médico endocrinologista João Paulo - Cimi
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E d i t o r i a l<br />
2 maio/<br />
“ A força dos pequenos é vida<br />
para o mundo!”.<br />
Desde abril de 2004, este é o<br />
grito indígena no Brasil, é o tema<br />
de reflexões, conversas, encontros<br />
e muitos textos produzidos. A capa<br />
reproduz o simbólico-imaginário<br />
do tema que nos ajudou nas reflexões,<br />
isto é: a luta entre o Dragão<br />
e a Mulher; a luta entre o bem e o<br />
mal.<br />
A luta é desigual, com o desfecho<br />
sempre surpreendente da vitória<br />
dos pequenos.<br />
Do lado da mulher (os pequenos,<br />
os excluídos, os oprimidos) a<br />
terra se abre em flores e luzes, o céu<br />
sorri azul com o colorido das borboletas<br />
e pássaros, e ressoa com<br />
mil cantos. A vibrante luz do céu ainda<br />
é pálida frente à luz que emana da<br />
mulher. Pois ela é portadora da força<br />
e energia.<br />
Publicação do Conselho Indigenista Missionário<br />
Esta Revista nasceu em 1979 por iniciativa de 5<br />
tuxauas<br />
É uma revista de informação<br />
formação e<br />
intercâmbio a serviço<br />
ISSN 1679-2335<br />
dos Povos Indígenas<br />
CAPA E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: ARTUR DIAS<br />
junho 2006<br />
Colhendo fl ores,<br />
apesar dos espinhos<br />
O dragão, com suas muitas<br />
cabeças (madeireiras, mineradoras,<br />
fazendeiros, individualismo,<br />
consumismo, capitalismo, agronegócio...),<br />
assusta pelo tamanho<br />
e ferocidade. Mas do seu<br />
lado a terra é seca, o céu fechou,<br />
não há luz, não há cor, não há<br />
vida.<br />
E a mulher, serena e segura,<br />
o encara e não foge.<br />
Queremos dedicar este número<br />
à esperança com que os<br />
Povos Indígenas olham para o<br />
futuro, apesar dos desafios que<br />
enfrentam (e que não são poucos).<br />
É o momento de construir, de<br />
apostar, de arregaçar as mangas<br />
e trabalhar para construirmos um<br />
futuro melhor e mais confiável.<br />
Correspondência para:<br />
Caixa Postal 12080 - São Braz<br />
CEP 66.090-970 - Belém - Pará - Brasil<br />
Telefone: (091) 3229-3245 - Fax: (091) 3249-6942<br />
E-mail: cimiblm@amazon.com.br<br />
Site: www.mutiraoamazonia.org.br<br />
Instrumento usado pelos mensageiros no Alto<br />
Amazonas. Com ele avisavam as aldeias quando<br />
traziam notícias.
V ENCONTRO CONTINENTAL<br />
DE TEOLOGIA ÍNDIA<br />
MANAUS<br />
DE 21 A 26 DE ABRIL DE 2006<br />
Num clima de muita alegria e festa realizouse<br />
em Manaus, de 21 a 26 de abril o V Encontro<br />
Latino Americano de Teologia Índia.<br />
Participaram 178 pessoas, delas 106 indígenas,<br />
de 50 Povos diferentes. Os participantes<br />
eram de 15 nacionalidades; entre os não índios,<br />
havia missionários e missionárias, teólogos, bispos.<br />
Eram duas, as línguas predominantes: castelhano<br />
e português do Brasil, mas não faltou o<br />
inglês, pela presença dos índios da Guiana, e as<br />
línguas de cada etnia.<br />
“A Força dos Pequenos, Vida para o Mundo!”<br />
foi o tema recorrente durante os cinco dias<br />
como palavra de ordem, para os vários povos indígenas<br />
presentes no evento. Vários assessores<br />
teológicos acompanharam o encontro, como:<br />
<strong>Paulo</strong> Suess (Brasil), Eleazar Lopez, Clodomiro<br />
Siller e Mario Perez (México), Margot (Paraguai),<br />
Diego Irarrazaval (Chile) entre outros. Mas a novidade<br />
está em que a Teologia Índia está sendo<br />
refletida a partir de cada povo respeitando a cultura<br />
e os mitos. Não predominam os discursos<br />
abertura: fitas coloridas<br />
representam a diversidade<br />
A FORÇA DOS PEQUENOS:<br />
VIDA PARA O MUNDO<br />
teóricos, mas a própria experiência do povo. A<br />
convivência, a partilha, os rituais de cada um<br />
falam mais alto que as palavras.<br />
olhando nossa realidade<br />
Num primeiro momento formamos 07<br />
grupos por temas: identidade, legislação, migrações,organização,<br />
narcotráfico,<br />
terra-território-recursos,<br />
Amazônia. Com<br />
ajuda de um/a expositor/a<br />
partilhamos<br />
a nossa experiência<br />
quanto às ameaças<br />
nestes campos e aos<br />
progressos dos nossos<br />
povos, chamando<br />
as primeiras de “espinhos”<br />
e aos segundos<br />
de “flores”. Entre<br />
Cartaz do V Encontro<br />
muitos escolhemos<br />
maio/ junho 2006<br />
3
4 maio/<br />
flores e espinhos: onde crescemos<br />
e o que nos ameaça<br />
dois de cada para socializar com os colegas na<br />
plenária.<br />
De uma maneira geral, os grupos foram<br />
unânimes em identificar as flores como: movimentos<br />
populares, conquistas de terras, educação<br />
autóctone, saúde, resistência e identidade<br />
cultural. O que mais atrapalhou a caminhada<br />
ou seja, o espinho maior foi o neocapitalismo,<br />
que chega até aos povos indígenas através das<br />
multinacionais que exploram os minérios, petróleo<br />
e usurpação das terras por fazendeiros,<br />
dividindo o povo.<br />
Segundo D. Franco Masserdotti “não<br />
existe uma Teologia Índia, mas<br />
várias expressões de experiência<br />
de Deus, segundo a cultura<br />
junho 2006<br />
de cada povo. Uma<br />
Teologia que é mais<br />
uma experiência<br />
de vida, que tem<br />
um saber e um sabor,<br />
mais que uma<br />
sistematização de<br />
idéias...”<br />
A partilha da Palavra de Deus<br />
O segundo momento foi a partilha da<br />
Palavra de Deus a partir dos mitos, dos rituais<br />
e da realidade. Os indígenas do Brasil privilegiaram<br />
a sua experiência histórica. Para este grupo<br />
tudo começa da experiência/ encontro com<br />
Deus em sua história pela ação dos pequenos<br />
por Ele enviados. É a partir desta experiência que<br />
eles reconstroem os seus mitos e ritos.<br />
Outro grupo que teve a participação dos<br />
religiosos/ as indígenas apresentou o mito da<br />
água e a festa do Waupés, que é a festa da partilha<br />
do alimento e que também inspirou a festa<br />
do encerramento no último dia.<br />
Pensando o Futuro<br />
O terceiro momento foi da mensagem indígena<br />
resumida na mensagem final que vamos<br />
apresentar na íntegra.<br />
Os representantes do Brasil privilegiaram<br />
03 momentos de ação: junto às suas comunidades,<br />
junto às outras comunidades e povos e junto à<br />
sociedade envolvente. Acharam importante<br />
continuar com a reflexão da teologia<br />
Índia que é força para
nossa luta e pensam que<br />
é importante investir nos<br />
meios de comunicação a<br />
fim de encontrar muitos<br />
aliados.<br />
Os momentos de celebração<br />
nos apresentaram<br />
as diferentes formas culturais<br />
no contato com Deus e<br />
com os irmãos. A natureza é a própria manifestação<br />
de Deus e caminho para chegar até Ele.<br />
A fé em Jesus Cristo soma com as culturas e<br />
garante o êxito da nossa luta.<br />
Na tarde do dia 24 fomos de barco ver o<br />
encontro das águas onde o Rio negro e o Rio<br />
Solimões se encontram e o rio recebe o nome<br />
de Amazonas.<br />
O Encontro da generosidade<br />
Cada noite, mas também os intervalos do<br />
dia eram ocasião de lazer cada qual partilhando<br />
a riqueza de suas danças e a alegria de estar<br />
juntos com tantos irmãos e irmãs.<br />
Os rituais foram uma verdadeira aula e<br />
partilha de teologia e cada um fez o possível<br />
para mergulhar em realidades e experiências<br />
de povos diferentes.<br />
Todos os povos indígenas estão de acordo<br />
que são em favor da vida e fazem alianças<br />
com quem é pela vida sem olhar a raça e a<br />
cor e continente.<br />
“Feliz o dia que os Padres e Irmãs indígenas<br />
serviram o seu povo” (<strong>João</strong> <strong>Paulo</strong><br />
II), foi a frase citada por Pe Alcides<br />
Catota, do povo Kchtua, Equador.<br />
Segundo ele<br />
t i v e -<br />
r a m<br />
liturgia inculturada<br />
muito apoio do saudoso Bispo Proaño que<br />
foi um defensor de uma Igreja com “rosto”<br />
indígena.<br />
Os testemunhos de vida, luta pela terra,<br />
experiências de Deus foram transmitidos através<br />
de encenações dos mitos, danças… numa<br />
riqueza tão variada quantos são os povos indígenas<br />
presentes no evento.<br />
Esta reflexão depois de mais de 10 anos<br />
de caminhada no Brasil está dando os seus<br />
frutos, não só no Brasil mas em todo o Continente<br />
e quem sabe no futuro para toda a humanidade.<br />
Visto que em geral os povos<br />
indígenas são defensores<br />
da “Terra Mãe” e de um Deus<br />
que é Pai e Mãe, familiar e<br />
não distante.<br />
maio/ junho 2006<br />
5
Como os córregos e mananciais<br />
que se encontram no<br />
grande rio Amazonas, assim também<br />
nós, povos que nascemos<br />
nos quatro ventos, viemos unir<br />
nossos corações e nossas palavras<br />
às margens deste rio sagrado.<br />
Convocados pelo Criador<br />
das águas e das florestas, o Deus<br />
Grande Pai e Mãe, o Deus de quatrocentos<br />
nomes, Tupã, Tuminkier,<br />
Koamakë, Tamacco, Kohamacu, Elchen, (Ngenechen) Tuminkary,<br />
Nguluvi, Nyasaye, Mungu, Kanobo, Paapa, Karagabi,<br />
Tupo, Katata, Acha Diosï, Tata Kuerajpiri, Trindade,<br />
Tupana, Ñande ru, Metion, Wanadi, Ngai, Nungungulu,<br />
Palob, Encânticos da mata e do mar, Ngai, Nana-<br />
