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ENCARTE Junho/2005 - International Plant Nutrition Institute

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<strong>ENCARTE</strong><br />

TÉCNICO<br />

INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong><br />

CANA-DE-AÇÚCAR: AMBIENTES DE PRODUÇÃO<br />

1. DESENVOLVIMENTO RADICULAR<br />

DA CANA-DE-AÇÚCAR<br />

Antônio Carlos Machado de Vasconcelos 1<br />

Julio Cesar Garcia 1<br />

Acompreensão dos fenômenos que ocorrem na parte<br />

aérea das plantas torna-se mais completa quando<br />

também se compreende o que ocorre abaixo da<br />

superfície do solo, principalmente com relação ao crescimento e à<br />

distribuição de raízes no perfil. O sistema radicular é o principal elo<br />

de ligação entre a planta e o ambiente de produção. É a “boca” e o<br />

alicerce do vegetal.<br />

No Instituto Agronômico de Campinas, Inforzato e Alvarez<br />

realizaram algumas pesquisas sobre o sistema radicular da cana-deaçúcar<br />

no ano de 1957. Desde então, pouco estudo tem sido realizado<br />

pelos programas de melhoramento com relação ao desenvolvimento<br />

radicular.<br />

O desenvolvimento do sistema radicular tem influência<br />

direta sobre algumas características da planta, tais como: resistência<br />

à seca, eficiência na absorção dos nutrientes do solo, tolerância ao<br />

ataque de pragas do solo, capacidade de germinação e/ou brotação,<br />

porte (ereto ou decumbente), tolerância à movimentação de máquinas,<br />

etc. De tais fatores depende a produtividade final.<br />

Entretanto, não é a quantidade de raízes o fator determinante<br />

destas vantagens, mas a sua distribuição no perfil do solo ao longo<br />

das estações do ano. Uma quantidade muito grande de raízes nas<br />

camadas superficiais do solo pode significar um gasto excessivo de<br />

metabólitos sintetizados na parte aérea e translocados para as raízes,<br />

além de maior risco de estresse hídrico em períodos de veranico,<br />

mas, por outro lado, em condições de cana irrigada, esta distribuição<br />

pode ser muito favorável.<br />

A arquitetura e a distribuição radicular dependem de:<br />

• Fatores genéticos;<br />

• Fatores ambientais: solo e clima.<br />

1. FATORES GENÉTICOS<br />

Assim como existem diferenças marcantes nas características<br />

da parte aérea entre espécies vegetais e entre variedades de<br />

determinada espécie, também existem grandes diferenças no<br />

desenvolvimento e na arquitetura dos seus sistemas radiculares. O<br />

conhecimento da parte aérea de uma variedade não significa o<br />

conhecimento da planta. Como exemplo, veja na Figura 1 a diferença<br />

de desenvolvimento radicular de algumas variedades de cana-deaçúcar<br />

estudadas em Latossolo Vermelho com caráter álico, da região<br />

de Assis (SP), em ciclo de cana-planta, no ano de 1997 (VAS-<br />

CONCELOS, 1998).<br />

Vale lembrar que, mesmo para uma única variedade, não<br />

se pode fazer uma descrição padrão do seu sistema radicular, pois<br />

caso o estudo apresentado na Figura 1 fosse realizado em outro<br />

tipo de solo, em soqueira, em outro ano, sob outras condições de<br />

precipitação e temperatura, certamente esta descrição teria algumas<br />

variações. Isto explica parte das interações entre genótipo e<br />

ambiente.<br />

A arquitetura do sistema radicular também sofre alterações<br />

de acordo com a idade da planta, tanto entre ciclos (cortes) como<br />

dentro de um mesmo ciclo (meses de desenvolvimento). O sistema<br />

radicular da cana-planta explora mais intensamente as camadas<br />

mais superficiais do solo, se comparada à soqueira, que apresenta<br />

um incremento na exploração de subsuperfície (Figuras 2a e 2b).<br />

Enquanto as práticas de calagem e de adubação de cana-planta<br />

exercem maiores efeitos sobre a produtividade até o 2 o corte, os<br />

atributos químicos de subsuperfície têm maior importância a partir<br />

do 3 o corte (LANDELL et al., 2003). Em uma lavoura de 8 o corte<br />

pode-se encontrar alta ocorrência de raízes abaixo de dois metros<br />

de profundidade (Figura 3). Mas essa melhor exploração de subsuperfície<br />

pelas soqueiras varia também em função da classe de<br />

solo, de seus atributos físico-químicos e da disponibilidade hídrica<br />

do local. Embora a cana-planta apresente menor quantidade de raízes<br />

que as soqueiras, sua eficiência de absorção por unidade de superfície<br />

é maior, pois apresenta um conjunto de raízes mais novas e<br />

mais tenras que as soqueiras, que têm um sistema com uma proporção<br />

maior de raízes mais velhas e mais lignificadas e cuja manutenção<br />

compete mais com a parte aérea por energia. É muito provável<br />

que essa seja uma das causas da queda de produtividade de um<br />

corte para o outro.<br />

2. FATORES DO SOLO<br />

Pode-se relacionar três conjuntos de fatores do solo que<br />

interferem no desenvolvimento radicular: pedogenéticos, atributos<br />

físicos e atributos químicos.<br />

1<br />

Pesquisador Científico do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Ribeirão Preto, SP; e-mail: acvascon@iac.sp.gov.br<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 1


Figura 1. Distribuição do sistema radicular das variedades IAC87-3396, RB72454, SP80-1842 e RB855536 aos 16,5 meses de idade (g em 78 dm 3 de<br />

solo).<br />

a b<br />

Figura 2. Representação da distribuição do sistema radicular de canaplanta<br />

(a) comparada à distribuição em cana-soca (b).<br />

2.1. Pedogenéticos<br />

A constituição granulométrica (argila, silte, areia fina, areia<br />

grossa) do solo e sua dinâmica nas diversas camadas do perfil<br />

dependem dos fatores pedogenéticos, determinando seus atributos<br />

físico-químicos, assim como a profundidade de cada horizonte.<br />

Entre os Latossolos e os Argissolos existem diferenças<br />

marcantes quanto ao teor de argila, quantidade de macroporos e de<br />

microporos e capacidade de retenção de água nas diferentes<br />

camadas do perfil que, por sua vez, influenciam no desenvolvimento<br />

radicular. Outros exemplos, como o adensamento, que pode ser<br />

resultado de processos da gênese do solo, ou a existência de uma<br />

camada de plintita afetam o desenvolvimento radicular.<br />

2.2. Atributos físicos<br />

Figura 3. Perfil do solo com raízes expostas visíveis até 2,4 metros de<br />

profundidade (soqueira de 8 o corte).<br />

• Densidade do solo<br />

Um dos atributos que mais interferem no desenvolvimento<br />

radicular é a densidade do solo. A densidade pode apresentar aumento<br />

de valores devido à compactação resultante de pressões<br />

exercidas pelo tráfego de máquinas, veículos, implementos e animais.<br />

O aumento na densidade do solo ocorre simultaneamente à<br />

redução da macroporosidade, redução da aeração, redução da condutividade<br />

hidráulica e gasosa e aumento da resistência à penetração.<br />

Todas essas alterações interferem, direta ou indiretamente, no<br />

desenvolvimento radicular, como ilustrado na Figura 4, onde se<br />

pode ver porções do perfil com densidade excessiva impedindo o<br />

desenvolvimento radicular da cana-de-açúcar. Esse solo, com argila<br />

em torno de 60%, tem densidade de 1,19 g cm -3 na profundidade<br />

entre 60 cm e 80 cm, mas nas porções de impedimento do crescimento<br />

radicular foram encontrados valores de densidade em torno<br />

de 1,45 g cm -3 . Para essa classe de solo e com esse teor de argila, a<br />

densidade de 1,45 g cm -3 é muito alta.<br />

Mas, para saber se a densidade de um solo é alta ou não, é<br />

necessário conhecer o teor de argila do solo e o perfil de desenvolvimento<br />

radicular nas condições edafoclimáticas em que se<br />

2<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


Na Figura 6 é apresentada uma condição de densidade de<br />

um solo cultivado com cana-de-açúcar, comparada à condição<br />

original de solo sob mata nativa. Os solos em questão são Latossolos,<br />

com teor de argila superior a 50% (VASCONCELOS et al., 2004).<br />

No solo de mata, a densidade permanece aproximadamente constante<br />

ao longo do perfil, em torno de 1,10 g cm -3 e 1,15 g cm -3 . Nos<br />

solos cultivados, houve aumento de densidade. Entre 0 e 20 cm,<br />

aumentou de 1,10 g cm -3 para 1,30 g cm -3 . Entre 20 cm e 40 cm,<br />

aumentou de 1,13 g cm -3 para 1,35 g cm -3 . Esse aumento de densidade<br />

foi acompanhado pela redução da porosidade total (Figura 7). Por<br />

outro lado, houve aumento da capacidade de retenção de água no<br />

solo (Figura 8).<br />

Figura 4. Distribuição do sistema radicular da cana-de-açúcar, com destaque<br />

para porções do perfil com densidade superior à crítica<br />

para o desenvolvimento radicular. Projeto RHIZOCANA. (VAS-<br />

CONCELOS et al., 2004).<br />

cultiva o vegetal. Para um Latossolo Vermelho com teor de argila<br />

em torno de 30%, por exemplo, o valor da densidade de 1,45 g cm -3<br />

seria baixo e não prejudicaria o desenvolvimento radicular. Portanto,<br />

mesmo considerando-se uma única cultura ou uma única<br />

variedade, generalizar faixas de densidades críticas para diversos<br />

solos e diversas condições é um grande erro.<br />

No Projeto RHIZOCANA, desenvolvido pelo Centro de Cana<br />

IAC, são realizados levantamentos em diversas classes de solos<br />

com o objetivo de se determinar faixas de densidades críticas ao<br />

desenvolvimento radicular em diferentes ambientes de produção e<br />

fornecer tais parâmetros para orientar as decisões sobre operações<br />

de preparo do solo e cultivo da cana-de-açúcar.<br />

A região de crescimento da raiz que vence a resistência das<br />

porções compactadas do solo é a região da coifa (Figura 5).<br />

Figura 6. Densidade do solo em condição de mata nativa e de cultivo com<br />

cana-de-açúcar (cana-planta).<br />

Figura 7. Porosidade total do solo em condição de mata nativa e de cultivo<br />

com cana-de-açúcar (cana-planta).<br />

Figura 5. Região da coifa de raiz de cana-de-açúcar.<br />

É importante se ter em vista duas questões complementares:<br />

• Qual a força que uma raiz consegue exercer sobre o solo<br />

para vencer a compactação?<br />

• Qual o grau de compactação que é tolerável pela planta?<br />

É comum haver maior retenção de água em solos mais densos<br />

devido ao aumento da proporção de microporos em relação aos<br />

macroporos. Mas a porosidade total diminui e, com isso, diminui<br />

também a aeração e conseqüentemente a condutividade hidráulica<br />

e gasosa. Portanto, maior retenção de água no solo resultante de<br />

compactação não significa maior disponibilidade de água para a<br />

planta. Propõe-se, inclusive, a utilização do termo “capacidade de<br />

retenção de água (CRA)” ao invés de “capacidade de água disponível”<br />

(CAD), como normalmente é mencionado esse atributo,<br />

pois há diferença entre a disponibilidade de água para a planta e a<br />

quantidade de água retida no solo.<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 3


Capacidade de Retenção de Água<br />

Latossolo com argila > 50%<br />

CRA (%)<br />

Figura 9. Desenvolvimento radicular numa condição de disponibilidade<br />

hídrica alta (solo úmido).<br />

Figura 8. Capacidade de retenção de água no solo em condição de mata<br />

nativa e de cultivo com cana-de-açúcar (cana-planta).<br />

A redução da aeração também é outro problema nos solos<br />

compactados. Asady et al. (1985) relatam que a penetração de<br />

raízes em camadas compactadas decresce linearmente quando a<br />

aeração é reduzida a partir de 30% até 0%. Quanto à importância<br />

da disponibilidade de oxigênio às raízes, Erickson e Van Doren<br />

(1961) constataram que quando a difusão do oxigênio cai para<br />

menos de 58 mg m -2 s -1 , o crescimento radicular é restringido. Solos<br />

compactados apresentam difusão inferior a 33 mg m -2 s -1 (ERICK-<br />

SON, 1982).<br />

Além da pressão exercida pelas máquinas, a umidade do<br />

solo no momento das operações também atua como importante<br />

fator na distribuição da compactação no perfil, e o grau dos efeitos<br />

prejudiciais depende das proporções de argila:silte:areia das diferentes<br />

classes de solo.<br />

• Umidade do solo<br />

É indiscutível a importância da disponibilidade de água para<br />

a planta. E o sistema radicular é a “boca” de captação dessa água.<br />

Portanto, a utilização de água pela parte aérea depende, principalmente,<br />

da distribuição do sistema radicular. Por outro lado, essa<br />

distribuição no perfil do solo depende da umidade e dos ciclos<br />

hídricos em determinada região. Em regiões ou períodos secos, a<br />

arquitetura radicular apresenta maior proporção de raízes profundas<br />

em relação ao total, comparada àquela em locais ou períodos<br />

úmidos. Se o solo seca de cima para baixo, as camadas superficiais<br />

tornam-se mais resistentes à penetração de raízes antes das camadas<br />

mais profundas. Enquanto o sistema radicular, na superfície,<br />

tem seu crescimento paralisado ou até reduzido pela morte de raízes,<br />

nas camadas mais profundas o crescimento se mantém por mais<br />

tempo, resultando em um aprofundamento do sistema radicular<br />

(Figura 9, Figura 10 e Figura 11). Além disso, os metabólitos que<br />

seriam utilizados para a formação de raízes superficiais podem ser,<br />

então, utilizados na formação de raízes mais profundas.<br />

É a natureza: o próprio processo de secagem do solo<br />

fazendo com que haja uma mudança estrutural no vegetal para a<br />

sua sobrevivência.<br />

Segundo Stasovski e Peterson (1993), as alterações estruturais<br />

nas raízes em resposta à seca são permanentes e o restabelecimento<br />

do crescimento após a reidratação envolve, usualmente,<br />

a formação de novas raízes laterais. Engels et al. (1994) constataram<br />

que plantas de milho podem responder rapidamente ao ressecamento<br />

e reumedecimento das camadas superficiais do solo através<br />

Figura 10. Desenvolvimento radicular numa condição de disponibilidade<br />

hídrica média (solo secando).<br />

Figura 11. Desenvolvimento radicular numa condição de disponibilidade<br />

hídrica muito baixa (solo seco).<br />

do aumento do crescimento de raízes nas camadas com condições<br />

mais favoráveis. Os autores concluem que esta plasticidade no<br />

crescimento de raízes é um fator que contribui para a manutenção<br />

de um adequado estado nutricional.<br />

A umidade do solo e os outros atributos como porosidade,<br />

aeração e resistência à penetração, estão interligados quanto à<br />

influência sobre o crescimento radicular. Pouco adianta um teor de<br />

água no solo ser satisfatório se houver baixa aeração e alta resistência<br />

à penetração. É lógico que a umidade diminui a resistência<br />

à penetração se comparada à condição de solo seco. Mas um solo<br />

compactado, mesmo estando úmido, tem elevada resistência à<br />

penetração. Se existir camada de impedimento do crescimento para<br />

camadas mais profundas, em períodos de seca, a planta estará mais<br />

sujeita ao estresse hídrico.<br />

2.3. Atributos químicos<br />

Quanto aos aspectos nutricionais, a adaptação de uma<br />

variedade a um solo de baixa fertilidade depende da eficiência de<br />

absorção do sistema radicular e de sua tolerância a elementos<br />

tóxicos. Segundo Anghinoni e Meurer (1999), a aquisição de<br />

nutrientes é alterada sempre que a cinética de absorção ou o<br />

crescimento das raízes forem afetados. O teor de alumínio no solo,<br />

responsável pela redução no crescimento das raízes, varia com as<br />

espécies, cultivares e com o solo, especialmente quanto ao seu teor<br />

de cálcio, pois as raízes não crescem em solos deficientes deste<br />

4<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


nutriente, que é essencial para a divisão celular e para a funcionalidade<br />

da membrana celular. Segundo Furlani (1983), a toxidez de<br />

alumínio pode provocar a fixação de fósforo em formas menos<br />

disponíveis, diminuir a taxa de respiração, interferir em reações<br />

enzimáticas responsáveis pela deposição de polissacarídeos nas<br />

paredes celulares e modificar a dinâmica de absorção e transporte<br />

de vários nutrientes, principalmente Ca, Mg e P. Por outro lado,<br />

Zhang e Barber (1992) comprovaram que a liberação de fósforo<br />

estimula o crescimento de raízes.<br />

Segundo Tinker (1981), é essencial que raízes e nutrientes<br />

se distribuam apropriadamente entre si para haver máxima eficiência<br />

do sistema radicular e isso também deve ser considerado em relação<br />

à variável tempo, devido ao crescimento e distribuição das raízes,<br />

ao movimento de íons no solo, às alterações de demanda pela cultura<br />

e às mudanças do teor de água no solo.<br />

3. FATORES CLIMÁTICOS<br />

3.1. Temperatura<br />

A temperatura do solo influencia a biomassa radicular<br />

(WALKER, 1969), o grau de elongação (LOGSDON et al., 1987) e<br />

de ramificação (BOX, 1996). Segundo esse último autor, a orientação<br />

do crescimento radicular é mais horizontal sob baixas temperaturas.<br />

A manutenção do colchão de palha residual da colheita<br />

mecanizada crua proporciona maior disponibilidade hídrica no solo,<br />

comparada à condição de solo nu. Por outro lado, a presença da<br />

palha resulta em menor temperatura do solo. Abramo Filho (1995)<br />

constatou que a temperatura da superfície da palha foi 5 o C superior<br />

à temperatura sob o colchão de palha. Com isso, variedades com<br />

diferentes capacidades de desenvolvimento radicular e tolerância à<br />

seca reagem distintamente a estas condições e estes fatores interferem<br />

na absorção de nutrientes e têm grande influência no desenvolvimento<br />

radicular.<br />

3.2. Precipitação<br />

A precipitação em cada região e a capacidade de armazenamento<br />

de água no solo determinam a disponibilidade de água<br />

para o desenvolvimento radicular. De nada adianta um solo<br />

apresentar excelentes atributos físico-químicos e elevada capacidade<br />

de armazenamento de água se não chove na região. O contrário<br />

também é verdadeiro: se chove bem, mas o solo tem capacidade de<br />

armazenamento muito baixa, poucos dias sem chuva e elevada evapotranspiração<br />

podem resultar em deficiência hídrica, resultando<br />

no processo de redução de raízes superficiais e conseqüente alteração<br />

na arquitetura do sistema radicular.<br />

Portanto, para a adequada classificação de ambiente de produção,<br />

não se pode levar em consideração apenas a classe de solo<br />

e sua condição de fertilidade, mas sim, deve-se avaliar o conjunto<br />

de condições que possam favorecer, permitir ou impedir o desenvolvimento<br />

radicular e da parte aérea.<br />

4. REFERÊNCIAS<br />

ABRAMO FILHO, J. Decomposição da palha da cana-de-açúcar<br />

em canavial colhido sem queima, mecanicamente. Rio Claro, 1995.<br />

91 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas)–Instituto de<br />

Biociências, Universidade Estadual Paulista.<br />

ANGHINONI, I.; MEURER, E. J. Eficiência de absorção de nutrientes<br />

pelas raízes. In: WORKSHOP SOBRE SISTEMA RADICULAR:<br />

METODOLOGIAS E ESTUDO DE CASOS, 1999, Aracaju. Anais…<br />

Embrapa Tabuleiros Costeiros, 1999. p. 57-87.<br />

ASADY, G. H.; SMUCKER, A. J. M.; ADAMS, M. W. Seedlings test<br />

for the quantitative measurement of root tolerances to compacted<br />

soils. Crop Science, v. 25, p. 802-806, 1985.<br />

BOX, J. E. Modern methods of root investigations. In: WAISE, Y.;<br />

ESHEL, A.; KAFKAFI, V. (Ed.). <strong>Plant</strong> roots: the hidden half. 2. ed.<br />

