27.08.2013 Views

Andréia Zulato Marçolla - Programa de Pós-Graduação em ...

Andréia Zulato Marçolla - Programa de Pós-Graduação em ...

Andréia Zulato Marçolla - Programa de Pós-Graduação em ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

ANDRÉIA ZULATO MARÇOLLA<br />

O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA<br />

NO CONTEXTO DISCURSIVO DO JORNAL NACIONAL:<br />

A PALAVRA E A IMAGEM<br />

VIÇOSA<br />

MINAS GERAIS - BRASIL<br />

NOVEMBRO - 2000<br />

Tese apresentada à Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, como parte das<br />

exigências do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<br />

<strong>Graduação</strong> <strong>em</strong> Extensão Rural, para<br />

obtenção do título <strong>de</strong> “Magister<br />

Scientiae”.


ANDRÉIA ZULATO MARÇOLLA<br />

O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA<br />

NO CONTEXTO DISCURSIVO DO JORNAL NACIONAL:<br />

A PALAVRA E A IMAGEM<br />

APROVADA: 16 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1999.<br />

Tese apresentada à Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, como parte das<br />

exigências do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<br />

<strong>Graduação</strong> <strong>em</strong> Extensão Rural, para<br />

obtenção do título <strong>de</strong> “Magister<br />

Scientiae”.<br />

Antônio Luiz <strong>de</strong> Lima Guilherme Jorge <strong>de</strong> Rezen<strong>de</strong><br />

Alberto da Silva Jones José Benedito Pinho<br />

(Conselheiro)<br />

Geraldo Magela Braga<br />

(Orientador)


“Faze a tua viag<strong>em</strong> na Terra, <strong>em</strong> companhia do Amigo Celestial, <strong>de</strong> coração<br />

elevado à Vonta<strong>de</strong> Divina, <strong>de</strong> cabeça erguida na fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à religião do <strong>de</strong>ver<br />

b<strong>em</strong> cumprido, <strong>de</strong> consciência edificada no b<strong>em</strong> invariável e <strong>de</strong> braços ativos e<br />

diligentes na plantação das boas obras”.<br />

Dedico esta minha humil<strong>de</strong> obra,<br />

a Deus por ter me orientado <strong>em</strong> completar<br />

mais esta jornada <strong>de</strong> minha vida;<br />

ao meu filho e minha esperança, Leon;<br />

à minha gran<strong>de</strong> amiga Tatiana;<br />

ao meu amigo e companheiro, André Luís;<br />

ao pai do meu filho, Marcelo;<br />

a meus irmãos e amigos, Raquel e André Luís;<br />

meus tios e protetores, Heloísa e João;<br />

meus avós e anjos, João, Orcélia, Natalina e João (in m<strong>em</strong>oriam);<br />

e... meus progenitores... ELISABETH e LUIZ (in m<strong>em</strong>oriam),<br />

que, com certeza, na colônia espiritual <strong>em</strong> que se encontram, rezaram por mim,<br />

iluminando-me e fortalecendo-me nos momentos <strong>em</strong> que a sauda<strong>de</strong> tentava ser<br />

mais forte do que a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver e vencer.<br />

Venci mais uma etapa, mamãe e papai.<br />

Obrigada por ter<strong>em</strong> me permitido viver.<br />

Obrigada... por tudo.<br />

ii


AGRADECIMENTO<br />

Escrever uma tese é quase que gerar um filho. A sensação do <strong>de</strong>ver<br />

cumprido alivia a alma e o coração. Durante estes 30 meses que estive integrada<br />

ao <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Mestrado <strong>em</strong> Extensão Rural, muitos fatos ocorreram: satisfação,<br />

ansieda<strong>de</strong>, tensão, estresse, perdas..., vitórias e conquistas.<br />

Na fase final <strong>de</strong> elaboração e conclusão <strong>de</strong> minha tese, tive um "misto <strong>de</strong><br />

medo" por, supostamente, não conseguir alcançar meu objetivo e, ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po, minhas forças foram renovadas e minha esperança restaurada.<br />

Concluí. Venci. E, principalmente, estou feliz, por ter reencontrado com<br />

uma antiga conhecida. Uma mulher que há muitos anos também estava me<br />

procurando. Ao reencontrá-la, percebi que a distância que nos separava era<br />

causada pela minha insegurança por não ser eu mesma e não ter corag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

tentar ser feliz. A esta mulher, que alguns chamam <strong>de</strong> “fortaleza”, agra<strong>de</strong>ço por<br />

ter me dado a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> buscar no espelho <strong>de</strong> minh’alma, a <strong>Andréia</strong><br />

autêntica, segura, feliz e amada.<br />

Agra<strong>de</strong>ço também a todos os meus amigos <strong>de</strong> curso que s<strong>em</strong>pre<br />

estiveram ao meu lado, me fortalecendo: Tatiana, minha irmazinha do coração<br />

(citar suas qualida<strong>de</strong>s implicaria <strong>em</strong> escrever outra tese); André Luis, a corag<strong>em</strong>,<br />

a sensatez, o amor <strong>em</strong> pessoa, o verda<strong>de</strong>iro amor que surgiu <strong>em</strong> minha vida;<br />

Romilda, a generosida<strong>de</strong> personificada; Silvaninha, a alegria contagiante; Geana,<br />

iii


a espontaneida<strong>de</strong> marcante; Bira, a simpatia nata; Nicolina, a maturida<strong>de</strong> sensata;<br />

Marluce, a força <strong>de</strong> ser mulher; Vânia, uma gran<strong>de</strong> amiga, <strong>em</strong> todos os<br />

momentos; Adriana, a sensibilida<strong>de</strong> coerente; Luiz Antônio, a serieda<strong>de</strong><br />

profissional; Malu, a beleza da alma; e Andréa Alice, a harmonia permanente. A<br />

vocês, agra<strong>de</strong>ço por ter<strong>em</strong> permitido que eu os qualificasse como meus amigos,<br />

sendo, para mim, um privilégio ter estado ao lado <strong>de</strong> vocês.<br />

Não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> l<strong>em</strong>brar pessoas muito importantes do<br />

Departamento <strong>de</strong> Economia Rural: Rosângela, Graça, Rita, Carminha, Helena,<br />

Luíza, D. Maria, Ruço, Brilhante, Tedinha e Ariadne. A vocês, agra<strong>de</strong>ço pela<br />

paciência, compreensão e pelo carinho. Ao simpático bolsista Marcelo, que me<br />

auxiliou <strong>em</strong> vários momentos na elaboração <strong>de</strong> minha tese.<br />

Aos professores dos quais fui aluna, orientada e aconselhada, recebendo<br />

quase que um tratamento paterno: José Geraldo, Lima, Pinho, Norberto, Fábio,<br />

Jones e Magela.<br />

À Secretaria Nacional do MST, <strong>em</strong> São Paulo, que me ce<strong>de</strong>u as<br />

reportagens analisadas <strong>em</strong> minha tese, especialmente ao Nilton. Ao Maurício<br />

Stédile que fez as cópias das reportagens e, principalmente, tornou-se meu<br />

amigo.<br />

À minha secretária Edna, por estar s<strong>em</strong>pre ao meu lado. À Rita, minha<br />

vizinha e gran<strong>de</strong> amiga, por tudo.<br />

Ao meu filhinho, pela paciência <strong>de</strong> permitir que sua mãezinha pu<strong>de</strong>sse,<br />

ao invés <strong>de</strong> “brincar hominhos”, escrever uma tese.<br />

A Deus e a meus queridos e saudosos papai e mamãe.<br />

iv


BIOGRAFIA<br />

ANDRÉIA ZULATO MARÇOLLA, filha <strong>de</strong> Luiz <strong>Marçolla</strong> e Elisabeth<br />

<strong>Zulato</strong> <strong>Marçolla</strong>, nasceu <strong>em</strong> 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1972, <strong>em</strong> Cataguases-MG.<br />

Em 1982, concluiu o primário na Escola Estadual Guido Marlière,<br />

Cataguases - MG; <strong>em</strong> 1986, o primeiro grau na Escola Estadual Manuel Inácio<br />

Peixoto; e <strong>em</strong> 1989, o segundo grau no curso científico da Escola Estadual<br />

Manuel Inácio Peixoto (diurno) e no curso <strong>de</strong> magistério da Escola Estadual<br />

Francisco Inácio Peixoto (noturno).<br />

Em 1991, passou no vestibular <strong>de</strong> Comunicação Social da Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora, tendo concluído o curso, com habilitação <strong>em</strong> Jornalismo,<br />

<strong>em</strong> 1994.<br />

Em 1997, foi selecionada para o <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Mestrado <strong>em</strong> Extensão<br />

Rural da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, tendo <strong>de</strong>fendido tese <strong>em</strong> 16 <strong>de</strong><br />

set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1999.<br />

v


CONTEÚDO<br />

vi<br />

Página<br />

EXTRATO ................................................................................................ x<br />

ABSTRACT .............................................................................................. xii<br />

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................... 1<br />

1.1. O contexto agrário brasileiro .......................................................... 1<br />

1.1.1. A trajetória <strong>de</strong> lutas dos trabalhadores rurais ........................... 3<br />

1.1.2. Os rumores da reforma agrária brasileira ................................. 4<br />

1.2. O movimento dos trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra .......................... 6<br />

1.2.1. I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ................................................................................. 7<br />

1.2.2. Trabalho e classe social ........................................................... 10<br />

1.2.3. Educação .................................................................................. 12<br />

1.2.4. A violência física ..................................................................... 13<br />

1.2.4.1. Massacres e ecos das violências ......................................... 15


vii<br />

Página<br />

1.2.5. A violência simbólica .............................................................. 19<br />

1.2.5.1. Segregação e representação social ..................................... 20<br />

1.2.5.2. O controle social ................................................................ 22<br />

1.3. O probl<strong>em</strong>a e sua importância ........................................................ 24<br />

1.3.1. A linguag<strong>em</strong> e a palavra .......................................................... 27<br />

1.3.2. O acirramento dos confrontos .................................................. 31<br />

2. OBJETIVOS .......................................................................................... 36<br />

2.1. Geral ............................................................................................... 36<br />

2.2. Específicos ..................................................................................... 36<br />

3. REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................. 38<br />

3.1. Os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e o domínio social ................ 38<br />

3.1.1. A formação da indústria cultural brasileira .............................. 43<br />

3.1.2. A televisão e suas mediações ................................................... 47<br />

3.2. A Re<strong>de</strong> Globo e o Jornal Nacional ................................................ 50<br />

3.2.1. O padrão <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> do Jornal Nacional e sua imag<strong>em</strong> ...... 53<br />

3.2.2. Mudanças e novas “maquiagens” do Jornal Nacional ............ 57<br />

3.3. O telejornalismo e o monopólio da linguag<strong>em</strong> televisiva .............. 61<br />

3.3.1. A relação entre a linguag<strong>em</strong> verbal e icônica no telejornalismo<br />

...........................................................................................<br />

3.3.1.1. A objetivação e a ancorag<strong>em</strong> ............................................. 67<br />

3.3.2. O condicionamento i<strong>de</strong>ológico no telejornalismo ................... 72<br />

3.3.3. A produção <strong>de</strong> notícias e a filtrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> informações .............. 75<br />

65


viii<br />

Página<br />

3.3.4. A linguag<strong>em</strong> jornalística e seu funcionamento discursivo ...... 80<br />

3.3.4.1. O discurso telejornalístico .................................................. 83<br />

3.3.5. Pistas teóricas sobre os aspectos discursivos do Jornal Nacional<br />

......................................................................................<br />

4. METODOLOGIA .................................................................................. 91<br />

4.1. Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise ......................................................................... 91<br />

4.2. Método analítico ............................................................................. 91<br />

4.3. Coleta <strong>de</strong> dados .............................................................................. 94<br />

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................... 95<br />

5.1. Primeiro bloco <strong>de</strong> análise: a força argumentativa das palavras ..... 95<br />

5.2. Segundo bloco <strong>de</strong> análise: as autorida<strong>de</strong>s como protagonistas da<br />

cena discursiva ...............................................................................<br />

5.3. Terceiro bloco <strong>de</strong> análise: os sujeitos da enunciação - os contrapontos<br />

discursivos e as vozes ocultas ........................................<br />

5.4. Quarto bloco <strong>de</strong> análise: o contexto das imagens na construção<br />

do espetáculo da notícia .................................................................<br />

5.5. Quinto bloco <strong>de</strong> análise: o discurso do po<strong>de</strong>r governamental como<br />

espetáculo político ...................................................................<br />

5.6. Sexto bloco <strong>de</strong> análise: rel<strong>em</strong>brando o massacre <strong>de</strong> Eldorado dos<br />

Carajás - o ato <strong>de</strong> <strong>em</strong>ocionar a opinião pública, visando a<br />

legitimação do po<strong>de</strong>r .....................................................................<br />

5.7. Sétimo bloco <strong>de</strong> análise: o ciclo da violência anunciada ............... 127<br />

5.8. Oitavo bloco <strong>de</strong> análise: os saques no Nor<strong>de</strong>ste - do fenômeno<br />

seca à construção <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> social .....................................<br />

6. RESUMO E CONCLUSÕES ................................................................ 140<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 146<br />

87<br />

100<br />

104<br />

112<br />

116<br />

122<br />

132


ix<br />

Página<br />

APÊNDICES ............................................................................................. 159<br />

APÊNDICE A ........................................................................................... 160<br />

APÊNDICE B ............................................................................................ 161<br />

APÊNDICE C ............................................................................................ 162<br />

APÊNDICE D ........................................................................................... 163<br />

APÊNDICE E ............................................................................................ 164<br />

APÊNDICE F ............................................................................................ 165<br />

APÊNDICE G ........................................................................................... 208<br />

APÊNDICE H ........................................................................................... 209


EXTRATO<br />

MARÇOLLA, <strong>Andréia</strong> <strong>Zulato</strong>, M.S., Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, nov<strong>em</strong>bro<br />

<strong>de</strong> 2000. O Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra no<br />

contexto discursivo do Jornal Nacional: a palavra e a imag<strong>em</strong>.<br />

Orientador: Geraldo Magela Braga. Conselheiros: Franklin Daniel Rothman<br />

e José Benedito Pinho.<br />

A questão da Reforma Agrária po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>rada ultrapassada,<br />

pouco interessante ou s<strong>em</strong> proporções nacionais se tivesse <strong>de</strong> fato acontecido. No<br />

entanto, a Reforma Agrária no Brasil, infelizmente ainda é sinônimo <strong>de</strong> revolta,<br />

lutas entre policiais e s<strong>em</strong>-terras, injustiças e mortes <strong>de</strong> inocentes. Des<strong>de</strong> a época<br />

da colonização, o Brasil enfrenta sérios probl<strong>em</strong>as com relação às suas terras.<br />

Através da discriminação racial e abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, o povo brasileiro v<strong>em</strong><br />

sofrendo, amargamente, a falta <strong>de</strong> espaço para plantar sua sobrevivência. A<br />

questão agrária começou a ser vista com “outros olhos” pela população brasileira<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1995, <strong>de</strong>vido à tenacida<strong>de</strong> do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais<br />

S<strong>em</strong> Terra), criando s<strong>em</strong>pre fatos novos. Ocorreu também mudança do enfoque<br />

da mídia <strong>em</strong> relação aos probl<strong>em</strong>as da terra e dos s<strong>em</strong>-terra. Como pano <strong>de</strong><br />

fundo, t<strong>em</strong>-se a crise da agricultura, expulsando ainda um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />

produtores familiares, e o aumento do <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego urbano. Como os recentes<br />

massacres foram expostos na mídia e invadiram os lares dos brasileiros, inclusive<br />

x


no exterior, parece que está se operando um <strong>de</strong>spertar da socieda<strong>de</strong> para o<br />

probl<strong>em</strong>a agrário, com sentimentos <strong>de</strong> indignação e <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> mudança. Mas<br />

n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre a mídia está do lado dos oprimidos. O po<strong>de</strong>r das palavras e das<br />

imagens, das relações políticas e econômicas às vezes acabam por distorcer os<br />

fatos, mostrando à socieda<strong>de</strong> uma visão i<strong>de</strong>ológica da “luta” do movimento. O<br />

presente trabalho intenta-se a analisar o discurso sobre o MST que é veiculado<br />

pela Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão, através do Jornal Nacional, no contexto da<br />

palavra e da imag<strong>em</strong>, focalizando reportagens veiculadas no período<br />

correspon<strong>de</strong>nte a janeiro <strong>de</strong> 1997 a junho <strong>de</strong> 1998. Propõe-se compreen<strong>de</strong>r o<br />

processo discursivo do Jornal Nacional, enquanto uma forma específica da<br />

i<strong>de</strong>ologia que caracteriza a mensag<strong>em</strong> veiculada no espaço público <strong>de</strong> um<br />

programa da indústria cultural, referente à palavra e à imag<strong>em</strong>, i<strong>de</strong>ntificando ou<br />

não a manipulação da mensag<strong>em</strong> e o uso do po<strong>de</strong>r da <strong>em</strong>issora (<strong>em</strong>presa) <strong>em</strong><br />

questão. É ainda proposto pelo estudo comparar as manchetes das reportagens<br />

(verbal) com propriamente as reportagens exibidas (imag<strong>em</strong>); observar nas<br />

reportagens o espaço que tiveram os s<strong>em</strong>-terra para falar sobre os probl<strong>em</strong>as<br />

agrários, assim como também os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s ligadas à questão<br />

da reforma agrária; questionar se houve para os sujeitos falantes envolvidos com<br />

o assunto, t<strong>em</strong>pos iguais para argumentação, <strong>de</strong>svendando o processo<br />

comunicativo do texto telejornalístico (i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e status dos falantes).<br />

xi


ABSTRACT<br />

MARÇOLLA, <strong>Andréia</strong> <strong>Zulato</strong>, M.S., Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, Nov<strong>em</strong>ber<br />

2000. The Mov<strong>em</strong>ents of the Workers Rural Without-Earth in the<br />

discursive context of the National Newspaper: the word and the image.<br />

Adviser: Geraldo Magela Braga. Committee M<strong>em</strong>bers: Franklin Daniel<br />

Rothman and José Benedito Pinho.<br />

The subject of the Agrarian Reform could be consi<strong>de</strong>red surpassed, not<br />

very interesting or without national proportions if it had happened in fact.<br />

However, the Agrarian Reform in Brazil, unhappily still is synonymous of revolt,<br />

fights among polic<strong>em</strong>en and without-lands, injustices and <strong>de</strong>aths of innocent.<br />

From the time of the colonization, Brazil faces serious probl<strong>em</strong>s with<br />

relationship to its lands. Through the racial discrimination and abuse of power,<br />

the Brazilian people come suffering, bitterly, the lack of a space to plant its<br />

survival. The agrarian subject began to be seen with " other eyes " by the<br />

Brazilian population since 1995, due to the tenacity of MST, Mov<strong>em</strong>ent of the<br />

Rural Workers Without Earth, always creating new facts. It also happened a<br />

change of the focus of the media in relation to the probl<strong>em</strong>s of the earth and of<br />

the without-earth. As fund cloth, the crisis of the agriculture is had, still expelling<br />

a great number of family producers, and the increase of the urban un<strong>em</strong>ployment.<br />

As the recent massacres were exposed in the media and they inva<strong>de</strong>d the lares of<br />

xii


the Brazilians, besi<strong>de</strong>s in the exterior, it se<strong>em</strong>s that an awakening of the society is<br />

being operated for the agrarian probl<strong>em</strong>, with indignation feelings and change<br />

<strong>de</strong>sires. But not always the media is besi<strong>de</strong> the oppressed ones. The power of the<br />

words and of the image, of the political and economic relationships they<br />

sometimes end for distorting the facts, showing to the society a negative vision of<br />

the " fight " of the mov<strong>em</strong>ent. The present work is att<strong>em</strong>pted to analyze the<br />

speech on MST that it is transmitted by the Net Globe of Television, through the<br />

National Newspaper, in the context of the word and of the image, focalizando<br />

reports transmitted in the period corresponding to January of 1997 to June of<br />

1998. He/she intends to un<strong>de</strong>rstand the discursive process of the National<br />

Newspaper, while a specific form of the i<strong>de</strong>ology that characterizes the message<br />

transmitted in the public space of a program of the cultural industry, referring to<br />

the word and the image, i<strong>de</strong>ntifying or not the manipulation of the message and<br />

the use of the power of the radio station (company) in subject. It is still proposed<br />

by the study to compare the headlines of the reports (verbal), with properly the<br />

exhibited reports (image); to observe in the reports the space that you/they had<br />

the without-earth to speak on the agrarian probl<strong>em</strong>s, as well as also the<br />

<strong>de</strong>positions of authorities linked to the subject of the agrarian reform; to question<br />

there were for the subject speakers involved with the subject, the same times for<br />

argument, unmasking the talkative process of the text telejornalístico (i<strong>de</strong>ntities<br />

and the speakers' status).<br />

xiii


1.1. O contexto agrário brasileiro<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

(...) na tradição dos livros, na tradição da pesquisa acadêmica, ficou mais<br />

marcada a expressão “Questão Agrária”. Acho que ela ajuda a isolar o<br />

probl<strong>em</strong>a. Se nós tratáss<strong>em</strong>os como “probl<strong>em</strong>a do campo”, “probl<strong>em</strong>a<br />

agrário”, ficaria mais fácil começar a discutir e enten<strong>de</strong>r o que é a questão<br />

agrária. 1<br />

As terras brasileiras, há 500 anos, vêm sendo disputadas, cobiçadas e<br />

usadas como esteio do po<strong>de</strong>r e da dominação. A história da ocupação da terra é a<br />

própria história do Brasil, on<strong>de</strong> lutas, conquistas e <strong>de</strong>rrotas somam-se à covardia,<br />

corag<strong>em</strong> e i<strong>de</strong>ais. De t<strong>em</strong>pos <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos, nos momentos marcantes <strong>de</strong> mudanças,<br />

explo<strong>de</strong> a violência no campo. Para os trabalhadores rurais, a vida se confun<strong>de</strong><br />

com a luta. Quanto aos donos das terras, estes usam do capital e do po<strong>de</strong>r para<br />

assimilar<strong>em</strong> à vida o contexto da dominação.<br />

A luta pela terra no Brasil não se resume apenas <strong>em</strong> um conflito entre<br />

s<strong>em</strong>-terras e latifundiários, que é a luta geral do Brasil. As elites brasileiras<br />

s<strong>em</strong>pre quiseram diferenciar o campo da cida<strong>de</strong>. Estas mesmas elites, sejam<br />

rurais ou urbanas, tentam ainda manter a questão agrária fora dos gran<strong>de</strong>s t<strong>em</strong>as<br />

nacionais, associados a financiamentos internos e externos, seguidos <strong>de</strong> uma<br />

1 STÉDILE (1984:307).<br />

14


política fundiária, que cont<strong>em</strong>ple os <strong>de</strong>spossuídos, os <strong>de</strong>serdados urbanos e<br />

rurais. Ou mesmo agregando novos trabalhadores à produção agrícola, a partir <strong>de</strong><br />

uma solução para o probl<strong>em</strong>a fundiário.<br />

No Brasil há 8.511.965 km 2 <strong>de</strong> terras. Exist<strong>em</strong> 409,5 milhões <strong>de</strong> hectares<br />

pertencentes aos latifúndios, sendo que quase a meta<strong>de</strong>, 41% da área explorável,<br />

não é aproveitada. São 12 milhões <strong>de</strong> trabalhadores s<strong>em</strong>-terra ou com pouca<br />

terra, s<strong>em</strong> contar aqueles que saíram do campo <strong>de</strong>finitivamente (FERNANDES,<br />

1997).<br />

Os sucessivos projetos governamentais s<strong>em</strong>pre esbarraram na força dos<br />

latifundiários, dos coronéis <strong>de</strong> engenho, dos monopólios agrícolas e <strong>de</strong> grupos<br />

que vê<strong>em</strong> a terra, portanto, os s<strong>em</strong>-terras, pequenos e médios produtores e<br />

trabalhadores rurais, como um “it<strong>em</strong> secundário, s<strong>em</strong> perspectivas <strong>de</strong> integração<br />

ao processo econômico geral”. Isso ocorre para mantê-los <strong>de</strong>serdados, <strong>de</strong> acordo<br />

com FERNANDES (1997).<br />

A carência <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> reforma agrária, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico e <strong>de</strong> integração do hom<strong>em</strong> à terra, sob o ponto <strong>de</strong> vista econômico,<br />

social e político, <strong>de</strong>s<strong>em</strong>boca na ânsia do hom<strong>em</strong> do campo por um pedaço <strong>de</strong><br />

terra. Em sua resistência às elites armadas, batendo <strong>de</strong> frete com o aparato militar<br />

do Estado, os trabalhadores rurais buscam se armar, se organizar, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo um<br />

projeto <strong>de</strong> ocupação e participação numa socieda<strong>de</strong> que os exclui.<br />

A luta pela terra envolve todos os trabalhadores rurais e os chamados<br />

s<strong>em</strong>-terra. O avanço do capital no campo, <strong>de</strong>ntro do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> acumulação<br />

concentrador e exclu<strong>de</strong>nte, resulta <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> contingente <strong>de</strong> trabalhadores s<strong>em</strong>-<br />

terra e s<strong>em</strong> trabalho. São trabalhadores que nada mais têm a per<strong>de</strong>r.<br />

A luta dos s<strong>em</strong>-terra apresenta alto grau <strong>de</strong> radicalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> organização<br />

<strong>em</strong> torno do objetivo imediato b<strong>em</strong> <strong>de</strong>finido, que é a conquista pela terra. Esta<br />

luta alcança alto nível político, porque atinge a principal fonte <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r no<br />

campo: a proprieda<strong>de</strong> da terra. Mas ela t<strong>em</strong> um limite <strong>de</strong>finido, pois, uma vez<br />

conquistada a terra, ela muda <strong>de</strong> natureza, passando a se caracterizar como a luta<br />

contra a política agrícola. Esta luta dá-se no campo da produção e na exploração<br />

indireta do trabalho, constituindo <strong>em</strong> uma luta <strong>de</strong> enfrentamento com o Estado.<br />

15


1.1.1. A trajetória <strong>de</strong> lutas dos trabalhadores rurais<br />

As lutas <strong>de</strong> classes especificamente agrárias não estão, apesar das suas<br />

especificida<strong>de</strong>s, submetidas apenas às influências da realida<strong>de</strong> agrária, mas<br />

estão inseridas no cenário geral da economia, da socieda<strong>de</strong>, da política e<br />

conseqüent<strong>em</strong>ente das lutas <strong>de</strong> classe na sua globalida<strong>de</strong>. 2<br />

A luta pela terra é antiga no Brasil. Durante séculos os trabalhadores vêm<br />

enfrentando as armas da polícia, do exército e dos gran<strong>de</strong>s proprietários, pelo<br />

direito <strong>de</strong> viver e trabalhar na terra. Índios, negros e camponeses enfrentam os<br />

po<strong>de</strong>rosos, tentando <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r ao menos sua dignida<strong>de</strong>. Como evidência t<strong>em</strong>-se a<br />

guerra <strong>de</strong> Canudos, <strong>de</strong> 1896 a 1897, no interior da Bahia, envolvendo 30 mil<br />

homens s<strong>em</strong>-terra; e a guerra do Contestado, <strong>de</strong> 1912 a 1916, na fronteira do<br />

Paraná com Santa Catarina, on<strong>de</strong> lutaram 20 mil homens.<br />

Estes movimentos, como outros <strong>de</strong> várias regiões do país, eram<br />

marcados por forte sentimento religioso, mas foram duramente reprimidos<br />

porque se colocavam contra os interesses dos gran<strong>de</strong>s proprietários <strong>de</strong> terra.<br />

FERNANDES (1997) afirma que <strong>em</strong> 1930 foi criado o primeiro<br />

sindicato <strong>de</strong> trabalhadores rurais no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Mas é a partir <strong>de</strong> 1945, com o<br />

fim da ditadura do Estado Novo, que a luta no campo começa a avançar com<br />

novas formas <strong>de</strong> organização.<br />

A década <strong>de</strong> 50 foi marcada pelo crescimento e radicalização da luta<br />

organizada dos trabalhadores rurais, abrangendo todo o país. Em 1953 eclodia o<br />

conflito dos posseiros <strong>de</strong> Trombas e Formoso, norte <strong>de</strong> Goiás, contra os grileiros.<br />

Em 1954 foi criada <strong>em</strong> São Paulo a União dos Lavradores e Trabalhadores<br />

Agrícolas do Brasil (ULTAB), objetivando organizar e coor<strong>de</strong>nar a luta dos<br />

trabalhadores rurais, propondo aliança entre camponeses e operários.<br />

Já <strong>em</strong> 1955, a partir da criação da Socieda<strong>de</strong> Agrícola e Pecuária dos<br />

Plantadores <strong>de</strong> Pernambuco, pelos arrendatários do engenho da Galiléia, surg<strong>em</strong><br />

as Ligas Camponesas. As Ligas tinham como centro <strong>de</strong> luta a reforma agrária “na<br />

lei ou na marra”. Lutavam pela <strong>de</strong>mocratização do acesso à terra, pelo fim do<br />

latifúndio e por melhores condições <strong>de</strong> vida do povo brasileiro, visando <strong>de</strong>spertar<br />

2 GERMER (1984:260).<br />

16


a consciência dos trabalhadores rurais. As Ligas Camponesas foram<br />

violentamente reprimidas, seus lí<strong>de</strong>res mortos, sua organização <strong>de</strong>struída, sendo<br />

extintas com o golpe militar <strong>de</strong> 1964 (FERNANDES, 1997).<br />

1.1.2. Os rumores da reforma agrária brasileira<br />

(...) a questão da Reforma Agrária não faz mais do que <strong>de</strong>stacar vários<br />

aspectos probl<strong>em</strong>áticos <strong>de</strong>ssa vida inter-estrutural, inter-funcional necessária,<br />

que evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente começou há muitos séculos. 3<br />

No período que antece<strong>de</strong>u o golpe militar <strong>de</strong> 1964, a reforma agrária era<br />

assumida por toda a socieda<strong>de</strong> brasileira, transformando-se <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> campanha<br />

nacional. A luta tornou-se tão ampla que assustou os conservadores e passou a<br />

ameaçar os latifúndios. Neste período, o movimento dos trabalhadores rurais<br />

cresceu e, no final <strong>de</strong> 1963, a partir da ULTAB, foi criada a Confe<strong>de</strong>ração<br />

Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), reconhecida <strong>em</strong> 31 <strong>de</strong><br />

janeiro <strong>de</strong> 1964 (FERNANDES, 1997).<br />

Com o golpe militar, o Presi<strong>de</strong>nte João Goulart foi <strong>de</strong>posto, reprimidos<br />

os trabalhadores e <strong>de</strong>struídas suas organizações. Mas durante o período militar,<br />

apesar do autoritarismo e da violência, os trabalhadores rurais continuaram sua<br />

luta.<br />

A lei mais importante que foi elaborada pelo regime militar para tratar da<br />

questão da terra é o Estatuto da Terra, lei 4.504, <strong>de</strong> 30.11.64. Foi uma resposta à<br />

luta do povo brasileiro pela mudança <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong>sigual, através da<br />

reforma agrária. Mas a lei também foi uma exigência dos gran<strong>de</strong>s latifundiários<br />

para proteger os seus interesses. Até hoje só foi aplicada no que beneficia os<br />

gran<strong>de</strong>s proprietários e <strong>de</strong> acordo com a política agrícola <strong>de</strong>finida no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento econômico do governo (SILVA, 1996).<br />

O IBRA (Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Reforma Agrária), criado para<br />

impl<strong>em</strong>entar o Estatuto da Terra, foi substituído <strong>em</strong> 1971 pelo INCRA (Instituto<br />

<strong>de</strong> Colonização e Reforma Agrária), com a intenção <strong>de</strong> tratar as questões do<br />

campo através da colonização, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado a reforma agrária.<br />

3 VELA (1987:68).<br />

17


Para atacar o probl<strong>em</strong>a da luta pela terra foram criados, <strong>em</strong> 1980, outros<br />

órgãos, como o GETAT (Grupo Executivo <strong>de</strong> Terras do Araguaia-Tocantins),<br />

GEBAN (Grupo Executivo <strong>de</strong> Terras do Baixo Amazonas) e <strong>de</strong>pois o MEAF<br />

(Ministério <strong>de</strong> Assuntos Fundiários), ligados ao Conselho <strong>de</strong> Segurança<br />

Nacional, passando as terras no Brasil a ser<strong>em</strong> tratadas como uma questão<br />

puramente militar.<br />

Apesar <strong>de</strong>, no Estatuto da Terra, constar<strong>em</strong> os el<strong>em</strong>entos necessários<br />

para a reforma agrária e agrícola, o resultado da política durante o regime militar<br />

foi <strong>de</strong>sastroso. Em conseqüência disso, entre 1970 e 1980, saíram do campo 16<br />

milhões <strong>de</strong> pessoas (FERNANDES, 1997).<br />

A década <strong>de</strong> 80 inicia-se com o movimento sindical dos trabalhadores<br />

rurais fortalecido. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, o governo tomou medidas para acabar com<br />

as lutas no campo, mas que não significavam a resolução dos probl<strong>em</strong>as.<br />

Em 1983, a CONTAG, junto a outras entida<strong>de</strong>s, inicia uma campanha<br />

nacional pela reforma agrária, que se intensifica <strong>em</strong> 1984, com as realização <strong>de</strong><br />

encontros <strong>de</strong> trabalhadores rurais <strong>em</strong> todos os Estados.<br />

O governo do Presi<strong>de</strong>nte João Figueiredo, além da repressão armada,<br />

adota novas medidas legais como a regularização <strong>de</strong> títulos <strong>de</strong> minúsculas<br />

parcelas <strong>de</strong> terra nas áreas <strong>de</strong> maior incidência dos conflitos. Essa ação <strong>de</strong> caráter<br />

paternalista, além <strong>de</strong> atingir parcela insignificante dos trabalhadores,<br />

representava a tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>smoralizar a sua organização e a sua luta. Por outro<br />

lado, representava a interferência do governo militar no sentido <strong>de</strong> facilitar a<br />

invasão das terras por gran<strong>de</strong>s grupos econômicos, inclusive multinacionais.<br />

Em 1984, o General Figueiredo apresenta um relatório, constando ter<strong>em</strong><br />

sido distribuídos pelo regime militar um milhão <strong>de</strong> títulos <strong>de</strong> terra através do<br />

INCRA. E a reforma agrária, assunto proibido até então, passa a ser o t<strong>em</strong>a<br />

central da propaganda <strong>de</strong>magógica do regime. “Fiz<strong>em</strong>os a maior Reforma<br />

Agrária do mundo. Um milhão <strong>de</strong> títulos <strong>de</strong> terras foram distribuídos”, dizia o<br />

General. Na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> acordo com FERNANDES (1997), o que se fez foi uma<br />

manipulação <strong>de</strong> dados para apresentar, às mídias, através da televisão, o milagre<br />

do regime militar, da multiplicação da terra.<br />

18


No governo da Nova República aumentou a violência no campo. O Plano<br />

da reforma agrária, apesar <strong>de</strong> limitado, trouxe esperança para os trabalhadores <strong>de</strong><br />

ver a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhorar sua vida. Mas os latifundiários começaram a usar<br />

todo tipo <strong>de</strong> violência para intimidar os trabalhadores e impedir a reforma<br />

agrária. Criaram uma po<strong>de</strong>rosa organização, a União D<strong>em</strong>ocrática Ruralista<br />

(UDR). Desta forma, usando do seu po<strong>de</strong>r e apoiados na UDR, os latifundiários<br />

lançam contra os trabalhadores um esqu<strong>em</strong>a <strong>de</strong> repressão armada, ameaçando e<br />

matando trabalhadores, sindicalistas, padres, advogados e outros que apoiavam<br />

as lutas dos trabalhadores rurais (FERNANDES, 1997).<br />

Através da manipulação, a UDR arma um esqu<strong>em</strong>a <strong>de</strong> enganação e <strong>de</strong><br />

intimidação para arregimentar os próprios trabalhadores para participar<strong>em</strong> das<br />

manifestações contra a reforma agrária. Na década <strong>de</strong> 90 a UDR per<strong>de</strong> força, mas<br />

os latifundiários e <strong>em</strong>presários rurais têm uma forte representação no Congresso<br />

Nacional. E é nesse clima político-social que os trabalhadores buscam novas<br />

formas <strong>de</strong> ação e <strong>de</strong> organização.<br />

1.2. O movimento dos trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra<br />

E eles vêm vindo. Pouco a pouco, e s<strong>em</strong>pre, eles v<strong>em</strong> vindo.<br />

Acampamento após acampamento. Beira <strong>de</strong> estrada após beira <strong>de</strong><br />

estrada, os s<strong>em</strong>-terra traz<strong>em</strong> para o primeiro plano o que s<strong>em</strong>pre esteve<br />

no fundo da paisag<strong>em</strong> brasileira. E fundam ali, naquele canto <strong>de</strong> terra, o<br />

país que po<strong>de</strong>m. Abaixo do céu e à sombra <strong>de</strong> uma ban<strong>de</strong>ira que<br />

s<strong>em</strong>pre os econ<strong>de</strong>u, o s<strong>em</strong>-terra resiste. Cercados, espicaçados,<br />

ilhados, acuados, enquanto o país conversa, a longa fila dos<br />

acampados não para <strong>de</strong> crescer. 4<br />

A antiga luta pela terra no Brasil, mesmo envolvendo muitas pessoas, às<br />

vezes milhares, ocorreu <strong>de</strong> forma localizada. A partir do final da década <strong>de</strong> 70,<br />

quando os trabalhadores foram sendo expropriados e expulsos <strong>de</strong> suas terras<br />

como resultado do avanço do capital no campo, tal luta se torna mais ampla e<br />

mais expressiva.<br />

4 RUFINO (1991).<br />

19


O Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra (MST) é uma<br />

organização <strong>de</strong> caráter nacional, que t<strong>em</strong> princípios e objetivos b<strong>em</strong> <strong>de</strong>finidos,<br />

que extrapolam a luta imediata das diversas categorias <strong>de</strong> trabalhadores que o<br />

movimento engloba.<br />

FERNANDES (1997) afirma que o MST é hoje o mais importante movi-<br />

mento <strong>de</strong> trabalhadores no Brasil, envolvendo milhares <strong>de</strong> trabalhadores <strong>em</strong> todo<br />

o país, expondo claramente um caráter <strong>de</strong> luta política que explicita a probl<strong>em</strong>á-<br />

tica central da questão agrária, mostrando a gran<strong>de</strong> força que representam os<br />

trabalhadores organizados, frente ao governo e às classes dominantes.<br />

1.2.1. I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

A personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha o papel <strong>de</strong> mobilização e <strong>de</strong> direção enquanto<br />

encarna as mais altas virtu<strong>de</strong>s e aspirações do povo e enquanto não se afasta<br />

do caminho 5 (Ernesto Che Guevara).<br />

De acordo com LANE (1983), a relação do nosso eu com os outros e a<br />

nossa própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social são resultados <strong>de</strong> condicionantes psicossociais<br />

on<strong>de</strong>, <strong>em</strong> parte, somos <strong>de</strong>terminados a agir <strong>de</strong> acordo com o que as pessoas que<br />

nos cercam julgam ser a<strong>de</strong>quado. A autora expõe que <strong>em</strong> cada grupo social<br />

encontramos normas que reg<strong>em</strong> as relações entre os indivíduos e <strong>em</strong> relação a<br />

todos que nos cercam exist<strong>em</strong> expectativas <strong>de</strong> comportamentos mais ou menos<br />

<strong>de</strong>finidos. Ressalta-se que “quanto mais a relação social for fundamental para a<br />

manutenção do grupo e da socieda<strong>de</strong>, mais precisas e rígidas são as normas que a<br />

<strong>de</strong>fin<strong>em</strong>”. LANE (1983) ainda questiona se a nossa individualida<strong>de</strong> não fica<br />

comprometida se apenas <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhamos papéis <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>.<br />

COSTA (s.d.) elucida o conceito, afirmando que i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é tudo que o<br />

sujeito experiência como sendo “eu”, <strong>em</strong> oposição aquilo como “não-eu” - o<br />

outro. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é resultante <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> representações<br />

articulados e distintos entre si, correspon<strong>de</strong>ndo cada uma ao modo do sujeito<br />

articular-se ao universo sócio-cultural. Assim, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser retratada<br />

5 Revista S<strong>em</strong>-Terra, jul./ago./set. 1997.<br />

20


como i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> religiosa, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

classe, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> profissional, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> política.<br />

O autor afirma que as diversas feições da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> possu<strong>em</strong> regras <strong>de</strong><br />

formação e reprodução baseadas <strong>em</strong> normas que orientam o sujeito no<br />

cumprimento e no julgamento <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho i<strong>de</strong>ntificatório.<br />

Com relação à formação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social dos s<strong>em</strong>-terra, que é<br />

representado pelo MST como um todo, percebe-se que ela foi sendo construída<br />

com o t<strong>em</strong>po, através <strong>de</strong> lutas sociais, que marcaram a história do Brasil. O MST<br />

é a continuida<strong>de</strong> das lutas camponesas, <strong>em</strong> uma nova fase. Durante a Colônia (até<br />

o final <strong>de</strong> 1800), os índios e negros protagonizavam essa luta, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo<br />

territórios invadidos pelos ban<strong>de</strong>irantes e colonizadores, ou unindo a luta pela<br />

liberda<strong>de</strong> com a da terra própria e construindo os quilombos. No final do século<br />

XIX e início do século XX, surgiram movimentos camponeses messiânicos, que<br />

seguiam um lí<strong>de</strong>r carismático. São ex<strong>em</strong>plares os movimentos <strong>de</strong> Canudos, com<br />

Antônio Conselheiro; do Contestado, com Monge José Maria; o Cangaço, com<br />

Lampião, e diversas lutas regionalizadas.<br />

Nas décadas <strong>de</strong> 30 e 40 ocorreram conflitos violentos, <strong>em</strong> diversas<br />

regiões, com posseiros <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo suas áreas, individualmente, com armas nas<br />

mãos. Entre 1950 e 1964, como já referido, o movimento camponês organizou-se<br />

enquanto classe, surgindo as Ligas Camponesas, a União dos Lavradores e<br />

Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTABs) e o Movimento dos Agricultores<br />

S<strong>em</strong>-terra (Master). Esses movimentos foram esmagados pela ditadura militar,<br />

após l964, e seus lí<strong>de</strong>res foram assassinados, presos ou exilados. O latifúndio<br />

<strong>de</strong>rrotou a reforma agrária. Mas entre 1979 e 1980, no bojo da luta pela<br />

re<strong>de</strong>mocratização, surge uma nova forma <strong>de</strong> pressão dos camponeses: as<br />

ocupações organizadas por <strong>de</strong>zenas ou centenas <strong>de</strong> famílias (DOCUMENTO...,<br />

1997).<br />

No início <strong>de</strong> 1984, os participantes <strong>de</strong>ssas ocupações realizaram o<br />

primeiro encontro, dando nome e articulação própria ao Movimento dos<br />

Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-terra, como expõe MEDEIROS (1989:150):<br />

Em 1982, <strong>de</strong>u-se um primeiro encontro <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças <strong>em</strong> Medianeira, no<br />

Paraná, com participação <strong>de</strong> representantes do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Santa<br />

21


Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. No ano seguinte, um novo<br />

encontro <strong>em</strong> Chapecó e <strong>em</strong> 1984, num encontro <strong>em</strong> Cascavel, entre a li<strong>de</strong>rança<br />

dos cinco estados mencionados e <strong>de</strong> mais seis outros, formalizou-se a criação<br />

do Movimento dos S<strong>em</strong>-Terra, entendido como movimento <strong>de</strong> massa. Sua<br />

ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> luta era: “Terra não se ganha, se conquista”, o que implica numa<br />

valorização <strong>de</strong> formas mais incisivas <strong>de</strong> luta como as ocupações e os<br />

acampamentos e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, num esforço enorme <strong>de</strong> organização.<br />

22<br />

De acordo com ALVES e<br />

PAULILLO (1996), referindo-se à<br />

importância da formação do MST<br />

<strong>em</strong> apoio aos s<strong>em</strong>-terra,<br />

comparados à situação dos “s<strong>em</strong>-<br />

s<strong>em</strong>” do Brasil, <strong>de</strong>finiram-nos como<br />

uma “massa <strong>de</strong> excluídos”, tendo<br />

enorme dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<br />

caracterizada, <strong>de</strong>vido sua<br />

conformação, a qual atuam<br />

componentes <strong>de</strong> natureza<br />

estrutural, como a própria<br />

concentração fundiária, também<br />

atuando componentes <strong>de</strong> natureza<br />

conjuntural:<br />

Trata-se <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> pessoas formado por ex-trabalhadores<br />

rurais expulsos do campo pelo processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização conservadora; <strong>de</strong> exoperários<br />

urbanos-industriais que per<strong>de</strong>ram seus <strong>em</strong>pregos e não têm<br />

qualificação para assumir outros; e <strong>de</strong> ex-prestadores <strong>de</strong> serviços. Atualmente<br />

t<strong>em</strong>-se utilizado o termo s<strong>em</strong>-s<strong>em</strong> para caracterizar esta população, formada<br />

por s<strong>em</strong>-teto, s<strong>em</strong>-qualificação, s<strong>em</strong>-formação, s<strong>em</strong>-terra e <strong>de</strong>sorganizados,<br />

isto é, sequer t<strong>em</strong> a sorte <strong>de</strong> estar organizada <strong>em</strong> um movimento social como o<br />

Movimento Nacional dos S<strong>em</strong>-Terra - MST (ALVES e PAULILLO, 1996:92).<br />

Nascido da Igreja Católica, o Movimento dos S<strong>em</strong>-terra foi criado<br />

através da iniciativa <strong>de</strong> padres e outros integrantes das comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong><br />

Base e da CPT do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, segundo <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> José Rainha<br />

Júnior, lí<strong>de</strong>r do MST <strong>em</strong> Sandovalina, Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a, São Paulo:<br />

Os padres faziam núcleos <strong>de</strong> trabalhadores rurais e trabalhavam a idéia <strong>de</strong><br />

que é preciso lutar pela terra ou as elites nunca concordarão <strong>em</strong> cedê-la.<br />

Houve um momento <strong>em</strong> que o movimento cresceu e a Igreja percebeu que era


necessário que ele tivesse pernas próprias. Mas os padres continuaram<br />

trabalhando com o Movimento dos S<strong>em</strong>-terra (JORNAL O GLOBO, 1995).<br />

No campo político, segundo TORRENS (1994), o MST apresenta-se<br />

como uma organização <strong>de</strong> caráter nacional que progressivamente foi assumindo<br />

uma posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque no cenário das lutas agrárias no país. O MST constitui-<br />

se <strong>em</strong> uma organização que se consolidou com uma estrutura capaz <strong>de</strong> expressar<br />

os interesses coletivos <strong>de</strong> uma consi<strong>de</strong>rável parcela dos trabalhadores do campo<br />

que se encontram excluídos e marginalizados.<br />

Essa organização <strong>de</strong> luta dos trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra resulta<br />

também do processo <strong>de</strong> interação e confronto que estabelece com os <strong>de</strong>mais<br />

negociadores que participam do campo <strong>de</strong> mediação dos conflitos agrários.<br />

TORRENS (1994) ainda expõe que o movimento sindical rural, a Igreja, o CPT,<br />

ONGs, Estado, organizações patronais rurais, foram re<strong>de</strong>finindo a trajetória<br />

política do MST, suas formas <strong>de</strong> organização e estratégia <strong>de</strong> ação, seus métodos<br />

<strong>de</strong> trabalho e sua própria posição no campo na mediação das lutas pela terra.<br />

Nesta questão da Reforma Agrária, há disputas políticas não só com os<br />

partidos conservadores, mas também entre os sindicatos rurais, o Movimento dos<br />

S<strong>em</strong>-terra, os grupos <strong>de</strong> Igreja e com o INCRA. Tal fato po<strong>de</strong> ser verificado<br />

mediante as <strong>de</strong>clarações do principal dirigente nacional do MST, João Pedro<br />

Stédile:<br />

A unida<strong>de</strong> nacional do nosso movimento se dá pela linha política. Nós faz<strong>em</strong>os<br />

encontros nacionais e assim <strong>de</strong>finimos o que pensamos. T<strong>em</strong>os que usar todas<br />

as formas <strong>de</strong> lutas, seja passeatas nas cida<strong>de</strong>s, ocupação <strong>de</strong> prédios públicos,<br />

greve <strong>de</strong> fome, audiência públicas até trancar rodovias e ocupar terras<br />

improdutivas. Em cada região, <strong>de</strong> acordo com sua realida<strong>de</strong>, os companheiros<br />

envolvidos, aplicam essas formas <strong>de</strong> lutas segundo a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>les. Não existe<br />

um comando nacional, seria completa fantasia imaginar que isso daria certo.<br />

As li<strong>de</strong>ranças da região é que sab<strong>em</strong>: aquele latifúndio é improdutivo<br />

(REVISTA MANCHETE, 1996).<br />

1.2.2. Trabalho e classe social<br />

Madrugada camponesa, faz escuro ainda no chão,<br />

mas é preciso plantar. A noite já não foi mais noite,<br />

o amanhã já vai chegar...<br />

...Madrugada camponesa<br />

Faz escuro (já n<strong>em</strong> tanto),vale a pena trabalhar<br />

23


Faz escuro mas eu canto porque a manhã vai chegar 6 (Thiago <strong>de</strong> Mello).<br />

LANE (1983) expôs que “ o trabalho social, assim como a ativida<strong>de</strong> do<br />

indivíduo, é a própria vida humana que se constrói continuamente”. Segundo a<br />

autora,<br />

a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta construção <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá s<strong>em</strong>pre da comunicação e cooperação<br />

entre os homens, e somente através <strong>de</strong>stes é possível recuperar a história e<br />

<strong>de</strong>tectar a contradição fundamental na relação <strong>de</strong> dominação <strong>de</strong> uma classe<br />

social por outra classe (LANE, 1983:65).<br />

Dentro <strong>de</strong>ste contexto, po<strong>de</strong>-se afirmar que o MST é um movimento b<strong>em</strong><br />

estruturado, que t<strong>em</strong> <strong>de</strong>finidas suas metas <strong>de</strong> trabalho, estando unido como uma<br />

“classe social”, na qual percebe-se uma cooperação mútua. Segundo dados do<br />

movimento, o MST está organizado <strong>em</strong> 22 estados da Fe<strong>de</strong>ração. Em 15 anos <strong>de</strong><br />

existência, quase 140 mil famílias já conquistaram terra. Gran<strong>de</strong> parte dos<br />

assentados se organiza <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> cooperativas <strong>de</strong> produção, que já somam<br />

mais <strong>de</strong> 55 associadas às centrais ligadas à Confe<strong>de</strong>ração das Cooperativas <strong>de</strong><br />

Reforma Agrária do Brasil (Concrab). A elevação da renda das famílias<br />

assentadas é realida<strong>de</strong> nos assentamentos, principalmente on<strong>de</strong> as agroindústrias<br />

são <strong>de</strong>senvolvidas.<br />

Como expõe MARTINS (1989), é <strong>de</strong> suma importância a questão do<br />

trabalho no âmbito rural, especificamente nas relações dos trabalhadores<br />

inseridos no movimento social:<br />

É fundamental ter <strong>em</strong> conta que os movimentos sociais no campo têm como<br />

uma <strong>de</strong> suas características fundamentais o reconhecimento do trabalho como<br />

núcleo das relações com o mundo. Essa constatação é essencial nas lutas dos<br />

trabalhadores rurais (MARTINS, 1989:90).<br />

Segundo SILVA (1996), o MST hoje é constituído <strong>em</strong> boa parte <strong>de</strong> filhos<br />

<strong>de</strong> colonos sulistas, cujas pequenas parcelas se tornaram insuficientes para<br />

abrigar os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes que chegaram à ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituir sua própria família:<br />

6 FERNANDES (1997:9).<br />

Entre os s<strong>em</strong>-terras que ocupam fazendas no Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a, por<br />

ex<strong>em</strong>plo, dominam os parceiros expulsos dos cafezais do Paraná, ex-sitiantes<br />

arruinados, assalariados <strong>de</strong>spedidos das fazendas paulistas e <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados<br />

urbanos ainda com vinculação com o campo. Em termos <strong>de</strong> organização, o<br />

MST possui 5.200 militares “profissionalizados” e atuando <strong>em</strong> assentamentos<br />

que cobr<strong>em</strong> mais <strong>de</strong> sete milhões <strong>de</strong> hectares (SILVA, 1996:179).<br />

24


O MST visa três gran<strong>de</strong>s objetivos: a terra, a reforma agrária, e o<br />

<strong>em</strong>prego e uma socieda<strong>de</strong> mais justa. Quer a expropriação das gran<strong>de</strong>s áreas nas<br />

mãos <strong>de</strong> multinacionais, o fim dos latifúndios improdutivos, com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />

uma área máxima <strong>de</strong> hectares para a proprieda<strong>de</strong> rural. É contra os projetos <strong>de</strong><br />

colonização, que resultaram <strong>em</strong> fracasso nos últimos 30 anos e quer uma política<br />

agrícola voltada para o pequeno produtor. O MST <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> autonomia para as<br />

áreas indígenas e é contra a revisão da terra <strong>de</strong>sses povos, ameaçados pelos<br />

latifundiários. Visa à <strong>de</strong>mocratização da água nas áreas <strong>de</strong> irrigação no Nor<strong>de</strong>ste,<br />

assegurando a manutenção dos agricultores na própria região. Entre outras<br />

propostas, o MST luta pela punição <strong>de</strong> assassinos <strong>de</strong> trabalhadores rurais e<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a cobrança do pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR), com a<br />

<strong>de</strong>stinação dos tributos à reforma agrária. O movimento <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1988 usa como<br />

l<strong>em</strong>a a frase: “Ocupar, resistir e produzir” (DOCUMENTO..., 1997).<br />

Pesquisa da FAO comprova que a média da renda nos assentamentos é<br />

<strong>de</strong> 3,7 salários mínimos mensais por família. On<strong>de</strong> as agroindústrias estão<br />

implantadas essa média sobe para 5,6 salários mensais por família. Além da<br />

preocupação com o aumento do po<strong>de</strong>r aquisitivo, o MST investe na formação<br />

técnica e política dos assentados.<br />

1.2.3. Educação<br />

Sou fruto da Reforma Agrária e quero um Brasil com pessoas livres, on<strong>de</strong> eu<br />

possa expressar meus sentimentos, minhas revoltas, meus sonhos... Um país<br />

on<strong>de</strong> eu possa continuar vivendo no campo. E nele tirar meu sustento,<br />

aproveitando as riquezas que a natureza oferece, e preservando o ver<strong>de</strong> da<br />

esperança. Um Brasil com educação, on<strong>de</strong> nós crianças além <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a ler<br />

e escrever, plantar, preservar, brincar, sonhar... pudéss<strong>em</strong>os expressar o que<br />

nós sentimos, trabalhar na terra, praticar esportes, participar das <strong>de</strong>cisões da<br />

educação 7 (Cleonir Jorge <strong>de</strong> Souza - 9 anos).<br />

Segundo LANE (1983), da mesma forma que a família, a educação<br />

também é institucionalizada, isto é, segue as normas governamentais. No entanto,<br />

ela aponta para alternativas que <strong>de</strong>svincul<strong>em</strong> as relações <strong>de</strong> dominação que<br />

7 Uma das redações vencedoras do concurso “O Brasil que quer<strong>em</strong>os”, criado pelo setor <strong>de</strong> Educação do<br />

MST, <strong>em</strong> 1999 (Revista S<strong>em</strong>-Terra, jan./fev./mar. 1999:51). Ver também um <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> outro<br />

estudante pr<strong>em</strong>iado no concurso: Apêndice A.<br />

25


geram as contradições fundamentais do sist<strong>em</strong>a capitalista (a luta <strong>de</strong> classe),<br />

presentes também no processo educacional. LANE (1983) reconhece a<br />

importância <strong>de</strong> uma escola crítica,<br />

a escola on<strong>de</strong> nenhuma verda<strong>de</strong> seja absoluta, on<strong>de</strong> as relações sociais<br />

possam ser questionadas e reformuladas, o que propiciará a formação <strong>de</strong><br />

indivíduos conscientes <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>terminações sociais e <strong>de</strong> sua inserção<br />

histórica na socieda<strong>de</strong> (LANE, 1983:50).<br />

Diante <strong>de</strong>sta argumentação, vale expor o significante papel educacional<br />

exercido pelo MST. O setor <strong>de</strong> educação do movimento é um dos mais atuantes,<br />

propondo ampliar o conceito <strong>de</strong> educação, para não ser sinônimo apenas <strong>de</strong><br />

escolarida<strong>de</strong>. São mais <strong>de</strong> 38 mil estudantes e cerca <strong>de</strong> 1.500 professores<br />

diretamente envolvidos nesse projeto <strong>de</strong> uma nova educação, pela UNICEF<br />

(Fundo das Nações Unidas para a Infância). Além dos cursos regulares, o MST<br />

promove cursos e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> capacitação beneficiando cerca <strong>de</strong> três mil<br />

pessoas todo ano. Entre eles estão os cursos <strong>de</strong> magistério e o técnico <strong>em</strong><br />

administração <strong>de</strong> cooperativas, <strong>em</strong> nível <strong>de</strong> segundo grau. A questão da<br />

educação, como fica evi<strong>de</strong>nciado por SILVA (1996), é um gran<strong>de</strong> mérito na<br />

escalada organizativa no MST:<br />

As imagens das salas <strong>de</strong> aulas a céu aberto, na beira da estrada, cheias <strong>de</strong><br />

filhos <strong>de</strong> acampados, mostram b<strong>em</strong> o esforço ingente que o MST faz nesse tipo<br />

<strong>de</strong> investimento. Dentre as com<strong>em</strong>orações do Dia Internacional da Criança,<br />

<strong>em</strong> 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1995, a UNICEF con<strong>de</strong>corou o MST com um prêmio<br />

que comprova a eficiência do mo<strong>de</strong>lo educacional impl<strong>em</strong>entado nos<br />

assentamentos <strong>de</strong> Reforma Agrária. O programa „Por uma Escola Pública <strong>de</strong><br />

Qualida<strong>de</strong> nas Áreas <strong>de</strong> Assentamento‟ ganhou o prêmio „Itaú-UNICEF-<br />

Educação‟ e Participação, num concurso nacional <strong>de</strong> projetos sociais, obtendo<br />

a segunda classificação no País (SILVA, 1996:180).<br />

Entretanto, muito ainda precisa ser feito para melhorar este quadro, como<br />

afirma DALCHIAVON (1996:113):<br />

O MST t<strong>em</strong> trabalhado nos assentamentos e melhorado o ensino através da<br />

capacitação dos professores <strong>de</strong> assentamento. Mesmo assim persiste um<br />

elevado percentual <strong>de</strong> analfabetismo entre adultos que, <strong>em</strong> algumas regiões,<br />

chega a 70% da população rural.<br />

1.2.4. A violência física<br />

Essa violência, além <strong>de</strong> ser seletiva, é uma violência organizada <strong>em</strong> milícias<br />

privadas, milícias que exist<strong>em</strong> e são dirigidas muitas vezes por homens<br />

oriundos das forças armadas, ou das polícias militares. (...) os sobreviventes<br />

26


(...) contarão histórias que 10.000 mortos já não po<strong>de</strong>m mais contar. (...)<br />

Histórias que se advindam nestas cruzes <strong>de</strong> beira <strong>de</strong> estrada, que têm sido a<br />

longa história do povo brasileiro. 8<br />

A história dos trabalhadores s<strong>em</strong>-terra é marcada por vários conflitos,<br />

que resultaram <strong>em</strong> muitos mortos e feridos. O regime militar tratou <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r<br />

às lutas dos trabalhadores, matando, pren<strong>de</strong>ndo, torturando e cassando os lí<strong>de</strong>res.<br />

Destruiu as Ligas Camponesas e <strong>de</strong>cretou a intervenção da CONTAG.<br />

Transformou os sindicatos <strong>em</strong> entida<strong>de</strong>s meramente assistenciais e instrumentos<br />

<strong>de</strong> controle do movimento dos trabalhadores. Sob a alegação <strong>de</strong> resolver os<br />

conflitos no campo, impõe um controle militar à luta dos trabalhadores rurais, <strong>em</strong><br />

benefício dos interesses dos gran<strong>de</strong> proprietários <strong>de</strong> terra e dos grileiros. Os<br />

conflitos, ao contrário, intensificaram-se, aumentando o grau <strong>de</strong> violência.<br />

As li<strong>de</strong>ranças do MST estimam que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a ditadura militar, foram<br />

assassinados mais <strong>de</strong> 1.600 trabalhadores rurais, li<strong>de</strong>ranças sindicais, agentes<br />

pastorais, padres, religiosos e advogados por causa <strong>de</strong> conflitos fundiários. Nos<br />

últimos 12 anos houve cerca <strong>de</strong> 900 assassinados. Com a abertura <strong>de</strong>mocrática,<br />

maior atuação <strong>de</strong> movimentos populares e sindicais, o número <strong>de</strong> assassinatos<br />

v<strong>em</strong> <strong>de</strong>crescendo (DOCUMENTO..., 1997).<br />

Na avaliação do MST, a forma <strong>de</strong> luta implantada pelo movimento<br />

(ocupações maciças, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> e articuladas com a socieda<strong>de</strong>) serviu<br />

para fazer frente à ação dos pistoleiros contratados para reprimir os trabalhadores<br />

rurais. Por outro lado, cresceram as prisões <strong>de</strong> trabalhadores, ameaças <strong>de</strong><br />

processos judiciais, invasões <strong>de</strong> se<strong>de</strong>s das organizações, apreensão <strong>de</strong> materiais e<br />

acusações <strong>de</strong> vinculação dos trabalhadores rurais com organizações que estão <strong>em</strong><br />

luta armada (DOCUMENTO..., 1997).<br />

De acordo com MARTINS (1989), até julho <strong>de</strong> 1981, a Comissão<br />

Pastoral da Terra, da Conferência Episcopal, registrou 916 conflitos fundiários<br />

<strong>em</strong> todas as regiões do país, envolvendo 261.000 famílias, num total <strong>de</strong> quase<br />

dois milhões <strong>de</strong> pessoas.<br />

FERNANDES (1997) afirma que, entre 1980 e 1981, os conflitos<br />

envolveram 1,2 milhão <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> 365 mil famílias, abrangendo cerca <strong>de</strong> 40<br />

8 RUFINO (1991).<br />

27


milhões <strong>de</strong> hectares <strong>de</strong> terra. Estavam envolvidos nestes conflitos 87 <strong>em</strong>presas,<br />

27 órgãos oficiais e sete bancos. No primeiro s<strong>em</strong>estre <strong>de</strong> 1984 foram registrados<br />

cerca <strong>de</strong> 923 conflitos <strong>de</strong> terra envolvendo 474 mil famílias, com 180 mortos<br />

entre trabalhadores e lí<strong>de</strong>res sindicais.<br />

Segundo dados da Central da Pastoral da Terra (1996), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1990 foram<br />

assassinadas 319 pessoas. Comparado aos 562 assassinatos da segunda meta<strong>de</strong><br />

dos anos 80, foi constatado que o número <strong>de</strong>caiu quase pela meta<strong>de</strong> nos anos 90<br />

(243 a menos). Somados têm-se 881 trabalhadores rurais assassinados na Nova<br />

República, uma média <strong>de</strong> quase dois por s<strong>em</strong>ana. Os estados on<strong>de</strong> mais se matou<br />

foram o Pará e Rondônia.<br />

Já o ano <strong>de</strong> 1996 foi muito infeliz para luta no campo, segundo outros<br />

dados recentes da própria Comissão Pastoral da Terra:<br />

Não que não houve vitória, mas foi o ano <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> números recor<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985, quando iniciamos nossa documentação: os conflitos <strong>de</strong> terra<br />

atingiram a cifra <strong>de</strong> 653; os ocupações foram 398; as famílias envolvidas,<br />

63.080; a área conflitada é <strong>de</strong> 3.395.657 hectares. Em 1996 registrou o<br />

episódio macabro do massacre <strong>de</strong> Eldorado <strong>de</strong> Carajás, <strong>em</strong> que foram<br />

executados 19 s<strong>em</strong>-terra. Ao redor do t<strong>em</strong>a central da terra, on<strong>de</strong> a<br />

concentração estúpida do latifúndio se <strong>de</strong>fronta com a <strong>de</strong>mocratização da<br />

terra, tipificam-se outros conflitos como os <strong>de</strong> barragens, questões<br />

trabalhistas, aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho, secas com suas conseqüências (fome,<br />

saques e frentes <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência), política agrícola e sindicalismo. Os conflitos<br />

tomam a forma e a face <strong>de</strong> assassinatos, que <strong>em</strong> 96 foram 54, <strong>de</strong> tentativas <strong>de</strong><br />

homicídio, invasão <strong>de</strong> terra <strong>de</strong> posseiros, ameaças <strong>de</strong> expulsão, <strong>de</strong>struição <strong>de</strong><br />

casas, roças e pertences, <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejos e ameaças <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejos, s<strong>em</strong>pre com<br />

agressões físicas e morais (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA - CPT,<br />

1997). 9<br />

1.2.4.1. Massacres e ecos das violências<br />

Eu não consigo enten<strong>de</strong>r,<br />

Que <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> herdar um quinhão<br />

Teu povo mereça Ter<br />

Só sete palmos <strong>de</strong> chão!<br />

(...)<br />

Eu não consigo enten<strong>de</strong>r,<br />

Que nesta imensa Nação<br />

9 Ver dados mais recentes no Apêndice B.<br />

28


Ainda é matar e morrer,<br />

Por um pedaço <strong>de</strong> chão! 10 (Martin Cezar, Ramires Gonçalves e Pedro Munhoz).<br />

Contra os movimentos por <strong>de</strong>mocratização da terra e das relações sociais<br />

no campo, a elite dominante não t<strong>em</strong> pensado duas vezes <strong>em</strong> lançar mão até das<br />

mais absurdas formas <strong>de</strong> coerção física e moral, contribuindo para a perenização<br />

<strong>de</strong> uma cultura do autoritarismo e da violência. Da batalha <strong>de</strong> Canudos e do<br />

Contestado aos recentes massacres, t<strong>em</strong> sido a história da cidadania rural negada<br />

pela força, à custa <strong>de</strong> matanças, inclusive <strong>de</strong> crianças, como ocorreu <strong>em</strong><br />

Corumbiara (RO):<br />

Na madrugada do dia 9 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995, a Polícia Militar <strong>de</strong> Rondônia<br />

invadiu um acampamento dos s<strong>em</strong>-terra no Município <strong>de</strong> Corumbiara (RO). Ao<br />

arrepio da lei - que só permitiu ações <strong>de</strong> reintegração <strong>de</strong> posse à luz do dia- , o<br />

confronto resultou <strong>em</strong> 11 mortos e numerosos feridos e <strong>de</strong>saparecidos. Nove<br />

trabalhadores rurais foram assassinados, alguns a queima roupa, outros pelas<br />

costas, barracos incendiados, corpos carbonizados (SILVA, 1996:92).<br />

Os métodos usados pelos s<strong>em</strong>-terra, <strong>em</strong> alguns casos, são provocadores,<br />

mas as autorida<strong>de</strong>s brasileiras têm feito pouca coisa para resolver o probl<strong>em</strong>a<br />

rural, além <strong>de</strong> colocar “invasores” na ca<strong>de</strong>ia como se isso solucionasse a questão<br />

fundiária brasileira.<br />

Um gran<strong>de</strong> acontecimento que marcou a história do MST foi a marcha<br />

até Brasília, DF. No dia 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997, cerca <strong>de</strong> 100 mil trabalhadores,<br />

segundo estimativa do MST, ocuparam a Esplanada dos Ministérios, “no maior e<br />

mais legítimo movimento <strong>de</strong> oposição ao governo <strong>de</strong> Fernando Henrique<br />

Cardoso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que foi eleito há dois anos” (JORNAL DO MOVIMENTO<br />

SINDICAL, 1997).<br />

Toda essa multidão foi até Brasília prestar apoio ao MST que naquele dia<br />

chegava à capital fe<strong>de</strong>ral após dois meses <strong>de</strong> marcha por “Reforma Agrária,<br />

Emprego e Justiça”. Cabe ressaltar que o dia 17 <strong>de</strong> abril não foi escolhido<br />

aleatoriamente. Marcava o aniversário da morte dos 19 s<strong>em</strong>-terras, <strong>em</strong> Eldorado<br />

dos Carajás (Pará), assassinados por policiais militares.<br />

10 Versos da música “Profissão <strong>de</strong> Retirantes, 1. a colocada no Festival Nacional <strong>de</strong> Músicas da Reforma<br />

Agrária, 1999 (Jornal dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra, março 1999).<br />

29


No dia 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1996, por volta das 16 horas, aproximadamente 200<br />

policiais militares, sob o comando do coronel Mário Colares Pantoja, <strong>em</strong><br />

cumprimento <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>em</strong>anada do Governo do Estado Sr. Almir Gabriel,<br />

<strong>de</strong>ram início à mais grave violação aos direitos humanos da América Latina<br />

nos últimos anos. Sob o pretexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sobstruír<strong>em</strong> a Rodovia PA-150, mataram<br />

friamente 19 (<strong>de</strong>zenove) trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra e feriram outros 69<br />

(sessenta e nove). Os trabalhadores rurais haviam paralisado a rodovia<br />

objetivando que o Governo do Estado cumprisse a promessa <strong>de</strong> ônibus e<br />

alimentos para que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> seguir até a Capital, a fim <strong>de</strong> negociar com o<br />

INCRA o assentamento <strong>de</strong> 2.000 (duas mil) famílias <strong>de</strong> trabalhadores rurais<br />

s<strong>em</strong>-terra na fazenda Macaxeira (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES<br />

RURAIS SEM-TERRA, s.d.).<br />

Como expôs SILVA (1996), há muitos opositores à reforma agrária. Mas<br />

a pressão pelo MST é ativa e necessária, representando para os s<strong>em</strong>-terra a busca<br />

da legitimação <strong>de</strong> seus direitos como cidadãos, mesmo que miseráveis:<br />

Há mesmo gente querendo terra? Esta indagação que recent<strong>em</strong>ente está sendo<br />

esgrimida pelos opositores da RA po<strong>de</strong> ser respondida <strong>em</strong> primeiro lugar, pela<br />

atual pressão <strong>de</strong> acampados, pelo próprio Movimento S<strong>em</strong>-Terra como um<br />

todo, fazendo ocupações <strong>em</strong> quase todo o país, pela gran<strong>de</strong> diáspora cabocla<br />

que se verificou nas últimas três décadas, expulsando do campo brasileiro,<br />

mais <strong>de</strong> 30 milhões <strong>de</strong> pessoas. É claro que parte <strong>de</strong>sses expulsos do campo,<br />

com marcada vocação para a agricultura, voltaria à sua antiga ativida<strong>de</strong>, caso<br />

fosse possível proporcionar-lhe condições <strong>de</strong>centes <strong>de</strong> vida, como aquelas que<br />

a RF é capaz <strong>de</strong> oferecer. Como aliás já disse um dirigente camponês, a pior<br />

das reformas agrárias ainda é capaz <strong>de</strong> proporcionar casa, comida e trabalho,<br />

três condições que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre o migrante consegue na cida<strong>de</strong> (SILVA,<br />

1996:194).<br />

Estima-se que há 20.000 famílias acampadas <strong>em</strong> beiras <strong>de</strong> estradas no<br />

país, e pelo menos outras quatro milhões <strong>de</strong> candidatas a receber um pedaço <strong>de</strong><br />

terra no programa nacional da Reforma Agrária. Mas o processo é lento (dados<br />

<strong>de</strong> 1996 da CPT).<br />

Segundo ARAÚJO FILHO (1996), as atitu<strong>de</strong>s adotadas pelo<br />

Governo e pelo Judiciário para com a reforma agrária <strong>de</strong>monstram as<br />

razões para o acirramento da violência no campo:<br />

Violência que se manifesta através <strong>de</strong> assassinatos, <strong>de</strong>spejos brutais e<br />

arbitrários, <strong>de</strong>srespeitando aos direitos humanos e tantas outras ações que são<br />

patrocinadas tanto pelos latifundiários quanto pelas forças <strong>de</strong> segurança do<br />

Estado e que compromet<strong>em</strong>, cada vez mais, a imag<strong>em</strong> do País no exterior e,<br />

hoje, sensibilizam a opinião pública nacional para a importância da reforma<br />

agrária (ARAÚJO FILHO, 1996:105).<br />

Esta omissão e este acomodamento da justiça <strong>em</strong> acontecimentos<br />

relacionados aos s<strong>em</strong>-terra po<strong>de</strong>m ser constatados ao longo da história do MST.<br />

30


Ex<strong>em</strong>plo recente <strong>de</strong>ste fato foi o que aconteceu com o lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>-terra, José<br />

Rainha Júnior, acusado <strong>de</strong> ter assassinado um fazen<strong>de</strong>iro <strong>em</strong> Pedro Canário, no<br />

Espírito Santo. Seu julgamento, também naquela cida<strong>de</strong>, foi cercado <strong>de</strong> mistério<br />

e “barganha política” entre jurados e fazen<strong>de</strong>iros da região. Rainha acabou<br />

con<strong>de</strong>nado, mas conseguiu que um novo julgamento fosse realizado. Enquanto o<br />

processo <strong>de</strong> Rainha corria nos tribunais, os culpados pelo massacre <strong>em</strong> Eldorado<br />

dos Carajás estão soltos e impunes. Tal acontecimento po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificado<br />

segundo OLIVEN (1989:58):<br />

O que está havendo, na verda<strong>de</strong>, no Brasil é uma dramatização da violência,<br />

através da qual se constrói uma imag<strong>em</strong> maniqueísta da socieda<strong>de</strong>: existiram<br />

os “homens <strong>de</strong> b<strong>em</strong>” e os “homens <strong>de</strong> mal”. Cria-se, assim, um novo bo<strong>de</strong><br />

expiatório, o “marginal”, figura que serve para exorcizar os fantasmas <strong>de</strong><br />

nossa classe média cada dia mais assustada com inflação, o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego, a<br />

perda <strong>de</strong> seu status (...) A impunida<strong>de</strong> com que são tratados os policiais que<br />

praticam arbitrarieda<strong>de</strong>s ou matam “exercício da função” faz com que a<br />

polícia seja tão ou mais t<strong>em</strong>ida que os <strong>de</strong>linqüentes, por parte das classes<br />

populares. O grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrédito com que é encarada a polícia e a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se obter justiça no Brasil é evi<strong>de</strong>nciado pela sucessão <strong>de</strong><br />

linchamentos que se têm verificado ultimamente.<br />

Dentro do aspecto da violência, é necessário também que fique clara a<br />

importância <strong>de</strong> se mencionar a vergonha ocorrida <strong>em</strong> Canudos, no sertão da<br />

Bahia, há 100 anos. A brutalida<strong>de</strong> que massacrou quase 30.000 sertanejos,<br />

<strong>de</strong>struindo 5.200 casas e plantações (CPT, 1997), precisa “queimar” a<br />

consciência da socieda<strong>de</strong>, mesmo porque, governo, igreja e imprensa daquela<br />

época foram omissos quanto aos acontecimentos. A <strong>de</strong>gola do passado, que tanto<br />

assombrou os conselheiristas, hoje se “maquia” <strong>em</strong> novas formas <strong>de</strong> violência,<br />

sejam elas refinadas ou até mais cruéis.<br />

Ao contrário do massacre <strong>de</strong> Canudos, no Brasil <strong>de</strong> hoje, nos massacres<br />

atuais, há mais sobreviventes. Com o apoio <strong>de</strong> grupos políticos, da Igreja e <strong>de</strong><br />

Organizações Não-Governamentais, apesar da imag<strong>em</strong> negativa pela qual o<br />

movimento acaba sendo rotulado, o MST também está conseguindo influenciar a<br />

opinião pública, mostrando o lado humano das famílias acampadas e incluindo a<br />

luta pela terra na pauta política do Governo.<br />

Entretanto, s<strong>em</strong> as medidas concretas os conflitos vão continuar. E o que<br />

é pior, os massacres que ocorreram <strong>em</strong> Rondônia, no Pará, e tanto outros que<br />

31


esultaram <strong>em</strong> mortes e muitos feridos vão se tornar banais, comuns na Terra da<br />

impunida<strong>de</strong>, segundo expõe HERBERS (1989:25):<br />

Para qualquer pessoa que se preze, “salta aos olhos” o caráter grotesco <strong>de</strong><br />

uma análise como esta dos conflitos no campo, e mais ainda dos conflitos <strong>em</strong> si.<br />

Sofrer ameaças <strong>de</strong> morte é algo <strong>de</strong>sumano, mesmo para pessoas do alto escalão<br />

do governo, que dispõ<strong>em</strong> <strong>de</strong> todos os meios <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa contra esse tipo <strong>de</strong> coisa.<br />

Ser perseguido por pistoleiros parece algo indigno da civilização humana;<br />

“grilag<strong>em</strong>” <strong>de</strong> terras é algo que beira a barbárie, o primitivismo. E repressão<br />

policial sobre a população parece como o revigoramento <strong>de</strong> todas essas<br />

barbáries, numa versão “mo<strong>de</strong>rnizada”. Agora os bandidos andam <strong>em</strong><br />

uniformes, com botas engraxadas, e ainda por cima munidos <strong>de</strong> leis.<br />

1.2.5. A violência simbólica<br />

32<br />

A existência <strong>de</strong> movimentos<br />

sociais como o MST, é<br />

fundamental, mas não o suficiente<br />

para a <strong>de</strong>mocratização da terra.<br />

Como evi<strong>de</strong>ncia GRZYBOWSKI<br />

(1991), governantes, legisladores e<br />

juízes ag<strong>em</strong> <strong>em</strong>purrados pelos<br />

cidadãos: “Cabe à socieda<strong>de</strong> fazer<br />

o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pate, a favor <strong>de</strong> todos<br />

nós”.<br />

(...) violência é um ato <strong>de</strong> brutalida<strong>de</strong>, sevícia e abuso físico e/ou psíquico<br />

contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais <strong>de</strong>finidas pela<br />

opressão, intimidação, pelo medo e pelo terror 11 (Marilena Chauí).<br />

Segundo CAUME (1994), a violência física é mais facilmente<br />

reconhecida pela socieda<strong>de</strong>, mas n<strong>em</strong> por isso a violência simbólica t<strong>em</strong> menos<br />

importância. A violência física muitas vezes faz o papel instrumental <strong>de</strong><br />

legitimação <strong>de</strong> violência simbólica, servindo <strong>em</strong> um contexto geral como artifício<br />

<strong>de</strong> afirmação ou intensificação <strong>de</strong> dominação social (LITKE, 1992).<br />

11 CHAUÍ (1998:34).


O autor ainda afirma que a essência da violência resi<strong>de</strong> na privação do<br />

po<strong>de</strong>r. A violência simbólica afeta o indivíduo <strong>em</strong> seu livre-arbítrio, isto é,<br />

“direito <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisões autônomas e <strong>de</strong> assumir as conseqüências dos seus<br />

atos”.<br />

De acordo com CAUME (1994), exercício da violência pertence a<br />

múltiplos domínios e po<strong>de</strong> ter por mediação não só “o gatilho <strong>de</strong> uma pistola, a<br />

lâmina <strong>de</strong> uma faca, mas também gestos, palavras e imagens. A violência<br />

simbólica é mais “doce”, mais suave, porém mais ardilosa”.<br />

REGO (1995) organizou as principais idéia <strong>de</strong> Vygotsky e um dos<br />

pontos fundamentais neste estudo é a questão da mediação simbólica. Segundo a<br />

autora, o el<strong>em</strong>ento básico responsável por esta mediação seria o significado que<br />

t<strong>em</strong> a função <strong>de</strong> regular as ações sobre os objetos e o signo. A mediação<br />

simbólica, através dos significados construídos socialmente, regula, por sua vez,<br />

a construção da subjetivida<strong>de</strong>.<br />

Tendo <strong>em</strong> vista que toda dominação requer um tipo específico <strong>de</strong><br />

legitimida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> obediência por parte daqueles sobre os quais se exerce<br />

(WEBER, 1987), a violência <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha um papel muito importante neste<br />

contexto. De acordo ainda com CAUME (1994), a própria mo<strong>de</strong>rnização<br />

tecnológica da agricultura brasileira po<strong>de</strong> ser pensada <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> um processo<br />

<strong>de</strong> violência, seja ela física (expropriação dos agricultores <strong>de</strong> suas terras e<br />

eliminação física <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças), econômica (<strong>em</strong>pobrecimento da classe) e<br />

simbólica (negação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social e cultural do campesinato).<br />

Ou seja, o contexto cultural e social do indivíduo <strong>de</strong>ve ser respeitado e<br />

entendido por aqueles que viv<strong>em</strong> <strong>em</strong> situações diferentes. A proposição <strong>de</strong><br />

mudança cultural <strong>de</strong> um indivíduo po<strong>de</strong> até ser viável, objetivando os próprios<br />

benefícios <strong>de</strong>ste indivíduo. Entretanto, o que se percebe é que, quando grupos<br />

controladores buscam interferir <strong>em</strong> culturas específicas, assim os faz<strong>em</strong> <strong>de</strong> forma<br />

massificadora, propondo mascaradamente uma homogeneização cultural,<br />

instituindo-se assim a chamada violência simbólica.<br />

Segundo DALCHIAVON (1996), a dominação i<strong>de</strong>ológica e cultural das<br />

elites sobre os trabalhadores rurais, projetando valores anti-sociais,<br />

33


idicularizando a cultura local, cria uma situação <strong>de</strong> preconceito e discriminação<br />

contra os valores cultivados pelos trabalhadores. De acordo com o autor,<br />

contribu<strong>em</strong> para essa dominação cultural os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e o<br />

caráter alienante <strong>de</strong> algumas religiões.<br />

1.2.5.1. Segregação e representação social<br />

Por esses mortos, nossos mortos, peço castigo. Para os que salpicaram a<br />

pátria <strong>de</strong> sangue, peço castigo. Para o traidor que ascen<strong>de</strong>u sobre o crime,<br />

peço castigo. Para o que <strong>de</strong>u a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> agonia, peço castigo. Para os que<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram este crime, peço castigo. Não quero que me <strong>de</strong>ram a mão<br />

