Um Diálogo Entre Boaventura de Souza Santos e Milton ... - Anpad
Um Diálogo Entre Boaventura de Souza Santos e Milton ... - Anpad
Um Diálogo Entre Boaventura de Souza Santos e Milton ... - Anpad
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>Um</strong> <strong>Diálogo</strong> <strong>Entre</strong> <strong>Boaventura</strong> <strong>de</strong> <strong>Souza</strong> <strong>Santos</strong> e <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong>: Por <strong>Um</strong> Outro<br />
Olhar a Produção do Social<br />
Resumo<br />
Autoria: Ketlle Duarte Paes, Eloise Helena Livramento Dellagnelo<br />
Este ensaio faz parte <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> estudos que discute o uso <strong>de</strong> abordagens<br />
influenciadas pelo pensamento único, fundamentadas no paradigma funcionalista, como<br />
lentes para compreen<strong>de</strong>r práticas sociais atravessadas por múltiplas racionalida<strong>de</strong>s.<br />
Neste ensaio partimos <strong>de</strong>ssa preocupação, buscando marcos teóricos não-ortodoxos em<br />
Estudos Organizacionais. Para tanto nos propomos a esboçar um diálogo entre as<br />
abordagens teóricas propostas por <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> e <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong>. Isso com o<br />
objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar pontos <strong>de</strong> contato entre os autores com o propósito <strong>de</strong> contribuir<br />
para as discussões em Estudos Organizacionais que buscam outras lentes <strong>de</strong> análise.<br />
Preten<strong>de</strong>mos também complementar essa discussão por meio da i<strong>de</strong>ia da redução<br />
sociológica <strong>de</strong> Guerreiro Ramos. A partir daí se po<strong>de</strong> inferir que os autores em análise<br />
possuem pontos <strong>de</strong> contato em suas abordagens e que a inclusão <strong>de</strong> referenciais teóricos<br />
heterodoxos em Estudos Organizacionais po<strong>de</strong>ria abrir espaço para reconhecer o novo,<br />
o que está em construção, e o que ainda não é.<br />
Introdução<br />
1
O processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>puração pelo qual passou a socieda<strong>de</strong> nos últimos séculos<br />
engendrou a emergência <strong>de</strong> um tipo particular <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> que subordinou o<br />
pensamento múltiplo ao pensamento único (DELEUZE e GUATTARRI, 2007).<br />
Conforme os autores, durante esse processo, estabeleceu-se o pensamento binário que<br />
produziu a metafísica, privilegiando a transcendência em <strong>de</strong>trimento à imanência.<br />
Assim, como forma <strong>de</strong> transgredir o pensamento único, os autores propõem o<br />
pensamento múltiplo, baseado na noção <strong>de</strong> rizoma. Para os autores, o rizoma seria uma<br />
maneira <strong>de</strong> expressar as multiplicida<strong>de</strong>s sem recair sobre o pensamento dialético ou<br />
binário com relação ao uno. Por rizoma os autores enten<strong>de</strong>m:<br />
O rizoma não se <strong>de</strong>ixa reconduzir nem ao uno nem ao múltiplo.<br />
Ele não é o uno que se torna dois, nem é um múltiplo que<br />
<strong>de</strong>riva do uno, nem ao qual o uno se acrescentaria (n+1). Ele<br />
não é feito <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s, mas <strong>de</strong> dimensões, ou antes, <strong>de</strong><br />
direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre<br />
um meio pelo qual ele cresce e transborda. Ele constitui<br />
multiplicida<strong>de</strong>s lineares a n dimensões, sem sujeito nem objeto,<br />
exibíveis num plano <strong>de</strong> consistência e do qual o uno é sempre<br />
subtraído (n – 1). <strong>Um</strong>a tal multiplicida<strong>de</strong> não varia suas<br />
dimensões sem mudar <strong>de</strong> natureza nela mesma e se<br />
metamorfosear (...) O rizoma é feito somente <strong>de</strong> linhas: linhas<br />
<strong>de</strong> segmentarieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> estratificação, como dimensões, mas<br />
também linhas <strong>de</strong> fuga ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>sterritorialização como<br />
dimensão máxima segundo a qual a multiplicida<strong>de</strong> se<br />
metamorfoseia, mudando <strong>de</strong> natureza (DELEUZE e<br />
GUATARRI, 2007, p. 32).<br />
Referências <strong>de</strong>sse pensamento po<strong>de</strong>m ser encontradas também no trabalho <strong>de</strong><br />
Bruno Latour. Para Latour (1994), a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> produziu alguns paradoxos <strong>de</strong>ntre os<br />
quais, <strong>de</strong> um lado, a especialização dos saberes e experimentos e <strong>de</strong> outro, as<br />
hibridações e misturas, compondo as re<strong>de</strong>s sociotécnicas. Segundo o autor, as re<strong>de</strong>s são<br />
formadas por fluxos, misturas, conexões tendo sempre múltiplas entradas e saídas. Nas<br />
re<strong>de</strong>s não há hierarquias, todos são atores, não só os humanos, mas também os nãohumanos<br />
que são (re)produzidos a cada momento.<br />
Em consonância com as transgressões citadas acima com relação a<br />
epistemologia dominante na contemporaneida<strong>de</strong>, temos os pensamentos <strong>de</strong> <strong>Boaventura</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Souza</strong> <strong>Santos</strong> e <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong>. Para <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> (2002), em termos científicos<br />
e sociais vivemos no presente um tempo <strong>de</strong> ambigüida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> transição, difícil <strong>de</strong><br />
enten<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> percorrer.<br />
Diante <strong>de</strong>ssa constatação, o autor nos convida a refletir sobre novas<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> produzidas a partir <strong>de</strong> experiências alternativas a<br />
globalização neoliberal que emergem dos subterrâneos do pensamento hegemônico. O<br />
autor nos leva a questionar a racionalida<strong>de</strong> dominante que produz ativamente como não<br />
existentes as experiências sociais alternativas numa operação <strong>de</strong> expansão do presente e<br />
<strong>de</strong> contração do futuro, ocultando todas as temporalida<strong>de</strong>s existentes e possíveis <strong>de</strong><br />
existir.<br />
O autor <strong>de</strong>staca que a partir da epistemologia do norte, as ausências são<br />
produzidas por meio <strong>de</strong> cinco monoculturas, a saber: a monocultura do saber, a do<br />
tempo linear, a da naturalização das diferenças sociais, a da escala dominante e a do<br />
produtivismo capitalista. Nessa lógica, tudo o que vai contra a esse pensamento é<br />
consi<strong>de</strong>rado ignorante, residual, inferior, local e improdutivo. Assim, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
subverter a racionalida<strong>de</strong> dominante visa, essencialmente, questionar essa produção <strong>de</strong><br />
2
ausências transformando-as em objetos presentes, num processo <strong>de</strong> substituir as<br />
monoculturas por ecologias (dos saberes, das temporalida<strong>de</strong>s, do reconhecimento, das<br />
escalas locais e globais e das produtivida<strong>de</strong>s), apresentando inúmeras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
outras sociabilida<strong>de</strong>s.<br />
<strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> (2002) <strong>de</strong>staca ainda que subjacente a sociologia das<br />
ausências e a sociologia das emergências têm-se o trabalho <strong>de</strong> tradução. Para o autor, o<br />
trabalho <strong>de</strong> tradução é o procedimento que permite criar inteligibilida<strong>de</strong> recíproca entre<br />
as experiências do mundo, tanto as disponíveis como as possíveis, reveladas pela<br />
sociologia das ausências e a sociologia das emergências. O trabalho <strong>de</strong> tradução se<br />
realiza por meio dos saberes (hermenêutica diatópica) e das práticas sobre as quais visa<br />
criar inteligibilida<strong>de</strong> recíproca entre formas <strong>de</strong> organização e entre objetivos <strong>de</strong> ação. O<br />
autor argumenta ainda que, por meio do trabalho <strong>de</strong> tradução e da geração da zona <strong>de</strong><br />
contato entre as diferentes práticas e saberes não-hegemônicos é possível a emergência<br />
<strong>de</strong> práticas contra-hegemônicas, uma vez que o potencial anti-sistêmico <strong>de</strong> qualquer<br />