New York: Marcel Dekker Inc., 1996. p. 193-237.<br />

ENGELS, C.; MOLLENKOPF, M.; MARSCHNER, H. Effect of drying<br />

and rewetting the topsoil on root growth of maize and rape in<br />

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1994.<br />

ERICKSON, A. E. Tillage effects on soil aeration. In: UNGER, P. W.;<br />

DOREN JR., D. M. van (Ed.). Predicting tillage effects on soil physical<br />

properties and processes. Madison: ASA, 1982. p. 91-104,<br />

(ASA Spec. Publ. 44)<br />

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Amsterdam: Elsevier, v. 4, 1961. p. 428-432.<br />

FURLANI, P. R. Toxidade de alumínio e toxidez em plantas.In: RAIJ,<br />

B. van; BATAGLIA, O. C.; SILVA, N. M. Acidez e calagem no Brasil.<br />

Campinas: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 1983. p. 78-86.<br />

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Bragantia, v. 16, p. 1-13, 1957.<br />

LANDELL, M. G. A.; PRADO, H.; VASCONCELOS, A. C. M.; PE-<br />

RECIN, D.; ROSSETTO, R.; BIDÓIA, M. A. P.; XAVIER, M. A.<br />

Oxisol subsurface chemical attributes related sugarcane productivity.<br />

Scientia Agricola, v. 60, p. 741-745, 2003.<br />

LOGSDON, S. D.; RENEAU JR., R. B.; PARKER, J. C. Corn seedling<br />

root growth as influenced by soil physical properties. Agronomy<br />

Journal, v. 79, p. 221-224, 1987.<br />

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subsequent rehydration on the structure, vitality and permeability<br />

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v. 71, p. 700-707, 1993.<br />

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Proceedings... Londrina: Fundação Instituto Agronômico do Paraná,<br />

1981. p. 115-136.<br />

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108 p. Dissertação (Mestrado em Produção Vegetal)–Faculdade de<br />

Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista.<br />

VASCONCELOS, A. C. M.; PRADO, H.; LANDELL, M. G. A. Desenvolvimento<br />

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Preto: IAC, 2004. 31 p. (Projeto RHIZOCANA: relatório de pesquisa)<br />

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maize seedlings behaviour. Soil Science Society of America<br />

Proceedings, v. 33, p. 729-7363, 1969.<br />

ZHANG, J.; BARBER, S. A. Maize root distribution between phosphorus-fertilized<br />

and unfertilized soil. Soil Science Society of<br />

America Journal, v. 56, n. 3, p. 819-822, 1992.<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 5


2. NUTRIÇÃO E ADUBAÇÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR:<br />

indagações e reflexões<br />

Raffaella Rossetto 1<br />

Fábio Luis Ferreira Dias 2<br />

Aadubação é um dos fatores<br />

que determinam a<br />

produtividade. Muitas<br />

vezes, quando se pensa em adubação, a<br />

maior preocupação ocorre em relação às<br />

dosagens e aos custos dos fertilizantes.<br />

Entretanto, as práticas agrícolas estão Mo?<br />

todas interligadas. Uma adubação perfeita<br />

pode ir por água abaixo se o agricultor<br />

não observar a presença de pragas<br />

Ca?<br />

ou a concorrência de mato, ou a compactação<br />

do solo ou a época de plantio, enfim,<br />

todas as variáveis. Também o modo<br />

Si?<br />

de aplicação do fertilizante, a regulagem<br />

dos implementos e a época de aplicação Cu?<br />

podem ser determinantes do sucesso das<br />

N?<br />

adubações no aumento da produtividade,<br />

ou seja, aumentos significativos de<br />

Zn?<br />

produtividade são obtidos com a melhoria<br />

de todas as práticas agrícolas, conjuntamente.<br />

Para calcular quanto aplicar de determinado fertilizante é<br />

necessário saber quanto a cultura necessita de cada elemento,<br />

quanto o solo fornece e quais são os nutrientes que deverão ser<br />

supridos. Algumas ferramentas nos auxiliam a determinar quais os<br />

elementos que estão em falta. A principal é a análise do solo, que dá<br />

uma boa idéia da disponibilidade dos nutrientes e do fornecimento<br />

de nutrientes de que se pode dispor. Desse modo, inicia-se com<br />

a coleta de amostras de terra que representarão toda a área que se<br />

pretende adubar. Portanto, é indispensável que a amostragem seja<br />

feita com muito critério. A melhor análise, feita no melhor laboratório,<br />

não corrigirá uma amostragem mal feita. Junto com a análise<br />

de solo é importante conhecer o histórico da área – o manejo realizado<br />

anteriormente e respectivo desempenho da(s) cultura(s), dentre<br />

outros – pois traz indicativos que auxiliam na prática da adubação.<br />

Assim, sintomas de deficiência ou de toxidez devem ser<br />

observados durante todo o ciclo da cana. É possível que não se<br />

tenha tempo para corrigir deficiências no mesmo ciclo da cultura,<br />

mas as observações devem constar do programa de adubação do<br />

ano subseqüente. Além da diagnose visual, a diagnose foliar também<br />

pode ajudar na identificação do nutriente ou do elemento em<br />

falta e/ou excesso. A diagnose foliar é feita através da análise química<br />

de amostras representativas do talhão – primeira folha na qual<br />

se vê a bainha e a aurícula.<br />

Os conceitos de extração e exportação de nutrientes pela<br />

cultura também são úteis para indicar quanto de nutrientes será<br />

necessário repor no local. Existem experimentos<br />

que indicam as quantidades de<br />

nutrientes extraídas e exportadas pelos<br />

colmos da cana-de-açúcar para cada<br />

tonelada de matéria vegetal produzida.<br />

Por isso, saber quanto foi a produtividade<br />

da cana naquele local no ano anterior<br />

também fornece importantes indi-<br />

K?<br />

cativos para o manejo da adubação.<br />

A expectativa de produtividade<br />

é um conceito que se aplica a diversas<br />

P?<br />

culturas e que auxilia na recomendação<br />

B? da adubação pela seguinte razão: culturas<br />

mais produtivas requerem maior<br />

quantidade de nutrientes. Mas a produtividade<br />

esperada pode não ser a produtividade<br />

desejada. A produtividade espe-<br />

S? Mg?<br />

rada é função do potencial do solo, da<br />

genética da planta, das condições de<br />

manejo, de clima, do fornecimento suficiente<br />

de água, do controle de pragas,<br />

etc.; assim, ela deve estar entre a média de produtividade obtida<br />

naquela área e a máxima produtividade obtida no mesmo local. Por<br />

isso é importante conhecer o histórico da área/região.<br />

A POTAFOS publicou dois encartes contendo recomendações<br />

e muitas informações vindas da pesquisa que foram adotadas<br />

para o manejo da cana-de-açúcar e que são indicadas para o<br />

manejo sustentável, o primeiro escrito por Orlando Filho et al. (1994)<br />

e o segundo, por Vitti e Mazza (2002). Por isso, o presente artigo irá<br />

tratar de alguns pontos polêmicos, aqueles que precisam de maiores<br />

investigações, na tentativa de instigar técnicos e curiosos envolvidos<br />

com o manejo da cana, a fim de contribuir para o debate e a<br />

busca de soluções.<br />

Fe?<br />

1. O CULTIVO CONTÍNUO DA CANA PODE DIMINUIR<br />

A FERTILIDADE DOS SOLOS?<br />

Há controvérsias. É muito comum encontrar na literatura<br />

citações afirmando que a agricultura tradicional degrada a fertilidade<br />

dos solos nas regiões tropicais. No Brasil, a cana vem sendo<br />

cultivada nos mesmos locais por muitos anos sem queda na<br />

produtividade. É verdade que o preparo do solo induz a maior<br />

atividade microbiana e conseqüente queda no teor de matéria<br />

orgânica, porém este fato ocorre na agricultura em geral. No caso da<br />

cana, aportes de matéria orgânica, como palhada, e resíduos, como<br />

vinhaça, torta, entre outros, têm acrescentado matéria orgânica aos<br />

1<br />

Pesquisadora Científica do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Pólo Regional Centro-Sul, Piracicaba, SP; e-mail:<br />

raffaella@aptaregional.sp.gov.br<br />

2<br />

Pesquisador Científico do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Ribeirão Preto, SP.<br />

6<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


solos, possivelmente minimizando esse problema. Os fertilizantes<br />

também induzem a maior produção de massa vegetal como um todo,<br />

e não apenas de colmos industrializáveis, o que gera mais raízes e<br />

colmos subterrâneos, além de mais folhas e mais palha. A manutenção<br />

da fertilidade dos solos inclui, sempre que necessária, a<br />

aplicação de corretivos da acidez, que elevam a saturação por bases.<br />

No caso da cana, é importante considerar a profundidade dos solos<br />

até 50 cm para a melhoria da fertilidade, uma vez que o sistema<br />

radicular da cana explora grandes volumes de solo.<br />

Correa et al. (2001), comparando a fertilidade de um solo de<br />

mata adjacente ao solo cultivado há mais de 30 anos com cana-deaçúcar,<br />

observou que o manejo da correção e adubação do solo<br />

cultivado com cana-de-açúcar proporcionou aumentos de pH,<br />

fósforo, cálcio e magnésio e na saturação por bases (V%), enquanto<br />

houve redução nos teores de matéria orgânica, CTC, Al trocável e<br />

saturação por alumínio (m%). A adubação e a correção do solo ao<br />

longo dos 30 anos de cultivo da cana não degradou o solo, ao<br />

contrário, melhorou sua fertilidade.<br />

O assunto monocultivo de cana e degradação do solo vem<br />

sendo estudado em vários países. Nas Ilhas Mauricius, Ng Cheong<br />

et al. (<strong>2005</strong>) verificaram as mudanças nos atributos químicos e<br />

físicos do solo ocasionadas pela cana-de-açúcar em locais cultivados<br />

há mais de 50 anos, mais de 25 anos, menos de 10 anos e<br />

menos de 2 anos. Observaram que as principais mudanças ocorreram<br />

nos primeiros 15 cm do solo. Algumas propriedades como<br />

infiltração da água, macroporosidade e pH foram melhoradas, outras<br />

como matéria orgânica e nitrogênio total tiveram seu conteúdo<br />

diminuído.<br />

Nas Ilhas Fiji, Morrison et al. (<strong>2005</strong>) também verificaram as<br />

alterações ocorridas em um Oxissol após 25 anos de cultivo com<br />

cana, onde as propriedades dos solos vêm sendo monitoradas anualmente<br />

desde o primeiro cultivo. As principais modificações são<br />

conseqüências do decréscimo da matéria orgânica e da CTC e<br />

também do aumento da compactação. Os autores consideram que<br />

esses fatores são responsáveis pelo declínio da produtividade ao<br />

longo dos anos e recomendam que grande atenção seja dada à<br />

reposição de bases para a manutenção da fertilidade dos solos.<br />

Trazendo para as nossas condições, monitorar a acidez e a saturação<br />

por bases no solo, não apenas na camada superficial, parece<br />

ser uma boa orientação.<br />

Na África do Sul e na Austrália também tem sido observado<br />

um declínio na produtividade da cana ao longo dos anos. Na análise<br />

dos pesquisadores da África do Sul, o monocultivo da cana tem<br />

sido responsável por patamares menores de produtividade nas<br />

últimas décadas (MEYER e VAN ANTUERPEN, 2001). Os pesquisadores<br />

australianos também culpam o monocultivo e, para o<br />

estudo desse problema, existe o intuito de desenvolver um sistema<br />

de produção de cana rentável que vise a sustentabilidade e a responsabilidade<br />

ambiental. Um dos pontos principais para quebrar o<br />

monocultivo seria o plantio de leguminosas.<br />

Ainda no caso da Austrália, outros fatores foram identificados,<br />

tais como: grandes plantios de uma mesma variedade<br />

suscetível à presença de um patógeno da raiz, Pachymetra<br />

chaunorhiza, que obrigou os pesquisadores a identificar variedades<br />

de cana resistentes a essa praga; perda das propriedades físicas<br />

dos solos, fazendo com que eles utilizem o cultivo mínimo visando<br />

reduzir as operações e o tráfego de máquinas no canavial com a<br />

finalidade de prevenir a compactação. Deste modo, os resultados,<br />

embora considerados pelos autores como animadores, não são<br />

conclusivos quanto ao manejo ideal para impedir o declínio da<br />

produtividade (GARSIDE et al., 2001).<br />

Para o caso da África do Sul, Meyer e Van Antuerpen (2001)<br />

concluem que uma maneira prática para manter e aumentar a matéria<br />

orgânica (fertilidade do solo) durante o cultivo da cana é colhê-la<br />

sem queima prévia e manter a palhada sobre o solo. Fato que já<br />

havíamos constatado.<br />

2. A CANA-DE-AÇÚCAR É TOLERANTE À ACIDEZ<br />

DO SOLO?<br />

Embora a cana-de-açúcar seja uma cultura muito tolerante à<br />

acidez, deve-se dar a devida atenção à correção do pH do solo.<br />

Além dos efeitos na neutralização do alumínio e manganês e na<br />

diminuição da fixação de fósforo do solo, a calagem fornece cálcio,<br />

elemento bastante exigido pela cana, e magnésio, dependendo do<br />

calcário utilizado. A correção do pH é a lição número 1 para a manutenção<br />

da fertilidade e, portanto, da sustentabilidade do solo.<br />

Tem-se que considerar também que a calagem é uma prática<br />

bastante econômica, com boa relação custo/benefício, e que, no<br />

caso da cana, a melhor oportunidade para a calagem ocorre apenas<br />

a cada 5 ou 6 anos, uma vez que, durante o plantio, tem-se a única<br />

oportunidade de incorporar bem o calcário.<br />

Existem vários métodos para a recomendação da calagem. O<br />

Instituto Agronômico de Campinas (IAC) recomenda que se eleve a<br />

saturação por bases a 60%, desde que não ultrapasse a dose de<br />

5 t ha -1 (RAIJ et al., 1996).<br />

Quando o solo apresenta alto teor de alumínio em profundidade<br />

e/ou baixo teor de cálcio, indica-se o uso de gesso. A<br />

Tabela 1 apresenta a recomendação de gessagem para a cana-deaçúcar,<br />

que considera o teor de argila do solo (RAIJ et al., 1996).<br />

Tabela 1. Recomendação de gessagem para cana-de-açúcar.<br />

Amostra de solo (20-40 cm) Quantidade de gesso a aplicar<br />

Ca < 4 mmol c<br />

dm -3 e/ou Al > 40% Gesso (kg ha -1 ) = argila (g kg -1 ) x 6<br />

3. A CANA-PLANTA RESPONDE À ADUBAÇÃO<br />

NITROGENADA?<br />

Esta é sempre uma questão polêmica.<br />

Apesar da revisão de Azeredo et al. (1986) ter indicado que,<br />

de 135 experimentos analisados, houve resposta ao N em apenas<br />

19% deles, sabe-se que a extração do elemento pela cultura é muito<br />

grande, cerca de 100 a 130 kg ha -1 de N, e as doses aplicadas como<br />

fertilizante são de apenas 30 a 60 kg ha -1 de N. Além disto, a eficiência<br />

de utilização do N do fertilizante é baixa.<br />

De onde vem então todo esse nitrogênio?<br />

A cana-planta utiliza outras fontes de N além do fertilizante.<br />

A taxa de mineralização do N da matéria orgânica do solo, após o<br />

preparo, é alta, e certamente contribui com grande parte do fornecimento<br />

desse nutriente, pois a movimentação do solo ocorre em<br />

épocas quentes e chuvosas, que favorecem a mineralização. Estimativas<br />

feitas por Morelli et al. (1987) revelam alto estoque de N<br />

contido nos restos culturais que a cana deixa no solo (raízes,<br />

rizomas); existe ainda o N contido na muda da cana a ser plantada,<br />

que pode fornecer por volta de 12 kg ha -1 de N (CARNEIRO et<br />

al.,1995); possivelmente pode-se contar, ainda, com certa contribuição<br />

da fixação biológica de N. Outra fonte que pode concorrer<br />

para o total de N da cana-planta, cuja contribuição está sendo ainda<br />

pesquisada, é a absorção de amônia da atmosfera pelas folhas<br />

(HOLTAN-HARTWING e BOCKMAN, 1994).<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 7


Estima-se que possa haver resposta à adubação nitrogenada<br />

em 30% dos plantios de cana. Mas quais seriam esses locais?<br />

Geralmente são solos distróficos, de textura arenosa ou<br />

média, com baixa quantidade de matéria orgânica, mas alguns relatos<br />

mostram respostas também em solos eutróficos e argilosos.<br />

Quando a instalação da cultura da cana-de-açúcar é iniciada em<br />

solo anteriormente utilizado por pastagem, há maior tendência de<br />

resposta à adubação.<br />

Embora a tabela de adubação do IAC (RAIJ et al., 1996)<br />

recomende 30 kg ha -1 de N no plantio mais 30 a 60 kg ha -1 de N em<br />

cobertura após 30 a 60 dias (Tabela 2), verifica-se que, na prática,<br />

são comuns as dosagens entre 30 e 60 kg ha -1 de N no sulco, de uma<br />

única vez. Resultados experimentais de Penatti et al. (1997) mostraram<br />

maior necessidade de N tanto pela cana-planta como pela canasoca.<br />

Através de correlações entre variedades, produtividade de<br />

cana (t ha -1 ) e margem de contribuição agroindustrial (R$ ha -1 )<br />

obtiveram a dose de 50 kg ha -1 de N, localizada no sulco de plantio,<br />

como técnica e economicamente adequada para cana-planta. É possível<br />

também que haja maior possibilidade de resposta da canaplanta<br />

ao N quando esta for plantada em sistema de cana de ano,<br />

conforme os resultados de Penatti et al. (1997).<br />

Tabela 2. Recomendação de adubação nitrogenada para a cana-planta e<br />

cana-soca.<br />

Cana-planta<br />

30kg ha -1 + 30 a 60 kg ha -1 em cobertura<br />

Cana-soca<br />

Produtividade<br />

N<br />

(t ha -1 ) (kg ha -1 )<br />

< 60 60<br />

60-80 80<br />

80-100 100<br />

> 100 120<br />

Sintomas de deficiência de nitrogênio são mais freqüentemente<br />

observados nas soqueiras, como ilustra a Figura 1.<br />

Figura 1. À direita, deficiência de nitrogênio em soqueiras de cana-deaçúcar.<br />