<strong>em</strong>papada <strong>de</strong> nosso sangue, peço castigo. Não vos quero como <strong>em</strong>baixadores,<br />

tampouco <strong>em</strong> casa tranqüilos. Quero versos aqui julgados... Quero castigo! 12<br />

(Pablo Neruda)<br />

Guattari, citado por CASTRO (1993), expõe sobre a segregação,<br />

<strong>de</strong>finindo-a como uma prática política exercida pela classe dominante <strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> “pessoas-margens”, os chamados “marginais”, vítimas <strong>de</strong><br />

uma segregação e cada vez mais controladas, vigiadas e assistidas pela<br />

socieda<strong>de</strong>. Desta forma, as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stas classes sociais, a dominante e<br />

a dominada, são muito b<strong>em</strong> <strong>de</strong>finidas e seus territórios b<strong>em</strong> <strong>de</strong>limitados.<br />

Tal concepção r<strong>em</strong>ete também para uma outra abordag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

GUATTARI (1987), a qual argumenta sobre a questão do grupo sujeito e<br />

grupo sujeitado. O MST, como “grupelho”, seria um grupo sujeito. Dada<br />

sua organização, força política e revolucionária, o movimento sofre<br />

“armadilhas” sociais, vindas sejam através <strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iros armados,<br />

policiais comprados e até mesmo <strong>de</strong> uma ação governamental, que se opõ<strong>em</strong><br />

aos interesses do movimento, e até mesmo a opinião pública, moldada pela<br />

mídia, <strong>de</strong> modo a garantir o lugar <strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong>.<br />

12 Revista S<strong>em</strong>-Terra, out./nov./<strong>de</strong>z. 1997.<br />

34


Diferente <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> exclusão, on<strong>de</strong> os grupos são<br />

fort<strong>em</strong>ente esvaziados <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enunciação, o MST como<br />

grupo-sujeito t<strong>em</strong> exigido constant<strong>em</strong>ente formas <strong>de</strong> controle.<br />

Foucault, também citado por CASTRO (1993), analisando as<br />

prisões, no contexto das representações sociais, conceitua<br />

... o controle espacial como uma arte <strong>de</strong> distribuições físicas estabelecidas<br />

pelo po<strong>de</strong>r”. Segundo o autor do texto <strong>em</strong> questão, “os lugares constitu<strong>em</strong>-se<br />

intencionalmente pela permanência da or<strong>de</strong>m social, na ativida<strong>de</strong> e na<br />

presença do po<strong>de</strong>r (Foucaut, citado por CASTRO, 1993:153).<br />

A disputa pela terra e o conflito político assum<strong>em</strong> uma espécie <strong>de</strong><br />

materialida<strong>de</strong> na i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que é criada sobre o MST. JOFFE (1994),<br />

referindo-se também à questão da representação social, aponta que o<br />

“estrangeiro” é discriminado, se não faz parte <strong>de</strong> seu grupo social,<br />

argumentando que todas estas representações estão relacionadas à ameaça<br />

que grupos externos traz<strong>em</strong> ao próprio grupo. A autora também expõe o<br />

aspecto da projeção da responsabilida<strong>de</strong> sobre grupos estranhos. É a<br />

própria condição estrangeira.<br />

Na verda<strong>de</strong>, os conflitos pela terra, com suas inúmeras variáveis <strong>de</strong><br />

violência, já faz<strong>em</strong> parte da história <strong>de</strong>ste latifúndio chamado Brasil. As elites<br />

dominantes, <strong>em</strong> todos os momentos <strong>de</strong>cisivos da trajetória do país, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

<strong>de</strong>scobrimento até a última eleição presi<strong>de</strong>ncial, têm conseguido manobrar para<br />

manter concentrados e intocáveis a proprieda<strong>de</strong> e o po<strong>de</strong>r.<br />

De acordo com ARAÚJO FILHO (1996), este mo<strong>de</strong>lo dominante<br />

aprofunda a exclusão social, gera <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego, concentra terra, renda e po<strong>de</strong>r, e é<br />

responsável pela violência no campo e pelo assassinato <strong>de</strong> trabalhadores e<br />

li<strong>de</strong>ranças sindicais, e se revela incapaz <strong>de</strong> apoiar a superação da fome e da<br />

miséria no País.<br />

1.2.5.2. O controle social<br />

35


Se todo bói-fria pu<strong>de</strong>sse ser transformado <strong>em</strong> proprietário rural, como nos<br />

veríamos para comer laranjas e hortaliças? 13 (Alexandre Costa)<br />

JUNQUEIRA (1998), ao analisar as concepções <strong>de</strong> Bourdieu sobre<br />

representação social, aborda que na perspectiva <strong>de</strong> Spink, amplia-se a visão <strong>de</strong><br />

Bourdieu na medida <strong>em</strong> que o contexto <strong>de</strong> surgimento e permanência das<br />

representações aparece composto por dois eixos: o sócio-histórico “construções<br />

sociais que alimentam nossa subjetivida<strong>de</strong>” e o discurso ou as “versões<br />

funcionais constituintes <strong>de</strong> nossas relações sociais”.<br />

De acordo com JUNQUEIRA (1998), a contribuição <strong>de</strong> Bourdieu para o<br />

estudo das representações sociais, através da reflexão sobre as noções <strong>de</strong> classe,<br />

espaço e t<strong>em</strong>po, é significativa para a compreensão da mudança social da<br />

atualida<strong>de</strong>, na medida <strong>em</strong> que continua colocando ênfase no aspecto <strong>de</strong> luta<br />

presente na essência da constituição das representações sociais.<br />

Para a autora, esta luta continua existindo no campo das imagens ligadas<br />

a grupos e indivíduos que tentam se afirmar através dos meios <strong>de</strong> comunicação<br />

<strong>de</strong> massa. A luta se manifesta na gran<strong>de</strong> mídia numa guerra <strong>de</strong> estereótipos e no<br />

espaço público numa guerra <strong>de</strong> imagens dos grupos para ser<strong>em</strong> vistos e<br />

consi<strong>de</strong>rados como o <strong>de</strong>sejam, <strong>em</strong> outras palavras, para a afirmação <strong>de</strong> suas<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s a começar pelo discurso.<br />

BOURDIEU (1997), <strong>em</strong> uma <strong>de</strong> suas abordagens teóricas, focaliza a<br />

questão da relação entre po<strong>de</strong>r, dominação e violência simbólica exercida pelos<br />

meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, especificamente a televisão:<br />

A televisão t<strong>em</strong> uma espécie <strong>de</strong> monopólio <strong>de</strong> fato sobre a formação das<br />

cabeças <strong>de</strong> uma parcela muito importante da população. (...) uma série <strong>de</strong><br />

mecanismos faz<strong>em</strong> com que a televisão exerça uma força particularmente<br />

perniciosa <strong>de</strong> violência simbólica. A violência simbólica é uma violência que se<br />

exerce com a cumplicida<strong>de</strong> tácita dos que a sofr<strong>em</strong> e também, com freqüência,<br />

dos que a exerc<strong>em</strong>, na medida <strong>em</strong> que uns e outros são inconscientes <strong>de</strong> exercêla<br />

ou <strong>de</strong> sofrê-la. A sociologia, como todas as ciências, t<strong>em</strong> por função <strong>de</strong>svelar<br />

coisas ocultas; ao fazê-lo, ela po<strong>de</strong> contribuir para minimizar a violência<br />

simbólica que se exerce nas relações sociais e, <strong>em</strong> particular, nas relações <strong>de</strong><br />

comunicação pela mídia (BOURDIEU, 1997:22-23).<br />

13 Senador da República do Brasil no ano <strong>de</strong> 1991. In: O Canto da Terra, 1991.<br />

36


Castro, com relação à questão da representação social, cita Goffman<br />

que analisa as instituições legais. Segundo o autor, estas são caracterizadas<br />

por sua função <strong>de</strong> afirmação e controle social, com recolhimento e<br />

confinamento <strong>de</strong> transgressores ou na afirmação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res i<strong>de</strong>ológicos.<br />

Po<strong>de</strong>-se perceber que a questão agrária, os movimentos sociais no<br />

campo hoje chamam a atenção da população pela sua organização, pelos seus<br />

princípios. Hoje, torna-se claro que o autoritarismo e a violência estão do outro<br />

lado, daqueles que quer<strong>em</strong>, a todo custo, continuar mantendo a miséria, que não<br />

é só um probl<strong>em</strong>a do campo, mas também da cida<strong>de</strong>. Isso v<strong>em</strong> confirmar as<br />

palavras <strong>de</strong> SCHERER-WARREN (1993:67-68):<br />

A diferenciação entre os velhos movimentos sociais e os novos movimentos<br />

sociais po<strong>de</strong> ser encontrada nas novas formas <strong>de</strong> suas organizações e <strong>de</strong><br />

encaminhamentos <strong>de</strong> suas lutas. De forma breve po<strong>de</strong>-se afirmar que, quanto à<br />

organização, as novas formas <strong>de</strong> organização no campo valorizam a<br />

participação ampliada das bases e a <strong>de</strong>mocracia direta, s<strong>em</strong>pre que possível, e<br />

opõ<strong>em</strong>-se, pelo menos, a nível i<strong>de</strong>ológico, ao autoritarismo, à centralização do<br />

po<strong>de</strong>r e ao uso da violência física. Quanto ao conteúdo <strong>de</strong> suas lutas, possu<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>mandas específicas e por vezes <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m utopias <strong>de</strong> transformações sociais<br />

mais gerais. O que há <strong>de</strong> inovador é a luta pela ampliação do espaço da<br />

cidadania, incluindo-se aí a busca <strong>de</strong> modificações das relações sociais mais<br />

cotidianas.<br />

A questão do po<strong>de</strong>r, i<strong>de</strong>ologia e controle político no campo po<strong>de</strong> muito<br />

b<strong>em</strong> ser caracterizado no Brasil pela atuação da UDR, criada <strong>em</strong> 1985, <strong>em</strong><br />

Goiás:<br />

Surgiu como “forma <strong>de</strong> pressão junto ao governo contra a Reforma Agrária, e<br />

obteve na Constituinte vitórias que garantiam a manutenção dos latifúndios.<br />

Seu po<strong>de</strong>r político e i<strong>de</strong>ológico manifesta-se também através do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

manipulação dos próprios meios <strong>de</strong> comunicação (SCHERER-WARREN,<br />

1993:74).<br />

Transformada <strong>em</strong> partido político, a UDR teve nas eleições<br />

presi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> 1989 o “natural” apoio <strong>de</strong> regiões conhecidas por abrigar<br />

gran<strong>de</strong>s latifúndios, como Goiás, parte <strong>de</strong> Minas Gerais, Triângulo Mineiro,<br />

parte do interior <strong>de</strong> São Paulo, entre outras. Uma <strong>de</strong> suas ações mais<br />

características é a criação <strong>de</strong> grupos paramilitares que garant<strong>em</strong> o<br />

afastamento <strong>de</strong> suas terras <strong>de</strong> “grupos invasores”. Não raro o apoio à UDR<br />

v<strong>em</strong> através do “aparato estatal, através da polícia e da lei <strong>de</strong> segurança<br />

nacional” (COUTO, 1996).<br />

37


1.3. O probl<strong>em</strong>a e sua importância<br />

Lamento que a imprensa prefira s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>stacar a imag<strong>em</strong> do conflito, da<br />

radicalização. De certa forma conseguiram associar essa imag<strong>em</strong> a nós.(...)<br />

Infelizmente não há interesse <strong>em</strong> cobrir o positivo. A imprensa s<strong>em</strong>pre nos<br />

coloca <strong>em</strong> polêmica com o governo 14 (João Pedro Stédile).<br />

As chacinas <strong>de</strong> Corumbiara e <strong>de</strong> Eldorado dos Carajás revelaram o<br />

quadro <strong>de</strong> violência e tragédia que é travada na luta pela terra no Brasil e das<br />

arcaicas estruturas que sustentam a socieda<strong>de</strong> do país. Como os recentes<br />

massacres foram expostos na mídia e invadiram os lares dos brasileiros, inclusive<br />

no exterior, parece que está se operando um <strong>de</strong>spertar da socieda<strong>de</strong> para o<br />

probl<strong>em</strong>a agrário, com sentimentos <strong>de</strong> indignação e <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> mudança. Mas<br />

n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre a mídia está do lado dos oprimidos. O po<strong>de</strong>r da imag<strong>em</strong> e das<br />

relações políticas e econômicas, às vezes acaba por distorcer os fatos, mostrando<br />

à socieda<strong>de</strong> uma visão negativa da “luta” do movimento.<br />

Apesar da socieda<strong>de</strong> brasileira estar mais atenta sobre a questão da<br />

reforma agrária e dos conflitos gerados no campo, ainda são transmitidas<br />

i<strong>de</strong>ologias que aten<strong>de</strong>m a interesses particulares <strong>de</strong> dominação e po<strong>de</strong>r.<br />

Faz-se necessário analisar as relações entre o MST e a mídia brasileira,<br />

principalmente a eletrônica, ressaltando como são divulgados os fatos<br />

relacionados ao movimento e avaliando se realmente prevalece a veracida<strong>de</strong> das<br />

informações ou a <strong>de</strong>turpação das mesmas.<br />

O que se vê claramente exposto pela mídia brasileira, a eletrônica<br />

principalmente, é que, da mesma forma que são divulgadas as manifestações do<br />

movimento como as caminhadas e as passeatas, também estão <strong>em</strong> foco as<br />

ocupações/invasões e as manifestações conflituosas <strong>de</strong> trabalhadores rurais que<br />

não faz<strong>em</strong> parte do MST, mas que são expostos como tais.<br />

Antes <strong>de</strong> entrar propriamente no campo jornalístico, é preciso ressaltar a<br />

ficção televisiva abordando a t<strong>em</strong>ática da reforma agrária. Trata-se da novela da<br />

14 In: Ca<strong>de</strong>rnos, nov./<strong>de</strong>z. 1996:26.<br />

38


Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Benedito Rui Barbosa, “O Rei do Gado”,<br />

exibida <strong>em</strong> 1997, e, atualmente, reprisada.<br />

Mesmo tendo como mediadora um monopólio da comunicação, a novela<br />

teve, como cenário, conflitos entre posseiros e grileiros da região do Mirante do<br />

Paranapan<strong>em</strong>a, <strong>em</strong> São Paulo. Segundo GOMES e NASCIMENTO (1998), esse<br />

posicionamento mostrou a vanguarda da ficção televisiva seriada, por fazer a<br />

opinião pública <strong>de</strong>smitificar a idéia <strong>de</strong> que os conflitos <strong>de</strong> terra não são questões<br />

ligadas aos estados economicamente mais fortes. Além disso, segundo um dos<br />

lí<strong>de</strong>res do MST, João Pedro Stédile:<br />

A novela conseguiu colocar os t<strong>em</strong>as pertinentes à reforma agrária. A opinião<br />

pública viu o que era um acampamento e teve que conviver com a idéia <strong>de</strong> que<br />

t<strong>em</strong> gente morando <strong>em</strong> barraco com suas crianças e que e está lutando por<br />

alguma coisa (GOMES e NASCIMENTO, 1998:6).<br />

A novela t<strong>em</strong> se tornado, ao longo dos anos, um importante mecanismo<br />

para atrair o telespectador para a esfera nacional, <strong>em</strong> função da "linguag<strong>em</strong> fácil"<br />

<strong>de</strong>sse gênero <strong>de</strong> entretenimento. Termos como "terras <strong>de</strong>volutas" e "latifúndio<br />

improdutivo" somente passaram a fazer parte do universo s<strong>em</strong>ântico popular a<br />

partir da difusão <strong>em</strong> “O Rei do Gado”, o que colaborou com a vulgarização <strong>de</strong><br />

informações referentes ao cotidiano do campo, como a questão da terra, a sua<br />

concessão, utilização e improdutivida<strong>de</strong>, b<strong>em</strong> como o atraso do governo <strong>em</strong><br />

relação a uma política agrária mais clara. Li<strong>de</strong>ranças do MST, a ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> João<br />

Pedro Stédile, concordam com a importância da telenovela como foro das<br />

discussões dos probl<strong>em</strong>as sociais, tanto que afirmou: “N<strong>em</strong> o MST n<strong>em</strong> a Igreja<br />

católica chegariam a esta faixa com o t<strong>em</strong>a reforma agrária se não fosse por<br />

intermédio da novela” (GOMES e NASCIMENTO, 1998:7).<br />

Entretanto, o MST se opôs ao modo como foram tratados símbolos<br />

históricos da esquerda na telenovela, a ex<strong>em</strong>plo da troca da ban<strong>de</strong>ira vermelha<br />

pela ban<strong>de</strong>ira do Brasil, como propunha a trama. Segundo Stédile, Benedito Rui<br />

Barbosa teria sido aconselhado a não inserir a ban<strong>de</strong>ira vermelha por se tratar <strong>de</strong><br />

propaganda explícita ao MST. Porém, o que ficou evi<strong>de</strong>nciado posteriormente<br />

<strong>de</strong>negriu uma simbologia não somente utilizada pelo movimento, mas também<br />

39


por outras entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> esquerda como a CUT (Central Única dos Trabalhadores)<br />

e o PT.<br />

Ao fazer críticas à utilização da ban<strong>de</strong>ira vermelha nas invasões do<br />

movimento, a Globo atingiu a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do MST, não somente atrelada à<br />

ban<strong>de</strong>ira, como também a seus cânticos, hinos etc., que auxiliam na participação<br />

ativa dos integrantes e estimula o sentimento <strong>de</strong> pertencimento à comunida<strong>de</strong>,<br />

como coloca Haddad e Di Pierro:<br />

(..) dificilmente po<strong>de</strong>r-se-á tratar dos processos <strong>de</strong> formação política ou <strong>de</strong><br />

educação <strong>de</strong>senvolvidos pelo MST, s<strong>em</strong> abordar a „mística do movimento'. A<br />

'mística' é entendida pelo MST como um conjunto <strong>de</strong> valores éticos, princípios<br />

políticos e sentimentos <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, a<strong>de</strong>são e confiança que unificam os<br />

militantes do movimento e são simbolizados por usar ban<strong>de</strong>ira, hino, cânticos,<br />

palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e gestos. A 'mística' é <strong>de</strong>senvolvida nas práticas cotidianas<br />

<strong>de</strong> formação por meio da presença constante dos símbolos do movimento e <strong>de</strong><br />

sua varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> rituais <strong>de</strong> evocação (Haddad e Di Pierro, citados por GOMES<br />

e NASCIMENTO, 1998:9).<br />

Neste sentido, <strong>de</strong>ve-se recorrer ao estudo <strong>de</strong> VELA (1987), que analisa<br />

como a socieda<strong>de</strong> recebe as informações sobre os movimentos sociais, como o<br />

MST, tendo como mediação os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa. Para o autor,<br />

enquanto a socieda<strong>de</strong> acredita que a mídia busca avançar, supostamente, com<br />

benefícios para as classes sociais excluídas, a realida<strong>de</strong> oculta é diferente:<br />

(...) a realida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> que os mesmos (meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa)<br />

continuam a exercer sua ativida<strong>de</strong> baseados na divisão social do trabalho, <strong>em</strong><br />

termos <strong>de</strong> <strong>de</strong>tentores e não <strong>de</strong>tentores dos meios <strong>de</strong> produção, e sob essa<br />

perspectiva, difícil é, ou será, explicar, com um belo conceito sobre<br />

Desenvolvimento, a realida<strong>de</strong> do Terceiro Mundo, e neste caso, da Reforma<br />

Agrária, como medicamento para o nervosismo das classes sociais rurais<br />

(VELA, 1987:73).<br />

Desta forma, VELA (1987) já questionava, na ocasião, a <strong>de</strong>sinformação<br />

e os rumores sobre o probl<strong>em</strong>a agrário brasileiro, ressaltando a importância <strong>de</strong> se<br />

averiguar “nos próximos 15 anos” os rumos da cobertura dos meios <strong>de</strong><br />

comunicação sobre a reforma agrária.<br />

40


1.3.1. A linguag<strong>em</strong> e a palavra<br />

(...) a questão informativa da comunicação <strong>de</strong> massa e os rumores da Reforma<br />

Agrária, vai <strong>de</strong>ixando entrever, <strong>de</strong> que as opiniões impressas e/ou lidas no<br />

microfone, não são representativas <strong>de</strong> todos os setores, e a julgar pelos<br />

interesses da UDR, <strong>de</strong> se fazer ouvir “esclarecendo a opinião pública ”via<br />

meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, já antecipadamente <strong>de</strong>ixa s<strong>em</strong> ânimo <strong>de</strong><br />

concluir, a fim <strong>de</strong> ficar observando, os rumos, os jeitos da notícias 15 (Hugo<br />

Gonzales Vela).<br />

LANE (1983) analisa, através da abordag<strong>em</strong> sócio-histórica, como se<br />

forma a nossa concepção <strong>de</strong> mundo e das coisas que nos cercam, através da<br />

linguag<strong>em</strong> e como ela <strong>de</strong>termina valores e explicações sociais, a relação entre o<br />

falar e o fazer, a mediação do pensamento e o <strong>de</strong>senvolvimento da consciência<br />

social.<br />

A autora também expõe a inter-relação linguag<strong>em</strong>-palavra, dizendo que a<br />

linguag<strong>em</strong> é produzida socialmente, pela atribuição <strong>de</strong> significados às palavras<br />

que são muito po<strong>de</strong>rosas. Neste sentido, LANE (1983) conclui que a contra-arma<br />

do po<strong>de</strong>r da palavra se encontra na própria natureza do significado. “O essencial<br />

é ampliá-lo. É questioná-lo, é pensar sobre ele e não simplesmente agir <strong>em</strong><br />

resposta da palavra”. E ressalta que entre a palavra e a ação <strong>de</strong>ve s<strong>em</strong>pre existir o<br />

pensamento para não sermos dominados por aqueles que <strong>de</strong>têm o po<strong>de</strong>r da<br />

palavra.<br />

É necessário fazer uma leitura mais atenta às palavras e frases utilizadas<br />

pelas mídias ao veicular<strong>em</strong> notícias relativas ao MST e suas ações. Isso s<strong>em</strong><br />

dizer sobre a superficialida<strong>de</strong> com que muitas vezes o assunto é tratado, e<br />

s<strong>em</strong>pre mostrado pela ótica do “agredido”, do “invadido”. Entra aqui <strong>em</strong> cena a<br />

opinião pública.<br />

De acordo com Bourdieu, citado <strong>em</strong> COUTO (1996), “o po<strong>de</strong>r da<br />

palavra é o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mobilizar a autorida<strong>de</strong> acumulada pelo falante e concentrá-<br />

la num ato lingüístico”.<br />

Dentro <strong>de</strong>ste contexto, po<strong>de</strong> ser analisada uma questão que provoca<br />

conflitos. O MST também <strong>de</strong>senvolve uma batalha paralela à sua luta pela<br />

15 VELA (1987:71).<br />

41


proprieda<strong>de</strong> do campo. Trata-se <strong>de</strong> um confronto mais sutil, on<strong>de</strong> o adversário é a<br />

linguag<strong>em</strong> da imprensa e o conceito que ela expressa. Tudo gira <strong>em</strong> torno da<br />

palavra invasão, com que a imprensa <strong>de</strong>screve a ação <strong>de</strong> entrada dos s<strong>em</strong>-terra<br />

<strong>em</strong> alguma fazenda.<br />

Assim, no discurso das mídias, os assentados, acampados, aqueles que<br />

ocupam as terras improdutivas são os “invasores”. Cabe aos meios <strong>de</strong><br />

comunicação lançar as palavras, o ouvinte-leitor-expectador que entenda como<br />

quiser. 16<br />

O MST diz que não inva<strong>de</strong>, apenas ocupa. Invadir envolve um conceito<br />

<strong>de</strong> agressão, que não ocorre. Já o termo ocupação expressa o que o movimento<br />

diz que acontece, isto é, a entrada numa terra <strong>de</strong>socupada, s<strong>em</strong> aproveitamento.<br />

Segundo li<strong>de</strong>ranças do MST, qu<strong>em</strong> pratica a invasão no campo é o grileiro, o<br />

personag<strong>em</strong> que entra numa terra que está sendo trabalhada pelo lavrador e o<br />

expulsa (REVISTA TERCEIRO MUNDO, 1995a).<br />

A diferenciação t<strong>em</strong> sólida base jurídica, como referiu José Gomes da<br />

Silva, na ocasião, m<strong>em</strong>bro da Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores da<br />

Agricultura (CONTAG).<br />

Juristas e professores ilustres, como Régis <strong>de</strong> Oliveira, Fábio Comparato e Luiz<br />

Edson Fachin, ensinam que invadir significa um ato <strong>de</strong> força para tomar<br />

alguma coisa <strong>de</strong> alguém, enquanto ocupar diz respeito, simplesmente, a<br />

preencher um vazio, no caso, terras que não cumpr<strong>em</strong> sua função social.<br />

Doutrinamente, a ocupação ganha ainda maior aceitação quando a população<br />

que a realiza está <strong>em</strong> estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero, situação <strong>em</strong> que um direito natural<br />

maior - o direito à vida - se sobrepõe a um direito terreno, como o direito <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> (REVISTA TERCEIRO MUNDO, 1995a:7).<br />

Mencionando ainda a questão das ocupações, José Rainha Júnior, um<br />

dos principais lí<strong>de</strong>res do MST, lamentou ser<strong>em</strong> estas as únicas alternativas que<br />

restaram para o movimento social no campo.<br />

Nossa ocupação é uma forma <strong>de</strong> pressionar o po<strong>de</strong>r político para que <strong>de</strong>sperte<br />

para o probl<strong>em</strong>a social da reforma agrária. Seria muito melhor que o governo<br />

fizesse a reforma agrária espontaneamente, porque a ocupação exige sacrifício,<br />

a gente não ocupa terras porque acha bonito. Até hoje, os poucos assentados<br />

que t<strong>em</strong>os conquistado foram conseguidos através da ocupação (REVISTA<br />

IMPRENSA, 1996:75).<br />

16 Ver dados sobre ocupações e acampamentos do MST nos Apêndices C e D.<br />

42


Em pesquisa realizada por COUTO (1996), <strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1995, junto a<br />

um assentamento <strong>em</strong> Minas Gerais, foi levantada a questão da atuação da<br />

imprensa no período <strong>de</strong> ocupação da fazenda on<strong>de</strong> hoje se localiza o<br />

assentamento. Durante o período <strong>de</strong> negociação, quando os s<strong>em</strong>-terra estavam<br />

acampados, assim como havia a presença da polícia militar, da UDR, a imprensa<br />

também estava lá para cobrir o fato. Nesse caso específico, a imprensa local <strong>de</strong>u<br />

um enfoque bastante direcionado, segundo um dos assentados:<br />

... já tá aquele clima que você n<strong>em</strong> dorme, nós dormindo no chão, a noite<br />

inteira, passamos várias noites no chão, um acampamento da polícia militar do<br />

lado, a UDR pressionando também, os jornais, a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação local a<br />

serviço dos fazen<strong>de</strong>iros, isso criou mil rótulos pra nós, <strong>de</strong> ba<strong>de</strong>rneiros, <strong>de</strong><br />

invasores, enfim, toda aquela coisa <strong>de</strong> que nós éramos, na verda<strong>de</strong>, bandidos,<br />

tentaram dar esse caráter pro movimento (COUTO, 1996:9).<br />

No entanto, apesar das distorções, a presença da imprensa no local foi, por<br />

outro lado, importante, na fala <strong>de</strong> um dos assentados:<br />

O que nós pretendíamos era o seguinte, criar fato político ali no jornal, e nós<br />

conseguimos, toda a imprensa do Estado <strong>de</strong>sceu para o acampamento, que o<br />

fundamental na luta pela reforma agrária, o fundamental na luta pela terra (...)<br />

era a imprensa, era você noticiar, o povo ficar sabendo o que tava<br />

acontecendo, a opinião pública saber o que tá acontecendo (...) porque senão<br />

você morre aqui no mato e ninguém fica sabendo (...), ninguém fica sabendo<br />

quando morreu. Era meliante, bandido, um bando <strong>de</strong> invasores (COUTO,<br />

1996:9).<br />

Segundo COUTO (1996), <strong>em</strong> outro momento, durante acampamento <strong>em</strong><br />

frente ao Congresso Nacional por parte do mesmo grupo como forma <strong>de</strong><br />

pressionar as negociações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação da fazenda <strong>em</strong> questão, a imprensa,<br />

<strong>de</strong> acordo com o mesmo assentado, teve um papel diferente para o movimento: o<br />

<strong>de</strong> noticiar o fato político, <strong>de</strong> fazer chegar às primeiras páginas dos jornais e<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> televisão a existência <strong>de</strong> um grupo que reivindicava seus direitos sobre<br />

terras improdutivas, que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou uma comissão no sentido <strong>de</strong> visitar o<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos on<strong>de</strong> estava tramitando o processo, que foi julgado<br />

e a causa ganha pelos s<strong>em</strong>-terra. Assim, <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminados momentos <strong>de</strong><br />

ocupação e negociação, o que estava importando para o grupo era a divulgação<br />

do fato político: “importaria que falasse, que mostrasse que existia o<br />

assentamento”.<br />

43


De maneira geral, po<strong>de</strong>-se dizer que a imag<strong>em</strong> divulgada a respeito do<br />

movimento é no mínimo difusa. Em muitos casos, carregam na conotação<br />

negativa das palavras, como invasão, como coloca um assentado, citado <strong>em</strong><br />

COUTO (1996):<br />

Negativa, pra opinião pública. Invadiu! Isso é pesado, t<strong>em</strong> que por polícia.<br />

Agora, ocupação, não soa mais ameno. E na verda<strong>de</strong> é isso mesmo, ocupação,<br />

você ocupa uma área que tá <strong>de</strong>voluta, que não t<strong>em</strong> dono. Ou que t<strong>em</strong> e não tá<br />

n<strong>em</strong> aí com ela. Então cê ocupou aquilo lá. (...) A UDR, os jornais, fizeram<br />

muito isso, né, o invasor, pra formar a opinião pública (...) invadiu t<strong>em</strong> que ir<br />

pra ca<strong>de</strong>ia. Bandido. Então eles quer<strong>em</strong> essa imag<strong>em</strong>. S<strong>em</strong> dúvida nenhuma,<br />

essa imag<strong>em</strong> eles <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m (COUTO, 1996:10).<br />

De acordo com SILVA (1996), no plano ético, vale l<strong>em</strong>brar o<br />

comunicado da CNBB, assinado <strong>em</strong> 1986, quando ocorreu a ocupação da<br />

Fazenda Annoni, no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul:<br />

é, no entanto, indispensável estabelecer uma distinção <strong>de</strong>finida entre invasão<br />

que, até pela violência, preten<strong>de</strong> apropriar-se estavelmente <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><br />

alheia – o que <strong>de</strong>ve ser repudiado - e, por outro lado, outras formas <strong>de</strong> pressão<br />

<strong>de</strong>mocrática como passeatas, acampamentos, ocupações transitórias e<br />

pacíficas, que procuram <strong>de</strong>monstrar à socieda<strong>de</strong> a situação <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a<br />

necessida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sespero do grupo, na intenção <strong>de</strong> alcançar uma solução<br />

a<strong>de</strong>quada e urgente por parte do Po<strong>de</strong>r Público (SILVA, 1996:116-117).<br />

SILVA (1996) ainda expõe que entre os muitos impasses e contradições<br />

que têm marcado os <strong>de</strong>spachos e sentenças judiciais relacionados com os<br />

conflitos <strong>de</strong> terra atualmente no Brasil, situa-se aquele já <strong>de</strong>nunciado <strong>de</strong> que,<br />

<strong>em</strong>bora o Judiciário esteja teoricamente consciente <strong>de</strong> que “o aspecto social conta<br />

mais que rigorismo legal”, ele mesmo <strong>de</strong>creta a prisão <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra e seus<br />

aliados. E ainda completa:<br />

Ao mostrar a diferença entre os conceitos <strong>de</strong> invasão e ocupação, não estamos<br />

absolutamente, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo que a RA seja feita por métodos violentos.<br />

Quer<strong>em</strong>os, tão somente, mostrar um outro lado da Questão Agrária visto do<br />

lugar <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> foi expulso da terra e está acampado ao lado <strong>de</strong> um latifúndio<br />

que não cumpre a sua função social. Numa situação <strong>em</strong>ergencial como esta,<br />

sobretudo quando o Estado se <strong>de</strong>ixa dominar por grupos econômicos-políticos<br />

contrários à RA, é muito difícil para o s<strong>em</strong>-terra esperar passivamente uma<br />

medida que aguarda há mais <strong>de</strong> quatro séculos (SILVA, 1996:120-121).<br />

44


1.3.2. O acirramento dos confrontos<br />

O <strong>de</strong>safio para os movimentos sociais e para o MST <strong>em</strong> particular é o <strong>de</strong><br />

contrapor-se à formulação do governo e da imprensa e convencer a população<br />

não-excluída <strong>de</strong> que os excluídos não estão contra ela, mas contra a<br />

pequeníssima e privilegiadíssima classe dominante brasileira e seu Estado,<br />

corporificado aqui e agora no governo FHC 17 (Emiliano José).<br />

De acordo com ROTHMAN (1995), não há dúvida <strong>de</strong> que os meios <strong>de</strong><br />

comunicação divulgam amplamente as invasões ou ocupações <strong>de</strong> terras por parte<br />

do MST. Mas o movimento acabou por ser caracterizado como radical, li<strong>de</strong>rado<br />

por agitadores profissionais externos, violando as leis e usando ou ameaçando o<br />

uso <strong>de</strong> violência para tomar posse <strong>de</strong> terras privadas ou <strong>de</strong>volutas. Com isso suas<br />

táticas às vezes são rotuladas e con<strong>de</strong>nadas como ameaça ao aumento da<br />

violência no campo. Segundo o autor, tais táticas do MST têm aumentado o<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha na luta pela terra, contribuindo para que seja analisada com<br />

mais freqüência pela socieda<strong>de</strong> a questão <strong>de</strong> se realizar uma reforma agrária justa<br />

e esperada há tantos anos.<br />

ROTHMAN (1995) ainda ressalta a importância política do movimento e<br />

sua conseqüente divulgação nos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa:<br />

(...) o MST, como outros movimentos <strong>de</strong> protesto, t<strong>em</strong> conseguido conquistas<br />

importantes usando táticas que romp<strong>em</strong> o conduto normal das ativida<strong>de</strong>s dos<br />

órgãos governamentais ou <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas particulares, criando fatos políticos, os<br />

quais são divulgados pelos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa; e que a ampla<br />

divulgação das ocupações recentes e a maior atenção dada a esses eventos pelo<br />

Governo Fernando Henrique indicam uma conquista muito importante: a<br />

inclusão da luta pela terra na pauta política do Governo (ROTHMAN,<br />

1995:4).<br />

Segundo Rainha, avaliando o comportamento da imprensa <strong>em</strong> relação ao<br />

MST, os órgãos <strong>de</strong> comunicação representam o po<strong>de</strong>r no Brasil, principalmente a<br />

Re<strong>de</strong> Globo:<br />

17 JOSÉ (1998).<br />

É um po<strong>de</strong>r muito gran<strong>de</strong> que <strong>de</strong>veria ser <strong>de</strong>mocratizado. As organizações<br />

sociais <strong>de</strong>veriam ter participação nos programas e nas <strong>de</strong>cisões. Os meios <strong>de</strong><br />

comunicação tratam as questões <strong>de</strong> acordo com sua conveniência. Este ano<br />

(1996), por ex<strong>em</strong>plo, a Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong>u uma gran<strong>de</strong> ênfase à reforma agrária e<br />

isso foi fundamental. A reforma Agrária ganhou uma dimensão ampla na<br />

socieda<strong>de</strong>. Mas a Globo fez isso, como outros órgãos <strong>de</strong> comunicação - Folha<br />

<strong>de</strong> São Paulo, Estadão - porque se convenceu <strong>de</strong> que a reforma agrária se faz<br />

urgente e necessária no país (REVISTA IMPRENSA, 1996:76).<br />

45


Rainha ainda reconheceu que houve um crescimento do espaço ocupado<br />

pelo MST na imprensa, ressaltando a importância <strong>de</strong> se trazer à tona o probl<strong>em</strong>a<br />

social da reforma agrária. Entretanto, também afirmou que ninguém t<strong>em</strong> interesse<br />

<strong>em</strong> estar colocando ele ou outras li<strong>de</strong>ranças do MST nas páginas dos jornais ou<br />

nas televisões, porque, segundo ele “a burguesia não concorda com nossos<br />

métodos <strong>de</strong> ocupar a terra”. Rainha também ressaltou que foram as ações dos<br />

s<strong>em</strong>-terra que fizeram com que a imprensa <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>staque a eles: “Esse espaço<br />

que o movimento conquistou foi à custa <strong>de</strong> uma luta, não por achar<strong>em</strong> que nós<br />

merec<strong>em</strong>os” (REVISTA IMPRENSA, 1996).<br />

Reforçando essas idéias, <strong>de</strong> acordo com <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> outras li<strong>de</strong>ranças<br />

do MST, os massacres dos s<strong>em</strong>-terras, a crise na agricultura provocada pela<br />

política neoliberal somados com as ocupações que vêm ocorrendo <strong>em</strong> todo o país<br />

acabaram motivando os meios <strong>de</strong> comunicação a olhar com mais atenção o que<br />

v<strong>em</strong> acontecendo. De acordo com estas <strong>de</strong>clarações:<br />

Para o MST, é muito importante que a imprensa abra espaços para a questão,<br />

a fim <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> possa se manifestar. Quanto a manter a questão à<br />

vista da opinião pública, v<strong>em</strong>os isso <strong>de</strong> uma forma mais ampla. Mais do que<br />

manter a socieda<strong>de</strong> informada, quer<strong>em</strong>os sua participação na nossa luta. Foi<br />

por isso que <strong>de</strong>finimos como palavra <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m “Reforma Agrária: Uma luta <strong>de</strong><br />

todos! (REVISTA TERCEIRO MUNDO, 1995a:10).<br />

46<br />

Conforme Stédile, a gran<strong>de</strong><br />

imprensa, da mesma forma que<br />

divulga os fatos, também contribui<br />

para <strong>de</strong>turpá-los. O dirigente<br />

analisou, <strong>em</strong> um outro momento, a<br />

cobertura que o MST encontra na<br />

gran<strong>de</strong> imprensa:<br />

Faz<strong>em</strong>os esta avaliação <strong>em</strong> três níveis. Primeiro a linha editorial dos<br />

proprietários <strong>de</strong> jornais e <strong>de</strong> televisão é ridiculamente dirigida pelo Palácio do<br />

Planalto. É vergonhosa a s<strong>em</strong>elhança. Às vezes aparece a mesma linha<br />

editorial no Jornal do Brasil, no Estadão, na própria Folha <strong>de</strong> São Paulo, e no<br />

Globo, <strong>de</strong>monstrando claramente a articulação <strong>de</strong>les com a vonta<strong>de</strong> do<br />

Palácio do Planalto. Segundo, nós perceb<strong>em</strong>os que há repórteres que faz<strong>em</strong><br />

boas matérias e no entanto o editor coloca uma machete ruim, que <strong>de</strong>sfoca ou<br />

distorce o próprio conteúdo da matéria. Terceiro, alguns repórteres,<br />

claramente i<strong>de</strong>ntificados com os proprietários da imprensa, faz<strong>em</strong> matérias<br />

preconceituosas. Eles já vêm com a matéria montada e procuram dados para<br />

justificar a tese que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m. Entre essas eu incluiria a matéria <strong>de</strong> capa <strong>de</strong>


Veja <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> junho, “A esquerda com raiva”. É impressionante o preconceito<br />

que eles <strong>de</strong>monstram na matéria (REVISTA IMPRENSA, 1998:22).<br />

LANE (1983) também traça uma relação entre o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados<br />

significados das palavras, impondo representações consi<strong>de</strong>radas necessárias para<br />

a reprodução das relações sociais, expondo que é neste sentido que se dá a<br />

transmissão ou imposição da i<strong>de</strong>ologia dominante, distinguindo aquele que fala e<br />

aquele que faz, o intelectual e o braçal. A autora também cita a expressão<br />

“função i<strong>de</strong>ológica falseadora”, a qual i<strong>de</strong>aliza uma realida<strong>de</strong> diferente do que ela<br />

realmente é.<br />

Como disse Stédile 18 , não há como negar o gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r dos meios <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> massa, especificamente da Re<strong>de</strong> Globo:<br />

Nós estamos convencidos que a concentração monopólita dos Meios <strong>de</strong><br />

Comunicação no Brasil, é um dos probl<strong>em</strong>as mais graves que nós t<strong>em</strong>os para<br />

construirmos uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. O fato <strong>de</strong> ter no Brasil oito famílias<br />

que controlam todas as televisões, rádios e gran<strong>de</strong>s jornais, po<strong>de</strong> ser visto<br />

como um <strong>em</strong>pecilho para elevar o nível <strong>de</strong> educação e consciência da<br />

população. E nós precisamos <strong>de</strong> todas as formas <strong>de</strong>nunciar isso. É preciso que<br />

o povo brasileiro vá se conscientizando que um dia t<strong>em</strong> que acabar com a<br />

Globo. Que é preciso termos uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática no monopólio da<br />

comunicação. E isso é partir <strong>de</strong> um pressuposto <strong>de</strong> que a forma que eles estão<br />

sendo utilizados hoje é uma forma <strong>de</strong> permanente dominação das mentes das<br />

pessoas. E eles utilizam isso na guerra das elites contra a reforma agrária,<br />

constant<strong>em</strong>ente, não só o Jornal Nacional, como outros programas da Globo e<br />

<strong>de</strong> outros canais e gran<strong>de</strong>s jornais, <strong>em</strong>bora haja contradições externas <strong>de</strong><br />

haver profissionais competentes. Mas a linha editorial... Quanto a isso não há<br />

dúvida. Pior ainda, é que as elites no Brasil conseguiram coptar muitos<br />

jornalistas altamente qualificados, que tinham propostas progressistas, mas<br />

que infelizmente se corromperam por altos salários. O Jornal Nacional é<br />

editado no Palácio do Planalto. Os ministros passam meta<strong>de</strong> do t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>les,<br />

na rotina <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>les, plantando informações para a gran<strong>de</strong> imprensa<br />

para manipular informações. Qu<strong>em</strong> me disse isso foi a editora do Jornal Estado<br />

<strong>de</strong> São Paulo. A rotina do ministro Jungman é: nove e meia ele chega ao<br />

ministério; das nove e meia às <strong>de</strong>z e meia ele lê os jornais; das <strong>de</strong>z e meia às<br />

onze e meia ele se reúne com a assessoria <strong>de</strong> imprensa para ver o que vai<br />

“plantar”; e das onze e meia à uma e meia ele fica pessoalmente telefonando<br />

para todos os editores ditando a linha <strong>de</strong> qual notícia que <strong>de</strong>ve ser veiculada.<br />

Isso é um absurdo do ponto <strong>de</strong> vista do serviço público. Vocês imaginam um<br />

ministro gastar meta<strong>de</strong> do seu t<strong>em</strong>po (Stédile, palestra proferida <strong>em</strong> Viçosa <strong>em</strong><br />

1999).<br />

Enfatizando estas colocações, têm-se as referências <strong>de</strong> HERMAN e<br />

CHOMSKY (1988) que, <strong>de</strong> acordo com seus estudos, os meios <strong>de</strong> comunicação<br />

47


possu<strong>em</strong> um conjunto <strong>de</strong> filtros que <strong>de</strong>terminam quais informações serão<br />

transmitidas à opinião pública. Através <strong>de</strong>stes filtros, que são precisamente cinco,<br />

as notícias são vinculadas, seguindo “as normas” que indicam o que <strong>de</strong>ve ser<br />

levado a público. Tal estudo será melhor contextualizado, posteriormente, no<br />

sentido <strong>de</strong> se evi<strong>de</strong>nciar os filtros <strong>de</strong> notícia constituídos no Jornal Nacional.<br />

Mencionando BORDENAVE (1988), po<strong>de</strong>-se analisar a questão da<br />

manipulação da linguag<strong>em</strong>, a qual o autor refere-se aos meios <strong>de</strong> comunicação<br />

que acabam indicando, através dos seus métodos <strong>de</strong> atuação, que exist<strong>em</strong> duas<br />

realida<strong>de</strong>s diferentes: “(...) a realida<strong>de</strong> objetiva e a realida<strong>de</strong> reconstruída pelo<br />

discurso da comunicação. (...) O resultado é um produto parcialmente <strong>de</strong>notativo<br />

e parcialmente conotativo, mas reconstruído”.<br />

Dentro das discussões relativas à questão agrária hoje, no Brasil,<br />

percebe-se uma polarização <strong>em</strong> relação ao assunto: li<strong>de</strong>ranças políticas <strong>de</strong> direita<br />

posicionam-se na argumentação para valer seu ponto <strong>de</strong> vista, enquanto que, no<br />

campo opositivo, os s<strong>em</strong>-terra são enquadrados como foras-da-lei, tendo suas<br />

falas reprimidas ou restritas. O que está <strong>em</strong> jogo neste cenário <strong>de</strong> oposições é<br />

chamar a atenção do eleitorado, portanto da opinião pública; e uma das vias é a<br />

televisão, através do Jornal Nacional, pois, tendo este como mediador, a<br />

argumentação discursiva chegará ao telespectador.<br />

A partir das referências sobre os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e o<br />

contexto <strong>de</strong> luta social do MST, este estudo centralizará a análise no telejornal da<br />

TV Globo, o Jornal Nacional, exibido <strong>de</strong> segunda a sábado às 20 horas, no<br />

período <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1997 a junho <strong>de</strong> 1998. Dentro do que já foi exposto, com<br />

relação à probl<strong>em</strong>ática da questão, foram formuladas questões que <strong>de</strong>limitam a<br />

abordag<strong>em</strong> do estudo, tais como: quais as características i<strong>de</strong>ológicas dominantes<br />

no noticiário televisivo do Jornal Nacional? O espaço do telejornal po<strong>de</strong> ser<br />

consi<strong>de</strong>rado como mediação <strong>de</strong> diferentes discursos <strong>em</strong> conflito na socieda<strong>de</strong><br />

brasileira, marcada pelo autoritarismo <strong>em</strong> suas relações políticas e sociais? O<br />

tratamento <strong>de</strong> produção dado a estes discursos ten<strong>de</strong> a criar um sentido<br />

18 Palestra proferida no dia 15 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1999, no Centro <strong>de</strong> Vivência da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

Viçosa, Viçosa, MG. A citação mencionada é parte <strong>de</strong> uma resposta, referente a uma pergunta feita<br />

pela autora <strong>de</strong>sta dissertação <strong>de</strong> mestrado.<br />

48


dominante ou a reproduzir relações <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na socieda<strong>de</strong>? Como<br />

encontrar nas notícias do telejornal <strong>em</strong> questão, <strong>em</strong> seus componentes icônicos e<br />

lingüísticos, a filtrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> informações, a construção do discurso e a sua matriz<br />

i<strong>de</strong>ológica?<br />

Como expôs MOTA (1992), já nos acostumamos a ver notícias, está na<br />

hora <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a ler as notícias que v<strong>em</strong>os na televisão.<br />

49


2.1. Geral<br />

2. OBJETIVOS<br />

O presente trabalho teve como objetivo geral a análise do discurso<br />

acerca do MST, veiculado no Jornal Nacional da Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão,<br />

no contexto da palavra e da imag<strong>em</strong> <strong>em</strong> sua dimensão i<strong>de</strong>ológica.<br />

2.2. Específicos<br />

Compreen<strong>de</strong>r o processo discursivo do Jornal Nacional, referente à<br />

palavra e à imag<strong>em</strong>, i<strong>de</strong>ntificando a manipulação da mensag<strong>em</strong> e o uso do<br />

po<strong>de</strong>r da <strong>em</strong>issora (<strong>em</strong>presa) <strong>em</strong> questão.<br />

Comparar os enunciados (texto do apresentador e falas do repórter) das<br />

reportagens (verbal), com as reportagens exibidas (imag<strong>em</strong>), para verificar se<br />

são compatíveis, se se compl<strong>em</strong>entam ou se revelam contrastes.<br />

Observar nas reportagens o espaço que tiveram os s<strong>em</strong>-terra para falar sobre<br />

os probl<strong>em</strong>as agrários, assim como também os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s<br />

ligadas à questão da reforma agrária. Questionar se houve para os sujeitos<br />

falantes envolvidos com o assunto, t<strong>em</strong>pos iguais para argumentação,<br />

50


<strong>de</strong>svendando o processo comunicativo do texto telejornalístico (i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e<br />

status dos falantes).<br />

51


3. REFERENCIAL TEÓRICO<br />

3.1. Os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e o domínio social<br />

Os mass media po<strong>de</strong>m iniciar uma ação social organizada, “expondo condições<br />

que estão <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com a moral pública. Mas não se <strong>de</strong>ve presumir<br />

apressadamente que esta função é <strong>de</strong> apenas tornar públicas essas<br />

discordâncias. (...) as comunicações <strong>de</strong> massa po<strong>de</strong>m-se incluir entre os mais<br />

respeitáveis e eficazes narcóticos sociais. Elas po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> tal forma<br />

ineficazes que impeçam o viciado <strong>de</strong> reconhecer sua própria doença 19 (Robert<br />

K. Merton e Paul F. Lazarsfeld).<br />

Há mais <strong>de</strong> 40 anos, o sociólogo cana<strong>de</strong>nse MACLUHAN (1964) tentou<br />

convencer a humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o mundo caminhava inevitavelmente para a sua<br />

transformação <strong>em</strong> “al<strong>de</strong>ia global” e que os povos avançavam para a integração<br />

num abraço mundializado. Poucos acreditaram na sua previsão e muitos cépticos<br />

enterraram suas teorias, como evi<strong>de</strong>nciam alguns teóricos, quando expõ<strong>em</strong> que<br />

os processos <strong>de</strong> globalização e mundialização não só estão tendo impacto na base<br />

econômica e política das socieda<strong>de</strong>s, mas também nas dinâmicas sociais e<br />

culturais refletidas nas imagens, nas mensagens e nos referentes simbólicos<br />

projetados pelos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa.<br />

19 MERTON e LAZARSFELD (1990:112-115).<br />

52


Dentro do contexto da chamada indústria cultural po<strong>de</strong>-se verificar que<br />

os meios <strong>de</strong> comunicação se <strong>de</strong>senvolveram no Brasil e na América Latina, sob a<br />

proteção da iniciativa privada, que precisava incentivar a população a consumir,<br />

como po<strong>de</strong> ser evi<strong>de</strong>nciado por SILVA (1986):<br />

(...) os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa têm como base o processo<br />

comunicativo e aparec<strong>em</strong> nas socieda<strong>de</strong>s urbanos-industriais cont<strong>em</strong>porâneas<br />

e capitalistas como um sub-processo, a indústria cultural, inserindo-se no<br />

processo mais abrangente <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento industrial, que pelo fato <strong>de</strong> ser<br />

penetrado pelo modo <strong>de</strong> produção capitalista, consegue acompanhar o<br />

processo geral <strong>de</strong> produção <strong>em</strong> massa, ou seja, t<strong>em</strong> a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir<br />

e/ou reproduzir <strong>em</strong> massa os símbolos surgidos <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência das relações<br />

sociais prevalecentes nas socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas (SILVA, 1986:57).<br />

A autora ainda expõe que o objetivo dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong><br />

massa, enquanto indústrias da cultura e enquanto concentram tecnologia na<br />

produção, é aperfeiçoar a mensag<strong>em</strong> como “objeto” <strong>de</strong> consumo no sentido <strong>de</strong><br />

facilitar o seu consumo. Daí surgiram os conflitos, já que a maioria da população<br />

não t<strong>em</strong> condições <strong>de</strong> adquirir os produtos difundidos pelos meios <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> massa, pois a distribuição <strong>de</strong> renda no país não acompanhou o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento industrial.<br />

De acordo com COELHO (1980), para os adversários da indústria<br />

cultural - aqueles que ECO (1976) chamou <strong>de</strong> apocalípticos: os que vê<strong>em</strong> na<br />

indústria cultural um estado avançado <strong>de</strong> “barbárie cultural” capaz <strong>de</strong> produzir ou<br />

acelerar a <strong>de</strong>gradação do hom<strong>em</strong> - essa função seria a alienação. Inversamente,<br />

para os a<strong>de</strong>ptos <strong>de</strong>ssa indústria ou os que a toleram - os integrados - essa função<br />

central seria a mesma <strong>de</strong> toda produção cultural: a revelação, para o hom<strong>em</strong>, das<br />

significações suas e do mundo que o cerca.<br />

De um lado, portanto, estão os que acreditam, como HORKHEIMER e<br />

ADORNO 20 (1978), que essa indústria <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha as mesmas funções <strong>de</strong> um<br />

estado fascista,<br />

(...) estando na base do totalitarismo mo<strong>de</strong>rno ao promover a alienação do<br />

hom<strong>em</strong>, entendida como um processo no qual o indivíduo a não meditar sobre<br />

si mesmo e sobre a totalida<strong>de</strong> do meio social circundante, transformando-se <strong>em</strong><br />

simples produto alimentador do sist<strong>em</strong>a social que o envolve (HORKHEIMER<br />

e ADORNO, 1978:165).<br />

20 Os primeiros teóricos da comunicação na década <strong>de</strong> 40 a utilizar<strong>em</strong> a expressão “indústria cultural” tal<br />

como é entendida hoje.<br />

53


Do outro lado, os que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a idéia segundo a qual a indústria<br />

cultural é o primeiro processo <strong>de</strong>mocratizador da cultura, ao colocá-la ao alcance<br />

da massa - sendo, portanto, instrumento privilegiado no combate <strong>de</strong>ssa mesma<br />

alienação.<br />

Segundo HERMAN e CHOMSKY (1988), <strong>em</strong> competente estudo já<br />

mencionado sobre a política econômica das mídias constituindo-se <strong>em</strong> indústria<br />

da consciência, os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massas serv<strong>em</strong> como um sist<strong>em</strong>a<br />

para comunicar mensagens e símbolos à população <strong>em</strong> geral. Têm como funções<br />

divertir, entreter, informar e incultar os indivíduos com os valores, as convicções<br />

e os códigos <strong>de</strong> comportamento que os integrará nas estruturas institucionais da<br />

socieda<strong>de</strong> como um todo. Este papel requer uma propaganda sist<strong>em</strong>ática <strong>em</strong> um<br />

mundo on<strong>de</strong> o capital dita as normas e on<strong>de</strong> se concentram conflitos <strong>de</strong> interesses<br />

<strong>de</strong> classe. Em países on<strong>de</strong> o po<strong>de</strong>r está nas mãos <strong>de</strong> uma burocracia estatal, os<br />

po<strong>de</strong>res monopolísticos controlam as mídias que, <strong>de</strong> certa forma, sofr<strong>em</strong> uma<br />

censura oficial. Segundo os autores, isso leva a crer que os meios <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> massa serv<strong>em</strong> aos interesses <strong>de</strong> uma elite que t<strong>em</strong> como<br />

característica a dominação através do po<strong>de</strong>r político e econômico.<br />

Para GUATTARI (1987), a influência dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong><br />

massa, da televisão principalmente, na vida das pessoas, ajuda a construir uma<br />

subjetivida<strong>de</strong> falsa, frágil, pois r<strong>em</strong>ete-se a um mundo ficcional. Ao <strong>de</strong>parar-se<br />

com a realida<strong>de</strong>, o indivíduo se vê perdido frente à máquina <strong>de</strong> produção.<br />

Percebe-se acentuada a <strong>de</strong>pendência, e o que o autor <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “esmagamento<br />

do <strong>de</strong>sejo”.<br />

Dentro <strong>de</strong>ste contexto, t<strong>em</strong>os a concepção <strong>de</strong> GUARESCHI (1991),<br />

afirmando que conhecer é po<strong>de</strong>r e a comunicação, inserida no processo atual dos<br />

meios <strong>de</strong> comunicação social, implica uma relação com o tipo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong><br />

existente. O autor ressalta que, se é a comunicação que constrói a realida<strong>de</strong>,<br />

qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>tém a construção <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>tém também o po<strong>de</strong>r sobre a<br />

existência das coisas, sobre a difusão das idéias, sobre a criação da opinião<br />

pública.<br />

A comunicação e a informação passam a ser alavancas po<strong>de</strong>rosas para<br />

expressar e universalizar a própria vonta<strong>de</strong> e os próprios interesses dos que<br />

54


<strong>de</strong>tém os Meios <strong>de</strong> Comunicação. O monopólio da proprieda<strong>de</strong> privada da<br />

terra, os latifúndios, se prolongam no monopólio do po<strong>de</strong>r político como<br />

dominação e passam a abranger, logicamente, o monopólio dos Meios <strong>de</strong><br />

Comunicação Social, a serviço da dominação i<strong>de</strong>ológica (GUARESCHI,<br />

1991:19).<br />

Há uma diferença essencial entre a ação <strong>de</strong> “manipular” as pessoas e o<br />

encaminhamento dos fatos, discussão, persuasão e argumentação que são partes<br />

do processo pelo qual o consenso é atingido <strong>em</strong> qualquer socieda<strong>de</strong> livre.<br />

Obviamente, a comunicação po<strong>de</strong> ser usada, <strong>de</strong> alguma forma para a<br />

manipulação, se os possuidores dos canais <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m usá-los com esse propósito.<br />

Mas é também evi<strong>de</strong>nte que, quanto maior e mais livre o fluxo <strong>de</strong> informação, é<br />

menos provável que a comunicação manipuladora tenha algum efeito. O efeito<br />

social básico da informação livre é, antes, libertar do que manipular o hom<strong>em</strong>. É<br />

libertá-lo da ignorância e da manipulação unilateral. Isto é o que a Comissão <strong>de</strong><br />

Direitos Humanos das Nações Unidas quis dizer quando situou a informação<br />

como um dos direitos básicos. O processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento nacional o ilustra<br />

b<strong>em</strong>. Um fluxo <strong>de</strong> informação é necessário para a distribuição da cultura entre os<br />

que a têm mais e os que a têm menos sobre <strong>de</strong>terminado assunto. Tal fluxo<br />

a<strong>de</strong>quado é necessário, se o povo <strong>em</strong> geral <strong>de</strong> um país <strong>de</strong>ve ser levado ao<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão.<br />

Segundo MACEDO e FONSECA (1985), o fluxo <strong>de</strong> informação é da<br />

maior importância na regulação do nível <strong>de</strong> tensão social, comum nas<br />

transformações sociais. A comunicação constitui um tipo <strong>de</strong> agente controlador<br />

da t<strong>em</strong>peratura. Po<strong>de</strong> elevar a t<strong>em</strong>peratura social, por ex<strong>em</strong>plo, aumentando as<br />

reivindicações, quando a economia <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento não está apta a<br />

satisfazê-las. Po<strong>de</strong> reduzir a t<strong>em</strong>peratura, fornecendo explicações, promovendo<br />

prêmios, acelerando o <strong>de</strong>senvolvimento, permitindo que a transformação<br />

atravesse toda uma cultura, fazendo, acima <strong>de</strong> tudo, com que o povo, assim como<br />

lí<strong>de</strong>res, sejam ouvidos. À medida que o <strong>de</strong>senvolvimento nacional é<br />

encaminhado, não são as funções <strong>de</strong> comunicação que se modificam, mas as<br />

quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação.<br />

PASQUALI (1973), argumentando sobre as contradições entre<br />

comunicação e informação, expõe que não é uma estrutura social que <strong>de</strong>termina a<br />

55


“posteriori” seus meios preferenciais <strong>de</strong> comunicação, mas a prepon<strong>de</strong>rância <strong>de</strong><br />

um ou outro sist<strong>em</strong>a comunicativo configurar este ou aquele tipo <strong>de</strong><br />

conveniência, comunida<strong>de</strong> ou socieda<strong>de</strong>. O predomínio da comunicação sobre a<br />

informação correspon<strong>de</strong> a uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> público, ao passo que ao predomínio<br />

<strong>de</strong> informação sobre a comunicação correspon<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massas.<br />

CARDOSO (1985), ao analisar a Teoria da Comunicação, fez um<br />

paralelo entre também chamada Teoria da Marginalida<strong>de</strong> e a Teoria da<br />

Dependência, focalizando aspectos como efeitos políticos nos processos <strong>de</strong><br />

industrialização tardia nos países periféricos, sendo questões relevantes para o<br />

entendimento <strong>de</strong> nossa realida<strong>de</strong>.<br />

A teoria disponível, e especialmente a perspectiva marxista <strong>de</strong> interpretação,<br />

dá uma tal ênfase sobre os aspectos homogeneizadores e principalmente<br />

sobre os aspectos alienantes da imposição <strong>de</strong> informações, do controle<br />

realizado pelos meios <strong>de</strong> comunicação, que só nos permite compreen<strong>de</strong>r sua<br />

atuação como instrumentos da cultura <strong>de</strong> uma classe dominante. Os meios <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> massa insist<strong>em</strong> <strong>em</strong> utilizar e reproduzir a cultura dominante<br />

na socieda<strong>de</strong>, isto é, aquilo que é <strong>de</strong> certa maneira heg<strong>em</strong>ônico. São os<br />

instrumentos privilegiados <strong>de</strong> manutenção <strong>de</strong>sta heg<strong>em</strong>onia. Esta postura<br />

que <strong>de</strong>ve muito à Escola <strong>de</strong> Frankfurt e que foi uma contribuição muito<br />

importante, foi também uma reafirmação <strong>de</strong> uma esperada passivida<strong>de</strong> das<br />

massas. A partir <strong>de</strong>ssa concepção dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, tudo<br />

nos levava a <strong>de</strong>screver uma socieda<strong>de</strong> que caminha para a homogeneização e<br />

que irá correspon<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>scrições da literatura <strong>de</strong> ficção científica. Uma<br />

socieda<strong>de</strong> passiva, intensamente controlada, e on<strong>de</strong> o Estado se agiganta<br />

para controlar, cada vez mais, a vida privada dos cidadãos (CARDOSO,<br />

1985:120).<br />

Como expõe GUARESCHI (1991), a chamada homogeneização cultural<br />

que já se está praticando há muito nos Estados Unidos ameaça agora tomar conta<br />

<strong>de</strong> todo o mundo. Em toda a parte, a cultura local está enfrentando o afogamento<br />

que os exce<strong>de</strong>ntes dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, produzidos com<br />

finalida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológica e comercial, estão causando.<br />

A Televisão está quase que, exclusivamente, montada para satisfazer às<br />

necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mercado dos produtos <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> consumo que patrocinam e<br />

financiam a programação. O material <strong>de</strong> programação está planejado,<br />

especialmente, para assegurar e pren<strong>de</strong>r audiências massivas nas peias e<br />

<strong>de</strong>lícias <strong>de</strong> consumismo. Poucas socieda<strong>de</strong>s possu<strong>em</strong> a força industrial, a<br />

competência técnica e a força moral para resistir aos assaltos eletrônicos <strong>de</strong><br />

TV comercial... O que é menos aparente, mas não menos real, são as<br />

características negativas da parafernália eletrônica que estão sendo<br />

introduzidas nas comunida<strong>de</strong>s pobres, através do globo (GUARESCHI,<br />

1991:75-76).<br />

56


No que se refere ao papel consumista dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong><br />

massa, percebe-se que eles preparam o caminho, constró<strong>em</strong> a infra-estrutura <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>pendência e ajudam as corporações multinacionais a ven<strong>de</strong>r seus produtos.<br />

Através da propaganda <strong>de</strong> massa, o hom<strong>em</strong> do Terceiro Mundo cai na armadilha<br />

do consumismo e muda seu comportamento para adaptar-se aos propósitos e<br />

objetivos da indústria estrangeira.<br />

3.1.1. A formação da indústria cultural brasileira<br />

Ao invés <strong>de</strong> dar ao inconsciente a honra <strong>de</strong> elevá-lo ao consciente e com isso<br />

simultaneamente aten<strong>de</strong>r ao seu ímpeto s satisfazer à sua força <strong>de</strong>struidora, a<br />

indústria cultural, tendo à frente a televisão, reduz os homens ainda mais a<br />

formas <strong>de</strong> comportamento insconscientes do que aquelas suscitadas pelas<br />

condições <strong>de</strong> uma existência, que ameaça com sofrimentos aquele que <strong>de</strong>scobre<br />

os seus segredos, e promete prêmios àquele que a idolatra. A rigi<strong>de</strong>z não é<br />

dissolvida, mas sim reforçada. 21<br />

57<br />

O processo <strong>de</strong> formação da<br />

indústria cultural no Brasil,<br />

enquanto um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />

complexos <strong>em</strong>presariais, ganha<br />

maior niti<strong>de</strong>z <strong>em</strong> meados da<br />

década <strong>de</strong> 60, quando completa-se<br />

a formação das bases materiais e<br />

políticas que a tornariam possível.<br />

SÁ (1992) afirmou que um fator importante para a consolidação da<br />

indústria cultural foi o reor<strong>de</strong>rnamento político do país após o golpe <strong>de</strong> 1964,<br />

levando ao autoritarismo cujos sinais <strong>de</strong> esgotamento tornaram-se nítidos a partir<br />

<strong>de</strong> meados dos anos 70. O novo po<strong>de</strong>r fundamentado numa aliança entre a<br />

burguesia, as classes médias e os militares, excluindo as classes populares,<br />

re<strong>de</strong>finiu as relações entre burguesia e Estado.<br />

Examinando mais cuidadosamente o processo <strong>de</strong> estruturação da<br />

Indústria Cultural, percebe-se que alguns aspectos favoráveis ao seu<br />

21 ADORNO (1987:353).


<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>rivam do seu próprio monopolismo. Outros <strong>de</strong>rivam <strong>de</strong><br />

medidas governamentais para preparar a expansão capitalista, ou mesmo do<br />

próprio autoritarismo do regime (GOLDENSTEIN, 1985).<br />

Com relação à questão econômica, po<strong>de</strong>-se notar que a industrialização<br />

ocasionou um processo <strong>de</strong> concentração e centralização do capital ao lado <strong>de</strong><br />

maior divisão social e técnica do trabalho (BRAVERMAN, 1987).<br />

É importante, também, mencionar os efeitos da urbanização que<br />

aumentaram a diferenciação social. Isto se <strong>de</strong>u principalmente com a <strong>em</strong>ergência<br />

dos novos setores da classe média ligados às áreas industriais e consi<strong>de</strong>rados<br />

improdutivos, como também com o <strong>de</strong>senvolvimento do comércio e dos serviços.<br />

De acordo com Tavares, citada por SÁ (1992), o crescimento do setor<br />

produtivo estatal e a mo<strong>de</strong>rnização do próprio aparato do Estado também<br />

fornec<strong>em</strong> quadros para estes novos setores médios. A redistribuição <strong>de</strong> renda<br />

prejudicando os assalariados <strong>de</strong> base <strong>em</strong> favor tanto dos estratos médios mais<br />

altos, <strong>de</strong>correntes da mo<strong>de</strong>rnização política e econômica do pós-64 como da<br />

população <strong>de</strong> alta renda, ajudou a fazer <strong>de</strong>sses novos setores médios o gran<strong>de</strong><br />

mercado para os produtos da nova indústria e também para os da indústria<br />

cultural.<br />

No que diz respeito à concentração <strong>de</strong> renda, parcelas das camadas mais<br />

baixas tiveram acesso a alguns itens <strong>de</strong>sse mercado através do endividamento e<br />

do crescente número <strong>de</strong> trabalhadores <strong>em</strong> cada família. No entanto, esse<br />

mercado, <strong>em</strong>bora gran<strong>de</strong> <strong>em</strong> termos absolutos, excluía boa parte da população<br />

brasileira (WELLS, 1975).<br />

A publicida<strong>de</strong>, com a entrada do país na etapa monopolista, firmou as<br />

bases <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento. Nessa fase, segundo ARRUDA (1985), ela ganha<br />

relevância no processo <strong>de</strong> realização e <strong>de</strong> rotação do capital dos setores da<br />

economia ditos produtivos, como técnica privilegiada <strong>de</strong> competição entre<br />

gran<strong>de</strong>s <strong>em</strong>presas.<br />

A importância da publicida<strong>de</strong> está <strong>em</strong> financiar, <strong>em</strong> parte ou totalmente,<br />

a maioria dos meios <strong>de</strong> comunicação, além <strong>de</strong> promover o gran<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento do merchandising no Brasil, como evi<strong>de</strong>ncia MICELI (1984):<br />

58


No <strong>de</strong>correr da década <strong>de</strong> 70 a televisão foi canalizando uma proporção<br />

crescente <strong>de</strong> vendas publicitárias, tendo passado <strong>de</strong> 39,6% <strong>em</strong> 1970 para<br />

57,8% <strong>em</strong> 1980, provocando, consequent<strong>em</strong>ente, o recuo das mídias<br />

concorrentes quanto à participação no investimento publicitário. Nos últimos<br />

três anos, por conta da recessão e da crise econômica que afetou, <strong>em</strong>bora <strong>em</strong><br />

medida um tanto <strong>de</strong>sigual, todos os setores dinâmicos da Indústria Cultural, o<br />

rádio apresentou ligeira melhora quanto a sua participação no reparte <strong>de</strong><br />

investimentos publicitários (<strong>de</strong> 8,1% <strong>em</strong> 1980 para 9,8% <strong>em</strong> 1983), o consumo<br />

das revistas <strong>de</strong> entretenimento e <strong>de</strong> informação persiste <strong>em</strong> queda (<strong>de</strong> 14,0 para<br />

11,5% <strong>em</strong> 1983), acumulando quase <strong>de</strong>z pontos percentuais <strong>de</strong> retração <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

início da década, apenas o jornais tendo recuperado parte substancial do<br />

terreno perdido apropriando-se <strong>de</strong> 30% <strong>de</strong> verbas <strong>em</strong> publicida<strong>de</strong> <strong>em</strong> 1983<br />

(MICELI, 1984:10).<br />

A importância do Estado diz respeito a um conjunto <strong>de</strong> fatores, <strong>de</strong> acordo<br />

com SÁ (1992). A atuação direta do Estado na indústria cultural po<strong>de</strong> ser medida<br />

por sua participação junto à publicida<strong>de</strong>, seja na ativida<strong>de</strong> econômica, através dos<br />

investimentos <strong>em</strong> bens <strong>de</strong> consumo coletivo, <strong>em</strong> infra-estrutura e no setor<br />

produtivo, seja pela participação como anunciante. Depois <strong>de</strong> 1964, houve um<br />

volume muito gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> anúncios envolvendo estatais e o governo propriamente<br />

dito. Foi a época do “Brasil, ame-o ou <strong>de</strong>ixe-o”, “Ninguém segura este país”, etc.<br />

O Estado autoritário tomou medidas que, fundamentadas na Doutrina <strong>de</strong><br />

Segurança Nacional, favoreceram a indústria cultural. Elas relacionam-se com o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da infra-estrutura <strong>de</strong> telecomunicações que, por sua vez, dá<br />

impulso à indústria eletrônica, como expõe MICELI (1984):<br />

A consolidação das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> televisão no Brasil se viabilizou a partir da<br />

implantação do Sist<strong>em</strong>a Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações (EMBRATEL) com seu<br />

plano <strong>de</strong> estações repetidoras e canais <strong>de</strong> microondas. Entre 1968 e 1973,<br />

enquanto a economia crescia a uma taxa média anual <strong>de</strong> 11%, o setor <strong>de</strong><br />

equipamentos eletrônicos se expandia à taxa <strong>de</strong> 20% (MICELI, 1984:8)<br />

S<strong>em</strong>elhante às áreas da chamada produção material, formou-se também<br />

uma espécie <strong>de</strong> tripé (Capital Nacional – Estado – Capital Estrangeiro). O capital<br />

nacional estava mais presente no rádio, na televisão e na imprensa, <strong>em</strong>bora se<br />

ligasse ao capital internacional por meio da publicida<strong>de</strong>. O Estado, <strong>em</strong>bora não<br />

controlasse diretamente a indústria cultural, passou a intervir nas esferas <strong>de</strong><br />

produção do teatro (Sist<strong>em</strong>a Nacional <strong>de</strong> Teatro), do cin<strong>em</strong>a (Embrafilme), do<br />

livro-didático (Instituto Nacional do Livro), das artes e do folclore (Funarte),<br />

além <strong>de</strong> promover a infra-estrutura tecnológica já mencionada (SÁ, 1992).<br />

59


A afinida<strong>de</strong>s entre Estado e <strong>em</strong>presariado não se dão exclusivamente<br />

com respeito ao tripé do <strong>de</strong>senvolvimento econômico ou com relação ao golpe <strong>de</strong><br />

1964, mas também no nível i<strong>de</strong>ológico, conforme argumenta ORTIZ (1988:118),<br />

analisando a ação dos militares no campo das telecomunicações:<br />

Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser curioso observar que o que legitima a ação dos militares no<br />

campo das telecomunicações é a própria I<strong>de</strong>ologia da Segurança Nacional. A<br />

idéia <strong>de</strong> “integração nacional é central para a realização <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ologia que<br />

impulsiona os militares a promover toda uma transformação na esfera das<br />

comunicações. Porém, como simultaneamente este Estado atua e privilegia a<br />

obra econômica, os frutos <strong>de</strong>sse investimento serão colhidos pelos <strong>em</strong>presários<br />

televisivos. Não se po<strong>de</strong> esquecer que a noção <strong>de</strong> integração estabelece uma<br />

ponte entre os interesses dos <strong>em</strong>presários e dos militares, muito <strong>em</strong>bora ela<br />

seja interpretada pelos industriais <strong>em</strong> termos diferenciados. Ambos os setores<br />

vê<strong>em</strong> vantagens <strong>em</strong> integrar o território nacional, mas enquanto os militares<br />

propõ<strong>em</strong> a unificação política das consciências, os <strong>em</strong>presários sublimam o<br />

lado da integração do mercado.<br />

Ainda segundo ORTIZ (1988:117), no caso da socieda<strong>de</strong> brasileira, o<br />

processo <strong>de</strong> consolidação da indústria cultural se beneficiou <strong>de</strong> um reforço<br />

político:<br />

O Estado autoritário teve interesse <strong>em</strong> eliminar os setores que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong><br />

oferecer alguma resistência. Nesse sentido, à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão contribuiu<br />

para que foss<strong>em</strong> suprimidas as formas críticas <strong>de</strong> expressão cultural. Por outro<br />

lado, a política <strong>de</strong> concessões <strong>de</strong> canais <strong>de</strong> televisão privilegiou os grupos<br />

<strong>em</strong>presariais com maior afinida<strong>de</strong> com a área militar. A TV-Globo,<br />

principalmente, cujos contratos com os militares eram fortes, pô<strong>de</strong> se<br />

beneficiar da “solidarieda<strong>de</strong>” do regime que não hesitou <strong>em</strong> favorecê-la no<br />

caso Time-Life. Estabeleceu-se, a partir <strong>de</strong> então, uma aliança com o Estado<br />

autoritário, possibilitando que os objetivos <strong>de</strong> “Integração Nacional”<br />

pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> ser concretizados na esfera da TV.<br />

A fase autoritária do Estado manifestou-se também através da censura<br />

que, no caso da indústria cultural e principalmente da televisão, <strong>de</strong> acordo com<br />

SÁ (1992), gerou conflitos não entre Estado e <strong>em</strong>issoras <strong>de</strong> TV, mas no<br />

tratamento dado às suas produções, ou seja, os programas, como esclarece<br />

ORTIZ (1988:119):<br />

Os interesses globais dos <strong>em</strong>presários da cultura e do Estado são os mesmos,<br />

mas topicamente eles po<strong>de</strong>m diferir. Como a I<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> Segurança Nacional<br />

é “moralista” e a dos <strong>em</strong>presários é mercadológica, o ato repressor vai incidir<br />

sobre a especificida<strong>de</strong> do produto. Dev<strong>em</strong>os, é claro, enten<strong>de</strong>r moralista no<br />

sentido amplo <strong>de</strong> costumes, mas também político. Mas se tivermos <strong>em</strong> conta que<br />

a indústria cultural opera segundo um padrão <strong>de</strong> <strong>de</strong>spolitização <strong>de</strong> conteúdos,<br />

t<strong>em</strong>os nesse nível, senão uma coincidência <strong>de</strong> perspectiva, pelo menos uma<br />

concordância. O conflito se instaura quando ocorre o tratamento <strong>de</strong> cada<br />

60


produto pela censura, o que permite que a questão <strong>de</strong> fundo, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

expressão, ceda lugar a outro tipo <strong>de</strong> reivindicação.<br />

MATTOS (1996) também argumenta que o Estado s<strong>em</strong>pre exerceu um<br />

papel ativo no <strong>de</strong>senvolvimento e regulação dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa<br />

e, como resultado <strong>de</strong>sta ação, o que existe hoje, ou o que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir, no<br />

terreno da política <strong>de</strong> comunicação, foi criado nas últimas três décadas. Durante<br />

o período <strong>de</strong> 1964 a 1988, segundo o autor, o Estado criou várias agências<br />

reguladoras, <strong>de</strong>stacando-se o Ministério das Comunicações. A criação <strong>de</strong>ste<br />

ministério, <strong>em</strong> 1967, contribuiu não apenas para a implantação <strong>de</strong> importantes<br />

mudanças estruturais no setor das telecomunicações, como também para a<br />

redução da interferência <strong>de</strong> organizações privadas sobre agências reguladoras e<br />

crescimento da influência oficial no setor. Em contrapartida, isto facilitou a<br />

ingerência política nos veículos, interferindo até mesmo no conteúdo.<br />

3.1.2. A televisão e suas mediações<br />

(...) a televisão po<strong>de</strong> ser vista como algo que se legitima e se torna legitimadora<br />

ao transitar nos intersídios das esferas da produção cultural e artística e da<br />

vida social e política. Ao ser vista como instituição ela surge ainda como<br />

campo <strong>de</strong> organização simbólica, cuja característica vertebral é a <strong>de</strong> interagir<br />

e <strong>de</strong> se <strong>de</strong>ixar usar por outros campos como o político, o econômico, o<br />

religioso, o artístico, o esportivo, para, mediando-os, legitimá-los e legitimarse<br />

através <strong>de</strong>ste contágio 22 (Elizabeth Ron<strong>de</strong>lli).<br />

No que diz respeito especificamente à televisão, <strong>de</strong> acordo com<br />

MACEDO e FONSECA (1985), tecnicamente, o Brasil possui uma televisão <strong>de</strong><br />

mais alta qualida<strong>de</strong>, igualando-se a televisões <strong>de</strong> países mais <strong>de</strong>senvolvidos.<br />

Porém, isto não significa que o avanço intelectual chegou junto com o técnico.<br />

A televisão brasileira cresceu assustadoramente após o movimento<br />

militar <strong>de</strong> 1964 e hoje assegura um controle estratégico <strong>de</strong> todo o território<br />

nacional. A expansão técnica e i<strong>de</strong>ológica se <strong>de</strong>u <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da indústria norte-<br />

americana e atrelada a seus centros multinacionais <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> programas e<br />

notícias, como po<strong>de</strong> ser evi<strong>de</strong>nciado também por MATTOS (1996:15):<br />

22 RONDELLI (1994:237).<br />

61


Os governos militares, resultantes do golpe <strong>de</strong> 1964, afetaram os meios <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> massa porque, no contexto do crescimento econômico do País,<br />

centralizado na rápida industrialização, baseada <strong>em</strong> tecnologia importada e<br />

capital externo, coube aos veículos <strong>de</strong> comunicação, principalmente a TV, o<br />

papel <strong>de</strong> difusores da produção <strong>de</strong> bens duráveis e não-duráveis. Os governos<br />

pós-1964 promoveram um <strong>de</strong>senvolvimento econômico rápido, baseado num<br />

tripé formado pelas <strong>em</strong>presas estatais, <strong>em</strong>presas nacionais e corporações<br />

multinacionais. Em 1980, o Estado possuía oitenta e duas das duzentas<br />

maiores <strong>em</strong>presas não-financeiras do País, que se caracterizavam também<br />

como gran<strong>de</strong>s anunciantes nos meios <strong>de</strong> comunicação. Des<strong>de</strong> o princípio dos<br />

anos setenta, o governo t<strong>em</strong> sido i<strong>de</strong>ntificado como o maior anunciante<br />

individual do Brasil. (...) Promovendo reformas bancárias e estabelecendo leis<br />

e regulamentações específicas, o Estado aumentou sua participação na<br />

economia, como investidor direto <strong>em</strong> uma série <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas públicas e passou<br />

a ter à sua disposição, além do controle legal, todas as condições para<br />

influenciar os meios <strong>de</strong> comunicação, através <strong>de</strong> pressões econômicas.<br />

