ENCARTE Junho/2005 - International Plant Nutrition Institute
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<strong>ENCARTE</strong><br />
TÉCNICO<br />
INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong><br />
CANA-DE-AÇÚCAR: AMBIENTES DE PRODUÇÃO<br />
1. DESENVOLVIMENTO RADICULAR<br />
DA CANA-DE-AÇÚCAR<br />
Antônio Carlos Machado de Vasconcelos 1<br />
Julio Cesar Garcia 1<br />
Acompreensão dos fenômenos que ocorrem na parte<br />
aérea das plantas torna-se mais completa quando<br />
também se compreende o que ocorre abaixo da<br />
superfície do solo, principalmente com relação ao crescimento e à<br />
distribuição de raízes no perfil. O sistema radicular é o principal elo<br />
de ligação entre a planta e o ambiente de produção. É a “boca” e o<br />
alicerce do vegetal.<br />
No Instituto Agronômico de Campinas, Inforzato e Alvarez<br />
realizaram algumas pesquisas sobre o sistema radicular da cana-deaçúcar<br />
no ano de 1957. Desde então, pouco estudo tem sido realizado<br />
pelos programas de melhoramento com relação ao desenvolvimento<br />
radicular.<br />
O desenvolvimento do sistema radicular tem influência<br />
direta sobre algumas características da planta, tais como: resistência<br />
à seca, eficiência na absorção dos nutrientes do solo, tolerância ao<br />
ataque de pragas do solo, capacidade de germinação e/ou brotação,<br />
porte (ereto ou decumbente), tolerância à movimentação de máquinas,<br />
etc. De tais fatores depende a produtividade final.<br />
Entretanto, não é a quantidade de raízes o fator determinante<br />
destas vantagens, mas a sua distribuição no perfil do solo ao longo<br />
das estações do ano. Uma quantidade muito grande de raízes nas<br />
camadas superficiais do solo pode significar um gasto excessivo de<br />
metabólitos sintetizados na parte aérea e translocados para as raízes,<br />
além de maior risco de estresse hídrico em períodos de veranico,<br />
mas, por outro lado, em condições de cana irrigada, esta distribuição<br />
pode ser muito favorável.<br />
A arquitetura e a distribuição radicular dependem de:<br />
• Fatores genéticos;<br />
• Fatores ambientais: solo e clima.<br />
1. FATORES GENÉTICOS<br />
Assim como existem diferenças marcantes nas características<br />
da parte aérea entre espécies vegetais e entre variedades de<br />
determinada espécie, também existem grandes diferenças no<br />
desenvolvimento e na arquitetura dos seus sistemas radiculares. O<br />
conhecimento da parte aérea de uma variedade não significa o<br />
conhecimento da planta. Como exemplo, veja na Figura 1 a diferença<br />
de desenvolvimento radicular de algumas variedades de cana-deaçúcar<br />
estudadas em Latossolo Vermelho com caráter álico, da região<br />
de Assis (SP), em ciclo de cana-planta, no ano de 1997 (VAS-<br />
CONCELOS, 1998).<br />
Vale lembrar que, mesmo para uma única variedade, não<br />
se pode fazer uma descrição padrão do seu sistema radicular, pois<br />
caso o estudo apresentado na Figura 1 fosse realizado em outro<br />
tipo de solo, em soqueira, em outro ano, sob outras condições de<br />
precipitação e temperatura, certamente esta descrição teria algumas<br />
variações. Isto explica parte das interações entre genótipo e<br />
ambiente.<br />
A arquitetura do sistema radicular também sofre alterações<br />
de acordo com a idade da planta, tanto entre ciclos (cortes) como<br />
dentro de um mesmo ciclo (meses de desenvolvimento). O sistema<br />
radicular da cana-planta explora mais intensamente as camadas<br />
mais superficiais do solo, se comparada à soqueira, que apresenta<br />
um incremento na exploração de subsuperfície (Figuras 2a e 2b).<br />
Enquanto as práticas de calagem e de adubação de cana-planta<br />
exercem maiores efeitos sobre a produtividade até o 2 o corte, os<br />
atributos químicos de subsuperfície têm maior importância a partir<br />
do 3 o corte (LANDELL et al., 2003). Em uma lavoura de 8 o corte<br />
pode-se encontrar alta ocorrência de raízes abaixo de dois metros<br />
de profundidade (Figura 3). Mas essa melhor exploração de subsuperfície<br />
pelas soqueiras varia também em função da classe de<br />
solo, de seus atributos físico-químicos e da disponibilidade hídrica<br />
do local. Embora a cana-planta apresente menor quantidade de raízes<br />
que as soqueiras, sua eficiência de absorção por unidade de superfície<br />
é maior, pois apresenta um conjunto de raízes mais novas e<br />
mais tenras que as soqueiras, que têm um sistema com uma proporção<br />
maior de raízes mais velhas e mais lignificadas e cuja manutenção<br />
compete mais com a parte aérea por energia. É muito provável<br />
que essa seja uma das causas da queda de produtividade de um<br />
corte para o outro.<br />
2. FATORES DO SOLO<br />
Pode-se relacionar três conjuntos de fatores do solo que<br />
interferem no desenvolvimento radicular: pedogenéticos, atributos<br />
físicos e atributos químicos.<br />
1<br />
Pesquisador Científico do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Ribeirão Preto, SP; e-mail: acvascon@iac.sp.gov.br<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 1
Figura 1. Distribuição do sistema radicular das variedades IAC87-3396, RB72454, SP80-1842 e RB855536 aos 16,5 meses de idade (g em 78 dm 3 de<br />
solo).<br />
a b<br />
Figura 2. Representação da distribuição do sistema radicular de canaplanta<br />
(a) comparada à distribuição em cana-soca (b).<br />
2.1. Pedogenéticos<br />
A constituição granulométrica (argila, silte, areia fina, areia<br />
grossa) do solo e sua dinâmica nas diversas camadas do perfil<br />
dependem dos fatores pedogenéticos, determinando seus atributos<br />
físico-químicos, assim como a profundidade de cada horizonte.<br />
Entre os Latossolos e os Argissolos existem diferenças<br />
marcantes quanto ao teor de argila, quantidade de macroporos e de<br />
microporos e capacidade de retenção de água nas diferentes<br />
camadas do perfil que, por sua vez, influenciam no desenvolvimento<br />
radicular. Outros exemplos, como o adensamento, que pode ser<br />
resultado de processos da gênese do solo, ou a existência de uma<br />
camada de plintita afetam o desenvolvimento radicular.<br />
2.2. Atributos físicos<br />
Figura 3. Perfil do solo com raízes expostas visíveis até 2,4 metros de<br />
profundidade (soqueira de 8 o corte).<br />
• Densidade do solo<br />
Um dos atributos que mais interferem no desenvolvimento<br />
radicular é a densidade do solo. A densidade pode apresentar aumento<br />
