28.06.2013 Views

A Caprino-Ovinocultura Como Instrumento de ... - Embrapa

A Caprino-Ovinocultura Como Instrumento de ... - Embrapa

A Caprino-Ovinocultura Como Instrumento de ... - Embrapa

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Guimarães Filho, C.<br />

IV SEMANA DA CAPRINOCULTURA E OVINOCULTURA BRASILEIRAS<br />

<strong>Embrapa</strong> <strong>Caprino</strong>s - Sobral, 20 a 24 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2004<br />

A <strong>Caprino</strong>-<strong>Ovinocultura</strong> <strong>Como</strong> <strong>Instrumento</strong> <strong>de</strong> Fortalecimento do Agricultor <strong>de</strong><br />

Base Familiar do Semi-Árido<br />

1. Introdução<br />

Clovis Guimarães Filho<br />

Consultor SEBRAE/PE<br />

clovisgf@uol.com.br<br />

Parece ser consenso a necessida<strong>de</strong> e urgência <strong>de</strong> serem i<strong>de</strong>ntificadas e ampliadas<br />

as experiências promissoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento local existentes na região semi-árida,<br />

consolidando-as como espaços <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s múltiplas e dinâmicas e não, simplesmente,<br />

como meros espaços acessórios para fornecimento <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra e <strong>de</strong> alimentos ou,<br />

como atribuído mais recentemente, como simples "reservas ambientais". O<br />

<strong>de</strong>senvolvimento local integrado e sustentável requer a formação <strong>de</strong> uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

iniciativas e empreendimentos que, sem intervir na racionalida<strong>de</strong> própria do mercado, se<br />

complementem, maximizando as potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção, comércio, serviços e<br />

consumos locais. Ou seja, diversida<strong>de</strong> e complementarida<strong>de</strong> são as palavras-chave.<br />

Nesse sentido, alguns espaços do Semi-Árido, on<strong>de</strong> predominam as ativida<strong>de</strong>s capriovínicolas<br />

<strong>de</strong> base familiar, parecem satisfazer plenamente os requerimentos básicos<br />

para implementar um processo <strong>de</strong>ssa natureza, consi<strong>de</strong>rando a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s que lá ocorrem, algumas já consolidadas e outras ainda incipientes.<br />

2. As Potencialida<strong>de</strong>s e Limitações da <strong>Caprino</strong>-<strong>Ovinocultura</strong> <strong>de</strong> Base Familiar do<br />

Semi-Árido<br />

O Nor<strong>de</strong>ste possui mais da meta<strong>de</strong> dos estabelecimentos rurais <strong>de</strong> base familiar<br />

do país. Esses estabelecimentos correspon<strong>de</strong>m a 88% do total da região, porém ocupam<br />

menos da meta<strong>de</strong> da área total e produzem apenas 43% do valor da produção (INCRA-<br />

FAO, 1999). Esses números po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados como também representativos da<br />

realida<strong>de</strong> da região semi-árida, on<strong>de</strong> constata-se uma gran<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação<br />

da unida<strong>de</strong> familiar à dinâmica acentuada ali observada. Esta adaptabilida<strong>de</strong> é traduzida,<br />

segundo Guanziroli (2001), na busca <strong>de</strong> uma diversificação que lhe possa trazer, antes<br />

<strong>de</strong> tudo, uma diluição dos riscos climático e <strong>de</strong> mercado. Isso é confirmado pelos dados<br />

<strong>de</strong> um estudo recente da <strong>Embrapa</strong> Semi-Árido (Holanda Júnior, 2004), ainda não<br />

publicados, mostrando que no sertão baiano, a região mais importante da caprinoovinocultura<br />

nacional, com cerca <strong>de</strong> 1,5 milhão <strong>de</strong> cabeças, correspon<strong>de</strong>nte a 20% do<br />

rebanho nor<strong>de</strong>stino, é praticada por diferentes tipologias, todas caracterizadas pela<br />

extrema diversificação <strong>de</strong> suas receitas. Estas incluem, internamente, além da caprinoovinocultura,<br />

as oriundas da criação <strong>de</strong> bovinos, <strong>de</strong> lavouras e <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s extrativas e,<br />

externamente, as oriundas da venda <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra, aposentadoria e remessas <strong>de</strong><br />

familiares (Quadro 1). Apenas para o tipo 1, o mais pauperizado, as receitas das<br />

ativida<strong>de</strong>s agropecuárias e extrativistas são superadas pelas receitas externas. Nos<br />

<strong>de</strong>mais tipos essas receitas externas se situam entre 28 e 38% da receita total.<br />

Consi<strong>de</strong>rando, contudo, apenas as receitas internas, a caprino-ovinocultura constitui,<br />

para três dos quatro tipos i<strong>de</strong>ntificados, a sua principal fonte.<br />

Analisadas como agronegócios, as ca<strong>de</strong>ias produtivas <strong>de</strong> caprinos e ovinos da<br />

região são ainda bastante incipientes, apresentando acentuadas <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>s, tanto no


Guimarães Filho, C.<br />

IV SEMANA DA CAPRINOCULTURA E OVINOCULTURA BRASILEIRAS<br />

<strong>Embrapa</strong> <strong>Caprino</strong>s - Sobral, 20 a 24 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2004<br />

segmento <strong>de</strong> criação como nos segmentos transformador e distribuidor. Apesar <strong>de</strong><br />

extremamente eficientes em suas estratégias <strong>de</strong> relacionamento com os aspectos<br />