Ao falar sobre a televisão brasileira 23 , o jornalista Fernando Barbosa<br />

Lima afirma que, no campo tecnológico, a TV brasileira caminhou com<br />

surpreen<strong>de</strong>nte velocida<strong>de</strong>, como por ex<strong>em</strong>plo o advento do ví<strong>de</strong>o-tape, a TV <strong>em</strong><br />

cores, a ligação instantânea <strong>de</strong> todo o Brasil, via Embratel e a conexão mundial<br />

pelos satélites. Tecnicamente, o país t<strong>em</strong> hoje uma televisão da mais alta<br />

qualida<strong>de</strong>, e, mesmo sendo do terceiro mundo, o Brasil se iguala com a técnica<br />

da televisão dos países mais adiantados.<br />

Segundo o jornalista, o avanço técnico não representou o avanço<br />

intelectual e questiona<br />

até que ponto a televisão está contribuindo para melhorar o nível cultural do<br />

povo brasileiro? Ela está sendo usada para ajudar os brasileiros? Ela t<strong>em</strong> sido<br />

a melhor ven<strong>de</strong>dora <strong>de</strong> bebidas, cigarros, sabonetes, etc., porque ela não ven<strong>de</strong><br />

idéia? (Revista <strong>de</strong> Comunicação, 1985:27).<br />

Entretanto, para Barbosa Lima, é triste reconhecer que a televisão não<br />

t<strong>em</strong> a permanente preocupação <strong>de</strong> ajudar o povo, significando ser a dona do<br />

po<strong>de</strong>r, representando a voz da verda<strong>de</strong>.<br />

Para VILCHES (1993), a indústria cultural representa um conjunto <strong>de</strong><br />

experiências relacionadas entre si, estando a televisão inserida nesta realida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

mercado, que aprisiona o telespectador, oferecendo-lhe uma verda<strong>de</strong> mediática,<br />

on<strong>de</strong> o que predomina é a idéia <strong>de</strong> “sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> dominação”, conforme a<br />

concepção <strong>de</strong> Adorno sobre os meios <strong>de</strong> comunicação”:<br />

23 Revista <strong>de</strong> Comunicação, v. 1, n. 1, p. 27, 1985.<br />

62


La televisión, a pesar <strong>de</strong> lo que quisieran hacernos creer los investigadores<br />

<strong>em</strong>píricos que sólo estudian efectos ìnmediatos <strong>de</strong> programas concretos y<br />

aislados, cumple un papel i<strong>de</strong>ológico en cuanto sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> representación <strong>de</strong><br />

toda la realidad. Por ello, la televisión está Ilamada a completar un vacío que<br />

la industria <strong>de</strong> la cultura no había aún integrado: la dimensión <strong>de</strong> lo visible en<br />

la cotidianidad <strong>de</strong>l espectador (VILCHES, 1993:91). “La meta, la <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

repetir en una imagen suficiente, captable por todos los órganos, la totalidad<br />

<strong>de</strong>l mundo sensible, este sueño insomne, se ha aproximado mediante la<br />

televisión y permite, <strong>de</strong> consuno, introducir en este duplicado <strong>de</strong>l mundo, y sin<br />

que se to advierta, lo que se consi<strong>de</strong>re a<strong>de</strong>cuado para re<strong>em</strong>ptazar al real<br />

(Adorno, citado por VILCHES, 1993).<br />

O pesquisador espanhol ainda analisou os argumentos da capacida<strong>de</strong> do<br />

veículo televisivo como mediador sócio-político e seus efeitos. Para ele os<br />

tópicos eleitorais e os conteúdos tomam outro significado, sendo a eles atribuídos<br />

uma hierarquia <strong>de</strong> valores como eventos atraentes, curiosos ou mais<br />

interessantes. Além disso, <strong>em</strong> épocas <strong>de</strong> campanhas políticas, os argumentos<br />

contrários às posições dos políticos ligados ao po<strong>de</strong>r têm um enfoque secundário,<br />

através <strong>de</strong> uma retórica polêmica. VILCHES (1993) expõe que a televisão<br />

transmite às audiências, ou seja, à opinião pública, um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> representação<br />

simbólico da informação e da política.<br />

Para o jornalista Sebastião Breguês, a televisão t<strong>em</strong> como meta cumprir<br />

sua função comercial. A construção <strong>de</strong> uma “opinião pública” não lhe é<br />

interessante, pois po<strong>de</strong>ria significar ameaça ao monopólio da informação. As<br />

massas alienadas são mais fáceis <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> controladas. Entretanto exist<strong>em</strong><br />

também, ainda que seja minoria, classes <strong>de</strong> opinião, que buscam seus direitos e<br />

reivindicações. Breguês analisa melhor esta questão:<br />

Tal é o saldo da televisão brasileira, ano 1994: um pacto entre o sucesso<br />

técnico e <strong>em</strong>presarial e a indigência cultural. Um incentivo à ler<strong>de</strong>za mental e<br />

um entorpecente do interesse real da maioria da população brasileira. Mas não<br />

podia ser diferente o quadro real da TV brasileira se olharmos o contexto<br />

sóciopolítico <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os e a realida<strong>de</strong> social e econômica do povo<br />

brasileiro. O progresso técnico dos meios <strong>de</strong> comunicação, o fascínio da TV e a<br />

pseudo-abertura do sist<strong>em</strong>a político são, s<strong>em</strong> dúvida. instrumentos eficazes<br />

para cimentar com conformismo expectativas s<strong>em</strong>pre diferidas (o que eu não<br />

posso fazer meus filhos farão ou o futuro será melhor que o presente, etc.). A<br />

i<strong>de</strong>ologia da propaganda faz do consumo. inexistente para a maioria, o valor<br />

maior da realização humana (BREGUÊS, 1998).<br />

O jornalista ainda chama a atenção especialmente para a impostura que<br />

consiste na criação <strong>de</strong> uma atmosfera <strong>de</strong> consumismo numa realida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

63


carência, a partir da ampla difusão publicitária <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong> luxo <strong>em</strong> veículos <strong>de</strong><br />

comunicação como a televisão, que ating<strong>em</strong> principalmente “uma população para<br />

qu<strong>em</strong> falta o essencial à sobrevivência”.<br />

3.2. A Re<strong>de</strong> Globo e o Jornal Nacional<br />

(...) quando se está diante do Jornal Nacional, noticioso diário da Re<strong>de</strong> Globo<br />

<strong>de</strong> Televisão, t<strong>em</strong>-se pela frente um b<strong>em</strong> simbólico e material produzido <strong>em</strong><br />

escala industrial 24 (Carlos Eduardo Silva).<br />

Para <strong>de</strong>stacar o peso político da televisão, principalmente da Re<strong>de</strong> Globo,<br />

po<strong>de</strong>mos nos ancorar-se na argumentação <strong>de</strong> Miceli:<br />

(...) a televisão brasileira, sob a li<strong>de</strong>rança da Globo, alterou drasticamente as<br />

relações <strong>de</strong> força entre os principais investidores institucionais no mercado <strong>de</strong><br />

bens culturais, minando a posição até então homogênea dos grupos<br />

proprietários dos gran<strong>de</strong>s diários editados no eixo Rio <strong>de</strong> Janeiro/São Paulo (o<br />

grupo O Estado <strong>de</strong> São Paulo/família Mesquita; grupo Jornal do Brasil/família<br />

Pereira Carneiro; grupo Folha da Manhã/família Frias) e restringindo o raio<br />

<strong>de</strong> manobra e influência daquelas instâncias políticas (os partidos políticos<br />

oposicionistas, mas também o PDS, a Igreja Católica, as organizações mais<br />

prestigiosas das elites civis e militares, tais como a OAB, a ABI, o Clube<br />

Militar, etc.) cujo calibre <strong>de</strong> pressão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> cada vez mais do espaço e<br />

cobertura que lhe conce<strong>de</strong>m os veículos <strong>de</strong> maior penetração da indústria<br />

cultural (MICELI, 1984:19).<br />

Ampliando esta análise, constatar-se que a Re<strong>de</strong> Globo t<strong>em</strong> uma forte<br />

relação política e econômica com o Estado, como expõe ALMEIDA (1993):<br />

A Re<strong>de</strong> Globo é parte <strong>de</strong> um gigantesco conglomerado <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas <strong>de</strong> mídia e<br />

não-mídia, as Organizações Globo, presididas por Roberto Marinho. (...)<br />

<strong>em</strong>balada <strong>em</strong> sólida competência, a superiorida<strong>de</strong> da Re<strong>de</strong> Globo <strong>em</strong> tamanho,<br />

faturamento, qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação e administração e penetração no<br />

território nacional a transforma <strong>em</strong> permanente lí<strong>de</strong>r da televisão brasileira.<br />

Roberto Marinho é consi<strong>de</strong>rado um dos homens mais importantes do país,<br />

exercendo enorme influência no cenário político nacional (ALMEIDA,<br />

1993:26).<br />

A TV Globo, como <strong>em</strong>presa da indústria cultural, surgiu e cresceu<br />

justamente num período <strong>em</strong> que ocorreu mudança na ativida<strong>de</strong> gerencial e<br />

<strong>em</strong>presarial. ORTIZ (1988:61) <strong>de</strong>screve este processo:<br />

24 SILVA (1985:19).<br />

A indústria cultural não escapa a este processo <strong>de</strong> transformação; os capitães<br />

das indústrias dos anos anteriores ce<strong>de</strong>m lugar ao maneger. O espírito<br />

<strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> Chateaubrind caracteriza toda uma época, mas ele é<br />

ina<strong>de</strong>quado quando se aplica ao capitalismo. (...) Contrariamente ao espírito<br />

64


calvinista weberiano que se fundamenta no indivíduo, traço correspon<strong>de</strong>nte ao<br />

início do capitalismo, os novos proprietários são homens <strong>de</strong> organização e <strong>de</strong><br />

uma certa forma se per<strong>de</strong>m na impessoalida<strong>de</strong> dos “impérios que construíram.<br />

Segundo SÁ (1992), a TV Globo foi ao ar <strong>em</strong> abril <strong>de</strong> 1965. Embora ela<br />

não tenha se distinguido significativamente das <strong>de</strong>mais <strong>em</strong>issoras num primeiro<br />

momento, aos poucos se tornou a mais importante do país, não só pela sua<br />

extensa audiência, mas, principalmente, pela sofisticação tecnológica.<br />

SILVA (1985) aborda que, <strong>em</strong> menos <strong>de</strong> quatro anos, a Re<strong>de</strong> Globo<br />

assumiria a li<strong>de</strong>rança absoluta <strong>de</strong> audiência, a ponto <strong>de</strong> convertê-la <strong>em</strong> “virtual<br />

monopólio e tornar comum a acusação <strong>de</strong> que se transformara numa espécie <strong>de</strong><br />

ministério extra-oficial da informação no País”. O autor <strong>de</strong> “Muito além do<br />

Jardim Botânico” expõe sobre a relação da <strong>em</strong>issora com o capital estrangeiro e<br />

grupos nacionais:<br />

Nos primeiros seis meses, nada conseguiu. Mas uma série <strong>de</strong> fatores acabaria<br />

por modificar radicalmente o panorama. Por um lado, havia um "contrato <strong>de</strong><br />

assistência técnica" entre a Globo e o grupo norte-americano Time-Life,<br />

assinado ainda durante o governo Goulart mas efetivado a partir <strong>de</strong> 1965,<br />

através do qual a <strong>em</strong>issora brasileira recebeu 5 milhões <strong>de</strong> dólares até abril <strong>de</strong><br />

1966, além <strong>de</strong> pessoal especializado e equipamentos sofisticados. De outro<br />

lado, havia a <strong>de</strong>cadência e cassação da concessão da TV Excelsior, pertencente<br />

à família Simonsen que tinha estreitas ligações com o governo Goulart e caiu<br />

<strong>em</strong> <strong>de</strong>sgraça após o golpe militar <strong>de</strong> 1964 (SILVA, 1985:30).<br />

Nos t<strong>em</strong>pos atuais, <strong>de</strong>para-se com os slogans da Re<strong>de</strong> Globo como forma<br />

<strong>de</strong> integrar cada telespectador à sua i<strong>de</strong>ologia, argumentando, <strong>de</strong>sta forma, ter a<br />

<strong>em</strong>presa uma relação <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong> com seu público. São ex<strong>em</strong>plos os<br />

slogans: “Globo e você. Tudo a ver”. “Qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong> Globo, t<strong>em</strong> tudo”. “Globo: um<br />

caso <strong>de</strong> amor com o Brasil”. “Globo e você: uma nova <strong>em</strong>oção a cada dia”.<br />

Como relatou SILVA (1985), a Re<strong>de</strong> Globo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um ano após o início<br />

<strong>de</strong> seu funcionamento, tinha como filosofia ser um hábito social:<br />

Em 1966, a TV-Paulista Canal 5 passou das Organizações Victor Costa para a<br />

Globo. Enquanto o escândalo Time-Life ganhava gran<strong>de</strong> repercussão nos<br />

jornais e nas casas legislativas, a Globo tratava <strong>de</strong> ganhar audiência sob a<br />

filosofia <strong>de</strong> que ela era um hábito. Assim, não interessava Ter um programa<br />

b<strong>em</strong> colocado, era preciso tomar a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> audiência <strong>em</strong> qualquer horário<br />

para criar o hábito (SILVA, 1985:31).<br />

65


KEHL (1986) também analisa esta estratégia <strong>de</strong> comercialização pela<br />

equipe <strong>de</strong> marketing e publicida<strong>de</strong> que transformou a Globo <strong>em</strong> uma gran<strong>de</strong><br />

<strong>em</strong>issora:<br />

(...) a virada da Globo se dá no começo <strong>de</strong> 1966 com a mudança na concepção<br />

do que viria a ser o veículo <strong>de</strong> televisão: a <strong>em</strong>issora <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser dirigida por<br />

gente do meio artístico e jornalístico e passa a ser controlada por homens <strong>de</strong><br />

publicida<strong>de</strong> e marketing, tendo na cabeça Walter Clark, o hom<strong>em</strong> que pensou a<br />

televisão <strong>em</strong> termos da indústria da propaganda (KEHL, 1986:173-174).<br />

De acordo com SILVA (1985), “a Re<strong>de</strong> Globo começava, assim, a<br />

cumprir o <strong>de</strong>stino que seu diretor-presi<strong>de</strong>nte, Roberto Marinho, havia traçado,<br />

com o assentimento e apoio inegável do regime militar”. O autor ainda cita o<br />

discurso <strong>de</strong> Roberto Marinho, transcrito no trabalho <strong>de</strong> Almeida Filho, intitulado<br />

“O Ópio do Povo: o Sonho e a Realida<strong>de</strong>”:<br />

Procuramos fazer com que ela seja, <strong>de</strong> fato, um po<strong>de</strong>roso instrumento <strong>de</strong><br />

consolidação da unida<strong>de</strong> nacional. Atingindo praticamente todo o território<br />

nacional, acredito ser evi<strong>de</strong>nte a contribuição da Re<strong>de</strong> Globo para a<br />

intensificação da difusão e do intercâmbio daqueles conceitos e dados <strong>de</strong><br />

natureza cultural, social e moral – s<strong>em</strong> falar na informação pura e simples –<br />

que constitu<strong>em</strong> a base do <strong>de</strong>senvolvimento nacional <strong>em</strong> todos os campos e <strong>em</strong><br />

todos os níveis (Almeida, citado por SILVA, 1985:32).<br />

A consolidação da Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão, no campo jornalístico,<br />

iniciou-se com a criação do Jornal Nacional, <strong>em</strong> 1969, que substituiu o noticiário<br />

radiofônico <strong>de</strong> preferência popular. Conforme SILVA (1985), os critérios <strong>de</strong><br />

seleção <strong>de</strong> informação, aliados à i<strong>de</strong>ntificação profunda existente entre a<br />

<strong>em</strong>issora e o regime militar, por certo foram fatores <strong>de</strong>cisivos para a linha<br />

editorial oficialista que marcaria o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho do Jornal Nacional durante toda<br />

a década <strong>de</strong> 70, “t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> milagres econômicos, ufanismo nacionalista e<br />

consolidação do império global”.<br />

Carvalho cita que foi nesses t<strong>em</strong>pos, <strong>em</strong> 1973, que o Presi<strong>de</strong>nte Médici<br />

<strong>de</strong>u uma <strong>de</strong>finição sobre o que era então o Jornal Nacional:<br />

Sinto-me feliz, todas as noites, quando ligo a televisão para assistir ao jornal.<br />

Enquanto as notícias dão conta <strong>de</strong> greves, agitações, atentados e conflitos <strong>em</strong><br />

várias partes do mundo, o Brasil marcha <strong>em</strong> paz, rumo ao <strong>de</strong>senvolvimento. É<br />

como se eu tomasse um tranqüilizante, após um dia <strong>de</strong> trabalho (CARVALHO,<br />

1980:39).<br />

Silva analisa <strong>de</strong> forma crítica o papel social e político <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhado<br />

pelo Jornal Nacional. Tal argumentação é imprescindível neste trabalho:<br />

66


No dia 1. o <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1969 o Jornal Nacional da Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão<br />

foi ao ar pela primeira vez. Já foi diversas vezes ressaltado por vários autores<br />

que seu surgimento coinci<strong>de</strong> com o endurecimento do regime militar. Ele<br />

inaugurou um novo estilo <strong>de</strong> jornalismo na TV brasileira. Primeiro, por iniciar<br />

a era do jornal <strong>em</strong> re<strong>de</strong> nacional até então inédito entre nós. Depois, por<br />

consolidar um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> timing da informação <strong>em</strong> que a fragmentação dos<br />

fatos <strong>em</strong> espaços <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos curtíssimos e a obsessão pelo que ocorre “agora” é<br />

tão gran<strong>de</strong> que chega ao ponto <strong>de</strong> quase eliminar informações <strong>de</strong> background<br />

que ajudariam o espectador a localizar-se e transformar o noticiário numa<br />

espécie <strong>de</strong> telenovela <strong>de</strong> fatos reais na qual o espectador que per<strong>de</strong> um dia do<br />

“enredo” sente dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> situar-se diante <strong>de</strong>les no dia seguinte porque as<br />

informações pressupõ<strong>em</strong> a audiência ao programa da véspera. Terceiro,<br />

porque consagrou um estilo <strong>de</strong> apresentação visual requintado e frio,<br />

pretensamente objetivo, <strong>em</strong> que o locutor mostra-se formal e distante e os<br />

efeitos especiais e teipes têm importância <strong>de</strong>cisiva, como nunca até então no<br />

telejornalismo brasileiro. Quarto, pela extensão dos assuntos abrangidos, com<br />

a instalação <strong>de</strong> escritórios no exterior, correspon<strong>de</strong>ntes <strong>em</strong> diversos países e<br />

<strong>em</strong> praticamente todos os Estados. Finalmente, por ter se transformado no<br />

principal e, na maioria dos casos, único meio <strong>de</strong> informação dos brasileiros,<br />

sua ponte com o País e o mundo; uma ponte trôpega e enganadora, como<br />

qualquer análise crítica mais rigorosa <strong>de</strong>monstrará, mas – <strong>em</strong> função do<br />

virtual monopólio – <strong>de</strong> fundamental importância para o país (SILVA,<br />

1985:38).<br />

É interessante também <strong>de</strong>stacar a análise feita por TILBURG (1984)<br />

sobre o Jornal Nacional, comparando-o ao “Fantástico: o show da vida”:<br />

Mas o “show da vida” não é o programa da TV nas noites <strong>de</strong> Domingo. É o<br />

“Jornal Nacional” das oito, nos dias da s<strong>em</strong>ana. Este telejornal é um circo. (...)<br />

Decerto, você já foi uma vez ao circo. O que a gente assiste lá no circo é a um<br />

espetáculo <strong>de</strong> acrobacia, <strong>de</strong> palhaços, <strong>de</strong> elefantes, tigres e leões. (...) O<br />

“Jornal Nacional” é do mesmo jeito. Primeiro, t<strong>em</strong> a música e aparece o<br />

apresentador que anuncia as notícias consi<strong>de</strong>radas as mais importantes.<br />

Depois do intervalo comercial, v<strong>em</strong> a primeira notícia: uma <strong>de</strong>sgraça, e a gente<br />

pergunta como vai ficar. Para aliviar a tensão criada, receb<strong>em</strong>os a informação<br />

<strong>de</strong> que nos Estados Unidos foi <strong>de</strong>scoberto um novo r<strong>em</strong>édio contra o câncer. -<br />

Ainda b<strong>em</strong>! Em seguida, mais uma <strong>de</strong>sgraça e ficamos mais uma vez nervosos,<br />

pois anunciou-se que o preço do pão vai subir 25 por cento. – “Nossa mãe do<br />

céu!” suspira nosso coração. Aí v<strong>em</strong> a notícia dos 22 jogadores da seleção que<br />

foram convocados. - Oba, vai ter futebol! Não estou apresentando aqui o<br />

programa “Acredite, se quiser” (...) O esqu<strong>em</strong>a é assim mesmo. Verifique, se<br />

quiser! (TILBURG, 1984:61-63).<br />

3.2.1. O padrão <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> do Jornal Nacional e sua imag<strong>em</strong><br />

Os telejornais da Globo se mantiveram distantes dos gran<strong>de</strong>s fatos políticos nacionais,<br />

levados aos jornais mesmo na época da rigorosa censura do governo Médici. Sobre<br />

política, a televisão foi omissa ou, como quer<strong>em</strong> os produtores <strong>de</strong> seus noticiários,<br />

obrigada a ficar omissa, reservando os seus horários mais nobres para a<br />

67


lacrimonisida<strong>de</strong> das telenovelas e o riso “non sense” <strong>de</strong> seus shows milionários 25<br />

(Paulo Maia).<br />

O telejornalismo global primou pela consolidação <strong>de</strong> um “padrão <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong>”, seguindo as <strong>de</strong>terminações técnicas do diretor geral, Bonifácio<br />

Sobrinho. Faziam parte <strong>de</strong>ste padrão a gravação e a transmissão <strong>em</strong> VT dos<br />

telejornais, para evitar erros no ar, e a cuidadosa edição <strong>de</strong> todo o material, não<br />

só para evitar probl<strong>em</strong>as com a transmissão <strong>de</strong> fatos s<strong>em</strong> a necessária censura,<br />

como padronizar as falas e as posturas dos repórteres:<br />

O texto no telejornal passou por um tratamento <strong>de</strong> expurgo <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos<br />

consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong>snecessários, visando-se a total objetivida<strong>de</strong> e imparcialida<strong>de</strong><br />

do repórter. Uma das gran<strong>de</strong>s preocupações <strong>de</strong> Armando Nogueira, diretor do<br />

telejornalismo global, foi a <strong>de</strong> eliminar el<strong>em</strong>entos conotativos do noticiário e<br />

torná-lo o mais neutro possível. “Repórter da Globo não sente, não reage, não<br />

induz o entrevistado (MOTA, 1992:28).<br />

Uma das gran<strong>de</strong>s preocupações da direção do Jornal Nacional era a <strong>de</strong><br />

evitar dar à notícia um sentido que pu<strong>de</strong>sse ser contrário aos <strong>de</strong>tentores do po<strong>de</strong>r,<br />

levando os repórteres a ter<strong>em</strong> uma postura tão padronizada que “não se<br />

permitiam um gesto supérfluo, um sorriso, um movimento qualquer na<br />

apresentação <strong>de</strong> um texto gravado com a presença do repórter no local da<br />

reportag<strong>em</strong>”. A implantação <strong>de</strong>ste padrão Globo <strong>de</strong> reportagens coube à diretora<br />

executiva <strong>de</strong> telejornais, Alice Maria, “por quase 20 anos, toda po<strong>de</strong>rosa editora<br />

da Globo” (MOTA, 1992).<br />

Nesta época, Luiz Edgar <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> era responsável por censurar os<br />

textos dos repórteres, enquadrando-os na i<strong>de</strong>ologia da <strong>em</strong>presa. Andra<strong>de</strong> revisava<br />

todos os scripts do telejornal <strong>de</strong> forma a impedir qualquer notícia que tivesse<br />

implicações políticas para a Globo.<br />

No t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que TV Globo era chamada <strong>de</strong> “vênus platinada”, outra<br />

questão interessante era a inter-relação cenário-locutor, que s<strong>em</strong>pre merecia uma<br />

atenção especial dos produtores do Jornal Nacional, <strong>de</strong>finida por GLEISER<br />

(1983):<br />

25 MAIA (1979).<br />

... é tudo cinza-azulado como nos t<strong>em</strong>pos da TV branco-e-preto, do paletó e<br />

gravata ao cabelo e ao cenário. Este avatar <strong>de</strong> cores da <strong>em</strong>issora ( platina e<br />

azul, cores frias e raras nos trópicos, on<strong>de</strong> como que por acaso fica o Brasil)<br />

68


parece trabalho num bloco <strong>de</strong> gelo, e é executado, iluminado e mantido com a<br />

mais rigorosa exatidão (GLEISER, 1983:32).<br />

Os cuidados com o visual se compl<strong>em</strong>entavam com a criteriosa seleção<br />

dos locutores. O diretor-geral da Globo, Boni, tinha firme convicção <strong>de</strong> que<br />

“além da correção, da boa voz, do timbre bonito”, os telejornais da Globo se<br />

beneficiariam muito com a “presença <strong>de</strong> apresentadores que foss<strong>em</strong> competentes<br />

e <strong>de</strong> boa aparência” para atrair o público majoritariamente f<strong>em</strong>inino das<br />

telenovelas (REZENDE, 1998). Tratava-se <strong>de</strong> um recurso estratégico para evitar<br />

que na passag<strong>em</strong> da novela para o Jornal Nacional essa gran<strong>de</strong> faixa da<br />

audiência mudasse <strong>de</strong> canal.<br />

O escolhido para representar o Jornal Nacional foi Cid Moreira,<br />

profissional experiente que já havia se <strong>de</strong>stacado no Jornal <strong>de</strong> Vanguarda. Cid<br />

Moreira passou a ser um símbolo da “filosofia” do programa, papel que cumpriu<br />

com eficiência irretocável e prestígio popular inabalável até 1996.<br />

Cabelos pr<strong>em</strong>aturamente grisalhos, ar concernido, voz barítono a baixo<br />

conforme as necessida<strong>de</strong>s, a presença diária <strong>de</strong> Cid é um ex<strong>em</strong>plo raro <strong>de</strong><br />

neutralida<strong>de</strong> no sentido <strong>de</strong> constância, homogeneida<strong>de</strong> e monotonia (ie, um<br />

único tom, s<strong>em</strong>pre o mesmo) que ele “imprime” a qualquer notícia, ressaltando<br />

o tom pela rigi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> postura à leitura, olhos postos no miolo da lente da<br />

câmera, ou seja no telespectador <strong>em</strong> casa (GLEISER, 1983:31-32).<br />

Outros locutores do Jornal Nacional, todos do sexo masculino até o final<br />

da década <strong>de</strong> 80, como Sérgio Chapelin, Marcos Hummel, Celso Freitas, Carlos<br />

Campbel, tinham seu estilo próprio que se encaixava no “padrão global”.<br />

Conciliavam suas apresentações com a rigi<strong>de</strong>z do cenário e um abundante uso <strong>de</strong><br />

vi<strong>de</strong>oteipes e efeitos especiais, para construir um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> apresentação<br />

“requintado e frio, pretensamente objetivo”. A tal mo<strong>de</strong>lo submetiam-se também<br />

os repórteres, no propósito <strong>de</strong>, através <strong>de</strong> uma aparente “neutralida<strong>de</strong>” e<br />

formalismo, projetar para o telespectador uma imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> isenção na abordag<strong>em</strong><br />

dos fatos, indispensável para a conquista da credibilida<strong>de</strong> (SILVA, 1985).<br />

Se no plano da forma, tudo ia b<strong>em</strong>, êxito igual não se obtinha quanto ao<br />

conteúdo. A riqueza plástica não encontrava compatibilida<strong>de</strong> com o trabalho<br />

jornalístico. Durante a fase <strong>de</strong> censura mais aguda, o telejornalismo, sobretudo o<br />

praticado na Globo, lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> audiência, acabou se afastando da realida<strong>de</strong><br />

69


asileira. Despolitizada, a <strong>em</strong>issora encontrava nos programas <strong>de</strong> entretenimento<br />

o atalho para se aproximar afetivamente <strong>de</strong> sua audiência (REZENDE, 1998).<br />

Com t<strong>em</strong>po suficiente para dar apenas notícias <strong>de</strong> uma página <strong>de</strong> um<br />

diário impresso, o Jornal Nacional enfrentava outra dificulda<strong>de</strong> para aprimorar o<br />

seu conteúdo. A superficialida<strong>de</strong> no tratamento dos fatos impedia a prática <strong>de</strong> um<br />

jornalismo mais <strong>de</strong>nso e crítico. Mas isso não era algo que preocupava a direção<br />

da Globo. O diretor-geral da <strong>em</strong>presa, Bonifácio Oliveira, dizia: “Qu<strong>em</strong> espera<br />

conteúdo, opinião no jornalismo da televisão brasileira po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sistir que não vai<br />

ter tão cedo” (Boni, citado por ALMEIDA FILHO, 1976:28).<br />

REZENDE (1998) enfatiza que a superficialida<strong>de</strong> do noticiário<br />

explicava-se, assim, como resultado <strong>de</strong> uma diretriz editorial baseada na<br />

agilida<strong>de</strong> do estilo “manchetado”, que se ajustava ao perfil da audiência do<br />

programa. Essa orientação continua a ser adotada até hoje pelo Jornal Nacional e<br />

noticiários <strong>de</strong> outras <strong>em</strong>issoras veiculados no horário nobre da TV.<br />

Entretanto, apesar <strong>de</strong> apresentar este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> telejornalismo que<br />

privilegia o espetáculo da notícia, o Jornal Nacional s<strong>em</strong>pre esteve <strong>em</strong> primeiro<br />

lugar nas pesquisas <strong>de</strong> audiência. Esta foi consi<strong>de</strong>rada por SÁ (1992) como a<br />

mais estável na televisão brasileira. Fato este explicado por KEHL (1986), pela<br />

sua localização estratégica no conjunto da programação, estando inserido entre<br />

duas novelas <strong>de</strong> maior ibope da <strong>em</strong>issora. Outro fator explicado pela autora foi a<br />

duração do telejornal, que nos primeiros anos era <strong>de</strong> 15 minutos, até formar o<br />

hábito do telespectador para os 30 minutos nos dias <strong>de</strong> hoje. Depen<strong>de</strong>ndo dos<br />

fatos do dia, o telejornal po<strong>de</strong> durar 35, 40 ou até 50 minutos, como ocorreu, por<br />

ex<strong>em</strong>plo, na segunda-feira do dia 2 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1994, no episódio da morte do<br />

piloto <strong>de</strong> Fórmula 1 Airton Sena.<br />

REZENDE (1998) afirmou <strong>em</strong> sua pesquisa que o público da <strong>em</strong>issora<br />

chegava <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 40 milhões <strong>de</strong> telespectadores. Em junho <strong>de</strong> 1996, um<br />

anúncio da Re<strong>de</strong> Globo publicado no Folha <strong>de</strong> São Paulo afirmou que a<br />

audiência do Jornal Nacional era <strong>de</strong> 31 milhões <strong>de</strong> telespectadores por dia.<br />

Mas é preciso <strong>de</strong>screver um pouco algumas mudanças ocorridas com o<br />

Jornal Nacional após a abertura política e, recent<strong>em</strong>ente, com a introdução <strong>de</strong><br />

70


jornalistas como apresentadoras, a mudança da direção central <strong>de</strong> jornalismo da<br />

Globo, assim como a significante saída <strong>de</strong> cena do “símbolo global” Cid<br />

Moreira.<br />

71


3.2.2. Mudanças e novas “maquiagens” no Jornal Nacional<br />

No tr<strong>em</strong> da abertura, a Re<strong>de</strong> Globo é o último vagão e o Jornal Nacional é o<br />

último banco. Mas, mesmo assim chegando atrasados, nós também vamos<br />

chegar na mesma estação que a locomotiva. 26<br />

Com o fim da censura prévia ao telejornalismo <strong>em</strong> 1980, as relações<br />

entre jornalistas do escalão mais baixo da equipe do Jornal Nacional e suas<br />

chefias tornaram-se mais complexas. SILVA (1985), mediante análise <strong>de</strong>ssas<br />

relações internas do Jornal Nacional, também verificou uma sutil mudança na<br />

construção das notícias, inseridas no contexto das contradições no interior dos<br />

meios <strong>de</strong> produção da indústria cultural:<br />

(...) o clima <strong>de</strong> maior liberda<strong>de</strong> que o País passou a viver <strong>de</strong> 1979 para cá e a<br />

expresssão <strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> oposição ao regime cada vez mais claramente<br />

majoritários no conjunto, da população brasileira alteraram a qualida<strong>de</strong> das<br />

relações internas do Jornal Nacional, o que levou a uma alteração, ainda que<br />

leve, <strong>de</strong> seu conteúdo o que, por sua vez, ajuda a ampliar as contradições da<br />

socieda<strong>de</strong> (SILVA, 1986:40).<br />

O pesquisador ainda analisou a estratégia que a Re<strong>de</strong> Globo utilizou para<br />

ser mais crítica s<strong>em</strong> ter que alterar muito o Jornal Nacional, dando maior espaço<br />

às edições <strong>de</strong> notícias locais e suprimindo quase todo o controle interno sobre<br />

elas. Desta forma, o “assunto mais picante, a crítica que satisfaz ao público” é<br />

fragmentada por todo o país e concentrada sobre os probl<strong>em</strong>as regionais. SILVA<br />

(1985:40-41) <strong>de</strong>screve o entendimento <strong>de</strong>sta questão da seguinte forma:<br />

O JN é o segundo noticioso do mundo <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> número <strong>de</strong> espectadores e<br />

t<strong>em</strong> um impacto consi<strong>de</strong>rável sobre a opinião pública. O regime sabe que sua<br />

imag<strong>em</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muito mais do que é dito e mostrado ali e a Re<strong>de</strong> Globo sabe<br />

que <strong>de</strong>ve muitos favores a este regime, que continua no po<strong>de</strong>r, apesar <strong>de</strong> b<strong>em</strong><br />

mais fraco do que há algumas décadas. As críticas que o sr. Roberto Marinho<br />

recebe ao final <strong>de</strong> cada edição do JN são, não raramente, do próprio presi<strong>de</strong>nte<br />

da República e com freqüência <strong>de</strong> ministros <strong>de</strong> Estado. As maiores autorida<strong>de</strong>s<br />

da República, como sab<strong>em</strong> da estreiteza das relações entre a Globo e o<br />

Planalto, procuram interpretar as edições do JN como se foss<strong>em</strong> mensagens<br />

cifradas do sist<strong>em</strong>a.<br />

REZENDE (1998) afirma que o programa se manteve, ao longo dos<br />

anos, com poucas transformações. Dia após dia, o Jornal Nacional se impunha<br />

como o espetáculo da realida<strong>de</strong>, numa conveniente conjunção <strong>de</strong> forma e<br />

26 Texto dito por um editor do Jornal Nacional (não i<strong>de</strong>ntificado), citado por SILVA (1985:40).<br />

72


conteúdo, sustentada no primor das imagens e no alto teor <strong>em</strong>ocional dos fait-<br />

divers 27 . Modificações mais estruturais só aconteceram mesmo recent<strong>em</strong>ente.<br />

Ao substituir Alberico Souza Cruz na direção da Central Globo <strong>de</strong><br />

Jornalismo, <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 1995, Evandro Carlos <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> logo imprimiu<br />

mudanças substanciais <strong>em</strong> sua área. As mudanças transcen<strong>de</strong>ram a mera troca <strong>de</strong><br />

apresentadores dos telejornais e se refletiram no próprio perfil editorial <strong>de</strong> cada<br />

programa, como evi<strong>de</strong>ncia Rezen<strong>de</strong>:<br />

Para alguns, contrariando o resultado <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong> opinião, Andra<strong>de</strong><br />

resolveu escalar William Bonner e Lilian Witte Fibe no lugar <strong>de</strong> Cid Moreira e<br />

Sérgio Chapelin, a consagrada dupla <strong>de</strong> locutores do Jornal Nacional. Segundo<br />

pesquisa do Datafolha, realizada <strong>em</strong> 1995, 88% dos paulistanos eram<br />

favoráveis à permanência <strong>de</strong> Cid Moreira no JN (Folha <strong>de</strong> São Paulo, TV<br />

Folha, 1996, citado por REZENDE, 1998).<br />

Hamburger, comentando sobre a troca <strong>de</strong> mestre <strong>de</strong> cerimônias do Jornal<br />

Nacional, a crítica <strong>de</strong> TV da Folha <strong>de</strong> São Paulo, Esther, exaltou a figura dos<br />

dois apresentadores, sobretudo Cid Moreira, cujas imagens públicas acabaram<br />

confundindo-se com a do próprio telejornal:<br />

Há qu<strong>em</strong> diga que o telejornal <strong>de</strong>veria mudar também <strong>de</strong> nome. Cid Moreira<br />

apresenta o “Jornal Nacional” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira edição no dia 1 o <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro<br />

<strong>de</strong> 1969. Ajudou o sucesso da <strong>em</strong>issora e viveu os t<strong>em</strong>pos áureos do maior<br />

campeão <strong>de</strong> audiência. Sua imag<strong>em</strong> talvez não represente o que po<strong>de</strong> haver <strong>de</strong><br />

mais televisivo. É quase que um signo vazio. É possível que daí venha muito <strong>de</strong><br />

sua força. Seus cabelos prateados, brilham combinando com o azul infinito do<br />

cenário. De tão estável <strong>em</strong> seu posto <strong>de</strong> apresentador do primeiro Jornal<br />

Nacional, sua figura per<strong>de</strong>u a materialida<strong>de</strong> carnal e adquiriu a materialida<strong>de</strong><br />

eletrônica dos raios catódicos que recompõ<strong>em</strong> a imag<strong>em</strong> no final do processo<br />

físico da telecomunicação. Com o t<strong>em</strong>po, contagiou Sérgio Chapelin. Se<br />

tornaram parecidos. Sua presença sinalizava que estava no ar uma comunida<strong>de</strong><br />

imaginária, que per<strong>de</strong> agora sua referência mais familiar (HAMBURGER,<br />

1996:4).<br />

Em face dos apelos afetivos que a perda da referência familiar <strong>de</strong> Cid<br />

Moreira po<strong>de</strong>ria causar, as mudanças no Jornal Nacional se <strong>de</strong>ram s<strong>em</strong> gran<strong>de</strong><br />

alar<strong>de</strong> e nenhum trauma aparente, porque foram impl<strong>em</strong>entadas cuidadosamente.<br />

Preocupada <strong>em</strong> evitar possíveis prejuízos junto a audiência com o afastamento<br />

dos dois locutores, a TV Globo manteve Sérgio Chapelin no Globo Repórter e<br />

27 “Fait-divers (fatos diversos) é, à primeira vista, a matéria jornalística que não se situa <strong>em</strong> campo <strong>de</strong><br />

conhecimento preestabelecido, como a política, a economia ou as artes. Eventos s<strong>em</strong> classificação,<br />

mas ainda assim notáveis por alguma relação interior entre seus termos” (LAGE, 1985:46).<br />

73


conferiu à Cid Moreira a função <strong>de</strong> apresentar os editoriais do Jornal Nacional<br />

(REZENDE, 1998).<br />

As mudanças, no entanto, tinham um significado mais profundo,<br />

fundando-se <strong>em</strong> razões editoriais. Representavam, <strong>de</strong> certa forma, o fim da era<br />

dos locutores e a valorização da presença dos jornalistas na busca para assegurar<br />

maior credibilida<strong>de</strong> ao noticiário. Essa intenção ficou explícita na <strong>de</strong>claração do<br />

próprio Evandro Carlos <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>: “Bonner será o editor <strong>de</strong> assuntos nacionais<br />

e Lilian, editora <strong>de</strong> assuntos econômicos” (GRILLO, 1996:7).<br />

Hoje, os editoriais do Jornal Nacional são apresentados por William<br />

Bonner, mas não expondo ao público o caráter <strong>de</strong> ser um editorial. As<br />

“mensagens que representam a voz do chefe” são inseridas nas reportagens como<br />

um comentário final. Cid Moreira faz participações na apresentação e <strong>em</strong> off no<br />

Fantástico, on<strong>de</strong> expõe todo o seu lado dramático e voz impostada como locutor,<br />

principalmente quando apresenta o quadro do mágico “Mister M”.<br />

Em matéria publicada na Revista Veja, intitulada “Lágrimas,<br />

curiosida<strong>de</strong>s médicas, bichinhos a todo o momento. Afinal, o que está<br />

acontecendo com JN?”, foram analisadas algumas mudanças editoriais do<br />

telejornal:<br />

Pressionado pelas medições das <strong>em</strong>presas especializadas, que registram um<br />

<strong>de</strong>clínio <strong>em</strong> sua audiência, o Jornal Nacional está escorregando para um tom<br />

popularesco. De três anos para cá, o principal noticiário da televisão<br />

brasileira, programa obrigatório <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> os <strong>de</strong>stinos da nação e fonte<br />

<strong>de</strong> informação <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> mora nas regiões mais distantes do país, v<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixando<br />

<strong>em</strong> segundo plano notícias relevantes para privilegiar reportagens lacrimosas,<br />

curiosida<strong>de</strong>s do mundo animal ou intermináveis inventários sobre a vida <strong>de</strong><br />

celebrida<strong>de</strong>s. Corre um risco com esta estratégia: per<strong>de</strong>r credibilida<strong>de</strong> entre os<br />

telespectadores exigentes s<strong>em</strong> alargar a audiência das camadas menos<br />

educadas da população. Afinal, o telespectador que gosta <strong>de</strong> apelação <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong> não aceita água-com-açúcar como substituto (REVISTA VEJA,<br />

1998a:46).<br />

Segundo a reportag<strong>em</strong>, “a lágrima que escorre pelo rosto tornou-se<br />

aparent<strong>em</strong>ente uma meta do Jornal Nacional”. Isto se explica <strong>de</strong>vido à estratégia<br />

da <strong>em</strong>issora <strong>em</strong> dar esse tom ao Jornal Nacional baseada <strong>em</strong> pesquisas <strong>de</strong><br />

opinião. Num primeiro momento, alguns estudos abordaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o formato do<br />

programa até quais seriam os apresentadores preferidos do público, passando<br />

74


pelos assuntos <strong>de</strong> maior apelo. A Veja <strong>de</strong>staca as priorida<strong>de</strong>s dadas a<br />

<strong>de</strong>terminados assuntos assim como a nova mudança dos apresentadores:<br />

Estes (assuntos) seriam pela or<strong>de</strong>m, serviço, comportamento, saú<strong>de</strong> e meio<br />

ambiente. Iniciou-se, aí, uma leve correção <strong>de</strong> rumos no telejornal, que <strong>em</strong>,<br />

1995 teve um aumento <strong>de</strong> audiência <strong>de</strong> 46 para 49 pontos. De lá para cá, por<br />

vários fatores, entre eles a melhoria dos telejornais <strong>de</strong> outras re<strong>de</strong>s, a entrada<br />

<strong>em</strong> cena dos concorrentes <strong>de</strong> baixa extração e o incr<strong>em</strong>ento do mercado <strong>de</strong> TV<br />

a cabo, esse número só fez cair. Cresceram então as reportagens com o intuito<br />

<strong>de</strong> comover e distrair o espectador. Nesse período, o apresentador Cid Moreira<br />

se aposentou e foi substituído por William Bonner e Lilian Witte Fibe. Em<br />

março <strong>de</strong>ste ano, Lilian Witte Fibe voltou ao Jornal da Globo. Noticiou-se a<br />

época que Lilian reivindicava reportagens <strong>de</strong> mais substância para apresentar.<br />

Reclamava entre os colegas do excesso <strong>de</strong> matérias melosas sobre animais. A<br />

gota d‟água teria sido uma reportag<strong>em</strong> sobre coalas calorentos, que chupavam<br />

picolé num zoológico da Oceania. Lilian saiu, a doce Fátima Bernar<strong>de</strong>s entrou<br />

e o mundo animal permaneceu. Em maio, o romance extraconjugal <strong>de</strong> uma<br />

macaca do zoológico <strong>de</strong> Brasília mereceu duas extensas reportagens<br />

(REVISTA VEJA, 1998a:47).<br />

A Veja também recebeu um comunicado da <strong>em</strong>issora argumentando que<br />

o Jornal Nacional’, com relação à política, noticia tudo que é relevante, da<br />

mesma maneira que age <strong>em</strong> relação à economia. Um ex-jornalista da Re<strong>de</strong><br />

Globo, Paulo Henrique Amorim, que na época comandava o telejornal da TV<br />

Ban<strong>de</strong>irantes, expressou uma opinião b<strong>em</strong> crítica sobre os critérios que norteiam<br />

o noticiário <strong>de</strong> sua antiga casa: “O Jornal Nacional se transformou <strong>em</strong> mais um<br />

produto da linha <strong>de</strong> entretenimento da Globo. Não há mais notícias ali”.<br />

A revista ainda <strong>de</strong>stacou que, apesar da queda <strong>de</strong> audiência do Jornal<br />

Nacional, ele ainda é um dos dois programas <strong>de</strong> maior público da televisão<br />

brasileira 28 , ao lado da “novela das 8” da Re<strong>de</strong> Globo (s<strong>em</strong> contar os dias <strong>em</strong> que<br />

o programa do Ratinho, do SBT, ultrapassa a audiência da novela). Só para<br />

ressaltar a importância econômica do telejornal, 30 segundos <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> nos<br />

intervalos do Jornal Nacional custam 110 mil reais. Segundo a Veja, “o<br />

equivalente a um apartamento <strong>de</strong> dois quartos na Zona Sul do Rio”.<br />

28 Ver Apêndice E.<br />

75


3.3. O telejornalismo e o monopólio da linguag<strong>em</strong> televisiva<br />

A TV apaga tudo. O hom<strong>em</strong> é um visual. O espetáculo chega a domicílio. O<br />

trabalho está mastigado. O comentário sublinha a imag<strong>em</strong> 29 (Marc Paillet).<br />

ROCCO (1989) afirma que a televisão é s<strong>em</strong> dúvida o veículo da era<br />

eletrônica que maior penetração já teve, introduzindo-se <strong>em</strong> todas as casas, entre<br />

todas as pessoas, praticamente <strong>em</strong> todos os cantos do planeta:<br />

A televisão é hoje parte do cotidiano, parte do referencial <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> quase<br />

todos os homens. Não se po<strong>de</strong> negar a evidência <strong>de</strong> um fato. E, se assim é,<br />

estudos vários, <strong>de</strong> natureza interdisciplinar, que observ<strong>em</strong> recortes diversos,<br />

sociológicos, psicológicos, históricos, pedagógicos, lingüísticos, entre outros,<br />

têm que ser incentivados. Tais estudos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> procurar dar conta, por ex<strong>em</strong>plo,<br />

das relações entre um vínculo novo e o hom<strong>em</strong>, sobretudo quando tal veículo<br />

passa a ser parte integrante e integradora entre o sujeito e o seu entorno<br />

sociocultural (ROCCO, 1989:19).<br />

Para PAILLET (1986), o imediatismo da televisão, sua intimida<strong>de</strong>, sua<br />

presença muito forte modificam a relação com o mundo:<br />

(...) a presença do aparelho <strong>de</strong> televisão se transforma facilmente <strong>em</strong> tirania.<br />

Não só o mundo (inclusive o belo e o gran<strong>de</strong> mundo) penetra na cozinha do<br />

telespectador, comentaristas e especialistas, presos à evidência do som e da<br />

imag<strong>em</strong> móveis, diz<strong>em</strong> o que ele <strong>de</strong>ve ser, apreciar e comentar, e mesmo<br />

concluir (PAILLET, 1986:157).<br />

ROCCO (1991) argumenta que são criados <strong>em</strong> torno da televisão campos<br />

<strong>de</strong> tensões, sendo esta o “veículo produtor dos mais analógicos simulacros do<br />

real.” Para a autora, tais simulacros são tão próximos da realida<strong>de</strong> sensível que às<br />

vezes custa-se a perceber se a realida<strong>de</strong> objetiva é aquela do lado <strong>de</strong> fora ou a que<br />

se vê na televisão.<br />

De acordo com COMPARATO (1991), é preciso l<strong>em</strong>brar que a televisão<br />

forja os costumes sociais, com eficácia e rapi<strong>de</strong>z inovadoras:<br />

29 PAILLET (1986:156).<br />

A TV ten<strong>de</strong> a ser a principal matriz dos valores sociais, superando nessa função<br />

a família, a escola, a Igreja, o partido ou o próprio Estado. Mas,<br />

diferent<strong>em</strong>ente <strong>de</strong>stas instituições, a televisão é mero veículo <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong><br />

mensagens: não é a televisão, enquanto veículo que as produz. A verda<strong>de</strong>, como<br />

frizou MacLuhan, é que o veículo ten<strong>de</strong> a incorporar a mensag<strong>em</strong> e a se<br />

i<strong>de</strong>ntificar com ela. O povo adota os comportamentos e os valores sociais<br />

difundidos pela televisão, e os estabiliza <strong>em</strong> costumes; não pelo conteúdo das<br />

mensagens, mas simplesmente pelo fato <strong>de</strong> que lhes são transmitidas pela<br />

televisão (COMPARATO, 1991:302).<br />

76


Para PAILLET (1986), a televisão não é somente um mundo<br />

revolucionário <strong>de</strong> informação. Ela é também “um modo <strong>de</strong> informações com<br />

conseqüências revolucionárias” e suas dimensões são <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a necessida<strong>de</strong><br />

para se compreen<strong>de</strong>r o fenômeno televisão que, segundo o autor, “ainda não<br />

terminou <strong>de</strong> mostrar suas conseqüências”.<br />

No campo telejornalístico, conforme MOTA (1992), o noticiário da TV<br />

exerce um papel crucial na reprodução heg<strong>em</strong>ônica <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, como fonte mais<br />

importante <strong>de</strong> conhecimentos <strong>em</strong> uma cida<strong>de</strong>, país ou no mundo. Ao legitimar as<br />

relações <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, o telejornalismo constrói um consenso, ou seja,<br />

transforma <strong>em</strong> senso comum uma visão i<strong>de</strong>ológica da realida<strong>de</strong>. CHAUÍ (1984)<br />

argumentou que o telejornalismo se constitui <strong>em</strong> powerhol<strong>de</strong>r ou aparato<br />

i<strong>de</strong>ológico das relações <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

É importante também observar o direcionamento da linguag<strong>em</strong><br />

telejornalística, ou seja, o público a ser atingido, como expõe Beting:<br />

O telejornalismo no Brasil t<strong>em</strong> uma responsabilida<strong>de</strong> social e política maior<br />

que <strong>em</strong> qualquer país que eu conheço, exatamente porque o Brasil coloca toda<br />

sua população diante da televisão: o brasileiro iletrado ou o brasileiro<br />

acomodado não lê<strong>em</strong> jornal, e hoje <strong>em</strong> dia não se ouve rádio porque o que<br />

t<strong>em</strong>os é uma rádio-serviço. Então o que sobra é a televisão. A televisão t<strong>em</strong><br />

também o ouvinte passivo, aquele hom<strong>em</strong> ou aquela criança que não está<br />

interessado na notícia mas que t<strong>em</strong> que vê-la e ouvi-la porque ele vê até<br />

comercial e fica esperando até novela. É exatamente porque o telespectador é<br />

passivo que o Telejornalismo cresce <strong>de</strong> importância, e do ponto <strong>de</strong> vista<br />

político o Telejornalismo é a única maneira <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratizar a informação: o<br />

Telejornalismo é mais importante do que a gente imagina. A característica<br />

fundamental do Telejornalismo é esta: o leitor do jornal é ativo (só lê o que<br />

interessa), o ouvinte <strong>de</strong> rádio é a um só t<strong>em</strong>po ativo e passivo e o telespectador<br />

é <strong>em</strong> sua gran<strong>de</strong> maioria passivo e não consegue <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> sê-lo mesmo com a<br />

invenção do controle r<strong>em</strong>oto (Beting, citado por VIEIRA, 1991:124).<br />

BREGUÊS (1998) afirma que, hoje no Brasil, <strong>de</strong>para-se com um<br />

“telejornalismo medíocre, ainda factual, s<strong>em</strong> muita análise e interpretação - um<br />

telejornalismo alienante”. O jornalista também analisa que é imposta uma<br />

propaganda comercial que parece só obe<strong>de</strong>cer a uma suposta compulsão<br />

brasileira para comprar e gastar além <strong>de</strong> “programas que faz<strong>em</strong> do grotesco a<br />

forma preferida <strong>de</strong> comicida<strong>de</strong>”. E ainda ressalta:<br />

A marginalização e a espoliação econômica da gran<strong>de</strong> parte da população são<br />

acompanhadas e sustentadas pelo controle político. Não são poucas as análises<br />

que mostram o caráter mecânico automático, alienado - do comportamento<br />

77


popular nas socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> massa. É fácil enten<strong>de</strong>r que se sublinhe a apatia<br />

política quando se sabe que ao lado da limitação coercitiva que a i<strong>de</strong>ologia<br />

dominante impõe, assim como as formas <strong>de</strong> organização e expressão social que<br />

manipulam e usam as classes populares como massa <strong>de</strong> manobra (uma alusão<br />

ao populismo, que predominou como mo<strong>de</strong>lo político <strong>de</strong> 1945-64). A elite<br />

dominante constrói uma espécie <strong>de</strong> cultura da ilusão (BREGUÊS, 1998).<br />

Da mesma forma, argumenta Paillet, analisando sobre a importância do<br />

po<strong>de</strong>r exercido pelos enunciadores da notícia telejornalística, mediando as<br />

relações culturais com os telespectadores:<br />

Para o público, especialmente o público popular, o jornalista <strong>de</strong> televisão é um<br />

personag<strong>em</strong> importante. É ele que, a cada dia, e mesmo várias vezes por dia,<br />

vai mostrar o que acontece no mundo. Ele está a par <strong>de</strong> tudo, no mesmo<br />

instante; no transcorrer da <strong>em</strong>issão, ajudas anônimas po<strong>de</strong>m-lhe aportar o<br />

último flagrante, acontecimento <strong>de</strong> última hora. Ele é extr<strong>em</strong>amente erudito <strong>em</strong><br />

relação aos lugares e pessoas; as circunstâncias e os enca<strong>de</strong>amentos <strong>de</strong> causa<br />

e efeito (PAILLET, 1986:171).<br />

Para REZENDE (1998), o formato espetacular, comum às <strong>em</strong>issões <strong>de</strong><br />

ficção e <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, representa a fórmula mágica capaz <strong>de</strong> magnetizar a atenção<br />

<strong>de</strong> um público tão diversificado. O espetáculo se <strong>de</strong>stina basicamente à<br />

cont<strong>em</strong>plação, combinando, na produção telejornalística, uma forma que<br />

privilegia o aproveitamento <strong>de</strong> imagens atraentes - muitas vezes <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando<br />

o seu real valor jornalístico - com um conjunto <strong>de</strong> notícias constituído<br />

essencialmente <strong>de</strong> fait divers, conforme expõe Marcon<strong>de</strong>s Filho:<br />

Com as mudanças tecnológicas da televisão, mas principalmente com o<br />

acirramento da forma própria <strong>de</strong> ela relatar o que se passa no mundo, o<br />

telejornalismo sofreu sensíveis mudanças, s<strong>em</strong>pre na direção <strong>de</strong> um impacto<br />

maior, <strong>de</strong> efeitos visuais e sonoros mais claros e da combinação <strong>de</strong> uma série<br />

<strong>de</strong> signos, <strong>de</strong> tal maneira a causar uma gran<strong>de</strong> fascinação diante do público,<br />

mas tão inocente e inofensiva como são os espetáculos visuais com fogos <strong>de</strong><br />

artifício (MARCONDES FILHO, 1984:48).<br />

REZENDE (1998) ressalta ainda que a priorida<strong>de</strong> que se dá ao<br />

componente visual das mensagens acentua a progressiva <strong>de</strong>svalorização do po<strong>de</strong>r<br />

expressivo das palavras, levando o jornalista a transformar-se <strong>em</strong> “menos um<br />

perito da linguag<strong>em</strong> do que um técnico do dizer simples”. A influência <strong>de</strong>ssa<br />

vertente da estética televisiva, com o passar do t<strong>em</strong>po, transcen<strong>de</strong>u o campo da<br />

TV e repercutiu intensamente no jornalismo impresso. Jornais <strong>em</strong> todo o mundo<br />

segu<strong>em</strong> esse padrão estilístico, através da prática do que t<strong>em</strong> sido chamado <strong>de</strong><br />

78


“televisão impressa”. Esses jornais, diante da falta <strong>de</strong> imagens <strong>em</strong> movimento,<br />

trabalham com imagens congeladas, <strong>de</strong> acordo com Marcon<strong>de</strong>s Filho:<br />

... mas o congelamento da imag<strong>em</strong> jornalística e as formas <strong>de</strong> diagramação<br />

ágil, rápida, ligeira das páginas tenta, <strong>de</strong> alguma forma, resgatar a atenção do<br />

público, viciado <strong>em</strong> <strong>de</strong>codificar muito mais imagens visuais do que verbais<br />

(MARCONDES FILHO, 1993:101).<br />

Nas <strong>em</strong>issoras comerciais <strong>de</strong> TV - predominantes no Brasil - a<br />

programação adota um caráter primordialmente diversional que afeta inclusive as<br />

produções telejornalísticas. Motivada por essa i<strong>de</strong>ologia do entreter para<br />

conquistar maiores níveis <strong>de</strong> audiência e faturamento, a televisão privilegia a<br />

forma do espetáculo.<br />

Conforme Rezen<strong>de</strong>, é conveniente assinalar que um dos efeitos da<br />

espetacularização é o “sincretismo da realida<strong>de</strong>-ficção no discurso televisivo”.<br />

Fenômeno já também exaustivamente estudado, <strong>em</strong>bora s<strong>em</strong>pre revele um<br />

aspecto novo a ser examinado, a abolição das fronteiras entre o real e o<br />

imaginário são freqüentes na televisão brasileira:<br />

Recor<strong>de</strong>-se no final 1996, durante a exibição da novela “O Rei do Gado”, a<br />

participação <strong>de</strong> dois Senadores “<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>” - Eduardo Suplicy e Benedita da<br />

Silva - no velório do Senador “da fictício” Caxias, interpretado pelo ator<br />

Carlos Vereza. Meses antes, ocorrera o inverso. Em uma das edições do<br />

“Jornal Nacional”, o telejornal <strong>de</strong> maior audiência no Brasil, o Senador<br />

“fictício” Caxias aparece ao lado do presi<strong>de</strong>nte real do Brasil, Fernando<br />

Henrique Cardoso, pedindo-lhe para acelerar o processo da reforma agrária (o<br />

principal t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> fundo da telenovela) e ao mesmo t<strong>em</strong>po manifesta apoio ao<br />

projeto da reeleição (proposta que o Congresso Brasileiro estava apreciando e,<br />

se aprovada, permitiria que Fernando Henrique se candidatasse <strong>de</strong> novo à<br />

presidência) (REZENDE, 1998:37).<br />

Li<strong>de</strong>ranças do MST, como Stédile, acrescentam que a telenovela t<strong>em</strong><br />

sido um importante mecanismo para atenuar as distorções dos fatos relacionados<br />

ao MST:<br />

Existe uma contradição na televisão brasileira que faz com que o telejornal<br />

seja mais mentiroso do que a novela. Há mais verda<strong>de</strong> na novela - que é ficção<br />

- que no telejornal, que seria a informação (Teoria e Debate, citado por<br />

GOMES e NASCIMENTO, 1998:10).<br />

Para o senador do PT Suplicy, a questão da telenovela se constituir num<br />

ambiente mais politizado que o telejornal se <strong>de</strong>ve ao fato dos autores ter<strong>em</strong><br />

autonomia sobre a obra e uma menor interferência por parte da cúpula da Re<strong>de</strong><br />

Globo, diferent<strong>em</strong>ente do telejornal, <strong>em</strong> que o editor funciona como uma espécie<br />

79


<strong>de</strong> censor e os repórteres elaboram pautas para agradar os superiores e obter<strong>em</strong><br />

uma promoção no futuro. Apesar disso, ele salienta que não acredita que haja<br />

uma autonomia plena para os autores: "Deve haver algum tipo <strong>de</strong> veto. Por<br />

ex<strong>em</strong>plo: o Brizola não entra”.<br />

Stédile credita ao autor Benedito Rui Barbosa os méritos por ter inserido<br />

na teledramaturgia a questão fundiária que, apesar <strong>de</strong> fazer parte da conjuntura<br />

política nacional há muitos anos, a mídia, <strong>de</strong> modo geral, pouco divulga aos<br />

meios populares ou, quando divulga, geralmente nos telejornais, faz <strong>de</strong> maneira<br />

que a linguag<strong>em</strong> não seja acessível à gran<strong>de</strong> parte da população, <strong>de</strong> baixa<br />

escolarida<strong>de</strong> (GOMES e NASCIMENTO, 1998).<br />

3.3.1. A relação entre a linguag<strong>em</strong> verbal e icônica no telejornalismo<br />

... por mais que a mensag<strong>em</strong> transmitida pela TV seja banal, superficial e<br />

esqu<strong>em</strong>ática, sua complexida<strong>de</strong> s<strong>em</strong>iótica é s<strong>em</strong>pre gran<strong>de</strong>. Tudo se dá ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po: som, verbo, imagens que po<strong>de</strong>m adquirir feições as mais<br />

diversas e multifacetadas, além do ritmo, dos cortes, junções, aproximações e<br />

distanciamentos que provavelmente se constitu<strong>em</strong> num dos aspectos mais<br />

característicos <strong>de</strong>ssa mídia 30 (Lúcia Santaella ).<br />

Televisão é imag<strong>em</strong>. A própria <strong>de</strong>signação audiovisual não <strong>de</strong>ixa mentir.<br />

Entretanto é preciso enten<strong>de</strong>r a linguag<strong>em</strong> televisiva como uma integração entre<br />

palavra e imag<strong>em</strong>. Tomando como princípio a expressão “uma imag<strong>em</strong> vale por<br />

mil palavras”, po<strong>de</strong>ria-se pensar que ela se a<strong>de</strong>qua integralmente à televisão.<br />

Entretanto, para ROCCO (1991), “a imag<strong>em</strong> televisual não se basta a si própria,<br />

não se esgota <strong>em</strong> si mesma, já que não é auto-explicável”.<br />

Da mesma forma, o ex-diretor <strong>de</strong> jornalismo da TV Globo, Armando<br />

Nogueira, citado <strong>em</strong> Vieira, também argumenta sobre as conseqüências da<br />

<strong>de</strong>svalorização da palavra <strong>em</strong> benefício <strong>de</strong> uma estética que superestima a<br />

expressão visual, sendo ainda mais nocivas no Brasil, pelo gran<strong>de</strong> contingente <strong>de</strong><br />

analfabetos existentes no país:<br />

30 SANTAELLA (1992:28).<br />

Uma das coisas mais lamentáveis na nossa profissão é o <strong>de</strong>scaso com que se<br />

usa a palavra...Há um falso conceito <strong>de</strong> que a televisão é imag<strong>em</strong>. Ela é<br />

80


imag<strong>em</strong>, claro, mas é audiovisual, a palavra t<strong>em</strong> total cabimento na construção<br />

da mensag<strong>em</strong>. Aí, as pessoas falam que a televisão t<strong>em</strong> que ter uma linguag<strong>em</strong><br />

coloquial e não sab<strong>em</strong> a diferença entre coloquial e vulgar, entre vulgar e<br />

chulo, entre chulo e indigente. Resultado: qualquer telejornal, inclusive os que<br />

eu dirigi durante vinte e cinco anos, se expressa numa linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> mendigo,<br />

achando que o povo não sabe ler, que o povo não gosta da palavra difícil. E a<br />

palavra difícil é a palavra bonita. A pobreza da expressão da televisão<br />

contribui <strong>de</strong>mais para <strong>em</strong>pobrecer a língua dos repórteres <strong>de</strong> um modo geral<br />

(Nogueira, citado por VIEIRA, 1991:88).<br />

Ainda segundo ROCCO (1991), a imag<strong>em</strong> é o centro <strong>de</strong>finidor da TV.<br />

No entanto, a TV não existe s<strong>em</strong> o verbal. O verbal, como ensina Roland<br />

Barthes, “ancora o visual, completando-o, ambiguizando-o ou <strong>de</strong>sambiguizando-<br />

o”. O verbal completa a narrativa por imagens. O verbal, <strong>de</strong>sta forma, esclarece<br />

situações, amplia as possibilida<strong>de</strong>s narrativas e comenta as ações que se<br />

<strong>de</strong>senrolam.<br />

De acordo com REZENDE (1998), apesar <strong>de</strong> ressaltar a prepon<strong>de</strong>rância<br />

da imag<strong>em</strong>, o manual <strong>de</strong> telejornalismo da Globo abre uma pista para que se<br />

possa ter uma compreensão mais abrangente <strong>de</strong>sse probl<strong>em</strong>a ao afirmar que<br />

“imprescindível é não esquecer que a palavra está casada com a imag<strong>em</strong>”. Tal<br />

como no casamento entre duas pessoas, na dinâmica das relações cotidianas, tudo<br />

é possível. Ora a imag<strong>em</strong> impõe-se <strong>em</strong> sua plenitu<strong>de</strong>, ora basta a palavra para a<br />

transmissão <strong>de</strong> uma notícia televisiva. Entre esse pólos, <strong>de</strong>sponta uma gran<strong>de</strong><br />

varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> alternativas, todas elas constituindo-se como expressões legítimas<br />

do telejornalismo. Ao invés <strong>de</strong> se proclamar o império do icônico no discurso<br />

televisivo, parece mais factível a hipótese <strong>de</strong> que a construção da mensag<strong>em</strong> da<br />

TV reflete uma complexa intervenção <strong>de</strong> signos <strong>de</strong> natureza diversa e <strong>em</strong><br />

contínua interação.<br />

Sobre a questão da simultaneida<strong>de</strong> da palavra e da imag<strong>em</strong> no discurso<br />

telejornalístico, MACIEL (1993) alerta que <strong>em</strong>bora “texto e imag<strong>em</strong> <strong>de</strong>vam<br />

s<strong>em</strong>pre andar juntos, a imag<strong>em</strong> é mais forte que a palavra”, porque “permanece<br />

gravada no cérebro do telespectador <strong>de</strong>pois que a notícia já foi esquecida”. Se, ao<br />

contrário, houver uma dissociação, o resultado po<strong>de</strong> ser um verda<strong>de</strong>iro “<strong>de</strong>sastre”<br />

que atinge todos os “el<strong>em</strong>entos” mensag<strong>em</strong>, com prejuízos, no entanto, maiores,<br />

para a comunicação verbal.<br />

81


Em jornalismo <strong>de</strong> televisão ninguém duvida: a imag<strong>em</strong> é mais forte que a<br />

palavra. Toda vez que num telejornal as falas estão <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com as<br />

imagens, produz-se uma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>scarrilamento da comunicação: o tr<strong>em</strong><br />

das palavras vai para um lado e o trilho da imag<strong>em</strong>, para outro. Num caso<br />

<strong>de</strong>sses, a informação auditiva se per<strong>de</strong>, mas a mensag<strong>em</strong> visual s<strong>em</strong>pre chega<br />

ao <strong>de</strong>stino (Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão, 1984:71).<br />

Esse princípio que atribui priorida<strong>de</strong> à informação visual impõe<br />

características especiais ao jornalismo realizado na TV: “O noticiário televisivo<br />

ten<strong>de</strong> a favorecer as notícias que po<strong>de</strong>m ser apresentadas com imagens - <strong>em</strong><br />

especial, com imagens móveis - <strong>em</strong> relação àquelas que carec<strong>em</strong> <strong>de</strong> imag<strong>em</strong>”<br />

(GREEN, 1973:59). Juan Beneyto reforça esse ponto <strong>de</strong> vista, comentando que<br />

“uma apresentação concreta, através <strong>de</strong> documentos gráficos, está mais próxima<br />

do que o público admite ser verda<strong>de</strong> do que uma apresentação puramente<br />

intelectual e <strong>de</strong>scritiva” (BENEYTO, 1979:179-180).<br />

enfatiza que<br />

Reforçando o sentido <strong>de</strong> mediação entre verbal e visual, Rocco também<br />

A TV é, <strong>de</strong> per si, presença plurívoca, pela imag<strong>em</strong>, pela cor, pelos recursos<br />

técnicos que lhe são inerentes. E se a isso se somar (porque inalienável) o<br />

po<strong>de</strong>r do verbal que apóia, reproduz e ancora o sentido <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>talhes que<br />

<strong>em</strong>ocionam, tencionam, mais eficaz será o processo <strong>de</strong> persuasão do veículo,<br />

na medida <strong>em</strong> que esse visual, que causa impacto, terá existência mais real e<br />

sentido mais amplo pela mediação do verbal (ROCCO, 1989:63).<br />

A questão da ancorag<strong>em</strong> da imag<strong>em</strong> pela palavra também é<br />

mencionada por DIMBLERY e BURTON (1990). Segundo os autores, a<br />

ancorag<strong>em</strong> se refere a aspectos particulares da imag<strong>em</strong>, que ajudam a ver<br />

seu significado, “ancoram” o conjunto.<br />

3.3.1.1. A objetivação e a ancorag<strong>em</strong><br />

Diante <strong>de</strong>ssas argumentações, faz-se necessário mencionar os<br />

estudos <strong>de</strong> Moscovici sobre representação social, citado por Sá, <strong>em</strong> SPINK<br />

(1993). Para Sá, a transformação do não familiar <strong>em</strong> familiar acontece via<br />

dois mecanismos: a objetivação e a ancorag<strong>em</strong>.<br />

A objetivação, para Moscovici, refere-se a atribuição <strong>de</strong> uma forma<br />

quase que concreta do objeto, tornando-se tangível através das imagens,<br />

82


fazendo-se com que o objeto se materialize, ou ainda “<strong>de</strong>scobrir a qualida<strong>de</strong><br />

icônica <strong>de</strong> uma idéia ou ser precisos, reproduzir um, conceito <strong>em</strong> uma<br />

imag<strong>em</strong>”. O texto também expõe que “a palavra é uma generalização da<br />

realida<strong>de</strong> realizada pela abstração dos significados, somos compelidos a<br />

ligá-las a alguma coisa, a encontrar equivalentes não-verbais”.<br />

O texto refere-se a contextualizar a questão da objetivação através<br />

<strong>de</strong> um processo que passa por três fases. Um diz respeito à “seleção e<br />

<strong>de</strong>scontextualização <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos que se dão <strong>em</strong> função <strong>de</strong> critérios<br />

culturais”. Daí, segundo Arruda, citado <strong>em</strong> SPINK (1993), <strong>de</strong>staca-se a<br />

teoria da informação. A segunda fase relaciona-se à formação <strong>de</strong> um núcleo<br />

figurativo a partir <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos selecionados da teoria, expondo a<br />

recomposição dos componentes fundamentais numa estrutura, que é uma<br />

imag<strong>em</strong> da estrutura conceitual, com coerência e organização, permitindo<br />

captá-los individualmente e <strong>em</strong> suas relações. Já a terceira fase diz respeito<br />

aos el<strong>em</strong>entos do pensamento se tornando realida<strong>de</strong>, integrando-se a uma<br />

realida<strong>de</strong> do senso comum. Segundo Moscovici, “as imagens se tornam<br />

el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> mais do que el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> pensamento”.<br />

Com relação ao segundo mecanismo <strong>de</strong> construção da<br />

representação, <strong>de</strong>nominado ancorag<strong>em</strong>, diz respeito ao movimento <strong>de</strong><br />

integração <strong>de</strong> um objeto ao sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> pensamento social já conhecido do<br />

sujeito. A ancorag<strong>em</strong> se dá através da classificação e <strong>de</strong>nominação do<br />

objeto. De acordo com Moscovici, “coisas que não são classificadas n<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>nominadas são estranhas, não existentes”. Segundo o autor, a<br />

<strong>de</strong>nominação permite inserir o objeto num complexo <strong>de</strong> palavras específicas<br />

para que sejam localizadas culturalmente. Para Arruda, o mecanismo <strong>de</strong><br />

ancorag<strong>em</strong> permite a compreensão <strong>de</strong> como se dá um significado ao objeto<br />

representado, através <strong>de</strong> uma atribuição <strong>de</strong> sentido.<br />

Dentro do aspecto telejornalístico, é importante ressaltar que não basta<br />

ver as notícias, é preciso estar atento sobre o que se vê, pois a notícia po<strong>de</strong> ter<br />

várias interpretações. Segundo MOTA (1992), a notícia ganha na televisão uma<br />

característica significativa própria, on<strong>de</strong> a produção <strong>de</strong> sentidos vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da<br />

83


possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um dos el<strong>em</strong>entos do conjunto prepon<strong>de</strong>rar sobre os outros.<br />

Diferent<strong>em</strong>ente dos jornais escritos, os jornais televisionados un<strong>em</strong> textos<br />

falados, imagens e sons. O texto falado por apresentadores, repórteres,<br />

comentaristas, entrevistados, vai disciplinar imagens, sons, ruídos, <strong>de</strong>senhos e<br />

outros materiais gráficos, como mapas e vinhetas.<br />

Para BARTHES (1964a), a imag<strong>em</strong> é um lugar <strong>de</strong> resistência ao sentido.<br />

Mas ela tanto po<strong>de</strong> duplicar certas informações do texto, por um fenômeno <strong>de</strong><br />

redundância, quanto o texto po<strong>de</strong> acrescentar uma informação inédita à imag<strong>em</strong>.<br />

Numa pesquisa sobre análise <strong>de</strong> conteúdo do Jornal Nacional, Castro,<br />

citado por MOTA (1992), mostra que na organização s<strong>em</strong>ântica do<br />

telejornalismo, o não-verbal é tão importante quanto o discurso verbal. A<br />

pesquisa visava medir o grau <strong>de</strong> retenção da notícia por parte do telespectador,<br />

concluindo que existe uma apreensão, numa unida<strong>de</strong> significativa que favorece a<br />

maior compreensão e maior retenção.<br />

Mas n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre imagens e texto trabalham <strong>em</strong> conjunto. Gans, citado<br />

por WOLF (1987), sugere um valor-notícia na produção jornalística. Na<br />

televisão, este valor-notícia ou a avaliação <strong>de</strong> noticiabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

acontecimento po<strong>de</strong> ser encontrado ora na imag<strong>em</strong>, ora no texto. Muitas vezes,<br />

uma reportag<strong>em</strong> fraca como informação é levada ao ar porque possui um “bom<br />

material visual”. Já as notícias importantes, como mudanças políticas e<br />

econômicas po<strong>de</strong>m se apoiar num suporte visual pouco significativo, com<br />

imagens que já faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong> uma rotina <strong>de</strong> cobertura.<br />

De acordo com BACCEGA (1995), é através da consciência verbal que a<br />

realida<strong>de</strong>, compreendida como totalida<strong>de</strong>, se abre ao hom<strong>em</strong>. Ele vai <strong>de</strong>scobrir a<br />

realida<strong>de</strong>, vai conhecê-la, vai dotá-la <strong>de</strong> sentidos outros. A autora ainda <strong>de</strong>staca<br />

como se revela a importância da palavra: “só através <strong>de</strong>la, base do pensamento<br />

conceptual, formadora da consciência, é possível abordar cada produto <strong>de</strong> que<br />

campo for".<br />

Para BAKHTIN (1992), toda refração i<strong>de</strong>ológica do ser <strong>em</strong> processo <strong>de</strong><br />

formação, seja qual for a natureza <strong>de</strong> seu material significante, é acompanhada <strong>de</strong><br />

uma refração i<strong>de</strong>ológica verbal, como fenômeno obrigatoriamente concomitante.<br />

84


A palavra está presente <strong>em</strong> todos os atos <strong>de</strong> compreensão e <strong>em</strong> todos os atos <strong>de</strong><br />

interpretação.<br />

Conforme MARCONDES FILHO (1984), o texto na TV é<br />

prepon<strong>de</strong>rante. O autor confronta a função da palavra na linguag<strong>em</strong> da tevê e do<br />

cin<strong>em</strong>a.<br />

Na narrativa da tevê, o que importa é o diálogo, a fala, as palavras. Há um<br />

atrofiamento das <strong>de</strong>mais formas expressivas (o silêncio, a linguag<strong>em</strong> dos<br />

ambientes, das paisagens, das cenas por si) <strong>em</strong> favor do texto. No cin<strong>em</strong>a é<br />

diferente: os efeitos visuais po<strong>de</strong>m até <strong>de</strong>sprezar as palavras já que o ambiente<br />

(e a concentração) da exibição permite que se ampli<strong>em</strong> as formas <strong>de</strong> expressão<br />

(MARCONDES FILHO, 1984:16).<br />

O perigo <strong>de</strong> uma imag<strong>em</strong> muda é tanto maior <strong>em</strong> função do grau <strong>de</strong><br />

precisão e clareza da mensag<strong>em</strong> que se preten<strong>de</strong> transmitir. Em um programa <strong>de</strong><br />

ficção, um especial inspirado <strong>em</strong> uma obra literária, por ex<strong>em</strong>plo, que está mais<br />

próximo da estética cin<strong>em</strong>atográfica, o sentido livre, a poliss<strong>em</strong>ia é uma<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejável. O mesmo, contudo, não se <strong>de</strong>ve esperar <strong>de</strong> um telejornal ou<br />

<strong>de</strong> um programa educativo, <strong>em</strong> que se exige o máximo <strong>de</strong> precisão <strong>de</strong> clareza na<br />

elaboração da mensag<strong>em</strong>, justamente para “impedir que ela <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ie um caos<br />

sígnico, ao se abrir a uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alternativas <strong>de</strong> leituras e interpretações”<br />

(REZENDE, 1998).<br />

Assim, ROCCO (1991), <strong>em</strong> outro momento expõe que “se uma imag<strong>em</strong><br />

po<strong>de</strong> valer por mil palavras, há momentos <strong>em</strong> que, talvez, n<strong>em</strong> 10 mil imagens<br />

consigam expressar o po<strong>de</strong>r polissêmico <strong>de</strong> uma única palavra”.<br />

Como expõe Bourdieu, a televisão t<strong>em</strong> um gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>em</strong> todos os<br />

sentidos, sendo capaz <strong>de</strong> criar uma realida<strong>de</strong>, mobilizar uma socieda<strong>de</strong> ou o<br />

contrário:<br />

Os perigos políticos inerentes ao uso ordinário da televisão <strong>de</strong>v<strong>em</strong>-se ao fato<br />

<strong>de</strong> que a imag<strong>em</strong> t<strong>em</strong> a particularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r produzir o que os críticos<br />

literários chamam o efeito <strong>de</strong> real, ela po<strong>de</strong> fazer ver e fazer crer no que faz<br />

ver. Esse po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> evocação t<strong>em</strong> efeitos <strong>de</strong> mobilização. Ela po<strong>de</strong> fazer existir<br />

idéias ou representações, mas também grupos. As varieda<strong>de</strong>, os inci<strong>de</strong>ntes ou<br />

os aci<strong>de</strong>ntes cotidianos po<strong>de</strong>m estar carregados <strong>de</strong> implicações políticas,<br />

éticas, etc. capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar sentimentos fortes, freqüent<strong>em</strong>ente<br />

negativos, como o racismo, a xenofobia, o medo-ódio do estrangeiro, e a<br />

simples narração, o fato <strong>de</strong> relatar, to record, como repórter, implica s<strong>em</strong>pre<br />

uma construção social da realida<strong>de</strong> capaz <strong>de</strong> exercer efeitos sociais <strong>de</strong><br />

mobilização (ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>smobilização) (BOURDIEU, 1997:28).<br />

85


Coelho discutiu algumas das imagens da televisão, que o autor refere-se<br />

como “o gran<strong>de</strong> iconoclasta <strong>de</strong> hoje”, i<strong>de</strong>ntificando o imaginário por elas<br />

constituído no Brasil. Segundo o professor, “a proliferação virótica das imagens,<br />

o que <strong>de</strong>las resta na mente do telespectador, t<strong>em</strong> força suficiente para gerar<br />

imaginários, que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser <strong>de</strong>lineados”. Em uma <strong>de</strong> suas abordagens, o autor<br />

refere-se ao “universo imediato”:<br />

A imag<strong>em</strong>, num processo simbólico forte, é o caldo <strong>em</strong> que o hom<strong>em</strong> se<br />

encontra com seu mundo: não há distância entre a imag<strong>em</strong>, o hom<strong>em</strong> e o<br />

mundo; ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que representa o mundo, a imag<strong>em</strong> é o mundo. Na<br />

TV, a imag<strong>em</strong> é mediação entre o hom<strong>em</strong> e o mundo: há distâncias entre essas<br />

três entida<strong>de</strong>s, e qu<strong>em</strong> po<strong>de</strong> aboli-las é a TV. Primeira conseqüência<br />

paradoxal: o mundo é a TV. Segunda conseqüência paradoxal: eu sou a TV, a<br />

TV sou eu. Paradoxal porque a TV diz abolir essas distâncias, mas seu<br />

interesse e sua prática real consist<strong>em</strong> <strong>em</strong> firmá-las s<strong>em</strong>pre mais (COELHO,<br />

1991:118).<br />

Dimblery e Burton apontam para a importância das imagens, que<br />

oferec<strong>em</strong> mensagens sobre crenças constituindo-se <strong>em</strong> canal dominante da<br />

comunicação na mídia. Os autores ainda acrescentam:<br />

A televisão, é óbvio, divulga imagens <strong>de</strong> toda a espécie. (...) os noticiaristas<br />

exploram esse aspecto da mídia, preferindo histórias com farta ilustração e<br />

enviando câmeras a toda a parte para obter material. Os jornais pensam da<br />

mesma forma. Como já diss<strong>em</strong>os, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre a história é divulgada como ela<br />

realmente aconteceu. As escolhas são feitas <strong>de</strong> forma que seja possível manejálas<br />

