strong>de</strong> 150 pessoas por ano, o que torna nosso país campeão<br />

mundial <strong>de</strong> assassinatos contra pessoas consi<strong>de</strong>radas como <strong>de</strong> orientação sexual<br />

<strong>de</strong>sviante. Esta <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> homofobia seguramente tem suas raízes em um<br />

processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> sujeitos atravessados por discursos heteronormativos<br />

que produzem representações <strong>de</strong> mundo e <strong>de</strong> gênero dicotômicas que os levam a<br />

assumir posições <strong>de</strong> intolerância para com as diferenças. Na construção <strong>de</strong>stes<br />

sujeitos, consi<strong>de</strong>ramos que a escola, e nela seus professores, exerce um papel<br />

prepon<strong>de</strong>rante tanto na manutenção quanto na transformação <strong>de</strong>stas posições<br />

homofóbicas. Uma das perguntas que nos mobilizou a realizar esta pesquisa foi:<br />

Será que os professores <strong>de</strong> nossas escolas <strong>de</strong> Ensino Fundamental que lidam<br />

diariamente com crianças <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> muito precoce estão cientes da responsabilida<strong>de</strong><br />

que assumem na formação <strong>de</strong> cidadãos? Mas especificamente, a nossa questão<br />

era: como eles vêem o papel da escola na construção das diferenças sexuais? A<br />

esse respeito, ouvimos a seguinte <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> uma das professoras:<br />

Eu acho que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança a escola precisa trabalhar com essa criança,<br />

mostrando verda<strong>de</strong>iramente, assim... o que é uma mulher, o que é um<br />

homem, a função <strong>de</strong> cada um. E aqui como a gente trabalha numa escola<br />

cristã, principalmente, a gente mostra o porquê <strong>de</strong> Deus ter criado o homem e<br />

ter criado a mulher, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança a gente está passando isso. (P1)<br />

Na resposta <strong>de</strong>sta professora é possível ver, que através da religião, ela<br />

naturaliza a relação heterossexual. Para os partidários <strong>de</strong> perspectivas<br />

80


essencialistas, há várias formas <strong>de</strong> justificar i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s naturalizadas, nem sempre<br />

baseadas em visões biologizantes. Os fundamentos po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> natureza<br />

histórica, cultural, religiosa, entre outros. Segundo Woodward (2000), algumas vezes<br />

busca-se uma essência da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> na natureza, por exemplo, na etnia, na raça,<br />

nas relações <strong>de</strong> parentesco; no caso da homossexualida<strong>de</strong>, na doença, na<br />

perversão, etc. Mas é possível também que se busque esta essência na história, no<br />

passado, na cultura, como se estes fossem verda<strong>de</strong>s imutáveis. Neste caso, as<br />

professoras entrevistadas lançam mão da religião para fundamentar uma suposta<br />

natureza humana heterossexual: foi Deus quem criou o homem e a mulher, um para<br />

o outro.<br />

De acordo com Mello (2005a, p. 188),<br />

A homofobia é uma prática social difusa em inúmeros segmentos da<br />

socieda<strong>de</strong>, mas não há dúvidas <strong>de</strong> que, ao longo da história, as religiões têm<br />

sido uma das principais fontes <strong>de</strong> estímulo à intolerância, ao preconceito, à<br />

discriminação e à violência contra homossexuais, no Brasil e no mundo.<br />

Não encontramos apenas uma única participante a fazer apelo à religião<br />

como modo <strong>de</strong> justificar a não-aceitação <strong>de</strong> uma união homoafetiva. Outra<br />

professora, em um longo discurso repleto <strong>de</strong> justificativas religiosas, diz:<br />

Olhe, essa sua pergunta, ela é assim… pra mim que sou uma pessoa<br />

assim…, eu tenho uma doutrina aon<strong>de</strong> a gente preserva o que Deus quer... a<br />

gente vai muito pela Bíblia. Então, eu posso te dizer que eu não sou uma<br />

pessoa que tenho preconceitos, <strong>de</strong> jeito nenhum. Eu tenho amigos<br />

homossexuais, que vão na minha casa, e eu os recebo muito bem, mas eu<br />

81


prefiro seguir, assim, o que a Bíblia me pe<strong>de</strong> que eu faça, obe<strong>de</strong>cer a Deus,<br />

que é servir convencionalmente. Homem e mulher. (P. 19)<br />

Entre as religiões, a Católica se salienta como representante <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong><br />

que estimula e fomenta o preconceito contra homossexuais, uma vez que consi<strong>de</strong>ra<br />

a tendência homossexual, uma “<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m moral”. Para esta religião, a concepção<br />

<strong>de</strong> família se restringe ao casal homem-mulher, civil e religiosamente casados, e<br />

seus filhos. É parte integrante <strong>de</strong>sta concepção uma visão heterocêntrica e<br />

exclu<strong>de</strong>nte. Para ser família é indispensável procriar por meios biológicos<br />

convencionais (Mello, 2005).<br />

A mesma professora continua justificando sua visão heteronormativa com<br />

base na religião e distingue a educação que <strong>de</strong>ve ser dada por escolas <strong>de</strong><br />

orientação religiosa das <strong>de</strong> posições laicas, ao mesmo tempo em que pressupõe<br />

que crianças que vivam neste tipo <strong>de</strong> família vão ter “grilos” (sic) na cabeça, isto é,<br />

seguramente terão mais problemas do que outras que vivam em famílias no mo<strong>de</strong>lo<br />

consi<strong>de</strong>rado “normal” — pai, mãe, filhos.<br />

(…) Deus criou homem e mulher pra viverem juntos, Deus não criou mulher<br />

com mulher, nem homem com homem. A prova é tanto que Deus não fez<br />

duas Evas nem dois Adãos, Deus fez um Adão e uma Eva. Um homem e uma<br />

mulher. Então eu prefiro acreditar e eu estou certa disso, que é isso que Deus<br />

quer, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus é essa. E o papel da escola em relação a isso, eu tô<br />

falando assim, da escola que eu trabalho, que é uma escola da minha<br />

religião, a gente não tem... a gente em nenhum momento vai discriminar essa<br />

criança, pelo contrário, eu acho que a gente vai fazer um trabalho bem legal<br />

82


com ela em relação a isso, sobre grilos que a gente imagina que existam na<br />

cabeça <strong>de</strong>la, não é? (P 19)<br />

Tais <strong>de</strong>clarações também po<strong>de</strong>m ser encontradas no discurso <strong>de</strong> praticantes<br />

<strong>de</strong> diversas <strong>de</strong>nominações das religiões cristã. Para eles, é impossível a ativida<strong>de</strong><br />

homossexual proporcionar a alguém a auto-realização e felicida<strong>de</strong> e “inserir crianças<br />

nas uniões homossexuais, por meio da adoção, significaria „praticar violência contra<br />

essas crianças‟, introduzindo-as em ambientes „que não favorecem o seu pleno<br />

<strong>de</strong>senvolvimento humano‟” (Mello, 2005b, p. 186).<br />

A participante P19 segue citando o exemplo <strong>de</strong> um aluno que mora com uma<br />

mãe homossexual e sua companheira. Apesar <strong>de</strong> perceber que esta criança não<br />

apresenta nenhum problema, ela não se conforma e suspeita que lá no fundo, “em<br />

sua cabecinha”, algum problema <strong>de</strong>ve haver. E não satisfeita em ver problemas<br />

on<strong>de</strong> ela própria afirma não existir, coloca como papel da escola chamar a atenção<br />

<strong>de</strong>ste aluno para a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le fazer outras escolhas que não estas, segundo<br />

ela, a “escolha correta”. Por mais uma vez, ela faz um apelo à religião para justificar<br />

sua atitu<strong>de</strong>.<br />

(…) Um, por exemplo, eu vim <strong>de</strong>scobrir no final do ano, que a mãe <strong>de</strong>le tinha<br />

um relacionamento com uma outra mulher. Ele não apresentava nenhum tipo<br />

<strong>de</strong> problemas por conta disso, mas eu não sei, eu não sei na vida <strong>de</strong>le em<br />

casa, eu não sei o que passa na cabecinha <strong>de</strong>le. Talvez ele se sente bem<br />

assim, <strong>de</strong>ixou passar. Pra gente tava tudo tranquilo, mas será que tava<br />

mesmo? Será que realmente ele aceitava 100%? Então, o papel da escola,<br />

eu acho que não é, não é... como é que eu posso dizer? O papel da escola<br />

não é escantear esse aluno, não, pelo contrário, eu acho que a gente tem que<br />

83


fazer um trabalho com ele, mostrando que existem opções. O próprio Deus<br />

<strong>de</strong>ixou o livre-arbítrio e tal, mas também tem a questão da doutrina, não é?<br />

Deus, ele fez um homem e uma mulher, então se você opta pelo<br />

homossexual, tudo bem, ninguém po<strong>de</strong> te ridicularizar, ninguém po<strong>de</strong> te<br />

discriminar, ninguém tem esse direito. O próprio Deus não faz isso, mas a<br />

gente tem que ensinar o correto, o certo, não é? Ensinar os dois lados, na<br />

realida<strong>de</strong>. E aí, fica por conta da pessoa. Não sei se eu respondi a pergunta.<br />

(P. 19)<br />

É justamente o argumento do livre arbítrio, da liberda<strong>de</strong> do ser humano, que<br />

fundamenta a posição da Igreja Católica para afirmar a homossexualida<strong>de</strong> como<br />

uma <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m e se opor, por exemplo, a legalização <strong>de</strong>stas uniões o que<br />

possibilitaria a redução da discriminação contra esta população. Em um texto<br />

doutrinal do Vaticano, que procura opor-se ao reconhecimento social e jurídico das<br />

uniões homoafetivas e dos direitos parentais entre pessoas do mesmo sexo,<br />

intitulado “Algumas reflexões acerca da resposta a propostas legislativas sobre a<br />

não-discriminação das pessoas homossexuais”, <strong>de</strong> 1992 (citado por Mello, 2005a,<br />

p.174-175), a Igreja Católica assume uma posição militante ao proferir<br />

veementemente, em uma das passagens, o seguinte:<br />

(…) <strong>de</strong>ve-se evitar a presunção infundada e humilhante <strong>de</strong> que o<br />

comportamento homossexual das pessoas homossexuais esteja sempre e<br />

totalmente submetido à coação e, portanto, seja sem culpa. Na realida<strong>de</strong>,<br />

também às pessoas homossexuais <strong>de</strong>ve ser reconhecida àquela liberda<strong>de</strong><br />

fundamental, que caracteriza a pessoa humana e lhe confere a sua particular<br />

dignida<strong>de</strong>.<br />

84


A questão que a Igreja Católica coloca é que os homossexuais teriam todos<br />

os direitos <strong>de</strong> não serem discriminados, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que abrissem mão <strong>de</strong> suas práticas<br />

homossexuais. Ou seja, a vítima do preconceito e da discriminação, os<br />

homossexuais, seriam os responsáveis por aquilo que sofrem, uma culpabilização<br />

da vítima semelhante a que se faz com mulheres que apanham <strong>de</strong> seus maridos,<br />

por exemplo.<br />

O <strong>de</strong>spreparo e as dificulda<strong>de</strong>s dos professores, <strong>de</strong> maneira geral, não se<br />

restringem ao tema das uniões homoafetivas, mas abrange tudo o que se relaciona<br />

com a sexualida<strong>de</strong>. A fala da professora, a seguir é cheia <strong>de</strong> frases entrecortadas,<br />