movimento social resi<strong>de</strong> na sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> articulação com outros movimentos, com<br />
suas formas <strong>de</strong> organização e com seus objetivos.<br />
Diante do exposto, sobre a produção das ausências pela razão dominante, cabem<br />
algumas reflexões sobre o exercício da redução sociologia proposta por Guerreiro<br />
Ramos. Para o autor, era fundamental o exercício da consciência crítica da realida<strong>de</strong><br />
nacional para a realização <strong>de</strong> uma sociologia a ela relevante, consubstanciada naquilo<br />
que ele chamava “uma sociologia em mangas <strong>de</strong> camisa” (BARIANI, 2006). Em<br />
Guerreiro Ramos (1996), a consciência crítica e a autoconsciência coletiva são produtos<br />
históricos, emergindo <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> existência. O autor passa então a analisar, para<br />
fins da elaboração <strong>de</strong> uma sociologia nacional, especificamente; a) os efeitos<br />
sociológicos da industrialização; b) os efeitos sociológicos da urbanização; e c) os<br />
efeitos sociológicos das alterações do consumo popular.<br />
Assim, para Guerreiro Ramos (1996, p. 68): “Até agora, consi<strong>de</strong>rável parcela <strong>de</strong><br />
estudiosos se conduziu sem se dar conta dos pressupostos históricos e i<strong>de</strong>ológicos do<br />
seu trabalho científico. Sua conduta era reflexa e se submetia passivamente e<br />
mecanicamente a critérios oriundos <strong>de</strong> países plenamente <strong>de</strong>senvolvidos”, e, continua,<br />
dizendo que “À assimilação literal e passiva dos produtos científicos importados ter-seá<br />
<strong>de</strong> opor a assimilação crítica <strong>de</strong>sses produtos. Por isso, propõe-se aqui o termo<br />
redução sociológica para <strong>de</strong>signar o procedimento metodológico que procura tornar<br />
sistemática assimilação crítica.”<br />
Para proce<strong>de</strong>r à redução, o autor, propõe a observação <strong>de</strong> algumas leis gerais:<br />
Lei da universalida<strong>de</strong> dos enunciados gerais da ciência; Lei das fases; Lei do<br />
comprometimento; Lei do caráter subsidiário da produção científica estrangeira;<br />
Conforme Guerreiro Ramos (1996), teoria e prática são indissociáveis e<br />
pressupõem um saber sobre a socieda<strong>de</strong> brasileira. Para ele os objetivos da produção do<br />
conhecimento científico têm que ser práticos. Esse é o papel do pesquisador engajado e<br />
comprometido com a geração <strong>de</strong> melhorias para a socieda<strong>de</strong>.<br />
Diante do exposto, preten<strong>de</strong>-se com esse trabalho encontrar pontos <strong>de</strong> contato<br />
entre os pensamentos <strong>de</strong> <strong>Boaventura</strong> <strong>de</strong> <strong>Souza</strong> <strong>Santos</strong> e <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong> a fim <strong>de</strong><br />
contribuir com as discussões a cerca <strong>de</strong> novas lentes <strong>de</strong> análise para a área <strong>de</strong><br />
Estudos Organizacionais, tendo como base a i<strong>de</strong>ia da redução sociológica proposta<br />
por Guerreiro Ramos. Dito isso, compartilhamos da premissa apresentada por<br />
Misoczky (2009) <strong>de</strong> que a aplicação acrítica <strong>de</strong> teorias e mo<strong>de</strong>los pré-construídos ten<strong>de</strong><br />
a naturalizar as formas e práticas hegemônicas <strong>de</strong> organizar e complementa:<br />
3
Em oposição, acreditamos que os estudiosos críticos<br />
das organizações têm como uma das tarefas políticas<br />
mais urgentes explorar os processos <strong>de</strong> organização da<br />
resistência e das lutas sociais, que ten<strong>de</strong>m a ser<br />
ignorados pelo discurso organizacional<br />
contemporâneo. <strong>Um</strong> modo <strong>de</strong> fazê-lo é refletir e tornar<br />
visíveis esses processos <strong>de</strong> organização (Misoczky,<br />
Flores e Böhm, 2008). Para fazê-lo, é preciso escolhas<br />
seletivas e críticas dos referenciais a serem utilizados,<br />
sob pena <strong>de</strong> (...) em vez <strong>de</strong> contribuirmos para tornar<br />
visíveis organizações e práxis libertadoras, as calemos<br />
submetendo-as a mo<strong>de</strong>los gerados para apoiar o<br />
<strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> práticas e relações sociais que são o<br />
seu alvo <strong>de</strong> contestação (MISOCZKY, 2009, p. 1550).<br />
Assim, a importância <strong>de</strong>sse estudo insere-se na perspectiva <strong>de</strong> contribuição<br />
teórica para as pesquisas que buscam <strong>de</strong>snaturalizar os fundamentos epistemológicos da<br />
área da administração (SERVA, 1992, 1997; CARVALHO e VIEIRA, 2007;<br />
CARVALHO e DELLAGNELO, 2004; MISOCZKY E FLORES, 2009) que vêem no<br />
management a única e melhor forma <strong>de</strong> organizar (PARKER, 2002) fundada nos<br />
pressupostos <strong>de</strong> eficiência e do cálculo utilitário <strong>de</strong> conseqüência. Isso porque,<br />
conforme apontam Serva et al (2009) apesar da necessida<strong>de</strong> urgente <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver<br />
teorias que tentem explicar as práticas organizacionais <strong>de</strong> uma forma mais complexa, a<br />
gran<strong>de</strong> maioria das pesquisas <strong>de</strong>senvolvidas na área ainda apresenta métodos<br />
tradicionais <strong>de</strong> orientação positivista e funcionalista. Serva et al (2009) apontam os<br />
estudos <strong>de</strong> Vergara e Peci (2003) em três revistas estrangeiras e três brasileiras, todas <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> reputação que buscaram verificar essa afirmação.<br />
Essa idéia <strong>de</strong> conhecimento dominante no campo da administração encontra eco<br />
no que <strong>Boaventura</strong> chama <strong>de</strong> razão indolente que na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> se tornou a visão <strong>de</strong><br />
mundo predominante, influenciando, sobremaneira, a teoria das organizações.<br />
Outro fator <strong>de</strong> relevo para se levar a diante tal empresa, consiste na dificulda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> se encontrar estudos <strong>de</strong>sse tipo na área <strong>de</strong> administração, refletindo também a<br />
dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se encontrar interlocutores. Assim, esse estudo preten<strong>de</strong> contribuir para a<br />
área <strong>de</strong> Estudos Organizacionais como mais uma opção não ortodoxa <strong>de</strong> análise para os<br />
fenômenos organizacionais, lançando um novo olhar para realida<strong>de</strong>s ininteligíveis pela<br />
razão dominante, produzidas ativamente como não existentes, mas que se constituem<br />
em práticas sociais dotadas <strong>de</strong> uma racionalida<strong>de</strong> própria com temporalida<strong>de</strong> própria<br />
existentes no espaço social mais amplo.<br />
Diante disso, po<strong>de</strong>mos traçar um paralelo com a idéia <strong>de</strong> espaço banal <strong>de</strong> <strong>Milton</strong><br />
<strong>Santos</strong> (2008), para quem as experiências periféricas possuem um sentido tão particular<br />
que foge à lógica da racionalida<strong>de</strong> hegemônica. Para esse autor o avanço das ciências<br />
possibilitou a expansão das técnicas <strong>de</strong> informação assegurando ao sistema técnico uma<br />
presença planetária e como implicação disso, tem-se a emergência <strong>de</strong> um mercado<br />
pretensamente global que se arvora dos processos políticos e sociais com a intenção <strong>de</strong><br />
colonizá-los. Esse sistema <strong>de</strong> forças, <strong>de</strong>staca <strong>Santos</strong> (2008), gera discursos que<br />
fornecem a base para uma dominação i<strong>de</strong>ológica que legitima as ações ao mesmo tempo<br />
em que busca conformar um novo ethos às relações sociais. O autor <strong>de</strong>staca também a<br />
ampliação <strong>de</strong>sfiguradora do papel das empresas na regulação da vida social.<br />
Contudo, segundo Silva et al. (2006) as conseqüências da lógica capitalista geram<br />
um movimento <strong>de</strong> resistência por parte daqueles atores que buscam a inversão das<br />
posições que ali se apresentam. Em relação a isso, <strong>Santos</strong> (2008) aponta para outras<br />
possibilida<strong>de</strong>s da produção <strong>de</strong> um novo organizar por meio <strong>de</strong> um movimento contra-<br />
4
hegemônico que venha <strong>de</strong> baixo, venha dos pobres, dos marginalizados e dos excluídos,<br />
