Andréia Zulato Marçolla - Programa de Pós-Graduação em ...
Andréia Zulato Marçolla - Programa de Pós-Graduação em ...
Andréia Zulato Marçolla - Programa de Pós-Graduação em ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
ANDRÉIA ZULATO MARÇOLLA<br />
O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA<br />
NO CONTEXTO DISCURSIVO DO JORNAL NACIONAL:<br />
A PALAVRA E A IMAGEM<br />
VIÇOSA<br />
MINAS GERAIS - BRASIL<br />
NOVEMBRO - 2000<br />
Tese apresentada à Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, como parte das<br />
exigências do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<br />
<strong>Graduação</strong> <strong>em</strong> Extensão Rural, para<br />
obtenção do título <strong>de</strong> “Magister<br />
Scientiae”.
ANDRÉIA ZULATO MARÇOLLA<br />
O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA<br />
NO CONTEXTO DISCURSIVO DO JORNAL NACIONAL:<br />
A PALAVRA E A IMAGEM<br />
APROVADA: 16 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1999.<br />
Tese apresentada à Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, como parte das<br />
exigências do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<br />
<strong>Graduação</strong> <strong>em</strong> Extensão Rural, para<br />
obtenção do título <strong>de</strong> “Magister<br />
Scientiae”.<br />
Antônio Luiz <strong>de</strong> Lima Guilherme Jorge <strong>de</strong> Rezen<strong>de</strong><br />
Alberto da Silva Jones José Benedito Pinho<br />
(Conselheiro)<br />
Geraldo Magela Braga<br />
(Orientador)
“Faze a tua viag<strong>em</strong> na Terra, <strong>em</strong> companhia do Amigo Celestial, <strong>de</strong> coração<br />
elevado à Vonta<strong>de</strong> Divina, <strong>de</strong> cabeça erguida na fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à religião do <strong>de</strong>ver<br />
b<strong>em</strong> cumprido, <strong>de</strong> consciência edificada no b<strong>em</strong> invariável e <strong>de</strong> braços ativos e<br />
diligentes na plantação das boas obras”.<br />
Dedico esta minha humil<strong>de</strong> obra,<br />
a Deus por ter me orientado <strong>em</strong> completar<br />
mais esta jornada <strong>de</strong> minha vida;<br />
ao meu filho e minha esperança, Leon;<br />
à minha gran<strong>de</strong> amiga Tatiana;<br />
ao meu amigo e companheiro, André Luís;<br />
ao pai do meu filho, Marcelo;<br />
a meus irmãos e amigos, Raquel e André Luís;<br />
meus tios e protetores, Heloísa e João;<br />
meus avós e anjos, João, Orcélia, Natalina e João (in m<strong>em</strong>oriam);<br />
e... meus progenitores... ELISABETH e LUIZ (in m<strong>em</strong>oriam),<br />
que, com certeza, na colônia espiritual <strong>em</strong> que se encontram, rezaram por mim,<br />
iluminando-me e fortalecendo-me nos momentos <strong>em</strong> que a sauda<strong>de</strong> tentava ser<br />
mais forte do que a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver e vencer.<br />
Venci mais uma etapa, mamãe e papai.<br />
Obrigada por ter<strong>em</strong> me permitido viver.<br />
Obrigada... por tudo.<br />
ii
AGRADECIMENTO<br />
Escrever uma tese é quase que gerar um filho. A sensação do <strong>de</strong>ver<br />
cumprido alivia a alma e o coração. Durante estes 30 meses que estive integrada<br />
ao <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Mestrado <strong>em</strong> Extensão Rural, muitos fatos ocorreram: satisfação,<br />
ansieda<strong>de</strong>, tensão, estresse, perdas..., vitórias e conquistas.<br />
Na fase final <strong>de</strong> elaboração e conclusão <strong>de</strong> minha tese, tive um "misto <strong>de</strong><br />
medo" por, supostamente, não conseguir alcançar meu objetivo e, ao mesmo<br />
t<strong>em</strong>po, minhas forças foram renovadas e minha esperança restaurada.<br />
Concluí. Venci. E, principalmente, estou feliz, por ter reencontrado com<br />
uma antiga conhecida. Uma mulher que há muitos anos também estava me<br />
procurando. Ao reencontrá-la, percebi que a distância que nos separava era<br />
causada pela minha insegurança por não ser eu mesma e não ter corag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />
tentar ser feliz. A esta mulher, que alguns chamam <strong>de</strong> “fortaleza”, agra<strong>de</strong>ço por<br />
ter me dado a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> buscar no espelho <strong>de</strong> minh’alma, a <strong>Andréia</strong><br />
autêntica, segura, feliz e amada.<br />
Agra<strong>de</strong>ço também a todos os meus amigos <strong>de</strong> curso que s<strong>em</strong>pre<br />
estiveram ao meu lado, me fortalecendo: Tatiana, minha irmazinha do coração<br />
(citar suas qualida<strong>de</strong>s implicaria <strong>em</strong> escrever outra tese); André Luis, a corag<strong>em</strong>,<br />
a sensatez, o amor <strong>em</strong> pessoa, o verda<strong>de</strong>iro amor que surgiu <strong>em</strong> minha vida;<br />
Romilda, a generosida<strong>de</strong> personificada; Silvaninha, a alegria contagiante; Geana,<br />
iii
a espontaneida<strong>de</strong> marcante; Bira, a simpatia nata; Nicolina, a maturida<strong>de</strong> sensata;<br />
Marluce, a força <strong>de</strong> ser mulher; Vânia, uma gran<strong>de</strong> amiga, <strong>em</strong> todos os<br />
momentos; Adriana, a sensibilida<strong>de</strong> coerente; Luiz Antônio, a serieda<strong>de</strong><br />
profissional; Malu, a beleza da alma; e Andréa Alice, a harmonia permanente. A<br />
vocês, agra<strong>de</strong>ço por ter<strong>em</strong> permitido que eu os qualificasse como meus amigos,<br />
sendo, para mim, um privilégio ter estado ao lado <strong>de</strong> vocês.<br />
Não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> l<strong>em</strong>brar pessoas muito importantes do<br />
Departamento <strong>de</strong> Economia Rural: Rosângela, Graça, Rita, Carminha, Helena,<br />
Luíza, D. Maria, Ruço, Brilhante, Tedinha e Ariadne. A vocês, agra<strong>de</strong>ço pela<br />
paciência, compreensão e pelo carinho. Ao simpático bolsista Marcelo, que me<br />
auxiliou <strong>em</strong> vários momentos na elaboração <strong>de</strong> minha tese.<br />
Aos professores dos quais fui aluna, orientada e aconselhada, recebendo<br />
quase que um tratamento paterno: José Geraldo, Lima, Pinho, Norberto, Fábio,<br />
Jones e Magela.<br />
À Secretaria Nacional do MST, <strong>em</strong> São Paulo, que me ce<strong>de</strong>u as<br />
reportagens analisadas <strong>em</strong> minha tese, especialmente ao Nilton. Ao Maurício<br />
Stédile que fez as cópias das reportagens e, principalmente, tornou-se meu<br />
amigo.<br />
À minha secretária Edna, por estar s<strong>em</strong>pre ao meu lado. À Rita, minha<br />
vizinha e gran<strong>de</strong> amiga, por tudo.<br />
Ao meu filhinho, pela paciência <strong>de</strong> permitir que sua mãezinha pu<strong>de</strong>sse,<br />
ao invés <strong>de</strong> “brincar hominhos”, escrever uma tese.<br />
A Deus e a meus queridos e saudosos papai e mamãe.<br />
iv
BIOGRAFIA<br />
ANDRÉIA ZULATO MARÇOLLA, filha <strong>de</strong> Luiz <strong>Marçolla</strong> e Elisabeth<br />
<strong>Zulato</strong> <strong>Marçolla</strong>, nasceu <strong>em</strong> 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1972, <strong>em</strong> Cataguases-MG.<br />
Em 1982, concluiu o primário na Escola Estadual Guido Marlière,<br />
Cataguases - MG; <strong>em</strong> 1986, o primeiro grau na Escola Estadual Manuel Inácio<br />
Peixoto; e <strong>em</strong> 1989, o segundo grau no curso científico da Escola Estadual<br />
Manuel Inácio Peixoto (diurno) e no curso <strong>de</strong> magistério da Escola Estadual<br />
Francisco Inácio Peixoto (noturno).<br />
Em 1991, passou no vestibular <strong>de</strong> Comunicação Social da Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora, tendo concluído o curso, com habilitação <strong>em</strong> Jornalismo,<br />
<strong>em</strong> 1994.<br />
Em 1997, foi selecionada para o <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Mestrado <strong>em</strong> Extensão<br />
Rural da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, tendo <strong>de</strong>fendido tese <strong>em</strong> 16 <strong>de</strong><br />
set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1999.<br />
v
CONTEÚDO<br />
vi<br />
Página<br />
EXTRATO ................................................................................................ x<br />
ABSTRACT .............................................................................................. xii<br />
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................... 1<br />
1.1. O contexto agrário brasileiro .......................................................... 1<br />
1.1.1. A trajetória <strong>de</strong> lutas dos trabalhadores rurais ........................... 3<br />
1.1.2. Os rumores da reforma agrária brasileira ................................. 4<br />
1.2. O movimento dos trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra .......................... 6<br />
1.2.1. I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ................................................................................. 7<br />
1.2.2. Trabalho e classe social ........................................................... 10<br />
1.2.3. Educação .................................................................................. 12<br />
1.2.4. A violência física ..................................................................... 13<br />
1.2.4.1. Massacres e ecos das violências ......................................... 15
vii<br />
Página<br />
1.2.5. A violência simbólica .............................................................. 19<br />
1.2.5.1. Segregação e representação social ..................................... 20<br />
1.2.5.2. O controle social ................................................................ 22<br />
1.3. O probl<strong>em</strong>a e sua importância ........................................................ 24<br />
1.3.1. A linguag<strong>em</strong> e a palavra .......................................................... 27<br />
1.3.2. O acirramento dos confrontos .................................................. 31<br />
2. OBJETIVOS .......................................................................................... 36<br />
2.1. Geral ............................................................................................... 36<br />
2.2. Específicos ..................................................................................... 36<br />
3. REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................. 38<br />
3.1. Os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e o domínio social ................ 38<br />
3.1.1. A formação da indústria cultural brasileira .............................. 43<br />
3.1.2. A televisão e suas mediações ................................................... 47<br />
3.2. A Re<strong>de</strong> Globo e o Jornal Nacional ................................................ 50<br />
3.2.1. O padrão <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> do Jornal Nacional e sua imag<strong>em</strong> ...... 53<br />
3.2.2. Mudanças e novas “maquiagens” do Jornal Nacional ............ 57<br />
3.3. O telejornalismo e o monopólio da linguag<strong>em</strong> televisiva .............. 61<br />
3.3.1. A relação entre a linguag<strong>em</strong> verbal e icônica no telejornalismo<br />
...........................................................................................<br />
3.3.1.1. A objetivação e a ancorag<strong>em</strong> ............................................. 67<br />
3.3.2. O condicionamento i<strong>de</strong>ológico no telejornalismo ................... 72<br />
3.3.3. A produção <strong>de</strong> notícias e a filtrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> informações .............. 75<br />
65
viii<br />
Página<br />
3.3.4. A linguag<strong>em</strong> jornalística e seu funcionamento discursivo ...... 80<br />
3.3.4.1. O discurso telejornalístico .................................................. 83<br />
3.3.5. Pistas teóricas sobre os aspectos discursivos do Jornal Nacional<br />
......................................................................................<br />
4. METODOLOGIA .................................................................................. 91<br />
4.1. Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise ......................................................................... 91<br />
4.2. Método analítico ............................................................................. 91<br />
4.3. Coleta <strong>de</strong> dados .............................................................................. 94<br />
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................... 95<br />
5.1. Primeiro bloco <strong>de</strong> análise: a força argumentativa das palavras ..... 95<br />
5.2. Segundo bloco <strong>de</strong> análise: as autorida<strong>de</strong>s como protagonistas da<br />
cena discursiva ...............................................................................<br />
5.3. Terceiro bloco <strong>de</strong> análise: os sujeitos da enunciação - os contrapontos<br />
discursivos e as vozes ocultas ........................................<br />
5.4. Quarto bloco <strong>de</strong> análise: o contexto das imagens na construção<br />
do espetáculo da notícia .................................................................<br />
5.5. Quinto bloco <strong>de</strong> análise: o discurso do po<strong>de</strong>r governamental como<br />
espetáculo político ...................................................................<br />
5.6. Sexto bloco <strong>de</strong> análise: rel<strong>em</strong>brando o massacre <strong>de</strong> Eldorado dos<br />
Carajás - o ato <strong>de</strong> <strong>em</strong>ocionar a opinião pública, visando a<br />
legitimação do po<strong>de</strong>r .....................................................................<br />
5.7. Sétimo bloco <strong>de</strong> análise: o ciclo da violência anunciada ............... 127<br />
5.8. Oitavo bloco <strong>de</strong> análise: os saques no Nor<strong>de</strong>ste - do fenômeno<br />
seca à construção <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> social .....................................<br />
6. RESUMO E CONCLUSÕES ................................................................ 140<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 146<br />
87<br />
100<br />
104<br />
112<br />
116<br />
122<br />
132
ix<br />
Página<br />
APÊNDICES ............................................................................................. 159<br />
APÊNDICE A ........................................................................................... 160<br />
APÊNDICE B ............................................................................................ 161<br />
APÊNDICE C ............................................................................................ 162<br />
APÊNDICE D ........................................................................................... 163<br />
APÊNDICE E ............................................................................................ 164<br />
APÊNDICE F ............................................................................................ 165<br />
APÊNDICE G ........................................................................................... 208<br />
APÊNDICE H ........................................................................................... 209
EXTRATO<br />
MARÇOLLA, <strong>Andréia</strong> <strong>Zulato</strong>, M.S., Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, nov<strong>em</strong>bro<br />
<strong>de</strong> 2000. O Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra no<br />
contexto discursivo do Jornal Nacional: a palavra e a imag<strong>em</strong>.<br />
Orientador: Geraldo Magela Braga. Conselheiros: Franklin Daniel Rothman<br />
e José Benedito Pinho.<br />
A questão da Reforma Agrária po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>rada ultrapassada,<br />
pouco interessante ou s<strong>em</strong> proporções nacionais se tivesse <strong>de</strong> fato acontecido. No<br />
entanto, a Reforma Agrária no Brasil, infelizmente ainda é sinônimo <strong>de</strong> revolta,<br />
lutas entre policiais e s<strong>em</strong>-terras, injustiças e mortes <strong>de</strong> inocentes. Des<strong>de</strong> a época<br />
da colonização, o Brasil enfrenta sérios probl<strong>em</strong>as com relação às suas terras.<br />
Através da discriminação racial e abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, o povo brasileiro v<strong>em</strong><br />
sofrendo, amargamente, a falta <strong>de</strong> espaço para plantar sua sobrevivência. A<br />
questão agrária começou a ser vista com “outros olhos” pela população brasileira<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1995, <strong>de</strong>vido à tenacida<strong>de</strong> do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais<br />
S<strong>em</strong> Terra), criando s<strong>em</strong>pre fatos novos. Ocorreu também mudança do enfoque<br />
da mídia <strong>em</strong> relação aos probl<strong>em</strong>as da terra e dos s<strong>em</strong>-terra. Como pano <strong>de</strong><br />
fundo, t<strong>em</strong>-se a crise da agricultura, expulsando ainda um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />
produtores familiares, e o aumento do <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego urbano. Como os recentes<br />
massacres foram expostos na mídia e invadiram os lares dos brasileiros, inclusive<br />
x
no exterior, parece que está se operando um <strong>de</strong>spertar da socieda<strong>de</strong> para o<br />
probl<strong>em</strong>a agrário, com sentimentos <strong>de</strong> indignação e <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> mudança. Mas<br />
n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre a mídia está do lado dos oprimidos. O po<strong>de</strong>r das palavras e das<br />
imagens, das relações políticas e econômicas às vezes acabam por distorcer os<br />
fatos, mostrando à socieda<strong>de</strong> uma visão i<strong>de</strong>ológica da “luta” do movimento. O<br />
presente trabalho intenta-se a analisar o discurso sobre o MST que é veiculado<br />
pela Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão, através do Jornal Nacional, no contexto da<br />
palavra e da imag<strong>em</strong>, focalizando reportagens veiculadas no período<br />
correspon<strong>de</strong>nte a janeiro <strong>de</strong> 1997 a junho <strong>de</strong> 1998. Propõe-se compreen<strong>de</strong>r o<br />
processo discursivo do Jornal Nacional, enquanto uma forma específica da<br />
i<strong>de</strong>ologia que caracteriza a mensag<strong>em</strong> veiculada no espaço público <strong>de</strong> um<br />
programa da indústria cultural, referente à palavra e à imag<strong>em</strong>, i<strong>de</strong>ntificando ou<br />
não a manipulação da mensag<strong>em</strong> e o uso do po<strong>de</strong>r da <strong>em</strong>issora (<strong>em</strong>presa) <strong>em</strong><br />
questão. É ainda proposto pelo estudo comparar as manchetes das reportagens<br />
(verbal) com propriamente as reportagens exibidas (imag<strong>em</strong>); observar nas<br />
reportagens o espaço que tiveram os s<strong>em</strong>-terra para falar sobre os probl<strong>em</strong>as<br />
agrários, assim como também os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s ligadas à questão<br />
da reforma agrária; questionar se houve para os sujeitos falantes envolvidos com<br />
o assunto, t<strong>em</strong>pos iguais para argumentação, <strong>de</strong>svendando o processo<br />
comunicativo do texto telejornalístico (i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e status dos falantes).<br />
xi
ABSTRACT<br />
MARÇOLLA, <strong>Andréia</strong> <strong>Zulato</strong>, M.S., Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, Nov<strong>em</strong>ber<br />
2000. The Mov<strong>em</strong>ents of the Workers Rural Without-Earth in the<br />
discursive context of the National Newspaper: the word and the image.<br />
Adviser: Geraldo Magela Braga. Committee M<strong>em</strong>bers: Franklin Daniel<br />
Rothman and José Benedito Pinho.<br />
The subject of the Agrarian Reform could be consi<strong>de</strong>red surpassed, not<br />
very interesting or without national proportions if it had happened in fact.<br />
However, the Agrarian Reform in Brazil, unhappily still is synonymous of revolt,<br />
fights among polic<strong>em</strong>en and without-lands, injustices and <strong>de</strong>aths of innocent.<br />
From the time of the colonization, Brazil faces serious probl<strong>em</strong>s with<br />
relationship to its lands. Through the racial discrimination and abuse of power,<br />
the Brazilian people come suffering, bitterly, the lack of a space to plant its<br />
survival. The agrarian subject began to be seen with " other eyes " by the<br />
Brazilian population since 1995, due to the tenacity of MST, Mov<strong>em</strong>ent of the<br />
Rural Workers Without Earth, always creating new facts. It also happened a<br />
change of the focus of the media in relation to the probl<strong>em</strong>s of the earth and of<br />
the without-earth. As fund cloth, the crisis of the agriculture is had, still expelling<br />
a great number of family producers, and the increase of the urban un<strong>em</strong>ployment.<br />
As the recent massacres were exposed in the media and they inva<strong>de</strong>d the lares of<br />
xii
the Brazilians, besi<strong>de</strong>s in the exterior, it se<strong>em</strong>s that an awakening of the society is<br />
being operated for the agrarian probl<strong>em</strong>, with indignation feelings and change<br />
<strong>de</strong>sires. But not always the media is besi<strong>de</strong> the oppressed ones. The power of the<br />
words and of the image, of the political and economic relationships they<br />
sometimes end for distorting the facts, showing to the society a negative vision of<br />
the " fight " of the mov<strong>em</strong>ent. The present work is att<strong>em</strong>pted to analyze the<br />
speech on MST that it is transmitted by the Net Globe of Television, through the<br />
National Newspaper, in the context of the word and of the image, focalizando<br />
reports transmitted in the period corresponding to January of 1997 to June of<br />
1998. He/she intends to un<strong>de</strong>rstand the discursive process of the National<br />
Newspaper, while a specific form of the i<strong>de</strong>ology that characterizes the message<br />
transmitted in the public space of a program of the cultural industry, referring to<br />
the word and the image, i<strong>de</strong>ntifying or not the manipulation of the message and<br />
the use of the power of the radio station (company) in subject. It is still proposed<br />
by the study to compare the headlines of the reports (verbal), with properly the<br />
exhibited reports (image); to observe in the reports the space that you/they had<br />
the without-earth to speak on the agrarian probl<strong>em</strong>s, as well as also the<br />
<strong>de</strong>positions of authorities linked to the subject of the agrarian reform; to question<br />
there were for the subject speakers involved with the subject, the same times for<br />
argument, unmasking the talkative process of the text telejornalístico (i<strong>de</strong>ntities<br />
and the speakers' status).<br />
xiii
1.1. O contexto agrário brasileiro<br />
1. INTRODUÇÃO<br />
(...) na tradição dos livros, na tradição da pesquisa acadêmica, ficou mais<br />
marcada a expressão “Questão Agrária”. Acho que ela ajuda a isolar o<br />
probl<strong>em</strong>a. Se nós tratáss<strong>em</strong>os como “probl<strong>em</strong>a do campo”, “probl<strong>em</strong>a<br />
agrário”, ficaria mais fácil começar a discutir e enten<strong>de</strong>r o que é a questão<br />
agrária. 1<br />
As terras brasileiras, há 500 anos, vêm sendo disputadas, cobiçadas e<br />
usadas como esteio do po<strong>de</strong>r e da dominação. A história da ocupação da terra é a<br />
própria história do Brasil, on<strong>de</strong> lutas, conquistas e <strong>de</strong>rrotas somam-se à covardia,<br />
corag<strong>em</strong> e i<strong>de</strong>ais. De t<strong>em</strong>pos <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos, nos momentos marcantes <strong>de</strong> mudanças,<br />
explo<strong>de</strong> a violência no campo. Para os trabalhadores rurais, a vida se confun<strong>de</strong><br />
com a luta. Quanto aos donos das terras, estes usam do capital e do po<strong>de</strong>r para<br />
assimilar<strong>em</strong> à vida o contexto da dominação.<br />
A luta pela terra no Brasil não se resume apenas <strong>em</strong> um conflito entre<br />
s<strong>em</strong>-terras e latifundiários, que é a luta geral do Brasil. As elites brasileiras<br />
s<strong>em</strong>pre quiseram diferenciar o campo da cida<strong>de</strong>. Estas mesmas elites, sejam<br />
rurais ou urbanas, tentam ainda manter a questão agrária fora dos gran<strong>de</strong>s t<strong>em</strong>as<br />
nacionais, associados a financiamentos internos e externos, seguidos <strong>de</strong> uma<br />
1 STÉDILE (1984:307).<br />
14
política fundiária, que cont<strong>em</strong>ple os <strong>de</strong>spossuídos, os <strong>de</strong>serdados urbanos e<br />
rurais. Ou mesmo agregando novos trabalhadores à produção agrícola, a partir <strong>de</strong><br />
uma solução para o probl<strong>em</strong>a fundiário.<br />
No Brasil há 8.511.965 km 2 <strong>de</strong> terras. Exist<strong>em</strong> 409,5 milhões <strong>de</strong> hectares<br />
pertencentes aos latifúndios, sendo que quase a meta<strong>de</strong>, 41% da área explorável,<br />
não é aproveitada. São 12 milhões <strong>de</strong> trabalhadores s<strong>em</strong>-terra ou com pouca<br />
terra, s<strong>em</strong> contar aqueles que saíram do campo <strong>de</strong>finitivamente (FERNANDES,<br />
1997).<br />
Os sucessivos projetos governamentais s<strong>em</strong>pre esbarraram na força dos<br />
latifundiários, dos coronéis <strong>de</strong> engenho, dos monopólios agrícolas e <strong>de</strong> grupos<br />
que vê<strong>em</strong> a terra, portanto, os s<strong>em</strong>-terras, pequenos e médios produtores e<br />
trabalhadores rurais, como um “it<strong>em</strong> secundário, s<strong>em</strong> perspectivas <strong>de</strong> integração<br />
ao processo econômico geral”. Isso ocorre para mantê-los <strong>de</strong>serdados, <strong>de</strong> acordo<br />
com FERNANDES (1997).<br />
A carência <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> reforma agrária, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
econômico e <strong>de</strong> integração do hom<strong>em</strong> à terra, sob o ponto <strong>de</strong> vista econômico,<br />
social e político, <strong>de</strong>s<strong>em</strong>boca na ânsia do hom<strong>em</strong> do campo por um pedaço <strong>de</strong><br />
terra. Em sua resistência às elites armadas, batendo <strong>de</strong> frete com o aparato militar<br />
do Estado, os trabalhadores rurais buscam se armar, se organizar, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo um<br />
projeto <strong>de</strong> ocupação e participação numa socieda<strong>de</strong> que os exclui.<br />
A luta pela terra envolve todos os trabalhadores rurais e os chamados<br />
s<strong>em</strong>-terra. O avanço do capital no campo, <strong>de</strong>ntro do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> acumulação<br />
concentrador e exclu<strong>de</strong>nte, resulta <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> contingente <strong>de</strong> trabalhadores s<strong>em</strong>-<br />
terra e s<strong>em</strong> trabalho. São trabalhadores que nada mais têm a per<strong>de</strong>r.<br />
A luta dos s<strong>em</strong>-terra apresenta alto grau <strong>de</strong> radicalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> organização<br />
<strong>em</strong> torno do objetivo imediato b<strong>em</strong> <strong>de</strong>finido, que é a conquista pela terra. Esta<br />
luta alcança alto nível político, porque atinge a principal fonte <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r no<br />
campo: a proprieda<strong>de</strong> da terra. Mas ela t<strong>em</strong> um limite <strong>de</strong>finido, pois, uma vez<br />
conquistada a terra, ela muda <strong>de</strong> natureza, passando a se caracterizar como a luta<br />
contra a política agrícola. Esta luta dá-se no campo da produção e na exploração<br />
indireta do trabalho, constituindo <strong>em</strong> uma luta <strong>de</strong> enfrentamento com o Estado.<br />
15
1.1.1. A trajetória <strong>de</strong> lutas dos trabalhadores rurais<br />
As lutas <strong>de</strong> classes especificamente agrárias não estão, apesar das suas<br />
especificida<strong>de</strong>s, submetidas apenas às influências da realida<strong>de</strong> agrária, mas<br />
estão inseridas no cenário geral da economia, da socieda<strong>de</strong>, da política e<br />
conseqüent<strong>em</strong>ente das lutas <strong>de</strong> classe na sua globalida<strong>de</strong>. 2<br />
A luta pela terra é antiga no Brasil. Durante séculos os trabalhadores vêm<br />
enfrentando as armas da polícia, do exército e dos gran<strong>de</strong>s proprietários, pelo<br />
direito <strong>de</strong> viver e trabalhar na terra. Índios, negros e camponeses enfrentam os<br />
po<strong>de</strong>rosos, tentando <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r ao menos sua dignida<strong>de</strong>. Como evidência t<strong>em</strong>-se a<br />
guerra <strong>de</strong> Canudos, <strong>de</strong> 1896 a 1897, no interior da Bahia, envolvendo 30 mil<br />
homens s<strong>em</strong>-terra; e a guerra do Contestado, <strong>de</strong> 1912 a 1916, na fronteira do<br />
Paraná com Santa Catarina, on<strong>de</strong> lutaram 20 mil homens.<br />
Estes movimentos, como outros <strong>de</strong> várias regiões do país, eram<br />
marcados por forte sentimento religioso, mas foram duramente reprimidos<br />
porque se colocavam contra os interesses dos gran<strong>de</strong>s proprietários <strong>de</strong> terra.<br />
FERNANDES (1997) afirma que <strong>em</strong> 1930 foi criado o primeiro<br />
sindicato <strong>de</strong> trabalhadores rurais no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Mas é a partir <strong>de</strong> 1945, com o<br />
fim da ditadura do Estado Novo, que a luta no campo começa a avançar com<br />
novas formas <strong>de</strong> organização.<br />
A década <strong>de</strong> 50 foi marcada pelo crescimento e radicalização da luta<br />
organizada dos trabalhadores rurais, abrangendo todo o país. Em 1953 eclodia o<br />
conflito dos posseiros <strong>de</strong> Trombas e Formoso, norte <strong>de</strong> Goiás, contra os grileiros.<br />
Em 1954 foi criada <strong>em</strong> São Paulo a União dos Lavradores e Trabalhadores<br />
Agrícolas do Brasil (ULTAB), objetivando organizar e coor<strong>de</strong>nar a luta dos<br />
trabalhadores rurais, propondo aliança entre camponeses e operários.<br />
Já <strong>em</strong> 1955, a partir da criação da Socieda<strong>de</strong> Agrícola e Pecuária dos<br />
Plantadores <strong>de</strong> Pernambuco, pelos arrendatários do engenho da Galiléia, surg<strong>em</strong><br />
as Ligas Camponesas. As Ligas tinham como centro <strong>de</strong> luta a reforma agrária “na<br />
lei ou na marra”. Lutavam pela <strong>de</strong>mocratização do acesso à terra, pelo fim do<br />
latifúndio e por melhores condições <strong>de</strong> vida do povo brasileiro, visando <strong>de</strong>spertar<br />
2 GERMER (1984:260).<br />
16
a consciência dos trabalhadores rurais. As Ligas Camponesas foram<br />
violentamente reprimidas, seus lí<strong>de</strong>res mortos, sua organização <strong>de</strong>struída, sendo<br />
extintas com o golpe militar <strong>de</strong> 1964 (FERNANDES, 1997).<br />
1.1.2. Os rumores da reforma agrária brasileira<br />
(...) a questão da Reforma Agrária não faz mais do que <strong>de</strong>stacar vários<br />
aspectos probl<strong>em</strong>áticos <strong>de</strong>ssa vida inter-estrutural, inter-funcional necessária,<br />
que evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente começou há muitos séculos. 3<br />
No período que antece<strong>de</strong>u o golpe militar <strong>de</strong> 1964, a reforma agrária era<br />
assumida por toda a socieda<strong>de</strong> brasileira, transformando-se <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> campanha<br />
nacional. A luta tornou-se tão ampla que assustou os conservadores e passou a<br />
ameaçar os latifúndios. Neste período, o movimento dos trabalhadores rurais<br />
cresceu e, no final <strong>de</strong> 1963, a partir da ULTAB, foi criada a Confe<strong>de</strong>ração<br />
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), reconhecida <strong>em</strong> 31 <strong>de</strong><br />
janeiro <strong>de</strong> 1964 (FERNANDES, 1997).<br />
Com o golpe militar, o Presi<strong>de</strong>nte João Goulart foi <strong>de</strong>posto, reprimidos<br />
os trabalhadores e <strong>de</strong>struídas suas organizações. Mas durante o período militar,<br />
apesar do autoritarismo e da violência, os trabalhadores rurais continuaram sua<br />
luta.<br />
A lei mais importante que foi elaborada pelo regime militar para tratar da<br />
questão da terra é o Estatuto da Terra, lei 4.504, <strong>de</strong> 30.11.64. Foi uma resposta à<br />
luta do povo brasileiro pela mudança <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong>sigual, através da<br />
reforma agrária. Mas a lei também foi uma exigência dos gran<strong>de</strong>s latifundiários<br />
para proteger os seus interesses. Até hoje só foi aplicada no que beneficia os<br />
gran<strong>de</strong>s proprietários e <strong>de</strong> acordo com a política agrícola <strong>de</strong>finida no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento econômico do governo (SILVA, 1996).<br />
O IBRA (Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Reforma Agrária), criado para<br />
impl<strong>em</strong>entar o Estatuto da Terra, foi substituído <strong>em</strong> 1971 pelo INCRA (Instituto<br />
<strong>de</strong> Colonização e Reforma Agrária), com a intenção <strong>de</strong> tratar as questões do<br />
campo através da colonização, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado a reforma agrária.<br />
3 VELA (1987:68).<br />
17
Para atacar o probl<strong>em</strong>a da luta pela terra foram criados, <strong>em</strong> 1980, outros<br />
órgãos, como o GETAT (Grupo Executivo <strong>de</strong> Terras do Araguaia-Tocantins),<br />
GEBAN (Grupo Executivo <strong>de</strong> Terras do Baixo Amazonas) e <strong>de</strong>pois o MEAF<br />
(Ministério <strong>de</strong> Assuntos Fundiários), ligados ao Conselho <strong>de</strong> Segurança<br />
Nacional, passando as terras no Brasil a ser<strong>em</strong> tratadas como uma questão<br />
puramente militar.<br />
Apesar <strong>de</strong>, no Estatuto da Terra, constar<strong>em</strong> os el<strong>em</strong>entos necessários<br />
para a reforma agrária e agrícola, o resultado da política durante o regime militar<br />
foi <strong>de</strong>sastroso. Em conseqüência disso, entre 1970 e 1980, saíram do campo 16<br />
milhões <strong>de</strong> pessoas (FERNANDES, 1997).<br />
A década <strong>de</strong> 80 inicia-se com o movimento sindical dos trabalhadores<br />
rurais fortalecido. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, o governo tomou medidas para acabar com<br />
as lutas no campo, mas que não significavam a resolução dos probl<strong>em</strong>as.<br />
Em 1983, a CONTAG, junto a outras entida<strong>de</strong>s, inicia uma campanha<br />
nacional pela reforma agrária, que se intensifica <strong>em</strong> 1984, com as realização <strong>de</strong><br />
encontros <strong>de</strong> trabalhadores rurais <strong>em</strong> todos os Estados.<br />
O governo do Presi<strong>de</strong>nte João Figueiredo, além da repressão armada,<br />
adota novas medidas legais como a regularização <strong>de</strong> títulos <strong>de</strong> minúsculas<br />
parcelas <strong>de</strong> terra nas áreas <strong>de</strong> maior incidência dos conflitos. Essa ação <strong>de</strong> caráter<br />
paternalista, além <strong>de</strong> atingir parcela insignificante dos trabalhadores,<br />
representava a tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>smoralizar a sua organização e a sua luta. Por outro<br />
lado, representava a interferência do governo militar no sentido <strong>de</strong> facilitar a<br />
invasão das terras por gran<strong>de</strong>s grupos econômicos, inclusive multinacionais.<br />
Em 1984, o General Figueiredo apresenta um relatório, constando ter<strong>em</strong><br />
sido distribuídos pelo regime militar um milhão <strong>de</strong> títulos <strong>de</strong> terra através do<br />
INCRA. E a reforma agrária, assunto proibido até então, passa a ser o t<strong>em</strong>a<br />
central da propaganda <strong>de</strong>magógica do regime. “Fiz<strong>em</strong>os a maior Reforma<br />
Agrária do mundo. Um milhão <strong>de</strong> títulos <strong>de</strong> terras foram distribuídos”, dizia o<br />
General. Na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> acordo com FERNANDES (1997), o que se fez foi uma<br />
manipulação <strong>de</strong> dados para apresentar, às mídias, através da televisão, o milagre<br />
do regime militar, da multiplicação da terra.<br />
18
No governo da Nova República aumentou a violência no campo. O Plano<br />
da reforma agrária, apesar <strong>de</strong> limitado, trouxe esperança para os trabalhadores <strong>de</strong><br />
ver a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhorar sua vida. Mas os latifundiários começaram a usar<br />
todo tipo <strong>de</strong> violência para intimidar os trabalhadores e impedir a reforma<br />
agrária. Criaram uma po<strong>de</strong>rosa organização, a União D<strong>em</strong>ocrática Ruralista<br />
(UDR). Desta forma, usando do seu po<strong>de</strong>r e apoiados na UDR, os latifundiários<br />
lançam contra os trabalhadores um esqu<strong>em</strong>a <strong>de</strong> repressão armada, ameaçando e<br />
matando trabalhadores, sindicalistas, padres, advogados e outros que apoiavam<br />
as lutas dos trabalhadores rurais (FERNANDES, 1997).<br />
Através da manipulação, a UDR arma um esqu<strong>em</strong>a <strong>de</strong> enganação e <strong>de</strong><br />
intimidação para arregimentar os próprios trabalhadores para participar<strong>em</strong> das<br />
manifestações contra a reforma agrária. Na década <strong>de</strong> 90 a UDR per<strong>de</strong> força, mas<br />
os latifundiários e <strong>em</strong>presários rurais têm uma forte representação no Congresso<br />
Nacional. E é nesse clima político-social que os trabalhadores buscam novas<br />
formas <strong>de</strong> ação e <strong>de</strong> organização.<br />
1.2. O movimento dos trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra<br />
E eles vêm vindo. Pouco a pouco, e s<strong>em</strong>pre, eles v<strong>em</strong> vindo.<br />
Acampamento após acampamento. Beira <strong>de</strong> estrada após beira <strong>de</strong><br />
estrada, os s<strong>em</strong>-terra traz<strong>em</strong> para o primeiro plano o que s<strong>em</strong>pre esteve<br />
no fundo da paisag<strong>em</strong> brasileira. E fundam ali, naquele canto <strong>de</strong> terra, o<br />
país que po<strong>de</strong>m. Abaixo do céu e à sombra <strong>de</strong> uma ban<strong>de</strong>ira que<br />
s<strong>em</strong>pre os econ<strong>de</strong>u, o s<strong>em</strong>-terra resiste. Cercados, espicaçados,<br />
ilhados, acuados, enquanto o país conversa, a longa fila dos<br />
acampados não para <strong>de</strong> crescer. 4<br />
A antiga luta pela terra no Brasil, mesmo envolvendo muitas pessoas, às<br />
vezes milhares, ocorreu <strong>de</strong> forma localizada. A partir do final da década <strong>de</strong> 70,<br />
quando os trabalhadores foram sendo expropriados e expulsos <strong>de</strong> suas terras<br />
como resultado do avanço do capital no campo, tal luta se torna mais ampla e<br />
mais expressiva.<br />
4 RUFINO (1991).<br />
19
O Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra (MST) é uma<br />
organização <strong>de</strong> caráter nacional, que t<strong>em</strong> princípios e objetivos b<strong>em</strong> <strong>de</strong>finidos,<br />
que extrapolam a luta imediata das diversas categorias <strong>de</strong> trabalhadores que o<br />
movimento engloba.<br />
FERNANDES (1997) afirma que o MST é hoje o mais importante movi-<br />
mento <strong>de</strong> trabalhadores no Brasil, envolvendo milhares <strong>de</strong> trabalhadores <strong>em</strong> todo<br />
o país, expondo claramente um caráter <strong>de</strong> luta política que explicita a probl<strong>em</strong>á-<br />
tica central da questão agrária, mostrando a gran<strong>de</strong> força que representam os<br />
trabalhadores organizados, frente ao governo e às classes dominantes.<br />
1.2.1. I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
A personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha o papel <strong>de</strong> mobilização e <strong>de</strong> direção enquanto<br />
encarna as mais altas virtu<strong>de</strong>s e aspirações do povo e enquanto não se afasta<br />
do caminho 5 (Ernesto Che Guevara).<br />
De acordo com LANE (1983), a relação do nosso eu com os outros e a<br />
nossa própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social são resultados <strong>de</strong> condicionantes psicossociais<br />
on<strong>de</strong>, <strong>em</strong> parte, somos <strong>de</strong>terminados a agir <strong>de</strong> acordo com o que as pessoas que<br />
nos cercam julgam ser a<strong>de</strong>quado. A autora expõe que <strong>em</strong> cada grupo social<br />
encontramos normas que reg<strong>em</strong> as relações entre os indivíduos e <strong>em</strong> relação a<br />
todos que nos cercam exist<strong>em</strong> expectativas <strong>de</strong> comportamentos mais ou menos<br />
<strong>de</strong>finidos. Ressalta-se que “quanto mais a relação social for fundamental para a<br />
manutenção do grupo e da socieda<strong>de</strong>, mais precisas e rígidas são as normas que a<br />
<strong>de</strong>fin<strong>em</strong>”. LANE (1983) ainda questiona se a nossa individualida<strong>de</strong> não fica<br />
comprometida se apenas <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhamos papéis <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>.<br />
COSTA (s.d.) elucida o conceito, afirmando que i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é tudo que o<br />
sujeito experiência como sendo “eu”, <strong>em</strong> oposição aquilo como “não-eu” - o<br />
outro. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é resultante <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> representações<br />
articulados e distintos entre si, correspon<strong>de</strong>ndo cada uma ao modo do sujeito<br />
articular-se ao universo sócio-cultural. Assim, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser retratada<br />
5 Revista S<strong>em</strong>-Terra, jul./ago./set. 1997.<br />
20
como i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> religiosa, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
classe, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> profissional, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> política.<br />
O autor afirma que as diversas feições da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> possu<strong>em</strong> regras <strong>de</strong><br />
formação e reprodução baseadas <strong>em</strong> normas que orientam o sujeito no<br />
cumprimento e no julgamento <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho i<strong>de</strong>ntificatório.<br />
Com relação à formação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social dos s<strong>em</strong>-terra, que é<br />
representado pelo MST como um todo, percebe-se que ela foi sendo construída<br />
com o t<strong>em</strong>po, através <strong>de</strong> lutas sociais, que marcaram a história do Brasil. O MST<br />
é a continuida<strong>de</strong> das lutas camponesas, <strong>em</strong> uma nova fase. Durante a Colônia (até<br />
o final <strong>de</strong> 1800), os índios e negros protagonizavam essa luta, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo<br />
territórios invadidos pelos ban<strong>de</strong>irantes e colonizadores, ou unindo a luta pela<br />
liberda<strong>de</strong> com a da terra própria e construindo os quilombos. No final do século<br />
XIX e início do século XX, surgiram movimentos camponeses messiânicos, que<br />
seguiam um lí<strong>de</strong>r carismático. São ex<strong>em</strong>plares os movimentos <strong>de</strong> Canudos, com<br />
Antônio Conselheiro; do Contestado, com Monge José Maria; o Cangaço, com<br />
Lampião, e diversas lutas regionalizadas.<br />
Nas décadas <strong>de</strong> 30 e 40 ocorreram conflitos violentos, <strong>em</strong> diversas<br />
regiões, com posseiros <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo suas áreas, individualmente, com armas nas<br />
mãos. Entre 1950 e 1964, como já referido, o movimento camponês organizou-se<br />
enquanto classe, surgindo as Ligas Camponesas, a União dos Lavradores e<br />
Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTABs) e o Movimento dos Agricultores<br />
S<strong>em</strong>-terra (Master). Esses movimentos foram esmagados pela ditadura militar,<br />
após l964, e seus lí<strong>de</strong>res foram assassinados, presos ou exilados. O latifúndio<br />
<strong>de</strong>rrotou a reforma agrária. Mas entre 1979 e 1980, no bojo da luta pela<br />
re<strong>de</strong>mocratização, surge uma nova forma <strong>de</strong> pressão dos camponeses: as<br />
ocupações organizadas por <strong>de</strong>zenas ou centenas <strong>de</strong> famílias (DOCUMENTO...,<br />
1997).<br />
No início <strong>de</strong> 1984, os participantes <strong>de</strong>ssas ocupações realizaram o<br />
primeiro encontro, dando nome e articulação própria ao Movimento dos<br />
Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-terra, como expõe MEDEIROS (1989:150):<br />
Em 1982, <strong>de</strong>u-se um primeiro encontro <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças <strong>em</strong> Medianeira, no<br />
Paraná, com participação <strong>de</strong> representantes do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Santa<br />
21
Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. No ano seguinte, um novo<br />
encontro <strong>em</strong> Chapecó e <strong>em</strong> 1984, num encontro <strong>em</strong> Cascavel, entre a li<strong>de</strong>rança<br />
dos cinco estados mencionados e <strong>de</strong> mais seis outros, formalizou-se a criação<br />
do Movimento dos S<strong>em</strong>-Terra, entendido como movimento <strong>de</strong> massa. Sua<br />
ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> luta era: “Terra não se ganha, se conquista”, o que implica numa<br />
valorização <strong>de</strong> formas mais incisivas <strong>de</strong> luta como as ocupações e os<br />
acampamentos e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, num esforço enorme <strong>de</strong> organização.<br />
22<br />
De acordo com ALVES e<br />
PAULILLO (1996), referindo-se à<br />
importância da formação do MST<br />
<strong>em</strong> apoio aos s<strong>em</strong>-terra,<br />
comparados à situação dos “s<strong>em</strong>-<br />
s<strong>em</strong>” do Brasil, <strong>de</strong>finiram-nos como<br />
uma “massa <strong>de</strong> excluídos”, tendo<br />
enorme dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<br />
caracterizada, <strong>de</strong>vido sua<br />
conformação, a qual atuam<br />
componentes <strong>de</strong> natureza<br />
estrutural, como a própria<br />
concentração fundiária, também<br />
atuando componentes <strong>de</strong> natureza<br />
conjuntural:<br />
Trata-se <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> pessoas formado por ex-trabalhadores<br />
rurais expulsos do campo pelo processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização conservadora; <strong>de</strong> exoperários<br />
urbanos-industriais que per<strong>de</strong>ram seus <strong>em</strong>pregos e não têm<br />
qualificação para assumir outros; e <strong>de</strong> ex-prestadores <strong>de</strong> serviços. Atualmente<br />
t<strong>em</strong>-se utilizado o termo s<strong>em</strong>-s<strong>em</strong> para caracterizar esta população, formada<br />
por s<strong>em</strong>-teto, s<strong>em</strong>-qualificação, s<strong>em</strong>-formação, s<strong>em</strong>-terra e <strong>de</strong>sorganizados,<br />
isto é, sequer t<strong>em</strong> a sorte <strong>de</strong> estar organizada <strong>em</strong> um movimento social como o<br />
Movimento Nacional dos S<strong>em</strong>-Terra - MST (ALVES e PAULILLO, 1996:92).<br />
Nascido da Igreja Católica, o Movimento dos S<strong>em</strong>-terra foi criado<br />
através da iniciativa <strong>de</strong> padres e outros integrantes das comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong><br />
Base e da CPT do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, segundo <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> José Rainha<br />
Júnior, lí<strong>de</strong>r do MST <strong>em</strong> Sandovalina, Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a, São Paulo:<br />
Os padres faziam núcleos <strong>de</strong> trabalhadores rurais e trabalhavam a idéia <strong>de</strong><br />
que é preciso lutar pela terra ou as elites nunca concordarão <strong>em</strong> cedê-la.<br />
Houve um momento <strong>em</strong> que o movimento cresceu e a Igreja percebeu que era
necessário que ele tivesse pernas próprias. Mas os padres continuaram<br />
trabalhando com o Movimento dos S<strong>em</strong>-terra (JORNAL O GLOBO, 1995).<br />
No campo político, segundo TORRENS (1994), o MST apresenta-se<br />
como uma organização <strong>de</strong> caráter nacional que progressivamente foi assumindo<br />
uma posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque no cenário das lutas agrárias no país. O MST constitui-<br />
se <strong>em</strong> uma organização que se consolidou com uma estrutura capaz <strong>de</strong> expressar<br />
os interesses coletivos <strong>de</strong> uma consi<strong>de</strong>rável parcela dos trabalhadores do campo<br />
que se encontram excluídos e marginalizados.<br />
Essa organização <strong>de</strong> luta dos trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra resulta<br />
também do processo <strong>de</strong> interação e confronto que estabelece com os <strong>de</strong>mais<br />
negociadores que participam do campo <strong>de</strong> mediação dos conflitos agrários.<br />
TORRENS (1994) ainda expõe que o movimento sindical rural, a Igreja, o CPT,<br />
ONGs, Estado, organizações patronais rurais, foram re<strong>de</strong>finindo a trajetória<br />
política do MST, suas formas <strong>de</strong> organização e estratégia <strong>de</strong> ação, seus métodos<br />
<strong>de</strong> trabalho e sua própria posição no campo na mediação das lutas pela terra.<br />
Nesta questão da Reforma Agrária, há disputas políticas não só com os<br />
partidos conservadores, mas também entre os sindicatos rurais, o Movimento dos<br />
S<strong>em</strong>-terra, os grupos <strong>de</strong> Igreja e com o INCRA. Tal fato po<strong>de</strong> ser verificado<br />
mediante as <strong>de</strong>clarações do principal dirigente nacional do MST, João Pedro<br />
Stédile:<br />
A unida<strong>de</strong> nacional do nosso movimento se dá pela linha política. Nós faz<strong>em</strong>os<br />
encontros nacionais e assim <strong>de</strong>finimos o que pensamos. T<strong>em</strong>os que usar todas<br />
as formas <strong>de</strong> lutas, seja passeatas nas cida<strong>de</strong>s, ocupação <strong>de</strong> prédios públicos,<br />
greve <strong>de</strong> fome, audiência públicas até trancar rodovias e ocupar terras<br />
improdutivas. Em cada região, <strong>de</strong> acordo com sua realida<strong>de</strong>, os companheiros<br />
envolvidos, aplicam essas formas <strong>de</strong> lutas segundo a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>les. Não existe<br />
um comando nacional, seria completa fantasia imaginar que isso daria certo.<br />
As li<strong>de</strong>ranças da região é que sab<strong>em</strong>: aquele latifúndio é improdutivo<br />
(REVISTA MANCHETE, 1996).<br />
1.2.2. Trabalho e classe social<br />
Madrugada camponesa, faz escuro ainda no chão,<br />
mas é preciso plantar. A noite já não foi mais noite,<br />
o amanhã já vai chegar...<br />
...Madrugada camponesa<br />
Faz escuro (já n<strong>em</strong> tanto),vale a pena trabalhar<br />
23
Faz escuro mas eu canto porque a manhã vai chegar 6 (Thiago <strong>de</strong> Mello).<br />
LANE (1983) expôs que “ o trabalho social, assim como a ativida<strong>de</strong> do<br />
indivíduo, é a própria vida humana que se constrói continuamente”. Segundo a<br />
autora,<br />
a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta construção <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá s<strong>em</strong>pre da comunicação e cooperação<br />
entre os homens, e somente através <strong>de</strong>stes é possível recuperar a história e<br />
<strong>de</strong>tectar a contradição fundamental na relação <strong>de</strong> dominação <strong>de</strong> uma classe<br />
social por outra classe (LANE, 1983:65).<br />
Dentro <strong>de</strong>ste contexto, po<strong>de</strong>-se afirmar que o MST é um movimento b<strong>em</strong><br />
estruturado, que t<strong>em</strong> <strong>de</strong>finidas suas metas <strong>de</strong> trabalho, estando unido como uma<br />
“classe social”, na qual percebe-se uma cooperação mútua. Segundo dados do<br />
movimento, o MST está organizado <strong>em</strong> 22 estados da Fe<strong>de</strong>ração. Em 15 anos <strong>de</strong><br />
existência, quase 140 mil famílias já conquistaram terra. Gran<strong>de</strong> parte dos<br />
assentados se organiza <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> cooperativas <strong>de</strong> produção, que já somam<br />
mais <strong>de</strong> 55 associadas às centrais ligadas à Confe<strong>de</strong>ração das Cooperativas <strong>de</strong><br />
Reforma Agrária do Brasil (Concrab). A elevação da renda das famílias<br />
assentadas é realida<strong>de</strong> nos assentamentos, principalmente on<strong>de</strong> as agroindústrias<br />
são <strong>de</strong>senvolvidas.<br />
Como expõe MARTINS (1989), é <strong>de</strong> suma importância a questão do<br />
trabalho no âmbito rural, especificamente nas relações dos trabalhadores<br />
inseridos no movimento social:<br />
É fundamental ter <strong>em</strong> conta que os movimentos sociais no campo têm como<br />
uma <strong>de</strong> suas características fundamentais o reconhecimento do trabalho como<br />
núcleo das relações com o mundo. Essa constatação é essencial nas lutas dos<br />
trabalhadores rurais (MARTINS, 1989:90).<br />
Segundo SILVA (1996), o MST hoje é constituído <strong>em</strong> boa parte <strong>de</strong> filhos<br />
<strong>de</strong> colonos sulistas, cujas pequenas parcelas se tornaram insuficientes para<br />
abrigar os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes que chegaram à ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituir sua própria família:<br />
6 FERNANDES (1997:9).<br />
Entre os s<strong>em</strong>-terras que ocupam fazendas no Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a, por<br />
ex<strong>em</strong>plo, dominam os parceiros expulsos dos cafezais do Paraná, ex-sitiantes<br />
arruinados, assalariados <strong>de</strong>spedidos das fazendas paulistas e <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados<br />
urbanos ainda com vinculação com o campo. Em termos <strong>de</strong> organização, o<br />
MST possui 5.200 militares “profissionalizados” e atuando <strong>em</strong> assentamentos<br />
que cobr<strong>em</strong> mais <strong>de</strong> sete milhões <strong>de</strong> hectares (SILVA, 1996:179).<br />
24
O MST visa três gran<strong>de</strong>s objetivos: a terra, a reforma agrária, e o<br />
<strong>em</strong>prego e uma socieda<strong>de</strong> mais justa. Quer a expropriação das gran<strong>de</strong>s áreas nas<br />
mãos <strong>de</strong> multinacionais, o fim dos latifúndios improdutivos, com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />
uma área máxima <strong>de</strong> hectares para a proprieda<strong>de</strong> rural. É contra os projetos <strong>de</strong><br />
colonização, que resultaram <strong>em</strong> fracasso nos últimos 30 anos e quer uma política<br />
agrícola voltada para o pequeno produtor. O MST <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> autonomia para as<br />
áreas indígenas e é contra a revisão da terra <strong>de</strong>sses povos, ameaçados pelos<br />
latifundiários. Visa à <strong>de</strong>mocratização da água nas áreas <strong>de</strong> irrigação no Nor<strong>de</strong>ste,<br />
assegurando a manutenção dos agricultores na própria região. Entre outras<br />
propostas, o MST luta pela punição <strong>de</strong> assassinos <strong>de</strong> trabalhadores rurais e<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a cobrança do pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR), com a<br />
<strong>de</strong>stinação dos tributos à reforma agrária. O movimento <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1988 usa como<br />
l<strong>em</strong>a a frase: “Ocupar, resistir e produzir” (DOCUMENTO..., 1997).<br />
Pesquisa da FAO comprova que a média da renda nos assentamentos é<br />
<strong>de</strong> 3,7 salários mínimos mensais por família. On<strong>de</strong> as agroindústrias estão<br />
implantadas essa média sobe para 5,6 salários mensais por família. Além da<br />
preocupação com o aumento do po<strong>de</strong>r aquisitivo, o MST investe na formação<br />
técnica e política dos assentados.<br />
1.2.3. Educação<br />
Sou fruto da Reforma Agrária e quero um Brasil com pessoas livres, on<strong>de</strong> eu<br />
possa expressar meus sentimentos, minhas revoltas, meus sonhos... Um país<br />
on<strong>de</strong> eu possa continuar vivendo no campo. E nele tirar meu sustento,<br />
aproveitando as riquezas que a natureza oferece, e preservando o ver<strong>de</strong> da<br />
esperança. Um Brasil com educação, on<strong>de</strong> nós crianças além <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a ler<br />
e escrever, plantar, preservar, brincar, sonhar... pudéss<strong>em</strong>os expressar o que<br />
nós sentimos, trabalhar na terra, praticar esportes, participar das <strong>de</strong>cisões da<br />
educação 7 (Cleonir Jorge <strong>de</strong> Souza - 9 anos).<br />
Segundo LANE (1983), da mesma forma que a família, a educação<br />
também é institucionalizada, isto é, segue as normas governamentais. No entanto,<br />
ela aponta para alternativas que <strong>de</strong>svincul<strong>em</strong> as relações <strong>de</strong> dominação que<br />
7 Uma das redações vencedoras do concurso “O Brasil que quer<strong>em</strong>os”, criado pelo setor <strong>de</strong> Educação do<br />
MST, <strong>em</strong> 1999 (Revista S<strong>em</strong>-Terra, jan./fev./mar. 1999:51). Ver também um <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> outro<br />
estudante pr<strong>em</strong>iado no concurso: Apêndice A.<br />
25
geram as contradições fundamentais do sist<strong>em</strong>a capitalista (a luta <strong>de</strong> classe),<br />
presentes também no processo educacional. LANE (1983) reconhece a<br />
importância <strong>de</strong> uma escola crítica,<br />
a escola on<strong>de</strong> nenhuma verda<strong>de</strong> seja absoluta, on<strong>de</strong> as relações sociais<br />
possam ser questionadas e reformuladas, o que propiciará a formação <strong>de</strong><br />
indivíduos conscientes <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>terminações sociais e <strong>de</strong> sua inserção<br />
histórica na socieda<strong>de</strong> (LANE, 1983:50).<br />
Diante <strong>de</strong>sta argumentação, vale expor o significante papel educacional<br />
exercido pelo MST. O setor <strong>de</strong> educação do movimento é um dos mais atuantes,<br />
propondo ampliar o conceito <strong>de</strong> educação, para não ser sinônimo apenas <strong>de</strong><br />
escolarida<strong>de</strong>. São mais <strong>de</strong> 38 mil estudantes e cerca <strong>de</strong> 1.500 professores<br />
diretamente envolvidos nesse projeto <strong>de</strong> uma nova educação, pela UNICEF<br />
(Fundo das Nações Unidas para a Infância). Além dos cursos regulares, o MST<br />
promove cursos e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> capacitação beneficiando cerca <strong>de</strong> três mil<br />
pessoas todo ano. Entre eles estão os cursos <strong>de</strong> magistério e o técnico <strong>em</strong><br />
administração <strong>de</strong> cooperativas, <strong>em</strong> nível <strong>de</strong> segundo grau. A questão da<br />
educação, como fica evi<strong>de</strong>nciado por SILVA (1996), é um gran<strong>de</strong> mérito na<br />
escalada organizativa no MST:<br />
As imagens das salas <strong>de</strong> aulas a céu aberto, na beira da estrada, cheias <strong>de</strong><br />
filhos <strong>de</strong> acampados, mostram b<strong>em</strong> o esforço ingente que o MST faz nesse tipo<br />
<strong>de</strong> investimento. Dentre as com<strong>em</strong>orações do Dia Internacional da Criança,<br />
<strong>em</strong> 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1995, a UNICEF con<strong>de</strong>corou o MST com um prêmio<br />
que comprova a eficiência do mo<strong>de</strong>lo educacional impl<strong>em</strong>entado nos<br />
assentamentos <strong>de</strong> Reforma Agrária. O programa „Por uma Escola Pública <strong>de</strong><br />
Qualida<strong>de</strong> nas Áreas <strong>de</strong> Assentamento‟ ganhou o prêmio „Itaú-UNICEF-<br />
Educação‟ e Participação, num concurso nacional <strong>de</strong> projetos sociais, obtendo<br />
a segunda classificação no País (SILVA, 1996:180).<br />
Entretanto, muito ainda precisa ser feito para melhorar este quadro, como<br />
afirma DALCHIAVON (1996:113):<br />
O MST t<strong>em</strong> trabalhado nos assentamentos e melhorado o ensino através da<br />
capacitação dos professores <strong>de</strong> assentamento. Mesmo assim persiste um<br />
elevado percentual <strong>de</strong> analfabetismo entre adultos que, <strong>em</strong> algumas regiões,<br />
chega a 70% da população rural.<br />
1.2.4. A violência física<br />
Essa violência, além <strong>de</strong> ser seletiva, é uma violência organizada <strong>em</strong> milícias<br />
privadas, milícias que exist<strong>em</strong> e são dirigidas muitas vezes por homens<br />
oriundos das forças armadas, ou das polícias militares. (...) os sobreviventes<br />
26
(...) contarão histórias que 10.000 mortos já não po<strong>de</strong>m mais contar. (...)<br />
Histórias que se advindam nestas cruzes <strong>de</strong> beira <strong>de</strong> estrada, que têm sido a<br />
longa história do povo brasileiro. 8<br />
A história dos trabalhadores s<strong>em</strong>-terra é marcada por vários conflitos,<br />
que resultaram <strong>em</strong> muitos mortos e feridos. O regime militar tratou <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r<br />
às lutas dos trabalhadores, matando, pren<strong>de</strong>ndo, torturando e cassando os lí<strong>de</strong>res.<br />
Destruiu as Ligas Camponesas e <strong>de</strong>cretou a intervenção da CONTAG.<br />
Transformou os sindicatos <strong>em</strong> entida<strong>de</strong>s meramente assistenciais e instrumentos<br />
<strong>de</strong> controle do movimento dos trabalhadores. Sob a alegação <strong>de</strong> resolver os<br />
conflitos no campo, impõe um controle militar à luta dos trabalhadores rurais, <strong>em</strong><br />
benefício dos interesses dos gran<strong>de</strong> proprietários <strong>de</strong> terra e dos grileiros. Os<br />
conflitos, ao contrário, intensificaram-se, aumentando o grau <strong>de</strong> violência.<br />
As li<strong>de</strong>ranças do MST estimam que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a ditadura militar, foram<br />
assassinados mais <strong>de</strong> 1.600 trabalhadores rurais, li<strong>de</strong>ranças sindicais, agentes<br />
pastorais, padres, religiosos e advogados por causa <strong>de</strong> conflitos fundiários. Nos<br />
últimos 12 anos houve cerca <strong>de</strong> 900 assassinados. Com a abertura <strong>de</strong>mocrática,<br />
maior atuação <strong>de</strong> movimentos populares e sindicais, o número <strong>de</strong> assassinatos<br />
v<strong>em</strong> <strong>de</strong>crescendo (DOCUMENTO..., 1997).<br />
Na avaliação do MST, a forma <strong>de</strong> luta implantada pelo movimento<br />
(ocupações maciças, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> e articuladas com a socieda<strong>de</strong>) serviu<br />
para fazer frente à ação dos pistoleiros contratados para reprimir os trabalhadores<br />
rurais. Por outro lado, cresceram as prisões <strong>de</strong> trabalhadores, ameaças <strong>de</strong><br />
processos judiciais, invasões <strong>de</strong> se<strong>de</strong>s das organizações, apreensão <strong>de</strong> materiais e<br />
acusações <strong>de</strong> vinculação dos trabalhadores rurais com organizações que estão <strong>em</strong><br />
luta armada (DOCUMENTO..., 1997).<br />
De acordo com MARTINS (1989), até julho <strong>de</strong> 1981, a Comissão<br />
Pastoral da Terra, da Conferência Episcopal, registrou 916 conflitos fundiários<br />
<strong>em</strong> todas as regiões do país, envolvendo 261.000 famílias, num total <strong>de</strong> quase<br />
dois milhões <strong>de</strong> pessoas.<br />
FERNANDES (1997) afirma que, entre 1980 e 1981, os conflitos<br />
envolveram 1,2 milhão <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> 365 mil famílias, abrangendo cerca <strong>de</strong> 40<br />
8 RUFINO (1991).<br />
27
milhões <strong>de</strong> hectares <strong>de</strong> terra. Estavam envolvidos nestes conflitos 87 <strong>em</strong>presas,<br />
27 órgãos oficiais e sete bancos. No primeiro s<strong>em</strong>estre <strong>de</strong> 1984 foram registrados<br />
cerca <strong>de</strong> 923 conflitos <strong>de</strong> terra envolvendo 474 mil famílias, com 180 mortos<br />
entre trabalhadores e lí<strong>de</strong>res sindicais.<br />
Segundo dados da Central da Pastoral da Terra (1996), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1990 foram<br />
assassinadas 319 pessoas. Comparado aos 562 assassinatos da segunda meta<strong>de</strong><br />
dos anos 80, foi constatado que o número <strong>de</strong>caiu quase pela meta<strong>de</strong> nos anos 90<br />
(243 a menos). Somados têm-se 881 trabalhadores rurais assassinados na Nova<br />
República, uma média <strong>de</strong> quase dois por s<strong>em</strong>ana. Os estados on<strong>de</strong> mais se matou<br />
foram o Pará e Rondônia.<br />
Já o ano <strong>de</strong> 1996 foi muito infeliz para luta no campo, segundo outros<br />
dados recentes da própria Comissão Pastoral da Terra:<br />
Não que não houve vitória, mas foi o ano <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> números recor<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985, quando iniciamos nossa documentação: os conflitos <strong>de</strong> terra<br />
atingiram a cifra <strong>de</strong> 653; os ocupações foram 398; as famílias envolvidas,<br />
63.080; a área conflitada é <strong>de</strong> 3.395.657 hectares. Em 1996 registrou o<br />
episódio macabro do massacre <strong>de</strong> Eldorado <strong>de</strong> Carajás, <strong>em</strong> que foram<br />
executados 19 s<strong>em</strong>-terra. Ao redor do t<strong>em</strong>a central da terra, on<strong>de</strong> a<br />
concentração estúpida do latifúndio se <strong>de</strong>fronta com a <strong>de</strong>mocratização da<br />
terra, tipificam-se outros conflitos como os <strong>de</strong> barragens, questões<br />
trabalhistas, aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho, secas com suas conseqüências (fome,<br />
saques e frentes <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência), política agrícola e sindicalismo. Os conflitos<br />
tomam a forma e a face <strong>de</strong> assassinatos, que <strong>em</strong> 96 foram 54, <strong>de</strong> tentativas <strong>de</strong><br />
homicídio, invasão <strong>de</strong> terra <strong>de</strong> posseiros, ameaças <strong>de</strong> expulsão, <strong>de</strong>struição <strong>de</strong><br />
casas, roças e pertences, <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejos e ameaças <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejos, s<strong>em</strong>pre com<br />
agressões físicas e morais (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA - CPT,<br />
1997). 9<br />
1.2.4.1. Massacres e ecos das violências<br />
Eu não consigo enten<strong>de</strong>r,<br />
Que <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> herdar um quinhão<br />
Teu povo mereça Ter<br />
Só sete palmos <strong>de</strong> chão!<br />
(...)<br />
Eu não consigo enten<strong>de</strong>r,<br />
Que nesta imensa Nação<br />
9 Ver dados mais recentes no Apêndice B.<br />
28
Ainda é matar e morrer,<br />
Por um pedaço <strong>de</strong> chão! 10 (Martin Cezar, Ramires Gonçalves e Pedro Munhoz).<br />
Contra os movimentos por <strong>de</strong>mocratização da terra e das relações sociais<br />
no campo, a elite dominante não t<strong>em</strong> pensado duas vezes <strong>em</strong> lançar mão até das<br />
mais absurdas formas <strong>de</strong> coerção física e moral, contribuindo para a perenização<br />
<strong>de</strong> uma cultura do autoritarismo e da violência. Da batalha <strong>de</strong> Canudos e do<br />
Contestado aos recentes massacres, t<strong>em</strong> sido a história da cidadania rural negada<br />
pela força, à custa <strong>de</strong> matanças, inclusive <strong>de</strong> crianças, como ocorreu <strong>em</strong><br />
Corumbiara (RO):<br />
Na madrugada do dia 9 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995, a Polícia Militar <strong>de</strong> Rondônia<br />
invadiu um acampamento dos s<strong>em</strong>-terra no Município <strong>de</strong> Corumbiara (RO). Ao<br />
arrepio da lei - que só permitiu ações <strong>de</strong> reintegração <strong>de</strong> posse à luz do dia- , o<br />
confronto resultou <strong>em</strong> 11 mortos e numerosos feridos e <strong>de</strong>saparecidos. Nove<br />
trabalhadores rurais foram assassinados, alguns a queima roupa, outros pelas<br />
costas, barracos incendiados, corpos carbonizados (SILVA, 1996:92).<br />
Os métodos usados pelos s<strong>em</strong>-terra, <strong>em</strong> alguns casos, são provocadores,<br />
mas as autorida<strong>de</strong>s brasileiras têm feito pouca coisa para resolver o probl<strong>em</strong>a<br />
rural, além <strong>de</strong> colocar “invasores” na ca<strong>de</strong>ia como se isso solucionasse a questão<br />
fundiária brasileira.<br />
Um gran<strong>de</strong> acontecimento que marcou a história do MST foi a marcha<br />
até Brasília, DF. No dia 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997, cerca <strong>de</strong> 100 mil trabalhadores,<br />
segundo estimativa do MST, ocuparam a Esplanada dos Ministérios, “no maior e<br />
mais legítimo movimento <strong>de</strong> oposição ao governo <strong>de</strong> Fernando Henrique<br />
Cardoso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que foi eleito há dois anos” (JORNAL DO MOVIMENTO<br />
SINDICAL, 1997).<br />
Toda essa multidão foi até Brasília prestar apoio ao MST que naquele dia<br />
chegava à capital fe<strong>de</strong>ral após dois meses <strong>de</strong> marcha por “Reforma Agrária,<br />
Emprego e Justiça”. Cabe ressaltar que o dia 17 <strong>de</strong> abril não foi escolhido<br />
aleatoriamente. Marcava o aniversário da morte dos 19 s<strong>em</strong>-terras, <strong>em</strong> Eldorado<br />
dos Carajás (Pará), assassinados por policiais militares.<br />
10 Versos da música “Profissão <strong>de</strong> Retirantes, 1. a colocada no Festival Nacional <strong>de</strong> Músicas da Reforma<br />
Agrária, 1999 (Jornal dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra, março 1999).<br />
29
No dia 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1996, por volta das 16 horas, aproximadamente 200<br />
policiais militares, sob o comando do coronel Mário Colares Pantoja, <strong>em</strong><br />
cumprimento <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>em</strong>anada do Governo do Estado Sr. Almir Gabriel,<br />
<strong>de</strong>ram início à mais grave violação aos direitos humanos da América Latina<br />
nos últimos anos. Sob o pretexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sobstruír<strong>em</strong> a Rodovia PA-150, mataram<br />
friamente 19 (<strong>de</strong>zenove) trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra e feriram outros 69<br />
(sessenta e nove). Os trabalhadores rurais haviam paralisado a rodovia<br />
objetivando que o Governo do Estado cumprisse a promessa <strong>de</strong> ônibus e<br />
alimentos para que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> seguir até a Capital, a fim <strong>de</strong> negociar com o<br />
INCRA o assentamento <strong>de</strong> 2.000 (duas mil) famílias <strong>de</strong> trabalhadores rurais<br />
s<strong>em</strong>-terra na fazenda Macaxeira (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES<br />
RURAIS SEM-TERRA, s.d.).<br />
Como expôs SILVA (1996), há muitos opositores à reforma agrária. Mas<br />
a pressão pelo MST é ativa e necessária, representando para os s<strong>em</strong>-terra a busca<br />
da legitimação <strong>de</strong> seus direitos como cidadãos, mesmo que miseráveis:<br />
Há mesmo gente querendo terra? Esta indagação que recent<strong>em</strong>ente está sendo<br />
esgrimida pelos opositores da RA po<strong>de</strong> ser respondida <strong>em</strong> primeiro lugar, pela<br />
atual pressão <strong>de</strong> acampados, pelo próprio Movimento S<strong>em</strong>-Terra como um<br />
todo, fazendo ocupações <strong>em</strong> quase todo o país, pela gran<strong>de</strong> diáspora cabocla<br />
que se verificou nas últimas três décadas, expulsando do campo brasileiro,<br />
mais <strong>de</strong> 30 milhões <strong>de</strong> pessoas. É claro que parte <strong>de</strong>sses expulsos do campo,<br />
com marcada vocação para a agricultura, voltaria à sua antiga ativida<strong>de</strong>, caso<br />
fosse possível proporcionar-lhe condições <strong>de</strong>centes <strong>de</strong> vida, como aquelas que<br />
a RF é capaz <strong>de</strong> oferecer. Como aliás já disse um dirigente camponês, a pior<br />
das reformas agrárias ainda é capaz <strong>de</strong> proporcionar casa, comida e trabalho,<br />
três condições que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre o migrante consegue na cida<strong>de</strong> (SILVA,<br />
1996:194).<br />
Estima-se que há 20.000 famílias acampadas <strong>em</strong> beiras <strong>de</strong> estradas no<br />
país, e pelo menos outras quatro milhões <strong>de</strong> candidatas a receber um pedaço <strong>de</strong><br />
terra no programa nacional da Reforma Agrária. Mas o processo é lento (dados<br />
<strong>de</strong> 1996 da CPT).<br />
Segundo ARAÚJO FILHO (1996), as atitu<strong>de</strong>s adotadas pelo<br />
Governo e pelo Judiciário para com a reforma agrária <strong>de</strong>monstram as<br />
razões para o acirramento da violência no campo:<br />
Violência que se manifesta através <strong>de</strong> assassinatos, <strong>de</strong>spejos brutais e<br />
arbitrários, <strong>de</strong>srespeitando aos direitos humanos e tantas outras ações que são<br />
patrocinadas tanto pelos latifundiários quanto pelas forças <strong>de</strong> segurança do<br />
Estado e que compromet<strong>em</strong>, cada vez mais, a imag<strong>em</strong> do País no exterior e,<br />
hoje, sensibilizam a opinião pública nacional para a importância da reforma<br />
agrária (ARAÚJO FILHO, 1996:105).<br />
Esta omissão e este acomodamento da justiça <strong>em</strong> acontecimentos<br />
relacionados aos s<strong>em</strong>-terra po<strong>de</strong>m ser constatados ao longo da história do MST.<br />
30
Ex<strong>em</strong>plo recente <strong>de</strong>ste fato foi o que aconteceu com o lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>-terra, José<br />
Rainha Júnior, acusado <strong>de</strong> ter assassinado um fazen<strong>de</strong>iro <strong>em</strong> Pedro Canário, no<br />
Espírito Santo. Seu julgamento, também naquela cida<strong>de</strong>, foi cercado <strong>de</strong> mistério<br />
e “barganha política” entre jurados e fazen<strong>de</strong>iros da região. Rainha acabou<br />
con<strong>de</strong>nado, mas conseguiu que um novo julgamento fosse realizado. Enquanto o<br />
processo <strong>de</strong> Rainha corria nos tribunais, os culpados pelo massacre <strong>em</strong> Eldorado<br />
dos Carajás estão soltos e impunes. Tal acontecimento po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificado<br />
segundo OLIVEN (1989:58):<br />
O que está havendo, na verda<strong>de</strong>, no Brasil é uma dramatização da violência,<br />
através da qual se constrói uma imag<strong>em</strong> maniqueísta da socieda<strong>de</strong>: existiram<br />
os “homens <strong>de</strong> b<strong>em</strong>” e os “homens <strong>de</strong> mal”. Cria-se, assim, um novo bo<strong>de</strong><br />
expiatório, o “marginal”, figura que serve para exorcizar os fantasmas <strong>de</strong><br />
nossa classe média cada dia mais assustada com inflação, o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego, a<br />
perda <strong>de</strong> seu status (...) A impunida<strong>de</strong> com que são tratados os policiais que<br />
praticam arbitrarieda<strong>de</strong>s ou matam “exercício da função” faz com que a<br />
polícia seja tão ou mais t<strong>em</strong>ida que os <strong>de</strong>linqüentes, por parte das classes<br />
populares. O grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrédito com que é encarada a polícia e a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se obter justiça no Brasil é evi<strong>de</strong>nciado pela sucessão <strong>de</strong><br />
linchamentos que se têm verificado ultimamente.<br />
Dentro do aspecto da violência, é necessário também que fique clara a<br />
importância <strong>de</strong> se mencionar a vergonha ocorrida <strong>em</strong> Canudos, no sertão da<br />
Bahia, há 100 anos. A brutalida<strong>de</strong> que massacrou quase 30.000 sertanejos,<br />
<strong>de</strong>struindo 5.200 casas e plantações (CPT, 1997), precisa “queimar” a<br />
consciência da socieda<strong>de</strong>, mesmo porque, governo, igreja e imprensa daquela<br />
época foram omissos quanto aos acontecimentos. A <strong>de</strong>gola do passado, que tanto<br />
assombrou os conselheiristas, hoje se “maquia” <strong>em</strong> novas formas <strong>de</strong> violência,<br />
sejam elas refinadas ou até mais cruéis.<br />
Ao contrário do massacre <strong>de</strong> Canudos, no Brasil <strong>de</strong> hoje, nos massacres<br />
atuais, há mais sobreviventes. Com o apoio <strong>de</strong> grupos políticos, da Igreja e <strong>de</strong><br />
Organizações Não-Governamentais, apesar da imag<strong>em</strong> negativa pela qual o<br />
movimento acaba sendo rotulado, o MST também está conseguindo influenciar a<br />
opinião pública, mostrando o lado humano das famílias acampadas e incluindo a<br />
luta pela terra na pauta política do Governo.<br />
Entretanto, s<strong>em</strong> as medidas concretas os conflitos vão continuar. E o que<br />
é pior, os massacres que ocorreram <strong>em</strong> Rondônia, no Pará, e tanto outros que<br />
31
esultaram <strong>em</strong> mortes e muitos feridos vão se tornar banais, comuns na Terra da<br />
impunida<strong>de</strong>, segundo expõe HERBERS (1989:25):<br />
Para qualquer pessoa que se preze, “salta aos olhos” o caráter grotesco <strong>de</strong><br />
uma análise como esta dos conflitos no campo, e mais ainda dos conflitos <strong>em</strong> si.<br />
Sofrer ameaças <strong>de</strong> morte é algo <strong>de</strong>sumano, mesmo para pessoas do alto escalão<br />
do governo, que dispõ<strong>em</strong> <strong>de</strong> todos os meios <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa contra esse tipo <strong>de</strong> coisa.<br />
Ser perseguido por pistoleiros parece algo indigno da civilização humana;<br />
“grilag<strong>em</strong>” <strong>de</strong> terras é algo que beira a barbárie, o primitivismo. E repressão<br />
policial sobre a população parece como o revigoramento <strong>de</strong> todas essas<br />
barbáries, numa versão “mo<strong>de</strong>rnizada”. Agora os bandidos andam <strong>em</strong><br />
uniformes, com botas engraxadas, e ainda por cima munidos <strong>de</strong> leis.<br />
1.2.5. A violência simbólica<br />
32<br />
A existência <strong>de</strong> movimentos<br />
sociais como o MST, é<br />
fundamental, mas não o suficiente<br />
para a <strong>de</strong>mocratização da terra.<br />
Como evi<strong>de</strong>ncia GRZYBOWSKI<br />
(1991), governantes, legisladores e<br />
juízes ag<strong>em</strong> <strong>em</strong>purrados pelos<br />
cidadãos: “Cabe à socieda<strong>de</strong> fazer<br />
o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pate, a favor <strong>de</strong> todos<br />
nós”.<br />
(...) violência é um ato <strong>de</strong> brutalida<strong>de</strong>, sevícia e abuso físico e/ou psíquico<br />
contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais <strong>de</strong>finidas pela<br />
opressão, intimidação, pelo medo e pelo terror 11 (Marilena Chauí).<br />
Segundo CAUME (1994), a violência física é mais facilmente<br />
reconhecida pela socieda<strong>de</strong>, mas n<strong>em</strong> por isso a violência simbólica t<strong>em</strong> menos<br />
importância. A violência física muitas vezes faz o papel instrumental <strong>de</strong><br />
legitimação <strong>de</strong> violência simbólica, servindo <strong>em</strong> um contexto geral como artifício<br />
<strong>de</strong> afirmação ou intensificação <strong>de</strong> dominação social (LITKE, 1992).<br />
