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História da Medicina Tradicional Chinesa 中医历史 - Guias de ...

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<strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong><br />

<strong>中医历史</strong><br />

ZhōngYī Lìshǐ<br />

João Sampaio<br />

2002


“to<strong>da</strong> a teoria é falsa […]; a gran<strong>de</strong> ciência consiste em<br />

abraçar[…]; analisar é uma ciência inferior”<br />

Dao <strong>de</strong> jing <strong>de</strong>老子 Laozi (Séc VI a.C.)<br />

1


Índice<br />

I Introdução 4<br />

II Do Homem primitivo à dinastia Shāng-Yīn (até 1027) 14<br />

Descoberta <strong>de</strong> plantas e substâncias medicinais 19<br />

Origem <strong>de</strong> tratamentos externos, acupunctura e moxibustão 21<br />

Primórdios <strong>da</strong> activi<strong>da</strong><strong>de</strong> médica e protecção <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> 24<br />

III Desenvolvimento <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> e Farmacopeia <strong>Chinesa</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a dinastia<br />

Zhōu época dos S ā n Guó(três reinos) (1027 a.C – 265 d.C.)<br />

32<br />

Início <strong>da</strong> compreensão <strong>da</strong>s doenças 37<br />

Os séculos VI e V a.C. Oci<strong>de</strong>ntais 39<br />

Invenção dos vinhos medicamentosos e <strong>de</strong>coções 41<br />

Génese na protecção <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> 45<br />

Criação <strong>de</strong> um Sistema <strong>de</strong> Serviço Médico 48<br />

Formação <strong>de</strong> um sistema teórico médico 49<br />

IV O pleno <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> e Farmacopeia <strong>Chinesa</strong> (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> as<br />

Dinastias X ī Jìn, (anterior) e Hòu Jín, (posterior) até às Dinastias<br />

隋 Sui, 唐 Tang e Wǔ<strong>da</strong>ì (Cinco Dinastias), (265d.C. – 960d.C.)<br />

59<br />

Cronologia <strong>de</strong> 220 a 960 60<br />

Sistematização <strong>da</strong> palpação do pulso 63<br />

Desenvolvimento nos factores patogénicos e sintomatologia 65<br />

Progresso <strong>da</strong> Matéria Médica e <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> 65<br />

Sumário <strong>de</strong> preparações medicinais 69<br />

O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> Clínica 72<br />

Cirurgia 73<br />

Traumatologia 73<br />

Obstetrícia 74<br />

Pediatria 75<br />

A educação médica e o sistema administrativo 76<br />

As trocas médicas entre a China e os Países estrangeiros 78<br />

V Sistematização Médica, Desenvolvimento e Debates <strong>de</strong> Aprendizagem<br />

(Dinastias Song e Ming 960 – 1368 D. C.)<br />

Cronologia <strong>de</strong> 895 a 1644 82<br />

Desenvolvimento <strong>da</strong> Educação Médica 86<br />

Fórmulas 87<br />

Acupunctura e moxibustão 90<br />

Ginecologia 92<br />

Pediatria 92<br />

Cirurgia e Traumatologia 93<br />

<strong>Medicina</strong> Forense 94<br />

Debates Médicos durante as dinastias Jin e Yuan 94<br />

Trocas entre a China e países estrangeiros 97<br />

VI Novos <strong>de</strong>senvolvimentos na teoria médica e prática (Ming e Qing –<br />

1368-1840)<br />

99<br />

Farmacologia <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong><br />

Desenvolvimento Sem Prece<strong>de</strong>ntes e Popularização <strong>da</strong>s<br />

104<br />

Fórmulas <strong>de</strong> Farmacologia <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> 107<br />

Especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> medicina interna 109<br />

81<br />

2


Cirurgia e traumatologia 110<br />

Obstetricia e ginecologia 110<br />

Pediatria<br />

Especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> oftalmologia, estomatologia e <strong>de</strong>ntista e<br />

111<br />

laringologia<br />

Acupunctura 112<br />

Terapia Popular<br />

Investigação Efectua<strong>da</strong> sobre os Clássicos Médicos e<br />

113<br />

Compilação <strong>de</strong> Diversos Trabalhos Médicos<br />

VII Fim do império 120<br />

VIII Bibliografia 123<br />

IX Anexo 128<br />

111<br />

114<br />

3


Introdução<br />

“Um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro móbil <strong>de</strong> forças que trabalham contra nós hoje em dia na Ásia e em<br />

África é no ódio milenar mantido pelo orientalismo asiático contra as últimas réstia <strong>da</strong><br />

era <strong>da</strong> civilização oci<strong>de</strong>ntal que ain<strong>da</strong> ar<strong>de</strong>m nessas regiões. O que o Oriente não po<strong>de</strong><br />

suportar, é a luz potente e re<strong>de</strong>ntora numa cultura que proclama a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> civil e<br />

moral do homem contra essa tirania <strong>da</strong> casta que é a tirania <strong>de</strong> base <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as<br />

filosofias orientais. É o que explica que a maravilhosa tecnologia <strong>da</strong> civilização<br />

oci<strong>de</strong>ntal tenha sido totalmente assimila<strong>da</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as fronteiras <strong>da</strong> Ásia até aos confins<br />

do Japão, sem ter sido sujeita, junto dos povos, a qualquer modificação <strong>da</strong>s suas<br />

concessões filosóficas e religiosas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana. É como se a China, a Rússia, a<br />

Índia e o Japão, para apenas nomear os maiores países, tivessem tirado partido<br />

unicamente <strong>da</strong>s ciências experimentais <strong>da</strong> nossa civilização <strong>de</strong> forma a armar-se e<br />

equipar-se para <strong>de</strong>struir finalmente tudo o que é mais profundo e essencial, o seu<br />

espírito e a sua moral” 1<br />

Este texto, escrito por Costa Brochado em 1964, atesta bem a posição <strong>da</strong> Europa como<br />

a única <strong>de</strong>positária <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> factual d ā ngrán. Aliás, “a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é uma noção muito<br />

europeia” 2 . Assim, não cabe aos portugueses a exclusivi<strong>da</strong><strong>de</strong> chauvinista em relação<br />

aos povos orientais, encontrando-se isso em textos semelhantes nos variados livros <strong>de</strong><br />

história dos diversos países europeus 3 . “A insacia<strong>da</strong> intolerância à alteri<strong>da</strong><strong>de</strong> – paixão<br />

<strong>de</strong> que se alimenta o nosso pensamento – levou-nos a ver vácuo naquilo que não nos<br />

reflecte, a classificar <strong>de</strong> incompleto o que <strong>de</strong> nós difere”. 4<br />

A posição antropológica europeia, na interpretação do mundo oriental utilizando<br />

princípios <strong>de</strong>senraizados e mentali<strong>da</strong><strong>de</strong>s completamente <strong>de</strong>sfasa<strong>da</strong>s, continuamente<br />

atingem conclusões <strong>de</strong>stituí<strong>da</strong>s <strong>de</strong> qualquer fun<strong>da</strong>mento, tornando-se na sua maioria<br />

completamente ridículas. “Não há ninguém no mundo com uma visão pura <strong>de</strong><br />

preconceitos. […] A história <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> individual <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> pessoa é acima <strong>de</strong> tudo uma<br />

acomo<strong>da</strong>ção aos padrões <strong>de</strong> forma e <strong>de</strong> medi<strong>da</strong> tradicionalmente transmitidos na sua<br />

comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> geração em geração. […] Todo aquele que nasça no seu grupo <strong>de</strong>las<br />

partilhará com ele, e todo aquele que nasça do lado oposto do globo adquirirá a<br />

milésima parte <strong>de</strong>ssa herança” 5<br />

De facto estes princípios “são o produto <strong>de</strong> processos mentais, culturalmente pré<strong>de</strong>terminados,<br />

pelo conjunto dos factores constitutivos duma civilização. Eles<br />

influenciam e mo<strong>de</strong>lam o julgamento, em to<strong>da</strong>s as relações que o espírito mantém com<br />

o real. É o olhar que nós temos acerca <strong>da</strong>s outras culturas e os conhecimentos que os<br />

acompanham, que agem então como um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro prisma <strong>de</strong>formante. As diferentes<br />

facetas <strong>de</strong>ste prisma são <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m i<strong>de</strong>ológica, linguistica, e histórica. Se nós não<br />

tivermos consciência <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>formações, a compreensão que nós temos dos termos e<br />

1<br />

Brochado, Costa – Henrique o Navegador, Lisboa, 1964<br />

2<br />

Julien, François – Le <strong>de</strong>tour d’un Grec par la Chine. In http://www.twics.com/~berlol/foire/fle98ju.htm,<br />

p. 2 (Retirado <strong>da</strong> Web em 27.11.2000)<br />

3<br />

Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occi<strong>de</strong>nt, Éditions du Seuil, 1973<br />

4<br />

Moscovici, Serge – A socie<strong>da</strong><strong>de</strong> contranatura. Teorema, Livraria Bertrand. 1977. p. 35<br />

5<br />

Benedict, Ruth – Padrões <strong>de</strong> cultura. Edição «Livros do Brasil». Lisboa, s/d, pp.14 – 15<br />

5


dos conceitos <strong>de</strong>senvolvidos por outra cultura, faz-se através dos critérios próprios <strong>da</strong><br />

nossa, e, <strong>de</strong>ste facto, incapazes <strong>de</strong> os integrar” 6<br />

Ao falarmos <strong>da</strong> <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Chinesa</strong> não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar que a sua<br />

análise é sempre vista, por nós, numa lógica indutiva, i.e., do particular para o geral, e<br />

numa perspectiva antropológica oci<strong>de</strong>ntal, e que a mesma contém erros nomea<strong>da</strong>mente,<br />

como a que já vimos acima, e que dizem respeito a uma incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> penetrar na<br />

mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> oriental, cuja lógica essencialmente <strong>de</strong>dutiva se movimenta do geral para o<br />

particular.<br />

[…]To<strong>da</strong>s as parteiras chinas e canarias (<strong>da</strong> raça canarim 7 ) curam <strong>de</strong> medicina e <strong>de</strong><br />

quantas enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>s há, sem ninguém saber o que elas sabem. E como as mulheres<br />

dos portugueses, as mais <strong>de</strong>las, são chinas ou têm parte disso, são mais afeiçoa<strong>da</strong>s a<br />

este modo <strong>de</strong> cura, por ser o seu natural e, pelo contrário, estranham muito as curas ao<br />

modo português. De maravilha consentem que seus maridos façam uma cura perfeita<br />

ao nosso modo - como muitas vezes aconteceu - que, or<strong>de</strong>nando eu tal ou tal coisa ao<br />

enfermo, ou não lhe aplicar o que se lhe mandou fazer, ou acabam com ele que não<br />

faça. Estando actualmente curando, ao presente, dois portugueses, sem minha or<strong>de</strong>m<br />

chamou-se a ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les a sua parteira, com as quais se curavam e por esta<br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m se foram para a outra vi<strong>da</strong> 8 .<br />

Tentando sobrepor o po<strong>de</strong>r curativo do Oci<strong>de</strong>nte ao homónimo chinês, o texto mostra<br />

ain<strong>da</strong> mais um pequeno pormenor, que, no nosso caso, se torna, não só sintomático<br />

como importantíssimo “curam <strong>de</strong> medicina e <strong>de</strong> quantas enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>s há, sem<br />

ninguém saber o que elas sabem”. A ignorância acerca do Mundo Asiático,<br />

especialmente o Chinês era uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, exceptuando-se alguma acção no tempo <strong>da</strong><br />

missionação jesuítica.<br />

Aliás, em 1877, o explorador Barão <strong>de</strong> Richthofen afirmava: “Em nenhuma região<br />

alargaram mais seus horizontes os missionários <strong>da</strong> fé cristã, nem fizeram mais<br />

importantes conquistas para a ciência do que na China. À frente <strong>de</strong> todos se nos<br />

<strong>de</strong>param os jesuítas do século XVII e XVIII, sem cuja activi<strong>da</strong><strong>de</strong> tão vasta e profun<strong>da</strong>, a<br />

China, se exceptuarmos a costa, ain<strong>da</strong> hoje seria para nós uma terra <strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong>” 9 .<br />

Excepções havia acerca do saber milenar chinês, porém, a perspectiva era<br />

maioritariamente ten<strong>de</strong>nciosa no sentido <strong>de</strong> serem os Oci<strong>de</strong>ntais a levar o saber ao<br />

Oriente do que o inverso, e nem sempre com objectivos altruístas: “<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as<br />

matemáticas [os chineses] são muito curiosos” 10 ou ain<strong>da</strong> “<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as nações é a<br />

China a que mais aprecia a Matemática e Astronomia com tal excesso que parece faz<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>stas ciências a conservação <strong>da</strong> monarquia e o bom governo do Estado” 11 .<br />

6<br />

Ribaute, Alain, “Le barbare cuit, ou comment penser chinois”, “le dificile chemin qui mène <strong>de</strong> la plume<br />

au pinceau, <strong>de</strong> Alpha à Wen”. Revue Française <strong>de</strong> Mé<strong>de</strong>cine Traditionnelle Chinoise. Em publicação.”<br />

7<br />

“habitante do Canará” – “era o nome duma vasta região no planalto dos Gates”[...]”abrangi<strong>da</strong><br />

actualmente por Maiçor e pelos distritos oci<strong>de</strong>ntais <strong>de</strong> Hidrabad”. In Dalgado, Sebastião Rodolfo -<br />

«Glossário Luso-Asiático». Asian Educational Services. New Delhi. 1988<br />

8<br />

“Representação” envia<strong>da</strong> <strong>de</strong> Macau em 21 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1625, in J. Caetano Soares, «Macau e a<br />

Assistência», Macau, 1950<br />

9<br />

Richthofen, Ferdinand von – China. Berlim, 1877, I, p. 653<br />

10<br />

Semedo, Padre Álvaro – Imperio <strong>de</strong> la China. Lisboa, 1731, p. 53<br />

11<br />

Bosmans – Documents relatifs à Ferdinan Verbiest. Bruges, 1912, p.12<br />

6


Consequentemente, será o Padre Matheus Ricci, apeli<strong>da</strong>do <strong>de</strong> “primeiro sinólogo” 12 que<br />

irá explorar esta situação, pedindo e conseguindo junto do Geral <strong>da</strong> Companhia <strong>de</strong> Jesus<br />

“huomini <strong>de</strong> buono ingegno e letterati” 13 “capaz <strong>de</strong> emen<strong>da</strong>r com segurança os erros<br />

<strong>da</strong> Astronomia sínica e granjear para os missionários a autori<strong>da</strong><strong>de</strong> necessária ao seu<br />

ministério <strong>de</strong> mestres <strong>da</strong> Religião” 14 , o que, em alguns momentos, foi conseguido com<br />

êxito, corroborando-se uma vez mais o Europocentrismo <strong>de</strong> imposição.<br />

Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser curioso que“[…] todo o estudo científico exige a ausência <strong>de</strong><br />

tratamento preferencial <strong>de</strong> um ou <strong>de</strong> outro dos termos <strong>da</strong> série escolhi<strong>da</strong> para ser<br />

estu<strong>da</strong><strong>da</strong>. […] Só no estudo do próprio homem é que as mais importantes ciências<br />

sociais substituíram aquele método pelo estudo <strong>de</strong> uma variação local – a civilização<br />

Oci<strong>de</strong>ntal.” 15<br />

O próprio nome China, provavelmente <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> Qín 16 nome <strong>de</strong> um dos reinos que<br />

existiram entre 453 e 222 a.C., localizado na zona montanhosa <strong>de</strong> Shensi, no extremo<br />

NE do mundo chinês <strong>de</strong> então, e que após unificar os seus rivais fundou uma dinastia<br />

imperial homónima. Este nome, era o que era <strong>da</strong>do à China pelos habitantes <strong>da</strong> Ásia<br />

Central, e que se supõe ser a origem do nome sânscrito Cîna (c = tx), e que estará na<br />

origem do malaio e javanês Cina (c = tx) e <strong>de</strong> elementos correspon<strong>de</strong>stes na Índia<br />

mo<strong>de</strong>rna, on<strong>de</strong> o português China terá a sua origem que, por sua vez terá influenciado o<br />

mundo linguístico oci<strong>de</strong>ntal 17 . Daqui po<strong>de</strong>mos observar que a <strong>de</strong>nominação 中国<br />

Zhōngguó (País do Centro), que os chineses atribuem ao seu país, não foi adopta<strong>da</strong> por<br />

nenhuma <strong>da</strong>s línguas oci<strong>de</strong>ntais, per<strong>de</strong>ndo-se, até na <strong>de</strong>nominação China, o conteúdo <strong>da</strong><br />

sua essência. Os milhares <strong>de</strong> ciclos chineses (60 anos ca<strong>da</strong>) tiveram em si a<br />

transformação constante, helicoi<strong>da</strong>l (preconizado segundo o ciclo cosmológico do<br />

Yìjīng), e o progresso auto-regulador, como um “organismo vivo que mu<strong>da</strong> lentamente<br />

<strong>de</strong> equilíbrio, ou como um termostato – vemos que os conceitos <strong>da</strong> cibernética<br />

po<strong>de</strong>riam muito bem ser aplicados a uma civilização que se soube manter numa<br />

trajectória segura, em ca<strong>da</strong> momento, como se estivesse equipa<strong>da</strong> com um piloto<br />

automático, usando uma série <strong>de</strong> «feed-backs», permitindo restabelecer o «statu quo» a<br />

seguir a to<strong>da</strong>s as perturbações” 18 , i.e. Zhì («colocar em or<strong>de</strong>m») 19 . Uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que tinha normas muito estáveis e que tinha como “virtu<strong>de</strong> não se <strong>de</strong>ixar entravar: ela<br />

tem logicamente como condição a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> permanecer, em qualquer ocasião, na<br />

posição central (zhong) que só permite reagir à totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> situação, <strong>de</strong> evitar tanto o<br />

excesso como o <strong>de</strong>feito e <strong>de</strong> promover a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> «fazer acontecer» (cheng) na<br />

12<br />

Atti <strong>de</strong>l IV Congresso Internazionale <strong>de</strong>gli Orientalisti, II, p. 273<br />

13<br />

Venturi, Tacchi, Opere Storiche <strong>de</strong>l P. Matteo Ricci. Macerata, 1913, II, ; carta <strong>de</strong> Pequim <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong><br />

Agosto <strong>de</strong> 1608<br />

14<br />

Rodrigues, Francisco – Jesuítas portugueses astrónomos na China- 1583-1805. Instituto Cultural <strong>de</strong><br />

Macau, 1990<br />

15<br />

Benedict, Ruth – Padrões <strong>de</strong> cultura. Edição «Livros do Brasil». Lisboa, s/d, pp.15 - 16<br />

16<br />

I<strong>de</strong>ograma [955] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press,<br />

1999, p. 172<br />

17<br />

Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís <strong>de</strong> (Dir.) «Dicionário <strong>de</strong> <strong>História</strong> dos<br />

Descobrimentos Portugueses», Círculo <strong>de</strong> Leitores, Lisboa, 1994<br />

18<br />

Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occi<strong>de</strong>nt, Éditions du Seuil, 1973, p.103<br />

19<br />

Cheng, Anne – Lǐ 理 ou la leçon <strong>de</strong>s choses. In «Philosophie – Philosophie Chinoise», Les Éditions <strong>de</strong><br />

Minuit (44) Dec. 1994, p. 55<br />

7


sua integrali<strong>da</strong><strong>de</strong>” 20 . «País do Centro» que “indica a temperança duma civilização em<br />

oposição aos costumes dos «Outros», […],do país on<strong>de</strong> reina a justa mo<strong>de</strong>ração <strong>da</strong><br />

civilização no meio dos bárbaros.” 21 .<br />

Conforme elogia Fernão Men<strong>de</strong>s Pinto: […] Há também outras embarcações em que<br />

vem gran<strong>de</strong> soma <strong>de</strong> mulheres velhas, que servem <strong>de</strong> parteiras e dão mezinhas para<br />

botarem as crianças, e fazerem parir ou não parir. Há outras embarcações em que vem<br />

gran<strong>de</strong> soma <strong>de</strong> amas para criarem enjeitados e outras crianças, pelo tempo que ca<strong>da</strong><br />

um quiser. […] Destas gran<strong>de</strong>zas que se acham em ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s particulares <strong>de</strong>ste império<br />

<strong>da</strong> China, se po<strong>de</strong> bem coligir qual será a gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong>le todo junto, mas para que ela<br />

fique ain<strong>da</strong> mais clara, não <strong>de</strong>ixarei <strong>de</strong> dizer (se o meu testemunho é digno <strong>de</strong> fé) que<br />

nos vinte e um anos que duraram os meus infortúnios, em que por vários aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong><br />

trabalhos que me sucediam, atravessei muita parte <strong>da</strong> Ásia, como nesta minha<br />

peregrinação se po<strong>de</strong> bem ver, em algumas partes vi grandíssimas abundâncias <strong>de</strong><br />

diversíssimos mantimentos que não há nesta nossa Europa, mas em ver<strong>da</strong><strong>de</strong> afirmo que<br />

não digo eu o que há em ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>las, mas nem o que há em to<strong>da</strong>s juntas vem a<br />

comparação com o que há disto na China somente. E a este modo são to<strong>da</strong>s as mais<br />

cousas <strong>de</strong> que a natureza a dotou, assim na salubri<strong>da</strong><strong>de</strong> e temperamento dos ares, como<br />

na polícia, na riqueza, no estado, nos aparatos, e nas gran<strong>de</strong>zas <strong>da</strong>s suas cousas; e<br />

para <strong>da</strong>r lustro a tudo isto, há também nela uma tamanha observância <strong>da</strong> justiça, e um<br />

governo tão igual e tão excelente, que a to<strong>da</strong>s as outras terras po<strong>de</strong> fazer inveja, e a<br />

terra a que faltar esta parte, to<strong>da</strong>s as outras que tiver, por mais alevanta<strong>da</strong>s e<br />

grandiosas que sejam, ficam escuras e sem lustro. 22<br />

Mas se esta visão do Oriente nos parece estranha, observe-se como Zhang Ting-you, no<br />

tempo dos Ming via os portugueses: […] po<strong>de</strong> dizer-se que o objectivo primeiro a vin<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> Fu-lang-chi 23 para a China foi o comércio e que não havia quaisquer más<br />

intenções, pelo menos no princípio. Embora suspeitouso dos seus motivos e, por<br />

conseguinte recusando-lhe o direito <strong>de</strong> pagar tributo (<strong>de</strong> Comércio), o governo Ming<br />

não teve, contudo, nem o po<strong>de</strong>r nem a vonta<strong>de</strong> para fazer cumprir a interdição. O<br />

resultado foi um <strong>de</strong>bate constante e uma confusão sem fim. As gentes <strong>de</strong> Fu-lang-chi<br />

são altas e têm gran<strong>de</strong>s narizes. Os olhos são como os do gato e a forma <strong>da</strong> boca como<br />

a <strong>da</strong> águia. O pelo cresce-lhes até nas costas <strong>da</strong>s mãos e as suas barbas são vermelhas.<br />

Amam o comércio e, apoiados no seu po<strong>de</strong>r militar, têm o hábito <strong>de</strong> invadir e oprimir<br />

os países mais pequenos. Vão a qualquer sitio on<strong>de</strong> haja lucro. O seu país, algumas<br />

vezes referido como reino Kan-la-hsi, produz coisas valiosas como chifres <strong>de</strong><br />

rinoceronte, presas <strong>de</strong> elefante, pérolas e conchas raras. Usam roupas limpas e<br />

bonitas. Os toucados dos ricos são muito elegantes, mas as pessoas vulgares têm que se<br />

satisfazer com um chapéu <strong>de</strong> palha ou <strong>de</strong> bambu. Um homem <strong>de</strong> posição inferior,<br />

quando vê o seu superior, geralmente, afasta-se. Ao principio os <strong>de</strong> Fu-lang-chi eram<br />

<strong>de</strong>votos budistas; somente mais tar<strong>de</strong> mu<strong>da</strong>ram a sua religião para o catolicismo.<br />

Utilizam os <strong>de</strong>dos para indicar a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> dinheiro que tencionam pagar pela<br />

20<br />

Jullien, François – Éloge <strong>de</strong> la fa<strong>de</strong>ur. Éditions Philippe Picquier. 1991, pp. 42-43<br />

21<br />

Ryjik, Kyril – L’idiot chinois. Payot, 1983, pp. 287-288<br />

22<br />

Pinto, Fernão Men<strong>de</strong>s – Peregrinação. Edição coteja<strong>da</strong> com a 1ª edição <strong>de</strong> 1614. Europa-América.<br />

Mem Martins. 1988, Capº. 99<br />

23<br />

Fólángjī (francos) – Durante a dinastia Ming, <strong>de</strong>signa também os portugueses e os espanhóis. -<br />

Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 393<br />

8


mercadoria; não costumam escrever os contratos, mesmo quando as transacções<br />

envolvem milhares <strong>de</strong> taels 24 <strong>de</strong> prata. Sempre que surge uma disputa, as partes<br />

envolvi<strong>da</strong>s apontam para o céu e juram dizer a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Normalmente não se enganam<br />

uns aos outros. Depois <strong>da</strong> conquista <strong>de</strong> Malaca, Pacem 25 e Luzon 26 , nenhum dos outros<br />

países oceânicos ousou <strong>de</strong>safiar a sua autori<strong>da</strong><strong>de</strong>. 27<br />

De facto, a Europa baseia todo o seu pensamento na filosofia greco-romana, on<strong>de</strong> o<br />

princípio <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m <strong>da</strong>s coisas joga um papel fun<strong>da</strong>mental na causa e efeito, on<strong>de</strong> as<br />

relações são pobres no que respeita às referências como um todo. Para o oci<strong>de</strong>ntal a<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong> factual em ca<strong>da</strong> momento é o elemento mais importante. Esta ver<strong>da</strong><strong>de</strong> baseia-se<br />

no conceito <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> cujo conceito etimológico <strong>de</strong>riva <strong>da</strong> palavra real que por sua<br />

vez <strong>de</strong>riva do latim res 28 , objecto, matéria, coisa palpável, isto é, coisa <strong>de</strong>tectável pelos<br />

sentidos. A ver<strong>da</strong><strong>de</strong> torna-se estática, justificável por si própria, e portanto imutável<br />

e/ou <strong>de</strong>finitiva. Assim, o oci<strong>de</strong>nte apenas acredita na existência do que é <strong>de</strong>tectado pelos<br />

sentidos ou pelos instrumentos concebidos pelo seu racionalismo.<br />

Para os chineses, porém, a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong> moral isto é, a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> tem como<br />

base a maneira justa (道 Dào) 29 <strong>de</strong> fazer as coisas, o que faz <strong>de</strong>sabrochar to<strong>da</strong> uma<br />

mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos valores do pensamento chinês como um pensamento cosmológico, que<br />

tem, como referimos, por base encontrar as chaves inteligíveis do mundo, isto é, as<br />

suas leis, as inter-relações <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do lugar e do momento, i.e., <strong>da</strong> circunstância.<br />

De facto, há que “<strong>de</strong>scobrir outros modos <strong>de</strong> inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong>” para além <strong>da</strong> que a<br />

Europa <strong>de</strong>tém 30 . “O pensamento chinês é um pensamento essencialmente relacional.<br />

Para se dizer paisagem, diz-se «montanha e água» [山水] shānshǔi” 31 . Talvez por<br />

isso ao ler-se Confucius ou Chouangzen, “não há a noção <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. O sábio chinês é<br />

autêntico, [ ] zhēnrén, mas é autêntico, não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro. […] portanto, a noção <strong>de</strong><br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é ela própria uma noção particular”. É preferível falar <strong>de</strong> “inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

coerência” 32<br />

Para a China a eficácia <strong>da</strong> acção humana encontra-se na harmonia com o processo<br />

natural: existe uma relação <strong>de</strong> arranjo e a organização que estão inseri<strong>da</strong>s em sistemas<br />

24 “Peso e moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> conta no Extremo Oriente, equivalente à 16ª parte do cati ou a uma onça.«O tael<br />

não tem existência real. Representa um certo peso <strong>de</strong> prata pura que varia conforme as locali<strong>da</strong><strong>de</strong>s».<br />

(Marques Pereira, Ta-ssi- yáng-kuó, Outubro <strong>de</strong> 1899).”. In Dalgado, Sebastião Rodolfo - «Glossário<br />

Luso-Asiático». Asian Educational Services. New Delhi. 1988<br />

25 “Antigo reino do noroeste <strong>da</strong> ilha Samatra ou Sumatra”. In Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lagoa - «Glossário<br />

Toponímico <strong>da</strong> antiga historiografia portuguesa ultramarina». Junta <strong>da</strong> Missões Geográficas e <strong>de</strong><br />

Investigação do Ultramar. Lisboa. 1950<br />

26 “Ilha filipina <strong>de</strong> Lução ou Luzon”. In Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lagoa - «Glossário Toponímico <strong>da</strong> antiga<br />

historiografia portuguesa ultramarina». Junta <strong>da</strong> Missões Geográficas e <strong>de</strong> Investigação do Ultramar.<br />

Lisboa. 1950<br />

27 Zhang Ting-you – 明史-Míng Shǐ (<strong>História</strong> dos Ming)<br />

28<br />

Torrinha, Francisco – Dicionário Latino-Português. Edições Marânus, Porto. 1945<br />

29<br />

Cheng, Anne – Lǐ 理 ou la leçon <strong>de</strong>s choses. In «Philosophie – Philosophie Chinoise», Les Éditions <strong>de</strong><br />

Minuit (44) Dec. 1994, p. 52<br />

30<br />

Julien, François – Le <strong>de</strong>tour d’un Grec par la Chine. In http://www.twics.com/~berlol/foire/<br />

fle98ju.htm, p. 2 (Retirado <strong>da</strong> Web em 27.11.2000)<br />

31<br />

I<strong>de</strong>m, p.3<br />

32 I<strong>de</strong>m, p. 16<br />

9


múltiplos e hierárquicos, orientados e multifacetados que se sobrepõem e se<br />

reorganizam <strong>de</strong> múltiplas formas, mas mantendo-se a respon<strong>de</strong>r a uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

estrutural reveladora <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> or<strong>de</strong>na<strong>da</strong> do universo. Tal vivência po<strong>de</strong>remos chamar<br />

<strong>de</strong> acção do homem no seu ecossistema.<br />

Se, como refere Hofstadter, “o que caracteriza o pensamento é […] uma representação<br />

flexível, intencional, do mundo” 33 , existem, porém, gran<strong>de</strong>s diferenças na estrutura<br />

mental oci<strong>de</strong>ntal e oriental. Na lógica do oci<strong>de</strong>ntal, os elementos são linearmente<br />

concatenados, ao passo que no Oriente a estrutura mental funciona em re<strong>de</strong>, ou melhor,<br />

a sua aprendizagem funciona em espiral, on<strong>de</strong> os fenómenos aparecem como sinais uns<br />

em relação aos outros, a que não será estranha a sua forma <strong>de</strong> representar o pensamento,<br />

i.e., a escrita i<strong>de</strong>ográfica, “que após 4 milhares <strong>de</strong> anos, a sua evolução interna e a sua<br />

evolução gráfica são praticamente imperceptíveis” 34 . Melhor dizendo, o pensador<br />

oci<strong>de</strong>ntal compara-se a um oleiro que trabalha o barro a seu belo prazer, sem quaisquer<br />

tipos <strong>de</strong> limitações, sem se preocupar com o mundo real que o cerca, <strong>da</strong>ndo largas à sua<br />

imaginação criadora, muitas vezes filha exclusivamente <strong>da</strong> sua própria abstracção<br />

teórica limite, i.e., do tempo sem espaço ou, estaticamente, do espaço sem tempo 35 . Em<br />

contraparti<strong>da</strong>, o pensador chinês é como um lapi<strong>da</strong>dor, on<strong>de</strong> os veios naturais do ja<strong>de</strong><br />

são estu<strong>da</strong>dos para encontrar a or<strong>de</strong>m <strong>da</strong> Natureza, o que caracteriza a mentali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

chinesa por um gosto pronunciado por esta or<strong>de</strong>m, on<strong>de</strong> todo o ser <strong>de</strong>ve ser objecto <strong>de</strong><br />

uma estimulação segundo as tendências naturais 36 .<br />

Na<strong>da</strong> po<strong>de</strong> escapar à tría<strong>de</strong> 天地人 tiān dì rén – céu terra homem; “O céu envolve,<br />

contém e alimenta a terra com a sua energia, a qual produz, realiza e transforma.<br />

Produto e testemunho do céu e <strong>da</strong> terra, o homem é formado pelas mesmas substâncias,<br />

regido no interior do seu corpo pelas mesmas leis. A vi<strong>da</strong> não é senão a resultante <strong>da</strong>s<br />

suas mu<strong>da</strong>nças permanentes e inelutáveis. Alimentar-se, respirar, participam <strong>de</strong>sta<br />

fisiologia cósmica” 37 , isto é, o universo fornece as próprias linhas <strong>da</strong> inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, o<br />

sentido e a coerência não advêm do espírito humano em si, mas <strong>da</strong> análise paciente e<br />

perspicaz do mundo envolvente: o “microcosmos” é o espelho do “macrocosmos”.<br />

É curioso como este conceito também existiu na Grécia antiga, com Demócrito (cerca<br />

<strong>de</strong> 460-370 a.C.), uma vez que este “ensinava que o ser humano era um mundo em<br />

miniatura, um microcosmos, que reflectia todo o universo, o macrocosmos. Como um<br />

reflexo do macrocosmos, o microcosmos continha átomos <strong>de</strong> todo o tipo. Assim, até o<br />

pensamento, consciência, sono, doença, e morte podiam ser explicados em termos <strong>da</strong><br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos átomos ou per<strong>da</strong> <strong>de</strong> átomos. Ele interessou-se especialmente pela<br />

natureza <strong>da</strong> respiração porque «pneuma», ou «sopro vital», composto <strong>de</strong> luz, átomosalma<br />

altamente móveis, serviam como o veículo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>” 38<br />

33 Hofstadter, Douglas R. – Gö<strong>de</strong>l, Escher, Bach: Laços Eternos. Gradiva. 2000, p.358<br />

34 Higounet, Charles – L’écriture. Que sai-je? – PUF. 1976, p. 30<br />

35 A institucionalização <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ia no oci<strong>de</strong>nte po<strong>de</strong> <strong>da</strong>r-se como exemplo, a noção <strong>de</strong> ci<strong>da</strong>dão. Ninguém,<br />

até hoje, viu o ci<strong>da</strong>dão, <strong>de</strong> facto há ci<strong>da</strong>dãos, o ci<strong>da</strong>dão A, o ci<strong>da</strong>dão B, mas o ci<strong>da</strong>dão em si não tem<br />

correspondência com o universo sensível.<br />

36 Cheng, Anne – Lǐ 理 ou la leçon <strong>de</strong>s choses. In «Philosophie – Philosophie Chinoise», Les Éditions <strong>de</strong><br />

Minuit (44) Dec. 1994, p. 53<br />

37 Desroches, Jean-Paul – La cigale et le Qi. In Unschuld, Paul U. - «Mé<strong>de</strong>cines Chinoises», Indigène<br />

Éditions, 2001, p.11<br />

38 Magner, Lois N. – A History of the Life Sciences, 2ª ed., Marcel Dekker, Inc., New York, 1996, p. 25<br />

10


Aliás, "organização social e modo <strong>de</strong> pensar, estão intimamente imbricados num<br />

sistema <strong>de</strong> inter-génese, e <strong>de</strong> inter-justificação recíprocas, que formam o cadinho <strong>da</strong>s<br />

i<strong>de</strong>ologias. Na civilização chinesa, mais, talvez, que em qualquer outra, a simbiose<br />

entre pensamento e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, foi leva<strong>da</strong> ao seu nível <strong>de</strong> manifestação mais perfeito.<br />

Assim a referência simbólica à estrutura social, é extremamente frequente, no sistema<br />

conceptual <strong>da</strong> medicina chinesa tradicional. O conhecimento <strong>da</strong>s características<br />

elementares dos sistemas sociais e i<strong>de</strong>ológicos <strong>da</strong> civilização chinesa, e igualmente<br />

importante, para afinar a sua compreensão no estudo <strong>da</strong> medicina chinesa. Isto joga,<br />

com efeito, um papel primordial nos sistemas <strong>de</strong> representação, e as construções<br />

intelectuais, na base <strong>de</strong> numerosos processos <strong>de</strong> abstracção do pensamento chinês. A<br />

redução do conhecimento à única expressão científica, o condicionamento linguistico, e<br />

o mol<strong>de</strong> sócio-i<strong>de</strong>ológico, são os três gran<strong>de</strong>s amortecedores dos «pressupostos<br />

antropológicos ". 39<br />

O Taoísta, aliás, consi<strong>de</strong>rava necessário observar uma via, um 道 (Dào) 40 , o que ele<br />

consi<strong>de</strong>rava ser a “or<strong>de</strong>m <strong>da</strong> natureza”. É como se o taoísmo pressentisse que o<br />

Homem só se conseguia socialmente organizar <strong>de</strong> uma forma correcta, integrado na<br />

natureza. Os ermitas taoístas, retiravam-se <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> humana a fim <strong>de</strong> contemplar a<br />

natureza, tentando compreendê-la através <strong>da</strong> intuição e <strong>da</strong> observação, o que os levou à<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que “todo o movimento po<strong>de</strong> ser exactamente previsto, <strong>da</strong><strong>da</strong>s as leis do<br />

movimento e as condições iniciais em que se encontravam os objectos”. Ora isto não é<br />

senão o princípio do “<strong>de</strong>terminismo causal” <strong>de</strong> “Newton e dos seus her<strong>de</strong>iros através<br />

do Séc. XVIII”. 41 Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> notar a correlação entre isto e o facto <strong>de</strong> ter<br />

sido na China que se iniciaram a química, a astronomia e a anatomia, que po<strong>de</strong>mos<br />

consi<strong>de</strong>rar como os primeiros passos do que veio a ser o “método científico”. Ora,<br />

como refere Hawking: “Tem sido certamente ver<strong>da</strong><strong>de</strong> no passado que aquilo a que<br />

chamamos inteligência e <strong>de</strong>scobertas científicas têm acarretado uma vantagem <strong>de</strong><br />

sobrevivência. Já não é tão claro que isto se mantenha: as nossas <strong>de</strong>scobertas<br />

científicas po<strong>de</strong>m perfeitamente acabar por nos <strong>de</strong>struir a todos” 42 . Por outro lado,<br />

existe a "convicção que o pensamento científico, não é o único método que permite ao<br />

espírito humano um autêntico acesso ao conhecimento real; […] existem, para o<br />

conhecimento, outras vias, diferentes, mas não menos justificáveis, que o método<br />

científico". 43<br />

“Não é por acaso que a China pensa menos [na] lineari<strong>da</strong><strong>de</strong> entre início e fim do que<br />

num retorno circular <strong>da</strong>s Estações, […] porque calmamente, simplesmente, a vi<strong>da</strong> não<br />

39 Ribaute, Alain, “Le barbare cuit, ou comment penser chinois”, “le dificile chemin qui mène <strong>de</strong> la<br />

plume au pinceau, <strong>de</strong> Alpha à Wen”. Revue Française <strong>de</strong> Mé<strong>de</strong>cine Traditionnelle Chinoise. Em<br />

publicação.”<br />

40 “(1) Estra<strong>da</strong>, via, caminho. […] (3) (<strong>de</strong>rivação metafísica na <strong>de</strong>cadência do taoismo) reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

movimento espontâneo do que existe.” – In Ryjik, Kyril – L’idiot chinois. Payot, 1983, p. 320<br />

41 Goswami, Amit – O Universo autoconsciente – como a consciência cria o mundo material. Editora<br />

Rosa dos tempos. Rio <strong>de</strong> Janeiro. 1998, p. 36<br />

42 Hawking, Stephen W. – Uma breve <strong>História</strong> do tempo. Circulo <strong>de</strong> Leitores.1988, p.29<br />

43 Ribaute, Alain, “Le barbare cuit, ou comment penser chinois”, “le dificile chemin qui mène <strong>de</strong> la<br />

plume au pinceau, <strong>de</strong> Alpha à Wen”. Revue Française <strong>de</strong> Mé<strong>de</strong>cine Traditionnelle Chinoise. Em<br />

publicação.<br />

11


para <strong>de</strong> se renovar fazendo-o no <strong>de</strong>saparecimento. Mas sem angústia, porque se sabe<br />

que tudo volta um dia na altura própria. Que a única arte, a única vali<strong>da</strong><strong>de</strong> é <strong>de</strong> tudo<br />

fazer no momento certo. A estação serve <strong>de</strong> facto <strong>de</strong> base. De base à vi<strong>da</strong>, ao<br />

nascimento. O homem <strong>de</strong>ve harmonizar-se com as mutações do Céu e <strong>da</strong> Terra”. 44<br />

Extraído do Daò Dé Jīng po<strong>de</strong>remos referir:<br />

“O Homem tomará portanto mo<strong>de</strong>lo na Terra<br />

A Terra tomará mo<strong>de</strong>lo no Céu<br />

O Céu tomará o mo<strong>de</strong>lo <strong>da</strong> via<br />

A via mo<strong>de</strong>la-se no natural” 45<br />

Ao contrário do oci<strong>de</strong>nte, a "adivinhação" chinesa não procura os presságios, isto é, não<br />

há uma interpretação do homem. O que existe é o <strong>de</strong>cifrar do <strong>de</strong>correr dos<br />

acontecimentos. O seu fim é a explicação do sentido conjuntural escondido dos<br />

elementos procurados e não a i<strong>de</strong>ntificação dos sinais singulares <strong>da</strong> boa ou má sorte 46 . A<br />

corroborar tal facto, po<strong>de</strong>mos referir como um primeiro exemplo <strong>de</strong>ste facto, a<br />

utilização prática dos ritmos bioenergéticos, presentes na confluência dos troncos<br />

celestes e ramos terrestres nos ciclos J ǐazǐ, que os leva a conseguir prever, não só as<br />

tendências <strong>da</strong>s condições climatéricas para ca<strong>da</strong> ano, como ain<strong>da</strong> o pendor patológico<br />

previsível e as fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>s energéticas <strong>de</strong> acordo com estes ciclos. “Não há o absoluto,<br />

uma coisa não existe senão pelas relações que ela <strong>de</strong>tém. A sua existência é a<br />

consequência <strong>da</strong>s suas relações, do mesmo modo que o inverso. Existe aqui uma<br />

ligação dialéctica”. 47 O segundo exemplo faz parte dos cinco clássicos <strong>da</strong> tradição<br />

confuciana, o Yìjīng (o livro <strong>da</strong>s mutações) 48 , que contém 64 hexagramas, ca<strong>da</strong> um<br />

dos quais evi<strong>de</strong>ncia o binómio espaço-temporal, on<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> momento (tempo) e ca<strong>da</strong><br />

posição ( espaço), i<strong>de</strong>ntificam a or<strong>de</strong>m, e ca<strong>da</strong> elemento em concreto. 49 Para a<br />

44<br />

Julien, François – Le «bon moment». In «La recherché» Hors-serie nº 5 Avr 2000, pp. 60-61<br />

45<br />

Dao De Jing – Extracto do Capítulo 25<br />

46<br />

Van<strong>de</strong>rmeersch, Léon – Ecriture et divination en Chine. In «Espaces <strong>de</strong> la lecture», Anne-Marie<br />

Christin (Ed.), Bibliothèque publique d’information du Centre Pompidou, Editions Retz. 1988, pp. 66-67<br />

47<br />

Van Nghi, Nguyen; Bijaoui, André – Les Bases fon<strong>da</strong>mentales <strong>de</strong> l’acupuncture/moxibustion – Zhēn<br />

Jiǔ . Editions Autres Temps. 2000, p.9<br />

48<br />

Como veremos um pouco mais à frente, “se pu<strong>de</strong>rmos supor que as formas mais antigas <strong>da</strong> história no<br />

mundo chinês são como o prolongamento dos arquivos divinatórios em osso e em carapaça <strong>de</strong> tartaruga,<br />

a própria adivinhação <strong>de</strong>senvolveu-se <strong>de</strong> forma autónoma na época dos primeiros reis <strong>de</strong> Zhou.<br />

Paralelamente à adivinhação pelo fogo que subsistirá durante muito tempo por causa do seu carácter<br />

venerável, um novo procedimento por sua vez mais cómodo e mais complexo viu nascer o dia. Consiste<br />

na manipulação <strong>de</strong> leves varas feitas <strong>de</strong> caule <strong>de</strong> aquileia em que os números pares ou impares permitem<br />

construir <strong>de</strong>senhos compostas <strong>de</strong> seis linhas contínuas (números ímpares) ou interrompidos (números<br />

pares. Estes hexagramas num conjunto <strong>de</strong> 64 traduzem e realizam to<strong>da</strong>s as estruturas possíveis do<br />

universo e são dota<strong>da</strong>s duma força dinâmica por causa <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> mutações <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s<br />

linhas, masculinas ( yáng) ou femininas ( yīn), no seu impulso ou no seu <strong>de</strong>clínio. Continuando a<br />

tradição dos adivinhos <strong>da</strong> época dos yīn, os especialistas <strong>da</strong> adivinhação por aquileia (shi) haviam <strong>de</strong><br />

fazer nascer os primeiros elementos duma concepção do mundo, como um conjunto formado por forças e<br />

pelas suas origens opostas e complementares, e contribuíram para os primeiros <strong>de</strong>senvolvimentos <strong>da</strong>s<br />

matemáticas. Os seus reflexos foram, no mundo chinês, a origem <strong>da</strong>s ciências e <strong>da</strong> filosofia”. - Gernet,<br />

Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 83<br />

49<br />

“O significado <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça está ligado ao significado do tempo […], uma ausência <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça é uma<br />

ausência <strong>de</strong> tempo, e o tempo, mais que uma mu<strong>da</strong>nça é <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> mente. A mu<strong>da</strong>nça é o que<br />

12


mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> chinesa a or<strong>de</strong>m zhì e o caos luàn são fun<strong>da</strong>mentais. Em ca<strong>da</strong> momento<br />

<strong>de</strong> um novo pensamento, o livro <strong>da</strong>s mutações torna-se uma fonte renova<strong>da</strong> do<br />

pensamento chinês on<strong>de</strong> existe uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> entre a estrutura (em forma <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m) o<br />

阴 yīn, e a mutação 阳 yáng, já que o caos é consi<strong>de</strong>rado como uma <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, isto é,<br />

uma forma <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m. O 道 Dào aparece como a estruturação do modo na totali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

bem or<strong>de</strong>na<strong>da</strong>, on<strong>de</strong> “ca<strong>da</strong> hexagrama <strong>de</strong>screve assim um aspecto <strong>da</strong> vivência” 50 .<br />

“O corpo humano[…] aparece como que percorrido pelo [ 51 ] Qì, 52 i.e., o sopro.<br />

Etimologicamente falando, este Qì” [parece não estar] “muito longe <strong>da</strong> noção <strong>de</strong><br />

pneuma dos Gregos[…]. A combinação dos i<strong>de</strong>ogramas «vapor» e «alimento» evocam<br />

a fórmula hipocrática:” [ 53 ]- «os humores brotam<br />

do alimento». 54 “A medicina <strong>Chinesa</strong> está basea<strong>da</strong> na ciência <strong>da</strong> compreensão do<br />

processo funcional <strong>da</strong> natureza como ela existe <strong>de</strong>ntro do ser humano” 55 . A O Nèi Jǐng<br />

Su Wen afirma “seguir as leis do yin e do yang significa vi<strong>da</strong>; actuar contrariamente às<br />

leis do yin e do yang significa morte. Seguir estas leis resulta na or<strong>de</strong>m (zhì: ); actuar<br />

contrariamente a elas resulta no caos (luàn: )” 56 . “Quando a doença se instala, ela<br />

leva à <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m e perturba o Qì. O remédio prioritário” levará a colocar o Qì em<br />

equilíbrio <strong>de</strong> forma a favorecer o “«retorno <strong>da</strong> Primavera»” 57 .<br />

acontece actualmente, na actualização <strong>de</strong> uma <strong>da</strong><strong>da</strong> enti<strong>da</strong><strong>de</strong>. O tempo é a emergência <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />

actualizações logo que esteja estabeleci<strong>da</strong> uma sequência <strong>de</strong> fases <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> actualização.” – Brown,<br />

Jason W. – Mind and Nature – Essais on time and subjectivity. Whurr Publishers, London, 2000, p. 11<br />

50<br />

Vinogradoff, Michel – Yì Jīng ou la marche du Destin. Éditions Dervy, Paris, 1996<br />

51<br />

I<strong>de</strong>ograma [485] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press,<br />

1999, p.87<br />

52<br />

O que hoje os neurobiólogos i<strong>de</strong>ntificam como sendo o Biomagnetismo, através <strong>de</strong> magnetómetros<br />

como o SQUID – Superconducting Quantum Interference Device – Oschman, James L. (PhD) – Energy<br />

Medicine – The Scientific Basis. Churchill Livinstone, London, 2000, p.30 e p.80<br />

53<br />

physai ek ton perittomanton<br />

54<br />

Desroches, Jean-Paul – La cigale et le Qi. In Unschuld, Paul U. - «Mé<strong>de</strong>cines Chinoises», Indigène<br />

Éditions, 2001, p.11<br />

55 Jarrett, Lonny S. – Nourishing <strong>de</strong>stiny. Spirit Path Press, Stockbridge, 2000, p.23<br />

56 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m<br />

57 Desroches, Jean-Paul – La cigale et le Qi. In Unschuld, Paul U. - «Mé<strong>de</strong>cines Chinoises», Indigène<br />

Éditions, 2001, p.11<br />

13


Do Homem primitivo à dinastia Shāng-Yīn (até 1027)<br />

14


Quando caminhamos para as origens do tempo, ca<strong>da</strong> povo insere na <strong>História</strong> dos tempos<br />

mais remotos um conjunto <strong>de</strong> elementos pertencentes ao limiar do possível, résteas e<br />

interpretações <strong>de</strong> transmissões consecutivas, cuja mutação conjuntural em na<strong>da</strong> diminui<br />

a estrutura <strong>da</strong> memória social que preten<strong>de</strong> preservar, transformando-se as mais <strong>da</strong>s<br />

vezes em mito, len<strong>da</strong> ou rito. Deste modo <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rá-los válidos nas nossas<br />

observações, não obstante a sua transmissão veicular aparentes fantasias, porque “os<br />

mitos e os ritos oferecem como valor principal a preservação até aos nossos dias, <strong>de</strong><br />

uma forma residual, modos <strong>de</strong> observação, e <strong>de</strong> reflexão que foram (e permanecem sem<br />

dúvi<strong>da</strong>) exactamente a<strong>da</strong>ptados a <strong>de</strong>scobertas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado tipo: aquelas que<br />

autorizavam a natureza, a partir <strong>da</strong> organização e <strong>da</strong> exploração especulativa do<br />

mundo sensível em termos do sensível. Esta ciência do concreto <strong>de</strong>via ser, pela<br />

essência, limita<strong>da</strong> a outros resultados do que os prometidos às ciências exactas e<br />

naturais, mas ela não foi menos científica, e os<br />

seus resultados não foram menos reais.<br />

Assegurados <strong>de</strong>z mil anos antes <strong>da</strong>s outras, ela<br />

são sempre o substracto <strong>da</strong> nossa civilização” 58<br />

É habitual consi<strong>de</strong>rar que alguns testemunhos<br />

ósseos fragmentários pertenceram aos préhominí<strong>de</strong>os<br />

do género Australopithecus, que<br />

existiram há cerca <strong>de</strong> 5 milhões <strong>de</strong> anos na<br />

Terra. Diversos cientistas consi<strong>de</strong>raram que<br />

vestígio humano encontrado em Olduvai<br />

(Tanzânia) terá vivido há cerca <strong>de</strong> 1.500.000<br />

anos, on<strong>de</strong> parecia ter existido a génese <strong>da</strong><br />

fabricação <strong>de</strong> utensílios, o que veio<br />

etimologicamente a nomear os representantes<br />

<strong>de</strong>sta espécie: Homo habilis, não, ain<strong>da</strong> um<br />

Homo sapiens, mas um intermédio entre os<br />

australopitecí<strong>de</strong>os e o primeiro homem. Porém,<br />

Fig.1 - “Homem <strong>de</strong> Pequim”<br />

北京人, c. <strong>de</strong> 500.000,<br />

encontrado em 周口店<br />

Zhōukǒudiàn, em Dezembro <strong>de</strong><br />

1929, conhecido também por<br />

Sinanthropus<br />

coexistindo com o Homo habilis, foi encontrado na China, na província <strong>de</strong> Yúnnán e<br />

mais evoluído, o Homem <strong>de</strong> Yuánmóu, , cuja <strong>da</strong>tação ascen<strong>de</strong> a 1.700.000 anos. A<br />

existência <strong>de</strong> cinzas e <strong>de</strong> ossos carbonizados perto do local on<strong>de</strong> foram <strong>de</strong>senterrados<br />

os <strong>de</strong>ntes do Homem <strong>de</strong> Yuanmou sugere o possível uso do fogo 59 . A esta espécie<br />

encontra<strong>da</strong> na China, cujo representante mais antigo foi encontrado em Java<br />

(chamaram-lhe, inicialmente, Pithecanthropus) foi <strong>da</strong>do o nome <strong>de</strong> Homo erectus, e é<br />

consi<strong>de</strong>rado o primeiro homem. (Entre a maior parte <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> científica, as<br />

características que “podía caminar erguido, era capaz <strong>de</strong> producir y utilizar<br />

instrumentos simples, sabía hacer uso <strong>de</strong>l fuego y conservarlo[…]” 60 , reuniu as<br />

condições fun<strong>da</strong>mentais para garantir estar-se em presença do homem e não <strong>de</strong> um préhominídio).<br />

Para além do encontrado em Yuánmóu, conhecem-se, entre outros <strong>de</strong>sta<br />

espécie, o Homem <strong>de</strong> 蓝田 Lántián, com cerca <strong>de</strong> 800.000 anos, que <strong>de</strong>tém uma<br />

caixa craneana <strong>de</strong> 780 cm 3 contra os 656 cm 3 do Homo habilis, mas com um aspecto<br />

ain<strong>da</strong> primitivo, on<strong>de</strong> se sobressai um crânio espesso com mandíbulas salientes. Mas o<br />

mais conhecido foi <strong>de</strong>scoberto em 周口店 Zhōukǒudiàn,perto <strong>de</strong> Pequim, cujos<br />

58 Levi-Strauss, Clau<strong>de</strong>, La pensée sauvage. Librairie Plon, Paris. 1962, pp. 29-30<br />

59 Cotterell, Arthur – China – uma <strong>História</strong> cultural. Instituto Cultural <strong>de</strong> Macau. Gradiva. 1999, p.26<br />

60 La Historia – Coleccion China. Ediciones e lenguas extrangeras. Beijing. 1984, p. 6<br />

15


exemplares mostraram caixas cranianas entre 850 e 1300 cm 3 . Além <strong>de</strong> fragmentos <strong>de</strong><br />

quartzo talhados também se encontraram, mais uma vez, vestígios do uso do fogo. Com<br />

uma i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> 500.000 anos (ou mesmo 690.000 61 ), ain<strong>da</strong> pertencendo ao Paleolítico<br />

inferior (que termina cerca 50.000 a.C.). Os seus <strong>de</strong>scobridores vieram a chamar-lhe<br />

Sinanthropus ou Homem <strong>de</strong> Pequim 62 北京人, Fig. 1.<br />

A vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>ste homem primitivo<br />

chinês não terá sido diferente <strong>de</strong><br />

outros elementos contemporâneos<br />

em outras partes do globo. A sua<br />

<strong>de</strong>pendência <strong>da</strong> natureza era<br />

fun<strong>da</strong>mental, movendo-se no<br />

acompanhamento <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças<br />

sazonais <strong>de</strong> recursos naturais, para<br />

não falar <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que<br />

viveram na a<strong>da</strong>ptação às glaciações<br />

por que passava (entre as quais se<br />

contam as <strong>de</strong> Günz, Min<strong>de</strong>l, Riss e<br />

Würm), com tempo ora frio e seco,<br />

ora húmido e quente. Tudo indica<br />

que a <strong>de</strong>scoberta do fogo esteja<br />

associa<strong>da</strong> à origem dos primeiros<br />

cui<strong>da</strong>dos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> dos homens préhistóricos.<br />

Nos primeiros tempos a<br />

sua utilização era efectua<strong>da</strong> com o<br />

fogo criado por fenómenos<br />

naturais, transportando-o às suas cavernas e aí tendo o cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong> o preservar.<br />

Posteriormente, apren<strong>de</strong>ram a obtê-lo por fricção.<br />

A activi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>stes povos primitivos foi encontra<strong>da</strong> perto <strong>de</strong> Pequim nas províncias <strong>de</strong><br />

山西 Shānxī, 陕西 Shǎnxī, 何南 Hénán, e Yúnnán, Fig. 2. Os estudos<br />

arqueológicos, como vimos, mostraram que estas cavernas contêm cinzas, restos <strong>de</strong><br />

ossos <strong>de</strong> animais, provavelmente, na sua utilização para a sua alimentação. O fogo,<br />

nestes tempos, terá <strong>da</strong>do luz, calor e protecção contra o frio bem como contra o ataque<br />

<strong>de</strong> animais selvagens ou <strong>de</strong> outros humanos. Os hábitos alimentares <strong>de</strong>stes homens<br />

primitivos verificaram-se através do fogo, com a introdução <strong>da</strong> comi<strong>da</strong> cozinha<strong>da</strong> na<br />

sua dieta. Tal facto levou ao aumento <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> alimentar, diminuindo o tempo do<br />

processo digestivo, para além <strong>de</strong> ter levado o seu corpo a passar a ter uma maior<br />

capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> absorção nutritiva, diminuindo a incidência <strong>de</strong> algumas doenças e<br />

reforçando a sua constituição física. Po<strong>de</strong>mos afirmar que o fogo aumentou a sua<br />

capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se integrar na natureza, paradoxalmente, e expandir a sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

se libertar <strong>de</strong>la.<br />

61<br />

Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999<br />

62<br />

Leroy, Pierre – Petite histoire <strong>de</strong> l’homme <strong>de</strong> Pékin. In “Le Courier” - «Les origins <strong>de</strong> l’homme».<br />

Unesco, (XXV) Ago-Set , 1972<br />

Fig.2 – Estações Paleolíticas chinesas<br />

Paleolítico Inferior (600 000 – 50 000 a.C.)<br />

Paleolítico Médio (50 000 – 25 000 a.C.)<br />

Paleolítico Superior ( 25 000 – 10.000 a.C.)<br />

16


Na investigação leva<strong>da</strong> a cabo acerca <strong>de</strong>stes primeiros habitantes <strong>da</strong> China,<br />

encontraram-se provas <strong>de</strong> que se alimentavam <strong>da</strong> caça e <strong>de</strong> activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s recolectoras, que<br />

já tinham uma comunicação pela fala, talvez em consequência <strong>de</strong> uma activi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

colectiva, <strong>de</strong>senvolvendo-se <strong>de</strong> grupos primitivos a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s em clã, e o sistema <strong>de</strong><br />

casamentos endogâmicos <strong>da</strong>va lugar ao exogâmico interclãs, com o consequente<br />

benefício na constituição física 63 . Mas a sua vi<strong>da</strong> terá sido tão difícil que a sua<br />

esperança <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> não terá ultrapassado os 14 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Há cerca <strong>de</strong> 40.000 anos, durante o Paleolítico médio, surgem nesta região, os primeiros<br />

homens mo<strong>de</strong>rnos, cuja cultura começa a <strong>de</strong>senvolver-se rapi<strong>da</strong>mente, substituindo os<br />

hábitos anteriores, nomea<strong>da</strong>mente nas técnicas <strong>de</strong> caça e pesca, constituindo-se uma<br />

comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> matriarcal . Um dos exemplos a referir acerca <strong>de</strong>sta cultura é o Homem <strong>de</strong><br />

柳江 Liǔjiáng.<br />

Fig.3 – Agulha do Homem <strong>da</strong> gruta superior <strong>de</strong><br />

周口店 Zhōukǒudiàn. (a<strong>da</strong>pt. Shouyi (Dir.), 1988)<br />

A sua expansão alimentar<br />

foi aumentando com o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

utensílios <strong>de</strong> caça e pesca,<br />

<strong>da</strong>ndo o seu salto<br />

qualitativo no início do<br />

Neolítico com a<br />

Revolução Agrícola, on<strong>de</strong><br />

se começaram a produzir cereais e vegetais como se po<strong>de</strong> comprovar pelos achados nas<br />

cavernas dos povos primitivos <strong>da</strong>s províncias <strong>de</strong> 陕西 Shǎnxī e 浙江 Zhèjiāng. O<br />

constante alargamento <strong>da</strong>s fontes <strong>de</strong> alimento e <strong>da</strong> sua varie<strong>da</strong><strong>de</strong> promoveram uma<br />

melhoria <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> primitiva.<br />