<strong>de</strong> hesitações, <strong>de</strong> pensamentos não concluídos, numa evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>monstração das<br />

dificulda<strong>de</strong>s que sente para tratar do tema com o entrevistador, o que nos leva a<br />

supor uma dificulda<strong>de</strong> ainda maior em tratá-lo com seus alunos.<br />

O papel da escola? É que eu não tenho assim... vivenciado uma experiência<br />

como você colocou. Então pra mim... assim, as minhas colegas esse tempo<br />

todo, a gente não tem conversado sobre isso, assim como elas trabalham<br />

isso, assim, a gente não tem conversado sobre... o papel da escola. Mas eu<br />

não acho que a escola tenha... resolvido muito bem isso, não sabem trabalhar<br />

muito bem... a escola. Também porque a gente não conversa acerca. Eu não<br />

sei como a escola tem percebido isso. No meu caso, como eu nunca passei<br />

pela experiência, se tivesse passado saberia mais como colocar pra você.<br />

Mas essas diferenças... os próprios livros .didáticos, não trabalham muito...<br />

assim, quando na sala a gente percebe que o aluno quer conversar acerca…<br />

No meu caso a gente sempre trabalha família (P. 3).<br />

85


Segundo Louro (2001, p. 26)<br />

(...) a escola tem uma tarefa bastante importante e difícil. Ela precisa<br />

se equilibrar sobre um fio muito tênue: <strong>de</strong> um lado, incentivar a<br />

sexualida<strong>de</strong> “normal” e, <strong>de</strong> outro, simultaneamente, contê-la. Um<br />

homem ou uma mulher “<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>” <strong>de</strong>verão ser necessariamente,<br />

heterossexuais e serão estimulados para isso.<br />

Mas nem todas as professoras têm a mesma dificulda<strong>de</strong>. Algumas afirmam<br />

que a escola não po<strong>de</strong> abrir mão <strong>de</strong> sua função educativa, também na área da<br />

sexualida<strong>de</strong>. É o que indica a fala que se segue:<br />

Eu acho que é fundamental. Algumas escolas são altamente combativas. Eu<br />

me lembro da minha adolescência, por exemplo, da adolescência dos meus<br />

irmãos, quando nós éramos muito reprimidos naquela época. A escola foi<br />

fundamental porque as discussões sobre sexualida<strong>de</strong>, homossexualida<strong>de</strong>,<br />

aborto, por exemplo, tudo isso era na escola (…). Eu acho que nenhuma<br />

escola po<strong>de</strong> abrir mão disso. No meu caso, eu trabalho pouco porque eu<br />

começo a falar sobre isso no último ano que eu trabalho com o quinto ano. Eu<br />

acho que nenhuma escola po<strong>de</strong> abrir não <strong>de</strong>sse assunto. (P. 2)<br />

Mas a prática nem sempre acompanha o discurso e a mesma professora<br />

acaba dizendo que, no cotidiano, as questões relacionadas à sexualida<strong>de</strong> são pouco<br />

trabalhadas por ela. Sua justificativa é a pouca ida<strong>de</strong> dos alunos com que trabalha.<br />

Embutido em sua fala está, mais uma vez, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que há uma ida<strong>de</strong> mínima para<br />

ouvir “certas coisas”, isto é, para falar <strong>de</strong> sexo. Ainda é Louro (2001) quem nos<br />

apóia nesta discussão. Ela diz que a visão que predomina nas escolas é a <strong>de</strong> que a<br />

86


sexualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser adiada para <strong>de</strong>pois da escola, isto é, para a vida adulta. E<br />

acrescenta:<br />

É preciso manter a “inocência” e a “pureza” das crianças (e, se possível, dos<br />

adolescentes), ainda que isso implique no silenciamento e na negação da<br />

curiosida<strong>de</strong> e dos saberes infantis e juvenis sobre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, as fantasias e<br />

as práticas sexuais. (Louro, 2001, p.26)<br />

Outra professora, tentando <strong>de</strong>monstrar que a escola, hoje, está aberta para a<br />

diversida<strong>de</strong>, compara a criança advinda das uniões homoafetivas com crianças<br />

especiais. Para ela, ambas têm distúrbios.<br />

Eu acho que a escola hoje está aberta. Tanto pra receber crianças especiais,<br />

quanto pra receber crianças com esses distúrbios, que a gente sabe que...<br />

distúrbio não, que a gente sabe que as famílias hoje estão referenciadas<br />

nesse sentido. Hoje não existe mais o pai, a mãe, os filhos. Às vezes tem só o<br />

pai, mora com a avó, então po<strong>de</strong> acontecer <strong>de</strong> chegar uma criança que more<br />

com duas mulheres, que seja criada por dois homens. Então eu acho que a<br />

gente tem que tá aberto. Pra daqui pra frente vivenciar coisa parecida. (P. 4)<br />

Falando a respeito da atuação <strong>de</strong> professores nas escolas, Borges e Meyer<br />

(2008) se referem a diversas medidas que são adotadas por estas como formas <strong>de</strong><br />

vigiar a sexualida<strong>de</strong> e incutir comportamentos consi<strong>de</strong>rados a<strong>de</strong>quados. Algumas<br />

<strong>de</strong>stas medidas funcionam como “micropenalida<strong>de</strong>s”, isto é como instrumentos<br />

pedagógicos e disciplinadores que visam a eliminar certos comportamentos. A este<br />

respeito estas autoras dizem:<br />

A norma heterossexual é tão estruturante das relações sociais que,<br />

certamente, as professoras agem <strong>de</strong>ssa forma por acreditarem que educar as<br />

87


crianças <strong>de</strong> modo a<strong>de</strong>quado consiste em encaixá-las na norma que é<br />

heterossexual e facilitar sua convivência <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma cultura que é<br />

heteronormativa e homofóbica (p. 65).<br />

Mas é <strong>de</strong>ver da escola e da educação lutar contra todo tipo <strong>de</strong> discriminação<br />

e a homofobia, neste caso, é um dos piores tipos que tem, como já vimos gerado<br />

todo tipo <strong>de</strong> violência. De acordo com Bezerra e Dantas (2007, p. 21), “a educação<br />

como instrumento <strong>de</strong> enfrentamento dos preconceitos está preconizada em várias<br />

conferências internacionais promovidas pela ONU, das quais o governo brasileiro é<br />

signatário”.<br />

Nesse sentido, muitos professores tentam respon<strong>de</strong>r a essa educação<br />

proposta, não-sexista, anti-racista e não homofóbica, entretanto, assim como as<br />

crianças que essas educadoras ensinam, e que precisam ser educadas nessa<br />

perspectiva educacional, encontramos em algumas falas, as próprias professoras<br />

reclamando da falta <strong>de</strong> capacitação, para lidar com tal temática. Tal carência, não se<br />

limita a revelar uma <strong>de</strong>ficiência nos conhecimentos a respeito do tema, mas sim,<br />

sugere um modo <strong>de</strong> pensar que tem origem em toda a formação das professoras no<br />

que tange ao tema da sexualida<strong>de</strong> e, focalmente, da homossexualida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>mos<br />

ver isso, nas falas a seguir:<br />

Nós aqui no Estado não temos capacitações, não existe capacitações para o<br />

professor trabalhar nem com crianças diferentes, nem com crianças<br />

especiais, nós não temos. Simplesmente são impostos, são inclusos <strong>de</strong>ntro<br />

da sala <strong>de</strong> aula e nós que nos viramos. Cada um trabalha da maneira que<br />

acha que é correta. (…) Você tem que ver que aquela criança tem que estar<br />

88


ali, que aquela criança é especial, você não tem um apoio, não existe um<br />

apoio, uma pessoa que venha aqui pra escola e diga: olhe, eu vou lhe dar um<br />

psicólogo, um psicopedagogo, pra dizer como lidar com aquela criança, como<br />

vou lidar com aquela família que esta toda <strong>de</strong>sestruturada <strong>de</strong>ntro da minha<br />

sala <strong>de</strong> aula? Então professor público, ele tem que ser o quê? Ele tem que<br />

ser educador, tem fazer o papel <strong>de</strong> psicólogo, <strong>de</strong> sociólogo, ele tem que fazer<br />

tudo isso. Ele tem que fazer o social e não dá! Não tem como a gente fazer<br />

tudo isso.<br />

Borges e Meyer (2008) dizem que no Brasil as sexualida<strong>de</strong>s não<br />

hegemônicas são mais abertamente discriminadas do que as <strong>de</strong> raça, etnia, ou<br />

qualquer outra, o que as expõe a vulnerabilida<strong>de</strong>s. Estas vulnerabilida<strong>de</strong>s são,<br />

muitas vezes, produzidas na escola através da linguagem que é utilizada. O conceito<br />

<strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>, segundo as autoras, po<strong>de</strong> servir como uma propedêutica do<br />

pensamento para tratar do tema e<br />

(...) sugere um modo <strong>de</strong> pensar sobre <strong>de</strong>terminado problema que nunca po<strong>de</strong><br />

ser visto <strong>de</strong> forma parcial e, sim, inserido em um conjunto <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

relações complexas e que sempre envolvem relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, hierarquias e<br />

escolhas baseadas em valores culturais muito arraigados; valores estes que,<br />

na maioria das vezes, dificultam e <strong>de</strong>sestabilizam as ações em saú<strong>de</strong> (Borges<br />

& Meyer, 2008, p. 65).<br />

Este conceito, proposto por Ayres e outros (2003), e citado por Borges e<br />

Meyer (2008), nos ajuda a pensar o que acontece nas escolas e como os<br />

professores são, ainda que não intencionalmente, homofóbicos. As formas <strong>de</strong><br />