ou seja, do espaço banal. Segundo o autor, essa subversão é possível em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> que<br />
o processo <strong>de</strong> globalização que influência os aspectos da vida social, econômica e<br />
cultural, não perpetua sua i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> modo homogêneo, pois encontra a resistência da<br />
cultura preexistente <strong>de</strong>ntro da qual há a possibilida<strong>de</strong>, cada vez mais freqüente, <strong>de</strong> um<br />
novo organizar por meio do discurso contra-hegemônico.<br />
Essa perspectiva <strong>de</strong> <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong> está em sintonia com as idéias apresentadas<br />
anteriormente <strong>de</strong> <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> sobre a sociologia das ausências e das emergências.<br />
O que nos indica possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conversação entre os autores a fim <strong>de</strong> imprimir um<br />
olhar diferente daquele em que, costumeiramente, a ortodoxia em Estudos<br />
Organizacionais analisa seus objetos.<br />
REFERENCIAL TEÓRICO<br />
Por uma sociologia das ausências e emergências<br />
<strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> (2002) <strong>de</strong>senvolveu estudos teórico-emprírico nos últimos<br />
anos, a fim <strong>de</strong> teorizar sobre a questão da emancipação social. Para tanto empreen<strong>de</strong>u<br />
uma pesquisa cujo objetivo foi <strong>de</strong>terminar em que medida a globalização alternativa<br />
esta sendo produzida a partir <strong>de</strong> baixo e quais são as suas possibilida<strong>de</strong>s e limites. O<br />
autor escolheu como lócus <strong>de</strong> investigação seis países semiperiféricos, em diferentes<br />
continentes. Como ponto <strong>de</strong> partida o autor trabalhou com a hipótese <strong>de</strong> que os conflitos<br />
entre a globalização neoliberal hegemônica e a globalização contra-hegemônica são<br />
mais intensos nestes países.<br />
Para confirmar sua hipótese, o autor realizou pesquisas em Moçambique, um dos<br />
países mais pobres do mundo. As pesquisas se realizaram em Moçambique, em África<br />
do Sul, no Brasil, na Colômbia, na Índia e em Portugal. Conforme o autor, nestes países,<br />
i<strong>de</strong>ntificaram-se movimentos e experiências em cinco áreas temáticas em que mais<br />
claramente se con<strong>de</strong>nsam os conflitos Norte/Sul: <strong>de</strong>mocracia participativa; sistemas <strong>de</strong><br />
produção alternativos e economia solidária; multiculturalismo, direitos coletivos,<br />
pluralismo jurídico e cidadania cultural; alternativas aos direitos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><br />
intelectual e biodiversida<strong>de</strong> capitalistas; novo internacionalismo operário<br />
(BOAVENTURA SANTOS, 2002, p. 260).<br />
Com relação a esse projeto, <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> (2002) <strong>de</strong>staca a reflexão<br />
epistemológica por que passou e chegou a algumas consi<strong>de</strong>rações tais como: tratou-se<br />
<strong>de</strong> um projeto conduzido por fora dos centros hegemônicos <strong>de</strong> produção da ciência<br />
social, com o objetivo <strong>de</strong> criar uma comunida<strong>de</strong> científica internacional in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong>sses centros; o projeto implicou o cruzamento não apenas <strong>de</strong> diferentes tradições<br />
teóricas e metodológicas das ciências sociais, mas também <strong>de</strong> diferentes culturas e<br />
formas <strong>de</strong> interação entre a cultura e o conhecimento; o projeto <strong>de</strong>bruçou-se sobre lutas,<br />
iniciativas, movimentos alternativos, muitos dos quais locais, muitas vezes lugares<br />
remotos do mundo e, assim, talvez fáceis <strong>de</strong> <strong>de</strong>sacreditar como irrelevantes, ou<br />
<strong>de</strong>masiado frágeis ou localizados para oferecer uma alternativa credível ao capitalismo<br />
(BOAVENTURA SANTOS, 2002, p. 238).<br />
Como conclusões <strong>de</strong> pesquisa, o autor aponta as seguintes: a experiência social<br />
em todo mundo é muito mais ampla e variada do que o que a tradição cientifica ou<br />
filosófica oci<strong>de</strong>ntal conhece e consi<strong>de</strong>ra importante; esta riqueza social está sendo<br />
5
<strong>de</strong>sperdiçada, o que leva a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que não há alternativa; para combater o <strong>de</strong>sperdício<br />
da experiência, para tornar visíveis as iniciativas e os movimentos alternativos e para<br />
lhes dar credibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> pouco serve recorrer à ciência social tal como conhecemos.<br />
Assim, conforme o autor, para combater o <strong>de</strong>sperdício da experiência social, não basta<br />
propor um outro tipo <strong>de</strong> ciência social. Há que se propor, isto sim, um mo<strong>de</strong>lo diferente<br />
<strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong>.<br />
Para dar visibilida<strong>de</strong> as experiências sociais alternativas <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong><br />
(2002) realiza a crítica do mo<strong>de</strong>lo hegemônico <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> que, seguindo Leibniz,<br />
chama razão indolente, propondo como substituto um outro mo<strong>de</strong>lo, que <strong>de</strong>signa como<br />
razão cosmopolita. Para tanto o autor <strong>de</strong>senvolve três procedimentos sociológicos, a<br />
partir da razão cosmopolita: a sociologia das ausências, a sociologia das emergências e<br />
o trabalho <strong>de</strong> tradução. Para tanto, o autor expõe que a forma <strong>de</strong> compreensão do mundo<br />
tem a ver com concepções do tempo. Além disso, o aspecto central da racionalida<strong>de</strong><br />
hegemônica é o fato <strong>de</strong>, por um lado, contrair o presente e, por outro, expandir o futuro.<br />
Assim, o autor propõe uma racionalida<strong>de</strong> cosmopolita cujo fluxo é realizar a<br />
trajetória inversa: expandir o presente e contrair o futuro com o fito <strong>de</strong> criar o espaçotempo<br />
necessário para conhecer e valorizar a inesgotável experiência social que está em<br />
curso no mundo <strong>de</strong> hoje. O autor <strong>de</strong>staca que para expandir o presente, há a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> se fazer uma sociologia das ausências; pra contrair o futuro, uma sociologia das<br />
emergências.<br />
A sociologia das ausências parte <strong>de</strong> alguns questionamentos sobre às razões que<br />
levaram a um tipo <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> unilateral e exclu<strong>de</strong>nte a dominar o cenário social<br />
nos últimos duzentos anos. Para o autor, torna-se importante confrontar e superar essa<br />
concepção <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong> e a razão indolente que a sustenta. Esses questionamentos já<br />
foram alvos <strong>de</strong> reflexão por várias vertentes da sociologia crítica, dos estudos sociais e<br />
culturais da ciência, da critica feminista, da <strong>de</strong>sconstrução, dos estudos pós-coloniais,<br />
etc. <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> (2002) explica que para superar a hegemonia da razão<br />
indolente faz-se necessário por em questão cada uma das lógicas ou modos <strong>de</strong> produção<br />
<strong>de</strong> ausência que ela sustenta. Para tanto, propõe como alternativa epistemológica, à<br />
partida <strong>de</strong>scredibilizadas, as ecologias dos sabres, das temporalida<strong>de</strong>s, dos<br />
reconhecimentos, das trans-escalas e das produtivida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>finidas como segue<br />
(BOAVENTURA SANTOS, 2002, p. 250):<br />
A ecologia <strong>de</strong> saberes. A primeira lógica, a lógica da monocultura do saber e do<br />
rigor científicos, tem <strong>de</strong> ser questionada pela i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> outros saberes e <strong>de</strong> outros<br />
critérios <strong>de</strong> rigor que operam credivelmente em contextos e práticas sociais <strong>de</strong>clarados<br />
não-existentes pela razão indolente.<br />
A ecologia das temporalida<strong>de</strong>s. A segunda lógica, a lógica da monocultura do<br />
tempo linear, <strong>de</strong>ve ser confrontada com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que tempo linear é uma entre muitas<br />
concepções do tempo. O domínio do tempo linear não resulta da sua primazia enquanto<br />
concepção temporal, mas da primazia da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal que o adotou como seu.<br />