Tata, Kaa’ti, Pachacamac, Apunchic, Ajaw, Qatata’<br />
Qate’, Sabaseba, Onoruame, Yumtsil, Jmanojel,<br />
Waxacamen, Paba, Nana, Zalita, Qart’a, Tata Fitsocoyich,<br />
Dsara, Ndiose, Kinpaxkatsikan, Kinpuchinakan,<br />
Teótzin, Ometeótzin, Tonántzin, Totátzin,<br />
Pacha-Camac, Pachamama, Tata, Apunchiy, Viya,<br />
Jeiñ, Het, Maimuná, Wirak’ocha, Tata Viya, Moxeno,<br />
Ngurá, Mañusi, Omama, Karosakaybu, Tupagâ,<br />
Bôdje, Kaa’t, Viya, Jeiñ, Mejión, Akoré, Ngöbö, Nun<br />
Run, Bôdjé Dev, Eidjadwlha’, Bhagvan, Ye’paô’âktht,<br />
Co’amact, Ishwak, Jangoiko, Aijimarihi, Yumahi,<br />
T^sorá, Wainikaxiri, Ko Mam, N’diose, Ajuä, Pita’o,<br />
Achillik, Kausayuk viemos participar do V Encontro<br />
Latino Americano de Teologia Índia, em Manaus.<br />
O Brasil nos recebeu com imensa ternura,<br />
com palavras floridas e danças incentivadas por maracás,<br />
flautas, violões e corações dispostos a partilhar esperanças<br />
e sonhos de um outro mundo possível, onde a força dos<br />
pequenos é alternativa de vida.<br />
Desde os primeiros momentos, saboreamos as riquezas<br />
culturais de nossos povos que manifestam a grande<br />
sabedoria e o imenso amor de nossa Mãe e de nosso Pai<br />
geradores de vida. Sabedoria simbolizada pelo fogo, por<br />
sementes e frutos, bebida, incenso e orações.<br />
Jesus Cristo ressuscitado fez-se presente nesse<br />
encontro, fortificando a luta dos povos e dando sentido à<br />
morte de nossos mãrtires. No mais íntimo de nós mesmos,<br />
escutamos o quanto a vida triunfa sobre a morte. O teste-<br />
6 maio/<br />
junho 2006<br />
MENSAGEM<br />
FINAL<br />
munho de uma mulher indígena nos ensinou que não se<br />
morre jamais quando se morre lutando pela vida. Nossos<br />
mártires não são enterrados, eles são plantados para que<br />
nasçam novos guerreiros. A experiência de nossos mortos<br />
fortalece o coração de nossos povos. Vivemos e queremos<br />
continuar vivendo e por isso oferecemos nossa própria<br />
vida.<br />
Trouxe-nos grande alegria e esperança a palavra de<br />
irmãos e irmãs que caminham conosco nessa experiência<br />
teológica quando afirmaram que a Luz, dom do Espírito da<br />
Terra e da Água já se encontrava em todos os povos indígenas,<br />
em todas as culturas e religiões e que, nenhuma delas<br />
é superior às outras porque cada uma tem em suas mãos<br />
uma fagulha do Fogo divino.<br />
Mas escutamos com dor e preocupação que foi<br />
freado o processo que permitia a<br />
nossos irmãos indígenas receberem<br />
o diaconato na Diocese de<br />
S. Cristóvão de las Casas e que<br />
também se impuseram medidas<br />
disciplinares a irmãos indígenas,<br />
teológos, do México. Pedimos ao<br />
Espírito que abra os corações e<br />
as mentes daqueles que nos conduzem<br />
à autêntica universalidade,<br />
para que, como em Pentecostes,<br />
nossa assembléia cristã manifeste<br />
todos os rostos e todas as línguas<br />
do mundo.<br />
Constatamos que nossos<br />
mitos, nossos ritos e experiências<br />
históricas são, para nós, expressão do sagrado. As orações<br />
e danças desses dias nos convidaram a uma contínua purificação<br />
dos males e das pragas que o sistema neoliberal<br />
nos impôs. A maioria dessas pragas vêm de fora, embora,<br />
infelizmente, também as produzimos entre nós: divisões,<br />
perda de identidade, abandono de nossas terras, violência<br />
intra-familiar...<br />
Nós, os participantes deste Encontro, queremos<br />
denunciar que a praga que mais ameaça esse momento<br />
da História é aquela que a Amazônia sofre em seu imenso<br />
manancial aquático, na riqueza de sua biodiversidade, em<br />
seus povos e culturas milenares, pela cobiça dos poderosos<br />
que pretendem apossar-se desse eco-sistema imprescindí-
A todas as comunidades indígenas,<br />
a todas as nações e governos do<br />
mundo,<br />
a todas as Igrejas,<br />
do coração da maloca da<br />
Amazônia<br />
anunciamos<br />
que a força dos pequenos<br />
é vida para o mundo<br />
vel para a vida de todos os seres da terra. Frente ao sistema<br />
neoliberal avassalador e destrutivo, queremos então<br />
oferecer a todos os povos do mundo, como alternativa, a<br />
sabedoria com que cultivamos nossa terra e cuidamos da<br />
natureza. O mundo de hoje necessita do saber tradicional<br />
que nos cura e da força espiritual que nos impele adiante<br />
na construção da História.<br />
Convocamos a todos os povos indígenas a continuar<br />
sendo os defensores dos mares e dos rios, dos peixes<br />
e das aves, das sementes e dos frutos, das árvores e<br />
dos animais, dos rios e das montanhas, das matas e do<br />
cerrado, porque o Coração do Céu e o Coração da Terra<br />
nos introduziram na História para oferecermos ao mundo<br />
alegria e plenitude, ao invés de maltratá-lo e destruí-lo.<br />
E convocamos também a continuar lutando e exigindo<br />
dos governos, da sociedade<br />
e das Igrejas respeito e apoio pelos<br />
direitos indígenas<br />
A partir da palavra milenar de<br />
nossos antepassados, percebemos<br />
nossa pequenez e tomamos consciência<br />
de que, sozinhos e isolados<br />
não podemos enfrentar as ameaças<br />
do sistema de morte. Guardamos no<br />
coração essa lição que aprendemos<br />
das experiências históricas e dos relatos<br />
de mitos em que os animais<br />
mais pequeninos como formigas e<br />
rãs são os vencedores do mal.<br />
Quando nossos irmãos e irmãs<br />
indígenas de Manaus nos convidaram<br />
para visitar as águas sagradas do Amazonas, lugar<br />
onde se juntam as águas brancas e as águas negras,<br />
aprendemos que é possível a união dos diferentes em um<br />
único caudal gerador de vida para a humanidade e de fertilidade<br />
para o mundo.<br />
Ao longo desses dias surgiram diversos desafios:<br />
defender a vida de tantos de nossos irmãos e irmãs indínegas<br />
ameaçados, propiciar uma autêntico diálogo entre<br />
índios e instituições nacionais e eclesiais, comprometernos<br />
profeticamente como missionários e misionárias para<br />
que, longe de impormos uma ideologia, testemunhemos<br />
e anunciemos o Evangelho de Jesus.<br />
Em profunda contemplação, constatamos que a<br />
força dos pequenos está em sua<br />
união e organização, em suas assembléias<br />
e consensos comunitários,<br />
no saber complementar-se,<br />
na responsabilidade e no serviço,<br />
no abrir seus corações para somar<br />
com outros e multiplicar sonhos e<br />
utopias. Essa força está na identidade<br />
e cosmovisão próprias, na<br />
ética e na autenticidade de sua palavra.<br />
Força que vem de seu vínculo com a Terra e com<br />
a Água, de sua profunda solidariedade, de seu parentesco<br />
com toda a criação e da fraternidade que os une a todos<br />
os povos.<br />
Sua força está na dança e na festa, na espiritualidade<br />
que os vincula com Deus Pai e Mãe<br />
da vida.<br />
Ao terminar este Encontro, queremos manifestar<br />
nossa gratidão a todos aqueles que se solidarizam<br />
com as causas indígenas e com elas se<br />
comprometem até as últimas consequências em<br />
cada um dos países da América Latina: o levante<br />
de Chiapas, no México, o Movimeno Indígena do<br />
Equador, o empoderamento indígena da Bolívia,<br />
as lutas por demarcação da terra no Brasil, o<br />
reconhecimento constitucional no Paraguai<br />
E, somos especialmente agradecidos<br />
àqueles e àquelas que, como Jesus, estão conosco<br />
no dia-a-dia, nos momentos de dor ou de<br />
festa, no plantio e na colheita, nos altos e baixos<br />
da vida, a todos os que trabalham e sonham conosco, a<br />
todos e todas que, por nós, são capazes de morrer e que,<br />
em nós, ressuscitam.<br />
Ao final desses dias, em volta do fogo e da comida<br />
que nos unem, assumimos o compromisso de continuar a<br />
construir juntos nossa História, defender nossos territórios<br />
tradicionais, fortalecer nossas culturas e religiões, solidarizar-nos<br />
com as lutas políticas de nossos povos e prosseguir<br />
incentivando o surgimento de Igrejas autóctones.<br />
Da grande maloca indígena da Amazônia,<br />
em Manaus, Amazonas, Brasil.<br />
26 de abril de 2006<br />
maio/ junho 2006<br />
7
Do Brasil estavam representados<br />
os Povos: Karipuna, Galibi-Marworno,<br />
Aikewar, Tembé, Guarani, Munduruku,<br />
Pankararu, Xukuru, Makuxi, Wapixana, Yanomami,<br />
Sateré Maués, Karipuna, Galibi,<br />
Tikuna,Piratapuia, Dessana, Baniwa.<br />
Os representantes do Brasil privilegiaram<br />
a experiência de Deus em sua história.<br />
No encontro lembraram os três momentos<br />
em que resumiram a sua experiência<br />
durante os encontros de preparação:<br />
1. o sofrimento do povo,<br />
2. a experiência de vitória no meio<br />
do sofrimento,<br />
3. a força que vem de baixo e de<br />
cima.<br />
A maioria dos participantes representava<br />
um povo que experimentou o<br />
8 maio/<br />
O BRASIL NO V ENCONTRO<br />
CONTINENTAL<br />
D. Zenilda, viúva de Xicão<br />
junho 2006<br />
sofrimento de maneira muito forte. Estes povos<br />
tocaram o fundo do poço de onde parecia impossível<br />
se levantar.<br />
1. O sofrimento do povo:<br />
O povo Xukuru de Pernambuco, com mais<br />
de 400 anos de contato com a sociedade em<br />
torno, contou sua vida de servidão dentro de<br />
Apresentação de Xikão doente faz promessa a Na. Sra.