11 CHAUÍ (1998:34).
O autor ainda afirma que a essência da violência resi<strong>de</strong> na privação do<br />
po<strong>de</strong>r. A violência simbólica afeta o indivíduo <strong>em</strong> seu livre-arbítrio, isto é,<br />
“direito <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisões autônomas e <strong>de</strong> assumir as conseqüências dos seus<br />
atos”.<br />
De acordo com CAUME (1994), exercício da violência pertence a<br />
múltiplos domínios e po<strong>de</strong> ter por mediação não só “o gatilho <strong>de</strong> uma pistola, a<br />
lâmina <strong>de</strong> uma faca, mas também gestos, palavras e imagens. A violência<br />
simbólica é mais “doce”, mais suave, porém mais ardilosa”.<br />
REGO (1995) organizou as principais idéia <strong>de</strong> Vygotsky e um dos<br />
pontos fundamentais neste estudo é a questão da mediação simbólica. Segundo a<br />
autora, o el<strong>em</strong>ento básico responsável por esta mediação seria o significado que<br />
t<strong>em</strong> a função <strong>de</strong> regular as ações sobre os objetos e o signo. A mediação<br />
simbólica, através dos significados construídos socialmente, regula, por sua vez,<br />
a construção da subjetivida<strong>de</strong>.<br />
Tendo <strong>em</strong> vista que toda dominação requer um tipo específico <strong>de</strong><br />
legitimida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> obediência por parte daqueles sobre os quais se exerce<br />
(WEBER, 1987), a violência <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha um papel muito importante neste<br />
contexto. De acordo ainda com CAUME (1994), a própria mo<strong>de</strong>rnização<br />
tecnológica da agricultura brasileira po<strong>de</strong> ser pensada <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> um processo<br />
<strong>de</strong> violência, seja ela física (expropriação dos agricultores <strong>de</strong> suas terras e<br />
eliminação física <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças), econômica (<strong>em</strong>pobrecimento da classe) e<br />
simbólica (negação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social e cultural do campesinato).<br />
Ou seja, o contexto cultural e social do indivíduo <strong>de</strong>ve ser respeitado e<br />
entendido por aqueles que viv<strong>em</strong> <strong>em</strong> situações diferentes. A proposição <strong>de</strong><br />
mudança cultural <strong>de</strong> um indivíduo po<strong>de</strong> até ser viável, objetivando os próprios<br />
benefícios <strong>de</strong>ste indivíduo. Entretanto, o que se percebe é que, quando grupos<br />
controladores buscam interferir <strong>em</strong> culturas específicas, assim os faz<strong>em</strong> <strong>de</strong> forma<br />
massificadora, propondo mascaradamente uma homogeneização cultural,<br />
instituindo-se assim a chamada violência simbólica.<br />
Segundo DALCHIAVON (1996), a dominação i<strong>de</strong>ológica e cultural das<br />
elites sobre os trabalhadores rurais, projetando valores anti-sociais,<br />
33
idicularizando a cultura local, cria uma situação <strong>de</strong> preconceito e discriminação<br />
contra os valores cultivados pelos trabalhadores. De acordo com o autor,<br />
contribu<strong>em</strong> para essa dominação cultural os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e o<br />
caráter alienante <strong>de</strong> algumas religiões.<br />
1.2.5.1. Segregação e representação social<br />
Por esses mortos, nossos mortos, peço castigo. Para os que salpicaram a<br />
pátria <strong>de</strong> sangue, peço castigo. Para o traidor que ascen<strong>de</strong>u sobre o crime,<br />
peço castigo. Para o que <strong>de</strong>u a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> agonia, peço castigo. Para os que<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram este crime, peço castigo. Não quero que me <strong>de</strong>ram a mão<br />
<strong>em</strong>papada <strong>de</strong> nosso sangue, peço castigo. Não vos quero como <strong>em</strong>baixadores,<br />
tampouco <strong>em</strong> casa tranqüilos. Quero versos aqui julgados... Quero castigo! 12<br />
(Pablo Neruda)<br />
Guattari, citado por CASTRO (1993), expõe sobre a segregação,<br />
<strong>de</strong>finindo-a como uma prática política exercida pela classe dominante <strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> “pessoas-margens”, os chamados “marginais”, vítimas <strong>de</strong><br />
uma segregação e cada vez mais controladas, vigiadas e assistidas pela<br />
socieda<strong>de</strong>. Desta forma, as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stas classes sociais, a dominante e<br />
a dominada, são muito b<strong>em</strong> <strong>de</strong>finidas e seus territórios b<strong>em</strong> <strong>de</strong>limitados.<br />
Tal concepção r<strong>em</strong>ete também para uma outra abordag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />
GUATTARI (1987), a qual argumenta sobre a questão do grupo sujeito e<br />
grupo sujeitado. O MST, como “grupelho”, seria um grupo sujeito. Dada<br />
sua organização, força política e revolucionária, o movimento sofre<br />
“armadilhas” sociais, vindas sejam através <strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iros armados,<br />
policiais comprados e até mesmo <strong>de</strong> uma ação governamental, que se opõ<strong>em</strong><br />
aos interesses do movimento, e até mesmo a opinião pública, moldada pela<br />
mídia, <strong>de</strong> modo a garantir o lugar <strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong>.<br />
12 Revista S<strong>em</strong>-Terra, out./nov./<strong>de</strong>z. 1997.<br />
34
Diferente <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> exclusão, on<strong>de</strong> os grupos são<br />
fort<strong>em</strong>ente esvaziados <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enunciação, o MST como<br />
grupo-sujeito t<strong>em</strong> exigido constant<strong>em</strong>ente formas <strong>de</strong> controle.<br />
Foucault, também citado por CASTRO (1993), analisando as<br />
prisões, no contexto das representações sociais, conceitua<br />
... o controle espacial como uma arte <strong>de</strong> distribuições físicas estabelecidas<br />
pelo po<strong>de</strong>r”. Segundo o autor do texto <strong>em</strong> questão, “os lugares constitu<strong>em</strong>-se<br />
intencionalmente pela permanência da or<strong>de</strong>m social, na ativida<strong>de</strong> e na<br />
presença do po<strong>de</strong>r (Foucaut, citado por CASTRO, 1993:153).<br />
A disputa pela terra e o conflito político assum<strong>em</strong> uma espécie <strong>de</strong><br />
materialida<strong>de</strong> na i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que é criada sobre o MST. JOFFE (1994),<br />
referindo-se também à questão da representação social, aponta que o<br />
“estrangeiro” é discriminado, se não faz parte <strong>de</strong> seu grupo social,<br />
argumentando que todas estas representações estão relacionadas à ameaça<br />
que grupos externos traz<strong>em</strong> ao próprio grupo. A autora também expõe o<br />
aspecto da projeção da responsabilida<strong>de</strong> sobre grupos estranhos. É a<br />
própria condição estrangeira.<br />
Na verda<strong>de</strong>, os conflitos pela terra, com suas inúmeras variáveis <strong>de</strong><br />
violência, já faz<strong>em</strong> parte da história <strong>de</strong>ste latifúndio chamado Brasil. As elites<br />
dominantes, <strong>em</strong> todos os momentos <strong>de</strong>cisivos da trajetória do país, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
<strong>de</strong>scobrimento até a última eleição presi<strong>de</strong>ncial, têm conseguido manobrar para<br />
manter concentrados e intocáveis a proprieda<strong>de</strong> e o po<strong>de</strong>r.<br />
De acordo com ARAÚJO FILHO (1996), este mo<strong>de</strong>lo dominante<br />
aprofunda a exclusão social, gera <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego, concentra terra, renda e po<strong>de</strong>r, e é<br />
responsável pela violência no campo e pelo assassinato <strong>de</strong> trabalhadores e<br />
li<strong>de</strong>ranças sindicais, e se revela incapaz <strong>de</strong> apoiar a superação da fome e da<br />
miséria no País.<br />
1.2.5.2. O controle social<br />
35
Se todo bói-fria pu<strong>de</strong>sse ser transformado <strong>em</strong> proprietário rural, como nos<br />
veríamos para comer laranjas e hortaliças? 13 (Alexandre Costa)<br />
JUNQUEIRA (1998), ao analisar as concepções <strong>de</strong> Bourdieu sobre<br />
representação social, aborda que na perspectiva <strong>de</strong> Spink, amplia-se a visão <strong>de</strong><br />
Bourdieu na medida <strong>em</strong> que o contexto <strong>de</strong> surgimento e permanência das<br />
representações aparece composto por dois eixos: o sócio-histórico “construções<br />
sociais que alimentam nossa subjetivida<strong>de</strong>” e o discurso ou as “versões<br />
funcionais constituintes <strong>de</strong> nossas relações sociais”.<br />
De acordo com JUNQUEIRA (1998), a contribuição <strong>de</strong> Bourdieu para o<br />
estudo das representações sociais, através da reflexão sobre as noções <strong>de</strong> classe,<br />
espaço e t<strong>em</strong>po, é significativa para a compreensão da mudança social da<br />
atualida<strong>de</strong>, na medida <strong>em</strong> que continua colocando ênfase no aspecto <strong>de</strong> luta<br />
presente na essência da constituição das representações sociais.<br />
Para a autora, esta luta continua existindo no campo das imagens ligadas<br />
a grupos e indivíduos que tentam se afirmar através dos meios <strong>de</strong> comunicação<br />
<strong>de</strong> massa. A luta se manifesta na gran<strong>de</strong> mídia numa guerra <strong>de</strong> estereótipos e no<br />
espaço público numa guerra <strong>de</strong> imagens dos grupos para ser<strong>em</strong> vistos e<br />
consi<strong>de</strong>rados como o <strong>de</strong>sejam, <strong>em</strong> outras palavras, para a afirmação <strong>de</strong> suas<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s a começar pelo discurso.<br />
BOURDIEU (1997), <strong>em</strong> uma <strong>de</strong> suas abordagens teóricas, focaliza a<br />
questão da relação entre po<strong>de</strong>r, dominação e violência simbólica exercida pelos<br />
meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, especificamente a televisão:<br />
A televisão t<strong>em</strong> uma espécie <strong>de</strong> monopólio <strong>de</strong> fato sobre a formação das<br />
cabeças <strong>de</strong> uma parcela muito importante da população. (...) uma série <strong>de</strong><br />
mecanismos faz<strong>em</strong> com que a televisão exerça uma força particularmente<br />
perniciosa <strong>de</strong> violência simbólica. A violência simbólica é uma violência que se<br />
exerce com a cumplicida<strong>de</strong> tácita dos que a sofr<strong>em</strong> e também, com freqüência,<br />
dos que a exerc<strong>em</strong>, na medida <strong>em</strong> que uns e outros são inconscientes <strong>de</strong> exercêla<br />
ou <strong>de</strong> sofrê-la. A sociologia, como todas as ciências, t<strong>em</strong> por função <strong>de</strong>svelar<br />
coisas ocultas; ao fazê-lo, ela po<strong>de</strong> contribuir para minimizar a violência<br />
simbólica que se exerce nas relações sociais e, <strong>em</strong> particular, nas relações <strong>de</strong><br />
comunicação pela mídia (BOURDIEU, 1997:22-23).<br />
13 Senador da República do Brasil no ano <strong>de</strong> 1991. In: O Canto da Terra, 1991.<br />
36
Castro, com relação à questão da representação social, cita Goffman<br />
que analisa as instituições legais. Segundo o autor, estas são caracterizadas<br />
por sua função <strong>de</strong> afirmação e controle social, com recolhimento e<br />
confinamento <strong>de</strong> transgressores ou na afirmação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res i<strong>de</strong>ológicos.<br />
Po<strong>de</strong>-se perceber que a questão agrária, os movimentos sociais no<br />
campo hoje chamam a atenção da população pela sua organização, pelos seus<br />
princípios. Hoje, torna-se claro que o autoritarismo e a violência estão do outro<br />
lado, daqueles que quer<strong>em</strong>, a todo custo, continuar mantendo a miséria, que não<br />
é só um probl<strong>em</strong>a do campo, mas também da cida<strong>de</strong>. Isso v<strong>em</strong> confirmar as<br />
palavras <strong>de</strong> SCHERER-WARREN (1993:67-68):<br />
A diferenciação entre os velhos movimentos sociais e os novos movimentos<br />
sociais po<strong>de</strong> ser encontrada nas novas formas <strong>de</strong> suas organizações e <strong>de</strong><br />
encaminhamentos <strong>de</strong> suas lutas. De forma breve po<strong>de</strong>-se afirmar que, quanto à<br />
organização, as novas formas <strong>de</strong> organização no campo valorizam a<br />
participação ampliada das bases e a <strong>de</strong>mocracia direta, s<strong>em</strong>pre que possível, e<br />
opõ<strong>em</strong>-se, pelo menos, a nível i<strong>de</strong>ológico, ao autoritarismo, à centralização do<br />
po<strong>de</strong>r e ao uso da violência física. Quanto ao conteúdo <strong>de</strong> suas lutas, possu<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>mandas específicas e por vezes <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m utopias <strong>de</strong> transformações sociais<br />
mais gerais. O que há <strong>de</strong> inovador é a luta pela ampliação do espaço da<br />
cidadania, incluindo-se aí a busca <strong>de</strong> modificações das relações sociais mais<br />
cotidianas.<br />
A questão do po<strong>de</strong>r, i<strong>de</strong>ologia e controle político no campo po<strong>de</strong> muito<br />
b<strong>em</strong> ser caracterizado no Brasil pela atuação da UDR, criada <strong>em</strong> 1985, <strong>em</strong><br />
Goiás:<br />
Surgiu como “forma <strong>de</strong> pressão junto ao governo contra a Reforma Agrária, e<br />
obteve na Constituinte vitórias que garantiam a manutenção dos latifúndios.<br />
Seu po<strong>de</strong>r político e i<strong>de</strong>ológico manifesta-se também através do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
manipulação dos próprios meios <strong>de</strong> comunicação (SCHERER-WARREN,<br />
1993:74).<br />
Transformada <strong>em</strong> partido político, a UDR teve nas eleições<br />
presi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> 1989 o “natural” apoio <strong>de</strong> regiões conhecidas por abrigar<br />
gran<strong>de</strong>s latifúndios, como Goiás, parte <strong>de</strong> Minas Gerais, Triângulo Mineiro,<br />
parte do interior <strong>de</strong> São Paulo, entre outras. Uma <strong>de</strong> suas ações mais<br />
características é a criação <strong>de</strong> grupos paramilitares que garant<strong>em</strong> o<br />
afastamento <strong>de</strong> suas terras <strong>de</strong> “grupos invasores”. Não raro o apoio à UDR<br />
v<strong>em</strong> através do “aparato estatal, através da polícia e da lei <strong>de</strong> segurança<br />
nacional” (COUTO, 1996).<br />
37
1.3. O probl<strong>em</strong>a e sua importância<br />
Lamento que a imprensa prefira s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>stacar a imag<strong>em</strong> do conflito, da<br />
radicalização. De certa forma conseguiram associar essa imag<strong>em</strong> a nós.(...)<br />
Infelizmente não há interesse <strong>em</strong> cobrir o positivo. A imprensa s<strong>em</strong>pre nos<br />
coloca <strong>em</strong> polêmica com o governo 14 (João Pedro Stédile).<br />
As chacinas <strong>de</strong> Corumbiara e <strong>de</strong> Eldorado dos Carajás revelaram o<br />
quadro <strong>de</strong> violência e tragédia que é travada na luta pela terra no Brasil e das<br />
arcaicas estruturas que sustentam a socieda<strong>de</strong> do país. Como os recentes<br />
massacres foram expostos na mídia e invadiram os lares dos brasileiros, inclusive<br />
no exterior, parece que está se operando um <strong>de</strong>spertar da socieda<strong>de</strong> para o<br />
probl<strong>em</strong>a agrário, com sentimentos <strong>de</strong> indignação e <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> mudança. Mas<br />
n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre a mídia está do lado dos oprimidos. O po<strong>de</strong>r da imag<strong>em</strong> e das<br />
relações políticas e econômicas, às vezes acaba por distorcer os fatos, mostrando<br />
à socieda<strong>de</strong> uma visão negativa da “luta” do movimento.<br />
Apesar da socieda<strong>de</strong> brasileira estar mais atenta sobre a questão da<br />
reforma agrária e dos conflitos gerados no campo, ainda são transmitidas<br />
i<strong>de</strong>ologias que aten<strong>de</strong>m a interesses particulares <strong>de</strong> dominação e po<strong>de</strong>r.<br />
Faz-se necessário analisar as relações entre o MST e a mídia brasileira,<br />
principalmente a eletrônica, ressaltando como são divulgados os fatos<br />
relacionados ao movimento e avaliando se realmente prevalece a veracida<strong>de</strong> das<br />
informações ou a <strong>de</strong>turpação das mesmas.<br />
O que se vê claramente exposto pela mídia brasileira, a eletrônica<br />
principalmente, é que, da mesma forma que são divulgadas as manifestações do<br />
movimento como as caminhadas e as passeatas, também estão <strong>em</strong> foco as<br />
ocupações/invasões e as manifestações conflituosas <strong>de</strong> trabalhadores rurais que<br />
não faz<strong>em</strong> parte do MST, mas que são expostos como tais.<br />
Antes <strong>de</strong> entrar propriamente no campo jornalístico, é preciso ressaltar a<br />
ficção televisiva abordando a t<strong>em</strong>ática da reforma agrária. Trata-se da novela da<br />
14 In: Ca<strong>de</strong>rnos, nov./<strong>de</strong>z. 1996:26.<br />
38
Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Benedito Rui Barbosa, “O Rei do Gado”,<br />
exibida <strong>em</strong> 1997, e, atualmente, reprisada.<br />
Mesmo tendo como mediadora um monopólio da comunicação, a novela<br />
teve, como cenário, conflitos entre posseiros e grileiros da região do Mirante do<br />
Paranapan<strong>em</strong>a, <strong>em</strong> São Paulo. Segundo GOMES e NASCIMENTO (1998), esse<br />
posicionamento mostrou a vanguarda da ficção televisiva seriada, por fazer a<br />
opinião pública <strong>de</strong>smitificar a idéia <strong>de</strong> que os conflitos <strong>de</strong> terra não são questões<br />
ligadas aos estados economicamente mais fortes. Além disso, segundo um dos<br />
lí<strong>de</strong>res do MST, João Pedro Stédile:<br />
A novela conseguiu colocar os t<strong>em</strong>as pertinentes à reforma agrária. A opinião<br />
pública viu o que era um acampamento e teve que conviver com a idéia <strong>de</strong> que<br />
t<strong>em</strong> gente morando <strong>em</strong> barraco com suas crianças e que e está lutando por<br />
alguma coisa (GOMES e NASCIMENTO, 1998:6).<br />
A novela t<strong>em</strong> se tornado, ao longo dos anos, um importante mecanismo<br />
para atrair o telespectador para a esfera nacional, <strong>em</strong> função da "linguag<strong>em</strong> fácil"<br />
<strong>de</strong>sse gênero <strong>de</strong> entretenimento. Termos como "terras <strong>de</strong>volutas" e "latifúndio<br />
improdutivo" somente passaram a fazer parte do universo s<strong>em</strong>ântico popular a<br />
partir da difusão <strong>em</strong> “O Rei do Gado”, o que colaborou com a vulgarização <strong>de</strong><br />
informações referentes ao cotidiano do campo, como a questão da terra, a sua<br />
concessão, utilização e improdutivida<strong>de</strong>, b<strong>em</strong> como o atraso do governo <strong>em</strong><br />
relação a uma política agrária mais clara. Li<strong>de</strong>ranças do MST, a ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> João<br />
Pedro Stédile, concordam com a importância da telenovela como foro das<br />
discussões dos probl<strong>em</strong>as sociais, tanto que afirmou: “N<strong>em</strong> o MST n<strong>em</strong> a Igreja<br />
católica chegariam a esta faixa com o t<strong>em</strong>a reforma agrária se não fosse por<br />
intermédio da novela” (GOMES e NASCIMENTO, 1998:7).<br />
Entretanto, o MST se opôs ao modo como foram tratados símbolos<br />
históricos da esquerda na telenovela, a ex<strong>em</strong>plo da troca da ban<strong>de</strong>ira vermelha<br />
pela ban<strong>de</strong>ira do Brasil, como propunha a trama. Segundo Stédile, Benedito Rui<br />
Barbosa teria sido aconselhado a não inserir a ban<strong>de</strong>ira vermelha por se tratar <strong>de</strong><br />
propaganda explícita ao MST. Porém, o que ficou evi<strong>de</strong>nciado posteriormente<br />
<strong>de</strong>negriu uma simbologia não somente utilizada pelo movimento, mas também<br />
39
por outras entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> esquerda como a CUT (Central Única dos Trabalhadores)<br />
e o PT.<br />
Ao fazer críticas à utilização da ban<strong>de</strong>ira vermelha nas invasões do<br />
movimento, a Globo atingiu a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do MST, não somente atrelada à<br />
ban<strong>de</strong>ira, como também a seus cânticos, hinos etc., que auxiliam na participação<br />
ativa dos integrantes e estimula o sentimento <strong>de</strong> pertencimento à comunida<strong>de</strong>,<br />
como coloca Haddad e Di Pierro:<br />
(..) dificilmente po<strong>de</strong>r-se-á tratar dos processos <strong>de</strong> formação política ou <strong>de</strong><br />
educação <strong>de</strong>senvolvidos pelo MST, s<strong>em</strong> abordar a „mística do movimento'. A<br />
'mística' é entendida pelo MST como um conjunto <strong>de</strong> valores éticos, princípios<br />
políticos e sentimentos <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, a<strong>de</strong>são e confiança que unificam os<br />
militantes do movimento e são simbolizados por usar ban<strong>de</strong>ira, hino, cânticos,<br />
palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e gestos. A 'mística' é <strong>de</strong>senvolvida nas práticas cotidianas<br />
<strong>de</strong> formação por meio da presença constante dos símbolos do movimento e <strong>de</strong><br />
sua varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> rituais <strong>de</strong> evocação (Haddad e Di Pierro, citados por GOMES<br />
e NASCIMENTO, 1998:9).<br />
Neste sentido, <strong>de</strong>ve-se recorrer ao estudo <strong>de</strong> VELA (1987), que analisa<br />
como a socieda<strong>de</strong> recebe as informações sobre os movimentos sociais, como o<br />
MST, tendo como mediação os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa. Para o autor,<br />
enquanto a socieda<strong>de</strong> acredita que a mídia busca avançar, supostamente, com<br />
benefícios para as classes sociais excluídas, a realida<strong>de</strong> oculta é diferente:<br />
(...) a realida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> que os mesmos (meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa)<br />
continuam a exercer sua ativida<strong>de</strong> baseados na divisão social do trabalho, <strong>em</strong><br />
termos <strong>de</strong> <strong>de</strong>tentores e não <strong>de</strong>tentores dos meios <strong>de</strong> produção, e sob essa<br />
perspectiva, difícil é, ou será, explicar, com um belo conceito sobre<br />
Desenvolvimento, a realida<strong>de</strong> do Terceiro Mundo, e neste caso, da Reforma<br />
Agrária, como medicamento para o nervosismo das classes sociais rurais<br />
(VELA, 1987:73).<br />
Desta forma, VELA (1987) já questionava, na ocasião, a <strong>de</strong>sinformação<br />
e os rumores sobre o probl<strong>em</strong>a agrário brasileiro, ressaltando a importância <strong>de</strong> se<br />
averiguar “nos próximos 15 anos” os rumos da cobertura dos meios <strong>de</strong><br />
comunicação sobre a reforma agrária.<br />
40
1.3.1. A linguag<strong>em</strong> e a palavra<br />
(...) a questão informativa da comunicação <strong>de</strong> massa e os rumores da Reforma<br />
Agrária, vai <strong>de</strong>ixando entrever, <strong>de</strong> que as opiniões impressas e/ou lidas no<br />
microfone, não são representativas <strong>de</strong> todos os setores, e a julgar pelos<br />
interesses da UDR, <strong>de</strong> se fazer ouvir “esclarecendo a opinião pública ”via<br />
meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, já antecipadamente <strong>de</strong>ixa s<strong>em</strong> ânimo <strong>de</strong><br />
concluir, a fim <strong>de</strong> ficar observando, os rumos, os jeitos da notícias 15 (Hugo<br />
Gonzales Vela).<br />
LANE (1983) analisa, através da abordag<strong>em</strong> sócio-histórica, como se<br />
forma a nossa concepção <strong>de</strong> mundo e das coisas que nos cercam, através da<br />
linguag<strong>em</strong> e como ela <strong>de</strong>termina valores e explicações sociais, a relação entre o<br />
falar e o fazer, a mediação do pensamento e o <strong>de</strong>senvolvimento da consciência<br />
social.<br />
A autora também expõe a inter-relação linguag<strong>em</strong>-palavra, dizendo que a<br />
linguag<strong>em</strong> é produzida socialmente, pela atribuição <strong>de</strong> significados às palavras<br />
que são muito po<strong>de</strong>rosas. Neste sentido, LANE (1983) conclui que a contra-arma<br />
do po<strong>de</strong>r da palavra se encontra na própria natureza do significado. “O essencial<br />
é ampliá-lo. É questioná-lo, é pensar sobre ele e não simplesmente agir <strong>em</strong><br />
resposta da palavra”. E ressalta que entre a palavra e a ação <strong>de</strong>ve s<strong>em</strong>pre existir o<br />
pensamento para não sermos dominados por aqueles que <strong>de</strong>têm o po<strong>de</strong>r da<br />
palavra.<br />
É necessário fazer uma leitura mais atenta às palavras e frases utilizadas<br />
pelas mídias ao veicular<strong>em</strong> notícias relativas ao MST e suas ações. Isso s<strong>em</strong><br />
dizer sobre a superficialida<strong>de</strong> com que muitas vezes o assunto é tratado, e<br />
s<strong>em</strong>pre mostrado pela ótica do “agredido”, do “invadido”. Entra aqui <strong>em</strong> cena a<br />
opinião pública.<br />
De acordo com Bourdieu, citado <strong>em</strong> COUTO (1996), “o po<strong>de</strong>r da<br />
palavra é o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mobilizar a autorida<strong>de</strong> acumulada pelo falante e concentrá-<br />
la num ato lingüístico”.<br />
Dentro <strong>de</strong>ste contexto, po<strong>de</strong> ser analisada uma questão que provoca<br />
conflitos. O MST também <strong>de</strong>senvolve uma batalha paralela à sua luta pela<br />
15 VELA (1987:71).<br />
41
proprieda<strong>de</strong> do campo. Trata-se <strong>de</strong> um confronto mais sutil, on<strong>de</strong> o adversário é a<br />
linguag<strong>em</strong> da imprensa e o conceito que ela expressa. Tudo gira <strong>em</strong> torno da<br />
palavra invasão, com que a imprensa <strong>de</strong>screve a ação <strong>de</strong> entrada dos s<strong>em</strong>-terra<br />
<strong>em</strong> alguma fazenda.<br />
Assim, no discurso das mídias, os assentados, acampados, aqueles que<br />
ocupam as terras improdutivas são os “invasores”. Cabe aos meios <strong>de</strong><br />
comunicação lançar as palavras, o ouvinte-leitor-expectador que entenda como<br />
quiser. 16<br />
O MST diz que não inva<strong>de</strong>, apenas ocupa. Invadir envolve um conceito<br />
<strong>de</strong> agressão, que não ocorre. Já o termo ocupação expressa o que o movimento<br />
diz que acontece, isto é, a entrada numa terra <strong>de</strong>socupada, s<strong>em</strong> aproveitamento.<br />
Segundo li<strong>de</strong>ranças do MST, qu<strong>em</strong> pratica a invasão no campo é o grileiro, o<br />
personag<strong>em</strong> que entra numa terra que está sendo trabalhada pelo lavrador e o<br />
expulsa (REVISTA TERCEIRO MUNDO, 1995a).<br />
A diferenciação t<strong>em</strong> sólida base jurídica, como referiu José Gomes da<br />
Silva, na ocasião, m<strong>em</strong>bro da Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores da<br />
Agricultura (CONTAG).<br />
Juristas e professores ilustres, como Régis <strong>de</strong> Oliveira, Fábio Comparato e Luiz<br />
Edson Fachin, ensinam que invadir significa um ato <strong>de</strong> força para tomar<br />
alguma coisa <strong>de</strong> alguém, enquanto ocupar diz respeito, simplesmente, a<br />
preencher um vazio, no caso, terras que não cumpr<strong>em</strong> sua função social.<br />
Doutrinamente, a ocupação ganha ainda maior aceitação quando a população<br />
que a realiza está <strong>em</strong> estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero, situação <strong>em</strong> que um direito natural<br />
maior - o direito à vida - se sobrepõe a um direito terreno, como o direito <strong>de</strong><br />
proprieda<strong>de</strong> (REVISTA TERCEIRO MUNDO, 1995a:7).<br />
Mencionando ainda a questão das ocupações, José Rainha Júnior, um<br />
dos principais lí<strong>de</strong>res do MST, lamentou ser<strong>em</strong> estas as únicas alternativas que<br />
restaram para o movimento social no campo.<br />
Nossa ocupação é uma forma <strong>de</strong> pressionar o po<strong>de</strong>r político para que <strong>de</strong>sperte<br />
para o probl<strong>em</strong>a social da reforma agrária. Seria muito melhor que o governo<br />
fizesse a reforma agrária espontaneamente, porque a ocupação exige sacrifício,<br />
a gente não ocupa terras porque acha bonito. Até hoje, os poucos assentados<br />
que t<strong>em</strong>os conquistado foram conseguidos através da ocupação (REVISTA<br />
IMPRENSA, 1996:75).<br />
16 Ver dados sobre ocupações e acampamentos do MST nos Apêndices C e D.<br />
42
Em pesquisa realizada por COUTO (1996), <strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1995, junto a<br />
um assentamento <strong>em</strong> Minas Gerais, foi levantada a questão da atuação da<br />
imprensa no período <strong>de</strong> ocupação da fazenda on<strong>de</strong> hoje se localiza o<br />
assentamento. Durante o período <strong>de</strong> negociação, quando os s<strong>em</strong>-terra estavam<br />
acampados, assim como havia a presença da polícia militar, da UDR, a imprensa<br />
também estava lá para cobrir o fato. Nesse caso específico, a imprensa local <strong>de</strong>u<br />
um enfoque bastante direcionado, segundo um dos assentados:<br />
... já tá aquele clima que você n<strong>em</strong> dorme, nós dormindo no chão, a noite<br />
inteira, passamos várias noites no chão, um acampamento da polícia militar do<br />
lado, a UDR pressionando também, os jornais, a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação local a<br />
serviço dos fazen<strong>de</strong>iros, isso criou mil rótulos pra nós, <strong>de</strong> ba<strong>de</strong>rneiros, <strong>de</strong><br />
invasores, enfim, toda aquela coisa <strong>de</strong> que nós éramos, na verda<strong>de</strong>, bandidos,<br />
tentaram dar esse caráter pro movimento (COUTO, 1996:9).<br />
No entanto, apesar das distorções, a presença da imprensa no local foi, por<br />
outro lado, importante, na fala <strong>de</strong> um dos assentados:<br />
O que nós pretendíamos era o seguinte, criar fato político ali no jornal, e nós<br />
conseguimos, toda a imprensa do Estado <strong>de</strong>sceu para o acampamento, que o<br />
fundamental na luta pela reforma agrária, o fundamental na luta pela terra (...)<br />
era a imprensa, era você noticiar, o povo ficar sabendo o que tava<br />
acontecendo, a opinião pública saber o que tá acontecendo (...) porque senão<br />
você morre aqui no mato e ninguém fica sabendo (...), ninguém fica sabendo<br />
quando morreu. Era meliante, bandido, um bando <strong>de</strong> invasores (COUTO,<br />
1996:9).<br />
Segundo COUTO (1996), <strong>em</strong> outro momento, durante acampamento <strong>em</strong><br />
frente ao Congresso Nacional por parte do mesmo grupo como forma <strong>de</strong><br />
pressionar as negociações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação da fazenda <strong>em</strong> questão, a imprensa,<br />
<strong>de</strong> acordo com o mesmo assentado, teve um papel diferente para o movimento: o<br />
<strong>de</strong> noticiar o fato político, <strong>de</strong> fazer chegar às primeiras páginas dos jornais e<br />
re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> televisão a existência <strong>de</strong> um grupo que reivindicava seus direitos sobre<br />
terras improdutivas, que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou uma comissão no sentido <strong>de</strong> visitar o<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos on<strong>de</strong> estava tramitando o processo, que foi julgado<br />
e a causa ganha pelos s<strong>em</strong>-terra. Assim, <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminados momentos <strong>de</strong><br />
ocupação e negociação, o que estava importando para o grupo era a divulgação<br />
do fato político: “importaria que falasse, que mostrasse que existia o<br />
assentamento”.<br />
43
De maneira geral, po<strong>de</strong>-se dizer que a imag<strong>em</strong> divulgada a respeito do<br />
movimento é no mínimo difusa. Em muitos casos, carregam na conotação<br />
negativa das palavras, como invasão, como coloca um assentado, citado <strong>em</strong><br />
COUTO (1996):<br />
Negativa, pra opinião pública. Invadiu! Isso é pesado, t<strong>em</strong> que por polícia.<br />
Agora, ocupação, não soa mais ameno. E na verda<strong>de</strong> é isso mesmo, ocupação,<br />
você ocupa uma área que tá <strong>de</strong>voluta, que não t<strong>em</strong> dono. Ou que t<strong>em</strong> e não tá<br />
n<strong>em</strong> aí com ela. Então cê ocupou aquilo lá. (...) A UDR, os jornais, fizeram<br />
muito isso, né, o invasor, pra formar a opinião pública (...) invadiu t<strong>em</strong> que ir<br />
pra ca<strong>de</strong>ia. Bandido. Então eles quer<strong>em</strong> essa imag<strong>em</strong>. S<strong>em</strong> dúvida nenhuma,<br />
essa imag<strong>em</strong> eles <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m (COUTO, 1996:10).<br />
De acordo com SILVA (1996), no plano ético, vale l<strong>em</strong>brar o<br />
comunicado da CNBB, assinado <strong>em</strong> 1986, quando ocorreu a ocupação da<br />
Fazenda Annoni, no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul:<br />
é, no entanto, indispensável estabelecer uma distinção <strong>de</strong>finida entre invasão<br />
que, até pela violência, preten<strong>de</strong> apropriar-se estavelmente <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><br />
alheia – o que <strong>de</strong>ve ser repudiado - e, por outro lado, outras formas <strong>de</strong> pressão<br />
<strong>de</strong>mocrática como passeatas, acampamentos, ocupações transitórias e<br />
pacíficas, que procuram <strong>de</strong>monstrar à socieda<strong>de</strong> a situação <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a<br />
necessida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sespero do grupo, na intenção <strong>de</strong> alcançar uma solução<br />
a<strong>de</strong>quada e urgente por parte do Po<strong>de</strong>r Público (SILVA, 1996:116-117).<br />
SILVA (1996) ainda expõe que entre os muitos impasses e contradições<br />
que têm marcado os <strong>de</strong>spachos e sentenças judiciais relacionados com os<br />
conflitos <strong>de</strong> terra atualmente no Brasil, situa-se aquele já <strong>de</strong>nunciado <strong>de</strong> que,<br />
<strong>em</strong>bora o Judiciário esteja teoricamente consciente <strong>de</strong> que “o aspecto social conta<br />
mais que rigorismo legal”, ele mesmo <strong>de</strong>creta a prisão <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra e seus<br />
aliados. E ainda completa:<br />
Ao mostrar a diferença entre os conceitos <strong>de</strong> invasão e ocupação, não estamos<br />
absolutamente, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo que a RA seja feita por métodos violentos.<br />
Quer<strong>em</strong>os, tão somente, mostrar um outro lado da Questão Agrária visto do<br />
lugar <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> foi expulso da terra e está acampado ao lado <strong>de</strong> um latifúndio<br />
que não cumpre a sua função social. Numa situação <strong>em</strong>ergencial como esta,<br />
sobretudo quando o Estado se <strong>de</strong>ixa dominar por grupos econômicos-políticos<br />
contrários à RA, é muito difícil para o s<strong>em</strong>-terra esperar passivamente uma<br />
medida que aguarda há mais <strong>de</strong> quatro séculos (SILVA, 1996:120-121).<br />
44
1.3.2. O acirramento dos confrontos<br />
O <strong>de</strong>safio para os movimentos sociais e para o MST <strong>em</strong> particular é o <strong>de</strong><br />
contrapor-se à formulação do governo e da imprensa e convencer a população<br />
não-excluída <strong>de</strong> que os excluídos não estão contra ela, mas contra a<br />
pequeníssima e privilegiadíssima classe dominante brasileira e seu Estado,<br />
corporificado aqui e agora no governo FHC 17 (Emiliano José).<br />
De acordo com ROTHMAN (1995), não há dúvida <strong>de</strong> que os meios <strong>de</strong><br />
comunicação divulgam amplamente as invasões ou ocupações <strong>de</strong> terras por parte<br />
do MST. Mas o movimento acabou por ser caracterizado como radical, li<strong>de</strong>rado<br />
por agitadores profissionais externos, violando as leis e usando ou ameaçando o<br />
uso <strong>de</strong> violência para tomar posse <strong>de</strong> terras privadas ou <strong>de</strong>volutas. Com isso suas<br />
táticas às vezes são rotuladas e con<strong>de</strong>nadas como ameaça ao aumento da<br />
violência no campo. Segundo o autor, tais táticas do MST têm aumentado o<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha na luta pela terra, contribuindo para que seja analisada com<br />
mais freqüência pela socieda<strong>de</strong> a questão <strong>de</strong> se realizar uma reforma agrária justa<br />
e esperada há tantos anos.<br />
ROTHMAN (1995) ainda ressalta a importância política do movimento e<br />
sua conseqüente divulgação nos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa:<br />
(...) o MST, como outros movimentos <strong>de</strong> protesto, t<strong>em</strong> conseguido conquistas<br />
importantes usando táticas que romp<strong>em</strong> o conduto normal das ativida<strong>de</strong>s dos<br />
órgãos governamentais ou <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas particulares, criando fatos políticos, os<br />
quais são divulgados pelos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa; e que a ampla<br />
divulgação das ocupações recentes e a maior atenção dada a esses eventos pelo<br />
Governo Fernando Henrique indicam uma conquista muito importante: a<br />
inclusão da luta pela terra na pauta política do Governo (ROTHMAN,<br />
1995:4).<br />
Segundo Rainha, avaliando o comportamento da imprensa <strong>em</strong> relação ao<br />
MST, os órgãos <strong>de</strong> comunicação representam o po<strong>de</strong>r no Brasil, principalmente a<br />
Re<strong>de</strong> Globo:<br />
17 JOSÉ (1998).<br />
É um po<strong>de</strong>r muito gran<strong>de</strong> que <strong>de</strong>veria ser <strong>de</strong>mocratizado. As organizações<br />
sociais <strong>de</strong>veriam ter participação nos programas e nas <strong>de</strong>cisões. Os meios <strong>de</strong><br />
comunicação tratam as questões <strong>de</strong> acordo com sua conveniência. Este ano<br />
(1996), por ex<strong>em</strong>plo, a Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong>u uma gran<strong>de</strong> ênfase à reforma agrária e<br />
isso foi fundamental. A reforma Agrária ganhou uma dimensão ampla na<br />
socieda<strong>de</strong>. Mas a Globo fez isso, como outros órgãos <strong>de</strong> comunicação - Folha<br />
<strong>de</strong> São Paulo, Estadão - porque se convenceu <strong>de</strong> que a reforma agrária se faz<br />
urgente e necessária no país (REVISTA IMPRENSA, 1996:76).<br />
45
Rainha ainda reconheceu que houve um crescimento do espaço ocupado<br />
pelo MST na imprensa, ressaltando a importância <strong>de</strong> se trazer à tona o probl<strong>em</strong>a<br />
social da reforma agrária. Entretanto, também afirmou que ninguém t<strong>em</strong> interesse<br />
<strong>em</strong> estar colocando ele ou outras li<strong>de</strong>ranças do MST nas páginas dos jornais ou<br />
nas televisões, porque, segundo ele “a burguesia não concorda com nossos<br />
métodos <strong>de</strong> ocupar a terra”. Rainha também ressaltou que foram as ações dos<br />
s<strong>em</strong>-terra que fizeram com que a imprensa <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>staque a eles: “Esse espaço<br />
que o movimento conquistou foi à custa <strong>de</strong> uma luta, não por achar<strong>em</strong> que nós<br />
merec<strong>em</strong>os” (REVISTA IMPRENSA, 1996).<br />
Reforçando essas idéias, <strong>de</strong> acordo com <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> outras li<strong>de</strong>ranças<br />
do MST, os massacres dos s<strong>em</strong>-terras, a crise na agricultura provocada pela<br />
política neoliberal somados com as ocupações que vêm ocorrendo <strong>em</strong> todo o país<br />
acabaram motivando os meios <strong>de</strong> comunicação a olhar com mais atenção o que<br />
v<strong>em</strong> acontecendo. De acordo com estas <strong>de</strong>clarações:<br />
Para o MST, é muito importante que a imprensa abra espaços para a questão,<br />
a fim <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> possa se manifestar. Quanto a manter a questão à<br />
vista da opinião pública, v<strong>em</strong>os isso <strong>de</strong> uma forma mais ampla. Mais do que<br />
manter a socieda<strong>de</strong> informada, quer<strong>em</strong>os sua participação na nossa luta. Foi<br />
por isso que <strong>de</strong>finimos como palavra <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m “Reforma Agrária: Uma luta <strong>de</strong><br />
todos! (REVISTA TERCEIRO MUNDO, 1995a:10).<br />
46<br />
Conforme Stédile, a gran<strong>de</strong><br />
imprensa, da mesma forma que<br />
divulga os fatos, também contribui<br />
para <strong>de</strong>turpá-los. O dirigente<br />
analisou, <strong>em</strong> um outro momento, a<br />
cobertura que o MST encontra na<br />
gran<strong>de</strong> imprensa:<br />
Faz<strong>em</strong>os esta avaliação <strong>em</strong> três níveis. Primeiro a linha editorial dos<br />
proprietários <strong>de</strong> jornais e <strong>de</strong> televisão é ridiculamente dirigida pelo Palácio do<br />
Planalto. É vergonhosa a s<strong>em</strong>elhança. Às vezes aparece a mesma linha<br />
editorial no Jornal do Brasil, no Estadão, na própria Folha <strong>de</strong> São Paulo, e no<br />
Globo, <strong>de</strong>monstrando claramente a articulação <strong>de</strong>les com a vonta<strong>de</strong> do<br />
Palácio do Planalto. Segundo, nós perceb<strong>em</strong>os que há repórteres que faz<strong>em</strong><br />
boas matérias e no entanto o editor coloca uma machete ruim, que <strong>de</strong>sfoca ou<br />
distorce o próprio conteúdo da matéria. Terceiro, alguns repórteres,<br />
claramente i<strong>de</strong>ntificados com os proprietários da imprensa, faz<strong>em</strong> matérias<br />
preconceituosas. Eles já vêm com a matéria montada e procuram dados para<br />
justificar a tese que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m. Entre essas eu incluiria a matéria <strong>de</strong> capa <strong>de</strong>
Veja <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> junho, “A esquerda com raiva”. É impressionante o preconceito<br />
que eles <strong>de</strong>monstram na matéria (REVISTA IMPRENSA, 1998:22).<br />
LANE (1983) também traça uma relação entre o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados<br />
significados das palavras, impondo representações consi<strong>de</strong>radas necessárias para<br />
a reprodução das relações sociais, expondo que é neste sentido que se dá a<br />
transmissão ou imposição da i<strong>de</strong>ologia dominante, distinguindo aquele que fala e<br />
aquele que faz, o intelectual e o braçal. A autora também cita a expressão<br />
“função i<strong>de</strong>ológica falseadora”, a qual i<strong>de</strong>aliza uma realida<strong>de</strong> diferente do que ela<br />
realmente é.<br />
Como disse Stédile 18 , não há como negar o gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r dos meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa, especificamente da Re<strong>de</strong> Globo:<br />
Nós estamos convencidos que a concentração monopólita dos Meios <strong>de</strong><br />
Comunicação no Brasil, é um dos probl<strong>em</strong>as mais graves que nós t<strong>em</strong>os para<br />
construirmos uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. O fato <strong>de</strong> ter no Brasil oito famílias<br />
que controlam todas as televisões, rádios e gran<strong>de</strong>s jornais, po<strong>de</strong> ser visto<br />
como um <strong>em</strong>pecilho para elevar o nível <strong>de</strong> educação e consciência da<br />
população. E nós precisamos <strong>de</strong> todas as formas <strong>de</strong>nunciar isso. É preciso que<br />
o povo brasileiro vá se conscientizando que um dia t<strong>em</strong> que acabar com a<br />
Globo. Que é preciso termos uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática no monopólio da<br />
comunicação. E isso é partir <strong>de</strong> um pressuposto <strong>de</strong> que a forma que eles estão<br />
sendo utilizados hoje é uma forma <strong>de</strong> permanente dominação das mentes das<br />
pessoas. E eles utilizam isso na guerra das elites contra a reforma agrária,<br />
constant<strong>em</strong>ente, não só o Jornal Nacional, como outros programas da Globo e<br />
<strong>de</strong> outros canais e gran<strong>de</strong>s jornais, <strong>em</strong>bora haja contradições externas <strong>de</strong><br />
haver profissionais competentes. Mas a linha editorial... Quanto a isso não há<br />
dúvida. Pior ainda, é que as elites no Brasil conseguiram coptar muitos<br />
jornalistas altamente qualificados, que tinham propostas progressistas, mas<br />
que infelizmente se corromperam por altos salários. O Jornal Nacional é<br />
editado no Palácio do Planalto. Os ministros passam meta<strong>de</strong> do t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>les,<br />
na rotina <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>les, plantando informações para a gran<strong>de</strong> imprensa<br />
para manipular informações. Qu<strong>em</strong> me disse isso foi a editora do Jornal Estado<br />
<strong>de</strong> São Paulo. A rotina do ministro Jungman é: nove e meia ele chega ao<br />
ministério; das nove e meia às <strong>de</strong>z e meia ele lê os jornais; das <strong>de</strong>z e meia às<br />
onze e meia ele se reúne com a assessoria <strong>de</strong> imprensa para ver o que vai<br />
“plantar”; e das onze e meia à uma e meia ele fica pessoalmente telefonando<br />
para todos os editores ditando a linha <strong>de</strong> qual notícia que <strong>de</strong>ve ser veiculada.<br />
Isso é um absurdo do ponto <strong>de</strong> vista do serviço público. Vocês imaginam um<br />
ministro gastar meta<strong>de</strong> do seu t<strong>em</strong>po (Stédile, palestra proferida <strong>em</strong> Viçosa <strong>em</strong><br />
1999).<br />
Enfatizando estas colocações, têm-se as referências <strong>de</strong> HERMAN e<br />
CHOMSKY (1988) que, <strong>de</strong> acordo com seus estudos, os meios <strong>de</strong> comunicação<br />
47
possu<strong>em</strong> um conjunto <strong>de</strong> filtros que <strong>de</strong>terminam quais informações serão<br />
transmitidas à opinião pública. Através <strong>de</strong>stes filtros, que são precisamente cinco,<br />
as notícias são vinculadas, seguindo “as normas” que indicam o que <strong>de</strong>ve ser<br />
levado a público. Tal estudo será melhor contextualizado, posteriormente, no<br />
sentido <strong>de</strong> se evi<strong>de</strong>nciar os filtros <strong>de</strong> notícia constituídos no Jornal Nacional.<br />
Mencionando BORDENAVE (1988), po<strong>de</strong>-se analisar a questão da<br />
manipulação da linguag<strong>em</strong>, a qual o autor refere-se aos meios <strong>de</strong> comunicação<br />
que acabam indicando, através dos seus métodos <strong>de</strong> atuação, que exist<strong>em</strong> duas<br />
realida<strong>de</strong>s diferentes: “(...) a realida<strong>de</strong> objetiva e a realida<strong>de</strong> reconstruída pelo<br />
discurso da comunicação. (...) O resultado é um produto parcialmente <strong>de</strong>notativo<br />
e parcialmente conotativo, mas reconstruído”.<br />
Dentro das discussões relativas à questão agrária hoje, no Brasil,<br />
percebe-se uma polarização <strong>em</strong> relação ao assunto: li<strong>de</strong>ranças políticas <strong>de</strong> direita<br />
posicionam-se na argumentação para valer seu ponto <strong>de</strong> vista, enquanto que, no<br />
campo opositivo, os s<strong>em</strong>-terra são enquadrados como foras-da-lei, tendo suas<br />
falas reprimidas ou restritas. O que está <strong>em</strong> jogo neste cenário <strong>de</strong> oposições é<br />
chamar a atenção do eleitorado, portanto da opinião pública; e uma das vias é a<br />
televisão, através do Jornal Nacional, pois, tendo este como mediador, a<br />
argumentação discursiva chegará ao telespectador.<br />
A partir das referências sobre os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e o<br />
contexto <strong>de</strong> luta social do MST, este estudo centralizará a análise no telejornal da<br />
TV Globo, o Jornal Nacional, exibido <strong>de</strong> segunda a sábado às 20 horas, no<br />
período <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1997 a junho <strong>de</strong> 1998. Dentro do que já foi exposto, com<br />
relação à probl<strong>em</strong>ática da questão, foram formuladas questões que <strong>de</strong>limitam a<br />
abordag<strong>em</strong> do estudo, tais como: quais as características i<strong>de</strong>ológicas dominantes<br />
no noticiário televisivo do Jornal Nacional? O espaço do telejornal po<strong>de</strong> ser<br />
consi<strong>de</strong>rado como mediação <strong>de</strong> diferentes discursos <strong>em</strong> conflito na socieda<strong>de</strong><br />
brasileira, marcada pelo autoritarismo <strong>em</strong> suas relações políticas e sociais? O<br />
tratamento <strong>de</strong> produção dado a estes discursos ten<strong>de</strong> a criar um sentido<br />
18 Palestra proferida no dia 15 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1999, no Centro <strong>de</strong> Vivência da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
Viçosa, Viçosa, MG. A citação mencionada é parte <strong>de</strong> uma resposta, referente a uma pergunta feita<br />
pela autora <strong>de</strong>sta dissertação <strong>de</strong> mestrado.<br />
48
dominante ou a reproduzir relações <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na socieda<strong>de</strong>? Como<br />
encontrar nas notícias do telejornal <strong>em</strong> questão, <strong>em</strong> seus componentes icônicos e<br />
lingüísticos, a filtrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> informações, a construção do discurso e a sua matriz<br />
i<strong>de</strong>ológica?<br />
Como expôs MOTA (1992), já nos acostumamos a ver notícias, está na<br />
hora <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a ler as notícias que v<strong>em</strong>os na televisão.<br />
49
2.1. Geral<br />
2. OBJETIVOS<br />
O presente trabalho teve como objetivo geral a análise do discurso<br />
acerca do MST, veiculado no Jornal Nacional da Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão,<br />
no contexto da palavra e da imag<strong>em</strong> <strong>em</strong> sua dimensão i<strong>de</strong>ológica.<br />
2.2. Específicos<br />
Compreen<strong>de</strong>r o processo discursivo do Jornal Nacional, referente à<br />
palavra e à imag<strong>em</strong>, i<strong>de</strong>ntificando a manipulação da mensag<strong>em</strong> e o uso do<br />
po<strong>de</strong>r da <strong>em</strong>issora (<strong>em</strong>presa) <strong>em</strong> questão.<br />
Comparar os enunciados (texto do apresentador e falas do repórter) das<br />
reportagens (verbal), com as reportagens exibidas (imag<strong>em</strong>), para verificar se<br />
são compatíveis, se se compl<strong>em</strong>entam ou se revelam contrastes.<br />
Observar nas reportagens o espaço que tiveram os s<strong>em</strong>-terra para falar sobre<br />
os probl<strong>em</strong>as agrários, assim como também os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s<br />
ligadas à questão da reforma agrária. Questionar se houve para os sujeitos<br />
falantes envolvidos com o assunto, t<strong>em</strong>pos iguais para argumentação,<br />
50
<strong>de</strong>svendando o processo comunicativo do texto telejornalístico (i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e<br />
status dos falantes).<br />
51
3. REFERENCIAL TEÓRICO<br />
3.1. Os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e o domínio social<br />
Os mass media po<strong>de</strong>m iniciar uma ação social organizada, “expondo condições<br />
que estão <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com a moral pública. Mas não se <strong>de</strong>ve presumir<br />
apressadamente que esta função é <strong>de</strong> apenas tornar públicas essas<br />
discordâncias. (...) as comunicações <strong>de</strong> massa po<strong>de</strong>m-se incluir entre os mais<br />
respeitáveis e eficazes narcóticos sociais. Elas po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> tal forma<br />
ineficazes que impeçam o viciado <strong>de</strong> reconhecer sua própria doença 19 (Robert<br />
K. Merton e Paul F. Lazarsfeld).<br />
Há mais <strong>de</strong> 40 anos, o sociólogo cana<strong>de</strong>nse MACLUHAN (1964) tentou<br />
convencer a humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o mundo caminhava inevitavelmente para a sua<br />
transformação <strong>em</strong> “al<strong>de</strong>ia global” e que os povos avançavam para a integração<br />
num abraço mundializado. Poucos acreditaram na sua previsão e muitos cépticos<br />
enterraram suas teorias, como evi<strong>de</strong>nciam alguns teóricos, quando expõ<strong>em</strong> que<br />
os processos <strong>de</strong> globalização e mundialização não só estão tendo impacto na base<br />
econômica e política das socieda<strong>de</strong>s, mas também nas dinâmicas sociais e<br />
culturais refletidas nas imagens, nas mensagens e nos referentes simbólicos<br />
projetados pelos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa.<br />
19 MERTON e LAZARSFELD (1990:112-115).<br />
52
Dentro do contexto da chamada indústria cultural po<strong>de</strong>-se verificar que<br />
os meios <strong>de</strong> comunicação se <strong>de</strong>senvolveram no Brasil e na América Latina, sob a<br />
proteção da iniciativa privada, que precisava incentivar a população a consumir,<br />
como po<strong>de</strong> ser evi<strong>de</strong>nciado por SILVA (1986):<br />
(...) os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa têm como base o processo<br />
comunicativo e aparec<strong>em</strong> nas socieda<strong>de</strong>s urbanos-industriais cont<strong>em</strong>porâneas<br />
e capitalistas como um sub-processo, a indústria cultural, inserindo-se no<br />
processo mais abrangente <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento industrial, que pelo fato <strong>de</strong> ser<br />
penetrado pelo modo <strong>de</strong> produção capitalista, consegue acompanhar o<br />
processo geral <strong>de</strong> produção <strong>em</strong> massa, ou seja, t<strong>em</strong> a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir<br />
e/ou reproduzir <strong>em</strong> massa os símbolos surgidos <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência das relações<br />
sociais prevalecentes nas socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas (SILVA, 1986:57).<br />
A autora ainda expõe que o objetivo dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong><br />
massa, enquanto indústrias da cultura e enquanto concentram tecnologia na<br />
produção, é aperfeiçoar a mensag<strong>em</strong> como “objeto” <strong>de</strong> consumo no sentido <strong>de</strong><br />
facilitar o seu consumo. Daí surgiram os conflitos, já que a maioria da população<br />
não t<strong>em</strong> condições <strong>de</strong> adquirir os produtos difundidos pelos meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa, pois a distribuição <strong>de</strong> renda no país não acompanhou o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento industrial.<br />
De acordo com COELHO (1980), para os adversários da indústria<br />
cultural - aqueles que ECO (1976) chamou <strong>de</strong> apocalípticos: os que vê<strong>em</strong> na<br />
indústria cultural um estado avançado <strong>de</strong> “barbárie cultural” capaz <strong>de</strong> produzir ou<br />
acelerar a <strong>de</strong>gradação do hom<strong>em</strong> - essa função seria a alienação. Inversamente,<br />
para os a<strong>de</strong>ptos <strong>de</strong>ssa indústria ou os que a toleram - os integrados - essa função<br />
central seria a mesma <strong>de</strong> toda produção cultural: a revelação, para o hom<strong>em</strong>, das<br />
significações suas e do mundo que o cerca.<br />
De um lado, portanto, estão os que acreditam, como HORKHEIMER e<br />
ADORNO 20 (1978), que essa indústria <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha as mesmas funções <strong>de</strong> um<br />
estado fascista,<br />
(...) estando na base do totalitarismo mo<strong>de</strong>rno ao promover a alienação do<br />
hom<strong>em</strong>, entendida como um processo no qual o indivíduo a não meditar sobre<br />
si mesmo e sobre a totalida<strong>de</strong> do meio social circundante, transformando-se <strong>em</strong><br />
simples produto alimentador do sist<strong>em</strong>a social que o envolve (HORKHEIMER<br />
e ADORNO, 1978:165).<br />
20 Os primeiros teóricos da comunicação na década <strong>de</strong> 40 a utilizar<strong>em</strong> a expressão “indústria cultural” tal<br />
como é entendida hoje.<br />
53
Do outro lado, os que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a idéia segundo a qual a indústria<br />
cultural é o primeiro processo <strong>de</strong>mocratizador da cultura, ao colocá-la ao alcance<br />
da massa - sendo, portanto, instrumento privilegiado no combate <strong>de</strong>ssa mesma<br />
alienação.<br />
Segundo HERMAN e CHOMSKY (1988), <strong>em</strong> competente estudo já<br />
mencionado sobre a política econômica das mídias constituindo-se <strong>em</strong> indústria<br />
da consciência, os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massas serv<strong>em</strong> como um sist<strong>em</strong>a<br />
para comunicar mensagens e símbolos à população <strong>em</strong> geral. Têm como funções<br />
divertir, entreter, informar e incultar os indivíduos com os valores, as convicções<br />
e os códigos <strong>de</strong> comportamento que os integrará nas estruturas institucionais da<br />
socieda<strong>de</strong> como um todo. Este papel requer uma propaganda sist<strong>em</strong>ática <strong>em</strong> um<br />
mundo on<strong>de</strong> o capital dita as normas e on<strong>de</strong> se concentram conflitos <strong>de</strong> interesses<br />
<strong>de</strong> classe. Em países on<strong>de</strong> o po<strong>de</strong>r está nas mãos <strong>de</strong> uma burocracia estatal, os<br />
po<strong>de</strong>res monopolísticos controlam as mídias que, <strong>de</strong> certa forma, sofr<strong>em</strong> uma<br />
censura oficial. Segundo os autores, isso leva a crer que os meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa serv<strong>em</strong> aos interesses <strong>de</strong> uma elite que t<strong>em</strong> como<br />
característica a dominação através do po<strong>de</strong>r político e econômico.<br />
Para GUATTARI (1987), a influência dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong><br />
massa, da televisão principalmente, na vida das pessoas, ajuda a construir uma<br />
subjetivida<strong>de</strong> falsa, frágil, pois r<strong>em</strong>ete-se a um mundo ficcional. Ao <strong>de</strong>parar-se<br />
com a realida<strong>de</strong>, o indivíduo se vê perdido frente à máquina <strong>de</strong> produção.<br />
Percebe-se acentuada a <strong>de</strong>pendência, e o que o autor <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “esmagamento<br />
do <strong>de</strong>sejo”.<br />
Dentro <strong>de</strong>ste contexto, t<strong>em</strong>os a concepção <strong>de</strong> GUARESCHI (1991),<br />
afirmando que conhecer é po<strong>de</strong>r e a comunicação, inserida no processo atual dos<br />
meios <strong>de</strong> comunicação social, implica uma relação com o tipo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong><br />
existente. O autor ressalta que, se é a comunicação que constrói a realida<strong>de</strong>,<br />
qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>tém a construção <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>tém também o po<strong>de</strong>r sobre a<br />
existência das coisas, sobre a difusão das idéias, sobre a criação da opinião<br />
pública.<br />
A comunicação e a informação passam a ser alavancas po<strong>de</strong>rosas para<br />
expressar e universalizar a própria vonta<strong>de</strong> e os próprios interesses dos que<br />
54
<strong>de</strong>tém os Meios <strong>de</strong> Comunicação. O monopólio da proprieda<strong>de</strong> privada da<br />
terra, os latifúndios, se prolongam no monopólio do po<strong>de</strong>r político como<br />
dominação e passam a abranger, logicamente, o monopólio dos Meios <strong>de</strong><br />
Comunicação Social, a serviço da dominação i<strong>de</strong>ológica (GUARESCHI,<br />
1991:19).<br />
Há uma diferença essencial entre a ação <strong>de</strong> “manipular” as pessoas e o<br />
encaminhamento dos fatos, discussão, persuasão e argumentação que são partes<br />
do processo pelo qual o consenso é atingido <strong>em</strong> qualquer socieda<strong>de</strong> livre.<br />
Obviamente, a comunicação po<strong>de</strong> ser usada, <strong>de</strong> alguma forma para a<br />
manipulação, se os possuidores dos canais <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m usá-los com esse propósito.<br />
Mas é também evi<strong>de</strong>nte que, quanto maior e mais livre o fluxo <strong>de</strong> informação, é<br />
menos provável que a comunicação manipuladora tenha algum efeito. O efeito<br />
social básico da informação livre é, antes, libertar do que manipular o hom<strong>em</strong>. É<br />
libertá-lo da ignorância e da manipulação unilateral. Isto é o que a Comissão <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos das Nações Unidas quis dizer quando situou a informação<br />
como um dos direitos básicos. O processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento nacional o ilustra<br />
b<strong>em</strong>. Um fluxo <strong>de</strong> informação é necessário para a distribuição da cultura entre os<br />
que a têm mais e os que a têm menos sobre <strong>de</strong>terminado assunto. Tal fluxo<br />
a<strong>de</strong>quado é necessário, se o povo <strong>em</strong> geral <strong>de</strong> um país <strong>de</strong>ve ser levado ao<br />
processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão.<br />
Segundo MACEDO e FONSECA (1985), o fluxo <strong>de</strong> informação é da<br />
maior importância na regulação do nível <strong>de</strong> tensão social, comum nas<br />
transformações sociais. A comunicação constitui um tipo <strong>de</strong> agente controlador<br />
da t<strong>em</strong>peratura. Po<strong>de</strong> elevar a t<strong>em</strong>peratura social, por ex<strong>em</strong>plo, aumentando as<br />
reivindicações, quando a economia <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento não está apta a<br />
satisfazê-las. Po<strong>de</strong> reduzir a t<strong>em</strong>peratura, fornecendo explicações, promovendo<br />
prêmios, acelerando o <strong>de</strong>senvolvimento, permitindo que a transformação<br />
atravesse toda uma cultura, fazendo, acima <strong>de</strong> tudo, com que o povo, assim como<br />
lí<strong>de</strong>res, sejam ouvidos. À medida que o <strong>de</strong>senvolvimento nacional é<br />
encaminhado, não são as funções <strong>de</strong> comunicação que se modificam, mas as<br />
quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação.<br />
PASQUALI (1973), argumentando sobre as contradições entre<br />
comunicação e informação, expõe que não é uma estrutura social que <strong>de</strong>termina a<br />
55
“posteriori” seus meios preferenciais <strong>de</strong> comunicação, mas a prepon<strong>de</strong>rância <strong>de</strong><br />
um ou outro sist<strong>em</strong>a comunicativo configurar este ou aquele tipo <strong>de</strong><br />
conveniência, comunida<strong>de</strong> ou socieda<strong>de</strong>. O predomínio da comunicação sobre a<br />
informação correspon<strong>de</strong> a uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> público, ao passo que ao predomínio<br />
<strong>de</strong> informação sobre a comunicação correspon<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massas.<br />
CARDOSO (1985), ao analisar a Teoria da Comunicação, fez um<br />
paralelo entre também chamada Teoria da Marginalida<strong>de</strong> e a Teoria da<br />
Dependência, focalizando aspectos como efeitos políticos nos processos <strong>de</strong><br />
industrialização tardia nos países periféricos, sendo questões relevantes para o<br />
entendimento <strong>de</strong> nossa realida<strong>de</strong>.<br />
A teoria disponível, e especialmente a perspectiva marxista <strong>de</strong> interpretação,<br />
dá uma tal ênfase sobre os aspectos homogeneizadores e principalmente<br />
sobre os aspectos alienantes da imposição <strong>de</strong> informações, do controle<br />
realizado pelos meios <strong>de</strong> comunicação, que só nos permite compreen<strong>de</strong>r sua<br />
atuação como instrumentos da cultura <strong>de</strong> uma classe dominante. Os meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa insist<strong>em</strong> <strong>em</strong> utilizar e reproduzir a cultura dominante<br />
na socieda<strong>de</strong>, isto é, aquilo que é <strong>de</strong> certa maneira heg<strong>em</strong>ônico. São os<br />
instrumentos privilegiados <strong>de</strong> manutenção <strong>de</strong>sta heg<strong>em</strong>onia. Esta postura<br />
que <strong>de</strong>ve muito à Escola <strong>de</strong> Frankfurt e que foi uma contribuição muito<br />
importante, foi também uma reafirmação <strong>de</strong> uma esperada passivida<strong>de</strong> das<br />
massas. A partir <strong>de</strong>ssa concepção dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, tudo<br />
nos levava a <strong>de</strong>screver uma socieda<strong>de</strong> que caminha para a homogeneização e<br />
que irá correspon<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>scrições da literatura <strong>de</strong> ficção científica. Uma<br />
socieda<strong>de</strong> passiva, intensamente controlada, e on<strong>de</strong> o Estado se agiganta<br />
para controlar, cada vez mais, a vida privada dos cidadãos (CARDOSO,<br />
1985:120).<br />
Como expõe GUARESCHI (1991), a chamada homogeneização cultural<br />
que já se está praticando há muito nos Estados Unidos ameaça agora tomar conta<br />
<strong>de</strong> todo o mundo. Em toda a parte, a cultura local está enfrentando o afogamento<br />
que os exce<strong>de</strong>ntes dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, produzidos com<br />
finalida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológica e comercial, estão causando.<br />
A Televisão está quase que, exclusivamente, montada para satisfazer às<br />
necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mercado dos produtos <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> consumo que patrocinam e<br />
financiam a programação. O material <strong>de</strong> programação está planejado,<br />
especialmente, para assegurar e pren<strong>de</strong>r audiências massivas nas peias e<br />
<strong>de</strong>lícias <strong>de</strong> consumismo. Poucas socieda<strong>de</strong>s possu<strong>em</strong> a força industrial, a<br />
competência técnica e a força moral para resistir aos assaltos eletrônicos <strong>de</strong><br />
TV comercial... O que é menos aparente, mas não menos real, são as<br />
características negativas da parafernália eletrônica que estão sendo<br />
introduzidas nas comunida<strong>de</strong>s pobres, através do globo (GUARESCHI,<br />
1991:75-76).<br />
56
No que se refere ao papel consumista dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong><br />
massa, percebe-se que eles preparam o caminho, constró<strong>em</strong> a infra-estrutura <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>pendência e ajudam as corporações multinacionais a ven<strong>de</strong>r seus produtos.<br />
Através da propaganda <strong>de</strong> massa, o hom<strong>em</strong> do Terceiro Mundo cai na armadilha<br />
do consumismo e muda seu comportamento para adaptar-se aos propósitos e<br />
objetivos da indústria estrangeira.<br />
3.1.1. A formação da indústria cultural brasileira<br />
Ao invés <strong>de</strong> dar ao inconsciente a honra <strong>de</strong> elevá-lo ao consciente e com isso<br />
simultaneamente aten<strong>de</strong>r ao seu ímpeto s satisfazer à sua força <strong>de</strong>struidora, a<br />
indústria cultural, tendo à frente a televisão, reduz os homens ainda mais a<br />
formas <strong>de</strong> comportamento insconscientes do que aquelas suscitadas pelas<br />
condições <strong>de</strong> uma existência, que ameaça com sofrimentos aquele que <strong>de</strong>scobre<br />
os seus segredos, e promete prêmios àquele que a idolatra. A rigi<strong>de</strong>z não é<br />
dissolvida, mas sim reforçada. 21<br />
57<br />
O processo <strong>de</strong> formação da<br />
indústria cultural no Brasil,<br />
enquanto um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />
complexos <strong>em</strong>presariais, ganha<br />
maior niti<strong>de</strong>z <strong>em</strong> meados da<br />
década <strong>de</strong> 60, quando completa-se<br />
a formação das bases materiais e<br />
políticas que a tornariam possível.<br />
SÁ (1992) afirmou que um fator importante para a consolidação da<br />
indústria cultural foi o reor<strong>de</strong>rnamento político do país após o golpe <strong>de</strong> 1964,<br />
levando ao autoritarismo cujos sinais <strong>de</strong> esgotamento tornaram-se nítidos a partir<br />
<strong>de</strong> meados dos anos 70. O novo po<strong>de</strong>r fundamentado numa aliança entre a<br />
burguesia, as classes médias e os militares, excluindo as classes populares,<br />
re<strong>de</strong>finiu as relações entre burguesia e Estado.<br />
Examinando mais cuidadosamente o processo <strong>de</strong> estruturação da<br />
