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Mariana Rodrigues dos Santos - Programa de Pós-Graduação em ...

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MARIANA RODRIGUES DOS SANTOS<br />

MULHERES E MOVIMENTO DE ATINGIDOS POR BARRAGEM:<br />

PARTICIPAÇÃO AUTORIZADA OU AUTÔNOMA?<br />

Tese apresentada à Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, como parte das exigências<br />

do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<strong>Graduação</strong><br />

<strong>em</strong> Extensão Rural, para obtenção do<br />

título <strong>de</strong> “Magister Scientiae”.<br />

VIÇOSA<br />

MINAS GERAIS - BRASIL<br />

2002


MARIANA RODRIGUES DOS SANTOS<br />

MULHERES E MOVIMENTO DE ATINGIDOS POR BARRAGEM:<br />

PARTICIPAÇÃO AUTORIZADA OU AUTÔNOMA?<br />

APROVADA: 03 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2002.<br />

Tese apresentada à Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, como parte das exigências<br />

do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<strong>Graduação</strong><br />

<strong>em</strong> Extensão Rural, para obtenção do<br />

título <strong>de</strong> “Magister Scientiae”.<br />

Ana Louise <strong>de</strong> Carvalho Fiúza Cristine Carole Muggler<br />

Maria <strong>de</strong> Fátima Lopes José Roberto Pereira<br />

(Conselheiro) (Conselheiro)<br />

Maria Izabel Vieira Botelho<br />

(Orientadora)


Às mulheres atingidas <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> <strong>de</strong>dico este trabalho<br />

<strong>de</strong>vido ao muito que aprendi com sua luta nestes anos <strong>de</strong> convivência<br />

e que fizeram <strong>de</strong> suas vidas um ensinamento.<br />

ii


AGRADECIMENTO<br />

Agra<strong>de</strong>ço às amigas e aos amigos <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, especialmente<br />

os atingi<strong>dos</strong> pela barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Fumaça que se dispuseram a contribuir com meu<br />

trabalho me acompanhando nas áreas atingidas e na comunida<strong>de</strong>, me hospedando<br />

e me conce<strong>de</strong>ndo entrevistas para que meu estudo se concretizasse. Espero que<br />

meu trabalho contribua para sua luta e para causa <strong>de</strong> outros atingi<strong>dos</strong> por<br />

barragens.<br />

Assim como também agra<strong>de</strong>ço aos padres, assessores, agentes da<br />

Comissão Pastoral da terra, representantes nacionais do Movimento <strong>de</strong> Atingi<strong>dos</strong><br />

por Barragens, m<strong>em</strong>bros das associações como ASPARPI.<br />

Às associações locais AMABAF e AABF.<br />

Aos professores e amigos do NACAB pela oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> me<br />

aproximar e me inserir no movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens. Em especial<br />

Fatinha, Franklin, Cleiton, Flávio, Léo, Romilda e Bira.<br />

Aos professores, professoras e estudantes do curso <strong>de</strong> Extensão Rural da<br />

UFV que contribuíram para este trabalho <strong>em</strong> especial à professora Cristine, do<br />

Departamento <strong>de</strong> Solos e ao professor Zé Roberto. À professora Ana Louise<br />

Fiúza, pela contribuição na banca <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. À minha orientadora, professora<br />

Maria Izabel Vieira Botelho, pelo apoio e contribuição nas diversas etapas <strong>de</strong>ste<br />

trabalho.<br />

iii


Aos gran<strong>de</strong>s amigos que me incentivaram e me ajudaram nos bons e<br />

maus momentos Nunes, Viviane, Marcelo, Hil<strong>de</strong>lano, Alessandra, Diva, Alex<br />

Fabiani, Maurício, Rosivaldo, Claudinha, Flávio, Dora, Jaciane, Jaqueline,<br />

Renato e Júnia.<br />

A Kalil e Carlos André, pelas discussões, questionamentos que<br />

engran<strong>de</strong>ceram muito esta pesquisa e também pelo carinho e amiza<strong>de</strong>.<br />

Gostaria <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer muito às maiores amigas que tive durante a minha<br />

jornada <strong>em</strong> Viçosa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que cheguei <strong>em</strong> 1995 e que me acompanharam até o<br />

final do meu curso <strong>de</strong> mestrado, as quais eu tenho muito que agra<strong>de</strong>cer pelos<br />

momentos que me acompanharam nesta minha vida viçosense <strong>em</strong> to<strong>dos</strong> os<br />

níveis, pela cumplicida<strong>de</strong> e paciência, Fabiana, Julianna e <strong>Mariana</strong>.<br />

Aos meus amigos <strong>de</strong> movimento estudantil e do Partido <strong>dos</strong><br />

Trabalhadores <strong>de</strong> Viçosa, que me ajudaram a construir a consciência política e<br />

social que tenho hoje e que foi fundamental para a construção <strong>de</strong>ste trabalho.<br />

Por fim quero agra<strong>de</strong>cer e <strong>de</strong>dicar este meu trabalho à minha família que<br />

s<strong>em</strong>pre apoiou e que s<strong>em</strong>pre foi muito importante na minha vida e no meu<br />

trabalho, Heber, Regina, Kiko, Dedé, Keka, Dudu e Heleninha, <strong>de</strong>dico às muitas<br />

lições que aprendi com as mulheres atingidas e que tentei transmitir nesta<br />

dissertação.<br />

iv


BIOGRAFIA<br />

MARIANA RODRIGUES DOS SANTOS, filha <strong>de</strong> Heber <strong>dos</strong> <strong>Santos</strong> e<br />

Regina <strong>Rodrigues</strong> <strong>Santos</strong>, nasceu <strong>em</strong> Belo Horizonte, Minas Gerais, <strong>em</strong> 1.º <strong>de</strong><br />

janeiro <strong>de</strong> 1977.<br />

Graduou-se <strong>em</strong> Agronomia na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa <strong>em</strong><br />

janeiro <strong>de</strong> 2000. Durante o período <strong>de</strong> graduação, fez parte do projeto <strong>de</strong><br />

extensão e pesquisa <strong>de</strong> assessoria às comunida<strong>de</strong>s atingidas por barragens na<br />

Zona da Mata mineira durante dois anos.<br />

Iniciou o curso <strong>de</strong> Mestrado <strong>em</strong> Extensão Rural, no Departamento <strong>de</strong><br />

Economia Rural da UFV, <strong>em</strong> 2000, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo tese <strong>em</strong> abril <strong>de</strong> 2002.<br />

v


ÍNDICE<br />

vi<br />

Página<br />

LISTA DE FIGURAS ............................................................................... viii<br />

LISTA DE SIGLAS .................................................................................. x<br />

RESUMO .................................................................................................. xii<br />

ABSTRACT .............................................................................................. xiii<br />

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................... 1<br />

1.1. Metodologia ................................................................................... 6<br />

1.1.1. O universo da pesquisa ............................................................ 7<br />

1.1.2. Justificativa do universo da pesquisa ....................................... 8<br />

1.1.3. Informações secundárias .......................................................... 9<br />

1.1.4. Observação participante ........................................................... 9<br />

1.1.5. Técnicas utilizadas .................................................................. 10<br />

1.1.6. Seleção <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong> ........................................................ 14<br />

1.1.7. Análise das informações .......................................................... 14


2. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE CACHO-<br />

EIRA DA FUMAÇA E A POPULAÇÃO LOCAL ..............................<br />

2.1. Orig<strong>em</strong> da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> e do processo <strong>de</strong><br />

construção da barrag<strong>em</strong> .................................................................<br />

2.2. Impactos sócio-econômicos e culturais referentes à construção <strong>de</strong><br />

hidrelétricas ....................................................................................<br />

vii<br />

Página<br />

2.3. Atingi<strong>dos</strong> por barragens: categoria social e analítica ..................... 33<br />

2.4. O processo <strong>de</strong> construção da Hidrelétrica Cachoeira da Fumaça e<br />

as mulheres atingidas .....................................................................<br />

3. TERRITÓRIO E LUGAR NO CONTEXTO DA CONSTRUÇÃO DE<br />

BARRAGENS .....................................................................................<br />

3.1. Terra e território como espaços <strong>de</strong> trabalho e socialização ........... 49<br />

3.2. Lugar como categoria <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação .......................................... 53<br />

3.3. A organização do espaço social das mulheres na associação ........ 60<br />

4. MULHERES, IGREJA E MOVIMENTOS SOCIAIS .......................... 64<br />

4.1. Participação f<strong>em</strong>inina nos movimentos sociais ............................. 67<br />

4.2. Mulheres e movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens ....................... 71<br />

4.3. A teologia da libertação e os movimentos sociais ......................... 73<br />

4.4. O lugar das mulheres na comunida<strong>de</strong> ............................................ 80<br />

4.5. As mulheres atingidas pela construção da Usina Hidrelétrica Cachoeira<br />

da Fumaça .........................................................................<br />

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 88<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 93<br />

APÊNDICE ............................................................................................... 99<br />

16<br />

16<br />

20<br />

36<br />

49<br />

83


LISTA DE FIGURAS<br />

1 Mulheres atingidas durante a aplicação das técnicas participativas<br />

.................................................................................................<br />

2 Casa <strong>de</strong> uma das atingidas, <strong>de</strong>stacando-se o fogão a lenha que é<br />

o meio principal na preparação <strong>dos</strong> alimentos para as famílias da<br />

comunida<strong>de</strong> ...................................................................................<br />

3 Desvio do rio nas obras <strong>de</strong> construção da UHE Fumaça. Ex<strong>em</strong>plo<br />

<strong>de</strong> impacto que a construção <strong>de</strong> uma hidrelétrica po<strong>de</strong> causar<br />

.................................................................................................<br />

4 Cachoeira da Fumaça que irá secar após a construção da barrag<strong>em</strong><br />

...............................................................................................<br />

5 Local <strong>de</strong> construção do eixo da barrag<strong>em</strong> antes <strong>de</strong> se começar<strong>em</strong><br />

as obras ..................................................................................<br />

viii<br />

Página<br />

6 Local do eixo da barrag<strong>em</strong> com as obras já iniciadas .................. 28<br />

7 Pinguela que vai ser inundada após enchido o lago ..................... 30<br />

8 Localização do município <strong>de</strong> Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos na microrregião<br />

<strong>de</strong> Ouro Preto e no Estado <strong>de</strong> Minas Gerais ......................<br />

9 Mapa do lago ................................................................................ 45<br />

13<br />

19<br />

21<br />

26<br />

27<br />

37


10 Local on<strong>de</strong> ficam aloja<strong>dos</strong> os trabalhadores da usina que vêm <strong>de</strong><br />

outra localida<strong>de</strong> ............................................................................<br />

ix<br />

Página<br />

11 Mapa <strong>de</strong> “antigamente” ................................................................ 55<br />

12 Mapa atual .................................................................................... 57<br />

13 Diagrama <strong>de</strong> Venn ........................................................................ 61<br />

14 Ban<strong>de</strong>ira do movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> na casa <strong>de</strong> uma das li<strong>de</strong>ranças<br />

............................................................................................<br />

53<br />

72


Fumaça.<br />

LISTA DE SIGLAS<br />

AABF - Associação <strong>dos</strong> Atingi<strong>dos</strong> pela Barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Fumaça.<br />

ALCAN - Empresa Alumínio-Canadá.<br />

AMABAF - Associação <strong>dos</strong> Moradores Atingi<strong>dos</strong> Pela Hidrelétrica <strong>de</strong><br />

ASPARPI - Associação <strong>dos</strong> Pescadores e Amigos do Rio Piranga.<br />

CEB's - Comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Base.<br />

CEMIG - Companhia Energética do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />

CONAMA - Conselho Nacional <strong>de</strong> Meio Ambiente.<br />

COPAM - Conselho <strong>de</strong> Políticas Ambientais.<br />

CPT - Comissão Pastoral da Terra.<br />

EIA - Estu<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Impacto Ambiental.<br />

ELETROBRÁS - Centrais Elétricas Brasileiras S.A.<br />

EMATER - Empresa Mineira <strong>de</strong> Assistência Técnica e Extensão Rural.<br />

FEAM - Fundação Estadual do Meio Ambiente.<br />

LI - Licença <strong>de</strong> Instalação.<br />

LO - Licença <strong>de</strong> Operação.<br />

LP - Licença Prévia.<br />

MAB - Movimento <strong>de</strong> Atingi<strong>dos</strong> por Barragens.<br />

x


do Sul.<br />

Barragens.<br />

MMTR - Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Gran<strong>de</strong><br />

NACAB - Núcleo <strong>de</strong> Assessoria às Comunida<strong>de</strong>s Atingidas por<br />

PCA - Plano <strong>de</strong> Controle Ambiental.<br />

RCA - Relatório <strong>de</strong> Controle Ambiental.<br />

RIMA - Relatório <strong>de</strong> Impacto Ambiental.<br />

SE - Setor Elétrico.<br />

UHE - Usina Hidrelétrica.<br />

xi


RESUMO<br />

SANTOS, <strong>Mariana</strong> <strong>Rodrigues</strong> <strong>dos</strong>, M.S., Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, abril<br />

<strong>de</strong> 2002. Mulheres e movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barrag<strong>em</strong>: participação<br />

autorizada ou autônoma? Orientadora: Maria Izabel Vieira Botelho.<br />

Conselheiros: José Roberto Pereira e Maria <strong>de</strong> Fátima Lopes.<br />

Neste estudo analisou-se as razões que levaram a participação das<br />

mulheres nas associações <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> e conseqüent<strong>em</strong>ente no movimento <strong>de</strong><br />

atingi<strong>dos</strong> por barragens. Analisou-se, <strong>de</strong>sta forma, o verda<strong>de</strong>iro papel da mulher<br />

nesta comunida<strong>de</strong> diante do contexto <strong>de</strong> construção da Usina Hidrelétrica<br />

Cachoeira da Fumaça, na localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, Zona da Mata<br />

mineira. Estas mulheres tornaram-se li<strong>de</strong>ranças locais, ocuparam cargos na<br />

associação, incluindo o <strong>de</strong> presidência, tornando-se “peças chaves” nas<br />

negociações que envolveu o processo <strong>de</strong> construção da barrag<strong>em</strong>. Ao se<br />

privilegiar as mulheres, a análise <strong>de</strong>ste estudo foi feita sob a perspectiva <strong>de</strong><br />

gênero, no sentido <strong>de</strong> se compreen<strong>de</strong>r as relações que envolv<strong>em</strong> homens e<br />

mulheres nesta localida<strong>de</strong>. Esta perspectiva foi associada aos conceitos <strong>de</strong><br />

territorialida<strong>de</strong> e lugar e as representações sociais que estas mulheres faz<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>stes conceitos, permitindo compreen<strong>de</strong>r as ações das mesmas <strong>em</strong> seu contexto<br />

social permeado pela construção da barrag<strong>em</strong>.<br />

xii


ABSTRACT<br />

SANTOS, <strong>Mariana</strong> <strong>Rodrigues</strong> <strong>dos</strong>, M.S., Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, April<br />

2002. Women and mov<strong>em</strong>ent of having reached for barrag<strong>em</strong>: authorized<br />

or autonomous participation? Adviser: Maria Izabel Vieira Botelho.<br />

Committee M<strong>em</strong>bers: José Roberto Pereira and Maria <strong>de</strong> Fátima Lopes.<br />

In this study it was analyzed the reasons that took the women's<br />

participation in the associations of having reached and consequently in the<br />

mov<strong>em</strong>ent of having reached for barragens. It was analyzed, this way, the<br />

woman's true paper in this community before the context of construction of<br />

Usina Hidrelétrica Cachoeira of the Smoke, in Miguel <strong>Rodrigues</strong>' place, Zone of<br />

the mining Forest. These women became local lea<strong>de</strong>rships, they occupied<br />

positions in the association, including the one of presi<strong>de</strong>ncy, becoming asks keys<br />

in the negotiations that it involved the process of construction of the barrag<strong>em</strong>.<br />

When privileging the women, the analysis of this study was ma<strong>de</strong> un<strong>de</strong>r the<br />

gen<strong>de</strong>r perspective, in the sense of un<strong>de</strong>rstanding the relationships that involve<br />

men and women in this place. This perspective was associated to the<br />

territorialida<strong>de</strong> concepts and place and the social representations that these<br />

women do of these concepts, allowing to un<strong>de</strong>rstand the actions of the same ones<br />

in its social context permeated by the construction of the barrag<strong>em</strong>.<br />

xiii


1. INTRODUÇÃO<br />

A construção <strong>de</strong> usinas hidrelétricas no Brasil foi intensificada no final<br />

da década <strong>de</strong> 70 e início da <strong>de</strong> 80, quando gran<strong>de</strong>s projetos foram realiza<strong>dos</strong><br />

como os <strong>de</strong> Tucuruí (no Estado do Pará, que inundou 234.000 ha), <strong>de</strong> Itaparica<br />

(nos Esta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Pernambuco e Bahia, que inundou 83.500 ha) e <strong>de</strong> Itaipu (no<br />

Estado do Paraná, que inundou 135.000 ha). A justificativa para a impl<strong>em</strong>entação<br />

<strong>de</strong> novas usinas <strong>de</strong>veu-se, naquele momento, ao fato <strong>de</strong> o país estar cada vez<br />

mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> maior produção <strong>de</strong> energia para aten<strong>de</strong>r à crescente<br />

industrialização. Além disso, o Brasil é um país que dispõe <strong>de</strong> abundância <strong>de</strong><br />

recursos hídricos, o que torna a energia elétrica mais barata que as <strong>de</strong>mais.<br />

As construções <strong>de</strong>ssas gran<strong>de</strong>s hidrelétricas causaram gran<strong>de</strong>s impactos<br />

ambientais e sociais para as populações locais, sejam diretamente, quando suas<br />

terras localizavam-se nos espaços a ser<strong>em</strong> inunda<strong>dos</strong>, sejam indiretamente<br />

quando suas condições <strong>de</strong> reprodução <strong>de</strong>pendiam, <strong>em</strong> alguma medida, da área<br />

afetada pela barrag<strong>em</strong>. Por isso, na década <strong>de</strong> 80, os movimentos ambientalistas,<br />

as organizações <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens e pressões do Banco Mundial <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento (BIRD), passaram a exigir maior controle na impl<strong>em</strong>entação<br />

<strong>dos</strong> projetos <strong>de</strong> barragens na sua visão ambiental e social, culminando com a<br />

obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização <strong>dos</strong> Estu<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Impacto Ambiental (EIA) como<br />

parte do processo <strong>de</strong> licenciamento ambiental.<br />

1


O Setor Elétrico fe<strong>de</strong>ral prevê, até o ano 2015 (o chamado “Plano<br />

2015”), a construção <strong>de</strong> 494 novas usinas hidrelétricas. Dessas, 19 projetos<br />

<strong>de</strong>verão ser impl<strong>em</strong>enta<strong>dos</strong> na Zona da Mata <strong>de</strong> Minas Gerais, <strong>de</strong> acordo com<br />

informações da Fundação Estadual <strong>de</strong> Meio Ambiente (FEAM). Parte<br />

significativa <strong>de</strong>stes projetos será <strong>em</strong>preendida pelo setor privado. O Setor<br />

Elétrico é hoje comandado pela <strong>em</strong>presa estatal Centrais Elétricas Brasileiras<br />

S.A., a ELETROBRÁS, vinculada ao Ministério das Minas e Energia.<br />

Os novos projetos a ser<strong>em</strong> implanta<strong>dos</strong> com o “Plano 2015”, a<br />

privatização do Setor Elétrico e o crescente surgimento <strong>de</strong> consórcios entre<br />

<strong>em</strong>presas privadas e o governo para a construção <strong>de</strong> Usinas Hidrelétricas (UHE),<br />

propiciaram uma relação complexa entre <strong>em</strong>presas/construtores da usina e<br />

populações locais, merecedora <strong>de</strong> análises aprofundadas. Esta situação é marcada<br />

pela falta <strong>de</strong> comunicação e dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso às informações sobre o<br />

processo <strong>de</strong> construção das UHE por parte das populações locais. Além disso, os<br />

danos ambientais, sociais e culturais quando leva<strong>dos</strong> <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração, são<br />

minimiza<strong>dos</strong> e <strong>de</strong>svirtua<strong>dos</strong> nos Estu<strong>dos</strong> e Relatórios <strong>de</strong> Impacto Ambiental<br />

(EIA/RIMA). Esses EIA/RIMAs, obrigatórios para a aprovação do projeto por<br />

parte <strong>de</strong> órgãos ambientais do governo do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais, têm como<br />

objetivo a realização <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhamento da região on<strong>de</strong> será construída a barrag<strong>em</strong>,<br />

com intuito <strong>de</strong> prever seus impactos nos meios físico, biótico e sócio-econômico<br />

através <strong>de</strong> estu<strong>dos</strong> na região on<strong>de</strong> será realizado o projeto 1 . Estes instrumentos<br />

consist<strong>em</strong>, teoricamente, na participação das comunida<strong>de</strong>s atingidas no processo<br />

<strong>de</strong> sua elaboração para que possam expressar seu ponto <strong>de</strong> vista <strong>em</strong> relação ao<br />

projeto e contribuir para sua realização. Neste sentido, “não basta que o<br />

procedimento do EIA seja transparente, há que ser igualmente participativo”<br />

(MILARÉ, 1994:53).<br />

Entretanto, esses estu<strong>dos</strong>, apesar <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> mecanismos significativos no<br />

tocante à proteção ambiental, na medida <strong>em</strong> que objetivam <strong>de</strong>screver as<br />

realida<strong>de</strong>s biótica, física e social do atingido, têm sido, na prática, utiliza<strong>dos</strong> para<br />

1 Vale ressaltar que as usinas que gerarão até 10 MW, apresentam um RCA (Relatório <strong>de</strong> Controle<br />

Ambiental) ao invés do EIA/RIMA, que é o caso da UHE Fumaça.<br />

2


superestimar os benefícios do projeto e subestimar seus impactos (Sigaud, citada<br />

por ROTHMAN et al., 1999).<br />

A <strong>de</strong>sinformação e a minimização da participação por parte das<br />

populações atingidas no processo <strong>de</strong> licenciamento ambiental tornam-se as<br />

principais armas do Setor Elétrico para facilitar a impl<strong>em</strong>entação <strong>dos</strong> projetos <strong>de</strong><br />

hidrelétricas com rapi<strong>de</strong>z e baixo custo. Os estu<strong>dos</strong> e relatórios ambientais<br />

apresentam <strong>de</strong> forma superficial os impactos concretiza<strong>dos</strong> pela perda das terras,<br />

do trabalho nela investido, das relações <strong>de</strong> vizinhança e parentesco; isto significa<br />

as perdas do meio <strong>de</strong> produção fundamental das populações atingidas e <strong>de</strong> sua<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural, além da inundação <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> solos férteis. Poluição <strong>dos</strong> rios<br />

e ocorrência <strong>de</strong> doenças <strong>de</strong>vido à construção do lago, quando a água diminui a<br />

vazão e po<strong>de</strong> gerar a proliferação <strong>de</strong> larvas e mosquitos, êxodo-rural, a falta <strong>de</strong><br />

alternativas <strong>de</strong> trabalho agrícola faz<strong>em</strong> com que as famílias migr<strong>em</strong> para as<br />

cida<strong>de</strong>s, gerando insegurança das populações que viv<strong>em</strong> abaixo das barragens <strong>em</strong><br />

função do aumento e diminuição da vazão do rio, também se apresentam como<br />

mudanças in<strong>de</strong>sejáveis neste contexto.<br />

TEIXEIRA et al. (1994:176) conclu<strong>em</strong>, a partir <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> sete<br />

RIMA’s <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> barragens <strong>de</strong> três regiões do país 2 , que “to<strong>dos</strong> os<br />

relatórios situam as populações <strong>em</strong> plano secundário, on<strong>de</strong> as pessoas são meros<br />

receptores das ações, facilmente <strong>de</strong>slocáveis e convenient<strong>em</strong>ente adaptáveis a<br />

novas condições”.<br />

Os Estu<strong>dos</strong> e Relatórios <strong>de</strong> Impacto Ambiental (EIA/RIMA), <strong>em</strong> alguns<br />

momentos, se contradiz<strong>em</strong> com a realida<strong>de</strong> quando tratam das condições reais <strong>de</strong><br />

vida das populações atingidas, verificadas, também, no tocante ao trabalho, ao<br />

lugar e ao espaço ocupado pelas mulheres na pequena produção, cujo trabalho é<br />

minimizado, caracterizado como ajuda, não consi<strong>de</strong>rando a importância <strong>de</strong>ste na<br />

reprodução <strong>de</strong>stas comunida<strong>de</strong>s baseadas na agricultura familiar.<br />

A <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração <strong>em</strong> relação às populações atingidas presente nos<br />

EIA/RIMA, contribuiu para que as comunida<strong>de</strong>s, que vivenciaram tal processo,<br />

2 Simplício e Sapucaia, na região Su<strong>de</strong>ste; Samuel, Cachoeira Porteira e Paredão, na região Norte e<br />

Manso e Serra <strong>de</strong> Mesa, na região Centro-Oeste.<br />

3


se organizass<strong>em</strong>, primeiramente no Sul do país, fundando o MAB-Sul, na década<br />

<strong>de</strong> 80, para se opor à construção <strong>de</strong> hidrelétricas no Alto Rio Uruguai, que<br />

culminou na fundação do Movimento <strong>de</strong> Atingi<strong>dos</strong> por Barragens (MAB), <strong>em</strong><br />

março <strong>de</strong> 1991 (MORAES, 1996). O movimento avançou bastante <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua<br />

fundação, preocupando-se, inclusive, com as questões ambientais ligadas aos<br />

sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> produção das populações atingidas após seu reassentamento. O MAB<br />

comandou ocupações <strong>de</strong> obras, criação <strong>de</strong> associações <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> pelo país<br />

inteiro, com intuito <strong>de</strong> tornar o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> usinas mais justo e <strong>de</strong><br />

tentar minimizar os impactos causa<strong>dos</strong> por ele. A criação <strong>de</strong> associações <strong>de</strong><br />

atingi<strong>dos</strong> v<strong>em</strong> tornando-se uma prática importante no processo <strong>de</strong> negociação<br />

entre atingi<strong>dos</strong> e construtor da barrag<strong>em</strong> porque ela se torna uma representação<br />

legítima da população local, inclusive com reconhecimento <strong>dos</strong> órgãos estaduais<br />

ambientais (FEAM e Conselho <strong>de</strong> Políticas Ambientais - COPAM).<br />

Entretanto, apesar <strong>dos</strong> avanços e da incorporação <strong>de</strong> novas questões pelo<br />

movimento, como a questão ambiental, as mulheres n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre têm sido<br />

reconhecidas e estimuladas a participar<strong>em</strong> do Movimento <strong>de</strong> Atingi<strong>dos</strong> por<br />

Barragens. Freqüent<strong>em</strong>ente, são colocadas à marg<strong>em</strong> das diferentes etapas do<br />

processo <strong>de</strong> luta do movimento. Esta tênue presença ou mesmo inexistência da<br />

participação f<strong>em</strong>inina é justificada pelo fato <strong>de</strong> as tradições culturais nortear<strong>em</strong><br />

as atitu<strong>de</strong>s e papéis <strong>de</strong> homens e mulheres <strong>de</strong>ntro da realida<strong>de</strong> da nossa<br />

socieda<strong>de</strong>, sendo reservada aos homens, <strong>em</strong> sua maioria, a esfera pública e às<br />

mulheres a esfera privada.<br />

Para análise <strong>de</strong>stas questões parte-se do pressuposto que as<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre homens e mulheres não são constituídas ou <strong>de</strong>terminadas<br />

biologicamente, mas sim culturalmente. As diferenças entre os sexos são<br />

socialmente construídas, o “ser hom<strong>em</strong>” e o “ser mulher” correspon<strong>de</strong>m e<br />

respon<strong>de</strong>m aos papéis sociais estabeleci<strong>dos</strong> pela socieda<strong>de</strong> e a cultura<br />

englobante. Neste sentido, gênero, como categoria analítica, se apresenta como<br />

fundamental para se perceber e interpretar as diferenças. Gênero é um produto<br />

social apreendido, representado, institucionalizado e transmitido ao longo <strong>de</strong><br />

4


gerações e envolve a noção <strong>de</strong> que o po<strong>de</strong>r é distribuído <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sigual,<br />

estando as mulheres na posição <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong> na vida social (SORJ, 1992).<br />

Conforme salienta SAFFIOTI (1992), as mulheres <strong>de</strong>têm espaços <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r que se inser<strong>em</strong> muito mais na esfera privada do que na esfera pública.<br />

Nesse lugar, on<strong>de</strong> se inser<strong>em</strong> socialmente, ou seja, a casa e os arredores<br />

domésticos, elas <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penham um papel, predominante, <strong>de</strong> controle e domínio.<br />

Porém, <strong>em</strong> outros espaços, como o do movimento social, elas têm encontrado<br />

diversos entraves para participar<strong>em</strong> e ser<strong>em</strong> reconhecidas, tanto por parte <strong>de</strong> seus<br />

mari<strong>dos</strong> como por parte das organizações políticas e por si mesmas. Na medida<br />

<strong>em</strong> que enten<strong>de</strong>m seu trabalho como compl<strong>em</strong>entar e não valorizado na mesma<br />

dimensão que a do marido, não assum<strong>em</strong> uma postura <strong>de</strong> participação efetiva no<br />

movimento, sendo este espaço, para a maioria <strong>de</strong>las, <strong>de</strong>stinado aos mari<strong>dos</strong>.<br />

Os impactos sócio-culturais e ambientais <strong>de</strong>correntes da construção <strong>de</strong><br />

barragens têm sido objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> diferentes áreas <strong>de</strong> conhecimento. O que<br />

não se observa nesses estu<strong>dos</strong> são análises <strong>de</strong>talhadas <strong>de</strong> como tais processos são<br />

efetivamente vivi<strong>dos</strong> pelos atingi<strong>dos</strong>, nos diversos momentos <strong>em</strong> que se<br />

concretizam, não se analisando a participação diferenciada <strong>dos</strong> diversos grupos<br />

componentes da categoria “atingi<strong>dos</strong>”.<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste estudo é analisar as razões que levaram a participação<br />

das mulheres nas associações <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> e conseqüent<strong>em</strong>ente no movimento <strong>de</strong><br />

atingi<strong>dos</strong> por barragens. Po<strong>de</strong>ndo, <strong>de</strong>sta forma, se analisar o verda<strong>de</strong>iro papel da<br />

mulher nesta comunida<strong>de</strong> diante <strong>de</strong>ste contexto <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>sta usina<br />

hidrelétrica. A localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, na Zona da Mata (ZM) mineira,<br />

foi escolhida pois ali ocorre uma participação efetiva das mulheres no<br />

movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens. Estas mulheres são li<strong>de</strong>ranças locais,<br />

ocupam cargos na associação, incluindo o <strong>de</strong> presidência, são “peças chaves” nas<br />

negociações com a <strong>em</strong>presa. Ao se privilegiar as mulheres, a análise <strong>de</strong>ste estudo<br />

foi feita sob a perspectiva <strong>de</strong> gênero associada aos conceitos <strong>de</strong> territorialida<strong>de</strong> e<br />

lugar permitindo compreen<strong>de</strong>r as ações das mesmas <strong>em</strong> seu contexto social.<br />

Perspectiva <strong>de</strong> gênero no sentido <strong>de</strong> se compreen<strong>de</strong>r as relações que envolv<strong>em</strong><br />

homens e mulheres nesta localida<strong>de</strong>.<br />

5


Este estudo mostra que as mulheres <strong>de</strong>sta localida<strong>de</strong> assumiram papéis<br />

que tradicionalmente são <strong>de</strong>stina<strong>dos</strong> aos homens, passando a atuar na esfera<br />

pública, e conseguiram ganhos na luta <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> por seus direitos no processo<br />

<strong>de</strong> construção da barrag<strong>em</strong> <strong>em</strong> questão, buscando analisar se estas mulheres<br />

obtiveram consciência da importância <strong>de</strong>sta “mudança <strong>de</strong> papéis” para as<br />

relações sociais que permeiam esta localida<strong>de</strong>.<br />

Após a introdução é feita uma análise histórica da construção <strong>de</strong><br />

barragens no Brasil, i<strong>de</strong>ntificando seus principais impactos. Discute-se, também,<br />

o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma barrag<strong>em</strong>, a relação <strong>em</strong>presa/atingido,<br />

enfocando principalmente a localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>. Um histórico sobre<br />

a população local e localização das mulheres no processo <strong>de</strong> construção da usina<br />

são parte constituinte <strong>de</strong>sse capítulo.<br />

No terceiro capítulo, algumas <strong>de</strong>finições foram feitas com intuito <strong>de</strong><br />

melhor compreen<strong>de</strong>r a participação das mulheres atingidas pela UHE Fumaça no<br />

movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> local. Foram <strong>de</strong>fini<strong>dos</strong> os conceitos <strong>de</strong> terra, território,<br />

lugar e as representações que estas mulheres faz<strong>em</strong> <strong>de</strong>stes espaços. Serão<br />

i<strong>de</strong>ntifica<strong>dos</strong> os principais lugares <strong>de</strong> inserção das mulheres na comunida<strong>de</strong>, que<br />

são a Igreja e a Associação, e como se <strong>de</strong>u a construção <strong>de</strong>sta inserção.<br />

No quarto capítulo é feita uma discussão sobre a participação das<br />

mulheres nos movimentos sociais, caracterizando esta participação e o papel da<br />

Igreja neste processo. Foi dada ênfase para a localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> e o<br />

movimento local <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> pela barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Cachoeira da Fumaça.<br />

Nas consi<strong>de</strong>rações finais serão analisadas as questões apresentadas e se<br />

colocarão novas questões que surgiram durante este estudo.<br />

1.1. Metodologia<br />

Parte-se do pressuposto que as relações sociais <strong>de</strong> gênero permeiam e<br />

adquir<strong>em</strong> significa<strong>dos</strong> distintos <strong>em</strong> todas as esferas da vida social. Nos<br />

movimentos sociais tais relações também se faz<strong>em</strong> presentes, moldando ações e<br />

reivindicações <strong>dos</strong> grupos que <strong>de</strong>les participam.<br />