4. EXISTE FIXAÇÃO BIOLÓGICA DE N NA CANA?<br />

A descoberta de microrganismos fixadores de N em canade-açúcar<br />

foi um mérito dos pesquisadores brasileiros liderados<br />

pela vitoriosa Dra. Johanna Döbereiner, há mais de 40 anos. Porém,<br />

até hoje, o mecanismo que envolve essa fixação, a sua eficiência,<br />

não foi ainda desvendado. Sabe-se que existem várias espécies de<br />

microrganismos fixadores de N que vivem em associação com a<br />

cana-de-açúcar. Sabe-se também que existem diferenças entre as<br />

variedades de cana e a resposta a essas associações. Os pesquisadores<br />

brasileiros foram também vitoriosos em isolar e classificar as<br />

bactérias fixadoras encontradas na cana-de-açúcar, como Acetobacter<br />

diazotrophicus, hoje reclassificada como Gluconacetobacter<br />

diazotrophicus, que se encontra em qualquer órgão da planta, restos<br />

de colheita e no solo (BODDEY et al., 1995). O Gluconacetobacter<br />

diazotrophicus também produz hormônios de crescimento, como o<br />

ácido indol acético (AIA), e possui atividade antagônica a alguns<br />

patógenos do solo, segundo vários autores citados por Perin et al.<br />

(2004). Estas e outras bactérias fixadoras também têm sido encontradas<br />

em canaviais na Austrália e na América Central, mostrando<br />

sua grande afinidade pela cultura da cana. Alguns trabalhos da<br />

equipe da Dra. Johanna estimaram que a cana poderia conter mais<br />

que 50% do N acumulado proveniente da fixação biológica. Apesar<br />

das estimativas, não existem evidências concretas de que a associação<br />

entre as bactérias fixadoras de N e a cana determine maior<br />

produtividade. Ou mesmo que inoculações com as bactérias possam<br />

aumentar a eficiência do processo.<br />

Na Índia, foi relatada a eficiência de inoculação de Azospirillum<br />

e Azotobacter em cana-de-açúcar, porém apenas o aumento de<br />

produtividade foi analisado, não havendo resultados da eficiência<br />

da fixação, nem do aumento de N na planta, nem do aumento do<br />

números de microrganismos, ficando os resultados apenas como<br />

indicativos da diferença entre a testemunha não inoculada e do<br />

tratamento inoculado (cerca de 20%) de que pode ter ocorrido fixação<br />

biológica do N (SHANKARIAH e HUNSIGI, 2001).<br />

Técnicas consideradas apropriadas para medir a fixação<br />

biológica de N, que utilizam medidas isotópicas do nitrogênio,<br />

chamadas por delta N-15, foram estudadas para avaliar a fixação<br />

em variedades de cana em diversas regiões brasileiras por Polidoro<br />

et al. (2001). As quantidades de N fixadas variaram entre 0 e<br />

60%, com média de 32%. As variedades RB72 454 e SP80-1842<br />

apresentaram alto potencial de fixação de N, sendo que o manejo<br />

da fertilidade do solo e a conseqüente nutrição das plantas<br />

influenciaram na magnitude da contribuição. Interessante salientar<br />

também, que nesse trabalho os autores encontraram fixação de N<br />

não apenas na cana-planta como também nas soqueiras. Um<br />

problema relacionado a esses estudos tem sido a escolha da planta<br />

não fixadora a ser considerada como testemunha. A alta variabilidade<br />

na estimativa das quantidades fixadas deve-se a falta de<br />

uma testemunha que sirva como padrão de delta N-15 da planta<br />

não fixadora. Nos estudos são utilizadas diversas espécies de<br />

ocorrência natural, como padrão, a exemplo de Bidens pilosa, Emilia<br />

sonchifolia ou Sida rhombifolia, entre outras. Ocorre que elas<br />

apresentam variações no valor de delta N-15 com conseqüentes<br />

distorções nas estimativas do N fixado na cana. São problemas de<br />

metodologia de pesquisa que necessitam maiores estudos.<br />

Utilizando a mesma técnica em 8 locais da Austrália, Biggs<br />

et al. (2000) verificaram que em 7 locais a FBN não contribuiu para a<br />

nutrição nitrogenada da cana-planta. Em apenas um local a técnica<br />

teria indicado que havia ocorrido fixação de N, porém os autores<br />

temem que alguma situação específica desse solo possa ter favorecido<br />

a resposta nesse local, e preferem acreditar que os resultados<br />

obtidos nos 7 outros locais, que não indicam a fixação biológica de<br />

N, devem ser os verdadeiros. Ou seja, a pesquisa precisa ainda<br />

avançar nesse assunto.<br />

8<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


5. A PALHADA DEIXADA SOBRE O SOLO<br />

FORNECE NUTRIENTES?<br />

A palhada pode ter inúmeras funções entre proteger o solo<br />

e melhorar suas propriedades físicas e químicas. Como fornecedora<br />

de nutrientes, deve sofrer a ação dos microrganismos durante a<br />

mineralização. A taxa de mineralização depende de uma série de<br />

fatores, como a relação C/N da palhada, que é bem alta, entre 50 e<br />

60, seu teor de lignina e de polifenóis, o tipo de solo, seu pH, o teor<br />

de matéria orgânica já existente e os fatores climáticos, como<br />

temperatura e umidade. No nordeste brasileiro, 81% da palha foi<br />

degradada em 5 anos (URQUIAGA et al., 1991). Estudos utilizando<br />

N-15 mostraram que a cana, após 18 meses, recuperou apenas 10%<br />

do N contido na palhada num experimento feito nas Ilhas Mauricius.<br />

No Brasil, Gava et al. (2003) obtiveram apenas 4% do N mineralizado<br />

do resíduo cultural e aproveitado pela soqueira da cana ao longo de<br />

um ano. Portanto, embora a palhada represente adições entre 40 e<br />

80 kg ha -1 de N, dependendo da variedade e das quantidades de<br />

palha acrescentadas (BAUER FILHO, 2000), pode-se contar com<br />

pouco desse N para a nutrição das soqueiras.<br />

O mesmo não ocorre com o K. Por ser muito móvel e não<br />

estar ligado a compostos estruturais da planta, o K passa rapidamente<br />

da palhada para o solo e poderia rapidamente ser fornecido<br />

para a soqueira de cana. Como as quantidades de K na palhada<br />

são altas, Demattê (2004) calcula que pode-se deduzir o K do<br />

fertilizante na base de 40 kg de K 2<br />

O para cada 10 toneladas de palha<br />

presente. Alguns experimentos estão sendo realizados pela equipe<br />

do IAC para verificar esse pressuposto.<br />

6. APLICAÇÕES AÉREAS DE NUTRIENTES EM<br />

CANA SÃO INDICADAS?<br />

O parcelamento das doses de N e de K é indicado principalmente<br />

para culturas cultivadas em regiões e épocas sujeitas a<br />

fortes chuvas, como é o caso de diversas regiões cultivadas com<br />

cana no Brasil. Entretanto, o parcelamento não é prática comumente<br />

observada, pois representa operação adicional, o que dificulta o<br />

gerenciamento em grandes áreas, e tem seu custo. Além disso, existem<br />

experimentos que não apresentaram efeito com o parcelamento,<br />

tanto da dose de nitrogênio como da dose de potássio. Mas existem<br />

controvérsias. O fato é que, além da dificuldade gerencial de uma<br />

nova operação, um cultivo pode prejudicar a formação de raízes,<br />

afetando a produtividade. Após 100 dias do corte é quase impossível<br />

entrar no canavial com implementos tradicionais e, assim, as aplicações<br />

aéreas podem ser indicadas. Utilizam-se doses entre 15 e<br />

25 kg ha -1 de N fornecidos como uréia, porém é necessário observar<br />

as condições de umidade relativa do ar atmosférico para não causar<br />

injúrias às plantas. Para o parcelamento do K pode-se utilizar o KCl<br />

em doses entre 20 e 30 kg ha -1 de K 2<br />

O (MALAVOLTA, 2004).<br />

7. PODE-SE EVITAR PERDAS DE N POR<br />

VOLATILIZAÇÃO NA CANA CRUA?<br />

A presença da palhada de cana gera dificuldades para a<br />

incorporação da uréia na adubação das soqueiras de cana. Alguns<br />

implementos conseguem cortar a palhada e incorporar o fertilizante<br />

nas soqueiras, mas para tal é preciso que o preparo do solo no plantio<br />

seja bem feito, sem a presença de torrões e de irregularidades.<br />

As perdas de N que ocorrem quando se utiliza a uréia sem<br />

incorporação ao solo são muito variáveis e podem atingir até 60%<br />

do N aplicado. A incorporação reduz as perdas a níveis próximos de<br />

zero. Outra alternativa seria o uso de fontes nitrogenadas conten-<br />

do nitrato ou sulfato de amônio, mas o problema então recai na<br />

economicidade.<br />

Sabe-se que uma chuva ou a irrigação após a adubação<br />

ajudaria a incorporar a uréia. A literatura cita que 10 a 15 mm de<br />

chuva seriam suficientes. Mas os dados de Freney et al. (1991), e<br />

também os observados nos estudos em andamento do IAC, concluíram<br />

que a palha protege a uréia do contato com a água, que<br />

percola por caminhos preferenciais. Nossos estudos mostram que<br />

13,8 mm de chuva logo após a adubação diminuíram as perdas por<br />

volatilização da amônia, porém não a impediram. A palha também<br />

apresenta a enzima urease, que inicia a reação de perda da uréia por<br />

volatilização, facilitando sua hidrólise.<br />

Um caminho para o uso da uréia nas condições de presença<br />

de palhada seria o uso de inibidores da urease, como o NBPT<br />

[N-(n-Butil) Tiofosfórico Triamida]. Essa possibilidade vem sendo<br />

estudada no IAC (CANTARELLA et al., <strong>2005</strong>), e os dados que resumem<br />

os resultados obtidos em 12 experimentos de campo com culturas<br />

como milho, cana-de-açúcar e pastagens indicam que a utilização<br />

do inibidor reduziu em 50%, em média, as perdas por volatilização<br />

do N da uréia.<br />

8. POR QUE A SOJA E OUTRAS LEGUMINOSAS<br />

SÃO IMPORTANTES NA REFORMA DO<br />

CANAVIAL?<br />

Além de todos os benefícios da adubação verde, a soja<br />

representa renda extra ao agricultor. Por ser cultura eficiente na<br />

fixação biológica de N, fornece todo o nitrogênio necessário para a<br />

cana-planta. Essa observação foi demonstrada nos trabalhos do<br />

IAC liderados por Mascarenhas et al. (1994), que também observaram<br />

acréscimos de 22% e 20% na produtividade da cana após o<br />

cultivo de crotalária e mucuna, respectivamente.<br />

A Figura 2 apresenta um experimento realizado no IAC, em<br />

Piracicaba-SP, para o estudo de opções de culturas para áreas de<br />

reforma de canaviais.<br />

Figura 2. Área experimental com culturas para áreas de reforma de<br />

canavial.<br />

Na Austrália, Garside e Berthelsen (2004) também verificaram<br />

que os restos culturais da soja são facilmente mineralizáveis. No<br />

tratamento sem a soja e sem adubação nitrogenada para a canaplanta<br />

a produtividade da cana ficou reduzida em 42%. Ainda<br />

verificaram que a soja não precisa ser incorporada ao solo para<br />

causar benefício. Pode ser deixada apenas na superfície, sendo então<br />

a cana plantada em cultivo mínimo. Isso ocasiona um benefício<br />

ainda maior porque a mineralização dos restos culturais da soja<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 9


ocorre mais lentamente, proporcionando maior eficiência de utilização<br />

desse nutriente pela cana (NOBLE e GARSIDE, 2000).<br />

9. A ADUBAÇÃO FOSFATADA DEVE SER<br />

APLICADA APENAS NO PLANTIO?<br />

A maior parte dos experimentos demonstra que há maior<br />

resposta ao fósforo quando este é aplicado em dose completa no<br />

plantio, no fundo do sulco, não havendo necessidade de adubação<br />

fosfatada posteriormente nas soqueiras. Entretanto, é possível que<br />

haja resposta da adubação em soqueiras em alguns solos com teor<br />

muito baixo de fósforo. A Tabela 3 e a Tabela 5 apresentam a recomendação<br />

de adubação fosfatada para cana-planta e cana-soca<br />

segundo IAC (RAIJ et al., 1996).<br />

Tabela 3. Recomendação de adubação fosfatada para o plantio da canade-açúcar<br />

(RAIJ et al., 1996).<br />

Produtividade esperada P (resina- mg dm -3 )<br />

(t ha -1 ) 0-6 7-15 16-40 > 40<br />

- - - - - - - - - P 2<br />

O 5<br />

(kg ha -1 ) - - - - - - - - -<br />

< 100 180 100 60 40<br />

100-150 180 120 80 60<br />

> 150 - 140 100 80<br />

Demattê (2004) faz um cálculo sobre o balanço de fósforo no<br />

solo, ao longo de 5 cortes (produção de 400 t de cana), após a<br />

utilização de dose comumente recomendada de P (150 kg ha -1 de<br />

P 2<br />

O 5<br />

no plantio), com extração de 0,43 kg t -1 de massa verde e considerando<br />

a fixação pelo solo de 30%. É provável que em várias<br />

condições ocorra um déficit de fósforo que deveria ser reposto nas<br />

soqueiras. Este autor faz ainda um alerta para que a acidez das<br />

soqueiras seja monitorada e que a V% seja sempre maior que 40%,<br />

caso contrário não haverá resposta ao P adicional.<br />

A Figura 3 apresenta os sintomas típicos da deficiência de<br />

fósforo – baixo crescimento e bordas das folhas mais velhas com<br />

coloração roxa – em soqueiras de cana-de-açúcar.<br />

10 mg cm -3 ) e preferencialmente com baixo teor de argila, dá-se<br />

preferência para a aplicação em área total. A fosfatagem pode ser<br />

feita utilizando-se fosfatos naturais, que devem ser incorporados<br />

ao solo em geral em doses de 150 kg ha -1 de P 2<br />

O 5<br />

, mas também<br />

pode ser realizada com fosfatos solúveis, na dose de 100 kg ha -1 de<br />

P 2<br />

O 5<br />

, ou também utilizando-se torta de filtro na quantidade de 80 a<br />

100 t ha -1 . Os principais fertilizantes utilizados para a fosfatagem<br />

são: hiperfosfatos (Gafsa, Daoui, Arad), fosfatos naturais de rocha,<br />

termofosfatos, multifosfato magnesiano, superfosfato simples e<br />

superfosfato triplo.<br />

Como a aplicação de fosfato no sulco de plantio é a única<br />

oportunidade de colocar o fósforo próximo às raízes, uma estratégia<br />

seria a de aplicar a dose de P 2<br />

O 5<br />

recomendada na forma de mistura<br />

de fosfato solúvel e fosfato natural. Isto porque o fosfato natural, de<br />

solubilidade mais lenta, teria maior efeito residual e poderia fornecer<br />

P para as soqueiras. Pensando assim, Cantarella et al. (2002) estudaram<br />

diferentes proporções de fosfato solúvel e fosfato natural reativo<br />

de Daoui e observaram que não houve resposta às misturas de<br />

diferentes proporções dos fertilizantes, mas a resposta da cana-planta<br />

foi linear em função das doses, independente se o P foi fornecido<br />

como fosfato reativo ou fosfato solúvel. Apesar dos resultados desses<br />

experimentos, essa ainda é uma estratégia a ser melhor abordada.<br />

Comparando-se a aplicação em área total e no sulco de fosfato<br />

natural reativo de Djebel-Onk e de superfosfato triplo, na dose de<br />

120 kg ha -1 de P 2<br />

O 5<br />

, em solo arenoso, foi observada maior produtividade<br />

quando se utilizou superfosfato triplo em área total. Para<br />

o fosfato natural a resposta foi similar, tanto aplicado no sulco<br />

como em área total, porém inferior ao superfosfato triplo. Já para o<br />

solo argiloso, o melhor tratamento foi a aplicação de superfosfato<br />

triplo no sulco (ROSSETTO et al., 2002).<br />

11. A CANA-PLANTA E AS SOQUEIRAS<br />

RESPONDEM IGUALMENTE AO POTÁSSIO?<br />

Tudo indica que sim. E quanto maior for a extração, maior<br />

será a utilização do K aplicado como fertilizante.<br />

O experimento de Rossetto et al. (2004) mostrou resposta<br />

linear da cana-de-açúcar ao potássio em 7 das 10 avaliações envolvendo<br />

diferentes solos e variedades de cana. A análise de solo permite<br />

certa previsibilidade da resposta da cana ao potássio, mas complexas<br />

interações desse nutriente no solo e na planta demonstram que nem<br />

tudo é tão simples. Existem diferenças varietais na resposta da cana<br />

ao potássio (WOOD e SCHROEDER, 2004), embora no Brasil ainda<br />

não se conseguiu definir quais variedades são mais responsivas. A<br />

Figura 4 apresenta um sintoma típico de deficiência de K em<br />

soqueiras no final do ciclo da cana-de-açúcar.<br />

Figura 3. Sintomas de deficiência de fósforo em cana-de-açúcar.<br />

10. FOSFATOS DE ROCHA DEVEM SER<br />

APLICADOS EM ÁREA TOTAL OU NO SULCO?<br />

Para a fosfatagem, que é a aplicação de fontes de P em área<br />

total na época de preparo do solo, antes do plantio da cana-planta,<br />

indicada para solos com teor muito baixo de fósforo (menor que<br />

Figura 4. Deficiência de K no final do ciclo da cana (formação em leque).<br />

10<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


Procurando verificar se a análise de solo tem alta correlação<br />

com a resposta à adubação potássica, Reis Júnior (2001) analisou<br />

os resultados de 106 experimentos e verificou que a relação K (Ca +<br />

Mg) -0,5 pode ser utilizada como critério para orientar a adubação<br />

potássica. Quanto maior a relação, menor a probabilidade de<br />

resposta. O autor indica os índices 0,254 como baixo, de 0,254 a<br />

0,335 como médio e maior que 0,335 como alto.<br />

As Tabelas 4 e 5 apresentam a recomendação de adubação<br />

potássica para a cana-planta e soca segundo IAC (RAIJ et al., 1996).<br />

Tabela 4. Recomendação de adubação potássica para o plantio de canade-açúcar<br />

(RAIJ et al., 1996).<br />

Produtividade esperada K + (mmol c<br />

dm -3 )<br />

(t ha -1 ) 0-0,7 0,8-1,5 1,6-3,0 3,1-6,0<br />

- - - - - - - - - K 2<br />

O (kg ha -1 ) - - - - - - - - - -<br />

< 100 100 80 40 40<br />

100-150 150 120 80 60<br />

> 150 200 160 120 80<br />

Tabela 5. Recomendação de adubação N, P e K para soqueiras de canade-açúcar<br />

(RAIJ et al., 1996).<br />

Produtividade N P (resina - mg dm -3 ) K + (mmol c<br />

dm -3 )<br />

esperada<br />

0-15 > 15 0-1,5 1,6-3,0 > 3,0<br />

(t ha -1 ) (kg ha -1 ) --- P 2<br />

O 5<br />

(kg ha -1 ) - - - - - - K 2<br />

O (kg ha -1 ) - - -<br />

< 60 60 30 0 90 60 30<br />

60-80 80 30 0 110 80 50<br />

80-100 100 30 0 130 100 70<br />

> 100 120 30 0 150 120 90<br />

12. A CANA NECESSITA DE MICRONUTRIENTES?<br />

Micronutrientes são elementos essenciais e, portanto, necessários<br />

para a manutenção da produtividade. Ocorre que o sistema<br />

radicular da cana explora grandes volumes de solo, com alta<br />

capacidade de extração. Além disto, retira os nutrientes de camadas<br />

mais profundas e os traz à superfície através de folhas secas, rizomas.<br />

Ocorre, ainda, a reciclagem de micronutrientes promovida pela<br />

vinhaça e torta de filtro. A dificuldade de identificação de sintomas<br />

de deficiência de micronutrientes na região Centro-Sul do Brasil, e<br />

também a baixa resposta à aplicação (geralmente aumentos de 5 a<br />

8 t ha -1 na produtividade, em média), concorrem para o baixo uso desses<br />

nutrientes. É um assunto que precisa ser melhor avaliado pelos técnicos.<br />

Na região nordeste a carência em micronutrientes é mais comum.<br />

A Tabela 6 apresenta a recomendação de adubação com<br />

micronutrientes para a cana-de-açúcar, segundo IAC (RAIJ et al., 1996).<br />

Tabela 6. Recomendação de adubação com micronutrientes para o plantio<br />

da cana-de-açúcar.<br />

Zinco no solo Zn Cobre no solo Cu<br />

(mg dm -3 ) (kg ha -1 ) (mg dm -3 ) (kg ha -1 )<br />

0 - 0,5 5 0 - 0,2 4<br />

> 0,5 0 > 0,2 0<br />

13. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Embora as plantas necessitem de macro e micronutrientes<br />

para seu crescimento e produção, geralmente há preocupação apenas<br />

com os três macronutrientes principais (nitrogênio, fósforo e potássio).<br />

Assim, maior atenção deve ser dada aos demais nutrientes,<br />

principalmente se a cana estiver sendo cultivada há muitos anos no<br />

mesmo local, ou em situações de estresse.<br />

A manutenção da fertilidade do solo e, portanto, sua sustentabilidade<br />

não depende apenas da adubação. Outras práticas<br />

são igualmente importantes, como correção do solo em profundidade,<br />

uso de práticas de conservação do solo, controle de pragas<br />

e de plantas daninhas, plantio de adubos verdes ou leguminosas<br />

na época de reforma e mecanização, minimizando a compactação.<br />

14. REFERÊNCIAS<br />

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<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 11