<strong>de</strong>sfavoráveis do ambiente natural (Caron et al., 1992), falta ao caprino-ovinocultor <strong>de</strong><br />

base familiar uma visão mais objetiva do contexto econômico em que vive e das<br />

estratégias <strong>de</strong> valorização dos seus produtos capazes <strong>de</strong> lhe propiciar uma base mais<br />

segura para consolidar o caminho para uma maior inserção no mercado. Mesmo assim,<br />

as ca<strong>de</strong>ias da caprinocultura e da ovinocultura ten<strong>de</strong>m a se consolidar, em função <strong>de</strong><br />

uma maior articulação entre os diversos segmentos e da incorporação <strong>de</strong> novos atores<br />

no processo (Guimarães Filho & Correia, 2001).<br />

Quadro 1. Estrutura <strong>de</strong> renda <strong>de</strong> diferentes tipologias <strong>de</strong> caprino-ovinocultor no<br />

sertão baiano do São Francisco<br />

INDICADORES TIPO 1 TIPO 2 TIPO 3 TIPO 4<br />

Renda Bruta (salários mínimos / mês) 1,36 2,10 3,46 4,11<br />

COMPOSIÇÃO DA RENDA (%) 100,0 100,0 100,0 100,0<br />

• Produção vegetal 12,4 16,0 13,3 31,8<br />

• <strong>Caprino</strong>-ovinocultura 18,4 21,7 30,8 16,5<br />

• Bovinocultura mista 7,5 17,0 20,0 15,4<br />

• Venda <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra 10,6 2,9 0,8 1,2<br />

• Outras receitas da proprieda<strong>de</strong> 6,7 7,2 7,7 5,0<br />

• Aposentadoria 28,2 22,8 18,0 24,1<br />

• Outras receitas 16,2 12,4 9,4 6,0<br />

Fonte: adaptado <strong>de</strong> Holanda Júnior (2004)<br />

Há um efetivo potencial <strong>de</strong> mercado para os produtos caprinos e ovinos,<br />

representado por uma <strong>de</strong>manda não satisfeita e crescente, mesmo com as conhecidas<br />

limitações <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> oferta irregular <strong>de</strong>sses produtos. As carnes caprina e ovina,<br />

vêm apresentando, sem o apoio <strong>de</strong> campanhas promocionais, incrementos anuais <strong>de</strong><br />

consumo superiores a 10%. Com base em projeções do trabalho <strong>de</strong> Moreira et al.<br />

(1996), é possível estimar que, somente para aten<strong>de</strong>r os cerca <strong>de</strong> 300 mil habitantes<br />

urbanos do eixo Juazeiro-Petrolina, são abatidas diariamente mais <strong>de</strong> 700 cabeças, o que<br />

correspon<strong>de</strong>ria a um consumo superior a 7,0 kg/habitante/ano. Embora não se possa<br />

falar ainda <strong>de</strong> um mercado para o leite caprino, são animadoras as experiências com o<br />

produto nas regiões do Cabugi (RN) e do Cariri Oci<strong>de</strong>ntal (PB) apesar da sua forte<br />

<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> compradores institucionais públicos. As perspectivas apontam para um<br />

nicho <strong>de</strong> mercado bem mais favorável para os queijos <strong>de</strong> leite <strong>de</strong> cabra nos gran<strong>de</strong>s<br />

centros urbanos, resguardado o seu padrão <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> para um consumidor bem mais<br />

exigente. Um novo cenário <strong>de</strong> zona vitivinícola que está surgindo no vale do São<br />

Francisco, por exemplo, favorece essas perspectivas em função da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

associação <strong>de</strong>sses queijos com um gran<strong>de</strong> programa <strong>de</strong> eno-turismo que começa a ser<br />

implantado naquela região.<br />

A esses mercados potenciais se associam outros fatores favoráveis a<br />

dinamização <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>stacando-se entre eles:<br />

a própria vocação natural e histórica do bioma caatinga para essas ativida<strong>de</strong>s;<br />

os expressivos efetivos <strong>de</strong> rebanhos caprino e ovino da região, estimados,<br />

conjuntamente, em mais <strong>de</strong> 15 milhões <strong>de</strong> cabeças;<br />

a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tecnologias <strong>de</strong> baixo custo capazes <strong>de</strong> elevar<br />

substancialmente os níveis <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> dos sistemas <strong>de</strong> criação;


Guimarães Filho, C.<br />

IV SEMANA DA CAPRINOCULTURA E OVINOCULTURA BRASILEIRAS<br />

<strong>Embrapa</strong> <strong>Caprino</strong>s - Sobral, 20 a 24 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2004<br />

a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interação com os perímetros <strong>de</strong> irrigação, em número crescente<br />

e hoje disseminados em praticamente todos os estados, o que multiplica a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elevar os níveis <strong>de</strong> eficiência biológica e econômica <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sempenho dos rebanhos;<br />

a infraestrutura agroindustrial em expansão, no caso <strong>de</strong> abatedouros e laticínios,<br />

e já consolidada e altamente eficiente, no caso dos curtumes;<br />

as políticas públicas <strong>de</strong> apoio, especialmente <strong>de</strong> crédito, em contínuo processo<br />

<strong>de</strong> expansão e <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação às circunstâncias do caprino-ovinocultor <strong>de</strong> base<br />

familiar.<br />

Por outro lado, as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> caprinos e ovinos também sofrem forte<br />

influência <strong>de</strong> fatores que limitam e, algumas vezes impe<strong>de</strong>m, a plena expressão das<br />

potencialida<strong>de</strong>s mencionadas. Entre essas limitantes <strong>de</strong>vem ser citadas a <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong><br />

organizativa do caprino-ovinocultor familiar e o seu nível insatisfatório <strong>de</strong> capacitação<br />

tecnológica e gerencial. Esse quadro é agravado pela quase total ausência <strong>de</strong> um sistema<br />

<strong>de</strong> assistência técnica e extensão rural efetivamente qualificado e pelas condições ainda<br />

<strong>de</strong>ficientes <strong>de</strong> crédito que lhe são oferecidas, apesar das recentes melhoras. Além<br />