Aparecida<br />
sua própria terra, toda tomada por fazendeiros.<br />
Deus chamou o Xicão que, como um Moisés<br />
moderno, levou seu povo a enfrentar com coragem<br />
os opressores e, gradativamente, retomar<br />
suas terras. As lutas continuam até hoje. Xicão e<br />
outros Xukuru foram assassinados. O atual cacique,<br />
Marcos, já sofreu atentado. A justiça pernambucana<br />
é parcial e antiindígena. E tem até<br />
lutas e divergências internas, pois nem todos os<br />
Xukuru estão de acordo com as retomadas. Mas<br />
os Xukuru não desistem, continuam lutando estes<br />
guerreiros da paz que rejeitam a violência,<br />
mas não dispensam seus direitos.<br />
O povo Guarani do Pará contou sua longa<br />
peregrinação sempre em busca de uma terra<br />
sem males, de uma terra. Este grupo saiu há<br />
mais de 40 anos de Argentina, passaram por<br />
São <strong>Paulo</strong>, por Goiás, pelo Maranhão e por fim,<br />
Pará. Os que contavam a história nasceram no<br />
caminho. Lembram que no Maranhão eram<br />
hóspedes do povo Guajajara, mas chegou o dia<br />
que não dava mais para ficar lá. Vieram para o<br />
Pará e primeiro ficaram na terra dos Parkatejê,<br />
e novamente chegou o dia em que não dava<br />
mais para ficar lá. Finalmente, com a ajuda de<br />
uma ONG, eles adquiriram uma terra no município<br />
de Jacundá no sul do Pará.<br />
Os povos Makuxi, Wapichana, Taurepang<br />
e Patamona da Terra Indígena Raposa Serra do<br />
Sol, em Roraima (extremo norte do Brasil, limite<br />
com Venezuela e Guiana Inglesa) contam sua<br />
história através de um vídeo em que dramatizam<br />
os maus tratos que receberam de garimpeiros,<br />
fazendeiros, arrozeiros e militares. Para<br />
agravar o problema, muitos estavam abusando<br />
da bebida alcoólica que enfraquecia sua luta e<br />
lhes tirava a dignidade. Agora faz uns 28 anos<br />
que eles deram um “basta!” em tudo isso com<br />
seu grito: “Ou vai ou racha!” Têm feito uma<br />
volta espetacular. Recuperaram suas terras, for-<br />
Makuxi<br />
maio/ junho 2006<br />
9
maram organizações estaduais de professores,<br />
mulheres, lideranças. Souberam fazer alianças.<br />
Porém, mesmo muito recentemente, vêm sofrendo<br />
ataques, destruição de seu patrimônio<br />
pelos arrozeiros e fazendeiros que não se conformam<br />
que os povos indígenas possam ter seu<br />
próprio território.<br />
Os Aikewar, que eram centenas e ficaram<br />
reduzidos a apenas 33 pessoas, que fugiam de<br />
garimpeiros, castanheiros e fazendeiros. Que<br />
sofreram o trauma de estar bem no meio da<br />
Guerrilha do Araguaia sem nem entender porque<br />
os “kamará” (brancos) podiam ser tão cruéis<br />
com eles e tão cruéis uns com os outros.<br />
2. A experiência de vitória no meio do<br />
sofrimento:<br />
Em cada história encenada, contada, relembrada,<br />
sempre aparece alguém que ajuda o<br />
povo a encontrar o caminho, uma saída. São<br />
os pequenos, força de Deus para libertar o seu<br />
povo. Às vezes é alguém do povo mesmo como<br />
o Xicão Xukuru, Marçal Tupã-y Guarani, Moroneikó<br />
Aikewar... Às vezes é alguém de fora que<br />
se interessa em ajudar o povo como Padre Jorge<br />
Del Paz entre os Makuxi, Frei Gil Gomes entre os<br />
Aikewar, Padre Carlos Ubbiali entre os Guajajara,<br />
... São os pequenos, são pessoas chamadas,<br />
enviadas e iluminadas por Deus que<br />
ajudam o povo a enxergar melhor, sentir<br />
sua própria dignidade, acreditar que podem<br />
sim vencer – até um dragão horroroso!<br />
Os pequenos são pessoas em que<br />
nasceu a paixão pelo povo e que vão até<br />
o fim, mesmo tendo que dar a vida.<br />
E em cada história ouvimos como<br />
o povo, quando acredita em si, quando<br />
confia numa força maior que está do seu<br />
lado, supera todos os obstáculos, enfren-<br />
10 maio/<br />
junho 2006<br />
tam todas as dificuldades.<br />
Os<br />
Xukuru começaram<br />
a retomar<br />
suas terras – em<br />
paz – mas firmes<br />
e decididos. Retomaram<br />
suas<br />
danças e rezas<br />
antigas, iniciaram<br />
escolas indígenas.<br />
Ainda<br />
sofrem muitas<br />
d i f i c u l d a d e s ,<br />
mas ninguém<br />
consegue parar o avanço deste povo. A figura<br />
do Xicão se tornou referência não só para os<br />
Xukuru como para todos os povos do Nordeste<br />
e até em outras regiões do Brasil.<br />
3. A força que vem de baixo e de cima:<br />
O povo conhece esta força vindo de duas<br />
fontes, ou talvez sejam duas dimensões de uma<br />
única fonte. Como eles dizem: “É como uma árvore:<br />
pega a força do ar, da chuva, do sol pelas<br />
folhagens. Mas também pega de baixo da terra,<br />
das raízes.”<br />
Assim somos nós, assim<br />
é a Mulher. A força,<br />
a energia que ela traz<br />
vêm da terra, da Mãe<br />
Natureza, dos encantados,<br />
da luz. Ela vem<br />
da nossa tradição, do<br />
resgate da sabedoria<br />
e da tradição dos nossos<br />
povos. Também<br />
vem de Deus, do divino,<br />
do céu, do mundo<br />
espiritual. E quanto<br />
mais unidos formos,<br />
mais experimentamos<br />
esta força que se torna<br />
nossa força. Quanto mais podemos enfrentar o<br />
mal que ameaça os nossos povos.<br />
Todos os participantes manifestaram o interesse<br />
e a necessidade de continuar com esta reflexão<br />
e partilha junto ao seu povo e pediram<br />
ajuda para que se realize.<br />
As fotos que ilustram as páginas de 2 a 10 são<br />
dos missionários Fernando López s. j., Ir Lourdes<br />
Mendes, Cristophe Six, Paul Smitt, <strong>Paulo</strong> Sérgio,<br />
Lucio Cocama, Pe. Vico s. j. e Nello Ruffaldi
CAMPANHAS<br />
ARARA: esperando...esperando...<br />
esperando.<br />
O Regional <strong>Cimi</strong> Norte II, no período de 02 a<br />
04 Maio, realizou no Centro de Formação Bethânia<br />
um encontro com representantes de povos indígenas<br />
e entidades da região em solidariedade ao Povo Arara<br />
da Terra Indígena Cachoeira Seca, com apoio da<br />
Prelazia do Xingu e da Comissão Pastoral da Terra em<br />
Altamira.<br />
Compareceram ao encontro o Administrador<br />
Executivo da Funai em Altamira, Benigno Pessoa Marques,<br />
o Superintendente do Incra de Santarém, Pedro<br />
Aquino, o Chefe do Escritório do Ibama local, Roberto<br />
Scarapini e o Procurador da República em Altamira, Dr.<br />
Marco Antônio.<br />
A presença das autoridades foi requerida para<br />
que informassem quais as providências até agora tomadas<br />
para a conclusão da demarcação da terra do<br />
povo Ugorogmo.<br />
O povo Ugorogmo, popularmente chamado de<br />
Arara, tem apenas 19 anos de contato, e é um dos últimos<br />
povos nômades do País. Vive na Aldeia Cachoeira<br />
Seca, que está localizada nos Municípios de Uruará,<br />
Altamira e Rurópolis, no Estado do Pará.<br />
EDITORA MENSAGEIRO<br />
Em 22/01/93, o Ministério da Justiça declarou a<br />
área como terra indígena, mas isto não impediu que as<br />
invasões continuassem. Além disso, existem colonos<br />
assentados pelo Incra.<br />
Apesar do sucesso da campanha pela demarcação<br />
da Terra indígena Cachoeira Seca em 2003 e<br />
das promessas das autoridade à comitiva dos representantes<br />
Arara, os poderosos da região continuam a<br />
criar obstáculos à demarcação. Em junho de 2004 a<br />
equipe da Funai tinha já adiantado a demarcação física<br />
da área, mas os trabalhos foram suspensos e a equipe<br />
responsável pela demarcação física foi retirada da área,<br />
por ordem do STJ ao Presidente da FUNAI, com base<br />
no Mandado de Segurança nº 4819 e 4821/DF.<br />
A presidência da Funai designou a antropóloga<br />
Maria Helena para complementar os estudos, bem<br />
como constituiu um Grupo Técnico para fazer um novo<br />
levantamento fundiário, designando um técnico para a<br />
confecção de um relatório ambiental.<br />
Os representantes dos órgãos informaram que<br />
os relatórios antropológicos e o levantamento fundiário<br />
já foram entregues à Diretoria de Assuntos Fundiários<br />
– DAF/FUNAI desde 2005 e estão sendo analisados.<br />
A maior preocupação das entidades é com a demora.<br />
Mais o tempo passa, mais os invasores aumentam, mais<br />
a mata é destruída e o saque e a negação dos direitos indígenas<br />
se tornam um dado de fato.<br />
Medidas urgentes são necessárias, mas para enfrentar<br />
esta situação, os Arara continuam a precisar do<br />
apoio de todos nós. Entre no site www.mutiraoamazonia.org.br<br />
e envie para o E.Mail: sergiocunha@mj.gov.<br />
br a seguinte mensagem:<br />
Exmo. Senhor Ministro da Justiça<br />
“Solidarizo-me, como cidadão brasileiro, com<br />
o esforço do povo indígena Ugorogmo, conhecido<br />
como Arara, no sentido da terra tradicionalmente<br />
ocupada por ele (denominada terra indígena Cachoeira<br />
Seca, no Estado do Pará) vir a ser urgentemente<br />
demarcada, nos termos declarados e determinados<br />
pela Portaria n° 26/MJ, de 22/01/93, com a extensão<br />
aproximada de 760.000 ha, de forma contínua com<br />
a terra indígena Laranjal. Dessa forma, acredito que<br />
o Governo Federal estará assegurando a integridade<br />
física e cultural desse povo indígena, bem como do<br />
patrimônio público da União, pondo fim ao sofrimento<br />
dos membros do povo Arara, ao desmatamento e<br />
às invasões”.<br />
Conheça, divulgue e apóie as nossas publicações.<br />
É uma forma de prestar serviço aos Povos Indígenas no Brasil<br />
A Terra Sem Males em Construção (150 pags). .....................................................................R$ 8,00<br />
Relato do IV Encontro Continental da Teologia Índia, um subsídio<br />
único para se aproximar a este tema.<br />
E Tonantzin Veio Morar Conosco (262 pags). ......................................................................R$ 8,00<br />
