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vânia beatriz vasconcelos oliveira - Programa de Pós-Graduação ...

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VÂNIA BEATRIZ VASCONCELOS OLIVEIRA<br />

MIGRAÇÃO E REPRODUÇÃO SOCIAL DE AGRICULTORES FAMILIARES<br />

EM NOVA UNIÃO - RONDÔNIA, BRASIL<br />

VIÇOSA<br />

MINAS GERAIS - BRASIL<br />

DEZEMBRO - 2000<br />

Tese apresentada à Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, como parte das<br />

exigências do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<br />

<strong>Graduação</strong> em Extensão Rural, para<br />

obtenção do título <strong>de</strong> “Magister<br />

Scientiae”.


VÂNIA BEATRIZ VASCONCELOS OLIVEIRA<br />

MIGRAÇÃO E REPRODUÇÃO SOCIAL DE AGRICULTORES FAMILIARES<br />

EM NOVA UNIÃO - RONDÔNIA, BRASIL<br />

APROVADA: 1. o <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2000.<br />

Tese apresentada à Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, como parte das<br />

exigências do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<br />

<strong>Graduação</strong> em Extensão Rural, para<br />

obtenção do título <strong>de</strong> “Magister<br />

Scientiae”.<br />

Nelson Ferreira Sampaio Maria Izabel Vieira Botelho<br />

Alberto da Silva Jones José Benedito Pinho<br />

(Conselheiro) (Conselheiro)<br />

Geraldo Magela Braga<br />

(Orientador)


A seu Ferro e dona Bia, meus queridos pais.<br />

A meus filhos Nilo e Ana Beatriz,<br />

que toparam “atravessar esse <strong>de</strong>serto” junto comigo.<br />

A Airton, companheiro presente na ausência e na distância.<br />

Aos amigos encontrados, reencontrados<br />

e <strong>de</strong>sencontrados “nas esquinas por que passei”.<br />

“Só eu sei os <strong>de</strong>sertos que atravessei, só eu sei...<br />

Só eu sei, as esquinas por que passei, só eu sei...”<br />

ii<br />

(Djavan)


tarefa.<br />

AGRADECIMENTO<br />

Ao Espírito Santo <strong>de</strong> Deus, cujos dons busquei para me orientar nessa<br />

À Empresa Brasileira <strong>de</strong> Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), pelo<br />

suporte financeiro para realização do curso, e aos colegas da Coor<strong>de</strong>nadoria<br />

<strong>de</strong> Administração e Desenvolvimento (CAD), pelo acompanhamento<br />

acadêmico.<br />

Ao Centro <strong>de</strong> Pesquisa Agroflorestal <strong>de</strong> Rondônia, EMBRAPA-<br />

Rondônia, em especial ao chefe geral, Dr. Nelson Ferreira Sampaio, que me<br />

apontou o caminho rumo a Viçosa e forneceu meios para minhas iniciativas <strong>de</strong><br />

participação em eventos técnico-cientificos e para o trabalho <strong>de</strong> campo em<br />

Nova União.<br />

Aos membros da Comissão Orientadora, aos <strong>de</strong>mais professores e aos<br />

funcionários do Departamento <strong>de</strong> Economia Rural da UFV.<br />

Ao amigo, professor doutor Paulo Ponce <strong>de</strong> Leon Filho, da<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Rural <strong>de</strong> Pernambuco, pela leitura da versão preliminar<br />

do texto e pelas sugestões fecundas.<br />

Ao colega Pedro Paganini, companheiro <strong>de</strong> trabalho na pesquisa <strong>de</strong><br />

campo e como motorista da Embrapa, cuja trajetória <strong>de</strong> vida, i<strong>de</strong>ntificada com a<br />

dos entrevistados, contribuiu para fornecer-me informações esclarecedoras,<br />

mediante alguns <strong>de</strong>poimentos.<br />

iii


Aos agricultores familiares <strong>de</strong> Nova União, a Wagner Oliveira e aos<br />

<strong>de</strong>mais técnicos da EMATER <strong>de</strong> Nova União.<br />

Aos colegas <strong>de</strong> turma, Bruno, Alexandre, Celso, Claúdia, Denilson,<br />

Elizabeth (Beth), Helen, Luciene, José Geraldo, Nazaré e Rodrigo, aos quais<br />

<strong>de</strong>vo a última edição do nosso jornal.<br />

Aos familiares e amigos, cujas palavras, em bate-papos, cartas e<br />

telefonemas, trouxeram o alentador incentivo em momentos precisos; a meus<br />

irmãos <strong>de</strong> sangue, Rosany, Jane, Tânia, Ricardo, Telma, Rilda e Rinaldo; aos<br />

amigos-irmãos <strong>de</strong> coração, que constituíram minha família viçosense: Adriana<br />

e os que, pouco a pouco, foram tomando seus rumos, Marluce (Brasília),<br />

Wellington e Luiz Antônio (Manaus), Andréia (Governador Valadares-MG),<br />

Malú (Fortaleza-CE); e os amigos <strong>de</strong> cá e os <strong>de</strong> além-mar, Arlindo e Catharina<br />

(São Paulo), Maria Helena e Roseli (Belém-PA), Lourdinha e Leida (Porto<br />

Velho-RO), Socorro e Luz Marina (Macapá-AP), Christiane, Yvianne e os Petit<br />

(França).<br />

À cunhada Tereza Lobão (Belém), pela provi<strong>de</strong>ncial ajuda com os<br />

livros do Museu Paraense Emílio Goeldi; aos cunhados Ana (Belo Horizonte) e<br />

José Maria (Uberlândia); e à amiga Terezinha Naves (Boa Esperança), apoio<br />

familiar nas Minas Gerais.<br />

A meus agregados Marizete, Kewelin e Chiquinho (João Victor), que,<br />

com seu riso <strong>de</strong> criança, me enchia os ouvidos, fazendo-me <strong>de</strong>ixar o<br />

computador e correr para o abraço.<br />

A todos, os meus sinceros agra<strong>de</strong>cimentos.<br />

iv


BIOGRAFIA<br />

VÂNIA BEATRIZ VASCONCELOS OLIVEIRA, filha <strong>de</strong> José Veríssimo<br />

da Silva Vasconcelos e Beatriz Borges <strong>de</strong> Vasconcelos, nasceu em 5 <strong>de</strong><br />

fevereiro <strong>de</strong> 1960, em Macapá-Amapá.<br />

Em 1982, graduou-se em Comunicação Social na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

do Pará - UFPA, Belém-PA, e, <strong>de</strong> 1983 a 1989, atuou como Assessora <strong>de</strong><br />

Relações Públicas no Serviço Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Processamento <strong>de</strong> Dados<br />

(SERPRO), em Belém-PA.<br />

Em novembro <strong>de</strong> 1989, mediante concurso na EMBRAPA-Rondônia,<br />

foi contratada como pesquisadora em Difusão <strong>de</strong> Tecnologia. Participou da<br />

equipe que elaborou os projetos “Diagnóstico <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> produção<br />

utilizados por colonos em Rondônia”, "<strong>Programa</strong> articulado <strong>de</strong> difusão e<br />

adaptação <strong>de</strong> tecnologia no pólo algodoeiro <strong>de</strong> Rondônia”, e li<strong>de</strong>rou o projeto<br />

“Difusão e transferência <strong>de</strong> tecnologias para sistemas agroflorestais e<br />

agropecuários em Rondônia”, sendo também responsável pelo subprojeto<br />

“Avaliação do processo <strong>de</strong> difusão da tecnologia <strong>de</strong> controle biológico da<br />

mosca-dos-chifres, utilizando-se o besouro Onthophagus gazzela”.<br />

Foi ainda colaboradora nos subprojetos “Introdução <strong>de</strong> tecnologias no<br />

processo produtivo <strong>de</strong> pequenas e médias proprieda<strong>de</strong>s no Estado <strong>de</strong><br />

Rondônia”, “Promoção <strong>de</strong> eventos técnicos <strong>de</strong> capacitação e <strong>de</strong> atualização<br />

tecnológica”, “Organização e disseminação <strong>de</strong> informações para a difusão <strong>de</strong><br />

tecnologias agropecuárias e florestais pelo CPAF-Rondônia”.<br />

v


Em ativida<strong>de</strong> técnico-científica, atuou, como membro titular, na<br />

comissão encarregada <strong>de</strong> elaborar, no âmbito do CPAF-Rondônia, documento<br />

referente à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e<br />

Desenvolvimento (UNCED/92). Foi representante do CPAF-Rondônia na<br />

Comissão Interinstitucional <strong>de</strong> Educação Ambiental (CIEARO); presi<strong>de</strong>nte do<br />

Comitê <strong>de</strong> Publicações do CPAF-Rondônia; membro titular, como<br />

representante da Embrapa-Rondônia, na Comissão Normativa do <strong>Programa</strong> da<br />

Área Agrícola do Planafloro; membro da Secretaria Executiva Estadual -<br />

Rondônia, no <strong>Programa</strong> Nacional <strong>de</strong> Agricultura Familiar (PRONAF).<br />

Em 1997, fez o curso <strong>de</strong> pós-graduação “lato sensu”, Agentes <strong>de</strong><br />

Inovação e Difusão Tecnológica, na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Rondônia.<br />

Em 1998, iniciou o <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Mestrado em Extensão Rural no<br />

Departamento <strong>de</strong> Economia Rural da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa.<br />

vi


CONTEÚDO<br />

vii<br />

Página<br />

EXTRATO ............................................................................................. x<br />

ABSTRACT ........................................................................................... xii<br />

1. INTRODUÇÃO .................................................................................. 1<br />

1.1. O Estado e as estratégias para colonização da fronteira agrícola<br />

amazônica .........................................................................<br />

1.2. O movimento migratório rumo a Rondônia ................................ 7<br />

1.3. O migrante em estudo ............................................................... 9<br />

1.4. O problema e sua importância ................................................... 10<br />

1.5. Objetivos do estudo ................................................................... 13<br />

1.5.1. Objetivo geral ...................................................................... 13<br />

1.5.2. Objetivos específicos ........................................................... 13<br />

2. REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................... 14<br />

2.1. A fronteira como espaço <strong>de</strong> reprodução e diferenciação social 14<br />

2.2. A família como unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reprodução social ........................... 17<br />

2.3. Estratégias <strong>de</strong> reprodução social na agricultura familiar ........... 23<br />

3


viii<br />

Página<br />

2.4. A pluriativida<strong>de</strong> como nova perspectiva <strong>de</strong> reprodução social .. 25<br />

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ......................................... 30<br />

3.1. Descrição da área <strong>de</strong> estudo ..................................................... 32<br />

3.2. Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise .................................................................... 33<br />

3.3. Coleta e análise dos dados ....................................................... 35<br />

3.3.1. Técnicas <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados ............................................... 36<br />

3.3.2. Análise e interpretação dos dados ...................................... 37<br />

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................ 38<br />

4.1. Nova União: <strong>de</strong> fronteira agrícola a um novo rural .................... 38<br />

4.2. Migração: realizando o sonho da terra ...................................... 50<br />

4.2.1. Trajetória migratória: etapas e acumulação ........................ 50<br />

4.2.2. A família na migração e no acesso à terra .......................... 54<br />

4.2.3. Atravessando a zona <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong> .................................... 59<br />

4.3. Estratégias familiares <strong>de</strong> reprodução social .............................. 64<br />

4.3.1. Estratégia patrimonial fundiária ........................................... 64<br />

4.3.2. Estratégias familiares <strong>de</strong> organização do trabalho .............. 67<br />

4.3.2.1. O sistema <strong>de</strong> produção: <strong>de</strong> tudo um pouco .................. 68<br />

4.3.2.2. A estrutura do grupo familiar e sua trajetória ................ 69<br />

4.3.2.3. A pluriativida<strong>de</strong> familiar ................................................. 72<br />

4.3.3. Estratégias <strong>de</strong> encaminhamento dos filhos ......................... 76<br />

4.3.3.1. As aspirações dos pais ................................................. 76<br />

4.3.3.2. As trajetórias dos filhos ................................................. 81<br />

4.4. Representações das trajetórias empreendidas e resultados alcançados<br />

...................................................................................<br />

84


ix<br />

Página<br />

5. RESUMO E CONCLUSÕES ............................................................. 90<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 97<br />

APÊNDICES ......................................................................................... 104<br />

APÊNDICE A ........................................................................................ 105<br />

APÊNDICE B ........................................................................................ 107<br />

APÊNDICE C ........................................................................................ 113<br />

APÊNDICE D ........................................................................................ 115<br />

APÊNDICE E ........................................................................................ 116


EXTRATO<br />

OLIVEIRA, Vânia Vasconcelos, M.S., Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa,<br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2000. Migração e reprodução social <strong>de</strong> agricultores<br />

familiares em Nova União - Rondônia, Brasil. Orientador: Geraldo Magela<br />

Braga. Conselheiros: Alberto da Silva Jones e José Benedito Pinho.<br />

O problema central que presidiu a elaboração <strong>de</strong>ste trabalho foi a<br />

correlação entre estratégias <strong>de</strong> reprodução social empreendidas por<br />

agricultores familiares, a partir do acesso à terra, e diferenciação social<br />

observada em uma área da fronteira agrícola amazônica. A análise centrou-se<br />

em 52 unida<strong>de</strong>s familiares <strong>de</strong> agricultores, que, em meados <strong>de</strong> 1970, migraram<br />

para Rondônia, no contexto dos projetos <strong>de</strong> colonização dirigida. Utilizando-se<br />

da técnica <strong>de</strong> história <strong>de</strong> vida tópica, recontou-se a trajetória migratória dos<br />

colonos, situando-a no tempo e no espaço. A partir do entendimento da<br />

reprodução social como estratégia <strong>de</strong> sobrevivência, foram i<strong>de</strong>ntificadas as<br />

estratégias familiares, patrimoniais fundiárias e educativas e <strong>de</strong> organização do<br />

trabalho; e as representações dos agricultores sobre as trajetórias<br />

empreendidas. Esse conjunto <strong>de</strong> estratégias assegurou a produção e a<br />

reprodução social dos agricultores familiares. A organização do trabalho<br />

baseia-se ainda, fundamentalmente, no arranjo do grupo familiar, em que há<br />

retração do grupo familiar, pela dinâmica natural <strong>de</strong> reprodução e por atitu<strong>de</strong>s<br />

x


individuais <strong>de</strong> membros do grupo. Constatou-se a ocorrência <strong>de</strong> uma dinâmica<br />

que evi<strong>de</strong>ncia uma “pluriativida<strong>de</strong> às avessas”, exercida pelos filhos, que, ao<br />

obterem uma ativida<strong>de</strong> assalariada, qualificada ou não, em meio urbano ou<br />

rurbanizado, mantêm vínculos com a proprieda<strong>de</strong>, pela prática <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

agropecuárias que prescin<strong>de</strong>m da sua presença, como o plantio <strong>de</strong> café e a<br />

criação <strong>de</strong> gado “a meia”. As estratégias <strong>de</strong> encaminhamento dos filhos foram<br />

pautadas na lógica <strong>de</strong> investimento no capital fundiário e no capital cultural.<br />

Revela-se, nessa dinâmica, a falta <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre as aspirações dos pais e<br />

as trajetórias empreendidas pelos filhos. Com base nessas constatações,<br />

conclui-se que, ao exercer formas alternativas <strong>de</strong> reprodução, pela<br />

pluriativida<strong>de</strong> e pela adaptação à tendência a individualização dos filhos, o<br />

agricultor familiar mantém-se produtivo e tem garantido sua permanência<br />

enquanto unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção e reprodução.<br />

xi


ABSTRACT<br />

OLIVEIRA, Vânia Beatriz Vasconcelos, M.S., Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa,<br />

December 2000. Migration and social reproduction of family farmers in<br />

Nova União – Rondonia, Brazil. Adviser: Geraldo Magela Braga.<br />

Committee Members: Alberto da Silva Jones and José Benedito Pinho.<br />

The central problem for elaboration of this work was the correlation<br />

among social reproduction strategies un<strong>de</strong>rtaken by family workers, after<br />

access to land and the social differentiation observed in an area in the Amazon<br />

agricultural frontier. This analysis has focused on 52 family farms whose<br />

farmers had migrated to Rondonia in the mid 1970s, as part of a colonization<br />

project. By applying the topical life history technique, the worker’s migrant<br />

trajectory through time and space was retold. Based on the un<strong>de</strong>rstanding of<br />

social reproduction as a strategy of survival, family, property, land, educational<br />

work organization - related strategies were i<strong>de</strong>ntified and the farmers’<br />

representation on the trajectories un<strong>de</strong>rtaken. This set of strategies has<br />

ensured social production and reproduction of the family farmers. Work<br />

organization is fundamentally based in the family group arrangement, in which<br />

retraction of the family group occurs due to the natural dynamics of reproduction<br />

and through the individual behavior of its members. The ocurrence of a<br />

dynamics evi<strong>de</strong>ncing an insi<strong>de</strong>-out plurality was verified, performed by the<br />

children who, by obtaining a job qualified or not, in the rural or urban areas, are<br />

xii


able to maintain maintain their ties to the farm by implementing farming<br />

activities not requiring their presence, such as coffee growing and cattle raising.<br />

The strategies applied for the children’s follow up were based on the rationale of<br />

land capital and cultural investments. This dynamics reveals the lack of i<strong>de</strong>ntity<br />

between what the parents want and the choices ma<strong>de</strong> by their children. Based<br />

on these findings, it was conclu<strong>de</strong>d that through the performance of alternative<br />

forms of reproduction, by plurality and adaptation to their children’s ten<strong>de</strong>ncy to<br />

individualistic behavior, family farmers have maintained production, thus<br />

ensuring their status as production and reproduction units.<br />

xiii


1. INTRODUÇÃO<br />

Apareceu o Senhor a Abraão e lhe disse: Eu darei esta terra aos teus<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes (Gen. 12,7).<br />

O registro bíblico sobre a Terra da Promissão, a terra <strong>de</strong> Canaã,<br />

prometida por Deus a Abraão e a sua <strong>de</strong>scendência, confirma que a luta dos<br />

homens pela conquista <strong>de</strong> terra vem <strong>de</strong> longa data. Da antiguida<strong>de</strong> aos dias <strong>de</strong><br />

hoje, homens se lançam à conquista <strong>de</strong> um pedaço <strong>de</strong> terra para sua<br />

sobrevivência e segurança <strong>de</strong> sua família, o que correspon<strong>de</strong> à busca <strong>de</strong><br />

condições <strong>de</strong> reprodução social.<br />

Na gênese da formação econômica e social do Brasil estava presente o<br />

Estado, que intermediava o acesso à terra, pela concessão <strong>de</strong> sesmarias.<br />

Des<strong>de</strong> então, a proprieda<strong>de</strong> da terra é uma questão sempre presente nas<br />

transformações políticas e sociais ocorridas no País. Na década <strong>de</strong> 60, a<br />

política <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento agropecuário, implantada pelo governo do regime<br />

militar, concorreu para acelerar as transformações na estrutura das relações<br />

sociais no espaço agrário brasileiro. A colonização da Amazônia, como parte<br />

<strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> ação do Estado para ocupação <strong>de</strong> “novas terras”, insere-se no<br />

quadro <strong>de</strong>ssas transformações, ao buscar a viabilização da agricultura naquela<br />

região do País, não só pela implantação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s projetos agropecuários,<br />

mas também pela agricultura baseada na pequena proprieda<strong>de</strong> familiar.<br />

A agricultura e o agricultor familiar, por sua vez, estão na pauta <strong>de</strong><br />

vários estudos nas ciências sociais. As questões em torno do assunto<br />

1


alcançam dimensões globais, permanecendo no centro do <strong>de</strong>bate em que se<br />

inserem as novas formas sociais <strong>de</strong> produção na agricultura.<br />

Estudos clássicos sobre estratégias familiares <strong>de</strong> pequenos produtores<br />

rurais privilegiaram a abordagem socioeconômica, com ênfase na competição<br />

entre o modo <strong>de</strong> produção camponês e o capitalista, tendo a família como<br />

unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção. Associados aos estudos que buscam compreen<strong>de</strong>r a<br />

lógica <strong>de</strong> funcionamento da agricultura familiar e a sua permanência, como<br />

sistema <strong>de</strong> produção viável, emergem na atualida<strong>de</strong> estudos que fazem uma<br />

abordagem sociológica das famílias rurais, com vistas na compreensão <strong>de</strong><br />

seus valores e <strong>de</strong> suas reações às mudanças que estão sendo operadas na<br />

socieda<strong>de</strong>, em geral, e no seio da família, em particular. Dentre eles,<br />

<strong>de</strong>stacam-se o trabalho coor<strong>de</strong>nado por LAMARCHE (1993, 1998) e, mais<br />

recentemente, o trabalho <strong>de</strong> TEDESCO (1999), que problematiza o cotidiano<br />

da vida camponesa <strong>de</strong> colonos migrantes no Sul do País, utilizando-se, <strong>de</strong>ntre<br />

outras, as noções <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> familiar, racionalida<strong>de</strong>s adaptativas,<br />

pluriativida<strong>de</strong> e estratégias.<br />

A família rural é apreendida como instância social <strong>de</strong> reprodução, com<br />

características particulares do ponto <strong>de</strong> vista da compreensão do grupo familiar<br />

em si, sendo o chefe da família e seus membros os agentes capazes <strong>de</strong> tomar<br />

<strong>de</strong>cisões e escolher os rumos da sua trajetória social. Nessa perspectiva,<br />

propõe-se a compreensão sociológica das estratégias <strong>de</strong> reprodução social <strong>de</strong><br />

agricultores familiares que se <strong>de</strong>slocaram do Sul, Su<strong>de</strong>ste e Nor<strong>de</strong>ste do Brasil<br />

para viver e realizar o seu sonho <strong>de</strong> terra em Rondônia, no contexto da<br />

expansão da fronteira agrícola amazônica. Quem é esse sujeito e como ele se<br />

insere no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da agricultura? Obtido o acesso à<br />

terra, como agiu ele, econômica e socialmente, no processo <strong>de</strong> construção da<br />

sua trajetória social?<br />

As análises que buscam respon<strong>de</strong>r a esses questionamentos estão<br />

apresentadas neste trabalho, sob as seguintes abordagens: 1) Nova União,<br />

como espaço social construído a partir do processo <strong>de</strong> colonização; 2)<br />

Reconstituição da história da migração dos colonos, organização do grupo<br />

familiar nesse <strong>de</strong>slocamento, trajetória fundiária e enfrentamento das<br />

condições adversas do espaço <strong>de</strong> reprodução; 3) Estratégias familiares <strong>de</strong><br />

formação do patrimônio fundiário; <strong>de</strong> organização do trabalho do grupo familiar,<br />

2


incluindo o sistema <strong>de</strong> produção, a estrutura familiar e o exercício da<br />

pluriativida<strong>de</strong>; e <strong>de</strong> encaminhamento dos filhos, pelo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

estratégias educativas e patrimoniais fundiárias, confrontando as aspirações<br />

dos pais com as trajetórias dos filhos; e 4) Representações manifestas pelos<br />

colonos, quanto às suas estratégias empreendidas e a sua trajetória <strong>de</strong> vida, a<br />

partir da realização do “sonho da terra”, ao se <strong>de</strong>slocarem para Rondônia.<br />

1.1. O Estado e as estratégias para colonização da fronteira agrícola amazônica<br />

O Estado é um dos principais agentes transformadores do modo <strong>de</strong><br />

inserção <strong>de</strong> uma região <strong>de</strong> fronteira na economia nacional e internacional. A<br />

partir <strong>de</strong> 1966, o governo do regime militar (1964 a 1985) pôs em prática um<br />

amplo programa <strong>de</strong> ocupação econômica da Amazônia brasileira, sob o<br />

discurso da mo<strong>de</strong>rnização, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir as características e<br />

controlar o processo espontâneo <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> novas terras, que, nos anos<br />

40 a 50, já vinha ocorrendo no oeste do Paraná e, a partir dos anos 50, no<br />

Centro-Oeste e no Norte do País.<br />

A política <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> “novas terras” marcou, caracteristicamente,<br />

a formação da socieda<strong>de</strong> brasileira e foi executada por meio dos projetos <strong>de</strong><br />

colonização. Segundo SANTOS (1989:104), a colonização sempre foi um ato<br />

da vonta<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r estatal, e sempre acompanhou uma estratégia <strong>de</strong><br />

expansão do capital sobre os novos territórios. Nesse contexto, a partir dos<br />

anos 30, a colonização <strong>de</strong>u priorida<strong>de</strong> à instalação <strong>de</strong> populações nacionais<br />

em novas áreas do território brasileiro.<br />

O processo <strong>de</strong> colonização teve que <strong>de</strong>sempenhar diferentes papéis,<br />

em três gran<strong>de</strong>s períodos da história política brasileira recente, os quais vieram<br />

a constituir ciclos <strong>de</strong> colonização agrícola (SANTOS, 1993). O primeiro <strong>de</strong>les<br />

foi <strong>de</strong>nominado "a colonização para os trabalhadores nacionais", nos anos <strong>de</strong><br />

1930 a 1945, durante o Estado Novo. Neste, a forma social proposta pela<br />

política <strong>de</strong> colonização então aplicada partia da constatação <strong>de</strong> que havia um<br />

exce<strong>de</strong>nte populacional <strong>de</strong> "nacionais pobres" e, portanto, uma situação<br />

potencial <strong>de</strong> "tensão social", razão pela qual cabia ao Estado propor soluções,<br />

<strong>de</strong>spontando, entre elas, a preocupação com as migrações internas. Nesse<br />

3


ciclo, em terras públicas do Centro-Oeste e da Amazônia, principalmente,<br />

foram instaladas as <strong>de</strong>nominadas "colônias agrícolas nacionais", nas quais os<br />

lotes eram oferecidos gratuitamente aos cidadãos brasileiros<br />

reconhecidamente pobres.<br />

O segundo ciclo (1945 a 1964) foi <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> "a colonização<br />

contra as lutas sociais no campo". Neste, a República Populista acrescenta<br />

outra dimensão à política <strong>de</strong> colonização, uma resposta i<strong>de</strong>ológica e política, e,<br />

ao mesmo tempo, às lutas sociais no campo, que começaram a eclodir em<br />

várias regiões do País. A política <strong>de</strong> colonização continuava sendo uma opção<br />

e visava atingir os habitantes das "zonas empobrecidas" e aqueles "sem<br />

emprego", com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> orientar as correntes migratórias para os<br />

núcleos <strong>de</strong> colonização, públicos ou privados (SANTOS, 1993). Nesse<br />

contexto, verificou-se no País um intenso movimento <strong>de</strong> migração interna, e<br />

parte <strong>de</strong>sse processo se traduziu pelo <strong>de</strong>slocamento na direção <strong>de</strong> fronteiras<br />

agrícolas.<br />

No início da década <strong>de</strong> 60, oriunda das mobilizações camponesas que<br />

marcaram o ciclo anterior, entra em cena a reivindicação pela reforma agrária.<br />

Em conseqüência, tem-se o <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento do ciclo <strong>de</strong> “colonização contra<br />

a Reforma Agrária” (1964 a 1984), que se caracteriza pelo estímulo ao<br />

processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização da agricultura e pela presença da antinomia<br />

colonização versus reforma agrária, vislumbradas como alternativas para a<br />

crise fundiária. A primeira alternativa prevaleceu como política do Estado, que,<br />

com a abertura dos eixos rodoviários e com a instalação <strong>de</strong> programas <strong>de</strong><br />

colonização tanto oficiais quanto privados, <strong>de</strong>lineou um fluxo migratório da<br />

região Sul rumo à Amazônia, em especial para os Estados <strong>de</strong> Mato Grosso,<br />

Rondônia e Acre. Assim, configura-se a expansão da fronteira agrícola, quando<br />

a região amazônica passa a representar a principal fronteira agrária e agrícola<br />

do País (ALMEIDA, 1992; SANTOS, 1993).<br />

A opção do governo militar pela colonização significou também,<br />

segundo JONES (1999), uma “grilagem especializada”, visto que as formas<br />

assumidas pelo processo <strong>de</strong> alienação <strong>de</strong> terras públicas promoveram, além da<br />

incorporação <strong>de</strong> terras ao patrimônio particular, a apropriação especulativa<br />

<strong>de</strong>ssas terras e a expropriação, ilegítima e ilegal, <strong>de</strong> produtores rurais.<br />

4


O processo <strong>de</strong> expansão da fronteira na Amazônia pela colonização<br />

agrícola constituiu peça fundamental da estratégia do Estado, que, em 1970,<br />

lançou o <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Integração Nacional (PIN), para criar condições <strong>de</strong><br />

incorporar à economia <strong>de</strong> mercado amplas faixas <strong>de</strong> população antes<br />

dissolvidas na economia <strong>de</strong> subsistência, con<strong>de</strong>nadas à estagnação<br />

tecnológica e à perpetuação <strong>de</strong> um drama social intolerável (BRASIL, 1970).<br />

Tal proposição está relacionada com a procura do governo por soluções para o<br />

problema das tensões sociais <strong>de</strong>correntes da pressão dos exce<strong>de</strong>ntes<br />

populacionais do Nor<strong>de</strong>ste e com a i<strong>de</strong>ologia do governo militar <strong>de</strong> integração<br />

nacional e ocupação da fronteira, que se expressava no lema “integrar para<br />

não entregar” e no discurso <strong>de</strong> “ocupação dos espaços vazios”, embora a<br />

região estivesse ocupada por tribos indígenas e seringueiros que fizeram parte<br />

da leva migratória do Ciclo da Borracha (SORJ, 1980; MARTINS, 1997;<br />

SANTOS, 1989; ALMEIDA, 1992; PERDIGÃO e BASSEGIO, 1992; SOUZA<br />

FILHO, 1996).<br />

Os programas <strong>de</strong> colonização acabaram por intensificar o processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>slocamento espacial da pobreza e da exclusão social. Segundo MARTINS<br />

(1997),<br />

a partir do golpe <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> 1964 e do estabelecimento da ditadura militar, a<br />

Amazônia transformou-se num imenso cenário <strong>de</strong> ocupação territorial massiva,<br />

violenta e rápida, processo que continuou, ainda que atenuado, com a<br />

reinstalação do regime político civil e <strong>de</strong>mocrático em 1985.<br />

Como registrou CASTRO (1994), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> fins dos anos 60, houve<br />

intensos fluxos migratórios ... (...) a mo<strong>de</strong>rnização do campo empurrou, em<br />

processo contínuo, trabalhadores e famílias em direção à Amazônia. O que<br />

estava acontecendo era uma espécie <strong>de</strong> “reforma agrária <strong>de</strong> fato”, ou<br />

espontânea, visto que os migrantes estavam buscando terra e, por meio <strong>de</strong>la,<br />

soluções práticas, diretas, por seus próprios meios, para os seus problemas <strong>de</strong><br />

trabalho e sobrevivência (IANNI, 1979).<br />

A política <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento regional conduzida pelo Estado, para<br />

ocupar essa região <strong>de</strong> fronteira, passou a se confundir com a própria política <strong>de</strong><br />

ocupação e integração da Amazônia. Para viabilizar tal empreendimento, dois<br />

instrumentos foram colocados à disposição dos organismos regionais, quais<br />

sejam, a política financeira <strong>de</strong> incentivos fiscais, sob o controle da<br />

Superintendência <strong>de</strong> Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e do seu agente<br />

5


financeiro, o Banco da Amazônia S/A (BASA); e a política <strong>de</strong> terras e <strong>de</strong><br />

colonização, sob comando do Instituto Nacional <strong>de</strong> Colonização e Reforma<br />

Agrária (INCRA) (ALMEIDA, 1992; OLIVEIRA, 1999).<br />

A ação <strong>de</strong> regularização fundiária, empreendida pelo INCRA, dá-se<br />

pelo reconhecimento <strong>de</strong> antigos títulos e posses; pela regularização <strong>de</strong><br />

invasões, “grilagens” e loteamentos particulares; e pela colonização oficial<br />

(MAGALHÃES, 1982). Consi<strong>de</strong>rando-se o aparato mobilizado pelo Estado,<br />

têm-se, hipoteticamente, satisfeitas as condições básicas (terra, mão-<strong>de</strong>-obra e<br />

infra-estrutura) para que se <strong>de</strong>senvolvesse, com base na produção familiar,<br />

uma pequena agricultura bem sucedida e alcançassem os objetivos dos<br />

projetos <strong>de</strong> colonização. Segundo SANTOS (1989:108),<br />

... as agências <strong>de</strong> colonização se encarregavam da organização da vida social<br />

em vários níveis: o plano das agrovilas, criador <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> vizinhança; as<br />

associações locais, organizadas por funcionários <strong>de</strong> organismos públicos; o<br />

sistema agrícola, imposto sem consulta aos colonos, assim como o processo<br />

<strong>de</strong> trabalho, orientado pelas agências <strong>de</strong> colonização.<br />

Mas isso não foi suficiente para conduzir os colonos aos "novos<br />

tempos" prometidos na mensagem i<strong>de</strong>ológica da colonização. Segundo LÉNA<br />

(1988:110), os projetos <strong>de</strong> colonização representam, <strong>de</strong> maneira geral (isto é,<br />

não somente no Brasil, mas no mundo inteiro), a realização, pelos po<strong>de</strong>res<br />

públicos ou socieda<strong>de</strong>s privadas, <strong>de</strong> uma construção utópica. Com relação aos<br />

agricultores que migraram para Rondônia, <strong>de</strong>corridos quase 30 anos do início<br />

<strong>de</strong>sse processo, observa-se um processo <strong>de</strong> diferenciação interna que nega a<br />

obsessão pela or<strong>de</strong>m, pela organização, pelo geométrico, representada pela<br />

seleção das famílias e pela divisão simétrica dos lotes. A dinâmica social<br />

mostra uma realida<strong>de</strong> diferente na qual sobressai uma diferenciação<br />

socioeconômica dos pequenos produtores entre si e em relação a<br />

comerciantes, empresariado capitalista e proprietários <strong>de</strong> terras. Esta é uma<br />

condição objetiva, que não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da “vonta<strong>de</strong> política” dos planejadores,<br />

nem da “vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhorar a vida” dos agricultores.<br />

6


1.2. O movimento migratório rumo a Rondônia<br />

A colonização <strong>de</strong> Rondônia <strong>de</strong>u-se no ciclo “colonização contra a<br />

Reforma Agrária”, como <strong>de</strong>nominado por SANTOS (1993). O INCRA foi o<br />

órgão governamental responsável pela introdução dos projetos <strong>de</strong> colonização.<br />

Dentre os projetos do governo fe<strong>de</strong>ral, o que mais contribuiu para a<br />

dinamização econômica e social <strong>de</strong> Rondônia foi o <strong>de</strong> infra-estrutura básica<br />

dos transportes rodoviários, que culminou com a conclusão da abertura da BR-<br />

364, em 1966, que ligava Rondônia ao Centro-Sul, Su<strong>de</strong>ste e Nor<strong>de</strong>ste do<br />

Brasil (ALMEIDA,1992; OLIVEIRA, 1999).<br />

O Estado, pelo Decreto-Lei n. o 1.164, <strong>de</strong> 1. o <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1971<br />

(regulamentado em 1972), instituiu que a faixa <strong>de</strong> 100 km <strong>de</strong> cada lado das<br />

rodovias fe<strong>de</strong>rais seria colonizada pelo INCRA. Assim, o órgão passou a ter o<br />

controle sobre as terras que serviram para implantação e operacionalização<br />

dos projetos <strong>de</strong> colonização agrícola, inicialmente por meio <strong>de</strong> três mo<strong>de</strong>los,<br />

quais sejam, Projetos Integrados <strong>de</strong> Colonização (PIC), Projetos <strong>de</strong><br />

Assentamento Dirigido (PAD) e Projetos <strong>de</strong> Assentamento Rápido (PAR), que<br />

se distinguiam por diferentes estratégias fundiárias, implementadas em razão<br />

da dinâmica <strong>de</strong> ocupação (SOUZA FILHO, 1996; PERDIGÃO e BASSEGIO,<br />

1992; MATIAS, 1998).<br />

A colonização oficial foi precedida por intenso processo <strong>de</strong> colonização<br />

espontânea e <strong>de</strong> colonização privada. Segundo HÉBETTE (1988), a<br />

colonização em Rondônia, por meio dos PIC, começou como obra <strong>de</strong><br />

emergência para aten<strong>de</strong>r a colonos enganosamente atraídos por empresas<br />

particulares <strong>de</strong> colonização e por estas <strong>de</strong>ixados nas piores condições <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> e miséria. Esse autor referiu-se às empresas colonizadoras, que, por<br />

meio <strong>de</strong> propagandas, vendiam áreas <strong>de</strong> terras na região, gerando uma<br />

ocupação espontânea e <strong>de</strong>sorganizada <strong>de</strong> terra da União e <strong>de</strong> particulares,<br />

sem amparo legal, ocasionando tensões sociais, conflitos e litígios, o que exigia<br />

a intervenção do governo fe<strong>de</strong>ral, mediante o INCRA (OLIVEIRA, 1999).<br />

O primeiro projeto <strong>de</strong> colonização <strong>de</strong> Rondônia, o PIC Ouro Preto,<br />

localizado nas regiões mais férteis do então Território, foi criado em 19 <strong>de</strong><br />

junho <strong>de</strong> 1970, e nele foram assentadas 5.162 famílias. O Estado propunha<br />

assumir todas as etapas <strong>de</strong> instalação e viabilização do projeto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

7


seleção e o assentamento dos colonos até a produção e comercialização,<br />

assistência técnica e social, além da abertura <strong>de</strong> estradas vicinais e coletoras.<br />

O INCRA alocava uma família nuclear em lotes <strong>de</strong> 50 a 100 ha, 50% dos quais<br />

<strong>de</strong>veriam ser conservados como “reserva florestal” (SOUZA FILHO, 1996;<br />

COY, 1988; MATIAS, 1998; OLIVEIRA, 1999).<br />

No PIC Ouro Preto, o INCRA concentrou o melhor <strong>de</strong> seus esforços,<br />

razão por que foi consi<strong>de</strong>rado, por TAVARES et al. (1972), um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

colonização agrícola. Em conseqüência do efeito-<strong>de</strong>monstração gerado por<br />

esse mo<strong>de</strong>lo, um contingente populacional maior do que o previsto foi atraído<br />

para o Projeto, levando o INCRA a aumentar a área inicialmente prevista, à<br />

medida que a população convergia e, <strong>de</strong> forma espontânea, assentava-se com<br />

seus próprios meios, reproduzindo o mo<strong>de</strong>lo oficial e sendo posteriormente<br />

regularizado pelo INCRA. Outra conseqüência foi a criação, no período <strong>de</strong><br />

1971 a 1975, <strong>de</strong> quatro novos PICs, quais sejam, Sidney Girão, Ji-Paraná,<br />