89


violência, em geral, são sutis e transmitidas através da linguagem que eles utilizam,<br />

aparentemente, sem se aperceberem do que estão fazendo. Ressaltam a<br />

importância da escola quanto à não discriminação, colocam-na na socieda<strong>de</strong>, nos<br />

pais, jamais em si mesmos. O exemplo que se segue ilustra este fenômeno.<br />

O papel da escola é bastante, assim, especial, não é? Delicado também,<br />

porque muitos pais, não falo muito a socieda<strong>de</strong> porque tem pais que não<br />

aceitam quando <strong>de</strong>terminado filho é criado por um tipo <strong>de</strong> casal. Do mesmo<br />

jeito, tem os outros pais que também querem separá-los dos filhos, querem<br />

justiça. Mas, cabe a nós, professores e diretores, a todo o colégio, mover uma<br />

ação, um movimento pra fazer com que eles aceitem, não é? A criança<br />

principalmente, que criança não tem culpa <strong>de</strong> nada. E aceitar e ver, porque a<br />

socieda<strong>de</strong> tá mudando a cada dia e isso é uma... é uma coisa que a gente vê<br />

todos os dias, né, pessoas diferentes, do mesmo sexo, que moram e<br />

convivem bem, normalmente, que têm o seu trabalho, sua vida, não tá<br />

prejudicando ninguém, nem tá <strong>de</strong>smoralizando a escola. Porque muitos<br />

acham imoral quando chegam na porta da escola, e acham que é imoral e<br />

vão logo criticar, mas cabe à escola mostrar que não é por aí, temos outro<br />

lado da visão, que a gente vê, não é? (P26) (Grifos nossos).<br />

São muitas as expressões que <strong>de</strong>notam o preconceito e a homofobia: a<br />

situação é “<strong>de</strong>licada”; os homossexuais são um “tipo <strong>de</strong> casal”; os pais das outras<br />

crianças querem “justiça”; A criança não tem “culpa”, isto é, seus pais têm culpa,<br />

mas elas não; os <strong>de</strong>mais pais vêem como “imoral”. Estes são apenas alguns<br />

exemplos da violência sutil que estas crianças sofrem e que as expõem à<br />

vulnerabilida<strong>de</strong>, isto é, à homofobia.<br />

90


A respeito do preconceito e da vulnerabilida<strong>de</strong> a que são expostas estas<br />

pessoas que apresentam uma sexualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sviante, ou mesmo daquelas que se<br />

relacionam com elas, uma das participantes diz:<br />

Então por medo, eles escon<strong>de</strong>m, por mais que um <strong>de</strong>les tenha um pai, uma<br />

mãe homossexual eles não vão dizer, e se uma criança <strong>de</strong>scobre, na hora da<br />

raiva vai dizer: e tua mãe que é assim, e tua mãe que vive com outra mulher,<br />

porque era assim que era como P., e tua mãe que é um biscoito recheado...<br />

só gosta <strong>de</strong> ... enten<strong>de</strong>u ... e tua mãe que faz sabão, então são esses termos,<br />

os termos são muito baixos. E a gente não sabe como lidar com isso. (P. 6).<br />

(Grifos nossos).<br />

Bezerra e Dantas (2007) dizem que vivenciar na escola a experiência <strong>de</strong> ser<br />

diferente não é um processo simples.<br />

Porque o sexismo, a homofobia e o racismo perpassam o cotidiano escolar<br />

através das falas, dos comportamentos, das atitu<strong>de</strong>s, das expressões, da<br />

<strong>de</strong>coração do ambiente e da disposição dos espaços, dos conteúdos<br />

pedagógicos etc. (p. 23)<br />

Outra participante confirma a existência da homofobia nas escolas e alu<strong>de</strong> à<br />

omissão por parte <strong>de</strong> todos que a compõem. Diferenças menores po<strong>de</strong>m ser até<br />

toleradas, como a <strong>de</strong> crianças que vivem com pais separados, mas quando se trata<br />

<strong>de</strong> pais homossexuais não se consegue sequer pensar. Diz:<br />

Eu acho que a gente ainda se omite muito. A gente ainda não trabalha essa<br />

questão da diferença. É tanto que eu, com 17 anos no magistério, me choquei<br />

quando vi. A gente ainda não trabalha até porque tem essa resistência por<br />

conta do preconceito mesmo. A gente ainda tem muito preconceito, por isso a<br />

91


gente resiste. A gente ainda trabalha em cima da família padrão: é o homem,<br />

a mulher e a criança. A gente até ainda aceita, eu vejo se trabalhar muito, a<br />

questão <strong>de</strong> pais separados. Isso a gente trabalha, mas essa questão <strong>de</strong> pais<br />

do mesmo sexo, não. Eu acho que há um preconceito e por isso não é<br />

trabalhado. Há uma resistência e aí fica esquecido lá. (P7)<br />

Mas é importante reconhecer que a escola também é um lugar <strong>de</strong> resistência<br />

e esta po<strong>de</strong> se apresentar <strong>de</strong> inúmeras formas.<br />

Primeiro lugar, que não é só a escola que tem esse papel, mas toda a<br />

socieda<strong>de</strong>. Querem jogar tudo nas mãos da escola, mas a escola é... o papel<br />

da escola é <strong>de</strong>smistificar esse tipo <strong>de</strong>... não é? De relações, assim, as<br />

pessoas, por exemplo, eles têm muito preconceito mesmo. Hoje mesmo foi<br />

um problema sério porque o banheiro dos meninos tava fechado e os<br />

meninos não queriam ir no banheiro das meninas, achavam que iam virar<br />

bicha por conta disso. Então, a escola tem que, a gente vai, tem que ir<br />

<strong>de</strong>smistificando essa questão. Até porque a socieda<strong>de</strong> pernambucana ainda é<br />

muito machista, né? Então a gente vai <strong>de</strong>smistificando no dia a dia, a partir do<br />

momento que as situações vão acontecendo, ou através <strong>de</strong> textos, <strong>de</strong> livros,<br />

<strong>de</strong> histórias que contém o assunto, a gente vai trabalhando. (P22)<br />

São pequenas situações do cotidiano que po<strong>de</strong>m ser aproveitadas pelas<br />

professoras para <strong>de</strong>sconstruir conceitos que estão por trás da homofobia. Neste<br />

exemplo citado pela professora, vemos que embutida na homofobia há, também, a<br />

discriminação do feminino. Ser “bicha” aproxima-se <strong>de</strong> ser mulher e isto <strong>de</strong>svaloriza<br />

o homem que assume esta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Nesse sentido Foucault (2006, p. 10) diz:<br />

92


Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições<br />

que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o <strong>de</strong>sejo e com o<br />

po<strong>de</strong>r. Nisto não há nada <strong>de</strong> espantoso, visto que o discurso – como a<br />

psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou<br />

oculta) o <strong>de</strong>sejo; é, também, aquilo que é objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo; e visto que – isto<br />

a história não cessa <strong>de</strong> nos ensinar – o discurso não é simplesmente <strong>de</strong><br />

dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o po<strong>de</strong>r do qual nos<br />

queremos apo<strong>de</strong>rar.<br />

De acordo com Souza, Souza e Ribeiro (2004, p. 122)<br />

A discussão em torno da inclusão ou não da educação sexual tanto no Ensino<br />

Fundamental como na Educação Infantil tem produzido polêmicas, pois<br />

muitos consi<strong>de</strong>ram que essa discussão estimularia precocemente a<br />

sexualida<strong>de</strong> das crianças; ao contrário, outros consi<strong>de</strong>ram a discussão <strong>de</strong><br />

temáticas relacionadas à sexualida<strong>de</strong> muito importante, pois problematiza as<br />

representações <strong>de</strong> masculino e feminino, o cuidado <strong>de</strong> si, as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />

sexuais, entre outras questões. Estudos realizados pela Organização Mundial<br />

<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (OMS) <strong>de</strong>monstram, entre outros aspectos, que o trabalho <strong>de</strong><br />

educação sexual na escola po<strong>de</strong> contribuir com a aprendizagem <strong>de</strong> um<br />

comportamento responsável sem estimular o aumento da ativida<strong>de</strong> sexual.<br />

É nessa perspectiva que a fala a seguir mostra como é possível a construção<br />

<strong>de</strong> uma educação diferente, que trabalhe com a diferença no sentido do que reza o<br />

PPCDH – GLBT (Plano Nacional <strong>de</strong> Promoção da Cidadania e Direitos Humanos <strong>de</strong><br />

GLBT – Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2009), no<br />

93


que tange a esse conhecimento no âmbito escolar. Nesse Plano, a estratégia 3, que<br />

versa sobre a <strong>de</strong>fesa e proteção dos direitos da população LGBT (Integração <strong>de</strong><br />

políticas GLBT e políticas setoriais), na qual o MEC – Ministério da Educação e<br />

Cultura, está incluído, pontua que, <strong>de</strong> 2010 a 2011, <strong>de</strong>verão ser incluídas as<br />

temáticas relativas à promoção do reconhecimento da diversida<strong>de</strong> sexual nas ações<br />

<strong>de</strong> Educação Integral. Isto representa um avanço na responsabilização da escola no<br />

tratamento dado às minorias sexuais. Mas, mesmo antes <strong>de</strong>sta medida ser efetuada,<br />

percebemos, aqui e ali, ainda que representem uma minoria, atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> professores<br />

que po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados como avanços no modo <strong>de</strong> tratar a questão.<br />

(…) Eu falo pela escola aqui, o lugar on<strong>de</strong> eu trabalho, trabalha muito a<br />

questão do respeito, da conscientização, da questão do cidadão, das<br />

escolhas diferentes. Então mesmo a criança pequena, menorzinha, eu já<br />

estou com uma turma bem maior, 4ª série, já estão chegando na pré-<br />

adolescência essa coisa toda. Mas a gente assim, sempre trabalha a questão.<br />

Eu acho que a partir do momento que você, a instituição trabalha com a<br />

questão <strong>de</strong> valores, <strong>de</strong> respeito com o cidadão eu acho que vai ser mais...<br />

assim, não que seja fácil, porque a gente que trabalha com pessoas a gente<br />

não sabe a reação das pessoas, como a pessoa vai reagir. Mas assim, o<br />

papel da escola é a questão do respeito ao cidadão, até porque a questão <strong>de</strong><br />

respeito, principalmente a criança que vai passar um ano com o seu colega<br />

<strong>de</strong> sala, você precisa respeitar porque não foi ele quem fez essa escolha. Ele<br />

foi escolhido por um casal que aos nossos olhos e aos da socieda<strong>de</strong> é um<br />

casal diferente. A gente trabalha a questão da conscientização. (P14)<br />

94


Entretanto, a professora recai na questão da vitimização da criança que não<br />

tem culpa dos pais terem feito esta escolha e o diferente é o homossexual,<br />

revelando assim, ainda que sutilmente, um norteamento heterossexual.<br />

Apesar da premente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformação das práticas pedagógicas<br />

sobre o referido tema, não po<strong>de</strong>mos ser ingênuos e achar que essa mudança se<br />

dará <strong>de</strong> forma rápida, fácil e simples, pois isso implica po<strong>de</strong>r e resistência à or<strong>de</strong>m<br />

heteronormativa, a qual, - vale ressaltar – é circulante nas relações. Portanto, no que<br />

tange à educação não-sexista, anti-racista e não-homofóbica, trata-se <strong>de</strong> um<br />

processo radical <strong>de</strong> mudanças que <strong>de</strong>ve envolver todos que compõem a escola,<br />

professores, diretores, orientadores pedagógicos, que precisam problematizar a<br />

cultura da escola. Esta, ao se reger pela heteronormativida<strong>de</strong>, conduz a todo tipo <strong>de</strong><br />

violência contra as sexualida<strong>de</strong>s não-hegemônicas.<br />

95


CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O que se enten<strong>de</strong> por família é uma instituição contingente e, como tal,<br />

continuará a mudar ao longo da história. O que cabe refletirmos aqui é se todas as<br />

configurações existentes <strong>de</strong>veriam ter acesso aos mesmos direitos que, até o<br />

momento, restringimos à família constituída por um casal heterossexual e seus filhos<br />

sem sofrer nenhum tipo <strong>de</strong> constrangimento. Mais especificamente, se casais<br />

formados por pessoas do mesmo sexo <strong>de</strong>vem ser reconhecidos socialmente como<br />

legítimos, sem que se admita nenhum tipo <strong>de</strong> discriminação contra eles nem contra<br />

seus filhos.<br />

O que nos moveu, nesta pesquisa foi verificar como a escola, e nela seus<br />

professores, po<strong>de</strong>m contribuir para uma socieda<strong>de</strong> mais justa e igualitária. Para isto<br />

tomamos como objetivo nesta pesquisa, analisar a maneira como os professores do<br />