3. AMBIENTES DE PRODUÇÃO DE CANA-DE-AÇÚCAR<br />

NA REGIÃO CENTRO-SUL DO BRASIL<br />

Hélio do Prado 1<br />

Oambiente de produção de cana-de-açúcar é definido<br />

em função das condições físicas, hídricas,<br />

morfológicas, químicas e mineralógicas dos solos<br />

sob manejo adequado da camada arável em relação ao preparo,<br />

calagem, adubação, adição de vinhaça, torta de filtro, palha no<br />

plantio direto, do controle de ervas daninhas e pragas, mas sempre<br />

associadas às propriedades da subsuperfície dos solos e, principalmente,<br />

ao clima regional (precipitação pluviométrica, temperatura,<br />

radiação solar, evaporação).<br />

Portanto, ambiente de produção é a soma das interações<br />

dos atributos de superfície e principalmente de subsuperfície,<br />

considerando-se, ainda, o grau de declividade onde os solos ocorrem<br />

na paisagem, associadas com as condições climáticas.<br />

Os componentes do ambiente de produção (Figura 1) são<br />

representados pela profundidade, a qual tem direta relação com a<br />

disponibilidade de água e com o volume de solo explorado pelas<br />

raízes; pela fertilidade, como fonte de nutrientes para as plantas;<br />

pela textura, relacionada com os níveis de matéria orgânica,<br />

capacidade de troca de cátions e disponibilidade hídrica; e pela<br />

água, como parte da solução do solo, que é vital para a sobrevivência<br />

das plantas.<br />

Figura 2. Hierarquia da classificação de solos (EMBRAPA,1999).<br />

Figura 3. Textura do solo.<br />

Figura 1. Componentes do ambiente de produção.<br />

Para um adequado conhecimento do ambiente de produção<br />

é necessário, em primeiro lugar, classificar os solos. A Figura 2<br />

mostra a hierarquia de classificação de solos, segundo a EMBRAPA<br />

(1999). Geralmente, a classificação de solos até o terceiro nível<br />

(grande grupo) é suficiente para se fazer o enquadramento no<br />

ambiente de produção.<br />

TEXTURA E ÁGUA<br />

A textura do solo se refere à distribuição porcentual de argila,<br />

silte, areia fina e areia grossa na terra fina seca ao ar. Dependendo<br />

do teor de argila a textura pode ser arenosa, média, argilosa ou<br />

muito argilosa (Figura 3).<br />

No teste de campo avaliam-se a argila no solo molhado pela<br />

sua pegajosidade, o silte pela sua sedosidade, e a areia pela sua<br />

aspereza.<br />

O teor de argila é importante por vários aspectos: por influir<br />

diretamente na disponibilidade de água e nas condições químicas<br />

(CTC, matéria orgânica), por ser utilizado no cálculo das doses de<br />

gesso e também na classificação de solos pelo cálculo do gradiente<br />

textural.<br />

Na legenda de solos do projeto Ambicana (Ambientes de<br />

Produção de Cana-de-açúcar), por exemplo, o limite de textura média<br />

foi subdividido, por se considerar muito amplo o limite de 15% a<br />

35% de argila e, conseqüentemente, muito ampla a disponibilidade<br />

hídrica.<br />

Solos com menor teor de argila apresentam menor disponibilidade<br />

de água; porém, isso não significa que os solos com teor<br />

de argila mais elevado disponibilizam maior volume de água. Os<br />

1<br />

Pesquisador Científico do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Ribeirão Preto, SP; e-mail: heprado@terra.com.br; website:<br />

www.pedologiafacil.com<br />

12<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


Latossolos argilosos e os Latossolos muito argilosos possuem<br />

reduzida disponibilidade hídrica devido a sua estrutura e principalmente<br />

a forte microagregação da fração argila, ressecando o solo<br />

em poucas horas. Nos Latossolos ácricos os microagregados são<br />

ainda mais evidentes, por isso são os solos que se ressecam mais<br />

facilmente.<br />

A Figura 4 mostra detalhadamente os microagregados de<br />

Latossolos da usina Jalles Machado, de Goianésia (GO). Esses<br />

microagregados foram observados também no Latossolo Vermelho<br />

ácrico na região de Tupaciguara (MG), que mostrou ressecamento<br />

5 horas após uma chuva de 25 mm, conforme a Figura 5.<br />

Figura 6. Baixa infiltração de água no Cambissolo da usina Jalles Machado,<br />

em Goianésia (GO).<br />

Original: Thiago Germano Piveta.<br />

Figura 4. Microagregados no Latossolo Vermelho da usina Jalles Machado,<br />

em Goianésia (GO).<br />

Original: Rober Ricardo de Matos.<br />

Figura 7. Erosão no sulco no Cambissolo da usina Jalles Machado, em<br />

Goianésia (GO).<br />

Original: Thiago Germano Piveta.<br />

Figura 5. Ressecamento da camada superficial de Latossolo Vermelho<br />

ácrico.<br />

Original: Hélio do Prado.<br />

Além da argila, o silte, o teor de areia fina e o de areia grossa<br />

também influem no armazenamento de água no solo. Solos com<br />

teores muito altos de silte dificultam a infiltração de água em<br />

profundidade (Figura 6), como observado no Cambissolo da usina<br />

Jalles Machado em Goianésia (GO).<br />

Como conseqüência da reduzida infiltração de água, ocorre<br />

erosão no sulco, quando a declividade favorece o arraste de partículas<br />

(Figura 7), e perda de área plantada (Figura 8), pela dificuldade<br />

do trânsito de máquinas agrícolas.<br />

Figura 8. Perda de área plantada no Cambissolo da usina Jalles Machado,<br />

em Goianésia (GO).<br />

Original: Thiago Germano Piveta.<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 13


Outro aspecto físico relacionado ao elevado teor de silte no<br />

solo refere-se à dificuldade da cana-de-açúcar em romper a camada<br />

siltosa endurecida, causando falhas no estande (Figura 9).<br />

Tabela 1. Critérios químicos-pedológicos da camada superficial de solos 1 .<br />

Solo V SB m Al 3+ RC<br />

Eutrófico > 50 > 1,5<br />

Mesotrófico 30-50 > 1,2<br />

Mesotrófico > 50 < 1,5<br />

Distrófico < 30 < 50 > 1,5<br />

Ácrico < 1,5<br />

Mesoálico 15-50 > 0,4<br />

Álico > 50 0,3-4,0<br />

Alumínico > 50 > 4,0<br />

1<br />

V = saturação por bases (%); SB = soma de bases (cmolc kg -1 de solo); m =<br />

saturação por alumínio (%); RC = retenção de cátions (cmol c<br />

kg -1 de argila).<br />

Figura 9. Dificuldade de brotação da cana-de-açúcar cultivada no Cambissolo<br />

da usina Jalles Machado, em Goianésia (GO).<br />

Original: Thiago Germano Piveta.<br />

A estrutura do solo está relacionada à sua textura, pois os<br />

agregados estruturais são influenciados pelo teor de argila, silte e<br />

tipo de areia (fina ou grossa). Existe maior disponibilidade hídrica<br />

quando há melhor estruturação do solo, como, por exemplo, na<br />

estrutura em blocos dos Nitossolos Vermelhos (anteriormente Terras<br />

Roxas Estruturadas), em relação à estrutura granular forte dos<br />

Latossolos Vermelhos férricos (Latossolos Roxos).<br />

A coloração dos agregados estruturais tem relação direta<br />

com o tipo de drenagem interna no perfil. Se o agregado estrutural<br />

apresentar cor mosqueada (cores contrastantes, com predomínio<br />

de uma delas) ou variegada (duas cores, mais ou menos na mesma<br />

proporção, na massa do solo) significa que o solo disponibiliza<br />

água por mais tempo, comparado a um mesmo solo sem essas<br />

características. Comparativamente, a velocidade de infiltração da<br />

água da chuva ou de irrigação é bem mais lenta no primeiro caso e,<br />

como conseqüência, a água permanece por mais tempo no perfil<br />

do solo.<br />

FERTILIDADE<br />

As condições químicas do solo influem diretamente nos<br />

ambientes de produção. A Tabela 1 apresenta os critérios químicos<br />

da camada subsuperficial dos solos adotados pela Embrapa (1999),<br />

com modificações em itálico por Prado (2004).<br />

Segundo Landell et al. (2003), a condição química do horizonte<br />

subsuperficial é determinante da produtividade da cana-deaçúcar,<br />

ampliando-se essa correlação com a produtividade (TCH)<br />

com o avançar dos cortes. Verificou-se, nessa pesquisa, que a produtividade<br />

nas soqueiras decresceu significativamente na seguinte<br />

ordem: eutrófico > mesotrófico > distrófico > ácrico ( Figura 10).<br />

PROFUNDIDADE<br />

A profundidade abaixo da camada arável é muito variável,<br />

pois os solos podem ser profundos, pouco profundos, moderadamente<br />

profundos, rasos ou até muito rasos. Um aspecto impor-<br />

Figura 10. Produtividade da cana-de-açúcar ao longo dos cortes (LAN-<br />

DELL et al., 2003).<br />

tante é conhecer o tipo de horizonte diagnóstico de subsuperfície<br />

que ocorre nessa referida profundidade para classificar o solo,<br />

que pode ser: B latossólico dos Latossolos (anteriormente Latossolos),<br />

B textural dos Argissolos (anteriormente Solos Podzólicos<br />

Tb), B nítico dos Nitossolos (anteriormente Terras Roxas Estruturadas)<br />

ou B incipiente dos Cambissolos (anteriormente Cambissolos).<br />

Se não ocorre horizonte B diagnóstico e a textura é arenosa<br />

em todo o perfil, classificam-se como Neossolos Quartzarênicos<br />

(anteriormente Areias Quartzosas), e se logo abaixo do horizonte<br />

A ocorre a rocha, enquadram-se como Neossolos Litólicos<br />

(anteriormente Solos Litólicos).<br />

Os solos da região Centro-Sul do Brasil, em sua grande<br />

maioria, são representados pelos Latossolos e Argissolos, seguidos<br />

pelos Neossolos Quartzarênicos, Nitossolos e Cambissolos.<br />

As profundidades ideais para o desenvolvimento radicular<br />

são encontradas nos solos muito profundos (Latossolos e Neossolos<br />

Quartzarênicos), profundos (a maioria dos Nitossolos) e<br />

moderadamente profundos (a maioria dos Cambissolos).<br />

Os Neossolos Litólicos possuem pequena profundidade<br />

efetiva, o que dificulta o enraizamento em profundidade e reduz o<br />

volume de água para a cana-de-açúcar.<br />

14<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


Nos Cambissolos de mesma textura, a disponibilidade hídrica<br />

aumenta dos mais rasos para os moderadamente profundos.<br />

É importante considerar que a quebra de capilaridade entre<br />

os horizontes A e B, exclusiva dos Argissolos, contribui para<br />

aumentar o tempo em que a água permanece no perfil. Entretanto,<br />

é preciso saber em qual profundidade ocorre a mudança textural<br />

responsável pela quebra de capilaridade, pois quanto mais longe<br />

da superfície, maior é a dificuldade de utilização da água pelas<br />

raízes.<br />

Quando a erosão remove totalmente o horizonte A do perfil,<br />

além da diminuição do teor de matéria orgânica na superfície, elimina-se<br />

a quebra de capilaridade e o solo logo se resseca. Na usina<br />

Bonfim de Guariba (SP), por exemplo, estimou-se uma produtividade<br />

de apenas 50 t ha -1 no Argissolo com a total remoção do horizonte<br />

A pela erosão (PVAe-1), quando comparada com a produtividade<br />

de 90 t ha -1 no Argissolo com o horizonte A preservado (PVAe-2),<br />

ambos num mesmo talhão. A Figura 11 e a Figura 12 apresentam as<br />

diferenças encontradas no peso de colmos e na produtividade<br />

nessas duas condições.<br />

Outro exemplo interessante sobre a importância da quebra<br />

de capilaridade entre os horizontes A e B textural e sua influência<br />

decisiva na produtividade é mostrado na Figura 13, que destaca, no<br />

mesmo talhão, a ocorrência de Argissolos (Solos Podzólicos Tb) e<br />

Neossolos Quartzarênicos (Areias Quartzosas). A principal diferença<br />

pedológica entre ambos os solos é a presença do horizonte B<br />

textural abaixo do horizonte A arenoso no Argissolo e a ausência<br />

do B textural no Neossolo Quartzarênico.<br />

Figura 13. Desenvolvimento vegetativo da cana-de-açúcar no Argissolo<br />

Vermelho-Amarelo e no Neossolo Quartzarênico.<br />

Além da presença do horizonte B textural, outro aspecto<br />

morfológico importante associado à disponibilidade hídrica referese<br />

à presença de plintita em profundidade. Pode-se observar na<br />

Figura 14 que no mesmo talhão houve adequado desenvolvimento<br />

vegetativo da cana-de-açúcar onde existe a presença de plintita<br />

abaixo da camada arável (Figura 14a), comparado ao pouco desenvolvimento<br />

vegetativo na ausência de plintita em profundidade<br />

(Figura 14b), o que facilitou a rápida infiltração da água em profundidade,<br />

ressecando o solo e comprometendo a brotação da canade-açúcar.<br />

Figura 11. Peso de colmos de cana-de-açúcar no Argissolo Vermelho-<br />

Amarelo eutrófico com horizonte A totalmente erodido (PVAe-1)<br />

e no Argissolo Vermelho-Amarelo com horizonte A preservado<br />

(PVAe-2).<br />

(a)<br />

(b)<br />

Figura 12. Produtividade de cana-de-açúcar no Argissolo Vermelho-Amarelo<br />

eutrófico com horizonte A totalmente erodido (PVAe-1) e<br />

no Argissolo Vermelho-Amarelo com horizonte A preservado<br />

(PVAe-2).<br />

Figura 14. (a) Desenvolvimento vegetativo da cana-de-açúcar no Argissolo<br />

Vermelho-Amarelo eutrófico plíntico e (b) no Argissolo Vermelho-Amarelo<br />

eutrófico típico.<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 15


A Figura 15 mostra o perfil representativo do Argissolo<br />

Vermelho-Amarelo plíntico e o detalhe da profundidade onde existe<br />

a plintita. A água estagnada no Argissolo com plintita (Figura 16)<br />

não foi observada no Argissolo sem plintita, em subsuperfície (Figura<br />

17).<br />

PLINTITA<br />

Figura 17. Solo ressecado e inadequado desenvolvimento da cana-deaçúcar<br />

após o molhamento no Argissolo sem plintita abaixo<br />

da camada arável.<br />

Figura 15. Perfil representativo do Argissolo Vermelho-Amarelo eutrófico<br />

plíntico.<br />

Conforme destacado na Figura 1, a água ocupa a posição de<br />

maior destaque num ambiente de produção pois, quando limitante,<br />

reduz significativamente a produtividade da cana-de-açúcar até<br />

mesmo em solos mais férteis (eutróficos) e, quando adequada,<br />

desloca o ambiente de produção favoravelmente até mesmo nos<br />

solos com menor potencial químico em subsuperfície (distróficos,<br />

ácricos, mesoálicos e álicos).<br />

Um outro aspecto muito importante refere-se à precisão dos<br />

mapas de solos e, conseqüentemente, dos mapas dos ambientes de<br />

produção.<br />

A prática mostra que uma observação de campo a cada 10 a<br />

25 ha permite um adequado padrão de qualidade. É muito comum<br />

ocorrerem dois ou mais tipos de solos numa mesma gleba dificultando<br />

a correlação de produtividade com os solos, se não for<br />

obedecida a referida recomendação de amostragem pedológica.<br />

REFERÊNCIAS<br />

EMBRAPA. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. Brasília,<br />

1999. 412 p.<br />

Figura 16. Água estagnada e adequado desenvolvimento da cana-deaçúcar<br />

após o período de molhamento no Argissolo Vermelho-Amarelo<br />

com plintita abaixo da camada arável.<br />

AMBIENTES DE PRODUÇÃO DE CANA-DE-AÇÚCAR<br />

Os critérios dos ambientes de produção de cana-de-açúcar<br />

que constam no Quadro 1 incluem os aspectos fisico-hídricos,<br />

químicos e morfológicos dos solos (PRADO et al., 1998, 2003;<br />

PRADO, 2004, <strong>2005</strong>).<br />

Os dados de produtividade do referido Quadro foram obtidos<br />

com base nas observações pedológicas de centenas de ensaios<br />

estaduais e regionais do Programa Cana do Instituto Agronômico<br />

de Campinas e nas observações de produtividades nas usinas<br />

conveniadas com esse Programa. As produtividades apresentadas<br />

neste Quadro referem-se à média de 5 cortes (TCH 5<br />

), sem influência<br />

da aplicação de vinhaça.<br />

LANDELL, M.G. A.; PRADO, H.; VASCONCELOS, A. C. M.; PERE-<br />

CIN, D.; ROSSETTO, R.; BIDÓIA, M. A. P.; XAVIER, M. A. Oxisol<br />

subsurface chemical attributes related sugarcane productivity.<br />

Scientia Agricola, v. 60, p. 741-745, 2003.<br />

PRADO, H.; van LIER, Q. J.; LANDELL, M. G. A.; VASCONCELOS,<br />

A. C. M. Classes de disponibilidade de água para a cana-de-açúcar<br />

nos principais solos da região Centro-Sul do Brasil. In: CONGRES-<br />

SO NACIONAL DE IRRIGAÇÃO E DRENAGEM, 13., 2003, Juazeiro.<br />

Anais... 1 CD ROM.<br />

PRADO, H. Classes das condições químicas subsuperficiais para<br />

manejo. In: FERTIBIO, 2004, Lages. Anais... 1CD-ROM.<br />

PRADO, H. Solos do Brasil – gênese, morfologia,classificação, levantamento<br />

e manejo. Piracicaba, <strong>2005</strong>. 281 p.<br />

PRADO H.; LANDELL, M. G. A.; ROSSETTO, R.; CAMPANA, M.<br />

P.; ZIMBACK, L.; SILVA, M. A. Relation between chemical sub<br />

surface conditions of subsoils and sugarcane yield. In: WORLD<br />

SOIL SCIENCE CONGRESS, 16., 1998, Montpellier. Proceedings...<br />

Montpellier: ISSS, 1998, v. 1, p. 232. 1 CD-ROM.<br />

16<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


Quadro 1. Ambientes de produção de cana-de-açúcar na região Centro-Sul do Brasil.<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 17