Estes povos antigos adquiriram a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> manufactura <strong>de</strong> vestuário, factor que<br />

contribuiu para uma protecção acresci<strong>da</strong> <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>. Numa primeira fase este vestuário<br />

era constituído por peles <strong>de</strong> animais que os protegiam contra o frio. Com o an<strong>da</strong>r dos<br />

tempos, a sua habili<strong>da</strong><strong>de</strong> levou-os a uma diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> enorme <strong>de</strong> instrumentos, entre os<br />

quais se <strong>de</strong>stacam agulhas feitas <strong>de</strong> osso que serviam, entre outros fins, para construir<br />

e reparar re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesca e vestuário.<br />

Diversas culturas se foram<br />

<strong>de</strong>senvolvendo ao longo dos tempos,<br />

mas ain<strong>da</strong> po<strong>de</strong>mos referir a cultura<br />

do Homem <strong>de</strong> 周口店<br />

Zhōukǒudiàn, i.e. perto do<br />

homónimo já referido, mas numa<br />

gruta superior, cujos restos<br />

revelaram que o homem aí<br />

<strong>de</strong>scoberto tinha a constituição do<br />

homem actual – Homo Sapiens, e revelando já os primeiros traços mongóis. A sua<br />

utensilagem revelou o uso do polimento nos objectos trabalhados. Um dos exemplares<br />

63 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999<br />

Fig. 4 – Al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Bànpō (a<strong>da</strong>pt. Cotterell,<br />

1999)<br />

17


encontrado na gruta superior <strong>de</strong> 周口店 Zhōukǒudiàn, perto <strong>de</strong> Pequim, é uma<br />

agulha <strong>de</strong> formato redondo, poli<strong>da</strong>, com a ponta afia<strong>da</strong>, com um pequeno orifício na<br />

extremi<strong>da</strong><strong>de</strong> oposta, medindo 88 mm <strong>de</strong> comprimento por 3.3 mm <strong>de</strong> diâmetro, Fig. 3.<br />

Para se conseguir construir uma agulha com<br />

tais características, o homem primitivo teve<br />

que apren<strong>de</strong>r a trabalhar o osso em<br />

perfeição, sem o qual não seria possível<br />

elaborar o pequeno orifício aberto <strong>de</strong> um dos<br />

lados <strong>da</strong> agulha, o que não permitiria o seu<br />

uso para a confecção <strong>de</strong> vestuário. Este, para<br />

além <strong>de</strong> beneficiar uma protecção <strong>da</strong><br />

saú<strong>de</strong>, começava a colocar em evidência o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma civilização.<br />

De facto, estes povos que <strong>de</strong> uma forma<br />

natural habitavam em cavernas, após uma<br />

vivência em clã, começaram gradualmente a<br />

apren<strong>de</strong>r a construir casas. O<br />

estabelecimento comunal, na socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

matriarcal, levou inicialmente à construção<br />

simples <strong>de</strong> casas, com o correspon<strong>de</strong>nte abandono <strong>da</strong>s respectivas cavernas, como se<br />

po<strong>de</strong> verificar nas províncias <strong>de</strong> Hénán, 陕西 Shǎnxī e Gānsù. Entre estas,<br />

<strong>de</strong>staca-se a al<strong>de</strong>ia, tipicamente matriarcal, <strong>de</strong> Bànpō , Figs. 4 e 5, na província <strong>de</strong><br />

Shǎnxī, com uma área total <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> cinquenta mil metros quadrados, on<strong>de</strong> se<br />

incluem quarteirões, lojas <strong>de</strong> cerâmica, e uma área cultiva<strong>da</strong> comunal. Po<strong>de</strong> ain<strong>da</strong><br />

referir-se a<br />

existência <strong>de</strong> 40<br />

a 50 casas<br />

contíguas, entre<br />

as quais se<br />

<strong>de</strong>staca uma<br />

casa rectangular<br />

<strong>de</strong> maior<br />

tamanho, e se<br />

supõe ter<br />

servido <strong>de</strong> praça<br />

pública para<br />

activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do<br />

clã. A maior<br />

parte <strong>de</strong>stas<br />

casas era<br />

Fig. 5 – Pormenor <strong>de</strong> casa <strong>de</strong><br />

Bànpō (a<strong>da</strong>pt. Shouyi (Dir.), 1988)<br />

Fig. 6 – Exercícios <strong>de</strong> 道引Dàoyǐn, encontrados nas tumbas <strong>de</strong><br />

Mawngdui<br />

arredon<strong>da</strong>do, construí<strong>da</strong> ao nível do solo, com telhados pontiagudos. Na sua evolução<br />

estes povos foram alargando a sua cultura, ao nível artístico e ao nível espiritual,<br />

expresso na pintura, música e <strong>da</strong>nça, bem como no uso <strong>de</strong> ornamentos, o que atesta<br />

também o incremento <strong>da</strong> sua activi<strong>da</strong><strong>de</strong> laboral. De facto, associado às expedições <strong>de</strong><br />

caça, ou outras activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s laborais, estes povos primitivos <strong>da</strong> China, passaram a<br />

espontaneamente celebrarem cerimónias evocativas <strong>de</strong>ssas activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, tendo-se<br />

apercebido que tais actos, lhes conferiam uma restauração <strong>da</strong> fadiga, o relaxamento<br />

muscular, tudo contribuindo para uma melhor saú<strong>de</strong>. Na obra 吕氏春秋 Lushìchūnqiū -<br />

18


Anais <strong>de</strong> Primavera e Outono <strong>de</strong> Lu, conta-se ain<strong>da</strong> que durante os tempos <strong>da</strong>s<br />

inun<strong>da</strong>ções, “o moral do povo era baixo, a energia vital estagnava e os músculos e<br />

ossos contraíam-se. Para curar isto as pessoas tentavam minimizá-lo <strong>da</strong>nçando” 64 , o<br />

que nos leva à <strong>de</strong>scrição viva <strong>de</strong> situações reumáticas e <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça como um dos<br />

remédios. Com estas activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, os antigos chinesas foram <strong>de</strong>senvolvendo o método <strong>de</strong><br />

prevenção <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> conhecido por 道引Dàoyǐn (Fig.6), que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como<br />

a forma mais arcaica <strong>de</strong> exercício terapêutico.<br />

Resumindo, o incremento relativo <strong>de</strong> alimentos, como resultado <strong>de</strong> uma melhor caça e<br />

<strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> cultivo mais <strong>de</strong>senvolvidos, uma capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> para confeccionar<br />

vestuário e construir casas, e o uso do Dàoyǐn, aju<strong>da</strong>ram o homem primitivo a iniciar a<br />

protecção <strong>da</strong> sua saú<strong>de</strong>.<br />

Descoberta <strong>de</strong> plantas e substâncias medicinais<br />

Ain<strong>da</strong> não é totalmente bem conheci<strong>da</strong> a época que, cerca <strong>de</strong> 8000 a.C., fez aparecer<br />

uma economia agrícola ain<strong>da</strong> rudimentar. Porém, não faltam os testemunhos<br />

arqueológicos dos milénios seguintes, através dos vestígios no vale do rio Wèi 谓, actual<br />

Shǎnxī 陕西, e na zona mediana do Rio Amarelo 黄河 Huáng-hé, revelando já uma<br />

agricultura bem <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong><br />

(Setaria Italica e Panicum<br />

miliaceum), a domesticação do<br />

porco e do cão, e talvez já a galinha,<br />

usando utensílios variados tanto em<br />

pedra como em osso. As cerâmicas<br />

ain<strong>da</strong> são bastante grosseiras. Porém,<br />

no Sul <strong>da</strong> China os vestígios mais<br />

antigos têm motivos cor<strong>da</strong>dos. Estes<br />

factos, vêm provar a existência <strong>de</strong><br />

uma tradição o Neolítico anterior a<br />

5000 anos antes <strong>de</strong> Cristo, Fig. 7.<br />

Relativamente épocas posteriores<br />

esta <strong>da</strong>ta, foram até hoje <strong>de</strong>scobertas<br />

diversas culturas distintas umas <strong>da</strong>s<br />

Fig. 7 – Estações Neolíticas chinesas<br />

Neolítico Inferior<br />

Neolítico Superior<br />

outras e reparti<strong>da</strong>s por territórios<br />

diferentes: 1. A cultura 仰<br />

Yǎngshào, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> <strong>de</strong> 5150 a 2690<br />

a.C., que abarca <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Gānsù à<br />

planície central e engloba as regiões meridionais <strong>de</strong> 西 Shānxī, e <strong>de</strong> Hébĕi; 2. A<br />

cultura Dàwēnkǒu, <strong>de</strong> 4746 a 3655 a.C., na península <strong>de</strong> Shāndòng e uma parte <strong>da</strong><br />

bacia do Rio Amarelo 黄河 Huáng-hé; 3. Quatro culturas mais, nos vales do<br />

Yángzǐ, on<strong>de</strong> se distingue a cultura do arroz, nas espécies Oryza sativa japonica e<br />

64 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999, p. 8<br />

19


Oryza sativa indica, que constituem o principal cereal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 5000 a.C.; 4.<br />

Diversas outras culturas mais a sul, mas não tão precoces, no que respeita ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento agrícola. 65<br />

Na sua activi<strong>da</strong><strong>de</strong> recolectora, os povos primitivos, continuando essa activi<strong>da</strong><strong>de</strong> num<br />

período que oscila entre os 10.000-6000 anos a.C., (o que as len<strong>da</strong>s chinesas apeli<strong>da</strong>m<br />

<strong>de</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong> Pastoral) apanhavam e comiam frutas selvagens e sementes, bem como raízes<br />

<strong>de</strong> plantas, <strong>de</strong> forma a aplacar a sua fome. Como resultado <strong>de</strong>sta activi<strong>da</strong><strong>de</strong>, ao contrário<br />

<strong>de</strong> permanecerem <strong>de</strong> boa saú<strong>de</strong>, muitas vezes vomitavam, ficavam <strong>de</strong> diarreia, chegando<br />

ao coma e por vezes à morte, resultado <strong>de</strong> ingerirem plantas venenosas. Estas<br />

experiências funestas foram levando à aprendizagem na i<strong>de</strong>ntificação <strong>da</strong>s plantas e<br />

elementos que lhes eram nefastos, bem como <strong>da</strong>queles alimentos que lhes eram<br />

benéficos para o corpo; para além disto, tudo indica que também iam apren<strong>de</strong>ndo quais<br />

as plantas e substâncias que o os aliviavam dos diversos mal-estares, quando eram<br />

ingeri<strong>da</strong>s. É, pois, possível, que todo este saber tenha sido uma acumulação ao longo<br />

dos anos, numa primeira fase no conhecimento <strong>de</strong> plantas selvagens, tais como o<br />

heléboro (Rhizoma e Radix Veratri - 藜芦 Lí Lú) e o ruibarbo (Radix e Rhizoma Rhei -<br />

大黄 Dà Huáng) e mais tar<strong>de</strong>, como vimos no Neolítico médio, num período que oscila<br />

entre os 6000-3000 anos a.C., o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> Agricultura primitiva, naquilo que<br />

o mundo <strong>da</strong> len<strong>da</strong> apeli<strong>da</strong> <strong>de</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong> Agrícola. “De acordo com a tradição oral, três<br />

imperadores que reinaram do séc. XXIX ao séc. XXVII a.C., estabeleceram as<br />

fun<strong>da</strong>ções <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Chinesa</strong>” 66 . Cronologicamente, 伏羲 Fúxī, “autor <strong>da</strong> doutrina<br />

yin-yang”, Shén Nóng, “o primeiro herbicista”, Huáng-dì, “que escreveu o mais<br />

antigo livro conhecido <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Chinesa</strong>” 67 , Shén Nóng o divino trabalhador, o<br />

imperador lendário passa, também, por ter ensinado a agricultura à China primitiva.<br />

Aliás, até cerca <strong>de</strong> 2207 a.C., consi<strong>de</strong>ram outros historiadores chineses estar-se na época<br />

dita wǔ dì jì - dos cinco imperadores, período lendário em que Shén Nóng terá sido<br />

o segundo monarca 68 . Neste período <strong>de</strong> remota antigui<strong>da</strong><strong>de</strong>, vivendo a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> em<br />

clã, a pouco e pouco foram <strong>de</strong>scobrindo os efeitos medicinais <strong>de</strong> troncos, raízes, folhas,<br />

flores, frutos e sementes, conhecidos pelo nome genérico <strong>de</strong> 本草 Běn Cǎo ou ervas,<br />

aten<strong>de</strong>ndo a que a maior parte <strong>de</strong>stas substâncias medicinais eram ervas. 69<br />

Na província <strong>de</strong> Zhèjiāng, no Oriente chinês, em 1973 70 , encontraram-se restos <strong>de</strong><br />

pevi<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cabaça com pelo menos 6000 anos, o que prova que esta já era cultiva<strong>da</strong><br />

nesta região. Os elementos históricos <strong>de</strong> que se dispõe mostram que esta espécie<br />

vegetal era usa<strong>da</strong> com fins terapêuticos correntes. De facto conhece-se o seu efeito<br />

65 Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, pp.42-43<br />

66 Swerdlow, Joel L. (PhD) – Nature’s Medicine – Plants that heal. Washington, National Geographic<br />

Society, 2000, p. 36<br />

67 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m.<br />

68 I<strong>de</strong>ograma [4317] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press,<br />

1999, p.814<br />

69 Segundo a cronologia tradicional, durante a i<strong>da</strong><strong>de</strong> do bronze, terão existido 3 dinastias: a dos Xia<br />

(2207-1766 a.C.); Shang (1766-1122 a.C.); Zhou (1121-256 a.C.). A maioria dos arqueólogos<br />

consi<strong>de</strong>ram estas <strong>da</strong>tas <strong>de</strong>masiado eleva<strong>da</strong>s, e quanto à existência <strong>da</strong> 1ª dinastia, muitos investigadores<br />

duvi<strong>da</strong>m <strong>da</strong> sua veraci<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma vez que não existem provas científicas anteriores a cerca <strong>de</strong> 1700 a.C.<br />

Cf. c/ Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 45<br />

70 Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues<br />

étragères. Beijing. 1989, p.65<br />

20


diurético bem como na redução do inchaço. A precoci<strong>da</strong><strong>de</strong> do seu emprego medicinal<br />

talvez justifique a antiga palavra xuánhú 71 que se refere à “tabuleta” i<strong>de</strong>ntificadora <strong>da</strong><br />

ven<strong>da</strong> <strong>de</strong> drogas e/ou <strong>de</strong> se exercer MTC, utiliza<strong>da</strong> nos últimos 1000 anos, com uma<br />

cabaça pendura<strong>da</strong> à porta <strong>da</strong>s farmácias ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s clínicas <strong>de</strong> MTC. Na<br />

Hòu Hàn Shū – <strong>História</strong> (dinástica) dos Hàn posteriores (25-220 d.C), redigido por<br />

Fàn Yè 72 , refere-se uma pequena história fantasia<strong>da</strong> acerca <strong>de</strong> um idoso que abriu uma<br />

farmácia numa feira, colocando à porta uma cabaça. Ca<strong>da</strong> vez que a feira fechava, o<br />

farmacêutico saltava para <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> cabaça e <strong>de</strong>saparecia. Esta história fantasiosa terá<br />

<strong>da</strong>do origem à expressão: “Que medicamentos há numa cabaça?” 73 . Aliás, ain<strong>da</strong> hoje<br />

na China, a cabaça é i<strong>de</strong>ntificadora <strong>da</strong> farmácia.<br />

Porém, a alimentação dos povos primitivos incluía a carne o que os levou a conhecerem,<br />

do mesmo modo, outras drogas <strong>de</strong> origem animal. Assim, terão tido conhecimento dos<br />

efeitos terapêuticos <strong>da</strong> gordura animal, sangue, medula óssea, miu<strong>de</strong>zas, no tratamento<br />

<strong>de</strong> doenças.<br />

Numa fase mais avança<strong>da</strong>s <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> primitiva, entra-se na I<strong>da</strong><strong>de</strong> do bronze, on<strong>de</strong>,<br />

para além <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a panóplia <strong>de</strong> instrumentos metálicos, o homem foi conhecendo, do<br />

mesmo modo, qual o efeito dos elementos minerais sobre a sua saú<strong>de</strong>.<br />

Através do exposto, po<strong>de</strong>mos concluir que o <strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong> substâncias medicinais<br />

levou um tempo histórico consi<strong>de</strong>rável, consubstanciado numa len<strong>da</strong> referi<strong>da</strong> no “Livro<br />

do Príncipe <strong>de</strong> HuáiNán 淮南子(Huái Nán Zǐ)” 74 , (talvez escrito há cerca <strong>de</strong> 2000<br />

anos), cuja interpretação representa o conjunto dos Chineses <strong>da</strong> Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong>, que pela<br />

sua longa prática, fizeram nascer a medicina e a farmacopeia chinesas: "Shen Nong<br />

[… 75 ]bebeu alguma centena <strong>de</strong> ervas e as águas <strong>de</strong> numerosas fontes para ensinar às<br />

pessoas o que era comestível e o que não era. Durante as suas investigações, chegava a<br />

ingerir 70 plantas tóxicas num único dia". 76<br />

Origem <strong>de</strong> tratamentos externos, acupunctura e moxibustão<br />

Na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> primitiva, as pessoas não podiam proteger-se convenientemente contra<br />

animais selvagens, a fome e as doenças. A esperança <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> do homem primitivo era<br />

muito baixa <strong>de</strong>vido a numerosas doenças, e a taxa <strong>de</strong> mortali<strong>da</strong><strong>de</strong> ser extremamente<br />

71 Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères.<br />

Beijing. 1989, p.65<br />

72 I<strong>de</strong>ograma [1768] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press,<br />

1999, p.339<br />

73 No Oci<strong>de</strong>nte a expressão “aqui há tudo como na botica (farmácia)” não parece estar muito longe <strong>da</strong><br />

mesma i<strong>de</strong>ia…<br />

74 “[…] compilação filosófica <strong>de</strong> tendência taoísta e sincrética composta sob a direcção <strong>de</strong> Liú Ǎn,<br />

Prícipe <strong>de</strong> Huái-nán (morto em 122 A..C.)” - I<strong>de</strong>ograma [2187] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue<br />

Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.418<br />

75 Provavelmente o já referido e lendário “divino trabalhador”.<br />

76 Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues<br />

étragères. Beijing. 1989, p.7<br />

21


alta, era um fenómeno comum. De facto, o habitat <strong>de</strong>ste homem primitivo inclui<br />

“condições climáticas difíceis influenciam a sua constituição física: <strong>de</strong>sidratação<br />

durante o verão, chuvas abun<strong>da</strong>ntes e frio intenso no inverno, dos quais não consegue<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se no seu «habitat» rudimentar. Além disso, coabitam com ele bactérias e<br />

parasitas, impondo-lhe uma vasta gama <strong>de</strong> doenças contra as quais não sabe lutar” 77 .<br />

Os estudos efectuados sobre a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> do 北京人 Homem <strong>de</strong> Pequim, com 40<br />

esqueletos fossilizados levaram a concluir que mais <strong>de</strong> um terço <strong>da</strong>s pessoas morreram<br />

em i<strong>da</strong><strong>de</strong>s compreendi<strong>da</strong>s entre os 14 e os 15 anos, e apenas: 6% conseguiram viver<br />

entre 50 e os 60 anos <strong>de</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong>. Na província <strong>de</strong> Shāndòng, em Dàwēnkǒu, foram<br />

encontra<strong>da</strong>s mais <strong>de</strong> 10 tumbas <strong>de</strong> crianças, <strong>da</strong>s quais a mais velha morreu com a i<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> 15 anos, sendo a média <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, algumas <strong>da</strong>s quais apenas<br />

tinham alguns meses <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>. As parcas condições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e as epi<strong>de</strong>mias <strong>da</strong>s doenças<br />

causavam a morte prematura <strong>de</strong> muitas crianças. Epi<strong>de</strong>mias, infecções e feri<strong>da</strong>s<br />

ocorriam com frequência, sendo estas últimas as maiores responsáveis pelas causas <strong>da</strong>s<br />

mortes <strong>da</strong> espécie humana, como atestam os achados encontrados na maioria <strong>da</strong>s<br />

escavações arqueológicas.<br />

O homem primitivo foi apren<strong>de</strong>ndo a usar a lama, a escolher <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s folhas e<br />

ervas à medi<strong>da</strong> que ficava envenenado pelos diversos animais, ou com feri<strong>da</strong>s abertas<br />

por animais selvagens, ou até<br />

como resultado <strong>de</strong> lutas<br />

tribais.<br />

Como vimos, o uso do fogo<br />

terá sido uma <strong>de</strong>scoberta com<br />

utilização polivalente, entre<br />

as quais se conta o conforto<br />

do seu calor, mas também o<br />

alívio <strong>da</strong> dor com aplicação<br />

localiza<strong>da</strong> <strong>de</strong> calor. Para este<br />

fim, usavam pedras e areia aqueci<strong>da</strong>s nas zonas dolorosas do corpo, cuja inércia térmica<br />

retinha o calor durante mais tempo, aliviando a dor provoca<strong>da</strong> pela humi<strong>da</strong><strong>de</strong> e pelo<br />

frio. Ao longo dos tempos, as pedras passaram a ser substituí<strong>da</strong>s por compressas, numa<br />

acção progressivamente melhora<strong>da</strong>. O uso <strong>da</strong> moxibustão começou, então, a ser usa<strong>da</strong><br />

com ramos, ervas ou plantas, <strong>de</strong> modo a estimular termicamente <strong>de</strong>terminados pontos<br />

do corpo. O seu uso foi levando, progressivamente, à aprendizagem <strong>de</strong> novas curas e<br />

aplicações. Na obra 素问异法方医论 sù wèn yì fǎ fāng yī lùn, - tratado acerca <strong>de</strong><br />

questões simples sobre diferentes terapias, refere que “as pessoas do Norte que viviam<br />

nas terras altas expostas às condições atmosféricas frias on<strong>de</strong> era hábito comerem a<br />

céu aberto, sofriam <strong>de</strong> distensões abdominais <strong>de</strong>vido ao frio que se arrastava nas<br />

vísceras e intestinos, que podiam ser <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente trata<strong>da</strong>s através <strong>de</strong> moxibustão. Por<br />

isso, a moxibustão é originária do Norte” 78 . Quem fala <strong>de</strong> moxibustão fala <strong>de</strong> artemísia<br />

hāo – artemisia vulgaris; esta na China tem uma longa tradição medicamentosa: o<br />

processo terapêutico dura até aos dias <strong>de</strong> hoje, queimando folhas <strong>da</strong> planta, para<br />

actuarem como há mais <strong>de</strong> 5000 anos se fazia.<br />

77 Sournia, Jean-Charles – <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong>. Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p.11<br />

78 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999, pp. 6-7<br />

Fig.8 – Pormenor <strong>de</strong> um biān shí (a<strong>da</strong>pt. Hoizey,<br />

1988)<br />

22


O uso <strong>da</strong> Acupunctura está directamente correlacionado com a maior habili<strong>da</strong><strong>de</strong> que o<br />

homem primitivo foi adquirindo no fabrico <strong>de</strong> utensílios ora líticos, ora <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira ou<br />

<strong>de</strong> osso. Estes eram fabricados utilizando enxós, machados e facas, que, para além <strong>de</strong><br />

servirem <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> fabricação <strong>de</strong> outros instrumentos, também eram usados para<br />

fins terapêuticos. Não era raro o seu uso para abrir feri<strong>da</strong>s mal cicatriza<strong>da</strong>s a fim <strong>de</strong><br />

expurgar o pus ou para fazer sangrar. Na sua evolução pragmática <strong>de</strong> construção <strong>de</strong><br />

instrumentos, a diversificação dos mesmos foi aumentando <strong>de</strong> acordo com os fins a que<br />

se <strong>de</strong>stinavam. Um dos instrumentos que os arqueólogos chamaram biān shí (agulha<br />

<strong>de</strong> pedra para acupunctura) é uma pedra afia<strong>da</strong> que eles acreditam ter servido como<br />

instrumento terapêutico, Fig. 8. De um lado, por ser afia<strong>da</strong> e ter um perfil semi-circular<br />

e achatado, podia ser utilizado para cortar a pele ou a carne. Do outro lado a sua forma<br />

indicia o seu uso em acupunctura. A zona intermédia tem a forma quadra<strong>da</strong>, facilitando<br />

a sua manipulação. Na província <strong>de</strong> Shāndòng, foram encontrados 2 biān shí <strong>de</strong>ste<br />

tipo mas com a forma cónica, e outro <strong>de</strong> forma oval <strong>de</strong> um lado e pirami<strong>da</strong>l do outro,<br />

encontrado na província <strong>de</strong> Hébĕi.<br />

Como se referiu acima, os instrumentos líticos começaram a ser acompanhados <strong>de</strong><br />

instrumentos <strong>de</strong> osso, tendo-se encontrado agulhas <strong>de</strong> osso gǔ zhēn em varia<strong>da</strong>s<br />

escavações arqueológicas, cujo fim curativo se torna indubitável, uma vez que <strong>de</strong> um<br />

lado encontramos uma ponta aguça<strong>da</strong> <strong>de</strong> forma cónica, ao passo que a outra<br />

extremi<strong>da</strong><strong>de</strong> é cega (sem orifício algum), <strong>de</strong> forma oval. Só mais tardiamente se<br />

<strong>de</strong>senvolveram as agulhas metálicas com base nestas <strong>de</strong> pedra e osso.<br />

23


O uso <strong>de</strong>stes instrumentos, biān shí e gǔ zhēn, não nos aparece <strong>de</strong>scrito como era<br />

executado, porém, através <strong>de</strong> uma len<strong>da</strong> chinesa po<strong>de</strong>remos ter uma i<strong>de</strong>ia mais<br />

objectiva: 羲 Fúxī 79 “provou<br />

ervas e construiu biān[s] <strong>de</strong><br />

pedra <strong>de</strong> forma a curar as<br />

pessoas <strong>da</strong>s doenças” 80 . Os<br />

dicionários <strong>de</strong> caracteres<br />

chineses, indicam,<br />

habitualmente, que “biān<br />

significa a cura <strong>de</strong> doenças<br />

picando com uma pedra“ 81 , <strong>de</strong><br />

facto o i<strong>de</strong>ograma biān, no<br />

“Dicionário Ricci”, é referido<br />

como “1 - agulha <strong>de</strong> pedra para<br />

acupunctura; 2 – picar com uma<br />

agulha <strong>de</strong> pedra” 82 . 皇甫谧<br />

Huángfǔ Mì (215-282 d.C.),<br />

autor <strong>da</strong> obra 针灸甲已经 zhēn<br />

jiǔ jiǎ yǐ jīng – clássico <strong>de</strong><br />

acupunctura e moxibustão 83 ,<br />

primeira obra sistemática <strong>de</strong><br />

acupunctura e moxibustão 84 , diz<br />

que 伏羲 Fúxī criou os<br />

caracteres escritos para substituir<br />

os registos feitos <strong>de</strong> nós,<br />

<strong>de</strong>senhou os oito trigramas <strong>de</strong><br />

modo a explicar a criação <strong>de</strong><br />

to<strong>da</strong>s as coisas do mundo,<br />

afirmando, ain<strong>da</strong>, a tradição que<br />

FúXī terá criado as 9 agulhas (Fig.9) com as quais terá fun<strong>da</strong>do a acupunctura. A len<strong>da</strong><br />

que nos refere esta figura mítica, correspon<strong>de</strong>rá ao espaço e tempo <strong>da</strong> manufactura <strong>de</strong><br />

agulhas <strong>de</strong> pedra em forma <strong>de</strong> sovela, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong>s <strong>de</strong> há cerca <strong>de</strong> 5500- 4000. Mas o maior<br />

esclarecimento acerca <strong>de</strong>stas biān shí, aparece-nos no “primeiro tratado médico<br />

conhecido pela história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> […] o primeiro clássico, bem conhecido <strong>da</strong><br />

79<br />

“[…] personagem lendária tido como o primeiro soberano <strong>da</strong> China e o inventor dos Trigramas;<br />

ensinava ao povo a agricultura, a pesca e a pecuária” - I<strong>de</strong>ograma [1602] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la<br />

Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.306<br />

80<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration<br />

of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p.14 (tradução livre do inglês)<br />

81<br />

I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m<br />

82<br />

I<strong>de</strong>ograma [4032] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press,<br />

1999, p.755<br />

83<br />

Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire <strong>de</strong> Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 257<br />

84<br />

Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues<br />

étragères. Beijing. 1989, pp.103-104<br />

Fig.9 – As 9 agulhas <strong>de</strong> 伏羲 Fúxī<br />

24


<strong>Medicina</strong> Interna” 85 , o Neì Jīng (tratado do interno), cuja autoria se atribui ao<br />

“Imperador Amarelo, o lendário HUÁNG-DÌ [ ] que supostamente terá vivido por<br />

volta do ano 2800 (a.C.)” 86 . Na parte <strong>da</strong> obra acerca <strong>de</strong> “Questões Básicas”, refere que<br />

“as doenças nas terras <strong>de</strong> Leste são to<strong>da</strong>s carbúnculos 87 , pelo que <strong>de</strong>vem ser trata<strong>da</strong>s<br />

com a pedra «bian», que então é originária do Leste. As doenças nas terras do Sul são<br />

espasmos com entorpecimento que <strong>de</strong>vem ser tratados com finas agulhas. Assim as<br />

nove formas <strong>de</strong> agulhas foram <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s no Sul” 88 . Daqui po<strong>de</strong>mos concluir que a<br />

pedra biān foi <strong>de</strong> facto o início <strong>da</strong> Acupunctura na China. A obra ain<strong>da</strong> refere que as<br />

“nove antigas agulhas são: 1. agulhas redon<strong>da</strong>s (o corpo é um cilindro e a ponta tem a<br />

forma oval) usa<strong>da</strong>s para massajem dos pontos <strong>de</strong> acupunctura; 2. agulhas <strong>de</strong> ponta<br />

afia<strong>da</strong> (o corpo é redondo e a ponta é um prisma com três gumes afiados) usa<strong>da</strong>s para<br />

extrair sangue; 3. agulhas redon<strong>da</strong>s e afia<strong>da</strong>s (o corpo é ligeiramente grosso e a ponta<br />

é redon<strong>da</strong> e afia<strong>da</strong>) usa<strong>da</strong>s para puncturas rápi<strong>da</strong>s; 4. agulhas «chān» [ - espalma<strong>da</strong>s]<br />

(a cabeça é gran<strong>de</strong> e larga, mas a ponta é afia<strong>da</strong>, pareci<strong>da</strong> com a ponta <strong>de</strong> uma seta),<br />

boa para penetração superficial no corpo humano; 5. agulhas capilares (o corpo<br />

extremamente fino), largamente usa<strong>da</strong>s para diversos fins; 6. agulhas «dǐ» [ - rombas]<br />

(o corpo é gran<strong>de</strong> e larga, mas a ponta é ligeiramente embota<strong>da</strong>) usa<strong>da</strong> para<br />

pressionar; 7. agulhas espa<strong>da</strong> (o corpo parece-se com uma espa<strong>da</strong> com lâminas <strong>de</strong><br />

ambos os lados) usa<strong>da</strong>s para cortar e libertar pus; 8. agulhas gran<strong>de</strong>s (o corpo é<br />

bastante grosso mas a ponta ligeiramente arredon<strong>da</strong><strong>da</strong>), algumas vezes usa<strong>da</strong>s para<br />

pontos articulares; 9. agulhas compri<strong>da</strong>s (o corpo é o mais comprido <strong>da</strong>s nove, cerca<br />

<strong>de</strong> 20 cm) usa<strong>da</strong>s para punctuar músculos grossos. […] a invenção <strong>de</strong>stas nove agulhas<br />

tornou-se o símbolo do progresso tanto na manipulação como na teoria <strong>da</strong><br />

acupunctura” 89 .<br />

Primórdios <strong>da</strong> activi<strong>da</strong><strong>de</strong> médica e protecção <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong><br />

O período histórico que se iniciou cerca do século XXI a.C., na China, tem sido<br />

consi<strong>de</strong>rado como o início <strong>da</strong> dinastia 夏 Xià que, segundo a tradição teria sido fun<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

por 大禹 Dà yǔ (2207-2198 a.C), se<strong>de</strong>ntariza<strong>da</strong> ao longo do rio Amarelo黄河 Huánghé,<br />

com base económica esclavagista, com produções em pedra, mas também com o<br />

85 Choy, Pedro – Fitoterapia <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> – Generali<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Associação Portuguesa <strong>de</strong><br />

Acupunctura e Disciplinas Associa<strong>da</strong>s (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2000, p.2<br />

86 I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m<br />

87 Manuila, L. et alli – Dicionário Médico. Climepsi Editores.Lisboa, 2000, p. 118 : carbúnculo - Doença<br />

infecciosa contagiosa, comum ao homem e ao gado, <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> a bactéria carbunculosa (Bacillus anthracis),<br />

cujos esporos, muito resistentes, contaminam o solo e diversos produtos <strong>de</strong> origem animal. Distingue-se<br />

uma forma externa, por penetração dos bacilos ao nível <strong>de</strong> uma feri<strong>da</strong> (pústula maligna) e uma forma<br />

interna (carbúnculo gastrintestinal ou carbúnculo pulmonar). O carbúnculo tornou-se numa doença rara<br />

graças às medi<strong>da</strong>s sanitárias que protegem os indivíduos expostos à infecção e graças à vacinação do<br />

gado. O tratamento pelos antibióticos, por vezes associado à seroterapia, reduziu consi<strong>de</strong>ravelmente a<br />

mortali<strong>da</strong><strong>de</strong>. O termo neste contexto, porém, parece significar, genericamente, infecção.<br />

88 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration<br />

of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p.14 (tradução livre do inglês)<br />

89 Jingfeng, Bai – Episo<strong>de</strong>s in Traditional Chinese Medicine. Chinese Literature Press, Beijing, 1998, pp.<br />

26-28<br />

25


início <strong>da</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> do bronze, sendo a sua cultura conheci<strong>da</strong> por uma cerâmica preta.<br />

Durante o séc. XVIII a.C., surge, também ao longo do Rio Amarelo 黄河 Huáng-hé, na<br />

secção Norte <strong>da</strong> actual província <strong>de</strong> 何南 Hénán, uma cultura e uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

apeli<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>de</strong> dinastia Shāng (conheci<strong>da</strong> também por dinastia Y īn , <strong>de</strong>pois do reinado<br />

<strong>de</strong> Pán-gēng, i.e., após a instalação <strong>da</strong> sua capital em Ā nyáng 90 . A sua a área<br />

geográfica <strong>de</strong> actuação era bastante gran<strong>de</strong>, e os seus vestígios revelam uma civilização<br />

já bastante evoluí<strong>da</strong>, <strong>de</strong>tendo todo um conjunto <strong>de</strong> conhecimentos e técnicas, cujos<br />

antece<strong>de</strong>ntes nos são bastante obscuros, aparecendo-nos, <strong>de</strong> uma forma bastante<br />

elabora<strong>da</strong>, a escrita, a fusão do bronze, os carros <strong>de</strong> guerra, as técnicas <strong>de</strong> arquitectura,<br />

as práticas divinitórias, os diversos tipos <strong>de</strong> vasos <strong>de</strong> sacrifício, os motivos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>coração, etc.. A sua cultura baseava-se na agricultura e pastorícia, em que parte <strong>da</strong><br />

população vivia em pequenas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, on<strong>de</strong> o estrato mais elevado <strong>da</strong> nobreza<br />

empregava numerosos artesãos, mas a gran<strong>de</strong> massa <strong>da</strong> população ain<strong>da</strong> vivia como<br />

camponeses em condições às <strong>da</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Pedra. Aliás, esta e a dinastia seguinte<br />

constituem-se o período apeli<strong>da</strong>do por diversos historiadores “a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> dos<br />

escravos”. De facto, este estrato nobre, <strong>de</strong>dicava-se aos sacrifícios humanos e a animais<br />

como o cão, e à guerra. Em diversos lugares aparecem homens <strong>de</strong>capitados ou cabeças<br />

sem corpo, não sendo estranho a esta prática o uso <strong>de</strong> prisioneiros <strong>de</strong> guerra. A sua<br />

activi<strong>da</strong><strong>de</strong> é simultaneamente religiosa, guerreira, política, administrativa e económica.<br />

A linha real é a cabeça duma organização on<strong>de</strong> os chefes <strong>de</strong> linhagens são<br />

simultaneamente chefes do culto familiar que veremos um pouco mais à frente. Esta<br />

dinastia durou até ao século XI a.C. utilizando uma sofistica<strong>da</strong> forma <strong>de</strong> escrita<br />

i<strong>de</strong>ográfica que perdura até aos dias <strong>de</strong> hoje. Gran<strong>de</strong> parte dos i<strong>de</strong>ogramas sobreviveram<br />

até aos nossos dias na sua forma e com o significado que <strong>de</strong>tinham então. Outros,<br />

porém, caíram em <strong>de</strong>suso e na obscuri<strong>da</strong><strong>de</strong>, pelo que se torna difícil ou impossível a sua<br />

compreensão. Esta escrita foi preferencialmente usa<strong>da</strong> em ossos e carapaças <strong>de</strong><br />

tartaruga, os jiǎ gǔ wén, escritos durante o séc. XIII a.C., para serem usados nos<br />

oráculos, o que permitiu um estudo razoável acerca <strong>da</strong> sua cultura. Simultaneamente, as<br />

inscrições em bronze 金文 jīn wén, apareciam, bem como a sua variante zhōng dǐng<br />

wén - inscrições em sinos e vasos rituais. Porém, <strong>de</strong>ve-se a esta época, a criação <strong>de</strong> um<br />

calendário cujos “anos e meses eram representados nas inscrições oraculares em osso<br />

por números cardinais, enquanto que <strong>de</strong>z i<strong>de</strong>ogramas representavam os «troncos<br />

celestes» e outros doze <strong>de</strong>signavam os «ramos terrestres», tendo sido empregues para<br />

nomear os dias dum ciclo sexagesimal.[…] Se bem que o calendário foi sujeito ao<br />

longo dos séculos por numerosas modificações e que o cálculo foi sempre sendo<br />

melhorado em precisão, o ano lunar e os ciclos <strong>de</strong> 60 dias <strong>de</strong>viam permanecer em uso<br />

por mais <strong>de</strong> 3000 anos. O uso <strong>de</strong> um calendário revestia-se <strong>de</strong> uma importância<br />

significativa para o <strong>de</strong>senvolvimento dos anais <strong>da</strong> história” 91 .<br />

90 Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 46<br />

91 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire <strong>de</strong> Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 68. Nota do<br />

autor: <strong>de</strong> origem tipicamente divinatória, viriam a ser, em época mais tardia estu<strong>da</strong>dos <strong>de</strong> uma forma<br />

sistemática e objectiva, vindo a constituir um método ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente científico.<br />

26


Quanto ao comportamento <strong>de</strong>sta dinastia relativamente à saú<strong>de</strong>, temos <strong>de</strong> ter presente o<br />

carácter altamente supersticioso <strong>de</strong>sta cultura e que as informações <strong>de</strong> que se dispõe<br />

visam apenas a vi<strong>da</strong> dos reis e dos elementos a ele mais chegados, não havendo, até ao<br />

momento, qualquer forma <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminar as medi<strong>da</strong>s que<br />

eram toma<strong>da</strong>s pelos estratos<br />

mais baixos <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

Shāng (Fig.10).<br />

Aliás, Oliveira et alii<br />

(1996) 92 , distingue, na<br />

evolução <strong>da</strong> medicina, quatro<br />

fases: “fase mágica, fase<br />

sacerdotal ou religiosa, fase<br />

empírica e fase científica”.<br />

Exemplo <strong>de</strong> medicina <strong>de</strong><br />

carácter mágico encontramos<br />

entre os Impérios Babilónico,<br />

Cal<strong>de</strong>ico-Assírio, no vale do<br />

Eufrates, bem como a<br />

Egípcia, ao passo que a<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> Hebraica era <strong>de</strong><br />

carácter sacerdotal. No<br />

período Védico 93 , a medicina<br />

Indiana era mágica ou<br />

mágico-sacerdotal, e no<br />

período Bramânico 94 , o<br />

Fig.10 – A China dos Primeiros Tempos (a<strong>da</strong>pt.<br />

Cotterell, 1999)<br />

conhecimento médico é maior a nível anatómico, mas sempre submetido à religião 95 .<br />

Sournia (1995) afirma que na Mesopotâmia antiga “a doença é […] vivi<strong>da</strong> como um<br />

castigo ou um pecado: «A impuresa atingiu-me. Julga a minha causa, toma uma<br />

<strong>de</strong>cisão a meu respeito; extirpa do meu corpo a doença má, <strong>de</strong>stroi todo o mal <strong>da</strong><br />

minha carne e dos meus músculos <strong>de</strong>ixar-me hoje, e possa eu ver a luz» (retirado <strong>de</strong><br />

tábuas <strong>de</strong> prognósticos médicos, cerca <strong>de</strong> 2000 a.C.). […] Utilizam-se diversos tipos <strong>de</strong><br />

diagnóstico <strong>de</strong> natureza divinatória: sonhos, voos <strong>de</strong> aves, <strong>da</strong>ta <strong>de</strong> uma cheia, cor e<br />

direcção do fumo sobre uma chaminé, forma <strong>de</strong> uma mancha <strong>de</strong> óleo, etc. A<br />

hepatoscopia, <strong>da</strong>do que o fígado era consi<strong>de</strong>rado o órgão essencial do pensamento e<br />

dos sentimentos, <strong>de</strong>via conhecer o maior sucesso, […] pois este tipo <strong>de</strong> mântica visceral<br />

praticar-se-á mais tar<strong>de</strong> correntemente entre etruscos e os hititas. Estu<strong>da</strong>va-se, assim,<br />

a profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos sulcos do fígado e a configuração dos seus lobos para estabelecer o<br />

prognóstico <strong>da</strong> doença” 96 . Conheci<strong>da</strong> como mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>, a medicina egípcia, tem<br />

Imotep como tendo sido o médico mais conhecido (ano 2800 a.C), <strong>da</strong>do que era<br />

92 Oliveira, L. N. Ferraz <strong>de</strong>; Dória, José Luís – <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong>, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Nova <strong>de</strong> Lisboa,<br />

Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Médicas, Lisboa, 1996, p. 3<br />

93 período dos livros sanscritos ou Ve<strong>da</strong> esten<strong>de</strong>-se até cerca <strong>de</strong> 2500 a.C.<br />

94 período Bramânico cobre o último milénio a.C.<br />

95 Oliveira, L. N. Ferraz <strong>de</strong>; Dória, José Luís – <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong>, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Nova <strong>de</strong> Lisboa,<br />

Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Médicas, Lisboa, 1996, p. 31<br />

96 Sournia, Jean-Charles – <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong>. Instituto Piaget, Lisboa, 1995, pp.24-25<br />

27


primeiro ministro do faraó Djeser, <strong>da</strong> 3ª dinastia menfita, porém, “segundo to<strong>da</strong>s as<br />

probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, a patologia egípcia pouco difere <strong>da</strong> mesopotâmica” (Sournia, 1995) 97 .<br />

Os Shāng já tinham <strong>de</strong>senvolvido a noção <strong>de</strong> doença. A enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong> é <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> aqui<br />

como a primeira experiência, isto é, a percepção subjectiva <strong>de</strong> sensação <strong>de</strong> indisposição<br />

que po<strong>de</strong> ser senti<strong>da</strong>, na alteração do comportamento. A doença, pelo contrário é um<br />

produto socialmente <strong>de</strong>terminado, um conceito reformulado <strong>da</strong> primeira abor<strong>da</strong>gem e<br />

experiência <strong>de</strong> enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Contudo, é possível caracterizar doença como um <strong>de</strong>svio<br />

<strong>de</strong>fini<strong>da</strong>mente claro, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um conjunto específico <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias no que diz respeito às<br />

causas e características e tratamento <strong>da</strong> enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>, tendo como referencial o estado<br />

normal <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> do ser humano. Daqui, algumas manifestações <strong>de</strong> enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m,<br />

em socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s diferentes, ser compreendi<strong>da</strong>s como sendo doenças completamente<br />

diferentes. Os Shāng tinham uma familiari<strong>da</strong><strong>de</strong> com muitos espécies diferentes <strong>de</strong><br />

enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, porém, apenas reconheciam o número limitado <strong>de</strong> doenças. Por exemplo,<br />

dores <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes, e dores na cabeça, balonamento abdominal, e dores nas pernas eram<br />

apenas diferentes sintomas <strong>da</strong> mesma doença.<br />

Como se afirmou mais acima, esta era ain<strong>da</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> em que a superstição<br />

<strong>de</strong>tinha bastante influência. Nela fluía a prepon<strong>de</strong>rância <strong>da</strong> “maldição <strong>de</strong> um<br />

antepassado”; estes dominavam o mundo dos vivos, mas, em contraparti<strong>da</strong>, estavam<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>stes para lhes levarem provisões 98 . Os antepassados <strong>de</strong>sejavam, por<br />

exemplo, que os seus ossos repousassem, na sua tumba, em boas influências <strong>de</strong> fē ng<br />

shǔi (ventos e águas), obtendo a reciproci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> prosperi<strong>da</strong><strong>de</strong> e saú<strong>de</strong> para todos os<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes. 99 Se os vivos falhassem no cumprimento <strong>de</strong>stas obrigações, as reacções<br />

dos antepassados não se faziam esperar. A eles se tentava chegar através <strong>de</strong><br />

intermediários, <strong>da</strong>í a importância <strong>de</strong> se recorrer aos oráculos acerca do tempo, <strong>da</strong> guerra,<br />

pagamento <strong>de</strong> tributos, caça, sonhos, planos <strong>de</strong> viagem, alianças políticas e<br />

enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Com esta mentali<strong>da</strong><strong>de</strong>, muitas doenças tinham a sua força causal na<br />

vonta<strong>de</strong> dos antepassados. O i<strong>de</strong>ograma 疾 jí (enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>) é muito comum nos jiǎ<br />

gǔ wén, perante o oráculo. Nestes textos, jí aparece em conjunção com partes do corpo<br />

humano ou <strong>de</strong> funções corporais; neste “figurava um homem tocado por uma flecha<br />

97 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m<br />

98 Cf. c/ Coulanges, Fustel <strong>de</strong> – La cité antique. Librairie Hachette.s/d. pp. 34-35 : (obra escrita acerca dos<br />

usos, costumes e tradições mais remotas greco-romanas) – “Havia uma troca perpétua <strong>de</strong> bons ofícios<br />

entre os vivos e os mortos <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> família. O antepassado recebia dos seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes a série <strong>de</strong><br />

refeições fúnebres[…]. O <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte recebia do antepassado a aju<strong>da</strong> e a força <strong>de</strong> que tinha<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>. O vivo não podia passar sem o morto , nem o morto sem o vivo. Por este meio uma ligação<br />

potente se estabelecia entre to<strong>da</strong>s as gerações duma mesma família e fazia um corpo eternamente<br />

inseparável. Ca<strong>da</strong> família tinha o seu túmulo, on<strong>de</strong> os seus mortos vinham repousar um ao pé do outro,<br />

sempre juntos. Todos os que tinham o mesmo sangue <strong>de</strong>viam aí estar enterrados e nenhum homem doutra<br />

família po<strong>de</strong>ria ser admitido. Aí se celebravam as cerimónias e os aniversários. Aí ca<strong>da</strong> família<br />

acreditava ver os seus antepassados sagrados. Em tempos muito antigos, o túmulo estava <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong><br />

própria proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> família, no meio <strong>da</strong> habitação, não longe <strong>da</strong> porta, «a fim, diz um ancião, que os<br />

filhos, entrando ou saindo <strong>de</strong> suas mora<strong>da</strong>s, encontrassem <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> vez os seus pais e ca<strong>da</strong> vez lhes<br />

dirigissem uma invocação». Assim, o antepassado permanecia no meio dos seus; invisível, mas sempre<br />

presente, ele continuava a fazer parte <strong>da</strong> família e a ser o pai. Ele imortal, ele feliz, ele divino, ele<br />

interessava-se acerca do que tinha <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> mortal na terra. […] O gerador parecia-lhes um ser<br />

divino, e eles adoravam o seu antepassado […] É necessário que este sentimento tenha sido muito<br />

natural e muito forte, uma vez que ele aparece como princípio duma religião na origem <strong>de</strong> quase to<strong>da</strong>s<br />

as socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s humanas; encontramos nos Chineses […]”.<br />

99 Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of I<strong>de</strong>as. Univerty of California Press, Ltd,<br />

London, 1985, p. 27<br />

28


sofrendo <strong>de</strong> dor” 100 . Das 200.000 inscrições encontra<strong>da</strong>s distinguiram-se 14<br />

combinações diferentes on<strong>de</strong> se incluem i<strong>de</strong>ogramas <strong>de</strong> olhos, cabeça, ouvidos, nariz,<br />

boca, <strong>de</strong>ntes, pescoço, abdómen, pé, calcanhar, bem como voz, urina e parturiente. A<br />

acção dos “espíritos do vento” também eles tinham aqui o seu lugar, falando-se <strong>de</strong><br />

“vento maligno”, juntamente com a “neve”, que constituíam as duas causas mais<br />

comuns <strong>da</strong>s doenças <strong>de</strong> acção místico-mágica, cuja solução passava frequentemente<br />

pelo shī (“shaman”- representante dos mortos) ou pelo wú (feiticeiro). 101<br />

“Mas havia tratamentos na época Shāng. A arqueologia atesta-o.[…] no lugar Shang<br />

<strong>de</strong> Taixi, perto <strong>de</strong> Gaocheng, ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Hubei” 102 foram encontra<strong>da</strong>s cerca <strong>de</strong> trinta<br />

sementes <strong>de</strong> fruta com caroço, entre as quais a 郁李 yù lǐ – Prunus Japonica e táo<br />

– Prunus Persica. Ambas com proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s terapêuticas aprecia<strong>da</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há muito, o<br />

caroço <strong>de</strong> pêssego é mencionado na bibliografia como recomen<strong>da</strong>do“«para matar os<br />

pequenos vermes». Nos dias que hoje, a medicina tradicional emprega-os em<br />

ginecologia” 103 .Quanto ao yù lǐ, o seu caroço lubrifica os intestinos e relaxa-os sendo<br />

empregue na obstipação <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> à <strong>de</strong>sidratação intestinal; do mesmo modo po<strong>de</strong> ser<br />

empregue para promover o metabolismo hídrico 104 .<br />

Durante este período, as pessoas começaram a adquirir alguma compreensão acerca <strong>da</strong>s<br />

doenças. Os nomes <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> vinte tipos <strong>de</strong> doenças, incluindo doenças <strong>da</strong> cabeça,<br />

ouvidos, nariz, <strong>de</strong>ntes, abdómen e pés, e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns pediátricas, ginecológicas, e<br />

obstétricas, foram grava<strong>da</strong>s, como referimos, na mais antiga forma escrita <strong>de</strong>scoberta<br />

<strong>da</strong> China - i<strong>de</strong>ogramas e registados em ossos e carapaças <strong>de</strong> tartaruga. Enquanto gran<strong>de</strong><br />

parte <strong>de</strong>stas doenças foram diferencia<strong>da</strong>s <strong>de</strong> acordo com as diversas partes do corpo<br />

humano, algumas eram referi<strong>da</strong>s <strong>de</strong>pois <strong>da</strong>s características <strong>da</strong>s doenças, tais como<br />

malária, sarna, timpanismo 105 e cáries 106 . Por exemplo, o i<strong>de</strong>ograma para timpanismo<br />

parece-se com lombrigas num recipiente indicando que existem parasitas no<br />

abdómen, e o i<strong>de</strong>ograma para as cáries indica que os orifícios nos <strong>de</strong>ntes são causados<br />

por “vermes”<br />

107 . O registo <strong>da</strong>s cáries <strong>de</strong>ntária nos i<strong>de</strong>ogramas chineses gravados nos<br />

jiǎ gǔ wén, são o registo mais antigo <strong>de</strong>ste tipo na história mundial <strong>da</strong> medicina, 700<br />

- 1000 anos mais cedo que os registos semelhantes em outras socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s antigas<br />

100<br />

Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues<br />

étragères. Beijing. 1989, p.13. Cf. também com: I<strong>de</strong>ograma [404] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue<br />

Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.74<br />

101<br />

Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 52<br />

102<br />

Hoizey, Dominique – Histoire <strong>de</strong> la médicine chinoise. Édition Payot, 1988, p. 29<br />

103<br />

I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m<br />

104<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration<br />

of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p.72<br />

105<br />

Manuila, L. et alli – Dicionário Médico. Climepsi Editores. Lisboa, 2000, p.590 timpanismo, -<br />

Sonori<strong>da</strong><strong>de</strong> particular obti<strong>da</strong> à percussão <strong>de</strong> um órgão distendido por gases, e mais especialmente em caso<br />

<strong>de</strong> distensão do abdómen <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> à presença <strong>de</strong> gás ou <strong>de</strong> ar em quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> excessiva nos intestinos ou na<br />

cavi<strong>da</strong><strong>de</strong> peritoneal.<br />

106<br />

I<strong>de</strong>m, p.119 - cárie <strong>de</strong>ntária - Destruição localiza<strong>da</strong> e progressiva dos <strong>de</strong>ntes. A cárie <strong>de</strong>ntária atinge<br />

em primeiro lugar o esmalte (cárie do primeiro grau), em segui<strong>da</strong> a <strong>de</strong>ntina que é ataca<strong>da</strong> pelas bactérias<br />

(cárie do segundo grau) e po<strong>de</strong> chegar à necrose <strong>da</strong> polpa <strong>de</strong>ntária (cárie do terceiro grau).<br />

107<br />

Note-se que hoje em dia se utilizam dois i<strong>de</strong>ogramas para a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> cárie <strong>de</strong>ntária: yá fēng. O<br />

primeiro i<strong>de</strong>ograma [nº 5616] significa <strong>de</strong>nte; o segundo i<strong>de</strong>ograma [nº 1587] significa loucura,<br />

<strong>de</strong>mência. -- Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p. 1068<br />

e p. 300, respectivamente.<br />

29


encontra<strong>da</strong>s no Egipto, Índia e Grécia. Outras palavras relaciona<strong>da</strong>s com doenças<br />

escritas em i<strong>de</strong>ogramas nos jiǎ gǔ wén dizem respeito a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns fisiológicas. Por<br />

exemplo, “<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns orais afectando a voz” indica doenças <strong>da</strong> boca e faringe com per<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> falar, e “per<strong>da</strong> <strong>da</strong> vista” significa cegueira, zumbidos, insónia, etc.<br />

Particularmente, o registo que “há uma epi<strong>de</strong>mia este ano”, mostra que as pessoas já<br />

compreendiam que havia anos em que <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s doenças prevaleciam. Segundo o<br />

周礼 Zhōulǐ – Rituais dos Zhōu (séc. IV-III a.C) “a dor <strong>de</strong> cabeça aparece mais<br />

frequentemente na primavera, a sarna e outras doenças cutâneas no verão, a malária<br />

no outono e a bronquite no inverno” 108 . Isto mostra que se conhecia a relação estreita<br />

entre as condições climatéricas e o aparecimento <strong>da</strong>s doenças. Comparando as<br />

repetições <strong>da</strong>s condições climatéricas anuais todos os 60 anos, com registos anteriores<br />

<strong>de</strong> epi<strong>de</strong>mias, não terá sido difícil correlacioná-los com o referido calendário J ǐazǐ.<br />

No oci<strong>de</strong>nte, “a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que as doenças são consequência do mau funcionamento dos<br />

órgãos e não <strong>da</strong> intervenção <strong>de</strong> espíritos malignos encontra-se nos tratados <strong>de</strong> Ywti,<br />

que foi médico <strong>de</strong> Ramsés I e <strong>de</strong> Seti II [(primeira meta<strong>de</strong> do séc. XIV a.C.)], ou seja,<br />

oitocentos anos antes <strong>de</strong> Hipócrates a formular” 109 .<br />

Do séc. XX a.C. ao séc. VII a.C., a população chinesa foi apren<strong>de</strong>ndo acerca <strong>de</strong> maior<br />

número <strong>de</strong> doenças. Mais <strong>de</strong> 20 doenças estão regista<strong>da</strong>s em trabalhos antigos, com<br />

nomes constantes baseados nas características <strong>da</strong>s mesmas, por exemplo: papos,<br />

disenteria, peste, hemorrói<strong>da</strong>s, carbúnculos 110 , inchaços, malária, úlceras, sarna, sur<strong>de</strong>z,<br />

mania, massas abdominal, “vento mau”, doenças epidémicas, <strong>de</strong>mência, verrugas, e<br />

fistulas. Isto representa um <strong>de</strong>senvolvimento na taxonomia <strong>da</strong>s doenças <strong>da</strong>s partes do<br />

corpo nas inscrições nos jiǎ gǔ wén.<br />

Não será <strong>de</strong>spropositado aqui referir que, relativamente ao estudo <strong>da</strong> medicina chinesa,<br />

têm existido diversas abor<strong>da</strong>gens, entre as quais a <strong>de</strong> Erwin Ackerkneckt, em 1940,<br />

on<strong>de</strong> os conceitos médicos <strong>de</strong>vem ser compreendidos como integrados em aspectos<br />

culturais, em vez <strong>de</strong> observados como elementos absolutos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes 111 .<br />

Aliás, no que diz respeito, à origem <strong>da</strong> medicina, o estudiosos criaram dois pontos <strong>de</strong><br />

vista completamente diferentes durante bastante tempo. Por um lado, continuam em<br />

discussão permanente acerca dos sistemas místico-mágicos como génese <strong>da</strong> tentativa do<br />

homem combater as doenças. Desta forma se criaram santos, feiticeiros, ou justificações<br />

no instinto animal para este fim. Esta é uma manifestação <strong>de</strong> duas visões do mundo,<br />

diametralmente opostas - o materialismo contra o i<strong>de</strong>alismo, ou dialéctica contra<br />

metafísica. Na fase posterior <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, co-existiram dois conceitos “médicos”<br />

conflituosos e <strong>de</strong> exclusivi<strong>da</strong><strong>de</strong> mútua - ou as pessoas usavam a medicina para tratar as<br />

doenças ou acreditavam na força <strong>da</strong> magia. Este foi um fenómeno histórico universal<br />

que, alguns autores aproveitam para tentar querer fazer acreditar que “o povo Chinês<br />

108<br />

Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues<br />

étragères. Beijing. 1989, p.13.<br />

109<br />

Tubiana, Prof. Maurice – <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> e do pensamento médico. Editorial Teorema, Lisboa,<br />

2000, p.32<br />

110<br />

Vi<strong>de</strong> nota 87<br />

111<br />

Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of I<strong>de</strong>as. Univerty of California Press, Ltd,<br />

London, 1985, p. 3<br />

30


nunca estabeleceu uma separação clara dos mundos do mito [ 112 ]e a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>”,<br />

chegando a reafirmar que “estão tão imbuídos um no outro que dificilmente se po<strong>de</strong><br />

dizer on<strong>de</strong> começa um e acaba o outro” 113 . Não nos encontramos a afirmar se o povo<br />

chinês é ou não, religioso, muito menos se o foi no passado ou não. Há é necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

não se generalizar, à boa maneira Oci<strong>de</strong>ntal, o que no Oriente se foi <strong>de</strong>senvolvendo,<br />

sincrónica e diacronicamente. De facto, há que notar que, a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado<br />

momento, a medicina chinesa <strong>de</strong>senvolveu um processo contínuo <strong>de</strong> <strong>de</strong>puração <strong>da</strong>s<br />

influências i<strong>de</strong>alistas tendo-se norteado este processo segundo os princípios do que<br />

Joseph Needham chamou <strong>de</strong> “materialismo orgânico” 114 , formando gradualmente seu<br />

próprio sistema teórico global.<br />

112 Quanto à sua importância vi<strong>de</strong> nota 58<br />

113 Chinese Gods and Myths – Grange Books, Rochester, 1998, p. 7<br />

114 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occi<strong>de</strong>nt, Éditions du Seuil, 1973, p.14<br />

31


Desenvolvimento <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> e Farmacopeia <strong>Chinesa</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a dinastia<br />

Zhōu época dos S ā n Guó(três reinos) (1027 a.C – 265 d.C.)<br />

32


Foi numa ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> nome Zhōu, estabeleci<strong>da</strong> em 陕西 Shǎnxī, que foi posto termo à<br />

dinastia dos - Shāng-Yīn. Tal mutação parece ter acontecido cerca <strong>de</strong> 1050 ou 1025<br />

a.C. Esta ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, exterior ao domínio Shāng, encontrava-se em contacto e com relações<br />

com as populações bárbaras <strong>da</strong>s Regiões oci<strong>de</strong>ntais, on<strong>de</strong> foi tirado partido <strong>da</strong> utilização<br />

do cavalo. Os Zhōu, <strong>de</strong> costumes mais guerreiros que a Dinastia anterior, parecem ter<br />

feito um maior uso do carro <strong>de</strong> guerra e ter inventado um novo tipo <strong>de</strong> atrelagem com<br />

quatro cavalos na frente.<br />

Conduzidos por aquele que a história posterior será conhecido sobre o nome <strong>de</strong> rei<br />