(DIMBLERY e BURTON, 1990:198).<br />

BARTHES (1978), escrevendo sobre a fotografia - cujas observações<br />

po<strong>de</strong>m ser estendidas ao cin<strong>em</strong>a e à televisão - <strong>de</strong>fine a imag<strong>em</strong> como “uma<br />

mensag<strong>em</strong> s<strong>em</strong> código”. Essa constatação permite afirmar que, ao menos no<br />

nível da <strong>de</strong>notação, o componente visual da mensag<strong>em</strong> televisiva prescin<strong>de</strong>, <strong>em</strong><br />

princípio, do domínio prévio <strong>de</strong> algum código pelo telespectador. Nesse caso, no<br />

plano ainda meramente teórico, a televisão resolveria os três probl<strong>em</strong>as básicos<br />

da comunicação: o do t<strong>em</strong>po (pelo imediatismo), o do espaço (pela<br />

instantaneida<strong>de</strong> e ubiqüida<strong>de</strong> ) e o do símbolo (pela universalida<strong>de</strong> da linguag<strong>em</strong><br />

visual).<br />

Baseada na capacida<strong>de</strong> expressiva da imag<strong>em</strong>, a linguag<strong>em</strong> televisiva,<br />

seguindo essa linha <strong>de</strong> raciocínio, torna-se universal. Pressupondo-se que a<br />

imag<strong>em</strong> é a reprodução análoga do mundo concreto, os objetos, os el<strong>em</strong>entos da<br />

86


natureza são imutáveis, guardadas as peculiarida<strong>de</strong>s culturais <strong>de</strong> cada região ou<br />

país. O mesmo não se aplicaria à linguag<strong>em</strong> verbal, porque cada língua dispõe <strong>de</strong><br />

palavras próprias para nomear as coisas (REZENDE, 1998).<br />

Para o pesquisador espanhol Vilches, a imag<strong>em</strong> informativa produz<br />

efeito <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, argumentando que toda representação <strong>de</strong> imag<strong>em</strong> informativa<br />

se constrói <strong>em</strong> discurso retórico com suas próprias regras <strong>de</strong> funcionamento:<br />

El funcionamiento espetacular <strong>de</strong> la imag<strong>em</strong> informativa en televisión produce<br />

pues un discurso que va más allá <strong>de</strong> la simple constatación <strong>de</strong> unos hechos y se<br />

manifesta principalmente a través <strong>de</strong> la función <strong>de</strong>l Marco <strong>de</strong> representación <strong>de</strong><br />

la imagen. (...) la imagen informativa como espetáculo o puesta en escena que<br />

se rige según un discurso retórico (VILCHES, 1995:178).<br />

Da mesma forma, CALABRESE (1980) expõe sua argumentação sobre o<br />

efeito <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> espetacular da imag<strong>em</strong> informativa:<br />

El telespectador tiene com el informativo una conducta más s<strong>em</strong>ejante a la <strong>de</strong>l<br />

público,<strong>de</strong> una feria que a la <strong>de</strong>l lector <strong>de</strong> prensa. La información en television<br />

es una puesta en encena cuidadosamente controlada en lá que están previstos<br />

personajes, <strong>de</strong>corados, golpes <strong>de</strong> encena, recursos dramático y cómicos,<br />

consejos e previsiones (el ti<strong>em</strong>po la economia) (CALABRESE, 1980:45).<br />

Seguindo esta concepção, para NEIVA JÚNIOR (1986), é comum o<br />

encanto por aquilo que t<strong>em</strong> o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> simular a realida<strong>de</strong>. Esta passa a ser<br />

secundária <strong>em</strong> relação à imag<strong>em</strong> que a reconstitui enquanto simulação. De<br />

acordo com o autor, “obcecados pelo realismo, discutimos a autenticida<strong>de</strong> da<br />

imag<strong>em</strong> até que nossos discursos nos anestesi<strong>em</strong>; assim, nos acostumamos à<br />

perda do referente”.<br />

3.3.2. O condicionamento i<strong>de</strong>ológico no telejornalismo<br />

31 CHAUÍ (1984:3).<br />

A sist<strong>em</strong>aticida<strong>de</strong> e a coeréncia i<strong>de</strong>ológicas nasc<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminação<br />

muìto precisa: o dìscurso í<strong>de</strong>ológico é aquele que preten<strong>de</strong> coincidir com as<br />

coisas, anular a diferença entre o fiazer e o pensar, o dizer e o ser e, <strong>de</strong>starte,<br />

engendrar uma lógica da i<strong>de</strong>ntificação que unifique pensamento, línguag<strong>em</strong> e<br />

realida<strong>de</strong> para, através <strong>de</strong>ssa lógica, obter a i<strong>de</strong>ntiticação <strong>de</strong> todos os sujeitos<br />

sociais com uma imag<strong>em</strong> particular universalizada, isto é, a imag<strong>em</strong> da classe<br />

dominante 31 (Marilena Chaui).<br />

87


Ao ser abordada, neste estudo, a questão da i<strong>de</strong>ologia, faz-se necessário<br />

buscar a concepção <strong>de</strong> THOMPSON (1987), que faz uma conecção entre<br />

i<strong>de</strong>ologia e relações <strong>de</strong> dominação, mostrando como o estudo da i<strong>de</strong>ologia é<br />

inseparável da forma como as relações sociais se organizam e se sustentam.<br />

Percebe-se que a notícia da TV, a partir <strong>de</strong>sta concepção, media estas relações.<br />

Esta produção <strong>de</strong> sentidos, este processo <strong>de</strong> significação, t<strong>em</strong> uma base material,<br />

que começa no processo <strong>de</strong> produção da notícia e se completa na enunciação, no<br />

conjunto <strong>de</strong> falas e imagens que compõ<strong>em</strong> a notícia.<br />

No que se refere ao termo i<strong>de</strong>ologia, po<strong>de</strong>-se buscar, <strong>de</strong>ntre as<br />

abordagens tradicionais, a formulação <strong>de</strong> PÊCHEUX e FUCHS (1975), que<br />

resi<strong>de</strong> “na articulação <strong>de</strong> três regiões <strong>de</strong> conhecimentos científicos”. Essas três<br />

regiões a ser<strong>em</strong> articuladas são: o materialismo histórico como teoria das<br />

formações sociais e <strong>de</strong> suas transformações, aí compreendida a teoria das<br />

i<strong>de</strong>ologias; a lingüística como teoria ao mesmo t<strong>em</strong>po dos mecanismos sintáticos<br />

e dos processos <strong>de</strong> enunciação; e a teoria do discurso como teoria da<br />

<strong>de</strong>terminação histórica dos processos s<strong>em</strong>ânticos.<br />

O estudo <strong>de</strong> Lane aborda <strong>de</strong> forma significante a questão da i<strong>de</strong>ologia,<br />

assim como também a questão da linguag<strong>em</strong>. Para a autora, existe uma diferença<br />

fundamental entre fazer e falar. Só o fazer produz objetivos e a própria vida.<br />

Segundo Lane, o falar é um instrumento que po<strong>de</strong> não produzir nada, dando a<br />

impressão <strong>de</strong> que algo está sendo produzido. Em seu texto, ela diz:<br />

(...) apenas quando confrontamos as nossas representações sociais com as<br />

nossas experiências e ações, e com as <strong>de</strong> outros do nosso grupo social, é que<br />

ser<strong>em</strong>os capazes <strong>de</strong> perceber o que é i<strong>de</strong>ológico <strong>em</strong> nossas representações e<br />

ações conseqüentes. Ou seja, pensar a realida<strong>de</strong> e os significados atribuídos à<br />

ela, questionando-os <strong>de</strong> forma a <strong>de</strong>senvolver ações diferenciadas, isto é, novas<br />

formas <strong>de</strong> agir, que por sua vez serão objeto <strong>de</strong> nosso pensar, é que nos<br />

permitirá <strong>de</strong>senvolver a consciência <strong>de</strong> nós mesmos, <strong>de</strong> nosso grupo social e <strong>de</strong><br />

nossa classe como produtos históricos <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong> (LANE, 1983:36-<br />

37).<br />

FADUL (1980) argumenta que exist<strong>em</strong> várias alternativas para a<br />

investigação do processo i<strong>de</strong>ológico na TV. A i<strong>de</strong>ologia, <strong>de</strong> acordo com a autora,<br />

po<strong>de</strong> estar presente na própria construção da TV que, s<strong>em</strong> levar <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração<br />

as suas possibilida<strong>de</strong>s na criação <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong>mocrática, seria um<br />

88


instrumento i<strong>de</strong>ológico. Um outro aspecto que a autora discute com relação à<br />

orig<strong>em</strong> do po<strong>de</strong>r i<strong>de</strong>ológico da TV, refere-se ao fato <strong>de</strong>sse veículo, assim como a<br />

fotografia e o cin<strong>em</strong>a, lidar com a “impressão da realida<strong>de</strong>”, resultantes do fato<br />

das imagens da TV ser<strong>em</strong> “análogas” ao real. E na TV, <strong>de</strong>vido à sua<br />

característica da instantaneida<strong>de</strong>, ao contrário da fotografia e do cin<strong>em</strong>a, essa<br />

característica é ainda muito mais marcante.<br />

Para BACCEGA (1995), a i<strong>de</strong>ologia só existe na prática social,<br />

constituindo num sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> valores, pleno <strong>de</strong> representações, <strong>de</strong> imagens -<br />

modo <strong>de</strong> ver o mundo, modo <strong>de</strong> ver a socieda<strong>de</strong>, modo que o hom<strong>em</strong> se vê a si e<br />

aos outros. Enfeixa os pontos <strong>de</strong> vista dos homens que viv<strong>em</strong> num <strong>de</strong>terminado<br />

grupo, classe social ou nação. T<strong>em</strong> o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> "condicionar as atitu<strong>de</strong>s dos<br />

homens" e levá-los a praticar (ou consi<strong>de</strong>rar que praticam) ações que eles<br />

consi<strong>de</strong>ram as mais a<strong>de</strong>quadas para não se <strong>de</strong>sviar <strong>de</strong>sse sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> valores,<br />

montrando-se coerente e sist<strong>em</strong>atizada, o que lhe garante sua força.<br />

Segundo CHAUÍ (1984), a i<strong>de</strong>ologia é um corpo sist<strong>em</strong>ático <strong>de</strong><br />

representações e <strong>de</strong> normas que ensinam a “conhecer e agir”. A análise do<br />

processo i<strong>de</strong>ológico presente no Jornal Nacional t<strong>em</strong> o sentido <strong>de</strong> investigação<br />

sobre os mecanismos <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma concepção <strong>de</strong> mundo heg<strong>em</strong>ônica e<br />

da <strong>de</strong>sarticulação <strong>de</strong> outras concepções que aparec<strong>em</strong> naquele noticiário com um<br />

caráter fragmentário.<br />

Sobre este enfoque, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stacar a análise <strong>de</strong> GRAMSCI (1978),<br />

que, apesar <strong>de</strong> não se referir especificamente à linguag<strong>em</strong> telejornalística, aponta<br />

o fato <strong>de</strong> que “a i<strong>de</strong>ologia constitui uma concepção <strong>de</strong> mundo que se manifesta<br />

na arte, no direito, na ativida<strong>de</strong> econômica e <strong>em</strong> todas as manifestações da vida”.<br />

Desta forma, GRAMSCI (1978) observa a concepção <strong>de</strong> mundo<br />

heg<strong>em</strong>ônica <strong>em</strong> sua relação política <strong>de</strong> direcionamento e “apagamento” <strong>de</strong><br />

el<strong>em</strong>entos i<strong>de</strong>ológicos que faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong> uma cultura das classes subalternas.<br />

Para ele, uma cultura é subalterna enquanto carece <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> classe. Ela é<br />

heterogênea porque nela conviv<strong>em</strong>, ao mesmo t<strong>em</strong>po, influências da classe<br />

dominante, <strong>de</strong>tritos da cultura <strong>de</strong> civilizações prece<strong>de</strong>ntes e el<strong>em</strong>entos<br />

89


i<strong>de</strong>ológicos provenientes da condição <strong>de</strong> classe oprimida. O caráter fragmentário<br />

é, portanto, o el<strong>em</strong>ento característico das novas concepções <strong>de</strong> mundo.<br />

Por outro lado, esse processo i<strong>de</strong>ológico não po<strong>de</strong>ria ser a<strong>de</strong>quadamente<br />

entendido s<strong>em</strong> que fosse exposta a relação entre o Estado e os meios <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> massa na construção heg<strong>em</strong>ônica <strong>de</strong> uma classe social.<br />

3.3.3. A produção <strong>de</strong> notícias e a filtrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> informações<br />

A TV precisa da política para garanti-lhe o noticiário televisivo. A política<br />

precisa da TV para alcançar o eleitorado disperso num amplo teritório. O<br />

probl<strong>em</strong>a está <strong>em</strong> torno como a TV coloca os t<strong>em</strong>as, e na subordinação da<br />

política à gramática do meio 32 (Wilson Gomes).<br />

No aspecto do noticiário, a matéria-prima é a informação, que são os<br />

fatos selecionados como notícia. Com efeito, a notícia é resultado <strong>de</strong> uma seleção<br />

<strong>de</strong> informações disponíveis, através <strong>de</strong> um processo instruído pela cultura, b<strong>em</strong><br />

como por objetivos estratégicos <strong>de</strong> lucro e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político, censurados<br />

explicitamente pelo Estado através <strong>de</strong> leis e pela ética socialmente aceita pelos<br />

meios <strong>de</strong> comunicação. A mão-<strong>de</strong>-obra necessária para fazer a transformação da<br />

informação bruta <strong>em</strong> notícia é composta por jornalistas, como os âncoras,<br />

entrevistadores, correspon<strong>de</strong>ntes, repórteres, além dos operadores dos diversos<br />

equipamentos envolvidos.<br />

MOTA (1992) orienta que o contexto imediato da produção <strong>de</strong> notícias é<br />

o processo pelo qual <strong>de</strong>terminada notícia vai gerar um funcionamento discursivo<br />

<strong>de</strong>terminado, visando à construção <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado significado. Este contexto é<br />

construído numa <strong>de</strong>terminada instituição, on<strong>de</strong> exist<strong>em</strong> rotinas profissionais e<br />

práticas que vão representar <strong>de</strong>terminado nível contextual, uma das camadas <strong>de</strong><br />

construção da notícia.<br />

Estudos recentes <strong>de</strong> pesquisadores sociais sobre o processo <strong>de</strong><br />

reprodução <strong>de</strong> notícias mostram que, por trás do “faro” jornalístico, a pauta surge<br />

<strong>de</strong> um critério <strong>de</strong> valor-notícia. Tuchman e Fishman, citados por MOTA (1992),<br />

argumentam que a coleta <strong>de</strong> notícias se dirige, preferencialmente, para<br />

32 GOMES (1994).<br />

90


instituições que, por si só, passam a se garantir <strong>de</strong> um fluxo diário <strong>de</strong><br />

informações: o Estado, a Justiça e as gran<strong>de</strong>s corporações.<br />

FOWLER et al. (1979) mostram como atores po<strong>de</strong>rosos, como<br />

autorida<strong>de</strong>s governamentais, ten<strong>de</strong>m a aparecer <strong>em</strong> oposições <strong>de</strong> sujeito<br />

principalmente se ag<strong>em</strong> <strong>de</strong> forma positiva. Como agentes <strong>de</strong> ações negativas, eles<br />

aparec<strong>em</strong> <strong>em</strong> construções passivas “assujeitadas” ou são <strong>de</strong>ixados <strong>de</strong> fora da<br />

notícia.<br />

A instituição jornalística, ao se relacionar com outras instituições sociais,<br />

vai privilegiar as instituições que representam o po<strong>de</strong>r. E ao se dirigir a estas<br />

instituições, na coleta <strong>de</strong> notícias, busca as pessoas e grupos mais po<strong>de</strong>rosos<br />

<strong>de</strong>stas instituições. Este critério <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> notícia, privilegiando relações <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r, acaba por legitimar estas relações. Este processo <strong>de</strong> legitimação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

muitas vezes não é visível para o próprio jornalista, que o consi<strong>de</strong>ra um critério<br />

profissional (MOTA, 1992).<br />

Reforçando estas argumentações, COSTA e BRENER (1997) salientam<br />

o apetite que a classe política brasileira t<strong>em</strong> <strong>de</strong>monstrado <strong>em</strong> conseguir para si as<br />

concessões para operação das estações retransmissoras <strong>de</strong> televisão, através <strong>de</strong><br />

um processo <strong>de</strong> aparente favorecimento das autorida<strong>de</strong>s constituídas <strong>em</strong> torno do<br />

Estado para políticos “amigos”.<br />

Quando uma <strong>em</strong>issora <strong>de</strong> TV é proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas com interesses<br />

políticos, o objetivo <strong>de</strong> estruturar programas para organizar audiências obe<strong>de</strong>ce,<br />

também, ao cálculo estratégico <strong>de</strong> plantar mensagens contendo a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

convencer aquela audiência <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado ponto <strong>de</strong> vista.<br />

Desta forma, ALMEIDA (1998a) aborda a questão <strong>de</strong> interesses<br />

i<strong>de</strong>ológicos que suplantam os cálculos <strong>de</strong> lucro. Esta prática fica b<strong>em</strong> evi<strong>de</strong>nte<br />

nos telejornais. Como a TV t<strong>em</strong> o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir a agenda, ela po<strong>de</strong> t<strong>em</strong>atizar<br />

tudo aquilo que represente um ganho para as posições políticas dos proprietários.<br />

Por outro lado, as notícias que possam prejudicar o capital simbólico político dos<br />

proprietários são tratadas <strong>de</strong> modo que elas fiqu<strong>em</strong> diluídas num contexto<br />

comunicativo positivo.<br />

91


Outra característica do contexto imediato da produção da notícia é a<br />

eleição <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados acontecimentos <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outros. Cria-se uma<br />

agenda baseada no sensacionalismo maior ou menor da notícia.<br />

Este critério <strong>de</strong> seleção vai privilegiar, obviamente, <strong>de</strong>terminadas fontes<br />

e vai construir o efeito-verda<strong>de</strong> da notícia <strong>de</strong> forma explícita. Neste caso, a<br />

manipulação da notícia consciente, dirigida e revestida, discursivamente, <strong>de</strong><br />

características autoritárias. Constrói-se um discurso autoritário voltado para um<br />

sentido dominante que exclui outras versões ou visões do probl<strong>em</strong>a, ou do<br />

acontecimento.<br />

Mas se o processo <strong>de</strong> produção começa com a seleção <strong>de</strong> notícias, é na<br />

etapa <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> informações e <strong>de</strong>pois, na etapa <strong>de</strong> edição, que·o processo se<br />

fecha. A própria coleta <strong>de</strong> informações por parte do repórter é seletiva. Ele parte<br />

do que manda a pauta e ouve os chamados powerhol<strong>de</strong>rs <strong>de</strong>terminados por ela<br />

(MOTA, 1992).<br />

Se é um jornalista especializado, trabalhando notícias específicas <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminado campo, como economia ou política, ele terá um contato mais<br />

permanente com as fontes e corre o risco <strong>de</strong> ser um reprodutor <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado<br />

discurso social dominante no seu texto. O jornalismo econômico, via <strong>de</strong> regra,<br />

ten<strong>de</strong> a reproduzir o ponto <strong>de</strong> vista da autorida<strong>de</strong> econômica.<br />

Para Nepomuceno, a construção da notícia na televisão parte <strong>de</strong> um vício<br />

que afeta quase todos os meios <strong>de</strong> comunicação no Brasil: a manipulação <strong>em</strong><br />

maior ou menor grau:<br />

No caso da televisão <strong>em</strong> si, a questão é mais grave justamente pelo seu alcance.<br />

Num país <strong>de</strong> escassa leitura como o nosso, on<strong>de</strong> a vendag<strong>em</strong> <strong>de</strong> jornais é<br />

extr<strong>em</strong>amente parca, meios como o rádio e televisão têm uma força redobrada.<br />

Cada vez que um apresentador <strong>de</strong> telejornal põe o rosto e voz no ví<strong>de</strong>o, esta<br />

levando sua palavra a um número <strong>de</strong> pessoas centenas <strong>de</strong> milhares vezes maior<br />

do que o atingido pela notícia impessa num jornal. Nos últimos anos surgiram<br />

variações <strong>em</strong> torno da pasteurização e da banalização da notícia, e algumas<br />

<strong>de</strong>stas variações apresentam ares <strong>de</strong> inovação. Mas continua dominando,<br />

olímpica, a fórmula que se tornou clássica: intercarlar notícias para baixo com<br />

notícias para cima, vulgarizando a informação. Num veículo ágil, que corre o<br />

permanente risco da superficialida<strong>de</strong>, a fórmula <strong>em</strong> questão torna-se i<strong>de</strong>al para<br />

a neutralida<strong>de</strong> da informação e, acima <strong>de</strong> tudo, para que ela caia<br />

imediatamente no esquecimento. Qualquer pesquisa feita com a audiência <strong>de</strong><br />

um telejornal indica que o espectador retém menos <strong>de</strong> 5% do que ouviu, e é<br />

inclusive incapaz <strong>de</strong> citar mais do que duas ou três notícias <strong>de</strong>ntre aquelas<br />

vinte que acaba <strong>de</strong> receber. Quando se tenta a fórmula <strong>de</strong> aprofundar a<br />

92


informação, o resultado é, <strong>em</strong> nove <strong>de</strong> cada <strong>de</strong>z vezes, trágico. A reflexão não<br />

cabe na fórmula adotada pela imensa maioria dos noticiários da televisão<br />

brasileira (NEPOMUCENO, 1991:209).<br />

O autor ainda <strong>de</strong>staca as duas opções que os apresentadores <strong>de</strong><br />

telejornais apresentam: o “ventríloco”, aquele que recheia a voz <strong>de</strong> impostação e<br />

lê exatamente o que está escrito, “dando a impressão <strong>de</strong> ser a pessoa mais b<strong>em</strong><br />

informada do país”, e o “achômetro”, “aquele que acha qualquer coisa a respeito<br />

<strong>de</strong> qualquer coisa”. Nepomuceno argumenta:<br />

Uma violenta manifestação no centro <strong>de</strong> Porto Alegre, reprimida com furor<br />

pela polícia, aparece na <strong>de</strong>terminação do Achômetro como coisa <strong>de</strong><br />

ba<strong>de</strong>rneiro, uma vergonha. Do outro lado da moeda, uma greve é comentada e<br />

analisada essencialmente pelos <strong>em</strong>presários e políticos alinhados com o<br />

governo. Sindicalista, na televisão brasileira, é novida<strong>de</strong>, e mesmo assim<br />

restrita a segundos. Na média, cada sindicalista é sufocado por três<br />

<strong>em</strong>presários ou representantes patronais (NEPOMUCENO, 1991).<br />

A etapa final <strong>de</strong> edição jornalística fecha o cerco do “filtro da notícia”.<br />

Cabe aos editores os processos <strong>de</strong> arranjo e justaposição das seqüências<br />

informativas <strong>de</strong> uma notícia, processos estes que vão significar a possibi1ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> construção <strong>de</strong> um discurso da notícia voltado para a reprodução ou<br />

transformação das relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Nesta etapa a construção das seqüências<br />

discursivas do texto <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> lado o chamado "material bruto" da informação:<br />

falas, personagens, fatos e imagens, que o editor consi<strong>de</strong>rar menos relevantes. É,<br />

pois, nesta etapa <strong>de</strong> edição, que se <strong>de</strong>lineia <strong>de</strong> fato o efeito <strong>de</strong> sentido, o<br />

fincionamento discursivo da notícia.<br />

Tal abordag<strong>em</strong> também po<strong>de</strong> ser evi<strong>de</strong>nciada <strong>de</strong> acordo com a<br />

argumentação <strong>de</strong> Couto:<br />

Ao observarmos <strong>de</strong>terminadas questões transmitidas pela imprensa no âmbito<br />

das Ciências Sociais, relativas aos movimentos sociais, po<strong>de</strong>mos perceber que<br />

uma outra questão se interpõe entre leitor e mensag<strong>em</strong>: a i<strong>de</strong>ologia, o que está<br />

por trás da redação <strong>de</strong> notícias e como <strong>de</strong>terminados assuntos são tratados.<br />

Essas notícias muitas vezes chegam à população filtradas i<strong>de</strong>ologicamente,<br />

muitas vezes mais <strong>de</strong>sinformando do que informando (COUTO, 1996:14).<br />

De acordo com BORDENAVE (1988), é próprio da comunicação<br />

contribuir para a modificação dos significados que as pessoas atribu<strong>em</strong> às coisas.<br />

É justamente através da modificação <strong>de</strong> significados, que a comunicação acaba<br />

93


por colaborar na transformação das crenças, dos valores e dos comportamentos.<br />

O autor focaliza o po<strong>de</strong>r da comunicação e comunicação do po<strong>de</strong>r.<br />

HERMAN e CHOMSKY (1988) observam que os po<strong>de</strong>rosos<br />

estabelec<strong>em</strong> as pr<strong>em</strong>issas do discurso, para <strong>de</strong>cidir o que permitirá às massas ver,<br />

ouvir ou pensar. Entretanto, os autores faz<strong>em</strong> questão <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar que não<br />

abraçam qualquer hipótese conspiratória. “Nosso tratamento fica muito próximo<br />

<strong>de</strong> uma análise <strong>de</strong> livre mercado e seus resultados são <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte<br />

produzidos pelos efeitos das forças do mercado”, diz<strong>em</strong> eles. Nesse contexto,<br />

conforme acrescentam, a maioria das opções facciosas da mídia nasce da seleção<br />

prévia <strong>de</strong> gente com o “pensamento certo”, prejulgamentos internalizados e da<br />

adaptação das pessoas às restrições do proprietário, da organização, do mercado e<br />

o po<strong>de</strong>r político.<br />

Os pesquisadores americanos também procuram traçar as rotas pelas<br />

quais o dinheiro e o po<strong>de</strong>r filtram as notícias a ser<strong>em</strong> publicadas, marginalizam a<br />

dissensão e permit<strong>em</strong> que o governo e os interesses privados dominantes<br />

transmitam suas mensagens. São cinco filtros assim <strong>de</strong>scritos: 1) a dimensão, a<br />

proprieda<strong>de</strong> concentrada e a orientação para o lucro das firmas dominantes da<br />

mídia; 2) a publicida<strong>de</strong> como fonte <strong>de</strong> receita primária dos meios <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> massa; 3) a confiança na informação fornecida pelo governo,<br />

pelo <strong>em</strong>presariado e pelos "experts", cujos recursos vêm <strong>de</strong>ssas fontes primárias<br />

e agentes do po<strong>de</strong>r; 4) as reações <strong>em</strong> flocos (protestos, cartas, etc.), organizados<br />

ou não, ao que é veiculado; 5) o “anticomunismo” como religião nacional e<br />

mecanismos <strong>de</strong> controle. Esses el<strong>em</strong>entos, diz<strong>em</strong> os autores norte-americanos,<br />

mesclam-se e interag<strong>em</strong>, reforçando-se uns aos outros.<br />

Os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, assim, funcionariam como um<br />

sist<strong>em</strong>a para comunicar mensagens e símbolos às massas <strong>em</strong> geral com a missão<br />

<strong>de</strong> divertir, entreter e informar, como também <strong>de</strong> inculcar nos indivíduos valores,<br />

crenças e códigos <strong>de</strong> comportamento que os integrarão <strong>em</strong> estruturas<br />

institucionais da socieda<strong>de</strong> mais ampla. Fica mais fácil perceber as características<br />

do sist<strong>em</strong>a quando as alavancas do po<strong>de</strong>r estão nas mãos <strong>de</strong> uma burocracia<br />

94


estatal e se recorre à censura oficial. Elas se tornam menos perceptíveis quando a<br />

mídia está nas mãos da iniciativa privada e inexiste a censura formal, ostensiva.<br />

3.3.4. A linguag<strong>em</strong> jornalística e seu funcionamento discursivo<br />

A vida está plena <strong>de</strong> discursos s<strong>em</strong> resposta: é a televisão, o rádio, a<br />

publicida<strong>de</strong> e a propaganda, a imprensa. Dialogando apenas com eles<br />

mesmos, esses discursos constitu<strong>em</strong> mercadorias que circulam nos atos <strong>de</strong><br />

fala. E o hom<strong>em</strong> não realiza plenamente sua condição <strong>de</strong> sujeito 33 (Maria<br />

Aparecida Baccega).<br />

A apropriação da análise <strong>de</strong> discursos para o estudo do jornalismo<br />

justifica-se pela compreensão da linguag<strong>em</strong> como processo produtivo. “A<br />

linguag<strong>em</strong> é trabalho simbólico e torna a palavra um ato social com todas as suas<br />

implicações: conflitos, reconhecimentos, relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, constituição <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, etc.” (ORLANDI, 1988:17).<br />

A análise <strong>de</strong> discursos oferece um ponto <strong>de</strong> vista conveniente, pois os<br />

“enten<strong>de</strong> não como um simples suporte para a transmissão <strong>de</strong> informações, mas<br />

como o que permite construir e moditicar as relações entre os interlocutores, seus<br />

enunciados e seus referentes” (MAINGUENEAU, 1989:20).<br />

Baccega estabelece esta relação entre linguag<strong>em</strong>, i<strong>de</strong>ologia e discurso:<br />

A linguag<strong>em</strong> não é um domínio autônomo, que subsiste e se <strong>de</strong>senvolve por si<br />

mesmo: toda produção i<strong>de</strong>ológica é linguag<strong>em</strong> da vida real. O discurso como<br />

prática apresenta marcas das relações materiais (socioeconômicas, políticas e<br />

culturais) presentes na socieda<strong>de</strong> num <strong>de</strong>terminado momento. Don<strong>de</strong> a idéia<br />

corrente <strong>de</strong> que o pensamento da classe dominante, ou seja, os discursos por<br />

ela produzidos, se constitui no pensamento dominante (BACCEGA, 1995:43).<br />

Nesta medida, a linguag<strong>em</strong> constitui e não <strong>de</strong>screve aquilo que é por ela<br />

representado. Esta concepção abala a prática jornalística, pois se é assimilada,<br />

<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> reivindicar a imparcialida<strong>de</strong> ou a neutralida<strong>de</strong> na passag<strong>em</strong> do<br />

acontecido para o editado e reconhece a notícia como construção <strong>de</strong> um<br />

acontecimento pela linguag<strong>em</strong>. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, esta perspectiva enfatiza a<br />

tensão inerente ao fazer jornalístico, pois é na"crença" da superposição entre o<br />

33 BACCEGA (1995:41).<br />

95


eal e o texto que resi<strong>de</strong> a credibilida<strong>de</strong> da imprensa, que foi sofisticando os<br />

artifícios para comprovar a existência do real/verda<strong>de</strong> com a foto, o rádio e a tevê<br />

(BERGUER, 1998).<br />

Segundo a argumentação <strong>de</strong> BOURDIEU (1974), a linguag<strong>em</strong> não é<br />

apenas um instrumento <strong>de</strong> comunicação ou <strong>de</strong> conhecimento, mas também um<br />

instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Logo, estudar a linguag<strong>em</strong> é analisar como este meio<br />

gerador <strong>de</strong> significados serve à manutenção <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Segundo o<br />

autor, analisar um discurso é perceber as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r existentes através dos<br />

significados criados materialmente na linguag<strong>em</strong>. Estes significados <strong>em</strong>bebidos<br />

<strong>em</strong> formas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r faz<strong>em</strong> a passag<strong>em</strong> entre a linguag<strong>em</strong> e a i<strong>de</strong>ologia. É a<br />

mobilização dos significados que vai servir à dominação.<br />

MARIANI (1993) i<strong>de</strong>ntifica o discurso jornalístico como processo<br />

histórico, on<strong>de</strong> passado, presente e futuro faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong> seu contexto<br />

construtivo:<br />

A análise do discurso jornalístico se faz importante e necessária já que este,<br />

enquanto prática social, funciona <strong>em</strong> várias dimensões t<strong>em</strong>porais<br />

simultaneamente: capta, transforma e divulga acontecimentos, opiniões e idéias<br />

da atualida<strong>de</strong> - ou seja, lê o presente - ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que organiza um<br />

futuro - as possíveis conseqüências <strong>de</strong>sses fatos do presente - e, assim, legitima,<br />

enquanto passado - m<strong>em</strong>ória - a leitura <strong>de</strong>sses mesmos fatos do presente, no<br />

futuro. Não se trata, aqui, como po<strong>de</strong> parecer, <strong>de</strong> um mero jogo <strong>de</strong> palavras.<br />

No nosso enten<strong>de</strong>r, o discurso jornalístico toma parte no processo histórico <strong>de</strong><br />

seleção dos acontecimentos que serão recordados no futuro. E mais ainda: uma<br />

vez que ao selecionar está engendrando e fixando sentido para estes<br />

acontecimentos. A impressa acaba por constituir no discurso um modo<br />

(possível) <strong>de</strong> recordação do passado. Analisar o discurso jornalístico é<br />

consi<strong>de</strong>rá-lo do ponto <strong>de</strong> vista do funcionamento imaginário <strong>de</strong> uma época: o<br />

discurso jornalístico tanto se comporta como uma prática social produtora <strong>de</strong><br />

sentidos como também, direta ou indiretamente, veicula as várias vozes<br />

constitutivas daquele imaginário. Em suma, o discurso jornalístico (assim como<br />

qualquer outra prática discursiva) integra uma socieda<strong>de</strong>, sua história. Mas ele<br />

também é história, ou melhor, ele está entranhado <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong> (MARIANI,<br />

1993:33).<br />

ORLANDI (1988), ao trabalhar uma tipologia dos discursos, i<strong>de</strong>ntifica<br />

três tipos - o autoritário, o polêmico e o lúdico - tendo como crítério a interação<br />

(a reversibilida<strong>de</strong>, a troca <strong>de</strong> papéis ou <strong>de</strong> estatutos entre interlocutores) e a<br />

relação entre poliss<strong>em</strong>ia e paráfrase (a possibilida<strong>de</strong> ou não <strong>de</strong> múltiplos<br />

sentidos).<br />

96


Seguindo as pistas da autora, consi<strong>de</strong>ra-se o discurso jornalístico o objeto<br />

teórico, enquanto a notícia é o objeto <strong>em</strong>pírico/analítico. E a noção <strong>de</strong> tipo<br />

operacionaliza esta relação, pois:<br />

(...) dada a institucionalização da linguag<strong>em</strong>, os tipos se estabelec<strong>em</strong> como<br />

produto <strong>de</strong>ssa institucionalização e se fixam como padrões, como mo<strong>de</strong>los.<br />

Esses produtos, os tipos vão entrar nas condições <strong>de</strong> produção do discurso, <strong>em</strong><br />

seu funcionamento que, por sua vez,<strong>de</strong>termina aquilo que po<strong>de</strong> vir a constituir<br />

um novo tipo ou a reproduzir uma forma já estabelecida (ORLANDI, 1988:23).<br />

Um campo t<strong>em</strong> um padrão, um mo<strong>de</strong>lo discursivo que entra nas<br />

condições <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> cada novo discurso. O tipo padrão ou o consensual do<br />

discurso jornalístico é, s<strong>em</strong> dúvida, o informativo, pois é a vocação da imprensa<br />

cobrir todas as dimensões da vida social, mas seguindo a tipologia indicada<br />

acima po<strong>de</strong>-se enquadrá-lo na tendência ao tipo autoritário.<br />

De acordo com o método proposto por Eni Orlandi (consi<strong>de</strong>rando que a<br />

tipologia é uma tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição e <strong>de</strong>ve ser interpretada e não aplicada<br />

mecanicamente), observam-se as marcas e a proprieda<strong>de</strong> do discurso jornalístico<br />

e os inclui na tendência ao tipo autoritário. Usando como critério <strong>de</strong> observação a<br />

interação - troca <strong>de</strong> papéis entre os interlocutores - constatam-se que estes<br />

interag<strong>em</strong> pelo discurso mas não trocam <strong>de</strong> papel: a fonte, os jornalistas e o leitor<br />

ocupam papéis fixos. E, pelo segundo critério, <strong>de</strong> predominância entre poliss<strong>em</strong>ia<br />

ou paráfrase, avaliou-se que, apesar da composição polifônica, o sentido do<br />

conjunto do discurso jornalístico ten<strong>de</strong> para o mesmo, para a paráfrase. Além<br />

disso, ao acrescentar as condições <strong>de</strong> produção (industrial e lucrativa) do<br />

discurso da imprensa, po<strong>de</strong>-se confirmá-lo na tendência ao tipo autoritário<br />

(ORLANDI, 1987, l988).<br />

Berguer, <strong>em</strong> recente estudo sobre as relações entre o MST e o jornal do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Zero Hora, expõe sobre a questão dos capitalistas<br />

influenciando no discurso veiculado pelo meio jornalístico, que a autora<br />

<strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “híbrido”:<br />

Se o capital gira <strong>em</strong> tomo do discurso e <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> possui as condições <strong>de</strong><br />

elaboração do mesmo, é também fundamental reconhecer que a imprensa não<br />

produz apenas um tipo <strong>de</strong> discurso mas que conviv<strong>em</strong> nela diferentes<br />

tendências e que as condições sociais e institucionais no interior <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ele é<br />

produzido contribu<strong>em</strong> na <strong>de</strong>finição do contorno ou na ênfase <strong>em</strong> um tipo. Por<br />

ex<strong>em</strong>plo, há o discurso informativo autoritário persuasivo, o informativo<br />

97


autoritário polêmico, o informativo autoritário opinativo e o informativo<br />

autoritário irônico. Por isso, o discurso jornalístico é híbrido e somente a<br />

observação do funcionamento do discurso <strong>de</strong> um jornal corn suas condições <strong>de</strong><br />

produção permitirá <strong>de</strong>screver o tipo informativo <strong>de</strong>ste jornal e se capital que,<br />

no entanto, estará inscrito nas características do discurso mediático: ele é<br />

público, institucionalizado e legitimado para as transmissões do saber<br />

cotidiano. É o discurso da atualida<strong>de</strong> corn recursos estetizantes (BERGUER,<br />

1998:24). 34<br />

ALMEIDA (1998a) argumenta que para mediar <strong>de</strong>bates públicos, a TV<br />

precisa ter uma imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> isenção. Entretanto, com muita freqüência os<br />

proprietários políticos, como <strong>em</strong>presários da TV, “interfer<strong>em</strong> com a pauta das<br />

notícias locais, dando-lhes uma versão mais do que conveniente, com nítido viés,<br />

com vistas a minar a imag<strong>em</strong> do adversário político” (ALMEIDA, 1998a:11).<br />

3.3.4.1. O discurso telejornalístico<br />

Os discursos que cortam a cena cont<strong>em</strong>porânea ou rejeitam a enumerabilida<strong>de</strong><br />

dos fatos tornados símbolos, isto é, foram já constituídos no domínio simbólico,<br />

passando a integrar a realida<strong>de</strong> discursiva. (...) A questão da verda<strong>de</strong> já não<br />

t<strong>em</strong> mais tanta importância e fica submetida a outros valores como “coerência,<br />

aceitabilida<strong>de</strong>, a<strong>de</strong>quação e utilida<strong>de</strong>, norteados pelos repertórios do<br />

conhecimento, crenças e valores... 35 (Marise Baesso Tristão).<br />

Ao contrário da análise <strong>de</strong> conteúdo que toma o texto como um<br />

documento, a análise do discurso vê a linguag<strong>em</strong> como um processo social.<br />

Como prática social, o jornalismo constrói significativa realida<strong>de</strong>. Esta produção<br />

se sentidos não é transparente, mas i<strong>de</strong>ológica (MOTA, 1992).<br />

Definindo propriamente o conceito <strong>de</strong> discurso, PÊCHEUX (1995)<br />

afirma ser o discurso um enunciado formulado <strong>em</strong> certas condições <strong>de</strong> produção,<br />

<strong>de</strong>terminando um certo processo <strong>de</strong> significação. O processo <strong>de</strong> enunciação, na<br />

perspectiva discursiva, vincula a linguag<strong>em</strong> ao seu contexto e o centro<br />

organizador da expressão <strong>de</strong>ve ser buscado no exterior, na i<strong>de</strong>ologia. O discurso<br />

é assim não apenas transmissão da informação, mas efeito <strong>de</strong> sentido entre<br />

locutores.<br />

34 Ver Apêndice F.<br />

35 TRISTÃO (1993:86).<br />

98


A noção <strong>de</strong> sujeito é fundamental para o estudo do jornalismo que na sua<br />

constituição prevê a interação entre vários sujeitos. Na produção do texto<br />

jornalístico conviv<strong>em</strong> o enunciador e o <strong>em</strong>issor, compondo o sujeito da<br />

enunciação. A notícia, por outro lado, ao contar uma história, conta a história <strong>de</strong><br />

alguém, sujeito do enunciado. E, como não há processo <strong>de</strong> comunicação que não<br />

consi<strong>de</strong>re o <strong>de</strong>stinatário, este é constituído no plano s<strong>em</strong>ântico para assegurar<br />

<strong>de</strong>terminado contrato <strong>de</strong> leitura. Ou, como diz Umberto Eco, “além <strong>de</strong> supor<br />

competência <strong>de</strong> seu leitor-mo<strong>de</strong>lo, o texto a institui não somente prevendo um<br />

leitor, senão também construindo-o” (Eco, citado por BERGUER, 1998:20).<br />

Baccega também ressalta que os conceitos <strong>de</strong> enunciação e enunciado<br />

são indispensáveis para se analisar a constituição dos discursos:<br />

A enunciação é, portanto, o lugar on<strong>de</strong> "nasce" o discurso, o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

"brota" o discurso. O enunciado é a manifestação <strong>de</strong>sse discurso, quer seja na<br />

modalida<strong>de</strong> escrita da língua, quer seja na modalida<strong>de</strong> oral. A enunciação se<br />

relaciona com a formação i<strong>de</strong>ológica. A formação i<strong>de</strong>ológica relaciona-se com<br />

a dinâmica das classes sociais, as quais têm interesses opostos e conflitantes.<br />

Apesar disso, não po<strong>de</strong>mos dizer que cada classe pratica uma i<strong>de</strong>ologia<br />

totalmente diversa da outra classe. Isso porque há uma i<strong>de</strong>ologia dominante<br />

que perpassa todas as formações i<strong>de</strong>ológicas e, portanto, todas as formações<br />

discursivas. A classe dominante procura tornar a língua sua proprieda<strong>de</strong><br />

privada (BACCEGA, 1995:53).<br />

Neste sentido, <strong>de</strong>ve-se recorrer ao alerta <strong>de</strong> BAKHTIN (1992), expondo<br />

que o signo reflete e refrata a realida<strong>de</strong> e esse “<strong>de</strong>svio”, essa refração do ser no<br />

signo nada mais é do que o confronto <strong>de</strong> interesses sociais nos limites <strong>de</strong> uma só<br />

e mesma comunida<strong>de</strong> s<strong>em</strong>iótica, ou seja, a luta <strong>de</strong> classes.<br />

Mas aquilo mesmo que torna o signo i<strong>de</strong>ológico vivo e dinâmico faz <strong>de</strong>le um<br />

instrumento <strong>de</strong> refração e <strong>de</strong> <strong>de</strong>formação do ser. A classe dominante ten<strong>de</strong> a<br />

conferir ao signo i<strong>de</strong>ológico um caráter intangível e acima das diferenças <strong>de</strong><br />

classe, a fim <strong>de</strong> abafar ou <strong>de</strong> ocultar a luta dos índices sociais <strong>de</strong> valor que aí<br />

se trava, a fim <strong>de</strong> tornar o signo monovalente (BAKHTIN, 1992:47).<br />

A formação discursiva também po<strong>de</strong> ser compreendida por meio do<br />

conceito <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m discursiva <strong>de</strong> FOUCAULT (1973), que toma por base a<br />

instituição para estabelecer a orig<strong>em</strong> <strong>de</strong> um processo discursivo marcado por<br />

tensões, contradições e incompatibilida<strong>de</strong>s, que vão se traduzir no texto. Assim,<br />

enten<strong>de</strong>-se formações discursivas como<br />

... um conjunto <strong>de</strong> regras anônimas, hustóricas, s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>terminadas no<br />

t<strong>em</strong>po e no espaço que <strong>de</strong>finiram <strong>em</strong> uma época dada, e para uma área<br />

99


classes:<br />

social, econômica, geográfica ou linguística, dada as condições <strong>de</strong> exercício<br />

da função enunciativa (FOUCAULT, 1986).<br />

Para Baccega, todo o discurso está inscrito nas relações i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong><br />

Os discursos vão materializar as “visões <strong>de</strong> mundo” das diferentes classes<br />

sociais, com seus interesses antagônicos, os quais se manifestam através <strong>de</strong> um<br />

estoque <strong>de</strong> palavras e <strong>de</strong> regras combinatórias que constitu<strong>em</strong> a maneira <strong>de</strong><br />

uma <strong>de</strong>terminada classe social pensar o mundo num <strong>de</strong>terminado momento<br />

histórico: são as várias formações i<strong>de</strong>ológicas correspon<strong>de</strong>ntes às várias<br />

formações discursivas (BACCEGA, 1995:52).<br />

A questão da i<strong>de</strong>ologia presente no discurso r<strong>em</strong>ete a aprofundamentos<br />

teóricos no campo da linguag<strong>em</strong>, <strong>de</strong> acordo com POSSENTI (1993). Muito se<br />

t<strong>em</strong> discutido sobre o aspecto i<strong>de</strong>ológico contido na linguag<strong>em</strong>. O discurso,<br />

enquanto linguag<strong>em</strong> e enquanto ato individual, é naturalmente i<strong>de</strong>ológico,<br />

partindo-se do pressuposto <strong>de</strong> que todo discurso carrega <strong>em</strong> si particularida<strong>de</strong>s, e<br />

qu<strong>em</strong> escreve, por mais objetivo que seja, traduz, através <strong>de</strong> seu discurso, formas<br />

particulares <strong>de</strong> abordag<strong>em</strong>:<br />

(...) o discurso permite, alternativamente, e <strong>de</strong> acordo com os interesses dos<br />

que o tomam como objeto <strong>de</strong> análise, privilégios diversificados. Assim é que,<br />

para alguns, ele é um acontecimento antes <strong>de</strong> mais nada i<strong>de</strong>ológico, isto é,<br />

expressão das posições <strong>de</strong> classe ou grupo, e será sobre esse fulcro que<br />

incidirá o trabalho fundamental <strong>de</strong> tais analistas do discurso (POSSENTI,<br />

1993:113).<br />

Para MOTA (1992), a formação i<strong>de</strong>ológica impõe o pensar e a formação<br />

discursiva <strong>de</strong>termina o que dizer. A realida<strong>de</strong> se exprime pelos discursos que<br />

materializam as representações i<strong>de</strong>ológicas, já que as idéias e as representações<br />

não exist<strong>em</strong> fora dos quadros lingüísticos. Logo as formações i<strong>de</strong>ológicas só<br />

ganham existência nas formações discursivas. Segundo a autora, o discurso é um<br />

lugar <strong>de</strong> reprodução <strong>de</strong> dada formação i<strong>de</strong>ológica.<br />

É importante, neste contexto, enfatizar uma citação <strong>de</strong> Fiorin, que<br />

também argumenta sobre as formações discursivas:<br />

Na medida <strong>em</strong> que as formações discursivas materializam as formações<br />

i<strong>de</strong>ológicas e estas estão relacionadas às classes sociais, os agentes<br />

discursivos são as classes e as frações <strong>de</strong> classe. (...) <strong>em</strong>bora haja diferentes<br />

formações discursivas numa formação social, a formação discursiva<br />

dominante é a da classes dominante (FIORIN, 1988:43).<br />

100


Segundo a argumentação <strong>de</strong> ORLANDI (1987), a análise do discurso se<br />

constrói não como uma alternativa para a Lingüística, mas como proposta crítica<br />

que procura justamente probl<strong>em</strong>atizar as formas <strong>de</strong> reflexão estabelecidas. A<br />

autora ainda afirma que o objeto da análise <strong>de</strong> discurso é a linguag<strong>em</strong> verbal do<br />

hom<strong>em</strong> no mundo, b<strong>em</strong> como as relações que esse hom<strong>em</strong> estabelece com a<br />

realida<strong>de</strong>, através da palavra. “O domínio da Análise <strong>de</strong> Discurso é o domínio do<br />

fragmentário, do disperso, do incompleto, do não transparente”.<br />

MOTA (1992) expõe que três aspectos presi<strong>de</strong>m a argumentação no<br />

discurso: a relação <strong>de</strong> forças (os lugares sociais e as posições no discurso) ou<br />

ainda a relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> estruturas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r; a relação <strong>de</strong> sentido ou a<br />

relação entre os vários discursos e a antecipação, conforme propõe Pêcheux,<br />

processo <strong>de</strong> natureza argumentativa sobre o qual se funda a estratégia do<br />

discurso.<br />

autora<br />

Orlandi também argumenta sobre o lugar do silêncio no discurso. Para a<br />

O silêncio, tanto quanto a palavra, t<strong>em</strong> suas condições <strong>de</strong> produção; por isso,<br />

dada a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas, o sentido do silêncio varia, isto é, ele é tão ambíguo<br />

quanto as palavras. O silêncio imposto pelo opressor é exclusão, é forma <strong>de</strong><br />

dominação, enquanto que o silêncio proposto pelo oprimido po<strong>de</strong> ser uma<br />

forma <strong>de</strong> resistência (ORLANDI, 1987:263).<br />

Desta forma, po<strong>de</strong>-se observar que a fala é silenciadora, <strong>em</strong> vários níveis,<br />

consi<strong>de</strong>rando que a função mais própria do discurso jornalístico autoritário não é<br />

impedir que as pessoas digam o que quer<strong>em</strong>, mas, sobretudo, obrigá-las a dizer o<br />

que não quer<strong>em</strong>, como expõe BARTHES (1978). Po<strong>de</strong>-se afirmar que às relações<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r interessa menos calar o interlocutor do que obrigá-lo a dizer o que se<br />

quer ouvir. A isso Orlandi chama <strong>de</strong> injunção ao dizer:<br />

(...) silenciar náo é o mesmo que calar o interlocutor. A fala po<strong>de</strong> ser<br />

sitenciadora quanto ao que se diz. Em certas condições, se fala para não se<br />

dizer certas coisas, para não se permitir que se digam coisas que causam<br />

transformações limites, ou melhor, como diria Caetano, para não se dizer (ou<br />

<strong>de</strong>ixar dizer) as ouiras palavras. Nesse sentido, a fala é silenciadora enquanto<br />

domínio do mesmo (ORLANDI, 1987:264).<br />

É importante também ressaltar que a categoria <strong>de</strong> mediador do discurso<br />

não é transparente. Ao contrário, para ORLANDI (1987)<br />

101


(...) o mediador t<strong>em</strong> uma função <strong>de</strong>cisiva na constituição das relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

Ser mediador, no domínio do discurso, é fixar sentidos, é organizar as relações<br />

e disciplinar os conflitos. Além disso, essa reflexão também nos indica que o<br />

ato <strong>de</strong> nomear t<strong>em</strong> implicações i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong>cisivas (ORLANDI, 1987:275).<br />

Neste sentido, a análise do discurso, aplicada ao estudo do jornalismo,<br />

permite levantar <strong>em</strong> que condições e <strong>de</strong> que forma as notícias do Jornal<br />

Nacional, referentes ao MST, operam para a expressão e reprodução <strong>de</strong> relações<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e se o discurso jornalístico t<strong>em</strong> características <strong>de</strong> mediador <strong>de</strong>stas<br />

relações, construídas através do verbal e do icônico.<br />

É preciso ressaltar que LAGE (1985) introduz a s<strong>em</strong>ântica no estudo do<br />

texto jornalístico, mostrando que os enunciados, <strong>em</strong> jornalismo, dão conta <strong>de</strong><br />

transformações, <strong>de</strong>slocamentos num domínio marcado pelo referencial. São<br />

também <strong>de</strong> Lage os trabalhos sobre euf<strong>em</strong>ismos e metáforas no texto jornalístico,<br />

como formas <strong>de</strong> construção do mito retórico, possibilitando manter vivas regras<br />

sociais.<br />

3.3.5. Pistas teóricas sobre os aspectos discursivos do Jornal Nacional<br />

A verda<strong>de</strong> é o que nós diz<strong>em</strong>os sobre os fatos" [...] "As verda<strong>de</strong>s <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> dos<br />

fatos; elas, porém, mergulham <strong>de</strong> novo nos fatos e traz<strong>em</strong> acréscimos a estes;<br />

os fatos criam <strong>de</strong> novo ou revelam nova verda<strong>de</strong> (a palavra é indiferente) e<br />

assim in<strong>de</strong>finidamente. Os fatos <strong>em</strong> si mesmos, nesse meio t<strong>em</strong>po, não são<br />

verda<strong>de</strong>iros. Simplesmente são. A verda<strong>de</strong> é função das crenças que começam e<br />

terminam entre eles. 36<br />

Antes <strong>de</strong> direcionar este estudo no sentido <strong>de</strong> se analisar o material<br />

<strong>em</strong>pírico, é preciso <strong>de</strong>stacar algumas consi<strong>de</strong>rações importantes que integram<br />

nosso “corpus” analítico.<br />

Segundo ORLANDI (1987), para a análise do discurso o que importa é<br />

<strong>de</strong>stacar o modo <strong>de</strong> funcionamento que não é integralmente lingüístico, uma vez<br />

que <strong>de</strong>le faz<strong>em</strong> parte as condições <strong>de</strong> produção, que representam o mecanismo <strong>de</strong><br />

situar os protagonistas e o objeto do discurso.<br />

A questão do enunciado no discurso é essencial para se enten<strong>de</strong>r uma<br />

formação discursiva. Conforme MACEDO JÚNIOR (1990:155), seguindo as<br />

36 JAMES (1985:81).<br />

102


pistas analíticas <strong>de</strong> Foucault, uma formação discursiva po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida como<br />

uma dispersão <strong>de</strong> enunciados que apresentam uma regularida<strong>de</strong>, sendo<br />

individualizadas <strong>de</strong> acordo com as seguintes regras: o nível dos objetos, o nível<br />

das formações enunciativas, o nível dos conceitos e o nível das estratégias,<br />

constituídas por t<strong>em</strong>as ou teorias. Neste sentido, o “enunciado não se constitui a<br />

partir do isomorfismo do domínio do discurso com o mundo, mas, constituiu-se<br />

no próprio jogo enunciativo”.<br />

Mas é preciso também mencionar a inter-relação do fato com a versão do<br />

fato, que t<strong>em</strong> como produto final o enunciado, a notícia. Uma primeira<br />

constatação é que, no processo <strong>de</strong> produção da notícia, no ritual <strong>de</strong> passag<strong>em</strong> do<br />

fato à notícia, engendra-se uma nova realida<strong>de</strong> que, correspon<strong>de</strong>ndo a novas<br />

representações, serve para enfeitiçar a sua realida<strong>de</strong> original. Uma segunda<br />

constatação, partindo <strong>de</strong>sta análise, é que apesar <strong>de</strong> existir um consenso <strong>de</strong> que a<br />

notícia seria o relato do fato real, procura-se vislumbrar nela sua função social <strong>de</strong><br />

formadora <strong>de</strong> opinião pública, <strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong> conhecimento do mundo, s<strong>em</strong><br />

se questionar propriamente se isso é possível, ou se a própria notícia não é<br />

também um fato jornalístico que mascara a realida<strong>de</strong>. Este argumento po<strong>de</strong> ser<br />

constatado por Siqueira:<br />

Os veículos selecionam, filtram, organizam e distribu<strong>em</strong> informações<br />

geradas nos centros <strong>de</strong> produção (...). Neste processo, a informação<br />

passa por reiteradas formatações antes <strong>de</strong> ser transmitida para o<br />

público. Este recontextualizar <strong>de</strong>monstra que, além <strong>de</strong> uma<br />

necessida<strong>de</strong> técnica inerentre ao meio, há um controle simbólico sobre<br />

o que é veiculado (SIQUEIRA, 1998:61).<br />

Para BERGUER (1998), a imprensa atual não é somente porta-voz do<br />

social; ela também faz o social existir, publicizando-o através da visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

um real. Assim, não só o acontecimento cria a notícia, como a notícia cria o<br />

acontecimento.<br />

Como salienta Wolf, a questão <strong>de</strong> se <strong>de</strong>finir sobre o que vai se<br />

transformar <strong>em</strong> notícia, nos telejornais, vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> conexões e relações<br />

existentes entre o contexto da cultura dos profissionais jornalistas e a organização<br />

do trabalho dos processos produtivos. Neste sentido, po<strong>de</strong>-se r<strong>em</strong>eter a uma<br />

importante análise do referido pesquisador, com relação à cobertura dos mass<br />

103


media no que se refere aos movimentos sociais:<br />

(...) Tais movimentos começam a constituir notícia, a ultrapassar o limiar da<br />

noticiabilida<strong>de</strong>, quando se consi<strong>de</strong>ra que se tornaram suficient<strong>em</strong>ente<br />

significativos e relevantes para ir<strong>em</strong> ao encontro do interesse do público ou<br />

quando dão lugar a acontecimentos planejados <strong>de</strong> propósito para ir<strong>em</strong> ao<br />

encontro das exigências dos mass media. Isto é, estabelece-se uma integração<br />

entre as estratégias <strong>de</strong> noticiabilida<strong>de</strong> adoptadas pelos “single issue<br />

mov<strong>em</strong>ents» e os valores/notícia aplicados pelos orgãos <strong>de</strong> informação: a nível<br />

comunicativo, esses movimentos produz<strong>em</strong> tudo aquilo <strong>de</strong> que se (alimentam)<br />

os mass media (documentação que po<strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong> controvérsia, materiais<br />

informativos a utilizar, figuras <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res, manifestações <strong>de</strong> massas, por vezes,<br />

recontros <strong>de</strong> rua e consequent<strong>em</strong>ente, material visual que po<strong>de</strong> ser usado, etc.).<br />

À medida que a integração, a nível <strong>de</strong> noticiabilida<strong>de</strong>, prossegue, os mass<br />

media são estruturalmente levados e falar <strong>de</strong>sses movimentos e a difundir a sua<br />

imag<strong>em</strong>, ou seja, a sua importância e o seu papel aumentam, acelerando-se, ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po, a sua marcha para a institucionalização. Por conseguinte, esses<br />

movimentos acabam por se tornar fontes estáveis (e já não ocasionais e<br />

controversas) dos orgãos <strong>de</strong> informação. Em geral, po<strong>de</strong> dizer-se que cada<br />

novo setor, t<strong>em</strong>a, argumento ou assunto que represente uma ampliação da<br />

esfera informativa, se torna regularmente (noticiado), na medida <strong>em</strong> que se<br />

verifica um reajustamento e uma re<strong>de</strong>finição dos valores/notícia (WOLF,<br />

1987:176).<br />

No que se refere propriamente ao Jornal Nacional, po<strong>de</strong>m-se <strong>de</strong>stacar as<br />

consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Vieira, que realizou uma análise s<strong>em</strong>iótica sobre o mesmo<br />

programa jornalístico, contextualizado no ambiente que o cerca, no seu t<strong>em</strong>po <strong>de</strong><br />

veiculação e no seu tratamento estético e discursivo:<br />

A notícia no Jornal Nacional - JN- começa <strong>em</strong> geral como todos os outros<br />

(escalada. vinheta <strong>de</strong> abertura). A diferença está no modo como o apresentador<br />

faz a sua entrada e <strong>em</strong>ite a expressão <strong>de</strong> contato: William Bonner e Fátima<br />

Bernar<strong>de</strong>s, apresentadores. faz<strong>em</strong> a escalada das matérias e na seqüência<br />

t<strong>em</strong>os no ví<strong>de</strong>o a vinheta do JN. Depois <strong>de</strong>ste introito ouvimos o locutor <strong>de</strong><br />

cabine dizer: “Está no ar o JN com William Bonner e Fátima Bernar<strong>de</strong>s”.<br />

Agora sim t<strong>em</strong>os o “Boa-Noite” galante dos apresentadores. Num primeiro<br />

olhar estas expressões parec<strong>em</strong> não ter gran<strong>de</strong> valor. Entretanto, o modo como<br />

são feitas faz sentido no todo do telejornal. Sua forma primeira <strong>de</strong> aparecer se<br />

relaciona com a condução do programa e com seu acabamento estético.<br />

Definidor do seu padrão <strong>de</strong> trazer as notícias ao telespectador. No JN as<br />

notícias são apresentadas <strong>de</strong> modo estratificado, marcado. Os acontecimentos<br />

são dados <strong>de</strong> maneira breve on<strong>de</strong> cada inserção seja do apresentador, do<br />

repórter, das fontes, do comentarista, as condições do t<strong>em</strong>po é b<strong>em</strong> medida.<br />

Perceb<strong>em</strong>os que a formalida<strong>de</strong> com a qual a expressão <strong>de</strong> contato é realizada<br />

anuncia a aparência, conteúdo e tom das notícias. N<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre as mais<br />

importantes são dadas com <strong>de</strong>staque. O t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>dicado ao noticiário <strong>em</strong> geral<br />

toma <strong>de</strong> 30 a 40 minutos e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da audiência dos <strong>de</strong>mais canais o<br />

espaço para as informações po<strong>de</strong> se alongar. (...) Enfim, no JN as varieda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> vozes constitu<strong>em</strong> um recurso através do qual a Re<strong>de</strong> Globo marca a sua<br />

presença, ao mediar o aqui e agora do acontecimento real. No entanto, os<br />

acontecimentos ao ser<strong>em</strong> noticiados, receb<strong>em</strong> um tratamento jornalístico e a<br />

sucessão dos segmentos visuais e verbais passa a ser diversa daquela<br />

104


encontrada na or<strong>de</strong>m natural e cronológica, tal como os fatos se suce<strong>de</strong>m na<br />

vida real (VIEIRA, 1998).<br />

Dentro da discussão sobre discurso e po<strong>de</strong>r, po<strong>de</strong>-se indagar ainda sobre<br />

as perspectivas <strong>de</strong> análise do MST a partir do discurso telejornalístico do Jornal<br />

Nacional, nas formas <strong>de</strong> informar e orientar preferências, através das formações<br />

discursivas inseridas no contexto da informação. SCHERER-WARREN (1993)<br />

coloca a questão a partir do que po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar o papel das tecnologias <strong>de</strong><br />

informação e dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa nas formas <strong>de</strong> organização da<br />

socieda<strong>de</strong> civil:<br />

(...) verificar <strong>em</strong> maiores <strong>de</strong>talhes, tanto nos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa<br />

como na imprensa alternativa, os espaços <strong>de</strong> massificação, <strong>de</strong> uniformização,<br />

<strong>de</strong> consolidação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias dominantes versus espaços <strong>de</strong> contestação das<br />

formas <strong>de</strong> dominação ou discriminação, <strong>de</strong> difusão <strong>de</strong> propostas alternativas <strong>de</strong><br />

vida social <strong>de</strong> novos valores universalizáveis <strong>de</strong> acordo com os interesses <strong>de</strong><br />

novos atores coletivos mencionados, b<strong>em</strong> como o espaço para a formação e<br />

comunicação das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> movimentos (SCHERER-WARREN, 1993:25).<br />

Conforme COUTO (1996), é importante questionar sobre qual a efetiva<br />

influência que os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa sobre a socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação<br />

aos movimentos sociais, no sentido <strong>de</strong> perpetuar o autoritarismo, o preconceito e<br />

a <strong>de</strong>sinformação.<br />

GUATTARI (1987), neste sentido, <strong>de</strong>ve ser rel<strong>em</strong>brado, quando<br />

argumenta que é imprescindível que o indivíduo, mesmo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu<br />

“grupelho”, procure se <strong>de</strong>sligar da i<strong>de</strong>ologia que o manipula, que, segundo o<br />

autor “nos gruda à pele, fala por si mesma <strong>em</strong> nós”.<br />

105


4.1. Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise<br />

4. METODOLOGIA<br />

Foram analisadas as gravações <strong>de</strong> 54 reportagens do Jornal Nacional,<br />

referentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra, veiculadas no<br />

período <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1997 a junho <strong>de</strong> 1998. No que se refere ao material, fez-se<br />

necessário <strong>de</strong>stacar as principais reportagens, que <strong>de</strong>ram maior <strong>em</strong>basamento<br />

analítico quanto à questão da polêmica, "status" falantes nas mensagens,<br />

repercussão <strong>de</strong> atos do movimento, entre outras questões.<br />

4.2. Método analítico<br />

Tendo <strong>em</strong> vista o objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>ste trabalho, a principal<br />

metodologia <strong>de</strong> pesquisa aplicada foi a análise do discurso, tendo como<br />

referencial teórico os estudos <strong>de</strong> Orlandi, Pêcheux, Barthes, Bakhtin, Foucault,<br />

<strong>de</strong>ntre outros.<br />

A análise <strong>de</strong> discurso, aplicada a esta pesquisa, apresenta a sua utilida<strong>de</strong><br />

na percepção dos aspectos <strong>de</strong> filtrag<strong>em</strong> das notícias, resultando na formação<br />

discursiva do Jornal Nacional sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais<br />

S<strong>em</strong>-Terra. Tais resultados são conseqüência das relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre os<br />

106


diversos el<strong>em</strong>entos da notícia, mediados pelas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r da Re<strong>de</strong> Globo<br />

<strong>de</strong> Televisão com outras instituições do país e autorida<strong>de</strong>s governamentais.<br />

Foi feita uma análise das reportagens veiculadas pelo Jornal Nacional<br />

sobre o MST, referentes à palavra e à imag<strong>em</strong>. É necessário ressaltar que cada<br />

reportag<strong>em</strong> analisada foi i<strong>de</strong>ntificada <strong>de</strong> acordo com a data da exibição e a<br />

principal t<strong>em</strong>ática abordada.<br />

Quanto à frase que abrange a t<strong>em</strong>ática <strong>de</strong> cada reportag<strong>em</strong>, é preciso<br />

esclarecer que esta foi elaborada pela pesquisadora. O i<strong>de</strong>al seria utilizar como<br />

<strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as as próprias “chamadas” das reportagens ditas/lidas na<br />

escalada 37 do telejornal. Entretanto, nas cópias obtidas para a análise, só<br />

constavam as reportagens do Jornal Nacional, intercaladas com outras<br />

reportagens <strong>de</strong> diversas <strong>em</strong>issoras <strong>de</strong> TV.<br />

Das reportagens pesquisadas foi organizado um "corpus", contendo oito<br />

componentes, os quais foram <strong>de</strong>signados como blocos <strong>de</strong> análise.<br />

Primeiro bloco: composto <strong>de</strong> reportagens que constró<strong>em</strong> o sentido das<br />

matérias através da força argumentativa das palavras, contextualizadas no<br />

discurso da ilegalida<strong>de</strong> direcionado ao MST. As principais palavras analisadas<br />

são: ocupar, invadir, aliciar e chefes.<br />

Segundo bloco: constam reportagens <strong>em</strong> que os sujeitos do enunciado<br />

(aqueles que o repórter e apresentador faz<strong>em</strong> falar) têm espaço e t<strong>em</strong>po<br />

diferenciado. Neste aspecto, as falas das autorida<strong>de</strong>s sobressa<strong>em</strong> <strong>em</strong> relação às<br />

falas dos s<strong>em</strong>-terras ou lí<strong>de</strong>res do movimento.<br />

Terceiro bloco: estão inseridas as reportagens on<strong>de</strong> as falas dos sujeitos<br />

da enunciação (a combinação da voz do dono da <strong>em</strong>presa com as vozes do<br />

apresentador e repórter) têm predominância na construção da cena discursiva,<br />

reforçando o sentido do que está sendo veiculado através das imagens, ou mesmo<br />

construindo um discurso <strong>de</strong> oposição às falas <strong>de</strong> integrantes do MST. Neste bloco<br />

também estão inseridas as reportagens <strong>em</strong> que repórteres e apresentadores, <strong>em</strong><br />

off ou ao vivo, dão outra conotação ao fato narrado, não “casando” texto com<br />

imag<strong>em</strong>.<br />

37 Apresentação inicial do telejornal.<br />

107


Quarto bloco: constam as reportagens que constró<strong>em</strong> o sentido da<br />

notícia pelas imagens, sejam através <strong>de</strong> enquadramentos, imagens <strong>de</strong> arquivo ou<br />

ausência do sujeito da enunciação na cena discursiva. A imag<strong>em</strong> é vista como<br />

espetáculo.<br />

Quinto bloco: constam as reportagens que mostram à socieda<strong>de</strong> ações<br />

do governo <strong>em</strong> benefício da reforma agrária e do MST, tendo como<br />

interlocutor o Ministro Raul Jungmann, partindo do discurso do po<strong>de</strong>r<br />

político-i<strong>de</strong>ológico.<br />

Sexto bloco: estão inseridas as reportagens que focalizam a repercussão<br />

da violência gerada por conflitos do MST, culminando no po<strong>de</strong>r do telejornal ao<br />

anunciar a cena discursiva, através da <strong>em</strong>oção, rel<strong>em</strong>brando o massacre <strong>em</strong><br />

Eldorado dos Carajás e cobrando da justiça uma atitu<strong>de</strong> concreta.<br />

Sétimo bloco: este bloco consta <strong>de</strong> reportagens feitas sobre um mesmo<br />

t<strong>em</strong>a: a morte <strong>de</strong> dois s<strong>em</strong>-terras <strong>em</strong> Parauapebas, sul do Pará. A abordag<strong>em</strong><br />

é sobre a repercussão <strong>de</strong>ste acontecimento, articulando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu início até o<br />

seu <strong>de</strong>sfecho, completando e renovando o ciclo do discurso sobre a violência.<br />

Oitavo bloco: focalizadas as reportagens que constró<strong>em</strong> o discurso dos<br />

saques políticos, envolvendo integrantes do MST, <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> um probl<strong>em</strong>a<br />

sócio-político brasileiro, que se arrasta há décadas: a seca no Nor<strong>de</strong>ste.<br />

Deve-se mencionar que as reportagens foram numeradas <strong>de</strong> acordo com<br />

o contexto <strong>de</strong> cada bloco <strong>de</strong> análise, po<strong>de</strong>ndo ser mencionadas <strong>em</strong> outro bloco. É<br />

importante também ressaltar que as reportagens foram transcritas, <strong>em</strong> anexo,<br />

como apêndice, <strong>em</strong> seqüência, obe<strong>de</strong>cendo, portanto, a uma cronologia quanto à<br />

veiculação no Jornal Nacional.<br />

No sentido <strong>de</strong> facilitar o entendimento da análise e simplificar o texto, as<br />

reportagens foram abreviadas, seguidas <strong>de</strong> seu número correspon<strong>de</strong>nte. Ex<strong>em</strong>plo:<br />

R2 (reportag<strong>em</strong> número 2). Quando é mencionada uma reportag<strong>em</strong> que<br />

corresponda a outro bloco <strong>de</strong> análise, ela aparece no texto da seguinte forma: R4<br />

– 5. o B (reportag<strong>em</strong> número 4, do quinto bloco <strong>de</strong> análise). O Jornal Nacional e<br />

o Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra também foram mencionados<br />

com suas respectivas abreviaturas: JN e MST<br />

108


4.3. Coleta <strong>de</strong> dados<br />

A cópia <strong>de</strong>stas reportagens foi feita <strong>em</strong> São Paulo, <strong>em</strong> uma produtora <strong>de</strong><br />

ví<strong>de</strong>o, por intermédio do Setor <strong>de</strong> Comunicação Social da Secretaria Nacional do<br />

Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra.<br />

A Re<strong>de</strong> Globo, através da produção do Jornal Nacional, foi consultada<br />

com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoiar a pesquisa ce<strong>de</strong>ndo o material <strong>de</strong> análise. Mas <strong>de</strong>vido<br />

às circunstâncias políticas e culturais que o Brasil atravessou <strong>em</strong> 1998, como a<br />

Copa do Mundo e as eleições presi<strong>de</strong>nciais, a <strong>em</strong>issora alegou não ter pessoal<br />

disponível para acompanhamento das cópias necessárias para a análise.<br />

109


5. RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

5.1. Primeiro bloco <strong>de</strong> análise: a força argumentativa das palavras<br />

A palavra não é n<strong>em</strong> um instrumento, n<strong>em</strong> um veículo: é uma estrutura.(...)<br />

Ora, essa palavra é uma matéria (infinitamente) trabalhada; ela é, <strong>de</strong> certa<br />

forma, uma sobre-palavra; o real lhe serve apenas <strong>de</strong> pretexto (para o escritor<br />

escrever, escrever é um verbo intransitivo) 38 (Roland Barthes).<br />

Em telejornalismo, a imag<strong>em</strong> é importante. Mas a palavra é primordial<br />

no sentido <strong>de</strong> enfatizar um significado, ou mesmo manipulá-lo. Para ROCCO<br />

(1989), a palavra na televisão é extr<strong>em</strong>amente importante no sentido <strong>de</strong> incutir no<br />

telespectador uma idéia ou i<strong>de</strong>ologia, através das repetições. O seu valor<br />

persuasivo está no discurso <strong>de</strong> sua argumentação:<br />

38 BARTHES (1978:33).<br />

Quanto às formas <strong>de</strong> que se utiliza o texto na TV para chegar à argumentação<br />

persuasiva, observa-se que a TV recorre freqüent<strong>em</strong>ente a procedimentos <strong>de</strong><br />

persuasão calcados <strong>em</strong> repetições e no próprio ritmo das seqüências. Persuadir<br />

pela repetição, pelo ritmo dos enunciados, conforme ensina Deborah Tann<strong>em</strong>, é<br />

lançar mão <strong>de</strong> procedimentos da oralida<strong>de</strong>. Sob esse ângulo, portanto, o texto<br />

da TV é oral também, mesmo que essa seja uma oralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outra natureza<br />

(ROCCO, 1989:33).<br />

110


O jornalismo trabalha, a princípio, com a palavra, mas o significado<br />

<strong>de</strong>sta só aparece quando ela está colocada <strong>de</strong>ntro do seu contexto, ou o seu<br />

significado é o uso <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> 39 .<br />

No contexto <strong>de</strong>ste estudo, os termos opositivos ocupação e invasão são<br />

contrapontos importantíssimos para ser<strong>em</strong> analisados. Tanto o apresentador<br />

como a repórter, na maioria das reportagens, e com freqüência, optam por<br />

palavras cognatas a invadir, fazendo assim a escolha <strong>de</strong> um signo que preserva o<br />

conceito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> privada, <strong>em</strong> que o sujeito do enunciado (o s<strong>em</strong>-terra),<br />

encontra-se na ilegalida<strong>de</strong> e ao <strong>de</strong>stinatário (o telespectador), é oferecida uma<br />

pista <strong>de</strong> leitura <strong>em</strong> que a transgressão t<strong>em</strong> permissão para ser punida.<br />

O que se percebe é que o MST é classificado pelo JN, como “fora da<br />

lei”, optando por <strong>de</strong>nominar a ação dos s<strong>em</strong>-terra <strong>de</strong> invasão quando havia<br />

também a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>signá-la por ocupação. A palavra invadir e suas<br />

variações foram <strong>em</strong>pregadas 36 vezes, enquanto que a palavra ocupar e variações<br />

foram utilizadas 16 vezes. Em todos os outros bloco <strong>de</strong> análise, po<strong>de</strong> também ser<br />

percebido, o <strong>em</strong>prego da palavra “invasões”, predominando sobre “ocupações”.<br />

Verifica-se que os sujeitos falantes, ao optar<strong>em</strong> por cognatos <strong>de</strong> ocupar, expõ<strong>em</strong><br />

a sustentação do conceito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> social <strong>de</strong> prédios públicos ou da terra,<br />

estando a ilegalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontro com a ação <strong>de</strong> repressão.<br />

Para enfatizar a importância <strong>de</strong> se usar invasão ou ocupação e o<br />

significado discursivo que tais palavras representam, é necessário expôr o estudo<br />

<strong>de</strong> CITELLI e BACCEGA (1989):<br />

(...) pares opositivos invadir e ocupar fixam situações linguisticamente significativas<br />

daquilo que chamamos relação retórica-manipulação. Efetivamente, os lex<strong>em</strong>as invadir<br />

e ocupar promov<strong>em</strong> conotações completamente diferentes sobre o sentido da ação dos<br />

s<strong>em</strong>-terra. Invadir carrega s<strong>em</strong>as como “tomar aquilo que não nos pertence”; já o<br />

lex<strong>em</strong>a ocupar nos indica s<strong>em</strong>as como “estar <strong>em</strong> lugar <strong>de</strong>voluto”. Assim po<strong>de</strong>ríamos<br />

Ter <strong>de</strong> , retoricamente, partir <strong>de</strong> um mesmo pressuposto, espécie <strong>de</strong> lex<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>terminado por um el<strong>em</strong>ento espacial, a terra e pelos pontos <strong>de</strong> vista<br />

i<strong>de</strong>ológicos sobre ela. (...) Portanto os s<strong>em</strong>as legalida<strong>de</strong> e ilegalida<strong>de</strong>, que estão na<br />

base do confronto entre as posições conservadoras e progressistas, são trabalhados<br />

segundo cânones persuasivos que visam a transacionar, através do plano ilocucional,<br />

certas crenças que se <strong>de</strong>seja fazer passar pragmaticamente à população (...) Assim os<br />

lex<strong>em</strong>as invadir e ocupar serão utilizados como expedientes retóricos asseguradores <strong>de</strong><br />

visões <strong>de</strong> mundo e concepções <strong>de</strong> organização da socieda<strong>de</strong> (CITELLI e BACCEGA,<br />

1989:25).<br />

39 Como expõe OLIVEIRA DA SILVA (1998:150-151), “pelo uso constante, as palavras per<strong>de</strong>m o<br />

sentido <strong>de</strong> signos <strong>em</strong>píricos, e passam a ser encaradas como parte ou parcela <strong>de</strong> coisa que representa”.<br />

111


Na R1, tanto apresentador como repórter <strong>em</strong>pregaram os termos invadir<br />

- invasão - invadirá. A palavra ocupar<strong>em</strong> foi usada por José Rainha para<br />

justificar uma atitu<strong>de</strong> do movimento. Além disso, nesta reportag<strong>em</strong>, é exposto<br />

pelo apresentador que o MST estava usando uma tática que acentuava ainda mais<br />

o seu contexto <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong>: “... está aliciando trabalhadores urbanos para<br />

participar das invasões”. Esta frase é utilizada no início da reportag<strong>em</strong> por<br />

William Bonner, o que enfatiza o tom <strong>de</strong> ameaça social. Entretanto, no final da<br />

reportag<strong>em</strong>, o repórter Marcelo Rezen<strong>de</strong> acaba por traduzir o termo aliciar pela<br />

frase “convencendo gente <strong>de</strong>mitida ou insatisfeita a formar novos grupos”.<br />

Porém, o impacto do “aliciamento” já havia prevalecido.<br />

Na R3, a palavra aliciar aparece novamente reforçando o contexto da<br />

invasão apresentado pelo JN. Os apresentadores e repórteres também utilizam o<br />

termo ocupar e variações, acabando por contradizer o discurso da invasão.<br />

Quando os s<strong>em</strong>-terras ag<strong>em</strong> no sentido <strong>de</strong> ocupar a terra, eles inva<strong>de</strong>m, segundo<br />

o telejornal, sendo <strong>de</strong>nominados “os invasores”. Quando eles <strong>de</strong>ixam a terra,<br />

eles <strong>de</strong>socupam.<br />

A R2 - 2. o B também po<strong>de</strong> ser analisada neste sentido. Na fala do<br />

apresentador Carlos Nascimento foi usada a palavra invasões. A repórter Ana<br />

Paula Padrão, ao referir-se aos s<strong>em</strong>-terras no primeiro off, usou o termo<br />

<strong>de</strong>socuparam. Já nas falas do Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso e do<br />

Ministro da Fazenda Pedro Malan são usadas as palavras ocupe: “se há qu<strong>em</strong><br />

ocupe prédios...”; e ocupação: “enquanto houver ocupação <strong>de</strong> prédios...”. E<br />

antes da última fala da reportag<strong>em</strong>, a repórter fecha o seu texto, <strong>em</strong> off, usando os<br />

termos “negociar com os invasores” e “fazendas invadidas”, finalizando o<br />

discurso.<br />

Desta forma, apreen<strong>de</strong>-se que, com a ocupação, o JN constrói o discurso<br />

da invasão. Po<strong>de</strong> ser percebido que a palavra ocupar e suas variações po<strong>de</strong>riam<br />

substituir todas as palavras relacionadas ao termo invadir. O caráter da<br />

agressivida<strong>de</strong>, atribuído ao MST, constitui-se não apenas no contexto do termo<br />

invadir, mas relacionando-se também com expressões e palavras que reforçam o<br />

estereótipo da agressão, da ilegalida<strong>de</strong> tais como: R1: “A estratégia do<br />

112


movimento é atacar com mais agressivida<strong>de</strong> do que no ano passado”,<br />

"... avançar sobre terras ricas”; R4: “Os invasores diz<strong>em</strong> que vão partir para o<br />

confronto”; R5: “Um grupo <strong>de</strong> ex-s<strong>em</strong>-terra inva<strong>de</strong> nova área e faz chantag<strong>em</strong><br />

como governo do Estado”; R6: “A intransigência dos chefes do MST rejeita<br />

acordos”; R10: “Dispostos a <strong>de</strong>sistir à <strong>de</strong>socupação, abriram trincheiras <strong>em</strong><br />

volta da se<strong>de</strong> da fazenda, improvisaram estacas e incendiaram pneus”.<br />

Outra expressão muito usada pelos repórteres e apresentadores é “chefes<br />

do MST”, quando a expressão mais apropriada seria lí<strong>de</strong>r ou diretor. Diferente <strong>de</strong><br />

um “chefe <strong>de</strong> família”, a conotação <strong>de</strong> chefia implica <strong>em</strong> caracterizar o MST<br />

como uma quadrilha 40 .<br />

De acordo com BERGUER (1998), a opção por uma ou outra expressão<br />

não é gratuita, explicando-se pela proposição <strong>de</strong> sentido nela <strong>em</strong>butida. Para a<br />

autora, “as palavras carregam consigo um conteúdo e uma vivência” 41 .<br />

Para Bakhin, citado por STAM (1992), o significado <strong>de</strong> uma palavra não<br />