Pela mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal a partir da secularização da escatologia judaico-cristã, mas<br />
nunca eliminou, nem mesmo no Oci<strong>de</strong>nte, outras concepções como o tempo circular, a<br />
doutrina do eterno retorno e outras concepções que não se <strong>de</strong>ixam captar<br />
a<strong>de</strong>quadamente nem pela imagem nem pela imagem <strong>de</strong> círculo.<br />
A ecologia dos reconhecimentos. A terceira lógica da produção <strong>de</strong> ausências é a<br />
lógica da classificação social. A sociologia das ausências confronta-se com a<br />
colonialida<strong>de</strong>, procurando uma nova articulação entre o princípio da igualda<strong>de</strong> e o<br />
princípio da diferença e abrindo espaço para a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diferenças iguais, uma<br />
ecologia <strong>de</strong> diferenças feita <strong>de</strong> reconhecimentos recíprocos.<br />
6
A ecologia das trans-escalas. A quarta lógica, a lógica da escala global, é<br />
confrontada pela sociologia das ausências através da recuperação do que no local não é<br />
efeito da globalização hegemônica. Ao <strong>de</strong>sglobalizar o local relativamente à<br />
globalização hegemônica, a sociologia das ausências explora também a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
uma globalização contra-hegemônica.<br />
A ecologia da produtivida<strong>de</strong>. A quinta lógica, a lógica produtivista, sobre essa<br />
lógica a sociologia das ausências atua na recuperação e a valorização dos sistemas<br />
alternativos <strong>de</strong> produção, das organizações econômicas populares, das cooperativas<br />
operárias, das empresas autogeridas, da economia solidária, entre outros, que a<br />
ortodoxia produtivista capitalista ocultou ou <strong>de</strong>scredibilizou. Para <strong>Boaventura</strong> (2002)<br />
este é o domínio mais controverso da sociologia das ausências, uma vez que põe<br />
diretamente em questão o paradigma do <strong>de</strong>senvolvimento e do crescimento econômico<br />
infinito que sustenta o capitalismo global. <strong>Entre</strong>tanto, esta lógica nunca dispensou<br />
outras formas <strong>de</strong> produção e apenas as <strong>de</strong>squalificaram para mantê-las na relação <strong>de</strong><br />
subalternida<strong>de</strong>.<br />
A sociologia das emergências, conforme <strong>de</strong>senvolvida por <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong><br />
(2002) consiste em substituir o vazio do futuro segundo o tempo linear por um futuro <strong>de</strong><br />
possibilida<strong>de</strong> plural e concreto, simultaneamente utópico e realista. Para o autor o a<br />
noção que presi<strong>de</strong> à sociologia das emergências é o conceito <strong>de</strong> ainda-não proposto por<br />
Ernst Bloch (1995). Conforme <strong>de</strong>screve <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong>, Bloch questiona o fato <strong>de</strong> a<br />
filosofia oci<strong>de</strong>ntal ter sido dominada pelos conceitos <strong>de</strong> Tudo e Nada, nos quais tudo<br />
parece estar contido como latência, mas <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nada novo po<strong>de</strong> surgir.<br />
Com essas idéias Bloch, salienta <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong>, introduz dois novos<br />
conceitos o Não e o Ainda-não, sendo aquele a falta <strong>de</strong> algo e a expressão da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
superar essa falta, pois dizer não é dizer sim a algo diferente. O Ainda-Não é uma<br />
categoria mais complexa, porque exprime o que existe apenas como tendência, um<br />
movimento latente no processo <strong>de</strong> se manifestar. O Ainda-Não é o modo como o futuro<br />
se inscreve no presente e o dilata. Não é um futuro in<strong>de</strong>terminado nem infinito. É uma<br />
possibilida<strong>de</strong> e uma capacida<strong>de</strong> concretas que nem existem no vácuo, nem estão<br />
completamente <strong>de</strong>terminadas (BOAVENTURA SANTOS, 2002, p. 255).<br />
Assim, conforme o autor, a sociologia das emergências é a investigação das<br />
alternativas que cabem no horizonte das possibilida<strong>de</strong>s concretas. Tem-se com isso, que<br />
enquanto a sociologia das ausências amplia o presente, juntando ao real existente o que<br />
<strong>de</strong>le foi subtraído pela razão indolente, a sociologia das emergências amplia o presente,<br />
juntando ao real amplo as possibilida<strong>de</strong>s e expectativas futuras que ele comporta. Neste<br />
caso, a ampliação do presente implica a contração do futuro, na medida em que o<br />
Ainda-não, longe <strong>de</strong> ser um futuro vazio e infinito, é um futuro concreto, porém incerto.<br />
Desse modo, para o autor, enquanto a sociologia das ausências expan<strong>de</strong> o<br />
domínio das experiências sociais disponíveis, a sociologia das emergências expan<strong>de</strong> o<br />
domínio das experiências sociais possíveis. É importante <strong>de</strong>stacar, conforme<br />
<strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> (2002) que as duas sociologias estão estreitamente associadas, visto<br />
que quanto mais experiências estiverem disponíveis no mundo mais experiências são<br />
possíveis no futuro. Quando maior for a multiplicida<strong>de</strong> e diversida<strong>de</strong> das experiências<br />
disponíveis e possíveis, maior será a expansão do presente e a contração do futuro. Na<br />
sociologia das ausências, essa multiplicação e diversificação ocorrem pela via da<br />
ecologia dos saberes, dos tempos, das diferenças, das escalas e das produções, ao passo<br />
que a sociologia das emergências as revela por vida da amplificação simbólica das<br />
pistas ou sinais.<br />
7
Por uma outra globalização<br />
Em seu livro Por uma outra globalização <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong> (2008) preten<strong>de</strong>u<br />
<strong>de</strong>monstrar o papel que a i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong>sempenha na produção e reprodução da<br />
globalização atual. E, advoga a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma mudança histórica a partir <strong>de</strong> um<br />
movimento <strong>de</strong> baixo para cima tendo como protagonista os países sub<strong>de</strong>senvolvidos na<br />
subversão das regras do jogo.<br />
Para <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong> (2008) a globalização é perversa na medida em que aumenta<br />
a pobreza e o <strong>de</strong>semprego crônico, além da perda <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r aquisitivo da classe média.<br />
No entanto, o autor fornece alguns indícios do que po<strong>de</strong> ser uma outra globalização,<br />
mais humana, tendo como base as mesmas dimensões que fazem da atual globalização<br />
uma perversida<strong>de</strong>, porém orientados por outros fundamentos sociais e políticos. Diante<br />
disso, salienta que as condições históricas para isso se formaram no final do século XX<br />
e que se dão tanto teórica quanto empiricamente. Nesse último caso, trata-se da enorme<br />
mistura <strong>de</strong> povos, raças, culturas e gostos. Isso é potencializado pela aglomeração <strong>de</strong><br />
populações em pequenos espaços ensejando uma vizinhança <strong>de</strong>ntro da qual se da uma<br />
mistura <strong>de</strong> pessoas e filosofias. Já no plano teórico, para o autor, o que se verifica é a<br />
possibilida<strong>de</strong> da produção <strong>de</strong> um novo discurso que se torne possível em virtu<strong>de</strong> da<br />
existência <strong>de</strong> uma universalida<strong>de</strong> empírica.<br />
<strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong> (2008) observa que vivemos sobre a tirania da informação cujas<br />
técnicas são apropriadas por alguns Estados e empresas, em função <strong>de</strong> interesses<br />
particulares gerando o aprofundamento das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s. A informação é manipulada<br />
ao ser transmitida à socieda<strong>de</strong>, diante disso, o autor fala <strong>de</strong> um novo “encantamento do<br />
mundo” no qual o discurso e a retórica são um fim em si mesmos. Isso fica evi<strong>de</strong>nciado<br />
pelo trabalho da publicida<strong>de</strong>, na qual a linguagem ganha autonomia produzindo sua<br />
própria lei. Nesse sentido, para o autor, há uma produção do consumidor antes mesmo<br />
da produção dos produtos, conduzindo ao utilitarismo como regra <strong>de</strong> vida mediante a<br />
exacerbação do consumo, do narcisismo, do egoísmo, e <strong>de</strong> uma ética pragmática.<br />