Paulo Assis Ribeiro e Pe. Adolpho Rohl (SOUZA FILHO, 1996; COY, 1988).<br />

COY (1988) apontou quatro razões para a escolha <strong>de</strong> Rondônia como<br />

região prioritária <strong>de</strong> colonização, a saber:<br />

a localização na continuida<strong>de</strong> da direção do movimento das frentes pioneiras<br />

do Centro-Oeste (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) rumo ao Norte; a<br />

existência da estrada Cuiabá - Porto Velho mantendo essa extensão da frente<br />

pioneira; a situação jurídica das terras <strong>de</strong> Rondônia facilitando a colonização<br />

oficial pela existência <strong>de</strong> uma porcentagem relativamente elevada <strong>de</strong> terras<br />

públicas; a existência <strong>de</strong> terras mais férteis do que <strong>de</strong>ntro da média da região<br />

amazônica... (COY, 1988:175).<br />

Como registraram PERDIGÃO e BASSEGIO (1992), a atração <strong>de</strong><br />

migrantes para Rondônia está relacionada com a expulsão dos pequenos<br />

agricultores do Sul/Su<strong>de</strong>ste do País, em virtu<strong>de</strong> da introdução da mecanização,<br />

do surgimento dos latifúndios e da erradicação dos cafezais no Paraná em<br />

1965, fatos que resultaram na migração <strong>de</strong> uma massa <strong>de</strong> trabalhadores. Por<br />

outro lado, as condições <strong>de</strong> tráfego quase permanente na BR-364 (Cuiabá-<br />

Porto Velho), a existência <strong>de</strong> extensas manchas <strong>de</strong> terras férteis próximas a<br />

essa rodovia e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso a terras <strong>de</strong>volutas, do então Território<br />

<strong>de</strong> Rondônia, foram fatores <strong>de</strong> atração dos migrantes para a região.<br />

Com a implantação dos projetos <strong>de</strong> colonização, intensificou-se o fluxo<br />

migratório rumo a Rondônia, resultando no incremento da população. De 1960<br />

a 1970, a população registrou um crescimento absoluto <strong>de</strong> 43.867 pessoas,<br />

8


que correspon<strong>de</strong>u a uma taxa média geométrica <strong>de</strong> 5,0; no período <strong>de</strong> 1970 a<br />

1980, o incremento populacional foi <strong>de</strong> 379.151 habitantes, isto é, 333,59%<br />

maior em relação ao período anterior, e apresentou a mais alta taxa média<br />

geométrica do País (15,8) significativamente superior à média da região Norte<br />

(5,04) e do Brasil (2,48) (SOUZA FILHO, 1996).<br />

Como visto, o processo <strong>de</strong> colonização agrícola da Amazônia trouxe<br />

para a região um gran<strong>de</strong> contingente humano, que, organizado em famílias,<br />

<strong>de</strong>senvolveu estratégias <strong>de</strong> reprodução, num sistema <strong>de</strong> agricultura familiar.<br />

Segundo SANTOS (1989), po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r a política <strong>de</strong> colonização<br />

enquanto uma política agrária que objetiva ocupar, econômica e socialmente,<br />

novas terras, através do estabelecimento <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s produtivas familiares.<br />

Rondônia e Nova União, em particular, como novos espaços <strong>de</strong> reprodução<br />

social, forjados pelo processo <strong>de</strong> colonização, fornecem condições para situar<br />

o problema <strong>de</strong> pesquisa estudado.<br />

1.3. O migrante em estudo<br />

A fronteira agrícola, como alternativa <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> acesso à terra,<br />

atraiu migrantes interessados em adquirir terra e assumir o papel <strong>de</strong> pequeno<br />

produtor e também outros interessados em inserir em uma das formas sociais<br />

<strong>de</strong> produção que a fronteira oferecia. Os migrantes que vieram para Rondônia<br />

foram assim <strong>de</strong>scritos:<br />

... Em poucos anos chegaram muitos trabalhadores rurais e seus familiares, em<br />

busca <strong>de</strong> terras para ocupar, morar e lavrar. Também chegaram pequenos,<br />

médios e gran<strong>de</strong>s empresários, ao lado dos comerciantes <strong>de</strong> terras, grileiros,<br />

jagunços, funcionários governamentais, engenheiros, agrônomos, gerentes.<br />

Mas o que predominou foi o trabalhador rural, com sua família, em busca <strong>de</strong><br />

terra boa para formar roça e criação.<br />

... são <strong>de</strong> várias procedências os migrantes que chegaram a Rondônia nos<br />

últimos anos. Alguns vieram do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, outros do Espírito Santo, e<br />

assim por diante ... Alguns dos novos colonos são antigos comerciantes -<br />

produtores <strong>de</strong> vilarejos <strong>de</strong> áreas pobre, secas do Espírito Santo e Minas<br />

Gerais. Eles guiam seus próprios caminhões até Rondônia, carregando o pau<strong>de</strong>-arara<br />

com parentes, compadres e peões para auxiliar no trabalho brutal <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sbastar e queimar a floresta. Outros são pequenos agricultores do Paraná e<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, muitos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> imigrantes italianos e alemães que<br />

há um século vieram para o Brasil, ainda praticando uma agricultura <strong>de</strong><br />

subsistência; enquanto outros já sonham com a transformação <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />

milhares <strong>de</strong> hectares em estabelecimentos pecuários... (Gall, citado por IANNI,<br />

1979:19-20).<br />

9


Foram esses atores sociais, representantes <strong>de</strong> uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

procedência geográfica quanto <strong>de</strong> condição social, que protagonizaram os<br />

conflitos presentes no processo <strong>de</strong> colonização. As famílias que migraram para<br />

a Amazônia enfrentaram problemas socioeconômicos resultantes <strong>de</strong> caracteres<br />

específicos da região, tais como restrições geográficas, insuficiência <strong>de</strong> infra-<br />

estrutura, doenças tropicais e problemas relativos ao contexto nacional, como<br />

comercialização e financiamento. Ao trabalharem em família, esses agricultores<br />

se caracterizam por <strong>de</strong>ter os seus meios <strong>de</strong> produção e por trabalharem<br />

diretamente no estabelecimento rural.<br />

Neste estudo, os sujeitos são agricultores que, com o <strong>de</strong>slocamento<br />

migratório no espaço social brasileiro, <strong>de</strong>monstraram que, on<strong>de</strong> quer que<br />

estivessem, queriam realizar seu sonho <strong>de</strong> possuir um lote <strong>de</strong> terra para<br />

trabalhar com sua família. Há, entre eles, os que <strong>de</strong>sistiram da permanência na<br />

Amazônia, "colonos retornados", “colonos <strong>de</strong>siludidos”, como <strong>de</strong>nominados por<br />

SANTOS (1993), que se referia aos que voltaram a suas origens no Sul.<br />

Há, porém, os que ficaram. Estes, embora, em geral, tenham<br />

empreendido uma trajetória <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> espacial interna, realizaram o "sonho<br />

da terra" (SANTOS, 1993) e buscaram a consolidação do seu “projeto <strong>de</strong> vida”<br />

(LÉNA, 1991). Seriam os “colonos persistentes”, po<strong>de</strong>r-se-ia assim dizer.<br />

Começaram uma nova luta pela sua consolidação, estabilização econômica e<br />

social, situação esta que buscaram alcançar a partir <strong>de</strong> suas estratégias<br />

reprodutivas, integrando terra, família e trabalho num sistema <strong>de</strong> produção<br />

familiar na agricultura.<br />

Ao propor o estudo da trajetória migratória dos agricultores familiares<br />

que se <strong>de</strong>slocaram para Rondônia e as estratégias <strong>de</strong> reprodução social por<br />

eles utilizadas, parte-se do pressuposto que aqueles que permaneceram na<br />

região alcançaram relativo sucesso ou ainda não <strong>de</strong>sistiram <strong>de</strong> buscá-lo.<br />

1.4 . O problema e sua importância<br />

Em Nova União e em diversas áreas <strong>de</strong> colonização em Rondônia, as<br />

famílias rurais migrantes encontram-se em estágios diferenciados <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento socioeconômico, exercendo, por meio <strong>de</strong> uma estrutura<br />

produtiva, ativida<strong>de</strong>s características da agricultura familiar, consi<strong>de</strong>rando-se a<br />

10


abrangência da noção conceitual da agricultura familiar, aqui entendida no<br />

sentido da agricultura praticada por unida<strong>de</strong>s familiares que têm como atributos<br />

comuns a proprieda<strong>de</strong> dos meios <strong>de</strong> produção, o trabalho na terra, as<br />

modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção e a manifestação <strong>de</strong> valores e tradições (patrimônio<br />

sociocultural) em torno da família e para esta (TEDESCO, 1999).<br />

A dinâmica das transformações ocorridas em Rondônia caracterizou-se<br />

por esse sistema <strong>de</strong> produção, visto que as unida<strong>de</strong>s familiares foram<br />

responsáveis, em 1985, por 94% da <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> recursos humanos gerados<br />

pelo setor agropecuário e por 59% da área apropriada pelo conjunto <strong>de</strong> todas<br />

as unida<strong>de</strong>s produtivas existentes no Estado. Esses 59% das terras foram<br />

responsáveis por 88% do valor da produção, incluindo-se nesse total a<br />

produção animal e vegetal. Tal processo esteve baseado no cultivo <strong>de</strong> lavouras<br />

anuais e, principalmente, no incremento do cultivo <strong>de</strong> lavouras permanentes e<br />

no aumento da área <strong>de</strong> pastagens para exploração com a criação bovina. De<br />

um rebanho bovino <strong>de</strong> 770.531 reses existentes em Rondônia, em 1985, 57%<br />

encontravam-se como criação das unida<strong>de</strong>s produtivas familiares (SOUZA<br />

FILHO, 1996).<br />

Os estudos sobre as estratégias familiares em áreas <strong>de</strong> colonização<br />

oficial na Amazônia (TAVARES, 1972; CONTINI, 1976; DIAS e CASTRO, 1977;<br />

CARDOSO e MULLER, 1977; MAHAR, 1978) têm privilegiado a abordagem<br />

socioeconômica, com ênfase na competição entre o modo <strong>de</strong> produção<br />

camponês e capitalista, tendo a família como unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção, sem<br />

consi<strong>de</strong>rar a dinâmica da unida<strong>de</strong> familiar, com relação às aspirações e às<br />

<strong>de</strong>cisões do chefe da família e <strong>de</strong> seus membros, baseadas em lógicas<br />

socioculturais. Nessa perspectiva, D’INCAO (1994) consi<strong>de</strong>rou que esta<br />

relação parece ser importante para que se possa compreen<strong>de</strong>r, por exemplo,<br />

práticas culturais que levam a maior ou menor eficácia das unida<strong>de</strong>s produtivas<br />

familiares, e que se situam em níveis distintos das propriamente econômicas e<br />

políticas.<br />

Por outro lado, em estudos sobre o processo migratório para a região,<br />

LÉNA (1991) observou que os migrantes passaram por várias etapas<br />

migratórias e acumularam algum capital, antes da chegada a Rondônia. A<br />

acumulação anterior e a mobilida<strong>de</strong> espacial interna são situações que po<strong>de</strong>m<br />

11


explicar a diferenciação observada nos estágios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

socioeconômico.<br />

Não se trata, pois, <strong>de</strong> <strong>de</strong>scartar as variáveis econômicas, mas somar a<br />

elas as variáveis culturais, uma vez que a realida<strong>de</strong> conhecida por meio <strong>de</strong><br />

estudos realizados, em áreas <strong>de</strong> colonização oficial em Rondônia (LÉNA, 1991;<br />

COY, 1988; OLIVEIRA et al., 1995; MONTEIRO et al., 1997), evi<strong>de</strong>ncia que,<br />

para empreen<strong>de</strong>r um processo <strong>de</strong> acumulação e ascensão social, as famílias<br />

migrantes <strong>de</strong>senvolvem uma trajetória socioeconômica baseada, <strong>de</strong>ntre outras,<br />

em estratégias <strong>de</strong> caráter econômico, tais como: 1) capitalização, mediante<br />

compra e venda <strong>de</strong> terra; 2) pecuária e culturas perenes como ativida<strong>de</strong>s<br />

econômicas principais; 3) venda <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra; 4) gado, como poupança.<br />

Para WANDERLEY (1996),<br />

... um dos eixos centrais da associação camponesa entre família, produção e<br />

trabalho é a expectativa <strong>de</strong> que todo investimento em recursos materiais e <strong>de</strong><br />

trabalho <strong>de</strong>spendido na unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção, pela geração atual, possa vir a<br />

ser transmitido à geração seguinte, garantindo a esta, as condições <strong>de</strong> sua<br />

sobrevivência...<br />

Consi<strong>de</strong>rando-se esses aspectos, faz sentido buscar a compreensão<br />

das estratégias da família em relação à manutenção do patrimônio fundiário e à<br />

alocação dos seus diversos membros no interior do estabelecimento ou fora<br />

<strong>de</strong>le, uma vez que essas estratégias, <strong>de</strong>ntre outras, são fortemente orientadas<br />

pelo objetivo, no médio ou longo prazo, da sucessão entre gerações.<br />

Tendo em vista que as unida<strong>de</strong>s familiares <strong>de</strong> produção da agricultura<br />

familiar são constituídas por unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção e que a produção é<br />

organizada em torno dos membros da família, este trabalho orienta-se pela<br />

seguinte hipótese: O agricultor familiar estaria adotando, como nova<br />

perspectiva <strong>de</strong> reprodução social, a pluriativida<strong>de</strong> (prática <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> extra-<br />

agrícola) como uma das estratégias que visam, ao mesmo tempo, assegurar<br />

sua sobrevivência imediata e garantir a reprodução das gerações futuras.<br />

Na promoção do <strong>de</strong>senvolvimento rural, os serviços <strong>de</strong> Pesquisa<br />

Agropecuária e Extensão Rural têm a atribuição <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r ao <strong>de</strong>safio da<br />

promoção do <strong>de</strong>senvolvimento socioeconômico da pequena agricultura com a<br />

utilização <strong>de</strong> várias estratégias <strong>de</strong> intervenção. Uma <strong>de</strong>ssas estratégias<br />

consiste em iniciar o processo nas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção, valorizando, ao<br />

mesmo tempo, a experiência dos produtores e os avanços da pesquisa. Neste<br />

12


sentido, coloca-se a importância <strong>de</strong> conhecer quem é esse produtor e suas<br />

lógicas produtivas e familiares.<br />

Nesse contexto, o problema <strong>de</strong>sta pesquisa situa-se em torno da<br />

complexa relação entre a família, enquanto grupo doméstico <strong>de</strong> convívio e <strong>de</strong><br />

trabalho, tendo-se, por um lado, o processo produtivo, fundamentado numa<br />

racionalida<strong>de</strong> técnica, produtivista e econômica, e, por outro, a unida<strong>de</strong> familiar<br />

movida por lógicas familiares <strong>de</strong> caráter sociocultural. O problema <strong>de</strong> pesquisa<br />

foi sintetizado na seguinte questão: Obtido o acesso a terra, <strong>de</strong> que forma as<br />

famílias <strong>de</strong>senvolveram suas estratégias <strong>de</strong> reprodução social, com vistas na<br />

sua organização e inserção na ativida<strong>de</strong> produtiva e na promoção social?<br />

1.5. Objetivos do estudo<br />

1.5.1. Objetivo geral<br />

I<strong>de</strong>ntificar elementos que expressam a lógica das estratégias <strong>de</strong><br />

reprodução social e que geraram diferentes trajetórias sociais <strong>de</strong> agricultores<br />

familiares no processo <strong>de</strong> colonização da fronteira agrícola amazônica.<br />

1.5.2. Objetivos específicos<br />

Descrever e analisar a trajetória migratória das famílias, por meio da<br />

i<strong>de</strong>ntificação das etapas migratórias e do processo <strong>de</strong> acumulação;<br />

Descrever e analisar, sob o aspecto da fragmentação ou expansão, a<br />

trajetória fundiária do estabelecimento agrícola familiar;<br />

I<strong>de</strong>ntificar, <strong>de</strong>screver e analisar as estratégias da organização do trabalho do<br />

grupo familiar na prática, ou não, <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s não-agrícolas (pluriativida<strong>de</strong>);<br />

e<br />

I<strong>de</strong>ntificar, <strong>de</strong>screver e analisar as estratégias <strong>de</strong> encaminhamento e as<br />

trajetórias dos filhos.<br />

13


2. REFERENCIAL TEÓRICO<br />

2.1. A fronteira como espaço <strong>de</strong> reprodução e diferenciação social<br />

As diferentes abordagens teóricas <strong>de</strong> fronteira situam-se no âmbito dos<br />

estudos <strong>de</strong> economistas, geógrafos, antropólogos e sociólogos, <strong>de</strong>ntre outros<br />

pesquisadores. VELHO (1972), SAWYER (1988), BECKER (1994) e MARTINS<br />

(1997) são alguns dos autores que têm discutido o assunto, que se revela<br />

complexo e heterogêneo, dadas as suas diferentes concepções. Uma <strong>de</strong>las<br />

polariza-se entre frente pioneira (ou zona pioneira) e frente <strong>de</strong> expansão,<br />

conforme distinção feita por MARTINS (1997).<br />

Segundo MARTINS (1997), quando os geógrafos se referem à frente<br />

pioneira, estão falando <strong>de</strong> uma das faces da reprodução ampliada do capital,<br />

ou seja, a sua reprodução extensiva e territorial, essencialmente, mediante a<br />

conversão da terra em mercadoria; já os antropólogos, quando se referem à<br />

frente <strong>de</strong> expansão, falam <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> expansão do capital que não po<strong>de</strong><br />

ser qualificada como caracteristicamente capitalista, porque se baseia num<br />

sistema <strong>de</strong> trocas e <strong>de</strong> comércio que nem sempre envolve dinheiro (MARTINS,<br />

1997).<br />

Segundo MARTINS (1997), a concepção <strong>de</strong> frente pioneira<br />

... compreen<strong>de</strong> implicitamente a idéia <strong>de</strong> que na fronteira se cria o novo, nova<br />

sociabilida<strong>de</strong>, fundada no mercado e na contratualida<strong>de</strong> das relações sociais...<br />

(...) a frente pioneira é mais que o <strong>de</strong>slocamento da população sobre territórios<br />

novos... (...) é também a situação espacial e social que convida ou induz à<br />

14


mo<strong>de</strong>rnização, à formulação <strong>de</strong> novas concepções <strong>de</strong> vida, à mudança social<br />

MARTINS (1997:153).<br />

Em estudo sobre a década <strong>de</strong> colonização agrícola dos anos 70,<br />

ALMEIDA (1992) <strong>de</strong>nominou a ocupação amazônica por pequenos produtores<br />

como “fronteira social”, visto que o acesso à terra barata na fronteira teria sido<br />

uma política social bem sucedida para os seus beneficiários diretos.<br />

Consi<strong>de</strong>rando-se as diferentes abordagens <strong>de</strong> fronteira, enten<strong>de</strong>-se<br />

que a ocupação da Amazônia, no processo <strong>de</strong> colonização dirigida, constitui<br />

uma frente pioneira <strong>de</strong> caráter agrícola. Nessa perspectiva situa-se a análise<br />

das estratégias reprodutivas <strong>de</strong> agricultores, participantes do processo <strong>de</strong><br />

colonização em Rondônia.<br />

A fronteira agrícola amazônica constitui, para o agricultor migrante, um<br />

campo <strong>de</strong> forças contraditórias, no qual ele vai buscar o seu espaço <strong>de</strong><br />

sobrevivência, manter-se e reproduzir-se. As motivações e as estratégias dos<br />

indivíduos, famílias e grupos sociais envolvidos [no processo <strong>de</strong> colonização]<br />

são consi<strong>de</strong>radas, por WANDERLEY (1998), como questões centrais nos<br />

estudos sobre a agricultura familiar, no que se refere à significação das<br />

fronteiras.<br />

Nessa busca <strong>de</strong> estabelecer-se, produzir e reproduzir-se em uma<br />

frente pioneira, o colono ultrapassa várias etapas. A etapa inicial <strong>de</strong> adaptação<br />

às novas terras, nos quatro ou cinco primeiros anos, foi <strong>de</strong>nominada, por LÉNA<br />

(1991), <strong>de</strong> “zona <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong>”. MORAN (1986) consi<strong>de</strong>rou que, nos cinco<br />

primeiros anos, os colonos passam por um estágio <strong>de</strong> “teste do passado”, no<br />

qual reproduzem, no novo meio ambiente, as formas <strong>de</strong> produção agrícola que<br />

lhes são familiares. Na segunda fase, <strong>de</strong> consolidação da proprieda<strong>de</strong> da terra,<br />

o <strong>de</strong>safio é integrar-se ao ambiente econômico-institucional que o envolve. Na<br />

relação do colono com o mercado, estabelece-se a diferenciação social pela<br />

varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reações <strong>de</strong>stes a esse ambiente, diferenças que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m das<br />

influências que o colono traz <strong>de</strong> outros ambientes on<strong>de</strong> esteve, como também<br />

<strong>de</strong> suas características individuais, tais como ida<strong>de</strong>, tamanho do grupo familiar,<br />

força <strong>de</strong> trabalho disponível, tempo no lote, área <strong>de</strong> terra já <strong>de</strong>smatada, nível<br />

<strong>de</strong> educação formal e inúmeros fatores que alteram o seu <strong>de</strong>sempenho<br />

agrícola (ALMEIDA, 1992).<br />

15


A expressão diferenciação social, na literatura sociológica, tem sido<br />

relacionada com os processos <strong>de</strong> especialização e evolução. EISENSTADT<br />

(1970) consi<strong>de</strong>rou a diferenciação como processo, unindo-a à idéia <strong>de</strong><br />

evolução, como principal tendência das mudanças sociais. O conceito <strong>de</strong>screve<br />

o modo como as principais funções sociais se dissociam, agregam a papéis e a<br />

ativida<strong>de</strong>s especializadas, e organizam em estruturas relativamente específicas<br />

e simbolicamente autônomas <strong>de</strong>ntro dos limites do próprio sistema<br />

institucionalizado.<br />

Parece ser possível relacionar diferenciação, como processo, com a<br />

situação estudada, uma vez que, na socieda<strong>de</strong> camponesa, os principais<br />

papéis são atribuídos a unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> parentesco e a familiares, nas quais se<br />

baseia, primariamente, a divisão do trabalho. Assim, as trajetórias traçadas<br />

pelos migrantes, sejam elas ascen<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes ou <strong>de</strong> estagnação,<br />

correspon<strong>de</strong>riam ao nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento alcançado por meio <strong>de</strong> vários<br />

estágios <strong>de</strong> especialização e diferenciação.<br />

BARBOSA (1988), em estudo sobre o Médio Solimões, no Amazonas,<br />

observou que o processo <strong>de</strong> diferenciação social na fronteira se manifesta pela<br />

apropriação fundiária, pela trajetória social <strong>de</strong> indivíduos ou dos grupos<br />

pertencentes à produção mercantil, e pela inserção no mercado (trabalho<br />

assalariado em empresas).<br />

SANTOS (1993:156) i<strong>de</strong>ntificou uma dupla diferenciação social entre<br />

colonos, a saber: 1) Diferenciação social horizontal, estabelecida a partir dos<br />

diferentes estatutos da terra e do momento <strong>de</strong> chegada ao programa <strong>de</strong><br />

colonização; e 2) Diferenciação social vertical, que permite classificar os<br />

colonos em “empobrecidos”, “fracos” e “fortes”. Essas categorias foram<br />

construídas a partir dos seguintes critérios: a) Volume e qualida<strong>de</strong> dos recursos<br />

trazidos; b) Tamanho da família e momento do seu ciclo <strong>de</strong> vida; e c)<br />

Envolvimento em ativida<strong>de</strong>s complementares, cuja renda contribua para a<br />

sobrevivência do grupo, assim como para a melhoria do estabelecimento.<br />

Em Rondônia, constatam-se processos <strong>de</strong> diferenciação social no<br />

campo, que reproduzem as estruturas socioeconômicas das regiões <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

vieram os migrantes em busca <strong>de</strong> uma "estratégia camponesa <strong>de</strong><br />

sobrevivência" às frentes pioneiras (COY, 1988). Enten<strong>de</strong>-se, pois, que o<br />

processo <strong>de</strong> diferenciação esteja estritamente relacionado com as estratégias<br />

16


adotadas pelas famílias migrantes, já que o <strong>de</strong>safio primeiro, enfrentado por<br />

elas, é o da sobrevivência <strong>de</strong> seus membros.<br />

2.2. A família como unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reprodução social<br />

Estudos sobre reprodução social e família como unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção e<br />

reprodução social constituem a base teórica e conceitual fundamental à<br />

reflexão que se preten<strong>de</strong> realizar.<br />

Diferentes significações são atribuídas ao termo reprodução social<br />

nas ciências sociais. Na perspectiva marxista, os processos produtivos e<br />

reprodutivos são concebidos como simultâneos, já que uma socieda<strong>de</strong> não<br />

po<strong>de</strong> parar <strong>de</strong> consumir nem <strong>de</strong> produzir, por isso, todo processo social <strong>de</strong><br />

produção é, ao mesmo tempo, um processo <strong>de</strong> reprodução (MARX, 1982),<br />

razão pela qual reprodução significa continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção.<br />

O problema da reprodução é um dos aspectos cruciais da teoria<br />

marxista <strong>de</strong> exploração capitalista do trabalho assalariado e <strong>de</strong> força <strong>de</strong><br />

trabalho como mercadoria. Pela lógica <strong>de</strong> reprodução do capital,<br />

a força <strong>de</strong> trabalho é a única mercadoria cujo preço, fixado <strong>de</strong>ntro do sistema<br />

<strong>de</strong> preço <strong>de</strong> mercadoria, como estudado pela economia clássica, expressa um<br />

valor <strong>de</strong> troca que é muito mais baixo do que o valor total criado durante o<br />

processo <strong>de</strong> trabalho (MARX, 1982).<br />

Quando esta lógica capitalista - que, a um só tempo, articula a<br />

expropriação e a exploração do trabalhador - se aplica ao camponês, a sua<br />

mercadoria é o “produto do trabalho”, enquanto a mercadoria do operário é a<br />

sua “força <strong>de</strong> trabalho”, que se po<strong>de</strong> comprar e ven<strong>de</strong>r (MARTINS, 1997).<br />

Nesse contexto, a produção agrícola, no primeiro caso, e o salário, no<br />

segundo, são elementos que <strong>de</strong>vem garantir a reprodução das condições <strong>de</strong><br />

subsistência do trabalhador e <strong>de</strong> sua família.<br />

É neste ponto da formulação <strong>de</strong> sua teoria que Marx encara a questão<br />

da reprodução social, conforme analisou MINGIONE (1991):<br />

... para continuar provendo a sua força <strong>de</strong> trabalho, os trabalhadores tem que<br />

ser capazes <strong>de</strong> sobreviver, têm que gerar filhos e criá-los como a próxima<br />

geração <strong>de</strong> trabalhadores; esta é a razão pela qual o Marx usa o termo<br />

reprodução e não produção no caso da força <strong>de</strong> trabalho.<br />

Por outro lado, Marx não consi<strong>de</strong>rou a reprodução apenas no aspecto<br />

material e produtivista, em que o modo <strong>de</strong> produção da vida material<br />

17


condiciona o processo em geral <strong>de</strong> vida social, político e espiritual (MARX,<br />

1982:25), ou seja, não é apenas a produção <strong>de</strong> exce<strong>de</strong>ntes materiais que está<br />

em jogo, visto que as socieda<strong>de</strong>s reproduzem também as condições sociais<br />

específicas da sua existência.<br />

Outra vertente clássica da reprodução social se encontra em<br />

CHAYANOV (1981). Na sua teoria dos sistemas econômicos não-capitalistas,<br />

ele analisou alguns aspectos da racionalida<strong>de</strong> camponesa. A concepção básica<br />

da teoria chayanoviana fundamenta-se na auto-exploração do grupo<br />

doméstico, <strong>de</strong>terminada pela relação <strong>de</strong> equilíbrio entre a satisfação da<br />

<strong>de</strong>manda familiar e a própria penosida<strong>de</strong> do trabalho. Dessa forma, enquanto<br />

não atingir o equilíbrio entre esses dois elementos, a família, que trabalha sem<br />

utilizar trabalho pago, tem motivos para prosseguir em sua ativida<strong>de</strong><br />

econômica. Nesse contexto, discute-se o papel atribuído à estrutura do grupo<br />

familiar, que seria o <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a força <strong>de</strong> trabalho e o nível <strong>de</strong> consumo,<br />

<strong>de</strong>rivando-se, daí, o <strong>de</strong>sempenho produtivo <strong>de</strong>ssas unida<strong>de</strong>s econômicas:<br />

A quantida<strong>de</strong> do produto do trabalho é <strong>de</strong>terminada principalmente pelo<br />

tamanho e a composição da família trabalhadora, o número <strong>de</strong> seus membros<br />

capazes <strong>de</strong> trabalhar, e, além disso, pela produtivida<strong>de</strong> da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho<br />

e – isso é especialmente importante – pelo grau <strong>de</strong> esforço do trabalho, o grau<br />

<strong>de</strong> auto-exploração através do qual os membros trabalhadores realizam certa<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho durante o ano (CHAYANOV, 1981:138).<br />

A idéia contida nessa concepção teórica é a <strong>de</strong> que os integrantes da<br />

unida<strong>de</strong> doméstica e <strong>de</strong> convivência no meio rural organizam seus processos<br />

<strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> relações mediante acordos básicos relacionados com<br />

composição da família, necessida<strong>de</strong>s econômicas, e distribuição da força <strong>de</strong><br />

trabalho, da variável <strong>de</strong>mográfica e etária, <strong>de</strong> maneira tal que lhes permitam<br />

proporcionar um equilíbrio interno para a família.<br />

As teorizações e as análises clássicas dos modos <strong>de</strong> reprodução<br />

social, como visto, admitem que ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stinadas a produzir renda<br />

monetária constituam fator central exclusivo na estruturação e na explicação da<br />

or<strong>de</strong>m social em diferentes tipos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s.<br />

Contemporaneamente, um dos críticos <strong>de</strong>ssas abordagens clássicas<br />

foi MINGIONE (1991), para quem os estudos sociológicos e históricos <strong>de</strong> vida<br />

familiar e dos padrões <strong>de</strong> consumo são muito importantes para enten<strong>de</strong>r e<br />

teorizar sobre a reprodução social. As mudanças que vêm ocorrendo no mundo<br />

remetem à análise teórica da mudança e da diversida<strong>de</strong> dos padrões <strong>de</strong><br />

18


eprodução social. Este autor consi<strong>de</strong>rou que uma análise especializada da<br />

família ou <strong>de</strong> vários padrões <strong>de</strong> consumo, sem o suporte <strong>de</strong> uma teoria <strong>de</strong><br />

reprodução social, não é prejudicial ou errado, mas fator limitante. Por serem<br />

indiretas, e quase sempre inconscientes, elas [as análises] emprestam crédito<br />

a uma visão estritamente "economicista" da vida social.<br />

MINGIONE (1991) afirmou que rendas monetárias, embora<br />

importantes, não são a<strong>de</strong>quadas para explicar estratégias <strong>de</strong> vida e dos<br />

padrões viventes. A hipótese é que os sistemas sociais contemporâneos não<br />

po<strong>de</strong>m ser entendidos, completamente, a partir <strong>de</strong> uma análise <strong>de</strong> estrutura<br />

ocupacional (profissional) e suas mudanças. Consi<strong>de</strong>rou indispensável buscar<br />

explicações para a heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> trabalho, bem como para o<br />

significado <strong>de</strong> trabalho doméstico não-remunerado, afinida<strong>de</strong>, amiza<strong>de</strong> e<br />

solidarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> e muitos outros fenômenos.<br />

O conceito <strong>de</strong> reprodução social, nesta análise, expressou as diversas<br />

condições e relações organizacionais que permitem aos seres humanos<br />

sobreviver em vários contextos social e grupal (MINGIONE, 1991:124). Neste<br />

sentido, po<strong>de</strong>-se entendê-lo como sinônimo <strong>de</strong> estratégia <strong>de</strong> sobrevivência.<br />

A unida<strong>de</strong> básica <strong>de</strong> reprodução social está localizada na unida<strong>de</strong><br />

familiar. O conceito <strong>de</strong> família tem diferentes conotações, <strong>de</strong> acordo com a<br />

natureza do estudo a ser empreendido. Família e parentesco são conceitos que<br />

estão estreitamente relacionados. Segundo LABURTE-TOLRA e WARNIER<br />

(1997:105), a organização do parentesco concretiza-se nos diferentes tipos <strong>de</strong><br />

família e, no sentido estrito da palavra, o conceito <strong>de</strong> família é:<br />

o fato <strong>de</strong> que<br />

um grupo <strong>de</strong> pessoas ligadas pelo sangue, pelo casamento, ou pela adoção e<br />

habitualmente residindo junto, tendo por objetivo a sobrevivência econômica, a<br />

i<strong>de</strong>ntificação individual e coletiva, e a criação <strong>de</strong> eventuais rebentos. Mas toda<br />

família concreta modifica-se e se <strong>de</strong>sfaz sem cessar, ao passo que o sistema<br />

<strong>de</strong> parentesco perdura.<br />

Para BOURDIEU (1996:131), a família<br />

tem um papel <strong>de</strong>terminante na manutenção da or<strong>de</strong>m social, na reprodução<br />

não apenas biológica , mas social, isto é, na reprodução da estrutura do<br />

espaço social e das relações sociais. Ela é um dos lugares por excelência <strong>de</strong><br />

acumulação do capital sob seus diferentes tipos e <strong>de</strong> sua transmissão entre as<br />

gerações: ela resguarda sua unida<strong>de</strong> pela transmissão e para a transmissão,<br />

para po<strong>de</strong>r transmitir e porque ela po<strong>de</strong> transmitir. Ela é o “sujeito” principal das<br />

estratégias <strong>de</strong> reprodução.<br />

MINGIONE (1991:132) corroborou essa afirmativa, porém, alertou para<br />

19


a unida<strong>de</strong> familiar não po<strong>de</strong> ser vista, simplesmente, como uma unida<strong>de</strong><br />

estatística, ou física <strong>de</strong> co-residência, mas <strong>de</strong>ve ser vista como um local <strong>de</strong><br />

mudança nas relações sociais, que estabelecem uma gama <strong>de</strong> obrigações<br />

mútuas (basicamente, uma forma recíproca <strong>de</strong> organização social) no sentido<br />

<strong>de</strong> ajudar seus membros a sobreviver.<br />

Nesse sentido, sobrevivência não é só intencional, mas inclui também<br />

estratégias para promover o bem-estar e a possível mobilida<strong>de</strong> social.<br />

a) Estratégias e habitus na reprodução social<br />

Um conjunto <strong>de</strong> estratégias é empreendido pelas unida<strong>de</strong>s familiares,<br />

com vistas na sobrevivência. Tais estratégias, como, por exemplo,<br />

matrimoniais, <strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong>, educativas, econômicas, etc., não têm regras<br />

claramente <strong>de</strong>finidas, mas apresentam <strong>de</strong> formas variadas e como alternativas<br />

que regem a reprodução da unida<strong>de</strong> familiar.<br />

Estratégia e habitus são noções teóricas elaboradas por BOURDIEU<br />

(1990, 1996), em sua teoria da ação. Ambas são empregadas como uma<br />

espécie <strong>de</strong> senso prático do que se <strong>de</strong>ve fazer em dada situação, como sentido<br />

do jogo. A noção <strong>de</strong> habitus, proposta por BOURDIEU (1996:170),<br />

implica dizer que a maior parte das ações humanas tem por base algo diferente<br />

da intenção, isto é, adquiridas que fazem com que a ação possa e <strong>de</strong>va ser<br />

interpretada como orientada em direção a tal ou qual fim, sem que se possa,<br />

entretanto, dizer que ela tenha por princípio a busca consciente <strong>de</strong>sse objetivo.<br />

É nesse sentido <strong>de</strong> disposições como ação consciente que se<br />

analisaram as estratégias familiares. As estratégias mantêm vínculos estreitos<br />

com o habitus gerado pelas estruturas objetivas promotoras <strong>de</strong> práticas<br />

individuais que constituem o âmbito familiar (TEDESCO, 1999).<br />

b) Da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> parentesco ao individualismo na unida<strong>de</strong> familiar<br />

A abordagem teórica até então <strong>de</strong>senvolvida tem situado a unida<strong>de</strong><br />

familiar como “sujeito” principal das estratégias <strong>de</strong> reprodução, que, ao mesmo<br />

tempo, age como um “sujeito coletivo” em atos econômicos. Nessa situação, a<br />

família é o lugar <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>nte, que se manifesta<br />

em <strong>de</strong>cisões coletivas e (...) seus membros se sentem levados a agir como<br />

parte <strong>de</strong> um corpo unido (BOURDIEU, 1996:131).<br />

Porém, importa também compreen<strong>de</strong>r a família como um universo,<br />

cujos membros estão unidos por intensos laços afetivos, o qual transcen<strong>de</strong> a<br />

racionalida<strong>de</strong> econômica. Segundo BOURDIEU (1996:130), as estruturas <strong>de</strong><br />

20


parentesco e a família como corpo só po<strong>de</strong>m se perpetuar ao preço <strong>de</strong> uma<br />

criação continuada do sentimento familiar. Seria esse sentimento familiar,<br />

aliado ao agir como sujeito coletivo, que teria norteado a migração <strong>de</strong> grupos<br />

familiares rumo à fronteira?<br />

A relação entre os movimentos migratórios e o parentesco foi abordada<br />

por WOORTMANN (1995:116), para quem<br />

a emigração é, ao mesmo tempo, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada por e organizada pelo sistema<br />

<strong>de</strong> parentesco: uma dimensão <strong>de</strong>sse sistema, como o padrão <strong>de</strong> herança,<br />

expulsa pessoas; outra dimensão, o „espírito <strong>de</strong> parentesco‟ faz com que a<br />

migração se faça através <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> parentes (irmãos, primos, etc., assim<br />

como afins) que irão replicar o mo<strong>de</strong>lo em outro lugar – para em seguida,<br />

recomeçar tudo <strong>de</strong> novo.<br />

Fala-se muito, na atualida<strong>de</strong>, em transformações na articulação das<br />

relações familiares, que estariam sendo afetadas pelo processo <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>rnização e urbanização da socieda<strong>de</strong>, e pela sua conseqüente re<strong>de</strong>finição<br />

na organização técnica, econômica e política do processo social como um todo.<br />