Wén, a população <strong>de</strong> Zhōu, marchou sobre Hénán no momento em que o último<br />

soberano <strong>da</strong> Dinastia anterior se encontrava ocupado com uma guerra contra os bárbaros<br />

<strong>de</strong> Huai dão curso ao avanço vitorioso dos Zhōu, o rei Wén morre em combate e o rei<br />

Wǔ suce<strong>de</strong>-lhe. Os Yīn são <strong>de</strong>finitivamente vencidos na batalha <strong>de</strong> Mùyĕ.<br />

Tudo indica que este período do início do séc. X a.C. se caracterize por um início<br />

expansionista, com a respectiva colonização, tendo-se atingido a actual B ĕ ijíng –<br />

Pequim. A socie<strong>da</strong><strong>de</strong> nobre do séc XI ao séc VII a.C., encontra-se na continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

estrutura <strong>da</strong> dinastia Shāng, sendo a agricultura bafeja<strong>da</strong> pelo progresso dos sistemas <strong>de</strong><br />

irrigação. Uma vez mais a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> encontra-se enraiza<strong>da</strong> nos domínios e nos cultos<br />

familiares hierarquicamente organiza<strong>da</strong>, tendo no topo o domínio real e o culto dos<br />

antepassados dos Zhōu. O rei <strong>de</strong>tém o título <strong>de</strong> tiānzǐ – “filho do Céu”, sendo<br />

suposto ter o fardo do shàngdì – “Senhor do alto”, ao qual é o único a ter o direito <strong>de</strong><br />

sacrificar. A sua capital é Zhōuzōng, centro cultural <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s Zhōu, local on<strong>de</strong> se encontra o templo dos reis <strong>de</strong>funtos. O po<strong>de</strong>r é <strong>de</strong>tido em<br />

ca<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> por famílias, cujo valor <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do número <strong>de</strong> carros <strong>de</strong> guerra, privilégios<br />

religiosos, antigui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s suas tradições, e proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> na ligação à casa real, posse<br />

<strong>de</strong> emblemas e <strong>de</strong> tesouros, etc. A meio do séc. X a.C., o rei Mù, impôs a inscrição<br />

nos vasos <strong>de</strong> bronze que serviam ao culto ancestral o processo verbal <strong>da</strong>s cerimónias <strong>de</strong><br />

investidura ou <strong>de</strong> doação, a fim <strong>de</strong> perpetuar (e porque não controlar) a lembrança dos<br />

direitos adquiridos. Os seus po<strong>de</strong>res territoriais <strong>de</strong>tinham um fē ng – limite; a coesão<br />

interna é assegura<strong>da</strong> pela or<strong>de</strong>m dos cultos familiares, mas com ramos principais e<br />

ramos secundários, numa complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> bastante superior ao do tempo dos Shāng. Os<br />

cargos e privilégios conferidos pelo rei eram em princípio revogados, mas o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento dos principados e o reforço <strong>da</strong>s famílias gran<strong>de</strong>s dignatárias<br />

preten<strong>de</strong>ram torná-los cargos hereditários, criando um estado menos centralizado. Os<br />

acontecimentos precipitaram-se, na primeira meta<strong>de</strong> do séc. VII a.C., pelos ataques <strong>da</strong>s<br />

populações <strong>de</strong> 陕西 Shǎnxī e a redução do domínio real. O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>stes<br />

principados criou uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> nova, com novos usos e costumes, com a diminuição<br />

do po<strong>de</strong>r real, aumentando-se uma nobreza ávi<strong>da</strong> <strong>de</strong> prerrogativas e atenta às questões<br />

<strong>de</strong> protocolo, um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> nobreza guerreira, uma moral <strong>de</strong> honra e prestígio. Tal estado<br />

sócio-político-religioso, iria diminuir consi<strong>de</strong>ravelmente o sistema <strong>de</strong> hierarquias<br />

culturais e <strong>de</strong> ritos que asseguravam a coesão <strong>da</strong> proeminência à linhagem real, com<br />

to<strong>da</strong> a panóplia <strong>de</strong> consequências associa<strong>da</strong>s. 115<br />

115 Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, pp. 53-60<br />

33


Na época Chūnqiū 116 , <strong>de</strong>senhou-se uma oposição entre as antigas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong><br />

planície Central, cujas linhas principescas remontavam à fun<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> Zhōu – os<br />

«principados do Centro»,中国 Zhōngguó, termo que, tal como foi explicado na<br />

Introdução, mais tar<strong>de</strong><br />

será aplicado ao que nós<br />

apeli<strong>da</strong>mos <strong>de</strong> China – e<br />

as ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s periféricas que<br />

começavam a formar<br />

uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s políticas mais<br />

alarga<strong>da</strong>s e po<strong>de</strong>rosas.<br />

Entre eles encontramos<br />

Jìn, no vale do rio Fén,<br />

em 西 Shānxī; Qí, a<br />

NW <strong>de</strong> Shāndòng, país<br />

enriquecido pelo comércio<br />

do sal, peixe, se<strong>da</strong> e<br />

metais; Chǔ, na região<br />

<strong>de</strong> Yángzǐ e os vales<br />

<strong>de</strong> Húbĕi. As alianças<br />

não se farão esperar, com<br />

a hegemonia dos Qí <strong>de</strong><br />

Shāndòng , dos Qín <strong>de</strong><br />

陕西 Shǎnxī, e os Jìn,<br />

<strong>de</strong> 西 Shānxī, num<br />

aumento progressivo <strong>da</strong>s<br />

suas oposições, tendo<br />

passado para plano<br />

secundário as tradições<br />

comuns e o mesmo tipo <strong>de</strong><br />

cultura. Será esta luta<br />

Fig. 11 – Os reinos combatentes (482-221 a.C.) (a<strong>da</strong>pt.<br />

Cotterell, 1999)<br />

crescentemente agressiva entre os 七雄 qī xióng – sete potências que vai caracterizar o<br />

período <strong>de</strong> guerras <strong>da</strong> época dos zhànguó - Reinos Combatentes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o séc. V-III<br />

a.C (Fig.11). Eles irão anunciar as transformações que se irão seguir: a concentração do<br />

po<strong>de</strong>r nas mãos <strong>de</strong> um só, e a formação do Estado centralizado, em 221 a.C. Mas esse<br />

período será uma época <strong>de</strong> profun<strong>da</strong>s modificações na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, nos usos e<br />

costumes. 117 Esta situação caótica era exacerba<strong>da</strong> por casos <strong>de</strong> parricídios, uxoricídios e<br />

fratricídio, perpetrados nas famílias com o po<strong>de</strong>r, revelando uma quebra moral <strong>da</strong><br />

116 Chunqiu. Obra elabora<strong>da</strong> ao longo <strong>de</strong> séculos, parece ter tomado a sequência dos arquivos<br />

divinatórios <strong>da</strong> época <strong>de</strong> Ā nyáng e teve por objecto a constituição duma ciência dos prece<strong>de</strong>ntes<br />

diplomáticos e religiosos, astronómicos e naturais. Os anais mais antigos parece remontarem ao séc. XI<br />

a.C.. Os “Anais <strong>de</strong> Outono e Primavera <strong>de</strong> Lu”, ain<strong>da</strong> mantém originais, cujas <strong>da</strong>tas <strong>de</strong> elaboração se<br />

encontram entre 722 – 481 a.C. - Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, pp. 82-<br />

83. De facto esta época, que trata a homónima Crónica “Primavera e Outono”(722-481 a.C.), extraído<br />

dos arquivos oficiais do Ducado <strong>de</strong> Lu, é apresentado com um fundo moral, incluindo julgamentos<br />

críticos atribuídos a Confúcio. I<strong>de</strong>ograma [1258] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut<br />

Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.234<br />

117 Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 61<br />

34


socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Porém, esta dinastia viu <strong>de</strong>senvolver-se novas tecnologias, a produção do<br />

ferro e do sal, com um incremento <strong>da</strong> economia monetária, e uma maior mobili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

popular. Serão os Qín (Fig.12) que irão sobrepor-se aos outros estados, na <strong>da</strong>ta já<br />

referi<strong>da</strong>. Para tal, uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> actuação foi pratica<strong>da</strong> na arte <strong>da</strong> guerra, não<br />

importava mais a obediência aos princípios antigos, apenas o sucesso era importante, e<br />

uns atrás dos outros, os reinos caíram sob a sua dominação. 118 O seu 王政 wáng [rei]<br />

Zhèng, em 221 a.C., no 26º ano do seu reinado, após ter unificado a China, tomando o<br />

título <strong>de</strong> 始 Shǐ Huáng -Primeiro Imperador, passou a chamar-se 始 Shǐ Huáng-dì.<br />

Fig.12 – Os Impérios Qín (221-207 a.C.) e X ī Hàn (Oci<strong>de</strong>ntais – 206a.C. – 9<br />

d.C.) (a<strong>da</strong>pt. Cotterell, 1999)<br />

Não obstante a unificação do império ter levado à <strong>de</strong>struição dos outros estados, os<br />

conselheiros Shǐ Huáng-dì, levaram-no a utilizar um programa <strong>de</strong> reformas bastante<br />

profun<strong>da</strong>s, cuja posta em prática necessitou <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> forma<br />

a tentar eliminar todos os vestígios dos paticularismos do período “feu<strong>da</strong>l”, o que levou<br />

a uma série <strong>de</strong> acções bastante radicais: os propritários <strong>da</strong>s terras ficaram sem elas,<br />

tendo as suas administrações cabido a oficiais superiores; a nobreza passou a ser<br />

obriga<strong>da</strong> a viver na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>; houve uma reorganização administrativa e militar completa;<br />

<strong>de</strong>u-se uma normalização cultural na escrita; <strong>da</strong> mesma forma foram normalizados os<br />

pesos e medi<strong>da</strong>s, incluindo a largura <strong>da</strong>s estra<strong>da</strong>s, o que permitiu uma integração<br />

económica dos diversos particularismos regionais; recolha e <strong>de</strong>struição pelo fogo <strong>de</strong><br />

to<strong>da</strong>s as obras escritas, excepto as liga<strong>da</strong>s a tratamentos médicos, drogas, oraclos,<br />

agricultura e florestas. Tais medi<strong>da</strong>s talvez tenham tido o objectivo acrescido <strong>de</strong> na<strong>da</strong> se<br />

opor à nova acção governativa.<br />

118 Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of I<strong>de</strong>as. Univerty of California Press, Ltd,<br />

London, 1985, p. 31<br />

35


Onze anos após a criação do império, Shǐ Huáng-dì morre sem que os seus dois<br />

sucessores tivessem conseguido opor-se à acção dos antigos elementos vencidos, tendo<br />

os nobres por um lado e pelo outro os trabalhadores rurais do império. A guerra civil<br />

instala-se mas, em<br />

202 a.C., um<br />

simples polícia<br />

citadino, Liú<br />

Bāng, vence a<br />

facção <strong>da</strong> nobreza.<br />

Será ele que sob o<br />

nome <strong>de</strong> G ā o-Zǔ<br />

ou G ā o-dì irá<br />

fun<strong>da</strong>r a dinastia<br />

dos Qián Hàn<br />

(anteriores) ou X ī<br />

Hàn (Oci<strong>de</strong>ntais),<br />

que perdurará até ao<br />

ano 9 a.C. Este<br />

período foi, pela<br />

primeira vez na<br />

história <strong>da</strong> China,<br />

um período <strong>de</strong> paz e<br />

estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> interna.<br />

Dos imperadores<br />

<strong>de</strong>sta dinastia, o que<br />

viveu entre 141-87<br />

a.C., o imperador<br />

W ǔ -dì, <strong>de</strong>senvolveu<br />

um sistema político<br />

que permaneceu a<br />

característica <strong>da</strong><br />

China durante os<br />

subsequentes 2000<br />

anos. 119 Aliás, entre<br />

Fig.13 – época dos S ā n Guó(três reinos): Wei (220-265);<br />

Shu (221-263); Wu (222-280) (a<strong>da</strong>pt. Cotterell, 1999)<br />

muitas outras iniciativas estruturais, por sugestão <strong>de</strong> Dong Zhongshu, Wǔ-dì, em 136<br />

a.C., proclamou o confucionismo doutrina oficial do estado. 120 Do ano 9 a 23 d.C.,<br />

parte <strong>da</strong> China será governa<strong>da</strong> por 王莽 Wang Mang que, não obstante a usurpação do<br />

trono que cometeu, criando a dinastia 薪 Xin, tentou “limitar a riqueza <strong>da</strong>s famílias<br />

po<strong>de</strong>rosas […] e aliviar a miséria dos camponeses-agricultores” 121 . A resistência a<br />

reformas e as rebeliões motiva<strong>da</strong>s por fomes na sequência do rebentamento dos diques<br />

do rio Amarelo, levaram à sua <strong>de</strong>posição e morte. Em 25 d.C., dá-se em Luoyang a<br />

entronização <strong>de</strong> Guangwudi, membro do clã imperial Hàn, criando a dinastia Hoù<br />

Hàn (25-220d.C.), mas cujo lugar se <strong>de</strong>veu ao apoio <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s latifundiários, com a<br />

119<br />

Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of I<strong>de</strong>as. Univerty of California Press, Ltd,<br />

London, 1985, p. 33<br />

120<br />

Cotterell, Arthur – China – uma <strong>História</strong> cultural. Instituto Cultural <strong>de</strong> Macau. Gradiva. 1999, p.116<br />

121<br />

Cotterell, Arthur – China – uma <strong>História</strong> cultural. Instituto Cultural <strong>de</strong> Macau. Gradiva. 1999, p.127<br />

36


esultante fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. As lutas com os povos do Norte, os Xiōngnú<br />

(populações <strong>de</strong> origem paléo-siberiana que ocupavam a Mongólia 122 ), continuaram sem<br />

progressos, <strong>de</strong>sgastando o Império. Des<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 107 até 184, as revoltas e tumultos<br />

virão a ser uma constante que irá <strong>de</strong>saguar numa gran<strong>de</strong> revolta dos “turbantes<br />

amarelos”, em 184. Mesmo vencidos, a sua acção levará, junto com a prepotência do<br />

imperador Xiandi, a que um senhor <strong>da</strong> guerra, Cao Cao o substitua, <strong>da</strong>ndo lugar à época<br />

dos S ā n Guó(três reinos): Wei (220-265); Shu (221-263); Wu (222-280) (Fig.13)<br />

Início <strong>da</strong> compreensão <strong>da</strong>s doenças<br />

A compreensão <strong>da</strong>s doenças inclui, também, um entendimento acerca <strong>da</strong>s suas causas,<br />

levando à progressiva diminuição na crença <strong>da</strong> influência <strong>de</strong> espíritos <strong>de</strong>moníacos e <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>uses, <strong>de</strong> feiticeiros e superstições como causadores <strong>de</strong> doenças, ao longo <strong>de</strong>ste vasto<br />

período <strong>de</strong> tempo. Com base em trabalhos mais antigos não médicos, tais como<br />

吕氏春秋 Lushìchūnqiū - Anais <strong>de</strong> Primavera e Outono <strong>de</strong> Lu 123 , 周礼 Zhōulǐ –<br />

Rituais dos Zhōu (séc. IV-III a.C), 礼记 lǐjì - Memórias dos Ritos (séc. IV-III a.C),<br />

G ō ngyáng zhuàn - A interpretação <strong>de</strong> Zuo dos anais <strong>de</strong> Outono e Primavera” 124 e, po<strong>de</strong><br />

observar-se que, em ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>sses momentos, já se conhecia que as causas <strong>da</strong>s<br />

doenças se encontravam estreitamente liga<strong>da</strong>s à comi<strong>da</strong>, clima, ecossistema envolvente,<br />

factores mentais, mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong>s estações e do clima e a especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s<br />

regiões. Da mesma forma se observou que variações climáticas anormais podiam ser<br />

acompanha<strong>da</strong>s <strong>de</strong> epi<strong>de</strong>mias, e que as doenças epidémicas eram infecciosas.<br />

A farmácia e <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>, no seu longo curso evolutivo, viu emergir<br />

profissionais que se distinguiram pela sua acção no seu tempo. No séc. VI a.C., a<br />

maioria dos povos, no mundo inteiro ain<strong>da</strong> acreditava, como vimos, que as doenças<br />

eram <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>s a espíritos malignos, surge o médico famoso 医 Yī Hé 125 do reino Qín,<br />

<strong>da</strong> era <strong>da</strong> “Primavera e Outono”. Segundo os registos históricos, quando fez o<br />

diagnóstico do marquês do reino <strong>de</strong> Jìn, afirmou que as doenças não eram causa<strong>da</strong>s<br />

por espíritos ou <strong>de</strong>uses, mas por anormali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> seis tipos <strong>de</strong> factores 126 . Este médico<br />

<strong>de</strong>senvolve um conceito objectivo <strong>de</strong> patogénese, on<strong>de</strong> a doença é <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> ao<br />

<strong>de</strong>sequilíbrio dos 6 factores: 阴yīn, 阳 yáng, fēng (vento), 雨 yǔ (chuva), 夜 yè<br />

(noite), 日 rī (dia). Referiu que o cansaço <strong>de</strong>masiado, a variação climática <strong>da</strong>s 4<br />

122<br />

I<strong>de</strong>ograma [2042] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press,<br />

1999, p.392<br />

123<br />

vi<strong>de</strong> referência 116<br />

124<br />

Comentário aos anais anteriores, elaborados no séc. IV-III a.C., por Gong- yáng Gao*, mas on<strong>de</strong> se<br />

incluem outros textos mais substanciais, escritos numa época <strong>de</strong> <strong>de</strong>clínio. Agarrando-se às tradições mais<br />

antigas, reconhece-lhes a influência <strong>da</strong>s teorias e <strong>da</strong>s concepções morais <strong>da</strong> época. Deste modo, incluemse<br />

as teorias classificadoras dos especialistas do yīn e do yáng e dos cinco movimentos. - Gernet,<br />

Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 84. (* Vi<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ograma [2871] do Dictionaire<br />

Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.551)<br />

125<br />

Elementos referidos no Prefácio <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> Huangfu Mi – 针灸甲已经 zhēn jiǔ jiǎ yǐ jīng - A-B<br />

Classico <strong>de</strong> Acupunctura e Moxibustão, elaborado entre 215-282 <strong>da</strong> nossa Era<br />

126<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.485<br />

37


estações, os cinco períodos do ano, e os 6 factores constituíam a maior causa <strong>da</strong>s<br />

doenças. Não obstante po<strong>de</strong>rmos consi<strong>de</strong>rar <strong>de</strong>masiado ingénuas e simplistas, estas<br />

teorias não só tiveram uma gran<strong>de</strong> influência no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> etiologia em<br />

tempos mais tardios mas, <strong>de</strong> igual modo, mostraram que se começava a abandonar a<br />

crença em que as doenças eram causa<strong>da</strong>s por espíritos.<br />

No século seguinte, na época dos zhànguó - Reinos Combatentes (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o séc. V-III<br />

a.C.), surge 秦越人 Qín Yuèrèn, nascido na zona <strong>de</strong> Hébĕi, mais tar<strong>de</strong> conhecido por<br />

Biǎn Què. O seu gosto pela medicina fê-lo envere<strong>da</strong>r por este ramo do saber, ligandose<br />

a um médico que lhe transmitiu tudo quanto conhecia. Porém Biǎn Què, cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />

anos mais tar<strong>de</strong>, ultrapassava o seu mestre, tornando-se um virtuoso nesta matéria.<br />

Opondo-se tenazmente às superstições que, como vimos, grassavam pelo mundo<br />

terapêutico <strong>de</strong> então. Na época dos 吕氏春秋 Lushìchūnqiū - Anais <strong>de</strong> Primavera e<br />

Outono <strong>de</strong> Lu, apesar duma melhoria <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e dum enriquecimento dos<br />

conhecimentos, a feitiçaria e a superstição continuavam a exercer uma gran<strong>de</strong> influência<br />

na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e a entravar os progressos <strong>da</strong> medicina. Neste sentido, Biǎn Què iniciou<br />

uma luta renhi<strong>da</strong> contra esta situação. Para tanto, propôs os seus seis princípios <strong>de</strong><br />

tratamento médico e aconselhava aos seus pacientes para <strong>de</strong>sconfiar <strong>da</strong> feitiçaria.<br />

Segundo ele, aqueles que acreditavam no po<strong>de</strong>r <strong>da</strong> magia dos feiticeiros e não na<br />

medicina teriam dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se curar. Biǎn Què adoptou sempre uma atitu<strong>de</strong> séria<br />

nos seus estudos, uma vez que, graças à sua prática clínica, ele compreen<strong>de</strong>u<br />

perfeitamente o que preocupava os médicos: era a falta <strong>de</strong> procedimentos terapêuticos,<br />

enquanto o que inquietava a população era a ameaça <strong>de</strong> inúmeras enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Para<br />

tratar uma varie<strong>da</strong><strong>de</strong> tão gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> doenças, ele utilizava as técnicas <strong>de</strong> massagem, <strong>de</strong><br />

acupunctura e a aplicação <strong>de</strong> compressas quentes, e combinava <strong>de</strong>coções com outros<br />

tratamentos. A sua acção não só apontava para a medicina na generali<strong>da</strong><strong>de</strong>, como foi<br />

um especialista em ginecologia, pediatria, oftalmologia e otorrinolaringologia.<br />

Com to<strong>da</strong> esta experiência e saber, criou os quatro métodos <strong>de</strong> diagnóstico, que<br />

constituem uma diagnose fun<strong>da</strong>mental, progressivamente forma<strong>da</strong> durante o <strong>de</strong>curso <strong>da</strong><br />

prática clínica. Através <strong>de</strong>stes quatro métodos, percebe-se a espectação (observação <strong>da</strong><br />

expressão, <strong>da</strong> face, do revestimento lingual e do aspecto físico do paciente), a percepção<br />

(escutar a voz do paciente e cheirar o odor do seu corpo), o interrogatório (questões<br />

acerca do estado e <strong>da</strong> evolução <strong>da</strong> enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>), a palpação (tomar os pulsos <strong>de</strong> forma a<br />

conhecer a força, a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> e a cadência, e a palpação do corpo no seu conjunto). Si<br />

O historiador Sī Mǎqiān (145-186), <strong>da</strong> Dinastia Hàn disse uma vez: “Biǎn Què foi o<br />

primeiro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre a efectuar a palpação do pulso”.<br />

Existem diversas histórias acerca <strong>da</strong> sua activi<strong>da</strong><strong>de</strong> terapêutica. Conta-se que quando se<br />

encontrava no Estado <strong>de</strong> Qí , conheceu as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do Duque <strong>de</strong> Huan.<br />

Este não ligou aos diversos conselhos que o médico lhe ía <strong>da</strong>ndo, à medi<strong>da</strong> que a<br />

doença prosperava, recusando-se a tratar-se. Quando a doença se tornou dolorosa, o<br />

duque mandou chamar o médico que lhe respon<strong>de</strong>u que quando a doença se encontra<br />

entre a pele e a carne, po<strong>de</strong> ser trata<strong>da</strong> por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>coções; quando ela penetra nos<br />

vasos sanguíneos, po<strong>de</strong> ser trata<strong>da</strong> por meio <strong>de</strong> acupunctura e moxibustão; quando<br />

inva<strong>de</strong> o estomago e os intestinos, po<strong>de</strong> usar-se medicamentos alcoolizados que ain<strong>da</strong> se<br />

obtém efeito terapêutico, mas quando os factores patogénicos atingem a medula óssea,<br />

38


na<strong>da</strong> po<strong>de</strong> ser feito. A história afirma que Biǎn Què abandonou o país, e pouco <strong>de</strong>pois o<br />

duque morreu.<br />

Recorrendo aos quatro métodos <strong>de</strong> diagnóstico e aos tratamentos diversos, Biǎn Què<br />

conseguiu tratar o príncipe do rei <strong>de</strong> Guó que se encontrava num estado <strong>de</strong> morte<br />

aparente. Eis a história: Um dia, à sua chega<strong>da</strong> com os seus discípulos aquele reino,<br />

Biǎn Què soube que o príncipe ficou subitamente em coma, havia já um bom meio dia<br />

e que todos os membros <strong>da</strong> corte o julgavam morto. Como Biǎn Què tinha as suas<br />

dúvi<strong>da</strong>s, dirigiu-se imediatamente à corte, acompanhado <strong>da</strong> sua comitiva. Um exame<br />

minucioso permitiu-lhe aperceber-se que as fossas nasais do doente ain<strong>da</strong> se moviam<br />

ligeiramente, o que significava que a respiração não tinha parado por completo.<br />

Tocando no corpo do doente, constatou que as pernas não se encontravam ain<strong>da</strong><br />

arrefeci<strong>da</strong>s. Por estas razões, concluiu que o príncipe não se encontrava realmente<br />

morto mas somente em estado <strong>de</strong> morte aparente. Ele e os seus auxiliares praticaram<br />

então acupunctura, introduzindo uma agulha no ponto 百会 Bǎihuì (20VG) 127 e outra<br />

no 人中 Rénzhōng (26VG) ao doente que acordou, pouco <strong>de</strong>pois; em segui<strong>da</strong>, mandou<br />

aplicar-lhe uma compressa quente e levou-o a tomar tisana. Assim, numa vintena <strong>de</strong><br />

dias, o príncipe restabeleceu-se totalmente.<br />

Esta novi<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma vez divulga<strong>da</strong>, satisfez todo o reino. Muitas pessoas elogiaram Biǎn<br />

Què , chegando a dizer que era capaz <strong>de</strong> ressuscitar os mortos. A estes cumprimentos,<br />

ele respondia mo<strong>de</strong>sta e seriamente que se ele tinha podido curar o príncipe, é porque<br />

ele estava ain<strong>da</strong> vivo, e não que ele possuísse a arte mágica <strong>de</strong> ressuscitar os mortos.<br />

A sua modéstia e o seu alto nível médico valeram-lhe o respeito do povo, mas em<br />

contraparti<strong>da</strong>, ele foi objecto do ciúme do médico real do reino <strong>de</strong> Qín, que acabou<br />

por assassiná-lo.<br />

Os séculos VI e V a.C. Oci<strong>de</strong>ntais<br />

Enquanto estes acontecimentos tinham lugar, na China, on<strong>de</strong> se acreditava que “o<br />

mundo era constituído <strong>de</strong> yin-yang e dos cinco movimentos […] os filósofos Gregos<br />

construiram um mundo <strong>de</strong> terra, ar, água, e fogo.” 128 A Europa via <strong>de</strong>senrolar-se uma<br />

cultura diferente na Grécia, on<strong>de</strong> as escolas filosóficas tentavam compreen<strong>de</strong>r e<br />

conceber o Universo, e on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacam i<strong>de</strong>ias que viriam a ter gran<strong>de</strong> influência a<br />

nível <strong>da</strong> medicina. “Empédocles enten<strong>de</strong>u conciliar as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Parméni<strong>de</strong>s e <strong>de</strong><br />

Eraclito com a sua teoria dos quatro elementos primordiais: - Água, Ar, Fogo e Terra.<br />

Esses quatro elementos seriam os princípios estáveis (Parméni<strong>de</strong>s) cujas combinações<br />

se fazem e <strong>de</strong>sfazem (Heraclito) variando sem cessar, sob a acção antagonista <strong>da</strong><br />

atracção e <strong>da</strong> repulsão. Os fenómenos biológicos eram explicados por Empédocles, <strong>de</strong><br />

acordo com esta doutrina, que reforça a teoria humoral” 129 . De facto, este filósofo,<br />

127 Suoying, Wang – Língua <strong>Chinesa</strong> - Seminário, in Choy, Dr. Pedro (Dir.) «Curso <strong>de</strong> Acupunctura e<br />

Fitoterapia <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>», Lisboa, APA-DA, 2000, p.30<br />

128 Magner, Lois N. – A History of the Life Sciences, 2ª ed., Marcel Dekker, Inc., New York, 1996, p. 11<br />

129 Oliveira, L. N. Ferraz <strong>de</strong>; Dória, José Luís – <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong>, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Nova <strong>de</strong> Lisboa,<br />

Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Médicas, Lisboa, 1996, p. 61<br />

39


consi<strong>de</strong>rava que “a carne é uma mistura dos quatro elementos; se formos dividindo em<br />

partículas até à mais pequena parte, continua a ser carne, qualquer divisão que se faça<br />

para além disto, obtêm-se os quatro elementos separados.” 130<br />

Será no séc. V a.C., um século após 医 Yī Hé afirmar que as doenças não eram<br />

causa<strong>da</strong>s por espíritos ou <strong>de</strong>uses, mas por anormali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> seis tipos <strong>de</strong> factores, que<br />

na Grécia, surge Hipócrates, “nascido em Cós por volta <strong>de</strong> 460 a.C., era filho <strong>de</strong><br />

Asclepía<strong>da</strong>: foi criado e educado no seio [<strong>de</strong> uma] seita <strong>de</strong> sacerdotes médicos que<br />

celebravam o culto <strong>de</strong> Esculápio e cuja prática se baseava no sobrenatural 131 . Porém,<br />

será ele que afirmará: “não é preciso invocar os <strong>de</strong>uses para explicar a saú<strong>de</strong> e a<br />

doença” 132 .<br />

Também Hipócrates acreditava na doutrina humoral, segundo a qual “o homem era<br />

formado por partes sóli<strong>da</strong>s e partes líqui<strong>da</strong>s, aliás como to<strong>da</strong> a natureza, partes liga<strong>da</strong>s<br />

entre si por algo <strong>de</strong> imaterial, espécie <strong>de</strong> fogo imperceptível, <strong>de</strong> ar quente, <strong>de</strong> espírito, o<br />

«pneuma» força invisível que o coração envia a todo o organismo, no qual os diversos<br />

órgãos possuem uma força própria <strong>de</strong> impulsão, que permite a vi<strong>da</strong>. Nas partes<br />

líqui<strong>da</strong>s distinguia-se ain<strong>da</strong> aquilo a que chamaram humores e é neles que assenta a<br />

dita Doutrina Humoral, o humoralismo.[…] Segundo Hipócrates a doença evoluía em<br />

três fases: - a inicial, a que <strong>de</strong>u o nome <strong>de</strong> pepsis, fase em que a doença ain<strong>da</strong> está crua<br />

– a segun<strong>da</strong> fase, ou <strong>de</strong> cocção, em que a doença está a coser. – a terceira, ou <strong>de</strong> crisis<br />

é a fase em que a doença costuma <strong>de</strong>saparecer <strong>de</strong> um momento para o outro. Por vezes<br />

tal não acontecia havendo até a tendência para o <strong>de</strong>saparecimento ser gradual – é a<br />

lisis. 133 .<br />

Hipócrates não se interessava muito pelo diagnóstico em si, não obstante servir-se <strong>de</strong><br />

alguns <strong>de</strong>les para tentar prever a evolução <strong>da</strong> doença. Relativamente a outros elementos<br />

clínicos, consi<strong>de</strong>rava que o cérebro era a se<strong>de</strong> do pensamento consi<strong>de</strong>rando-o como uma<br />

glândula que absorvia o excesso dos humores. A traqueia, os brônquios e as artérias,<br />

tinham como função servir para a circulação <strong>da</strong> pneuma. O princípio do médico<br />

hipocrático era a <strong>da</strong> observação do doente, mas ele consi<strong>de</strong>rava existirem dias críticos,<br />

<strong>de</strong>ixando à natureza o po<strong>de</strong>r medicamentoso. No que respeita à sua intervenção, o<br />

130<br />

Magner, Lois N. – A History of the Life Sciences, 2ª ed., Marcel Dekker, Inc., New York, 1996, p. 23<br />

131<br />

Tubiana, Prof. Maurice – <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> e do pensamento médico. Editorial Teorema, Lisboa,<br />

2000, p.37<br />

132<br />

I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m<br />

133<br />

Esta teoria que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> simplista face aos fenómenos fisiológicos e patológicos,<br />

analisados hoje à luz <strong>da</strong> ciência oci<strong>de</strong>ntal, teve um êxito enorme, sendo subtil, infinitamente flexível e<br />

capaz <strong>de</strong> incorporar e resolver uma varie<strong>da</strong><strong>de</strong> múltipla <strong>de</strong> problemas na época. Para os cépticos, acerca <strong>da</strong><br />

racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> sua lógica, os médicos justificavam-na com base nas observações comuns: A fleuma<br />

podia ser relaciona<strong>da</strong> aos mucus, a bilis amarela ao fluido amargo contido na visícula biliar, e a bilis preta<br />

às matérias negras por vezes encontra<strong>da</strong>s nos vómitos, urinas e fezes. A análise às exceções, secreções e<br />

fluidos eram analizados através dos sentidos.“Os humores, eram em número <strong>de</strong> quatro: - sangue, fleuma<br />

ou pituita, bílis amarela, e bilis negra ou atrabilis. O primeiro, proveniente do coração, era o elemento<br />

quente; o segundo, segregado pelo cérebro, o elemento frio; o terceiro, o seco, pelo fígado; e o quarto,<br />

vindo do baço era o elemento húmido. Estes humores estavam representados sob uma certa relação <strong>de</strong><br />

força, temperatura e quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>. Esse equilíbrio era <strong>de</strong>signado por crase. Se o equilíbrio é normal diz-se<br />

haver eucrasia, e estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Se o equilíbrio está perturbado diz-se haver discrasia, e a doença.<br />

Mas nem sempre, o predomínio <strong>de</strong> um humor, sobre os outros, traduz doença. Essa condição po<strong>de</strong><br />

verificar-se em condições normais originando o temperamento. E assim encontramos quatro<br />

temperamentos diferentes: - sanguíneo, fleumático, biliar ou bilioso e o atrabiliar. Nestes diversos<br />

temperamentos, por seu turno, tinham manifesta influência o clima e o ambiente, com to<strong>da</strong>s as suas<br />

facetas. - Oliveira, L. N. Ferraz <strong>de</strong>; Dória, José Luís – <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong>, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Nova <strong>de</strong><br />

Lisboa, Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Médicas, Lisboa, 1996, pp. 69-71<br />

40


Corpus Hippocraticum refere o princípio do Contraria Contrariis: “As doenças que<br />

provêm <strong>da</strong> plenitu<strong>de</strong> são trata<strong>da</strong>s por evacuações, as que provêm <strong>da</strong> vacui<strong>da</strong><strong>de</strong>, por<br />

repleção e em geral os contrários pelos contrários”, como exemplo po<strong>de</strong>mos referir<br />

“as doenças que provocam febre, instituía-se dieta líqui<strong>da</strong>; àquelas que eram <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>s a<br />

resfriamento, opunha-se o calor; nas que <strong>de</strong>terminavam repleção excessiva, aplicavamse<br />

purgativos” 134 . Neste tempo era hábito o uso <strong>de</strong> ventosas, e a farmacopeia incluía<br />

extractos <strong>de</strong> plantas (ópio, beladona, mandrágora, heléboro-branco, raiz <strong>de</strong> tapsia, etc,)<br />

bem como elementos minerais (sais <strong>de</strong> chumbo, <strong>de</strong> arsénio, <strong>de</strong> cobre), e <strong>de</strong> origem<br />

animal (gordura).<br />

Finalmente, a ética terá sido um dos elementos mais importantes para Hipócrates, que<br />

po<strong>de</strong>mos rever, através <strong>de</strong> uma pequena passagem do juramento que é conhecido com o<br />

seu nome: “[…] dirigirei o regime dos doentes em seu benefício, na medi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />

minhas forças e <strong>de</strong> acordo com o meu julgamento, abstendo-me <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a espécie <strong>de</strong><br />

mal e <strong>de</strong> injustiça. Não administrarei veneno a ninguém, mesmo que mo peçam, nem<br />

tomarei a iniciativa <strong>de</strong> semelhante sugestão; <strong>da</strong> mesma forma, não fornecerei qualquer<br />

remédio abortivo a nenhuma mulher. Despen<strong>de</strong>rei a minha vi<strong>da</strong> e exercerei a minha<br />

arte na inocência e na pureza. […] Em qualquer casa que entre, fá-lo-ei para utili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

dos doentes, impedindo-me <strong>de</strong> qualquer malefício voluntário e corruptor e, sobretudo,<br />

<strong>de</strong> sedução <strong>da</strong>s mulheres e <strong>da</strong>s crianças, livres ou escravas, Seja o que for que veja ou<br />

ouça na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, durante o exercício <strong>da</strong> minha profissão ou mesmo fora <strong>de</strong>le, calarei<br />

aquilo que não precisa ser divulgado nunca, consi<strong>de</strong>rando a discrição como um <strong>de</strong>ver<br />

em casos semelhantes […]” 135<br />

Invenção dos vinhos medicamentosos e <strong>de</strong>coções<br />

Durante todo este tempo, na China, a experiência <strong>da</strong> população com substâncias<br />

medicamentosas aumentava <strong>de</strong> dia para dia. A acumulação do conhecimento<br />

farmacêutico expandiu o campo do uso <strong>de</strong> substancias medicamentosas resultando na<br />

invenção <strong>de</strong> vinhos medicamentosos, prescrição <strong>de</strong> componentes, e <strong>de</strong>coções.<br />

Os trabalhos chineses mais antigos nos quais se encontram regista<strong>da</strong>s substâncias<br />

medicamentosas incluem o shījīng - “Livro <strong>da</strong>s O<strong>de</strong>s ou Clássico <strong>da</strong> Poesia” e o<br />

shānhǎijīng - “Livro <strong>da</strong>s Montanhas e dos Mares”.<br />

O shījīng é <strong>da</strong> colecção mais antiga <strong>de</strong> poemas <strong>da</strong> China e foi sempre o favorito do<br />

povo chinês. Contém 74 pequenas O<strong>de</strong>s, 31 gran<strong>de</strong>s O<strong>de</strong>s e 31 o<strong>de</strong>s rituais dos Zhōu<br />

136 , to<strong>da</strong>s elas passa<strong>da</strong>s oralmente <strong>de</strong> boca em boca através <strong>de</strong> gerações. Originário <strong>de</strong><br />

vários períodos, os versos reflectem a vi<strong>da</strong> do povo chinês e a estrutura social antes do<br />

séc.V a.C., reflectindo os factos históricos mais antigos <strong>da</strong> China Shāng-Yīn e Zhōu.<br />

Deste livro po<strong>de</strong>mos retirar que a prática <strong>de</strong> recolha <strong>de</strong> ervas era já uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Há<br />

134 Oliveira, L. N. Ferraz <strong>de</strong>; Dória, José Luís – <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong>, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Nova <strong>de</strong> Lisboa,<br />

Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Médicas, Lisboa, 1996, p. 71<br />

135 Sournia, Jean-Charles – <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong>. Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p. 48<br />

136 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire <strong>de</strong> Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 71<br />

41


<strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> pessoas para recolher ervas, e algumas <strong>da</strong>s músicas eram canta<strong>da</strong>s<br />

durante a recolha <strong>da</strong>s mesmas, como por exemplo “Fuyi” e “juan ‘er”, on<strong>de</strong> as<br />

canções eram canta<strong>da</strong>s pelas mulheres quando recolhiam as duas ervas. Existem cerca<br />

<strong>de</strong> 50 tipos <strong>de</strong> ervas frequentemente regista<strong>da</strong>s no shījīng, tais como a folha <strong>da</strong> 叶 (aì<br />

ye - Folium Artemisiae Argyi), o bolbo <strong>da</strong> 贝母 (beì mǔ -Bulbus Fritillariae<br />

Thunbergii),o fruto <strong>da</strong> 枸杞子(gou qǐ zǐ - Fructus Lycii), erva <strong>da</strong> 青蒿 (qīng hāo -<br />

Herba Artemisiae Annuae), a raiz <strong>da</strong> 黄芩 (huáng qin - Radix Scutellariae), a raiz <strong>da</strong><br />

药 (sháo yào - Radix Paeoniae Lactiflorae), o fruto <strong>da</strong> 木瓜 (mù guā - Fructus<br />

Chaenomelis), a raiz <strong>da</strong> 葛根 (gé gēn - Radix Puerariae),a raiz licorosa <strong>da</strong> 甘草 (gān<br />

cǎo - Radix Glycyrrhizae), o caroço do pêssego 桃仁 (táo rén - Semen Persicae), e <strong>da</strong><br />

tâmara chinesa 大枣 (dà zǎo - Fructus Jujubae) 137 .<br />

shānhǎijīng – livro <strong>da</strong>s montanhas e dos mares é um trabalho geográfico famoso <strong>da</strong><br />

antiga China. Baseado em len<strong>da</strong>s orais, provavelmente terá sido começado a ser<br />

elaborado cerca o séc. XI a.C. e compilado durante o século V a.C., é celebre pelos<br />

mitos que contém, reflectindo o conhecimento <strong>da</strong> época dos Hàn (206 a.C – 220 d.C.),<br />

e, segundo Hoizey (1988), parece-se com uma enciclopédia nos domínios <strong>da</strong> “botânica,<br />

<strong>da</strong> zoologia, <strong>da</strong> geologia e <strong>da</strong> medicina. 138 Aproveitamos retranscrever aqui, alguns<br />

extractos que este autor coloca à disposição, na sua obra: “oitenta «li» mais a oeste está<br />

o monte Fuyu; na encosta sul existe muito cobre, na encosta norte muito ferro; no seu<br />

cume há uma árvore chama<strong>da</strong> wenheng, os seus frutos parecem a do jujube e serve<br />

para combater a sur<strong>de</strong>z. Como plantas, há imensas toranjeiras; fazem lembrar as<br />

malvas mas tinham flores vermelhas e frutos amarelos, as suas folhas são pareci<strong>da</strong>s<br />

com uma língua <strong>de</strong> criança. Quando se comem, evitam-se as confusões mentais” […]<br />

“como plantas vemos figueiras anãs … que comendo curam-se os problemas<br />

cardíacos” […] trezentos e sessenta «li» para sudoeste está o monte Yanzi; no seu<br />

cume há quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> árvores vermelhas cor <strong>de</strong> cinabre, as suas folhas parecem as<br />

<strong>da</strong> amoreira-preta <strong>da</strong> China, os seus frutos são gordos como abóboras; estes têm uma<br />

cau<strong>da</strong> vermelha e veios negros, quem a comer cura a icterícia”. 139 Mas po<strong>de</strong>mos <strong>da</strong>r,<br />

ain<strong>da</strong>, mais exemplos, e <strong>de</strong> uma forma mais objectiva: a Scopolia tangutica é<br />

recomen<strong>da</strong><strong>da</strong> no livro para “curar os males do ventre”, tal como nos dias <strong>de</strong> hoje, bem<br />

como a Metaplexis japonica, usa<strong>da</strong> hoje contra a astenia e impotência sexual, bem como<br />

se refere no shānhǎijīng em aplicação externa para furúnculos 140 . Elaborado ao longo <strong>de</strong><br />

um longo espaço <strong>de</strong> tempo, contém suplementos escritos por diversas gerações.<br />

Consiste principalmente em conhecimentos geográficos referentes a elementos<br />

etnográficos e também inclui alguns conhecimentos farmacêuticos. No seu todo,<br />

encontram-se neste livro, relativamente a substâncias medicinais, referências a 63<br />

animais, 52 elementos vegetais e 4 elementos minerais. O registo relativo aos elementos<br />

minerais é o mais antigo no mundo. Estas substâncias medicinais referi<strong>da</strong>s no livro<br />

podiam tratar <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> doenças no campo <strong>da</strong> medicina interna, cirúrgica, ginecológica<br />

e <strong>de</strong>rmatológica, tal como os órgãos dos 5 sentidos. Existem relatos <strong>da</strong>s suas<br />

137 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995<br />

138 Hoizey, Dominique – Histoire <strong>de</strong> la médicine chinoise. Édition Payot, 1988, p. 20<br />

139 Hoizey, Dominique – Histoire <strong>de</strong> la médicine chinoise. Édition Payot, 1988, pp. 20-21<br />

140 I<strong>de</strong>m, p.22 – Hoje, a Scopolia tangutica é recomen<strong>da</strong><strong>da</strong> no tratamento <strong>da</strong>s gastrites e problemas<br />

intestinais.<br />

42


classificações, morfologia, origem, efeitos, características, proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s e indicações.<br />

Os métodos <strong>de</strong> administração estão divididos em per os e aplicação tópica. O trabalho é<br />

uma manifestação <strong>da</strong> riqueza do conhecimento farmacêutico do momento e abriu<br />

caminho para <strong>de</strong>senvolvimentos farmacêuticos posteriores por gerações subsequentes.<br />

O folclore chinês, nomea<strong>da</strong>mente aquele que representa as minorias étnicas, é rica em<br />

len<strong>da</strong>s que testemunham a inquietu<strong>de</strong> do homem face à doença, bem como o<br />

conhecimento <strong>da</strong>s plantas que fazem parte <strong>da</strong> sua ecúmena. No Sul <strong>da</strong> China, entre os<br />

Bai, conta-se a origem extraordinária <strong>de</strong> uma planta benfazeja e «vivificante»: “havia<br />

dois irmãos oriundos duma família muito pobre. A preguiça do primogénito não se<br />

comparava com a diligência do mais novo. Depois <strong>da</strong> morte dos pais, o mais velho<br />

colocou o mais novo fora <strong>da</strong> porta <strong>de</strong> casa. O mais velho ficou com todos os bens só<br />

para si, não <strong>de</strong>ixando ao mais novo senão o arco e as flechas que o pai usava para<br />

caçar. A partir <strong>de</strong>ste momento o mais novo passou os dias a caçar, transportando às<br />

costas o arco e as flechas. Um dia, o mais novo viu um falcão que repousava num<br />

gran<strong>de</strong> castanheiro. Ele esticou o seu arco e visou o falcão. Este que falava a<br />

linguagem dos homens, diz ao mais novo: Caçador <strong>de</strong> bom coração, não me mates. A<br />

minha mãe, que está cega, tem necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> minha para a alimentar. Se tu me <strong>de</strong>ixares<br />

viver, dou-te os grãos <strong>de</strong> uma erva medicinal. O mais novo guardou o seu arco e diz ao<br />

falcão: pobre falcão, não te matarei, mas não tenho necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> do teu presente. Vai<br />

<strong>de</strong>pressa procurar comi<strong>da</strong> para a tua mãe! Face a isto, o falcão cuspiu um coágulo <strong>de</strong><br />

sangue contendo grãos <strong>de</strong> erva medicinal, indo-se voando, em segui<strong>da</strong>. O mais novo<br />

escolheu alguns grãos e voltou à sua choupana. Semeou os grãos num terreno<br />

ensolarado que se encontrava à frente <strong>da</strong> sua casa. Três dias mais tar<strong>de</strong>, os jovens<br />

rebentos apareceram. Após mais três dias, os jovens rebentos tornaram-se sólidos<br />

caules. Mais tar<strong>de</strong>, pequenas flores vermelhas como o sangue <strong>de</strong>sabrocharam. Ele<br />

<strong>de</strong>senterrou uma raiz e comeu-a. A sua face tornou-se imediatamente brilhante. Todo o<br />

seu corpo se revigorou. Ele <strong>de</strong>u raízes a todos os al<strong>de</strong>ãos que as comeram. Aqueles que<br />

se encontravam doentes rapi<strong>da</strong>mente se curaram e os que não estavam doentes<br />

reconstituíram as suas forças. Nesse dia, os passarinhos <strong>de</strong> plumagem vermelha e bico<br />

amarelo cor <strong>de</strong> ouro voaram à volta <strong>da</strong> choupana do mais novo gritando sem parar:<br />

“Danggui! Danggui!” 141 Eis porque se chama a esta planta 当归 dāng guī (Angelicæ<br />

Sinensis). Na sua acção “alimenta o sangue […] regula as menstruações […] activa a<br />

circulação do sangue” 142 , tirando as dores, entre outras.<br />

Com base na acumulação contínua <strong>de</strong> conhecimento farmacêuticos e experiências no<br />

uso <strong>da</strong>s 本草 Běn Cǎo, foram inventados o jiǔ – vinho medicamentoso, e a tā ng 143<br />

- <strong>de</strong>coção.<br />

A China tem uma longa história <strong>de</strong> fazer vinho, cuja origem po<strong>de</strong> ser segui<strong>da</strong> até à<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> primitiva. Aliás, o vinho encontrava-se na natureza, mesmo antes <strong>de</strong> ter sido<br />

<strong>de</strong>scoberto pelo homem. Nos vales e florestas virgens, os frutos maduros <strong>de</strong> certas<br />

plantas po<strong>de</strong>m fermentar e transformar-se no “álcool dos frutos”. Talvez por isso o<br />

homem primitivo terá provado este tipo <strong>de</strong> álcool quando se alimentava <strong>de</strong> frutos<br />

141 Hoizey, Dominique – Histoire <strong>de</strong> la médicine chinoise. Édition Payot, 1988, pp. 20-21<br />

142 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, pp. 208-209<br />

143 Também se usa tā ng yào<br />

43


selvagens, para enganar a fome. Com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> agricultura primitiva, os<br />

grãos nos celeiros, por vezes, começavam a rebentar e a ficar com mofo, causando<br />

assim a sacarificação e fermentação 酒母 jiǔmǔ , resultando na formação alcoólica do<br />

«vinho natural». As pessoas aperceberam-se que, bebendo este «vinho natural» ficavam<br />

com o corpo todo com uma sensação <strong>de</strong> calor criando uma excitação mental, i.e., ao<br />

beber-se um pouco <strong>de</strong> álcool o homem sentia-se estimulado, enquanto que se abusasse,<br />

ficaria atordoado, por vezes com vómitos, dores <strong>de</strong> cabeça e até coma. Ou seja, o álcool<br />

foi <strong>de</strong>scoberto na antigui<strong>da</strong><strong>de</strong> como uma espécie <strong>de</strong> estimulante ou <strong>de</strong> estupefaciente. 144<br />

A indústria <strong>de</strong> vinho na China já se encontrava bem <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> cerca do século XI<br />

a.C., sendo nessa altura uma prática usual a sua bebi<strong>da</strong>. As jiǎ gǔ wén indicam-nos que,<br />

nesses tempos, o vinho era usado em gran<strong>de</strong>s quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>s quando se faziam oferen<strong>da</strong>s<br />

aos <strong>de</strong>uses e antepassados, atestando o seu <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Segundo o 说文解子 Shuo Wen Jie Zi - Dicionário<br />

etimológico dos caracteres, o mais antigo dicionário <strong>da</strong> língua<br />

chinesa, redigido no séc. II, o i<strong>de</strong>ograma 医 Yī – (medicina),<br />

escrevia-se originalmente como na Fig. 14. Este, ampliado<br />

para melhor se verificar o seu estudo, repare-se que na parte<br />

superior encontramos dois i<strong>de</strong>ogramas, à esquer<strong>da</strong>, o<br />

i<strong>de</strong>ograma acima i<strong>de</strong>ntificado 医 Yī 146 – (tratar um doente, curar uma doença, médico);<br />

à direita, o i<strong>de</strong>ograma 疫 Yì 147 - (epi<strong>de</strong>mia); em baixo y ǔ 148 Fig.14 – Yī (ant.)<br />

radical principal <strong>de</strong> jiǔ<br />

149<br />

– (vinho, álcool), para tratar a 疾 jí (enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>). Daqui po<strong>de</strong>mos ver a<br />

importância e a precoci<strong>da</strong><strong>de</strong> do elemento etílico para fins terapêuticos.<br />

145<br />

O esclarecimento do passo <strong>da</strong>do na direcção <strong>da</strong> elaboração <strong>de</strong> jiǔ terapêutico não é<br />

tarefa fácil, com as fontes <strong>de</strong> que se dispõe. As jiǎ gǔ wén continuam a ser uma fonte<br />

excepcional para continuarmos a penetrar na evolução <strong>da</strong> cultura, conhecimento e<br />

mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> chinesas, nestes tempos mais antigos, e nelas encontram-se referências a<br />

um monarca que fazia um vinho muito perfumado, através <strong>da</strong> mistura <strong>de</strong> diversas ervas<br />

aromáticas, o que atesta a sua antigui<strong>da</strong><strong>de</strong> na utilização medicinal. No 汉书 hànshù –<br />

livro <strong>da</strong> dinastia Hàn, do séc. I, está escrito: “O álcool é o mais importante dos<br />

medicamentos”. Aliás, para alguns autores, a <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> consi<strong>de</strong>ra<br />

144 Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues<br />

étragères. Beijing. 1989, p.14<br />

145 Vi<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ograma [2402] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi<br />

Press, 1999, p.460<br />

146 Vi<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ograma [2327] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi<br />

Press, 1999, p.449<br />

147 Vi<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ograma [2364] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi<br />

Press, 1999, p.454<br />

148 Representação um tipo <strong>de</strong> jarra servindo particularmente para fazer fermentar líquidos. Ryjik, Kyril –<br />

L’idiot chinois. Payot, 1983, p. 257. Tornou-se actualmente signo cíclico, o 10º dos 12 ramos terrestres<br />

dos ciclos J ǐazǐ, <strong>de</strong>sgnando a hora <strong>da</strong> maturi<strong>da</strong><strong>de</strong>, do dia (<strong>da</strong>s 17-19 h). - Vi<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ograma [5857] do<br />

Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.1109<br />

149 Recategorização do i<strong>de</strong>ograma y ǔ – (referência nº 148), para álcool, bebi<strong>da</strong> fermenta<strong>da</strong>, bebi<strong>da</strong><br />

alcooliza<strong>da</strong>, vinho, licor, após ter-lhe sido acrescentado o i<strong>de</strong>ograma – shǔi – (líquido) - Ryjik, Kyril –<br />

L’idiot chinois. Payot, 1983, p. 257. Vi<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ograma [1029] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue<br />

Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.191<br />

44


que uma dose conveniente <strong>de</strong> álcool aju<strong>da</strong> a activar a circulação do sangue e a reforçar<br />

os efeitos dos medicamentos 150 . Na China antiga, quando se executava uma anestesia<br />

geral, habitualmente <strong>da</strong>va-se a beber ao paciente anestésico diluído em álcool aquecido.<br />

Aliás, na Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong>, a produção <strong>de</strong> medicamentos alcoolizados ou <strong>de</strong> álcool<br />

medicamentoso era variado: fazia-se macerar as plantas medicinais no álcool, tais como<br />

«vinho» <strong>de</strong> osso <strong>de</strong> tigre, «vinho» <strong>de</strong> ginseng, etc. Porém, na maceração <strong>da</strong>s plantas<br />

medicinais, o álcool preenchia inespera<strong>da</strong>mente uma função particular: certas plantas<br />

são previamente lava<strong>da</strong>s ou molha<strong>da</strong>s com álcool; outras são cozi<strong>da</strong>s ao fogo vivo ou<br />

estufa<strong>da</strong>s com álcool. Com este procedimento, em <strong>de</strong>terminados casos conseguia-se<br />

reduzir os efeitos secundários dos medicamentos, intensificar o seu efeito terapêutico ou<br />

assegurar uma conservação mais prolonga<strong>da</strong> dos medicamentos.<br />

As tā ng yào, ou simplesmente tā ng – <strong>de</strong>coções, elabora<strong>da</strong>s fervendo 本草 Běn<br />

Cǎo, em água, é uma <strong>da</strong>s formas mais usa<strong>da</strong>s para administrar fitoterapia medicinal<br />

Diz-se que as <strong>de</strong>coções foram inventa<strong>da</strong>s por Y ī Yǐn, um escravo com habili<strong>da</strong><strong>de</strong> para<br />

cozinhar que fazia parte do dote <strong>da</strong> mulher do rei Chēng Tāng fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> dinastia<br />

Shāng (meados do séc. XVIII a.C.). Devido aos seus excepcionais talentos, foi, mais<br />

tar<strong>de</strong> promovido para o gabinete do primeiro ministro. Tinha alguns conhecimentos<br />

médicos, e enquanto preparava as refeições, <strong>de</strong>scobriu o efeito <strong>de</strong> alguns condimentos,<br />

tais com gengibre, canela e tâmaras. Combinando esta experiência na altura em que<br />

usava ervas, aplicou os métodos <strong>de</strong> culinária na preparação <strong>de</strong>stas ervas, cozendo-as em<br />

água <strong>de</strong> forma a produzir um líquido. Contudo, o aparecimento do método <strong>da</strong> <strong>de</strong>coção<br />

está relacionado com o avanço <strong>da</strong>s técnicas na preparação <strong>de</strong> alimentos. Com a <strong>de</strong>coção,<br />

a administração <strong>de</strong> ervas não cozinha<strong>da</strong>s era substituí<strong>da</strong> pelas ervas cozinha<strong>da</strong>s, tendose<br />

passado <strong>de</strong> receitas <strong>de</strong> um ingrediente simples, para prescrições <strong>de</strong> compostos. Desta<br />

forma, o efeito terapêutico foi intensificado, os efeitos secundários <strong>da</strong>s ervas eram<br />

reduzidos, e os resultados finais muito melhorados. Po<strong>de</strong>mos, ain<strong>da</strong>, acrescentar que<br />

com o uso <strong>da</strong>s tāng yào a administração <strong>da</strong>s Běn Cǎo tornou-se mais simples.<br />

Génese na protecção <strong>da</strong> saú<strong>de</strong><br />

A palavra 卫生 weìshēng – higiene, aparece pela primeira vez no zhuāng<br />

zǐ 151 ,elabora<strong>da</strong> provavelmente no séc. IV a.C. Composto <strong>de</strong> dois i<strong>de</strong>ogramas, 卫 weì 152<br />

– protecção e 生 shēng – viver, o que significará em sentido lato a conservação <strong>da</strong> saú<strong>de</strong><br />

e <strong>da</strong> integri<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Segundo as inscrições encontra<strong>da</strong>s nos jiǎ gǔ wén (aprox. séc. XIII a.C.), já<br />

encontramos referências a termos <strong>de</strong>screvendo doenças, sintomas, e registos <strong>de</strong> se<br />

150<br />

Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues<br />

étragères. Beijing. 1989, p.15<br />

151<br />

Obra também conheci<strong>da</strong> por nan hua zhen jing – Clássico do Mestre transcen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Nan-hua,<br />

parcialmente elabora<strong>da</strong> por zhuāng zǐ ou zhuāng zhou, filósofo taoista do séc. IV a.C. - Vi<strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ograma [1227] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999,<br />

p.228<br />

152<br />

Em vez <strong>de</strong> 卫 hoje usa-se weì - Vi<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ograma [5521] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue<br />

Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.1048<br />

45


etirarem parasitas, bem como princípios <strong>de</strong> higiene diária, tais como lavarem a cara 153 ,<br />

aparecendo inscrições como a que se segue, cujo significado é auto-sugestivo - 浴 yù -<br />

banharem-se. Nas diversas escavações foram encontrados artigos <strong>de</strong> higiene, tais como<br />

chaleiras, bacias, conchas, panelas e um pente. No 礼记 lǐjì - Memórias dos Ritos (séc.<br />

IV-III a.C) po<strong>de</strong> ler-se: “ao canto do galo, levantem-se e arranjem-se”, “ao canto do<br />

galo, arrumem o vosso quarto” 154 Já havia, portanto, a noção <strong>da</strong> importância do banho<br />

tomado a intervalos regulares e a compreensão do significado terapêutico <strong>de</strong> “tomar<br />

banho quando se têm feri<strong>da</strong>s na cabeça e no corpo”. Existem ain<strong>da</strong> registos <strong>de</strong><br />

“bochechar a boca com água salga<strong>da</strong> quando o galo canta ao amanhecer”, e registos<br />

contra comer-se comi<strong>da</strong> em putrefacção 155 . Na obra 备 Beì Jí Qiān Jīn Yaò Fāng –<br />

Disposições preciosas para os casos <strong>de</strong> urgência, diz-se: “<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma refeição, é<br />

necessário gargarejar [bochechar] para conservar os <strong>de</strong>ntes em bom estado e a boca<br />

fresca” 156 . Aliás, o regime alimentar tinha um papel bastante importante na saú<strong>de</strong>. Os<br />

吕氏春秋 Lushìchūnqiū - Anais <strong>de</strong> Primavera e Outono <strong>de</strong> Lu, que como vimos são <strong>da</strong><br />