6


Concordando com LAURETIS (1987), <strong>em</strong> sua <strong>de</strong>finição sobre gênero<br />

enquanto uma representação <strong>de</strong> uma relação social, não se po<strong>de</strong>ria optar por<br />

outra metodologia que não a qualitativa. Pois parte-se da pr<strong>em</strong>issa <strong>de</strong> que os<br />

fatos sociais são produtos <strong>de</strong> ações humanas, e que <strong>de</strong>sta forma, homens e<br />

mulheres faz<strong>em</strong> a socieda<strong>de</strong> e são feitos por ela, e não se po<strong>de</strong>, assim, pensar nas<br />

mulheres atingidas apenas como objetos passivos <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> analisa<strong>dos</strong>, sendo a<br />

metodologia qualitativa mais indicada para cumprir os objetivos <strong>de</strong>ste estudo.<br />

O pesquisador, por sua vez, não está <strong>de</strong>scolado <strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong><br />

possui uma <strong>de</strong>terminada inserção social e uma experiência <strong>de</strong> vida e trabalho que<br />

estruturam sua visão <strong>de</strong> mundo, sendo estas qu<strong>em</strong> vão <strong>de</strong>terminar os<br />

instrumentos metodológicos <strong>de</strong> sua pesquisa (BRANDÃO, 1983).<br />

1.1.1. O universo da pesquisa<br />

A comunida<strong>de</strong> que está sendo estudada será atingida pela construção da<br />

UHE Fumaça no Rio Gualaxo do Sul, na Bacia do Rio Doce, atingindo os<br />

Municípios <strong>de</strong> <strong>Mariana</strong> e Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, Minas Gerais. A Usina está<br />

sendo construída pela <strong>em</strong>presa <strong>de</strong> alumínio ALCAN, <strong>de</strong> potência a ser instalada<br />

<strong>de</strong> 10 MW. A presente pesquisa estudou a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>,<br />

localizada no Município <strong>de</strong> Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos. A área a ser inundada neste<br />

município é <strong>de</strong> 0,40 km², correspon<strong>de</strong>nte a 19% da área total a ser inundada, que<br />

é <strong>de</strong> 2,10 km². A comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> será a mais atingida pois se<br />

encontra na parte on<strong>de</strong> se formará o lago. Esta comunida<strong>de</strong> possui 40 domicílios<br />

e uma população <strong>de</strong> 193 pessoas (PLANO DE CONTROLE AMBIENTAL DA<br />

UHE FUMAÇA - PCA-UHE FUMAÇA, 2000). O número <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> <strong>de</strong>sta<br />

comunida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> 27 famílias 3 .<br />

3 Este número foi um levantamento inicial que a <strong>em</strong>presa fez e é relativo porque a <strong>em</strong>presa consi<strong>de</strong>rou<br />

como atingi<strong>dos</strong> pela barrag<strong>em</strong> os proprietários atingi<strong>dos</strong> e apenas alguns meeiros aponta<strong>dos</strong> pelo<br />

fazen<strong>de</strong>iro, dono da terra. Além disso, inicialmente, não consi<strong>de</strong>rou os diaristas, os artesãos n<strong>em</strong> os<br />

garimpeiros como atingi<strong>dos</strong>. Atualmente são consi<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> por volta <strong>de</strong> 250 pessoas contando<br />

com atingi<strong>dos</strong> que já negociaram e que não estão satisfeitos com o dinheiro recebido. A negociação será<br />

<strong>de</strong>scrita com maiores <strong>de</strong>talhes posteriormente.<br />

7


A localida<strong>de</strong> é chamada <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, mas a população<br />

consi<strong>de</strong>ra apenas a área central com este nome, on<strong>de</strong> se localizam a Igreja, a<br />

escola, dois armazéns e o único telefone público 4 . Cada “pedaço <strong>de</strong> morro” é<br />

<strong>de</strong>nominado pela população por um nome, Bicas, Engenho, Macuco, e outros.<br />

Neste trabalho foram enfatizadas as áreas <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, do Macuco, área<br />

próxima geográfica e socialmente , segundo as mulheres <strong>de</strong> Macuco “qu<strong>em</strong> faz<br />

Miguel <strong>Rodrigues</strong> é o pessoal do Macuco” 5 , e <strong>de</strong> Bicas. Embora a localida<strong>de</strong> seja<br />

chamada <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, apenas na área central, on<strong>de</strong> se localizam os<br />

principais espaços <strong>de</strong> convivência social. Além <strong>de</strong>stas, foi também estudada a<br />

localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Magalhães, que apesar da distância geográfica, foram encontradas<br />

duas mulheres que participavam da associação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, uma <strong>de</strong>las<br />

ocupando cargo na diretoria e a outra, jov<strong>em</strong>, que estava entrando, agora, no<br />

cargo da diretoria eleita da nova associação 6 . Estas duas mulheres são<br />

importantes para a compreensão da participação f<strong>em</strong>inina no movimento local <strong>de</strong><br />

atingi<strong>dos</strong> por barragens.<br />

1.1.2. Justificativa do universo da pesquisa<br />

Des<strong>de</strong> o início do trabalho da pesquisadora na comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel<br />

<strong>Rodrigues</strong> <strong>em</strong> participações <strong>de</strong> encontros do movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong>, na<br />

Audiência Pública 7 , a maior participação das mulheres <strong>de</strong>ste comunida<strong>de</strong> nas<br />

instâncias do movimento comparada às outras comunida<strong>de</strong>s da Zona da Mata<br />

mineira, foi um fato que chamou a atenção <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro momento.<br />

4 Com a vinda da <strong>em</strong>presa estão sendo instala<strong>dos</strong> telefones nas residências, sendo que a maioria não tinha<br />

outra forma <strong>de</strong> comunicação a não ser este telefone público localizado na área central da comunida<strong>de</strong>.<br />

5 Outra modificação ocorrida com a vinda da <strong>em</strong>presa se refere à população da localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Macuco, é<br />

que, <strong>de</strong>vido aos conflitos ocorri<strong>dos</strong> na comunida<strong>de</strong> durante o processo <strong>de</strong> negociação das terras e <strong>dos</strong><br />

direitos <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> com a <strong>em</strong>presa, a comunida<strong>de</strong> está freqüentando menos a área <strong>de</strong> Miguel<br />

<strong>Rodrigues</strong>. A capela <strong>de</strong> Macuco está sendo reformada e também foi construído um bar.<br />

6 O processo <strong>de</strong> criação das associações e os conflitos internos da comunida<strong>de</strong> durante o processo <strong>de</strong><br />

construção da barrag<strong>em</strong> serão <strong>de</strong>talha<strong>dos</strong> nos capítulos posteriores.<br />

7 A Audiência Pública será <strong>de</strong>scrita com mais <strong>de</strong>talhes no capítulo sobre o processo <strong>de</strong> construção da<br />

hidrelétrica Cachoeira da Fumaça, incluindo a forma como se <strong>de</strong>u esta participação f<strong>em</strong>inina.<br />

8


Posteriormente percebeu-se que essas mulheres eram li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong>ntro do<br />

movimento local <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong>. Ressalta-se que, neste contexto, as mulheres<br />

atingidas não faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong> um movimento autônomo, sendo que geralmente<br />

sua organização se dá através da Igreja Católica <strong>em</strong> trabalhos comunitários e nas<br />

pastorais.<br />

1.1.3. Informações secundárias<br />

Inicialmente, realizou-se um levantamento <strong>de</strong> da<strong>dos</strong> secundários para se<br />

ter um histórico da região, para se saber maiores informações sobre o projeto <strong>de</strong><br />

construção da barrag<strong>em</strong>, o número <strong>de</strong> famílias atingidas e o número <strong>de</strong> mulheres<br />

que participam do movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong>.<br />

O histórico da região foi feito através <strong>de</strong> revisão bibliográfica e através<br />

do Relatório <strong>de</strong> Controle Ambiental (RCA) e Plano <strong>de</strong> Controle Ambiental<br />

(PCA) da UHE Fumaça, apresenta<strong>dos</strong> pela <strong>em</strong>presa como cumprimento<br />

obrigatório do processo <strong>de</strong> licenciamento ambiental, os quais apresentam<br />

diversas informações sobre as localida<strong>de</strong>s atingidas pela construção da usina.<br />

Informações sobre a barrag<strong>em</strong> e o número <strong>de</strong> famílias atingidas foram<br />

extraí<strong>dos</strong>, inicialmente através <strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> realiza<strong>dos</strong> pela <strong>em</strong>presa (RCA e<br />

PCA), pois, <strong>de</strong> acordo com o andamento do processo, estes números variaram<br />

bastante. A partir daí, a principal fonte <strong>de</strong> informações foram os documentos<br />

<strong>em</strong>iti<strong>dos</strong> pela organizações <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> e <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> assessoria.<br />

O número <strong>de</strong> mulheres que participam do movimento foi levantado<br />

através <strong>de</strong> atas da associação, entrevistas com as moradoras da localida<strong>de</strong> e<br />

observação participante durante as reuniões das organizações <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong>.<br />

1.1.4. Observação participante<br />

O método da observação participante utilizado permitiu a observação por<br />

parte da pesquisadora, do pesquisado <strong>em</strong> seu meio. Pô<strong>de</strong>-se observá-lo através <strong>de</strong><br />

seu olhar (HAGUETTE, 2000), no contato na localida<strong>de</strong>, na participação das<br />

9


euniões da associação, <strong>em</strong> conversas durante o t<strong>em</strong>po que a pesquisadora ficou<br />

na localida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>s como caminhadas <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong>, encontros regionais,<br />

assistência técnica, encontros e cursos para explicação <strong>de</strong> EIA/RIMA (Estu<strong>dos</strong> e<br />

Relatórios <strong>de</strong> Impacto Ambiental) e participação nas Audiências Públicas,<br />

participação no julgamento que liberou a primeira licença no processo <strong>de</strong><br />

licenciamento ambiental, o qual será <strong>de</strong>talhado posteriormente, participação <strong>em</strong><br />

reuniões <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> com a <strong>em</strong>presa. Sendo que foram utiliza<strong>dos</strong><br />

primeiramente os da<strong>dos</strong> já observa<strong>dos</strong> nos projetos que foram realiza<strong>dos</strong> pela<br />

pesquisadora anteriormente a este estudo, enquanto estudante <strong>de</strong> agronomia e<br />

como participante <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> assessoria às comunida<strong>de</strong>s atingidas por<br />

barragens na Zona da Mata mineira, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 1997. Depois, novas<br />

observações foram feitas durante esta pesquisa, se constituindo <strong>em</strong> três visitas à<br />

comunida<strong>de</strong> além da participação <strong>em</strong> reuniões do Conselho <strong>de</strong> Atingi<strong>dos</strong> por<br />

barragens na Zona da Mata mineira, que t<strong>em</strong> sua se<strong>de</strong> <strong>em</strong> Ponte Nova e da qual<br />

faz<strong>em</strong> parte li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> da região e entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> assessoria, além <strong>de</strong><br />

padres que realizam trabalhos com estas populações.<br />

1.1.5. Técnicas utilizadas<br />

Segundo ALTAFIN (s.d.), o Diagnóstico Rápido Participativo é um<br />

processo <strong>de</strong> aprendizag<strong>em</strong>, intensivo, sist<strong>em</strong>ático e s<strong>em</strong>i-estruturado, realizado<br />

numa comunida<strong>de</strong> rural por uma equipe multidisciplinar, a qual inclui pessoas da<br />

comunida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong> ser utilizado para a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s, estu<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

viabilida<strong>de</strong>, i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s, monitoria, acompanhamento e<br />

avaliação <strong>de</strong> projetos.<br />

De acordo com PEREIRA e LITTLE (2000), esta metodologia é<br />

composta por uma conjugação <strong>de</strong> méto<strong>dos</strong> e técnicas <strong>de</strong> intervenção participativa<br />

que permite obter informações qualitativas e quantitativas <strong>em</strong> curto espaço <strong>de</strong><br />

t<strong>em</strong>po.<br />

No caso <strong>de</strong>sta pesquisa, algumas <strong>de</strong>ssas técnicas, como o Mapeamento e<br />

o Diagrama <strong>de</strong> Venn, foram utilizadas <strong>de</strong> forma compl<strong>em</strong>entar às informações<br />

10


obtidas com a observação participante e as entrevistas, com o objetivo <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r melhor as <strong>de</strong>finições que mulheres faz<strong>em</strong> <strong>de</strong> lugar, terra e território,<br />

os el<strong>em</strong>entos por eles ressalta<strong>dos</strong>, suas percepções <strong>em</strong> relação à importância das<br />

instituições envolvidas no processo <strong>de</strong> impl<strong>em</strong>entação da barrag<strong>em</strong>, atuação<br />

<strong>de</strong>stas instituições e suas percepções <strong>em</strong> relação ao processo e conseqüências da<br />

construção da usina <strong>em</strong> questão. Foram utilizadas as técnicas <strong>de</strong> Mapeamento,<br />

Diagrama <strong>de</strong> Venn e Entrevistas S<strong>em</strong>i-Estruturadas.<br />

a) Mapeamento<br />

O Mapeamento foi utilizado com intuito <strong>de</strong> caracterizar a percepção que<br />

as mulheres da comunida<strong>de</strong> faz<strong>em</strong> <strong>de</strong> seu espaço <strong>de</strong> vida e trabalho. A técnica<br />

consiste no <strong>de</strong>senho do mapa do lugar pelas mulheres que viv<strong>em</strong> neste espaço,<br />

apresentando a percepção das mudanças ocorridas ao longo da história do lugar.<br />

Dois mapas foram feitos, um <strong>de</strong>les, <strong>de</strong> uma época a qual se chamou <strong>de</strong> antes,<br />

antigamente, que se referia há mais ou menos trinta, quarenta anos atrás e outro<br />

da época atual. Os mapas foram <strong>de</strong>senha<strong>dos</strong> com giz no chão do salão paroquial<br />

e ali elas colocaram as suas percepções sobre as relações sociais e econômicas<br />

das épocas citadas. Foi solicitado a elas que dissess<strong>em</strong> como eram as relações<br />

sociais, se os mari<strong>dos</strong> saíam para trabalhar na cida<strong>de</strong>, como ficavam as relações<br />

na comunida<strong>de</strong> s<strong>em</strong> a presença <strong>de</strong>les, como era a educação das crianças, se elas<br />

freqüentavam a escola ou se iam para a roça trabalhar com os pais, sobre lazer, se<br />

os homens bebiam muito, sobre questões geográficas, on<strong>de</strong> estava o rio e a<br />

localização das proprieda<strong>de</strong>s a partir daí, as árvores o campo <strong>de</strong> futebol, a Igreja,<br />

o c<strong>em</strong>itério, os bares e armazéns, sobre as relações <strong>de</strong> produção, o que<br />

plantavam, on<strong>de</strong> plantavam e como plantavam. Dois mapas foram construí<strong>dos</strong><br />

com o intuito <strong>de</strong> se analisar estes dois momentos vivi<strong>dos</strong> pelas atingidas, antes do<br />

processo <strong>de</strong> construção da barrag<strong>em</strong> e durante o processo, para se i<strong>de</strong>ntificar as<br />

possíveis mudanças ocorridas após a <strong>em</strong>presa passar a fazer parte do dia a dia<br />

<strong>de</strong>sta comunida<strong>de</strong> e também o momento da criação da associação. Construí<strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong> forma coletiva, foram representadas as relações que as atingidas têm com a<br />

terra, o território e o lugar e suas relações sociais. Para BERGAMASCO et al.<br />

11


(1997:43) que estudaram a utilização <strong>de</strong> mapas para compreen<strong>de</strong>r<strong>em</strong> as<br />

realida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> assentamentos rurais no Estado <strong>de</strong> São Paulo, “o mapa é um<br />

el<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> representação e <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>em</strong> um território”.<br />

b) Diagrama <strong>de</strong> Venn<br />

Os diagramas são uma representação gráfica utilizada simbolicamente<br />

para avaliar a importância e a atuação das instituições na comunida<strong>de</strong>. Os<br />

diagramas apresentam muita informação, permit<strong>em</strong> uma análise do conhecimento<br />

coletivo, pois são feitos <strong>em</strong> grupo, facilitam o diálogo entre pesquisador e<br />

pesquisado e po<strong>de</strong>m ser feitos <strong>em</strong> qualquer lugar com qualquer material<br />

(CENTRO DE TECNOLOGIAS ALTERNATIVAS DA ZONA DA MATA DE<br />

MINAS GERAIS - CTA, s.d.). Nesta técnica foram feitos círculos <strong>de</strong> tamanhos<br />

diferencia<strong>dos</strong>, <strong>de</strong> acordo com sua importância e coloca<strong>dos</strong> <strong>em</strong> diferentes<br />

distâncias <strong>de</strong> acordo com sua proximida<strong>de</strong> e conhecimento das mulheres,<br />

também com giz, on<strong>de</strong> elas representaram as instituições mais próximas e suas<br />

relações. Foi solicitado a elas que dissess<strong>em</strong> quais as instituições que faziam<br />

parte da comunida<strong>de</strong>. Após esta listag<strong>em</strong>, foi pedido que elas <strong>de</strong>senhass<strong>em</strong> o<br />

tamanho e a distância das instituições <strong>em</strong> relação ao círculo que representava a<br />

comunida<strong>de</strong>. Os <strong>de</strong>senhos foram construí<strong>dos</strong> <strong>em</strong> reunião coletiva, on<strong>de</strong> as<br />

mulheres expressaram a sua visão <strong>em</strong> relação às instituições que elas perceb<strong>em</strong><br />

ser<strong>em</strong> importantes para sua comunida<strong>de</strong> e o distanciamento ou proximida<strong>de</strong>, que<br />

diz respeito à maior ou menor atuação daquela instituição.<br />

c) Entrevistas s<strong>em</strong>i-estruturadas<br />

As entrevistas s<strong>em</strong>i-estruturadas são entrevistas que segu<strong>em</strong> um roteiro<br />

flexível, o qual dá o direcionamento geral da entrevista e também possibilita a<br />

elaboração <strong>de</strong> questões a partir das respostas das perguntas, possibilitando o<br />

maior <strong>de</strong>talhamento das informações.<br />

As entrevistas foram realizadas com 22 mulheres. Foram utilizadas para<br />

i<strong>de</strong>ntificar e analisar o por quê da participação <strong>de</strong>las no movimento e sua relação<br />

com o processo <strong>de</strong> construção das barragens. Na i<strong>de</strong>ntificação das entrevistadas<br />

12


os nomes foram modifica<strong>dos</strong> por motivo <strong>de</strong> reserva da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> das pessoas<br />

envolvidas no processo <strong>de</strong> construção da usina.<br />

d) Outras fontes<br />

Além do uso das técnicas <strong>de</strong> DRP já citadas, <strong>de</strong> entrevistas s<strong>em</strong>i-<br />

estruturadas e da observação participante, utilizou-se também todas as<br />

informações já obtidas durante as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> assessoria, e <strong>dos</strong> levantamentos<br />

já realiza<strong>dos</strong> nos dois primeiros anos <strong>de</strong> trabalho realiza<strong>dos</strong> pela pesquisadora<br />

enquanto ainda estudante <strong>de</strong> agronomia.<br />

Figura 1 - Mulheres atingidas durante a aplicação das técnicas participativas.<br />

13


1.1.6. Seleção <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong><br />

Os entrevista<strong>dos</strong> foram seleciona<strong>dos</strong>, através <strong>de</strong> uma amostra intencional,<br />

<strong>de</strong> acordo com os seguintes critérios:<br />

a) Ser mulher;<br />

b) Ser moradora da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>;<br />

c) Ser participante da associação, ou outra organização <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong>, como<br />

m<strong>em</strong>bro e, ou, freqüentadora das reuniões;<br />

d) Ter participado <strong>de</strong> alguma ativida<strong>de</strong> organizada pelo movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong><br />

por Barragens e, ou, entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> assessoria.<br />

1.1.7. Análise das informações<br />

Para análise das informações coletadas foi utilizada a técnica da<br />

triangulação apresentada por Triviños, que apresenta três etapas: <strong>de</strong>scrição,<br />

<strong>de</strong>pois explicação e finalmente compreensão <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong>. Utilizando-se <strong>de</strong>sta<br />

técnica, verificou-se os “processos e produtos centra<strong>dos</strong> no sujeito”, <strong>em</strong> seguida<br />

os “el<strong>em</strong>entos produzi<strong>dos</strong> pelo meio do sujeito e que têm incumbência <strong>em</strong> seu<br />

<strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho na comunida<strong>de</strong>” e “os processos e produtos origina<strong>dos</strong> pela<br />

estrutura sócio-econômica e cultural do macro-organismo social do qual está<br />

inserido o sujeito”, s<strong>em</strong>pre analisando o fenômeno social <strong>em</strong> um contexto <strong>de</strong> uma<br />

realida<strong>de</strong> cultural e histórica.<br />

No primeiro aspecto foram verifica<strong>dos</strong> as ações e os comportamentos do<br />

sujeito estudado, no caso as mulheres <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, através <strong>de</strong><br />

entrevistas e observação participante, analisando as concepções <strong>de</strong>ssas mulheres<br />

<strong>em</strong> relação à associação, ao movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> e as instituições que cercam<br />

a comunida<strong>de</strong> e que têm importância para elas, como por ex<strong>em</strong>plo a Igreja.<br />

Em seguida, foram analisa<strong>dos</strong> os el<strong>em</strong>entos produzi<strong>dos</strong> pelo meio, que<br />

seriam os documentos representa<strong>dos</strong> pelos relatório, atas <strong>de</strong> reuniões, planos <strong>de</strong><br />

negociação, relatórios <strong>de</strong> impacto ambiental, leis ambientais e tudo que foi<br />

14


produzido <strong>em</strong> relação à barrag<strong>em</strong> e às organizações <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> durante o<br />

processo <strong>de</strong> construção da usina.<br />

Os processos e produtos origina<strong>dos</strong> pela estrutura sócio-econômica e<br />

cultural do macro-organismo social no qual está inserido o sujeito refere-se aos<br />

mo<strong>dos</strong> <strong>de</strong> produção, às relações <strong>de</strong> produção, à proprieda<strong>de</strong> <strong>dos</strong> meios <strong>de</strong><br />

produção e às posições sociais que ocupam as mulheres atingidas pela barrag<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong> Fumaça, inseridas numa realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pequena produção agrícola e são <strong>em</strong> sua<br />

maioria meeiras e suas relações sociais e com o meio e as representações que<br />

faz<strong>em</strong> <strong>de</strong>stas relações, <strong>em</strong> outras palavras, esta etapa se refere ao referencial<br />

teórico utilizado para compreensão da realida<strong>de</strong> estudada.<br />

15


2. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE<br />

CACHOEIRA DA FUMAÇA E A POPULAÇÃO LOCAL<br />

2.1. Orig<strong>em</strong> da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> e do processo <strong>de</strong> construção<br />

da barrag<strong>em</strong><br />

A segunda meta<strong>de</strong> do século XVII no Brasil foi marcada pela entradas e<br />

ban<strong>de</strong>iras, vindas da capitania <strong>de</strong> São Vicente, atual Estado <strong>de</strong> São Paulo, que se<br />

<strong>em</strong>brenharam no sertão brasileiro <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> metais preciosos. A história<br />

econômica <strong>de</strong> Minas Gerais iniciou-se com a exploração <strong>de</strong> ouro, na fase<br />

conhecida como Ciclo do Ouro. A <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> jazidas <strong>de</strong> ouro <strong>em</strong> fins do<br />

século XVII, atraiu contingentes <strong>de</strong> exploradores, induzindo o surgimento <strong>de</strong><br />

povoa<strong>dos</strong> e vilas e criando condições para a ocupação <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> toda a região.<br />

Nesse contexto, a região <strong>de</strong> <strong>Mariana</strong> e Ouro Preto <strong>de</strong>senvolveu-se bastante<br />

<strong>de</strong>vido à exploração <strong>de</strong>ste metal, gerando crescimento da economia interna,<br />

juntamente com a urbanização. Seus arredores também foram explora<strong>dos</strong>,<br />

beirando o Rio Gualaxo do Sul, mas essas expedições não foram igualmente b<strong>em</strong><br />

sucedidas <strong>de</strong>vido ao fato do ouro não ser tão farto. Após o seu apogeu, por volta<br />

<strong>de</strong> 1750, a ativida<strong>de</strong> mineradora entrou <strong>em</strong> progressivo <strong>de</strong>clínio, s<strong>em</strong> que<br />

houvesse gerado real expansão econômica na região do Rio Gualaxo do Sul.<br />

(PCA-UHE FUMAÇA, 2000). A exploração do ouro po<strong>de</strong> ser constatada, tanto<br />

16


pelo fato <strong>de</strong> ainda hoje existir sua exploração na região como pela fala <strong>de</strong> uma<br />

das entrevistadas:<br />

“Antigamente trabalhava com oro né, eu n<strong>em</strong> al<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>sse t<strong>em</strong>po mais, o pai<br />

da gente e os avô que <strong>de</strong>ve l<strong>em</strong>brá” (Atingida, 78 anos).<br />

De acordo com Salomão Vasconcellos, citado no PCA-UHE FUMAÇA<br />

(2000), o grupo <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>irantes li<strong>de</strong>rado por Miguel Garcia, seguiu rumo ao<br />

ribeirão que hoje é chamado Gualaxo do Sul, <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> riquezas do cascalho,<br />

e começaram a <strong>de</strong>scer o rio. Na trajetória, foram marcadas posses pelos<br />

integrantes da tropa, nomeadas segundo os aci<strong>de</strong>ntes naturais ou com os nomes<br />

<strong>dos</strong> primeiros que chegaram. Faziam parte da tropa, que contava com 50 homens,<br />

Manuel Garcia Velho, Pedro Pereira Cibrão, Bento Leite da Silva, os irmãos<br />

Jorge e Miguel Mainart, dois irmãos Godo, dois irmãos Gaia, Belchior da Silva<br />

Barvegão, um Magalhães, Miguel <strong>Rodrigues</strong> Bragança, entre outros.<br />

Na entrevista <strong>de</strong> Zenilda 8 , ela fala um pouco da história que ela apren<strong>de</strong>u<br />

com os estu<strong>dos</strong> da <strong>em</strong>presa. O que ela conta é que veio um hom<strong>em</strong> chamado<br />

Miguel <strong>Rodrigues</strong> para a região e que fundou a localida<strong>de</strong>, mostrou um crânio<br />

que fica na Igreja, que ela diz ser <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>. Ela ainda concluiu<br />

dizendo que ele era branco, porque “esse coco não é <strong>de</strong> negro”. Zenilda conta:<br />

“Essa não é uma comunida<strong>de</strong> que é nova, ela t<strong>em</strong> mais <strong>de</strong> duzentos anos, mas<br />

só que na época, há uns trinta anos atrás, tinha uma Igreja bonita, uma Igreja<br />

histórica que era a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da comunida<strong>de</strong>, mas só que acharam, na época<br />

<strong>de</strong> D. Oscar que eles não iam ter condição <strong>de</strong> reformar aquela Igreja, aí eles<br />

jogaram a Igreja no chão aí fizeram essa nova. (...) Ela tinha um sino que t<strong>em</strong><br />

uma data escrita, acho que é 1778.”<br />

Segundo SAINT-HILARE (1975), francês que fez expedições ao Brasil<br />

no início do século XIX, inclusive na região das Minas Gerais, a região a qual<br />

hoje faz parte Miguel <strong>Rodrigues</strong> era povoada por negros, que ele chama <strong>de</strong><br />

“gente <strong>de</strong> cor”, característica que se apresenta até hoje na região. Segundo este<br />

autor, as pessoas do lugar viviam <strong>de</strong> lavag<strong>em</strong> <strong>de</strong> ouro, eram muito pobres e<br />

tinham que trabalhar duro e utilizavam do ouro encontrado para sua<br />

8 O nome Zenilda é um nome fictício assim como to<strong>dos</strong> os nomes utiliza<strong>dos</strong> para os(as) entrevista<strong>dos</strong>.<br />

Zenilda é uma li<strong>de</strong>rança na comunida<strong>de</strong> e sua história será melhor caracterizada posteriormente.<br />

17


sobrevivência. Na região, este autor, observou, planta<strong>dos</strong>, couves, bananeiras e<br />

alguns pés <strong>de</strong> café.<br />

A política <strong>de</strong> isolamento, imposta à região <strong>de</strong> exploração <strong>de</strong> minérios,<br />

nesta época, como forma <strong>de</strong> exercer maior controle sobre a produção <strong>de</strong> pedras e<br />

metais preciosos, inibia o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> outra ativida<strong>de</strong> econômica <strong>de</strong><br />

exportação, forçando a população a se <strong>de</strong>dicar às ativida<strong>de</strong>s agrícolas <strong>de</strong><br />

subsistência. Com o <strong>de</strong>clínio da exploração <strong>de</strong> ouro, a estagnação econômica<br />

passa a ser superada através da expansão da cafeicultura do Vale do Paraíba,<br />

ocorrendo maior ocupação <strong>de</strong>sta área hoje <strong>de</strong>nominada Zona da Mata mineira. A<br />

introdução da cafeicultura <strong>em</strong> Minas Gerais ocorreu no início do século XIX.<br />

Localizou-se, inicialmente, na Zona da Mata, on<strong>de</strong> se difundiu rapidamente,<br />

transformando-se na principal ativida<strong>de</strong> econômica regional e tornando-se agente<br />

<strong>de</strong> aumento do povoamento e <strong>de</strong>senvolvimento local (INSTITUTO DE<br />

DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL DE MINAS GERAIS - INDI-MG, s.d.).<br />

VALVERDE (1958) relata que a Zona da Mata não conheceu cafezais muito<br />

extensos, nada comparado ao “mar <strong>de</strong> café” do Estado <strong>de</strong> São Paulo. O mesmo<br />

autor diz que nesta época plantavam-se culturas intercaladas com o cafezal ainda<br />

novo, como arroz, feijão e milho. VALVERDE (1958:31) <strong>de</strong>fine as paisagens da<br />

Zona da Mata no século XIX:<br />

“Nos morros e encostas mais altas ficava a floresta; nas vertentes inferiores o<br />

café, isolado quando adulto e com culturas intercalares quando novo; nos<br />

vales, pastos, fazendas, currais, etc., paisag<strong>em</strong> humanizada, enfim”.<br />

Ainda segundo Valver<strong>de</strong>, muitos escravos existiam na Zona da Mata<br />

mineira, pois esta era a região mais próspera do Estado. Com a proibição do<br />

tráfico negreiro e o probl<strong>em</strong>a da falta <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra, novas relações <strong>de</strong><br />

produção começam a surgir como a meação e a diária, constituindo, assim o<br />

regime <strong>de</strong> parceria. As lavouras mais exploradas por este tipo <strong>de</strong> regime, são as<br />

<strong>de</strong> milho, arroz e cana-<strong>de</strong>-açúcar. As relações <strong>de</strong> parceria po<strong>de</strong>m ser observadas<br />

até hoje na região on<strong>de</strong> se localiza Miguel <strong>Rodrigues</strong>, sendo as lavouras mais<br />

importantes as <strong>de</strong> milho, arroz e feijão.<br />

A localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, que t<strong>em</strong> na parceria a principal<br />

relação social <strong>de</strong> produção, faz parte do município <strong>de</strong> Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos,<br />

18


cujo nome é uma homenag<strong>em</strong> a Diogo Pereira Ribeiro <strong>de</strong> Vasconcellos, gran<strong>de</strong><br />

jurisconsulto, historiador e escritor que, apesar <strong>de</strong> ter nascido <strong>em</strong> Portugal, muito<br />

engran<strong>de</strong>ceu a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Mariana</strong>, on<strong>de</strong> morou <strong>de</strong> 1785 a 1812 (PCA-UHE<br />

FUMAÇA, 2000).<br />

Atualmente, a principal ativida<strong>de</strong> é a agricultura, <strong>em</strong>bora o garimpo<br />

exista na região. A produção familiar é dominante nesta localida<strong>de</strong>. A criação <strong>de</strong><br />

animais é bastante reduzida e é para a subsistência; frango para carne e ovos;<br />

porco, que está diminuindo <strong>de</strong>vido às mudanças <strong>de</strong> hábitos alimentares com<br />

redução <strong>de</strong> gordura, e às vezes, uma vaca para o leite. Não se cria gado porque as<br />

proprieda<strong>de</strong>s são muito pequenas, on<strong>de</strong>, a maioria é meeiro, ou seja, não plantam<br />

nas suas terras. Nos arredores das casas há s<strong>em</strong>pre uma horta, um pequeno<br />

galinheiro, frutas e <strong>em</strong> muitas <strong>de</strong>las também exist<strong>em</strong> plantas medicinais.<br />

Figura 2 - Casa <strong>de</strong> uma das atingidas, <strong>de</strong>stacando-se o fogão a lenha que é o meio<br />

principal na preparação <strong>dos</strong> alimentos para as famílias da comunida<strong>de</strong>.<br />

19


2.2. Impactos sócio-econômicos e culturais referentes à construção <strong>de</strong> hidrelétricas<br />

A história do Setor Elétrico no Brasil é uma história <strong>de</strong> “crise”. O<br />

inchaço populacional das gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s, na década <strong>de</strong> 70, foi causado,<br />

principalmente, pela migração <strong>de</strong> famílias, expropriadas <strong>de</strong> suas terras, que a<br />

partir do processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização da agricultura, passaram a buscar melhores<br />

condições <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>vido à crescente precarização das relações <strong>de</strong> trabalho no<br />

meio rural, acarretando a aceleração do processo <strong>de</strong> urbanização <strong>dos</strong> gran<strong>de</strong>s<br />

centros urbanos, que gerou maior <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> energia. O rápido processo <strong>de</strong><br />

industrialização também ampliou o consumo, exigindo maior produção <strong>de</strong><br />

energia elétrica, especialmente porque as indústrias implantadas no Brasil foram<br />

as eletro-intensivas 9 , <strong>de</strong>stacando-se as indústrias <strong>de</strong> alumínio.<br />

A urbanização <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada, a industrialização acelerada e a falta <strong>de</strong><br />

políticas <strong>de</strong> longo prazo - racionalização do consumo <strong>de</strong> energia, combate ao<br />

<strong>de</strong>sperdício, buscas <strong>de</strong> formas alternativas <strong>de</strong> energia - levaram o Setor Elétrico<br />