No mundo globalizado, observa <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong> (2008) o espaço geográfico<br />
ganha novos contornos e <strong>de</strong>finições. Os atores hegemônicos servem-se dos melhores<br />
espaços <strong>de</strong>ixando o resto aos outros. A globalização com o auxilio da técnica da<br />
informação subverte o antigo jogo da evolução territorial e impõe novas lógicas. O<br />
território ten<strong>de</strong> para uma compartimentação generalizada e vira palco dos choques entre<br />
o movimento da socieda<strong>de</strong> mundial e o movimento particular <strong>de</strong> cada fração nacional.<br />
Assim, todo e qualquer pedaço da superfície da Terra torna-se funcional as necessida<strong>de</strong>s<br />
e usos dos Estados e das empresas. Isso se realiza em nome da competitivida<strong>de</strong> que<br />
<strong>de</strong>stroça as antigas solidarieda<strong>de</strong>s, frequentemente horizontais, para impor uma<br />
solidarieda<strong>de</strong> vertical, cujo irradiador é a empresa hegemônica obediente a interesses<br />
globais e indiferente ao entorno.<br />
As verticalida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>staca o autor, dizem respeito a um conjunto <strong>de</strong> pontos<br />
formando um espaço <strong>de</strong> fluxos sobre o território. O sistema <strong>de</strong> produção que se serve<br />
<strong>de</strong>sse espaço é constituído <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s, na qual a empresa ganha um papel <strong>de</strong> regulador do<br />
espaço em conjunto com a ação dissimulada do Estado no controle <strong>de</strong> todo o território.<br />
Além disso, esse é o espaço do tempo rápido mediado por uma solidarieda<strong>de</strong> do tipo<br />
organizacional. Essa integração vertical é alienadora já que as <strong>de</strong>cisões essenciais<br />
concernentes aos processos locais são estranhas ao lugar e obe<strong>de</strong>cem à interesses<br />
distantes. Tal dominância, para o autor, é portadora da racionalida<strong>de</strong> hegemônica cujo<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> contágio facilita a busca por uma homogeneização (MILTON SANTOS,<br />
2008).<br />
8
Quanto às horizontalida<strong>de</strong>s, para o autor, são zonas <strong>de</strong> contigüida<strong>de</strong> que formam<br />
vizinhanças. Para <strong>de</strong>screver esse espaço o autor faz uso do vocabulário <strong>de</strong> François<br />
Perroux. Dito isso, o espaço banal seria o espaço <strong>de</strong> todos: empresas, instituições,<br />
pessoas; o espaço das vivencias. É o espaço <strong>de</strong> produções localizadas e<br />
inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, cujos agentes estão imbricados numa solidarieda<strong>de</strong> orgânica. Tal<br />
conjunto indissociável evolui e muda seguindo uma lógica ditada pelo meio geográfico<br />
local (MILTON SANTOS, 2008).<br />
Nesse espaço a ação do Estado, além <strong>de</strong> suas funções banais, é limitada, mas é<br />
nesse espaço que o Estado encontraria as melhores condições para sua intervenção. As<br />
horizontalida<strong>de</strong>s, para o autor, além das racionalida<strong>de</strong>s típicas das verticalida<strong>de</strong>s,<br />
admitem a presença <strong>de</strong> outras racionalida<strong>de</strong>s contra-hegemônicas. Assim ao contrário<br />
da or<strong>de</strong>m imposta pelos atores hegemônicos aos atores subalternizados, nos espaços<br />
banais se recria a idéia e o fato político. Aqui o autor fala também <strong>de</strong> uma esquizofrenia<br />
do território, no qual, <strong>de</strong> um lado, têm-se os vetores da globalização que nele se instaura<br />
para impor uma nova or<strong>de</strong>m, e <strong>de</strong> outro lado, a produção <strong>de</strong> uma conta-or<strong>de</strong>m, porque<br />
há um acelerado aumento da pobreza, da marginalização e da exclusão (MILTON<br />
SANTOS, 2008).<br />
Por uma sociologia em mangas <strong>de</strong> camisa<br />
A idéia central da obra “A Redução Sociológica” diz respeito a elaboração<br />
conceitual <strong>de</strong> uma “sociologia em mangas <strong>de</strong> camisa” (BARIANI, 2006) rejeitando o<br />
saber neutro. Para Guerreiro Ramos a nossa formação econômica, política e social<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte foi engendrada pelo colonialismo cultural, a partir da subordinação da elite<br />
nativa em relação a cultura dos países dominantes. Assim, a assimilação da cultura<br />
européia e norte-americana levou a nação canarinho a uma concepção alienada da<br />
“realida<strong>de</strong> nacional”, homogeneizadora que distorce a realida<strong>de</strong>.<br />
Diante <strong>de</strong>ssa constatação, para Guerreiro Ramos (1996, p. 11) era fundamental<br />
por em prática a razão sociológica como um instrumento <strong>de</strong> reflexão a respeito <strong>de</strong> si<br />
com relação à estrutura social à qual estava vinculada. Desse modo, ao método crítico<br />
capaz <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r a uma reflexão <strong>de</strong>ssa natureza, assimilando criticamente as<br />
contribuições teorias “importadas”, Guerreiro Ramos chamou “redução sociológica”.<br />
Assim, para o autor, era fundamental o exercício da consciência crítica da<br />
realida<strong>de</strong> nacional para a realização <strong>de</strong> uma sociologia a ela relevante, e , <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que a<br />
consciência crítica e a autoconsciência coletiva são produtos históricos. A redução<br />
sociológica, segundo Guerreiro Ramos (1996, p. 11), é uma “atitu<strong>de</strong> parentética”, não<br />
espontânea que põe entre parênteses os fenômenos, recusando a afirmação ou aceitação<br />
imediata das percepções. Conforme o autor, a realida<strong>de</strong> se constitui por relações sociais<br />
não fortuitas, mas referidas umas as outras por vínculos <strong>de</strong> significação.<br />
Guerreiro Ramos (1996), <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a prática da autoconsciência da socieda<strong>de</strong><br />
brasileira por meio <strong>de</strong> uma sociologia engajada com a realida<strong>de</strong> nacional. O autor travou<br />
combates com vários intelectuais, como Florestan Fernan<strong>de</strong>s, Darci Ribeiro, Costa<br />
Pinto, Roger Basti<strong>de</strong>, na luta contra a transplantação irrefletida <strong>de</strong> idéias estrangeiras em<br />
prol da autonomia da socieda<strong>de</strong> brasileira, não poupando o que chamou <strong>de</strong> “sociologia<br />
importada”, “consular”, “enlatada” (GUERREIRO RAMOS, 1996, p. 10).<br />
O autor, em seus estudos sobre a construção do pensamento social brasileiro<br />
buscou uma relação tanto próxima quanto crítica com a herança cultural e a prática<br />
intelectual, e, combateu duramente o que consi<strong>de</strong>rava alienação e inautenticida<strong>de</strong><br />
(GUERREIRO RAMOS, 1996). A partir disso, o autor elaborou uma série <strong>de</strong> quatro<br />
9
leis ao qual <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> Leis da redução sociologia, <strong>de</strong>scritas a seguir, tendo em vista<br />
a prática <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> metódica da redução.<br />
Conforme Guerreiro Ramos (1996, p. 72-74), são sete os componentes da<br />
redução sociológica:<br />
I. Atitu<strong>de</strong> metódica: trata-se <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> ver, que obe<strong>de</strong>ce a regras e busca <strong>de</strong>purar<br />
os objetos <strong>de</strong> elementos que dificultem a percepção exaustiva e radical <strong>de</strong> seu<br />
significado;<br />
II. Realida<strong>de</strong> com pressuposto: não admite a existência <strong>de</strong> objetos, na realida<strong>de</strong> social,<br />
sem pressupostos, pois tal realida<strong>de</strong> é sistemática, dotada <strong>de</strong> sentido, visto que sua<br />
matéria é vida humana permeada <strong>de</strong> valorações. Os “fatos da realida<strong>de</strong> social fazem<br />
parte necessariamente <strong>de</strong> conexões <strong>de</strong> sentido, [estando] referidos uns aos outros por um<br />
vínculo <strong>de</strong> significações”;<br />
III. Noção <strong>de</strong> mundo: “consi<strong>de</strong>ra a consciência à luz da reciprocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perspectivas. O<br />
essencial da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> mundo é a admissão <strong>de</strong> que a consciência e os objetos estão<br />
reciprocamente relacionados. Toda a consciência é intencional porque estruturalmente<br />