época dos zhànguó - Reinos Combatentes (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o séc. V-III a.C.), refere-nos que “os<br />

alimentos <strong>de</strong>vem ser limpos”; e a obra 论衡 Lùnhéng, consi<strong>de</strong>ra que “o vinho poluido<br />

pelos insectos e os alimentos sujos pelos ratos <strong>de</strong>viam ser <strong>de</strong>itados fora” 157 . O médico<br />

chinês 张仲景 Zhāng Zhòngjǐng , consi<strong>de</strong>rava que os animais que morriam <strong>de</strong> doença<br />

eram tóxicos e impróprios para o consumo, e sublinhava que “O homem não <strong>de</strong>ve<br />

comer, em absoluto, a fruta que, caí<strong>da</strong> no solo, tenha sido mordi<strong>da</strong> por insectos e<br />

formigas” 158 .<br />

No Oci<strong>de</strong>nte, o povo ju<strong>da</strong>ico “<strong>de</strong>monstra igualmente uma superiori<strong>da</strong><strong>de</strong> notória no<br />

campo <strong>da</strong> higiene social”, relativamente aos outros povos oci<strong>de</strong>ntais contemporâneos,<br />

consi<strong>de</strong>rando-se que a medicina hebraica foi pioneira neste campo, on<strong>de</strong> “os hábitos<br />

alimentares eram cui<strong>da</strong>dosamente <strong>de</strong>terminados, tal como os alimentos seleccionados e<br />

os animais com lesões no fígado ou nos pulmões eram rejeitados” 159 .<br />

Há cerca <strong>de</strong> 3760 anos, o povo ju<strong>da</strong>ico abastecia-se <strong>de</strong> água através <strong>de</strong> poços 160 . Porém,<br />

a China parece ter sido o primeiro país do mundo a abrir poços para obter água para<br />

beber, pelo que já era consi<strong>de</strong>rado mais saudável que beber água <strong>de</strong> rios, ribeiras, lagos<br />

e pântanos. A atestá-lo, foram encontrados dois poços secos com 4000 anos na<br />

província <strong>de</strong> Hébĕi, com 2 metros <strong>de</strong> diâmetro, sete metros <strong>de</strong> profundi<strong>da</strong><strong>de</strong>, e com a<br />

forma setas verticais ou porões. Entre os objectos <strong>de</strong>scobertos na China, os anéis e<br />

balustra<strong>da</strong> dos poços em cerâmica ocupava um lugar importante. Em 1972, numa tumba<br />

153 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration<br />

of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 137<br />

154 Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues<br />

étragères. Beijing. 1989, p.74<br />

155 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration<br />

of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 18<br />

156 Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues<br />

étragères. Beijing. 1989, p.73<br />

157 I<strong>de</strong>m, p. 74<br />

158 Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues<br />

étragères. Beijing. 1989, p.74<br />

159 Oliveira, L. N. Ferraz <strong>de</strong>; Dória, José Luís – <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong>, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Nova <strong>de</strong> Lisboa,<br />

Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Médicas, Lisboa, 1996, p. 16<br />

160 Nahon, Gérard – Les Hebreux, Éditions du Seuil, Paris, 1963, p. 90<br />

46


dos – Hàn, situa<strong>da</strong> perto <strong>de</strong> 峪 Jiāyùguān, na província <strong>de</strong> Gānsù, encontraram<br />

dois tijolos pintados. Num, encontram-se representa<strong>da</strong>s duas mulheres transportando<br />

uma jarra para ir buscar água aos poços; no outro estão gravados dois i<strong>de</strong>ogramas<br />

vermelhos 饮 jǐngyǐn – poço potável (poço <strong>de</strong> água potável) 161 , o que testemunha a<br />

precoci<strong>da</strong><strong>de</strong> do uso <strong>de</strong> poços <strong>de</strong> água na China. A fim <strong>de</strong> manter a água dos poços em<br />

condições e proteger a vi<strong>da</strong> dos que utilizavam a sua água, os antigos construíam<br />

balustra<strong>da</strong>s e fabricavam coberturas. Na obra 管子 Guǎnzǐ elabora<strong>da</strong> por 管仲<br />

Guǎn Zhòng – (?–645 a. C.), estão <strong>de</strong>scritos os procedimentos para limpar o fundo dos<br />

poços. A partir <strong>da</strong> dinastia – Hàn, ca<strong>da</strong> ano, era necessário, em <strong>da</strong>ta fixa, a esvaziar as<br />

águas dos poços e renová-la. Aliás, atestando que já conheciam a influência <strong>da</strong><br />

topografia na escolha <strong>da</strong>s fontes <strong>de</strong> água, po<strong>de</strong>mos referir um texto do séc. I, a obra<br />

论衡 Lùnhéng – Ensaios críticos, on<strong>de</strong> se afirma que “a água nas aglomerações é<br />

poluí<strong>da</strong> e a do campo pura. Mas, to<strong>da</strong>s as águas correm duma mesma fonte”. O que as<br />

diferencia, é a sua posição” 162 , relativamente aos outros povos oci<strong>de</strong>ntais<br />

contemporâneos, consi<strong>de</strong>rando-se que a medicina hebraica foi pioneira neste campo,<br />

on<strong>de</strong> “os hábitos alimentares eram cui<strong>da</strong>dosamente <strong>de</strong>terminados, tal como os<br />

alimentos seleccionados e os animais com lesões no fígado ou nos pulmões eram<br />

rejeitados” .<br />

Relativamente à vi<strong>da</strong> sanitária, as populações viviam à parte do gado, tendo este locais<br />

próprios para se <strong>de</strong>senvolver. Existem exemplos relativos ao porco e ao gado bovino.<br />

Há cerca <strong>de</strong> 2000 anos, a população chinesa tomava precauções contra os cães com<br />

raiva. Nos 春秋左传 chūn qīu zǔo zhuàn – Anais <strong>da</strong> Primavera e do Outono <strong>de</strong> Zǔo<br />

Qīumíng 163 , está escrito que, em 556 a.C. 164 , 17º ano do reinado do príncipe Xianggong<br />

do Reino <strong>de</strong> Lǔ, “os habitantes procuram os cães loucos” 165<br />

Também o uso <strong>de</strong> esgotos era uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> já durante a dinastia Shāng (meados do<br />

séc. XVIII a.C.). Na obra Trabalhos <strong>de</strong> Guan Zi, e Gōngyáng zhuàn - A interpretação<br />

<strong>de</strong> Zuo dos anais <strong>de</strong> Outono e Primavera”, referem que to<strong>da</strong>s as Primaveras, havia o<br />

cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong> limpeza dos esgotos, não só <strong>da</strong> suji<strong>da</strong><strong>de</strong> como do barro aí acumulado, sendo<br />

cheio com água fresca, sendo os canais <strong>de</strong> irrigação e fossos dragados para drenar a<br />

água acumula<strong>da</strong>.<br />

A China é também um dos primeiros países a praticar limpezas gerais. Nestas acções se<br />

inclui arranjar as pare<strong>de</strong>s, tapar orifícios, fumigação com ervas, etc. Existem registos do<br />

uso <strong>de</strong> vassouras e <strong>de</strong> objectos para limpar o pó. Tais práticas vêm mostrar a existência<br />

<strong>de</strong> uma praxis <strong>de</strong> higiene e protecção sanitária há 4000 anos, que criaram os rudimentos<br />

<strong>da</strong> medicina preventiva na China.<br />

161<br />

Hoje os i<strong>de</strong>ogramas seriam - [959] e [5795] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise.<br />

Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.174 e p. 1097<br />

162<br />

Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues<br />

étragères. Beijing. 1989, p.73<br />

163<br />

左丘明 –Zǔo Qīumíng – historiador do principado <strong>de</strong> Lu - Vi<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ograma [5156] do Dictionaire<br />

Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.978<br />

164<br />

Nota do autor: é lógico que esta <strong>da</strong>ta não se encontra na obra, apenas a correspondência cronológica!<br />

165<br />

Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues<br />

étragères. Beijing. 1989, p.71<br />

47


De facto, há cerca <strong>de</strong> 2000 anos, os chineses compreendiam que melhorar a constituição<br />

física e as funções fisiológicas contribuíam para reforçar a resistência do homem às<br />

afecções e constataram a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> praticar activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>sportivas.<br />

Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> referir a importância que <strong>de</strong>tinha a gastronomia na saú<strong>de</strong>. Nas<br />

dietas “que os achados <strong>de</strong> Mawangdui sugerem é a antiquíssima afini<strong>da</strong><strong>de</strong> que há na<br />

China entre comi<strong>da</strong> e saú<strong>de</strong>. A comi<strong>da</strong> nunca foi um simples meio <strong>de</strong> matar a fome;<br />

sempre foi consi<strong>de</strong>rado um contributo para a boa saú<strong>de</strong> e um tratamento preventivo, e é<br />

por isso que ain<strong>da</strong> hoje a dona <strong>de</strong> casa chinesa cozinha em função <strong>da</strong> condição física<br />

<strong>da</strong> família e do tempo que faz” 166<br />

Criação <strong>de</strong> um Sistema <strong>de</strong> Serviço Médico<br />

De acordo com 周礼 Zhōu Lì - os Ritos dos Zhōu, já havia médicos profissionais na<br />

China, e tinha sido estabelecido a génese do sistema médico durante a dinastia Zhōu<br />

(séc. XI a 221 a.C.). O trabalho do médico estava muito bem diferenciado na corte.<br />

Médicos Dietistas 食医 shí yī eram responsáveis pelo controlo <strong>da</strong> nutrição e higiene<br />

alimentar; os Internistas 疾医 jí yī tinham a seu cargo o tratamento <strong>da</strong>s doenças<br />

internas; os Traumáticos 医 yáng yī tomavam a seu cargo os casos tais como feri<strong>da</strong>s e<br />

fracturas; os Veterinários 医shou yī tratavam as doenças do gado.<br />

Simultaneamente, era estabeleci<strong>da</strong> uma organização médica completa e um rígido<br />

sistema <strong>de</strong> avaliação para resultados terapêuticos. No fim <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> ano, era efectua<strong>da</strong><br />

uma avaliação ao trabalho <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> médico, <strong>de</strong> acordo com o seu grau e salário. Também<br />

eram produzi<strong>da</strong>s normas: “De acordo com a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos resultados obtidos, <strong>de</strong>z<br />

curas em <strong>de</strong>z doentes é o melhor resultado; nove em <strong>de</strong>z é o segundo lugar; oito em <strong>de</strong>z<br />

é o terceiro lugar; sete em <strong>de</strong>z é o quarto lugar; e seis em <strong>de</strong>z é um resultado pobre” 167 .<br />

Esta actuação certamente contribuiu para elevar a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> activi<strong>da</strong><strong>de</strong> médica <strong>de</strong><br />

então. Já nessa época existiam médicos chefes, nas organizações médicas, com uma<br />

posição superior a todos os outros médicos, sendo responsáveis pelo implemento <strong>da</strong>s<br />

políticas médicas, recolhendo informações acerca <strong>de</strong> epi<strong>de</strong>mias, tomando medi<strong>da</strong>s<br />

preventivas e controlando-as. Sob a sua orientação, existia outro pessoal médico,<br />

incluindo médicos, recepcionistas, secretários e aprendizes; o recepcionista era<br />

responsável pelo equipamento e pelos assuntos financeiros; o secretário tratava do<br />

registo clínico e documentos; e o aprendiz observava os doentes e fazia todos os tipos<br />

<strong>de</strong> trabalhos diversificados. Todos os registos eram efectuados no momento, incluindo<br />

as causas <strong>de</strong> morte. Tudo isto contribuiu para um maior <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> medicina,<br />

incluindo a partilha <strong>da</strong>s diversas experiências.<br />

Formação <strong>de</strong> um sistema teórico médico<br />

166 Cotterell, Arthur – China – uma <strong>História</strong> cultural. Instituto Cultural <strong>de</strong> Macau. Gradiva. 1999, p.113<br />

167 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration<br />

of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 19<br />

48


Um sistema teórico <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> foi criado ao longo pelos 700 anos<br />

que <strong>de</strong>correram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> do século V a.C. e meados do século III d.C..<br />

Na segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> do século V a.C., a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> feu<strong>da</strong>l começou a tomar forma na<br />

China. As mu<strong>da</strong>nças do sistema social promoveram o <strong>de</strong>senvolvimento económico e<br />

trouxeram mu<strong>da</strong>nças a nível i<strong>de</strong>ológico, científico e cultural.<br />

O estabelecimento do sistema feu<strong>da</strong>l induziu, inevitavelmente, vários reacções entre o<br />

povo nas suas diferentes or<strong>de</strong>ns sociais. Para além disso, i<strong>de</strong>ologias antigas e pontos <strong>de</strong><br />

vista académicos não <strong>de</strong>sapareceriam com a <strong>de</strong>struição do sistema esclavagista. O<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sintegração e reorganização <strong>da</strong>s or<strong>de</strong>ns sociais <strong>de</strong>u lugar ao estrato<br />

intelectual, cujos membros não provinham do meio agrícola ou comercial, mas <strong>de</strong><br />

trabalhadores dos <strong>de</strong>partamentos governamentais ou <strong>de</strong> residências priva<strong>da</strong>s, vivendo <strong>da</strong><br />

transmissão do conhecimento. Os governos dos vários e diversos estados preocuparamse<br />

em usar pessoas <strong>de</strong> talento e apoiaram o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> várias escolas <strong>de</strong><br />

pensamento, o que encorajou intelectuais a representar os interesses <strong>da</strong>s diferentes<br />

or<strong>de</strong>ns sociais a escreveu livros e estabelecer escolas com o fim <strong>de</strong> propagan<strong>de</strong>ar as suas<br />

i<strong>de</strong>ias. Estas escolas receberam bastante número <strong>de</strong> discípulos, <strong>da</strong>ndo continui<strong>da</strong><strong>de</strong> aos<br />

seus próprios mestres, criando os próprios sucessores. Os seus contactos inter pessoais<br />

<strong>de</strong>ram lugar a uma situação caracteriza<strong>da</strong> por pensamentos activos e prosperi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

académica na qual diversos mestres apareceram sustentando centenas <strong>de</strong> escolas <strong>de</strong><br />

pensamento. As mais importantes escolas incluem Confucionistas, Taoistas, legalistas,<br />

lógicos, a<strong>de</strong>ptos dos princípios yīn/yáng, estrategas políticos, novelistas e eclécticos. Os<br />

principais momentos <strong>de</strong> contencioso reflectiram os conflitos do sistema esclavagista e o<br />

sistema feu<strong>da</strong>l. Estes contenciosos promoveram o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> ciência e cultura<br />

e tiveram um impacto profundo no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> medicina. Os longos anos <strong>de</strong><br />

acumulação <strong>de</strong> experiência e <strong>de</strong> testes repetidos culminaram no estabelecimento dos<br />

quatro componentes mais importantes <strong>da</strong> teorização do sistema <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong><br />

<strong>Chinesa</strong> - Teoria, Metodologia, Prescrição, e Farmácia.<br />

Aliás, 孔丘 Kong qiu (Confucio-Mestre Kong) (551-479 a.C.), consi<strong>de</strong>rava que a<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>veria ser estrutura<strong>da</strong>, numa organização bem hierarquiza<strong>da</strong>, em que a base<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> é a família 168 . O veículo para este fim, <strong>de</strong>veria assentar no uso <strong>de</strong> um<br />

código <strong>de</strong> ética, li<strong>de</strong>rado por um governo bom e justo, cuja actuação <strong>de</strong>veria ser<br />

harmoniosa, através do cumprimento <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um na sua tarefa social. Ca<strong>da</strong> posição<br />

social era confirma<strong>da</strong> através <strong>de</strong> um ritual 169 . A sua i<strong>de</strong>ologia não foi logo bem aceite,<br />

mas os seus seguidores e discípulos conseguiram, posteriormente a sua praxis tendo<br />

sido uma i<strong>de</strong>ologia dominante entre 206 a.C e 220 d.C. Para o confucionista, ocupar-se<br />

dos assuntos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> era necessária para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong> em<br />

direcção à sapiência e ao equilíbrio 170 .<br />

168<br />

Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire <strong>de</strong> la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail,<br />

1992, p. 40<br />

169<br />

Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire <strong>de</strong> la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail,<br />

1992, pp. 76-77<br />

170<br />

Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire <strong>de</strong> la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail,<br />

1992, pp. 31-32<br />

49


老子 Laozi (Velho Mestre), <strong>de</strong> nome Li 171 , terá nascido no ano 604 a.C.., sendo o<br />

presumível autor <strong>da</strong> obra cheia <strong>de</strong> aforismos Dao <strong>de</strong> jing – O livro <strong>da</strong> via e <strong>da</strong><br />

virtu<strong>de</strong> 172 , é consi<strong>de</strong>rado como o pai do taoismo, se bem que tudo indica que a filosofia<br />

taoista tenha origem muito mais antiga 173 . Ao contrário dos confucionistas, não é numa<br />

acção colectiva, mas no retiro e na prática <strong>de</strong> procedimentos que permitem abstrair-se<br />

do mundo e <strong>de</strong> atingir o sublime 174 . Na sua clausura, a observação paciente <strong>da</strong> natureza<br />

levou-o a ir <strong>de</strong>scobrindo as leis do Universo, i.e., os “veios <strong>de</strong> Ja<strong>de</strong>”, o que correspon<strong>de</strong><br />

a ir “colocando a pergunta à natureza” 175 , semelhante ao que Francis Bacon (1561-<br />

1626 d.C), viria a preconisar cerca <strong>de</strong> 2000 anos mais tar<strong>de</strong>, referindo que é necessário<br />

partir <strong>da</strong> experimentação para compreen<strong>de</strong>r a natureza e chegar às causas 176 . No seu<br />

limite encontram 道 Dao, a via, o princípio regulador do Universo. Na sua observação<br />

<strong>da</strong> diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixam, porém, <strong>de</strong> manter o conceito que existe uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> em<br />

tudo, no Universo. O taoismo serve <strong>de</strong> base à ciência chinesa.<br />

Construído nas fun<strong>da</strong>ções <strong>de</strong> experiências muito ricas, e <strong>de</strong> conhecimentos teóricos<br />

acumulados através dos anos, os cientistas/médicos do tempo fizeram uso dos<br />

conhecimentos em Filosofia e outras Ciências Naturais para levar a cabo a síntese<br />

criativa, transformando os conhecimentos experimentais, pragmáticos e intuitivos, ao<br />

nível <strong>da</strong> teoria 177 . Já nos referimos à acção do médico Biǎn Què cuja actuação terá<br />

existido na época dos zhànguó - Reinos Combatentes (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o séc. V-III a.C.).<br />

医 Chúnyú Yī<br />

医 Chúnyú Yī (215 a.C. – 150 a.C.), nasceu em Linzi, província <strong>de</strong> Shāndòng e era<br />

um médico famoso tendo assumido o cargo <strong>de</strong> “Chefe do entreposto Imperial”. Quando<br />

criança, Chúnyú Yī era um entusiasta <strong>da</strong> medicina e começou por apren<strong>de</strong>r com<br />

Gongsun Guang. Após 3 anos <strong>de</strong> estudos fez enormes progressos nas seus<br />

conhecimentos médicos. Conseguia na maior parte <strong>da</strong>s vezes <strong>de</strong>terminar a vi<strong>da</strong> ou<br />

morte dos pacientes, o que o tornou famoso mundialmente. Ao man<strong>da</strong>r chamar Chúnyú<br />

Yī, o imperador Wén Dì dignou-se a questioná-lo com gran<strong>de</strong> minúcia acerca <strong>da</strong> sua<br />

formação médica, <strong>da</strong> sua experiência clínica e <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes concretos quanto a tomar a<br />

seu cargo um aprendiz. A estas questões Chúnyú Yī, respon<strong>de</strong>u com gran<strong>de</strong> pormenor,<br />

on<strong>de</strong> incluiu uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>talha<strong>da</strong> <strong>de</strong> 25 pacientes: os seus nomes, sexo, profissão,<br />

naturali<strong>da</strong><strong>de</strong>, causa <strong>da</strong> doença, patogenias, diagnósticos, tratamentos, eficácia e<br />

prognóstico, <strong>de</strong>scrição essa que, em forma <strong>de</strong> livro, foi <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> “ Zhĕn Jì (história<br />

clínica)” e constitui o primeiro registo clínico escrito que po<strong>de</strong> ser encontrado na<br />

história <strong>da</strong> MTC. Foi a Zhĕn Jì que forneceu os exemplos típicos para a escrita <strong>da</strong>s<br />

histórias clínicas nas gerações posteriores.<br />

171<br />

Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire <strong>de</strong> la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail,<br />

1992, p. 110<br />

172<br />

Há autores que traduzem “po<strong>de</strong>r” em vez <strong>de</strong> “virtu<strong>de</strong>”<br />

173<br />

Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 90<br />

174<br />

Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 90<br />

175<br />

Magner, Lois N. – A History of the Life Sciences, 2ª ed., Marcel Dekker, Inc., New York, 1996, p. 135<br />

176<br />

Nas suas obras Instauratio magna (1623) e Novum Organum (1620) que constituem a base do método<br />

científico.<br />

177<br />

Hoizey, Dominique – Histoire <strong>de</strong> la médicine chinoise. Édition Payot, 1988, pp. 38-39<br />

50


Tal como Biǎn Què, Chúnyú Yī era também um a<strong>de</strong>pto dos quatro métodos <strong>de</strong><br />

diagnóstico: observação, auscultação e olfacto, interrogatório e palpação do pulso, em<br />

particular no tocante à palpação e diagnóstico através do pulso.<br />

Quanto à palpação do pulso, ele registou cerca <strong>de</strong> 20 pulsos diferentes: pulso<br />

superficial, profundo, rápido, tenso, esticado, escorregadio, irregular e fraco, a maior<br />

parte dos quais continuamos a usar actualmente. Foi com base nos seus registos que<br />

mais tar<strong>de</strong> foram estabelecidos 28 tipos diferentes <strong>de</strong> pulso. Sempre que tratava um<br />

paciente, Chúnyú Yī procedia invariavelmente à palpação do pulso em primeiro lugar,<br />

sendo o primeiro registo <strong>de</strong> um médico que baseava o diagnóstico na palpação do pulso.<br />

De 25 casos, 10 <strong>de</strong>les foram classificados como fatais ou sobreviventes com base<br />

unicamente na palpação do pulso. Também nas doenças crónicas ou nos casos graves,<br />

Chúnyú Yī conseguia precisar o diagnóstico através <strong>da</strong> condição do pulso. Ele <strong>da</strong>va<br />

ênfase ao facto do médico, ao diagnosticar, <strong>de</strong>ver ser extremamente cui<strong>da</strong>doso e fazer<br />

uma análise intensiva dos <strong>da</strong>dos recolhidos através dos 4 métodos <strong>de</strong> diagnóstico, <strong>de</strong><br />

modo a evitar a parciali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Os meios <strong>de</strong> medicação eram vastos. Para além <strong>da</strong>s drogas a serem toma<strong>da</strong>s por via oral<br />

tais como <strong>de</strong>cocções, comprimidos, pós e licores medicados, havia também collutorium,<br />

medicamentos galactagogos, pessários e medicamentos para aplicação externa. A partir<br />

<strong>da</strong>qui po<strong>de</strong>mos observar que nos primeiros anos <strong>da</strong> Dinastia Xi Hàn (Oci<strong>de</strong>ntal), os<br />

medicamentos <strong>de</strong>sempenharam um papel fun<strong>da</strong>mental no tratamento <strong>da</strong>s doenças e<br />

experiências enriquecedoras foram sendo acumula<strong>da</strong>s.<br />

Na sequência <strong>de</strong> saltos qualitativos no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> MTC, ao longo do tempo,<br />

como constitui o exemplo <strong>de</strong> Biǎn Què, foram criados alguns trabalhos <strong>de</strong><br />

sistematização teórica correspon<strong>de</strong>ntes aos quatro aspectos referidos: teoria,<br />

metodologia, prescrição, e farmácia:<br />

1. 黄帝内经 Huáng Dì Nèi Jǐng (Tratado <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> Interna do Imperador<br />

Amarelo) escrito 178 no início dos X ī Hàn (Hàn Oci<strong>de</strong>ntais – 206 a.C. – 9 d.C.),<br />

“trata sob a forma <strong>de</strong> perguntas e respostas os fenómenos fisiológicos e <strong>da</strong>s<br />

modificações patológicas do corpo humano, <strong>de</strong>screvendo pela primeira vez a<br />

circulação sanguínea e sublinha a importância do pulso no diagnóstico.<br />

Indicando os métodos <strong>de</strong> tratamento para 311 afecções e doenças relevando 44<br />

categorias diferentes, o livro insiste na necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> prevenir as doenças<br />

tratando-as através <strong>da</strong> fonte do mal” 179 . Tal obra estabeleceu o fun<strong>da</strong>mento<br />

teórico <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>:<br />

a. De facto, a obra refere que to<strong>da</strong>s as partes do corpo humano se<br />

encontram interrelaciona<strong>da</strong>s numa estrutura, po<strong>de</strong>ndo este facto<br />

verificar-se ao nível fisiológico, patológico, nos 脏府 zàng/fǔ 180 , e nos<br />

meridianos. Não obstante os 5 脏 zàng e os 6 府 fǔ <strong>de</strong>sempenhem<br />

178 Os historiadores não estão <strong>de</strong> acordo com a <strong>da</strong>ta em que a obra terá sido compila<strong>da</strong>, acreditando-se,<br />

porém, que é fruto <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> médicos que viveram do século V a.C. ao século III a.C., que<br />

recolheram e sistematizaram diversos trabalhos médicos.<br />

179 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire <strong>de</strong> Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 176.<br />

180 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.745<br />

51


papeis diferentes, todos eles trabalham em conjunto. Um <strong>de</strong>sequilíbrio<br />

numa parte do corpo afecta a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo o corpo que, por sua vez tem<br />

influência nas afecções locais. Do mesmo modo, o homem e a natureza,<br />

i.e., o homem e o seu ambiente, representados pela trilogia céu, homem,<br />

terra, são representados como uma um conjunto unitário, o que explica<br />

que a rotação <strong>da</strong>s estações e o clima afectam a saú<strong>de</strong> humana. O conceito<br />

<strong>de</strong> que o corpo é um todo orgânico, é um princípio fun<strong>da</strong>mental em<br />

MTC;<br />

b. A referência já efectua<strong>da</strong> à circulação sanguínea po<strong>de</strong> verificar-se<br />

quando a obra refere que “que o coração controla os vasos sanguíneos<br />

no corpo” 181 ;<br />

c. A obra <strong>de</strong>senvolve a relação entre as vísceras e os diversos tipos <strong>de</strong><br />

meridianos na dialéctica dos princípios interior/exterior, incluindo o<br />

ponto <strong>de</strong> vista terapêutico a efectuar;<br />

d. No <strong>de</strong>senvolvimento dos princípios agora referidos, o tratado integra a<br />

teoria 阴/阳 yīn/yáng 182 bem como a teoria dos 5 movimentos 183 . Ambas<br />

constituindo conceitos filosóficos <strong>da</strong> China Antiga.<br />

e. Uma atenção muito particular à prevenção <strong>da</strong> doença, leva esta obra a<br />

uma permanente actuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, numa acção precoce por parte do médico,<br />

advertindo contra a bruxaria, consi<strong>de</strong>rando que as doenças são curáveis,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>da</strong> competência do clínico.<br />

181 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration<br />

of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 23<br />

182 Originalmente, os termos阴 / 阳 yīn/yáng foram usados para indicar a relação <strong>de</strong> um objecto com o<br />

Sol, on<strong>de</strong> o elemento sob o Sol é o yáng e à sombra o y īn , símbolos estes que vieram a simplificar-se<br />

com o tempo. A Teoria yīn/yáng e dos Cinco Movimentos era utiliza<strong>da</strong> como dialéctica. Servia como<br />

puro e simples materialismo através do qual os antigos tentavam compreen<strong>de</strong>r o mundo e a filosofia <strong>da</strong><br />

natureza. Esta dialéctica tomou forma na Dinastia Zhou Oci<strong>de</strong>ntal e tornou-se corrente nos períodos <strong>da</strong><br />

Primavera e no Outono e do zhànguó - Reinos Combatentes. O termo yīn/ yáng surge primordialmente<br />

no Zhou Yi (Livro <strong>da</strong>s Mu<strong>da</strong>nças). Ao observarem a natureza, os antigos verificaram que to<strong>da</strong>s as coisas<br />

tinham dois aspectos antagónicos (positivo e negativo), nomea<strong>da</strong>mente, yīn/ yáng. A interacção e a<br />

dialéctica entre estes dois princípios impulsiona a criação e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as coisas.<br />

Utilizando a teoria do yīn/yáng, o Nèi Jǐng lidou essencialmente com a constituição do corpo humano<br />

dizendo: “O ser humano é formado naturalmente integrando o yīn e o yáng”; fisiologicamente “O yáng<br />

existe como Qi, enquanto o yīn assume formas”; patologicamente “o excesso <strong>de</strong> yáng conduz à doença<br />

do fluido yīn e vice-versa”.<br />

183 Os Cinco Movimentos, que inicialmente surgiram no Shi Ji (O livro <strong>da</strong> <strong>História</strong>) <strong>de</strong>ixaram a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

que a natureza consiste em 5 objectos básicos: Ma<strong>de</strong>ira, Fogo; Terra; Metal e Água. Até aos últimos anos<br />

do zhànguó - Reinos Combatentes, <strong>de</strong> acordo com as suas observações <strong>da</strong> natureza, e <strong>da</strong><br />

inter<strong>de</strong>pendência e interacção entre os Cinco Movimentos, foi forma<strong>da</strong> uma teoria <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m sistemática.<br />

A teoria dos 5 elementos julga-se que se referia às substâncias indispensáveis à vi<strong>da</strong> do homem, a saber:<br />

água, ma<strong>de</strong>ira, fogo, terra, metal. Mais tar<strong>de</strong>, juntaram-se-lhes os 5 sabores, 5 cores, 5 sons, com origem<br />

nas características <strong>da</strong>queles e cuja inter-relação é que promove a interacção mútua entre os 5 elementos.<br />

Desta i<strong>de</strong>ia, nasceu a prepon<strong>de</strong>rância <strong>da</strong> dinâmica sobre os próprios elementos, o que <strong>de</strong>u lugar à teoria<br />

dos 5 movimentos. Através <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong> teoria dos Cinco Movimentos, o Nèi Jǐng explicou<br />

principalmente a relação <strong>de</strong> inter propagação e inter inibição entre os mecanismos do corpo humano,<br />

tecidos e órgãos. Em circunstâncias normais, eles mantêm-se em homeostase através <strong>de</strong> uma mútua<br />

promoção, controlo, inibição e transformação <strong>da</strong>s funções viscerais, nem excessiva nem<br />

ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>mente, <strong>da</strong>ndo lugar às suas funções harmoniosas. O conceito holístico estabelecido no Nèi<br />

Jǐng é uma <strong>da</strong>s características básicas <strong>da</strong> MTC. Nèi Jǐng consi<strong>de</strong>ra que o corpo humano é um todo<br />

orgânico, ou seja, que o Homem e a Natureza, e o próprio corpo humano, assim como o Homem e o<br />

ambiente social constituem-se como partes <strong>de</strong> um todo. Esta i<strong>de</strong>ia é transmiti<strong>da</strong> ao longo <strong>de</strong> todo o livro.<br />

52


f. O seu impacto na estruturação e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> MTC foi enorme,<br />

tendo sido estu<strong>da</strong><strong>da</strong>, <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> e completa<strong>da</strong>, e servido <strong>de</strong> incentivo e<br />

<strong>de</strong> base para as obras que se lhe seguiram.<br />

g. A sua influência operou-se a nível filosófico, e sintetiza não só a<br />

experiência clínica mas também o conhecimento teórico antes <strong>da</strong>s<br />

dinastias Hàn e Qín, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacam ain<strong>da</strong> “pensamentos<br />

dialécticos e organicistas” tais como a origem <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, a causa <strong>da</strong>s<br />

doenças e a “relação entre aspectos espirituais e semânticos” 184 , base do<br />

pensamento científico <strong>de</strong>senvolvido mais tar<strong>de</strong>.<br />

184 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration<br />

of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 25<br />

53


Analisando as relações entre as emoções e o funcionamento do todo 185 , o Nèi Jǐng<br />

<strong>de</strong>fendia que as activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s emocionais do Homem são fenómenos normais, mas muitas<br />

<strong>de</strong>las lesarão o organismo e conduzirão à doença. Assim, o ajuste <strong>de</strong>ve ser feito<br />

praticando o conceito holístico, substituindo uma condição emocional anormal por uma<br />

normal, fazendo com que regresse ao normal. O Nèi Jǐng sintetizou <strong>de</strong> forma inteligível<br />

os conhecimentos médicos adquiridos antes <strong>da</strong>s dinastias Hàn e Qín, tendo sido a<br />

primeira antologia médica na China. Esta possui duas características principais: o<br />

conceito holístico e o diagnóstico e tratamento baseados numa análise global dos<br />

sintomas e sinais, os quais encontraram total expressão no Nèi Jǐng. Teorias do Nèi Jǐng<br />

tais como a relação entre Homem, Céu, Terra e natureza; víscera, meridianos principais<br />

e secundários; fisiologia e patologia; diagnóstico e tratamento; prevenção <strong>da</strong>s doenças e<br />

preservação <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>, entre outras, estabeleceram uma base teórica para a MTC.<br />

185 A título <strong>de</strong> exemplo, citarei, primeiramente, alguns Prémios Nobel <strong>da</strong> Física Quântica, dos dias <strong>de</strong><br />

hoje, que vêem corroborar uma obra como o Nèi Jǐng: “partículas isola<strong>da</strong>s <strong>de</strong> matéria são abstracções,<br />

as suas proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s são <strong>de</strong>finíveis e observáveis apenas através <strong>da</strong> sua interacção com outros sistemas”<br />

(Niels Bohr, “Atomic Physics and the Description of Nature”, p 57); “a teoria quântica revela assim a<br />

interconecção essencial que rege o universo. Mostra que não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>compor o mundo em pequenas<br />

uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s que existem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente”(Fritjof Capra, “O Tao <strong>da</strong> Física”, p.113, ); “uma partícula<br />

elementar não é uma enti<strong>da</strong><strong>de</strong> que exista in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente. É, em essência, um conjunto <strong>de</strong> relações<br />

que abrange externamente outras coisas” (H. Stapp, “S-matrix interpretation of quantum theory”, p.<br />

1310); “[…] dizemos que a iniludível interacção quântica <strong>de</strong> todo o universo é a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mental e<br />

que partes que se comportam <strong>de</strong> uma forma relativamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte são meras particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s e<br />

formas contingentes <strong>de</strong>ntro do todo”, (David Bohm & B.Hiley, “On the intuitive un<strong>de</strong>rstanding of<br />

nonlocality as implied by quantum theory”, «Foun<strong>da</strong>tions of Physics», vol 5 (1975)); “o Universo TGD<br />

[topológico-geometrodinâmico] é um sistema quântico crítico: isto significa que as correlações<br />

quânticas <strong>de</strong> longo alcance e, por isso, os sistemas quânticos macroscópicos também são possíveis em<br />

to<strong>da</strong>s as amplitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escalas”, (M. Pitkänen, “Spectroscopy of Consciousness”, p. 7 –<br />

http://www.physics.helsinki.fi/~matpitka/). Na área <strong>da</strong> Biologia: “Agora consi<strong>de</strong>ramos a vibração<br />

molecular no contexto do corpo no seu todo regulação sistémica, […] todos os sistemas estão<br />

interligados por um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> interacções e caminhos entrecruzados” James L. Oschman –<br />

“Energy Medicine”, 2000, p. 132. Na área <strong>da</strong> Fisiologia: “o corpo humano integrado é a soma <strong>de</strong><br />

milhares <strong>de</strong> processos e traços trabalhando em conjunto. Ca<strong>da</strong> movimento respiratório e ca<strong>da</strong> bater do<br />

coração envolve o trabalho conjunto <strong>de</strong> acontecimentos sem fim. Um número imenso <strong>de</strong> funções são<br />

efectua<strong>da</strong>s em simultâneo. As partes e processos num organismo são traçados em conjunto <strong>de</strong> uma forma<br />

muito intrica<strong>da</strong>. A coor<strong>de</strong>nação ocorre em milhares <strong>de</strong> pontos. Se não houvesse uma integração <strong>da</strong>s<br />

activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, a vi<strong>da</strong> seria um caos aleatório <strong>de</strong> acontecimentos físicos e químicos que chegariam a um fim<br />

<strong>de</strong>sconhecido. Na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ca<strong>da</strong> processo é a consequência do todo” – (E.F. Adolph – “Physiological<br />

Integrations in Action”, Physiologist 25(2) (April) Supplement; Mas ousando ir um pouco mais além<br />

o黄帝内经 Huáng Dì Nèi Jǐng contém conceitos que talvez só possam vir a ser compreendidos no<br />

Oci<strong>de</strong>nte, no futuro: “As experiências recentes do prof. John Ecclès, Prémio Nóbel <strong>de</strong> Neurophysiologia,<br />

mostra-nos que logo que um neurónio é afectado no cérebro, todos os outros o são instantaneamente, a<br />

uma veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> que ultrapassa <strong>de</strong> longe a <strong>da</strong> circulação do influxo nervoso e a <strong>da</strong> luz […] força-nos a<br />

reconhecer a base comum subjacente duma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> multidimensional ultrapassando e englobando as<br />

nossas condições <strong>de</strong> tempo, <strong>de</strong> espaço, <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong> […] o professor Wigner, Prémio Nobel <strong>da</strong> Física,<br />

consi<strong>de</strong>ra que a consciência se comporta como uma função <strong>de</strong> on<strong>da</strong> <strong>da</strong> mecânica quântica e <strong>de</strong>clara que<br />

«o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro estudo do mundo físico conduz à conclusão que o conteúdo <strong>da</strong> consciência é uma<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> última». Noutros termos, <strong>de</strong>clara o Dr. Brosse, a dinâmica quântica é uma dinâmica <strong>de</strong><br />

estados <strong>de</strong> conhecimento, <strong>de</strong> excitações <strong>da</strong> consciência do que uma dinâmica <strong>de</strong> objectos físicos.” (R.<br />

Linssen – “Science et Conscience revolution interieure”, Etre Libre, nº 286 (jan-mar-1981). Tais<br />

referências vêm confirmar o que, em 1931, já afirmava o cientista matemático e astrónomo Sir James<br />

Jeans: “O universo mais se parecia com um gran<strong>de</strong> pensamento do que com uma gran<strong>de</strong> máquina. Po<strong>de</strong><br />

ser até que o que nós pensamos que seja real e universo físico não passe <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> interferência<br />

(um pequeno flash <strong>de</strong> luz impertinente) no mundo do pensamento” (Sir James Jeans – “The Mysterious<br />

Universe”, 1933).<br />

54


A China teve um <strong>de</strong>senvolvimento precoce em Matéria Médica. Des<strong>de</strong> as dinastias<br />

Hàn e Qín, o crescimento <strong>da</strong>s trocas comerciais <strong>de</strong>ntro do país e no estrangeiro<br />

provocou um aumento contínuo <strong>de</strong> novas varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> plantas medicinais. Até aos<br />

primeiros anos <strong>da</strong> dinastia Hàn oci<strong>de</strong>ntal, existiam já diversos trabalhos em matéria<br />

médica que se distribuíram pela população.<br />

Os registos do livro <strong>da</strong> se<strong>da</strong> intitulado “ Wu Shi Er Bing Fang” (Cinquenta e duas<br />

doenças e fórmulas), <strong>de</strong>senterrado dos túmulos Mawangdui, mencionam cerca <strong>de</strong> 247<br />

tipos <strong>de</strong> produtos farmacêuticos.<br />

A primeira monografia existente sobre a ciência <strong>da</strong> matéria médica chinesa foi Shén<br />

Nóng Bĕn Cǎo Jing o qual surgiu aproxima<strong>da</strong>mente na transição do primeiro para o<br />

segundo século e que po<strong>de</strong> ser classificado como o primeiro sumário <strong>da</strong> ciência <strong>da</strong><br />

matéria médica chinesa.<br />

2. 农本草经 Shén Nóng Bĕn Cǎo Jing “A matéria médica do imperador Shén<br />

Nóng”, “uma farmacopeia dos Han <strong>de</strong> Leste [ Dōng Hàn - Hàn Orientais –<br />

25 – 220 d.C.) 186 ], <strong>de</strong>screve as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, o tempo e o método <strong>de</strong> colheita, a<br />

virtu<strong>de</strong> terapêutica e a aplicação combina<strong>da</strong> <strong>de</strong> 365 elementos medicinais dos<br />

quais 252 <strong>de</strong> origem vegetal, 67 <strong>de</strong> origem animal e 46 <strong>de</strong> origem mineral” 187 .<br />

a. Os elementos encontram-se classificados em três categorias, <strong>de</strong> acordo<br />

com a mais antiga caracterização dos elementos farmacológicos com<br />

base nos seus efeitos e aplicações 188 :<br />

i. shàng pǐn (quali<strong>da</strong><strong>de</strong> superior <strong>de</strong> elementos medicinais) – a<br />

maior parte do tipo alimentício, tonificante e fortificante, não<br />

tóxicos e preparados para administração a longo prazo, tais como:<br />

Radix Ginseng, Frutus Jujubæ e Fructus Lycii;<br />

ii. zhōng pǐn (quali<strong>da</strong><strong>de</strong> intermédia <strong>de</strong> elementos medicinais) –<br />

inclui tanto elementos tóxicos com não tóxicos, tais como Radix<br />

Astragali, Bulbus Lilii, Radix A<strong>de</strong>nophoræ, Rizoma Coptidis,<br />

Frutus Schisandræ e Herba Ephedræ, que, usados correctamente,<br />

têm um efeito curativo e po<strong>de</strong>m fortalecer um corpo<br />

enfraquecido;<br />

iii. xià pǐn (quali<strong>da</strong><strong>de</strong> inferior <strong>de</strong> elementos medicinais) –<br />

elementos potentes, tóxicos que po<strong>de</strong>m ser usados para tratar<br />

casos graves, entre os quais se encontra a Radix Euphoriæ<br />

Pekinensis, Flos Genkwa, Radix Kansui, Radix Aconiti e Radix<br />

Aconiti Lateralis Preparata.<br />

186 Fruto do trabalho <strong>de</strong> diversos médicos (físicos), escrito e compilado durante um período <strong>de</strong> tempo<br />

bastante extenso, só nesta época estava concluído, constituíndo-se como a acumulação do saber<br />

farmacológico anterior à dinastia Hàn.<br />

187 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire <strong>de</strong> Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 176<br />

188 É curioso notar que esta classificação é a que é, ain<strong>da</strong> hoje, segui<strong>da</strong> pela Fitoterapia Oci<strong>de</strong>ntal –<br />

Llopis, Prof. Doutor Carlos – Fitoterapia <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> - Seminário, in Choy, Dr. Pedro (Dir.)<br />

«Curso <strong>de</strong> Acupunctura e Fitoterapia <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>», Lisboa, APA-DA, 2002, s.p.<br />

55


. Inclui um breve resumo <strong>de</strong> teorias farmacêuticas. O princípio <strong>da</strong> sua<br />

elaboração estipula que uma fórmula <strong>de</strong>verá incluir quatro tipos<br />

diferentes <strong>de</strong> elementos, o imperador jun , o 1º ministro chen , o<br />

assistente zuo e o embaixador shi <strong>de</strong> acordo com os papéis diferentes<br />

que eles jogam na fórmula fitoterápica; a harmonia entre os sete tipos <strong>de</strong><br />

emoções; e as quatro proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s e cinco sabores dos elementos<br />

fitoterápicos simples;<br />

c. Dá uma <strong>de</strong>scrição <strong>da</strong>s funções, indicações e administração dos elementos<br />

medicinais, para o tratamento <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 170 doenças diferentes on<strong>de</strong> se<br />

inclui medicina interna, cirurgia, ginecologia, pediatria, e os órgãos dos<br />

cinco sentidos;<br />

d. Descrição <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, lugares <strong>de</strong> origem, momento <strong>de</strong> recolha,<br />

meios <strong>de</strong> preparação e métodos para <strong>de</strong>terminar o controlo <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> medicina;<br />

e. Não obstante ser um salto qualitativo imenso, na teoria farmacêutica,<br />

relativamente a obras anteriores em que se inclui o próprio 黄帝内经<br />

Huáng Dì Nèi Jǐng (Tratado <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> Interna do Imperador<br />

Amarelo), esta obra ain<strong>da</strong> contém algumas superstições que se po<strong>de</strong>m<br />

avaliar por frases como “a administração por tempo prolongado torna a<br />

pessoa imortal” 189 . Porém, a obra permaneceu popular por mais <strong>de</strong> 500<br />

anos.<br />

3. Shāng hán lún "Tratado <strong>da</strong>s doenças do frio e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns diversas" 190<br />

elaborado (196-204 d.C.) por 张仲景 Zhāng Zhòngjǐng, gran<strong>de</strong> médico <strong>da</strong><br />

época S ā n Guó (Três Reinos) 191 , integrando a base teórica do 黄帝内经<br />

Huáng Dì Nèi Jǐng e na sua experiência clínica, estabeleceu o princípio<br />

terapêutico na prestação <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong> acordo com a diferenciação dos<br />

sintomas e sinais, com base na criação do princípio científico, ain<strong>da</strong> hoje em<br />

uso, que orienta a prática clinica <strong>da</strong> MTC:<br />

a. “<strong>de</strong>screve os métodos <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong> diferentes tipos <strong>de</strong> febres” 192 .<br />

“Este livro conta com 113 prescrições basea<strong>da</strong>s em 100 «matérias –<br />

primas»; 10 são <strong>de</strong> origem animal, 7 <strong>de</strong> origem mineral e to<strong>da</strong>s as<br />

restantes são plantas” 193 .<br />

b. O autor usa a sua experiência clínica e observações meticulosas para<br />

obter um estudo compreensivo dos mo<strong>de</strong>los patogénicos <strong>da</strong>s doenças<br />

febris, formulando um conjunto <strong>de</strong> novas abor<strong>da</strong>gens aos métodos<br />

189 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration<br />

of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 27<br />

190 O termo “doenças febris” é um termo genérico usado para <strong>de</strong>screver um grupo <strong>de</strong> doenças em que a<br />

febre é o principal sintoma. Nele se incluem algumas <strong>da</strong>s doenças consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s hoje como infecções<br />

agu<strong>da</strong>s. Aten<strong>de</strong>ndo a que a obra 黄帝内经 Huáng Dì Nèi Jǐng consi<strong>de</strong>rava que a etiologia <strong>de</strong>stas<br />

doenças se encontrava shāng hán (sendo afecta<strong>da</strong> pelo frio), 张仲景 Zhāng Zhòngjǐng nomeou estas<br />

doenças <strong>de</strong> shāng hán.<br />

191 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire <strong>de</strong> Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 256<br />

192 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire <strong>de</strong> Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 256<br />

193 Choy, Pedro – Fitoterapia <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> – Generali<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Associação Portuguesa <strong>de</strong><br />

Acupunctura e Disciplinas Associa<strong>da</strong>s (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2000, p. 3<br />

56


华佗 Huà Tuó<br />

terapêuticos tendo em consi<strong>de</strong>ração o processo <strong>de</strong> como a doença<br />

causa<strong>da</strong> por factores patogénicos exógenos <strong>de</strong>senvolvem e alteram os<br />

脏府 zàng/fǔ, a intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> energia 卫气 wèiqì 194 , a<br />

particulari<strong>da</strong><strong>de</strong> dos sintomas manifestados <strong>de</strong> acordo com os seis níveis<br />

energéticos. O autor salienta que todos os sinais e sintomas <strong>de</strong>vem ser<br />

tomados em consi<strong>de</strong>ração e que a natureza <strong>da</strong> doença <strong>de</strong>ve ser estu<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

com base nas inter-relações existentes entre os sinais e sintomas;<br />

c. Sintetiza os<br />

i. sì zhĕn - quatro métodos <strong>de</strong> diagnóstico <strong>da</strong> MTC 195 :<br />

observação, auscultação e cheiro, interrogatório e palpação;<br />

ii. bā gāng – as oito noções fun<strong>da</strong>mentais 196 : yīn/yáng,<br />

exterior/interior, frio/calor, vazio/plenitu<strong>de</strong>;<br />

iii. bā fǎ – as oito técnicas terapêuticas 197 : sudorificação,<br />

purgação, calorificação, purificação, dispersão, tonificação,<br />

regulação, tonificação <strong>da</strong> via digestiva.<br />

d. Integra a teoria com a prática em MTC, envolvendo metodologia,<br />

fórmulas e farmacopeia;<br />

e. Inclui a introdução aos métodos clínicos para o tratamento <strong>de</strong> urgências,<br />

tais como a reanimação <strong>de</strong> pacientes soprando para as narinas <strong>de</strong> forma a<br />

causar espirro; tratamento <strong>de</strong> intoxicação alimentar através <strong>de</strong> purgação<br />

ou vómito; respiração artificial em casos <strong>de</strong> sufoco;<br />

f. Em etiologia foi o primeiro a avançar com a i<strong>de</strong>ia que to<strong>da</strong>s as doenças<br />

po<strong>de</strong>m incluir-se nas s ā n yīn zhī bìng - três categorias etiológicas:<br />

i. Factores patogénicos invadindo os 脏府zàng/fǔ através dos<br />

meridianos, surgindo do interior do corpo;<br />

ii. Obstrução dos vasos que ligam os quatro membros e os nove<br />

orifícios do corpo, causa<strong>da</strong> por ataque <strong>de</strong> Xié 198 ;<br />

iii. Injúria <strong>de</strong>vido a abuso <strong>de</strong> equilíbrio sexual, trauma ou feri<strong>da</strong>s<br />

traumáticas.<br />

g. Desenvolvimento <strong>da</strong> ciência <strong>da</strong> prescrição com a criação <strong>de</strong> diversas<br />

fórmulas fitoterápicas: se o 农本草经 Shén Nóng Bĕn Cǎo Jing inclui<br />

cerca <strong>de</strong> uma trintena <strong>de</strong> prescrições, o Shāng hán lún apresenta 375<br />

prescrições, envolvendo 214 elementos medicinais.<br />

194<br />

Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.678<br />

195<br />

Choy, Dr. Pedro (Dir.) - Manual do Curso <strong>de</strong> Acupunctura e Fitoterapia <strong>Chinesa</strong> <strong>Tradicional</strong>. 2º Ano,<br />

vol. 1, Lisboa, Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura e Disciplinas Associa<strong>da</strong>s, Ciclostilado, s/d, p.35<br />

196<br />

Choy, Dr. Pedro (Dir.) - Manual do Curso <strong>de</strong> Acupunctura e Fitoterapia <strong>Chinesa</strong> <strong>Tradicional</strong>. 2º Ano,<br />

vol. 1, Lisboa, Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura e Disciplinas Associa<strong>da</strong>s, Ciclostilado, s/d,<br />

pp.137-138<br />

197<br />

Choy, Dr. Pedro (Dir.) - Manual do Curso <strong>de</strong> Acupunctura e Fitoterapia <strong>Chinesa</strong> <strong>Tradicional</strong>. 2º Ano,<br />

vol. 2, Lisboa, Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura e Disciplinas Associa<strong>da</strong>s, Ciclostilado, s/d, p.8<br />

198<br />

Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.701<br />

57


No século II <strong>da</strong> nossa era, na época dos D ō ng Hàn – Hàn Orientais (25-220 d.C.),<br />

viveu um proeminente médico-cirurgião e investigador, nascido em 谯 Qiáo (141-208<br />

d.C.), no estado <strong>de</strong> 沛 Pèi, <strong>de</strong> nome 华佗 Huà Tuó 199 . Enquanto jovem, o seu interesse<br />

na leitura abrangia astronomia, geografia, literatura, história, medicina e agricultura.<br />

Ain<strong>da</strong> como estu<strong>da</strong>nte, leu as duas primeiras obras que referimos acima, e praticou<br />

medicina, tendo-se tornado conhecedor <strong>de</strong> medicina interna, cirurgia, ginecologia,<br />

pediatria, acupunctura e moxibustão, sendo conhecido pela sua perícia como cirurgião.<br />

Da sua acção po<strong>de</strong>mos distinguir:<br />

a. De acordo com os registos históricos foi a primeira pessoa na China e no mundo<br />

que usou anestesia. Quando surgia um caso cirúrgico que não podia ser<br />

resolvido com fitoterapia, acupunctura ou moxibustão, ele <strong>da</strong>va ao paciente uma<br />

mistura <strong>de</strong> vinho com m ǎ feī – morfina, que lhe <strong>da</strong>va a beber, fazendo a<br />

operação após o paciente per<strong>de</strong>r to<strong>da</strong>s as sensações. Com esta praxis, realizou<br />

inúmeras operações abdominais, dizendo-se que teria incluído operações a<br />

apendicite agu<strong>da</strong>, conseguindo recuperações ao fim <strong>de</strong> um mês. A prática <strong>da</strong><br />

anestesia chinesa com base em ervas, ain<strong>da</strong> hoje em uso, baseia-se no método<br />

inventado por 华佗 Huà Tuó.<br />

b. Outra realização <strong>de</strong> Huà Tuó foi a criação do 禽戏 wǔ qín xì – jogo dos cinco<br />

animais (Fig.15). Nele é <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> a i<strong>de</strong>ia que a activi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> exercícios<br />

físicos regulares e com perseverança são a base <strong>de</strong> um cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Huà<br />

Tuó consi<strong>de</strong>rava que “o corpo necessita exercício, mas sem haver excesso. O<br />

movimento consome energia produzi<strong>da</strong> pelo alimento e promove a circulação<br />

sanguínea levando o corpo a estar livre <strong>de</strong> doenças como uma dobradiça <strong>de</strong><br />

porta nunca tem caruncho” 200 . A observação do movimento dos animais induziu<br />

nele a criação <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> exercícios imitando aqueles, nomea<strong>da</strong>mente, o<br />

tigre a saltar, o cervo a correr, urso escalando uma montanha, macaco pendurado<br />

na árvore, e o pássaro espraiando as suas asas para voar, <strong>de</strong>senvolvendo o<br />

sistema antigo <strong>de</strong> ginástica 禽戏 wǔ qín xì.<br />

199<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.374<br />

200<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration<br />

of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 33<br />

58


c. Em acupunctura e moxibustão <strong>de</strong>scobriu os pontos 华佗夹 Huà Tuó Jiā Jǐ -<br />

Paravertebrais <strong>de</strong><br />

Huà Tuó<br />

201<br />

,<br />

conhecidos, também,<br />

por HM21 202 ou ain<strong>da</strong><br />

por 85PC 203 ,<br />

consistem em 34<br />

pontos situados a<br />

meio cùn para fora<br />

<strong>da</strong> extremi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

inferior <strong>da</strong> apófise<br />

espinhosa <strong>de</strong> ca<strong>da</strong><br />

vértebra, 17 para ca<strong>da</strong><br />

lado. São pontos <strong>de</strong><br />

inserção do vaso 络<br />

luò do 督脉 dū mài,<br />

porém, à luz <strong>da</strong><br />

medicina oci<strong>de</strong>ntal, a<br />

sua acção não <strong>de</strong>verá<br />

ser estranha ao<br />

conceito <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>rmátomo 204 . A sua<br />

acção tanto é eficaz<br />

localmente, por<br />

exemplo em mielites, como a sua estimulação é igualmente eficaz em<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s afecções dos órgãos internos. “Se se produzem modificações<br />

patológicas ao nível <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado órgão, aparece um ponto sensível ao<br />

nível correspon<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> coluna vertebral. Po<strong>de</strong> obter-se resultados aplicando o<br />

tratamento a estes pontos correspon<strong>de</strong>ntes” 205<br />

Fig.15 – 禽戏 wǔ qín xì – jogo dos cinco animais,<br />

inventado por 华佗 Huà Tuó<br />

201 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.499<br />

202 Académie <strong>de</strong> médicine traditionnelle chinoise (Pékin) – Précis d’acupuncture chinoise. St-Jean-<strong>de</strong>-<br />

Braye, Éditions Dangles, 1977, p.240<br />

203 Bijaoui, André – Pontos curiosos e Massagem energética chinesa - Seminário, in Choy, Dr. Pedro<br />

(Dir.) «Curso <strong>de</strong> Acupunctura e Fitoterapia <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>», Lisboa, APA-DA, 2000, p.30<br />

204 Wynsberghe, Donna Van et alli- Human Anatomy & Physiology. 3ª ed. McGraw-Hill, Inc., 1995,<br />

pp.469-474<br />

205 Académie <strong>de</strong> médicine traditionnelle chinoise (Pékin) – Précis d’acupuncture chinoise. St-Jean-<strong>de</strong>-<br />

Braye, Éditions Dangles, 1977, p.240<br />

59


O pleno <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> e Farmacopeia <strong>Chinesa</strong> (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> as<br />

Dinastias X ī Jìn, (anterior) e Hòu Jín, (posterior) até às Dinastias 隋<br />

Sui, 唐 Tang e W ǔ <strong>da</strong>ì (Cinco Dinastias), (265d.C. – 960d.C.)<br />

60


Cronologia <strong>de</strong> 220 a 960<br />

China do Norte Sichuan<br />

Wei em Luoyang<br />

(220-265)<br />

Englobam Shu em 263<br />

X ī Jìn (anteriores) em Luoyang (265-316)<br />

Shiliu Guo (<strong>de</strong>zasseis reinos)<br />

(304-439)<br />

BeiWei (do Norte) (386-535)<br />

unificam a China do Norte em<br />

439, c/ capital em Luoyang<br />

S ā n Guó (três reinos)(220–280)<br />

Shu em Chengdu<br />

(221-263)<br />

China do Yangzi e<br />

do Sul<br />

Wu em Nankin<br />

(222-280)<br />

Suce<strong>de</strong>m aos Wei em 265<br />

Aglutinam Wu em 280<br />

Recuam em Nankin em 317<br />

Nanbeichao (Dinastias do Norte e do Sul)<br />

(317-589)<br />

LiuChao (Seis dinastias)<br />

China do Nor<strong>de</strong>ste China do Noroeste<br />

DongWei (Oriental), em XiWei (Oci<strong>de</strong>ntal), em<br />

Ye (534-550)<br />

Chang An (535-557), que<br />

englobam o Sichuan em<br />

553<br />

Bei Qi (Norte), em Ye BeiZhou (Norte), em<br />

(550-577)<br />

Chang An (557-581)<br />

ChengHan, em Hòu Jín (posteriores) em<br />

Chengdu<br />

Nankin<br />

(304-347)<br />

(317-420)<br />

em 347 englobam o Sichuan<br />

LiuSong (420-479)<br />

Nan Qi (Sul)(479-502)<br />

Nan Liang (Sul)(502-<br />

557)<br />

Chen (557-589)<br />

Englobam os Bei Qi , 577<br />

Sui (581-618) suce<strong>de</strong>m aos BeiZhou em Chang An (581)<br />

englobam os Chen (China do Sul) em 589<br />

(Unificação entre o Norte e Sul)<br />

Tang (618-907) por LiYuan<br />

Período em que o Norte e o Sul se separam novamente<br />

WuDai (5 dinastias – 907-960) Norte<br />

ShiGuo (10 reinos – 902- 979) Sul<br />

As duas Dinastias Jìn e as Dinastias do Norte e do Sul (265–581) foram um dos<br />

períodos mais caóticos <strong>da</strong> história <strong>Chinesa</strong>: conflitos entre as classes e <strong>de</strong> âmbito<br />

nacional, assim como <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m entre a própria classe governante, foram terrivelmente<br />

61


incisivos e complicados, cujo resumo esquemático tenta eluci<strong>da</strong>r duma forma simplista<br />

a evolução diacrónica e sincrónica do中国 Zhōngguó, <strong>de</strong> 220-589 d.C.<br />

Em 265, Sima Yan aboliu o Reinado <strong>de</strong> Wei (220–265) e estabeleceu a Dinastia<br />

Jìn anteriores com<br />

Luoyang como<br />

capital. Porém, a<br />

<strong>de</strong>sunião dos Três<br />

Estados S ā n Guó<br />

(três reinos)(220–<br />

280): X ī Jìn;<br />

Shu; Wu conduziu<br />

a um <strong>de</strong>sfecho e <strong>de</strong>u<br />

lugar a uma China<br />

uni<strong>da</strong> em 280.<br />

Porém, a China<br />

voltou a ter nova<br />

guerra entre as<br />

classes governantes,<br />

levando à separação<br />

<strong>da</strong> China em duas<br />

regiões distintas: a<br />

do Norte e a do Sul,<br />

em 317, situação<br />

que se manteve até<br />

à dinastia Sui , em<br />

581.<br />

Fig.16 – A fragmentação <strong>da</strong> China política durante a época<br />

<strong>da</strong>s WuDai (Cinco Dinastias) (a<strong>da</strong>pt. Gernet, 1999)<br />

A cronologia acima exposta mostra mais em pormenor os acontecimentos dinásticos, <strong>de</strong><br />

220 a 960. Em 386 foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> a Dinastia Bei Wei (do Norte) (386-535), <strong>da</strong>ndo<br />

continui<strong>da</strong><strong>de</strong> à separação <strong>da</strong> China entre o Norte e o Sul. No Sul <strong>da</strong> China, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

termina<strong>da</strong> a Dinastia X ī Jìn (anteriores), em 317, é edifica<strong>da</strong> a Dinastia Hòu Jín<br />

