Plano Setorial para as Culturas Populares - Ministério da Cultura
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<strong>Plano</strong> <strong>Setorial</strong> <strong>para</strong> Cultur<strong>as</strong> <strong>Populares</strong> - SID/MinC - Dezembro de 2010<br />
subalternos em relação à modernização cultural que se<br />
impunha (e ain<strong>da</strong> se impõe até hoje) como meta <strong>para</strong><br />
<strong>as</strong> instituições oficiais do Estado.4<br />
Os diferentes segmentos e grupos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
br<strong>as</strong>ileira geram respost<strong>as</strong> heterogêne<strong>as</strong> de<br />
apropriação, resistência e afirmação de su<strong>as</strong> expressões<br />
culturais, apesar <strong>da</strong> negação de su<strong>as</strong> especifici<strong>da</strong>des<br />
locais e <strong>da</strong> inibição de sua criativi<strong>da</strong>de. Deste modo, <strong>as</strong><br />
manifestações d<strong>as</strong> cultur<strong>as</strong> populares estão<br />
perfeitamente viv<strong>as</strong> em to<strong>da</strong> parte, inclusive no<br />
contexto d<strong>as</strong> modern<strong>as</strong> metrópoles urban<strong>as</strong> e<br />
industriais do país.<br />
Entretanto, ess<strong>as</strong> manifestações são muit<strong>as</strong><br />
vezes invisíveis <strong>para</strong> o conjunto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, e têm<br />
sua imagem comumente congela<strong>da</strong> num modelo de<br />
suposta “autentici<strong>da</strong>de”, frente ao qual mu<strong>da</strong>nça e<br />
transformação só podem ser pensad<strong>as</strong> como<br />
“deturpação” e “descaracterização” <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira<br />
“cultura do povo”.<br />
Nesse sentido, o pesquisador e crítico de arte<br />
Tício Escobar, atual Ministro <strong>da</strong> <strong>Cultura</strong> do Paraguai,<br />
aponta que:<br />
“se cultura é um processo de<br />
r e s p o s t a s s i m b ó l i c a s a<br />
determinad<strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong>,<br />
su<strong>as</strong> form<strong>as</strong> inevitavelmente<br />
mu<strong>da</strong>rão ao se defrontarem<br />
com <strong>as</strong> exigênci<strong>as</strong> de nov<strong>as</strong><br />
situações. (...) Há, no entanto, uma<br />
resistência, quando se trata de<br />
selecionar e exibir ess<strong>as</strong> criações ao público, que<br />
muit<strong>as</strong> vezes congela <strong>as</strong> artes populares como<br />
pertencentes ao p<strong>as</strong>sado, enquanto qualifica a arte<br />
alta d<strong>as</strong> elites como contemporânea e/ou projeta<strong>da</strong><br />
<strong>para</strong> o futuro”. 5<br />
Ess<strong>as</strong> expressões ora são reverenciad<strong>as</strong> como a<br />
essência de uma suposta “identi<strong>da</strong>de nacional”, a ser<br />
11<br />
preserva<strong>da</strong>, defendi<strong>da</strong> e cultua<strong>da</strong>, ora são<br />
menosprezad<strong>as</strong> como marca de “atr<strong>as</strong>o”, conjunto<br />
confuso de cois<strong>as</strong> ultrap<strong>as</strong>sad<strong>as</strong>, de um tempo que é<br />
preciso deixar <strong>para</strong> trás se quisermos caminhar em<br />
direção ao “progresso” e à “civilização”. Para entender<br />
tal contradição, é preciso compreender a evolução<br />
histórica dos conceitos de folclore e de cultura<br />
popular.<br />
Em sua origem, o termo “folclore” nos remete a<br />
um universo que já fora antes designado como “cultura<br />
do povo” ou “cultura popular”, ain<strong>da</strong> no século XVIII,<br />
m<strong>as</strong> com outro sentido, pois se referiam à literatura<br />
dos antigos contos, fábul<strong>as</strong> e lend<strong>as</strong>, sag<strong>as</strong>, poem<strong>as</strong> e<br />
cantig<strong>as</strong> conservados pela tradição oral camponesa.<br />
Para os estudiosos alemães <strong>da</strong> época 6 , ess<strong>as</strong> tradições<br />
literári<strong>as</strong>, definid<strong>as</strong> pela língua e expressões então<br />
falad<strong>as</strong>, eram uma espécie de característica peculiar<br />
<strong>da</strong>quele povo e expressariam sua identi<strong>da</strong>de. Logo, o<br />
termo folclore (de folk-lore, o saber do povo) p<strong>as</strong>sou a<br />
designar também os costumes, conhecimentos e<br />
crenç<strong>as</strong> do povo, ou seja, tudo aquilo que é transmitido<br />
de geração em geração por meio <strong>da</strong> tradição oral.<br />
Numa época em que o saber científico dominava <strong>as</strong><br />
mentali<strong>da</strong>des, esse saber derivado <strong>da</strong> prática era visto<br />
como “curiosi<strong>da</strong>des populares”, traços de uma cultura<br />
e de uma visão de mundo que o progresso havia<br />
deixado <strong>para</strong> trás, incapaz de resistir ao confronto com<br />
a civilização moderna. Vem <strong>da</strong>í o sentido pejorativo<br />
muit<strong>as</strong> vezes atribuído à palavra folclore, e incorporado<br />
ao senso comum, inclusive devido a um esforço <strong>da</strong> elite<br />
nesse sentido.<br />
É relevante salientar também que o interesse<br />
pelo folclore surge na Europa, precisamente no<br />
momento em que <strong>as</strong> tradições do mundo rural estão<br />
supostamente em vi<strong>as</strong> de desaparecimento, sob o<br />
impacto <strong>da</strong> Revolução Industrial. Naquele momento, a<br />
noção de folclore não contemplava integralmente a<br />
cultura do povo. Para fazê-lo, teria de incluir também o<br />
conjunto de costumes, crenç<strong>as</strong>, tradições, ritos,<br />
4 CARVALHO, José Jorge de (1992b). As Du<strong>as</strong> Faces <strong>da</strong> Tradição - O Clássico e o Popular na Moderni<strong>da</strong>de Latino-Americana. Br<strong>as</strong>ília, 1991. Disponível em . Data de acesso em: 22/Nov./2010.<br />
5 ESCOBAR, Tício (1986) In. Borges, Adélia & Barreto, Cristiana. Pavilhão d<strong>as</strong> Cultur<strong>as</strong> Br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong>: Pur<strong>as</strong> mistur<strong>as</strong>. Ed. Terceiro Nome. 2010.<br />
6 O filósofo e poeta Johann Gottfried von Herder (1744-1803) e os irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), que depois transformariam ess<strong>as</strong> narrativ<strong>as</strong> n<strong>as</strong> famos<strong>as</strong><br />
históri<strong>as</strong> contad<strong>as</strong> às crianç<strong>as</strong> em muitos países do mundo, inclusive no Br<strong>as</strong>il, até hoje.