Segundo MINGIONE (1998), as socieda<strong>de</strong>s contemporâneas<br />

encontram-se no final <strong>de</strong> um ciclo histórico que testemunhou a prevalência <strong>de</strong><br />

fatores organizacionais associativos, transitando <strong>de</strong>ste para um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

socieda<strong>de</strong> mais fragmentada e heterogênea. Dois dos principais elementos<br />

<strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> fatores associativos padronizados foram a família nuclear,<br />

fundada no sistema <strong>de</strong> provedor único, e o individualismo familístico<br />

(investimento na mobilida<strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>nte entre gerações dos filhos do sexo<br />

masculino). Esse autor consi<strong>de</strong>rou que, em razão da transição atual dos<br />

regimes <strong>de</strong> emprego, já não são a<strong>de</strong>quadas as formas <strong>de</strong> seleção, divisão e<br />

proteção da mão-<strong>de</strong>-obra disponível <strong>de</strong> famílias nucleares sustentadas pelo<br />

salário <strong>de</strong> um único provedor.<br />

Ao analisar mudanças nas estratégias <strong>de</strong> reprodução em diferentes<br />

socieda<strong>de</strong>s, MINGIONE (1991:190) concluiu que a era industrial proporcionou<br />

o aumento potencial <strong>de</strong> procura <strong>de</strong> renda individual, principalmente na forma <strong>de</strong><br />

salários, fora do sistema econômico da unida<strong>de</strong> doméstica, provocando<br />

gran<strong>de</strong>s mudanças na organização <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s industriais comparada com<br />

as pré-industriais. Ressaltou, porém, que as estratégias <strong>de</strong> reprodução<br />

permaneceram basicamente sujeitas a padrões <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong>, que, por sua<br />

vez, mudaram para acomodar as crescentes pressões <strong>de</strong> comportamento<br />

individualista.<br />

21


As mudanças na socieda<strong>de</strong> global estariam, pois, interferindo nas<br />

socieda<strong>de</strong>s locais. Segundo LABURTE-TOLRA e WARNIER (1997:106), no<br />

mundo inteiro, os sistemas familiais encontram-se em plena evolução. Tal<br />

evolução está relacionada com um rompimento do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> parentesco, em<br />

conseqüência <strong>de</strong> diversos fatores, <strong>de</strong>ntre os quais a transformação dos<br />

regimes <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, que favorecem a ascensão do individualismo.<br />

É nesse sentido que trajetórias individuais também condicionam as<br />

relações em família. O individualismo seria fator diferencial das trajetórias<br />

individuais <strong>de</strong> agentes submetidos às contingências <strong>de</strong> sua materialida<strong>de</strong><br />

espaço-temporal. Segundo TEDESCO (1999:191), as estratégias adaptativas<br />

internas, por mais que pareçam ou tendam a se individualizar, encontram<br />

sentido no compromisso e nas categorias <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, obrigação,<br />

honra e honestida<strong>de</strong> que qualificam a família.<br />

Outro aspecto relacionado com o padrão <strong>de</strong> família nuclear, no<br />

horizonte das transformações mais gerais da socieda<strong>de</strong> e do meio rural, que<br />

vem sendo discutido na atualida<strong>de</strong>, é o significado <strong>de</strong> alguns processos sociais<br />

que levaram a mudanças nos padrões <strong>de</strong> comportamento e <strong>de</strong><br />

institucionalização das relações <strong>de</strong> casamento e família, dando lugar a um<br />

formato novo, a que VAITSMAN (1995) <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> “plurais e flexíveis”.<br />

TEDESCO (1999), em extenso estudo sobre o ethos do colono<br />

migrante na região Sul do País, quanto à questão da permanência da família,<br />

afirmou que<br />

o grau intenso da construção da individualida<strong>de</strong> (pelo direito, pelo espaço da<br />

mulher, por relações familiares mais <strong>de</strong>mocráticas, pelo estudo no espaço<br />

urbano, etc.), gerando em alguns casos, individualismos exagerados e opções<br />

individuais em termos <strong>de</strong> trabalho e estilo <strong>de</strong> vida, não rompeu com a unida<strong>de</strong><br />

familiar (TEDESCO, 1999:268).<br />

Este autor apontou relações <strong>de</strong> parentesco, residências isoladas,<br />

migrações <strong>de</strong> parcelas da família nucleada (mobilida<strong>de</strong> espacial), separações e<br />

recasamento como alguns dos fatores que resultam em lógicas diferenciadas<br />

<strong>de</strong> articulação das relações familiares tanto dos papéis quanto das trajetórias<br />

<strong>de</strong> vidas individuais <strong>de</strong> seus membros.<br />

22


2.3. Estratégias <strong>de</strong> reprodução social na agricultura familiar<br />

Atualmente, novos processos sociais perpassam o meio rural. A<br />

agricultura familiar, sob a noção <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> familiar <strong>de</strong> produção, consumo e<br />

convívio, manifesta a dinâmica <strong>de</strong>sses novos processos, <strong>de</strong>ntre eles, a<br />

associação entre família, terra e trabalho. Pesquisadores contemporâneos têm<br />

promovido <strong>de</strong>bate teórico sobre as novas formas sociais <strong>de</strong> produção agrícola<br />

e, mais particularmente, sobre a agricultura familiar, que configuraria uma<br />

Teoria da Agricultura Familiar.<br />

A partir dos resultados <strong>de</strong> um estudo comparativo internacional, na<br />

França, no Canadá, na Polônia, na Tunísia e no Brasil, estão sendo lançadas,<br />

por LAMARCHE (1998), as hipóteses que conduzem às reflexões teóricas<br />

sobre a agricultura familiar. Segundo esse autor, a agricultura familiar não é<br />

uma forma social residual, transitória ou em vias <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecimento, visto que<br />

ela ocupa um espaço próprio nas socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas, é uma realida<strong>de</strong><br />

multiforme e diversa, resultado da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação a contextos<br />

sociais e políticos diversos. Esse autor contestou certa percepção evolucionista<br />

das transformações da agricultura mo<strong>de</strong>rna e mostrou que os agricultores mais<br />

envolvidos e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do mercado são precisamente os mais fragilizados<br />

pela própria crise do mercado. Em conseqüência, o recurso ao autoconsumo e<br />

a reutilização <strong>de</strong> produtos na unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção, a redução do<br />

endividamento financeiro e as práticas <strong>de</strong> ajuda mútua, longe <strong>de</strong> significarem<br />

atraso tecnológico dos agricultores, constituem estratégias, extremamente<br />

variadas <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação a essas mesmas condições adversas do mercado<br />

(LAMARCHE, 1998).<br />

As noções teóricas das estratégias <strong>de</strong> reprodução social, quando<br />

aplicadas ao agricultor que trabalha em família, apresentam alguns aspectos<br />

particulares que merecem ser levados em consi<strong>de</strong>ração. Às estratégias<br />

anteriormente mencionadas somam-se àquelas que são orientadas por lógicas<br />

produtivas diversas, tanto as referentes à combinação dos modos <strong>de</strong><br />

exploração, quanto as <strong>de</strong> organização do trabalho, como a cooperação mútua<br />

e a pluriativida<strong>de</strong>. Estas manifestam<br />

racionalida<strong>de</strong>s internas e adaptativas frente e em razão do impacto das<br />

transformações globalizantes, do mercado, da cultura urbana, das re<strong>de</strong>finições<br />

23


industriais em termos <strong>de</strong> tempos, espacialida<strong>de</strong>s e correlações <strong>de</strong> forças entre<br />

os atores sociais envolvidos (TEDESCO, 1999).<br />

Segundo LAMARCHE (1993:102), o produtor agrícola familiar é aquele<br />

que exerce ativida<strong>de</strong> numa unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção agrícola familiar, isto é, numa<br />

unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção, na qual a proprieda<strong>de</strong> e o trabalho estão estreitamente<br />

ligados à família. Para esse autor, as estratégias familiares são respostas<br />

dadas por famílias, individualmente, a fim <strong>de</strong> assegurar, ao mesmo tempo, a<br />

sua própria reprodução e a sua exploração. Essas respostas se expressam,<br />

mais freqüentemente, nas estratégias matrimoniais, fundiárias, patrimoniais e<br />

<strong>de</strong> encaminhamento dos filhos.<br />

Enten<strong>de</strong>r como os agricultores orientam suas estratégias fundiárias é<br />

um dos objetivos <strong>de</strong>ste estudo. Para MAUREL (1998:90), as lógicas fundiárias,<br />

referentes à relação dos produtores com a terra, seja como bem patrimonial,<br />

seja como bem <strong>de</strong> produção, materializam-se por meio <strong>de</strong> uma trajetória<br />

fundiária que po<strong>de</strong> ser codificada em três posições: retração, estabilida<strong>de</strong> e<br />

acumulação. A partir das trajetórias fundiárias e dos projetos fundiários do<br />

produtor, esse autor <strong>de</strong>finiu os perfis <strong>de</strong> quatro grupos <strong>de</strong> produtores. Dois<br />

<strong>de</strong>les, qualificados como os resignados e os frustrados, caracterizam-se por<br />

trajetórias <strong>de</strong> retração ou <strong>de</strong> estagnação das áreas exploradas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

instalação; os outros dois, <strong>de</strong>signados os satisfeitos e os empreen<strong>de</strong>dores,<br />

caracterizam-se por trajetórias <strong>de</strong> acumulação (MAUREL, 1998:92).<br />

Com base nessas <strong>de</strong>finições, MAUREL (1998:105) <strong>de</strong>finiu três<br />

categorias para <strong>de</strong>screver as relações <strong>de</strong> produtores familiares com a terra: 1)<br />

“socieda<strong>de</strong> fundiária”, que consiste na aceitação da situação fundiária <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> uma fase <strong>de</strong> acumulação, alegando-se, para isso, a suficiência <strong>de</strong> superfície<br />

e o risco <strong>de</strong> faltar mão-<strong>de</strong>-obra; 2) “Renúncia fundiária”, que consiste na<br />

contração ou na estabilida<strong>de</strong> da base fundiária, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong><br />

bloqueio fundiário; e 3) “Fome <strong>de</strong> terras”, quando os agricultores estão<br />

dispostos a investir na terra, se tivessem uma poupança, e admitem a<br />

mobilida<strong>de</strong> geográfica para satisfazer a essa necessida<strong>de</strong>, ou seja, agricultores<br />

que não hesitariam em ven<strong>de</strong>r sua proprieda<strong>de</strong> para ter acesso a uma terra<br />

maior e <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong>.<br />

As estratégias familiares <strong>de</strong> encaminhamento dos filhos são abordadas<br />

no trabalho coor<strong>de</strong>nado por LAMARCHE (1993), a partir da compreensão dos<br />

24


projetos que os agricultores acalentam para seus filhos. Foram construídas<br />

sete categorias <strong>de</strong> aspirações a respeito dos filhos: 1) Ruralista, quando visa<br />

fixar os filhos no campo; 2) Patrimonial, quando objetiva conservar um ou<br />

vários filhos homens no estabelecimento paterno; 3) Promoção social, quando<br />

objetiva dar aos filhos uma formação superior, para que consigam uma<br />

profissão com um status social mais elevado; 4) Tradicionalista, quando se<br />

limita a resolver o problema do encaminhamento das filhas por meio do<br />

casamento; 5) Patrilocalida<strong>de</strong>, quando os pais <strong>de</strong>sejam que os filhos<br />

permaneçam no estabelecimento, mesmo que em casas separadas; 6)<br />

Exolocalida<strong>de</strong>, quando os pais preferem que os filhos se fixem a certa distância<br />

do domicílio paterno; e 7) Exolocalida<strong>de</strong> longínqua, quando ocorre a aceitação<br />

<strong>de</strong> uma emigração dos filhos para fora do município ou da região imediata<br />

(STANEK, 1998:120).<br />

Os produtores, na organização das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção, enfrentam<br />

pressões resultantes, <strong>de</strong>ntre outros, <strong>de</strong> características edáficas, preços<br />

agrícolas, crédito rural e direito rural. Tais fatores, ao atuarem<br />

simultaneamente, limitam e orientam as <strong>de</strong>cisões do produtor na realização <strong>de</strong><br />

suas ativida<strong>de</strong>s econômicas e sociais básicas. A pluriativida<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

da controvérsia quanto ao uso do termo, como será discutido a seguir,<br />

apresenta-se como uma alternativa a essa realização.<br />

2.4. A pluriativida<strong>de</strong> como nova perspectiva <strong>de</strong> reprodução social<br />

A pluriativida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>finida, genericamente, como a combinação <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s agrícolas e não-agrícolas. Essa prática vem sendo observada em<br />

diferentes contextos históricos e sociais, em todo o mundo.<br />

O <strong>de</strong>bate sobre a noção <strong>de</strong> pluriativida<strong>de</strong> tem se dado tanto no campo<br />

técnico e político quanto no das Ciências Sociais. Neste, a discussão sobre o<br />

caráter da ativida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolve em duas proposições: a pluriativida<strong>de</strong> seria<br />

uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> caráter estrutural e permanente, como condição <strong>de</strong><br />

reprodução social <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada camada <strong>de</strong> pequenos agricultores; ou seria<br />

conjuntural, como resposta à crise da agricultura mo<strong>de</strong>rnizada (CARNEIRO,<br />

1996).<br />

25


Vários pesquisadores, como CARNEIRO (1996), LAMARCHE (1998),<br />

SILVA (1999) e ALENTEJANO (1999), têm discutido a noção <strong>de</strong> pluriativida<strong>de</strong><br />

e a sua crescente importância no meio rural. O próprio emprego do termo é<br />

questionado, uma vez que <strong>de</strong>signa e qualifica situações sociais muito<br />

heterogêneas. Segundo CARNEIRO (1996), na década <strong>de</strong> 60, criou-se a noção<br />

<strong>de</strong> dupla ativida<strong>de</strong> para caracterizar e <strong>de</strong>signar as populações <strong>de</strong> pequenos<br />

proprietários <strong>de</strong> regiões montanhosas da França, que exerciam ativida<strong>de</strong>s<br />

complementares não-agrícolas. Esse fenômeno, durante os anos 60 e 70,<br />

passou a ser referido como agricultura em tempo parcial (part-time farmer). Nos<br />

anos 80, essas expressões foram, pouco a pouco, sendo substituídas pela<br />

noção <strong>de</strong> pluriativida<strong>de</strong>. Para CARNEIRO (1996:93), embora o termo pluriativo<br />

seja utilizado para <strong>de</strong>signar a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas que são<br />

realizadas conjuntamente com a agricultura, por um mesmo indivíduo, essa<br />

categoria traduz muito mais o caráter sazonal das ocupações do que a<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>las.<br />

Consi<strong>de</strong>rando-se a amplitu<strong>de</strong> do <strong>de</strong>bate em torno do assunto, a<br />

discussão, aqui promovida, limita-se à abordagem da pluriativida<strong>de</strong> como forma<br />

<strong>de</strong> reprodução social do agricultor familiar e como nova relação <strong>de</strong> trabalho no<br />

campo, a qual passa a representar não apenas uma saída econômica para a<br />

crise, mas também uma alternativa <strong>de</strong> vida.<br />

Estudos realizados no Brasil por SEYFERTH (1987), LOVISOLO<br />

(1991) e GARCIA JÚNIOR (1989), embora não distingam a prática <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s remuneradas fora da agricultura como um fenômeno social<br />

específico, revelam que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do século, já havia registro do recurso<br />

às ativida<strong>de</strong>s remuneradas fora da agricultura, como mecanismos <strong>de</strong><br />

estratégias <strong>de</strong> vida.<br />

A pluriativida<strong>de</strong>, como nova perspectiva <strong>de</strong> reprodução social, foi<br />

concebida por LAMARCHE (1993, 1998), para quem o mo<strong>de</strong>lo produtivista, que<br />

se <strong>de</strong>senvolveu principalmente nos países industrializados e se impôs como<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> referência para o mundo inteiro, está em crise. Na concepção <strong>de</strong>sse<br />

autor, essa crise teria levado os agricultores a se transformarem e a se<br />

adaptarem às condições que se apresentam, para evitar o seu<br />

<strong>de</strong>saparecimento como agricultor e garantir a sua reprodução social. Esse<br />

autor consi<strong>de</strong>rou ainda que,<br />

26


se a pluriativida<strong>de</strong> for entendida como um fenômeno, que ultrapassa a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma resposta à crise atual da agricultura, a tendência é<br />

consi<strong>de</strong>rar o pluriativo como embrião <strong>de</strong> uma nova categoria social ”mo<strong>de</strong>rna”<br />

que se distinguiria das outras por ser portador <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> valores<br />

próprios, que não correspon<strong>de</strong> nem ao urbano nem ao rural (LAMARCHE,<br />

1998).<br />

No conjunto <strong>de</strong> informações geradas pelo trabalho coor<strong>de</strong>nado por<br />

LAMARCHE (1998), para análise do trabalho familiar, quanto ao exercício ou<br />

não da pluriativida<strong>de</strong>, foram <strong>de</strong>finidos oito mo<strong>de</strong>los: 1) Famílias extensas,<br />

parcialmente pluriativas, com trabalho assalariado, caracterizado por uma<br />

pluriativida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rada; 2) Pai, filhos e assalariados, pluriativida<strong>de</strong> nula e<br />

utilização geral <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra assalariada; 3) Família extensa, presença<br />

maciça das associações familiares e pluriativida<strong>de</strong> esporádica; 4)<br />

Monoativida<strong>de</strong> familiar, associações familiares em que os filhos estão<br />

ocupados em tempo integral e a pluriativida<strong>de</strong> é nula; 5) Pluriativos,<br />

responsáveis pelos estabelecimentos, cujos filhos adultos são fortemente<br />

pluriativos; 6) Pluriativida<strong>de</strong> dos filhos, filhos adultos que vivem no<br />

estabelecimento e têm emprego fora; 7) Pluriativida<strong>de</strong> dos pais, maior número<br />

<strong>de</strong> responsáveis que trabalham em tempo integral fora do estabelecimento,<br />

sobretudo as esposas; e 8) Monoativida<strong>de</strong> nuclear, quando o casal trabalha<br />

sozinho no estabelecimento.<br />

Segundo CARNEIRO (1996), para compreen<strong>de</strong>r a complexida<strong>de</strong> do<br />

fenômeno, é fundamental aprofundar os estudos dos mecanismos e das<br />

lógicas <strong>de</strong> reprodução social do grupo doméstico, em diferentes contextos<br />

históricos e sociais, levando-se em conta as fases do ciclo doméstico, a lógica<br />

das relações entre as famílias e os valores subjacentes.<br />

O tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> não revela, por si só, qual o seu significado para os<br />

grupos domésticos que a praticam, por isso, torna-se necessário conhecer a<br />

lógica das estratégias familiares para completar a análise. O reaparecimento<br />

das ativida<strong>de</strong>s não-agrícolas associadas à exploração agrícola, nos tempos<br />

atuais, traduziria a ação <strong>de</strong> duas forças - a produção individual <strong>de</strong> renda e a<br />

manutenção do caráter unitário da economia doméstica. Nessa nova forma <strong>de</strong><br />

organização do trabalho e da economia do campo, a produção agrícola seria<br />

apenas uma das ativida<strong>de</strong>s produtoras <strong>de</strong> renda que integram a economia das<br />

famílias.<br />

27


O que caracterizaria a nova unida<strong>de</strong> não seria a organização coletiva da<br />

produção e do consumo, mas a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar coletivamente o capital<br />

econômico, social e cultural em vista da reprodução biológica e social dos<br />

indivíduos (CARNEIRO, 1996:96).<br />

SILVA (1999) inseriu os estudos sobre pluriativida<strong>de</strong>, no Brasil, no<br />

contexto da formação do “novo rural brasileiro”. Na abordagem <strong>de</strong>sse autor, o<br />

tema está relacionado com os limites entre o que é rural e o que é urbano, já<br />

que, por um lado, o meio rural brasileiro se urbanizou, como resultado do<br />

processo <strong>de</strong> industrialização da agricultura, e, por outro, ocorreu o<br />

transbordamento do mundo urbano no espaço tradicionalmente <strong>de</strong>finido como<br />

rural.<br />

Diante <strong>de</strong>sse duplo processo <strong>de</strong> transformação, esse autor concluiu<br />

que o meio rural brasileiro não po<strong>de</strong> ser mais analisado apenas como um<br />

conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s agropecuárias e agroindustriais, pois ganhou novas<br />

funções. Esse autor reconheceu a existência <strong>de</strong> um novo ator, as famílias<br />

pluriativas, que combinam ativida<strong>de</strong>s agrícolas e não-agrícolas na ocupação<br />

dos seus membros, <strong>de</strong>ntro e fora do estabelecimento, tanto nos ramos<br />

tradicionais urbano-industrial como nas novas ativida<strong>de</strong>s que vêm se<br />

<strong>de</strong>senvolvendo no meio rural, como moradia, turismo, conservação da<br />

natureza, lazer e prestação <strong>de</strong> serviços pessoais.<br />

Observa-se, nos estudos <strong>de</strong>sse autor, que a questão da pluriativida<strong>de</strong><br />

não é vista apenas como a associação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s agrícolas e não-agrícolas<br />

por um mesmo produtor rural, uma vez que as suas análises, baseadas nos<br />

dados das Pesquisas Nacionais por Amostra <strong>de</strong> Domicílios (PNAD),<br />

compreen<strong>de</strong>m, além do produtor pluriativo, as populações rurais com emprego<br />

no meio urbano, assim como populações urbanas com emprego no meio rural.<br />

Outro contexto da discussão é aquele no qual se vê a pluriativida<strong>de</strong><br />

como parte <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> proletarização, que resulta na <strong>de</strong>cadência da<br />

proprieda<strong>de</strong> familiar, e, por outro, como uma etapa <strong>de</strong> diferenciação social e<br />

econômica das famílias agrícolas, que já não conseguem se reproduzir apenas<br />

nos espaços agrícolas do novo mundo rural.<br />

Segundo SILVA (1999), as ativida<strong>de</strong>s agropecuárias estão se tornando<br />

cada vez mais ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tempo parcial para expressivo número <strong>de</strong><br />

trabalhadores do País, levados, certamente, pela vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter renda<br />

suficiente para manter as famílias em condições dignas.<br />

28


Em suma, a pluriativida<strong>de</strong> é um fenômeno amplo que comporta uma<br />

complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> significados e é praticada <strong>de</strong> múltiplas formas; como tal, é<br />

uma importante estratégia adaptativa das famílias rurais.<br />

29


3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS<br />

Este trabalho <strong>de</strong> pesquisa constitui um estudo <strong>de</strong> caso, com objetivos<br />

exploratórios e <strong>de</strong>scritivos. O objetivo do estudo <strong>de</strong> caso em ciências sociais,<br />

segundo BECKER (1994), é compreen<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> forma abrangente, o grupo em<br />

estudo e, ao mesmo tempo, tentar <strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong>clarações teóricas mais<br />

gerais sobre regularida<strong>de</strong>s do processo e estruturas sociais.<br />

Os estudos <strong>de</strong> casos, apontados por BLACK e CHAMPION (1976),<br />

<strong>de</strong>ntre outros, apresentam a vantagem <strong>de</strong> ter métodos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados mais<br />

flexíveis; po<strong>de</strong>r ser conduzidos em praticamente qualquer tipo <strong>de</strong> instalação<br />

social; oferecer exemplos específicos <strong>de</strong> teste das teorias; e ser muito baratos,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da extensão da pesquisa e do tipo <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> dados<br />

envolvidas.<br />

A proposta <strong>de</strong> pesquisa foi gerada a partir <strong>de</strong> 1990, ocasião dos<br />

primeiros contatos da autora com a realida<strong>de</strong> dos agricultores familiares que<br />

migraram para Rondônia, e consolidou-se com a sua participação, em outubro<br />

<strong>de</strong> 1997, na equipe <strong>de</strong> pesquisadores da Embrapa Rondônia, que realizou um<br />

diagnóstico dos sistemas <strong>de</strong> produção dos membros da Cooperativa<br />

Agropecuária Mista <strong>de</strong> Nova União (COOPAMNU).<br />

O trabalho fez parte da metodologia do Projeto <strong>de</strong> Introdução <strong>de</strong><br />

Tecnologia em Pequenas e Médias Proprieda<strong>de</strong>s Rurais em Rondônia, no qual<br />

foram analisadas 44 unida<strong>de</strong>s agrícolas <strong>de</strong> produção familiar do município,<br />

sendo 11 na Linha 40 e 17 na Linha 44, correspon<strong>de</strong>ndo a 65% do total. Os<br />

30


dados coletados no referido diagnóstico - <strong>de</strong>signado, para fins <strong>de</strong>ste trabalho,<br />

diagnóstico preliminar - e as questões levantadas por membros da equipe do<br />

referido projeto evi<strong>de</strong>nciaram a ocorrência do fenômeno da diferenciação social<br />

observada entre os colonos e forneceram elementos complementares para a<br />

formulação do problema da pesquisa <strong>de</strong>senvolvida.<br />

Optou-se pela pesquisa qualitativa, porque<br />

ela trabalha com o universo <strong>de</strong> significados, motivos, aspirações, crenças,<br />

valores e atitu<strong>de</strong>s, o que correspon<strong>de</strong> a um espaço mais profundo das<br />

relações, dos processos e dos fenômenos que não po<strong>de</strong>m ser reduzidos à<br />

operacionalização <strong>de</strong> variáveis (MINAYO, 1994:22).<br />

Como ponto <strong>de</strong> partida para compreensão das estratégias reprodutivas<br />

<strong>de</strong>senvolvidas pelos migrantes, diante da complexida<strong>de</strong> da dinâmica da<br />

agricultura familiar por eles praticada, foram coletados dados por meio da<br />

técnica <strong>de</strong> história <strong>de</strong> vida, complementada por técnicas quantitativas.<br />

Segundo QUEIROZ (1988:20), a história <strong>de</strong> vida se <strong>de</strong>fine como o<br />

relato <strong>de</strong> um narrador sobre sua existência através do tempo, tentando<br />

reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que<br />

adquiriu. Pesquisadores que utilizam a história <strong>de</strong> vida como técnica <strong>de</strong> coleta<br />

<strong>de</strong> material consi<strong>de</strong>ram que ela não po<strong>de</strong> ser utilizada sozinha numa pesquisa,<br />

mas <strong>de</strong>ve ser complementada por material obtido <strong>de</strong> outra forma (QUEIROZ,<br />

1988:26). A conjunção <strong>de</strong> dados quantitativos e qualitativos foi apoiada por<br />

MINAYO (1994), para quem tais dados não se opõem, ao contrário, se<br />

complementam, pois a realida<strong>de</strong> abrangida por eles interage dinamicamente,<br />

excluindo qualquer dicotomia (MINAYO, 1994:22).<br />

Quanto à história <strong>de</strong> vida como estratégia <strong>de</strong> compreensão da<br />

realida<strong>de</strong>, CRUZ NETO (1994) afirmou que<br />

... sua principal função é retratar as experiências vivenciadas, bem como as<br />

<strong>de</strong>finições fornecidas por pessoas, grupos ou organizações. Ela po<strong>de</strong> ser<br />

escrita ou verbalizada e abrange na versão <strong>de</strong> Denzi, citado por MINAYO<br />

(1992), os seguintes tipos: a história <strong>de</strong> vida completa, que retrata todo o<br />

conjunto da experiência vivida; e a história <strong>de</strong> vida tópica, que focaliza uma<br />

etapa ou <strong>de</strong>terminado setor da experiência em questão (grifos do autor) (CRUZ<br />

NETO, 1994:58).<br />

Daí, a opção pelo método <strong>de</strong> história <strong>de</strong> vida tópica, que remeteu os<br />

entrevistados ao passado, à retrospectiva <strong>de</strong> suas trajetórias <strong>de</strong> vida e a suas<br />

percepções sobre os resultados alcançados nessa trajetória.<br />

31


3.1. Descrição da área <strong>de</strong> estudo<br />

A escolha da área <strong>de</strong> estudo está relacionada com o fato <strong>de</strong> o<br />

município <strong>de</strong> Nova União ter originado <strong>de</strong> uma área <strong>de</strong> assentamento do PIC<br />

Ouro Preto (Figura 1), primeiro Projeto Integrado <strong>de</strong> Colonização instalado em<br />

Rondônia.<br />

NOVA<br />

UNIÃO<br />

Figura 1 - Localização <strong>de</strong> Nova União na área <strong>de</strong> colonização do PIC Ouro<br />

Preto.<br />

O município <strong>de</strong> Nova União foi criado em 14 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1995. Antes,<br />

em 1982, foi instalado o Núcleo Urbano <strong>de</strong> Apoio Rural (NUAR Nova União),<br />

que ocupava uma área <strong>de</strong> 40 ha, local em que se concentravam os serviços<br />

básicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, educação, comércio, extensão rural e agências <strong>de</strong><br />

organismos governamentais. Este núcleo dava suporte aos colonos dos lotes<br />

rurais <strong>de</strong> nove estradas vicinais, <strong>de</strong>signadas Linhas.<br />

A área <strong>de</strong> abrangência do município é <strong>de</strong> 58.892,95 ha, que<br />

correspon<strong>de</strong>m a 0,2469% do território do Estado <strong>de</strong> Rondônia (COOPERATIVA<br />

AGROPECUÁRIA MISTA DE NOVA UNIÃO - COOPAMNU, 1996). Localiza-se<br />

na região central do Estado e na microrregião <strong>de</strong> Ji-Paraná, com os seguintes<br />

32


limites: norte, com o município <strong>de</strong> Jaru; sul, com o município <strong>de</strong> Urupá; leste,<br />

com os municípios <strong>de</strong> Ouro Preto D’Oeste e Teixeirópolis; e oeste, com o<br />

município <strong>de</strong> Mirante da Serra.<br />

Além do núcleo urbano, a configuração fundiária da área era<br />

constituída, originalmente, por 615 imóveis rurais, cujo tamanho variava <strong>de</strong> 70<br />

a 100 ha, aproximadamente, e mais uma área <strong>de</strong> oito módulos <strong>de</strong> 1.954,6 ha,<br />

que constituíam duas fazendas on<strong>de</strong> concentravam 15.636,8 ha, que<br />

correspondiam a 26,55% da superfície do município (COOPAMNU, 1996). Nos<br />

anos 90, as fazendas foram <strong>de</strong>sapropriadas e <strong>de</strong>marcadas pelo INCRA para<br />

assentamento rural, surgindo, assim, os assentamentos Margarida Alves e<br />

Quilombo dos Palmares.<br />

A população <strong>de</strong> Nova União é <strong>de</strong> 5.979 habitantes, 4.935 <strong>de</strong>stes<br />

resi<strong>de</strong>ntes na área rural, equivalentes a 82,5% da população do município<br />

(COOPAMNU, 1996). A procedência dos migrantes, que chegaram em<br />

Rondônia na década <strong>de</strong> 70, é mais freqüentemente citada a partir dos Estados<br />

do Paraná, Mato Grosso, Espírito Santo e Minas Gerais, com ligeira alteração<br />

da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> importância, assinalada por diversos autores (CALVENTE, 1982;<br />

COY, 1988; LÉNA, 1991; PERDIGÃO e BASSEGIO, 1992; COOPAMNU,<br />

1996).<br />

3.2. Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise<br />

A unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>ste trabalho constituiu-se <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong><br />

agricultores como unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reprodução social, instaladas, em meados da<br />

década <strong>de</strong> 70, em duas estradas vicinais (Linha 40 e Linha 44) do atual<br />

município <strong>de</strong> Nova União-RO. A unida<strong>de</strong> empregada para a análise <strong>de</strong><br />

reprodução primária normalmente é a unida<strong>de</strong> doméstica, <strong>de</strong>terminada, para<br />

propósitos estatísticos, como a unida<strong>de</strong> co-resi<strong>de</strong>ncial (Evers et al., citado por<br />

MINGIONE, 1991:132).<br />

Inicialmente, as referidas Linhas, que mediam 13,5 km <strong>de</strong> extensão,<br />

estavam configuradas em 54 lotes <strong>de</strong> 100 ha (2.000 x 500 m), cada uma<br />

perfazendo um total <strong>de</strong> 108 famílias assentadas. Neste universo,<br />

consi<strong>de</strong>raram-se como público-alvo das entrevistas os produtores com, no<br />

mínimo, 16 anos <strong>de</strong> permanência na proprieda<strong>de</strong>, aqui <strong>de</strong>signados “antigos”,<br />

33


“colonos <strong>de</strong> origem” ou “pioneiros” 1 , com o objetivo <strong>de</strong> distingui-los dos<br />

produtores com menos <strong>de</strong> 16 anos, <strong>de</strong>signados “novos”.<br />

O limite mínimo <strong>de</strong> 16 anos foi <strong>de</strong>finido a partir <strong>de</strong> dados do diagnóstico<br />

preliminar, no qual se i<strong>de</strong>ntificou maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colonos “antigos” nas<br />

Linhas 40 e 44, com média <strong>de</strong> 14 anos 2 <strong>de</strong> permanência na proprieda<strong>de</strong>. Além<br />

disso, presume-se que a dinâmica <strong>de</strong> ocupação da área tenha consolidado ao<br />

longo <strong>de</strong> um período que abrange a criação do PIC Ouro Preto, em 1970, ao<br />

ano <strong>de</strong> criação do NUAR Nova União, em 1982. Dessa forma, buscou-se<br />

selecionar os indivíduos sociais que tinham vinculação mais significativa com o<br />

problema da pesquisa, ou seja, os que permaneceram na área <strong>de</strong> colonização.<br />

No início do trabalho <strong>de</strong> campo, <strong>de</strong>sconhecia-se quantos e quem<br />

seriam os produtores com 16 anos ou mais <strong>de</strong> permanência na área <strong>de</strong> estudo,<br />

<strong>de</strong>finidos como público-alvo das entrevistas. A primeira etapa do trabalho<br />

consistiu em i<strong>de</strong>ntificá-los, o que foi feito a partir <strong>de</strong> um mapa <strong>de</strong> localização<br />

das proprieda<strong>de</strong>s e da i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> seus proprietários como “antigos” ou<br />

“novos”, consi<strong>de</strong>rando-se os critérios anteriormente mencionados. Orientado<br />

pelo conhecimento dos técnicos da EMATER e por dados do diagnóstico<br />

preliminar, foi obtido um total <strong>de</strong> 67 produtores “antigos”, 52 dos quais foram<br />

ouvidos em entrevista, assim como também seus familiares.<br />

As entrevistas foram realizadas com homens e mulheres na condição<br />

<strong>de</strong> chefe-<strong>de</strong>-família, individualmente ou em grupo. Nas raras ausências do<br />

proprietário, foram ouvidos seus cônjuges e filhos, privilegiando a percepção<br />

<strong>de</strong>stes quanto às estratégias do chefe-<strong>de</strong>-família, como responsável pelo<br />

estabelecimento, enquanto unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> convívio familiar. As 52<br />

famílias entrevistadas representaram cerca <strong>de</strong> 50% do total <strong>de</strong> famílias<br />

originalmente assentadas nas Linhas 40 e 44. A maioria (63%) chegou a<br />

Rondônia nos anos <strong>de</strong> 1974 a 1976, originários, principalmente, dos Estados<br />

<strong>de</strong> Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo.<br />

Foram também entrevistados 12 produtores “novos”, com o objetivo<br />

principal <strong>de</strong> sistematizar informações sobre a configuração fundiária da área <strong>de</strong><br />

1 Aqui usado no sentido <strong>de</strong> primeiro, em relação aos que vieram <strong>de</strong>pois (“novos”), e não como<br />

a “figura mítica do pioneiro”, conforme MARTINS (1997:15); tampouco como o “colono<br />

mo<strong>de</strong>lo”, segundo SANTOS (1993).<br />

2 Média <strong>de</strong> 14 anos + 2 anos <strong>de</strong>corridos entre o diagnóstico preliminar e a pesquisa <strong>de</strong> campo.<br />

34


estudo, complementando, assim, as informações obtidas <strong>de</strong> dois técnicos da<br />

Emater local.<br />

3.3. Coleta e análise dos dados<br />

O trabalho <strong>de</strong> campo foi realizado no período <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> setembro a 1. o<br />

<strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1999. A anterior realização do diagnóstico (1997) permitiu que se<br />

ultrapassasse, sem problemas, a etapa <strong>de</strong> aproximação com a comunida<strong>de</strong><br />

estudada, embora nem todos as unida<strong>de</strong>s familiares visitadas no trabalho <strong>de</strong><br />

campo tenham sido alvo <strong>de</strong> entrevistas no diagnóstico preliminar. Antes disso,<br />

em 1996, a pesquisadora já havia visitado algumas famílias da Linha 44,<br />

acompanhando jornalistas da Revista Globo Rural, que fizeram reportagem<br />

sobre a utilização <strong>de</strong> animais bubalinos, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um projeto fomentado pela<br />

Embrapa-Rondônia, para produção <strong>de</strong> leite, carne e trabalho.<br />

Apesar <strong>de</strong>sse relacionamento anterior estabelecido por intermédio da<br />

Embrapa, à qual a autora sempre se referia nas apresentações, optou-se<br />

também por ser i<strong>de</strong>ntificada como estudante <strong>de</strong> uma Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minas<br />

Gerais, que ali estava com o objetivo <strong>de</strong> conhecer a história dos mais antigos<br />

moradores daquela comunida<strong>de</strong>. Embora o diagnóstico tenha sido feito em<br />

conjunto com a COOPMANU, por ocasião do trabalho <strong>de</strong> campo, houve<br />

preocupação em esclarecer os produtores sobre a <strong>de</strong>svinculação do trabalho<br />

<strong>de</strong> pesquisa, uma vez que a Cooperativa havia passado por um processo <strong>de</strong><br />

falência, que acarretou um débito individual <strong>de</strong> R$ 1.000,00, a ser pago pelos<br />

produtores cooperativados, o que gerou uma situação <strong>de</strong> insatisfação com a<br />

Cooperativa e com seus dirigentes, segundo <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> alguns produtores.<br />

A falta <strong>de</strong> infra-estrutura não permitiu hospedagem em Nova União,<br />

durante todo o período <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados. Assim, diariamente, eram<br />

percorridos 58 km em veículo Toyota, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Centro <strong>de</strong> Treinamento da<br />

Emater, em Ouro Preto do Oeste, até Nova União.<br />

35


3.3.1. Técnicas <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados<br />

Diante do propósito <strong>de</strong> reconstituir a trajetória migratória, bem como<br />

i<strong>de</strong>ntificar estratégias que se relacionam com a racionalida<strong>de</strong> produtiva dos<br />

entrevistados, fizeram-se entrevistas semi-estruturadas a partir <strong>de</strong> um roteiro<br />

(Apêndice A) que abordou a trajetória migratória, trajetória fundiária, adaptação<br />