Indústria Cultural, percebe-se que alguns aspectos favoráveis ao seu<br />
21 ADORNO (1987:353).
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>rivam do seu próprio monopolismo. Outros <strong>de</strong>rivam <strong>de</strong><br />
medidas governamentais para preparar a expansão capitalista, ou mesmo do<br />
próprio autoritarismo do regime (GOLDENSTEIN, 1985).<br />
Com relação à questão econômica, po<strong>de</strong>-se notar que a industrialização<br />
ocasionou um processo <strong>de</strong> concentração e centralização do capital ao lado <strong>de</strong><br />
maior divisão social e técnica do trabalho (BRAVERMAN, 1987).<br />
É importante, também, mencionar os efeitos da urbanização que<br />
aumentaram a diferenciação social. Isto se <strong>de</strong>u principalmente com a <strong>em</strong>ergência<br />
dos novos setores da classe média ligados às áreas industriais e consi<strong>de</strong>rados<br />
improdutivos, como também com o <strong>de</strong>senvolvimento do comércio e dos serviços.<br />
De acordo com Tavares, citada por SÁ (1992), o crescimento do setor<br />
produtivo estatal e a mo<strong>de</strong>rnização do próprio aparato do Estado também<br />
fornec<strong>em</strong> quadros para estes novos setores médios. A redistribuição <strong>de</strong> renda<br />
prejudicando os assalariados <strong>de</strong> base <strong>em</strong> favor tanto dos estratos médios mais<br />
altos, <strong>de</strong>correntes da mo<strong>de</strong>rnização política e econômica do pós-64 como da<br />
população <strong>de</strong> alta renda, ajudou a fazer <strong>de</strong>sses novos setores médios o gran<strong>de</strong><br />
mercado para os produtos da nova indústria e também para os da indústria<br />
cultural.<br />
No que diz respeito à concentração <strong>de</strong> renda, parcelas das camadas mais<br />
baixas tiveram acesso a alguns itens <strong>de</strong>sse mercado através do endividamento e<br />
do crescente número <strong>de</strong> trabalhadores <strong>em</strong> cada família. No entanto, esse<br />
mercado, <strong>em</strong>bora gran<strong>de</strong> <strong>em</strong> termos absolutos, excluía boa parte da população<br />
brasileira (WELLS, 1975).<br />
A publicida<strong>de</strong>, com a entrada do país na etapa monopolista, firmou as<br />
bases <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento. Nessa fase, segundo ARRUDA (1985), ela ganha<br />
relevância no processo <strong>de</strong> realização e <strong>de</strong> rotação do capital dos setores da<br />
economia ditos produtivos, como técnica privilegiada <strong>de</strong> competição entre<br />
gran<strong>de</strong>s <strong>em</strong>presas.<br />
A importância da publicida<strong>de</strong> está <strong>em</strong> financiar, <strong>em</strong> parte ou totalmente,<br />
a maioria dos meios <strong>de</strong> comunicação, além <strong>de</strong> promover o gran<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento do merchandising no Brasil, como evi<strong>de</strong>ncia MICELI (1984):<br />
58
No <strong>de</strong>correr da década <strong>de</strong> 70 a televisão foi canalizando uma proporção<br />
crescente <strong>de</strong> vendas publicitárias, tendo passado <strong>de</strong> 39,6% <strong>em</strong> 1970 para<br />
57,8% <strong>em</strong> 1980, provocando, consequent<strong>em</strong>ente, o recuo das mídias<br />
concorrentes quanto à participação no investimento publicitário. Nos últimos<br />
três anos, por conta da recessão e da crise econômica que afetou, <strong>em</strong>bora <strong>em</strong><br />
medida um tanto <strong>de</strong>sigual, todos os setores dinâmicos da Indústria Cultural, o<br />
rádio apresentou ligeira melhora quanto a sua participação no reparte <strong>de</strong><br />
investimentos publicitários (<strong>de</strong> 8,1% <strong>em</strong> 1980 para 9,8% <strong>em</strong> 1983), o consumo<br />
das revistas <strong>de</strong> entretenimento e <strong>de</strong> informação persiste <strong>em</strong> queda (<strong>de</strong> 14,0 para<br />
11,5% <strong>em</strong> 1983), acumulando quase <strong>de</strong>z pontos percentuais <strong>de</strong> retração <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
início da década, apenas o jornais tendo recuperado parte substancial do<br />
terreno perdido apropriando-se <strong>de</strong> 30% <strong>de</strong> verbas <strong>em</strong> publicida<strong>de</strong> <strong>em</strong> 1983<br />
(MICELI, 1984:10).<br />
A importância do Estado diz respeito a um conjunto <strong>de</strong> fatores, <strong>de</strong> acordo<br />
com SÁ (1992). A atuação direta do Estado na indústria cultural po<strong>de</strong> ser medida<br />
por sua participação junto à publicida<strong>de</strong>, seja na ativida<strong>de</strong> econômica, através dos<br />
investimentos <strong>em</strong> bens <strong>de</strong> consumo coletivo, <strong>em</strong> infra-estrutura e no setor<br />
produtivo, seja pela participação como anunciante. Depois <strong>de</strong> 1964, houve um<br />
volume muito gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> anúncios envolvendo estatais e o governo propriamente<br />
dito. Foi a época do “Brasil, ame-o ou <strong>de</strong>ixe-o”, “Ninguém segura este país”, etc.<br />
O Estado autoritário tomou medidas que, fundamentadas na Doutrina <strong>de</strong><br />
Segurança Nacional, favoreceram a indústria cultural. Elas relacionam-se com o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da infra-estrutura <strong>de</strong> telecomunicações que, por sua vez, dá<br />
impulso à indústria eletrônica, como expõe MICELI (1984):<br />
A consolidação das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> televisão no Brasil se viabilizou a partir da<br />
implantação do Sist<strong>em</strong>a Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações (EMBRATEL) com seu<br />
plano <strong>de</strong> estações repetidoras e canais <strong>de</strong> microondas. Entre 1968 e 1973,<br />
enquanto a economia crescia a uma taxa média anual <strong>de</strong> 11%, o setor <strong>de</strong><br />
equipamentos eletrônicos se expandia à taxa <strong>de</strong> 20% (MICELI, 1984:8)<br />
S<strong>em</strong>elhante às áreas da chamada produção material, formou-se também<br />
uma espécie <strong>de</strong> tripé (Capital Nacional – Estado – Capital Estrangeiro). O capital<br />
nacional estava mais presente no rádio, na televisão e na imprensa, <strong>em</strong>bora se<br />
ligasse ao capital internacional por meio da publicida<strong>de</strong>. O Estado, <strong>em</strong>bora não<br />
controlasse diretamente a indústria cultural, passou a intervir nas esferas <strong>de</strong><br />
produção do teatro (Sist<strong>em</strong>a Nacional <strong>de</strong> Teatro), do cin<strong>em</strong>a (Embrafilme), do<br />
livro-didático (Instituto Nacional do Livro), das artes e do folclore (Funarte),<br />
além <strong>de</strong> promover a infra-estrutura tecnológica já mencionada (SÁ, 1992).<br />
59
A afinida<strong>de</strong>s entre Estado e <strong>em</strong>presariado não se dão exclusivamente<br />
com respeito ao tripé do <strong>de</strong>senvolvimento econômico ou com relação ao golpe <strong>de</strong><br />
1964, mas também no nível i<strong>de</strong>ológico, conforme argumenta ORTIZ (1988:118),<br />
analisando a ação dos militares no campo das telecomunicações:<br />
Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser curioso observar que o que legitima a ação dos militares no<br />
campo das telecomunicações é a própria I<strong>de</strong>ologia da Segurança Nacional. A<br />
idéia <strong>de</strong> “integração nacional é central para a realização <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ologia que<br />
impulsiona os militares a promover toda uma transformação na esfera das<br />
comunicações. Porém, como simultaneamente este Estado atua e privilegia a<br />
obra econômica, os frutos <strong>de</strong>sse investimento serão colhidos pelos <strong>em</strong>presários<br />
televisivos. Não se po<strong>de</strong> esquecer que a noção <strong>de</strong> integração estabelece uma<br />
ponte entre os interesses dos <strong>em</strong>presários e dos militares, muito <strong>em</strong>bora ela<br />
seja interpretada pelos industriais <strong>em</strong> termos diferenciados. Ambos os setores<br />
vê<strong>em</strong> vantagens <strong>em</strong> integrar o território nacional, mas enquanto os militares<br />
propõ<strong>em</strong> a unificação política das consciências, os <strong>em</strong>presários sublimam o<br />
lado da integração do mercado.<br />
Ainda segundo ORTIZ (1988:117), no caso da socieda<strong>de</strong> brasileira, o<br />
processo <strong>de</strong> consolidação da indústria cultural se beneficiou <strong>de</strong> um reforço<br />
político:<br />
O Estado autoritário teve interesse <strong>em</strong> eliminar os setores que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong><br />
oferecer alguma resistência. Nesse sentido, à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão contribuiu<br />
para que foss<strong>em</strong> suprimidas as formas críticas <strong>de</strong> expressão cultural. Por outro<br />
lado, a política <strong>de</strong> concessões <strong>de</strong> canais <strong>de</strong> televisão privilegiou os grupos<br />
<strong>em</strong>presariais com maior afinida<strong>de</strong> com a área militar. A TV-Globo,<br />
principalmente, cujos contratos com os militares eram fortes, pô<strong>de</strong> se<br />
beneficiar da “solidarieda<strong>de</strong>” do regime que não hesitou <strong>em</strong> favorecê-la no<br />
caso Time-Life. Estabeleceu-se, a partir <strong>de</strong> então, uma aliança com o Estado<br />
autoritário, possibilitando que os objetivos <strong>de</strong> “Integração Nacional”<br />
pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> ser concretizados na esfera da TV.<br />
A fase autoritária do Estado manifestou-se também através da censura<br />
que, no caso da indústria cultural e principalmente da televisão, <strong>de</strong> acordo com<br />
SÁ (1992), gerou conflitos não entre Estado e <strong>em</strong>issoras <strong>de</strong> TV, mas no<br />
tratamento dado às suas produções, ou seja, os programas, como esclarece<br />
ORTIZ (1988:119):<br />
Os interesses globais dos <strong>em</strong>presários da cultura e do Estado são os mesmos,<br />
mas topicamente eles po<strong>de</strong>m diferir. Como a I<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> Segurança Nacional<br />
é “moralista” e a dos <strong>em</strong>presários é mercadológica, o ato repressor vai incidir<br />
sobre a especificida<strong>de</strong> do produto. Dev<strong>em</strong>os, é claro, enten<strong>de</strong>r moralista no<br />
sentido amplo <strong>de</strong> costumes, mas também político. Mas se tivermos <strong>em</strong> conta que<br />
a indústria cultural opera segundo um padrão <strong>de</strong> <strong>de</strong>spolitização <strong>de</strong> conteúdos,<br />
t<strong>em</strong>os nesse nível, senão uma coincidência <strong>de</strong> perspectiva, pelo menos uma<br />
concordância. O conflito se instaura quando ocorre o tratamento <strong>de</strong> cada<br />
60
produto pela censura, o que permite que a questão <strong>de</strong> fundo, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
expressão, ceda lugar a outro tipo <strong>de</strong> reivindicação.<br />
MATTOS (1996) também argumenta que o Estado s<strong>em</strong>pre exerceu um<br />
papel ativo no <strong>de</strong>senvolvimento e regulação dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa<br />
e, como resultado <strong>de</strong>sta ação, o que existe hoje, ou o que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir, no<br />
terreno da política <strong>de</strong> comunicação, foi criado nas últimas três décadas. Durante<br />
o período <strong>de</strong> 1964 a 1988, segundo o autor, o Estado criou várias agências<br />
reguladoras, <strong>de</strong>stacando-se o Ministério das Comunicações. A criação <strong>de</strong>ste<br />
ministério, <strong>em</strong> 1967, contribuiu não apenas para a implantação <strong>de</strong> importantes<br />
mudanças estruturais no setor das telecomunicações, como também para a<br />
redução da interferência <strong>de</strong> organizações privadas sobre agências reguladoras e<br />
crescimento da influência oficial no setor. Em contrapartida, isto facilitou a<br />
ingerência política nos veículos, interferindo até mesmo no conteúdo.<br />
3.1.2. A televisão e suas mediações<br />
(...) a televisão po<strong>de</strong> ser vista como algo que se legitima e se torna legitimadora<br />
ao transitar nos intersídios das esferas da produção cultural e artística e da<br />
vida social e política. Ao ser vista como instituição ela surge ainda como<br />
campo <strong>de</strong> organização simbólica, cuja característica vertebral é a <strong>de</strong> interagir<br />
e <strong>de</strong> se <strong>de</strong>ixar usar por outros campos como o político, o econômico, o<br />
religioso, o artístico, o esportivo, para, mediando-os, legitimá-los e legitimarse<br />
através <strong>de</strong>ste contágio 22 (Elizabeth Ron<strong>de</strong>lli).<br />
No que diz respeito especificamente à televisão, <strong>de</strong> acordo com<br />
MACEDO e FONSECA (1985), tecnicamente, o Brasil possui uma televisão <strong>de</strong><br />
mais alta qualida<strong>de</strong>, igualando-se a televisões <strong>de</strong> países mais <strong>de</strong>senvolvidos.<br />
Porém, isto não significa que o avanço intelectual chegou junto com o técnico.<br />
A televisão brasileira cresceu assustadoramente após o movimento<br />
militar <strong>de</strong> 1964 e hoje assegura um controle estratégico <strong>de</strong> todo o território<br />
nacional. A expansão técnica e i<strong>de</strong>ológica se <strong>de</strong>u <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da indústria norte-<br />
americana e atrelada a seus centros multinacionais <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> programas e<br />
notícias, como po<strong>de</strong> ser evi<strong>de</strong>nciado também por MATTOS (1996:15):<br />
22 RONDELLI (1994:237).<br />
61
Os governos militares, resultantes do golpe <strong>de</strong> 1964, afetaram os meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa porque, no contexto do crescimento econômico do País,<br />
centralizado na rápida industrialização, baseada <strong>em</strong> tecnologia importada e<br />
capital externo, coube aos veículos <strong>de</strong> comunicação, principalmente a TV, o<br />
papel <strong>de</strong> difusores da produção <strong>de</strong> bens duráveis e não-duráveis. Os governos<br />
pós-1964 promoveram um <strong>de</strong>senvolvimento econômico rápido, baseado num<br />
tripé formado pelas <strong>em</strong>presas estatais, <strong>em</strong>presas nacionais e corporações<br />
multinacionais. Em 1980, o Estado possuía oitenta e duas das duzentas<br />
maiores <strong>em</strong>presas não-financeiras do País, que se caracterizavam também<br />
como gran<strong>de</strong>s anunciantes nos meios <strong>de</strong> comunicação. Des<strong>de</strong> o princípio dos<br />
anos setenta, o governo t<strong>em</strong> sido i<strong>de</strong>ntificado como o maior anunciante<br />
individual do Brasil. (...) Promovendo reformas bancárias e estabelecendo leis<br />
e regulamentações específicas, o Estado aumentou sua participação na<br />
economia, como investidor direto <strong>em</strong> uma série <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas públicas e passou<br />
a ter à sua disposição, além do controle legal, todas as condições para<br />
influenciar os meios <strong>de</strong> comunicação, através <strong>de</strong> pressões econômicas.<br />
Ao falar sobre a televisão brasileira 23 , o jornalista Fernando Barbosa<br />
Lima afirma que, no campo tecnológico, a TV brasileira caminhou com<br />
surpreen<strong>de</strong>nte velocida<strong>de</strong>, como por ex<strong>em</strong>plo o advento do ví<strong>de</strong>o-tape, a TV <strong>em</strong><br />
cores, a ligação instantânea <strong>de</strong> todo o Brasil, via Embratel e a conexão mundial<br />
pelos satélites. Tecnicamente, o país t<strong>em</strong> hoje uma televisão da mais alta<br />
qualida<strong>de</strong>, e, mesmo sendo do terceiro mundo, o Brasil se iguala com a técnica<br />
da televisão dos países mais adiantados.<br />
Segundo o jornalista, o avanço técnico não representou o avanço<br />
intelectual e questiona<br />
até que ponto a televisão está contribuindo para melhorar o nível cultural do<br />
povo brasileiro? Ela está sendo usada para ajudar os brasileiros? Ela t<strong>em</strong> sido<br />
a melhor ven<strong>de</strong>dora <strong>de</strong> bebidas, cigarros, sabonetes, etc., porque ela não ven<strong>de</strong><br />
idéia? (Revista <strong>de</strong> Comunicação, 1985:27).<br />
Entretanto, para Barbosa Lima, é triste reconhecer que a televisão não<br />
t<strong>em</strong> a permanente preocupação <strong>de</strong> ajudar o povo, significando ser a dona do<br />
po<strong>de</strong>r, representando a voz da verda<strong>de</strong>.<br />
Para VILCHES (1993), a indústria cultural representa um conjunto <strong>de</strong><br />
experiências relacionadas entre si, estando a televisão inserida nesta realida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
mercado, que aprisiona o telespectador, oferecendo-lhe uma verda<strong>de</strong> mediática,<br />
on<strong>de</strong> o que predomina é a idéia <strong>de</strong> “sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> dominação”, conforme a<br />
concepção <strong>de</strong> Adorno sobre os meios <strong>de</strong> comunicação”:<br />
23 Revista <strong>de</strong> Comunicação, v. 1, n. 1, p. 27, 1985.<br />
62
La televisión, a pesar <strong>de</strong> lo que quisieran hacernos creer los investigadores<br />
<strong>em</strong>píricos que sólo estudian efectos ìnmediatos <strong>de</strong> programas concretos y<br />
aislados, cumple un papel i<strong>de</strong>ológico en cuanto sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> representación <strong>de</strong><br />
toda la realidad. Por ello, la televisión está Ilamada a completar un vacío que<br />
la industria <strong>de</strong> la cultura no había aún integrado: la dimensión <strong>de</strong> lo visible en<br />
la cotidianidad <strong>de</strong>l espectador (VILCHES, 1993:91). “La meta, la <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
repetir en una imagen suficiente, captable por todos los órganos, la totalidad<br />
<strong>de</strong>l mundo sensible, este sueño insomne, se ha aproximado mediante la<br />
televisión y permite, <strong>de</strong> consuno, introducir en este duplicado <strong>de</strong>l mundo, y sin<br />
que se to advierta, lo que se consi<strong>de</strong>re a<strong>de</strong>cuado para re<strong>em</strong>ptazar al real<br />
(Adorno, citado por VILCHES, 1993).<br />
O pesquisador espanhol ainda analisou os argumentos da capacida<strong>de</strong> do<br />
veículo televisivo como mediador sócio-político e seus efeitos. Para ele os<br />
tópicos eleitorais e os conteúdos tomam outro significado, sendo a eles atribuídos<br />
uma hierarquia <strong>de</strong> valores como eventos atraentes, curiosos ou mais<br />
interessantes. Além disso, <strong>em</strong> épocas <strong>de</strong> campanhas políticas, os argumentos<br />
contrários às posições dos políticos ligados ao po<strong>de</strong>r têm um enfoque secundário,<br />
através <strong>de</strong> uma retórica polêmica. VILCHES (1993) expõe que a televisão<br />
transmite às audiências, ou seja, à opinião pública, um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> representação<br />
simbólico da informação e da política.<br />
Para o jornalista Sebastião Breguês, a televisão t<strong>em</strong> como meta cumprir<br />
sua função comercial. A construção <strong>de</strong> uma “opinião pública” não lhe é<br />
interessante, pois po<strong>de</strong>ria significar ameaça ao monopólio da informação. As<br />
massas alienadas são mais fáceis <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> controladas. Entretanto exist<strong>em</strong><br />
também, ainda que seja minoria, classes <strong>de</strong> opinião, que buscam seus direitos e<br />
reivindicações. Breguês analisa melhor esta questão:<br />
Tal é o saldo da televisão brasileira, ano 1994: um pacto entre o sucesso<br />
técnico e <strong>em</strong>presarial e a indigência cultural. Um incentivo à ler<strong>de</strong>za mental e<br />
um entorpecente do interesse real da maioria da população brasileira. Mas não<br />
podia ser diferente o quadro real da TV brasileira se olharmos o contexto<br />
sóciopolítico <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os e a realida<strong>de</strong> social e econômica do povo<br />
brasileiro. O progresso técnico dos meios <strong>de</strong> comunicação, o fascínio da TV e a<br />
pseudo-abertura do sist<strong>em</strong>a político são, s<strong>em</strong> dúvida. instrumentos eficazes<br />
para cimentar com conformismo expectativas s<strong>em</strong>pre diferidas (o que eu não<br />
posso fazer meus filhos farão ou o futuro será melhor que o presente, etc.). A<br />
i<strong>de</strong>ologia da propaganda faz do consumo. inexistente para a maioria, o valor<br />
maior da realização humana (BREGUÊS, 1998).<br />
O jornalista ainda chama a atenção especialmente para a impostura que<br />
consiste na criação <strong>de</strong> uma atmosfera <strong>de</strong> consumismo numa realida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
63
carência, a partir da ampla difusão publicitária <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong> luxo <strong>em</strong> veículos <strong>de</strong><br />
comunicação como a televisão, que ating<strong>em</strong> principalmente “uma população para<br />
qu<strong>em</strong> falta o essencial à sobrevivência”.<br />
3.2. A Re<strong>de</strong> Globo e o Jornal Nacional<br />
(...) quando se está diante do Jornal Nacional, noticioso diário da Re<strong>de</strong> Globo<br />
<strong>de</strong> Televisão, t<strong>em</strong>-se pela frente um b<strong>em</strong> simbólico e material produzido <strong>em</strong><br />
escala industrial 24 (Carlos Eduardo Silva).<br />
Para <strong>de</strong>stacar o peso político da televisão, principalmente da Re<strong>de</strong> Globo,<br />
po<strong>de</strong>mos nos ancorar-se na argumentação <strong>de</strong> Miceli:<br />
(...) a televisão brasileira, sob a li<strong>de</strong>rança da Globo, alterou drasticamente as<br />
relações <strong>de</strong> força entre os principais investidores institucionais no mercado <strong>de</strong><br />
bens culturais, minando a posição até então homogênea dos grupos<br />
proprietários dos gran<strong>de</strong>s diários editados no eixo Rio <strong>de</strong> Janeiro/São Paulo (o<br />
grupo O Estado <strong>de</strong> São Paulo/família Mesquita; grupo Jornal do Brasil/família<br />
Pereira Carneiro; grupo Folha da Manhã/família Frias) e restringindo o raio<br />
<strong>de</strong> manobra e influência daquelas instâncias políticas (os partidos políticos<br />
oposicionistas, mas também o PDS, a Igreja Católica, as organizações mais<br />
prestigiosas das elites civis e militares, tais como a OAB, a ABI, o Clube<br />
Militar, etc.) cujo calibre <strong>de</strong> pressão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> cada vez mais do espaço e<br />
cobertura que lhe conce<strong>de</strong>m os veículos <strong>de</strong> maior penetração da indústria<br />
cultural (MICELI, 1984:19).<br />
Ampliando esta análise, constatar-se que a Re<strong>de</strong> Globo t<strong>em</strong> uma forte<br />
relação política e econômica com o Estado, como expõe ALMEIDA (1993):<br />
A Re<strong>de</strong> Globo é parte <strong>de</strong> um gigantesco conglomerado <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas <strong>de</strong> mídia e<br />
não-mídia, as Organizações Globo, presididas por Roberto Marinho. (...)<br />
<strong>em</strong>balada <strong>em</strong> sólida competência, a superiorida<strong>de</strong> da Re<strong>de</strong> Globo <strong>em</strong> tamanho,<br />
faturamento, qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação e administração e penetração no<br />
território nacional a transforma <strong>em</strong> permanente lí<strong>de</strong>r da televisão brasileira.<br />
Roberto Marinho é consi<strong>de</strong>rado um dos homens mais importantes do país,<br />
exercendo enorme influência no cenário político nacional (ALMEIDA,<br />
1993:26).<br />
A TV Globo, como <strong>em</strong>presa da indústria cultural, surgiu e cresceu<br />
justamente num período <strong>em</strong> que ocorreu mudança na ativida<strong>de</strong> gerencial e<br />
<strong>em</strong>presarial. ORTIZ (1988:61) <strong>de</strong>screve este processo:<br />
24 SILVA (1985:19).<br />
A indústria cultural não escapa a este processo <strong>de</strong> transformação; os capitães<br />
das indústrias dos anos anteriores ce<strong>de</strong>m lugar ao maneger. O espírito<br />
<strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> Chateaubrind caracteriza toda uma época, mas ele é<br />
ina<strong>de</strong>quado quando se aplica ao capitalismo. (...) Contrariamente ao espírito<br />
64
calvinista weberiano que se fundamenta no indivíduo, traço correspon<strong>de</strong>nte ao<br />
início do capitalismo, os novos proprietários são homens <strong>de</strong> organização e <strong>de</strong><br />
uma certa forma se per<strong>de</strong>m na impessoalida<strong>de</strong> dos “impérios que construíram.<br />
Segundo SÁ (1992), a TV Globo foi ao ar <strong>em</strong> abril <strong>de</strong> 1965. Embora ela<br />
não tenha se distinguido significativamente das <strong>de</strong>mais <strong>em</strong>issoras num primeiro<br />
momento, aos poucos se tornou a mais importante do país, não só pela sua<br />
extensa audiência, mas, principalmente, pela sofisticação tecnológica.<br />
SILVA (1985) aborda que, <strong>em</strong> menos <strong>de</strong> quatro anos, a Re<strong>de</strong> Globo<br />
assumiria a li<strong>de</strong>rança absoluta <strong>de</strong> audiência, a ponto <strong>de</strong> convertê-la <strong>em</strong> “virtual<br />
monopólio e tornar comum a acusação <strong>de</strong> que se transformara numa espécie <strong>de</strong><br />
ministério extra-oficial da informação no País”. O autor <strong>de</strong> “Muito além do<br />
Jardim Botânico” expõe sobre a relação da <strong>em</strong>issora com o capital estrangeiro e<br />
grupos nacionais:<br />
Nos primeiros seis meses, nada conseguiu. Mas uma série <strong>de</strong> fatores acabaria<br />
por modificar radicalmente o panorama. Por um lado, havia um "contrato <strong>de</strong><br />
assistência técnica" entre a Globo e o grupo norte-americano Time-Life,<br />
assinado ainda durante o governo Goulart mas efetivado a partir <strong>de</strong> 1965,<br />
através do qual a <strong>em</strong>issora brasileira recebeu 5 milhões <strong>de</strong> dólares até abril <strong>de</strong><br />
1966, além <strong>de</strong> pessoal especializado e equipamentos sofisticados. De outro<br />
lado, havia a <strong>de</strong>cadência e cassação da concessão da TV Excelsior, pertencente<br />
à família Simonsen que tinha estreitas ligações com o governo Goulart e caiu<br />
<strong>em</strong> <strong>de</strong>sgraça após o golpe militar <strong>de</strong> 1964 (SILVA, 1985:30).<br />
Nos t<strong>em</strong>pos atuais, <strong>de</strong>para-se com os slogans da Re<strong>de</strong> Globo como forma<br />
<strong>de</strong> integrar cada telespectador à sua i<strong>de</strong>ologia, argumentando, <strong>de</strong>sta forma, ter a<br />
<strong>em</strong>presa uma relação <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong> com seu público. São ex<strong>em</strong>plos os<br />
slogans: “Globo e você. Tudo a ver”. “Qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong> Globo, t<strong>em</strong> tudo”. “Globo: um<br />
caso <strong>de</strong> amor com o Brasil”. “Globo e você: uma nova <strong>em</strong>oção a cada dia”.<br />
Como relatou SILVA (1985), a Re<strong>de</strong> Globo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um ano após o início<br />
<strong>de</strong> seu funcionamento, tinha como filosofia ser um hábito social:<br />
Em 1966, a TV-Paulista Canal 5 passou das Organizações Victor Costa para a<br />
Globo. Enquanto o escândalo Time-Life ganhava gran<strong>de</strong> repercussão nos<br />
jornais e nas casas legislativas, a Globo tratava <strong>de</strong> ganhar audiência sob a<br />
filosofia <strong>de</strong> que ela era um hábito. Assim, não interessava Ter um programa<br />
b<strong>em</strong> colocado, era preciso tomar a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> audiência <strong>em</strong> qualquer horário<br />
para criar o hábito (SILVA, 1985:31).<br />
65
KEHL (1986) também analisa esta estratégia <strong>de</strong> comercialização pela<br />
equipe <strong>de</strong> marketing e publicida<strong>de</strong> que transformou a Globo <strong>em</strong> uma gran<strong>de</strong><br />
<strong>em</strong>issora:<br />
(...) a virada da Globo se dá no começo <strong>de</strong> 1966 com a mudança na concepção<br />
do que viria a ser o veículo <strong>de</strong> televisão: a <strong>em</strong>issora <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser dirigida por<br />
gente do meio artístico e jornalístico e passa a ser controlada por homens <strong>de</strong><br />
publicida<strong>de</strong> e marketing, tendo na cabeça Walter Clark, o hom<strong>em</strong> que pensou a<br />
televisão <strong>em</strong> termos da indústria da propaganda (KEHL, 1986:173-174).<br />
De acordo com SILVA (1985), “a Re<strong>de</strong> Globo começava, assim, a<br />
cumprir o <strong>de</strong>stino que seu diretor-presi<strong>de</strong>nte, Roberto Marinho, havia traçado,<br />
com o assentimento e apoio inegável do regime militar”. O autor ainda cita o<br />
discurso <strong>de</strong> Roberto Marinho, transcrito no trabalho <strong>de</strong> Almeida Filho, intitulado<br />
“O Ópio do Povo: o Sonho e a Realida<strong>de</strong>”:<br />
Procuramos fazer com que ela seja, <strong>de</strong> fato, um po<strong>de</strong>roso instrumento <strong>de</strong><br />
consolidação da unida<strong>de</strong> nacional. Atingindo praticamente todo o território<br />
nacional, acredito ser evi<strong>de</strong>nte a contribuição da Re<strong>de</strong> Globo para a<br />
intensificação da difusão e do intercâmbio daqueles conceitos e dados <strong>de</strong><br />
natureza cultural, social e moral – s<strong>em</strong> falar na informação pura e simples –<br />
que constitu<strong>em</strong> a base do <strong>de</strong>senvolvimento nacional <strong>em</strong> todos os campos e <strong>em</strong><br />
todos os níveis (Almeida, citado por SILVA, 1985:32).<br />
A consolidação da Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão, no campo jornalístico,<br />
iniciou-se com a criação do Jornal Nacional, <strong>em</strong> 1969, que substituiu o noticiário<br />
radiofônico <strong>de</strong> preferência popular. Conforme SILVA (1985), os critérios <strong>de</strong><br />
seleção <strong>de</strong> informação, aliados à i<strong>de</strong>ntificação profunda existente entre a<br />
<strong>em</strong>issora e o regime militar, por certo foram fatores <strong>de</strong>cisivos para a linha<br />
editorial oficialista que marcaria o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho do Jornal Nacional durante toda<br />
a década <strong>de</strong> 70, “t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> milagres econômicos, ufanismo nacionalista e<br />
consolidação do império global”.<br />
Carvalho cita que foi nesses t<strong>em</strong>pos, <strong>em</strong> 1973, que o Presi<strong>de</strong>nte Médici<br />
<strong>de</strong>u uma <strong>de</strong>finição sobre o que era então o Jornal Nacional:<br />
Sinto-me feliz, todas as noites, quando ligo a televisão para assistir ao jornal.<br />
Enquanto as notícias dão conta <strong>de</strong> greves, agitações, atentados e conflitos <strong>em</strong><br />
várias partes do mundo, o Brasil marcha <strong>em</strong> paz, rumo ao <strong>de</strong>senvolvimento. É<br />
como se eu tomasse um tranqüilizante, após um dia <strong>de</strong> trabalho (CARVALHO,<br />
1980:39).<br />
Silva analisa <strong>de</strong> forma crítica o papel social e político <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhado<br />
pelo Jornal Nacional. Tal argumentação é imprescindível neste trabalho:<br />
66
No dia 1. o <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1969 o Jornal Nacional da Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão<br />
foi ao ar pela primeira vez. Já foi diversas vezes ressaltado por vários autores<br />
que seu surgimento coinci<strong>de</strong> com o endurecimento do regime militar. Ele<br />
inaugurou um novo estilo <strong>de</strong> jornalismo na TV brasileira. Primeiro, por iniciar<br />
a era do jornal <strong>em</strong> re<strong>de</strong> nacional até então inédito entre nós. Depois, por<br />
consolidar um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> timing da informação <strong>em</strong> que a fragmentação dos<br />
fatos <strong>em</strong> espaços <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos curtíssimos e a obsessão pelo que ocorre “agora” é<br />
tão gran<strong>de</strong> que chega ao ponto <strong>de</strong> quase eliminar informações <strong>de</strong> background<br />
que ajudariam o espectador a localizar-se e transformar o noticiário numa<br />
espécie <strong>de</strong> telenovela <strong>de</strong> fatos reais na qual o espectador que per<strong>de</strong> um dia do<br />
“enredo” sente dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> situar-se diante <strong>de</strong>les no dia seguinte porque as<br />
informações pressupõ<strong>em</strong> a audiência ao programa da véspera. Terceiro,<br />
porque consagrou um estilo <strong>de</strong> apresentação visual requintado e frio,<br />
pretensamente objetivo, <strong>em</strong> que o locutor mostra-se formal e distante e os<br />
efeitos especiais e teipes têm importância <strong>de</strong>cisiva, como nunca até então no<br />
telejornalismo brasileiro. Quarto, pela extensão dos assuntos abrangidos, com<br />
a instalação <strong>de</strong> escritórios no exterior, correspon<strong>de</strong>ntes <strong>em</strong> diversos países e<br />
<strong>em</strong> praticamente todos os Estados. Finalmente, por ter se transformado no<br />
principal e, na maioria dos casos, único meio <strong>de</strong> informação dos brasileiros,<br />
sua ponte com o País e o mundo; uma ponte trôpega e enganadora, como<br />
qualquer análise crítica mais rigorosa <strong>de</strong>monstrará, mas – <strong>em</strong> função do<br />
virtual monopólio – <strong>de</strong> fundamental importância para o país (SILVA,<br />
1985:38).<br />
É interessante também <strong>de</strong>stacar a análise feita por TILBURG (1984)<br />
sobre o Jornal Nacional, comparando-o ao “Fantástico: o show da vida”:<br />
Mas o “show da vida” não é o programa da TV nas noites <strong>de</strong> Domingo. É o<br />
“Jornal Nacional” das oito, nos dias da s<strong>em</strong>ana. Este telejornal é um circo. (...)<br />
Decerto, você já foi uma vez ao circo. O que a gente assiste lá no circo é a um<br />
espetáculo <strong>de</strong> acrobacia, <strong>de</strong> palhaços, <strong>de</strong> elefantes, tigres e leões. (...) O<br />
“Jornal Nacional” é do mesmo jeito. Primeiro, t<strong>em</strong> a música e aparece o<br />
apresentador que anuncia as notícias consi<strong>de</strong>radas as mais importantes.<br />
Depois do intervalo comercial, v<strong>em</strong> a primeira notícia: uma <strong>de</strong>sgraça, e a gente<br />
pergunta como vai ficar. Para aliviar a tensão criada, receb<strong>em</strong>os a informação<br />
<strong>de</strong> que nos Estados Unidos foi <strong>de</strong>scoberto um novo r<strong>em</strong>édio contra o câncer. -<br />
Ainda b<strong>em</strong>! Em seguida, mais uma <strong>de</strong>sgraça e ficamos mais uma vez nervosos,<br />
pois anunciou-se que o preço do pão vai subir 25 por cento. – “Nossa mãe do<br />
céu!” suspira nosso coração. Aí v<strong>em</strong> a notícia dos 22 jogadores da seleção que<br />
foram convocados. - Oba, vai ter futebol! Não estou apresentando aqui o<br />
programa “Acredite, se quiser” (...) O esqu<strong>em</strong>a é assim mesmo. Verifique, se<br />
quiser! (TILBURG, 1984:61-63).<br />
3.2.1. O padrão <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> do Jornal Nacional e sua imag<strong>em</strong><br />
Os telejornais da Globo se mantiveram distantes dos gran<strong>de</strong>s fatos políticos nacionais,<br />
levados aos jornais mesmo na época da rigorosa censura do governo Médici. Sobre<br />
política, a televisão foi omissa ou, como quer<strong>em</strong> os produtores <strong>de</strong> seus noticiários,<br />
obrigada a ficar omissa, reservando os seus horários mais nobres para a<br />
67
lacrimonisida<strong>de</strong> das telenovelas e o riso “non sense” <strong>de</strong> seus shows milionários 25<br />
(Paulo Maia).<br />
O telejornalismo global primou pela consolidação <strong>de</strong> um “padrão <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong>”, seguindo as <strong>de</strong>terminações técnicas do diretor geral, Bonifácio<br />
Sobrinho. Faziam parte <strong>de</strong>ste padrão a gravação e a transmissão <strong>em</strong> VT dos<br />
telejornais, para evitar erros no ar, e a cuidadosa edição <strong>de</strong> todo o material, não<br />
só para evitar probl<strong>em</strong>as com a transmissão <strong>de</strong> fatos s<strong>em</strong> a necessária censura,<br />
como padronizar as falas e as posturas dos repórteres:<br />
O texto no telejornal passou por um tratamento <strong>de</strong> expurgo <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos<br />
consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong>snecessários, visando-se a total objetivida<strong>de</strong> e imparcialida<strong>de</strong><br />
do repórter. Uma das gran<strong>de</strong>s preocupações <strong>de</strong> Armando Nogueira, diretor do<br />
telejornalismo global, foi a <strong>de</strong> eliminar el<strong>em</strong>entos conotativos do noticiário e<br />
torná-lo o mais neutro possível. “Repórter da Globo não sente, não reage, não<br />
induz o entrevistado (MOTA, 1992:28).<br />
Uma das gran<strong>de</strong>s preocupações da direção do Jornal Nacional era a <strong>de</strong><br />
evitar dar à notícia um sentido que pu<strong>de</strong>sse ser contrário aos <strong>de</strong>tentores do po<strong>de</strong>r,<br />
levando os repórteres a ter<strong>em</strong> uma postura tão padronizada que “não se<br />
permitiam um gesto supérfluo, um sorriso, um movimento qualquer na<br />
apresentação <strong>de</strong> um texto gravado com a presença do repórter no local da<br />
reportag<strong>em</strong>”. A implantação <strong>de</strong>ste padrão Globo <strong>de</strong> reportagens coube à diretora<br />
executiva <strong>de</strong> telejornais, Alice Maria, “por quase 20 anos, toda po<strong>de</strong>rosa editora<br />
da Globo” (MOTA, 1992).<br />
Nesta época, Luiz Edgar <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> era responsável por censurar os<br />
textos dos repórteres, enquadrando-os na i<strong>de</strong>ologia da <strong>em</strong>presa. Andra<strong>de</strong> revisava<br />
todos os scripts do telejornal <strong>de</strong> forma a impedir qualquer notícia que tivesse<br />
implicações políticas para a Globo.<br />
No t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que TV Globo era chamada <strong>de</strong> “vênus platinada”, outra<br />
questão interessante era a inter-relação cenário-locutor, que s<strong>em</strong>pre merecia uma<br />
atenção especial dos produtores do Jornal Nacional, <strong>de</strong>finida por GLEISER<br />
(1983):<br />
25 MAIA (1979).<br />
... é tudo cinza-azulado como nos t<strong>em</strong>pos da TV branco-e-preto, do paletó e<br />
gravata ao cabelo e ao cenário. Este avatar <strong>de</strong> cores da <strong>em</strong>issora ( platina e<br />
azul, cores frias e raras nos trópicos, on<strong>de</strong> como que por acaso fica o Brasil)<br />
68
parece trabalho num bloco <strong>de</strong> gelo, e é executado, iluminado e mantido com a<br />
mais rigorosa exatidão (GLEISER, 1983:32).<br />
Os cuidados com o visual se compl<strong>em</strong>entavam com a criteriosa seleção<br />
dos locutores. O diretor-geral da Globo, Boni, tinha firme convicção <strong>de</strong> que<br />
“além da correção, da boa voz, do timbre bonito”, os telejornais da Globo se<br />
beneficiariam muito com a “presença <strong>de</strong> apresentadores que foss<strong>em</strong> competentes<br />
e <strong>de</strong> boa aparência” para atrair o público majoritariamente f<strong>em</strong>inino das<br />
telenovelas (REZENDE, 1998). Tratava-se <strong>de</strong> um recurso estratégico para evitar<br />
que na passag<strong>em</strong> da novela para o Jornal Nacional essa gran<strong>de</strong> faixa da<br />
audiência mudasse <strong>de</strong> canal.<br />
O escolhido para representar o Jornal Nacional foi Cid Moreira,<br />
profissional experiente que já havia se <strong>de</strong>stacado no Jornal <strong>de</strong> Vanguarda. Cid<br />
Moreira passou a ser um símbolo da “filosofia” do programa, papel que cumpriu<br />
com eficiência irretocável e prestígio popular inabalável até 1996.<br />
Cabelos pr<strong>em</strong>aturamente grisalhos, ar concernido, voz barítono a baixo<br />
conforme as necessida<strong>de</strong>s, a presença diária <strong>de</strong> Cid é um ex<strong>em</strong>plo raro <strong>de</strong><br />
neutralida<strong>de</strong> no sentido <strong>de</strong> constância, homogeneida<strong>de</strong> e monotonia (ie, um<br />
único tom, s<strong>em</strong>pre o mesmo) que ele “imprime” a qualquer notícia, ressaltando<br />
o tom pela rigi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> postura à leitura, olhos postos no miolo da lente da<br />
câmera, ou seja no telespectador <strong>em</strong> casa (GLEISER, 1983:31-32).<br />
Outros locutores do Jornal Nacional, todos do sexo masculino até o final<br />
da década <strong>de</strong> 80, como Sérgio Chapelin, Marcos Hummel, Celso Freitas, Carlos<br />
Campbel, tinham seu estilo próprio que se encaixava no “padrão global”.<br />
Conciliavam suas apresentações com a rigi<strong>de</strong>z do cenário e um abundante uso <strong>de</strong><br />
vi<strong>de</strong>oteipes e efeitos especiais, para construir um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> apresentação<br />
“requintado e frio, pretensamente objetivo”. A tal mo<strong>de</strong>lo submetiam-se também<br />
os repórteres, no propósito <strong>de</strong>, através <strong>de</strong> uma aparente “neutralida<strong>de</strong>” e<br />
formalismo, projetar para o telespectador uma imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> isenção na abordag<strong>em</strong><br />
dos fatos, indispensável para a conquista da credibilida<strong>de</strong> (SILVA, 1985).<br />
Se no plano da forma, tudo ia b<strong>em</strong>, êxito igual não se obtinha quanto ao<br />
conteúdo. A riqueza plástica não encontrava compatibilida<strong>de</strong> com o trabalho<br />
jornalístico. Durante a fase <strong>de</strong> censura mais aguda, o telejornalismo, sobretudo o<br />
praticado na Globo, lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> audiência, acabou se afastando da realida<strong>de</strong><br />
69
asileira. Despolitizada, a <strong>em</strong>issora encontrava nos programas <strong>de</strong> entretenimento<br />
o atalho para se aproximar afetivamente <strong>de</strong> sua audiência (REZENDE, 1998).<br />
Com t<strong>em</strong>po suficiente para dar apenas notícias <strong>de</strong> uma página <strong>de</strong> um<br />
diário impresso, o Jornal Nacional enfrentava outra dificulda<strong>de</strong> para aprimorar o<br />
seu conteúdo. A superficialida<strong>de</strong> no tratamento dos fatos impedia a prática <strong>de</strong> um<br />
jornalismo mais <strong>de</strong>nso e crítico. Mas isso não era algo que preocupava a direção<br />
da Globo. O diretor-geral da <strong>em</strong>presa, Bonifácio Oliveira, dizia: “Qu<strong>em</strong> espera<br />
conteúdo, opinião no jornalismo da televisão brasileira po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sistir que não vai<br />
ter tão cedo” (Boni, citado por ALMEIDA FILHO, 1976:28).<br />
REZENDE (1998) enfatiza que a superficialida<strong>de</strong> do noticiário<br />
explicava-se, assim, como resultado <strong>de</strong> uma diretriz editorial baseada na<br />
agilida<strong>de</strong> do estilo “manchetado”, que se ajustava ao perfil da audiência do<br />
programa. Essa orientação continua a ser adotada até hoje pelo Jornal Nacional e<br />
noticiários <strong>de</strong> outras <strong>em</strong>issoras veiculados no horário nobre da TV.<br />
Entretanto, apesar <strong>de</strong> apresentar este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> telejornalismo que<br />
privilegia o espetáculo da notícia, o Jornal Nacional s<strong>em</strong>pre esteve <strong>em</strong> primeiro<br />
lugar nas pesquisas <strong>de</strong> audiência. Esta foi consi<strong>de</strong>rada por SÁ (1992) como a<br />
mais estável na televisão brasileira. Fato este explicado por KEHL (1986), pela<br />
sua localização estratégica no conjunto da programação, estando inserido entre<br />
duas novelas <strong>de</strong> maior ibope da <strong>em</strong>issora. Outro fator explicado pela autora foi a<br />
duração do telejornal, que nos primeiros anos era <strong>de</strong> 15 minutos, até formar o<br />
hábito do telespectador para os 30 minutos nos dias <strong>de</strong> hoje. Depen<strong>de</strong>ndo dos<br />
fatos do dia, o telejornal po<strong>de</strong> durar 35, 40 ou até 50 minutos, como ocorreu, por<br />
ex<strong>em</strong>plo, na segunda-feira do dia 2 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1994, no episódio da morte do<br />
piloto <strong>de</strong> Fórmula 1 Airton Sena.<br />
REZENDE (1998) afirmou <strong>em</strong> sua pesquisa que o público da <strong>em</strong>issora<br />
chegava <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 40 milhões <strong>de</strong> telespectadores. Em junho <strong>de</strong> 1996, um<br />
anúncio da Re<strong>de</strong> Globo publicado no Folha <strong>de</strong> São Paulo afirmou que a<br />
audiência do Jornal Nacional era <strong>de</strong> 31 milhões <strong>de</strong> telespectadores por dia.<br />
Mas é preciso <strong>de</strong>screver um pouco algumas mudanças ocorridas com o<br />
Jornal Nacional após a abertura política e, recent<strong>em</strong>ente, com a introdução <strong>de</strong><br />
70
jornalistas como apresentadoras, a mudança da direção central <strong>de</strong> jornalismo da<br />
Globo, assim como a significante saída <strong>de</strong> cena do “símbolo global” Cid<br />
Moreira.<br />
71
3.2.2. Mudanças e novas “maquiagens” no Jornal Nacional<br />
No tr<strong>em</strong> da abertura, a Re<strong>de</strong> Globo é o último vagão e o Jornal Nacional é o<br />
último banco. Mas, mesmo assim chegando atrasados, nós também vamos<br />
chegar na mesma estação que a locomotiva. 26<br />
Com o fim da censura prévia ao telejornalismo <strong>em</strong> 1980, as relações<br />
entre jornalistas do escalão mais baixo da equipe do Jornal Nacional e suas<br />
chefias tornaram-se mais complexas. SILVA (1985), mediante análise <strong>de</strong>ssas<br />
relações internas do Jornal Nacional, também verificou uma sutil mudança na<br />
construção das notícias, inseridas no contexto das contradições no interior dos<br />
meios <strong>de</strong> produção da indústria cultural:<br />
(...) o clima <strong>de</strong> maior liberda<strong>de</strong> que o País passou a viver <strong>de</strong> 1979 para cá e a<br />
expresssão <strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> oposição ao regime cada vez mais claramente<br />
majoritários no conjunto, da população brasileira alteraram a qualida<strong>de</strong> das<br />
relações internas do Jornal Nacional, o que levou a uma alteração, ainda que<br />
leve, <strong>de</strong> seu conteúdo o que, por sua vez, ajuda a ampliar as contradições da<br />
socieda<strong>de</strong> (SILVA, 1986:40).<br />
O pesquisador ainda analisou a estratégia que a Re<strong>de</strong> Globo utilizou para<br />
ser mais crítica s<strong>em</strong> ter que alterar muito o Jornal Nacional, dando maior espaço<br />
às edições <strong>de</strong> notícias locais e suprimindo quase todo o controle interno sobre<br />
elas. Desta forma, o “assunto mais picante, a crítica que satisfaz ao público” é<br />
fragmentada por todo o país e concentrada sobre os probl<strong>em</strong>as regionais. SILVA<br />
(1985:40-41) <strong>de</strong>screve o entendimento <strong>de</strong>sta questão da seguinte forma:<br />
O JN é o segundo noticioso do mundo <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> número <strong>de</strong> espectadores e<br />
t<strong>em</strong> um impacto consi<strong>de</strong>rável sobre a opinião pública. O regime sabe que sua<br />
imag<strong>em</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muito mais do que é dito e mostrado ali e a Re<strong>de</strong> Globo sabe<br />
que <strong>de</strong>ve muitos favores a este regime, que continua no po<strong>de</strong>r, apesar <strong>de</strong> b<strong>em</strong><br />
mais fraco do que há algumas décadas. As críticas que o sr. Roberto Marinho<br />
recebe ao final <strong>de</strong> cada edição do JN são, não raramente, do próprio presi<strong>de</strong>nte<br />
da República e com freqüência <strong>de</strong> ministros <strong>de</strong> Estado. As maiores autorida<strong>de</strong>s<br />
da República, como sab<strong>em</strong> da estreiteza das relações entre a Globo e o<br />
Planalto, procuram interpretar as edições do JN como se foss<strong>em</strong> mensagens<br />
cifradas do sist<strong>em</strong>a.<br />
REZENDE (1998) afirma que o programa se manteve, ao longo dos<br />
anos, com poucas transformações. Dia após dia, o Jornal Nacional se impunha<br />
como o espetáculo da realida<strong>de</strong>, numa conveniente conjunção <strong>de</strong> forma e<br />
26 Texto dito por um editor do Jornal Nacional (não i<strong>de</strong>ntificado), citado por SILVA (1985:40).<br />
72
conteúdo, sustentada no primor das imagens e no alto teor <strong>em</strong>ocional dos fait-<br />
divers 27 . Modificações mais estruturais só aconteceram mesmo recent<strong>em</strong>ente.<br />
Ao substituir Alberico Souza Cruz na direção da Central Globo <strong>de</strong><br />
Jornalismo, <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 1995, Evandro Carlos <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> logo imprimiu<br />
mudanças substanciais <strong>em</strong> sua área. As mudanças transcen<strong>de</strong>ram a mera troca <strong>de</strong><br />
apresentadores dos telejornais e se refletiram no próprio perfil editorial <strong>de</strong> cada<br />
programa, como evi<strong>de</strong>ncia Rezen<strong>de</strong>:<br />
Para alguns, contrariando o resultado <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong> opinião, Andra<strong>de</strong><br />
resolveu escalar William Bonner e Lilian Witte Fibe no lugar <strong>de</strong> Cid Moreira e<br />
Sérgio Chapelin, a consagrada dupla <strong>de</strong> locutores do Jornal Nacional. Segundo<br />
pesquisa do Datafolha, realizada <strong>em</strong> 1995, 88% dos paulistanos eram<br />
favoráveis à permanência <strong>de</strong> Cid Moreira no JN (Folha <strong>de</strong> São Paulo, TV<br />
Folha, 1996, citado por REZENDE, 1998).<br />
Hamburger, comentando sobre a troca <strong>de</strong> mestre <strong>de</strong> cerimônias do Jornal<br />
Nacional, a crítica <strong>de</strong> TV da Folha <strong>de</strong> São Paulo, Esther, exaltou a figura dos<br />
dois apresentadores, sobretudo Cid Moreira, cujas imagens públicas acabaram<br />
confundindo-se com a do próprio telejornal:<br />
Há qu<strong>em</strong> diga que o telejornal <strong>de</strong>veria mudar também <strong>de</strong> nome. Cid Moreira<br />
apresenta o “Jornal Nacional” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira edição no dia 1 o <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro<br />
<strong>de</strong> 1969. Ajudou o sucesso da <strong>em</strong>issora e viveu os t<strong>em</strong>pos áureos do maior<br />
campeão <strong>de</strong> audiência. Sua imag<strong>em</strong> talvez não represente o que po<strong>de</strong> haver <strong>de</strong><br />
mais televisivo. É quase que um signo vazio. É possível que daí venha muito <strong>de</strong><br />
sua força. Seus cabelos prateados, brilham combinando com o azul infinito do<br />
cenário. De tão estável <strong>em</strong> seu posto <strong>de</strong> apresentador do primeiro Jornal<br />
Nacional, sua figura per<strong>de</strong>u a materialida<strong>de</strong> carnal e adquiriu a materialida<strong>de</strong><br />
eletrônica dos raios catódicos que recompõ<strong>em</strong> a imag<strong>em</strong> no final do processo<br />
físico da telecomunicação. Com o t<strong>em</strong>po, contagiou Sérgio Chapelin. Se<br />
tornaram parecidos. Sua presença sinalizava que estava no ar uma comunida<strong>de</strong><br />
imaginária, que per<strong>de</strong> agora sua referência mais familiar (HAMBURGER,<br />
1996:4).<br />
Em face dos apelos afetivos que a perda da referência familiar <strong>de</strong> Cid<br />
Moreira po<strong>de</strong>ria causar, as mudanças no Jornal Nacional se <strong>de</strong>ram s<strong>em</strong> gran<strong>de</strong><br />
alar<strong>de</strong> e nenhum trauma aparente, porque foram impl<strong>em</strong>entadas cuidadosamente.<br />
Preocupada <strong>em</strong> evitar possíveis prejuízos junto a audiência com o afastamento<br />
dos dois locutores, a TV Globo manteve Sérgio Chapelin no Globo Repórter e<br />
27 “Fait-divers (fatos diversos) é, à primeira vista, a matéria jornalística que não se situa <strong>em</strong> campo <strong>de</strong><br />
conhecimento preestabelecido, como a política, a economia ou as artes. Eventos s<strong>em</strong> classificação,<br />
mas ainda assim notáveis por alguma relação interior entre seus termos” (LAGE, 1985:46).<br />
73
conferiu à Cid Moreira a função <strong>de</strong> apresentar os editoriais do Jornal Nacional<br />
(REZENDE, 1998).<br />
As mudanças, no entanto, tinham um significado mais profundo,<br />
fundando-se <strong>em</strong> razões editoriais. Representavam, <strong>de</strong> certa forma, o fim da era<br />
dos locutores e a valorização da presença dos jornalistas na busca para assegurar<br />
maior credibilida<strong>de</strong> ao noticiário. Essa intenção ficou explícita na <strong>de</strong>claração do<br />
próprio Evandro Carlos <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>: “Bonner será o editor <strong>de</strong> assuntos nacionais<br />
e Lilian, editora <strong>de</strong> assuntos econômicos” (GRILLO, 1996:7).<br />
Hoje, os editoriais do Jornal Nacional são apresentados por William<br />
Bonner, mas não expondo ao público o caráter <strong>de</strong> ser um editorial. As<br />
“mensagens que representam a voz do chefe” são inseridas nas reportagens como<br />
um comentário final. Cid Moreira faz participações na apresentação e <strong>em</strong> off no<br />
Fantástico, on<strong>de</strong> expõe todo o seu lado dramático e voz impostada como locutor,<br />
principalmente quando apresenta o quadro do mágico “Mister M”.<br />
Em matéria publicada na Revista Veja, intitulada “Lágrimas,<br />
curiosida<strong>de</strong>s médicas, bichinhos a todo o momento. Afinal, o que está<br />
acontecendo com JN?”, foram analisadas algumas mudanças editoriais do<br />
telejornal:<br />
Pressionado pelas medições das <strong>em</strong>presas especializadas, que registram um<br />
<strong>de</strong>clínio <strong>em</strong> sua audiência, o Jornal Nacional está escorregando para um tom<br />
popularesco. De três anos para cá, o principal noticiário da televisão<br />
brasileira, programa obrigatório <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> os <strong>de</strong>stinos da nação e fonte<br />
<strong>de</strong> informação <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> mora nas regiões mais distantes do país, v<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixando<br />
<strong>em</strong> segundo plano notícias relevantes para privilegiar reportagens lacrimosas,<br />
curiosida<strong>de</strong>s do mundo animal ou intermináveis inventários sobre a vida <strong>de</strong><br />
celebrida<strong>de</strong>s. Corre um risco com esta estratégia: per<strong>de</strong>r credibilida<strong>de</strong> entre os<br />
telespectadores exigentes s<strong>em</strong> alargar a audiência das camadas menos<br />
educadas da população. Afinal, o telespectador que gosta <strong>de</strong> apelação <strong>de</strong><br />
verda<strong>de</strong> não aceita água-com-açúcar como substituto (REVISTA VEJA,<br />
1998a:46).<br />
Segundo a reportag<strong>em</strong>, “a lágrima que escorre pelo rosto tornou-se<br />
aparent<strong>em</strong>ente uma meta do Jornal Nacional”. Isto se explica <strong>de</strong>vido à estratégia<br />
da <strong>em</strong>issora <strong>em</strong> dar esse tom ao Jornal Nacional baseada <strong>em</strong> pesquisas <strong>de</strong><br />
opinião. Num primeiro momento, alguns estudos abordaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o formato do<br />
programa até quais seriam os apresentadores preferidos do público, passando<br />
74
pelos assuntos <strong>de</strong> maior apelo. A Veja <strong>de</strong>staca as priorida<strong>de</strong>s dadas a<br />
<strong>de</strong>terminados assuntos assim como a nova mudança dos apresentadores:<br />
Estes (assuntos) seriam pela or<strong>de</strong>m, serviço, comportamento, saú<strong>de</strong> e meio<br />
ambiente. Iniciou-se, aí, uma leve correção <strong>de</strong> rumos no telejornal, que <strong>em</strong>,<br />
1995 teve um aumento <strong>de</strong> audiência <strong>de</strong> 46 para 49 pontos. De lá para cá, por<br />
vários fatores, entre eles a melhoria dos telejornais <strong>de</strong> outras re<strong>de</strong>s, a entrada<br />
<strong>em</strong> cena dos concorrentes <strong>de</strong> baixa extração e o incr<strong>em</strong>ento do mercado <strong>de</strong> TV<br />
a cabo, esse número só fez cair. Cresceram então as reportagens com o intuito<br />
<strong>de</strong> comover e distrair o espectador. Nesse período, o apresentador Cid Moreira<br />
se aposentou e foi substituído por William Bonner e Lilian Witte Fibe. Em<br />
março <strong>de</strong>ste ano, Lilian Witte Fibe voltou ao Jornal da Globo. Noticiou-se a<br />
época que Lilian reivindicava reportagens <strong>de</strong> mais substância para apresentar.<br />
Reclamava entre os colegas do excesso <strong>de</strong> matérias melosas sobre animais. A<br />
gota d‟água teria sido uma reportag<strong>em</strong> sobre coalas calorentos, que chupavam<br />
picolé num zoológico da Oceania. Lilian saiu, a doce Fátima Bernar<strong>de</strong>s entrou<br />
e o mundo animal permaneceu. Em maio, o romance extraconjugal <strong>de</strong> uma<br />
macaca do zoológico <strong>de</strong> Brasília mereceu duas extensas reportagens<br />
(REVISTA VEJA, 1998a:47).<br />
A Veja também recebeu um comunicado da <strong>em</strong>issora argumentando que<br />
o Jornal Nacional’, com relação à política, noticia tudo que é relevante, da<br />
mesma maneira que age <strong>em</strong> relação à economia. Um ex-jornalista da Re<strong>de</strong><br />
Globo, Paulo Henrique Amorim, que na época comandava o telejornal da TV<br />
Ban<strong>de</strong>irantes, expressou uma opinião b<strong>em</strong> crítica sobre os critérios que norteiam<br />
o noticiário <strong>de</strong> sua antiga casa: “O Jornal Nacional se transformou <strong>em</strong> mais um<br />
produto da linha <strong>de</strong> entretenimento da Globo. Não há mais notícias ali”.<br />
A revista ainda <strong>de</strong>stacou que, apesar da queda <strong>de</strong> audiência do Jornal<br />
Nacional, ele ainda é um dos dois programas <strong>de</strong> maior público da televisão<br />
brasileira 28 , ao lado da “novela das 8” da Re<strong>de</strong> Globo (s<strong>em</strong> contar os dias <strong>em</strong> que<br />
o programa do Ratinho, do SBT, ultrapassa a audiência da novela). Só para<br />
ressaltar a importância econômica do telejornal, 30 segundos <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> nos<br />
intervalos do Jornal Nacional custam 110 mil reais. Segundo a Veja, “o<br />
equivalente a um apartamento <strong>de</strong> dois quartos na Zona Sul do Rio”.<br />
28 Ver Apêndice E.<br />
75
3.3. O telejornalismo e o monopólio da linguag<strong>em</strong> televisiva<br />
A TV apaga tudo. O hom<strong>em</strong> é um visual. O espetáculo chega a domicílio. O<br />
trabalho está mastigado. O comentário sublinha a imag<strong>em</strong> 29 (Marc Paillet).<br />
ROCCO (1989) afirma que a televisão é s<strong>em</strong> dúvida o veículo da era<br />
eletrônica que maior penetração já teve, introduzindo-se <strong>em</strong> todas as casas, entre<br />
todas as pessoas, praticamente <strong>em</strong> todos os cantos do planeta:<br />
A televisão é hoje parte do cotidiano, parte do referencial <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> quase<br />
todos os homens. Não se po<strong>de</strong> negar a evidência <strong>de</strong> um fato. E, se assim é,<br />
estudos vários, <strong>de</strong> natureza interdisciplinar, que observ<strong>em</strong> recortes diversos,<br />
sociológicos, psicológicos, históricos, pedagógicos, lingüísticos, entre outros,<br />
têm que ser incentivados. Tais estudos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> procurar dar conta, por ex<strong>em</strong>plo,<br />
das relações entre um vínculo novo e o hom<strong>em</strong>, sobretudo quando tal veículo<br />
passa a ser parte integrante e integradora entre o sujeito e o seu entorno<br />
sociocultural (ROCCO, 1989:19).<br />
Para PAILLET (1986), o imediatismo da televisão, sua intimida<strong>de</strong>, sua<br />
presença muito forte modificam a relação com o mundo:<br />
(...) a presença do aparelho <strong>de</strong> televisão se transforma facilmente <strong>em</strong> tirania.<br />
Não só o mundo (inclusive o belo e o gran<strong>de</strong> mundo) penetra na cozinha do<br />
telespectador, comentaristas e especialistas, presos à evidência do som e da<br />
imag<strong>em</strong> móveis, diz<strong>em</strong> o que ele <strong>de</strong>ve ser, apreciar e comentar, e mesmo<br />
concluir (PAILLET, 1986:157).<br />
ROCCO (1991) argumenta que são criados <strong>em</strong> torno da televisão campos<br />
<strong>de</strong> tensões, sendo esta o “veículo produtor dos mais analógicos simulacros do<br />
real.” Para a autora, tais simulacros são tão próximos da realida<strong>de</strong> sensível que às<br />
vezes custa-se a perceber se a realida<strong>de</strong> objetiva é aquela do lado <strong>de</strong> fora ou a que<br />
se vê na televisão.<br />
De acordo com COMPARATO (1991), é preciso l<strong>em</strong>brar que a televisão<br />
forja os costumes sociais, com eficácia e rapi<strong>de</strong>z inovadoras:<br />
29 PAILLET (1986:156).<br />
A TV ten<strong>de</strong> a ser a principal matriz dos valores sociais, superando nessa função<br />
a família, a escola, a Igreja, o partido ou o próprio Estado. Mas,<br />
diferent<strong>em</strong>ente <strong>de</strong>stas instituições, a televisão é mero veículo <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong><br />
mensagens: não é a televisão, enquanto veículo que as produz. A verda<strong>de</strong>, como<br />
frizou MacLuhan, é que o veículo ten<strong>de</strong> a incorporar a mensag<strong>em</strong> e a se<br />
i<strong>de</strong>ntificar com ela. O povo adota os comportamentos e os valores sociais<br />
difundidos pela televisão, e os estabiliza <strong>em</strong> costumes; não pelo conteúdo das<br />
mensagens, mas simplesmente pelo fato <strong>de</strong> que lhes são transmitidas pela<br />
televisão (COMPARATO, 1991:302).<br />
76
Para PAILLET (1986), a televisão não é somente um mundo<br />
revolucionário <strong>de</strong> informação. Ela é também “um modo <strong>de</strong> informações com<br />
conseqüências revolucionárias” e suas dimensões são <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a necessida<strong>de</strong><br />
para se compreen<strong>de</strong>r o fenômeno televisão que, segundo o autor, “ainda não<br />
terminou <strong>de</strong> mostrar suas conseqüências”.<br />
No campo telejornalístico, conforme MOTA (1992), o noticiário da TV<br />
exerce um papel crucial na reprodução heg<strong>em</strong>ônica <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, como fonte mais<br />
importante <strong>de</strong> conhecimentos <strong>em</strong> uma cida<strong>de</strong>, país ou no mundo. Ao legitimar as<br />
relações <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, o telejornalismo constrói um consenso, ou seja,<br />
transforma <strong>em</strong> senso comum uma visão i<strong>de</strong>ológica da realida<strong>de</strong>. CHAUÍ (1984)<br />
argumentou que o telejornalismo se constitui <strong>em</strong> powerhol<strong>de</strong>r ou aparato<br />
i<strong>de</strong>ológico das relações <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />
É importante também observar o direcionamento da linguag<strong>em</strong><br />
telejornalística, ou seja, o público a ser atingido, como expõe Beting:<br />
O telejornalismo no Brasil t<strong>em</strong> uma responsabilida<strong>de</strong> social e política maior<br />
que <strong>em</strong> qualquer país que eu conheço, exatamente porque o Brasil coloca toda<br />
sua população diante da televisão: o brasileiro iletrado ou o brasileiro<br />
acomodado não lê<strong>em</strong> jornal, e hoje <strong>em</strong> dia não se ouve rádio porque o que<br />
t<strong>em</strong>os é uma rádio-serviço. Então o que sobra é a televisão. A televisão t<strong>em</strong><br />
também o ouvinte passivo, aquele hom<strong>em</strong> ou aquela criança que não está<br />
interessado na notícia mas que t<strong>em</strong> que vê-la e ouvi-la porque ele vê até<br />
comercial e fica esperando até novela. É exatamente porque o telespectador é<br />
passivo que o Telejornalismo cresce <strong>de</strong> importância, e do ponto <strong>de</strong> vista<br />
político o Telejornalismo é a única maneira <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratizar a informação: o<br />
Telejornalismo é mais importante do que a gente imagina. A característica<br />
fundamental do Telejornalismo é esta: o leitor do jornal é ativo (só lê o que<br />
interessa), o ouvinte <strong>de</strong> rádio é a um só t<strong>em</strong>po ativo e passivo e o telespectador<br />
é <strong>em</strong> sua gran<strong>de</strong> maioria passivo e não consegue <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> sê-lo mesmo com a<br />
invenção do controle r<strong>em</strong>oto (Beting, citado por VIEIRA, 1991:124).<br />
BREGUÊS (1998) afirma que, hoje no Brasil, <strong>de</strong>para-se com um<br />
“telejornalismo medíocre, ainda factual, s<strong>em</strong> muita análise e interpretação - um<br />
telejornalismo alienante”. O jornalista também analisa que é imposta uma<br />
propaganda comercial que parece só obe<strong>de</strong>cer a uma suposta compulsão<br />
brasileira para comprar e gastar além <strong>de</strong> “programas que faz<strong>em</strong> do grotesco a<br />
forma preferida <strong>de</strong> comicida<strong>de</strong>”. E ainda ressalta:<br />
A marginalização e a espoliação econômica da gran<strong>de</strong> parte da população são<br />
acompanhadas e sustentadas pelo controle político. Não são poucas as análises<br />
que mostram o caráter mecânico automático, alienado - do comportamento<br />
77
popular nas socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> massa. É fácil enten<strong>de</strong>r que se sublinhe a apatia<br />
política quando se sabe que ao lado da limitação coercitiva que a i<strong>de</strong>ologia<br />
dominante impõe, assim como as formas <strong>de</strong> organização e expressão social que<br />
manipulam e usam as classes populares como massa <strong>de</strong> manobra (uma alusão<br />
ao populismo, que predominou como mo<strong>de</strong>lo político <strong>de</strong> 1945-64). A elite<br />
dominante constrói uma espécie <strong>de</strong> cultura da ilusão (BREGUÊS, 1998).<br />
Da mesma forma, argumenta Paillet, analisando sobre a importância do<br />
po<strong>de</strong>r exercido pelos enunciadores da notícia telejornalística, mediando as<br />
relações culturais com os telespectadores:<br />
Para o público, especialmente o público popular, o jornalista <strong>de</strong> televisão é um<br />
personag<strong>em</strong> importante. É ele que, a cada dia, e mesmo várias vezes por dia,<br />
vai mostrar o que acontece no mundo. Ele está a par <strong>de</strong> tudo, no mesmo<br />
instante; no transcorrer da <strong>em</strong>issão, ajudas anônimas po<strong>de</strong>m-lhe aportar o<br />
último flagrante, acontecimento <strong>de</strong> última hora. Ele é extr<strong>em</strong>amente erudito <strong>em</strong><br />
relação aos lugares e pessoas; as circunstâncias e os enca<strong>de</strong>amentos <strong>de</strong> causa<br />
e efeito (PAILLET, 1986:171).<br />
Para REZENDE (1998), o formato espetacular, comum às <strong>em</strong>issões <strong>de</strong><br />
ficção e <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, representa a fórmula mágica capaz <strong>de</strong> magnetizar a atenção<br />
<strong>de</strong> um público tão diversificado. O espetáculo se <strong>de</strong>stina basicamente à<br />
cont<strong>em</strong>plação, combinando, na produção telejornalística, uma forma que<br />
privilegia o aproveitamento <strong>de</strong> imagens atraentes - muitas vezes <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando<br />
o seu real valor jornalístico - com um conjunto <strong>de</strong> notícias constituído<br />
essencialmente <strong>de</strong> fait divers, conforme expõe Marcon<strong>de</strong>s Filho:<br />
Com as mudanças tecnológicas da televisão, mas principalmente com o<br />
acirramento da forma própria <strong>de</strong> ela relatar o que se passa no mundo, o<br />
telejornalismo sofreu sensíveis mudanças, s<strong>em</strong>pre na direção <strong>de</strong> um impacto<br />
maior, <strong>de</strong> efeitos visuais e sonoros mais claros e da combinação <strong>de</strong> uma série<br />
<strong>de</strong> signos, <strong>de</strong> tal maneira a causar uma gran<strong>de</strong> fascinação diante do público,<br />
mas tão inocente e inofensiva como são os espetáculos visuais com fogos <strong>de</strong><br />
artifício (MARCONDES FILHO, 1984:48).<br />
REZENDE (1998) ressalta ainda que a priorida<strong>de</strong> que se dá ao<br />
componente visual das mensagens acentua a progressiva <strong>de</strong>svalorização do po<strong>de</strong>r<br />
expressivo das palavras, levando o jornalista a transformar-se <strong>em</strong> “menos um<br />
perito da linguag<strong>em</strong> do que um técnico do dizer simples”. A influência <strong>de</strong>ssa<br />
vertente da estética televisiva, com o passar do t<strong>em</strong>po, transcen<strong>de</strong>u o campo da<br />
TV e repercutiu intensamente no jornalismo impresso. Jornais <strong>em</strong> todo o mundo<br />
segu<strong>em</strong> esse padrão estilístico, através da prática do que t<strong>em</strong> sido chamado <strong>de</strong><br />
78
“televisão impressa”. Esses jornais, diante da falta <strong>de</strong> imagens <strong>em</strong> movimento,<br />
trabalham com imagens congeladas, <strong>de</strong> acordo com Marcon<strong>de</strong>s Filho:<br />
... mas o congelamento da imag<strong>em</strong> jornalística e as formas <strong>de</strong> diagramação<br />
ágil, rápida, ligeira das páginas tenta, <strong>de</strong> alguma forma, resgatar a atenção do<br />
público, viciado <strong>em</strong> <strong>de</strong>codificar muito mais imagens visuais do que verbais<br />
(MARCONDES FILHO, 1993:101).<br />
Nas <strong>em</strong>issoras comerciais <strong>de</strong> TV - predominantes no Brasil - a<br />
programação adota um caráter primordialmente diversional que afeta inclusive as<br />
produções telejornalísticas. Motivada por essa i<strong>de</strong>ologia do entreter para<br />
conquistar maiores níveis <strong>de</strong> audiência e faturamento, a televisão privilegia a<br />
forma do espetáculo.<br />
Conforme Rezen<strong>de</strong>, é conveniente assinalar que um dos efeitos da<br />
espetacularização é o “sincretismo da realida<strong>de</strong>-ficção no discurso televisivo”.<br />
Fenômeno já também exaustivamente estudado, <strong>em</strong>bora s<strong>em</strong>pre revele um<br />
aspecto novo a ser examinado, a abolição das fronteiras entre o real e o<br />
imaginário são freqüentes na televisão brasileira:<br />
Recor<strong>de</strong>-se no final 1996, durante a exibição da novela “O Rei do Gado”, a<br />
participação <strong>de</strong> dois Senadores “<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>” - Eduardo Suplicy e Benedita da<br />
Silva - no velório do Senador “da fictício” Caxias, interpretado pelo ator<br />
Carlos Vereza. Meses antes, ocorrera o inverso. Em uma das edições do<br />
“Jornal Nacional”, o telejornal <strong>de</strong> maior audiência no Brasil, o Senador<br />
“fictício” Caxias aparece ao lado do presi<strong>de</strong>nte real do Brasil, Fernando<br />
Henrique Cardoso, pedindo-lhe para acelerar o processo da reforma agrária (o<br />
principal t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> fundo da telenovela) e ao mesmo t<strong>em</strong>po manifesta apoio ao<br />
projeto da reeleição (proposta que o Congresso Brasileiro estava apreciando e,<br />
se aprovada, permitiria que Fernando Henrique se candidatasse <strong>de</strong> novo à<br />
presidência) (REZENDE, 1998:37).<br />
Li<strong>de</strong>ranças do MST, como Stédile, acrescentam que a telenovela t<strong>em</strong><br />
sido um importante mecanismo para atenuar as distorções dos fatos relacionados<br />
ao MST:<br />
Existe uma contradição na televisão brasileira que faz com que o telejornal<br />
seja mais mentiroso do que a novela. Há mais verda<strong>de</strong> na novela - que é ficção<br />
- que no telejornal, que seria a informação (Teoria e Debate, citado por<br />
GOMES e NASCIMENTO, 1998:10).<br />
Para o senador do PT Suplicy, a questão da telenovela se constituir num<br />
ambiente mais politizado que o telejornal se <strong>de</strong>ve ao fato dos autores ter<strong>em</strong><br />
autonomia sobre a obra e uma menor interferência por parte da cúpula da Re<strong>de</strong><br />
Globo, diferent<strong>em</strong>ente do telejornal, <strong>em</strong> que o editor funciona como uma espécie<br />
79
<strong>de</strong> censor e os repórteres elaboram pautas para agradar os superiores e obter<strong>em</strong><br />
uma promoção no futuro. Apesar disso, ele salienta que não acredita que haja<br />
uma autonomia plena para os autores: "Deve haver algum tipo <strong>de</strong> veto. Por<br />
ex<strong>em</strong>plo: o Brizola não entra”.<br />
Stédile credita ao autor Benedito Rui Barbosa os méritos por ter inserido<br />
na teledramaturgia a questão fundiária que, apesar <strong>de</strong> fazer parte da conjuntura<br />
política nacional há muitos anos, a mídia, <strong>de</strong> modo geral, pouco divulga aos<br />
meios populares ou, quando divulga, geralmente nos telejornais, faz <strong>de</strong> maneira<br />
que a linguag<strong>em</strong> não seja acessível à gran<strong>de</strong> parte da população, <strong>de</strong> baixa<br />
escolarida<strong>de</strong> (GOMES e NASCIMENTO, 1998).<br />
3.3.1. A relação entre a linguag<strong>em</strong> verbal e icônica no telejornalismo<br />
... por mais que a mensag<strong>em</strong> transmitida pela TV seja banal, superficial e<br />
esqu<strong>em</strong>ática, sua complexida<strong>de</strong> s<strong>em</strong>iótica é s<strong>em</strong>pre gran<strong>de</strong>. Tudo se dá ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po: som, verbo, imagens que po<strong>de</strong>m adquirir feições as mais<br />
diversas e multifacetadas, além do ritmo, dos cortes, junções, aproximações e<br />
distanciamentos que provavelmente se constitu<strong>em</strong> num dos aspectos mais<br />
característicos <strong>de</strong>ssa mídia 30 (Lúcia Santaella ).<br />
Televisão é imag<strong>em</strong>. A própria <strong>de</strong>signação audiovisual não <strong>de</strong>ixa mentir.<br />
Entretanto é preciso enten<strong>de</strong>r a linguag<strong>em</strong> televisiva como uma integração entre<br />
palavra e imag<strong>em</strong>. Tomando como princípio a expressão “uma imag<strong>em</strong> vale por<br />
mil palavras”, po<strong>de</strong>ria-se pensar que ela se a<strong>de</strong>qua integralmente à televisão.<br />
Entretanto, para ROCCO (1991), “a imag<strong>em</strong> televisual não se basta a si própria,<br />
não se esgota <strong>em</strong> si mesma, já que não é auto-explicável”.<br />
Da mesma forma, o ex-diretor <strong>de</strong> jornalismo da TV Globo, Armando<br />
Nogueira, citado <strong>em</strong> Vieira, também argumenta sobre as conseqüências da<br />
<strong>de</strong>svalorização da palavra <strong>em</strong> benefício <strong>de</strong> uma estética que superestima a<br />
expressão visual, sendo ainda mais nocivas no Brasil, pelo gran<strong>de</strong> contingente <strong>de</strong><br />
analfabetos existentes no país:<br />
30 SANTAELLA (1992:28).<br />
Uma das coisas mais lamentáveis na nossa profissão é o <strong>de</strong>scaso com que se<br />
usa a palavra...Há um falso conceito <strong>de</strong> que a televisão é imag<strong>em</strong>. Ela é<br />
80
imag<strong>em</strong>, claro, mas é audiovisual, a palavra t<strong>em</strong> total cabimento na construção<br />
da mensag<strong>em</strong>. Aí, as pessoas falam que a televisão t<strong>em</strong> que ter uma linguag<strong>em</strong><br />
coloquial e não sab<strong>em</strong> a diferença entre coloquial e vulgar, entre vulgar e<br />
chulo, entre chulo e indigente. Resultado: qualquer telejornal, inclusive os que<br />
eu dirigi durante vinte e cinco anos, se expressa numa linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> mendigo,<br />
achando que o povo não sabe ler, que o povo não gosta da palavra difícil. E a<br />
palavra difícil é a palavra bonita. A pobreza da expressão da televisão<br />
contribui <strong>de</strong>mais para <strong>em</strong>pobrecer a língua dos repórteres <strong>de</strong> um modo geral<br />
(Nogueira, citado por VIEIRA, 1991:88).<br />
Ainda segundo ROCCO (1991), a imag<strong>em</strong> é o centro <strong>de</strong>finidor da TV.<br />
No entanto, a TV não existe s<strong>em</strong> o verbal. O verbal, como ensina Roland<br />
Barthes, “ancora o visual, completando-o, ambiguizando-o ou <strong>de</strong>sambiguizando-<br />
o”. O verbal completa a narrativa por imagens. O verbal, <strong>de</strong>sta forma, esclarece<br />
situações, amplia as possibilida<strong>de</strong>s narrativas e comenta as ações que se<br />
<strong>de</strong>senrolam.<br />
De acordo com REZENDE (1998), apesar <strong>de</strong> ressaltar a prepon<strong>de</strong>rância<br />
da imag<strong>em</strong>, o manual <strong>de</strong> telejornalismo da Globo abre uma pista para que se<br />
possa ter uma compreensão mais abrangente <strong>de</strong>sse probl<strong>em</strong>a ao afirmar que<br />
“imprescindível é não esquecer que a palavra está casada com a imag<strong>em</strong>”. Tal<br />
como no casamento entre duas pessoas, na dinâmica das relações cotidianas, tudo<br />
é possível. Ora a imag<strong>em</strong> impõe-se <strong>em</strong> sua plenitu<strong>de</strong>, ora basta a palavra para a<br />
transmissão <strong>de</strong> uma notícia televisiva. Entre esse pólos, <strong>de</strong>sponta uma gran<strong>de</strong><br />
varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> alternativas, todas elas constituindo-se como expressões legítimas<br />
do telejornalismo. Ao invés <strong>de</strong> se proclamar o império do icônico no discurso<br />
televisivo, parece mais factível a hipótese <strong>de</strong> que a construção da mensag<strong>em</strong> da<br />
TV reflete uma complexa intervenção <strong>de</strong> signos <strong>de</strong> natureza diversa e <strong>em</strong><br />
contínua interação.<br />
Sobre a questão da simultaneida<strong>de</strong> da palavra e da imag<strong>em</strong> no discurso<br />
telejornalístico, MACIEL (1993) alerta que <strong>em</strong>bora “texto e imag<strong>em</strong> <strong>de</strong>vam<br />
s<strong>em</strong>pre andar juntos, a imag<strong>em</strong> é mais forte que a palavra”, porque “permanece<br />
gravada no cérebro do telespectador <strong>de</strong>pois que a notícia já foi esquecida”. Se, ao<br />
contrário, houver uma dissociação, o resultado po<strong>de</strong> ser um verda<strong>de</strong>iro “<strong>de</strong>sastre”<br />
que atinge todos os “el<strong>em</strong>entos” mensag<strong>em</strong>, com prejuízos, no entanto, maiores,<br />
para a comunicação verbal.<br />
81
Em jornalismo <strong>de</strong> televisão ninguém duvida: a imag<strong>em</strong> é mais forte que a<br />
palavra. Toda vez que num telejornal as falas estão <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com as<br />
imagens, produz-se uma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>scarrilamento da comunicação: o tr<strong>em</strong><br />
das palavras vai para um lado e o trilho da imag<strong>em</strong>, para outro. Num caso<br />
<strong>de</strong>sses, a informação auditiva se per<strong>de</strong>, mas a mensag<strong>em</strong> visual s<strong>em</strong>pre chega<br />
ao <strong>de</strong>stino (Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão, 1984:71).<br />
Esse princípio que atribui priorida<strong>de</strong> à informação visual impõe<br />
características especiais ao jornalismo realizado na TV: “O noticiário televisivo<br />
ten<strong>de</strong> a favorecer as notícias que po<strong>de</strong>m ser apresentadas com imagens - <strong>em</strong><br />
especial, com imagens móveis - <strong>em</strong> relação àquelas que carec<strong>em</strong> <strong>de</strong> imag<strong>em</strong>”<br />
(GREEN, 1973:59). Juan Beneyto reforça esse ponto <strong>de</strong> vista, comentando que<br />
“uma apresentação concreta, através <strong>de</strong> documentos gráficos, está mais próxima<br />
do que o público admite ser verda<strong>de</strong> do que uma apresentação puramente<br />
intelectual e <strong>de</strong>scritiva” (BENEYTO, 1979:179-180).<br />
enfatiza que<br />
Reforçando o sentido <strong>de</strong> mediação entre verbal e visual, Rocco também<br />
A TV é, <strong>de</strong> per si, presença plurívoca, pela imag<strong>em</strong>, pela cor, pelos recursos<br />
técnicos que lhe são inerentes. E se a isso se somar (porque inalienável) o<br />
po<strong>de</strong>r do verbal que apóia, reproduz e ancora o sentido <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>talhes que<br />