<strong>de</strong>sses, outros obstáculos precisam ser equacionados e removidos se o objetivo for uma<br />

maior inserção <strong>de</strong>sses produtores nesse promissor mercado. São obstáculos mais<br />

facilmente superados com o fortalecimento da organização do produtor e a melhoria da<br />

sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> articulação com os <strong>de</strong>mais atores envolvidos no processo. Alinhamse<br />

entre eles:<br />

• o abate informal clan<strong>de</strong>stino e generalizado;<br />

• a extrema <strong>de</strong>sarticulação entre os segmentos da ca<strong>de</strong>ia produtiva, o que torna<br />

quase inacessíveis os canais <strong>de</strong> distribuição;<br />

• as limitações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social, <strong>de</strong>stacando-se o preconceito contra o “bo<strong>de</strong>”,<br />

visto como “produto <strong>de</strong> pobre” e o crescente problema <strong>de</strong> roubo <strong>de</strong> animais que<br />

ten<strong>de</strong> a inviabilizar a ativida<strong>de</strong> em algumas regiões<br />

3. O Pseudo Antagonismo Agricultura Familiar x Agronegócio<br />

A busca da geração <strong>de</strong> emprego e renda através da dinamização da economia das<br />

áreas <strong>de</strong> predomínio da caprino-ovinocultura <strong>de</strong>ve procurar conciliar os tradicionais<br />

enfoques <strong>de</strong> agronegócio e agricultura familiar, associando a produção <strong>de</strong>ssas espécies,<br />

como ativida<strong>de</strong>s base, a outras opções produtoras <strong>de</strong> bens e serviços agrícolas e nãoagrícolas<br />

e explorando as inúmeras vantagens <strong>de</strong> suas complementarida<strong>de</strong>s.<br />

A rigor o fortalecimento do agronegócio <strong>de</strong> qualquer produto implica a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> especialização. Por outro lado, o fortalecimento dos sistemas produtivos<br />

<strong>de</strong> base familiar implica o oposto, a diversificação. Segundo Veiga (2001), as duas<br />

estratégias não são antagônicas e a própria realida<strong>de</strong> da região semi-árida mostra isto<br />

perfeitamente. As ativida<strong>de</strong>s já são diversificadas, <strong>de</strong>ntro da proprieda<strong>de</strong>, existindo<br />

naturalmente, entre elas, uma ou duas que se <strong>de</strong>stacam pela sua maior inserção no<br />

mercado. O que a proposta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ve privilegiar, é a busca <strong>de</strong> formas <strong>de</strong><br />

maximização da eficiência <strong>de</strong>sses sistemas que impliquem, simultaneamente, maior<br />

interação entre os subsistemas <strong>de</strong>ntro da unida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sta com as <strong>de</strong>mais ativida<strong>de</strong>s<br />

agrícolas e não-agrícolas fora da unida<strong>de</strong> produtiva. É perfeitamente possível o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sistemas diversificados <strong>de</strong> base familiar, oferecendo ao mercado,<br />

pelo menos um dos produtos com as qualificações mercadológicas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m sanitária,<br />

sensorial e <strong>de</strong> uso exigidas pelo consumidor. As dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso aos mercados


Guimarães Filho, C.<br />

IV SEMANA DA CAPRINOCULTURA E OVINOCULTURA BRASILEIRAS<br />

<strong>Embrapa</strong> <strong>Caprino</strong>s - Sobral, 20 a 24 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2004<br />

pelos produtos da agricultura familiar <strong>de</strong>correm muito mais da sua incapacida<strong>de</strong> em<br />

aten<strong>de</strong>r os requisitos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e regularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oferta do que propriamente da<br />

natureza <strong>de</strong> organização da produção que lhe é peculiar. Melhorar o nível <strong>de</strong><br />

organização e enfatizar a capacitação em gestão da unida<strong>de</strong> produtiva são os<br />

instrumentos <strong>de</strong> ação que <strong>de</strong>vem ser empregados para reduzir ou eliminar essas<br />

<strong>de</strong>ficiências.<br />

Segundo Cerdan & Sautier (2001), a agricultura familiar do Nor<strong>de</strong>ste se<br />

caracteriza por uma forte capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação às <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> mercado e uma<br />

flexibilida<strong>de</strong> e uma dinâmica <strong>de</strong> inovação no que concerne a produtos e procedimentos,<br />

que po<strong>de</strong>m ser expressas tanto a uma escala territorial como a uma escala <strong>de</strong> unida<strong>de</strong><br />

produtiva. O requisito básico seria o estabelecimento <strong>de</strong> políticas públicas que<br />

realmente permitissem valorizar a diversida<strong>de</strong> do potencial existente, através da<br />

mobilização dos atores econômicos e da valorização dos produtos locais.<br />

O objetivo principal da busca por maior inserção no mercado <strong>de</strong>verá ainda estar<br />

vinculado ao aumento da oferta <strong>de</strong> empregos agrícolas e não-agrícolas através do<br />

fortalecimento da natureza pluriativa da produção <strong>de</strong> base familiar e da exploração do<br />

potencial <strong>de</strong> sinergias entre os distintos setores da economia. As suas relações com o<br />

mercado precisam ser estabelecidas em novas bases. O PAMSA, Programa <strong>de</strong> Acesso a<br />

Mercado no Semi-Árido Brasileiro (CRS-DED-MLAL-OXFAM, 2003), iniciativa <strong>de</strong><br />

quatro agências <strong>de</strong> cooperação internacional, consi<strong>de</strong>ra que não se trata simplesmente<br />

<strong>de</strong> garantir um maior acesso aos mercados, mas, também, <strong>de</strong> qualifica-lo, <strong>de</strong> modo que<br />

essa inserção se proceda em base mais justas e transparentes, assegurando a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma região com produtos e culturas próprias como principal força <strong>de</strong> inserção nos<br />

mercados. A base <strong>de</strong> apoio a esse enfoque se fortalece com os crescentes movimentos<br />

<strong>de</strong> consumo consciente, comércio justo e solidário que se observa a nível mundial.<br />

4. Certificação <strong>de</strong> Origem, uma Estratégia <strong>de</strong> Valorização<br />

Uma proposta regional <strong>de</strong> apoio a caprino e a ovinocultura <strong>de</strong> base familiar do<br />

Semi-Árido representaria um primeiro passo <strong>de</strong> um plano mais abrangente <strong>de</strong> integração<br />