se refere a objetos. Todo objeto, enquanto conhecido, necessariamente está referido à<br />
consciência”;<br />
IV. Perspectivismo: os objetos são, em parte, constituídos a partir da perspectiva em que<br />
se encontram. Transferidos para outras perspectivas, <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser o que eram, pois o<br />
sentido <strong>de</strong> um objeto jamais está <strong>de</strong>sligado <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado contexto;<br />
V. Suportes coletivos: a redução sociológica é limitada por uma situação e é<br />
instrumento <strong>de</strong> um saber operativo, sendo por aí que o caráter coletivo <strong>de</strong> seus suportes<br />
se revela. Para praticá-la, é necessário "viver numa socieda<strong>de</strong> cuja autoconsciência<br />
assuma as proporções <strong>de</strong> processo coletivo";<br />
VI. Procedimento crítico-assimilativo da experiência estrangeira: não se trata <strong>de</strong><br />
isolacionismo, mas da aspiração ao universal mediatizado. Não se opõe à prática das<br />
transplantações, mas <strong>de</strong>seja submetê-la a apurados critérios <strong>de</strong> seletivida<strong>de</strong>, pois uma<br />
socieda<strong>de</strong> em que se <strong>de</strong>senvolve a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-articulação torna-se<br />
conscientemente seletiva;<br />
VII. Atitu<strong>de</strong> altamente elaborada: embora seus suportes sejam vivências populares, a<br />
redução sociológica <strong>de</strong>ve se <strong>de</strong>senvolver com base em estudo sistemático e raciocínio<br />
rigoroso, recorrendo a conhecimentos diversos, especialmente, <strong>de</strong> história.<br />
Relacionados aos componentes citados, Guerreiro Ramos apresenta, então, as<br />
leis da redução sociológica, como segue.<br />
A primeira lei, a lei do comprometimento, foi enunciada pelo autor da seguinte<br />
maneira: nos países periféricos, a idéia e a prática da redução sociológica somente<br />
po<strong>de</strong>riam ocorrer ao cientista social que tivesse adotado sistematicamente uma posição<br />
<strong>de</strong> engajamento ou <strong>de</strong> compromisso consciente com o seu contexto. Isso quer dizer que,<br />
uma visão do mundo não seria adquirida, apenas, por meio do esforço intelectivo, sendo<br />
difícil para qualquer cientista, em especial o cientista social (GUERREIRO RAMOS,<br />
1996, p. 111).<br />
A segunda lei da redução sociológica afirma que “toda a produção científica<br />
estrangeira era <strong>de</strong> caráter subsidiário para o sociólogo que tenha adotado<br />
sistematicamente uma posição <strong>de</strong> engajamento ou <strong>de</strong> compromisso consciente com o<br />
seu contexto” (GUERREIRO RAMOS, 1996, p. 113). A terceira lei, a lei da<br />
universalida<strong>de</strong> dos enunciados gerais da ciência, prega: "a redução sociológica admite a<br />
universalida<strong>de</strong> da ciência tão somente no domínio dos enunciados gerais, não<br />
implicando <strong>de</strong> modo algum, negar a universalida<strong>de</strong> da ciência. Seu propósito é, apenas,<br />
levar o cientista a submeter-se à exigência <strong>de</strong> referir o trabalho científico à comunida<strong>de</strong><br />
em que vive" (GUERREIRO RAMOS, 1996, p. 121). Por fim, a quarta lei, a lei das<br />
10
fases diz o seguinte: "à luz da redução sociológica, a razão dos problemas <strong>de</strong> uma<br />
socieda<strong>de</strong> particular é sempre dada pela fase em que tal socieda<strong>de</strong> se encontra"<br />
(GUERREIRO RAMOS, 1996, p. 129). Assim, conforme Guerreiro Ramos (1996, p.<br />
135) “sob a espécie da fase, o sentido dos acontecimentos se clarifica. Os<br />
acontecimentos não po<strong>de</strong>m ser compreendidos senão quando referidos à totalida<strong>de</strong><br />
(fase) que os transcen<strong>de</strong> e a que são pertinentes. Por isso que não se verificam <strong>de</strong> modo<br />
arbitrário, estão sujeitos às <strong>de</strong>terminações particulares <strong>de</strong> cada seção do fluxo históricosocial<br />
em que transcorrem” (GUERREIRO RAMOS, 1996, p. 135).<br />
A postura redutora sempre foi utilizada por Guerreiro Ramos em sua trajetória.<br />
Por meio <strong>de</strong>ssas quatro leis, ele começaria a elaborar estudos com vistas à formulação<br />
<strong>de</strong> uma teoria da socieda<strong>de</strong> brasileira, apropriando-se, principalmente, das perspectivas<br />
sociológicas, política e administrativa que contornavam nossa realida<strong>de</strong> social (FARIA,<br />
2009, AZEVEDO, 2006, BARIANI, 2006).<br />
<strong>Um</strong>a conversa entre <strong>Boaventura</strong> <strong>de</strong> <strong>Souza</strong> <strong>Santos</strong>, <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong> e Guerreiro<br />
Ramos: Por um outro olhar a produção do social<br />
Ao tentar refletir sobre as obras <strong>de</strong>sses gran<strong>de</strong>s pensadores nos <strong>de</strong>paramos com<br />
preocupações convergentes tais como uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar visibilida<strong>de</strong> e voz para<br />
realida<strong>de</strong>s sociais locais, contextualizadas e periféricas. No caso dos estudos <strong>de</strong><br />
<strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> e <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong> é possível perceber um paralelo entre suas idéias no<br />
que tange ao fazer crer e ver as experiências marginalizadas no dizer <strong>de</strong> <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong> e<br />
<strong>de</strong>scredibilizadas no léxico <strong>de</strong> <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong>. Para <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> a teoria e a<br />
prática social são apresentadas como discrepantes, instaurando um hiato <strong>de</strong><br />
possibilida<strong>de</strong>s para o pensamento e a ação especialmente nas realida<strong>de</strong>s dos chamados<br />
países periféricos.<br />
Em seu trabalho, A reinvenção da emancipação social, <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> expõe<br />
seu objetivo <strong>de</strong> verificar em que medida a globalização alternativa está sendo produzida<br />
<strong>de</strong> baixo e quais são suas possibilida<strong>de</strong>s e limites. Para tanto o autor pesquisou práticas<br />
sociais <strong>de</strong> alguns países periféricos com o pressuposto <strong>de</strong> que nesses locais os embates<br />
entre a globalização hegemônica e as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> globalização contrahegemônicas<br />
são mais intensas. De modo semelhante <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong> em seu trabalho,<br />
Por uma outra globalização, buscou <strong>de</strong>monstrar o papel que a i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong>sempenha na<br />
produção e reprodução da globalização atual. E <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse contexto como será<br />
possível uma mudança histórica a partir <strong>de</strong> um movimento <strong>de</strong> baixo para cima tendo<br />
como protagonista os países sub<strong>de</strong>senvolvidos na subversão das regras do jogo.<br />
Os autores também tem em comum o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma abordagem<br />
heterodoxa como lente para refletir sobre os limites do pensamento hegemônico. Para<br />
<strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> (2002) a lente proposta se baseia em suas formulações sobre o que<br />
<strong>de</strong>nomina “sociologia das ausências e das emergências”, fundamentadas nas ecologias<br />
dos saberes e das temporalida<strong>de</strong>s. Isso, a partir <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> que<br />
surgem nas periferias do mundo como forma <strong>de</strong> resistência a uma “razão indolente” que<br />
não se abre para a inesgotável diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências sociais.<br />
Para o autor a sociologia das ausências consiste num procedimento transgressivo<br />
e insurgente “para tentar mostrar que o que não existe é produzido ativamente como<br />
não-existente, como uma alternativa não-crível, como uma alternativa <strong>de</strong>scartável,<br />
invisível à realida<strong>de</strong> hegemônica do mundo” (BOAVENTURA SANTOS, 2002, p.<br />
249). A sociologia das ausências visa, essencialmente, subverter essa produção <strong>de</strong><br />
ausências transformando-as em objetos presentes, tornando visível aquilo que vem<br />
sendo ocultado pela sociologia dominante. Substituindo as monoculturas por<br />
11