à região, organização do trabalho, relacionamento com a comunida<strong>de</strong>,<br />

estratégias <strong>de</strong> encaminhamento dos filhos e representações sobre as<br />

estratégias empreendidas. A técnica <strong>de</strong> história <strong>de</strong> vida tópica foi empregada<br />

para o relato da trajetória migratória - a chegada e os primeiros anos em<br />

Rondônia.<br />

DESLANDES (1994) <strong>de</strong>finiu as entrevistas semi-estruturadas como<br />

uma articulação entre as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> entrevista não-estruturadas e<br />

estruturadas; na primeira, o informante aborda livremente o tema proposto,<br />

enquanto na segunda pressupõe perguntas previamente formuladas.<br />

A maioria das entrevistas, com duração média <strong>de</strong> uma hora, foi<br />

gravada, exceto quando não havia aprovação do entrevistado. As entrevistas<br />

foram acompanhadas por um Formulário <strong>de</strong> Sistematização (Apêndice B), que<br />

permitiu a obtenção <strong>de</strong> dados quantitativos. Nas entrevistas com os “novos”, foi<br />

utilizado um formulário simplificado (Apêndice B), que incluía a i<strong>de</strong>ntificação<br />

dos lotes vizinhos. Além disso, foram feitas fotografias, e, no ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong><br />

campo, foram registradas observações acerca do aspecto das moradias. As<br />

entrevistas foram feitas na varanda da casa ou na sala, diante da televisão, ou<br />

na cozinha, sob o calor do fogão <strong>de</strong> lenha.<br />

Dada a abordagem <strong>de</strong> história <strong>de</strong> vida e dadas as características<br />

próprias dos entrevistados, alguns se alongavam em <strong>de</strong>talhes, fazendo emergir<br />

um mundo <strong>de</strong> histórias, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> episódios próprios da realida<strong>de</strong> rural, como<br />

ataque <strong>de</strong> bichos selvagens, assombrações, longas caminhadas na mata<br />

fechada, morte por queda <strong>de</strong> árvores, até aqueles mais próximos da realida<strong>de</strong><br />

urbana, como aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> carro, relacionamento próximo com políticos,<br />

<strong>de</strong>sentendimento com técnicos do INCRA, busca <strong>de</strong> atendimento médico em<br />

hospitais na capital do Estado, ou no Sul do País, etc.<br />

36


3.3.2. Análise e interpretação dos dados<br />

O tratamento dos dados empíricos se <strong>de</strong>u com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

uma análise qualitativa do material coletado, à luz <strong>de</strong> um quadro teórico<br />

explicativo das estratégias <strong>de</strong> reprodução dos agricultores familiares e <strong>de</strong><br />

diferenciação social, num contexto <strong>de</strong> migração para uma fronteira agrícola.<br />

Adotou-se, como base da análise, uma linha teórico-metodológica que<br />

se situa entre os estudos que privilegiam a compreensão dos novos atores,<br />

seus padrões <strong>de</strong> reprodução social e suas condições <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> trabalho no<br />

sistema <strong>de</strong> agricultura familiar.<br />

As variáveis orientadoras da análise, que visaram dar conta <strong>de</strong><br />

algumas das muitas transformações em curso, sob a ótica da racionalida<strong>de</strong> em<br />

torno da terra, do trabalho e da família do agricultor, relacionaram-se com os<br />

objetivos específicos, quais sejam: 1) Trajetória migratória dos colonos - etapas<br />

migratórias, proprieda<strong>de</strong> da terra e acumulação anterior; 2) Trajetória fundiária -<br />

redução, estabilida<strong>de</strong> ou acumulação da base fundiária; 3) Estratégias <strong>de</strong><br />

organização do trabalho - o trabalho na unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção e as ativida<strong>de</strong>s<br />

pluriativas; e 4) Estratégias <strong>de</strong> encaminhamento e trajetórias dos filhos<br />

(permanência ou êxodo), mediante investimento na formação <strong>de</strong> um capital<br />

fundiário (investir na terra) ou formação <strong>de</strong> um capital cultural (investimento em<br />

educação).<br />

Os dados dos formulários <strong>de</strong> sistematização foram lançados em banco<br />

<strong>de</strong> dados do programa Excel 2000/Microsoft.Windows 98, com criação <strong>de</strong> uma<br />

planilha com todas as variáveis quantitativas do formulário <strong>de</strong> sistematização e<br />

planilhas distintas para cada grupo <strong>de</strong> informação, a saber: 1) Trajetória<br />

migratória; 2) Trajetória fundiária; 3) Sistema <strong>de</strong> produção; e 4) Ativida<strong>de</strong>s não-<br />

agrícolas. Tendo em vista que o acesso à terra foi o ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa e que o processo <strong>de</strong> diferenciação social na fronteira se manifesta<br />

pela apropriação fundiária, a análise das estratégias e das trajetórias foi<br />

<strong>de</strong>senvolvida a partir da trajetória fundiária, verificando, quando possível,<br />

semelhanças e diferenças em cada um dos seus segmentos.<br />

37


4. RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

4.1. Nova União: <strong>de</strong> fronteira agrícola a um novo rural<br />

Do <strong>de</strong>sbravamento das matas ao estabelecimento <strong>de</strong> sistemas<br />

agropecuários <strong>de</strong> produção, operou-se, nas dimensões espacial e temporal, um<br />

amplo processo <strong>de</strong> transformação da área <strong>de</strong> assentamento on<strong>de</strong> os colonos<br />

se estabeleceram. Neste capítulo, será <strong>de</strong>scrito o perfil sociocultural dos<br />

entrevistados, sujeitos e agentes da ação <strong>de</strong> transformação, e <strong>de</strong> Nova União<br />

como locus da pesquisa, apontando as configurações atuais do seu espaço<br />

social, no qual se inserem as unida<strong>de</strong>s familiares (UF) estudadas.<br />

a) As famílias entrevistadas<br />

Os migrantes <strong>de</strong>ste estudo, como verificado nos relatos da trajetória<br />

migratória, integraram o gran<strong>de</strong> fluxo populacional que se dirigiu para<br />

Rondônia, a partir <strong>de</strong> 1970. As famílias entrevistadas representam cerca <strong>de</strong><br />

50% do total <strong>de</strong> 108 famílias originalmente assentadas nas Linhas 40 e 44. A<br />

maioria (64%) chegou a Rondônia nos anos <strong>de</strong> 1974 a 1976, período que<br />

correspon<strong>de</strong> à fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencanto e <strong>de</strong> reorientação do processo [<strong>de</strong><br />

colonização] (MUELLER, 1982), quando o Estado já não conseguia dar a<br />

mesma assistência oferecida aos primeiros colonos. Dessa forma, organizados<br />

em família, assentaram-se por conta própria e aguardaram a regularização pelo<br />

INCRA. Hoje, contam com 23 a 25 anos da chegada em Rondônia e<br />

38


permanência, em média, <strong>de</strong> 21 anos na proprieda<strong>de</strong>. A diferença <strong>de</strong> 2,7 anos,<br />

em média, é explicada pelo período em que ficaram fora da proprieda<strong>de</strong>,<br />

transição entre a chegada na área <strong>de</strong> assentamento e a instalação com a<br />

família no lote (Tabela 1).<br />

Tabela 1 - Período <strong>de</strong> chegada e anos <strong>de</strong> permanência dos colonos em Rondônia,<br />

fora e <strong>de</strong>ntro da proprieda<strong>de</strong><br />

Ano <strong>de</strong> chegada a<br />

Rondônia<br />

Anos em<br />

Rondônia<br />

N %<br />

39<br />

Anos fora da<br />

proprieda<strong>de</strong><br />

(média)<br />

Anos na proprieda<strong>de</strong><br />

(média)<br />

1971-1973 28 a 26 5 10 6,4 20<br />

1974-1976 25 a 23 33 64 2,7 21<br />

1977-1979 22 a 20 7 13 1,1 20<br />

1980-1983 19 a 16 7 13 0,6 18<br />

Total 52 100 2,7 19,8<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

As trajetórias fundiárias das unida<strong>de</strong>s familiares foram <strong>de</strong>senvolvidas<br />

em três categorias, quais sejam, retração, acumulação e estabilização, que<br />

correspon<strong>de</strong>m a diminuição, aumento ou manutenção do tamanho do<br />

patrimônio fundiário, respectivamente, tendo a maioria <strong>de</strong>senvolvido trajetória<br />

<strong>de</strong> retração. Essas trajetórias serão discutidas mais adiante, quanto serão<br />

abordadas as estratégias fundiárias.<br />

A ida<strong>de</strong> dos proprietários era <strong>de</strong> 56 anos, em média. Os agricultores <strong>de</strong><br />

menor média <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (49 anos) eram os que mais acumularam terra, seguidos<br />

dos que retroce<strong>de</strong>ram, 55 anos, e dos que estabilizaram, 58 anos. Foram<br />

entrevistadas cinco mulheres, com média <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 55 anos, que assumiram<br />

a condição <strong>de</strong> chefe <strong>de</strong> família, em <strong>de</strong>corrência da viuvez ou da separação do<br />

marido.


O grupo familiar dos entrevistados era constituído, em média, por cinco<br />

membros. Todos os chefes <strong>de</strong> famílias nasceram no meio rural, e o nível<br />

educacional da maioria era baixo, visto que cerca <strong>de</strong> 80% dos pais não<br />

possuíam nenhuma escolarida<strong>de</strong>. Não originaram <strong>de</strong> uma tradição urbana, mas<br />

estavam integrados a ela, por meio dos filhos “que ficaram para trás” e pelos<br />

que vieram e reemigraram para o estado <strong>de</strong> origem ou para outros estados,<br />

bem como por mudanças processadas no espaço rural, que proporcionaram<br />

melhores condições <strong>de</strong> transporte e <strong>de</strong> comunicações.<br />

b) Transformação do ecossistema<br />

A paisagem natural <strong>de</strong> Nova União é composta <strong>de</strong> floresta <strong>de</strong>nsa. À<br />

medida que a fronteira agrícola avançava, estabelecia-se um sistema <strong>de</strong><br />

produção, iniciado com o plantio <strong>de</strong> culturas anuais e, posteriormente, baseado<br />

na pecuária mista e no plantio <strong>de</strong> culturas perenes como café, principal<br />

produção econômica do município. Com isso, houve elevado índice <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>smatamento da cobertura vegetal nativa, principalmente pela ativida<strong>de</strong><br />

pecuária que <strong>de</strong>manda gran<strong>de</strong>s áreas <strong>de</strong> pastagens. A área média <strong>de</strong><br />

pastagem por unida<strong>de</strong> produtiva é <strong>de</strong> 31 hectares, com média mínima <strong>de</strong> 2,4 e<br />

máxima <strong>de</strong> 100 hectares (MONTEIRO et al., 1997). Em 1995, Nova União<br />

registrava um índice <strong>de</strong> <strong>de</strong>smatamento <strong>de</strong> 80,05% (COOPAMNU, 1996), o que<br />

corrobora as <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> que a maioria das proprieda<strong>de</strong>s já ultrapassou o<br />

limite <strong>de</strong> <strong>de</strong>smatamento permitido por lei, ou seja, 50% da proprieda<strong>de</strong>.<br />

Os prejuízos ambientais da Amazônia, causados pelo <strong>de</strong>smatamento,<br />

são conseqüências negativas do processo <strong>de</strong> colonização da região, assunto<br />

que <strong>de</strong>sperta muita preocupação e <strong>de</strong>bates, polarizando argumentos<br />

<strong>de</strong>senvolvimentistas e conservacionistas. Os agricultores também não se<br />

furtaram a esse <strong>de</strong>bate, e as questões relativas ao meio ambiente surgiram<br />

pontuais e duais, ou seja, enquanto uns revelaram certa preocupação com a<br />

preservação/conservação do ambiente natural, outros viam nas coibições<br />

legais, implementadas pelo governo sob o argumento da diminuição do impacto<br />

<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>struição, uma barreira às suas condições <strong>de</strong> produção.<br />

A esse respeito, R.R., baiano, 40 anos, um colono pioneiro, <strong>de</strong>clarou:<br />

o meu plano era chegar aqui , arrumar uma terra boa, igual eu achei, trabalhar<br />

individual, braçal. Agora hoje não tem mais jeito, porque ninguém po<strong>de</strong> ter uma<br />

fumaça no quintal. Não tem liberda<strong>de</strong> a gente no sítio. Queima meio hectare e<br />

40


planta arroz a multa é em cima <strong>de</strong> todo o tanto <strong>de</strong> área, tanto faz queimar meio<br />

alqueire ou 1 hectare, é criminoso!... Dizem que o futuro da Agricultura tá no<br />

pequeno, mas como é que o cara vai trabalhar na agricultura? um saco <strong>de</strong><br />

arroz vai ficar na base <strong>de</strong> 35 real, a não ser com o fogo. E quanto vale um<br />

saco <strong>de</strong> arroz?<br />

As multas, porém, não freiam as <strong>de</strong>rrubadas. Dizem que não po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>rrubar, mas eu vou <strong>de</strong>rrubar assim mesmo, afirmou um produtor <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />

60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, originário do Espírito Santo, proprietário <strong>de</strong> 96 ha na Linha<br />

44, dos quais 29 ha eram <strong>de</strong> pasto, com 90 cabeças <strong>de</strong> gado e 48 ha <strong>de</strong> mata.<br />

É uma parte <strong>de</strong>ssa mata que ele ameaçava <strong>de</strong>rrubar para formar novo pasto.<br />

Por outro lado, há pioneiros e novos que ainda possuem mata,<br />

orgulham-se disso e fazem questão <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar que gosta <strong>de</strong> mata, 50% da<br />

minha mata aqui eu não <strong>de</strong>rrubei, fiz reserva, quanto mais mata melhor, disse<br />

S.I.S., mineiro, 51 anos, um pioneiro. Outro produtor, originário do Espírito<br />

Santo, relacionou sua disposição em preservar com a lembrança da outrora<br />

exuberante Mata Atlântica, que foi praticamente exterminada. Em seu lote <strong>de</strong><br />

96 ha, ele preservou, além dos 50% <strong>de</strong> reserva legal, dois hectares <strong>de</strong> mata<br />

próximos à residência, o que lhe permite, a caminho da roça, <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong> uma<br />

temperatura amena, proporcionada pela mata preservada.<br />

A limitação das condições <strong>de</strong> trabalho é percebida, também, pelos<br />

colonos novos. A <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> “Didi”, cearense, há 11 anos na Linha 44,<br />

fornece elementos interessantes para refletir sobre a questão:<br />

... Antigamente o povo podia trabalhar, principalmente em área <strong>de</strong> mata que<br />

era mais fácil. Ai hoje já tem essa preocupação por um lado com o<br />

<strong>de</strong>smatamento, que é um caso sério... hoje em dia se tem aí uma área <strong>de</strong><br />

capoeira, a gente pula a área <strong>de</strong> capoeira e vai para a mata ,que é mais fácil.<br />

Se você <strong>de</strong>rruba, se você vai formar café você vai usar aquilo por cinco anos .<br />

Se você botar o capim na cinza, vira quiçaça <strong>de</strong> novo, quer dizer, eu acho que<br />

na caminhada que vai, isso aqui vai virar uma bacia leiteira, gado <strong>de</strong> leite e<br />

corte, não tem erro não!...<br />

... quem plantar café novo aqui e não irrigar, não vai ter... quer dizer, não é<br />

mais aquela Rondônia <strong>de</strong> antigamente, não se sabe se é o clima... mas, essa<br />

camada <strong>de</strong> ozônio que está o buraco lá em cima, não é nós aqui embaixo que<br />

faz isso não! Você queimar uma área <strong>de</strong> terra pra fazer uma roça é uma coisa<br />

e um fazen<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>rrubar 600 alqueires, igual <strong>de</strong>rruba aí todo ano, é outra. E<br />

esse negócio... Deus quando fez o mundo, a natureza é sábia, nós é que<br />

somos uma cambada <strong>de</strong> tontos... à distância que tem daqui até a camada <strong>de</strong><br />

ozônio, tem como ela se transformar e não acontecer nada lá pra cima. O que<br />

está estragando lá em cima é esse raio <strong>de</strong> foguete que o pessoal solta lá pra<br />

cima, é avião toda hora <strong>de</strong>rramando gás carbônico (sic), está enten<strong>de</strong>ndo?<br />

Não é nada aqui da terra que está afetando lá em cima. Imagine quantas<br />

linhas internacional tem aí há nove mil metros <strong>de</strong> altura, jogando direto lá em<br />

cima? E Deus quando fez a terra já <strong>de</strong>ixou essa distância daqui pra lá, foi para<br />

que o que acontecer aqui a natureza transformar. Mas só sai na televisão que...<br />

(a Globo mostra aí, direto) <strong>de</strong>smatou não sei quantos campos <strong>de</strong> futebol, e não<br />

mostra a solução.<br />

41


... Você vê esse IBAMA 3 aí..., multar não adianta que multa se paga, multa<br />

paga! Tem que ter é um movimento <strong>de</strong> conscientização, porque a maioria que<br />

está estragando o que tem aí, na maioria das vezes é por falta <strong>de</strong><br />

conhecimento. Geralmente o homem do campo é tudo analfabeto! E cara<br />

analfabeto quer lá saber <strong>de</strong> nada, ele quer é comer! Mas ainda não é ele quem<br />

estraga não, quem estraga é quem <strong>de</strong>rruba gran<strong>de</strong>s áreas!<br />

Essa longa <strong>de</strong>claração surgiu da indagação sobre o futuro da pequena<br />

proprieda<strong>de</strong>, a qual revela o contraste que permeia a questão da preservação<br />

ambiental, ... <strong>de</strong> um lado, uma visão idílica e primitiva da natureza e <strong>de</strong> outro,<br />

atitu<strong>de</strong>s predatórias em nome do progresso (DENCKER e KUNSK, 1996), e<br />

remete à indispensável necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incorporar as restrições e as<br />

oportunida<strong>de</strong>s ambientais e econômicas em suas respectivas políticas (VEIGA,<br />

2000), para que se promovam ações que possam tornar mais sustentável o<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

c) Configuração fundiária<br />

A forma <strong>de</strong> ocupação do atual município <strong>de</strong> Nova União, do ponto <strong>de</strong><br />

vista espacial, obe<strong>de</strong>ceu à lógica dos projetos <strong>de</strong> colonização dirigida, que se<br />

configura por certa regularida<strong>de</strong> na divisão dos lotes <strong>de</strong> terra, <strong>de</strong> acordo com a<br />

<strong>de</strong>marcação oficial. A configuração fundiária do município está composta por<br />

674 imóveis rurais com, aproximadamente, 20,91% lotes com menos <strong>de</strong> 35 ha;<br />

29,08% com menos <strong>de</strong> 70 ha; e 44,08% com tamanho original, ou seja, <strong>de</strong> 70 a<br />

100 ha, aproximadamente (COOPAMNU, 1996).<br />

As famílias entrevistadas representam a permanência <strong>de</strong> migrantes nos<br />

lotes <strong>de</strong> origem, “a fixação do homem à terra”, proposta pelos programas<br />

oficiais <strong>de</strong> colonização. Porém, a configuração das proprieda<strong>de</strong>s das Linhas 40<br />

e 44 indica a continuida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> espacial e do<br />

estabelecimento <strong>de</strong> uma diferenciação social no espaço rural, caracterizada<br />

pela redução, pela estabilização ou pela ampliação dos lotes, originalmente<br />

dimensionados em 96 ha. 4<br />

3 Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Recursos Naturais Renováveis e do Meio Ambiente.<br />

4 Embora a literatura e os mapas do INCRA refiram-se a 100 hectares, optou-se por fazer os<br />

cálculos <strong>de</strong> redução e ampliação com a medida <strong>de</strong> 96 hectares, que correspon<strong>de</strong> à<br />

quantida<strong>de</strong> registrada nos títulos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> (96,0634 ha). Entre os agricultores, é mais<br />

usual a medida alqueire, assim, <strong>de</strong>claram ter 40 alqueires, não 42; a diferença teria ficado<br />

para a estrada, segundo os próprios entrevistados.<br />

42


A partir <strong>de</strong>ssas três configurações básicas, verifica-se, nas duas<br />

Linhas, uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> situações para com a permanência do colono <strong>de</strong><br />

origem e para com a dinâmica fundiária dos lotes. De acordo com dados do<br />

levantamento preliminar, quanto aos 108 lotes dos proprietários <strong>de</strong> origem,<br />

61% permaneciam na área; meta<strong>de</strong> ainda vivia e mantinha sua parcela (lote)<br />

com tamanho original; e a outra meta<strong>de</strong> dividia o lote com um novo ocupante.<br />

Isto significa que 39% dos colonos <strong>de</strong> origem, estabelecidos ou<br />

regulamentados pelo INCRA, <strong>de</strong>ixaram suas proprieda<strong>de</strong>s.<br />

As proprieda<strong>de</strong>s “abandonadas” pelos colonos <strong>de</strong> origem foram<br />

ocupadas por novos colonos <strong>de</strong> origem, familiares ou não, nas seguintes<br />

condições: 20% dos lotes estavam em tamanho original; 7%, divididos em duas<br />

partes (48 ha); 4%, divididos em duas ou mais partes, uma <strong>de</strong>las ocupada por<br />

colono <strong>de</strong> origem, ou novato, em acumulação; e 3% foram fragmentados,<br />

constituindo chácaras (5 a 10 ha), que, em geral, eram <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

agricultores que tiveram acesso à terra, após alguns anos <strong>de</strong> trabalho, como<br />

meeiros nas lavouras <strong>de</strong> café dos colonos <strong>de</strong> origem.<br />

Tanto os novos quanto os antigos colonos acumularam terra, embora<br />

nem sempre os lotes fosem contíguos. Colonos <strong>de</strong> origem acumularam 4% dos<br />

lotes originais, não estando incluídas nesse número as acumulações <strong>de</strong> parte<br />

do lote, enquanto 2% foram acumulados por novos proprietários, constituindo<br />

patrimônio fundiário freqüentemente utilizado para formação <strong>de</strong> pastagens<br />

(Tabela 2).<br />

Nas Figuras 1C e 2C (Apêndice C) po<strong>de</strong>m-se observar mais <strong>de</strong>talhes<br />

<strong>de</strong>stas e <strong>de</strong> outras manifestações da diferenciação social verificada nas Linhas<br />

40 e 44.<br />

43


Tabela 2 - Configuração dos lotes nas Linhas 40 e 44, em Nova União - Rondônia<br />

Configuração do lote Lh. 40 Lh. 44 Total %<br />

1. Lote com tamanho (96 ha) e proprietário <strong>de</strong> origem 19 14 33 31<br />

2. Lote dividido em duas ou mais partes, com o proprietário<br />

<strong>de</strong> origem e colono(s) novato(s) 12 20 32 30<br />

3. Lote com tamanho original (96 ha) e proprietário novato 12 10 22 20<br />

4. Lote dividido em duas ou mais partes, ambas ocupadas<br />

por colono novato 2 6 8 7<br />

5. Lote dividido em duas partes, uma <strong>de</strong>las ocupada, em<br />

acumulação 2 2 4 4<br />

6. Lote <strong>de</strong> 96 ha, acumulado por colono antigo 4 0 4 4<br />

7. Lotes fracionados – chácaras 3 0 3 3<br />

8. Lote <strong>de</strong> 96 ha, acumulado por colono novato 0 2 2 2<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

d) Serviços públicos e privados<br />

Total 54 54 108 100<br />

A dotação <strong>de</strong> uma infra-estrutura <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong>u-se a partir da criação<br />

do NUAR. No período <strong>de</strong> 1982 a 1986, foram instalados os seguintes órgãos<br />

<strong>de</strong> governo: Secretaria <strong>de</strong> Planejamento (SEPLAN), Companhia <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Agropecuário <strong>de</strong> Rondônia (CODARON), Companhia<br />

Brasileira <strong>de</strong> Armazenamento (CIBRAZEM); Superintendência <strong>de</strong> Campanhas<br />

<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública (SUCAM); Secretaria <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SESAU) e Empresa <strong>de</strong><br />

Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER).<br />

No que diz respeito aos serviços <strong>de</strong> comunicação massiva, o município<br />

não dispõe <strong>de</strong> emissoras <strong>de</strong> rádio locais, mas é possível o acesso a emissoras<br />

<strong>de</strong> municípios limítrofes e do sistema <strong>de</strong> transmissão nacional. O acesso às<br />

emissoras <strong>de</strong> televisão é feito por antenas parabólicas, uma vez que não há<br />

sistemas geradores <strong>de</strong> imagens, nem <strong>de</strong> retransmissão local. A captação<br />

domiciliar <strong>de</strong> televisão é feita por antena parabólica comunitária, que é<br />

administrada pela prefeitura municipal e também por antenas parabólicas<br />

particulares, já que a maioria dos moradores das Linhas as possui.<br />

44


Durante o diagnóstico preliminar, na seqüência <strong>de</strong> 23 pequenas<br />

proprieda<strong>de</strong>s em uma Linha, 35% <strong>de</strong>las tinham antenas parabólicas. No<br />

trabalho <strong>de</strong> campo, constata-se que 60% dos pioneiros entrevistados possuíam<br />

aparelho <strong>de</strong> televisão com antena parabólica, <strong>de</strong>ntre eles, a posse <strong>de</strong>sse bem<br />

<strong>de</strong> consumo foi relativamente maior entre os que <strong>de</strong>senvolveram acumulação<br />

<strong>de</strong> terras (62%).<br />

O acesso à televisão por antena parabólica implica a perda <strong>de</strong><br />

informações em nível local, sejam anúncios, sejam programas produzidos<br />

regionalmente. No roteiro <strong>de</strong> entrevistas constaram questões relativas aos<br />

programas que costumavam assistir. Houve quem fizesse referência à adoção<br />

<strong>de</strong> uma prática (construção <strong>de</strong> uma barragem para criação <strong>de</strong> peixes), a partir<br />

<strong>de</strong> uma reportagem transmitida no programa Globo Rural, mas, <strong>de</strong> modo geral,<br />

os entrevistados afirmaram que não assistiram ao <strong>Programa</strong>, porque ele era<br />

transmitido no horário em que estão no curral, na ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nha 5 .<br />

Por ocasião do diagnóstico, circulavam em Nova União um dos três<br />

jornais diários da capital do Estado; o Diário da Amazônia; e um jornal<br />

semanal, o Correio <strong>de</strong> Ouro Preto d’Oeste, do município homônimo. O<br />

município era servido por apenas um posto <strong>de</strong> serviço (PS), da Companhia<br />

Telefônica do Estado (Teleron) 6 , que funcionava no horário das 6 às 22 horas.<br />

Por ocasião da pesquisa <strong>de</strong> campo, a reportagem em um jornal do Estado citou<br />

Nova União <strong>de</strong>ntre os três piores municípios que tinham serviço <strong>de</strong><br />

comunicação telefônica. Na Linha 40, havia um produtor que dispunha <strong>de</strong><br />

serviço particular <strong>de</strong> telefonia rural.<br />

A comunicação postal funcionava em condições precárias, uma vez<br />

que não havia uma agência da Empresa Brasileira <strong>de</strong> Comunicações (ECT),<br />

mas apenas um posto <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> selos e uma caixa <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong><br />

correspondências. Tais serviços, vinculados à agência <strong>de</strong> Correios do<br />

Município <strong>de</strong> Ouro Preto D’Oeste, distante 52 km, eram prestados em uma<br />

pequena mercearia <strong>de</strong> secos e molhados, on<strong>de</strong> as correspondências eram<br />

5 O <strong>Programa</strong> semanal dominical é exibido pela Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão, a partir das 8 horas.<br />

A diferença <strong>de</strong> fuso horário (uma hora a menos da hora oficial do Brasil) acentua a<br />

incompatibilida<strong>de</strong> do horário para a região.<br />

6 Com a privatização dos serviços <strong>de</strong> telefonia em todo o País, em 1999, a operadora passou a<br />

ser a BrasilTelecom.<br />

45


procuradas. Caso contrário, eram <strong>de</strong>volvidas ao remetente, como ocorreu com<br />

meta<strong>de</strong> das cartas expedidas pela pesquisadora para alguns dos entrevistados,<br />

com mensagem <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimento e cópia <strong>de</strong> fotografias tiradas quando da<br />

visita às proprieda<strong>de</strong>s. A instalação <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> correios, com posto <strong>de</strong><br />

serviços em cada uma das nove Linhas vicinais do município, era uma<br />

reivindicação da população (COOPAMNU, 1996).<br />

e) O espaço <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong><br />

O processo <strong>de</strong> colonização promoveu a formação do espaço <strong>de</strong><br />

sociabilida<strong>de</strong> a partir do traçado das Linhas, cuja simetria transmite uma noção<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação espacial. Assim, cada Linha constitui uma comunida<strong>de</strong>, na qual<br />

os colonos se integram por meio <strong>de</strong> ações associativas e pela prática religiosa,<br />

principalmente. A área urbana <strong>de</strong> Nova União, o antigo NUAR, é referido pelos<br />

colonos como a “rua”, o espaço além da comunida<strong>de</strong>, o lugar on<strong>de</strong> buscam a<br />

assistência técnica, a escola <strong>de</strong> 2. o grau, a aquisição <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> consumo e a<br />

assistência médica, quando a do Posto <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> da Linha não é suficiente.<br />

Nas Linhas, as famílias reúnem-se em associação para alcançar<br />

objetivos específicos, como obtenção <strong>de</strong> eletrificação rural, beneficiamento <strong>de</strong><br />

arroz e utilização <strong>de</strong> tanque para refrigeração <strong>de</strong> leite e criação <strong>de</strong> peixes. A<br />

Cooperativa Agropecuária Mista <strong>de</strong> Nova União (COOPMANU), fundada em<br />

1989, foi, em um momento da trajetória, elemento aglutinador e propulsor do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento local, visto que viabilizou projetos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento rural,<br />

<strong>de</strong>ntre eles, o Projeto <strong>de</strong> Iniciativas Comunitárias, com vistas na avaliação<br />

socioeconômica e ecológica, conjugada com ações <strong>de</strong> intervenção social, por<br />

meio <strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> ação integrado que combinava ações <strong>de</strong> produção<br />

econômica e conservação ambiental, com participação da comunida<strong>de</strong>.<br />

A freqüência à Igreja foi a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lazer mais mencionada pelos<br />

entrevistados. A opção religiosa do grupo estudado polariza-se entre católicos<br />

e evangélicos, que predominam (58%), embora os católicos representem um<br />

grupo mais homogêneo, por existir apenas um templo católico, na Linha 40,<br />

que é freqüentado por moradores <strong>de</strong> ambas as Linhas, enquanto os<br />

evangélicos estão divididos em sete igrejas <strong>de</strong> distintas <strong>de</strong>nominações (Tabela<br />

3). A freqüência é semanal, exceto na Igreja Católica, uma vez que nesta se<br />

realizam, às quartas-feiras, reuniões <strong>de</strong> um Grupo <strong>de</strong> Reflexão. Alguns dos<br />

46


entrevistados exerciam funções auxiliares como ministro eucarístico e pastor.<br />

Não havia, entretanto, nenhuma comemoração religiosa, do tipo dia <strong>de</strong> São<br />

Roque, santo que dá nome à Igreja Católica.<br />

Tabela 3 - Distribuição dos entrevistados por igreja que freqüentam<br />

Igreja N %<br />

Católica 22 42<br />

Assembléia <strong>de</strong> Deus 10 19<br />

Cristã do Brasil 10 19<br />

Presbiteriana Renovada 5 10<br />

Batista 2 4<br />

Deus da Profecia 1 2<br />

Deus é Amor 1 2<br />

Metodista 1 2<br />

Total 52 100<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

Os principais eventos que proporcionam o congraçamento dos<br />

membros da comunida<strong>de</strong> são aniversários, batizados e casamento. Há, entre<br />

os entrevistados, um sentimento <strong>de</strong> perda da sociabilida<strong>de</strong>, quando remetem<br />

suas lembranças ao “antigamente”, tempo das visitas semanais aos vizinhos e<br />

parentes. A televisão acabou por <strong>de</strong>ixar as pessoas mais em casa, aquele era<br />

um tempo difícil, mas, apesar disso, era bom <strong>de</strong>mais, gostoso, alegre. Os<br />

vizinhos se visitavam... agora eles vão para igreja diferente..., queixaram-se<br />

duas mulheres entrevistadas.<br />

O relacionamento com parentes distantes e a mobilida<strong>de</strong> em relação<br />

ao local <strong>de</strong> origem vêm sendo mantidos pelos migrantes. Muitos <strong>de</strong>les<br />

costumam visitar parentes, principalmente filhos, em estados da região<br />

Su<strong>de</strong>ste. Um dos colonos, que foi contactado para entrevista, encontrava-se<br />

47


“passeando” em Minas Gerais, como informou a filha que estava na<br />

proprieda<strong>de</strong>. Verificou-se também situação inversa, ou seja, na Linha 40, um<br />

proprietário que morava em Minas Gerais estava, no momento da entrevista,<br />

em visita a sua proprieda<strong>de</strong>, que é “tocada” por um filho que tem um lote ao<br />

lado. Esse tipo <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> produtiva é, caracteristicamente, <strong>de</strong> criação <strong>de</strong><br />

gado.<br />

f) Mudança no padrão <strong>de</strong> vida<br />

Embora a percepção inicial, <strong>de</strong> que havia na área em estudo colonos<br />

bem sucedidos e outros estagnados, estivesse baseada no sistema <strong>de</strong><br />

produção, outra forma <strong>de</strong> diferenciação foi observada em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong><br />

evi<strong>de</strong>ntes sinais exteriores <strong>de</strong> sucesso, representados pela posse <strong>de</strong> bens <strong>de</strong><br />

consumo. É em relação a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter esses bens que os<br />

camponeses avaliam subjetivamente seu sucesso ou fracasso, não em termos<br />

<strong>de</strong> simples sobrevivência biológica (LÉNA, 1991:40). Com a energia elétrica,<br />

passaram a fazer parte dos bens dos produtores os eletrodomésticos (televisão<br />

com antena parabólica, refrigerador, ventilador, aparelhos <strong>de</strong> som, máquina <strong>de</strong><br />

lavar, etc.), assim como bens <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> longa duração (bomba d’água,<br />

motocicleta e carro).<br />

O padrão <strong>de</strong> moradia também melhorou e diversificou-se com o tempo:<br />

... logo que chegamos aqui fomos morar num barraquinho <strong>de</strong> folha, no terreno<br />

dos outros... Dos tugúrios da “zona <strong>de</strong> transição” passaram a uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

combinações <strong>de</strong> materiais e estilo das habitações, <strong>de</strong> difícil tipificação. Num<br />

esforço <strong>de</strong> síntese, i<strong>de</strong>ntificaram-se quatro tipos <strong>de</strong> habitação, a saber: Tipo 1 -<br />

construções mistas, casas rústicas, pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> taipa e ma<strong>de</strong>ira, cobertura <strong>de</strong><br />

cavaco, piso <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira ou <strong>de</strong> terra batida, on<strong>de</strong>, por vezes, aplicavam uma<br />

mistura <strong>de</strong> água e estrume <strong>de</strong> gado, para assentar a poeira; eram as mais<br />

raras (6%); Tipo 2 - construções antigas ou novas, casas simples, pequenas,<br />

pare<strong>de</strong>s e assoalhos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira retirada do próprio lote, com ou sem varanda.<br />

Quando havia varanda (pátio), esta se situava na frente da casa. A maioria das<br />

casas não tinha pintura, e algumas apresentavam pintura <strong>de</strong>sbotada,<br />

freqüentemente nas cores azul e rosa, parecendo nunca haver sido repintada.<br />

As coberturas variavam <strong>de</strong> cavaco a telha <strong>de</strong> amianto, que eram as mais<br />

freqüentes (56%); Tipo 3 - construções mistas, melhor acabamento, casas<br />

48


maiores, pare<strong>de</strong>s em ma<strong>de</strong>ira, piso em ma<strong>de</strong>ira ou cimento, cobertura <strong>de</strong> telha<br />

<strong>de</strong> amianto ou barro. Algumas se <strong>de</strong>stacavam pela varanda que circundava<br />

toda a casa e pela multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cores nas pare<strong>de</strong>s, portas e janelas. Era o<br />

segundo tipo mais encontrado (29%); e Tipo 4 - Casas em alvenaria, gran<strong>de</strong>s,<br />

com varanda, telhas <strong>de</strong> barro e pintura recente (10%) (Tabela 4).<br />

Tabela 4 - Tipo <strong>de</strong> habitação dos entrevistados, por trajetória fundiária<br />

Tipo <strong>de</strong><br />

habitação<br />

Trajetória fundiária<br />

Acumulação Estabilização Retração<br />

49<br />

N %<br />

Tipo 1 0 1 2 3 6<br />

Tipo 2 5 8 16 29 56<br />

Tipo 3 6 2 7 15 29<br />

Tipo 4 2 1 2 5 10<br />

Total 13 12 27 52 100<br />

A obtenção <strong>de</strong> uma casa <strong>de</strong> “material”, como se expressavam os<br />

colonos quando se referiam a uma casa construída em alvenaria, era uma<br />

meta já alcançada por alguns e sonho <strong>de</strong> outros, conforme afirmou D. Maria,<br />

uma das cinco mulheres que chefiavam a família:<br />

... tenho uma filha que é doida pra mudar, ela quer mudar é <strong>de</strong> casa, eu falo<br />

pra ela que a gente também vai mudar, não vai <strong>de</strong>morar, todo mundo<br />

construindo a gente também vai fazer uma casinha melhor. Mas eu não estou<br />

muito avexada, tem gente que não consegui ainda nem ter uma casa <strong>de</strong><br />

ma<strong>de</strong>ira...<br />

As casas em alvenaria, com padrões iguais ou superiores às <strong>de</strong><br />

residências em bairros da classe média urbana da capital do Estado, eram<br />

freqüentes também entre os colonos novos, imprimiam forte contraste entre os<br />

tipos <strong>de</strong> habitações e representavam um sinal exterior <strong>de</strong> diferenciação social<br />

(Figura 1E do Apêndice E).