<strong>de</strong> diferentes alternativas, consolidando eixos econômicos associados a apicultura, a<br />

criação <strong>de</strong> aves caipiras, ao extrativismo racional e/ou cultivo sistemático do umbuzeiro<br />

e a <strong>de</strong>terminados cultivos <strong>de</strong> sequeiro (sisal, caju, algodão, mandioca, mamona), aos<br />

cultivos irrigados e ao agro-ecoturismo, perfeitamente factíveis em espaços<br />

diferenciados da região semi-árida.<br />

A valorização dos produtos locais é, no contexto da globalização, o gran<strong>de</strong><br />

instrumento estratégico para alcançar os objetivos principais <strong>de</strong> preservar os recursos<br />

da caatinga e assegurar, ao mesmo tempo, o bem estar das populações que nela vivem e<br />

<strong>de</strong>la <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m. Produtos diferenciados, a partir da incorporação <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

territorial e cultural, constituem uma alternativa <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> potencial no Semi-Árido. É<br />

simplesmente uma questão <strong>de</strong> um pouco mais <strong>de</strong> esforço em conhecer melhor o que<br />

temos e do que dispomos, <strong>de</strong> conhecer e reconhecer os conhecimentos locais,<br />

associando-os, a partir daí, ao conhecimento científico necessário a plena expressão do<br />

potencial do bioma.<br />

A estratégia mais indicada <strong>de</strong> implementação do processo <strong>de</strong>ve se basear na<br />

diferenciação dos produtos a ser fundamentada no estabelecimento <strong>de</strong> normas que<br />

<strong>de</strong>finam e orientem o processo <strong>de</strong> sua certificação. O DOC - Denominação <strong>de</strong> Origem<br />

Controlada e o IGP (Indicação Geográfica Protegida), tipos <strong>de</strong> certificação que já<br />

existem em vários países, sobretudo na Europa, seriam não apenas esses instrumentos


Guimarães Filho, C.<br />

IV SEMANA DA CAPRINOCULTURA E OVINOCULTURA BRASILEIRAS<br />

<strong>Embrapa</strong> <strong>Caprino</strong>s - Sobral, 20 a 24 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2004<br />

<strong>de</strong> agregação <strong>de</strong> valor a esses produtos, mas, sobretudo, constituiriam os requisitos<br />

básicos para o seu reconhecimento e proteção. São certificados com o DOC, por<br />

exemplo, todos os produtos cujas qualida<strong>de</strong>s ou características se <strong>de</strong>vam exclusiva ou<br />

essencialmente ao meio geográfico, incluídos aí fatores naturais (solo, clima) e/ou<br />

humanos (tradição, cultura). Em outras palavras, <strong>de</strong>ve haver uma clara ligação<br />

estabelecida entre o produto, o território e o talento do homem (o “saber-fazer”).<br />

A concepção <strong>de</strong>sses produtos a certificar <strong>de</strong>ve resultar <strong>de</strong> um processo natural <strong>de</strong><br />

construção social, refletida na sua i<strong>de</strong>ntificação com o território <strong>de</strong> origem em suas<br />

dimensões geográfica, histórica e cultural. O produto, apresentaria forte apelo<br />

mercadológico, especialmente em função da sua relação harmônica com o meio<br />

ambiente. Entretanto, características como essas, precisam ainda <strong>de</strong> uma construção<br />

pelo “marketing” (CNEARC-CIRAD-INRA, 1998), posicionando-o no mercado através<br />

<strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> comunicação mais amplo sobre sua imagem. É isso que é praticado por<br />

um sem número <strong>de</strong> países com vários produtos das regiões mais <strong>de</strong>sfavorecidas, on<strong>de</strong><br />

predominam pequenos agricultores familiares. Quase toda as partes norte e leste <strong>de</strong><br />

Portugal estão zoneadas para produção <strong>de</strong> caprinos e ovinos com <strong>de</strong>nominações <strong>de</strong><br />

origem e indicações geográficas protegidas (Teixeira, 2003). São sete “marcas” <strong>de</strong><br />

ovinos (“borrego Serra da Estrela”, “borrego da Beira”, “cor<strong>de</strong>iro Bragançano”, etc.),<br />

ilustradas na Figura 1, e cinco <strong>de</strong> caprinos (“cabrito Transmontano”, “cabrito da Beira”,<br />

etc.). A Espanha exibe o seu famoso cor<strong>de</strong>iro “ternasco <strong>de</strong> Aragón” e o “lechal <strong>de</strong><br />

Churra”. Na França po<strong>de</strong>m ser citados os queijos “roquefort“ (<strong>de</strong> leite <strong>de</strong> ovelha) e<br />

“chabichou du Poitou” (<strong>de</strong> leite <strong>de</strong> cabra). Dezesseis porcento da produção queijeira da<br />

França tem certificação <strong>de</strong> origem. Na Argentina conta com o “cor<strong>de</strong>ro patagón” .<br />

Embora não possa ser caracterizada exatamente como um produto com <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong><br />

origem, no Brasil existe uma iniciativa similar, na região <strong>de</strong> Herval, RS, com a<br />

comercialização do “cor<strong>de</strong>iro Herval Premium”. Esta experiência po<strong>de</strong> evoluir para um<br />

DOC efetivo, estabelecidos os requisitos fundamentais <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir melhor as<br />

especificida<strong>de</strong>s do produto e <strong>de</strong> certificação in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, ainda ausentes no caso. No<br />

país só existe um produto com certificação <strong>de</strong> origem, o vinho do Vale dos Vinhedos,<br />

RS. Outras iniciativas em busca <strong>de</strong>ssa certificação estão em andamento, entre elas o mel<br />

<strong>de</strong> abelhas da região <strong>de</strong> São Raimundo Nonato, PI, o queijo <strong>de</strong> coalho do Ceará e o<br />

queijo da Serra da Canastra, MG.<br />

Para obter o reconhecimento e utilizar o selo <strong>de</strong> <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> origem o<br />

produto <strong>de</strong>ve aten<strong>de</strong>r um conjunto <strong>de</strong> exigências contidas no “ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> normas e<br />

especificações”. Nele <strong>de</strong>vem estar registrados o nome do produto, sua <strong>de</strong>scrição,<br />

