13.06.2013 Views

Magno Moraes Mello

Magno Moraes Mello

Magno Moraes Mello

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O Tractado da perspectiva do<br />

jesuíta Inácio Vieira e sua relação com<br />

a pintura de falsa arquitectura<br />

Dr. <strong>Magno</strong> <strong>Moraes</strong> <strong>Mello</strong><br />

Universidade Federal de Minas Gerais<br />

O conhecimento da pintura de falsa arquitetura em Portugal durante a primeira<br />

metade do século XVIII concentra-se em duas frentes: a vinda de Vincenzo Bacherelli<br />

(1672-1745) 1 para Portugal em 1701 e o ensino da Matemática na “Aula da Esfera”<br />

através do jesuíta Inácio Vieira, autor de vários textos sobre óptica, perspectiva e<br />

cenografia. O estudo da pintura pers-péctica em Portugal durante esta fase inicia<br />

agora a sua investigação preocupando-se mais com a situação teórica. Neste momento<br />

um novo capítulo surge na historiografia em Portugal: a relação da história da<br />

ciência com a história da arte. Conhecendo a produção dos tratados escritos (manuscritos<br />

e impressos) entre os séculos XVI e XVIII, será possível explicar me-lhor não só<br />

o papel fundamental no núcleo intelectual da época, como também o conhecimento<br />

de uma verdadeira postura teórica que neste momento iniciava o seu processo. A<br />

grande reforma teórica dos textos sobre perspectiva em Portugal parece ter origem no<br />

ambiente Jesuí-ta: considerada ferramenta essencial, explicada e transformada em<br />

método prático na citada Aula da Esfera desde 1590 no Colégio de Santo Antão em<br />

Lisboa. No que diz respeito ao es-tudo das Matemáticas atinge um período de maior<br />

desenvoltura a partir de 1704 nas aulas lecionadas pelo Pe. Inácio Vieira.<br />

Grande parte dos textos sobre perspectiva escritos por jesuítas apresenta um<br />

caráter es-sencialmente prático. O Tractado da Prospectiva 2 escrito pelo jesuíta<br />

português Inácio Vieira (1678-1739) é emblemático do caráter eminentemente funcional<br />

destes escritos. No seu trata-do é visível a vontade de sistematizar todo este<br />

conhecimento, visto pelo próprio tratadista como pouco difundido em Portugal. O<br />

seu texto é de caráter prático e manual direcionando ao pintor-decorador. Não se<br />

pode negar que em Portugal os textos sobre perspectiva eram escas-sos dentro e<br />

fora do âmbito da Companhia de Jesus. Apesar das primeiras referências sobre a<br />

1 <strong>Magno</strong> <strong>Moraes</strong> <strong>Mello</strong>, Perspectiva Pictorum. As arquitecturas ilusórias nos tectos pintados<br />

em Portugal no século XVIII, (Tese de doutoramento em História de Arte apresentada a Universidade<br />

Nova de Lisboa, 2002).<br />

2 Manuscrito inédito encontrado por nós na BNL datado de 1715.


<strong>Magno</strong> <strong>Moraes</strong> Melo - 203<br />

representação perspéctica datarem do século XVI, 3 elas são pouco entendidas e por<br />

essa razão pouco aplicadas. Notamos a sua presença em textos específicos, mas<br />

apenas como referência a uma ciência fundamental e preciosa para os artistas e nunca<br />

como um sistema aplicativo. Deste modo, não havia a integração entre a difusão<br />

teórica por estes autores e a praxe pictóri-ca de atelier. Durante o século XVII, 4 salvaguardando<br />

algumas situações pontuais, a teoria perspéctica foi ao encontro da prática<br />

utilizada pelos diversos artistas. Pensamos que durante esta fase a grande maioria<br />

dos artistas não aplicavam as regras da perspectiva na representa-ção dos seus temas<br />

figurativos. Lembramos o domínio quase que completo do “brutesco,” onde a decoração<br />

geométrica não estava fundamentada em bases matemáticas precisas.<br />

Deste modo, é fundamental ver o desenvolvimento da perspectiva em Portugal<br />

como um “processo operativo” e não como simples aplicação de regras ou normas<br />

pré-estabelecidas da perspectiva linear. Assistiremos, assim, a evolução de uma<br />

concepção espacial fora dos padrões eruditos e não vinculados a uma utilização<br />

sistemática. A aplicação pura de tais dis-posições regulares implicaria ao pintor<br />

uma perfeita consciência teórica mínima. Assim, em Portugal o sistema perspéctico<br />

deve ser visto como uma praxe operativa e não aplicativa, pois esta operatividade<br />

é um procedimento sedimentado na estrutura do desenvolvimento cultural da pintura<br />

portuguesa da época. Apesar de reconhecermos alguns princípios teóricos no<br />

sécu-lo XVII, será somente na centúria seguinte que a perspectiva alcançará o centro<br />

das atenções, por parte dos artistas, na busca correta da aplicação da perspectiva<br />

linear em pinturas retabula-res e em formas decorativas de grandes dimensões<br />

como a pintura de tetos ou a cenografia teatral.<br />

O século XVIII aparecerá com uma nova postura e novas disposições práticas<br />

e teóri-cas em relação à representação perspectivada do espaço. Refiramos o manuscrito<br />

inédito de Domingos Vieira compilado em 1709 e intitulado Trattado Mathematico<br />

que contém a óptica especulativa e Prática ou Perspectiva. 5 Esta disciplina<br />

provoca um grande interesse no seio da Companhia de Jesus na intenção de<br />

melhor entender o universo da perspectiva. Isso se reflete quando deparamos com<br />

o inventário dos livros existentes na biblioteca do Colégio de Santo Antão em Lisboa,<br />

datado de 1744. Aqui, encontramos uma lista de livros a qual nos permite<br />

deduzir que disciplinas como: a matemática, a astronomia, a arquitetura e a cenogra-fia,<br />

eram amplamente estudadas e ensinadas neste colégio.<br />

3 Veja: Francisco de Holanda, Da Pintura Antiga, ms., 1548. Neste texto o tratadista valoriza<br />

a Perspectiva, mas apenas para a aceitação da pintura como Arte Liberal. As questões e os<br />

meios práticos para traçar a convergência das ortogonais e a proporção das transversais não<br />

despertaram o seu interesse. Todavia, menciona o escorço como (recusada) pintura monstruosa<br />

ou deformada, além de referir a perspectiva linear e a perspectiva aérea.<br />

4 Confira a obra de Filipe Nunes, Arte Poética, Simetria e Perspectiva, Lisboa, 1615 e um<br />

pouco mais tarde o texto de Luís Nunes Tinoco, O Elogio da Pintura (…), Lisboa, 1687.<br />

5 Tratado matemático que contém a Óptica especulativa e prática ou perspectiva, Domingos<br />

Vieira em 1709 e em 1744 pelo Capitão José Monteiro de Carvalho, BAM, (inédito).