é invariável; ele <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> um contexto extraverbal ilimitado. Ainda<br />

completando a importância da articulação das palavras no discurso jornalístico,<br />

t<strong>em</strong>-se o argumento <strong>de</strong> BARTHES (1986:20). Para o autor, todo discurso ten<strong>de</strong> a<br />

ser autoritário, por meio <strong>de</strong> sua forma mais óbvia, a palavra, sendo esta “uma<br />

leve substância química que opera as mais evi<strong>de</strong>ntes operações” 42 .<br />

No sentido <strong>de</strong> focalizar melhor os pares opositivos invadir e ocupar,<br />

po<strong>de</strong>-se analisar, estruturalmente, que, na maioria das reportagens <strong>de</strong>ste bloco, a<br />

cena inicial é claramente i<strong>de</strong>ntificada, pois é uma ação abrupta ou inesperada,<br />

que se manifesta pela ocupação. O <strong>de</strong>sfecho dos acontecimentos vai sendo<br />

40 Conforme OLIVEIRA DA SILVA (1998:132), o jornalismo como tipo <strong>de</strong> jogo <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> utiliza a<br />

palavra muitas vezes estabelecendo regras sociais: “O jogo <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> comporta combinação <strong>de</strong><br />

palavras, atos, atitu<strong>de</strong>s e forma <strong>de</strong> comportamento. Na realida<strong>de</strong> o que o indivíduo apreen<strong>de</strong> não é<br />

pura e simplesmente uma palavra ou expressão, mas um jogo <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> completo, vale dizer,<br />

como usar <strong>de</strong>terminada expressão linguística <strong>em</strong> um contexto <strong>de</strong>terminado para obter certos fins”.<br />

41 BERGUER (1998:132).<br />

42 Seguindo esta linha <strong>de</strong> raciocínio, BALTAZAR (1991:132) analisa: “(...) tendo o real como pretexto, a<br />

palavra é uma matéria infinitamente trabalhada pela língua, a qual não se esgota na mensag<strong>em</strong> que<br />

engendra; ela po<strong>de</strong> sobreviver a essa mensag<strong>em</strong> e nela fazer ouvir, numa ressonância muitas vezes<br />

terrível, outra coisa além do que é dito, super-imprimindo à voz consciente, razoável do sujeito, a voz<br />

dominadora, teimosa”.<br />

113


anunciado, através das múltiplas vozes que se enfrentam pelas palavras,<br />

caracterizando a negociação.<br />

A negociação vai da ocupação à <strong>de</strong>socupação quando, cada uma <strong>de</strong>las,<br />

diferencia-se das <strong>de</strong>mais pela durabilida<strong>de</strong>, pelos personagens que são incluídos e<br />

pela enunciação. O sujeito e o verbo são constantes, a informação nova é a<br />

i<strong>de</strong>ntificação da localização através do nome da cida<strong>de</strong> ou da fazenda.<br />

O ato da negociação é mais rico <strong>em</strong> personagens <strong>em</strong> ações. O que se<br />

percebe é a ação <strong>de</strong> dois grupos sociais <strong>em</strong> confronto, esperando a repercussão<br />

dos fatos, medindo as conseqüências, avaliando forças e protagonizando o<br />

<strong>de</strong>sfecho.<br />

Os campos <strong>em</strong> confronto das reportagens são expostos <strong>de</strong> forma b<strong>em</strong><br />

característica. De um lado estão as <strong>em</strong>presas (Vale do Rio Doce, Aracruz<br />

Celulose e General Motors), a UDR, o INCRA, o governo, os fazen<strong>de</strong>iros, os<br />

seguranças particulares, os pistoleiros armados, o IBAMA, a Brigada Militar, e<br />

um grupo <strong>de</strong> atiradores <strong>de</strong> elite. Do lado oposto, encontram-se, tão somente, os<br />

s<strong>em</strong>-terras e, na R14, aliados à Pastoral do Migrante.<br />

O sentido é <strong>de</strong> que os primeiros buscam a or<strong>de</strong>m, garant<strong>em</strong> a lei e sua<br />

ação correspon<strong>de</strong> à sua função. Este aspecto po<strong>de</strong> ser evi<strong>de</strong>nciado,<br />

principalmente, quando entra <strong>em</strong> cena a polícia para intervir nos acontecimentos,<br />

tendo a seu favor a legitimida<strong>de</strong> para o uso da violência.<br />

Como ex<strong>em</strong>plo, po<strong>de</strong> ser citada a R10 que caracteriza a ação da Brigada<br />

Militar diante à resistência dos s<strong>em</strong>-terras. Estes têm <strong>de</strong>staque na reportag<strong>em</strong><br />

como <strong>de</strong>rrotados, <strong>de</strong>socupando a área invadida e, principalmente, <strong>de</strong>sarmando-<br />

se: “...os s<strong>em</strong>-terras se ren<strong>de</strong>m... e, nesse mesmo instante, um a um, eles<br />

entregam as armas, facões, enxadas, paus”. O que fica explícito na reportag<strong>em</strong> é<br />

que a <strong>de</strong>cisão não partiu <strong>de</strong>les, e o <strong>de</strong>staque é que o fizeram s<strong>em</strong> violência,<br />

coagidos por uma força maior, no autêntico sentido da expressão.<br />

este contexto.<br />

Sobre este enfoque, é preciso <strong>de</strong>stacar BERGUER (1998), focalizando<br />

A ocupação é a manifestação mais contun<strong>de</strong>nte dos s<strong>em</strong>-terra, pois<br />

indica para o governo que o Movimento conhece as áreas improdutivas,<br />

seleciona as <strong>de</strong> sua preferência e é capaz <strong>de</strong> mobilizar pessoas para<br />

114


lutar por elas. Por outro lado, o MST sabe que uma ocupação é quase<br />

garantia <strong>de</strong> constar na mídia, pois a invasão passa pela seleção <strong>de</strong><br />

primeiro grau – o critério da noticiabilida<strong>de</strong>... (BERGUER, 1998:156).<br />

Po<strong>de</strong>-se, <strong>de</strong>sta forma, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste primeiro bloco <strong>de</strong> análise, i<strong>de</strong>ntificar a<br />

primeira prática discursiva do JN sobre o MST: o ato da ocupação dos s<strong>em</strong>-<br />

terra configura-se no discurso da invasão, proposto pelas vozes da enunciação<br />

do Jornal Nacional, apoiando <strong>em</strong> aspectos retóricos. Verifica-se que o telejornal<br />

acaba por estabelecer um jogo da linguag<strong>em</strong>, tendo como ancorag<strong>em</strong> o jogo<br />

político, com todo o seu po<strong>de</strong>r e legitimida<strong>de</strong>.<br />

5.2. Segundo bloco <strong>de</strong> análise: as autorida<strong>de</strong>s como protagonistas da cena<br />

discursiva<br />

A lei e as instituições <strong>de</strong> notícias se un<strong>em</strong> <strong>em</strong> conversações públicas perpétuas<br />

sobre a justiça e a autorida<strong>de</strong>. Trabalham conjugadas para privilegiar<br />

significados particulares, para promover certos interesses políticos. Os mídias<br />

e as leis, conjuntamente, constitu<strong>em</strong> a justiça, tornando os acontecimentos do<br />

que é <strong>em</strong> histórias do que <strong>de</strong>veria ser, fundindo fatos com compromissos<br />

normativos, valores, crenças e mitos. 43<br />

Neste bloco <strong>de</strong> análise po<strong>de</strong>-se constatar que as falas editadas vão<br />

participar da construção discursiva <strong>de</strong> cada uma das narrativas, como reforços <strong>de</strong><br />

sentido do que está sendo narrado. As falas compl<strong>em</strong>entam a narrativa do<br />

repórter e, por isso, apesar <strong>de</strong> estar<strong>em</strong> sendo analisadas isoladamente, são parte<br />

integrante do conjunto da narrativa.<br />

O texto do repórter t<strong>em</strong> el<strong>em</strong>entos que interag<strong>em</strong> relações lógicas e<br />

redundantes, <strong>de</strong> que fala BARTHES (1964b). São estes aspectos da estrutura<br />

textual que vão <strong>de</strong>terminar o sentido. E constata-se, <strong>de</strong> início, que as falas<br />

test<strong>em</strong>unhais, <strong>em</strong> função <strong>de</strong> sua compl<strong>em</strong>entarida<strong>de</strong> do texto jornalístico, são<br />

patamares na progressão do texto. Elas ajudam a construir, através do jogo <strong>de</strong><br />

narrativa e test<strong>em</strong>unho, coerência do texto, uma coerência que surge da sintonia<br />

entre as relações lógicas e as relações <strong>de</strong> redundância. Algumas falas<br />

test<strong>em</strong>unhais são redundantes, reafirmando o que o narrador já havia antecipado.<br />

Outras são lógicas, ajudando a <strong>de</strong>senvolver o t<strong>em</strong>a. A interação <strong>de</strong>stas unida<strong>de</strong>s<br />

significativas do texto vai permitir <strong>de</strong>terminada construção <strong>de</strong> sentido, que surge<br />

115


<strong>de</strong> uma matriz <strong>de</strong> funcionamento, operando a passag<strong>em</strong> do lingüístico para o<br />

discursivo.<br />

A primeira observação a ser feita é com relação aos sujeitos do<br />

enunciado. Na R1, as falas do segurança e do proprietário fecham os discursos<br />

como sujeitos do enunciado. A fala do “chefe” do MST que foi preso, Márcio<br />

Barreto, foi intercalada na edição por dois offs do repórter Marcos Losekann. É<br />

interessante observar que Márcio dá uma <strong>de</strong>claração sobre sua prisão, atrás das<br />

gra<strong>de</strong>s, enfatizando na notícia o sentido da ilegalida<strong>de</strong>. A sua própria fala cai na<br />

ilegalida<strong>de</strong>, logo <strong>em</strong> seguida, através do texto do repórter, que, além <strong>de</strong> construir<br />

o discurso da invasão, por parte do MST, também legitima a violência dos<br />

seguranças:<br />

Fala <strong>de</strong> Márcio Barreto: “Essa prisão minha é para justificar a prisão <strong>de</strong> 5<br />

bandidos que foram presos na fazenda São Domingos, que atiraram nos<br />

trabalhadores”;<br />

(na seqüência) off do repórter:“À tar<strong>de</strong>, integrantes da UDR fizeram uma<br />

manifestação contra a prisão dos quatro seguranças e do filho do proprietário<br />

da fazenda invadida”.<br />

Além do sujeito visível da narrativa, que é o repórter, percebe-se que na<br />

R2 houve um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque às falas <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s como o presi<strong>de</strong>nte<br />

Fernando Henrique Cardoso, o Ministro da Fazenda, Pedro Malan, o Ministro da<br />

Reforma Agrária, Raul Jungmann, e o Ministro da Justiça, Renan Calheiros.<br />

Apenas um integrante do MST foi ouvido, o coor<strong>de</strong>nador Gilmar Mauro.<br />

Na R3, o <strong>de</strong>legado Jurandir Gonçalves <strong>de</strong>u uma <strong>de</strong>claração. Três falas do<br />

segurança Edson Lucena foram intercaladas na edição com dois offs do repórter<br />

Sandro Dalpícolo. O referido “chefe” do MST, Josmir Choptian, foi ouvido uma<br />

vez, tendo sua fala editada antes da fala do <strong>de</strong>legado.<br />

Outra observação com relação a estas duas reportagens é que, <strong>em</strong> ambas,<br />

a conclusão é apresentada pelos repórteres, tendo como fala final a <strong>de</strong>claração do<br />

Ministro Raul Jungmann, na R2, e do segurança Edson Lucena, na R3.<br />

A R4 apresenta a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> João Pedro Stédile que, apesar <strong>de</strong> ter<br />

sido extensa para os padrões editoriais do telejornal, foi significativa, no sentido<br />

<strong>de</strong> expressar a polêmica da ilegalida<strong>de</strong>. A <strong>de</strong>claração foi repudiada logo <strong>em</strong><br />

43 Ericson, citado por RONDELLI (1998:152).<br />

116


seguida pela manifestação do governo, através <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração do porta-voz do<br />

Presi<strong>de</strong>nte. Na verda<strong>de</strong>, João Pedro Stédile propôs a organização <strong>de</strong> grupos,<br />

através <strong>de</strong> manifestações públicas, visando a reivindicação <strong>de</strong> seus direitos. No<br />

entanto, a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Sérgio Amaral, finalizando a reportag<strong>em</strong>, <strong>de</strong>u conotação<br />

<strong>de</strong> “alerta geral”, quanto à proposta do lí<strong>de</strong>r do MST, prevendo, <strong>de</strong>sta forma, uma<br />

tensão social generalizada.<br />

Fala <strong>de</strong> João Pedro Stédile: “Todos os pobres do Brasil e especialmente<br />

os que moram nas cida<strong>de</strong>s, para resolver os seu probl<strong>em</strong>as não<br />

esper<strong>em</strong> pelo governo, se organiz<strong>em</strong>. Então se o sujeito não t<strong>em</strong> casa,<br />

não consegue mais pagar o aluguel, se organize para pressionar o<br />

governo para resolver o probl<strong>em</strong>a habitacional. Ocup<strong>em</strong> os terrenos<br />

baldios que estão lá só para especulação imobiliária. Se o sujeito está<br />

<strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregado, não espere pelo Ministério do Trabalho, pelo FAT, se<br />

organize e pressione. Faça manifestações na frente da FIESP, na frente<br />

das fábricas que estão fechando pela política econômica do governo. E<br />

se tiver fome faça manifestações na frente <strong>de</strong> supermercados. Está na<br />

Bíblia que todo ser humano t<strong>em</strong> o direito <strong>de</strong> se alimentar, e vá <strong>em</strong> busca<br />

da comida.<br />

Fala <strong>de</strong> Sérgio Amaral: “O Presi<strong>de</strong>nte está preocupado com as<br />

<strong>de</strong>clarações feitas pelo coor<strong>de</strong>nador do MST, porque elas fer<strong>em</strong>,<br />

frontalmente o estado <strong>de</strong> direito, que é uma conquista <strong>de</strong> todos os<br />

brasileiros e que todos os brasileiros quer<strong>em</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Estas<br />

<strong>de</strong>clarações são suficientes para que a Procuradoria tome iniciativa<br />

para prevenir que estas idéias se transform<strong>em</strong> <strong>em</strong> fatos, porque é<br />

preciso chamar a responsabilida<strong>de</strong>, não apenas dos que praticam essas<br />

ações, mas também aqueles que são seus autores intelectuais.<br />

Ao contrário <strong>de</strong> uma notícia <strong>de</strong> jornal impresso, on<strong>de</strong> o lead ou fato mais<br />

importante v<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> primeiro lugar, na notícia da TV os el<strong>em</strong>entos visuais<br />

e a articulação dos vários falantes <strong>de</strong>terminam outra forma <strong>de</strong> organização que<br />

ten<strong>de</strong> a privilegiar a fala final. Qu<strong>em</strong> fala por último fecha o discurso, sua<br />

interpretação dos fatos é, assim, privilegiada na organização da notícia. A<br />

enunciação na reportag<strong>em</strong> da TV é, portanto, constituída <strong>de</strong> fala e imag<strong>em</strong> num<br />

processo social <strong>em</strong> que as convenções discursivas legitimam e confer<strong>em</strong><br />

autorida<strong>de</strong> à fala final.<br />

Neste sentido, a argumentação das reportagens é legitimada pela fala <strong>de</strong><br />

uma autorida<strong>de</strong>, seguida ou não da fala do repórter, que reforça o sentido do<br />

po<strong>de</strong>r. Há um explícito apagamento das vozes dos integrantes do MST.<br />

Diante <strong>de</strong>ste contexto, é preciso <strong>de</strong>stacar o estudo <strong>de</strong> SÁ (1994). A partir<br />

das observações da estrutura do telejornalismo e das características do noticiário<br />

117


político do JN, o autor afirmou que, no processo discursivo do telejornal <strong>em</strong><br />

questão, estão <strong>em</strong> jogo três formações discursivas: a formação discursiva da<br />

mídia (FDM) (o telejornal e seus bastidores <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> notícias), a formação<br />

discursiva liberal (FDL) (as vozes do governo, seus aliados e autorida<strong>de</strong>s) e a<br />

formação discursiva popular (FDP) (que no contexto <strong>de</strong>ste estudo seria<br />

representada pelas vozes dos lí<strong>de</strong>res do MST e seus aliados):<br />

A F.D.M. é a materialização, no plano do discurso, da i<strong>de</strong>ologia da<br />

neutralida<strong>de</strong> e objetivida<strong>de</strong> da imprensa. Na fase do capitalismo monopolista,<br />

a mídia, <strong>em</strong>bora submetida à lógica do mercado e voltada para o incentivo ao<br />

consumo, integra o espaço <strong>de</strong> argumentação pública e racional da <strong>de</strong>mocracia<br />

representativa 44 . A F.D.L. possui como regularida<strong>de</strong> um corpus <strong>de</strong> enunciados<br />

que argumentam a favor da negociação e do consenso como el<strong>em</strong>entos<br />

marcantes das relações políticas e econômicas. A F.D.P. é constituída pelos<br />

enunciados cuja argumentação expressa as “falas” e “vozes” <strong>de</strong> sujeitos<br />

políticos que se postulam como representantes das camadas populares, <strong>de</strong> suas<br />

lutas e <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> pressão política. Estas falas se i<strong>de</strong>ntificam como uma<br />

i<strong>de</strong>ologia popular (SÁ, 1994:314).<br />

Percebe-se, pela análise das reportagens referidas, que a fala das<br />

autorida<strong>de</strong>s aliam-se às falas do apresentador e do repórter, <strong>em</strong> contraposição às<br />

falas dos lí<strong>de</strong>res do MST. Seguindo as pistas analíticas <strong>de</strong> SÁ (1994), po<strong>de</strong>-se<br />

dizer que a formação discursiva da mídia e a formação discursiva liberal se<br />

sustentam e se articulam no sentido <strong>de</strong> se opor, <strong>de</strong>sautorizar e apagar a formação<br />

discursiva popular.<br />

Neste sentido, instaura-se a mediação do discurso da política e do<br />

telejornal, atravessando a instância da realida<strong>de</strong> apresentada, participando e<br />

regulando todas as práticas sociais através da dimensão simbólica 45 .<br />

Entretanto é preciso distinguir o caráter argumentativo e persuasivo dos<br />

dois discursos, teoricamente expostos. A política possui um discurso complexo<br />

que necessita <strong>de</strong> interpelação, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> construir sujeitos com a mesma<br />

visão <strong>de</strong> mundo, pois reivindica o po<strong>de</strong>r 46 .<br />

44 Habermas, citado por SÁ (1994).<br />

45 Como expôs WEBER (1994:83), “os mídias não po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados como entida<strong>de</strong>s<br />

compl<strong>em</strong>entares, mas sim, como integrantes do exercício do po<strong>de</strong>r do capital e da política, cuja<br />

existência é <strong>de</strong>terminada por estes aliados”.<br />

46 De acordo ainda com WEBER (1994), o discurso político precisa explicitar e, permanent<strong>em</strong>ente,<br />

fortalecer os argumentos que justifiqu<strong>em</strong> uma luta pelo po<strong>de</strong>r. O discurso dos meios <strong>de</strong> comunicação<br />

<strong>de</strong> massa, ao contrário, raramente reivindica ou explicita posições, transmitindo a idéia <strong>de</strong> “estar a<br />

118


Verifica-se, <strong>de</strong>sta forma, outra formação discursiva, inserida no contexto<br />

do JN, que apresenta à socieda<strong>de</strong> um movimento social que se opõe ao governo<br />

neoliberal. O MST e suas vozes articuladas sofr<strong>em</strong> tratamento diferenciado das<br />

vozes opostas. Os t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> argumentação dos dois campos <strong>em</strong> confronto são<br />

<strong>de</strong>siguais. Quando a exposição da formação discursiva da mídia entra,<br />

efetivamente, <strong>em</strong> cena, a situação <strong>de</strong> antagonismo ainda se agrava mais, pois esta<br />

acaba por legitimar o discurso <strong>de</strong> oposição ao MST. Portanto, <strong>de</strong>sta forma, surge<br />

uma segunda prática discursiva específica do JN: a articulação <strong>de</strong> vozes da<br />

enunciação e do enunciado que, ou <strong>de</strong>sautorizam, ou anulam o discurso <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fesa e <strong>de</strong> protesto do MST.<br />

5.3. Terceiro bloco <strong>de</strong> análise: os sujeitos da enunciação - os contrapontos<br />

discursivos e as vozes ocultas<br />

... a apresentação das notícias consiste na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> traduzir<br />

valores/notícias, dados como certos, <strong>em</strong> regras <strong>de</strong> produção (...) Os jornalistas<br />

têm a suas disposição dados e pesquisas(...) Os dados consi<strong>de</strong>rados mais<br />

significativos relacionam-se, provavelmente, com a compreensão, com a<br />

capacida<strong>de</strong> do público <strong>de</strong> fazer frente às dificulda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> compreen<strong>de</strong>r os<br />

termos usados nos noticiários: isso reforça, efetivamente, não só a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ser claro e simples, mas também a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> pedagogo e <strong>de</strong> tutor que se<br />

atribui à profissão, o que representa, portanto, uma reafirmação da sua<br />

utilida<strong>de</strong> social 47 (Mauro Wolf).<br />

Como todo discurso, o jornalismo aponta uma tensão entre o texto e o<br />

contexto. O sujeito jornalista convive <strong>em</strong> tensão com sua fontes, com a <strong>em</strong>presa<br />

jornalística e com os telespectadores, confirmando que as condições inclu<strong>em</strong> a<br />

produção, a audiência e o reconhecimento, formatando e moldando o modo <strong>de</strong><br />

dizer as coisas do mundo. Tais condições, <strong>de</strong> acordo com BERGUER (1998),<br />

acham-se não do lado <strong>de</strong> fora do texto, mas sim inseridas nele.<br />

É importante também <strong>de</strong>stacar a noção <strong>de</strong> polifonia referida por<br />

BAKHTIN (1992), que enfatiza a coexistência <strong>em</strong> qualquer situação textual <strong>de</strong><br />

uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vozes que não se fun<strong>de</strong>m <strong>em</strong> uma coexistência única, mas<br />

sim, <strong>em</strong> diálogo e confronto. As vozes que compartilham um território textual<br />

serviço”, “longe do po<strong>de</strong>r” e imbuído <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong>, na mediação dos fatos. Este enfoque será<br />

melhor analisado no quinto bloco <strong>de</strong> análise.<br />

119


provêm <strong>de</strong> sujeitos socialmente constituídos e inseridos <strong>em</strong> condições <strong>de</strong><br />

produção concretas.<br />

Para BERGUER (1998) é este o sentido plural e negociado do discurso<br />

jornalístico que se encontra ancorado na especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua condição <strong>de</strong><br />

produção. 48<br />

De acordo com BARTHES (1964b), o texto t<strong>em</strong> valor repressivo e, por<br />

isso, é no nível textual ou na fala na TV que se constrói i<strong>de</strong>ologicamente visão <strong>de</strong><br />

mundo.<br />

E isso se percebe claramente na R2, feita por Alexandre Garcia (ao vivo)<br />

e na R3, feita pela repórter Cristina Serra (gravação – apesar da repórter estar na<br />

cena discursiva, ela constrói o seu texto, <strong>de</strong> acordo com as imagens feitas pelo<br />

cinegrafista).<br />

Outra característica do texto escrito é o distanciamento que ele estabelece<br />

entre <strong>em</strong>issor e receptor. Não é por acaso que os apresentadores, que narram o<br />

texto mostrando as imagens, estão ausentes <strong>em</strong> algumas reportagens. O seu<br />

registro <strong>em</strong> off aumenta o seu distanciamento. Este traço do discurso é salientado<br />

por Tannen, citado por MOTA (1992), que o contrapõe à categoria <strong>de</strong><br />

envolvimento que marca o texto oral. A narrativa escrita, por outro lado, na<br />

mesma reportag<strong>em</strong>, t<strong>em</strong> limites claros, estabelecidos pelas imagens a ser<strong>em</strong><br />

mostradas. É, portanto, um texto construído para apresentar imagens e, por isso,<br />

se atém a elas. Po<strong>de</strong>-se dizer que o repórter enfrenta um paradoxo: quanto mais<br />

ele mostra, menos intervém. Ao contrário, quando ele dá uma notícia ao vivo, o<br />

que nas <strong>em</strong>issoras <strong>de</strong> TV se chama <strong>de</strong> stand-up, ele conta mais do que mostra.<br />

No que diz respeito ao apresentador <strong>de</strong> telejornal, é preciso expor o seu<br />

importante papel. Ao ler notícias e introduzir reportagens, o apresentador é o<br />

sujeito explícito, o locutor como pessoa do discurso jornalístico. É ele qu<strong>em</strong><br />

estabelece a interação, face a face, com o telespectador. Embora essa relação seja<br />

mediada pela tecnologia, o apresentador atrai o telespectador para a notícia. Esse<br />

47 WOLF (1987:219).<br />

48 “... os processos <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> não são apenas suportes a serviço da vonta<strong>de</strong> do sujeito, mas campos<br />

<strong>de</strong> força, ambiente tencionado, lugar exclusivo <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> construir o real” (FAUSTO NETO,<br />

1991:35).<br />

120


efeito persuasivo provocado por sua presença, o transforma <strong>em</strong> ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong><br />

notícias, sendo reforçado pelo uso do teleprompter. 49<br />

Como sujeito visível do discurso telejornalístico, o locutor estabelece<br />

uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> notícias, <strong>em</strong>prestando sua imag<strong>em</strong><br />

à <strong>em</strong>presa. Sendo assim, não é a Re<strong>de</strong> Globo que fala, é o William Bonner . Esta<br />

i<strong>de</strong>ntificação do apresentador com a formação discursiva e i<strong>de</strong>ológica, na qual se<br />

produz sua fala, vai facilitar o apagamento das condições <strong>de</strong> produção das<br />

notícias e fortalecer a ilusão do telespectador <strong>de</strong> que a fonte do discurso é o<br />

próprio locutor.<br />

Na R1, os apresentadores Lilian Witte Fibe e William Bonner<br />

entrevistam ao vivo um dos lí<strong>de</strong>res do MST, José Rainha Júnior. Percebe-se que<br />

a entrevista é conduzida com perguntas e colocações que expõ<strong>em</strong> à opinião<br />

pública o aspecto da violência r<strong>em</strong>etida ao MST. Este enfoque é percebido <strong>de</strong><br />

imediato na primeira fala:<br />

Lilian W.F.: Vamos agora falar com José Rainha, um dos coor<strong>de</strong>nadores do<br />

MST. Eu gostaria <strong>de</strong> perguntar: o governo se queixa que o seu movimento v<strong>em</strong>,<br />

com freqüência, varado ou <strong>de</strong>srespeitando os limites da lei. O seu movimento<br />

então preten<strong>de</strong> uma Reforma Agrária <strong>de</strong>ntro da lei ou a lei, que proíbe<br />

invasões, por ex<strong>em</strong>plo, nesse caso só vai para o outro lado?<br />

Nota-se que as perguntas são quase afirmativas. Além disso, José Rainha<br />

foi <strong>de</strong>nominado “coor<strong>de</strong>nador” do MST e não “chefe”, como <strong>de</strong> costume, pelo<br />

telejornal. A resposta à pergunta da apresentadora v<strong>em</strong> logo <strong>em</strong> seguida. José<br />

Rainha busca evi<strong>de</strong>nciar a importância do MST e o seu reconhecimento social,<br />

<strong>de</strong>ntro da legalida<strong>de</strong>:<br />

Eu não tenho dúvida <strong>de</strong> estar dizendo para toda a socieda<strong>de</strong> brasileira que o<br />

Movimento dos S<strong>em</strong>-terra procura Reforma Agrária <strong>de</strong>ntro da lei, sendo<br />

mostrado na prática pelo apoio que receb<strong>em</strong>os da socieda<strong>de</strong>, no País, pelo<br />

apoio que t<strong>em</strong> recebido internacionalmente, do prêmio Babuíno, que<br />

conseguimos ganhar na Bélgica e essa é a <strong>de</strong>monstração que o Movimento dos<br />

S<strong>em</strong>-terra luta pela vida, pela dignida<strong>de</strong>, e por isso nós somos o Movimento dos<br />

S<strong>em</strong>-terra e brigamos pela Reforma Agrária na lei. Apenas o governo não faz o<br />

que cumpre a lei.<br />

Em seguida, <strong>em</strong> tom <strong>de</strong> editorial, William Bonner, r<strong>em</strong>ete-se ao caráter da<br />

ilegitimida<strong>de</strong> do MST, direcionando novamente o discurso.<br />

49 “Aparelho que permite ao locutor ler as notícias olhando diretamente para a câmera, o que cria a ilusão<br />

<strong>de</strong> que o locutor não está lendo, mas falando para o telespectador” (MOTA, 1992:99).<br />

121


William B.: O maior argumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do MST s<strong>em</strong>pre foi o fato <strong>de</strong> ter<br />

nascido espontaneamente, <strong>de</strong> ser um movimento legítimo. Quando o MST busca<br />

gente da cida<strong>de</strong>, gente <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregada ou insatisfeita com o <strong>em</strong>prego, o MST<br />

não está traindo suas origens e aumentando artificialmente o probl<strong>em</strong>a dos<br />

s<strong>em</strong>-terra?<br />

Neste momento, José Rainha, como se não tivesse esperando este<br />

“ataque lingüístico”, respon<strong>de</strong> e organiza as idéias ao mesmo t<strong>em</strong>po,<br />

<strong>de</strong>monstrando uma certa fragilida<strong>de</strong> diante do imperioso po<strong>de</strong>r mediático.<br />

Entretanto, logo <strong>em</strong> seguida, ele se “recupera” e argumenta com firmeza:<br />

José Rainha: Não t<strong>em</strong>, s<strong>em</strong> dúvida nenhuma. O Movimento dos S<strong>em</strong>-terra,<br />

quando busca trabalhadores na cida<strong>de</strong>... Nós t<strong>em</strong>os que enten<strong>de</strong>r a história do<br />

País. São milhares <strong>de</strong> trabalhadores que foram expulsos na década <strong>de</strong> 70 e<br />

jogados nas cida<strong>de</strong>s, e que hoje são os <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados miseráveis. Afinal <strong>de</strong><br />

contas, são onze milhões <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados que buscam na Reforma Agrária<br />

uma fonte <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego. Qual é a outra forma <strong>de</strong> gerar <strong>em</strong>prego barato nesse<br />

País, a não ser a Reforma Agrária? O custo para se gerar <strong>em</strong>prego hoje é<br />

muito altíssimo na cida<strong>de</strong> e nós no campo, na Reforma Agrária, geramos<br />

<strong>em</strong>prego baratíssimo. Por isso nós buscamos <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados que quer<strong>em</strong> lutar<br />

pela Reforma Agrária.<br />

No sentido <strong>de</strong> explicar esta relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do apresentador do<br />

telejornal sobre o entrevistado, é preciso apresentar as observações <strong>de</strong> STAM<br />

(1992), ao referir Jean-Clau<strong>de</strong> Berna<strong>de</strong>t, <strong>em</strong> Cineastas e imagens do povo.<br />

Apesar do enfoque ser diferente, este se encaixa perfeitamente no aspecto <strong>de</strong> se<br />

analisar a reportag<strong>em</strong> anterior:<br />

(...) a voz do narrador acompanhando a imag<strong>em</strong>, assume entonações<br />

<strong>de</strong> dominação e onisciência. Essa voz fala <strong>de</strong> outros, mas nunca fala <strong>de</strong><br />

si mesma. Protegida pelo estúdio, fala numa cadência regular e<br />

homogênea, enquanto as pessoas falam hesitant<strong>em</strong>ente, <strong>em</strong> som<br />

direto.(...) O narrador torna-se a voz do conhecimento generalizante,<br />

enquanto os narrados são a voz da experiência que não discrimina. O<br />

narrador traduz as “palavras alheias” para a linguag<strong>em</strong> impessoal da<br />

verda<strong>de</strong> objetiva. Os “narrados” fornec<strong>em</strong> provas para as<br />

generalizações do narrador (STAM, 1992:63-64).<br />

Entretanto, <strong>em</strong> outro momento, STAM (1985) já havia feito observações<br />

sobre o telejornal e seu espectador. Para o autor, a facilida<strong>de</strong> verbal dos locutores<br />

é sustentada por textos redigidos, ensaios e edição. Sua “fluência infalível”<br />

contrasta com a relativa <strong>de</strong>sarticulação dos que se encontram na base da<br />

hierarquia.<br />

122


Passando à análise das outras reportagens <strong>de</strong>ste bloco, t<strong>em</strong>-se a última<br />

fala <strong>de</strong> William Bonner, na R3, que <strong>de</strong>ixa implícita uma voz enunciativa oculta: a<br />

<strong>de</strong> seu superior. Seu tom irônico se <strong>de</strong>staca das <strong>de</strong>mais falas, principalmente<br />

porque contradiz todas as informações positivas ou neutras expostas sobre o<br />

MST na reportag<strong>em</strong> sobre a marcha do movimento: “Na polícia, os três expulsos<br />

acusaram os lí<strong>de</strong>res do MST <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<strong>em</strong> os militantes à pé enquanto dormiam<br />

<strong>em</strong> hotéis e almoçavam <strong>em</strong> restaurantes”. Sua fala, especificamente esta última<br />

frase, <strong>de</strong>ixa uma dúvida para o telespectador, levando este a ter uma conclusão<br />

negativa sobre o que ouve e vê. O próprio tom do apresentador muda nesta frase.<br />

Ele fala pausadamente e com entonação diferenciada, como se quisesse,<br />

intencionalmente, <strong>de</strong>stacar o contexto das palavras. Além disso, nenhum<br />

integrante do MST foi entrevistado para se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r das acusações.<br />

Para que se entenda melhor este contexto, é preciso recorrer aos estudos<br />

<strong>de</strong> Bakhtin, citado por STAM (1992), sobre “entonação” e “tato”. Para o autor, o<br />

tato é um conjunto <strong>de</strong> códigos que reg<strong>em</strong> a interação discursiva, estando<br />

articulado com as relações entre interlocutores. A entonação é simplesmente a<br />

conseqüência do tato, que é <strong>de</strong>terminado pelo conjunto <strong>de</strong> relações sociais dos<br />

sujeitos falantes, por seus horizontes i<strong>de</strong>ológicos e pelas situações concretas da<br />

conversa.<br />

Situada na fronteira entre o verbal e o não-verbal, a entonação constitui<br />

um canal e um conformador sutil <strong>de</strong> relações sociais. É por intermédio da<br />

entonação que o sujeito da enunciação estabelece contato com seu ouvinte-<br />

telespectador, servindo <strong>de</strong> “barômetro” para alterações na atmosfera social.<br />

Algumas palavras e frases usadas pelos repórteres também cumpr<strong>em</strong> esta<br />

função <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar a notícia. Na R2, Alexandre Garcia diz: “Choveu a tar<strong>de</strong> toda<br />

sobre os manifestantes e a t<strong>em</strong>peratura é <strong>de</strong> 15 graus nesse momento”. O<br />

repórter também muda sua entonação e quase sorri, como se quisesse dizer: b<strong>em</strong>-<br />

feito para os s<strong>em</strong>-terra.<br />

Na R3, a repórter Cristina Serra, menciona que os s<strong>em</strong>-terras “forçaram<br />

a gra<strong>de</strong>. O reforço veio rápido junto com uma surpresa, a chuva”. Os s<strong>em</strong>-terras<br />

estavam gritando e balançando a gra<strong>de</strong>. A imag<strong>em</strong> mostrada não <strong>de</strong>ixa explícito<br />

123


o que foi dito no texto da repórter. Quanto à rapi<strong>de</strong>z dos policiais, qu<strong>em</strong> não viu<br />

a imag<strong>em</strong> acharia que eles vieram correndo afoitos para impedir mais um ato<br />

violento dos s<strong>em</strong>-terras, quando na verda<strong>de</strong> a imag<strong>em</strong> mostra os policiais<br />

andando calmamente <strong>em</strong> direção aos manifestantes. Com relação à chuva, esta<br />

parece ter sido enviada como recurso divino para acalmar os ânimos dos s<strong>em</strong>-<br />

terras.<br />

Na R4, como <strong>em</strong> todas as reportagens <strong>de</strong>ste bloco, com exceção da<br />

primeira, não há sujeitos do enunciado. Apenas repórter e apresentador<br />

constró<strong>em</strong> o sentido da reportag<strong>em</strong>, acompanhados pela ilustração das imagens.<br />

Entretanto, nesta reportag<strong>em</strong>, apenas o apresentador William Bonner narra <strong>em</strong> off<br />

os acontecimentos seqüenciados através das imagens.<br />

O texto evi<strong>de</strong>ncia que os s<strong>em</strong>-terra agiram com violência ao acuar o<br />

motorista que tentou passar por uma passeata <strong>em</strong> Recife: “Este motorista tentou<br />

passar. Acuado pelos manifestantes...”. Logo <strong>de</strong>pois, o apresentador focaliza<br />

mais agressão por parte dos s<strong>em</strong>-terras: “Os s<strong>em</strong>-terras, armados <strong>de</strong> facões,<br />

foices e pedaços <strong>de</strong> pau atacaram o carro, quebrando os vidros e agredindo o<br />

motorista”. Na seqüência, o motorista atropelou os s<strong>em</strong>-terras, <strong>de</strong>ixando quatro<br />

feridos. No final da reportag<strong>em</strong>, William Bonner fala ao vivo <strong>em</strong> tom <strong>de</strong><br />

editorial. Desta vez, atribui a violência do motorista e, principalmente, dos s<strong>em</strong>-<br />

terras, a negligência da polícia que estava perto do acontecimento e nada fez para<br />

impedir: “... a polícia estava a poucos metros da confusão e <strong>de</strong>ixou que tudo<br />

acontecesse, ou seja, é como se não houvesse polícia alguma”. A expressão “ou<br />

seja” enfatiza o tom explicativo da oratória, além <strong>de</strong> ser típica <strong>de</strong> texto escrito.<br />

Desta forma, o apresentador William Bonner po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificado, no<br />

contexto discursivo, como porta-voz dos acontecimentos, <strong>de</strong> acordo com a<br />

reflexão <strong>de</strong> Pêcheux:<br />

O frágil questionamento <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m, a partir do qual um lapso po<strong>de</strong> tornarse<br />

discurso <strong>de</strong> rebelião, um ato falho <strong>de</strong> motim e insurreição: o momento<br />

irreversível <strong>em</strong> que uma série heterogênea <strong>de</strong> efeitos individuais entram <strong>em</strong><br />

ressonância e produz um acontecimento histórico, rompendo, o círculo da<br />

repetição; é neste momento que surge o porta-voz, ao mesmo t<strong>em</strong>po autor<br />

visível e test<strong>em</strong>unha ocular do acontecimento: o efeito que ele exerce falando<br />

“<strong>em</strong> nome <strong>de</strong>...” é antes <strong>de</strong> tudo um efeito visual que <strong>de</strong>termina esta conversão<br />

do olhar pelo qual o invisíve1 do acontecimento se <strong>de</strong>ixa. enfim ser visto: o<br />

124


porta-voz se expõe ao olhar do po<strong>de</strong>r que ele afronta, falando <strong>em</strong> nome<br />

daqueles que ele representa e sob seu olhar (PÊCHEUX, 1990).<br />

Neste sentido, po<strong>de</strong>-se concluir que William Bonner, como porta-voz dos<br />

acontecimentos, estabelece um dialogismo com seu público, <strong>em</strong>bora unilateral,<br />

estando o telejornal, <strong>de</strong>sta forma, transformando seu monologismo, como po<strong>de</strong><br />

ser evi<strong>de</strong>nciado nos estudos <strong>de</strong> Bakhtin:<br />

O monologismo do noticiário da televisão transveste-se <strong>de</strong> dialogismo.<br />

Concebido como simulacro <strong>de</strong> comunicação frente a frente entre duas<br />

pessoas, o noticiário evoca o tropo mestre, no âmago do pensamento<br />

<strong>de</strong> Bakhtin - duas pessoas <strong>em</strong> diálogo - mas, na realida<strong>de</strong> a<br />

comunicação é unilateral, e não uma troca entre iguais: antes <strong>de</strong> mais<br />

nada, é a comunicação <strong>de</strong> um transmissor po<strong>de</strong>roso que <strong>de</strong>sfruta <strong>de</strong><br />

acesso direto a milhões <strong>de</strong> indivíduos. (...) na obra <strong>de</strong> Bakhtin a palavra<br />

“dialogismo” vai incorporando sentidos e conotações, s<strong>em</strong> nunca per<strong>de</strong>r<br />

a idéia central <strong>de</strong> „relação entre o enunciado e outros enunciados‟.<br />

Embora Bakhtin muitas vezes se refira ao diálogo no sentido lateral a<br />

fim <strong>de</strong> dar ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> dialogismo, este não po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> maneira alguma,<br />

ser reduzido ao diálogo verbal. Qualquer enunciado, inclusive o<br />

monólogo solitário, t<strong>em</strong> seus „outros‟, e só existe <strong>em</strong> relação ao<br />

contexto <strong>de</strong> outros enunciados (...) Como afirma repetidas vezes, “a<br />

palavra s<strong>em</strong>pre v<strong>em</strong> da boca <strong>de</strong> um outro (Bakhtin, citado por STAM,<br />

1992:64-73).<br />

Na fronteira entre o lingüístico e o discursivo, é importante observar <strong>de</strong><br />

que forma algumas características lingüísticas operam no sentido <strong>de</strong> construir<br />

significados no texto <strong>de</strong> uma notícia no telejornal. Um dos recursos utilizados<br />

para dar outra conotação ao fato é a nominalização, que, <strong>de</strong> acordo com<br />

Perelman, 1976, transforma ações e processos <strong>em</strong> objetos, sendo, <strong>de</strong>sta forma, <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> efeito no processo argumentativo, a metáfora e o euf<strong>em</strong>ismo.<br />

Na R3, a repórter Cristina Serra menciona que os s<strong>em</strong>-terras "fizeram um<br />

arrastão”, atribuindo ao fato narrado caráter pejorativo. Na verda<strong>de</strong> os<br />

manifestantes entrelaçaram os braços e caminharam junto. Em outro momento,<br />

na R3 - B4, o repórter Sandro Dalpícolo diz: “A febre começou há um mês com a<br />

chegada <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras <strong>de</strong> outras cida<strong>de</strong>s...”. A metáfora, neste<br />

sentido, opera-se <strong>de</strong> maneira comparativa, construindo no texto caráter <strong>de</strong><br />

violência e ameaça social.<br />

125


Como salientou LAGE (1985), “as metáforas da linguag<strong>em</strong> corrente, e as<br />

do jornalismo, correspon<strong>de</strong>m freqüent<strong>em</strong>ente a sublimações” 50 , como <strong>em</strong> vários<br />

momentos po<strong>de</strong>-se observar, quando a mídia se refere ao mais explícito objetivo<br />

do MST: a luta pela terra.<br />

Outro aspecto imprevisível neste bloco <strong>de</strong> análise é com relação à<br />

retórica da persuasão, exposta pelos sujeitos da enunciação. Gomes elucida sobre<br />

a retórica e seus aspectos:<br />

A retórica, todos o sab<strong>em</strong>os, é uma arte tão ou mais antiga que a filosofia (que<br />

historicamente foi sua concorrente direta <strong>em</strong> mais <strong>de</strong> um período histórico) e a<br />

dialética. Tradicionalmente se ocupa com o uso do discurso (rhéseis) ou,<br />

melhor ainda, com o uso da expressão ou dicibilida<strong>de</strong> das coisas (rhéton).<br />

Numa socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> a dimensão pública é <strong>de</strong> tal modo importante, como na<br />

pólis grega, a “arte <strong>de</strong> persuadir pela expressão”, como é entendida a retórica,<br />

é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância e <strong>de</strong>ve ser dominada por todos os participantes do<br />

jogo político. Des<strong>de</strong> o início, a retórica está ligada à disputa pública <strong>de</strong> teses e<br />

t<strong>em</strong>as. Por isso constitui-se como uma técnica das idéias ou tópica (a arte <strong>de</strong><br />

inventar os t<strong>em</strong>as e conceitos pelos quais se conduzirá a discussão, os<br />

arcabouços ou materiais conceituais), uma técnica dos argumentos (a arte <strong>de</strong><br />

inventar as estratégias <strong>de</strong>monstrativas e/ou persuasivas, o or<strong>de</strong>namento e<br />

coerência dos pensamentos na discussão), uma técnica da elocução (a arte <strong>de</strong><br />

inventar as formas expressivas do discurso, sua apresentação <strong>em</strong> imagens e<br />

palavras) (GOMES, 1994:142).<br />

Para o autor, os aspectos criativo e executivo compõ<strong>em</strong> o quadro da arte<br />

retórica. Esta é criativa, enquanto inventa os t<strong>em</strong>as, conceitos e imagens, b<strong>em</strong><br />

como a or<strong>de</strong>nação dos argumentos necessários à exposição e <strong>de</strong>fesa do próprio<br />

pleito. Mas é também executiva, enquanto dispõe todos estes el<strong>em</strong>entos, vistos<br />

como instrumentos na disputa, a partir <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> persuasão, com vistas a<br />

impor, da maneira mais eficaz, a própria causa. GOMES (1994) salienta que “à<br />

retórica (esta arte tão cont<strong>em</strong>porânea) a obtenção do êxito é um critério<br />

essencial” 51 .<br />

Conforme Lage, a questão da retórica está intimamente ligada ao po<strong>de</strong>r,<br />

construindo um discurso próprio sobre os acontecimentos:<br />

50 LAGE (1985:45).<br />

51 GOMES (1994:125).<br />

O po<strong>de</strong>r gera conceitos, <strong>em</strong> torno dos quais se dispõe o diálogo<br />

social.(...) A crítica do discurso, <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> expressão mais límpida,<br />

precisa consi<strong>de</strong>rar mecanismos como o da construção do mito retórico:<br />

o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> um signo lingüístico para significar outra coisa, <strong>de</strong><br />

126


modo que se impõe duplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entendimentos e se mantém viva a<br />

regra social... (LAGE, 1985:44).<br />

Neste momento, reconhece-se terceira prática discursiva do Jornal<br />

Nacional: a sustentação da força argumentativa da mídia, através da retórica da<br />

persuasão e da manipulação, inserida no jogo lingüístico do jornalismo.<br />

5.4. Quarto bloco <strong>de</strong> análise: o contexto das imagens na construção do espetáculo<br />

da notícia<br />

Na televisão manipula-se com mais facilida<strong>de</strong> na escolha <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as, no espaço<br />

que lhes é <strong>de</strong>stinado, no <strong>de</strong>staque, no enfoque e até mesmo na expressão do<br />

apresentador.(...) A televisão transmite, além disso, a ilusão da verda<strong>de</strong>: ao ver<br />

as cenas do acontecimento o receptor rejeita a tese da manipulação pelo fato<br />

<strong>de</strong> “ter test<strong>em</strong>unhado com seus próprios olhos” o ocorrido. A mítica das<br />

imagens garante o estatuto <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> absoluta e inocenta a <strong>de</strong>turpação.<br />

Fundamental no telejornal é o caráter <strong>de</strong> show da notícia e da realida<strong>de</strong><br />

social 52 (Ciro Marcon<strong>de</strong>s Filho).<br />

Com relação propriamente às imagens, como expôs ORLANDI (1987),<br />

para o analista <strong>de</strong> discurso tudo significa. Neste sentido, o próprio<br />

enquadramento da câmera vai representar el<strong>em</strong>ento importante <strong>de</strong> análise quando<br />

se busca enten<strong>de</strong>r o significado <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada notícia. É preciso, pois, ficar<br />

atento a quais ângulos são enquadrados e privilegiados na edição.<br />

Na notícia da TV brasileira, a imag<strong>em</strong> funciona como suporte ao texto,<br />

como analisa Mota, estando assim fragmentada:<br />

Seu objetivo <strong>de</strong> representação do real se reduz a uma fragmentação do<br />

real. Esta fragmentação, então, quebra a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> poliss<strong>em</strong>ia da<br />

imag<strong>em</strong>, que po<strong>de</strong>ria ser a maior contribuição à melhor com-preensão<br />

dos diversos el<strong>em</strong>entos visuais da notícia (MOTA, 1992:129).<br />

127<br />

Ron<strong>de</strong>lli argumenta que a<br />

construção do discurso televisivo,<br />

apoiando-se nas imagens,<br />

promove a espetacularização da<br />

realida<strong>de</strong>:<br />

A televisão estetiza a realida<strong>de</strong> porque constrói uma imag<strong>em</strong> muito<br />

verossímil do real, mas que o ultrapassa – cria o transreal ou hiper-real,<br />

noções geradas a partir <strong>de</strong> reinterpretações e releituras do conceito <strong>de</strong><br />

52 MARCONDES FILHO (1986:52).


simulacro. Tal modo <strong>de</strong> ver <strong>de</strong>tecta efeitos perversos nesta relação que<br />

a televisão estabelece com a realida<strong>de</strong>, sobretudo porque ao<br />

transfigurá-la, ela passa a ser um modo., mais do que vicário, <strong>de</strong> se<br />

conhecer e participar do real. (...) a televisão se reporta à realida<strong>de</strong><br />

quando está é passível <strong>de</strong> ser tratada como insumo <strong>de</strong> shows e <strong>de</strong><br />

espetáculos fantásticos. Por este prisma, a televisão é vista como um<br />

palco eletrônico <strong>de</strong> se contar histórias reais ou ficcionais com imagens<br />

(RONDELLI, 1994:238-239).<br />

Nas reportagens enquadradas neste bloco <strong>de</strong> análise, os planos gerais e<br />

planos médios serv<strong>em</strong> para registrar o acontecimento. A utilização do close<br />

permite, por outro lado, criar registros significativos. São <strong>de</strong>nominados<br />

el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> presença, conceito <strong>de</strong> Perelman, citado por MOTA (1992), que<br />

atuam no sentido <strong>de</strong> manter vivos, para a consciência do telespectador, pessoas,<br />

objetos ou sentimentos.<br />

O close <strong>de</strong> Lula sorrindo, na R3 - B3, por ex<strong>em</strong>plo, apresenta ao<br />

telespectador um enfoque pejorativo. É como se o JN quisesse <strong>de</strong>ixar explícito o<br />

oportunismo do político <strong>em</strong> questão. Da mesma forma acontece com a imag<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong> Leonel Brizola discursando, sendo este <strong>de</strong>clarado inimigo político e<br />

i<strong>de</strong>ológico <strong>de</strong> Roberto Marinho. Na R5, Lula aparece novamente, apoiando José<br />

Rainha <strong>em</strong> seu julgamento, juntamente com Vicentinho, presi<strong>de</strong>nte da CUT. Este<br />

fato focalizado pelo telejornal conota o apoio <strong>de</strong>clarado das forças esquerdistas<br />

brasileiras, a favor do MST.<br />

O constante uso nas reportagens <strong>de</strong> imagens que mostram os símbolos<br />

dos s<strong>em</strong>-terras ajudam a construir a imag<strong>em</strong> da violência do MST. A R3 mostra<br />

o apoio ao MST, “<strong>de</strong> gente que não precisa <strong>de</strong> terra”. O repórter Sandro<br />

Dalpícolo fala <strong>em</strong> off exibindo as imagens: “O boné vermelho do MST é moda<br />

nas ruas <strong>de</strong> Nova Cantú”. Na R5, o repórter Ari Peixoto também narra <strong>em</strong> off o<br />

“cenário” do julgamento <strong>de</strong> José Rainha. Sua primeira frase é a seguinte:<br />

“Faixas, ban<strong>de</strong>iras, foices e facões”.<br />

A repórter Cristina Serra, na R3 - 3. o B, diz: “Vestiram o uniforme da<br />

luta pela Reforma Agrária: camiseta e boné do MST, e trouxeram símbolos do<br />

movimento, como as foices e os facões. Os policiais ficaram por perto. Eles só<br />

levaram cacetetes”. A comparação entre os instrumentos <strong>de</strong> trabalho dos s<strong>em</strong>-<br />

terras e dos policiais é explícita. A repórter expõe “facões e foices” como armas<br />

128


dos s<strong>em</strong>-terras, quando, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>veria mencionar que são com estas foices<br />

e facões que eles trabalham. Quanto aos policiais, a repórter enfatiza que eles<br />

portavam apenas cacetetes, ou seja, a intenção <strong>de</strong> violência foi ressaltada para o<br />

lado dos manifestantes e não dos policiais.<br />

Este discurso da violência, através das imagens espetacularizadas pela<br />

mídia, foi analisada por RONDELLI (1998). Segundo a pesquisadora, pelo<br />

procedimento da ampla visibilização, os meios <strong>de</strong> comunicação atuam como<br />

construtores <strong>de</strong> representações sociais sobre crime, violência e sobre os atores<br />

sociais envolvidos nestas práticas. Estas representações sociais se efetivam<br />

através da produção <strong>de</strong> significados que nomeiam e classificam as práticas<br />

sociais, visando uma ação concreta da socieda<strong>de</strong>. De acordo ainda com a autora,<br />

(...) o modo como a mídia fala sobre a violência faz parte da própria<br />

realida<strong>de</strong> da violência – as interpretações e os sentidos sociais que<br />

serão extraídos <strong>de</strong> seus atos, o modo como certos discursos sobre ela<br />

passarão a circular no espaço público e a prática social que passará a<br />

ser informada cotidiana e repetidamente por estes episódios narrados.<br />

Revela-se, aqui, o caráter estruturado/estruturador dos discursos. A<br />

mídia é um <strong>de</strong>terminado modo <strong>de</strong> produção discursiva, com seus<br />

modos narrativos e suas rotinas próprias, que estabelec<strong>em</strong> alguns<br />

sentidos sobre o real no processo <strong>de</strong> sua apreensão e relato. Deste real<br />

ela nos <strong>de</strong>volve, sobretudo, imagens e discursos que informam e<br />

conformam este mesmo real. Portanto, compreen<strong>de</strong>r a mídia não <strong>de</strong>ixa<br />

<strong>de</strong> ser um modo <strong>de</strong> se estudar a própria violência, pois quando esta se<br />

apropria, divulga, espetaculariza, sensacionaliza, ou banaliza os atos da<br />

violência está atribuindo-lhes um sentido que, ao circular<strong>em</strong><br />

socialmente, induz<strong>em</strong> práticas referidas à violência (RONDELLI,<br />

1998:149-150).<br />

Ainda no sentido <strong>de</strong> relacionar o MST à tensão social, violência<br />

anunciada e oposição ao sist<strong>em</strong>a vigente, po<strong>de</strong>-se perceber, <strong>em</strong> vários momentos,<br />

o close na ban<strong>de</strong>ira do movimento, que, algumas vezes, aparece ao lado da<br />

ban<strong>de</strong>ira do Partido dos Trabalhadores e da Central Única dos Trabalhadores 53 .<br />

A ban<strong>de</strong>ira do MST acaba recebendo da mídia conotação <strong>de</strong> ameaça<br />

social. O discurso neoliberal vigente parece ancorar no <strong>de</strong>posto discurso<br />

53 Neste sentido, é importante mencionar uma abordag<strong>em</strong> feita por ALBUQUERQUE (1994), com<br />

relação à “manipulação <strong>de</strong> aparências audiovisuais”. Em sua pesquisa, o autor, analisa o discurso do<br />

ex-Presi<strong>de</strong>nte Fernando Collor, nas eleições <strong>de</strong> 1989, contra a ban<strong>de</strong>ira do PT, “o partido da estrelinha<br />

vermelha”, ligando o partido aos regimes comunistas <strong>em</strong> crise, “regimes da estrelinha vermelha”. De<br />

acordo com o pesquisador, diferent<strong>em</strong>ente da ban<strong>de</strong>ira branca, a ban<strong>de</strong>ira vermelha é usada tendo <strong>em</strong><br />

vista um simbolismo político consagrado. Vermelha é a cor do estandarte do comunismo<br />

129


“collorido”, ou mesmo, é parte integrante da histórica manipulação da or<strong>de</strong>m<br />

social brasileira.<br />

Mas é preciso <strong>de</strong>ixar claro o real significado dos símbolos e cores<br />

expostas na ban<strong>de</strong>ira do MST, que não é menos vermelha que a ban<strong>de</strong>ira do PT:<br />

Durante o IV Encontro Nacional do MST, realizado <strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1987,<br />

<strong>em</strong> Piracicaba/SP, aconteceu a escolha e aprovação oficial da Ban<strong>de</strong>ira<br />

do Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-terra. A Ban<strong>de</strong>ira é um<br />

símbolo do caráter nacional da luta pela Reforma Agrária. Vejamos o<br />

significado dos <strong>de</strong>senhos e cores que compõ<strong>em</strong> a nossa Ban<strong>de</strong>ira: O<br />

MAPA DO BRASIL: representa que o MST é uma organização <strong>em</strong> nível<br />

nacional que quer levar a luta pela Reforma Agrária para todo o país. O<br />

HOMEM E A MULHER: o casal representa a necessida<strong>de</strong> da luta ser<br />

feita por homens, mulheres, famílias inteiras. O FACÃO: representa as<br />

ferramentas <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong> luta e <strong>de</strong> resistência. A COR BRANCA:<br />

representa a paz pela qual lutamos, e que somente po<strong>de</strong>rá ser<br />

conquistada quando houver justiça social para todos. A COR<br />

VERMELHA: representa o sangue que corre <strong>em</strong> nossas veias e a<br />

disposição <strong>de</strong> lutar pela Reforma Agrária e pela transformação da<br />

socieda<strong>de</strong>. A COR PRETA: representa o nosso luto e a nossa<br />

homenag<strong>em</strong> a todos os trabalhadores que já tombaram, lutando pela<br />

nova socieda<strong>de</strong>. A COR VERDE: representa os gran<strong>de</strong>s latifúndios que<br />

t<strong>em</strong>os que ocupar e fazer produzir. E a esperança <strong>de</strong> que a nossa luta<br />

seja vitoriosa a cada latifúndio conquistado (CALENDÁRIO..., 1999:20).<br />

Ainda referindo-se às imagens e suas representações no contexto <strong>de</strong>ste<br />

bloco <strong>de</strong> análise, po<strong>de</strong>-se mencionar a R1, quando o repórter Sandro Dalpícolo<br />

fala sobre os s<strong>em</strong>-terras, que supostamente levariam uma “vida dupla”: “Alguns<br />

s<strong>em</strong>-terra escon<strong>de</strong>m o rosto da câmera, usando bonés, jaquetas e blusas sobre a<br />

cabeça. Mas por que não quer<strong>em</strong> aparecer? A i<strong>de</strong>ntificação po<strong>de</strong> revelar a outra<br />

face do movimento”.<br />

O contexto da ilegalida<strong>de</strong> é novamente construído. O caráter<br />

investigativo e espetacular da notícia vai sendo <strong>de</strong>lineado através das imagens<br />

apresentadas, como: o carro, a placa do carro e a garag<strong>em</strong> da casa do suposto<br />

s<strong>em</strong>-terra. O interessante <strong>de</strong> se analisar é que, o início da reportag<strong>em</strong> fala do<br />

homicídio <strong>de</strong> um segurança praticado na fazenda Borbor<strong>em</strong>a. Logo <strong>de</strong>pois, a<br />

reportag<strong>em</strong> muda <strong>de</strong> enfoque, falando <strong>de</strong> trabalhadores urbanos que<br />

possivelmente são participantes do MST. Francisco Geraldo Pereira, o sujeito do<br />

internacional. O autor também se reporta à Lamartine, que analisou a conotação <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>ira vermelha<br />

como “ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> sangue”.<br />

130


enunciado (dono do carro e da casa), seria um <strong>de</strong>les. Entretanto, <strong>em</strong> nenhum<br />

momento da reportag<strong>em</strong> ele foi ouvido.<br />

No que diz respeito às imagens <strong>de</strong> arquivo, po<strong>de</strong>-se analisar que elas são<br />

usadas como artifício para enfatizar uma t<strong>em</strong>ática. Às vezes, o discurso<br />

jornalístico da repetição sobre os s<strong>em</strong>-terras assume “forma didática <strong>de</strong> contar”,<br />

como <strong>de</strong>finiu BERGUER (1998). A história e fatos ocorridos com integrantes do<br />

MST aparec<strong>em</strong> através <strong>de</strong>stas imagens <strong>de</strong> arquivo, que sintetizam informações<br />

passadas, como as dos saques, a ser analisada na R2 - 8. o B, quando uma imag<strong>em</strong><br />

arquivo foi exibida (a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> João Pedro Stédile), como sendo uma<br />

imag<strong>em</strong> atual.<br />

O que se percebe é que o discurso que interage a palavra e a imag<strong>em</strong> é<br />

construído com artifícios da retórica da manipulação, que atribu<strong>em</strong> ao MST o<br />

caráter da ilegalida<strong>de</strong> e da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m. Neste sentido, i<strong>de</strong>ntifica-se a quarta<br />

prática discursiva do JN: a espetacularização das notícias, através do contexto<br />

da violência praticada pelo MST, construídas pelas imagens, promovendo um<br />

enfeitiçamento da realida<strong>de</strong>.<br />

5.5. Quinto bloco <strong>de</strong> análise: o discurso do po<strong>de</strong>r governamental como espetáculo<br />

político<br />

... que lá on<strong>de</strong> há po<strong>de</strong>r há resistência e, no entanto (ou melhor, por isso<br />

mesmo) esta nunca se encontra <strong>em</strong> posição <strong>de</strong> exteriorida<strong>de</strong> (...) Não existe,<br />

com respeito ao po<strong>de</strong>r, um lugar <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> recusa – alma da revolta, foco <strong>de</strong><br />

todas as rebeliões, lei pura do revolucionário. Mas sim, resistências no plural,<br />

que são casos únicos: possíveis, necessários, improváveis, espontâneos,<br />

selvagens, solitárias, planejadas, arrastadas, violentas, irreconciliáveis,<br />

prontas ao compromisso, interessadas ou fadadas ao sacrifício; por <strong>de</strong>finição<br />

não po<strong>de</strong>m existir a não ser no campo estratégico das relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r 54<br />

(Michel Foucault).<br />

Neste bloco <strong>de</strong> análise, o agendamento <strong>de</strong> ações do governo, o exercício<br />

<strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r perante a socieda<strong>de</strong>, a questão dos números e dados referentes à<br />

reforma agrária, a figura do Ministro Raul Jungmann como interlocutor <strong>de</strong>ste<br />

54 FOUCAULT (1979:91).<br />

131


processo e uma entrevista do Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso são alguns<br />

aspectos a ser<strong>em</strong> analisados.<br />

Como se po<strong>de</strong> perceber, JN também serve como mediador da divulgação<br />

<strong>de</strong> ações do governo, com relação a ações sociais, perseguição <strong>de</strong> corruptos<br />

<strong>de</strong>ntro do próprio governo, projetos, leis, etc. Como expôs RONDELLI (1994), o<br />

telejornal é uma das principais fontes <strong>de</strong> agenciamento político, r<strong>em</strong>etendo-se ao<br />

conceito on<strong>de</strong> as principais pautas são lançadas, tornando-se palco para a<br />

encenação e construção da vida política, r<strong>em</strong>etendo-se, <strong>de</strong>sta forma, ao contexto<br />

<strong>de</strong> agendamento político nos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, constituindo <strong>em</strong><br />

agenda-setting 55 .<br />

Em sete reportagens que constam neste bloco, observa-se que o governo<br />

<strong>de</strong> Fernando Henrique Cardoso: R1 - <strong>de</strong>nuncia o INCRA; R2 - <strong>de</strong>sapropria<br />

fazenda <strong>de</strong> ex-banqueiro; R3 - assentou mais gente do que <strong>em</strong> qualquer período<br />

da história do Brasil; R4 - faz mudanças na legislação agrária; R5 - faz uma<br />

proposta oficial para reduzir os conflitos <strong>de</strong> terra; R6 - lança uma linha <strong>de</strong><br />

crédito para financiar a compra <strong>de</strong> terras; R7 - com<strong>em</strong>ora assentamentos.<br />

Em cada uma <strong>de</strong>ssas reportagens, há a apresentação <strong>de</strong> números, ditos<br />

oficiais: R1 -“... o INCRA pagou 250 milhões <strong>de</strong> reais, 30 vezes mais que o<br />

preço <strong>de</strong> mercado. Com esse dinheiro o governo po<strong>de</strong>ria assentar com folga,<br />

cerca <strong>de</strong> 11 mil famílias”; R2 -“O Ministério da Reforma Agrária promete usar<br />

mais <strong>de</strong> 200 mil hectares <strong>de</strong> outros banqueiros com dívidas no Banco do Brasil<br />

para assentar quase 7 mil famílias”; R3 -“Nós <strong>de</strong>sapropriamos 340 mil hectares<br />

<strong>de</strong> Terra. Isso é o tamanho da Bélgica”(...)“Nós colocamos que <strong>em</strong> 4 anos nós<br />

55 “Shaw e McCombs colocam o agenda-setting como um processo já inserido no próprio fluxo normal<br />

<strong>de</strong> notícias. O agendamento começaria na rotina <strong>de</strong> selecionar, cortar e dar "pesos" aos t<strong>em</strong>as que são<br />

passados para os leitores. Shaw argumenta, ainda, que o agendamento faz parte do sist<strong>em</strong>a social. isto<br />

porque, segundo ele, a imprensa e o público faz<strong>em</strong> parte do sist<strong>em</strong>a social integrado para sobreviver e<br />

precisam <strong>de</strong>senvolver uma habilida<strong>de</strong> para arcar com os probl<strong>em</strong>as sociais. Mas, antes disso, é preciso<br />

que se torn<strong>em</strong> conscientes dos probl<strong>em</strong>as, os quais <strong>de</strong>v<strong>em</strong> fazer parte da agenda <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as públicos. O<br />

agendamento entraria, aí, como uma forma <strong>de</strong> consenso entre os que têm acesso à imprensa (ou<br />

aqueles a qu<strong>em</strong> a imprensa cobre), a imprensa, a audiência e a socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> geral. (...) Uma primeira<br />

aplicação do agenda-setting ao Congresso Nacional brasileiro: Shaw e McCombs constataram que os<br />

políticos, uma vez cônscios do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> agendamento dos media (o que já é indiscutível a esta altura),<br />

procuravam tirar vantag<strong>em</strong> disso, criando situações para atrair a atenção da imprensa, o que Adriano<br />

Duarte, chama <strong>de</strong> “meta-acontecimentos”: acontecimentos discursivos, que funcionam como um novo<br />

acontecimento ao ser<strong>em</strong> relatados pelos medias (RODRIGUES, 1998:2-3).<br />

132


po<strong>de</strong>ríamos assentar 280 mil famílias. No primeiro ano seriam 40 mil, no<br />

segundo ano 60 mil. Cumprimos.”; R4-“O INCRA terá 120 dias para fazer a<br />

vistoria...”, “...o governo terá 4 anos para recorrer contra in<strong>de</strong>nização judicial,<br />

acima do valor do imóvel”; R5- “...o governo espera conseguir pelo menos 70<br />

mil hectares para assentar 3 mil famílias”; R6- “O trabalhador rural po<strong>de</strong>rá<br />

pegar um <strong>em</strong>préstimo <strong>de</strong> 10 mil reais e terá 7 anos para pagar”; R7 - “O<br />

presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique fez hoje um balanço do programa <strong>de</strong> Reforma<br />

Agrária. Com<strong>em</strong>orou o assentamento <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 80 mil famílias, superando a<br />

meta inicial e fez uma avaliação”.<br />

Neste sentido, recorre-se novamente à questão da retórica discursiva.<br />

MOTA (1992), citando Van Dijk, salienta que números, gráficos e <strong>de</strong>senhos,<br />

estando ou não corretos, não têm apenas a função <strong>de</strong> ilustrar uma reportag<strong>em</strong>,<br />

mas, principalmente, <strong>de</strong> funcionar retoricamente, como garantia da precisão da<br />

informação: “Números são s<strong>em</strong>pre argumentos fortes na construção <strong>de</strong> efeito-<br />

verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma notícia. Como tal, são manipulados pelas fontes, que serão mais<br />

ou menos prestigiadas por um órgão <strong>de</strong> imprensa” 56 .<br />

Dentro <strong>de</strong>ste contexto, é necessário focalizar as análises <strong>de</strong> Barthes e<br />

Foucalt, com relação a discurso e po<strong>de</strong>r. Para Barthes, citado por BALTAZAR<br />

(1991), o discurso que toma para si a “verda<strong>de</strong>” é arrogante, servindo ao po<strong>de</strong>r:<br />

... por toda parte, vozes “autorizadas”, que se autorizam a fazer ouvir o<br />

discurso <strong>de</strong> todo o po<strong>de</strong>r: o discurso da arrogância”. Assim, o que é<br />

opressivo num discurso, não é apenas a mensag<strong>em</strong> que ele transmite,<br />

mas as formas discursivas através das quais ela é proposta. O único<br />

caminho para se enfrentar o po<strong>de</strong>r é reconhecê-lo como tal, perceber<br />

sua estrutura e amenizá-la, porém, tarefa difícil ser coerente entre<br />

realida<strong>de</strong> e discurso: “O po<strong>de</strong>r está presente nos mais finos<br />

mecanismos do intercâmbio social: não somente no Estado, nas<br />

classes, nos grupos, mas ainda nas modas, nas opiniões correntes nos<br />

espetáculos, nos jogos, nos esportes, nas informações, nas relações<br />

familiares c privadas e até mesmo nos impulsos liberadores que tentam<br />

contestá-lo (BALTAZAR, 1991:132).<br />

Para FOUCAULT (1979), o po<strong>de</strong>r não é algo localizado no topo <strong>de</strong> uma<br />

hierarquia da qual se <strong>de</strong>rivaria, mas é algo difuso, disperso na trama social, sendo<br />

concebido como estratégia. Desta forma, o funcionamento do po<strong>de</strong>r presume um<br />

56 MOTA (1992:74).<br />

133


enfrentamento perpétuo, exercendo-se por meio <strong>de</strong> estratégias, sendo que seus<br />

efeitos não são imputáveis a uma apropriação, mas reg<strong>em</strong>-se por meio <strong>de</strong><br />

manobras táticas e técnicas. Sobre este enfoque da dinâmica do po<strong>de</strong>r,<br />

FOUCAULT (1977) explica <strong>em</strong> Vigiar e Punir:<br />

Ora o estudo <strong>de</strong>sta microfísica supõe que o po<strong>de</strong>r nela exercido não<br />

seja concebido como uma proprieda<strong>de</strong>, mas como uma estratégia, que<br />

seus efeitos <strong>de</strong> dominação não sejam atribuídos a uma “apropriação”,<br />

mas a disposições, a manobras, táticas e técnicas, a funcionamentos;<br />

que se <strong>de</strong>svence nele antes uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações s<strong>em</strong>pre tensas,<br />

s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>, que um privilégio que se pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>ter; que lhe<br />

seja dado como mo<strong>de</strong>lo antes a batalha perpétua que o contrato que faz<br />

uma cessão ou uma conquista que se apo<strong>de</strong>ra <strong>de</strong> um domínio. T<strong>em</strong>os<br />

<strong>em</strong> suma que admitir que esse po<strong>de</strong>r se exerce mais do que se possui,<br />

que não é privilégio adquirido ou conservado da classe dominante, mas<br />

o efeito conjunto <strong>de</strong> suas posições estratégicas – efeito manifestado e<br />

às vezes reconduzido pela posição dos que são dominados<br />

(FOUCAULT, 1977:29).<br />

A representativida<strong>de</strong> do discurso do po<strong>de</strong>r nas reportagens analisadas<br />

po<strong>de</strong> ser evi<strong>de</strong>nciada pela presença do Ministro da Reforma Agrária, Raul<br />

Jungmam. Como sujeito do enunciado, o discurso do Ministro legitima as ações<br />

presentes, cobra da justiça o cumprimento das leis, elogia o MST (apesar <strong>de</strong> fazer<br />

l<strong>em</strong>brar o aspecto da violência) e se apresenta como o principal interlocutor da<br />

Reforma Agrária Brasileira: R1 - “... a minha expectativa é que eles pagu<strong>em</strong> por<br />

esse erro ex<strong>em</strong>plarmente atrás das gra<strong>de</strong>s”; R2 - “Os banqueiros que<br />

quebraram e lesaram, tanto o po<strong>de</strong>r público, quanto aqueles que tinham sua<br />

poupança, seu dinheirinho no Banco, vão agora pagar por isso”; R4 - “A partir<br />

<strong>de</strong> agora t<strong>em</strong>os uma lei agrária, limpa e <strong>em</strong> condições <strong>de</strong> você tocar a Reforma<br />

Agrária, s<strong>em</strong> frau<strong>de</strong>s, ou pelo menos <strong>de</strong>ixando ela absolutamente residual e<br />

fazendo-a com serenida<strong>de</strong> e evitando os conflitos e os mortos”; R5 - “O MST<br />

organiza parcela da população, e isso representa avanços, e se isso vai <strong>de</strong>ntro<br />

da lei, nenhum probl<strong>em</strong>a, t<strong>em</strong> o governo ao lado. Quando existe <strong>de</strong>srespeito à<br />

lei, aí efetivamente o governo reage <strong>em</strong> nome da autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática”.<br />

Na R3, a legitimida<strong>de</strong> do Ministro Raul Jungmann, como interlocutor da<br />

Reforma Agrária, é colocada <strong>em</strong> questionamento, através <strong>de</strong> pergunta feita a<br />

Fernando Henrique, que <strong>de</strong>u entrevista exclusiva à Re<strong>de</strong> Globo, no dia da<br />

chegada da marcha dos s<strong>em</strong>-terra à Brasília (17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997):<br />

134


Jornalista Carlos Monforte (pergunta): O senhor escolheu Raul Jungmann para<br />

ser o Ministro da reforma Agrária. O MST não está reconhecendo o ministro<br />

como interlocutor. O senhor é capaz <strong>de</strong> tirar o ministro para continuar o<br />

diálogo?<br />

Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique (resposta): Não porque aí sai da legalida<strong>de</strong>,<br />

porque não cabe ao MST saber qu<strong>em</strong> é ministro meu. Eu fui eleito pelo povo<br />

para governar com os ministros que eu <strong>de</strong>cido. Agora, eu não vou discutir<br />

qu<strong>em</strong> é o lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>-terra. Nunca pedi a cabeça <strong>de</strong> nenhum lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>terra.<br />

O <strong>de</strong>staque na resposta do Presi<strong>de</strong>nte não é por acaso. Na época da<br />

entrevista, apesar da metáfora usada por FHC, esta não foi questionada n<strong>em</strong> ao<br />

menos teve alguma repercussão. O presi<strong>de</strong>nte induz o telespectador a pensar que<br />

os s<strong>em</strong>-terras queriam agir com violência ao não reconhecer<strong>em</strong> o Ministro Raul<br />

Jungmann como interlocutor da reforma agrária, como foi mencionado pelo<br />

repórter. É como se os s<strong>em</strong>-terras também tivess<strong>em</strong> pedido a cabeça do Ministro<br />

<strong>em</strong> questão. O uso da figura <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> t<strong>em</strong> tom pejorativo, sugerindo<br />

violência.<br />

No entanto, ocorreu um fato no Paraná que recebeu gran<strong>de</strong> enfoque do<br />

JN 57 , no dia 8 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1999. O telejornal exibiu, “<strong>em</strong> primeira mão”, a<br />

conversa <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res do MST que foi escutada através <strong>de</strong> grampo telefônico.<br />

Sabendo intuitivamente que estavam sendo ouvidos, estes “pediram a cabeça” da<br />

juíza, Elizabeth Khater, expressando o sentido da <strong>de</strong>gola, através da palavra <strong>em</strong><br />

57 Apesar do fato não se incluir no t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> análise do estudo, <strong>de</strong>ve ser mencionado, pois nele po<strong>de</strong>-se<br />

constatar uma relevante comparação.<br />

135


si, repudiando a ligação política <strong>de</strong>sta com o governador do Estado do Paraná,<br />

Jaime Lerner, latifundiários e policiais da região 58 .<br />

A conotação do MST parece ter sido a mesma <strong>de</strong> Fernando Henrique,<br />

mas repercutiu como pejorativa e não foi entendida como metáfora. A imag<strong>em</strong> da<br />

violência construída <strong>em</strong> torno do MST parece não permitir a aproximação <strong>de</strong><br />

figuras <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>. O “pedir a cabeça”, por parte do MST, socialmente<br />

r<strong>em</strong>ete-se à <strong>de</strong>gola. O pedir a cabeça por parte <strong>de</strong> FHC r<strong>em</strong>ete-se à <strong>de</strong>stituição <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r.<br />

Analisando ainda a mesma entrevista, é importante mencionar o t<strong>em</strong>po e<br />

o espaço <strong>de</strong> sua veiculação. Além <strong>de</strong> ter sido editada para o JN, a entrevista<br />

também recebeu tratamento editorial ressaltado no Jornal Hoje, transmitido às<br />

13:15 horas e no Jornal da Globo, transmitido às 23h45min. (mesmo dia). Em<br />

todas as edições dos três telejornais, nenhum s<strong>em</strong>-terra ou lí<strong>de</strong>r dos mesmos foi<br />

ouvido.<br />

Além disso, é preciso ressaltar a importância da Re<strong>de</strong> Globo como<br />

veículo <strong>de</strong> comunicação ligado ao po<strong>de</strong>r. Isso qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixa explícito é o próprio<br />

Presi<strong>de</strong>nte, quando diz: “Eu <strong>de</strong>ixo um apelo aqui. (...)Eu <strong>de</strong>ixo um apelo aos<br />

58 “O Estado a serviço do latifúndio: Além do governador Jaime Lerner, os latifundiários do<br />

Paraná encontraram uma aliada, assumida, no Po<strong>de</strong>r Judiciário: a juíza Elizabeth Khater, da<br />

Vara <strong>de</strong> Loanda. Ela chegou a com<strong>em</strong>orar com os amigos fazen<strong>de</strong>iros o sucesso das<br />

operações <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo <strong>em</strong> Querência do Norte. O encontro ocorreu no restaurante Balaio <strong>de</strong><br />

Frango, <strong>em</strong> Loanda. Veja a notícia publicada no jornal Folha <strong>de</strong> S. Paulo (15/5), na seção<br />

Contraponto. Título: Justiça Cega: No último dia 7 <strong>de</strong> maio, o governo do Paraná iniciou<br />

uma megaoperação <strong>de</strong> <strong>de</strong>socupação <strong>de</strong> fazendas invadidas no noroeste do Estado. Na<br />

região, existiam 45 mandados <strong>de</strong> reintegração <strong>de</strong> posse, <strong>de</strong>terminados pela juíza Elisabeth<br />

Khater, <strong>de</strong> Loanda. Na noite do primeiro dia, seis já haviam sido cumpridos. A juíza Khater<br />

resolveu com<strong>em</strong>orar a operação com amigos no restaurante Balaio <strong>de</strong> Frango. Durante o<br />

jantar, um repórter se aproximou <strong>de</strong>la. A juíza o confundiu com um policial e elogiou:<br />

Parabéns pelo serviço! Eu estava agora mesmo elogiando o trabalho <strong>de</strong> vocês para meus<br />

amigos fazen<strong>de</strong>iros. Depois acrescentou: Estamos aqui com<strong>em</strong>orando. Po<strong>de</strong> ser o início <strong>de</strong><br />

uma união entre fazen<strong>de</strong>iros e a PM. Ao perceber o engano, a juíza ficou branca e tentou<br />

justificar: - Mas a amiza<strong>de</strong> não influenciou (nas <strong>de</strong>cisões judiciais).<br />

Grampo ilegal: A juíza dos latifundiários já conce<strong>de</strong>u mais <strong>de</strong> 150 liminares <strong>de</strong> reintegração <strong>de</strong> posse<br />

e expediu mais <strong>de</strong> 160 mandados <strong>de</strong> prisão contra trabalhadores rurais. Muitas das prisões foram<br />

<strong>de</strong>cididas contra o parecer da Promotoria <strong>de</strong> Loanda. E mais: ela libertou os três acusados do<br />

assassinato <strong>de</strong> Eduardo Anghinoni. A mais recente ação <strong>de</strong> Elizabeth Khater foi autorizar um grampo<br />

telefônico na cooperativa do Movimento <strong>em</strong> Querência do Norte, o que é totalmente ilegal - o<br />

Judiciário só permite o grampo quando necessário para instaurar um processo criminal. Pior: as<br />

conversas não po<strong>de</strong>m ser divulgadas publicamente, como ocorreu - a TV Globo realizou matéria<br />

utilizando trechos dos diálogos (Matérias publicadas no Jornal dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra,<br />

jun. 1999, p. 10-11).<br />

136


congressistas. Que eles vot<strong>em</strong> a reforma (...)”. Ao que tudo indica, o Presi<strong>de</strong>nte<br />

Fernando Henrique utiliza um veículo <strong>de</strong> comunicação para mediar a relação<br />

com o Congresso Nacional. É o po<strong>de</strong>r governamental pedindo ajuda à Re<strong>de</strong><br />

Globo e a Re<strong>de</strong> Globo, com o seu po<strong>de</strong>r, abrindo espaço para legitimar um<br />

pedido presi<strong>de</strong>ncial 59 .<br />

Analisando ainda a representativida<strong>de</strong> do Ministro Raul Jungmann,<br />

observa-se a R8 e R9. O Ministro, <strong>de</strong> interlocutor da reforma agrária no Brasil,<br />

passa a receber status <strong>de</strong> interlocutor entre o Vaticano e o Brasil. Na R8, exibida<br />

<strong>em</strong> 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1998, a Igreja Católica pe<strong>de</strong> a urgência da reforma agrária,<br />

não apoia as invasões <strong>de</strong> terras e con<strong>de</strong>na a violência contra os s<strong>em</strong>-terras:<br />

A Igreja Católica pe<strong>de</strong> aos países <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que apress<strong>em</strong> a Reforma<br />