de valores devido à compactação resultante de pressões<br />
exercidas pelo tráfego de máquinas, veículos, implementos e animais.<br />
O aumento na densidade do solo ocorre simultaneamente à<br />
redução da macroporosidade, redução da aeração, redução da condutividade<br />
hidráulica e gasosa e aumento da resistência à penetração.<br />
Todas essas alterações interferem, direta ou indiretamente, no<br />
desenvolvimento radicular, como ilustrado na Figura 4, onde se<br />
pode ver porções do perfil com densidade excessiva impedindo o<br />
desenvolvimento radicular da cana-de-açúcar. Esse solo, com argila<br />
em torno de 60%, tem densidade de 1,19 g cm -3 na profundidade<br />
entre 60 cm e 80 cm, mas nas porções de impedimento do crescimento<br />
radicular foram encontrados valores de densidade em torno<br />
de 1,45 g cm -3 . Para essa classe de solo e com esse teor de argila, a<br />
densidade de 1,45 g cm -3 é muito alta.<br />
Mas, para saber se a densidade de um solo é alta ou não, é<br />
necessário conhecer o teor de argila do solo e o perfil de desenvolvimento<br />
radicular nas condições edafoclimáticas em que se<br />
2<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
Na Figura 6 é apresentada uma condição de densidade de<br />
um solo cultivado com cana-de-açúcar, comparada à condição<br />
original de solo sob mata nativa. Os solos em questão são Latossolos,<br />
com teor de argila superior a 50% (VASCONCELOS et al., 2004).<br />
No solo de mata, a densidade permanece aproximadamente constante<br />
ao longo do perfil, em torno de 1,10 g cm -3 e 1,15 g cm -3 . Nos<br />
solos cultivados, houve aumento de densidade. Entre 0 e 20 cm,<br />
aumentou de 1,10 g cm -3 para 1,30 g cm -3 . Entre 20 cm e 40 cm,<br />
aumentou de 1,13 g cm -3 para 1,35 g cm -3 . Esse aumento de densidade<br />
foi acompanhado pela redução da porosidade total (Figura 7). Por<br />
outro lado, houve aumento da capacidade de retenção de água no<br />
solo (Figura 8).<br />
Figura 4. Distribuição do sistema radicular da cana-de-açúcar, com destaque<br />
para porções do perfil com densidade superior à crítica<br />
para o desenvolvimento radicular. Projeto RHIZOCANA. (VAS-<br />
CONCELOS et al., 2004).<br />
cultiva o vegetal. Para um Latossolo Vermelho com teor de argila<br />
em torno de 30%, por exemplo, o valor da densidade de 1,45 g cm -3<br />
seria baixo e não prejudicaria o desenvolvimento radicular. Portanto,<br />
mesmo considerando-se uma única cultura ou uma única<br />
variedade, generalizar faixas de densidades críticas para diversos<br />
solos e diversas condições é um grande erro.<br />
No Projeto RHIZOCANA, desenvolvido pelo Centro de Cana<br />
IAC, são realizados levantamentos em diversas classes de solos<br />
com o objetivo de se determinar faixas de densidades críticas ao<br />
desenvolvimento radicular em diferentes ambientes de produção e<br />
fornecer tais parâmetros para orientar as decisões sobre operações<br />
de preparo do solo e cultivo da cana-de-açúcar.<br />
A região de crescimento da raiz que vence a resistência das<br />
porções compactadas do solo é a região da coifa (Figura 5).<br />
Figura 6. Densidade do solo em condição de mata nativa e de cultivo com<br />
cana-de-açúcar (cana-planta).<br />
Figura 7. Porosidade total do solo em condição de mata nativa e de cultivo<br />
com cana-de-açúcar (cana-planta).<br />
Figura 5. Região da coifa de raiz de cana-de-açúcar.<br />
É importante se ter em vista duas questões complementares:<br />
• Qual a força que uma raiz consegue exercer sobre o solo<br />
para vencer a compactação?<br />
• Qual o grau de compactação que é tolerável pela planta?<br />
É comum haver maior retenção de água em solos mais densos<br />
devido ao aumento da proporção de microporos em relação aos<br />
macroporos. Mas a porosidade total diminui e, com isso, diminui<br />
também a aeração e conseqüentemente a condutividade hidráulica<br />
e gasosa. Portanto, maior retenção de água no solo resultante de<br />
compactação não significa maior disponibilidade de água para a<br />
planta. Propõe-se, inclusive, a utilização do termo “capacidade de<br />
retenção de água (CRA)” ao invés de “capacidade de água disponível”<br />
(CAD), como normalmente é mencionado esse atributo,<br />
pois há diferença entre a disponibilidade de água para a planta e a<br />
quantidade de água retida no solo.<br />
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Capacidade de Retenção de Água<br />
Latossolo com argila > 50%<br />
CRA (%)<br />
Figura 9. Desenvolvimento radicular numa condição de disponibilidade<br />
hídrica alta (solo úmido).<br />
Figura 8. Capacidade de retenção de água no solo em condição de mata<br />
nativa e de cultivo com cana-de-açúcar (cana-planta).<br />
A redução da aeração também é outro problema nos solos<br />
compactados. Asady et al. (1985) relatam que a penetração de<br />
raízes em camadas compactadas decresce linearmente quando a<br />
aeração é reduzida a partir de 30% até 0%. Quanto à importância<br />
da disponibilidade de oxigênio às raízes, Erickson e Van Doren<br />
(1961) constataram que quando a difusão do oxigênio cai para<br />
menos de 58 mg m -2 s -1 , o crescimento radicular é restringido. Solos<br />
compactados apresentam difusão inferior a 33 mg m -2 s -1 (ERICK-<br />
SON, 1982).<br />
Além da pressão exercida pelas máquinas, a umidade do<br />
solo no momento das operações também atua como importante<br />
fator na distribuição da compactação no perfil, e o grau dos efeitos<br />
prejudiciais depende das proporções de argila:silte:areia das diferentes<br />
classes de solo.<br />
• Umidade do solo<br />
É indiscutível a importância da disponibilidade de água para<br />
a planta. E o sistema radicular é a “boca” de captação dessa água.<br />
Portanto, a utilização de água pela parte aérea depende, principalmente,<br />
da distribuição do sistema radicular. Por outro lado, essa<br />
distribuição no perfil do solo depende da umidade e dos ciclos<br />
hídricos em determinada região. Em regiões ou períodos secos, a<br />
arquitetura radicular apresenta maior proporção de raízes profundas<br />
em relação ao total, comparada àquela em locais ou períodos<br />
úmidos. Se o solo seca de cima para baixo, as camadas superficiais<br />
tornam-se mais resistentes à penetração de raízes antes das camadas<br />
mais profundas. Enquanto o sistema radicular, na superfície,<br />
tem seu crescimento paralisado ou até reduzido pela morte de raízes,<br />