<strong>em</strong>ocionam, tencionam, mais eficaz será o processo <strong>de</strong> persuasão do veículo,<br />
na medida <strong>em</strong> que esse visual, que causa impacto, terá existência mais real e<br />
sentido mais amplo pela mediação do verbal (ROCCO, 1989:63).<br />
A questão da ancorag<strong>em</strong> da imag<strong>em</strong> pela palavra também é<br />
mencionada por DIMBLERY e BURTON (1990). Segundo os autores, a<br />
ancorag<strong>em</strong> se refere a aspectos particulares da imag<strong>em</strong>, que ajudam a ver<br />
seu significado, “ancoram” o conjunto.<br />
3.3.1.1. A objetivação e a ancorag<strong>em</strong><br />
Diante <strong>de</strong>ssas argumentações, faz-se necessário mencionar os<br />
estudos <strong>de</strong> Moscovici sobre representação social, citado por Sá, <strong>em</strong> SPINK<br />
(1993). Para Sá, a transformação do não familiar <strong>em</strong> familiar acontece via<br />
dois mecanismos: a objetivação e a ancorag<strong>em</strong>.<br />
A objetivação, para Moscovici, refere-se a atribuição <strong>de</strong> uma forma<br />
quase que concreta do objeto, tornando-se tangível através das imagens,<br />
82
fazendo-se com que o objeto se materialize, ou ainda “<strong>de</strong>scobrir a qualida<strong>de</strong><br />
icônica <strong>de</strong> uma idéia ou ser precisos, reproduzir um, conceito <strong>em</strong> uma<br />
imag<strong>em</strong>”. O texto também expõe que “a palavra é uma generalização da<br />
realida<strong>de</strong> realizada pela abstração dos significados, somos compelidos a<br />
ligá-las a alguma coisa, a encontrar equivalentes não-verbais”.<br />
O texto refere-se a contextualizar a questão da objetivação através<br />
<strong>de</strong> um processo que passa por três fases. Um diz respeito à “seleção e<br />
<strong>de</strong>scontextualização <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos que se dão <strong>em</strong> função <strong>de</strong> critérios<br />
culturais”. Daí, segundo Arruda, citado <strong>em</strong> SPINK (1993), <strong>de</strong>staca-se a<br />
teoria da informação. A segunda fase relaciona-se à formação <strong>de</strong> um núcleo<br />
figurativo a partir <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos selecionados da teoria, expondo a<br />
recomposição dos componentes fundamentais numa estrutura, que é uma<br />
imag<strong>em</strong> da estrutura conceitual, com coerência e organização, permitindo<br />
captá-los individualmente e <strong>em</strong> suas relações. Já a terceira fase diz respeito<br />
aos el<strong>em</strong>entos do pensamento se tornando realida<strong>de</strong>, integrando-se a uma<br />
realida<strong>de</strong> do senso comum. Segundo Moscovici, “as imagens se tornam<br />
el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> mais do que el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> pensamento”.<br />
Com relação ao segundo mecanismo <strong>de</strong> construção da<br />
representação, <strong>de</strong>nominado ancorag<strong>em</strong>, diz respeito ao movimento <strong>de</strong><br />
integração <strong>de</strong> um objeto ao sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> pensamento social já conhecido do<br />
sujeito. A ancorag<strong>em</strong> se dá através da classificação e <strong>de</strong>nominação do<br />
objeto. De acordo com Moscovici, “coisas que não são classificadas n<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>nominadas são estranhas, não existentes”. Segundo o autor, a<br />
<strong>de</strong>nominação permite inserir o objeto num complexo <strong>de</strong> palavras específicas<br />
para que sejam localizadas culturalmente. Para Arruda, o mecanismo <strong>de</strong><br />
ancorag<strong>em</strong> permite a compreensão <strong>de</strong> como se dá um significado ao objeto<br />
representado, através <strong>de</strong> uma atribuição <strong>de</strong> sentido.<br />
Dentro do aspecto telejornalístico, é importante ressaltar que não basta<br />
ver as notícias, é preciso estar atento sobre o que se vê, pois a notícia po<strong>de</strong> ter<br />
várias interpretações. Segundo MOTA (1992), a notícia ganha na televisão uma<br />
característica significativa própria, on<strong>de</strong> a produção <strong>de</strong> sentidos vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da<br />
83
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um dos el<strong>em</strong>entos do conjunto prepon<strong>de</strong>rar sobre os outros.<br />
Diferent<strong>em</strong>ente dos jornais escritos, os jornais televisionados un<strong>em</strong> textos<br />
falados, imagens e sons. O texto falado por apresentadores, repórteres,<br />
comentaristas, entrevistados, vai disciplinar imagens, sons, ruídos, <strong>de</strong>senhos e<br />
outros materiais gráficos, como mapas e vinhetas.<br />
Para BARTHES (1964a), a imag<strong>em</strong> é um lugar <strong>de</strong> resistência ao sentido.<br />
Mas ela tanto po<strong>de</strong> duplicar certas informações do texto, por um fenômeno <strong>de</strong><br />
redundância, quanto o texto po<strong>de</strong> acrescentar uma informação inédita à imag<strong>em</strong>.<br />
Numa pesquisa sobre análise <strong>de</strong> conteúdo do Jornal Nacional, Castro,<br />
citado por MOTA (1992), mostra que na organização s<strong>em</strong>ântica do<br />
telejornalismo, o não-verbal é tão importante quanto o discurso verbal. A<br />
pesquisa visava medir o grau <strong>de</strong> retenção da notícia por parte do telespectador,<br />
concluindo que existe uma apreensão, numa unida<strong>de</strong> significativa que favorece a<br />
maior compreensão e maior retenção.<br />
Mas n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre imagens e texto trabalham <strong>em</strong> conjunto. Gans, citado<br />
por WOLF (1987), sugere um valor-notícia na produção jornalística. Na<br />
televisão, este valor-notícia ou a avaliação <strong>de</strong> noticiabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
acontecimento po<strong>de</strong> ser encontrado ora na imag<strong>em</strong>, ora no texto. Muitas vezes,<br />
uma reportag<strong>em</strong> fraca como informação é levada ao ar porque possui um “bom<br />
material visual”. Já as notícias importantes, como mudanças políticas e<br />
econômicas po<strong>de</strong>m se apoiar num suporte visual pouco significativo, com<br />
imagens que já faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong> uma rotina <strong>de</strong> cobertura.<br />
De acordo com BACCEGA (1995), é através da consciência verbal que a<br />
realida<strong>de</strong>, compreendida como totalida<strong>de</strong>, se abre ao hom<strong>em</strong>. Ele vai <strong>de</strong>scobrir a<br />
realida<strong>de</strong>, vai conhecê-la, vai dotá-la <strong>de</strong> sentidos outros. A autora ainda <strong>de</strong>staca<br />
como se revela a importância da palavra: “só através <strong>de</strong>la, base do pensamento<br />
conceptual, formadora da consciência, é possível abordar cada produto <strong>de</strong> que<br />
campo for".<br />
Para BAKHTIN (1992), toda refração i<strong>de</strong>ológica do ser <strong>em</strong> processo <strong>de</strong><br />
formação, seja qual for a natureza <strong>de</strong> seu material significante, é acompanhada <strong>de</strong><br />
uma refração i<strong>de</strong>ológica verbal, como fenômeno obrigatoriamente concomitante.<br />
84
A palavra está presente <strong>em</strong> todos os atos <strong>de</strong> compreensão e <strong>em</strong> todos os atos <strong>de</strong><br />
interpretação.<br />
Conforme MARCONDES FILHO (1984), o texto na TV é<br />
prepon<strong>de</strong>rante. O autor confronta a função da palavra na linguag<strong>em</strong> da tevê e do<br />
cin<strong>em</strong>a.<br />
Na narrativa da tevê, o que importa é o diálogo, a fala, as palavras. Há um<br />
atrofiamento das <strong>de</strong>mais formas expressivas (o silêncio, a linguag<strong>em</strong> dos<br />
ambientes, das paisagens, das cenas por si) <strong>em</strong> favor do texto. No cin<strong>em</strong>a é<br />
diferente: os efeitos visuais po<strong>de</strong>m até <strong>de</strong>sprezar as palavras já que o ambiente<br />
(e a concentração) da exibição permite que se ampli<strong>em</strong> as formas <strong>de</strong> expressão<br />
(MARCONDES FILHO, 1984:16).<br />
O perigo <strong>de</strong> uma imag<strong>em</strong> muda é tanto maior <strong>em</strong> função do grau <strong>de</strong><br />
precisão e clareza da mensag<strong>em</strong> que se preten<strong>de</strong> transmitir. Em um programa <strong>de</strong><br />
ficção, um especial inspirado <strong>em</strong> uma obra literária, por ex<strong>em</strong>plo, que está mais<br />
próximo da estética cin<strong>em</strong>atográfica, o sentido livre, a poliss<strong>em</strong>ia é uma<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejável. O mesmo, contudo, não se <strong>de</strong>ve esperar <strong>de</strong> um telejornal ou<br />
<strong>de</strong> um programa educativo, <strong>em</strong> que se exige o máximo <strong>de</strong> precisão <strong>de</strong> clareza na<br />
elaboração da mensag<strong>em</strong>, justamente para “impedir que ela <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ie um caos<br />
sígnico, ao se abrir a uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alternativas <strong>de</strong> leituras e interpretações”<br />
(REZENDE, 1998).<br />
Assim, ROCCO (1991), <strong>em</strong> outro momento expõe que “se uma imag<strong>em</strong><br />
po<strong>de</strong> valer por mil palavras, há momentos <strong>em</strong> que, talvez, n<strong>em</strong> 10 mil imagens<br />
consigam expressar o po<strong>de</strong>r polissêmico <strong>de</strong> uma única palavra”.<br />
Como expõe Bourdieu, a televisão t<strong>em</strong> um gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>em</strong> todos os<br />
sentidos, sendo capaz <strong>de</strong> criar uma realida<strong>de</strong>, mobilizar uma socieda<strong>de</strong> ou o<br />
contrário:<br />
Os perigos políticos inerentes ao uso ordinário da televisão <strong>de</strong>v<strong>em</strong>-se ao fato<br />
<strong>de</strong> que a imag<strong>em</strong> t<strong>em</strong> a particularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r produzir o que os críticos<br />
literários chamam o efeito <strong>de</strong> real, ela po<strong>de</strong> fazer ver e fazer crer no que faz<br />
ver. Esse po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> evocação t<strong>em</strong> efeitos <strong>de</strong> mobilização. Ela po<strong>de</strong> fazer existir<br />
idéias ou representações, mas também grupos. As varieda<strong>de</strong>, os inci<strong>de</strong>ntes ou<br />
os aci<strong>de</strong>ntes cotidianos po<strong>de</strong>m estar carregados <strong>de</strong> implicações políticas,<br />
éticas, etc. capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar sentimentos fortes, freqüent<strong>em</strong>ente<br />
negativos, como o racismo, a xenofobia, o medo-ódio do estrangeiro, e a<br />
simples narração, o fato <strong>de</strong> relatar, to record, como repórter, implica s<strong>em</strong>pre<br />
uma construção social da realida<strong>de</strong> capaz <strong>de</strong> exercer efeitos sociais <strong>de</strong><br />
mobilização (ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>smobilização) (BOURDIEU, 1997:28).<br />
85
Coelho discutiu algumas das imagens da televisão, que o autor refere-se<br />
como “o gran<strong>de</strong> iconoclasta <strong>de</strong> hoje”, i<strong>de</strong>ntificando o imaginário por elas<br />
constituído no Brasil. Segundo o professor, “a proliferação virótica das imagens,<br />
o que <strong>de</strong>las resta na mente do telespectador, t<strong>em</strong> força suficiente para gerar<br />
imaginários, que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser <strong>de</strong>lineados”. Em uma <strong>de</strong> suas abordagens, o autor<br />
refere-se ao “universo imediato”:<br />
A imag<strong>em</strong>, num processo simbólico forte, é o caldo <strong>em</strong> que o hom<strong>em</strong> se<br />
encontra com seu mundo: não há distância entre a imag<strong>em</strong>, o hom<strong>em</strong> e o<br />
mundo; ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que representa o mundo, a imag<strong>em</strong> é o mundo. Na<br />
TV, a imag<strong>em</strong> é mediação entre o hom<strong>em</strong> e o mundo: há distâncias entre essas<br />
três entida<strong>de</strong>s, e qu<strong>em</strong> po<strong>de</strong> aboli-las é a TV. Primeira conseqüência<br />
paradoxal: o mundo é a TV. Segunda conseqüência paradoxal: eu sou a TV, a<br />
TV sou eu. Paradoxal porque a TV diz abolir essas distâncias, mas seu<br />
interesse e sua prática real consist<strong>em</strong> <strong>em</strong> firmá-las s<strong>em</strong>pre mais (COELHO,<br />
1991:118).<br />
Dimblery e Burton apontam para a importância das imagens, que<br />
oferec<strong>em</strong> mensagens sobre crenças constituindo-se <strong>em</strong> canal dominante da<br />
comunicação na mídia. Os autores ainda acrescentam:<br />
A televisão, é óbvio, divulga imagens <strong>de</strong> toda a espécie. (...) os noticiaristas<br />
exploram esse aspecto da mídia, preferindo histórias com farta ilustração e<br />
enviando câmeras a toda a parte para obter material. Os jornais pensam da<br />
mesma forma. Como já diss<strong>em</strong>os, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre a história é divulgada como ela<br />
realmente aconteceu. As escolhas são feitas <strong>de</strong> forma que seja possível manejálas<br />
(DIMBLERY e BURTON, 1990:198).<br />
BARTHES (1978), escrevendo sobre a fotografia - cujas observações<br />
po<strong>de</strong>m ser estendidas ao cin<strong>em</strong>a e à televisão - <strong>de</strong>fine a imag<strong>em</strong> como “uma<br />
mensag<strong>em</strong> s<strong>em</strong> código”. Essa constatação permite afirmar que, ao menos no<br />
nível da <strong>de</strong>notação, o componente visual da mensag<strong>em</strong> televisiva prescin<strong>de</strong>, <strong>em</strong><br />
princípio, do domínio prévio <strong>de</strong> algum código pelo telespectador. Nesse caso, no<br />
plano ainda meramente teórico, a televisão resolveria os três probl<strong>em</strong>as básicos<br />
da comunicação: o do t<strong>em</strong>po (pelo imediatismo), o do espaço (pela<br />
instantaneida<strong>de</strong> e ubiqüida<strong>de</strong> ) e o do símbolo (pela universalida<strong>de</strong> da linguag<strong>em</strong><br />
visual).<br />
Baseada na capacida<strong>de</strong> expressiva da imag<strong>em</strong>, a linguag<strong>em</strong> televisiva,<br />
seguindo essa linha <strong>de</strong> raciocínio, torna-se universal. Pressupondo-se que a<br />
imag<strong>em</strong> é a reprodução análoga do mundo concreto, os objetos, os el<strong>em</strong>entos da<br />
86
natureza são imutáveis, guardadas as peculiarida<strong>de</strong>s culturais <strong>de</strong> cada região ou<br />
país. O mesmo não se aplicaria à linguag<strong>em</strong> verbal, porque cada língua dispõe <strong>de</strong><br />
palavras próprias para nomear as coisas (REZENDE, 1998).<br />
Para o pesquisador espanhol Vilches, a imag<strong>em</strong> informativa produz<br />
efeito <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, argumentando que toda representação <strong>de</strong> imag<strong>em</strong> informativa<br />
se constrói <strong>em</strong> discurso retórico com suas próprias regras <strong>de</strong> funcionamento:<br />
El funcionamiento espetacular <strong>de</strong> la imag<strong>em</strong> informativa en televisión produce<br />
pues un discurso que va más allá <strong>de</strong> la simple constatación <strong>de</strong> unos hechos y se<br />
manifesta principalmente a través <strong>de</strong> la función <strong>de</strong>l Marco <strong>de</strong> representación <strong>de</strong><br />
la imagen. (...) la imagen informativa como espetáculo o puesta en escena que<br />
se rige según un discurso retórico (VILCHES, 1995:178).<br />
Da mesma forma, CALABRESE (1980) expõe sua argumentação sobre o<br />
efeito <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> espetacular da imag<strong>em</strong> informativa:<br />
El telespectador tiene com el informativo una conducta más s<strong>em</strong>ejante a la <strong>de</strong>l<br />
público,<strong>de</strong> una feria que a la <strong>de</strong>l lector <strong>de</strong> prensa. La información en television<br />
es una puesta en encena cuidadosamente controlada en lá que están previstos<br />
personajes, <strong>de</strong>corados, golpes <strong>de</strong> encena, recursos dramático y cómicos,<br />
consejos e previsiones (el ti<strong>em</strong>po la economia) (CALABRESE, 1980:45).<br />
Seguindo esta concepção, para NEIVA JÚNIOR (1986), é comum o<br />
encanto por aquilo que t<strong>em</strong> o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> simular a realida<strong>de</strong>. Esta passa a ser<br />
secundária <strong>em</strong> relação à imag<strong>em</strong> que a reconstitui enquanto simulação. De<br />
acordo com o autor, “obcecados pelo realismo, discutimos a autenticida<strong>de</strong> da<br />
imag<strong>em</strong> até que nossos discursos nos anestesi<strong>em</strong>; assim, nos acostumamos à<br />
perda do referente”.<br />
3.3.2. O condicionamento i<strong>de</strong>ológico no telejornalismo<br />
31 CHAUÍ (1984:3).<br />
A sist<strong>em</strong>aticida<strong>de</strong> e a coeréncia i<strong>de</strong>ológicas nasc<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminação<br />
muìto precisa: o dìscurso í<strong>de</strong>ológico é aquele que preten<strong>de</strong> coincidir com as<br />
coisas, anular a diferença entre o fiazer e o pensar, o dizer e o ser e, <strong>de</strong>starte,<br />
engendrar uma lógica da i<strong>de</strong>ntificação que unifique pensamento, línguag<strong>em</strong> e<br />
realida<strong>de</strong> para, através <strong>de</strong>ssa lógica, obter a i<strong>de</strong>ntiticação <strong>de</strong> todos os sujeitos<br />
sociais com uma imag<strong>em</strong> particular universalizada, isto é, a imag<strong>em</strong> da classe<br />
dominante 31 (Marilena Chaui).<br />
87
Ao ser abordada, neste estudo, a questão da i<strong>de</strong>ologia, faz-se necessário<br />
buscar a concepção <strong>de</strong> THOMPSON (1987), que faz uma conecção entre<br />
i<strong>de</strong>ologia e relações <strong>de</strong> dominação, mostrando como o estudo da i<strong>de</strong>ologia é<br />
inseparável da forma como as relações sociais se organizam e se sustentam.<br />
Percebe-se que a notícia da TV, a partir <strong>de</strong>sta concepção, media estas relações.<br />
Esta produção <strong>de</strong> sentidos, este processo <strong>de</strong> significação, t<strong>em</strong> uma base material,<br />
que começa no processo <strong>de</strong> produção da notícia e se completa na enunciação, no<br />
conjunto <strong>de</strong> falas e imagens que compõ<strong>em</strong> a notícia.<br />
No que se refere ao termo i<strong>de</strong>ologia, po<strong>de</strong>-se buscar, <strong>de</strong>ntre as<br />
abordagens tradicionais, a formulação <strong>de</strong> PÊCHEUX e FUCHS (1975), que<br />
resi<strong>de</strong> “na articulação <strong>de</strong> três regiões <strong>de</strong> conhecimentos científicos”. Essas três<br />
regiões a ser<strong>em</strong> articuladas são: o materialismo histórico como teoria das<br />
formações sociais e <strong>de</strong> suas transformações, aí compreendida a teoria das<br />
i<strong>de</strong>ologias; a lingüística como teoria ao mesmo t<strong>em</strong>po dos mecanismos sintáticos<br />
e dos processos <strong>de</strong> enunciação; e a teoria do discurso como teoria da<br />
<strong>de</strong>terminação histórica dos processos s<strong>em</strong>ânticos.<br />
O estudo <strong>de</strong> Lane aborda <strong>de</strong> forma significante a questão da i<strong>de</strong>ologia,<br />
assim como também a questão da linguag<strong>em</strong>. Para a autora, existe uma diferença<br />
fundamental entre fazer e falar. Só o fazer produz objetivos e a própria vida.<br />
Segundo Lane, o falar é um instrumento que po<strong>de</strong> não produzir nada, dando a<br />
impressão <strong>de</strong> que algo está sendo produzido. Em seu texto, ela diz:<br />
(...) apenas quando confrontamos as nossas representações sociais com as<br />
nossas experiências e ações, e com as <strong>de</strong> outros do nosso grupo social, é que<br />
ser<strong>em</strong>os capazes <strong>de</strong> perceber o que é i<strong>de</strong>ológico <strong>em</strong> nossas representações e<br />
ações conseqüentes. Ou seja, pensar a realida<strong>de</strong> e os significados atribuídos à<br />
ela, questionando-os <strong>de</strong> forma a <strong>de</strong>senvolver ações diferenciadas, isto é, novas<br />
formas <strong>de</strong> agir, que por sua vez serão objeto <strong>de</strong> nosso pensar, é que nos<br />
permitirá <strong>de</strong>senvolver a consciência <strong>de</strong> nós mesmos, <strong>de</strong> nosso grupo social e <strong>de</strong><br />
nossa classe como produtos históricos <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong> (LANE, 1983:36-<br />
37).<br />
FADUL (1980) argumenta que exist<strong>em</strong> várias alternativas para a<br />
investigação do processo i<strong>de</strong>ológico na TV. A i<strong>de</strong>ologia, <strong>de</strong> acordo com a autora,<br />
po<strong>de</strong> estar presente na própria construção da TV que, s<strong>em</strong> levar <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração<br />
as suas possibilida<strong>de</strong>s na criação <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong>mocrática, seria um<br />
88
instrumento i<strong>de</strong>ológico. Um outro aspecto que a autora discute com relação à<br />
orig<strong>em</strong> do po<strong>de</strong>r i<strong>de</strong>ológico da TV, refere-se ao fato <strong>de</strong>sse veículo, assim como a<br />
fotografia e o cin<strong>em</strong>a, lidar com a “impressão da realida<strong>de</strong>”, resultantes do fato<br />
das imagens da TV ser<strong>em</strong> “análogas” ao real. E na TV, <strong>de</strong>vido à sua<br />
característica da instantaneida<strong>de</strong>, ao contrário da fotografia e do cin<strong>em</strong>a, essa<br />
característica é ainda muito mais marcante.<br />
Para BACCEGA (1995), a i<strong>de</strong>ologia só existe na prática social,<br />
constituindo num sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> valores, pleno <strong>de</strong> representações, <strong>de</strong> imagens -<br />
modo <strong>de</strong> ver o mundo, modo <strong>de</strong> ver a socieda<strong>de</strong>, modo que o hom<strong>em</strong> se vê a si e<br />
aos outros. Enfeixa os pontos <strong>de</strong> vista dos homens que viv<strong>em</strong> num <strong>de</strong>terminado<br />
grupo, classe social ou nação. T<strong>em</strong> o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> "condicionar as atitu<strong>de</strong>s dos<br />
homens" e levá-los a praticar (ou consi<strong>de</strong>rar que praticam) ações que eles<br />
consi<strong>de</strong>ram as mais a<strong>de</strong>quadas para não se <strong>de</strong>sviar <strong>de</strong>sse sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> valores,<br />
montrando-se coerente e sist<strong>em</strong>atizada, o que lhe garante sua força.<br />
Segundo CHAUÍ (1984), a i<strong>de</strong>ologia é um corpo sist<strong>em</strong>ático <strong>de</strong><br />
representações e <strong>de</strong> normas que ensinam a “conhecer e agir”. A análise do<br />
processo i<strong>de</strong>ológico presente no Jornal Nacional t<strong>em</strong> o sentido <strong>de</strong> investigação<br />
sobre os mecanismos <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma concepção <strong>de</strong> mundo heg<strong>em</strong>ônica e<br />
da <strong>de</strong>sarticulação <strong>de</strong> outras concepções que aparec<strong>em</strong> naquele noticiário com um<br />
caráter fragmentário.<br />
Sobre este enfoque, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stacar a análise <strong>de</strong> GRAMSCI (1978),<br />
que, apesar <strong>de</strong> não se referir especificamente à linguag<strong>em</strong> telejornalística, aponta<br />
o fato <strong>de</strong> que “a i<strong>de</strong>ologia constitui uma concepção <strong>de</strong> mundo que se manifesta<br />
na arte, no direito, na ativida<strong>de</strong> econômica e <strong>em</strong> todas as manifestações da vida”.<br />
Desta forma, GRAMSCI (1978) observa a concepção <strong>de</strong> mundo<br />
heg<strong>em</strong>ônica <strong>em</strong> sua relação política <strong>de</strong> direcionamento e “apagamento” <strong>de</strong><br />
el<strong>em</strong>entos i<strong>de</strong>ológicos que faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong> uma cultura das classes subalternas.<br />
Para ele, uma cultura é subalterna enquanto carece <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> classe. Ela é<br />
heterogênea porque nela conviv<strong>em</strong>, ao mesmo t<strong>em</strong>po, influências da classe<br />
dominante, <strong>de</strong>tritos da cultura <strong>de</strong> civilizações prece<strong>de</strong>ntes e el<strong>em</strong>entos<br />
89
i<strong>de</strong>ológicos provenientes da condição <strong>de</strong> classe oprimida. O caráter fragmentário<br />
é, portanto, o el<strong>em</strong>ento característico das novas concepções <strong>de</strong> mundo.<br />
Por outro lado, esse processo i<strong>de</strong>ológico não po<strong>de</strong>ria ser a<strong>de</strong>quadamente<br />
entendido s<strong>em</strong> que fosse exposta a relação entre o Estado e os meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa na construção heg<strong>em</strong>ônica <strong>de</strong> uma classe social.<br />
3.3.3. A produção <strong>de</strong> notícias e a filtrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> informações<br />
A TV precisa da política para garanti-lhe o noticiário televisivo. A política<br />
precisa da TV para alcançar o eleitorado disperso num amplo teritório. O<br />
probl<strong>em</strong>a está <strong>em</strong> torno como a TV coloca os t<strong>em</strong>as, e na subordinação da<br />
política à gramática do meio 32 (Wilson Gomes).<br />
No aspecto do noticiário, a matéria-prima é a informação, que são os<br />
fatos selecionados como notícia. Com efeito, a notícia é resultado <strong>de</strong> uma seleção<br />
<strong>de</strong> informações disponíveis, através <strong>de</strong> um processo instruído pela cultura, b<strong>em</strong><br />
como por objetivos estratégicos <strong>de</strong> lucro e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político, censurados<br />
explicitamente pelo Estado através <strong>de</strong> leis e pela ética socialmente aceita pelos<br />
meios <strong>de</strong> comunicação. A mão-<strong>de</strong>-obra necessária para fazer a transformação da<br />
informação bruta <strong>em</strong> notícia é composta por jornalistas, como os âncoras,<br />
entrevistadores, correspon<strong>de</strong>ntes, repórteres, além dos operadores dos diversos<br />
equipamentos envolvidos.<br />
MOTA (1992) orienta que o contexto imediato da produção <strong>de</strong> notícias é<br />
o processo pelo qual <strong>de</strong>terminada notícia vai gerar um funcionamento discursivo<br />
<strong>de</strong>terminado, visando à construção <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado significado. Este contexto é<br />
construído numa <strong>de</strong>terminada instituição, on<strong>de</strong> exist<strong>em</strong> rotinas profissionais e<br />
práticas que vão representar <strong>de</strong>terminado nível contextual, uma das camadas <strong>de</strong><br />
construção da notícia.<br />
Estudos recentes <strong>de</strong> pesquisadores sociais sobre o processo <strong>de</strong><br />
reprodução <strong>de</strong> notícias mostram que, por trás do “faro” jornalístico, a pauta surge<br />
<strong>de</strong> um critério <strong>de</strong> valor-notícia. Tuchman e Fishman, citados por MOTA (1992),<br />
argumentam que a coleta <strong>de</strong> notícias se dirige, preferencialmente, para<br />
32 GOMES (1994).<br />
90
instituições que, por si só, passam a se garantir <strong>de</strong> um fluxo diário <strong>de</strong><br />
informações: o Estado, a Justiça e as gran<strong>de</strong>s corporações.<br />
FOWLER et al. (1979) mostram como atores po<strong>de</strong>rosos, como<br />
autorida<strong>de</strong>s governamentais, ten<strong>de</strong>m a aparecer <strong>em</strong> oposições <strong>de</strong> sujeito<br />
principalmente se ag<strong>em</strong> <strong>de</strong> forma positiva. Como agentes <strong>de</strong> ações negativas, eles<br />
aparec<strong>em</strong> <strong>em</strong> construções passivas “assujeitadas” ou são <strong>de</strong>ixados <strong>de</strong> fora da<br />
notícia.<br />
A instituição jornalística, ao se relacionar com outras instituições sociais,<br />
vai privilegiar as instituições que representam o po<strong>de</strong>r. E ao se dirigir a estas<br />
instituições, na coleta <strong>de</strong> notícias, busca as pessoas e grupos mais po<strong>de</strong>rosos<br />
<strong>de</strong>stas instituições. Este critério <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> notícia, privilegiando relações <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r, acaba por legitimar estas relações. Este processo <strong>de</strong> legitimação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
muitas vezes não é visível para o próprio jornalista, que o consi<strong>de</strong>ra um critério<br />
profissional (MOTA, 1992).<br />
Reforçando estas argumentações, COSTA e BRENER (1997) salientam<br />
o apetite que a classe política brasileira t<strong>em</strong> <strong>de</strong>monstrado <strong>em</strong> conseguir para si as<br />
concessões para operação das estações retransmissoras <strong>de</strong> televisão, através <strong>de</strong><br />
um processo <strong>de</strong> aparente favorecimento das autorida<strong>de</strong>s constituídas <strong>em</strong> torno do<br />
Estado para políticos “amigos”.<br />
Quando uma <strong>em</strong>issora <strong>de</strong> TV é proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas com interesses<br />
políticos, o objetivo <strong>de</strong> estruturar programas para organizar audiências obe<strong>de</strong>ce,<br />
também, ao cálculo estratégico <strong>de</strong> plantar mensagens contendo a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
convencer aquela audiência <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado ponto <strong>de</strong> vista.<br />
Desta forma, ALMEIDA (1998a) aborda a questão <strong>de</strong> interesses<br />
i<strong>de</strong>ológicos que suplantam os cálculos <strong>de</strong> lucro. Esta prática fica b<strong>em</strong> evi<strong>de</strong>nte<br />
nos telejornais. Como a TV t<strong>em</strong> o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir a agenda, ela po<strong>de</strong> t<strong>em</strong>atizar<br />
tudo aquilo que represente um ganho para as posições políticas dos proprietários.<br />
Por outro lado, as notícias que possam prejudicar o capital simbólico político dos<br />
proprietários são tratadas <strong>de</strong> modo que elas fiqu<strong>em</strong> diluídas num contexto<br />
comunicativo positivo.<br />
91
Outra característica do contexto imediato da produção da notícia é a<br />
eleição <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados acontecimentos <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outros. Cria-se uma<br />
agenda baseada no sensacionalismo maior ou menor da notícia.<br />
Este critério <strong>de</strong> seleção vai privilegiar, obviamente, <strong>de</strong>terminadas fontes<br />
e vai construir o efeito-verda<strong>de</strong> da notícia <strong>de</strong> forma explícita. Neste caso, a<br />
manipulação da notícia consciente, dirigida e revestida, discursivamente, <strong>de</strong><br />
características autoritárias. Constrói-se um discurso autoritário voltado para um<br />
sentido dominante que exclui outras versões ou visões do probl<strong>em</strong>a, ou do<br />
acontecimento.<br />
Mas se o processo <strong>de</strong> produção começa com a seleção <strong>de</strong> notícias, é na<br />
etapa <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> informações e <strong>de</strong>pois, na etapa <strong>de</strong> edição, que·o processo se<br />
fecha. A própria coleta <strong>de</strong> informações por parte do repórter é seletiva. Ele parte<br />
do que manda a pauta e ouve os chamados powerhol<strong>de</strong>rs <strong>de</strong>terminados por ela<br />
(MOTA, 1992).<br />
Se é um jornalista especializado, trabalhando notícias específicas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminado campo, como economia ou política, ele terá um contato mais<br />
permanente com as fontes e corre o risco <strong>de</strong> ser um reprodutor <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado<br />
discurso social dominante no seu texto. O jornalismo econômico, via <strong>de</strong> regra,<br />
ten<strong>de</strong> a reproduzir o ponto <strong>de</strong> vista da autorida<strong>de</strong> econômica.<br />
Para Nepomuceno, a construção da notícia na televisão parte <strong>de</strong> um vício<br />
que afeta quase todos os meios <strong>de</strong> comunicação no Brasil: a manipulação <strong>em</strong><br />
maior ou menor grau:<br />
No caso da televisão <strong>em</strong> si, a questão é mais grave justamente pelo seu alcance.<br />
Num país <strong>de</strong> escassa leitura como o nosso, on<strong>de</strong> a vendag<strong>em</strong> <strong>de</strong> jornais é<br />
extr<strong>em</strong>amente parca, meios como o rádio e televisão têm uma força redobrada.<br />
Cada vez que um apresentador <strong>de</strong> telejornal põe o rosto e voz no ví<strong>de</strong>o, esta<br />
levando sua palavra a um número <strong>de</strong> pessoas centenas <strong>de</strong> milhares vezes maior<br />
do que o atingido pela notícia impessa num jornal. Nos últimos anos surgiram<br />
variações <strong>em</strong> torno da pasteurização e da banalização da notícia, e algumas<br />
<strong>de</strong>stas variações apresentam ares <strong>de</strong> inovação. Mas continua dominando,<br />
olímpica, a fórmula que se tornou clássica: intercarlar notícias para baixo com<br />
notícias para cima, vulgarizando a informação. Num veículo ágil, que corre o<br />
permanente risco da superficialida<strong>de</strong>, a fórmula <strong>em</strong> questão torna-se i<strong>de</strong>al para<br />
a neutralida<strong>de</strong> da informação e, acima <strong>de</strong> tudo, para que ela caia<br />
imediatamente no esquecimento. Qualquer pesquisa feita com a audiência <strong>de</strong><br />
um telejornal indica que o espectador retém menos <strong>de</strong> 5% do que ouviu, e é<br />
inclusive incapaz <strong>de</strong> citar mais do que duas ou três notícias <strong>de</strong>ntre aquelas<br />
vinte que acaba <strong>de</strong> receber. Quando se tenta a fórmula <strong>de</strong> aprofundar a<br />
92
informação, o resultado é, <strong>em</strong> nove <strong>de</strong> cada <strong>de</strong>z vezes, trágico. A reflexão não<br />
cabe na fórmula adotada pela imensa maioria dos noticiários da televisão<br />
brasileira (NEPOMUCENO, 1991:209).<br />
O autor ainda <strong>de</strong>staca as duas opções que os apresentadores <strong>de</strong><br />
telejornais apresentam: o “ventríloco”, aquele que recheia a voz <strong>de</strong> impostação e<br />
lê exatamente o que está escrito, “dando a impressão <strong>de</strong> ser a pessoa mais b<strong>em</strong><br />
informada do país”, e o “achômetro”, “aquele que acha qualquer coisa a respeito<br />
<strong>de</strong> qualquer coisa”. Nepomuceno argumenta:<br />
Uma violenta manifestação no centro <strong>de</strong> Porto Alegre, reprimida com furor<br />
pela polícia, aparece na <strong>de</strong>terminação do Achômetro como coisa <strong>de</strong><br />
ba<strong>de</strong>rneiro, uma vergonha. Do outro lado da moeda, uma greve é comentada e<br />
analisada essencialmente pelos <strong>em</strong>presários e políticos alinhados com o<br />
governo. Sindicalista, na televisão brasileira, é novida<strong>de</strong>, e mesmo assim<br />
restrita a segundos. Na média, cada sindicalista é sufocado por três<br />
<strong>em</strong>presários ou representantes patronais (NEPOMUCENO, 1991).<br />
A etapa final <strong>de</strong> edição jornalística fecha o cerco do “filtro da notícia”.<br />
Cabe aos editores os processos <strong>de</strong> arranjo e justaposição das seqüências<br />
informativas <strong>de</strong> uma notícia, processos estes que vão significar a possibi1ida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> construção <strong>de</strong> um discurso da notícia voltado para a reprodução ou<br />
transformação das relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Nesta etapa a construção das seqüências<br />
discursivas do texto <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> lado o chamado "material bruto" da informação:<br />
falas, personagens, fatos e imagens, que o editor consi<strong>de</strong>rar menos relevantes. É,<br />
pois, nesta etapa <strong>de</strong> edição, que se <strong>de</strong>lineia <strong>de</strong> fato o efeito <strong>de</strong> sentido, o<br />
fincionamento discursivo da notícia.<br />
Tal abordag<strong>em</strong> também po<strong>de</strong> ser evi<strong>de</strong>nciada <strong>de</strong> acordo com a<br />
argumentação <strong>de</strong> Couto:<br />
Ao observarmos <strong>de</strong>terminadas questões transmitidas pela imprensa no âmbito<br />
das Ciências Sociais, relativas aos movimentos sociais, po<strong>de</strong>mos perceber que<br />
uma outra questão se interpõe entre leitor e mensag<strong>em</strong>: a i<strong>de</strong>ologia, o que está<br />
por trás da redação <strong>de</strong> notícias e como <strong>de</strong>terminados assuntos são tratados.<br />
Essas notícias muitas vezes chegam à população filtradas i<strong>de</strong>ologicamente,<br />
muitas vezes mais <strong>de</strong>sinformando do que informando (COUTO, 1996:14).<br />
De acordo com BORDENAVE (1988), é próprio da comunicação<br />
contribuir para a modificação dos significados que as pessoas atribu<strong>em</strong> às coisas.<br />
É justamente através da modificação <strong>de</strong> significados, que a comunicação acaba<br />
93
por colaborar na transformação das crenças, dos valores e dos comportamentos.<br />
O autor focaliza o po<strong>de</strong>r da comunicação e comunicação do po<strong>de</strong>r.<br />
HERMAN e CHOMSKY (1988) observam que os po<strong>de</strong>rosos<br />
estabelec<strong>em</strong> as pr<strong>em</strong>issas do discurso, para <strong>de</strong>cidir o que permitirá às massas ver,<br />
ouvir ou pensar. Entretanto, os autores faz<strong>em</strong> questão <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar que não<br />
abraçam qualquer hipótese conspiratória. “Nosso tratamento fica muito próximo<br />
<strong>de</strong> uma análise <strong>de</strong> livre mercado e seus resultados são <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte<br />
produzidos pelos efeitos das forças do mercado”, diz<strong>em</strong> eles. Nesse contexto,<br />
conforme acrescentam, a maioria das opções facciosas da mídia nasce da seleção<br />
prévia <strong>de</strong> gente com o “pensamento certo”, prejulgamentos internalizados e da<br />
adaptação das pessoas às restrições do proprietário, da organização, do mercado e<br />
o po<strong>de</strong>r político.<br />
Os pesquisadores americanos também procuram traçar as rotas pelas<br />
quais o dinheiro e o po<strong>de</strong>r filtram as notícias a ser<strong>em</strong> publicadas, marginalizam a<br />
dissensão e permit<strong>em</strong> que o governo e os interesses privados dominantes<br />
transmitam suas mensagens. São cinco filtros assim <strong>de</strong>scritos: 1) a dimensão, a<br />
proprieda<strong>de</strong> concentrada e a orientação para o lucro das firmas dominantes da<br />
mídia; 2) a publicida<strong>de</strong> como fonte <strong>de</strong> receita primária dos meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa; 3) a confiança na informação fornecida pelo governo,<br />
pelo <strong>em</strong>presariado e pelos "experts", cujos recursos vêm <strong>de</strong>ssas fontes primárias<br />
e agentes do po<strong>de</strong>r; 4) as reações <strong>em</strong> flocos (protestos, cartas, etc.), organizados<br />
ou não, ao que é veiculado; 5) o “anticomunismo” como religião nacional e<br />
mecanismos <strong>de</strong> controle. Esses el<strong>em</strong>entos, diz<strong>em</strong> os autores norte-americanos,<br />
mesclam-se e interag<strong>em</strong>, reforçando-se uns aos outros.<br />
Os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, assim, funcionariam como um<br />
sist<strong>em</strong>a para comunicar mensagens e símbolos às massas <strong>em</strong> geral com a missão<br />
<strong>de</strong> divertir, entreter e informar, como também <strong>de</strong> inculcar nos indivíduos valores,<br />
crenças e códigos <strong>de</strong> comportamento que os integrarão <strong>em</strong> estruturas<br />
institucionais da socieda<strong>de</strong> mais ampla. Fica mais fácil perceber as características<br />
do sist<strong>em</strong>a quando as alavancas do po<strong>de</strong>r estão nas mãos <strong>de</strong> uma burocracia<br />
94
estatal e se recorre à censura oficial. Elas se tornam menos perceptíveis quando a<br />
mídia está nas mãos da iniciativa privada e inexiste a censura formal, ostensiva.<br />
3.3.4. A linguag<strong>em</strong> jornalística e seu funcionamento discursivo<br />
A vida está plena <strong>de</strong> discursos s<strong>em</strong> resposta: é a televisão, o rádio, a<br />
publicida<strong>de</strong> e a propaganda, a imprensa. Dialogando apenas com eles<br />
mesmos, esses discursos constitu<strong>em</strong> mercadorias que circulam nos atos <strong>de</strong><br />
fala. E o hom<strong>em</strong> não realiza plenamente sua condição <strong>de</strong> sujeito 33 (Maria<br />
Aparecida Baccega).<br />
A apropriação da análise <strong>de</strong> discursos para o estudo do jornalismo<br />
justifica-se pela compreensão da linguag<strong>em</strong> como processo produtivo. “A<br />
linguag<strong>em</strong> é trabalho simbólico e torna a palavra um ato social com todas as suas<br />
implicações: conflitos, reconhecimentos, relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, constituição <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, etc.” (ORLANDI, 1988:17).<br />
A análise <strong>de</strong> discursos oferece um ponto <strong>de</strong> vista conveniente, pois os<br />
“enten<strong>de</strong> não como um simples suporte para a transmissão <strong>de</strong> informações, mas<br />
como o que permite construir e moditicar as relações entre os interlocutores, seus<br />
enunciados e seus referentes” (MAINGUENEAU, 1989:20).<br />
Baccega estabelece esta relação entre linguag<strong>em</strong>, i<strong>de</strong>ologia e discurso:<br />
A linguag<strong>em</strong> não é um domínio autônomo, que subsiste e se <strong>de</strong>senvolve por si<br />
mesmo: toda produção i<strong>de</strong>ológica é linguag<strong>em</strong> da vida real. O discurso como<br />
prática apresenta marcas das relações materiais (socioeconômicas, políticas e<br />
culturais) presentes na socieda<strong>de</strong> num <strong>de</strong>terminado momento. Don<strong>de</strong> a idéia<br />
corrente <strong>de</strong> que o pensamento da classe dominante, ou seja, os discursos por<br />
ela produzidos, se constitui no pensamento dominante (BACCEGA, 1995:43).<br />
Nesta medida, a linguag<strong>em</strong> constitui e não <strong>de</strong>screve aquilo que é por ela<br />
representado. Esta concepção abala a prática jornalística, pois se é assimilada,<br />
<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> reivindicar a imparcialida<strong>de</strong> ou a neutralida<strong>de</strong> na passag<strong>em</strong> do<br />
acontecido para o editado e reconhece a notícia como construção <strong>de</strong> um<br />
acontecimento pela linguag<strong>em</strong>. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, esta perspectiva enfatiza a<br />
tensão inerente ao fazer jornalístico, pois é na"crença" da superposição entre o<br />
33 BACCEGA (1995:41).<br />
95
eal e o texto que resi<strong>de</strong> a credibilida<strong>de</strong> da imprensa, que foi sofisticando os<br />
artifícios para comprovar a existência do real/verda<strong>de</strong> com a foto, o rádio e a tevê<br />
(BERGUER, 1998).<br />
Segundo a argumentação <strong>de</strong> BOURDIEU (1974), a linguag<strong>em</strong> não é<br />
apenas um instrumento <strong>de</strong> comunicação ou <strong>de</strong> conhecimento, mas também um<br />
instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Logo, estudar a linguag<strong>em</strong> é analisar como este meio<br />
gerador <strong>de</strong> significados serve à manutenção <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Segundo o<br />
autor, analisar um discurso é perceber as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r existentes através dos<br />
significados criados materialmente na linguag<strong>em</strong>. Estes significados <strong>em</strong>bebidos<br />
<strong>em</strong> formas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r faz<strong>em</strong> a passag<strong>em</strong> entre a linguag<strong>em</strong> e a i<strong>de</strong>ologia. É a<br />
mobilização dos significados que vai servir à dominação.<br />
MARIANI (1993) i<strong>de</strong>ntifica o discurso jornalístico como processo<br />
histórico, on<strong>de</strong> passado, presente e futuro faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong> seu contexto<br />
construtivo:<br />
A análise do discurso jornalístico se faz importante e necessária já que este,<br />
enquanto prática social, funciona <strong>em</strong> várias dimensões t<strong>em</strong>porais<br />
simultaneamente: capta, transforma e divulga acontecimentos, opiniões e idéias<br />
da atualida<strong>de</strong> - ou seja, lê o presente - ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que organiza um<br />
futuro - as possíveis conseqüências <strong>de</strong>sses fatos do presente - e, assim, legitima,<br />
enquanto passado - m<strong>em</strong>ória - a leitura <strong>de</strong>sses mesmos fatos do presente, no<br />
futuro. Não se trata, aqui, como po<strong>de</strong> parecer, <strong>de</strong> um mero jogo <strong>de</strong> palavras.<br />
No nosso enten<strong>de</strong>r, o discurso jornalístico toma parte no processo histórico <strong>de</strong><br />
seleção dos acontecimentos que serão recordados no futuro. E mais ainda: uma<br />
vez que ao selecionar está engendrando e fixando sentido para estes<br />
acontecimentos. A impressa acaba por constituir no discurso um modo<br />
(possível) <strong>de</strong> recordação do passado. Analisar o discurso jornalístico é<br />
consi<strong>de</strong>rá-lo do ponto <strong>de</strong> vista do funcionamento imaginário <strong>de</strong> uma época: o<br />
discurso jornalístico tanto se comporta como uma prática social produtora <strong>de</strong><br />
sentidos como também, direta ou indiretamente, veicula as várias vozes<br />
constitutivas daquele imaginário. Em suma, o discurso jornalístico (assim como<br />
qualquer outra prática discursiva) integra uma socieda<strong>de</strong>, sua história. Mas ele<br />
também é história, ou melhor, ele está entranhado <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong> (MARIANI,<br />
1993:33).<br />
ORLANDI (1988), ao trabalhar uma tipologia dos discursos, i<strong>de</strong>ntifica<br />
três tipos - o autoritário, o polêmico e o lúdico - tendo como crítério a interação<br />
(a reversibilida<strong>de</strong>, a troca <strong>de</strong> papéis ou <strong>de</strong> estatutos entre interlocutores) e a<br />
relação entre poliss<strong>em</strong>ia e paráfrase (a possibilida<strong>de</strong> ou não <strong>de</strong> múltiplos<br />
sentidos).<br />
96
Seguindo as pistas da autora, consi<strong>de</strong>ra-se o discurso jornalístico o objeto<br />
teórico, enquanto a notícia é o objeto <strong>em</strong>pírico/analítico. E a noção <strong>de</strong> tipo<br />
operacionaliza esta relação, pois:<br />
(...) dada a institucionalização da linguag<strong>em</strong>, os tipos se estabelec<strong>em</strong> como<br />
produto <strong>de</strong>ssa institucionalização e se fixam como padrões, como mo<strong>de</strong>los.<br />
Esses produtos, os tipos vão entrar nas condições <strong>de</strong> produção do discurso, <strong>em</strong><br />
seu funcionamento que, por sua vez,<strong>de</strong>termina aquilo que po<strong>de</strong> vir a constituir<br />
um novo tipo ou a reproduzir uma forma já estabelecida (ORLANDI, 1988:23).<br />
Um campo t<strong>em</strong> um padrão, um mo<strong>de</strong>lo discursivo que entra nas<br />
condições <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> cada novo discurso. O tipo padrão ou o consensual do<br />
discurso jornalístico é, s<strong>em</strong> dúvida, o informativo, pois é a vocação da imprensa<br />
cobrir todas as dimensões da vida social, mas seguindo a tipologia indicada<br />
acima po<strong>de</strong>-se enquadrá-lo na tendência ao tipo autoritário.<br />
De acordo com o método proposto por Eni Orlandi (consi<strong>de</strong>rando que a<br />
tipologia é uma tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição e <strong>de</strong>ve ser interpretada e não aplicada<br />
mecanicamente), observam-se as marcas e a proprieda<strong>de</strong> do discurso jornalístico<br />
e os inclui na tendência ao tipo autoritário. Usando como critério <strong>de</strong> observação a<br />
interação - troca <strong>de</strong> papéis entre os interlocutores - constatam-se que estes<br />
interag<strong>em</strong> pelo discurso mas não trocam <strong>de</strong> papel: a fonte, os jornalistas e o leitor<br />
ocupam papéis fixos. E, pelo segundo critério, <strong>de</strong> predominância entre poliss<strong>em</strong>ia<br />
ou paráfrase, avaliou-se que, apesar da composição polifônica, o sentido do<br />
conjunto do discurso jornalístico ten<strong>de</strong> para o mesmo, para a paráfrase. Além<br />
disso, ao acrescentar as condições <strong>de</strong> produção (industrial e lucrativa) do<br />
discurso da imprensa, po<strong>de</strong>-se confirmá-lo na tendência ao tipo autoritário<br />
(ORLANDI, 1987, l988).<br />
Berguer, <strong>em</strong> recente estudo sobre as relações entre o MST e o jornal do<br />
Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Zero Hora, expõe sobre a questão dos capitalistas<br />
influenciando no discurso veiculado pelo meio jornalístico, que a autora<br />
<strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “híbrido”:<br />
Se o capital gira <strong>em</strong> tomo do discurso e <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> possui as condições <strong>de</strong><br />
elaboração do mesmo, é também fundamental reconhecer que a imprensa não<br />
produz apenas um tipo <strong>de</strong> discurso mas que conviv<strong>em</strong> nela diferentes<br />
tendências e que as condições sociais e institucionais no interior <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ele é<br />
produzido contribu<strong>em</strong> na <strong>de</strong>finição do contorno ou na ênfase <strong>em</strong> um tipo. Por<br />
ex<strong>em</strong>plo, há o discurso informativo autoritário persuasivo, o informativo<br />
97
autoritário polêmico, o informativo autoritário opinativo e o informativo<br />
autoritário irônico. Por isso, o discurso jornalístico é híbrido e somente a<br />
observação do funcionamento do discurso <strong>de</strong> um jornal corn suas condições <strong>de</strong><br />
produção permitirá <strong>de</strong>screver o tipo informativo <strong>de</strong>ste jornal e se capital que,<br />
no entanto, estará inscrito nas características do discurso mediático: ele é<br />
público, institucionalizado e legitimado para as transmissões do saber<br />
cotidiano. É o discurso da atualida<strong>de</strong> corn recursos estetizantes (BERGUER,<br />
1998:24). 34<br />
ALMEIDA (1998a) argumenta que para mediar <strong>de</strong>bates públicos, a TV<br />
precisa ter uma imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> isenção. Entretanto, com muita freqüência os<br />
proprietários políticos, como <strong>em</strong>presários da TV, “interfer<strong>em</strong> com a pauta das<br />
notícias locais, dando-lhes uma versão mais do que conveniente, com nítido viés,<br />
com vistas a minar a imag<strong>em</strong> do adversário político” (ALMEIDA, 1998a:11).<br />
3.3.4.1. O discurso telejornalístico<br />
Os discursos que cortam a cena cont<strong>em</strong>porânea ou rejeitam a enumerabilida<strong>de</strong><br />
dos fatos tornados símbolos, isto é, foram já constituídos no domínio simbólico,<br />
passando a integrar a realida<strong>de</strong> discursiva. (...) A questão da verda<strong>de</strong> já não<br />
t<strong>em</strong> mais tanta importância e fica submetida a outros valores como “coerência,<br />
aceitabilida<strong>de</strong>, a<strong>de</strong>quação e utilida<strong>de</strong>, norteados pelos repertórios do<br />
conhecimento, crenças e valores... 35 (Marise Baesso Tristão).<br />
Ao contrário da análise <strong>de</strong> conteúdo que toma o texto como um<br />
documento, a análise do discurso vê a linguag<strong>em</strong> como um processo social.<br />
Como prática social, o jornalismo constrói significativa realida<strong>de</strong>. Esta produção<br />
se sentidos não é transparente, mas i<strong>de</strong>ológica (MOTA, 1992).<br />
Definindo propriamente o conceito <strong>de</strong> discurso, PÊCHEUX (1995)<br />
afirma ser o discurso um enunciado formulado <strong>em</strong> certas condições <strong>de</strong> produção,<br />
<strong>de</strong>terminando um certo processo <strong>de</strong> significação. O processo <strong>de</strong> enunciação, na<br />
perspectiva discursiva, vincula a linguag<strong>em</strong> ao seu contexto e o centro<br />
organizador da expressão <strong>de</strong>ve ser buscado no exterior, na i<strong>de</strong>ologia. O discurso<br />
é assim não apenas transmissão da informação, mas efeito <strong>de</strong> sentido entre<br />
locutores.<br />
34 Ver Apêndice F.<br />
35 TRISTÃO (1993:86).<br />
98
A noção <strong>de</strong> sujeito é fundamental para o estudo do jornalismo que na sua<br />
constituição prevê a interação entre vários sujeitos. Na produção do texto<br />
jornalístico conviv<strong>em</strong> o enunciador e o <strong>em</strong>issor, compondo o sujeito da<br />
enunciação. A notícia, por outro lado, ao contar uma história, conta a história <strong>de</strong><br />
alguém, sujeito do enunciado. E, como não há processo <strong>de</strong> comunicação que não<br />
consi<strong>de</strong>re o <strong>de</strong>stinatário, este é constituído no plano s<strong>em</strong>ântico para assegurar<br />
<strong>de</strong>terminado contrato <strong>de</strong> leitura. Ou, como diz Umberto Eco, “além <strong>de</strong> supor<br />
competência <strong>de</strong> seu leitor-mo<strong>de</strong>lo, o texto a institui não somente prevendo um<br />
leitor, senão também construindo-o” (Eco, citado por BERGUER, 1998:20).<br />
Baccega também ressalta que os conceitos <strong>de</strong> enunciação e enunciado<br />
são indispensáveis para se analisar a constituição dos discursos:<br />
A enunciação é, portanto, o lugar on<strong>de</strong> "nasce" o discurso, o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
"brota" o discurso. O enunciado é a manifestação <strong>de</strong>sse discurso, quer seja na<br />
modalida<strong>de</strong> escrita da língua, quer seja na modalida<strong>de</strong> oral. A enunciação se<br />
relaciona com a formação i<strong>de</strong>ológica. A formação i<strong>de</strong>ológica relaciona-se com<br />
a dinâmica das classes sociais, as quais têm interesses opostos e conflitantes.<br />
Apesar disso, não po<strong>de</strong>mos dizer que cada classe pratica uma i<strong>de</strong>ologia<br />
totalmente diversa da outra classe. Isso porque há uma i<strong>de</strong>ologia dominante<br />
que perpassa todas as formações i<strong>de</strong>ológicas e, portanto, todas as formações<br />
discursivas. A classe dominante procura tornar a língua sua proprieda<strong>de</strong><br />
privada (BACCEGA, 1995:53).<br />
Neste sentido, <strong>de</strong>ve-se recorrer ao alerta <strong>de</strong> BAKHTIN (1992), expondo<br />
que o signo reflete e refrata a realida<strong>de</strong> e esse “<strong>de</strong>svio”, essa refração do ser no<br />
signo nada mais é do que o confronto <strong>de</strong> interesses sociais nos limites <strong>de</strong> uma só<br />
e mesma comunida<strong>de</strong> s<strong>em</strong>iótica, ou seja, a luta <strong>de</strong> classes.<br />
Mas aquilo mesmo que torna o signo i<strong>de</strong>ológico vivo e dinâmico faz <strong>de</strong>le um<br />
instrumento <strong>de</strong> refração e <strong>de</strong> <strong>de</strong>formação do ser. A classe dominante ten<strong>de</strong> a<br />
conferir ao signo i<strong>de</strong>ológico um caráter intangível e acima das diferenças <strong>de</strong><br />
classe, a fim <strong>de</strong> abafar ou <strong>de</strong> ocultar a luta dos índices sociais <strong>de</strong> valor que aí<br />
se trava, a fim <strong>de</strong> tornar o signo monovalente (BAKHTIN, 1992:47).<br />
A formação discursiva também po<strong>de</strong> ser compreendida por meio do<br />
conceito <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m discursiva <strong>de</strong> FOUCAULT (1973), que toma por base a<br />
instituição para estabelecer a orig<strong>em</strong> <strong>de</strong> um processo discursivo marcado por<br />
tensões, contradições e incompatibilida<strong>de</strong>s, que vão se traduzir no texto. Assim,<br />
enten<strong>de</strong>-se formações discursivas como<br />
... um conjunto <strong>de</strong> regras anônimas, hustóricas, s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>terminadas no<br />
t<strong>em</strong>po e no espaço que <strong>de</strong>finiram <strong>em</strong> uma época dada, e para uma área<br />
99
classes:<br />
social, econômica, geográfica ou linguística, dada as condições <strong>de</strong> exercício<br />
da função enunciativa (FOUCAULT, 1986).<br />
Para Baccega, todo o discurso está inscrito nas relações i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong><br />
Os discursos vão materializar as “visões <strong>de</strong> mundo” das diferentes classes<br />
sociais, com seus interesses antagônicos, os quais se manifestam através <strong>de</strong> um<br />
estoque <strong>de</strong> palavras e <strong>de</strong> regras combinatórias que constitu<strong>em</strong> a maneira <strong>de</strong><br />
uma <strong>de</strong>terminada classe social pensar o mundo num <strong>de</strong>terminado momento<br />
histórico: são as várias formações i<strong>de</strong>ológicas correspon<strong>de</strong>ntes às várias<br />
formações discursivas (BACCEGA, 1995:52).<br />
A questão da i<strong>de</strong>ologia presente no discurso r<strong>em</strong>ete a aprofundamentos<br />
teóricos no campo da linguag<strong>em</strong>, <strong>de</strong> acordo com POSSENTI (1993). Muito se<br />
t<strong>em</strong> discutido sobre o aspecto i<strong>de</strong>ológico contido na linguag<strong>em</strong>. O discurso,<br />
enquanto linguag<strong>em</strong> e enquanto ato individual, é naturalmente i<strong>de</strong>ológico,<br />
partindo-se do pressuposto <strong>de</strong> que todo discurso carrega <strong>em</strong> si particularida<strong>de</strong>s, e<br />
qu<strong>em</strong> escreve, por mais objetivo que seja, traduz, através <strong>de</strong> seu discurso, formas<br />
particulares <strong>de</strong> abordag<strong>em</strong>:<br />
(...) o discurso permite, alternativamente, e <strong>de</strong> acordo com os interesses dos<br />
que o tomam como objeto <strong>de</strong> análise, privilégios diversificados. Assim é que,<br />
para alguns, ele é um acontecimento antes <strong>de</strong> mais nada i<strong>de</strong>ológico, isto é,<br />
expressão das posições <strong>de</strong> classe ou grupo, e será sobre esse fulcro que<br />
incidirá o trabalho fundamental <strong>de</strong> tais analistas do discurso (POSSENTI,<br />
1993:113).<br />
Para MOTA (1992), a formação i<strong>de</strong>ológica impõe o pensar e a formação<br />
discursiva <strong>de</strong>termina o que dizer. A realida<strong>de</strong> se exprime pelos discursos que<br />
materializam as representações i<strong>de</strong>ológicas, já que as idéias e as representações<br />
não exist<strong>em</strong> fora dos quadros lingüísticos. Logo as formações i<strong>de</strong>ológicas só<br />
ganham existência nas formações discursivas. Segundo a autora, o discurso é um<br />
lugar <strong>de</strong> reprodução <strong>de</strong> dada formação i<strong>de</strong>ológica.<br />
É importante, neste contexto, enfatizar uma citação <strong>de</strong> Fiorin, que<br />
também argumenta sobre as formações discursivas:<br />
Na medida <strong>em</strong> que as formações discursivas materializam as formações<br />
i<strong>de</strong>ológicas e estas estão relacionadas às classes sociais, os agentes<br />
discursivos são as classes e as frações <strong>de</strong> classe. (...) <strong>em</strong>bora haja diferentes<br />
formações discursivas numa formação social, a formação discursiva<br />
dominante é a da classes dominante (FIORIN, 1988:43).<br />
100
Segundo a argumentação <strong>de</strong> ORLANDI (1987), a análise do discurso se<br />
constrói não como uma alternativa para a Lingüística, mas como proposta crítica<br />
que procura justamente probl<strong>em</strong>atizar as formas <strong>de</strong> reflexão estabelecidas. A<br />
autora ainda afirma que o objeto da análise <strong>de</strong> discurso é a linguag<strong>em</strong> verbal do<br />
hom<strong>em</strong> no mundo, b<strong>em</strong> como as relações que esse hom<strong>em</strong> estabelece com a<br />
realida<strong>de</strong>, através da palavra. “O domínio da Análise <strong>de</strong> Discurso é o domínio do<br />
fragmentário, do disperso, do incompleto, do não transparente”.<br />
MOTA (1992) expõe que três aspectos presi<strong>de</strong>m a argumentação no<br />
discurso: a relação <strong>de</strong> forças (os lugares sociais e as posições no discurso) ou<br />
ainda a relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> estruturas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r; a relação <strong>de</strong> sentido ou a<br />
relação entre os vários discursos e a antecipação, conforme propõe Pêcheux,<br />
processo <strong>de</strong> natureza argumentativa sobre o qual se funda a estratégia do<br />
discurso.<br />
autora<br />
Orlandi também argumenta sobre o lugar do silêncio no discurso. Para a<br />
O silêncio, tanto quanto a palavra, t<strong>em</strong> suas condições <strong>de</strong> produção; por isso,<br />
dada a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas, o sentido do silêncio varia, isto é, ele é tão ambíguo<br />
quanto as palavras. O silêncio imposto pelo opressor é exclusão, é forma <strong>de</strong><br />
dominação, enquanto que o silêncio proposto pelo oprimido po<strong>de</strong> ser uma<br />
forma <strong>de</strong> resistência (ORLANDI, 1987:263).<br />
Desta forma, po<strong>de</strong>-se observar que a fala é silenciadora, <strong>em</strong> vários níveis,<br />
consi<strong>de</strong>rando que a função mais própria do discurso jornalístico autoritário não é<br />
impedir que as pessoas digam o que quer<strong>em</strong>, mas, sobretudo, obrigá-las a dizer o<br />
que não quer<strong>em</strong>, como expõe BARTHES (1978). Po<strong>de</strong>-se afirmar que às relações<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r interessa menos calar o interlocutor do que obrigá-lo a dizer o que se<br />
quer ouvir. A isso Orlandi chama <strong>de</strong> injunção ao dizer:<br />
(...) silenciar náo é o mesmo que calar o interlocutor. A fala po<strong>de</strong> ser<br />
sitenciadora quanto ao que se diz. Em certas condições, se fala para não se<br />
dizer certas coisas, para não se permitir que se digam coisas que causam<br />
transformações limites, ou melhor, como diria Caetano, para não se dizer (ou<br />
<strong>de</strong>ixar dizer) as ouiras palavras. Nesse sentido, a fala é silenciadora enquanto<br />
domínio do mesmo (ORLANDI, 1987:264).<br />
É importante também ressaltar que a categoria <strong>de</strong> mediador do discurso<br />
não é transparente. Ao contrário, para ORLANDI (1987)<br />
101
(...) o mediador t<strong>em</strong> uma função <strong>de</strong>cisiva na constituição das relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />
Ser mediador, no domínio do discurso, é fixar sentidos, é organizar as relações<br />
e disciplinar os conflitos. Além disso, essa reflexão também nos indica que o<br />
ato <strong>de</strong> nomear t<strong>em</strong> implicações i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong>cisivas (ORLANDI, 1987:275).<br />
Neste sentido, a análise do discurso, aplicada ao estudo do jornalismo,<br />
permite levantar <strong>em</strong> que condições e <strong>de</strong> que forma as notícias do Jornal<br />
Nacional, referentes ao MST, operam para a expressão e reprodução <strong>de</strong> relações<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e se o discurso jornalístico t<strong>em</strong> características <strong>de</strong> mediador <strong>de</strong>stas<br />
relações, construídas através do verbal e do icônico.<br />
É preciso ressaltar que LAGE (1985) introduz a s<strong>em</strong>ântica no estudo do<br />
texto jornalístico, mostrando que os enunciados, <strong>em</strong> jornalismo, dão conta <strong>de</strong><br />
transformações, <strong>de</strong>slocamentos num domínio marcado pelo referencial. São<br />
também <strong>de</strong> Lage os trabalhos sobre euf<strong>em</strong>ismos e metáforas no texto jornalístico,<br />
como formas <strong>de</strong> construção do mito retórico, possibilitando manter vivas regras<br />
sociais.<br />
3.3.5. Pistas teóricas sobre os aspectos discursivos do Jornal Nacional<br />
A verda<strong>de</strong> é o que nós diz<strong>em</strong>os sobre os fatos" [...] "As verda<strong>de</strong>s <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> dos<br />
fatos; elas, porém, mergulham <strong>de</strong> novo nos fatos e traz<strong>em</strong> acréscimos a estes;<br />
os fatos criam <strong>de</strong> novo ou revelam nova verda<strong>de</strong> (a palavra é indiferente) e<br />
assim in<strong>de</strong>finidamente. Os fatos <strong>em</strong> si mesmos, nesse meio t<strong>em</strong>po, não são<br />
verda<strong>de</strong>iros. Simplesmente são. A verda<strong>de</strong> é função das crenças que começam e<br />
terminam entre eles. 36<br />
Antes <strong>de</strong> direcionar este estudo no sentido <strong>de</strong> se analisar o material<br />
<strong>em</strong>pírico, é preciso <strong>de</strong>stacar algumas consi<strong>de</strong>rações importantes que integram<br />
nosso “corpus” analítico.<br />
Segundo ORLANDI (1987), para a análise do discurso o que importa é<br />
<strong>de</strong>stacar o modo <strong>de</strong> funcionamento que não é integralmente lingüístico, uma vez<br />
que <strong>de</strong>le faz<strong>em</strong> parte as condições <strong>de</strong> produção, que representam o mecanismo <strong>de</strong><br />
situar os protagonistas e o objeto do discurso.<br />
A questão do enunciado no discurso é essencial para se enten<strong>de</strong>r uma<br />
formação discursiva. Conforme MACEDO JÚNIOR (1990:155), seguindo as<br />
36 JAMES (1985:81).<br />
102
pistas analíticas <strong>de</strong> Foucault, uma formação discursiva po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida como<br />
uma dispersão <strong>de</strong> enunciados que apresentam uma regularida<strong>de</strong>, sendo<br />
individualizadas <strong>de</strong> acordo com as seguintes regras: o nível dos objetos, o nível<br />
das formações enunciativas, o nível dos conceitos e o nível das estratégias,<br />
constituídas por t<strong>em</strong>as ou teorias. Neste sentido, o “enunciado não se constitui a<br />
partir do isomorfismo do domínio do discurso com o mundo, mas, constituiu-se<br />
no próprio jogo enunciativo”.<br />
Mas é preciso também mencionar a inter-relação do fato com a versão do<br />
fato, que t<strong>em</strong> como produto final o enunciado, a notícia. Uma primeira<br />
constatação é que, no processo <strong>de</strong> produção da notícia, no ritual <strong>de</strong> passag<strong>em</strong> do<br />
fato à notícia, engendra-se uma nova realida<strong>de</strong> que, correspon<strong>de</strong>ndo a novas<br />
representações, serve para enfeitiçar a sua realida<strong>de</strong> original. Uma segunda<br />
constatação, partindo <strong>de</strong>sta análise, é que apesar <strong>de</strong> existir um consenso <strong>de</strong> que a<br />
notícia seria o relato do fato real, procura-se vislumbrar nela sua função social <strong>de</strong><br />
formadora <strong>de</strong> opinião pública, <strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong> conhecimento do mundo, s<strong>em</strong><br />
se questionar propriamente se isso é possível, ou se a própria notícia não é<br />
também um fato jornalístico que mascara a realida<strong>de</strong>. Este argumento po<strong>de</strong> ser<br />
constatado por Siqueira:<br />
Os veículos selecionam, filtram, organizam e distribu<strong>em</strong> informações<br />
geradas nos centros <strong>de</strong> produção (...). Neste processo, a informação<br />
passa por reiteradas formatações antes <strong>de</strong> ser transmitida para o<br />
público. Este recontextualizar <strong>de</strong>monstra que, além <strong>de</strong> uma<br />
necessida<strong>de</strong> técnica inerentre ao meio, há um controle simbólico sobre<br />
o que é veiculado (SIQUEIRA, 1998:61).<br />
Para BERGUER (1998), a imprensa atual não é somente porta-voz do<br />
social; ela também faz o social existir, publicizando-o através da visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
um real. Assim, não só o acontecimento cria a notícia, como a notícia cria o<br />
acontecimento.<br />
Como salienta Wolf, a questão <strong>de</strong> se <strong>de</strong>finir sobre o que vai se<br />
transformar <strong>em</strong> notícia, nos telejornais, vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> conexões e relações<br />
existentes entre o contexto da cultura dos profissionais jornalistas e a organização<br />
do trabalho dos processos produtivos. Neste sentido, po<strong>de</strong>-se r<strong>em</strong>eter a uma<br />
importante análise do referido pesquisador, com relação à cobertura dos mass<br />
103
media no que se refere aos movimentos sociais:<br />
(...) Tais movimentos começam a constituir notícia, a ultrapassar o limiar da<br />
noticiabilida<strong>de</strong>, quando se consi<strong>de</strong>ra que se tornaram suficient<strong>em</strong>ente<br />
significativos e relevantes para ir<strong>em</strong> ao encontro do interesse do público ou<br />
quando dão lugar a acontecimentos planejados <strong>de</strong> propósito para ir<strong>em</strong> ao<br />
encontro das exigências dos mass media. Isto é, estabelece-se uma integração<br />
entre as estratégias <strong>de</strong> noticiabilida<strong>de</strong> adoptadas pelos “single issue<br />
mov<strong>em</strong>ents» e os valores/notícia aplicados pelos orgãos <strong>de</strong> informação: a nível<br />
comunicativo, esses movimentos produz<strong>em</strong> tudo aquilo <strong>de</strong> que se (alimentam)<br />
os mass media (documentação que po<strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong> controvérsia, materiais<br />
informativos a utilizar, figuras <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res, manifestações <strong>de</strong> massas, por vezes,<br />
recontros <strong>de</strong> rua e consequent<strong>em</strong>ente, material visual que po<strong>de</strong> ser usado, etc.).<br />
À medida que a integração, a nível <strong>de</strong> noticiabilida<strong>de</strong>, prossegue, os mass<br />
media são estruturalmente levados e falar <strong>de</strong>sses movimentos e a difundir a sua<br />
imag<strong>em</strong>, ou seja, a sua importância e o seu papel aumentam, acelerando-se, ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po, a sua marcha para a institucionalização. Por conseguinte, esses<br />
movimentos acabam por se tornar fontes estáveis (e já não ocasionais e<br />
controversas) dos orgãos <strong>de</strong> informação. Em geral, po<strong>de</strong> dizer-se que cada<br />
novo setor, t<strong>em</strong>a, argumento ou assunto que represente uma ampliação da<br />
esfera informativa, se torna regularmente (noticiado), na medida <strong>em</strong> que se<br />
verifica um reajustamento e uma re<strong>de</strong>finição dos valores/notícia (WOLF,<br />
1987:176).<br />
No que se refere propriamente ao Jornal Nacional, po<strong>de</strong>m-se <strong>de</strong>stacar as<br />
consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Vieira, que realizou uma análise s<strong>em</strong>iótica sobre o mesmo<br />
programa jornalístico, contextualizado no ambiente que o cerca, no seu t<strong>em</strong>po <strong>de</strong><br />
veiculação e no seu tratamento estético e discursivo:<br />
A notícia no Jornal Nacional - JN- começa <strong>em</strong> geral como todos os outros<br />
(escalada. vinheta <strong>de</strong> abertura). A diferença está no modo como o apresentador<br />
faz a sua entrada e <strong>em</strong>ite a expressão <strong>de</strong> contato: William Bonner e Fátima<br />
Bernar<strong>de</strong>s, apresentadores. faz<strong>em</strong> a escalada das matérias e na seqüência<br />
t<strong>em</strong>os no ví<strong>de</strong>o a vinheta do JN. Depois <strong>de</strong>ste introito ouvimos o locutor <strong>de</strong><br />
cabine dizer: “Está no ar o JN com William Bonner e Fátima Bernar<strong>de</strong>s”.<br />
Agora sim t<strong>em</strong>os o “Boa-Noite” galante dos apresentadores. Num primeiro<br />
olhar estas expressões parec<strong>em</strong> não ter gran<strong>de</strong> valor. Entretanto, o modo como<br />
são feitas faz sentido no todo do telejornal. Sua forma primeira <strong>de</strong> aparecer se<br />
relaciona com a condução do programa e com seu acabamento estético.<br />
Definidor do seu padrão <strong>de</strong> trazer as notícias ao telespectador. No JN as<br />
notícias são apresentadas <strong>de</strong> modo estratificado, marcado. Os acontecimentos<br />
são dados <strong>de</strong> maneira breve on<strong>de</strong> cada inserção seja do apresentador, do<br />
repórter, das fontes, do comentarista, as condições do t<strong>em</strong>po é b<strong>em</strong> medida.<br />
Perceb<strong>em</strong>os que a formalida<strong>de</strong> com a qual a expressão <strong>de</strong> contato é realizada<br />
anuncia a aparência, conteúdo e tom das notícias. N<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre as mais<br />
importantes são dadas com <strong>de</strong>staque. O t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>dicado ao noticiário <strong>em</strong> geral<br />
toma <strong>de</strong> 30 a 40 minutos e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da audiência dos <strong>de</strong>mais canais o<br />
espaço para as informações po<strong>de</strong> se alongar. (...) Enfim, no JN as varieda<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> vozes constitu<strong>em</strong> um recurso através do qual a Re<strong>de</strong> Globo marca a sua<br />
presença, ao mediar o aqui e agora do acontecimento real. No entanto, os<br />
acontecimentos ao ser<strong>em</strong> noticiados, receb<strong>em</strong> um tratamento jornalístico e a<br />
sucessão dos segmentos visuais e verbais passa a ser diversa daquela<br />
104
encontrada na or<strong>de</strong>m natural e cronológica, tal como os fatos se suce<strong>de</strong>m na<br />
vida real (VIEIRA, 1998).<br />
Dentro da discussão sobre discurso e po<strong>de</strong>r, po<strong>de</strong>-se indagar ainda sobre<br />
as perspectivas <strong>de</strong> análise do MST a partir do discurso telejornalístico do Jornal<br />
Nacional, nas formas <strong>de</strong> informar e orientar preferências, através das formações<br />
discursivas inseridas no contexto da informação. SCHERER-WARREN (1993)<br />
coloca a questão a partir do que po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar o papel das tecnologias <strong>de</strong><br />
informação e dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa nas formas <strong>de</strong> organização da<br />
socieda<strong>de</strong> civil:<br />
(...) verificar <strong>em</strong> maiores <strong>de</strong>talhes, tanto nos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa<br />
como na imprensa alternativa, os espaços <strong>de</strong> massificação, <strong>de</strong> uniformização,<br />
<strong>de</strong> consolidação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias dominantes versus espaços <strong>de</strong> contestação das<br />
formas <strong>de</strong> dominação ou discriminação, <strong>de</strong> difusão <strong>de</strong> propostas alternativas <strong>de</strong><br />
vida social <strong>de</strong> novos valores universalizáveis <strong>de</strong> acordo com os interesses <strong>de</strong><br />
novos atores coletivos mencionados, b<strong>em</strong> como o espaço para a formação e<br />
comunicação das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> movimentos (SCHERER-WARREN, 1993:25).<br />
Conforme COUTO (1996), é importante questionar sobre qual a efetiva<br />
influência que os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa sobre a socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação<br />
aos movimentos sociais, no sentido <strong>de</strong> perpetuar o autoritarismo, o preconceito e<br />
a <strong>de</strong>sinformação.<br />
GUATTARI (1987), neste sentido, <strong>de</strong>ve ser rel<strong>em</strong>brado, quando<br />
argumenta que é imprescindível que o indivíduo, mesmo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu<br />
“grupelho”, procure se <strong>de</strong>sligar da i<strong>de</strong>ologia que o manipula, que, segundo o<br />
autor “nos gruda à pele, fala por si mesma <strong>em</strong> nós”.<br />
105
4.1. Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise<br />
4. METODOLOGIA<br />
Foram analisadas as gravações <strong>de</strong> 54 reportagens do Jornal Nacional,<br />
referentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra, veiculadas no<br />
período <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1997 a junho <strong>de</strong> 1998. No que se refere ao material, fez-se<br />
necessário <strong>de</strong>stacar as principais reportagens, que <strong>de</strong>ram maior <strong>em</strong>basamento<br />
analítico quanto à questão da polêmica, "status" falantes nas mensagens,<br />
repercussão <strong>de</strong> atos do movimento, entre outras questões.<br />
4.2. Método analítico<br />
Tendo <strong>em</strong> vista o objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>ste trabalho, a principal<br />
metodologia <strong>de</strong> pesquisa aplicada foi a análise do discurso, tendo como<br />
referencial teórico os estudos <strong>de</strong> Orlandi, Pêcheux, Barthes, Bakhtin, Foucault,<br />
<strong>de</strong>ntre outros.<br />
A análise <strong>de</strong> discurso, aplicada a esta pesquisa, apresenta a sua utilida<strong>de</strong><br />
na percepção dos aspectos <strong>de</strong> filtrag<strong>em</strong> das notícias, resultando na formação<br />
discursiva do Jornal Nacional sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais<br />
S<strong>em</strong>-Terra. Tais resultados são conseqüência das relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre os<br />
106
diversos el<strong>em</strong>entos da notícia, mediados pelas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r da Re<strong>de</strong> Globo<br />
<strong>de</strong> Televisão com outras instituições do país e autorida<strong>de</strong>s governamentais.<br />
Foi feita uma análise das reportagens veiculadas pelo Jornal Nacional<br />
sobre o MST, referentes à palavra e à imag<strong>em</strong>. É necessário ressaltar que cada<br />
reportag<strong>em</strong> analisada foi i<strong>de</strong>ntificada <strong>de</strong> acordo com a data da exibição e a<br />
principal t<strong>em</strong>ática abordada.<br />
Quanto à frase que abrange a t<strong>em</strong>ática <strong>de</strong> cada reportag<strong>em</strong>, é preciso<br />
esclarecer que esta foi elaborada pela pesquisadora. O i<strong>de</strong>al seria utilizar como<br />
<strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as as próprias “chamadas” das reportagens ditas/lidas na<br />
escalada 37 do telejornal. Entretanto, nas cópias obtidas para a análise, só<br />
constavam as reportagens do Jornal Nacional, intercaladas com outras<br />
reportagens <strong>de</strong> diversas <strong>em</strong>issoras <strong>de</strong> TV.<br />
Das reportagens pesquisadas foi organizado um "corpus", contendo oito<br />
componentes, os quais foram <strong>de</strong>signados como blocos <strong>de</strong> análise.<br />
Primeiro bloco: composto <strong>de</strong> reportagens que constró<strong>em</strong> o sentido das<br />
matérias através da força argumentativa das palavras, contextualizadas no<br />
discurso da ilegalida<strong>de</strong> direcionado ao MST. As principais palavras analisadas<br />
são: ocupar, invadir, aliciar e chefes.<br />
Segundo bloco: constam reportagens <strong>em</strong> que os sujeitos do enunciado<br />
(aqueles que o repórter e apresentador faz<strong>em</strong> falar) têm espaço e t<strong>em</strong>po<br />
diferenciado. Neste aspecto, as falas das autorida<strong>de</strong>s sobressa<strong>em</strong> <strong>em</strong> relação às<br />
falas dos s<strong>em</strong>-terras ou lí<strong>de</strong>res do movimento.<br />
Terceiro bloco: estão inseridas as reportagens on<strong>de</strong> as falas dos sujeitos<br />
da enunciação (a combinação da voz do dono da <strong>em</strong>presa com as vozes do<br />
apresentador e repórter) têm predominância na construção da cena discursiva,<br />
reforçando o sentido do que está sendo veiculado através das imagens, ou mesmo<br />
construindo um discurso <strong>de</strong> oposição às falas <strong>de</strong> integrantes do MST. Neste bloco<br />
também estão inseridas as reportagens <strong>em</strong> que repórteres e apresentadores, <strong>em</strong><br />
off ou ao vivo, dão outra conotação ao fato narrado, não “casando” texto com<br />
imag<strong>em</strong>.<br />
37 Apresentação inicial do telejornal.<br />
107
Quarto bloco: constam as reportagens que constró<strong>em</strong> o sentido da<br />
notícia pelas imagens, sejam através <strong>de</strong> enquadramentos, imagens <strong>de</strong> arquivo ou<br />