Se o relativo sucesso no <strong>de</strong>sempenho agrícola lhes proporcionou o<br />

acesso ao conforto material, há ainda dificulda<strong>de</strong>s a serem superadas na área<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, educação e transportes. Os postos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> nas Linhas aten<strong>de</strong>m às<br />

rotinas, sendo freqüente o <strong>de</strong>slocamento para o posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do núcleo<br />

urbano. Ambas as Linhas têm apenas escolas multisseriadas (primeira à quarta<br />

série). Os 40 km que ligam Nova União à BR-364, principal via <strong>de</strong> escoamento<br />

do Estado, são agora vencidos facilmente, <strong>de</strong>vido ao asfaltamento da principal<br />

rodovia do município (RO-470). Por ela transitam, diariamente, ônibus com seis<br />

diferentes itinerários. Apesar <strong>de</strong>sse avanço, no <strong>de</strong>slocamento dos produtores<br />

da se<strong>de</strong> do município para fora ainda persistem as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transporte,<br />

das Linhas para a se<strong>de</strong> do município e vice-versa, notadamente nos meses <strong>de</strong><br />

pico do período chuvoso (janeiro a março), quando as condições <strong>de</strong> tráfego se<br />

tornam precárias e os serviços <strong>de</strong> transporte coletivo são suspensos.<br />

4.2. Migração: realizando o sonho da terra<br />

4.2.1. Trajetória migratória: etapas e acumulação<br />

O acesso à terra é um sonho a ser concretizado quando os migrantes<br />

<strong>de</strong>ixam sua terra natal em busca <strong>de</strong> outras plagas, apesar <strong>de</strong> sofrerem as<br />

adversida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa escolha. A origem e a experiência anterior, o estágio do<br />

ciclo <strong>de</strong> vida da família e o nível <strong>de</strong> capitalização são alguns dos fatores <strong>de</strong><br />

diferenciação que implicaram, diretamente, a trajetória do grupo estudado.<br />

Os colonos partilharam <strong>de</strong> uma situação anterior <strong>de</strong> vários<br />

<strong>de</strong>slocamentos, provocados por processos expropriatórios e, assim, avançaram<br />

em direção à Amazônia, em busca <strong>de</strong> terras. Os entrevistados, em sua maioria,<br />

nasceram nos Estados <strong>de</strong> Minas Gerais (54%), Bahia (15%) e Espírito Santo<br />

(8%), e os <strong>de</strong>mais, nos Estados <strong>de</strong> Alagoas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,<br />

Paraná, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Santa Catarina e Sergipe.<br />

Entretanto, <strong>de</strong>senvolveram diversas etapas migratórias, sendo a mais<br />

freqüente a procedência dos Estados do Paraná (40%) e do Mato Grosso<br />

(38%), como etapa anterior a Rondônia (Tabela 5).<br />

50


Tabela 5 - Distribuição dos migrantes por Estado <strong>de</strong> nascimento e procedência<br />

Estado <strong>de</strong><br />

procedência<br />

Estado <strong>de</strong> nascimento<br />

AL BA ES MG MS MT PR RN RS SC SE SP<br />

51<br />

Total %<br />

PR 1 3 3 8 1 2 1 1 1 21 40<br />

MT 1 17 1 1 20 38<br />

BA 3 1 4 8<br />

ES 1 1 1 3 6<br />

MG 2 2 4<br />

RN 1 1 2<br />

SP 1 1 2<br />

Total 1 8 4 28 1 1 1 1 2 1 2 1 52 100<br />

% 2 15 8 54 2 2 2 2 4 2 4 2 100<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

As trajetórias <strong>de</strong> migração foram empreendidas em três etapas. A<br />

maioria (58%) fez sua trajetória, até Rondônia, em duas etapas; 25%, em três<br />

etapas; e 17% foram diretamente <strong>de</strong> seu Estado <strong>de</strong> nascimento para Rondônia,<br />

realizando apenas uma etapa. I<strong>de</strong>ntificaram-se 28 tipos <strong>de</strong> trajetórias<br />

migratórias empreendidas pelos entrevistados, e a mais freqüente (23%) foi<br />

<strong>de</strong>senvolvida em duas etapas, <strong>de</strong> Minas Gerais a Mato Grosso e, em seguida,<br />

a Rondônia (Tabela 6).<br />

Não se observou mobilida<strong>de</strong> interna no grupo estudado, ou seja, os<br />

<strong>de</strong>slocamentos <strong>de</strong>ntro do Estado foram <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> uma etapa <strong>de</strong> transição<br />

entre a chegada a Rondônia, o acesso à terra e o estabelecimento da família<br />

na proprieda<strong>de</strong>. O <strong>de</strong>poimento a seguir ajuda a esclarecer essa dinâmica.<br />

... quando eu cheguei aqui [em Rondônia, inda estavam dando terra, mas eu<br />

não consegui. Fui para Ariquemes pegar terra lá, daí lá também eu não<br />

consegui. Um menino ficou doente, quase morreu <strong>de</strong> malária e aí fiquei lá só<br />

seis meses... o meu sogro morreu e a "Velha" [a sogra] queria que nós<br />

voltasse pra cá pra tomar conta das criações, ai nos veio, eu voltei para a 4<br />

[Linha 4] <strong>de</strong> novo, da 4 eu vim prá 12 [Linha 12] e da 12 eu vinha trabalhar<br />

aqui... Eu tinha trabalhado, conseguido comprar uma vacas, e as vacas <strong>de</strong>u<br />

umas crias , aí eu troquei nisso aqui ... [o lote]. 7<br />

7 Depoimento do Sr. M.E., 52, anos, morador da Linha 44.


Tabela 6 - Relação <strong>de</strong> trajetórias migratórias empreendidas pelos colonos, por<br />

número <strong>de</strong> etapas<br />

N. o <strong>de</strong><br />

etapas<br />

UMA ETAPA<br />

DUAS ETAPAS<br />

TRÊS ETAPAS<br />

TOTAL<br />

Trajetória migratória por unida<strong>de</strong> da fe<strong>de</strong>ração<br />

52<br />

N. o <strong>de</strong><br />

colonos<br />

Bahia/Rondônia 3 6<br />

Espírito Santo/Rondônia 1 2<br />

Minas Gerais/Rondônia 2 4<br />

Paraná/Rondônia 1 2<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Norte/Rondônia 1 2<br />

São Paulo/Rondônia 1 2<br />

Subtotal 1 9 17<br />

Bahia /Espírito Santo/ Rondônia 1 2<br />

Bahia /Mato Grosso/ Rondônia 1 2<br />

Bahia/Paraná/Rondônia 2 4<br />

Espírito Santo / Paraná / Rondônia 2 4<br />

Mato Grosso do Sul/ Mato Grosso / Rondônia 1 2<br />

Minas Gerais / Espírito Santo / Rondônia 1 2<br />

Minas Gerais/Mato Grosso/ Rondônia 12 23<br />

Minas Gerais/Paraná/Rondônia 4 8<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul/ Paraná / Rondônia 2 4<br />

Santa Catarina/ Paraná / Rondônia 1 2<br />

Sergipe/ Bahia / Rondônia 1 2<br />

Sergipe/ Paraná / Rondônia 2 4<br />

Subtotal 2 30 58<br />

Alagoas/ São Paulo / Paraná / Rondônia 1 2<br />

Bahia /Minas Gerais/ Paraná / Rondônia 1 2<br />

Espírito Santo /Minas Gerais/ Paraná / Rondônia 1 2<br />

Mato Grosso / São Paulo / Mato Grosso / Rondônia 1 2<br />

Minas Gerais / Bahia / Mato Grosso / Rondônia 2 4<br />

Minas Gerais / Espírito Santo / Mato Grosso / Rondônia 2 4<br />

Minas Gerais / Espírito Santo / Paraná / Rondônia 2 4<br />

Minas Gerais / Mato Grosso / Paraná / Rondônia 1 2<br />

Minas Gerais / Paraná / Mato Grosso / Rondônia 1 2<br />

Minas Gerais / São Paulo / Paraná / Rondônia 1 2<br />

Subtotal 3 13 25<br />

Subtotal 1 + Subtotal 2 + Subtotal 3 52 100<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

%


A situação anterior dos colonos, quanto à proprieda<strong>de</strong> e ao trabalho na<br />

terra, nos locais <strong>de</strong> origem ou nas etapas intermediárias <strong>de</strong> migração, é<br />

também bastante diferenciada. Nesta análise, as diversas situações relatadas<br />

foram alocadas em três grupos: 1) Pequenos proprietários, 29%; 2)<br />

Trabalhadores em família, 17% - refere-se aos que <strong>de</strong>clararam trabalhar com<br />

pai, sogro, irmão ou com qualquer outro tipo <strong>de</strong> parente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do tipo<br />

<strong>de</strong> acerto financeiro; 3) Trabalhadores para outros, 54% - os que <strong>de</strong>clararam<br />

trabalhar “na terra dos outros”, para terceiros, sem laços familiares, em regime<br />

diverso <strong>de</strong> pagamento, como parceria, arrendamento, a meia, percentagem,<br />

etc., seja em pequenas, seja em médias proprieda<strong>de</strong>s ou em fazendas.<br />

Ao relacionar tais situações com a trajetória fundiária <strong>de</strong>senvolvida em<br />

Rondônia, observa-se que 50% dos que trabalhavam para outros e 66% dos<br />

pequenos proprietários traçaram uma trajetória <strong>de</strong> retração da área <strong>de</strong> suas<br />

proprieda<strong>de</strong>s, enquanto 45% dos que trabalhavam em família traçaram<br />

trajetória fundiária <strong>de</strong> acumulação (Tabela 7).<br />

Tabela 7 - Situação anterior dos colonos migrantes e sua relação com a trajetória<br />

fundiária<br />

Situação anterior<br />

►<br />

Trajetória<br />

fundiária▼<br />

Trabalho para<br />

outros<br />

Pequeno<br />

proprietário<br />

53<br />

Trabalho em<br />

família<br />

N % N % N %<br />

Acumulação 5 18 4 27 4 45 13<br />

Estabilização 9 32 1 7 2 22 12<br />

Retração 14 50 10 66 3 33 27<br />

Total 28 100 15 100 9 100 52<br />

Total<br />

% 54 29 17 100<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).


A acumulação anterior foi, hiperbolicamente, relatada com expressões<br />

como “vim com a força dos braços e a coragem”, “sem lenço nem<br />

documentos”, “vim sem nada, com a cara e a coragem e os filhos nas costas”.<br />

Esses fatos traduzem a falta <strong>de</strong> dinheiro ou <strong>de</strong> bens materiais; para muitos,<br />

nada trouxeram porque nada tinham; para outros, os recursos foram<br />

provenientes da venda <strong>de</strong> gado e da colheita <strong>de</strong> soja. Os pequenos<br />

proprietários que ven<strong>de</strong>ram terras no local <strong>de</strong> origem também não<br />

contabilizaram gran<strong>de</strong> acumulação, uma vez que suas áreas eram pequenas.<br />

Ao aplicarem o dinheiro da venda dos bens nas <strong>de</strong>spesas com a<br />

mudança e na compra da terra e constatarem que pouco ou nada sobrava para<br />

a manutenção da família, iniciavam, <strong>de</strong> imediato, o empreendimento <strong>de</strong><br />

estratégias adaptativas para garantir a sobrevivência da família, enquanto<br />

buscavam vencer a etapa <strong>de</strong> transição, trabalhando com familiares migrados<br />

anteriormente ou na proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros.<br />

Quando do <strong>de</strong>slocamento migratório para Rondônia, os colonos<br />

encontravam-se em diferentes estágios do ciclo <strong>de</strong> vida; assim, enquanto uns<br />

migravam com famílias constituídas por filhos adultos, solteiros e casados,<br />

outros estavam na fase inicial do ciclo, tendo, inclusive, alguns recém-casados,<br />

uma vez que esta era uma condição para o acesso à terra, o que acabou por<br />

apressar casamentos: “... era uma época muito sofrida, a gente solteira não<br />

tinha vez aqui na Rondônia, a gente entrava na terra, mas solteiro não pegava,<br />

só se fosse casado”.<br />

Tais condições implicaram um nível elevado <strong>de</strong> parentesco, pois, além<br />

dos grupos familiares já formados, outras relações se constituíram por meio <strong>de</strong><br />

casamentos entre os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes dos colonos <strong>de</strong> origem, moradores na<br />

mesma Linha ou em Linhas vizinhas. Na Tabela 1D (Apêndice D) estão<br />

relacionados os chefes <strong>de</strong> família entrevistados, por local <strong>de</strong> nascimento, e<br />

suas relações <strong>de</strong> parentesco nas Linhas.<br />

4.2.2. A família na migração e no acesso à terra<br />

O <strong>de</strong>slocamento migratório engendrou situações diversas, como<br />

ruptura <strong>de</strong> laços familiares, quando o colono se apartava da família original,<br />

saía da casa do pai e formava a sua própria família na migração; quando os<br />

54


filhos “ficavam prá trás”, não acompanhando os pais no <strong>de</strong>slocamento, ou, do<br />

contrário, proporcionavam a manutenção dos vínculos não só da família<br />

nuclear, quanto da família extensa, quando se uniam em grupos, “que mesmo<br />

uma dramática adversida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>strói” (MARTINS, 1997:195) e se lançavam,<br />

por meio da migração, à aventura <strong>de</strong> “caçar futuro”, uma estratégia para ir além<br />

da simples sobrevivência.<br />

A influência familiar foi fator predominante na <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> migrar. Dos<br />

entrevistados, 71% <strong>de</strong>slocaram-se em família ou em grupos ligados por<br />

diversos graus <strong>de</strong> parentesco e amiza<strong>de</strong>, incentivados por outros amigos e por<br />

parentes que vieram antes, como pais, sogros, irmãos, cunhados, primos,<br />

compadres, etc. (Tabela 8).<br />

Tabela 8 - Fatores que influenciavam a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> migrar<br />

Trajetória<br />

fundiária▼<br />

Parentes<br />

Amigos/<br />

conhecidos<br />

55<br />

Iniciativa<br />

própria<br />

Total<br />

Acumulação 9 2 2 13<br />

Estabilização 10 1 1 12<br />

Retração 18 6 3 27<br />

Total 37 9 6 52<br />

% 71 17 12 100<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

A realização do sonho da terra não foi tão fácil, assim como fazia supor<br />

a propaganda governamental e a “boca-a-boca”, que impulsionaram muitos<br />

migrantes para Rondônia. A re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> parentesco e <strong>de</strong> compadrio foi<br />

responsável não só pela difusão <strong>de</strong> informações sobre a localização <strong>de</strong> novas<br />

terras, como pela segurança <strong>de</strong> posse da proprieda<strong>de</strong>, o que reafirma a<br />

importância da família na <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> migrar, como suporte afetivo e financeiro.


Lá no Mato grosso nós soubemos que o INCRA estava dando terra, o meu<br />

sogro mandou um filho <strong>de</strong>le mais velho (inclusive o lote <strong>de</strong>le era o dali da<br />

esquina, mas ele não <strong>de</strong>u valor)... o irmão mais velho veio, <strong>de</strong>pois nós viemos. 8<br />

Os homens costumavam vir na frente, procurar lotes e fazer a<br />

marcação (consistia em <strong>de</strong>limitar o terreno e <strong>de</strong>rrubar pelo menos um alqueire<br />

<strong>de</strong> mata), para si e para parentes, numa relação <strong>de</strong> troca em que era<br />

negociado o pagamento da passagem da pessoa que viera antes.<br />

A disputa por terra era acirrada; colonos e grileiros se confundiam.<br />

Estes eram homens que se especializaram em abrir picadas e fazer a<br />

<strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> terras que eram vendidas aos colonos. Alguns informantes<br />

disseram ter feito várias tentativas <strong>de</strong> conseguir terra, porque perdiam as<br />

marcações para os invasores. Nesse momento, a união da família era<br />

fundamental para assegurar o lote <strong>de</strong>marcado, uma vez que, enquanto a<br />

família não chegava, um membro <strong>de</strong>la ou um amigo <strong>de</strong>sempenhava o papel <strong>de</strong><br />

vigia da área:<br />

... o dinheiro era <strong>de</strong> herança do pai, cada um pegou dois mil e 800, com 800<br />

comprei as passagens para nós... meu marido não tinha nada, só ele e mais<br />

nada. Chegamos na Rondônia em 1974, paramos na Linha 16. Meu marido<br />

teve um problema <strong>de</strong> dor <strong>de</strong> <strong>de</strong>nte, meu cunhado Serafim foi quem marcou o<br />

lote, compramos por 500 cruzeiros a marcação. Eu fiquei dois anos na 16<br />

[Linha 16] e ele [o marido] vinha trabalhar sozinho aqui. Veio o José que é meu<br />

irmão, veio umas sete famílias. 9<br />

Outro: Quem entrou primeiro aqui foi o Zé Nilton, era aquela marcação. Nós<br />

medimos lá do lote do irmão “Juvená” para on<strong>de</strong> <strong>de</strong>u era 4km, que nos morava<br />

na fundiária, quando nos medimos <strong>de</strong>u no pé <strong>de</strong>sse morro aí, quando nos<br />

vimos tinha outro grilando aqui nessa área, aí nós mu<strong>de</strong>mos pra cá pra <strong>de</strong>ntro,<br />

sem querer mesmo, para tomar conta. 10<br />

A influência dos parentes representava uma bênção divina, como<br />

expressou uma mulher, cujos pais, que migraram antes para Rondônia, foram<br />

responsáveis pela vinda <strong>de</strong>la com o marido, que, no Mato Grosso, trabalhava<br />

como meeiro e sofria com problema <strong>de</strong> intoxicação por agrotóxico: “a mãe foi o<br />

Moisés que nos tirou do Egito”, disse dona Ana, numa alusão à passagem<br />

bíblica na qual Moisés conduz o seu Povo para a Terra Prometida.<br />

8 Depoimento da Sr. a A.T.A., 48 anos, esposa do Sr. J.Z.T., trajetória fundiária <strong>de</strong> acumulação.<br />

9 Depoimento da Sr. a G.S.P., 50 anos, esposa do Sr. W.J.P., 53 anos, Lh. 40, trajetória <strong>de</strong><br />

estabilização.<br />

10 Depoimento do Sr. A.S.F., 51 anos, Lh. 44, trajetória <strong>de</strong> retração.<br />

56


Na migração para Rondônia, o grupo familiar (família nuclear) dos<br />

entrevistados era constituído, em média, <strong>de</strong> 5,7 membros. Dentre os<br />

agricultores que <strong>de</strong>senvolveram a trajetória fundiária <strong>de</strong> acumulação, a média<br />

<strong>de</strong> membros do grupo familiar na migração foi a menor (4,1); entre os que se<br />

estabilizaram, foi <strong>de</strong> 5,9 membros; e entre os que retroagiram, <strong>de</strong> 6,4. Houve<br />

perda <strong>de</strong> 3% do total <strong>de</strong> membros dos grupos familiares por separação<br />

conjugal ou por falecimento. As mortes mais freqüentes eram <strong>de</strong> crianças,<br />

<strong>de</strong>vido a doenças como o sarampo, e <strong>de</strong> adultos, por aci<strong>de</strong>ntes causados por<br />

<strong>de</strong>rrubada <strong>de</strong> árvores e caçada. A média <strong>de</strong> filhos nascidos em Rondônia foi<br />

maior (3,3) no grupo que se manteve estabilizado (Tabela 9).<br />

Tabela 9 - Formação na migração, nascimento e perdas <strong>de</strong> membros do GF,<br />

por trajetória fundiária<br />

Trajetória<br />

fundiária▼<br />

A - Grupo<br />

familiar na<br />

migração<br />

B - Nascidos em<br />

Rondônia A+B<br />

57<br />

C - Perdas<br />

Total <strong>de</strong><br />

membros do<br />

grupo familiar<br />

N Média N Média Morte Separação N Média<br />

Acumulação 53 4,1 32 2,5 85 1 0 84 6,5<br />

Estabilização 71 5,9 39 3,3 110 4 0 106 8,8<br />

Retração 172 6,4 68 2,5 240 6 3 231 8,6<br />

Total 296 5,7 139 2,7 435 11 3 421 8,1<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

Consi<strong>de</strong>rando-se que a ida<strong>de</strong> do proprietário e a mão-<strong>de</strong>-obra familiar<br />

são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para o crescimento da unida<strong>de</strong> econômica e para<br />

sua diferenciação, não se verifica relação entre esses fatores e a trajetória<br />

fundiária <strong>de</strong> acumulação, uma vez que, na migração, este grupo apresentou<br />

menor média <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (27,8 anos) e menor quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> membros (4,1),<br />

enquanto o grupo que <strong>de</strong>senvolveu trajetória <strong>de</strong> retração apresentava maior<br />

média <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (47 anos), o que implica maior experiência e maior quantida<strong>de</strong>


<strong>de</strong> membros, 6,4 em média, potencial <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra para a unida<strong>de</strong><br />

doméstica.<br />

A informação sobre a existência <strong>de</strong> terras livres e em gran<strong>de</strong><br />

quantida<strong>de</strong> em Rondônia foi o que impulsionou a migração. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

obtê-las com facilida<strong>de</strong> causava dúvidas: “eu não acreditava que estavam<br />

dando terras <strong>de</strong> graça, mas resolvi arriscar”. Na realida<strong>de</strong>, quando da emissão<br />

do título pelo INCRA, o produtor comprometia-se a pagar o lote em seis<br />

prestações anuais, sendo o primeiro realizado cinco anos após a emissão do<br />

título, com juros subsidiados (ALMEIDA, 1992), o que se tornava insignificante<br />

para o produtor: “eu não acreditava muito, porque falavam que a terra era <strong>de</strong><br />

graça, eu falava: não é possível dar 40 alqueires <strong>de</strong> terra prá pessoa <strong>de</strong><br />

graça... pagamos uma mixaria, a bem, dizer foi <strong>de</strong> graça!”.<br />

O tempo <strong>de</strong>corrido entre o início do processo migratório e a data da<br />

pesquisa comporta a formação <strong>de</strong> uma segunda geração <strong>de</strong> famílias. Na<br />

amostra, há donos <strong>de</strong> lote que obtiveram a terra por herança e outros que,<br />

tendo vindo jovem ou adulto solteiro, conseguiram capitalizar-se com a ajuda<br />

do pai, adquirindo a sua própria terra. Porém, a maioria dos entrevistados,<br />

62%, que <strong>de</strong>clarou ter obtido a terra diretamente do INCRA, constituía o grupo<br />

dos mais antigos em Rondônia. As <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> compra foram feitas por<br />

37% dos entrevistados, que, em geral, chegaram posteriormente. Em alguns<br />

casos, porém, foram colonos capitalizados, razão por que adquiriram lotes <strong>de</strong><br />

mais fácil acesso, no início das Linhas. Apenas um entrevistado recebeu o lote<br />

por herança (Tabela 10).<br />

O acesso à terra por meio do INCRA significa que o lote foi<br />

regularizado pelo Instituto a partir da marcação, da qual tinham tomado posse<br />

ou adquirido <strong>de</strong> terceiros. Alguns <strong>de</strong>poimentos, a seguir, ajudam a<br />

compreen<strong>de</strong>r essa transação.<br />

Essa terra eu tive acesso pelo INCRA. O pai ven<strong>de</strong>u a proprieda<strong>de</strong> lá na Bahia<br />

e nós viemos tudo junto. O pai <strong>de</strong>u para cada filho um milhão, <strong>de</strong>u para pagar a<br />

marcação. O INCRA cortou e passou o documento. 11<br />

... eu comprei <strong>de</strong> um parceleiro, ele veio mais outros companheiros e marcou<br />

isso... Ele não morou, fazia a marcação e <strong>de</strong>pois vendia. Era assim... quando o<br />

INCRA veio cortar ele não podia ficar com a terra... aí ele pegou e ven<strong>de</strong>u pra<br />

mim.<br />

11 Depoimento do Sr. A.S.F., Lh. 44.<br />

58


Tabela 10 - Formas <strong>de</strong> acesso dos colonos entrevistados à proprieda<strong>de</strong> da<br />

terra<br />

Forma <strong>de</strong> acesso à terra N %<br />

Recebeu do INCRA 32 62<br />

Compra 19 37<br />

Herança 1 2<br />

Total 52 100<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

As informações sobre o preço pago pela marcação são díspares,<br />

também não há precisão quanto à moeda da época, falaram <strong>de</strong> 500 cruzeiros a<br />

cinco mil:<br />

Na época que eu cheguei quase não estavam distribuindo mais terra. O povo<br />

estava invadindo praí pra <strong>de</strong>ntro, mas eu não tive coragem <strong>de</strong> arriscar. Trouxe<br />

um dinheiro, mil contos, naquela época era um milhão; preferi comprar, ficar<br />

<strong>de</strong>vendo, mas até que paguei. 12<br />

4.2.3. Atravessando a zona <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong><br />

Obtida a terra, inicia-se outra fase da trajetória <strong>de</strong> vida rumo à<br />

realização do projeto <strong>de</strong> vida pessoal, que o agricultor assumiu ao tomar a<br />

<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> migrar para a Amazônia. Os fatores <strong>de</strong> diferenciação social e as<br />

estratégias familiares adotadas fizeram com que atravessassem, com maior ou<br />

menor rapi<strong>de</strong>z, essa “zona <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong>” (LÉNA, 1991:48), passando a<br />

produzir e a reinvestir na produção.<br />

A história <strong>de</strong> vida dos migrantes, em terras rondonienses, tem em<br />

comum, para os mais antigos, uma odisséia <strong>de</strong> viagens <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> oito dias<br />

em caminhões paus-<strong>de</strong>-arara para chegar a Rondônia. Os que vieram alguns<br />

anos <strong>de</strong>pois já utilizavam ônibus da Viação Cascavel, originária do Paraná e<br />

pioneira na região, cuja viagem inicial, <strong>de</strong> Cascavel-PR ao Território <strong>de</strong><br />

12 Depoimento do Sr. D.A., 67 anos, Lh. 40, trajetória <strong>de</strong> estabilização.<br />

59


Rondônia, foi feita no dia 21 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1972, com até mais <strong>de</strong> uma semana<br />

<strong>de</strong> duração, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo das condições climáticas (GOES, 1997).<br />

Inicialmente, estabeleciam-se na casa <strong>de</strong> parentes e conhecidos, ao<br />

longo da Linha 81 (atual rodovia RO-470) e suas transversais até a Linha 16,<br />

que correspon<strong>de</strong> à distância <strong>de</strong> 16 km a partir da BR-364 (Figura 2). Este era o<br />

ponto <strong>de</strong> chegada dos migrantes, local até on<strong>de</strong> havia uma estrada precária. A<br />

partir daí, passaram a construir o seu espaço <strong>de</strong> reprodução para aten<strong>de</strong>r às<br />

suas necessida<strong>de</strong>s socioeconômicas e infra-estruturais, abrindo picadas na<br />

mata e esten<strong>de</strong>ndo os limites até a Linha 40, epicentro do atual município <strong>de</strong><br />

Nova União. A estrutura operacional do INCRA só conseguia, quando muito,<br />

atuar a posteriori , <strong>de</strong>marcando e dando posse aos colonos.<br />

Da chegada na área do PIC Ouro Preto até a instalação com a família<br />

na proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>corria um período médio <strong>de</strong> 2,7 anos. Nesse período <strong>de</strong><br />

transição, os colonos que aguardavam para obter um lote do INCRA e os que<br />

já o haviam obtido, dadas as relações <strong>de</strong> parentesco ou por meio da compra<br />

com grileiros, iniciavam o trabalho na Linha 16 e nas adjacências. Inicialmente,<br />

mantinham-se na condição <strong>de</strong> parceiros e meeiros, nas gran<strong>de</strong>s fazendas, em<br />

lotes <strong>de</strong> amigos ou simples conhecidos, mas, em geral, apenas o tempo<br />

suficiente para realizar pequena acumulação, ao mesmo tempo que<br />

trabalhavam no seu próprio lote, <strong>de</strong>rrubando matas, construindo barracos e<br />

plantando lavouras, até que tivessem condições <strong>de</strong> levar a família para a<br />

proprieda<strong>de</strong>.<br />

Uma das dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas era a falta <strong>de</strong> estrada e <strong>de</strong><br />

transporte. Para ir das Linhas aos lotes, uma verda<strong>de</strong>ira maratona se cumpria.<br />

A estrada era uma picada na mata e, no período chuvoso, formavam-se<br />

buracos enormes pelo trôpego dos burros, o que dificultava o tráfego das<br />

pessoas que se <strong>de</strong>batiam entre os buracos e as galhadas das árvores e<br />

arbustos, alguns com espinhos.<br />

Para o transporte <strong>de</strong> material mencionou-se, freqüentemente, o<br />

“cacaio” - também chamado surraca, “galo <strong>de</strong> briga” - saco <strong>de</strong> viagem, que é<br />

preso por baixo dos braços e pendurados às costas, como uma imensa<br />

mochila, na qual era transportado <strong>de</strong> tudo um pouco, como roupas,<br />

ferramentas, mudas, sementes, o que tornava a carga pesada, cerca <strong>de</strong> 25 a<br />

60


◄Porto Velho BR-364 Ouro Preto d’Oeste ►<br />

L36<br />

L37<br />

L38<br />

L39<br />

L46<br />

L48<br />

L50<br />

Linha 12 Linha 12<br />

Linha 81<br />

Linha 16 Linha 16<br />

Linha 40 NUAR<br />

Linha 44<br />

Nova União<br />

◄Mirante<br />

da Serra<br />

61<br />

Área <strong>de</strong> Assentamento<br />

Elaboração da autora (representação sem escala)<br />

Figura 2 - Esquema espacial das Linhas em torno <strong>de</strong> Nova União.


30 kg. Quando já estavam nos lotes, safras inteiras perdiam-se por falta <strong>de</strong><br />

condições <strong>de</strong> escoamento da produção, e os doentes eram levados em re<strong>de</strong><br />

até o NUAR, enquanto as crianças, para irem a escola, enfrentavam<br />

quilômetros e quilômetros <strong>de</strong>ntro da mata.<br />

... difícil era pra gente chegar. Nos andamos 25 km <strong>de</strong> cacaio nas costas, aliás,<br />

40, porque do Ouro Preto até aqui a gente vinha com o cacaio nas costas. Era<br />

picada até aqui, ... eu tinha que ir buscar mercadoria lá na 16 (Linha 16),<br />

colocava na cacunda do burro pra trazer até aqui. Aqui só tinha um alqueire <strong>de</strong><br />

mata <strong>de</strong>rrubada... daqui na 16 era mata purinha, só tinha aquele buraquinho<br />

aberto assim. 13<br />

Foi difícil, vivemos dois anos aqui na picada, os homens carregando as coisas<br />

nas costas, a gente ia <strong>de</strong> a pé. Quando foi pra ganhar ela [parir a filha], fui <strong>de</strong> a<br />

pé até Nova União, <strong>de</strong> lá a gente pegou um toreiro [caminhão transportador <strong>de</strong><br />

toras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira] (...) Naquela época eram três dias <strong>de</strong> viagem, a gente ia<br />

pousava na casa <strong>de</strong> um amigo lá na 16, pra no outro dia chegar em Ouro<br />

Preto. Hoje se eu sair pra resolver uma coisa rápida, saio as 6 horas, meio-dia<br />

já estou aqui <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa. Pego moto-táxi, circular, é uma benção <strong>de</strong><br />

Deus! 14<br />

Entramos aqui na picada, moramos aqui dois anos sem estrada, só um<br />

carreador da 28 [Linha 28], <strong>de</strong> caminhão toreiro 15 . Chovia muito e direto, tinha<br />

que sair: saia daqui 6 horas da manhã, quando dava base <strong>de</strong> 2 h da tar<strong>de</strong><br />

chegava na Linha 8. Hoje a gente passa nessa estrada aí nem acredita no que<br />

aconteceu. 16<br />

Outra dificulda<strong>de</strong> enfrentada foi o local <strong>de</strong> moradia. Quando ainda não<br />

estavam no próprio lote, co-habitavam com parentes ou simples conhecidos.<br />

Seu Izaltino, 60 anos, que morou por três anos na Linha 8, antes <strong>de</strong> ir para o<br />

lote, contou que:<br />

Logo que chegamos aqui fomos morar num barraquinho <strong>de</strong> folha, no terreno<br />

dos outros, ficava morando junto com aquela família estranha, eu com quatro<br />

filhos a mulher com seis ou sete. Mas eram umas pessoas muito boa, uns<br />

pernambucanos muito bom...<br />

Construções rústicas eram improvisadas para fugir <strong>de</strong>ssa situação:<br />

... nos moramos lá a base <strong>de</strong> um mês até que nós aprontamos o nosso<br />

barraquinho (coberto <strong>de</strong> folha, o piso era chão, cercado <strong>de</strong> lasca), nisso nos<br />

passamos dois anos.<br />

Originários <strong>de</strong> um ambiente ecologicamente diferente, os migrantes<br />

foram obrigados a reelaborar sua relação com a natureza, sua cultura e suas<br />

concepções. Para os recém-chegados, a mata é um obstáculo às suas<br />

13 Depoimento do Sr. S.I.S., 51 anos, Lh. 44.<br />

14 Depoimento da Sr. a M.P.A., 49 anos, Lh. 44.<br />

15 Caminhão <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> toras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />

16 Depoimento do Sr. I.C.C., 60 anos, Lh. 40.<br />

62


ativida<strong>de</strong>s. Uma das estratégias adaptativas que passaram a <strong>de</strong>senvolver foi o<br />

corte (sangria) <strong>de</strong> seringueiras nativas para a coleta do látex. “... o que eu fiz<br />

fazer, foi unir com os seringueiros e aprendi a cortar borracha...”. Era por meio<br />

<strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> que os colonos tinham acesso garantido a uma renda que lhes<br />

permitia adquirir os gêneros <strong>de</strong> primeira necessida<strong>de</strong>. “.... naquele tempo, na<br />

mata tinha muita borracha... era difícil entrar na mata, mas vendia a borracha e<br />

tirava para as <strong>de</strong>spesas da casa...”. Era feita uma troca direta da borracha<br />

colhida por mercadorias, como contou o baiano “Zinho”:<br />

Eu carregava a borracha nas costas, eu e o filho mais velho, que está em São<br />

Paulo. Eu fazia pacotinho <strong>de</strong> 5 kg e nos ia ven<strong>de</strong>r para o Zé Perigo, lá na “16”.<br />

Ai com o dinheiro nos comprava uma latinha <strong>de</strong> banha, uns pacotes <strong>de</strong> açúcar,<br />

querosene, um pacotinho <strong>de</strong> sal e... pra trás! [ voltava para o lote]. Era dia e<br />

meio. Aquilo me cortava o coração ele [o filho] era pequenino, tinha 7 anos, ele<br />

ia com 5kg <strong>de</strong> borracha, eu ia com 25 a 30 kg. (...) Depois a gente já ia lá,<br />

botava a coisa bem por menos do peso, dizia: olha Zé, lá nos temos tantos<br />

quilos <strong>de</strong> borracha, aí a gente já comprava a mercadoria ele dava a tropa pra<br />

nós, trazia a mercadoria e pegava a borracha aí o negócio foi melhorando. Mas<br />

nos levemos dois anos carregando borracha nas costas, daqui para a 16. Olha<br />

que daqui para a 16, quanto tempo que dá!<br />

O seringueiro com quem o migrante se <strong>de</strong>parou ao chegar na fronteira<br />

não se configura como o “outro”, conforme citou MARTINS (1997:12), para<br />

quem índios e seringueiros eram a “vítima” dos chamados pioneiros, aqui, no<br />

sentido <strong>de</strong> heróis da conquista <strong>de</strong> novas terras. Um estudo mais <strong>de</strong>talhado<br />

<strong>de</strong>ssa relação po<strong>de</strong>ria revelar conflitos, a qual, nos relatos dos entrevistados,<br />

parecia ser amistosa, <strong>de</strong> aprendizado, já que cortar borracha não fazia parte da<br />

experiência <strong>de</strong> vida dos migrantes.<br />

Se não tiveram que se <strong>de</strong>frontar com os seringueiros, tampouco houve<br />

relato <strong>de</strong> confronto com indígenas. Mas, na dominação da natureza, o<br />

enfrentamento se <strong>de</strong>u com os animais selvagens, como onças, queixadas<br />

(porco do mato): “eu pensava em <strong>de</strong>sistir, quando ouvia a onça esturrar,<br />

pensava que a onça ia me comer”. A ameaça à vida era, ao mesmo tempo, a<br />

chance <strong>de</strong> sobrevivência, pela abundância <strong>de</strong> caça que lhes servia <strong>de</strong> alimento<br />

e fornecia pele <strong>de</strong> animais para venda.<br />

O enfrentamento <strong>de</strong> doenças foi outro <strong>de</strong>safio imposto pelas condições<br />

da região. A malária acometeu alguns agricultores, mas havia assistência, visto<br />

que até helicóptero foi utilizado para retirar pacientes acometidos pela doença<br />

no meio da mata. Embora a Sucam já prestasse assistência, muitas vezes, os<br />

produtores procuravam, por seus próprios meios, vencer a doença. “Quase<br />

63


morri <strong>de</strong> malária, fui <strong>de</strong>senganado pelos médicos, mas eu me curei usando<br />

melão amargoso [uma fruta do mato]”. 17 Outras enfermida<strong>de</strong>s relatadas foram a<br />

Leishmaniose e, principalmente, o Sarampo, causa mortis <strong>de</strong> muitas crianças.<br />

Foi também por motivo <strong>de</strong> doença que alguns produtores acabaram por <strong>de</strong>ixar<br />

a área, indo em busca <strong>de</strong> assistência médica em um centro mais avançado.<br />

Foram todas essas condições adversas que o colono teve que<br />

enfrentar para <strong>de</strong>senvolver suas ativida<strong>de</strong>s agrícolas, produzir e dar condições<br />

<strong>de</strong> reprodução à sua família.<br />

4.3. Estratégias familiares <strong>de</strong> reprodução social<br />

4.3.1. Estratégia patrimonial fundiária<br />

A terra, como fator <strong>de</strong> produção, e a terra, como valor <strong>de</strong> patrimônio,<br />

foram as duas dimensões mediadoras das análises da relação entre o<br />

agricultor e a terra. As lógicas fundiárias <strong>de</strong>senvolvidas pelos migrantes<br />

estabeleceram uma diferenciação social no que diz respeito ao tipo <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> rural e ao status do proprietário.<br />

Retrações fundiárias e ampliações coexistem no grupo estudado, em<br />

proporção variável. Dentre os colonos entrevistados, 52% <strong>de</strong>senvolveram<br />

trajetória <strong>de</strong> retração do tamanho da proprieda<strong>de</strong>, com média <strong>de</strong> 37 hectares,<br />

máxima <strong>de</strong> 84 e mínima <strong>de</strong> 4 hectares, por proprieda<strong>de</strong>. A trajetória <strong>de</strong><br />

acumulação foi <strong>de</strong>senvolvida por 25% dos colonos, e a <strong>de</strong> estabilização, ou<br />

seja, os que não ven<strong>de</strong>ram nenhuma parte <strong>de</strong> seu lote, por 23% dos<br />

entrevistados (Tabela 11).<br />

As trajetórias fundiárias <strong>de</strong> retração, por venda ou por divisão do lote,<br />

foram motivadas por diversos tipos <strong>de</strong> eventos. As causas alegadas para a<br />

venda foram dificulda<strong>de</strong>s financeiras “do tempo da picada”, “fazer dinheiro”<br />

para investir em gado, comprar “barraco” em Nova União para pôr os filhos<br />

para estudar, e, mais freqüentemente, para partilhar a área com parentes.<br />

Registrou-se, também, a venda <strong>de</strong> pequenas porções <strong>de</strong> terra, 2 a 4 ha, para<br />

