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DARGEL, Ana Paula Tribesse Patrício

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ENTRE BURITIS E VEREDAS: O DESVENDAR DA TOPONÍMIA DO BOLSÃO SUL-<br />

MATO-GROSSENSE<br />

(BETWEEN BURITIS AND VEREDAS: THE REVEAL OF THE TOPONOMY OF<br />

BOLSÃO SUL-MATO-GROSSENSE)<br />

<strong>Ana</strong> <strong>Paula</strong> <strong>Tribesse</strong> Patrí cio <strong>DARGEL</strong> (PG-UFMS/UEMS)<br />

ABSTRACT: The Toponomy, as a dynamic and interdisciplinary subject, has as one of its<br />

principles to analyses the relationship among the human beings and the environment, in<br />

what is concerned to the designation of topos. This work, a part of the research of the<br />

toponomy of Bolsão sul-mato-grossense, designated the mean topic the study of the origin of<br />

the tupi names in from physical geograph areas from Bolsão sul-mato-grossense (BSM). As<br />

a synthesis of this work, we present toponomic letters which represent a initial trying to<br />

cartograph the toponomies of Mato Grosso do Sul.<br />

Keywords: toponomy; bolsão sul-mato-grossense, tupi language; toponomic letters.<br />

0. Introdução<br />

Toda língua natural espelha a cosmovisão de seus falantes por meio do seu léxico.<br />

Entende-se léxico como o conjunto de palavras de uma língua natural, ou seja, como o seu<br />

patrimônio vocabular. Nesse sentido, o léxico se configura como sendo a somatória de<br />

experiências vividas por um grupo sócio-lingüístico-cultural. Assim, constatamos que o<br />

nível lexical está, entre os demais níveis da língua, mais estreitamente ligado à história, à<br />

cultura, ao conhecimento, às expectativas e à cosmovisão de um grupo particular.<br />

Diante das constatações, compartilhamos com Pires de Oliveira (1997: 53) a idéia<br />

de que “ toda a língua, através do universo vocabular que a liga ao mundo exterior, reflete a<br />

cultura da sociedade à qual serve de expressão e interação social”.<br />

Os topônimos, particularmente, revestidos pela estrutura dêitica, configuram-se<br />

como um campo específico do léxico da língua. Conforme assinala Dick (1999: 120), o<br />

léxico regional compõem-se “ pela conjunção de várias condicionantes lingüísticas ou dos<br />

diversos dialetos e falares presentes em um determinado território”.<br />

1. Perspectiva Teóri ca<br />

Uma das disciplinas que incorpora diversificadas nuanças do léxico de uma língua<br />

natural é a Toponímia. O ato enunciativo de designação dos acidentes geográficos não<br />

Estudos Lingüísticos XXXIII, p. 682-687, 2004. [ 682 / 687 ]


escolhe propositadamente uma tendência lingüística, isso porque a unidade lexical que é<br />

transportada para a estrutura onomástica origina-se de um motivo específico, ou seja, de<br />

algum condicionante sócio-ambiental que faz com que o designador/enunciador nomeie um<br />

acidente geográfico com um signo dentre tantos outros existentes no eixo paradigmático da<br />

língua. De acordo com Dick,<br />

A Toponímia, principalmente, serve-se dessa circunstância de base, equivalente ou próxima a um<br />

substrato vocabular, para aí deitar suas raízes, aproveitando-se do material lingüístico que mais se<br />

adeqüe à configuração dos conceitos que deve transmitir. Uma nomenclatura local ou uma cadeia<br />

onomástica que interage com vários segmentos culturais, num aparato semiótico de relações e<br />

procedências diversas, constitui, realmente, uma base de pesquisa lingüística altamente produtiva (Dick,<br />

1999: 121).<br />

Um nome próprio, particularmente o topônimo, possui a mesma estrutura que as<br />

demais unidades lexicais da língua, no entanto diferencia-se delas por se referir a uma classe<br />

específica do domínio lingüístico de um grupo sócio-lingüístico-cultural. Assim, “ o traço<br />

espacial qualquer ganha existência pelo recorte da linguagem, que só tem uma significância<br />

neste caso, por definir uma realidade concreta e materializável” (Dick, 1999: 122).<br />