ausência do sujeito da enunciação na cena discursiva. A imag<strong>em</strong> é vista como<br />
espetáculo.<br />
Quinto bloco: constam as reportagens que mostram à socieda<strong>de</strong> ações<br />
do governo <strong>em</strong> benefício da reforma agrária e do MST, tendo como<br />
interlocutor o Ministro Raul Jungmann, partindo do discurso do po<strong>de</strong>r<br />
político-i<strong>de</strong>ológico.<br />
Sexto bloco: estão inseridas as reportagens que focalizam a repercussão<br />
da violência gerada por conflitos do MST, culminando no po<strong>de</strong>r do telejornal ao<br />
anunciar a cena discursiva, através da <strong>em</strong>oção, rel<strong>em</strong>brando o massacre <strong>em</strong><br />
Eldorado dos Carajás e cobrando da justiça uma atitu<strong>de</strong> concreta.<br />
Sétimo bloco: este bloco consta <strong>de</strong> reportagens feitas sobre um mesmo<br />
t<strong>em</strong>a: a morte <strong>de</strong> dois s<strong>em</strong>-terras <strong>em</strong> Parauapebas, sul do Pará. A abordag<strong>em</strong><br />
é sobre a repercussão <strong>de</strong>ste acontecimento, articulando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu início até o<br />
seu <strong>de</strong>sfecho, completando e renovando o ciclo do discurso sobre a violência.<br />
Oitavo bloco: focalizadas as reportagens que constró<strong>em</strong> o discurso dos<br />
saques políticos, envolvendo integrantes do MST, <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> um probl<strong>em</strong>a<br />
sócio-político brasileiro, que se arrasta há décadas: a seca no Nor<strong>de</strong>ste.<br />
Deve-se mencionar que as reportagens foram numeradas <strong>de</strong> acordo com<br />
o contexto <strong>de</strong> cada bloco <strong>de</strong> análise, po<strong>de</strong>ndo ser mencionadas <strong>em</strong> outro bloco. É<br />
importante também ressaltar que as reportagens foram transcritas, <strong>em</strong> anexo,<br />
como apêndice, <strong>em</strong> seqüência, obe<strong>de</strong>cendo, portanto, a uma cronologia quanto à<br />
veiculação no Jornal Nacional.<br />
No sentido <strong>de</strong> facilitar o entendimento da análise e simplificar o texto, as<br />
reportagens foram abreviadas, seguidas <strong>de</strong> seu número correspon<strong>de</strong>nte. Ex<strong>em</strong>plo:<br />
R2 (reportag<strong>em</strong> número 2). Quando é mencionada uma reportag<strong>em</strong> que<br />
corresponda a outro bloco <strong>de</strong> análise, ela aparece no texto da seguinte forma: R4<br />
– 5. o B (reportag<strong>em</strong> número 4, do quinto bloco <strong>de</strong> análise). O Jornal Nacional e<br />
o Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra também foram mencionados<br />
com suas respectivas abreviaturas: JN e MST<br />
108
4.3. Coleta <strong>de</strong> dados<br />
A cópia <strong>de</strong>stas reportagens foi feita <strong>em</strong> São Paulo, <strong>em</strong> uma produtora <strong>de</strong><br />
ví<strong>de</strong>o, por intermédio do Setor <strong>de</strong> Comunicação Social da Secretaria Nacional do<br />
Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra.<br />
A Re<strong>de</strong> Globo, através da produção do Jornal Nacional, foi consultada<br />
com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoiar a pesquisa ce<strong>de</strong>ndo o material <strong>de</strong> análise. Mas <strong>de</strong>vido<br />
às circunstâncias políticas e culturais que o Brasil atravessou <strong>em</strong> 1998, como a<br />
Copa do Mundo e as eleições presi<strong>de</strong>nciais, a <strong>em</strong>issora alegou não ter pessoal<br />
disponível para acompanhamento das cópias necessárias para a análise.<br />
109
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />
5.1. Primeiro bloco <strong>de</strong> análise: a força argumentativa das palavras<br />
A palavra não é n<strong>em</strong> um instrumento, n<strong>em</strong> um veículo: é uma estrutura.(...)<br />
Ora, essa palavra é uma matéria (infinitamente) trabalhada; ela é, <strong>de</strong> certa<br />
forma, uma sobre-palavra; o real lhe serve apenas <strong>de</strong> pretexto (para o escritor<br />
escrever, escrever é um verbo intransitivo) 38 (Roland Barthes).<br />
Em telejornalismo, a imag<strong>em</strong> é importante. Mas a palavra é primordial<br />
no sentido <strong>de</strong> enfatizar um significado, ou mesmo manipulá-lo. Para ROCCO<br />
(1989), a palavra na televisão é extr<strong>em</strong>amente importante no sentido <strong>de</strong> incutir no<br />
telespectador uma idéia ou i<strong>de</strong>ologia, através das repetições. O seu valor<br />
persuasivo está no discurso <strong>de</strong> sua argumentação:<br />
38 BARTHES (1978:33).<br />
Quanto às formas <strong>de</strong> que se utiliza o texto na TV para chegar à argumentação<br />
persuasiva, observa-se que a TV recorre freqüent<strong>em</strong>ente a procedimentos <strong>de</strong><br />
persuasão calcados <strong>em</strong> repetições e no próprio ritmo das seqüências. Persuadir<br />
pela repetição, pelo ritmo dos enunciados, conforme ensina Deborah Tann<strong>em</strong>, é<br />
lançar mão <strong>de</strong> procedimentos da oralida<strong>de</strong>. Sob esse ângulo, portanto, o texto<br />
da TV é oral também, mesmo que essa seja uma oralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outra natureza<br />
(ROCCO, 1989:33).<br />
110
O jornalismo trabalha, a princípio, com a palavra, mas o significado<br />
<strong>de</strong>sta só aparece quando ela está colocada <strong>de</strong>ntro do seu contexto, ou o seu<br />
significado é o uso <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> 39 .<br />
No contexto <strong>de</strong>ste estudo, os termos opositivos ocupação e invasão são<br />
contrapontos importantíssimos para ser<strong>em</strong> analisados. Tanto o apresentador<br />
como a repórter, na maioria das reportagens, e com freqüência, optam por<br />
palavras cognatas a invadir, fazendo assim a escolha <strong>de</strong> um signo que preserva o<br />
conceito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> privada, <strong>em</strong> que o sujeito do enunciado (o s<strong>em</strong>-terra),<br />
encontra-se na ilegalida<strong>de</strong> e ao <strong>de</strong>stinatário (o telespectador), é oferecida uma<br />
pista <strong>de</strong> leitura <strong>em</strong> que a transgressão t<strong>em</strong> permissão para ser punida.<br />
O que se percebe é que o MST é classificado pelo JN, como “fora da<br />
lei”, optando por <strong>de</strong>nominar a ação dos s<strong>em</strong>-terra <strong>de</strong> invasão quando havia<br />
também a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>signá-la por ocupação. A palavra invadir e suas<br />
variações foram <strong>em</strong>pregadas 36 vezes, enquanto que a palavra ocupar e variações<br />
foram utilizadas 16 vezes. Em todos os outros bloco <strong>de</strong> análise, po<strong>de</strong> também ser<br />
percebido, o <strong>em</strong>prego da palavra “invasões”, predominando sobre “ocupações”.<br />
Verifica-se que os sujeitos falantes, ao optar<strong>em</strong> por cognatos <strong>de</strong> ocupar, expõ<strong>em</strong><br />
a sustentação do conceito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> social <strong>de</strong> prédios públicos ou da terra,<br />
estando a ilegalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontro com a ação <strong>de</strong> repressão.<br />
Para enfatizar a importância <strong>de</strong> se usar invasão ou ocupação e o<br />
significado discursivo que tais palavras representam, é necessário expôr o estudo<br />
<strong>de</strong> CITELLI e BACCEGA (1989):<br />
(...) pares opositivos invadir e ocupar fixam situações linguisticamente significativas<br />
daquilo que chamamos relação retórica-manipulação. Efetivamente, os lex<strong>em</strong>as invadir<br />
e ocupar promov<strong>em</strong> conotações completamente diferentes sobre o sentido da ação dos<br />
s<strong>em</strong>-terra. Invadir carrega s<strong>em</strong>as como “tomar aquilo que não nos pertence”; já o<br />
lex<strong>em</strong>a ocupar nos indica s<strong>em</strong>as como “estar <strong>em</strong> lugar <strong>de</strong>voluto”. Assim po<strong>de</strong>ríamos<br />
Ter <strong>de</strong> , retoricamente, partir <strong>de</strong> um mesmo pressuposto, espécie <strong>de</strong> lex<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />
autorida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>terminado por um el<strong>em</strong>ento espacial, a terra e pelos pontos <strong>de</strong> vista<br />
i<strong>de</strong>ológicos sobre ela. (...) Portanto os s<strong>em</strong>as legalida<strong>de</strong> e ilegalida<strong>de</strong>, que estão na<br />
base do confronto entre as posições conservadoras e progressistas, são trabalhados<br />
segundo cânones persuasivos que visam a transacionar, através do plano ilocucional,<br />
certas crenças que se <strong>de</strong>seja fazer passar pragmaticamente à população (...) Assim os<br />
lex<strong>em</strong>as invadir e ocupar serão utilizados como expedientes retóricos asseguradores <strong>de</strong><br />
visões <strong>de</strong> mundo e concepções <strong>de</strong> organização da socieda<strong>de</strong> (CITELLI e BACCEGA,<br />
1989:25).<br />
39 Como expõe OLIVEIRA DA SILVA (1998:150-151), “pelo uso constante, as palavras per<strong>de</strong>m o<br />
sentido <strong>de</strong> signos <strong>em</strong>píricos, e passam a ser encaradas como parte ou parcela <strong>de</strong> coisa que representa”.<br />
111
Na R1, tanto apresentador como repórter <strong>em</strong>pregaram os termos invadir<br />
- invasão - invadirá. A palavra ocupar<strong>em</strong> foi usada por José Rainha para<br />
justificar uma atitu<strong>de</strong> do movimento. Além disso, nesta reportag<strong>em</strong>, é exposto<br />
pelo apresentador que o MST estava usando uma tática que acentuava ainda mais<br />
o seu contexto <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong>: “... está aliciando trabalhadores urbanos para<br />
participar das invasões”. Esta frase é utilizada no início da reportag<strong>em</strong> por<br />
William Bonner, o que enfatiza o tom <strong>de</strong> ameaça social. Entretanto, no final da<br />
reportag<strong>em</strong>, o repórter Marcelo Rezen<strong>de</strong> acaba por traduzir o termo aliciar pela<br />
frase “convencendo gente <strong>de</strong>mitida ou insatisfeita a formar novos grupos”.<br />
Porém, o impacto do “aliciamento” já havia prevalecido.<br />
Na R3, a palavra aliciar aparece novamente reforçando o contexto da<br />
invasão apresentado pelo JN. Os apresentadores e repórteres também utilizam o<br />
termo ocupar e variações, acabando por contradizer o discurso da invasão.<br />
Quando os s<strong>em</strong>-terras ag<strong>em</strong> no sentido <strong>de</strong> ocupar a terra, eles inva<strong>de</strong>m, segundo<br />
o telejornal, sendo <strong>de</strong>nominados “os invasores”. Quando eles <strong>de</strong>ixam a terra,<br />
eles <strong>de</strong>socupam.<br />
A R2 - 2. o B também po<strong>de</strong> ser analisada neste sentido. Na fala do<br />
apresentador Carlos Nascimento foi usada a palavra invasões. A repórter Ana<br />
Paula Padrão, ao referir-se aos s<strong>em</strong>-terras no primeiro off, usou o termo<br />
<strong>de</strong>socuparam. Já nas falas do Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso e do<br />
Ministro da Fazenda Pedro Malan são usadas as palavras ocupe: “se há qu<strong>em</strong><br />
ocupe prédios...”; e ocupação: “enquanto houver ocupação <strong>de</strong> prédios...”. E<br />
antes da última fala da reportag<strong>em</strong>, a repórter fecha o seu texto, <strong>em</strong> off, usando os<br />
termos “negociar com os invasores” e “fazendas invadidas”, finalizando o<br />
discurso.<br />
Desta forma, apreen<strong>de</strong>-se que, com a ocupação, o JN constrói o discurso<br />
da invasão. Po<strong>de</strong> ser percebido que a palavra ocupar e suas variações po<strong>de</strong>riam<br />
substituir todas as palavras relacionadas ao termo invadir. O caráter da<br />
agressivida<strong>de</strong>, atribuído ao MST, constitui-se não apenas no contexto do termo<br />
invadir, mas relacionando-se também com expressões e palavras que reforçam o<br />
estereótipo da agressão, da ilegalida<strong>de</strong> tais como: R1: “A estratégia do<br />
112
movimento é atacar com mais agressivida<strong>de</strong> do que no ano passado”,<br />
"... avançar sobre terras ricas”; R4: “Os invasores diz<strong>em</strong> que vão partir para o<br />
confronto”; R5: “Um grupo <strong>de</strong> ex-s<strong>em</strong>-terra inva<strong>de</strong> nova área e faz chantag<strong>em</strong><br />
como governo do Estado”; R6: “A intransigência dos chefes do MST rejeita<br />
acordos”; R10: “Dispostos a <strong>de</strong>sistir à <strong>de</strong>socupação, abriram trincheiras <strong>em</strong><br />
volta da se<strong>de</strong> da fazenda, improvisaram estacas e incendiaram pneus”.<br />
Outra expressão muito usada pelos repórteres e apresentadores é “chefes<br />
do MST”, quando a expressão mais apropriada seria lí<strong>de</strong>r ou diretor. Diferente <strong>de</strong><br />
um “chefe <strong>de</strong> família”, a conotação <strong>de</strong> chefia implica <strong>em</strong> caracterizar o MST<br />
como uma quadrilha 40 .<br />
De acordo com BERGUER (1998), a opção por uma ou outra expressão<br />
não é gratuita, explicando-se pela proposição <strong>de</strong> sentido nela <strong>em</strong>butida. Para a<br />
autora, “as palavras carregam consigo um conteúdo e uma vivência” 41 .<br />
Para Bakhin, citado por STAM (1992), o significado <strong>de</strong> uma palavra não<br />
é invariável; ele <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> um contexto extraverbal ilimitado. Ainda<br />
completando a importância da articulação das palavras no discurso jornalístico,<br />
t<strong>em</strong>-se o argumento <strong>de</strong> BARTHES (1986:20). Para o autor, todo discurso ten<strong>de</strong> a<br />
ser autoritário, por meio <strong>de</strong> sua forma mais óbvia, a palavra, sendo esta “uma<br />
leve substância química que opera as mais evi<strong>de</strong>ntes operações” 42 .<br />
No sentido <strong>de</strong> focalizar melhor os pares opositivos invadir e ocupar,<br />
po<strong>de</strong>-se analisar, estruturalmente, que, na maioria das reportagens <strong>de</strong>ste bloco, a<br />
cena inicial é claramente i<strong>de</strong>ntificada, pois é uma ação abrupta ou inesperada,<br />
que se manifesta pela ocupação. O <strong>de</strong>sfecho dos acontecimentos vai sendo<br />
40 Conforme OLIVEIRA DA SILVA (1998:132), o jornalismo como tipo <strong>de</strong> jogo <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> utiliza a<br />
palavra muitas vezes estabelecendo regras sociais: “O jogo <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> comporta combinação <strong>de</strong><br />
palavras, atos, atitu<strong>de</strong>s e forma <strong>de</strong> comportamento. Na realida<strong>de</strong> o que o indivíduo apreen<strong>de</strong> não é<br />
pura e simplesmente uma palavra ou expressão, mas um jogo <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> completo, vale dizer,<br />
como usar <strong>de</strong>terminada expressão linguística <strong>em</strong> um contexto <strong>de</strong>terminado para obter certos fins”.<br />
41 BERGUER (1998:132).<br />
42 Seguindo esta linha <strong>de</strong> raciocínio, BALTAZAR (1991:132) analisa: “(...) tendo o real como pretexto, a<br />
palavra é uma matéria infinitamente trabalhada pela língua, a qual não se esgota na mensag<strong>em</strong> que<br />
engendra; ela po<strong>de</strong> sobreviver a essa mensag<strong>em</strong> e nela fazer ouvir, numa ressonância muitas vezes<br />
terrível, outra coisa além do que é dito, super-imprimindo à voz consciente, razoável do sujeito, a voz<br />
dominadora, teimosa”.<br />
113
anunciado, através das múltiplas vozes que se enfrentam pelas palavras,<br />
caracterizando a negociação.<br />
A negociação vai da ocupação à <strong>de</strong>socupação quando, cada uma <strong>de</strong>las,<br />
diferencia-se das <strong>de</strong>mais pela durabilida<strong>de</strong>, pelos personagens que são incluídos e<br />
pela enunciação. O sujeito e o verbo são constantes, a informação nova é a<br />
i<strong>de</strong>ntificação da localização através do nome da cida<strong>de</strong> ou da fazenda.<br />
O ato da negociação é mais rico <strong>em</strong> personagens <strong>em</strong> ações. O que se<br />
percebe é a ação <strong>de</strong> dois grupos sociais <strong>em</strong> confronto, esperando a repercussão<br />
dos fatos, medindo as conseqüências, avaliando forças e protagonizando o<br />
<strong>de</strong>sfecho.<br />
Os campos <strong>em</strong> confronto das reportagens são expostos <strong>de</strong> forma b<strong>em</strong><br />
característica. De um lado estão as <strong>em</strong>presas (Vale do Rio Doce, Aracruz<br />
Celulose e General Motors), a UDR, o INCRA, o governo, os fazen<strong>de</strong>iros, os<br />
seguranças particulares, os pistoleiros armados, o IBAMA, a Brigada Militar, e<br />
um grupo <strong>de</strong> atiradores <strong>de</strong> elite. Do lado oposto, encontram-se, tão somente, os<br />
s<strong>em</strong>-terras e, na R14, aliados à Pastoral do Migrante.<br />
O sentido é <strong>de</strong> que os primeiros buscam a or<strong>de</strong>m, garant<strong>em</strong> a lei e sua<br />
ação correspon<strong>de</strong> à sua função. Este aspecto po<strong>de</strong> ser evi<strong>de</strong>nciado,<br />
principalmente, quando entra <strong>em</strong> cena a polícia para intervir nos acontecimentos,<br />
tendo a seu favor a legitimida<strong>de</strong> para o uso da violência.<br />
Como ex<strong>em</strong>plo, po<strong>de</strong> ser citada a R10 que caracteriza a ação da Brigada<br />
Militar diante à resistência dos s<strong>em</strong>-terras. Estes têm <strong>de</strong>staque na reportag<strong>em</strong><br />
como <strong>de</strong>rrotados, <strong>de</strong>socupando a área invadida e, principalmente, <strong>de</strong>sarmando-<br />
se: “...os s<strong>em</strong>-terras se ren<strong>de</strong>m... e, nesse mesmo instante, um a um, eles<br />
entregam as armas, facões, enxadas, paus”. O que fica explícito na reportag<strong>em</strong> é<br />
que a <strong>de</strong>cisão não partiu <strong>de</strong>les, e o <strong>de</strong>staque é que o fizeram s<strong>em</strong> violência,<br />
coagidos por uma força maior, no autêntico sentido da expressão.<br />
este contexto.<br />
Sobre este enfoque, é preciso <strong>de</strong>stacar BERGUER (1998), focalizando<br />
A ocupação é a manifestação mais contun<strong>de</strong>nte dos s<strong>em</strong>-terra, pois<br />
indica para o governo que o Movimento conhece as áreas improdutivas,<br />
seleciona as <strong>de</strong> sua preferência e é capaz <strong>de</strong> mobilizar pessoas para<br />
114
lutar por elas. Por outro lado, o MST sabe que uma ocupação é quase<br />
garantia <strong>de</strong> constar na mídia, pois a invasão passa pela seleção <strong>de</strong><br />
primeiro grau – o critério da noticiabilida<strong>de</strong>... (BERGUER, 1998:156).<br />
Po<strong>de</strong>-se, <strong>de</strong>sta forma, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste primeiro bloco <strong>de</strong> análise, i<strong>de</strong>ntificar a<br />
primeira prática discursiva do JN sobre o MST: o ato da ocupação dos s<strong>em</strong>-<br />
terra configura-se no discurso da invasão, proposto pelas vozes da enunciação<br />
do Jornal Nacional, apoiando <strong>em</strong> aspectos retóricos. Verifica-se que o telejornal<br />
acaba por estabelecer um jogo da linguag<strong>em</strong>, tendo como ancorag<strong>em</strong> o jogo<br />
político, com todo o seu po<strong>de</strong>r e legitimida<strong>de</strong>.<br />
5.2. Segundo bloco <strong>de</strong> análise: as autorida<strong>de</strong>s como protagonistas da cena<br />
discursiva<br />
A lei e as instituições <strong>de</strong> notícias se un<strong>em</strong> <strong>em</strong> conversações públicas perpétuas<br />
sobre a justiça e a autorida<strong>de</strong>. Trabalham conjugadas para privilegiar<br />
significados particulares, para promover certos interesses políticos. Os mídias<br />
e as leis, conjuntamente, constitu<strong>em</strong> a justiça, tornando os acontecimentos do<br />
que é <strong>em</strong> histórias do que <strong>de</strong>veria ser, fundindo fatos com compromissos<br />
normativos, valores, crenças e mitos. 43<br />
Neste bloco <strong>de</strong> análise po<strong>de</strong>-se constatar que as falas editadas vão<br />
participar da construção discursiva <strong>de</strong> cada uma das narrativas, como reforços <strong>de</strong><br />
sentido do que está sendo narrado. As falas compl<strong>em</strong>entam a narrativa do<br />
repórter e, por isso, apesar <strong>de</strong> estar<strong>em</strong> sendo analisadas isoladamente, são parte<br />
integrante do conjunto da narrativa.<br />
O texto do repórter t<strong>em</strong> el<strong>em</strong>entos que interag<strong>em</strong> relações lógicas e<br />
redundantes, <strong>de</strong> que fala BARTHES (1964b). São estes aspectos da estrutura<br />
textual que vão <strong>de</strong>terminar o sentido. E constata-se, <strong>de</strong> início, que as falas<br />
test<strong>em</strong>unhais, <strong>em</strong> função <strong>de</strong> sua compl<strong>em</strong>entarida<strong>de</strong> do texto jornalístico, são<br />
patamares na progressão do texto. Elas ajudam a construir, através do jogo <strong>de</strong><br />
narrativa e test<strong>em</strong>unho, coerência do texto, uma coerência que surge da sintonia<br />
entre as relações lógicas e as relações <strong>de</strong> redundância. Algumas falas<br />
test<strong>em</strong>unhais são redundantes, reafirmando o que o narrador já havia antecipado.<br />
Outras são lógicas, ajudando a <strong>de</strong>senvolver o t<strong>em</strong>a. A interação <strong>de</strong>stas unida<strong>de</strong>s<br />
significativas do texto vai permitir <strong>de</strong>terminada construção <strong>de</strong> sentido, que surge<br />
115
<strong>de</strong> uma matriz <strong>de</strong> funcionamento, operando a passag<strong>em</strong> do lingüístico para o<br />
discursivo.<br />
A primeira observação a ser feita é com relação aos sujeitos do<br />
enunciado. Na R1, as falas do segurança e do proprietário fecham os discursos<br />
como sujeitos do enunciado. A fala do “chefe” do MST que foi preso, Márcio<br />
Barreto, foi intercalada na edição por dois offs do repórter Marcos Losekann. É<br />
interessante observar que Márcio dá uma <strong>de</strong>claração sobre sua prisão, atrás das<br />
gra<strong>de</strong>s, enfatizando na notícia o sentido da ilegalida<strong>de</strong>. A sua própria fala cai na<br />
ilegalida<strong>de</strong>, logo <strong>em</strong> seguida, através do texto do repórter, que, além <strong>de</strong> construir<br />
o discurso da invasão, por parte do MST, também legitima a violência dos<br />
seguranças:<br />
Fala <strong>de</strong> Márcio Barreto: “Essa prisão minha é para justificar a prisão <strong>de</strong> 5<br />
bandidos que foram presos na fazenda São Domingos, que atiraram nos<br />
trabalhadores”;<br />
(na seqüência) off do repórter:“À tar<strong>de</strong>, integrantes da UDR fizeram uma<br />
manifestação contra a prisão dos quatro seguranças e do filho do proprietário<br />
da fazenda invadida”.<br />
Além do sujeito visível da narrativa, que é o repórter, percebe-se que na<br />
R2 houve um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque às falas <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s como o presi<strong>de</strong>nte<br />
Fernando Henrique Cardoso, o Ministro da Fazenda, Pedro Malan, o Ministro da<br />
Reforma Agrária, Raul Jungmann, e o Ministro da Justiça, Renan Calheiros.<br />
Apenas um integrante do MST foi ouvido, o coor<strong>de</strong>nador Gilmar Mauro.<br />
Na R3, o <strong>de</strong>legado Jurandir Gonçalves <strong>de</strong>u uma <strong>de</strong>claração. Três falas do<br />
segurança Edson Lucena foram intercaladas na edição com dois offs do repórter<br />
Sandro Dalpícolo. O referido “chefe” do MST, Josmir Choptian, foi ouvido uma<br />
vez, tendo sua fala editada antes da fala do <strong>de</strong>legado.<br />
Outra observação com relação a estas duas reportagens é que, <strong>em</strong> ambas,<br />
a conclusão é apresentada pelos repórteres, tendo como fala final a <strong>de</strong>claração do<br />
Ministro Raul Jungmann, na R2, e do segurança Edson Lucena, na R3.<br />
A R4 apresenta a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> João Pedro Stédile que, apesar <strong>de</strong> ter<br />
sido extensa para os padrões editoriais do telejornal, foi significativa, no sentido<br />
<strong>de</strong> expressar a polêmica da ilegalida<strong>de</strong>. A <strong>de</strong>claração foi repudiada logo <strong>em</strong><br />
43 Ericson, citado por RONDELLI (1998:152).<br />
116
seguida pela manifestação do governo, através <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração do porta-voz do<br />
Presi<strong>de</strong>nte. Na verda<strong>de</strong>, João Pedro Stédile propôs a organização <strong>de</strong> grupos,<br />
através <strong>de</strong> manifestações públicas, visando a reivindicação <strong>de</strong> seus direitos. No<br />
entanto, a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Sérgio Amaral, finalizando a reportag<strong>em</strong>, <strong>de</strong>u conotação<br />
<strong>de</strong> “alerta geral”, quanto à proposta do lí<strong>de</strong>r do MST, prevendo, <strong>de</strong>sta forma, uma<br />
tensão social generalizada.<br />
Fala <strong>de</strong> João Pedro Stédile: “Todos os pobres do Brasil e especialmente<br />
os que moram nas cida<strong>de</strong>s, para resolver os seu probl<strong>em</strong>as não<br />
esper<strong>em</strong> pelo governo, se organiz<strong>em</strong>. Então se o sujeito não t<strong>em</strong> casa,<br />
não consegue mais pagar o aluguel, se organize para pressionar o<br />
governo para resolver o probl<strong>em</strong>a habitacional. Ocup<strong>em</strong> os terrenos<br />
baldios que estão lá só para especulação imobiliária. Se o sujeito está<br />
<strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregado, não espere pelo Ministério do Trabalho, pelo FAT, se<br />
organize e pressione. Faça manifestações na frente da FIESP, na frente<br />
das fábricas que estão fechando pela política econômica do governo. E<br />
se tiver fome faça manifestações na frente <strong>de</strong> supermercados. Está na<br />
Bíblia que todo ser humano t<strong>em</strong> o direito <strong>de</strong> se alimentar, e vá <strong>em</strong> busca<br />
da comida.<br />
Fala <strong>de</strong> Sérgio Amaral: “O Presi<strong>de</strong>nte está preocupado com as<br />
<strong>de</strong>clarações feitas pelo coor<strong>de</strong>nador do MST, porque elas fer<strong>em</strong>,<br />
frontalmente o estado <strong>de</strong> direito, que é uma conquista <strong>de</strong> todos os<br />
brasileiros e que todos os brasileiros quer<strong>em</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Estas<br />
<strong>de</strong>clarações são suficientes para que a Procuradoria tome iniciativa<br />
para prevenir que estas idéias se transform<strong>em</strong> <strong>em</strong> fatos, porque é<br />
preciso chamar a responsabilida<strong>de</strong>, não apenas dos que praticam essas<br />
ações, mas também aqueles que são seus autores intelectuais.<br />
Ao contrário <strong>de</strong> uma notícia <strong>de</strong> jornal impresso, on<strong>de</strong> o lead ou fato mais<br />
importante v<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> primeiro lugar, na notícia da TV os el<strong>em</strong>entos visuais<br />
e a articulação dos vários falantes <strong>de</strong>terminam outra forma <strong>de</strong> organização que<br />
ten<strong>de</strong> a privilegiar a fala final. Qu<strong>em</strong> fala por último fecha o discurso, sua<br />
interpretação dos fatos é, assim, privilegiada na organização da notícia. A<br />
enunciação na reportag<strong>em</strong> da TV é, portanto, constituída <strong>de</strong> fala e imag<strong>em</strong> num<br />
processo social <strong>em</strong> que as convenções discursivas legitimam e confer<strong>em</strong><br />
autorida<strong>de</strong> à fala final.<br />
Neste sentido, a argumentação das reportagens é legitimada pela fala <strong>de</strong><br />
uma autorida<strong>de</strong>, seguida ou não da fala do repórter, que reforça o sentido do<br />
po<strong>de</strong>r. Há um explícito apagamento das vozes dos integrantes do MST.<br />
Diante <strong>de</strong>ste contexto, é preciso <strong>de</strong>stacar o estudo <strong>de</strong> SÁ (1994). A partir<br />
das observações da estrutura do telejornalismo e das características do noticiário<br />
117
político do JN, o autor afirmou que, no processo discursivo do telejornal <strong>em</strong><br />
questão, estão <strong>em</strong> jogo três formações discursivas: a formação discursiva da<br />
mídia (FDM) (o telejornal e seus bastidores <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> notícias), a formação<br />
discursiva liberal (FDL) (as vozes do governo, seus aliados e autorida<strong>de</strong>s) e a<br />
formação discursiva popular (FDP) (que no contexto <strong>de</strong>ste estudo seria<br />
representada pelas vozes dos lí<strong>de</strong>res do MST e seus aliados):<br />
A F.D.M. é a materialização, no plano do discurso, da i<strong>de</strong>ologia da<br />
neutralida<strong>de</strong> e objetivida<strong>de</strong> da imprensa. Na fase do capitalismo monopolista,<br />
a mídia, <strong>em</strong>bora submetida à lógica do mercado e voltada para o incentivo ao<br />
consumo, integra o espaço <strong>de</strong> argumentação pública e racional da <strong>de</strong>mocracia<br />
representativa 44 . A F.D.L. possui como regularida<strong>de</strong> um corpus <strong>de</strong> enunciados<br />
que argumentam a favor da negociação e do consenso como el<strong>em</strong>entos<br />
marcantes das relações políticas e econômicas. A F.D.P. é constituída pelos<br />
enunciados cuja argumentação expressa as “falas” e “vozes” <strong>de</strong> sujeitos<br />
políticos que se postulam como representantes das camadas populares, <strong>de</strong> suas<br />
lutas e <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> pressão política. Estas falas se i<strong>de</strong>ntificam como uma<br />
i<strong>de</strong>ologia popular (SÁ, 1994:314).<br />
Percebe-se, pela análise das reportagens referidas, que a fala das<br />
autorida<strong>de</strong>s aliam-se às falas do apresentador e do repórter, <strong>em</strong> contraposição às<br />
falas dos lí<strong>de</strong>res do MST. Seguindo as pistas analíticas <strong>de</strong> SÁ (1994), po<strong>de</strong>-se<br />
dizer que a formação discursiva da mídia e a formação discursiva liberal se<br />
sustentam e se articulam no sentido <strong>de</strong> se opor, <strong>de</strong>sautorizar e apagar a formação<br />
discursiva popular.<br />
Neste sentido, instaura-se a mediação do discurso da política e do<br />
telejornal, atravessando a instância da realida<strong>de</strong> apresentada, participando e<br />
regulando todas as práticas sociais através da dimensão simbólica 45 .<br />
Entretanto é preciso distinguir o caráter argumentativo e persuasivo dos<br />
dois discursos, teoricamente expostos. A política possui um discurso complexo<br />
que necessita <strong>de</strong> interpelação, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> construir sujeitos com a mesma<br />
visão <strong>de</strong> mundo, pois reivindica o po<strong>de</strong>r 46 .<br />
44 Habermas, citado por SÁ (1994).<br />
45 Como expôs WEBER (1994:83), “os mídias não po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados como entida<strong>de</strong>s<br />
compl<strong>em</strong>entares, mas sim, como integrantes do exercício do po<strong>de</strong>r do capital e da política, cuja<br />
existência é <strong>de</strong>terminada por estes aliados”.<br />
46 De acordo ainda com WEBER (1994), o discurso político precisa explicitar e, permanent<strong>em</strong>ente,<br />
fortalecer os argumentos que justifiqu<strong>em</strong> uma luta pelo po<strong>de</strong>r. O discurso dos meios <strong>de</strong> comunicação<br />
<strong>de</strong> massa, ao contrário, raramente reivindica ou explicita posições, transmitindo a idéia <strong>de</strong> “estar a<br />
118
Verifica-se, <strong>de</strong>sta forma, outra formação discursiva, inserida no contexto<br />
do JN, que apresenta à socieda<strong>de</strong> um movimento social que se opõe ao governo<br />
neoliberal. O MST e suas vozes articuladas sofr<strong>em</strong> tratamento diferenciado das<br />
vozes opostas. Os t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> argumentação dos dois campos <strong>em</strong> confronto são<br />
<strong>de</strong>siguais. Quando a exposição da formação discursiva da mídia entra,<br />
efetivamente, <strong>em</strong> cena, a situação <strong>de</strong> antagonismo ainda se agrava mais, pois esta<br />
acaba por legitimar o discurso <strong>de</strong> oposição ao MST. Portanto, <strong>de</strong>sta forma, surge<br />
uma segunda prática discursiva específica do JN: a articulação <strong>de</strong> vozes da<br />
enunciação e do enunciado que, ou <strong>de</strong>sautorizam, ou anulam o discurso <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fesa e <strong>de</strong> protesto do MST.<br />
5.3. Terceiro bloco <strong>de</strong> análise: os sujeitos da enunciação - os contrapontos<br />
discursivos e as vozes ocultas<br />
... a apresentação das notícias consiste na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> traduzir<br />
valores/notícias, dados como certos, <strong>em</strong> regras <strong>de</strong> produção (...) Os jornalistas<br />
têm a suas disposição dados e pesquisas(...) Os dados consi<strong>de</strong>rados mais<br />
significativos relacionam-se, provavelmente, com a compreensão, com a<br />
capacida<strong>de</strong> do público <strong>de</strong> fazer frente às dificulda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> compreen<strong>de</strong>r os<br />
termos usados nos noticiários: isso reforça, efetivamente, não só a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> ser claro e simples, mas também a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> pedagogo e <strong>de</strong> tutor que se<br />
atribui à profissão, o que representa, portanto, uma reafirmação da sua<br />
utilida<strong>de</strong> social 47 (Mauro Wolf).<br />
Como todo discurso, o jornalismo aponta uma tensão entre o texto e o<br />
contexto. O sujeito jornalista convive <strong>em</strong> tensão com sua fontes, com a <strong>em</strong>presa<br />
jornalística e com os telespectadores, confirmando que as condições inclu<strong>em</strong> a<br />
produção, a audiência e o reconhecimento, formatando e moldando o modo <strong>de</strong><br />
dizer as coisas do mundo. Tais condições, <strong>de</strong> acordo com BERGUER (1998),<br />
acham-se não do lado <strong>de</strong> fora do texto, mas sim inseridas nele.<br />
É importante também <strong>de</strong>stacar a noção <strong>de</strong> polifonia referida por<br />
BAKHTIN (1992), que enfatiza a coexistência <strong>em</strong> qualquer situação textual <strong>de</strong><br />
uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vozes que não se fun<strong>de</strong>m <strong>em</strong> uma coexistência única, mas<br />
sim, <strong>em</strong> diálogo e confronto. As vozes que compartilham um território textual<br />
serviço”, “longe do po<strong>de</strong>r” e imbuído <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong>, na mediação dos fatos. Este enfoque será<br />
melhor analisado no quinto bloco <strong>de</strong> análise.<br />
119
provêm <strong>de</strong> sujeitos socialmente constituídos e inseridos <strong>em</strong> condições <strong>de</strong><br />
produção concretas.<br />
Para BERGUER (1998) é este o sentido plural e negociado do discurso<br />
jornalístico que se encontra ancorado na especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua condição <strong>de</strong><br />
produção. 48<br />
De acordo com BARTHES (1964b), o texto t<strong>em</strong> valor repressivo e, por<br />
isso, é no nível textual ou na fala na TV que se constrói i<strong>de</strong>ologicamente visão <strong>de</strong><br />
mundo.<br />
E isso se percebe claramente na R2, feita por Alexandre Garcia (ao vivo)<br />
e na R3, feita pela repórter Cristina Serra (gravação – apesar da repórter estar na<br />
cena discursiva, ela constrói o seu texto, <strong>de</strong> acordo com as imagens feitas pelo<br />
cinegrafista).<br />
Outra característica do texto escrito é o distanciamento que ele estabelece<br />
entre <strong>em</strong>issor e receptor. Não é por acaso que os apresentadores, que narram o<br />
texto mostrando as imagens, estão ausentes <strong>em</strong> algumas reportagens. O seu<br />
registro <strong>em</strong> off aumenta o seu distanciamento. Este traço do discurso é salientado<br />
por Tannen, citado por MOTA (1992), que o contrapõe à categoria <strong>de</strong><br />
envolvimento que marca o texto oral. A narrativa escrita, por outro lado, na<br />
mesma reportag<strong>em</strong>, t<strong>em</strong> limites claros, estabelecidos pelas imagens a ser<strong>em</strong><br />
mostradas. É, portanto, um texto construído para apresentar imagens e, por isso,<br />
se atém a elas. Po<strong>de</strong>-se dizer que o repórter enfrenta um paradoxo: quanto mais<br />
ele mostra, menos intervém. Ao contrário, quando ele dá uma notícia ao vivo, o<br />
que nas <strong>em</strong>issoras <strong>de</strong> TV se chama <strong>de</strong> stand-up, ele conta mais do que mostra.<br />
No que diz respeito ao apresentador <strong>de</strong> telejornal, é preciso expor o seu<br />
importante papel. Ao ler notícias e introduzir reportagens, o apresentador é o<br />
sujeito explícito, o locutor como pessoa do discurso jornalístico. É ele qu<strong>em</strong><br />
estabelece a interação, face a face, com o telespectador. Embora essa relação seja<br />
mediada pela tecnologia, o apresentador atrai o telespectador para a notícia. Esse<br />
47 WOLF (1987:219).<br />
48 “... os processos <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> não são apenas suportes a serviço da vonta<strong>de</strong> do sujeito, mas campos<br />
<strong>de</strong> força, ambiente tencionado, lugar exclusivo <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> construir o real” (FAUSTO NETO,<br />
1991:35).<br />
120
efeito persuasivo provocado por sua presença, o transforma <strong>em</strong> ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong><br />
notícias, sendo reforçado pelo uso do teleprompter. 49<br />
Como sujeito visível do discurso telejornalístico, o locutor estabelece<br />
uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> notícias, <strong>em</strong>prestando sua imag<strong>em</strong><br />
à <strong>em</strong>presa. Sendo assim, não é a Re<strong>de</strong> Globo que fala, é o William Bonner . Esta<br />
i<strong>de</strong>ntificação do apresentador com a formação discursiva e i<strong>de</strong>ológica, na qual se<br />
produz sua fala, vai facilitar o apagamento das condições <strong>de</strong> produção das<br />
notícias e fortalecer a ilusão do telespectador <strong>de</strong> que a fonte do discurso é o<br />
próprio locutor.<br />
Na R1, os apresentadores Lilian Witte Fibe e William Bonner<br />
entrevistam ao vivo um dos lí<strong>de</strong>res do MST, José Rainha Júnior. Percebe-se que<br />
a entrevista é conduzida com perguntas e colocações que expõ<strong>em</strong> à opinião<br />
pública o aspecto da violência r<strong>em</strong>etida ao MST. Este enfoque é percebido <strong>de</strong><br />
imediato na primeira fala:<br />
Lilian W.F.: Vamos agora falar com José Rainha, um dos coor<strong>de</strong>nadores do<br />
MST. Eu gostaria <strong>de</strong> perguntar: o governo se queixa que o seu movimento v<strong>em</strong>,<br />
com freqüência, varado ou <strong>de</strong>srespeitando os limites da lei. O seu movimento<br />
então preten<strong>de</strong> uma Reforma Agrária <strong>de</strong>ntro da lei ou a lei, que proíbe<br />
invasões, por ex<strong>em</strong>plo, nesse caso só vai para o outro lado?<br />
Nota-se que as perguntas são quase afirmativas. Além disso, José Rainha<br />
foi <strong>de</strong>nominado “coor<strong>de</strong>nador” do MST e não “chefe”, como <strong>de</strong> costume, pelo<br />
telejornal. A resposta à pergunta da apresentadora v<strong>em</strong> logo <strong>em</strong> seguida. José<br />
Rainha busca evi<strong>de</strong>nciar a importância do MST e o seu reconhecimento social,<br />
<strong>de</strong>ntro da legalida<strong>de</strong>:<br />
Eu não tenho dúvida <strong>de</strong> estar dizendo para toda a socieda<strong>de</strong> brasileira que o<br />
Movimento dos S<strong>em</strong>-terra procura Reforma Agrária <strong>de</strong>ntro da lei, sendo<br />
mostrado na prática pelo apoio que receb<strong>em</strong>os da socieda<strong>de</strong>, no País, pelo<br />
apoio que t<strong>em</strong> recebido internacionalmente, do prêmio Babuíno, que<br />
conseguimos ganhar na Bélgica e essa é a <strong>de</strong>monstração que o Movimento dos<br />
S<strong>em</strong>-terra luta pela vida, pela dignida<strong>de</strong>, e por isso nós somos o Movimento dos<br />
S<strong>em</strong>-terra e brigamos pela Reforma Agrária na lei. Apenas o governo não faz o<br />
que cumpre a lei.<br />
Em seguida, <strong>em</strong> tom <strong>de</strong> editorial, William Bonner, r<strong>em</strong>ete-se ao caráter da<br />
ilegitimida<strong>de</strong> do MST, direcionando novamente o discurso.<br />
49 “Aparelho que permite ao locutor ler as notícias olhando diretamente para a câmera, o que cria a ilusão<br />
<strong>de</strong> que o locutor não está lendo, mas falando para o telespectador” (MOTA, 1992:99).<br />
121
William B.: O maior argumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do MST s<strong>em</strong>pre foi o fato <strong>de</strong> ter<br />
nascido espontaneamente, <strong>de</strong> ser um movimento legítimo. Quando o MST busca<br />
gente da cida<strong>de</strong>, gente <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregada ou insatisfeita com o <strong>em</strong>prego, o MST<br />
não está traindo suas origens e aumentando artificialmente o probl<strong>em</strong>a dos<br />
s<strong>em</strong>-terra?<br />
Neste momento, José Rainha, como se não tivesse esperando este<br />
“ataque lingüístico”, respon<strong>de</strong> e organiza as idéias ao mesmo t<strong>em</strong>po,<br />
<strong>de</strong>monstrando uma certa fragilida<strong>de</strong> diante do imperioso po<strong>de</strong>r mediático.<br />
Entretanto, logo <strong>em</strong> seguida, ele se “recupera” e argumenta com firmeza:<br />
José Rainha: Não t<strong>em</strong>, s<strong>em</strong> dúvida nenhuma. O Movimento dos S<strong>em</strong>-terra,<br />
quando busca trabalhadores na cida<strong>de</strong>... Nós t<strong>em</strong>os que enten<strong>de</strong>r a história do<br />
País. São milhares <strong>de</strong> trabalhadores que foram expulsos na década <strong>de</strong> 70 e<br />
jogados nas cida<strong>de</strong>s, e que hoje são os <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados miseráveis. Afinal <strong>de</strong><br />
contas, são onze milhões <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados que buscam na Reforma Agrária<br />
uma fonte <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego. Qual é a outra forma <strong>de</strong> gerar <strong>em</strong>prego barato nesse<br />
País, a não ser a Reforma Agrária? O custo para se gerar <strong>em</strong>prego hoje é<br />
muito altíssimo na cida<strong>de</strong> e nós no campo, na Reforma Agrária, geramos<br />
<strong>em</strong>prego baratíssimo. Por isso nós buscamos <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados que quer<strong>em</strong> lutar<br />
pela Reforma Agrária.<br />
No sentido <strong>de</strong> explicar esta relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do apresentador do<br />
telejornal sobre o entrevistado, é preciso apresentar as observações <strong>de</strong> STAM<br />
(1992), ao referir Jean-Clau<strong>de</strong> Berna<strong>de</strong>t, <strong>em</strong> Cineastas e imagens do povo.<br />
Apesar do enfoque ser diferente, este se encaixa perfeitamente no aspecto <strong>de</strong> se<br />
analisar a reportag<strong>em</strong> anterior:<br />
(...) a voz do narrador acompanhando a imag<strong>em</strong>, assume entonações<br />
<strong>de</strong> dominação e onisciência. Essa voz fala <strong>de</strong> outros, mas nunca fala <strong>de</strong><br />
si mesma. Protegida pelo estúdio, fala numa cadência regular e<br />
homogênea, enquanto as pessoas falam hesitant<strong>em</strong>ente, <strong>em</strong> som<br />
direto.(...) O narrador torna-se a voz do conhecimento generalizante,<br />
enquanto os narrados são a voz da experiência que não discrimina. O<br />
narrador traduz as “palavras alheias” para a linguag<strong>em</strong> impessoal da<br />
verda<strong>de</strong> objetiva. Os “narrados” fornec<strong>em</strong> provas para as<br />
generalizações do narrador (STAM, 1992:63-64).<br />
Entretanto, <strong>em</strong> outro momento, STAM (1985) já havia feito observações<br />
sobre o telejornal e seu espectador. Para o autor, a facilida<strong>de</strong> verbal dos locutores<br />
é sustentada por textos redigidos, ensaios e edição. Sua “fluência infalível”<br />
contrasta com a relativa <strong>de</strong>sarticulação dos que se encontram na base da<br />
hierarquia.<br />
122
Passando à análise das outras reportagens <strong>de</strong>ste bloco, t<strong>em</strong>-se a última<br />
fala <strong>de</strong> William Bonner, na R3, que <strong>de</strong>ixa implícita uma voz enunciativa oculta: a<br />
<strong>de</strong> seu superior. Seu tom irônico se <strong>de</strong>staca das <strong>de</strong>mais falas, principalmente<br />
porque contradiz todas as informações positivas ou neutras expostas sobre o<br />
MST na reportag<strong>em</strong> sobre a marcha do movimento: “Na polícia, os três expulsos<br />
acusaram os lí<strong>de</strong>res do MST <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<strong>em</strong> os militantes à pé enquanto dormiam<br />
<strong>em</strong> hotéis e almoçavam <strong>em</strong> restaurantes”. Sua fala, especificamente esta última<br />
frase, <strong>de</strong>ixa uma dúvida para o telespectador, levando este a ter uma conclusão<br />
negativa sobre o que ouve e vê. O próprio tom do apresentador muda nesta frase.<br />
Ele fala pausadamente e com entonação diferenciada, como se quisesse,<br />
intencionalmente, <strong>de</strong>stacar o contexto das palavras. Além disso, nenhum<br />
integrante do MST foi entrevistado para se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r das acusações.<br />
Para que se entenda melhor este contexto, é preciso recorrer aos estudos<br />
<strong>de</strong> Bakhtin, citado por STAM (1992), sobre “entonação” e “tato”. Para o autor, o<br />
tato é um conjunto <strong>de</strong> códigos que reg<strong>em</strong> a interação discursiva, estando<br />
articulado com as relações entre interlocutores. A entonação é simplesmente a<br />
conseqüência do tato, que é <strong>de</strong>terminado pelo conjunto <strong>de</strong> relações sociais dos<br />
sujeitos falantes, por seus horizontes i<strong>de</strong>ológicos e pelas situações concretas da<br />
conversa.<br />
Situada na fronteira entre o verbal e o não-verbal, a entonação constitui<br />
um canal e um conformador sutil <strong>de</strong> relações sociais. É por intermédio da<br />
entonação que o sujeito da enunciação estabelece contato com seu ouvinte-<br />
telespectador, servindo <strong>de</strong> “barômetro” para alterações na atmosfera social.<br />
Algumas palavras e frases usadas pelos repórteres também cumpr<strong>em</strong> esta<br />
função <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar a notícia. Na R2, Alexandre Garcia diz: “Choveu a tar<strong>de</strong> toda<br />
sobre os manifestantes e a t<strong>em</strong>peratura é <strong>de</strong> 15 graus nesse momento”. O<br />
repórter também muda sua entonação e quase sorri, como se quisesse dizer: b<strong>em</strong>-<br />
feito para os s<strong>em</strong>-terra.<br />
Na R3, a repórter Cristina Serra, menciona que os s<strong>em</strong>-terras “forçaram<br />
a gra<strong>de</strong>. O reforço veio rápido junto com uma surpresa, a chuva”. Os s<strong>em</strong>-terras<br />
estavam gritando e balançando a gra<strong>de</strong>. A imag<strong>em</strong> mostrada não <strong>de</strong>ixa explícito<br />
123
o que foi dito no texto da repórter. Quanto à rapi<strong>de</strong>z dos policiais, qu<strong>em</strong> não viu<br />
a imag<strong>em</strong> acharia que eles vieram correndo afoitos para impedir mais um ato<br />
violento dos s<strong>em</strong>-terras, quando na verda<strong>de</strong> a imag<strong>em</strong> mostra os policiais<br />
andando calmamente <strong>em</strong> direção aos manifestantes. Com relação à chuva, esta<br />
parece ter sido enviada como recurso divino para acalmar os ânimos dos s<strong>em</strong>-<br />
terras.<br />
Na R4, como <strong>em</strong> todas as reportagens <strong>de</strong>ste bloco, com exceção da<br />
primeira, não há sujeitos do enunciado. Apenas repórter e apresentador<br />
constró<strong>em</strong> o sentido da reportag<strong>em</strong>, acompanhados pela ilustração das imagens.<br />
Entretanto, nesta reportag<strong>em</strong>, apenas o apresentador William Bonner narra <strong>em</strong> off<br />
os acontecimentos seqüenciados através das imagens.<br />
O texto evi<strong>de</strong>ncia que os s<strong>em</strong>-terra agiram com violência ao acuar o<br />
motorista que tentou passar por uma passeata <strong>em</strong> Recife: “Este motorista tentou<br />
passar. Acuado pelos manifestantes...”. Logo <strong>de</strong>pois, o apresentador focaliza<br />
mais agressão por parte dos s<strong>em</strong>-terras: “Os s<strong>em</strong>-terras, armados <strong>de</strong> facões,<br />
foices e pedaços <strong>de</strong> pau atacaram o carro, quebrando os vidros e agredindo o<br />
motorista”. Na seqüência, o motorista atropelou os s<strong>em</strong>-terras, <strong>de</strong>ixando quatro<br />
feridos. No final da reportag<strong>em</strong>, William Bonner fala ao vivo <strong>em</strong> tom <strong>de</strong><br />
editorial. Desta vez, atribui a violência do motorista e, principalmente, dos s<strong>em</strong>-<br />
terras, a negligência da polícia que estava perto do acontecimento e nada fez para<br />
impedir: “... a polícia estava a poucos metros da confusão e <strong>de</strong>ixou que tudo<br />
acontecesse, ou seja, é como se não houvesse polícia alguma”. A expressão “ou<br />
seja” enfatiza o tom explicativo da oratória, além <strong>de</strong> ser típica <strong>de</strong> texto escrito.<br />
Desta forma, o apresentador William Bonner po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificado, no<br />
contexto discursivo, como porta-voz dos acontecimentos, <strong>de</strong> acordo com a<br />
reflexão <strong>de</strong> Pêcheux:<br />
O frágil questionamento <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m, a partir do qual um lapso po<strong>de</strong> tornarse<br />
discurso <strong>de</strong> rebelião, um ato falho <strong>de</strong> motim e insurreição: o momento<br />
irreversível <strong>em</strong> que uma série heterogênea <strong>de</strong> efeitos individuais entram <strong>em</strong><br />
ressonância e produz um acontecimento histórico, rompendo, o círculo da<br />
repetição; é neste momento que surge o porta-voz, ao mesmo t<strong>em</strong>po autor<br />
visível e test<strong>em</strong>unha ocular do acontecimento: o efeito que ele exerce falando<br />
“<strong>em</strong> nome <strong>de</strong>...” é antes <strong>de</strong> tudo um efeito visual que <strong>de</strong>termina esta conversão<br />
do olhar pelo qual o invisíve1 do acontecimento se <strong>de</strong>ixa. enfim ser visto: o<br />
124
porta-voz se expõe ao olhar do po<strong>de</strong>r que ele afronta, falando <strong>em</strong> nome<br />
daqueles que ele representa e sob seu olhar (PÊCHEUX, 1990).<br />
Neste sentido, po<strong>de</strong>-se concluir que William Bonner, como porta-voz dos<br />
acontecimentos, estabelece um dialogismo com seu público, <strong>em</strong>bora unilateral,<br />
estando o telejornal, <strong>de</strong>sta forma, transformando seu monologismo, como po<strong>de</strong><br />
ser evi<strong>de</strong>nciado nos estudos <strong>de</strong> Bakhtin:<br />
O monologismo do noticiário da televisão transveste-se <strong>de</strong> dialogismo.<br />
Concebido como simulacro <strong>de</strong> comunicação frente a frente entre duas<br />
pessoas, o noticiário evoca o tropo mestre, no âmago do pensamento<br />
<strong>de</strong> Bakhtin - duas pessoas <strong>em</strong> diálogo - mas, na realida<strong>de</strong> a<br />
comunicação é unilateral, e não uma troca entre iguais: antes <strong>de</strong> mais<br />
nada, é a comunicação <strong>de</strong> um transmissor po<strong>de</strong>roso que <strong>de</strong>sfruta <strong>de</strong><br />
acesso direto a milhões <strong>de</strong> indivíduos. (...) na obra <strong>de</strong> Bakhtin a palavra<br />
“dialogismo” vai incorporando sentidos e conotações, s<strong>em</strong> nunca per<strong>de</strong>r<br />
a idéia central <strong>de</strong> „relação entre o enunciado e outros enunciados‟.<br />
Embora Bakhtin muitas vezes se refira ao diálogo no sentido lateral a<br />
fim <strong>de</strong> dar ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> dialogismo, este não po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> maneira alguma,<br />
ser reduzido ao diálogo verbal. Qualquer enunciado, inclusive o<br />
monólogo solitário, t<strong>em</strong> seus „outros‟, e só existe <strong>em</strong> relação ao<br />
contexto <strong>de</strong> outros enunciados (...) Como afirma repetidas vezes, “a<br />
palavra s<strong>em</strong>pre v<strong>em</strong> da boca <strong>de</strong> um outro (Bakhtin, citado por STAM,<br />
1992:64-73).<br />
Na fronteira entre o lingüístico e o discursivo, é importante observar <strong>de</strong><br />
que forma algumas características lingüísticas operam no sentido <strong>de</strong> construir<br />
significados no texto <strong>de</strong> uma notícia no telejornal. Um dos recursos utilizados<br />
para dar outra conotação ao fato é a nominalização, que, <strong>de</strong> acordo com<br />
Perelman, 1976, transforma ações e processos <strong>em</strong> objetos, sendo, <strong>de</strong>sta forma, <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> efeito no processo argumentativo, a metáfora e o euf<strong>em</strong>ismo.<br />
Na R3, a repórter Cristina Serra menciona que os s<strong>em</strong>-terras "fizeram um<br />
arrastão”, atribuindo ao fato narrado caráter pejorativo. Na verda<strong>de</strong> os<br />
manifestantes entrelaçaram os braços e caminharam junto. Em outro momento,<br />
na R3 - B4, o repórter Sandro Dalpícolo diz: “A febre começou há um mês com a<br />
chegada <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras <strong>de</strong> outras cida<strong>de</strong>s...”. A metáfora, neste<br />
sentido, opera-se <strong>de</strong> maneira comparativa, construindo no texto caráter <strong>de</strong><br />
violência e ameaça social.<br />
125
Como salientou LAGE (1985), “as metáforas da linguag<strong>em</strong> corrente, e as<br />
do jornalismo, correspon<strong>de</strong>m freqüent<strong>em</strong>ente a sublimações” 50 , como <strong>em</strong> vários<br />
momentos po<strong>de</strong>-se observar, quando a mídia se refere ao mais explícito objetivo<br />
do MST: a luta pela terra.<br />
Outro aspecto imprevisível neste bloco <strong>de</strong> análise é com relação à<br />
retórica da persuasão, exposta pelos sujeitos da enunciação. Gomes elucida sobre<br />
a retórica e seus aspectos:<br />
A retórica, todos o sab<strong>em</strong>os, é uma arte tão ou mais antiga que a filosofia (que<br />
historicamente foi sua concorrente direta <strong>em</strong> mais <strong>de</strong> um período histórico) e a<br />
dialética. Tradicionalmente se ocupa com o uso do discurso (rhéseis) ou,<br />
melhor ainda, com o uso da expressão ou dicibilida<strong>de</strong> das coisas (rhéton).<br />
Numa socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> a dimensão pública é <strong>de</strong> tal modo importante, como na<br />
pólis grega, a “arte <strong>de</strong> persuadir pela expressão”, como é entendida a retórica,<br />
é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância e <strong>de</strong>ve ser dominada por todos os participantes do<br />
jogo político. Des<strong>de</strong> o início, a retórica está ligada à disputa pública <strong>de</strong> teses e<br />
t<strong>em</strong>as. Por isso constitui-se como uma técnica das idéias ou tópica (a arte <strong>de</strong><br />
inventar os t<strong>em</strong>as e conceitos pelos quais se conduzirá a discussão, os<br />
arcabouços ou materiais conceituais), uma técnica dos argumentos (a arte <strong>de</strong><br />
inventar as estratégias <strong>de</strong>monstrativas e/ou persuasivas, o or<strong>de</strong>namento e<br />
coerência dos pensamentos na discussão), uma técnica da elocução (a arte <strong>de</strong><br />
inventar as formas expressivas do discurso, sua apresentação <strong>em</strong> imagens e<br />
palavras) (GOMES, 1994:142).<br />
Para o autor, os aspectos criativo e executivo compõ<strong>em</strong> o quadro da arte<br />
retórica. Esta é criativa, enquanto inventa os t<strong>em</strong>as, conceitos e imagens, b<strong>em</strong><br />
como a or<strong>de</strong>nação dos argumentos necessários à exposição e <strong>de</strong>fesa do próprio<br />
pleito. Mas é também executiva, enquanto dispõe todos estes el<strong>em</strong>entos, vistos<br />
como instrumentos na disputa, a partir <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> persuasão, com vistas a<br />
impor, da maneira mais eficaz, a própria causa. GOMES (1994) salienta que “à<br />
retórica (esta arte tão cont<strong>em</strong>porânea) a obtenção do êxito é um critério<br />
essencial” 51 .<br />
Conforme Lage, a questão da retórica está intimamente ligada ao po<strong>de</strong>r,<br />
construindo um discurso próprio sobre os acontecimentos:<br />
50 LAGE (1985:45).<br />
51 GOMES (1994:125).<br />
O po<strong>de</strong>r gera conceitos, <strong>em</strong> torno dos quais se dispõe o diálogo<br />
social.(...) A crítica do discurso, <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> expressão mais límpida,<br />
precisa consi<strong>de</strong>rar mecanismos como o da construção do mito retórico:<br />
o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> um signo lingüístico para significar outra coisa, <strong>de</strong><br />
126
modo que se impõe duplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entendimentos e se mantém viva a<br />
regra social... (LAGE, 1985:44).<br />
Neste momento, reconhece-se terceira prática discursiva do Jornal<br />
Nacional: a sustentação da força argumentativa da mídia, através da retórica da<br />
persuasão e da manipulação, inserida no jogo lingüístico do jornalismo.<br />
5.4. Quarto bloco <strong>de</strong> análise: o contexto das imagens na construção do espetáculo<br />
da notícia<br />
Na televisão manipula-se com mais facilida<strong>de</strong> na escolha <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as, no espaço<br />
que lhes é <strong>de</strong>stinado, no <strong>de</strong>staque, no enfoque e até mesmo na expressão do<br />
apresentador.(...) A televisão transmite, além disso, a ilusão da verda<strong>de</strong>: ao ver<br />
as cenas do acontecimento o receptor rejeita a tese da manipulação pelo fato<br />
<strong>de</strong> “ter test<strong>em</strong>unhado com seus próprios olhos” o ocorrido. A mítica das<br />
imagens garante o estatuto <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> absoluta e inocenta a <strong>de</strong>turpação.<br />
Fundamental no telejornal é o caráter <strong>de</strong> show da notícia e da realida<strong>de</strong><br />
social 52 (Ciro Marcon<strong>de</strong>s Filho).<br />
Com relação propriamente às imagens, como expôs ORLANDI (1987),<br />
para o analista <strong>de</strong> discurso tudo significa. Neste sentido, o próprio<br />
enquadramento da câmera vai representar el<strong>em</strong>ento importante <strong>de</strong> análise quando<br />
se busca enten<strong>de</strong>r o significado <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada notícia. É preciso, pois, ficar<br />
atento a quais ângulos são enquadrados e privilegiados na edição.<br />
Na notícia da TV brasileira, a imag<strong>em</strong> funciona como suporte ao texto,<br />
como analisa Mota, estando assim fragmentada:<br />
Seu objetivo <strong>de</strong> representação do real se reduz a uma fragmentação do<br />
real. Esta fragmentação, então, quebra a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> poliss<strong>em</strong>ia da<br />
imag<strong>em</strong>, que po<strong>de</strong>ria ser a maior contribuição à melhor com-preensão<br />
dos diversos el<strong>em</strong>entos visuais da notícia (MOTA, 1992:129).<br />
127<br />
Ron<strong>de</strong>lli argumenta que a<br />
construção do discurso televisivo,<br />
apoiando-se nas imagens,<br />
promove a espetacularização da<br />
realida<strong>de</strong>:<br />
A televisão estetiza a realida<strong>de</strong> porque constrói uma imag<strong>em</strong> muito<br />
verossímil do real, mas que o ultrapassa – cria o transreal ou hiper-real,<br />
noções geradas a partir <strong>de</strong> reinterpretações e releituras do conceito <strong>de</strong><br />
52 MARCONDES FILHO (1986:52).
simulacro. Tal modo <strong>de</strong> ver <strong>de</strong>tecta efeitos perversos nesta relação que<br />
a televisão estabelece com a realida<strong>de</strong>, sobretudo porque ao<br />
transfigurá-la, ela passa a ser um modo., mais do que vicário, <strong>de</strong> se<br />
conhecer e participar do real. (...) a televisão se reporta à realida<strong>de</strong><br />
quando está é passível <strong>de</strong> ser tratada como insumo <strong>de</strong> shows e <strong>de</strong><br />
espetáculos fantásticos. Por este prisma, a televisão é vista como um<br />
palco eletrônico <strong>de</strong> se contar histórias reais ou ficcionais com imagens<br />
(RONDELLI, 1994:238-239).<br />
Nas reportagens enquadradas neste bloco <strong>de</strong> análise, os planos gerais e<br />
planos médios serv<strong>em</strong> para registrar o acontecimento. A utilização do close<br />
permite, por outro lado, criar registros significativos. São <strong>de</strong>nominados<br />
el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> presença, conceito <strong>de</strong> Perelman, citado por MOTA (1992), que<br />
atuam no sentido <strong>de</strong> manter vivos, para a consciência do telespectador, pessoas,<br />
objetos ou sentimentos.<br />
O close <strong>de</strong> Lula sorrindo, na R3 - B3, por ex<strong>em</strong>plo, apresenta ao<br />
telespectador um enfoque pejorativo. É como se o JN quisesse <strong>de</strong>ixar explícito o<br />
oportunismo do político <strong>em</strong> questão. Da mesma forma acontece com a imag<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong> Leonel Brizola discursando, sendo este <strong>de</strong>clarado inimigo político e<br />
i<strong>de</strong>ológico <strong>de</strong> Roberto Marinho. Na R5, Lula aparece novamente, apoiando José<br />
Rainha <strong>em</strong> seu julgamento, juntamente com Vicentinho, presi<strong>de</strong>nte da CUT. Este<br />
fato focalizado pelo telejornal conota o apoio <strong>de</strong>clarado das forças esquerdistas<br />
brasileiras, a favor do MST.<br />
O constante uso nas reportagens <strong>de</strong> imagens que mostram os símbolos<br />
dos s<strong>em</strong>-terras ajudam a construir a imag<strong>em</strong> da violência do MST. A R3 mostra<br />
o apoio ao MST, “<strong>de</strong> gente que não precisa <strong>de</strong> terra”. O repórter Sandro<br />
Dalpícolo fala <strong>em</strong> off exibindo as imagens: “O boné vermelho do MST é moda<br />
nas ruas <strong>de</strong> Nova Cantú”. Na R5, o repórter Ari Peixoto também narra <strong>em</strong> off o<br />
“cenário” do julgamento <strong>de</strong> José Rainha. Sua primeira frase é a seguinte:<br />
“Faixas, ban<strong>de</strong>iras, foices e facões”.<br />
A repórter Cristina Serra, na R3 - 3. o B, diz: “Vestiram o uniforme da<br />
luta pela Reforma Agrária: camiseta e boné do MST, e trouxeram símbolos do<br />
movimento, como as foices e os facões. Os policiais ficaram por perto. Eles só<br />
levaram cacetetes”. A comparação entre os instrumentos <strong>de</strong> trabalho dos s<strong>em</strong>-<br />
terras e dos policiais é explícita. A repórter expõe “facões e foices” como armas<br />
128
dos s<strong>em</strong>-terras, quando, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>veria mencionar que são com estas foices<br />
e facões que eles trabalham. Quanto aos policiais, a repórter enfatiza que eles<br />
portavam apenas cacetetes, ou seja, a intenção <strong>de</strong> violência foi ressaltada para o<br />
lado dos manifestantes e não dos policiais.<br />
Este discurso da violência, através das imagens espetacularizadas pela<br />
mídia, foi analisada por RONDELLI (1998). Segundo a pesquisadora, pelo<br />
procedimento da ampla visibilização, os meios <strong>de</strong> comunicação atuam como<br />
construtores <strong>de</strong> representações sociais sobre crime, violência e sobre os atores<br />
sociais envolvidos nestas práticas. Estas representações sociais se efetivam<br />
através da produção <strong>de</strong> significados que nomeiam e classificam as práticas<br />
sociais, visando uma ação concreta da socieda<strong>de</strong>. De acordo ainda com a autora,<br />
(...) o modo como a mídia fala sobre a violência faz parte da própria<br />
realida<strong>de</strong> da violência – as interpretações e os sentidos sociais que<br />
serão extraídos <strong>de</strong> seus atos, o modo como certos discursos sobre ela<br />
passarão a circular no espaço público e a prática social que passará a<br />
ser informada cotidiana e repetidamente por estes episódios narrados.<br />
Revela-se, aqui, o caráter estruturado/estruturador dos discursos. A<br />
mídia é um <strong>de</strong>terminado modo <strong>de</strong> produção discursiva, com seus<br />
modos narrativos e suas rotinas próprias, que estabelec<strong>em</strong> alguns<br />
sentidos sobre o real no processo <strong>de</strong> sua apreensão e relato. Deste real<br />
ela nos <strong>de</strong>volve, sobretudo, imagens e discursos que informam e<br />
conformam este mesmo real. Portanto, compreen<strong>de</strong>r a mídia não <strong>de</strong>ixa<br />
<strong>de</strong> ser um modo <strong>de</strong> se estudar a própria violência, pois quando esta se<br />
apropria, divulga, espetaculariza, sensacionaliza, ou banaliza os atos da<br />
violência está atribuindo-lhes um sentido que, ao circular<strong>em</strong><br />
socialmente, induz<strong>em</strong> práticas referidas à violência (RONDELLI,<br />
1998:149-150).<br />
Ainda no sentido <strong>de</strong> relacionar o MST à tensão social, violência<br />
anunciada e oposição ao sist<strong>em</strong>a vigente, po<strong>de</strong>-se perceber, <strong>em</strong> vários momentos,<br />
o close na ban<strong>de</strong>ira do movimento, que, algumas vezes, aparece ao lado da<br />
ban<strong>de</strong>ira do Partido dos Trabalhadores e da Central Única dos Trabalhadores 53 .<br />
A ban<strong>de</strong>ira do MST acaba recebendo da mídia conotação <strong>de</strong> ameaça<br />
social. O discurso neoliberal vigente parece ancorar no <strong>de</strong>posto discurso<br />
53 Neste sentido, é importante mencionar uma abordag<strong>em</strong> feita por ALBUQUERQUE (1994), com<br />
relação à “manipulação <strong>de</strong> aparências audiovisuais”. Em sua pesquisa, o autor, analisa o discurso do<br />
ex-Presi<strong>de</strong>nte Fernando Collor, nas eleições <strong>de</strong> 1989, contra a ban<strong>de</strong>ira do PT, “o partido da estrelinha<br />
vermelha”, ligando o partido aos regimes comunistas <strong>em</strong> crise, “regimes da estrelinha vermelha”. De<br />
acordo com o pesquisador, diferent<strong>em</strong>ente da ban<strong>de</strong>ira branca, a ban<strong>de</strong>ira vermelha é usada tendo <strong>em</strong><br />
vista um simbolismo político consagrado. Vermelha é a cor do estandarte do comunismo<br />
129
“collorido”, ou mesmo, é parte integrante da histórica manipulação da or<strong>de</strong>m<br />
social brasileira.<br />
Mas é preciso <strong>de</strong>ixar claro o real significado dos símbolos e cores<br />
expostas na ban<strong>de</strong>ira do MST, que não é menos vermelha que a ban<strong>de</strong>ira do PT:<br />
Durante o IV Encontro Nacional do MST, realizado <strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1987,<br />
<strong>em</strong> Piracicaba/SP, aconteceu a escolha e aprovação oficial da Ban<strong>de</strong>ira<br />
do Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-terra. A Ban<strong>de</strong>ira é um<br />
símbolo do caráter nacional da luta pela Reforma Agrária. Vejamos o<br />
significado dos <strong>de</strong>senhos e cores que compõ<strong>em</strong> a nossa Ban<strong>de</strong>ira: O<br />
MAPA DO BRASIL: representa que o MST é uma organização <strong>em</strong> nível<br />
nacional que quer levar a luta pela Reforma Agrária para todo o país. O<br />
HOMEM E A MULHER: o casal representa a necessida<strong>de</strong> da luta ser<br />
feita por homens, mulheres, famílias inteiras. O FACÃO: representa as<br />
ferramentas <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong> luta e <strong>de</strong> resistência. A COR BRANCA:<br />
representa a paz pela qual lutamos, e que somente po<strong>de</strong>rá ser<br />
conquistada quando houver justiça social para todos. A COR<br />
VERMELHA: representa o sangue que corre <strong>em</strong> nossas veias e a<br />
disposição <strong>de</strong> lutar pela Reforma Agrária e pela transformação da<br />
socieda<strong>de</strong>. A COR PRETA: representa o nosso luto e a nossa<br />
homenag<strong>em</strong> a todos os trabalhadores que já tombaram, lutando pela<br />
nova socieda<strong>de</strong>. A COR VERDE: representa os gran<strong>de</strong>s latifúndios que<br />
t<strong>em</strong>os que ocupar e fazer produzir. E a esperança <strong>de</strong> que a nossa luta<br />
seja vitoriosa a cada latifúndio conquistado (CALENDÁRIO..., 1999:20).<br />
Ainda referindo-se às imagens e suas representações no contexto <strong>de</strong>ste<br />
bloco <strong>de</strong> análise, po<strong>de</strong>-se mencionar a R1, quando o repórter Sandro Dalpícolo<br />
fala sobre os s<strong>em</strong>-terras, que supostamente levariam uma “vida dupla”: “Alguns<br />
s<strong>em</strong>-terra escon<strong>de</strong>m o rosto da câmera, usando bonés, jaquetas e blusas sobre a<br />
cabeça. Mas por que não quer<strong>em</strong> aparecer? A i<strong>de</strong>ntificação po<strong>de</strong> revelar a outra<br />
face do movimento”.<br />
O contexto da ilegalida<strong>de</strong> é novamente construído. O caráter<br />
investigativo e espetacular da notícia vai sendo <strong>de</strong>lineado através das imagens<br />
apresentadas, como: o carro, a placa do carro e a garag<strong>em</strong> da casa do suposto<br />
s<strong>em</strong>-terra. O interessante <strong>de</strong> se analisar é que, o início da reportag<strong>em</strong> fala do<br />
homicídio <strong>de</strong> um segurança praticado na fazenda Borbor<strong>em</strong>a. Logo <strong>de</strong>pois, a<br />
reportag<strong>em</strong> muda <strong>de</strong> enfoque, falando <strong>de</strong> trabalhadores urbanos que<br />
possivelmente são participantes do MST. Francisco Geraldo Pereira, o sujeito do<br />
internacional. O autor também se reporta à Lamartine, que analisou a conotação <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>ira vermelha<br />
como “ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> sangue”.<br />
130
enunciado (dono do carro e da casa), seria um <strong>de</strong>les. Entretanto, <strong>em</strong> nenhum<br />
momento da reportag<strong>em</strong> ele foi ouvido.<br />
No que diz respeito às imagens <strong>de</strong> arquivo, po<strong>de</strong>-se analisar que elas são<br />
usadas como artifício para enfatizar uma t<strong>em</strong>ática. Às vezes, o discurso<br />
jornalístico da repetição sobre os s<strong>em</strong>-terras assume “forma didática <strong>de</strong> contar”,<br />
como <strong>de</strong>finiu BERGUER (1998). A história e fatos ocorridos com integrantes do<br />
MST aparec<strong>em</strong> através <strong>de</strong>stas imagens <strong>de</strong> arquivo, que sintetizam informações<br />
passadas, como as dos saques, a ser analisada na R2 - 8. o B, quando uma imag<strong>em</strong><br />
arquivo foi exibida (a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> João Pedro Stédile), como sendo uma<br />
imag<strong>em</strong> atual.<br />
O que se percebe é que o discurso que interage a palavra e a imag<strong>em</strong> é<br />
construído com artifícios da retórica da manipulação, que atribu<strong>em</strong> ao MST o<br />
caráter da ilegalida<strong>de</strong> e da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m. Neste sentido, i<strong>de</strong>ntifica-se a quarta<br />
prática discursiva do JN: a espetacularização das notícias, através do contexto<br />
da violência praticada pelo MST, construídas pelas imagens, promovendo um<br />
enfeitiçamento da realida<strong>de</strong>.<br />
5.5. Quinto bloco <strong>de</strong> análise: o discurso do po<strong>de</strong>r governamental como espetáculo<br />
político<br />
... que lá on<strong>de</strong> há po<strong>de</strong>r há resistência e, no entanto (ou melhor, por isso<br />
mesmo) esta nunca se encontra <strong>em</strong> posição <strong>de</strong> exteriorida<strong>de</strong> (...) Não existe,<br />
com respeito ao po<strong>de</strong>r, um lugar <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> recusa – alma da revolta, foco <strong>de</strong><br />
todas as rebeliões, lei pura do revolucionário. Mas sim, resistências no plural,<br />
que são casos únicos: possíveis, necessários, improváveis, espontâneos,<br />
selvagens, solitárias, planejadas, arrastadas, violentas, irreconciliáveis,<br />
prontas ao compromisso, interessadas ou fadadas ao sacrifício; por <strong>de</strong>finição<br />
não po<strong>de</strong>m existir a não ser no campo estratégico das relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r 54<br />
(Michel Foucault).<br />
Neste bloco <strong>de</strong> análise, o agendamento <strong>de</strong> ações do governo, o exercício<br />
<strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r perante a socieda<strong>de</strong>, a questão dos números e dados referentes à<br />
reforma agrária, a figura do Ministro Raul Jungmann como interlocutor <strong>de</strong>ste<br />
54 FOUCAULT (1979:91).<br />
131
processo e uma entrevista do Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso são alguns<br />
aspectos a ser<strong>em</strong> analisados.<br />
Como se po<strong>de</strong> perceber, JN também serve como mediador da divulgação<br />
<strong>de</strong> ações do governo, com relação a ações sociais, perseguição <strong>de</strong> corruptos<br />
<strong>de</strong>ntro do próprio governo, projetos, leis, etc. Como expôs RONDELLI (1994), o<br />
telejornal é uma das principais fontes <strong>de</strong> agenciamento político, r<strong>em</strong>etendo-se ao<br />
conceito on<strong>de</strong> as principais pautas são lançadas, tornando-se palco para a<br />
encenação e construção da vida política, r<strong>em</strong>etendo-se, <strong>de</strong>sta forma, ao contexto<br />
<strong>de</strong> agendamento político nos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, constituindo <strong>em</strong><br />
agenda-setting 55 .<br />
Em sete reportagens que constam neste bloco, observa-se que o governo<br />
<strong>de</strong> Fernando Henrique Cardoso: R1 - <strong>de</strong>nuncia o INCRA; R2 - <strong>de</strong>sapropria<br />
fazenda <strong>de</strong> ex-banqueiro; R3 - assentou mais gente do que <strong>em</strong> qualquer período<br />
da história do Brasil; R4 - faz mudanças na legislação agrária; R5 - faz uma<br />
proposta oficial para reduzir os conflitos <strong>de</strong> terra; R6 - lança uma linha <strong>de</strong><br />
crédito para financiar a compra <strong>de</strong> terras; R7 - com<strong>em</strong>ora assentamentos.<br />
Em cada uma <strong>de</strong>ssas reportagens, há a apresentação <strong>de</strong> números, ditos<br />
oficiais: R1 -“... o INCRA pagou 250 milhões <strong>de</strong> reais, 30 vezes mais que o<br />
preço <strong>de</strong> mercado. Com esse dinheiro o governo po<strong>de</strong>ria assentar com folga,<br />
cerca <strong>de</strong> 11 mil famílias”; R2 -“O Ministério da Reforma Agrária promete usar<br />
mais <strong>de</strong> 200 mil hectares <strong>de</strong> outros banqueiros com dívidas no Banco do Brasil<br />
para assentar quase 7 mil famílias”; R3 -“Nós <strong>de</strong>sapropriamos 340 mil hectares<br />
<strong>de</strong> Terra. Isso é o tamanho da Bélgica”(...)“Nós colocamos que <strong>em</strong> 4 anos nós<br />
55 “Shaw e McCombs colocam o agenda-setting como um processo já inserido no próprio fluxo normal<br />
<strong>de</strong> notícias. O agendamento começaria na rotina <strong>de</strong> selecionar, cortar e dar "pesos" aos t<strong>em</strong>as que são<br />
passados para os leitores. Shaw argumenta, ainda, que o agendamento faz parte do sist<strong>em</strong>a social. isto<br />
porque, segundo ele, a imprensa e o público faz<strong>em</strong> parte do sist<strong>em</strong>a social integrado para sobreviver e<br />
precisam <strong>de</strong>senvolver uma habilida<strong>de</strong> para arcar com os probl<strong>em</strong>as sociais. Mas, antes disso, é preciso<br />
que se torn<strong>em</strong> conscientes dos probl<strong>em</strong>as, os quais <strong>de</strong>v<strong>em</strong> fazer parte da agenda <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as públicos. O<br />
agendamento entraria, aí, como uma forma <strong>de</strong> consenso entre os que têm acesso à imprensa (ou<br />
aqueles a qu<strong>em</strong> a imprensa cobre), a imprensa, a audiência e a socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> geral. (...) Uma primeira<br />
aplicação do agenda-setting ao Congresso Nacional brasileiro: Shaw e McCombs constataram que os<br />
políticos, uma vez cônscios do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> agendamento dos media (o que já é indiscutível a esta altura),<br />
procuravam tirar vantag<strong>em</strong> disso, criando situações para atrair a atenção da imprensa, o que Adriano<br />
Duarte, chama <strong>de</strong> “meta-acontecimentos”: acontecimentos discursivos, que funcionam como um novo<br />
acontecimento ao ser<strong>em</strong> relatados pelos medias (RODRIGUES, 1998:2-3).<br />
132
po<strong>de</strong>ríamos assentar 280 mil famílias. No primeiro ano seriam 40 mil, no<br />
segundo ano 60 mil. Cumprimos.”; R4-“O INCRA terá 120 dias para fazer a<br />
vistoria...”, “...o governo terá 4 anos para recorrer contra in<strong>de</strong>nização judicial,<br />
acima do valor do imóvel”; R5- “...o governo espera conseguir pelo menos 70<br />
mil hectares para assentar 3 mil famílias”; R6- “O trabalhador rural po<strong>de</strong>rá<br />
pegar um <strong>em</strong>préstimo <strong>de</strong> 10 mil reais e terá 7 anos para pagar”; R7 - “O<br />
presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique fez hoje um balanço do programa <strong>de</strong> Reforma<br />
Agrária. Com<strong>em</strong>orou o assentamento <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 80 mil famílias, superando a<br />
meta inicial e fez uma avaliação”.<br />
Neste sentido, recorre-se novamente à questão da retórica discursiva.<br />
MOTA (1992), citando Van Dijk, salienta que números, gráficos e <strong>de</strong>senhos,<br />
estando ou não corretos, não têm apenas a função <strong>de</strong> ilustrar uma reportag<strong>em</strong>,<br />
mas, principalmente, <strong>de</strong> funcionar retoricamente, como garantia da precisão da<br />
informação: “Números são s<strong>em</strong>pre argumentos fortes na construção <strong>de</strong> efeito-<br />
verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma notícia. Como tal, são manipulados pelas fontes, que serão mais<br />
ou menos prestigiadas por um órgão <strong>de</strong> imprensa” 56 .<br />
Dentro <strong>de</strong>ste contexto, é necessário focalizar as análises <strong>de</strong> Barthes e<br />
Foucalt, com relação a discurso e po<strong>de</strong>r. Para Barthes, citado por BALTAZAR<br />
(1991), o discurso que toma para si a “verda<strong>de</strong>” é arrogante, servindo ao po<strong>de</strong>r:<br />
... por toda parte, vozes “autorizadas”, que se autorizam a fazer ouvir o<br />
discurso <strong>de</strong> todo o po<strong>de</strong>r: o discurso da arrogância”. Assim, o que é<br />
opressivo num discurso, não é apenas a mensag<strong>em</strong> que ele transmite,<br />
mas as formas discursivas através das quais ela é proposta. O único<br />
caminho para se enfrentar o po<strong>de</strong>r é reconhecê-lo como tal, perceber<br />
sua estrutura e amenizá-la, porém, tarefa difícil ser coerente entre<br />
realida<strong>de</strong> e discurso: “O po<strong>de</strong>r está presente nos mais finos<br />
mecanismos do intercâmbio social: não somente no Estado, nas<br />
classes, nos grupos, mas ainda nas modas, nas opiniões correntes nos<br />
espetáculos, nos jogos, nos esportes, nas informações, nas relações<br />
familiares c privadas e até mesmo nos impulsos liberadores que tentam<br />
contestá-lo (BALTAZAR, 1991:132).<br />
Para FOUCAULT (1979), o po<strong>de</strong>r não é algo localizado no topo <strong>de</strong> uma<br />
hierarquia da qual se <strong>de</strong>rivaria, mas é algo difuso, disperso na trama social, sendo<br />
concebido como estratégia. Desta forma, o funcionamento do po<strong>de</strong>r presume um<br />
56 MOTA (1992:74).<br />
133
enfrentamento perpétuo, exercendo-se por meio <strong>de</strong> estratégias, sendo que seus<br />
efeitos não são imputáveis a uma apropriação, mas reg<strong>em</strong>-se por meio <strong>de</strong><br />
manobras táticas e técnicas. Sobre este enfoque da dinâmica do po<strong>de</strong>r,<br />
FOUCAULT (1977) explica <strong>em</strong> Vigiar e Punir:<br />
Ora o estudo <strong>de</strong>sta microfísica supõe que o po<strong>de</strong>r nela exercido não<br />
seja concebido como uma proprieda<strong>de</strong>, mas como uma estratégia, que<br />
seus efeitos <strong>de</strong> dominação não sejam atribuídos a uma “apropriação”,<br />
mas a disposições, a manobras, táticas e técnicas, a funcionamentos;<br />