204 - AtAs do IV Congresso InternACIonAl do BArroCo ÍBero-AmerICAno<br />

Ampliando a dinâmica do universo da perspectiva e de todas as suas possíveis<br />

influên-cias, podemos considerá-la uma ferramenta de integração entre culturas<br />

diversas como acon-teceu no Brasil colonial desde a terceira década do século<br />

XVIII, no México 6 e nas colônias portuguesas do Oriente. 7 A obra que marca o<br />

centro desta intermediação foi o tratado de pers-pectiva do jesuíta Andrea Pozzo 8<br />

(1642-1709). Deste tratado encontramos três traduções ma-nuscritas em português.<br />

A mais antiga datada de 1768, realizada a pedido do frei José de San-to António<br />

Ferreira Vilaça 9 e contém a tradução dos dois volumes apresentando, porém, duas<br />

caligrafias diversas. A segunda data de 1732 sendo que o primeiro tomo foi traduzido<br />

pelo padre João Saraiva, o segundo por José de Figueiredo Seixas.<br />

Neste momento a nossa atenção volta-se para a pintura de falsa arquitetura<br />

como uma “forma decorativa” específica em Portugal. Em função dos nossos conhecimentos<br />

atuais po-demos dizer que o primeiro português a fazer esta ligação<br />

entre teoria e prática perspéctica foi o jesuíta Inácio Vieira, professor de matemática<br />

no Colégio de Santo Antão de Lisboa. No caso português, a experiência da<br />

perspectiva chegaria primeiro, em relação aos seus funda-mentos teóricos. A atuação<br />

deste jesuíta consistiu em desenvolver um programa teórico até então inédito<br />

no país, colocando definitivamente a praxe perspéctica associada à especulação<br />

teórica. Não se pode esquecer que este jesuíta no seu tratado cita o florentino Bacherelli<br />

três vezes e elogia a sua decoração no teto da portaria do Mosteiro de São<br />

Vicente de Fora em Lisboa, datada e assinada em 1710. De uma enorme erudição,<br />

Inácio Vieira é autor de cinco textos científicos (astronomia, óptica, hidrografia,<br />

pirotécnica, catóptrica e dióptrica), para além das teses que orientou no Colégio de<br />

Santo Antão sobre perspectiva e cenografia.<br />

Antes de comentarmos o citado tratado de perspectiva, refere-se apenas o seu<br />

texto so-bre Óptica, escrito no Colégio de Santo Antão, datado de 1714 e que está<br />

dividido em três grandes partes, sendo as suas principais fontes os teóricos Maurolico,<br />

Vitellio, Aguilonio e Dechales. No que se refere ao tratado de Perspectiva, este<br />

deve ser considerado o primeiro texto que estabelece um contacto direto com esta<br />

matéria. Foi também compilado no âmbito da Companhia de Jesus, em 1715. Neste<br />

texto nota-se que o autor conheceu e entendeu bem o funcionamento da perspectiva<br />

em termos teóricos e práticos, pois numa das passagens cita algumas cenografias<br />

que ele próprio realizou.<br />

6 Clara Bargellini, “Cristóbal de Villalpando at the Cathedral of Puebla”, in Struggle for Synthesis<br />

– A Obra de Arte Total nos séculos XVII e XVIII, Lisboa, IPPAR, 1999, pp. 129-136.<br />

7 Elizabetta Corsi, Insegnare la prospettiva lineare in Cina. Trattati europei di prospettiva<br />

nella Biblioteca gesuita di Bei Tang, Archives Internacionales D’Historie Des Sciences,n.º<br />

148, vol. 52/2002, pp. 122-146.<br />

8 Andrea Pozzo, Perspectiva Pictorum et Architectorum, Roma, 1693/1700.<br />

9 <strong>Magno</strong> <strong>Moraes</strong> <strong>Mello</strong>, “COD. 4414: um manuscrito na BNL do Perspectiva Pictorum et<br />

Architectorum de Andrea Pozzo S.J. traduzido para o português em 1768 para Fr. José de<br />

Santo António Ferreira Vilaça”, Leituras: Revista da Biblioteca Nacional de Lisboa, S. 3, n.ºs<br />

9-10, Out. 2001-Out. 2002, pp. 389-397.


<strong>Magno</strong> <strong>Moraes</strong> Melo - 205<br />

A estrutura deste tratado apresenta inicialmente uma introdução sobre a matéria;<br />

uma “digressão oportuna da arquitetura civil” e por último algumas questões sobre<br />

perspectiva em planos inclinados, tetos, abóbadas, cenografia e instrumentos: o pantógrafo.<br />

O texto conta também com uma série de desenhos do autor referidos com o<br />

texto. As suas principais fontes em relação à parte da arquitetura civil são: Vitruvio,<br />

Daniele Barbaro, 10 Scamozzi, Vignola, 11 Frei Lourenço de São Nicolau, Sebastiano<br />

Serlio, Pietro Cataneo, 12 Milliet Dechales, 13 Palla-dio, Cornelio Agrippa e Zahan. 14<br />

Vieira ao tratar da projeção dos planos horizontais e inclina-dos, para além das coberturas<br />

abobadas e as diversas questões da cenografia cita quase sempre Pozzo e<br />

Dechales. Vincenzo Bacherelli aparece citado não como teórico, mas como pintordecorador,<br />

responsável pela representação pictórica de uma nova arquitetura, pelo<br />

efeito de luz e atmosfera inundada no centro figurativo do teto. O mesmo florentino<br />

é ainda citado co-mo cenógrafo, referindo algumas das notas provavelmente deixadas<br />

em poder do jesuíta por-tuguês. Esta referência de Viera ao trabalho de preparação<br />

cenográfica de Bacherelli constitui um dado inédito. Podemos supor que havia<br />

uma estreita relação entre o mestre pintor e o teó-rico jesuíta. Isso nos leva a pensar<br />

que as relações com o Colégio de Santo Antão eram muito mais freqüentes do que<br />

hoje se possa imaginar. Com este novo interesse pela perspectiva a partir da obra de<br />