Atualmente, os toponimistas consideram o método das áreas com duas grandes<br />

coordenadas: o tempo e o espaço. Nesse sentido, a Toponímia trabalha com a noção do<br />

espaço. Nessa concepção, o toponimista tem o mapa como texto, pois é, principalmente, por<br />

meio da leitura do mapa, que o pesquisador extrai os dados para a análise da toponímia de<br />

uma região. Dessa forma, a Toponímia está intimamente relacionada à Semiótica e<br />

considera o mapa não como uma lista de nomes, mas sim como uma fonte de informações<br />

para descobrir elementos intra e extralingüísticos que podem auxiliar a se conhecer aspectos<br />

diversos do povo de uma localidade.<br />

Um toponimista sabe que o topônimo apresenta algumas particularidades que o<br />

diferem dos demais nomes próprios, “ cuja função é a de identificar e não de significar”<br />

(Ullmann, 1977: 155), pois o topônimo, além de designar, significa e pode, mediante a<br />

análise da sua estrutura,<br />

fornecer elementos para esclarecer muitos aspectos referentes à história política, econômica e sóciocultural<br />

de uma região. Desta forma, o papel do signo toponímico ultrapassa o nível apenas da<br />

identificação, servindo, pois de referência para o entendimento de aspectos da realidade em que está<br />

inserido” (Isquerdo, 1997: 31-32).<br />

2. Procedimentos Metodológicos<br />

Neste trabalho, parte da dissertação de mestrado em Letras defendida na Universidade<br />

Federal de Mato Grosso do Sul, discutimos os topônimos de origem tupi identificados na<br />

toponímia do Bolsão. Para tanto, propusemos os seguintes objetivos: recuperar estrato(s)<br />

lingüístico(s) predominante(s) na toponímia da região, apresentar uma proposta de cartas<br />

toponímicas, com base na literatura sobre o assunto já existente e nos dados evidenciados na<br />

pesquisa. Partimos da hipótese de que os topônimos de origem tupi foram introduzidos no<br />

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Bolsão, principal mente, pelos sertanistas que adentraram a região, no século XVI, via<br />

movimento das bandeiras.<br />

Os dados foram coletados em cartas topográficas do IBGE, complementados por meio<br />

da consulta a cartas do Exército Brasileiro e a mapas dos municípios que integram o Bolsão.<br />

As escalas desses documentos variaram entre 1: 100.000 e 1: 250.000. Como parâmetro<br />

para a análise dos dados foram utilizados os princípios da Toponímia e de disciplinas afins.<br />

3. Rastros do tupi na toponímia do Bolsão sul-mato-grossense<br />

Sabe-se que os grupos étnicos predominantes na população brasileira no início da<br />

povoação do Brasil foram os portugueses – os colonizadores –, os indígenas – e,<br />

posteriormente, os grupos africanos trazidos para o Brasil, durante o período correspondente<br />

ao tráfico negreiro.<br />

Desse modo, esses também são os estratos lingüísticos em que se nota uma maior<br />

recorrência na toponímia brasileira – em proporção diferente, mas que nem por isso deixam<br />

de evidenciar a formação étnica, toponímica e línguo-cultural do Brasil. Nesse particular,<br />

Dick (1998) ressalta que,<br />

desde que para o Brasil vieram os portugueses, começou a se instalar entre nós uma nomenclatura<br />

geográfica que, nos seus primórdios, ou melhor dizendo, nos primeiros acidentes reconhecidos, trazia a<br />

visão personalíssima do elemento lusitano, com sua psicologia religiosa e espiritualista aflorando na<br />

geografia que, palmo a palmo, ia percorrendo. Parece que para ele não importava a nomeação particular<br />

e legítima dos autóctones. Primeiro, porque isto não deveria fazer parte de suas preocupações, depois<br />

porque ele estava diante de um povo que desconhecia, em suas reações e sentimentos, a quem ele, o<br />

conquistador, viera para dominar. Não apenas pela superioridade numérica mas pela força de suas<br />

tradições e pelo poder de seu verbo (Dick, 1988: 84).<br />

Certamente, essas constatações auxiliam na interpretação dos valores numéricos e<br />

percentuais expressos em cada um dos estratos lingüísticos formadores da toponímia do<br />

Bolsão sul-mato-grossense (BSM) quais sejam: Língua Portuguesa: 1096 topônimos –<br />

82,16% do total de topônimos estudados; Língua Tupi: 194 topônimos – 14,54%; Língua<br />

Tupi-Guarani: 01 topônimo – 0,07%; Língua Africana: 13 topônimos – 0,97%; Língua<br />

Caiapó: 01 topônimo – 0,07%; Língua Portuguesa + Língua Tupi: 08 topônimos – 0,60%;<br />