“ecologias”, tais como: a ecologia dos saberes; a das temporalida<strong>de</strong>s; a do<br />
reconhecimento; a das escalas locais e globais; e aquela das produtivida<strong>de</strong>s<br />
(BOAVENTURA SANTOS, 2002, p. 249).<br />
Outrossim, <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> (2002) tentando i<strong>de</strong>ntificar os sinais já existentes<br />
no presente como possibilida<strong>de</strong> do futuro, <strong>de</strong>staca que a sociologia das emergências<br />
busca trocar indicadores seguros por pistas incipientes, propondo o “ainda não” para<br />
pensar a realida<strong>de</strong> como aquilo que não existe mas está emergindo. O autor, afirma<br />
também que as duas sociologias produzirão diversas realida<strong>de</strong>s antes não existentes,<br />
mais fragmentadas e plurais. Nesse sentido, um outro <strong>de</strong>safio se coloca na tentativa <strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r e ressignificar essas outras experiências. Para cumpri-lo <strong>Boaventura</strong><br />
<strong>Santos</strong> (2002) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o que chama <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> tradução com vistas a apontar a<br />
heterogeneida<strong>de</strong> das práticas sociais, e apontar, sobretudo, a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentidos<br />
no mundo contemporâneo.<br />
Com objetivos similares aos <strong>de</strong> <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong>, em termos teórico, e aos <strong>de</strong><br />
Guerreiro Ramos em termos metodológicos, <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong>, em seus últimos trabalhos,<br />
procurou <strong>de</strong>linear os fundamentos epistemológicos para uma geografia política<br />
nacional. Para tanto, empreen<strong>de</strong>u uma reflexão profunda sobre a socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna no<br />
que se refere ao processo <strong>de</strong> globalização, a qual <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> perversa, movida por<br />
um discurso i<strong>de</strong>ológico que faz as engrenagens do sistema reproduzi-la. Diante <strong>de</strong>sse<br />
contexto que se preten<strong>de</strong> homogeneizador, <strong>Milton</strong> santos (2008) chama a atenção para o<br />
mito <strong>de</strong> espaço e tempo contraídos salientando que a velocida<strong>de</strong> está na realida<strong>de</strong> ao<br />
alcance <strong>de</strong> poucos. Do mesmo modo, o autor adverte contra a falácia <strong>de</strong> um mercado<br />
avassalador capaz <strong>de</strong> homogeneizar o planeta quando na verda<strong>de</strong> aprofunda as<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s locais.<br />
Como contra partida, do mesmo modo que <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong>, <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong><br />
fornece alguns indícios do que po<strong>de</strong> ser uma outra globalização, mais humana, tendo<br />
como base as mesmas dimensões que fazem da atual globalização uma perversida<strong>de</strong>,<br />
porém orientados por outros fundamentos sociais e políticos. O autor salienta que as<br />
condições históricas para isso se formaram no final do século XX e que se dão tanto<br />
teórica quanto empiricamente. Nesse último caso, trata-se da enorme mistura <strong>de</strong> povos,<br />
raças, culturas e gostos. Isso é potencializado pela aglomeração <strong>de</strong> populações em<br />
pequenos espaços ensejando uma vizinhança <strong>de</strong>ntro da qual se da uma mistura <strong>de</strong><br />
pessoas e filosofias. Já no plano teórico, para o autor, o que se verifica é a possibilida<strong>de</strong><br />
da produção <strong>de</strong> um novo discurso em prol da multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong>s e práticas<br />
sociais.<br />
Assim, como em <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> (2002), o geógrafo brasileiro observou as<br />
várias racionalida<strong>de</strong>s e lógicas <strong>de</strong> ação que permeia o espaço social. Nesse sentido,<br />
<strong>Milton</strong> santos (2008) expõe que no mundo globalizado o espaço geográfico ganham<br />
novos contornos e <strong>de</strong>finições. Os atores hegemônicos servem-se dos melhores espaços<br />
<strong>de</strong>ixando o resto aos outros. A globalização com o auxilio da técnica da informação<br />
subverte o antigo jogo da evolução territorial e impõe novas lógicas. O território ten<strong>de</strong><br />
para uma compartimentação generalizada e vira palco dos choques entre o movimento<br />
da socieda<strong>de</strong> mundial e o movimento particular <strong>de</strong> cada fração nacional (MILTON<br />
SANTOS, 2008).<br />
Assim, todo e qualquer pedaço da superfície da Terra torna-se funcional as<br />
necessida<strong>de</strong>s e usos dos Estados e das empresas. Isso se realiza em nome da<br />
competitivida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>stroça as antigas solidarieda<strong>de</strong>s horizontais, para impor uma<br />
solidarieda<strong>de</strong> vertical, cujo irradiador é a empresa hegemônica obediente a interesses<br />
globais e indiferente ao entorno (MILTON SANTOS, 2008). Quanto às<br />
horizontalida<strong>de</strong>s, para o autor, são zonas <strong>de</strong> contigüida<strong>de</strong> que formam vizinhanças nas<br />
12
os agentes estão imbricados numa solidarieda<strong>de</strong> orgânica. As horizontalida<strong>de</strong>s, para o<br />
autor, além das racionalida<strong>de</strong>s típicas das verticalida<strong>de</strong>s, admitem a presença <strong>de</strong> outras<br />
racionalida<strong>de</strong>s contra-hegemônicas ou para falar como <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> admite a<br />
presença das múltiplas ecologias.<br />
Por fim, os autores em análise concordam também que na esfera da<br />
racionalida<strong>de</strong> hegemônica, pequena margem é <strong>de</strong>ixada para a varieda<strong>de</strong>, a criativida<strong>de</strong> e<br />
a espontaneida<strong>de</strong>. Porém surgem nas outras esferas, contra-racionalida<strong>de</strong>s e<br />
racionalida<strong>de</strong> paralelas que são produzidas e mantidas pelos que estão embaixo, e,<br />
sobretudo pelos marginalizados, que, <strong>de</strong>sse modo, conseguem escapar ao totalitarismo<br />
da racionalida<strong>de</strong> dominante. Na medida em que as técnicas hegemônicas fundadas na<br />
ciência e obedientes aos imperativos do mercado geram necessida<strong>de</strong>s crescentes criamse<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s porque não há a satisfação <strong>de</strong> todos (BOAVENTURA SANTOS,<br />
2002; MILTON SANTOS, 2008).<br />
Diante do que foi discutido acima, os autores apontam para outras possibilida<strong>de</strong>s<br />
da produção <strong>de</strong> um novo organizar social por meio <strong>de</strong> uma outra globalização e da<br />
valorização <strong>de</strong> outras ecologias <strong>de</strong> saberes e temporalida<strong>de</strong>s cujo movimento contrahegemônico<br />
venha <strong>de</strong> baixo, venha dos pobres, dos marginalizados e dos excluídos.<br />
E o que tem haver a sociologia em mangas <strong>de</strong> camisa <strong>de</strong> Guerreiro Ramos<br />
com tudo isso? Dizemos assim, porque a nosso ver a abordagem guerreirista da<br />
redução sociológica complementa as reflexões dos intelectuais analisados, preocupados<br />
com um novo organizar do mundo social em busca <strong>de</strong> uma possível emancipação social.<br />
Acreditamos que a observação das leis da redução sociológica proposta por Guerreiro<br />
Ramos são o substrato por meio do qual qualquer pesquisa que se pretenda crítica<br />
precisa observar.<br />
Isso porque a produção <strong>de</strong> experiências não hegemônicas e a teorização sobre<br />
elas só fazem sentido se contextualizadas nas realida<strong>de</strong>s interessadas por meio do<br />
exercício da consciência crítica da realida<strong>de</strong> nacional para a realização <strong>de</strong> uma<br />
sociologia a ela relevante. Conforme coloca Guerreiro Ramos (1996) a consciência<br />
crítica e a autoconsciência coletiva são produtos históricos possíveis a partir da<br />
realização <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> existência.<br />
Conclusões<br />
Esse trabalho nos permitiu refletir sobre os modos como o organizar é pensado<br />
na contemporaneida<strong>de</strong>. Diante <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> construída por uma racionalida<strong>de</strong><br />
oci<strong>de</strong>ntal indolente e fortemente refletida na produção acadêmica da área <strong>de</strong><br />