(SE) a solicitar financiamento no exterior (Banco Interamericano <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento - BID e Banco Mundial - BIRD) para a construção <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />

usinas hidrelétricas, <strong>de</strong>ntro das políticas governamentais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

país através <strong>de</strong> financiamento externo (VIANNA, 1989).<br />

É importante <strong>de</strong>stacar que já na primeira regulamentação fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

geração <strong>de</strong> energia elétrica (o Código das Águas, 1934) existia a preocupação<br />

com as modificações ambientais <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação provocadas pela geração <strong>de</strong><br />

energia elétrica. A população local, a mais afetada pelos <strong>em</strong>preendimentos, fazia<br />

parte do it<strong>em</strong> intitulado questões ambientais <strong>dos</strong> Estu<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Impacto Ambiental.<br />

No entanto, esta preocupação ficou somente no papel, não passando <strong>de</strong> letra<br />

morta da lei.<br />

Somente a partir da década <strong>de</strong> 70 é que as questões ambientais<br />

mereceram maior atenção do Setor Elétrico e do Estado, quando a pressão <strong>dos</strong><br />

9 Indústrias que utilizam gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> energia elétrica para sua produção, como é o caso das<br />

fábricas <strong>de</strong> alumínio, fábricas <strong>de</strong> automóveis, etc.<br />

20


movimentos ecológicos, os protestos <strong>de</strong> populações atingidas por barragens e da<br />

opinião pública - <strong>de</strong>vido aos impactos ambientais causa<strong>dos</strong> pelas gran<strong>de</strong>s<br />

barragens - começaram a interferir na captação <strong>de</strong> recursos financeiros para os<br />

<strong>em</strong>preendimentos. As gran<strong>de</strong>s barragens construídas nesta época, como as <strong>de</strong><br />

Itaipu, Itaparica e Sobradinho expulsaram, juntas, milhares <strong>de</strong> pessoas,<br />

inundando gran<strong>de</strong>s extensões <strong>de</strong> terras e <strong>de</strong>struindo ecossist<strong>em</strong>as naturais<br />

(VIANNA, 1989).<br />

Figura 3 - Desvio do rio nas obras <strong>de</strong> construção da UHE Fumaça. Ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong><br />

impacto que a construção <strong>de</strong> uma hidrelétrica po<strong>de</strong> causar.<br />

21


Na década <strong>de</strong> 80, a luta das populações pelos seus direitos e os protestos<br />

contra a construção <strong>de</strong> barragens culminou, <strong>em</strong> 1989, no Movimento Nacional <strong>de</strong><br />

Atingi<strong>dos</strong> por Barragens (MAB).<br />

Nos anos 90, o governo brasileiro estabeleceu as diretrizes <strong>de</strong> ação do<br />

Setor Elétrico, criando o Plano Nacional <strong>de</strong> Energia Elétrica, ou Plano 2015, o<br />

qual permite/incentiva a participação <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas privadas no processo <strong>de</strong><br />

construção <strong>de</strong> Usinas Hidrelétricas (UHE). A privatização do Setor Elétrico<br />

surgiu <strong>de</strong>vido às dificulda<strong>de</strong>s das <strong>em</strong>presas estatais <strong>de</strong> obter<strong>em</strong> recursos para<br />

investimento na geração <strong>de</strong> energia elétrica. O Plano 2015 incorpora as<br />

necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> energia <strong>de</strong>terminadas pela ampliação do setor industrial eletro-<br />

intensivo brasileiro, s<strong>em</strong> colocar <strong>em</strong> discussão se esse mo<strong>de</strong>lo é o mais a<strong>de</strong>quado<br />

aos interesses da socieda<strong>de</strong> brasileira (CONSELHO REGIONAL DE<br />

ATINGIDOS POR BARRAGENS DO RIO GRANDE DO SUL - CRAB, 1995).<br />

Atualmente, para se construir uma usina hidrelétrica, o projeto <strong>de</strong>ve<br />

passar por um processo <strong>de</strong> licenciamento ambiental, on<strong>de</strong> os órgãos ambientais<br />

do governo do Estado, COPAM e FEAM, no caso <strong>de</strong> Minas Gerais, liberam três<br />

licenças até que o projeto seja construído e a usina comece a funcionar. Segundo<br />

a lei 6.938/81, art. 10:<br />

“a construção, instalação, ampliação e funcionamento <strong>de</strong> estabelecimentos e<br />

ativida<strong>de</strong>s utilizadas <strong>de</strong> recursos ambientais, consi<strong>de</strong>radas efetiva ou<br />

potencialmente poluidoras, b<strong>em</strong> como as capazes, sob qualquer forma, <strong>de</strong><br />

causar <strong>de</strong>gradação ambiental, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rão <strong>de</strong> prévio licenciamento por órgão<br />

estadual competente, integrante do Sist<strong>em</strong>a Nacional <strong>de</strong> Meio Ambiente<br />

(SISNAMA) s<strong>em</strong> prejuízos <strong>de</strong> outras licenças exigíveis”.<br />

As usinas hidrelétricas enquadram-se neste artigo. São três as licenças<br />

<strong>em</strong>itidas pelos órgãos ambientais:<br />

Licença Prévia: para a fase preliminar do planejamento, <strong>de</strong>screve a<br />

localização, instalação e operação da obra;<br />

Licença <strong>de</strong> Instalação: permite a instalação da obra;<br />

Licença <strong>de</strong> Operação: autoriza o início da ativida<strong>de</strong> licenciada, no caso das<br />

usinas hidrelétricas é um autorização para que se fech<strong>em</strong> as comportas, se<br />

forme o lago e para que a usina comece a gerar energia.<br />

22


Para que a primeira licença seja liberada é necessário que a <strong>em</strong>presa<br />

requerente da obra faça um Estudo <strong>de</strong> Impacto Ambiental (EIA), da região, que<br />

<strong>de</strong>screve os impactos causa<strong>dos</strong> pela construção da usina hidrelétrica. A <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> impacto é feita pela resolução 001/86 do CONAMA, Conselho Nacional <strong>de</strong><br />

Meio Ambiente:<br />

“Qualquer alteração das proprieda<strong>de</strong>s físicas, químicas e biológicas do meio<br />

ambiente, causada por qualquer forma <strong>de</strong> matéria ou energia resultante das<br />

ativida<strong>de</strong>s humanas que, direta ou indiretamente, afetam a saú<strong>de</strong>, a segurança<br />

e o b<strong>em</strong> estar da população; as ativida<strong>de</strong>s sociais e econômicas; as biotas; as<br />

condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e a qualida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> recursos<br />

ambientais.”<br />

Após este estudo, a <strong>em</strong>presa <strong>de</strong>verá fazer um Relatório <strong>de</strong> Impacto<br />

Ambiental que, na prática, é um resumo do EIA. Quando a hidrelétrica a ser<br />

construída gerar até 10MW ao invés <strong>de</strong> EIA será feito um RCA que é um<br />

Relatório <strong>de</strong> Controle Ambiental, com as mesmas características do EIA, mas<br />

apenas <strong>em</strong> menores proporções, o que não significa menores impactos. A<br />

<strong>em</strong>presa requerente da obra <strong>de</strong>ve apresentar este estudo aos órgãos ambientais<br />

estaduais. A FEAM t<strong>em</strong> uma função mais técnica no processo, avalia mais as<br />

questões técnicas relacionadas à obra, já o COPAM analisa mais as questões<br />

políticas. A apresentação <strong>de</strong>ste RIMA po<strong>de</strong> ser feita através <strong>de</strong> uma Audiência<br />

Pública, on<strong>de</strong> a população local t<strong>em</strong> direito a voz. Nesta Audiência, a população<br />

atingida utiliza o seu espaço da forma que <strong>de</strong>sejar, falando ela mesma ou<br />

nomeando representantes como padres, assessores, li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong> movimentos,<br />

colocando a sua opinião <strong>em</strong> relação ao EIA/RIMA e <strong>em</strong> relação à construção da<br />

usina. A Audiência é geralmente presidida pela FEAM, e é filmada, registrada. A<br />

FEAM e o COPAM se reún<strong>em</strong> analisando to<strong>dos</strong> os da<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong> até esta fase do<br />

processo, os EIA/RIMA ou RCA, o registro da Audiência Pública, informações<br />

coletadas <strong>em</strong> visitas à região e conversas com a população local. A FEAM <strong>de</strong>ve<br />

dar um parecer técnico dizendo se recomenda ou não que seja dada a Licença<br />

Prévia. Este parecer é analisado pelo COPAM e este <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> se vai liberar ou não<br />

a licença. Os órgãos ambientais po<strong>de</strong>m <strong>em</strong>itir um relatório contendo<br />

condicionantes que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser incorpora<strong>dos</strong> ao RIMA e cumpri<strong>dos</strong> pela <strong>em</strong>presa<br />

23


para diminuição <strong>dos</strong> impactos da obra ou <strong>de</strong> algum probl<strong>em</strong>a técnico, que é o que<br />

geralmente ocorre.<br />

Após esta fase, a <strong>em</strong>presa requerente da construção passa a fazer um<br />

PCA que é um Plano <strong>de</strong> Controle Ambiental, <strong>de</strong>screvendo o que será feito para<br />

diminuir os impactos negativos da barrag<strong>em</strong>. Para cada impacto <strong>de</strong>ve haver um<br />

programa, um plano específico <strong>de</strong>talhando qu<strong>em</strong> fará este programa, o que será<br />

feito, quanto custará, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> obras e ativida<strong>de</strong>s sociais ou se vai haver a<br />

reconstrução <strong>de</strong> algum patrimônio que será afetado pelo lago como escolas,<br />

igrejas, c<strong>em</strong>itérios, etc. e informar como serão as negociações com a população<br />

local. Este plano passa por um novo julgamento <strong>dos</strong> órgão ambientais para que<br />

seja <strong>em</strong>itido um parecer técnico indicando se a segunda licença é recomendada<br />

ou não, também com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se apresentar<strong>em</strong> condicionantes. Se<br />

aprovado, será liberada a Licença <strong>de</strong> Instalação. Nesta fase, a <strong>em</strong>presa começa a<br />

construção da barrag<strong>em</strong>. Após o cumprimento <strong>de</strong> todo o PCA e as condicionantes<br />

apontadas pela FEAM e COPAM, estes dão o parecer liberando ou não a terceira<br />

e última licença, a Licença <strong>de</strong> Operação, que é a autorização para se fechar as<br />

comportas, encher o lago e para a usina começar a funcionar.<br />

Diante <strong>dos</strong> conflitos, conseqüências das políticas energéticas nos últimos<br />

anos, o Setor Elétrico mostrou-se mais sensível às lutas do movimento <strong>de</strong><br />

atingi<strong>dos</strong>, mas “continuam a existir lacunas entre a visão técnica institucional e a<br />

visão das populações locais” (ROTHMAN, 1997:7). Um <strong>dos</strong> pressupostos<br />

básicos do trabalho <strong>de</strong> Rothman foi o <strong>de</strong> que a assimetria nas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

com as populações atingidas <strong>de</strong>ve aumentar tendo <strong>em</strong> vista a participação <strong>de</strong><br />

<strong>em</strong>presas privadas no processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> UHE, o que po<strong>de</strong> ocasionar <strong>em</strong><br />

aumento do conflito.<br />

O projeto hidrelétrico chega às populações locais como uma exigência do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento nacional que se mostrou, nas últimas décadas, concentrador <strong>de</strong><br />

terras e exclu<strong>de</strong>nte, tanto social quanto politicamente. A entrada <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas<br />

privadas no processo intensificou-se após o “Plano 2015”. Geralmente, são<br />

gran<strong>de</strong>s <strong>em</strong>presas montadoras <strong>de</strong> automóveis, fábricas <strong>de</strong> alumínio (vale salientar<br />

que estas observações diz<strong>em</strong> respeito à Zona da Mata mineira), que estão<br />

24


interessadas <strong>em</strong> energia para funcionamento <strong>de</strong> seus estabelecimentos, sendo as<br />

questões sociais, culturais e ambientais locais <strong>de</strong>ixadas <strong>de</strong> lado e tratadas como<br />

meros obstáculos a ser<strong>em</strong> supera<strong>dos</strong> para realização do “<strong>em</strong>preendimento”. O<br />

importante para estes “<strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dores” é a efetivação rápida do projeto a<br />

menores custos possíveis. Esta relação <strong>em</strong>presa/atingido po<strong>de</strong> ser confirmada no<br />

<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong>sta atingida:<br />

“A terra eles negociou, a terra e a casa. Nós já ligamo e tamo correndo atrás<br />

porque t<strong>em</strong> plantação, t<strong>em</strong> laranja, horta, t<strong>em</strong> galinheiro, t<strong>em</strong> paiol, isso tudo<br />

ficou pra trás e isso tudo t<strong>em</strong> que ser pago, né. Eles vieram, mediram e tiraram<br />

retrato <strong>de</strong> tudo, mas não foi pago. Inclusive antes <strong>de</strong> receber e tudo, a gente<br />

ligou pro cara vim aqui pra gente conversar com ele aqui, n<strong>em</strong> aqui ele<br />

aparece” (atingida pela UHE Fumaça).<br />

Para o Setor Elétrico e as <strong>em</strong>presas privadas, o que importa é a relação<br />

custo/benefício <strong>de</strong> seu <strong>em</strong>preendimento. Para a população que sofrerá os<br />

impactos, a lógica é diferente. Preocupam-se com seu <strong>de</strong>stino, <strong>de</strong> suas terras, <strong>de</strong><br />

sua comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> sua família, e <strong>de</strong> sua região. Os benefícios possíveis, se é que<br />

exist<strong>em</strong>, são vagos, in<strong>de</strong>termina<strong>dos</strong>; os efeitos negativos são concretos,<br />

imediatos.<br />

A <strong>de</strong>sinformação constitui <strong>em</strong> uma das armas principais para as <strong>em</strong>presas<br />

do Setor Elétrico. A sonegação <strong>de</strong> informações sobre o <strong>em</strong>preendimento são<br />

realiza<strong>dos</strong> com o propósito <strong>de</strong> facilitar o ingresso da <strong>em</strong>presa na região e<br />

proporcionar que o <strong>em</strong>preendimento seja realizado com rapi<strong>de</strong>z e a baixos custos<br />

(SANTOS e LOPES, 1999). A fala <strong>de</strong> uma atingida <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> mostra<br />

esta <strong>de</strong>sinformação por parte das populações atingidas, além <strong>de</strong> a <strong>em</strong>presa não se<br />

esforçar para mudar este quadro. O mapa <strong>em</strong> questão se refere às áreas que serão<br />

tomadas pelo lago:<br />

“Aí a gente pediu pra eles mandar alguém pra vir, porque pelo mapa a gente<br />

não enten<strong>de</strong> nada não. Principalmente a gente que não t<strong>em</strong> tanto estudo, vai<br />

enten<strong>de</strong>r do mapa? A gente não enten<strong>de</strong>, eles mostraram o mapa, mas a gente<br />

não enten<strong>de</strong>. Melhor vir cá na proprieda<strong>de</strong> pra ver. Depois, o mapa fala uma<br />

coisa, <strong>de</strong>pois quando vai ver acontece totalmente diferente” (atingida pela<br />

UHE Fumaça).<br />

A relação entre <strong>em</strong>presas e atingi<strong>dos</strong> torna-se conflituosa. De um lado, as<br />

<strong>em</strong>presas não costumam pagar o valor real das proprieda<strong>de</strong>s das populações<br />

obrigadas a ven<strong>de</strong>r<strong>em</strong> suas terras, quando aprovado o projeto pelo governo<br />

25


estadual. De outro, os atingi<strong>dos</strong> colocam-se, quase s<strong>em</strong>pre, contra a construção<br />

<strong>de</strong> barragens, pois estas lhes causam danos culturais, econômicos, sociais e<br />

ambientais. Obriga<strong>dos</strong> a saír<strong>em</strong>, <strong>de</strong>sestruturam-se culturalmente, sua comunida<strong>de</strong><br />

se <strong>de</strong>sfaz, per<strong>de</strong>m sua história. Diz<strong>em</strong> as atingidas <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, Bicas e<br />

Macuco sobre os impactos causa<strong>dos</strong> pela construção da barrag<strong>em</strong>.<br />

Figura 4 - Cachoeira da Fumaça que irá secar após a construção da barrag<strong>em</strong>.<br />

Em relação à chegada <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> outras localida<strong>de</strong>s na comunida<strong>de</strong>:<br />

E pra sair também, né. Porque hoje a gente é livre, a gente sai, vai aon<strong>de</strong> a<br />

gente quer. Quando sair a barrag<strong>em</strong>, vai ficar mais preso, não vai ter jeito sair<br />

igual a gente sai aqui não” (atingida <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>).<br />

“...traz pessoa boa, pessoa ruim que nós n<strong>em</strong> sabe, nós não vamo tê liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ficá andando assim à vonta<strong>de</strong>, igual a gente era, né. E aqui nós vamo pra<br />

todo lado aqui, nós vamo sozinha ou com um menino e <strong>de</strong>pois que entrá essa<br />

barrag<strong>em</strong> aí nós não vamo podê ficá à vonta<strong>de</strong> igual nós era, não. T<strong>em</strong> que ficá<br />

s<strong>em</strong>pre mais quieto <strong>em</strong> casa, que não vamo podê ter liberda<strong>de</strong> mais não”<br />

(atingida <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>).<br />

26


Figura 5 - Local <strong>de</strong> construção do eixo da barrag<strong>em</strong> antes <strong>de</strong> se começar<strong>em</strong> as<br />

obras.<br />

27


Figura 6 - Local do eixo da barrag<strong>em</strong> com as obras já iniciadas.<br />

Em relação à perda das relações <strong>de</strong> parentesco e vizinhança:<br />

“Satisfeita a gente não tá não, pra falar a verda<strong>de</strong>, a gente se pega no que é da<br />

gente, pra <strong>de</strong>pois sair <strong>em</strong>purrado, não é boa coisa, né? Como que a gente vai<br />

fazer, t<strong>em</strong> muita gente que t<strong>em</strong> n<strong>em</strong> aon<strong>de</strong> colocar, <strong>de</strong> fazer casa, ainda não t<strong>em</strong><br />

nada arrumado ainda, né? Se tivesse tudo organizado...”(atingida <strong>de</strong> Bicas).<br />

“Acho que não ia ser boa, uma coisa que vai prejudicar a gente e muitas<br />

famílias, não vai ser bom nada. Já sabia que não ia ser bom não. Às veiz a<br />

pessoa tá sossegada no seu canto, né, agora, quantas família t<strong>em</strong> que mudar,<br />

não é bom, tira o sossego <strong>de</strong> todo mundo.”(atingida <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>).<br />

Em relação às doenças:<br />

“Acho que é sobre o perigo que vai ter, né. As doenças que vai dar, as<br />

crianças, então a gente acha que vai ser muito difícil esta barrag<strong>em</strong>” (atingida<br />

do Macuco).<br />

“A gente fica sabendo que vai trazê muita, sei lá, diz que vai trazê muita assim,<br />

po<strong>de</strong> trazê assim, doença, pra nós sobre a barrag<strong>em</strong>...” (atingida <strong>de</strong> Miguel<br />

<strong>Rodrigues</strong>).<br />

“De ruim, igual eu falei, vai trazer doença...” (atingida <strong>de</strong> MR).<br />

28


As questões relativas às doenças são preocupações colocadas pelas<br />

próprias <strong>em</strong>presas. No RCA (Relatório <strong>de</strong> Controle Ambiental) da UHE Fumaça<br />

estas questões são explicitadas:<br />

“A persistência das atuais condições relativas ao saneamento básico, <strong>em</strong> que a<br />

bacia hidrográfica é o receptor principal <strong>dos</strong> <strong>de</strong>jetos sanitários, <strong>de</strong>verá fazer<br />

com que a represa também funcione como <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> poluentes ambientais<br />

nocivos à saú<strong>de</strong>. Tal situação po<strong>de</strong>rá propiciar, a médio e longo prazo, as<br />

condições necessárias para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> doenças infecto-parasitárias<br />

tais como hepatite, esquistossomose, amebíase e outras entero-infecções.<br />

Também as modificações do leito do rio a jusante (abaixo da barrag<strong>em</strong>), com a<br />

diminuição do volume <strong>de</strong> água, po<strong>de</strong>m gerar ambientes propícios para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> larvas <strong>de</strong> mosquitos e caramujos (259:1998).”<br />

Em relação às dificulda<strong>de</strong>s criadas com a construção do lago:<br />

“Vai ficar mais distante ainda <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, não vai ter pinguela aqui,<br />

vamos ter que dar a volta lá <strong>em</strong>baixo. Não t<strong>em</strong> como fazer ponte aqui. Daqui,<br />

10minutos, 15 minutos nós estamos <strong>em</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> e <strong>de</strong>pois que fizer a<br />

barrag<strong>em</strong> vamos levar uma hora até Miguel <strong>Rodrigues</strong>. Se precisar <strong>de</strong><br />

telefonar, vamos ter que gastar uma hora até lá pra ligar” (atingida <strong>de</strong> Bicas).<br />

“...e também, se a gente sair daqui, com essa barrag<strong>em</strong>, como aqui é no arto,<br />

eu tenho mais medo <strong>de</strong> criança. As veiz eles pega, <strong>de</strong>sce aí. Menino, sabe como<br />

menino é. Às vezes junta essas meninada aí e fala aí "ah, não <strong>de</strong>sce lá<br />

<strong>em</strong>baixo", <strong>de</strong>pois pega e vai lá pra baixo, a gente não vê, né. Eu tenho mais<br />

medo por isso, eu tenho mais medo das criança, né, que po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scer lá pra<br />

baixo e ter perigo, né, <strong>de</strong> cair na água. Mais medo é esse” (atingida <strong>de</strong> Miguel<br />

<strong>Rodrigues</strong>).<br />

As <strong>em</strong>presas utilizam o discurso <strong>de</strong> que vão trazer o progresso,<br />

<strong>de</strong>senvolvimento e aumento <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregos para a região. Estes <strong>em</strong>pregos, <strong>em</strong> sua<br />

maioria, são t<strong>em</strong>porários, apenas necessários para a construção do projeto, e os<br />

trabalhadores, <strong>em</strong> geral, são originários <strong>de</strong> outras regiões, o que t<strong>em</strong> contribuído<br />

para o aumento da violência na localida<strong>de</strong>, fato já observado <strong>em</strong> outras áreas <strong>de</strong><br />

construção <strong>de</strong> hidrelétricas, inclusive na região estudada 10 Após a aprovação do<br />

projeto <strong>de</strong> construção das barragens e feitas todas as negociações ou pagamentos<br />

<strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizações, a população local é obrigada a se <strong>de</strong>slocar. A alternativa para<br />

muitos <strong>dos</strong> pequenos agricultores t<strong>em</strong> sido a migração para as cida<strong>de</strong>s, on<strong>de</strong><br />

10 Foi observado durante os trabalhos <strong>de</strong> pesquisa e extensão já cita<strong>dos</strong>, probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> violência por parte<br />

da <strong>em</strong>presa interessada na construção da barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> UHE Cachoeira do Emboque, on<strong>de</strong> a <strong>em</strong>presa<br />

retirou o telhado da casa <strong>de</strong> uma senhora, viúva, obrigando-a a sair. Esta senhora, já na casa nova<br />

construída pela <strong>em</strong>presa, na mesma comunida<strong>de</strong>, veio a falecer, não presenciando n<strong>em</strong> mesmo o<br />

término da obra. Além <strong>dos</strong> probl<strong>em</strong>as relaciona<strong>dos</strong> com os trabalhadores <strong>de</strong> fora que chegam para a<br />

construção da usina, provocando conflitos com a população local.<br />

29


viv<strong>em</strong>, freqüent<strong>em</strong>ente, <strong>em</strong> situações precárias <strong>de</strong> pobreza, violência e<br />

<strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego (SANTOS e LOPES, 1999).<br />

Figura 7 - Pinguela que vai ser inundada após enchido o lago.<br />

Um estudo realizado com migrações <strong>de</strong> populações ribeirinhas <strong>de</strong> Ilha<br />

Comprida no Mato Grosso do Sul, <strong>de</strong>correntes da construção <strong>de</strong> uma barrag<strong>em</strong>,<br />

mostra como a questão da migração forçada é vista por esta população. Para eles,<br />

a migração é entendida como uma forma <strong>de</strong> violência, produz um<br />

<strong>de</strong>senraizamento, pois obriga a sair <strong>de</strong> suas terras qu<strong>em</strong> não t<strong>em</strong> motivos para<br />

isto. Migrar significa perda do cotidiano, do local on<strong>de</strong> se pensou ter encontrado<br />

o lugar para viver com a família e <strong>de</strong>pois ser enterrado, significa perda <strong>dos</strong><br />

vínculos sociais. Migração, neste contexto, não se <strong>de</strong>fine simplesmente por uma<br />

mudança <strong>de</strong> lugar, mas uma forma <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> social, ou seja, modificação das<br />

condições <strong>de</strong> vida (CONSULTORIA EM POLÍTICAS PÚBLICAS - CPP, 2001).<br />

30


As <strong>em</strong>presas construtoras obrigadas a fazer<strong>em</strong> um Estudo e Relatório <strong>de</strong><br />

Impacto Ambiental necessários para o processo <strong>de</strong> licenciamento ambiental, para<br />

futura aprovação da construção, <strong>de</strong>svalorizam os produtores da região, assim<br />

como a agricultura praticada por eles. Colocam a agricultura familiar como<br />

irrelevante, on<strong>de</strong> sua função é <strong>de</strong> apenas manter a subsistência da família. Não<br />

perceb<strong>em</strong> a importância <strong>de</strong>sta agricultura como mantenedora do hom<strong>em</strong> no<br />

campo, <strong>de</strong> sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> sua importância social. O acesso à terra,<br />

aliada às formas <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> (relação <strong>de</strong> alianças, compadrios, parentesco,<br />

trocas <strong>de</strong> bens materiais e <strong>de</strong> trabalho) garant<strong>em</strong> a reprodução social <strong>dos</strong><br />

produtores <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua própria lógica e estilo <strong>de</strong> vida. As <strong>em</strong>presas, conforme<br />

se observa <strong>em</strong> seus Relatórios, <strong>de</strong>squalificam a agricultura por eles praticada com<br />

o intuito diminuir os valores das in<strong>de</strong>nizações das terras que serão ocupadas<br />

pelas águas da usina hidrelétrica. Garant<strong>em</strong>, assim, um custo menor geral da obra<br />

(SANTOS e LOPES, 1999).<br />

Segundo SIGAUD (s.d.), os EIA/RIMA enfatizam as más condições<br />

atuais da produção agrícola e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da população para, <strong>de</strong>sta forma,<br />

enaltecer os benefícios das barragens. Tipicamente usam o discurso político <strong>de</strong><br />

“vamos tirar o povo do atraso”.<br />

Tais observações po<strong>de</strong>m facilmente ser verificadas nos Relatórios e<br />

Estu<strong>dos</strong> elabora<strong>dos</strong> pelas <strong>em</strong>presas. No Estudo e Relatório da UHE <strong>de</strong> Pilar, que<br />

atinge 133 famílias <strong>dos</strong> Municípios <strong>de</strong> Ponte Nova e Guaraciaba, as terras são<br />

classificadas como terras da pior qualida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se pratica agricultura <strong>em</strong> apenas<br />

alguns locais mais nobres. Enfatizam também o baixo nível tecnológico,<br />

caracterizando uma unida<strong>de</strong> produtiva s<strong>em</strong> gran<strong>de</strong> importância econômica.<br />

CARDOSO e JUCKSCH (1997), ao avaliar<strong>em</strong> este relatório, conclu<strong>em</strong> que a<br />

agricultura citada apresenta características que a torna eficiente na<br />

manutenção/reprodução <strong>dos</strong> agricultores e na sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, e que ao<br />

contrário <strong>de</strong> estagnada, a peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa agricultura garante a eficiência na<br />

utilização e convivência com os recursos naturais e a resistência a um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

agricultura não a<strong>de</strong>quado às suas condições. Isso não significa que não haja<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhorar a vida <strong>dos</strong> moradores da região, mas qualquer iniciativa<br />

31


neste sentido só po<strong>de</strong> ser vislumbrada respeitando os valores, as tradições<br />

familiares, suas visões e concepções <strong>de</strong> mundo b<strong>em</strong> como a preservação da<br />

comunida<strong>de</strong> e da região como tal.<br />

ROTHMAN e LOPES (1997) ressaltam, <strong>em</strong> estudo sobre relatório da<br />

UHE Pilar, a <strong>de</strong>scrição muito limitada, no tocante às ativida<strong>de</strong>s produtivas das<br />

mulheres. O procedimento metodológico para o estudo das relações sociais <strong>dos</strong><br />

produtores, realizado pela <strong>em</strong>presa construtora, informa sobre as posições que<br />

homens e mulheres <strong>de</strong>veriam ocupar. I<strong>de</strong>alizam uma organização <strong>de</strong> gênero<br />

distinta da que ocorre efetivamente. Assim, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ram a lógica que organiza<br />

as relações <strong>de</strong> gênero no contexto da agricultura familiar. Espaço este marcado<br />

pela compl<strong>em</strong>entarida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> trabalhos f<strong>em</strong>inino e masculino, o que garante a<br />

reprodução biológica e social da unida<strong>de</strong> produtiva - economia familiar - <strong>de</strong><br />

forma muito específica, o que exige estu<strong>dos</strong> muito mais aprofunda<strong>dos</strong> do que os<br />

apresenta<strong>dos</strong> pelos EIA/RIMA.<br />

O risco <strong>de</strong> se tomar mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> divisão sexual <strong>de</strong> outros segmentos para<br />

a realida<strong>de</strong> rural é <strong>de</strong>stacado por ROTHMAN e LOPES (1997). Várias análises<br />

apontam para a existência <strong>de</strong> uma flexibilida<strong>de</strong> do trabalho masculino e<br />

f<strong>em</strong>inino, quando se trata <strong>de</strong> agricultura <strong>de</strong> autoconsumo 11 . As análises contidas<br />

nos EIA/RIMA, <strong>de</strong>monstram a subestimação e <strong>de</strong>svalorização do trabalho<br />

produtivo das mulheres. Segundo o EIA (UHE PILAR, 1996:163): “as mulheres,<br />

quando jovens, ajudam os mari<strong>dos</strong> na lavoura, e quando mais velhas, faz<strong>em</strong> o<br />

trabalho <strong>de</strong> casa, levam comida para os mari<strong>dos</strong> na roça e faz<strong>em</strong> os queijos a<br />

ser<strong>em</strong> vendi<strong>dos</strong>”. Percebe-se, pois, a classificação do trabalho f<strong>em</strong>inino<br />

consi<strong>de</strong>rado como “ajuda” quando jovens e a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer/levar comida na<br />

roça b<strong>em</strong> como fazer queijo, ti<strong>dos</strong> como um trabalho menor. Além disso, não<br />

reconhec<strong>em</strong> o trabalho <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> animais e n<strong>em</strong> o trabalho na própria lavoura<br />

que, segundo as mulheres da região, acontece <strong>em</strong> momentos <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>,<br />

11 Ver sobre estas questões PAULILO (1989) “O Peso do Trabalho Leve” e LOPES (1983) <strong>em</strong><br />

“Re<strong>de</strong>finição Social do Papel da Mulher na Economia Doméstica: da Família Camponesa à Família<br />

Assalariada”.<br />

32


on<strong>de</strong> n<strong>em</strong> a ida<strong>de</strong>, n<strong>em</strong> a presença <strong>de</strong> filhos menores são impedimentos para o<br />

trabalho agrícola.<br />

Utilizando-se <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização agrícola, estes estu<strong>dos</strong><br />

minimizam o trabalho da mulher na manutenção econômica e sobrevivência da<br />

organização familiar <strong>de</strong> produção, quando se sabe que as ativida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>senvolvidas pelas mulheres, nessa esfera, tornam-se recursos fundamentais<br />

para a organização e dinâmica da proprieda<strong>de</strong>. Para além das ativida<strong>de</strong>s<br />

econômicas, as agricultoras realizam várias tarefas simultaneamente, vivenciando<br />

uma dupla jornada <strong>de</strong> trabalho, pois as funções <strong>de</strong> cuidar da casa e da<br />

criação/socialização <strong>dos</strong> filhos são atribuições “naturalmente” <strong>de</strong>signadas às<br />

mulheres (SCHAAF, 1998).<br />

2.3. Atingi<strong>dos</strong> por barragens: categoria social e analítica<br />

Para se fazer uma melhor análise <strong>de</strong>ste it<strong>em</strong>, primeiramente, será feita<br />

uma <strong>de</strong>finição da categoria atingido com o objetivo <strong>de</strong> se <strong>de</strong>limitar melhor este<br />

participante do processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma barrag<strong>em</strong>. Para RIBEIRO<br />

(1993:298):<br />

“O termo atingido se assume como sujeito político <strong>de</strong> um processo <strong>em</strong> que<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m seu modo <strong>de</strong> vida próprio <strong>em</strong> contraposição a outras concepções <strong>de</strong><br />

ocupação daquele espaço agrário e <strong>de</strong> sua utilização social”.<br />

Este mesmo autor diz que o termo surgiu inicialmente <strong>em</strong> documentos do<br />

Setor Elétrico e da Companhia Energética do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais (CEMIG)<br />

para caracterizar o produtor morador da área on<strong>de</strong> seria construída a barrag<strong>em</strong>, os<br />

quais sofreriam seus impactos. O Movimento Regional <strong>de</strong> Atingi<strong>dos</strong> por<br />

Barragens do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul se apropriou do termo para assim i<strong>de</strong>ntificar seu<br />

movimento e o diss<strong>em</strong>inou no I Encontro Nacional <strong>de</strong> Trabalhadores Atingi<strong>dos</strong><br />

por Barragens <strong>em</strong> 1989.<br />

Ricardo Ribeiro, <strong>em</strong> estudo <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> barragens no Vale<br />

do Jequitinhonha pela CEMIG, especialmente Machado Mineiro, Setúbal,<br />

Calhauzinho e Salinas, mostra a representação que os atingi<strong>dos</strong> faz<strong>em</strong> da terra<br />

33


através do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> um trabalhador atingido pela barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Setúbal, que<br />

foi construída no início da década <strong>de</strong> 90:<br />

“Eu pelo menos posso até sair da minha terra, porque eu não sei, né, mas<br />

disposto à venda não (...). Porque não tinha ela pra negócio, era on<strong>de</strong> a gente<br />

tira o pão <strong>dos</strong> filho, não t<strong>em</strong> ela pra negócio. Uma comparação, chega um<br />

companheiro <strong>em</strong> casa: „Quanto você quer no seu terreno?‟ Não t<strong>em</strong> dinheiro,<br />

porque pra mim não t<strong>em</strong> nada que paga, né. Numa comparação, po<strong>de</strong> falar que<br />

me dá um prédio na cida<strong>de</strong>, pra mim não serve, porque eu sei é trabalhar na<br />

roça, eu não sei movimentar na cida<strong>de</strong>" (RIBEIRO, 1993:216).<br />