Ensino Fundamental <strong>de</strong> escolas públicas e particulares da cida<strong>de</strong> do Recife,<br />

representam as famílias constituídas por um casal homossexual. Três temas foram<br />

investigados: 1) A representação dos professores acerca das famílias constituídas<br />

por uniões homoafetivas; 2) Como eles percebem as crianças que vivem neste tipo<br />

<strong>de</strong> família e, 3) O papel que eles atribuem à escola na construção das diferenças<br />

sexuais.<br />

Em relação ao primeiro tema, po<strong>de</strong>mos dizer que há uma predominância do<br />

discurso que oscila entre: 1) admitir que este tipo <strong>de</strong> família não é “normal”, isto é, as<br />

professoras se regem pela norma heterossexista para referendar o que <strong>de</strong>ve ser<br />

uma família e, 2) a afirmação <strong>de</strong> que, apesar <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> união não po<strong>de</strong>r ser<br />

96


consi<strong>de</strong>rada normal, é preciso respeitá-la. Neste sentido o preconceito é sempre<br />

atribuído ao outro, isto é, à socieda<strong>de</strong>, aos pais dos alunos, etc.<br />

Porém, existem exceções a este discurso, embora sejam minoritárias. Há<br />

professoras que estão atentas às mudanças que têm ocorrido na socieda<strong>de</strong> e na<br />

família nos últimos anos e vêem estas transformações como situações comuns aos<br />

humanos e que não há razão para que elas provoquem danos diferentes daqueles<br />

que po<strong>de</strong>m ser sofridos em famílias <strong>de</strong> configurações tradicionais.<br />

Quanto ao segundo tema, repete-se a mesma visão, porém <strong>de</strong> modo mais<br />

enfático ainda. A maioria das professoras consi<strong>de</strong>ra que crianças que vivem nesta<br />

modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> família sofrem ou po<strong>de</strong>m sofrer consequências nefastas:<br />

preconceitos na escola, na vizinhança, por exemplo. Além disso, temem que elas<br />

percebam os pais <strong>de</strong> forma distorcida. Dois pais? Duas mães? Aparecem, também<br />

com frequência, temores acerca da futura orientação sexual <strong>de</strong>stas crianças.<br />

Em relação ao terceiro tema, o papel da escola na construção das diferenças<br />

sexuais, as professoras, em geral, afirmam que nem a escola nem os professores<br />

estão preparados para lidar com a questão da sexualida<strong>de</strong>, menos ainda da<br />

homossexualida<strong>de</strong>. Esta constatação não diz respeito simplesmente ao preparo<br />

intelectual, isto é, não são informações, conhecimentos, que estes professores<br />

necessitam, é todo um modo <strong>de</strong> pensar e sentir que tem como base uma formação<br />

cultural que influencia as atitu<strong>de</strong>s, a não problematização da heteronormativida<strong>de</strong><br />

que vigora na socieda<strong>de</strong> em geral, e que a escola reflete.<br />

Apesar disto, a maioria das professoras entrevistadas reconhece que a escola<br />

tem um papel prepon<strong>de</strong>rante quando se trata <strong>de</strong>sta questão e é urgente que ocorra<br />

uma mudança nos padrões impostos que ten<strong>de</strong>m a preconizar uma regra que dita<br />

97


uma sexualida<strong>de</strong> hétero como sendo a única possível e legitima. Neste sentido,<br />

po<strong>de</strong>mos dizer que crenças e atitu<strong>de</strong>s são construídas ao longo <strong>de</strong> toda uma<br />

existência e refletem normas sociais introjetadas e nem sempre consciente. Sendo<br />

assim, a transformação das crenças e atitu<strong>de</strong>s requer mais do que uma simples<br />

tomada <strong>de</strong> consciência individual.<br />

Por fim, po<strong>de</strong>mos dizer que hoje já encontramos uma razoável literatura<br />

tratando do tema da homossexualida<strong>de</strong> na escola. Esta literatura aponta que a<br />

escola é um lugar privilegiado <strong>de</strong> construção da cidadania e <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> respeito<br />

aos direitos do cidadão, não importando nem a raça, nem a religião nem a<br />

orientação sexual, entre outras diferenças. Apesar disto, a realida<strong>de</strong> que se encontra<br />

nesta instituição não parece ter sofrido gran<strong>de</strong>s modificações nas últimas décadas,<br />

isso porque quando se trata <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong> elas ainda se regem pela<br />

heteronormativida<strong>de</strong>. Situações <strong>de</strong> homofobia, quer sejam explícitas, como a<br />

violência física, quer simbólicas, através do uso da linguagem, são frequentes no<br />

cotidiano, tanto por parte <strong>de</strong> alunos, como por parte dos professores ou ainda <strong>de</strong><br />

outros profissionais da educação. Até mesmo o material didático trabalhado nas<br />

escolas exclui a diversida<strong>de</strong> sexual <strong>de</strong> seu conteúdo, numa <strong>de</strong>monstração<br />

homofóbica que ignora a existência <strong>de</strong>stas pessoas.<br />

Vale salientar que no Dicionário <strong>de</strong> Língua Portuguesa, a palavra educar, tem<br />

como uma <strong>de</strong> suas acepções dar a (alguém) todos os cuidados necessários ao<br />

pleno <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong>. Ora, se a escola sempre foi entendida<br />

como a instituição, <strong>de</strong>pois da família, que melhor capacita o sujeito para a<br />

convivência social, através da educação, da disciplina etc., o que se po<strong>de</strong> esperar se<br />

98


ela e todos que a compõem se sentem <strong>de</strong>sconfortáveis com o tema da sexualida<strong>de</strong><br />

e, mais especificamente, da homoafetivada<strong>de</strong>?<br />

Ao compreen<strong>de</strong>rmos que a sexualida<strong>de</strong> não mais se limita à sua função<br />

reprodutiva e biológica, mas abarca outros aspectos do ser humano como as<br />

questões <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> gênero, enten<strong>de</strong>mos que é necessário que a escola<br />

seja repensada enquanto instituição, <strong>de</strong> modo a ampliar sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acolher<br />

os diferentes. No que tange a esta pesquisa, esperamos que ela contribua para que<br />

as famílias <strong>de</strong> casais homoafetivos e suas crianças sejam acolhidas sem que sofram<br />

qualquer tipo <strong>de</strong> rechaço por simplesmente serem membros <strong>de</strong> uma família<br />

diferente, mas com os mesmos direitos que as outras. Nesse sentido, a partir <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa, po<strong>de</strong>-se realizar oficinas, palestras, <strong>de</strong>bates, para provocar a reflexão, e a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se repensar a escola e os modos <strong>de</strong> entendimento da sexualida<strong>de</strong> e<br />

seus processos.<br />

99


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103


APÊNDICE I<br />

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO<br />

Você está sendo convidado/a a participar da pesquisa intitulada: Escola e representação: como<br />

professores do ensino fundamental representam as famílias resultantes <strong>de</strong> uniões<br />

homoafetivas, cujo objetivo é estudar como professores do Ensino Fundamental representam<br />

as famílias compostas por casais do mesmo sexo e como avaliam o papel da escola na<br />

construção social das diferenças. Caso aceite, <strong>de</strong>verá participar <strong>de</strong> uma técnica projetiva: o<br />

Desenho-Estória com Tema. Sua participação se restringirá a realização <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senho<br />

acompanhado do relato <strong>de</strong> uma estória sobre o mesmo. O único risco a que você estará<br />

exposta é o <strong>de</strong> não sentir-se à vonta<strong>de</strong> para realizar a tarefa solicitada. Por outro lado, há<br />

muitos benefícios que po<strong>de</strong>m advir <strong>de</strong> sua participação, entre eles, propiciar uma maior<br />

inclusão <strong>de</strong>ssas famílias no espaço escolar. Esclarecemos que você estará livre para <strong>de</strong>sistir a<br />

qualquer momento, sem sofrer qualquer tipo <strong>de</strong> prejuízo.<br />

Eu, (nome da participante), dou meu consentimento livre e esclarecido para minha<br />

participação como voluntária no projeto <strong>de</strong> pesquisa: Família e Representação: As Diferenças<br />

na Escola, sob a responsabilida<strong>de</strong> da pesquisadora professora doutora Maria Cristina Lopes <strong>de</strong><br />

Almeida Amazonas, professora da Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Pernambuco.<br />

Assinando este Termo <strong>de</strong> Consentimento, estou ciente <strong>de</strong> que minha participação se<br />

restringirá a realizar um <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> uma família e contar uma estória relacionada ao mesmo.<br />

1) Obtive todas as informações necessárias para po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cidir conscientemente sobre a<br />

participação nesta pesquisa.<br />

2) Meus dados pessoais serão mantidos em sigilo e os resultados gerais obtidos através da<br />

pesquisa serão utilizados apenas para alcançar o objetivo do trabalho exposto acima,<br />

incluindo sua publicação na literatura científica especializada.<br />

5) Terei acesso aos resultados da pesquisa, através da pesquisadora responsável pelo projeto,<br />

assim que esta tiver sido encerrada.<br />

6) Po<strong>de</strong>rei contatar o Comitê <strong>de</strong> Ética da UNICAP para apresentar recursos ou reclamações<br />

em relação à pesquisa, se o achar necessário, o qual encaminhará o procedimento<br />

a<strong>de</strong>quado.<br />

____________________________<br />

Assinatura da participante<br />

Número do RG:<br />

Recife, __________ <strong>de</strong> 2008.