Língua Portuguesa + Língua Portuguesa + Língua Tupi: 02 topônimos – 0,15%; Língua<br />

Tupi + Língua Portuguesa: 07 topônimos – 0,52%; Língua de origem não identificada: 11<br />

topônimos – 0,82%.<br />

Em relação aos estratos lingüísticos mais recorrentes na toponímia do BSM,<br />

constatamos que os topônimos de origem portuguesa predominam em comparação aos<br />

demais a despeito de essa faixa de território ter sido habitada pelos Caiapó. Todavia, essa<br />

predominância pode ser explicada se considerarmos o fato de que as pri meiras bandeiras<br />

que passaram pela região terem reunido falantes do vernáculo, uma vez que essas<br />

expedições eram formadas, ou por mineiros ou por paulistas. Assim, os<br />

bandeirantes/sertanistas seguiram o princípio nomeador do colonizador português e fizeram<br />

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uso de nomes comemorativos, em homenagem ou por devoção, e de nomes descritivos. O<br />

dominador/colonizador, falante da língua portuguesa, impôs, ao autóctone, não só uma<br />

condição estigmatizada dentro da sociedade que se formava, mas também todo um<br />

complexo línguo-cultural.<br />

No que concerne às línguas indígenas, merecem destaque os topônimos originados<br />

do estrato tupi na toponímia do BSM, a língua ameríndia que deixou maior herança na<br />

toponímia local. Apesar de contemplar um percentual de apenas 14,54%, consideramos<br />

significativa essa incidência por termos conhecimento pela história local que nesta região<br />

não houve a presença de grupos étnicos do tronco tupi e, conseqüentemente, a língua tupi<br />

não foi língua berço de povos do BSM. Sobre o assunto, Sampaio (1928) destaca que não há<br />

a necessidade de os tupi terem habitado um lugar para que nessa localidade sejam<br />

encontrados topônimos de origem tupi.<br />

Os povos do tronco tupi eram, em sua maioria, nômades e, conseqüentemente, por<br />

onde passavam, além de deixarem rastros de sua cultura e de sua língua, também adquiriam<br />

aspectos culturais e lingüísticos de outros povos indígenas. Não é por acaso que no Brasil<br />

encontramos tantos elementos da flora e da fauna com nomes originados da língua tupi. A<br />

Toponímia brasileira também dá mostras de uma significativa influência tupi na designação<br />

dos acidentes geográficos. Sem deixarmos de destacar os 14,54% de topônimos de origem<br />

tupi inventariados na toponímia do BSM.<br />

Verificamos, pois, que o léxico tupi permanece, por meio de “ vocábulos fossilizados”,<br />

nos topônimos do espaço estudado, o que demonstra a importância desse grupo étnico na<br />

formação do que hoje se considera como povo brasileiro e, também, na constituição da<br />

língua portuguesa em sua variante brasileira. Como exemplos de vocábulos fossilizados de<br />

origem tupi na toponímia da região investigada, destacamos: Córrego Sapé – AF/P;<br />

Ribeirão Matri nchã – AF/TL; Córrego Pindaíba – AF/TL; Rio Sucuriú – AF/CH;<br />

Cachoeira Mutum – AF/CR; Có rrego Congonha – AF/AT; Córrego Buriti – AF/ SR; Rio<br />

Pa raná – AF/B; Córrego Tapera – AF/SE; Caverna Cambaúba – AF/ CA; Córrego<br />

Jararaca – AF/I; Ribeirão da Mutuca – AF/AC e Rio Para naíba – AF/P.<br />

4. Considerações Finais<br />

Consideramos significativa a quantidade de topônimos originados do estrato tupi,<br />

sobretudo se levarmos em conta que o BSM não foi habitado por tupis. Desse modo, os<br />

topônimos do estrato tupi devem ter sido originados da época do ciclo das bandeiras e da<br />

incorporação de lexias do tupi ao português, por meio da miscigenação e da época em que o<br />

tupi era a língua geral no Brasil. Sobre o assunto, Sampaio (1928) registra não haver a<br />

necessidade de os tupi terem habitado em um lugar para que essa localidade se revista de<br />

topônimos originados do tupi. Acreditamos que esse seja também um fator motivador da<br />

existência de 194 (cento e noventa e quatro) topônimos originados desse estrato lingüístico.<br />