RIBEIRO (1993:242) analisa a fala <strong>de</strong>ste atingido:<br />

“Ao valor „econômico‟ ou „real‟ (quantificável) daqueles bens, acrescenta-se,<br />

pois, um valor simbólico (não quantificável) daquela terra e do espaço<br />

socialmente construído naquele território (a sua comunida<strong>de</strong>). Haveria assim,<br />

perdas sociais irrecuperáveis, como diz<strong>em</strong> os camponeses: „que não há<br />

dinheiro que pague‟”.<br />

Para RIBEIRO (1993:242), os bens a ser<strong>em</strong> perdi<strong>dos</strong> com a construção<br />

da barrag<strong>em</strong> não são apenas bens <strong>de</strong> troca ou bens <strong>de</strong> uso, possu<strong>em</strong> um conjunto<br />

<strong>de</strong> significa<strong>dos</strong> a eles relaciona<strong>dos</strong> que “r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> a toda uma existência <strong>de</strong><br />

gerações que ali viveram, ajudaram a construí-los e se utilizaram <strong>de</strong>les”. Esta<br />

análise do autor também é evi<strong>de</strong>nciada na fala <strong>de</strong> um atingido pela barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

Machado Mineiro:<br />

“Esses mais véio, esses pai <strong>de</strong> família véio, que tinha seus quintal, suas casa,<br />

suas moradia que eles tinha muito amor aquelas moradia, que mudou,<br />

morreram, morreram <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>" (RIBEIRO, 1993:243).<br />

O conteúdo <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>poimentos também é observada na fala das<br />

mulheres, <strong>em</strong> estudo realizado anteriormente pela pesquisadora nas barragens <strong>de</strong><br />

Pilar e Cachoeira da Providência, nos municípios <strong>de</strong> Guaraciaba e Pedra do Anta<br />

respectivamente, na Zona da Mata mineira. As mulheres consi<strong>de</strong>ram a terra como<br />

espaço <strong>de</strong> criação e educação <strong>dos</strong> filhos e também on<strong>de</strong> se dão as relações <strong>de</strong><br />

parentesco e <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, sendo que geralmente o espaço f<strong>em</strong>inino nessas<br />

realida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pequena produção familiar se dá nos arredores da casa, no ambiente<br />

doméstico.<br />

A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>ssa categoria, atingido, é feita <strong>de</strong> forma diferenciada pelos<br />

interessa<strong>dos</strong> na construção da barrag<strong>em</strong>. Para eles, a terra é um b<strong>em</strong> material a<br />

ser adquirido para fins puramente econômicos, o que causa um conflito com a<br />

visão <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong>, on<strong>de</strong> os interessa<strong>dos</strong> pela barrag<strong>em</strong> não valorizam,<br />

34


minimizam e não levam <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração nos projetos, as representações que<br />

estas populações faz<strong>em</strong> <strong>de</strong> suas terras e <strong>de</strong> seu espaço, o que já foi evi<strong>de</strong>nciado<br />

no capítulo anterior sobre os Estu<strong>dos</strong> e Relatórios <strong>de</strong> Impacto Ambiental feitos<br />

por estas <strong>em</strong>presas.<br />

A visão <strong>de</strong> um atingido diante <strong>dos</strong> impactos causa<strong>dos</strong> pela construção <strong>de</strong><br />

uma usina hidrelétrica é observada no po<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Geraldo Pinto Moreira, atingido<br />

pela barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Pilar no município <strong>de</strong> Guaraciaba, também Zona da Mata <strong>de</strong><br />

Minas Gerais, que teve o projeto in<strong>de</strong>ferido <strong>em</strong> 1999. Este po<strong>em</strong>a foi escrito<br />

durante o processo <strong>de</strong> licenciamento ambiental da UHE Pilar, antes <strong>de</strong> seu<br />

in<strong>de</strong>ferimento.<br />

“Não sou poeta<br />

Competência não t<strong>em</strong> pra ser<br />

Algumas verda<strong>de</strong>s tenho a dizer.<br />

É das nossas casa brancas com matos ver<strong>de</strong>s<br />

On<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos plantar e colher<br />

Pelas suas janelas apreciamos a beleza <strong>dos</strong> rios<br />

E assistimos o sol nascer.<br />

Os terreiros flori<strong>dos</strong><br />

São verda<strong>de</strong>iros jardins<br />

Eu falo que nossas vidas<br />

São mais ou menos assim.<br />

Conviv<strong>em</strong>os com to<strong>dos</strong><br />

E também com as flores<br />

Pena que projeto <strong>de</strong> barrag<strong>em</strong><br />

Nos provoca muitas dores.<br />

Não falo com sábio<br />

São palavras tiradas b<strong>em</strong> do fundo<br />

Eu falo é dali<br />

Daquele pedacinho <strong>de</strong> mundo.<br />

Se homens estranhos não dão valor<br />

Por to<strong>dos</strong> nós ele é amado<br />

Difícil <strong>de</strong>mais nos conformar<br />

Pra ver aquilo inundado.<br />

É só olhar nos atingi<strong>dos</strong><br />

Vê o sinal <strong>de</strong> tristeza<br />

Construir barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong>stroi nossas vidas<br />

E enriquece a <strong>em</strong>presa”.<br />

Neste po<strong>em</strong>a percebe-se a relação que este atingido t<strong>em</strong> com seu<br />

território a relação <strong>de</strong> lugar e <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que ele estabelece com o lugar on<strong>de</strong><br />

35


vive. E os impactos e as mudanças que a <strong>em</strong>presa traz com a construção da<br />

barrag<strong>em</strong>.<br />

2.4. O processo <strong>de</strong> construção da Hidrelétrica Cachoeira da Fumaça e as<br />

mulheres atingidas<br />

A hidrelétrica <strong>de</strong> Cachoeira da Fumaça será uma usina que se enquadra<br />

nas características das usinas presentes no Projeto 2015 do governo fe<strong>de</strong>ral, uma<br />

hidrelétrica <strong>de</strong> pequena potência e que t<strong>em</strong> a iniciativa privada como requerente<br />

da obra. A UHE Fumaça será construída pela <strong>em</strong>presa <strong>de</strong> alumínio ALCAN, uma<br />

multinacional que t<strong>em</strong> vários projetos <strong>de</strong> barragens na Zona da Mata mineira.<br />

Sua potência será inferior a 10 MW, atingindo os municípios <strong>de</strong> <strong>Mariana</strong> e Diogo<br />

<strong>de</strong> Vasconcelos no Estado <strong>de</strong> Minas Gerais. O rio a ser represado é o Gualaxo do<br />

Sul, na Bacia do Rio Doce.<br />

Boatos sobre a possível construção <strong>de</strong> barragens na região começaram a<br />

circular <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 60, com a realização <strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> do Inventário <strong>de</strong><br />

Construção <strong>de</strong> Barragens na Bacia do Alto Rio Doce (ROTHMAN, 1999). No<br />

início da década <strong>de</strong> 60, foi concedido financiamento pelo Banco Mundial <strong>de</strong> 2,5<br />

milhões <strong>de</strong> dólares para estu<strong>dos</strong> <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s potenciais para a construção <strong>de</strong><br />

usinas hidrelétricas na região Su<strong>de</strong>ste. Estes estu<strong>dos</strong> foram elabora<strong>dos</strong> por uma<br />

<strong>em</strong>presa cana<strong>de</strong>nse, conheci<strong>dos</strong> como estu<strong>dos</strong> CANAMBRA (Consórcio<br />

Canadá-Brasil) que se ligava ao Estado através do Comitê Coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong><br />

Estu<strong>dos</strong> Energéticos da Região Centro-Sul, do Ministério das Minas e Energia<br />

(VIANNA, 1989). Ainda segundo este autor, este inventário se caracteriza por:<br />

“Determinar o potencial <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> energia elétrica da bacia <strong>de</strong> um rio.<br />

Estabelece os possíveis locais para a construção <strong>de</strong> barragens (eixo) e estima<br />

os custos <strong>de</strong> cada barrag<strong>em</strong> e usina” (p. 14).<br />

Em mea<strong>dos</strong> <strong>de</strong> 1997, a ALCAN faz estu<strong>dos</strong> na região com a pretensão <strong>de</strong><br />

construir a Usina Hidrelétrica <strong>de</strong> Cachoeira da Fumaça. Para isto ela fez o<br />

Relatório <strong>de</strong> Controle Ambiental (RCA), on<strong>de</strong> foram levantadas questões<br />

ambientais, econômicas, culturais e sociais da região, além <strong>de</strong> uma análise<br />

técnica referente à obra.<br />

36


Figura 8 - Localização do município <strong>de</strong> Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos na microrregião<br />

<strong>de</strong> Ouro Preto e no Estado <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />

Inicialmente, a população atingida foi receptível às <strong>em</strong>presas. Não<br />

imaginavam que a usina seria realmente construída, porque já se ouvia falar <strong>de</strong><br />

barrag<strong>em</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muitos anos atrás, e nada <strong>de</strong> concreto havia acontecido, como<br />

fica evi<strong>de</strong>nciado nas falas <strong>de</strong>stas atingidas <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>:<br />

“Eu achei que ela não ia sair, que ela não ia acontecer, mas só que pelo jeito<br />

que tá, ela vai trazer mais coisa ruim do que boa.”<br />

“Aí começou essa coisa aí, começa a aparecer umas pessoas aqui falando o<br />

que era, que ia pedir licença "a Sra. me dá licença pra eu colocar uma marca<br />

ali <strong>em</strong> baixo", mas estava meio assim, não estava assim b<strong>em</strong> consciente <strong>de</strong> nada<br />

e <strong>de</strong>ixava o pessoal entrar.”<br />

“Não, só falava assim: 'A Sra. me dá licença pra eu colocar uma marca ali <strong>em</strong><br />

baixo', mas a gente não pensava que ia acontecer, que ia sair barrag<strong>em</strong>. A<br />

gente ouvia falar <strong>em</strong> barrag<strong>em</strong>, isso já é antigo já, t<strong>em</strong> muitos anos, t<strong>em</strong> mais<br />

<strong>de</strong> 50 anos já...”<br />

“É, <strong>de</strong> barrag<strong>em</strong>, eles falam, o pessoal mais velho fala. A gente não acreditava<br />

não que ia ter barrag<strong>em</strong> nada, a gente ficava <strong>de</strong>ixando eles medir e <strong>de</strong>ixava<br />

entrar, pegava a chave pra eles lá, pro trabalhador da ALCAN porque aqui<br />

tinha um portão, aí nóis ia lá e abria lá, aí todo mundo aceitava. Eu acho<br />

assim, que eles invadiram, que foi invadindo, eles chegaram com duas<br />

conversinha, e o pessoal simples, e aproveitaram da simplicida<strong>de</strong> e entraram,<br />

mediram, colocaram marca.”‟<br />

“Porque quando a minha mãe era viva, ela falava, né, ela falava que ia ter uma<br />

barrag<strong>em</strong> por aqui, né. 50 anos atrás, muitos anos atrás. (...) Então minha mãe<br />

falava porque tinha uma placa <strong>de</strong>ntro do terreno da minha mãe, minha ,mãe<br />

37


morava na frente da minha casa, então eles falava, mas achava que não ia<br />

acontecer.”<br />

Alguns atingi<strong>dos</strong> tiveram papel importante na fase inicial do processo <strong>de</strong><br />

construção da barrag<strong>em</strong> Entre eles, Zenilda, que já era uma li<strong>de</strong>rança na<br />

comunida<strong>de</strong>, pois era Ministra da Eucaristia e Coor<strong>de</strong>nadora da Comunida<strong>de</strong>, e<br />

Carlos, um "forasteiro" que veio do Nor<strong>de</strong>ste do país para Minas Gerais atingido<br />

pela barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Itaparica. Eles buscaram informações sobre o processo <strong>de</strong><br />

construção da barrag<strong>em</strong>, assessora<strong>dos</strong> por um padre da Arquidiocese <strong>de</strong> <strong>Mariana</strong>,<br />

e começaram a participar <strong>de</strong> encontros, manifestações e a convidar entida<strong>de</strong>s<br />

envolvidas na assessoria às comunida<strong>de</strong>s atingidas, principalmente a Comissão<br />

Pastoral da Terra (CPT) e também estudantes da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa.<br />

Em nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1997 foi criada a Associação <strong>dos</strong> Moradores Atingi<strong>dos</strong><br />

pela UHE Fumaça (AMABAF), que foi o principal elo <strong>de</strong> comunicação entre os<br />

atingi<strong>dos</strong> e a ALCAN. As duas principais li<strong>de</strong>ranças <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Miguel<br />

<strong>Rodrigues</strong> (Carlos e Zenilda) entraram na associação, ele como presi<strong>de</strong>nte, ela<br />

como secretária. A associação, reconhecida pela FEAM como legítima<br />

representante <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong>, é que intermediava as negociações entre atingi<strong>dos</strong> e<br />

<strong>em</strong>presa, com o apoio <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> assessoria, se <strong>de</strong>stacando a Comissão<br />

Pastoral da Terra (CPT), um padre, coor<strong>de</strong>nador da Pastoral <strong>Mariana</strong> Leste, e<br />

estudantes e professores da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, os quais faz<strong>em</strong> parte<br />

<strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> assessoria às comunida<strong>de</strong>s atingidas por barragens na Zona da<br />

Mata mineira.<br />

A Audiência Pública, ocorrida <strong>em</strong> 1998, foi realizada na Igreja, na<br />

localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, e foi presidida pela FEAM. A Audiência foi<br />

dividida <strong>em</strong> partes on<strong>de</strong> a <strong>em</strong>presa concessionária teve espaço para apresentar o<br />

RCA e a comunida<strong>de</strong> e qu<strong>em</strong> mais ela quis compartilhar o t<strong>em</strong>po, pu<strong>de</strong>ram se<br />

manifestar. Este tipo <strong>de</strong> Audiência foi criado com um intuito <strong>de</strong> se ter um <strong>de</strong>bate<br />

ambiental, social, econômico e político referente à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção da<br />

usina hidrelétrica para se analisar a sua viabilida<strong>de</strong>. Mas não é isso que ocorre; na<br />

prática, a <strong>em</strong>presa assume uma postura <strong>de</strong> que a obra vai ser construída e<br />

apresenta as questões técnicas <strong>de</strong>sta construção. As várias posturas da <strong>em</strong>presa,<br />

38


uscando impl<strong>em</strong>entar o seu projeto, <strong>dos</strong> governos municipais, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m<br />

claramente os interesses da <strong>em</strong>presa e <strong>dos</strong> órgãos ambientais, que buscam<br />

amenizar os impactos negativos do projeto, <strong>de</strong>ixam a população atingida numa<br />

situação totalmente <strong>de</strong>sfavorável. Nesse contexto, restam-lhe poucas opções: ou a<br />

comunida<strong>de</strong> se resigna, enten<strong>de</strong>ndo o projeto como um fato dado e irreversível,<br />

buscando reivindicar alguns benefícios <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> compensações para a<br />

comunida<strong>de</strong>; ou reage e, nesse caso, não po<strong>de</strong>ndo atuar sozinha na resolução <strong>de</strong><br />

um probl<strong>em</strong>a novo e tão complexo, não contando com o apoio efetivo do Estado<br />

e não dispondo <strong>de</strong> dinheiro para contratar assessores, contam apenas com o<br />

trabalho voluntário <strong>de</strong> pessoas e, ou, entida<strong>de</strong>s que apoiam a sua luta. A visão<br />

que impera no relatório é a da <strong>em</strong>presa, ou seja, a viabilização da obra s<strong>em</strong><br />

gran<strong>de</strong>s preocupações com os impactos sociais, econômicos, culturais e<br />

ambientais que ela po<strong>de</strong> gerar. A <strong>em</strong>presa, ao <strong>de</strong>squalificar a participação da<br />

comunida<strong>de</strong> local, fez com que as pessoas da localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>,<br />

guiadas por suas li<strong>de</strong>ranças e pelos assessores, buscass<strong>em</strong> contatos e assessorias<br />

para enten<strong>de</strong>r<strong>em</strong> o Relatório <strong>de</strong> Controle Ambiental e suas questões técnicas. A<br />

assessoria é <strong>de</strong>stacada nas falas das atingidas:<br />

“Mais foi o pessoal <strong>de</strong> Viçosa (NACAB-Núcleo <strong>de</strong> Assessoria às Comunida<strong>de</strong>s<br />

Atingidas por Barragens), Pd. Claret, Leonardo <strong>de</strong> Viçosa. A gente apren<strong>de</strong>u<br />

mais coisa com o pessoal <strong>de</strong> Viçosa, Sônia e João (CPT) começaram a vir pra<br />

cá aí o pessoal <strong>de</strong> Viçosa e o Léo passavam bastante informação também pra<br />

gente, pra comunida<strong>de</strong>, pra reunir a comunida<strong>de</strong>, fazer aquelas dinâmicas, aí<br />

eu aprendi alguma coisa com eles mesmo.”<br />

“No início, quando falaram da barrag<strong>em</strong> , a gente ficou na expectativa, já com<br />

medo, né, porque a gente já sabia mais ou menos o que ia acontecer, quais os<br />

probl<strong>em</strong>as que ia surgir, né. Aí com a vinda do Léo, aí já vinha orientando as<br />

pessoas, aí já passava ví<strong>de</strong>o, todas as coisas que ele trouxe aqui, aí ficava mais<br />

ou menos com medo. (...) S<strong>em</strong>pre quando ele vinha ele mostrava, né, as<br />

passag<strong>em</strong> <strong>dos</strong> lugar que já tinha acontecido barrag<strong>em</strong>.”<br />

Na apresentação do RCA pela ALCAN foram utiliza<strong>dos</strong> recursos e<br />

termos técnicos complexos, sofistica<strong>dos</strong> e fora da realida<strong>de</strong> da população local.<br />

Transparências, gráficos, mapas e linguagens que <strong>de</strong>monstraram o pouco caso e<br />

<strong>de</strong>sinteresse da <strong>em</strong>presa para com a compreensão do t<strong>em</strong>a por parte da população<br />

local, dificultando o seu questionamento. A população teve que contar com a<br />

assessoria para se preparar para a Audiência, e enten<strong>de</strong>r o que continha no RCA.<br />

39


Padres, representantes <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s como a Pastoral da Juventu<strong>de</strong>, a ASPARPI<br />

(Associação <strong>dos</strong> Pescadores e Amigos do Rio Piranga), que t<strong>em</strong> um histórico <strong>de</strong><br />

participação na luta a favor da preservação <strong>dos</strong> rios, CPT, o grupo <strong>de</strong> assessoria<br />

da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, um representante nacional e um regional do<br />

Movimento <strong>de</strong> Atingi<strong>dos</strong> por Barrag<strong>em</strong> (MAB) posicionaram-se <strong>em</strong> favor <strong>dos</strong><br />

atingi<strong>dos</strong>. Em várias intervenções, a postura <strong>de</strong> negação diante <strong>dos</strong> impactos<br />

causa<strong>dos</strong> pela barrag<strong>em</strong> foram afirma<strong>dos</strong>, quando o sentimento geral da<br />

população era <strong>de</strong> insegurança e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> perda com a possível implantação da<br />

obra.<br />

Na Audiência Pública houve uma expressiva participação da população<br />

local, on<strong>de</strong> se verificou uma participação efetiva das mulheres, sendo que estas<br />

fizeram a maior parte das intervenções <strong>de</strong>stinadas à população local. Este fato foi<br />

o <strong>de</strong>terminante para que se fosse feito este estudo nesta localida<strong>de</strong>. Em suas falas<br />

elas se colocaram contra a construção da usina frente aos probl<strong>em</strong>as que ela<br />

po<strong>de</strong>ria gerar, <strong>em</strong> relação ao relatório, chamaram a atenção para equívocos, como<br />

o registro <strong>de</strong> que elas não trabalham na roça, sendo que, segundo elas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

pequenas já iam para a roça para plantar<strong>em</strong> milho, arroz e feijão junto com o<br />

resto da família, o que po<strong>de</strong> ser observado nas falas a seguir:<br />

“Eu falei [na audiência] to<strong>dos</strong> os pobr<strong>em</strong>as que ia causar sobre os estudo, né<br />

[estu<strong>dos</strong> <strong>de</strong> impacto ambiental], eu falei sobre as mentira que eles tinha<br />

colocado, falei sobre a terra que a gente ia per<strong>de</strong>r, né. Antes o pessoal tava<br />

tranqüilo, sossegado”.<br />

“[Pesquisadora] Lá [nos estu<strong>dos</strong>] eles disseram que as mulheres não plantam?<br />

No estudo <strong>de</strong>les, eu mesma cheguei a ver no estudo que tava dizendo isso.”<br />

“No dia da Audiência eu citei na minha carta que as mulheres não<br />

trabalhavam, que eles colocaram, falou que o pessoal não prantava, que não<br />

tinha horta, né. Todo mundo aqui t<strong>em</strong> horta, né, ninguém <strong>de</strong>xa <strong>de</strong> plantá,<br />

pouquinho, né, mas pouquinho cada um planta o seu..”<br />

“Todas plantam também, a não ser essas, as que não t<strong>em</strong> saú<strong>de</strong> e otras que não<br />

t<strong>em</strong> jeito <strong>de</strong> trabalhar, mas as que po<strong>de</strong> prantá, pranta..”<br />

“Moe cana na engenhoca, rachando lenha, tudo isso mulher faz e eles dizendo<br />

que mulher não trabalha, não. A gente tá alguma coisa, tá vivendo, por que a<br />

gente não tá trabalhando, <strong>de</strong> que que a gente ia viver, não tinha jeito não.”<br />

“Deu uns 20 kg <strong>de</strong> batata, ela só não cresceu, mas também não continuô o<br />

prantio <strong>de</strong> batatinha. Agora, batata doce a gente pranta aí, mandioca. A gente<br />

fica revortado <strong>de</strong>mais quando falaram que as mulhé não trabalhava. O tanto<br />

40


que a gente ajuda batê enxada, na roça, quebrá milho <strong>de</strong> fô preciso e eles<br />

falava que as mulhé não trabalhava não, não sei qu<strong>em</strong> dava nóis alimento, se<br />

era eles. A gente fica revortado <strong>de</strong>mais. No dia da Audiência nos levamo tanta<br />

pranta lá na frente pra eles vê que as mulhé não prantava..”<br />

As entida<strong>de</strong>s foram na mesma linha das intervenções da população local<br />

fazendo também uma análise mais ampla da construção <strong>de</strong> barragens no Brasil. A<br />

população também fez uma <strong>de</strong>monstração do que se produz na comunida<strong>de</strong>,<br />

enquanto algum atingido falava outros iam trazendo arroz, feijão, milho, cana,<br />

doces, tapetes, panelas <strong>de</strong> pedra, banana, manga, laranja, goiaba para mostrar<strong>em</strong><br />

que é <strong>dos</strong> frutos da terra que eles se reproduz<strong>em</strong>. Quando a <strong>em</strong>presa se<br />

pronunciava, os atingi<strong>dos</strong> levantavam placas <strong>de</strong> “FORA” e vaiavam os<br />

representantes da concessionária. A Audiência foi toda filmada e documentada<br />

tanto pela entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> assessoria à população atingida quanto pelos órgãos<br />

ambientais. Apesar <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os <strong>de</strong>poimentos contrários ao <strong>em</strong>preendimento, e<br />

consi<strong>de</strong>rando ainda que a comunida<strong>de</strong> não dispunha <strong>de</strong> uma assessoria mais<br />

especializada que pu<strong>de</strong>sse traduzir <strong>em</strong> termos técnicos o seu sentimento <strong>de</strong><br />

repulsa à obra, a FEAM <strong>de</strong>u parecer favorável ao projeto com condicionantes e o<br />

COPAM acabou conce<strong>de</strong>ndo a Licença Prévia.<br />

Uma atingida não se conformou com a liberação da primeira licença:<br />

“Eu achei engraçado que os pessoal fizeram tanto manifesto e não <strong>de</strong>u <strong>em</strong><br />

nada, por que será, né, que aconteceu isso, eles não mudou <strong>em</strong> nada a<br />

reclamação do povo.(...) Ah, não sei, eu achava que ia ter alguma mudança à<br />

partir daquele dia, cada um falava uma coisa [os atingi<strong>dos</strong>], quase provando o<br />

que tinha falado, mas não sei o que eles fizeram não.”(sic.)<br />

A partir daí, a comunida<strong>de</strong> tinha uma nova etapa a enfrentar, a da<br />

negociação com a <strong>em</strong>presa. Precisavam ser <strong>de</strong>fini<strong>dos</strong> os preços das terras, das<br />

benfeitorias, a situação <strong>dos</strong> meeiros, que compõ<strong>em</strong> a maioria <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong>, e <strong>dos</strong><br />

diaristas. Mas não havia por parte da <strong>em</strong>presa interesse <strong>em</strong> informar <strong>de</strong>vidamente<br />

a população local a respeito da obra e das negociações, várias informações foram<br />

distorcidas ou não ficaram b<strong>em</strong> entendidas na relação atingido/<strong>em</strong>presa, que é<br />

ex<strong>em</strong>plificada com a fala <strong>de</strong> um das entrevistadas:<br />

“Não, na associação discute, discute como vai ser, mas só que o prano que<br />

associação faz, quando chega a ALCAN, muda todo o prano. A associação faz<br />

um prano bom e quando a ALCAN fala todo mundo vira e muda tudo, a ALCAN<br />

41


vai comprando o povo, porque vira o prano (atingida pela barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

Fumaça).”<br />

A AMABAF fez, então, um plano <strong>de</strong> negociação coletiva, na forma <strong>de</strong><br />

reassentamento, para ter<strong>em</strong> mais força no enfrentamento com a <strong>em</strong>presa. Mas<br />

com a <strong>de</strong>mora do processo <strong>de</strong> negociação, o plano inicial feito pela associação se<br />

<strong>de</strong>sfez e cada atingido negociou separadamente, preferindo dinheiro. Ficou<br />

apenas <strong>de</strong>cidido coletivamente o valor a ser pago a cada meeiro, R$6.000,00 (seis<br />

mil reais) não importando o tamanho da família, o número <strong>de</strong> filhos e n<strong>em</strong> se a<br />

mulher trabalhava ou não como meeira. Aos proprietários foi pago o valor da<br />

terra <strong>de</strong> acordo com o número <strong>de</strong> hectares a ser<strong>em</strong> inunda<strong>dos</strong>. Alguns atingi<strong>dos</strong><br />

ficaram satisfeitos com os valores recebi<strong>dos</strong>, pois, sendo muito pobres nunca<br />

tinham visto tanto dinheiro junto, já que muitos receb<strong>em</strong> R$ 7,00 (sete reais) por<br />

dia <strong>de</strong> trabalho. Porém, a maioria não ficou satisfeita, pois percebeu que o<br />

dinheiro não dava para quase nada. Quando o dinheiro acabasse ficariam<br />

completamente <strong>de</strong>stituí<strong>dos</strong>, s<strong>em</strong> terra para plantar, n<strong>em</strong> perspectiva <strong>de</strong> um novo<br />

trabalho, já que a área on<strong>de</strong> plantam seria inundada.<br />

Depois da liberação da primeira licença, a <strong>em</strong>presa fez novos estu<strong>dos</strong> e<br />

estes, <strong>de</strong>nomina<strong>dos</strong> PCA, Plano <strong>de</strong> Controle Ambiental; aprova<strong>dos</strong>, geraram a<br />

liberação da segunda licença, a Licença <strong>de</strong> Instalação. Para que a terceira e<br />

última seja liberada é necessário o cumprimento <strong>de</strong> todo o PCA, que seria a<br />

Licença <strong>de</strong> Operação, quando <strong>de</strong> fechariam as comportas e inundaria o lago.<br />

A UHE Fumaça está, atualmente, na fase <strong>de</strong> cumprimento do PCA, ou<br />

seja, <strong>de</strong> negociação entre a <strong>em</strong>presa e os atingi<strong>dos</strong>, vendas <strong>de</strong> terras,<br />

reassentamentos, in<strong>de</strong>nizações.<br />

Até mea<strong>dos</strong> <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001, a ALCAN dizia que faltavam apenas<br />

duas famílias para negociar, a família <strong>de</strong> Maria, meeira, e seu pai, proprietário, e<br />

<strong>de</strong> Josefina, também meeira. As duas assessoradas pela CPT, com a justificativa<br />

<strong>de</strong> que a negociação inicial não foi justa, criaram uma nova associação, a<br />

Associação <strong>dos</strong> Atingi<strong>dos</strong> pela Barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Fumaça (AABF), <strong>em</strong> 21 <strong>de</strong> agosto<br />

<strong>de</strong> 2001, <strong>em</strong> uma reunião on<strong>de</strong> vários atingi<strong>dos</strong>, os que receberam e não ficaram<br />

satisfeitos e os que não foram reconheci<strong>dos</strong> pela <strong>em</strong>presa, se <strong>de</strong>sassociaram da<br />

42


antiga AMABAF e se associaram a AABF, que t<strong>em</strong> como presi<strong>de</strong>nte Maria e<br />

vice Josefina.<br />

Esta nova associação t<strong>em</strong> como presi<strong>de</strong>nte Maria que é esposa Carlos e<br />

cunhada <strong>de</strong> Zenilda. Assessorada pela CPT, a associação mais recente contratou<br />

uma advogada para intermediar as negociações. Este grupo passou, então, a ter<br />

mais força <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong>, tornando a presi<strong>de</strong>nte sua principal li<strong>de</strong>rança e<br />

referência nas negociações com a <strong>em</strong>presa. Os rumos das negociações<br />

modificaram-se a partir daí. Antes, com a primeira associação, as negociações<br />

com a <strong>em</strong>presa eram feitas <strong>de</strong> forma conjunta e pacífica com os funcionários da<br />

ALCAN, e a CPT foi retirada do processo <strong>de</strong> construção do plano <strong>de</strong> negociação,<br />

já que Zenilda seguiu as pressões da comunida<strong>de</strong>, principalmente <strong>dos</strong> homens,<br />

que queriam negociar o mais <strong>de</strong>pressa possível, pois se encontravam cheios <strong>de</strong><br />

dívidas e pensavam apenas <strong>em</strong> receber a in<strong>de</strong>nização. Como a CPT estava<br />

conduzindo o processo <strong>de</strong> forma diferente <strong>dos</strong> interesses da comunida<strong>de</strong>, a<br />

associação optou por tirá-la como assessora das negociações e esquecer o plano<br />

<strong>de</strong> negociação coletiva na forma <strong>de</strong> reassentamento. Com a AMABAF (antiga<br />

associação, que tinha Zenilda como principal referência) os atingi<strong>dos</strong> já haviam<br />

fechado as negociações e inclusive recebido o dinheiro das in<strong>de</strong>nizações. Mas<br />

uma das entrevistadas disse que não foi reconhecida como meeira porque foi<br />

acertado entre a ALCAN e AMABAF que os proprietários é qu<strong>em</strong> indicariam<br />

seus meeiros e o patrão <strong>de</strong>la excluiu seu nome e o da sua família:<br />

“Que falaro que os meeiro ia sê liberado, ganhá alguma coisa, então nós era<br />

meeiro <strong>de</strong> um fazen<strong>de</strong>iro aí que é o Renato e plantei com ele dois ano arroz,<br />

feijão e milho e alguns <strong>dos</strong> companheiro que plantô na época que nós plantô,<br />

eles agora reconheceu eles como meeiro e nós não, nós eles não reconheceu<br />

nós como meeiro não, foi só alguns e tudo plantô na época certa todas veiz que<br />

ele vai plantá capim assim chama nóis, nóis vai tudo, afora a menina que tá na<br />

escola que não vai mesmo, então vai o pai e eu e os dois rapazinho ia trabalhá<br />

pra ele, até na época foi uns homi lá fazê umas pesquisa pra nós lá no serviço<br />

na época que que eles tava andando, fazendo pesquisa pra nós, lá no serviço do<br />

fazen<strong>de</strong>iro. Então eles pergutô muita coisa lá e nós falô muitas coisa pra eles,<br />

perguntô se nós plantava com ele, eu falei “plant<strong>em</strong>o dois ano, arroz, feijão e<br />

milho”, mas <strong>de</strong>pois eles tomô, <strong>de</strong>pois que a terra já tava amansada, que a gente<br />

podia continuá o patrão tomô e plantô capim e não tava n<strong>em</strong> aí pra nós, on<strong>de</strong><br />

nós ir. Aí nós ficamo s<strong>em</strong> lugar <strong>de</strong> ir, fiqu<strong>em</strong>o aí, e este tal ano que ele tomô,<br />

nós não po<strong>de</strong> plantá roça mais não, nóis não plant<strong>em</strong>o roça essa época mais,<br />

nós fomo arrumá outro patrão, fiqu<strong>em</strong>o esse ano s<strong>em</strong> plantá porque na última<br />

hora que eles dispensô nóis e agora reconheceu alguns e nóis não (atingida do<br />

Macuco).”<br />

43


No dia 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001, a AABF junto com a CPT e o MAB<br />

reuniram-se com cerca <strong>de</strong> 250 atingi<strong>dos</strong> para ocupar<strong>em</strong> o canteiro <strong>de</strong> obras da<br />

UHE Fumaça. A ocupação do canteiro <strong>de</strong> obras da UHE Fumaça é um marco na<br />

luta <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong>, pois possibilitou uma participação qualitativamente melhor no<br />

processo <strong>de</strong> negociação. Essa participação mais efetiva e trouxe ganhos<br />

significativos para a luta. Os acor<strong>dos</strong> firma<strong>dos</strong> nas reuniões <strong>dos</strong> dias 1. o , 14 e 27<br />

<strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2001 mostram que as pessoas afetadas pela UHE Fumaça,<br />

organizadas no Movimento <strong>dos</strong> Atingi<strong>dos</strong> por Barragens, iam passando <strong>de</strong> objeto<br />

a sujeito do processo. As conseqüências <strong>de</strong>ste fato se reflet<strong>em</strong> no reconhecimento<br />

da <strong>em</strong>presa <strong>dos</strong> meeiros que haviam ficado <strong>de</strong> fora da primeira negociação, os<br />

diaristas, artesãos e garimpeiros que não foram consi<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong><br />

anteriormente. Por este novo plano <strong>de</strong> negociação foram reconheci<strong>dos</strong>,<br />

aproximadamente 41 (quarenta e um) artesãos, que tiram seu sustento da<br />

confecção <strong>de</strong> panelas <strong>de</strong> pedra sabão que ainda não receberam nenhuma<br />

in<strong>de</strong>nização, aproximadamente 21 (vinte e um) garimpeiros que estão “per<strong>de</strong>ndo<br />

seu meio <strong>de</strong> subsistência”, palavras <strong>dos</strong> representantes do movimento local <strong>de</strong><br />

atingi<strong>dos</strong>, <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 75 (setenta e cinco) meeiros que não foram in<strong>de</strong>niza<strong>dos</strong><br />

ou que não estão satisfeitos com a negociação passada, por volta <strong>de</strong> 48 (quarenta<br />

e oito) proprietários que não foram in<strong>de</strong>niza<strong>dos</strong> ou que não estavam satisfeitos<br />

com os valores recebi<strong>dos</strong> anteriormente. Sendo que estes atingi<strong>dos</strong> faz<strong>em</strong> parte<br />

<strong>de</strong> toda a região atingida pela obra, não apenas Miguel <strong>Rodrigues</strong> mas outras<br />

como Mainart, Macuco, Magalhães, Barro Branco e Emboque.<br />

Em 27 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2001 a ALCAN assume um acordo coletivo com<br />

os atingi<strong>dos</strong>, com o compromisso <strong>de</strong> reassentamento e reconhecimento da<br />

Comissão <strong>de</strong> Atingi<strong>dos</strong> UHE Fumaça formada no dia 1. o <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro por<br />

m<strong>em</strong>bros da AABF. Esta comissão foi criada para po<strong>de</strong>r intermediar as<br />

negociações entre <strong>em</strong>presa e atingi<strong>dos</strong>.<br />

44


O <strong>de</strong>do aponta para a localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>. A parte <strong>em</strong> azul escuro representa o rio,<br />

<strong>em</strong> azul claro a parte que será inundada e <strong>em</strong> amarelo e vermelho a faixa <strong>de</strong> 100 m obrigada a existir ao<br />

redor do lago, <strong>de</strong> acordo com as normas ambientais.<br />

Figura 9 - Mapa do lago.<br />

Como já foi dito, a população atingida <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> é formada<br />

<strong>em</strong> sua maioria por meeiros, ou seja, aquele trabalhador rural, que não tendo a<br />

terra, dá, como forma <strong>de</strong> pagamento pelo uso t<strong>em</strong>porário <strong>de</strong>ste meio <strong>de</strong> produção,<br />

parte da produção ao proprietário. Uma outra parte <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> é formada <strong>de</strong><br />

diaristas, que são os trabalhadores assalaria<strong>dos</strong>, contrata<strong>dos</strong> para trabalhar<strong>em</strong> por<br />

t<strong>em</strong>porada. E a menor parte é formada por pequenos proprietários.<br />

Para FCA-Botucatu, 1982, a parceria aparece como um processo <strong>de</strong><br />

produção baseado na mão-<strong>de</strong>-obra familiar, que compl<strong>em</strong>entado por LOUREIRO<br />

(1977), é uma relação econômica que ocorre na agricultura ou pecuária, na qual o<br />

proprietário da terra e o trabalhador divi<strong>de</strong>m a produção baseado <strong>em</strong> um contrato<br />

na qual a forma <strong>de</strong> pagamento po<strong>de</strong> ser a meia, a terça, ou a quarta parte da<br />

produção. Em Miguel <strong>Rodrigues</strong> os trabalhadores regi<strong>dos</strong> por esta relação são<br />

45


chama<strong>dos</strong> <strong>de</strong> meeiros não importando a quantida<strong>de</strong> da produção <strong>de</strong>stinada ao<br />

pagamento. Em um documento feito pelos atingi<strong>dos</strong> e encaminhado à <strong>em</strong>presa e<br />

à FEAM, eles <strong>de</strong>fin<strong>em</strong>: Meeiro é aquele que planta com outro e divi<strong>de</strong> sua<br />

produção, o filho que planta com o pai é consi<strong>de</strong>rado meeiro. O meeiro po<strong>de</strong> ter a<br />

sua terra, mas às vezes é pouca ou não é produtiva. Diarista trabalha para o outro<br />

como meio <strong>de</strong> sobrevivência já que não consegue tirar <strong>de</strong> sua terra tudo o que lhe<br />

é necessário, ele recebe <strong>em</strong> dinheiro ou <strong>em</strong> troca <strong>de</strong> serviço. Extrativistas são<br />

dividi<strong>dos</strong> <strong>em</strong> donos <strong>de</strong> pedreira ou paneleiros. Os donos <strong>de</strong> pedreira <strong>de</strong> pedra<br />

sabão são aqueles que exploram a pedreira ou arrendam para outro explorar,<br />

paneleiros faz<strong>em</strong> panelas <strong>de</strong> pedra sabão. Os garimpeiros, que retiram ouro,<br />

po<strong>de</strong>m ser donos do terreno on<strong>de</strong> se localiza o garimpo ou donos do garimpo<br />

tendo pessoas que trabalham para ele.<br />

Poucas famílias, cerca <strong>de</strong> cinco, terão que se mudar das casas on<strong>de</strong><br />

moram; o maior probl<strong>em</strong>a a ser enfrentado pelos atingi<strong>dos</strong> será a perda das terras<br />

on<strong>de</strong> plantam. Das entrevistadas, todas disseram que tiram seu sustento da terra,<br />

o pouco que compram para alimentação é aquilo que não plantam, mas que faz<br />

parte <strong>de</strong> seus hábitos alimentares como óleo <strong>de</strong> soja 12 e legumes e verduras que<br />

não se adaptam àquela terra como batata, ou quando a produção é “fraca”, ou<br />

seja, quando, por ex<strong>em</strong>plo, a chuva escassa ou a seca prolongada prejudicam o<br />

plantio. Mas todas disseram que não passam dificulda<strong>de</strong>s alimentares, que o que<br />

plantam sustenta toda a família:<br />

“Não tá comprando não, compra alguma coisa, né, mas coisa insignificante.<br />

Agora, a única coisa que a gente compra aí é uma batatinha, cebola não<br />

precisa <strong>de</strong> comprar, s<strong>em</strong>pre a gente planta aí e s<strong>em</strong>pre dá alguma. De hortaliça<br />

assim, a gente não compra nada não. T<strong>em</strong> época que as veiz não dá, t<strong>em</strong> a<br />

época <strong>de</strong> prantá, fazê as prantação <strong>de</strong> alface, repolho, né, t<strong>em</strong> a época, não é<br />

todo t<strong>em</strong>po, ela não dá no ano assim direto, não, então a gente precisa <strong>de</strong> veiz<br />

<strong>em</strong> quando a gente comprá, mas o resto, o resto é força no braço<br />

mesmo.”(Atingida <strong>de</strong> MR).<br />

“A gente planta feijão, planta milho, cana, verdura, café, tudo nós planta, tudo<br />

que dá a gente tá plantando. (...) T<strong>em</strong> porco, nós engorda, galinha, nós<br />

cria.”(Atingida <strong>de</strong> MR).<br />

12 A gordura <strong>de</strong> porco não é mais utilizada no preparo <strong>de</strong> alimentos como antigamente. Inclusive houve<br />

gran<strong>de</strong> diminuição na criação <strong>de</strong> porcos porque além <strong>de</strong> não estar<strong>em</strong> utilizando a gordura, estão<br />

comendo menos carne suína porque, diz<strong>em</strong> elas, “faz mal à saú<strong>de</strong>”.<br />

46


Outra questão colocada por elas <strong>em</strong> relação à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o<br />

local é o fato <strong>de</strong> não <strong>de</strong>sejar<strong>em</strong> ir para a cida<strong>de</strong>, pois além <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar<strong>em</strong> a<br />

cida<strong>de</strong> como um lugar violento, apontam também o fato <strong>de</strong> a oferta <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego<br />

ser bastante reduzida nos centros urbanos. O que se verifica na fala <strong>de</strong>stas<br />

atingidas:<br />

“Ah, aqui a gente tá livre, a cida<strong>de</strong> é muito perigoso. (...) Aqui a gente t<strong>em</strong> as<br />

coisas. (...) Se tivesse um bom <strong>em</strong>prego, né, ainda vai, mas com dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>em</strong>prego do jeito que tá, fica difícil. Minha mãe mesmo já t<strong>em</strong> mais <strong>de</strong> uns 15<br />

anos que ela trabalha nessa fazenda aqui <strong>em</strong> cima, já pensou per<strong>de</strong>r o<br />

<strong>em</strong>prego, né? 15 anos não é 15 dias não.”(Atingida <strong>de</strong> Bicas)<br />

“Na cida<strong>de</strong> a gente vê o sofrimento do pessoal que mora lá. Aqui a gente po<strong>de</strong><br />

entrá e saí que nada tá aborrecendo. A cida<strong>de</strong> fica é tudo é preso <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

casa, não t<strong>em</strong> liberda<strong>de</strong> nenhuma. A gente não compara cida<strong>de</strong> com roça não<br />

porque na cida<strong>de</strong> o bicho lá tá pegando. Por causa <strong>de</strong> uma coisinha à toa a<br />

casa tá limpa, é só virar as costa que a casa tá limpa, eles não t<strong>em</strong> consciência<br />

e rapa tudo que t<strong>em</strong> direito <strong>de</strong>ntro da casa.”(Atingida <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>)<br />

A ALCAN tentou incorporar outras ativida<strong>de</strong>s no cotidiano <strong>dos</strong><br />

atingi<strong>dos</strong>, para minimizar os impactos causa<strong>dos</strong> pela inundação <strong>de</strong> suas terras<br />

férteis e juntamente com a EMATER realizaram vários cursos, principalmente<br />

direciona<strong>dos</strong> às mulheres. Os cursos direciona<strong>dos</strong> para elas foram <strong>de</strong> confecção<br />

<strong>de</strong> bonecas <strong>de</strong> palha, corte e costura e feitura <strong>de</strong> tapetes, além <strong>de</strong> cursos<br />

direciona<strong>dos</strong> à toda comunida<strong>de</strong> como incentivo à plantação <strong>de</strong> cana, <strong>de</strong> uma<br />

horta comunitária e cursos <strong>de</strong> apicultura. Em trechos <strong>de</strong> cartas apresentadas pelos<br />

atingi<strong>dos</strong> para uma advogada contratada pela AABF para reivindicar<br />

judicialmente os direitos <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong>, verifica-se os resulta<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong> pela<br />

tentativa <strong>de</strong> impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong>stas ativida<strong>de</strong>s:<br />

“Maria da Silva mora <strong>em</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> e participou do curso <strong>de</strong><br />

artesanato. Apren<strong>de</strong>u fazer bonecas <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2000. A dificulda<strong>de</strong> é<br />

comercializar. No início ela ven<strong>de</strong>u algumas. „Depois fomos <strong>de</strong>sistindo‟, disse<br />

ela, „acho que é porque estava muito difícil, é uma coisa muito incerta, a gente<br />

não sabe o futuro‟”.<br />

Em relação ao curso <strong>de</strong> confecção <strong>de</strong> tapetes:<br />

“O pessoal pegou o diploma, mas só 4 apren<strong>de</strong>ram mesmo a fazer.”<br />

Em relação ao curso <strong>de</strong> corte e costura:<br />

“Em Magalhães, o pessoal falou que pegou o diploma, mas, costurar mesmo,<br />

ninguém apren<strong>de</strong>u. Muitos n<strong>em</strong> queriam pegar o diploma, mas qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>u o<br />

curso disse que não tinha probl<strong>em</strong>a.”<br />

47


Todas as tentativas da EMATER não <strong>de</strong>ram certo, porque, segundo<br />

Zenilda, “é muito difícil <strong>de</strong> mudar a cultura <strong>de</strong> um povo, para se mudar a cultura<br />

<strong>de</strong> um povo <strong>de</strong>mora muito t<strong>em</strong>po”. Mas a reclamação <strong>de</strong> uma das atingidas foi o<br />

fato <strong>de</strong> a EMATER ensinar uma técnica diferenciada das que eles estão<br />

acostuma<strong>dos</strong> a fazer e por isso ninguém gostou e n<strong>em</strong> se interessou, a EMATER,<br />

na verda<strong>de</strong>, tentou impl<strong>em</strong>entar uma técnica s<strong>em</strong> ter conhecimento da cultura<br />

local, não <strong>de</strong>spertando, <strong>de</strong>sta forma os interesses da comunida<strong>de</strong>. Este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

extensão rural aplicado pela EMATER v<strong>em</strong> <strong>de</strong>monstrar que é realizado com o<br />

intuito <strong>de</strong> manter as diferenças entre homens e mulheres, não v<strong>em</strong> trazer<br />

conhecimento para elas no sentido <strong>de</strong> ocupar<strong>em</strong> uma posição política no processo<br />

<strong>de</strong> negociação, prova disso está nos cursos que são ofereci<strong>dos</strong>, “próprios para<br />

elas, <strong>de</strong>stina<strong>dos</strong> a elas”. Mostrando, assim, a visão que a ALCAN t<strong>em</strong> do papel<br />

das mulheres no processo <strong>de</strong> construção da usina.<br />

48


3. TERRITÓRIO E LUGAR NO CONTEXTO DA<br />

CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS<br />

Com o intuito <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a forma diferenciada da participação das<br />

mulheres no Movimento <strong>dos</strong> Atingi<strong>dos</strong> por Barragens, optou-se pelo uso <strong>de</strong><br />

categorias analíticas que contribuíss<strong>em</strong> para a reflexão e a aproximação acerca do<br />

entendimento do cerne <strong>de</strong>sta diferença. Para se analisar a possível “re<strong>de</strong>finição<br />

<strong>dos</strong> papéis sociais” entre homens e mulheres <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, no que se<br />

refere às relações <strong>de</strong> gênero, já que elas participam ativamente do movimento <strong>de</strong><br />

atingi<strong>dos</strong> por barragens, ocupando um “lugar social” tradicionalmente <strong>de</strong>stinado<br />

aos homens. Serão <strong>de</strong>fini<strong>dos</strong> neste capítulo, conceitos como terra, território e<br />

lugar e as representações que as atingidas faz<strong>em</strong> <strong>de</strong>ssas categorias. Também a<br />

<strong>de</strong>finição que a palavra liberda<strong>de</strong> trás para estas mulheres diante da perda <strong>de</strong> seu<br />

território e lugar b<strong>em</strong> como das suas relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e parentesco. Como<br />

esta palavra representa este medo e reflete a representação que estas mulheres<br />

faz<strong>em</strong> <strong>de</strong> seu território e <strong>de</strong> seu lugar <strong>de</strong> vivência e <strong>de</strong> relações cotidianas.<br />

3.1. Terra e território como espaços <strong>de</strong> trabalho e socialização<br />

A idéia que a socieda<strong>de</strong> faz <strong>de</strong> si mesma através <strong>de</strong> sua representação<br />

<strong>de</strong>fine seus parâmetros <strong>de</strong> classificação, o que resulta entre outras coisas, numa<br />

49


noção <strong>de</strong> espaço, do ponto <strong>de</strong> vista social e geográfico. Territorialida<strong>de</strong> é a inter-<br />

relação entre espaço e socieda<strong>de</strong>. Assim a noção <strong>de</strong> território é <strong>de</strong>finida por<br />

MALDI (1997:187):<br />

“Na raiz da percepção do território está a percepção <strong>de</strong> nós, a construção<br />

básica da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> coletiva e, por extensão, a se<strong>de</strong> do estabelecimento da<br />

diferença, o limite para a construção da alterida<strong>de</strong> enquanto uma situação<br />

antagônica por <strong>de</strong>finição”.<br />

MARQUES (2000:29-30) enten<strong>de</strong> território:<br />

“Como o espaço <strong>de</strong> reprodução da existência <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> ou grupo<br />

social formado com base <strong>em</strong> um contrato social firmado entre seus m<strong>em</strong>bros e<br />

<strong>de</strong>fini<strong>dos</strong> a partir <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> apropriação e domínio. O contrato social<br />

correspon<strong>de</strong> a um conjunto <strong>de</strong> princípios, explícitos ou não, que reg<strong>em</strong> e<br />

orientam as relações sociais numa dada forma social, inclusive as relações que<br />

<strong>de</strong>fin<strong>em</strong> as formas <strong>de</strong> apropriação da terra e o regime <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>. Aqueles<br />

que compartilham um mesmo território <strong>de</strong>v<strong>em</strong> estar submeti<strong>dos</strong> a uma mesma<br />

lei”.<br />

O conceito <strong>de</strong> território é também trabalhado por SEEGER e CASTRO<br />

(1978:104) <strong>em</strong> análise sobre o papel que a terra <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha <strong>em</strong> algumas<br />

socieda<strong>de</strong>s indígenas, on<strong>de</strong>, nestas socieda<strong>de</strong>s, estes conceitos se aproximam.<br />

Diz<strong>em</strong> os autores:<br />

“Grupos indígenas mais se<strong>de</strong>ntários <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, na construção <strong>de</strong> sua<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> tribal distintiva, <strong>de</strong> uma relação mitológica com um território, sítio<br />

da criação do mundo, m<strong>em</strong>ória tribal, mapa do cosmos, um enraizamento<br />

simbólico com seu território <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação a uma<br />

geografia <strong>de</strong>terminada. Ressaltando que a apropriação <strong>dos</strong> recursos naturais<br />

por uma socieda<strong>de</strong> não se esgota na obtenção da subsistência física <strong>dos</strong><br />

indivíduos, mas uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> matérias-primas é utilizada como funções<br />

simbólicas fundamentais: por ex<strong>em</strong>plo, os caramujos com que os grupos do alto<br />

Xingu faz<strong>em</strong> colares usa<strong>dos</strong> como meio <strong>de</strong> pagamento cerimonial e que hoje<br />

são difíceis <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> colhi<strong>dos</strong> nas terras do Parque Nacional do Xingu..”<br />

Para as populações atingidas, verifica-se, através <strong>dos</strong> relatos das<br />

mulheres entrevistadas e também <strong>em</strong> audiências públicas, algumas <strong>de</strong>ssas<br />

dimensões percebidas pelos autores <strong>em</strong> relação às populações indígenas. Quando<br />

questionadas <strong>em</strong> relação às perdas que sofreriam com a construção da barrag<strong>em</strong>,<br />

uma das principais colocações feitas pelas mulheres atingidas é o fato da perda<br />

das relações <strong>de</strong> vizinhança e <strong>de</strong> parentesco que po<strong>de</strong> ocorrer <strong>de</strong>vido à saída <strong>de</strong><br />

pessoas da comunida<strong>de</strong>, preocupação com a educação <strong>dos</strong> filhos, a perda da<br />

liberda<strong>de</strong> com a vinda <strong>de</strong> pessoas estranhas para a comunida<strong>de</strong> para trabalhar<strong>em</strong><br />

na construção da usina. Conforme po<strong>de</strong> ser percebido nos <strong>de</strong>poimentos a seguir:<br />

50


“Aqui só t<strong>em</strong> cinco casa. A gente não sabe pra on<strong>de</strong> vão, lá <strong>em</strong> cima também<br />

não sei pra on<strong>de</strong> vão. Qualquer coisa nós vamo separar, cada um vai pra um<br />

lugar longe. Aí vai ser muito difícil pra nós, porque nós já acostumamos.”<br />

“Até que eu ponho algum trabalhador pra ajudar v<strong>em</strong> aqui também troca dia<br />

com os outro ela ajuda os outro e os outro ajuda ela.”<br />

“Minha mãe é que fez os casamento, os irmão <strong>de</strong>la ajudô, os parente, todo<br />

mundo casô graças a Deus.”<br />

“[Pesquisadora] Todo mundo aqui é Freitas, né?<br />

É parentesco, todo mundo aqui é parente.”<br />

Todas estas perdas explicitadas são consequências geradas à partir da<br />

perda das terras <strong>de</strong>stas populações para futura impl<strong>em</strong>entação do projeto da<br />

barrag<strong>em</strong>. Nesse sentido, a terra não é só um fator <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> bens para<br />

garantir a sobrevivência, mas é também o local <strong>de</strong> manifestações e relações<br />

culturais diversas. Ao assimilar outras dimensões, a terra passa a adquirir um<br />

sentido <strong>de</strong> lugar para estas populações.<br />

MARTINS (1986), <strong>em</strong> análise sobre camponeses indígenas, também<br />

chama atenção para o significado que a terra <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha neste contexto.<br />

Esse mesmo autor <strong>de</strong>fine a terra não apenas como um meio <strong>de</strong> produção<br />

para as populações indígenas, já que este autor <strong>de</strong>fine meio <strong>de</strong> produção a partir<br />

da análise <strong>de</strong> Marx, ou seja, como um meio para produzir e reproduzir o capital.<br />

Para os indígenas, a terra não é um simples instrumento econômico, ela aparece<br />

<strong>em</strong> primeiro lugar como meio <strong>de</strong> condição <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> reprodução social. O<br />

mesmo ocorre na realida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens, on<strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os bens<br />

materiais e simbólicos que os trabalhadores rurais <strong>de</strong>ssas localida<strong>de</strong>s possu<strong>em</strong><br />

não têm sua orig<strong>em</strong> no mercado e n<strong>em</strong> se <strong>de</strong>stina a ele, mas é o meio para sua<br />

reprodução e sobrevivência.<br />

Este conflito po<strong>de</strong> ser percebido na fala <strong>de</strong> uma atingida pela UHE<br />

Fumaça, on<strong>de</strong> ela coloca que não enten<strong>de</strong>u como que a licença prévia (a primeira<br />

licença a ser concedida) foi liberada mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>, na Audiência Pública,<br />

eles ter<strong>em</strong> mostrado tudo o que tiravam das terras que iam ser inundadas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

arroz, feijão, milho, batata, amendoim, verduras, frutas, até mel e doces, que<br />

eram importantes para a sobrevivência da comunida<strong>de</strong>. Coloca que estes<br />

“estranhos” chegam à comunida<strong>de</strong> e pensam <strong>em</strong> ter benefícios econômicos,<br />

51


esquecendo-se <strong>dos</strong> laços e das relações criadas pela comunida<strong>de</strong> naquelas terras<br />

on<strong>de</strong> sobreviv<strong>em</strong> e on<strong>de</strong> passam várias gerações <strong>de</strong> suas famílias. Esta presença<br />

<strong>de</strong> “estranhos” é percebida nas falas <strong>de</strong> uma das entrevistadas:<br />

“E aqui, também, né, à partir do momento que eles fizer as barrag<strong>em</strong>, a<br />

construção e até <strong>de</strong>pois que fizer, vai acabar um pouquinho a liberda<strong>de</strong> do<br />

povo, eu sinto isso, né. Porque t<strong>em</strong> muita gente estranha, a gente não vai po<strong>de</strong>r<br />

andar sozinho mais igual a gente t<strong>em</strong> costume, né. Vai tê muitas pessoa<br />

estranha, sei lá, a gente não vai podê ficá sozinho <strong>em</strong> casa. Muitas pessoa<br />

comenta isso, sobre a liberda<strong>de</strong> que vai perdê.”<br />

MARTINS (1993:13) <strong>de</strong>fine este “estranho”, <strong>em</strong> análise feita à<br />

populações indígenas e camponesas diante da construção <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s projetos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento econômico, se referindo tanto às <strong>em</strong>presas, no caso <strong>de</strong> projetos<br />

priva<strong>dos</strong>, ao governo, quanto a to<strong>dos</strong> os envolvi<strong>dos</strong>, interessa<strong>dos</strong> na construção<br />

<strong>de</strong>sses projetos:<br />

“O estanho não é, entre nós, apenas o agente imediato do capital, como o<br />

<strong>em</strong>presário, o gerente e o capataz, mas é também o jagunço, o policial, o<br />

militar. E ainda, o funcionário governamental, o agrônomo, o missionário, o<br />

cientista social. Embora cada um trabalhe para um projeto distinto, raros são<br />

os que trabalham pelas vítimas do processo <strong>de</strong> que são agentes. São, portanto,<br />

protagonistas da tragédia que aniquila os frágeis e que, por isso, nos fragiliza a<br />

to<strong>dos</strong>, nos <strong>em</strong>pobrece e nos mutila, porque preenche com a figura da vítima o<br />

lugar do cidadão. E nos priva, sobretudo, das possibilida<strong>de</strong>s históricas <strong>de</strong><br />

renovação e transformação da vida, criadas justamente pela exclusão e pelos<br />

pa<strong>de</strong>cimentos <strong>de</strong>snecessários da imensa maioria.”<br />

Esta representação que os atingi<strong>dos</strong>(as) faz<strong>em</strong> <strong>de</strong> suas terras e <strong>de</strong> seu<br />

território e o conflito gerado com a visão das <strong>em</strong>presas, <strong>de</strong>sses “estranhos” é um<br />

fator que po<strong>de</strong> ter contribuído para que as mulheres <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> se<br />

organizass<strong>em</strong> para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seu lugar e sua terras, on<strong>de</strong> criam seus filhos,<br />

constró<strong>em</strong> suas relações <strong>de</strong> parentesco e amiza<strong>de</strong>, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> tiram sua<br />

sobrevivência e <strong>de</strong> sua família.<br />

52


Figura 10 - Local on<strong>de</strong> ficam aloja<strong>dos</strong> os trabalhadores da usina que vêm <strong>de</strong> outra<br />

localida<strong>de</strong>.<br />

3.2. Lugar como categoria <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação<br />

Outras categorias que parec<strong>em</strong> úteis na compreensão das formas<br />

diferenciadas da participação das mulheres no Movimento <strong>dos</strong> Atingi<strong>dos</strong>, são<br />

referentes a espaço e lugar trabalhadas por vários autores, e sua relação <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> com espaço e lugar.<br />

Para AUGÉ (1994:45):<br />

“(...) o dispositivo espacial é, ao mesmo t<strong>em</strong>po, o que exprime a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do<br />

grupo (as origens do grupo são, muitas vezes, diversas, mas é a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do<br />

lugar que o funda, congrega e une) e que o grupo <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r contra as<br />

ameaças externas e internas para que a linguag<strong>em</strong> da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> conserve um<br />

sentido”.<br />

Este mesmo autor coloca que o lugar possui um conteúdo ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po espacial e social. O lugar do nascimento, <strong>de</strong>fine ele, é o lugar a ser<br />

<strong>de</strong>signado residência, on<strong>de</strong> é constituído <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> individual. Lugar é a<br />

53


porção do espaço apropriável para a vida, que é vivida e reconhecida, que cria<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, é a base da reprodução da vida.<br />

COSTA (2000) analisa, <strong>em</strong> seu estudo, as relações <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong><br />

produzidas pelos m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> uma Associação <strong>de</strong> Moradores, <strong>de</strong>nominada<br />

Uni<strong>dos</strong> na Luta, localizada <strong>em</strong> um bairro na periferia <strong>de</strong> Belém, Estado do Pará,<br />

<strong>em</strong> uma realida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> os moradores faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong> regiões <strong>de</strong> ocupação<br />

habitacional (moradores s<strong>em</strong> título <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>). O local ocupa<strong>dos</strong> por esta<br />

população foi <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> Bosquinho. Este autor, na mesma perspectiva que<br />

Marc Augé, <strong>de</strong>fine lugar como espaço da afetivida<strong>de</strong> e sociabilida<strong>de</strong>, da<br />

pessoabilida<strong>de</strong>. Neste sentido, o espaço <strong>de</strong> atuação da Uni<strong>dos</strong> na Luta é um lugar:<br />

“(...) composto <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sociais pautadas num mo<strong>de</strong>lo<br />

específico como i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> religiosa, proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> residências,<br />

pertencimento a <strong>de</strong>terminadas organizações, intermediações <strong>de</strong> pessoas<br />

conhecidas, grupos etários, co-participação <strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer” (COSTA,<br />

2000.31).<br />

Ele compl<strong>em</strong>enta:<br />

“A área <strong>de</strong> ação da Associação não é somente objeto <strong>de</strong> ação material, mas<br />

também meio <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e reconhecimento social. Espaço imaginário<br />

soldado por imagens culturais” (COSTA, 2000:31).<br />

Outro autor, Featherstone, também analisa esta questão do lugar. Para<br />

ele, os espaços seriam próprios das socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas, com predominância da<br />

i<strong>de</strong>ntificação ampliada e anônima. Os lugares, ao contrário, resguardam as<br />

experiências comuns, o conhecimento e o reconhecimento, o sentimento <strong>de</strong><br />

pertencimento, e on<strong>de</strong> as pessoas sent<strong>em</strong>-se valorizadas e respeitadas. No lugar<br />

ocorr<strong>em</strong> as relações cotidianas, tendo o indivíduo maior domínio sobre os<br />

acontecimentos e as experiências (FEATHERSTONE, 1997:149). Segundo este<br />

autor,<br />

“I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma pessoa e as <strong>de</strong> outras pessoas significativas estão<br />

ancoradas <strong>em</strong> um local específico, um espaço físico que passa a ser<br />

<strong>em</strong>ocionalmente investido e sedimentado com associações simbólicas, <strong>de</strong> tal<br />

forma a tornar-se um lugar”.<br />

A partir <strong>dos</strong> mapas, construí<strong>dos</strong> durante a aplicação das técnicas<br />

participativas, pô<strong>de</strong>-se analisar as relações que reg<strong>em</strong> a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Miguel<br />

<strong>Rodrigues</strong> e suas modificações com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção da hidrelétrica<br />

54


e o medo das mulheres das perdas <strong>de</strong>stas relações. Desta forma, os mapas feitos<br />

pelas atingidas, <strong>de</strong> forma coletiva, mostraram como as relações <strong>de</strong> parentesco e<br />

vizinhança foram alteradas com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção da usina.<br />

As atingidas contaram que a comunida<strong>de</strong> foi mais unida na época que foi<br />

caracterizada como “antigamente”, e com a barrag<strong>em</strong> e as novas relações que ela<br />

gerou, muita coisa mudou, algumas relações ficaram extr<strong>em</strong>amente abaladas,<br />

parte da comunida<strong>de</strong> se dividiu entre as duas principais li<strong>de</strong>ranças, “houve<br />

divisão na comunida<strong>de</strong>, houve divisão na Igreja”. Para uma <strong>de</strong>las se a<br />

comunida<strong>de</strong> estivesse realmente unida eles tinham conseguido barrar o processo<br />

<strong>de</strong> construção da barrag<strong>em</strong>.<br />

A partir da interpretação do <strong>de</strong>senho <strong>de</strong>las e <strong>de</strong> algumas falas percebe-se<br />

que ainda exist<strong>em</strong> relações fortes <strong>de</strong> parentesco e vizinhança quando elas diz<strong>em</strong><br />

que vizinho é aquele que na verda<strong>de</strong> é parente porque na hora que precisam <strong>de</strong><br />

alguma coisa o parente mais próximo é o vizinho, é com ele que po<strong>de</strong>m contar.<br />

Os “montinhos” colori<strong>dos</strong> representam as plantações <strong>de</strong> feijão, milho e arroz.<br />

Figura 11 - Mapa <strong>de</strong> “antigamente”.<br />

55


Disseram durante a realização do <strong>de</strong>senho do mapa <strong>de</strong> “antigamente” que<br />

plantavam arroz, feijão, milho, mandioca, batata, banana e que tinham muito café<br />

ao redor do terreiro, e que as plantações eram feitas nas várzeas do rio, e que<br />

s<strong>em</strong>pre plantaram a meia, <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> as terras não ser<strong>em</strong> suficientes para<br />

produção. Disseram também que havia muita mata. Atualmente “só t<strong>em</strong> mato<br />

miúdo, grandão não t<strong>em</strong> mais, a mata diminuiu bastante”. Os homens saíam para<br />

trabalhar nas cida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>ixavam as mulheres com os filhos <strong>em</strong> casa. Elas<br />

disseram que naquela época plantava-se pouco porque as mulheres tinham que<br />

dar conta sozinhas da roça e “não tinha adubo”.<br />

Antes, os filhos não saíam para trabalhar “fora”. Esse fato se <strong>de</strong>ve às<br />

mudanças nas relações econômicas, on<strong>de</strong> anteriormente não havia necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

se ter dinheiro, que é o principal motivo da saída <strong>dos</strong> jovens hoje da comunida<strong>de</strong>.<br />

A busca pela melhora do padrão <strong>de</strong> vida e pela busca do conforto e lazer que a<br />

vida na cida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> proporcionar. Mas com o aumento do <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego no país os<br />

jovens estão encontrando dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se manter<strong>em</strong> ou <strong>de</strong> entrar<strong>em</strong> no mercado<br />

<strong>de</strong> trabalho e muitos estão voltando para suas casas. Assim que completam<br />

<strong>de</strong>zoito anos estão saindo <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego, os homens geralmente na<br />

construção civil e as mulheres como <strong>em</strong>pregadas domésticas.<br />

As falas sobre os dias <strong>de</strong> hoje s<strong>em</strong>pre foram relacionadas com a<br />

ALCAN. Não se planta mais nas várzeas porque “varg<strong>em</strong> é toda da firma”. As<br />

relações sociais, as questões culturais e econômicas foram relacionadas com a<br />

presença da <strong>em</strong>presa na comunida<strong>de</strong>. A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação entre<br />

atingi<strong>dos</strong> e <strong>em</strong>presa foi colocado por elas, “o que a <strong>em</strong>presa fala é muito difícil”.<br />

Um <strong>dos</strong> poucos pontos positivos aponta<strong>dos</strong> por elas com a vinda da “firma” para<br />

a comunida<strong>de</strong> foi a possível geração <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregos, mas na prática constatou-se<br />

que a maioria <strong>dos</strong> <strong>em</strong>prega<strong>dos</strong> para construír<strong>em</strong> a barrag<strong>em</strong> foram trazi<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

fora. Segundo informações da nova associação, não t<strong>em</strong> 5% <strong>dos</strong> trabalhadores da<br />

região na obra.<br />

56


As áreas riscadas representam as áreas já adquiridas pela <strong>em</strong>presa. Os círculos representam as<br />

casas, que aumentaram muito principalmente na localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Macuco.<br />

Figura 12 - Mapa atual.<br />

Houve dificulda<strong>de</strong> na construção do mapa atual, divergências entre os<br />

pontos <strong>de</strong> vista, pois o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> hoje para elas é marcado por vários conflitos,<br />

pela divisão na comunida<strong>de</strong> e no enfrentamento diário com a <strong>em</strong>presa.<br />