4. SELEÇÃO DE NOVAS VARIEDADES DE<br />

CANA-DE-AÇÚCAR E SEU MANEJO DE PRODUÇÃO<br />

Marcos Guimarães de Andrade Landell 1 Antônio Carlos Machado Vasconcelos 1<br />

Luciana Rossini Pinto 1<br />

Márcio Aurélio Pitta Bidóia 2<br />

Silvana Creste 1<br />

Daniel Nunes da Silva 2<br />

Mauro Alexandre Xavier 1<br />

Marcelo de Almeida Silva 3<br />

Ivan Antônio dos Anjos 1<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

Apesar da história da<br />

cana-de-açúcar, ao longo<br />

dos últimos sete séculos,<br />

estar associada principalmente à<br />

produção de açúcar, há registros da<br />

propagação vegetativa desse vegetal em<br />

seus centros de origem destinada, também,<br />

à ornamentação e à alimentação<br />

in natura. Nesse período, os nativos<br />

asiáticos propagavam as formas de<br />

Saccharum que apresentassem cores mais atraentes associadas ao<br />

baixo teor de fibra e caldo mais açucarado. Em 1493, supostamente,<br />

Cristóvão Colombo introduziu no “Novo Mundo” a variedade<br />

Crioula, resultado de uma hibridação natural entre Saccharum<br />

officinarum e Saccharum barberi (BREMER, 1932). Durante aproximadamente<br />

250 anos manteve-se em cultivo, sendo substituída,<br />

posteriormente, por formas de cana “nobre” (Saccharum officinarum),<br />

assim conhecida devido às suas qualidades distinguidas.<br />

Como se vê, é bastante antiga a busca por formas varietais<br />

que apresentem maior teor de sacarose, destacando-se nesta contribuição<br />

a espécie Saccharum officinarum, que até o início do<br />

século XX era responsável por grande parte da matéria-prima<br />

mundial, através de variedades como Bourbon. À doença do sereh<br />

e, posteriormente, ao mosaico e à gomose, pode ser creditada a<br />

grande importância que assumiu a técnica do melhoramento genético,<br />

a partir de 1880. Inicialmente, objetivou-se a resistência às<br />

principais doenças conhecidas, utilizando-se como “ferramenta” o<br />

cruzamento interespecífico envolvendo Saccharum officinarum,<br />

S. spontaneum, S. barberi e S. sinense. A exploração dessas outras<br />

espécies proporcionou uma significativa alteração no ideótipo<br />

varietal. <strong>Plant</strong>as, antes sem capacidade de perfilhamento, passaram<br />

a apresentar, a partir de então, não apenas tal característica, como<br />

também grande habilidade de brotação após o seu corte. Colmos que<br />

apresentavam diâmetro excessivo e baixíssimo teor de fibra, agora<br />

eram de média grossura, com valores médios-altos de fibra (EDGER-<br />

TON, 1955). Desde o advento de hibridações manipuladas, o perfil<br />

varietal se distinguiu, oferecendo à indústria uma nova concepção<br />

de matéria-prima. Os programas de melhoramento genético da cana<br />

conduzidos em dezenas de países têm sido responsáveis por essa<br />

mudança essencial, usando para tanto de estratégias de hibridação<br />

e seleção diferenciadas. São eles que, atentos às novas demandas,<br />

lançam-se no exercício de construir os cenários de médio e longo<br />

prazo, equivalente ao seu ciclo de produção tecnológica.<br />

2. PROCESSOS DE SELEÇÃO<br />

O sucesso de um programa de<br />

melhoramento genético está condicionado<br />

à utilização e ao manejo corretos<br />

dos recursos genéticos ao longo dos<br />

ciclos seletivos (RESENDE, 2002). O<br />

melhoramento genético da cana-de-açúcar<br />

inicia-se com a obtenção de populações<br />

com ampla variabilidade genética.<br />

Para obtenção dessa variabilidade utiliza-se<br />

o processo de hibridação para geração<br />

de populações segregantes. Isso pode ser obtido, convencionalmente,<br />

pelos seguintes tipos de hibridações:<br />

a) Cruzamentos Bi-Parentais: cruzamento simples utilizando-se<br />

dois parentais conhecidos;<br />

b) Policruzamentos: quando é utilizado um grupo de parentais<br />

selecionados, que é intercruzado. Nesse caso, conhece-se somente<br />

o parental feminino, de onde serão coletadas as panículas<br />

fecundadas por machos diversos.<br />

No Brasil, a atividade de hibridação tem sido desenvolvida<br />

em áreas litorâneas da Bahia e Alagoas, que oferecem condições<br />

climáticas bastante favoráveis ao florescimento e à viabilidade dos<br />

grãos de pólen. Muitos programas de melhoramento de cana no<br />

mundo utilizam-se de “Casa de Fotoperíodo”, ou seja, aplicam condições<br />

artificiais para induzir o florescimento da cana. O planejamento<br />

dos cruzamentos é realizado adotando-se como critérios principais:<br />

grau de endogamia entre parentais, teor de açúcar, produtividade<br />

agrícola, resistência às principais doenças (carvão, mosaico,<br />

ferrugem, amarelinho e escaldadura), capacidade de brotação da<br />

soqueira e hábito ereto de crescimento da touceira dos genitores. O<br />

grau de sucesso nessa etapa correlaciona-se com a qualidade da<br />

coleção de genótipos mantida para o fim de hibridação. Ela deve<br />

receber, de maneira contínua, germoplasma de diversas origens e,<br />

principalmente, conter uma estratégia para incorporação de indivíduos<br />

oriundos do processo de seleção recorrente, que tem como<br />

principal objetivo alterar a média populacional dos caracteres no<br />

sentido de uma melhor adequação aos interesses agrícolas (VEN-<br />

COVSKY e BARRIGA, 1992). O conhecimento da herdabilidade dos<br />

caracteres de maior importância econômica também tem um grau de<br />

grande importância na eficácia do processo seletivo.<br />

Na cana-de-açúcar, o genótipo de cada planta pode ser<br />

transmitido integralmente através das gerações e multiplicados via<br />

clonagem através dos colmos (BRESSIANI, 2001). Dessa forma, a<br />

1<br />

Pesquisador Científico do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Ribeirão Preto, SP; e-mail: mlandell@iac.sp.gov.br<br />

2<br />

Engenheiro Agrônomo do Programa Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Ribeirão Preto, SP.<br />

3<br />

Pesquisador Científico do Pólo Regional Centro-Oeste (DDD/Apta/SAA), Jaú, SP.<br />

18<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


nova variedade de cana estará disponível na população na primeira<br />

fase de seleção (geração F1), ou seja, teoricamente, se houvessem<br />

instrumentos de discernimento eficazes, a variedade seria obtida<br />

logo após o processo de hibridação. No entanto, isso é normalmente<br />

atingido após 10 anos de avaliações contínuas. Nesse período,<br />

amplia-se a área experimental, as observações são repetidas em<br />

diferentes condições edafoclimáticas e distintos anos e, assim, os<br />

melhores materiais se distinguem. O eficaz progresso genético<br />

decorre da habilidade do melhorista em conduzir eficientemente<br />

todas as etapas desse longo processo, desde o planejamento da<br />

hibridação até os ensaios de competição em diferentes locais e<br />

épocas de colheita, passando por etapas de seleção em que o componente<br />

tácito é bastante exercitado. Diversos trabalhos destacam<br />

a base comum na árvore genealógica dos principais programas de<br />

melhoramento de cana no mundo (TAI e MILLER, 1978; POMMER<br />

e BASTOS, 1984; PIRES, 1993). Esse estreitamento da base genética<br />

é um aspecto crítico em relação à endogamia, afetando a variabilidade<br />

genética das populações. Na prática, porém, o que ocorre é a<br />

constatação de variabilidade em níveis que ensejam uma seleção<br />

satisfatória e ganhos genéticos significativos, principalmente, para<br />

o caráter produção agrícola. O fato de a cana-de-açúcar ser multiplicada<br />

via propagação vegetativa perpetua formas que podem<br />

apresentar alto grau de heterose, proporcionando a segregação<br />

constatada em F1.<br />

Os componentes de produção determinantes para o potencial<br />

agrícola são: altura de colmo (h), número de perfilhos (C) e diâmetro<br />

de colmos (d). Considerando-se a densidade do colmo igual a 1, o<br />

valor da tonelada de cana por hectare (TCH) pode ser estimada pela<br />

fórmula abaixo, no espaçamento entre os sulcos (E) (Figura 1):<br />

Pesquisa e Desenvolvimento de Jaú/APTA. Posteriormente, os<br />

seedlings produzidos serão distribuídos em oito regiões com características<br />

edafoclimáticas distintas, abrangendo algumas das mais<br />

importantes áreas canavieiras do Centro-Sul do Brasil. Esses pontos<br />

de introdução são: Piracicaba, Ribeirão Preto, Jaú, Mococa, Pindorama,<br />

Assis e Adamantina, no Estado de São Paulo, e Goianésia, no<br />

Estado de Goiás (Figura 2).<br />

20 o 0’0”S<br />

Mato Grosso<br />

Mato Grosso<br />

Adamantina<br />

Assis<br />

50 o 0’0”W<br />

Regiões de estudo: introdução e seleção de seedlings<br />

Goianésia<br />

Goiás<br />

Tocantins<br />

Pindorama<br />

Jaú<br />

Distrito<br />

Ribeirão<br />

Mococa<br />

Bahia<br />

Minas Gerais<br />

Rio de Janeiro<br />

20 o 0’0”S<br />

Piracicaba<br />

Localização<br />

São Paulo<br />

Oceano Atlântico<br />

50 o 0’0”W<br />

Figura 2. Regiões de estudo: introdução e seleção de seedlings e de clones<br />

de cana-de-açúcar pelo Programa Cana IAC.<br />

Figura 1. Componentes de produção em cana-de-açúcar e o cálculo do<br />

TCH volumétrico.<br />

2.1. Fases da seleção<br />

2.1.1. Seleções iniciais<br />

O termo seleção é definido como a reprodução diferencial<br />

dos diferentes genótipos em condições naturais ou sob intervenção<br />

do homem, esta última conhecida como seleção artificial, baseada<br />

em critérios definidos pelo próprio melhorista (RESENDE, 2002).<br />

Para exemplificar o processo de seleção, será doravante reportado<br />

o que é executado no programa de melhoramento de cana<br />

do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).<br />

Após a obtenção das sementes, essas serão germinadas<br />

no Núcleo de Produção de Seedlings instalado na Unidade de<br />

No Quadro 1 são apresentadas todas as fases de seleção<br />

que integram o programa de melhoramento de cana desenvolvido<br />

pelo IAC. Para avaliação das fases descritas, as características serão<br />

quantificadas pelas escalas conceituais apresentadas no Quadro 2.<br />

Essa escala conceitual é aplicada, principalmente, nas fases iniciais<br />

de seleção com o intuito de aprimorar a percepção tácita do<br />

melhorista.<br />

A escala de conceito 1 é utilizada para características como:<br />

altura, perfilhamento, diâmetro de colmo, germinação e brotação de<br />

soqueiras. A escala 2 presta-se para avaliações fitopatológicas, principalmente<br />

relacionadas à ferrugem (AMORIN et al., 1987), utilizando-se,<br />

para tanto, de diagrama com a intensidade de sintomas<br />

foliares. Conceitua-se, ainda, o florescimento e o hábito de crescimento<br />

de touceiras. Adota-se, para a variedade padrão, a nota 4,<br />

no caso das características relacionadas à produção, tais como altura<br />

e diâmetro de colmos e perfilhamento.<br />

Na primeira fase de seleção FS1, instala-se o campo de<br />

seedlings com as plantas individualizadas em touceiras, adotan-<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 19


Quadro 1. Cronograma das fases de seleção no programa de melhoramento de cana IAC.<br />

Fases<br />

<strong>Plant</strong>io Seleção e colheita Tipo de avaliação<br />

(mês/ano)<br />

(mês/ano)<br />

Hibridação realizada em Maio/ano 0. Germinação das sementes em Agosto/ano 0<br />

FS1 ⇒ Seedlings<br />

<strong>Plant</strong>a individual, com as touceiras<br />

Novembro/ano 0 <strong>Junho</strong>/ano 1 Levantamento de doenças nas progênies em cana-planta<br />

de FS1<br />

espaçadas 0,50 m na linha e 1,50 m<br />

Março/ano 2 Seleção fenotípica em soca de FS1 através da avaliação<br />

na entrelinha<br />

de diâmetro de colmo, altura, perfilhos, Brix refratométrico<br />

e aspecto fitossanitário<br />

FS2 ⇒ Clones Março/ano 2 Dezembro/ano 2 Seleção fenotípica<br />

Duas linhas de 3 m, espaçadas<br />

Março/ano 3 Seleção fenotípica e quantificação biométrica para<br />

em 1,50 m nas entrelinhas<br />

plantio de FS3<br />

Abril, maio e agosto/ano 3<br />

<strong>Junho</strong>-agosto/ano 3<br />

Março/ano 4<br />

Análise tecnológica<br />

Avaliação de outros caracteres (florescimento,<br />

isoporização e hábito de touceira, etc.)<br />

Seleção na soca de FS2<br />

FS3 ⇒ Clones<br />

Oito linhas de 5 metros, espaçadas<br />

em 1,50 m nas entre linhas<br />

Ensaios regionais<br />

Parcela de cinco linhas de 8 metros,<br />

espaçadas em 1,50 m, utilizando-se o<br />

delineamento em blocos ao acaso com<br />

quatro repetições<br />

Ensaios Estaduais<br />

Competição e<br />

Épocas de colheita<br />

Março/ano 4 Fevereiro/ano 5 Escolha de clones para serem estudados em ensaios<br />

regionais com base nas informações simultâneas dos<br />

campos FS2 e FS3<br />

Março/ano 5 1 o corte = ano 6 TCH, PCC, TPH, curva de maturação, caracterização<br />

2 o corte = ano 7<br />

3 o corte = ano 8<br />

4 o corte = ano 9<br />

biométrica (altura, diâmetro e número de colmos)<br />

Em fevereiro/ano 7 faz-se a eleição dos melhores<br />

clones os quais deverão ser multiplicados visando ao<br />

teste estadual no ano 8<br />

Março/ano 8 1 o corte = ano 9 TCH, PCC, TPH, curva de maturação, caracterização<br />

2 o corte = ano 10<br />

3 o corte = ano 11<br />

4 o corte = ano 12<br />

biométrica (altura, diâmetro e número de colmos)<br />

Ano 10 = criação de viveiros estratégicos, incluindo os<br />

clones que provavelmente serão considerados<br />

variedades<br />

LIBERAÇÃO DA VARIEDADE ANO 11-12<br />

Quadro 2. Escala conceitual de notas para avaliação de clones em fases<br />

de seleção no Programa Cana IAC.<br />

Grupo<br />

superior<br />

Grupo<br />

médio<br />

Grupo<br />

inferior<br />

Nota Conceito 1 Conceito 2<br />

1 Excepcional Muito resistente<br />

2 Ótimo Resistente<br />

3 Muito bom Moderadamente resistente<br />

4 Bom Intermediária +<br />

5 Médio Intermediária -<br />

6 Abaixo da média Moderadamente suscetível<br />

7 Inferior Suscetível<br />

8 Ruim Muito suscetível<br />

9 Péssimo Extremamente suscetível<br />

Fonte: AMORIN et al. (1987); LANDELL (1995).<br />

do-se o espaçamento de 1,50 m entre linhas e 0,50 m entre plantas.<br />

São realizadas observações ao longo dos ciclos de cana-planta e<br />

cana-soca, quantificando índices de doenças nas progênies. A<br />

seleção final é feita em cana-soca aproximadamente nove meses<br />

após o primeiro corte, utilizando-se de critérios visuais e do refratômetro<br />

de campo para avaliação do Brix. Atualmente, adota-se a<br />

seleção massal com taxas de seleção diferenciadas em função da<br />

qualidade da família.<br />

Na fase FS2, instala-se o campo de seleção com a multiplicação<br />

de duas linhas de 3 m por clone (2 x 3). Nessa segunda fase<br />

é feita uma pré-avaliação utilizando-se das escalas conceituais para<br />

características morfológicas e condições fitossanitárias, além do<br />

Brix. Após a identificação dos melhores genótipos, é realizada a<br />

biometria, conforme a seguinte metodologia:<br />

• Altura do colmo: medido da base à inserção da folha +3,<br />

amostrando-se cinco colmos seguidos na linha;<br />

• Diâmetro do colmo: estimado nos mesmos cinco colmos,<br />

mensurado no meio do internódio na altura dada por um terço de<br />

comprimento do colmo;<br />

• Número de colmos: estimado com a contagem dos colmos<br />

de todas as linhas da parcela.<br />

A fase FS3 consiste de um campo de seleção onde cada<br />

clone está numa parcela de oito linhas de 5 m (8 x 5). Nessa fase<br />

são realizadas as mesmas avaliações da fase anterior e em épocas<br />

também semelhantes.<br />

Concomitantemente, são mantidos os campos de seleção<br />

das fases FS2 e FS3, permitindo as observações, no mesmo período,<br />

dos parâmetros de produção e da longevidade de produção. A<br />

avaliação tecnológica é realizada coletando-se amostras na soca<br />

de FS2 em três épocas distintas para caracterizar a curva de maturação<br />

de cada genótipo.<br />

2.1.2. Ensaios de competição varietal<br />

Os clones que se destacarem na fase FS3 participarão dos<br />

ensaios de seleção nas empresas sucroalcooleiras colaboradoras<br />

20<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


do programa. Atualmente, cerca de 200 ensaios de competição<br />

varietal (ensaios regionais e estaduais) são conduzidos juntamente<br />

com usinas e cooperativas. O software CAIANA foi criado como<br />

um instrumento gestor, permitindo grande dinamismo para a realização<br />

dos relatórios estatísticos desses ensaios (Tabela 1). Uma<br />

rede de 40 empresas integram o chamado PROCANA IAC. A geração<br />

de dados em parceria com estas empresas permite que elas<br />

tenham contato precoce com a tecnologia variedade a ser lançada<br />

posteriormente pelo IAC. Essa estratégia aumenta a eficácia da<br />

difusão de tecnologias IAC, permitindo sua adoção mais efetiva<br />

pelo setor sucroalcooleiro.<br />

2.2. Caracterização dos ambientes de produção<br />

Cabe ao melhorista, portanto, selecionar os indivíduos<br />

superiores, sendo que esta tarefa muitas vezes é dificultada quando<br />

se trabalha em diferentes ambientes, e não se tem a preocupação<br />

de caracterizá-los em relação ao seu potencial edafoclimático. Uma<br />

estratégia adotada é o desenvolvimento de pequenos programas<br />

regionais, reduzindo, assim, a diversidade ambiental e suas interações<br />

na população introduzida. Essa estratégia não impede de se<br />

selecionar genótipos de adaptação ampla, com base na média dos<br />

diversos locais. Mas a opção por uma seleção específica para cada<br />

local considerado deverá proporcionar ganhos superiores, como<br />

constatado por Bressiani (2001).<br />

Tabela 1. Relatório estatístico de um experimento de competição varietal da rede de ensaios IAC.<br />

PROGRAMA CANA IAC<br />

ENSAIO ESTADUAL 2000 – COLHEITA PRECOCE (média de 3 cortes)<br />

Ensaio: Estadual 2000 - Ribeirão Preto Época: 1 Espaçamento: 1,5<br />

Usina: Us. São Martinho <strong>Plant</strong>io: 16/03/00 Município: Pradópolis Solo: LRm<br />

Altitude:<br />

Ambiente: B2<br />

Variedade FIBRA POL TCH TPH<br />

IAC91-2195 9,92 12i a 13,2 4d ab 124,6 1s a 16,5 1s a<br />

* RB855156 10,02 10i a 13,4 2s ab 118,1 3s abc 16,0 2s a<br />

IAC91-2137 11,05 2s a 13,4 1s a 114,3 4d abc 15,5 3s ab<br />

IAC91-2205 9,93 11i a 12,5 11i ab 120,8 2s ab 15,4 4d ab<br />

IAC91-2218 10,65 4d a 13,0 5d ab 111,7 7d bc 14,8 5d ab<br />

* RB835486 10,72 3d a 13,2 3d ab 110,8 10d bc 14,8 6d ab<br />

IACSP93-6048 10,55 6d a 12,9 8d ab 113,6 6d abc 14,7 7d ab<br />

IAC91-4216 10,38 7d a 12,7 10i ab 113,6 5d abc 14,6 8d ab<br />

* IAC86-2210 10,16 9i a 13,0 7d ab 110,9 9d bc 14,6 9d ab<br />

* SP80-1842 11,24 1s a 13,0 6d ab 111,1 8d bc 14,5 10d ab<br />

IACSP93-7009 10,59 5d a 12,8 9i ab 106,5 11i cd 13,8 11i bc<br />

IAC91-5035 10,36 8d a 12,4 12i b 96,1 12i d 12,1 12i c<br />

Médias 10,47 13,0 112,7 14,8<br />

Méd. Padões 10,54 13,1 112,7 15,0<br />

DMS 1,57 1,0 12,2 2,1<br />

CV 5,57 2,85 4,01 5,17<br />

QMRES 0,34 0,14 20,39 0,58<br />

Lim. Inf. 10,19 12,9 110,0 14,5<br />

Lim. Sup. 10,88 13,4 115,4 15,4<br />

FVAR 1,57 2,33* 755** 6,32**<br />

Prob. > F 0,18 0,04 0,00 0,00<br />

Ensaios analisados<br />

Usina Tipo <strong>Plant</strong>io Estádio de corte Data do corte Ciclo<br />

Us. São Martinho Est. 2000 - Época 3/16/2000 1 5/24/2001 434<br />

Us. São Martinho Est. 2000 - Época 3/16/2000 2 5/22/2002 363<br />

Us. São Martinho Est. 2000 - Época 3/16/2000 3 5/8/2003 351<br />

O programa de melhoramento de cana desenvolvido pelo<br />

Instituto Agronômico de Campinas adota, inicialmente, uma estratégia<br />

de seleção regional, em que indivíduos adaptados a cada uma<br />

das regiões destacadas na Figura 1 são eleitos. Teoricamente, no<br />

final desse processo de seleção regional, tem-se uma variedade<br />

regional, em um curto espaço de tempo (6 a 7 anos). Para tanto, a<br />

acumulação de observações em anos sucessivos, abrangendo ciclos<br />

distintos das plantas (cana-planta, cana-soca e ressoca), interagindo<br />

com anos agrícolas subseqüentes, é usada como principal<br />

ferramenta para o exercício do discernimento do melhorista.<br />

Estratégias semelhantes são utilizadas nos programas de melhoramento<br />

de cana da Austrália (COX et al., 2000), da África do Sul<br />

(SASA, 2004) e do Caribe (KENNEDY e RAO, 2000).<br />

Conforme pode-se observar no Quadro 3 e na Tabela 2,<br />

regiões como Ribeirão Preto, Assis e Piracicaba diferem acentuadamente<br />

nos parâmetros climáticos. Assim, na região 02, existe um<br />

maior excedente hídrico no período de crescimento vegetativo em<br />

relação às demais, o que, associado às elevadas temperaturas,<br />

justifica as altas produtividades aí alcançadas. A região de Assis,<br />

dentre todas as estudadas, é a única que não apresenta déficit<br />

hídrico histórico no período de maturação, prejudicando esse processo<br />

fisiológico. Destaca-se também, a grande diferença das<br />

regiões 01 e 07 em relação às médias de temperaturas nos períodos<br />

de crescimento vegetativo e maturação, com diferenças médias de<br />

2,2 o C e 3,0 o C, respectivamente.<br />

No Quadro 4 estão relacionadas<br />

as características inerentes às<br />

regiões de estudo que, no processo<br />

de seleção, são metas peculiares a<br />

serem agregadas às outras características<br />

varietais prioritárias.<br />

Como ilustração, pode-se<br />

destacar a região 01, onde existe um<br />

esforço no sentido de identificar<br />

genótipos com maior potencial de<br />

desenvolvimento no período de setembro<br />

a abril, ou seja, que apresente<br />

grande eficiência no aproveitamento<br />

da água disponível no período, o<br />

que, normalmente, ocorre nos clones<br />

de maior tolerância ao alumínio. Na<br />

região 02, por exemplo, que se destaca<br />

pelo grande déficit hídrico no<br />

período de maturação, agravado pela<br />

alta freqüência de solos ácricos, busca-se<br />

genótipos capazes de sobressair<br />

na brotação no período de seca<br />

e, posteriormente, no crescimento<br />

das touceiras. O oposto ocorre na<br />

região de Assis, onde uma grande<br />

ênfase é dada para o potencial de<br />

maturação, pois esse consiste na<br />

principal limitação para a produtividade<br />

agroindustrial competitiva.<br />

2.3. Manejo varietal<br />

A produtividade agrícola,<br />

expressa por uma determinada cultivar,<br />

é conhecida como expressão<br />

fenotípica para o caráter em questão,<br />

e composta pelo genótipo da<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 21