2ª Parte da Memória do IV Encontro de Teologia Índia.<br />
Povos Índígenas no Mundo (40 pags). ...................................................................................R$ 2,00<br />
Povos Indígenas no Brasil (44 pags). ....................................................................................R$ 2,00<br />
Povos Indígenas no Pará e Amapá (100 pags). .....................................................................R$ 5,00<br />
Coleção de 10 cartões de sábios e sábias indígenas (com envelopes – ref. CF 2003) ................R$ 3,00<br />
maio/ junho 2006<br />
11
CAMPANHAS<br />
<br />
Nossa terra,<br />
nossa Mãe<br />
Nome:<br />
Endereço:<br />
Bairro: Fone:<br />
CEP: Cidade:<br />
Estado: País:<br />
Foto: Lindomar<br />
Campanha pela<br />
demarcação da<br />
terra indígena<br />
Arara do Amônia,<br />
do povo Apolima-<br />
Arara<br />
Nós somos o povo Apolima-Arara e habitamos<br />
em nossa terra tradicional, no rio Amônia, afluente<br />
esquerdo do Rio Juruá, no Município de Marechal<br />
Thaumaturgo, Estado do Acre. Somos uma população<br />
crescente que conta hoje com 310 pessoas. Em 1999<br />
iniciamos a luta pela regularização de nossa terra, a<br />
fim de reavermos o que é nosso para garantir o futuro<br />
nosso e de nossos filhos.<br />
Nossa terra foi expropriada, pelos seringalistas,<br />
pelo Incra, para assentamento de posseiros e pelo<br />
Ibama, para a criação da Reserva Extrativista do Juruá.<br />
Hoje em dia incide sobre nossa terra o assentamento<br />
do Incra e parte da Reserva Extrativista. Acusados de<br />
atrapalharmos o desenvolvimento da região, encontramos<br />
muitos opositores entre políticos da região, ór-<br />
gãos Federais e Estaduais, além de proprietários locais<br />
e “empresários” brasileiros e peruanos, interessados<br />
na utilização de riquezas de nossa terra, principalmente<br />
madeira.<br />
Embora com dois laudos (estudos) realizados<br />
pela Funai, o processo de demarcação de nossa terra<br />
se encontra paralisado.<br />
Essa paralisação tem favorecido aqueles que<br />
são contrários à demarcação e acirrado os conflitos<br />
que já são constantes inclusive com várias ameaças às<br />
lideranças indígenas.<br />
Inúmeras denúncias têm sido feitas contra a invasão<br />
de nossa terra e até o momento nada foi feito,<br />
ao contrário, muitos outros invasores estão se sentindo<br />
amparados pela paralisação e até motivados por autoridades<br />
contrárias à nossa luta.<br />
Há um discurso de que, no Estado do Acre, as<br />
terras indígenas já estão todas regularizadas. A constatação<br />
que fazemos, porém é outra: além das terras não<br />
regularizadas existem muitas outras com problemas<br />
que envolvem revisão de limites. É importante destacar<br />
ainda que em recente levantamento foi constatado<br />
que todas as terras indígenas da Amazônia Ocidental<br />
(Estados do Acre e Sul do Amazonas) sofrem de alguma<br />
forma de invasão (Madeireiras, pescadores, caçadores<br />
e outros).A campanha pela demarcação de nossa terra<br />
quer ser solidária aos outros parentes que estão com<br />
suas terras em situação igual ou semelhante a nossa,<br />
pois entendemos que só com a união e com o apoio<br />
de importantes parceiros é que conseguiremos garantir<br />
o cumprimento da Constituição Federal no que se<br />
refere aos nossos direitos.<br />
Objetivo:<br />
Garantir a demarcação da Terra Indígena Arara<br />
do Amônia, conforme o pedido ao Ministro da Justiça<br />
Como Fazer?<br />
Participe da Campanha assinando o abaixo -assinado<br />
que deve ser enviado ao:<br />
<strong>Cimi</strong> Cruzeiro do Sul<br />
Tv. Mário Lobão 206<br />
Caixa Postal 83<br />
66980-000, Cruzeiro do Sul- AC<br />
Assinatura<br />
Anual<br />
Renovação<br />
Indígena<br />
Apoio<br />
Exterior<br />
Pagamento<br />
Cheque Nominal<br />
Depósito Bancário<br />
Em / /<br />
PREÇO DA ASSINATURA: Anual: R$ 25,00 – Indígena: R$ 12,00 – Apoio: R$ 50,00 – Exterior: US$ 50,00<br />
CHEQUE NOMINAL e cruzado em favor do Conselho Indigenista Missionário<br />
DEPÓSITO INSTANTÂNEO: numa agência Bradesco para Ag. 3109-7 cc: 135641-0 em favor do Conselho<br />
Indigenista Missionário<br />
Importante: Envie por fax ou correio – junto com o cupom preenchido o comprovante (ou cópia) do seu depósito<br />
12 maio/<br />
junho 2006
avisamos os leitores que está a disposição o site<br />
www.mutiraoamazonia.org.br.<br />
Este site é aberto a iniciativas práticas em defesa<br />
dos direitos indígenas, do meio-ambiente, das<br />
populações amazônicas e ao intercâmbio de<br />
iniciativas na procura de alternativas ao modelo de<br />
desenvolvimento destruidor.<br />
A reportagem que segue apresenta uma destas<br />
alternativas.<br />
Desenvolvimento<br />
de Alternativas Econômicas<br />
Sustentáveis por Povos Indígenas<br />
Etapas necessárias e o exemplo do<br />
Oiapoque<br />
Texto e fotos: Marcio Sztutman – TNC Amazônia<br />
A demanda de produtos industrializados pelos povos<br />
indígenas é uma realidade há muitos anos. O histórico<br />
do contato com a sociedade envolvente trouxe o convívio<br />
com estes novos produtos. Bolacha, café, açúcar, gasolina,<br />
rádios, motores. A própria demanda de autonomia,<br />
em pé de igualdade com o poder nacional e local, exige<br />
que existam fontes próprias de renda que não exijam contratos<br />
diretos com os governantes.<br />
Assim, a necessidade de geração de renda por parte<br />
das comunidades e associações indígenas já faz parte<br />
da agenda dos primeiros habitantes do Brasil. Porém, a<br />
proposta indígena de geração de riquezas passa por premissas<br />
bastante diferentes daquelas verificadas na sociedade<br />
envolvente. As lideranças ressaltam - com sabedoria<br />
– que a riqueza gerada não pode ser distribuída de forma<br />
desigual entre os membros da comunidade. Além disso,<br />
os processos de produção precisam estar em harmonia<br />
com o meio ambiente. Afinal, não teria sentido seguir a<br />
risca o modelo de desenvolvimento que desestruturou a<br />
cultura e natureza de tantos grupos indígenas, e que hoje<br />
apresenta claros sinais de esgotamento socioambiental na<br />
sociedade envolvente.<br />
maio/ junho 2006<br />
Foto: Nello Ruffaldi<br />
13
Com estas necessidades e objetivos em mente,<br />
uma experiência atual desenvolvida pelos povos indígenas<br />
do Oiapoque retrata muito bem as etapas, oportunidades<br />
e dificuldades para o desenvolvimento de alternativas<br />
econômicas sustentáveis.<br />
Identificando o produto<br />
O primeiro passo para o desenvolvimento de alternativas<br />
econômicas é identificar quais os produtos potenciais<br />
para um determinado povo indígena. Essa identificação<br />
é auxiliada por alguns critérios básicos, como:<br />
ser um recurso em abundância na região,<br />
ser um produto renovável,<br />
ser um produto que as comunidades já<br />
conheçam e produzam,<br />
ser barato de ser produzido,<br />
não estragar fácil depois de pronto,<br />
ter um bom potencial de venda.<br />
É claro que nem sempre é possível identificar um<br />
produto com todas estas qualidades, porém o mais próximo<br />
que se chegar desta fórmula, maiores as chances<br />
de sucesso.<br />
Uma classe de produtos geralmente potenciais são<br />
os Produtos Florestais Não Madeireiros, conhecidos também<br />
pela sigla PFNM, que atendem vários dos critérios<br />
acima. Muitos grupos indígenas conhecem os processos<br />
de produção de inúmeros PFNM, como óleos e resinas.<br />
No Oiapoque, através de levantamento socioambiental e<br />
grandes reuniões de lideranças, os povos Palikur, Galibi-<br />
Marworno e Karipuna identificaram o óleo de andiroba<br />
como um produto de grande potencial.<br />
Plano de Manejo<br />
Quando uma comunidade indígena possui o desejo<br />
de fazer a comercialização de algum produto florestal<br />
para fora de suas terras, passam a ter a obrigação de seguir<br />
a legislação nacional que regula este tipo de ativida-<br />
14 maio/<br />
junho 2006<br />
de. Uma das principais exigências da lei é a apresentação<br />
e posterior aprovação de um Plano de Manejo.<br />
O Plano de Manejo é como se fosse uma carta<br />
de interesses das comunidades, que deve responder<br />
algumas perguntas básicas: O que queremos produzir?<br />
Aonde? Em que quantidade? De que jeito? O Plano precisa<br />
estar linguagem técnica e precisa ser assinado por um<br />
profissional cadastrado (geralmente Engenheiro Florestal<br />
ou Agrícola), pois precisa atender as demandas exigidas<br />
pelo IBAMA.<br />
Além de legalizar a comercialização de produto<br />
florestal perante o governo, o Plano de Manejo também<br />
possui a importantíssima tarefa de assegurar que a produção<br />
estará sendo realizada de forma sustentável. Ou<br />
seja, assegurar uma produção de baixo impacto, que<br />
pode ser realizada ao longo de muitos anos sem maiores<br />
prejuízos para a natureza. Isso é muito importante, pois<br />
mesmo que as comunidades indígenas já conheçam bem<br />
como trabalhar com um determinado produto, a escala<br />
comercial é diferente da tradicional. É preciso ter regras<br />
de utilização dos recursos naturais para todos poderem<br />
seguir, garantindo o uso sustentável.<br />
No Oiapoque, foi criado um Plano de Manejo para<br />
a produção do óleo de andiroba com intensa participação<br />
dos Agentes Ambientais Indígenas da região. Este grupo<br />
de indígenas foi responsável por toda a fase de inventário.<br />
Isso incluiu a contagem, plaqueamento e medição das<br />
árvores, mapeamento das áreas de utilização e estabelecimento<br />
do sistema de manejo (forma de utilização e<br />
cuidados com a andiroba). Uma das regras de utilização<br />