nas camadas mais profundas o crescimento se mantém por mais<br />
tempo, resultando em um aprofundamento do sistema radicular<br />
(Figura 9, Figura 10 e Figura 11). Além disso, os metabólitos que<br />
seriam utilizados para a formação de raízes superficiais podem ser,<br />
então, utilizados na formação de raízes mais profundas.<br />
É a natureza: o próprio processo de secagem do solo<br />
fazendo com que haja uma mudança estrutural no vegetal para a<br />
sua sobrevivência.<br />
Segundo Stasovski e Peterson (1993), as alterações estruturais<br />
nas raízes em resposta à seca são permanentes e o restabelecimento<br />
do crescimento após a reidratação envolve, usualmente,<br />
a formação de novas raízes laterais. Engels et al. (1994) constataram<br />
que plantas de milho podem responder rapidamente ao ressecamento<br />
e reumedecimento das camadas superficiais do solo através<br />
Figura 10. Desenvolvimento radicular numa condição de disponibilidade<br />
hídrica média (solo secando).<br />
Figura 11. Desenvolvimento radicular numa condição de disponibilidade<br />
hídrica muito baixa (solo seco).<br />
do aumento do crescimento de raízes nas camadas com condições<br />
mais favoráveis. Os autores concluem que esta plasticidade no<br />
crescimento de raízes é um fator que contribui para a manutenção<br />
de um adequado estado nutricional.<br />
A umidade do solo e os outros atributos como porosidade,<br />
aeração e resistência à penetração, estão interligados quanto à<br />
influência sobre o crescimento radicular. Pouco adianta um teor de<br />
água no solo ser satisfatório se houver baixa aeração e alta resistência<br />
à penetração. É lógico que a umidade diminui a resistência<br />
à penetração se comparada à condição de solo seco. Mas um solo<br />
compactado, mesmo estando úmido, tem elevada resistência à<br />
penetração. Se existir camada de impedimento do crescimento para<br />
camadas mais profundas, em períodos de seca, a planta estará mais<br />
sujeita ao estresse hídrico.<br />
2.3. Atributos químicos<br />
Quanto aos aspectos nutricionais, a adaptação de uma<br />
variedade a um solo de baixa fertilidade depende da eficiência de<br />
absorção do sistema radicular e de sua tolerância a elementos<br />
tóxicos. Segundo Anghinoni e Meurer (1999), a aquisição de<br />
nutrientes é alterada sempre que a cinética de absorção ou o<br />
crescimento das raízes forem afetados. O teor de alumínio no solo,<br />
responsável pela redução no crescimento das raízes, varia com as<br />
espécies, cultivares e com o solo, especialmente quanto ao seu teor<br />
de cálcio, pois as raízes não crescem em solos deficientes deste<br />
4<br />
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nutriente, que é essencial para a divisão celular e para a funcionalidade<br />
da membrana celular. Segundo Furlani (1983), a toxidez de<br />
alumínio pode provocar a fixação de fósforo em formas menos<br />
disponíveis, diminuir a taxa de respiração, interferir em reações<br />
enzimáticas responsáveis pela deposição de polissacarídeos nas<br />
paredes celulares e modificar a dinâmica de absorção e transporte<br />
de vários nutrientes, principalmente Ca, Mg e P. Por outro lado,<br />
Zhang e Barber (1992) comprovaram que a liberação de fósforo<br />
estimula o crescimento de raízes.<br />
Segundo Tinker (1981), é essencial que raízes e nutrientes<br />
se distribuam apropriadamente entre si para haver máxima eficiência<br />
do sistema radicular e isso também deve ser considerado em relação<br />
à variável tempo, devido ao crescimento e distribuição das raízes,<br />
ao movimento de íons no solo, às alterações de demanda pela cultura<br />
e às mudanças do teor de água no solo.<br />
3. FATORES CLIMÁTICOS<br />
3.1. Temperatura<br />
A temperatura do solo influencia a biomassa radicular<br />
(WALKER, 1969), o grau de elongação (LOGSDON et al., 1987) e<br />
de ramificação (BOX, 1996). Segundo esse último autor, a orientação<br />
do crescimento radicular é mais horizontal sob baixas temperaturas.<br />
A manutenção do colchão de palha residual da colheita<br />
mecanizada crua proporciona maior disponibilidade hídrica no solo,<br />
comparada à condição de solo nu. Por outro lado, a presença da<br />
palha resulta em menor temperatura do solo. Abramo Filho (1995)<br />
constatou que a temperatura da superfície da palha foi 5 o C superior<br />
à temperatura sob o colchão de palha. Com isso, variedades com<br />
diferentes capacidades de desenvolvimento radicular e tolerância à<br />
seca reagem distintamente a estas condições e estes fatores interferem<br />
na absorção de nutrientes e têm grande influência no desenvolvimento<br />
radicular.<br />
3.2. Precipitação<br />
A precipitação em cada região e a capacidade de armazenamento<br />
de água no solo determinam a disponibilidade de água<br />
para o desenvolvimento radicular. De nada adianta um solo<br />
apresentar excelentes atributos físico-químicos e elevada capacidade<br />
de armazenamento de água se não chove na região. O contrário<br />
também é verdadeiro: se chove bem, mas o solo tem capacidade de<br />
armazenamento muito baixa, poucos dias sem chuva e elevada evapotranspiração<br />
podem resultar em deficiência hídrica, resultando<br />
no processo de redução de raízes superficiais e conseqüente alteração<br />
na arquitetura do sistema radicular.<br />
Portanto, para a adequada classificação de ambiente de produção,<br />
não se pode levar em consideração apenas a classe de solo<br />
e sua condição de fertilidade, mas sim, deve-se avaliar o conjunto<br />
de condições que possam favorecer, permitir ou impedir o desenvolvimento<br />
radicular e da parte aérea.<br />
4. REFERÊNCIAS<br />
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2. NUTRIÇÃO E ADUBAÇÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR:<br />
indagações e reflexões<br />
Raffaella Rossetto 1<br />
Fábio Luis Ferreira Dias 2<br />
Aadubação é um dos fatores<br />
que determinam a<br />
produtividade. Muitas<br />
vezes, quando se pensa em adubação, a<br />
maior preocupação ocorre em relação às<br />
dosagens e aos custos dos fertilizantes.<br />
Entretanto, as práticas agrícolas estão Mo?<br />
todas interligadas. Uma adubação perfeita<br />
pode ir por água abaixo se o agricultor<br />
não observar a presença de pragas<br />
Ca?<br />
ou a concorrência de mato, ou a compactação<br />
do solo ou a época de plantio, enfim,<br />
todas as variáveis. Também o modo<br />
Si?<br />
de aplicação do fertilizante, a regulagem<br />