TEMAS O QUE PENSAM OS PROFESSORES<br />

ACERCA DE FAMÍLIAS CONSTITUÍDAS<br />

POR UNIÕES HOMOAFETIVAS<br />

P1 Associa a homo-afetivida<strong>de</strong> a conflitos,<br />

preconceitos, falta <strong>de</strong> aceitação tanto<br />

por parte da socieda<strong>de</strong> quanto <strong>de</strong> si<br />

mesma, embora <strong>de</strong>seje superar estes<br />

preconceitos.<br />

Desenha dois homens, aparentemente<br />

afastando a situação <strong>de</strong> si mesma, pois<br />

é mulher.<br />

P2 Na estória conta que o relacionamento<br />

homoafetivo surge <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> várias<br />

tentativas heterossexuais. O casal<br />

busca a felicida<strong>de</strong> ainda que numa<br />

união diferente. Menciona a<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar sobre o tema na<br />

escola por causa do preconceito dos<br />

pais dos alunos. Para ela falar sobre<br />

este assunto é autorizado somente nas<br />

aulas <strong>de</strong> gênero e reprodução, assim<br />

mesmo, só se algum aluno levantar a<br />

questão e sem emitir sua opinião. Diz<br />

APÊNDICE II<br />

ANÁLISE DOS TEMAS<br />

COMO PERCEBEM AS CRIANÇAS QUE<br />

VIVEM NESTE TIPO DE FAMÍLIA<br />

Não <strong>de</strong>senha nem menciona crianças<br />

neste tipo <strong>de</strong> família.<br />

Afirma que se tivesse que lidar com<br />

crianças que vivessem neste tipo <strong>de</strong><br />

família procuraria ajudá-las a enfrentar a<br />

situação, pois a socieda<strong>de</strong> vê isto como<br />

um problema. Diz que o melhor seria<br />

que especialistas tratassem do tema com<br />

os alunos, pois ela não se consi<strong>de</strong>ra<br />

preparada (pronta) para fazê-lo.<br />

Demonstra temor em falar <strong>de</strong>sse<br />

assunto. Consi<strong>de</strong>ra que viver em uma<br />

família formada por um casal do mesmo<br />

sexo é muito difícil e complicado e o<br />

QUAL O PAPEL DA ESCOLA NA<br />

CONSTRUÇÃO DAS<br />

DIFERENÇAS SEXUAIS<br />

Para ela a função da escola<br />

seria reafirmar (reproduzir) as<br />

diferenças sexuais. Homem é<br />

homem, mulher é mulher e<br />

têm funções diferentes.<br />

Justifica sua maneira <strong>de</strong><br />

encarar o fenômeno com base<br />

na Religião. Diz que diferente<br />

é tudo aquilo que não faz<br />

parte da norma, que não é<br />

frequente.<br />

Embora consi<strong>de</strong>re que é um<br />

papel fundamental da escola<br />

tratar <strong>de</strong>sses assuntos, atribui<br />

ao Ensino Fundamental 2 e<br />

Ensino Médio,<br />

prioritariamente, esta função.<br />

TÍTULO DO DESENHO<br />

FAMÍLIA DIFERENTE<br />

VIDA DIFERENTE


que não tem preconceitos, mas a<br />

socieda<strong>de</strong> tem. Admite casos <strong>de</strong> uniões<br />

homo-afetivas em sua própria família e<br />

diz que apren<strong>de</strong>u muito com essas<br />

pessoas, inclusive apren<strong>de</strong>u a olhá-las<br />

<strong>de</strong> forma diferente e diz que estas<br />

pessoas são “lindas”.<br />

Desenha dois homens<br />

P3 Logo <strong>de</strong> início, ao saber que <strong>de</strong>ve<br />

<strong>de</strong>senhar uma família cujo casal<br />

parental é do mesmo sexo, diz que não<br />

tem jeito para <strong>de</strong>senhar. Demonstra<br />

uma enorme dificulda<strong>de</strong> em cumprir a<br />

tarefa. Diz: “É PARADA! Hesita ao<br />

<strong>de</strong>cidir se <strong>de</strong>senha um casal <strong>de</strong> homens<br />

ou <strong>de</strong> mulheres e termina por <strong>de</strong>cidir<br />

<strong>de</strong>senhar dois homens. Fala diversas<br />

vezes sobre sua dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senhar esta família. Diz que vai<br />

<strong>de</strong>senhar <strong>de</strong> forma mais simples. O<br />

primeiro <strong>de</strong>senho é <strong>de</strong> uma figura<br />

humana bastante esquemática, um<br />

<strong>de</strong>senho muito primitivo. Para e diz<br />

que não consegue <strong>de</strong>senhar. O<br />

pesquisador oferece outra folha e ela<br />

recomeça <strong>de</strong>senhando <strong>de</strong> forma mais<br />

assunto <strong>de</strong>ve ser tratado com muito<br />

cuidado. Em resumo, <strong>de</strong>monstra<br />

abertura para tratar do tema, mas<br />

consi<strong>de</strong>ra difícil, complicado e não se<br />

sente capaz (pronta) para fazê-lo.<br />

Ao contar a estória fala em crianças, mas<br />

não as <strong>de</strong>senha afirmando não haver<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazê-lo.<br />

No primeiro momento fica<br />

pensativa com relação a essa<br />

questão. Acha que a escola<br />

não sabe trabalhar muito bem<br />

o tema proposto, não sabe<br />

como a escola tem percebido<br />

isso. Depois tenta apoiar-se no<br />

material didático que também<br />

não trabalha o tema, segundo<br />

a mesma, no entanto diz que<br />

quando o aluno quer<br />

conversar sobre o assunto, ela<br />

diz que trabalha a família. Ao<br />

ser indagada, que família? Ela<br />

reproduz a família nuclear<br />

heterossexual, pai, mãe e<br />

filho. Depois tenta repassar a<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar<br />

FAMÍLIA


elaborada, bem diferente do primeiro<br />

<strong>de</strong>senho. Admite ter ficado surpresa<br />

com a solicitação dos pesquisadores.<br />

Diz várias vezes: Vocês me pegaram”.<br />

Repete várias vezes a pergunta: “Tem<br />

que ser do mesmo sexo? Não po<strong>de</strong> ser<br />

um casal normal?” (Risos nervosos).<br />

Quando conta a estória <strong>de</strong>monstra<br />

uma enorme resistência para tratar o<br />

tema. Tenta fugir <strong>de</strong> todas as maneiras,<br />

inclusive tentando transformar a<br />

relação do casal em amiza<strong>de</strong>. Mas se<br />

dá conta do que está tentando fazer e<br />

diz: “Não sei se é isso que vocês estão<br />

querendo ouvir?” Volta a dizer que foi<br />

pega <strong>de</strong> surpresa. Apresenta, também<br />

o mecanismo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da “negação”<br />

ao dizer: “Como assim? Se eu tô<br />

chocada? (Risos) Não. EU acho assim:<br />

tem que respeitar as pessoas!<br />

[Repete}: Tem que respeitar as pessoas<br />

P4 Faz o <strong>de</strong>senho em 40 segundos e ao ser<br />

solicitada que conte uma historia sobre<br />

o <strong>de</strong>senho, fala <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhosa:<br />

“essa duas ai acho que tem a ver, que<br />

estão juntas”. Diz que querem exercer<br />

Acredita que seria uma coisa difícil, pois<br />

trataria como uma coisa incomum. Mas<br />

diz que procuraria encarar, ter ajuda,<br />

buscaria ter orientação.<br />

o tema para uma série mais<br />

avançada. Logo em seguida se<br />

contradiz ao afirmar que se<br />

houvesse um caso assim na<br />

escola, “a escola não teria<br />

nenhum problema <strong>de</strong> lidar<br />

com isso” . Diz que a escola<br />

tem uma abertura muito<br />

gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar com as<br />

diferenças, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que essa<br />

diferença não seja a sexual,<br />

“porque não é uma coisa que<br />

tá mexendo com ela”.<br />

Trabalha outras diferenças<br />

como a racial, mas não a<br />

diferença sexual, preferindo<br />

evitar, silenciando o discurso<br />

sobre o tema.<br />

Acha que a escola está aberta.<br />

Mas, refere-se às crianças<br />

filhos ou filhas <strong>de</strong> casais<br />

homoafetivos, como “crianças<br />

com esses distúrbios”, <strong>de</strong>pois<br />

O LADO FEMININO<br />

NO CUIDAR DAS<br />

CRIANÇAS


a função <strong>de</strong> mãe e que por isso adotam<br />

uma criança e passam a ser mãe da<br />

criança.<br />

Faz um <strong>de</strong>senho rudimentar e<br />

<strong>de</strong>formado, com braços e pernas<br />

incompletos. As personagens do<br />

<strong>de</strong>senho não se tocam. Mantêm a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> que o feminino representa o<br />

cuidado.<br />

P5 Após o <strong>de</strong>senho e solicitado que conte<br />

uma história sobre o mesmo, a<br />

entrevistada <strong>de</strong>monstra certo espanto<br />

e nervosismo, embora reconheça ser<br />

um bom pedido. Ao contar a história,<br />

diz tratar-se <strong>de</strong> um casal que para a<br />

socieda<strong>de</strong> é diferente e que este casal<br />

tem o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> construir uma família<br />

maior, e por isso resolveram adotar<br />

uma menina. Diz que o casal por ser do<br />

mesmo sexo “teve bastante dificulda<strong>de</strong><br />

por conta da socieda<strong>de</strong>”, mas diz que<br />

eles conseguiram vencer mais esse<br />

preconceito.<br />

No <strong>de</strong>senho como no título, a<br />

entrevistada reconhece a afetivida<strong>de</strong><br />

Acredita que trataria do mesmo jeito<br />

que trata as outras crianças, <strong>de</strong> casais<br />

separados, “crianças ditas especiais”,<br />

sem nenhuma difença. Acredita que as<br />

crianças <strong>de</strong> casais homoafetivos<br />

comportam-se da mesma forma que as<br />

crianças ditas normais.<br />

<strong>de</strong>ssa colocação, volta a<br />

reafirmar o <strong>de</strong>ver da escolar<br />

esta aberta para receber a<br />

todos. “pra daqui pra frente<br />

vivenciar coisa parecida”.<br />

Inicialmente a entrevistada diz<br />

que a escola não interfere,<br />

“apesar da escola ser<br />

evangélica e ter outros<br />

valores”, mas não aponta que<br />

aquele valor esta errado e<br />

aquele outro esta certo, a<br />

escola não interfere, a não ser<br />

que a família solicite. Acredita<br />

que a escola acolheria essa<br />

família, normal como qualquer<br />

outra.<br />

FAMÍLIA + AMOR =<br />

FELICIDADE


como primordial <strong>de</strong>ssa configuração<br />

familiar. Desenha dois homens <strong>de</strong><br />

mãos dada com uma menina, entre ele.<br />

Um <strong>de</strong>senho bem cuidado com mais<br />

<strong>de</strong>talhes..<br />

P6 Inicialmente apresenta certa<br />

resistência em cumprir a tarefa. Afirma<br />

repetidas vezes que não sabe<br />

<strong>de</strong>senhar, que é péssima em <strong>de</strong>senho,<br />

etc. Depois começa a relatar situações<br />

vividas por ela mesma. Primeiro conta<br />

que conheceu um casal homossexual<br />

masculino <strong>de</strong> classe alta, que enfrentou<br />

forte preconceito por parte da família<br />

e, em seguida conta um caso que<br />

acompanhou na escola on<strong>de</strong> ensina.<br />

Este último se tratava <strong>de</strong> um casal<br />

homossexual feminino que tinha uma<br />

filha e ela relata que a situação vivida<br />

pela menina foi extremamente difícil,<br />

sofrendo preconceitos por parte <strong>de</strong><br />

colegas e seus familiares e da própria<br />

instituição. O que a fez se sentir muito<br />

mal. Afirmou ter feito todo o possível<br />

para atenuar o preconceito das<br />

crianças, sem sucesso. Sentiu-se<br />

Consi<strong>de</strong>ra que uma criança que vive esta<br />

situação vai sofrer muito preconceito,<br />

vai viver angustiada, terá dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