Vieira, a cultura científica dos jesuítas sofre uma alteração, ou melhor, agora o interesse<br />

voltava-se claramente para a pintura.<br />

Inácio Vieira conhecia bem a obra de Andrea Pozzo e deve ter tido contacto<br />

com este texto ainda na 1.ª década do século XVIII. Isso mostra que a tratadística<br />

pozziana entra em Portugal mais cedo do que se pensava. Entre Vieira e Bacherelli,<br />

notamos algumas semelhan-ças fundamentais. Ambos formaram-se em ambientes<br />

onde o conhecimento da perspectiva era importante e a esfera dos colégios<br />

jesuítas é um elo de ligação entre eles. Se, por um lado, Bacherelli trouxe a práxis<br />

e a aplicação da perspectiva na difusão da quadratura em Portugal, por outro lado<br />

Inácio Vieira foi o responsável pela teorização de toda esta novidade transfor-mando-a<br />

em método facilitado.<br />

Em linhas gerais o nosso objetivo é, em primeiro lugar estabelecer o papel da<br />

perspec-tiva na difusão do seu próprio conhecimento; numa segunda proposta tenciona-se<br />

saber qual a sua função nas obras pictóricas patrocinadas no âmago da<br />

côrte portuguesa. Sabemos que a perspectiva foi inserida no curriculum jesuíta<br />

juntamente com outras disciplinas matemáticas já desde as últimas décadas do<br />

10 Daniel Barbaro, (1513-1570), La pratica della prospettiva di Monsignor Daniel Barbaro<br />

(...), Veneza, 1568.<br />

11 Jacopo Barozzi Vignola, Le due regole della prospettiva pratica di M. Iacomo Barozzi da<br />

Vignola con i commentarj del R.P.M. Egnatio Danti, Roma, 1583.<br />

12 Pieetro Cataneo, (? – 1569/87), L’architettura di Pitro Cataneo senese (...), Veneza, 1567.<br />

13 Claudio Milliet-Dechales S.J., (1621-1678), Optica perspectiva su radio directo; catoptrica;<br />

dioptrica, in Cursus seu Mundus mathematicus, Lion, 1674, em três volumes.<br />

14 Johann Zahan, (? – 1665), Oculus Artificialis Teledioptricus, 1685. Analisa e descreve todo o<br />

funcionamento da câmara escura.


206 - AtAs do IV Congresso InternACIonAl do BArroCo ÍBero-AmerICAno<br />

século XVI. 15 Durante este período a perspectiva era ensinada juntamente com a<br />

óptica e inserida na tradição medieval considerada ainda como “ciência da visão”,<br />

não podendo ser confundida com a perspectiva linear conhecida também por artificia-lis.<br />

No contexto da perspectiva medieval destacamos os estudos Vitellio<br />

(1230-1275), 16 pois reúne os conhecimentos ópticos do século XII. Suas investigações<br />

abrangem desde a óptica até as questões relacionadas com a fisiologia e psicologia<br />

da visão.<br />

Como bem demonstrou David Lindeberg 17 existe uma continuidade entre a especula-ção<br />

teórica da óptica medieval desta época e o desenvolvimento da perspectiva<br />

artificialis, inaugurada no Renascimento. Recordamos que inicialmente a perspectiva<br />

era uma ciência mista que convivia com os princípios da filosofia natural podendo<br />

também ser estudada medi-ante o recurso à linguagem matemática.<br />

Os primeiros tratados como o de Alberti (1404-1472) 18 e o de Piero della Francesca<br />

(1418-1492) 19 procuraram redefinir a perspectiva como domínio dos pintores.<br />

Já no século XVI assiste-se à progressiva matematização da perspectiva concretizada<br />

a partir do século XVII, o que acarretará um distanciamento entre prática<br />

pictórica e teoria perspéctica. Conse-quentemente, assistir-se-á um maior interesse<br />

em relação aos textos medievais referentes a esta matéria. É o momento em que as<br />

questões referentes às funções dos sentidos tornam-se importantes. O que significa<br />

tornar qualquer imagem numa expressiva prática espiritual, ou seja, compreendê-la<br />

intelectualmente. Não seria por este motivo que os jesuítas se interessa-ram tanto<br />

pela representação perspéctica do espaço? Ora, mesmo após o desenvolvimento da<br />

perspectiva linear os textos sobre perspectiva communis com as suas implicações<br />

teológicas continuaram a ser usados nos colégios jesuítas. Continuando a investigar<br />

o tratado português, percebe-se constantes citações a autores responsáveis pelo estudo<br />

da perspectiva medieval, como por exemplo, Aguilonius 20 e Kircher. 21 Noutras<br />

vezes e afrontando a perspectiva como uma disciplina independente, utiliza os<br />

conhecimentos de Pozzo, 22 Scheiner 23 e do francês Milliet Dechales.<br />

15 Ugo Baldini, “L’insegnamento della Matematica nel Collegio di Santo Antão a Lisbona,<br />

1590-1640”, in A Com-paia de Jesus e a Missionação no Oriente, Lisboa, 2000, pp. 274-310.<br />

16 Witelo (1220-1300/40). Depois do tratado de Peckham este é o texto mais difuso durante<br />

a Idade Média, com grande débito ao tratado do árabe Alhazen.<br />

17 Teórico americano que estuda a óptica medieval e renascentista. Analisa o tratado de<br />

Estuda o tratado de Alha-zen e as origens da óptica no Ocidente.<br />

18 Leon Battista Alberti, Della Pictura, manuscrito de 1435/6, mas só publicado em 1540.<br />

19 Obra compilada entre 1472 e 1475, mas só publicada somente em 1841.<br />

20 Francesco Aguilonius (1556-1617), Opticarum Libri VI, Philosophis inxta ac Mathematicis<br />

utilis, 1612. Jesuíta belga que estudou essencialmente as questões relacionadas com a visão.<br />

21 Athanasio Kircher S.J. (1602-1680), Ars Magna Lucis et Umbrae in decem Libros digesta,<br />

Roma, 1646.<br />

22 Andrea Pozzo, Perspectiva Pictorum et Architectorum, Roma, tomos, 1693/1700.<br />

23 Trata-se do padre jesuíta alemão, activo largamente em Itália, Christophe Scheiner S.J.<br />

(1575/79-1650), Panto-grafice, seu ars delineandi res quaslibet per parallelogrammum lineare<br />

seu cavum (...), Roma, 1631.