dos implementos e a época de aplicação Cu?<br />
podem ser determinantes do sucesso das<br />
N?<br />
adubações no aumento da produtividade,<br />
ou seja, aumentos significativos de<br />
Zn?<br />
produtividade são obtidos com a melhoria<br />
de todas as práticas agrícolas, conjuntamente.<br />
Para calcular quanto aplicar de determinado fertilizante é<br />
necessário saber quanto a cultura necessita de cada elemento,<br />
quanto o solo fornece e quais são os nutrientes que deverão ser<br />
supridos. Algumas ferramentas nos auxiliam a determinar quais os<br />
elementos que estão em falta. A principal é a análise do solo, que dá<br />
uma boa idéia da disponibilidade dos nutrientes e do fornecimento<br />
de nutrientes de que se pode dispor. Desse modo, inicia-se com<br />
a coleta de amostras de terra que representarão toda a área que se<br />
pretende adubar. Portanto, é indispensável que a amostragem seja<br />
feita com muito critério. A melhor análise, feita no melhor laboratório,<br />
não corrigirá uma amostragem mal feita. Junto com a análise<br />
de solo é importante conhecer o histórico da área – o manejo realizado<br />
anteriormente e respectivo desempenho da(s) cultura(s), dentre<br />
outros – pois traz indicativos que auxiliam na prática da adubação.<br />
Assim, sintomas de deficiência ou de toxidez devem ser<br />
observados durante todo o ciclo da cana. É possível que não se<br />
tenha tempo para corrigir deficiências no mesmo ciclo da cultura,<br />
mas as observações devem constar do programa de adubação do<br />
ano subseqüente. Além da diagnose visual, a diagnose foliar também<br />
pode ajudar na identificação do nutriente ou do elemento em<br />
falta e/ou excesso. A diagnose foliar é feita através da análise química<br />
de amostras representativas do talhão – primeira folha na qual<br />
se vê a bainha e a aurícula.<br />
Os conceitos de extração e exportação de nutrientes pela<br />
cultura também são úteis para indicar quanto de nutrientes será<br />
necessário repor no local. Existem experimentos<br />
que indicam as quantidades de<br />
nutrientes extraídas e exportadas pelos<br />
colmos da cana-de-açúcar para cada<br />
tonelada de matéria vegetal produzida.<br />
Por isso, saber quanto foi a produtividade<br />
da cana naquele local no ano anterior<br />
também fornece importantes indi-<br />
K?<br />
cativos para o manejo da adubação.<br />
A expectativa de produtividade<br />
é um conceito que se aplica a diversas<br />
P?<br />
culturas e que auxilia na recomendação<br />
B? da adubação pela seguinte razão: culturas<br />
mais produtivas requerem maior<br />
quantidade de nutrientes. Mas a produtividade<br />
esperada pode não ser a produtividade<br />
desejada. A produtividade espe-<br />
S? Mg?<br />
rada é função do potencial do solo, da<br />
genética da planta, das condições de<br />
manejo, de clima, do fornecimento suficiente<br />
de água, do controle de pragas,<br />
etc.; assim, ela deve estar entre a média de produtividade obtida<br />
naquela área e a máxima produtividade obtida no mesmo local. Por<br />
isso é importante conhecer o histórico da área/região.<br />
A POTAFOS publicou dois encartes contendo recomendações<br />
e muitas informações vindas da pesquisa que foram adotadas<br />
para o manejo da cana-de-açúcar e que são indicadas para o<br />
manejo sustentável, o primeiro escrito por Orlando Filho et al. (1994)<br />
e o segundo, por Vitti e Mazza (2002). Por isso, o presente artigo irá<br />
tratar de alguns pontos polêmicos, aqueles que precisam de maiores<br />
investigações, na tentativa de instigar técnicos e curiosos envolvidos<br />
com o manejo da cana, a fim de contribuir para o debate e a<br />
busca de soluções.<br />
Fe?<br />
1. O CULTIVO CONTÍNUO DA CANA PODE DIMINUIR<br />
A FERTILIDADE DOS SOLOS?<br />
Há controvérsias. É muito comum encontrar na literatura<br />
citações afirmando que a agricultura tradicional degrada a fertilidade<br />
dos solos nas regiões tropicais. No Brasil, a cana vem sendo<br />
cultivada nos mesmos locais por muitos anos sem queda na<br />
produtividade. É verdade que o preparo do solo induz a maior<br />
atividade microbiana e conseqüente queda no teor de matéria<br />
orgânica, porém este fato ocorre na agricultura em geral. No caso da<br />
cana, aportes de matéria orgânica, como palhada, e resíduos, como<br />
vinhaça, torta, entre outros, têm acrescentado matéria orgânica aos<br />
1<br />
Pesquisadora Científica do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Pólo Regional Centro-Sul, Piracicaba, SP; e-mail:<br />
raffaella@aptaregional.sp.gov.br<br />
2<br />
Pesquisador Científico do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Ribeirão Preto, SP.<br />
6<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
solos, possivelmente minimizando esse problema. Os fertilizantes<br />
também induzem a maior produção de massa vegetal como um todo,<br />
e não apenas de colmos industrializáveis, o que gera mais raízes e<br />
colmos subterrâneos, além de mais folhas e mais palha. A manutenção<br />
da fertilidade dos solos inclui, sempre que necessária, a<br />
aplicação de corretivos da acidez, que elevam a saturação por bases.<br />
No caso da cana, é importante considerar a profundidade dos solos<br />
até 50 cm para a melhoria da fertilidade, uma vez que o sistema<br />
radicular da cana explora grandes volumes de solo.<br />
Correa et al. (2001), comparando a fertilidade de um solo de<br />
mata adjacente ao solo cultivado há mais de 30 anos com cana-deaçúcar,<br />
observou que o manejo da correção e adubação do solo<br />
cultivado com cana-de-açúcar proporcionou aumentos de pH,<br />
fósforo, cálcio e magnésio e na saturação por bases (V%), enquanto<br />
houve redução nos teores de matéria orgânica, CTC, Al trocável e<br />
saturação por alumínio (m%). A adubação e a correção do solo ao<br />
longo dos 30 anos de cultivo da cana não degradou o solo, ao<br />
contrário, melhorou sua fertilidade.<br />
O assunto monocultivo de cana e degradação do solo vem<br />
sendo estudado em vários países. Nas Ilhas Mauricius, Ng Cheong<br />
et al. (<strong>2005</strong>) verificaram as mudanças nos atributos químicos e<br />
físicos do solo ocasionadas pela cana-de-açúcar em locais cultivados<br />
há mais de 50 anos, mais de 25 anos, menos de 10 anos e<br />
menos de 2 anos. Observaram que as principais mudanças ocorreram<br />
nos primeiros 15 cm do solo. Algumas propriedades como<br />