aprendizagem porque será abalada em<br />

sua auto-estima, se sentirá rechaçada e<br />

isolada pelos colegas.<br />

Consi<strong>de</strong>ra que infelizmente a<br />

escola não cumpre o papel<br />

que <strong>de</strong>veria cumprir,<br />

transmitir o respeito à<br />

diferença. Afirma que a escola<br />

não prepara seus professores<br />

nem funcionários para lidar<br />

com a diferença.<br />

MINHA FAMÍLIA É<br />

ASSIM


<strong>de</strong>sanimada, extremamente<br />

preocupada com a situação da criança<br />

afirmando que ela não tem culpa da<br />

escolha da mãe e faz um apelo para a<br />

religião, consi<strong>de</strong>rando que só Deus<br />

po<strong>de</strong> ajudar. Não vê saída para estas<br />

pessoas no momento atual, a não ser<br />

escon<strong>de</strong>r suas orientações sexuais.<br />

P7 Demonstra nervosismo quando<br />

solicitada para <strong>de</strong>senhar. Diz que não<br />

saber <strong>de</strong>senhar, que fará grafismo, que<br />

irá fazer como os alunos, que irá<br />

colocar uma travestida e outra não. Na<br />

história contada diz que um dos<br />

cônjuges , tinha muitas dúvidas a<br />

respeito do sexo. Que postergara<br />

muito em assumir sua opção sexual,<br />

mas “quando assumiu resolveu viver<br />

com outra moça”. Acredita que diante<br />

<strong>de</strong> um casal homoafetivo feminino a<br />

criança tria muita dúvida <strong>de</strong> quem seria<br />

o pai, numa <strong>de</strong>monstração clara que a<br />

representativida<strong>de</strong> que a entrevistada<br />

tem é a da família nuclear normativa.<br />

P8 Generaliza achando que as pessoas que<br />

se assumem, num casal homossexual,<br />

Diz ver as crianças sendo constrangidas<br />

com a presença da mãe que chega na<br />

escola travestida. Diz que as crianças não<br />

ficam à vonta<strong>de</strong> nessa situação.<br />

Aponta para o fato da criança chegar até<br />

a se escon<strong>de</strong>r ou querer sair da escola o<br />

mais rápido possível para ninguém ver a<br />

mãe <strong>de</strong>le.<br />

Acredita que a criança não tem<br />

pensamento e personalida<strong>de</strong> formada<br />

Acredita que a escola se omite<br />

muito, que não trabalha essa<br />

questão da diferença. Diz<br />

haver uma resistência e por<br />

isso tal discusão fica<br />

esquecida.<br />

Diz ser nulo o papel da escola<br />

no que tange a diferença<br />

FAMILIA QUASE<br />

PERFEITA<br />

LIBERDADE DE SER


são pessoas felizes e <strong>de</strong>terminadas.<br />

Fantasia a dinâmica da relação,<br />

afirmando que elas fogem do stress. Ao<br />

contar a história do <strong>de</strong>senho, diz que as<br />

pessoas que querem se assumir<br />

procuram o paraíso porque a<br />

entrevistada acredita que o<br />

preconceito é só na cida<strong>de</strong>, que no<br />

paraíso que ela criou não haverá<br />

preconceito, e que os homossexuais<br />

gostam <strong>de</strong> vida simples e se afastam do<br />

consumismo.<br />

Mesmo sendo solicitado que <strong>de</strong>senhe<br />

uma família on<strong>de</strong> o casal seja do<br />

mesmo sexo, a entrevistada diz não<br />

saber <strong>de</strong>senha figura humana e<br />

<strong>de</strong>senha uma paisagem. Acredita ser<br />

um <strong>de</strong>svio, e que nenhuma família esta<br />

preparada para ter um filho<br />

homossexual. Chegou a relatar a<br />

diretora da escola um beijo <strong>de</strong> um casal<br />

<strong>de</strong> adolescentes, porque tinha medo<br />

<strong>de</strong> ser prejudicada, caso não dissesse.<br />

P9 Demonstra espanto e resistência para<br />

fazer o <strong>de</strong>senho. Pergunta se não<br />

po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>senhar outra coisa. Apesar<br />

para enten<strong>de</strong>r certas critica. Acredita<br />

que a discriminação vai da cabeça <strong>de</strong><br />

cada um.<br />

sexual, que se faz vista grossa,<br />

ou se <strong>de</strong>ixa cair no<br />

esquecimento. Diz ser um<br />

assunto que não se aborda.<br />

Diz que a escola trataria do<br />

tema <strong>de</strong> forma cristã, visto ser<br />

a escola <strong>de</strong> cunho religioso.<br />

O QUE SE É<br />

FORÇA


<strong>de</strong> negar o preconceito, não acha<br />

normal um casal do mesmo sexo, diz<br />

ser uma situação bem diferenciada. Diz<br />

que “nas nossas cabeças, as famílias<br />

são formadas por pai, mãe, filhos. E ao<br />

se referir ao <strong>de</strong>senho, diz tratar-se <strong>de</strong><br />

uma família totalmente diferente. Diz<br />

que esse casal adotam uma criança e<br />

que ela acredita que encontraram<br />

obstáculo por conta <strong>de</strong> sua condição<br />

homossexual. Demonstra nervosismo,<br />

se diz complicada até para criar uma<br />

história. Apesar <strong>de</strong> reafirmar que não<br />

tem preconceito, diante <strong>de</strong> situações<br />

que ela não sabe lidar, mas acredita<br />

que trataria normalmente, a criança e a<br />

família, mas ao exemplificar não cita<br />

em nenhum momento a configuração<br />

familiar homoafetiva. Desenha um<br />

casal <strong>de</strong> homens com uma criança, mas<br />

sem a existência <strong>de</strong> toque entre eles.<br />

P10 Ao contar a história, sobre o <strong>de</strong>senho,<br />

apela para a religiosida<strong>de</strong> para apontar<br />

a infelicida<strong>de</strong> por tratar-se <strong>de</strong> um casal<br />

homoafetivo. Ao mesmo tempo, diz<br />

sentir-se triste, pois muitas vezes ela<br />

Percebe a criança tristonha, choroso.<br />

Aponta esse comportamento, como<br />

consequência da ausência da figura<br />

paterna.<br />

Acredita que a escola tem<br />

obrigação <strong>de</strong> trabalhar <strong>de</strong><br />

forma solidaria. Acredita que a<br />

escola <strong>de</strong>ve ver o aluno(a) e a<br />

família com naturalida<strong>de</strong>,<br />

apesar <strong>de</strong> reconhecer que<br />

trata-se <strong>de</strong> uma situação<br />

atípica da comumente<br />

encontrada nas escolas.<br />

Acredita que é um assunto<br />

complexo, pois acredita que a<br />

escola não tem autonomia<br />

para resolver <strong>de</strong>terminadas<br />

situações. Acredita também<br />

UM LAR FELIZ


quis assumir um papel que não é <strong>de</strong>la. que a escola tem que dar<br />

orientação.<br />

P11 Contar a história, fazendo referencia a<br />

um relacionamento heterossexual<br />

anterior, e que após o termino <strong>de</strong>ssa<br />

relação, é que há a composição <strong>de</strong> uma<br />

relação homoafetiva. Diante <strong>de</strong> um<br />

possível caso, silencia e evita tratar<br />

<strong>de</strong>sse tema em sala <strong>de</strong> aula. Tenta<br />

disfarçar , mas ainda sente ser uma<br />

situação que constrange, por se tratar<br />

<strong>de</strong> uma situação diferente, não<br />

normativa.<br />

P12 Acredita que o amor homoafetivo,<br />

po<strong>de</strong> superar os preconceitos da<br />

socieda<strong>de</strong>, diz ter um caso <strong>de</strong>sse da<br />

família. Mas revela ao mesmo tempo<br />

que por mais que se ache normal não<br />

é. Diz ela: “aos nossos olhos é uma<br />

coisa diferente”. Acredita tratar-se <strong>de</strong><br />

um mal que as pessoas homossexuais<br />

causam a elas mesmas.<br />

P13 Acha anormal um casal do mesmo<br />

sexo. Demonstra gran<strong>de</strong> resistência em<br />

<strong>de</strong>senhar, <strong>de</strong>monstra certo incomodo<br />

Acredita que não seria muito fácil para a<br />

criança conviver com tal história <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> um colégio religioso<br />

Diz que a menina conhece a historia <strong>de</strong>la<br />

<strong>de</strong> adoção e que hoje é uma adolescente<br />

normal.<br />

Diz respeitar essa criança, e que faria <strong>de</strong><br />

tudo para não transparecer que ela, no<br />

intimo <strong>de</strong>la é contra e acha que é pecado<br />

Diz que a escola nunca fez<br />

nenhum trabalho em relação a<br />

esse tema com elas (as<br />

professoras). Acredita que por<br />

tratar-se <strong>de</strong> um escola <strong>de</strong><br />

cunho religioso não seria<br />

muito fácil trabalhar tal tema,<br />

mas acredita que da para se<br />

trabalhar legal.<br />

Diz que o papel da escola é<br />

muito importante, para abrir<br />

um leque, pesquisar muito,<br />

para <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado as<br />

concepções que se tem <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

criança.<br />

Acredita que a escola<br />

promovera apoio, aceitação,<br />

FAMILIA SÉCULO XXI<br />

+ X + = ≠ AMOR ><br />

OS AMIGOS<br />

AS AMIGAS


com o tema. Diz ser contra, apelando<br />

para a religiosida<strong>de</strong>. Acredita ser uma<br />

doença, não aceita, diz respeitar , mas<br />

não aceita.<br />

P14 Demonstra certo nervosismo ao<br />

<strong>de</strong>senhar dizendo a todo tempo que<br />

não sabe <strong>de</strong>senhar. Diz aceitar, mas<br />

apresenta certo receio. Acredita que a<br />

criança sofrerá discriminação, não por<br />

parte dos professores , mas dos outros<br />

alunos. Não revelando qual seria a<br />

posição dos professores diante <strong>de</strong> tal<br />

situação. Diz que ainda não se <strong>de</strong>parou<br />

com uma situação <strong>de</strong>ssa, mas que se<br />

tivesse <strong>de</strong> lidar com uma criança <strong>de</strong> um<br />

casal homoafetivo, seria um choque,<br />

uma surpresa. Acha que trata-se <strong>de</strong> um<br />

casal diferente para a socieda<strong>de</strong>.<br />

Desenhou duas mulheres<br />

P15 Desenha duas mulheres e uma criança,<br />

todas sorri<strong>de</strong>ntes. Fala que a criança<br />

vem <strong>de</strong> um casamento heterossexual e<br />

que a mãe resolveu morar com uma<br />

parente, uma amiga, mas não fala em<br />

casamento homoafetivo. Diz que<br />

tal situação. que não irá <strong>de</strong>scriminar.<br />

Acha que a criança terá dificulda<strong>de</strong>s na<br />

escola por ser filha <strong>de</strong> um casal<br />

homoafetivo, não por parte dos<br />

professores, mas sim por parte dos<br />

outros alunos.<br />

Não vê nenhum problema com a criança,<br />

nada que requeira uma atenção especial<br />

para ela.<br />

Diz que o papel da escola é<br />

trabalhar o respeito ao<br />

cidadão, promover isso,<br />

“porque a criança não tem<br />

culpa <strong>de</strong> ter sido escolhido por<br />

esse casal diferente”.<br />

Diz que a escola tem que visar<br />

o aluno, no sentido <strong>de</strong><br />

promover o bem-estar da<br />

criança. Caso a criança<br />

apresente algum déficit,<br />

algum problema <strong>de</strong><br />

“FAMILIA FELIZ”<br />

SOMOS FELIZES


quando trabalha família na sala diz que<br />

nem todas as famílias são iguais<br />

formada <strong>de</strong> pai, mãe e filho.<br />

P16 Acredita que esse é um tipo <strong>de</strong> família<br />

comum nos dias <strong>de</strong> hoje, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