17 Depoimento do Sr. M.V., 48 anos, Lh. 44.<br />

64


Tabela 11 - Trajetória fundiária dos migrantes e média <strong>de</strong> acumulação e retração<br />

do patrimônio fundiário<br />

Trajetória fundiária N % Média (ha)<br />

Retração 27 52 37<br />

Acumulação 13 25 110<br />

Estabilização 12 23 -<br />

Total 52 100<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

construção <strong>de</strong> Igreja, escola e até para dar melhor corte à estrada. Já as<br />

partilhas legais se <strong>de</strong>ram por separação dos casais, por divisão <strong>de</strong> herança e<br />

por <strong>de</strong>savença entre irmãos ou entre filhos e pais.<br />

Deste conjunto <strong>de</strong> informações <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-se que as trajetórias<br />

fundiárias <strong>de</strong> retração estão relacionadas com as estratégias familiares <strong>de</strong><br />

encaminhamento dos filhos, pelo investimento cultural 18 , ou seja, no estudo dos<br />

filhos; com as dinâmicas familiares <strong>de</strong> casamento, <strong>de</strong>scasamento e sucessão;<br />

e com as estratégias <strong>de</strong> acumulação por investimento na proprieda<strong>de</strong>. Do<br />

ponto <strong>de</strong> vista da dinâmica espacial, produzem a divisão da maioria dos lotes,<br />

meio a meio, e a fragmentação <strong>de</strong> outros pela formação <strong>de</strong> chácaras (Apêndice<br />

C). Por outro lado, operam em benefício <strong>de</strong> novos proprietários, que estão<br />

representados, basicamente, por familiares da segunda geração dos colonos<br />

<strong>de</strong> origem, ou por trabalhadores rurais que ascen<strong>de</strong>ram à posição <strong>de</strong><br />

proprietários, após acumularem bens como meeiros em plantios <strong>de</strong> café.<br />

O projeto fundiário futuro, para 70% dos que <strong>de</strong>senvolveram trajetória<br />

<strong>de</strong> retração, implicava manter a estabilida<strong>de</strong> da base fundiária (Tabela 12).<br />

Mantido esse propósito, estariam <strong>de</strong>senvolvendo uma lógica fundiária que os<br />

qualificava como resignados, segundo MAUREL (1998), ou seja, não<br />

ven<strong>de</strong>riam sua terra, nem comprariam mais.<br />

18 Como estratégia educativa (Cf. Bourdieu, 1990).<br />

65


Tabela 12 - Projeto fundiário futuro dos entrevistados, por trajetória fundiária<br />

Projeto<br />

fundiário para o<br />

futuro ►<br />

Trajetória<br />

fundiária▼<br />

Estabilizar<br />

N %<br />

Acumular<br />

N %<br />

66<br />

Retroce<strong>de</strong>r<br />

N %<br />

Mobilizar<br />

N %<br />

Total<br />

N %<br />

Acumulação 6 46 6 46 0 - 1 2 13 25<br />

Estabilização 9 75 2 17 1 8 0 0 12 23<br />

Retração 19 70 6 22 1 4 1 2 27 52<br />

Total 34 65 14 27 2 4 2 4 52 100<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

As trajetórias fundiárias <strong>de</strong> acumulação ocorreram, basicamente, sob a<br />

orientação <strong>de</strong> uma estratégia <strong>de</strong> ampliação do capital fundiário, pela aquisição<br />

<strong>de</strong> terras para a ativida<strong>de</strong> pecuária e formação <strong>de</strong> pastagens, que, por sua vez,<br />

dinamizam o negócio, como aluguel <strong>de</strong> pasto e criação <strong>de</strong> gado bovino a meia,<br />

o que caracteriza a tendência à pecuarização, já observada na área (COY,<br />

1984; LÉNA, 1991).<br />

A média dos que acumularam terras foi <strong>de</strong> 110 ha por proprietário.<br />

Uma característica das acumulações ocorridas é que, na maioria dos casos,<br />

elas são fragmentadas, ou seja, não se tratam <strong>de</strong> áreas contíguas. A maior<br />

acumulação, 667 ha, <strong>de</strong> um morador da Linha 40 está distribuída em 7,5 lotes<br />

<strong>de</strong> 96 ha, e três <strong>de</strong>les em outras Linhas.<br />

O projeto fundiário futuro dos que <strong>de</strong>senvolveram trajetória <strong>de</strong><br />

acumulação equilibra-se entre o propósito <strong>de</strong> estabilizar e o <strong>de</strong> dar<br />

continuida<strong>de</strong> a esta acumulação. Essas lógicas se caracterizam pela<br />

“sacieda<strong>de</strong> fundiária” e pela “fome <strong>de</strong> terras”, respectivamente, <strong>de</strong> acordo com<br />

as categorias <strong>de</strong>finidas por MAUREL (1998). Este dado <strong>de</strong>ve ser analisado<br />

com certa cautela, visto ser este proveniente <strong>de</strong> uma apreciação subjetiva do<br />

agricultor, que não encontra correspondência em atitu<strong>de</strong>s freqüentemente<br />

presentes no grupo, como o incentivo aos filhos para sair para áreas <strong>de</strong>


assentamento e a disposição, pelo menos em discurso, <strong>de</strong> ir em busca <strong>de</strong><br />

terras em outras paragens.<br />

As estratégias <strong>de</strong> estabilização, pela manutenção do lote em seu<br />

tamanho original, “renúncia fundiária”, na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> MAUREL (1998), são<br />

reafirmadas pelos dados, visto que 75% <strong>de</strong>les as consi<strong>de</strong>ravam como projeto<br />

futuro. O projeto futuro <strong>de</strong> mobilização refere-se à proposição <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r as<br />

terras atuais para comprar outras, <strong>de</strong> modo a concentrar terras adquiridas,<br />

porém localizadas em diferentes Linhas.<br />

4.3.2. Estratégias familiares <strong>de</strong> organização do trabalho<br />

As relações <strong>de</strong> trabalho, estabelecidas na unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção<br />

familiar, foram <strong>de</strong>finidas pela dinâmica da sua organização interna. Sem<br />

<strong>de</strong>sconhecer a amplitu<strong>de</strong> das dinâmicas quanto à divisão do trabalho familiar e<br />

à divisão social entre trabalho familiar e trabalho assalariado, a abordagem<br />

aqui empreendida limita-se ao sistema <strong>de</strong> produção e às inter-relações da<br />

organização do trabalho com a estrutura do grupo familiar e sua inserção, ou<br />

não, na ativida<strong>de</strong> não-agrícola. A base da análise das estratégias <strong>de</strong><br />

organização do trabalho constituiu-se <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> 421 pessoas, resultante<br />

do somatório dos integrantes do grupo na migração e dos nascidos em<br />

Rondônia, subtraindo-se os falecimentos e as separações conjugais, conforme<br />

mostrado, anteriormente, na Tabela 9.<br />

4.3.2.1. O sistema <strong>de</strong> produção: <strong>de</strong> tudo um pouco<br />

Agricultura e pecuária. Os verbos <strong>de</strong>rrubar, queimar, plantar, colher,<br />

criar e ven<strong>de</strong>r foram conjugados pelos colonos, ao retomarem na fronteira o<br />

seu espaço <strong>de</strong> produção e reprodução das suas condições <strong>de</strong> existência. No<br />

diagnóstico preliminar, consi<strong>de</strong>rou-se como sistema <strong>de</strong> produção predominante<br />

na área aquele em que o produtor se caracteriza como “produtor tradicional,<br />

diversificado, que tem no leite e na venda <strong>de</strong> bezerros a principal fonte <strong>de</strong><br />

renda, mas produz também café e lavoura branca [culturas anuais]”<br />

(MONTEIRO et al., 1997:27).<br />

67


Essa foi uma característica constatada na maioria dos entrevistados.<br />

Quando interrogados sobre as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas na proprieda<strong>de</strong>,<br />

prontamente respondiam: “<strong>de</strong> tudo um pouco”. Na seqüência <strong>de</strong> indagações,<br />

essa expressão implicava a presença do gado e do café na maioria das<br />

proprieda<strong>de</strong>s, somando-se a essas outras ativida<strong>de</strong>s que caracterizam o<br />

sistema diversificado <strong>de</strong> produção, como cultura do cacau, piscicultura,<br />

apicultura, lavoura branca (milho, arroz e feijão), além da criação <strong>de</strong> pequenos<br />

animais, aves e suínos, <strong>de</strong>stinados mais ao consumo próprio.<br />

Dessa forma, embora o sistema <strong>de</strong> produção predominante fosse<br />

aquele em que o produtor se caracteriza pela diversificação das ativida<strong>de</strong>s, a<br />

intensida<strong>de</strong> ou a predominância <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s resultava na<br />

diferenciação, que, por sua vez, implicava estratificação social. Os<br />

entrevistados i<strong>de</strong>ntificaram-se como sitiantes ou parceleiros, com relação à<br />

condição <strong>de</strong> proprietário <strong>de</strong> terras, porém, quanto às ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas,<br />

a distinção feita era entre agricultores que lidam, predominantemente, com o<br />

café e com a lavoura, e pecuaristas que, além da criação extensiva, lidam com<br />

compra, venda e transporte <strong>de</strong> gado.<br />

Apesar da diversificação <strong>de</strong>clarada, o trabalho familiar organizou-se em<br />

torno da pecuária mista (produção <strong>de</strong> leite e carne) e da cultura do café. A<br />

aquisição do gado, em geral, foi proporcionada pela acumulação <strong>de</strong> lavoura<br />

branca e com café. A comercialização do leite era feita por dois laticínios, um<br />

<strong>de</strong>les situado na Linha 40, e por um posto <strong>de</strong> resfriamento da indústria <strong>de</strong><br />

laticínios Parmalat. A venda <strong>de</strong> bezerros era outra importante fonte <strong>de</strong> renda<br />

dos produtores.<br />

A cultura do café estava implantada em 81,8% dos lotes visitados no<br />

diagnóstico. A área <strong>de</strong> plantio da cultura vinha sendo ampliada, nos últimos três<br />

anos, no município, e havia também aqueles que tinham sua ativida<strong>de</strong> principal<br />

centrada no café, com proprieda<strong>de</strong>s que tinham mais <strong>de</strong> 15 hectares da cultura<br />

e eram conduzidas no sistema <strong>de</strong> meia.<br />

A criação <strong>de</strong> búfalos, para produção <strong>de</strong> carne, leite e trabalho, foi<br />

<strong>de</strong>senvolvida em algumas proprieda<strong>de</strong>s, incentivada por um programa <strong>de</strong><br />

difusão <strong>de</strong> tecnologias <strong>de</strong>senvolvido pela Embrapa e pelo Departamento<br />

Nacional <strong>de</strong> Cooperativismo (DENACOOP).<br />

68


Embora houvesse tendência <strong>de</strong> pecuarização, foram as culturas<br />

anuais e o café que, em seus referidos tempos históricos, alavancaram o<br />

processo <strong>de</strong> acumulação do produtor:<br />

... eu criei os filhos foi com a lavoura mesmo, roça <strong>de</strong> arroz, roça <strong>de</strong> milho, <strong>de</strong><br />

feijão, <strong>de</strong> tudo mais que a gente plantava... no tempo do governo Figueiredo<br />

<strong>de</strong>u muita carga <strong>de</strong> cereais, os armazéns ficaram abarrotados.... hoje não dá<br />

mais, quem planta cereais está perdido! 19<br />

... ano que mais vi dinheiro foi no segundo Plano Cruzado . em café fiz 117 mil<br />

cruzados, comprei a moto e o resto foi para o tratamento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do filho. 20<br />

Nos tempos <strong>de</strong> hoje, em geral, os recursos para aquisição <strong>de</strong> novas<br />

cabeças <strong>de</strong> gado provêm do café, assim como a reserva <strong>de</strong> poupança do filho<br />

que está em preparativos para se casar. Como sintetizou um entrevistado, o<br />

que dá mesmo é o café, porque ele <strong>de</strong>mora a dar, mas quando dá aparece<br />

né?.<br />

O sistema <strong>de</strong> produção dominante, por não ser intensivo em mão-<strong>de</strong>-<br />

obra, permite arranjos, como criação <strong>de</strong> gado e plantio <strong>de</strong> café a meia, o que<br />

cria uma figura nova no cenário das relações <strong>de</strong> trabalho não-agrícola, o<br />

“pluriativo às avessas”, que, embora <strong>de</strong>senvolva um trabalho assalariado em<br />

meio urbano, mantém vínculo com a proprieda<strong>de</strong>, como se verá adiante.<br />

4.3.2.2. A estrutura do grupo familiar e sua trajetória<br />

O grupo familiar que permaneceu na proprieda<strong>de</strong> constitui-se por<br />

casais, viúvos, mulheres separadas, filhos adultos solteiros e filhos casados<br />

que trabalham na proprieda<strong>de</strong>, mas moram em casas separadas da dos pais. A<br />

utilização <strong>de</strong>ssa mão-<strong>de</strong>-obra familiar ocorre <strong>de</strong> diferentes formas, <strong>de</strong> acordo<br />

com a ativida<strong>de</strong> principal da proprieda<strong>de</strong> e com a estruturação do grupo, que<br />

se mostra diversificada na forma e na quantida<strong>de</strong>. O principal tipo <strong>de</strong> arranjo do<br />

grupo familiar é aquele formado pelo casal e pelos filhos adultos solteiros<br />

(42%), seguido pelo arranjo <strong>de</strong> casal com filhos adultos solteiros e casados<br />

(36%) (Tabela 13).<br />

19 Depoimento do Sr. M.E., 52 anos, Lh. 44, trajetória <strong>de</strong> acumulação.<br />

20 Depoimento do Sr. W.T., 60 anos, Lh. 40, trajetória <strong>de</strong> estabilização.<br />

69


Tabela 13 - Arranjos do grupo familiar, por trajetória fundiária<br />

Trajetória fundiária ►<br />

Total<br />

A E R<br />

Arranjo ▼ N %<br />

Casal e filhos adultos solteiros 6 4 12 22 42<br />

Casal e filhos adultos, solteiros e casados 5 7 7 19 36<br />

Só o casal 1 1 4 6 12<br />

A mulher e filhos solteiros 0 0 2 2 4<br />

A mulher e filhos solteiros e casados 0 0 2 2 4<br />

O homem e filhos solteiros e casados 0 1 0 1 2<br />

Total 12 13 27 52 100<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

A = acumulação, E = estabilização, R = retração).<br />

A análise <strong>de</strong>sta tabela permitiu inferir algumas tendências do<br />

<strong>de</strong>sempenho dos grupos familiares que permanecem na proprieda<strong>de</strong>. O<br />

primeiro arranjo apresenta certo grau <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong>, dada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

os filhos adultos solteiros <strong>de</strong>finirem suas estratégias familiares para fora da<br />

proprieda<strong>de</strong>, optarem por uma trajetória urbana, ou fixarem-se a certa distância<br />

do domicílio paterno quando iniciarem a formação <strong>de</strong> suas próprias famílias. O<br />

segundo arranjo, patrilocalida<strong>de</strong>, parece ser o mais estável, pois os filhos<br />

casados trabalham na proprieda<strong>de</strong> em conjunto com os pais, mas não co-<br />

habitam. Este grupo ten<strong>de</strong> a <strong>de</strong>saparecer quando os filhos dos filhos estiverem<br />

em ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituir uma nova geração, ou, quando premidos pela<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais terra, <strong>de</strong>ixarem a proprieda<strong>de</strong> paterna.<br />

As famílias constituídas pelo casal e por filhos solteiros e casados, em<br />

geral, prescin<strong>de</strong>m da mão-<strong>de</strong>-obra externa. Nas proprieda<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> só se<br />

encontra o casal, a mão-<strong>de</strong>-obra necessária para proporcionar o consumo<br />

<strong>de</strong>sejável é substituída por trabalhadores em sistema <strong>de</strong> “meia”.<br />

Do total <strong>de</strong> membros do grupo familiar inicial, ou seja, os que migraram<br />

somados aos nascidos em Rondônia (Tabela 9), i<strong>de</strong>ntificaram-se duas<br />

trajetórias empreendidas pelos membros do grupo: 1) Trajetória interna - que<br />

correspon<strong>de</strong> à permanência <strong>de</strong> 61% dos membros do grupo na proprieda<strong>de</strong>,<br />

70


em uma só morada ou em casas separadas; 2) Trajetória externa - que<br />

compreen<strong>de</strong> o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> 39% dos membros do grupo para fora da<br />

proprieda<strong>de</strong>, seja na área <strong>de</strong> assentamento, em outras Linhas, em outros<br />

municípios e em outros estados do País, empreen<strong>de</strong>ndo trajetória rural ou<br />

urbana (Tabela 14).<br />

Tabela 14 - Trajetórias dos membros do grupo familiar<br />

Trajetória<br />

fundiária<br />

Trajetória interna <strong>de</strong> membros do<br />

GF<br />

A<br />

Filhos<br />

B<br />

Pais<br />

A+B Média<br />

Trajetória externa <strong>de</strong> membros do<br />

GF<br />

C<br />

Rural<br />

71<br />

D<br />

Urbana<br />

Membros do GF<br />

inicial<br />

C + D Média A+B+C+D Média<br />

Acumulação 41 26 67 5,2 9 8 17 1,3 84 6,5<br />

Estabilização 38 24 62 5,2 28 16 44 3,7 106 8,8<br />

Retração 77 50 127 4,7 56 48 104 3,9 231 8,6<br />

Total 156 100 256 4,9 93 72 165 3,2 421 8,1<br />

% 61 39<br />

O grupo familiar que permaneceu nas proprieda<strong>de</strong>s é constituído por<br />

4,9 membros, em média. Uma característica observada foi que este é formado,<br />

unicamente, pela família nuclear. Nas poucas menções a outros membros,<br />

foram citados netos, que não foram incluídos por morarem com os pais em<br />

casa separada. Pais e irmãos, quando citados, ocuparam um lugar na<br />

proprieda<strong>de</strong>, mas não na mesma casa, em geral, a fundiária.<br />

Comparando-se a composição do grupo familiar inicial com a dos que<br />

permaneceram na proprieda<strong>de</strong> (trajetória interna), observa-se redução na<br />

média <strong>de</strong> membros como um todo. Porém, essa redução foi proporcionalmente<br />

menor entre os membros do grupo familiar que <strong>de</strong>senvolveu trajetória fundiária<br />

<strong>de</strong> acumulação. Isto po<strong>de</strong> ser explicado pelo fato <strong>de</strong> o grupo ser <strong>de</strong> menor faixa<br />

etária e, portanto, ter ciclo <strong>de</strong> vida diferenciado dos <strong>de</strong>mais grupos, visto que<br />

têm filhos ainda criança e jovens. Conseqüentemente, estes seriam solteiros e<br />

não teriam ainda constituído uma nova família e saído da órbita paterna.


Quanto à trajetória externa, merecem também <strong>de</strong>staque os dados<br />

relativos à saída dos filhos para assentamentos. O <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> membros<br />

do grupo familiar para duas novas áreas <strong>de</strong> assentamento, no entorno <strong>de</strong> Nova<br />

União, ocorreu com maior freqüência (10%) nas unida<strong>de</strong>s familiares que<br />

<strong>de</strong>senvolveram trajetória fundiária <strong>de</strong> estabilização (Tabela 15). Po<strong>de</strong>-se<br />

relacionar essa maior ocorrência com o maior número <strong>de</strong> filhos verificado<br />

nessa categoria, supondo-se que a terra, embora tenha permanecido em seu<br />

tamanho original, não tenha sido suficiente para a reprodução <strong>de</strong> todos os<br />

filhos. A situação da permanência ou não na área <strong>de</strong> assentamento não estava<br />

<strong>de</strong>finida por ocasião da pesquisa, e alguns informantes <strong>de</strong>clararam que seus<br />

filhos retornaram do acampamento, por não conseguirem ser assentados.<br />

Tabela 15 - Unida<strong>de</strong>s familiares com filhos em assentamento, por trajetória fundiária<br />

Categoria <strong>de</strong> trajetória<br />

fundiária<br />

N<br />

72<br />

Unida<strong>de</strong>s com filhos em<br />

assentamento<br />

Retração 27 3 6<br />

Acumulação 13 1 2<br />

Estabilização 12 5 10<br />

Total 52 9 17<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

4.3.2.3. A pluriativida<strong>de</strong> familiar<br />

A alternância entre a monoativida<strong>de</strong> e a pluriativida<strong>de</strong> dos membros do<br />

grupo familiar <strong>de</strong>finiu as formas <strong>de</strong> organização do trabalho. Os colonos, em<br />

diferentes etapas do ciclo <strong>de</strong> vida da família, recorreram a uma combinação <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s, em razão <strong>de</strong> experiências e oportunida<strong>de</strong>s que variam <strong>de</strong> acordo<br />

com quem as pratica, ou seja, os filhos, a esposa ou o chefe da unida<strong>de</strong><br />

%


produtiva. Entre as famílias estudadas, apenas 31% dos entrevistados<br />

<strong>de</strong>clararam que um ou mais membros da família exerciam ativida<strong>de</strong> externa<br />

remunerada. A organização do grupo familiar, em relação ao trabalho pluriativo<br />

<strong>de</strong> seus membros, se apresentava sob diversos arranjos (Tabela 16).<br />

Tabela 16 - Tipos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas por membros do grupo familiar,<br />

por trajetória fundiária e por unida<strong>de</strong> familiar<br />

Ativida<strong>de</strong>s<br />

73<br />

Trajetória fundiária<br />

A E R<br />

N<br />

Unida<strong>de</strong>s<br />

familiares<br />

(%)<br />

MN1-Monoativida<strong>de</strong> do casal 1 1 2 4 8<br />

MN2-Monoativida<strong>de</strong> do casal e dos filhos 8 6 18 32 61<br />

Subtotal 9 7 20 36 69<br />

PP1-Pluriativida<strong>de</strong> dos pais fora do estabelecimento<br />

3 1 0 4 8<br />

PP2-Pluriativida<strong>de</strong> dos pais <strong>de</strong>ntro do estabelecimento<br />

0 0 2 2 4<br />

PF1-Pluriativida<strong>de</strong> do filho fora do estabelecimento 0 4 5 9 17<br />

PPF1-Pluriativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pai(s) <strong>de</strong>ntro e filho(s) fora<br />

do estabelecimento 1 0 0 1 2<br />

Subtotal 4 12 7 16 31<br />

Total 13 12 27 52 100<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

Na história <strong>de</strong> vida dos migrantes, a pluriativida<strong>de</strong> foi registrada sob<br />

diversas formas e contextos <strong>de</strong> reprodução social. No início do processo <strong>de</strong><br />

colonização, situações <strong>de</strong> caráter conjuntural, por vezes, <strong>de</strong>finiram a opção<br />

pelo exercício <strong>de</strong> outra habilida<strong>de</strong>, que não a <strong>de</strong> agricultor. Exemplo disso foi o<br />

<strong>de</strong> um produtor, pequeno proprietário no Mato Grosso, que, com a venda da<br />

proprieda<strong>de</strong>, comprou um veículo, com o qual fez a mudança <strong>de</strong> parte da<br />

família. Posteriormente, passou a utilizá-lo para o transporte <strong>de</strong> pessoas:<br />

Eu não tinha nada não, só a família e uma Kombi! Ai eu cheguei aqui, em 80<br />

comecei a fazer” linha “com a Kombi daqui para o Ouro Preto. Ia cedo e voltava<br />

lá pro meio-dia, meio-dia e meia, uma hora voltava pra trás. E aí com isso eu<br />

adquiri <strong>de</strong>z mil cruzeiros...


A instalação do núcleo urbano e a expansão dos serviços públicos<br />

ampliaram a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inserção dos colonos em ativida<strong>de</strong>s não-<br />

agrícolas, como professor leigo, servente, agente <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e administrativo,<br />

nas escolas da Linha, no posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, na Sucam, na Emater e no<br />

Cibrazem, <strong>de</strong>ntre outras, assim como em ativida<strong>de</strong>s por conta própria, como<br />

garimpeiro, comerciante <strong>de</strong> gêneros alimentícios, motorista <strong>de</strong> caminhão<br />

toreiro, transporte e venda <strong>de</strong> gado.<br />

Na falta <strong>de</strong> pessoal qualificado assumia a função <strong>de</strong> professor leigo,<br />

visto que bastava ter um mínimo <strong>de</strong> estudo:<br />

... tinha muita criança e não tinha escola, os pais foram conversar para eu<br />

ensinar as crianças. A mulher [esposa <strong>de</strong>le] tinha estudo até a 4. a série, foi<br />

ensinar [1975]. Está dando aula até hoje... só tem a 4. a série! 21<br />

No trabalho <strong>de</strong> campo, foram consi<strong>de</strong>radas como ativida<strong>de</strong>s não-<br />

agrícolas o trabalho em bicicletaria, serraria, usina <strong>de</strong> beneficiamento <strong>de</strong> leite e<br />

<strong>de</strong> cereais, fábrica <strong>de</strong> laminados <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e assessoria a políticos. Verifica-<br />

se, também, que havia situações específicas, a exemplo <strong>de</strong> dois produtores<br />

que exploravam as margens do rio São Domingos, que corta as suas<br />

proprieda<strong>de</strong>s, para extrair areia, <strong>de</strong>stinada a construções.<br />

Uma característica diferencial <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s diz respeito à<br />

situação do membro do grupo familiar em relação ao seu domicílio. Na<br />

primeira, quando tais práticas são exercidas nas próprias Linhas ou mesmo na<br />

se<strong>de</strong> do município, pais e filhos permanecem domiciliados na proprieda<strong>de</strong>, ou,<br />

em alguns casos, possuem casa no núcleo urbano do município. Para estes, a<br />

cultura do café e, ou, a criação <strong>de</strong> gado são as principais ativida<strong>de</strong>s<br />

econômicas, enquanto a ativida<strong>de</strong> extra-agrícola é complementar.<br />

Na segunda situação, i<strong>de</strong>ntificada a partir das trajetórias <strong>de</strong>senvolvidas<br />

pelos filhos, registra-se a pluriativida<strong>de</strong> dos filhos fora do estabelecimento, cuja<br />

dinâmica é aquela em que o filho, mesmo tendo uma ocupação profissional full-<br />

time, em meio urbano próximo ou distante 22 , mantém vínculo com a<br />

proprieda<strong>de</strong>, pela criação <strong>de</strong> gado “a meia” ou pela plantação <strong>de</strong> café, aos<br />

cuidados <strong>de</strong> familiares ou <strong>de</strong> parceiros. Tais eventos caracterizam uma<br />

21 Depoimento do Sr. I.C.C., 60 anos, AF, Lh. 40.<br />

22 Nos casos relatados os filhos estão em municípios vizinhos e até em outros estados<br />

brasileiros.<br />

74


pluriativida<strong>de</strong> às avessas, uma vez que a ativida<strong>de</strong> agrícola passa a ser<br />

ativida<strong>de</strong> complementar.<br />

Esse evento remete, também, a uma reflexão <strong>de</strong> como as mudanças<br />

operadas no meio rural e a sua proximida<strong>de</strong> com o urbano, em razão das<br />

facilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação e <strong>de</strong> transporte, permitem que esse tipo <strong>de</strong><br />

empreendimento seja viabilizado aparentemente com sucesso, contrariando a<br />

sabedoria popular <strong>de</strong> que “é o olho do dono que engorda o gado”.<br />

Além da renda do trabalho agrícola, da pecuária e das ativida<strong>de</strong>s extra-<br />

agrícolas, outros componentes dos orçamentos familiares são os rendimentos<br />

advindos do recebimento <strong>de</strong> aposentadorias e pensões, cuja importância na<br />

formação da renda das famílias rurais foi confirmada por SILVA (1999:116).<br />

Segundo os dados, 36% dos entrevistados recebiam aposentadorias, e em<br />

21% das unida<strong>de</strong>s familiares, ambos, marido e mulher, a recebiam (Tabela 17).<br />

Tabela 17 - Quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aposentadorias recebidas, por unida<strong>de</strong> familiar e<br />

por trajetória fundiária<br />

Aposentadoria Quantida<strong>de</strong><br />

Trajetória fundiária Zero Uma Duas Total<br />

Acumulação 12 0 1 13<br />

Estabilização 5 3 4 12<br />

Retração 16 5 6 27<br />

Total 33 8 11 52<br />

% 63 15 21 100<br />

Como se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> dos diferentes arranjos, do envolvimento <strong>de</strong> pais e<br />

filhos e da natureza das ativida<strong>de</strong>s não-agrícolas, não se trata <strong>de</strong> abandonar<br />

uma ativida<strong>de</strong> pela outra, mas <strong>de</strong> complementar, fora da ativida<strong>de</strong> agrícola, a<br />

insuficiência <strong>de</strong> renda. A modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pluriativida<strong>de</strong>, caracterizada pelo<br />

75


trabalho principal não-agrícola e em tempo integral, e, simultaneamente, a<br />

manutenção <strong>de</strong> um vínculo com a proprieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m indicar um apego à terra,<br />

que a racionalida<strong>de</strong> econômica não alcança, ou apenas outra face da<br />

complementação <strong>de</strong> renda.<br />

4.3.3. Estratégias <strong>de</strong> encaminhamento dos filhos<br />

4.3.3.1. As aspirações dos pais<br />

As estratégias <strong>de</strong> encaminhamento dos filhos foram expressas sobre<br />

duas lógicas: investir na acumulação ou na manutenção <strong>de</strong> terras (formação <strong>de</strong><br />

um capital fundiário), ou investir na educação dos filhos (formação <strong>de</strong> um<br />

capital cultural).<br />

O projeto <strong>de</strong> “fazer um futuro” para os filhos, por meio da formação do<br />

capital fundiário, já estava implícito na <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> migrar. O objetivo era obter<br />

terra em maior quantida<strong>de</strong> para dar condições <strong>de</strong> reprodução à família. A<br />

aspiração predominante, revelada pelos entrevistados, caracterizou-se por<br />

estratégias <strong>de</strong> caráter patrimonial e patrilocal (STANEK, 1998), que consistem<br />

na manutenção dos filhos no meio rural, compartilhando a mesma proprieda<strong>de</strong>,<br />

ou em proprieda<strong>de</strong> separada, mas próxima.<br />

A formação do capital fundiário foi orientada pelas estratégias<br />

fundiárias <strong>de</strong> estabilização, como não ven<strong>de</strong>r, “segurar” a terra para os filhos e<br />

<strong>de</strong> acumulação, que amplia as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reprodução.<br />

Se Deus abençoar que eu permaneça nesses 30 alqueires <strong>de</strong> terra [que esses<br />

não são meus, são dos filhos], eu penso em segurar pra eles, pra não ver<br />

nenhum dos meus filhos trabalhando <strong>de</strong> ameia para os outros. Quantas<br />

pessoas que sofreu junto com a gente, tirou o sitio, abriu, ven<strong>de</strong>u e estão<br />

trabalhando <strong>de</strong> ameia com os outros. 23<br />

A alternativa <strong>de</strong> investir na educação dos filhos, pelo que se<br />

<strong>de</strong>preen<strong>de</strong>u dos <strong>de</strong>poimentos, estava fortemente vinculada à educação formal,<br />

uma vez que não houve menção <strong>de</strong> ensinar ao filho o seu ofício <strong>de</strong> agricultor, a<br />

transmissão do seu “savoir faire”, o capital cultural. A principal aspiração com<br />

23 Depoimento da Sr. a M.P.A., 49 anos, Lh. 44, trajetória <strong>de</strong> retração.<br />

76


elação ao futuro dos filhos foi pautada pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> que “estu<strong>de</strong>m um pouco”<br />

e permaneçam “trabalhando a terra”.<br />

Conformar-se com “um pouco <strong>de</strong> estudo” foi, freqüentemente, um<br />

argumento do chefe da família, apoiado na falta <strong>de</strong> perspectiva <strong>de</strong> emprego,<br />

nas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> manter os filhos estudando na “rua” e na retenção das<br />

filhas na proprieda<strong>de</strong>:<br />

As meninas [três filhas] ficaram sem fazer a 5. a série. Tinham vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

estudar, mas o meu esposo sempre falava que pra quem mora no sitio bastava<br />

estudar um pouco, pra não ficar sem estudo nenhum. Agora com o Pro-Campo<br />

Recomeçar elas voltaram a estudar. 24<br />

... O pai não <strong>de</strong>ixava estudar fora... hoje em dia, muita gente já é estudado, o<br />

pai colocava na cabeça que quem era mais estudado não tinha emprego. 25<br />

... estudaram um pouco. Pararam <strong>de</strong> estudar, mas todos sabem ler e escrever.<br />

Eu não estu<strong>de</strong>i, no meu tempo era difícil, lá on<strong>de</strong> eu morava. Agora, quanto a<br />

continuar estudando é da idéia <strong>de</strong>les. 26<br />

... meu gosto é que eles fiquem aqui. Eu penso que eles <strong>de</strong>vem ficar aqui,<br />

trabalhar a terra. Todos eles estudaram. São nove filhos no total, tem dois que<br />

estão pra roça mais o pai [15 e 18 anos], tem mais uma filha que está na<br />

escola... e outro molequinho [7 anos] está pra aula também. 27<br />

Esses <strong>de</strong>poimentos revelam que a aspiração do pai não é <strong>de</strong> promoção<br />

social, que objetiva dar aos filhos uma formação superior para que consigam<br />

uma profissão com status social (STANEK, 1998). Trata-se, no caso, <strong>de</strong><br />

“estudar um pouco”, o suficiente para não ficar analfabeto. Ao não <strong>de</strong>scartarem<br />

inteiramente os estudos, os <strong>de</strong>poentes revelam uma rejeição pelo seu próprio<br />

analfabetismo ou pelo seu semi-alfabetismo, uma vez que o nível educacional<br />

da maioria é baixo, pois 80% dos pais não possuíam nenhuma escolarida<strong>de</strong>.<br />

As condições adversas do meio em que se instalaram dificultaram,<br />

substancialmente, o acesso ao estudo almejado pelos agricultores.<br />

Inicialmente, nas Linhas só funcionavam escolas em regime multisseriado, o<br />

que obrigava as crianças a interromperem os estudos, pois nem todos os pais<br />

tinham condições ou interesse em encaminhá-los para estudar em outro local.<br />

A falta <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> tráfego das estradas no período chuvoso e as gran<strong>de</strong>s<br />

distâncias entre a escola e a proprieda<strong>de</strong> foram outros fatores que impediram o<br />

prosseguimento dos estudos, o que talvez explique o fato <strong>de</strong> haver um<br />

24 Depoimento da Sr. a A.T.A., 48 anos, AF, Lh. 44.<br />

25 Depoimento da filha do Sr. W.J.P. e da Sr. a G.S.P., AF, Lh. 40.<br />

26 Depoimento do Sr. A.F.S., 72 anos, AF, Lh. 44.<br />

27 Depoimento da Sr. a M.A.S., 48 anos, AF, Lh. 44.<br />

77


contingente significativo <strong>de</strong> maiores <strong>de</strong> 14 anos que não concluíram a 4.ª série<br />

e maiores <strong>de</strong> 18 anos que não concluíram a 8.ª série do 1. o grau (COOPAMNU,<br />

1996). A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incluir e intensificar a participação dos filhos na mão-<br />

<strong>de</strong>-obra familiar foi também motivo <strong>de</strong> evasão escolar.<br />

... todos estudaram até a quarta série, tem um que ainda está estudando em<br />

Nova União. Eu queria que eles continuassem estudando, mas o pai <strong>de</strong>les que<br />

não quis, tirou pra trabalhar na roça. 28<br />

... o mais difícil aqui foi para os meninos estudar, eles iam daqui [Lh. 44] na 40<br />

[ Lh. 40] <strong>de</strong> bicicleta. Tem um que está estudando ainda, ele faz o segundo<br />

ano do 2. o grau. Até agora ele ainda não escolheu o que preten<strong>de</strong> ser, ... ele<br />

até tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser veterinário... ele aplica injeção. Eles [três filhos<br />

rapazes, solteiros] tiraram até a 5. a serie na escolinha daqui. Dois <strong>de</strong>les fizeram<br />

o 1. o grau e um está fazendo o 2. o grau. - Que eles estudassem, eu gostava<br />

que eles continuassem estudando, mas <strong>de</strong>pois que nos se separou [ela<br />

separou-se do marido], aí eles já tinham que ajudar a trabalhar para eles se<br />

manter né? E daí eles não tinham estudo pra trabalhar fora, eles tinham que<br />

ficar trabalhando aqui, fazer um futuro pra eles. 29<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retomada chegou recentemente (1999), com a<br />

implantação na comunida<strong>de</strong> do programa “Pro-Campo Recomeçar”, que tem<br />

viabilizado a continuida<strong>de</strong> dos estudos além da 4. a série: “... com o <strong>Programa</strong><br />

Recomeçar, muita gente voltou a estudar, casado, solteiro, mesmo gente velho<br />

voltou a estudar" 30 . Esta iniciativa foi freqüentemente referida com entusiasmo<br />

pelos entrevistados.<br />

... eu não tive sorte com os meus filhos, teve dois mais velhos que <strong>de</strong>sistiram .<br />

Essa aqui [a filha casada que acompanhava a conversa] só fez a 4. a série,<br />

uma casada também só fez a 4. a Só tem essa menina, a que está para escola,<br />

que fez a 4. a e agora surgiu esse estudo tão bacana [Pro-campo Recomeçar],<br />

e eu sempre falo pra ela, começar e terminar. 31<br />

O investimento cultural, mesmo restrito, exigiu gran<strong>de</strong> empenho do<br />

agricultor. No esforço <strong>de</strong> fazer com que os filhos continuassem a estudar,<br />

houve quem usasse métodos não-didáticos para o convencimento:<br />

... uns estudou um pouquinho. Esse caçula, eu pelejei com ele, lutando para<br />

estudar, mas ele não quis. Amarrava ele, judiava, levava pra roça, punha uma<br />

corrente no pescoço <strong>de</strong>le, dizia: você vai ficar aqui até à hora da aula. Mas ele<br />

não quis... agora ele reclama que não apren<strong>de</strong>u! 32<br />

28 Depoimento da Sr. a E.A., 53 anos, AF, Lh. 44.<br />

29 Depoimento da Sr. a C.N.T., 50 anos, AF, Lh. 44.<br />

30 Depoimento da filha do Sr. W.J.P. e da Sr. a G.S.P., AF, Lh. 40.<br />

31 Depoimento da Sr. a M.P.A., 49 anos, AF, Lh. 44.<br />

32 Depoimento do Sr. A.S., 72 anos, AF, Lh. 44.<br />

78


Uma estratégia para garantir melhores condições <strong>de</strong> estudo aos filhos<br />

se dá pelo <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong>stes para o núcleo urbano <strong>de</strong> Nova União ou para<br />

municípios circunvizinhos. Isso implica, muitas vezes, o êxodo <strong>de</strong> todo o grupo<br />

familiar, mediante a venda <strong>de</strong> parte do lote para “fazer dinheiro” e comprar<br />