(posterior), a qual após exercer a soberania durante aproxima<strong>da</strong>mente um século foi<br />

substituí<strong>da</strong> pelas Dinastias LiuSong, Qi (479-502), Liang e Chen, conheci<strong>da</strong>s como as<br />

Dinastias do Sul (420–589). .<br />

Em 581 Yang Jian, o Primeiro Ministro <strong>da</strong> BeiZhou (Norte) (557 – 581 ) usurpou o<br />

po<strong>de</strong>r estatal e <strong>de</strong>u o nome <strong>de</strong> Sui (581-618) à nova dinastia. Em 589 os exércitos Sui<br />

marcharam em direcção ao Sul para aniquilar os Chen (557-589) e terminar com a<br />

divisão entre Norte e Sul, que havia durado cerca <strong>de</strong> trezentos anos. Em 618 Li Yuan,<br />

que se auto intitulava “ 祖 Gao Zu Fun<strong>da</strong>dor do Tang”, estabeleceu a sua posição<br />

como Imperador, formando assim a Dinastia Tang. Os regentes feu<strong>da</strong>is Tang<br />

reforçaram a centralização do po<strong>de</strong>r estatal e <strong>de</strong>ram mais importância à prossecução e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> produção agrícola, área on<strong>de</strong> fizeram enormes progressos.<br />

62


Assim, emergiu a chama<strong>da</strong> “Or<strong>de</strong>m grandiosa durante os anos <strong>de</strong> Zhen Guan” 206<br />

(627-650), segui<strong>da</strong> pelo “Apogeu <strong>de</strong> Kaiyuan” (713-742) 207 , que foram os tempos<br />

mais brilhantes <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>Chinesa</strong> feu<strong>da</strong>l.<br />

Em 907 a China mergulhou mais uma vez no caos através, no Norte, <strong>da</strong>s WuDai<br />

(Cinco Dinastias) e, no Sul, dos ShiGuo (Dez Reinos) (Fig.16). Até 960, após<br />

mu<strong>da</strong>nças sucessivas por cinco Dinastias, nomea<strong>da</strong>mente as HouLiang, HouTang,<br />

HouJin, HouHan e HouZhou, a China foi novamente uni<strong>da</strong> por Zhao Kuangyin<br />

(927-976), fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> Dinastia BeiSong (do Norte).<br />

Na consequência <strong>da</strong> unificação do país, no princípio e a meio <strong>da</strong> Dinastia Tang, as<br />

forças produtivas, as comunicações com outros países, a economia e a ciência tiveram<br />

avanços prósperos e sem prece<strong>de</strong>ntes. A China tornou-se num dos países mais<br />

po<strong>de</strong>rosos do mundo, tendo sido sob esta dinastia que se <strong>de</strong>u a gran<strong>de</strong> expansão dos<br />

Chineses na Ásia Central. O sistema legal do governo assegurou o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong><br />

medicina e <strong>da</strong> formação médica, registando-se avanços proeminentes no estudo clínico.<br />

Ao longo do período <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as Dinastias Jin a Sui, Tang e Cinco Dinastias, as três<br />

principais escolas <strong>de</strong> pensamento chinesas: Confucionismo, Taoismo e Budismo,<br />

formaram um confronto tripartido. O pensamento religioso prevaleceu e teve uma<br />

influência directa sobre a teoria e a prática clínica. A escola <strong>de</strong> Confúcio havia sido,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Dinastia Han, o sustentáculo espiritual do domínio feu<strong>da</strong>l chinês 208 , e as suas<br />

éticas afectaram a formação <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ologia <strong>da</strong> MTC.<br />

Templos budistas foram construídos por to<strong>da</strong> a China, estátuas <strong>de</strong> Bu<strong>da</strong> foram<br />

esculpi<strong>da</strong>s, as escrituras Budistas foram traduzi<strong>da</strong>s e as doutrinas budistas foram<br />

dissemina<strong>da</strong>s. E mais ain<strong>da</strong>, o Budismo tornou-se mo<strong>da</strong> e i<strong>de</strong>ias tais como<br />

transmigração e retribuição criaram raízes profun<strong>da</strong>s entre as multidões. Porém,<br />

“po<strong>de</strong>mos assinalar aqui que os termos «budismo chinês» e «budismo na China» não<br />

são necessariamente sinónimos […] o «budismo chinês» é a forma <strong>de</strong> budismo que<br />

entrou em contacto com o pensamento chinês e que se <strong>de</strong>senvolveu assim em correlação<br />

com a tradição filosófica chinesa, […] a escola búdica do Caminho médio comporta<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s parecenças com o taoísmo filosófico” 209<br />

Em conjunto com o Budismo, os conhecimentos médicos árabes foram levados para a<br />

China, enriquecendo a MTC. Provas <strong>de</strong>ste facto po<strong>de</strong>m ser aprecia<strong>da</strong>s em livros<br />

médicos representativos <strong>da</strong> Dinastia 唐Tang. Porém, obviamente as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> teísmo e<br />

fatalismo constituíam influências que alteravam o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> MTC.<br />

206<br />

Nome <strong>da</strong>do ao período do reinado (627-650) do imperador TaiZong <strong>da</strong> dinastia Tang. Vi<strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ograma [285] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999,<br />

p.49<br />

207<br />

Nome <strong>da</strong>do ao período do reinado (713-742) do imperador XuanZong <strong>da</strong> dinastia Tang. Vi<strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ograma [2524] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999,<br />

p.484<br />

208<br />

Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire <strong>de</strong> la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail,<br />

1992, p. 203<br />

209<br />

Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire <strong>de</strong> la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail,<br />

1992, p. 252<br />

63


Contudo, ao longo <strong>de</strong>ste período, a influência Taoísta predominou. O lendário fun<strong>da</strong>dor<br />

do Taoísmo, Lao Zi (Velho Mestre), cujo nome ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro era Li Dan 210 , foi<br />

postumamente confirmado como um ancestral remoto <strong>da</strong> família Li pelos dirigentes<br />

Tang para colocar as forças taoístas numa posição favorável.<br />

Primeiramente, o Taoísmo <strong>de</strong>fendia i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> paz, <strong>de</strong>ixando as coisas percorrer o seu<br />

próprio <strong>de</strong>stino sem interferências, como caminho para atingir a imortali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o que<br />

promovia a manutenção <strong>de</strong> um bom estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Neste período, as três escolas <strong>de</strong> pensamento trabalhavam ao mesmo tempo coniventes<br />

entre si mas também em conflito umas com as outras. No que respeita a trabalhos<br />

médicos, as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong>stas três escolas expressavam-se em conformi<strong>da</strong><strong>de</strong>. A título <strong>de</strong><br />

exemplo, Sun Simiao, um notável cientista médico <strong>da</strong> dinastia Tang era intitulado<br />

respeitosamente como “ Sun Zhen Ren” (homem ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro). Os seus trabalhos estão<br />

incluídos num aglomerado <strong>de</strong> trabalhos clássicos taoistas.<br />

Além do mais, avanços <strong>da</strong>s forças produtivas e o bom <strong>de</strong>senvolvimento dos meios <strong>de</strong><br />

transporte promoveram o intercâmbio médico entre as diversas nacionali<strong>da</strong><strong>de</strong>s chinesas.<br />

Uma menção especial <strong>de</strong>ve ser feita à <strong>Medicina</strong> Tibetana. Esta absorveu conhecimentos<br />

e experiências clínicas do interior <strong>da</strong> China e <strong>de</strong>senvolveu-as <strong>de</strong> tal forma que, como<br />

resultado, criaram o seu próprio sistema teórico.<br />

Durante a época <strong>da</strong>s Dinastias Sui e Tang a prosperi<strong>da</strong><strong>de</strong> e força <strong>da</strong> nação, assim como<br />

o <strong>de</strong>senvolvimentos <strong>da</strong>s vias <strong>de</strong> comunicação e transporte permitiram intercâmbios mais<br />

frequentes entre a China e países estrangeiros. A MTC foi amplamente difundi<strong>da</strong> pelo<br />

Japão, Coreia, Vietname, India, Arábia e outros países e regiões, afectando<br />

favoravelmente o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s suas próprias medicinas.<br />

Ao mesmo tempo, a MTC incorporou diversos conhecimentos médicos estrangeiros,<br />

agregando-os e infiltrando-os no seu próprio sistema teórico, enriquecendo assim a<br />

MTC.<br />

Sistematização <strong>da</strong> palpação do pulso<br />

O 脉经 Mai Jing (Clássico do Pulso) 211 é a primeira monografia em esfigmologia<br />

existente no mundo e teve um gran<strong>de</strong> efeito sobre esta temática. Praticamente to<strong>da</strong>s as<br />

esfigmologias posteriores foram basea<strong>da</strong>s no Mai Jing.<br />

王叔和 Wang Shuhe, viveu por volta do século III (280d.C.) e nasceu em Gao Ping<br />

(actualmente Jining, Província <strong>de</strong> Shandong). Ele foi o médico imperial.<br />

O importante contributo <strong>da</strong>do por Wang à medicina foi a sistematização e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> esfigmologia. A palpação do pulso é um dos quatro métodos <strong>de</strong><br />

210<br />

Yeou-Lan, Fong – Précis d’Histoire <strong>de</strong> la Philosophie Chinoise. Aix-en-Provence, Éditions Le Mail,<br />

1992, p. 110<br />

211<br />

Choy, Dr. Pedro – Método diagnóstico: palpação. Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura e<br />

Disciplinas Associa<strong>da</strong>s (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2002, p.6<br />

64


diagnóstico tal como a inspecção, auscultação e interrogatório, e <strong>de</strong>sempenha um papel<br />

fun<strong>da</strong>mental no diagnóstico <strong>da</strong> MTC. Apesar <strong>de</strong> outros médicos anteriores à Dinastia<br />

Jin, tais como Bian Que (sec. V a.C.), 华佗 Hua Tuo (? – 208) e 张仲景 Zhang<br />

Zhongjing (cerca <strong>de</strong> 150-219) 212 tivessem já realizado estudos consi<strong>de</strong>ráveis em<br />

esfigmologia, ain<strong>da</strong> lhes faltava um ajustamento preciso e sistemático.<br />

Na sua prática clínica, Wang Shuhe conseguiu aperceber-se <strong>da</strong> importância e <strong>da</strong><br />

complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> palpação do pulso.<br />

Wang Shuhe <strong>de</strong>scobriu e <strong>de</strong>finiu 24 tipos <strong>de</strong> pulso: flutuante; profundo; cheio;<br />

escorregadio; rápido; apressado; tenso; oco; esticado; firme; timpânico; repleto;<br />

indistinto; variável; em cor<strong>da</strong>; leve; débil; fraco; disperso; mo<strong>de</strong>rado; lento; enre<strong>da</strong>do;<br />

intermitente e trémulo. Estes incluem praticamente to<strong>da</strong>s as categorias <strong>de</strong> pulso que<br />

po<strong>de</strong>m ser encontra<strong>da</strong>s em prática clínica. Porém, nas gerações seguintes as categorias<br />

<strong>de</strong> pulso foram classifica<strong>da</strong>s em mais tipos, mantendo-se estes 24 como sendo os<br />

básicos.<br />

O Nan Jing (Clássico <strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s) refere posteriormente a i<strong>de</strong>ia <strong>da</strong> “Palpação do<br />

pulso só no Cùnkǒu”. Cunkou situa-se no pulso sobre a artéria radial, na zona<br />

circun<strong>da</strong>nte do Tàiyuān (9P). De acordo com a teoria <strong>da</strong> MTC, o sangue circula através<br />

do Pulmão e todos os meridianos se encontram no Taiyuan (9P).O Mai Jing (clássico do<br />

Pulso) explorou <strong>de</strong>pois a palpação do pulso referi<strong>da</strong> no Nan Jing (Clássico <strong>de</strong><br />

dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s). Em complemento, as 3 áreas <strong>de</strong> Cun, Guan e Chi são combina<strong>da</strong>s com<br />

os respectivos Zangfu: nomea<strong>da</strong>mente, no Cunkou <strong>da</strong> mão esquer<strong>da</strong>, o Cun representa<br />

o Coração e o Intestino Delgado; o Guan representa o Fígado e Vesícula Biliar. No<br />

Cunkou <strong>da</strong> mão direita, Cun é responsável pelo Pulmão e Grosso Intestino; e Guan pelo<br />

Estômago e Baço. Os pontos Chi <strong>de</strong> ambos os pulsos são responsáveis pelo Rim e<br />

Bexiga 213 . Assim, o problema-chave para a palpação do pulso no Cunkou foi resolvido<br />

tornando-se a<strong>de</strong>quado para a prática clínica.<br />

Apesar do facto do actual sistema Cunkou <strong>de</strong> palpação do pulso ter sido reajustado e<br />

complementado por posteriores médicos <strong>de</strong> acordo com a sua prática clínica, este<br />

método <strong>de</strong> diagnóstico implementado inicialmente por Wang Shuhe <strong>de</strong>sempenhou um<br />

papel <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevo na história <strong>da</strong> MTC.<br />

Wanh Shuhe também prestou atenção à prática clínica clarificando teorias tais como<br />

esfigmologia, diagnóstico à luz <strong>da</strong> condição do pulso; sintomas; tratamento;<br />

prognóstico, entre outros aspectos, e mais tar<strong>de</strong> corrigiu a tendência para dissociar a<br />

esfigmologia <strong>da</strong> prática clínica ou a mistificação <strong>da</strong> palpação do pulso.<br />

Mai Jing (Clássico do Pulso) teve um influência por todo o mundo. Diversos materiais<br />

do livro <strong>de</strong> Wang acerca <strong>da</strong> esfigmologia estão incluídos no (Cannon <strong>de</strong><br />

212 Médico <strong>da</strong> dinastia Han Oriental, também conhecido por 张机 Zhang Ji, que, com base na experiência<br />

<strong>de</strong> alguns médicos <strong>de</strong> dinastias anteriores e <strong>da</strong> sua própria experiência, escreveu o livro 伤寒论 Shang<br />

Han Lun (tratado <strong>da</strong>s doenças febris). Weikang, Fu – Abrege <strong>de</strong> la Me<strong>de</strong>cine et <strong>de</strong> la Pharmacologie<br />

chinoises. Editions en Langues étragères. Beijing. 1989, pp. 32-36<br />

213 Conf. com Choy, Dr. Pedro – Método diagnóstico: palpação. Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura<br />

e Disciplinas Associa<strong>da</strong>s (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2002, p.7<br />

65


<strong>Medicina</strong>) <strong>de</strong> Avicenna, aliás, (Abu ‘Ali al-Hussayn ibn<br />

‘Abd-Allah ibn Sina), que viveu entre 980 e 1037 d.C.<br />

Ao logo do século XVII, o Mai Jing (Clássico do Pulso) foi traduzido para várias<br />

línguas, e as suas versões difundiram-se amplamente na Europa.<br />

Desenvolvimento nos factores patogénicos e sintomatologia<br />

Des<strong>de</strong> o Jin oci<strong>de</strong>ntal e oriental durante as Dinastias Sui e Tang, os médicos obtiveram<br />

gran<strong>de</strong>s avanços no estudo tanto dos factores patogénicos <strong>da</strong> doença como na <strong>de</strong>scrição<br />

dos sintomas, os quais foram totalmente expressos no livro intitulado 诸病源候论 Zhu<br />

Bing Yuan Hou Lun (Tratado geral dos factores patogénicos e sintomas <strong>da</strong> doença)<br />

compilado por 巢元方 Chao Yuanfang, que tinha sido encomen<strong>da</strong>do pelo Imperador em<br />

610. Yuanfang foi um conhecido médico <strong>da</strong> Dinastia Sui.<br />

Zhu Bing Yuan Hou Lun (Tratado geral dos factores patogénicos e sintomas <strong>da</strong> doença)<br />

totaliza 50 volumes compreen<strong>de</strong>ndo 67 capítulos em 1720 tópicos. Este livro apenas<br />

analisa os factores patogénicos e as apresentações <strong>da</strong>s doenças sem discutir prescrições.<br />

A principal contribuição <strong>de</strong>ste livro resi<strong>de</strong> nas seguintes partes:<br />

1 – Registos <strong>de</strong>talhados acerca <strong>da</strong>s doenças, generalistas e concretas<br />

2 – Ruptura <strong>da</strong>s limitações <strong>da</strong> teoria etiológica cria<strong>da</strong> por gerações anteriores<br />

3 – Opiniões na classificação <strong>da</strong> doença<br />

Progresso <strong>da</strong> Matéria Médica e <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong><br />

Des<strong>de</strong> o tempo <strong>da</strong> Dinastia Han, novos tipos <strong>de</strong> medicina eram constantemente<br />

inventados. Através <strong>de</strong> um longo período <strong>de</strong> prática clínica verificou-se um gran<strong>de</strong><br />

progresso no conhecimento <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s drogas ou <strong>da</strong> farmacopeia e na<br />

preparação dos compostos. A populari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> alquimia promoveu consequentemente o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> química farmacêutica.<br />

1. Tao Hongjing (456–536) foi um exímio herbalista, médico e taoista <strong>da</strong>s Dinastias<br />

orientais e oci<strong>de</strong>ntal, her<strong>de</strong>iro do sábio taoista Ge Hong (283-343?), tinha um espírito<br />

enciclopedico “tendo absorvido todos os conhecimentos <strong>da</strong> época: matemáticas, teoria<br />

do yin e do yang, geografia, alquimia, farmacopeia … tradições letra<strong>da</strong>s mas também<br />

búdicas” 214 . Também conhecido pelo seu nome literário Tao Tongming, intitulou-se a<br />

si próprio como recluso <strong>de</strong> Huanyang.<br />

Aos 38 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, abandonou o seu emprego e isolou-se na montanha <strong>de</strong> Jurong.<br />

Adoptou um estilo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> padre taoista, visitando várias montanhas famosas e<br />

procurando o elixir <strong>da</strong> imortali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

214 Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 187<br />

66


Porém o pensamento <strong>de</strong> Tao era uma mistura <strong>de</strong> Confucionismo, Budismo e Taoismo,<br />

sendo o último o mais predominante. Nos seus <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros anos converteu-se ao<br />

Budismo, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo que o Budismo e Taoismo <strong>de</strong>veriam unir-se num só, com o<br />

Taoismo como factor dominante.<br />

Aliás, o adágio chinês “Confucionista no escritório, Taoista no retiro e Budista perto<br />

<strong>da</strong> morte” 215 , reflecte bem o ecletismo para que ten<strong>de</strong>rá a cultura chinesa, não obstante<br />

todo o múltiplo encontrado no uno.<br />

Ele escreveu diversos trabalhos médicos. Para além <strong>de</strong> Ben Cao Jing Ji Zhu (Colecção<br />

<strong>de</strong> notas para a Matéria Médica), escreveu também Xiao Yan Fang (Receitas eficazes);<br />

Yao Zong Jue (Ervas <strong>Chinesa</strong>s em verso); Bu Que Zhou Hou Bai Yi Fang (Suplemento<br />

<strong>de</strong> 100 fórmulas para se estar <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>), Yang Sheng Yan Ming Lu (Fórmulas para<br />

manter a saú<strong>de</strong> e a longevi<strong>da</strong><strong>de</strong>) e Yang Sheng Jing (Clássico <strong>da</strong> longevi<strong>da</strong><strong>de</strong>). O livro<br />

<strong>de</strong> alquimia foi intitulado He Dan Fa Shi (Métodos <strong>de</strong> Alquimia).<br />

本草经集注 Ben Cao Jing Ji Zhu (Colecção <strong>de</strong> notas para a Matéria Médica), um<br />

total <strong>de</strong> 7 volumes, foi um dos primeiros comentários acerca <strong>de</strong> 神农本草经 Shen<br />

Nong Ben Cao Jing (Clássico <strong>da</strong> Matéria Médica <strong>de</strong> Shen Nong). Com base na<br />

sistematização e reabastecimento, dos 365 tipos <strong>de</strong> drogas incluí<strong>da</strong>s em Shen Nong Ben<br />

Cao Jing (Clássico <strong>da</strong> Matéria Médica <strong>de</strong> Shen Nong), outros 365 tipos foram<br />

adoptados a partir <strong>de</strong> Ming Yi Bie Lu (Registos <strong>de</strong> médicos famosos) para o Ben Cao<br />

Jing Ji Zhu (Colecção <strong>de</strong> notas para a Matéria Médica), aumentando assim para 730 o<br />

número tipos <strong>de</strong> drogas.<br />

Por outro lado, proce<strong>de</strong>u-se à classificação <strong>da</strong>s drogas. A classificação adopta<strong>da</strong> em<br />

Shen Nong Ben Cao Jing (Clássico <strong>da</strong> Matéria Médica <strong>de</strong> Shen Nong) é um método<br />

primitivo <strong>de</strong>nominado “San pǐn (Três classes)” enquanto que Tao Hongjing, <strong>de</strong> acordo<br />

com as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> componente, dividiu-os em sete categorias:<br />

1. ja<strong>de</strong> e pedra;<br />

2. planta;<br />

3. insecto e animal;<br />

4. fruto;<br />

5. vegetal;<br />

6. cereal;<br />

7. outros aos quais foram atribuídos nomes mas que não eram usa<strong>da</strong>s.<br />

Ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>stas categorias e <strong>de</strong>pois subdividi<strong>da</strong> em 3 classes: alta, média e baixa. Isto<br />

constitui uma inovação <strong>da</strong> antiga classificação <strong>da</strong>s drogas segundo as suas proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s:<br />

shàng pǐn (quali<strong>da</strong><strong>de</strong> superior<strong>de</strong> elementos medicinais) – drogas não tóxicas<br />

que po<strong>de</strong>m ser toma<strong>da</strong>s durante um longo período <strong>de</strong> tempo e em gran<strong>de</strong>s<br />

quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>s;<br />

215 Chinese Gods and Myths – Grange Books, Rochester, 1998, pp. 14-15<br />

67


zhōng pǐn (quali<strong>da</strong><strong>de</strong> intermédia <strong>de</strong> elementos medicinais) – drogas não<br />

tóxicas ou com um grau <strong>de</strong> toxici<strong>da</strong><strong>de</strong> muito baixo que po<strong>de</strong>m ser usa<strong>da</strong>s como<br />

tónicos;<br />

xià pǐn (quali<strong>da</strong><strong>de</strong> inferior <strong>de</strong> elementos medicinais) – drogas tóxicas que<br />

po<strong>de</strong>m ser usa<strong>da</strong>s durante um curto período <strong>de</strong> tempo para remover o Frio e<br />

Calor patogénicos.<br />

Esta tornou-se a origem <strong>da</strong> classificação do po<strong>de</strong>r <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s drogas e tem<br />

sido usa<strong>da</strong> há mais <strong>de</strong> 1000 anos.<br />

Através do estudo <strong>de</strong> diversos vestígios em amostras <strong>de</strong> água e solo <strong>de</strong> todo o país, o<br />

homem mo<strong>de</strong>rno verificou que as diferentes regiões <strong>de</strong> crescimento <strong>da</strong>s plantas <strong>de</strong> facto<br />

influenciam os seus efeitos terapêuticos e a sua eficácia. Relativamente à estação do ano<br />

para a sua colheita, Tao refere <strong>de</strong> um modo geral que a recolha <strong>de</strong>via ser feita durante o<br />

2º e o 8º mês (do calendário lunar), e acrescenta que “as plantas medicinais em bruto<br />

<strong>de</strong>vem ser colhi<strong>da</strong>s no inicio <strong>da</strong> Primavera e no final do Outono porque nessa altura as<br />

flores, frutos, caules e folhas estarão num nível <strong>de</strong> maturação a<strong>de</strong>quado.” 216<br />

2. 新修本草 Xin Xiu Ben Cao (Compendio <strong>de</strong> Matéria Médica revisto e actualizado): a<br />

primeira farmacopeia do mundo publica<strong>da</strong> pelo estado.<br />

Com a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> nacional, em meados do séc. VII a economia recuperou e <strong>de</strong>senvolveuse<br />

rapi<strong>da</strong>mente.<br />

No 2º ano <strong>de</strong> Xianqing <strong>da</strong> Dinastia Tang (657), 苏敬 Su Jing, médico e herbalista,<br />

sentiu a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> profun<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma nova farmacopeia em tratamentos medicinais e,<br />

através <strong>de</strong> um relatório escrito, pessoalmente submetido à aprovação <strong>de</strong> Li Zhi,<br />

Imperador Gaozong, avançou com a sua proposta para compilar um novo volume <strong>de</strong><br />

Matéria Médica.<br />

Su Jing foi a pessoa que tomou a seu cargo este grandioso projecto. Entre estes<br />

compiladores encontravam-se o Ministro dos Assuntos Médicos Imperiais, médicos<br />

imperiais, oficiais <strong>de</strong> organizações médicas imperiais, estu<strong>da</strong>ntes que estavam<br />

familiarizados com documentos históricos e altos oficiais que conheciam a história<br />

pormenoriza<strong>da</strong>mente.<br />

Durante a revisão <strong>da</strong> farmacopeia, assumiram uma atitu<strong>de</strong> realística e científica <strong>da</strong>ndo<br />

relevo à pesquisa e investigação prática. De facto, livros históricos como 唐本草 Tang<br />

Ben Cao (Matéria Médica <strong>da</strong> Dinastia Tang) referem “que foram coligidos e ilustrados<br />

medicinas <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as prefeituras e con<strong>da</strong>dos” 217<br />

216<br />

Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999, p. 109<br />

217<br />

Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999, p. 111<br />

68


新修本草 Xin Xiu Ben Cao (Compendio <strong>de</strong> Matéria Médica revisto e actualizado)<br />

engloba 54 volumes divididos em 3 partes.<br />

Ao compilar Xin Xiu Ben Cao (Compendio <strong>de</strong> Matéria Médica revisto e actualizado)<br />

foram eliminados e reorganizados elementos contidos em 本草经集注 Ben Cao Jing Ji<br />

Zhu (Recolha <strong>de</strong> notas do Clássico <strong>de</strong> Matéria Médica). Adicionalmente, ele<br />

complementou-o com 114 tipos <strong>de</strong> medicamentos. Nessa altura, atingiam, no seu<br />

conjunto, 844 tipos <strong>de</strong> medicamentos (outra fonte cita 850) <strong>da</strong> farmacopeia chinesa.<br />

Xin Xiu Ben Cao (Compêndio <strong>de</strong> Matéria Médica revisto e actualizado) soma <strong>de</strong> forma<br />

sistemática os avanços em matéria médica antes <strong>da</strong> Dinastia Tang. Copioso no seu<br />

conteúdo, incluindo excelentes fotos e relatórios, o livro é <strong>de</strong> um nível académico<br />

superior e <strong>de</strong> valor científico. Nele se refere o uso <strong>de</strong> amálgama <strong>de</strong> prata 218 para<br />

preencher os <strong>de</strong>ntes cariados.<br />

3. Compilação <strong>de</strong> 食疗本草 Shi Liao Ben Cao (Compêndio <strong>de</strong> Matéria Médica para<br />

Tratamento Dietético).<br />

Medicamentos e alimentos provêm <strong>da</strong> mesma fonte. A população trabalhadora dos<br />

tempos antigos <strong>de</strong>scobriu medicamentos no <strong>de</strong>curso <strong>da</strong> sua procura por alimentos, ao<br />

mesmo tempo que se aperceberam que muitos alimentos possuíam efeitos curativos.<br />

Assim, a terapia dietética <strong>de</strong>sempenhou um papel <strong>de</strong>veras importante na MTC. Nos<br />

primeiros tempos <strong>de</strong>sta, os dietéticos surgiam lado a lado com os médicos, cirurgiões e<br />

veterinários. Muitos dos medicamentos registados no primeiro compêndio <strong>de</strong> matéria<br />

médica, intitulado 农本草经 Shen Nong Ben Cao Jing (Clássico <strong>de</strong> matéria Médica <strong>de</strong><br />

Shen Nong), tais como Yiyiren (Semen Coicis), 大枣 Dazao (fructus jujubae) e 葡萄<br />

Putao (uvas) são também utilizados como alimento.<br />

Na Dinastia Tang, a terapia através dos alimentos havia-se já tornado numa área<br />

especializa<strong>da</strong>. No seu 备急千金要房 Bei Ji Qian Jin Yao Fang (Mil fórmulas para<br />

emergências), 孙思邈 Sun Simiao escreveu um capítulo especificamente acerca <strong>da</strong><br />

dietética, registando todo o tipo <strong>de</strong> alimentos com efeitos terapêuticos. Ele sugeriu que<br />

todos os distúrbios <strong>de</strong>veriam em primeiro lugar serem tratados através <strong>da</strong> dietética e<br />

posteriormente através do recurso à fitoterapia, no caso <strong>da</strong> primeira não resultar. Ele<br />

afirmou, também, que um médico que conseguisse tratar as doenças com alimentos,<br />

mereceria um título <strong>de</strong> “Excelência”. A antologia <strong>da</strong>s receitas <strong>de</strong> dietética antes <strong>da</strong><br />

Dinastia Tang foi o livro intitulado 食疗本草 Shi Liao Ben Cao (Compendio <strong>de</strong> Matéria<br />

Médica para Tratamentos Dietéticos) escrito por Meng Xian, um discípulo <strong>de</strong> 孙思邈<br />

Sun Simiao.<br />

Segui<strong>da</strong>mente, até aos HouTang (934 ), durante o período WuDai (<strong>da</strong>s Cinco<br />

Dinastias), Chen Shiliang, o famoso médico <strong>de</strong> Bianzhou (actualmente Kaifeng,<br />

província <strong>de</strong> Henan), compilou o livro intitulado 食性本草 Shi Xing Ben Cao<br />

218 Liga <strong>de</strong> Mercúrio e Prata<br />

69


(Compendio <strong>de</strong> Matéria Médica Dietética) compreen<strong>de</strong>ndo 10 volumes. Este livro<br />

resumiu e sistematizou mais uma vez a dietética terapêutica.<br />

Sumário <strong>de</strong> preparações medicinais<br />

A maioria <strong>da</strong> matéria médica apresenta-se sob uma forma “bruta”. Algumas não po<strong>de</strong>m<br />

ser toma<strong>da</strong>s directamente <strong>de</strong>vido às suas proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s gravosas; algumas não po<strong>de</strong>m ser<br />

armazena<strong>da</strong>s durante muito tempo porque se <strong>de</strong>terioram facilmente. Algumas<br />

necessitam que lhes sejam removi<strong>da</strong>s partes impuras ou inúteis e algumas são<br />

<strong>de</strong>sagradáveis porque cheiram mal. Des<strong>de</strong> o início, a preparação <strong>de</strong> medicamentos<br />

recebeu bastante atenção em MTC. O processo <strong>de</strong> preparação <strong>de</strong> matéria médica tinha<br />

por objectivo a melhoria <strong>da</strong>s funções medicinais, o aumento <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s curativas<br />

e a redução <strong>da</strong> toxici<strong>da</strong><strong>de</strong> e efeitos colaterais, assim como a aplicação e armazenamento<br />

a<strong>de</strong>quados.<br />

A preparação <strong>de</strong> matéria médica é uma tecnologia farmacêutica exclusiva <strong>da</strong> MTC.<br />

Formou-se e <strong>de</strong>senvolveu-se com base numa escolha dialéctica em MTC. Os seus<br />

princípios estão também em concordância com a teoria base <strong>da</strong> MTC. Utilizando estes<br />

conceitos, a matéria médica po<strong>de</strong> atingir padrões <strong>de</strong> eleva<strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> e certificar a<br />

respectiva segurança e eficácia.<br />

A preparação tem pelo menos 2000 anos <strong>de</strong> história. 农本草经 Shen Nong Ben Cao<br />

Jing (Clássico <strong>de</strong> matéria Médica <strong>de</strong> Shen Nong), a primeira publicação sobre matéria<br />

médica, regista a preparação <strong>de</strong> matéria médica.<br />

Nas Dinastias do Sul, o livro 雷公炮炙论 Lei Gong Pao Zhi Lun (Tratado <strong>de</strong><br />

preparação <strong>de</strong> matéria médica <strong>de</strong> Lei) <strong>de</strong> LeiXiao foi o primeiro trabalho que surgiu<br />

sobre preparação <strong>de</strong> matéria médica no Sul <strong>da</strong> China. Lei Gong Pao Zhi Lun (Tratado<br />

<strong>de</strong> preparação <strong>de</strong> matéria médica <strong>de</strong> Lei) consiste em 3 volumes que especificam cerca<br />

<strong>de</strong> 300 tipos <strong>de</strong> drogas. O autor Lei Xiao, foi um farmacêutico <strong>da</strong>s Dinastias do Norte e<br />

do Sul cuja biografia difere com os autores.<br />

Uma <strong>da</strong>s expressões concretas <strong>da</strong> prosperi<strong>da</strong><strong>de</strong> médica <strong>da</strong>s Dinastias Jing e Tang resi<strong>de</strong><br />

nos seus famosos médicos e na publicação em gran<strong>de</strong> escala <strong>de</strong> extensos trabalhos<br />

médicos, incluindo o aparecimento <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> fórmulas.<br />

No séc. VII, surgiram as obras <strong>de</strong> fórmulas intitula<strong>da</strong>s Si Hai Lei Ju Fang (Colecção <strong>de</strong><br />

fórmulas chinesas e estrangeiras) e Si Hai Lei Ju Dan Fang (Colecção <strong>de</strong> receitas<br />

populares chinesas e estrangeiras). A primeira consiste em 2600 volumes e a segun<strong>da</strong><br />

em 300 volumes, ambos numa escala sem prece<strong>de</strong>ntes.<br />

孙思邈 Sun Simiao (581-682) 219 , nasceu em Hua Yuan, Jin Zhao na Dinastia Tang<br />

(província <strong>de</strong> Shanxi). Ele adquiriu um domínio excelente do Taoismo e dos princípios<br />

<strong>de</strong> 100 escolas <strong>de</strong> pensamento <strong>da</strong>s épocas “春秋 Chūnqīu - Primavera e Outono” e<br />

zhànguó - Reinos Combatentes (770-22 a.C.) e foi um estudioso erudito do Budismo,<br />

219 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.453<br />

70


Taoismo e Confucionismo. 孙思邈 Sun Simiao viveu num período <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

prosperi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Assim, com base na sua síntese <strong>de</strong> conhecimentos médicos até às Dinastias Sui e Tang,<br />

fez uma recolha extensiva <strong>de</strong> prescrições e simplificou-as eliminando elementos<br />

supérfluos. Posteriormente escreveu 千金翼方 Qian Jin Yao Fang (Fórmulas <strong>de</strong> Mil<br />

Ducados) constituído por 30 volumes.<br />

Este foi <strong>de</strong>nominado por um historiador médico mo<strong>de</strong>rno como “a primeira<br />

enciclopédia <strong>de</strong> medicina clínica na história <strong>da</strong> MTC”. 220<br />

Sun atribuiu mais importância aos cui<strong>da</strong>dos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> nas mulheres e crianças. Como<br />

médico experiente, Sun era esplêndido em vários ramos <strong>da</strong> medicina, com particular<br />

consi<strong>de</strong>ração pelo diagnóstico e tratamento <strong>de</strong> doenças em mulheres e crianças. Sentiase<br />

profun<strong>da</strong>mente preocupado com os escassos estudos em ginecologia, obstetrícia e<br />

pediatria.<br />

Sum era extremamente científico na sua relação com os recém nascidos. Por exemplo,<br />

imediatamente após o nascimento os <strong>de</strong>dos do bebé <strong>de</strong>viam ser envoltos em algodão e o<br />

sangue e mucosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> sua boca eram prontamente removidos; <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cortado o<br />

cordão umbilical, o umbigo <strong>de</strong>via ser coberto com um pe<strong>da</strong>ço <strong>de</strong> algodão macio e limpo<br />

<strong>de</strong> aproxima<strong>da</strong>mente 4 cun quadrados e 1 cun <strong>de</strong> espessura. Era também apologista <strong>de</strong><br />

que a feri<strong>da</strong> do umbigo <strong>de</strong>via ser cauteriza<strong>da</strong> pela moxibustão, uma prática <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

valor na prevenção do tétano e consequentemente muito louvável.<br />

Defendia que após o nascimento do feto, este <strong>de</strong>via ser lavado com bílis <strong>de</strong> porco, o que<br />

po<strong>de</strong> prevenir várias doenças, em particular <strong>de</strong>rmatoses. Preconizava também que os<br />

bebés não <strong>de</strong>viam ficar tapados em berços com cortinas, mas sim ao ar livre em dias <strong>de</strong><br />

sol e sem vento, tendo observado que o sol frequentemente <strong>da</strong>va vigor e durabili<strong>da</strong><strong>de</strong> à<br />

sua pele, aumentando a sua resistência contra as gripes e outras doenças.<br />

Sun afirmou que to<strong>da</strong>s as doenças <strong>de</strong>viam em primeiro lugar serem trata<strong>da</strong>s pela<br />

dietoterapia, e só se isto fosse ineficaz seriam prescritos medicamentos. Ele dizia que “a<br />

fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> resi<strong>de</strong> nos alimentos, enquanto a cura <strong>da</strong>s doenças existia nos<br />

medicamentos”, e “os alimentos po<strong>de</strong>m dissipar as influências nocivas do meio<br />

ambiente, acalmar as vísceras e incentivar a consciência do homem para <strong>de</strong>senvolver o<br />

seu fluido vital, Se o médico conseguir suprimir o sintoma, fazer o paciente sentir-se<br />

melhor e expulsar a doença com alimentos, este merece o nome <strong>de</strong> droga boa”.<br />

Afirmou também que “o médico <strong>de</strong>ve em primeiro lugar enten<strong>de</strong>r a causa <strong>da</strong> doença e<br />

o tipo <strong>de</strong> ataque que o paciente sofreu, tratá-lo primeiro com alimentos e se não obtiver<br />

resultados, então <strong>de</strong>ixá-lo tomar medicamentos”. 221<br />

220<br />

Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999, p. 127<br />

221<br />

Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999, p. 130<br />

71


孙思邈 Sun Simiao prestou um contributo notável para o entendimento <strong>da</strong> preservação<br />

<strong>da</strong> saú<strong>de</strong>. “A forma para manter o estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> no facto <strong>de</strong> praticar exercício<br />

físico leve regularmente sem se cansar a fazer o que não se po<strong>de</strong>”. “A água corrente<br />

nunca é bafienta e a dobradiça <strong>de</strong> uma porta nunca é corroí<strong>da</strong> por vermes porque<br />

nunca param <strong>de</strong> se movimentar” 222 , formavam o princípio dos seus cui<strong>da</strong>dos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

A sua teoria <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>dos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> tinha já começado a afastar-se dos pensamentos<br />

religiosos <strong>da</strong> longevi<strong>da</strong><strong>de</strong> e tornou-se científica. Em suma, tratamentos “nutritivos”<br />

preveniam as doenças.<br />

Um menção especial <strong>de</strong>ve ser feita relativamente ao contributo <strong>de</strong> 孙思邈 Sun Simiao<br />

para a disciplina <strong>da</strong> ética médica. Preconizava que uma vez que a medicina era <strong>de</strong><br />

enorme importância para a vi<strong>da</strong> e saú<strong>de</strong> do Homem, um médico <strong>de</strong>via possuir um bom<br />

carácter moral assim como capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s médicas.<br />

Os médicos <strong>da</strong>s Dinastias Wei, Jin, Sui e Tang realçaram a importância <strong>da</strong> ética em<br />

artigos e livros, <strong>de</strong> entre as quais as <strong>de</strong> 孙思邈 Sun Simiao foram as mais notáveis. Sun<br />

<strong>de</strong>fendia que a vi<strong>da</strong> era mais valiosa do que mil ducados <strong>de</strong> ouro, <strong>da</strong>í o título dos seus<br />

livros, praticando o que ele <strong>de</strong>fendia para estabelecer um exemplo nobre para os<br />

médicos que viriam a seguir. Sun escreveu dois ensaios <strong>de</strong>nominados “Da Yi Xi Ye<br />

(Como estu<strong>da</strong>r medicina)” e “Da Ye Jing Cheng (Ser um médico honesto e<br />

conscencioso).<br />

Sun dizia que um médico <strong>de</strong>via concentrar a sua energia sem qualquer <strong>de</strong>sejo pessoal,<br />

aumentar incessantemente os seus conhecimentos e capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s médicas e tratar todos<br />

os pacientes <strong>de</strong> forma igual sem discriminação entre nobres e humil<strong>de</strong>s, ricos e pobres,<br />

jovens e idosos, bonitos e feios, sábios e ignorantes, parentes afastados e amigos<br />

íntimos, Han e minorias, o que significava que o médico <strong>de</strong>veria ser indulgente para<br />

com os seus pacientes e tratá-los com igual<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para além disso, um médico não<br />

<strong>de</strong>veria medir os seus passos pensando na sua própria sorte ou segurança, mas sim<br />

aliviar as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s e perigos e não poupar esforços noite e dia para auxiliar os seus<br />

doentes, compreen<strong>de</strong>ndo os seus sofrimentos como se fosse o seu próprio. Avisava<br />

também os outros médicos <strong>de</strong> que ao chegarem a casa <strong>de</strong> um paciente <strong>de</strong>viam actuar<br />

com digni<strong>da</strong><strong>de</strong> sem lançar olhares como que à procura <strong>de</strong> algo que lhes agra<strong>da</strong>sse.<br />

Ser cui<strong>da</strong>doso sem o intuito <strong>de</strong> bisbilhotar ou intrometer-se, troçar dos outros, fazer<br />

exclamações confusas, exibir a sua própria fama, dizer mal <strong>de</strong> outros médicos ou ser<br />

jactancioso. As recomen<strong>da</strong>ções <strong>de</strong> Sun para a conduta perante os doentes e seus<br />

familiares e nas costas dos seus colegas médicos reflecte as suas virtu<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ológicas<br />

nobres.<br />

O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> Clínica<br />

肘后备急方 Zhou Hou Bei Ji Fang (Fórmulas <strong>de</strong> emergência para se estar<br />

preparado) foi o primeiro manual <strong>de</strong> primeiros socorros em MTC escrito há cerca <strong>de</strong><br />

222 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999, p. 131<br />

72


1600 anos. Foi elaborado por 葛洪 GeHong (261-341) 223 , consistindo num manual<br />

apropriado para diagnosticar e tratar casos <strong>de</strong> emergência e <strong>de</strong>sequilíbrios comuns,<br />

sendo semelhante a um manuam mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> primeiros socorros. As drogas prescritas<br />

neste manual são fáceis <strong>de</strong> encontrar e baratas. Além disso contém, ain<strong>da</strong>, tratamentos<br />

por acupunctura e moxibustão, sendo uma obra pensa<strong>da</strong> para utilização nas cama<strong>da</strong>s<br />

sociais mais <strong>de</strong>sfavoreci<strong>da</strong>s. Porém, a obra é suficientemente completa, contendo<br />

tratamentos para AVC, comas, dores abdominais agu<strong>da</strong>s, etc. Na sua panóplia <strong>de</strong><br />

acções, inclui-se o tratamento <strong>de</strong> mor<strong>de</strong>dura por cães raivosos. Deve-se a GeHong a<br />

<strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong> acção <strong>de</strong> 因尘 yīnchén (artemisiae capillaris herba) 224 usa<strong>da</strong> para fins<br />

terapeuticos contra a malária, conforme ele refere: “mergulha uma mão cheia <strong>de</strong><br />

yīnchén em 2 litros <strong>de</strong> água, extrai o seu sumo e bebe” 225 . A prova científica <strong>da</strong> acção<br />

<strong>da</strong> artemisina só hoje em dia se verificou, porém, a sua acção em MTC tem 1600 anos.<br />

Na dinastia Jin houve um avanço marcado na ciência <strong>de</strong> acupunctura e <strong>da</strong> moxibustão.<br />

O trabalho mais importante e representativo em acupunctura nesta época foi escrito por<br />

谧 Huangfu Mi 226 , cuja obra foi 针灸甲已经 Zhen Jiu Jia Yi Jing, ou seja, o (clássico<br />

A – B <strong>de</strong> acupunctura e moxibustão).<br />

Huangfu Mi viveu entre 215 e 282 d.C., também conhecido por Shi An ou por Xuan<br />

Yan, nasceu em Chaona na província <strong>de</strong> Gansu durante a dinastia Xi Jin (Jin<br />

Oci<strong>de</strong>ntal)<br />

Aos 40 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> ele sofreu uma doença que o tornou surdo. Na sequência <strong>de</strong>ste<br />

acontecimento, passou a consi<strong>de</strong>rar que a saú<strong>de</strong> era a base <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do homem e segundo<br />

ele “se não se tiver um conhecimento bom <strong>de</strong> medicina mesmo que o seu monarca, o<br />

seu pai ou o seu filho esteja seriamente doente não se po<strong>de</strong> tratá-lo”.<br />

针灸甲已经 Zhen Jiu Jia Yi Jing é um trabalho representativo <strong>de</strong> Huangfu Mi. O<br />

trabalho é uma absorção <strong>de</strong> conteúdos importantes relativos à acupunctura e<br />

moxibustão, tratados em Su Wen, por Ling Shu e por Ming Tang Kong Xue Zhen Jiu Zhi<br />

Yao, sendo um resumo <strong>de</strong> alcance em acupunctura e moxibustão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> épocas<br />

anteriores, tais como a época dos três estados. Para além <strong>de</strong> conter um estudo<br />

sistemático combinado com experiências clínicas feitas pelo próprio Huangfu Mi. A<br />

obra é composta por 12 volumes com 128 capítulos, que po<strong>de</strong>mos dividir em duas<br />

partes. A primeira uma base teórica <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> e o conhecimento<br />

fun<strong>da</strong>mental em Acupunctura e moxibustão, a outra constituí<strong>da</strong> por tratamentos clínicos<br />

incluindo etiologias, patogenia, sintomatologia, e indicações para ca<strong>da</strong> ponto. Um dos<br />

alcances <strong>de</strong>ste livro é a gran<strong>de</strong> sistematização teórica em acupunctura e moxibustão,<br />

discutindo as funções fisiológicas e as mu<strong>da</strong>nças patogénicas e a circulação nos 12<br />

meridianos principais e nos 8 meridianos curiosos.<br />

Outro dos alcances <strong>de</strong>sta obra baseia-se na confirmação <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> 348 pontos<br />

com a sua localização incluindo 49 pontos simples e 299 pontos bilaterais; além disso<br />

223 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.921<br />

224 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.731<br />

225 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999, p. 139<br />

226 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.921<br />

73


dá indicações <strong>da</strong> profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s agulhas, o número <strong>de</strong> cones <strong>de</strong> moxa a utilizar e as<br />

contra indicações <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> ponto; trata também <strong>da</strong> forma como manipular as agulhas.<br />

Esta obra teve uma gran<strong>de</strong> influência durante muito tempo na acupunctura e moxibustão<br />

porque Huang “eliminou o supérfluo e as repetições <strong>de</strong>snecessárias retendo apenas o<br />

seu essencial”, o que torna este livro um elemento bastante prático e <strong>de</strong> fácil consulta e<br />

utilização.<br />

Cirurgia<br />

É também <strong>de</strong>sta época a primeira monografia acerca <strong>de</strong> cirurgia. A obra chama-se<br />

刘涓子鬼遗方 Liu Juan Zi Gui Yi Fang, também conhecido por 鬼遗方 Gui Yi Fang,<br />

foi a primeira obra monográfica a cerca <strong>de</strong> cirurgia na China e foi escrito por 鬼遗方<br />

Liu Juanzi, que viveu na Dinastia LiuSong (420-479) (do Sul).<br />

É interessante saber que nestas épocas tão recua<strong>da</strong>s esta obra já inclui o conhecimento<br />

<strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong> diversas feri<strong>da</strong>s, traumas, carbúnculos, celulites, soros, etc, com a<br />

inclusão <strong>de</strong> diversos tipos <strong>de</strong> pele.<br />

A obra contém 140 fórmulas tanto para uso oral como para uso tópico; suas terapias<br />

incluem hemostase, analgesia, se<strong>da</strong>ção e <strong>de</strong>sintoxicação. Nesta obra já se refere a<br />

utilização <strong>de</strong> plantas tal como 黄连 Huanglian (Rhizoma Coptidis) 227 para o tratamento<br />

<strong>de</strong> feri<strong>da</strong>s. Além <strong>da</strong> referência a terapias externas, este livro também inclui terapias<br />

internas segundo os síndromas i<strong>de</strong>ntificados <strong>de</strong> acordo com o estado do <strong>de</strong>sequilíbrio<br />

energético. Os princípios do tratamento para as terapias internas tais como a clarificação<br />

do calor e a eliminação <strong>de</strong> toxinas, promover a circulação do sangue e remover a estase<br />

sanguínea, dispersar patogenias Xié 228 e remover acumulações e promover a<br />

regeneração <strong>de</strong> tecidos e músculos em combinação com tratamentos externos,<br />

influenciarão a cirurgia em gerações posteriores.<br />

Traumatologia<br />

Data também <strong>de</strong>ste período a obra monográfica acerca <strong>de</strong> traumatologia:<br />

仙授理伤续断秘方 Xian Shou Li Shang Xu Duan Mi Fang (Fórmulas Secretas para<br />

tratar injúrias <strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos Celestiais). Esta obra foi escrita entre 841 e 846 d.C., por um<br />

Taoista <strong>de</strong> nome 林 Lin.<br />

A obra é a mais antiga monografia acerca <strong>de</strong> traumatologia já com valor científico e<br />

mostra como era <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> esta temática durante as Dinastias Sui(589-618) e<br />

Tang (618-907).<br />

O seu autor viveu entre 790 e 850 d.C., tendo nascido na província <strong>de</strong> Shenxi. Seguindo<br />

os princípios Taoistas, Lin viveu em reclusão até que um dia o seu vizinho 彭 Peng<br />

caiu <strong>de</strong> uma montanha quando apanhava lenha ficando gravemente magoado numa<br />

vértebra e no úmero, causando-lhe dores intoleráveis <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r trabalhar<br />

227 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 43<br />

228 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.701<br />

74


normalmente. Tal facto levou Lin a <strong>de</strong>ixar a sua reclusão tratando pessoalmente <strong>de</strong> Peng<br />

até que este recuperou a sua saú<strong>de</strong> anterior.<br />

A partir <strong>de</strong>sse momento Lin teve uma reputação extraordinariamente importante como<br />

terapeuta a nível ósseo; reputação essa que fez aumentar consi<strong>de</strong>ravelmente o seu<br />

número <strong>de</strong> doentes.<br />

A obra põe em evidência as rotinas utiliza<strong>da</strong>s quando há fracturas e <strong>de</strong>slocamentos bem<br />

como a limpeza <strong>da</strong>s zonas afecta<strong>da</strong>s, a inspecção dos traumas após o diagnostico,<br />

redução por tracção e todo um conjunto <strong>de</strong> técnicas para tratar estes elementos<br />

traumáticos. Relutante à vi<strong>da</strong> que levava anteriormente <strong>de</strong> reclusão, Lin ensinou a Peng<br />

todos os seus conhecimentos médicos, o que levou Peng, após a sua morte, a continuar<br />

o trabalho do seu antigo vizinho, tendo-se tornado num excelente terapeuta.<br />

Obstetrícia<br />

Também neste período po<strong>de</strong>mos citar a primeira obra monográfica obstetrícia:<br />

经效产宝 Jing Xiao Chan Bao (prescrições testa<strong>da</strong>s em Obstetrícia). A obra foi<br />

escrita por Zan Yin em 852, durante a dinastia Tang. 昝殷 Zan Yin 229 era um<br />

conhecido médico <strong>da</strong> província <strong>de</strong> Sichuan.<br />

O prefácio <strong>da</strong> obra refere que o seu autor foi levado a escrever a obra pelo primeiro<br />

ministro Bai Minzhong na sequência <strong>de</strong> excessivo número <strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> parto que<br />

havia, o que levou o seu autor a compilar a sua obra em 3 volumes. Inclui 52 capitulos e<br />

317 fórmulas. O primeiro volume apresenta fórmulas para tratar a amenoreia, leucorreia<br />

e as <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns durante a gravi<strong>de</strong>z; o segundo volume trata <strong>da</strong>s <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns que ocorrem<br />

durante ca<strong>da</strong> mês <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z e as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s do parto; o terceiro volume trata <strong>da</strong>s<br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns pós parto.<br />

Zan Yin refere ain<strong>da</strong> que os problemas durante o parto são causados tanto pela mulher<br />

que está gravi<strong>da</strong> como pelo próprio feto; <strong>de</strong>ste modo os tratamentos terão que estar <strong>de</strong><br />

acordo para ca<strong>da</strong> caso em si.<br />

Zan criou uma fórmula que inclui plantas como 续断 Xuduan ( Radix Dipsaci) 230 ,<br />

艾叶Aiye (Folium Artemisiae Argyi) 231 ,当归Danggui (Radix Angelicae Sinensis) 232 ,<br />

地黄 Dihuang seca ( Radix Rehmanniae) 233 e 阿胶 Ejiao (Colla Corri Asini) 234 , entre<br />

outras. Todos estes ingredientes têm a função <strong>de</strong> tonificar o Rim, alimentando os fluidos<br />

do Yin e preservando a gravi<strong>de</strong>z.<br />

229<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.732<br />

230<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration<br />

of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 204<br />

231<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 140<br />

232<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 208<br />

233<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 209<br />

234<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 211<br />

75


Zan escreve com exactidão e brevi<strong>da</strong><strong>de</strong> as reacções <strong>da</strong> gravi<strong>de</strong>z e recomen<strong>da</strong> três<br />

fórmulas nas quais se inclui 人参 Renshen (Radix Ginseng) 235 , 厚朴 Houpo (Cortex<br />

Magnoliae) 236 , 白术 Baizhu (Rhizoma Atractylodis Macrocephalae) 237 e 茯苓 Fuling<br />

(Poria) 238 que são usados para tonificar o Baço e induzir a diurese; além <strong>de</strong>stes também<br />

o 橘皮 Jupi (Pericarpium Citri Reticulatae) 239 e 竹茹 Zhuru (Caulis Bambusae in<br />

Taeniam) 240 que são utilizados para eliminar as mucosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e precaver os vómitos.<br />

Aliás estas fórmulas para tratar os vómitos, ou agonias durante a gravi<strong>de</strong>z são<br />

largamente usa<strong>da</strong>s nas clínicas ain<strong>da</strong> hoje em dia.<br />

Pediatria<br />

Também é <strong>de</strong>ste tempo a primeira monografia pediátrica: 颅囟经 Lu Xin Jing (Manual<br />

<strong>da</strong> fontanela e <strong>da</strong> cabeça).<br />

Talvez como uma consequência <strong>da</strong> especialização rápi<strong>da</strong> <strong>de</strong> alguns médicos na área <strong>da</strong><br />

pediatria, criaram-se monografias e formulários médicos <strong>de</strong>dicados, com discussões<br />

<strong>de</strong>talha<strong>da</strong>s acerca <strong>da</strong> infanticultura, enfermagem, tratamentos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, factores<br />

patogénicos e manifestações patogénicas bem como os respectivos tratamentos.<br />

Segundo a obra 南史 Nan Shi o governador Ren Fang fez uma lei em que “se a<br />

puérpera dá à luz uma criança, mas se se recusa que ela fique viva, no sentido estrito<br />

<strong>da</strong> palavra, os pais têm a mesma culpa que um assassino” 241 . Aliás 孙思邈 Sun Simiao<br />

(581-682), médico 242 <strong>da</strong> dinastia 唐 Tang também afirmou “que entre os meios <strong>de</strong><br />

tratar com a vi<strong>da</strong> no dia a dia, na<strong>da</strong> era mais importante que <strong>da</strong>r lugar ao nascimento<br />

<strong>de</strong> uma criança” 243 .<br />

Tal era a importância <strong>da</strong> pediatria naqueles tempos, que <strong>de</strong>ntro dos diversos<br />

<strong>de</strong>partamentos do Instituto Médico Imperial na dinastia Tang, havia o <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong><br />

pediatria.<br />

Se se quisesse ser pediatra teria que se estu<strong>da</strong>r durante 5 anos e passar no exame<br />

respectivo. A obra Lu Xin Jing, conheci<strong>da</strong> como tendo sido a primeira monografia<br />

pediátrica na China, apareceu durante as dinastias Sui(589-618) e Tang (618-907).<br />

O livro inclui dois volumes, o primeiro trata <strong>da</strong>s diferentes condições dos pulsos num<br />

adulto e nas <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns do adulto e <strong>da</strong> criança; o segundo volume, discute etiologias,<br />

patogenias e tratamentos correspon<strong>de</strong>ntes, tais como convulsões infantis, <strong>de</strong>sinterias,<br />

235<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 194<br />

236<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 86<br />

237<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 197<br />

238<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 91<br />

239<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 110<br />

240<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 164<br />

241<br />

Conferir com Hipócrates, nota 131<br />

242<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.453<br />

243<br />

Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999, p. 147<br />

76


erisipelas assim como as respectivas fórmulas para tratamento fitoterápico. Além <strong>de</strong> um<br />

sem número <strong>de</strong> doenças nele inclusas, nas quais se trata o problema <strong>da</strong> má nutrição.<br />

A educação médica e o sistema administrativo<br />

Antes <strong>da</strong> dinastia Jin (265-420) não havia educação médica nacional. A produção <strong>de</strong><br />

médicos fazia-se através do sistema <strong>de</strong> geração, ou seja pai/filho, ou através do sistema<br />

mestre/aprendiz. Esta situação durou centenas <strong>de</strong> anos até ao inicio do período <strong>da</strong>s<br />

dinastias Liu Song (420-479), quando começou a educação médica académica em<br />

443. Qin Chengzu, o presi<strong>de</strong>nte médico imperial, na altura sugeriu á corte a criação <strong>de</strong><br />

uma educação médica nacional, infelizmente <strong>de</strong>sconhece-se os pormenores <strong>de</strong> sua<br />

criação.<br />

Em 581, <strong>de</strong>pois do estabelecimento <strong>da</strong> dinastia Sui, o instituto médico imperial já tinha<br />

sido fun<strong>da</strong>do; tinha especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>s em medicina, massagem e magia. De acordo com o<br />

volume 28 <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> Sui Shu, <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> tinha dois médicos e professores.<br />

Os professores <strong>da</strong> especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> medicina e massagem ensinavam os conhecimentos<br />

<strong>da</strong> sua profissão e a parte tecnológica separa<strong>da</strong>mente. Na especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> medicina<br />

havia também dois assistentes que aju<strong>da</strong>vam os professores no seu trabalho.<br />

O trabalho era praticado por cerca <strong>de</strong> 200 médicos, além disso também havia jardineiros<br />

que trabalhavam as ervas. Havia responsáveis pelo pessoal administrativo e pessoal<br />

médico.<br />

Julgando pelas suas obrigações, po<strong>de</strong>mos ver que o Instituto Médico Imperial <strong>da</strong><br />

dinastia Sui, já se tinha tornado o embrião do instituto médico nacional.<br />

Em 618, <strong>de</strong>pois do estabelecimento <strong>da</strong> dinastia Tang, a maior parte dos sistemas<br />

médicos seguiram o que estava implementado na dinastia Sui, mas a escala <strong>da</strong> sua<br />

influência alargou-se consi<strong>de</strong>ravelmente a nível educacional, uma vez que não se<br />

restringia apenas à corte imperial, mas a todo o país.<br />

De acordo com os <strong>da</strong>dos históricos o intituto médico imperial <strong>da</strong> dinastia Tang era uma<br />

escola médica estabeleci<strong>da</strong> pelo governo nacional, tinha um presi<strong>de</strong>nte e dois vicepresi<strong>de</strong>ntes<br />

que estavam encarregados <strong>da</strong> sua administração. Tinha 4 médicos<br />

supervisores e 8 vice-supervisores que estavam encarregues <strong>da</strong> educação médica; 8<br />

farmacêuticos e 24 assistentes <strong>de</strong> farmácia estavam encarregues <strong>de</strong> fazer os<br />

medicamentos. O intituto médico imperial incluía duas facul<strong>da</strong><strong>de</strong>s maiores <strong>de</strong> medicina<br />

e farmacologia.<br />

No inicio dividia-se em medicina, acupunctura, moxibustão e massagem. Havia<br />

professores encarregues <strong>de</strong> ensinar ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>stas especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>stas<br />

divisões também tinham o seu corpo <strong>de</strong> apoio, assim os professores <strong>de</strong> medicina tinham<br />

os assistentes <strong>de</strong> professor, os médicos e os assistentes <strong>de</strong> médicos, para a divisão <strong>de</strong><br />

medicina; havia assistentes <strong>de</strong> professores acupunctores e assistentes <strong>de</strong> acupunctores<br />

para a divisão <strong>de</strong> acupunctura e moxibustão; e havia massagistas e assistentes <strong>de</strong><br />

massagistas para a divisão <strong>de</strong> massagem. Este corpo <strong>de</strong> apoio médico tanto exercia<br />

clínica como acção docente médica, o que leva a pensar que o intituto médico imperial<br />

tanto ensinava como praticava medicina.<br />

De acordo com a especialização, o período <strong>de</strong> aprendizagem diferia entre as 5<br />

especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>s em medicina: a medicina interna requeria 7 anos; a medicina externa 5<br />

anos; a pediátrica, alias como já vimos, 5 anos; olhos, ouvidos, nariz e garganta 2 anos;<br />

ventosas 2 anos.<br />

77


Os primeiros textos que eram utilizados eram: o 素问 Su Wen, 农本草经 Shén Nóng<br />

Bĕn Cǎo Jing, o 脉经 Mai Jing e o 针灸甲已经 Zhen Jiu Jia Yi Jing.<br />

Os alunos podiam apren<strong>de</strong>r o conhecimento e as técnicas <strong>da</strong>s suas especializações mais<br />

tar<strong>de</strong>. Os cursos tirados para estas especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>s em acupunctura e moxibustão eram<br />

basicamente os mesmos que os <strong>da</strong> especialização em medicina. Os estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong><br />

massagem aprendiam sobretudo terapia através <strong>da</strong> massagem e exercícios respiratórios<br />

os quais eram usados para tratar tanto doenças internas como traumas e fracturas.<br />

