CARBONE, Roberta. O trabalho teatral de João ... - Portal ABRACE
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preten<strong>de</strong>u impor os i<strong>de</strong>ias revolucionários <strong>de</strong> cima para baixo, ao contrário do<br />
exposto no relato <strong>de</strong> Neves:<br />
Na arte popular 3 , que é ligada a uma religiosida<strong>de</strong> muito gran<strong>de</strong>, ele<br />
(Estevam) a associa a formas arcaicas do povo brasileiro, à i<strong>de</strong>ologia do<br />
latifundiário etc. E isso não é verda<strong>de</strong>, ela é arte <strong>de</strong> resistência, pois se existe uma<br />
religiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> manifestação, não é da elite, é do povo, que<br />
pega a religião imposta pelo opressor e transforma isso em instrumento <strong>de</strong><br />
libertação. (...) Coisas que nós já discutíamos na época, que geravam fortes<br />
discordâncias. (Traulito: 2012, p. 13)<br />
Ainda, com a interrupção das ativida<strong>de</strong>s do Centro Popular <strong>de</strong> Cultura<br />
por força do Golpe Militar, Neves soma-se ao coletivo <strong>de</strong> artistas que intenta<br />
dar continuida<strong>de</strong> ao <strong>de</strong>bate do pré-64. E, num movimento <strong>de</strong> resistência<br />
cultural às transformações políticas, ele torna-se um dos i<strong>de</strong>alizadores do<br />
Grupo Opinião. Para o entendimento aprofundado do processo <strong>de</strong> rearticulação<br />
do projeto cultural e artístico nacional, essa experiência <strong>de</strong>ve ser dividida em<br />
duas etapas que, segundo Roberto Schwarz 4 , correspon<strong>de</strong>m a momentos<br />
históricos distintos da ativida<strong>de</strong> cultural.<br />
A primeira se refere ao período imediatamente após o golpe militar e se<br />
esten<strong>de</strong> até 1968, em que: “Apesar da ditadura da direita há relativa<br />
hegemonia cultural da esquerda no país.” (1978, p. 62) E, por isso, as<br />
produções <strong>de</strong>sse período, ainda nos mol<strong>de</strong>s do CPC, pu<strong>de</strong>ram manter o seu<br />
argumento construído coletivamente, bem como verticalizar a pesquisa sobre a<br />
experimentação das formas. A reflexão sobre as condições <strong>de</strong> vida no campo<br />
se mantém, mas a volta aos teatros obriga-os a se afastar do público <strong>de</strong> que<br />
suas peças falam. Se por um lado essa volta soa como um recuo, por outro se<br />
apresenta como única possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manutenção da estrutura criativa<br />
anterior, já que o contato direto com o “povo” fora completamente<br />
<strong>de</strong>smantelado pelo golpe. Desses quatro primeiros anos da fundação do grupo,<br />
tem-se a produção do Show Opinião e das peças Liberda<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong> e Se<br />
correr o bicho pega, se ficar o bicho come.<br />
A segunda fase do grupo vai <strong>de</strong> 1968 até a sua extinção, em 1982.<br />
Sabe-se hoje que, mesmo após o endurecimento do regime militar e o <strong>de</strong>creto<br />
do Ato Institucional n° 5, Neves procura dar continuida<strong>de</strong> ao <strong>trabalho</strong> do Grupo<br />
Opinião. E, após a tentativa <strong>de</strong> criar um segundo núcleo na Bahia, em 1976,<br />
leva aos palcos do Rio <strong>de</strong> Janeiro a peça a que todos hoje o i<strong>de</strong>ntificam: O<br />
3<br />
De acordo com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Carlos Estevam, leia-se aqui “arte do povo.”<br />
4<br />
A análise <strong>de</strong> Roberto Schwarz sobre as diferenças históricas entre os quatro primeiros anos<br />
após o golpe militar e o período posterior a 1968 encontra-se principalmente no ensaio<br />
“Cultura e política, 1964-1969.” In O pai <strong>de</strong> família e outros estudos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e<br />
Terra, 1978.