“barraco” na se<strong>de</strong> do município.<br />

O <strong>de</strong>slocamento do grupo familiar é uma estratégia nem sempre bem<br />

sucedida, dada a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conciliar a moradia na “rua” (cida<strong>de</strong>) com o<br />

trabalho na proprieda<strong>de</strong> (campo), ou dado o <strong>de</strong>sinteresse dos filhos, que<br />

preferem o trabalho na terra aos estudos. Por vezes, a mãe alia-se aos filhos e<br />

o pai <strong>de</strong>sdobra-se entre os dois espaços <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> morada. Quando a<br />

alternativa é <strong>de</strong>slocar apenas os filhos, os homens têm priorida<strong>de</strong> nesse<br />

encaminhamento, já que as mulheres, mesmo que queiram, são impedidas <strong>de</strong><br />

tentar continuar o estudo na cida<strong>de</strong>, não ia <strong>de</strong>ixar filha moça solta no mundo,<br />

conforme argumentou um produtor.<br />

cultural:<br />

A volta à proprieda<strong>de</strong> resultava <strong>de</strong> um insucesso no investimento<br />

... No sitio eles estudou a 4. a série. A gente foi pra rua pra eles estudar, mas<br />

eles não quiseram. - Não houve interesse. Passei 10 anos fora. A gente tocou<br />

um comércio, barzinho, em Nova Uniao. Três <strong>de</strong>les não quiseram, [trabalham<br />

<strong>de</strong> empregado em roça, gado e marcenaria] mas esse aqui (aponta o caçula)<br />

continua estudando. 33<br />

O produtor P.R., 55 anos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> os cinco filhos completarem a 4. a<br />

série na Linha 44, mudou-se com a família para Nova União: estudaram por<br />

pouco tempo, não <strong>de</strong>u certo ficar lá. Retornou com a mulher e o filho caçula<br />

para a proprieda<strong>de</strong>, visto que suas aspirações quanto ao futuro dos filhos não<br />

correspondiam ao que ele havia planejado:<br />

Cada pessoa tem um <strong>de</strong>stino, o que eu achei que crescesse em casa e<br />

pu<strong>de</strong>sse tomar o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>les , que eu po<strong>de</strong>sse ensinar um pouco da leitura<br />

pra eles, aí não foi bem do jeito que eu pensei , eu não consegui, nenhum<br />

<strong>de</strong>les conseguiu se formar no 1 o . grau, mas também não ficaram analfabeto.. 34<br />

Em oposição aos que investiam no capital cultural estavam aqueles<br />

que preferiam investir na formação <strong>de</strong> um capital fundiário, uma vez que não<br />

acreditavam na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> promoção social pelo estudo e apostavam que<br />

33 Depoimento do Sr. D.P., 46 anos, cujos quatro filhos, na faixa etária <strong>de</strong> 23 a 18 anos,<br />

retornaram à proprieda<strong>de</strong>.<br />

34 Depoimento do Sr. P.R., 55 anos, AF, Lh. 44.<br />

79


o futuro estava no trabalho na terra. A lógica <strong>de</strong> investimento na acumulação<br />

<strong>de</strong> terras ou na manutenção do lote para o trabalho dos filhos era baseada na<br />

falta <strong>de</strong> perspectiva <strong>de</strong> emprego e na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida oferecida pelo meio<br />

rural.<br />

... o que eu tenho dito é que nada aqui é meu ou <strong>de</strong>la [a esposa], o que nos<br />

fizemos é pra fazer com que no futuro eles tenham on<strong>de</strong> trabalhar, porque hoje<br />

em dia não adianta você se afastar <strong>de</strong> seu filho, botar para estudar e na<br />

escola da “rua” e aí a droga está <strong>de</strong>ntro do colégio, a violência está lá <strong>de</strong>ntro do<br />

colégio, então não dá, não tem como... 35<br />

... a maioria dos que estudou, está sem serviço. Se estudo fosse bom, a gente<br />

não estava no caminho do buraco, quem sabe se na mão <strong>de</strong> um analfabeto a<br />

gente não estaria melhor. 36<br />

... melhor ter terra para trabalhar, emprego é mais difícil para filha mulher.<br />

Quem mora na roça não po<strong>de</strong> dar estudo para eles [os filhos], nem comprar as<br />

coisas que precisa. 37<br />

A má qualida<strong>de</strong> do ensino oferecido na comunida<strong>de</strong> era outro<br />

argumento <strong>de</strong> quem preferia apostar que o futuro estava na terra:<br />

Olha, aí já começa uma coisa difícil aqui na Linha, primeiro: tem um professor<br />

e uma professora aqui na Linha que são semi-alfabetizados (são leigos né?).<br />

Esse menino já está indo lá e apren<strong>de</strong>ndo errado, a palavra problema ele está<br />

apren<strong>de</strong>ndo pobrema. O futuro <strong>de</strong>le o que é que eu vou dizer? (...) O que eu<br />

tenho dito é que nada aqui é meu, o que nos fizemos é pra fazer com que no<br />

futuro eles tenham on<strong>de</strong> trabalhar, porque hoje em dia não adianta você se<br />

afastar <strong>de</strong> seu filho, botar para estudar na escola da “rua” e aí a droga está<br />

<strong>de</strong>ntro do colégio, a violência está lá <strong>de</strong>ntro do colégio, então não dá, não tem<br />

como...<br />

... A maioria dos que estudou, está sem serviço. Se estudo fosse bom, a gente<br />

não estava no caminho do buraco, quem sabe se na mão <strong>de</strong> um analfabeto a<br />

gente não estaria melhor.<br />

Os argumentos <strong>de</strong> quem apostava que valia a pena investir nos<br />

estudos colocavam a estratégia <strong>de</strong> promoção social em confronto com a<br />

<strong>de</strong>svalorização do trabalho agrícola:<br />

... Todos eles estudaram, só não se formaram porque aqui agora é que está<br />

tendo a 8. a serie. Hoje o que está dando é quem tem estudo. Se meu pai<br />

tivesse colocado a gente no estudo, às vezes a gente podia até está ganhando<br />

um dinheiro bem mais melhor. Porque o trabalho que a gente faz aqui na<br />

agricultura, trabalhando até a noite, o que a gente faz é como aconteceu agora,<br />

entregar um saco <strong>de</strong> feijão dá por 12-13 conto que nem foi vendido agora, isso<br />

é que é uma injustiça né, um saco <strong>de</strong> milho por cinco real, um saco <strong>de</strong> arroz<br />

custar 12 real, isso que é a coisa mas difícil do mundo. ... Então hoje muitos se<br />

saíram da agricultura por causa disso daí, por o que a pessoa produzir não tem<br />

valor, então aí eles estão estudando, só que aquele ali começou <strong>de</strong>sistiu, diz<br />

ele que se trabalhasse lá na lavoura <strong>de</strong>le ia ganhar mais, só que eu tenho<br />

certeza que ele está per<strong>de</strong>ndo mais, porque hoje quem tem um bom estudo,<br />

35 Depoimento do Sr. S.I.S., 51 anos, AF, Lh. 44.<br />

36 Depoimento do Sr. N.L.S., 48 anos, AF, Lh. 44.<br />

37 Depoimento da Sr. a M.N.R.S., 40 anos, AF, Lh. 44.<br />

80


sempre cai pingando, e aqui quando a gente ganha é <strong>de</strong> ano em ano. Ainda<br />

esse ano o veneno foi para 60... 90-95, saco <strong>de</strong> feijão 100 100 e pouco, pra<br />

ven<strong>de</strong>r feijão <strong>de</strong> 14 e 15 conto e ven<strong>de</strong>r arroz... a gente trabalha porque não<br />

tem estudo o jeito é trabalhar mesmo. 38<br />

4.3.3.2. As trajetórias dos filhos<br />

As trajetórias dos filhos resumiam em duas opções: interna, quando<br />

permaneciam na proprieda<strong>de</strong>, e externa, quando se <strong>de</strong>slocavam para áreas<br />

urbanas e rurais. As trajetórias urbanas po<strong>de</strong>m ser tipificadas em TU1 - para<br />

Nova União; TU2 - para outros municípios do Estado; TU3 - para outros<br />

Estados, e as em rurais: TR1 - para outras Linhas no município; TR2 - para<br />

outros municípios; TR3 - para áreas <strong>de</strong> novos assentamentos; TR4 - para<br />

outros Estados. Tais <strong>de</strong>slocamentos ocorriam em diversas circunstâncias,<br />

como casamento, tratamento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, estudo e busca <strong>de</strong> novas terras para<br />

produção, com vistas em diminuir a pressão sobre a terra paterna, ou pela<br />

escolha <strong>de</strong> uma estratégia alternativa urbana, influenciados por extensões<br />

urbanas da re<strong>de</strong> familiar ou <strong>de</strong> parentesco simbólico.<br />

Tais trajetórias dnotavam diferentes situações sociais em que se<br />

encontravam, como filhos e filhas <strong>de</strong> agricultores, solteiros e casados, filhas<br />

casadas que residiam na cida<strong>de</strong>, filhos operários urbanos, filhos homens no<br />

estabelecimento, filhos em assentamento, filhos na cida<strong>de</strong>, mas com um plantio<br />

<strong>de</strong> café ou algumas cabeças <strong>de</strong> gado na proprieda<strong>de</strong>, filhos operários <strong>de</strong><br />

indústrias, filhos emigrados para o Su<strong>de</strong>ste, filhos reemigrados e filhos com<br />

formação superior. Essa varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> trajetórias vai <strong>de</strong> encontro às aspirações<br />

dos pais, que almejavam que os filhos estudassem um pouco mais e<br />

permanecessem trabalhando na proprieda<strong>de</strong>, já que, para estes, havia terra<br />

para todos.<br />

As trajetórias urbanas eram menos aceitas pelos pais, que<br />

relacionavam o seu sonho <strong>de</strong> possessão <strong>de</strong> terra para os filhos com a<br />

frustração <strong>de</strong> não vê-los como seus sucessores, principalmente quando a<br />

situação do filho na cida<strong>de</strong> não era favorável: “se fosse do meu gosto ele<br />

estava bem, tinha que pelejar com a lavoura”. Porém, migrar para a cida<strong>de</strong><br />

38 Depoimento do Sr. A.S.F., 51 anos.<br />

81


nem sempre significa insucesso: “O meu filho mais velho (que foi pra São<br />

Paulo porque a mulher era doente do coração) , que está prá lá há 10-12 anos,<br />

ele me compra com tudo o que eu tenho aqui, sem ven<strong>de</strong>r tudo o que ele tem“<br />

[trabalha em metalúrgica].<br />

Analisando-se um exemplo <strong>de</strong> trajetórias <strong>de</strong>senvolvidas, encontravam-<br />

se, em um grupo familiar <strong>de</strong> cinco filhos, duas filhas casadas (TR1) que<br />

moravam na proprieda<strong>de</strong> do sogro; um filho casado (TU1) que possuía uma<br />

bicicletaria em Nova União; uma filha casada (TU3) que morava em São Paulo,<br />

cujo marido tinha uma loja <strong>de</strong> materiais <strong>de</strong> construção; o filho caçula (TU3) que<br />

havia viajado para São Paulo para passear e permanecera para trabalhar para<br />

o cunhado. Neste caso, ocorreu processo inverso <strong>de</strong> influência da família, que,<br />

<strong>de</strong>sta vez, contribuía para o êxodo dos jovens. A trajetória urbana empreendida<br />

pelos filhos não <strong>de</strong>sagradava à mãe: “lá em São Paulo eles estão ganhando o<br />

troquinho <strong>de</strong>les e não estão apanhando este solão [sol forte], basta o<br />

sofrimento do pai que não tem jeito”. Permanecia na proprieda<strong>de</strong> apenas o<br />

casal, que subsistia da ativida<strong>de</strong> pecuária, do cacau e do plantio <strong>de</strong> café,<br />

produzido a meia com o filho que estava em Nova União, um caso típico<br />

<strong>de</strong>nominado pela autora da tese <strong>de</strong> “pluriativida<strong>de</strong> às avessas”, no qual o filho<br />

<strong>de</strong>senvolvia ativida<strong>de</strong> não-agrícola em meio urbano, mas mantinha vínculo<br />

produtivo com a proprieda<strong>de</strong>.<br />

Em ambos os casos, investir no estudo, na terra, ou no estudo e na<br />

terra implicava certa perda da autorida<strong>de</strong> do pai, quando as suas aspirações<br />

não eram correspondidas pelos filhos. Tratava-se do processo <strong>de</strong><br />

individualização nas atitu<strong>de</strong>s dos membros do grupo familiar, sobretudo dos<br />

jovens, que acabavam por imprimir uma nova dinâmica nas relações internas<br />

<strong>de</strong> organização do trabalho. Tais <strong>de</strong>cisões se manifestavam não só quando os<br />

filhos rejeitavam continuar os estudos, mas também quando preferiam<br />

permanecer na proprieda<strong>de</strong>, ou traçar uma trajetória urbana, em trabalho não-<br />

qualificado.<br />

Vários <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong>monstram essa in<strong>de</strong>pendência dos filhos, que,<br />

na opinião dos pais, manifestava-se cedo e trazia conseqüências na formação<br />

cultural dos filhos.<br />

82


... a partir dos 15 anos eles já estavam criando asa. 39<br />

... pela minha vonta<strong>de</strong>, era <strong>de</strong> ficar por aqui, trabalhar no lote, mas os filhos<br />

quando se pegam <strong>de</strong> maior, ninguém consegue segurar, eles quer sair. 40<br />

até uma altura eles vão dominados pela gente, <strong>de</strong> 16 anos em diante<br />

escapolem. 41<br />

... até a 4. a série foi po<strong>de</strong>r do pai, uns não quiseram. Agora que veio a 5. a para<br />

a roça. 42<br />

... eles já eram todos os rapazes, não quiseram mais estudar, eu mesmo não<br />

podia falar nada, ficou por isso mesmo. 43<br />

O meu <strong>de</strong>sejo era que eles fossem estudar para ser padre, mas não quiseram<br />

saber <strong>de</strong> estudar, muitos não fizeram nem a 4. a série. 44<br />

Lá no Paraná eles estudaram, mas aqui já estavam todos rapazes não<br />

quiseram mais estudar, eu mesmo não podia falar mais nada, então... ficou por<br />

isso mesmo. 45<br />

... os filhos não queriam estudar. Iam estudar, sabe que faziam? Danavam a<br />

brigar! Hoje eles não tem estudo, agora tem que trabalhar na roça mesmo... 46<br />

Essa característica inovadora era fruto <strong>de</strong> mudanças nas relações<br />

entre familiares, quando a lógica social predominante, na qual o pai controlava<br />

a sucessão e a continuida<strong>de</strong> da exploração, perdia sua força. Surgiam, daí,<br />

conflitos e a sensação <strong>de</strong> impotência dos pais diante das <strong>de</strong>cisões dos filhos, o<br />

que, por vezes, culminava com a saída <strong>de</strong>stes da proprieda<strong>de</strong> para traçarem a<br />

própria trajetória, seja pela aquisição <strong>de</strong> um lote, seja pelo êxodo rural.<br />

Seu Alci<strong>de</strong>s, pioneiro da Linha 44, era um exemplo <strong>de</strong>ssa situação, já<br />

que per<strong>de</strong>ra parte do lote em litígio com o filho mais velho:<br />

... o negócio foi assim: eram os filhos que mandavam..., ele se adiantou, quis<br />

ven<strong>de</strong>r a terra eu não quis ven<strong>de</strong>r, ... <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alguns anos ele ven<strong>de</strong>u... vai<br />

peleja daqui e dali até que... <strong>de</strong>pois no fim do ano ele ven<strong>de</strong>u, nos repartimos,<br />

eu fiquei com uma meta<strong>de</strong> ele ficou com outra, ele pegou aquela meta<strong>de</strong><br />

ven<strong>de</strong>u... ven<strong>de</strong>u pra lá a preço <strong>de</strong> bala, chinelo velho, carro velho... aí <strong>de</strong>pois<br />

eu pelejei... eu fui no juiz para tirar só 10 alqueires. Depois eu man<strong>de</strong>i chamar<br />

ele pra po<strong>de</strong>r dar o consentimento da terra... ele falou que não ia não... só se<br />

eu matasse ele. Eu falei então: - não então você tem vida... isso há muito<br />

tempo né... e ele hoje está na pior... está na pior!<br />

39 Depoimento do Sr. A.F.S., 72 anos, AF, Lh. 44.<br />

40 Depoimento do Sr. D.P., 46 anos.<br />

41 Depoimento do Sr. M.V., 48 anos, Lh. 44.<br />

42 Depoimento da Sr. a O.M., 46 anos.<br />

43 Depoimento do Sr. D.A., 67 anos.<br />

44 Depoimento do Sr. A.F., 64 anos.<br />

45 Depoimento do Sr. D.A., 67 anos, AF, Lh. 40.<br />

46 Depoimento da Sr. a E.C.R., 66 anos, viúva.<br />

83


Observa-se que há um momento em que a força <strong>de</strong> trabalho dos<br />

jovens passa a manter maior controle sobre a renda obtida <strong>de</strong>ntro ou fora da<br />

exploração familiar. Nota-se tendência <strong>de</strong> individualizar a produção,<br />

principalmente no plantio <strong>de</strong> café, num arranjo em que se trabalha<br />

coletivamente e individualmente, como explicou um entrevistado: “Tenho dois<br />

filhos na proprieda<strong>de</strong>, um solteiro e um casado. Cada qual cuida por sua conta<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> solteiro. Esse aqui é solteiro [aponta o menino <strong>de</strong> 14 anos] o que ele<br />

colhe já é <strong>de</strong>le”.<br />

O projeto individualizante <strong>de</strong> família nuclear (VELHO, 1987) estaria<br />

per<strong>de</strong>ndo lugar para um projeto <strong>de</strong> individualização dos filhos. Essa tendência<br />

correspon<strong>de</strong> à mudanças no comportamento produtivo humano, no sistema <strong>de</strong><br />

organização coletiva e <strong>de</strong> princípios patriarcais fortes, como é a família,<br />

baseado na procura por obter renda individual que vem sendo observada na<br />

sociologia econômica (MINGIONE, 1991). Tais mudanças têm levado as<br />

unida<strong>de</strong>s familiares a se adaptarem a elas para garantir sua permanência<br />

enquanto unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção e reprodução.<br />

4.4. Representações das trajetórias empreendidas e resultados alcançados<br />

a) Pioneiros e “vitoriosos, graças a Deus!"<br />

A possessão da terra, "ser proprietário, ser liberto, não ser escravo do<br />

trabalho na terra dos outros”, foi a principal razão para que eles consi<strong>de</strong>rassem<br />

a trajetória empreendida vitoriosa, sob a bênção <strong>de</strong> Deus, como reconheceram<br />

unanimemente. Mesmo para os que, apesar do longo percurso entre o tempo<br />

<strong>de</strong> plantar (acesso a terra) e o tempo <strong>de</strong> colher (melhores condições <strong>de</strong> vida),<br />

pareciam ainda estar distante <strong>de</strong> um êxito pleno, obter a terra era sinônimo <strong>de</strong><br />

vitória.<br />

Deus guiou o nosso plano. O homem e a mulher po<strong>de</strong>m saber muita coisa, mas<br />

se Deus não ajuda ele não tem nada (N.S., 48 anos).<br />

Dou graças a Deus que abriu a mente da gente para vir. Nos somos vitoriosos,<br />

nos vencemos (J.P.S., 71 anos).<br />

Foi muito lutoso mas graças a Deus a gente teve vitória , com essa ida<strong>de</strong> todos<br />

nós temos on<strong>de</strong> morar, temos on<strong>de</strong> parar, que era o nosso maior <strong>de</strong>sejo é ter<br />

nossa terra e aqui realizamos nosso sonho. (...) ... <strong>de</strong>sistir? eu mesma nunca<br />

tive vonta<strong>de</strong>, Nossa Senhora! sempre eu fui uma mulher luta<strong>de</strong>ira, que lutou<br />

para sobreviver, eu tinha essa esperança <strong>de</strong> que nos vencia. E eu tinha o<br />

sonho <strong>de</strong> que a gente ia ter conforto e graças a Deus a gente tem. A senhora<br />

vê, tem quatro anos que a gente tem energia na minha casa, louvado seja<br />

84


Deus, a gente venceu! Hoje a gente tem o asfalto aqui com 2km (M.P.A., 49<br />

anos).<br />

A i<strong>de</strong>ologia do pioneirismo, privilegiada por autores tradicionais <strong>de</strong><br />

estudos migratórios e refutada por outros (MARTINS, 1997; TEDESCO, 1999),<br />

está presente na supervalorização do heroísmo, do sofrer, da aventura ao<br />

<strong>de</strong>sbravar matas, enfrentar animais ferozes, etc. Esse heroísmo é reforçado<br />

quando, sem que tivessem sido questionados sobre esse fato, comparavam<br />

suas trajetórias com a dos trabalhadores sem-terra:<br />

O nome Nova União significa Projeto <strong>de</strong> União do Povo no Sofrimento. Os<br />

sem-terra não é povo <strong>de</strong> luta, luta fomos nós. Eu não concordo com essa vida<br />

que os sem-terra estão querendo . Eu fico besta com esses sem-terra <strong>de</strong> hoje,<br />

eu não me conformo, tudo com suas motos, nós nunca exigiu o que eles<br />

exigem (I.G.S., 51 anos).<br />

Se a gente tivesse o apoio que esses sem-terras têm, nós não tinha pa<strong>de</strong>cido<br />

1/3 do que nós pa<strong>de</strong>ceu Nos tinha vencido antes, nós tinha aberto o lote antes,<br />

tinha comprado gado com aquele dinheiro a gente podia ter comprado mais<br />

terra em volta (D.L., 56 anos).<br />

... eu falo para as minhas filhas, eu fui uma pessoa muito sofrida assim,<br />

vivendo pela terra dos outros, quase igual a um sem-terra. Não é bem um semterra<br />

porque os sem-terra hoje tem mais vez do que a gente, com aquele<br />

jeitinho <strong>de</strong>les... (M.P.A., 49 anos).<br />

Diante das adversida<strong>de</strong>s, recuar não estava nos planos dos migrantes:<br />

"... não adianta viver uma vida boa, mas sem futuro. Lá a vida era boa, tudo era<br />

fácil, mas não tinha futuro", <strong>de</strong>clarou uma mineira, que migrara do Paraná,<br />

segundo a qual a vida boa era representada pela facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso aos<br />

serviços <strong>de</strong> transporte, saú<strong>de</strong> e educação do meio urbano, enquanto a falta <strong>de</strong><br />

expectativa <strong>de</strong> futuro era representada pela restrição <strong>de</strong> terra para a<br />

reprodução da família.<br />

A percepção maior foi a <strong>de</strong> que valeu a pena ter vindo:<br />

Ah Valeu! Se a gente morasse lá nunca teria o que tem hoje, a gente não está<br />

rico, mas tem on<strong>de</strong> plantar, não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar <strong>de</strong> ameia na terra dois<br />

outros, igual lá. E os filhos plantam on<strong>de</strong> quiser plantar. Se sabe que<br />

trabalhando, Deus ajudando, a gente tem um futuro (B.M.C., 55 anos).<br />

b) “A gente não quer só comida”<br />

A condição <strong>de</strong> proprietário <strong>de</strong> terra e o acesso aos bens <strong>de</strong> consumo<br />

foram reconhecidos pelos colonos como as gran<strong>de</strong>s mudanças operadas em<br />

suas vidas. Tratava-se <strong>de</strong> avaliar o seu sucesso, muito além da simples<br />

sobrevivência biológica. Essa percepção foi reforçada quando os entrevistados<br />

manifestaram vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> mostrar aos filhos as condições que viviam antes <strong>de</strong><br />

85


migrar, comparadas às condições oferecidas a eles. Chegaram a afirmar que<br />

os filhos “nasceram em berço <strong>de</strong> ouro":<br />

Quando a gente chegou aqui não tinha uma caminha para dormir. Foi muito<br />

bom mas também muito difícil. Eu não tinha 30 anos ainda tinha muita<br />

esperança, os trensinho que a gente conseguiu, era na picada, não conseguia<br />

trazer aqui pra <strong>de</strong>ntro. A gente forrava em cima das talas <strong>de</strong> coqueiro, com as<br />

minhas cochas e lençol. Deus abençoou que, a gente veio em janeiro, em julho<br />

já tinha milho, então a gente fazia aquele colchão <strong>de</strong> palha. Parece um sonho a<br />

vida da gente, Deus abençoou que a gente conseguiu tudo. Parece um sonho,<br />

porque do jeito que a gente teve aquela escuridão, hoje a gente tem todo o<br />

conforto <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa. Eu falo para as minhas filhas: a gente foi criado assim<br />

no sitio dos outros, trabalhando à meia, e hoje a gente tem o que é da gente,<br />

tudo confortável, máquina <strong>de</strong> lavar, fogão à gás, tudo no jeito. Tudo o conforto<br />

que a gente tem, eu falo para elas que elas foram criadas em "berço <strong>de</strong> ouro”.<br />

Para eles, o preço do conforto era, muitas vezes, pago com prejuízos à<br />

saú<strong>de</strong>. Vencida a malária, da qual não se ouvia mais falar, os males advinham<br />

da labuta na terra, "a agricultura é boa, mas acaba com a saú<strong>de</strong> da gente, não<br />

existe rim, não existe coluna, para quem trabalha no sol, mas se a pessoa não<br />

sofrer, não possui as coisas". Para uma mulher, a solução era simples: "ao<br />

invés <strong>de</strong> gastar dinheiro com sem-terra, o Governo <strong>de</strong>via aposentar as<br />

mulheres que já sofreram tanto, mais cedo. Depois dos 50 anos é só gasto com<br />

remédio, essa tal <strong>de</strong> menopausa”.<br />

c) Quando não valeu a pena<br />

Apenas dois entrevistados, um homem e uma mulher, não fizeram coro<br />

ao sentimento <strong>de</strong> que “valeu a pena”. Para eles, o sacrifício não havia valido a<br />

pena, porque os filhos não permaneceram. No ano <strong>de</strong> 1980, tinham quatro<br />

filhos na migração, três já estavam casados (dois homens e uma mulher), um<br />

adulto solteiro, e mais um filho que nasceu em Rondônia. O sonho era mantê-<br />

los todos unidos, trabalhando na terra. "Moraram tudo junto, tudo pertinho... daí<br />

um saiu porque o filho ficou doente e o médico falou que tinha que levar para<br />

fora [o menino sofria do coração]". Foi-se o primeiro filho.<br />

O entrevistado afirmou que trouxera uma Kombi para transportar o<br />

pessoal, fez dinheiro e comprou um lote. Ao mesmo tempo, envolveu-se com a<br />

administração pública, foi nomeado administrador do NUAR Nova União, e o<br />

lote ficou por conta dos filhos:<br />

eu não fui para o Lote, mas meus meninos foi [o filho casado e o solteiro].<br />

Trabalharam lá, formaram um café lá e tal e coisa... aí resolveram ir embora<br />

que veio um sogro <strong>de</strong>les aí, e disse vamos embora que aqui é muito quente,<br />

que no fim acaba morrendo <strong>de</strong> rim aqui. Foram, <strong>de</strong>ixaram 13 mil pés <strong>de</strong> café<br />

86


plantadinho, já começando a produzir, no fim acabei tendo que ven<strong>de</strong>r o lote.<br />

Foram-se mais dois filhos.<br />

Segundo eles, não restou nenhum <strong>de</strong>les na terra conquistada, e nem<br />

havia mais terra, pois ela tinha sido vendida quando os filhos <strong>de</strong>cidiram <strong>de</strong>ixá-<br />

los:<br />

eu não queria que eles fossem, mas eles que queria ir né, a vonta<strong>de</strong> era <strong>de</strong>les,<br />

eu falei: vocês querem ir, po<strong>de</strong>m ir, eu não vou segurar vocês, vocês são<br />

casados, tem suas casas, vocês sabem o que fazem, mas só que o lote eu vou<br />

ven<strong>de</strong>r. Vendi o lote reparti o dinheiro, a minha parte comprei esse terreno aqui<br />

[uma chácara no início da Linha 44].<br />

Para ele, um sonho <strong>de</strong> terra <strong>de</strong> trabalho em família foi <strong>de</strong>sfeito. Os<br />

filhos foram para outros municípios <strong>de</strong> Rondônia, um foi para Dourados, no<br />

Mato Grosso, para on<strong>de</strong> ele, se pu<strong>de</strong>sse, também já teria ido.<br />

Para a mulher, o marido adotou uma estratégia errada, já que eu, por<br />

ter bom capital, em vez <strong>de</strong> comprar terra “num lugar aberto“, mais próximo da<br />

BR-364, optou por ir mais longe, comprar terra mais barata e farta, uma<br />

estratégia patrimonial que não <strong>de</strong>u certo, pois as dificulda<strong>de</strong>s foram maiores,<br />

fez-se muito sacrifício, "po<strong>de</strong>riam não ter sofrido tanto” .<br />

O seu sofrimento não veio só das adversida<strong>de</strong>s comuns aos migrantes,<br />

mas porque ficou assentada num barraco na LH-20, antes <strong>de</strong> vir para o lote,<br />

“... a mudança ficou no caminho, chegamos <strong>de</strong> noite, o burro voltou pra trás”, a<br />

escuridão era tanta que ela não percebeu que o burro havia voltado. Dramas<br />

pessoais marcaram o início da vida no lugar - com 23 dias que estavam na<br />

proprieda<strong>de</strong>, o marido morreu, em caçada; uma semana antes, o filho havia<br />

sido picado por cobra, quase morrera. Dez anos <strong>de</strong>pois, um dos filhos mais<br />

novos, aos 19 anos, morreu esmagado por uma árvore <strong>de</strong>rrubada.<br />

Todos esses reveses não a fizeram <strong>de</strong>sistir. Levou adiante a estratégia<br />

ruralista/patrimonial do marido:<br />

... a idéia do meu marido era arrumar bastante terra para os filhos. Ele marcou<br />

esses lotes pra lá, trouxe o povo, <strong>de</strong>u a <strong>de</strong>spesa, pra repartir o lote pra <strong>de</strong>ixar<br />

para os filhos. A gente nem pensava que aqui ia virar cida<strong>de</strong>, a gente nem<br />

pensava que eles fossem estudar.<br />

São duas as percepções do “valer a pena”. O que as diferenciou foi<br />

que, no primeiro, os filhos se foram e a terra também, no segundo, o não-valer<br />

a pena significa apenas a rejeição ao sofrer, já que o resultado po<strong>de</strong>ria ser<br />

consi<strong>de</strong>rado como êxito. A estratégia foi a manutenção da base fundiária, que<br />

garantiu “não dar tudo errado”:<br />

87


a gran<strong>de</strong> esperança que a gente tinha era segurar a terra, não ven<strong>de</strong>r, a gente<br />

passou muita necessida<strong>de</strong>, mas não ven<strong>de</strong>u. Tem gente que ven<strong>de</strong>u a terra e<br />

<strong>de</strong>u pra trás, gente sem dinheiro vai ven<strong>de</strong>r terra pra fazer dinheiro vai ficar<br />

sem terra e sem dinheiro.<br />

d) A permanência da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção agrícola familiar<br />

Das diversas teorias que tentaram explicar a permanência ou o<br />

<strong>de</strong>saparecimento próximo da agricultura familiar, várias conce<strong>de</strong>ram ao Estado<br />

um papel <strong>de</strong>cisivo na perpetuação da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção agrícola familiar.<br />

Certamente, o Estado não seria o único fator <strong>de</strong> permanência da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

produção familiar, já que “o futuro da forma social <strong>de</strong> produção agrícola que<br />

constitui a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção familiar é condicionado pela política agrícola,<br />

mas não lhe é completamente subordinado” (JEAN, 1998:273).<br />

A percepção dos produtores foi <strong>de</strong> que o Estado estava ausente <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

o início, quando afirmavam que do INCRA não recebiam nada além da terra.<br />

Havia discordância permanente com o que lhes foi apresentado como política<br />

<strong>de</strong> governo. O financiamento feito mediante PRONAF resultou em prejuízo,<br />

dada a aquisição <strong>de</strong> gado <strong>de</strong> má qualida<strong>de</strong>, visto que não tiveram escolha, pois<br />

as compras foram feitas em pacotes, orientados por casas <strong>de</strong> comercialização<br />

<strong>de</strong> produtos agropecuários. O tempo bom <strong>de</strong> plantar, orientado por uma boa<br />

política, estava no passado:<br />

Naquele período <strong>de</strong> 10 anos atrás quem trabalhou e esforçou conseguiu as<br />

coisas porque tinha uma política. Mas agora não tem valor na agricultura, e<br />

isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos homens que se formaram , os economistas, que se<br />

formaram. Porque quem vai plantar arroz que custa 15 reais. Se tivesse uma<br />

política como era antigamente, o povo <strong>de</strong>senvolvia. (...) Quando tinha aquela<br />

inflação. O Fernando Henrique Mentira não reajustou nada. Não dá nem pra<br />

falar: hoje quem está no po<strong>de</strong>r é quem fica por cima. O povo trabalha, a receita<br />

arrecada... No tempo do Jorge Teixeira... 47<br />

O futuro do pequeno produtor? Do jeito que vai não vai ter futuro, o campo vai<br />

ficar mais vazio do que está hoje. O povo dos assentamentos que pegaram<br />

terra, a maioria <strong>de</strong>les não vai agüentar e vai sair, com essa política que nos<br />

temos em Brasília. Não temos financiamento para arroz, pra café pra cacau pra<br />

nada. 48<br />

Houve, ainda, quem visualizava um governo mais atuante. Premidos<br />

pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliar sua base fundiária, ainda consi<strong>de</strong>ravam a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nova migração. “O Mato Grosso está dando terra boa,<br />

mas aqui o governo não ajuda em nada”. Manifestava-se, assim, a i<strong>de</strong>ntificação<br />

47 Depoimento do Sr. N.S., 48 anos, Lh. 44.<br />

48 I<strong>de</strong>m.<br />

88


especificida<strong>de</strong> do produtor com a terra, além do seu caráter <strong>de</strong> conquistador<br />

(MAUREL, 1998:113). Estavam propensos à mobilida<strong>de</strong> geográfica e<br />

aceitavam a idéia <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r a terra em troca <strong>de</strong> melhor oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

explorar em outro lugar, por outras motivações, assim, o sonho <strong>de</strong> terra<br />

continuava.<br />

89


5. RESUMO E CONCLUSÕES<br />

A colonização da fronteira amazônica pela ocupação <strong>de</strong> “novas terras”<br />

está relacionada com a política agrária implementada pelo governo do regime<br />

militar, processo <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado a partir <strong>de</strong> 1964 e que se firmou na década <strong>de</strong><br />

70, com a criação do Instituto Nacional <strong>de</strong> Colonização e Reforma Agrária<br />

(INCRA), que coor<strong>de</strong>nou as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> colonização e reforma agrária, até a<br />

criação do Ministério <strong>de</strong> Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (Mirad), em<br />

1984.<br />

A política <strong>de</strong> colonização, apresentada como substituta da reforma<br />

agrária, foi uma tentativa <strong>de</strong> resposta do governo brasileiro às pressões que<br />

vinham sendo exercidas pelos movimentos sociais, <strong>de</strong>nominada, por isso,<br />

“colonização contra-reforma agrária”. O Estado <strong>de</strong>sempenhou papel importante<br />

na formação dos condicionantes políticos e dos ambientes institucionais da<br />

fronteira. Por meio do INCRA, or<strong>de</strong>nou a implantação <strong>de</strong> Projetos <strong>de</strong><br />

Colonização Dirigida, ao longo da rodovia Transamazônica, no Pará, e na BR-<br />

364, que liga Porto Velho-RO a Cuiabá-MT.<br />

A criação do Projeto Integrado <strong>de</strong> Colonização em Rondônia, o PIC-<br />

Ouro Preto, em junho <strong>de</strong> 1970, intensificou o fluxo migratório para o então<br />

Território, com assentamento <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 5.000 famílias no referido projeto. A<br />

transformação ocorrida no espaço agrário e social <strong>de</strong> Rondônia e,<br />

particularmente, em Nova União, caso em estudo, é resultado <strong>de</strong>sse processo<br />

<strong>de</strong> colonização na fronteira amazônica, que gerou um novo espaço para a<br />

90


eprodução da agricultura familiar, ao mesmo tempo que fez emergir<br />

preocupação com o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação social e ambiental da região.<br />

Nesse contexto inserem os sujeitos <strong>de</strong>ste estudo, agricultores<br />

expropriados das regiões Sul e Su<strong>de</strong>ste do País, que, por já não terem mais<br />

condições <strong>de</strong> se reproduzir em seu local <strong>de</strong> origem, respon<strong>de</strong>ram ao apelo da<br />

propaganda oficial, “homens sem terra, para terra sem homens”, e embarcaram<br />

na aventura <strong>de</strong> <strong>de</strong>sbravar a fronteira amazônica.<br />

Na história da migração para a Amazônia faz-se referência aos<br />

“colonos retornados”, aos que não permaneceram e aos que “fracassaram”,<br />

vencidos pela exclusão socialmente produzida (SANTOS, 1993 e 1989). Cabe<br />

ressaltar que os sujeitos <strong>de</strong>ste estudo são outros, os que se lançaram na<br />

aventura da fronteira agrícola e conseguiram se estabelecer, reproduzir,<br />

permanecer, vencer a “zona <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong>” (LÉNA, 1991), produzir e reinvestir<br />

na produção.<br />

As condições históricas que moldaram o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produção baseado<br />

na agricultura familiar, bem como as transformações que ocorreram ao longo<br />

do processo <strong>de</strong> estabelecimento dos colonos na fronteira, refletiram-se na<br />

organização interna <strong>de</strong>stes, nos seus projetos familiares. Nesse contexto,<br />

diferentes estratégias <strong>de</strong> reprodução das famílias migrantes, em interação<br />

socioeconômica e cultural com o trabalho e com a terra, foram analisadas,<br />

quais sejam, a migração, como a primeira estratégia <strong>de</strong> sobrevivência, a lógica<br />

patrimonial fundiária, a organização do trabalho e o encaminhamento dos<br />

filhos.<br />

A avaliação das estratégias familiares, num processo <strong>de</strong> colonização<br />

dirigida, implica a consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> muitos aspectos interligados ao eixo<br />

principal da condição camponesa, o acesso à terra. Assim, na análise das<br />

estratégias <strong>de</strong> reprodução social, partiu-se das trajetórias fundiárias<br />

empreendidas, verificando, quando possível, semelhanças e diferenças em<br />

cada uma das categorias, ou seja, a dos que acumularam terra, a dos que<br />

retroagiram e a dos que mantiveram estável o tamanho do seu patrimônio<br />

fundiário adquirido na fronteira. Sem negar o caráter econômico que envolve as<br />

lógicas produtivas e reprodutivas, o que se procurou evi<strong>de</strong>nciar na análise das<br />

estratégias familiares foram as questões subjetivas <strong>de</strong> caráter cultural que<br />