Os alunos tinham exames mensais, sazonais e anuais relativos aos seus estudos; os<br />

exames eram muito estritos. Mensalmente era o professor <strong>de</strong> medicina que se<br />

encarregava dos exames, o presi<strong>de</strong>nte encarregava-se sazonalmente dos exames, o<br />

supervisor enviado pelo templo Tai Chang, que era equivalente ao ministro <strong>de</strong> educação<br />

nacional, era responsável pelo exame anual. A avaliação dos exames tanto era escrito<br />

como incluía perícia clínica. No momento <strong>da</strong> graduação, aqueles que tinham tido notas<br />

excelentes recebiam recomen<strong>da</strong>ções para posições importantes, aqueles que tinham<br />

estu<strong>da</strong>do durante 9 anos e ain<strong>da</strong> não tinham passado no exame prescreviam.<br />

A facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> farmácia no Instituto Médico Imperial Tang tinha um jardim<br />

farmacêutico com cerca <strong>de</strong> 3 hectares, cujos jardineiros forneciam ervas frescas para<br />

usos clínicos; outras matérias médicas utiliza<strong>da</strong>s no instituto eram medicinas nativas<br />

dirigi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> diferentes áreas. Sob a orientação dos seus professores, os estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong><br />

farmácia estu<strong>da</strong>vam a varie<strong>da</strong><strong>de</strong>, a plantação, a colheita, os tratamentos, o<br />

armazenamento e as compatibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s em fitoterapia.<br />

A educação oficial nos Tang era feita através do Intituto Nacional, o Intituto Imperial e<br />

o Instituto Médico Imperial. Entre eles o Instituto Nacional e o Instituto Imperial<br />

estavam a cargo <strong>da</strong> criação <strong>de</strong> oficiais, e abriam somente a elementos <strong>da</strong> família<br />

imperial, à aristocracia e a estu<strong>da</strong>ntes estrangeiros.<br />

Os estu<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong> facul<strong>da</strong><strong>de</strong> médica, responsável pela criação <strong>de</strong> médicos, eram também<br />

muitas vezes filhos <strong>de</strong> oficiais, mas muitos estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong> farmacologia eram, a sua<br />

maior parte, estrangeiros.<br />

Não obstante o Instituto Médico Imperial ser estabelecido para necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s classes<br />

dirigentes, pela sua composição em facul<strong>da</strong><strong>de</strong>s, especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, estruturas <strong>de</strong> apoio,<br />

tempo <strong>de</strong> escolari<strong>da</strong><strong>de</strong>, curriculum, número <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntes, sistema e examinação, etc.,<br />

po<strong>de</strong>mos dizer que foi o primeiro Instituto Médico mais bem equipado do mundo; aliás<br />

basta referir que o primeiro sistema <strong>de</strong> ensino (a 1ª escola médica) europeu surgiu em<br />

Itália, em Salerno em 846, dois séculos mais tar<strong>de</strong>.<br />

A dinastia Tang, po<strong>de</strong>mos dizer que foi um momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

económico e literário. O Instituto Médico Imperial exerceu gran<strong>de</strong> influencia nos países<br />

vizinhos. Nesta sequência o Japão no século VIII, seguiu o exemplo Chinês.<br />

Durante o período <strong>da</strong>s dinastias Wei–Jin e Sui–Tang outros sistemas médicos<br />

apareceram. Na dinastia Jin aparece a clínica e a farmácia Imperial equivalente hoje em<br />

dia às lojas móveis e foram uniformizados os pesos e medi<strong>da</strong>s médicos; aliás <strong>de</strong> acordo<br />

com registos do reino <strong>de</strong> 元康 Yuan Kang ( 291-299 d.C.) um médico eminente Fei<br />

Wei, fez um pedido ao Imperador para que fosse feita a reforma dos pesos e medi<strong>da</strong>s<br />

médicas; esta é a referencia mais antiga <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> reforma <strong>da</strong>s doses médicas.<br />

Nas dinastias do Norte e do Sul foi <strong>da</strong><strong>da</strong> gran<strong>de</strong> atenção aos problemas médicos.<br />

De acordo com os registos <strong>de</strong> Wei Shu, no 3º ano <strong>de</strong> 永平 Yong Ping (em 501), foi<br />

construí<strong>da</strong> uma clínica para tratamentos, ensinamentos e também para investigação.<br />

78


Em 501, quando apareceu uma epi<strong>de</strong>mia bastante gran<strong>de</strong>, foi cria<strong>da</strong> uma clínica para<br />

receber os doentes. Estes foram os primeiros hospitais <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong><br />

<strong>Chinesa</strong>.<br />

Numa parte do Instituto Médico Imperial, na dinastia Sui, foi também estabeleci<strong>da</strong> uma<br />

posição para Nutricionistas, Farmacêuticos e assistentes <strong>de</strong> médicos, bem como uma<br />

secretária <strong>de</strong> farmácia e outras organizações administrativas médicas por oficiais.<br />

Na dinastia Tang foi <strong>da</strong><strong>da</strong> a atenção aos tratamentos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública e remédios, que<br />

eram <strong>da</strong>dos as pessoas do povo, todos os anos para prevenir as epi<strong>de</strong>mias.<br />

No 3º ano <strong>de</strong> Zhen Guan, ca<strong>da</strong> prefeitura tinha indicação para criar centros médicos e <strong>de</strong><br />

recuperação para tomar conta <strong>de</strong> pobres com doenças. Ao mesmo tempo eram feitas<br />

instalações para idosos e órfãos.<br />

As trocas médicas entre a China e os Países estrangeiros<br />

No período <strong>da</strong>s dinastias Sui – Tang <strong>de</strong>senvolveram-se uma prospera economia, uma<br />

uni<strong>da</strong><strong>de</strong> nacional e uma avança<strong>da</strong> comunicação promovi<strong>da</strong> palas trocas comerciais<br />

internas e externas e tocas cientificas e culturais.<br />

A capital Chang’an, era a maior ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do mundo <strong>da</strong>quela época e o centro<br />

económico e cultural internacional, conforme escreve o Dr. Joseph, famoso historiador<br />

Britânico “Na história <strong>da</strong> China houve duas atitu<strong>de</strong>s em relação à Europa, ora <strong>de</strong><br />

abertura e bem vin<strong>da</strong> aos estrangeiros, ora <strong>de</strong> fecho e recusa <strong>da</strong>s ligações com o<br />

estrangeiro. A dinastia Tang foi o período em que os estrangeiros eram bem vindos à<br />

capital, levando a hospe<strong>da</strong>rem-se uma Galáxia <strong>de</strong> figuras internacionais eminentes. Os<br />

árabes, os círios, e os persas chegaram a Chang’an vindos do oeste e encontraram-se<br />

com coreanos e japoneses” 244 .<br />

A rota <strong>da</strong> se<strong>da</strong>, aberta no século II a.C., foi até à dinastia Tang a rota mais importante <strong>de</strong><br />

ligação à China, à Ásia Central, Ásia Oci<strong>de</strong>ntal e ao Mediterrânico Oci<strong>de</strong>ntal via mar. O<br />

<strong>de</strong>senvolvimento médico <strong>da</strong> dinastia Tang encontrava-se no topo do mundo e as trocas<br />

<strong>de</strong> conhecimentos médicos nas dinastias Sui – Tang foram mais prósperas do que em<br />

qualquer outro período cronológico.<br />

A China teve ligações amistosas com a Índia, a Arábia, a Coreia, Japão e Vietname.<br />

Des<strong>de</strong> as dinastias Jin e Tang que houve trocas culturais entre a China e o Japão tendo<br />

aumentado, consi<strong>de</strong>ravelmente, a partir <strong>de</strong>sta época.<br />

Os contactos entre a China e a Coreia também eles se foram fazendo ao longo do tempo<br />

muito antes <strong>da</strong>s dinastias Jin–Tang; especialmente do século II d.C., começou, uma<br />

troca cultural mais sistemática, tendo-se incrementado ain<strong>da</strong> mais durante as dinastias<br />

Sui e Tang. Frequentemente os Coreanos iam para a China estu<strong>da</strong>r <strong>Medicina</strong><br />

<strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>; nesse tempo muitos conhecimentos <strong>de</strong> fitoterapia foram <strong>da</strong>ndo<br />

244 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999, p. 151<br />

79


também entra<strong>da</strong> na China tais como 五味子Wuweizi ( fructus Schisandrae) 245 e 昆布<br />

Kunbu ( Thallus Laminaria) 246 . Enriquecendo <strong>de</strong>sta forma a fitoterapia <strong>Chinesa</strong>. A estes<br />

dois juntamos também 白附子 Baifuzi ( Rhizoma Typhonii) 247 e 人参 Renshen ( Radix<br />

Ginseng) 248 que são claramente Coreanos.<br />

As trocas medicinais entre a China e a Índia também elas muito precocemente tiveram<br />

lugar nomea<strong>da</strong>mente a China muito cedo exportou drogas e matéria médica ou seja<br />

fitoterapia; estas incluíam 人参Renshen (Radix Ginseng), 茯苓Fuling (Poria),<br />

当归Danggui (Radix Angelicae Sinensis), 远志Yuanzhi ( Radix Polygalae), 乌头Wutou<br />

(Radix Aconiti), 附子Fuzi (Radix Aconiti Praeparata), 麻黄Mahuang (Herba<br />

Ephedrae) e 细辛Xi Xin ( Herba Asari), etc.<br />

Ao contrário também se verificou nomea<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> parte dos Budistas Indianos com a<br />

China, uma vez que muitos Budistas se <strong>de</strong>dicavam à medicina. Assim po<strong>de</strong>mos dizer<br />

que quando o Budismo se <strong>de</strong>senvolveu na China, também a medicina indiana se<br />

<strong>de</strong>senvolveu neste País. Aliás, segundo as crónicas, houve mais <strong>de</strong> 11 tratados médicos<br />

indianos transcritos para Chinês; tendo estes trabalhos tido alguma influência na<br />

<strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>. Também os elementos fitoterápicos produzidos na Índia<br />

tais como 龙脑香 Lóngnǎoxiāng (Borneolum) 249 e 郁金香Yùjīnxiāng (Radix<br />

Curcumae) 250 passaram a ser usados na China.<br />

Muitos dos médicos Indianos que passaram a praticar na China eram Oftalmologistas.<br />

Em relação à Arábia havia frequentes trocas médicas. Como vimos, o estudo dos pulsos<br />

parece <strong>de</strong>spertado no mundo Árabe bastante importância uma vez que Avicenna, aliás,<br />

ÅÎm ÅI ɼ»AfJ§ ÅI ÅÎn‡A ϼ§ ÌIC (Abu ‘Ali al-Hussayn ibn ‘Abd-Allah ibn Sina), que<br />

viveu entre 980 e 1037 <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Cristo, escreveu o livro Canon - K¡»A ϯ ÆÌÃB´»A<br />

(Cannon <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong>), tendo muitas explicações acerca <strong>da</strong>s condições do pulso e<br />

eventualmente tirados do Mai Jing (Clássico dos Pulsos). Muitos outros conhecimentos<br />

<strong>da</strong> M.T.C. foram registados em livros Árabes, bem como o contrário também se<br />

verificou, que muitos conhecimentos médicos foram absorvidos pela M.T.C.<br />

As drogas introduzi<strong>da</strong>s na M.T.C. originárias <strong>da</strong> Arábia, po<strong>de</strong>mos referir:<br />

245<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 224<br />

246<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 166<br />

247<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 483<br />

248<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State<br />

Administration of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 194<br />

249<br />

Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.550<br />

250<br />

Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.741<br />

80


Olibano - ÆBJ» - cujo nome na China passou a 乳香 Rǔxiāng (Resina<br />

Olibani) 251 ,<br />

Mirra - j¿ - cujo nome na China passou a 没药 Mòyào (Myrrha) 252 ,<br />

Sangue <strong>de</strong> Dragão - ÅÍÌaÞ Âe - cujo nome na China passou a 血竭 Xuèjié<br />

(Resina Draconis) 253 . “[…] actua no coração, fígado e a nível do sangue, é<br />

bom para remover a estase sanguínea. Se for usado para parar a dor e<br />

promover a regeneração dos tecidos, a droga po<strong>de</strong> para a dor activando o<br />

sangue e po<strong>de</strong> po<strong>de</strong> promover a regeneração do tecido removendo a estase <strong>de</strong><br />

sangue” 254<br />

Bar<strong>da</strong>na - ÆÌΡ³iC - cujo nome na China passou a 木香 Muxiang (Radix<br />

Aucklandiae) 255 .<br />

Também algumas drogas foram introduzi<strong>da</strong>s na China, mas tendo sido o mundo<br />

Árabe apenas intermediário, nomea<strong>da</strong>mente o “Ferro Grego” - ÒοËi ÒJ¼U - cujo<br />

nome na China passou a 胡庐巴 Húlúbā (Semen Trigonellae) 256 .<br />

251 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.606<br />

252 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.564<br />

253 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.715;<br />

254 汪昂 WangAng - 本草备要 Bencaobeiyao (Essência <strong>de</strong> Matéria Médica), início <strong>da</strong> dinastia 清 Quing.<br />

255 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.566<br />

256 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.497 ; vi<strong>de</strong> também Coutinho, A. X. Pereira – Flora <strong>de</strong> Portugal. Lehre, Verlac Von J. Cramer,<br />

1974, p. 398<br />

81


Sistematização Médica, Desenvolvimento e Debates <strong>de</strong> Aprendizagem<br />

(Dinastias Song e Ming 960 – 1368 D. C.)<br />

82


Mongólia<br />

exterior<br />

Império dos<br />

Mongóis, em<br />

1206.<br />

ChengJiSiHan<br />

anexa o<br />

Império dos<br />

XiXia, em<br />

1227;<br />

anexa o<br />

Império dos<br />

BeiJin, em<br />

1234;<br />

adopta o<br />

título dinástico<br />

dos Yuan, em<br />

1271;<br />

anexa o<br />

Império dos<br />

NanSong, em<br />

1276/9<br />

Mongóis são<br />

rechaçados<br />

para a<br />

Mongólia<br />

Confins do<br />

NO<br />

Império dos<br />

XiXia<br />

(Oci<strong>de</strong>ntais) 257<br />

(1038-1227)<br />

em<br />

NingXia<br />

257 Tribo tibetana dos 项族 DangXiangZu<br />

258 Antigo povo <strong>da</strong> Manchúria<br />

Cronologia <strong>de</strong> 895 a 1644<br />

Confins do NE China do Norte China do Sul<br />

Império dos<br />

Liao<br />

( Qi<strong>da</strong>n)<br />

(946-1125)<br />

em<br />

YanJing<br />

Império dos<br />

BeiJin<br />

( JuZhen) 258<br />

(1115-1234)<br />

em<br />

ZhongDu<br />

e, em 1215,<br />

em<br />

Shanxi<br />

Reino <strong>de</strong> Jin<br />

(895-923)<br />

Reino dos<br />

BeiHan<br />

(951-979)<br />

WuDai (5<br />

din. – 907-<br />

960)<br />

(em Kaifeng)<br />

HouLiang<br />

(907-923)<br />

HouTang<br />

(923-936)<br />

HouJin<br />

(936-946)<br />

HouHan<br />

(947-950)<br />

HouZhou<br />

(951-960)<br />

BeiSong<br />

(960-1126)<br />

Anexados pelos BeiJin em 1126<br />

NanSong<br />

(1127-1279)<br />

KaiFeng Nascimento em<br />

Nanjing<br />

do Império Chinês dos<br />

Ming<br />

(1368-1644)<br />

Reinos <strong>de</strong><br />

Shu<br />

(907-923) em<br />

Sichuan<br />

Chu<br />

(907-951)<br />

e<br />

Jingnan<br />

(907-963)<br />

em<br />

Hunan<br />

NanHan<br />

(911-971)<br />

em<br />

Guang<br />

Zhou(Cantão)<br />

Min<br />

(909-978)<br />

em<br />

FuJian<br />

WuYue<br />

(907-978)<br />

em<br />

ZheJiang<br />

NanWu<br />

e<br />

NanTang<br />

(902-975)<br />

em<br />

JiangXi<br />

83


Em 960, 赵匡胤 Zhao Kuangyin, (nome imperiar <strong>de</strong> 太祖 Taizu) praticou um<br />

golpe <strong>de</strong> estado, apo<strong>de</strong>rando-se do po<strong>de</strong>r <strong>da</strong> dinastia Hou Zhou, sendo a sua capital em<br />

汴 Bianliang. Esta é conheci<strong>da</strong> pela Dinastia BeiSong (do Norte). Em 979, o<br />

Imperador 赵匡义 Zhao Kuangyi, irmão do anterior 259 , anexou o Reino dos<br />

BeiHan(do Norte), terminando a separação <strong>da</strong>quilo que é conhecido pelas WuDai (5<br />

dinastias – 907-960) Norte e ShiGuo (10 reinos – 902- 979) Sul assim criando uma<br />

relativa uni<strong>da</strong><strong>de</strong> chinesa. “Quando o império se reunificou sob os [Song] (960-1279), já<br />

o interior <strong>da</strong> Ásia era dominado por tribos nóma<strong>da</strong>s, que invadiram [a China]. Em<br />

1004 já haviam conquistado as províncias setentrionais e em 1125 to<strong>da</strong> a bacia do rio<br />

Amarelo […] passou a estar sob a sua autori<strong>da</strong><strong>de</strong>” 260 .<br />

Contudo, a China nunca foi completamente unifica<strong>da</strong> pelos Song do Norte. Em 1115,<br />

estabeleceu-se um novo Império BeiJin ( JuZhen) (no Norte). Em 1126 eles<br />

avançaram para Sul e capturaram Bianjing, forçando o governo Song a escapar para o<br />

Sul para Nanjing e mais tar<strong>de</strong> para Linan. Este período é referido como a Dinastia<br />

NanSong (do Sul). A Dinastia do Sul e a Dinastia Jin do Norte confrontaram-se cerca <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> cem anos, tomando o Rio Yangzi e o Rio 淮Huai como fronteiras. Os imperadores<br />

trocaram então o comércio terrestre pelo marítimo e <strong>de</strong>senvolveram uma gran<strong>de</strong> frota<br />

comercial, construindo, ao mesmo tempo, uma po<strong>de</strong>rosa marinha <strong>de</strong> guerra capaz <strong>de</strong><br />

suster as investi<strong>da</strong>s dos inimigos estabelecidos a Norte. Os marinheiros chineses<br />

passaram então a frequentar os portos do Índico até regiões tão longínquas como<br />

Zanzibar, na costa oriental africana. A criação <strong>da</strong> nova rota comercial permitiu que<br />

aumentasse o volume <strong>de</strong> negócios e se diversificassem os produtos transaccionados;<br />

<strong>de</strong>senvolveu-se nessa época, por exemplo, a exportação <strong>de</strong> porcelanas. Os [Song]<br />

obtinham no comércio marítimo avultados lucros, que eram canalizados, to<strong>da</strong>via, para<br />

o pagamento <strong>de</strong> tributos às tribos que haviam conquistado a China Setentrional.<br />

Surgiram então ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s vocaciona<strong>da</strong>s para o comércio marítimo intercontinental, entre<br />

as quais se salientou Ch'uan Chou. Nesta encontramos já o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> mercantil<br />

que se difundiria mais tar<strong>de</strong> por várias regiões do oceano Índico. Viviam aí mercadores<br />

estrangeiros, agrupados em comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s segundo a sua origem e a sua religião. A<br />

China estava nesta época liga<strong>da</strong> directamente à Índia, sendo Ch'uan Chou um dos<br />

«terminus» <strong>da</strong>s rotas do tráfico intercontinental. Coulão, no extremo sudoeste <strong>da</strong><br />

península indostânica, era o principal porto dos Chineses na Índia. A <strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong><br />

bússola na época dos [Song] é como que paradigmática do crescimento <strong>da</strong> importância<br />

do mar na estratégia dos imperadores chineses”. 261<br />

A certa altura os Mongóis levantaram-se do Norte aboliram a Dinastia Jin em 1234 e<br />

estabeleceram a dinastia Yuan em 1271, com a sua capital em Dadu, hoje em dia<br />

conheci<strong>da</strong> por Beijing. “O expansionismo mongol não se satisfez, contudo, com os avultados<br />

impostos com que os Sung pagavam a sua in<strong>de</strong>pendência, pelo que prosseguiram<br />

as conquistas para sul, submetendo gradualmente to<strong>da</strong> a China. Em 1279, Kubilai Cã<br />

(1214-1294), neto <strong>de</strong> Gengis Cã, suprimiu os últimos [Song], colocando, assim, todo o<br />

259 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire <strong>de</strong> Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, pp. 274-5<br />

260 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís <strong>de</strong> (Dir.) «Dicionário <strong>de</strong> <strong>História</strong> dos<br />

Descobrimentos Portugueses», Círculo <strong>de</strong> Leitores, Lisboa, 1994, p.245<br />

261 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís <strong>de</strong> (Dir.) «Dicionário <strong>de</strong> <strong>História</strong> dos<br />

Descobrimentos Portugueses», Círculo <strong>de</strong> Leitores, Lisboa, 1994, p.245<br />

84


Celeste Império sob a autori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma dinastia estrangeira” 262 . A Dinastia Yuan<br />

conquistou uma vasta área <strong>da</strong> Eurásia num período <strong>de</strong> tempo muito curto. voltando para<br />

trás com o seu exército em 1279 para novamente rechaçar a Dinastia Song do Sul.<br />

Nestas lutas, apenas a título <strong>de</strong> curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>, po<strong>de</strong>mos referir a utilização do primeiro<br />

lança-chamas, Huoqiang 263 , a petróleo, com a utilização <strong>de</strong> um êmbolo com duplo<br />

efeito para se obter jacto contínuo 264 .<br />

“Com os Mongóis regressou-se a uma situação semelhante à <strong>da</strong> época T'ang: as<br />

estra<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Ásia Central, por on<strong>de</strong> passavam as caravanas <strong>da</strong> Rota <strong>da</strong> Se<strong>da</strong>, e a China<br />

estavam submeti<strong>da</strong>s a uma mesma autori<strong>da</strong><strong>de</strong> e esta possuía uma forte tradição<br />

terrestre. Po<strong>de</strong>r-se-ia esperar que o comércio marítimo seria abandonado para se <strong>da</strong>r<br />

um regresso ao comércio caravaneiro, até porque este, beneficiando <strong>da</strong> pax mongolica,<br />

ganhava uma nova e maior dimensão. O que se passou foi, contudo, um fenómeno<br />

diferente: o comércio terrestre e o marítimo complementaram-se e Ch'uan Chou <strong>de</strong>ixou<br />

<strong>de</strong> ser apenas o terminus <strong>da</strong>s rotas navais para se transformar no nó <strong>de</strong> ligação entre<br />

as rotas terrestres e marítimas do gran<strong>de</strong> comércio intercontinental. Nesta época os<br />

navegadores chineses frequentavam o Malabar, o Guzerate e também a África Oriental.<br />

Coulão continuava a ser o porto principal dos navegantes chineses. Alguns comerciantes<br />

chinas eram muçulmanos, o que lhes facilitava os contactos nos portos do<br />

Índico, pois os islamitas <strong>de</strong>senvolviam aí, nessa altura, uma larga re<strong>de</strong> <strong>de</strong> interesses em<br />

que a religião era, sem dúvi<strong>da</strong>, o factor <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> mais importante. Os Mongóis<br />

foram os primeiros a tentar dominar todo o Extremo Oriente e a Ásia do Sueste.<br />

Lançaram ataques por terra contra a Birmânia, o Vietname e a Coreia. Em 1274 e<br />

1281, duas arma<strong>da</strong>s tentaram conquistar o Japão e em 1293 uma outra arma<strong>da</strong> atacou<br />

a ilha <strong>de</strong> Java. As expedições navais contribuíram, certamente, para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>da</strong>s técnicas <strong>de</strong> construção naval em larga escala; sal<strong>da</strong>ram-se, porém, em sucessivos<br />

fracassos, e, no caso do Japão, contribuíram até para uma intensificação dos ataques<br />

<strong>da</strong> pirataria nipónica junto do litoral chinês. Em 1368, os Chineses conseguiram<br />

expulsar a dinastia mongol e o imperador voltou a ser um chinês; com o reinado <strong>de</strong><br />

Hung Wu (1368-1403) iniciou-se a dinastia dos Ming (1368-1644)”. 265<br />

Durante as Dinastias Song, Jin e Yuan, a economia social umas vezes foi bastante<br />

energética, outras vezes estagnante, flutuando <strong>de</strong> acordo com a situação política do<br />

momento.<br />

A paz cria<strong>da</strong> pela Dinastia Song fez <strong>de</strong>senvolver uma economia cui<strong>da</strong><strong>da</strong> e um<br />

<strong>de</strong>senvolvimento cultural com um gran<strong>de</strong> incremento marcado na agricultura, no<br />

comércio e na manufactura. A sequência do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> forças produtivas e<br />

económicas criaram-se bem a nível científico e tecnológico, aliás o famoso cientista<br />

沈括 Shen Kuo, (que viveu entre 1031 e 1094) <strong>de</strong>scobriu a <strong>de</strong>flexão angular<br />

geomagnética 266 no século XI, cuja aplicação prática se traduz na obra Wujing<br />

Zongyao (Princípios gerais <strong>da</strong>s técnicas militares) 267 , <strong>de</strong> Zeng Gongliang, on<strong>de</strong> se<br />

262 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m<br />

263 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occi<strong>de</strong>nt, Éditions du Seuil, 1973, p. 63<br />

264 Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 273<br />

265 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís <strong>de</strong> (Dir.) «Dicionário <strong>de</strong> <strong>História</strong> dos<br />

Descobrimentos Portugueses», Círculo <strong>de</strong> Leitores, Lisboa, 1994, p.245<br />

266 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occi<strong>de</strong>nt, Éditions du Seuil, 1973, p. 50<br />

267 Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, pp. 273-275<br />

85


<strong>de</strong>screve uma bússola elabora<strong>da</strong> com um peixe flutuante; em finais do séc. XI, era<br />

corrente na China encontrar uma agulha magnetiza<strong>da</strong> suspensa por um fio <strong>de</strong> se<strong>da</strong>.<br />

O livro <strong>de</strong> 沈括 Shen Kuo, Meng Xi Bi Tan (Ensaios <strong>de</strong> torrentes <strong>de</strong> sonho), é<br />

conhecido hoje em dia pelos historiadores do <strong>de</strong>senvolvimento científico, no mundo,<br />

como uma obra prima chinesa <strong>da</strong> ciência e tecnologia, <strong>de</strong> então. Nesta época, por<br />

exemplo 郭守敬 Guo Shoujing (1231-1316) 268 , durante a dinastia Yuan, foi o mais<br />

conhecido astrónomo e engenheiro hidráulico <strong>de</strong>ste período. Ele <strong>de</strong>scobriu a chama<strong>da</strong><br />

oblíqui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> eclíptica naquilo que hoje po<strong>de</strong>mos chamar em astronomia mo<strong>de</strong>rna,<br />

bem como criou um calendário do tempo, tendo reinstalado o observatório <strong>de</strong> Beijing.<br />

Em engenharia hidráulica, quando <strong>de</strong>senhava o canal Tonghui ele fez medi<strong>da</strong>s<br />

topográficas, criando com elevação topografia em cartas chinesas.<br />

Aliás foi também durante a Dinastia dos Song do Norte, que foram divulga<strong>da</strong>s as três<br />

principais ou mais importantes invenções que se conhece dos chineses nomea<strong>da</strong>mente, a<br />

pólvora, a bússola e a impressão chinesa, ou seja a tipografia. Há quem pense que a<br />

pólvora tenha sido inventa<strong>da</strong> no século IX, uma vez que já foram usa<strong>da</strong>s no século XI<br />

armas utilizando pólvora. Porém, o conhecimento <strong>da</strong> pólvora apenas foi divulgado no<br />

século XIII pelos árabes. No século XI já era habitual utilizar-se a bússola na<br />

navegação. Quanto à impressão 269 , tudo indica ter sido elabora<strong>da</strong> (1041–1048) por um<br />

artesão Bisheng, que veio criar uma nova era na história dos livros 270 .<br />

Durante a Dinastia Song houve um aumento importante <strong>da</strong>s condições sociais dos<br />

homens letrados e intelectuais, o que levou os oficiais, a também eles terem uma<br />

importância política ca<strong>da</strong> vez maior. Na capital a Escola Nacional e o Colégio Imperial<br />

foram estabelecidos para treinar oficiais e outras escolas foram também estabeleci<strong>da</strong>s<br />

para treinar talentos na área do direito, <strong>da</strong> matemática e <strong>da</strong> medicina, tanto os<br />

imperadores como os oficiais, todos consi<strong>de</strong>ravam que o conhecimento <strong>da</strong> medicina era<br />

o seu ponto <strong>de</strong> honra. Durante a Dinastia Song o encontro entre confucianos e budistas<br />

levava a gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>bates entre ambos, crendo vários pensadores, que criavam um<br />

sincretismo entre ambas as i<strong>de</strong>ologias. O oposto também se verificava, ou seja, havia<br />

também quem se opusesse ao confucionismo e outros se opusessem ao budismo,<br />

extremando posições, sistematicamente.<br />

Durante as Dinastias Jin e Yuan, a economia chinesa, bem como a sua cultura foram<br />

seriamente atingi<strong>da</strong>s pelas constantes guerras. Portanto a medicina foi-se <strong>de</strong>senvolvendo<br />

progressivamente, uma vez que sistematicamente era necessária pela existência <strong>da</strong><br />

própria guerra. Porém, a existência <strong>de</strong> várias reformas médicas face também aos<br />

diversos pensamentos teóricos <strong>de</strong>ram lugar a diversas escolas filosofico-médicas o que<br />

caracterizou o período histórico <strong>da</strong>s Dinastias Jin e Yuan.<br />

268 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occi<strong>de</strong>nt, Éditions du Seuil, 1973, p. 71<br />

269 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occi<strong>de</strong>nt, Éditions du Seuil, 1973, p. 61, nota 4<br />

270 Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 294<br />

86


Desenvolvimento <strong>da</strong> Educação Médica<br />

Durante a Dinastia Song, o governo <strong>de</strong>u atenção à preparação médica do pessoal.<br />

Vimos o Secretariado Médico Imperial era gerido pelo Templo Tai Chang. Porém, o<br />

nível e a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> educação, não eram suficientemente boas. Em 1076, <strong>de</strong>pois <strong>da</strong><br />

reforma efectua<strong>da</strong> pelo imperador, saiu um édito Imperial criando uma separação entre<br />

o Secretariado Médico Imperial e o Templo Tai Chang. Desta forma, foi estruturado,<br />

que havia um presi<strong>de</strong>nte e dois vice presi<strong>de</strong>ntes, que teriam <strong>de</strong> ser médicos especialistas<br />

<strong>de</strong> acordo com as regras, as leis do governo. Noutro tempo, este Secretariado Médico<br />

Imperial foi aumentado no famoso sistema Sān Shè Fǎ, ou seja no Sistema <strong>de</strong> Três<br />

Graus, que foi <strong>de</strong>senvolvido na educação médica. A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> efectua<strong>da</strong> aos exames<br />

<strong>de</strong> entra<strong>da</strong>, era emiti<strong>da</strong> no Verão. O limite máximo <strong>de</strong> lugares para estu<strong>da</strong>ntes era <strong>de</strong><br />

trezentos. Os estu<strong>da</strong>ntes eram classificados em diferentes “graus” <strong>de</strong> acordo com as<br />

suas classificações nos exames <strong>de</strong> entra<strong>da</strong> : 40 estu<strong>da</strong>ntes na situação Shàng, ou seja,<br />

superior Shàng Shè (no grau Shang), 60 no grau 内 Nèi, ou seja, intermédio e os<br />

restantes 200 no grau inferior (ou exterior) 外 Wài.<br />

Havia três <strong>de</strong>partamentos, o <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> análise dos pulsos e prescrições,<br />

incluindo medicina interna, ginecologia e pediatria; o <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> acupunctura e<br />

moxibustão e o <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> medicina externa, incluindo cirurgia, traumatologia e<br />

terapia <strong>de</strong> ossos. Havia um professor estabelecido para ca<strong>da</strong> <strong>de</strong>partamento, que tinha <strong>de</strong><br />

ser um membro <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia Imperial, <strong>de</strong> um grau superior ou um praticante médico<br />

muito famoso.<br />

No periodo Yuan Feng, ou seja entre 1058 e 1078 (dinastia BeiSong), os<br />

estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong>ste instituto, estu<strong>da</strong>vam nove especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>s diferentes. Entre elas, temos<br />

novamente análise <strong>de</strong> pulsos e as prescrições para adultos, sentir os pulsos e as<br />

prescrições para crianças, doenças causa<strong>da</strong>s pelo vento, medicina externa e<br />

traumatologia, obstetrícia, oftalmologia, estomatologia, <strong>de</strong>ntistas e faringolaringologia,<br />

acupunctura e moxibustão, feri<strong>da</strong>s <strong>de</strong> guerra e literatura médica. Os exames eram <strong>de</strong><br />

acordo com o Secretariado Médico Imperial, isto é, testes mensais e exames abertos,<br />

etc. Os examinandos eram divididos em excelentes, passados ou reprovados. Ca<strong>da</strong> dois<br />

anos, havia um exame para estu<strong>da</strong>ntes que se encontravam no grau mais baixo, Wai She,<br />

para o grau Nei She, ou seja para o grau intermédio e <strong>de</strong>ste, Nei She para o grau superior<br />

Shang She. Os próprios alunos do nível Shang She, ou seja o superior, eram divididos<br />

em três níveis <strong>de</strong> acordo com os seus comportamentos e habili<strong>da</strong><strong>de</strong>s clinicas.<br />

O Sistema dos Três graus, não só <strong>da</strong>va ênfase ao estudo teórico, mas também à prática<br />

clínica. Os estu<strong>da</strong>ntes eram obrigados a registar em pormenor as suas activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

médicas e os resultados dos tratamentos e diagnósticos, que tinham feito. No fim do ano<br />

recebiam uma avaliação <strong>da</strong> sua prática clínica. Os estu<strong>da</strong>ntes excelentes eram apontados<br />

como exemplo. Aqueles que curavam apenas 50% dos seus pacientes, eram convi<strong>da</strong>dos<br />

a sair do instituto. Os conhecimentos práticos clínicos e os conhecimentos médicos<br />

teóricos conjugados, mostra o progresso <strong>da</strong> China na sua educação médica <strong>de</strong> então.<br />

Será interessante lembrar o que, sincronicamente, se passava na Europa. Lembremo-nos<br />

apenas, que no século XI, a Península Ibérica tinha sido, havia uns séculos, conquista<strong>da</strong><br />

pelos árabes, só no século XII é que viria a ser reconquista<strong>da</strong>. A Europa, to<strong>da</strong> ela se<br />

encontrava retalha<strong>da</strong> por diversos reinos, cujo <strong>de</strong>senvolvimento médico <strong>de</strong>ixava<br />

bastante a <strong>de</strong>sejar.<br />

87


Na China, durante este período o evolução <strong>da</strong> farmacologia po<strong>de</strong> ser confirma<strong>da</strong><br />

através <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> livros, cujas obras contêm, acerca <strong>de</strong> fitoterapia, como que um<br />

resumo do <strong>de</strong>senvolvimento na investigação médica e nas experiências que se foi sendo<br />

feita a nível clínico. Houve gran<strong>de</strong>s contribuições para a i<strong>de</strong>ntificação, colecção,<br />

cultivo, preparação e aplicação <strong>de</strong> drogas, bem como a administração médica. Assim, a<br />

China vai manter-se numa posição avança<strong>da</strong> na matéria médica do seu tempo,<br />

influenciando gran<strong>de</strong>mente o <strong>de</strong>senvolvimento a nível <strong>da</strong> fitoterapia e dos<br />

conhecimentos acerca <strong>de</strong> drogas e plantas, ou seja <strong>de</strong> matéria médica. Várias tarefas<br />

foram leva<strong>da</strong>s a cabo, nomea<strong>da</strong>mente durante a Dinastia Song para <strong>de</strong>senhar e<br />

sistematizar os conhecimentos acerca <strong>de</strong> plantas e <strong>de</strong> drogas, relativamente, à época do<br />

ano em que <strong>de</strong>veriam ser colhi<strong>da</strong>s, como <strong>de</strong>veriam ser trata<strong>da</strong>s, etc.<br />

Dos livros mais importantes, elaborado durante a Dinastia Song po<strong>de</strong>mos referir<br />

经史证类备急本草 Jing Shi Zheng Lei Bei Ji Ben Cao (Clássico e <strong>História</strong> <strong>da</strong> Matéria<br />

Médica Classifica<strong>da</strong> para Emergências), escrito por 唐慎微 Tang Shenwei, que viveu<br />

entre 1056 e 1093, também foi conhecido por Sen Yuan, nasceu em Jinyuan, na<br />

Província <strong>de</strong> 四川 Sichuan, tendo praticado medicina em 成都 Chengdu.<br />

Características <strong>de</strong>ste livro po<strong>de</strong>m ser visualiza<strong>da</strong>s em dois aspectos importantes: em<br />

primeiro lugar contém to<strong>da</strong> a matéria médica escrita nos livros anteriores, preservando<br />

to<strong>da</strong>s as características acerca <strong>da</strong>s drogas. Em segundo lugar, <strong>de</strong>senvolveu ou<br />

estabeleceu o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> compatibili<strong>da</strong><strong>de</strong> entre as diversas drogas. Até à<br />

Dinastia Song, todos os livros acerca <strong>de</strong> matéria médica falavam relativamente às<br />

drogas em si, não as ligando às diversas fórmulas. Tang Shenwei, registou mais <strong>de</strong> três<br />

mil fórmulas e elementos <strong>de</strong> livros publicados anteriormente, incluindo também<br />

experiências rurais, caseiras e as suas experiências clínicas. Deste modo, ele fez a<br />

ligação entre as diferentes fórmulas e as respectivas drogas. Este método foi<br />

extremamente útil para a aprendizagem médica, no que diz respeito a farmacopeias<br />

posteriores.<br />

O livro Jing Zheng Lei Bei Ji Ben Cao ( Histórico e Clássico classificado com Matéria<br />

Médica para Emergência) bem como a obra 苏沈良方 Su Shen Liang Fang ( Fórmulas<br />

Efectivas <strong>de</strong> Su Shen), ambos fazem referência a um processo intitulado “Qiu Shi“ , ou<br />

seja, análise através <strong>da</strong> urina <strong>da</strong>s hormonas esterói<strong>de</strong>s-sexuais. Este meio <strong>de</strong> diagnóstico<br />

utilizado em 1920 a 1930, em que era utiliza<strong>da</strong> a saponina para a precipitação dos<br />

esterói<strong>de</strong>s já tinha sido usado pelos médicos chineses naquelas duas obras.<br />

Na obra Jing Shi Zheng Lei Bei Ji Bem Cao , foi utilizado durante cerca <strong>de</strong> 500 anos e<br />

serviu <strong>de</strong> livre mo<strong>de</strong>lo para a matéria médica. Compilado por Li Shizhen (1518-<br />

1655), passou a ter um novo nome, 本草纲目 Ben Cao Gang Mu (Compêndio <strong>da</strong><br />

Matéria Médica).<br />

Fórmulas<br />

O estudo <strong>da</strong>s fórmulas foi um campo especial levado a cabo durante diversas dinastias.<br />

Durante as dinastias Song e Yuan, os livros acerca <strong>de</strong> fórmulas, tornaram-se mais<br />

sofisticados comparados com os anteriores, tanto em número como em varie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Outro<br />

<strong>de</strong>senvolvimento notável, radica na criação <strong>de</strong> teorias para a sua formulação,<br />

nomea<strong>da</strong>mente, nos princípios <strong>de</strong> tratamento no tipo <strong>de</strong> fórmulas e drogas usa<strong>da</strong>s, on<strong>de</strong><br />

em três livros <strong>de</strong> fórmulas bem conhecidos po<strong>de</strong>mos salientar:<br />

88


- o primeiro chama-se 太平圣惠方 Tai Ping Sheng Hui Fang (Fórmulas<br />

Sagra<strong>da</strong>s Benevolentes e Pacíficas). Trata-se <strong>de</strong> uma obra compila<strong>da</strong> entre 987 a<br />

992 por 王怀隐 Wang Huaiyin 271 . A obra constituí<strong>da</strong> por 100 volumes, dividi<strong>da</strong><br />

em 1670 categorias com cerca <strong>de</strong> 16.834 prescrições e uma gran<strong>de</strong> colecção <strong>de</strong><br />

formulários anteriores aos Song, bem como remédios populares. Este livro, faz<br />

menção, pela primeira vez, do diagnóstico através <strong>de</strong> sentir os pulsos e também<br />

faz menção <strong>da</strong> frase “princípios <strong>de</strong> tratamento” , e inclui também referências<br />

em etiologias e patologias, manifestações e prescrições <strong>de</strong> outro tipo <strong>de</strong> terapias.<br />

- A segun<strong>da</strong> obra que reina acerca <strong>de</strong> fórmulas, chama-se 剂局方 Tai Ping Hui<br />

Min He Ji Ju Fang (Fórmulas do Dispensário Benevolente e Pacífica). O livro<br />

foi compilado oficialmente entre 1102 e 1106. Em 1107 e 1110, o livro foi<br />

revisto pelos médicos imperiais por instrução do próprio imperador, tendo<br />

elementos suplementares e sendo renomeado com o nome 剂局方 He Ji Ju<br />

Fang (Fórmulas do Dispensário). O seu conteúdo consiste em cinco volumes,<br />

dividido por vinte e uma categorias com 297 prescrições que se tornaram uma<br />

norma para a feitura <strong>de</strong> remédios.<br />

Depois <strong>de</strong> ter sido revisto por diversas vezes, em 1151, o ultimo revisor Xu<br />

Hong mudou-lhe o nome para o nome original. É um dos mais antigos<br />

formulários publicados por um dispensário nacional, em tudo o mundo. Por<br />

diversos acréscimos que foi tendo no seu conteúdo, levou-o a um número <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />

volumes; pelo seu conteúdo foi classificado em catorze categorias, atingindo 788<br />

prescrições. Ca<strong>da</strong> prescrição tinha indicações, não só dos ingredientes, mas a<br />

forma <strong>de</strong> preparação <strong>da</strong>s drogas bem como a posologia. .<br />

Esta obra passou a ser usa<strong>da</strong> como um referencial, nomea<strong>da</strong>mente, como um<br />

livro <strong>de</strong> bolso acerca <strong>de</strong> fórmulas.<br />

A maioria do material utilizado nele, era material comum usado nas diversas<br />

prescrições e preparado em forma <strong>de</strong> pílulas e era aplicado em pó, ambas as<br />

formas facilmente armazena<strong>da</strong>s para os pacientes. Muitas <strong>de</strong>stas fórmulas<br />

passaram a ser bem conheci<strong>da</strong>s, posteriormente, e, ain<strong>da</strong> hoje, usa<strong>da</strong>s tais como<br />

散 Hua Gai San 272 , cujas indicações e sintomas visam directamente retirar o<br />

vento frio do pulmão, ou, acabar com a tosse. Estas acções, libertam<br />

directamente o biao , difun<strong>de</strong>m o Qi do pulmão, tornando-o claro, eliminam as<br />

mucosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s; ou, ain<strong>da</strong> a fórmula Su He Xiang Wan 273 , cuja acção é abrir os<br />

orifícios e expulsar o frio e transformar as mucosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s frio e humi<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

problemas <strong>de</strong> humi<strong>da</strong><strong>de</strong>, tendo a particulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> actuar nos comas ou per<strong>da</strong>s<br />

<strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>s a uma obstrução dos orifícios do coração pelo frio,<br />

humi<strong>da</strong><strong>de</strong>/frio ou mucosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

Po<strong>de</strong>mos ain<strong>da</strong> citar duas fórmulas bem conheci<strong>da</strong>s, nomea<strong>da</strong>mente a Si Wu<br />

Tang 274 , conheci<strong>da</strong> hoje em dia no Oci<strong>de</strong>nte e em Portugal por F2,<br />

“<strong>de</strong>cocção/As pílulas <strong>da</strong>s quatro substâncias” que alimenta e mobiliza o sangue<br />

271<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing House,<br />

1996, p.113<br />

272<br />

Marié, Eric – Grand Formulaire <strong>de</strong> Pharmacopée Chinoise. Vitré, Editions Paracelse, 1991, p. 68<br />

273<br />

Marié, Eric – Grand Formulaire <strong>de</strong> Pharmacopée Chinoise. Vitré, Editions Paracelse, 1991, p. 631<br />

274<br />

Choy, Pedro – Fitoterapia <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> – Formulário. Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura<br />

e Disciplinas Associa<strong>da</strong>s (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 1999, p.13<br />

89


e harmoniza o fígado; e ain<strong>da</strong> Xiao Yiao San 275 , F53, cuja acção é <strong>de</strong> tonificar o<br />

baço, alimentar o sangue e harmonizar o Qi do fígado e do baço.<br />

- A terceira obra chama-se 圣济总录 Sheng Ji Zong Lu (O Registo Completo <strong>da</strong><br />

Benevolência Sagra<strong>da</strong>). Trata-se <strong>de</strong> uma obra médica compila<strong>da</strong> em finais <strong>da</strong><br />

dinastia dos Song do Norte, cujo autor original terá sido Song Heizong,<br />

conhecido por Zhao Ji. Porém, pensa-se que, <strong>de</strong> facto, a obra <strong>de</strong>verá ter sido<br />

compila<strong>da</strong> por um grupo <strong>de</strong> médicos organizados pela própria corte Song. Parte<br />

<strong>da</strong> constituição <strong>da</strong> obra <strong>de</strong>ve-se a uma larga colecção <strong>de</strong> formulários médicos e<br />

<strong>de</strong> receitas populares <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>s antigas que levou cerca <strong>de</strong> sete anos a ser<br />

compila<strong>da</strong>, isto é, <strong>de</strong> 1011 a 1017. O seu tamanho atingiu 200 volumes, e com<br />

cerca <strong>de</strong> 20 mil fórmulas, on<strong>de</strong> se inclui, em quase to<strong>da</strong>s, registos <strong>de</strong> formulários<br />

<strong>de</strong> épocas passa<strong>da</strong>s. A sua classificação incluiu 66 categorias <strong>de</strong> acordo com o<br />

tipo <strong>de</strong> tratamento. Nele se inclui um grupo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrios a ser examinados,<br />

e em ca<strong>da</strong> categoria, em primeiro lugar observa-se a etiologia seguido <strong>da</strong><br />

prescrição e <strong>da</strong> posologia. Todos os <strong>de</strong>sequilíbrios energéticos registados neste<br />

livro estão incluídos em 13 <strong>de</strong>partamentos incluindo interna e externa,<br />

ginecologia, pediatria ,acupunctura , moxibustão e problemas <strong>de</strong> terapia com os<br />

ossos.<br />

Além <strong>de</strong>stas três obras elabora<strong>da</strong>s a nível governamental, houve muitas obras<br />

individuais feitas por médicos. Entre elas po<strong>de</strong>mos referir a obra 济生方 Ji Sheng Fang<br />

(Fórmulas para Aju<strong>da</strong>r a Viver), cujo autor foi 严用和 Yan Yonghe 276 (NanSong), que<br />

contêm mais <strong>de</strong> 400 fórmulas efectivas entre as quais po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar a nossa F61<br />

Gui Pi Tang 277 , cujas três acções principais são as <strong>de</strong> tonificar o Qi e o sangue, tonificar<br />

fortemente o baço/pâncreas e alimentar o coração e acalmar o espírito. Durante as<br />

dinastias Song e Yuan, houve um gran<strong>de</strong> progresso a nível médico nas diversas áreas<br />

clínicas, não somente a nível etiológico e <strong>de</strong> diagnóstico mas também a nível <strong>da</strong><br />

diferenciação dos diversos <strong>de</strong>partamentos, dos quais po<strong>de</strong>mos referir a pediatria e a<br />

ginecologia na dinastia Song e a traumatologia durante a dinastia Yuan.<br />

Os hospitais imperiais, durante a dinastia Yuan, eram divididos em treze <strong>de</strong>partamentos<br />

médicos diferentes. Durante estes períodos, especialistas bem conhecidos apareceram a<br />

registar os seus próprios estudos técnicos.<br />

O primeiro livro acerca <strong>da</strong> etiologia que tentava apresentar uma explicação acerca <strong>de</strong><br />

factores patogénicos foi a obra 三因济一病证方论 San Yin Ji Yi Bing Zheng Fang Lun<br />

(Discussão sobre Doenças, Síndromes e Fórmulas Relacionados com a Unificação dos<br />

Três Grupos <strong>de</strong> Factores Patogénicos), mais conhecido pela abreviatura do seu nome<br />

三因方 San Yin Fang, criado por 陈言Chen Yan que viveu durante a dinastia<br />

NanSong. O seu autor classificou todos os factores patogénicos em três grupos: factores<br />

endopatogénicos ,<strong>de</strong>marcados por sete estados emocionais extremos: alegria, raiva,<br />

melancolia, ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>, aflição, medo e terror; os factores exopatogénicos, são marcados<br />

275<br />

Choy, Pedro – Fitoterapia <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> – Formulário. Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura<br />

e Disciplinas Associa<strong>da</strong>s (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 1999, p. 81<br />

276<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.485<br />

277<br />

Choy, Pedro – Fitoterapia <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> – Formulário. Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura<br />

e Disciplinas Associa<strong>da</strong>s (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 1999, p.84<br />

90


por seis condições climatéricas: o vento, o frio, o calor do Verão, a humi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a secura e<br />

o fogo; e os factores não-endo-exo-patogénicos, referidos tais como: alimentação<br />

imprópria, esgotamento, trauma, feri<strong>da</strong>s <strong>de</strong> guerra, abuso sexual, mor<strong>de</strong>dura <strong>de</strong> insectos<br />

e outros animais e envenenamento. A sua sistematização levou a uma prática clínica<br />

mais objectiva, levando também a uma prevenção dos <strong>de</strong>sequilíbrios energéticos mais<br />

precoces.<br />

Chen Yan discutiu sistematicamente ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>stes três grupos e advogou a prevenção<br />

para esses <strong>de</strong>sequilíbrios, consi<strong>de</strong>rando que as suas causas po<strong>de</strong>riam ser encontra<strong>da</strong>s em<br />

ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les e, portanto, ser prescrito um tratamento a<strong>de</strong>quado. Chen, adiantou os<br />

princípios <strong>de</strong> tratamento, bem como as prescrições <strong>de</strong> acordo com ca<strong>da</strong> factor<br />

patogénico. Há quem consi<strong>de</strong>re Chen Wuze, nome pelo qual ele próprio se chamava,<br />

fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> medicina mo<strong>de</strong>rna .<br />

Acupunctura e moxibustão<br />

Tanto nas dinastias Song como Yuang, que temos vindo a tratar, a acupunctura e a<br />

moxibustão <strong>de</strong>senvolveu-se enormemente. Durante este período, <strong>de</strong> facto, apareceram<br />

novos estudos acerca <strong>de</strong> acupunctura e moxibustão, nomea<strong>da</strong>mente<br />

新铸铜人腧穴针灸图经 Xin Zhu Tong Ren Shu Xue Zhen Jiu Tu Jing (Manual<br />

Ilustrado <strong>de</strong> Acupunctura e Moxibustão com os pontos <strong>de</strong> acupunctura visualisados<br />

numa figura <strong>de</strong> bronze fundido recentemente) . Durante o período dos Song do Norte,<br />

apareceu um acupunctor bem conhecido, 王惟一 Wang Weiyi (987-1067) 278 , médico <strong>da</strong><br />

corte imperial e autor <strong>da</strong> obra referi<strong>da</strong>. O imperador pediu-lhe que criasse duas figuras<br />

<strong>de</strong> bronze que continham não só os 657 pontos <strong>de</strong> acupunctura gravados na sua<br />

superfície como po<strong>de</strong>riam ser <strong>de</strong>smanchados para se po<strong>de</strong>r analisar o seu interior <strong>de</strong><br />

forma a mostrar os orgãos que se encontram no seu interior. Estes elementos <strong>de</strong> bronze,<br />

podiam claramente estabelecer uma normalização <strong>da</strong> localização dos pontos <strong>de</strong><br />

acupunctura, mas também, e ensinar e examinar os diversos discípulos em acupunctura<br />

e moxibustão,o que se passou a fazer. Aliás, durante este período, sabe-se que, durante<br />

os exames para qualificar os diversos estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong> acupunctura, estes pontos <strong>de</strong><br />

acupunctura eram cheios <strong>de</strong> orifícios que eram tapados com cera e era-lhes colocado<br />

um reservatório cheio <strong>de</strong> água. Des<strong>de</strong> que o aluno colocasse as agulhas no ponto<br />

apropriado que lhe era pedido, a água saía <strong>de</strong> modo a mostrar quais os pontos correctos,<br />

<strong>de</strong> acordo com as perguntas efectua<strong>da</strong>s. De facto, po<strong>de</strong>mos dizer que a preocupação<br />

com o ensino <strong>de</strong>senvolveu-se através <strong>de</strong>stes mo<strong>de</strong>los médicos, levando a uma<br />

criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> bastante rica em meios pe<strong>da</strong>gógicos <strong>de</strong> forma a que esse ensino tivesse o<br />

máximo <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> . O livro acima referido contém as instruções escritas como usar<br />

as figuras <strong>de</strong> bronze.<br />

Comparado com a obra anterior: 针灸甲已经 Zhen Jiu Jia Yi Jing, ou seja, o (clássico<br />

A – B <strong>de</strong> acupunctura e moxibustão), compila<strong>da</strong> por 谧 Huangfu Mi (215-282),<br />

po<strong>de</strong>mos ver que a obra <strong>de</strong> 王惟一 Wang Weiyi contém um acréscimo <strong>de</strong> três pontos<br />

bilaterais, nomea<strong>da</strong>mente 灵 Qīnglíng (2C) 279 , 厥阴俞 Juéyīnshū (14V) 280 e 膏肓俞<br />

278<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.115<br />

279<br />

Ellis, Andrew et allii – Grasping the wind. Brooline (USA), Paradigm Publications, 1989, p.121;<br />

Choy, Dr. Pedro (Dir.) – Zhēnjiǔ xuéwèi 针灸穴位. «Curso <strong>de</strong> Acupunctura e Fitoterapia <strong>Tradicional</strong><br />

91


Gāohuāngshū (43V) 281 e ain<strong>da</strong> dois pontos <strong>da</strong> linha média, nomea<strong>da</strong>mente o 灵台<br />

Língtái (10VG) 282 e o 腰阳关 Yāoyángguān (3VG) 283 . No início para i<strong>de</strong>ntificar os<br />

pontos, este livro discute ain<strong>da</strong> a profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> própria <strong>da</strong>s agulhas e os efeitos<br />

terapêuticos <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> ponto, tendo servido como elemento <strong>de</strong> referência durante<br />

bastantes anos.<br />

Anteriormente à publicação <strong>de</strong>ste livro, gran<strong>de</strong> parte do seu conteúdo foi gravado em<br />

duas placas <strong>de</strong> pedra, com cerca <strong>de</strong> dois metros <strong>de</strong> largura e sete metros <strong>de</strong><br />

comprimento, eririgidos em 汴 Bianliang <strong>de</strong> forma a que a população pu<strong>de</strong>sse copiá-la<br />

se assim o quisesse fazer. Aliás, este livro, é conhecido como o marco do ensino <strong>de</strong><br />

Acupunctura e Moxibustão em to<strong>da</strong> a <strong>História</strong> <strong>da</strong> MTC.<br />

Outro trabalho em Acupunctura e Moxibustão teve como titulo 针灸资生经 Zhen Jiu<br />

Zi Sheng Jing (Experiências em Terapia com Acupunctura e Moxibustão), foi escrito<br />

por Wang Zhi Zhong e está entre os mais importantes trabalhos acerca <strong>de</strong>ste assunto<br />

durante este período, tendo sido publicado em 1220 e contém sete volumes.<br />

A proporcionali<strong>da</strong><strong>de</strong> estan<strong>da</strong>rdiza<strong>da</strong> por Tong Shen Cun, ou seja ,a uni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

proporcional do corpo humano, cria<strong>da</strong> neste livro ain<strong>da</strong> hoje se usa. 寸 Cún 284 é um<br />

apelido, mas passou a ser usado como uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> proporção do corpo humano em<br />

Acupunctura 285 . Além disso, Cun, consi<strong>de</strong>rava que havia uma escolha <strong>de</strong> pontos<br />

dolorosos que <strong>de</strong>viam ser encontrados pressionando certos locais do corpo humano do<br />

paciente e a esses <strong>de</strong>ver-se-ia <strong>da</strong>r maior atenção na selecção <strong>de</strong> pontos a punctuar. Mais<br />

tar<strong>de</strong> veio a verificar-se que estes pontos tinham um efeito terapêutico significativo 286 .<br />

A Moxibustão foi largamente trata<strong>da</strong> neste livro, cumprindo quase todos os<br />

conhecimentos que se tinha acerca do assunto antes <strong>da</strong> dinastia Song.<br />

<strong>Chinesa</strong>», 4º Ano, Textos <strong>de</strong> Apoio, Lisboa, Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura e Disciplinas<br />

Associa<strong>da</strong>s, Ciclostilado, 2000/2001, p.33<br />

280<br />

Ellis, Andrew et allii – Grasping the wind. Brooline (USA), Paradigm Publications, 1989, p.154;<br />

Choy, Dr. Pedro (Dir.) – Zhēnjiǔ xuéwèi 针灸穴位. «Curso <strong>de</strong> Acupunctura e Fitoterapia <strong>Tradicional</strong><br />

<strong>Chinesa</strong>», 4º Ano, Textos <strong>de</strong> Apoio, Lisboa, Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura e Disciplinas<br />

Associa<strong>da</strong>s, Ciclostilado, 2001, p.27<br />

281<br />

Ellis, Andrew et allii – Grasping the wind. Brooline (USA), Paradigm Publications, 1989, p.174;<br />

Choy, Dr. Pedro (Dir.) – Zhēnjiǔ xuéwèi 针灸穴位. «Curso <strong>de</strong> Acupunctura e Fitoterapia <strong>Tradicional</strong><br />

<strong>Chinesa</strong>», 4º Ano, Textos <strong>de</strong> Apoio, Lisboa, Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura e Disciplinas<br />

Associa<strong>da</strong>s, Ciclostilado, 2001, p.20<br />

282<br />

Ellis, Andrew et allii – Grasping the wind. Brooline (USA), Paradigm Publications, 1989, p.335;<br />

Choy, Dr. Pedro (Dir.) – Zhēnjiǔ xuéwèi 针灸穴位. «Curso <strong>de</strong> Acupunctura e Fitoterapia <strong>Tradicional</strong><br />

<strong>Chinesa</strong>», 4º Ano, Textos <strong>de</strong> Apoio, Lisboa, Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura e Disciplinas<br />

Associa<strong>da</strong>s, Ciclostilado, 2001, p.29<br />

283<br />

Ellis, Andrew et allii – Grasping the wind. Brooline (USA), Paradigm Publications, 1989, p.330;<br />

Choy, Dr. Pedro (Dir.) – Zhēnjiǔ xuéwèi 针灸穴位. «Curso <strong>de</strong> Acupunctura e Fitoterapia <strong>Tradicional</strong><br />

<strong>Chinesa</strong>», 4º Ano, Textos <strong>de</strong> Apoio, Lisboa, Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura e Disciplinas<br />

Associa<strong>da</strong>s, Ciclostilado, 2001, p.46<br />

284<br />

Em MTC, Cun também <strong>de</strong>signa uma posição anatómica para a toma<strong>da</strong> dos pulsos: 寸关尺 Cun, Guan,<br />