organizações (VERGARA e PECI, 2003), se torna importante a busca por referenciais<br />
teóricos que nos permitam ver experiências organizativas diferentes daquelas próprias<br />
da racionalida<strong>de</strong> instrumental. Isso porque, por meio <strong>de</strong> outras lentes, torna-se possível<br />
<strong>de</strong>snaturalizar os fundamentos epistemológicos da administração cujas bases<br />
funcionalistas imprimiram um modo particular <strong>de</strong> visão <strong>de</strong> mundo sobre o objeto <strong>de</strong>ssa<br />
disciplina.<br />
Desse modo, cabe <strong>de</strong>stacar que outros modos pensar e agir que fogem das<br />
dicotomias do pensamento único acabam sendo construídas como inexistentes. Tal fato<br />
já foi sinalizado por Clegg (1990) em seus estudos sobre a realida<strong>de</strong> oriental, na qual o<br />
autor apontou para tipos <strong>de</strong> organização da produção que não obe<strong>de</strong>cem a lógica<br />
instrumental tão costumeira em empreendimentos mercantis no oci<strong>de</strong>nte. Isso posto,<br />
chamamos a atenção para que no próprio oci<strong>de</strong>nte, segundo <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> e <strong>Milton</strong><br />
<strong>Santos</strong>, são produzidas ativamente experiências sociais criativas e estranhas a lógica<br />
13
utilitarista. São experiências ricas se vistas a partir do que <strong>Boaventura</strong> chama <strong>de</strong><br />
ecologias, pois apresentam uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> temporalida<strong>de</strong>s,<br />
<strong>de</strong>ntro do espaço/local o qual <strong>Milton</strong> <strong>Santos</strong> <strong>de</strong>nomina espaço banal.<br />
Segundo os autores é nesses espaços que mais facilmente po<strong>de</strong>m surgir práticas<br />
contra-hegemônicas que em algum momento po<strong>de</strong>m ocasionar mudanças sociais no<br />
sentido <strong>de</strong> se alcançar microemamcipações. Nesse sentido, essa ampliação <strong>de</strong> visão para<br />
ver as divisões, diferenças e multiplicida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> práticas que comportam o mundo social<br />
se faz importante para a área <strong>de</strong> Estudos Organizacionais já que as novas formas<br />
organizacionais representam a operacionalização <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> diferentes<br />
daquele <strong>de</strong>scrito por Weber como típico do mo<strong>de</strong>lo burocrático (CLEGG, 1990). As<br />
discussões neste assunto caracterizavam a abertura <strong>de</strong> espaço para novas perspectivas <strong>de</strong><br />
compreensão do universo organizacional, apresentando formulações alternativas,<br />
segundo as quais as organizações são reproduzidas e transformadas por meio <strong>de</strong><br />
processos políticos e culturais que não conseguem ser captados pelo conjunto <strong>de</strong><br />
preceitos analíticos proporcionados pelas teorias até então dominantes.<br />
Assim, a conversação entre pensadores como <strong>Boaventura</strong> <strong>Santos</strong> e <strong>Milton</strong><br />
<strong>Santos</strong>, ambos preocupados em dar visibilida<strong>de</strong> a realida<strong>de</strong>s subterrâneas,<br />
marginalizadas pelo paradigma dominante po<strong>de</strong>m se constituir em pistas valiosas para o<br />
estudo dos fenômenos organizacionais <strong>de</strong> modo que possamos ver as diversas<br />
racionalida<strong>de</strong>s que agem sobre as práticas organizativas. Fazer isso é realizar uma<br />
subversão herética sobre a doxa, conforme Bourdieu (2005). Com isso contribuímos<br />
para uma crítica orgânica que conforme Wacquant (2004, p. 2):<br />
(...) realiza a crítica social e epistemológica,<br />
questionando, <strong>de</strong> um modo ativo, contínuo e radical,<br />
tanto as formas estabelecidas <strong>de</strong> pensamento quanto as<br />
formas estabelecidas da vida coletiva (...) ou doxa (...)<br />
e, assim, nos colocar em uma posição <strong>de</strong> nos<br />
projetarmos mentalmente para fora do mundo como ele<br />
nos é dado, <strong>de</strong> modo a inventar, concretamente, outros<br />
futuros que não os já inscritos na or<strong>de</strong>m das coisas. Em<br />
resumo, o pensamento crítico é aquele que nos dá os<br />
meios para pensar o mundo como ele é e como ele<br />
po<strong>de</strong>ria ser.<br />
Com isso, a partir das idéias dos autores comentados po<strong>de</strong>mos ampliar nossa<br />
visão sobre realida<strong>de</strong>s marginalizadas, mas fonte inesgotável <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> organizar<br />
alheio à lógica da acumulação e da eficiência. O espaço banal como o lugar da<br />
contigüida<strong>de</strong> da vizinhança, prenhe <strong>de</strong> experiências emergentes, subterrâneas,<br />
rizomáticas é o lugar das ecologias que se constituem pelas múltiplas racionalida<strong>de</strong> e<br />
temporalida<strong>de</strong>s que a razão indolente, e, a epistemologia a ela inerente não po<strong>de</strong> dar<br />
conta.<br />
Referências<br />
AZEVÊDO, Ariston. A Redução Sociológica em Perspectiva Histórica. EnANPAD,<br />
salvador/BA, setembro, 2006.<br />
BARIANI, Edison. Guerreiro Ramos: uma sociologia em mangas <strong>de</strong> camisa. Revista<br />
Eletrônica <strong>de</strong> Ciências Sociais, número 11/ outubro, p. 84-92, 2006.<br />
BOURDIEU, P. Esboço <strong>de</strong> autoanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.<br />
CARVALHO, Cristina Amélia; VIEIRA, Marcelo Milano Falcão. O po<strong>de</strong>r nas<br />
organizações. São Paulo: Thomson Learning, 2007, 160p.<br />
14
CLEGG, S. H. Mo<strong>de</strong>rn organizations: organization studies in the postmo<strong>de</strong>rn world.<br />
London: Sage Publications, 1990<br />
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed.<br />
34, 1995 (5ª reimpressão) 2007.<br />
FARIA, José H. Consciência crítica com ciência i<strong>de</strong>alista: paradoxos da redução<br />
sociológica na fenomenologia <strong>de</strong> Guerreiro Ramos. Ca<strong>de</strong>rnos EBAPE.BR (FGV), v. 7,<br />
nº 3, artigo 3, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Set. 2009.<br />
LATOUR, B. Jamais fomos Mo<strong>de</strong>rnos: Ensaio <strong>de</strong> Antropologia Simétrica. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, Ed.34, 1994.<br />
MISOCZKY, Maria Ceci Araujo ; FLORES, Rafael Kruter . A práxis-crítica na tradição<br />
do pensamento social brasileiro. Ca<strong>de</strong>rnos EBAPE.BR (FGV), v. 7, p. 517-124, 2009.<br />
Organizações & Socieda<strong>de</strong>, v. 10, n. 27, p. 13-26, 2003.<br />
PARKER, Martin. Against management: organization in the age of managerialism.<br />
Wiley-Blackwell, 2002.<br />
PARKER, N. Against management: Organization in the age of managerialism.<br />
Cambridge: Polity Press, 2002.<br />
RAMOS, Alberto Guerreiro. A redução sociológica. 3ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora<br />
UFRJ, 1996.<br />
SANTOS, <strong>Boaventura</strong> <strong>de</strong> Sousa. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia<br />
das emergências. Revista Crítica <strong>de</strong> Ciências Sociais, n. 63, p. 237-280, 2002.<br />
SANTOS, <strong>Milton</strong> . Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência<br />
universal. 16. ed Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 2008. 174p<br />
SERVA, M. Abordagem substantiva e ação comunicativa: uma complementarida<strong>de</strong><br />
proveitosa para a teoria das organizações. Revista <strong>de</strong> Administração Pública, v. 31, n. 2,<br />
p. 108-34, 1997.<br />
SERVA, M. O paradigma da complexida<strong>de</strong> e a análise organizacional. RAErevista <strong>de</strong><br />
administração <strong>de</strong> empresas, v. 32, n. 2, p. 26-35, 1992.<br />
SERVA, Maurício ; DIAS, Taisa ; Alperstedt, Graziela . O paradigma da complexida<strong>de</strong><br />
e a teoria das organizações: uma reflexão epistemológica. RAE (Impresso), v. 50, p.<br />
276-287, 2010.<br />
SILVA, R.C. ; DELLAGNELO, E. H. L. . Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> organizações sociais: a inserção da<br />
lógica <strong>de</strong> mercado e a formação <strong>de</strong> gestores. Ca<strong>de</strong>rnos EBAPE.BR (FGV), Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, v. II, n. 3, 2004.<br />
VERGARA, S; PECI, A. Escolhas metodológicas em estudos organizacionais.<br />
WACQUANT, L. Critical though as solvent of doxa. Constellations, v. 11, n. 1, 2004:<br />
http://sociology.berkeley.edu/faculty/wacquant/wacquant_pdf/. Acessado em fevereiro<br />
<strong>de</strong> 2012.<br />
15