<strong>Magno</strong> <strong>Moraes</strong> Melo - 207<br />

Inácio Vieira em seu tratado cita Aguilonio, Pozzo, Dechales, Scheiner, Tacquet 24<br />

e Daniele Barbaro. Ora dispõe da perspectiva de modo independente e ora apenas<br />

como ciência da visão. É possível pensar que Vieira usasse o texto de Dechales para<br />

salientar uma postura teológica e o de Andrea Pozzo para interpretar a perspectiva<br />

autonomamente? Quando esta assume uma estreita relação com a pintura e com a<br />

cenografia, os ensinamentos de Andrea Pozzo são a melhor opção; pelo contrário, nos<br />

textos de Milliet Dechales, a perspectiva apro-xima-se mais da geometria.<br />

O nosso tratadista de Santo Antão também não cita a obra do oratoriano de<br />

Valência, Vicente Tosca, 25 que publica o seu Compendio Mathematico entre os<br />

anos de 1707 e 1715, composto por nove tomos e muito dependente do texto de<br />

Dechales. No tomo VI Tosca apre-senta estudos sobre a óptica, a perspectiva, a<br />

catóptrica e a dióptrica. Uma estrutura que tam-bém se repetirá em Vieira. Percebe-se<br />

claramente o caráter prático dos textos jesuítas, entre-tanto, não podem ser<br />

considerados uma prerrogativa exclusiva desta ordem.<br />

Recorde-se que o texto pozziano é considerado o auge da clareza didática,<br />

acentuando ainda o seu caráter pragmático e experimental. A preocupação jesuíta<br />

com a arte não é apenas voltada para a perspectiva ou para as construções de cenografias<br />

teatrais, mas insere-se tam-bém no sentido acústico de todo o ambiente<br />

arquitetônico, pois a música terá um papel fulcral na liturgia jesuíta. Estas observações<br />

apontam claramente o espírito prático da Companhia de Jesus desde os seus<br />

primórdios. Para além disso, a funcionalidade do seu espaço interno dos templos<br />

constitui-se um caráter de unidade operativa e um pragmatismo em relação à decora-ção<br />

pictórica, como ainda na disposição da máquina retabular. Ora, estes<br />

aspectos reflectem-se nos textos perspécticos com um duplo sentido, como bem<br />

demonstrou Elizabetta Corsi. 26 Trata-se da execução e do exercício de uma atividade,<br />

mas ainda a realização do que é útil e o que deve conduzir ao bem moral.<br />

Lembre-se que Loyola falava em “aplicação dos sentidos” indo de encontro à<br />

compo-sição de lugar, isto é: a técnica usada para colocar-se numa cena bíblica.<br />

Os Exercícios Espiri-tuais podem ser definidos como uma maneira de examinar a<br />

consciência, de meditar, de con-templar e de oração vocal e mental. As representações<br />

pictóricas associadas ao realismo da decoração perspectivada constituíam<br />

talvez o veículo e a ferramenta necessárias para alcançar um maior sentido de reflexão<br />

espiritual. Para além da imaginação, o envolvimento externo à realidade<br />

espiritual era fundamental.<br />

A Igreja Católica assume a pregação como ponto central de comunicação<br />

entre o fiel e o contexto divino. O aspecto visual não será ignorado e certas representações<br />

pictóricas serão desenvolvidas até ao extremo, pois as cenas religiosas<br />

24 André Tacquet (1612-1660). Jesuíta belga que analisa em geral algumas questões relativas<br />

à projecção e pers-péctica e os efeitos da anamorfose.<br />

25 José Maria Lopes Piñeiro e Victor Navarro Brotons, “História de la Ciència al país València, Edi-<br />

cions Alfons el Magnànim, 1995.<br />

26 Elizabetta Corsi, op. cit.


208 - AtAs do IV Congresso InternACIonAl do BArroCo ÍBero-AmerICAno<br />

comunicadas com tal realismo torna-ram-se potentes e mais eficazes do que qualquer<br />

sermão. As imagens transformam o que é conhecível no imediatamente fácil:<br />

a imagem como discurso. Contudo, esta relação ou este encontro da imagem com<br />

a palavra não surge de modo inédito no século XVII. Se voltarmos a nossa atenção<br />

ao período medieval encontramos o texto do monge franciscano Roger Bacon<br />

(1214/15-1294?) 27 a chamar a atenção para o papel da imagem enquanto instrumento<br />

útil à conversão dos fiéis. Lembre-se que durante a Idade Média refletia-se<br />

muito sobre a dinâmica da visão e sobre as suas implicações teológicas.<br />

Estas especulações tiveram um grande impulso no período seiscentista, acentuando<br />

a importância das imagens espirituais que falam explicitamente para a mente. Algumas<br />

destas imagens apresentam um conteúdo frontal e tornaram-se imediatamente<br />

perceptíveis: um pro-fundo significado moral e didático. A educação pictórica é tratada<br />

como um instrumento li-túrgico: é melhor captada num sentido mais amplo, pois no<br />

momento do Evangelho deve-se incluir não só palavras e textos, mas tomar como parte<br />

integrante deste momento todo o am-biente onde há lugar o rito religioso: a composição<br />

pictórica, a máquina retabular, os azulejos, a talha e toda esta articulação do espaço<br />

não esquecendo a música.<br />

Em linhas gerais os Exercícios Espirituais são um meio indispensável para colocar<br />

o noviciado no caminho da santidade. O ponto importante da filosofia jesuíta<br />

concentra-se no Princípio e Fundamento onde a “regra do tanto quanto” sintetiza<br />

toda a relação entre o homem e o universo a sua volta. O exemplo mais característico<br />

deste sistema em Portugal é a decora-ção do teto da nave do ex-Colégio Jesuíta<br />

em Santarém, numa decoração pictórica de oito quadros recolocados com cenas<br />

do Antigo Testamento e um painel central representando a Imaculada Conceição.<br />

Repare-se na sua grande força decorativa e persuasiva, como ainda no modo narrativo<br />

como todos estes quadros estão representados. Nota-se que tudo está envolvi-do<br />

por esta idéia educativa a partir da contemplação da superfície pictórica, como se<br />

fosse um grande livro aberto para o ensino, a procura nas histórias o sentido da composição<br />

de lugar. Ora, não teria este teto a função de criar um espaço imaginário<br />

onde o iniciado (ou o próprio crente e fiel) se tornava um espectador diretamente<br />

envolvido em todo aquele universo místi-co, podendo adaptá-lo às suas meditações<br />

e procurar encontrar a adoração de Deus pela rela-ção ordenada do homem e das<br />

coisas. Marc Fumaroli já falava de uma retórica da imagem e válida para toda a<br />