Chi. - Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.56<br />

285<br />

Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.432<br />

286<br />

Van Nghi, Nguyen; Bijaoui, André – Les Bases fon<strong>da</strong>mentales <strong>de</strong> l’acupuncture/moxibustion – Zhēn<br />

Jiǔ . Editions Autres Temps. 2000, pp.140-141<br />

92


Ginecologia<br />

Outros dos assuntos tratados durante a dinastia Song e Yuang foi a Ginecologia. Aliás,<br />

foi durante esta dinastia, que o <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> ginecologia e obstétricia se tornaram<br />

secção clínica in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Dos diversos livros, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar um que foi<br />

publicado em 1237, 妇人大全良方 Fu Ren Da Quan Liang Fang (Fórmulas Completas<br />

e Efectivas para Mulher). O seu autor Chen Ziming, que se auto nomeava como Liang<br />

Fu He, criou a obra bastante completa que continha, por exemplo, um mecanismo<br />

fisiológico <strong>da</strong> menstruação e o tratamento para todos os tipos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns menstruais.<br />

A esterili<strong>da</strong><strong>de</strong> era explica<strong>da</strong> como aparecendo na sequência do défice <strong>de</strong> Qi e sangue e<br />

na sequência <strong>de</strong> amenorréia, menorragia e menostaxis ou leucorreias anormais. Também<br />

na obra eram ensinados os problemas fetais, os estágios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento fetal, o<br />

diagnósio <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z e as drogas contra indica<strong>da</strong>s para a gravi<strong>de</strong>z, bem como, aliás, as<br />

categorias <strong>de</strong> enfermagem utiliza<strong>da</strong>s durante a gravi<strong>de</strong>z.<br />

Pediatria<br />

Também a pediatria foi um assunto tratado durante as dinastias Song e Yuang. Aliás,<br />

durante este período foi uma temática que se <strong>de</strong>senvolveu bastante. Dos diversos<br />

médicos que se <strong>de</strong>dicaram à pediatria, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar Qian Yi, que viveu entre 1032-<br />

1113, tendo <strong>de</strong>dicado cerca <strong>de</strong> 40 anos <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> à especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> pediatria com a<br />

respectiva experiência clínica. Mais tar<strong>de</strong>, um dos seus alunos conhecido como Yan<br />

Xiaozhong , sistematizou to<strong>da</strong>s as suas teorias médicas e experiências clínicas na obra<br />

小儿药证直诀 Xiao Er Yao Xiaozhong (Chave para a I<strong>de</strong>ntificação do Síndroma e o<br />

Tratamento para Doenças Infantis), sendo constituí<strong>da</strong> por 3 volumes. O primeiro trata<br />

<strong>da</strong> base <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ntificação do síndroma e nas condições do pulso, <strong>de</strong>senvolvendo a<br />

apresentação, o diagnóstico, a prescrição e discussão <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um dos síndromas. O<br />

segundo volume contêm cerca <strong>de</strong> 23 casos tratados por Qian Yi. O terceiro, lista as<br />

formas mais comuns, a compatibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s drogas nela conti<strong>da</strong>s e <strong>da</strong> sua própria<br />

posologia.<br />

Nesta obra é apontado que a fisiologia <strong>da</strong>s crianças assenta num <strong>de</strong>senvolvimento ain<strong>da</strong><br />

incompleto dos Zangfu, cujas patologias se <strong>de</strong>senvolvem em orgãos mais fracos e que<br />

facilmente se tornam com vazios ou com excesso <strong>de</strong> energia ou atingidos por calor ou<br />

frio. No tratamento <strong>da</strong>s crianças, o seu autor preconiza o uso <strong>de</strong> drogas mais suaves <strong>de</strong><br />

forma a regular as funções do baço, pâncreas, estômago e rins, no sentido <strong>de</strong> regularizar<br />

a energia <strong>de</strong>stes orgãos, em vez <strong>de</strong> utilizar métodos mais evasivos. O autor, consi<strong>de</strong>rava,<br />

que a observação era entre os 4 métodos <strong>de</strong> diagnóstico, o mais importante em pediatria,<br />

quer dizer que, através <strong>da</strong> observação <strong>da</strong> complexão e <strong>da</strong> vitali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> face e dos olhos,<br />

rapi<strong>da</strong>mente se po<strong>de</strong>ria chegar a um diagnóstico. Nas diversas fórmulas incluí<strong>da</strong>s nesta<br />

obra po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar a conheci<strong>da</strong> 六味地黄丸 Liu Wei Di Huang Wan (F5), e que é<br />

adopta<strong>da</strong> para alimentar o Yin do rim e segun<strong>da</strong>riamente, também o Yin do fígado e do<br />

Baço 287 .<br />

287 Choy, Pedro – Fitoterapia <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> – Formulário. Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura<br />

e Disciplinas Associa<strong>da</strong>s (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2000, p.23; Marié, Eric – Grand<br />

Formulaire <strong>de</strong> Pharmacopée Chinoise. Vitré, Editions Paracelse, 1991, p. 726<br />

93


A varíola, neste período dos Song, era bem conheci<strong>da</strong>, bem como o sarampo e a<br />

varicela. Para além <strong>de</strong> se encontrarem bem i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong>s, havia obras publica<strong>da</strong>s, isto é ,<br />

monografias específicas acerca <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>stas doenças.<br />

Cirurgia e Traumatologia<br />

Antes <strong>da</strong> dinastia Tang, não havia um <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> cirurgia e traumatologia. Os<br />

feridos <strong>de</strong> guerra eram chamados “feri<strong>da</strong>s abertas por objectos <strong>de</strong> metal” , isto, ain<strong>da</strong><br />

no início <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> do século XIII. A compreensão dos problemas externos do<br />

corpo, levou a uma atenção durante a dinastia Song. A relação entre as áreas externas<br />

afecta<strong>da</strong>s e as consequências em todo o corpo, e os tratamentos <strong>da</strong>s doenças externas,<br />

<strong>de</strong>u ênfase á i<strong>de</strong>ntificação dos síndromas, <strong>da</strong>í algumas obras mencionarem que as<br />

doenças externas <strong>de</strong>viam ser trata<strong>da</strong>s com a combinação do seu factor externo e<br />

concomitantemente com o seu factor interno. Aliás, durante a dinastia Yuan, Qi Dezhi,<br />

escreveu a obra 外科精要 Wai Ke Jing Yao (Essencial <strong>da</strong>s Doenças Externas), no ano<br />

<strong>de</strong> 1335. Ele consi<strong>de</strong>rava que no tratamento <strong>da</strong>s doenças externas, se <strong>de</strong>veria começar<br />

por regular a envolvente interna do corpo e <strong>da</strong>r mais atenção aos factores patogénicos.<br />

Para este médico, as doenças externas são fun<strong>da</strong>mentalmente trazi<strong>da</strong>s por uma<br />

<strong>de</strong>scoor<strong>de</strong>nação entre o Yin e o Yang e uma estagnação ora do Qi ora do sangue. Deste<br />

modo criou muitas terapias, tais como compressas quentes, drenagem do pús, promoção<br />

na formação <strong>de</strong> pús, expurgação <strong>de</strong> toxinas e alívio <strong>da</strong>s dores.<br />

O tumor maligno em MTC, tem o nome <strong>de</strong> 癌 Ái (cancro), e foi pela primeira vez<br />

registado no ano <strong>de</strong> 1170, na obra Wei Ji Bao Su (Livro tesouro para o cui<strong>da</strong>do <strong>da</strong><br />

saú<strong>de</strong>), que correspon<strong>de</strong> ao período <strong>da</strong> dinastia Song. A <strong>de</strong>scrição do cancro mais<br />

antiga que se conhece, está referi<strong>da</strong> na obra 仁斋直指方论 Ren Zhai Zhi Zhi Fang Lun<br />

(Tratado <strong>da</strong>s Fórmulas <strong>da</strong> Direcção Correcta <strong>de</strong> Aju<strong>da</strong> Benevolente <strong>da</strong>s Doenças),<br />

escrita em 1264. Neste livro, o aparecimento do cancro, é <strong>de</strong>scrito como por uma massa<br />

dura irregular, tal como uma pedra com superfícies côncavas e conflexas, com uma raíz<br />

profun<strong>da</strong> muito difícil <strong>de</strong> curar.<br />

A dinastia Yuang, foi um período em que a traumatologia se tornou fortemente<br />

<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>. As expedições a cavalo dos Mongóis causava muitos traumatismos<br />

ósseos, tendo sido neste período que po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar ter sido criado um<br />

<strong>de</strong>partamento ortopédico, que também tratava <strong>da</strong>s feri<strong>da</strong>s <strong>de</strong> guerra.<br />

Já não se faz referência á traumatologia, mas do conteúdo osteotraumatológico que,<br />

aliás, se encontra incluído em diversas obras <strong>de</strong>ste tempo. Nestas obras, observa-se a<br />

existência <strong>de</strong> capítulos específico acerca <strong>de</strong> ortopedia e feri<strong>da</strong>s <strong>de</strong> guerra.<br />

Das diversas obras po<strong>de</strong>mos referir 世医得效方 Shi Yi De Xiao Fang (Fórmulas<br />

Efectivas <strong>da</strong>s Gerações dos Físicos), escrito, em 1343, por Wei Yilin. Este médico, para<br />

além <strong>de</strong>sta obra, escreveu outras <strong>de</strong>dica<strong>da</strong>s especificamente a fórmulas, nomea<strong>da</strong>mente<br />

仙授理伤续断秘方 Xian Shou Li Shang Xu Duan Mi Fang ( Fórmulas Secretas para<br />

Tratamento <strong>de</strong> Lesões Traumáticas Da<strong>da</strong>s pelos Céus), on<strong>de</strong> se referem fórmulas para o<br />

tratamento <strong>de</strong> injúrias. Para além disso, outro <strong>de</strong>senvolvimento enorme <strong>de</strong> Wei Yilin, são<br />

as suas notas completas acerca <strong>de</strong> anestesia, que constitui o registo mais antigo no<br />

mundo acerca <strong>de</strong> anestesia. A anestesia <strong>de</strong>ve ser administra<strong>da</strong> antes do tratamento <strong>de</strong><br />

qualquer fractura ou entorse.<br />

94


As drogas usa<strong>da</strong>s para estes fins, eram o Estramónio, mais conhecido em Portugal por<br />

Figueira do inferno (Datura Stramonium L.) 288 , como se sabe, uma planta venenosa<br />

com flores brancas ou levemente azula<strong>da</strong>s e frutos espinhosos, conheci<strong>da</strong> na China por<br />

曼陀罗 Màntuóluó 289 , ou ain<strong>da</strong> outra planta, mais precisamente a raíz <strong>da</strong> aconite,<br />

conheci<strong>da</strong> em chinês por 乌头 Wūtóu 290 , também altamente venenosa. De tal maneira<br />

eram fortes estes venenos que o autor do livro, Wei Yilin, incluiu na sua obra uma<br />

discussão acerca <strong>da</strong> posologia <strong>de</strong>stas drogas, <strong>de</strong> acordo com a i<strong>da</strong><strong>de</strong> do paciente, as suas<br />

condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sangue. Aliás, todos estes princípios ain<strong>da</strong> hoje se<br />

aplicam.<br />

<strong>Medicina</strong> Forense<br />

Também a medicina forense é temática em tempos tão recuados. Encontram-se aliás,<br />

registos fragmentados nas dinastias Qin, Han, Shui e Tang. Desta temática po<strong>de</strong>mos<br />

referir, a obra 洗冤集录 Xi Yuan Ji Lu (Registos para Levar para fora a Injustiça), <strong>de</strong><br />

宋慈 Song Ci, que viveu entre 1186-1249. Na sua obra tenta-se utilizar o maior número<br />

<strong>de</strong> elementos médicos, <strong>de</strong> forma a tentar obter-se a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> dos acontecimentos<br />

ocorridos durante os crimes, para que haja também o máximo <strong>de</strong> justiça, uma vez que o<br />

autor consi<strong>de</strong>rava que a pena <strong>de</strong> morte era a <strong>de</strong>cisão mais séria <strong>de</strong> ser toma<strong>da</strong> pela<br />

Corte.<br />

A sua obra viria a ser, posteriormente, divulga<strong>da</strong> na Coreia, durante a dinastia Ming e<br />

nos tempos mo<strong>de</strong>rnos, esta mesma obra tem sido traduzi<strong>da</strong> para Japonês, Alemão,<br />

Francês, Holandês e muitas outras línguas.<br />

Debates Médicos durante as dinastias Jin e Yuan<br />

Até á dinastia Song, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>, atingiu um<br />

bom <strong>de</strong>senvolvimento e experiências clinicas muito ricas.<br />

No fim dos anos dos Song, os governos estavam altamente corruptos e os pensamentos<br />

médicos eram bastante limitados. Durante as dinastias Jin e Yuan, as convulsões sociais<br />

continuaram acompanha<strong>da</strong>s <strong>de</strong> epi<strong>de</strong>mias. Os médicos que viviam nesse tempo,<br />

concebiam muitas teorias e as reformas políticas que aconteceram também<br />

influenciaram o pensamento médico.<br />

Estes reconheceram que as prescrições antigas podiam não ser apropria<strong>da</strong>s para as<br />

doenças presentes. Isto levou-os a <strong>de</strong>sejarem <strong>de</strong>senvolver a teoria médica e <strong>de</strong> criar<br />

novos tratamentos clínicos.<br />

Duas diferentes escolas médicas evoluiram antes do século XII, a primeira chamava-se<br />

“He Jian” e a outra “Yi Shui “, mais tar<strong>de</strong> duas novas escolas se <strong>de</strong>senvolveram: “ Han<br />

lian” , li<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> por 刘完素 Liu Wansu, e “Gong Xie”, li<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> por 张子和 Zhang ZiHe<br />

(Zhang Congzheng) que <strong>de</strong>rivava <strong>da</strong> escola “He Jian”, enquanto uma outra escola “Bu<br />

Tu” li<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> por 李杲 Li Gao, <strong>de</strong>rivava <strong>de</strong> uma segun<strong>da</strong> escola a ser cria<strong>da</strong> ,“Yi Shui”.<br />

Uma outra escola li<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> por 朱震亨 Zhu Zhenheng (1281-1358), nasceu <strong>da</strong>s<br />

288<br />

Coutinho, A. X. Pereira – Flora <strong>de</strong> Portugal. Lehre, Verlac Von J. Cramer, 1974, p. 639<br />

289<br />

Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.558<br />

290<br />

Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.681; Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 209<br />

95


influências <strong>da</strong> escola “He Jian” e “Yi Shui” em simultâneo. Até ao século XIV,<br />

po<strong>de</strong>mos referir alguns médicos muito importantes, nomea<strong>da</strong>mente os quatro agora<br />

referidos, Liu Wansu, Zhang ZiHe (Zhang Congzheng), Li Gao e Zhu Zhenheng. Estes<br />

quatro eram conhecidos pelos quatro gran<strong>de</strong>s médicos <strong>da</strong>s dinastias Jin e Yuan. Os seus<br />

pontos <strong>de</strong> vista médicos e a sua prática clinica abriram novos horizontes, bem como<br />

teve uma influência muito profun<strong>da</strong> e significativa no <strong>de</strong>senvolvimento médico 291 .<br />

1. O primeiro <strong>de</strong> todos, 刘完素 Liu Wansu (cerca <strong>de</strong> 1120-1200), consi<strong>de</strong>rava que a<br />

maioria <strong>da</strong>s doenças estão relaciona<strong>da</strong>s com o factor patogénico fogo, que o levou a<br />

experimentar drogas com frio ou <strong>de</strong> natureza fria e fresca.<br />

À luz <strong>da</strong>s teorias <strong>de</strong> Nei Jing, Liu classificava os factores patogénicos e a patogénese em<br />

seis grupos. São eles o frio, o vento , o calor do Verão, a humi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a secura e o fogo.<br />

Ele <strong>de</strong>mostrou que to<strong>da</strong>s estas, <strong>de</strong>rivavam do factor patogénico fogo, pelo que<br />

estabeleceu a doutrina “patogenia fogo”. Segundo um elemento teórico por ele<br />

consi<strong>de</strong>rado, baseava-se na doutrina <strong>da</strong> evolução dos cinco movimentos e dos seis tipos<br />

<strong>de</strong> factores naturais. Porém, não se limitava a este conteúdo. Ele consi<strong>de</strong>rava que os<br />

factores naturais influenciavam <strong>de</strong> perto a activi<strong>da</strong><strong>de</strong> fisiológica, levando ao<br />

aparecimento <strong>de</strong> patogenia nos seres humanos. Assim, o médico <strong>de</strong>ve estu<strong>da</strong>r a<br />

etiologia <strong>da</strong>s doenças, a patogénese, o diagnóstico e o tratamento em combinação com<br />

os factores naturais. Aliás, <strong>da</strong> sua obra 素问玄机原病式 Su Wen Xuan Ji Yuan Bing<br />

Shi, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar: “Se consi<strong>de</strong>rarmos a prática clínica, encontramos que [no<br />

diagnóstico e tratamento <strong>da</strong> doença] toma-se somente em linha <strong>de</strong> conta ou [a dor]<br />

pertence à categoria yin ou à yang or se existe um sindrome <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência ou <strong>de</strong><br />

plenitu<strong>de</strong>. O [único e correcto] procedimento, contudo, a fim <strong>de</strong> conseguir uma<br />

compreensão acerca <strong>da</strong> doença [é o que se segue]. Somente quando as influências que<br />

dão lugar à doença tiverem sido investiga<strong>da</strong>s <strong>de</strong> acordo com as modificações no [curso<br />

normal] dos cinco movimentos e dos seis factores climatéricos, po<strong>de</strong> [a natureza <strong>da</strong><br />

doença e o seu tratamento] ser claramente compreendido” 292<br />

2. O segundo médico a analisar foi 张子和 Zhang ZiHe (Zhang Congzheng) 293 que<br />

viveu entre 1156-1228. Costumava referir que “É difícil ser um bom médico se se tiver<br />

pouco conhecimento” 294 . Baseado na reali<strong>da</strong><strong>de</strong> clinica do seu tempo, ele consi<strong>de</strong>rava<br />

como era importante, em alguns casos, a utilização <strong>da</strong> purgação. As suas i<strong>de</strong>ias<br />

po<strong>de</strong>mos con<strong>de</strong>nsá-las em três aspectos principais.<br />

Na primeira, ele consi<strong>de</strong>rava que os factores patogénicos são as causas principais <strong>da</strong>s<br />

doenças, pelo que <strong>de</strong>ve-se empregar um tratamento em que elas sejam expeli<strong>da</strong>s e<br />

purga<strong>da</strong>s. A boa saú<strong>de</strong> só po<strong>de</strong>rá ser consegui<strong>da</strong> quando os factores patogénicos saírem.<br />

Muitos dos factores patogénicos, têm origem nas seis condições atmosféricas externas e<br />

na alimentação <strong>de</strong>ficiente que pratica.<br />

Segundo o Zhang Congzheng, o segundo elemento que ele consi<strong>de</strong>rava, é que as<br />

doenças são causa<strong>da</strong>s por invasões patogénicas que estagnam nos músculos estriados,<br />

291 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire <strong>de</strong> Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 323<br />

292 Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of I<strong>de</strong>as. Univerty of California Press, Ltd,<br />

London, 1985, p. 172<br />

293 Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of I<strong>de</strong>as. Univerty of California Press, Ltd,<br />

London, 1985, pp. 174-175<br />

294 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999, p. 189<br />

96


nos meridianos e nos colaterais, pelo que <strong>de</strong>vem ser tratados através <strong>de</strong> diaforése .<br />

Aqueles que são causado por vento-mucosi<strong>da</strong><strong>de</strong> e estagnação alimentar acumula<strong>da</strong> no<br />

peito ou no diafragma e no abdómen superior, <strong>de</strong>vem ser tratados por emese. Aqueles<br />

que são causados por humi<strong>da</strong><strong>de</strong>-fria e calor patogénico estagnante no aquecedor<br />

inferior, <strong>de</strong>vem ser tratados por purgação via rectal.<br />

Ele classificava a acupunctura e moxibustão, lavagem, fumigação , Tuina e Qigong,<br />

todos eles como métodos que po<strong>de</strong>m expelir os factores patogénicos através <strong>da</strong><br />

diaforese.<br />

O terceiro elemento <strong>de</strong> Zhang Congzheng, diz respeito ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> teoria<br />

Holística referi<strong>da</strong> no Nei Jing, <strong>da</strong>ndo ênfase que as doenças <strong>de</strong>vem ser examina<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

acordo com a época do ano, o clima, o estado social, o estado individual e a área<br />

geográfica. Por outras palavras, os princípios terapêuticos <strong>de</strong>vem modificar-se <strong>de</strong><br />

acordo com a época do ano. Desta forma, po<strong>de</strong>mos dizer que ele contribuiu para a<br />

medicina social e psicológica.<br />

3. O terceiro médico <strong>de</strong>ste tempo, 李杲 Li Gao 295 , viveu entre 1180-1251. As suas<br />

teorias principais po<strong>de</strong>m dividir-se em três aspectos. O primeiro afirma que o<br />

<strong>de</strong>sequilíbrio ocorre se o baço e o estômago estiverem atingidos. Deste modo Li Gao<br />

<strong>da</strong>va importância prepon<strong>de</strong>rante á saú<strong>de</strong> do Qi do estômago. Para este médico, o papel<br />

do baço e do estômago, era extremamente importante na medi<strong>da</strong> em que transformava e<br />

transportava as substâncias nutritivas para a produção do Qi vital. Por outras palavras,<br />

po<strong>de</strong>mos dizer que o centro é fun<strong>da</strong>mental para que todo o organismo possa funcionar<br />

em omniostaze.<br />

O segundo principio é uma consequência <strong>de</strong>ste primeiro. A doutrina dos três factores,<br />

no qual um atingimento do baço e do estômago são <strong>de</strong>vidos a alimentos impróprios,<br />

excessos e irritações mentais e po<strong>de</strong>m atingir o funcionamento do estômago e do baço.<br />

A alimentação toma<strong>da</strong> irregularmente ou a indulgência do frio ou <strong>de</strong> comi<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong>masia<strong>da</strong>mente gordurosa ou suja; o stress ou os excessos po<strong>de</strong>m causar lacitu<strong>de</strong> e um<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>da</strong> pessoa se <strong>de</strong>itar, irritação mental po<strong>de</strong> atingir o Qi vital e produzir um fogo do<br />

coração.<br />

De acordo com estes princípios, o terceiro elemento importante para este médico, é que<br />

o tratamento principal, se concentrasse no Qi do centro. Para ele, purificando o Qi do<br />

San Jiao, prioritariamente sobre qualquer outro tipo <strong>de</strong> acção, levará a uma precosi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

do melhoramento do estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Das diversas fórmulas que ele preconizava<br />

po<strong>de</strong>mos encontrar a conheci<strong>da</strong> Bu Zhong Yi Qi Tang (F169). Que como se sabe, a<br />

sua acção principal é tonificar o Qi no aquecedor médio e fazer elevar o Yang e o Qi 296 .<br />

Estes princípios clínicos passaram a ser usados <strong>de</strong> uma forma com sucesso em gerações<br />

posteriores. Estas i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Li, talvez tenham tido por base os tempos difíceis do seu<br />

tempo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. Momentos esses que estão ligados aos tempo <strong>de</strong> fome e <strong>de</strong> stress .<br />

4. 朱震亨 Zhu Zhengheng viveu entre 1281-1358, também conhecido como Zhu<br />

Danxi. Ele estudou profun<strong>da</strong>mente as teorias dos famosos médicos do seu tempo, tais<br />

como Liu Wansu, Zhang Congzheng e Li Gao. Baseado nos princípios tanto <strong>da</strong>s escolas<br />

“He Jian” como “Yi Shui” , combinando a sua prática clínica com os conhecimentos<br />

295<br />

Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of I<strong>de</strong>as. Univerty of California Press, Ltd,<br />

London, 1985, pp. 177-179<br />

296<br />

Choy, Pedro – Fitoterapia <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> – Formulário. Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura<br />

e Disciplinas Associa<strong>da</strong>s (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2000, p.119<br />

97


adquiridos através dos médicos referidos, Zhu criou o “Fogo Ministerial” e “O<br />

Alimento dos Fluidos Yin”. Vários anos <strong>de</strong>pois ele tornou-se bastante famoso.<br />

Relativamente às teorias <strong>de</strong> Zhu Zhengheng, estas po<strong>de</strong>rão ser analisa<strong>da</strong>s em<br />

três partes fun<strong>da</strong>mentais:<br />

A primeira é a teoria principal do “Fogo Ministerial” 297 . Baseia-se na discussão<br />

acerca do “Fogo Ministerial” contido no Nei Jing 298 e <strong>da</strong>s obras <strong>de</strong> gerações<br />

subsequentes, Zhu consi<strong>de</strong>ra que o “Fogo Ministerial” po<strong>de</strong> ser dividido nos seus<br />

aspectos fisiológicos e patológicos. O primeiro, o fisiológico é a fonte <strong>da</strong>s funções dos<br />

Zangfu, o segundo é facilmente hiperactivo levando ao enfraquecimento dos fluidos Yin.<br />

Esta é a natureza dualista do “Fogo Ministerial”. Esta doutrina não só enriquece os<br />

estudos feitos por Liu Wansu, bem como <strong>de</strong>senvolve a doutrina do “Fogo Yin”,<br />

primeiramente referi<strong>da</strong> por Li Gao.<br />

O segundo aspecto <strong>da</strong>s teorias <strong>de</strong> Zhu Zhengheng, diz respeito à questão <strong>da</strong><br />

patogénese. “O Yang usualmente é redun<strong>da</strong>nte, enquanto que o Yin é sempre<br />

<strong>de</strong>ficiente”. Aqui, o Yang redun<strong>da</strong>nte diz respeito à hiperactivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> sua função,<br />

enquanto o Yin <strong>de</strong>ficiente refere o grave enfraquecimento do mesmo. Ele examina o<br />

ambiente natural em combinação com as análises fisiológicas do corpo e infere, que a<br />

produção <strong>de</strong> energia essencial e do sangue é dificulta<strong>da</strong> enquanto o seu abaixamento é<br />

relativamente fácil <strong>de</strong> suce<strong>de</strong>r. Além disso, a banalização <strong>da</strong>s activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s sexuais,<br />

po<strong>de</strong>m causar uma subi<strong>da</strong> do “Fogo Ministerial”, ou <strong>da</strong>ndo ao enfraquecimento <strong>da</strong><br />

energia essencial e do sangue.<br />

O terceiro aspecto focado pelo autor, diz respeito à terapia principal <strong>de</strong> alimentar<br />

o Yin e baixar o fogo. À luz <strong>de</strong>sta doutrina e compreen<strong>de</strong>ndo a patogénese, Zhu dá<br />

importância ao alimento dos fluidos Yin e o <strong>de</strong>créscimo do fogo, representando esta<br />

acção na fórmula Da Bu Yin Wan, cujas acções são <strong>de</strong> alimentar o Yin e <strong>de</strong> baixar o<br />

fogo dos rins, restaurando a água dos rins 299 .<br />

Por outro lado, ele consi<strong>de</strong>rava que o alimento dos fluidos Yin <strong>de</strong>ve ser<br />

combinado com um controlo apropriado <strong>da</strong>s activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s sexuais, <strong>da</strong> tranquili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

mental e finalmente o uso <strong>de</strong> drogas que permitam controlar o “Fogo Ministerial”.<br />

Trocas entre a China e países estrangeiros<br />

As reformas médicas efectua<strong>da</strong>s pelos médicos <strong>da</strong>s Dinastias Jin e Yuan,<br />

alteraram a prática usa<strong>da</strong> no passado, abrindo novas prespectivas na história <strong>da</strong><br />

<strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>, <strong>de</strong>senvolvendo novas teorias e práticas em simultâneo.<br />

As trocas entre a China e os países estrangeiros foi aumentando, especialmente, após a<br />

invenção do compasso durante as Dinastias Song e Yuan, uma vez que o mesmo, levou<br />

a uma melhoria dos transportes, e à abertura ao tráfico internacional, como referimos.<br />

Tal facto, veio contribuir para uma permuta <strong>de</strong> conhecimentos médicos ca<strong>da</strong> vez maior.<br />

Muitas drogas e muitos tipos <strong>de</strong> drogas foram encontrados nos navios, tais como 降香<br />

Jiangxiang (Lignum Dalbelgiæ Odoriferæ) 300 , 檀香 Tanxiang (Lignum Santali Albi) 301 ,<br />

297<br />

Sterckx, Pierre e Jun, Chen – Le feu empereur et le feu minister. Guang Ming Press, in<br />

http://www.ping.be/chinamed, 2001, p.25-29<br />

298<br />

Sterckx, Pierre e Jun, Chen – Le feu empereur et le feu minister. Guang Ming Press, in<br />

http://www.ping.be/chinamed, 2001, p.13<br />

299<br />

Marié, Eric – Grand Formulaire <strong>de</strong> Pharmacopée Chinoise. Vitré, Editions Paracelse, 1991, p. 732<br />

300<br />

Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 249<br />

98


沉香 Chenxiang (Lignum Aquilariæ) 302 , 胡椒 Hujiao (Piperis Fructus) 303 , 槟榔 Binlang<br />

(Semen Arecæ Catechu) 304 , 乳香 Ruxiang (Gummi Olibanum) 305 , 龙涎香<br />

Longxianxiang (Ambra Grisæ) 306 , 朱砂 Zhusha (Cinnabaris) 307 , 水银 Shuiyin<br />

(Hydrargyrum) 308 , 玳瑁 Daimao (Eretmochelydis Carapax) 309 , etc.. Tal facto, mostra<br />

como o comércio em medicina, entre a China e os outros países, foi bastante próspero<br />

durante os tempos Song e Yuan.<br />

301 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 223<br />

302 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 219<br />

303 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 209; Wiseman,<br />

Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.497<br />

304 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 394<br />

305 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 229<br />

306 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.550<br />

307 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 353<br />

308 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.646<br />

309 Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 380; Wiseman,<br />

Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung, 1995, p.438<br />

99


Novos <strong>de</strong>senvolvimentos na teoria médica e prática (que vai cobrir<br />

a Dinastia Ming e a Dinastia Qing antes <strong>da</strong> Guerra do Ópio, i.e., <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

1368 a 1840)<br />

100


A Dinastia 明 Ming foi um regime feu<strong>da</strong>l estabelecido por 朱元璋 Zhu Yuanzhang, em<br />

1368, após uma rebelião <strong>de</strong> camponeses, que terminou com a Dinastia Yuan. Em 1399,<br />

o Príncipe 朱棣 Zhu Di pôs fim à rebelião, capturando 南京 Nanjing, usurpando o<br />

trono e movendo a sua capital para 北京 Beijing em 1421.<br />

Depois do seu estabelecimento, a Dinastia Ming tomou medi<strong>da</strong>s para consoli<strong>da</strong>r o<br />

po<strong>de</strong>r, tais como, reestruturação do governo central e local, estabelecendo uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> base governamental, bem como um sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa militar, isto para po<strong>de</strong>r<br />

controlar o povo e<br />

fazer a colecta <strong>de</strong><br />

impostos. Além<br />

disso, adoptou uma<br />

série <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento a<br />

nível económico e<br />

encorajando a<br />

reclamação <strong>de</strong> terras<br />

abandona<strong>da</strong>s,<br />

projectos <strong>de</strong><br />

conservação <strong>de</strong><br />

água e<br />

popularizando o<br />

cultivo <strong>de</strong> algodão,<br />

amoreira e<br />

cânhamo. Para além<br />

disto, os artesãos<br />

foram isentos do<br />

pagamento <strong>de</strong><br />

impostos. Estas<br />

medi<strong>da</strong>s levaram a<br />

uma evolução <strong>da</strong>s<br />

forças produtivas<br />

muito rapi<strong>da</strong>mente.<br />

Em meados <strong>da</strong><br />

Dinastia Ming, à<br />

medi<strong>da</strong> que se foi<br />

<strong>de</strong>senvolvendo a<br />

economia por todo<br />

Fig.17 – A expansão <strong>da</strong> China durante a dinastia 明 Ming<br />

(a<strong>da</strong>pt. Cotterell, 1999)<br />

o país, foi também aparecendo um <strong>de</strong>senvolvimento capitalista bastante acentuado,<br />

especialmente no Sul (Fig.17). Tal existência levou ao <strong>de</strong>senvolvimento e crescimento<br />

<strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Apenas a título <strong>de</strong> exemplo, cito Suzhou com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> se<strong>da</strong>,<br />

Hangzhou liga<strong>da</strong> ao comércio, Jing<strong>de</strong>zhen liga<strong>da</strong> à porcelana, Wuhu vila<br />

especializa<strong>da</strong> em tinturaria, Cixian liga<strong>da</strong> à fundição <strong>de</strong> ferro, entre outras 310 .<br />

“Vencedores dos estrangeiros, os Ming acentuaram um sentimento <strong>de</strong> xenofobia que se<br />

310 Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 371<br />

101


<strong>de</strong>senvolvera durante o governo dos Sung, ao mesmo tempo que privilegiaram a<br />

agricultura e reforçaram a autori<strong>da</strong><strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r central. Se Hung Wu marcou um<br />

período <strong>de</strong> reorganização, o seu sucessor, Yung Le (1403-1424), marcou um novo<br />

período <strong>de</strong> expansionismo essencialmente marítimo. Em 1405 iniciou-se a primeira<br />

gran<strong>de</strong> expedição do almirante Cheng Ho, que coman<strong>da</strong>ria <strong>de</strong>pois mais seis até ao ano<br />

<strong>de</strong> 1433. Estas viagens tiveram, acima <strong>de</strong> tudo, motivações políticas, certamente<br />

relaciona<strong>da</strong>s com o vigor <strong>da</strong> primeira fase <strong>da</strong> dinastia Ming. Os Chineses impuseram<br />

então o pagamento <strong>de</strong> tributos às populações ribeirinhas. Cheng Ho, tal como uma<br />

parte consi<strong>de</strong>rável <strong>da</strong> sua tripulação, era muçulmano, facto que facilitou a sua acção<br />

pelo oceano. No almirante concentravam-se, pois, o po<strong>de</strong>rio naval dos Chineses e a<br />

gran<strong>de</strong> experiência até então adquiri<strong>da</strong> pelos islamitas no fndico. As expedições eram<br />

compostas por <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> juncos e mais <strong>de</strong> 20 000 homens ca<strong>da</strong> uma; a <strong>de</strong> 1405, por<br />

exemplo, tinha 63 navios e cerca <strong>de</strong> 30 000 marinheiros. Em 1433, as expedições foram<br />

interrompi<strong>da</strong>s bruscamente: o Império Chinês estava <strong>de</strong> novo ameaçado pelos bárbaros<br />

do interior e teve <strong>de</strong> adoptar mais uma vez uma estratégia <strong>de</strong>fensiva, com as atenções<br />

concentra<strong>da</strong>s na sua fronteira terrestre. Nesta época já se <strong>de</strong>senvolvera o sultanato <strong>de</strong><br />

Malaca, cujo sultão era vassalo do imperador chinês. Malaca tornou-se no ponto <strong>de</strong><br />

encontro <strong>de</strong> várias re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comércio com origem em diferentes regiões asiáticas. Os<br />

Chineses passaram a encontrar aí os produtos que lhes interessavam e que<br />

anteriormente só encontravam na Índia e os Guzerates ocuparam o vazio por eles<br />

<strong>de</strong>ixado. Terminou então um período <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> quatro séculos em que a China foi a<br />

principal potência marítima <strong>da</strong> Ásia e as relações directas entre a China e a India<br />

foram interrompi<strong>da</strong>s. Malaca tornou-se no «terminus» <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s rotas do comércio<br />

intercontinental e a rota Malaca-China (Cantão) passou a ser apenas uma ligação<br />

regional. Os comerciantes chineses compravam aí pimenta […]; o negócio era<br />

completado com outros produtos, como o cravo, a noz, o incenso, o marfim, a cânfora,<br />

o sân<strong>da</strong>lo ou os panos <strong>de</strong> várias quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Em troca vendiam diversos tipos <strong>de</strong> se<strong>da</strong> e<br />

um número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> matérias-primas, como o salitre, o enxofre, o cobre ou o<br />

ferro. No porto malaio estabeleceu-se uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mercadores chineses e o seu<br />

chefe (xaban<strong>da</strong>r[ 311 ]) tinha autori<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre os restantes comerciantes vindos do<br />

Extremo Oriente. […] No início do século XVI, o sultão <strong>de</strong> Malaca continuava a ser<br />

vassalo do «Filho do Céu»: a China mantinha então um gran<strong>de</strong> prestígio entre os<br />

reinos do Sueste asiático, embora já não dispusesse <strong>da</strong> mesma capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

mobilização militar do século anterior. Em 1511, Afonso <strong>de</strong> Albuquerque conquistou<br />

Malaca e esten<strong>de</strong>u a presença portuguesa até à Insulíndia: ficava, assim, aberto o<br />

acesso ao Império do Meio e outras regiões <strong>da</strong> Ásia Oriental”. 312<br />

A Dinastia Ming também foi testemunha <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong>senvolvimentos a nível científico<br />

e tecnológico. Por causa, do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> construcção naval e <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

politico-económicas, <strong>de</strong> 1405 a 1430 a corte Ming enviou Zheng He, um eunuco cuja<br />

alcunha era Sanbao taijian, que viveu <strong>de</strong> 1371 a 1435, enviou uma equipa bastante<br />

gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> barcos, em sete missões sucessivas para “o Oci<strong>de</strong>nte” (nomea<strong>da</strong>mente a<br />

311 Do persa «shāh-bân<strong>da</strong>r» (rei do porto), i.e. Capitão do porto. “… em Malaca havia xaban<strong>da</strong>res dos<br />

guzarates, dos quelins, dos chineses. Os xaban<strong>da</strong>res <strong>de</strong> alguns pequenos reinos <strong>da</strong> Malásia eram mais<br />

governadores ou regentes do estado que simples capitães do pôrto …” . In Dalgado, Sebastião Rodolfo -<br />

«Glossário Luso-Asiático». Asian Educational Services. New Delhi. 1988<br />

312 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís <strong>de</strong> (Dir.) «Dicionário <strong>de</strong> <strong>História</strong> dos<br />

Descobrimentos Portugueses», Círculo <strong>de</strong> Leitores, Lisboa, 1994, p.245<br />

102


Oeste <strong>da</strong>s ilhas do Sul <strong>da</strong> China). Estas viagens atingiram as ilhas do Sudoeste asiático,<br />

<strong>da</strong> Índia e mais <strong>de</strong> trinta países no Médio Oriente e África. As zonas mais comumente<br />

atingi<strong>da</strong>s por estas missões, foram A<strong>de</strong>n na entra<strong>da</strong> do Mar Vermelho e Mogadishu na<br />

Somália. Se observarmos a época em que estas navegações se produziram (1405-1430),<br />

po<strong>de</strong>mos verificar, que elas são precoces em relação às activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> navegação no<br />

resto do Mundo. Aliás, lembremos que 1415, foi <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> Ceuta pelos<br />

portugueses, que é consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> o início <strong>da</strong> expansão portuguesa. Po<strong>de</strong>mos ain<strong>da</strong> referir,<br />

a precoci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>stes navios, na tonelagem, já que, aten<strong>de</strong>ndo a que os<br />

chineses tinham inventado o compasso, levaram a cabo, construcções <strong>de</strong> navios muito<br />

mais estáveis e equilibra<strong>da</strong>s, do que, todos os outros povos <strong>da</strong> mesma época. As viagens<br />

<strong>de</strong> Zheng He, levaram a um acesso fácil ao Oci<strong>de</strong>nte e a África, levando a que as<br />

relações entre a China e os países estrangeiros fosse rapi<strong>da</strong>mente leva<strong>da</strong> a cabo, mas<br />

também com esta abertura ao Mundo, a China conseguiu um incremento <strong>da</strong>s trocas<br />

científicas e culturais incluindo-se nelas, a medicina chinesa com as medicinas dos<br />

outros países. Esta época <strong>de</strong> expansão chinesa <strong>de</strong>u lugar também, a um conjunto <strong>de</strong><br />

produção <strong>de</strong> escritos acerca <strong>de</strong> diversas temáticas, nomea<strong>da</strong>mente <strong>de</strong> geografia,<br />

hidrologia, geologia, fauna e flora, dos lugares visitados, que po<strong>de</strong>mos citar.<br />

Nesta primeira meta<strong>de</strong> do séc. XVII, aparece um dos mais importantes geógrafos <strong>da</strong><br />

<strong>História</strong> <strong>da</strong> China, 徐宏祖 Xu Hongzu (Xu Xiake) (1587-1641), cuja obra You Ji<br />

(“viagem”), mostra cerca <strong>de</strong> trinta anos <strong>de</strong> observação <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> região, tendo a atenção<br />

na geografia, hidrografia, geologia, vegetação e as condições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> dos seus povos 313 .<br />

Trabalhos em <strong>Medicina</strong>, tais como 本草纲目 Ben Cao Gang Mu (Compêndio <strong>de</strong><br />

Matéria Médica) escrito por Li Shizhen (1518-1593), é consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> a obra mais<br />

maravilhosa na história <strong>da</strong> ciência chinesa 314 , e que <strong>de</strong>senvolveremos a seu tempo.<br />

Trabalhos como estes, não só foram importantes para <strong>de</strong>monstrar o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

tecnológico e científico <strong>da</strong> China, mas também marcaram o <strong>de</strong>senvolvimento científico<br />

e tecnológico, a que níveis chegou a China no tempo <strong>da</strong> Dinastia Ming.<br />

“Em 1554 chegou ao mar <strong>da</strong> China Leonel <strong>de</strong> Sousa, que através <strong>de</strong> uma acção militar<br />

e diplomática conseguiu o que se afigurava impossível: uma base permanente na costa<br />

chinesa, o porto <strong>de</strong> Macau, cedido no ano <strong>de</strong> 1557. Este capitão soube negociar<br />

habilmente com as autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s fiscais chinesas, disciplinar os aventureiros e expulsar<br />

a pirataria <strong>da</strong>s águas <strong>de</strong> Cantão. Os man<strong>da</strong>rins <strong>de</strong>sta ci<strong>da</strong><strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>ram então que<br />

se os Portugueses permanecessem junto <strong>da</strong> foz do rio <strong>da</strong>s Pérolas, o rio que banha<br />

Cantão, seria a sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong> a beneficiar dos lucros do comércio com o Japão, ao mesmo<br />

tempo que <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> ser apoquentados pelos piratas. Esta concessão, única na<br />

história chinesa, não impediu que os chinas continuassem a <strong>de</strong>sconfiar dos<br />

estrangeiros. Macau era a ponte <strong>de</strong> ligação, mas a penetração <strong>de</strong> portugueses no interior<br />

do país era quase impossível, pelo que as relações <strong>de</strong> Portugal com a China <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> 1557 se resumem quase só à história <strong>de</strong> Macau. Fora <strong>da</strong>s relacões comerciais,<br />

circunscritas a Macau, <strong>de</strong>ve-se realçar a activi<strong>da</strong><strong>de</strong> evangelizadora: os missionários do<br />

313 Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, pp. 389-390<br />

314 Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 388<br />

103


Padroado Português do Oriente chegaram a ocupar um lugar proeminente na corte<br />

imperial em Pequim”. 315<br />

Atrás dos portugueses, <strong>de</strong>pois do século XVI, alguns países <strong>da</strong> Europa entram, também,<br />

em contacto com a China, trazendo certo tipo <strong>de</strong> conhecimentos e culturas, no sentido<br />

<strong>de</strong> tentarem servir os interesses dos seus próprios países. Os conhecimentos foram<br />

traduzidos e introduzidos na China, tendo tido a sua influência nos livros <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong><br />

<strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>. O contrário também <strong>de</strong> tornou uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>: “Em 1570 surgiu o<br />

primeiro livro sobre o Celeste Império, o Tratado em Que Se Contam muito por<br />

Extenso as Cousas <strong>da</strong> China com Suas Particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s, e Assi do Reyno <strong>de</strong> Ormuz.<br />

Nos livros dos séculos xvI e xvü, a China foi apresenta<strong>da</strong> como um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organização<br />

social. A sua administração hierarquiza<strong>da</strong> e centraliza<strong>da</strong> impressionou vivamente<br />

os seus primeiros visitantes”. 316<br />

Em finais do período<br />

Ming, a corte corrupta <strong>de</strong><br />

eunucos começou a<br />

cobrar impostos pesados<br />

à população. Em Março<br />

<strong>de</strong> 1644, uma rebelião do<br />

exército, leva<strong>da</strong> a cabo<br />

por 李自成 Li Zicheng<br />

(1606-1645) apo<strong>de</strong>rou-se<br />

<strong>de</strong> Beijing e terminou<br />

com a Dinastia e com a<br />

Corte Ming. Quase ao<br />

mesmo tempo, os lí<strong>de</strong>res<br />

<strong>de</strong> nacionali<strong>da</strong><strong>de</strong> Manchu<br />

entraram em colisão com<br />

o Wu Sangui, um<br />

burocrata Han, tendo<br />

ocupado Beijing . As<br />

tropas Qing<br />

ultrapassaram a China do<br />

Norte e fun<strong>da</strong>ram a<br />

Dinastia 清 Qing, o<br />

último sistema dinástico<br />

na <strong>História</strong> <strong>da</strong> China.<br />

Fig.18 – A dinastia 清 Qing (a<strong>da</strong>pt. Cotterell, 1999)<br />

No início <strong>de</strong>sta Dinastia Qing, <strong>de</strong>u-se uma série <strong>de</strong> reformas para restaurar uma maior<br />

extensão <strong>da</strong>s forças produtivas sociais. A Dinastia Qing unificou todo o país (Fig.18),<br />

incluindo Taiwan, encorajando uma vez mais, como no passado, a reclamação <strong>de</strong> terras<br />

abandona<strong>da</strong>s, bem como a conservação <strong>de</strong> àgua, <strong>de</strong>sta forma aumentando a estabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

social. Em 1578, durante o reinado <strong>de</strong> Shen Zhong dos Ming, a população chinesa era <strong>de</strong><br />

cerca <strong>de</strong> sessenta milhões <strong>de</strong> habitantes, mais ou menos.<br />

315 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís <strong>de</strong> (Dir.) «Dicionário <strong>de</strong> <strong>História</strong> dos<br />

Descobrimentos Portugueses», Círculo <strong>de</strong> Leitores, Lisboa, 1994, p.245<br />

316 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m<br />

104


Durante a Dinastia Qing, diversas acções foram toma<strong>da</strong>s no sentido <strong>de</strong> preservar as<br />

i<strong>de</strong>ias antigas contra novas i<strong>de</strong>ias que iam surgindo. Tal época tornou-se bastante<br />

conservadora, inclusivamente à entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> conhecimentos vindos do Oci<strong>de</strong>nte, ou seja,<br />

exteriores ao próprio mundo chinês. Porém, estas acções, tornaram-se muitas vezes<br />

extremistas, não <strong>de</strong>ixando, ou pelo menos dificultando o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novas<br />

formas <strong>de</strong> pensamento, dificultando o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> própria <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong><br />

<strong>Chinesa</strong>. Paralelamente, nos mesmos tempos alguns pensadores materialistas<br />

apareceram durante o período Ming e Qing, como 李絷 Li Zhi (1527-1602) em finais<br />

do período Ming e 黄宗羲 Huang Zhongyi (1610-1695), bem como Gu Yanwu<br />

(1613-1682) e 王夫之 Wang Fuzhi (1619-1692) nos inícios <strong>da</strong> Dinastia Qing. As suas<br />

i<strong>de</strong>ias eram bastante liga<strong>da</strong>s, ou pelo menos <strong>da</strong>vam muita importância à reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

objectiva, à prática experimental e aos princípios <strong>de</strong> estudo <strong>da</strong>s proposições <strong>de</strong><br />

aplicação dos diversos métodos. Eles não só aju<strong>da</strong>ram o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> ciência e<br />

<strong>da</strong> cultura nesses tempos, mas também influenciaram consi<strong>de</strong>ravelmente o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>.<br />

Farmacologia <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong><br />

Não obstante muitos livros <strong>de</strong> matéria médica chinesa e aqui, matéria médica,<br />

correspon<strong>de</strong> a livros sobre fitoterapia, que tivessem sido escritos antes dos Ming, havia<br />

muita repetição e muita omissão e muitas referências eram incorrectas e ilógicas. Des<strong>de</strong><br />

o tempo dos Song e dos Yuan, muitas novas drogas e ervas tinham sido <strong>de</strong>scobertas,ou<br />

tinham vindo <strong>de</strong> fora nos contactos havidos com o exterior, como vimos. Naturalmente,<br />

elas precisavam <strong>de</strong> ser classifica<strong>da</strong>s e integra<strong>da</strong>s como elementos <strong>de</strong> fitoterapia.<br />

李时珍 Li Shizhen, também conhecido por 濒湖 Binhu iniciou esse tipo <strong>de</strong> trabalho<br />

com tenaci<strong>da</strong><strong>de</strong>, entrando nas profun<strong>de</strong>zas <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e com gran<strong>de</strong> sucesso. Na sua<br />

obra inclui-se 濒湖脉学 Binhu Mai Xue (Estudo <strong>de</strong>talhado dos pulsos <strong>de</strong> Binhu), cuja<br />

mestria o levou a, frequentemente, “servir <strong>de</strong> referência para esclarecimento <strong>de</strong><br />

dúvi<strong>da</strong>s, [nomea<strong>da</strong>mente], em relação aos pulsos patológicos” 317 , bem como<br />

奇经八脉考 Qi Jing Ba Mai Kao (Estudo acerca dos oito meridianos curiosos) 318 .<br />

Porém, pelo seu volume e conteúdo botânico, 本草纲目 Ben Cao Gang Mu<br />

(Compêndio <strong>de</strong> Matéria Médica), talvez seja consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> como uma gran<strong>de</strong> súmula <strong>de</strong><br />

farmacologia tradicional chinesa e uma <strong>da</strong>s maiores obras <strong>de</strong> arte, na história <strong>da</strong><br />

<strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>, bem como <strong>da</strong> farmacologia.<br />

317 Choy, Pedro – Método diagnóstico . Associação Portuguesa <strong>de</strong> Acupunctura e Disciplinas Associa<strong>da</strong>s<br />

(APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2002, p.6<br />

318 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.321<br />

105


Este médico, Li Shizhen viveu entre 1518 e 1593. A <strong>da</strong>do momento <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>, durante<br />

cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, actuou com uma profun<strong>da</strong> tenaci<strong>da</strong><strong>de</strong>, lendo medicina, história,<br />

filosofia e interpretando criticamente os textos antigos, nomea<strong>da</strong>mente tendo muita<br />

atenção a nomes, proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, eficácia, fontes e preparação <strong>de</strong> ervas medicinais. Ao<br />

longo <strong>da</strong>s suas viagens por to<strong>da</strong> a China, foi fazendo uma colecção <strong>de</strong> vários<br />

exemplares <strong>de</strong> plantas, animais e minerais ligados portanto, à fitoterapia. Nas suas<br />

experiências, incluia-se a si próprio, administrando-se diversos tipos <strong>de</strong> ervas para saber<br />

quais eram os resultados <strong>da</strong> sua acção no corpo humano. Sempre que havia dúvi<strong>da</strong>s,<br />

relativo a cereais, vegetais e frutas ele ia junto dos lavradores e dos camponeses<br />

esclarecê-las, para po<strong>de</strong>r respon<strong>de</strong>r às suas dúvi<strong>da</strong>s. Se as houvesse relativamente a<br />

animais marinhos, ele ia perguntar aos pescadores e assim por diante. Deste modo, junto<br />

<strong>da</strong>s pessoas que mais conheciam os assuntos a que se estava a <strong>de</strong>dicar em ca<strong>da</strong><br />

momento, foi coligindo todo um conjunto <strong>de</strong> respostas e <strong>de</strong> esclarecimentos, face a ca<strong>da</strong><br />

uma <strong>da</strong>s diversas temáticas. Fez<br />

muitas experiências farmacológicas<br />

e muitas vezes praticou-as em<br />

animais incluindo anatomia animal<br />

e anatomia compara<strong>da</strong>. A obra Ben<br />

Cao Gang Mu é o resultado <strong>de</strong> to<strong>da</strong><br />

uma vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> investigação e foi<br />

termina<strong>da</strong> em 1578, quando ele se<br />

encontrava com sessenta anos <strong>de</strong><br />

i<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

A obra consiste em 52 volumes<br />

incluindo seis partes em sessenta<br />

categorias. Nela po<strong>de</strong>mos verificar,<br />

que o número <strong>de</strong> plantas medicinais<br />

chinesas atinge, no seu tempo, 1892<br />

espécies, <strong>da</strong>s quais, cerca <strong>de</strong> 374<br />

são completamente novas. Po<strong>de</strong>mos<br />

pois afirmar, que a obra Ben Cao<br />

Gang Mu (Compêndio <strong>de</strong><br />

Fitoterapia) contém portanto, como<br />

foi referido, 1892 tipos <strong>de</strong><br />

elementos farmacêuticos, <strong>da</strong>s quais<br />

374 são novas, incluindo-se uma<br />

colecção enorme e uma<br />

classificação <strong>de</strong> medicamentos, que<br />

po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> única na<br />

história <strong>da</strong> farmacologia tradicional<br />

chinesa. A sua obra inclui mais <strong>de</strong><br />

1160 ilustrações (Fig.19) e contém<br />

Fig.19 – Quadro <strong>de</strong> uma página <strong>de</strong> 本草纲目<br />

Ben Cao Gang Mu (Compêndio <strong>de</strong> Matéria<br />

Médica) escrito por Li Shizhen (1518-1593)<br />

(a<strong>da</strong>pt. Gernet, 1999)<br />

onze mil prescrições, <strong>da</strong>s quais 8160 foram cria<strong>da</strong>s por ele próprio.<br />

Na sua obra, ele não só <strong>de</strong>senvolve a organização <strong>de</strong> investigadores anteriores a ele,<br />

como também acrescenta todo um conjunto <strong>de</strong> experiências,que existiram ao longo <strong>de</strong><br />

to<strong>da</strong> a feitura do próprio livro. A sua obra inclui ain<strong>da</strong> elementos farmacológicos <strong>de</strong><br />

zonas nacionalistas <strong>de</strong> pequenas regiões na China, como também <strong>de</strong> elementos do<br />

estrangeiro. Para ca<strong>da</strong> nome <strong>de</strong> erva, há items com a explicação dos nomes, a discussão<br />

106


dos comentários, preparação, proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, indicações, experiências e prescrições e<br />

novas <strong>de</strong>scobertas que ele sumariza mesmo a nível <strong>da</strong> posologia.<br />

O princípio <strong>de</strong> classificação <strong>da</strong>s ervas medicinais, com o arranjo do inferior para<br />

superior, do mais barato para o mais caro, por exemplo, do inorgânico a orgânico <strong>de</strong><br />

baixo nível para alto nível, Basicamente está <strong>de</strong> acordo com a teoria <strong>da</strong> evolução, ou<br />

seja, estamos perante um método <strong>de</strong> classificação mais avançado para o tempo. Nas<br />

<strong>de</strong>zasseis partesdo seu livro, ele organiza todo o material na seguinte or<strong>de</strong>m: água, fogo,<br />

solo, metal e pedra, erva, cereal, vegetal, fruta, ma<strong>de</strong>ira, insecto, escama, concha,<br />

animal e humano. Será interessante fazer referência, que Darwin usou os <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> obra<br />

Ben Cao Gang Mu no seu trabalho, mostrando que Li Shizhen <strong>de</strong>u uma gran<strong>de</strong><br />

contribuição para a teoria <strong>da</strong> evolução.<br />

A obra ain<strong>da</strong> corrigiu um número bastante gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> erros, que se encompravam em<br />

livros anteriores. Muitas vezes, duas ervas bastante pareci<strong>da</strong>s confundiam-se e era fácil<br />

haver erros, ou a mesma erva tinha vários nomes, sendo consi<strong>de</strong>rado como coisas<br />

distintas. Li Shizhen corrigiu estes erros com um exame muito cui<strong>da</strong>do e uma<br />

i<strong>de</strong>ntificação muito acutilante. Ele também fez criticas às conclusões não científicas e<br />

aos métodos utilizados anteriormente. A sua obra faz também referências a alguma<br />

magia, que eram consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s terem certas e <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s substâncias, nomea<strong>da</strong>mente<br />

o mercúrio, que po<strong>de</strong>ria tornar as pessoas imortais ou certas substâncias que eram<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s como não venenosas, o autor vai sistematicamente corrigir todo este tipo<br />

<strong>de</strong> erros. Na sua feitura, Li Shizhen consultou mais <strong>de</strong> 800 livros, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>m<br />

incluir livros <strong>de</strong> medicina tradicional chinesa, <strong>de</strong> farmacologia tradicional chinesa,<br />

clássicos <strong>de</strong> literatura confucionista, livros <strong>de</strong> história, filosofia ou literatura.<br />

Uma vez que a China é um país multinacional, a obra Ben Cao Gang Mu inclui um<br />

conjunto <strong>de</strong> material precioso <strong>da</strong>s minorias nacionalistas, tais como as terapias<br />

peculiares dos Mongóis <strong>de</strong> Qi<strong>da</strong>n 319 , ou ain<strong>da</strong> <strong>da</strong>s tribos <strong>de</strong> Tobo do Tibete.<br />

Esta obra irá influenciar, após a sua introdução, o Japão, Coreia e países europeus,<br />

entre outros. A obra Ben Cao Gang Mu, foi posteriormente acrescenta<strong>da</strong> por um<br />

período bastante alargado, nomea<strong>da</strong>mente em publicações que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1578 a 1887.<br />

Entre as mesmas, po<strong>de</strong>mos referir a obra 本草纲目拾遗 Ben Cao Gang Mu Shi Yi, ou<br />

seja, (Uma A<strong>de</strong>n<strong>da</strong> ao Compêndio <strong>de</strong> Fitoterapia), elabora<strong>da</strong> entre 1765 e 1802 por<br />

赵学敏 Zhao Xuemin 320 . Esta obra, foi uma contribuição bastante gran<strong>de</strong> à obra<br />

anterior, nomea<strong>da</strong>mente constitui uma súmula <strong>da</strong> farmacologia chinesa antes <strong>de</strong> 1802,<br />

on<strong>de</strong> se incluíam 921 ervas medicinais, <strong>da</strong>s quais 716 não estavam <strong>de</strong>scritas na obra Ben<br />

Cao Gang Mu.<br />

A súmula advoga a observação do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s coisas vivas com a<br />

compreensão <strong>da</strong> sua evolução, ou seja por exemplo, afirma-se nesta obra, que a<br />

319 Povo do grupo mongol <strong>da</strong> Manchúria que, no séc. X fundou o Império dos Liao (946-1125) YanJing<br />

- I<strong>de</strong>ograma [463] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999,<br />

p. 84<br />

320 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.689<br />

107


chama<strong>da</strong> Herba Dendrobii, conheci<strong>da</strong> em chinês por 石斛 Shi Hu 321 , “que crescia nas<br />

montanhas, hoje tem uma forma pequena e um sabor doce” 322 . As características<br />

novas, são <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>s a modificações <strong>de</strong> lugares e <strong>de</strong> tempo.<br />

A obra inclui medicina estrangeira e novas ervas medicinais, tais como o 胖大海 Pang<br />

Da Hai (Semen Sterculiae Scaphigerae) 323 indicado para problemas <strong>de</strong> garganta, ou<br />

ain<strong>da</strong> 鸦胆子 Ya Dan Zi (Fructus Bruceae) 324 , indicado para a <strong>de</strong>sinteria e finalmente<br />

鸡血藤 Ji Xue Teng (Caulis Spatholobi) 325 , indicado para a produção <strong>de</strong> sangue e para<br />

promover a circulação sanguínea, diminuindo a rigi<strong>de</strong>z dos músculos e activa os<br />

colaterais . Estes exemplos entre muitos outros, que estão incluídos na sua obra, são<br />

ervas específicas que são originárias <strong>de</strong> países estrangeiros ou <strong>de</strong> origem popular.<br />

Desenvolvimento Sem Prece<strong>de</strong>ntes e Popularização <strong>da</strong>s Fórmulas <strong>de</strong><br />

Farmacologia <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong><br />

A farmacologia em <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> durante as Dinastias Ming e Qing<br />

continuaram a <strong>de</strong>senvolver-se, o que po<strong>de</strong> ser comprovado por estudos <strong>da</strong>s ciências<br />

naturais, leis, métodos e ervas medicinais, bem como as discussões à volta <strong>de</strong>las, ou a<br />

produção <strong>de</strong> numerosos livros. O livro mais conhecido <strong>da</strong> Dinastia Ming foi 普济方 Pu<br />

Ji Fang (Prescrições para Curar To<strong>da</strong>s as Pessoas), compilado sob os auspícios do<br />

Príncipe Zhu Su, com a cooperação <strong>de</strong> professores como Teng Hong e Liu Chun.<br />