Quadro 3. Características edafoclimáticas das oito regiões de seleção utilizadas pelo Programa Cana IAC.<br />

Regiões Clima* Solo<br />

Piracicaba Cwa Latossolo Vermelho distrófico; Argissolo Vermelho-Amarelo distrófico<br />

Ribeirão Preto Cwa para Aw Latossolos Vermelhos eutroférricos, distroférricos, acriférricos<br />

Jaú Cwa Latossolos Vermelhos eutroférricos, distroférricos, Latossolos Vermelhos distróficos<br />

Mococa Aw Latossolos Vermelhos eutróficos, distrófico<br />

Pindorama Aw Argissolo Vermelho-Amarelo eutrófico, Latossolo Vermelho eutrófico<br />

Assis Cwa para Cfa Neossolo Quartzarênico<br />

Adamantina Cwa Argissolo Vermelho-Amarelo eutrófico, Latossolo Vermelho eutrófico<br />

Goianésia Cwa Latossolos eutróficos, mesotróficos e distróficos<br />

* Classificação segundo Köppen.<br />

Tabela 2. Dados de precipitação e evapotranspiração potencial (P – Etp), temperaturas máximas e mínimas no período de crescimento vegetativo<br />

(C. Veg.- outubro a março) e no período de maturação (Mat. – abril a setembro) e grupos de solos predominantes.<br />

Regiões<br />

P – Etp Temperaturas máximas Temperaturas mínimas<br />

C. Veg. Mat. C. Veg. Mat. C. Veg. Mat.<br />

Solos predominantes<br />

01- Piracicaba + 268,4 - 161,3 29,2 25,9 16,6 10,5 Argissolos e Latossolos<br />

02 - Ribeirão Preto + 452,6 - 141,2 30,0 27,5 17,2 12,5 Latossolos<br />

03 - Jaú + 303,6 - 88,2 29,2 26,0 17,5 13,0 Latossolos<br />

04 - Mococa + 439,2 - 126,8 29,6 26,8 17,0 12,5 Argissolos<br />

05 - Pindorama + 307,6 - 118,4 29,8 26,9 18,0 13,2 Argissolos<br />

06 - Assis + 360,6 + 40,8 29,3 26,0 17,1 11,9 Latossolos e Argissolos<br />

07 - Adamantina + 195,0 - 105,0 31,5 28,7 18,7 13,7 Latossolos e Argissolos<br />

08 - Goianésia + 256,15 - 501,7 30,96 31,67 20,67 18,12 Latossolos<br />

Quadro 4. Características peculiares objetivadas no processo de seleção em cada uma das regiões de estudo.<br />

Regiões<br />

Características peculiares priorizadas<br />

Problemas fitossanitários priorizados<br />

por região<br />

01 - Piracicaba Aumento do potencial de produção agrícola e tolerância ao alumínio Ferrugem<br />

em subsuperfície<br />

02 - Ribeirão Preto Maior capacidade de brotar em período de estresse hídrico Mosaico, Escaldadura<br />

03 - Jaú Maior resistência às doenças fúngicas, maior capacidade de produção Ferrugem, Carvão, Escaldadura<br />

em solos de baixa fertilidade<br />

04 - Mococa Maior potencial de maturação em condições de baixo estresse hídrico Ferrugem<br />

05 - Pindorama Maior capacidade de brotação em período de estresse hídrico Escaldadura, Nematóides<br />

06 - Assis Maior potencial de maturação em condições de baixo estresse hídrico Mosaico, Estrias de folhas, Ferrugem<br />

07 - Adamantina Capacidade de realizar grande acúmulo de massa verde no período de Carvão<br />

crescimento vegetativo<br />

08 - Goianésia Capacidade de suportar período de estresse hídrico e ausência de Carvão<br />

florescimento<br />

planta somado ao efeito ambiental e a interação desses dois componentes.<br />

O manejo varietal em cana-de-açúcar é uma estratégia<br />

que procura explorar os ganhos gerados da interação genótipo<br />

versus ambiente, ou seja, tem como objetivo alocar diferentes<br />

cultivares comerciais no ambiente que proporcione a melhor expressão<br />

produtiva dessa no contexto considerado. Essa visão<br />

engloba um conhecimento especializado sustentado por elementos<br />

tácitos somados às informações geradas em um nicho específico. A<br />

qualificação do ambiente de produção fornece material essencial<br />

para essas interpretações, proporcionando a adoção de estratégias<br />

de manejo que reúnam ambientes mais homogêneos a partir da<br />

estratificação de sub-regiões equivalentes. A estratificação é um<br />

procedimento útil, mas restrito em sua eficácia em razão de ocorrência<br />

de fatores incontroláveis dos ambientes, como temperatura e chuvas.<br />

Os conceitos de ambientes de produção são insuficientes<br />

quando se desconhece a resposta do genótipo em relação à diversidade<br />

ambiental. Assim, uma cultivar deve ser analisada sob os<br />

seguintes critérios:<br />

a) Capacidade produtiva;<br />

b) Responsividade;<br />

c) Estabilidade fenotípica.<br />

22<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


Alguns autores reconhecem o genótipo ideal como aquele<br />

que tem alta capacidade produtiva, é responsivo para ambientes<br />

favoráveis, além de pouco afetado por condições desfavoráveis<br />

(por exemplo: IACSP93-3046, na Figura 3). No entanto, há variedades<br />

que, apesar de terem comportamento mediano sob condições<br />

ambientais desfavoráveis, se sobressaem nos melhores ambientes,<br />

caracterizando-se como responsivas/exigentes (por exemplo:<br />

IACSP94-2101, na Figura 3). Outras se destacam apenas em ambientes<br />

desfavoráveis e são denominadas rústicas/não exigentes<br />

(por exemplo: IACSP94-2094, na Figura 3). Freqüentemente, as<br />

cultivares que se enquadram nesse último grupo têm menor potencial<br />

produtivo.<br />

Com base na rede de experimentação do PROCANA IAC,<br />

construiu-se o Quadro 5, estabelecendo a amplitude dos ambientes<br />

e a época de colheita mais apropriadas para cada uma das variedades<br />

citadas. A caracterização das novas variedades também é<br />

feita por critérios morfológicos (Figura 4).<br />

interesse na cana-de-açúcar. Dessa forma, genes conferindo resistência<br />

às pragas e doenças e tolerância a herbicidas, a alumínio e<br />

à seca poderão ser diretamente inseridos em materiais elites, garantindo<br />

o potencial produtivo desses materiais.<br />

CASO 1:<br />

IACSP93-3046, VARIEDADE ESTÁVEL E RESPONSIVA<br />

3. APLICAÇÕES DA BIOTECNOLOGIA NO<br />

MELHORAMENTO DA CANA-DE-AÇÚCAR<br />

A biotecnologia constitui uma ferramenta valiosa para os<br />

programas de melhoramento genético, principalmente por oferecer<br />

a possibilidade de reduzir o tempo gasto na produção de novas<br />

variedades com características agronômicas desejáveis. Embora a<br />

aplicação da biotecnologia na cana-de-açúcar seja relativamente<br />

recente, progressos têm sido obtidos nas diferentes áreas de pesquisa.<br />

Marcadores moleculares, por exemplo, têm sido amplamente<br />

utilizados em estudos de diversidade genética e caracterização de<br />

germoplasma, os quais são fundamentais para ampliar a base genética<br />

das variedades de cana-de-açúcar. Esses marcadores também<br />

apresentam o potencial de diferenciar de forma segura e precisa<br />

clones individuais, proporcionando perfis únicos de DNA, isto é,<br />

uma “impressão digital” (fingerprinting) para cada clone de interesse.<br />

Este tipo de análise é essencial quando se deseja proteger<br />

legalmente uma nova variedade, garantindo ao melhorista a sua<br />

patente e, conseqüentemente, o retorno do investimento financeiro<br />

à Instituição de Pesquisa envolvida no desenvolvimento da nova<br />

variedade.<br />

Outra aplicação dos marcadores moleculares é a construção<br />

de mapas de ligação, os quais permitem a localização de regiões<br />

genômicas de efeito significativo na expressão de características<br />

agronômicas importantes. A disponibilidade de marcadores genéticos<br />

fortemente ligados a genes de resistência, por exemplo, pode<br />

auxiliar na identificação de plantas resistentes, nas fases iniciais de<br />

avaliação, sem a necessidade de submeter as mesmas ao ataque do<br />

patógeno.<br />

Estudos de expressão gênica, pela análise das etiquetas de<br />

seqüências expressas (ESTs), obtidas em estímulo a diferentes sinais<br />

do ambiente, como estresse biótico e abiótico, têm permitido identificar<br />

os genes diretamente envolvidos em cada resposta. A identificação<br />

desses genes apresenta conseqüências significativas<br />

tanto para o mapeamento quanto para a manipulação genética.<br />

Certamente, o grande impacto da biotecnologia no melhoramento<br />

da cana-de-açúcar advém do desenvolvimento de variedades<br />

transformadas. A busca contínua por estratégias de controle<br />

de doenças na produção agrícola, bem como a necessidade crescente<br />

de uma agricultura sustentável, têm despertado grande interesse<br />

na tecnologia de organismos geneticamente modificados como<br />

uma ferramenta moderna para incorporação de características de<br />

CASO 2:<br />

IACSP94-2101, VARIEDADE EXIGENTE E RESPONSIVA<br />

CASO 3:<br />

IACSP94-2094, VARIEDADE RÚSTICA E NÃO RESPONSIVA<br />

Figura 3. Comportamento de diferentes variedades de cana-de-açúcar<br />

quando testadas em ambientes distintos.<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 23


Quadro 5. Indicação de alocação de variedades, considerando-se os ambientes de<br />

produção e época de colheita (baseado no banco de ensaios PROCANA<br />

IAC).<br />

Figura 4. Características morfológicas da variedade IAC91-5155.<br />

4. REFERÊNCIAS<br />

AMORIN, L.; BERGAMIN FILHO, A.; SAN-<br />

GUINO, A.; CARDOSO, C. O. N.; MORAES, V. A.;<br />

FERNANDES, C. R. Metodologia de avaliação da ferrugem<br />

da cana-de-açúcar (Puccinia bmelanocephala).<br />

Boletim Técnico Copersucar, São Paulo, v. 39, p. 13-<br />

16, 1987.<br />

BREMER, G. On the somatic chromosome numbers of<br />

sugarcane forms of endogenous cane. Proc. ISSCT, v.<br />

4, p. 30, 1932.<br />

BRESSIANI, J. A. Seleção seqüencial em cana-deaçúcar.<br />

Piracicaba, 2001. 133 p. Tese (Doutorado)–<br />

Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”/USP.<br />

COX, M.; HOGARTH, M.; SMITH, G. Cane breeding<br />

and improvement. In: HOGARTH, M.; ALLSOPP, P.<br />

(Ed.) Manual of canegrowing. 3.ed. Brisbane: PK Editorial<br />

Services Pty Ltd., 2000. chap.5, p. 91-110.<br />

EDGERTON, C. W. Sugarcane and its disease. Baton<br />

Rouge: Lousiana State University Press, 1955. 290 p.<br />

KENNEDY, A. J.; RAO, S. HANDBOOK 2000.<br />

George, Barbados: West Indies Central Sugar Cane<br />

Breeding Station, 2000. 66 p.<br />

LANDELL, M. G. de A. Método experimental: Ensaios<br />

de competição em cana-de-açúcar. In: MARTINS , A. L.<br />

M.; LANDELL, M. G. de A. Conceitos e critérios<br />

para avaliação experimental em cana-de-açúcar<br />

utilizados no Programa Cana IAC. Pindorama: Instituto<br />

Agronômico, 1995. p. 2-14.<br />

LANDELL, M. G. de A.; CAMPANA, M. P.; FIGUEIREDO, P.;<br />

ZIMBACK, L.; SILVA, M. de A.; PRADO, H. do. Novas variedades de<br />

cana-de-açúcar. Campinas: Instituto Agronômico, 1997, 28 p. (Boletim<br />

Técnico 169).<br />

LANDELL, M. G. de A.; SILVA, M. de A. As estratégias de seleção da<br />

cana em desenvolvimento no Brasil. Piracicaba: ESALQ-USP, Visão<br />

Agrícola, v. 1, p. 18-23, 2004.<br />

MATSUOKA, S.; GARCIA, A. A. F.; ARIZONO, H. Melhoramento da<br />

cana-de-açúcar. In: BORÉM, A. Melhoramento de plantas cultivadas.<br />

Viçosa: UFV, 1999. p. 205-251.<br />

PIRES, C. E. L. S. Diversidade genética de variedades de cana-deaçúcar<br />

(Saccharum spp) cultivadas no Brasil. Piracicaba, 1993. 120 p.<br />

Tese (Doutorado)–Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”/USP.<br />

POMMER, C. V.; BASTOS, C. R. Genealogia de varidades IAC de canade-açúcar:<br />

vulnerabilidade genética e necessidade de programas básicos de<br />

melhoramento. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 19, n. 5, p. 623-<br />

629, 1984.<br />

RESENDE, M. D. V. de. Genética biométrica e estatística no melhoramento<br />

de plantas. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2002.<br />

975 p.<br />

SASA. <strong>Plant</strong> breeding crossing and selection programmes. SOUTH<br />

AFRICAN SUGAR ASSOCIATION. Disponível em . Acesso em 2004.<br />

TAY, P. Y. P.; MILLER, J. D. The pedigree of selected Canal Point (CP)<br />

varieties of sugarcane. Proc. Cong. Am. Soc. Sugarcane Techs., v. 8,<br />

p. 34-39, 1978.<br />

VENCOVSKY, R.; BARRIGA, P. Genética biométrica no fitomelhoramento.<br />

Revista Brasileira de Genética, 1992. 496 p.<br />

24<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


5. NEMATÓIDES E PRAGAS DE SOLO<br />

EM CANA-DE-AÇÚCAR<br />

Leila Luci Dinardo-Miranda 1<br />

1. NEMATÓIDES<br />

Nas condições brasileiras,<br />

três espécies de<br />

nematóides são economicamente<br />

importantes para a<br />

cana-de-açúcar, em função dos danos<br />

que causam à cultura: Meloidogyne<br />

javanica, Meloidogyne incognita e<br />

Pratylenchus zeae. Em muitos canaviais<br />

pouco desenvolvidos e com<br />

baixa produção, são encontradas altas<br />

populações de pelo menos uma<br />

delas.<br />

A espécie P. brachyurus é<br />

muito freqüente em canaviais paulistas,<br />

ocorrendo, de acordo com<br />

DMLab – laboratório de análises<br />

agrícolas, em cerca de 35% das amostras<br />

coletadas em áreas com suspeita<br />

de problemas nematológicos, mas<br />

ainda não tem sua patogenicidade<br />

devidamente avaliada, razão pela<br />

qual é alvo de uma série de pesquisas<br />

em andamento no Instituto Agronômico<br />

(IAC).<br />

O ataque dos nematóides à<br />

cana-de-açúcar restringe-se às raízes,<br />

de onde extraem nutrientes para<br />

o crescimento e desenvolvimento.<br />

Além do dano causado pela utilização<br />

de nutrientes da planta, estes<br />

parasitos injetam toxinas no sistema<br />

radicular, resultando em deformações<br />

nas raízes, como as galhas provocadas<br />

por Meloidogyne (Figura 1),<br />

e extensas áreas necrosadas, quando os nematóides presentes são<br />

Pratylenchus (Figura 2). Em conseqüência do ataque de nematóides,<br />

as raízes se tornam pouco desenvolvidas, pobres em radicelas,<br />

deficientes e impossibilitadas de desempenhar normalmente suas<br />

funções. Os prejuízos à parte aérea são reflexos de um sistema<br />

radicular debilitado, incapaz de absorver água e nutrientes necessários<br />

para o bom desenvolvimento das plantas, que, em conseqüência,<br />

tornam-se menores, raquíticas, cloróticas, com sintomas<br />

de “fome de minerais”, murchas nas horas mais quentes do dia e<br />

menos produtivas. Em condições de campo, são verificadas reboleiras<br />

de plantas menores e cloróticas entre outras de porte e coloração<br />

aparentemente normais.<br />

Figura 1. Raízes de cana-de-açúcar infestadas por nematóides<br />

do gênero Meloidogyne.<br />

Figura 2. Raízes de cana-de-açúcar atacadas por nematóides do<br />

gênero Pratylenchus.<br />

A grandeza dos danos causados<br />

por nematóides é claramente<br />

quantificada em ensaios nos quais<br />

se faz a aplicação de nematicidas<br />

químicos. Assim, em um estudo com<br />

diversas variedades em campos altamente<br />

infestados por M. javanica,<br />

o uso de nematicidas resultou em<br />

acréscimos de produtividade da ordem<br />

de 15% em variedades suscetíveis<br />

(DINARDO-MIRANDA et al.,<br />

1995). No entanto, experimentos anteriores<br />

demonstraram que tais incrementos<br />

de produtividade podem<br />

atingir a média de 30%. Também em<br />

áreas infestadas por M. incognita, a<br />

redução das populações do nematóide,<br />

pelo emprego de produtos<br />

químicos, resultou em aumentos<br />

médios de produtividade da ordem<br />

de 40% (GARCIA et al., 1997).<br />

Em relação a P. zeae, ensaio<br />

em campo revelou que a aplicação<br />

de nematicidas no plantio de diversas<br />

variedades contribuiu para incrementos<br />

de produtividade altamente<br />

significativos, atingindo valores<br />

de até 40 t ha -1 (DINARDO-<br />

MIRANDA et al., 1996; 1998),<br />

comprovando a patogenicidade de<br />

P. zeae à cana-de-açúcar.<br />

A avaliação criteriosa de<br />

dados experimentais e de outros<br />

obtidos em áreas comerciais revelou<br />

que os danos causados pelos<br />

nematóides variam em função da espécie ou de espécies presentes<br />

na área, dos seus níveis populacionais e da variedade cultivada.<br />

Em média, M. javanica e P. zeae causam cerca de 20% a 30% de<br />

redução de produtividade, em variedades suscetíveis. M. incognita<br />

pode ocasionar perdas maiores, ao redor de 40%. Em casos de<br />

variedades muito suscetíveis e níveis populacionais muito altos,<br />

as perdas provocadas por nematóides podem chegar a até 50% da<br />

produtividade.<br />

Dada a ausência de variedades comerciais resistentes a uma<br />

ou a mais espécies de nematóides, o manejo de áreas infestadas,<br />

atualmente, tem se baseado principalmente no uso de nematicidas<br />

químicos aplicados no plantio e/ou nas soqueiras.<br />

1<br />

Pesquisadora Científica do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Ribeirão Preto, SP; e-mail: leiladinardo@iac.sp.gov.br<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 25