Europa do século XVII e para algumas zonas periféricas do século XVIII, como é o<br />

caso de Portugal e da América Portuguesa e Espanhola. Ora, tudo isso faz-nos perceber<br />

que a perspectiva pode e deve ser vista como uma intensa metáfora. Uma<br />

representação do espaço segundo as normas matemáticas e geométricas, materializando<br />

o discurso litúrgico e tornando-o de fácil visualização.<br />

Vincenzo Bacherelli delle Ruote nasce a 2 de Junho de 1672. Viveu em Florença,<br />

mas sua formação é (...) quindi é, assai confuse notizie nel dover ragionare di Vincenzio<br />

27 Filósofo franciscano inglês que reúne os seus escritos no De Scientia perspectiva (Opus<br />

Majus) em 1266, mas somente publicada em 1614.


<strong>Magno</strong> <strong>Moraes</strong> Melo - 209<br />

Bacherel-li, altro fare non potremo, che comunicare al publico quel poco di vero. 28<br />

Não teve a fama dos quadraturistas coetâneo à sua época, no entanto, foi o responsável<br />

pela difusão do “mode-lo florentino” na decoração dos tetos. O seu modo de compor<br />

arquiteturas pintadas chegou até Livorno e rapidamente a Lisboa, onde permaneceu<br />

durante duas décadas, inovando nos for-mulários da decoração pictórica em todo o<br />

país desde 1701 até 1721.<br />

Sabe-se muito pouco da história deste artista e menos ainda das obras que terá<br />

execu-tado em Florença ou em Livorno e praticamente desconhecido para a historiografia<br />

de arte italiana. A sua formação ocorreu nas últimas décadas do século<br />

XVII, vindo de um período de grande transformação em Florença, subordinado ao<br />

desenvolvimento já anunciado com a pre-sença de Jacopo Chiavistelli. O universo<br />

pictórico contemporâneo a Bacherelli permitiu-lhe aprender as melhores obras<br />

produzidas, seguindo mestres de grande relevo como os imponen-tes ciclos decorativos<br />

do Palácio Pitti, atingindo a época desde Pietro da Cortona, passando por<br />

Giovanni da San Giovanni e Chiavistelli, até às decorações quadraturistas de Angelo<br />

Mi-chele Colonna. Era o mesmo universo do figurista Sebastiano Galeotti (1676-<br />

1741) e do qua-draturista Francesco Natali. Acreditamos que estas influências estiveram<br />

presentes na forma-ção de Vincenzo Bacherelli, que, por questões intrínsecas<br />

à sua própria formação, se tornou mais um quadraturista do que um figurista. Em<br />

relação a esta especialidade Gaburri, o descre-ve como fiorentino pittore di architettura<br />

e di prospettiva a fresco e a tempera. 29<br />

Entretanto, inscreve-se na oficina Antonio Domenico Gabbiani (1652-1726); no<br />

entan-to e reconhecendo em Alessandro Gherardini (1655-1726), facto confirmado<br />

por Marrini: (...) e già per quanto tempo applicato allo studio della pittura nella scuola<br />

del celebre professore Anton Dominico Gabbiani; ma sentendose poscia interiormente<br />

incitato a seguire la maniera d’Alessandro Gherardini, terminò d’entrare nel<br />

numero de’suoi scolari, che grande fosse il profito di questo giovanne, e non ordinaria<br />

la sua abilità (...). 30<br />

Até ao presente momento não se encontra identificada nenhuma obra em que<br />

ele tenha colaborado com Alessandro Gherardini ou com outro qualquer figurista.<br />

Contudo, o mesmo Marrini nos diz que, como a capacidade e a habilidade de Bacherelli<br />

superavam a média, Ghe-rardini o levou até Livorno para o ajudar em obras que<br />

se realizariam naquela cidade: che grande fosse il profito di questo giovanne, e non<br />

ordinaria la sua abilità se dedure dall’verlo il Gherardini condoto a Livorno, perchè<br />

gli servisse d’aiuto ne’vari lavori, che gli furon commessi. 31 Nas obras dos historiadores<br />

do passado que trataram de compor uma história da arte italiana com a presença<br />

28 Orazio Marrini, Série di Ritratti di Celebri Pittori Dipinti di Propria Mano in Seguito a<br />

Quella già nel Museo Fiorentino Esistente Appresso l’Abate Antonio Pazzi, Firenze, 1764.<br />

29 Francesco Maria Gaburri, Vite di Pittori, 1740-1741, Ms. Biblioteca Nacional de Florença,<br />

Ms. EB. 95, fls. 160 e 160v, Tomo VI, fl. 2420 v.<br />

30 Orazio Marrini, Série di Ritratti di Celebri Pittori Dipinti di Propria Mano in Seguito a Quella<br />

Già nel Museo Fiorentino esistente Appresso l’Abate Antonio Pazzi, Firenze, 1764, p. 41.<br />

31 Idem. ibidem. p. 41.


210 - AtAs do IV Congresso InternACIonAl do BArroCo ÍBero-AmerICAno<br />

de artistas pouco conhecidos, como foi o caso de Lanzi 32 em 1809 ou de Marangoni 33<br />

em 1912, Vincenzo Bacherelli aparece apenas citado, confrontando a sua presença<br />

no panorama da arte barroca florentina do fim do século XVII e no primeiro quartel<br />

do século XVIII. Pode ainda encontrar-se outra referência a Bacherelli no dicionário<br />

alemão Thieme-F. Becher 34 ou ainda em K. Georg em 1835, este último citando Bacherelli<br />

como pin-tor de história. 35<br />

Portugal no fim do século XVII caracterizou uma veemente mudança cultural.<br />

Esta nova mentalidade foi crucial para o notável desenvolvimento que a pintura barroca<br />

iria atra-vessar durante todo o século XVIII. Naturalmente, este momento marcaria,<br />

também, um novo trajeto morfológico da pintura decorativa, transformando<br />

todo o cenário da pintura de corte em Lisboa. A primeira grande ruptura é visível na<br />