que se <strong>de</strong>svence nele antes uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações s<strong>em</strong>pre tensas,<br />
s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>, que um privilégio que se pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>ter; que lhe<br />
seja dado como mo<strong>de</strong>lo antes a batalha perpétua que o contrato que faz<br />
uma cessão ou uma conquista que se apo<strong>de</strong>ra <strong>de</strong> um domínio. T<strong>em</strong>os<br />
<strong>em</strong> suma que admitir que esse po<strong>de</strong>r se exerce mais do que se possui,<br />
que não é privilégio adquirido ou conservado da classe dominante, mas<br />
o efeito conjunto <strong>de</strong> suas posições estratégicas – efeito manifestado e<br />
às vezes reconduzido pela posição dos que são dominados<br />
(FOUCAULT, 1977:29).<br />
A representativida<strong>de</strong> do discurso do po<strong>de</strong>r nas reportagens analisadas<br />
po<strong>de</strong> ser evi<strong>de</strong>nciada pela presença do Ministro da Reforma Agrária, Raul<br />
Jungmam. Como sujeito do enunciado, o discurso do Ministro legitima as ações<br />
presentes, cobra da justiça o cumprimento das leis, elogia o MST (apesar <strong>de</strong> fazer<br />
l<strong>em</strong>brar o aspecto da violência) e se apresenta como o principal interlocutor da<br />
Reforma Agrária Brasileira: R1 - “... a minha expectativa é que eles pagu<strong>em</strong> por<br />
esse erro ex<strong>em</strong>plarmente atrás das gra<strong>de</strong>s”; R2 - “Os banqueiros que<br />
quebraram e lesaram, tanto o po<strong>de</strong>r público, quanto aqueles que tinham sua<br />
poupança, seu dinheirinho no Banco, vão agora pagar por isso”; R4 - “A partir<br />
<strong>de</strong> agora t<strong>em</strong>os uma lei agrária, limpa e <strong>em</strong> condições <strong>de</strong> você tocar a Reforma<br />
Agrária, s<strong>em</strong> frau<strong>de</strong>s, ou pelo menos <strong>de</strong>ixando ela absolutamente residual e<br />
fazendo-a com serenida<strong>de</strong> e evitando os conflitos e os mortos”; R5 - “O MST<br />
organiza parcela da população, e isso representa avanços, e se isso vai <strong>de</strong>ntro<br />
da lei, nenhum probl<strong>em</strong>a, t<strong>em</strong> o governo ao lado. Quando existe <strong>de</strong>srespeito à<br />
lei, aí efetivamente o governo reage <strong>em</strong> nome da autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática”.<br />
Na R3, a legitimida<strong>de</strong> do Ministro Raul Jungmann, como interlocutor da<br />
Reforma Agrária, é colocada <strong>em</strong> questionamento, através <strong>de</strong> pergunta feita a<br />
Fernando Henrique, que <strong>de</strong>u entrevista exclusiva à Re<strong>de</strong> Globo, no dia da<br />
chegada da marcha dos s<strong>em</strong>-terra à Brasília (17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997):<br />
134
Jornalista Carlos Monforte (pergunta): O senhor escolheu Raul Jungmann para<br />
ser o Ministro da reforma Agrária. O MST não está reconhecendo o ministro<br />
como interlocutor. O senhor é capaz <strong>de</strong> tirar o ministro para continuar o<br />
diálogo?<br />
Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique (resposta): Não porque aí sai da legalida<strong>de</strong>,<br />
porque não cabe ao MST saber qu<strong>em</strong> é ministro meu. Eu fui eleito pelo povo<br />
para governar com os ministros que eu <strong>de</strong>cido. Agora, eu não vou discutir<br />
qu<strong>em</strong> é o lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>-terra. Nunca pedi a cabeça <strong>de</strong> nenhum lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>terra.<br />
O <strong>de</strong>staque na resposta do Presi<strong>de</strong>nte não é por acaso. Na época da<br />
entrevista, apesar da metáfora usada por FHC, esta não foi questionada n<strong>em</strong> ao<br />
menos teve alguma repercussão. O presi<strong>de</strong>nte induz o telespectador a pensar que<br />
os s<strong>em</strong>-terras queriam agir com violência ao não reconhecer<strong>em</strong> o Ministro Raul<br />
Jungmann como interlocutor da reforma agrária, como foi mencionado pelo<br />
repórter. É como se os s<strong>em</strong>-terras também tivess<strong>em</strong> pedido a cabeça do Ministro<br />
<strong>em</strong> questão. O uso da figura <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> t<strong>em</strong> tom pejorativo, sugerindo<br />
violência.<br />
No entanto, ocorreu um fato no Paraná que recebeu gran<strong>de</strong> enfoque do<br />
JN 57 , no dia 8 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1999. O telejornal exibiu, “<strong>em</strong> primeira mão”, a<br />
conversa <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res do MST que foi escutada através <strong>de</strong> grampo telefônico.<br />
Sabendo intuitivamente que estavam sendo ouvidos, estes “pediram a cabeça” da<br />
juíza, Elizabeth Khater, expressando o sentido da <strong>de</strong>gola, através da palavra <strong>em</strong><br />
57 Apesar do fato não se incluir no t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> análise do estudo, <strong>de</strong>ve ser mencionado, pois nele po<strong>de</strong>-se<br />
constatar uma relevante comparação.<br />
135
si, repudiando a ligação política <strong>de</strong>sta com o governador do Estado do Paraná,<br />
Jaime Lerner, latifundiários e policiais da região 58 .<br />
A conotação do MST parece ter sido a mesma <strong>de</strong> Fernando Henrique,<br />
mas repercutiu como pejorativa e não foi entendida como metáfora. A imag<strong>em</strong> da<br />
violência construída <strong>em</strong> torno do MST parece não permitir a aproximação <strong>de</strong><br />
figuras <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>. O “pedir a cabeça”, por parte do MST, socialmente<br />
r<strong>em</strong>ete-se à <strong>de</strong>gola. O pedir a cabeça por parte <strong>de</strong> FHC r<strong>em</strong>ete-se à <strong>de</strong>stituição <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r.<br />
Analisando ainda a mesma entrevista, é importante mencionar o t<strong>em</strong>po e<br />
o espaço <strong>de</strong> sua veiculação. Além <strong>de</strong> ter sido editada para o JN, a entrevista<br />
também recebeu tratamento editorial ressaltado no Jornal Hoje, transmitido às<br />
13:15 horas e no Jornal da Globo, transmitido às 23h45min. (mesmo dia). Em<br />
todas as edições dos três telejornais, nenhum s<strong>em</strong>-terra ou lí<strong>de</strong>r dos mesmos foi<br />
ouvido.<br />
Além disso, é preciso ressaltar a importância da Re<strong>de</strong> Globo como<br />
veículo <strong>de</strong> comunicação ligado ao po<strong>de</strong>r. Isso qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixa explícito é o próprio<br />
Presi<strong>de</strong>nte, quando diz: “Eu <strong>de</strong>ixo um apelo aqui. (...)Eu <strong>de</strong>ixo um apelo aos<br />
58 “O Estado a serviço do latifúndio: Além do governador Jaime Lerner, os latifundiários do<br />
Paraná encontraram uma aliada, assumida, no Po<strong>de</strong>r Judiciário: a juíza Elizabeth Khater, da<br />
Vara <strong>de</strong> Loanda. Ela chegou a com<strong>em</strong>orar com os amigos fazen<strong>de</strong>iros o sucesso das<br />
operações <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo <strong>em</strong> Querência do Norte. O encontro ocorreu no restaurante Balaio <strong>de</strong><br />
Frango, <strong>em</strong> Loanda. Veja a notícia publicada no jornal Folha <strong>de</strong> S. Paulo (15/5), na seção<br />
Contraponto. Título: Justiça Cega: No último dia 7 <strong>de</strong> maio, o governo do Paraná iniciou<br />
uma megaoperação <strong>de</strong> <strong>de</strong>socupação <strong>de</strong> fazendas invadidas no noroeste do Estado. Na<br />
região, existiam 45 mandados <strong>de</strong> reintegração <strong>de</strong> posse, <strong>de</strong>terminados pela juíza Elisabeth<br />
Khater, <strong>de</strong> Loanda. Na noite do primeiro dia, seis já haviam sido cumpridos. A juíza Khater<br />
resolveu com<strong>em</strong>orar a operação com amigos no restaurante Balaio <strong>de</strong> Frango. Durante o<br />
jantar, um repórter se aproximou <strong>de</strong>la. A juíza o confundiu com um policial e elogiou:<br />
Parabéns pelo serviço! Eu estava agora mesmo elogiando o trabalho <strong>de</strong> vocês para meus<br />
amigos fazen<strong>de</strong>iros. Depois acrescentou: Estamos aqui com<strong>em</strong>orando. Po<strong>de</strong> ser o início <strong>de</strong><br />
uma união entre fazen<strong>de</strong>iros e a PM. Ao perceber o engano, a juíza ficou branca e tentou<br />
justificar: - Mas a amiza<strong>de</strong> não influenciou (nas <strong>de</strong>cisões judiciais).<br />
Grampo ilegal: A juíza dos latifundiários já conce<strong>de</strong>u mais <strong>de</strong> 150 liminares <strong>de</strong> reintegração <strong>de</strong> posse<br />
e expediu mais <strong>de</strong> 160 mandados <strong>de</strong> prisão contra trabalhadores rurais. Muitas das prisões foram<br />
<strong>de</strong>cididas contra o parecer da Promotoria <strong>de</strong> Loanda. E mais: ela libertou os três acusados do<br />
assassinato <strong>de</strong> Eduardo Anghinoni. A mais recente ação <strong>de</strong> Elizabeth Khater foi autorizar um grampo<br />
telefônico na cooperativa do Movimento <strong>em</strong> Querência do Norte, o que é totalmente ilegal - o<br />
Judiciário só permite o grampo quando necessário para instaurar um processo criminal. Pior: as<br />
conversas não po<strong>de</strong>m ser divulgadas publicamente, como ocorreu - a TV Globo realizou matéria<br />
utilizando trechos dos diálogos (Matérias publicadas no Jornal dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra,<br />
jun. 1999, p. 10-11).<br />
136
congressistas. Que eles vot<strong>em</strong> a reforma (...)”. Ao que tudo indica, o Presi<strong>de</strong>nte<br />
Fernando Henrique utiliza um veículo <strong>de</strong> comunicação para mediar a relação<br />
com o Congresso Nacional. É o po<strong>de</strong>r governamental pedindo ajuda à Re<strong>de</strong><br />
Globo e a Re<strong>de</strong> Globo, com o seu po<strong>de</strong>r, abrindo espaço para legitimar um<br />
pedido presi<strong>de</strong>ncial 59 .<br />
Analisando ainda a representativida<strong>de</strong> do Ministro Raul Jungmann,<br />
observa-se a R8 e R9. O Ministro, <strong>de</strong> interlocutor da reforma agrária no Brasil,<br />
passa a receber status <strong>de</strong> interlocutor entre o Vaticano e o Brasil. Na R8, exibida<br />
<strong>em</strong> 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1998, a Igreja Católica pe<strong>de</strong> a urgência da reforma agrária,<br />
não apoia as invasões <strong>de</strong> terras e con<strong>de</strong>na a violência contra os s<strong>em</strong>-terras:<br />
A Igreja Católica pe<strong>de</strong> aos países <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que apress<strong>em</strong> a Reforma<br />
Agrária. Mas um relatório do Conselho Episcopal <strong>de</strong> Justiça e Paz do Vaticano<br />
diz que a Igreja não apoia as invasões <strong>de</strong> terra. Quanto ao Brasil, o Vaticano<br />
con<strong>de</strong>nou a violência contra os s<strong>em</strong>-terra. O Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique<br />
Cardoso diz que concorda com vários pontos do documento divulgado pelo<br />
Vaticano mas, segundo o Presi<strong>de</strong>nte, o Brasil não é o principal alvo das<br />
críticas.<br />
Na R9, com data <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> março do mesmo ano, surge o Ministro Raul<br />
Jungmann, representando Fernando Henrique Cardoso, ao entregar uma carta<br />
presi<strong>de</strong>ncial, que recebeu status <strong>de</strong> documento. A reportag<strong>em</strong> expõe a articulação<br />
dos interesses sociais por parte da Igreja e do Governo, além <strong>de</strong> ressaltar que o<br />
Brasil foi o primeiro país a respon<strong>de</strong>r ao apelo da Igreja:<br />
... a carta do Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso é uma resposta ao pedido<br />
do Papa <strong>de</strong> uma distribuição mais justa da terra no País. O Ministro Raul<br />
Jungmann entregou o documento ao Papa. Segundo Jungmann, o governo e a<br />
Igreja Católica pensam da mesma maneira sobre o combate à violência no<br />
campo. O Papa disse que o Brasil é o primeiro país a respon<strong>de</strong>r ao apelo da<br />
Igreja manifestado pelo documento do Conselho <strong>de</strong> Justiça e Paz.<br />
Verifica-se que, neste sentido, o que se propõe é uma articulação entre<br />
discurso e i<strong>de</strong>ologia 60 .<br />
59 De acordo com RODRIGUES (1998), a força maior da relação meios <strong>de</strong> mídia e política do que da<br />
relação mídia e público, po<strong>de</strong> ser explicada pela relação entre política e comunicação. A política, hoje,<br />
se realiza publicamente principalmente via meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, dada a complexificação<br />
da socieda<strong>de</strong>, o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento dos meios <strong>de</strong> comunicação, o enfraquecimento dos partidos<br />
políticos, etc. Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que a imprensa é, pelo seu caráter capitalista e pela sua rotina <strong>de</strong><br />
produção, uma elite, e não uma fiel representante da socieda<strong>de</strong> civil, do público.<br />
60 De acordo com Weber, as regras do discurso político estão situadas no campo das estratégias<br />
i<strong>de</strong>ológicas, disputando a audiência do telespectador. Inerente à disputa do voto, da “locação <strong>de</strong><br />
espaço partidário, está a ilocução marcada”, pelo modo <strong>de</strong> persuadir, informar, impressionar, conduzir<br />
e propôr. A argumentação romove o envolvimento do opositor e do sujeito ouvinte, cidadão, eleitor.<br />
137
Desta forma, po<strong>de</strong>-se constatar o surgimento da quinta prática<br />
discursiva do Jornal Nacional: o espetáculo político articulado, legitimando as<br />
relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do discurso i<strong>de</strong>ológico governamental.<br />
5.6. Sexto bloco <strong>de</strong> análise: rel<strong>em</strong>brando o massacre <strong>de</strong> Eldorado dos Carajás<br />
- o ato <strong>de</strong> <strong>em</strong>ocionar a opinião pública, visando a legitimação do po<strong>de</strong>r<br />
A gran<strong>de</strong> revolução social do século 20 t<strong>em</strong> sido na comunicação, nos meios<br />
pelos quais aqueles que <strong>de</strong>têm o po<strong>de</strong>r criam e controlam as imagens ou nomes<br />
que legitimarão o seu po<strong>de</strong>r 61 (Hugh Dalziel Duncan).<br />
Como po<strong>de</strong> ser verificado no percurso <strong>de</strong>stas análises, a construção do<br />
sentido discursivo se faz pela combinação do MST que inva<strong>de</strong>, resiste, ameaça e<br />
arma-se com o governo que busca soluções; da justiça que julga com o telejornal<br />
que media os acontecimentos. Como todo movimento social, o MST é<br />
classificado como intransigente e violento, perturbando a or<strong>de</strong>m social vigente.<br />
Mas, às vezes, sua luta é justa, merecendo <strong>de</strong>staque, causando <strong>em</strong>oções,<br />
<strong>de</strong>spertando a solidarieda<strong>de</strong>.<br />
As reportagens que falam do Massacre <strong>em</strong> Eldorado dos Carajás, no dia<br />
17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1996, <strong>de</strong>monstram esse discurso solidário do JN que, neste<br />
momento, apresenta-se como “aliado” do MST, informando à socieda<strong>de</strong> a<br />
violência praticada contra os s<strong>em</strong>-terras.<br />
Na R1, veiculada <strong>em</strong> 11 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997, percebe-se na apresentação <strong>de</strong><br />
William Bonner, a ênfase <strong>em</strong> <strong>de</strong>stacar na notícia a importância do JN, como<br />
test<strong>em</strong>unha dos acontecimentos (mesmo ausente no conflito narrado), exibidos à<br />
socieda<strong>de</strong>:<br />
Assim, para a pesquisadora “a interferência da televisão no discurso político se dá como cenário e<br />
como espaço do conflito político ou estético. É uma interferência <strong>de</strong>cisiva, porque imprescindível, ao<br />
processo persuasivo do texto político <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s: aquelas próprias do cargo, partido ou<br />
político que se aproxim<strong>em</strong> da configuração <strong>de</strong> um eu positivo, na legitimação <strong>de</strong> uma imag<strong>em</strong>. A<br />
política po<strong>de</strong> soar como prótese e como artifício, na televisão. Mais importante do que a<br />
representação, a política treina a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> universalizar valores e atitu<strong>de</strong>s (...) A propaganda<br />
i<strong>de</strong>ológica, característica do espetáculo político arbitrário, é, simultaneamente, simbólica e normativa.<br />
Ao mesmo t<strong>em</strong>po que i<strong>de</strong>ntifica o po<strong>de</strong>r através <strong>de</strong> eventos e formas comunicadas por símbolos e<br />
códigos dominantes, explicita as normas <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são e <strong>de</strong> comportamento político” (WEBER, 1994:96).<br />
61 HALLIDAY (1987:87).<br />
138
(...)As imagens da violência foram mostradas <strong>em</strong> primeira mão pelo Jornal<br />
Nacional. 19 pessoas foram mortas por policiais militares. Um ano e sete meses<br />
<strong>de</strong>pois, os sobreviventes do massacre ainda estão s<strong>em</strong>-terra e a maioria s<strong>em</strong><br />
esperança <strong>de</strong> justiça.<br />
Logo <strong>em</strong> seguida, o off da repórter Zilei<strong>de</strong> Silva dá continuida<strong>de</strong> ao texto<br />
anterior e narra a situação presente dos sobreviventes do massacre, ancorando-se<br />
no relato dos acontecimentos passados:<br />
É um dia que a D. Maria Abadia sofre muito mas não consegue esquecer. Hoje,<br />
no local do massacre t<strong>em</strong> cruzes e um pequeno museu. Há um ano e sete meses,<br />
mesmo ferida com dois tiros na perna, a D. Maria conseguiu se salvar e salvar<br />
o filho <strong>de</strong>la, também ferido com um tiro no rosto. Os dois, e outros 1500 s<strong>em</strong>terra<br />
<strong>de</strong>ixaram a rodovia para pedir terra. A polícia militar foi mandada para<br />
liberar a estrada. O confronto terminou com a morte <strong>de</strong> 19 trabalhadores<br />
rurais s<strong>em</strong>-terra. Outros 69 ficaram feridos.<br />
Nota-se que a reportag<strong>em</strong> exibe as imagens do confronto, feitas pela TV<br />
Liberal, do Pará. No entanto, o JN toma para si o prestígio da veiculação da<br />
notícia. Sobre esta atitu<strong>de</strong> dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> expor a violência pelas<br />
imagens, RONDELLI (1998) analisou que, nesse processo, que se r<strong>em</strong>ete<br />
novamente ao espetáculo da notícia, a mídia enquadra a violência segundo os<br />
seus requisitos e <strong>de</strong> acordo com suas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> rotina produtiva,<br />
oferecendo uma visão dos fatos e dos sujeitos envolvidos. Desta forma, a mídia<br />
leva a uma produção <strong>de</strong> sentido sobre a violência que é exposta à opinião<br />
pública, convocando a socieda<strong>de</strong> a pronunciar-se e estabelecer juízos <strong>de</strong> valor e<br />
certo consenso que po<strong>de</strong> levar a manifestações sociais e políticas.<br />
Observa-se também que no princípio do texto <strong>de</strong> William Bonner há o<br />
anúncio da resolução da justiça sobre os culpados do massacre: “Amanhã a<br />
justiça do Pará vai anunciar, finalmente, qu<strong>em</strong> será julgado pelo massacre dos<br />
s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> Eldorado dos Carajás”. Nas falas dos sobreviventes do massacre<br />
também há a cobrança pela justiça:<br />
Eu tinha vonta<strong>de</strong> que tivesse justiça para que não acontecesse outra vez”.<br />
(...)“Até hoje nós não somos donos da terra. Eu não sei aon<strong>de</strong> é a minha.”(...)<br />
“Não tenho mais esperança não.”(...) “Daqui há uns 20 ou trinta anos, eu só<br />
posso dizer para os meus filhos que eu peguei um tiro no massacre e não houve<br />
justiça.<br />
139
Intercalando estas falas, a repórter apresenta as histórias dos<br />
sobreviventes, construindo o texto ancorado <strong>em</strong> palavras e contextos que eles<br />
expõ<strong>em</strong>:<br />
Repórter: O Sr. José Nativida<strong>de</strong> quer um pouco mais. Com dificulda<strong>de</strong> para<br />
trabalhar por causa do tiro que levou na perna, ele e 690 famílias viv<strong>em</strong> e<br />
plantam hoje nessa fazenda, a 17 <strong>de</strong> abril, <strong>de</strong>sapropriada pelo governo <strong>de</strong>pois<br />
do massacre.(...)<br />
(fala do sobrevivente): Não está valendo ainda porque o governador não<br />
cumpriu com o compromisso que ele disse que tinha com a gente, que era nos<br />
in<strong>de</strong>nizar, e até hoje nós esperamos, mas eu nunca perdi as esperanças.(...)<br />
Repórter: Esperanças que o Sr. Raimundo, o Domingos e o Leosmar não têm.<br />
Os três também sobreviveram ao massacre. Continuam com as marcas do<br />
confronto. Também ganharam terras na 17 <strong>de</strong> Abril, mas como todas as outras<br />
famílias, ainda não receberam as escrituras <strong>de</strong> posse e estão <strong>de</strong>sanimados.<br />
Sobre este aspecto, po<strong>de</strong>-se recorrer novamente aos estudos <strong>de</strong><br />
RONDELLI (1998), que enfatizam sobre a insistência da mídia <strong>em</strong> mostrar à<br />
opinião pública as imagens e os contextos da violência, aparent<strong>em</strong>ente, a fim <strong>de</strong><br />
buscar uma atitu<strong>de</strong> do governo quanto ao probl<strong>em</strong>a:<br />
O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>stas imagens é o <strong>de</strong> fazer com que os atos disjuntivos e<br />
erráticos da violência amplifiqu<strong>em</strong>-se e entendam-se à discussão no<br />
espaço público. Seu significado social e político advém do ato <strong>de</strong> ser<strong>em</strong><br />
mediatizados, ou seja, apropriados não só pela or<strong>de</strong>m discursiva dos<br />
meios <strong>de</strong> comunicação, mas também, através <strong>de</strong>stes, pelos quais <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m social inerentes a outros discursos e a outros sujeitos que,<br />
também publicamente, passarão a se manifestar sobre eles. (...) A<br />
cruelda<strong>de</strong> das cenas <strong>de</strong> violência às vezes mostradas repetidamente à<br />
exaustão, além <strong>de</strong> comover<strong>em</strong> e provocar<strong>em</strong> uma opinião pública,<br />
operam como fragmentos <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> um cotidiano que compõ<strong>em</strong><br />
um mosaico maior da auto-imag<strong>em</strong> do país e <strong>de</strong> suas representações<br />
no exterior (RONDELLI, 1998:152-154).<br />
Na R2, a mesma repórter da R1, rel<strong>em</strong>bra novamente os acontecimentos<br />
e relata a <strong>de</strong>cisão judicial:<br />
A or<strong>de</strong>m para liberar a estrada ocupada pelos trabalhadores s<strong>em</strong>-terra, foi<br />
dada pelo governador do Pará, Almir Gabriel. Or<strong>de</strong>m cumprida. Os 153<br />
policiais militares, comandados pelo coronel Mário Pantoja, e pelo major José<br />
Maria <strong>de</strong> Oliveira. Hoje, um ano e sete meses <strong>de</strong>pois do massacre, aqui no<br />
fórum <strong>de</strong> Curionópolis, cida<strong>de</strong> vizinha à Eldorado do Carajás, o juiz<br />
responsável pelo caso anunciou formalmente uma <strong>de</strong>cisão aguardada com<br />
ansieda<strong>de</strong> pelos s<strong>em</strong>-terra. O coronel Pantoja, o major Oliveira, 151 policiais e<br />
3 trabalhadores s<strong>em</strong>-terra vão ser julgados pelo massacre, pela morte <strong>de</strong> 19<br />
trabalhadores, e pelos ferimentos <strong>em</strong> outros 69 s<strong>em</strong>-terra 12 policiais. Todos<br />
estão soltos e vão continuar aguardando julgamento <strong>em</strong> liberda<strong>de</strong>. Os PMs vão<br />
ser julgados por homicídio doloso qualificado. As penas variam <strong>de</strong> 12 a 30<br />
anos <strong>de</strong> prisão. Os três s<strong>em</strong>-terra, por lesões corporais leves. Penas <strong>de</strong> 3 meses<br />
a 1 ano <strong>de</strong> prisão.<br />
140
O advogado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos policiais também aparece na cena discursiva,<br />
r<strong>em</strong>etendo a responsabilida<strong>de</strong> do massacre ao governador do Estado do Pará.<br />
Logo <strong>em</strong> seguida, a repórter Zilei<strong>de</strong> Silva argumenta sobre a posição legal do<br />
referido governador, respon<strong>de</strong>ndo também aos protestos dos sobreviventes do<br />
massacre, citados na R1:<br />
O processo é um julgamento da atuação dos PMs e não <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>s. No meu ver, se houver alguém responsável, é o<br />
nosso digníssimo governador do Estado.”(...) “Mas o governador Almir<br />
Gabriel já está livre <strong>de</strong> qualquer punição. Para o Superior Tribunal <strong>de</strong><br />
Justiça, o governador não po<strong>de</strong> ser responsabilizado pela maneira<br />
como a PM cumpriu...<br />
Dois anos após o conflito, o JN estava lá no cenário do massacre que<br />
“chocou o país”. A reportag<strong>em</strong> é construída pelas falas dos apresentadores<br />
William Bonner e Lilian Witte Fibe, pelo texto do repórter Marcos Lozekann e<br />
por um <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> sobrevivente ao massacre. É uma reportag<strong>em</strong> extensa para<br />
os padrões editoriais do JN. Busca humanizar 62 . Suscita a <strong>em</strong>oção 63 .<br />
Como po<strong>de</strong> ser verificado na fala da apresentadora a <strong>em</strong>oção impera o<br />
sentido da notícia, além <strong>de</strong> novamente questionar o po<strong>de</strong>r judiciário, notando-se<br />
também através das palavras revolta e protesto certa conotação com violência:<br />
Emoção e revolta. <strong>em</strong> Eldorado do Carajás, no sul do Pará. A morte <strong>de</strong> 19<br />
pessoas <strong>em</strong> um massacre que chocou o Brasil e o mundo foi l<strong>em</strong>brada com<br />
missa e protesto. Dois anos <strong>de</strong>pois os policiais militares que participaram do<br />
conflito ainda não foram julgados.<br />
Ao longo da reportag<strong>em</strong>, são mostradas as manifestações dos<br />
sobreviventes e <strong>de</strong> pessoas que também se indignaram com o acontecimento.<br />
Entretanto, no final da reportag<strong>em</strong>, Lilian Witte Fibe volta a anunciar a violência,<br />
<strong>de</strong>sta vez apurada como notícia:<br />
Mais <strong>de</strong> 1000 famílias <strong>de</strong> estados do Nor<strong>de</strong>ste se encontraram no Recife e<br />
estão <strong>em</strong> frente ao prédio da. SUDENE. Soldados do Exército acompanham a<br />
movimentação. Durante o dia, trabalhadores s<strong>em</strong>-terra fizeram manifestações<br />
por todo o País. Cruzes, velas, caixões l<strong>em</strong>bravam as mortes durante o<br />
62 “Humanizar é feito por um relato generalizado a tal ponto que o leito possa se i<strong>de</strong>ntificar” (OLIVEIRA<br />
DA SILVA, 1998:151). O pesquisador <strong>de</strong>screve a humanização dos acontecimentos segundo a ótica<br />
da imprensa.<br />
63 (...) a imprensa que não se dirige n<strong>em</strong> a mentes superiores n<strong>em</strong> à parte superior da mente, <strong>em</strong>prega<br />
geralmente a imitação – que se po<strong>de</strong> chamar <strong>de</strong> dramatização – e todos os procedimentos que <strong>de</strong>la se<br />
<strong>de</strong>rivam. Faz viver para fazer compreen<strong>de</strong>r e trata sobretudo <strong>de</strong> <strong>em</strong>ocionar” (VOYENNE, 1968:136).<br />
141
massacre. Em São Paulo, o protesto começou na Praça da Sé e terminou <strong>em</strong><br />
tumulto. Em frente à bolsa <strong>de</strong> valores, houve confronto com a tropa <strong>de</strong><br />
choque. Segundo a PM, três soldados e dois s<strong>em</strong>-terra ficaram lev<strong>em</strong>ente<br />
feridos. Os números dos lí<strong>de</strong>res do movimento são diferentes. Segundo eles,<br />
não dois, mas sete foram parar no médico.<br />
O conflito entre s<strong>em</strong>-terras e policiais militares volta à cena discursiva,<br />
como no massacre <strong>em</strong> Eldorado dos Carajás. A necessida<strong>de</strong> do fato ter sido<br />
divulgado se dá mais pela espetacularização da notícia do que pela <strong>de</strong>núncia<br />
contra os policiais. Neste sentido, o JN trata <strong>de</strong> estabelecer um confronto próprio<br />
que acontece via simbolismo, pois cabe à opinião pública <strong>de</strong>cidir sobre os<br />
culpados, através das imagens do acontecimento 64 .<br />
Como se po<strong>de</strong> perceber no contexto discursivo do JN, apesar da<br />
violência ter sido “gerada” pelo MST, esta foi “praticada” pelos policiais, como<br />
<strong>em</strong> Eldorado. Provavelmente, se este fato tivesse ocorrido <strong>em</strong> outra ocasião, <strong>em</strong><br />
outra data, o enfoque teria sido diferente<br />
Assim como no massacre <strong>de</strong> Eldorado dos Carajás, há diversos<br />
confrontos entre policias e s<strong>em</strong>-terras. No entanto, o acontecimento ganhou<br />
<strong>de</strong>staque nacionalmente. Além <strong>de</strong> se transformar <strong>em</strong> um marco da luta pela<br />
reforma agrária no Brasil, para os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa o massacre<br />
teve outro sentido: a audiência e a repercussão <strong>de</strong> novos fatos 65 .<br />
O massacre dos 19 s<strong>em</strong>-terras também po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como um<br />
fait-divers, pois causou espanto e revolta. O massacre se <strong>de</strong>staca dos <strong>de</strong>mais fatos<br />
violentos ocorridos entre policiais e MST, pelo fato da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mortos e<br />
feridos envolvidos e, principalmente, por ter sido filmado ao vivo pela TV<br />
Liberal e do Pará. E, evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, por ter recebido o status editorial do JN.<br />
Sob o pretexto <strong>de</strong> levar à socieda<strong>de</strong> imagens, <strong>em</strong>oções, evidências da<br />
violência e cobranças do judiciário, o JN acaba por legitimar-se como<br />
interlocutor da realida<strong>de</strong> social vivida pelos “injustiçados” s<strong>em</strong>-terras. O discurso<br />
64 “A lógica da televisão é essencialmente melodramática, inclusive no que se refere aos telejornais. Tal<br />
como mediada pela televisão, a realida<strong>de</strong> se apresentaria na forma <strong>de</strong> dramas cheios <strong>de</strong> suspense, nos<br />
quais a Justiça Moral é posta <strong>em</strong> jogo, <strong>em</strong> confronto entre heróis e vilões, o B<strong>em</strong> e o Mal”<br />
(ALBUQUERQUE, 1994:108).<br />
65 “... a televisão, <strong>em</strong> particular, veicula uma programação com aspecto ritualizado e espetacularizado, a<br />
fim <strong>de</strong> atrair uma audiência heterogênea” (SIQUEIRA, 1998:60).<br />
142
sobre o MST, neste contexto, inverte-se: o JN passa a proferir o seu “auto-<br />
discurso”, evi<strong>de</strong>nciando-se como onisciente dos fatos, incontestável e<br />
retoricamente correto. O po<strong>de</strong>r do JN, <strong>de</strong> mediador social, encontra-se implícito<br />
na própria imag<strong>em</strong> do telejornal que, por sua vez, legitimou-se pelo po<strong>de</strong>rio da<br />
Re<strong>de</strong> Globo. Neste sentido, po<strong>de</strong>-se refletir, com base na argumentação <strong>de</strong><br />
HALLIDAY (1987), sobre a legitimação retórica do po<strong>de</strong>r das multinacionais,<br />
que se evi<strong>de</strong>ncia no plano simbólico das representações sociais. A Re<strong>de</strong> Globo<br />
como <strong>de</strong>tentora <strong>de</strong>ste po<strong>de</strong>r controla as imagens, <strong>em</strong>ociona a realida<strong>de</strong> e afirma-<br />
se pela audiência.<br />
Sob este contexto, encontra-se a sexta prática discursiva do Jornal<br />
Nacional: a legitimação retórica do po<strong>de</strong>r telejornalístico, através da<br />
humanização dos acontecimentos.<br />
5.7. Sétimo bloco <strong>de</strong> análise: o ciclo da violência anunciada<br />
Não creio que os media tenham muitos recursos ou vocação para captar um<br />
acontecimento. Para começar eles mostram freqüent<strong>em</strong>ente o início ou o fim,<br />
ao passo que um acontecimento mesmo breve, mesmo instantâneo, se prolonga.<br />
Em seguida eles quer<strong>em</strong> algo espetacular, ao passo que o acontecimento é<br />
inseparável <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos mortos 66 (S. Dias).<br />
Neste bloco <strong>de</strong> análise, constituído <strong>de</strong> seis reportagens, apresenta-se um<br />
único t<strong>em</strong>a que se articulou com início, <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong>sfecho. A<br />
repercussão dos acontecimentos que nortearam as notícias foi acompanhada pelo<br />
JN, estabelecendo este uma interlocução entre a realida<strong>de</strong> dos fatos e a sua<br />
exposição “quase imediata” para a opinião pública.<br />
Os acontecimentos giram <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> um fato concreto: a morte <strong>de</strong> dois<br />
s<strong>em</strong>-terras no sul do Pará. A cronologia das reportagens também é um fator a ser<br />
analisado. O fato ocorreu no dia 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998. A R1 foi veiculada neste<br />
mesmo dia. A R2 no dia 28 <strong>de</strong> março. A R3 no dia 30 <strong>de</strong> março. A R4 no dia 2<br />
<strong>de</strong> abril. A R5 no dia 3 <strong>de</strong> abril. E, finalmente, a R6 <strong>em</strong> 13 <strong>de</strong> abril.<br />
66 DIAS (1995:96).<br />
143
Como <strong>em</strong> uma novela ou seriado <strong>de</strong> televisão, os acontecimentos são<br />
expostos seguindo um ritmo melodramático e seqüencial. Como <strong>em</strong> um<br />
longametrag<strong>em</strong> holywoodiano, o <strong>de</strong>sfecho dos acontecimentos t<strong>em</strong> tom <strong>de</strong><br />
continuida<strong>de</strong>, típica dos filmes <strong>de</strong> suspense e terror. Ao anunciar um novo ciclo<br />
<strong>de</strong> violência, o JN r<strong>em</strong>ete a causa da morte dos s<strong>em</strong>-terras, à violência gerada<br />
pelas “invasões”. Nota-se, inclusive, que no próprio <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
repercussão do fato <strong>em</strong> si, há contaste foco <strong>de</strong> violência, representado pela R3 e<br />
R4.<br />
Na R1, William Bonner já anuncia o início do foco da violência, com<br />
poucas imagens, através <strong>de</strong> relato simples que, a princípio, parece ser mais um<br />
acontecimento <strong>de</strong> rotina no contexto do MST:<br />
(vivo): Violência no sul do Pará. Dois s<strong>em</strong>-terra são mortos a tiros durante a<br />
transferência para um assentamento.<br />
(<strong>em</strong> off) 500 famílias <strong>de</strong>socupavam uma fazenda invadida a 15 dias <strong>em</strong><br />
Parauapebas, quando Onacílio Barros e Valentim da Silva foram baleados. A<br />
polícia ainda não sabe qu<strong>em</strong> atirou.<br />
Na R2, o relato se esten<strong>de</strong>, através da jornalista Ana Paula Padrão, que<br />
na época, eventualmente, apresentava o JN. Sua fala i<strong>de</strong>ntifica as vítimas, seus<br />
cargos no movimento, além do número <strong>de</strong> envolvidos nos assassinatos, estando<br />
entre eles fazen<strong>de</strong>iros e policiais. O texto é construído s<strong>em</strong> imagens. Para os<br />
padrões editoriais do JN, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado longo:<br />
(vivo):A justiça <strong>de</strong>creta a prisão <strong>de</strong> 10 fazen<strong>de</strong>iros no sul do Pará, entre eles o<br />
dono da fazenda Goiás, on<strong>de</strong> dois s<strong>em</strong>-terra foram mortos durante uma<br />
<strong>de</strong>socupação. Onacílio Barros, fundador do MST no Pará e Valentim Serra,<br />
tesoureiro, foram baleados quando comandavam a transferência <strong>de</strong> 500<br />
famílias para um assentamento. Dois oficiais <strong>de</strong> justiça acompanhavam a<br />
retirada. Dez policiais militares também são suspeitos <strong>de</strong> envolvimento nas<br />
mortes e estão <strong>de</strong>tidos no batalhão <strong>de</strong> Chinguara. Eles acompanhavam a<br />
<strong>de</strong>socupação, mesmo estando <strong>de</strong> folga.<br />
Na R3, o relato é feito ainda por um apresentador, no caso, Fátima<br />
Bernar<strong>de</strong>s. A cena discursiva é um novo conflito na região, on<strong>de</strong> os dois s<strong>em</strong>-<br />
terras foram mortos: “Os s<strong>em</strong>-terra faz<strong>em</strong> novas invasões <strong>em</strong> quatro estados e<br />
voltam a ocupar a fazenda on<strong>de</strong> dois militantes foram assassinados a tiros.”<br />
Novamente, como nas reportagens do primeiro bloco, constrói-se pela<br />
ocupação, o discurso da invasão, que no contexto focalizado ocorreu <strong>em</strong> quatro<br />
144
estados brasileiros: Goiás, Pará, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Esta<br />
“avalanche” <strong>de</strong> “invasões” foi noticiada aten<strong>de</strong>ndo ao discurso do JN <strong>em</strong><br />
ressaltar a violência causada pela morte dos s<strong>em</strong>-terras.<br />
A reportag<strong>em</strong> é reforçada pelas imagens que, novamente, cumpr<strong>em</strong> a<br />
função <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong> e enfeitiçamento, apesar <strong>de</strong> não haver repórter na cena<br />
discursiva. Ao final da reportag<strong>em</strong>, Fátima Bernar<strong>de</strong>s fecha o discurso,<br />
anunciando pelo texto, entonação e “olhar”, as invasões <strong>em</strong> outros Estados:<br />
(<strong>em</strong> off): 1) 500 pessoas participaram da nova invasão à fazenda Goiás; 2) O<br />
grupo tinha saído da área na quinta-feira passada. Durante a retirada, dois<br />
s<strong>em</strong>-terra foram mortos. Os invasores diz<strong>em</strong> que só vão negociar a<br />
<strong>de</strong>socupação quando a autoria do crime for esclarecida.<br />
(vivo): No início da noite, 600 s<strong>em</strong>-terra invadiram a fazenda Terra Norte, <strong>em</strong><br />
Eldorado dos Carajás, no Pará. No sul <strong>de</strong> Minas, uma usina <strong>de</strong> açúcar foi<br />
ocupada. Houve invasões também no interior <strong>de</strong> Pernambuco e no Mato<br />
Grosso do Sul.<br />
Diferenciando-se das reportagens 1, 2 e 3, as reportagens 4 e 5 são<br />
construídas com os textos e a presença do repórter Marcos Losekann na cena<br />
discursiva, reforçadas pelas imagens que espetacularizam o acontecimento. Outro<br />
fator que <strong>de</strong>ve ser observado é a autorida<strong>de</strong> policial intervindo nos conflitos. Ao<br />
contrário das reportagens do sexto bloco, estas duas reportagens legitimam a<br />
ação policial, no sentido <strong>de</strong> conter a revolta dos s<strong>em</strong>-terras e procurar os<br />
assassinos dos militantes mortos. Nota-se que a polícia, neste caso, é o Exército e<br />
não policiais militares.<br />
A R4 po<strong>de</strong> ser dividida <strong>em</strong> dois momentos, sendo analisada sob seis<br />
aspectos, respectivamente, seqüenciados, e sublinhados <strong>de</strong> acordo com a<br />
importância do contexto:<br />
O po<strong>de</strong>r da força do Exército:<br />
William B: A região do conflito dividida pela força <strong>de</strong> paz. No sul do Pará, o<br />
Exército reforça a tropa para impedir um confronto entre fazen<strong>de</strong>iros e s<strong>em</strong>terra.<br />
Repórter Marcos L. (<strong>em</strong> off): Fogueiras acesas, tropas <strong>de</strong> prontidão. 500<br />
soldados do Exército controlaram o vai e v<strong>em</strong> <strong>de</strong> veículos e pe<strong>de</strong>stres na área<br />
que separa os s<strong>em</strong>-terra dos fazen<strong>de</strong>iros. O comando da operação acredita que<br />
só a presença das tropas já é suficiente para acalmar os ânimos, mas está<br />
preparado para usar a força se for necessário.<br />
Mauro Fernan<strong>de</strong>s Aragão: Estamos aqui com o pessoal e o potencial bélico, e<br />
145
faria, <strong>de</strong> qualquer maneira, acalmar os ânimos exaltados.<br />
Repórter (<strong>em</strong> off): Depois da chegada do Exército, os fazen<strong>de</strong>iros escon<strong>de</strong>ram<br />
as armas. Exib<strong>em</strong> apenas um papel, um Interdito Proibitório concedido pela<br />
justiça prevendo multa e ca<strong>de</strong>ia para qu<strong>em</strong> invadir a área do complexo<br />
Marimbondo(...).<br />
A insistência dos s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> invadir fazendas provocando mais<br />
violência, contrapondo-se com a <strong>em</strong>oção pela imagens:<br />
Repórter <strong>em</strong> off (continuação da fala anterior): São 70000 hectares divididos <strong>em</strong><br />
50 fazendas que estão na mira do MST.<br />
Repórter: Do outro lado do município <strong>de</strong> Parauapebas, quase 50 km <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
estão as tropas do Exército, cerca <strong>de</strong> 500 famílias <strong>de</strong> trabalhadores s<strong>em</strong>-terra<br />
continuam ocupando a fazenda Goiás II. Eles já haviam saído daqui, mas<br />
<strong>de</strong>cidiram voltar <strong>de</strong>pois que dois lí<strong>de</strong>res do movimento foram assassinados.<br />
Essas cruzes na beira da estrada marcam o local da tragédia.<br />
A i<strong>de</strong>ntificação do fazen<strong>de</strong>iro acusado pelos assassinatos:<br />
Repórter <strong>em</strong> off: O dono da fazenda Goiás, que também é sócio <strong>de</strong>ssa loja <strong>em</strong><br />
Parauapebas, continua foragido. Carlos da Costa, é acusado <strong>de</strong> ser um dos<br />
autores do assassinato dos dois lí<strong>de</strong>res dos s<strong>em</strong>-terra.<br />
A i<strong>de</strong>ntificação da primeira causa que resultou nos crimes:<br />
Repórter <strong>em</strong> off (continuação da fala anterior): Os oficiais <strong>de</strong> justiça que<br />
levaram a or<strong>de</strong>m para <strong>de</strong>socupação da fazenda, fato que resultou no conflito, já<br />
foram afastados do Fórum.<br />
A proteção e i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> duas test<strong>em</strong>unhas que viram as mortes:<br />
Fátima B.: Em Brasília, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara pe<strong>de</strong> que<br />
a Polícia Fe<strong>de</strong>ral dê garantia <strong>de</strong> vida à dois integrantes do MST. Eles diz<strong>em</strong><br />
que test<strong>em</strong>unharam a morte <strong>de</strong> invasores da fazenda Goiás II na Quinta-feira<br />
passada.<br />
Fátima B. <strong>em</strong> off: Paulo Rodrigues e Maria Zilda Araújo prestaram<br />
<strong>de</strong>poimento na Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos. Maria Zilda acusou o dono da<br />
fazenda Goiás II, Carlos Antônio Costa, <strong>de</strong> ser o mandante dos crimes. O<br />
fazen<strong>de</strong>iro é procurado pela polícia. Ela disse que um pistoleiro contratado<br />
pelo fazen<strong>de</strong>iro matou os s<strong>em</strong>-terra Onalício Barros e Valentin Serra e ainda a<br />
ameaçou <strong>de</strong> morte.<br />
O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> uma da test<strong>em</strong>unha Maria Zilda Araújo:<br />
Ele botou um revólver, um cano gelado aqui na minha boca, e disse assim: é<br />
isso aí ó. Quando ele disse assim, as crianças e o pessoal todo gritavam: não<br />
atira nela não, na mulher não. E eles me <strong>de</strong>rrubaram no chão.<br />
O anúncio da prisão <strong>de</strong> alguns responsáveis pelos assassinatos e a ligação<br />
com o massacre <strong>de</strong> Eldorado dos Carajás:<br />
Fátima B. <strong>em</strong> off: Os dois s<strong>em</strong>-terra disseram também que po<strong>de</strong>m reconhecer<br />
outros envolvidos no crime. Seguranças da fazenda e onze policiais militares<br />
que já estão presos. Dez <strong>de</strong>les respon<strong>de</strong>m à processos pela morte <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenove<br />
s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> Eldorado do Carajás, à dois anos (...).<br />
Fátima B.: E a juíza <strong>de</strong> Parauapebas, Maria Vitória do Carmo, <strong>de</strong>cretou a<br />
prisão t<strong>em</strong>porária <strong>de</strong> mais dois fazen<strong>de</strong>iros da região. Agora já são onze os<br />
acusados <strong>de</strong> envolvimento na morte dos s<strong>em</strong>-terra.<br />
146
Percebe-se, pelos aspectos da reportag<strong>em</strong>, que várias informações se<br />
misturam, completam-se, estando às vezes a favor dos s<strong>em</strong>-terras e, <strong>em</strong> certos<br />
momentos, contra; assim como também, às vezes, reconhece a força do Exército<br />
e, <strong>em</strong> outro momento, con<strong>de</strong>na a força <strong>de</strong> policiais militares.<br />
Como po<strong>de</strong> ser observado, algumas frases receberam <strong>de</strong>staque maior: “...<br />
estão na mira do MST” e “... a morte <strong>de</strong> invasores...”. O JN <strong>de</strong>sta forma,<br />
evi<strong>de</strong>ncia o discurso da invasão e da violência, por parte do MST, mesmo se<br />
tratando <strong>de</strong> uma situação on<strong>de</strong> houve vítimas e violação dos Direitos Humanos.<br />
No que diz respeito à R5, po<strong>de</strong>-se também analisar a imag<strong>em</strong> policial<br />
que, por um lado, faz valer sua autorida<strong>de</strong> na região da cena discursiva; e, por<br />
outro lado, é suspeita <strong>de</strong> corrupção. Desta vez, a polícia fe<strong>de</strong>ral e a polícia civil<br />
aparec<strong>em</strong> no cenário <strong>de</strong> uma “caçada” quase cin<strong>em</strong>atográfica. Cenário este,<br />
fort<strong>em</strong>ente equipado, através <strong>de</strong> instrumentos e estratégias, como pô<strong>de</strong> ser<br />
percebido na exaltação das falas da apresentadora e do repórter, e pelas imagens<br />
test<strong>em</strong>unhais:<br />
Fátima B.: A polícia fe<strong>de</strong>ral usa helicópteros para procurar os fazen<strong>de</strong>iros<br />
acusados <strong>de</strong> matar dois integrantes do MST (...).<br />
Repórter Marcos L. <strong>em</strong> off: Barreiras nas estradas, policiais armados. N<strong>em</strong><br />
todo o aparato montado <strong>em</strong> Parauapebas foi suficiente para garantir a prisão<br />
dos onze fazen<strong>de</strong>iros. Hoje a polícia civil <strong>de</strong>cidiu passar uma cópia dos<br />
mandados <strong>de</strong> prisão t<strong>em</strong>porária para a polícia fe<strong>de</strong>ral. Com helicópteros, os<br />
agentes vão tentar caçar os fugitivos nas fazendas da região. O <strong>de</strong>legado da<br />
polícia civil que presi<strong>de</strong> o inquérito reclama <strong>de</strong> moradores da cida<strong>de</strong>, que<br />
estariam acobertando os fazen<strong>de</strong>iros.<br />
Repórter Marcos L.: A polícia recebeu a informação <strong>de</strong> que os fazen<strong>de</strong>iros<br />
pagaram um cachê para que os PMs que estavam <strong>de</strong> folga vestiss<strong>em</strong> as fardas e<br />
s<strong>em</strong> a autorização do comando acompanhass<strong>em</strong> os oficiais <strong>de</strong> justiça na<br />
reintegração <strong>de</strong> posse da fazenda Goiás II, on<strong>de</strong> aconteceu o conflito. Cada um<br />
teria recebido 200 reais.<br />
Depois <strong>de</strong> exibir duas reportagens construídas com imagens, repórter na<br />
cena discursiva e recursos textuais, o JN exibe a última reportag<strong>em</strong> sobre a morte<br />
dos dois s<strong>em</strong>-terras <strong>em</strong> Parauapebas, <strong>em</strong> 13 <strong>de</strong> abril. Desta vez, o relato é feito<br />
pelos apresentadores que anunciam a prisão do fazen<strong>de</strong>iro acusado dos<br />
assassinatos:<br />
William Bonner: O fazen<strong>de</strong>iro acusado <strong>de</strong> matar dois s<strong>em</strong>-terra no Pará está<br />
preso <strong>em</strong> Marabá.<br />
147
W.B. <strong>em</strong> off: Carlos Antônio da Costa foi para a ca<strong>de</strong>ia usando colete à prova<br />
<strong>de</strong> balas. Os s<strong>em</strong>-terra foram mortos à 18 dias, quando o grupo saía da fazenda<br />
Goiás II, por or<strong>de</strong>m da justiça.<br />
Entretanto, no final da reportag<strong>em</strong>, Fátima Bernar<strong>de</strong>s revela um novo<br />
foco <strong>de</strong> invasão. Uma nova cena discursiva é apresentada ao público, no sentido<br />
<strong>de</strong> dar continuida<strong>de</strong> ao ciclo da violência gerada pelas invasões do MST,<br />
causando conflitos e mortes:<br />
Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off: Os s<strong>em</strong>-terra voltam a invadir na região do Pontal<br />
do Paranapan<strong>em</strong>a, SP. Estão nas fazendas Ipiranga e Santa Isabel, e diz<strong>em</strong><br />
que quer<strong>em</strong> pressionar o governo para a criação <strong>de</strong> mais assentamentos.<br />
Sobre este ciclo da violência, estabelecida no âmago dos campos <strong>em</strong><br />
confronto, po<strong>de</strong>-se analisar que as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r por parte dos policiais<br />
estabelec<strong>em</strong> as regras. A autorida<strong>de</strong> policial se faz presente medindo forças com<br />
os s<strong>em</strong>-terras e <strong>de</strong>sautorizando a própria polícia, quando esta cai na ilegalida<strong>de</strong>.<br />
O que se percebe é uma rebeldia e insurgência constante por parte daqueles que<br />
estão submetidos às relações <strong>de</strong>ste po<strong>de</strong>r, tanto policiais como s<strong>em</strong>-terras.<br />
O JN, expondo os acontecimentos, surge na cena discursiva revelando<br />
para a opinião pública esses confrontos. O início e o <strong>de</strong>sfecho dos<br />
acontecimentos encerram um ciclo <strong>de</strong> violência, que também faz parte do ciclo<br />
das notícias no contexto discursivo. Este discurso do JN que se baseie nos<br />
acontecimentos da cena enunciada, rejeita, aceita, escolhe e molda os fatos que<br />
vão ser levados a público, regidos pelas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre <strong>em</strong>issora e<br />
instituições privilegiadas por um po<strong>de</strong>r maior, caracterizando, <strong>de</strong>sta forma, uma<br />
fragmentação discursiva 67 .<br />
Este recorte nada mais é do que o filtro <strong>de</strong> notícias que estabelece as<br />
regras discursivas. Neste sentido, i<strong>de</strong>ntificamos a sétima prática discursiva do JN<br />
<strong>em</strong> relação ao MST: o espetáculo editorial do enfrentamento entre polícia,<br />
fazen<strong>de</strong>iros e s<strong>em</strong>-terras, resultando na renovação do ciclo da violência.<br />
67 “O discurso jornalístico é aquele que relata a história enquanto ela está acontecendo (...). Ocorre que<br />
há muita coisa que acontece que você não vê n<strong>em</strong> ouve falar. Assim como o texto histórico, o texto<br />
jornalístico efetua recortes na realida<strong>de</strong>, privilegiando alguns acontecimentos <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong><br />
outros” (WALTY, 1985:69).<br />
148
5.8. Oitavo bloco <strong>de</strong> análise: os saques no Nor<strong>de</strong>ste - do fenômeno seca à<br />
construção <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> social<br />
Se o MST <strong>de</strong>ixa a esquerda atordoada, intriga também a imprensa, que ainda<br />
procura a construção <strong>de</strong> um discurso para enfrentar o fenômeno.(...) Da seca<br />
vista como incl<strong>em</strong>ente, como flagelo <strong>de</strong>vastador, como <strong>em</strong>ergência, passa-se à<br />
con<strong>de</strong>nação dos saques.(...) Ao que tudo indica, o governo e a imprensa<br />
continuarão a culpar o MST pelos saques, jogando a seca para baixo do<br />
tapete 68 (Emiliano José).<br />
Neste último bloco <strong>de</strong> análise foram focalizadas reportagens que<br />
anunciam outro tipo <strong>de</strong> violência praticada pelo MST: os saques <strong>de</strong> alimentos na<br />
região da seca no Nor<strong>de</strong>ste brasileiro. As seis reportagens que constam <strong>de</strong>ste<br />
bloco, como no bloco anterior, foram veiculadas no período <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> maio e 15 <strong>de</strong><br />
junho <strong>de</strong> 1998.<br />
Apesar <strong>de</strong>stas reportagens também se referir<strong>em</strong> a um mesmo t<strong>em</strong>a, como<br />
no sétimo bloco, elas se diferenciam por ter<strong>em</strong> implícitas <strong>em</strong> seus conteúdos a<br />
construção <strong>de</strong> um discurso <strong>em</strong> torno do fenômeno seca, que molda sua produção<br />
textual e icônica. Tais reportagens também traz<strong>em</strong> <strong>em</strong> si todo um contexto<br />
político, pois foram “produzidas” <strong>em</strong> uma época que antece<strong>de</strong>u as eleições<br />
presi<strong>de</strong>nciais.<br />
Antes <strong>de</strong> se focalizar as reportagens, <strong>de</strong>ve-se analisar este contexto<br />
político que acaba por envolver o MST, quase que responsabilizando-o pela<br />
miséria e fome pelas quais passa parte do sofrido povo nor<strong>de</strong>stino 69 .<br />
De acordo com a análise feita por José, seca no Nor<strong>de</strong>ste não é um<br />
fenômeno circunstancial, que ocorra <strong>de</strong> vez <strong>em</strong> quando, sendo, inclusive, prevista<br />
68 JOSÉ (1998:35-39).<br />
69 Com relação a esta abordag<strong>em</strong>, é preciso rel<strong>em</strong>brar OLIVEIRA DA SILVA (1998:152), quando o<br />
pesquisador analisa os quatro centros <strong>de</strong> interesse (inclusive a fome), pelos quais serv<strong>em</strong> como<br />
argumento persuasivo do jornalismo, levando o público a se i<strong>de</strong>ntificar com os fatos narrados. A<br />
solidarieda<strong>de</strong> que a repórter <strong>de</strong>screve, seria o resultado <strong>de</strong>sta estratégia argumentativa: “(...) o<br />
jornalismo apela para quatro centros <strong>de</strong> interesse: a fome, o medo da morte, o <strong>de</strong>sejo sexual e o<br />
instinto paternal. Tocando o humano, <strong>de</strong>masiado humano se alcançará todos os homens. Com<br />
uma condição, que é <strong>de</strong> não limitar-se a uma vaga evocação, mas precisar as circunstâncias, as<br />
causas e, mais ainda, as conseqüências. Pois se o interesse t<strong>em</strong> sua orig<strong>em</strong> na afetivida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>saparece na inteligência.”<br />
149
pelos que analisam os fenômenos climáticos. Além disso, seca é el<strong>em</strong>ento <strong>de</strong><br />
dominação no Nor<strong>de</strong>ste. Ela tanto po<strong>de</strong> propiciar recursos a fundo perdido para<br />
as oligarquias dominantes locais, como por ex<strong>em</strong>plo a “indústria da seca”, como<br />
assegurar a continuida<strong>de</strong> do domínio político <strong>de</strong>ssas mesmas oligarquias - os<br />
carros-pipa e as cestas <strong>de</strong> alimentos chegam aos locais e pessoas que interessam<br />
aos chefes políticos. Como evi<strong>de</strong>ncia o jornalista, “nada disso, lamentavelmente,<br />
nos é estranho, e não são poucas as <strong>de</strong>núncias recentes indicando a continuida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ssa práticas” 70 .<br />
Po<strong>de</strong> ser recordado que, quando a seca irrompeu no ano <strong>de</strong> 1998, como<br />
se fosse <strong>de</strong> fato uma <strong>em</strong>ergência e não algo previsível, o governo se chocou com<br />
a realida<strong>de</strong> dos fatos, “atrapalhado com a evidência, noticiada, <strong>de</strong> que <strong>em</strong>bora<br />
soubesse que ela viria, e com todo o rigor que veio, nada fez para enfrentá-la” 71 .<br />
A princípio, a mídia aponta esta inércia anterior do governo e, implicitamente,<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> não ter culpa por não antecipar os acontecimentos. Naquele<br />
momento, o probl<strong>em</strong>a já havia se agravado. Probl<strong>em</strong>a este que, para o governo,<br />
foi <strong>de</strong>sviado no sentido <strong>de</strong> se construir um discurso <strong>em</strong> torno do fenômeno da<br />
seca: os saques envolvendo lí<strong>de</strong>res e integrantes do MST.<br />
Na R1 e R2, há várias s<strong>em</strong>elhanças para ser<strong>em</strong> analisadas. A princípio,<br />
os textos dos apresentadores são b<strong>em</strong> parecidos. Na R1, Sandra An<strong>em</strong>berg diz:<br />
“A Polícia Fe<strong>de</strong>ral vai pedir a prisão <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res do MST acusados <strong>de</strong> provocar<br />
saques no Nor<strong>de</strong>ste”. Na R2, William Bonner fala: “A polícia fe<strong>de</strong>ral pe<strong>de</strong> a<br />
prisão preventiva <strong>de</strong> nove integrantes do MST, acusados <strong>de</strong> incentivar saques no<br />
Nor<strong>de</strong>ste. A justiça ainda vai <strong>de</strong>cidir se aceita ou não o pedido”.<br />
Um segundo fator comparativo é que ambas as reportagens apresentam<br />
repórteres apresentando ao público as ações <strong>de</strong> “brasileiros que viv<strong>em</strong> longe da<br />
seca”, fazendo “campanha para arrecadar alimentos para os flagelados.” Apesar<br />
das repórter ser<strong>em</strong> diferentes o texto também é s<strong>em</strong>elhante:<br />
70 JOSÉ (1998:34).<br />
71 Ibi<strong>de</strong>m.<br />
R1 - Repórter Mônica Silveira <strong>em</strong> off: Um Sábado <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> Cuiabá.<br />
Mais <strong>de</strong> 150 toneladas <strong>de</strong> alimentos e roupas foram arrecadadas <strong>em</strong> uma<br />
150
campanha organizada pela Polícia Rodoviária Fe<strong>de</strong>ral. As doações chegam<br />
Quinta-feira à Paraíba, ao Ceará e à Pernambuco.<br />
Repórter Mônica S: Na se<strong>de</strong> da SUDENE no Recife, uma reunião para discutir<br />
segurança na área da seca. Como fazer para evitar a ação <strong>de</strong> aproveitadores<br />
na distribuição <strong>de</strong> alimentos, e como evitar os saques?<br />
R2 - Zilei<strong>de</strong> Silva <strong>em</strong> off: Mais um dia <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>. São toneladas <strong>de</strong><br />
doações, alimentos e roupas <strong>de</strong> toda a parte do Brasil para os municípios mais<br />
atingidos pela seca. Aqui <strong>em</strong> Brasília, o Ministério da Justiça lançou o disque<br />
paz. O telefone é 0800-61-0022, para receber qualquer tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia sobre<br />
manipulação política dos saques. (...)<br />
Quando a repórter Mônica Silveira, entrevista a dona <strong>de</strong> casa Margarida<br />
Zanato, seu <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong>ixa claro o tom <strong>em</strong>otivo da reportag<strong>em</strong>, inclusive<br />
servindo como referência <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plo a ser seguido: “Eu queria ir pessoalmente<br />
entregar para ver meus irmãos sofridos, porque 30 anos que você sai <strong>de</strong> uma<br />
terra e vê uma reportag<strong>em</strong> como aquela, não é fácil.”<br />
A terceira s<strong>em</strong>elhança entre e R1 e R2 é a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> João Pedro<br />
Stédile como autor intelectual dos saques. O nome do lí<strong>de</strong>r do MST é anunciado<br />
como “manipulador”, “estimulador” e “incentivador” dos saques, tendo estes um<br />
contexto político:<br />
R1 - Repórter Mônica Silva <strong>em</strong> off: Representantes das polícias <strong>de</strong> todos os<br />
estados do Nor<strong>de</strong>ste participaram da discussão com o ministro da justiça,<br />
Renan Calheiros, que anunciou a criação do disque paz, um serviço gratuito<br />
para receber <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> manipulação política dos saques. O ministro<br />
também divulgou uma lista com o nome <strong>de</strong> 17 pessoas acusadas <strong>de</strong> estimular os<br />
saques. 16 são do MST, entre elas o lí<strong>de</strong>r nacional do movimento, João Pedro<br />
Stédile.<br />
R2 - Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva <strong>em</strong> off: (...) Manipulação que o próprio Ministério<br />
já i<strong>de</strong>ntificou <strong>em</strong> saques na BR-428 e na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arco Ver<strong>de</strong>- PE. Na<br />
<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> João Pedro Stédile, um dos principais lí<strong>de</strong>res do MST.<br />
Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva: Além <strong>de</strong> João Pedro Stédile, o Ministério da Justiça<br />
conseguiu i<strong>de</strong>ntificar outros 8 participantes do MST e hoje a Polícia Fe<strong>de</strong>ral<br />
abriu inquérito contra todos por incitação ao crime. A polícia pediu ainda a<br />
prisão preventiva <strong>de</strong>les (...).<br />
Especificamente na R2, um fato importante para ser analisado é com<br />
relação à repercussão da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> João Pedro Stédile <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo os saques,<br />
assim como autorida<strong>de</strong>s católicas do Brasil. Para o Ministro da Justiça, Renan<br />
Calheiros, a argumentação das autorida<strong>de</strong>s católicas é justificável e a do lí<strong>de</strong>r do<br />
MST é con<strong>de</strong>nável. Desta forma, evi<strong>de</strong>ncia-se uma contradição entre a<br />
ilegalida<strong>de</strong> do discurso <strong>de</strong> João Pedro Stédile e a legitimida<strong>de</strong> do discurso<br />
católico, mesmo que ambos <strong>de</strong>fendam um mesmo argumento. Além <strong>de</strong>ssa<br />
151
contradição discursiva, João Pedro Stédile, <strong>em</strong> momento algum foi ouvido nas<br />
reportagens:<br />
Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva: (...)Bispos da CNBB e o Ministro Sepúlveda Pertence<br />
do Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral também <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram os saques, mas para o<br />
Ministério da Justiça, a situação <strong>de</strong>les é diferente.<br />
Ministro Renan Calheiros: Talvez tenham feito isso apenas por questões<br />
humanitárias, enquanto que setores do MST, as suas mais expressivas<br />
li<strong>de</strong>ranças, fizeram a <strong>de</strong>fesa da apologia do crime e da incitação ao saque e à<br />
violência, objetivando quebrar a or<strong>de</strong>m constitucional e tirar divi<strong>de</strong>ndos<br />
políticos.<br />
Sobre este aspecto, po<strong>de</strong>-se recorrer às análises a respeito do caráter do<br />
telejornal com a sua informação fragmentada e fornecer globalmente uma<br />
representação da política 72 .<br />
No que se refere às reportagens 3, 4, 5 e 6, estas foram enunciadas<br />
apenas pelos apresentadores com textos curtos e diretos, s<strong>em</strong> a apresentação <strong>de</strong><br />
imagens, com exceção da R5. Todas estas reportagens também se ass<strong>em</strong>elham<br />
pelo tom <strong>de</strong> acusação, referente ao MST, estando o movimento “ligado” aos<br />
saques:<br />
R3 - William Bonner: 300 agricultores ligados ao MST roubam dois caminhões<br />
no interior <strong>de</strong> Pernambuco e exig<strong>em</strong> cestas básicas para <strong>de</strong>volver a carga. Os<br />
caminhões transportavam abóboras e gado.(...)<br />
R4 - Fátima Bernar<strong>de</strong>s: O MST faz mais um saque no interior <strong>de</strong> Pernambuco.<br />
400 pessoas levaram 3000 cestas básicas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>pósito do governo fe<strong>de</strong>ral <strong>em</strong><br />
Araipina. Uma mulher foi presa acusada <strong>de</strong> furto e formação <strong>de</strong> quadrilha.(...)<br />
R5 - Fátima Bernar<strong>de</strong>s: Um ataque <strong>de</strong> saqueadores no sertão <strong>de</strong> Pernambuco.<br />
Eles bloquearam a estrada <strong>em</strong> Santa Maria da Boa Vista, à 640 Km do Recife.<br />
Em off: O grupo do saque com 150 pessoas <strong>de</strong>scarregou <strong>em</strong> poucos minutos 3<br />
carretas com 80 toneladas <strong>de</strong> feijão e açúcar.(...)<br />
R6 - Fátima Bernar<strong>de</strong>s: Quatro s<strong>em</strong>-terra foram presos hoje <strong>em</strong> Curatá, a 600<br />
km <strong>de</strong> Salvador. Eles foram flagrados ven<strong>de</strong>ndo alimentos saqueados <strong>de</strong><br />
caminhões <strong>em</strong> Pernambuco.<br />
Neste sentido, po<strong>de</strong>-se recorrer novamente às consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Emiliano<br />
José, que focaliza o contexto catástrofe, que se revela mais pelas atitu<strong>de</strong>s do<br />
MST do que pela seca:<br />
72 Como salientou WOLF (1987:133), o telejornal, inserido no contexto da televisão, “é uma arena on<strong>de</strong>,<br />
continuamente, se suce<strong>de</strong>m pseudo-golpes <strong>de</strong> teatro, on<strong>de</strong> os t<strong>em</strong>as se afastam reciprocamente da<br />
atenção das pessoas s<strong>em</strong> que se possa enten<strong>de</strong>r b<strong>em</strong> o que se preten<strong>de</strong>”. Esta abordag<strong>em</strong> é <strong>de</strong>fendida<br />
por WEBER (1994:81), quando a autora relaciona a televisão e a política, no sentido <strong>de</strong> articulação,<br />
sustentação e mediação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> seus discursos, distintos, porém, cúmplices e “espetaculares”,<br />
caracterizando os <strong>de</strong>litos estéticos: “Política e televisão são dois po<strong>de</strong>rosos discursos marcados pela<br />
passionalida<strong>de</strong> da argumentação e da persuasão, através do caráter ilocutório da comunicação política,<br />
exigindo do receptor apoio, compreensão, votos, e da ubiquida<strong>de</strong> solidária da televisão ratificando, via<br />
programação, seu apoio incondicional ao sist<strong>em</strong>a vigente, às fugas e fantasias individiais”.<br />
152
O início dos saques a caminhões ou a supermercados e a armazéns <strong>de</strong>u-lhe<br />
régua e compasso para criar o que a socióloga argentina Irene Vasilachis <strong>de</strong><br />
Gialdino chama <strong>de</strong> contexto catástrofe. E aqui catástrofe não quer dizer mais a<br />
seca, e sim o espantalho <strong>de</strong> uma agitação político-social, com conseqüências<br />
imprevisíveis evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, nos termos do discurso que foi sendo montado a<br />
partir da existência dos saques. Claro que não eram apenas os saques. Dito<br />
assim, parecia muito simplismo. O probl<strong>em</strong>a é que os saques eram dirigidos<br />
pelo MST - eis a gran<strong>de</strong> questão. O perigo residia aí - era isso que se pretendia<br />
<strong>de</strong>monstrar. É possível ao governo, no entanto, fazer isso se não conta com a<br />
cumplicida<strong>de</strong> da mídia? Evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, não (JOSÉ, 1998:34-35).<br />
Mediante tais fatos, po<strong>de</strong>-se constatar que o JN quando reforça a<br />
interpretação do governo ajuda na construção <strong>de</strong> mais uma imag<strong>em</strong> negativa do<br />
MST. Imag<strong>em</strong> esta s<strong>em</strong>elhante à questão das invasões. Com os saques,<br />
presumivelmente <strong>de</strong>senvolvidos pelo MST, a catástrofe anunciada, que começou<br />
a se concretizar com a ação do movimento, passou a ser a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m social, a<br />
agitação constante e a violação dos direitos da proprieda<strong>de</strong> privada. O probl<strong>em</strong>a<br />
<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser a fome e o sofrimento <strong>de</strong> pessoas inocentes e passa a ser o MST e<br />
seus saques.<br />
Em cada reportag<strong>em</strong>, há uma <strong>de</strong>nominação diferente quanto à ligação do<br />
MST aos saques. O movimento vai se tornando cada vez mais “cúmplice” dos<br />
crimes <strong>em</strong> questão. Tal cumplicida<strong>de</strong> fica explícita nas expressões usadas pelos<br />
enunciadores: R1: “provocar saques/estimular saques” - R2: “incentivar saques/<br />
incitação aos saques/<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os saques” - R3: “roubar caminhões” (saque<br />
implícito) - R4: “faz saque” (saqueia) - R5: “ven<strong>de</strong>m alimentos saqueados”.<br />
Deve-se observar como o acontecimento vai sendo modificado, como<br />
argumentou Emiliano José:<br />
Da seca vista como incl<strong>em</strong>ente, como flagelo <strong>de</strong>vastador, como<br />
<strong>em</strong>ergência – o que é também uma visão falsa, que escon<strong>de</strong> a atitu<strong>de</strong><br />
das classes dominantes <strong>de</strong> nunca tê-la enfrentado, até porque é um<br />
instrumento importante <strong>de</strong> sobrevivência <strong>de</strong>ssas mesmas classes - ,<br />
que é a primeira atitu<strong>de</strong> da imprensa e do próprio governo, passa-se,<br />
através da execução <strong>de</strong> um discurso sist<strong>em</strong>ático, metódico, b<strong>em</strong><br />
trabalhado dos meios <strong>de</strong> comunicação à con<strong>de</strong>nação dos saques. A<br />
impressão que se t<strong>em</strong> é que tudo isso já é para , para além do<br />
enfrentamento do probl<strong>em</strong>a da seca, a construção também do discurso<br />
com vistas à sucessão presi<strong>de</strong>ncial (ibi<strong>de</strong>m:38-39).<br />
Como evi<strong>de</strong>nciou o próprio jornalista, <strong>em</strong> reportag<strong>em</strong> publicada no<br />
Jornal Folha <strong>de</strong> São Paulo, no dia 26 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998, a Polícia Fe<strong>de</strong>ral excluía o<br />
MST <strong>de</strong> 80% dos saques, através <strong>de</strong> um relatório que evi<strong>de</strong>nciava ser a maioria<br />
153
dos saques espontânea. Entretanto, esta mesma reportag<strong>em</strong> foi abordada pelo<br />
jornal, s<strong>em</strong> maior profundida<strong>de</strong> e n<strong>em</strong> foi noticiada no JN.<br />
Ao que tudo indica, governo e mídia estabeleceram um “pacto” para<br />
culpar o MST pelos saques. Talvez a Polícia Fe<strong>de</strong>ral seja orientada a não<br />
produzir relatórios como esse, pois o próprio Ministro da Justiça, Renan<br />
Calheiros, como foi evi<strong>de</strong>nciado na R1 e R2, disse manter a avaliação <strong>de</strong> que<br />
todos os saques foram organizados “pelo MST ou por sindicatos<br />
instrumentalizados pelo MST”, notícia esta divulgada no Jornal Folha <strong>de</strong> São<br />
Paulo, no mesmo dia 26 <strong>de</strong> maio.<br />
O que se percebe, mediante este campo <strong>de</strong> análise, é que as notícias que<br />
vinculam os saques ao MST realizam um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> comunicação a<strong>de</strong>quado à<br />
indústria cultural <strong>de</strong> massa, que procura atingir o consumidor/espectador/ eleitor<br />
pela espetacularização dos acontecimentos e dos personagens envolvidos na<br />
notícia: os s<strong>em</strong>-terras. Neste sentido, a questão da i<strong>de</strong>ologia se faz presente,<br />
estabelecendo uma estreita relação <strong>em</strong> mídia e política 73 .<br />
Neste momento, <strong>de</strong>paramo-nos com a oitava prática discursiva do JN<br />
sobre o MST: a construção do discurso dos saques <strong>em</strong> torno do fenômeno da<br />
seca do Nor<strong>de</strong>ste, construindo mais uma imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> violência do MST, <strong>em</strong><br />
vésperas <strong>de</strong> eleição presi<strong>de</strong>ncial. Como no discurso da “invasão”, o JN expõe<br />
uma imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> violência do MST, uma violência muito mais grave e com muito<br />
mais valor <strong>de</strong> espetáculo. De um fato social, a seca, passa-se a um fato político,<br />
inserido no contexto da catástrofe: o saque <strong>de</strong> alimentos que se <strong>de</strong>stinavam a<br />
minimizar a fome dos nor<strong>de</strong>stinos.<br />
73 A propaganda política e a linguag<strong>em</strong> mercadológica dos mídias po<strong>de</strong>m transformar as particularida<strong>de</strong>s<br />
da classe dominante e as das classes dominadas <strong>em</strong> idéias e valores comuns e universais. Este<br />
processo é <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado pela utilização <strong>de</strong> uma estética homogênea, que simula a igualda<strong>de</strong>, a<br />
participação e os resultados da integração entre governo e socieda<strong>de</strong>. O discurso da política<br />
apropriado pela propaganda continua a ser o oposto do discurso televisivo, pois não po<strong>de</strong> ter segredos,<br />
não seduz. Sua coerência está na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explicitar, <strong>de</strong> esgotar sua comunicação com<br />
promessas, <strong>em</strong> direção a vonta<strong>de</strong>s coletivas, objetivos sociais, segurança e estabilida<strong>de</strong>, com o <strong>de</strong>safio<br />
<strong>de</strong> transmitir confiança, verda<strong>de</strong>, coerência, <strong>de</strong>safio, tranqüilida<strong>de</strong>, integrida<strong>de</strong>, dignida<strong>de</strong>, moral..<br />
Este complexo e perigoso discurso t<strong>em</strong> <strong>de</strong> ser feito sob uma proteção carismática e pluralista,<br />
consi<strong>de</strong>rando que o leitor/telespectador/ouvinte exercerá sua condição <strong>de</strong> eleitor, <strong>de</strong>terminando a<br />
continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> discurso. (...) A estética e a linguag<strong>em</strong> da televisão permit<strong>em</strong> combinar,<br />
eficazmente, el<strong>em</strong>entos concretos, abstratos, passionais, míticos e explicações racionais a idéias e<br />
<strong>em</strong>oções” (WEBER, 1994:97).<br />
154
Regendo este contexto <strong>de</strong> violência anunciada, encontram-se governo e<br />
mídia que se articulam <strong>em</strong> uma sincronia própria das classes dominantes, <strong>em</strong><br />
vésperas <strong>de</strong> eleição 74 . Usam-se todas as estratégias possíveis. Jogam-se todas as<br />
cartas na mesa. Os s<strong>em</strong>-terras, suprimidos pela ditadura da versão dos fatos,<br />
tentam sobreviver a mais um ataque i<strong>de</strong>ológico-político-mediático. Do outro lado<br />
da tela, encontram-se os espectadores <strong>de</strong>ste cenário: os potenciais “re-eleitores”<br />
da política neoliberal, que acabou por vencer mais uma vez o jogo político, tendo<br />
como “retaguarda” o jogo discursivo do Jornal Nacional, repleto <strong>de</strong><br />
legitimida<strong>de</strong>, autorida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong>r.<br />
74 Os mass media, portanto, exerc<strong>em</strong> a influência que têm, na medida <strong>em</strong> que são algo mais do que um<br />
simples canal, através do qual a política dos partidos é apresentada ao eleitorado. Ao filtrar, estruturar<br />
e realçar <strong>de</strong>terminadas ativida<strong>de</strong>s públicas, o conteúdo dos mass media não se limita a transmitir quilo<br />
que os porta-vozes proclamam e aquilo que os candidatos afirmam (...) Não só durante a campanha<br />
mas também nos períodos intermédios, mas os mass media fornec<strong>em</strong> perspectivas, mo<strong>de</strong>lam as<br />
imagens dos candidatos e dos partidos, ajudam a promover os t<strong>em</strong>as sobre os quais versará a<br />
campanha e <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> a atmosfera específica e a área <strong>de</strong> relevância e <strong>de</strong> reativida<strong>de</strong> que assinala cada<br />
competição eleitoral” (Lang-Lang, citado por WOLF, 1987:126).<br />
155
6. RESUMO E CONCLUSÕES<br />
Tendo como meta analisar o discurso do Jornal Nacional acerca do<br />
Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra, este estudo i<strong>de</strong>ntificou as<br />
práticas discursivas que norteiam todo o processo discursivo do telejornal <strong>em</strong><br />
questão, no sentido <strong>de</strong> fabricar um consenso sobre o MST, através do<br />
enfeitiçamento da realida<strong>de</strong>, culminando no produto final: o espetáculo político<br />
articulado, on<strong>de</strong> se fun<strong>de</strong>m e apóiam-se o discurso telejornalístico e o discurso<br />
político. As oito práticas discursivas que foram i<strong>de</strong>ntificadas, estando inseridas<br />
no bojo analítico, constitu<strong>em</strong> todo o processo da indústria cultural da informação<br />
<strong>de</strong>ste telejornal.<br />
Este estudo perpassou por dimensões ligadas ao uso do po<strong>de</strong>r, i<strong>de</strong>ologia<br />
dominante, discurso e análise dos componentes básicos da notícia: falas e<br />
imagens. Visto que uma das representações do po<strong>de</strong>r social dá-se através do<br />
discurso, os que têm mais acesso aos vários tipos e meios <strong>de</strong> comunicação têm a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não só privilegiar o seu discurso, mas <strong>de</strong> controlar, através da<br />
produção da notícia, o discurso dos próprios meios.<br />
É através do discurso, manifestado no texto, nas falas e nas imagens, que<br />
estas relações <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r social se reproduz<strong>em</strong>. Tal é a importância <strong>de</strong>sta<br />
156
eprodução, que se fez urgente a realização <strong>de</strong>sta análise, mediante o longo e<br />
histórico probl<strong>em</strong>a da terra no Brasil.<br />
Ao trabalhar com conceitos como “dominação”, “relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r”,<br />
“produção e reprodução social”, aplicando-os aos estudos sobre os meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa, a análise do discurso do Jornal Nacional sobre o<br />
Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra contribuiu para uma<br />
compreensão mais ampla da comunicação como prática social, <strong>em</strong> interação com<br />
outras práticas, on<strong>de</strong> se manifestam contradições, formas <strong>de</strong> dominação,<br />
resistência e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformação social.<br />
O que foi verificado neste estudo é que todo o processo da produção da<br />
notícia veiculada no Jornal Nacional, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua seleção, passando pela coleta<br />
<strong>de</strong> dados até à edição, é i<strong>de</strong>ológico. E se as marcas i<strong>de</strong>ológicas vão aparecer no<br />
funcionamento discursivo, é no contexto mais amplo das relações sociais que a<br />
formação i<strong>de</strong>ológica se torna transparente.<br />
Foram i<strong>de</strong>ntificadas oito práticas discursivas que, <strong>de</strong> alguma forma,<br />
interligam-se <strong>em</strong> um processo <strong>de</strong> reafirmação e dominação do po<strong>de</strong>r da <strong>em</strong>issora<br />
Re<strong>de</strong> Globo e do Governo. Na seqüência das práticas discursivas evi<strong>de</strong>nciadas<br />
<strong>de</strong>scritas abaixo, nota-se uma estreita ligação, porque não dizer um<br />
“alinhamento”, ressaltando o sentido da violência e da ilegalida<strong>de</strong> por parte do<br />
MST, <strong>em</strong> contraposição à mídia e ao Governo, que, respectivamente, estão “a<br />
serviço da socieda<strong>de</strong>” e “cobrando da justiça o cumprimento das leis, realizando<br />
a maior reforma agrária brasileira”.<br />
Primeira prática discursiva: o ato da ocupação dos s<strong>em</strong>-terras,<br />
configura-se no discurso da invasão, proposto pelas vozes da enunciação do<br />
Jornal Nacional, apoiando <strong>em</strong> aspectos retóricos.<br />
Segunda prática discursiva: a articulação <strong>de</strong> vozes da enunciação e do<br />
enunciado que, ou <strong>de</strong>sautorizam ou anulam o discurso <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e <strong>de</strong><br />
protesto do MST.<br />
Terceira prática discursiva: a sustentação da força argumentativa da<br />
mídia, através da retórica da persuasão e da manipulação, inserida no jogo<br />
lingüístico do jornalismo.<br />
157
Quarta prática discursiva: a espetacularização das notícias, através do<br />
contexto da violência praticada pelo MST, construídas pelas imagens,<br />
promovendo um enfeitiçamento da realida<strong>de</strong>.<br />
Quinta prática discursiva: o espetáculo político articulado, legitimando<br />
as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do discurso i<strong>de</strong>ológico governamental.<br />
Sexta prática discursiva: legitimação retórica do po<strong>de</strong>r<br />
telejornalístico, através da humanização dos acontecimentos.<br />
Sétima prática discursiva: o espetáculo editorial do enfrentamento<br />
entre polícia, fazen<strong>de</strong>iros e s<strong>em</strong>-terras, resultando na renovação do ciclo da<br />
violência.<br />
Oitava prática discursiva: a construção do discurso dos saques <strong>em</strong><br />
torno do fenômeno da seca do Nor<strong>de</strong>ste, constituindo mais uma imag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />
violência do MST, <strong>em</strong> vésperas <strong>de</strong> eleição presi<strong>de</strong>ncial.<br />
Com relação à palavra e à imag<strong>em</strong>, <strong>em</strong> cada bloco <strong>de</strong> análise po<strong>de</strong> ser<br />
evi<strong>de</strong>nciado o importante papel <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhado por ambos componentes do<br />
telejornal.<br />
No primeiro bloco, a palavra assume uma força maior do que a imag<strong>em</strong>,<br />
sendo esta usada como ilustração. O discurso da invasão impõe-se como<br />
estratégia retórica do Jornal Nacional.<br />
No segundo bloco, as falas, ou seja, as palavras, novamente mostraram<br />
sua força argumentativa, pois o discurso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s foi editado <strong>de</strong> forma que<br />
se privilegiou o discurso do po<strong>de</strong>r, seja dos fazen<strong>de</strong>iros, dos Ministros, policiais,<br />
etc.<br />
No terceiro bloco, as falas dos apresentadores e repórteres se <strong>de</strong>stacaram<br />
na cena discursiva. A palavra, mais uma vez, foi imperiosa, s<strong>em</strong> contudo <strong>de</strong>ixar<br />