Agrária. Mas um relatório do Conselho Episcopal <strong>de</strong> Justiça e Paz do Vaticano<br />

diz que a Igreja não apoia as invasões <strong>de</strong> terra. Quanto ao Brasil, o Vaticano<br />

con<strong>de</strong>nou a violência contra os s<strong>em</strong>-terra. O Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique<br />

Cardoso diz que concorda com vários pontos do documento divulgado pelo<br />

Vaticano mas, segundo o Presi<strong>de</strong>nte, o Brasil não é o principal alvo das<br />

críticas.<br />

Na R9, com data <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> março do mesmo ano, surge o Ministro Raul<br />

Jungmann, representando Fernando Henrique Cardoso, ao entregar uma carta<br />

presi<strong>de</strong>ncial, que recebeu status <strong>de</strong> documento. A reportag<strong>em</strong> expõe a articulação<br />

dos interesses sociais por parte da Igreja e do Governo, além <strong>de</strong> ressaltar que o<br />

Brasil foi o primeiro país a respon<strong>de</strong>r ao apelo da Igreja:<br />

... a carta do Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso é uma resposta ao pedido<br />

do Papa <strong>de</strong> uma distribuição mais justa da terra no País. O Ministro Raul<br />

Jungmann entregou o documento ao Papa. Segundo Jungmann, o governo e a<br />

Igreja Católica pensam da mesma maneira sobre o combate à violência no<br />

campo. O Papa disse que o Brasil é o primeiro país a respon<strong>de</strong>r ao apelo da<br />

Igreja manifestado pelo documento do Conselho <strong>de</strong> Justiça e Paz.<br />

Verifica-se que, neste sentido, o que se propõe é uma articulação entre<br />

discurso e i<strong>de</strong>ologia 60 .<br />

59 De acordo com RODRIGUES (1998), a força maior da relação meios <strong>de</strong> mídia e política do que da<br />

relação mídia e público, po<strong>de</strong> ser explicada pela relação entre política e comunicação. A política, hoje,<br />

se realiza publicamente principalmente via meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, dada a complexificação<br />

da socieda<strong>de</strong>, o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento dos meios <strong>de</strong> comunicação, o enfraquecimento dos partidos<br />

políticos, etc. Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que a imprensa é, pelo seu caráter capitalista e pela sua rotina <strong>de</strong><br />

produção, uma elite, e não uma fiel representante da socieda<strong>de</strong> civil, do público.<br />

60 De acordo com Weber, as regras do discurso político estão situadas no campo das estratégias<br />

i<strong>de</strong>ológicas, disputando a audiência do telespectador. Inerente à disputa do voto, da “locação <strong>de</strong><br />

espaço partidário, está a ilocução marcada”, pelo modo <strong>de</strong> persuadir, informar, impressionar, conduzir<br />

e propôr. A argumentação romove o envolvimento do opositor e do sujeito ouvinte, cidadão, eleitor.<br />

137


Desta forma, po<strong>de</strong>-se constatar o surgimento da quinta prática<br />

discursiva do Jornal Nacional: o espetáculo político articulado, legitimando as<br />

relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do discurso i<strong>de</strong>ológico governamental.<br />

5.6. Sexto bloco <strong>de</strong> análise: rel<strong>em</strong>brando o massacre <strong>de</strong> Eldorado dos Carajás<br />

- o ato <strong>de</strong> <strong>em</strong>ocionar a opinião pública, visando a legitimação do po<strong>de</strong>r<br />

A gran<strong>de</strong> revolução social do século 20 t<strong>em</strong> sido na comunicação, nos meios<br />

pelos quais aqueles que <strong>de</strong>têm o po<strong>de</strong>r criam e controlam as imagens ou nomes<br />

que legitimarão o seu po<strong>de</strong>r 61 (Hugh Dalziel Duncan).<br />

Como po<strong>de</strong> ser verificado no percurso <strong>de</strong>stas análises, a construção do<br />

sentido discursivo se faz pela combinação do MST que inva<strong>de</strong>, resiste, ameaça e<br />

arma-se com o governo que busca soluções; da justiça que julga com o telejornal<br />

que media os acontecimentos. Como todo movimento social, o MST é<br />

classificado como intransigente e violento, perturbando a or<strong>de</strong>m social vigente.<br />

Mas, às vezes, sua luta é justa, merecendo <strong>de</strong>staque, causando <strong>em</strong>oções,<br />

<strong>de</strong>spertando a solidarieda<strong>de</strong>.<br />

As reportagens que falam do Massacre <strong>em</strong> Eldorado dos Carajás, no dia<br />

17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1996, <strong>de</strong>monstram esse discurso solidário do JN que, neste<br />

momento, apresenta-se como “aliado” do MST, informando à socieda<strong>de</strong> a<br />

violência praticada contra os s<strong>em</strong>-terras.<br />

Na R1, veiculada <strong>em</strong> 11 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997, percebe-se na apresentação <strong>de</strong><br />

William Bonner, a ênfase <strong>em</strong> <strong>de</strong>stacar na notícia a importância do JN, como<br />

test<strong>em</strong>unha dos acontecimentos (mesmo ausente no conflito narrado), exibidos à<br />

socieda<strong>de</strong>:<br />

Assim, para a pesquisadora “a interferência da televisão no discurso político se dá como cenário e<br />

como espaço do conflito político ou estético. É uma interferência <strong>de</strong>cisiva, porque imprescindível, ao<br />

processo persuasivo do texto político <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s: aquelas próprias do cargo, partido ou<br />

político que se aproxim<strong>em</strong> da configuração <strong>de</strong> um eu positivo, na legitimação <strong>de</strong> uma imag<strong>em</strong>. A<br />

política po<strong>de</strong> soar como prótese e como artifício, na televisão. Mais importante do que a<br />

representação, a política treina a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> universalizar valores e atitu<strong>de</strong>s (...) A propaganda<br />

i<strong>de</strong>ológica, característica do espetáculo político arbitrário, é, simultaneamente, simbólica e normativa.<br />

Ao mesmo t<strong>em</strong>po que i<strong>de</strong>ntifica o po<strong>de</strong>r através <strong>de</strong> eventos e formas comunicadas por símbolos e<br />

códigos dominantes, explicita as normas <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são e <strong>de</strong> comportamento político” (WEBER, 1994:96).<br />

61 HALLIDAY (1987:87).<br />

138


(...)As imagens da violência foram mostradas <strong>em</strong> primeira mão pelo Jornal<br />

Nacional. 19 pessoas foram mortas por policiais militares. Um ano e sete meses<br />

<strong>de</strong>pois, os sobreviventes do massacre ainda estão s<strong>em</strong>-terra e a maioria s<strong>em</strong><br />

esperança <strong>de</strong> justiça.<br />

Logo <strong>em</strong> seguida, o off da repórter Zilei<strong>de</strong> Silva dá continuida<strong>de</strong> ao texto<br />

anterior e narra a situação presente dos sobreviventes do massacre, ancorando-se<br />

no relato dos acontecimentos passados:<br />

É um dia que a D. Maria Abadia sofre muito mas não consegue esquecer. Hoje,<br />

no local do massacre t<strong>em</strong> cruzes e um pequeno museu. Há um ano e sete meses,<br />

mesmo ferida com dois tiros na perna, a D. Maria conseguiu se salvar e salvar<br />

o filho <strong>de</strong>la, também ferido com um tiro no rosto. Os dois, e outros 1500 s<strong>em</strong>terra<br />

<strong>de</strong>ixaram a rodovia para pedir terra. A polícia militar foi mandada para<br />

liberar a estrada. O confronto terminou com a morte <strong>de</strong> 19 trabalhadores<br />

rurais s<strong>em</strong>-terra. Outros 69 ficaram feridos.<br />

Nota-se que a reportag<strong>em</strong> exibe as imagens do confronto, feitas pela TV<br />

Liberal, do Pará. No entanto, o JN toma para si o prestígio da veiculação da<br />

notícia. Sobre esta atitu<strong>de</strong> dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> expor a violência pelas<br />

imagens, RONDELLI (1998) analisou que, nesse processo, que se r<strong>em</strong>ete<br />

novamente ao espetáculo da notícia, a mídia enquadra a violência segundo os<br />

seus requisitos e <strong>de</strong> acordo com suas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> rotina produtiva,<br />

oferecendo uma visão dos fatos e dos sujeitos envolvidos. Desta forma, a mídia<br />

leva a uma produção <strong>de</strong> sentido sobre a violência que é exposta à opinião<br />

pública, convocando a socieda<strong>de</strong> a pronunciar-se e estabelecer juízos <strong>de</strong> valor e<br />

certo consenso que po<strong>de</strong> levar a manifestações sociais e políticas.<br />

Observa-se também que no princípio do texto <strong>de</strong> William Bonner há o<br />

anúncio da resolução da justiça sobre os culpados do massacre: “Amanhã a<br />

justiça do Pará vai anunciar, finalmente, qu<strong>em</strong> será julgado pelo massacre dos<br />

s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> Eldorado dos Carajás”. Nas falas dos sobreviventes do massacre<br />

também há a cobrança pela justiça:<br />

Eu tinha vonta<strong>de</strong> que tivesse justiça para que não acontecesse outra vez”.<br />

(...)“Até hoje nós não somos donos da terra. Eu não sei aon<strong>de</strong> é a minha.”(...)<br />

“Não tenho mais esperança não.”(...) “Daqui há uns 20 ou trinta anos, eu só<br />

posso dizer para os meus filhos que eu peguei um tiro no massacre e não houve<br />

justiça.<br />

139


Intercalando estas falas, a repórter apresenta as histórias dos<br />

sobreviventes, construindo o texto ancorado <strong>em</strong> palavras e contextos que eles<br />

expõ<strong>em</strong>:<br />

Repórter: O Sr. José Nativida<strong>de</strong> quer um pouco mais. Com dificulda<strong>de</strong> para<br />

trabalhar por causa do tiro que levou na perna, ele e 690 famílias viv<strong>em</strong> e<br />

plantam hoje nessa fazenda, a 17 <strong>de</strong> abril, <strong>de</strong>sapropriada pelo governo <strong>de</strong>pois<br />

do massacre.(...)<br />

(fala do sobrevivente): Não está valendo ainda porque o governador não<br />

cumpriu com o compromisso que ele disse que tinha com a gente, que era nos<br />

in<strong>de</strong>nizar, e até hoje nós esperamos, mas eu nunca perdi as esperanças.(...)<br />

Repórter: Esperanças que o Sr. Raimundo, o Domingos e o Leosmar não têm.<br />

Os três também sobreviveram ao massacre. Continuam com as marcas do<br />

confronto. Também ganharam terras na 17 <strong>de</strong> Abril, mas como todas as outras<br />

famílias, ainda não receberam as escrituras <strong>de</strong> posse e estão <strong>de</strong>sanimados.<br />

Sobre este aspecto, po<strong>de</strong>-se recorrer novamente aos estudos <strong>de</strong><br />

RONDELLI (1998), que enfatizam sobre a insistência da mídia <strong>em</strong> mostrar à<br />

opinião pública as imagens e os contextos da violência, aparent<strong>em</strong>ente, a fim <strong>de</strong><br />

buscar uma atitu<strong>de</strong> do governo quanto ao probl<strong>em</strong>a:<br />

O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>stas imagens é o <strong>de</strong> fazer com que os atos disjuntivos e<br />

erráticos da violência amplifiqu<strong>em</strong>-se e entendam-se à discussão no<br />

espaço público. Seu significado social e político advém do ato <strong>de</strong> ser<strong>em</strong><br />

mediatizados, ou seja, apropriados não só pela or<strong>de</strong>m discursiva dos<br />

meios <strong>de</strong> comunicação, mas também, através <strong>de</strong>stes, pelos quais <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m social inerentes a outros discursos e a outros sujeitos que,<br />

também publicamente, passarão a se manifestar sobre eles. (...) A<br />

cruelda<strong>de</strong> das cenas <strong>de</strong> violência às vezes mostradas repetidamente à<br />

exaustão, além <strong>de</strong> comover<strong>em</strong> e provocar<strong>em</strong> uma opinião pública,<br />

operam como fragmentos <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> um cotidiano que compõ<strong>em</strong><br />

um mosaico maior da auto-imag<strong>em</strong> do país e <strong>de</strong> suas representações<br />

no exterior (RONDELLI, 1998:152-154).<br />

Na R2, a mesma repórter da R1, rel<strong>em</strong>bra novamente os acontecimentos<br />

e relata a <strong>de</strong>cisão judicial:<br />

A or<strong>de</strong>m para liberar a estrada ocupada pelos trabalhadores s<strong>em</strong>-terra, foi<br />

dada pelo governador do Pará, Almir Gabriel. Or<strong>de</strong>m cumprida. Os 153<br />

policiais militares, comandados pelo coronel Mário Pantoja, e pelo major José<br />

Maria <strong>de</strong> Oliveira. Hoje, um ano e sete meses <strong>de</strong>pois do massacre, aqui no<br />

fórum <strong>de</strong> Curionópolis, cida<strong>de</strong> vizinha à Eldorado do Carajás, o juiz<br />

responsável pelo caso anunciou formalmente uma <strong>de</strong>cisão aguardada com<br />

ansieda<strong>de</strong> pelos s<strong>em</strong>-terra. O coronel Pantoja, o major Oliveira, 151 policiais e<br />

3 trabalhadores s<strong>em</strong>-terra vão ser julgados pelo massacre, pela morte <strong>de</strong> 19<br />

trabalhadores, e pelos ferimentos <strong>em</strong> outros 69 s<strong>em</strong>-terra 12 policiais. Todos<br />

estão soltos e vão continuar aguardando julgamento <strong>em</strong> liberda<strong>de</strong>. Os PMs vão<br />

ser julgados por homicídio doloso qualificado. As penas variam <strong>de</strong> 12 a 30<br />

anos <strong>de</strong> prisão. Os três s<strong>em</strong>-terra, por lesões corporais leves. Penas <strong>de</strong> 3 meses<br />

a 1 ano <strong>de</strong> prisão.<br />

140


O advogado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos policiais também aparece na cena discursiva,<br />

r<strong>em</strong>etendo a responsabilida<strong>de</strong> do massacre ao governador do Estado do Pará.<br />

Logo <strong>em</strong> seguida, a repórter Zilei<strong>de</strong> Silva argumenta sobre a posição legal do<br />

referido governador, respon<strong>de</strong>ndo também aos protestos dos sobreviventes do<br />

massacre, citados na R1:<br />

O processo é um julgamento da atuação dos PMs e não <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong>s. No meu ver, se houver alguém responsável, é o<br />

nosso digníssimo governador do Estado.”(...) “Mas o governador Almir<br />

Gabriel já está livre <strong>de</strong> qualquer punição. Para o Superior Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça, o governador não po<strong>de</strong> ser responsabilizado pela maneira<br />

como a PM cumpriu...<br />

Dois anos após o conflito, o JN estava lá no cenário do massacre que<br />

“chocou o país”. A reportag<strong>em</strong> é construída pelas falas dos apresentadores<br />

William Bonner e Lilian Witte Fibe, pelo texto do repórter Marcos Lozekann e<br />

por um <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> sobrevivente ao massacre. É uma reportag<strong>em</strong> extensa para<br />

os padrões editoriais do JN. Busca humanizar 62 . Suscita a <strong>em</strong>oção 63 .<br />

Como po<strong>de</strong> ser verificado na fala da apresentadora a <strong>em</strong>oção impera o<br />

sentido da notícia, além <strong>de</strong> novamente questionar o po<strong>de</strong>r judiciário, notando-se<br />

também através das palavras revolta e protesto certa conotação com violência:<br />

Emoção e revolta. <strong>em</strong> Eldorado do Carajás, no sul do Pará. A morte <strong>de</strong> 19<br />

pessoas <strong>em</strong> um massacre que chocou o Brasil e o mundo foi l<strong>em</strong>brada com<br />

missa e protesto. Dois anos <strong>de</strong>pois os policiais militares que participaram do<br />

conflito ainda não foram julgados.<br />

Ao longo da reportag<strong>em</strong>, são mostradas as manifestações dos<br />

sobreviventes e <strong>de</strong> pessoas que também se indignaram com o acontecimento.<br />

Entretanto, no final da reportag<strong>em</strong>, Lilian Witte Fibe volta a anunciar a violência,<br />

<strong>de</strong>sta vez apurada como notícia:<br />

Mais <strong>de</strong> 1000 famílias <strong>de</strong> estados do Nor<strong>de</strong>ste se encontraram no Recife e<br />

estão <strong>em</strong> frente ao prédio da. SUDENE. Soldados do Exército acompanham a<br />

movimentação. Durante o dia, trabalhadores s<strong>em</strong>-terra fizeram manifestações<br />

por todo o País. Cruzes, velas, caixões l<strong>em</strong>bravam as mortes durante o<br />

62 “Humanizar é feito por um relato generalizado a tal ponto que o leito possa se i<strong>de</strong>ntificar” (OLIVEIRA<br />

DA SILVA, 1998:151). O pesquisador <strong>de</strong>screve a humanização dos acontecimentos segundo a ótica<br />

da imprensa.<br />

63 (...) a imprensa que não se dirige n<strong>em</strong> a mentes superiores n<strong>em</strong> à parte superior da mente, <strong>em</strong>prega<br />

geralmente a imitação – que se po<strong>de</strong> chamar <strong>de</strong> dramatização – e todos os procedimentos que <strong>de</strong>la se<br />

<strong>de</strong>rivam. Faz viver para fazer compreen<strong>de</strong>r e trata sobretudo <strong>de</strong> <strong>em</strong>ocionar” (VOYENNE, 1968:136).<br />

141


massacre. Em São Paulo, o protesto começou na Praça da Sé e terminou <strong>em</strong><br />

tumulto. Em frente à bolsa <strong>de</strong> valores, houve confronto com a tropa <strong>de</strong><br />

choque. Segundo a PM, três soldados e dois s<strong>em</strong>-terra ficaram lev<strong>em</strong>ente<br />

feridos. Os números dos lí<strong>de</strong>res do movimento são diferentes. Segundo eles,<br />

não dois, mas sete foram parar no médico.<br />

O conflito entre s<strong>em</strong>-terras e policiais militares volta à cena discursiva,<br />

como no massacre <strong>em</strong> Eldorado dos Carajás. A necessida<strong>de</strong> do fato ter sido<br />

divulgado se dá mais pela espetacularização da notícia do que pela <strong>de</strong>núncia<br />

contra os policiais. Neste sentido, o JN trata <strong>de</strong> estabelecer um confronto próprio<br />

que acontece via simbolismo, pois cabe à opinião pública <strong>de</strong>cidir sobre os<br />

culpados, através das imagens do acontecimento 64 .<br />

Como se po<strong>de</strong> perceber no contexto discursivo do JN, apesar da<br />

violência ter sido “gerada” pelo MST, esta foi “praticada” pelos policiais, como<br />

<strong>em</strong> Eldorado. Provavelmente, se este fato tivesse ocorrido <strong>em</strong> outra ocasião, <strong>em</strong><br />

outra data, o enfoque teria sido diferente<br />

Assim como no massacre <strong>de</strong> Eldorado dos Carajás, há diversos<br />

confrontos entre policias e s<strong>em</strong>-terras. No entanto, o acontecimento ganhou<br />

<strong>de</strong>staque nacionalmente. Além <strong>de</strong> se transformar <strong>em</strong> um marco da luta pela<br />

reforma agrária no Brasil, para os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa o massacre<br />

teve outro sentido: a audiência e a repercussão <strong>de</strong> novos fatos 65 .<br />

O massacre dos 19 s<strong>em</strong>-terras também po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como um<br />

fait-divers, pois causou espanto e revolta. O massacre se <strong>de</strong>staca dos <strong>de</strong>mais fatos<br />

violentos ocorridos entre policiais e MST, pelo fato da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mortos e<br />

feridos envolvidos e, principalmente, por ter sido filmado ao vivo pela TV<br />

Liberal e do Pará. E, evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, por ter recebido o status editorial do JN.<br />

Sob o pretexto <strong>de</strong> levar à socieda<strong>de</strong> imagens, <strong>em</strong>oções, evidências da<br />

violência e cobranças do judiciário, o JN acaba por legitimar-se como<br />

interlocutor da realida<strong>de</strong> social vivida pelos “injustiçados” s<strong>em</strong>-terras. O discurso<br />

64 “A lógica da televisão é essencialmente melodramática, inclusive no que se refere aos telejornais. Tal<br />

como mediada pela televisão, a realida<strong>de</strong> se apresentaria na forma <strong>de</strong> dramas cheios <strong>de</strong> suspense, nos<br />

quais a Justiça Moral é posta <strong>em</strong> jogo, <strong>em</strong> confronto entre heróis e vilões, o B<strong>em</strong> e o Mal”<br />

(ALBUQUERQUE, 1994:108).<br />

65 “... a televisão, <strong>em</strong> particular, veicula uma programação com aspecto ritualizado e espetacularizado, a<br />

fim <strong>de</strong> atrair uma audiência heterogênea” (SIQUEIRA, 1998:60).<br />

142


sobre o MST, neste contexto, inverte-se: o JN passa a proferir o seu “auto-<br />

discurso”, evi<strong>de</strong>nciando-se como onisciente dos fatos, incontestável e<br />

retoricamente correto. O po<strong>de</strong>r do JN, <strong>de</strong> mediador social, encontra-se implícito<br />

na própria imag<strong>em</strong> do telejornal que, por sua vez, legitimou-se pelo po<strong>de</strong>rio da<br />

Re<strong>de</strong> Globo. Neste sentido, po<strong>de</strong>-se refletir, com base na argumentação <strong>de</strong><br />

HALLIDAY (1987), sobre a legitimação retórica do po<strong>de</strong>r das multinacionais,<br />

que se evi<strong>de</strong>ncia no plano simbólico das representações sociais. A Re<strong>de</strong> Globo<br />

como <strong>de</strong>tentora <strong>de</strong>ste po<strong>de</strong>r controla as imagens, <strong>em</strong>ociona a realida<strong>de</strong> e afirma-<br />

se pela audiência.<br />

Sob este contexto, encontra-se a sexta prática discursiva do Jornal<br />

Nacional: a legitimação retórica do po<strong>de</strong>r telejornalístico, através da<br />

humanização dos acontecimentos.<br />

5.7. Sétimo bloco <strong>de</strong> análise: o ciclo da violência anunciada<br />

Não creio que os media tenham muitos recursos ou vocação para captar um<br />

acontecimento. Para começar eles mostram freqüent<strong>em</strong>ente o início ou o fim,<br />

ao passo que um acontecimento mesmo breve, mesmo instantâneo, se prolonga.<br />

Em seguida eles quer<strong>em</strong> algo espetacular, ao passo que o acontecimento é<br />

inseparável <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos mortos 66 (S. Dias).<br />

Neste bloco <strong>de</strong> análise, constituído <strong>de</strong> seis reportagens, apresenta-se um<br />

único t<strong>em</strong>a que se articulou com início, <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong>sfecho. A<br />

repercussão dos acontecimentos que nortearam as notícias foi acompanhada pelo<br />

JN, estabelecendo este uma interlocução entre a realida<strong>de</strong> dos fatos e a sua<br />

exposição “quase imediata” para a opinião pública.<br />

Os acontecimentos giram <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> um fato concreto: a morte <strong>de</strong> dois<br />

s<strong>em</strong>-terras no sul do Pará. A cronologia das reportagens também é um fator a ser<br />

analisado. O fato ocorreu no dia 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998. A R1 foi veiculada neste<br />

mesmo dia. A R2 no dia 28 <strong>de</strong> março. A R3 no dia 30 <strong>de</strong> março. A R4 no dia 2<br />

<strong>de</strong> abril. A R5 no dia 3 <strong>de</strong> abril. E, finalmente, a R6 <strong>em</strong> 13 <strong>de</strong> abril.<br />

66 DIAS (1995:96).<br />

143


Como <strong>em</strong> uma novela ou seriado <strong>de</strong> televisão, os acontecimentos são<br />

expostos seguindo um ritmo melodramático e seqüencial. Como <strong>em</strong> um<br />

longametrag<strong>em</strong> holywoodiano, o <strong>de</strong>sfecho dos acontecimentos t<strong>em</strong> tom <strong>de</strong><br />

continuida<strong>de</strong>, típica dos filmes <strong>de</strong> suspense e terror. Ao anunciar um novo ciclo<br />

<strong>de</strong> violência, o JN r<strong>em</strong>ete a causa da morte dos s<strong>em</strong>-terras, à violência gerada<br />

pelas “invasões”. Nota-se, inclusive, que no próprio <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

repercussão do fato <strong>em</strong> si, há contaste foco <strong>de</strong> violência, representado pela R3 e<br />

R4.<br />

Na R1, William Bonner já anuncia o início do foco da violência, com<br />

poucas imagens, através <strong>de</strong> relato simples que, a princípio, parece ser mais um<br />

acontecimento <strong>de</strong> rotina no contexto do MST:<br />

(vivo): Violência no sul do Pará. Dois s<strong>em</strong>-terra são mortos a tiros durante a<br />

transferência para um assentamento.<br />

(<strong>em</strong> off) 500 famílias <strong>de</strong>socupavam uma fazenda invadida a 15 dias <strong>em</strong><br />

Parauapebas, quando Onacílio Barros e Valentim da Silva foram baleados. A<br />

polícia ainda não sabe qu<strong>em</strong> atirou.<br />

Na R2, o relato se esten<strong>de</strong>, através da jornalista Ana Paula Padrão, que<br />

na época, eventualmente, apresentava o JN. Sua fala i<strong>de</strong>ntifica as vítimas, seus<br />

cargos no movimento, além do número <strong>de</strong> envolvidos nos assassinatos, estando<br />

entre eles fazen<strong>de</strong>iros e policiais. O texto é construído s<strong>em</strong> imagens. Para os<br />

padrões editoriais do JN, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado longo:<br />

(vivo):A justiça <strong>de</strong>creta a prisão <strong>de</strong> 10 fazen<strong>de</strong>iros no sul do Pará, entre eles o<br />

dono da fazenda Goiás, on<strong>de</strong> dois s<strong>em</strong>-terra foram mortos durante uma<br />

<strong>de</strong>socupação. Onacílio Barros, fundador do MST no Pará e Valentim Serra,<br />

tesoureiro, foram baleados quando comandavam a transferência <strong>de</strong> 500<br />

famílias para um assentamento. Dois oficiais <strong>de</strong> justiça acompanhavam a<br />

retirada. Dez policiais militares também são suspeitos <strong>de</strong> envolvimento nas<br />

mortes e estão <strong>de</strong>tidos no batalhão <strong>de</strong> Chinguara. Eles acompanhavam a<br />

<strong>de</strong>socupação, mesmo estando <strong>de</strong> folga.<br />

Na R3, o relato é feito ainda por um apresentador, no caso, Fátima<br />

Bernar<strong>de</strong>s. A cena discursiva é um novo conflito na região, on<strong>de</strong> os dois s<strong>em</strong>-<br />

terras foram mortos: “Os s<strong>em</strong>-terra faz<strong>em</strong> novas invasões <strong>em</strong> quatro estados e<br />

voltam a ocupar a fazenda on<strong>de</strong> dois militantes foram assassinados a tiros.”<br />

Novamente, como nas reportagens do primeiro bloco, constrói-se pela<br />

ocupação, o discurso da invasão, que no contexto focalizado ocorreu <strong>em</strong> quatro<br />

144


estados brasileiros: Goiás, Pará, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Esta<br />

“avalanche” <strong>de</strong> “invasões” foi noticiada aten<strong>de</strong>ndo ao discurso do JN <strong>em</strong><br />

ressaltar a violência causada pela morte dos s<strong>em</strong>-terras.<br />

A reportag<strong>em</strong> é reforçada pelas imagens que, novamente, cumpr<strong>em</strong> a<br />

função <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong> e enfeitiçamento, apesar <strong>de</strong> não haver repórter na cena<br />

discursiva. Ao final da reportag<strong>em</strong>, Fátima Bernar<strong>de</strong>s fecha o discurso,<br />

anunciando pelo texto, entonação e “olhar”, as invasões <strong>em</strong> outros Estados:<br />

(<strong>em</strong> off): 1) 500 pessoas participaram da nova invasão à fazenda Goiás; 2) O<br />

grupo tinha saído da área na quinta-feira passada. Durante a retirada, dois<br />

s<strong>em</strong>-terra foram mortos. Os invasores diz<strong>em</strong> que só vão negociar a<br />

<strong>de</strong>socupação quando a autoria do crime for esclarecida.<br />

(vivo): No início da noite, 600 s<strong>em</strong>-terra invadiram a fazenda Terra Norte, <strong>em</strong><br />

Eldorado dos Carajás, no Pará. No sul <strong>de</strong> Minas, uma usina <strong>de</strong> açúcar foi<br />

ocupada. Houve invasões também no interior <strong>de</strong> Pernambuco e no Mato<br />

Grosso do Sul.<br />

Diferenciando-se das reportagens 1, 2 e 3, as reportagens 4 e 5 são<br />

construídas com os textos e a presença do repórter Marcos Losekann na cena<br />

discursiva, reforçadas pelas imagens que espetacularizam o acontecimento. Outro<br />

fator que <strong>de</strong>ve ser observado é a autorida<strong>de</strong> policial intervindo nos conflitos. Ao<br />

contrário das reportagens do sexto bloco, estas duas reportagens legitimam a<br />

ação policial, no sentido <strong>de</strong> conter a revolta dos s<strong>em</strong>-terras e procurar os<br />

assassinos dos militantes mortos. Nota-se que a polícia, neste caso, é o Exército e<br />

não policiais militares.<br />

A R4 po<strong>de</strong> ser dividida <strong>em</strong> dois momentos, sendo analisada sob seis<br />

aspectos, respectivamente, seqüenciados, e sublinhados <strong>de</strong> acordo com a<br />

importância do contexto:<br />

O po<strong>de</strong>r da força do Exército:<br />

William B: A região do conflito dividida pela força <strong>de</strong> paz. No sul do Pará, o<br />

Exército reforça a tropa para impedir um confronto entre fazen<strong>de</strong>iros e s<strong>em</strong>terra.<br />

Repórter Marcos L. (<strong>em</strong> off): Fogueiras acesas, tropas <strong>de</strong> prontidão. 500<br />

soldados do Exército controlaram o vai e v<strong>em</strong> <strong>de</strong> veículos e pe<strong>de</strong>stres na área<br />

que separa os s<strong>em</strong>-terra dos fazen<strong>de</strong>iros. O comando da operação acredita que<br />

só a presença das tropas já é suficiente para acalmar os ânimos, mas está<br />

preparado para usar a força se for necessário.<br />

Mauro Fernan<strong>de</strong>s Aragão: Estamos aqui com o pessoal e o potencial bélico, e<br />

145


faria, <strong>de</strong> qualquer maneira, acalmar os ânimos exaltados.<br />

Repórter (<strong>em</strong> off): Depois da chegada do Exército, os fazen<strong>de</strong>iros escon<strong>de</strong>ram<br />

as armas. Exib<strong>em</strong> apenas um papel, um Interdito Proibitório concedido pela<br />

justiça prevendo multa e ca<strong>de</strong>ia para qu<strong>em</strong> invadir a área do complexo<br />

Marimbondo(...).<br />

A insistência dos s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> invadir fazendas provocando mais<br />

violência, contrapondo-se com a <strong>em</strong>oção pela imagens:<br />

Repórter <strong>em</strong> off (continuação da fala anterior): São 70000 hectares divididos <strong>em</strong><br />

50 fazendas que estão na mira do MST.<br />

Repórter: Do outro lado do município <strong>de</strong> Parauapebas, quase 50 km <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

estão as tropas do Exército, cerca <strong>de</strong> 500 famílias <strong>de</strong> trabalhadores s<strong>em</strong>-terra<br />

continuam ocupando a fazenda Goiás II. Eles já haviam saído daqui, mas<br />

<strong>de</strong>cidiram voltar <strong>de</strong>pois que dois lí<strong>de</strong>res do movimento foram assassinados.<br />

Essas cruzes na beira da estrada marcam o local da tragédia.<br />

A i<strong>de</strong>ntificação do fazen<strong>de</strong>iro acusado pelos assassinatos:<br />

Repórter <strong>em</strong> off: O dono da fazenda Goiás, que também é sócio <strong>de</strong>ssa loja <strong>em</strong><br />

Parauapebas, continua foragido. Carlos da Costa, é acusado <strong>de</strong> ser um dos<br />

autores do assassinato dos dois lí<strong>de</strong>res dos s<strong>em</strong>-terra.<br />

A i<strong>de</strong>ntificação da primeira causa que resultou nos crimes:<br />

Repórter <strong>em</strong> off (continuação da fala anterior): Os oficiais <strong>de</strong> justiça que<br />

levaram a or<strong>de</strong>m para <strong>de</strong>socupação da fazenda, fato que resultou no conflito, já<br />

foram afastados do Fórum.<br />

A proteção e i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> duas test<strong>em</strong>unhas que viram as mortes:<br />

Fátima B.: Em Brasília, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara pe<strong>de</strong> que<br />

a Polícia Fe<strong>de</strong>ral dê garantia <strong>de</strong> vida à dois integrantes do MST. Eles diz<strong>em</strong><br />

que test<strong>em</strong>unharam a morte <strong>de</strong> invasores da fazenda Goiás II na Quinta-feira<br />

passada.<br />

Fátima B. <strong>em</strong> off: Paulo Rodrigues e Maria Zilda Araújo prestaram<br />

<strong>de</strong>poimento na Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos. Maria Zilda acusou o dono da<br />

fazenda Goiás II, Carlos Antônio Costa, <strong>de</strong> ser o mandante dos crimes. O<br />

fazen<strong>de</strong>iro é procurado pela polícia. Ela disse que um pistoleiro contratado<br />

pelo fazen<strong>de</strong>iro matou os s<strong>em</strong>-terra Onalício Barros e Valentin Serra e ainda a<br />

ameaçou <strong>de</strong> morte.<br />

O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> uma da test<strong>em</strong>unha Maria Zilda Araújo:<br />

Ele botou um revólver, um cano gelado aqui na minha boca, e disse assim: é<br />

isso aí ó. Quando ele disse assim, as crianças e o pessoal todo gritavam: não<br />

atira nela não, na mulher não. E eles me <strong>de</strong>rrubaram no chão.<br />

O anúncio da prisão <strong>de</strong> alguns responsáveis pelos assassinatos e a ligação<br />

com o massacre <strong>de</strong> Eldorado dos Carajás:<br />

Fátima B. <strong>em</strong> off: Os dois s<strong>em</strong>-terra disseram também que po<strong>de</strong>m reconhecer<br />

outros envolvidos no crime. Seguranças da fazenda e onze policiais militares<br />

que já estão presos. Dez <strong>de</strong>les respon<strong>de</strong>m à processos pela morte <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenove<br />

s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> Eldorado do Carajás, à dois anos (...).<br />

Fátima B.: E a juíza <strong>de</strong> Parauapebas, Maria Vitória do Carmo, <strong>de</strong>cretou a<br />

prisão t<strong>em</strong>porária <strong>de</strong> mais dois fazen<strong>de</strong>iros da região. Agora já são onze os<br />

acusados <strong>de</strong> envolvimento na morte dos s<strong>em</strong>-terra.<br />

146


Percebe-se, pelos aspectos da reportag<strong>em</strong>, que várias informações se<br />

misturam, completam-se, estando às vezes a favor dos s<strong>em</strong>-terras e, <strong>em</strong> certos<br />

momentos, contra; assim como também, às vezes, reconhece a força do Exército<br />

e, <strong>em</strong> outro momento, con<strong>de</strong>na a força <strong>de</strong> policiais militares.<br />

Como po<strong>de</strong> ser observado, algumas frases receberam <strong>de</strong>staque maior: “...<br />

estão na mira do MST” e “... a morte <strong>de</strong> invasores...”. O JN <strong>de</strong>sta forma,<br />

evi<strong>de</strong>ncia o discurso da invasão e da violência, por parte do MST, mesmo se<br />

tratando <strong>de</strong> uma situação on<strong>de</strong> houve vítimas e violação dos Direitos Humanos.<br />

No que diz respeito à R5, po<strong>de</strong>-se também analisar a imag<strong>em</strong> policial<br />

que, por um lado, faz valer sua autorida<strong>de</strong> na região da cena discursiva; e, por<br />

outro lado, é suspeita <strong>de</strong> corrupção. Desta vez, a polícia fe<strong>de</strong>ral e a polícia civil<br />

aparec<strong>em</strong> no cenário <strong>de</strong> uma “caçada” quase cin<strong>em</strong>atográfica. Cenário este,<br />

fort<strong>em</strong>ente equipado, através <strong>de</strong> instrumentos e estratégias, como pô<strong>de</strong> ser<br />

percebido na exaltação das falas da apresentadora e do repórter, e pelas imagens<br />

test<strong>em</strong>unhais:<br />

Fátima B.: A polícia fe<strong>de</strong>ral usa helicópteros para procurar os fazen<strong>de</strong>iros<br />

acusados <strong>de</strong> matar dois integrantes do MST (...).<br />

Repórter Marcos L. <strong>em</strong> off: Barreiras nas estradas, policiais armados. N<strong>em</strong><br />

todo o aparato montado <strong>em</strong> Parauapebas foi suficiente para garantir a prisão<br />

dos onze fazen<strong>de</strong>iros. Hoje a polícia civil <strong>de</strong>cidiu passar uma cópia dos<br />

mandados <strong>de</strong> prisão t<strong>em</strong>porária para a polícia fe<strong>de</strong>ral. Com helicópteros, os<br />

agentes vão tentar caçar os fugitivos nas fazendas da região. O <strong>de</strong>legado da<br />

polícia civil que presi<strong>de</strong> o inquérito reclama <strong>de</strong> moradores da cida<strong>de</strong>, que<br />

estariam acobertando os fazen<strong>de</strong>iros.<br />

Repórter Marcos L.: A polícia recebeu a informação <strong>de</strong> que os fazen<strong>de</strong>iros<br />

pagaram um cachê para que os PMs que estavam <strong>de</strong> folga vestiss<strong>em</strong> as fardas e<br />

s<strong>em</strong> a autorização do comando acompanhass<strong>em</strong> os oficiais <strong>de</strong> justiça na<br />

reintegração <strong>de</strong> posse da fazenda Goiás II, on<strong>de</strong> aconteceu o conflito. Cada um<br />

teria recebido 200 reais.<br />

Depois <strong>de</strong> exibir duas reportagens construídas com imagens, repórter na<br />

cena discursiva e recursos textuais, o JN exibe a última reportag<strong>em</strong> sobre a morte<br />

dos dois s<strong>em</strong>-terras <strong>em</strong> Parauapebas, <strong>em</strong> 13 <strong>de</strong> abril. Desta vez, o relato é feito<br />

pelos apresentadores que anunciam a prisão do fazen<strong>de</strong>iro acusado dos<br />

assassinatos:<br />

William Bonner: O fazen<strong>de</strong>iro acusado <strong>de</strong> matar dois s<strong>em</strong>-terra no Pará está<br />

preso <strong>em</strong> Marabá.<br />

147


W.B. <strong>em</strong> off: Carlos Antônio da Costa foi para a ca<strong>de</strong>ia usando colete à prova<br />

<strong>de</strong> balas. Os s<strong>em</strong>-terra foram mortos à 18 dias, quando o grupo saía da fazenda<br />

Goiás II, por or<strong>de</strong>m da justiça.<br />

Entretanto, no final da reportag<strong>em</strong>, Fátima Bernar<strong>de</strong>s revela um novo<br />

foco <strong>de</strong> invasão. Uma nova cena discursiva é apresentada ao público, no sentido<br />

<strong>de</strong> dar continuida<strong>de</strong> ao ciclo da violência gerada pelas invasões do MST,<br />

causando conflitos e mortes:<br />

Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off: Os s<strong>em</strong>-terra voltam a invadir na região do Pontal<br />

do Paranapan<strong>em</strong>a, SP. Estão nas fazendas Ipiranga e Santa Isabel, e diz<strong>em</strong><br />

que quer<strong>em</strong> pressionar o governo para a criação <strong>de</strong> mais assentamentos.<br />

Sobre este ciclo da violência, estabelecida no âmago dos campos <strong>em</strong><br />

confronto, po<strong>de</strong>-se analisar que as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r por parte dos policiais<br />

estabelec<strong>em</strong> as regras. A autorida<strong>de</strong> policial se faz presente medindo forças com<br />

os s<strong>em</strong>-terras e <strong>de</strong>sautorizando a própria polícia, quando esta cai na ilegalida<strong>de</strong>.<br />

O que se percebe é uma rebeldia e insurgência constante por parte daqueles que<br />

estão submetidos às relações <strong>de</strong>ste po<strong>de</strong>r, tanto policiais como s<strong>em</strong>-terras.<br />

O JN, expondo os acontecimentos, surge na cena discursiva revelando<br />

para a opinião pública esses confrontos. O início e o <strong>de</strong>sfecho dos<br />

acontecimentos encerram um ciclo <strong>de</strong> violência, que também faz parte do ciclo<br />

das notícias no contexto discursivo. Este discurso do JN que se baseie nos<br />

acontecimentos da cena enunciada, rejeita, aceita, escolhe e molda os fatos que<br />

vão ser levados a público, regidos pelas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre <strong>em</strong>issora e<br />

instituições privilegiadas por um po<strong>de</strong>r maior, caracterizando, <strong>de</strong>sta forma, uma<br />

fragmentação discursiva 67 .<br />

Este recorte nada mais é do que o filtro <strong>de</strong> notícias que estabelece as<br />

regras discursivas. Neste sentido, i<strong>de</strong>ntificamos a sétima prática discursiva do JN<br />

<strong>em</strong> relação ao MST: o espetáculo editorial do enfrentamento entre polícia,<br />

fazen<strong>de</strong>iros e s<strong>em</strong>-terras, resultando na renovação do ciclo da violência.<br />

67 “O discurso jornalístico é aquele que relata a história enquanto ela está acontecendo (...). Ocorre que<br />

há muita coisa que acontece que você não vê n<strong>em</strong> ouve falar. Assim como o texto histórico, o texto<br />

jornalístico efetua recortes na realida<strong>de</strong>, privilegiando alguns acontecimentos <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong><br />

outros” (WALTY, 1985:69).<br />

148


5.8. Oitavo bloco <strong>de</strong> análise: os saques no Nor<strong>de</strong>ste - do fenômeno seca à<br />

construção <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> social<br />

Se o MST <strong>de</strong>ixa a esquerda atordoada, intriga também a imprensa, que ainda<br />

procura a construção <strong>de</strong> um discurso para enfrentar o fenômeno.(...) Da seca<br />

vista como incl<strong>em</strong>ente, como flagelo <strong>de</strong>vastador, como <strong>em</strong>ergência, passa-se à<br />

con<strong>de</strong>nação dos saques.(...) Ao que tudo indica, o governo e a imprensa<br />

continuarão a culpar o MST pelos saques, jogando a seca para baixo do<br />

tapete 68 (Emiliano José).<br />

Neste último bloco <strong>de</strong> análise foram focalizadas reportagens que<br />

anunciam outro tipo <strong>de</strong> violência praticada pelo MST: os saques <strong>de</strong> alimentos na<br />

região da seca no Nor<strong>de</strong>ste brasileiro. As seis reportagens que constam <strong>de</strong>ste<br />

bloco, como no bloco anterior, foram veiculadas no período <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> maio e 15 <strong>de</strong><br />

junho <strong>de</strong> 1998.<br />

Apesar <strong>de</strong>stas reportagens também se referir<strong>em</strong> a um mesmo t<strong>em</strong>a, como<br />

no sétimo bloco, elas se diferenciam por ter<strong>em</strong> implícitas <strong>em</strong> seus conteúdos a<br />

construção <strong>de</strong> um discurso <strong>em</strong> torno do fenômeno seca, que molda sua produção<br />

textual e icônica. Tais reportagens também traz<strong>em</strong> <strong>em</strong> si todo um contexto<br />

político, pois foram “produzidas” <strong>em</strong> uma época que antece<strong>de</strong>u as eleições<br />

presi<strong>de</strong>nciais.<br />

Antes <strong>de</strong> se focalizar as reportagens, <strong>de</strong>ve-se analisar este contexto<br />

político que acaba por envolver o MST, quase que responsabilizando-o pela<br />

miséria e fome pelas quais passa parte do sofrido povo nor<strong>de</strong>stino 69 .<br />

De acordo com a análise feita por José, seca no Nor<strong>de</strong>ste não é um<br />

fenômeno circunstancial, que ocorra <strong>de</strong> vez <strong>em</strong> quando, sendo, inclusive, prevista<br />

68 JOSÉ (1998:35-39).<br />

69 Com relação a esta abordag<strong>em</strong>, é preciso rel<strong>em</strong>brar OLIVEIRA DA SILVA (1998:152), quando o<br />

pesquisador analisa os quatro centros <strong>de</strong> interesse (inclusive a fome), pelos quais serv<strong>em</strong> como<br />

argumento persuasivo do jornalismo, levando o público a se i<strong>de</strong>ntificar com os fatos narrados. A<br />

solidarieda<strong>de</strong> que a repórter <strong>de</strong>screve, seria o resultado <strong>de</strong>sta estratégia argumentativa: “(...) o<br />

jornalismo apela para quatro centros <strong>de</strong> interesse: a fome, o medo da morte, o <strong>de</strong>sejo sexual e o<br />

instinto paternal. Tocando o humano, <strong>de</strong>masiado humano se alcançará todos os homens. Com<br />

uma condição, que é <strong>de</strong> não limitar-se a uma vaga evocação, mas precisar as circunstâncias, as<br />

causas e, mais ainda, as conseqüências. Pois se o interesse t<strong>em</strong> sua orig<strong>em</strong> na afetivida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>saparece na inteligência.”<br />

149


pelos que analisam os fenômenos climáticos. Além disso, seca é el<strong>em</strong>ento <strong>de</strong><br />

dominação no Nor<strong>de</strong>ste. Ela tanto po<strong>de</strong> propiciar recursos a fundo perdido para<br />

as oligarquias dominantes locais, como por ex<strong>em</strong>plo a “indústria da seca”, como<br />

assegurar a continuida<strong>de</strong> do domínio político <strong>de</strong>ssas mesmas oligarquias - os<br />

carros-pipa e as cestas <strong>de</strong> alimentos chegam aos locais e pessoas que interessam<br />

aos chefes políticos. Como evi<strong>de</strong>ncia o jornalista, “nada disso, lamentavelmente,<br />

nos é estranho, e não são poucas as <strong>de</strong>núncias recentes indicando a continuida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ssa práticas” 70 .<br />

Po<strong>de</strong> ser recordado que, quando a seca irrompeu no ano <strong>de</strong> 1998, como<br />

se fosse <strong>de</strong> fato uma <strong>em</strong>ergência e não algo previsível, o governo se chocou com<br />

a realida<strong>de</strong> dos fatos, “atrapalhado com a evidência, noticiada, <strong>de</strong> que <strong>em</strong>bora<br />

soubesse que ela viria, e com todo o rigor que veio, nada fez para enfrentá-la” 71 .<br />

A princípio, a mídia aponta esta inércia anterior do governo e, implicitamente,<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> não ter culpa por não antecipar os acontecimentos. Naquele<br />

momento, o probl<strong>em</strong>a já havia se agravado. Probl<strong>em</strong>a este que, para o governo,<br />

foi <strong>de</strong>sviado no sentido <strong>de</strong> se construir um discurso <strong>em</strong> torno do fenômeno da<br />

seca: os saques envolvendo lí<strong>de</strong>res e integrantes do MST.<br />

Na R1 e R2, há várias s<strong>em</strong>elhanças para ser<strong>em</strong> analisadas. A princípio,<br />

os textos dos apresentadores são b<strong>em</strong> parecidos. Na R1, Sandra An<strong>em</strong>berg diz:<br />

“A Polícia Fe<strong>de</strong>ral vai pedir a prisão <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res do MST acusados <strong>de</strong> provocar<br />

saques no Nor<strong>de</strong>ste”. Na R2, William Bonner fala: “A polícia fe<strong>de</strong>ral pe<strong>de</strong> a<br />

prisão preventiva <strong>de</strong> nove integrantes do MST, acusados <strong>de</strong> incentivar saques no<br />

Nor<strong>de</strong>ste. A justiça ainda vai <strong>de</strong>cidir se aceita ou não o pedido”.<br />

Um segundo fator comparativo é que ambas as reportagens apresentam<br />

repórteres apresentando ao público as ações <strong>de</strong> “brasileiros que viv<strong>em</strong> longe da<br />

seca”, fazendo “campanha para arrecadar alimentos para os flagelados.” Apesar<br />

das repórter ser<strong>em</strong> diferentes o texto também é s<strong>em</strong>elhante:<br />

70 JOSÉ (1998:34).<br />

71 Ibi<strong>de</strong>m.<br />

R1 - Repórter Mônica Silveira <strong>em</strong> off: Um Sábado <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> Cuiabá.<br />

Mais <strong>de</strong> 150 toneladas <strong>de</strong> alimentos e roupas foram arrecadadas <strong>em</strong> uma<br />

150


campanha organizada pela Polícia Rodoviária Fe<strong>de</strong>ral. As doações chegam<br />

Quinta-feira à Paraíba, ao Ceará e à Pernambuco.<br />

Repórter Mônica S: Na se<strong>de</strong> da SUDENE no Recife, uma reunião para discutir<br />

segurança na área da seca. Como fazer para evitar a ação <strong>de</strong> aproveitadores<br />

na distribuição <strong>de</strong> alimentos, e como evitar os saques?<br />

R2 - Zilei<strong>de</strong> Silva <strong>em</strong> off: Mais um dia <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>. São toneladas <strong>de</strong><br />

doações, alimentos e roupas <strong>de</strong> toda a parte do Brasil para os municípios mais<br />

atingidos pela seca. Aqui <strong>em</strong> Brasília, o Ministério da Justiça lançou o disque<br />

paz. O telefone é 0800-61-0022, para receber qualquer tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia sobre<br />

manipulação política dos saques. (...)<br />

Quando a repórter Mônica Silveira, entrevista a dona <strong>de</strong> casa Margarida<br />

Zanato, seu <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong>ixa claro o tom <strong>em</strong>otivo da reportag<strong>em</strong>, inclusive<br />

servindo como referência <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plo a ser seguido: “Eu queria ir pessoalmente<br />

entregar para ver meus irmãos sofridos, porque 30 anos que você sai <strong>de</strong> uma<br />

terra e vê uma reportag<strong>em</strong> como aquela, não é fácil.”<br />

A terceira s<strong>em</strong>elhança entre e R1 e R2 é a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> João Pedro<br />

Stédile como autor intelectual dos saques. O nome do lí<strong>de</strong>r do MST é anunciado<br />

como “manipulador”, “estimulador” e “incentivador” dos saques, tendo estes um<br />

contexto político:<br />

R1 - Repórter Mônica Silva <strong>em</strong> off: Representantes das polícias <strong>de</strong> todos os<br />

estados do Nor<strong>de</strong>ste participaram da discussão com o ministro da justiça,<br />

Renan Calheiros, que anunciou a criação do disque paz, um serviço gratuito<br />

para receber <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> manipulação política dos saques. O ministro<br />

também divulgou uma lista com o nome <strong>de</strong> 17 pessoas acusadas <strong>de</strong> estimular os<br />

saques. 16 são do MST, entre elas o lí<strong>de</strong>r nacional do movimento, João Pedro<br />

Stédile.<br />

R2 - Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva <strong>em</strong> off: (...) Manipulação que o próprio Ministério<br />

já i<strong>de</strong>ntificou <strong>em</strong> saques na BR-428 e na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arco Ver<strong>de</strong>- PE. Na<br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> João Pedro Stédile, um dos principais lí<strong>de</strong>res do MST.<br />

Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva: Além <strong>de</strong> João Pedro Stédile, o Ministério da Justiça<br />

conseguiu i<strong>de</strong>ntificar outros 8 participantes do MST e hoje a Polícia Fe<strong>de</strong>ral<br />

abriu inquérito contra todos por incitação ao crime. A polícia pediu ainda a<br />

prisão preventiva <strong>de</strong>les (...).<br />

Especificamente na R2, um fato importante para ser analisado é com<br />

relação à repercussão da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> João Pedro Stédile <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo os saques,<br />

assim como autorida<strong>de</strong>s católicas do Brasil. Para o Ministro da Justiça, Renan<br />

Calheiros, a argumentação das autorida<strong>de</strong>s católicas é justificável e a do lí<strong>de</strong>r do<br />

MST é con<strong>de</strong>nável. Desta forma, evi<strong>de</strong>ncia-se uma contradição entre a<br />

ilegalida<strong>de</strong> do discurso <strong>de</strong> João Pedro Stédile e a legitimida<strong>de</strong> do discurso<br />

católico, mesmo que ambos <strong>de</strong>fendam um mesmo argumento. Além <strong>de</strong>ssa<br />

151


contradição discursiva, João Pedro Stédile, <strong>em</strong> momento algum foi ouvido nas<br />

reportagens:<br />

Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva: (...)Bispos da CNBB e o Ministro Sepúlveda Pertence<br />

do Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral também <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram os saques, mas para o<br />

Ministério da Justiça, a situação <strong>de</strong>les é diferente.<br />

Ministro Renan Calheiros: Talvez tenham feito isso apenas por questões<br />

humanitárias, enquanto que setores do MST, as suas mais expressivas<br />

li<strong>de</strong>ranças, fizeram a <strong>de</strong>fesa da apologia do crime e da incitação ao saque e à<br />

violência, objetivando quebrar a or<strong>de</strong>m constitucional e tirar divi<strong>de</strong>ndos<br />

políticos.<br />

Sobre este aspecto, po<strong>de</strong>-se recorrer às análises a respeito do caráter do<br />

telejornal com a sua informação fragmentada e fornecer globalmente uma<br />

representação da política 72 .<br />

No que se refere às reportagens 3, 4, 5 e 6, estas foram enunciadas<br />

apenas pelos apresentadores com textos curtos e diretos, s<strong>em</strong> a apresentação <strong>de</strong><br />

imagens, com exceção da R5. Todas estas reportagens também se ass<strong>em</strong>elham<br />

pelo tom <strong>de</strong> acusação, referente ao MST, estando o movimento “ligado” aos<br />

saques:<br />

R3 - William Bonner: 300 agricultores ligados ao MST roubam dois caminhões<br />

no interior <strong>de</strong> Pernambuco e exig<strong>em</strong> cestas básicas para <strong>de</strong>volver a carga. Os<br />

caminhões transportavam abóboras e gado.(...)<br />

R4 - Fátima Bernar<strong>de</strong>s: O MST faz mais um saque no interior <strong>de</strong> Pernambuco.<br />

400 pessoas levaram 3000 cestas básicas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>pósito do governo fe<strong>de</strong>ral <strong>em</strong><br />

Araipina. Uma mulher foi presa acusada <strong>de</strong> furto e formação <strong>de</strong> quadrilha.(...)<br />

R5 - Fátima Bernar<strong>de</strong>s: Um ataque <strong>de</strong> saqueadores no sertão <strong>de</strong> Pernambuco.<br />

Eles bloquearam a estrada <strong>em</strong> Santa Maria da Boa Vista, à 640 Km do Recife.<br />

Em off: O grupo do saque com 150 pessoas <strong>de</strong>scarregou <strong>em</strong> poucos minutos 3<br />

carretas com 80 toneladas <strong>de</strong> feijão e açúcar.(...)<br />

R6 - Fátima Bernar<strong>de</strong>s: Quatro s<strong>em</strong>-terra foram presos hoje <strong>em</strong> Curatá, a 600<br />

km <strong>de</strong> Salvador. Eles foram flagrados ven<strong>de</strong>ndo alimentos saqueados <strong>de</strong><br />

caminhões <strong>em</strong> Pernambuco.<br />

Neste sentido, po<strong>de</strong>-se recorrer novamente às consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Emiliano<br />

José, que focaliza o contexto catástrofe, que se revela mais pelas atitu<strong>de</strong>s do<br />

MST do que pela seca:<br />

72 Como salientou WOLF (1987:133), o telejornal, inserido no contexto da televisão, “é uma arena on<strong>de</strong>,<br />

continuamente, se suce<strong>de</strong>m pseudo-golpes <strong>de</strong> teatro, on<strong>de</strong> os t<strong>em</strong>as se afastam reciprocamente da<br />

atenção das pessoas s<strong>em</strong> que se possa enten<strong>de</strong>r b<strong>em</strong> o que se preten<strong>de</strong>”. Esta abordag<strong>em</strong> é <strong>de</strong>fendida<br />

por WEBER (1994:81), quando a autora relaciona a televisão e a política, no sentido <strong>de</strong> articulação,<br />

sustentação e mediação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> seus discursos, distintos, porém, cúmplices e “espetaculares”,<br />

caracterizando os <strong>de</strong>litos estéticos: “Política e televisão são dois po<strong>de</strong>rosos discursos marcados pela<br />

passionalida<strong>de</strong> da argumentação e da persuasão, através do caráter ilocutório da comunicação política,<br />

exigindo do receptor apoio, compreensão, votos, e da ubiquida<strong>de</strong> solidária da televisão ratificando, via<br />

programação, seu apoio incondicional ao sist<strong>em</strong>a vigente, às fugas e fantasias individiais”.<br />

152


O início dos saques a caminhões ou a supermercados e a armazéns <strong>de</strong>u-lhe<br />

régua e compasso para criar o que a socióloga argentina Irene Vasilachis <strong>de</strong><br />

Gialdino chama <strong>de</strong> contexto catástrofe. E aqui catástrofe não quer dizer mais a<br />

seca, e sim o espantalho <strong>de</strong> uma agitação político-social, com conseqüências<br />

imprevisíveis evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, nos termos do discurso que foi sendo montado a<br />

partir da existência dos saques. Claro que não eram apenas os saques. Dito<br />

assim, parecia muito simplismo. O probl<strong>em</strong>a é que os saques eram dirigidos<br />

pelo MST - eis a gran<strong>de</strong> questão. O perigo residia aí - era isso que se pretendia<br />

<strong>de</strong>monstrar. É possível ao governo, no entanto, fazer isso se não conta com a<br />

cumplicida<strong>de</strong> da mídia? Evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, não (JOSÉ, 1998:34-35).<br />

Mediante tais fatos, po<strong>de</strong>-se constatar que o JN quando reforça a<br />

interpretação do governo ajuda na construção <strong>de</strong> mais uma imag<strong>em</strong> negativa do<br />

MST. Imag<strong>em</strong> esta s<strong>em</strong>elhante à questão das invasões. Com os saques,<br />

presumivelmente <strong>de</strong>senvolvidos pelo MST, a catástrofe anunciada, que começou<br />

a se concretizar com a ação do movimento, passou a ser a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m social, a<br />

agitação constante e a violação dos direitos da proprieda<strong>de</strong> privada. O probl<strong>em</strong>a<br />

<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser a fome e o sofrimento <strong>de</strong> pessoas inocentes e passa a ser o MST e<br />

seus saques.<br />

Em cada reportag<strong>em</strong>, há uma <strong>de</strong>nominação diferente quanto à ligação do<br />

MST aos saques. O movimento vai se tornando cada vez mais “cúmplice” dos<br />

crimes <strong>em</strong> questão. Tal cumplicida<strong>de</strong> fica explícita nas expressões usadas pelos<br />

enunciadores: R1: “provocar saques/estimular saques” - R2: “incentivar saques/<br />

incitação aos saques/<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os saques” - R3: “roubar caminhões” (saque<br />

implícito) - R4: “faz saque” (saqueia) - R5: “ven<strong>de</strong>m alimentos saqueados”.<br />

Deve-se observar como o acontecimento vai sendo modificado, como<br />

argumentou Emiliano José:<br />

Da seca vista como incl<strong>em</strong>ente, como flagelo <strong>de</strong>vastador, como<br />

<strong>em</strong>ergência – o que é também uma visão falsa, que escon<strong>de</strong> a atitu<strong>de</strong><br />

das classes dominantes <strong>de</strong> nunca tê-la enfrentado, até porque é um<br />

instrumento importante <strong>de</strong> sobrevivência <strong>de</strong>ssas mesmas classes - ,<br />

que é a primeira atitu<strong>de</strong> da imprensa e do próprio governo, passa-se,<br />

através da execução <strong>de</strong> um discurso sist<strong>em</strong>ático, metódico, b<strong>em</strong><br />

trabalhado dos meios <strong>de</strong> comunicação à con<strong>de</strong>nação dos saques. A<br />

impressão que se t<strong>em</strong> é que tudo isso já é para , para além do<br />

enfrentamento do probl<strong>em</strong>a da seca, a construção também do discurso<br />

com vistas à sucessão presi<strong>de</strong>ncial (ibi<strong>de</strong>m:38-39).<br />

Como evi<strong>de</strong>nciou o próprio jornalista, <strong>em</strong> reportag<strong>em</strong> publicada no<br />

Jornal Folha <strong>de</strong> São Paulo, no dia 26 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998, a Polícia Fe<strong>de</strong>ral excluía o<br />

MST <strong>de</strong> 80% dos saques, através <strong>de</strong> um relatório que evi<strong>de</strong>nciava ser a maioria<br />

153


dos saques espontânea. Entretanto, esta mesma reportag<strong>em</strong> foi abordada pelo<br />

jornal, s<strong>em</strong> maior profundida<strong>de</strong> e n<strong>em</strong> foi noticiada no JN.<br />

Ao que tudo indica, governo e mídia estabeleceram um “pacto” para<br />

culpar o MST pelos saques. Talvez a Polícia Fe<strong>de</strong>ral seja orientada a não<br />

produzir relatórios como esse, pois o próprio Ministro da Justiça, Renan<br />

Calheiros, como foi evi<strong>de</strong>nciado na R1 e R2, disse manter a avaliação <strong>de</strong> que<br />

todos os saques foram organizados “pelo MST ou por sindicatos<br />

instrumentalizados pelo MST”, notícia esta divulgada no Jornal Folha <strong>de</strong> São<br />

Paulo, no mesmo dia 26 <strong>de</strong> maio.<br />

O que se percebe, mediante este campo <strong>de</strong> análise, é que as notícias que<br />

vinculam os saques ao MST realizam um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> comunicação a<strong>de</strong>quado à<br />

indústria cultural <strong>de</strong> massa, que procura atingir o consumidor/espectador/ eleitor<br />

pela espetacularização dos acontecimentos e dos personagens envolvidos na<br />

notícia: os s<strong>em</strong>-terras. Neste sentido, a questão da i<strong>de</strong>ologia se faz presente,<br />

estabelecendo uma estreita relação <strong>em</strong> mídia e política 73 .<br />

Neste momento, <strong>de</strong>paramo-nos com a oitava prática discursiva do JN<br />

sobre o MST: a construção do discurso dos saques <strong>em</strong> torno do fenômeno da<br />

seca do Nor<strong>de</strong>ste, construindo mais uma imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> violência do MST, <strong>em</strong><br />

vésperas <strong>de</strong> eleição presi<strong>de</strong>ncial. Como no discurso da “invasão”, o JN expõe<br />

uma imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> violência do MST, uma violência muito mais grave e com muito<br />

mais valor <strong>de</strong> espetáculo. De um fato social, a seca, passa-se a um fato político,<br />

inserido no contexto da catástrofe: o saque <strong>de</strong> alimentos que se <strong>de</strong>stinavam a<br />

minimizar a fome dos nor<strong>de</strong>stinos.<br />

73 A propaganda política e a linguag<strong>em</strong> mercadológica dos mídias po<strong>de</strong>m transformar as particularida<strong>de</strong>s<br />

da classe dominante e as das classes dominadas <strong>em</strong> idéias e valores comuns e universais. Este<br />

processo é <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado pela utilização <strong>de</strong> uma estética homogênea, que simula a igualda<strong>de</strong>, a<br />

participação e os resultados da integração entre governo e socieda<strong>de</strong>. O discurso da política<br />

apropriado pela propaganda continua a ser o oposto do discurso televisivo, pois não po<strong>de</strong> ter segredos,<br />

não seduz. Sua coerência está na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explicitar, <strong>de</strong> esgotar sua comunicação com<br />

promessas, <strong>em</strong> direção a vonta<strong>de</strong>s coletivas, objetivos sociais, segurança e estabilida<strong>de</strong>, com o <strong>de</strong>safio<br />

<strong>de</strong> transmitir confiança, verda<strong>de</strong>, coerência, <strong>de</strong>safio, tranqüilida<strong>de</strong>, integrida<strong>de</strong>, dignida<strong>de</strong>, moral..<br />

Este complexo e perigoso discurso t<strong>em</strong> <strong>de</strong> ser feito sob uma proteção carismática e pluralista,<br />

consi<strong>de</strong>rando que o leitor/telespectador/ouvinte exercerá sua condição <strong>de</strong> eleitor, <strong>de</strong>terminando a<br />

continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> discurso. (...) A estética e a linguag<strong>em</strong> da televisão permit<strong>em</strong> combinar,<br />

eficazmente, el<strong>em</strong>entos concretos, abstratos, passionais, míticos e explicações racionais a idéias e<br />

<strong>em</strong>oções” (WEBER, 1994:97).<br />

154


Regendo este contexto <strong>de</strong> violência anunciada, encontram-se governo e<br />

mídia que se articulam <strong>em</strong> uma sincronia própria das classes dominantes, <strong>em</strong><br />

vésperas <strong>de</strong> eleição 74 . Usam-se todas as estratégias possíveis. Jogam-se todas as<br />

cartas na mesa. Os s<strong>em</strong>-terras, suprimidos pela ditadura da versão dos fatos,<br />

tentam sobreviver a mais um ataque i<strong>de</strong>ológico-político-mediático. Do outro lado<br />

da tela, encontram-se os espectadores <strong>de</strong>ste cenário: os potenciais “re-eleitores”<br />

da política neoliberal, que acabou por vencer mais uma vez o jogo político, tendo<br />

como “retaguarda” o jogo discursivo do Jornal Nacional, repleto <strong>de</strong><br />

legitimida<strong>de</strong>, autorida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong>r.<br />

74 Os mass media, portanto, exerc<strong>em</strong> a influência que têm, na medida <strong>em</strong> que são algo mais do que um<br />

simples canal, através do qual a política dos partidos é apresentada ao eleitorado. Ao filtrar, estruturar<br />

e realçar <strong>de</strong>terminadas ativida<strong>de</strong>s públicas, o conteúdo dos mass media não se limita a transmitir quilo<br />

que os porta-vozes proclamam e aquilo que os candidatos afirmam (...) Não só durante a campanha<br />

mas também nos períodos intermédios, mas os mass media fornec<strong>em</strong> perspectivas, mo<strong>de</strong>lam as<br />

imagens dos candidatos e dos partidos, ajudam a promover os t<strong>em</strong>as sobre os quais versará a<br />

campanha e <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> a atmosfera específica e a área <strong>de</strong> relevância e <strong>de</strong> reativida<strong>de</strong> que assinala cada<br />

competição eleitoral” (Lang-Lang, citado por WOLF, 1987:126).<br />

155


6. RESUMO E CONCLUSÕES<br />

Tendo como meta analisar o discurso do Jornal Nacional acerca do<br />

Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra, este estudo i<strong>de</strong>ntificou as<br />

práticas discursivas que norteiam todo o processo discursivo do telejornal <strong>em</strong><br />

questão, no sentido <strong>de</strong> fabricar um consenso sobre o MST, através do<br />

enfeitiçamento da realida<strong>de</strong>, culminando no produto final: o espetáculo político<br />

articulado, on<strong>de</strong> se fun<strong>de</strong>m e apóiam-se o discurso telejornalístico e o discurso<br />

político. As oito práticas discursivas que foram i<strong>de</strong>ntificadas, estando inseridas<br />

no bojo analítico, constitu<strong>em</strong> todo o processo da indústria cultural da informação<br />

<strong>de</strong>ste telejornal.<br />

Este estudo perpassou por dimensões ligadas ao uso do po<strong>de</strong>r, i<strong>de</strong>ologia<br />

dominante, discurso e análise dos componentes básicos da notícia: falas e<br />

imagens. Visto que uma das representações do po<strong>de</strong>r social dá-se através do<br />

discurso, os que têm mais acesso aos vários tipos e meios <strong>de</strong> comunicação têm a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não só privilegiar o seu discurso, mas <strong>de</strong> controlar, através da<br />

produção da notícia, o discurso dos próprios meios.<br />

É através do discurso, manifestado no texto, nas falas e nas imagens, que<br />

estas relações <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r social se reproduz<strong>em</strong>. Tal é a importância <strong>de</strong>sta<br />

156


eprodução, que se fez urgente a realização <strong>de</strong>sta análise, mediante o longo e<br />

histórico probl<strong>em</strong>a da terra no Brasil.<br />

Ao trabalhar com conceitos como “dominação”, “relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r”,<br />

“produção e reprodução social”, aplicando-os aos estudos sobre os meios <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> massa, a análise do discurso do Jornal Nacional sobre o<br />

Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra contribuiu para uma<br />

compreensão mais ampla da comunicação como prática social, <strong>em</strong> interação com<br />

outras práticas, on<strong>de</strong> se manifestam contradições, formas <strong>de</strong> dominação,<br />

resistência e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformação social.<br />

O que foi verificado neste estudo é que todo o processo da produção da<br />

notícia veiculada no Jornal Nacional, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua seleção, passando pela coleta<br />

<strong>de</strong> dados até à edição, é i<strong>de</strong>ológico. E se as marcas i<strong>de</strong>ológicas vão aparecer no<br />

funcionamento discursivo, é no contexto mais amplo das relações sociais que a<br />

formação i<strong>de</strong>ológica se torna transparente.<br />

Foram i<strong>de</strong>ntificadas oito práticas discursivas que, <strong>de</strong> alguma forma,<br />

interligam-se <strong>em</strong> um processo <strong>de</strong> reafirmação e dominação do po<strong>de</strong>r da <strong>em</strong>issora<br />

Re<strong>de</strong> Globo e do Governo. Na seqüência das práticas discursivas evi<strong>de</strong>nciadas<br />

<strong>de</strong>scritas abaixo, nota-se uma estreita ligação, porque não dizer um<br />

“alinhamento”, ressaltando o sentido da violência e da ilegalida<strong>de</strong> por parte do<br />

MST, <strong>em</strong> contraposição à mídia e ao Governo, que, respectivamente, estão “a<br />

serviço da socieda<strong>de</strong>” e “cobrando da justiça o cumprimento das leis, realizando<br />

a maior reforma agrária brasileira”.<br />

Primeira prática discursiva: o ato da ocupação dos s<strong>em</strong>-terras,<br />

configura-se no discurso da invasão, proposto pelas vozes da enunciação do<br />

Jornal Nacional, apoiando <strong>em</strong> aspectos retóricos.<br />

Segunda prática discursiva: a articulação <strong>de</strong> vozes da enunciação e do<br />

enunciado que, ou <strong>de</strong>sautorizam ou anulam o discurso <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e <strong>de</strong><br />

protesto do MST.<br />

Terceira prática discursiva: a sustentação da força argumentativa da<br />

mídia, através da retórica da persuasão e da manipulação, inserida no jogo<br />

lingüístico do jornalismo.<br />

157


Quarta prática discursiva: a espetacularização das notícias, através do<br />

contexto da violência praticada pelo MST, construídas pelas imagens,<br />

promovendo um enfeitiçamento da realida<strong>de</strong>.<br />

Quinta prática discursiva: o espetáculo político articulado, legitimando<br />

as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do discurso i<strong>de</strong>ológico governamental.<br />

Sexta prática discursiva: legitimação retórica do po<strong>de</strong>r<br />

telejornalístico, através da humanização dos acontecimentos.<br />

Sétima prática discursiva: o espetáculo editorial do enfrentamento<br />

entre polícia, fazen<strong>de</strong>iros e s<strong>em</strong>-terras, resultando na renovação do ciclo da<br />

violência.<br />

Oitava prática discursiva: a construção do discurso dos saques <strong>em</strong><br />

torno do fenômeno da seca do Nor<strong>de</strong>ste, constituindo mais uma imag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

violência do MST, <strong>em</strong> vésperas <strong>de</strong> eleição presi<strong>de</strong>ncial.<br />

Com relação à palavra e à imag<strong>em</strong>, <strong>em</strong> cada bloco <strong>de</strong> análise po<strong>de</strong> ser<br />

evi<strong>de</strong>nciado o importante papel <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhado por ambos componentes do<br />

telejornal.<br />

No primeiro bloco, a palavra assume uma força maior do que a imag<strong>em</strong>,<br />

sendo esta usada como ilustração. O discurso da invasão impõe-se como<br />

estratégia retórica do Jornal Nacional.<br />

No segundo bloco, as falas, ou seja, as palavras, novamente mostraram<br />

sua força argumentativa, pois o discurso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s foi editado <strong>de</strong> forma que<br />

se privilegiou o discurso do po<strong>de</strong>r, seja dos fazen<strong>de</strong>iros, dos Ministros, policiais,<br />

etc.<br />

No terceiro bloco, as falas dos apresentadores e repórteres se <strong>de</strong>stacaram<br />

na cena discursiva. A palavra, mais uma vez, foi imperiosa, s<strong>em</strong> contudo <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong> se ancorar <strong>em</strong> aspectos visuais importantes, porém manipulados pela força do<br />

discurso argumentativo.<br />

No quarto bloco, as imagens prevaleceram. A força visual ganhou a<br />

cena discursiva, recebendo tratamento quase cin<strong>em</strong>atográfico. A imag<strong>em</strong> como<br />

espetáculo fez valer o sentido da realida<strong>de</strong> moldada pelas câmeras do Jornal<br />

Nacional.<br />

158


No quinto bloco, palavras e imagens se articulam. O uso <strong>de</strong> números,<br />

dados do governo e outros aspectos são veiculados pelo texto e pela imag<strong>em</strong> que<br />

se tornam cúmplices na cena discursiva.<br />

No sexto bloco, as imagens ganham mais <strong>de</strong>staque, <strong>de</strong>sta vez ancoradas<br />

por palavras que ajudam a reforçar o contexto da <strong>em</strong>oção.<br />

No sétimo bloco, a palavra até <strong>de</strong>terminado momento assumiu o po<strong>de</strong>r<br />

mediante a imag<strong>em</strong>. Logo após, as imagens se fizeram necessárias, pois os fatos<br />

precisavam ter a evidência do real, do repórter na cena discursiva, do espetáculo,<br />

propriamente dito.<br />

No oitavo bloco, novamente, a palavra volta a assumir seu po<strong>de</strong>r. A<br />

princípio, são as imagens que prevalec<strong>em</strong>, pois mostram a “solidarieda<strong>de</strong> das<br />

pessoas”, a “humanização dos acontecimentos”. Mas, logo <strong>em</strong> seguida, através<br />

<strong>de</strong> reportagens curtas, o discurso <strong>em</strong> torno dos saques é veiculado quase s<strong>em</strong><br />

imagens. Os apresentadores comandam as falas que vão, <strong>em</strong> uma or<strong>de</strong>m<br />

crescente, reforçando o sentido da violência dos saques, praticados, segundo o<br />

governo, pelo MST.<br />

O que po<strong>de</strong> ser percebido, mediante o contexto <strong>de</strong>stas análises, é que<br />

para a eficácia discursiva e i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong> comunicação proposta pelo Jornal<br />

Nacional, é preciso a “domesticação dos corpos”. Ou seja, ao longo <strong>de</strong>stes 18<br />

meses, os quais integraram todo o campo <strong>de</strong> análise das reportagens, o Jornal<br />

Nacional se referiu ao MST <strong>de</strong> várias maneiras diferentes, <strong>de</strong> acordo com cada<br />

contexto, <strong>de</strong> cada época das reportagens veiculadas. Na maioria das vezes, o<br />

MST praticou algum tipo <strong>de</strong> violência. Em raras exceções, sua luta é justa,<br />

<strong>em</strong>ociona e merece <strong>de</strong>staque.<br />

Este po<strong>de</strong>r da mídia sobre o movimento social, veiculando para a<br />

socieda<strong>de</strong> uma “versão dos fatos”, um “discurso fragmentado”, nada mais é do<br />

que resultado do filtro i<strong>de</strong>ológico pelo qual passam todas as reportagens que<br />

serão levadas a público. Entretanto, o aparelho i<strong>de</strong>ológico, no caso o Jornal<br />

Nacional, ancorado pelo po<strong>de</strong>r governamental, precisa do aparelho repressor, o<br />

MST. Se não houver a ocupação, não há a "invasão" que, por conseguinte, não se<br />

transforma <strong>em</strong> notícia. Dentro <strong>de</strong>sta mesma lógica, o projeto <strong>de</strong> transformação,<br />

159


no caso, a reforma agrária proposta pelo MST utiliza-se <strong>de</strong> forma estratégica, das<br />

ocupações como materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua ação e, a partir <strong>de</strong>la, constrói a dimensão<br />

i<strong>de</strong>ativa. Nesta relação se produz a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social, fort<strong>em</strong>ente ancorada nas<br />

representações e no imaginário social da população on<strong>de</strong> a terra é uma constante<br />

busca <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> nela planta e garante a sobrevivência da família.<br />

Assim, se por um lado, os aparelhos do Estado imputam a expulsão física<br />

e a construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “estrangeiros” ao direito privado, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do<br />

s<strong>em</strong>-terra se alinha a outras i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, mais ou menos crescentes, dos outros<br />

segmentos expropriados nas relações sociais <strong>de</strong> produção, criando um<br />

tencionamento sobre o que é o estrangeirismo. A disputa, <strong>de</strong>sta forma, faz-se no<br />

plano da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agenciamento da subjetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um movimento que se<br />

constituiu numa ação propositiva e construiu uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social forte. Neste<br />

contexto, este “estrangeirismo” é levado a público pelos meios <strong>de</strong> comunicação<br />

<strong>de</strong> massa, como uma ameaça à or<strong>de</strong>m social, ao po<strong>de</strong>r neoliberal.<br />

Desvendar o contexto como o Jornal Nacional sustenta este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r i<strong>de</strong>ológico, sobre um movimento social tão importante quanto o MST,<br />

po<strong>de</strong>rá ser uma contribuição para a construção mais <strong>de</strong>mocrática da realida<strong>de</strong>.<br />

Realida<strong>de</strong> esta, que, s<strong>em</strong> dúvida, precisa <strong>de</strong> uma repercussão mediática, para se<br />

tornar pública, s<strong>em</strong> contudo, receber um viés distorcido dos meios <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> massa, que, para isso, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> se <strong>de</strong>svincular das relações <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r estabelecidas com o governo e os governantes.<br />

A partir <strong>de</strong>ste ponto, prossegue-se o caminho para outras análises, sobre<br />

outras realida<strong>de</strong>s sociais, outras injustiças, mazelas, lutas, confrontos, po<strong>de</strong>res e<br />

po<strong>de</strong>rosos. O privilégio do discurso dominante só vai <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ter status <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r absoluto, <strong>de</strong> “quarto po<strong>de</strong>r”, quando a socieda<strong>de</strong>, consciente da realida<strong>de</strong><br />

dos fatos, passar a vê-los pelas lentes da verda<strong>de</strong>.<br />

Pensar hoje no Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra é pensar<br />

<strong>em</strong> uma conquista <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, que rompe com os mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong> dominação<br />

impostos pelos po<strong>de</strong>res opressores e simbólicos. A articulação <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

como um todo que se opõe a várias esferas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, seja este mesclado ou<br />

160


mediatizado, supõe um novo <strong>de</strong>spertar, uma nova perspectiva <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia<br />

plena e s<strong>em</strong> refrações, ainda que tardia.<br />

161


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

ADORNO, T.W. Televisão, consciência e indústria cultural. In: COHN, G.<br />

(Org.). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: T.A. Queiróz, 1987.<br />

p. 346-354.<br />

ALBUQUERQUE, A. Quer<strong>em</strong> roubar as cores da ban<strong>de</strong>ira do Brasil! Collor e o<br />

uso político dos símbolos nacionais no horário gratuito <strong>de</strong> propaganda<br />

eleitoral. In: F. NETO, A. Brasil, comunicação, cultura e política. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Diadorim, 1994. p. 100-116.<br />

ALMEIDA, A.M. Mídia eletrônica. Seu controle nos EUA e no Brasil. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1993. 181 p.<br />

ALMEIDA, G. Lógica econômica na TV; o eventual papel político da TV.<br />

Recife: INTERCOM, 1998a. 14 p. (CD-ROM).<br />

ALMEIDA, J. Ministro brinca com a opinião pública. Revista S<strong>em</strong>-terra, São<br />

Paulo, v. 2, n. 4, p. 25-26, 1998b.<br />

ALMEIDA FILHO, H. et al. O ópio do povo: extra realida<strong>de</strong>. São Paulo:<br />

Símbolo, 1976. 130 p. (Coleção Livro-Reportag<strong>em</strong>, 1).<br />

ALVES, F.J.C., PAULILLO, L.F. Reforma agrária e capitalismo no Brasil neste<br />

fim <strong>de</strong> século: os s<strong>em</strong>-terra e os s<strong>em</strong>-s<strong>em</strong>. In: TEIXEIRA, E.C. (Ed.).<br />

Reforma da política agrícola e abertura econômica. Viçosa, MG: UFV,<br />

1996. p. 85-99.<br />

162


ARAÚJO FILHO, F.U. A reforma agrária como estratégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

da agricultura brasileira e como medida fundamental <strong>de</strong> combate à fome. In:<br />

TEIXEIRA, E.C. (Ed.). Reforma da política agrícola e abertura<br />

econômica. Viçosa, MG: UFV, 1996. p. 101-107.<br />

ARRUDA, M.A.N. A <strong>em</strong>balag<strong>em</strong> do sist<strong>em</strong>a. São Paulo: Duas Cida<strong>de</strong>s, 1985.<br />

203 p.<br />

BACCEGA, M.A. Palavra e discurso; história e literatura. São Paulo: Ática,<br />

1995. 96 p.<br />

BAGGALEY, J.P., DUK, S.W. Análisis <strong>de</strong>l mensaje televisivo. Barcelona,<br />

