Revista ed.95 - Crea-RS
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o lado<br />
técnico<br />
da tragédia<br />
Em seu artigo no jornal Folha de S. Paulo,<br />
em 3 de fevereiro, o Engenheiro Civil Antonio<br />
Maria Claret de Gouveia, mestre pela<br />
Ufrgs, com pós-doutorado em Engenharia<br />
de Incêndio pela Universidade de Lund (Suécia)<br />
e professor da Universidade Federal de<br />
Ouro Preto, em Engenharia de Estruturas<br />
em Incêndio, Modelamento de Incêndios,<br />
Reação ao Fogo de Materiais, Comportamento<br />
Humano em Incêndios e Análise de Riscos<br />
com especial atenção à Segurança contra Incêndio<br />
de Sítios Históricos, afirma que “o esforço<br />
de normatização da segurança contra<br />
incêndio empenhado pelos Corpos de Bombeiros<br />
merece reconhecimento público, mas<br />
existe uma engenharia de incêndio, ou uma<br />
ciência dos incêndios, que não lhes está ao<br />
alcance e que é pujante em outros países”.<br />
Para o professor, “faltam estudos brasileiros<br />
de comportamento humano em pânico;<br />
pesquisas brasileiras de reação ao fogo de<br />
materiais; estudos brasileiros da densidade<br />
de ocupação das edificações e de sua carga<br />
de incêndio; pesquisas brasileiras de planos<br />
efetivos de escape em condições de pânico”.<br />
Conforme o texto do especialista, “nenhuma<br />
norma prescritiva brasileira pode dar à<br />
edificação a segurança que projetos responsáveis<br />
de engenharia de incêndio proporcionam”.<br />
Autor de diversos livros sobre o tema,<br />
o Eng. Civil Telmo Brentano, professor da<br />
Ufrgs e Pucrs, entende que a Boate Kiss era<br />
uma verdadeira arapuca, com apenas uma<br />
saída de emergência e muitos obstáculos internos,<br />
como guarda-corpos, passagens entre<br />
ambientes, desníveis de piso, etc. “De-<br />
engenheiros realizam visita técnica na Boate Kiss. Na última imagem à direita, corredor de saída<br />
veria ter saídas de emergência alternativas<br />
e, de acordo com o número de ocupantes,<br />
não ter obstáculos internos para a saída rápida<br />
e segura dos ocupantes; sinalização e<br />
iluminação de emergência bem posicionadas;<br />
revestimentos internos adequados, tipos<br />
antichamas e com pouca produção de<br />
fumaça; seguranças patrimoniais com treinamento<br />
de brigadista de incêndio”, enumera,<br />
afirmando ainda que, caso o fogo tivesse<br />
ocorrido junto à única saída da boate,<br />
o número de mortos seria muito maior.<br />
O Engenheiro salienta ainda que as maiores<br />
causas das mortes foram a fumaça e os<br />
gases altamente tóxicos gerados em muitas<br />
quantidades com a combustão dos materiais<br />
de revestimentos, pois não havia aberturas<br />
perimetrais para o exterior, nem no telhado<br />
para a tiragem adequada, gerando um acúmulo<br />
muito grande e um consequente aumento<br />
da temperatura interna no ambiente.<br />
“Isso ficou bem caracterizado pela queima<br />
e derretimento dos materiais mais frágeis na<br />
parte superior dos ambientes e ficando intactos<br />
os móveis e utensílios apoiados no piso”,<br />
aponta, depois de visita técnica à boate.<br />
Segundo ele, o mais importante na questão<br />
de segurança contra incêndios nas edificações<br />
é o projeto bem elaborado por pro-<br />
Depois da vistoria nas dependências da boate, os especialistas se reuniram com o Delegado Regional<br />
de Santa Maria, delegado Marcelo Arigony, no sentido de colaborar com as investigações, levando em<br />
conta o conhecimento técnico dos profissionais da área tecnológica. Na ocasião, o delegado ressaltou<br />
a importância do trabalho dos engenheiros e a contribuição que este parecer técnico pode trazer para<br />
as investigações. também estavam presentes a delegada de Polícia Regional elisângela Reghelin, a<br />
inspetora-secretária, eng. Civil elizabeth trindade Moreira, e o inspetor-tesoureiro, eng. Florestal<br />
edilberto Stein de Quadros, da Inspetoria de Santa Maria<br />
fissional habilitado que tenha conhecimento<br />
do assunto. “Outra questão importante<br />
em segurança contra incêndios é que não<br />
existe barganha de custos, mas sim um objetivo<br />
inquestionável que é a segurança das<br />
pessoas que irão ocupar a edificação, pois<br />
este é o parâmetro mais importante: a segurança<br />
da vida dos seus ocupantes”, afirma.<br />
Além de ressaltar que os profissionais<br />
que assinam projetos fora das condições mínimas<br />
legais de segurança contra incêndio<br />
serão responsabilizados, e aponta a pós-ocupação<br />
como o grande vilão na maioria dos<br />
grandes incêndios, pois há uma ocupação<br />
indiscriminada de espaços que deveriam ser<br />
livres, mas que são de segurança, como corredores<br />
de shoppings, supermercados, entre<br />
outros. “Muitas vezes, na pós-ocupação, ambientes<br />
que reúnem muito público, como<br />
auditórios, cinemas, boates, clubes, sofrem<br />
significativas alterações em seu desenho interno,<br />
descaracterizando totalmente o ambiente<br />
original, e, consequentemente, comprometendo<br />
a segurança contra incêndio,<br />
como aconteceu em Santa Maria”, revela.<br />
Analisando a legislação estadual do Programa<br />
de Proteção contra Incêndios, o especialista<br />
assegura que, teoricamente, o PP-<br />
CI bastaria para as edificações. “No entanto,<br />
além de um bom projeto, é preciso segui-lo<br />
rigorosamente e ter fiscalização permanente<br />
da pós-ocupação, principalmente em locais<br />
de reunião de público. Toda vez que houver<br />
modificações na edificação que possam<br />
comprometer a segurança contra incêndios,<br />
deve-se fazer um novo PPCI, sempre com a<br />
assinatura dos responsáveis”, ensina.<br />
O Eng. Brentano entende que a legislação<br />
estadual do Rio Grande do Sul parece<br />
uma colcha de retalhos com enormes falhas<br />
nas costuras. “Em parte, está baseada na Norma<br />
Brasileira NBR 9077:1993, Saídas de Emergência,<br />
que está obsoleta, com falhas e incompleta.<br />
Além disso, há as portarias do Cor-<br />
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