<strong>de</strong>limitação da área geográfica, provas <strong>de</strong> origem, <strong>de</strong>scrição dos métodos <strong>de</strong> obtenção<br />

do produto (alimentação, genótipos, manejo reprodutivo, controle sanitário, etc.),<br />

sistema <strong>de</strong> controle e as exigências a serem cumpridas para obtenção do certificado e<br />

uso do selo. O cumprimento <strong>de</strong>ssas normas e especificações é normalmente fiscalizado<br />

por certificadoras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes cre<strong>de</strong>nciadas pelo órgão oficiais que tratam da<br />

agropecuária. Embora os primeiros passos para normatizar todos esses procedimentos já<br />

estejam sendo dados, estamos ainda muito atrasados nesse processo. Santa Catarina,<br />

como sempre, partiu na frente e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002, já tem a sua legislação específica e o seu<br />

serviço estadual <strong>de</strong> selos e certificações <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> . Quem duvidaria, atendidas as<br />

exigências, do sucesso <strong>de</strong> um “cabrito <strong>de</strong> Uauá”, <strong>de</strong> um “queijo <strong>de</strong> leite <strong>de</strong> cabra do<br />

Cabugí”, <strong>de</strong> um “mel do Araripe” ou <strong>de</strong> um “suco <strong>de</strong> umbu do São Francisco”<br />

certificados com o DOC?. Seria um agronegócio diferente dos convencionais, na<br />

medida em que elegeria como premissas básicas a preservação do ecossistema e a<br />

equida<strong>de</strong> social na distribuição dos benefícios gerados.


Lisboa<br />

Guimarães Filho, C.<br />

IV SEMANA DA CAPRINOCULTURA E OVINOCULTURA BRASILEIRAS<br />

<strong>Embrapa</strong> <strong>Caprino</strong>s - Sobral, 20 a 24 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2004<br />

Viana do Castelo<br />

Braga<br />

Leiria<br />

Setúbal<br />

Porto<br />

Santarém<br />

Coimbra<br />

4<br />

Vila Real<br />

Viseu<br />

7<br />

1<br />

Guarda<br />

5<br />

6<br />

Bragança<br />

2<br />

Castelo Branco<br />

Portalegre<br />

Montemor-o-Novo<br />

3 Évora<br />

Faro<br />

Beja<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

6<br />

7<br />

Se<strong>de</strong> <strong>de</strong> distrito<br />

Outras localida<strong>de</strong>s<br />

Limite <strong>de</strong> distrito<br />

Borrego Serra da Estrela<br />

Borrego Terrincho<br />

Borrego <strong>de</strong> Montemor-o-Novo<br />

Borrego do Baixo Alentejo<br />

Borrego da Beira<br />

Cor<strong>de</strong>iro Bragançano<br />

Borrego do Nor<strong>de</strong>ste Alentejo<br />

Figura 1. Zonas produtoras <strong>de</strong> ovinos em Portugal, com <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> origem<br />

5. O Que Certificar na <strong>Caprino</strong>-<strong>Ovinocultura</strong> do Semi-Árido?<br />

Concentrando a discussão no segmento da caprino-ovinocultura, seria também<br />

necessária uma análise bem criteriosa para <strong>de</strong>finir as alternativas <strong>de</strong> produção que


Guimarães Filho, C.<br />

IV SEMANA DA CAPRINOCULTURA E OVINOCULTURA BRASILEIRAS<br />

<strong>Embrapa</strong> <strong>Caprino</strong>s - Sobral, 20 a 24 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2004<br />

melhor se ajustariam aos critérios implícitos na visão <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento exposta<br />

anteriormente. Evi<strong>de</strong>ntemente, que para cada espaço geográfico diferenciado, em<br />

termos agro-ecológicos e sócio-econômicos, haveria uma ou duas opções mais<br />

a<strong>de</strong>quadas. Consi<strong>de</strong>rando as zonas mais secas, on<strong>de</strong> as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interação com<br />

outras ativida<strong>de</strong>s são mais escassas, as alternativas disponíveis são mais limitadas. Uma<br />

<strong>de</strong>las seria a produção semi-extensiva <strong>de</strong> cabritos e borregos <strong>de</strong> corte e outra a<br />

caprinocultura <strong>de</strong> leite, na perspectiva da produção <strong>de</strong> queijos e outros <strong>de</strong>rivados para<br />

nichos <strong>de</strong> mercado bem <strong>de</strong>finidos.<br />

<strong>Como</strong> seria, por exemplo, um cabrito com certificação <strong>de</strong> origem protegida<br />

(DOC) que a agricultura familiar do semi-árido pu<strong>de</strong>sse ofertar ao mercado? Antes <strong>de</strong><br />

tudo, o produto precisaria ter uma “marca”, tipo "cabrito ecológico da caatinga", mais<br />

abrangente, ou tipo "cabrito <strong>de</strong> Uauá”, circunscrita a um espaço menor. O importante<br />

para o produto seria <strong>de</strong>finir suas especificida<strong>de</strong>s e vincula-las a uma ou mais<br />

características próprias daquele espaço. O meio geográfico marca e personaliza o<br />

produto pelo que a <strong>de</strong>limitação da zona <strong>de</strong> produção torna-se pré-requisito<br />

indispensável. O “sabor da caatinga” implícito na carne do cabrito viria da associação<br />

com a vegetação <strong>de</strong> caatinga <strong>de</strong> que se alimenta, pelo menos em parte <strong>de</strong> sua vida<br />

(po<strong>de</strong>ria ser um “cabrito do Cariri”), ou com uma <strong>de</strong>terminada raça ou ecotipo nativo<br />

e/ou (“cabrito do Moxotó”, no vale do mesmo nome), ou ainda, a uma maneira<br />

tradicional e peculiar <strong>de</strong> abater e processar o animal, como a “manta seca retalhada”.<br />