R<strong>em</strong>etendo também a i<strong>de</strong>alização <strong>de</strong> um passado <strong>de</strong> harmonia na comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

estreitamento das relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e parentesco e principalmente a ausência<br />

da <strong>em</strong>presa na vida da população local.<br />

As entrevistas também mostram a i<strong>de</strong>alização <strong>de</strong>ste passado:<br />

“Se a gente for mudar é pra lá. Então, eu tenho sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lá, às vezes t<strong>em</strong> dia<br />

que eu vô lá, eu não tenho a chave pra abri a casa lá, meu irmão que t<strong>em</strong>, então<br />

dia que eu dô na idéia eu vô lá, vô lá e fico olhando ela assim, <strong>de</strong> fora, ô<br />

sauda<strong>de</strong>...”<br />

“Lá on<strong>de</strong> meu pai morava lá, eu sinto sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lá. Quando eu vô lá, eu fico<br />

oiando tudo com sauda<strong>de</strong>, eu sinto sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lá. Lá eu fui nascida e criada<br />

tudo lá, crisci um bocado <strong>de</strong> filho lá, né. A gente t<strong>em</strong> sauda<strong>de</strong> do lugar da<br />

gente. Uma, igual eu falei, a casa fica mais é fechada, um casaréu, menina,<br />

uma casa gran<strong>de</strong> mesmo, e fechada, né. Aí se <strong>de</strong>xá ela cai, né, não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>xá<br />

ela caí não que é casa boa.”<br />

57


O fato <strong>de</strong> o espaço da mulher, nestas comunida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> prevalece a<br />

agricultura familiar, ser <strong>de</strong>finido geralmente pelo círculo doméstico, as faz<br />

vivenciar o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> barragens <strong>de</strong> forma diferenciada da <strong>dos</strong><br />

homens levando a uma atitu<strong>de</strong> também diferenciada frente à perda da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

social e cultural. As mulheres estando constant<strong>em</strong>ente ligadas e<br />

responsabilizadas pelo cuidado com os filhos e com a casa, seu lugar socialmente<br />

<strong>de</strong>finido, imprim<strong>em</strong> uma noção que levará consigo para outras instâncias e<br />

espaços sociais.<br />

Os indivíduos têm diferentes representações sobre o espaço e o lugar<br />

on<strong>de</strong> se inser<strong>em</strong>. Para as mulheres, as representações do espaço social po<strong>de</strong>m<br />

estar mais próximas à sua inserção vinculada à casa e seu entorno, cabendo<br />

então, para uma melhor conceituação, a categoria <strong>de</strong> lugar, pois é aí que têm<br />

maior domínio sobre suas ações.<br />

O medo da perda do lugar po<strong>de</strong> fazer com que as mulheres mobiliz<strong>em</strong>-<br />

se, provocando uma alteração da sua organização social, fazendo com que<br />

realiz<strong>em</strong> ações contra a construção <strong>de</strong> barragens, participando do movimento <strong>de</strong><br />

atingi<strong>dos</strong>, audiências, caminhadas, reuniões, com o intuito <strong>de</strong> preservar seus<br />

valores como a casa/família. Que, <strong>em</strong> análise, é um fator que contribui para que<br />

as mulheres <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> particip<strong>em</strong> do movimento.<br />

Este fato é analisado por FEATHERSTONE (1997:153) on<strong>de</strong> ele coloca<br />

que as lutas pela disputa do lugar geram:<br />

“(...) modificações na consciência das pessoas <strong>de</strong> uma localida<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação à<br />

fronteira simbólica que existe entre elas e os outros, ajudada pela mobilização<br />

e reconstituição <strong>de</strong> repertório simbólicos com os quais a comunida<strong>de</strong> po<strong>de</strong><br />

pensar, e que formulam uma imag<strong>em</strong> unificada <strong>de</strong> sua diferença <strong>em</strong> relação ao<br />

grupo oposto. É a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modificar o quadro e <strong>de</strong> movimentar-se entre<br />

um dimensão variável <strong>de</strong> enfoques, b<strong>em</strong> como a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidar com uma<br />

gama <strong>de</strong> materiais simbólicos, a partir <strong>dos</strong> quais se po<strong>de</strong>m formar e reformar<br />

as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> diferentes situações (...).”<br />

Para este autor, o sentimento <strong>de</strong> perda do lugar ou a luta <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>ste<br />

po<strong>de</strong> causar mudanças nas pessoas <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> para manter<strong>em</strong> sua<br />

fronteira e seu território. Este fato po<strong>de</strong> ter levado estas mulheres a se engajar<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong> tal forma a se tornar<strong>em</strong> li<strong>de</strong>ranças no movimento local <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por<br />

barragens.<br />

58


A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perda das terras e, conseqüent<strong>em</strong>ente, do lugar on<strong>de</strong><br />

as mulheres exerc<strong>em</strong> suas relações cotidianas, permeadas por um sentimento <strong>de</strong><br />

pertencimento, gerou um medo constante presente nas falas das atingidas<br />

caracterizado como medo da perda da liberda<strong>de</strong>. Analisando os possíveis<br />

significa<strong>dos</strong> <strong>de</strong>ste termo <strong>de</strong>ntro da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção da UHE Fumaça e<br />

conseqüente expropriação das terras das populações locais, uma análise feita por<br />

Velho <strong>em</strong> “Besta-fera: recriação do mundo”, po<strong>de</strong> auxiliar a interpretação.<br />

Para este autor, a expressão Besta-fera relaciona-se com a classe<br />

dominante, bancos, economia mercantil, dinheiro ou estrangeiros. Ele analisa o<br />

significado <strong>de</strong>ste termo para pequenos agricultores <strong>de</strong> várias realida<strong>de</strong>s.<br />

Juntamente com esta análise, ele percebe a aparição <strong>de</strong> outro termo, cativeiro,<br />

sendo este <strong>de</strong> maior interesse para este estudo. Este termo é relacionado, entre<br />

outros fatores, com expropriação (da terra sobretudo) e proletarização. E que<br />

estas expressões, tanto Besta-fera como cativeiro relacionam-se com símbolos do<br />

mal, mal este que v<strong>em</strong> <strong>de</strong> fora. A representação <strong>de</strong> cativeiro v<strong>em</strong> <strong>de</strong> encontro à<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, acentuando algo que cerceia a ação, sobretudo o controle da vida,<br />

do trabalho e do t<strong>em</strong>po. Está relacionado a cativeiro qualquer relação com a<br />

perda da autonomia, ou da reprodução da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do pequeno trabalhador<br />

rural.<br />

A forma como as entrevistadas r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> à idéia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> se liga à<br />

Teologia da Libertação, no sentido <strong>de</strong>sta apresentar um conteúdo simbólico <strong>de</strong><br />

uma mensag<strong>em</strong> <strong>de</strong> libertação, que seria o oposto <strong>de</strong> cativeiro. Em itens<br />

posteriores será <strong>de</strong>talhada a importância da Teologia da Libertação para os<br />

movimentos sociais e qual a sua relação com o movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> pela<br />

UHE Fumaça e a participação f<strong>em</strong>inina.<br />

Depois das análises feitas por Velho, o que se po<strong>de</strong> relacionar com a<br />

realida<strong>de</strong> das mulheres <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> é justamente o fato da liberda<strong>de</strong> ter<br />

para elas o significado <strong>de</strong> autonomia. A perda <strong>de</strong>la caracterizaria a perda da sua<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que está colada ao conceito <strong>de</strong> lugar. A construção da barrag<strong>em</strong> gera<br />

estes sentimentos já que estas mulheres possu<strong>em</strong> uma relação <strong>de</strong> pertencimento e<br />

59


i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> junto ao lugar on<strong>de</strong> nasceram, cresceram e tiveram seus filhos.<br />

Seguindo a analogia <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> feita por Velho.<br />

A construção da usina e a possível expropriação das terras <strong>de</strong>ssas<br />

mulheres e <strong>de</strong> seus amigos e vizinhos, a inundação das terras férteis acarretando<br />

na diminuição da produção, levam estas famílias a procurar<strong>em</strong> alternativas para<br />

garantir<strong>em</strong> sua sobrevivência e <strong>de</strong> seus m<strong>em</strong>bros, traz<strong>em</strong> um significado <strong>de</strong><br />

rompimento ou modificação das relações sociais construídas na comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Miguel <strong>Rodrigues</strong>. São observadas nas falas <strong>de</strong>stas atingidas:<br />

“Porque a gente tá acostumado a viver aqui, tranqüilo. Eu acho que a gente<br />

não vai ter a tranqüilida<strong>de</strong> que a gente t<strong>em</strong> hoje” (Atingida <strong>de</strong> Miguel<br />

<strong>Rodrigues</strong>).<br />

“Quando for construída a barrag<strong>em</strong>, não vai ser como é agora, a liberda<strong>de</strong> vai<br />

ser b<strong>em</strong> menos, né? Muitos amigos a gente vai per<strong>de</strong>r, prejudicar...” (Atingida<br />

<strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>).<br />

3.3. A organização do espaço social das mulheres na associação<br />

Neste it<strong>em</strong> apresenta-se a análise <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong> através da aplicação<br />

da técnica <strong>de</strong> Diagrama <strong>de</strong> Venn <strong>de</strong>senhado pelas atingidas e a partir daí suscitar<br />

uma discussão sobre o que a Associação representa para as mulheres <strong>de</strong> Miguel<br />

<strong>Rodrigues</strong>.<br />

O maior círculo foi o que representa a Igreja, englobando quase tudo e<br />

foi a primeira instituição a ser <strong>de</strong>senhada. Uma discussão bastante polêmica se<br />

<strong>de</strong>u no momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar a escola, o tamanho do círculo <strong>em</strong> relação ao da<br />

comunida<strong>de</strong>. Acabaram ficando mais ou menos do mesmo tamanho, apontando<br />

para o fato <strong>de</strong> que as mulheres consi<strong>de</strong>ram a educação fator fundamental para a<br />

vida <strong>de</strong> seus filhos. Mostraram também a preocupação com o futuro, fato que, as<br />

diferenciam <strong>dos</strong> homens que “pensam mais no agora”, são mais imediatistas.<br />

60


Figura 13 - Diagrama <strong>de</strong> Venn.<br />

As prefeituras têm sua importância, observando que além da prefeitura<br />

<strong>de</strong> Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, a prefeitura <strong>de</strong> <strong>Mariana</strong> exerce forte influência na<br />

comunida<strong>de</strong> principalmente pelo acesso ser mais facilitado, já que o transporte<br />

para Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos só é possível por meio <strong>de</strong> carros particulares. Mas as<br />

mulheres questionaram o papel das prefeituras, já que as duas posicionaram-se a<br />

favor da barrag<strong>em</strong>.<br />

A FEAM representa para elas o po<strong>de</strong>r governamental que teve uma<br />

importância consi<strong>de</strong>rável, mas que não tinha muita inserção na comunida<strong>de</strong>. Elas<br />

enten<strong>de</strong>m a importância <strong>de</strong>ste órgão mas acham que eles beneficiam mais a<br />

<strong>em</strong>presa porque senão “não tinha liberado a Licença (Licença Prévia)”.<br />

Para SADER (1988), o povo quando se articula <strong>em</strong> uma Associação ou<br />

sindicato, enfim <strong>em</strong> algum tipo <strong>de</strong> organização está tomando consciência <strong>dos</strong><br />

probl<strong>em</strong>as que enfrenta e a partir daí se mobiliza visando modificar a situação <strong>em</strong><br />

que se encontra.<br />

61


Um espaço on<strong>de</strong> as mulheres <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> conseguiram exercer<br />

sua influência e li<strong>de</strong>rança política, além <strong>dos</strong> já conquista<strong>dos</strong> por elas, os<br />

referentes aos trabalhos da Igreja Católica, foi a Associação <strong>de</strong> Atingi<strong>dos</strong> por<br />

Barragens.<br />

No Diagrama <strong>de</strong> Venn, <strong>de</strong>senhado pelas atingidas, elas mostraram a<br />

importância que a Associação t<strong>em</strong> na vida <strong>de</strong>las. Seu tamanho foi um pouco<br />

menor do que o da comunida<strong>de</strong> e o da escola. Perceberam também a atuação<br />

importante que ela <strong>de</strong>ve ter externamente a comunida<strong>de</strong>, ela <strong>de</strong>ve ultrapassar os<br />

limites da comunida<strong>de</strong> para trocar experiências e trazer informações e<br />

aprendiza<strong>dos</strong> <strong>de</strong> outros lugares, seja <strong>em</strong> outra comunida<strong>de</strong> atingida, seja <strong>em</strong><br />

algum evento realizado pelo movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> regional ou nacional.<br />

Verificou-se também que a Associação é, para elas, um espaço <strong>de</strong> aprendizado.<br />

Quando questionadas sobre o motivo que as levaram a participar das reuniões,<br />

disseram que estavam ali para apren<strong>de</strong>r<strong>em</strong> e obter<strong>em</strong> informações. O Movimento<br />

<strong>de</strong> Atingi<strong>dos</strong> por Barragens nacional (MAB) teve um tamanho relativamente<br />

pequeno <strong>em</strong> comparação com o da comunida<strong>de</strong>, elas perceb<strong>em</strong> a sua existência e<br />

importância. Mas está mais fora da comunida<strong>de</strong>, daí po<strong>de</strong>-se analisar que o<br />

movimento local não foi gerado à partir <strong>de</strong> um incentivo do movimento nacional,<br />

mas da Igreja e da CPT (Comissão Pastoral da Terra). A CPT não foi citada<br />

separadamente porque foi consi<strong>de</strong>rada parte da Igreja.<br />

Quando foram <strong>de</strong>senhar a ALCAN houve um <strong>de</strong>bate. Primeiramente,<br />

elas não queriam <strong>de</strong>senhar nada porque, disseram, que a <strong>em</strong>presa não tinha<br />

importância alguma na comunida<strong>de</strong>. Depois, durante o <strong>de</strong>bate, perceberam que<br />

não podiam ignorar a presença <strong>de</strong>la na comunida<strong>de</strong> e passaram a representá-la<br />

por apenas um ponto. As discussões foram se <strong>de</strong>senvolvendo e elas analisaram<br />

que a <strong>em</strong>presa po<strong>de</strong>ria ter um tamanho maior do que um simples ponto porque,<br />

“ela trouxe muita coisa ruim, mas o que ela trouxe <strong>de</strong> bom foi que fez o povo se<br />

organizar”, fala <strong>de</strong> Zenilda que disse que a população apren<strong>de</strong>u muito com a<br />

vinda da ALCAN para comunida<strong>de</strong>, apren<strong>de</strong>u a se organizar e lutar pelos seus<br />

direitos.<br />

62


As mulheres, então, perceb<strong>em</strong> a associação como um espaço <strong>de</strong> inserção<br />

e como um meio <strong>de</strong> garantir seus direitos no processo <strong>de</strong> construção da<br />

barrag<strong>em</strong>. Perceb<strong>em</strong> a importância <strong>de</strong> estar<strong>em</strong> se organizando e <strong>de</strong> estar<strong>em</strong><br />

unidas para o enfrentamento com a <strong>em</strong>presa. Uma colocação importante que elas<br />

fizeram, não só durante a construção do Diagrama, mas também <strong>em</strong> uma das<br />

entrevistas foi que elas gostariam que os homens as acompanhass<strong>em</strong>, que<br />

participass<strong>em</strong> mais porque a presença <strong>de</strong>les é muito importante. Disse Zenilda:<br />

“nós, mulheres gostaríamos que nossos mari<strong>dos</strong> nos acompanhass<strong>em</strong> nessa<br />

caminhada”. Os homens participaram mais do processo quando as discussões<br />

com a <strong>em</strong>presa giravam <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> quanto seria a in<strong>de</strong>nização e quando ela iria<br />

ocorrer, queriam receber o dinheiro o mais rápido possível. Já as mulheres, por se<br />

preocupar<strong>em</strong> mais com o futuro da família e da comunida<strong>de</strong> participavam das<br />

reuniões <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início quando as reuniões da Associação começaram, ao ser<strong>em</strong><br />

questionadas por que participavam das reuniões elas disseram que iam para<br />

apren<strong>de</strong>r, para conhecer mais. Disse uma <strong>de</strong>las: “a gente precisa olhar primeiro,<br />

apren<strong>de</strong>r para saber <strong>de</strong>pois como agir”.<br />

63


4. MULHERES, IGREJA E MOVIMENTOS SOCIAIS<br />

Neste capítulo faz-se uma caracterização do contexto no qual as<br />

mulheres estão inseridas, o da agricultura familiar e as relações nela envolvidas.<br />

Depois é <strong>de</strong>finido o papel <strong>de</strong> homens e mulheres <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong>.<br />

Uma análise da participação f<strong>em</strong>inina nos movimentos sociais, <strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>staque o Movimento <strong>de</strong> Atingi<strong>dos</strong> por Barragens, sob uma perspectiva <strong>de</strong><br />

gênero, é explicitada por LIBARDONI e SUAREZ (1992:153-154):<br />

“Usar uma perspectiva <strong>de</strong> gênero não é „ver o gênero‟ ou mesmo a mulher,<br />

mas adotar um modo específico <strong>de</strong> „ver a realida<strong>de</strong>‟. O que existe no mundo<br />

não é o gênero, que nada mais é do que um modo <strong>de</strong> perceber e enten<strong>de</strong>r, mas<br />

fatos sociais específicos que po<strong>de</strong>m ser vistos, ou não, da perspectiva <strong>de</strong><br />

gênero. (...) a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> examinar os fatos relativos à uma realida<strong>de</strong> como<br />

fatos que revelam relações entre pessoas do mesmo sexo e <strong>de</strong> sexos diferentes”.<br />

Assim, o ponto <strong>de</strong> partida para a percepção da realida<strong>de</strong> estudada sob<br />

esta perspectiva é a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre os sexos e o baixo “status” social das<br />

mulheres com relação aos homens, constata<strong>dos</strong> nas zonas rurais brasileiras.<br />

Analisar a mulher na agricultura familiar mostra a importância da<br />

discussão das relações <strong>de</strong> gênero na família, mais especificamente, a <strong>dos</strong><br />

produtores inseri<strong>dos</strong> numa realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção familiar no Brasil.<br />

Para Lamarche (1993), a produção familiar caracteriza-se por uma<br />

unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção agrícola <strong>em</strong> que proprieda<strong>de</strong> e trabalho estão intimamente<br />

liga<strong>dos</strong> à família. Sendo a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção ao mesmo t<strong>em</strong>po uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

64


consumo, on<strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os m<strong>em</strong>bros da família ten<strong>de</strong>m a inserir-se no processo<br />

agrícola.<br />

que:<br />

A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Libardoni e Suarez compl<strong>em</strong>enta a <strong>de</strong> Lamarche, dizendo<br />

“a produção familiar ou agricultura familiar se caracteriza por unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

produção <strong>de</strong> alimentos e matérias-primas que, tendo acesso à terra (<strong>em</strong> regime<br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> posse, <strong>de</strong> arrendamento ou <strong>de</strong> parceria) e aos instrumentos<br />

<strong>de</strong> produção, utilizam-se da força <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> ou <strong>de</strong> alguns m<strong>em</strong>bros<br />

da família para realizar a totalida<strong>de</strong> ou parte do processo <strong>de</strong> trabalho"<br />

(LIBARDONI e SUAREZ, 1992:38).<br />

A produção familiar se apropria <strong>dos</strong> meios <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong>senvolve-os,<br />

sendo estes aspectos importantes <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma economia capitalista, para<br />

manutenção e reprodução do pequeno agricultor familiar.<br />

Esta questão traz à tona a discussão da agricultura familiar como forma<br />

<strong>de</strong> sobrevivência do pequeno agricultor ao modo <strong>de</strong> produção capitalista, que<br />

baseiam-se <strong>em</strong> questões puramente econômicas. A agricultura familiar sobrevive,<br />

participando ou não <strong>de</strong>sta economia <strong>de</strong> mercado capitalista, pois possui outros<br />

el<strong>em</strong>entos, não apenas econômicos, que permit<strong>em</strong> esta sobrevivência. Estas<br />

características baseiam-se nas relações humanas existentes <strong>de</strong>ntro da realida<strong>de</strong><br />

camponesa, que se <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> como as relações <strong>de</strong> parentesco, apadrinhamento e<br />

compadrio, ou <strong>de</strong> valores familiares tradicionais. Para WOORTMANN (1995), a<br />

reprodução <strong>dos</strong> produtores <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistência e adaptação das<br />

famílias, no valor atribuído à família, ao trabalho familiar, na lealda<strong>de</strong> à tradição<br />

e à dinâmica conservadora <strong>de</strong> sua organização social.<br />

Dentro <strong>de</strong>ste contexto da agricultura familiar e <strong>de</strong> suas relações,<br />

analisou-se o papel <strong>dos</strong> homens e mulheres nesta realida<strong>de</strong> para melhor<br />

compreensão <strong>de</strong> seus posicionamentos durante o processo <strong>de</strong> construção da<br />

barrag<strong>em</strong> e por que as mulheres <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> se tornam um <strong>de</strong>staque <strong>em</strong><br />

relação a ouras comunida<strong>de</strong>s atingidas.<br />

Aos homens cabe o papel do trabalho “produtivo” e às mulheres o<br />

trabalho “reprodutivo”, ou seja, aos homens cabe a agricultura, a pecuária, tudo<br />

que se relaciona ao mercado, ou sobrevivência física, às mulheres cabe o trabalho<br />

doméstico, o cuidado da horta e <strong>de</strong> pequenos animais, tudo o que é feito para<br />

65


consumo próprio, s<strong>em</strong> contar a reprodução da própria família. Na realida<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

atingi<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> apenas os homens foram consi<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong><br />

trabalhadores pela <strong>em</strong>presa durante as negociações, sendo que cada meeiro<br />

recebeu seis mil reais <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente se a mulher e, ou, os<br />

filhos trabalhavam ou não como meeiros:<br />

“A gente pranta a meia a vida toda, pegar pouquinho dinheiro... é pouquinho.<br />

Todo mundo aí é meeiro, essas menina trabalha, elas pranta, nenhum entrô<br />

como meeiro, só o pai, mas todo mundo trabalha.<br />

[Pesquisadora] Então seu pai trabalha como meeiro, então?<br />

Trabalha, e nós ajudamos ele.(...). Mas só ele que foi [reconhecido como<br />

meeiro e que recebeu os 6 mil]. Este ano mesmo nós plantamos ali na várzea.<br />

Ali separado [do pai], feijão nós planta separado, com os outro. Este ano<br />

mesmo nós plantamos e tudo foi atingido e eles não colocaram a gente como<br />

meeiro [atingida <strong>de</strong> Bicas].”<br />

Desta forma, o trabalho da mulher não é valorizado, pois não é<br />

consi<strong>de</strong>rado um trabalho produtivo, e não t<strong>em</strong> relação direta com o mercado. O<br />

trabalho doméstico é essencial para a sobrevivência <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> to<strong>dos</strong><br />

os m<strong>em</strong>bros da família contribu<strong>em</strong> para sua manutenção e para reposição <strong>de</strong> sua<br />

própria subsistência, que garanta o suficiente para reprodução <strong>de</strong>stas famílias.<br />

As ativida<strong>de</strong>s realizadas pelas mulheres não são valorizadas até o<br />

momento <strong>em</strong> que os homens começam a praticá-las. O valor do trabalho não está<br />

<strong>em</strong> seu número <strong>de</strong> horas para se realizar ou na quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esforço<br />

<strong>de</strong>preendido, mas <strong>em</strong> qu<strong>em</strong> o está realizando. Segundo LOBO (1992), <strong>em</strong> análise<br />

das mulheres operárias no Estado <strong>de</strong> São Paulo, ressalta que às mulheres são<br />

<strong>de</strong>stina<strong>dos</strong> os trabalhos secundários, caracteriza<strong>dos</strong> pela sua <strong>de</strong>squalificação,<br />

pelos baixos salários e pela sua instabilida<strong>de</strong>. Afirma também que a re<strong>de</strong>finição<br />

das qualificações para o trabalho, diante das mudanças tecnológicas, está baseada<br />

na divisão sexual do trabalho, ou seja, assum<strong>em</strong> critérios masculinos e f<strong>em</strong>ininos.<br />

Um estudo <strong>de</strong> CASTRO e LAVINAS (1992), citando Saffioti, correspon<strong>de</strong>ndo a<br />

análise <strong>de</strong> Lobo, as autoras colocam que com as mudanças tecnológicas nos<br />

meios <strong>de</strong> produção, as mulheres per<strong>de</strong>riam postos tradicionalmente <strong>de</strong>stina<strong>dos</strong> a<br />

elas e que passariam a ser ocupa<strong>dos</strong> pelos homens <strong>de</strong>vido ao novo “status” que<br />

estes cargos adquiriram.<br />

66


A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong> e por conseguinte valorização do trabalho<br />

das mulheres e <strong>dos</strong> jovens <strong>de</strong>ve-se ao fato <strong>de</strong> que ambos participam do processo<br />

produtivo, além disso eles precisam tomar parte nas <strong>de</strong>cisões e resulta<strong>dos</strong> do<br />

trabalho realizado. Se na família há <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, subordinação e não<br />

reconhecimento do trabalho da mulher, um ponto importante que não se po<strong>de</strong><br />

esquecer é que exist<strong>em</strong> regras <strong>de</strong> acesso a recursos e <strong>de</strong>finições por <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

outras instituições que reforçam as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s no interior da família. Não se<br />

po<strong>de</strong> esquecer que a família é influenciada por regras sociais que estão além <strong>de</strong>la<br />

própria.<br />

“A família é também uma esfera capitalista, e a sua função econômica é o<br />

trabalho socialmente necessário para a produção, reprodução e manutenção<br />

da mercadoria força <strong>de</strong> trabalho" (LOPES, 1983:15).<br />

No entanto, as relações <strong>de</strong> gênero não são baseadas apenas na diferença<br />

<strong>dos</strong> papéis, pois elas são <strong>de</strong>siguais e se combinam com outras categorias sociais,<br />

como classe e raça que legitimam uma hierarquia. As relações <strong>de</strong> gênero são<br />

permeadas também pelas relações econômicas e pelos valores da socieda<strong>de</strong><br />

patriarcal construídas socialmente.<br />

4.1. Participação f<strong>em</strong>inina nos movimentos sociais<br />

Se por um lado os EIA/RIMA não dimensionam corretamente o espaço<br />

das mulheres na agricultura familiar, por outro, as próprias mulheres, não raro, se<br />

perceb<strong>em</strong> como “ajudantes”, “colaboradoras” no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> agricultura familiar.<br />

Essa percepção do lugar das mulheres perpassa o grupo familiar, a comunida<strong>de</strong>, a<br />

socieda<strong>de</strong> e a cultura englobante.<br />

A di-visão do mundo entre masculino e f<strong>em</strong>inino institui uma divisão <strong>de</strong><br />

trabalho e <strong>de</strong> papéis <strong>de</strong> gênero apontando para um mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>alizado. Como<br />

conseqüência <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo percebido e concretamente reproduzido nas práticas<br />

sociais, as mulheres não se organizam/participam na mesma dimensão que os<br />

homens nos movimentos sociais <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong>.<br />

É impensável ignorar a diferença sexual <strong>dos</strong> indivíduos ao estudar<br />

grupos on<strong>de</strong> a forma <strong>de</strong> concretização da família e da economia sobrepõe-se. Ou,<br />

67


no caso da construção <strong>de</strong> movimentos sociais, seria impossível ignorar as<br />

conexões entre i<strong>de</strong>alização <strong>dos</strong> papéis f<strong>em</strong>ininos, divisão sexual do trabalho e<br />

organização/participação das agricultoras nos movimentos <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> por<br />

UHE.<br />

Vale <strong>de</strong>stacar que a categoria “atingi<strong>dos</strong>” engloba uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

grupos sociais uni<strong>dos</strong> <strong>em</strong> torno da luta/resistência <strong>em</strong> relação à perda das terras e<br />

suas conseqüências, ocasiona<strong>dos</strong> pela construção das Usinas Hidrelétricas. Tal<br />

diversida<strong>de</strong> não se <strong>de</strong>fine apenas pelas formas <strong>de</strong> posse da terra e das relações <strong>de</strong><br />

produção conformadoras do tipo <strong>de</strong> trabalho <strong>dos</strong> “atingi<strong>dos</strong>”, mas também <strong>de</strong><br />

diferenças regionais, <strong>de</strong> diferentes momentos do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

experimentado, b<strong>em</strong> como, da diversida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> atores sociais envolvi<strong>dos</strong> no<br />

processo. Destaca-se gênero como uma categoria que complexifica o cenário das<br />

populações atingidas. Se homens e mulheres perceb<strong>em</strong> e são percebi<strong>dos</strong> pelo<br />

universo social diferencialmente é correto afirmar que no caso <strong>em</strong> questão suas<br />

percepções e resistências configuram-se diferencialmente, seja como atingidas ou<br />

atingi<strong>dos</strong>.<br />

Gênero é, segundo LAURETIS (1987), uma representação <strong>de</strong> uma<br />

relação social, e para se analisar esta relação <strong>de</strong>ve-se sair do mundo on<strong>de</strong> a<br />

referência é androcêntrica, ou seja, on<strong>de</strong> ocorre a reprodução do discurso<br />

masculino. No contexto das populações atingidas por barragens é necessário para<br />

se enten<strong>de</strong>r o papel que a mulher exerce no modo <strong>de</strong> produção familiar e a partir<br />

daí no movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong>, fazer uma <strong>de</strong>sconstrução da visão que é senso<br />

comum, inclusive das próprias mulheres, do lugar que a mulher ocupa neste<br />

espaço social.<br />

Na socieda<strong>de</strong> brasileira são <strong>de</strong>finidas as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, as relações e a<br />

divisão <strong>de</strong> tarefas entre homens e mulheres que prescrev<strong>em</strong> e justificam a<br />

hierarquia social. Há um mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>alizado <strong>de</strong>terminado às mulheres e aos<br />

homens, normatizando a vivência <strong>de</strong> papéis sociais que concorr<strong>em</strong> para as<br />

marcas das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero perpetuadas na socieda<strong>de</strong>. Assim, às<br />

mulheres é <strong>de</strong>signado essencialmente o universo doméstico, espaço on<strong>de</strong> se<br />

realiza o trabalho tido como não propriamente produtivo e aos homens o<br />

68


universo público, espaço on<strong>de</strong> se realiza o trabalho produtivo. A essa<br />

diferenciação do espaço e do trabalho pontuada pela diferença sexual<br />

correspon<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>alização da imag<strong>em</strong> positivada da mulher como “Mãe Virg<strong>em</strong><br />

Maria” que se sacrifica por seu marido e filhos, cuja responsabilida<strong>de</strong> das tarefas<br />

está ligada à reprodução biológica e social. A imag<strong>em</strong> negativizada da mulher<br />

localiza-se na mulher livre e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Supõe-se que o papel do hom<strong>em</strong> na<br />

esfera pública seja o <strong>de</strong> representar política e socialmente a família b<strong>em</strong> como<br />

provê-la economicamente. No entanto, o processo <strong>de</strong> socialização não acontece<br />

da mesma forma nos diferentes segmentos sociais e os papéis do hom<strong>em</strong> e da<br />

mulher se modificam individualmente durante suas trajetórias <strong>de</strong> vida<br />

(DEPARTAMENTO DE ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS RURAIS -<br />

DESER, 1997).<br />

As relações <strong>de</strong> gênero não são questões apenas da mulher pois estas<br />

perpassam o conjunto <strong>de</strong> relações sociais. Os mun<strong>dos</strong> do trabalho, da política se<br />

dão também conforme a inserção <strong>de</strong> homens e mulheres. Isto significa que as<br />

relações <strong>de</strong> gênero perpassam todas as realida<strong>de</strong>s e todas as questões (DESER,<br />

1997).<br />

Nesse contexto, enten<strong>de</strong>-se que não se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r agricultura<br />

familiar s<strong>em</strong> perceber as relações <strong>de</strong> gênero <strong>em</strong> seu interior, não se po<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r<br />

as relações sociais, econômicas e culturais <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens s<strong>em</strong><br />

perceber que estes são forma<strong>dos</strong> por homens e por mulheres. As mulheres<br />

agricultoras, como <strong>em</strong> outros setores sociais, experimentam uma realida<strong>de</strong><br />

marcada pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>em</strong> função do sexo. Segundo LIBARDONI e<br />

SUAREZ (1992:16), as mulheres rurais:<br />

“(...) enfrentam a dupla discriminação por ser<strong>em</strong> mulheres num país sexista e<br />

<strong>de</strong> ser<strong>em</strong> rurais num país que molda sua imag<strong>em</strong> a partir da imag<strong>em</strong> primeiromundista”.<br />

As mulheres atingidas têm receio <strong>de</strong> ter<strong>em</strong> que sair da comunida<strong>de</strong>, pois<br />

se preocupam <strong>em</strong> per<strong>de</strong>r os laços <strong>de</strong> parentesco e <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> que construíram.<br />

Nos casos das barragens <strong>de</strong> Pilar e Cachoeira da Previdência, uma gran<strong>de</strong><br />

preocupação f<strong>em</strong>inina é a manutenção da família, principalmente <strong>em</strong> relação aos<br />

filhos e, caso a saída <strong>de</strong> suas terras seja inevitável, prefer<strong>em</strong> a cida<strong>de</strong> à uma nova<br />

69


proprieda<strong>de</strong> rural pois, nas cida<strong>de</strong>s, os seus filhos teriam melhores estu<strong>dos</strong> e<br />

oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalhos na zona urbana. Na visão masculina, revela-se o<br />

predomínio do medo da perda das terras e da produção. Este fato <strong>de</strong>monstra as<br />

visões diferenciadas entre os sexos <strong>de</strong> acordo com a visão que cada um exerce na<br />

comunida<strong>de</strong>.<br />

Os homens têm o responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representar a família fora <strong>de</strong> casa,<br />

são aqueles que geralmente acompanham as notícias nos jornais, discut<strong>em</strong><br />

política nos bares. “Política é coisa <strong>de</strong> hom<strong>em</strong>”. Sendo estes fatores coloca<strong>dos</strong><br />

como uma dificulda<strong>de</strong> das mulheres <strong>de</strong> se inserir<strong>em</strong> no Movimento <strong>de</strong> Atingi<strong>dos</strong><br />

por Barragens.<br />

Um ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong>sta dificulda<strong>de</strong> enfrentada pelas mulheres <strong>de</strong> se inserir<strong>em</strong><br />

nos movimentos, colocando suas necessida<strong>de</strong>s, é o caso do Movimento das<br />

Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), nascido no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. As<br />

mulheres que criaram este movimento, já participavam <strong>de</strong> outros movimentos<br />

que lutavam por melhores condições <strong>de</strong> vida para o seu segmento social. Esses<br />

movimentos caracterizavam-se por sua ligação com os sindicatos <strong>de</strong><br />

trabalhadores rurais e com o movimento <strong>dos</strong> s<strong>em</strong>-terra. Surgiu com o t<strong>em</strong>po a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as mulheres trabalhadoras rurais criar<strong>em</strong> um movimento<br />

autônomo que discutisse suas necessida<strong>de</strong>s específicas, como a dupla jornada <strong>de</strong><br />

trabalho, a sexualida<strong>de</strong>, o conhecimento do próprio corpo, suas próprias<br />

concepções <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e duas relações com o po<strong>de</strong>r instituído. Os lí<strong>de</strong>res <strong>dos</strong><br />

movimentos <strong>dos</strong> quais estas mulheres faziam parte não percebiam a importância<br />

da criação <strong>de</strong> um movimento autônomo, avaliando que as necessida<strong>de</strong>s das<br />

mulheres eram cont<strong>em</strong>pladas nas lutas <strong>de</strong> seus movimentos. Elas, então, criam<br />

nos anos 80 o Movimento <strong>de</strong> Mulheres Trabalhadoras Rurais (STEPHEN, 1996).<br />

Segundo SCHAAF (1998), o movimento iniciou-se na luta pelo<br />

reconhecimento do trabalho da mulher da roça, trabalho este, consi<strong>de</strong>rado como<br />

“ajuda”, portanto, <strong>de</strong>svalorizado socialmente. O MMTR-RS acredita que todas as<br />

pessoas e organizações que lutam por uma socieda<strong>de</strong> s<strong>em</strong> exploração e s<strong>em</strong><br />

discriminação <strong>de</strong>v<strong>em</strong> construir e vivenciar novas relações <strong>de</strong> gênero. O ponto <strong>de</strong><br />

70


partida do Movimento é a mudança nas relações <strong>de</strong> gênero respeitando-se as<br />

diferenças.<br />

Percebe-se aqui, a dificulda<strong>de</strong> que as mulheres encontraram e encontram<br />

<strong>de</strong> construir seu próprio movimento, mostradas e ex<strong>em</strong>plificadas pela história do<br />

MMTR, mesmo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> organizações que lutam por direitos iguais e por uma<br />

socieda<strong>de</strong> mais justa (STEPHEN, 1996). Tanto para os sindicalistas quanto para<br />

o Governo, o direito f<strong>em</strong>inino é visto como uma extensão <strong>dos</strong> direitos <strong>dos</strong><br />

mari<strong>dos</strong>, não tendo utilida<strong>de</strong> para eles uma mobilização especificamente<br />

f<strong>em</strong>inina.<br />

4.2. Mulheres e movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens<br />

Em Miguel <strong>Rodrigues</strong> as mulheres trabalham na roça <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequenas, ou<br />

seja, têm envolvimento nas ativida<strong>de</strong>s produtivas. Quinn, citado por FIÚZA<br />

(1997), aponta o trabalho na roça como uma condição necessária, não suficiente,<br />

para melhorar o “status” social f<strong>em</strong>inino, gerando, entre outros fatores, maior<br />

participação social do que aquelas que não participam efetivamente das<br />

ativida<strong>de</strong>s produtivas.<br />

No entanto, LIBARDONI e SUAREZ (1992:77) analisam que quanto<br />

mais pura ou clássica for a produção familiar, ou seja, a mão-<strong>de</strong>-obra ser <strong>de</strong><br />

m<strong>em</strong>bros da família, mais as mulheres participam das ativida<strong>de</strong>s produtivas, mas<br />

mais baixo será seu “status” social. Por isso:<br />

“acredita-se que a relação positiva que comumente se estabelece entre<br />

participação das ativida<strong>de</strong>s produtivas e „status‟ social da mulher é insuficiente<br />

para compreen<strong>de</strong>r a conduta <strong>dos</strong> produtores familiares, que se orientam por<br />

uma concepção hierárquica da socieda<strong>de</strong>, segundo a qual homens e mulheres<br />

seriam essencialmente <strong>de</strong>siguais, on<strong>de</strong> há uma perfeita compatibilida<strong>de</strong> entre<br />

ser produtivo e necessário e ser inferior e subordinado”.<br />

Analisando as palavras <strong>de</strong> Libardoni e Suarez e Fiúza verifica-se que não<br />

basta o fato <strong>de</strong> as mulheres estar<strong>em</strong> relacionadas com as ativida<strong>de</strong>s produtivas<br />

para sua participação efetiva nos movimentos sociais, mas a elevação do seu<br />

“status” social, ou seja, a valorização das sua ativida<strong>de</strong>s políticas e produtivas. O<br />

fato <strong>de</strong> a mulher trabalhar no espaço doméstico encobre o caráter produtivo <strong>de</strong><br />

71


suas ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>ssa forma, para haver uma elevação do “status” social da<br />

mulher, o que <strong>de</strong>ve ocorrer é uma <strong>de</strong>smitificação do espaço doméstico, ou seja, a<br />

politização do espaço privado.<br />

As mulheres são excluídas do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong>cisório, <strong>de</strong> tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão,<br />

tanto no trabalho político, quanto familiar, segundo Libardoni e Suarez, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento eqüitativo requer <strong>em</strong> munir as mulheres <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong> e<br />

aquisição, que no local é consi<strong>de</strong>rado po<strong>de</strong>r, ou <strong>em</strong>powerment, das mulheres<br />

frente aos homens.<br />

Em Miguel <strong>Rodrigues</strong> as mulheres consegu<strong>em</strong> <strong>de</strong>ter um relativo po<strong>de</strong>r<br />

caracterizado pelo fato <strong>de</strong> elas ser<strong>em</strong> as principais li<strong>de</strong>ranças da comunida<strong>de</strong>,<br />

estando à frente do movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens, sendo figuras<br />

essenciais nas negociações com a <strong>em</strong>presa.<br />

Figura 14 - Ban<strong>de</strong>ira do movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> na casa <strong>de</strong> uma das li<strong>de</strong>ranças.<br />

72


O lugar principal <strong>de</strong> atuação, que está presente <strong>em</strong> todas as falas das<br />

entrevistadas, é a Igreja, on<strong>de</strong> exerc<strong>em</strong> função <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança social, como<br />

coor<strong>de</strong>nadoras <strong>de</strong> catequese, coor<strong>de</strong>nadoras <strong>de</strong> grupo <strong>de</strong> reflexão, ministras <strong>de</strong><br />

eucaristia, organizadoras <strong>de</strong> festas da padroeira e outras festas religiosas,<br />

coor<strong>de</strong>nadoras das pastorais, das comunida<strong>de</strong>s eclesiais <strong>de</strong> base. As ativida<strong>de</strong>s,<br />

geradas pela Igreja são, então, uma forma <strong>de</strong> as mulheres adquirir<strong>em</strong> um certo<br />

prestígio social, sendo fortalecido pelo fato da Igreja <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> fazer<br />

parte da Arquidiocese <strong>de</strong> <strong>Mariana</strong>, on<strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> reflexão sobre os<br />

probl<strong>em</strong>as da comunida<strong>de</strong> é realizado através das Comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong><br />

Base (CEB's), uma vez que ela se insere na ala progressista da Igreja Católica,<br />

que é regida pela Teologia da Libertação.<br />

4.3. A teologia da libertação e os movimentos sociais<br />

SADER (1988) discute a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> movimentos sociais sob a visão <strong>de</strong><br />

diversos autores e conclui que to<strong>dos</strong> eles caminham para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> sujeito<br />

ligada a idéia <strong>de</strong> autonomia, on<strong>de</strong>, à partir <strong>de</strong> experiências concretas que<br />

encaminham-se para ações coletivas que possibilit<strong>em</strong> mudanças sociais.<br />

Leonardo Boff, um <strong>dos</strong> teólogos da Teologia da Libertação, é citado por ele e dá<br />

uma <strong>de</strong>finição sobre sujeito:<br />

“... a massa, mediante as associações, se transforma num povo que começa a<br />

recuperar a sua m<strong>em</strong>ória histórica perdida, elabora uma consciência <strong>de</strong> sua<br />

situação <strong>de</strong> marginalização, constrói um projeto <strong>de</strong> seu futuro e inaugura<br />

práticas <strong>de</strong> mobilização para mudar a realida<strong>de</strong> circundante (SADER,<br />

1988:51).”<br />

Neste estudo é interessante perceber o significado <strong>de</strong> sujeito e associação<br />

para Boff e seu significado junto às mulheres atingidas pela barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

Fumaça.<br />

A partir da década <strong>de</strong> 50, a Igreja Católica no Brasil começa a perceber<br />

que está per<strong>de</strong>ndo espaço junto às camadas mais pobres da população. Diante<br />

<strong>de</strong>ste fato, grupos da Ação Católica começam a tomar posturas <strong>de</strong> contestação<br />

política e participar <strong>de</strong> lutas populares. Em 1961 é criado o Movimento <strong>de</strong><br />

Educação <strong>de</strong> Base, o qual utilizava o método Paulo Freire <strong>de</strong> educação, para,<br />

73


<strong>de</strong>sta forma, conscientizar a população <strong>de</strong> menor po<strong>de</strong>r aquisitivo, buscando vias<br />

alternativas <strong>de</strong> mudança social. Neste mesmo momento o clero <strong>de</strong> Pernambuco<br />

incentiva a criação <strong>de</strong> sindicatos rurais.<br />

Com o golpe militar <strong>de</strong> 1964, militantes católicos passam a participar da<br />

luta contra o regime vigente, apontando caminhos para que a Igreja readquirisse<br />

sua inserção. Em 1969, com o Ato Institucional n.º 5 (AI-5), os agentes pastorais<br />

que estavam na luta contra a ditadura, passam a ter maior apoio da CNBB<br />

(Congregação Nacional <strong>de</strong> Bispos do Brasil). Assim, os agentes pastorais passam<br />

a interferir na organização interna da Igreja, alterando seu funcionamento. A<br />

Igreja, então, afirma sua doutrina, <strong>de</strong>nuncia as injustiças, passa a <strong>de</strong>nunciar a<br />

fome, a miséria, a opressão, mas s<strong>em</strong>pre colocando a conversão religiosa como<br />

priorida<strong>de</strong> (SADER, 1988).<br />

Em 1975 surge a CPT como um organismo da CNBB com o intuito <strong>de</strong><br />

fomentar a organização e conscientização <strong>dos</strong> trabalhadores no campo para<br />

“muni<strong>dos</strong> <strong>de</strong> valores cristãos resistir<strong>em</strong> à expropriação violenta <strong>de</strong> suas terras”,<br />

sendo sua ação s<strong>em</strong>pre voltada aos pequenos produtores (FERREIRA, 1999:8).<br />

As comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Base começam a se multiplicar,<br />

principalmente na zona rural, influenciando na politização das pessoas que nelas<br />

participam, gerando projetos <strong>de</strong> interesse <strong>de</strong> toda a comunida<strong>de</strong>.<br />

Para BETTO (1974), as CEB's,<br />

"São comunida<strong>de</strong>s porque reúne pessoas que têm a mesma fé, pertenc<strong>em</strong> à<br />

Igreja e moram na mesma região. Motivadas pela fé, essas pessoas viv<strong>em</strong> uma<br />

comum-união <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> seus probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> sobrevivência, <strong>de</strong> moradia, <strong>de</strong><br />

lutas por melhores condições <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> anseios e esperanças libertadoras.<br />

São eclesiais porque congregadas na Igreja, como núcleos básicos da<br />

comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fé. São <strong>de</strong> base porque integradas com pessoas que trabalham<br />

com as próprias mãos (classes populares)".<br />

As CEB's surgiram com a intenção <strong>de</strong> provocar um discernimento crítico<br />

referente às relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que exist<strong>em</strong> na socieda<strong>de</strong>, gerando uma<br />

organização das classes mais sofridas e discriminadas para uma mobilização<br />

frente às opressões (BETTO, 1974). Nas comunida<strong>de</strong>s <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> a consciência<br />

crítica do povo, a crítica à “or<strong>de</strong>m social injusta” (BETTO, 1974).<br />

74


Historicamente, a presença das mulheres na Igreja se dava <strong>em</strong> serviços<br />

<strong>de</strong>squalifica<strong>dos</strong> como limpeza, preparação do altar, das novenas e <strong>dos</strong> rituais. As<br />

CEB´s aproveitam do fato <strong>de</strong> as mulheres já estar<strong>em</strong> na Igreja e à partir <strong>de</strong>ste<br />

espaço começam a fazer um trabalho <strong>de</strong> conscientização política e social Dessa<br />

forma, as Comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Base vêm como uma forma <strong>de</strong> organização e<br />

politização das mulheres que <strong>de</strong>las participam. Além <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> um espaço <strong>de</strong><br />

discussão e reflexão sobre os acontecimentos da comunida<strong>de</strong>. Em Miguel<br />

<strong>Rodrigues</strong> a barrag<strong>em</strong> é um t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> discussão <strong>de</strong>stes grupos. Assim, as mulheres<br />

perceb<strong>em</strong> a Igreja como um lugar, ou seja, um espaço no qual mantêm uma<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a mesma <strong>de</strong>finida por Marc Augé, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobr<strong>em</strong> seus direitos,<br />

pensam sobre as carências <strong>de</strong> suas condições <strong>de</strong> vida, julgam as injustiças da sua<br />

realida<strong>de</strong>, seus papéis <strong>de</strong> donas <strong>de</strong> casa e trabalhadoras rurais. Em relação à<br />

barrag<strong>em</strong> consegu<strong>em</strong> ver seus impactos, os quais <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam mudanças nas<br />

relações familiares e <strong>de</strong> vizinhança. Assim, o lugar que antes era <strong>de</strong>stinado às<br />

celebrações religiosas transformou-se <strong>em</strong> um lugar <strong>de</strong> mobilização social que<br />

gera sua participação na associação local.<br />

Segundo da<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Betto, citado por SADER (1988:155), <strong>em</strong> 1981<br />

existiam 80 mil CEB’s congregando cerca <strong>de</strong> 2 milhões <strong>de</strong> pessoas. Sa<strong>de</strong>r analisa<br />

o motivo do êxito das CEB’s:<br />

“Entre os motivos <strong>de</strong> seu êxito po<strong>de</strong>mos pensar no caráter flexível <strong>de</strong> sua forma<br />

organizativa, na vivência <strong>de</strong> relações primárias como espaço <strong>de</strong><br />

reconhecimento pessoal para seus m<strong>em</strong>bros, no acolhimento das formas <strong>de</strong><br />

religiosida<strong>de</strong> popular" (SADER, 1988:156).<br />

Segundo este autor, os <strong>de</strong>bates nas reuniões seguiam o método <strong>de</strong> “ver-<br />

julgar-agir”, fazendo com que as pessoas percebess<strong>em</strong> seus probl<strong>em</strong>as,<br />

“enxergando-os”, pensass<strong>em</strong> sobre eles, inclusive numa forma <strong>de</strong> resolvê-los e<br />

“agiss<strong>em</strong>”, concretizando as ações “julgadas”, <strong>de</strong> modo que os probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong>ix<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong> como fatalida<strong>de</strong>s, e que a ação reflexiva se torne uma ação<br />

prática. SADER (1988:162) <strong>de</strong>fine este método:<br />

“As relações primárias <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e as referências cristãs induziram à<br />

reelaboração i<strong>de</strong>alizada <strong>de</strong> uma vida comunitária do passado rural. Nesse<br />

quadro se produz uma forte coesão interna e um reconhecimento pessoal<br />

construído à base <strong>de</strong> confiança entre seus m<strong>em</strong>bros. É a partir <strong>de</strong>ssa<br />

sociabilida<strong>de</strong> primária que seus m<strong>em</strong>bros efetuam uma reelaboração das<br />

75


experiências cotidianas <strong>de</strong> existência, com categorias para criticá-las e<br />

referências para as ações coletivas visando transformá-las”.<br />

As falas <strong>dos</strong> militantes das comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> base s<strong>em</strong>pre enfatizam a<br />

idéia <strong>de</strong> libertação, a libertação <strong>dos</strong> peca<strong>dos</strong> sociais e pessoais. A “Igreja da<br />

Libertação” “compreen<strong>de</strong> o pobre não como objeto, mas como sujeito <strong>de</strong> uma<br />

ação social transformadora” (FERREIRA, 1999:23). Esta “Igreja da Libertação”<br />

ou “Igreja <strong>dos</strong> Pobres” utiliza-se <strong>dos</strong> princípios da Teologia da Libertação que<br />

veicula idéias e fundamentos teóricos aplica<strong>dos</strong> às ações pastorais e projetos<br />

expressos nas Comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Base e na pastoral renovada. Para<br />

FERREIRA (1999:34), o que vai orientar o pensamento baseado na Teologia da<br />

Libertação é:<br />

Libertação:<br />

“o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> fraterna, da comunhão entre filhos do mesmo pai<br />

sendo que o sagrado s<strong>em</strong>pre está presente <strong>em</strong> todas as suas práticas, se<br />

relacionando às lutas e às causas populares, não só para a crítica social e<br />

política, mas também para a crítica eclesial, fundamentando uma utopia<br />

igualitária da socieda<strong>de</strong> e na igreja”.<br />

SHERER-WARREN (1993:33) <strong>de</strong>fine os princípios da Teologia da<br />

“O princípio orientador básico, ou seja, a utopia da Teologia da Libertação é<br />

<strong>de</strong>, através <strong>de</strong> sua opção preferencial pelos pobres e engajamento nas lutas<br />

contra variadas formas <strong>de</strong> opressão, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar um processo histórico <strong>de</strong><br />

libertação <strong>dos</strong> povos latino-americanos. Parte-se também do princípio <strong>de</strong> que o<br />

hom<strong>em</strong> <strong>de</strong>ve ser o sujeito <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>stino pessoal”.<br />

Em Miguel <strong>Rodrigues</strong> foi iniciativa <strong>de</strong> um padre e das ministras <strong>de</strong><br />

eucaristia a criação da Comunida<strong>de</strong> Eclesial <strong>de</strong> Base <strong>de</strong>sta localida<strong>de</strong>. A partir <strong>de</strong><br />

então, passam a ler e interpretar o Evangelho, refletindo sobre os probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong><br />

sua comunida<strong>de</strong>. O papel da Igreja foi importante, pois fez com que estas<br />

mulheres passass<strong>em</strong> a ter uma visão crítica <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> fazer<strong>em</strong><br />

parte da esfera pública, on<strong>de</strong>, nas celebrações lê<strong>em</strong> <strong>em</strong> voz alta e se colocam <strong>de</strong><br />

pé na frente <strong>de</strong> to<strong>dos</strong>, além <strong>de</strong> viajar<strong>em</strong> e trocar<strong>em</strong> experiências <strong>em</strong> encontros<br />

religiosos. Foi iniciativa também <strong>de</strong> um padre a criação da associação; ele veio à<br />

comunida<strong>de</strong> para alertar sobre os impactos causa<strong>dos</strong> pelas barragens e incentivou<br />

os atingi<strong>dos</strong> a formar<strong>em</strong> a AMABAF, também com participação das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

assessoria, incluindo a CPT. Percebe-se, então, o papel importante da Igreja no<br />

76


processo <strong>de</strong> participação f<strong>em</strong>inina no movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens<br />

nesta localida<strong>de</strong>.<br />

Quanto aos trabalhos realiza<strong>dos</strong> pela CPT e pelas CEB’s relacionado às<br />

mulheres, Adriance citada por Ferreira, verificou mudanças nas relações <strong>de</strong><br />

gênero <strong>em</strong> localida<strong>de</strong>s no Norte do Brasil. A partir da intervenção <strong>de</strong>stas<br />

organizações, mudanças nos papéis tradicionalmente <strong>de</strong>stina<strong>dos</strong> à mulheres<br />

foram verificadas. As mulheres, participantes do movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong>,<br />

passam a fazer parte da esfera pública, na medida <strong>em</strong> que começam a dirigir<br />

cultos religiosos, tornando-se sindicalistas, enfrentado a polícia na luta pela terra,<br />

candidatando-se e sendo eleitas aos cargos políticos. Desta forma, estas mulheres<br />

passam a viver dialeticamente papéis que foram tradicionalmente impostos à elas<br />

com gran<strong>de</strong> contribuição da “Igreja Católica Conservadora” e que ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po passa a ocupar um lugar diferenciado na socieda<strong>de</strong> com participação<br />

política. Desta forma a “Igreja Popular” contribui para complexificação das<br />

relações <strong>de</strong> gênero na medida <strong>em</strong> que incentiva uma nova inserção das mulheres<br />

tanto na família, quanto na socieda<strong>de</strong> como um todo. A CPT, através do<br />

incentivo da mudança do olhar das mulheres sobre as leituras do Evangelho,<br />

inicia reflexões e questionamentos sobre o papel <strong>de</strong>stina<strong>dos</strong> à elas na socieda<strong>de</strong>.<br />

A presença da Igreja é b<strong>em</strong> marcada na vida das atingidas <strong>de</strong> Miguel<br />

<strong>Rodrigues</strong> fato evi<strong>de</strong>nciado na construção <strong>dos</strong> mapas feitos pelas mulheres. De<br />

acordo com a técnica <strong>de</strong> mapeamento, no qual elas <strong>de</strong>senharam a Igreja <strong>em</strong><br />

primeiro lugar, com o tamanho b<strong>em</strong> maior do que os outros el<strong>em</strong>entos consta<strong>dos</strong><br />

no <strong>de</strong>senho. Outro fato é que no <strong>de</strong>senho do Diagrama <strong>de</strong> Venn, elas colocaram a<br />

Igreja como a maior esfera, a que englobava todas as outras instituições, sendo a<br />

instituição <strong>de</strong> maior importância na visão <strong>de</strong>las.<br />

A experiência adquirida na CEB´s possibilitaram a capacitação das<br />

mulheres atingidas pela UHE Fumaça e também contribuiu para uma maior<br />

participação no movimento local <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong>.<br />

O trabalho da Igreja é feito basicamente por mulheres, sendo que exist<strong>em</strong><br />

alguns poucos homens envolvi<strong>dos</strong>. O trabalho consiste <strong>em</strong> várias pastorais, como<br />

77


a da criança, grupos <strong>de</strong> reflexão, grupos <strong>de</strong> jovens, organizações <strong>de</strong> festas<br />

religiosas.<br />

Através <strong>de</strong>sta participação, muitas <strong>de</strong>las já saíram da comunida<strong>de</strong> para<br />

participar<strong>em</strong> <strong>de</strong> reuniões <strong>em</strong> outros municípios, para encontros ou eventos<br />

organiza<strong>dos</strong> pela Igreja. Quando questionadas se o marido não falava nada do<br />

fato <strong>de</strong> estar<strong>em</strong> viajando elas diziam que eles entendiam o trabalho <strong>de</strong>las.<br />

A religiosida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> presença muito forte na comunida<strong>de</strong>,<br />

transparecendo-se tanto nas falas das entrevistadas como nos objetos e quadros<br />

pendura<strong>dos</strong> nas pare<strong>de</strong>s das casas e na participação das CEB’s. Um padre v<strong>em</strong><br />

para celebrar a missa algumas vezes ao mês na comunida<strong>de</strong>, mas to<strong>dos</strong> os<br />

domingos a comunida<strong>de</strong> se reúne na Igreja e é realizado um culto que é<br />

conduzido pelos ministros da eucaristia, que são sete, sendo cinco mulheres e<br />

dois homens. É no culto também que são da<strong>dos</strong> os reca<strong>dos</strong> à comunida<strong>de</strong>, como<br />

as reuniões que irão acontecer com a <strong>em</strong>presa responsável pela construção da<br />

barrag<strong>em</strong>, com a associação <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> ou alguma outra.<br />

Antigamente, as missas realizadas na comunida<strong>de</strong> eram rezadas <strong>em</strong><br />

latim. Com a mudança da Arquidiocese <strong>de</strong> <strong>Mariana</strong> <strong>em</strong> suas posturas teológicas,<br />

assumindo atitu<strong>de</strong>s que a tornaram mais progressista, tendo maiores afinida<strong>de</strong>s<br />

com a probl<strong>em</strong>ática da população local, os padres começaram a visitar as<br />

comunida<strong>de</strong>s para fazer<strong>em</strong> um trabalho mais reflexivo com a comunida<strong>de</strong> local,<br />

on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> refletir sobre seus probl<strong>em</strong>as e assim enfrentá-los. Uma das<br />

entrevistadas, Zenilda, contou que o padre reuniu as pessoas mais envolvidas<br />

com a Igreja e disse que não era mais para se rezar <strong>em</strong> latim e que agora seria<br />

feito um trabalho <strong>de</strong> reflexão, que iam pensar a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma forma<br />

diferente, criando as Comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Base, a Pastoral da Criança,<br />

grupos <strong>de</strong> reflexão e catequese. Isso ocorreu há uns <strong>de</strong>z anos atrás. Zenilda<br />

comentou a dificulda<strong>de</strong> que tiveram no início, mas que hoje conseguiram e faz<strong>em</strong><br />

um trabalho muito bom. A partir <strong>de</strong>sse momento o termo, “comunida<strong>de</strong>” passa a<br />

fazer parte do vocabulário <strong>de</strong>stas pessoas para <strong>de</strong>signar<strong>em</strong> o lugar e as relações<br />

existentes <strong>em</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>. Verifica-se um trecho das falas <strong>de</strong> Zenilda:<br />

“Na época tinha uma cultura muito antiga <strong>de</strong> rezá <strong>em</strong> latim, aí foi numa<br />

reunião, há uns <strong>de</strong>z anos que o Padre João Batista veio pra cá e disse: „A sua<br />

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comunida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> que mudar, vocês só reza‟, eu agra<strong>de</strong>ço muito isso porque<br />

entrou a CEB‟s (Comunida<strong>de</strong> Eclesial <strong>de</strong> Base). (...) A gente começou um<br />

grupinho, só mulher, <strong>de</strong> hom<strong>em</strong> tinha Joãozinho, agora nós vamo começá a<br />

nossa história, vamo começá nosso grupo <strong>de</strong> reflexão. Aí o padre começô a<br />

colocá o Evangelho na nossa mão, a gente não sabia <strong>de</strong> nada, quando ele falô<br />

com nós assim: „Ô gente, vocês t<strong>em</strong> olhar com transparência, a comunida<strong>de</strong><br />

t<strong>em</strong> que ser vista com transparência, pra enxergar o que t<strong>em</strong> atrás daquele<br />

morro‟.”<br />

O grupo <strong>de</strong> jovens já foi mais ativo, disseram as atingidas, parou porque<br />

estavam no mês <strong>de</strong> festas típicas da região, como exposições agropecuárias.<br />

Sendo as reuniões aos sába<strong>dos</strong>, eles não compareciam. Mas segundo a<br />

coor<strong>de</strong>nadora, antes era b<strong>em</strong> ativo. Os jovens se reuniam, liam uma parte da<br />

bíblia, e <strong>em</strong> cima da leitura era feita uma reflexão sobre algum t<strong>em</strong>a da vida<br />

<strong>de</strong>les, como as drogas, <strong>em</strong>prego. A barrag<strong>em</strong> já foi um t<strong>em</strong>a discutido entre eles.<br />

A coor<strong>de</strong>nadora disse que os jovens não têm opinião diferenciada da <strong>dos</strong> adultos,<br />

que uns são a favor da barrag<strong>em</strong> porque po<strong>de</strong> trazer <strong>em</strong>prego e outros são contra<br />

porque vai afetar a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>les <strong>de</strong> ir e vir, pelo fato <strong>de</strong> vir<strong>em</strong> pessoas<br />

estranhas para a comunida<strong>de</strong> para trabalhar<strong>em</strong> na construção da barrag<strong>em</strong>. Esta<br />

vinda <strong>de</strong> estranhos po<strong>de</strong> causar aumento da violência, prostituição, como já foi<br />

observado <strong>em</strong> outras comunida<strong>de</strong>s, no caso, a comunida<strong>de</strong> atingida pela UHE<br />

Cachoeira do Emboque localizada na região da Bacia do Alto Rio Doce. Os<br />

principais motivos <strong>de</strong>les ser<strong>em</strong> contra as barragens são referentes à falta <strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong>, a preocupação com as crianças, já que muitas casas vão ficar próximas<br />

do lago e os probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> doença por causa do lago.<br />

As mulheres que participam da Igreja, participam, <strong>de</strong>sta forma, <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s fora <strong>de</strong> casa, on<strong>de</strong> conquistam outros espaços sociais. Para Fiúza:<br />

"Se por um lado a Igreja t<strong>em</strong> papel fundamental na forma <strong>de</strong> as mulheres se<br />

submeter<strong>em</strong> a uma or<strong>de</strong>m social baseada na tradição, fornecendo explicações<br />

legitimadoras para que aceit<strong>em</strong> com naturalida<strong>de</strong> a or<strong>de</strong>m do que s<strong>em</strong>pre<br />

existiu e, assegurando seu papel como mãe e esposas <strong>de</strong>votadas ao lar, por<br />

outro lado, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa mesma Igreja, cria-se uma série <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

participação para a mulher <strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>s fora <strong>de</strong> casa" (FIÚZA, 1997).<br />

A Igreja torna-se um espaço on<strong>de</strong> as mulheres participam principalmente<br />

das pastorais e grupos <strong>de</strong> reflexão, extrapolando a esfera doméstica, passando a<br />

ter maior conhecimento, maior vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar e maior reflexão e<br />

conhecimento <strong>dos</strong> probl<strong>em</strong>as da comunida<strong>de</strong>.<br />

79


4.4. O lugar das mulheres na comunida<strong>de</strong><br />

As mulheres <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> trabalham na roça <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequenas,<br />

nas plantações <strong>de</strong> milho, arroz e feijão, on<strong>de</strong> as entrevistadas trabalham <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

mais ou menos sete anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, como se po<strong>de</strong> observar nestes <strong>de</strong>poimentos:<br />

“Des<strong>de</strong> pequeno (que trabalha na roça), nós estudava no Barro Branco, então<br />

nós trabalhava lá um pouco, almoçava e <strong>de</strong>pois vinha <strong>de</strong> volta, nós era pequeno<br />

ainda, tava com 7 anos.”<br />

“Pranta, as menina ajuda, se tava tudo aí ia pra roça, fazia o almoço, fechava<br />

a casa e ia tudo pra roça, toda vida eu gostei mais <strong>de</strong> ir pra roça que ficá<br />

<strong>de</strong>ntro e casa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 7 ano batendo enxada..”<br />

Elas trabalham na roça até hoje, além <strong>de</strong> cuidar<strong>em</strong> da casa e <strong>dos</strong> filhos,<br />

com algumas poucas exceções, como é o caso <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las que t<strong>em</strong> que ficar <strong>em</strong><br />

casa cuidando <strong>dos</strong> pais que já são muito i<strong>dos</strong>os e os irmãos não moram mais <strong>em</strong><br />

casa. A maioria das entrevistadas t<strong>em</strong> orig<strong>em</strong> ali na comunida<strong>de</strong> mesmo,<br />

nasceram e foram criadas naquela região entre Miguel <strong>Rodrigues</strong> e seus<br />

arredores.<br />

[Pesquisadora] você é nascida aqui?<br />

Nascida e criada aqui, mãe, vó, tudo daí.<br />

O armazém, além <strong>de</strong> ser um local <strong>de</strong> se fazer compras é também um<br />

local <strong>de</strong> lazer, on<strong>de</strong> exist<strong>em</strong> mesas <strong>de</strong> sinuca e on<strong>de</strong> os homens reún<strong>em</strong>-se para<br />

beber a “sua pinguinha” e conversar. As mulheres só freqüentam o armazém<br />

quando realizam suas compras.<br />

As mulheres casaram-se na região mesmo e nunca saíram da comunida<strong>de</strong><br />

para morar <strong>em</strong> outros lugares. Atigamente os mari<strong>dos</strong> saíam para trabalhar fora e<br />

<strong>de</strong>ixavam as mulheres com as crianças, eles iam <strong>em</strong> janeiro e voltavam <strong>em</strong><br />

agosto, plantavam e <strong>de</strong>ixavam para as mulheres e os filhos colher<strong>em</strong>. Geralmente<br />

<strong>de</strong>stinavam-se a Belo Horizonte ou a São Paulo. Ficavam alguns meses e, <strong>de</strong><br />

t<strong>em</strong>pos <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos, voltavam para casa, on<strong>de</strong> ficavam as esposas e as crianças.<br />

Hoje qu<strong>em</strong> sai são os jovens <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregos nos gran<strong>de</strong>s centros (São<br />

Paulo e Belo Horizonte), <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, mas estão<br />

retornando rápido <strong>de</strong>vido à falta <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s nessas cida<strong>de</strong>s; as filhas têm<br />

mais dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair porque trabalham geralmente <strong>em</strong> casa <strong>de</strong> família como<br />

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<strong>em</strong>pregadas domésticas ou babá e, para isso, têm que dormir no <strong>em</strong>prego, sendo<br />

para elas muito difícil “ficar na casa <strong>dos</strong> outros”.<br />

A ausência masculina observada <strong>em</strong> algum momento da vida das<br />

entrevistadas po<strong>de</strong> ser uma forma <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a participação efetiva das<br />

mulheres na associação <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong>, pois estando os homens ausentes da casa,<br />

elas é que têm que tomar as <strong>de</strong>cisões, e no caso do processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong><br />

barragens, elas que têm que representar a família nas reuniões. A maioria <strong>de</strong>las<br />

diz acompanhar as reuniões <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início. Esta ausência também pô<strong>de</strong> ser<br />

constatada nas discussões ocorridas durante a construção <strong>dos</strong> mapas.<br />

No estudo <strong>de</strong> MAIA (2000), a autora busca através da ausência/presença<br />

masculina verificar as mudanças sociais ocorridas <strong>em</strong> comunida<strong>de</strong>s do Vale do<br />