91


permeiam as <strong>de</strong>cisões do agricultor e que, se não são <strong>de</strong>terminantes, vão<br />

influenciar no rumo das trajetórias alcançadas.<br />

Analisando-se as estratégias reprodutivas <strong>de</strong>sses agricultores,<br />

procurou-se resgatar os elementos que constituem a especificida<strong>de</strong> da família<br />

rural enquanto grupo doméstico <strong>de</strong> convívio e <strong>de</strong> trabalho, uma vez que a<br />

diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estratégias familiares <strong>de</strong> reprodução caracteriza, fortemente, a<br />

agricultura familiar, e a sua compreensão tem <strong>de</strong>safiado os pesquisadores das<br />

ciências sociais, nas duas últimas décadas. Assim, tentou-se enten<strong>de</strong>r as<br />

estratégias que envolvem a reprodução da unida<strong>de</strong> familiar inserida em uma<br />

região <strong>de</strong> fronteira agrícola, espaço que faz interagir “forças sociais em conflito”<br />

(SANTOS, 1989) e, ao mesmo tempo, sob a égi<strong>de</strong> do chefe <strong>de</strong> família, que se<br />

exterioriza na proprieda<strong>de</strong> da terra, na importância e no envolvimento <strong>de</strong> seus<br />

membros no trabalho e na obtenção/manutenção <strong>de</strong> patrimônio fundiário.<br />

Na análise dos dados levantados junto a 52 unida<strong>de</strong>s familiares do<br />

município <strong>de</strong> Nova União, em Rondônia, foi possível constatar certas<br />

particularida<strong>de</strong>s na lógica <strong>de</strong> funcionamento <strong>de</strong>ssas unida<strong>de</strong>s familiares. Elas<br />

experimentaram uma série <strong>de</strong> transformações em nível interno, provocadas<br />

pela dinâmica do grupo familiar e pelas mudanças no espaço social em que se<br />

inseriram, o que fez com que algumas <strong>de</strong> suas características permanecessem,<br />

outras se modificassem e novas se incorporassem. Nenhuma <strong>de</strong>las, entretanto,<br />

rompeu, <strong>de</strong>finitivamente, com a particularida<strong>de</strong> do sistema <strong>de</strong> agricultura<br />

familiar, enquanto “unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção, na qual a proprieda<strong>de</strong> e o trabalho<br />

estão estreitamente ligados à família” (LAMARCHE, 1993).<br />

A migração em busca <strong>de</strong> novas terras foi a primeira estratégia colocada<br />

em prática por esses colonos, ao vislumbrarem possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reprodução<br />

social pela realização do “sonho da terra” e, por meio <strong>de</strong>la, melhorar <strong>de</strong> vida e<br />

dar condições <strong>de</strong> reprodução a sua família. Tendo como ponto em comum a<br />

condição camponesa, as trajetórias migratórias foram impulsionadas pelo<br />

processo expropriatório <strong>de</strong> seus locais <strong>de</strong> origem e apresentaram diversos<br />

pontos <strong>de</strong> partida e percursos até Rondônia. Em um ambiente adverso, com<br />

escassez <strong>de</strong> infra-estrutura, o primeiro <strong>de</strong>safio foi vencer a zona <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong>;<br />

para isso, buscaram, pela venda da sua mão-<strong>de</strong>-obra, capitalizar-se para<br />

produzir e reinvestir na produção. A unida<strong>de</strong> familiar foi o centro aglutinador da<br />

organização da vida na fronteira, e os elos <strong>de</strong> parentesco foram <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

92


importância para garantir o acesso a terra. A partir <strong>de</strong>la, outras estratégias <strong>de</strong><br />

reprodução foram implementadas.<br />

A lógica patrimonial fundiária que orientou as <strong>de</strong>cisões dos chefes <strong>de</strong><br />

família foi fundamentada nas estratégias <strong>de</strong> acumulação, estabilização e<br />

retração da base fundiária, relacionadas com estratégias familiares <strong>de</strong><br />

encaminhamento dos filhos. Tais estratégias, na trajetória <strong>de</strong> acumulação,<br />

foram pautadas na lógica <strong>de</strong> investimento no capital fundiário, valorizando a<br />

terra pela pastagem, o que caracteriza a tendência à pecuarização. Na<br />

trajetória <strong>de</strong> estabilização, a estratégia foi a <strong>de</strong> não ven<strong>de</strong>r, “segurar” a terra<br />

para os filhos, ampliando as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reprodução. As trajetórias<br />

fundiárias <strong>de</strong> retração, por venda ou por divisão do lote, foram relacionadas<br />

com as dinâmicas familiares <strong>de</strong> casamento, <strong>de</strong>scasamento e sucessão.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> trajetórias <strong>de</strong> retração e acumulação <strong>de</strong>ixa<br />

antever que estão se reproduzindo no espaço rural <strong>de</strong> Nova União estruturas<br />

sociais semelhantes às que criaram em seus locais <strong>de</strong> origem as condições<br />

para expulsão do campo e migração para Rondônia. Essa expropriação se dá<br />

pelo pequeno que se fez “gran<strong>de</strong>”, que se diferenciou socialmente por meio <strong>de</strong><br />

suas estratégias diversificadas. Estabelece-se, daí, um conflito no qual a<br />

estratégia do outro é a firme <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> manter a trajetória <strong>de</strong><br />

estabilização do tamanho da proprieda<strong>de</strong>, segurar a terra. Até quando o<br />

pequeno subsistirá às pressões?<br />

Esgotadas as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transmissão do patrimônio fundiário, a<br />

estratégia dos pais foi incentivar os filhos a saírem em busca <strong>de</strong> terra, nas<br />

novas áreas <strong>de</strong> assentamento. A reforma agrária, evitada há 30 anos,<br />

lentamente se ren<strong>de</strong> à pressão dos movimentos sociais; para esses fins, duas<br />

gran<strong>de</strong>s fazendas, que representam 26,55% da superfície do município, foram<br />

<strong>de</strong>sapropriadas e <strong>de</strong>marcadas pelo INCRA.<br />

Na dimensão temporal do processo <strong>de</strong> colonização, um novo ciclo<br />

<strong>de</strong>lineia-se. Com base na realida<strong>de</strong> dos conflitos por terra ainda presentes no<br />

campo, registrado nas manchetes dos jornais e nas câmeras <strong>de</strong> televisão, está<br />

claro que gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> famílias rurais e os excluídos do meio urbano<br />

ainda estão em busca do sonho <strong>de</strong> terra. O clamor por reforma agrária, levado<br />

em frente pelos movimentos sociais, indica, talvez, a emergência <strong>de</strong> um novo<br />

93


ciclo no processo <strong>de</strong> colonização, uma colonização “contra a miséria e pela<br />

vida”, ou seja, um Ciclo <strong>de</strong> Colonização pela Cidadania.<br />

Na organização do trabalho, os arranjos são vários e cada um imprime<br />

uma dinâmica diferenciada ao processo <strong>de</strong> produção. Permanece o caráter<br />

familiar, da produção, pais e filhos adultos e solteiros constituem a mão-<strong>de</strong>-<br />

obra familiar organizada principalmente em torno do café e da pecuária. O que<br />

se modifica é a forma <strong>de</strong> apropriação dos rendimentos obtidos na ativida<strong>de</strong><br />

produtiva, uma vez que ocorre um processo <strong>de</strong> individualização dos membros<br />

do grupo familiar, sobretudo dos jovens, cujas atitu<strong>de</strong>s individualistas acabam<br />

por imprimir uma nova dinâmica nas relações internas <strong>de</strong> organização do<br />

trabalho. Essa tendência correspon<strong>de</strong> às mudanças no comportamento<br />

produtivo humano e no sistema <strong>de</strong> organização coletiva e <strong>de</strong> princípios<br />

patriarcais fortes, como é a família, baseado na busca <strong>de</strong> obtenção da renda<br />

individual, conforme observado na sociologia econômica (MINGIONE, 1991).<br />

A pluriativida<strong>de</strong> como conjunção <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s agrícolas e não-<br />

agrícolas, embora não tenha sido significativa em termos quantitativos no<br />

grupo estudado, foi verificada na forma <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços pessoais,<br />

comumente constatada em outras regiões do País. Constata-se ocorrência <strong>de</strong><br />

uma dinâmica que evi<strong>de</strong>ncia uma “pluriativida<strong>de</strong> às avessas”, exercida pelos<br />

filhos que <strong>de</strong>ixam a proprieda<strong>de</strong> e, embora <strong>de</strong>senvolvam um trabalho<br />

assalariado em meio urbano, mantêm vínculos com a família, como<br />

proprietários <strong>de</strong> rebanho bovino e como plantadores <strong>de</strong> café a meia, que<br />

constituem ativida<strong>de</strong>s complementares.<br />

As estratégias <strong>de</strong> encaminhamento dos filhos foram pautadas na<br />

lógica <strong>de</strong> investimento no patrimônio fundiário e no investimento cultural. O<br />

projeto <strong>de</strong> “fazer um futuro” para os filhos, mediante formação do capital<br />

fundiário, foi orientado pelas estratégias fundiárias <strong>de</strong> estabilização - não<br />

ven<strong>de</strong>r, “segurar” a terra para os filhos - e <strong>de</strong> acumulação <strong>de</strong> terras, <strong>de</strong>stinadas<br />

à ativida<strong>de</strong> pecuária e à formação <strong>de</strong> pastagens, que, por sua vez, gera<br />

dinâmicas <strong>de</strong> negócio, como aluguel <strong>de</strong> pasto e criação <strong>de</strong> gado bovino a meia,<br />

ampliando as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reprodução. A obtenção <strong>de</strong> terra em maior<br />

quantida<strong>de</strong>, para dar condições <strong>de</strong> reprodução à família, reflete o caráter<br />

patrimonial e patrilocal (STANEK, 1998) das estratégias que visaram à<br />

94


manutenção dos filhos no meio rural, seja na mesma proprieda<strong>de</strong>, seja em<br />

proprieda<strong>de</strong> separada, mas próxima.<br />

A alternativa <strong>de</strong> investir na educação dos filhos vinculou-se à aspiração<br />

<strong>de</strong> obter um mínimo <strong>de</strong> educação formal para ele, ou seja, o suficiente para<br />

não <strong>de</strong>ixá-lo analfabeto. Ao não <strong>de</strong>scartar inteiramente os estudos, os pais<br />

<strong>de</strong>ixaram implícita uma rejeição ao seu próprio analfabetismo ou semi-<br />

alfabetização. As representações da acumulação do capital cultural<br />

(educacional) apresentaram-se <strong>de</strong> forma diversificada e modificaram-se ao<br />

longo do tempo. Inicialmente, enviar os filhos para a escola significava per<strong>de</strong>r<br />

mão-<strong>de</strong>-obra; e, no atual contexto <strong>de</strong> mudança nas relações <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong><br />

redução <strong>de</strong> postos <strong>de</strong> trabalho, a utilida<strong>de</strong> do estudo se per<strong>de</strong> diante da<br />

conhecida condição <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> emprego, que <strong>de</strong>sfavorece até mesmo os que<br />

estudaram. Qualquer que tenha sido o alcance das aspirações dos pais,<br />

revelou-se nessa dinâmica a falta <strong>de</strong> correspondência entre as aspirações dos<br />

pais e as trajetórias empreendidas pelos filhos, quando estes optam por traçar<br />

uma trajetória individual que rejeita a permanência na proprieda<strong>de</strong> ou a<br />

continuida<strong>de</strong> dos estudos.<br />

Os estudos sobre o processo <strong>de</strong> colonização na Amazônia, <strong>de</strong> modo<br />

geral, indicaram fracasso, dada a <strong>de</strong>sistência <strong>de</strong> muitos que migraram; no<br />

entanto, estudos sustentados em profundas análises econômicas sobre a<br />

região, como os <strong>de</strong> ALMEIDA (1992) e SOUZA FILHO (1996), indicam êxito no<br />

processo <strong>de</strong> colonização dirigida na fronteira amazônica.<br />

Embora este estudo não tenha visado conhecer o <strong>de</strong>stino dos que<br />

<strong>de</strong>ixaram a área, obteve-se dos que ficaram a visão <strong>de</strong> que a terra, mais que<br />

um patrimônio econômico, significa também um patrimônio moral,<br />

representativo <strong>de</strong> uma vitória na luta empreendida pela sobrevivência. Se,<br />

outrora, a variável i<strong>de</strong>ntificadora do sucesso foi o acesso aos bens <strong>de</strong> consumo<br />

(LÊNA, 1991), nesse novo contexto, a visão que prevalece é sustentada,<br />

basicamente, na posse da terra, obtida às custas <strong>de</strong> um pioneirismo cujo valor<br />

é exaltado quando comparam a sua própria luta com a dos sem-terra. A<br />

percepção <strong>de</strong> insucesso está na comparação com o projeto <strong>de</strong> uma vida<br />

melhor, que, porventura, não conseguiram realizar.<br />

Na dimensão temporal em se processou a colonização agrícola <strong>de</strong><br />

Rondônia, Nova União emergiu como um espaço social que se insere,<br />

95


timidamente, nas características do “novo rural” (SILVA, 1999). Verifica-se uma<br />

evolução na agricultura da região e há um sistema <strong>de</strong> produção predominante<br />

no qual os produtores estão inseridos. Baseado no seu sistema produtivo e na<br />

sua forma <strong>de</strong> organização e comercialização, tem-se um produtor<br />

mo<strong>de</strong>rnizado, ligado ao mercado, com acesso aos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong><br />

massa, cosmopolita e com fácil trânsito entre a realida<strong>de</strong> rural, a urbana e a<br />

rurbanizada. Tudo o que acontece no mundo chega até a fronteira por meio da<br />

televisão parabólica, unindo todos em um só Brasil.<br />

A relação com a terra e o seu uso como fonte <strong>de</strong> sobrevivência<br />

ganham outra dimensão para o agricultor, em razão das questões ligadas à<br />

preservação ambiental. A questão da sustentabilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> vir a ganhar força<br />

com as organizações <strong>de</strong> produtores por meio <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

local. A opção pela pecuária <strong>de</strong>ve ser acompanhada por tecnologias que<br />

permitam maior tempo <strong>de</strong> uso das pastagens e uma pecuária menos extensiva.<br />

Com base nessas constatações, conclui-se que, ao buscar formas<br />

alternativas <strong>de</strong> reprodução pela pluriativida<strong>de</strong> e pela adaptação às tendências<br />

<strong>de</strong> individualização dos filhos, o agricultor familiar busca ajustar-se a esse novo<br />

contexto <strong>de</strong> reprodução marcado pelo impacto das transformações para<br />

garantir sua permanência enquanto unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção e reprodução. As<br />

diferentes estratégias <strong>de</strong> reprodução <strong>de</strong>senvolvidas pelos migrantes expressam<br />

potencialida<strong>de</strong>s diferenciadas que <strong>de</strong>vem ser levadas em consi<strong>de</strong>ração quando<br />

da elaboração <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento rural para agricultura familiar.<br />

A busca <strong>de</strong> um caminho para o <strong>de</strong>senvolvimento futuro da Amazônia<br />

tem sido alvo da preocupação <strong>de</strong> muitos pesquisadores, contexto em que a<br />

lógica do agricultor familiar não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada. O que<br />

aconteceu nessa região <strong>de</strong> fronteira faz parte da dinâmica geral <strong>de</strong><br />

transformação da socieda<strong>de</strong> brasileira. Ao chegar à fronteira, o colono teve <strong>de</strong><br />

adaptar-se às condições sociais, institucionais, ecológicas e econômicas que<br />

encontrou. Visto <strong>de</strong>ste modo, a fronteira, como novo espaço gerado para a<br />

reprodução da agricultura familiar, possibilitou ao migrante realizar projetos <strong>de</strong><br />

melhoria <strong>de</strong> vida, o que significou uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tentar mudar o seu<br />

<strong>de</strong>stino, <strong>de</strong> realizar um sonho, o sonho da terra, valor que dados econômicos<br />

não po<strong>de</strong>m quantificar.<br />

96


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103


APÊNDICES


APÊNDICE A<br />

ROTEIRO DAS ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS<br />

1. TRAJETÓRIA MIGRATÓRIA<br />

Etapas migratórias antes <strong>de</strong> Rondônia<br />

Processo <strong>de</strong> acumulação antes <strong>de</strong> Rondônia<br />

Migração para Rondônia<br />

Trajetória interna<br />

2. TRAJETÓRIA FUNDIÁRIA<br />

Forma <strong>de</strong> acesso à terra<br />

Situação fundiária anterior<br />

Estratégias fundiárias<br />

Projeto fundiário para o futuro<br />

3. ADAPTAÇÃO ÀS CONDIÇÕES DA REGIÃO (ZONA DE FRAGILIDADE)<br />

Dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transporte e moradia<br />

Estratégias adaptativas<br />

Pensou em voltar, <strong>de</strong>sistir?<br />

Perda <strong>de</strong> membros do grupo familiar<br />

105


4. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO<br />

Membros do grupo familiar resi<strong>de</strong>ntes atualmente na proprieda<strong>de</strong><br />

Trajetória dos membros do grupo familiar<br />

Alocação dos membros da família fora do estabelecimento<br />

Ativida<strong>de</strong> pruriativa<br />

Participação da renda para a proprieda<strong>de</strong><br />

5. RELACIONAMENTO COM A COMUNIDADE<br />

Participação em organizações associativas<br />

Religião dos membros da família, freqüência e participação em ativida<strong>de</strong>s<br />

extras<br />

Vizinhança, parentesco e lazer coletivo<br />

6. EDUCAÇÃO FAMILIAR<br />

Quem estudou, até que série, por que não estudou mais?<br />

Com que ida<strong>de</strong> parou <strong>de</strong> estudar; se tivesse oportunida<strong>de</strong>, continuaria a<br />

estudar por mais tempo?<br />

Que meios <strong>de</strong> comunicação usam (rádio e televisão)?<br />

Quem mais assiste e o que assiste; costumam discutir os assuntos<br />

abordados nos programas e noticiários?<br />

7. ESTRATÉGIAS DE ENCAMINHAMENTO DOS FILHOS<br />

Quais as aspirações para o futuro dos filhos?<br />

Estudar ou trabalhar a terra<br />

Correspon<strong>de</strong>u às expectativas?<br />

8. REPRESENTAÇÕES SOBRE AS ESTRATÉGIAS EMPREENDIDAS E OS<br />

RESULTADOS ALCANÇADOS<br />

Valeu a pena ter vindo?<br />

Como percebe a trajetória <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>senvolvida?<br />

106


APÊNDICE B<br />

FORMULÁRIO DE SISTEMATIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES<br />

FORMULÁRIO 1B (frente)<br />

PROJETO<br />

Estratégias reprodutivas <strong>de</strong> agricultores familiares migrantes<br />

em Nova União-RO<br />

1. UNIDADE FAMILIAR N. o <strong>de</strong> controle: ________ (N. o Linha, Lote, Or<strong>de</strong>m)<br />

1.1. Nome do Proprietário (ou informante) ...........................................................<br />

1.2. Nome do cônjuge ..........................................................................................<br />

1.3. En<strong>de</strong>reço da Proprieda<strong>de</strong>: Linha ______, Lote_________, Gleba ________<br />

1.4. Membros da família (Quantida<strong>de</strong>)<br />

a) Filhos crianças até 12 anos<br />

b) Filhos(as) adultos solteiros(as)<br />

c) Filhos(as) casados(as)<br />

d) Agregados (tios, sobrinhos, irmãos, etc.)<br />

e) Outros<br />

Na migração<br />

107<br />

Moram na<br />

proprieda<strong>de</strong><br />

Ocupação Estudou(a)


2. ETAPAS MIGRATÓRIAS<br />

2.1. Etapas migratórias do proprietário antes <strong>de</strong> chegar a Rondônia<br />

Variáveis Nascimento Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3 Etapa 4<br />

Ano<br />

Cida<strong>de</strong>/UF<br />

Meio urbano ou rural<br />

2.2. Etapas migratórias em Rondônia<br />

Variáveis Chegada a RO Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3<br />

Ano<br />

Local<br />

Meio urbano/rural<br />

3. TRAJETÓRIA FUNDIÁRIA<br />

3.1. Situação fundiária anterior do proprietário, antes <strong>de</strong> entrar em RO e antes<br />

do lote atual<br />

a) Pequeno proprietário b) Meeiro c) Parceleiro d) Agregado<br />

3.2. Forma <strong>de</strong> acesso à terra<br />

a) Compra ( )<br />

b) Recebeu do<br />

INCRA ( )<br />

3.3. Situação fundiária da proprieda<strong>de</strong><br />

a) Tamanho da prop.<br />

ao entrar no lote:<br />

___ alqueires<br />

b) Retração para ___<br />

alq.<br />

c) Herança ( ) d) Posse ( )<br />

108<br />

c) Estabilização ( )<br />

e) Outros<br />

______________<br />

______________<br />

d) Acumulação em<br />

___ alq.


3.4. Configuração atual do lote (LO = Lote Original)<br />

Linha<br />

Núcleo Urbano<br />

3.5. Projeto fundiário para o futuro: ___________________________________<br />

4. SISTEMA DE PRODUÇÃO<br />

4.1. ( ) Produz leite, bezerros, café e lavoura branca<br />

4.2. ( ) Trabalha quase que exclusivamente com lavoura branca<br />

4.3. ( ) Tem o café como principal fonte <strong>de</strong> renda, trabalha com meeiros<br />

4.4. ( ) Outro: __________________________________________________<br />

5. ORGANIZAÇAO DO TRABALHO<br />

5.1. Aposentadoria ( ) s/n Quantida<strong>de</strong>: ______<br />

5.2. Ativida<strong>de</strong> não-agrícola ( ) s/n _________________________________<br />

5.3. Estratégias <strong>de</strong> encaminhamento dos filhos<br />

RURALISTA – visa fixar os filhos no campo<br />

PATRIMONIAL – objetiva conservar um ou vários filhos-homens no<br />

estabelecimento paterno<br />

PROMOÇÃO SOCIAL – Objetiva dar aos filhos formação superior,<br />

formação com status social<br />

TRADICIONALISTA – limita-se a resolver o encaminhamento das filhas<br />

pelo casamento<br />

PATRILOCALIDADE – quando os pais <strong>de</strong>sejam que os filhos<br />

permaneçam no estabelecimento, mesmo que em casas separadas.<br />

EXOLOCALIDADE – quando os pais preferem que os filhos se fixem a<br />

certa distância do domicílio paterno.<br />

EXOLOCALIDADE LONGÍNQUA – aceitação <strong>de</strong> uma emigração fora do<br />

município ou da região imediata.<br />

109


6. RELACIONAMENTO COM A COMUNIDADE: S/N<br />

6.1. Associação ( ) 6.2 Ccooperativa ( ) 6.3 Igreja ( ) ___________<br />

6.2. Parentes ( ) ______________________________________________<br />

6.3. Lazer coletivo ________________________________________________<br />

7. MEIOS DE COMUNICAÇÃO<br />

7.1. Energia há ______ anos. Priorida<strong>de</strong> na compra <strong>de</strong> eletrodoméstico _____<br />

7.2. Que meios <strong>de</strong> comunicação mais usam? ___________________________<br />

7.3 Quem mais assiste e ao que assiste _______________________________<br />

7.4. Costumam discutir os assuntos abordados nos programas e noticiários?<br />

S/N _______<br />

7.5. Assistiram alguma programa que ensina algo para o produtor rural?<br />

110<br />

_______<br />

8. REPRESENTAÇÕES SOBRE AS ESTRATÉGIAS EMPREENDIDAS E OS<br />

RESULTADOS ALCANÇADOS<br />

8.1. Valeu a pena?<br />

_______________________________________________________________<br />

_______________________________________________________________<br />

_______________________________________________________________<br />

8.2. A que você atribui o sucesso (ou fracasso, conforme a resposta da per-<br />

gunta anterior) da sua trajetória <strong>de</strong> vida?


FORMULÁRIO DE SISTEMATIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES - SIMPLIFICADO<br />

FORMULÁRIO 2B (verso)<br />

PROJETO<br />

Estratégias reprodutivas <strong>de</strong> agricultores familiares migrantes<br />

em Nova União-RO<br />

1. UNIDADE FAMILIAR N. o <strong>de</strong> controle: ________ (N. o Linha, Lote, Or<strong>de</strong>m)<br />

1.4. Nome do Proprietário (ou informante) ...........................................................<br />

1.5. En<strong>de</strong>reço da Proprieda<strong>de</strong>: Linha ______ Lote_________ Gleba ________<br />

1.6. Membros da família que moram na proprieda<strong>de</strong> (quantida<strong>de</strong>)<br />

a) Casal<br />

b) Filhos crianças até 12 anos<br />

c) Filhos(as) casados(as)<br />

d) Filhos(as) adultos solteiros(as)<br />

e) Agregados (tios, sobrinhos, irmãos, etc.)<br />

f) Outros<br />

2. ETAPAS MIGRATÓRIAS<br />

2.3. Etapas migratórias do proprietário antes <strong>de</strong> chegar a Rondônia<br />

Variáveis Nascimento Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3 Etapa 4 Etapa 5<br />

Ano<br />

Cida<strong>de</strong>/UF<br />

Meio urbano ou rural<br />

2.4. Etapas migratórias em Rondônia<br />

Variáveis Chegada em RO Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3<br />

Ano<br />

Local/município<br />

Meio urbano/rural<br />

111


3. TRAJETÓRIA FUNDIÁRIA<br />

3.1. Situação fundiária anterior do proprietário<br />

a) Pequeno proprietário b) Meeiro c) Parceleiro d) Agregado<br />

3.2. Forma <strong>de</strong> acesso à terra<br />

a) Compra ( )<br />

b) Recebeu do<br />

INCRA ( )<br />

3.3. Situação fundiária da proprieda<strong>de</strong><br />

a) Tamanho da prop.<br />

ao entrar no lote:<br />

___ alqueires<br />

b) Retração para ___<br />

alq.<br />

c) Herança ( ) d) Posse ( )<br />

112<br />

c) Estabilização ( )<br />

3.4. Configuração atual do lote (LO = Lote Original)<br />

4. SISTEMA DE PRODUÇÃO<br />

Linha<br />

Núcleo Urbano<br />

4.1. ( ) Produz leite, bezerros, café e lavoura branca<br />

4.2. ( ) Trabalha quase que exclusivamente com lavoura branca<br />

e) Outros<br />

______________<br />

______________<br />

d) Acumulação em<br />

___ alq.<br />

4.3. ( ) Tem o café como principal fonte <strong>de</strong> renda, trabalha com meeiros<br />

4.4. ( ) Outro: __________________________________________________


N. o Lote N.o do entrevistado - anos na proprieda<strong>de</strong><br />

tamanho da área (hectares)<br />

APÊNDICE C<br />

Linha 40<br />

113<br />

N. o Lote<br />

N. o do entrevistado - anos na<br />

proprieda<strong>de</strong> tamanho da área<br />

(hectares)<br />

53 32 - 23 a - 96 ha 54 <br />

51 32 - 23 a - 96 ha 52 <br />

49 32 - 23 a - 96 ha 50 S 12 – 12 a – 96 ha<br />

47<br />

- 17 a - 48 ha<br />

48 - 20 a - 48 ha<br />

48 - 20 a - 24 ha<br />

48 <br />

45<br />

29 - 21 a – 24 ha<br />

46 S04 - 11 a - 29 ha<br />

<br />

43 30 - 21 a - 96 ha 44 16-18- 67 h<br />

41 31 – 21 a – 96 h 42 14 a - 96 ha<br />

39 - 23 a - 96 ha 40 32 - 23 a - 96 ha<br />

37 33 - 21 a – 96 ha 38 34 - 24 a – 96 ha<br />

35 35 - 21 a - 96 ha 36<br />

39 - 18 a - 96 ha<br />

<br />

33<br />

36- 21 a - 50 ha<br />

- 46 ha<br />

34 35 - 21 a - 96 ha<br />

31<br />

11 - 23 a - 48 ha<br />

- 48 ha<br />

32 - 14 a - 96 ha<br />

29 38 - 21 a - 96 ha 30 <br />

27 - 21 a - 96 ha 28 <br />

25 40 - 23 a - 96 ha 26 <br />

23 41 - 19 a – 96 ha 24<br />

48 ha<br />

a – 48ha<br />

21 22<br />

<br />

42 - 20 a – 48 ha<br />

19 20<br />

<br />

<br />

17 44 – 23 a – 96 ha 18 <br />

43 - 21 a – 65 ha<br />

<br />

15 - 96 ha 16 <br />

45 – 23 a - 48 ha<br />

<br />

13 - 96 ha 14<br />

23-20-96 ha<br />

<br />

11<br />

<br />

49 – 20 a - 48 ha<br />

12 <br />

<br />

<br />

09 49 – 20 a - 48 ha 10 - 11 a - 96 ha<br />

07 - 12 a - 96 ha 08<br />

3 - 21 a - 72 ha<br />

Laticinio<br />

05<br />

- 20 a – 48 ha<br />

- 48 ha<br />

06<br />

7 – 19 a – 61 ha<br />

03 8 - 19 a - 96 ha 04 <br />

01 2 – 18 a – 10 ha 02 50 – 24 a – 92 ha<br />

LEGENDA:<br />

Ocupante <strong>de</strong> origem ou her<strong>de</strong>iro Ocupante <strong>de</strong> origem + ocupante novato<br />

Ocupante novato Lote adquirido por familiares <strong>de</strong> migrantes<br />

Lote acumulado Lote transformado em chácaras<br />

Lote <strong>de</strong> entrevistado<br />

Fonte: Dados da pesquisa <strong>de</strong> campo (outubro 1999).<br />

Figura 1C - Configuração e ocupação dos lotes da Linha 40 - Nova União-RO.


N. o do<br />

Lote<br />

N. o do entrevistado - anos na proprieda<strong>de</strong><br />

tamanho da área (hectares)<br />

Linha 44<br />

114<br />

N. o do<br />

Lote<br />

N. o do entrevistado - anos na<br />

proprieda<strong>de</strong> tamanho da área<br />

(hectares)<br />

53<br />

15 - 2 1 a - 48 ha<br />

<br />

54<br />

<br />

<br />

51 14 - 21 a - 96 ha 52<br />

<br />

<br />

49<br />

01 - 24 a - 24 ha<br />

<br />

50<br />

<br />

<br />

47 10 - 21 a – 95 ha 48 her<strong>de</strong>iro<br />

45 46<br />

S4 - 11 a - 29 ha<br />

16 – 18 a – 72 ha<br />

43<br />

5 a - 60 ha<br />

5 a - 36 ha<br />

44<br />

16-18- 67 ha<br />

29 ha<br />

41<br />

<br />

<br />

42 14 a - 96 ha<br />

39 <br />

her<strong>de</strong>iro<br />

S3 - 11 a – 48 ha<br />

40 04 - 19 a – 96 ha<br />

37 <br />

S2 - 23 a - 72 ha<br />

- 24 ha<br />

- 53 ha<br />

38 <br />

05-16-48ha<br />

- 48 ha<br />

35<br />

S9 – 12 a – 24 ha<br />

– 19 ha<br />

36 S9 - 12 a - 96 ha<br />

33 <br />

06- 21 a - 84 ha<br />

- 3 a - 12 ha<br />

34 S9 - 12 a - 96 ha<br />

31<br />

11 - 23 a - 48 ha<br />

- 36 ha - 12 ha<br />

32 - 7 a - 96 ha<br />

29 21 – 20 a - 96 ha 30<br />

12 - 21 a - 48 ha<br />

<br />

27 S 10 - 17 a - 96 ha 28 17- 20 a - 92 ha<br />

25 S6 - 8 a - 96 ha 26 S6 - 8 a – 96 ha<br />

23<br />

- 92 ha<br />

S6 - 8 a - 4 ha<br />

24 <br />

13-21-48 ha<br />

S6 - 8 a – 48ha<br />

21 22 22 a - 96 ha<br />

19 20 19 - 22 a - 96 ha<br />

17<br />

<br />

<br />

18 <br />

22 - 20 a – 48 ha<br />

<br />

15 20 - 21 a - 96 ha 16 <br />

18-21- 72 ha<br />

- 24 ha<br />

13 14 23- 20 a – 96 ha<br />

11<br />

25 – 19 a – 48 ha<br />

<br />

12 <br />

24 – 20 a – 56,5 ha<br />

- 39,5 ha<br />

09<br />

26 – 19 a – 48 ha<br />

28 – 22 a – 48 ha<br />

10<br />

<br />

<br />

07 - 12 a - 96 ha 08<br />

27- 21 a - 72 ha<br />

<br />

05<br />

- 10 a – 48 ha<br />

- 48 ha<br />

06 28 – 22 a – 96 ha<br />

03<br />

- 24 ha<br />

52 – 16 a – 72 ha<br />

04 – 22 a – 96 ha<br />

01 51 – 19 a – 96 ha 02 <br />

LEGENDA:<br />

Ocupante <strong>de</strong> origem ou her<strong>de</strong>iro Ocupante <strong>de</strong> origem + ocupante novato<br />

Ocupante novato Lote adquirido por familiares <strong>de</strong> migrantes<br />

Lote acumulado Lote transformado em chácaras<br />

Lote <strong>de</strong> entrevistado<br />

Fonte: Dados da pesquisa <strong>de</strong> campo (outubro 1999).<br />

Figura 2C - Configuração e ocupação dos lotes da Linha 44 - Nova União-RO.


APÊNDICE D<br />

Tabela 1D - Relação dos chefes <strong>de</strong> famílias com seu local <strong>de</strong> nascimento e relações<br />

<strong>de</strong> parentesco nas Linhas 40 e 44<br />

Trajetória<br />

fundiária<br />

ACUMULAÇÃO<br />

ESTABILIZAÇÃO<br />

RETRAÇÃO<br />

Nome do proprietário Parentesco Local <strong>de</strong> nascimento<br />

Antonio Damasceno Ribeiro NT AL<br />

Nivaldo Lopes <strong>de</strong> Souza Irmão BA<br />

Manoel Amancio <strong>de</strong> Souza Irmão (2) BA<br />

Izaltino chaves da Cruz Filhos ES-Afonso Claúdio<br />

João Pereira da Silva Filhos MG<br />

José Torres <strong>de</strong> Amorim Irmãos (2) MG-Alvarenga<br />

Sebastião Imídio da Silva Cunhada MG -Conselheiro Pena<br />

Matim Antonio da Silva Irmão (1) MG -Conselheiro Pena<br />

Abiner Alves <strong>de</strong> Souza Irmão e Cunhado MG -Conselheiro Pena<br />

Daniel Leite <strong>de</strong> Oliveira Sogro e Cunhados MG -Conselheiro Pena<br />

Marcos Evangelista NT MG-Ipanema<br />

Arnaldo Figueira Sodré Irmã e Cunhado PR - Campo Mourão<br />

Antônio Dias da Silva Cunhado (1) SP-<br />

João Pereira dos Santos sogro BA<br />

Sebastião Assis <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Genros (2) ES -Cachoeiro do Rio Pardo<br />

Adão Firmino Cunhados (2) MG<br />

Wanthuil Tomás Irmãos (2) MG<br />

Antônio Gomes dos Santos NT MG<br />

Pedro Viana <strong>de</strong> Souza Sobrinho MG -Caratinga<br />

Serafim <strong>de</strong> Carvalho Filhos e Irmã MG -Conselheiro Pena<br />

Wilson José Pereira Irmão e Cunhado MG -Conselheiro Pena<br />

Merquia<strong>de</strong>s Perpetuo Cunhado MG -Resplendor<br />

João Fernan<strong>de</strong>s dos Santos Genro MG -Sto Antonio do Jacinto<br />

Belmiro Floriano da Silva NT MS<br />

Deusdécio Andra<strong>de</strong> Filhos SE -Monte Alegre<br />

Antônio Santos Fonseca Irmãos BA<br />

Antonio José Gama NT BA<br />

Waldomiro Gomes dos Santos NT BA<br />

Pedro Ramos Irmão (2) BA - Macarani<br />

Benedito Vital da Rocha Cunhado BA -Biratinga<br />

Joel Tomás <strong>de</strong> Souza NT ES<br />

Manoel Verdan NT ES<br />

João Luiz da Costa Cunhada MG<br />

João Thomas Irmãos (2) MG<br />

Eva C. da Rocha NT MG<br />

Enedina do Amaral NT MG - S.Manuel <strong>de</strong> Mutum<br />

Maria Pereira <strong>de</strong> Amorim Irmãos (2) MG-Alvarenga<br />

José(Derneval) da Silva Irmã MG -Conselheiro Pena<br />

Sidney Iorque <strong>de</strong> Souza Irmão MG -Conselheiro Pena<br />

José Candido da Silva Irmão (1) MG -Conselheiro Pena<br />

Alci<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Souza NT MG -Gouveia<br />

Ernestino Rodrigues da Silva Genros MG -Jacinto<br />

Antonio Francisco <strong>de</strong> Souza genro MG -Monte Azul<br />

Antônio Leonardo NT MG -Santo Esteves<br />

Daniel Pedrosa Mãe e Irmãos MG -São Jose do ...<br />

José Batista Genro MT -Dourados<br />

Luiz Bento <strong>de</strong> Lima NT RN -São Miguel<br />

João Maia NT RS -Aratiba<br />

Nair Cecilia Theis cunhado e genro RS -São Luiz Gonzaga<br />

Dolvina <strong>de</strong> Lorenzi Filhos SC<br />

José Soares <strong>de</strong> Mato NT SE<br />

Antonio Calandré Filhos e Genros SP<br />

Fonte: Dados da pesquisa (outubro <strong>de</strong> 1999).<br />

NT = não tem.<br />

115


APÊNDICE E<br />

PADRÃO DIFERENCIADO DE HABITAÇÃO NA LINHA 44<br />

Figura 1E - Moradia do tipo 1, na Linha 44, trajetória <strong>de</strong> retração.<br />

116


Figura 2E - Moradia do tipo 4, na Linha 44, trajetória <strong>de</strong> retração.<br />

117

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