se dorme com ela ou não. Diz não ter<br />

nenhum tipo <strong>de</strong> preconceito, acha que<br />

cada um tem o seu direito <strong>de</strong> ter<br />

escolha , e que cada um escolha o que<br />

acha melhor para si.<br />

P17 Desenha duas mulheres, porque diz ser<br />

mulher também, “mas não é nada” diz<br />

a entrevistada tentando reafirmar sua<br />

heterossexualida<strong>de</strong>. Fala <strong>de</strong><br />

relacionamentos anteriores dando a<br />

enten<strong>de</strong>r que se tratava <strong>de</strong><br />

relacionamentos heteossexuais, que<br />

não <strong>de</strong>u certo e <strong>de</strong>pois formaram um<br />

Diz que irá tratar essas crianças do<br />

mesmo jeito, assim como trata com<br />

alunos especiais (portadores <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ficiência).<br />

aprendizagem, a escola<br />

intervem conversando com a<br />

própria criança, po<strong>de</strong> até<br />

chamar a família.<br />

Acha que o papel da escola<br />

hoje não é apenas o <strong>de</strong><br />

educar, mas o <strong>de</strong> ensinar<br />

valores. Mesmo com uma<br />

orientação religiosa em seu<br />

discurso, não acredita que o<br />

professor tenha o direito <strong>de</strong><br />

interferir na vida das pessoas,<br />

das crianças que aten<strong>de</strong>. Acha<br />

que o papel da escola, não é<br />

<strong>de</strong> intervir nem <strong>de</strong> incentivar.<br />

Entretanto, ela diz mostrar os<br />

dois lado da historia e <strong>de</strong>ixar<br />

que eles escolham..<br />

Acha que a escola tem que ser<br />

mais trabalhada, precisa se<br />

informar melhor porque é ela<br />

que capacita para formar<br />

cidadãos mesmo, nessa ética.<br />

UM DOS NOVOS<br />

TIPOS DE FAMILIA<br />

NO MUNDO<br />

A MINHA FAMILIA


casamento homoafetivo. Diz não ser a<br />

favor <strong>de</strong> tal relação, apoiando-se na<br />

religiosida<strong>de</strong>. Acredita tratar-se <strong>de</strong> um<br />

lar que não é feliz, por não se tratar <strong>de</strong><br />

um estereótipo proposto por Deus.<br />

Acredita numa felicida<strong>de</strong> diferente, <strong>de</strong><br />

modo diferente como se conhece ou<br />

reconhece-se socialmente.<br />

P18 Diz não ser boa <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho<br />

<strong>de</strong>monstrando assim, certa dificulda<strong>de</strong><br />

com o tema. Começa a história<br />

tentando <strong>de</strong> forma velada, mostrar a<br />

impossibilida<strong>de</strong> do casal sustentandose<br />

na biologia. Depois fala da<br />

dificulda<strong>de</strong> que esse casal tem para<br />

adotar uma criança e ao final diz ter<br />

muito carinho nesse lar, tornando-o<br />

um falar feliz. A todo momento, tenta<br />

<strong>de</strong>ixar claro que não tem nenhum tipo<br />

<strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> com homossexuais,<br />

fala sempre através <strong>de</strong> discursos que<br />

assiste na televisão. Acredita que a<br />

adoção é mais dificultada quando se<br />

trata <strong>de</strong> um casal homoafetivo.<br />

P19 Diz ser um tipo <strong>de</strong> família diferente, e<br />

que tal diferença causa uma confusão<br />

Acredita que essa criança seria rejeitada<br />

e discriminada pelos colegas, mas ela diz<br />

que teria todo cuidado para que isso não<br />

acontecesse.<br />

Percebem as crianças normal como as<br />

outras. Acriança aparentava felicida<strong>de</strong><br />

Diz que a escola tem que<br />

respeitar, porque enten<strong>de</strong> que<br />

“a educação estai para todo<br />

mundo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do<br />

parentesco sexual”. Mesmo<br />

que a criança sofresse alguma<br />

discriminação.<br />

Diz que o papel da escola não<br />

é o <strong>de</strong> <strong>de</strong>scriminar, escantear<br />

MEU LAR, MINHA<br />

VIDA<br />

A MINHA FAMILIA É


na cabeça da criança. Entretanto, as<br />

dúvidas são <strong>de</strong>las, é ela que não<br />

consegue enten<strong>de</strong>r, como <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

um relacionamento hetero, alguém<br />

po<strong>de</strong> ter um relação homoafetiva.<br />

Acredita ser errado a pratica<br />

homossexual, mas diz respeitar, diz não<br />

ter preconceito.<br />

Desenha duas mulheres e uma criança,<br />

on<strong>de</strong> no <strong>de</strong>senho nenhum dos<br />

personagem se tocam.<br />

P20 Ao contar a história sobre o <strong>de</strong>senho,<br />

refere-se que as mulheres tiveram<br />

antes um relacionamento<br />

heterossexual , antes <strong>de</strong> compor um<br />

casal homoafetivo. Acredita que para<br />

formar a família tinha que ter uma<br />

criança, a qual foi adotada. Enten<strong>de</strong><br />

como algo anormal, diz não tentaria<br />

passaria isso para a criança, e diz a toda<br />

instante que não tem preconceito.<br />

I<strong>de</strong>ntifica a família <strong>de</strong> composição<br />

homoafetiva como anormal, mas<br />

reconhece que as criança po<strong>de</strong>m ter<br />

amor, carinho afeição <strong>de</strong>ssa família.<br />

quando a mãe o ia buscar com sua<br />

companheira, não apresentava nenhum<br />

questionamento a relação da mãe<br />

a criança, mas baseando-se na<br />

doutrina religiosa da escola,<br />

acha que po<strong>de</strong> fazer um bom<br />

trabalhado em relação a isso,<br />

mostrando o que é correto,<br />

mostrando os dois lados da<br />

moeda, e <strong>de</strong>ixando claro que<br />

isso é uma opção.<br />

Acredita que é importante<br />

porque a escola é<br />

continuida<strong>de</strong> da família. Diz<br />

que a escola passa valores,<br />

que reproduzem os preceitos<br />

heterossexuais e normativos.<br />

A escola “geralmente ajuda a<br />

reforça a posição feminina e<br />

masculina”. A professora diz<br />

que mostraria a criança que a<br />

família <strong>de</strong>la é uma composição<br />

<strong>de</strong> família diferente, mas que<br />

ela não seria excluída.<br />

DIFERENTE !<br />

FAMILIA INCOMUM


P21 Ao contar a historia, remete ao fato<br />

que a mulher já teve uma relação<br />

heterossexual, que não <strong>de</strong>u certo, e<br />

que ela foi se encontrar numa relação<br />

homoafetiva. Relata o caso <strong>de</strong> uma exaluna<br />

que comentava sobre o<br />

comportamento do tio que era<br />

homossexual, e a diz que após os<br />

comentários da aluna, chamou a mãe<br />

para solicitar que o tio não comentasse<br />

suas experiências sexuais na frente da<br />

criança.<br />

P22 Apresenta fortíssima resistência para<br />

realizar o <strong>de</strong>senho e contar a história<br />

limitando-se apenas a frase “são dois<br />

homens que vivem juntos e adotaram<br />

uma criança”. Apesar <strong>de</strong> negar<br />

categoricamente a vivencia com<br />

crianças oriundas <strong>de</strong> famílias<br />

homoafetivas refere ter alunos cujos as<br />

mães mantinham uma relação<br />

homoafetiva. Porém, essas crianças<br />

vivem com os pais que reconstruíram<br />

sua vida conjugal <strong>de</strong>ntro da<br />

modalida<strong>de</strong> heterossexual.<br />

Consi<strong>de</strong>ra não haver nenhum problema<br />

psicológico com a criança. Mas diz que<br />

qualquer criança que mostrar trejeitos<br />

ficam discriminadas pelos outros alunos.<br />

Afirma que a criança não apresenta<br />

nenhum problema afetivo e escolar. No<br />

entanto acredita que se acriança<br />

apresentasse alguma dificulda<strong>de</strong> seria<br />

em relação a separação dos pais e não,<br />

necessariamente, em relação a opção<br />

sexual.<br />

Diz que a escola esta aquém<br />

sobre essa discussão. Não esta<br />

preparada para evitar a<br />

homofobia.<br />

Refere que o papel da<br />

construção das diferenças<br />

sexuais vai além da escola.<br />

Sendo sua função específica<br />

<strong>de</strong>smistificar as concepções<br />

i<strong>de</strong>ntitárias.<br />

A FAMILIA<br />

HARMONIOSA<br />

FAMILIA C/PESSOAS<br />

(CASAL) DO MESMO<br />

SEXO


P23 Não apresentou nenhuma resistência<br />

ao ser solicitado o <strong>de</strong>senho, <strong>de</strong>senhou<br />

logo e preferiu escrever a história, na<br />

qual diz que apesar <strong>de</strong> muita pessoas<br />

pensarem que família é só quando tem<br />

o pai e a mãe, isso não é a verda<strong>de</strong>,<br />

pois a felicida<strong>de</strong> se da em qualquer lar.<br />

Não ver nenhum problema nas<br />

relações homoafetivas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a<br />

