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Os ziguezagues do Dr. Capanema, de Maria Sylvia Porto Alegre

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leitor para o entendimento da escrita e <strong>de</strong>codificação<br />

<strong>do</strong> jogo <strong>de</strong> palavras, <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> neologismos e das<br />

referências factuais presentes no <strong>do</strong>cumento.<br />

É sob o pseudônimo <strong>de</strong> Manoel Francisco <strong>de</strong><br />

Carvalho, que <strong>Capanema</strong> disfarça em suas crônicas<br />

a crítica a inimigos, introduzin<strong>do</strong> referências negativas<br />

ao po<strong>de</strong>r e a personalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque. Embora<br />

chefe da seção geológica, encarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> exercer<br />

seu conhecimento nessa área restrita, o observa<strong>do</strong>r<br />

arguto refletia sobre assuntos <strong>de</strong> várias or<strong>de</strong>ns, fazen<strong>do</strong><br />

com que seu texto constituísse <strong>do</strong>cumento<br />

testemunhal <strong>de</strong> um momento relevante da história<br />

brasileira.<br />

O livro <strong>Os</strong> Ziguezagues <strong>do</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Capanema</strong>, ciência,<br />

cultura e política no século XIX está dividi<strong>do</strong><br />

em três capítulos. No primeiro, a autora apresenta<br />

uma pequena biografia <strong>do</strong> chefe da secção geológica,<br />

por meio da qual se observam aspectos da inovação<br />

tecnológica, úteis ao próprio <strong>de</strong>sempenho da Comissão.<br />

Algumas características <strong>do</strong> autor <strong>do</strong>s Ziguezagues<br />

são <strong>de</strong>stacadas, dan<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> a suas opções e<br />

curiosida<strong>de</strong>s científicas. De fato, <strong>Capanema</strong> cresceu<br />

em um ambiente favorável às letras e artes. Aos <strong>de</strong>zesseis<br />

anos, seguiu viagem para a Europa, <strong>de</strong>dican<strong>do</strong>-se,<br />

lá, aos estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> engenharia e mineralogia.<br />

Posteriormente, exerceu as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino e<br />

pesquisa incluin<strong>do</strong>, em suas habilitações, negócios<br />

particulares e missões oficiais. Viajou ao Ceará por<br />

três vezes: como membro da Comissão Científica <strong>de</strong><br />

Exploração; no momento da construção da estrada<br />

<strong>de</strong> ferro Baturité-Fortaleza; e, na condição <strong>de</strong> diretor<br />

da repartição <strong>do</strong>s Telégrafos, como encarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

estabelecer a comunicação entre Ceará e Maranhão.<br />

No segun<strong>do</strong> capítulo <strong>do</strong> livro, <strong>Sylvia</strong> <strong>Porto</strong><br />

<strong>Alegre</strong> contextualiza o <strong>do</strong>cumento <strong>de</strong> <strong>Capanema</strong>,<br />

visan<strong>do</strong> tornar o texto compreensivo ao leitor. Tratase,<br />

segun<strong>do</strong> a autora, <strong>de</strong> uma, entre as várias leituras<br />

possíveis, iluminada por da<strong>do</strong>s extraí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> arquivos,<br />

<strong>do</strong>cumentos, relatórios oficiais, correspondências,<br />

livros e folhetos. A recuperação <strong>de</strong> personagens<br />

e fatos da época oferece também pistas para se<br />

enten<strong>de</strong>r a relação entre a ativida<strong>de</strong> científica e as<br />

práticas culturais <strong>do</strong> Brasil, mediadas pela conexão<br />

entre corte e províncias.<br />

O estilo <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento <strong>de</strong> <strong>Capanema</strong> diz também<br />

da condição dupla <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r que, segun<strong>do</strong><br />

<strong>Sylvia</strong> <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong> “ora se coloca no lugar distancia<strong>do</strong><br />

e neutro <strong>do</strong> cientista, ora assume o engajamento<br />

político, conforme a assunto era trata<strong>do</strong>, o humor <strong>do</strong><br />

momento ou os interesses em jogo” (p.53). É essa variação<br />

que torna o texto polêmico fazen<strong>do</strong> com que<br />

as crônicas <strong>de</strong> <strong>Capanema</strong> sejam expressão das idéias<br />

e interditos da época <strong>de</strong> sua escrita.<br />

Após a contextualização da obra e da vida <strong>de</strong><br />

<strong>Capanema</strong>, o terceiro capítulo apresenta os escritos<br />

originais <strong>do</strong> geologista, incrementa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> notas explicativas<br />

sobre termos ortográficos utiliza<strong>do</strong>s na<br />

época.<br />

A <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> práticas culturais e políticas<br />

diversificadas, incluin<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s sobre a agricultura,<br />

comércio, religião, alimentação, flora e fauna, torna<br />

o texto <strong>de</strong> <strong>Capanema</strong> um acervo interessante para se<br />

pensar também sobre a vida social cearense no perío<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong>. Aí estão presentes observações<br />

sobre a política, a religião, as crenças e tu<strong>do</strong> aquilo<br />

que tornava a região visitada digna <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> e<br />

registro.<br />

Sobre as eleições, o autor <strong>de</strong>screve vários fatos<br />

pitorescos <strong>de</strong> compra <strong>de</strong> votos, refletin<strong>do</strong> sobre<br />

práticas locais e pessoais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, em contraponto à<br />

emergente estrutura legal, nesse momento impotente<br />

para fazer valer o exercício <strong>de</strong> normas e prescrições.<br />

Segun<strong>do</strong> suas palavras,<br />

(...) Nós já temos tão numerosos exemplos<br />

<strong>de</strong> eleições sangrentas, e mesmo assim a<br />

administração não sabe tomar medidas<br />

a<strong>de</strong>quadas a prevenir <strong>de</strong>sgraças,<br />

sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> ela tem aviso. É sina<br />

<strong>de</strong> quem arrota muita severida<strong>de</strong> e não<br />

tem energia, nem força moral suficiente<br />

para se fazer respeitar. Estão marcadas<br />

as eleições <strong>de</strong> Icó e Telha para 11 <strong>de</strong><br />

novembro. Para este último lugar vão o<br />

<strong>Dr</strong>. Chefe <strong>de</strong> polícia. Temos a convicção<br />

<strong>de</strong> que tu<strong>do</strong> se fará pacificamente, apesar<br />

<strong>do</strong>s ódios <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s pelos últimos<br />

assassinatos. Praza a Deus que estes<br />

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