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Os Índios no Tempo da Corte – Reflexões sobre Política ... - USP

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em obter vantagens próprias, o que é mais<br />

provável, com a expulsão <strong>da</strong>quele sesmeiro.<br />

<strong>Os</strong> argumentos desenvolvidos <strong>no</strong>s requeri-<br />

mentos são semelhantes aos de seus pares<br />

em aldeias seculares quando se dirigiam a<br />

autori<strong>da</strong>des em busca de possíveis ganhos.<br />

Enfatizavam o fato de estarem sob a pro-<br />

teção de Sua Majestade, que lhes concedia<br />

favores e graça, sem esquecer que sua pre-<br />

sença na aldeia era útil ao Estado e ao evan-<br />

gelho e poderia atrair <strong>no</strong>vos descimentos. A<br />

importância <strong>da</strong><strong>da</strong> à matriz era outro aspecto<br />

enfatizado nas petições dos índios. Além<br />

<strong>da</strong>s terras, pediam diretor de sua confiança,<br />

demarcação <strong>da</strong>s terras para evitar <strong>no</strong>vas<br />

violências e garantia de que receberiam o<br />

pagamento de foros por parte <strong>da</strong>queles que<br />

as quisessem cultivar. Apresentavam, pois,<br />

reivindicações próprias dos índios aldeados,<br />

bem pareci<strong>da</strong>s com tantas outras nas mais<br />

diversas regiões, que revelam algumas de<br />

suas motivações nas alianças estabeleci<strong>da</strong>s<br />

com os moradores.<br />

A Provisão Régia de D. João VI, final-<br />

mente, encerrou o conflito, <strong>da</strong>ndo ganho<br />

de causa aos índios e aos moradores, de<br />

forma coerente com a política indigenista,<br />

cujo objetivo era a rápi<strong>da</strong> assimilação dos<br />

índios e a extinção <strong>da</strong> aldeia. Para isso<br />

garantia que “[…] os moradores que já aí<br />

se acham com casas ou com cultura serão<br />

conservados e pagarão o foro que se lhe<br />

arbitrar para a câmara <strong>da</strong> vila dos mesmos<br />

índios; que será estabeleci<strong>da</strong> […]” 42 .<br />

Esse processo de transformação de<br />

aldeias em vilas, passando, grosso modo,<br />

pela condição de freguesia, com o au-<br />

mento ca<strong>da</strong> vez maior de não-índios em<br />

seu interior, estava em curso também nas<br />

antigas aldeias <strong>da</strong> capitania desde meados<br />

do século XVIII. Ali, também não faltaram<br />

ocasiões em que índios e moradores se<br />

associaram contra um grande proprietário<br />

interessado em usurpar terras <strong>da</strong> aldeia.<br />

Foi o caso, por exemplo, de São Francisco<br />

Xavier de Itaguaí, semelhante ao <strong>da</strong> aldeia<br />

de Valença, <strong>sobre</strong>tudo quanto ao desfecho,<br />

que também culmi<strong>no</strong>u com a criação <strong>da</strong><br />

vila e quase imediata extinção <strong>da</strong> aldeia 43 .<br />

Convém considerar, <strong>no</strong> entanto, diferenças<br />

significativas quanto aos ritmos entre os pro-<br />

cessos de estabelecimento e extinção entre<br />

as antigas e as <strong>no</strong>vas aldeias <strong>da</strong> capitania.<br />

Se, <strong>no</strong> primeiro caso, o movimento se fez<br />

em tor<strong>no</strong> de três séculos, <strong>no</strong> segundo, deu-<br />

se em cerca de três déca<strong>da</strong>s. A diferença<br />

parece compreensível se levarmos em conta<br />

as mu<strong>da</strong>nças na política indigenista que<br />

orientaram a criação <strong>da</strong>s <strong>no</strong>vas aldeias e o<br />

acentuado desenvolvimento <strong>da</strong> capitania <strong>no</strong><br />

final do século XVIII e início do XIX que,<br />

incrementado pela chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> família real<br />

ao Rio de Janeiro, aceleraria o processo de<br />

extinção tanto <strong>da</strong>s antigas aldeias quanto<br />

<strong>da</strong>s <strong>no</strong>vas. <strong>Os</strong> índios, não resta dúvi<strong>da</strong>,<br />

foram os grandes perdedores, mas nem por<br />

isso deixaram de agir buscando possíveis<br />

aliados entre moradores e autori<strong>da</strong>des civis<br />

e eclesiásticas.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A presença <strong>da</strong> corte <strong>no</strong> Rio de Janeiro<br />

teve, sem dúvi<strong>da</strong>, efeitos diversos <strong>sobre</strong> os<br />

inúmeros povos indígenas <strong>no</strong> Brasil mas,<br />

grosso modo, afetou-as negativamente. <strong>Os</strong><br />

mais prejudicados foram, sem dúvi<strong>da</strong>, os ín-<br />

dios considerados bárbaros, contra os quais,<br />

o príncipe regente decretou a guerra justa.<br />

<strong>Os</strong> aliados, habitantes <strong>da</strong>s aldeias coloniais,<br />

acostumados à cultura política do Antigo<br />

Regime, viam o rei como justiceiro que lhes<br />

poderia garantir os benefícios merecidos em<br />

troca dos serviços prestados. Recorreram a<br />

ele e tiveram ganhos, mas, a longo prazo,<br />

vivenciaram per<strong>da</strong>s consideráveis impul-<br />

siona<strong>da</strong>s pelo crescimento <strong>da</strong> capitania e<br />

pela política assimilacionista que visava a<br />

extinguir suas aldeias e terras coletivas. <strong>Os</strong><br />

<strong>no</strong>vos índios aldeados <strong>da</strong> capitania do Rio<br />

de Janeiro, ain<strong>da</strong> considerados bravos <strong>no</strong><br />

final do XVIII, não demoraram a aprender<br />

<strong>no</strong>vas práticas culturais e políticas e a agir<br />

em moldes muito semelhantes aos de seu<br />

pares de aldeias mais antigas. Como eles,<br />

reconheciam a importância do rei e seu<br />

papel de justiceiro ao qual não deixaram<br />

de recorrer na tentativa de amenizar seus<br />

prejuízos, buscando possíveis aliados entre<br />

os agentes com os quais se relacionavam.<br />

42 “Decreto de 26 de Março de<br />

1819”, in Joaquim Norberto<br />

de Souza e Silva, op. cit., p.<br />

539.<br />

43 M. Regina Celesti<strong>no</strong> de Almei<strong>da</strong>,<br />

“<strong>Política</strong> Indigenista e<br />

Etnici<strong>da</strong>de: Estratégias Indígenas<br />

<strong>no</strong> Processo de Extinção <strong>da</strong>s<br />

Aldeias do Rio de Janeiro <strong>–</strong> Século<br />

XIX”, in Antonio Escobar<br />

Ohmstede, Raúl Mandrini, Sara<br />

Ortelli (coords.), Socie<strong>da</strong>des<br />

en Movimiento <strong>–</strong> Los Pueblos<br />

Indigenas de America Latina<br />

en el Siglo XIX, Tandil, IEHS,<br />

2007, pp. 219-33.<br />

REVISTA <strong>USP</strong>, São Paulo, n.79, p. 94-105, setembro/<strong>no</strong>vembro 2008 105

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