Três nematicidas são registrados para uso comercial em<br />

cana-de-açúcar: aldicarb (Temik 150G), carbofuran (Furadan 50G ou<br />

100G ou 350SC) e terbufós (Counter 150G). No plantio, são aplicados<br />

no sulco, sobre os toletes, imediatamente antes da cobertura<br />

deles. Nas soqueiras, geralmente são aplicados ao lado da linha de<br />

cana ou sobre elas.<br />

A aplicação de nematicidas no plantio em áreas infestadas<br />

resulta em significativos incrementos de produtividade, como nos<br />

casos anteriormente citados e ilustrados na Figura 3. Outro exemplo<br />

pode ser visto em experimento conduzido por Dinardo-Miranda<br />

et al. (2003a), em Piracicaba, SP, em área infestada pelas três espécies<br />

mais importantes: M. javanica, M. incognita e P. zeae. Nesse<br />

ensaio, as variedades IAC86-2480, IAC87-3184, IAC87-3396, IAC91-<br />

3186, IAC91-5155, SP83-2847 e SP87-365 foram plantadas com ou<br />

sem a aplicação do nematicida aldicarb 150G, a 12 kg ha -1 . Verificouse,<br />

por ocasião da colheita, que o nematicida contribuiu para<br />

incrementos de produtividade variando de 17,3 t ha -1 , para a<br />

variedade IAC86-2480, até 38,1 t ha -1 , para a IAC91-5155, sendo em<br />

média de 28,2 t ha -1 ou 34%.<br />

Em cana-soca, os incrementos de produtividade obtidos em<br />

função do tratamento nematicida são menores, mas também economicamente<br />

vantajosos em muitas situações (Figura 4). Um dos<br />

exemplos está nos dados do ensaio de Dinardo-Miranda e Garcia<br />

Figura 3. Variedade RB867515 cultivada em área infestada por<br />

M. javanica e P. zeae não tratada (à esquerda) e tratada com<br />

nematicida (à direita).<br />

(2002), no qual a aplicação de carbofuran 100G, a 22,7 kg ha -1 , ou<br />

aldicarb 150G, a 10 kg ha -1 , em soqueira da variedade RB835113,<br />

infestada por P. zeae, reduziram significativamente as populações<br />

do nematóide e contribuíram para incrementos de produtividade,<br />

em relação à testemunha, da ordem de 11,6 t ha -1 a 16,7 t ha -1 .<br />

O período ocorrente entre o corte do canavial e a aplicação<br />

dos nematicidas em soqueiras exerce grande influência sobre os<br />

incrementos de produtividade decorrentes do uso desses produtos.<br />

Assim, no ensaio anteriormente citado (DINARDO-MIRANDA e<br />

GARCIA, 2002), conduzido em área colhida em agosto, os maiores<br />

incrementos de produtividade foram obtidos quando os produtos<br />

foram aplicados aos 40 e 60 dias depois da colheita, enquanto os<br />

menores, em aplicações feitas aos 20 dias depois do corte. Esses<br />

dados sugerem que, para um canavial colhido no período seco da<br />

safra, a aplicação tardia de nematicidas (aos 40 ou 60 dias depois<br />

do corte) é mais adequada porque, provavelmente, uma maior<br />

quantidade dos produtos torna-se disponível no solo e na planta,<br />

na primavera/verão, período em que as populações dos nematóides<br />

se elevam, favorecidas pelas temperaturas mais altas e chuvas<br />

abundantes. É provável que parte dos produtos aplicados em<br />

agosto (primeira aplicação), período ainda seco, se decomponha<br />

antes da época em que seriam mais úteis, ou seja, época chuvosa.<br />

Por outro lado, em canaviais colhidos no final da safra, período de<br />

chuvas abundantes e temperaturas elevadas, no qual há crescimento<br />

pleno de raízes e das populações de nematóides, aplicações<br />

de nematicidas feitas imediatamente após o corte resultam em maiores<br />

incrementos de produtividade do que aquelas mais tardias, por<br />

reduzirem o período em que altas populações de nematóides<br />

parasitam as raízes, causando danos à cultura.<br />

Deve-se salientar, no entanto, que a decisão sobre o tratamento<br />

químico em soqueira deve considerar, além da infestação<br />

na área (nível populacional de nematóides) e período entre a colheita<br />

e a aplicação do nematicida, o potencial produtivo da cultura.<br />

Áreas nas quais se espera baixa produtividade, em função de falhas<br />

na brotação da soca, mato, etc., não devem ser tratadas, mesmo se as<br />

populações de nematóides forem elevadas, pois os incrementos de<br />

produtividade obtidos podem ser inferiores (em função da baixa<br />

produtividade) aos custos de aplicação dos nematicidas.<br />

Como medidas auxiliares no manejo de áreas com problemas<br />

de nematóides pode-se citar o uso da torta de filtro no sulco de<br />

plantio e o plantio de Crotalaria em áreas de reforma. Embora essas<br />

medidas não interfiram, de uma maneira geral, nas populações de<br />

nematóides na área, pelo menos nas doses (torta de filtro) e no<br />

período de cultivo (Crotalaria) empregados em nossas condições,<br />

elas contribuem para um melhor<br />

desenvolvimento da cultura,<br />

sendo, portanto, bastante<br />

indicadas para áreas<br />

com infestações médias ou<br />

altas de nematóides, associadas<br />

ou não a nematicidas.<br />

Figura 4. Soqueira da variedade SP80-3280 cultivada em área infestada por P. zeae, não tratada (à esquerda) e tratada<br />

com nematicida após o corte (à direita).<br />

Exemplos do uso dessas<br />

medidas podem ser encontrados<br />

em Dinardo-Miranda<br />

et al. (2003b), que avaliaram<br />

o efeito da torta de filtro, aplicada<br />

isoladamente ou em<br />

associação com os nematicidas<br />

aldicarb, carbofuran e<br />

terbufós, no plantio da cana-<br />

26<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


de-açúcar, em áreas infestadas por nematóides. A torta não apresentou<br />

efeito nematicida consistente, mas contribuiu para incrementos<br />

médios de produtividade de 20 t ha -1 . Os nematicidas contribuíram<br />

para incrementos de produtividade variando de 14,2 t ha -1 a<br />

25,5 t ha -1 e a utilização simultânea de torta de filtro e nematicidas<br />

resultou em incrementos médios de até 40 t ha -1 .<br />

O efeito do cultivo de Crotalaria juncea, por cinco meses<br />

com incorporação, em área de reforma do canavial, sobre as populações<br />

de nematóides e a produtividade da cana-de-açúcar, plantada<br />

em seguida, com ou sem nematicidas, foi avaliado em ensaio em<br />

campo conduzido por Dinardo-Miranda e Gil (<strong>2005</strong>). Os autores<br />

não observaram diferença entre as populações de M. javanica nas<br />

raízes de cana-de-açúcar, cultivada em área com ou sem rotação<br />

com C. juncea, mas as populações de P. zeae foram significativamente<br />

maiores nas áreas cultivadas após o plantio dessa leguminosa.<br />

Apesar disso, a rotação com C. juncea contribuiu para<br />

incrementar a produtividade da cana em 20,8 t ha -1 , fato atribuído<br />

aos benefícios da adubação verde. Tanto em áreas com ou sem rotação<br />

com crotalária, carbofuran 100G a 21 kg ha -1 reduziu as populações<br />

de nematóides e incrementou a produtividade em 12,1 t ha -1 .<br />

Para que medidas de controle ou manejo possam ser adequadamente<br />

utilizadas é imprescindível conduzir um levantamento<br />

nematológico, com a finalidade de identificar quais as áreas com<br />

problemas de nematóides. O levantamento inclui a coleta de amostras<br />

de raízes e de solo e o envio para análise em laboratório.<br />

A coleta de amostras deve ser feita sempre em época chuvosa,<br />

sendo cada amostra composta por raízes e solo da rizosfera<br />

de pelo menos 10 touceiras de cana por talhão homogêneo de até<br />

10 ha. Considera-se talhão homogêneo aquele cultivado com a<br />

mesma variedade, mesma data de plantio, recebendo os mesmos<br />

tratos culturais, etc. É recomendável que talhões maiores que 10 ha<br />

sejam subdivididos, a fim de que cada amostra represente área não<br />

superior a 10 ha. O levantamento pode ser efetuado tanto em canaplanta<br />

como em soqueiras. Em áreas a serem reformadas, pode ser<br />

feito de dezembro a fevereiro, antes do último corte, adotando-se o<br />

mesmo critério citado anteriormente. Quando as soqueiras já foram<br />

destruídas e as áreas se encontram preparadas para o plantio da<br />

cana, o levantamento pode ser efetuado utilizando-se raízes e solo<br />

da rizosfera de uma variedade suscetível, como a SP80-1842, por<br />

exemplo, plantada ao acaso, em aproximadamente 10 covas por<br />

talhão homogêneo. O plantio desta variedade, conhecida como<br />

isca, deve ser feito o mais breve possível (entre setembro e dezembro),<br />

de modo que a planta possa vegetar e se desenvolver por um<br />

período superior a 60 dias. Antes do plantio da cultura definitiva<br />

na área, as iscas devem ser arrancadas para compor a amostra a<br />

ser analisada.<br />

Algumas usinas costumam coletar solo da área a ser amostrada<br />

e colocá-lo em um vaso em viveiro, no qual plantam duas ou<br />

três gemas de uma variedade sabidamente suscetível às espécies<br />

de nematóides importantes para a cultura, como a SP80-1842 ou a<br />

RB72454. Cerca de 60 a 90 dias depois do plantio, coletam as raízes<br />

dessas plantas e as encaminham ao laboratório para análise. A esse<br />

material chamam de “iscas em viveiro”. Em testes feitos em parceria<br />

com as usinas e com o DMLab, o IAC verificou que, em muitos<br />

casos, não há correlação entre as populações encontradas nas<br />

“iscas em viveiro” e as populações em campo, indicando que esse<br />

método deve ser utilizado com muita cautela.<br />

Durante a coleta em campo, as amostras devem ser mantidas<br />

na sombra, de preferência em caixas de isopor. A remessa ao<br />

laboratório deve ser feita o mais rapidamente possível, porém, se<br />

for necessário aguardar alguns dias (4 a 5) para o envio das amostras<br />

ao laboratório, elas podem ser mantidas em sala fresca, longe da luz<br />

direta do sol.<br />

É importante que o laboratório identifique as espécies de<br />

nematóides e os níveis populacionais ocorrentes nas áreas. Embora<br />

alguns laboratórios identifiquem e contem os nematóides presentes<br />

nas amostras, pouquíssimos interpretam os dados observados.<br />

A interpretação dos dados consiste em definir se as populações<br />

encontradas na área são baixas ou altas, o que implica em estabelecer<br />

se há ou não necessidade de adotar medidas de controle na<br />

área amostrada.<br />

2. CIGARRINHA-DAS-RAÍZES<br />

Desde que as áreas de colheita de cana sem queima prévia<br />

(cana crua) foram expandidas no Estado de São Paulo, uma praga<br />

até então de pouca importância econômica vem causando sérios<br />

danos, tornando-se um problema de relevância para a cultura: a<br />

cigarrinha-das-raízes, Mahanarva fimbriolata. Esta espécie se<br />

encontra disseminada em praticamente todas as regiões canavieiras<br />

do Brasil e, além de cana-de-açúcar, se hospeda freqüentemente<br />

em diversos capins e gramas (GUAGLIUMI, 1973; DINARDO-<br />

MIRANDA, 2003).<br />

Os adultos (Figura 5) têm hábitos crepusculares e, após<br />

acasalamento, as fêmeas ovipositam na palhada e, principalmente,<br />

na subsuperfície do solo, em reentrâncias próximas à base das<br />

touceiras. Uma fêmea põe entre 310 e 380 ovos (GARCIA, 2002)<br />

que, no período seco, ficam em diapausa, com emergência das ninfas<br />

somente no início do período úmido, que para região Centro-Sul<br />

do país corresponde à primavera/verão. Em condições de temperatura<br />

e umidade elevadas, as ninfas emergem dos ovos, cerca de<br />

15 a 20 dias após a postura, e dirigem-se às raízes, de onde sugam<br />

grande volume de seiva. Passam por cinco ecdises, num período de<br />

30 a 45 dias, e estão sempre envolvidas por uma espuma densa,<br />

bastante característica, cuja função principal é proteger as ninfas<br />

da dessecação (Figura 6).<br />

Em condições de umidade e temperatura elevadas, o ciclo<br />

evolutivo completo é de 45 a 60 dias (GUAGLIUMI, 1973; GARCIA,<br />

2002). O nome vulgar, cigarrinha-das-raízes, está, portanto, relacionado<br />

ao local de alimentação e desenvolvimento das ninfas – as<br />

raízes.<br />

Figura 5. Adultos de Mahanarva fimbriolata.<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 27


Figura 6. Espuma característica do ataque de ninfas de cigarrinha-dasraízes.<br />