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RESUMO: A Toponímia, como disciplina dinâmica e interdisciplinar, tem como um de seus<br />

princípios básicos a análise da relação do homem com o meio, no que se refere à<br />

designação dos topos. Este trabalho, um recorte de uma pesquisa mais ampla, priorizou o<br />

estudo nos nomes de origem tupi dos acidentes físico-geográficos da região do Bolsão sulmato-grossense<br />

(BSM). Como síntese da pesquisa, apresentamos cartas toponímicas que<br />

representam uma primeira tentativa de cartografação dos topônimos de Mato Grosso do<br />

Sul.<br />

PALAVRAS-CHAVE: toponímia, língua tupi, Bolsão sul-mato-grossense, cartas<br />

toponímicas.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

<strong>DARGEL</strong>, <strong>Ana</strong> <strong>Paula</strong> <strong>Tribesse</strong> Patrí cio. Entre buritis e veredas: o desvendar da toponímia<br />

do Bolsão sul-mato-grossense. (Dissertação de Mestrado em Letras). Três Lagoas: UFMS,<br />

2003.<br />

DICK, Maria Vicentina de <strong>Paula</strong> do Amaral. A Litotoponímia no Brasil. In: Revista do<br />

Instituto de Estudos Brasileiro. São Paulo: ed. da USP n. 26, 1986, p. 65-72.<br />

______. O sistema onomástico: bases lexicais e terminológicas, produção e freqüência. In:<br />

PIRES DE OLIVEIRA, <strong>Ana</strong> Maria P.; ISQUERDO, Aparecida Negri. (Org.). As ciências<br />

do léxico. Campo Grande: ed. da UFMS, 1998.<br />

______. Método e questões terminológicas na Onomástica. Estudo de Caso: A toponímia<br />

do estado de São Paulo. In: Investigações. Lingüística e Teoria Literária. São Paulo: ed. da<br />

USP, v. 9, 1999, p. 119-148.<br />

ISQUERDO, Aparecida Negri. A Toponímia como signo de representação de uma<br />

realidade. In: Fronteiras – Revista de História (UFMS). Campo Grande: Editora UFMS, v.<br />

1, n. 2, jul./dez. 1997, p. 27-46.<br />

PIRES DE OLIVEIRA, <strong>Ana</strong> Maria Pinto. Designativos do vocábulo “ diabo” em “ grande<br />

sertão: Veredas” – um estudo sócio-etnolingüístico. In: Papéis. Revista de Letras. Campo<br />

Grande: UFMS, v. 1, n. 1, jan./jun. 1997, p. 53-56.<br />

SAMPAIO, Theodoro. O Tupi na geografia nacional. Bahia: Secção Graphica da Es cola<br />

de Aprendizes Artificies, 1928.<br />

ULLMANN, Stephen. Semântica: uma introdução à ciência do significado. Lisboa:<br />

Fundação Calouste Gubenkian, 1977.<br />

ANEXO.<br />

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54 º 0 0’<br />

MS<br />

Costa Rica<br />

CÂMPUS DE TRÊS LAGOAS<br />

Lab. de Cartografi a e Anál ise Amb iental<br />

Organização: <strong>Ana</strong> Pau la T. P. Da rgel<br />

R evisã o: Profª Drª Apa re cida N egri Isqu erdo<br />

D igitaliza ção e Edição: Ary T. Reze nde Fil ho, 200 3<br />

Fonte: Gome s, 19 94 - Base cartog ráfica: IBGE, 19 99<br />

CARTA TOPONÍMICA<br />

LÍNGUA DE ORIGEM DOS TOPÔNIMOS - LT<br />

Chapadão<br />

do Sul<br />

Água Clara<br />

Santa Rita<br />

do Pardo<br />

52 º 3 0’<br />

Cassilândia<br />

ESCALA<br />

Inocência<br />

Bra silândia<br />

Três Lagoas<br />

0 30 60km<br />

22º 00 ’<br />

Selvíria<br />

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W<br />

N<br />

S<br />

E<br />

GO<br />

Pa ranaíba<br />

Aparecida do<br />

Taboado<br />

SP<br />

51º 0 0’ W<br />

MG<br />

LEGENDA<br />

1 8º 00’ S<br />

19º 0 0’<br />

20º 0 0’<br />

21º 0 0’<br />

34 - 17,53%<br />

19 - 9,80%<br />

34 - 17,53%<br />

25 - 12,89%<br />

4 - 2,06%<br />

7 - 3,60%<br />

15 - 7,73%<br />

33 - 17,01%<br />

9 - 4,64%<br />

4 - 2,06%<br />

TOTAL 194 - 100%

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