Pu Ji Fang é ain<strong>da</strong> hoje, a obra mais volumosa usa<strong>da</strong> na China. Contém 168 volumes e<br />

foi completa<strong>da</strong> em 1406. Esta obra inclui praticamente todos os conteúdos dos livros <strong>de</strong><br />

medicina usados antes do século XV, bem como um conjunto bastante alargado <strong>de</strong><br />

prescrições contemporâneas.<br />

No seu conjunto, a obra consiste em sete partes principais, nomea<strong>da</strong>mente:<br />

generalização, forma do corpo, diferentes doenças, doenças <strong>da</strong> pele, ginecologia,<br />

pediatria, acupunctura e moxibustão, as quais são to<strong>da</strong>s classifica<strong>da</strong>s em mais <strong>de</strong> 100<br />

categorias diferentes, on<strong>de</strong> se incluem teorias e fórmulas para ca<strong>da</strong> síndrome e os <strong>da</strong>dos<br />

estão bastante coloridos.<br />

Durante a Dinastia Qing, especialistas em medicina, também levaram a cabo a<br />

generalização e a popularização dos conhecimentos <strong>da</strong>s fórmulas medicinais. Um<br />

conjunto bastante alargado <strong>de</strong> formulários médicos, tais como, 医方考 Yi Fang Kao<br />

(Verificação <strong>de</strong> Fórmulas), 医方集解 Yi Fang Ji Jie (Colecção <strong>de</strong> Fórmulas Com<br />

321<br />

Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. II. State Administration<br />

of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p. 215<br />

322<br />

Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press,<br />

Beijing, 1999, p. 212<br />

323<br />

Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 336<br />

324<br />

Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 178<br />

325<br />

Gongwang, Lin (Ed.) – Chinese Herbal Medicine. Hua Xia Publishing House, 1999, p. 240<br />

108


Notas), 汤头歌决 Tang Tou Ge Jue (Receitas en Verso), tornaram-se conhecimento<br />

generalizado e tiveram uma gran<strong>de</strong> influência em to<strong>da</strong> a China.<br />

A primeira obra, Ya Fang Kao (Verificação <strong>de</strong> Fórmulas) foi escrita por 吴昆 Wu Kun<br />

(1551-1629?), on<strong>de</strong> se inclui cerca <strong>de</strong> 700 fórmulas <strong>de</strong> médicos famosos ao longo dos<br />

tempos, nas quais são verifica<strong>da</strong>s as suas composições, testemunhos, nomes, sucessos e<br />

falhas,etc.. Esta obra foi compila<strong>da</strong> em 1584. O se autor, gran<strong>de</strong> admirador <strong>da</strong> obra Nei<br />

Jing, advogava o uso simultâneo <strong>de</strong> acupunctura e fitoterapia para tratamento <strong>de</strong><br />

patologias; esta praxis influenciou o tratamento médico em anos posteriores 326 .<br />

Yi Fang Ji Jie (Colecção <strong>de</strong> Fórmulas Com Notas) e Tang Tou Ge Jue (Receitas en<br />

Verso), foram escritas por 汪昂 Wang Ang 327 (1682). A primeira contém cerca <strong>de</strong> 300<br />

fórmulas às quais foram ain<strong>da</strong> acrescenta<strong>da</strong>s outras na experiência do próprio autor. As<br />

prescrições foram regista<strong>da</strong>s no livro e foram classifica<strong>da</strong>s em 21 categorias diferentes<br />

<strong>de</strong> acordo com tonificação, ou alimentação, aliviar o Sindrome Exterior através <strong>da</strong><br />

diaforése, indução <strong>de</strong> vómito, atacando o Interior, o Exterior,etc.. O formato <strong>de</strong> ca<strong>da</strong><br />

fórmula, indica primeiro as suas indicações, em segui<strong>da</strong> a sua composição e só então, a<br />

posologia e variantes.<br />

Durante este período, temos que fazer referência a que as epi<strong>de</strong>mias eram uma constante<br />

ao longo dos tempos. Este facto verificou-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Dinastia Han, on<strong>de</strong> <strong>de</strong> facto, várias<br />

febres epidémicas e doenças, constantemente varreram a China, tendo-se tornado um<br />

dos gran<strong>de</strong>s objectivos dos médicos chineses, combatê-las. Eram dividi<strong>da</strong>s em dois<br />

tipos: as infecciosas e as não infecciosas. Alguns médicos, consi<strong>de</strong>ravam que os<br />

tratamentos antigos não eram suficientes para combater este tipo <strong>de</strong> doenças. Antes <strong>da</strong>s<br />

dinastias Song e Jin, as terapias para combater as doenças febris epidémicas baseavamse<br />

nas <strong>de</strong>scritas na obra 伤寒论 Shang Han Lun (tratado <strong>da</strong>s doenças febris), <strong>de</strong><br />

张仲景 Zhang Zhongjing (cerca <strong>de</strong> 150-219).<br />

A convicção <strong>de</strong> que a terapêutica <strong>de</strong>sta obra não seria suficiente para novas epi<strong>de</strong>mias<br />

levaram 刘完素 Liu Wansu (cerca <strong>de</strong> 1120-1200) à administração <strong>de</strong> substâncias frias<br />

ou frescas, um dos quatro gran<strong>de</strong>s médicos <strong>da</strong>s Dinastias Jin e Yuan, que já foi<br />

abor<strong>da</strong>do, e <strong>de</strong>ram um importante incremento no combate às doenças febris epidémicas.<br />

Durante as Dinastias Ming e Qing, também as doenças infecciosas, por diversas vezes,<br />

varreram a China, causando graves perturbações. De acordo com estatisticas<br />

incompletas, estas epi<strong>de</strong>mias ocorreram 64 vezes em cerca <strong>de</strong> 276 anos durante a<br />

Dinastia Ming e 74 vezes durante os 266 <strong>da</strong> Dinastia Qing. O número <strong>de</strong> pessoas que<br />

morreram <strong>de</strong> doenças febris epidémicas é difícil <strong>de</strong> estimar e, na luta contra estas<br />

doenças febris epidémicas, a ciência <strong>de</strong>senvolveu bastante, tanto teórica, como<br />

praticamente, para o seu combate, levando a que esta temática se fosse tornando<br />

progressivamente um sistema actuante in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, em relação ao resto <strong>da</strong> medicima<br />

tradicional chinesa.<br />

326<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.494<br />

327<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.546<br />

109


Durante as Dinastias Ming e Qing, as especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>s clínicas <strong>de</strong>senvolveram-se mais<br />

rapi<strong>da</strong>mente, nomea<strong>da</strong>mente as especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> cirurgia, pediatria , obstetrícia e<br />

ginecologia, <strong>de</strong>rmatologia e os órgãos dos cinco sentidos.<br />

Especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> medicina interna<br />

Durante este período, a especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> medicina interna, <strong>de</strong>senvolveu-se em dois<br />

aspectos principais: o primeiro <strong>de</strong>senvolveu-se o aspecto educacional <strong>da</strong>s escolas<br />

médicas dos períodos Jin e Yuan, por outro lado, famosos médicos e trabalhos médicos<br />

acerca <strong>de</strong> diagnóstico e tratamento foram sistematicamente aumentados no que diz<br />

respeito aos Síndromes Internos.<br />

Os estudos acerca <strong>de</strong> medicina interna, ocuparam-se em várias discussões relativas à<br />

importância dos três aquecedores, bem como <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> purificação-aquecimento.<br />

insuficiências do “Rim-Yin” e “Rim-Yang” do corpo humano.<br />

Aceitando inicialmente a teoria <strong>de</strong> 朱震亨 Zhu Zhenheng (1281-1358), e opondo-se-lhe<br />

a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado momento, o famoso médico 张介宾 Zhang Jiebin (cerca <strong>de</strong><br />

1563-1640) 328 advogava que se <strong>de</strong>veria alimentar tanto o yin como o yang, fazendo<br />

apelo a técnicas <strong>de</strong> acção refrescante ou purgativas, bem como ao uso simultâneo <strong>de</strong><br />

técnicas <strong>de</strong> tonificação do yang. Foi autor <strong>de</strong> fórmulas <strong>de</strong> fitoterapia tais como a Zuo<br />

Gui Wan , cuja acção é alimentar o Yin dos rins e tonificar o Qi e o Jing dos rins e<br />

alimenta as medulas 329 e a fórmula 右 You Gui Wan, que tonifica e aquece o Yang dos<br />

rins, alimenta o sangue e tonifica o Jing 330 .<br />

Ain<strong>da</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> medicina interna, o médico 赵献 Zhao Xianke 331 salientou o tipo <strong>de</strong><br />

tratamento que se consegue através do aquecimento e tonificação do ponto 命门<br />

Mingmen. Este médico pensava que o Mingmen era essencial ao funcionamento<br />

fisiológico normal e que o fogo do Mingmen era a fonte activa <strong>da</strong>s funções do<br />

organismo. Para isso ele utilizava duas fórmulas, nomea<strong>da</strong>mente a 六味丸 Liu Wei<br />

Wan 332 , bastante semelhante à nossa F5, que alimenta o Yin dos rins e secun<strong>da</strong>riamente<br />

o fígado, bem como a fórmula 八味丸 Ba Wei Wan, que alimenta o Yin e o sangue,<br />

consoli<strong>da</strong> o Qi e restringe a transpiração.<br />

328<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.553<br />

329<br />

Marié, Eric – Grand Formulaire <strong>de</strong> Pharmacopée Chinoise. Vitré, Editions Paracelse, 1991, p. 724<br />

330<br />

Marié, Eric – Grand Formulaire <strong>de</strong> Pharmacopée Chinoise. Vitré, Editions Paracelse, 1991, p. 715<br />

331<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.689<br />

332<br />

Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.549<br />

110


Cirurgia e traumatologia<br />

Houve três características principais no <strong>de</strong>senvolvimento tanto <strong>da</strong> cirurgia, como <strong>da</strong><br />

traumatologia, durante os períodos Ming e Qing:<br />

1. o aparecimento <strong>de</strong> conhecimentos teóricos dos Síndromes cirúrgicos e<br />

traumatológicos;<br />

2. a invenção <strong>de</strong> instrumentos e operações cirúrgicas;<br />

3. o incremento sem prece<strong>de</strong>ntes dos trabalhos <strong>de</strong> cirurgia e traumatologia.<br />

Acerca dos trabalhos <strong>de</strong> cirurgia e traumatologia estes dois periodos são bastante ricos<br />

em diversas obras. Num dos trabalhos, po<strong>de</strong>mos salientar o escrito por 汪机 Wang Ji<br />

(1463-1539) 333 , cuja obra se chama 外科理例 Wai Ke Li Li (teoria e casos registados<br />

na medicina externa), no qual o autor refere que as causas <strong>da</strong>s doenças internas <strong>de</strong>vem<br />

dizer respeito ao interior, contudo no que diz respeito às doenças externas, <strong>de</strong>ve<br />

conhecer-se o interior também.<br />

Uma outra obra, escrita por 王肯堂 Wang Kentang (1553-1613) 334 em 1608, um livro<br />

chamado 证治准绳 Zheng Zhi Zhun Sheng (Normas para diagnóstico e tratamento),<br />

trata bastante profun<strong>da</strong>mente os diagnósticos e tratamentos <strong>de</strong> doenças externas,<br />

salientando a importância do conhecimento do esqueleto que os ortopedistas <strong>de</strong>vem ter<br />

e, ain<strong>da</strong>, registos <strong>de</strong> muitos métodos <strong>de</strong> operações cirúrgicas. Nesta obra, também se<br />

trata já <strong>de</strong> cirurgias plásticas, causa<strong>da</strong>s por golpes e injúrias produzidos no corpo<br />

humano.<br />

Relativamente às escolas <strong>de</strong> cirurgia, po<strong>de</strong>mos afirmar terem existido três escolas.<br />

Durante a Dinastia Qing a atmosfera <strong>de</strong> aprendizagem foi bastante activa. Os<br />

professores e os seus métodos eram diversos, formando-se uma dita “escola ortodoxa”<br />

e uma “escola sobrevivência” para além <strong>de</strong> uma “escola <strong>de</strong> estudo”, ca<strong>da</strong> uma tendo à<br />

sua frente médicos cirurgiões bastante importantes.<br />

Obstetricia e ginecologia<br />

No periodo Ming e Qing, a obstetricia e a ginecologia, foram melhora<strong>da</strong>s através <strong>da</strong><br />

acumulação <strong>de</strong> conhecimentos e <strong>de</strong> diagnósticos e tratamentos nesta área. Mais <strong>de</strong> cem<br />

trabalhos foram produzidos.<br />

333<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.546<br />

334<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.113<br />

111


Pediatria<br />

Na área <strong>da</strong> pediatria, o período Ming e Qing teve também novos conhecimentos e<br />

<strong>de</strong>senvolveu diversas experiências, mantendo-se porém a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que as doenças<br />

infantis <strong>de</strong>vem ser trata<strong>da</strong>s com fórmulas suaves, que possam tratar a saú<strong>de</strong> <strong>da</strong>s<br />

crianças, reforçá-la ou reduzi-la, mas nunca purgá-la. Na linha em que se <strong>de</strong>ve reforçar,<br />

tonificar e ao mesmo tempo dispersar <strong>de</strong> uma forma combinatória sem que haja uma<br />

tendência apenas para uma <strong>de</strong>las, ou seja, um tratamento <strong>de</strong>ve ser equilibrado.<br />

Também o conhecimento <strong>de</strong> convulsões infantis agu<strong>da</strong>s e crónicas e discussões acerca<br />

dos sinais que reconhecem as convulsões infantis, tais como a afasia e a paralisia,<br />

<strong>de</strong>ram uma nova luz à pediatria para gerações posteriores.<br />

Também no tratamento pediátrico, foi <strong>da</strong><strong>da</strong> relevância à regulação do baço e do<br />

estômago, bem como o controlo <strong>da</strong> dieta, como métodos mais apropriados para tratar os<br />

problemas pedátricos.<br />

A obra pediátrica mais famosa do periodo Qing foi 幼幼集成 You You Ji Cheng (um<br />

trabalho completo em pediatria), escrito por 陈复正 Chen Fuzheng 335 . A obra contém<br />

todo o material pediátrico dos seus pre<strong>de</strong>cessores e combina-o com 40 anos <strong>da</strong> sua<br />

própria experiência, tendo sido terminado em 1750. Esta obra refere a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

toma do pulso na observação <strong>de</strong> crianças, pelo que em alternativa consi<strong>de</strong>ra ser<br />

preferível palpação <strong>da</strong> vénula do <strong>de</strong>do indicador para o diagnóstico <strong>de</strong> doenças<br />

pediátricas, acresci<strong>da</strong> <strong>de</strong> análise do seu 神 Shén, no entanto sem que se exagere na sua<br />

análise. O autor ilustra esta utilização <strong>da</strong> vénula superficial, referindo que o exterior e o<br />

interior <strong>de</strong>vem ser distinguidos pela flutuação e pelo batimento <strong>da</strong> mesma vénula. O frio<br />

e o calor <strong>de</strong>vem ser i<strong>de</strong>ntificados pelo vermelho vivo ou pelo vermelho escuro. A<br />

Deficiência e o Excesso po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>terminados pela estase <strong>de</strong> sangue. A obra refere<br />

ain<strong>da</strong>, que uma vez que os órgãos Zangfu infantis não estão ain<strong>da</strong> completamente<br />

formados é preferível utilizar-se às drogas internas, a utilização <strong>de</strong> terapias externas<br />

para crianças, tais como massagem, compressas quentes medicinais, ventosas<br />

medicinais, agulhas ou supositórios <strong>de</strong> mel.<br />

Especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> oftalmologia, estomatologia e <strong>de</strong>ntista e laringologia<br />

Na especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> oftalmologia, 银海精微 Yin Hai Jing Wei (Urdi<strong>da</strong> e Trama do Mar<br />

Prateado), escrito por um médico <strong>de</strong>sconhecido, que usou o nome <strong>de</strong> 孙思邈 Sun<br />

Simiao, foi publicado durante a Dinastia Ming. O livro trata <strong>de</strong> todos os Síndromes <strong>de</strong><br />

335 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.560<br />

112


oftalmologia em pormenor com <strong>de</strong>senhos e prescrições em verso para uso mais<br />

facilitado.<br />

Ain<strong>da</strong> po<strong>de</strong>mos encontrar o livro 审视瑶函 Shen Shi Yao Han (Um Manual Valioso <strong>de</strong><br />

Oftalmologia), escrito por Fu Renyu dos finais <strong>da</strong> Dinastia Ming e publicado em 1644,<br />

inclui 108 <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns dos olhos com vários tratamentos e mais <strong>de</strong> 300 prescrições,<br />

inclui-se também nele <strong>de</strong>senhos e <strong>da</strong>dos completos. Há conhecimento <strong>da</strong> obra Yan Ke<br />

Da Quan (Um Manual Completo <strong>de</strong> Oftalmologia). O livro discute os registos médicos<br />

<strong>de</strong> oftalmologia e a teoria <strong>da</strong>s cinco aberturas e <strong>da</strong>s oito regiões do branco dos olhos e a<br />

relação dos olhos com os meridianos Zangfu e colaterais. O livro introduz acupunctura<br />

usa<strong>da</strong> em oftalmologia.<br />

Na área <strong>da</strong> estomatologia, dos <strong>de</strong>ntistas e <strong>da</strong> laringologia, po<strong>de</strong>mos encontrar a obra,<br />

口齿类要 Kou Chi Lei Yao (Classificação Essencial para o Tratamento <strong>da</strong>s Desor<strong>de</strong>ns<br />

<strong>da</strong> Boca e dos Dentes), escrito por 薛己 Xue Ji (1486-1558) 336 em 1528, on<strong>de</strong> se discute<br />

<strong>de</strong> uma forma compreensiva os diagnósticos e tratamentos <strong>da</strong>s doenças <strong>da</strong> cavi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

bucal e <strong>da</strong> laringe. O seu autor, porém, era gran<strong>de</strong> especialista em <strong>de</strong>rmatologia.<br />

Acupunctura<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer que durante a Dinastia Ming, a acupunctura continuou a <strong>de</strong>senvolver-se.<br />

Tanto nos séculos XV como XVI, continuaram a criar-se figuras <strong>de</strong> acupunctura em<br />

bronze com o objectivo <strong>de</strong> normalizar a localização dos diversos pontos. No século XVI<br />

po<strong>de</strong> referir-se Gao Wu como um dos acupunctores que se <strong>de</strong>dicou a esta prática.<br />

Durante a Dinastia Ming surgiram muitos estudos em acupunctura, entre os quais<br />

po<strong>de</strong>mos referir a obra 针灸大成 Zhen Jiu Da Cheng (Compêndio <strong>de</strong> Acupunctura e<br />

Moxibustão), escrito por Xu Feng em 1439, fala principalmente acerca <strong>da</strong>s teorias dos<br />

pontos <strong>de</strong> acupunctura e moxibustão introduzindo o fluxo e refluxo, meio-dia / meianoite<br />

em moxibustão e acupunctura. O livro faz uma compilação <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos sobre to<strong>da</strong>s<br />

as escolas e as suas ilustrações.<br />

A obra 针灸问对 Zhen Jiu Wen Dui (Perguntas e Respostas acerca <strong>de</strong> Acupunctura e<br />

Moxibustão) escrito por 汪机 Wang Ji, em 1530, <strong>de</strong>screve as teorias básicas em<br />

acupuncturologia na forma <strong>de</strong> perguntas e respostas principalmente <strong>de</strong> acordo com o<br />

Nei Jing (Clássico <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> Interna). Além disso, introduz métodos <strong>de</strong> acupunctura<br />

e moxibustão, meridianos, colaterais, pontos, etc. O livro apresenta várias teorias <strong>de</strong><br />

acupunctura e moxibustão <strong>de</strong>pois <strong>da</strong>s Dinastias Jin e Yuan.<br />

O médico Gao Wu chamava-se a si próprio Meihu. O seu trabalho em acupunctura e<br />

moxibustão que po<strong>de</strong> ser classificado <strong>de</strong> duas formas, um primeiro trabalho, 针灸聚英<br />

Zhen Jiu Ju Ying (Um Livro Sintético <strong>de</strong> Acupunctura e Moxibustão), era <strong>de</strong>dicado<br />

principalmente para principiantes. Referia as discussões importantes acerca <strong>de</strong><br />

336 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.1082<br />

113


acupunctura e moxibustão tirados do Nei Jing, do Nan Jing e <strong>de</strong> outros. A segun<strong>da</strong> obra<br />

homónima, representava uma compilação do trabalho em 1592 e consta <strong>de</strong> uma<br />

colecção <strong>de</strong> teorias e <strong>de</strong> casos em tratamento para cima <strong>de</strong> <strong>de</strong>z tipos <strong>de</strong> clássicos <strong>de</strong><br />

acupunctura e moxibustão antes do início do século XVI. Incluindo ain<strong>da</strong> os<br />

conhecimentos adquiridos por Gao Wu on<strong>de</strong> se critica a fé cega na parte teórica sem a<br />

confirmação prática.<br />

Relativamente a Yang Jizhou (1522-1620), chamava-se a si próprio Jishi, a sua obra<br />

针灸大成 Zhen Jiu Da Cheng (Compêndio <strong>de</strong> Acupunctura e Moxibustão) é<br />

consequência <strong>de</strong> clássicos anteriores ao século XVI em acupuntura, combinado com as<br />

suas próprias experiências, tendo sido publicado em 1601. O livro inclui meridianos e<br />

colaterais, pontos <strong>de</strong> acupunctura, formas <strong>de</strong> manipulação em acupunctura e<br />

moxibustão, indicações diversas, etc., bem como introduz estudos <strong>de</strong> casos <strong>de</strong><br />

tratamentos complexos com acupunctura, moxibustão e medicina e po<strong>de</strong><br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente ser chamado o gran<strong>de</strong> compêndio <strong>de</strong> acupunctura durante a Dinastia<br />

Ming. Alguns livros, <strong>de</strong> acupuntura e moxibustão que se referem e serviram <strong>de</strong> base à<br />

elaboração <strong>de</strong>ste livro per<strong>de</strong>ram-se, tendo-se tornado esta obra um livro base para<br />

estudos em acupunctura. Este livro foi traduzido para várias línguas e especialmente em<br />

francês, alemão, inglês, japonês e outras.<br />

É interessante referir que durante a Dinastia Qing, o <strong>de</strong>senvolvimento dos estudos <strong>de</strong><br />

acupunctura foi restringido. Em meados <strong>da</strong> Dinastia Qing, foi estabelecido em 1822 um<br />

<strong>de</strong>creto em que o <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> acupunctura e moxibustão no Hospital Imperial<br />

<strong>de</strong>via fechar para sempre. Contudo, uma vez que a acupunctura tinha tantas vantagens,<br />

ela continuou a ser usa<strong>da</strong> pela população.<br />

Terapia Popular<br />

Na antiga China havia médicos do povo que an<strong>da</strong>vam pelas ruas a ba<strong>da</strong>lar sinos, indo a<br />

todos os cantos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e até às zonas mais remotas para tratar pacientes, eram<br />

conhecidos por os “médicos do sino” ou curan<strong>de</strong>iros. Frequentemente estes médicos<br />

usavam ervas medicinais que eram facilmente obti<strong>da</strong>s e tinham uma experiência<br />

bastante gran<strong>de</strong> nos seus efeitos curativos. Contudo, eles situavam-se numa posição<br />

social inferior e não eram aceites pelos médicos ortodoxos, que os <strong>de</strong>scriminavam e os<br />

atacavam nos seus tipos <strong>de</strong> tratamento como mezinhas vulgares, pelo que consi<strong>de</strong>ravam<br />

que estes médicos não tinham gran<strong>de</strong> importância.<br />

Em meados <strong>da</strong> Dinastia Qing, o famoso médico 赵学敏 Zhao Xuemin (1719-1805),<br />

profun<strong>da</strong>mente sensibilizado pelo carácter do conhecimento médico popular, admirou e<br />

achou que as terapias dos “médicos do sino”, era barata, conveniente e eficaz e achava<br />

uma pena que se per<strong>de</strong>sse. Com a aju<strong>da</strong> do médico popular Zhao Baoyun, Zhao Xuemin<br />

fez uma colectânea dos conhecimentos populares e <strong>da</strong>s mezinhas populares, bem como<br />

<strong>da</strong>s experiências médicas analisa<strong>da</strong>s em conjunto pelos dois, tendo compilado a obra<br />

串雅 Chuan Ya (Tratamentos por <strong>Medicina</strong> Popular), em 1758.<br />

114


O livro está dividido em secções interna e externa coligindo para cima <strong>de</strong> 400 receitas<br />

populares. As palavras usa<strong>da</strong>s são concisas e as experiências médicas introduzi<strong>da</strong>s no<br />

livro incluem medicina clinica e <strong>de</strong> emergência, bem como exterminação <strong>de</strong> mosquitos,<br />

moscas, etc.; os métodos <strong>de</strong> tratamento incluém, para além <strong>da</strong> administração oral, os<br />

tratamentos externos, tais como manipulação <strong>de</strong> agulhas, moxibustão, compressas,<br />

aplicações, fumigação, vaporização e compressão. Muitas receitas consistem numa ou<br />

duas ervas, por exemplo o pó <strong>de</strong> 五倍子 Wubeizi (Galla Chinensis - noz <strong>de</strong> galha) 337 ,<br />

aplica<strong>da</strong> no umbigo para tratar o suor nocturno, o pó <strong>de</strong> 吴茱萸 Wuzhuyu (frutus<br />

evodiæ) 338 misturado com vinagre era aplicado no 涌泉 Yongquan - 1Rn para tratar<br />

as inflamações <strong>de</strong> garganta, o pó <strong>de</strong> enxofre 硫黄 Liu Huang (Sulphur) 339 e a semente<br />

<strong>de</strong> algodão eram queima<strong>da</strong>s <strong>de</strong> forma que o fumo fazia fugir os percevejos, todos eles<br />

bastante eficazes.<br />

No perfácio, Zhao Xuemin eleva a perícia utiliza<strong>da</strong> pelos “médicos dos sinos”, como<br />

por exemplo a técnica “ding chuan” ; a perícia ding, era uma terapia na qual as ervas<br />

eram usa<strong>da</strong>s para induzir o vómito e a apeli<strong>da</strong><strong>da</strong> técnica Chuan, era principalmente uma<br />

técnica em que se <strong>da</strong>vam ervas para induzir a purgação. Zhao dizia que por muito<br />

pouco que fosse feito por estes médicos, elas eram <strong>de</strong> uma eficácia consi<strong>de</strong>rável.<br />

Também não interessava se as ervas eram baratas ou não, o que era importante é <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que fossem eficazes elas produziam uma boa medicina. As ervas usa<strong>da</strong>s pelos “médicos<br />

do sino” eram baratas, efectivas e facilmente obti<strong>da</strong>s, pelo qual era também fácil para<br />

eles estu<strong>da</strong>rem-nas e saberem aplicá-las.<br />

Investigação Efectua<strong>da</strong> sobre os Clássicos Médicos e Compilação <strong>de</strong> Diversos<br />

Trabalhos Médicos<br />

Durante as dinastias Ming e Qing, houve bastantes trabalhos <strong>de</strong> investigação que<br />

passaram a estar em voga, nomea<strong>da</strong>mente acerca <strong>de</strong> trabalhos antigos, tais como o<br />

trabalho do Nei Jing, (Clássico <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> Interna) do Imperador Amarelo.<br />

Durante a Dinastia Ming, houve um famoso médico, 马莳 Ma Shi 340 , que investigou e<br />

reor<strong>de</strong>nou a obra Nei Jing do Imperador Amarelo elaborando as obras<br />

黄帝内经素问法微 Huang Di Nei Jing Su Wen Fa Wei (Elaboração <strong>da</strong>s Principais<br />

Questões do Clássico do Imperador Amarelo <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> Interna) e<br />

黄帝内经灵枢法微 Huang Di Nei Jing Lin Shu Fa Wei (Uma Elaboração Acerca <strong>da</strong><br />

337 Zhixian, Long (Ed.) – The Chinese Materia Medica. Beijing University of Traditional Chinese<br />

Medicine, Aca<strong>de</strong>my Press, 1998, p.327<br />

338 Zhixian, Long (Ed.) – The Chinese Materia Medica. Beijing University of Traditional Chinese<br />

Medicine, Aca<strong>de</strong>my Press, 1998, p.142<br />

339 Wiseman, Nigel – Dictionary of Chinese Medicine. English-Chinese/Chinese-English. Taichung,<br />

1995, p.548<br />

340 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.89<br />

115


“Charneira Milagrosa do Clássico <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> Interna do Imperador Amarelo”), nelas<br />

encontrando-se bastantes anotações.<br />

Outro investigador foi 张介宾 Zhang Jiebin (1563-1640) 341 , que acerca <strong>da</strong> mesma obra<br />

Nei Jing compilou a obra 类经 Lei Jing (Clássico Classificado) em 1624. Para além <strong>de</strong><br />

suplementos acerca do mesmo, nomea<strong>da</strong>mente 类经图翼 Lei Jing Tu Yi e 类经附翼<br />

Lei Jing Fu Yi.<br />

Estas obras efectua<strong>da</strong>s acerca do Nei Jing por Ma Chi e Zhang Jiebin foram também<br />

reestu<strong>da</strong><strong>da</strong>s por 李中梓 Li Zhongzi (1588-1655) 342 , que compilou a obra 内经知要 Nei<br />

Jing Zhi Yao (Essencial do Clássico <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> Interna) em 1642, a sua intenção era<br />

<strong>de</strong> fazer uma obra dirigi<strong>da</strong> a principiantes ou iniciadores <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong><br />

<strong>Chinesa</strong>. Não só o Nei Jing serviu <strong>de</strong> base para estudos neste período, também a obra<br />

伤寒论 Shang Han Lun (tratado <strong>da</strong>s doenças febris) e a obra 金匦要略 Jin Gui Yao<br />

Lue (Sinopse <strong>da</strong> Câmara Doura<strong>da</strong>), foram objecto <strong>de</strong> estudos, <strong>de</strong> investigações.<br />

Além <strong>de</strong>stes clássicos, foram também feitas compilações <strong>de</strong> trabalhos médicos e<br />

referências a diversos livros, cujo material foi obtido por várias fontes e estruturado <strong>de</strong><br />

diversas maneiras, também durante este período dos Ming e dos Qing.<br />

Uma <strong>da</strong>s primeiras obras é 古今医统大全 Gu Jin Yi Tong Da Quan (Enciclopédia <strong>de</strong><br />

Trabalhos Médicos Antigos e Mo<strong>de</strong>rnos), foi escrito por 徐春甫 Xu Chunfu em 1556 343 ;<br />

este autor chamava-se a si próprio Ru Yuan, era um médico famoso no tempo dos Ming.<br />

Esta obra teve cerca <strong>de</strong> 390 fontes entre clássicos confucianos, história, filosofia,<br />

literatura, antes <strong>de</strong> meados dos Ming. Tem as bases teóricas <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong><br />

<strong>Chinesa</strong>, incluindo biografias <strong>de</strong> médicos através dos tempos, <strong>da</strong>s diferentes escolas, os<br />

métodos <strong>de</strong> toma<strong>da</strong> do pulso, doutrina dos cinco elementos e dos seis factores naturais,<br />

meridianos, colaterais, acupunctura e moxibustão, fitoterapia, preservação <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>,<br />

diagnóstico e tratamento na prática clínica <strong>de</strong> diferentes <strong>de</strong>partamentos e casos médicos.<br />

Outra obra, Jing Yue Quan Shu (Os Trabalhos Completos <strong>de</strong> Zhang Jingyue) foi<br />

compilado por 张介宾 Zhang Jiebin 344 , já referido, em 1624, que se chamava a si<br />

próprio Jingyue. Esta obra inclui bases teóricas <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>,<br />

diagnóstico e tratamentos, fitoterapia, on<strong>de</strong> se inclui simples e fórmulas, etc..<br />

A obra, 古今图书集成 Gu Jin Tu Shu Ji Cheng (Resumo dos Trabalhos Classificados<br />

dos Livros Médicos Antigos e Mo<strong>de</strong>rnos) é uma parte <strong>da</strong> obra 古今医统大全 Gu Jin<br />

Tu Shu Da Quan (Enciclopédia dos Trabalhos Médicos dos Tempos Antigos e<br />

Mo<strong>de</strong>rnos) compilado por Chen Menglei e outros no tempo dos Qing, tendo sido<br />

publicado no tempo do Imperador Yongzheng em 1726. A obra contém material dos<br />

341 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.553<br />

342 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.320<br />

343 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.799<br />

344 Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.553<br />

116


trabalhos médicos através dos tempos e é o maior livro <strong>de</strong> referência médica <strong>da</strong> China.<br />

A obra contém uma selecção, cujo conteúdo abarca <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <strong>da</strong> obra Huang di<br />

Nei Jing (Clássico <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> Interna do Imperador Amarelo) até ao início dos Qing e<br />

está organizado por várias temáticas. Esta obra contém notas <strong>de</strong> clássicos médicos,<br />

diagnóstico, tratamento, teoria <strong>de</strong> base teórica <strong>da</strong>s doenças nos diversos <strong>de</strong>partamentos,<br />

nas diversas áreas, bem como técnicas médicas, registos e eventos, bem como biografias<br />

<strong>de</strong> médicos famosos. A teoria, os métodos, as fórmulas, os elementos simples estão<br />

completamente incluídos.<br />

A obra, 古今医统正脉全书 Gu Jin Yi Tong Zheng Mai Quan Shu (Compêndio <strong>de</strong><br />

Trabalhos Médicos dos Livros Médicos Antigos e Mo<strong>de</strong>rnos) é uma série <strong>de</strong> livros<br />

médicos compilados por 王肯堂 Wang Kentang 345 , em 1601, digamos que é uma<br />

con<strong>de</strong>nsação <strong>de</strong> 44 obras anteriores.<br />

医宗金鉴 Yi Zong Jin Jian (O Espelho Dourado <strong>da</strong> Tradição Médica) é um trabalho<br />

médico volumoso, compilado durante o tempo dos Qing, é organizado por vários<br />

médicos sob a orientação <strong>de</strong> 吴谦 Wu Qian 346 . Esta última obra tem como vantagens a<br />

or<strong>de</strong>nação clara, uma escrita concisa, ilustrações precisas e uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong><br />

compreensão fácil e tornou-se um livro fun<strong>da</strong>mental na prática clínica e por essa razão<br />

passou a ser consi<strong>de</strong>rado um livro dos tempos mo<strong>de</strong>rnos.<br />

Durante todo este período dos Ming e dos Qing, houve bastante permuta, tendo<br />

aumentado os contactos entre a China e os países estrangeiros, entre os quais po<strong>de</strong>mos<br />

referir o Japão, a Coreia e mesmo os países europeus.<br />

Os dois primeiros países referidos, Japão e Coreia tiveram alguns elementos, que ao<br />

longo dos tempos se transferiam para a China e faziam o estudo <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong><br />

<strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>. Também várias obras, <strong>de</strong> muitas <strong>da</strong>s que foram cita<strong>da</strong>s foram<br />

copia<strong>da</strong>s e acrescenta<strong>da</strong>s nestes dois países.<br />

No que diz respeito às trocas entre a China e os países europeus, po<strong>de</strong>mos dizer que<br />

durante o período Ming e Qing, a <strong>Medicina</strong> Oci<strong>de</strong>ntal foi penetrando na China,<br />

nomea<strong>da</strong>mente na área <strong>da</strong> anatomia, fisiologia, farmacologia e terapias europeias, ao<br />

mesmo tempo que missionários médicos estu<strong>da</strong>vam a <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>.<br />

Aliás, “Quando os Portugueses chegaram à India, os Chineses já não frequentavam o<br />

seu litoral há mais <strong>de</strong> 60 anos; perdurava, contudo, na memória <strong>da</strong>s populações<br />

costeiras, uma referência a navegantes <strong>de</strong> pele clara e aos seus navios gran<strong>de</strong>s e<br />

po<strong>de</strong>rosos. Foi junto <strong>de</strong>ssas populações que os navegadores portugueses recolheram as<br />

primeiras informações acerca dos Chineses, referidos pela primeira vez, tanto quanto<br />

se sabe, pelo padre José <strong>de</strong> Cranganor, em 1501. Nos primeiros anos <strong>da</strong> sua presença<br />

no Indico, os Portugueses concentraram os seus esforços na consoli<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> posições<br />

no mar arábico. Em 1508, porém, D. Manuel I alargou os seus interesses à Insulíndia,<br />

enviando uma frota a <strong>de</strong>scobrir Malaca sob o comando <strong>de</strong> Diogo Lopes <strong>de</strong> Sequeira.<br />

345<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.113<br />

346<br />

Chinese-English Dictionary of Traditional Chinese Medicine. The People’s Medical Publishing<br />

House, 1996, p.495<br />

117


Esta expedição marca a entra<strong>da</strong> do Império Chinês no horizonte político <strong>da</strong> Coroa<br />

portuguesa. No regimento entregue ao capitão, o monarca pedia-lhe que se informasse<br />

sobre os «chins». Interessava ao rei saber qual era a religião <strong>de</strong>sse povo, assim como o<br />

seu po<strong>de</strong>rio, o seu comércio e o tipo <strong>de</strong> relações que mantinham com os Muçulmanos.<br />

Quando os navios <strong>de</strong> Diogo Lopes chegaram a Malaca, já em 1509, <strong>de</strong>u-se pela<br />

primeira vez um encontro entre portugueses e chineses. O facto <strong>de</strong> este primeiro<br />

contacto ter <strong>de</strong>corrido num porto dominado por Muçulmanos contribuiu,<br />

provavelmente, para que se estabelecessem relações amigáveis entre os homens do<br />

Extremo Oci<strong>de</strong>nte e do Extremo Oriente. Foram mesmo os mercadores chinas que<br />

avisaram os recém-chegados <strong>de</strong> que o sultão Ihes estava a preparar uma cila<strong>da</strong>,<br />

permitindo, assim, a fuga dos homens <strong>de</strong> Diogo Lopes. País agrícola, praticamente<br />

auto-suficiente, o Celeste Império só se interessara pelo mar tardiamente”<br />

Os galeões portugueses abor<strong>da</strong>m pela primeira vez as costas do Guangdong, nos anos<br />

entre 1514-1516. Os espanhóis chegam aos mares <strong>da</strong> Ásia oriental, em 1543 e os<br />

holan<strong>de</strong>ses, cerca <strong>de</strong> 1600. Estes recém-chegados aos circuitos comerciais do extremo<br />

Oriente e à Ásia do Su<strong>de</strong>ste, apeli<strong>da</strong>dos <strong>de</strong> Folangji 347 e Hongmaoyi 348 , po<strong>de</strong>rão<br />

ter começado a exercer alguma influência europeia nas zonas marítimas <strong>da</strong> China do Sul<br />

e Su<strong>de</strong>ste, mas ela só começará a ter repercursões importantes após a entra<strong>da</strong> dos<br />

missionários jesuítas na China, cujos <strong>da</strong>dos verão uma confirmação em finais do séc.<br />

XVI. 349<br />

[…] “As primeiras informações que circularam em texto impresso sobre a China foram<br />

publica<strong>da</strong>s em 1555, num volume <strong>de</strong> cartas dos Jesuítas com o título «Informação <strong>de</strong><br />

algumas cousas acerca dos costumes e leis do reino <strong>da</strong> China que um homem que lá<br />

esteve cativo seis anos contou em Malaca no colégio <strong>da</strong> Companhia»”. 350<br />

Em 1557 os primeiros missionários retornaram à Europa com diversos livros <strong>de</strong> MTC.<br />

“Em 1570 surgiu o primeiro livro sobre o Celeste Império, o «Tratado em Que Se<br />

Contam muito por Extenso as Cousas <strong>da</strong> China com Suas Particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s, e Assi do<br />

Reyno <strong>de</strong> Ormuz». Nos livros dos séculos XVI e XVII, a China foi apresenta<strong>da</strong> como um<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organização social. A sua administração hierarquiza<strong>da</strong> e centraliza<strong>da</strong><br />

impressionou vivamente os seus primeiros visitantes. Deu mesmo azo à criação <strong>de</strong> uma<br />

utopia, como é o caso <strong>da</strong> <strong>de</strong>scrição inseri<strong>da</strong> na Peregrinação <strong>de</strong> Fernão Men<strong>de</strong>s<br />

Pinto”. 351<br />

Durante as Dinastias Ming e Qing, alguns livros científicos Oci<strong>de</strong>ntais foram<br />

introduzidos na China. A cultura europeia e o conhecimento científico iam sendo<br />

347<br />

Fólángjī (francos) – Durante a dinastia Ming, <strong>de</strong>signa também os portugueses e os espanhóis. -<br />

I<strong>de</strong>ograma [1599] do Dictionaire Français <strong>de</strong> la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999,<br />

p. 304<br />

348<br />

Hongmaoyi («bárbaros <strong>de</strong> pelos vermelhos» – holan<strong>de</strong>ses) - Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois.<br />

Armand Colin, Paris, 1999, p. 393<br />

349<br />

Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 393<br />

350<br />

Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís <strong>de</strong> (Dir.) «Dicionário <strong>de</strong> <strong>História</strong> dos<br />

Descobrimentos Portugueses», Círculo <strong>de</strong> Leitores, Lisboa, 1994, pp. 243-249<br />

351<br />

Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís <strong>de</strong> (Dir.) «Dicionário <strong>de</strong> <strong>História</strong> dos<br />

Descobrimentos Portugueses», Círculo <strong>de</strong> Leitores, Lisboa, 1994, pp. 243-249<br />

118


introduzidos, principalmente pelos missionários dos quais po<strong>de</strong>mos referir Matteo Ricci<br />

(1562-1610), que foi o mais antigo e mais famoso. Foi o primeiro a utilizar a medicina<br />

nas suas activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s na China. Viajou até Macau, em 1582, tendo, posteriormente<br />

vivido em Beijing por muitos anos, on<strong>de</strong> faleceu em 1610. Traduziu para chinês<br />

diversas obras médicas oci<strong>de</strong>ntais. Uma <strong>de</strong>las, “Costumes dos países oci<strong>de</strong>ntais”, trata<br />

<strong>da</strong> anatomia neural, tornando-se o primeiro trabalho em medicina e psicologia a ser<br />

introduzido na China. Depois <strong>de</strong>le, um número muito gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> missionários visitou a<br />

China, traduziram e publicaram livros numa gran<strong>de</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> assuntos, tais como<br />

astronomia, conservação <strong>da</strong> água e medicina.<br />

Em 1643, um missionário polaco, Michel Boym, viajou até à China. Aí seleccionou e<br />

traduziu algumas teorias <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>, o conhecimento do estudo<br />

dos pulsos e herbologia, que foram mais tar<strong>de</strong> publicados na Europa. O primeiro<br />

trabalho aparecido teve o nome “Flora Sinensis” , incluindo <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> algumas<br />

plantas medicinais, foi publicado em lingua latina, na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Viena, no ano 1656,<br />

profun<strong>da</strong>mente baseado no 本草纲目 Ben Cao Gang Mu (Compêndio <strong>da</strong> Matéria<br />

Médica), compilado por Li Shizhen. É o primeiro livro, que introduziu a matéria<br />

médica chinesa na Europa. Depois disto, ain<strong>da</strong> traduziu trabalhos em diagnóstico pela<br />

língua, a preparação <strong>de</strong> farmacopeia chinesa, e esfigmologia tradicional chinesa, que<br />

foram publicados em França, Itália e Alemanha. Com base neste último trabalho <strong>de</strong><br />

Boym, o médico inglés Sir John Floyer traduziu-o para inglês, incluindo o seu conteúdo<br />

no livro Formas <strong>de</strong> Sentir os Pulsos pelos Médicos, que foi publicado em 1707. Floyer<br />

escreve que as condições do pulso inspiraram-no em inventar o valor <strong>da</strong> pulsação como<br />

um método <strong>de</strong> diagnóstico. 352<br />

No século XVII, os países Oci<strong>de</strong>ntais começaram a praticar acupunctura e moxibustão<br />

chinesa. Em 1676, havia dois livros sobre a prática <strong>da</strong> acupunctura e moxibustão<br />

publicados na Alemanha, um por B. W. Geilfusiius e o outro por H. Buschof. Estes,<br />

incluíam uma discussão sobre o tratamento <strong>da</strong> artrite com terapias em acupunctura no<br />

seu livro “Dissertatio <strong>de</strong> Arthri<strong>de</strong>”, publicado pelo médico alemão William ten Rhyne,<br />

em Londres, em 1683, sendo os documentos mais antigos <strong>de</strong> registo <strong>de</strong> manipulação<br />

com agulhas chinesas. No mesmo ano, J. A. Gehema também publicou “Aplicação <strong>de</strong><br />

Moxibustão <strong>Chinesa</strong> para Tratar Artralgia”, em Hamburgo, opinando que a<br />

moxibustão chinesa era a melhor, a mais isenta e o método mais confortável <strong>de</strong> tratar<br />

artralgias migratórias do tempo. S. Blankaart publicou “Discussões Especiais em<br />

Artralgias Migratórias”, em Amsterdão em 1684, também introduzindo o tratamento <strong>da</strong><br />

artrite e com acupunctura e moxibustão. Após disto, a acupunctura e a moxibustão<br />

começou a ser pratica<strong>da</strong> em Inglaterra, Paises Baixos, França, Alemanha, Russia, Itália,<br />

Espanha, Suécia e Bélgica.<br />

Os livros <strong>de</strong> medicina, tais como Ren Shen Tu Shuo (Explicação Gráfica do Corpo<br />

Humano), escrito por Diego Rho e outros, e 薹戏人身 概 Tai Xi Ren Shen Shuo Gai<br />

(Quadro resumo explicativo do Corpo humano) , escrito por Johann Terrentius e<br />

outros, são os livros mais antigos <strong>de</strong> fisiologia e anatomia, trazidos <strong>da</strong> Europa para a<br />

China.<br />

352 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration<br />

of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p.97<br />

119


Enquanto as obras <strong>de</strong> fisiologia e anatomia, começavam a penetrar na China, a<br />

farmacologia Oci<strong>de</strong>ntal, também era aí introduzi<strong>da</strong>, mas a sua influência na medicina<br />

chinesa não foi muito gran<strong>de</strong>.<br />

Até ao imperador 乾隆 Qian long (1736-1796), a China vai mantendo uma abertura<br />

com o exterior, porém, com o imperador Jia qing (1796-1821), fecha-se sobre si<br />

própria. A sua economia era estagnante e atrasa<strong>da</strong> e a sua força nacional tornou-se ca<strong>da</strong><br />

vez mais fraca. Entretanto a maior dos países Oci<strong>de</strong>ntais tornavam-se ca<strong>da</strong> vez mais<br />

prósperos e potentes.<br />

Até aquela <strong>da</strong>ta, o comércio pratica-se por intermédio do porto <strong>de</strong> Cantão, on<strong>de</strong><br />

portugueses e ingleses trocam tecidos por <strong>de</strong> algodão e ópio por se<strong>da</strong>. Em 1839 o<br />

governo chinês proíbe a importação <strong>de</strong> ópio, e um carregamento <strong>de</strong> ópio indiano é<br />

lançado ao mar no porto <strong>de</strong> Cantão. Os ingleses enviam uma expedição como represália,<br />

que bombar<strong>de</strong>ia Cantão, ocupa Xangai e Nanquim. A Inglaterra começou a chama<strong>da</strong><br />

primeira“Guerra do Ópio” em 1840, que terminou em 1842 com a assinatura do<br />

“Tratado <strong>de</strong> Nanjing”, forçando o governo Qing a garantir concessões Britânicas, i.e., a<br />

cedência <strong>de</strong> Hong-Kong, a abertura <strong>de</strong> cinco portos <strong>da</strong> China Central entre Cantão e<br />

Xangai e uma tarifa alfan<strong>de</strong>gária que limita a 5% os direitos <strong>de</strong> alfân<strong>de</strong>ga. Esta guerra<br />

foi como uma transformação, reduzindo a China <strong>de</strong> um sistema ditatorial feu<strong>da</strong>l a um<br />

simples sistema semi-colonial, semi-feu<strong>da</strong>l.<br />

De 1856 a 1860, a França e a Inglaterra juntas, , aten<strong>de</strong>ndo a que o governo chinês não<br />

cumpria o tratado <strong>de</strong> 1842, levantaram a segun<strong>da</strong> “Guerra do Ópio”, levando o governo<br />

Qing a assinar “O Tratado <strong>de</strong> Tianjin” e “O Tratado <strong>de</strong> Peking”.<br />

Mais tar<strong>de</strong>, em 1883-1885 aparece a Guerra Sino-Francesa e em 1894 a Sino-Japonesa.<br />

No que diz respeito à introdução e ao choque entre a cultura Oci<strong>de</strong>ntal e a Oriental, <strong>de</strong><br />

facto as ciências naturais Oci<strong>de</strong>ntais e a sua tecnologia, incluindo matemática, física,<br />

química, mineralogia, astronomia e medicina, vão-se seguindo uma após a outra e <strong>de</strong><br />

facto a pouco e pouco, a medicina Oriental parecia como que esmaga<strong>da</strong> por esta nova<br />

cultura, que a pouco e pouco foi entrando na China. Porém, alguns especialistas em<br />

<strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>, foram mantendo a chama <strong>de</strong>sta cultura. Algumas escolas<br />

inclusivé, advogaram uma integração <strong>da</strong> medicina chinesa e <strong>da</strong> medicina Oci<strong>de</strong>ntal.<br />

Não obstante, a tentativa <strong>de</strong> integração <strong>da</strong>s duas medicinas se ter verificado em várias<br />

escolas, a <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>, no seu todo, não obstante ter <strong>de</strong>clinado a sua<br />

importância durante os últimos cem anos, foi manti<strong>da</strong> a sua chama à custa <strong>de</strong> trabalhos<br />

<strong>de</strong> especialistas médicos, nomea<strong>da</strong>mente a nível <strong>de</strong> investigação, anotação, reprodução<br />

<strong>de</strong> clássicos médicos, tais como o Clássico <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> Interna, o Clássico <strong>da</strong>s<br />

Dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s, o Tratado <strong>da</strong>s Doenças Febris e o Clássico <strong>da</strong>s Ervas <strong>de</strong> Shen Nong.<br />

Todos estes esforços importantes levaram à preservação e ao estudo do que existia há<br />

milénios.<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer que a <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> foi continuando a enriquecer-se<br />

com o registo <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> médicos famosos, tais como Fei Boxiong com a sua<br />

experiência em medicina interna, tendo escrito o trabalho Yi Chun Sheng Yi (A<br />

120


<strong>Medicina</strong> Pura e Honesta Benificia Todos), publicado em 1863. O trabalho <strong>de</strong> Zhang<br />

Shanlei, Zhong Feng Jiao Quan (Uma Compilação e Anotação <strong>de</strong> Trabalhos em<br />

Apoplexia), publicado em 1917, uma monografia acerca <strong>da</strong> apoplexia. O Livro <strong>da</strong>s<br />

Experiências em Prática Cirúrgica, publicado por Ma Peizhi em 1892, um cirurgião<br />

famoso e ain<strong>da</strong> a obra Li Lun Pian Wen (Um Discurso sobre Terapias Externas) <strong>de</strong> Wu<br />

Shangxian em 1864.<br />

A nível <strong>da</strong> matéria médica, po<strong>de</strong>mos dizer que investigações em trabalhos antigos, tais<br />

como Shen Nong Ben Cao Jing , <strong>de</strong>ram lugar a uma reedição por Gu Guanguang em<br />

1884, reavivando esta matéria. É evi<strong>de</strong>nte que o resumo <strong>da</strong>s experiências do uso <strong>de</strong><br />

ervas, <strong>de</strong> novos conhecimentos, <strong>de</strong> nova acção terapêutica, <strong>de</strong> novos efeitos, foram<br />

enriquecidos por alguma influência entre a <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> e a fitoterapia<br />

trazi<strong>da</strong> do Oci<strong>de</strong>nte. Também houve tentativas <strong>de</strong> adicionar à farmacologia <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong><br />

<strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> elementos <strong>de</strong> prescrições populares, algumas ti<strong>da</strong>s como secretas e<br />

compila<strong>da</strong>s numa Nova Compilação <strong>de</strong> Prescrições Prova<strong>da</strong>s em 1846, uma compilação<br />

<strong>de</strong> Bao Xiangao.<br />

Fim do império<br />

Entretanto, os po<strong>de</strong>res Oci<strong>de</strong>ntais juntam-se numa agressão sistemática contra a China.<br />

O sistema económico chinês não podia comparar-se ao sistema económico Oci<strong>de</strong>ntal.<br />

Assim, a pobreza existente na China compara<strong>da</strong> com a aparente riqueza Oci<strong>de</strong>ntal, foi<br />

<strong>da</strong>ndo lugar a movimentos anti-colonialistas e anti-feu<strong>da</strong>is num crescendo <strong>de</strong> 1840 a<br />

1919, começando com a primeira “Guerra do Ópio”, que se referiu, continuando com<br />

as reformas contitucionais e a mo<strong>de</strong>rnização, em 1898, até que a 迓仙 Sun Yatsen 353<br />

em 1911 pôs fim à corte Qing, fun<strong>da</strong>ndo a Républica <strong>da</strong> China e <strong>de</strong>clarando o fim <strong>da</strong><br />

monarquia feu<strong>da</strong>l que durou cerca <strong>de</strong> dois mil anos.<br />

Em momentos difíceis para a <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>, a certa altura foram cria<strong>da</strong>s<br />

escolas <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>, tal como o Instituto Shangai <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong><br />

<strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>, erigido por Ding Ganren e Xie Libeng em 1915, a Escola <strong>de</strong> Lan<br />

Xi <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> <strong>da</strong> Província <strong>de</strong> Zhejiang por Zhang Shanlei em<br />

1920 e a Escola <strong>de</strong> Correspondência em <strong>Medicina</strong> Trasdicional <strong>Chinesa</strong> por Yun<br />

Tieqiao em 1925 em Shanghai, bem como o Colégio Médico Chinês <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong><br />

<strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> por Lu Yuanlei e outros em 1930, ain<strong>da</strong> a Escola <strong>de</strong><br />

Correspondência <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> por Zhang Xichun em Tianjin e<br />

entre outros ain<strong>da</strong> o Colégio <strong>de</strong> Beijing <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> por Xiao<br />

Longyou. Digamos que estas escolas foram um esforço para salvaguar<strong>da</strong>r o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> e <strong>da</strong> farmacologia chinesa,<br />

compilando, criando material pe<strong>da</strong>gógico, organizando socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s académicas,<br />

publicando periódicos e revistas.<br />

Em 1929, o governo interdita o uso oficial <strong>da</strong> MTC. Porém, a acupunctura e a<br />

moxibustão continuaram entre as massas populares. 354<br />

353 Gernet, Jacques – Le mon<strong>de</strong> chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 546<br />

354 Précis d’acupuncture chinoise – Éditions Dangles, Académie <strong>de</strong> médicine traditionnelle chinoise,<br />

1977, p. 18<br />

121


O seu uso mantém-se entre os sol<strong>da</strong>dos, durante as diversas convulsões intestinas<br />

<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s até 1949.<br />

A <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> e a farmacologia tradicional chinesa são o sincretismo<br />

do saber do povo chinês contra as doenças ao longo <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> anos. A Républica<br />

Popular <strong>da</strong> China e o seu governo, a partir <strong>de</strong> certa altura <strong>de</strong>ram bastante importância ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta medicina tradicional. Sob os auspícios <strong>da</strong> Revolução Cultural,<br />

um novo incremento é <strong>da</strong>do à MTC.<br />

A 7 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1950 dá-se a 1ª Conferência Nacional acerca <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> preconisa a<br />

“união <strong>de</strong>s medicinas chinesa e oci<strong>de</strong>ntal” 355<br />

A partir dos anos cinquenta, começaram a verificar-se comprovações científicas acerca<br />

<strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> e <strong>da</strong>s suas tentativas <strong>de</strong> explicação e/ou estatística.<br />

Estes estudos, praticamente apontaram para experiências clínicas <strong>de</strong> analgesia e <strong>de</strong><br />

anestesia através <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>, nomea<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> acupunctura e <strong>da</strong><br />

moxibustão. O estudo <strong>da</strong> acupunctura progressivamente foi-se introduzindo em<br />

centenas <strong>de</strong> países e regiões. Tratar doenças anais e intestinais com medicina chinesa<br />

através <strong>de</strong> ervas é extremamente seguro e eficaz.<br />

O tratamento <strong>de</strong> fracturas com a combinação <strong>de</strong> medicina chinesa e medicina Oci<strong>de</strong>ntal,<br />

parece ser melhor do que tratá-lo apenas com uma ou com a outra sozinhas; o tempo <strong>da</strong><br />

acção conjunta encurta bastante, a recuperação <strong>da</strong>s funções é mais rápi<strong>da</strong> e as<br />

complicações são muito menores. A investiganção na acção química e fisioquímica <strong>da</strong><br />

fitoterapia chinesa continua a ser uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Noutras áreas, nomea<strong>da</strong>mente nos estudos <strong>da</strong> acção sobre o baço e o rim, os métodos<br />

científicos oci<strong>de</strong>ntais vêm comprovando o que tem vindo a ser estu<strong>da</strong>do por bastantes<br />

biólogos, entre eles Zhu ZongXiang, que confirmou inicialmente a existência <strong>de</strong><br />

meridianos no corpo humano <strong>da</strong>ndo lume ao gran<strong>de</strong> mistério escondido <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong><br />

<strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>. A utilização <strong>da</strong> medicina nuclear através <strong>de</strong> métodos<br />

cintigráficos 356 , ou o uso <strong>da</strong> mecânica quântica em instrumentos como o SQUID –<br />

Superconducting Quantum Interference Device 357 , com o fim <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>r o trajecto e<br />

fluxo do Qi nos meridianos, na<strong>da</strong> vêm acrescentar à eficiência do que a MTC realiza,<br />

num conhecimento que sem instrumentos tecnológicos o Mundo Chinês <strong>de</strong>scobriu e<br />

utiliza há mais <strong>de</strong> 5000 anos.<br />

Os círculos médicos <strong>de</strong> vários países internacionais têm analisado e têm uma visão<br />

progressivamente diferente <strong>da</strong> que tinham <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>. A própria<br />

Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> preocupou-se em aceitar e recomen<strong>da</strong>r o uso <strong>da</strong><br />

355 Hoizey, Dominique – Histoire <strong>de</strong> la médicine chinoise. Édition Payot, 1988, p. 267<br />

356 Virgiliu, Dr. Bagu et al. – “Nuclear medicine and acupuncture: the study of points, circulation along<br />

the meridians and their relationship to the corresponding organs”in «First World Conference on<br />

Acupuncture-Moxibuston», World Fe<strong>de</strong>ration of Acupuncture and Moxibustion Societies, Beijing. S/d<br />

357 Oschman, James L. (PhD) – Energy Medicine – The scientific Basis. Churchill Livingstone, Edinburg,<br />

2000, p.30<br />

122


<strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> em várias patologias 358 . A pouco e pouco, a <strong>Medicina</strong><br />

<strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> tem tido um incremento <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ptos, especialmente aqueles que<br />

preten<strong>de</strong>m uma medicina mais próxima dos produtos naturais. Nos anos oitenta, trinta<br />

anos após o início <strong>da</strong> atenção <strong>da</strong>s medicinas tradicionais por instituições especiais, ou<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s pessoas foram a pouco e pouco <strong>de</strong>senvolvendo um sucesso ou uma<br />

comprovação do sucesso <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>. No início dos anos oitenta,<br />

foi criado outro instituto programa para as medicinas tradicionais, ao mesmo tempo os<br />

mistérios antigos <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong>, bem como <strong>da</strong>s suas ervas<br />

medicinais têm vindo a ser trazi<strong>da</strong>s à luz pela ciência mo<strong>de</strong>rna e pela tecnologia,<br />

revigorando a própria <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> também.<br />

A farmacologia, ou o sistema farmacológico chinês é, aparentemente, simples e prático,<br />

usando apenas elementos feitos <strong>de</strong> ervas naturais, minerais ou animais, sendo estes<br />

últimos progressivamente, pelo menos na sua introdução Oci<strong>de</strong>ntal, praticamente<br />

eliminados e substituídos por outros componentes. Doutra forma, há to<strong>da</strong> uma facção<br />

que vai opondo progressivamente, as medicinas biológicas e químicas <strong>de</strong>vido à própria<br />

industrialização.<br />

Se dissermos que o século XXI é a era <strong>da</strong> biologia e <strong>da</strong> tecnologia biológica, estamos<br />

certos que a <strong>Medicina</strong> <strong>Tradicional</strong> <strong>Chinesa</strong> e as suas drogas estarão incluí<strong>da</strong>s e trarão<br />

uma saú<strong>de</strong> a ca<strong>da</strong> vez maior número <strong>de</strong> pessoas durante esta nova era.<br />

358 Bannerman, R. H., (M.D.) – The World Health Organization Viewpoint on Acupuncture. World Health<br />

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