infiltração da água, macroporosidade e pH foram melhoradas, outras<br />
como matéria orgânica e nitrogênio total tiveram seu conteúdo<br />
diminuído.<br />
Nas Ilhas Fiji, Morrison et al. (<strong>2005</strong>) também verificaram as<br />
alterações ocorridas em um Oxissol após 25 anos de cultivo com<br />
cana, onde as propriedades dos solos vêm sendo monitoradas anualmente<br />
desde o primeiro cultivo. As principais modificações são<br />
conseqüências do decréscimo da matéria orgânica e da CTC e<br />
também do aumento da compactação. Os autores consideram que<br />
esses fatores são responsáveis pelo declínio da produtividade ao<br />
longo dos anos e recomendam que grande atenção seja dada à<br />
reposição de bases para a manutenção da fertilidade dos solos.<br />
Trazendo para as nossas condições, monitorar a acidez e a saturação<br />
por bases no solo, não apenas na camada superficial, parece<br />
ser uma boa orientação.<br />
Na África do Sul e na Austrália também tem sido observado<br />
um declínio na produtividade da cana ao longo dos anos. Na análise<br />
dos pesquisadores da África do Sul, o monocultivo da cana tem<br />
sido responsável por patamares menores de produtividade nas<br />
últimas décadas (MEYER e VAN ANTUERPEN, 2001). Os pesquisadores<br />
australianos também culpam o monocultivo e, para o<br />
estudo desse problema, existe o intuito de desenvolver um sistema<br />
de produção de cana rentável que vise a sustentabilidade e a responsabilidade<br />
ambiental. Um dos pontos principais para quebrar o<br />
monocultivo seria o plantio de leguminosas.<br />
Ainda no caso da Austrália, outros fatores foram identificados,<br />
tais como: grandes plantios de uma mesma variedade<br />
suscetível à presença de um patógeno da raiz, Pachymetra<br />
chaunorhiza, que obrigou os pesquisadores a identificar variedades<br />
de cana resistentes a essa praga; perda das propriedades físicas<br />
dos solos, fazendo com que eles utilizem o cultivo mínimo visando<br />
reduzir as operações e o tráfego de máquinas no canavial com a<br />
finalidade de prevenir a compactação. Deste modo, os resultados,<br />
embora considerados pelos autores como animadores, não são<br />
conclusivos quanto ao manejo ideal para impedir o declínio da<br />
produtividade (GARSIDE et al., 2001).<br />
Para o caso da África do Sul, Meyer e Van Antuerpen (2001)<br />
concluem que uma maneira prática para manter e aumentar a matéria<br />
orgânica (fertilidade do solo) durante o cultivo da cana é colhê-la<br />
sem queima prévia e manter a palhada sobre o solo. Fato que já<br />
havíamos constatado.<br />
2. A CANA-DE-AÇÚCAR É TOLERANTE À ACIDEZ<br />
DO SOLO?<br />
Embora a cana-de-açúcar seja uma cultura muito tolerante à<br />
acidez, deve-se dar a devida atenção à correção do pH do solo.<br />
Além dos efeitos na neutralização do alumínio e manganês e na<br />
diminuição da fixação de fósforo do solo, a calagem fornece cálcio,<br />
elemento bastante exigido pela cana, e magnésio, dependendo do<br />
calcário utilizado. A correção do pH é a lição número 1 para a manutenção<br />
da fertilidade e, portanto, da sustentabilidade do solo.<br />
Tem-se que considerar também que a calagem é uma prática<br />
bastante econômica, com boa relação custo/benefício, e que, no<br />
caso da cana, a melhor oportunidade para a calagem ocorre apenas<br />
a cada 5 ou 6 anos, uma vez que, durante o plantio, tem-se a única<br />
oportunidade de incorporar bem o calcário.<br />
Existem vários métodos para a recomendação da calagem. O<br />
Instituto Agronômico de Campinas (IAC) recomenda que se eleve a<br />
saturação por bases a 60%, desde que não ultrapasse a dose de<br />
5 t ha -1 (RAIJ et al., 1996).<br />
Quando o solo apresenta alto teor de alumínio em profundidade<br />
e/ou baixo teor de cálcio, indica-se o uso de gesso. A<br />
Tabela 1 apresenta a recomendação de gessagem para a cana-deaçúcar,<br />
que considera o teor de argila do solo (RAIJ et al., 1996).<br />
Tabela 1. Recomendação de gessagem para cana-de-açúcar.<br />
Amostra de solo (20-40 cm) Quantidade de gesso a aplicar<br />
Ca < 4 mmol c<br />
dm -3 e/ou Al > 40% Gesso (kg ha -1 ) = argila (g kg -1 ) x 6<br />
3. A CANA-PLANTA RESPONDE À ADUBAÇÃO<br />
NITROGENADA?<br />
Esta é sempre uma questão polêmica.<br />
Apesar da revisão de Azeredo et al. (1986) ter indicado que,<br />
de 135 experimentos analisados, houve resposta ao N em apenas<br />
19% deles, sabe-se que a extração do elemento pela cultura é muito<br />
grande, cerca de 100 a 130 kg ha -1 de N, e as doses aplicadas como<br />
fertilizante são de apenas 30 a 60 kg ha -1 de N. Além disto, a eficiência<br />
de utilização do N do fertilizante é baixa.<br />
De onde vem então todo esse nitrogênio?<br />
A cana-planta utiliza outras fontes de N além do fertilizante.<br />
A taxa de mineralização do N da matéria orgânica do solo, após o<br />
preparo, é alta, e certamente contribui com grande parte do fornecimento<br />
desse nutriente, pois a movimentação do solo ocorre em<br />
épocas quentes e chuvosas, que favorecem a mineralização. Estimativas<br />
feitas por Morelli et al. (1987) revelam alto estoque de N<br />
contido nos restos culturais que a cana deixa no solo (raízes,<br />
rizomas); existe ainda o N contido na muda da cana a ser plantada,<br />
que pode fornecer por volta de 12 kg ha -1 de N (CARNEIRO et<br />
al.,1995); possivelmente pode-se contar, ainda, com certa contribuição<br />
da fixação biológica de N. Outra fonte que pode concorrer<br />
para o total de N da cana-planta, cuja contribuição está sendo ainda<br />
pesquisada, é a absorção de amônia da atmosfera pelas folhas<br />
(HOLTAN-HARTWING e BOCKMAN, 1994).<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 7
Estima-se que possa haver resposta à adubação nitrogenada<br />
em 30% dos plantios de cana. Mas quais seriam esses locais?<br />
Geralmente são solos distróficos, de textura arenosa ou<br />
média, com baixa quantidade de matéria orgânica, mas alguns relatos<br />
mostram respostas também em solos eutróficos e argilosos.<br />
Quando a instalação da cultura da cana-de-açúcar é iniciada em<br />
solo anteriormente utilizado por pastagem, há maior tendência de<br />
resposta à adubação.<br />
Embora a tabela de adubação do IAC (RAIJ et al., 1996)<br />
recomende 30 kg ha -1 de N no plantio mais 30 a 60 kg ha -1 de N em<br />
cobertura após 30 a 60 dias (Tabela 2), verifica-se que, na prática,<br />
são comuns as dosagens entre 30 e 60 kg ha -1 de N no sulco, de uma<br />