Espanha: Gustavo Gilli, 1979. 180 p.<br />

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.<br />

90 p.<br />

BALTAZAR, J.M. Roland Barthes: contribuições para a teoria da comunicação.<br />

Comunicação e Socieda<strong>de</strong>, São Bernardo do Campo-SP, v. 10, n. 17, p.<br />

129-137, 1991.<br />

BARTHES, R. Retórica da imag<strong>em</strong>. Paris: Seuil, 1964a. 110 p.<br />

BARTHES, R. El<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> s<strong>em</strong>iologia. Lisboa: Edições 70, 1964b. 285 p.<br />

BARTHES, R. A mensag<strong>em</strong> fotográfica. In: LIMA, L.C. (Org.). Teoria da<br />

cultura <strong>de</strong> massa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 303-316.<br />

BARTHES, R. Crítica e verda<strong>de</strong>. São Paulo: Perspectiva/Fundo <strong>de</strong> Cultura,<br />

1986. 231 p.<br />

BENEYTO, J. Informação e socieda<strong>de</strong>. Petrópolis: Vozes, 1979. 207 p.<br />

BERGUER, C. Campos <strong>em</strong> confronto: a terra e o texto. Porto Alegre: UFRGS,<br />

1998. 223 p.<br />

BETO, F. Che, militante da justiça e do amor. Revista S<strong>em</strong>-Terra, São Paulo,<br />

v. 1, n. 1, p. 20-21, 1997.<br />

BORDENAVE, J.E.D. O que é comunicação? 11.ed. São Paulo: Brasiliense,<br />

1988. 106 p.<br />

BOSI, A. Plural, mas não caótico. In: BOSI, A. (Org.). Cultura brasileira -<br />

t<strong>em</strong>as e situações. São Paulo: Ática, 1987. 244 p.<br />

163


BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva,<br />

1974. 342 p.<br />

BOURDIEU, P. Sobre a televisão. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1997. 143 p.<br />

BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar,<br />

1987. 379 p.<br />

BREGUÊS, S. A televisão no Brasil. Ensinando a não pensar. [1998].<br />

(www.breguez.jor.br).<br />

BRESSER, D. A imag<strong>em</strong> dos telejornais. O povo acusa. Revista Imprensa, São<br />

Paulo, v. 9, n. 105, p. 25-28, 1996.<br />

CALABRESE, V. Come si ve<strong>de</strong> il telegiornale. Laterza: Bari, 1980. 160 p.<br />

CALENDÁRIO histórico dos trabalhadores. 3.ed. São Paulo: Setor <strong>de</strong> Educação<br />

do Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-terra, 1999. 84 p.<br />

CARDOSO, R. Socieda<strong>de</strong> civil e meios <strong>de</strong> comunicação no Brasil. In: MELO,<br />

J.M. (Org.). Comunicação e transição <strong>de</strong>mocrática. Porto Alegre:<br />

INTERCOM, Mercado Aberto, 1985. p. 118-136.<br />

CARVALHO, E. Telejornalismo; a década da tranquilida<strong>de</strong>. In: KHEL, M.R. et<br />

al. Anos 70: televisão. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Empresa Gráfica, 1980. p. 80-95.<br />

CASTRO, R.V. Representações sociais da prostituição na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro. In: SPINK, M.J. (Org.). O conhecimento no cotidiano: as<br />

representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo:<br />

Brasiliense, 1993. p. 149-187.<br />

CAUME, D.J. Tecnologia, violência e perspectiva <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento agrícola<br />

do movimento dos trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra. In: CONGRESSO<br />

BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 32, 1994,<br />

Brasília. Anais... Brasília: SOBER, 1994. p. 379-403.<br />

CAZENEUVE, J. El hombre telespectador. Barcelona: Gustavo Gilli, 1977.<br />

120 p.<br />

CHAUÍ, M. O que é i<strong>de</strong>ologia. São Paulo: Brasiliense, 1984. 125 p.<br />

CHAUÍ, M. Ética e violência. Teoria e Debate, São Paulo, v. 11, n. 39, p. 32-41,<br />

1998.<br />

164


CITTELLI, A., BACCEGA, M.A. Retórica da manipulação: os s<strong>em</strong>-terra nos<br />

jornais. Revista Comunicação e Artes, São Paulo, v. 14, n. 20, p. 23-29,<br />

1989.<br />

COELHO, T. O que é indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1980. 99 p.<br />

COELHO, T. O imaginário da morte. In: NOVAES, A. (Org.). Re<strong>de</strong> imaginária<br />

- televisão e <strong>de</strong>mocracia. São Paulo: Companhia das Letras, Secretaria<br />

Municipal <strong>de</strong> Cultura, 1991. p. 109-122.<br />

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA - CPT. [1997]. (www.cnbb.org.br/<br />

organismos/cpt.html).<br />

COMPARATO, F.K. É possível <strong>de</strong>mocratizar a televisão? In: NOVAES, A.<br />

(Org.). Re<strong>de</strong> imaginária - televisão e <strong>de</strong>mocracia. São Paulo: Companhia<br />

das Letras, Secretaria Municipal <strong>de</strong> Cultura, 1991. p. 300-309.<br />

COSTA, J.F. A consciência da doença enquanto consciência do sintoma: a<br />

“doença dos nervos” e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> psicológica. s.d. (Mimeogr.).<br />

COSTA, S., BRENER, J. Coronelismo eletrônico: o governo Fernando Henrique<br />

e o novo capítulo <strong>de</strong> uma velha história. Comunicação e Política, São<br />

Paulo, v. 4, n. 2, p. 29-53, 1997.<br />

COUTINHO, E. A astúcia. In: NOVAES, A. (Org.). Re<strong>de</strong> imaginária -<br />

televisão e <strong>de</strong>mocracia. São Paulo: Companhia das Letras, Secretaria<br />

Municipal <strong>de</strong> Cultura, 1991. p. 279-285.<br />

COUTO, A. Questão agrária na imprensa - o movimento dos trabalhadores<br />

rurais s<strong>em</strong>-terra na Folha <strong>de</strong> São Paulo. Londrina: INTERCOM, 1996.<br />

11 p. (Disquete).<br />

DALCHIAVON, F. Probl<strong>em</strong>as agrários e a proposta do MST <strong>de</strong> reforma agrária.<br />

In: TEIXEIRA, E.C. (Ed.). Reforma da política agrícola e abertura<br />

econômica. Viçosa, MG: UFV, 1996. p. 109-120.<br />

DIAS, S. Lógica do acontecimento - Deleuze e a filosofia. Porto:<br />

Afrontamento, 1995. 70 p.<br />

DIMBLERY, R., BURTON, G. Mais do que palavras: uma introdução à<br />

teoria da comunicação. São Paulo: Summus, 1990. 215 p.<br />

DOCUMENTO interno do movimento dos trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra. 1997.<br />

24 p.<br />

ECO, H. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1976. 391 p.<br />

165


FADUL, A. Televisão e i<strong>de</strong>ologia. In: NEOTTI, C. (Coord.). Comunicação e<br />

i<strong>de</strong>ologia. São Paulo: Loyola, 1980. p. 123-132.<br />

FAUSTO NETO, A. A <strong>de</strong>flagração do sentido: estratégias <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong><br />

captura da recepção. Salvador: Compós, 1991. 15 p. (Comunicação<br />

apresentada na reunião do GT do COMPÓS “Comunicação e Po<strong>de</strong>r”).<br />

FERNANDES, O. A questão agrária no Brasil. Belo Horizonte: Simpro, 1997.<br />

72 p.<br />

FILGUEIRAS, O. A justiça e a revolução. Revista S<strong>em</strong>-terra, São Paulo, v. 1,<br />

n. 2, p. 3-17, 1997.<br />

FIORIN, J.L. Linguag<strong>em</strong> e i<strong>de</strong>ologia. São Paulo: Ática, 1988. 87 p.<br />

FOUCAULT, M. A or<strong>de</strong>m do discurso. Campinas: Unicamp, 1973. 326 p.<br />

FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977. 95 p.<br />

FOUCAULT, M. Microfísica do po<strong>de</strong>r. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal, 1979. 77 p.<br />

FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Petrópolis: Vozes/Forense<br />

Universitária, 1986.<br />

FOWLER, R., HODGE, B., KRESS, G., TREM, T. Language and control.<br />

Londres: Routledge and Kegan Paul, 1979. 187 p.<br />

FOX, 1996.<br />

GERMER, C. Perspectivas das lutas sociais agrárias nos anos 90. In: STÉDILE,<br />

J.P. A questão agrária hoje. Porto Alegre: UFRGS, 1984. p. 259-284.<br />

GLEISER, L. Além da notícia: o Jornal Nacional e a televisão brasileira. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, 1983. 210 p. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciência da<br />

Comunicação) - Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1983.<br />

GOLDENSTEIN, G. Folhas ao vento: contribuição para o Estado da<br />

indústria cultural no Brasil. São Paulo: USP, 1985. 190 p. Tese<br />

(Doutorado <strong>em</strong> Ciência Política) - Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo Paulo, 1985.<br />

GOMES, W. Estratégia retórica e ética da argumentação na propaganda política.<br />

In: F. NETO, A. Brasil, comunicação, cultura e política. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Diadorim, 1994. p. 117-133.<br />

GOMES, A.M.O., NASCIMENTO, F.J.S. Política, MST e o Rei do Gado.<br />

Recife: INTERCOM, 1998. 17 p. (CD-ROM).<br />

166


GRAMSCI, A. A concepção dialética da história. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização<br />

Brasileira, 1978. 95 p.<br />

GREEN, M. Periodismo en TV. Buenos Aires: Troquel, 1973. 140 p.<br />

GRILLO, C. Mudanças têm caráter editorial. Folha <strong>de</strong> S. Paulo, São Paulo, 17<br />

mar. 1996. TV Folha, p. 7.<br />

GRZYBOWSKI, C. Caminhos e <strong>de</strong>scaminhos dos movimentos sociais no<br />

campo. Petrópolis: Vozes, 1991. 90 p.<br />

GUARESCHI, P.A. Comunicação e po<strong>de</strong>r: a presença e o papel dos meios <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> massa estrangeiros na América Latina. Petrópolis:<br />

Vozes, 1985. 88 p.<br />

GUARESCHI, P.A. A realida<strong>de</strong> da comunicação - visão geral do fenômeno. In:<br />

GUARESCHI, P.A. (Coord.). Comunicação e controle social. Petrópois:<br />

Vozes, 1991. p. 13-22.<br />

GUATTARI, F. Revolução molecular: as pulsações políticas do <strong>de</strong>sejo. São<br />

Paulo: Brasiliense, 1987. 72 p.<br />

HALLIDAY, T.L. A retórica das multinacionais: a legitimação das<br />

organizações pela palavra. São Paulo: Summus, 1987. 107 p.<br />

HAMBURGER, E. Cid Moreira é o símbolo da vênus platinada. Folha <strong>de</strong> S.<br />

Paulo, São Paulo, 01 abr. 1996. p. 4.<br />

HERBERS, R.G. Conflitos no campo: o que diz<strong>em</strong> os dados. Revista ABRA,<br />

Brasília, 1989.<br />

HERMAN, E.S., CHOMSKY, N. Manufacturing consent: the political<br />

economy of the mass media. New York: Pantheon Books, 1988. 412 p.<br />

HORKHEIMER, M., ADORNO, T.W. A indústria cultural: o iluminismo como<br />

mistificação <strong>de</strong> massa. In: LIMA, L.C. (Org.). Teoria da cultura <strong>de</strong> massa.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 159-204.<br />

JAMES, W. Pragmatismo e outros textos. São Paulo: Abril Cultural, 1985.<br />

60 p.<br />

JOFFE, H. Eu não, o meu grupo não: representações sociais transculturais da<br />

AIDS. In: GUARESCHI, P.A., JOVCHELOVITCHI, S. Textos <strong>em</strong><br />

representação social. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 297-322.<br />

JORNAL DO MOVIMENTO SINDICAL. A marcha da vitória. jun. 1997.<br />

167


JORNAL DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. O pão do povo<br />

(homenag<strong>em</strong> aos c<strong>em</strong> anos <strong>de</strong> Bertold Brecht). São Paulo, v. 16, n. 180,<br />

p. 20, 1998a.<br />

JORNAL DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. Violência no<br />

campo durante o governo FHC. São Paulo, v. 17, n. 181, p. 14, 1998b.<br />

JORNAL DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. Acredite se<br />

quiser: INCRA <strong>de</strong>volve o dinheiro porque não consegue gastar. São<br />

Paulo, v. 17, n. 181, p. 18, 1998c.<br />

JORNAL DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. A or<strong>de</strong>m é<br />

ninguém passar fome. São Paulo, v. 17, n. 181, p. 20, 1998d.<br />

JORNAL DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. Ministro<br />

Jungmann continua mentindo. São Paulo, v. 17, n. 187, p. 11, 1998e.<br />

JORNAL DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. I Festival <strong>de</strong><br />

Músicas da Reforma Agrária. São Paulo, v. 17, n. 187, p. 20, 1998f.<br />

JORNAL O GLOBO. Os s<strong>em</strong>-terra. 15 out. 1995.<br />

JOSÉ, E. Como a imprensa transforma o probl<strong>em</strong>a da seca no probl<strong>em</strong>a dos<br />

saques. Revista S<strong>em</strong>-Terra, São Paulo, v. 2, n. 4, p. 33-39, 1998.<br />

JUNQUEIRA, L. El<strong>em</strong>entos para um estudo da contribuição <strong>de</strong> Pierre<br />

Bourdieu à teoria das representações sociais. Refice: INTERCOM, 1998.<br />

14 p. (CD-ROM).<br />

KEHL, M.R., COSTA, A.H., SIMFES, I.F. Um país no ar - história da TV<br />

brasileira <strong>em</strong> 3 canais. São Paulo: Brasiliense/FUNARTE, 1986. 174 p.<br />

LAGE, N. I<strong>de</strong>ologia e técnica da notícia. Petrópolis: Vozes, 1982. 116 p.<br />

LAGE, N. Linguag<strong>em</strong> jornalística. São Paulo: Ática, 1985. 78 p.<br />

LANE, S.M.T. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1983. 88 p.<br />

(Coleção Primeiros Passos).<br />

LITKE, R. Violence et pouvoir. In: UNESCO. Revue internationale <strong>de</strong>s<br />

sciences sociales: penser la violence. Érès: 1992. 132 p.<br />

MACEDO, M.R.J., FONSECA, M.A.R. Os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e<br />

a transformação social. Juiz <strong>de</strong> Fora: UFJF, 1985. 86 p. (Monografia <strong>de</strong><br />

graduação).<br />

168


MACEDO JÚNIOR, R.P. Foucault: o po<strong>de</strong>r e o direito. T<strong>em</strong>po Social, São<br />

Paulo, v. 2, n. 1, p. 151-176, 1990.<br />

MACIEL, P. Guia para falar (e aparecer b<strong>em</strong>) na televisão. Porto Alegre:<br />

Sagra-DC Luzzato, 1993. 103 p.<br />

MACLUHAN, M. Os meios <strong>de</strong> comunicação como extensão do hom<strong>em</strong>. São<br />

Paulo: Cultrix, 1964. 407 p.<br />

MAIA, P. Um novo telejornalismo e os limites da censura. Jornal do Brasil, Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, 4 nov. 1979.<br />

MAINGUENEAU, D. Novas tendências <strong>em</strong> análise do discurso. Campinas:<br />

Pontes, 1989. 198 p.<br />

MARCONDES FILHO, C. Televisão. São Paulo: Scipione, 1984. 136 p.<br />

MARCONDES FILHO, C. O capital da notícia. São Paulo: Ática, 1986. 188 p.<br />

MARCONDES FILHO, C. Jornalismo fin-<strong>de</strong>-siècle. São Paulo: Scritta, 1993.<br />

152 p.<br />

MARIANI, B.S.C. Os primórdios da imprensa no Brasil (ou: <strong>de</strong> como o discurso<br />

jornalístico constrói m<strong>em</strong>ória). In: ORLANDI, E.P. (Org.). Discurso<br />

fundador. Campinas: Pontes, 1993. p. 31-42.<br />

MARTINS, J.S. Caminhada no chão da noite: <strong>em</strong>ancipação política e<br />

libertação dos movimentos sociais do campo. São Paulo: Hucitec, 1989.<br />

147 p.<br />

MATTOS, S. O controle dos meios <strong>de</strong> comunicação. Salvador: EDUFBA,<br />

1996. 100 p.<br />

MEDEIROS, L.S. História dos movimentos sociais no campo. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

FASE, 1989. 215 p.<br />

MERTON, R.K., LAZARSFELD, P.F. Comunicação <strong>de</strong> massa, gosto popular<br />

e a organização da ação social. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1990. 234 p.<br />

MICELI, S. Entre no ar <strong>em</strong> Belíndia: a indústria cultural hoje. Campinas:<br />

UNICAMP, 1984. 84 p.<br />

MICELI, S. O dia seguinte. In: NOVAES, A. (Org.). Re<strong>de</strong> imaginária -<br />

televisão e <strong>de</strong>mocracia. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria<br />

Municipal <strong>de</strong> Cultura, 1991. p. 196-202.<br />

169


MOTA, C.M.L. A produção <strong>de</strong> sentidos no telejornalismo. Brasília: UNB,<br />

1992. 151 p. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Comunicação) - Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Brasília, 1992.<br />

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. [s.d.].<br />

(www.sanet.com.br/~s<strong>em</strong>terra).<br />

NEIVA JÚNIOR, E. A imag<strong>em</strong>. São Paulo: Ática, 1986. 93 p.<br />

NEPOMUCENO, E.A. Construção da notícia. In: NOVAES, A. (Org.). A re<strong>de</strong><br />

imaginária. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal <strong>de</strong><br />

Cultura, 1991. p. 205-212<br />

OLIVEIRA DA SILVA, M. O mundo dos fatos e a estrutura da notícia: a<br />

notícia jornalística na perspectiva <strong>de</strong> Widttgenstein. Porto Alegre:<br />

Edipucrs, 1998. 173 p.<br />

OLIVEN, R.G. Violência e cultura no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1989. 86 p.<br />

ORLANDI, E.P. A linguag<strong>em</strong> e seu funcionamento. Campinas: Pontes, 1987.<br />

276 p.<br />

ORLANDI, E.P. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1988. 210 p.<br />

ORTIZ, R. A mo<strong>de</strong>rna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria<br />

cultural. São Paulo: Brasiliense, 1988. 222 p.<br />

PAILLET, M. Jornalismo: o quarto po<strong>de</strong>r. São Paulo: Brasiliense, 1986.<br />

197 p.<br />

PASQUALI, A. Sociologia e comunicação. Petrópolis: Vozes, 1973. 163 p.<br />

PÊCHEUX, M. Delimitações, inversões, <strong>de</strong>slocamento. Campinas: UNICAMP,<br />

1990. (Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Estudos Linguísticos, 19).<br />

PÊCHEUX, M. S<strong>em</strong>ântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio.<br />

Campinas: UNICAMP, 1995. 317 p.<br />

PÊCHEUX, M., FUCHS, C. Mises au point et perspectives à propos <strong>de</strong> l’analyse<br />

automatique du discours. In: Langages. Paris: Didier-Larousse, 1975. p. 7-<br />

80.<br />

PEIXOTO, N.B. As imagens da TV têm t<strong>em</strong>po. In: NOVAES, A. (Org.). Re<strong>de</strong><br />

imaginária. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal <strong>de</strong><br />

Cultura, 1991. p. 73-84.<br />

170


PETRAS, J. Ocupações <strong>de</strong> terras no Brasil. Revista S<strong>em</strong>-Terra, São Paulo, v. 1,<br />

n. 3, p. 26-30, 1998.<br />

POSSENTI, S. Discurso, estilo e subjetivida<strong>de</strong>. São Paulo: Martins Fontes,<br />

1993. 218 p.<br />

REGO, T.C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-social da educação.<br />

Petrópolis: Vozes, 1995. 83 p.<br />

REVISTA CADERNOS. O MST é um movimento social. São Paulo, 1996.<br />

REVISTA IMPRENSA. A esquerda ataca a imprensa. São Paulo, 1996.<br />

REVISTA IMPRENSA. João Pedro Stédile: o lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>-terr ataca<br />

jornalistas e <strong>em</strong>presários <strong>de</strong> comunicação. São Paulo, 1998.<br />

REVISTA MANCHETE. Um lí<strong>de</strong>r. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 20 jun. 1996.<br />

REVISTA TERCEIRO MUNDO. Não à invasão, sim à ocupação. São Paulo,<br />

1995a.<br />

REVISTA TERCEIRO MUNDO. O Brasil po<strong>de</strong> dispensar a reforma agrária?<br />

São Paulo, 1995b.<br />

REVISTA TERCEIRO MUNDO. A socieda<strong>de</strong> toda é responsável. São Paulo,<br />

1995c.<br />

REVISTA VEJA. Lição da marcha <strong>de</strong>scalça. São Paulo, v. 30, n. 16, p. 26-27,<br />

23 abr. 1997.<br />

REVISTA VEJA. O show <strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> das 8. São Paulo, v. 31, n. 39, p. 46-48,<br />

30 set. 1998a.<br />

REVISTA VEJA. A esquerda com raiva. São Paulo, v. 31, n. 22, 3 jun. 1998b.<br />

(capa).<br />

REZENDE, G.J. O papel do código verbal no telejornalismo. São João <strong>de</strong>l Rei:<br />

FUNREI, 1997. 16 p.<br />

REZENDE, G.J. Papel editorial do telejornalismo brasileiro. São Bernardo do<br />

Campo: UMESP, 1998. 288 p. Tese (Doutorado <strong>em</strong> Ciência da<br />

Comunicação) - Universida<strong>de</strong> Metodista <strong>de</strong> São Paulo, 1998.<br />

ROCCO, M.T.F. Linguag<strong>em</strong> autoritária - televisão e persuasão. São Paulo:<br />

Brasiliense, 1989. 201 p.<br />

171


ROCCO, M.T.F. As palavras na TV: um exercício autoritário? In: NOVAES, A.<br />

(Org.). A re<strong>de</strong> imaginária. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria<br />

Municipal <strong>de</strong> Cultura, 1991. p. 240-256.<br />

RODRIGUES, M.R. Do agenda setting ao Congresso Nacional: um processo<br />

<strong>de</strong> muitas vias. Recife: INTERCOM, 1998. 30 p. (CD-ROM).<br />

RONDELLI, E. Televisão: modos <strong>de</strong> ver, modos <strong>de</strong> dizer. In: F. NETO, A.<br />

(Org.). Brasil, comunicação, cultura e política. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Diadorim,<br />

1994. p. 126-241.<br />

RONDELLI, E. Imagens da violência - práticas discursivas. T<strong>em</strong>po Social, São<br />

Paulo, v. 10, n. 2, p. 145-157, 1998.<br />

ROTHMAN, F.D. O movimento dos s<strong>em</strong>-terra e as ocupações: agravamento ou<br />

resolução do probl<strong>em</strong>a. Economia Rural, Viçosa, v. 6, n. 1/2, p. 4-7, 1995.<br />

RUFINO, P. O canto da terra. São Paulo: Casa <strong>de</strong> Cin<strong>em</strong>a, 1991. (Ví<strong>de</strong>o<br />

Documentário).<br />

SÁ, A.A.B. Jornal Nacional - política e i<strong>de</strong>ologia. Campinas: UNICAMP,<br />

1992. 191 p. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciência Política) - Universida<strong>de</strong><br />

Estadual <strong>de</strong> Campinas, 1992.<br />

SÁ, A.A.B. Jornal Nacional: i<strong>de</strong>ologia e discurso. In: F. NETO, A. (Org.).<br />

Brasil, comunicação, cultura e política. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Diadorim, 1994.<br />

p. 309-327.<br />

SANTAELLA, L. Cultura das mídias. São Paulo: Razão Social, 1992. 178 p.<br />

SANTOS, S.A. Jovens e crianças s<strong>em</strong>-terra participam do concurso “O Brasil<br />

que quer<strong>em</strong>os”. Revista S<strong>em</strong>-Terra, São Paulo, v. 2, n. 6, p. 50-51, 1999.<br />

SCHERER-WARREN, I. Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> movimentos sociais. São Paulo: Loyola,<br />

1993. 205 p.<br />

SILVA, C.E.L. Muito além do Jardim Botânico: um estudo sobre a<br />

audiência do Jornal Nacional da Globo sobre trabalhadores. São Paulo:<br />

Summus, 1985. 161 p.<br />

SILVA, L.M.N.M. "Segurança e <strong>de</strong>senvolvimento": a comunicação do Governo<br />

Medici. Comunicação & Desenvolvimento, São Paulo, v. 9, n. 55, p. 35-54,<br />

1986.<br />

SILVA, J.G. A reforma agrária brasileira na virada do milênio. Campinas:<br />

ABRA, 1996. 246 p.<br />

172


SIQUEIRA, D.C.O. Ciência na televisão: mito, ritual e espetáculo. Revista<br />

Brasileira <strong>de</strong> Ciências da Comunicação, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 57-69,<br />

1998.<br />

SODRÉ, M. O monopólio da fala. Petrópolis: Vozes, 1977. 110 p.<br />

SPINK, M.J. (Org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais<br />

na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1993. 75 p.<br />

STAM, R. O telejornal e seu espectador. São Paulo: CEBRAP, 1985. 142 p.<br />

(Novos Estudos, 13).<br />

STAM, R. Bakhtin: da teoria literária cultura <strong>de</strong> massa. São Paulo: Ática,<br />

1992. 104 p.<br />

STÉDILE, J.P. (Coord.). A questão agrária e o socialismo. In: ____. A questão<br />

agrária hoje. Porto Alegre: UFRGS, 1984. p. 306-322.<br />

THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. São Paulo: Paz e<br />

Terra, 1987. 207 p.<br />

TILBURG, J.L.V. Para uma leitura crítica da televisão. São Paulo: Paulinas,<br />

1984. 71 p.<br />

TORRENS, J.C.S. O processo <strong>de</strong> construção das linhas políticas do movimento<br />

dos trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra. In: MEDEIROS, L. (Org.).<br />

Assentamentos rurais: uma visão multidisciplinar. São Paulo: UNESP,<br />

1994. p. 145-156.<br />

TRISTÃO, M.B. A construção do discurso jornalístico: do fato à notícia.<br />

Juiz <strong>de</strong> Fora: UFJF, 1993. 168 p. (Monografia <strong>de</strong> graduação).<br />

VELA, H.G. A comunicação da reforma agrária: <strong>de</strong>sinformação e rumores.<br />

São Paulo: INTERCOM, 1987. p. 59-74. (Ca<strong>de</strong>rnos INTERCOM).<br />

VIEIRA, G. Complexo <strong>de</strong> Clark Kent: são super-homens os jornalistas? São<br />

Paulo: Summus, 1991. 135 p.<br />

VIEIRA, S.M.F. Telejornal: um caso <strong>de</strong> s<strong>em</strong>iótica. Recife: INTERCOM,<br />

1998. 14 p. (CD-ROM).<br />

VILCHES, L. La televisión. Los efectos <strong>de</strong>l bien y <strong>de</strong>l mal. Barcelona,<br />

Espanha: Paidós, 1993. 205 p.<br />

VILCHES, L. La lectura <strong>de</strong> la imagen. Prensa, cine, televisión. Barcelona,<br />

Espanha: Paidós, 1995. 248 p.<br />

173


VOYENNE, B. La prensa en la socieda<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>poránea. Madri: Nacional,<br />

1968. 141 p.<br />

WALTY, I.L.C. O que é ficção. São Paulo: Brasiliense, 1985. 82 p.<br />

WEBER, M. Economia y sociedad. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica,<br />

1987. 251 p.<br />

WEBER, M.H. Delitos estéticos (a política na televisão). In: F. NETO, A.<br />

Brasil, comunicação, cultura e política. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Diadorim, 1994.<br />

p. 80-99.<br />

WELLS, J.R. Subconsumo, tamanho <strong>de</strong> mercado e padrões <strong>de</strong> gastos<br />

familiares no Brasil. São Paulo: Brasileira <strong>de</strong> Ciências, 1975. 97 p.<br />

(Estudos CEBRAP, 17).<br />

WOLF, M. Teorias da comunicação. Lisboa: Presença, 1987. 249 p.<br />

174


APÊNDICES


APÊNDICE C<br />

Quadro 1C - Dados das ocupações <strong>de</strong> 1999<br />

Fonte: MST.<br />

Estado<br />

Atualizado: 4/06/99<br />

162<br />

Ocupação MST<br />

Número Famílias<br />

AL 17 3.254<br />

CE 3 370<br />

ES 2 200<br />

GO 2 420<br />

MA 3 412<br />

MG 3 378<br />

MS 4 2.200<br />

MT 1 700<br />

PA 5 2.300<br />

PE 40 5.023<br />

PB 7 831<br />

PI 1 70<br />

PR 35 2.472<br />

TO 7 720<br />

RJ 3 360<br />

RN 2 270<br />

SE 8 883<br />

SC 1 500<br />

SP 3 1.756<br />

TOTAL 147 23.119


APÊNDICE D<br />

Quadro 1D - Dados dos acampamentos <strong>de</strong> 1999<br />

Fonte: MST.<br />

Estado<br />

Atualizado: 4/06/1999.<br />

163<br />

Acampamentos MST<br />

Número Famílias<br />

AL 31 7.868<br />

BA 39 4.113<br />

CE 3 370<br />

DF 1 40<br />

ES 5 700<br />

GO 9 1.796<br />

MA 13 1.924<br />

MG 7 868<br />

MS 4 2.200<br />

MT 4 2.800<br />

PA 10 3.321<br />

PB 13 1.866<br />

PE 133 18.048<br />

PI 7 611<br />

PR 103 6.194<br />

TO 7 720<br />

RJ 7 1.030<br />

RN 13 953<br />

RO 8 909<br />

RS 5 3.700<br />

SC 13 3.242<br />

SE 34 3.471<br />

SP 30 5.703<br />

TOTAL 499 72.447


APÊNDICE F<br />

TRANSCRIÇÃO DAS REPORTAGENS<br />

PRIMEIRO BLOCO<br />

R1<br />

Exibição: 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: MST alicia trabalhadores urbanos para participar <strong>de</strong> invasões.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentador William Bonner “O MST torna mais agressiva sua estratégia. Passará a<br />

invadir terras <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas estatais que estão <strong>em</strong> processo<br />

<strong>de</strong> privatização como a Vale do Rio Doce. Invadirá terras<br />

próximas à capitais e está aliciando trabalhadores urbanos<br />

1 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras reunidos.<br />

2 - Placa da fazenda. Abre zoom nos s<strong>em</strong>terras.<br />

3 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras cortando cercas com<br />

alicate.<br />

4 - PG <strong>de</strong> homens armados.<br />

5 - PG <strong>de</strong> carro <strong>em</strong> movimento com homens<br />

armados.<br />

6 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />

7 - PG <strong>de</strong> carros.<br />

8 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />

9 - Pan da polícia militar e s<strong>em</strong>-terras.<br />

10 - Close <strong>em</strong> armas.<br />

11 - PM <strong>de</strong> homens sendo presos.<br />

para participar das invasões.”<br />

Repórter Marcelo Rezen<strong>de</strong> <strong>em</strong> off:<br />

“Foi nessa reunião que os chefes do MST <strong>de</strong>cidiram<br />

invadir a fazenda Santa Rita, on<strong>de</strong> no ano passado<br />

renasceu a UDR. Os s<strong>em</strong>-terras cortaram o arame das<br />

cercas, arrancaram estacas com as mãos e a machadadas.<br />

Os pistoleiros contratados para proteger a fazenda,<br />

primeiro observaram, e <strong>em</strong> seguida atiraram para o alto.<br />

Alguns seguranças <strong>de</strong>safiaram os s<strong>em</strong>-terra. Em menos <strong>de</strong><br />

cinco minutos, a invasão. No mato, os pistoleiros correram<br />

e se armaram ainda mais. Tiros. Os s<strong>em</strong>-terra recuaram<br />

correndo. Foi a vez da polícia militar, que a tudo assistia,<br />

intervir. Afastaram os s<strong>em</strong>-terras. Apreen<strong>de</strong>ram<br />

espingardas, escopetas e revólveres dos pistoleiros, e<br />

pren<strong>de</strong>ram quatro <strong>de</strong>les. Um é soldado da polícia militar<br />

no Mato Grosso do Sul."<br />

Imagens Áudio<br />

160


Repórter Marcelo Rezen<strong>de</strong><br />

(PG <strong>de</strong> acampamento ao fundo)<br />

1 - PM <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />

2 - Repórter conversando com José Rainha.<br />

3 - Mapa do Brasil.<br />

4 - Zoom aproximando a imag<strong>em</strong> no Estado do<br />

Pa-rá.<br />

“Os chefes do MST têm certeza <strong>de</strong> que se não partir<strong>em</strong><br />

para o confronto vão acabar encurralados entre os<br />

fazen<strong>de</strong>iros e o que eles chamam <strong>de</strong> posição <strong>de</strong><br />

neutralida<strong>de</strong> do governo. A estratégia do movimento é<br />

atacar com mais agressivida<strong>de</strong> do que no ano passado. Os<br />

s<strong>em</strong>-terras vão invadir perto das capitais e áreas estatais<br />

que estejam nos projetos <strong>de</strong> privatização dos governos<br />

estaduais e fe<strong>de</strong>ral.”<br />

Marcelo Rezen<strong>de</strong> <strong>em</strong> off:<br />

“Segundo o MST, o alvo número um é a Vale do Rio Doce.<br />

O ataque previsto é no sul do Pará, on<strong>de</strong> a Vale t<strong>em</strong> o<br />

projeto Carajás e reservas <strong>de</strong> minério e ouro.”<br />

Fala <strong>de</strong> José Rainha “As terras na Vale do Rio Doce que estão improdutivas, é<br />

possível os trabalhadores se mobilizar<strong>em</strong> e ocupar<strong>em</strong> para<br />

1 - Close na ban<strong>de</strong>ira do MST.<br />

2 - Abre zoom <strong>em</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />

3 - PM <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras discursando.<br />

4 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras levantando instrumentos<br />

<strong>de</strong> trabalho.<br />

5 - Mapa do Brasil com close no Estado <strong>de</strong> São<br />

Paulo.<br />

6 - Mapa do Brasil.<br />

7 - Número na tela (244 acampamentos <strong>em</strong> 22<br />

es-tados – 200 mil pessoas acampadas – 1<br />

milhão <strong>de</strong> pessoas <strong>em</strong> assentamentos).<br />

8 - PG <strong>de</strong> pessoas conversando.<br />

9 - Plano Fechado <strong>em</strong> Diolinda.<br />

10 - PG <strong>de</strong> Diolinda conversando com dois<br />

traba-lhadores que estão almoçando.<br />

11 - Plano fechado <strong>de</strong> Diolinda agachada<br />

conver-sando com um trabalhador.<br />

Fala <strong>de</strong> Diolinda Alves <strong>de</strong> Souza<br />

Close <strong>de</strong> Diolinda<br />

(Jornal Nacional - 13/01/97)<br />

fazê-las produzir.”<br />

Repórter Marcelo Rezen<strong>de</strong> <strong>em</strong> off:<br />

“A idéia <strong>de</strong> avançar sobre terras ricas perto das capitais<br />

vai começar, segundo o MST, no mês que v<strong>em</strong>, <strong>em</strong> São<br />

Paulo. O movimento levantou <strong>em</strong> cartório que exist<strong>em</strong><br />

terras <strong>de</strong>volutas e super valorizadas <strong>em</strong> Ourinhos e Jaú,<br />

regiões nobres do estado a cerca <strong>de</strong> 300 km da capital.<br />

Atualmente são 244 acampamentos <strong>em</strong> 22 estados do País.<br />

Quase 200.000 s<strong>em</strong>-terra fora um milhão <strong>de</strong> pessoas <strong>em</strong><br />

assentamentos que po<strong>de</strong>m ser mobilizados rapidamente, e<br />

a busca por mais gente não para. Em São Paulo a missão<br />

foi confiada a Diolinda Alves <strong>de</strong> Souza, mulher <strong>de</strong> José<br />

Rainha. Ela está percorrendo fábricas e usinas no interior<br />

do estado, convencendo gente <strong>de</strong>mitida ou insatisfeita a<br />

formar novos grupos.”<br />

“É um dos <strong>de</strong>safios nossos para esse ano <strong>de</strong> 97, trabalhar<br />

com esses trabalhadores e trazer eles pro processo <strong>de</strong><br />

Reforma Agrária.”<br />

161


R2<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1997 (mesma edição anterior).<br />

T<strong>em</strong>a central: Assentados acusam MST <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> dinheiro.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s “Em Sergipe, um projeto <strong>de</strong> assentamento que o MST<br />

consi<strong>de</strong>ra ex<strong>em</strong>plar divi<strong>de</strong> opiniões. Assentados acusam o<br />

MST <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> dinheiro e <strong>de</strong>nunciam o fracasso do<br />

projeto Quissamã.”<br />

1 – PG <strong>de</strong> hom<strong>em</strong> trabalhando com enxada.<br />

2 – Pan <strong>de</strong> casa com s<strong>em</strong>-terras.<br />

3 – PG do assentamento.<br />

4 – PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />

5 – PG <strong>de</strong> homens trabalhando.<br />

6 – Plano fechado da produção (animais).<br />

Repórter Ruth Rodrigues <strong>em</strong> off:<br />

“O povoado Quissamã fica <strong>em</strong> São Cristóvão, a 25 km<br />

<strong>de</strong> Aracaju. A área foi invadida <strong>em</strong> 1991 por 111<br />

famílias e <strong>de</strong>sapropriada dois anos <strong>de</strong>pois. Das 111<br />

famílias, apenas 37 ficaram no assentamento. As outras<br />

foram <strong>em</strong>bora porque não se adaptaram ao sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />

trabalho <strong>de</strong>cidido para a comunida<strong>de</strong>, o coletivo. Todo o<br />

serviço é dividido igualmente. Os coor<strong>de</strong>nadores do<br />

assentamento receberam R$ 200.000,00 que serão<br />

pagos <strong>em</strong> sete anos."<br />

Repórter Ruth Rodrigues “Alguns assentados <strong>de</strong>cidiram falar. Fizeram <strong>de</strong>núncias<br />

sérias contra o MST, a maneira do movimento administrar<br />

a área e principalmente o dinheiro do projeto. Segundo<br />

eles, a muito t<strong>em</strong>po faliu a idéia <strong>de</strong> coletivo.”<br />

Fala do Assentado 1 “Nós não receb<strong>em</strong>os nada até agora.”<br />

Fala do Assentado 2 “Só t<strong>em</strong> débito, nunca passa <strong>de</strong> débito...”<br />

Fala do Assentado 3 “Fracassamos. Os trabalhadores fracassaram no<br />

investimento do projeto.”<br />

1 – PGs <strong>de</strong> casas vazias. Repórter Ruth Rodrigues <strong>em</strong> off:<br />

“O diretor do MST <strong>em</strong> Sergipe, João Daniel, discorda das<br />

críticas.”<br />

Fala <strong>de</strong> João Daniel “Não existe nenhum tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio...”<br />

(Jornal Nacional – 13/01/97)<br />

R3<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 21 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: MST ameaça invadir usina <strong>de</strong> álcool com probl<strong>em</strong>as trabalhistas.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s “Depois <strong>de</strong> aliciar operários <strong>em</strong> porta <strong>de</strong> fábricas <strong>em</strong> São<br />

Paulo, o MST, Movimento dos S<strong>em</strong>-Terra agora t<strong>em</strong> mais<br />

uma priorida<strong>de</strong>: invadir uma usina <strong>de</strong> álcool com<br />

1 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras com ban<strong>de</strong>iras <strong>em</strong> frente a<br />

se<strong>de</strong> do INCRA.<br />

2 - Close da ban<strong>de</strong>ira do MST.<br />

3 - Pan <strong>de</strong> pessoas na se<strong>de</strong> do INCRA.<br />

4 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras com ban<strong>de</strong>iras.<br />

5 - PG da usina referida e s<strong>em</strong>-terras.<br />

6 - PM <strong>de</strong> pessoas subindo <strong>em</strong> cerca.<br />

7 - PM <strong>de</strong> pessoas quebrando mesas e ca<strong>de</strong>iras.<br />

(não eram s<strong>em</strong>-terras).<br />

probl<strong>em</strong>as trabalhistas.”<br />

Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />

“400 s<strong>em</strong>-terras tomaram hoje a se<strong>de</strong> do INCRA, para<br />

exigir a liberação <strong>de</strong> 2.500.000 <strong>de</strong> reais para a construção<br />

<strong>de</strong> uma fábrica <strong>de</strong> farinha. Ont<strong>em</strong>, mais uma fazenda foi<br />

invadida na região do Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a. A usina<br />

que o MST ameaça invadir fica a 1 km <strong>de</strong> distância. Na<br />

s<strong>em</strong>ana passada os funcionários da usina quebraram as<br />

instalações porque estavam s<strong>em</strong> receber há três meses. A<br />

nova estratégia dos s<strong>em</strong>-terras foi confirmada pelo chefe<br />

162


do movimento José Rainha.”<br />

Fala <strong>de</strong> José Rainha “Se estiver improdutivo, os trabalhadores vão ocupar.”<br />

(Jornal Nacional – 7/02/97)<br />

163


R4<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Tensão <strong>em</strong> fazenda goiana invadida pelo MST.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentador William Bonner “Tensão na fazenda Santa Rosa, <strong>em</strong> Itaberaí, Goiás. Termina<br />

amanhã o prazo para retirada <strong>de</strong> 400 famílias que invadiram o<br />

local a um ano.”<br />

William Bonner <strong>em</strong> off:<br />

“A fazenda está cercada por policiais militares. Ninguém<br />

passa. Os invasores diz<strong>em</strong> que vão partir para o confronto. Até<br />

crianças estão armadas com pedaços <strong>de</strong> pau.”<br />

(Jornal Nacional – 10/06/97)<br />

R5<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 22 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Grupo <strong>de</strong> ex-s<strong>em</strong>-terra inva<strong>de</strong> nova área e faz chantag<strong>em</strong> como<br />

governo.<br />

Apresentador William Bonner<br />

Imagens Áudio<br />

Fala <strong>de</strong> Dionilson Marcon (coor<strong>de</strong>nador do<br />

MST)<br />

Repórter Jonas Campos<br />

Gilberto Mosmann (secretário <strong>de</strong> Estado)<br />

(Jornal Nacional – 22/07/97)<br />

“Um grupo <strong>de</strong> ex-s<strong>em</strong>-terra do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul inva<strong>de</strong> uma<br />

nova área e faz chantag<strong>em</strong> com o governo do estado. Os<br />

invasores já foram assentados <strong>em</strong> outro local mas ocuparam o<br />

terreno on<strong>de</strong> será construída uma montadora <strong>de</strong> carros e<br />

exig<strong>em</strong> dinheiro para saír<strong>em</strong> do local.”<br />

Repórter Jonas Campos <strong>em</strong> off:<br />

“Os 800 colonos vieram <strong>em</strong> vários ônibus fretados pelo MST.<br />

São agricultores já assentados e pequenos produtores rurais.<br />

Na área reservada para a construção da fábrica eles montaram<br />

o acampamento. Os colonos que invadiram o terreno criticam<br />

o <strong>em</strong>préstimo <strong>de</strong> 253 milhões <strong>de</strong> reais para a construção da<br />

montadora da General Motors.”<br />

“Quer<strong>em</strong>os que o governo do estado traga companheiros<br />

assentados, os pequenos agricultores e os trabalhadores<br />

gaúchos da mesma forma que traz<strong>em</strong> a GM. Policiais do<br />

Pelotão <strong>de</strong> Choque da Brigada Militar e do Grupo <strong>de</strong><br />

Atiradores <strong>de</strong> Elite cercaram a área. Durante todo o dia, o<br />

clima foi tenso.”<br />

“O governador Antônio Brito afirmou que não vai negociar<br />

com os invasores e <strong>de</strong>cidiu pedir na justiça a reintegração <strong>de</strong><br />

posse da proprieda<strong>de</strong>. 250 policiais militares permanec<strong>em</strong> aqui<br />

<strong>de</strong> prontidão. Eles já estão com a operação <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo<br />

completamente montada, mas só vão agir <strong>de</strong>pois da<br />

autorização judicial.”<br />

“Não se dialoga com qu<strong>em</strong> toma uma atitu<strong>de</strong> radical <strong>de</strong> tomar<br />

a terra para <strong>de</strong>pois tentar propor.”<br />

Repórter Jonas Campos <strong>em</strong> off:<br />

“Enquanto que os assentados invadiam a área da fábrica, os<br />

diretores da GM participavam da solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lançamento da<br />

obra. Eles esperam que a invasão não atrase o cronograma <strong>de</strong><br />

obras previsto para ser concluído <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro do ano que<br />

v<strong>em</strong>.”<br />

164


R6<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 5 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Reação contra invasão <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />

Fala do S<strong>em</strong>-terra<br />

Fala <strong>de</strong> Olavo Schuman (s<strong>em</strong>-terra)<br />

Imagens Áudio<br />

Fala <strong>de</strong> Maria <strong>de</strong> Oliveira (superinten<strong>de</strong>nte do<br />

INCRA/PR)<br />

“... e os fazen<strong>de</strong>iros contratam seguranças armados para<br />

impedir novas ocupações.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />

“... foi o sinal da invasão. A pastag<strong>em</strong> da fazenda é queimada<br />

pelos s<strong>em</strong>-terra e os tratores do MST dominam a área. Na hora<br />

<strong>de</strong> tomar o pedaço <strong>de</strong> terra, os invasores ignoram cercas e<br />

limites.”<br />

“É o seguinte, a Reforma Agrária vai sair. Na lei ou na marra<br />

ela sai.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />

“A intransigência dos chefes do MST rejeita acordos.<br />

Enquanto as invasões não param no noroeste do Paraná, os<br />

s<strong>em</strong>-terras se recusam a ir para essa fazenda, <strong>de</strong>sapropriada<br />

para que os invasores <strong>de</strong> áreas produtivas da região aguar<strong>de</strong>m<br />

o assentamento <strong>de</strong>finitivo.”<br />

“Nós somos s<strong>em</strong>-terra, trabalhadores, não somos um grupo <strong>de</strong><br />

refugiados. Nós não quer<strong>em</strong>os ficar assim. Nós quer<strong>em</strong>os<br />

solução.”<br />

“A preocupação é <strong>de</strong> não ter necessida<strong>de</strong> da última esfera do<br />

judiciário impor uma condição à secretaria <strong>de</strong> segurança,<br />

através do governo do Estado, à <strong>de</strong>socupação forçada. Nós não<br />

quer<strong>em</strong>os briga <strong>de</strong>ntro do Estado.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />

“Do lado <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da cerca, fazen<strong>de</strong>iros exib<strong>em</strong> o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

fogo, seguranças particulares contratados para impedir novas<br />

invasões. Homens que escon<strong>de</strong>m o rosto armados com<br />

escopetas calibre 12 s<strong>em</strong>i-automáticas e equipados com<br />

binóculos especiais para enxergar à noite e rádios para se<br />

comunicar com outras proprieda<strong>de</strong>s.”<br />

Segurança mandando mensag<strong>em</strong> pelo rádio “Carro estranho, aqui na porteira dois.”<br />

“Pergunte o nome da pessoa que está no volante.”<br />

Segurança respon<strong>de</strong>ndo chamado pelo<br />

rádio<br />

Repórter Sandro Dalpícolo<br />

Fala do Segurança<br />

“Pelo menos seis fazendas <strong>de</strong> Querência do Norte já<br />

contrataram grupos armados como esse. Os seguranças<br />

trabalham 24 horas por dia e t<strong>em</strong> or<strong>de</strong>ns para reprimir<br />

qualquer tentativa <strong>de</strong> invasão dos s<strong>em</strong>-terras à bala.”<br />

“Há or<strong>de</strong>m para atirar, não <strong>de</strong>ixar entrar e se for possível até<br />

matar.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo “Para este fazen<strong>de</strong>iro é mais fácil não <strong>de</strong>ixar entrar do que<br />

tirar os s<strong>em</strong>-terra <strong>de</strong>pois das invasões.”<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />

“E no Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a, oeste paulista, um novo<br />

impasse hoje. O Banco do Brasil só liberou 440.000 reais <strong>de</strong><br />

um total <strong>de</strong> pouco mais <strong>de</strong> um milhão <strong>de</strong> reais reservados para<br />

investimento no campo. Em protesto, os s<strong>em</strong>-terras ameaçam<br />

fechar amanhã a entrada da agência do Banco do Brasil <strong>de</strong><br />

Teodoro Sampaio.”<br />

(Jornal Nacional – 05/09/97)<br />

165


R7<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 29 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: MST inva<strong>de</strong> fazenda e faz reféns.<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />

(Jornal Nacional – 29/12/97)<br />

Imagens Áudio<br />

“80 famílias do MST invadiram uma fazenda <strong>em</strong> Santa Maria<br />

do Oeste, no Paraná, e fizeram sete reféns, todos <strong>em</strong>pregados<br />

da fazenda consi<strong>de</strong>rada produtiva pelo INCRA. Depois <strong>de</strong> 10<br />

horas <strong>de</strong> negociação, a polícia conseguiu a libertação dos<br />

reféns e os s<strong>em</strong>-terra continuam ocupando a fazenda.”<br />

R8<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 20 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Tumulto na <strong>de</strong>socupação <strong>de</strong> fazenda <strong>em</strong> Minas Gerais.<br />

Apresentador Carlos Nascimento<br />

(Jornal Nacional – 20/02/98)<br />

Imagens Áudio<br />

“Tumulto na <strong>de</strong>socupação <strong>de</strong> uma fazenda <strong>em</strong> Santa Vitória,<br />

no Triângulo Mineiro. A fazenda Nossa Senhora das Graças<br />

foi invadida no mês passado por cerca <strong>de</strong> 500 s<strong>em</strong>-terra. Hoje<br />

a justiça <strong>de</strong>terminou a <strong>de</strong>socupação da proprieda<strong>de</strong>. Dois<br />

colonos foram presos. A polícia <strong>de</strong>scobriu armadilhas feitas<br />

pelos invasores na fazenda”<br />

R9<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 7 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: S<strong>em</strong>-terra <strong>de</strong>socupam fazenda s<strong>em</strong> tumulto.<br />

Apresentador William Bonner<br />

(Jornal Nacional – 07/03/98)<br />

Imagens Áudio<br />

“2.000 s<strong>em</strong>-terra <strong>de</strong>socuparam hoje, s<strong>em</strong> tumulto a fazenda<br />

Capão do Leão, <strong>em</strong> Santo Antônio das Missões, no Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul. Eles serão assentados provisoriamente <strong>em</strong> uma<br />

fazenda do INCRA. 2.500 famílias ainda ocupam outras duas<br />

fazendas no estado.”<br />

166


R10<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: S<strong>em</strong>-terras abandonam fazenda invadida no Rio <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul.<br />

Apresentador William Bonner<br />

Repórter Jonas Campos<br />

(Jornal Nacional – 09/03/98)<br />

R11<br />

Imagens Áudio<br />

“1.300 famílias <strong>de</strong> invasores abandonam a fazenda Guabijú,<br />

ocupada a uma s<strong>em</strong>ana no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Os s<strong>em</strong>-terra<br />

tinham se preparado para o confronto.”<br />

Repórter Jonas Campos <strong>em</strong> off<br />

“Dispostos a resistir à <strong>de</strong>socupação, abriram trincheiras <strong>em</strong><br />

volta da se<strong>de</strong> da fazenda, improvisaram estacas e incendiaram<br />

pneus. As tropas da brigada militar cercavam a fazenda e<br />

avançavam cada vez mais rápido. Às oito horas da manhã os<br />

s<strong>em</strong>-terra receb<strong>em</strong> um ultimato: uma hora e meia para fazer<br />

uma discussão com tranqüilida<strong>de</strong>.”<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Aliança rara entre índios e s<strong>em</strong>-terras.<br />

Apresentador Carlos Nascimento<br />

(Jornal Nacional – 11/03/98)<br />

“Onze e quinze da manhã, os s<strong>em</strong>-terra se ren<strong>de</strong>m e aceitam<br />

sair da fazenda Guabijú pacificamente. Eles vão transferir o<br />

acampamento para outro local, e nesse mesmo instante, um a<br />

um, eles entregam as armas, facões, foices, enxadas, paus.<br />

Eles vão ficar provisoriamente <strong>em</strong> uma área do INCRA a 10<br />

km da fazenda Guabijú.”<br />

Imagens Áudio<br />

“Aliança rara na invasão <strong>de</strong> terras no Brasil, entre índios e<br />

s<strong>em</strong>-terra.”<br />

Carlos Nascimento <strong>em</strong> off:<br />

“A área ocupada é da Aracruz Celulose. Os Guaranis<br />

ganharam 2.500 hectares <strong>de</strong> terra para unir seis al<strong>de</strong>ias, on<strong>de</strong><br />

viv<strong>em</strong> 1.500 índios, mas quer<strong>em</strong> mais. Os s<strong>em</strong>-terra diz<strong>em</strong><br />

que não vão ficar na área invadida. Estão participando por<br />

solidarieda<strong>de</strong>. A Aracruz Celulose vai à justiça para retomar a<br />

área.”<br />

167


R12<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 2 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Invasão fracassada.<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />

(Jornal Nacional – 02/06/98)<br />

Imagens Áudio<br />

“S<strong>em</strong>-terra provocam tumulto no Recife <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma<br />

fracassada tentativa <strong>de</strong> invasão.”<br />

Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />

“1.400 integrantes do MST tentaram ocupar a se<strong>de</strong> do INCRA.<br />

Foram impedidos pela polícia e resolveram acampar nas<br />

calçadas. Na manifestação, fecharam uma das principais<br />

avenidas da cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando os motoristas revoltados.”<br />

R13<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: MST cadastra brasiguaios para invadir terras no Brasil.<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />

Imagens Áudio<br />

“Os “brasiguaios”, agricultores brasileiros que viv<strong>em</strong><br />

ilegalmente no Paraguai, estão sendo cadastrados pelo MST<br />

para invadir terras no Brasil. ”<br />

Repórter Wilson Kirsche <strong>em</strong> off:<br />

“Em Santa Rita, quase todos os habitantes são brasiguaios.<br />

Pequenos agricultores do sul do Brasil que vieram tentar a<br />

sorte no Paraguai. Poucos se <strong>de</strong>ram b<strong>em</strong>. A maioria vive na<br />

miséria. E é essa gente que está sendo recrutada para cruzar a<br />

fronteira <strong>de</strong> volta e invadir terras no Brasil. A notícia está nas<br />

rádios da cida<strong>de</strong>.”<br />

Rádio divulgando a notícia<br />

“A promessa do MST é que essa gente, quando chegar ao<br />

Brasil, <strong>em</strong> poucos dias já contará com suas próprias terras.”<br />

Repórter Wilson Kirsche <strong>em</strong> off:<br />

“Juarez Krones, 36 anos, casado, sete filhos, confirma que<br />

participou <strong>de</strong> reuniões organizadas pelo MST na cida<strong>de</strong>.”<br />

Fala <strong>de</strong> Juarez Krones (agricultor) “Nós fiz<strong>em</strong>os a inscrição, para ir com os s<strong>em</strong>-terra.”<br />

Repórter Wilson Kirsche <strong>em</strong> off:<br />

“O agricultor Alci<strong>de</strong>s Kleinschimidt disse que foi procurado<br />

por integrantes do MST e a proposta era clara.”<br />

Fala <strong>de</strong> Alci<strong>de</strong>s Kleinschimidt (agricultor) “Ir lá e acampar perto da fazenda, para mais tar<strong>de</strong> tomar<br />

Repórter Wilson Kirsche<br />

Fala <strong>de</strong> Irineu Peters (Pastoral do Migrante)<br />

(Jornal Nacional – 26/06/98)<br />

posse.”<br />

“Segundo a Pastoral do Migrante, <strong>em</strong> Santa Rita, que<br />

participou <strong>de</strong> reuniões com integrantes do MST, pelo menos<br />

600 famílias já foram cadastradas para voltar ao Brasil.”<br />

“Esse cadastramento vai continuar, não sei por quanto t<strong>em</strong>po,<br />

mas vai continuar.”<br />

Repórter Wilson Kirsche <strong>em</strong> off:<br />

“Uma primeira leva <strong>de</strong> agricultores já <strong>de</strong>ixou Santa Rita rumo<br />

ao Oeste do Paraná e a invasão foi a um sítio <strong>de</strong> 15 ha <strong>em</strong> São<br />

Miguel do Iguaçu.”<br />

168


SEGUNDO BLOCO<br />

R1<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 25 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Justiça manda pren<strong>de</strong>r chefes do MST acusados <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />

quadrilha.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe “A Justiça manda pren<strong>de</strong>r cinco chefes do MST. Eles são<br />

acusados <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> quadrilha. Um <strong>de</strong>les foi <strong>de</strong>tido hoje<br />

<strong>de</strong> madrugada, perto do acampamento <strong>em</strong> Presi<strong>de</strong>nte<br />

Bernar<strong>de</strong>s. Outros quatro, inclusive o mais conhecido, José<br />

Rainha Jr., estão foragidos. A situação continua tensa na<br />

região do Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a”<br />

1-PG <strong>de</strong> policiais.<br />

2-Close <strong>de</strong> policial.<br />

3-Close <strong>de</strong> cachorro.<br />

4-Close <strong>de</strong> munição.<br />

5-PG <strong>de</strong> policiais.<br />

6-Close <strong>de</strong> nomes dos 4 chefes do MST.<br />

Repórter Marcos Losekan in off:<br />

“A PM mandou 200 homens para vigiar o acampamento dos<br />

s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> São Duvalina. Uma caixa <strong>de</strong> munição foi<br />

apreendida <strong>em</strong> um dos barracos. Os policiais também têm<br />

or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> localizar e pren<strong>de</strong>r os quatro chefes do movimento<br />

que ainda estão foragidos: José Rainha Jr., Laércio Barbosa,<br />

Clau<strong>de</strong>mir Marques Cano e Felinto Procópio dos Santos.”<br />

Repórter Marcos Losekan “O juiz <strong>em</strong>itiu este mandato alegando que houve quebra da<br />

fiança da prisão preventiva <strong>de</strong>cretada no ano passado on<strong>de</strong><br />

cinco chefes do MST aqui da região do Pontal foram<br />

enquadrados no artigo 288 do código penal: formação <strong>de</strong><br />

bando ou quadrilha. A justiça enten<strong>de</strong>u que agora, ao voltar a<br />

invadir proprieda<strong>de</strong>s rurais, o grupo não só <strong>de</strong>scumpriu a lei,<br />

como principalmente, reincidiu no crime.<br />

1- PM <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra preso. Repórter Marcos Losekan <strong>em</strong> off:<br />

O único chefe do MST preso até agora é Márcio Barreto. Ele<br />

estava perto do acampamento essa madrugada, quando a<br />

polícia chegou com um mandado <strong>de</strong> prisão”<br />

Fala <strong>de</strong> Márcio Barreto “Essa prisão minha é para justificar a prisão <strong>de</strong> cinco bandidos<br />

que foram presos na fazenda São Domingos, que atiraram nos<br />

trabalhadores”.<br />

Repórter Marcos Losekan “À tar<strong>de</strong>, integrantes da UDR fizeram uma manifestação<br />

contra a prisão dos quatro seguranças e do filho dos<br />

proprietários da fazenda invadida”<br />

Fala do segurança preso “O que eu fiz foi para proteger a mim e meus companheiros”<br />

Fala do proprietário “Hoje <strong>em</strong> dia os bandidos sa<strong>em</strong> para a rua, inva<strong>de</strong>m sua casa,<br />

seu lar, sua fazenda e qu<strong>em</strong> é proprietário, trabalhadores rurais<br />

têm que ficar presos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa”<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe “Mais uma morte ligada à conflitos <strong>de</strong> terra. Dessa vez a<br />

vítima foi um <strong>em</strong>pregado da fazenda Volta do Rio, <strong>em</strong><br />

Eldorado do Carajás, no Pará. Ele estava acompanhado <strong>de</strong><br />

outro <strong>em</strong>pregado da fazenda que escapou fugindo pela mata.<br />

A polícia <strong>de</strong> Marabá confirma que eles foram vítimas <strong>de</strong> uma<br />

<strong>em</strong>boscada. O peão que sobreviveu acusa os posseiros, que a<br />

mais <strong>de</strong> um mês ocupam parte da fazenda Volta do Rio. O<br />

Movimento dos S<strong>em</strong>-terra nega qualquer participação no<br />

caso”<br />

(Jornal Nacional – 25/02/97)<br />

169


R2<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Providências do governo contra as invasões <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />

Apresentador Carlos Nascimento<br />

Imagens Áudio<br />

“O governo endurece com os s<strong>em</strong>-terra e anuncia um pacote<br />

contra as invasões.”<br />

Repórter Ana Paula Padrão <strong>em</strong> off:<br />

“O fim <strong>de</strong> um acampamento urbano. 1.000 s<strong>em</strong>-terra<br />

<strong>de</strong>socuparam no início da noite o prédio do Ministério da<br />

Fazenda <strong>em</strong> SP, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dois dias <strong>de</strong> protestos. Em BH, a<br />

manifestação foi <strong>em</strong> frente da Ass<strong>em</strong>bléia Legislativa. Em<br />

Porto Alegre, os s<strong>em</strong>-terra queriam estacionar um carro <strong>de</strong><br />

som <strong>em</strong> frente ao prédio da Receita Fe<strong>de</strong>ral. Um policial<br />

militar tenta impedir e leva um golpe na cabeça. Ele aponta a<br />

arma para os manifestantes. As balas eram <strong>de</strong> borracha mas o<br />

clima <strong>de</strong> violência chegou à Brasília.”<br />

Fala do Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique “Se hoje há qu<strong>em</strong> ocupe prédios do Ministério da Fazenda e<br />

da Reforma Agrária, é porque são <strong>de</strong>magogos e que gastam<br />

dinheiro <strong>em</strong> ônibus e caminhões, traz<strong>em</strong> militantes para fazer<br />

<strong>de</strong> conta que estão agindo <strong>em</strong> favor da Reforma Agrária.”<br />

Repórter Ana Paula Padrão <strong>em</strong> off:<br />

“Perto dali, <strong>em</strong> frente ao Ministério da Fazenda, mais um<br />

acampamento e policiais. Os s<strong>em</strong>-terra queriam uma reunião<br />

com o Ministro Pedro Malan.”<br />

Fala <strong>de</strong> Gilmar Mauro (Coor<strong>de</strong>nador do Mst) “A melhor coisa para nós resolvermos o probl<strong>em</strong>a hoje é<br />

sentar na mesa e negociar.”<br />

“Não haverá diálogo com MST ou intermediários do MST<br />

Fala do Ministro Pedro Malan<br />

enquanto houver ocupação <strong>de</strong> prédios públicos.”<br />

Repórter Ana Paula Padrão<br />

Fala do Ministro Raul Jungman<br />

(Jornal Nacional – 18/03/98)<br />

“E não é só aqui no Ministério da Fazenda que não haverá<br />

diálogo. Qualquer funcionário público no País que negociar<br />

com invasores será <strong>de</strong>mitido. E daqui para frente qu<strong>em</strong> invadir<br />

fazendas não será mais assentado na área invadida. As<br />

medidas anunciadas hoje faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong> um pacote contra um<br />

movimento, que segundo o governo, não é pela Reforma<br />

Agrária.”<br />

“Eu explico <strong>de</strong> três formas, política, política e eleições. É essa<br />

a principal justificativa do que está acontecendo.”<br />

170


R3<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 9 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: MST pratica ataque criminoso.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentador William Bonner “Ataque <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> uma fazenda invadida<br />

no Paraná, confirma na Justiça que o colega <strong>de</strong>le foi<br />

executado. O chefe do MST na região, acusado pelo crime,<br />

também prestou <strong>de</strong>poimento hoje.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo in off:<br />

“ Um grupo <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra improvisou uma manifestação <strong>de</strong><br />

apoio para receber o hom<strong>em</strong> que é apontado pela polícia como<br />

um dos responsáveis pela morte do segurança José Lopes <strong>de</strong><br />

Oliveira, conhecido como Jango. Josmar Choptian disse, no<br />

<strong>de</strong>poimento, que estava próximo da se<strong>de</strong> da fazenda na hora<br />

do crime, mas que não po<strong>de</strong> ajudar a i<strong>de</strong>ntificar o assassino do<br />

segurança porque não conhece os s<strong>em</strong>-terra que entraram na<br />

casa.”<br />

Fala <strong>de</strong> Josmar Choptian “Eu só passei umas três vezes por essa área e não conheço<br />

qu<strong>em</strong> estava lá.”<br />

Fala do Delegado Jurandir Gonçalvez “Ele foi indiciado por co-autoria, já que as provas do inquérito<br />

policial estão mostrando que ele concorreu <strong>de</strong> alguma forma<br />

para o evento criminoso e respon<strong>de</strong>rá por homicídio.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo “O segurança que foi espancado pelos s<strong>em</strong>-terra durante a<br />

ocupação da se<strong>de</strong> da fazenda também prestou <strong>de</strong>poimento<br />

hoje. Ele reafirmou que o colega foi morto no chão, quando já<br />

tinha sido dominado, s<strong>em</strong> chance <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. No<br />

<strong>de</strong>poimento, Edson Lucena contou que ele e o outro segurança<br />

foram cercados pelos s<strong>em</strong>-terra que atiravam do lado <strong>de</strong> fora.”<br />

Fala <strong>de</strong> Edson Lucena (segurança) “Ouvia bastante tiros e já havia muitas pessoas na janela.<br />

Quando eles entraram nós colocamos as mãos para cima.<br />

Assim que eles invadiram nós fomos para o chão e eles<br />

começaram a bater, dando coronhadas nas nossas cabeças...”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo in off:<br />

“Ele disse também que é capaz <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar os s<strong>em</strong>-terra que<br />

o espancaram <strong>de</strong>ntro da casa.”<br />

Fala <strong>de</strong> Edson Lucena (segurança) “muitos que estavam no quarto eu consigo reconhecer.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo in off:<br />

“Mas ele disse não ter visto qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>u o tiro no outro<br />

Segurança.”<br />

Edson Lucena (segurança) “Eu não pu<strong>de</strong> ver, pois eu tive que proteger a cabeça, pois iria<br />

levar todas na cabeça.”<br />

(Jornal Nacional – 9/05/97)<br />

171


R4<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 21 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Declaração <strong>de</strong> João Pedro Stédile.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentador William Bonner “Um dos chefes nacionais do MST propõe no Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

a <strong>de</strong>sobediência às leis e ao direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>.”<br />

William Bonner <strong>em</strong> off:<br />

“João Pedro Stédille participou <strong>de</strong> um s<strong>em</strong>inário que reuniu<br />

também <strong>em</strong>presários e representantes do governo. Durante o<br />

encontro ele previu muita tensão social e aconselhou aos ricos<br />

a levantar<strong>em</strong> os muros <strong>de</strong> suas casas. Em seguida, <strong>em</strong> uma<br />

entrevista, revelou a orientação do MST mesmo para qu<strong>em</strong><br />

vive muito longe da terra.”<br />

Fala <strong>de</strong> João Pedro Stédille “Todos os pobres do Brasil e especialmente os que moram nas<br />

cida<strong>de</strong>s, para resolver os seu probl<strong>em</strong>as não esper<strong>em</strong> pelo<br />

governo, se organiz<strong>em</strong>. Então se o sujeito não t<strong>em</strong> casa, não<br />

consegue mais pagar o aluguel, se organize para pressionar o<br />

governo para resolver o probl<strong>em</strong>a habitacional. Ocup<strong>em</strong> os<br />

terrenos baldios que estão lá só para especulação imobiliária.<br />

Se o sujeito está <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregado, não espere pelo Ministério do<br />

Trabalho, pelo FAT, se organize e pressione. Faça<br />

manifestações na frente da FIESP, na frente das fábricas que<br />

estão fechando pela política econômica do governo. E se tiver<br />

fome faça manifestações na frente <strong>de</strong> supermercados. Está na<br />

Bíblia que todo ser humano t<strong>em</strong> o direito <strong>de</strong> se alimentar, e vá<br />

<strong>em</strong> busca da comida.”<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />

“Em Brasília, o governo reagiu energicamente às <strong>de</strong>clarações<br />

Fala <strong>de</strong> Sérgio Amaral (porta-voz da<br />

presidência)<br />

(Jornal Nacional – 21/05/97)<br />

do coor<strong>de</strong>nador do MST.”<br />

“O Presi<strong>de</strong>nte está preocupado com as <strong>de</strong>clarações feitas pelo<br />

coor<strong>de</strong>nador do MST, porque elas fer<strong>em</strong>, frontalmente o<br />

estado <strong>de</strong> direito, que é uma conquista <strong>de</strong> todos os brasileiros e<br />

que todos os brasileiros quer<strong>em</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Estas <strong>de</strong>clarações<br />

são suficientes para que a Procuradoria tome iniciativa para<br />

prevenir que estas idéias se transform<strong>em</strong> <strong>em</strong> fatos, porque é<br />

preciso chamar a responsabilida<strong>de</strong>, não apenas dos que<br />

praticam essas ações, mas também aqueles que são seus<br />

autores intelectuais.”<br />

172


R5<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 6 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Dinheiro público custeia áreas <strong>de</strong> assentamento e invasão.<br />

Apresentador William Bonner<br />

Repórter Sandro Dalpícolo<br />

Fala <strong>de</strong> Tereza Castellano (bióloga)<br />

Imagens Áudio<br />

“... <strong>em</strong> áreas <strong>de</strong> assentamento e invasão no Paraná e as multas<br />

são pagas com dinheiro do contribuinte.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />

“No maior acampamento <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra no Paraná, serras e<br />

machados foram mais rápidos que o INCRA e o IBAMA.<br />

Antes mesmo da <strong>de</strong>finição das famílias que terão direito a um<br />

lote na fazenda <strong>de</strong>sapropriada, os s<strong>em</strong>-terra começaram a<br />

<strong>de</strong>rrubar as áreas <strong>de</strong> mata nativa por conta própria.”<br />

“Do alto é possível ver a marca da presença dos s<strong>em</strong>-terra. De<br />

um lado da estrada, a mata aon<strong>de</strong> predomina o ver<strong>de</strong>. Do outro<br />

lado os sinais da ocupação, uma enorme clareira on<strong>de</strong> as<br />

árvores foram <strong>de</strong>rrubadas.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />

“Na fazenda on<strong>de</strong> está uma das últimas reservas naturais <strong>de</strong><br />

pinheiro araucária do País, troncos e galhos secos se espalham<br />

ao redor dos barracos <strong>de</strong> lona. A intenção <strong>de</strong> aumentar a área<br />

para agricultura ignora o cuidado com o meio ambiente.”<br />

“É um <strong>de</strong>sastre. É uma situação <strong>de</strong> um prejuízo incalculável.”<br />

Fala <strong>de</strong> José Vicentini (Instituto Ambiental-PR) “O <strong>de</strong>sastre na atualida<strong>de</strong> é ilegal. Da forma como está é<br />

ilegal. Teria que obter, primeiro, uma autorização da União.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />

“Os s<strong>em</strong>-terra não permit<strong>em</strong> a entrada na fazenda, mas um dos<br />

chefes do acampamento confirma que não há orientação<br />

técnica para o corte das árvores.”<br />

“O INCRA nos mandou fazer.”<br />

Fala do chefe do acampamento<br />

(Jornal Nacional – 06/10/97)<br />

Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />

“Mas o INCRA nega que autoriza a <strong>de</strong>rrubada <strong>de</strong> árvores nas<br />

áreas <strong>de</strong> Reforma Agrária, mas no noroeste do estado já<br />

recebeu duas multas por <strong>de</strong>smatamentos ilegais. O Instituto<br />

Ambiental do Paraná está pedindo na justiça que o INCRA<br />

replante o que foi <strong>de</strong>struído.”<br />

173


TERCEIRO BLOCO<br />

R1<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 17 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Entrevista com José Rainha Júnior.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />

(a tela se divi<strong>de</strong> com apresentador e entrevistado)<br />

“Integrantes do MST <strong>de</strong> diversos pontos do País começaram<br />

hoje uma caminhada até Brasília. Neste momento a caminhada<br />

está passando por Pirituba, São Paulo. Vamos agora falar com<br />

José Rainha, um dos coor<strong>de</strong>nadores do MST. Eu gostaria <strong>de</strong><br />

perguntar: o governo se queixa que o seu movimento v<strong>em</strong>,<br />

com freqüência, varado ou <strong>de</strong>srespeitando os limites da lei. O<br />

seu movimento então preten<strong>de</strong> uma Reforma Agrária <strong>de</strong>ntro<br />

da lei ou a lei, que proíbe invasões, por ex<strong>em</strong>plo, nesse caso só<br />

vai para o outro lado?”<br />

Fala <strong>de</strong> José Rainha<br />

“Eu não tenho dúvida <strong>de</strong> estar dizendo para toda a socieda<strong>de</strong><br />

brasileira que o Movimento dos S<strong>em</strong>-terra procura Reforma<br />

(ao vivo)<br />

Agrária <strong>de</strong>ntro da lei., sendo mostrado na prática pelo apoio<br />

que receb<strong>em</strong>os da socieda<strong>de</strong>, no País, pelo apoio que t<strong>em</strong><br />

recebido internacionalmente, do prêmio Babuíno, que<br />

conseguimos ganhar na Bélgica e essa é a <strong>de</strong>monstração que o<br />

Movimento dos S<strong>em</strong>-terra luta pela vida, pela dignida<strong>de</strong>, e por<br />

isso nós somos o Movimento dos S<strong>em</strong>-terra e brigamos pela<br />

Reforma Agrária na lei. Apenas o governo não faz o que<br />

cumpre a lei”<br />

Apresentador William Bonner “O maior argumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do MST s<strong>em</strong>pre foi o fato <strong>de</strong><br />

ter nascido espontaneamente, <strong>de</strong> ser um movimento legítimo.<br />

Quando o MST busca gente da cida<strong>de</strong>, gente <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregada ou<br />

insatisfeita com o <strong>em</strong>prego, o MST não está traindo suas<br />

origens e aumentando artificialmente o probl<strong>em</strong>a dos s<strong>em</strong>terra?”<br />

Fala <strong>de</strong> José Rainha “Não t<strong>em</strong>, s<strong>em</strong> dúvida nenhuma. O Movimento dos S<strong>em</strong>-terra,<br />

quando busca trabalhadores na cida<strong>de</strong>... Nós t<strong>em</strong>os que<br />

enten<strong>de</strong>r a história do País. São milhares <strong>de</strong> trabalhadores que<br />

foram expulsos na década <strong>de</strong> 70 e jogados nas cida<strong>de</strong>s, e que<br />

hoje são os <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados miseráveis. Afinal <strong>de</strong> contas, são<br />

onze milhões <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados que buscam na Reforma<br />

Agrária uma fonte <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego. Qual é a outra forma <strong>de</strong> gerar<br />

<strong>em</strong>prego barato nesse País, a não ser a Reforma Agrária? O<br />

custo para se gerar <strong>em</strong>prego hoje é muito altíssimo na cida<strong>de</strong> e<br />

nós no campo, na Reforma Agrária, geramos <strong>em</strong>prego<br />

baratíssimo...”<br />

1-S<strong>em</strong>-terras fazendo manifestações com símbolos Corta para off <strong>de</strong> José Rainha:<br />

“... por isso nós buscamos <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados que quer<strong>em</strong> lutar<br />

do movimento<br />

pela Reforma Agrária”<br />

Apresentador William Bonner “Nós agra<strong>de</strong>c<strong>em</strong>os a participação do lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>-terra, José<br />

Rainha Júnior.<br />

(Jornal Nacional – 17/02/97)<br />

174


R2<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Brasília é ocupada pelo po<strong>de</strong>r.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe “A marcha sobre Brasília. O centro do po<strong>de</strong>r na Capital está<br />

ocupado pelo Movimento dos S<strong>em</strong>-terra. Políticos,<br />

parlamentares e militantes <strong>de</strong> outras organizações pegaram<br />

carona no ato público que se espalha pela Explanada dos<br />

Ministérios <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da tar<strong>de</strong>. As informações ao vivo<br />

Repórter Alexandre Garcia (ao vivo)<br />

Imagens a fundo: palco ao longe com músicos<br />

cantando e tocando. Platéia acenando<br />

ban<strong>de</strong>iras.<br />

com Alexandre Garcia”.<br />

“As manifestações começaram hoje <strong>de</strong> manhã cedo, com a<br />

base <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 2.000 s<strong>em</strong>-terra, vieram juntar-se <strong>de</strong>pois cerca<br />

<strong>de</strong> 30.000 pessoas segundo a polícia, ou o dobro disso,<br />

segundo os organizadores. Neste momento (corta – cortina)<br />

1 – PG do show Repórter Alexandre Garcia <strong>em</strong> off:<br />

... está havendo um show <strong>de</strong> artistas populares na frente do<br />

Congresso Nacional. Não houve inci<strong>de</strong>ntes, não há registros<br />

Repórter Alexandre Garcia (ao vivo)<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe (ao vivo)<br />

(Jornal Nacional – 17/04/97)<br />

<strong>em</strong> hospitais, e agora eles estão se retirando (corta)<br />

... para jantar e vão acampar na própria Explanada dos<br />

Ministérios. Choveu à tar<strong>de</strong> toda sobre os manifestantes e a<br />

t<strong>em</strong>peratura é <strong>de</strong> 15 graus nesse momento. De Brasília,<br />

Alexandre Garcia.”<br />

“A mobilização dos s<strong>em</strong>-terra e uma entrevista do Presi<strong>de</strong>nte<br />

Fernando Henrique sobre Reforma Agrária ainda nesta<br />

edição”.<br />

175


R3<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997 (mesma edição anterior).<br />

T<strong>em</strong>a central: A chegada da marcha dos s<strong>em</strong>-terra à Brasília.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe “O encontro com o po<strong>de</strong>r. Depois <strong>de</strong> 1.000 km e dois meses<br />

com o pé na estrada, a caminhada dos s<strong>em</strong>-terra chegou ao<br />

fim. A manifestação pela Reforma Agrária se espalhou hoje<br />

1 – Vista parcial da marcha feita <strong>em</strong> um<br />

helicóptero.<br />

2 – (mesma imag<strong>em</strong> – outro ângulo- vertical.)<br />

3 – (mesma imag<strong>em</strong> – horizontal)<br />

4 – PG <strong>de</strong> pessoas no viaduto.<br />

5 – PG <strong>de</strong> manifestantes com ban<strong>de</strong>iras.<br />

6 – PM <strong>de</strong> pessoas andando (cinegrafista no<br />

mesmo plano)<br />

7 – Vista parcial aérea.<br />

8 – (mesma imag<strong>em</strong> – outro ângulo)<br />

9 – PG da marcha.<br />

10 – PG <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>iras e s<strong>em</strong>-terra.<br />

11 – PAN da marcha<br />

12 – PG marcha (câmera ao chão -frontal)<br />

13 – Close <strong>de</strong> pés caminhando (câmera ao chão –<br />

perfil)<br />

14 – Close <strong>de</strong> bonés e s<strong>em</strong>-terras.<br />

15 – Close <strong>em</strong> uma foice <strong>de</strong> um s<strong>em</strong>-terra<br />

caminhando.<br />

16 – Close no facão <strong>de</strong> um s<strong>em</strong>-terra caminhando.<br />

17 – PG <strong>de</strong> policiais caminhando.<br />

18 – PG da marcha vista do alto.<br />

19 – Close <strong>de</strong> faixa <strong>de</strong> manifestantes (funcionários<br />

públicos.<br />

20 – PM <strong>de</strong> manifestantes com apitos<br />

(metalúrgicos da CUT)<br />

21 – PM <strong>de</strong> manifestantes gesticulando e gritando<br />

(<strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados).<br />

22 – PM <strong>de</strong> manifestantes olhando a marcha,<br />

batendo palma e gritando (estudantes).<br />

23 – Close <strong>em</strong> jovens carecas tampando os rostos<br />

(curiosos)<br />

24 – PM <strong>de</strong> pessoas (políticos)<br />

25 – PM <strong>de</strong> pessoas( mesma conotação anterior)<br />

26 – PG <strong>de</strong> pessoas, incluindo um ciclista todo<br />

equipado. (mesma conotação anterior) – barulho<br />

<strong>de</strong> telefone celular.<br />

27 – PG <strong>de</strong> manifestantes com ban<strong>de</strong>iras.<br />

28 – PM <strong>de</strong> pessoas sendo <strong>em</strong>purradas.<br />

29 – PG <strong>de</strong> pessoas dando as mãos e andando <strong>de</strong><br />

lado.<br />

30 – PM <strong>de</strong> pessoas li<strong>de</strong>rando a marcha.<br />

31 – PM <strong>de</strong> outras pessoas li<strong>de</strong>rando a marcha<br />

(arrastão)<br />

32 – PG <strong>de</strong> manifestantes.<br />

33 – PG <strong>de</strong> manifestantes.<br />

34 - PG <strong>de</strong> manifestantes.<br />

por Brasília.”<br />

Repórter Cristina Serra <strong>em</strong> off:<br />

“Brasília parou para ver a marcha dos s<strong>em</strong>-terra. Do alto, no<br />

viaduto, do chão, a população queria ver a chegada dos<br />

andarilhos. Foram 1.000 km até a capital. Segundo o MST,<br />

participaram da última etapa da marcha 2.000 s<strong>em</strong>-terra<br />

vindos <strong>de</strong> todo o País. Eles ocuparam a avenida mais larga da<br />

cida<strong>de</strong>. Vestiram o uniforme da luta pela Reforma Agrária:<br />

camiseta e boné do MST, e trouxeram símbolos do<br />

movimento, como as foices e os facões. Os policiais ficaram<br />

por perto. Eles só levaram cacetetes. À medida que avançava,<br />

a marcha crescia. Funcionários públicos, metalúrgicos da<br />

CUT, <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados, estudantes, curiosos, políticos. S<strong>em</strong><br />

muito esforço, todos queriam pegar carona na caminhada. O<br />

MST dispensou as a<strong>de</strong>sões. Só qu<strong>em</strong> participou da marcha<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro dia, pô<strong>de</strong> fazer parte da coluna principal. Os<br />

s<strong>em</strong>-terra fizeram até um arrastão para abrir caminho. Na<br />

rodoviária, <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong>, o encontro <strong>de</strong> todos os grupos”<br />

