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fi<strong>na</strong>nças<br />

ProsPeridade<br />

e riscos<br />

Há um abismo no compartilhamento de riscos entre países ricos e pobres. os<br />

cidadãos e as empresas dos países pobres se vêem jogados da boa para a má<br />

sorte, da abundância ao infortúnio – principalmente ao infortúnio<br />

por eric Briys<br />

28 vol.7 nº2 mar/abr 2008


gvexecutivo 29


crescimento e riqueza são dois lados de uma mesma Santa<br />

Moeda. Como seu equivalente medieval, o Santo Graal, a<br />

Santa Moeda é difícil de encontrar. Em seu discurso no<br />

American Economic Association Meeting de 1989, David S.<br />

Landes, historiador de Harvard, escolheu o seguinte título:<br />

“Por que somos tão ricos e eles, tão pobres?”.<br />

Adam Smith procurava pela mesma Santa Moeda em<br />

seu famoso tratado de 1776, A riqueza das <strong>na</strong>ções.<br />

Contudo, mesmo com tanto esforço, essa busca intelectual<br />

não alcançou sucesso. Embora nosso conhecimento<br />

dos milagres e das dificuldades da economia tenha crescido,<br />

ainda há muito o que descobrir.<br />

carga morta? Segundo a teoria tradicio<strong>na</strong>l do crescimento<br />

à moda de Solow, temos mais carga porque investimos<br />

mais e temos menores taxas de crescimento populacio<strong>na</strong>l.<br />

Assim, acumulamos mais capital por trabalhador<br />

e aumentamos a produtividade do trabalho. Além disso, o<br />

progresso tecnológico dá sustentabilidade a esse crescimento<br />

da riqueza. Dedicamos mais tempo ao estudo, ao<br />

investimento e à aquisição de novas tecnologias. Mas<br />

como essa receita “simples” não se aplica a todos os lugares,<br />

do Ocidente ao Oriente, do Norte ao Sul?<br />

O economista peruano Her<strong>na</strong>ndo De Soto oferece<br />

uma explicação. De Soto descreve o caso do Egito e<br />

argumenta que quando saímos do Nile Hilton, no<br />

Cairo, passamos de um mundo formal para outro informal.<br />

Trata-se de um salto quântico: um salto dos vivos<br />

para os mortos. Com efeito, ativos existem, mas “ninguém<br />

é capaz de identificar o que pertence a quem;<br />

endereços não podem ser confirmados com facilidade;<br />

as pessoas não podem ser obrigadas a pagar suas dívidas<br />

etc”. Segundo De Soto, ali o capital está morto. Não<br />

pode ser usado como garantia para a criação de valor.<br />

Assim, o crescimento também está morto.<br />

Essa triste situação levanta uma pergunta óbvia: Por<br />

quê? Primeiro, devido à falta de instituições legais. Segundo,<br />

a falta de oportunidades de compartilhamento de risco.<br />

30 vol.7 nº2 mar/abr 2008<br />

riscos mortais. Vamos chamar essa situação de “abismo<br />

do compartilhamento de risco”. De Soto está certo ao<br />

dizer que o capital está morto nos países pobres. Mas<br />

deveria ter acrescentado que ali os riscos estão bem vivos<br />

e são mortais. Quando saímos do Nile Hilton, não deixamos<br />

para trás ape<strong>na</strong>s a possibilidade de afirmação dos<br />

direitos de propriedade, mas também todo o aparato de<br />

gestão de risco (mercados fi<strong>na</strong>nceiros, instituições fi<strong>na</strong>nceiras,<br />

derivativos, seguros etc).<br />

E, ainda que o capital pudesse ser liberado e os direitos<br />

recebessem proteção jurídica, isso não faria muita diferença<br />

se os riscos continuassem tão mortais quanto antes. Por<br />

exemplo, uma forte queda da renda <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l após algum<br />

acontecimento inesperado (como uma tempestade tropical)<br />

pode até ameaçar ou destruir os esforços de preservação<br />

da lei. A vida em países pobres está eivada de riscos.<br />

Já os habitantes de países ricos têm acesso a uma<br />

ampla gama de ferramentas de investimento que lhes dá<br />

garantias contra muitos riscos. Podem investir em ações,<br />

letras, caixa, fundos mútuos, opções e futuros. Podem<br />

comprar seguro de vida e bens pessoais. Têm acesso a planos<br />

de pensão. Em outras palavras, o menu de risco-retorno<br />

que lhes está aberto é bem rico.<br />

As pessoas e empresas de países pobres ou em desenvolvimento<br />

convivem com riscos que não podem compartilhar ou<br />

transferir com eficiência. Num ambiente hostil, as pessoas físicas<br />

e jurídicas mais se viram do que avançam. O problema<br />

fundamental, hoje, é que esse abismo do compartilhamento de<br />

risco entre países mais pobres e mais ricos está cada vez maior,<br />

o que traz graves conseqüências para seu desenvolvimento.<br />

caBeça e capital. A aritmética da prosperidade é de<br />

enorme simplicidade. O professor de economia Reuven<br />

Brenner (2002), da McGill University, amplia o argumento<br />

de De Soto em seu recente livro The Force of Fi<strong>na</strong>nce. Para<br />

prosperar, as pessoas precisam de acesso ao capital. O<br />

talento precisa ser casado com o capital e os dois lados<br />

precisam ser responsáveis um perante o outro.