única vez. Resultados experimentais de Penatti et al. (1997) mostraram<br />
maior necessidade de N tanto pela cana-planta como pela canasoca.<br />
Através de correlações entre variedades, produtividade de<br />
cana (t ha -1 ) e margem de contribuição agroindustrial (R$ ha -1 )<br />
obtiveram a dose de 50 kg ha -1 de N, localizada no sulco de plantio,<br />
como técnica e economicamente adequada para cana-planta. É possível<br />
também que haja maior possibilidade de resposta da canaplanta<br />
ao N quando esta for plantada em sistema de cana de ano,<br />
conforme os resultados de Penatti et al. (1997).<br />
Tabela 2. Recomendação de adubação nitrogenada para a cana-planta e<br />
cana-soca.<br />
Cana-planta<br />
30kg ha -1 + 30 a 60 kg ha -1 em cobertura<br />
Cana-soca<br />
Produtividade<br />
N<br />
(t ha -1 ) (kg ha -1 )<br />
< 60 60<br />
60-80 80<br />
80-100 100<br />
> 100 120<br />
Sintomas de deficiência de nitrogênio são mais freqüentemente<br />
observados nas soqueiras, como ilustra a Figura 1.<br />
Figura 1. À direita, deficiência de nitrogênio em soqueiras de cana-deaçúcar.<br />
4. EXISTE FIXAÇÃO BIOLÓGICA DE N NA CANA?<br />
A descoberta de microrganismos fixadores de N em canade-açúcar<br />
foi um mérito dos pesquisadores brasileiros liderados<br />
pela vitoriosa Dra. Johanna Döbereiner, há mais de 40 anos. Porém,<br />
até hoje, o mecanismo que envolve essa fixação, a sua eficiência,<br />
não foi ainda desvendado. Sabe-se que existem várias espécies de<br />
microrganismos fixadores de N que vivem em associação com a<br />
cana-de-açúcar. Sabe-se também que existem diferenças entre as<br />
variedades de cana e a resposta a essas associações. Os pesquisadores<br />
brasileiros foram também vitoriosos em isolar e classificar as<br />
bactérias fixadoras encontradas na cana-de-açúcar, como Acetobacter<br />
diazotrophicus, hoje reclassificada como Gluconacetobacter<br />
diazotrophicus, que se encontra em qualquer órgão da planta, restos<br />
de colheita e no solo (BODDEY et al., 1995). O Gluconacetobacter<br />
diazotrophicus também produz hormônios de crescimento, como o<br />
ácido indol acético (AIA), e possui atividade antagônica a alguns<br />
patógenos do solo, segundo vários autores citados por Perin et al.<br />
(2004). Estas e outras bactérias fixadoras também têm sido encontradas<br />
em canaviais na Austrália e na América Central, mostrando<br />
sua grande afinidade pela cultura da cana. Alguns trabalhos da<br />
equipe da Dra. Johanna estimaram que a cana poderia conter mais<br />
que 50% do N acumulado proveniente da fixação biológica. Apesar<br />
das estimativas, não existem evidências concretas de que a associação<br />
entre as bactérias fixadoras de N e a cana determine maior<br />
produtividade. Ou mesmo que inoculações com as bactérias possam<br />
aumentar a eficiência do processo.<br />
Na Índia, foi relatada a eficiência de inoculação de Azospirillum<br />
e Azotobacter em cana-de-açúcar, porém apenas o aumento de<br />
produtividade foi analisado, não havendo resultados da eficiência<br />
da fixação, nem do aumento de N na planta, nem do aumento do<br />
números de microrganismos, ficando os resultados apenas como<br />
indicativos da diferença entre a testemunha não inoculada e do<br />
tratamento inoculado (cerca de 20%) de que pode ter ocorrido fixação<br />
biológica do N (SHANKARIAH e HUNSIGI, 2001).<br />
Técnicas consideradas apropriadas para medir a fixação<br />
biológica de N, que utilizam medidas isotópicas do nitrogênio,<br />
chamadas por delta N-15, foram estudadas para avaliar a fixação<br />
em variedades de cana em diversas regiões brasileiras por Polidoro<br />
et al. (2001). As quantidades de N fixadas variaram entre 0 e<br />
60%, com média de 32%. As variedades RB72 454 e SP80-1842<br />
apresentaram alto potencial de fixação de N, sendo que o manejo<br />
da fertilidade do solo e a conseqüente nutrição das plantas<br />
influenciaram na magnitude da contribuição. Interessante salientar<br />
também, que nesse trabalho os autores encontraram fixação de N<br />
não apenas na cana-planta como também nas soqueiras. Um<br />
problema relacionado a esses estudos tem sido a escolha da planta<br />
não fixadora a ser considerada como testemunha. A alta variabilidade<br />
na estimativa das quantidades fixadas deve-se a falta de<br />
uma testemunha que sirva como padrão de delta N-15 da planta<br />
não fixadora. Nos estudos são utilizadas diversas espécies de<br />
ocorrência natural, como padrão, a exemplo de Bidens pilosa, Emilia<br />
sonchifolia ou Sida rhombifolia, entre outras. Ocorre que elas<br />
apresentam variações no valor de delta N-15 com conseqüentes<br />
distorções nas estimativas do N fixado na cana. São problemas de<br />
metodologia de pesquisa que necessitam maiores estudos.<br />
Utilizando a mesma técnica em 8 locais da Austrália, Biggs<br />
et al. (2000) verificaram que em 7 locais a FBN não contribuiu para a<br />
nutrição nitrogenada da cana-planta. Em apenas um local a técnica<br />
teria indicado que havia ocorrido fixação de N, porém os autores<br />
temem que alguma situação específica desse solo possa ter favorecido<br />
a resposta nesse local, e preferem acreditar que os resultados<br />
obtidos nos 7 outros locais, que não indicam a fixação biológica de<br />
N, devem ser os verdadeiros. Ou seja, a pesquisa precisa ainda<br />
avançar nesse assunto.<br />
8<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
5. A PALHADA DEIXADA SOBRE O SOLO<br />
FORNECE NUTRIENTES?<br />
A palhada pode ter inúmeras funções entre proteger o solo<br />
e melhorar suas propriedades físicas e químicas. Como fornecedora<br />
de nutrientes, deve sofrer a ação dos microrganismos durante a<br />
mineralização. A taxa de mineralização depende de uma série de<br />
fatores, como a relação C/N da palhada, que é bem alta, entre 50 e<br />
60, seu teor de lignina e de polifenóis, o tipo de solo, seu pH, o teor<br />
de matéria orgânica já existente e os fatores climáticos, como<br />
temperatura e umidade. No nordeste brasileiro, 81% da palha foi<br />
degradada em 5 anos (URQUIAGA et al., 1991). Estudos utilizando<br />
N-15 mostraram que a cana, após 18 meses, recuperou apenas 10%<br />
do N contido na palhada num experimento feito nas Ilhas Mauricius.<br />
No Brasil, Gava et al. (2003) obtiveram apenas 4% do N mineralizado<br />
do resíduo cultural e aproveitado pela soqueira da cana ao longo de<br />
um ano. Portanto, embora a palhada represente adições entre 40 e<br />