representação do infinito que encontra grande espaço nos tetos dos edifícios religiosos<br />

e dos Palácios mais significativos de todo o país. Portugal tem neste momento o<br />

contacto direto com a pintura quadraturista e a possibili-dade de representar no interior<br />

dos edifícios uma nova espacialidade dando uma maior dinâ-mica à estrutura<br />

arquitetônica dos edifícios. Este modo de ampliar os espaços interiores de qualquer<br />

edifício através da representação pictórica tinha, em Portugal, pouca ou nenhuma<br />

tradição. Entretanto, importa referir os primeiros exercícios perspécticos ainda no fim<br />

do sé-culo XVI. Esta nova postura formal irá modificar a composição estética de toda<br />

a pintura se-tecentista portuguesa, desde os grandes painéis retabulares até a decoração<br />

em tetos nos mais variados tipos de suporte.<br />

É neste momento que surge Vincenzo Bacherelli com uma dupla empreitada:<br />

trans-formar tecnicamente a decoração interna dos edifícios, inaugurando um<br />

formulário de pintura que não tinha precedentes no país, e instituir a criação de<br />

uma nova geração de pintores qua-draturistas associados ao seu modelo. A sua<br />

presença em Lisboa é pouco documentada e por isso nem todas as questões ficam<br />

esclarecidas. O conjunto de obras pertencente a Bacherelli em Portugal é um<br />

assunto pouco desvendado. Apesar de quase nada ter remanescido do gran-de<br />

número de obras que aqui realizou, foram ao mesmo tempo suficientes para permitir<br />

a cri-ação de dois momentos na estrutura morfológica da pintura decorativa<br />

em Portugal. Um pri-meiro ciclo que coincide com a sua permanência e diretamente<br />

derivado dos seus formulários; e um segundo após o seu regresso definitivo<br />

a Itália. Pode dizer-se que este último instante se converteria num processo de assimilação<br />

das capacidades técnicas de realização das quadratu-ras, agora adaptadas<br />

às necessidades práticas da retórica e da persuasão visual. Para um me-lhor<br />

conhecimento da influência sofrida em Portugal do universo plástico baquereliano,<br />

é pos-sível identificar três momentos distintos.<br />

32 L. Lanzi, Storia Pittorica della Italia, Bassano, 1809, p. 282.<br />

33 Matteo Morangoni, “La Pittura Fiorentina del Settecento”, in Rivista d’Arte, vol. VIII, 1912,<br />

p. 94 (e não 91 como vem citado no Dicionário Biográfico dos Italianos).<br />

34 U. Thieme-F. Becher, KunstlerLexikon, vol. II, p. 304. Nesta obra afirma-se a dependência<br />

formal com Cortona, as lições com Gabbiani e Gherardini.<br />

35 George K. Nagler, Neues Allgemeines Kunstlerlexikon, BD. I, 1835, p. 198.


<strong>Magno</strong> <strong>Moraes</strong> Melo - 211<br />

A primeira intervenção de Vincenzo Bacherelli em Portugal está documentada<br />

na igre-ja do Loreto, quando trata com Vicente Bacherelli que pintava a fresco o<br />

Coro, e os Arcos de baixo em preço de 225$000 como costa da sua obrigação<br />

passada em 6 de Junho de 1702. 36 Bacherelli vem referido novamente quando do<br />

casamento de D. João V com D. Maria Ana de Áustria, em 1708. No tratado do Pe.<br />

Inácio Vieira diz-se que, coiza que nunca se tinha uisto em Portugal, nem ainda na<br />

tragedia que fez este mesmo Colegio a Felippe Rey de Castella quando ueio a este<br />

Reino, o qual não foi de luzes furtadas, nem de mudanças teatro como esta Em esta<br />

forma dispozemos estas senas, e este teatro, tirado em parte do irmão Posso, quanto<br />

ao principio e depois conforme algumas notas que nos tinha deixado Vicente<br />

Bacarel-le, que primeiro quis tomar a obra por sua conta, mas por razaõ do preço<br />

a tomou hu D. Jo-zeph de naçaõ Alemam que tinha uindo com a Senhora Rainha,<br />

o qual trouxe consigo hu Jta-liano chamado D. Agostinho que finalmente a acabou<br />

de pintura, de que tinha mais noticia do que o D. Jozeph. 37 Mais adiante explica,<br />

Vicente Baccarelle quando ao principio tratou des-ta obra insinuou que a mudança<br />

destas senas se poderia fazer por pezos, e contrapezos (...), Não conseguimos apurar<br />

quem seria este pintor italiano Agostino, vindo com um ale-mão José. Entretanto,<br />

pode concluir-se que antes de Outubro de 1708, data das festividades do casamento<br />

em Lisboa, Bacherelli trabalharia para os jesuítas na preparação dos cenários<br />

da peça Tergemina Austriacae Aquilae Corona, da autoria de Manuel Ferreira representado<br />

na igreja do Colégio de Santo Antão. 38<br />

De todas as obras relacionadas com Bacherelli, a decoração do teto da portaria<br />

do Mosteiro de São Vicente de Fora, assinada e datada de 1710, é o exemplo<br />

mais notável da pintura de quadratura diretamente descendente dos formulários florentinos<br />

introduzidos em Lisboa. Logo a seguir, em 1713 Bacherelli é novamente<br />

mencionado quando, no Paço fizerão comedias todos os dias Santos, e m.tos feriados,<br />

duas m.to luzidas aos anos do Sr. Infante D. Manuel em caza do Snr. Conde<br />

de S. Vicente, theatro de bastidores pintado por Bacarelli, huma loa do Conde da<br />

Ericeira, muzica de D. Jayme, merendas mui abundantes a fidalgos, e a Snr.as. 39<br />

Segundo o seu biógrafo mais antigo, (Orazio Marrini) Bacherelli ove giunto<br />

alla corte di Lisbona, fu presentato da’ medesi a quel Monarca, il quale benignamente<br />

l’accolse e subi-to gli ordinò una tavola per la chiesa di Sant’Jacopo di Galizia.<br />

Essendo questo suo primo lavoro riuscito d’universale soddisfazione, dove’ il<br />

Bacherelli atendere ad adornare il Duo-mo, e la chiesa di’ Padre Olivetani. 40 A<br />

36 Arquivo da igreja do Loreto, Livro de Receita e Despeza, série 1ª, Livro 37ª, fol. 23 (inédito),<br />

e sobre o pa-gamento da construção dos andaimes para esta obra ver: De 1701 a 1703,<br />

contas do escrivão e tesoureiro Senhor Jacome Felippe Ravara e recibos dos RR.PP. N.º 36,<br />

