12.05.2013 Views

Poética Indígena: um ensaio sobre as origens da poesia - PUC-SP

Poética Indígena: um ensaio sobre as origens da poesia - PUC-SP

Poética Indígena: um ensaio sobre as origens da poesia - PUC-SP

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O problema <strong>da</strong> escritura, nesse c<strong>as</strong>o, é que ela se oferece a <strong>um</strong>a percepção solitária, enquanto a<br />

mensagem oral se oferece a <strong>um</strong>a audição pública e coletiva.<br />

Sugiro aos leitores que leiam-ouçam o canto-poema de Poty Porã e depois de ouví-lo <strong>um</strong>a, du<strong>as</strong><br />

ou divers<strong>as</strong> vezes, recite-o e deixe com que ele “p<strong>as</strong>seie” pelo seu corpo, que leve consigo parte de<br />

você deixando em troca parte dele. Verão então que na<strong>da</strong> nesse poema acontece por ac<strong>as</strong>o, seu<br />

título em Guarani remonta à origem do corpo que o recita, seja o indígena, seja o seu, como leitor.<br />

Os quatro primeiros versos de <strong>um</strong>a mesma estrofe são iguais aos quatro últimos em estrofes<br />

separad<strong>as</strong> e isso recria a experiência e a convivência do indígena com o homem branco (começando<br />

em Guarani, su<strong>as</strong> <strong>origens</strong>, e terminando em português).<br />

A última sensação que não pode deixar de ser referencia<strong>da</strong> <strong>sobre</strong> esse poema está em sua sexta<br />

estrofe: ela altera seu ritmo com a repetição de palavr<strong>as</strong> em <strong>um</strong> mesmo verso e com versos que<br />

contém apen<strong>as</strong> <strong>um</strong>a palavra, que consegue, sozinha, expressar a intensi<strong>da</strong>de do que se quer<br />

materializar. Realmente intenso!<br />

O poema Oñemboapyka pota jeayú porangue i rembi rerovy’a rã i representa <strong>um</strong> fato<br />

cultural de grande extensão; sua linguagem não constitui e nem deveria permitir tradução e análise.<br />

A tradução apresenta<strong>da</strong> tende a transferí-lo para outro contexto e sua leitura e audição só respondem<br />

a <strong>um</strong>a necessi<strong>da</strong>de de prazer que nela se esgota.<br />

A interpretação desse poema está na ordem do desejo, do carnal, ela nos persegue, nos<br />

interroga, nos ameaça, tortura a leitura singular e única para arrancar-lhe <strong>um</strong> segredo, <strong>um</strong>a essência<br />

de importância universal que somos incapazes de perceber e compreender de forma definitiva e<br />

completa, m<strong>as</strong> que a ca<strong>da</strong> contato se faz mais presente.<br />

Seu ritmo, sua rima e os “significados” contidos em sua tradução nos fazem entender a<br />

importância que a palavra tem para o povo Mbya Guarani, pois somos, segundo sua tradição oral,<br />

palavr<strong>as</strong>-alm<strong>as</strong> que tomam forma e nossos sons an<strong>da</strong>ntes cantarão vid<strong>as</strong> em tons diferentes e únicos.<br />

A voz conti<strong>da</strong> n<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> desse poema é diferente de qualquer outra que já tenhamos escutado;<br />

ela nos toca diretamente, comunga conosco sua privaci<strong>da</strong>de. Fala, sendo proveniente de séculos<br />

atrás ou como se estivesse ali, do outro lado <strong>da</strong> sala, atual, próxima, aqui e agora. Os detalhes<br />

históricos dessa voz são secundários; tudo o que importa é que a escutamos, <strong>um</strong>a presença inegável<br />

em nosso corpo e não importa há quanto tempo ess<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> tenham sido pronunciad<strong>as</strong>.<br />

O morto que fala<br />

Nos <strong>ensaio</strong>s do antropólogo e linguista hispano-guarani Bartolomeu Melià observa-se que<br />

quando os índios guaranis ouviam os europeus lerem seus escritos em voz alta, eles ficavam

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!