Este tipo <strong>de</strong> “saber-fazer” po<strong>de</strong>ria ser valorizado como uma especificida<strong>de</strong>,<br />

contribuindo na <strong>de</strong>finição, por exemplo, do “cabrito <strong>de</strong> Uauá”, ou <strong>de</strong> qualquer outro<br />

espaço geográfico on<strong>de</strong> essa prática se <strong>de</strong>stacasse. O zoneamento do Semi-Árido,<br />

portanto, torna-se um procedimento essencial para fundamentar um processo <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificação e espacialização das potenciais marcas <strong>de</strong> cabritos e borregos, com base<br />

em suas especificida<strong>de</strong>s ligadas a fatores naturais e/ou culturais <strong>de</strong> cada espaço.<br />

A criação <strong>de</strong> uma ou mais marcas <strong>de</strong> “cabrito ecológico da caatinga”, a exemplo<br />

do “vitelo do Pantanal”, que começa s ser produzido no Centro-Oeste, enfatizaria as<br />

relações do animal com o bioma, utilizaria um mínimo <strong>de</strong> insumos externos e<br />

valorizaria e preservaria as raças nativas, mesmo que esses fatores limitassem a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um abate mais precoce, em função <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento pon<strong>de</strong>ral um<br />

pouco mais lento. Isto não constituiria problema, já que essa aparente <strong>de</strong>svantagem<br />

po<strong>de</strong>ria ser neutralizada pela produção <strong>de</strong> carcaças mais leves ou largamente<br />

compensada tanto pelo nível menor <strong>de</strong> investimento necessário quanto pelo valor<br />

agregado ao produto pelas suas especificida<strong>de</strong>s mercadológicas. As <strong>de</strong>mais qualida<strong>de</strong>s<br />

do produto, a nutritiva (teor menor <strong>de</strong> colesterol e <strong>de</strong> calorias), a sanitária<br />

(saudabilida<strong>de</strong>) e <strong>de</strong> uso (cortes especiais resfriados e congelados, ou transformados)<br />

complementariam o elenco <strong>de</strong> “qualida<strong>de</strong>s mercadológicas”, embora não caracterizem<br />

propriamente especificida<strong>de</strong>s.<br />

Um produto com essas características aten<strong>de</strong>ria os fundamentos das crescentes<br />

<strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> mercado e pressões sociais, representados pelo uso sustentável dos<br />

recursos naturais, nos aspectos <strong>de</strong> segurança alimentar, geração <strong>de</strong> emprego e renda,<br />

conservação ambiental e envolvimento e participação popular (Mansvelt et al., 1993).<br />

Um produto efetivamente diferenciado e impossível <strong>de</strong> ser imitado como esse (on<strong>de</strong> não<br />

há caatinga não se po<strong>de</strong> produzir o “sabor da caatinga”) po<strong>de</strong>ria se constituir em<br />

importante alternativa <strong>de</strong> resgate social e econômico do caprinocultor da região semiárida<br />

e <strong>de</strong> reversão do acentuado processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação dos recursos naturais que<br />

atinge esta região. Contatos preliminares mantidos com re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> supermercados<br />

confirmaram o interesse <strong>de</strong>ssas organizações em trabalhar com um produto caprino ou<br />

ovino <strong>de</strong>ssa natureza, com certificação <strong>de</strong> origem.


Guimarães Filho, C.<br />

IV SEMANA DA CAPRINOCULTURA E OVINOCULTURA BRASILEIRAS<br />

<strong>Embrapa</strong> <strong>Caprino</strong>s - Sobral, 20 a 24 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2004<br />

Isto também po<strong>de</strong>ria ser feito com a carne ovina, porém com maiores<br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> associação do produto com o ambiente da caatinga e com limitações <strong>de</strong><br />

competitivida<strong>de</strong>, em função da forte concorrência <strong>de</strong> outros estados (além do Sul, a<br />

ovinocultura se expan<strong>de</strong> rapidamente no Centro-Oeste e no Su<strong>de</strong>ste) e dos países do<br />

Mercosul. Embora o mercado hoje seja mais favorável aos ovinos, a médio e longo<br />

prazos, as perspectivas para o caprino, como produto <strong>de</strong> maior potencial <strong>de</strong><br />

diferenciação para o mercado, seriam mais favoráveis. Outra opção seria a produção<br />

orgânica, com potencial para as carnes e queijos caprinos e ovinos. Projetos nesse<br />

sentido já se acham em andamento com caprinos (Guimarães Filho et al., 2001) e com<br />

ovinos (Araújo Filho & Marinho, 2003). Este caminho, contudo, além da maior<br />

complexida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> certificação, mormente para produtores <strong>de</strong> baixo nível <strong>de</strong><br />

organização, apresenta a <strong>de</strong>svantagem <strong>de</strong> não ser uma solução massiva.<br />

A carne e o leite não <strong>de</strong>vem ser encarados como produtos únicos para a ativida<strong>de</strong><br />

capri-ovinícola praticada pelas organizações <strong>de</strong> agricultores familiares. Há muito boas<br />

perspectivas ainda para as peles, enfatizando o artesanato (artigos <strong>de</strong> montaria,<br />

indumentária para vaquejadas, sandálias, casacos, bolsas, móveis, etc.) e associando-o a<br />

um tipo <strong>de</strong> “capri-turismo” ou “circuito do bo<strong>de</strong>”, em que estariam também inseridas<br />

unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> criação e <strong>de</strong> beneficiamento com interesse técnico, ecológico,<br />

gastronômico, cultural ou <strong>de</strong> lazer, transformáveis em pequenas unida<strong>de</strong>s hoteleiras.<br />

Em suma, a implantação <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> origem controlada<br />

para os produtos do semi-árido, como o caprino e o ovino, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como<br />

inserida no processo <strong>de</strong> “<strong>de</strong>senvolvimento local” proposto por Turner & Búrigo (1999),<br />

já que busca a valorização <strong>de</strong> uma especificida<strong>de</strong> local, transformando-o em um<br />