(inéditos).<br />

37 Inácio Vieira S.J., Tractado de Prospectiva, ms. 1715, fol. 321, BNL, (inédito).<br />

38 Claude-Henri Fréches, Les Théatre Neo-Latin au Portugal (1550-1745), Lisboa, 1964, p. 518: a<br />

peça em latim, foi publicada em 1709.<br />

39 BNL, Compendio de Novas da Europa, desde 1 de Abril de 1713, Caixa 2, fol. 12 v: Ayres<br />

de Carvalho, op. cit. p. 211.<br />

40 Orazio Marrini, Serie di Ritratti di Celebre Pittori Dipinti di Propria Mano in Seguito a


212 - AtAs do IV Congresso InternACIonAl do BArroCo ÍBero-AmerICAno<br />

mesma fonte acrescenta outras obras que fizeram parte do repertório de Vincenzo<br />

Bacherelli em Lisboa, reconhecendo-o na sua especialidade de quadraturista activo<br />

e com larga produção: ed a condure altresì moltissime opere, per compiacere le<br />

premurose brane di quei personaggi, i quali nello spazio d’anni undici, che ivi fece<br />

onorato soggiorno, l’impiegarono ancora ne’ lavori d’architettura. 41 Infelizmente<br />

estas obras já não existem.<br />

Retomando o fato de ser também figurista, Marrini nos conta que, (...) dopo il<br />

qual lu-croso profitto avendo risoluto di far ritorno alla patria, s’applicò ivi solamente<br />

a terminare qualche ritratto, o alcuna immagine devota per proprio divertimento.<br />

42 Por fim, Vincenzo Bacherelli vem citado em dicionários biográficos portugueses<br />

dos séculos XIX e XX, mas sem novidade. 43 Nas atribuições, pode-se<br />

referir em primeiro lugar a pequena nota do manus-crito de Cirilo que não vem<br />

referida na publicação de 1823. Como diz o autor, pintou admira-velmente as<br />

perspectivas em tectos, e entre os quais fez em Lisboa se admiravão os da casa de<br />

Tavora no Campo Pequeno a fresco, pela sciencia com q’ as superficies eram desmancha-das.<br />

44 Referia-se, sem dúvida, ao Palácio Galveias, onde já nada existe.<br />

Noutro manuscrito desta vez assinado por Taborda e fruto de algumas reflexões<br />

que não aparecem na publicação de 1815, fornece informações a respeito de outra<br />

obra perdida de Bacherelli. Trata-se de um teto pintado no Palácio dos Condes de<br />

Povolide em Lisboa: um teto na Sala chamada da Câmara. 45<br />

A obra do padre João Baptista de Castro atribui a Bacherelli a pintura do teto do<br />

Con-vento de São Francisco da Cidade de Lisboa, incendiado duas vezes, isto é, em<br />

1707 e em 1741. O mesmo autor descreve o estado do convento após o Terremoto<br />

de 1755 e como as obras estavam adiantadas para a sua recuperação com o apoio de<br />

D. José I que, desta sorte se hia restabelecendo hum dos mayores edificios sagrados,<br />

que tinha Lisboa. (...) era o seu Coro muito alegre, espaçoso, e nobilissimo, e tinha o<br />

tecto de abobeda pintado de excellente archi-tectura pelo famoso Baccarelli. (...) porém<br />

o formidável terremoto destruio, e abateo total-mente o Coro, igreja, Capela mór.<br />

Quella già Publicata nel Museo Fiorentino Esistente Appresso l’Abate Antonio Pazzi, Firenze,<br />

1764, I, II, p. 41.<br />

41 Orazio Marrini, op. cit. p. 41.<br />

42 Francesco Maria Niccolò Gabburri, Vincenzio Bacherelli, Ms., EB – 95, fol. 160-160 v,<br />

Tomo VI, fol. 2420 v, BNF. Vale a pena citar F. Borroni Salvadori, “Francesco Maria Niccolò<br />

Gabburi e gli artisti contemporanei”, in Annali della Scuola Superiore di Pisa, IV, 1974, p.<br />

1534: “a Firenze nel 1740 lavorano alacremente pittori come Vincenzo Bacherelli.”<br />

43 Stefano Ticozzi, Dizionario dei Pittore dal Rinuovamento delle Belle Arte Fino al 1800,<br />

vol. I, 1918, p. 279; George K. Nagler, Nenes Allegemeines Kunstlerlexikon, BD., I, 1835, p.<br />

198; Filippo De Boni, Bibliografia degli Artisti, 1840, p. 78; Andrea Corna, Dizionario della<br />

Storia dell’Arte in Italia, vol. I, 1930, p. 64.<br />

44 Ms. Cirilo Volkmar Machado, actualmente no Arquivo Robert Smith, fundo Reis Santos,<br />

caixa 173 A, (inédito).<br />

45 José da Cunha Taborda, Ms. Igrejas - Conventos – Cazas – Quintas em Lisboa e em alguns<br />

subúrbios que conservão Pinturas e outros objectos dígnos de Atenção, conservado no Aquivo<br />

Robert Smith, (fundo Reis San-tos, caixa nº. 173 B).


<strong>Magno</strong> <strong>Moraes</strong> Melo - 213<br />

Ora, a pintura executada por Bacherelli terá sido realizada após a recuperação do convento<br />

franciscano, depois do primeiro incêndio ocorrido em 1707. 46<br />

Outras obras pouco estudadas, mas pertencente ao período baquereliano são<br />

os dois te-tos do antigo Palácio dos Condes de Alvor, atualmente Museu Nacional<br />

de Arte Antiga em Lisboa. Trata-se de duas salas, isto é, Sala dos Alabastros e Sala<br />

da Pintura Flamenga. A se-gunda sala apresenta um teto pintado a fresco com repintes<br />

a seco de má qualidade. A primei-ra sala apresenta um modelo que, deriva<br />

da anterior, mas com uma qualidade inventiva e de-senho inferior. As soluções<br />

angulares repetem-se, o entablamento é praticamente o mesmo, mas os arcos e a<br />

balaustrada, que são estruturas fundamentais em São Vicente de Fora, aqui não<br />

aparecem. O seu formulário decorativo aproxima-se muito do modelo inventado<br />

por Ba-cherelli em São Vicente de Fora, porém mais simplificado e reduzido<br />

quanto ao artifício e na disposição dos elementos estruturais; uma composição<br />

mais simples e ingênua do que a qua-dratura feita para os monges agostinhos.<br />

