REL AT ORIO - Biblioteca Digital da Universidade de Coimbra
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Uma rapariga <strong>de</strong> 9 annos picou a<br />
planta do pé com um pico <strong>de</strong> carra<br />
piteiro junto do <strong>de</strong>do minimo; não<br />
odia an<strong>da</strong>r e a mãe com uma agu-<br />
R<br />
ía ou um alfinete, pouco importa,<br />
levantou a pelle, penetrou no tecido<br />
cellular subcutâneo e lá conseguiu<br />
extrair o pico. O pé ficou dorido, inflamado,<br />
e a mãe tratou-lho com cosimento<br />
<strong>de</strong> malvas. A creança sarou<br />
e ficou com umasimples cicatriz Pois,<br />
passado tempo, entrou para a minha<br />
enfermaria com a perna tumefeita,<br />
vermelha e com uma enorme suppuração<br />
no joelho don<strong>de</strong> extrahi uma<br />
appara<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> pus; os ossos estavam<br />
<strong>de</strong>spidos quasi <strong>de</strong> periosto.<br />
Ora a razão <strong>de</strong> tudo isto está precisamente<br />
numa infecção feita pela<br />
abertura produzi<strong>da</strong> pelo carrapiteiro.<br />
Convém lembrar, que a infecção<br />
dos membros inferiores dá em geral<br />
rebate no ganglio <strong>da</strong> verilha, mas<br />
também o po<strong>de</strong> <strong>da</strong>r na cavi<strong>da</strong><strong>de</strong> poplitea<br />
(<strong>de</strong>traz do joelho), visto que<br />
alguns limphaticos terminam nos<br />
ganglios d'aquella região.<br />
Mas não são estas as únicas le-<br />
sões 1 A infecção origina com freuencia<br />
inflammações <strong>de</strong> natureza<br />
3<br />
iversa: limphangites.phlebites, erysipela,<br />
phlegmão, etc.; a maior parte<br />
<strong>da</strong>s lesões ósseas muitas vezes inculca<strong>da</strong>s<br />
como tuberculosas tiveram primitivamente<br />
a sua origem numa infecção<br />
durante a creancice.<br />
Ha ain<strong>da</strong> mais, meus senhores.<br />
Um cão <strong>da</strong>mnado que se nos dirige<br />
e que nos encontra inermes só po<strong>de</strong><br />
ser repellido a pontapé, e as pessoas<br />
<strong>de</strong>scalças que assim se querem <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r,<br />
sujeitam- se a ser mordi<strong>da</strong>s<br />
precisamente nas suas armas <strong>de</strong> <strong>de</strong>feza.<br />
E eu infelizmente registo na minha<br />
clinica vários casos d'essa natureza.<br />
Merecerá a penna a propagan<strong>da</strong><br />
contra o pé <strong>de</strong>scalço?<br />
A vi<strong>da</strong> tantas vezes perdi<strong>da</strong>, a<br />
saú<strong>de</strong> frequentemente comprometti<strong>da</strong>,<br />
a hygiene e a economia, exigem<br />
um largo trabalho neste sentido, procurando<br />
eliminar esse habito que nos<br />
affronta e <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>.<br />
O homem <strong>de</strong> pé <strong>de</strong>scalço não tem<br />
digni<strong>da</strong><strong>de</strong> completa porque não tem<br />
a noção dos seus direitos e <strong>de</strong>veres, e<br />
<strong>de</strong>ixar romper a integri<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> sua<br />
pelle, no chão com a mesma indifferença<br />
com que, ámanhã ou outro<br />
dia, recebe uma espa<strong>de</strong>ira<strong>da</strong> em<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns, on<strong>de</strong> por ventura possa<br />
estar com razão.<br />
E' frequente ouvir dizer-se que,<br />
quando o povo reclama o que se lhe<br />
<strong>de</strong>ve e o que <strong>de</strong> direito lhe pertence—quem<br />
grita?<br />
— É a gente <strong>de</strong> pé <strong>de</strong>scalço. E a<br />
canalha 1...<br />
Ora a gente <strong>de</strong> pé <strong>de</strong>scalço é, precisamente,<br />
meus senhores, a força<br />
<strong>da</strong> nação. (Longos applausos.)<br />
Não posso também <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lhes<br />
mostrar como hygienicamente é uma<br />
necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> o calçado, porquanto o<br />
individuo que se não calça não po<strong>de</strong><br />
an<strong>da</strong>r lavado e não pô<strong>de</strong> cui<strong>da</strong>r convenientemente<br />
<strong>da</strong> limpeza do seu corpo,<br />
além <strong>de</strong> que o pé <strong>de</strong>scalço é um<br />
meio <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> lamas, pó, etc.,<br />
para o interior <strong>da</strong>s casas, e d'ahi a<br />
geral prohibição <strong>de</strong> entra<strong>da</strong> nos museus<br />
a indivíduos <strong>de</strong>scalços, visto que<br />
quando encontram um tapete saltam<br />
por cima d'elle para evitar as cócegas<br />
que elle lhe produz<br />
E' frequente nalgumas casas vermos<br />
as crea<strong>da</strong>s <strong>de</strong>scalças, e guar<strong>da</strong>rem<br />
o calçado ao cimo <strong>da</strong>s esca<strong>da</strong>s<br />
para quando saem á rua.<br />
É, meus senhores, uma imitação<br />
dos hebreus e dos hollan<strong>de</strong>zes, que<br />
ain<strong>da</strong> hoje assim proce<strong>de</strong>m em muitas<br />
al<strong>de</strong>ias. Appello para as vossas<br />
intelligencias e para a vossa razão e<br />
peço-vos que não mais consintaes<br />
similhantes costumes nos vossos<br />
serventuários.<br />
On<strong>de</strong> ha civilisação, ha pé calçado.<br />
Não tenho viajado muito, mas tenho<br />
reconhecido a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> d'esta<br />
affirmação. Na Hespanha quasi tudo<br />
an<strong>da</strong> calçado, usando as classes mais<br />
<strong>de</strong>sprotegi<strong>da</strong>s alpargatas, feitas <strong>de</strong><br />
canhamo entrançado.<br />
Na França, na Bélgica, na Suissa,<br />
ninguém an<strong>da</strong> <strong>de</strong>scalço. Este é o<br />
facto. Parece, pois, que ha uma relação<br />
directa entre a civilisação e o<br />
pé calçado.<br />
Po<strong>de</strong>remos dizer que a digni<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
o caracter, o que diz ref peito ao<br />
conhecimento e comprehensão