“produto do território” capaz <strong>de</strong> servir como instrumento tanto <strong>de</strong> inserção econômicosocial<br />

como <strong>de</strong> reafirmação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> local. Seria uma forma alternativa <strong>de</strong> inserção<br />

do produtor <strong>de</strong> base familiar na lógica adversa do mercado convencional (Schrö<strong>de</strong>r et<br />

al., 2002).<br />

6. Consi<strong>de</strong>rações Finais<br />

As linhas iniciais <strong>de</strong> ação para o sucesso <strong>de</strong> um programa regional com esse<br />

enfoque abrangeriam, além, naturalmente, do estabelecimento <strong>de</strong> normas e serviços que<br />

regulamentem e operacionalizem o processo, o fortalecimento das associações <strong>de</strong><br />

produtores (não há certificação para pessoa física), a estruturação <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s locais <strong>de</strong><br />

apoio técnico, uma linha <strong>de</strong> crédito específica, a<strong>de</strong>quada a capacida<strong>de</strong> remuneratória <strong>de</strong><br />

capital <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s, e a estruturação <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> P&D que inclua, como<br />

ação inicial, um zoneamento <strong>de</strong> toda área ocupada pelo bioma caatinga, i<strong>de</strong>ntificando,<br />

para cada produto, as zonas diferenciadas ou territórios potenciais para obtenção <strong>de</strong><br />

DOC e IGP.<br />

As ações <strong>de</strong>ssa natureza <strong>de</strong>verão ter como referência balizadora a conservação da<br />

biodiversida<strong>de</strong>, procurando conciliar a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada uma das ativida<strong>de</strong>s com as<br />

restrições ambientais necessárias a neutralizar a erosão <strong>de</strong>ssa diversida<strong>de</strong> biológica. O<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da caprinocultura e da ovinocultura <strong>de</strong> base familiar <strong>de</strong>ve, por<br />

conseguinte, se basear em sistemas diversificados que atendam esse requerimento, que<br />

enfatizem suas interações com os <strong>de</strong>mais setores da economia e que o integre,<br />

simultaneamente, às <strong>de</strong>mais políticas já existentes para o campo, segundo recomendam<br />

Del Grossi & Graziano da Silva (2002).<br />

O conjunto <strong>de</strong> ações <strong>de</strong>ve ser implantado em espaços supramunicipais ocupados<br />

pela agricultura familiar, on<strong>de</strong> haja elementos potenciais <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> coletiva e outros


Guimarães Filho, C.<br />

IV SEMANA DA CAPRINOCULTURA E OVINOCULTURA BRASILEIRAS<br />

<strong>Embrapa</strong> <strong>Caprino</strong>s - Sobral, 20 a 24 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2004<br />

ativos e fatores diferenciais que permitam <strong>de</strong>senvolver novos negócios relacionados<br />

com agregação <strong>de</strong> valor, com aproveitamento <strong>de</strong> tipicida<strong>de</strong>s locais/regionais e dos<br />

patrimônios culturais e sociais específicos (Flores, 2003). Se assim concebido e<br />

operado, o programa <strong>de</strong> fortalecimento da caprino e da ovinocultura nesse espaço rural<br />

contribuirá, sem dúvidas, para a obtenção <strong>de</strong> resultados efetivamente impactantes no<br />

que tange:<br />

• Ao aumento da oferta quantitativa e qualitativa dos produtos caprinos e ovinos<br />

(carne e pele, principalmente) para um mercado crescente e insatisfeito;<br />

• A melhoria nos processos <strong>de</strong> utilização dos recursos naturais <strong>de</strong> solo, água,<br />

planta e animal do bioma caatinga e <strong>de</strong> gestão do espaço rural como um todo;<br />

• A retenção e/ou criação <strong>de</strong> um maior número <strong>de</strong> empregos nas unida<strong>de</strong>s<br />

produtivas e das vilas e povoados, reduzindo o fluxo migratório <strong>de</strong>sses locais<br />

para as cida<strong>de</strong>s maiores e para os perímetros irrigados;<br />

• A elevação da participação da caprino-ovinocultura na composição da renda das<br />

unida<strong>de</strong>s produtivas <strong>de</strong> base familiar, assegurando melhores condições para a<br />

reprodução e a acumulação dos seus meios <strong>de</strong> produção;<br />

• A maior valorização da cultura e do saber-fazer locais, impondo-se como<br />

instrumento efetivo <strong>de</strong> reafirmação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> local; e<br />

• Ao melhor or<strong>de</strong>namento e maior equilíbrio no processo <strong>de</strong> integração econômica<br />

e social entre as distintas condições agroecológicas existentes nessa zona.<br />

7. Referências bibliográficas<br />

ARAÚJO FILHO, J.A. <strong>de</strong>; MARINHO, H.E.V. Produção orgânica <strong>de</strong> carne <strong>de</strong> ovinos e<br />

caprinos. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE CAPRINOS E OVINOS DE<br />

CORTE, 2. João Pessoa, PB, 2003. Anais ... João Pessoa, 2003. p. 233-242.<br />

CARON, P.; PREVOST, F.; GUIMARÃES FILHO, C.; TONNEAU, J.P.; Prendre en<br />

compte les strategies <strong>de</strong>s eleveurs dans l’órientation d’un projet <strong>de</strong> <strong>de</strong>veloppement: le<br />

cas d’une petite region du Sertao brésilien. In: Simposium International sobre “EL<br />

ESTUDIO DE LOS SISTEMAS GANADEROS DESDE LA PERSPECTIVA DE LA<br />

INVESTIGACIÓN Y DEL DESARROLLO”, 2., Zaragoza, Espanha, 1992.<br />

Proceedings ... Zaragoza, 1992. p.51-60.<br />

CERDAN, C.; SAUTIER, D. Systèmes d’intermédiation et valorization économique<br />

<strong>de</strong>s produits. In: PAYSANS DU SERTÃO: MUTATIONS DES AGRICULTURES<br />