fi<strong>na</strong>nças: prosperidade e riscos<br />

As pessoAs e empresAs de pAíses<br />

pobres ou em desenvolvimento<br />

convivem com riscos que não<br />

podem compArtilhAr ou trAnsferir<br />

com eficiênciA<br />

Há cinco fontes de capital: recursos <strong>na</strong>turais, poupança,<br />

mercados de capitais, governo e crime. Os dois últimos<br />

são o que resta quando os três primeiros estão ausentes. É<br />

isso que vemos em muitos países pobres. Obter acesso<br />

sólido e sadio a capital adequado não é fácil. Trata-se de um<br />

construtor complexo e sutil que pode ser facilmente subvertido.<br />

Exige um rico conjunto de mercados e instituições<br />

para ca<strong>na</strong>lizar corretamente recursos e riscos. Também<br />

necessita de um labirinto de freios e contrapesos — tanto<br />

privados quanto públicos — para garantir que quaisquer<br />

erros sejam identificados e corrigidos rapidamente. Ou<br />

seja, chegar lá exige mente aberta e trabalho duro.<br />

risco e inteligência. Mas as oportunidades não<br />

estão disponíveis para qualquer categoria de ativos. Não<br />

se aplicam a imóveis, capital humano, renda <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e<br />

assim por diante. As pessoas podem acabar tendo que<br />

optar por atividades de menor rendimento (carreiras,<br />

setores, localidades etc) para incorrer em menor risco. O<br />

mesmo se aplica a peque<strong>na</strong>s empresas.<br />

Isso é ruim para a sociedade como um todo. E é ainda<br />

pior em países pobres, representando um importante obstáculo<br />

à criação de riqueza. Muitos países em desenvolvimento<br />

ainda não estão bem diversificados do ponto de vista<br />

dos fatores de que depende sua prosperidade (como petróleo,<br />

cacau ou semi-condutores), ainda que possam haver<br />

bons motivos para essa sub-diversificação.<br />

Eric Briys, professor <strong>na</strong> Escola Livre de Bruxelas, eric.b@cyberlibris.com<br />

Pular etapas pode, de fato, exigir colocar todos os ovos<br />

numa só cesta. Identificar as verdadeiras exposições dos<br />

países a risco é, sem dúvida, uma tarefa difícil, já que muitas<br />

dessas exposições ainda não são diretamente observáveis ou<br />

negociáveis. Alguns países cujas economias não estão suficientemente<br />

diversificadas podem estar a caminho do inferno.<br />

Outros podem ter mais sorte e chegar no paraíso.<br />

Assim, seus cidadãos são reféns de choques aleatórios<br />

sobre os quais não têm qualquer influência. A dificuldade<br />

está no fato de que a especialização (ou o pular etapas) não<br />

pode ser facilmente separada dos riscos indesejáveis que a<br />

acompanham. Não há meio fácil de separar decisões de<br />

investimento de decisões de exposição ao risco.<br />

Por exemplo, Taiwan está fortemente envolvido com eletrônicos,<br />

uma área em que desenvolveu, indiscutivelmente,<br />

expertise significativa ao longo do tempo. Faria sentido para esse<br />

país desenvolver uma política industrial agressiva para criar<br />

setores locais e, assim, melhorar sua diversificação? É claro que<br />

não. Mas poderia fazer sentido inventar um contrato de swap<br />

segundo o qual Taiwan pagaria o rendimento sobre uma carteira<br />

mundial de ações do setor de eletrônicos em troca de, por<br />

exemplo, receber o rendimento de uma carteira mundial de<br />

ações do setor automotivo. Tal swap implicaria em ser Taiwan<br />

um pagador líquido <strong>na</strong>s ocasiões em que estivesse mais bem<br />

posicio<strong>na</strong>do para isso, ou seja, quando a indústria de eletrônicos<br />

apresentasse melhor desempenho do que a automotiva.<br />

Haverá quem diga que esse tipo de engenharia fi<strong>na</strong>nceira<br />

está fadado ao fracasso porque o risco penderá sempre<br />

para o mesmo lado. Por exemplo, ninguém compraria um<br />

derivativo de empresas africa<strong>na</strong>s. Isso não é bem assim. Nos<br />

anos 50, com esse tipo de raciocínio, ninguém teria apostado<br />

<strong>na</strong> Tailândia ou no Japão. Da mesma forma, quem teria apostado<br />

<strong>na</strong> Irlanda no começo da década de 80, ou no Ca<strong>na</strong>dá<br />

<strong>na</strong> década de 50? Para adotar o exemplo predileto de<br />

Brenner, ninguém apostaria um centavo <strong>na</strong> Escócia em torno<br />

de 1750. De fato, não é fácil encontrar a Santa Moeda. Se<br />

fosse, hoje estaríamos todos ricos! 6<br />

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