Figura 7. Aspecto de um canavial atacado por cigarrinha-dasraízes.<br />

Os fatores climáticos têm grande influência na dinâmica<br />

populacional destes insetos. Ambientes quentes e úmidos, como<br />

o proporcionado pela palhada resultante da colheita de cana crua,<br />

favorecem significativamente o desenvolvimento da cigarrinha.<br />

Períodos de seca, ao contrário, reduzem drasticamente as populações.<br />

Os danos à cana-de-açúcar são causados principalmente<br />

pelas formas jovens da cigarrinha-das-raízes, que extraem grande<br />

quantidade de água e nutrientes das raízes. Os adultos também<br />

causam danos às plantas, pois, ao sugarem a seiva das folhas,<br />

injetam saliva nos estomas, local onde são armazenadas a água e as<br />

substâncias que se transformarão em nutrientes para a planta,<br />

durante a fotossíntese. A saliva liberada, tanto pelas ninfas como<br />

pelos adultos, é rica em enzimas e aminoácidos e auxiliam o inseto<br />

no processo de ingestão do alimento. No entanto, são tóxicas<br />

para a planta, causando necrose nos tecidos foliares e radiculares<br />

(FEWKES, 1969).<br />

Em conseqüência do ataque dos adultos e, principalmente,<br />

das ninfas, o processo de fotossíntese é reduzido e, como não<br />

ocorre a formação de açúcares nas folhas, não há acúmulo nos<br />

colmos e eles se tornam menores, mais finos e com entrenós mais<br />

curtos. Sob infestações severas, os colmos apresentam-se desnutridos<br />

e desidratados, secando do topo para a base, as folhas se<br />

tornam de início amareladas e posteriormente secas, e toda a planta<br />

pode atingir a morte. O canavial fica completamente seco, com<br />

aspecto queimado. Estes sintomas podem ser notados mesmo na<br />

época das chuvas, embora sejam mais evidentes no período seco<br />

subseqüente (Figura 7).<br />

As quebras de produtividade podem chegar a 40-50%, em<br />

culturas colhidas em final de safra. Em culturas colhidas em começo<br />

de safra as quebras são menores, ao redor de 8 a 10%, embora,<br />

muitas vezes, as populações encontradas nessas áreas sejam mais<br />

elevadas que nas demais. Isso revela que a cultura colhida no início<br />

de safra suporta melhor o ataque da praga, provavelmente porque<br />

as plantas estão mais desenvolvidas, com vários entrenós. Além<br />

disso, esta cultura passa por um curto período de estresse hídrico,<br />

entre o final da época de ocorrência da cigarrinha e a colheita. Os<br />

campos colhidos no final da safra sofrem o ataque quando suas<br />

plantas estão ainda pouco desenvolvidas e, após ele, o longo período<br />

de estresse hídrico até a colheita não favorece a recuperação<br />

das plantas, fazendo com que os danos provocados pelas cigarrinha<br />

sejam acentuados nestas condições (DINARDO-MIRANDA<br />

et al., 2001).<br />

Visto que o ataque da cigarrinha resulta em colmos menores,<br />

mais finos e secos, chegando muitas vezes à morte, ocorrem também<br />

alterações na qualidade da cana-de-açúcar, geralmente com<br />

redução nos valores de pol e aumento nos de fibra, como visto em<br />

Dinardo-Miranda et al. (2000). Além disso, há prejuízos nos processos<br />

industriais. Embora difícil de mensurar, a grandeza desse<br />

tipo de dano é sentida na indústria, sempre que material proveniente<br />

de canavial severamente atacado entra para moagem e<br />

extração de açúcar. Os colmos mortos e secos, em decorrência do<br />

ataque da praga, diminuem a capacidade de moagem e, como muitas<br />

vezes estão rachados e deteriorados, os contaminantes dificultam a<br />

recuperação de açúcar e inibem a fermentação, reduzindo, portanto,<br />

os rendimentos industriais e dificultando a obtenção de açúcar de<br />

qualidade.<br />

Manejo integrado da cigarrinha<br />

O manejo de áreas com problemas de cigarrinha, para ser<br />

bem sucedido, deve englobar todas as ferramentas disponíveis,<br />

pois, para cada situação de cultivo, uma delas se mostra mais<br />

adequada. Assim, é apresentado a seguir um programa de manejo<br />

de cigarrinha-das-raízes em cana-de-açúcar, extraído de Dinardo-<br />

Miranda (2003).<br />

• Uso de variedades resistentes<br />

Do ponto de vista econômico e ambiental, o método mais<br />

adequado para reduzir os danos causados pela cigarrinha, assim<br />

como por qualquer outra praga ou patógeno, é o uso de variedades<br />

resistentes. No entanto, dados experimentais e de áreas comerciais<br />

mostram que quase a totalidade das variedades cultivadas comercialmente<br />

é atacada pela praga, sofrendo significativas reduções<br />

na produtividade e na qualidade tecnológica, o que torna o uso de<br />

variedades resistentes uma ferramenta de difícil utilização, atualmente,<br />

num programa de manejo da cigarrinha, simplesmente pela<br />

falta de material comercial com essa característica.<br />

• Levantamentos populacionais<br />

Como todo canavial é um alvo potencial da praga, por se<br />

constituir de material suscetível a ela, resta aos produtores identi-<br />

28<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


ficar onde, quando e como fazer o manejo da cigarrinha, a fim de<br />

minimizar os prejuízos. Para isso são necessários levantamentos<br />

populacionais da praga, que devem iniciar cerca de 15 a 20 dias<br />

depois das primeiras chuvas da primavera, quando as ninfas<br />

começam a eclodir dos ovos em diapausa. Devem ser amostrados<br />

pelo menos dois pontos por ha, sendo cada ponto constituído<br />

por 2 m de sulco, onde afasta-se com cuidado a palha entre os<br />

colmos, dispondo-a na entrelinha, a fim de que os pontos de<br />

espuma possam ser visualizados. Depois disso, contam-se as<br />

ninfas e eventuais adultos nas raízes. A ocorrência de inimigos<br />

naturais, especialmente da mosca Salpingogaster nigra (Diptera,<br />

Syrphidae) e de ninfas e adultos de cigarrinha mortos pela ação de<br />

fungos, tais como Metarhizium anisopliae e Batkoa, poderá ser<br />

anotada. O registro dos dados observados deve ser feito em ficha<br />

apropriada.<br />

• Nível de controle e nível de dano econômico<br />

Muito se discute sobre a densidade populacional de cigarrinha-das-raízes<br />

(Mahanarva fimbriolata) acima da qual se deve<br />

entrar com medidas de controle, sejam elas químicas ou biológicas.<br />

Esse valor, chamado em entomologia de nível de controle (NC), é<br />

sempre inferior ao nível de dano econômico (NDE), que, por definição,<br />

é a densidade populacional da praga na qual ela causa prejuízo<br />

à cultura semelhante ao custo de adoção de uma medida de<br />

controle.<br />

Considerando os custos (dos insumos, das aplicações, da<br />

cana, do açúcar, do álcool, etc.), variedades e condições de cultivo<br />

atuais, o NDE, hoje, está provavelmente entre 4 e 10 insetos m -1 ,<br />

ficando mais próximo do limite inferior – 4 insetos m -1 – em canaviais<br />

colhidos no final de safra e, no limite superior – 10 insetos m -1 –, em<br />

canaviais de início de safra. Como as medidas de controle devem<br />

ser adotadas antes das populações atingirem o NDE, os valores de<br />

NC são menores que os citados. Visto que os inseticidas, químicos<br />

ou biológicos, possuem características distintas, o NC varia com o<br />

produto escolhido para controle, bem como com sua dose. Assim,<br />

quanto maior o efeito de choque do inseticida, mais próximo do<br />

NDE se encontra o NC, ou seja, a medida de controle pode ser<br />

adotada (NC) em uma densidade populacional bem próxima, mas<br />

ligeiramente menor, do que aquela definida como NDE.<br />

• Controle biológico<br />

A ocorrência natural do fungo M. anisopliae, atacando<br />

cigarrinha-das-raízes em canaviais de todo o país, é bastante comum<br />

e incentiva o uso desse agente de controle biológico em áreas<br />

infestadas pela praga. Além disso, um programa envolvendo controle<br />

biológico é extremamente interessante, por razões ambientais<br />

e também econômicas.<br />

Atualmente, o fungo encontrado no comércio é multiplicado<br />

em grãos de arroz e pode ser adquirido no arroz ou em esporos, já<br />

isolados do arroz. Embora sua utilização tenha crescido nos últimos<br />

anos, são freqüentes os relatos de ineficiência do fungo em campo,<br />

mesmo quando as aplicações são feitas em condições ideais (ausência<br />

de sol e alta umidade relativa do ar).<br />

Dados o custo relativamente baixo do fungo, multiplicado<br />

em grãos de arroz, e sua ação inicial relativamente lenta, quando<br />

comparados com certos inseticidas químicos, preconiza-se que seu<br />

uso seja feito, preferencialmente, em áreas nas quais as infestações<br />

estejam entre 0,5 e 2 insetos m -1 , pulverizando a base das plantas<br />

com fungo na dose de aproximadamente 2 a 4.10 11 esporos viáveis<br />

ha -1 , o que corresponde a cerca de 1 a 2 kg ha -1 de arroz<br />

(2.10 8 esporos g -1 de arroz). Estas aplicações devem ser feitas de<br />

preferência no final da tarde, à noite ou em dias nublados, de modo<br />

a evitar a incidência de raios ultravioletas, que afetam a viabilidade<br />

dos esporos. Para aplicações aéreas, a distribuição direta do grão<br />

de arroz infestado parece mais apropriada que a de esporos em<br />

calda, já que o grão de arroz atinge o solo com mais facilidade. As<br />

gotas de água contendo os esporos podem, em grande parte, ficar<br />

retidas nas folhas, sujeitas à ação dos raios solares. Em ambos os<br />

casos, após a aplicação do fungo, as áreas devem ser continuamente<br />

monitoradas e uma segunda aplicação pode ser feita se as<br />

infestações subirem para 3 a 4 insetos m -1 .<br />

Embora o controle biológico deva ser priorizado, aplicações<br />

de M. anisopliae às vezes mostram resultados pouco satisfatórios,<br />

especialmente sob altas infestações iniciais da praga. Nesses casos,<br />

o controle químico é mais eficaz.<br />

• Controle químico<br />

O controle químico é uma ferramenta bastante valiosa no<br />

programa de manejo da cigarrinha, especialmente em canaviais<br />

colhidos a partir de agosto (meio para final de safra), que sofrem<br />

maiores danos devido ao ataque da praga, e naqueles severamente<br />

infestados. Embora os inseticidas químicos geralmente sejam mais<br />

caros e mais agressivos ao ambiente do que os biológicos, o seu<br />

uso criterioso resulta em uma relação custo/benefício bastante interessante<br />

e em baixos riscos ambientais.<br />

Os inseticidas registrados para controle de cigarrinha são<br />

thiamethoxam 250WG, na dose de 0,6 kg ha -1 a 1,0 kg ha -1 , imidacloprid<br />

480SC, de 1,5 L ha -1 a 1,8 L ha -1 , e aldicarb 150G, de 10 kg ha -1 a<br />

12 kg ha -1 .<br />

A aplicação de inseticidas químicos é recomendada nas áreas<br />

cujas populações, entre final de outubro e dezembro, estejam ao<br />

redor de 5 a 10 insetos m -1 . Como canaviais colhidos em início de<br />

safra (até julho) suportam populações maiores da praga, inseticidas<br />

químicos podem ser aplicados quando as infestações estão próximas<br />

a 10 insetos m -1 . Por outro lado, em canaviais colhidos a partir do<br />

meio de safra (agosto), mais sensíveis ao ataque da cigarrinha, a<br />

aplicação de inseticidas quando a praga atinge níveis populacionais<br />

ao redor de 5 insetos m -1 parece mais adequada.<br />

Dados experimentais e de campo revelam que, em áreas nas<br />

quais as infestações atingem níveis próximos ou superiores aos de<br />

dano, as respostas ao controle químico são mais significativas<br />

quanto antes ele for adotado (DINARDO-MIRANDA et al., 2004).<br />

Além disso, a aplicação de inseticidas mostra-se mais adequada<br />

quando efetuada de uma só vez, ao invés de parcelada ao longo do<br />

período de ocorrência da praga (DINARDO-MIRANDA et al., 2002).<br />

• Retirada ou afastamento da palha<br />

O acúmulo de palha no canavial, deixando-o mais úmido, foi<br />

um fator importante para os incrementos populacionais de cigarrinha.<br />

Assim, a retirada ou afastamento da palha de cima da linha de<br />

cana contribui para reduzir as populações da praga, por manter as<br />

linhas de cana mais secas, devido à maior incidência dos raios<br />

solares sobre ela (DINARDO-MIRANDA, 2002). No entanto, como<br />

o afastamento da palha reduz, de uma maneira geral, as infestações<br />

da praga em cerca de 70%, esta medida não é adequada para áreas<br />

severamente atacadas, por não reduzir as populações a níveis<br />

inferiores ao NDE.<br />

3. BESOURO Sphenophorus levis<br />

Nos últimos anos têm sido freqüentes, em várias regiões do<br />

Estado de São Paulo, os relatos de canaviais severamente dani-<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 29


ficados e até mesmo dizimados pelo besouro Sphenophorus levis<br />

(Coleoptera; Curculionidae), conhecido como gorgulho da canade-açúcar.<br />

De acordo com Precetti e Teran (1983), os adultos desta<br />

praga medem de 12 mm a 15 mm de comprimento, são marrons escuros<br />

com manchas pretas sobre o dorso e com a face ventral preta (Figura<br />

8). Após o acasalamento, as fêmeas perfuram os tecidos sadios<br />

do rizoma com as mandíbulas, presentes no ápice do rostro ou<br />

bico, e aí, na base das brotações, abaixo do nível do solo, inserem<br />

os ovos. De sete a doze dias depois da postura nascem as larvas,<br />

branco-leitosas, com a cabeça castanho-avermelhada e ápodas<br />

(Figura 8), que escavam galerias no interior do rizoma ao se alimentarem.<br />

Estas galerias permanecem cheias de serragem fina,<br />

característica do ataque da praga. O período larval médio é de 50 dias,<br />

findos os quais passa-se à fase pupal, ainda encerrada no interior<br />

dos colmos. A pupa é inicialmente branco-leitosa, tornando-se<br />

castanho-clara e com manchas dorsais à medida que se desenvolve.<br />

Esta fase dura cerca de 10 dias. Ao emergirem da câmara pupal, os<br />

adultos permanecem no solo, sob torrões e restos vegetais ou entre<br />

os perfilhos, na base das touceiras. São bastante longevos, vivendo<br />

por mais de 200 dias.<br />

Os danos são causados pelas larvas, que broqueiam os<br />

rizomas (Figura 9). Em conseqüência das galerias abertas na base<br />

dos colmos, ocorre amarelecimento de folhas, seguido pelo secamento<br />

e morte de perfilhos, que podem ser facilmente destacados<br />

da touceira. Sob infestações severas, as touceiras morrem e são<br />

observadas muitas falhas na rebrota, favorecendo altas populações<br />

de plantas daninhas (Figura 10). Estes sintomas são mais<br />

facilmente visualizados na época seca do ano (junho a agosto),<br />

quando são encontradas as maiores populações de larvas.<br />

Danos mais significativos em campos colhidos em maio/<br />

junho foram observados também em um experimento conduzido na<br />

Usina Costa Pinto – Grupo Cosan, com o objetivo de avaliar o<br />

comportamento de clones promissores IAC, quando colhidos em<br />

três épocas. Amostragens efetuadas em todos os campos experimentais<br />

revelaram que as populações encontradas nos blocos<br />

colhidos em maio foram muito superiores àquelas dos blocos<br />

colhidos em agosto ou outubro. Em conseqüência das altas populações<br />

de S. levis, as soqueiras de todas as variedades em teste<br />

foram totalmente destruídas.<br />

Os primeiros registros da praga, no final da década de 70<br />

e início da década de 80, foram feitos na região de Piracicaba, SP,<br />

quando o inseto foi detectado em 14 municípios, mas atualmente<br />

S. levis já foi observado nas regiões Central (Araraquara, São<br />

Carlos, Jaú, etc.), Sul (Assis, Ourinhos), Nordeste (Pradópolis)<br />

Figura 8. Adulto e larva de Sphenophorus levis.<br />

Figura 9. Danos causados pelas larvas de S. levis.<br />

Figura 10. Aspecto de um canavial infestado por S. levis.<br />

e Leste (Leme, Pirassununga, Araras, São João da Boa Vista,<br />

Santa Cruz das Palmeiras, etc.) do Estado de São Paulo, estando,<br />

portanto, em quase todas as regiões de cultivo de cana desse<br />

Estado.<br />

A dispersão da praga a longas distâncias se deu provavelmente<br />

com mudas retiradas de local infestado, já que a capacidade<br />

de vôo do inseto é muito<br />

restrita. As mudas podem transportar<br />

insetos tanto no interior<br />

dos colmos, já que em alguns<br />

casos as galerias podem atingir<br />

os primeiros internós basais,<br />

como entre os colmos, depositados<br />

no solo, após o corte, visto<br />

que os insetos adultos freqüentemente<br />

se alojam entre os<br />

colmos, atraídos pela exsudação<br />

de açúcares. Assim, a sanidade<br />

de viveiros, mais uma vez, se<br />

mostra fator importante para<br />

reduzir os problemas fitossanitários<br />

da cultura. Pelo solo, os<br />

30<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>


adultos deslocam-se muito lentamente, o que explica sua dispersão<br />

somente de um talhão para talhões vizinhos.<br />

Nos últimos anos, além de registros de novas áreas infestadas,<br />

ocorreram incrementos nas populações da praga, em decorrência<br />

das dificuldades de controle, já que vários inseticidas químicos<br />

e biológicos estudados não são muito eficientes, mesmo<br />

quando utilizados no sulco de plantio. Além disso, a destruição<br />

mecânica das soqueiras afetadas, embora contribua para reduzir as<br />

populações, especialmente quando feita nas épocas mais secas do<br />

ano, é insuficiente, em muitos casos, para um controle efetivo da<br />

praga. O uso de armadilhas tóxicas, feitas com toletes de cana<br />

rachados longitudinalmente e embebidos em uma solução de inseticida,<br />

como descrito em Precetti e Arrigoni (1990), muito comum no<br />

final dos anos 80 e início dos anos 90, tornou-se proibitivo pelo seu<br />

alto custo, em função da grande demanda de mão-de-obra, e<br />

praticamente foi abandonado.<br />

Embora seja uma praga importante, poucos estudos foram<br />

divulgados recentemente contemplando medidas de controle. O<br />

IAC desenvolve uma série de experimentos nesse sentido, mas os<br />

dados ainda são preliminares. Algumas unidades, baseadas em suas<br />

próprias experiências e em resultados de alguns ensaios conduzidos<br />

pelo IAC, adotam a aplicação de uma mistura de carbofuran<br />

(Furadan) e fipronil (Regent 800WG), imidacloprid (Evidence<br />

480SC) ou bifentrina (Talstar 100CE), no plantio, para reduzir os<br />

prejuízos causados pelo S. levis. Muitos produtores, no entanto,<br />

não adotam quaisquer cuidados com áreas infestadas, o que, com<br />

certeza, contribuiu para elevar as populações e para introduzir o<br />

inseto em novas áreas.<br />

Amostragens para estimar as populações ocorrentes da<br />

praga em cada talhão devem ser feitas conforme orientação constante<br />

para cupins e Migdolus, a seguir.<br />

4. CUPINS E Migdolus<br />

Muitas espécies de cupins são encontradas em canaviais e<br />

podem ser divididas em dois grupos pelos hábitos de construir<br />

suas colônias. Os mais importantes são os cupins subterrâneos,<br />

cujas colônias se distribuem em galerias no solo, sob rochas, no<br />

interior das raízes, etc. Alimentam-se de material lenhoso em várias<br />

fases de decomposição e das partes vivas das plantas, tais como<br />

raízes, toletes e entrenós basais da cana-de-açúcar. Neste grupo<br />

estão as espécies de Heterotermes, Procornitermes, Nasutitermes,<br />

Neocapritermes, Syntermes e outros. O outro grupo contempla os<br />

cupins de montículos, cuja espécie mais comum em canaviais é a<br />

Cornitermes cumulans. Estes insetos constroem ninhos acima do<br />

solo e são considerados de menor importância porque se alimentam<br />

basicamente de material vegetal morto e raramente são encontrados<br />

atacando tecidos vivos.<br />

Quando atacam a cana-de-açúcar no plantio, os cupins<br />

destroem os toletes e também as gemas (Figura 11) e, conseqüentemente,<br />

ocorrem falhas na brotação. Sob infestações severas, os<br />

cupins podem destruir o interior dos entrenós basais, provocando<br />

morte de perfilhos (“coração morto”), quando esses ainda são<br />

jovens, ou quebra de colmos adultos. Em decorrência do ataque<br />

de cupins, há severas reduções de produtividade. Em cana-soca,<br />

os danos se acentuam (Figura 12), com falhas na brotação da<br />

soqueira, baixa produtividade e redução na longevidade do<br />

canavial.<br />

A espécie mais comum do gênero Migdolus em cana-deaçúcar<br />

é M. fryanus. Este inseto é de hábito subterrâneo, sendo<br />

Figura 11. Danos causados por cupins nos toletes utilizados no plantio.<br />

Figura 12. Danos causados por cupins nos rizomas da cana-de-açúcar.<br />

encontrado tanto em solos arenosos quanto em argilosos. Os machos<br />

são ativos e voam enquanto as fêmeas possuem as asas<br />

atrofiadas e, portanto, não voam. Após o acasalamento, as fêmeas<br />

entram no solo colocando os ovos em diversas profundidades. As<br />

larvas recém-eclodidas possivelmente alimentam-se apenas de<br />

matéria orgânica, enquanto os estádios mais avançados nutrem-se<br />

das raízes e rizomas da cana. Os maiores danos à cana-de-açúcar<br />

são, portanto, causados pelas larvas que destroem as raízes e<br />

rizomas das plantas em qualquer idade. Em conseqüência do ataque<br />

de Migdolus ocorre morte de colmos, com redução significativa<br />

da produtividade e da longevidade do canavial.<br />

Em áreas atacadas são comuns canais ou galerias no solo,<br />

feitos durante a movimentação das larvas. Acredita-se que essas<br />

galerias são posteriormente utilizadas pelos adultos para atingir a<br />

superfície, durante as revoadas.<br />

Outros insetos de solo, tais como pão-de-galinha, larvaarame<br />

e percevejo castanho são também comuns em canaviais, mas<br />

não há estudos sobre os danos que causam. De maneira geral,<br />

considera-se que não têm importância econômica, na maioria das<br />

situações, embora, em certos casos, sejam encontrados em populações<br />

tão elevadas que esse pressuposto pode não ser correto.<br />

<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 31


Para áreas com problemas de pragas de solo, medidas de<br />

controle devem ser adotadas por ocasião do plantio, uma vez que<br />

tratamentos em soqueiras se mostram pouco eficientes. O indicado<br />

é fazer a destruição mecânica da soqueira, na época seca do ano,<br />

justamente porque nessa época as populações de pragas são mais<br />

elevadas, e utilizar inseticidas no plantio. Nessas áreas, não se<br />

recomenda a destruição química da soca.<br />

Contra cupins e Migdolus, os inseticidas de solo mais utilizados<br />

são fipronil (Regent 800WG), bifentrina (Talstar 100CE), imidacloprid<br />

(Evidence 480SC) e endosulfan (Endosulfan ou Thiodan).<br />

Para definir em quais áreas adotar medidas de controle são<br />

necessários levantamentos populacionais, feitos, de preferência<br />

logo após o último corte do canavial e antes da destruição da<br />

soqueira, o que coincide, normalmente, com o período mais seco do<br />

ano, quando as populações dessas pragas de solo são mais<br />

elevadas. O levantamento consta de dois pontos de amostragem<br />

por hectare. Em cada ponto, faz-se uma pequena cova de 50 cm x<br />

50 cm e 30 cm de profundidade (ou 50 cm, se se suspeita da ocorrência<br />

de Migdolus), na linha de cana, verificando a ocorrência de<br />

cupins, Migdolus e outras pragas de solo. Para cupins, deve-se<br />

atribuir nota em função do número de indivíduos presentes (0 =<br />

sem cupins; 1 = 1 a 10 indivíduos; 2 = 11 a 100 indivíduos; 3 = mais<br />

de 100 indivíduos). Os soldados devem ser coletados, colocados<br />

em vidros com álcool 70% ou formol para identificação da(s)<br />

espécie(s) presente(s). É importante identificar as espécies de cupins<br />

ocorrentes pois há aquelas mais daninhas à cana-de-açúcar<br />

que outras. O número de indivíduos de Migdolus e de outras pragas<br />

também deve ser anotado, bem como a ocorrência de danos nas<br />

touceiras. Para ocorrência de danos nas touceiras, recomenda-se<br />

contar o número total de rizomas e o número de rizomas danificados.<br />

Esses dados devem ser anotados em ficha apropriada.<br />

Em função das espécies e populações de pragas de solo<br />

identificadas e porcentagem de touceiras danificadas, recomendase<br />

o uso ou não de medidas de controle.<br />

5. REFERÊNCIAS<br />

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da cigarrinha das raízes. STAB – Açúcar, Álcool e Subprodutos,<br />

v. 20, n. 5, p. 23, 2002.<br />

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de nematicidas em soqueira de cana-de-açúcar. Nematologia<br />

Brasileira, v. 26, n. 1, p. 30-33, 2002.<br />

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Crotalaria juncea na produtividade da cana-de-açúcar, tratada ou<br />

não com nematicidas no plantio. Nematologia Brasileira, v. 29,<br />

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Influência da época de aplicação de inseticidas no controle de<br />

Mahanarva fimbriolata (Stål) (Hemiptera: Cercopidae), na qualidade<br />

e na produtividade da cana-de-açúcar. Neotropical Entomology,<br />

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inseticidas no controle de Mahanarva fimbriolata (Stal) (Hemiptera:<br />

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DINARDO-MIRANDA, L. L.; NOVARETTI, W. R. T.; MORELLI,<br />

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GARCIA, J. F. Técnica de criação e tabela de vida de Mahanarva<br />

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Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo.<br />

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Curculionidae) em cana-de-açúcar. Boletim Técnico Copersucar,<br />

Edição Especial, 1990. 15 p.<br />

PRECETTI, A. A. C. M.; TERAN, F. O. Gorgulhos da cana-deaçúcar,<br />

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Técnica Agronômica: pragas da cana-de-açúcar. São Paulo, 1983.<br />

p. 32-37.<br />

32<br />

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