176


Repórter Cristina Serra<br />

(ao fundo: manifestantes caminhando)<br />

Imagens Áudio<br />

1 – PG <strong>de</strong> manifestantes.<br />

2 - PG <strong>de</strong> manifestantes(outro ângulo).<br />

3 – PM <strong>de</strong> funcionários rindo e olhando a marcha<br />

pelas janelas.<br />

4 – PG <strong>de</strong> manifestantes caminhando na Praça dos<br />

Três Po<strong>de</strong>res.<br />

5 – PG <strong>de</strong> soldados lado a lado formando um<br />

bloqueio.<br />

6 – PAN: manifestantes, soldados, Palácio do<br />

Planalto.<br />

7 – Close <strong>de</strong> manifestante gritando, encostado na<br />

gra<strong>de</strong>.<br />

8 – PG <strong>de</strong> soldados andando calmamente.<br />

9 – PG <strong>de</strong> manifestantes andando <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong><br />

chuva.<br />

10 – PM <strong>de</strong> manifestantes.<br />

11 – PG <strong>de</strong> manifestantes <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> chuva, com<br />

guarda-chuvas.<br />

12 – Close <strong>de</strong> manifestante segurando saquinhos e<br />

distribuindo a outros.<br />

13 - PG <strong>de</strong> manifestantes.( cabeça para cima)<br />

14 - PG <strong>de</strong> manifestantes <strong>em</strong> frente a uma cruz.<br />

15 – PM <strong>de</strong> políticos <strong>em</strong> um palco.<br />

16 – PM <strong>de</strong> Leonel Brisola discursando.<br />

17 – Close <strong>de</strong> Lula sorrindo para uma pessoa na<br />

platéia (Eduardo Suplicy ao fundo).<br />

18 – Close <strong>de</strong> manifestantes gesticulando.<br />

19 - PG <strong>de</strong> manifestantes na chuva.<br />

20 – PM <strong>de</strong> manifestantes balançando uma gran<strong>de</strong><br />

Ban<strong>de</strong>ira do Brasil.<br />

21 – PG <strong>de</strong> manifestantes. Zoom afantando a<br />

imag<strong>em</strong>.(<br />

22 – PM <strong>de</strong> manifestantes com a Ban<strong>de</strong>ira do<br />

Brasil.<br />

“A marcha dos s<strong>em</strong>-terra começa a entrar nesse momento aqui<br />

na Explanada dos Ministérios. É a reta final da caminhada<br />

iniciada à dois meses”.<br />

Repórter Cristina Serra <strong>em</strong> off:<br />

“Os s<strong>em</strong>-terra passaram por todos os Ministérios. Os<br />

funcionários pararam <strong>de</strong> trabalhar. No ponto final, a Praça dos<br />

Três Po<strong>de</strong>res, segurança reforçada. Os manifestantes foram<br />

mantidos à distância do Palácio do Planalto. Eles forçaram a<br />

gra<strong>de</strong>. O reforço veio rápido, junto com uma surpresa, a<br />

chuva. Mas a manifestação continuou, <strong>de</strong>sta vez <strong>em</strong> frente ao<br />

Congresso. Um protesto para l<strong>em</strong>brar o massacre <strong>de</strong> Eldorado<br />

do Carajás. Políticos <strong>de</strong> vários partidos estavam lá. O exgovernador<br />

Leonel Brizola e o Presi<strong>de</strong>nte do PT, Luís Inácio<br />

Lula da Silva. Debaixo <strong>de</strong> chuva, todos cantaram o hino<br />

nacional”.<br />

- O Hino Nacional acompanha as duas últimas imagens da<br />

seqüência.<br />

Apresentador William Bonner “A expulsão <strong>de</strong> três participantes da caminhada dos s<strong>em</strong>-terra<br />

causou polêmica. O MST chegou a acusá-los <strong>de</strong> ser<strong>em</strong><br />

informantes da polícia e também <strong>de</strong> indisciplina. A CUT disse<br />

que um dos expulsos participa <strong>de</strong> movimentos sindicais. Na<br />

polícia, os três expulsos acusaram os lí<strong>de</strong>res do MST <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ixar<strong>em</strong> os militantes à pé enquanto dormiam <strong>em</strong> hotéis e<br />

almoçavam <strong>em</strong> restaurantes.”<br />

(Jornal Nacional – 17/04/97)<br />

177


R4<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 8 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Passeata do MST acaba <strong>em</strong> agressão e atropelamento <strong>em</strong> Recife.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentador William Bonner “Uma passeata <strong>de</strong> militantes do MST no centro <strong>de</strong> Recife<br />

acaba <strong>em</strong> agressão e atropelamento.”<br />

William Bonner <strong>em</strong> off:<br />

“Os manifestantes pediam rapi<strong>de</strong>z na apuração da morte <strong>de</strong><br />

dois s<strong>em</strong>-terras durante a ocupação <strong>de</strong> um engenho há um<br />

mês. O trânsito ficou lento. Este motorista tentou passar.<br />

Acuado pelos manifestantes, ele tentava convencer os s<strong>em</strong>terra<br />

a liberar a rua. Os s<strong>em</strong>-terra, armados <strong>de</strong> facões, foices e<br />

pedaços <strong>de</strong> pau atacaram o carro, quebrando os vidros e<br />

agredindo o motorista. Ele <strong>de</strong>u marcha a ré para tentar sair do<br />

bloqueio. Depois, acelerou. Veja, na arrancada, o motorista<br />

arrastou manifestantes. Alguns ainda tentaram perseguir o<br />

carro, mas o motorista conseguiu escapar. Quatro s<strong>em</strong>-terra<br />

Apresentador William Bonner<br />

(Jornal Nacional – 8/07/97)<br />

ficaram feridos.”<br />

“Manifestação pública <strong>de</strong> protesto <strong>de</strong>ve ser acompanhada pela<br />

polícia. A agressão a um cidadão <strong>de</strong>ve ser impedida pela<br />

polícia. Um atropelamento é caso <strong>de</strong> polícia. Hoje, no Recife,<br />

a polícia estava a poucos metros da confusão, e <strong>de</strong>ixou que<br />

tudo acontecesse, ou seja, é como se não houvesse polícia<br />

nenhuma.”<br />

178


R5<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Dia <strong>de</strong> protestos do MST pelo Brasil.<br />

Apresentador William Bonner<br />

Repórter Cláudia Gaigher<br />

Apresentador Carlos Nascimento<br />

(Jornal Nacional – 17/06/98)<br />

Imagens Áudio<br />

“Dia <strong>de</strong> protestos <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra pelo País. Os militantes do<br />

movimento pediram pressa na Reforma Agrária e mais<br />

financiamentos para famílias assentadas e voltaram a invadir<br />

prédios públicos.<br />

Repórter Cláudia Gaigher <strong>em</strong> off:<br />

“Uma estratégia para <strong>de</strong>spistar a polícia e o MST conseguiu<br />

êxito <strong>em</strong> São Paulo. Logo cedo, um grupo <strong>de</strong> 80 pessoas<br />

ameaçou entrar na se<strong>de</strong> do INCRA. O prédio foi isolado, mas<br />

o objetivo dos s<strong>em</strong>-terra era a <strong>de</strong>legacia do Ministério da<br />

Fazenda, b<strong>em</strong> perto dali. Em Belo Horizonte, a polícia usou<br />

cães para afastar manifestantes. Outros prédios da fazenda<br />

foram invadidos. S<strong>em</strong> violência <strong>em</strong> Curitiba e com tumulto<br />

<strong>em</strong> Campo Gran<strong>de</strong>. A polícia arromba a porta e encurrala os<br />

s<strong>em</strong>-terra. O policial saca a arma e aponta para os<br />

manifestantes. Com medo, os funcionários se trancam nas<br />

salas. A discussão continua. O policial arranca a foice da mão<br />

do s<strong>em</strong>-terra. Uma pessoa é ferida. É preciso muita negociação<br />

para conter os ânimos.”<br />

“A tropa <strong>de</strong> choque já saiu e a polícia acompanha tudo à<br />

distância. O MST <strong>de</strong>cidiu fazer um plantão e eles não sa<strong>em</strong><br />

daqui da frente da <strong>de</strong>legacia enquanto o ministro não receber<br />

os lí<strong>de</strong>res do movimento <strong>em</strong> uma audiência <strong>em</strong> Brasília.”<br />

“O Ministro da Fazenda Pedro Malan disse que não há diálogo<br />

enquanto os prédios estiver<strong>em</strong> ocupados.”<br />

R6<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 14 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Agência bancária é invadida por s<strong>em</strong>-terras.<br />

Imagens Áudio<br />

William Bonner “200 policiais cercaram a agência bancária invadida ont<strong>em</strong> por<br />

um grupo <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> Paranavaí, no Paraná. Uma<br />

operação para garantir o atendimento aos clientes. Com medo<br />

<strong>de</strong> um confronto, o comércio fechou as portas. Só no fim da<br />

tar<strong>de</strong> os s<strong>em</strong>-terras <strong>de</strong>cidiam ir <strong>em</strong>bora”.<br />

(Jornal Nacional – 14/05/98)<br />

179


QUARTO BLOCO<br />

R1<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 8 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: A outra face <strong>de</strong> integrantes do MST.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentador William Bonner “Trabalhadores das cida<strong>de</strong>s estão entre os invasores do MST<br />

que ocuparam a fazenda Borbor<strong>em</strong>a no norte do Paraná. No<br />

fim <strong>de</strong> abril, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma troca <strong>de</strong> tiros, um segurança da<br />

fazenda foi executado com uma bala na cabeça”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo in off:<br />

“Essas imagens foram feitas na fazenda Borbor<strong>em</strong>a. Depois do<br />

conflito que resultou na morte do segurança da fazenda, José<br />

Lopes <strong>de</strong> Oliveira, conhecido como Jango. Alguns s<strong>em</strong>-terra<br />

escon<strong>de</strong>m o rosto da câmera, usando bonés, jaquetas e blusas<br />

sobre a cabeça. Mas porque eles não quer<strong>em</strong> aparecer? A<br />

i<strong>de</strong>ntificação po<strong>de</strong> revelar a outra face dos integrantes do<br />

movimento. Um <strong>de</strong>les, Francisco Geraldo Pereira, mora nessa<br />

casa <strong>em</strong> Londrina, com a mulher e dois filhos. Ele entrou no<br />

MST a um ano e ultimamente só passava o fim <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ana <strong>em</strong><br />

casa.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo “Alguns integrantes do MST levam vida dupla. No campo,<br />

aparec<strong>em</strong> pedindo terra mas na cida<strong>de</strong> a realida<strong>de</strong> é outra.<br />

Têm casa para morar, carro e cuidam <strong>de</strong> pequenos negócios”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo in off:<br />

“Esse hom<strong>em</strong> que é visto entre os s<strong>em</strong>-terra, votando nas<br />

reuniões e engrossando os gritos pela Reforma Agrária, vai<br />

para o acampamento <strong>em</strong> um Fiat amarelo. O mesmo carro<br />

po<strong>de</strong> ser visto na garag<strong>em</strong> da casa on<strong>de</strong> mora ao lado da<br />

mercearia que divi<strong>de</strong> com a mulher.”<br />

(Jornal Nacional – 8/05/97)<br />

R2<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Fotos <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra suspeitos são divulgadas pela polícia.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe “A polícia do Paraná divulga a foto dos quatro s<strong>em</strong>-terra<br />

suspeitos da execução do segurança durante a invasão <strong>de</strong> uma<br />

fazenda no norte do Paraná.”<br />

Lilian Witte Fibe <strong>em</strong> off:<br />

“Os peritos analisaram as imagens do conflito, ampliaram<br />

fotos e reconstituíram a invasão da casa no computador e<br />

concluíram que quatro pessoas que aparec<strong>em</strong> nas imagens<br />

estavam no quarto on<strong>de</strong> o segurança foi executado.”<br />

(Jornal Nacional – 20/05/97)<br />

180


181


R3<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997<br />

T<strong>em</strong>a central: Gente que não precisa <strong>de</strong> terra apoia o MST.<br />

Apresentador William Bonner<br />

Repórter Sandro Dalpícolo<br />

Imagens Áudio<br />

“O MST cresce com o apoio <strong>de</strong> gente que não precisa <strong>de</strong><br />

terra.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />

“O boné vermelho do MST é moda nas ruas <strong>de</strong> Nova Cantú.<br />

De uma hora para a outra, 1.400 pessoas, 10% da população<br />

da cida<strong>de</strong>, viraram trabalhadores s<strong>em</strong>-terra. A febre começou a<br />

um mês com a chegada <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra <strong>de</strong> outras<br />

cida<strong>de</strong>s que acamparam na beira <strong>de</strong> uma estrada.”<br />

“A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conseguir um pedaço <strong>de</strong> terra está<br />

atraindo até mesmo qu<strong>em</strong> já t<strong>em</strong> <strong>em</strong>prego na cida<strong>de</strong>, como um<br />

grupo <strong>de</strong> funcionários públicos municipais que também está<br />

acampado nesta área.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />

“Pelo menos 15 funcionários divi<strong>de</strong>m o t<strong>em</strong>po entre os<br />

barracos <strong>de</strong> lona e o expediente na prefeitura. São chefes <strong>de</strong><br />

seção, motoristas e operários.”<br />

Fala <strong>de</strong> João Aguiar (funcionário público) “A gente presta serviço no correr do dia e à noite a gente<br />

aparece lá”<br />

Fala <strong>de</strong> Aírton Agnolin (vice-prefeito) “Eu acredito que não é <strong>em</strong>prego que essas pessoas têm. Essas<br />

pessoas têm uma cruz para carregar na vida e quer<strong>em</strong> ganhar<br />

um salário mínimo, 120 reais...”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />

“O encarregado <strong>de</strong> máquinas, Miguel Ribeiro, ganha 400 reais<br />

<strong>de</strong> salário na prefeitura mais 200 reais <strong>de</strong> aposentadoria. T<strong>em</strong><br />

casa própria na cida<strong>de</strong> com carro na garag<strong>em</strong>, mas todo fim <strong>de</strong><br />

tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois do trabalho vai com a mulher para o<br />

acampamento.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />

“O que o senhor t<strong>em</strong> não é suficiente?”<br />

Fala <strong>de</strong> Miguel Ribeiro “É, por enquanto está sendo mas, mais tar<strong>de</strong>, po<strong>de</strong> ficar<br />

pouco.”<br />

Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />

“Chefes do MST acham natural que pessoas que t<strong>em</strong> <strong>em</strong>prego<br />

e moradia na cida<strong>de</strong> disput<strong>em</strong> terra com qu<strong>em</strong> realmente<br />

precisa.”<br />

Fala <strong>de</strong> Juliê Martins (chefe do MST) “Cada um t<strong>em</strong> sua razão para explicar se está, se o salário não<br />

é suficiente também vai apelar para uma terra para ele ser<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.”<br />

(Jornal Nacional – 23/05/97)<br />

182


R4<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 2 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1997<br />

T<strong>em</strong>a central: A volta dos trabalhadores rurais à Brasília.<br />

Apresentador Carlos Nascimento<br />

(Jornal Nacional – 02/07/97)<br />

Imagens Áudio<br />

R5<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: José Rainha Júnior no banco dos réus.<br />

“trabalhadores rurais voltam à Brasília na manifestação do<br />

“grito da terra”.”<br />

Carlos Nascimento <strong>em</strong> off:<br />

“os agricultores saíram <strong>em</strong> passeata pela Esplanada dos<br />

Ministérios. Eles tentam retomar as negociações com o<br />

governo, que foram interrompidas <strong>em</strong> maio, quando invadiram<br />

o gabinete do Ministro do Planejamento.”<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe “O chefe do MST está no banco dos réus. Começou hoje, no<br />

Espírito Santo, o julgamento <strong>de</strong> José Rainha Jr. Ele é acusado<br />

<strong>de</strong> participar no assassinato <strong>de</strong> duas pessoas há oito anos.”<br />

Repórter Ari Peixoto <strong>em</strong> off:<br />

“Faixas, ban<strong>de</strong>iras, foices e facões. Quando o dia amanheceu,<br />

centenas <strong>de</strong> trabalhadores s<strong>em</strong>-terra já caminhavam <strong>em</strong><br />

direção a Pedro Canário, município á 260 km <strong>de</strong> Vitória. Eles<br />

vieram <strong>de</strong> várias cida<strong>de</strong>s do País para o julgamento do lí<strong>de</strong>r do<br />

MST José Rainha Jr. é acusado <strong>de</strong> participação no assassinato<br />

do fazen<strong>de</strong>iro José Machado Neto e do PM Sérgio Narciso da<br />

Silva. O crime foi <strong>em</strong> junho <strong>de</strong> 89 durante a ocupação <strong>de</strong> uma<br />

fazenda <strong>em</strong> Pedro Canário. No fórum, só era possível entrar<br />

Repórter Ari Peixoto<br />

(Jornal Nacional – 10/06/97)<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar pelo <strong>de</strong>tetor <strong>de</strong> metais.”<br />

“O início do julgamento aqui <strong>em</strong> Pedro Canário estava<br />

marcado para 12:30. Só sete minutos antes chegou o lí<strong>de</strong>r do<br />

MST, José Rainha Jr.”<br />

Repórter Ari Peixoto <strong>em</strong> off:<br />

“Foi uma chegada tumultuada. José Rainha Jr. <strong>de</strong>sceu do<br />

ônibus cercado <strong>de</strong> seguranças. O Presi<strong>de</strong>nte licenciado do PT,<br />

Luís Inácio Lula da Silva, o sindicalista Vicente Paulo da<br />

Silva, o Vicentinho, e Diolinda Alves <strong>de</strong> Souza, mulher <strong>de</strong><br />

José Rainha estavam no plenário, lotado. O julgamento<br />

começou com José Rainha Jr. alegando inocência. Ele disse<br />

que estava no Ceará no dia do crime. Das cinco test<strong>em</strong>unhas<br />

<strong>de</strong> acusação, três faltaram ao julgamento, inclusive a que era<br />

consi<strong>de</strong>rada a mais importante: José Jorge Guimarães, que<br />

teria visto Rainha comandar a invasão. Em frente ao fórum, os<br />

s<strong>em</strong>-terra acompanham o julgamento pelas caixas <strong>de</strong> som.<br />

Eles vão esperar muito. O julgamento <strong>de</strong>ve acabar amanhã à<br />

noite.”<br />

183


R6<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: José Rainha é con<strong>de</strong>nado a 26 anos e meio <strong>de</strong> prisão.<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />

Fala <strong>de</strong> José Rainha Jr.<br />

Repórter Ari Peixoto<br />

(Jornal Nacional – 11/06/97)<br />

Imagens Áudio<br />

“Um dos chefes do MST, José Rainha Jr., é con<strong>de</strong>nado a 26<br />

anos e meio <strong>de</strong> prisão. O crime: participação <strong>em</strong> um duplo<br />

homicídio. Como a pena foi superior a 20 anos, ele t<strong>em</strong> direito<br />

a outro julgamento.”<br />

Repórter Ari Peixoto <strong>em</strong> off:<br />

“Debates no plenário, vigília na rua. A madrugada já chegava<br />

ao fim quando os sete jurados, três comerciantes, dois<br />

funcionários públicos, uma contadora e uma dona-<strong>de</strong>-casa,<br />

começaram a <strong>de</strong>cidir o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> José Rainha Jr. O dirigente<br />

do MST foi acusado <strong>de</strong> participar <strong>em</strong> um duplo homicídio na<br />

região há oito anos. O julgamento começou ont<strong>em</strong> a tar<strong>de</strong> e foi<br />

marcado por um fato surpreen<strong>de</strong>nte: nenhuma test<strong>em</strong>unha <strong>de</strong><br />

acusação prestou <strong>de</strong>poimento. Três faltaram e as outras duas<br />

foram dispensadas pela própria acusação, que consi<strong>de</strong>rou seus<br />

<strong>de</strong>poimentos irrelevantes. S<strong>em</strong> sala secreta, o prédio do<br />

Tribunal foi esvaziado para que os jurados pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> <strong>de</strong>cidir.<br />

Em pouco mais <strong>de</strong> uma hora, saiu o veredicto. Rainha foi<br />

con<strong>de</strong>nado como co-autor dos crimes. Responsabilizado pela<br />

organização do grupo que matou o fazen<strong>de</strong>iro e o policial. A<br />

con<strong>de</strong>nação foi baseada nos inquéritos civil e militar. O juiz<br />

Sebastião Mozini fixou a pena mínima <strong>em</strong> 17 anos e 6 meses e<br />

como consi<strong>de</strong>rou que os dois crimes foram cometidos <strong>em</strong> uma<br />

única ação, aumentou a pena <strong>em</strong> nove anos. Os s<strong>em</strong>-terra, que<br />

acompanharam o julgamento ficaram <strong>em</strong> silêncio.”<br />

“A gente viu aqui, exatamente, os fazen<strong>de</strong>iros com voto<br />

<strong>de</strong>terminado nesse jurado para con<strong>de</strong>nar.”<br />

Repórter Ari Peixoto <strong>em</strong> off:<br />

“A mulher <strong>de</strong> José Rainha, Diolinda Alves <strong>de</strong> Souza não quis<br />

comentar a sentença. O chefe do MST <strong>de</strong>ixou o tribunal<br />

cercado pelos manifestantes. Por ser réu primário, não vai<br />

ficar preso.”<br />

“Com a con<strong>de</strong>nação a 26 anos e meio <strong>de</strong> prisão, José Rainha<br />

ganhou o direito <strong>de</strong> ir a um novo julgamento, e este<br />

julgamento já está marcado. Vai ser no dia 16 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro<br />

<strong>de</strong>sse ano, a princípio, aqui mesmo, no fórum <strong>de</strong> Pedro<br />

Canário.”<br />

R7<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Presos suspeitos envolvidos <strong>em</strong> conflito com s<strong>em</strong>-terra.<br />

Apresentador William Bonner<br />

Imagens Áudio<br />

“Presos sete homens envolvidos <strong>em</strong> um conflito com s<strong>em</strong>terra<br />

no Paraná. No tiroteio, no fim <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ana, um invasor<br />

morreu.”<br />

William Bonner <strong>em</strong> off:<br />

“Com eles, a polícia encontrou armas, munição, um capuz e<br />

um rádio comunicador. Os acusados disseram que foram<br />

contratados por uma <strong>em</strong>presa <strong>de</strong> investigação para expulsar os<br />

184


Repórter Marcelo Canellas<br />

1-anda na área alagada.<br />

(Jornal Nacional – 09/02/98)<br />

s<strong>em</strong>-terra.”<br />

QUINTO BLOCO<br />

R1<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Denúncia do Ministro da Reforma Agrária contra o INCRA.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s “O INCRA pagou 30 vezes mais por uma fazenda que não<br />

po<strong>de</strong> ser usada para Reforma Agrária. A in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> 215<br />

milhões <strong>de</strong> reais foi paga por terras que passam a maior parte<br />

do ano <strong>de</strong>baixo d’água. A <strong>de</strong>núncia foi feita pelo próprio<br />

Ministro da Reforma Agrária.”<br />

1-vista aérea do local.<br />

2-Pan da área.<br />

3-PG <strong>de</strong> casa.<br />

4-PG <strong>de</strong> hom<strong>em</strong> sobre cavalo andando na região<br />

alagada.<br />

5-PM <strong>de</strong> mulher andando na região alagada com<br />

filho no pescoço.<br />

Repórter Marcelo Canellas <strong>em</strong> off:<br />

“É um imenso banhado no oeste do Estado <strong>de</strong> Tocantins.<br />

24.500 ha <strong>de</strong> terras encharcadas <strong>de</strong>sapropriadas pelo INCRA<br />

<strong>em</strong> 1986. Para os posseiros que viv<strong>em</strong> na região, a fazenda<br />

Araguaia significa dificulda<strong>de</strong> e sacrifício.”<br />

Fala <strong>de</strong> Teodoro Medrado (posseiro) “Nessa época do ano não dá para plantar não, pois é muito<br />

fundo.”<br />

1-PG da região. Repórter Marcelo Canellas <strong>em</strong> off:<br />

“Mas para a Procuradoria Geral da República trata-se <strong>de</strong> um<br />

Repórter Marcelo Canellas<br />

1- Repórter anda na região alagada (água acima do<br />

joelho) enquanto fala o texto.<br />

1 – PG da área. (5 tomadas diferentes)<br />

2- PG <strong>de</strong> pessoas(inclusive o repórter) andando<br />

sobre a área alagada.<br />

Fala <strong>de</strong> Mílton Amorin (engenheiro-agrônomo<br />

do INCRA)<br />

1-- PG <strong>de</strong> árvores, enquanto o repórter fala o texto<br />

2-PG <strong>de</strong> homens conversando.<br />

3-Travellig vertical <strong>de</strong> árvores.<br />

escândalo milionário.”<br />

“Des<strong>de</strong> que a fazenda foi <strong>de</strong>sapropriada a 10 anos, o INCRA<br />

não <strong>em</strong>itiu um único título <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> terra. A justificativa<br />

dos relatórios técnicos é exatamente essa: 80% da fazenda...”<br />

Repórter Marcelo Canellas <strong>em</strong> off:<br />

“... ficam <strong>de</strong>baixo d’água durante a maior parte do ano.,<br />

mesmo assim o INCRA pagou 250.000.000 <strong>de</strong> reais, 30 vezes<br />

mais que o preço <strong>de</strong> mercado. Com esse dinheiro, o governo<br />

po<strong>de</strong>ria assentar, com folga, cerca <strong>de</strong> 11.000 famílias. Os<br />

técnicos do INCRA fizeram nova inspeção na área, para<br />

comprovar o que já sabiam.”<br />

“É uma área <strong>de</strong> várzea, com gran<strong>de</strong> limitação para uso da<br />

proprieda<strong>de</strong> familiar, e requer altos investimentos, e mesmo<br />

assim com gran<strong>de</strong>s riscos.”<br />

“O que jogou o preço da fazenda para cima foi a avaliação da<br />

cobertura vegetal: 135.000.000 <strong>de</strong> reais. O estranho é que<br />

exist<strong>em</strong> pouquíssimas espécies <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira-<strong>de</strong>-lei.<br />

Repórter <strong>em</strong> off:<br />

O que existe aqui são espécies típicas do cerrado, que serv<strong>em</strong><br />

para fazer cerca e para lenha. Os técnicos encontraram Badin,<br />

Baiguda e Inhare, árvores <strong>de</strong> pequeno porte e s<strong>em</strong> valor<br />

comercial”<br />

Fala <strong>de</strong> Abrão Martins (posseiro) “Eu ouvi o povo falar que tinha Jatobá por essas áreas, mas eu<br />

nunca vi”<br />

1- Câmera subjetiva (cinegrafista filma seus Repórter Marcelo Canellas in off:<br />

passos na área alagada.<br />

“O valor da fazenda foi <strong>de</strong>finido por um perito judicial, pois<br />

2-PG da área. (5 tomadas)<br />

não houve acordo entre o INCRA e os proprietários. Mas<br />

segundo a Procuradoria da República, há falhas graves na<br />

perícia que o INCRA nunca se preocupou <strong>em</strong> contestar<br />

durante o processo judicial. Há suspeita <strong>de</strong> envolvimento <strong>de</strong><br />

funcionários no superfaturamento da fazenda Araguaia.”<br />

Fala do Ministro Raul Jungman “Ao que tudo indica é que ocorreu uma negligência, e se isto<br />

185


<strong>de</strong> fato ocorreu é fundamental que o Ministério Público venha<br />

a encontrar e a punir os responsáveis, e a minha expectativa é<br />

que eles pagu<strong>em</strong> por esse erro contra a Reforma Agrária<br />

ex<strong>em</strong>plarmente atrás das gra<strong>de</strong>s”<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s “A <strong>em</strong>presa Araguaia, proprietária da fazenda, alega que<br />

contestou a <strong>de</strong>sapropriação para Reforma Agrária. Ela<br />

argumenta que o valor <strong>de</strong>terminado pela justiça se <strong>de</strong>ve ao<br />

atraso <strong>de</strong> 10 anos no pagamento da <strong>de</strong>sapropriação e que é<br />

uma <strong>de</strong>cisão final da justiça.”<br />

(Jornal Nacional – 7/02/97)<br />

R2<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Terras <strong>de</strong> ex-banqueiro serão usadas para Reforma Agrária.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe “As terras do ex-banqueiro Ângelo Calmon <strong>de</strong> Sá serão usadas<br />

na Reforma Agrária. 10 fazendas serão <strong>de</strong>sapropriadas.<br />

Algumas são da família Calmon <strong>de</strong> Sá há quase 400 anos”<br />

1 –PG <strong>de</strong> trabalhador fazendo a secag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

cacau.<br />

2 – PG da fazenda. (3 tomadas)<br />

3 – Pan rápida da área<br />

Repórter Marcelo Canellas<br />

(Santo Amaro da Purificação- Bahia)<br />

1-PG da área (3 tomadas)<br />

2- Close <strong>de</strong> trator.<br />

3-Close <strong>de</strong> trabalhador.<br />

4- PG <strong>de</strong> famílias.<br />

Repórter Marcelo Canellas <strong>em</strong> off:<br />

“O velho terreiro <strong>de</strong> cacau ainda funciona, mas o peão que<br />

revira as amêndoas não trabalha mais para o ex-banqueiro<br />

Ângelo Calmon <strong>de</strong> Sá. É a primeira vez que o governo usa<br />

imóveis <strong>de</strong> um banqueiro falido para Reforma Agrária. São 10<br />

fazendas no estado da Bahia. 65.000 ha on<strong>de</strong> serão assentadas<br />

mais <strong>de</strong> 2.000 famílias <strong>de</strong> trabalhadores rurais.”<br />

“Esta é a mais antiga <strong>de</strong> todas. Ela é administrada pela família<br />

Calmon há quase quatro séculos. A última avaliação técnica<br />

do INCRA constatou que menos da meta<strong>de</strong> da área da fazenda<br />

é <strong>de</strong>stinada para a agricultura. Ela foi consi<strong>de</strong>rada improdutiva<br />

e vai ser a primeira a ser usada para Reforma Agrária.<br />

Repórter Marcelo Canellas <strong>em</strong> off:<br />

“O Ministério da Reforma Agrária promete usar mais <strong>de</strong><br />

200.000 ha <strong>de</strong> outros banqueiros com dívidas no Banco<br />

Central para assentar quase 7.000 famílias”<br />

Fala <strong>de</strong> Raul Jungman “Os banqueiros que quebraram e lesaram, tanto o po<strong>de</strong>r<br />

público, quanto aqueles que tinham sua poupança, seu<br />

1- Close na ban<strong>de</strong>ira do MST.<br />

2-PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-teras.<br />

3-PG <strong>de</strong> homens, mulheres e crianças. (3 tomadas)<br />

Fala do s<strong>em</strong>-terra “Ë digna esta atitu<strong>de</strong>”<br />

(Jornal Nacional – 10/03/97)<br />

dinheirinho no banco, vão agora pagar por isso”<br />

Repórter Marcelo Canellas <strong>em</strong> off:<br />

“A própria coor<strong>de</strong>nação do MST na região, que já ocupa uma<br />

das fazendas, dá uma trégua na queda <strong>de</strong> braço com o governo<br />

para elogiar a medida”<br />

186


R3<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Entrevista exclusiva com Fernando Henrique Cardoso.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentador William Bonner “Exclusivo, o Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique, <strong>em</strong> entrevista ao<br />

repórter Carlos Monforte, disse que o governo precisa da<br />

Reforma Administrativa para fazer a Reforma Agrária. O<br />

Presi<strong>de</strong>nte quer ouvir os s<strong>em</strong>-terra mas também vai mostrar o<br />

que o governo já fez no campo. Também disse que mantém o<br />

ministro Raul Jungman no cargo e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a união do<br />

governo com os s<strong>em</strong>-terra para acelerar a Reforma Agrária no<br />

Brasil”.<br />

Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “Eu acho que um país <strong>de</strong>mocrático como o nosso precisa se<br />

acostumar a que haja esse tipo <strong>de</strong> manifestação. Claro, t<strong>em</strong><br />

que ser uma manifestação <strong>de</strong>ntro da D<strong>em</strong>ocracia. Uma<br />

<strong>de</strong>monstração construtiva. Em meu governo, eu assentei mais<br />

gente do que <strong>em</strong> qualquer período da história do Brasil. Nós<br />

<strong>de</strong>sapropriamos 3.400.000 hectares <strong>de</strong> terra. Isso é o tamanho<br />

da Bélgica. Agora eu acho que é inútil brigar. Assentou quanto<br />

ou tanto, o MST diz que é tanto, o Ministério diz que é não sei<br />

quanto mais. Não é esse o probl<strong>em</strong>a. Se nós nos <strong>de</strong>rmos as<br />

mãos, vamos assentar mais gente. Isso é que nós t<strong>em</strong>os que<br />

fazer.”<br />

Corte (fa<strong>de</strong> write)<br />

Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “Eu tenho um programa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a campanha que foi aprovado<br />

pelo povo. Naquela época se discutia muito: dá para fazer<br />

quantos assentamentos? Nós colocamos que <strong>em</strong> quatro anos<br />

nós po<strong>de</strong>ríamos assentar 280.000 famílias. No primeiro ano<br />

seriam 40.000, no segundo ano 60.000. Cumprimos. Por que<br />

nós pus<strong>em</strong>os essas metas? Porque historicamente no Brasil, a<br />

média é <strong>de</strong> 10.000 famílias por ano. Então nós estamos<br />

assentando cinco vezes mais do que jamais foi feito no Brasil.<br />

Agora para fazer mais eu preciso <strong>de</strong> mais gente, Reforma<br />

Administrativa para mudar o INCRA, mais recurso, portanto a<br />

socieda<strong>de</strong> vai ter que pagar mais algum imposto e ela não quer<br />

pagar imposto. Precisa <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po para treinar esse pessoal e<br />

custa dinheiro. O que t<strong>em</strong> que ser reversível é a situação da<br />

terra. Nós t<strong>em</strong>os que melhorar a situação, dar mais condições<br />

<strong>de</strong> trabalho, assentamento. Esse é o esforço do governo.<br />

Suponho que seja essa também a <strong>de</strong>manda principal dos s<strong>em</strong>terra.<br />

Repórter-entrevistador Carlos Monforte “O senhor acha que isso po<strong>de</strong> vir na base do diálogo?”<br />

(a imag<strong>em</strong> mostra entrevistador e entrevistados<br />

sentados <strong>em</strong> sofás, <strong>em</strong> uma sala)<br />

Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “Só po<strong>de</strong> vir na base do diálogo”<br />

Repórter-entrevistador Carlos Monforte “O senhor prega a conciliação?”<br />

Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso<br />

“S<strong>em</strong> dúvida. Há dificulda<strong>de</strong>s no assentamento? Há muitas<br />

dificulda<strong>de</strong>s. Ele resolve todos os probl<strong>em</strong>as do campo? Não<br />

resolve. É preciso cuidar do pequeno proprietário, da gran<strong>de</strong><br />

produção. É um conjunto <strong>de</strong> medidas que t<strong>em</strong> <strong>de</strong> ser tomadas,<br />

mas há também, e aí é um ponto específico, que prestar<br />

atenção, que é muita gente que se <strong>de</strong>r um pouco <strong>de</strong> terra e<br />

assistência técnica ao plantio e a educação, essa gente vai ser<br />

integrada à socieda<strong>de</strong> brasileira. Então isso t<strong>em</strong> que ser feito.<br />

Está sendo feito.”<br />

187


Imagens Áudio<br />

Carlos Monforte “E sobre esse rastro <strong>de</strong> diálogo, <strong>de</strong> conciliação. O senhor<br />

recebe o movimento?”<br />

Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “S<strong>em</strong> dúvida. Não é a primeira vez não.”<br />

Repórter-entrevistador Carlos Monforte “Junto com o ministro da Reforma Agrária?”<br />

Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “Certamente”<br />

Repórter-entrevistador Carlos Monforte “O senhor escolheu Raul Jungman para ser o Ministro da<br />

reforma Agrária. O MST não está reconhecendo o ministro<br />

como interlocutor. O senhor é capaz <strong>de</strong> tirar o ministro para<br />

continuar o diálogo?”<br />

Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “Não porque aí sai da legalida<strong>de</strong>, porque não cabe ao MST<br />

saber qu<strong>em</strong> é ministro meu. Eu fui eleito pelo povo para<br />

governar com os ministros que eu <strong>de</strong>cido. Agora, eu não vou<br />

discutir qu<strong>em</strong> é o lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>-terra. Nunca pedi a cabeça <strong>de</strong><br />

nenhum lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>-terra.”<br />

Repórter-entrevistador Carlos Monforte “O senhor fez referência duas vezes à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer a<br />

Reforma Administrativa. O senhor acredita que esse<br />

Congresso vai aprovar a Reforma que o senhor quer, ou vai<br />

dar um jeitinho?”<br />

Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “Olha, tal como está, a Reforma pelo relatório Moreira<br />

Franco, não é a que nós mandamos inicialmente, houve uma<br />

negociação, mas ela é boa, ela ajuda, ela melhora, ela permite<br />

o Brasil avançar. Então eu acho que se for aprovada como está<br />

no relatório Moreira Franco, é um passo importante. Eu até<br />

<strong>de</strong>ixo um apelo aqui. S<strong>em</strong>ana que v<strong>em</strong>, eu vou estar no<br />

Canadá, uma visita oficial <strong>de</strong> dois dias. É possível que<br />

coincida com a data <strong>de</strong> votação do Congresso. Eu <strong>de</strong>ixo aqui<br />

um apelo aos congressistas. Que eles vot<strong>em</strong> a Reforma,<br />

porque eu acabei <strong>de</strong> dizer, não po<strong>de</strong> melhorar o INCRA<br />

porque não t<strong>em</strong> Reforma Administrativa, não dá marg<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

manobra para o governo atuar. O INCRA t<strong>em</strong> que ser<br />

melhorado.<br />

Corte (fa<strong>de</strong> write)<br />

“O INCRA t<strong>em</strong> 6000 funcionários, eu duvido que precisa <strong>de</strong><br />

tanta gente assim. Mas nós não t<strong>em</strong>os a Reforma<br />

Administrativa, nós não po<strong>de</strong>mos entrar mais duro, para<br />

mostrar como é que se aumenta a eficiência. Então fica uma<br />

idéia <strong>de</strong> ciclo vicioso.”<br />

(Jornal Nacional – 17/04/97)<br />

188


R4<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Mudanças na legislação agrária dificulta invasões <strong>de</strong> terras.<br />

Apresentador William Bonner<br />

Repórter Alexandre Garcia<br />

Fala do Ministro Raul Jungman<br />

(Jornal Nacional – 12/06/97)<br />

Imagens Áudio<br />

“Mudanças na Legislação agrária. Fica mais fácil a<br />

<strong>de</strong>sapropriação <strong>de</strong> terras e ficam mais difíceis as invasões. As<br />

frau<strong>de</strong>s na avaliação serão duramente punidas.”<br />

“Órgãos estaduais <strong>de</strong> trabalhadores ou agricultores como o do<br />

MST ou da CONTAG po<strong>de</strong>m indicar ao INCRA áreas<br />

passíveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação. O INCRA terá 120 dias para<br />

fazer a vistoria, que não será feita se o imóvel estiver<br />

invadido. Antes, a ausência do proprietário impedia a vistoria.<br />

Agora ele po<strong>de</strong> ser notificado por edital <strong>em</strong> jornal para não<br />

retardar o processo. Depois da vistoria, o proprietário não<br />

po<strong>de</strong> acrescentar benfeitorias para valorizar a in<strong>de</strong>nização,<br />

n<strong>em</strong> mudar a posse ou uso do imóvel e t<strong>em</strong> 15 dia para se<br />

manifestar. Os juros compenssatórios nas in<strong>de</strong>nizações foram<br />

reduzidos pela meta<strong>de</strong> e o governo terá quatro anos para<br />

recorrer contra in<strong>de</strong>nização judicial acima do valor do<br />

imóvel.”<br />

“A partir <strong>de</strong> agora t<strong>em</strong>os uma lei agrária, limpa e <strong>em</strong><br />

condições <strong>de</strong> você tocar a Reforma Agrária, s<strong>em</strong> frau<strong>de</strong>s, ou<br />

pelo menos <strong>de</strong>ixando ele absolutamente residual e fazendo-a<br />

com serenida<strong>de</strong> e evitando os conflitos e os mortos.”<br />

189


R5<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 1 º <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Chance à paz no Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe “Uma chance à paz no Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a. Uma proposta<br />

oficial po<strong>de</strong> reduzir os conflitos na região do extr<strong>em</strong>o oeste <strong>de</strong><br />

São Paulo, que ficou conhecida pela violência.”<br />

Repórter José Roberto Burnier <strong>em</strong> off:<br />

“A maior parte do Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a, no extr<strong>em</strong>o oeste<br />

<strong>de</strong> São Paulo, é terra do Estado. Nos tribunais, os processos se<br />

arrastam à décadas, s<strong>em</strong> solução. O <strong>de</strong>creto assinado hoje pelo<br />

Repórter José Burnier<br />

Fala <strong>de</strong> José Rainha<br />

Fala do Ministro Raul Jungman<br />

(Jornal Nacional – 01/08/97)<br />

governador Mário Covas tenta encurtar o caminho.”<br />

“O <strong>de</strong>creto autoriza acordos entre os fazen<strong>de</strong>iros e o Estado.<br />

Os fazen<strong>de</strong>iros dão até meta<strong>de</strong> da área para Reforma Agrária e<br />

consegu<strong>em</strong> o título <strong>de</strong>finitivo do restante. Com isso o governo<br />

espera conseguir pelo menos 70.000 ha para assentar 3.000<br />

famílias.”<br />

“O que nós esperamos é que esse diálogo se torne ação<br />

concreta mais rápido e que não seja parado na mesa do terceiro<br />

escalão dos burocratas que às vezes per<strong>de</strong>m os processos <strong>de</strong><br />

avanço concreto das medidas que o governo toma.”<br />

Repórter José Roberto Burnier <strong>em</strong> off:<br />

“O MST, que vinha sendo criticado pelo governo fe<strong>de</strong>ral por<br />

causa das manifestações e invasões, <strong>de</strong>ssa vez recebeu elogios<br />

do Ministro da Reforma Agrária.”<br />

“O MST organiza parcela da população, e isso representa<br />

avanços, e se isso vai <strong>de</strong>ntro da lei, nenhum probl<strong>em</strong>a, t<strong>em</strong> o<br />

governo ao lado. Quando existe <strong>de</strong>srespeito à lei, aí<br />

efetivamente o governo reage <strong>em</strong> nome da autorida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocrática...”<br />

190


R6<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 13 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: A UDR se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> contra o MST / FHC lança linha <strong>de</strong> crédito<br />

para facilitar compra <strong>de</strong> terras.<br />

Apresentador Carlos Nascimento<br />

Imagens Áudio<br />

“Ameaça <strong>de</strong> invasão <strong>de</strong> quatro fazendas aumenta a tensão no<br />

Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a, SP. Fazen<strong>de</strong>iros acreditam que a<br />

ação do MST vai ser no fim <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ana.”<br />

Carlos Nascimento <strong>em</strong> off:<br />

“Os fazen<strong>de</strong>iros aumentaram o número <strong>de</strong> seguranças e estão<br />

reforçando as cercas. Eles quer<strong>em</strong> intervenção da polícia e<br />

pediram à justiça prisão preventiva dos chefes do movimento.<br />

A UDR promete reagir às invasões.”<br />

Fala <strong>de</strong> Guilherme Prata (UDR) “Eu acho que a pessoa t<strong>em</strong> que se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Se vier<strong>em</strong> com<br />

estilingue, com estilingue, se vier<strong>em</strong> com tapa, com tapa, e se<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />

(Jornal Nacional – 13/08/97)<br />

vier<strong>em</strong> com arma, com arma.”<br />

“Em Brasília o Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique lançou uma<br />

linha <strong>de</strong> crédito para financiar a compra <strong>de</strong> terras. O<br />

trabalhador rural po<strong>de</strong>rá pegar um <strong>em</strong>préstimo <strong>de</strong> 10.000 reais<br />

e terá sete anos para pagar. Inicialmente serão atendidos os<br />

estados da Bahia, Maranhão, Pernambuco e Ceará.”<br />

R7<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 22 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Fernando Henrique Cardoso com<strong>em</strong>ora assentamentos.<br />

XXXXXXX<br />

Fala do Presi<strong>de</strong>nte FHC<br />

(Jornal Nacional – 22/12/97)<br />

Imagens Áudio<br />

“O presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique fez hoje um balanço do<br />

programa <strong>de</strong> Reforma Agrária. Com<strong>em</strong>orou o assentamento <strong>de</strong><br />

mais <strong>de</strong> 80000 famílias, superando a meta inicial e fez uma<br />

avaliação.”<br />

“isso não se dá por acaso. Isso se dá porque a socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>seja, porque os movimentos sociais exist<strong>em</strong> e são muito<br />

importantes, e é paradoxal, os que mais gritam a favor da<br />

Reforma Agrária são os que faz<strong>em</strong> mais obstáculos aqui para<br />

que o Estado se reforme. Dificultam a ação ...”<br />

191


R8<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Vaticano con<strong>de</strong>na violência contra os s<strong>em</strong>-terra.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe “A Igreja Católica pe<strong>de</strong> aos países <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que<br />

apress<strong>em</strong> a Reforma Agrária. Mas um relatório do Conselho<br />

Episcopal <strong>de</strong> Justiça e Paz do Vaticano diz que a Igreja não<br />

apoia as invasões <strong>de</strong> terra. Quanto ao Brasil, o Vaticano<br />

con<strong>de</strong>nou a violência contra os s<strong>em</strong>-terra. O Presi<strong>de</strong>nte<br />

Fernando Henrique Cardoso diz que concorda com vários<br />

pontos do documento divulgado pelo Vaticano mas, segundo o<br />

Presi<strong>de</strong>nte, o Brasil não é o principal alvo das críticas.”<br />

(Jornal Nacional – 13/01/98)<br />

R9<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 25 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Papa recebe documento do Ministro Jungmam.<br />

Apresentadora Ana Paula Padrão<br />

(cromaki do Ministro)<br />

(Jornal Nacional – 25/03/98)<br />

Imagens Áudio<br />

“... a carta do Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso é uma<br />

resposta ao pedido do Papa <strong>de</strong> uma distribuição mais justa da<br />

terra no País.<br />

Ana Paula Padrão <strong>em</strong> off:<br />

“O Ministro Raul Jungman entregou o documento ao Papa.<br />

Segundo Jungman, o governo e a Igreja Católica pensam da<br />

mesma maneira sobre o combate à violência no campo. O<br />

Papa disse que o Brasil é o primeiro país a respon<strong>de</strong>r ao apelo<br />

da Igreja manifestado pelo documento do Conselho <strong>de</strong> Justiça<br />

e Paz.”<br />

192


SEXTO BLOCO<br />

R1<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 11 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: Justiça <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> sobre julgamento dos culpados pelo massacre.<br />

Imagens Áudio<br />

“Amanhã a justiça do Pará vai anunciar finalmente qu<strong>em</strong> será<br />

Apresentador William Bonner<br />

julgado pelo massacre dos s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> Eldorado do Carajás.<br />

As imagens da violência foram mostradas <strong>em</strong> primeira mão<br />

pelo JN. 19 pessoas foram mortas por policiais militares. 1 ano<br />

e sete meses <strong>de</strong>pois, os sobreviventes do massacre ainda estão<br />

s<strong>em</strong>-terra e a maioria s<strong>em</strong> esperança <strong>de</strong> justiça.”<br />

Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva <strong>em</strong> off:<br />

“É um dia que a D. Maria Abadia muito mas não consegue<br />

esquecer. Hoje, no local do massacre t<strong>em</strong> cruzes e um<br />

pequeno museu. Há um ano e sete meses, mesmo ferida com<br />

dois tiros na perna, a D. Maria conseguiu se salvar e salvar o<br />

filho <strong>de</strong>la, também ferido com um tiro no rosto. Os dois, e<br />

outros 1500 s<strong>em</strong>-Terra <strong>de</strong>ixaram a rodovia para pedir terra. A<br />

polícia militar foi mandada para liberar a estrada. O confronto<br />

terminou com a morte <strong>de</strong> 19 trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra.<br />

Outros 69 ficaram feridos.”<br />

Fala <strong>de</strong> Maria Abadia (s<strong>em</strong>-terra) “Eu tinha vonta<strong>de</strong> que tivesse justiça para que não acontecesse<br />

outra vez.”<br />

Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva <strong>em</strong> off:<br />

“O Sr. José Nativida<strong>de</strong> quer um pouco mais. Com dificulda<strong>de</strong><br />

para trabalhar por causa do tiro que levou na perna, ele e 690<br />

famílias viv<strong>em</strong> e plantam hoje nessa fazenda, a 17 <strong>de</strong> abril,<br />

<strong>de</strong>sapropriada pelo governo <strong>de</strong>pois do massacre.”<br />

Fala <strong>de</strong> José Nativida<strong>de</strong> (s<strong>em</strong>-terra)<br />

“Não está valendo ainda porque o governador não cumpriu<br />

com o compromisso que ele disse que tinha com a gente, que<br />

era nos in<strong>de</strong>nizar, e até hoje nós esperamos, mas eu nunca<br />

perdi as esperanças.”<br />

Fala do Sr. Raimundo<br />

Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva <strong>em</strong> off:<br />

“Esperanças que o Sr. Raimundo, o Domingos e o Leosmar<br />

não têm. Os três também sobreviveram ao massacre.<br />

Continuam com as marcas do confronto. Também ganharam<br />

terras na 17 <strong>de</strong> Abril, mas como todas as outras famílias, ainda<br />

não receberam as escrituras <strong>de</strong> posse e estão <strong>de</strong>sanimados.”<br />

“Até hoje nós não somos donos da terra. Eu não sei aon<strong>de</strong> é a<br />

minha.”<br />

Fala <strong>de</strong> Leosmar “Não tenho mais esperança não.”<br />

Fala <strong>de</strong> Domingos<br />

(Jornal Nacional – 11/11/97)<br />

“Daqui há uns 20 ou 30 anos, eu só posso dizer para os meus<br />

filhos que eu peguei um tiro no massacre e não houve justiça.”<br />

193


R2<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 12 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1997.<br />

T<strong>em</strong>a central: PMs e s<strong>em</strong>-terra serão julgados pelo massacre.<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />

Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva<br />

Imagens Áudio<br />

Fala <strong>de</strong> Carlos do Amaral (advogado dos s<strong>em</strong>terra)<br />

Fala <strong>de</strong> Eloisa Sovano (advogada dos policiais)<br />

Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva<br />

(Jornal Nacional – 12/11/97)<br />

“... por causa do massacre dos s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> Eldorado do<br />

Carajás. O julgamento <strong>de</strong>ve acontecer no primeiro s<strong>em</strong>estre do<br />

ano que v<strong>em</strong>.”<br />

“A or<strong>de</strong>m para liberar a estrada ocupada pelos trabalhadores<br />

s<strong>em</strong>-terra, foi dada pelo governador do Pará, Almir Gabriel.<br />

Or<strong>de</strong>m cumprida. Os 153 policiais militares, comandados pelo<br />

coronel Mário Pantoja, e pelo major José Maria <strong>de</strong> Oliveira.<br />

Hoje, um ano e sete meses <strong>de</strong>pois do massacre, aqui no fórum<br />

<strong>de</strong> Curionópolis, cida<strong>de</strong> vizinha à Eldorado do Carajás, o juiz<br />

responsável pelo caso anunciou formalmente. Uma <strong>de</strong>cisão<br />

aguardada com ansieda<strong>de</strong> pelos s<strong>em</strong>-terra. O coronel Pantoja,<br />

o major Oliveira, 151 policiais e 3 trabalhadores s<strong>em</strong>-terra vão<br />

ser julgados pelo massacre, pela morte <strong>de</strong> 19 trabalhadores, e<br />

pelos ferimentos <strong>em</strong> outros 69 s<strong>em</strong>-terra 12 policiais. Todos<br />

estão soltos e vão continuar aguardando julgamento <strong>em</strong><br />

liberda<strong>de</strong>. Os PMs vão ser julgados por homicídio doloso<br />

qualificado. As penas variam <strong>de</strong> 12 a 30 anos <strong>de</strong> prisão. Os<br />

três s<strong>em</strong>-terra, por lesões corporais leves. Penas <strong>de</strong> 3 meses a 1<br />

ano <strong>de</strong> prisão. Mas os advogados dos policiais e dos s<strong>em</strong>-terra<br />

já <strong>de</strong>cidiram, vão recorrer.”<br />

“Nós esperamos que a nível <strong>de</strong> tribunal <strong>de</strong> justiça, ou <strong>em</strong> caso,<br />

através <strong>de</strong> recursos próprios, corrija esse pequeno equívoco.”<br />

“O processo é um julgamento da atuação dos PMs e não <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong>s. No meu ver, se houver alguém responsável,<br />

é o nosso digníssimo governador do estado.”<br />

“Mas o governador Almir Gabriel já está livre <strong>de</strong> qualquer<br />

punição. Para o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, o governador<br />

não po<strong>de</strong> ser responsabilizado pela maneira como a PM<br />

cumpriu...”<br />

194


R3<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Rel<strong>em</strong>brando o massacre <strong>de</strong> Eldorado dos Carajás.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe “Emoção e revolta. <strong>em</strong> Eldorado do Carájás, no sul do Pará. A<br />

morte <strong>de</strong> 19 pessoas <strong>em</strong> um massacre que chocou o Brasil e o<br />

mundo foi l<strong>em</strong>brada com missa. c protesto. Dois anos <strong>de</strong>pois<br />

os policiais militares que participaram do conflito ainda não<br />

foram julgados”.<br />

Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />

“Foram quase mil Km <strong>de</strong> caravanas dos quatro cantos do Pará<br />

até Belém. Os integrantes do MST pediram pressa para a<br />

justiça, que dois anos <strong>de</strong>pois do massacre, ainda não puniu os<br />

três responsáveis”.<br />

Fala <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra “Não t<strong>em</strong> ninguém atrás das gra<strong>de</strong>s até o momento. Então para<br />

nós trás um clima <strong>de</strong> revolta muito gran<strong>de</strong>”.<br />

Repórter Marcos Losekann “Aqui na região sul do Pará. a manifestação mais significativa<br />

aconteceu <strong>em</strong> Eldorado do Carajás, on<strong>de</strong> à dois anos. esse dia<br />

17 <strong>de</strong> abril ficou marcado. Pessoas que participaram, ou que<br />

simplesmente ouviram falar do conflito, vieram rezar na curva<br />

do S, on<strong>de</strong> os 19 s<strong>em</strong>-terra foram assassinados.<br />

Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />

“Parentes e amigos das vítimas acen<strong>de</strong>ram velas junto das 19<br />

cruzes encravadas no chão. Um grupo <strong>de</strong> jovens da Pastoral da<br />

Terra incenou uma peça sobre o dia do massacre. A<br />

dramatização comoveu qu<strong>em</strong> jamais pô<strong>de</strong> esquecer daquele<br />

dia. Representantes das 690 famílias <strong>de</strong> agricultores que eram<br />

s<strong>em</strong>-terra no dia 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 96, exibiram mostras da<br />

primeira colheita na lavoura. Que eles cultivaram.<br />

Apresentadora Lilian Witte Fibe “Trabalhadores s<strong>em</strong>-terra vão passar a madrugada <strong>em</strong> vigília<br />

no Recife. É mais uma manifestação para l<strong>em</strong>brar os dois anos<br />

do massacre <strong>em</strong> Eldorado do Carajás.<br />

Lilian Witte Fibe <strong>em</strong> off:<br />

“Mais <strong>de</strong> 1.000 famílias <strong>de</strong> estados do Nor<strong>de</strong>ste se<br />

encontraram no Recife e estão <strong>em</strong> frente ao prédio da.<br />

SUDENE. Soldados do Exército acompanham a<br />

movimentação. Durante o dia, trabalhadores s<strong>em</strong>-terra fizeram<br />

manifestações por todo o País. Cruzes, velas, caixões<br />

l<strong>em</strong>bravam as mortes durante o massacre. Em São Paulo, o<br />

protesto começou na Praça da Sé e terminou <strong>em</strong> tumulto. Em<br />

frente à bolsa <strong>de</strong> valores, houve confronto com a tropa <strong>de</strong><br />

choque. Segundo a PM, três soldados e dois s<strong>em</strong>-terra ficaram<br />

lev<strong>em</strong>ente feridos. Os números dos lí<strong>de</strong>res do movimento são<br />

diferentes. Segundo eles, não dois, mas sete foram parar no<br />

médico”.<br />

(Jornal Nacional- 17/04/98)<br />

195


SÉTIMO BLOCO<br />

R1<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: S<strong>em</strong>-terras são mortos no sul do Pará.<br />

Apresentador William Bonner<br />

(Jornal Nacional – 27/03/98)<br />

Imagens Áudio<br />

“Violência no sul do Pará. Dois s<strong>em</strong>-terra são mortos a tiros<br />

durante a transferência para um assentamento.”<br />

William Bonner <strong>em</strong> off:<br />

“500 famílias <strong>de</strong>socupavam uma fazenda invadida a 15 dias<br />

<strong>em</strong> Parauapebas, quando Onacílio Barros e Valentim da Silva<br />

foram baleados. A polícia ainda não sabe qu<strong>em</strong> atirou.”<br />

R2<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 28 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Prisão preventiva <strong>de</strong> 10 fazen<strong>de</strong>iros acusados <strong>de</strong> matar s<strong>em</strong>terras.<br />

Repórter Ana Paula Padrão<br />

(Jornal Nacional – 27/03/98)<br />

Imagens Áudio<br />

“A justiça <strong>de</strong>creta a prisão <strong>de</strong> 10 fazen<strong>de</strong>iros no sul do Pará,<br />

entre eles o dono da fazenda Goiás, on<strong>de</strong> dois s<strong>em</strong>-terra foram<br />

mortos durante uma <strong>de</strong>socupação. Onacílio Barros, fundador<br />

do MST no Pará e Valentim Serra, tesoureiro, foram baleados<br />

quando comandavam a transferência <strong>de</strong> 500 famílias para um<br />

assentamento. Dois oficiais <strong>de</strong> justiça acompanhavam a<br />

retirada. 10 policiais militares também são suspeitos <strong>de</strong><br />

envolvimento nas mortes e estão <strong>de</strong>tidos no batalhão <strong>de</strong><br />

Chinguara. Eles acompanhavam a <strong>de</strong>socupação, mesmo<br />

estando <strong>de</strong> folga.”<br />

196


R3<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 30 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: S<strong>em</strong>-terras faz<strong>em</strong> novas invasões.<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />

(Jornal Nacional – 30/03/98)<br />

Imagens Áudio<br />

“Os s<strong>em</strong>-terra faz<strong>em</strong> novas invasões <strong>em</strong> quatro estados e<br />

voltam a ocupar a fazenda on<strong>de</strong> dois militantes foram<br />

assassinados a tiros.”<br />

Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />

“1500 pessoas participaram da nova invasão à fazenda Goiás<br />

2. O grupo tinha saído da área na quinta-feira passada.<br />

Durante a retirada, dois s<strong>em</strong>-terra foram mortos. Os invasores<br />

diz<strong>em</strong> que só vão negociar a <strong>de</strong>socupação quando a autoria do<br />

crime for esclarecida.”<br />

Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />

“No início da noite, 600 s<strong>em</strong>-terra invadiram a fazenda Terra<br />

Norte, <strong>em</strong> Eldorado dos Carajás, no Pará. No sul <strong>de</strong> Minas,<br />

uma usina <strong>de</strong> açúcar foi ocupada. Houve invasões também no<br />

interior <strong>de</strong> Pernambuco e no Mato Grosso do Sul.”<br />

R4<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 2 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Exército tenta impedir confronto entre fazen<strong>de</strong>iros e s<strong>em</strong>-terras.<br />

Apresentador William Bonner<br />

Imagens Áudio<br />

“A região do conflito dividida pela força <strong>de</strong> paz. No sul do<br />

Pará, o Exército reforça a tropa para impedir um confronto<br />

entre fazen<strong>de</strong>iros e s<strong>em</strong>-terra.”<br />

Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />

“Fogueiras acesas, tropas <strong>de</strong> prontidão. 500 soldados do<br />

Exército controlaram o vai e v<strong>em</strong> <strong>de</strong> veículos e pe<strong>de</strong>stres na<br />

área que separa os s<strong>em</strong>-terra dos fazen<strong>de</strong>iros. O comando da<br />

operação acredita que só a presença das tropas já é suficiente<br />

para acalmar os ânimos, mas está preparado para usar a força<br />

se for necessário.”<br />

Fala <strong>de</strong> Mauro Fernando Aragão “Estamos aqui com o pessoal e o potencial bélico, e faria, <strong>de</strong><br />

qualquer maneira, acalmar os ânimos exaltados.”<br />

Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />

“Depois da chegada do Exército, os fazen<strong>de</strong>iros escon<strong>de</strong>ram<br />

as armas. Exib<strong>em</strong> apenas um papel, um Interdito Proibitório<br />

concedido pela justiça prevendo multa e ca<strong>de</strong>ia para qu<strong>em</strong><br />

invadir a área do complexo Marimbondo. São 70.000 ha<br />

divididos <strong>em</strong> 50 fazendas que estão na mira do MST.”<br />

197


Repórter Marcos Losekann<br />

Imagens Áudio<br />

“Do outro lado do município <strong>de</strong> Parauapebas, quase 50 km <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> estão as tropas do Exército, cerca <strong>de</strong> 500 famílias <strong>de</strong><br />

trabalhadores s<strong>em</strong>-terra continuam ocupando a fazenda Goiás<br />

II. Eles já haviam saído daqui, mas <strong>de</strong>cidiram voltar <strong>de</strong>pois<br />

que dois lí<strong>de</strong>res do movimento foram assassinados. Essas<br />

cruzes na beira da estrada marcam o local da tragédia.”<br />

Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />

“O dono da fazenda Goiás, que também é sócio <strong>de</strong>ssa loja <strong>em</strong><br />

Parauapebas, continua foragido. Carlos da Costa, é acusado <strong>de</strong><br />

ser um dos autores do assassinato dos dois lí<strong>de</strong>res dos s<strong>em</strong>terra.<br />

Os oficiais <strong>de</strong> justiça que levaram a or<strong>de</strong>m para<br />

<strong>de</strong>socupação da fazenda, fato que resultou no conflito, já<br />

foram afastados do Fórum.”<br />

“Em Brasília, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />

pe<strong>de</strong> que a Polícia Fe<strong>de</strong>ral dê garantia <strong>de</strong> vida à dois<br />

integrantes do MST. Eles diz<strong>em</strong> que test<strong>em</strong>unharam a morte<br />

<strong>de</strong> invasores da fazenda Goiás II na Quinta-feira passada.”<br />

Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />

“Paulo Rodrigues e Maria Zilda Araújo prestaram <strong>de</strong>poimento<br />

na Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos. Maria Zilda acusou o dono<br />

da fazenda Goiás II, Carlos Antônio Costa, <strong>de</strong> ser o mandante<br />

dos crimes. O fazen<strong>de</strong>iro é procurado pela polícia. Ela disse<br />

que um pistoleiro contratado pelo fazen<strong>de</strong>iro matou os s<strong>em</strong>terra<br />

Onalício Barros e Valentin Serra e ainda a ameaçou <strong>de</strong><br />

morte.”<br />

Fala <strong>de</strong> Maria Zilda Araújo (s<strong>em</strong>-terra) “Ele botou um revólver, um cano gelado aqui na minha boca,<br />

e disse assim: “é isso aí ó”. Quando ele disse assim, as<br />

crianças e o pessoal todo gritavam: “não atira nela não, na<br />

mulher não”. E eles me <strong>de</strong>rrubaram no chão.”<br />

Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />

“Os dois s<strong>em</strong>-terra disseram também que po<strong>de</strong>m reconhecer<br />

outros envolvidos no crime. Seguranças da fazenda e onze<br />

policiais militares que já estão presos. 10 <strong>de</strong>les respon<strong>de</strong>m à<br />

processos pela morte <strong>de</strong> 19 s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> Eldorado do Carajás,<br />

à dois anos. No fórum <strong>de</strong> Parauapeba, sul do Pará, um grupo<br />

<strong>de</strong> invasores da fazenda Goiás II acen<strong>de</strong>u velas pela morte dos<br />

dois s<strong>em</strong>-terra. Depois, o grupo rezou no local on<strong>de</strong> os dois<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />

(Jornal Nacional – 02/04/98)<br />

integrantes do MST foram mortos.”<br />

“E a juíza <strong>de</strong> Parauapebas, Maria Vitória do Carmo, <strong>de</strong>cretou<br />

a prisão t<strong>em</strong>porária <strong>de</strong> mais dois fazen<strong>de</strong>iros da região. Agora<br />

já são onze os acusados <strong>de</strong> envolvimento na morte dos s<strong>em</strong>terra.”<br />

198


R5<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 3 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Polícia Fe<strong>de</strong>ral procura fazen<strong>de</strong>iros acusados <strong>de</strong> matar integrantes<br />

do MST.<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />

Fala <strong>de</strong> Lauriston Góes (<strong>de</strong>legado)<br />

Fala <strong>de</strong> Arnaldo Severino (advogado)<br />

Imagens Áudio<br />

“A polícia fe<strong>de</strong>ral usa helicópteros para procurar os<br />

fazen<strong>de</strong>iros acusados <strong>de</strong> matar dois integrantes do MST na<br />

fazenda Goiás II e Parauapebas, no sul do Pará. Pelo menos<br />

uma s<strong>em</strong>ana antes do crime, uma das vítimas já se dizia<br />

ameaçada. Valentin Serra sabia que iria morrer.”<br />

Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />

“Barreiras nas estradas, policiais armados. N<strong>em</strong> todo o aparato<br />

montado <strong>em</strong> Parauapebas foi suficiente para garantir a prisão<br />

dos onze fazen<strong>de</strong>iros. Hoje a polícia civil <strong>de</strong>cidiu passar uma<br />

cópia dos mandados <strong>de</strong> prisão t<strong>em</strong>porária para a polícia<br />

fe<strong>de</strong>ral. Com helicópteros, os agentes vão tentar caçar os<br />

fugitivos nas fazendas da região. O <strong>de</strong>legado da polícia civil<br />

que presi<strong>de</strong> o inquérito reclama <strong>de</strong> moradores da cida<strong>de</strong>, que<br />

estariam acobertando os fazen<strong>de</strong>iros.”<br />

“A comunida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> simpatia pelas pessoas da comunida<strong>de</strong>,<br />

que estão com probl<strong>em</strong>as, e ao mesmo t<strong>em</strong>po, antipatiza com<br />

a questão do movimento.”<br />

Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />

“Na <strong>de</strong>legacia, três test<strong>em</strong>unhas prestaram <strong>de</strong>poimento e<br />

negaram a participação <strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iros no conflito. O<br />

advogado <strong>de</strong> Darci <strong>de</strong> Souza, o Cavalão, que também está<br />

foragido, disse que o cliente <strong>de</strong>le t<strong>em</strong> um álibi.”<br />

“Nós t<strong>em</strong>os aqui três test<strong>em</strong>unhas para comprovar que ele<br />

realmente estava na cida<strong>de</strong> e no momento dos fatos estava <strong>em</strong><br />

um bar ao lado do seu açougue.”<br />

“A polícia recebeu a informação <strong>de</strong> que os fazen<strong>de</strong>iros<br />

Repórter Marcos Losekann<br />

pagaram um cachê para que os PMs que estavam <strong>de</strong> folga<br />

vestiss<strong>em</strong> as fardas e s<strong>em</strong> a autorização do comando<br />

acompanhass<strong>em</strong> os oficiais <strong>de</strong> justiça na reintegração <strong>de</strong> posse<br />

da fazenda Goiás II, on<strong>de</strong> aconteceu o conflito. Cada um teria<br />

recebido 200 reais.”<br />

Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />

“Essa gravação mostra que os lí<strong>de</strong>res dos s<strong>em</strong>-terra sabiam<br />

que estavam marcados para morrer. Valentin Serra, o Doutor,<br />

fez esse discurso na frente do fórum <strong>de</strong> Parauapebas, uma<br />

s<strong>em</strong>ana antes <strong>de</strong> ser assassinado.”<br />

Fala <strong>de</strong> Valentin Serra “Eu venho para cá para a justiça e vou <strong>de</strong>nunciar que eles<br />

estão me ameaçando <strong>de</strong> morte.”<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />

(Jornal Nacional – 03/04/98)<br />

Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />

“O laudo dos legistas mostra que Valentin Serra foi morto<br />

com um único tiro no coração.”<br />

“Ainda segundo o laudo, Onalício Barros, o outro integrante<br />

do MST, levou cinco tiros. O último no coração, <strong>de</strong>pois que<br />

ele já estava morto.”<br />

199


R6<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: É preso o fazen<strong>de</strong>iro acusado <strong>de</strong> matar dois s<strong>em</strong>-terras.<br />

Imagens Áudio<br />

Apresentador William Bonner “O fazen<strong>de</strong>iro acusado <strong>de</strong> matar dois s<strong>em</strong>-terra no Pará está<br />

preso <strong>em</strong> Marabá.”<br />

William Bonner <strong>em</strong> off:<br />

“Carlos Antônio da Costa foi para a ca<strong>de</strong>ia usando colete à<br />

prova <strong>de</strong> balas. Os s<strong>em</strong>-terra foram mortos à 18 dias, quando o<br />

grupo saía da fazenda Goiás II, por or<strong>de</strong>m da justiça.”<br />

Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />

“Os s<strong>em</strong>-terra voltam a invadir na região do Pontal do<br />

Paranapan<strong>em</strong>a, SP. Estão nas fazendas Ipiranga e Santa Isabel,<br />

e diz<strong>em</strong> que quer<strong>em</strong> pressionar o governo para a criação <strong>de</strong><br />

mais assentamentos.”<br />

(Jornal Nacional – 13/04/98)<br />

200


OITAVO BLOCO<br />

R1<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 9 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Lí<strong>de</strong>res do MST são acusados <strong>de</strong> provocar saques no Nor<strong>de</strong>ste.<br />

Imagens Áudio<br />

“A Polícia Fe<strong>de</strong>ral vai pedir a prisão <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res do MST<br />

XXXXXXX<br />

acusados <strong>de</strong> provocar saques no Nor<strong>de</strong>ste. E os brasileiros que<br />

viv<strong>em</strong> longe da seca faz<strong>em</strong> campanha para arrecadar<br />

alimentos para os flagelados.”<br />

Repórter Mônica Silveira <strong>em</strong> off:<br />

“Um Sábado <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> Cuiabá. Mais <strong>de</strong> 150<br />

toneladas <strong>de</strong> alimentos e roupas foram arrecadadas <strong>em</strong> uma<br />

campanha organizada pela Polícia Rodoviária Fe<strong>de</strong>ral. As<br />

doações chegam Quinta-feira à Paraíba, ao Ceará e à<br />

Pernambuco.”<br />

Fala <strong>de</strong> Margarida Zanato (dona <strong>de</strong> casa) “Eu queria ir pessoalmente entregar para ver meus irmãos<br />

sofridos, porque 30 anos que você sai <strong>de</strong> uma terra e vê uma<br />

reportag<strong>em</strong> como aquela, não é fácil.”<br />

“Na se<strong>de</strong> da SUDENE no Recife, uma reunião para discutir<br />

Repórter Mônica Silveira<br />

segurança na área da seca. Como fazer para evitar a ação <strong>de</strong><br />

aproveitadores na distribuição <strong>de</strong> alimentos, e como evitar os<br />

saques?”<br />

Repórter Mônica Silveira <strong>em</strong> off:<br />

“Representantes das polícias <strong>de</strong> todos os estados do Nor<strong>de</strong>ste<br />

participaram da discussão com o ministro da justiça, Renan<br />

Calheiros, que anunciou a criação do disque paz, um serviço<br />

gratuito para receber <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> manipulação política dos<br />

saques. O ministro também divulgou uma lista com o nome <strong>de</strong><br />

17 pessoas acusadas <strong>de</strong> estimular os saques. 16 são do MST,<br />

entre elas o lí<strong>de</strong>r nacional do movimento, João Pedro Stédile.”<br />

Fala <strong>de</strong> Vicente Chelotti (policial fe<strong>de</strong>ral) “A própria participação <strong>de</strong>les, já são pressupostos que serão<br />

levadas <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração para que o <strong>de</strong>legado peça a prisão<br />

t<strong>em</strong>porária...”<br />

(Jornal Nacional – 09/05/98)<br />

201


R2<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 11 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Integrantes do MST po<strong>de</strong>m ser presos por incentivar saques no<br />

Nor<strong>de</strong>ste.<br />

Apresentador William Bonner, ao vivo<br />

(cromaki – estrada)<br />

Imagens Áudio<br />

1 – PG <strong>de</strong> pessoas e soldados carregando sacos <strong>de</strong><br />

alimentos e colocando-os <strong>em</strong> um caminhão.<br />

2 – mesma cena – outro ângulo.<br />

3 – mesma cena – outro ângulo.<br />

4 – PG <strong>de</strong> um avião do exército.<br />

5 – PG do Ministro da Justiça sentado <strong>em</strong> uma<br />

mesa <strong>de</strong> reuniões conversando com pessoas<br />

(repórteres).<br />

6 – Close frontal do Ministro.<br />

7 – Close <strong>de</strong> um papel – aparece na tela o número<br />

<strong>de</strong> um telefone.<br />

8 – Close do perfil do Ministro.<br />

9 – Close frontal do Ministro.<br />

10 – mesma cena n o 5<br />

11 – PG <strong>de</strong> soldados e caminhões com alimentos<br />

(imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> arquivo).<br />

12 – PM <strong>de</strong> perfil <strong>de</strong> manifestantes (alguns com<br />

bonés do MST) saqueando um armazém. (o<br />

cinegrafista parecia estar com a câmera levantada)<br />

(imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> arquivo).<br />

13 – PM <strong>de</strong> saqueadores (imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> arquivo).<br />

14 – Close <strong>de</strong> João Pedro Stédili dando <strong>de</strong>claração<br />

à imprensa. (não mostra que é uma imag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

arquivo)<br />

Fala da repórter Zilei<strong>de</strong> Silva<br />

(ao fundo: Palácio do Planalto)<br />

“A polícia fe<strong>de</strong>ral pe<strong>de</strong> a prisão preventiva <strong>de</strong> nove integrantes<br />

do MST, acusados <strong>de</strong> incentivar saques no Nor<strong>de</strong>ste. A justiça<br />

ainda vai <strong>de</strong>cidir se aceita ou não o pedido”.<br />

Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva <strong>em</strong> off:<br />

“Mais um dia <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>. São toneladas <strong>de</strong> doações,<br />

alimentos e roupas <strong>de</strong> toda a parte do Brasil para os<br />

municípios mais atingidos pela seca. Aqui <strong>em</strong> Brasília, o<br />

Ministério da Justiça lançou o disque paz. O telefone é 0800-<br />

61-0022, para receber qualquer tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia sobre<br />

manipulação política dos saques. Manipulação que o próprio<br />

Ministério já i<strong>de</strong>ntificou <strong>em</strong> saques na BR-428 e na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Arco Ver<strong>de</strong>- PE. Na <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> João Pedro Stédile, um dos<br />

principais lí<strong>de</strong>res do MST.<br />

“Além <strong>de</strong> João Pedro Stédile, o Ministério da Justiça<br />

conseguiu i<strong>de</strong>ntificar outros 8 participantes do MST e hoje a<br />

Polícia Fe<strong>de</strong>ral abriu inquérito contra todos por incitação ao<br />

crime. A polícia pediu ainda a prisão preventiva <strong>de</strong>les. Bispos<br />

da CNBB e o Ministro Cepúlbida Pertence do Supr<strong>em</strong>o<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral também <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram os saques, mas para o<br />

Ministério da Justiça, a situação <strong>de</strong>les é diferente.<br />

Fala do Ministro da Justiça, Renan Calheiros “Talvez tenham feito isso apenas por questões humanitárias,<br />

enquanto que setores do MST, as suas mais expressivas<br />

li<strong>de</strong>ranças, fizeram a <strong>de</strong>fesa da apologia do crime e da<br />

incitação ao saque e à violência, objetivando quebrar a or<strong>de</strong>m<br />

condicional e tirar divi<strong>de</strong>ndos políticos”....<br />

(Jornal Nacional – 11/05/98)<br />

202


R3<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 26 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Caminhões são saqueados por s<strong>em</strong>-terras <strong>em</strong> Pernambuco.<br />

Apresentador William Bonner<br />

(Jornal Nacional – 26/05/98)<br />

Imagens Áudio<br />

R4<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: MST faz novo saque.<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />

(Jornal Nacional – 27/05/98)<br />

“300 agricultores ligados ao MST roubam dois caminhões no<br />

interior <strong>de</strong> Pernambuco e exig<strong>em</strong> cestas básicas para <strong>de</strong>volver<br />

a carga. Os caminhões transportavam abóboras e gado. Foram<br />

parados na BR-116 e levados para um acampamento <strong>de</strong> s<strong>em</strong>terra<br />

próximo a Uripurí. O caminhão <strong>de</strong> abóboras foi<br />

esvaziado e liberado. O caminhão <strong>de</strong> gado só foi <strong>de</strong>volvido no<br />

meio da tar<strong>de</strong> <strong>em</strong> troca <strong>de</strong> 120 cestas básicas entregues pela<br />

prefeitura <strong>de</strong> Uripurí.”<br />

Imagens Áudio<br />

“O MST faz mais um saque no interior <strong>de</strong> Pernambuco. 400<br />

pessoas levaram 3000 cestas básicas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>pósito do<br />

governo fe<strong>de</strong>ral <strong>em</strong> Araipina. Uma mulher foi presa acusada<br />

<strong>de</strong> furto e formação <strong>de</strong> quadrilha. No acampamento <strong>em</strong><br />

Morocó, os alimentos saqueados eram trocados por cachaça.<br />

Oito integrantes envolvidos foram expulsos do grupo.”<br />

R5<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Novo ataque <strong>de</strong> saqueadores no sertão <strong>de</strong> Pernambuco.<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />

(Jornal Nacional – 12/06/98)<br />

Imagens Áudio<br />

“Um ataque <strong>de</strong> saqueadores no sertão <strong>de</strong> Pernambuco. Eles<br />

bloquearam a estrada <strong>em</strong> Santa Maria da Boa Vista, à 640 Km<br />

do Recife.”<br />

Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />

“O grupo do saque com 150 pessoas <strong>de</strong>scarregou <strong>em</strong> poucos<br />

minutos 3 carretas com 80 toneladas <strong>de</strong> feijão e açúcar. O<br />

motoristas apenas olhavam assustados. A carga avaliada <strong>em</strong><br />

61 mil reais foi dividida entre 200 famílias que a um ano<br />

ocupa uma fazenda <strong>em</strong> área irrigada, às margens do Rio São<br />

Francisco.”<br />

203


R6<br />

Data <strong>de</strong> exibição: 15 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998.<br />

T<strong>em</strong>a central: Presos s<strong>em</strong>-terras que vendiam alimentos saqueados.<br />

Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />

(Jornal Nacional – 15/06/98)<br />

Imagens Áudio<br />

“Quatro s<strong>em</strong>-terra foram presos hoje <strong>em</strong> Curatá, a 600 km <strong>de</strong><br />

Salvador. Eles foram flagrados ven<strong>de</strong>ndo alimentos saqueados<br />

<strong>de</strong> caminhões <strong>em</strong> Pernambuco.”<br />

204


APÊNDICE A<br />

Figura 1A - Revista S<strong>em</strong> Terra, jan./fev./mar. 1999:50.<br />

205


APÊNDICE B<br />

Figura 1B - Jornal dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra, ago. 1998:14.<br />

206


APÊNDICE E<br />

Figura 1E - Revista Imprensa, jun. 1996:26-27.<br />

164


APÊNDICE G<br />

Figura 1G - Jornal dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong> Terra, ago. 1998:20.<br />

165


APÊNDICE H<br />

GLOSSÁRIO<br />

Close - é o primeiro plano <strong>de</strong> enquadramento, muito próximo <strong>de</strong> um<br />

personag<strong>em</strong> ou <strong>de</strong> um assunto.<br />

Corte - <strong>em</strong>endo entre duas imagens. Po<strong>de</strong> ser instantâneo, brusco, como uma<br />

varredura (cortina), suave ou rápido, através do escurecimento ou<br />

branqueamento da imag<strong>em</strong> (fa<strong>de</strong> white).<br />

Off - texto lido por um repórter ou locutor que não está presente na tela.<br />

Pan ou panorâmica - é o movimento que a câmera faz <strong>em</strong> torno do seu eixo.<br />

É um movimento giratório e permite apresentar uma cena extensa <strong>de</strong> um<br />

ponto a outro.<br />

PM - plano médio - permite o enquadramento <strong>de</strong> um personag<strong>em</strong> mostrando<br />

também objetos do cenário.<br />

PG - plano geral - é o plano aberto, filmado <strong>de</strong> maneira distante do assunto,<br />

que permite o registro <strong>de</strong> todo o espaço on<strong>de</strong> o personag<strong>em</strong> ou personagens se<br />

interag<strong>em</strong>.<br />

166

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!