criadas é que a cada 5 andirobeiras 1 deve ser deixada<br />
sem ser coletada, servindo para a produção de novas<br />
plantas e para a alimentação dos animais.<br />
É interessante notar que, apesar de ser um documento<br />
na linguagem técnica, um Plano de Manejo indígena<br />
pode e deve possuir suas características próprias. O<br />
conhecimento tradicional do manejo de recursos naturais<br />
deve ser incorporado, dando seu caráter único e diferenciado.<br />
Estratégia de<br />
Comercialização<br />
A comercialização é<br />
certamente a fase mais difícil<br />
no desenvolvimento das alternativas<br />
econômicas de povos<br />
indígenas. É nesse momento<br />
que aparecem os desafios de<br />
encontrar os compradores,<br />
de realizar contratos vantajosos,<br />
de administrar recursos<br />
financeiros, de calcular custos<br />
de produção. Para enfrentar<br />
estes desafios, é importante<br />
que as comunidades indígenas<br />
desenvolvam um planejamento<br />
cuidadoso de como<br />
será realizada a comercialização,<br />
para evitar prejuízos<br />
e frustrações futuras. Esse<br />
plano, entre outros pontos,<br />
poderá dar um panorama<br />
do mercado, ou seja, indicar<br />
quem está comprando o pro-
duto hoje, por quanto, qual a qualidade e quantidade que<br />
eles buscam e outros pontos fundamentais.<br />
Uma coisa para se ter em mente é que os produtos<br />
indígenas são diferenciados dos produtos não indígenas,<br />
pois carregam consigo toda uma significância cultural.<br />
Pode ser interesse das comunidades buscar compradores<br />
que reconheçam essa diferença e que estejam dispostos<br />
a pagar mais por seus produtos. Porém, geralmente este<br />
tipo de comprador se encontra distante das comunidades,<br />
o que implica em maior necessidade de logística e<br />
O Plano de Estratégia Comercial desenvolvido<br />
para o óleo de andiroba no Oiapoque<br />
indica alguns pontos para se ficar atento,<br />
como:<br />
necessidade de padronizar o produto a ser<br />
vendido (se cada família produtora tiver<br />
uma forma diferente de fazer o óleo, o comprador<br />
nunca vai saber o que é que vai receber...)<br />
necessidade de um investimento inicial para<br />
enviar aos potencias compradores amostras<br />
do produto a ser vendido,<br />
procurar ter vários compradores diferentes,<br />
evitando a dependência sobre um ou dois<br />
compradores,<br />
possíveis adequações no modo de se produzir<br />
o óleo para atender o desejo de tipo<br />
de óleo dos compradores.<br />
gastos com transporte.<br />
No momento atual, as comunidades<br />
indígenas de Oiapoque estão analisando suas<br />
possibilidades de venda e se preparando para<br />
as próximas etapas neste processo.<br />
Organização Comunitária<br />
Nenhuma das etapas anteriores dará<br />
certo caso não exista muita vontade e acima<br />
de tudo grande organização comunitária. A<br />
proposta de alternativas econômicas comunitárias<br />
é de certa forma uma novidade para a<br />
maioria dos grupos. Em muitos casos, repre-<br />
senta uma passagem ou uma combinação da produção<br />
familiar com a comercialização comunitária, envolvendo<br />
diversas famílias. Sem organização, isso não é possível.<br />
É necessária muita transparência em todas as etapas<br />
de trabalho, pois é um processo que envolve dinheiro<br />
e nesse assunto podem surgir desconfianças, mesmo<br />
entre amigos. O envolvimento das famílias nas tomadas<br />
de decisões centrais, através de mecanismos de consulta,<br />
é um meio eficiente de manter o grupo coeso. Reuniões<br />
freqüentes para identificar e solucionar problemas, além<br />
de celebrar os sucessos, se fazem particularmente importantes.<br />
Iniciativas indígenas<br />
O exemplo do óleo de andiroba dos povos indígenas<br />
do Oiapoque é um dos mais recentes exemplos da<br />
Amazônia, ainda em construção. Muitos desafios estão<br />
sendo enfrentados e vencidos, e existem também diversos<br />
outros grupos que estão passando ou já passaram<br />
por iniciativas semelhantes. O grupo Sateré-Mawé vem<br />
comercializando guaraná no Amazonas, grupos do Xingu<br />
têm obtido sucesso com a produção de mel de abelhas,<br />
Ashaninkas e Yanawás no Acre estão vendendo extratos<br />
de Urucum, Baniwas do Amazonas estão vendendo cestarias<br />
e os Kayapós do Pará estão vendendo castanhas.<br />
Em comum, todas estas experiências compartilham<br />
muito esforço, dedicação e não ter medo de errar<br />
nem tentar de novo se for o caso. Também compartilham<br />
uma série de parcerias estratégicas, nas diferentes fases<br />
de desenvolvimento – elementos fundamentais no processo.<br />
Sozinho, é praticamente impossível promover projetos<br />
de alternativas econômicas.<br />
O processo de comercialização de óleo<br />
de andiroba no Oiapoque é conduzido pela<br />
Associação dos Povos Indígenas do Oiapoque<br />
(APIO), e contou com os seguintes apoios: PDPI<br />
- financiamento; Imazon - Plano de Manejo;<br />
Ibens - Plano de Estratégia Comercial; TNC -<br />
apoio financeiro e técnico em todas as etapas<br />
de trabalho.<br />
maio/ junho 2006<br />
15
O<br />
<strong>médico</strong> <strong>endocrinologista</strong> <strong>João</strong> <strong>Paulo</strong><br />
Botelho Vieira Filho, professor de<br />
Endocrinologia, Metabolismo e Nutrição da<br />
Universidade Federal de São <strong>Paulo</strong> e Conselheiro<br />
Médico da Comissão Pró índio de São <strong>Paulo</strong> levanta<br />
uma grave suspeita: as mortes de crianças<br />
indígenas em Mato Grosso e mato Grosso<br />
do Sul podem estar relacionadas ao uso de pesticidas<br />
nas plantações de soja próximas às residências<br />
indígenas.<br />
Em documento enviado à 6ª Câmara de<br />
Coordenação e Revisão, da Procuradoria Geral<br />
da República, o Médico fala das mortes de<br />
crianças indígenas Kaiowá, Guarani e Xavante<br />
nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do<br />
Sul, “por causas atribuídas à desnutrição, ocasionada<br />
pela perda de território para caçar e<br />
plantar, falta de alimentos e mudanças de hábito<br />
alimentar.”<br />
Atento às mudanças drásticas no meio<br />
ambiente, <strong>João</strong> <strong>Paulo</strong> Botelho, com 37 anos de<br />
experiência de trabalho com os povos indígenas,<br />
chama a atenção para um aspecto ainda<br />
não devidamente observado na questão da saúde<br />
indígena brasileira: o uso intensivo de agrotóxicos<br />
em áreas cada vez mais próximas e mesmo<br />
dentro das terras indígenas: “Suponho que<br />
possa haver um agravante à falta de território e<br />
de alimentos da dieta tradicional entre os índios<br />
Guarani e Caiuá, que seriam os pesticidas.”<br />
O <strong>médico</strong> continua:<br />
“Quem conhece Mato Grosso como conheço,<br />
observa plantações de soja infindáveis<br />
16 maio/<br />
junho 2006<br />
Desnutrição infantil<br />
e soja: ligações<br />
perigosas<br />
com aviões pulverizando essas plantações com<br />
freqüência e em baixa altura, com o vento espalhando<br />
as partículas de pesticidas como antifúngicos<br />
em todas as direções. Existem casas<br />
de índios em que as plantações de soja chegam<br />
ao seu redor. É muito provável que os pesticidas<br />
usados nas freqüentes pulverizações aéreas estejam<br />
contaminando o solo, a água e os alimentos<br />
das crianças.”<br />
“Sabemos que os pesticidas e fungicidas<br />
são tóxicos para os rins, o fígado, o coração, o<br />
sistema nervoso, comprometem a nutrição, inibem<br />
o sistema imunológico e impedem as defesas<br />
orgânicas frente às moléstias infecciosas<br />
por bactérias e vírus.”<br />
“As desnutrições acentuadas das crianças<br />
índias de Dourados, o comprometimento motor<br />
e do desenvolvimento físico, as mortes, podem<br />
ter o componente dos pesticidas usados indiscriminadamente<br />
nas pulverizações aéreas contaminando<br />
o solo, a água, o sangue e o leite<br />
materno. O sangue e o leite das mulheres índias<br />
de Mato-Grosso merecem ser analisados quanto<br />
ao conteúdo de pesticidas e agentes fúngi-<br />
cos.”<br />
fotos: Arquivo <strong>Cimi</strong> Nacional<br />
Perigo real<br />
Para mostrar os riscos reais da contaminação,<br />
Botelho explica:<br />
“As mães Esquimós (Inuit) do oeste da<br />
Groenlândia estão altamente contaminadas por<br />
muitos pesticidas encontrados no sangue. O inseticida<br />
HCH e o fungicida HCB estão 30 e 5<br />
vezes mais altos no leite materno, na região da
Rússia adjacente ao Alaska, no Ártico. A dieta tradicional<br />
dos Esquimós e da população Chukchi,<br />
à base de peixes e mamíferos está contaminada<br />
e tornou-se um dilema para a saúde. Foi sugerido<br />
que a contaminação com fungicidas dessas<br />
populações possam ocasionar natimortos, defeitos<br />
congênitos, baixo peso ao nascimento e<br />
abortamentos.”<br />
“As populações indígenas dependem intensamente<br />
do meio ambiente para sobreviverem,<br />
são muito sensíveis às alterações do meio<br />
ambiente, pelo que devemos estar alertes à presença<br />
dos pesticidas em seus ambientes.”<br />
Soluções propostas<br />
Em correspondência à Funasa, Botelho<br />
sugeriu um caminho seguro e barato para tirar<br />
esta dúvida:<br />
“A minha suposição somente terá validade<br />
com a comprovação de resíduos de pesticidas,<br />
fungicidas, organoclorados ou organofosforados<br />
ou outros, no sangue ou leite ou urina das<br />
mães das crianças que sobreviveram ou faleceram<br />
e das crianças sobreviventes. Acredito que<br />
uma investigação de resíduos de pesticidas,<br />
fungicidas deverá ser pesquisada no sangue ou<br />
e urina ou mesmo outros tecidos das populações<br />
guaranis, tão próximas da soja e das pulverizações<br />
aéreas contaminadoras da água – solo<br />