criança seja amada, respeitada, não vê<br />

motivos porque não ser reconhecido a<br />

condição <strong>de</strong> família. Diz ter dúvidas<br />

como é isso para a criança, mas para<br />

ela que é adulta não vê problema<br />

nenhum. Diz já ter feito a cabeça para<br />

aceitar tudo isso. Desenhou duas<br />

mulheres com uma criança <strong>de</strong> mãos<br />

dadas.<br />

P24 Não verbaliza resistência, mas ao<br />

<strong>de</strong>senhar o solicitado, <strong>de</strong>senha um<br />

casal on<strong>de</strong> um dos cônjuges possui<br />

feições estereotipada, diz que elas se<br />

gostavam muito e adotaram um<br />

menino, mas que ela diz: “que elas<br />

adotaram um homem”. Diz encarar isso<br />

como muita naturalida<strong>de</strong>. Apela para<br />

Apesar <strong>de</strong> não ter sido aluna <strong>de</strong>la, mas<br />

por proximida<strong>de</strong> com as mães da aluna,<br />

e com a professora, diz que num<br />

primeiro momento as outras crianças<br />

tentaram excluí-la, mas ao primeiro<br />

movimento da turma a professora<br />

interveio logo e impediu que isso se<br />

agravasse. Não vê diferença entre os<br />

alunos.<br />

Diz que a criança sofria “um pouco <strong>de</strong><br />

preconceito, mas coisa muito singela,<br />

sem maiores problemas”. Diz que as<br />

outras crianças se referiam a mãe <strong>de</strong>la<br />

como um sapatão. Diz que a criança<br />

“sofria um pouquinho esse tipo <strong>de</strong><br />

preconceito”.<br />

Diz que a escola ainda é muito<br />

tradicionalista, que os<br />

professores são<br />

tradicionalistas, por mais que<br />

digam o contrário.<br />

Diz que a escola sempre<br />

trabalhou com a questão da<br />

diferença, e “não só no<br />

sentido sexual, mas todas as<br />

outras diferenças”. Vê a escola<br />

como minimizadora <strong>de</strong><br />

preconceitos, “mas nunca <strong>de</strong><br />

interferência”.<br />

FAMILIA FELIZ<br />

A FAMILIA DE HUGO


eligião para sustentar seu discurso <strong>de</strong><br />

diferença.<br />

P25 Demonstra estranheza e resistência,<br />

para fazer o <strong>de</strong>senho. Ao relatar a<br />

história após o <strong>de</strong>senho feito, coloca<br />

como um <strong>de</strong>safio para pessoas do<br />

mesmo sexo formar uma família. Para<br />

formar essa família eles adotaram um<br />

casal <strong>de</strong> crianças, por sua limitação<br />

biológica. Acredita que esse casal irá<br />

manipular as crianças. Acha que é um<br />

problema que existe e que tem que se<br />

tentar resolver. .<br />

P26 Demonstra resistência em <strong>de</strong>senhar,<br />

dizendo que não sabe <strong>de</strong>senhar, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong>monstra resistência em dar um título<br />

ao <strong>de</strong>senho. Apesar <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong><br />

duas mulheres, diz que elas não<br />

po<strong>de</strong>riam ter filhos e por isso<br />

resolveram adotar uma criança.<br />

Acredita tratar-se <strong>de</strong> uma família<br />

diferente. Acreditava que esses pais<br />

homoafetivos, eram mais<br />

compreensivos que os outros pais, pois<br />

aviam adotado a “brasileira” um<br />

menino bastante agressivo, que era<br />

Acha que a criança terá algum tipo <strong>de</strong><br />

problema, <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> . Diz que se<br />

<strong>de</strong>ve trabalhar com qualquer criança que<br />

<strong>de</strong>monstre algum jeitinho, que difere do<br />

comportamento normativo referente ao<br />

seu sexo.<br />

Acha que a escola precisa<br />

trabalhar mais essa questão,<br />

porque acha que este tema já<br />

é muito rotulado. Diz que<br />

através <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates, <strong>de</strong><br />

projetos, po<strong>de</strong> trabalhar essas<br />

questões.<br />

Diz que o papel da escola é<br />

bastante <strong>de</strong>licado e especial,<br />

pois enten<strong>de</strong> que a escola<br />

<strong>de</strong>ve mostrar que não há nada<br />

<strong>de</strong> imoral nisso, em um casal<br />

homoafetivo. Acredita que a<br />

escola po<strong>de</strong> promover<br />

discussões, para esclarecer, na<br />

tentativa <strong>de</strong> promover o<br />

entendimento do tema.<br />

O DESAFIO DE UMA<br />

FAMILIA<br />

A FAMILIA FELIZ,<br />

DIFERENTE, MAS,<br />

FELIZ


membro <strong>de</strong> uma família anterior<br />

bastante sofrida. Entretanto se refere<br />

aos outros casais, como casais normais.<br />

Acredita tratar-se <strong>de</strong> uma culpa por<br />

serem homossexuais.<br />

P27 Demonstra resistência para <strong>de</strong>senhar,<br />

através da dúvida, fala em <strong>de</strong>senhar<br />

uma “mulher machão”. Diz ter dúvidas<br />

em relação a função dos papeis, ela diz<br />

que já perguntou a um casal <strong>de</strong> amigas,<br />

quem era o homem da relação. Mesmo<br />

havendo uma negativa na resposta,<br />

acha que tem sim, baseando-se nos<br />

modos <strong>de</strong> se vestir, o qual ela i<strong>de</strong>ntifica<br />

como mais masculino. Na história que<br />

escreveu abaixo do <strong>de</strong>senho, uma das<br />

cônjuges, vinha <strong>de</strong> uma relação<br />

heterossexual que não <strong>de</strong>u certo. Diz<br />

não ser contra, porque acredita que<br />

cada um <strong>de</strong>ve tentar ser feliz da melhor<br />

maneira que quiser. Desenha um casal<br />

<strong>de</strong> mulheres, on<strong>de</strong> uma se veste mais<br />

masculinamente, coloca um menino<br />

que foi adotado. Acredita que a<br />

homossexualida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

genética, <strong>de</strong>pois aponta alguma<br />

Diz que a menina, chorava, que era<br />

rebel<strong>de</strong>, mas i<strong>de</strong>ntificava tal<br />

comportamento a questão da<br />

adolescência, e não do fato <strong>de</strong>la ser filha<br />

<strong>de</strong> pessoas do mesmo sexo.<br />

Diz ser difícil trabalhar nas<br />

escolas, pois existem escolas<br />

que tem preconceitos.<br />

Procurou conversar com a<br />

menina, <strong>de</strong>pois passou o caso<br />

para a diretora para que ela<br />

também conversasse com a<br />

menina.<br />

SÓ QUERO SER<br />

FELIZ


inca<strong>de</strong>iras como formadoras <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sexual.<br />

P28 Demonstra resistência dizendo que seu<br />

<strong>de</strong>senho esta feio. Ao contar a historia,<br />

diz tratar <strong>de</strong> duas mulheres que se<br />

conheceram e que resolveram morar<br />

juntas, não fazendo nenhuma<br />

referencia ao casamento. Diz que<br />

resolveram também adotarem uma<br />

criança. Diz que o amor e o carinho que<br />

esse casal oferecem a criança é como o<br />

amor e o carinho <strong>de</strong> um casal<br />

heterossexual. Diz que agiria normal<br />

diante <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong>ssa, mas<br />

tivesse uma criança on<strong>de</strong> o casal<br />

parental for do mesmo sexo, ela teria<br />

que falar com as outras crianças da<br />

sala.<br />

P29 Não apresenta gran<strong>de</strong>s resistências<br />

não, <strong>de</strong>senha dois homens, sem<br />

criança. Ao contar a história, refere-se<br />

a muitos relacionamentos<br />

heterossexuais, que ambos tiveram até<br />

<strong>de</strong>scobrirem que gostavam <strong>de</strong> homens.<br />

Diz que eles tem uma felicida<strong>de</strong><br />

diferente. Relata que trabalhar as<br />

Acredita que a escola esta<br />

muito atrasada em relação a<br />

este Mas acredita que por a<br />

socieda<strong>de</strong> ser muito<br />

preconceituosa, “ela não abre<br />

as portas para que seja<br />

trabalhar isso <strong>de</strong>ntro da sala<br />

<strong>de</strong> aula, na escola.”<br />

Demonstra não esta<br />

preparada para trabalhar esse<br />

tema.<br />

Acha o papel da escola<br />

fundamental. Diz que<br />

apren<strong>de</strong>u muito sobre<br />

sexualida<strong>de</strong> na escola no<br />

tempo <strong>de</strong>la. Diz ter escolas<br />

altamente combativas em<br />

relação a isso, mas reconhece<br />

que as escolas não po<strong>de</strong>m<br />

-------------<br />

VENCENDO<br />

PRECONCEITOS


questões <strong>de</strong> gênero e sexualida<strong>de</strong>, mas<br />

no que tange a questão da<br />

homossexualida<strong>de</strong>, ela evita falar, por<br />

enten<strong>de</strong>r ser um assunto muito<br />

<strong>de</strong>licado, a não ser se a criança fizer<br />

alguma questão ou se ela sentir<br />

abertura por parte da turma para abrir<br />

a discussão, pois diz que “tem muita<br />

pressão dos outros pais”. Diz que caso<br />

tivesse uma criança <strong>de</strong> um casal<br />

homoafetivo, “tentaria ajuda-la porque<br />

o problema é da socieda<strong>de</strong>”. Relata<br />

também, que apren<strong>de</strong>u a ter um olhar<br />

diferente em relação a esse tema, por<br />

ter parentes vivendo assim. Diz que<br />

tentaria conversar com esse aluno ou<br />

aluna, que traria especialistas para<br />

falar para a turma, pois não se sente<br />

preparada para <strong>de</strong>bater tal assunto e,<br />

não gostaria <strong>de</strong> passar informações<br />

erradas.<br />

P30 Diz ser uma família diferente pois em<br />

vez <strong>de</strong> ter um casal normativo<br />

heterossexual, era composto por um<br />

casal <strong>de</strong> duas mulheres. Fala não ter<br />

preconceito e que trataria a criança<br />

Acredita que as crianças fiquem<br />

confusas, com medo do que irão dizer os<br />

seus colegas <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula.<br />

abrir mão <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>bate.<br />

Diz que se tratar <strong>de</strong> uma<br />

escola evangélica, as<br />

perguntas que surgirem, as<br />

respostas oferecidas, serão<br />

baseadas em preceitos<br />

MINHA FAMILIA<br />

DIFERENTE


<strong>de</strong>sse casal como qualquer outro aluno<br />

da escola, normalmente. Apela para a<br />

religião para dizer que acha “esse tipo<br />

<strong>de</strong> relação sem graça”, acredita que<br />

esse tipo <strong>de</strong> relação po<strong>de</strong> trazer<br />

consequências para a criança que não<br />

são legais. Acredita que a criança fica<br />

confusa e que o preconceito que<br />

possivelmente ela sofrera, <strong>de</strong>ixara<br />

marcas.<br />

bíblicos.


APÊNDICE III<br />

DESENHOS-ESTÓRIAS COM TEMA CONSTITUINTES DO CORPUS

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