FAMILIALES DANS LE NORDESTE DU BRÉSIL. Montpellier, França:<br />

CIRAD/EMBRAPA, 2001. p.135-152.<br />

CNEARC-CIRAD/TERA-INRA/SAD. Territoire/homme technique: quelles<br />

relations? Etu<strong>de</strong> dans le Lot: agneaux, fromages et vins. Montpellier:<br />

CNEARC/CIRAD/INRA, 1998. 84p.<br />

CRS-DED-MLAL-OXFAM. Programa <strong>de</strong> Acesso a Mercado no Semi-Árido<br />

Brasileiro – PAMSA. Proposta <strong>de</strong> programa. 2003. 8p (documento <strong>de</strong> trabalho não<br />

publicado).<br />

DEL GROSSI, M.E.; GRAZIANO DA SILVA, J. O Novo Rural: uma abordagem<br />

ilustrada. Londrina: Instituto Agronômico do Paraná, 2002. V.II. 49p.


Guimarães Filho, C.<br />

IV SEMANA DA CAPRINOCULTURA E OVINOCULTURA BRASILEIRAS<br />

<strong>Embrapa</strong> <strong>Caprino</strong>s - Sobral, 20 a 24 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2004<br />

FLORES, M.X. Projeto <strong>de</strong> fortalecimento das capacida<strong>de</strong>s competitivas dos<br />

pequenos produtores rurais: <strong>de</strong>senvolvimento territorial e estratégias inovadoras.<br />

Brasília: EMBRAPA-CONTAG-Fundação Lyndolpho Silva-SEBRAE-BID, 2003. 46 p<br />

(documento <strong>de</strong> trabalho não publicado)<br />

GUANZIROLI, C.; ROMEIRO, A.; BUAINAIN, A.M.; DI SABBATO, A.;<br />

BITTENCOURT, G. Agricultura familiar e reforma agrária no século XXI. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: FAO-MDA, 2001. 288p.<br />

GUIMARÃES FILHO, C.; CORREIA, R.C. Subsídios para o fortalecimento do<br />

agronegócio da caprino-ovinocultura no Semi-Árido brasileiro. Revista Econômica do<br />

Nor<strong>de</strong>ste, Fortaleza, v.32, n.3, p.430-435, 2001.<br />

GUIMARÃES FILHO, C.; HOLANDA JÚNIOR, E. V.; ARAÚJO, G.G.L. <strong>de</strong>;<br />

ALBUQUERQUE, S.G. <strong>de</strong>. Cabrito ecológico do Semi-Árido: validação <strong>de</strong> um<br />

sistema <strong>de</strong> produção e avaliação da aceitabilida<strong>de</strong> pelo mercado. Petrolina:<br />

EMBRAPA/CPATSA, 2001. 18p (projeto <strong>de</strong> pesquisa aprovado para financiamento<br />

pelo Banco do Nor<strong>de</strong>ste/FUNDECI).<br />

HOLANDA JÚNIOR, E.V. Estudo da ca<strong>de</strong>ia produtiva da caprino-ovinocultura do<br />

Estado da Bahia. Petrolina: <strong>Embrapa</strong> Semi-Árido, 2004. 197 p. Relatório preliminar <strong>de</strong><br />

projeto apresentado ao SEBRAE-BA.<br />

INCRA-FAO. Agricultura familiar no Brasil: uma análise a partir do Censo<br />

Agropecuário <strong>de</strong> 95/96. Brasília: INCRA-FAO, 1999. 67p.<br />

MANSVELT van, J.D. European features for sustainable <strong>de</strong>velopment: a contribution to<br />

the dialogue. In: CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE AGRICULTURA<br />

BIODINÂMICA, 3, Piracicaba, São Paulo, 1998. Anais... Piracicaba, 1999. p. 284.<br />

MOREIRA, J.N.; CORREIA, R.C.; ARAÚJO, J.R.; SILVA, R.R.; OLIVEIRA, C.A.V.<br />

<strong>de</strong>. Estudo do circuito <strong>de</strong> comercialização <strong>de</strong> carne <strong>de</strong> caprinos e ovinos no eixo<br />

Petrolina-PE e Juazeiro-BA. Petrolina: EMBRAPA-CPATSA, 1998. 37p.<br />

(EMBRAPA-CPATSA. Documentos, 87).<br />

SCHRÖDER, M.; NASCIMENTO, H.M.do; TEIXEIRA, V.L. Alternativas <strong>de</strong> inserção<br />

no mercado para a agricultura familiar: uma discussão a partir <strong>de</strong> experiências<br />

selecionadas. In: SIMPÓSIO LATINOAMERICANO SOBRE INVESTIGAÇÃO E<br />

EXTENSÃO EM SISTEMAS AGROPECUÁRIOS, 5. Florianópolis, SC, 2002. Anais<br />

... Florianópolis, 2002. p.131.<br />

TEIXEIRA, A. Produção <strong>de</strong> cabritos e cor<strong>de</strong>iros com certificação <strong>de</strong> origem protegida –<br />

uma experiência <strong>de</strong> Portugal. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE CAPRINOS<br />

E OVINOS DE CORTE, 2. João Pessoa, PB, 2003. Anais ... João Pessoa, 2003. p.59-<br />

69.<br />

TURNES, V.A.; BÚRIGO, F.L. Desenvolvimento local: uma nova forma <strong>de</strong> ver o<br />

espaço rural. In: Planejamento Municipal. Organizado por Eric Sabourin. Brasília:<br />

<strong>Embrapa</strong> Comunicação para Transferência <strong>de</strong> Tecnologia, 1999. 124p. (Agricultura<br />

Familiar, 4).<br />

VEIGA, J.E.; FAVARETO, A.; AZEVEDO, C.M.A.; BITTENCOURT, G.;<br />

VECCHIATI, K.; MAGALHÃES, R.; ROGÉRIO, J. O Brasil precisa <strong>de</strong> uma<br />

estratégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Brasília: Convênio FIPE-IICA<br />

(MDA/CNDRS/NEAD), 2001.108p.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!