– alimentos.”<br />
“A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do<br />
Rio de Janeiro faz as dosagens de resíduos no<br />
sangue ou urina ou outros tecidos com análise<br />
direcionada para o pesticida ou agrotóxico,<br />
de forma gratuita se solicitadas pela ANVISA.<br />
Jéferson faz a análise de resíduos de trabalhadores<br />
expostos.”<br />
“Na minha visão a Fundação Nacional de<br />
Saúde deverá solicitar à Anvisa o pedido de análise<br />
de agrotóxicos no sangue ou urina ou em<br />
outros tecidos ao Laboratório da Fiocruz para as<br />
mães das crianças que faleceram ou sobreviveram<br />
à desnutrição, para as crianças com retardo<br />
do desenvolvimento físico, motor e psíquico.<br />
A análise poderá se estender aos homens.”<br />
A Funasa limitou–se a sugerir ao <strong>médico</strong><br />
que fizesse uma pesquisa, por conta própria,<br />
entre a população atingida.<br />
Até quando???<br />
A suspeita do Dr. <strong>João</strong> <strong>Paulo</strong> Botelho não<br />
representa uma voz isolada, e sim uma preocupação<br />
constante de ambientalistas e de cidadãos<br />
conscientes, que ainda não encontrou eco<br />
nas autoridades de saúde brasileiras. Se considerarmos<br />
o aumento anual da área plantada,<br />
principalmente com soja, no Brasil, podemos<br />
estimar o volume de pesticidas que está sendo<br />
despejado no meio ambiente. A importância<br />
econômica da soja (que ninguém pode dizer<br />
por quanto tempo vai durar) está mascarando<br />
um possível desastre social e ambiental na<br />
Amazônia e Centro – Oeste.<br />
maio/ junho 2006<br />
17
KAMBIWÁ: ESCOLA E VIDA<br />
PROFESSORES INDÍGENAS CONCLUEM A ÚLTIMA FASE PRESENCIAL DO<br />
MÓDULO IV DO PROFORMAÇÃO<br />
Regado a muito Toré e a energia positiva dos<br />
índios sertanejos, concluímos a última fase presencial<br />
do módulo IV e já iniciamos o Módulo com a etnia<br />
Kapinawá e mais alguns Kambiwá. Os encontros<br />
aconteceram em quatro semanas seguidas dos meses<br />
de janeiro e início de fevereiro.<br />
No módulo IV, já que os estudos de Matemática<br />
e Lógica foram concluídos, trabalhamos de forma especial<br />
com os projetos de trabalho, todos voltados para<br />
a realidade do povo e as dificuldades que os cursistas<br />
Berenice Pereira da Silva, nasceu na Baixa da Alexandra<br />
- etnia Kambiwá em 09 de novembro de 1970, é mãe<br />
de 4 filhos, tem 15 irmãos e trabalha como professora<br />
indígena na Retomada Ibimirim -PE<br />
Berenice, durante uma conversa informal<br />
fora da sala de aula, falou sobre alguns temas<br />
importantes para ela:<br />
O que é ser Kambiwá?<br />
Ser Kambiwá é ser guerreiro, lutar pela terra,<br />
pela preservação da nossa cultura, do nosso<br />
melo ambiente. Preservar o nosso ritual e acima<br />
18 maio/<br />
Fotos e texto: Maria Márcia Moura Brito Andrade -<br />
Professora de Matemática e Lógica-AGF Arcoverde PE<br />
junho 2006<br />
enfrentam como professores nas suas salas de aula.<br />
Dentre importantes temas abordados pelos<br />
nossos cursistas está o da professora Berenice, “Povos<br />
Indígenas de Pernambuco: Fonte de Vida e de História<br />
- A Identidade do Povo Kambiwá / Estudando nossa história<br />
na sala de aula”; onde a professora tem por objetivo<br />
registrar a história de seu povo, especialmente da área da<br />
retomada local em que reside e ensina. Realizando registros<br />
escritos, ela acredita na garantia da preservação da<br />
história oral e da memória dos mais velhos<br />
de tudo, ter respeito pelos nossos antepassados<br />
e pelas nossas lideranças atuais.<br />
O que é ser professor indígena, dentro de<br />
sua comunidade?<br />
Ser professor Indígena na nossa comunidade,<br />
é primeiro entender que a escola não é o<br />
único lugar de aprendizagem, que em todo espaço<br />
estamos aprendendo. E o que diferencia a<br />
nossa escola é que a gente está ali no dia-a-dia.<br />
Os pais que confiam os filhos nas nossas mãos,<br />
eles estão despreocupados, porque sabem que<br />
a educação que estamos oferecendo para seus<br />
filhos é uma educação cheia de amor. Eu particularmente<br />
tenho muito amor pelos meus alunos<br />
e sou muito amada por eles.<br />
O espaço escolar, ele é mais um espaço de<br />
aprendizagem, só que além da escola, o espaço<br />
Kambiwá, num todo, é um grande espaço de<br />
aprendizagem. Na sala de aula, também, contamos<br />
nossas histórias, fazemos o nosso ritual<br />
sagrado, os mais velhos estão sempre em contato<br />
com as crianças, contando suas histórias.<br />
A comunidade virou um grande espaço escolar,<br />
uma grande sala de aula.<br />
E a retomada que é o seu local de morada?<br />
A Retomada na verdade era um sonho dos<br />
nossos antepassados. Eu ouvi meu avô dizer<br />
que foi expulso daquela terra, muita vezes. Que<br />
eram expulsos daquelas terras e multas crianças<br />
saíam dali com seus pais no meio da noite,
num jumento colocavam cangalha, caçoá e saíam<br />
correndo dos fazendeiros, todos armados,<br />
e eles,os índios, fugiam, pois não tinham armas<br />
para brigar. Nós crescemos sabendo que a terra<br />
era nossa. E quando foi em 2002, o meu Irmão<br />
Zuca, tornou-se cacique e articulou-se com os<br />
Kambiwá e nós fizemos a retomada das terras.<br />
Passamos por muitas dificuldades, muitas lutas,<br />
até que houve a desapropriação e indenização<br />
do fazendeiro, com ajuda da Funai. Então a<br />
Retomada é um sonho, um sonho que meu avô<br />
morreu com ele e que nós conseguimos realizar.<br />
A Retomada para mim, hoje, é um paraíso.<br />
E sobre uma corrente, que está exposta<br />
na frente da escola, o que ela significa?<br />
Inclusive, você tem um poema sobre a corrente<br />
da destruição.<br />
Quando eu olho aquela corrente, eu sinto<br />
uma espécie de angústia em meu peito. Ela foi<br />
usada pelo fazendeiro que ocupava as nossas<br />
terras; amarrada pelas extremidades em tratores,<br />
a corrente ajudou a destruir boa parte da<br />
nossa mata. Depois desse desmatamento o<br />
fazendeiro fez uma grande queimada. Meu pai<br />
conheceu muita gente mais velha, que chegou<br />
a ver a mata virgem, naquele local. Ali tinha o<br />
tatu, o caititu, o veado, o iambu, o mel de abelha<br />
com abundância. Depois daquela destruição<br />
e das sucessivas queimadas, nossa mata<br />
foi destruída; nossos animais, udo que a gente<br />
tinha de caça, de aves, de plantas medicinais,<br />
tudo acabou.<br />
E o PROFORMAÇÃO? O que significa o<br />
PROFORMAÇÃO para você?<br />
Eu vejo o Proformação como uma estréia.<br />
Eu sou uma pessoa que já enfrentei muitas difi-<br />
culdades, principalmente no inicio da minha escola.<br />
Nós começamos sentados no chão, eu e<br />
meus alunos, com um quadrinho de madeira...<br />
eu comecei a trabalhar, sem multo conhecimento<br />
do que era ser uma verdadeira professora. Eu<br />
era professora porque meu povo me colocou<br />
ali, meu povo acreditou em mim. O meu povo<br />
achou que eu tinha estrutura e eu aceitei. Tive<br />
muitas dificuldades e o que me ajudou bastante<br />
foram as oficinas de leitura do Centro Luiz<br />
Freire, o projeto “Escola de Índio”. E para melhorar<br />
ainda mais, chegou o Proformação. No<br />
começo, eu confesso, que senti muito medo.Eu<br />
não sabia direito o que era o Proformação, tinha<br />
medo. Depois que passou-se a primeira fase, aí<br />
eu compreendi o que era esse curso e o que ele<br />
ia trazer para mim e minha comunidade. Hoje,<br />
eu compreendo o porque das minhas passadas<br />
de madrugada, porque é que eu tinha tanta<br />
força para continuar. Nem que eu pensasse,<br />
eu podia desistir mais. O proformação é uma<br />
luz. A gente já tinha o espírito de coletividade<br />
e o Proformação, só velo fortalecer, sem con-<br />
maio/ junho 2006<br />
19
20 maio/<br />
tar com o conhecimento, o que<br />
eu aprendo, o que já aprendi. O<br />
Proformação é um curso completo.<br />
Não estou triste porque<br />
o curso está acabando; porque<br />
eu aproveitei tudo que ele me<br />
deu. Estou muito feliz por estar<br />
concluindo, por ter participado,<br />
por ter tido essa oportunidade.<br />
Melhorei meus conhecimentos,<br />
melhorei o conhecimento<br />
dos meus alunos, melhorei<br />
como pessoa, como professora,<br />
melhorei meu relacionamento<br />
como professora na minha comunidade.<br />
Foi só aprendizagem.<br />
A CORRENTE DA DESTRUIÇÃO<br />
Berenice Pereira da Silva<br />
Amarrada na extremidade<br />
de dois tratores de esteira<br />
uma corrente de ferro, destrói sem<br />
piedade a nossa mãe natureza.<br />
Na Aldeia Barracão<br />
a tribo Kambiwá<br />
Era rica de verdade<br />
De caça e plantas medicinais<br />
Mas, uma corrente de ferro<br />
Veio tudo exterminar.<br />
Nossas caças e abelhas<br />
Hoje vivem em extinção<br />
Nossas plantas medicinais<br />
Já não existem mais não<br />
Tudo isso nós devemos<br />
A um “grande” fazendeiro<br />
Ele não tem coração.<br />
Nessa aldeia<br />
nós tínhamos Tudo para se viver<br />
Caça, aves e abelhas<br />
Se dava gosto de ver<br />
Hoje tudo destruído<br />
Num mundo desconhecido<br />
Os Índios foram viver.<br />
junho 2006<br />
Eu nunca mais vou esquecer do<br />
nome do Proformação e o que ele<br />
fez na minha vida.<br />
Berenice é só um exemplo<br />
dos outros 37 cursistas Kambiwá,<br />
que concluem o curso em Julho<br />
e o dos 70 cursistas das etnias<br />
Kapinawá e Kambiwá que iniciaram<br />
o curso esse ano, que nos<br />
deixa felizes e com a certeza de<br />
que ser educador nesse país, que<br />
tanto nos desvaloriza, ainda é necessário,<br />
principalmente quando<br />
se faz um trabalho com respeito<br />
pelas diferenças étnicas e da maneira<br />
de ser de povos e culturas.