Estas pinturas do Museu Nacional de Arte Antiga representam elementos estruturais<br />

de falsa arquitetura sem criar efeitos de grandes distâncias, prolongando verticalmente<br />

as salas.<br />

Sob o ponto de vista morfológico, Bacherelli introduz formulários que serão<br />

utilizados na decoração de tetos durante todo o primeiro quartel do século XVIII.<br />

Deixou uma série de pintores que continuaram a sua gramática e foi o responsável<br />

pela geração de quadraturistas portugueses e pela melhor manipulação das formas<br />

perspectivadas que então se realizavam em Portugal. Um quadraturista que trabalhou<br />

também como figurista, ultrapassando os seus próprios limites. Após esta fase<br />

inicia-se uma outra onde os formulários aproximam dos mo-delos romanos difundidos<br />

no tratado prático e teórico do jesuíta Andrea Pozzo.<br />

De acordo com a historiografia corrente, Bacherelli teria retornado a Florença<br />

devido a este litígio com os monges agostinhos logo a seguir à data de 13 de Março<br />

de 1719. 47 Entre-tanto, explorando um pouco mais a documentação, pôde-se verificar<br />

que a intenção de pintar o teto da capela-mor e do coro na igreja do Mosteiro<br />

de São Vicente de Fora ocorreu muito antes de 1719. O seu regresso tem que estar<br />

vinculado a algo mais particular de sua vida pes-soal e artística do que a uma disputa<br />

com os monges agostinhos. Este processo deve ter sido iniciado entre 1716 e<br />

1717, pois só em 1718 os monges destruíram os andaimes. Concreta-mente, o retorno<br />

do florentino à pátria deve ter tido pouco a ver com esta rusga em São Vicente<br />

de Fora. A sua situação em Lisboa era a de um privilegiado, recebendo encomendas<br />

régias e da nobreza, fossem pinturas murais ou tetos, fossem preparações<br />

cenográficas. Poder-se-ia pensar que quando decidiu vir para Portugal ou quando<br />

surgiu o convite por parte dos merca-dores italianos em 1701, não imaginava que<br />

a sua intervenção como pintor lhe proporcionasse tão bela carreira com fama e<br />

46 João Baptista de Castro, Mappa de Portugal, 1ª edição, Lisboa, 1878. É importante referir<br />

o verbete por Marga-rida Calado, “Baccarelli, Vincenzo”, Dicionário de Arte Barroca em<br />

Portugal, Editorial Presença, 1989, pp. 62-63.<br />

47 Documentação in Sousa Viterbo, Notícias de Alguns Pintores Portugueses, Lisboa, 1903, p. 19.


214 - AtAs do IV Congresso InternACIonAl do BArroCo ÍBero-AmerICAno<br />

discípulos. Considerado como renovador e protagonista da nova política cultural<br />

do rei D. Pedro II, Bacherelli já, era um pintor maduro e no auge da sua car-reira.<br />

Por outro lado, é possível pensar que se sentisse superado pelas novas propostas<br />

do gosto joanino. Era a vez do Barroco romano e depois do auge sob D. Pedro<br />

II, a sua posição vai-se configurando de modo diverso com o amadurecimento da<br />

política artística de D. João V. Não se pode deixar de lembrar que o ano de 1719<br />

marcou também a chegada a Portugal de Vieira Lusitano, inscrevendo-se neste ano<br />

com Duprà na Irmandade do Pintores. Em suma, era um período diferente daquele<br />

do início do século, onde Vincenzo Bacherelli não tinha rival e a pintura de perspectiva<br />

apenas iniciava o seu longo percurso por todo o século XVIII.<br />

Acreditamos que além destes novos fatos na vida cultural e artística de côrte,<br />

o impulso mais forte a que pode ter precipitado Vincenzo Bacherelli decidir tornar<br />

definitivamente a Florença está associado a alguns episódios da sua vida pessoal, que<br />

se tornaram insustentáveis a partir de meados do ano de 1720. Encerra-se assim o<br />

perfil de um artista de origem humilde, mas que por via do acaso chega a um país<br />

desconhecido tornando-se o responsável pela mu-dança formal na pintura decorativa<br />

portuguesa. Aqui adaptou os seus conhecimentos e práti-cas daquela época final<br />

do século XVII a um universo pictórico completamente diferente. O seu trabalho<br />

como preparador de perspectivas para Gherardini, em Lisboa transforma-se completamente.<br />

A sua versatilidade e flexibilidade tornaram-no não só no pintor de tetos<br />

e de his-tória como o consagrou a historiografia de arte, mas também fez com que<br />

causasse uma nova abertura artística, com a pintura de painéis, a cenografia. Além<br />

do preenchimento dos espaços livres em tetos, paredes, cenografias e quadros de<br />

altar, o contributo de Bacherelli estende-se ao ensinamento de técnicas, à difusão de<br />

conhecimentos, de processos e métodos de trabalho que eram inéditos em Portugal.<br />

A passagem do elementar modelo do brutesco ao sistemático e persuasivo sistema da<br />

perspectiva arquitetônica e à ilusão de materiais construídos, associados a uma nova<br />

ambientação interna dos espaços eclesiásticos ou dos edifícios de uma nobreza entusiasmada<br />

e ávida de uma nova mensagem e de uma nova imagem para si própria,<br />

foram algumas das mudanças que Bacherelli proporcionou em Lisboa entre 1701 e<br />

1721. Estas fal-sas construções e aparências ilusórias, transformadas virtualmente em<br />

reais pelo inganno dell’occhio que a habilidade perspéctica do pintor sabia criar,<br />

deixavam campo livre às mais brilhantes invenções que a imaginação e o talento dos<br />

artistas podia executar (hoje, infeliz-mente, muito esmaecidas), transmitindo a emoção<br />

e dinamismo tão caros ao homem barroco e permitindo sugestões espaciais celestes<br />

e mensagens de forte envolvência e significado moral e teológico. Eram textos<br />

únicos de uma pedagogia do infinito. Um marco na vida de Bacherel-li como pintor<br />

e “maestro” e uma elevação na pintura decorativa portuguesa, que se distancia-va<br />

cada vez mais das rudes formas do brutesco e da limitação do suporte material.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!