Jequitinhonha-MG. Estas mudanças se dão pelo fato <strong>de</strong> as mulheres do Vale,<br />

além <strong>de</strong> assumir<strong>em</strong> o papel <strong>de</strong>signado a elas <strong>de</strong> trabalho doméstico e criação <strong>dos</strong><br />

filhos, assumir<strong>em</strong> também o <strong>dos</strong> homens no cultivo da roça, já que eles passam<br />

mais t<strong>em</strong>po “fora”, trabalhando nas lavouras canavieiras no Estado <strong>de</strong> São Paulo<br />

do que na comunida<strong>de</strong>.<br />

Diz<strong>em</strong> as mulheres <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> que os homens não pensam no<br />

futuro, são imediatistas, quer<strong>em</strong> as coisas na hora. Este foi um <strong>dos</strong> motivos pelo<br />

qual a negociação com a <strong>em</strong>presa foi por in<strong>de</strong>nização. Inicialmente, a maioria<br />

<strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> queria reassentamento, mas como o processo é <strong>de</strong>morado, os<br />

homens, não agüentando a situação e tendo dívidas a pagar, preferiram terminar<br />

o plano <strong>de</strong> negociação que foi criado junto com a assessoria, para pedir<strong>em</strong><br />

dinheiro a <strong>em</strong>presa, que resultou no pagamento <strong>de</strong> R$ 6.000,00 para cada meeiro.<br />

Este imediatismo relacionado aos homens é ressaltado por algumas entrevistadas<br />

e a fala <strong>de</strong> Zenilda aponta este fato:<br />

“Os homens t<strong>em</strong> uma cultura diferente da nossa, porque a mulher hoje, nós<br />

mulheres hoje estamos preocupadas <strong>em</strong> ter uma moça diferente <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa,<br />

ter um rapaz que tenha profissão, que tenha estudo, e o hom<strong>em</strong> não pensa nisso<br />

sabe. (...) Sabe o que eles faz<strong>em</strong>, vão pro boteco beber cachaça, eles não sab<strong>em</strong><br />

planejar, eles prefer<strong>em</strong> ter um papo com os amigos do lado <strong>de</strong> fora, do que<br />

planejar um futuro melhor para os filhos. Mostrá pros filhos que eles t<strong>em</strong><br />

cuidar melhor da natureza, que a gente t<strong>em</strong> que vivê <strong>de</strong> outra forma, que o<br />

mundo mudô e a gente t<strong>em</strong> que saber viver nesse mundo. Eu combati direto com<br />

o meu marido, ele fala que tá aqui na roça s<strong>em</strong> estudo s<strong>em</strong> nada, que reunião é<br />

bobag<strong>em</strong>, que Igreja é bobag<strong>em</strong>, não salva ninguém. O objetivo da mulher é<br />

esse, ter um hom<strong>em</strong> diferente, que eles enxergasse a realida<strong>de</strong> hoje pra não<br />

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sofrê mais no futuro. (...) O nosso sonho é esse, os nosso homens também tá<br />

com a gente participando. Quando vai as mulher nas reunião <strong>de</strong> barrag<strong>em</strong>, nós<br />

tamo lá, mas nós queira que os home que tivess<strong>em</strong>, pra eles apren<strong>de</strong>r a enfrentá<br />

as dificulda<strong>de</strong> que t<strong>em</strong> na família, eles enfrentá com a <strong>em</strong>presa, eles<br />

enfrentando, mas consciente, (...) mas é difícil <strong>de</strong> segurá hom<strong>em</strong> na reunião,<br />

eles fica apavorado, que tá per<strong>de</strong>ndo dia, tá per<strong>de</strong>ndo hora, não po<strong>de</strong> voltá<br />

amanhã (...). Porque teve muita mulher que quis segurá a negociação, mas o<br />

hom<strong>em</strong> falava: „eu que mando na minha casa qu<strong>em</strong> manda aqui sou eu. Casa<br />

que galinha canta, dia não amanhece‟, esse é o ditado <strong>de</strong>les.”<br />

Outro aspecto observado nas falas das mulheres é o fato <strong>de</strong>las<br />

freqüentar<strong>em</strong> mais t<strong>em</strong>po a escola, obtendo melhor nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>. Os<br />

homens, ao contrário, ao migrar<strong>em</strong> para Belo Horizonte ou São Paulo,<br />

interromp<strong>em</strong> seu processo <strong>de</strong> escolarização. Elas comentaram também que os<br />

homens, menos disciplina<strong>dos</strong>, freqüentavam menos as aulas do que as mulheres,<br />

que os meninos fugiam e se escondiam no mato para não ter<strong>em</strong> que ir à escola.<br />

A maioria <strong>dos</strong> moradores da comunida<strong>de</strong> é meeiros que plantam arroz,<br />

feijão e milho, além <strong>de</strong> alguns fazer<strong>em</strong> panela <strong>de</strong> pedra sabão 13 . Mas possu<strong>em</strong><br />

sua horta no fundo do quintal on<strong>de</strong> plantam legumes e verduras além <strong>de</strong> plantas<br />

medicinais. Existe o grupo da “saú<strong>de</strong> alternativa”, que faz o teste bioenergético<br />

nas pessoas e indicam plantas medicinais <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> pomadas, xaropes e<br />

tinturas para tratamentos <strong>de</strong> alguma enfermida<strong>de</strong>. Estas práticas foram levadas<br />

até a comunida<strong>de</strong> por influência da Igreja, sendo as mulheres suas principais<br />

referências.<br />

Todas as entrevistadas disseram contribuir monetariamente com o<br />

sindicato, mas não têm muita clareza do por que ou mesmo achar importante a<br />

existência <strong>de</strong>sta entida<strong>de</strong> representativa <strong>dos</strong> trabalhadores. Elas não foram<br />

capazes <strong>de</strong> narrar uma reunião acontecida no sindicato. Quando perguntadas<br />

sobre o que se discutia nas reuniões elas <strong>de</strong>sconversavam ou diziam que era<br />

muita coisa, que não dava pra guardar na cabeça. O que po<strong>de</strong> ajudar a<br />

compreen<strong>de</strong>r essa fraca alusão é o fato <strong>de</strong> as mulheres não ter<strong>em</strong> o sindicato<br />

13 Depoimento <strong>de</strong> um atingido, Sr. Jacó <strong>de</strong> 74 anos, durante uma reunião da associação (AABF), com a<br />

advogada contratada por ela, que a pesquisadora participou: “Tenho uma pedreira <strong>de</strong> mais ou menos<br />

147 metros <strong>de</strong> frente, uns 80 metros <strong>de</strong> comprimento e uns 30 metros <strong>de</strong> altura. Há uns 40 anos<br />

trabalho nessa pedreira. Os meu sete filho me ajuda. Pela nova marcação, a água vai chegar mais ou<br />

menos no meio <strong>de</strong>ssa pedreira” Esta pedreira é <strong>de</strong> pedra sabão e utilizada para extração <strong>de</strong> pedra para<br />

confecção <strong>de</strong> panelas.<br />

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como um lugar on<strong>de</strong> se sent<strong>em</strong> à vonta<strong>de</strong> para interferir, assim como o<br />

movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens. Quando foram questionadas se nas<br />

reuniões do sindicato havia sido discutido a questão das barragens, todas<br />

afirmaram que não e que também não foram tiradas nenhuma posição <strong>em</strong> relação<br />

ao probl<strong>em</strong>a enfrenta<strong>dos</strong> pelos atingi<strong>dos</strong>. Agora, diz<strong>em</strong> as entrevistadas, talvez se<br />

discuta esta questão, porque o presi<strong>de</strong>nte é um possível atingido por outra<br />

barrag<strong>em</strong>, a <strong>dos</strong> Cal<strong>de</strong>irões. Mas elas diz<strong>em</strong> que ele t<strong>em</strong> bastante terras, quando<br />

se perguntou se ele era meeiro elas disseram “ele é que t<strong>em</strong> meeiro”. O sindicato<br />

t<strong>em</strong> se<strong>de</strong> no município <strong>de</strong> Diogo <strong>de</strong> Vasconcelos, com extensão a várias<br />

localida<strong>de</strong>s da região, além <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>.<br />

4.5. As mulheres atingidas pela construção da Usina Hidrelétrica Cachoeira<br />

da Fumaça<br />

Este it<strong>em</strong> t<strong>em</strong> a intenção <strong>de</strong> fazer uma análise geral da participação das<br />

mulheres <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> no movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens, e<br />

também <strong>de</strong> fazer a trajetória das duas principais li<strong>de</strong>ranças da comunida<strong>de</strong>, Maria<br />

e Zenilda.<br />

Começando com a trajetória <strong>de</strong>ssas duas mulheres a primeira a ser<br />

<strong>de</strong>scrita é a <strong>de</strong> Zenilda.<br />

Zenilda teve uma vida difícil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança, seu pai era alcoólatra e batia<br />

na mulher e nos filhos. O pai era bastante violento. Na época, chegou a matar<br />

duas pessoas e até a dar tiros <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa. Quando a mãe <strong>de</strong> Zenilda estava<br />

doente, com câncer, o pai <strong>de</strong>sejava que ela morresse logo e a tratava com<br />

palavras violentas. A mãe <strong>de</strong> Zenilda faleceu com a doença. Ela diz não guardar<br />

mágoa do pai, que ainda está vivo, que tira os ensinamentos positivos que ele<br />

<strong>de</strong>ixou. Zenilda s<strong>em</strong>pre esteve envolvida com os trabalhos da Igreja e foi uma<br />

das fundadoras da CEB <strong>em</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, participando <strong>de</strong> todo o processo<br />

<strong>de</strong> reflexões e amadurecimentos sobre a comunida<strong>de</strong> e seus probl<strong>em</strong>as. Foi<br />

catequista por vários anos e hoje é ministra da eucaristia, coor<strong>de</strong>nadora da<br />

palavra nas celebrações <strong>de</strong> domingo. É também coor<strong>de</strong>nadora da comunida<strong>de</strong>,<br />

83


nos trabalhos da Igreja, <strong>em</strong> geral, é responsável por zelar pelo b<strong>em</strong> estar da<br />

comunida<strong>de</strong>, segundo palavras <strong>de</strong> Josefina. Contribuiu para a criação da primeira<br />

associação <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> quando entrou como secretária fazendo parte da diretoria.<br />

S<strong>em</strong>pre viajava para reuniões representando os atingi<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>. É<br />

casada com o irmão <strong>de</strong> Maria. Morou muitos anos na casa <strong>de</strong> Maria e <strong>de</strong> seu pai,<br />

seus filhos foram cria<strong>dos</strong> por ela, segundo suas próprias palavras. Quando<br />

precisava viajar para alguma reunião <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong>, Maria é que tomava conta <strong>de</strong><br />

seus filhos menores. Zenilda entrou na diretoria da associação junto com o<br />

marido <strong>de</strong> Maria, Carlos. Mas Zenilda e Carlos tiveram atritos logo no início, o<br />

que gerou a saída <strong>de</strong> Carlos da associação ao final <strong>de</strong> seu mandato; já Zenilda<br />

entrou novamente como secretária. Mesmo estando no cargo <strong>de</strong> secretaria,<br />

Zenilda s<strong>em</strong>pre foi uma referência no movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens e,<br />

segundo suas palavras, s<strong>em</strong>pre zelou pelo b<strong>em</strong> da comunida<strong>de</strong>, s<strong>em</strong>pre fez o<br />

possível para que os direitos <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> foss<strong>em</strong> reconheci<strong>dos</strong>. Sofreu muitas<br />

pressões durante as negociações com a <strong>em</strong>presa, por parte <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong>,<br />

inclusive <strong>de</strong> seus familiares que achavam que ela é qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>tinha o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

pagar ou <strong>de</strong> colocar ou não alguém na lista <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong>. Através da trajetória <strong>de</strong><br />

Zenilda percebe-se que ela s<strong>em</strong>pre teve um papel <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança na comunida<strong>de</strong>,<br />

percebe-se também que Zenilda t<strong>em</strong> uma visão política nacional, t<strong>em</strong><br />

informação, o que não se verifica no caso <strong>de</strong> Maria. Maria está começando a ter<br />

uma atuação política e a crescer com ela.<br />

Maria per<strong>de</strong>u a mãe quando ainda era criança, “<strong>de</strong> doença” e morou a<br />

vida toda com o pai, on<strong>de</strong> permanece até hoje. O pai <strong>de</strong>morou anos para se casar<br />

novamente e hoje moram na casa Maria, o pai, a madrasta, os dois filhos e o<br />

marido, Carlos. Maria não é casada n<strong>em</strong> na Igreja e n<strong>em</strong> no civil, é “amigada”.<br />

Este foi um fator para que seu irmão, marido <strong>de</strong> Zenilda, brigasse com ela, ainda<br />

mais porque Carlos é um forasteiro, “v<strong>em</strong> <strong>de</strong> fora”. Hoje, Maria e o irmão não se<br />

falam. Maria não gostava muito <strong>de</strong> freqüentar a Igreja, apesar <strong>de</strong> seu pai ter sido<br />

s<strong>em</strong>pre um hom<strong>em</strong> bastante religioso, que faz parte da Socieda<strong>de</strong> São Vicente <strong>de</strong><br />

Paula e assiste missas na televisão to<strong>dos</strong> os dias. Foi Carlos qu<strong>em</strong> lhe mostrou a<br />

importância <strong>de</strong> participar das missas; ela diz que Carlos mudou muita coisa <strong>em</strong><br />

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sua vida. Maria não participava da associação e n<strong>em</strong> tão pouco ia às reuniões <strong>de</strong><br />

atingi<strong>dos</strong>, diz que não achava importante, que achava que a barrag<strong>em</strong> não ia sair.<br />

Quando Carlos começou a se envolver e se candidatou à presidência da<br />

AMABAF, Maria perguntou: “Você sabe aon<strong>de</strong> está se metendo?”, e ele<br />

respon<strong>de</strong>u que sim, que ele saiu <strong>de</strong> Pernambuco atingido pela barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

Itaparica. Maria ficava <strong>em</strong> casa quando Carlos e Zenilda iam viajar para os<br />

encontros e reuniões do movimento, cuidando <strong>de</strong> seus filhos e <strong>dos</strong> <strong>de</strong>la. Ela diz<br />

que Zenilda não <strong>de</strong>u espaço para ela crescer porque alguém tinha que cuidar das<br />

crianças e este papel era <strong>de</strong>signado s<strong>em</strong>pre a ela. Maria hoje é a presi<strong>de</strong>nte da<br />

nova associação a AABF e referência principal do movimento local. Ao<br />

respon<strong>de</strong>r a pergunta do porque ela ter começado a participar do movimento e<br />

chegado on<strong>de</strong> chegou, ela contou que achava que os caminhos segui<strong>dos</strong> pela<br />

associação não estavam trazendo benefícios para os atingi<strong>dos</strong>. Pelo contrário, que<br />

as negociações estavam caminhando conforme a <strong>em</strong>presa <strong>de</strong>sejava e estava <strong>em</strong><br />

um estágio <strong>em</strong> que a assessoria tinha sido colocada <strong>de</strong> fora do processo. Daí ela<br />

achou que as coisas <strong>de</strong>veriam mudar, que atuação da associação <strong>de</strong>veria ser feita<br />

<strong>de</strong> forma diferente e principalmente que a assessoria da CPT, <strong>de</strong> Viçosa e <strong>dos</strong><br />

padres <strong>de</strong>veria voltar, que a associação <strong>de</strong>veria seguir uma orientação nacional do<br />

Movimento <strong>de</strong> Atingi<strong>dos</strong> por Barragens (MAB). Assim Maria muda sua posição<br />

<strong>de</strong> passivida<strong>de</strong> frente à construção da usina para uma <strong>de</strong> direcionadora, ancorada<br />

pelas assessorias, da luta <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> locais.<br />

Hoje, na comunida<strong>de</strong>, Zenilda faz parte da Igreja, mas a maioria das<br />

pessoas <strong>de</strong>sfiliaram-se da AMABAF (Associação <strong>dos</strong> Moradores Atingi<strong>dos</strong> pela<br />

Barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Fumaça) e a associação que t<strong>em</strong> po<strong>de</strong>r político é a AABF<br />

(Associação <strong>dos</strong> Atingi<strong>dos</strong> pela Barrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Fumaça). A AABF conseguiu<br />

vários a<strong>de</strong>ptos pois conseguiu fazer a “firma” reconhecer os diaristas, os<br />

garimpeiros e os artesãos como atingi<strong>dos</strong> além <strong>de</strong> tentar renegociar os atingi<strong>dos</strong><br />

que não estavam satisfeitos com a negociação inicial.<br />

Analisando as mulheres <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> e sua participação no<br />

movimento, conclui-se que as ativida<strong>de</strong>s, geradas pela Igreja, abr<strong>em</strong> a<br />

possibilida<strong>de</strong> das mulheres adquirir<strong>em</strong> prestígio social, elevando seu “status”<br />

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social, ou seja, <strong>em</strong>po<strong>de</strong>rando-as na medida <strong>em</strong> que po<strong>de</strong>m exercer funções <strong>de</strong><br />

li<strong>de</strong>ranças como coor<strong>de</strong>nadoras da comunida<strong>de</strong>, catequistas, organizadoras <strong>de</strong><br />

eventos religiosos, coor<strong>de</strong>nadoras <strong>de</strong> grupos jovens e <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> reflexão. O<br />

fato <strong>de</strong>las participar<strong>em</strong> das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> ter havido uma certa<br />

ausência masculina <strong>em</strong> algum momento da vida <strong>de</strong>stas mulheres, contribuiu para<br />

que elas assumiss<strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>s que seriam “<strong>de</strong>stinadas” a eles, caso estivess<strong>em</strong><br />

presentes, o que permitiu a elevação do “status” social das mulheres <strong>de</strong> Miguel<br />

<strong>Rodrigues</strong>. Com a construção da barrag<strong>em</strong>, que causa modificações nas esferas<br />

econômicas, sociais, culturais e ambientais na vida das comunida<strong>de</strong>s atingidas, o<br />

medo da perda <strong>de</strong> seu “lugar” e <strong>de</strong> seu “território”, on<strong>de</strong> ocorr<strong>em</strong> suas relações<br />

<strong>de</strong> parentesco e vizinhança e que, <strong>de</strong>sta forma, consegu<strong>em</strong> manter sua<br />

sobrevivência e criação <strong>dos</strong> filhos, as mulheres extrapolaram este<br />

<strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramento para o movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens e se tornaram suas<br />

principais li<strong>de</strong>ranças.<br />

Um estudo feito por WOORTMAN (1992), mostra as variações das<br />

relações <strong>de</strong> gênero com as modificações do espaço e t<strong>em</strong>po. Ela faz uma análise<br />

<strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s “pesqueiras” do nor<strong>de</strong>ste on<strong>de</strong> verifica as mudanças que<br />

ocorr<strong>em</strong> no papel das mulheres com as modificações ocorridas com a vinda do<br />

turismo, o processo <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> terras, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se intensificar<strong>em</strong><br />

as relações e mercado. Utilizando-se <strong>de</strong>ste estudo e trazendo para a realida<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

atingi<strong>dos</strong> por barragens, nota-se também uma mudança nas relações <strong>de</strong> gênero<br />

<strong>em</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>, modificada pelas mudanças <strong>de</strong> espaço e t<strong>em</strong>po. Com a<br />

vinda da <strong>em</strong>presa para a comunida<strong>de</strong>, o espaço <strong>de</strong> atuação social da comunida<strong>de</strong><br />

é marcado pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perdas sociais, econômicas e culturais como já<br />

foi discutido durante este estudo, esta perda fez com que as mulheres adotass<strong>em</strong><br />

uma posição <strong>de</strong> luta pelos direitos da população atingida e <strong>de</strong> enfrentamento com<br />

a <strong>em</strong>presa interessada no projeto <strong>de</strong> construção da usina. As mulheres sent<strong>em</strong><br />

medo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r sua liberda<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong> esta que têm <strong>de</strong> ir e vir <strong>de</strong>ntro da sua<br />

comunida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> to<strong>dos</strong> se conhec<strong>em</strong> e que po<strong>de</strong> estar sendo ameaçada pela<br />

presença <strong>de</strong> “estranhos” que chegam para trabalhar<strong>em</strong> na obra, modificando as<br />

86


elações <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong>. As mulheres preocupam-se com suas filhas<br />

jovens e nas possíveis relações que po<strong>de</strong>m ter com estes “estranhos”.<br />

O conjunto <strong>de</strong> fatos <strong>de</strong>staca<strong>dos</strong> neste it<strong>em</strong> po<strong>de</strong> ser o motivo pelo qual as<br />

mulheres <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> organizaram-se e se tornaram referências no<br />

movimento <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> local, inclusive mostrando suas experiências <strong>em</strong> outras<br />

localida<strong>de</strong>s também atingidas.<br />

87


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Algumas consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser feitas antes <strong>de</strong> se chegar à alguma<br />

conclusão referente a este estudo. Conclusão não <strong>em</strong> um sentido <strong>de</strong> fim, <strong>de</strong> se<br />

colocar um ponto final das discussões aqui geradas, mas no sentido <strong>de</strong> se<br />

aprofundar as questões aqui levantadas e que assim fizeram gerar novos<br />

questionamentos e o crescimento e enriquecimento do trabalho realizado.<br />

Vários motivos levaram estas mulheres a ocupar<strong>em</strong> o lugar <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças<br />

locais na luta a favor <strong>dos</strong> direitos <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> <strong>em</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>. O fato<br />

<strong>de</strong>las ter<strong>em</strong> vivenciado um período <strong>em</strong> que os mari<strong>dos</strong> estavam ausentes, levou-<br />

as a assumir uma posição social <strong>de</strong> representação da família no lugar que seria<br />

tradicionalmente <strong>de</strong>stinado aos homens. A Igreja, na qual elas têm um sentimento<br />

<strong>de</strong> lugar, on<strong>de</strong> t<strong>em</strong> uma relação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e pertencimento, lugar este que<br />

contribuiu para seu crescimento político pu<strong>de</strong>ram assumir sua posição enquanto<br />

sujeito no processo <strong>de</strong> construção da barrag<strong>em</strong> atuando <strong>de</strong>ntro do movimento<br />

local, tornando-se referências principais nas relações com a <strong>em</strong>presa. Lugar on<strong>de</strong><br />

passaram a questionar sua realida<strong>de</strong> percebendo seus probl<strong>em</strong>as e se<br />

organizass<strong>em</strong> para enfrentá-los, sendo alguns ex<strong>em</strong>plos a pastoral da criança,<br />

on<strong>de</strong> seu maior <strong>de</strong>safio é acabar com a <strong>de</strong>snutrição das crianças da comunida<strong>de</strong>.<br />

Algumas <strong>de</strong>stas mulheres organizaram-se, criaram um grupo <strong>de</strong> “saú<strong>de</strong><br />

alternativa”, que através do Teste Bioenergético produz<strong>em</strong> um diagnóstico com<br />

88


os principais probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da pessoa e indicam o tratamento através <strong>de</strong><br />

utilização <strong>de</strong> tinturas e pomadas <strong>de</strong> plantas medicinais. Os grupos <strong>de</strong> reflexão são<br />

importantes, on<strong>de</strong> elas exercitam as discussões sobre o que está escrito na Bíblia.<br />

O medo da perda das suas terras e, conseqüent<strong>em</strong>ente, do território e das<br />

relações sociais presentes na comunida<strong>de</strong>, o medo da perda da liberda<strong>de</strong>, a<br />

preocupação com o futuro da comunida<strong>de</strong>, que fizeram parte a todo momento do<br />

discurso <strong>de</strong>las, fizeram com que assumiss<strong>em</strong> papéis <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a importância na<br />

conquista <strong>de</strong> várias vitórias no processo <strong>de</strong> afirmação <strong>de</strong> seus direitos, que<br />

permeiam a relação atingido/<strong>em</strong>presa construtora da usina. O papel assumido por<br />

estas mulheres no processo <strong>de</strong> construção da barrag<strong>em</strong> trouxe vários ganhos para<br />

a luta <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> pelos seus direitos. Além <strong>de</strong> trazer uma experiência <strong>de</strong><br />

organização política para a comunida<strong>de</strong>.<br />

Uma das questões que se coloca no momento é se as mulheres <strong>de</strong>sta<br />

comunida<strong>de</strong> perceb<strong>em</strong> a importância do papel que estão assumindo, “quebrando”<br />

e modificando papéis sociais que são impostos a elas, mudando as relações<br />

sociais tradicionalmente existentes on<strong>de</strong> o hom<strong>em</strong> assume o espaço público e<br />

político enquanto a mulher cuida da casa, <strong>dos</strong> filhos e do marido. Talvez estas<br />

mudanças na esfera política ger<strong>em</strong> mudanças na esfera privada, passando essas<br />

mulheres a tomar atitu<strong>de</strong>s diferenciadas também na sua casa, nas relações<br />

familiares, e tomando esta posição que possa durar mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terminado o<br />

processo <strong>de</strong> construção da usina. Mas muita coisa já mudou. Maria que era<br />

“quietinha”, segundo ela mesma, não falava e não opinava, que não percebia a<br />

importância do movimento e não imaginava o que a barrag<strong>em</strong> po<strong>de</strong>ria trazer para<br />

a população local, hoje é uma das principais li<strong>de</strong>ranças da comunida<strong>de</strong>, não t<strong>em</strong><br />

medo <strong>de</strong> enfrentar os representantes da <strong>em</strong>presa e exige os direitos <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong><br />

<strong>em</strong>punhando a ban<strong>de</strong>ira do MAB, lutando por melhores condições <strong>de</strong> vida da<br />

população <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong>. Josefina, chamada <strong>de</strong> “raizeira” porque é a<br />

principal referência <strong>em</strong> se tratando <strong>de</strong> plantas medicinais, hoje viaja pelo país<br />

representando os atingi<strong>dos</strong> pela UHE Fumaça, faz cursos <strong>de</strong> formação política<br />

organiza<strong>dos</strong> pelo movimento nacional <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens. Zenilda, que<br />

apesar <strong>de</strong> ter saído enfraquecida da divisão da comunida<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação às duas<br />

89


Associações, <strong>em</strong> seu discurso nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> dizer que o que estava <strong>em</strong><br />

primeiro lugar na sua vida era o b<strong>em</strong> estar da comunida<strong>de</strong> e principalmente <strong>dos</strong><br />

atingi<strong>dos</strong>.<br />

As mulheres <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong> mostraram-se diferentes <strong>de</strong> outras<br />

realida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens na Zona da Mata mineira. D<strong>em</strong>onstraram<br />

um po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> luta que gerou várias conquistas do movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> local.<br />

As mulheres têm sua história marcada pela presença da “Igreja Libertadora” que<br />

as incentivou a questionar a realida<strong>de</strong>, a refletir sobre os papéis que lhes foram<br />

impostos pela socieda<strong>de</strong> e pela própria Igreja, gerando uma relação dialética com<br />

ela. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, a Igreja que é a principal mantenedora <strong>dos</strong> papéis sociais<br />

tradicionais que as mulheres <strong>de</strong>v<strong>em</strong> exercer como mãe, dona <strong>de</strong> casa, servindo ao<br />

marido e à família, teve, nesta localida<strong>de</strong>, crucial importância na construção <strong>de</strong><br />

um sentimento <strong>de</strong> luta e preservação das relações <strong>de</strong> parentesco e <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, da<br />

preocupação com o futuro <strong>dos</strong> filhos e <strong>de</strong> sua família gera<strong>dos</strong> com a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção da usina. As mulheres mostraram-se firmes diante<br />

das ameaças e tentativas <strong>de</strong> corrupção da <strong>em</strong>presa, que tratou a população<br />

atingida como mero obstáculo que impedia a realização <strong>de</strong> seu projeto<br />

direcionado apenas aos ganhos econômicos, lucros para os requerentes da obra.<br />

As mulheres, historicamente, tiveram entraves para participar<strong>em</strong> <strong>dos</strong><br />

movimentos sociais, urbanos e rurais, os quais não viam a importância das<br />

mulheres se colocar<strong>em</strong> como sujeitos também do processo que estavam<br />

enfrentando. Com o t<strong>em</strong>po, as mulheres foram percebendo que elas tinham uma<br />

luta própria, que tinham opiniões formadas sobre os movimentos e o papel que<br />

ocupavam enquanto trabalhadora e que tinham reivindicações próprias a fazer, já<br />

que ganhavam menos que os homens, não podiam ter a posse <strong>de</strong> terras, seus<br />

direitos s<strong>em</strong>pre foram vistos como extensão <strong>dos</strong> direitos <strong>dos</strong> mari<strong>dos</strong>. Mas, <strong>em</strong><br />

suas lutas, realizaram várias conquistas e direitos antes nega<strong>dos</strong> a elas.<br />

A preocupação com o futuro da família, <strong>dos</strong> amigos e <strong>dos</strong> parentes, com<br />

a comunida<strong>de</strong>, fato colocado várias vezes pelas atingidas <strong>de</strong> Miguel <strong>Rodrigues</strong>,<br />

juntamente com os vários fatores observa<strong>dos</strong> e analisa<strong>dos</strong> neste estudo fizeram<br />

com que estas mulheres assumiss<strong>em</strong> a luta <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> e através <strong>de</strong>la, não<br />

90


apenas conseguiram várias conquistas <strong>dos</strong> direitos da população local, mas se<br />

tornaram sujeitos do processo e passaram a ocupar uma posição on<strong>de</strong> se tornaram<br />

referência nas <strong>de</strong>cisões e rumos do movimento local.<br />

Estas mulheres “invadiram” um <strong>dos</strong> espaços <strong>de</strong>stina<strong>dos</strong> aos homens,<br />

romperam <strong>de</strong> forma significativa com o papel <strong>de</strong>stina<strong>dos</strong> a elas na socieda<strong>de</strong>.<br />

Mas um questionamento ainda fica <strong>em</strong> relação a esta atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas mulheres.<br />

Será que elas estão reproduzindo ações masculinas ou estão criando uma forma<br />

propriamente f<strong>em</strong>inina <strong>de</strong> participação e <strong>de</strong> luta por seus direitos? Será que elas<br />

têm consciência <strong>de</strong> que estão quebrando relações sociais tradicionalmente<br />

impostas a elas? Estas questões po<strong>de</strong>rão ser respondidas após o processo <strong>de</strong><br />

construção da barrag<strong>em</strong>, on<strong>de</strong> serão verificadas as posições que estas mulheres<br />

irão tomar <strong>em</strong> relação à comunida<strong>de</strong> e as relações que as reg<strong>em</strong>, para se analisar<br />

se elas criaram uma real consciência das ações que estão realizando agora,<br />

durante o processo <strong>de</strong> construção da barrag<strong>em</strong> e na organização do movimento, e<br />

se esta maior autonomia adquirida irá permear o seu cotidiano<br />

Estas mulheres mostraram a importância <strong>de</strong> se estar modificando seus<br />

papéis sociais e políticos na luta por melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, afirmação <strong>de</strong> seus<br />

direitos, na luta por uma socieda<strong>de</strong> mais igualitária mais justa, on<strong>de</strong> to<strong>dos</strong><br />

particip<strong>em</strong> <strong>de</strong> forma eqüitativa da construção e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong><br />

b<strong>em</strong> como <strong>de</strong> seus frutos.<br />

Mas muito ainda <strong>de</strong>ve ser mudado no processo e construção <strong>de</strong> barragens<br />

no Brasil, tanto para atingi<strong>dos</strong> como para atingidas. As mulheres <strong>de</strong> Miguel<br />

<strong>Rodrigues</strong> são um ex<strong>em</strong>plo na Zona da Mata mineira diante <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

vários projetos <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> barragens no Estado. Além do mais, elas<br />

tiveram muitas conquistas, mas muita coisa a <strong>em</strong>presa conseguiu impl<strong>em</strong>entar <strong>de</strong><br />

acordo com seus interesses; a luta é diária, cotidiana, muitas <strong>de</strong>las saíram feridas<br />

da luta, como é o caso <strong>de</strong> Zenilda que sofreu diversas acusações durante o t<strong>em</strong>po<br />

<strong>em</strong> que era referência principal no processo. Ainda falta muito para que o<br />

processo se apresente <strong>de</strong> forma mais <strong>de</strong>mocrática com participação efetiva da<br />

população local atingida no processo. Atualmente, com o discurso do governo<br />

fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> racionamento <strong>de</strong> energia, cada vez mais o processo ten<strong>de</strong> a se tornar<br />

91


menos <strong>de</strong>mocrático e mais rápido, com o argumento que o país necessita <strong>de</strong><br />

maior geração <strong>de</strong> energia. Des<strong>de</strong> o início, o processo é realizado <strong>de</strong> maneira a ser<br />

atendi<strong>dos</strong> apenas os interesses por parte da <strong>em</strong>presa responsável pela construção<br />

da usina e colocando os atingi<strong>dos</strong> na posição objetos e não sujeitos no <strong>de</strong>correr<br />

das relações <strong>em</strong>presa/atingi<strong>dos</strong>. O movimento nacional t<strong>em</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

articular pois o movimento <strong>de</strong> atingi<strong>dos</strong> por barragens enfrenta realida<strong>de</strong>s<br />

diferenciadas já que a categoria atingi<strong>dos</strong> não representa uma classe social ou<br />

uma cultura <strong>de</strong>terminada, um atingido po<strong>de</strong> ser um pequeno ou gran<strong>de</strong> produtor,<br />

po<strong>de</strong> ser branco ou negro, hom<strong>em</strong> ou mulher e po<strong>de</strong>m ocorrer <strong>em</strong> diversas<br />

regiões do país. Mas a sua luta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua criação trouxe várias conquistas e<br />

gerou a minimização <strong>dos</strong> impactos causa<strong>dos</strong> pelos projetos <strong>de</strong> barrag<strong>em</strong> <strong>em</strong> todo<br />

o país.<br />

A relevância <strong>de</strong>ste estudo está <strong>em</strong> <strong>de</strong>monstrar que as mulheres <strong>de</strong> Miguel<br />

<strong>Rodrigues</strong> mostraram a sua força e mostraram também que existe esperança para<br />

que o futuro do país e das relações sociais que o reg<strong>em</strong> possam seguir numa<br />

direção on<strong>de</strong> os direitos <strong>de</strong> seus cidadão possam ser garanti<strong>dos</strong>. As atingidas e os<br />

atingi<strong>dos</strong> ao tentar<strong>em</strong> resistir às mudanças geradas pela construção das barragens,<br />

no seu modo <strong>de</strong> vida, mudaram, mas não mudaram sozinhas, obrigaram muitas<br />

vezes a ALCAN a mudar seu comportamento e seu procedimento no tratamento<br />

com a população local, que po<strong>de</strong> representar um passo <strong>de</strong> uma longa caminhada<br />

da luta <strong>dos</strong> atingi<strong>dos</strong> pelos seus direitos no processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma usina<br />

hidrelétrica.<br />

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