Trevisan<br />
Anotações sobre<br />
Renato<br />
a música Kayapó<br />
Foto:<br />
Pe. Renato Trevisan, s. x. foto<br />
1. Há pouca bibliografia sobre a<br />
música em geral e o canto em particular<br />
das populações indígenas brasileiras.<br />
Tem mais bibliografia sobre os instrumentos<br />
musicais, (“a música em geral<br />
tem sido negligenciada como objeto de<br />
estudo pelo etnólogos” afirma Anthony<br />
Seeger), mas não há, eu pelo menos não<br />
tenho encontrado estudos antropológicos<br />
específicos sobre o canto....kayapó.<br />
Mesmo assim, pela convivência<br />
decenal entre os Kayapó e experiência<br />
cotidiana tenho coletado informações e<br />
conseguido alguns conhecimentos (especialmente<br />
por meio de informantes)<br />
bastante próximas do sentido dado pelos<br />
Kayapó á dança, ao canto, aos instrumentos<br />
musicais que as acompanham.<br />
2. Em lugar de falar em “fenômeno<br />
canto”, como você escreve, eu<br />
gostaria de falar em “música”, pois a<br />
palavra me parece mais abrangente. Ou<br />
melhor, você fica sabendo que quando<br />
eu escrevo, falo em música kayapó, entendo<br />
não só o canto, mas a participação<br />
toda do corpo do kayapó, inclusive com<br />
o auxílio dos instrumentos musicais, todos<br />
eles de percussão, exceto as flautas.<br />
Foto: R. Trevisan<br />
3. Primeira observação geral.<br />
A música kayapó, como acredito,<br />
por qualquer outra população indígena, é<br />
geralmente considerada pelos Kayapó<br />
parte fundamental de sua vida, e não<br />
apenas uma das suas opções. Ela ocupa<br />
um lugar proeminente na sua vida comunitária,<br />
pois tem o papel formador de<br />
experiência social, garantia de continuidade<br />
social e cosmológica. A música (canto, dança,<br />
gestualidade do corpo, dos braços, instrumentos musicais<br />
de acompanhamento...) tem como prioridades:<br />
a). aquela de envolver a comunidade toda na<br />
participação do evento que deve ser celebrado (preparação<br />
da festa), que está sendo celebrado (durante<br />
a festa),<br />
b)aquela de memorizar, para as<br />
crianças e os jovens, e ou re-lembrar,<br />
para os adultos, não só os ritmos e os<br />
conteúdos dos cantos, mas os fatos (memória<br />
histórica) a eles ligados.<br />
4. Uma outra observação geral,<br />
a partir da comparação com a música<br />
brasileira, não indígena e ou ocidental<br />
em geral.<br />
Não há musica kayapó fora do<br />
contexto (só em casos raros), isto é os<br />
Kayapó cantam só no contexto das celebrações,<br />
sejam elas para celebrar os<br />
produtos importantes da terra (mandioca,<br />
milho, palmeira buriti), seja para celebrar<br />
alguns animais ligados à mitologia<br />
(anta ou tapir, jabuti, onça, cobra, arara...<br />
peixes), sejam elas para conferir alguns<br />
instrumentos (maracá, flautas) enfeites<br />
(ornamentos plumários), tarefas sociais<br />
particulares (pajelança, puxadores\as do<br />
canto, narrador da história, informante,<br />
etc.), e finalmente sobretudo durante os<br />
rituais de nominação das crianças (festas<br />
onde são conferidos às meninas e aos<br />
meninos os nomes importantes, ligados<br />
aos ancestrais. Há alguns cantos e rituais<br />
ligados ao controle do território, à<br />
caça e a pesca, especialmente durante a<br />
pescaria ritual “ngôkà’õ” e durante a celebração<br />
do “me’õtomôr” (temporada de<br />
caça (de jabutis especialmente) em preparação<br />
das festas, hoje vivida só pelos<br />
homens e rapazes...<br />
Não adianta então pedir aos kayapó,<br />
numa reunião, encontro, que cantem<br />
alguma coisa... Seria como pedir para<br />
alguém, católico... praticante... que cante o “santo”<br />
e ou o “cordeiro de Deus”... só para o prazer e ou a<br />
curiosidade de ouvir ele cantar... Não existe o canto, a<br />
música individual, exceto em algumas situações particulares.<br />
Entre os Kayapó não existem os cantantes<br />
profissionais... tipo Roberto Carlos, Ivete Sangalo, Gal<br />
maio/ junho 2006<br />
21
Foto: Raimunda Soares<br />
Costa, Chitãozinho e Xororó... Daniel... só para citar<br />
uns nomes, mas há os conhecedores\ as dos cantos e<br />
das danças que têm a tarefa de começar (os puxadores<br />
do canto e da dança), sustentar os cantos e as danças,<br />
aliás, eles até ensaiam na frente de todo mundo, como<br />
no caso da aproximação das festas, quando duplas<br />
masculinas\ femininas, dependendo se as festas têm<br />
como sujeito as mulheres e ou os homens, saem cantando<br />
um determinado refrão, atravessando a praça da<br />
aldeia, andando para cima e para baixo. Uns dos momentos<br />
em que os\ as Kayapó cantam sozinhos são:<br />
- Voltando da caça, - Andando nalgum lugar para caça,<br />
para a roça... (já escutei um índio kayapó em particular,<br />
cantando, sentado ao meu lado, enquanto andávamos<br />
de carro na cidade de Redenção...) - A mãe pintando<br />
as suas crianças.....<br />
5. Entre os Kayapó não há a divisão entre música<br />
sacra e música profana.<br />
Não há a divisão porque há uma música só:<br />
aquela das celebrações, repetitiva sim, mas ligada<br />
sempre aos fatos que remontam à noite dos tempos<br />
e ao passado mais recente. Isso é muito importante<br />
porque diz a respeito da concepção da vida, da visão<br />
cosmológica.<br />
Tento me explicar a partir de um exemplo: o<br />
mito bíblico da criação (cfr. Gênesis) que é paradigmático<br />
seja para a visão (civilização) ocidental, seja para<br />
o mundo indígena kayapó. Pela representação social<br />
ocidental, pelo seu imaginário, o mito bíblico coloca<br />
o homem e a mulher como senhores - rei e rainha da<br />
criação - criados à imagem e semelhança do Criador,<br />
superiores e não só diferentes das outras<br />
criaturas às quais eles deram o<br />
nome. Para os Kayapó, o mito traça<br />
simbolicamente, uma profunda continuidade<br />
entre todos os seres criados:<br />
os animais e a criatura humana. Esta<br />
se encontra numa posição bem mais<br />
diferente da prepotente imagem bíblica<br />
. Nesta visão o homem e a mulher resultam<br />
ser uma parte da criação, e não<br />
simplesmente os donos do universo, os<br />
beneficiários de tudo, até serem... hoje,<br />
em várias partes do mundo, os filhos<br />
mal-educados do dono do universo.<br />
Um dos mitos kayapó sobre a origem<br />
22 maio/<br />
junho 2006<br />
do homem e da mulher fala dos dois gêmeos<br />
ancestrais kayapó: Kukrytwer e Kukrytkakô, que<br />
tiveram que ser escondidos pelo avô, debaixo<br />
de uma arvore, plantada dentro de uma lagoa,<br />
para escapar das garras do gavião real. Feitos<br />
adultos, eles lutaram contra o gavião e o venceram.<br />
Assim deram origem ao povo kayapó<br />
e transmitiram-lhe a mesma força e poderes<br />
do gavião, (vista aguda) especialmente aqueles<br />
para enxergar e entender os mistérios do mundo.<br />
O mito kayapó apresenta o homem e mulher<br />
como co-protagonistas da criação e não<br />
como senhores e dominadores. Quem domina<br />
é levado ao abuso e ao domínio, quem se sente<br />
numa situação de igual para igual, respeita e é<br />
respeitado pelo outro ou teme e é temido ao mesmo<br />
tempo pelo outro, até se tornar concorrente, até chegar<br />
em muitos casos ao enfrentamento para a supremacia<br />
no ambiente (contexto da caça e da pesca para<br />
a sobrevivência... muitas vezes o Kayapó é o vencedor,<br />
outras é perdedor (cfr. Os Kayapó atribuem certas doenças<br />
mortíferas ao contato negativo com certas espécie<br />
de peixes e ou de insetos e de animais).<br />
O pequeno mito ou lenda a seguir é uma prova<br />
de como todos os seres, na cosmovisão kayapó adquirem<br />
personalidade e se tornam parte de um todo unitário,<br />
onde as diferenças estão nos diferentes papeis<br />
desenvolvidos, e não a partir das classes sociais (visão<br />
piramidal da sociedade).<br />
“O sol, a lua e seu animal de estimação”.<br />
O sol tinha uma madrepérola e a lua tinha<br />
um caracol. O sol falou: “Entre nós temos cada<br />
um, um animal de estimação: o caracol e a madrepérola”.<br />
O sol falou para a lua: “Vamos dar um<br />
passeio”. E voltando o sol massacrou o caracol<br />
da lua. A lua falou: “Vamos cantar para nós revivermos<br />
meu animal de estimação”. E cantaram.<br />
E o bichinho de estimação reviveu. Subiram no<br />
céu, e caminharam de novo, e foram juntos, e ficaram<br />
com raiva, e o sol e a lua se bateram. E a<br />
lua matou o sol. Alguém viu que não tinha o sol,<br />
e os índios cantaram: “myt uwá, myt uwá, amrê<br />
ten, aitê (Sol vem, sol vem, de novo). E o sol matou<br />
a lua, e os índios não viram a lua e cantaram:<br />
“Mytrwy amrê tem kanhê (Lua vem para cá).<br />
(Leia na língua Kayapó na página 25)<br />
Foto: Renato Trevisan
- Também cada animal tem sua própria música.<br />
Quando um caçador mata por exemplo, uma anta, ele<br />
volta ao acampamento, para a aldeia, cantando a música<br />
da anta. Assim todos saberão o que ele matou.<br />
6. A dança e o canto juntos, como momento<br />
máximo da celebração da vida kayapó.<br />
Todos o ciclos das grandes festas kayapó (Mebiôk<br />
- festas de nominação femininas e masculinas) começam<br />
na boca da noite e terminam ao amanhecer.<br />
Neste contexto a música (canto, dança, movimento do<br />
corpo), continua ininterruptamente por 12 horas. Uns<br />
e outros dos dançarinos podem parar para descansar,<br />
para se revezar, mas haverá sempre alguém dançando<br />
e cantando na praça central, acompanhados pelos parentes<br />
dos festejados.<br />
Neste caso o ritual retrata de uma maneira única,<br />