80 kg ha -1 de N, dependendo da variedade e das quantidades de<br />
palha acrescentadas (BAUER FILHO, 2000), pode-se contar com<br />
pouco desse N para a nutrição das soqueiras.<br />
O mesmo não ocorre com o K. Por ser muito móvel e não<br />
estar ligado a compostos estruturais da planta, o K passa rapidamente<br />
da palhada para o solo e poderia rapidamente ser fornecido<br />
para a soqueira de cana. Como as quantidades de K na palhada<br />
são altas, Demattê (2004) calcula que pode-se deduzir o K do<br />
fertilizante na base de 40 kg de K 2<br />
O para cada 10 toneladas de palha<br />
presente. Alguns experimentos estão sendo realizados pela equipe<br />
do IAC para verificar esse pressuposto.<br />
6. APLICAÇÕES AÉREAS DE NUTRIENTES EM<br />
CANA SÃO INDICADAS?<br />
O parcelamento das doses de N e de K é indicado principalmente<br />
para culturas cultivadas em regiões e épocas sujeitas a<br />
fortes chuvas, como é o caso de diversas regiões cultivadas com<br />
cana no Brasil. Entretanto, o parcelamento não é prática comumente<br />
observada, pois representa operação adicional, o que dificulta o<br />
gerenciamento em grandes áreas, e tem seu custo. Além disso, existem<br />
experimentos que não apresentaram efeito com o parcelamento,<br />
tanto da dose de nitrogênio como da dose de potássio. Mas existem<br />
controvérsias. O fato é que, além da dificuldade gerencial de uma<br />
nova operação, um cultivo pode prejudicar a formação de raízes,<br />
afetando a produtividade. Após 100 dias do corte é quase impossível<br />
entrar no canavial com implementos tradicionais e, assim, as aplicações<br />
aéreas podem ser indicadas. Utilizam-se doses entre 15 e<br />
25 kg ha -1 de N fornecidos como uréia, porém é necessário observar<br />
as condições de umidade relativa do ar atmosférico para não causar<br />
injúrias às plantas. Para o parcelamento do K pode-se utilizar o KCl<br />
em doses entre 20 e 30 kg ha -1 de K 2<br />
O (MALAVOLTA, 2004).<br />
7. PODE-SE EVITAR PERDAS DE N POR<br />
VOLATILIZAÇÃO NA CANA CRUA?<br />
A presença da palhada de cana gera dificuldades para a<br />
incorporação da uréia na adubação das soqueiras de cana. Alguns<br />
implementos conseguem cortar a palhada e incorporar o fertilizante<br />
nas soqueiras, mas para tal é preciso que o preparo do solo no plantio<br />
seja bem feito, sem a presença de torrões e de irregularidades.<br />
As perdas de N que ocorrem quando se utiliza a uréia sem<br />
incorporação ao solo são muito variáveis e podem atingir até 60%<br />
do N aplicado. A incorporação reduz as perdas a níveis próximos de<br />
zero. Outra alternativa seria o uso de fontes nitrogenadas conten-<br />
do nitrato ou sulfato de amônio, mas o problema então recai na<br />
economicidade.<br />
Sabe-se que uma chuva ou a irrigação após a adubação<br />
ajudaria a incorporar a uréia. A literatura cita que 10 a 15 mm de<br />
chuva seriam suficientes. Mas os dados de Freney et al. (1991), e<br />
também os observados nos estudos em andamento do IAC, concluíram<br />
que a palha protege a uréia do contato com a água, que<br />
percola por caminhos preferenciais. Nossos estudos mostram que<br />
13,8 mm de chuva logo após a adubação diminuíram as perdas por<br />
volatilização da amônia, porém não a impediram. A palha também<br />
apresenta a enzima urease, que inicia a reação de perda da uréia por<br />
volatilização, facilitando sua hidrólise.<br />
Um caminho para o uso da uréia nas condições de presença<br />
de palhada seria o uso de inibidores da urease, como o NBPT<br />
[N-(n-Butil) Tiofosfórico Triamida]. Essa possibilidade vem sendo<br />
estudada no IAC (CANTARELLA et al., <strong>2005</strong>), e os dados que resumem<br />
os resultados obtidos em 12 experimentos de campo com culturas<br />
como milho, cana-de-açúcar e pastagens indicam que a utilização<br />
do inibidor reduziu em 50%, em média, as perdas por volatilização<br />
do N da uréia.<br />
8. POR QUE A SOJA E OUTRAS LEGUMINOSAS<br />
SÃO IMPORTANTES NA REFORMA DO<br />
CANAVIAL?<br />
Além de todos os benefícios da adubação verde, a soja<br />
representa renda extra ao agricultor. Por ser cultura eficiente na<br />
fixação biológica de N, fornece todo o nitrogênio necessário para a<br />
cana-planta. Essa observação foi demonstrada nos trabalhos do<br />
IAC liderados por Mascarenhas et al. (1994), que também observaram<br />
acréscimos de 22% e 20% na produtividade da cana após o<br />
cultivo de crotalária e mucuna, respectivamente.<br />
A Figura 2 apresenta um experimento realizado no IAC, em<br />
Piracicaba-SP, para o estudo de opções de culturas para áreas de<br />
reforma de canaviais.<br />
Figura 2. Área experimental com culturas para áreas de reforma de<br />
canavial.<br />
Na Austrália, Garside e Berthelsen (2004) também verificaram<br />
que os restos culturais da soja são facilmente mineralizáveis. No<br />
tratamento sem a soja e sem adubação nitrogenada para a canaplanta<br />
a produtividade da cana ficou reduzida em 42%. Ainda<br />
verificaram que a soja não precisa ser incorporada ao solo para<br />
causar benefício. Pode ser deixada apenas na superfície, sendo então<br />
a cana plantada em cultivo mínimo. Isso ocasiona um benefício<br />
ainda maior porque a mineralização dos restos culturais da soja<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 9
ocorre mais lentamente, proporcionando maior eficiência de utilização<br />
desse nutriente pela cana (NOBLE e GARSIDE, 2000).<br />
9. A ADUBAÇÃO FOSFATADA DEVE SER<br />
APLICADA APENAS NO PLANTIO?<br />
A maior parte dos experimentos demonstra que há maior<br />
resposta ao fósforo quando este é aplicado em dose completa no<br />
plantio, no fundo do sulco, não havendo necessidade de adubação<br />
fosfatada posteriormente nas soqueiras. Entretanto, é possível que<br />
haja resposta da adubação em soqueiras em alguns solos com teor<br />
muito baixo de fósforo. A Tabela 3 e a Tabela 5 apresentam a recomendação<br />
de adubação fosfatada para cana-planta e cana-soca<br />
segundo IAC (RAIJ et al., 1996).<br />
Tabela 3. Recomendação de adubação fosfatada para o plantio da canade-açúcar<br />
(RAIJ et al., 1996).<br />
Produtividade esperada P (resina- mg dm -3 )<br />
(t ha -1 ) 0-6 7-15 16-40 > 40<br />
- - - - - - - - - P 2<br />
O 5<br />
(kg ha -1 ) - - - - - - - - -<br />
< 100 180 100 60 40<br />
100-150 180 120 80 60<br />
> 150 - 140 100 80<br />
Demattê (2004) faz um cálculo sobre o balanço de fósforo no<br />