<strong>de</strong> se ancorar <strong>em</strong> aspectos visuais importantes, porém manipulados pela força do<br />
discurso argumentativo.<br />
No quarto bloco, as imagens prevaleceram. A força visual ganhou a<br />
cena discursiva, recebendo tratamento quase cin<strong>em</strong>atográfico. A imag<strong>em</strong> como<br />
espetáculo fez valer o sentido da realida<strong>de</strong> moldada pelas câmeras do Jornal<br />
Nacional.<br />
158
No quinto bloco, palavras e imagens se articulam. O uso <strong>de</strong> números,<br />
dados do governo e outros aspectos são veiculados pelo texto e pela imag<strong>em</strong> que<br />
se tornam cúmplices na cena discursiva.<br />
No sexto bloco, as imagens ganham mais <strong>de</strong>staque, <strong>de</strong>sta vez ancoradas<br />
por palavras que ajudam a reforçar o contexto da <strong>em</strong>oção.<br />
No sétimo bloco, a palavra até <strong>de</strong>terminado momento assumiu o po<strong>de</strong>r<br />
mediante a imag<strong>em</strong>. Logo após, as imagens se fizeram necessárias, pois os fatos<br />
precisavam ter a evidência do real, do repórter na cena discursiva, do espetáculo,<br />
propriamente dito.<br />
No oitavo bloco, novamente, a palavra volta a assumir seu po<strong>de</strong>r. A<br />
princípio, são as imagens que prevalec<strong>em</strong>, pois mostram a “solidarieda<strong>de</strong> das<br />
pessoas”, a “humanização dos acontecimentos”. Mas, logo <strong>em</strong> seguida, através<br />
<strong>de</strong> reportagens curtas, o discurso <strong>em</strong> torno dos saques é veiculado quase s<strong>em</strong><br />
imagens. Os apresentadores comandam as falas que vão, <strong>em</strong> uma or<strong>de</strong>m<br />
crescente, reforçando o sentido da violência dos saques, praticados, segundo o<br />
governo, pelo MST.<br />
O que po<strong>de</strong> ser percebido, mediante o contexto <strong>de</strong>stas análises, é que<br />
para a eficácia discursiva e i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong> comunicação proposta pelo Jornal<br />
Nacional, é preciso a “domesticação dos corpos”. Ou seja, ao longo <strong>de</strong>stes 18<br />
meses, os quais integraram todo o campo <strong>de</strong> análise das reportagens, o Jornal<br />
Nacional se referiu ao MST <strong>de</strong> várias maneiras diferentes, <strong>de</strong> acordo com cada<br />
contexto, <strong>de</strong> cada época das reportagens veiculadas. Na maioria das vezes, o<br />
MST praticou algum tipo <strong>de</strong> violência. Em raras exceções, sua luta é justa,<br />
<strong>em</strong>ociona e merece <strong>de</strong>staque.<br />
Este po<strong>de</strong>r da mídia sobre o movimento social, veiculando para a<br />
socieda<strong>de</strong> uma “versão dos fatos”, um “discurso fragmentado”, nada mais é do<br />
que resultado do filtro i<strong>de</strong>ológico pelo qual passam todas as reportagens que<br />
serão levadas a público. Entretanto, o aparelho i<strong>de</strong>ológico, no caso o Jornal<br />
Nacional, ancorado pelo po<strong>de</strong>r governamental, precisa do aparelho repressor, o<br />
MST. Se não houver a ocupação, não há a "invasão" que, por conseguinte, não se<br />
transforma <strong>em</strong> notícia. Dentro <strong>de</strong>sta mesma lógica, o projeto <strong>de</strong> transformação,<br />
159
no caso, a reforma agrária proposta pelo MST utiliza-se <strong>de</strong> forma estratégica, das<br />
ocupações como materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua ação e, a partir <strong>de</strong>la, constrói a dimensão<br />
i<strong>de</strong>ativa. Nesta relação se produz a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social, fort<strong>em</strong>ente ancorada nas<br />
representações e no imaginário social da população on<strong>de</strong> a terra é uma constante<br />
busca <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> nela planta e garante a sobrevivência da família.<br />
Assim, se por um lado, os aparelhos do Estado imputam a expulsão física<br />
e a construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “estrangeiros” ao direito privado, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do<br />
s<strong>em</strong>-terra se alinha a outras i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, mais ou menos crescentes, dos outros<br />
segmentos expropriados nas relações sociais <strong>de</strong> produção, criando um<br />
tencionamento sobre o que é o estrangeirismo. A disputa, <strong>de</strong>sta forma, faz-se no<br />
plano da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agenciamento da subjetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um movimento que se<br />
constituiu numa ação propositiva e construiu uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social forte. Neste<br />
contexto, este “estrangeirismo” é levado a público pelos meios <strong>de</strong> comunicação<br />
<strong>de</strong> massa, como uma ameaça à or<strong>de</strong>m social, ao po<strong>de</strong>r neoliberal.<br />
Desvendar o contexto como o Jornal Nacional sustenta este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r i<strong>de</strong>ológico, sobre um movimento social tão importante quanto o MST,<br />
po<strong>de</strong>rá ser uma contribuição para a construção mais <strong>de</strong>mocrática da realida<strong>de</strong>.<br />
Realida<strong>de</strong> esta, que, s<strong>em</strong> dúvida, precisa <strong>de</strong> uma repercussão mediática, para se<br />
tornar pública, s<strong>em</strong> contudo, receber um viés distorcido dos meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa, que, para isso, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> se <strong>de</strong>svincular das relações <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r estabelecidas com o governo e os governantes.<br />
A partir <strong>de</strong>ste ponto, prossegue-se o caminho para outras análises, sobre<br />
outras realida<strong>de</strong>s sociais, outras injustiças, mazelas, lutas, confrontos, po<strong>de</strong>res e<br />
po<strong>de</strong>rosos. O privilégio do discurso dominante só vai <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ter status <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r absoluto, <strong>de</strong> “quarto po<strong>de</strong>r”, quando a socieda<strong>de</strong>, consciente da realida<strong>de</strong><br />
dos fatos, passar a vê-los pelas lentes da verda<strong>de</strong>.<br />
Pensar hoje no Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra é pensar<br />
<strong>em</strong> uma conquista <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, que rompe com os mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong> dominação<br />
impostos pelos po<strong>de</strong>res opressores e simbólicos. A articulação <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />
como um todo que se opõe a várias esferas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, seja este mesclado ou<br />
160
mediatizado, supõe um novo <strong>de</strong>spertar, uma nova perspectiva <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia<br />
plena e s<strong>em</strong> refrações, ainda que tardia.<br />
161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
ADORNO, T.W. Televisão, consciência e indústria cultural. In: COHN, G.<br />
(Org.). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: T.A. Queiróz, 1987.<br />
p. 346-354.<br />
ALBUQUERQUE, A. Quer<strong>em</strong> roubar as cores da ban<strong>de</strong>ira do Brasil! Collor e o<br />
uso político dos símbolos nacionais no horário gratuito <strong>de</strong> propaganda<br />
eleitoral. In: F. NETO, A. Brasil, comunicação, cultura e política. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Diadorim, 1994. p. 100-116.<br />
ALMEIDA, A.M. Mídia eletrônica. Seu controle nos EUA e no Brasil. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1993. 181 p.<br />
ALMEIDA, G. Lógica econômica na TV; o eventual papel político da TV.<br />
Recife: INTERCOM, 1998a. 14 p. (CD-ROM).<br />
ALMEIDA, J. Ministro brinca com a opinião pública. Revista S<strong>em</strong>-terra, São<br />
Paulo, v. 2, n. 4, p. 25-26, 1998b.<br />
ALMEIDA FILHO, H. et al. O ópio do povo: extra realida<strong>de</strong>. São Paulo:<br />
Símbolo, 1976. 130 p. (Coleção Livro-Reportag<strong>em</strong>, 1).<br />
ALVES, F.J.C., PAULILLO, L.F. Reforma agrária e capitalismo no Brasil neste<br />
fim <strong>de</strong> século: os s<strong>em</strong>-terra e os s<strong>em</strong>-s<strong>em</strong>. In: TEIXEIRA, E.C. (Ed.).<br />
Reforma da política agrícola e abertura econômica. Viçosa, MG: UFV,<br />
1996. p. 85-99.<br />
162
ARAÚJO FILHO, F.U. A reforma agrária como estratégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
da agricultura brasileira e como medida fundamental <strong>de</strong> combate à fome. In:<br />
TEIXEIRA, E.C. (Ed.). Reforma da política agrícola e abertura<br />
econômica. Viçosa, MG: UFV, 1996. p. 101-107.<br />
ARRUDA, M.A.N. A <strong>em</strong>balag<strong>em</strong> do sist<strong>em</strong>a. São Paulo: Duas Cida<strong>de</strong>s, 1985.<br />
203 p.<br />
BACCEGA, M.A. Palavra e discurso; história e literatura. São Paulo: Ática,<br />
1995. 96 p.<br />
BAGGALEY, J.P., DUK, S.W. Análisis <strong>de</strong>l mensaje televisivo. Barcelona,<br />
Espanha: Gustavo Gilli, 1979. 180 p.<br />
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.<br />
90 p.<br />
BALTAZAR, J.M. Roland Barthes: contribuições para a teoria da comunicação.<br />
Comunicação e Socieda<strong>de</strong>, São Bernardo do Campo-SP, v. 10, n. 17, p.<br />
129-137, 1991.<br />
BARTHES, R. Retórica da imag<strong>em</strong>. Paris: Seuil, 1964a. 110 p.<br />
BARTHES, R. El<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> s<strong>em</strong>iologia. Lisboa: Edições 70, 1964b. 285 p.<br />
BARTHES, R. A mensag<strong>em</strong> fotográfica. In: LIMA, L.C. (Org.). Teoria da<br />
cultura <strong>de</strong> massa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 303-316.<br />
BARTHES, R. Crítica e verda<strong>de</strong>. São Paulo: Perspectiva/Fundo <strong>de</strong> Cultura,<br />
1986. 231 p.<br />
BENEYTO, J. Informação e socieda<strong>de</strong>. Petrópolis: Vozes, 1979. 207 p.<br />
BERGUER, C. Campos <strong>em</strong> confronto: a terra e o texto. Porto Alegre: UFRGS,<br />
1998. 223 p.<br />
BETO, F. Che, militante da justiça e do amor. Revista S<strong>em</strong>-Terra, São Paulo,<br />
v. 1, n. 1, p. 20-21, 1997.<br />
BORDENAVE, J.E.D. O que é comunicação? 11.ed. São Paulo: Brasiliense,<br />
1988. 106 p.<br />
BOSI, A. Plural, mas não caótico. In: BOSI, A. (Org.). Cultura brasileira -<br />
t<strong>em</strong>as e situações. São Paulo: Ática, 1987. 244 p.<br />
163
BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva,<br />
1974. 342 p.<br />
BOURDIEU, P. Sobre a televisão. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1997. 143 p.<br />
BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar,<br />
1987. 379 p.<br />
BREGUÊS, S. A televisão no Brasil. Ensinando a não pensar. [1998].<br />
(www.breguez.jor.br).<br />
BRESSER, D. A imag<strong>em</strong> dos telejornais. O povo acusa. Revista Imprensa, São<br />
Paulo, v. 9, n. 105, p. 25-28, 1996.<br />
CALABRESE, V. Come si ve<strong>de</strong> il telegiornale. Laterza: Bari, 1980. 160 p.<br />
CALENDÁRIO histórico dos trabalhadores. 3.ed. São Paulo: Setor <strong>de</strong> Educação<br />
do Movimento dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-terra, 1999. 84 p.<br />
CARDOSO, R. Socieda<strong>de</strong> civil e meios <strong>de</strong> comunicação no Brasil. In: MELO,<br />
J.M. (Org.). Comunicação e transição <strong>de</strong>mocrática. Porto Alegre:<br />
INTERCOM, Mercado Aberto, 1985. p. 118-136.<br />
CARVALHO, E. Telejornalismo; a década da tranquilida<strong>de</strong>. In: KHEL, M.R. et<br />
al. Anos 70: televisão. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Empresa Gráfica, 1980. p. 80-95.<br />
CASTRO, R.V. Representações sociais da prostituição na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro. In: SPINK, M.J. (Org.). O conhecimento no cotidiano: as<br />
representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo:<br />
Brasiliense, 1993. p. 149-187.<br />
CAUME, D.J. Tecnologia, violência e perspectiva <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento agrícola<br />
do movimento dos trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra. In: CONGRESSO<br />
BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 32, 1994,<br />
Brasília. Anais... Brasília: SOBER, 1994. p. 379-403.<br />
CAZENEUVE, J. El hombre telespectador. Barcelona: Gustavo Gilli, 1977.<br />
120 p.<br />
CHAUÍ, M. O que é i<strong>de</strong>ologia. São Paulo: Brasiliense, 1984. 125 p.<br />
CHAUÍ, M. Ética e violência. Teoria e Debate, São Paulo, v. 11, n. 39, p. 32-41,<br />
1998.<br />
164
CITTELLI, A., BACCEGA, M.A. Retórica da manipulação: os s<strong>em</strong>-terra nos<br />
jornais. Revista Comunicação e Artes, São Paulo, v. 14, n. 20, p. 23-29,<br />
1989.<br />
COELHO, T. O que é indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1980. 99 p.<br />
COELHO, T. O imaginário da morte. In: NOVAES, A. (Org.). Re<strong>de</strong> imaginária<br />
- televisão e <strong>de</strong>mocracia. São Paulo: Companhia das Letras, Secretaria<br />
Municipal <strong>de</strong> Cultura, 1991. p. 109-122.<br />
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA - CPT. [1997]. (www.cnbb.org.br/<br />
organismos/cpt.html).<br />
COMPARATO, F.K. É possível <strong>de</strong>mocratizar a televisão? In: NOVAES, A.<br />
(Org.). Re<strong>de</strong> imaginária - televisão e <strong>de</strong>mocracia. São Paulo: Companhia<br />
das Letras, Secretaria Municipal <strong>de</strong> Cultura, 1991. p. 300-309.<br />
COSTA, J.F. A consciência da doença enquanto consciência do sintoma: a<br />
“doença dos nervos” e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> psicológica. s.d. (Mimeogr.).<br />
COSTA, S., BRENER, J. Coronelismo eletrônico: o governo Fernando Henrique<br />
e o novo capítulo <strong>de</strong> uma velha história. Comunicação e Política, São<br />
Paulo, v. 4, n. 2, p. 29-53, 1997.<br />
COUTINHO, E. A astúcia. In: NOVAES, A. (Org.). Re<strong>de</strong> imaginária -<br />
televisão e <strong>de</strong>mocracia. São Paulo: Companhia das Letras, Secretaria<br />
Municipal <strong>de</strong> Cultura, 1991. p. 279-285.<br />
COUTO, A. Questão agrária na imprensa - o movimento dos trabalhadores<br />
rurais s<strong>em</strong>-terra na Folha <strong>de</strong> São Paulo. Londrina: INTERCOM, 1996.<br />
11 p. (Disquete).<br />
DALCHIAVON, F. Probl<strong>em</strong>as agrários e a proposta do MST <strong>de</strong> reforma agrária.<br />
In: TEIXEIRA, E.C. (Ed.). Reforma da política agrícola e abertura<br />
econômica. Viçosa, MG: UFV, 1996. p. 109-120.<br />
DIAS, S. Lógica do acontecimento - Deleuze e a filosofia. Porto:<br />
Afrontamento, 1995. 70 p.<br />
DIMBLERY, R., BURTON, G. Mais do que palavras: uma introdução à<br />
teoria da comunicação. São Paulo: Summus, 1990. 215 p.<br />
DOCUMENTO interno do movimento dos trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra. 1997.<br />
24 p.<br />
ECO, H. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1976. 391 p.<br />
165
FADUL, A. Televisão e i<strong>de</strong>ologia. In: NEOTTI, C. (Coord.). Comunicação e<br />
i<strong>de</strong>ologia. São Paulo: Loyola, 1980. p. 123-132.<br />
FAUSTO NETO, A. A <strong>de</strong>flagração do sentido: estratégias <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong><br />
captura da recepção. Salvador: Compós, 1991. 15 p. (Comunicação<br />
apresentada na reunião do GT do COMPÓS “Comunicação e Po<strong>de</strong>r”).<br />
FERNANDES, O. A questão agrária no Brasil. Belo Horizonte: Simpro, 1997.<br />
72 p.<br />
FILGUEIRAS, O. A justiça e a revolução. Revista S<strong>em</strong>-terra, São Paulo, v. 1,<br />
n. 2, p. 3-17, 1997.<br />
FIORIN, J.L. Linguag<strong>em</strong> e i<strong>de</strong>ologia. São Paulo: Ática, 1988. 87 p.<br />
FOUCAULT, M. A or<strong>de</strong>m do discurso. Campinas: Unicamp, 1973. 326 p.<br />
FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977. 95 p.<br />
FOUCAULT, M. Microfísica do po<strong>de</strong>r. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal, 1979. 77 p.<br />
FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Petrópolis: Vozes/Forense<br />
Universitária, 1986.<br />
FOWLER, R., HODGE, B., KRESS, G., TREM, T. Language and control.<br />
Londres: Routledge and Kegan Paul, 1979. 187 p.<br />
FOX, 1996.<br />
GERMER, C. Perspectivas das lutas sociais agrárias nos anos 90. In: STÉDILE,<br />
J.P. A questão agrária hoje. Porto Alegre: UFRGS, 1984. p. 259-284.<br />
GLEISER, L. Além da notícia: o Jornal Nacional e a televisão brasileira. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, 1983. 210 p. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciência da<br />
Comunicação) - Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1983.<br />
GOLDENSTEIN, G. Folhas ao vento: contribuição para o Estado da<br />
indústria cultural no Brasil. São Paulo: USP, 1985. 190 p. Tese<br />
(Doutorado <strong>em</strong> Ciência Política) - Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo Paulo, 1985.<br />
GOMES, W. Estratégia retórica e ética da argumentação na propaganda política.<br />
In: F. NETO, A. Brasil, comunicação, cultura e política. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Diadorim, 1994. p. 117-133.<br />
GOMES, A.M.O., NASCIMENTO, F.J.S. Política, MST e o Rei do Gado.<br />
Recife: INTERCOM, 1998. 17 p. (CD-ROM).<br />
166
GRAMSCI, A. A concepção dialética da história. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização<br />
Brasileira, 1978. 95 p.<br />
GREEN, M. Periodismo en TV. Buenos Aires: Troquel, 1973. 140 p.<br />
GRILLO, C. Mudanças têm caráter editorial. Folha <strong>de</strong> S. Paulo, São Paulo, 17<br />
mar. 1996. TV Folha, p. 7.<br />
GRZYBOWSKI, C. Caminhos e <strong>de</strong>scaminhos dos movimentos sociais no<br />
campo. Petrópolis: Vozes, 1991. 90 p.<br />
GUARESCHI, P.A. Comunicação e po<strong>de</strong>r: a presença e o papel dos meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa estrangeiros na América Latina. Petrópolis:<br />
Vozes, 1985. 88 p.<br />
GUARESCHI, P.A. A realida<strong>de</strong> da comunicação - visão geral do fenômeno. In:<br />
GUARESCHI, P.A. (Coord.). Comunicação e controle social. Petrópois:<br />
Vozes, 1991. p. 13-22.<br />
GUATTARI, F. Revolução molecular: as pulsações políticas do <strong>de</strong>sejo. São<br />
Paulo: Brasiliense, 1987. 72 p.<br />
HALLIDAY, T.L. A retórica das multinacionais: a legitimação das<br />
organizações pela palavra. São Paulo: Summus, 1987. 107 p.<br />
HAMBURGER, E. Cid Moreira é o símbolo da vênus platinada. Folha <strong>de</strong> S.<br />
Paulo, São Paulo, 01 abr. 1996. p. 4.<br />
HERBERS, R.G. Conflitos no campo: o que diz<strong>em</strong> os dados. Revista ABRA,<br />
Brasília, 1989.<br />
HERMAN, E.S., CHOMSKY, N. Manufacturing consent: the political<br />
economy of the mass media. New York: Pantheon Books, 1988. 412 p.<br />
HORKHEIMER, M., ADORNO, T.W. A indústria cultural: o iluminismo como<br />
mistificação <strong>de</strong> massa. In: LIMA, L.C. (Org.). Teoria da cultura <strong>de</strong> massa.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 159-204.<br />
JAMES, W. Pragmatismo e outros textos. São Paulo: Abril Cultural, 1985.<br />
60 p.<br />
JOFFE, H. Eu não, o meu grupo não: representações sociais transculturais da<br />
AIDS. In: GUARESCHI, P.A., JOVCHELOVITCHI, S. Textos <strong>em</strong><br />
representação social. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 297-322.<br />
JORNAL DO MOVIMENTO SINDICAL. A marcha da vitória. jun. 1997.<br />
167
JORNAL DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. O pão do povo<br />
(homenag<strong>em</strong> aos c<strong>em</strong> anos <strong>de</strong> Bertold Brecht). São Paulo, v. 16, n. 180,<br />
p. 20, 1998a.<br />
JORNAL DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. Violência no<br />
campo durante o governo FHC. São Paulo, v. 17, n. 181, p. 14, 1998b.<br />
JORNAL DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. Acredite se<br />
quiser: INCRA <strong>de</strong>volve o dinheiro porque não consegue gastar. São<br />
Paulo, v. 17, n. 181, p. 18, 1998c.<br />
JORNAL DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. A or<strong>de</strong>m é<br />
ninguém passar fome. São Paulo, v. 17, n. 181, p. 20, 1998d.<br />
JORNAL DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. Ministro<br />
Jungmann continua mentindo. São Paulo, v. 17, n. 187, p. 11, 1998e.<br />
JORNAL DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. I Festival <strong>de</strong><br />
Músicas da Reforma Agrária. São Paulo, v. 17, n. 187, p. 20, 1998f.<br />
JORNAL O GLOBO. Os s<strong>em</strong>-terra. 15 out. 1995.<br />
JOSÉ, E. Como a imprensa transforma o probl<strong>em</strong>a da seca no probl<strong>em</strong>a dos<br />
saques. Revista S<strong>em</strong>-Terra, São Paulo, v. 2, n. 4, p. 33-39, 1998.<br />
JUNQUEIRA, L. El<strong>em</strong>entos para um estudo da contribuição <strong>de</strong> Pierre<br />
Bourdieu à teoria das representações sociais. Refice: INTERCOM, 1998.<br />
14 p. (CD-ROM).<br />
KEHL, M.R., COSTA, A.H., SIMFES, I.F. Um país no ar - história da TV<br />
brasileira <strong>em</strong> 3 canais. São Paulo: Brasiliense/FUNARTE, 1986. 174 p.<br />
LAGE, N. I<strong>de</strong>ologia e técnica da notícia. Petrópolis: Vozes, 1982. 116 p.<br />
LAGE, N. Linguag<strong>em</strong> jornalística. São Paulo: Ática, 1985. 78 p.<br />
LANE, S.M.T. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1983. 88 p.<br />
(Coleção Primeiros Passos).<br />
LITKE, R. Violence et pouvoir. In: UNESCO. Revue internationale <strong>de</strong>s<br />
sciences sociales: penser la violence. Érès: 1992. 132 p.<br />
MACEDO, M.R.J., FONSECA, M.A.R. Os meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e<br />
a transformação social. Juiz <strong>de</strong> Fora: UFJF, 1985. 86 p. (Monografia <strong>de</strong><br />
graduação).<br />
168
MACEDO JÚNIOR, R.P. Foucault: o po<strong>de</strong>r e o direito. T<strong>em</strong>po Social, São<br />
Paulo, v. 2, n. 1, p. 151-176, 1990.<br />
MACIEL, P. Guia para falar (e aparecer b<strong>em</strong>) na televisão. Porto Alegre:<br />
Sagra-DC Luzzato, 1993. 103 p.<br />
MACLUHAN, M. Os meios <strong>de</strong> comunicação como extensão do hom<strong>em</strong>. São<br />
Paulo: Cultrix, 1964. 407 p.<br />
MAIA, P. Um novo telejornalismo e os limites da censura. Jornal do Brasil, Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro, 4 nov. 1979.<br />
MAINGUENEAU, D. Novas tendências <strong>em</strong> análise do discurso. Campinas:<br />
Pontes, 1989. 198 p.<br />
MARCONDES FILHO, C. Televisão. São Paulo: Scipione, 1984. 136 p.<br />
MARCONDES FILHO, C. O capital da notícia. São Paulo: Ática, 1986. 188 p.<br />
MARCONDES FILHO, C. Jornalismo fin-<strong>de</strong>-siècle. São Paulo: Scritta, 1993.<br />
152 p.<br />
MARIANI, B.S.C. Os primórdios da imprensa no Brasil (ou: <strong>de</strong> como o discurso<br />
jornalístico constrói m<strong>em</strong>ória). In: ORLANDI, E.P. (Org.). Discurso<br />
fundador. Campinas: Pontes, 1993. p. 31-42.<br />
MARTINS, J.S. Caminhada no chão da noite: <strong>em</strong>ancipação política e<br />
libertação dos movimentos sociais do campo. São Paulo: Hucitec, 1989.<br />
147 p.<br />
MATTOS, S. O controle dos meios <strong>de</strong> comunicação. Salvador: EDUFBA,<br />
1996. 100 p.<br />
MEDEIROS, L.S. História dos movimentos sociais no campo. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
FASE, 1989. 215 p.<br />
MERTON, R.K., LAZARSFELD, P.F. Comunicação <strong>de</strong> massa, gosto popular<br />
e a organização da ação social. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1990. 234 p.<br />
MICELI, S. Entre no ar <strong>em</strong> Belíndia: a indústria cultural hoje. Campinas:<br />
UNICAMP, 1984. 84 p.<br />
MICELI, S. O dia seguinte. In: NOVAES, A. (Org.). Re<strong>de</strong> imaginária -<br />
televisão e <strong>de</strong>mocracia. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria<br />
Municipal <strong>de</strong> Cultura, 1991. p. 196-202.<br />
169
MOTA, C.M.L. A produção <strong>de</strong> sentidos no telejornalismo. Brasília: UNB,<br />
1992. 151 p. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Comunicação) - Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Brasília, 1992.<br />
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. [s.d.].<br />
(www.sanet.com.br/~s<strong>em</strong>terra).<br />
NEIVA JÚNIOR, E. A imag<strong>em</strong>. São Paulo: Ática, 1986. 93 p.<br />
NEPOMUCENO, E.A. Construção da notícia. In: NOVAES, A. (Org.). A re<strong>de</strong><br />
imaginária. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal <strong>de</strong><br />
Cultura, 1991. p. 205-212<br />
OLIVEIRA DA SILVA, M. O mundo dos fatos e a estrutura da notícia: a<br />
notícia jornalística na perspectiva <strong>de</strong> Widttgenstein. Porto Alegre:<br />
Edipucrs, 1998. 173 p.<br />
OLIVEN, R.G. Violência e cultura no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1989. 86 p.<br />
ORLANDI, E.P. A linguag<strong>em</strong> e seu funcionamento. Campinas: Pontes, 1987.<br />
276 p.<br />
ORLANDI, E.P. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1988. 210 p.<br />
ORTIZ, R. A mo<strong>de</strong>rna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria<br />
cultural. São Paulo: Brasiliense, 1988. 222 p.<br />
PAILLET, M. Jornalismo: o quarto po<strong>de</strong>r. São Paulo: Brasiliense, 1986.<br />
197 p.<br />
PASQUALI, A. Sociologia e comunicação. Petrópolis: Vozes, 1973. 163 p.<br />
PÊCHEUX, M. Delimitações, inversões, <strong>de</strong>slocamento. Campinas: UNICAMP,<br />
1990. (Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Estudos Linguísticos, 19).<br />
PÊCHEUX, M. S<strong>em</strong>ântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio.<br />
Campinas: UNICAMP, 1995. 317 p.<br />
PÊCHEUX, M., FUCHS, C. Mises au point et perspectives à propos <strong>de</strong> l’analyse<br />
automatique du discours. In: Langages. Paris: Didier-Larousse, 1975. p. 7-<br />
80.<br />
PEIXOTO, N.B. As imagens da TV têm t<strong>em</strong>po. In: NOVAES, A. (Org.). Re<strong>de</strong><br />
imaginária. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal <strong>de</strong><br />
Cultura, 1991. p. 73-84.<br />
170
PETRAS, J. Ocupações <strong>de</strong> terras no Brasil. Revista S<strong>em</strong>-Terra, São Paulo, v. 1,<br />
n. 3, p. 26-30, 1998.<br />
POSSENTI, S. Discurso, estilo e subjetivida<strong>de</strong>. São Paulo: Martins Fontes,<br />
1993. 218 p.<br />
REGO, T.C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-social da educação.<br />
Petrópolis: Vozes, 1995. 83 p.<br />
REVISTA CADERNOS. O MST é um movimento social. São Paulo, 1996.<br />
REVISTA IMPRENSA. A esquerda ataca a imprensa. São Paulo, 1996.<br />
REVISTA IMPRENSA. João Pedro Stédile: o lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>-terr ataca<br />
jornalistas e <strong>em</strong>presários <strong>de</strong> comunicação. São Paulo, 1998.<br />
REVISTA MANCHETE. Um lí<strong>de</strong>r. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 20 jun. 1996.<br />
REVISTA TERCEIRO MUNDO. Não à invasão, sim à ocupação. São Paulo,<br />
1995a.<br />
REVISTA TERCEIRO MUNDO. O Brasil po<strong>de</strong> dispensar a reforma agrária?<br />
São Paulo, 1995b.<br />
REVISTA TERCEIRO MUNDO. A socieda<strong>de</strong> toda é responsável. São Paulo,<br />
1995c.<br />
REVISTA VEJA. Lição da marcha <strong>de</strong>scalça. São Paulo, v. 30, n. 16, p. 26-27,<br />
23 abr. 1997.<br />
REVISTA VEJA. O show <strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> das 8. São Paulo, v. 31, n. 39, p. 46-48,<br />
30 set. 1998a.<br />
REVISTA VEJA. A esquerda com raiva. São Paulo, v. 31, n. 22, 3 jun. 1998b.<br />
(capa).<br />
REZENDE, G.J. O papel do código verbal no telejornalismo. São João <strong>de</strong>l Rei:<br />
FUNREI, 1997. 16 p.<br />
REZENDE, G.J. Papel editorial do telejornalismo brasileiro. São Bernardo do<br />
Campo: UMESP, 1998. 288 p. Tese (Doutorado <strong>em</strong> Ciência da<br />
Comunicação) - Universida<strong>de</strong> Metodista <strong>de</strong> São Paulo, 1998.<br />
ROCCO, M.T.F. Linguag<strong>em</strong> autoritária - televisão e persuasão. São Paulo:<br />
Brasiliense, 1989. 201 p.<br />
171
ROCCO, M.T.F. As palavras na TV: um exercício autoritário? In: NOVAES, A.<br />
(Org.). A re<strong>de</strong> imaginária. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria<br />
Municipal <strong>de</strong> Cultura, 1991. p. 240-256.<br />
RODRIGUES, M.R. Do agenda setting ao Congresso Nacional: um processo<br />
<strong>de</strong> muitas vias. Recife: INTERCOM, 1998. 30 p. (CD-ROM).<br />
RONDELLI, E. Televisão: modos <strong>de</strong> ver, modos <strong>de</strong> dizer. In: F. NETO, A.<br />
(Org.). Brasil, comunicação, cultura e política. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Diadorim,<br />
1994. p. 126-241.<br />
RONDELLI, E. Imagens da violência - práticas discursivas. T<strong>em</strong>po Social, São<br />
Paulo, v. 10, n. 2, p. 145-157, 1998.<br />
ROTHMAN, F.D. O movimento dos s<strong>em</strong>-terra e as ocupações: agravamento ou<br />
resolução do probl<strong>em</strong>a. Economia Rural, Viçosa, v. 6, n. 1/2, p. 4-7, 1995.<br />
RUFINO, P. O canto da terra. São Paulo: Casa <strong>de</strong> Cin<strong>em</strong>a, 1991. (Ví<strong>de</strong>o<br />
Documentário).<br />
SÁ, A.A.B. Jornal Nacional - política e i<strong>de</strong>ologia. Campinas: UNICAMP,<br />
1992. 191 p. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciência Política) - Universida<strong>de</strong><br />
Estadual <strong>de</strong> Campinas, 1992.<br />
SÁ, A.A.B. Jornal Nacional: i<strong>de</strong>ologia e discurso. In: F. NETO, A. (Org.).<br />
Brasil, comunicação, cultura e política. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Diadorim, 1994.<br />
p. 309-327.<br />
SANTAELLA, L. Cultura das mídias. São Paulo: Razão Social, 1992. 178 p.<br />
SANTOS, S.A. Jovens e crianças s<strong>em</strong>-terra participam do concurso “O Brasil<br />
que quer<strong>em</strong>os”. Revista S<strong>em</strong>-Terra, São Paulo, v. 2, n. 6, p. 50-51, 1999.<br />
SCHERER-WARREN, I. Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> movimentos sociais. São Paulo: Loyola,<br />
1993. 205 p.<br />
SILVA, C.E.L. Muito além do Jardim Botânico: um estudo sobre a<br />
audiência do Jornal Nacional da Globo sobre trabalhadores. São Paulo:<br />
Summus, 1985. 161 p.<br />
SILVA, L.M.N.M. "Segurança e <strong>de</strong>senvolvimento": a comunicação do Governo<br />
Medici. Comunicação & Desenvolvimento, São Paulo, v. 9, n. 55, p. 35-54,<br />
1986.<br />
SILVA, J.G. A reforma agrária brasileira na virada do milênio. Campinas:<br />
ABRA, 1996. 246 p.<br />
172
SIQUEIRA, D.C.O. Ciência na televisão: mito, ritual e espetáculo. Revista<br />
Brasileira <strong>de</strong> Ciências da Comunicação, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 57-69,<br />
1998.<br />
SODRÉ, M. O monopólio da fala. Petrópolis: Vozes, 1977. 110 p.<br />
SPINK, M.J. (Org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais<br />
na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1993. 75 p.<br />
STAM, R. O telejornal e seu espectador. São Paulo: CEBRAP, 1985. 142 p.<br />
(Novos Estudos, 13).<br />
STAM, R. Bakhtin: da teoria literária cultura <strong>de</strong> massa. São Paulo: Ática,<br />
1992. 104 p.<br />
STÉDILE, J.P. (Coord.). A questão agrária e o socialismo. In: ____. A questão<br />
agrária hoje. Porto Alegre: UFRGS, 1984. p. 306-322.<br />
THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. São Paulo: Paz e<br />
Terra, 1987. 207 p.<br />
TILBURG, J.L.V. Para uma leitura crítica da televisão. São Paulo: Paulinas,<br />
1984. 71 p.<br />
TORRENS, J.C.S. O processo <strong>de</strong> construção das linhas políticas do movimento<br />
dos trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra. In: MEDEIROS, L. (Org.).<br />
Assentamentos rurais: uma visão multidisciplinar. São Paulo: UNESP,<br />
1994. p. 145-156.<br />
TRISTÃO, M.B. A construção do discurso jornalístico: do fato à notícia.<br />
Juiz <strong>de</strong> Fora: UFJF, 1993. 168 p. (Monografia <strong>de</strong> graduação).<br />
VELA, H.G. A comunicação da reforma agrária: <strong>de</strong>sinformação e rumores.<br />
São Paulo: INTERCOM, 1987. p. 59-74. (Ca<strong>de</strong>rnos INTERCOM).<br />
VIEIRA, G. Complexo <strong>de</strong> Clark Kent: são super-homens os jornalistas? São<br />
Paulo: Summus, 1991. 135 p.<br />
VIEIRA, S.M.F. Telejornal: um caso <strong>de</strong> s<strong>em</strong>iótica. Recife: INTERCOM,<br />
1998. 14 p. (CD-ROM).<br />
VILCHES, L. La televisión. Los efectos <strong>de</strong>l bien y <strong>de</strong>l mal. Barcelona,<br />
Espanha: Paidós, 1993. 205 p.<br />
VILCHES, L. La lectura <strong>de</strong> la imagen. Prensa, cine, televisión. Barcelona,<br />
Espanha: Paidós, 1995. 248 p.<br />
173
VOYENNE, B. La prensa en la socieda<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>poránea. Madri: Nacional,<br />
1968. 141 p.<br />
WALTY, I.L.C. O que é ficção. São Paulo: Brasiliense, 1985. 82 p.<br />
WEBER, M. Economia y sociedad. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica,<br />
1987. 251 p.<br />
WEBER, M.H. Delitos estéticos (a política na televisão). In: F. NETO, A.<br />
Brasil, comunicação, cultura e política. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Diadorim, 1994.<br />
p. 80-99.<br />
WELLS, J.R. Subconsumo, tamanho <strong>de</strong> mercado e padrões <strong>de</strong> gastos<br />
familiares no Brasil. São Paulo: Brasileira <strong>de</strong> Ciências, 1975. 97 p.<br />
(Estudos CEBRAP, 17).<br />
WOLF, M. Teorias da comunicação. Lisboa: Presença, 1987. 249 p.<br />
174
APÊNDICES
APÊNDICE C<br />
Quadro 1C - Dados das ocupações <strong>de</strong> 1999<br />
Fonte: MST.<br />
Estado<br />
Atualizado: 4/06/99<br />
162<br />
Ocupação MST<br />
Número Famílias<br />
AL 17 3.254<br />
CE 3 370<br />
ES 2 200<br />
GO 2 420<br />
MA 3 412<br />
MG 3 378<br />
MS 4 2.200<br />
MT 1 700<br />
PA 5 2.300<br />
PE 40 5.023<br />
PB 7 831<br />
PI 1 70<br />
PR 35 2.472<br />
TO 7 720<br />
RJ 3 360<br />
RN 2 270<br />
SE 8 883<br />
SC 1 500<br />
SP 3 1.756<br />
TOTAL 147 23.119
APÊNDICE D<br />
Quadro 1D - Dados dos acampamentos <strong>de</strong> 1999<br />
Fonte: MST.<br />
Estado<br />
Atualizado: 4/06/1999.<br />
163<br />
Acampamentos MST<br />
Número Famílias<br />
AL 31 7.868<br />
BA 39 4.113<br />
CE 3 370<br />
DF 1 40<br />
ES 5 700<br />
GO 9 1.796<br />
MA 13 1.924<br />
MG 7 868<br />
MS 4 2.200<br />
MT 4 2.800<br />
PA 10 3.321<br />
PB 13 1.866<br />
PE 133 18.048<br />
PI 7 611<br />
PR 103 6.194<br />
TO 7 720<br />
RJ 7 1.030<br />
RN 13 953<br />
RO 8 909<br />
RS 5 3.700<br />
SC 13 3.242<br />
SE 34 3.471<br />
SP 30 5.703<br />
TOTAL 499 72.447
APÊNDICE F<br />
TRANSCRIÇÃO DAS REPORTAGENS<br />
PRIMEIRO BLOCO<br />
R1<br />
Exibição: 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: MST alicia trabalhadores urbanos para participar <strong>de</strong> invasões.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentador William Bonner “O MST torna mais agressiva sua estratégia. Passará a<br />
invadir terras <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas estatais que estão <strong>em</strong> processo<br />
<strong>de</strong> privatização como a Vale do Rio Doce. Invadirá terras<br />
próximas à capitais e está aliciando trabalhadores urbanos<br />
1 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras reunidos.<br />
2 - Placa da fazenda. Abre zoom nos s<strong>em</strong>terras.<br />
3 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras cortando cercas com<br />
alicate.<br />
4 - PG <strong>de</strong> homens armados.<br />
5 - PG <strong>de</strong> carro <strong>em</strong> movimento com homens<br />
armados.<br />
6 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />
7 - PG <strong>de</strong> carros.<br />
8 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />
9 - Pan da polícia militar e s<strong>em</strong>-terras.<br />
10 - Close <strong>em</strong> armas.<br />
11 - PM <strong>de</strong> homens sendo presos.<br />
para participar das invasões.”<br />
Repórter Marcelo Rezen<strong>de</strong> <strong>em</strong> off:<br />
“Foi nessa reunião que os chefes do MST <strong>de</strong>cidiram<br />
invadir a fazenda Santa Rita, on<strong>de</strong> no ano passado<br />
renasceu a UDR. Os s<strong>em</strong>-terras cortaram o arame das<br />
cercas, arrancaram estacas com as mãos e a machadadas.<br />
Os pistoleiros contratados para proteger a fazenda,<br />
primeiro observaram, e <strong>em</strong> seguida atiraram para o alto.<br />
Alguns seguranças <strong>de</strong>safiaram os s<strong>em</strong>-terra. Em menos <strong>de</strong><br />
cinco minutos, a invasão. No mato, os pistoleiros correram<br />
e se armaram ainda mais. Tiros. Os s<strong>em</strong>-terra recuaram<br />
correndo. Foi a vez da polícia militar, que a tudo assistia,<br />
intervir. Afastaram os s<strong>em</strong>-terras. Apreen<strong>de</strong>ram<br />
espingardas, escopetas e revólveres dos pistoleiros, e<br />
pren<strong>de</strong>ram quatro <strong>de</strong>les. Um é soldado da polícia militar<br />
no Mato Grosso do Sul."<br />
Imagens Áudio<br />
160
Repórter Marcelo Rezen<strong>de</strong><br />
(PG <strong>de</strong> acampamento ao fundo)<br />
1 - PM <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />
2 - Repórter conversando com José Rainha.<br />
3 - Mapa do Brasil.<br />
4 - Zoom aproximando a imag<strong>em</strong> no Estado do<br />
Pa-rá.<br />
“Os chefes do MST têm certeza <strong>de</strong> que se não partir<strong>em</strong><br />
para o confronto vão acabar encurralados entre os<br />
fazen<strong>de</strong>iros e o que eles chamam <strong>de</strong> posição <strong>de</strong><br />
neutralida<strong>de</strong> do governo. A estratégia do movimento é<br />
atacar com mais agressivida<strong>de</strong> do que no ano passado. Os<br />
s<strong>em</strong>-terras vão invadir perto das capitais e áreas estatais<br />
que estejam nos projetos <strong>de</strong> privatização dos governos<br />
estaduais e fe<strong>de</strong>ral.”<br />
Marcelo Rezen<strong>de</strong> <strong>em</strong> off:<br />
“Segundo o MST, o alvo número um é a Vale do Rio Doce.<br />
O ataque previsto é no sul do Pará, on<strong>de</strong> a Vale t<strong>em</strong> o<br />
projeto Carajás e reservas <strong>de</strong> minério e ouro.”<br />
Fala <strong>de</strong> José Rainha “As terras na Vale do Rio Doce que estão improdutivas, é<br />
possível os trabalhadores se mobilizar<strong>em</strong> e ocupar<strong>em</strong> para<br />
1 - Close na ban<strong>de</strong>ira do MST.<br />
2 - Abre zoom <strong>em</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />
3 - PM <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras discursando.<br />
4 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras levantando instrumentos<br />
<strong>de</strong> trabalho.<br />
5 - Mapa do Brasil com close no Estado <strong>de</strong> São<br />
Paulo.<br />
6 - Mapa do Brasil.<br />
7 - Número na tela (244 acampamentos <strong>em</strong> 22<br />
es-tados – 200 mil pessoas acampadas – 1<br />
milhão <strong>de</strong> pessoas <strong>em</strong> assentamentos).<br />
8 - PG <strong>de</strong> pessoas conversando.<br />
9 - Plano Fechado <strong>em</strong> Diolinda.<br />
10 - PG <strong>de</strong> Diolinda conversando com dois<br />
traba-lhadores que estão almoçando.<br />
11 - Plano fechado <strong>de</strong> Diolinda agachada<br />
conver-sando com um trabalhador.<br />
Fala <strong>de</strong> Diolinda Alves <strong>de</strong> Souza<br />
Close <strong>de</strong> Diolinda<br />
(Jornal Nacional - 13/01/97)<br />
fazê-las produzir.”<br />
Repórter Marcelo Rezen<strong>de</strong> <strong>em</strong> off:<br />
“A idéia <strong>de</strong> avançar sobre terras ricas perto das capitais<br />
vai começar, segundo o MST, no mês que v<strong>em</strong>, <strong>em</strong> São<br />
Paulo. O movimento levantou <strong>em</strong> cartório que exist<strong>em</strong><br />
terras <strong>de</strong>volutas e super valorizadas <strong>em</strong> Ourinhos e Jaú,<br />
regiões nobres do estado a cerca <strong>de</strong> 300 km da capital.<br />
Atualmente são 244 acampamentos <strong>em</strong> 22 estados do País.<br />
Quase 200.000 s<strong>em</strong>-terra fora um milhão <strong>de</strong> pessoas <strong>em</strong><br />
assentamentos que po<strong>de</strong>m ser mobilizados rapidamente, e<br />
a busca por mais gente não para. Em São Paulo a missão<br />
foi confiada a Diolinda Alves <strong>de</strong> Souza, mulher <strong>de</strong> José<br />
Rainha. Ela está percorrendo fábricas e usinas no interior<br />
do estado, convencendo gente <strong>de</strong>mitida ou insatisfeita a<br />
formar novos grupos.”<br />
“É um dos <strong>de</strong>safios nossos para esse ano <strong>de</strong> 97, trabalhar<br />
com esses trabalhadores e trazer eles pro processo <strong>de</strong><br />
Reforma Agrária.”<br />
161
R2<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1997 (mesma edição anterior).<br />
T<strong>em</strong>a central: Assentados acusam MST <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> dinheiro.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s “Em Sergipe, um projeto <strong>de</strong> assentamento que o MST<br />
consi<strong>de</strong>ra ex<strong>em</strong>plar divi<strong>de</strong> opiniões. Assentados acusam o<br />
MST <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> dinheiro e <strong>de</strong>nunciam o fracasso do<br />
projeto Quissamã.”<br />
1 – PG <strong>de</strong> hom<strong>em</strong> trabalhando com enxada.<br />
2 – Pan <strong>de</strong> casa com s<strong>em</strong>-terras.<br />
3 – PG do assentamento.<br />
4 – PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />
5 – PG <strong>de</strong> homens trabalhando.<br />
6 – Plano fechado da produção (animais).<br />
Repórter Ruth Rodrigues <strong>em</strong> off:<br />
“O povoado Quissamã fica <strong>em</strong> São Cristóvão, a 25 km<br />
<strong>de</strong> Aracaju. A área foi invadida <strong>em</strong> 1991 por 111<br />
famílias e <strong>de</strong>sapropriada dois anos <strong>de</strong>pois. Das 111<br />
famílias, apenas 37 ficaram no assentamento. As outras<br />
foram <strong>em</strong>bora porque não se adaptaram ao sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />
trabalho <strong>de</strong>cidido para a comunida<strong>de</strong>, o coletivo. Todo o<br />
serviço é dividido igualmente. Os coor<strong>de</strong>nadores do<br />
assentamento receberam R$ 200.000,00 que serão<br />
pagos <strong>em</strong> sete anos."<br />
Repórter Ruth Rodrigues “Alguns assentados <strong>de</strong>cidiram falar. Fizeram <strong>de</strong>núncias<br />
sérias contra o MST, a maneira do movimento administrar<br />
a área e principalmente o dinheiro do projeto. Segundo<br />
eles, a muito t<strong>em</strong>po faliu a idéia <strong>de</strong> coletivo.”<br />
Fala do Assentado 1 “Nós não receb<strong>em</strong>os nada até agora.”<br />
Fala do Assentado 2 “Só t<strong>em</strong> débito, nunca passa <strong>de</strong> débito...”<br />
Fala do Assentado 3 “Fracassamos. Os trabalhadores fracassaram no<br />
investimento do projeto.”<br />
1 – PGs <strong>de</strong> casas vazias. Repórter Ruth Rodrigues <strong>em</strong> off:<br />
“O diretor do MST <strong>em</strong> Sergipe, João Daniel, discorda das<br />
críticas.”<br />
Fala <strong>de</strong> João Daniel “Não existe nenhum tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio...”<br />
(Jornal Nacional – 13/01/97)<br />
R3<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 21 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: MST ameaça invadir usina <strong>de</strong> álcool com probl<strong>em</strong>as trabalhistas.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s “Depois <strong>de</strong> aliciar operários <strong>em</strong> porta <strong>de</strong> fábricas <strong>em</strong> São<br />
Paulo, o MST, Movimento dos S<strong>em</strong>-Terra agora t<strong>em</strong> mais<br />
uma priorida<strong>de</strong>: invadir uma usina <strong>de</strong> álcool com<br />
1 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras com ban<strong>de</strong>iras <strong>em</strong> frente a<br />
se<strong>de</strong> do INCRA.<br />
2 - Close da ban<strong>de</strong>ira do MST.<br />
3 - Pan <strong>de</strong> pessoas na se<strong>de</strong> do INCRA.<br />
4 - PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras com ban<strong>de</strong>iras.<br />
5 - PG da usina referida e s<strong>em</strong>-terras.<br />
6 - PM <strong>de</strong> pessoas subindo <strong>em</strong> cerca.<br />
7 - PM <strong>de</strong> pessoas quebrando mesas e ca<strong>de</strong>iras.<br />
(não eram s<strong>em</strong>-terras).<br />
probl<strong>em</strong>as trabalhistas.”<br />
Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />
“400 s<strong>em</strong>-terras tomaram hoje a se<strong>de</strong> do INCRA, para<br />
exigir a liberação <strong>de</strong> 2.500.000 <strong>de</strong> reais para a construção<br />
<strong>de</strong> uma fábrica <strong>de</strong> farinha. Ont<strong>em</strong>, mais uma fazenda foi<br />
invadida na região do Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a. A usina<br />
que o MST ameaça invadir fica a 1 km <strong>de</strong> distância. Na<br />
s<strong>em</strong>ana passada os funcionários da usina quebraram as<br />
instalações porque estavam s<strong>em</strong> receber há três meses. A<br />
nova estratégia dos s<strong>em</strong>-terras foi confirmada pelo chefe<br />
162
do movimento José Rainha.”<br />
Fala <strong>de</strong> José Rainha “Se estiver improdutivo, os trabalhadores vão ocupar.”<br />
(Jornal Nacional – 7/02/97)<br />
163
R4<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Tensão <strong>em</strong> fazenda goiana invadida pelo MST.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentador William Bonner “Tensão na fazenda Santa Rosa, <strong>em</strong> Itaberaí, Goiás. Termina<br />
amanhã o prazo para retirada <strong>de</strong> 400 famílias que invadiram o<br />
local a um ano.”<br />
William Bonner <strong>em</strong> off:<br />
“A fazenda está cercada por policiais militares. Ninguém<br />
passa. Os invasores diz<strong>em</strong> que vão partir para o confronto. Até<br />
crianças estão armadas com pedaços <strong>de</strong> pau.”<br />
(Jornal Nacional – 10/06/97)<br />
R5<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 22 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Grupo <strong>de</strong> ex-s<strong>em</strong>-terra inva<strong>de</strong> nova área e faz chantag<strong>em</strong> como<br />
governo.<br />
Apresentador William Bonner<br />
Imagens Áudio<br />
Fala <strong>de</strong> Dionilson Marcon (coor<strong>de</strong>nador do<br />
MST)<br />
Repórter Jonas Campos<br />
Gilberto Mosmann (secretário <strong>de</strong> Estado)<br />
(Jornal Nacional – 22/07/97)<br />
“Um grupo <strong>de</strong> ex-s<strong>em</strong>-terra do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul inva<strong>de</strong> uma<br />
nova área e faz chantag<strong>em</strong> com o governo do estado. Os<br />
invasores já foram assentados <strong>em</strong> outro local mas ocuparam o<br />
terreno on<strong>de</strong> será construída uma montadora <strong>de</strong> carros e<br />
exig<strong>em</strong> dinheiro para saír<strong>em</strong> do local.”<br />
Repórter Jonas Campos <strong>em</strong> off:<br />
“Os 800 colonos vieram <strong>em</strong> vários ônibus fretados pelo MST.<br />
São agricultores já assentados e pequenos produtores rurais.<br />
Na área reservada para a construção da fábrica eles montaram<br />
o acampamento. Os colonos que invadiram o terreno criticam<br />
o <strong>em</strong>préstimo <strong>de</strong> 253 milhões <strong>de</strong> reais para a construção da<br />
montadora da General Motors.”<br />
“Quer<strong>em</strong>os que o governo do estado traga companheiros<br />
assentados, os pequenos agricultores e os trabalhadores<br />
gaúchos da mesma forma que traz<strong>em</strong> a GM. Policiais do<br />
Pelotão <strong>de</strong> Choque da Brigada Militar e do Grupo <strong>de</strong><br />
Atiradores <strong>de</strong> Elite cercaram a área. Durante todo o dia, o<br />
clima foi tenso.”<br />
“O governador Antônio Brito afirmou que não vai negociar<br />
com os invasores e <strong>de</strong>cidiu pedir na justiça a reintegração <strong>de</strong><br />
posse da proprieda<strong>de</strong>. 250 policiais militares permanec<strong>em</strong> aqui<br />
<strong>de</strong> prontidão. Eles já estão com a operação <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo<br />
completamente montada, mas só vão agir <strong>de</strong>pois da<br />
autorização judicial.”<br />
“Não se dialoga com qu<strong>em</strong> toma uma atitu<strong>de</strong> radical <strong>de</strong> tomar<br />
a terra para <strong>de</strong>pois tentar propor.”<br />
Repórter Jonas Campos <strong>em</strong> off:<br />
“Enquanto que os assentados invadiam a área da fábrica, os<br />
diretores da GM participavam da solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lançamento da<br />
obra. Eles esperam que a invasão não atrase o cronograma <strong>de</strong><br />
obras previsto para ser concluído <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro do ano que<br />
v<strong>em</strong>.”<br />
164
R6<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 5 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Reação contra invasão <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />
Fala do S<strong>em</strong>-terra<br />
Fala <strong>de</strong> Olavo Schuman (s<strong>em</strong>-terra)<br />
Imagens Áudio<br />
Fala <strong>de</strong> Maria <strong>de</strong> Oliveira (superinten<strong>de</strong>nte do<br />
INCRA/PR)<br />
“... e os fazen<strong>de</strong>iros contratam seguranças armados para<br />
impedir novas ocupações.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />
“... foi o sinal da invasão. A pastag<strong>em</strong> da fazenda é queimada<br />
pelos s<strong>em</strong>-terra e os tratores do MST dominam a área. Na hora<br />
<strong>de</strong> tomar o pedaço <strong>de</strong> terra, os invasores ignoram cercas e<br />
limites.”<br />
“É o seguinte, a Reforma Agrária vai sair. Na lei ou na marra<br />
ela sai.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />
“A intransigência dos chefes do MST rejeita acordos.<br />
Enquanto as invasões não param no noroeste do Paraná, os<br />
s<strong>em</strong>-terras se recusam a ir para essa fazenda, <strong>de</strong>sapropriada<br />
para que os invasores <strong>de</strong> áreas produtivas da região aguar<strong>de</strong>m<br />
o assentamento <strong>de</strong>finitivo.”<br />
“Nós somos s<strong>em</strong>-terra, trabalhadores, não somos um grupo <strong>de</strong><br />
refugiados. Nós não quer<strong>em</strong>os ficar assim. Nós quer<strong>em</strong>os<br />
solução.”<br />
“A preocupação é <strong>de</strong> não ter necessida<strong>de</strong> da última esfera do<br />
judiciário impor uma condição à secretaria <strong>de</strong> segurança,<br />
através do governo do Estado, à <strong>de</strong>socupação forçada. Nós não<br />
quer<strong>em</strong>os briga <strong>de</strong>ntro do Estado.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />
“Do lado <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da cerca, fazen<strong>de</strong>iros exib<strong>em</strong> o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
fogo, seguranças particulares contratados para impedir novas<br />
invasões. Homens que escon<strong>de</strong>m o rosto armados com<br />
escopetas calibre 12 s<strong>em</strong>i-automáticas e equipados com<br />
binóculos especiais para enxergar à noite e rádios para se<br />
comunicar com outras proprieda<strong>de</strong>s.”<br />
Segurança mandando mensag<strong>em</strong> pelo rádio “Carro estranho, aqui na porteira dois.”<br />
“Pergunte o nome da pessoa que está no volante.”<br />
Segurança respon<strong>de</strong>ndo chamado pelo<br />
rádio<br />
Repórter Sandro Dalpícolo<br />
Fala do Segurança<br />
“Pelo menos seis fazendas <strong>de</strong> Querência do Norte já<br />
contrataram grupos armados como esse. Os seguranças<br />
trabalham 24 horas por dia e t<strong>em</strong> or<strong>de</strong>ns para reprimir<br />
qualquer tentativa <strong>de</strong> invasão dos s<strong>em</strong>-terras à bala.”<br />
“Há or<strong>de</strong>m para atirar, não <strong>de</strong>ixar entrar e se for possível até<br />
matar.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo “Para este fazen<strong>de</strong>iro é mais fácil não <strong>de</strong>ixar entrar do que<br />
tirar os s<strong>em</strong>-terra <strong>de</strong>pois das invasões.”<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />
“E no Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a, oeste paulista, um novo<br />
impasse hoje. O Banco do Brasil só liberou 440.000 reais <strong>de</strong><br />
um total <strong>de</strong> pouco mais <strong>de</strong> um milhão <strong>de</strong> reais reservados para<br />
investimento no campo. Em protesto, os s<strong>em</strong>-terras ameaçam<br />
fechar amanhã a entrada da agência do Banco do Brasil <strong>de</strong><br />
Teodoro Sampaio.”<br />
(Jornal Nacional – 05/09/97)<br />
165
R7<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 29 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: MST inva<strong>de</strong> fazenda e faz reféns.<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />
(Jornal Nacional – 29/12/97)<br />
Imagens Áudio<br />
“80 famílias do MST invadiram uma fazenda <strong>em</strong> Santa Maria<br />
do Oeste, no Paraná, e fizeram sete reféns, todos <strong>em</strong>pregados<br />
da fazenda consi<strong>de</strong>rada produtiva pelo INCRA. Depois <strong>de</strong> 10<br />
horas <strong>de</strong> negociação, a polícia conseguiu a libertação dos<br />
reféns e os s<strong>em</strong>-terra continuam ocupando a fazenda.”<br />
R8<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 20 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Tumulto na <strong>de</strong>socupação <strong>de</strong> fazenda <strong>em</strong> Minas Gerais.<br />
Apresentador Carlos Nascimento<br />
(Jornal Nacional – 20/02/98)<br />
Imagens Áudio<br />
“Tumulto na <strong>de</strong>socupação <strong>de</strong> uma fazenda <strong>em</strong> Santa Vitória,<br />
no Triângulo Mineiro. A fazenda Nossa Senhora das Graças<br />
foi invadida no mês passado por cerca <strong>de</strong> 500 s<strong>em</strong>-terra. Hoje<br />
a justiça <strong>de</strong>terminou a <strong>de</strong>socupação da proprieda<strong>de</strong>. Dois<br />
colonos foram presos. A polícia <strong>de</strong>scobriu armadilhas feitas<br />
pelos invasores na fazenda”<br />
R9<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 7 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: S<strong>em</strong>-terra <strong>de</strong>socupam fazenda s<strong>em</strong> tumulto.<br />
Apresentador William Bonner<br />
(Jornal Nacional – 07/03/98)<br />
Imagens Áudio<br />
“2.000 s<strong>em</strong>-terra <strong>de</strong>socuparam hoje, s<strong>em</strong> tumulto a fazenda<br />
Capão do Leão, <strong>em</strong> Santo Antônio das Missões, no Rio<br />
Gran<strong>de</strong> do Sul. Eles serão assentados provisoriamente <strong>em</strong> uma<br />
fazenda do INCRA. 2.500 famílias ainda ocupam outras duas<br />
fazendas no estado.”<br />
166
R10<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: S<strong>em</strong>-terras abandonam fazenda invadida no Rio <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> do<br />
Sul.<br />
Apresentador William Bonner<br />
Repórter Jonas Campos<br />
(Jornal Nacional – 09/03/98)<br />
R11<br />
Imagens Áudio<br />
“1.300 famílias <strong>de</strong> invasores abandonam a fazenda Guabijú,<br />
ocupada a uma s<strong>em</strong>ana no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Os s<strong>em</strong>-terra<br />
tinham se preparado para o confronto.”<br />
Repórter Jonas Campos <strong>em</strong> off<br />
“Dispostos a resistir à <strong>de</strong>socupação, abriram trincheiras <strong>em</strong><br />
volta da se<strong>de</strong> da fazenda, improvisaram estacas e incendiaram<br />
pneus. As tropas da brigada militar cercavam a fazenda e<br />
avançavam cada vez mais rápido. Às oito horas da manhã os<br />
s<strong>em</strong>-terra receb<strong>em</strong> um ultimato: uma hora e meia para fazer<br />
uma discussão com tranqüilida<strong>de</strong>.”<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Aliança rara entre índios e s<strong>em</strong>-terras.<br />
Apresentador Carlos Nascimento<br />
(Jornal Nacional – 11/03/98)<br />
“Onze e quinze da manhã, os s<strong>em</strong>-terra se ren<strong>de</strong>m e aceitam<br />
sair da fazenda Guabijú pacificamente. Eles vão transferir o<br />
acampamento para outro local, e nesse mesmo instante, um a<br />
um, eles entregam as armas, facões, foices, enxadas, paus.<br />
Eles vão ficar provisoriamente <strong>em</strong> uma área do INCRA a 10<br />
km da fazenda Guabijú.”<br />
Imagens Áudio<br />
“Aliança rara na invasão <strong>de</strong> terras no Brasil, entre índios e<br />
s<strong>em</strong>-terra.”<br />
Carlos Nascimento <strong>em</strong> off:<br />
“A área ocupada é da Aracruz Celulose. Os Guaranis<br />
ganharam 2.500 hectares <strong>de</strong> terra para unir seis al<strong>de</strong>ias, on<strong>de</strong><br />
viv<strong>em</strong> 1.500 índios, mas quer<strong>em</strong> mais. Os s<strong>em</strong>-terra diz<strong>em</strong><br />
que não vão ficar na área invadida. Estão participando por<br />
solidarieda<strong>de</strong>. A Aracruz Celulose vai à justiça para retomar a<br />
área.”<br />
167
R12<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 2 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Invasão fracassada.<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />
(Jornal Nacional – 02/06/98)<br />
Imagens Áudio<br />
“S<strong>em</strong>-terra provocam tumulto no Recife <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma<br />
fracassada tentativa <strong>de</strong> invasão.”<br />
Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />
“1.400 integrantes do MST tentaram ocupar a se<strong>de</strong> do INCRA.<br />
Foram impedidos pela polícia e resolveram acampar nas<br />
calçadas. Na manifestação, fecharam uma das principais<br />
avenidas da cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando os motoristas revoltados.”<br />
R13<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: MST cadastra brasiguaios para invadir terras no Brasil.<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />
Imagens Áudio<br />
“Os “brasiguaios”, agricultores brasileiros que viv<strong>em</strong><br />
ilegalmente no Paraguai, estão sendo cadastrados pelo MST<br />
para invadir terras no Brasil. ”<br />
Repórter Wilson Kirsche <strong>em</strong> off:<br />
“Em Santa Rita, quase todos os habitantes são brasiguaios.<br />
Pequenos agricultores do sul do Brasil que vieram tentar a<br />
sorte no Paraguai. Poucos se <strong>de</strong>ram b<strong>em</strong>. A maioria vive na<br />
miséria. E é essa gente que está sendo recrutada para cruzar a<br />
fronteira <strong>de</strong> volta e invadir terras no Brasil. A notícia está nas<br />
rádios da cida<strong>de</strong>.”<br />
Rádio divulgando a notícia<br />
“A promessa do MST é que essa gente, quando chegar ao<br />
Brasil, <strong>em</strong> poucos dias já contará com suas próprias terras.”<br />
Repórter Wilson Kirsche <strong>em</strong> off:<br />
“Juarez Krones, 36 anos, casado, sete filhos, confirma que<br />
participou <strong>de</strong> reuniões organizadas pelo MST na cida<strong>de</strong>.”<br />
Fala <strong>de</strong> Juarez Krones (agricultor) “Nós fiz<strong>em</strong>os a inscrição, para ir com os s<strong>em</strong>-terra.”<br />
Repórter Wilson Kirsche <strong>em</strong> off:<br />
“O agricultor Alci<strong>de</strong>s Kleinschimidt disse que foi procurado<br />
por integrantes do MST e a proposta era clara.”<br />
Fala <strong>de</strong> Alci<strong>de</strong>s Kleinschimidt (agricultor) “Ir lá e acampar perto da fazenda, para mais tar<strong>de</strong> tomar<br />
Repórter Wilson Kirsche<br />
Fala <strong>de</strong> Irineu Peters (Pastoral do Migrante)<br />
(Jornal Nacional – 26/06/98)<br />
posse.”<br />
“Segundo a Pastoral do Migrante, <strong>em</strong> Santa Rita, que<br />
participou <strong>de</strong> reuniões com integrantes do MST, pelo menos<br />
600 famílias já foram cadastradas para voltar ao Brasil.”<br />
“Esse cadastramento vai continuar, não sei por quanto t<strong>em</strong>po,<br />
mas vai continuar.”<br />
Repórter Wilson Kirsche <strong>em</strong> off:<br />
“Uma primeira leva <strong>de</strong> agricultores já <strong>de</strong>ixou Santa Rita rumo<br />
ao Oeste do Paraná e a invasão foi a um sítio <strong>de</strong> 15 ha <strong>em</strong> São<br />
Miguel do Iguaçu.”<br />
168
SEGUNDO BLOCO<br />
R1<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 25 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Justiça manda pren<strong>de</strong>r chefes do MST acusados <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />
quadrilha.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe “A Justiça manda pren<strong>de</strong>r cinco chefes do MST. Eles são<br />
acusados <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> quadrilha. Um <strong>de</strong>les foi <strong>de</strong>tido hoje<br />
<strong>de</strong> madrugada, perto do acampamento <strong>em</strong> Presi<strong>de</strong>nte<br />
Bernar<strong>de</strong>s. Outros quatro, inclusive o mais conhecido, José<br />
Rainha Jr., estão foragidos. A situação continua tensa na<br />
região do Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a”<br />
1-PG <strong>de</strong> policiais.<br />
2-Close <strong>de</strong> policial.<br />
3-Close <strong>de</strong> cachorro.<br />
4-Close <strong>de</strong> munição.<br />
5-PG <strong>de</strong> policiais.<br />
6-Close <strong>de</strong> nomes dos 4 chefes do MST.<br />
Repórter Marcos Losekan in off:<br />
“A PM mandou 200 homens para vigiar o acampamento dos<br />
s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> São Duvalina. Uma caixa <strong>de</strong> munição foi<br />
apreendida <strong>em</strong> um dos barracos. Os policiais também têm<br />
or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> localizar e pren<strong>de</strong>r os quatro chefes do movimento<br />
que ainda estão foragidos: José Rainha Jr., Laércio Barbosa,<br />
Clau<strong>de</strong>mir Marques Cano e Felinto Procópio dos Santos.”<br />
Repórter Marcos Losekan “O juiz <strong>em</strong>itiu este mandato alegando que houve quebra da<br />
fiança da prisão preventiva <strong>de</strong>cretada no ano passado on<strong>de</strong><br />
cinco chefes do MST aqui da região do Pontal foram<br />
enquadrados no artigo 288 do código penal: formação <strong>de</strong><br />
bando ou quadrilha. A justiça enten<strong>de</strong>u que agora, ao voltar a<br />
invadir proprieda<strong>de</strong>s rurais, o grupo não só <strong>de</strong>scumpriu a lei,<br />
como principalmente, reincidiu no crime.<br />
1- PM <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra preso. Repórter Marcos Losekan <strong>em</strong> off:<br />
O único chefe do MST preso até agora é Márcio Barreto. Ele<br />
estava perto do acampamento essa madrugada, quando a<br />
polícia chegou com um mandado <strong>de</strong> prisão”<br />
Fala <strong>de</strong> Márcio Barreto “Essa prisão minha é para justificar a prisão <strong>de</strong> cinco bandidos<br />
que foram presos na fazenda São Domingos, que atiraram nos<br />
trabalhadores”.<br />
Repórter Marcos Losekan “À tar<strong>de</strong>, integrantes da UDR fizeram uma manifestação<br />
contra a prisão dos quatro seguranças e do filho dos<br />
proprietários da fazenda invadida”<br />
Fala do segurança preso “O que eu fiz foi para proteger a mim e meus companheiros”<br />
Fala do proprietário “Hoje <strong>em</strong> dia os bandidos sa<strong>em</strong> para a rua, inva<strong>de</strong>m sua casa,<br />
seu lar, sua fazenda e qu<strong>em</strong> é proprietário, trabalhadores rurais<br />
têm que ficar presos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa”<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe “Mais uma morte ligada à conflitos <strong>de</strong> terra. Dessa vez a<br />
vítima foi um <strong>em</strong>pregado da fazenda Volta do Rio, <strong>em</strong><br />
Eldorado do Carajás, no Pará. Ele estava acompanhado <strong>de</strong><br />
outro <strong>em</strong>pregado da fazenda que escapou fugindo pela mata.<br />
A polícia <strong>de</strong> Marabá confirma que eles foram vítimas <strong>de</strong> uma<br />
<strong>em</strong>boscada. O peão que sobreviveu acusa os posseiros, que a<br />
mais <strong>de</strong> um mês ocupam parte da fazenda Volta do Rio. O<br />
Movimento dos S<strong>em</strong>-terra nega qualquer participação no<br />
caso”<br />
(Jornal Nacional – 25/02/97)<br />
169
R2<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Providências do governo contra as invasões <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terras.<br />
Apresentador Carlos Nascimento<br />
Imagens Áudio<br />
“O governo endurece com os s<strong>em</strong>-terra e anuncia um pacote<br />
contra as invasões.”<br />
Repórter Ana Paula Padrão <strong>em</strong> off:<br />
“O fim <strong>de</strong> um acampamento urbano. 1.000 s<strong>em</strong>-terra<br />
<strong>de</strong>socuparam no início da noite o prédio do Ministério da<br />
Fazenda <strong>em</strong> SP, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dois dias <strong>de</strong> protestos. Em BH, a<br />
manifestação foi <strong>em</strong> frente da Ass<strong>em</strong>bléia Legislativa. Em<br />
Porto Alegre, os s<strong>em</strong>-terra queriam estacionar um carro <strong>de</strong><br />
som <strong>em</strong> frente ao prédio da Receita Fe<strong>de</strong>ral. Um policial<br />
militar tenta impedir e leva um golpe na cabeça. Ele aponta a<br />
arma para os manifestantes. As balas eram <strong>de</strong> borracha mas o<br />
clima <strong>de</strong> violência chegou à Brasília.”<br />
Fala do Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique “Se hoje há qu<strong>em</strong> ocupe prédios do Ministério da Fazenda e<br />
da Reforma Agrária, é porque são <strong>de</strong>magogos e que gastam<br />
dinheiro <strong>em</strong> ônibus e caminhões, traz<strong>em</strong> militantes para fazer<br />
<strong>de</strong> conta que estão agindo <strong>em</strong> favor da Reforma Agrária.”<br />
Repórter Ana Paula Padrão <strong>em</strong> off:<br />
“Perto dali, <strong>em</strong> frente ao Ministério da Fazenda, mais um<br />
acampamento e policiais. Os s<strong>em</strong>-terra queriam uma reunião<br />
com o Ministro Pedro Malan.”<br />
Fala <strong>de</strong> Gilmar Mauro (Coor<strong>de</strong>nador do Mst) “A melhor coisa para nós resolvermos o probl<strong>em</strong>a hoje é<br />
sentar na mesa e negociar.”<br />
“Não haverá diálogo com MST ou intermediários do MST<br />
Fala do Ministro Pedro Malan<br />
enquanto houver ocupação <strong>de</strong> prédios públicos.”<br />
Repórter Ana Paula Padrão<br />
Fala do Ministro Raul Jungman<br />
(Jornal Nacional – 18/03/98)<br />
“E não é só aqui no Ministério da Fazenda que não haverá<br />
diálogo. Qualquer funcionário público no País que negociar<br />
com invasores será <strong>de</strong>mitido. E daqui para frente qu<strong>em</strong> invadir<br />
fazendas não será mais assentado na área invadida. As<br />
medidas anunciadas hoje faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong> um pacote contra um<br />
movimento, que segundo o governo, não é pela Reforma<br />
Agrária.”<br />
“Eu explico <strong>de</strong> três formas, política, política e eleições. É essa<br />
a principal justificativa do que está acontecendo.”<br />
170
R3<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 9 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: MST pratica ataque criminoso.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentador William Bonner “Ataque <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> uma fazenda invadida<br />
no Paraná, confirma na Justiça que o colega <strong>de</strong>le foi<br />
executado. O chefe do MST na região, acusado pelo crime,<br />
também prestou <strong>de</strong>poimento hoje.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo in off:<br />
“ Um grupo <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra improvisou uma manifestação <strong>de</strong><br />
apoio para receber o hom<strong>em</strong> que é apontado pela polícia como<br />
um dos responsáveis pela morte do segurança José Lopes <strong>de</strong><br />
Oliveira, conhecido como Jango. Josmar Choptian disse, no<br />
<strong>de</strong>poimento, que estava próximo da se<strong>de</strong> da fazenda na hora<br />
do crime, mas que não po<strong>de</strong> ajudar a i<strong>de</strong>ntificar o assassino do<br />
segurança porque não conhece os s<strong>em</strong>-terra que entraram na<br />
casa.”<br />
Fala <strong>de</strong> Josmar Choptian “Eu só passei umas três vezes por essa área e não conheço<br />
qu<strong>em</strong> estava lá.”<br />
Fala do Delegado Jurandir Gonçalvez “Ele foi indiciado por co-autoria, já que as provas do inquérito<br />
policial estão mostrando que ele concorreu <strong>de</strong> alguma forma<br />
para o evento criminoso e respon<strong>de</strong>rá por homicídio.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo “O segurança que foi espancado pelos s<strong>em</strong>-terra durante a<br />
ocupação da se<strong>de</strong> da fazenda também prestou <strong>de</strong>poimento<br />
hoje. Ele reafirmou que o colega foi morto no chão, quando já<br />
tinha sido dominado, s<strong>em</strong> chance <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. No<br />
<strong>de</strong>poimento, Edson Lucena contou que ele e o outro segurança<br />
foram cercados pelos s<strong>em</strong>-terra que atiravam do lado <strong>de</strong> fora.”<br />
Fala <strong>de</strong> Edson Lucena (segurança) “Ouvia bastante tiros e já havia muitas pessoas na janela.<br />
Quando eles entraram nós colocamos as mãos para cima.<br />
Assim que eles invadiram nós fomos para o chão e eles<br />
começaram a bater, dando coronhadas nas nossas cabeças...”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo in off:<br />
“Ele disse também que é capaz <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar os s<strong>em</strong>-terra que<br />
o espancaram <strong>de</strong>ntro da casa.”<br />
Fala <strong>de</strong> Edson Lucena (segurança) “muitos que estavam no quarto eu consigo reconhecer.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo in off:<br />
“Mas ele disse não ter visto qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>u o tiro no outro<br />
Segurança.”<br />
Edson Lucena (segurança) “Eu não pu<strong>de</strong> ver, pois eu tive que proteger a cabeça, pois iria<br />
levar todas na cabeça.”<br />
(Jornal Nacional – 9/05/97)<br />
171
R4<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 21 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Declaração <strong>de</strong> João Pedro Stédile.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentador William Bonner “Um dos chefes nacionais do MST propõe no Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
a <strong>de</strong>sobediência às leis e ao direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>.”<br />
William Bonner <strong>em</strong> off:<br />
“João Pedro Stédille participou <strong>de</strong> um s<strong>em</strong>inário que reuniu<br />
também <strong>em</strong>presários e representantes do governo. Durante o<br />
encontro ele previu muita tensão social e aconselhou aos ricos<br />
a levantar<strong>em</strong> os muros <strong>de</strong> suas casas. Em seguida, <strong>em</strong> uma<br />
entrevista, revelou a orientação do MST mesmo para qu<strong>em</strong><br />
vive muito longe da terra.”<br />
Fala <strong>de</strong> João Pedro Stédille “Todos os pobres do Brasil e especialmente os que moram nas<br />
cida<strong>de</strong>s, para resolver os seu probl<strong>em</strong>as não esper<strong>em</strong> pelo<br />
governo, se organiz<strong>em</strong>. Então se o sujeito não t<strong>em</strong> casa, não<br />
consegue mais pagar o aluguel, se organize para pressionar o<br />
governo para resolver o probl<strong>em</strong>a habitacional. Ocup<strong>em</strong> os<br />
terrenos baldios que estão lá só para especulação imobiliária.<br />
Se o sujeito está <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregado, não espere pelo Ministério do<br />
Trabalho, pelo FAT, se organize e pressione. Faça<br />
manifestações na frente da FIESP, na frente das fábricas que<br />
estão fechando pela política econômica do governo. E se tiver<br />
fome faça manifestações na frente <strong>de</strong> supermercados. Está na<br />
Bíblia que todo ser humano t<strong>em</strong> o direito <strong>de</strong> se alimentar, e vá<br />
<strong>em</strong> busca da comida.”<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />
“Em Brasília, o governo reagiu energicamente às <strong>de</strong>clarações<br />
Fala <strong>de</strong> Sérgio Amaral (porta-voz da<br />
presidência)<br />
(Jornal Nacional – 21/05/97)<br />
do coor<strong>de</strong>nador do MST.”<br />
“O Presi<strong>de</strong>nte está preocupado com as <strong>de</strong>clarações feitas pelo<br />
coor<strong>de</strong>nador do MST, porque elas fer<strong>em</strong>, frontalmente o<br />
estado <strong>de</strong> direito, que é uma conquista <strong>de</strong> todos os brasileiros e<br />
que todos os brasileiros quer<strong>em</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Estas <strong>de</strong>clarações<br />
são suficientes para que a Procuradoria tome iniciativa para<br />
prevenir que estas idéias se transform<strong>em</strong> <strong>em</strong> fatos, porque é<br />
preciso chamar a responsabilida<strong>de</strong>, não apenas dos que<br />
praticam essas ações, mas também aqueles que são seus<br />
autores intelectuais.”<br />
172
R5<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 6 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Dinheiro público custeia áreas <strong>de</strong> assentamento e invasão.<br />
Apresentador William Bonner<br />
Repórter Sandro Dalpícolo<br />
Fala <strong>de</strong> Tereza Castellano (bióloga)<br />
Imagens Áudio<br />
“... <strong>em</strong> áreas <strong>de</strong> assentamento e invasão no Paraná e as multas<br />
são pagas com dinheiro do contribuinte.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />
“No maior acampamento <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra no Paraná, serras e<br />
machados foram mais rápidos que o INCRA e o IBAMA.<br />
Antes mesmo da <strong>de</strong>finição das famílias que terão direito a um<br />
lote na fazenda <strong>de</strong>sapropriada, os s<strong>em</strong>-terra começaram a<br />
<strong>de</strong>rrubar as áreas <strong>de</strong> mata nativa por conta própria.”<br />
“Do alto é possível ver a marca da presença dos s<strong>em</strong>-terra. De<br />
um lado da estrada, a mata aon<strong>de</strong> predomina o ver<strong>de</strong>. Do outro<br />
lado os sinais da ocupação, uma enorme clareira on<strong>de</strong> as<br />
árvores foram <strong>de</strong>rrubadas.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />
“Na fazenda on<strong>de</strong> está uma das últimas reservas naturais <strong>de</strong><br />
pinheiro araucária do País, troncos e galhos secos se espalham<br />
ao redor dos barracos <strong>de</strong> lona. A intenção <strong>de</strong> aumentar a área<br />
para agricultura ignora o cuidado com o meio ambiente.”<br />
“É um <strong>de</strong>sastre. É uma situação <strong>de</strong> um prejuízo incalculável.”<br />
Fala <strong>de</strong> José Vicentini (Instituto Ambiental-PR) “O <strong>de</strong>sastre na atualida<strong>de</strong> é ilegal. Da forma como está é<br />
ilegal. Teria que obter, primeiro, uma autorização da União.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />
“Os s<strong>em</strong>-terra não permit<strong>em</strong> a entrada na fazenda, mas um dos<br />
chefes do acampamento confirma que não há orientação<br />
técnica para o corte das árvores.”<br />
“O INCRA nos mandou fazer.”<br />
Fala do chefe do acampamento<br />
(Jornal Nacional – 06/10/97)<br />
Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />
“Mas o INCRA nega que autoriza a <strong>de</strong>rrubada <strong>de</strong> árvores nas<br />
áreas <strong>de</strong> Reforma Agrária, mas no noroeste do estado já<br />
recebeu duas multas por <strong>de</strong>smatamentos ilegais. O Instituto<br />
Ambiental do Paraná está pedindo na justiça que o INCRA<br />
replante o que foi <strong>de</strong>struído.”<br />
173
TERCEIRO BLOCO<br />
R1<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 17 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Entrevista com José Rainha Júnior.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />
(a tela se divi<strong>de</strong> com apresentador e entrevistado)<br />
“Integrantes do MST <strong>de</strong> diversos pontos do País começaram<br />
hoje uma caminhada até Brasília. Neste momento a caminhada<br />
está passando por Pirituba, São Paulo. Vamos agora falar com<br />
José Rainha, um dos coor<strong>de</strong>nadores do MST. Eu gostaria <strong>de</strong><br />
perguntar: o governo se queixa que o seu movimento v<strong>em</strong>,<br />
com freqüência, varado ou <strong>de</strong>srespeitando os limites da lei. O<br />
seu movimento então preten<strong>de</strong> uma Reforma Agrária <strong>de</strong>ntro<br />
da lei ou a lei, que proíbe invasões, por ex<strong>em</strong>plo, nesse caso só<br />
vai para o outro lado?”<br />
Fala <strong>de</strong> José Rainha<br />
“Eu não tenho dúvida <strong>de</strong> estar dizendo para toda a socieda<strong>de</strong><br />
brasileira que o Movimento dos S<strong>em</strong>-terra procura Reforma<br />
(ao vivo)<br />
Agrária <strong>de</strong>ntro da lei., sendo mostrado na prática pelo apoio<br />
que receb<strong>em</strong>os da socieda<strong>de</strong>, no País, pelo apoio que t<strong>em</strong><br />
recebido internacionalmente, do prêmio Babuíno, que<br />
conseguimos ganhar na Bélgica e essa é a <strong>de</strong>monstração que o<br />
Movimento dos S<strong>em</strong>-terra luta pela vida, pela dignida<strong>de</strong>, e por<br />
isso nós somos o Movimento dos S<strong>em</strong>-terra e brigamos pela<br />
Reforma Agrária na lei. Apenas o governo não faz o que<br />
cumpre a lei”<br />
Apresentador William Bonner “O maior argumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do MST s<strong>em</strong>pre foi o fato <strong>de</strong><br />
ter nascido espontaneamente, <strong>de</strong> ser um movimento legítimo.<br />
Quando o MST busca gente da cida<strong>de</strong>, gente <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregada ou<br />
insatisfeita com o <strong>em</strong>prego, o MST não está traindo suas<br />
origens e aumentando artificialmente o probl<strong>em</strong>a dos s<strong>em</strong>terra?”<br />
Fala <strong>de</strong> José Rainha “Não t<strong>em</strong>, s<strong>em</strong> dúvida nenhuma. O Movimento dos S<strong>em</strong>-terra,<br />
quando busca trabalhadores na cida<strong>de</strong>... Nós t<strong>em</strong>os que<br />
enten<strong>de</strong>r a história do País. São milhares <strong>de</strong> trabalhadores que<br />
foram expulsos na década <strong>de</strong> 70 e jogados nas cida<strong>de</strong>s, e que<br />
hoje são os <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados miseráveis. Afinal <strong>de</strong> contas, são<br />
onze milhões <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados que buscam na Reforma<br />
Agrária uma fonte <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego. Qual é a outra forma <strong>de</strong> gerar<br />
<strong>em</strong>prego barato nesse País, a não ser a Reforma Agrária? O<br />
custo para se gerar <strong>em</strong>prego hoje é muito altíssimo na cida<strong>de</strong> e<br />
nós no campo, na Reforma Agrária, geramos <strong>em</strong>prego<br />
baratíssimo...”<br />
1-S<strong>em</strong>-terras fazendo manifestações com símbolos Corta para off <strong>de</strong> José Rainha:<br />
“... por isso nós buscamos <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados que quer<strong>em</strong> lutar<br />
do movimento<br />
pela Reforma Agrária”<br />
Apresentador William Bonner “Nós agra<strong>de</strong>c<strong>em</strong>os a participação do lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>-terra, José<br />
Rainha Júnior.<br />
(Jornal Nacional – 17/02/97)<br />
174
R2<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Brasília é ocupada pelo po<strong>de</strong>r.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe “A marcha sobre Brasília. O centro do po<strong>de</strong>r na Capital está<br />
ocupado pelo Movimento dos S<strong>em</strong>-terra. Políticos,<br />
parlamentares e militantes <strong>de</strong> outras organizações pegaram<br />
carona no ato público que se espalha pela Explanada dos<br />
Ministérios <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da tar<strong>de</strong>. As informações ao vivo<br />
Repórter Alexandre Garcia (ao vivo)<br />
Imagens a fundo: palco ao longe com músicos<br />
cantando e tocando. Platéia acenando<br />
ban<strong>de</strong>iras.<br />
com Alexandre Garcia”.<br />
“As manifestações começaram hoje <strong>de</strong> manhã cedo, com a<br />
base <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 2.000 s<strong>em</strong>-terra, vieram juntar-se <strong>de</strong>pois cerca<br />
<strong>de</strong> 30.000 pessoas segundo a polícia, ou o dobro disso,<br />
segundo os organizadores. Neste momento (corta – cortina)<br />
1 – PG do show Repórter Alexandre Garcia <strong>em</strong> off:<br />
... está havendo um show <strong>de</strong> artistas populares na frente do<br />
Congresso Nacional. Não houve inci<strong>de</strong>ntes, não há registros<br />
Repórter Alexandre Garcia (ao vivo)<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe (ao vivo)<br />
(Jornal Nacional – 17/04/97)<br />
<strong>em</strong> hospitais, e agora eles estão se retirando (corta)<br />
... para jantar e vão acampar na própria Explanada dos<br />
Ministérios. Choveu à tar<strong>de</strong> toda sobre os manifestantes e a<br />
t<strong>em</strong>peratura é <strong>de</strong> 15 graus nesse momento. De Brasília,<br />
Alexandre Garcia.”<br />
“A mobilização dos s<strong>em</strong>-terra e uma entrevista do Presi<strong>de</strong>nte<br />
Fernando Henrique sobre Reforma Agrária ainda nesta<br />
edição”.<br />
175
R3<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997 (mesma edição anterior).<br />
T<strong>em</strong>a central: A chegada da marcha dos s<strong>em</strong>-terra à Brasília.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe “O encontro com o po<strong>de</strong>r. Depois <strong>de</strong> 1.000 km e dois meses<br />
com o pé na estrada, a caminhada dos s<strong>em</strong>-terra chegou ao<br />
fim. A manifestação pela Reforma Agrária se espalhou hoje<br />
1 – Vista parcial da marcha feita <strong>em</strong> um<br />