dramática, o desejo de vida do povo kayapó. A vida<br />
deste povo como teve um começo nos tempos mais<br />
antigos e chegou até nós, assim deve continuar até<br />
os tempos futuros, não pode ser interrompida, não<br />
pode parar. Dança e canto juntos para celebrar a vida.<br />
A vida “sem fim” do povo kayapó é representada pela<br />
dança final em homenagem às crianças, meninos/ as,<br />
que recebem o nome “bonito” (nas já citadas festas de<br />
nominação).<br />
7. Os Kayapó gostam de aprender cantos de<br />
outras aldeias, de outros povos indígenas, inclusive<br />
certas festas e rituais, agora comuns entre os Kayapó<br />
foram trazidos após contatos prolongados com os índios<br />
Karajá da Ilha do Bananal (Mato Grosso).<br />
- Aprenderam também os cantos, ‘hinos” ensinados<br />
pela Igreja Evangélica Brasileira,<br />
(fundada pelo missionário inglês Horace<br />
Banner da Unevangelized Fields Mission”),<br />
cuja influência continua até hoje. Esta Igreja<br />
em Particular conta com pastores<br />
- monitores kayapó. Não há nada de<br />
“católico” neste sentido.<br />
- As novas gerações especialmente<br />
aprenderam e dançam muito a música<br />
tradicional brasileira, moderna, eletrônica...,<br />
inclusive este fato constitui um dos<br />
aspectos de forte impacto para a cultura<br />
kayapó.<br />
8. Os Kayapó, como já acenei no começo<br />
destas anotações, usam uns instrumentos<br />
musicais, todos a percussão (com<br />
exceção das flautas) e complementares ao<br />
canto e ao passo da dança. Uma atenção<br />
particular merece o maracá (ngôkôn em<br />
kayapó): “De instrumento musical á imagem<br />
cosmológica kayapó”.<br />
O maracá antes de ser um instrumento<br />
para o acompanhamento do canto,<br />
é um elemento carregado de peso simbólico.<br />
Ele (fruta do cabaceiro) pela sua estrutura<br />
plástica, esférica e circular carrega em<br />
si a idéia do universo kayapó. Com efeito<br />
para os Kayapó o universo é circular e a aldeia<br />
é circular; nela a grande praça se torna<br />
o centro do mundo<br />
e da vida da aldeia.<br />
“O Ngôb - casa dos<br />
guerreiros” posta<br />
no centro da aldeia,<br />
lembra o eixo central<br />
da esfera do universo.<br />
Observando<br />
o maracá, bem no<br />
centro do côncavo<br />
da parte superior,<br />
sai um pequeno cilindro<br />
de madeira,<br />
onde são cravadas<br />
umas penas de arara:<br />
a representação<br />
do universo kayapó<br />
está aí neste pequeno<br />
instrumento musical<br />
de percussão.<br />
Os Kayapó guiados<br />
e acompanhados<br />
pelos maracás,<br />
“Cantam e dançam, seguindo um traçado circular e<br />
que acompanha a trajetória solar, desde o pôr do sol<br />
até o amanhecer. Dançando, os índios dizem que remontam<br />
no tempo até as origens míticas, recriando<br />
assim a energia necessária à continuidade e a estabilidade<br />
do meio-ambiente, dos recursos necessários à<br />
sobrevivência, à reprodução contínua da vida e das diferentes<br />
instituições sociais que garantem o equilíbrio<br />
maio/ junho 2006<br />
23<br />
Foto: Raimunda Soares
indispensável para a vida da comunidade” (Lux Vidal<br />
Boelitz, “habitações indígenas” O espaço habitado e a<br />
visão indígena do mundo kayapó - NOBEL, Editora da<br />
Universidade de de São <strong>Paulo</strong>, 1983, pág.90).<br />
NB. A margem das notas sobre o maracá vale<br />
a pena lembrar o “mekutôm”, que porém não tem<br />
nada a ver com a música.<br />
Além do maracá, existe entre os enfeites<br />
kayapó o “mekutôm” uma espécie de escultura,<br />
que em determinados celebrações, duplas de índios<br />
carregam na cabeça.<br />
Esta estrutura é dividida em duas partes: a primeira<br />
constitui a base do adorno e é confeccionada<br />
com cera de abelha. Ela representa aquela parte de<br />
mundo (a terra) onde os kayapó vivem. A segunda,<br />
cravada na mesma base semi-esférica feita de cera de<br />
abelha, é formada por uma varinha de um 20\ 30 cm.<br />
que segura uma estrutura de pequenos pedaços de caniço,<br />
onde são colocadas, em forma de raios, penas<br />
de arara, nos dois lados e na parte central e, no resto,<br />
penas de outros pássaros. Este ornamento é de grande<br />
valor simbólico. Tem a mesma importância do maracá,<br />
pois como aquele representa a<br />
visão cosmológica kayapó, o<br />
mekutôm descreve em maneira<br />
escultórica sua origem,: sua<br />
saída do céu e sua chegada na<br />
terra. (Cfr. o mito do tatu e do<br />
seu caçador). Só determinadas<br />
pessoas entre os homens e as<br />
mulheres kayapó têm o “privilégio”<br />
(nekrex em kayapó) de<br />
sacudir o maracá. Eles são os<br />
donos do instrumento.<br />
9. Os Kayapó dão um<br />
enorme valor à vida em geral,<br />
a todos seus aspectos, tocando<br />
seu ponto máximo nas festas<br />
de nominação.<br />
Tanto se exaltam nas festas<br />
que celebram a vida, tanto<br />
24 maio/<br />
junho 2006<br />
foto: Renato Trevisan<br />
pouco, muito pouco oferecem<br />
para a doença e a morte. O luto<br />
permeia as pessoas, o ambiente,<br />
todo o universo kayapó. Existem<br />
praticamente dois rituais um<br />
para os homens, outro para as<br />
mulheres. O ritual prevê uma ou<br />
duas danças e cantos realizados<br />
na frente da casa do finado, na<br />
entrega dos enfeites, listas de<br />
palha de babaçu amarradas ao<br />
redor da cabeça, à família enlutada.<br />
Só poucas pessoas levam<br />
o corpo para o cemitério, mas<br />
sem cantos e comentários.<br />
Terminando este trabalho,<br />
alerto sobre a precariedade de<br />
quanto aqui escrito, pois não é<br />
sistematizado, unitário, mas só a apresentação de alguns<br />
dados e anotações pessoais.<br />
Bibliografia:<br />
Caiuby Novaes Silvia, (Organiz.)<br />
“Habitações Indígenas” - O espaço habitado e a<br />
visão do mundo, por Lux Vidal Boelitz, pags 90-<br />
91, Nobel, Editora da universidade de São <strong>Paulo</strong>,<br />
1983<br />
Ribeiro Berta G. (coord.) “Suma Etnológica<br />
Brasileira, 3 ARTE ÍNDIA” Novos horizontes na<br />
classificação dos instrumentos musicais por<br />
Anthony Seeger, pags. 173 - 1979 -Editora<br />
Vozes, Petrópolis, 1987<br />
Gustaaf Verswijver, “Kaiapó - The art of<br />
body decoration”, pags. 49 - 62, Royal Museum<br />
for Central África (Tervuren), Snoeck-Ducaju &<br />
Zoon, Gent, 1992<br />
Foto: Arquivo <strong>Cimi</strong>
foto: Renato Trevisan<br />
Mytme mytyrwy nhõ krit Myt anho<br />
ngàpre me mytyrwy anho nwyn. Myt kaben:<br />
Nàpre me nwyn aben pydji me ba<br />
nhõ krit. Myt mytyrwy kum kaben: Gwaj<br />
õn, mrãnh kajgo. Kubyn tén myt me<br />
mytyrwy anho nwyn nhimex. Mytyrwy kaben:<br />
Gwaj ba ngrer gê gwaj ba nhõkrit<br />
fín. Kam ngrer. Arym nhõkrit tïn. Kàjkwa<br />
kam oàbi, kam ajte tën, kam aben tén,<br />
kam ngryk, kam myt me mytyrwy abentak.<br />
Me mytyrwy myt bï. Me’õ myt pumünh<br />
kêt kam mebêngôkre ngrer: Myt<br />
uwá, myt uwá, men amrê kuky:y. Me myt<br />
mytyrwy bTn, kam mebêngôkre mytyrwy<br />
kêt: mytyrwy amrê men kanhê.<br />
foto: Renato Trevisan<br />
maio/ junho 2006<br />
25
26 maio/<br />
Na região de<br />
Oiapoque moram 04 Povos<br />
Indígenas: Karipuna, Palikur, Galibi-<br />
Marworno e Galibi-Kaliña. Estes Povos, a partir<br />
dos anos ’70 reivindicaram e conseguiram a demarcação<br />
e homologação de seu território. Mesmo com a<br />
forte imigração que o asfaltamento da BR 156 desencadeou,<br />
conseguem defender a sua terra das invasões e da cobiça<br />
de madeireiros e mineradoras. Neste processo as mulheres<br />
tiveram um papel determinante, mesmo que nem sempre apareça<br />
em toda a sua importância.<br />
As mulheres, além de conservar e transmitir as tradições de seu<br />
povo e aldeia, às vezes são mais determinadas quando está em<br />
jogo o futuro dos seus filhos e ao mesmo tempo menos atingidas<br />
pelo discurso dos políticos e a sedução do dinheiro fácil do pessoal<br />
de fora.<br />
Nos anos ’70 as mulheres da região tiveram papel decisivo<br />
em momentos de crise e tomada de posição frente à<br />
Funai. A década de ’70 foi caracterizada por uma<br />
série de iniciativa das mulheres no campo da educação<br />
e da economia. Iniciou nesta época<br />
a alfabetização na língua materna<br />
com a<br />
junho 2006<br />
ASSEM<br />
DAS MULHERE<br />
EM OIA
BLÉIA<br />
S INDÍGENAS<br />
POQUE<br />
grande participação<br />
de moças indígenas apoiadas<br />
pelas famílias. Foram desta época os<br />
cursos de corte e costura, pintura e confecção<br />
de redes que ajudaram na economia familiar e na<br />
autonomia das senhoras.<br />
A década de ’90 foi caracterizada pela valorização e organização<br />
das parteiras indígenas pelo incentivo e ajuda da primeira dama do<br />
estado do Amapá.<br />
O novo milênio iniciou com a vontade das mulheres de constituir<br />
uma organização, com sua estrutura e CNPJ para poder se articular<br />
com as organizações indígenas no Brasil e promover iniciativas<br />
específicas para as mulheres.<br />
Após um processo que iniciou em 2002 e após a aprovação do Estatuto<br />
provisório em 2005, esta nova assembléia, após os aportes das aldeias,<br />
aprovou o estatuto definitivo, e elegeu a coordenação e diretoria.<br />
Está assim formada a Organização das mulheres Indígenas EM<br />
Oiapoque.<br />
Na festa de encerramento as mulheres convidaram os professores<br />
indígenas que tinham prestado concurso na cidade<br />
de Oiapoque, os parentes e amigos e,após uma<br />
bonita dança do Turé, ofereceram bolo e<br />
refrigerantes para todos.<br />
maio/ junho 2006<br />
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