helicóptero.<br />
2 – (mesma imag<strong>em</strong> – outro ângulo- vertical.)<br />
3 – (mesma imag<strong>em</strong> – horizontal)<br />
4 – PG <strong>de</strong> pessoas no viaduto.<br />
5 – PG <strong>de</strong> manifestantes com ban<strong>de</strong>iras.<br />
6 – PM <strong>de</strong> pessoas andando (cinegrafista no<br />
mesmo plano)<br />
7 – Vista parcial aérea.<br />
8 – (mesma imag<strong>em</strong> – outro ângulo)<br />
9 – PG da marcha.<br />
10 – PG <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>iras e s<strong>em</strong>-terra.<br />
11 – PAN da marcha<br />
12 – PG marcha (câmera ao chão -frontal)<br />
13 – Close <strong>de</strong> pés caminhando (câmera ao chão –<br />
perfil)<br />
14 – Close <strong>de</strong> bonés e s<strong>em</strong>-terras.<br />
15 – Close <strong>em</strong> uma foice <strong>de</strong> um s<strong>em</strong>-terra<br />
caminhando.<br />
16 – Close no facão <strong>de</strong> um s<strong>em</strong>-terra caminhando.<br />
17 – PG <strong>de</strong> policiais caminhando.<br />
18 – PG da marcha vista do alto.<br />
19 – Close <strong>de</strong> faixa <strong>de</strong> manifestantes (funcionários<br />
públicos.<br />
20 – PM <strong>de</strong> manifestantes com apitos<br />
(metalúrgicos da CUT)<br />
21 – PM <strong>de</strong> manifestantes gesticulando e gritando<br />
(<strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados).<br />
22 – PM <strong>de</strong> manifestantes olhando a marcha,<br />
batendo palma e gritando (estudantes).<br />
23 – Close <strong>em</strong> jovens carecas tampando os rostos<br />
(curiosos)<br />
24 – PM <strong>de</strong> pessoas (políticos)<br />
25 – PM <strong>de</strong> pessoas( mesma conotação anterior)<br />
26 – PG <strong>de</strong> pessoas, incluindo um ciclista todo<br />
equipado. (mesma conotação anterior) – barulho<br />
<strong>de</strong> telefone celular.<br />
27 – PG <strong>de</strong> manifestantes com ban<strong>de</strong>iras.<br />
28 – PM <strong>de</strong> pessoas sendo <strong>em</strong>purradas.<br />
29 – PG <strong>de</strong> pessoas dando as mãos e andando <strong>de</strong><br />
lado.<br />
30 – PM <strong>de</strong> pessoas li<strong>de</strong>rando a marcha.<br />
31 – PM <strong>de</strong> outras pessoas li<strong>de</strong>rando a marcha<br />
(arrastão)<br />
32 – PG <strong>de</strong> manifestantes.<br />
33 – PG <strong>de</strong> manifestantes.<br />
34 - PG <strong>de</strong> manifestantes.<br />
por Brasília.”<br />
Repórter Cristina Serra <strong>em</strong> off:<br />
“Brasília parou para ver a marcha dos s<strong>em</strong>-terra. Do alto, no<br />
viaduto, do chão, a população queria ver a chegada dos<br />
andarilhos. Foram 1.000 km até a capital. Segundo o MST,<br />
participaram da última etapa da marcha 2.000 s<strong>em</strong>-terra<br />
vindos <strong>de</strong> todo o País. Eles ocuparam a avenida mais larga da<br />
cida<strong>de</strong>. Vestiram o uniforme da luta pela Reforma Agrária:<br />
camiseta e boné do MST, e trouxeram símbolos do<br />
movimento, como as foices e os facões. Os policiais ficaram<br />
por perto. Eles só levaram cacetetes. À medida que avançava,<br />
a marcha crescia. Funcionários públicos, metalúrgicos da<br />
CUT, <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados, estudantes, curiosos, políticos. S<strong>em</strong><br />
muito esforço, todos queriam pegar carona na caminhada. O<br />
MST dispensou as a<strong>de</strong>sões. Só qu<strong>em</strong> participou da marcha<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro dia, pô<strong>de</strong> fazer parte da coluna principal. Os<br />
s<strong>em</strong>-terra fizeram até um arrastão para abrir caminho. Na<br />
rodoviária, <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong>, o encontro <strong>de</strong> todos os grupos”<br />
176
Repórter Cristina Serra<br />
(ao fundo: manifestantes caminhando)<br />
Imagens Áudio<br />
1 – PG <strong>de</strong> manifestantes.<br />
2 - PG <strong>de</strong> manifestantes(outro ângulo).<br />
3 – PM <strong>de</strong> funcionários rindo e olhando a marcha<br />
pelas janelas.<br />
4 – PG <strong>de</strong> manifestantes caminhando na Praça dos<br />
Três Po<strong>de</strong>res.<br />
5 – PG <strong>de</strong> soldados lado a lado formando um<br />
bloqueio.<br />
6 – PAN: manifestantes, soldados, Palácio do<br />
Planalto.<br />
7 – Close <strong>de</strong> manifestante gritando, encostado na<br />
gra<strong>de</strong>.<br />
8 – PG <strong>de</strong> soldados andando calmamente.<br />
9 – PG <strong>de</strong> manifestantes andando <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong><br />
chuva.<br />
10 – PM <strong>de</strong> manifestantes.<br />
11 – PG <strong>de</strong> manifestantes <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> chuva, com<br />
guarda-chuvas.<br />
12 – Close <strong>de</strong> manifestante segurando saquinhos e<br />
distribuindo a outros.<br />
13 - PG <strong>de</strong> manifestantes.( cabeça para cima)<br />
14 - PG <strong>de</strong> manifestantes <strong>em</strong> frente a uma cruz.<br />
15 – PM <strong>de</strong> políticos <strong>em</strong> um palco.<br />
16 – PM <strong>de</strong> Leonel Brisola discursando.<br />
17 – Close <strong>de</strong> Lula sorrindo para uma pessoa na<br />
platéia (Eduardo Suplicy ao fundo).<br />
18 – Close <strong>de</strong> manifestantes gesticulando.<br />
19 - PG <strong>de</strong> manifestantes na chuva.<br />
20 – PM <strong>de</strong> manifestantes balançando uma gran<strong>de</strong><br />
Ban<strong>de</strong>ira do Brasil.<br />
21 – PG <strong>de</strong> manifestantes. Zoom afantando a<br />
imag<strong>em</strong>.(<br />
22 – PM <strong>de</strong> manifestantes com a Ban<strong>de</strong>ira do<br />
Brasil.<br />
“A marcha dos s<strong>em</strong>-terra começa a entrar nesse momento aqui<br />
na Explanada dos Ministérios. É a reta final da caminhada<br />
iniciada à dois meses”.<br />
Repórter Cristina Serra <strong>em</strong> off:<br />
“Os s<strong>em</strong>-terra passaram por todos os Ministérios. Os<br />
funcionários pararam <strong>de</strong> trabalhar. No ponto final, a Praça dos<br />
Três Po<strong>de</strong>res, segurança reforçada. Os manifestantes foram<br />
mantidos à distância do Palácio do Planalto. Eles forçaram a<br />
gra<strong>de</strong>. O reforço veio rápido, junto com uma surpresa, a<br />
chuva. Mas a manifestação continuou, <strong>de</strong>sta vez <strong>em</strong> frente ao<br />
Congresso. Um protesto para l<strong>em</strong>brar o massacre <strong>de</strong> Eldorado<br />
do Carajás. Políticos <strong>de</strong> vários partidos estavam lá. O exgovernador<br />
Leonel Brizola e o Presi<strong>de</strong>nte do PT, Luís Inácio<br />
Lula da Silva. Debaixo <strong>de</strong> chuva, todos cantaram o hino<br />
nacional”.<br />
- O Hino Nacional acompanha as duas últimas imagens da<br />
seqüência.<br />
Apresentador William Bonner “A expulsão <strong>de</strong> três participantes da caminhada dos s<strong>em</strong>-terra<br />
causou polêmica. O MST chegou a acusá-los <strong>de</strong> ser<strong>em</strong><br />
informantes da polícia e também <strong>de</strong> indisciplina. A CUT disse<br />
que um dos expulsos participa <strong>de</strong> movimentos sindicais. Na<br />
polícia, os três expulsos acusaram os lí<strong>de</strong>res do MST <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ixar<strong>em</strong> os militantes à pé enquanto dormiam <strong>em</strong> hotéis e<br />
almoçavam <strong>em</strong> restaurantes.”<br />
(Jornal Nacional – 17/04/97)<br />
177
R4<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 8 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Passeata do MST acaba <strong>em</strong> agressão e atropelamento <strong>em</strong> Recife.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentador William Bonner “Uma passeata <strong>de</strong> militantes do MST no centro <strong>de</strong> Recife<br />
acaba <strong>em</strong> agressão e atropelamento.”<br />
William Bonner <strong>em</strong> off:<br />
“Os manifestantes pediam rapi<strong>de</strong>z na apuração da morte <strong>de</strong><br />
dois s<strong>em</strong>-terras durante a ocupação <strong>de</strong> um engenho há um<br />
mês. O trânsito ficou lento. Este motorista tentou passar.<br />
Acuado pelos manifestantes, ele tentava convencer os s<strong>em</strong>terra<br />
a liberar a rua. Os s<strong>em</strong>-terra, armados <strong>de</strong> facões, foices e<br />
pedaços <strong>de</strong> pau atacaram o carro, quebrando os vidros e<br />
agredindo o motorista. Ele <strong>de</strong>u marcha a ré para tentar sair do<br />
bloqueio. Depois, acelerou. Veja, na arrancada, o motorista<br />
arrastou manifestantes. Alguns ainda tentaram perseguir o<br />
carro, mas o motorista conseguiu escapar. Quatro s<strong>em</strong>-terra<br />
Apresentador William Bonner<br />
(Jornal Nacional – 8/07/97)<br />
ficaram feridos.”<br />
“Manifestação pública <strong>de</strong> protesto <strong>de</strong>ve ser acompanhada pela<br />
polícia. A agressão a um cidadão <strong>de</strong>ve ser impedida pela<br />
polícia. Um atropelamento é caso <strong>de</strong> polícia. Hoje, no Recife,<br />
a polícia estava a poucos metros da confusão, e <strong>de</strong>ixou que<br />
tudo acontecesse, ou seja, é como se não houvesse polícia<br />
nenhuma.”<br />
178
R5<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Dia <strong>de</strong> protestos do MST pelo Brasil.<br />
Apresentador William Bonner<br />
Repórter Cláudia Gaigher<br />
Apresentador Carlos Nascimento<br />
(Jornal Nacional – 17/06/98)<br />
Imagens Áudio<br />
“Dia <strong>de</strong> protestos <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra pelo País. Os militantes do<br />
movimento pediram pressa na Reforma Agrária e mais<br />
financiamentos para famílias assentadas e voltaram a invadir<br />
prédios públicos.<br />
Repórter Cláudia Gaigher <strong>em</strong> off:<br />
“Uma estratégia para <strong>de</strong>spistar a polícia e o MST conseguiu<br />
êxito <strong>em</strong> São Paulo. Logo cedo, um grupo <strong>de</strong> 80 pessoas<br />
ameaçou entrar na se<strong>de</strong> do INCRA. O prédio foi isolado, mas<br />
o objetivo dos s<strong>em</strong>-terra era a <strong>de</strong>legacia do Ministério da<br />
Fazenda, b<strong>em</strong> perto dali. Em Belo Horizonte, a polícia usou<br />
cães para afastar manifestantes. Outros prédios da fazenda<br />
foram invadidos. S<strong>em</strong> violência <strong>em</strong> Curitiba e com tumulto<br />
<strong>em</strong> Campo Gran<strong>de</strong>. A polícia arromba a porta e encurrala os<br />
s<strong>em</strong>-terra. O policial saca a arma e aponta para os<br />
manifestantes. Com medo, os funcionários se trancam nas<br />
salas. A discussão continua. O policial arranca a foice da mão<br />
do s<strong>em</strong>-terra. Uma pessoa é ferida. É preciso muita negociação<br />
para conter os ânimos.”<br />
“A tropa <strong>de</strong> choque já saiu e a polícia acompanha tudo à<br />
distância. O MST <strong>de</strong>cidiu fazer um plantão e eles não sa<strong>em</strong><br />
daqui da frente da <strong>de</strong>legacia enquanto o ministro não receber<br />
os lí<strong>de</strong>res do movimento <strong>em</strong> uma audiência <strong>em</strong> Brasília.”<br />
“O Ministro da Fazenda Pedro Malan disse que não há diálogo<br />
enquanto os prédios estiver<strong>em</strong> ocupados.”<br />
R6<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 14 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Agência bancária é invadida por s<strong>em</strong>-terras.<br />
Imagens Áudio<br />
William Bonner “200 policiais cercaram a agência bancária invadida ont<strong>em</strong> por<br />
um grupo <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> Paranavaí, no Paraná. Uma<br />
operação para garantir o atendimento aos clientes. Com medo<br />
<strong>de</strong> um confronto, o comércio fechou as portas. Só no fim da<br />
tar<strong>de</strong> os s<strong>em</strong>-terras <strong>de</strong>cidiam ir <strong>em</strong>bora”.<br />
(Jornal Nacional – 14/05/98)<br />
179
QUARTO BLOCO<br />
R1<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 8 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: A outra face <strong>de</strong> integrantes do MST.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentador William Bonner “Trabalhadores das cida<strong>de</strong>s estão entre os invasores do MST<br />
que ocuparam a fazenda Borbor<strong>em</strong>a no norte do Paraná. No<br />
fim <strong>de</strong> abril, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma troca <strong>de</strong> tiros, um segurança da<br />
fazenda foi executado com uma bala na cabeça”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo in off:<br />
“Essas imagens foram feitas na fazenda Borbor<strong>em</strong>a. Depois do<br />
conflito que resultou na morte do segurança da fazenda, José<br />
Lopes <strong>de</strong> Oliveira, conhecido como Jango. Alguns s<strong>em</strong>-terra<br />
escon<strong>de</strong>m o rosto da câmera, usando bonés, jaquetas e blusas<br />
sobre a cabeça. Mas porque eles não quer<strong>em</strong> aparecer? A<br />
i<strong>de</strong>ntificação po<strong>de</strong> revelar a outra face dos integrantes do<br />
movimento. Um <strong>de</strong>les, Francisco Geraldo Pereira, mora nessa<br />
casa <strong>em</strong> Londrina, com a mulher e dois filhos. Ele entrou no<br />
MST a um ano e ultimamente só passava o fim <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ana <strong>em</strong><br />
casa.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo “Alguns integrantes do MST levam vida dupla. No campo,<br />
aparec<strong>em</strong> pedindo terra mas na cida<strong>de</strong> a realida<strong>de</strong> é outra.<br />
Têm casa para morar, carro e cuidam <strong>de</strong> pequenos negócios”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo in off:<br />
“Esse hom<strong>em</strong> que é visto entre os s<strong>em</strong>-terra, votando nas<br />
reuniões e engrossando os gritos pela Reforma Agrária, vai<br />
para o acampamento <strong>em</strong> um Fiat amarelo. O mesmo carro<br />
po<strong>de</strong> ser visto na garag<strong>em</strong> da casa on<strong>de</strong> mora ao lado da<br />
mercearia que divi<strong>de</strong> com a mulher.”<br />
(Jornal Nacional – 8/05/97)<br />
R2<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Fotos <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra suspeitos são divulgadas pela polícia.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe “A polícia do Paraná divulga a foto dos quatro s<strong>em</strong>-terra<br />
suspeitos da execução do segurança durante a invasão <strong>de</strong> uma<br />
fazenda no norte do Paraná.”<br />
Lilian Witte Fibe <strong>em</strong> off:<br />
“Os peritos analisaram as imagens do conflito, ampliaram<br />
fotos e reconstituíram a invasão da casa no computador e<br />
concluíram que quatro pessoas que aparec<strong>em</strong> nas imagens<br />
estavam no quarto on<strong>de</strong> o segurança foi executado.”<br />
(Jornal Nacional – 20/05/97)<br />
180
181
R3<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997<br />
T<strong>em</strong>a central: Gente que não precisa <strong>de</strong> terra apoia o MST.<br />
Apresentador William Bonner<br />
Repórter Sandro Dalpícolo<br />
Imagens Áudio<br />
“O MST cresce com o apoio <strong>de</strong> gente que não precisa <strong>de</strong><br />
terra.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />
“O boné vermelho do MST é moda nas ruas <strong>de</strong> Nova Cantú.<br />
De uma hora para a outra, 1.400 pessoas, 10% da população<br />
da cida<strong>de</strong>, viraram trabalhadores s<strong>em</strong>-terra. A febre começou a<br />
um mês com a chegada <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra <strong>de</strong> outras<br />
cida<strong>de</strong>s que acamparam na beira <strong>de</strong> uma estrada.”<br />
“A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conseguir um pedaço <strong>de</strong> terra está<br />
atraindo até mesmo qu<strong>em</strong> já t<strong>em</strong> <strong>em</strong>prego na cida<strong>de</strong>, como um<br />
grupo <strong>de</strong> funcionários públicos municipais que também está<br />
acampado nesta área.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />
“Pelo menos 15 funcionários divi<strong>de</strong>m o t<strong>em</strong>po entre os<br />
barracos <strong>de</strong> lona e o expediente na prefeitura. São chefes <strong>de</strong><br />
seção, motoristas e operários.”<br />
Fala <strong>de</strong> João Aguiar (funcionário público) “A gente presta serviço no correr do dia e à noite a gente<br />
aparece lá”<br />
Fala <strong>de</strong> Aírton Agnolin (vice-prefeito) “Eu acredito que não é <strong>em</strong>prego que essas pessoas têm. Essas<br />
pessoas têm uma cruz para carregar na vida e quer<strong>em</strong> ganhar<br />
um salário mínimo, 120 reais...”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />
“O encarregado <strong>de</strong> máquinas, Miguel Ribeiro, ganha 400 reais<br />
<strong>de</strong> salário na prefeitura mais 200 reais <strong>de</strong> aposentadoria. T<strong>em</strong><br />
casa própria na cida<strong>de</strong> com carro na garag<strong>em</strong>, mas todo fim <strong>de</strong><br />
tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois do trabalho vai com a mulher para o<br />
acampamento.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />
“O que o senhor t<strong>em</strong> não é suficiente?”<br />
Fala <strong>de</strong> Miguel Ribeiro “É, por enquanto está sendo mas, mais tar<strong>de</strong>, po<strong>de</strong> ficar<br />
pouco.”<br />
Repórter Sandro Dalpícolo <strong>em</strong> off:<br />
“Chefes do MST acham natural que pessoas que t<strong>em</strong> <strong>em</strong>prego<br />
e moradia na cida<strong>de</strong> disput<strong>em</strong> terra com qu<strong>em</strong> realmente<br />
precisa.”<br />
Fala <strong>de</strong> Juliê Martins (chefe do MST) “Cada um t<strong>em</strong> sua razão para explicar se está, se o salário não<br />
é suficiente também vai apelar para uma terra para ele ser<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.”<br />
(Jornal Nacional – 23/05/97)<br />
182
R4<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 2 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1997<br />
T<strong>em</strong>a central: A volta dos trabalhadores rurais à Brasília.<br />
Apresentador Carlos Nascimento<br />
(Jornal Nacional – 02/07/97)<br />
Imagens Áudio<br />
R5<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: José Rainha Júnior no banco dos réus.<br />
“trabalhadores rurais voltam à Brasília na manifestação do<br />
“grito da terra”.”<br />
Carlos Nascimento <strong>em</strong> off:<br />
“os agricultores saíram <strong>em</strong> passeata pela Esplanada dos<br />
Ministérios. Eles tentam retomar as negociações com o<br />
governo, que foram interrompidas <strong>em</strong> maio, quando invadiram<br />
o gabinete do Ministro do Planejamento.”<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe “O chefe do MST está no banco dos réus. Começou hoje, no<br />
Espírito Santo, o julgamento <strong>de</strong> José Rainha Jr. Ele é acusado<br />
<strong>de</strong> participar no assassinato <strong>de</strong> duas pessoas há oito anos.”<br />
Repórter Ari Peixoto <strong>em</strong> off:<br />
“Faixas, ban<strong>de</strong>iras, foices e facões. Quando o dia amanheceu,<br />
centenas <strong>de</strong> trabalhadores s<strong>em</strong>-terra já caminhavam <strong>em</strong><br />
direção a Pedro Canário, município á 260 km <strong>de</strong> Vitória. Eles<br />
vieram <strong>de</strong> várias cida<strong>de</strong>s do País para o julgamento do lí<strong>de</strong>r do<br />
MST José Rainha Jr. é acusado <strong>de</strong> participação no assassinato<br />
do fazen<strong>de</strong>iro José Machado Neto e do PM Sérgio Narciso da<br />
Silva. O crime foi <strong>em</strong> junho <strong>de</strong> 89 durante a ocupação <strong>de</strong> uma<br />
fazenda <strong>em</strong> Pedro Canário. No fórum, só era possível entrar<br />
Repórter Ari Peixoto<br />
(Jornal Nacional – 10/06/97)<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar pelo <strong>de</strong>tetor <strong>de</strong> metais.”<br />
“O início do julgamento aqui <strong>em</strong> Pedro Canário estava<br />
marcado para 12:30. Só sete minutos antes chegou o lí<strong>de</strong>r do<br />
MST, José Rainha Jr.”<br />
Repórter Ari Peixoto <strong>em</strong> off:<br />
“Foi uma chegada tumultuada. José Rainha Jr. <strong>de</strong>sceu do<br />
ônibus cercado <strong>de</strong> seguranças. O Presi<strong>de</strong>nte licenciado do PT,<br />
Luís Inácio Lula da Silva, o sindicalista Vicente Paulo da<br />
Silva, o Vicentinho, e Diolinda Alves <strong>de</strong> Souza, mulher <strong>de</strong><br />
José Rainha estavam no plenário, lotado. O julgamento<br />
começou com José Rainha Jr. alegando inocência. Ele disse<br />
que estava no Ceará no dia do crime. Das cinco test<strong>em</strong>unhas<br />
<strong>de</strong> acusação, três faltaram ao julgamento, inclusive a que era<br />
consi<strong>de</strong>rada a mais importante: José Jorge Guimarães, que<br />
teria visto Rainha comandar a invasão. Em frente ao fórum, os<br />
s<strong>em</strong>-terra acompanham o julgamento pelas caixas <strong>de</strong> som.<br />
Eles vão esperar muito. O julgamento <strong>de</strong>ve acabar amanhã à<br />
noite.”<br />
183
R6<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: José Rainha é con<strong>de</strong>nado a 26 anos e meio <strong>de</strong> prisão.<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />
Fala <strong>de</strong> José Rainha Jr.<br />
Repórter Ari Peixoto<br />
(Jornal Nacional – 11/06/97)<br />
Imagens Áudio<br />
“Um dos chefes do MST, José Rainha Jr., é con<strong>de</strong>nado a 26<br />
anos e meio <strong>de</strong> prisão. O crime: participação <strong>em</strong> um duplo<br />
homicídio. Como a pena foi superior a 20 anos, ele t<strong>em</strong> direito<br />
a outro julgamento.”<br />
Repórter Ari Peixoto <strong>em</strong> off:<br />
“Debates no plenário, vigília na rua. A madrugada já chegava<br />
ao fim quando os sete jurados, três comerciantes, dois<br />
funcionários públicos, uma contadora e uma dona-<strong>de</strong>-casa,<br />
começaram a <strong>de</strong>cidir o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> José Rainha Jr. O dirigente<br />
do MST foi acusado <strong>de</strong> participar <strong>em</strong> um duplo homicídio na<br />
região há oito anos. O julgamento começou ont<strong>em</strong> a tar<strong>de</strong> e foi<br />
marcado por um fato surpreen<strong>de</strong>nte: nenhuma test<strong>em</strong>unha <strong>de</strong><br />
acusação prestou <strong>de</strong>poimento. Três faltaram e as outras duas<br />
foram dispensadas pela própria acusação, que consi<strong>de</strong>rou seus<br />
<strong>de</strong>poimentos irrelevantes. S<strong>em</strong> sala secreta, o prédio do<br />
Tribunal foi esvaziado para que os jurados pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> <strong>de</strong>cidir.<br />
Em pouco mais <strong>de</strong> uma hora, saiu o veredicto. Rainha foi<br />
con<strong>de</strong>nado como co-autor dos crimes. Responsabilizado pela<br />
organização do grupo que matou o fazen<strong>de</strong>iro e o policial. A<br />
con<strong>de</strong>nação foi baseada nos inquéritos civil e militar. O juiz<br />
Sebastião Mozini fixou a pena mínima <strong>em</strong> 17 anos e 6 meses e<br />
como consi<strong>de</strong>rou que os dois crimes foram cometidos <strong>em</strong> uma<br />
única ação, aumentou a pena <strong>em</strong> nove anos. Os s<strong>em</strong>-terra, que<br />
acompanharam o julgamento ficaram <strong>em</strong> silêncio.”<br />
“A gente viu aqui, exatamente, os fazen<strong>de</strong>iros com voto<br />
<strong>de</strong>terminado nesse jurado para con<strong>de</strong>nar.”<br />
Repórter Ari Peixoto <strong>em</strong> off:<br />
“A mulher <strong>de</strong> José Rainha, Diolinda Alves <strong>de</strong> Souza não quis<br />
comentar a sentença. O chefe do MST <strong>de</strong>ixou o tribunal<br />
cercado pelos manifestantes. Por ser réu primário, não vai<br />
ficar preso.”<br />
“Com a con<strong>de</strong>nação a 26 anos e meio <strong>de</strong> prisão, José Rainha<br />
ganhou o direito <strong>de</strong> ir a um novo julgamento, e este<br />
julgamento já está marcado. Vai ser no dia 16 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro<br />
<strong>de</strong>sse ano, a princípio, aqui mesmo, no fórum <strong>de</strong> Pedro<br />
Canário.”<br />
R7<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Presos suspeitos envolvidos <strong>em</strong> conflito com s<strong>em</strong>-terra.<br />
Apresentador William Bonner<br />
Imagens Áudio<br />
“Presos sete homens envolvidos <strong>em</strong> um conflito com s<strong>em</strong>terra<br />
no Paraná. No tiroteio, no fim <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ana, um invasor<br />
morreu.”<br />
William Bonner <strong>em</strong> off:<br />
“Com eles, a polícia encontrou armas, munição, um capuz e<br />
um rádio comunicador. Os acusados disseram que foram<br />
contratados por uma <strong>em</strong>presa <strong>de</strong> investigação para expulsar os<br />
184
Repórter Marcelo Canellas<br />
1-anda na área alagada.<br />
(Jornal Nacional – 09/02/98)<br />
s<strong>em</strong>-terra.”<br />
QUINTO BLOCO<br />
R1<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Denúncia do Ministro da Reforma Agrária contra o INCRA.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s “O INCRA pagou 30 vezes mais por uma fazenda que não<br />
po<strong>de</strong> ser usada para Reforma Agrária. A in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> 215<br />
milhões <strong>de</strong> reais foi paga por terras que passam a maior parte<br />
do ano <strong>de</strong>baixo d’água. A <strong>de</strong>núncia foi feita pelo próprio<br />
Ministro da Reforma Agrária.”<br />
1-vista aérea do local.<br />
2-Pan da área.<br />
3-PG <strong>de</strong> casa.<br />
4-PG <strong>de</strong> hom<strong>em</strong> sobre cavalo andando na região<br />
alagada.<br />
5-PM <strong>de</strong> mulher andando na região alagada com<br />
filho no pescoço.<br />
Repórter Marcelo Canellas <strong>em</strong> off:<br />
“É um imenso banhado no oeste do Estado <strong>de</strong> Tocantins.<br />
24.500 ha <strong>de</strong> terras encharcadas <strong>de</strong>sapropriadas pelo INCRA<br />
<strong>em</strong> 1986. Para os posseiros que viv<strong>em</strong> na região, a fazenda<br />
Araguaia significa dificulda<strong>de</strong> e sacrifício.”<br />
Fala <strong>de</strong> Teodoro Medrado (posseiro) “Nessa época do ano não dá para plantar não, pois é muito<br />
fundo.”<br />
1-PG da região. Repórter Marcelo Canellas <strong>em</strong> off:<br />
“Mas para a Procuradoria Geral da República trata-se <strong>de</strong> um<br />
Repórter Marcelo Canellas<br />
1- Repórter anda na região alagada (água acima do<br />
joelho) enquanto fala o texto.<br />
1 – PG da área. (5 tomadas diferentes)<br />
2- PG <strong>de</strong> pessoas(inclusive o repórter) andando<br />
sobre a área alagada.<br />
Fala <strong>de</strong> Mílton Amorin (engenheiro-agrônomo<br />
do INCRA)<br />
1-- PG <strong>de</strong> árvores, enquanto o repórter fala o texto<br />
2-PG <strong>de</strong> homens conversando.<br />
3-Travellig vertical <strong>de</strong> árvores.<br />
escândalo milionário.”<br />
“Des<strong>de</strong> que a fazenda foi <strong>de</strong>sapropriada a 10 anos, o INCRA<br />
não <strong>em</strong>itiu um único título <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> terra. A justificativa<br />
dos relatórios técnicos é exatamente essa: 80% da fazenda...”<br />
Repórter Marcelo Canellas <strong>em</strong> off:<br />
“... ficam <strong>de</strong>baixo d’água durante a maior parte do ano.,<br />
mesmo assim o INCRA pagou 250.000.000 <strong>de</strong> reais, 30 vezes<br />
mais que o preço <strong>de</strong> mercado. Com esse dinheiro, o governo<br />
po<strong>de</strong>ria assentar, com folga, cerca <strong>de</strong> 11.000 famílias. Os<br />
técnicos do INCRA fizeram nova inspeção na área, para<br />
comprovar o que já sabiam.”<br />
“É uma área <strong>de</strong> várzea, com gran<strong>de</strong> limitação para uso da<br />
proprieda<strong>de</strong> familiar, e requer altos investimentos, e mesmo<br />
assim com gran<strong>de</strong>s riscos.”<br />
“O que jogou o preço da fazenda para cima foi a avaliação da<br />
cobertura vegetal: 135.000.000 <strong>de</strong> reais. O estranho é que<br />
exist<strong>em</strong> pouquíssimas espécies <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira-<strong>de</strong>-lei.<br />
Repórter <strong>em</strong> off:<br />
O que existe aqui são espécies típicas do cerrado, que serv<strong>em</strong><br />
para fazer cerca e para lenha. Os técnicos encontraram Badin,<br />
Baiguda e Inhare, árvores <strong>de</strong> pequeno porte e s<strong>em</strong> valor<br />
comercial”<br />
Fala <strong>de</strong> Abrão Martins (posseiro) “Eu ouvi o povo falar que tinha Jatobá por essas áreas, mas eu<br />
nunca vi”<br />
1- Câmera subjetiva (cinegrafista filma seus Repórter Marcelo Canellas in off:<br />
passos na área alagada.<br />
“O valor da fazenda foi <strong>de</strong>finido por um perito judicial, pois<br />
2-PG da área. (5 tomadas)<br />
não houve acordo entre o INCRA e os proprietários. Mas<br />
segundo a Procuradoria da República, há falhas graves na<br />
perícia que o INCRA nunca se preocupou <strong>em</strong> contestar<br />
durante o processo judicial. Há suspeita <strong>de</strong> envolvimento <strong>de</strong><br />
funcionários no superfaturamento da fazenda Araguaia.”<br />
Fala do Ministro Raul Jungman “Ao que tudo indica é que ocorreu uma negligência, e se isto<br />
185
<strong>de</strong> fato ocorreu é fundamental que o Ministério Público venha<br />
a encontrar e a punir os responsáveis, e a minha expectativa é<br />
que eles pagu<strong>em</strong> por esse erro contra a Reforma Agrária<br />
ex<strong>em</strong>plarmente atrás das gra<strong>de</strong>s”<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s “A <strong>em</strong>presa Araguaia, proprietária da fazenda, alega que<br />
contestou a <strong>de</strong>sapropriação para Reforma Agrária. Ela<br />
argumenta que o valor <strong>de</strong>terminado pela justiça se <strong>de</strong>ve ao<br />
atraso <strong>de</strong> 10 anos no pagamento da <strong>de</strong>sapropriação e que é<br />
uma <strong>de</strong>cisão final da justiça.”<br />
(Jornal Nacional – 7/02/97)<br />
R2<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Terras <strong>de</strong> ex-banqueiro serão usadas para Reforma Agrária.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe “As terras do ex-banqueiro Ângelo Calmon <strong>de</strong> Sá serão usadas<br />
na Reforma Agrária. 10 fazendas serão <strong>de</strong>sapropriadas.<br />
Algumas são da família Calmon <strong>de</strong> Sá há quase 400 anos”<br />
1 –PG <strong>de</strong> trabalhador fazendo a secag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />
cacau.<br />
2 – PG da fazenda. (3 tomadas)<br />
3 – Pan rápida da área<br />
Repórter Marcelo Canellas<br />
(Santo Amaro da Purificação- Bahia)<br />
1-PG da área (3 tomadas)<br />
2- Close <strong>de</strong> trator.<br />
3-Close <strong>de</strong> trabalhador.<br />
4- PG <strong>de</strong> famílias.<br />
Repórter Marcelo Canellas <strong>em</strong> off:<br />
“O velho terreiro <strong>de</strong> cacau ainda funciona, mas o peão que<br />
revira as amêndoas não trabalha mais para o ex-banqueiro<br />
Ângelo Calmon <strong>de</strong> Sá. É a primeira vez que o governo usa<br />
imóveis <strong>de</strong> um banqueiro falido para Reforma Agrária. São 10<br />
fazendas no estado da Bahia. 65.000 ha on<strong>de</strong> serão assentadas<br />
mais <strong>de</strong> 2.000 famílias <strong>de</strong> trabalhadores rurais.”<br />
“Esta é a mais antiga <strong>de</strong> todas. Ela é administrada pela família<br />
Calmon há quase quatro séculos. A última avaliação técnica<br />
do INCRA constatou que menos da meta<strong>de</strong> da área da fazenda<br />
é <strong>de</strong>stinada para a agricultura. Ela foi consi<strong>de</strong>rada improdutiva<br />
e vai ser a primeira a ser usada para Reforma Agrária.<br />
Repórter Marcelo Canellas <strong>em</strong> off:<br />
“O Ministério da Reforma Agrária promete usar mais <strong>de</strong><br />
200.000 ha <strong>de</strong> outros banqueiros com dívidas no Banco<br />
Central para assentar quase 7.000 famílias”<br />
Fala <strong>de</strong> Raul Jungman “Os banqueiros que quebraram e lesaram, tanto o po<strong>de</strong>r<br />
público, quanto aqueles que tinham sua poupança, seu<br />
1- Close na ban<strong>de</strong>ira do MST.<br />
2-PG <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-teras.<br />
3-PG <strong>de</strong> homens, mulheres e crianças. (3 tomadas)<br />
Fala do s<strong>em</strong>-terra “Ë digna esta atitu<strong>de</strong>”<br />
(Jornal Nacional – 10/03/97)<br />
dinheirinho no banco, vão agora pagar por isso”<br />
Repórter Marcelo Canellas <strong>em</strong> off:<br />
“A própria coor<strong>de</strong>nação do MST na região, que já ocupa uma<br />
das fazendas, dá uma trégua na queda <strong>de</strong> braço com o governo<br />
para elogiar a medida”<br />
186
R3<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Entrevista exclusiva com Fernando Henrique Cardoso.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentador William Bonner “Exclusivo, o Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique, <strong>em</strong> entrevista ao<br />
repórter Carlos Monforte, disse que o governo precisa da<br />
Reforma Administrativa para fazer a Reforma Agrária. O<br />
Presi<strong>de</strong>nte quer ouvir os s<strong>em</strong>-terra mas também vai mostrar o<br />
que o governo já fez no campo. Também disse que mantém o<br />
ministro Raul Jungman no cargo e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a união do<br />
governo com os s<strong>em</strong>-terra para acelerar a Reforma Agrária no<br />
Brasil”.<br />
Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “Eu acho que um país <strong>de</strong>mocrático como o nosso precisa se<br />
acostumar a que haja esse tipo <strong>de</strong> manifestação. Claro, t<strong>em</strong><br />
que ser uma manifestação <strong>de</strong>ntro da D<strong>em</strong>ocracia. Uma<br />
<strong>de</strong>monstração construtiva. Em meu governo, eu assentei mais<br />
gente do que <strong>em</strong> qualquer período da história do Brasil. Nós<br />
<strong>de</strong>sapropriamos 3.400.000 hectares <strong>de</strong> terra. Isso é o tamanho<br />
da Bélgica. Agora eu acho que é inútil brigar. Assentou quanto<br />
ou tanto, o MST diz que é tanto, o Ministério diz que é não sei<br />
quanto mais. Não é esse o probl<strong>em</strong>a. Se nós nos <strong>de</strong>rmos as<br />
mãos, vamos assentar mais gente. Isso é que nós t<strong>em</strong>os que<br />
fazer.”<br />
Corte (fa<strong>de</strong> write)<br />
Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “Eu tenho um programa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a campanha que foi aprovado<br />
pelo povo. Naquela época se discutia muito: dá para fazer<br />
quantos assentamentos? Nós colocamos que <strong>em</strong> quatro anos<br />
nós po<strong>de</strong>ríamos assentar 280.000 famílias. No primeiro ano<br />
seriam 40.000, no segundo ano 60.000. Cumprimos. Por que<br />
nós pus<strong>em</strong>os essas metas? Porque historicamente no Brasil, a<br />
média é <strong>de</strong> 10.000 famílias por ano. Então nós estamos<br />
assentando cinco vezes mais do que jamais foi feito no Brasil.<br />
Agora para fazer mais eu preciso <strong>de</strong> mais gente, Reforma<br />
Administrativa para mudar o INCRA, mais recurso, portanto a<br />
socieda<strong>de</strong> vai ter que pagar mais algum imposto e ela não quer<br />
pagar imposto. Precisa <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po para treinar esse pessoal e<br />
custa dinheiro. O que t<strong>em</strong> que ser reversível é a situação da<br />
terra. Nós t<strong>em</strong>os que melhorar a situação, dar mais condições<br />
<strong>de</strong> trabalho, assentamento. Esse é o esforço do governo.<br />
Suponho que seja essa também a <strong>de</strong>manda principal dos s<strong>em</strong>terra.<br />
Repórter-entrevistador Carlos Monforte “O senhor acha que isso po<strong>de</strong> vir na base do diálogo?”<br />
(a imag<strong>em</strong> mostra entrevistador e entrevistados<br />
sentados <strong>em</strong> sofás, <strong>em</strong> uma sala)<br />
Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “Só po<strong>de</strong> vir na base do diálogo”<br />
Repórter-entrevistador Carlos Monforte “O senhor prega a conciliação?”<br />
Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso<br />
“S<strong>em</strong> dúvida. Há dificulda<strong>de</strong>s no assentamento? Há muitas<br />
dificulda<strong>de</strong>s. Ele resolve todos os probl<strong>em</strong>as do campo? Não<br />
resolve. É preciso cuidar do pequeno proprietário, da gran<strong>de</strong><br />
produção. É um conjunto <strong>de</strong> medidas que t<strong>em</strong> <strong>de</strong> ser tomadas,<br />
mas há também, e aí é um ponto específico, que prestar<br />
atenção, que é muita gente que se <strong>de</strong>r um pouco <strong>de</strong> terra e<br />
assistência técnica ao plantio e a educação, essa gente vai ser<br />
integrada à socieda<strong>de</strong> brasileira. Então isso t<strong>em</strong> que ser feito.<br />
Está sendo feito.”<br />
187
Imagens Áudio<br />
Carlos Monforte “E sobre esse rastro <strong>de</strong> diálogo, <strong>de</strong> conciliação. O senhor<br />
recebe o movimento?”<br />
Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “S<strong>em</strong> dúvida. Não é a primeira vez não.”<br />
Repórter-entrevistador Carlos Monforte “Junto com o ministro da Reforma Agrária?”<br />
Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “Certamente”<br />
Repórter-entrevistador Carlos Monforte “O senhor escolheu Raul Jungman para ser o Ministro da<br />
reforma Agrária. O MST não está reconhecendo o ministro<br />
como interlocutor. O senhor é capaz <strong>de</strong> tirar o ministro para<br />
continuar o diálogo?”<br />
Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “Não porque aí sai da legalida<strong>de</strong>, porque não cabe ao MST<br />
saber qu<strong>em</strong> é ministro meu. Eu fui eleito pelo povo para<br />
governar com os ministros que eu <strong>de</strong>cido. Agora, eu não vou<br />
discutir qu<strong>em</strong> é o lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>-terra. Nunca pedi a cabeça <strong>de</strong><br />
nenhum lí<strong>de</strong>r dos s<strong>em</strong>-terra.”<br />
Repórter-entrevistador Carlos Monforte “O senhor fez referência duas vezes à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer a<br />
Reforma Administrativa. O senhor acredita que esse<br />
Congresso vai aprovar a Reforma que o senhor quer, ou vai<br />
dar um jeitinho?”<br />
Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso “Olha, tal como está, a Reforma pelo relatório Moreira<br />
Franco, não é a que nós mandamos inicialmente, houve uma<br />
negociação, mas ela é boa, ela ajuda, ela melhora, ela permite<br />
o Brasil avançar. Então eu acho que se for aprovada como está<br />
no relatório Moreira Franco, é um passo importante. Eu até<br />
<strong>de</strong>ixo um apelo aqui. S<strong>em</strong>ana que v<strong>em</strong>, eu vou estar no<br />
Canadá, uma visita oficial <strong>de</strong> dois dias. É possível que<br />
coincida com a data <strong>de</strong> votação do Congresso. Eu <strong>de</strong>ixo aqui<br />
um apelo aos congressistas. Que eles vot<strong>em</strong> a Reforma,<br />
porque eu acabei <strong>de</strong> dizer, não po<strong>de</strong> melhorar o INCRA<br />
porque não t<strong>em</strong> Reforma Administrativa, não dá marg<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />
manobra para o governo atuar. O INCRA t<strong>em</strong> que ser<br />
melhorado.<br />
Corte (fa<strong>de</strong> write)<br />
“O INCRA t<strong>em</strong> 6000 funcionários, eu duvido que precisa <strong>de</strong><br />
tanta gente assim. Mas nós não t<strong>em</strong>os a Reforma<br />
Administrativa, nós não po<strong>de</strong>mos entrar mais duro, para<br />
mostrar como é que se aumenta a eficiência. Então fica uma<br />
idéia <strong>de</strong> ciclo vicioso.”<br />
(Jornal Nacional – 17/04/97)<br />
188
R4<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Mudanças na legislação agrária dificulta invasões <strong>de</strong> terras.<br />
Apresentador William Bonner<br />
Repórter Alexandre Garcia<br />
Fala do Ministro Raul Jungman<br />
(Jornal Nacional – 12/06/97)<br />
Imagens Áudio<br />
“Mudanças na Legislação agrária. Fica mais fácil a<br />
<strong>de</strong>sapropriação <strong>de</strong> terras e ficam mais difíceis as invasões. As<br />
frau<strong>de</strong>s na avaliação serão duramente punidas.”<br />
“Órgãos estaduais <strong>de</strong> trabalhadores ou agricultores como o do<br />
MST ou da CONTAG po<strong>de</strong>m indicar ao INCRA áreas<br />
passíveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação. O INCRA terá 120 dias para<br />
fazer a vistoria, que não será feita se o imóvel estiver<br />
invadido. Antes, a ausência do proprietário impedia a vistoria.<br />
Agora ele po<strong>de</strong> ser notificado por edital <strong>em</strong> jornal para não<br />
retardar o processo. Depois da vistoria, o proprietário não<br />
po<strong>de</strong> acrescentar benfeitorias para valorizar a in<strong>de</strong>nização,<br />
n<strong>em</strong> mudar a posse ou uso do imóvel e t<strong>em</strong> 15 dia para se<br />
manifestar. Os juros compenssatórios nas in<strong>de</strong>nizações foram<br />
reduzidos pela meta<strong>de</strong> e o governo terá quatro anos para<br />
recorrer contra in<strong>de</strong>nização judicial acima do valor do<br />
imóvel.”<br />
“A partir <strong>de</strong> agora t<strong>em</strong>os uma lei agrária, limpa e <strong>em</strong><br />
condições <strong>de</strong> você tocar a Reforma Agrária, s<strong>em</strong> frau<strong>de</strong>s, ou<br />
pelo menos <strong>de</strong>ixando ele absolutamente residual e fazendo-a<br />
com serenida<strong>de</strong> e evitando os conflitos e os mortos.”<br />
189
R5<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 1 º <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Chance à paz no Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe “Uma chance à paz no Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a. Uma proposta<br />
oficial po<strong>de</strong> reduzir os conflitos na região do extr<strong>em</strong>o oeste <strong>de</strong><br />
São Paulo, que ficou conhecida pela violência.”<br />
Repórter José Roberto Burnier <strong>em</strong> off:<br />
“A maior parte do Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a, no extr<strong>em</strong>o oeste<br />
<strong>de</strong> São Paulo, é terra do Estado. Nos tribunais, os processos se<br />
arrastam à décadas, s<strong>em</strong> solução. O <strong>de</strong>creto assinado hoje pelo<br />
Repórter José Burnier<br />
Fala <strong>de</strong> José Rainha<br />
Fala do Ministro Raul Jungman<br />
(Jornal Nacional – 01/08/97)<br />
governador Mário Covas tenta encurtar o caminho.”<br />
“O <strong>de</strong>creto autoriza acordos entre os fazen<strong>de</strong>iros e o Estado.<br />
Os fazen<strong>de</strong>iros dão até meta<strong>de</strong> da área para Reforma Agrária e<br />
consegu<strong>em</strong> o título <strong>de</strong>finitivo do restante. Com isso o governo<br />
espera conseguir pelo menos 70.000 ha para assentar 3.000<br />
famílias.”<br />
“O que nós esperamos é que esse diálogo se torne ação<br />
concreta mais rápido e que não seja parado na mesa do terceiro<br />
escalão dos burocratas que às vezes per<strong>de</strong>m os processos <strong>de</strong><br />
avanço concreto das medidas que o governo toma.”<br />
Repórter José Roberto Burnier <strong>em</strong> off:<br />
“O MST, que vinha sendo criticado pelo governo fe<strong>de</strong>ral por<br />
causa das manifestações e invasões, <strong>de</strong>ssa vez recebeu elogios<br />
do Ministro da Reforma Agrária.”<br />
“O MST organiza parcela da população, e isso representa<br />
avanços, e se isso vai <strong>de</strong>ntro da lei, nenhum probl<strong>em</strong>a, t<strong>em</strong> o<br />
governo ao lado. Quando existe <strong>de</strong>srespeito à lei, aí<br />
efetivamente o governo reage <strong>em</strong> nome da autorida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mocrática...”<br />
190
R6<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 13 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: A UDR se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> contra o MST / FHC lança linha <strong>de</strong> crédito<br />
para facilitar compra <strong>de</strong> terras.<br />
Apresentador Carlos Nascimento<br />
Imagens Áudio<br />
“Ameaça <strong>de</strong> invasão <strong>de</strong> quatro fazendas aumenta a tensão no<br />
Pontal do Paranapan<strong>em</strong>a, SP. Fazen<strong>de</strong>iros acreditam que a<br />
ação do MST vai ser no fim <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ana.”<br />
Carlos Nascimento <strong>em</strong> off:<br />
“Os fazen<strong>de</strong>iros aumentaram o número <strong>de</strong> seguranças e estão<br />
reforçando as cercas. Eles quer<strong>em</strong> intervenção da polícia e<br />
pediram à justiça prisão preventiva dos chefes do movimento.<br />
A UDR promete reagir às invasões.”<br />
Fala <strong>de</strong> Guilherme Prata (UDR) “Eu acho que a pessoa t<strong>em</strong> que se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Se vier<strong>em</strong> com<br />
estilingue, com estilingue, se vier<strong>em</strong> com tapa, com tapa, e se<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />
(Jornal Nacional – 13/08/97)<br />
vier<strong>em</strong> com arma, com arma.”<br />
“Em Brasília o Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique lançou uma<br />
linha <strong>de</strong> crédito para financiar a compra <strong>de</strong> terras. O<br />
trabalhador rural po<strong>de</strong>rá pegar um <strong>em</strong>préstimo <strong>de</strong> 10.000 reais<br />
e terá sete anos para pagar. Inicialmente serão atendidos os<br />
estados da Bahia, Maranhão, Pernambuco e Ceará.”<br />
R7<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 22 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Fernando Henrique Cardoso com<strong>em</strong>ora assentamentos.<br />
XXXXXXX<br />
Fala do Presi<strong>de</strong>nte FHC<br />
(Jornal Nacional – 22/12/97)<br />
Imagens Áudio<br />
“O presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique fez hoje um balanço do<br />
programa <strong>de</strong> Reforma Agrária. Com<strong>em</strong>orou o assentamento <strong>de</strong><br />
mais <strong>de</strong> 80000 famílias, superando a meta inicial e fez uma<br />
avaliação.”<br />
“isso não se dá por acaso. Isso se dá porque a socieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>seja, porque os movimentos sociais exist<strong>em</strong> e são muito<br />
importantes, e é paradoxal, os que mais gritam a favor da<br />
Reforma Agrária são os que faz<strong>em</strong> mais obstáculos aqui para<br />
que o Estado se reforme. Dificultam a ação ...”<br />
191
R8<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Vaticano con<strong>de</strong>na violência contra os s<strong>em</strong>-terra.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe “A Igreja Católica pe<strong>de</strong> aos países <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que<br />
apress<strong>em</strong> a Reforma Agrária. Mas um relatório do Conselho<br />
Episcopal <strong>de</strong> Justiça e Paz do Vaticano diz que a Igreja não<br />
apoia as invasões <strong>de</strong> terra. Quanto ao Brasil, o Vaticano<br />
con<strong>de</strong>nou a violência contra os s<strong>em</strong>-terra. O Presi<strong>de</strong>nte<br />
Fernando Henrique Cardoso diz que concorda com vários<br />
pontos do documento divulgado pelo Vaticano mas, segundo o<br />
Presi<strong>de</strong>nte, o Brasil não é o principal alvo das críticas.”<br />
(Jornal Nacional – 13/01/98)<br />
R9<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 25 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Papa recebe documento do Ministro Jungmam.<br />
Apresentadora Ana Paula Padrão<br />
(cromaki do Ministro)<br />
(Jornal Nacional – 25/03/98)<br />
Imagens Áudio<br />
“... a carta do Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso é uma<br />
resposta ao pedido do Papa <strong>de</strong> uma distribuição mais justa da<br />
terra no País.<br />
Ana Paula Padrão <strong>em</strong> off:<br />
“O Ministro Raul Jungman entregou o documento ao Papa.<br />
Segundo Jungman, o governo e a Igreja Católica pensam da<br />
mesma maneira sobre o combate à violência no campo. O<br />
Papa disse que o Brasil é o primeiro país a respon<strong>de</strong>r ao apelo<br />
da Igreja manifestado pelo documento do Conselho <strong>de</strong> Justiça<br />
e Paz.”<br />
192
SEXTO BLOCO<br />
R1<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 11 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: Justiça <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> sobre julgamento dos culpados pelo massacre.<br />
Imagens Áudio<br />
“Amanhã a justiça do Pará vai anunciar finalmente qu<strong>em</strong> será<br />
Apresentador William Bonner<br />
julgado pelo massacre dos s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> Eldorado do Carajás.<br />
As imagens da violência foram mostradas <strong>em</strong> primeira mão<br />
pelo JN. 19 pessoas foram mortas por policiais militares. 1 ano<br />
e sete meses <strong>de</strong>pois, os sobreviventes do massacre ainda estão<br />
s<strong>em</strong>-terra e a maioria s<strong>em</strong> esperança <strong>de</strong> justiça.”<br />
Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva <strong>em</strong> off:<br />
“É um dia que a D. Maria Abadia muito mas não consegue<br />
esquecer. Hoje, no local do massacre t<strong>em</strong> cruzes e um<br />
pequeno museu. Há um ano e sete meses, mesmo ferida com<br />
dois tiros na perna, a D. Maria conseguiu se salvar e salvar o<br />
filho <strong>de</strong>la, também ferido com um tiro no rosto. Os dois, e<br />
outros 1500 s<strong>em</strong>-Terra <strong>de</strong>ixaram a rodovia para pedir terra. A<br />
polícia militar foi mandada para liberar a estrada. O confronto<br />
terminou com a morte <strong>de</strong> 19 trabalhadores rurais s<strong>em</strong>-terra.<br />
Outros 69 ficaram feridos.”<br />
Fala <strong>de</strong> Maria Abadia (s<strong>em</strong>-terra) “Eu tinha vonta<strong>de</strong> que tivesse justiça para que não acontecesse<br />
outra vez.”<br />
Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva <strong>em</strong> off:<br />
“O Sr. José Nativida<strong>de</strong> quer um pouco mais. Com dificulda<strong>de</strong><br />
para trabalhar por causa do tiro que levou na perna, ele e 690<br />
famílias viv<strong>em</strong> e plantam hoje nessa fazenda, a 17 <strong>de</strong> abril,<br />
<strong>de</strong>sapropriada pelo governo <strong>de</strong>pois do massacre.”<br />
Fala <strong>de</strong> José Nativida<strong>de</strong> (s<strong>em</strong>-terra)<br />
“Não está valendo ainda porque o governador não cumpriu<br />
com o compromisso que ele disse que tinha com a gente, que<br />
era nos in<strong>de</strong>nizar, e até hoje nós esperamos, mas eu nunca<br />
perdi as esperanças.”<br />
Fala do Sr. Raimundo<br />
Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva <strong>em</strong> off:<br />
“Esperanças que o Sr. Raimundo, o Domingos e o Leosmar<br />
não têm. Os três também sobreviveram ao massacre.<br />
Continuam com as marcas do confronto. Também ganharam<br />
terras na 17 <strong>de</strong> Abril, mas como todas as outras famílias, ainda<br />
não receberam as escrituras <strong>de</strong> posse e estão <strong>de</strong>sanimados.”<br />
“Até hoje nós não somos donos da terra. Eu não sei aon<strong>de</strong> é a<br />
minha.”<br />
Fala <strong>de</strong> Leosmar “Não tenho mais esperança não.”<br />
Fala <strong>de</strong> Domingos<br />
(Jornal Nacional – 11/11/97)<br />
“Daqui há uns 20 ou 30 anos, eu só posso dizer para os meus<br />
filhos que eu peguei um tiro no massacre e não houve justiça.”<br />
193
R2<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 12 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1997.<br />
T<strong>em</strong>a central: PMs e s<strong>em</strong>-terra serão julgados pelo massacre.<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe<br />
Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva<br />
Imagens Áudio<br />
Fala <strong>de</strong> Carlos do Amaral (advogado dos s<strong>em</strong>terra)<br />
Fala <strong>de</strong> Eloisa Sovano (advogada dos policiais)<br />
Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva<br />
(Jornal Nacional – 12/11/97)<br />
“... por causa do massacre dos s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> Eldorado do<br />
Carajás. O julgamento <strong>de</strong>ve acontecer no primeiro s<strong>em</strong>estre do<br />
ano que v<strong>em</strong>.”<br />
“A or<strong>de</strong>m para liberar a estrada ocupada pelos trabalhadores<br />
s<strong>em</strong>-terra, foi dada pelo governador do Pará, Almir Gabriel.<br />
Or<strong>de</strong>m cumprida. Os 153 policiais militares, comandados pelo<br />
coronel Mário Pantoja, e pelo major José Maria <strong>de</strong> Oliveira.<br />
Hoje, um ano e sete meses <strong>de</strong>pois do massacre, aqui no fórum<br />
<strong>de</strong> Curionópolis, cida<strong>de</strong> vizinha à Eldorado do Carajás, o juiz<br />
responsável pelo caso anunciou formalmente. Uma <strong>de</strong>cisão<br />
aguardada com ansieda<strong>de</strong> pelos s<strong>em</strong>-terra. O coronel Pantoja,<br />
o major Oliveira, 151 policiais e 3 trabalhadores s<strong>em</strong>-terra vão<br />
ser julgados pelo massacre, pela morte <strong>de</strong> 19 trabalhadores, e<br />
pelos ferimentos <strong>em</strong> outros 69 s<strong>em</strong>-terra 12 policiais. Todos<br />
estão soltos e vão continuar aguardando julgamento <strong>em</strong><br />
liberda<strong>de</strong>. Os PMs vão ser julgados por homicídio doloso<br />
qualificado. As penas variam <strong>de</strong> 12 a 30 anos <strong>de</strong> prisão. Os<br />
três s<strong>em</strong>-terra, por lesões corporais leves. Penas <strong>de</strong> 3 meses a 1<br />
ano <strong>de</strong> prisão. Mas os advogados dos policiais e dos s<strong>em</strong>-terra<br />
já <strong>de</strong>cidiram, vão recorrer.”<br />
“Nós esperamos que a nível <strong>de</strong> tribunal <strong>de</strong> justiça, ou <strong>em</strong> caso,<br />
através <strong>de</strong> recursos próprios, corrija esse pequeno equívoco.”<br />
“O processo é um julgamento da atuação dos PMs e não <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>s. No meu ver, se houver alguém responsável,<br />
é o nosso digníssimo governador do estado.”<br />
“Mas o governador Almir Gabriel já está livre <strong>de</strong> qualquer<br />
punição. Para o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, o governador<br />
não po<strong>de</strong> ser responsabilizado pela maneira como a PM<br />
cumpriu...”<br />
194
R3<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Rel<strong>em</strong>brando o massacre <strong>de</strong> Eldorado dos Carajás.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe “Emoção e revolta. <strong>em</strong> Eldorado do Carájás, no sul do Pará. A<br />
morte <strong>de</strong> 19 pessoas <strong>em</strong> um massacre que chocou o Brasil e o<br />
mundo foi l<strong>em</strong>brada com missa. c protesto. Dois anos <strong>de</strong>pois<br />
os policiais militares que participaram do conflito ainda não<br />
foram julgados”.<br />
Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />
“Foram quase mil Km <strong>de</strong> caravanas dos quatro cantos do Pará<br />
até Belém. Os integrantes do MST pediram pressa para a<br />
justiça, que dois anos <strong>de</strong>pois do massacre, ainda não puniu os<br />
três responsáveis”.<br />
Fala <strong>de</strong> s<strong>em</strong>-terra “Não t<strong>em</strong> ninguém atrás das gra<strong>de</strong>s até o momento. Então para<br />
nós trás um clima <strong>de</strong> revolta muito gran<strong>de</strong>”.<br />
Repórter Marcos Losekann “Aqui na região sul do Pará. a manifestação mais significativa<br />
aconteceu <strong>em</strong> Eldorado do Carajás, on<strong>de</strong> à dois anos. esse dia<br />
17 <strong>de</strong> abril ficou marcado. Pessoas que participaram, ou que<br />
simplesmente ouviram falar do conflito, vieram rezar na curva<br />
do S, on<strong>de</strong> os 19 s<strong>em</strong>-terra foram assassinados.<br />
Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />
“Parentes e amigos das vítimas acen<strong>de</strong>ram velas junto das 19<br />
cruzes encravadas no chão. Um grupo <strong>de</strong> jovens da Pastoral da<br />
Terra incenou uma peça sobre o dia do massacre. A<br />
dramatização comoveu qu<strong>em</strong> jamais pô<strong>de</strong> esquecer daquele<br />
dia. Representantes das 690 famílias <strong>de</strong> agricultores que eram<br />
s<strong>em</strong>-terra no dia 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 96, exibiram mostras da<br />
primeira colheita na lavoura. Que eles cultivaram.<br />
Apresentadora Lilian Witte Fibe “Trabalhadores s<strong>em</strong>-terra vão passar a madrugada <strong>em</strong> vigília<br />
no Recife. É mais uma manifestação para l<strong>em</strong>brar os dois anos<br />
do massacre <strong>em</strong> Eldorado do Carajás.<br />
Lilian Witte Fibe <strong>em</strong> off:<br />
“Mais <strong>de</strong> 1.000 famílias <strong>de</strong> estados do Nor<strong>de</strong>ste se<br />
encontraram no Recife e estão <strong>em</strong> frente ao prédio da.<br />
SUDENE. Soldados do Exército acompanham a<br />
movimentação. Durante o dia, trabalhadores s<strong>em</strong>-terra fizeram<br />
manifestações por todo o País. Cruzes, velas, caixões<br />
l<strong>em</strong>bravam as mortes durante o massacre. Em São Paulo, o<br />
protesto começou na Praça da Sé e terminou <strong>em</strong> tumulto. Em<br />
frente à bolsa <strong>de</strong> valores, houve confronto com a tropa <strong>de</strong><br />
choque. Segundo a PM, três soldados e dois s<strong>em</strong>-terra ficaram<br />
lev<strong>em</strong>ente feridos. Os números dos lí<strong>de</strong>res do movimento são<br />
diferentes. Segundo eles, não dois, mas sete foram parar no<br />
médico”.<br />
(Jornal Nacional- 17/04/98)<br />
195
SÉTIMO BLOCO<br />
R1<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: S<strong>em</strong>-terras são mortos no sul do Pará.<br />
Apresentador William Bonner<br />
(Jornal Nacional – 27/03/98)<br />
Imagens Áudio<br />
“Violência no sul do Pará. Dois s<strong>em</strong>-terra são mortos a tiros<br />
durante a transferência para um assentamento.”<br />
William Bonner <strong>em</strong> off:<br />
“500 famílias <strong>de</strong>socupavam uma fazenda invadida a 15 dias<br />
<strong>em</strong> Parauapebas, quando Onacílio Barros e Valentim da Silva<br />
foram baleados. A polícia ainda não sabe qu<strong>em</strong> atirou.”<br />
R2<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 28 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Prisão preventiva <strong>de</strong> 10 fazen<strong>de</strong>iros acusados <strong>de</strong> matar s<strong>em</strong>terras.<br />
Repórter Ana Paula Padrão<br />
(Jornal Nacional – 27/03/98)<br />
Imagens Áudio<br />
“A justiça <strong>de</strong>creta a prisão <strong>de</strong> 10 fazen<strong>de</strong>iros no sul do Pará,<br />
entre eles o dono da fazenda Goiás, on<strong>de</strong> dois s<strong>em</strong>-terra foram<br />
mortos durante uma <strong>de</strong>socupação. Onacílio Barros, fundador<br />
do MST no Pará e Valentim Serra, tesoureiro, foram baleados<br />
quando comandavam a transferência <strong>de</strong> 500 famílias para um<br />
assentamento. Dois oficiais <strong>de</strong> justiça acompanhavam a<br />
retirada. 10 policiais militares também são suspeitos <strong>de</strong><br />
envolvimento nas mortes e estão <strong>de</strong>tidos no batalhão <strong>de</strong><br />
Chinguara. Eles acompanhavam a <strong>de</strong>socupação, mesmo<br />
estando <strong>de</strong> folga.”<br />
196
R3<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 30 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: S<strong>em</strong>-terras faz<strong>em</strong> novas invasões.<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />
(Jornal Nacional – 30/03/98)<br />
Imagens Áudio<br />
“Os s<strong>em</strong>-terra faz<strong>em</strong> novas invasões <strong>em</strong> quatro estados e<br />
voltam a ocupar a fazenda on<strong>de</strong> dois militantes foram<br />
assassinados a tiros.”<br />
Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />
“1500 pessoas participaram da nova invasão à fazenda Goiás<br />
2. O grupo tinha saído da área na quinta-feira passada.<br />
Durante a retirada, dois s<strong>em</strong>-terra foram mortos. Os invasores<br />
diz<strong>em</strong> que só vão negociar a <strong>de</strong>socupação quando a autoria do<br />
crime for esclarecida.”<br />
Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />
“No início da noite, 600 s<strong>em</strong>-terra invadiram a fazenda Terra<br />
Norte, <strong>em</strong> Eldorado dos Carajás, no Pará. No sul <strong>de</strong> Minas,<br />
uma usina <strong>de</strong> açúcar foi ocupada. Houve invasões também no<br />
interior <strong>de</strong> Pernambuco e no Mato Grosso do Sul.”<br />
R4<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 2 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Exército tenta impedir confronto entre fazen<strong>de</strong>iros e s<strong>em</strong>-terras.<br />
Apresentador William Bonner<br />
Imagens Áudio<br />
“A região do conflito dividida pela força <strong>de</strong> paz. No sul do<br />
Pará, o Exército reforça a tropa para impedir um confronto<br />
entre fazen<strong>de</strong>iros e s<strong>em</strong>-terra.”<br />
Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />
“Fogueiras acesas, tropas <strong>de</strong> prontidão. 500 soldados do<br />
Exército controlaram o vai e v<strong>em</strong> <strong>de</strong> veículos e pe<strong>de</strong>stres na<br />
área que separa os s<strong>em</strong>-terra dos fazen<strong>de</strong>iros. O comando da<br />
operação acredita que só a presença das tropas já é suficiente<br />
para acalmar os ânimos, mas está preparado para usar a força<br />
se for necessário.”<br />
Fala <strong>de</strong> Mauro Fernando Aragão “Estamos aqui com o pessoal e o potencial bélico, e faria, <strong>de</strong><br />
qualquer maneira, acalmar os ânimos exaltados.”<br />
Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />
“Depois da chegada do Exército, os fazen<strong>de</strong>iros escon<strong>de</strong>ram<br />
as armas. Exib<strong>em</strong> apenas um papel, um Interdito Proibitório<br />
concedido pela justiça prevendo multa e ca<strong>de</strong>ia para qu<strong>em</strong><br />
invadir a área do complexo Marimbondo. São 70.000 ha<br />
divididos <strong>em</strong> 50 fazendas que estão na mira do MST.”<br />
197
Repórter Marcos Losekann<br />
Imagens Áudio<br />
“Do outro lado do município <strong>de</strong> Parauapebas, quase 50 km <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> estão as tropas do Exército, cerca <strong>de</strong> 500 famílias <strong>de</strong><br />
trabalhadores s<strong>em</strong>-terra continuam ocupando a fazenda Goiás<br />
II. Eles já haviam saído daqui, mas <strong>de</strong>cidiram voltar <strong>de</strong>pois<br />
que dois lí<strong>de</strong>res do movimento foram assassinados. Essas<br />
cruzes na beira da estrada marcam o local da tragédia.”<br />
Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />
“O dono da fazenda Goiás, que também é sócio <strong>de</strong>ssa loja <strong>em</strong><br />
Parauapebas, continua foragido. Carlos da Costa, é acusado <strong>de</strong><br />
ser um dos autores do assassinato dos dois lí<strong>de</strong>res dos s<strong>em</strong>terra.<br />
Os oficiais <strong>de</strong> justiça que levaram a or<strong>de</strong>m para<br />
<strong>de</strong>socupação da fazenda, fato que resultou no conflito, já<br />
foram afastados do Fórum.”<br />
“Em Brasília, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />
pe<strong>de</strong> que a Polícia Fe<strong>de</strong>ral dê garantia <strong>de</strong> vida à dois<br />
integrantes do MST. Eles diz<strong>em</strong> que test<strong>em</strong>unharam a morte<br />
<strong>de</strong> invasores da fazenda Goiás II na Quinta-feira passada.”<br />
Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />
“Paulo Rodrigues e Maria Zilda Araújo prestaram <strong>de</strong>poimento<br />
na Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos. Maria Zilda acusou o dono<br />
da fazenda Goiás II, Carlos Antônio Costa, <strong>de</strong> ser o mandante<br />
dos crimes. O fazen<strong>de</strong>iro é procurado pela polícia. Ela disse<br />
que um pistoleiro contratado pelo fazen<strong>de</strong>iro matou os s<strong>em</strong>terra<br />
Onalício Barros e Valentin Serra e ainda a ameaçou <strong>de</strong><br />
morte.”<br />
Fala <strong>de</strong> Maria Zilda Araújo (s<strong>em</strong>-terra) “Ele botou um revólver, um cano gelado aqui na minha boca,<br />
e disse assim: “é isso aí ó”. Quando ele disse assim, as<br />
crianças e o pessoal todo gritavam: “não atira nela não, na<br />
mulher não”. E eles me <strong>de</strong>rrubaram no chão.”<br />
Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />
“Os dois s<strong>em</strong>-terra disseram também que po<strong>de</strong>m reconhecer<br />
outros envolvidos no crime. Seguranças da fazenda e onze<br />
policiais militares que já estão presos. 10 <strong>de</strong>les respon<strong>de</strong>m à<br />
processos pela morte <strong>de</strong> 19 s<strong>em</strong>-terra <strong>em</strong> Eldorado do Carajás,<br />
à dois anos. No fórum <strong>de</strong> Parauapeba, sul do Pará, um grupo<br />
<strong>de</strong> invasores da fazenda Goiás II acen<strong>de</strong>u velas pela morte dos<br />
dois s<strong>em</strong>-terra. Depois, o grupo rezou no local on<strong>de</strong> os dois<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />
(Jornal Nacional – 02/04/98)<br />
integrantes do MST foram mortos.”<br />
“E a juíza <strong>de</strong> Parauapebas, Maria Vitória do Carmo, <strong>de</strong>cretou<br />
a prisão t<strong>em</strong>porária <strong>de</strong> mais dois fazen<strong>de</strong>iros da região. Agora<br />
já são onze os acusados <strong>de</strong> envolvimento na morte dos s<strong>em</strong>terra.”<br />
198
R5<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 3 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Polícia Fe<strong>de</strong>ral procura fazen<strong>de</strong>iros acusados <strong>de</strong> matar integrantes<br />
do MST.<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />
Fala <strong>de</strong> Lauriston Góes (<strong>de</strong>legado)<br />
Fala <strong>de</strong> Arnaldo Severino (advogado)<br />
Imagens Áudio<br />
“A polícia fe<strong>de</strong>ral usa helicópteros para procurar os<br />
fazen<strong>de</strong>iros acusados <strong>de</strong> matar dois integrantes do MST na<br />
fazenda Goiás II e Parauapebas, no sul do Pará. Pelo menos<br />
uma s<strong>em</strong>ana antes do crime, uma das vítimas já se dizia<br />
ameaçada. Valentin Serra sabia que iria morrer.”<br />
Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />
“Barreiras nas estradas, policiais armados. N<strong>em</strong> todo o aparato<br />
montado <strong>em</strong> Parauapebas foi suficiente para garantir a prisão<br />
dos onze fazen<strong>de</strong>iros. Hoje a polícia civil <strong>de</strong>cidiu passar uma<br />
cópia dos mandados <strong>de</strong> prisão t<strong>em</strong>porária para a polícia<br />
fe<strong>de</strong>ral. Com helicópteros, os agentes vão tentar caçar os<br />
fugitivos nas fazendas da região. O <strong>de</strong>legado da polícia civil<br />
que presi<strong>de</strong> o inquérito reclama <strong>de</strong> moradores da cida<strong>de</strong>, que<br />
estariam acobertando os fazen<strong>de</strong>iros.”<br />
“A comunida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> simpatia pelas pessoas da comunida<strong>de</strong>,<br />
que estão com probl<strong>em</strong>as, e ao mesmo t<strong>em</strong>po, antipatiza com<br />
a questão do movimento.”<br />
Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />
“Na <strong>de</strong>legacia, três test<strong>em</strong>unhas prestaram <strong>de</strong>poimento e<br />
negaram a participação <strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iros no conflito. O<br />
advogado <strong>de</strong> Darci <strong>de</strong> Souza, o Cavalão, que também está<br />
foragido, disse que o cliente <strong>de</strong>le t<strong>em</strong> um álibi.”<br />
“Nós t<strong>em</strong>os aqui três test<strong>em</strong>unhas para comprovar que ele<br />
realmente estava na cida<strong>de</strong> e no momento dos fatos estava <strong>em</strong><br />
um bar ao lado do seu açougue.”<br />
“A polícia recebeu a informação <strong>de</strong> que os fazen<strong>de</strong>iros<br />
Repórter Marcos Losekann<br />
pagaram um cachê para que os PMs que estavam <strong>de</strong> folga<br />
vestiss<strong>em</strong> as fardas e s<strong>em</strong> a autorização do comando<br />
acompanhass<strong>em</strong> os oficiais <strong>de</strong> justiça na reintegração <strong>de</strong> posse<br />
da fazenda Goiás II, on<strong>de</strong> aconteceu o conflito. Cada um teria<br />
recebido 200 reais.”<br />
Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />
“Essa gravação mostra que os lí<strong>de</strong>res dos s<strong>em</strong>-terra sabiam<br />
que estavam marcados para morrer. Valentin Serra, o Doutor,<br />
fez esse discurso na frente do fórum <strong>de</strong> Parauapebas, uma<br />
s<strong>em</strong>ana antes <strong>de</strong> ser assassinado.”<br />
Fala <strong>de</strong> Valentin Serra “Eu venho para cá para a justiça e vou <strong>de</strong>nunciar que eles<br />
estão me ameaçando <strong>de</strong> morte.”<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />
(Jornal Nacional – 03/04/98)<br />
Repórter Marcos Losekann <strong>em</strong> off:<br />
“O laudo dos legistas mostra que Valentin Serra foi morto<br />
com um único tiro no coração.”<br />
“Ainda segundo o laudo, Onalício Barros, o outro integrante<br />
do MST, levou cinco tiros. O último no coração, <strong>de</strong>pois que<br />
ele já estava morto.”<br />
199
R6<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: É preso o fazen<strong>de</strong>iro acusado <strong>de</strong> matar dois s<strong>em</strong>-terras.<br />
Imagens Áudio<br />
Apresentador William Bonner “O fazen<strong>de</strong>iro acusado <strong>de</strong> matar dois s<strong>em</strong>-terra no Pará está<br />
preso <strong>em</strong> Marabá.”<br />
William Bonner <strong>em</strong> off:<br />
“Carlos Antônio da Costa foi para a ca<strong>de</strong>ia usando colete à<br />
prova <strong>de</strong> balas. Os s<strong>em</strong>-terra foram mortos à 18 dias, quando o<br />
grupo saía da fazenda Goiás II, por or<strong>de</strong>m da justiça.”<br />
Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />
“Os s<strong>em</strong>-terra voltam a invadir na região do Pontal do<br />
Paranapan<strong>em</strong>a, SP. Estão nas fazendas Ipiranga e Santa Isabel,<br />
e diz<strong>em</strong> que quer<strong>em</strong> pressionar o governo para a criação <strong>de</strong><br />
mais assentamentos.”<br />
(Jornal Nacional – 13/04/98)<br />
200
OITAVO BLOCO<br />
R1<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 9 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Lí<strong>de</strong>res do MST são acusados <strong>de</strong> provocar saques no Nor<strong>de</strong>ste.<br />
Imagens Áudio<br />
“A Polícia Fe<strong>de</strong>ral vai pedir a prisão <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res do MST<br />
XXXXXXX<br />
acusados <strong>de</strong> provocar saques no Nor<strong>de</strong>ste. E os brasileiros que<br />
viv<strong>em</strong> longe da seca faz<strong>em</strong> campanha para arrecadar<br />
alimentos para os flagelados.”<br />
Repórter Mônica Silveira <strong>em</strong> off:<br />
“Um Sábado <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> Cuiabá. Mais <strong>de</strong> 150<br />
toneladas <strong>de</strong> alimentos e roupas foram arrecadadas <strong>em</strong> uma<br />
campanha organizada pela Polícia Rodoviária Fe<strong>de</strong>ral. As<br />
doações chegam Quinta-feira à Paraíba, ao Ceará e à<br />
Pernambuco.”<br />
Fala <strong>de</strong> Margarida Zanato (dona <strong>de</strong> casa) “Eu queria ir pessoalmente entregar para ver meus irmãos<br />
sofridos, porque 30 anos que você sai <strong>de</strong> uma terra e vê uma<br />
reportag<strong>em</strong> como aquela, não é fácil.”<br />
“Na se<strong>de</strong> da SUDENE no Recife, uma reunião para discutir<br />
Repórter Mônica Silveira<br />
segurança na área da seca. Como fazer para evitar a ação <strong>de</strong><br />
aproveitadores na distribuição <strong>de</strong> alimentos, e como evitar os<br />
saques?”<br />
Repórter Mônica Silveira <strong>em</strong> off:<br />
“Representantes das polícias <strong>de</strong> todos os estados do Nor<strong>de</strong>ste<br />
participaram da discussão com o ministro da justiça, Renan<br />
Calheiros, que anunciou a criação do disque paz, um serviço<br />
gratuito para receber <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> manipulação política dos<br />
saques. O ministro também divulgou uma lista com o nome <strong>de</strong><br />
17 pessoas acusadas <strong>de</strong> estimular os saques. 16 são do MST,<br />
entre elas o lí<strong>de</strong>r nacional do movimento, João Pedro Stédile.”<br />
Fala <strong>de</strong> Vicente Chelotti (policial fe<strong>de</strong>ral) “A própria participação <strong>de</strong>les, já são pressupostos que serão<br />
levadas <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração para que o <strong>de</strong>legado peça a prisão<br />
t<strong>em</strong>porária...”<br />
(Jornal Nacional – 09/05/98)<br />
201
R2<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 11 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Integrantes do MST po<strong>de</strong>m ser presos por incentivar saques no<br />
Nor<strong>de</strong>ste.<br />
Apresentador William Bonner, ao vivo<br />
(cromaki – estrada)<br />
Imagens Áudio<br />
1 – PG <strong>de</strong> pessoas e soldados carregando sacos <strong>de</strong><br />
alimentos e colocando-os <strong>em</strong> um caminhão.<br />
2 – mesma cena – outro ângulo.<br />
3 – mesma cena – outro ângulo.<br />
4 – PG <strong>de</strong> um avião do exército.<br />
5 – PG do Ministro da Justiça sentado <strong>em</strong> uma<br />
mesa <strong>de</strong> reuniões conversando com pessoas<br />
(repórteres).<br />
6 – Close frontal do Ministro.<br />
7 – Close <strong>de</strong> um papel – aparece na tela o número<br />
<strong>de</strong> um telefone.<br />
8 – Close do perfil do Ministro.<br />
9 – Close frontal do Ministro.<br />
10 – mesma cena n o 5<br />
11 – PG <strong>de</strong> soldados e caminhões com alimentos<br />
(imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> arquivo).<br />
12 – PM <strong>de</strong> perfil <strong>de</strong> manifestantes (alguns com<br />
bonés do MST) saqueando um armazém. (o<br />
cinegrafista parecia estar com a câmera levantada)<br />
(imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> arquivo).<br />
13 – PM <strong>de</strong> saqueadores (imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> arquivo).<br />
14 – Close <strong>de</strong> João Pedro Stédili dando <strong>de</strong>claração<br />
à imprensa. (não mostra que é uma imag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />
arquivo)<br />
Fala da repórter Zilei<strong>de</strong> Silva<br />
(ao fundo: Palácio do Planalto)<br />
“A polícia fe<strong>de</strong>ral pe<strong>de</strong> a prisão preventiva <strong>de</strong> nove integrantes<br />
do MST, acusados <strong>de</strong> incentivar saques no Nor<strong>de</strong>ste. A justiça<br />
ainda vai <strong>de</strong>cidir se aceita ou não o pedido”.<br />
Repórter Zilei<strong>de</strong> Silva <strong>em</strong> off:<br />
“Mais um dia <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>. São toneladas <strong>de</strong> doações,<br />
alimentos e roupas <strong>de</strong> toda a parte do Brasil para os<br />
municípios mais atingidos pela seca. Aqui <strong>em</strong> Brasília, o<br />
Ministério da Justiça lançou o disque paz. O telefone é 0800-<br />
61-0022, para receber qualquer tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia sobre<br />
manipulação política dos saques. Manipulação que o próprio<br />
Ministério já i<strong>de</strong>ntificou <strong>em</strong> saques na BR-428 e na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Arco Ver<strong>de</strong>- PE. Na <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> João Pedro Stédile, um dos<br />
principais lí<strong>de</strong>res do MST.<br />
“Além <strong>de</strong> João Pedro Stédile, o Ministério da Justiça<br />
conseguiu i<strong>de</strong>ntificar outros 8 participantes do MST e hoje a<br />
Polícia Fe<strong>de</strong>ral abriu inquérito contra todos por incitação ao<br />
crime. A polícia pediu ainda a prisão preventiva <strong>de</strong>les. Bispos<br />
da CNBB e o Ministro Cepúlbida Pertence do Supr<strong>em</strong>o<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral também <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram os saques, mas para o<br />
Ministério da Justiça, a situação <strong>de</strong>les é diferente.<br />
Fala do Ministro da Justiça, Renan Calheiros “Talvez tenham feito isso apenas por questões humanitárias,<br />
enquanto que setores do MST, as suas mais expressivas<br />
li<strong>de</strong>ranças, fizeram a <strong>de</strong>fesa da apologia do crime e da<br />
incitação ao saque e à violência, objetivando quebrar a or<strong>de</strong>m<br />
condicional e tirar divi<strong>de</strong>ndos políticos”....<br />
(Jornal Nacional – 11/05/98)<br />
202
R3<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 26 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Caminhões são saqueados por s<strong>em</strong>-terras <strong>em</strong> Pernambuco.<br />
Apresentador William Bonner<br />
(Jornal Nacional – 26/05/98)<br />
Imagens Áudio<br />
R4<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: MST faz novo saque.<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />
(Jornal Nacional – 27/05/98)<br />
“300 agricultores ligados ao MST roubam dois caminhões no<br />
interior <strong>de</strong> Pernambuco e exig<strong>em</strong> cestas básicas para <strong>de</strong>volver<br />
a carga. Os caminhões transportavam abóboras e gado. Foram<br />
parados na BR-116 e levados para um acampamento <strong>de</strong> s<strong>em</strong>terra<br />
próximo a Uripurí. O caminhão <strong>de</strong> abóboras foi<br />
esvaziado e liberado. O caminhão <strong>de</strong> gado só foi <strong>de</strong>volvido no<br />
meio da tar<strong>de</strong> <strong>em</strong> troca <strong>de</strong> 120 cestas básicas entregues pela<br />
prefeitura <strong>de</strong> Uripurí.”<br />
Imagens Áudio<br />
“O MST faz mais um saque no interior <strong>de</strong> Pernambuco. 400<br />
pessoas levaram 3000 cestas básicas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>pósito do<br />
governo fe<strong>de</strong>ral <strong>em</strong> Araipina. Uma mulher foi presa acusada<br />
<strong>de</strong> furto e formação <strong>de</strong> quadrilha. No acampamento <strong>em</strong><br />
Morocó, os alimentos saqueados eram trocados por cachaça.<br />
Oito integrantes envolvidos foram expulsos do grupo.”<br />
R5<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Novo ataque <strong>de</strong> saqueadores no sertão <strong>de</strong> Pernambuco.<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />
(Jornal Nacional – 12/06/98)<br />
Imagens Áudio<br />
“Um ataque <strong>de</strong> saqueadores no sertão <strong>de</strong> Pernambuco. Eles<br />
bloquearam a estrada <strong>em</strong> Santa Maria da Boa Vista, à 640 Km<br />
do Recife.”<br />
Fátima Bernar<strong>de</strong>s <strong>em</strong> off:<br />
“O grupo do saque com 150 pessoas <strong>de</strong>scarregou <strong>em</strong> poucos<br />
minutos 3 carretas com 80 toneladas <strong>de</strong> feijão e açúcar. O<br />
motoristas apenas olhavam assustados. A carga avaliada <strong>em</strong><br />
61 mil reais foi dividida entre 200 famílias que a um ano<br />
ocupa uma fazenda <strong>em</strong> área irrigada, às margens do Rio São<br />
Francisco.”<br />
203
R6<br />
Data <strong>de</strong> exibição: 15 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998.<br />
T<strong>em</strong>a central: Presos s<strong>em</strong>-terras que vendiam alimentos saqueados.<br />
Apresentadora Fátima Bernar<strong>de</strong>s<br />
(Jornal Nacional – 15/06/98)<br />
Imagens Áudio<br />
“Quatro s<strong>em</strong>-terra foram presos hoje <strong>em</strong> Curatá, a 600 km <strong>de</strong><br />
Salvador. Eles foram flagrados ven<strong>de</strong>ndo alimentos saqueados<br />
<strong>de</strong> caminhões <strong>em</strong> Pernambuco.”<br />
204
APÊNDICE A<br />
Figura 1A - Revista S<strong>em</strong> Terra, jan./fev./mar. 1999:50.<br />
205
APÊNDICE B<br />
Figura 1B - Jornal dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong>-Terra, ago. 1998:14.<br />
206
APÊNDICE E<br />
Figura 1E - Revista Imprensa, jun. 1996:26-27.<br />
164
APÊNDICE G<br />
Figura 1G - Jornal dos Trabalhadores Rurais S<strong>em</strong> Terra, ago. 1998:20.<br />
165
APÊNDICE H<br />
GLOSSÁRIO<br />
Close - é o primeiro plano <strong>de</strong> enquadramento, muito próximo <strong>de</strong> um<br />
personag<strong>em</strong> ou <strong>de</strong> um assunto.<br />
Corte - <strong>em</strong>endo entre duas imagens. Po<strong>de</strong> ser instantâneo, brusco, como uma<br />
varredura (cortina), suave ou rápido, através do escurecimento ou<br />
branqueamento da imag<strong>em</strong> (fa<strong>de</strong> white).<br />
Off - texto lido por um repórter ou locutor que não está presente na tela.<br />
Pan ou panorâmica - é o movimento que a câmera faz <strong>em</strong> torno do seu eixo.<br />
É um movimento giratório e permite apresentar uma cena extensa <strong>de</strong> um<br />
ponto a outro.<br />
PM - plano médio - permite o enquadramento <strong>de</strong> um personag<strong>em</strong> mostrando<br />
também objetos do cenário.<br />
PG - plano geral - é o plano aberto, filmado <strong>de</strong> maneira distante do assunto,<br />
que permite o registro <strong>de</strong> todo o espaço on<strong>de</strong> o personag<strong>em</strong> ou personagens se<br />
interag<strong>em</strong>.<br />
166