solo, ao longo de 5 cortes (produção de 400 t de cana), após a<br />
utilização de dose comumente recomendada de P (150 kg ha -1 de<br />
P 2<br />
O 5<br />
no plantio), com extração de 0,43 kg t -1 de massa verde e considerando<br />
a fixação pelo solo de 30%. É provável que em várias<br />
condições ocorra um déficit de fósforo que deveria ser reposto nas<br />
soqueiras. Este autor faz ainda um alerta para que a acidez das<br />
soqueiras seja monitorada e que a V% seja sempre maior que 40%,<br />
caso contrário não haverá resposta ao P adicional.<br />
A Figura 3 apresenta os sintomas típicos da deficiência de<br />
fósforo – baixo crescimento e bordas das folhas mais velhas com<br />
coloração roxa – em soqueiras de cana-de-açúcar.<br />
10 mg cm -3 ) e preferencialmente com baixo teor de argila, dá-se<br />
preferência para a aplicação em área total. A fosfatagem pode ser<br />
feita utilizando-se fosfatos naturais, que devem ser incorporados<br />
ao solo em geral em doses de 150 kg ha -1 de P 2<br />
O 5<br />
, mas também<br />
pode ser realizada com fosfatos solúveis, na dose de 100 kg ha -1 de<br />
P 2<br />
O 5<br />
, ou também utilizando-se torta de filtro na quantidade de 80 a<br />
100 t ha -1 . Os principais fertilizantes utilizados para a fosfatagem<br />
são: hiperfosfatos (Gafsa, Daoui, Arad), fosfatos naturais de rocha,<br />
termofosfatos, multifosfato magnesiano, superfosfato simples e<br />
superfosfato triplo.<br />
Como a aplicação de fosfato no sulco de plantio é a única<br />
oportunidade de colocar o fósforo próximo às raízes, uma estratégia<br />
seria a de aplicar a dose de P 2<br />
O 5<br />
recomendada na forma de mistura<br />
de fosfato solúvel e fosfato natural. Isto porque o fosfato natural, de<br />
solubilidade mais lenta, teria maior efeito residual e poderia fornecer<br />
P para as soqueiras. Pensando assim, Cantarella et al. (2002) estudaram<br />
diferentes proporções de fosfato solúvel e fosfato natural reativo<br />
de Daoui e observaram que não houve resposta às misturas de<br />
diferentes proporções dos fertilizantes, mas a resposta da cana-planta<br />
foi linear em função das doses, independente se o P foi fornecido<br />
como fosfato reativo ou fosfato solúvel. Apesar dos resultados desses<br />
experimentos, essa ainda é uma estratégia a ser melhor abordada.<br />
Comparando-se a aplicação em área total e no sulco de fosfato<br />
natural reativo de Djebel-Onk e de superfosfato triplo, na dose de<br />
120 kg ha -1 de P 2<br />
O 5<br />
, em solo arenoso, foi observada maior produtividade<br />
quando se utilizou superfosfato triplo em área total. Para<br />
o fosfato natural a resposta foi similar, tanto aplicado no sulco<br />
como em área total, porém inferior ao superfosfato triplo. Já para o<br />
solo argiloso, o melhor tratamento foi a aplicação de superfosfato<br />
triplo no sulco (ROSSETTO et al., 2002).<br />
11. A CANA-PLANTA E AS SOQUEIRAS<br />
RESPONDEM IGUALMENTE AO POTÁSSIO?<br />
Tudo indica que sim. E quanto maior for a extração, maior<br />
será a utilização do K aplicado como fertilizante.<br />
O experimento de Rossetto et al. (2004) mostrou resposta<br />
linear da cana-de-açúcar ao potássio em 7 das 10 avaliações envolvendo<br />
diferentes solos e variedades de cana. A análise de solo permite<br />
certa previsibilidade da resposta da cana ao potássio, mas complexas<br />
interações desse nutriente no solo e na planta demonstram que nem<br />
tudo é tão simples. Existem diferenças varietais na resposta da cana<br />
ao potássio (WOOD e SCHROEDER, 2004), embora no Brasil ainda<br />
não se conseguiu definir quais variedades são mais responsivas. A<br />
Figura 4 apresenta um sintoma típico de deficiência de K em<br />
soqueiras no final do ciclo da cana-de-açúcar.<br />
Figura 3. Sintomas de deficiência de fósforo em cana-de-açúcar.<br />
10. FOSFATOS DE ROCHA DEVEM SER<br />
APLICADOS EM ÁREA TOTAL OU NO SULCO?<br />
Para a fosfatagem, que é a aplicação de fontes de P em área<br />
total na época de preparo do solo, antes do plantio da cana-planta,<br />
indicada para solos com teor muito baixo de fósforo (menor que<br />
Figura 4. Deficiência de K no final do ciclo da cana (formação em leque).<br />
10<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
Procurando verificar se a análise de solo tem alta correlação<br />
com a resposta à adubação potássica, Reis Júnior (2001) analisou<br />
os resultados de 106 experimentos e verificou que a relação K (Ca +<br />
Mg) -0,5 pode ser utilizada como critério para orientar a adubação<br />
potássica. Quanto maior a relação, menor a probabilidade de<br />
resposta. O autor indica os índices 0,254 como baixo, de 0,254 a<br />
0,335 como médio e maior que 0,335 como alto.<br />
As Tabelas 4 e 5 apresentam a recomendação de adubação<br />
potássica para a cana-planta e soca segundo IAC (RAIJ et al., 1996).<br />
Tabela 4. Recomendação de adubação potássica para o plantio de canade-açúcar<br />
(RAIJ et al., 1996).<br />
Produtividade esperada K + (mmol c<br />
dm -3 )<br />
(t ha -1 ) 0-0,7 0,8-1,5 1,6-3,0 3,1-6,0<br />
- - - - - - - - - K 2<br />
O (kg ha -1 ) - - - - - - - - - -<br />
< 100 100 80 40 40<br />
100-150 150 120 80 60<br />
> 150 200 160 120 80<br />
Tabela 5. Recomendação de adubação N, P e K para soqueiras de canade-açúcar<br />
(RAIJ et al., 1996).<br />
Produtividade N P (resina - mg dm -3 ) K + (mmol c<br />
dm -3 )<br />
esperada<br />
0-15 > 15 0-1,5 1,6-3,0 > 3,0<br />
(t ha -1 ) (kg ha -1 ) --- P 2<br />
O 5<br />
(kg ha -1 ) - - - - - - K 2<br />
O (kg ha -1 ) - - -<br />
< 60 60 30 0 90 60 30<br />
60-80 80 30 0 110 80 50<br />
80-100 100 30 0 130 100 70<br />
> 100 120 30 0 150 120 90<br />
12. A CANA NECESSITA DE MICRONUTRIENTES?<br />
Micronutrientes são elementos essenciais e, portanto, necessários<br />
para a manutenção da produtividade. Ocorre que o sistema<br />
radicular da cana explora grandes volumes de solo, com alta<br />
capacidade de extração. Além disto, retira os nutrientes de camadas<br />
mais profundas e os traz à superfície através de folhas secas, rizomas.<br />
Ocorre, ainda, a reciclagem de micronutrientes promovida pela<br />
vinhaça e torta de filtro. A dificuldade de identificação de sintomas<br />
de deficiência de micronutrientes na região Centro-Sul do Brasil, e<br />
também a baixa resposta à aplicação (geralmente aumentos de 5 a<br />
8 t ha -1 na produtividade, em média), concorrem para o baixo uso desses<br />
nutrientes. É um assunto que precisa ser melhor avaliado pelos técnicos.<br />
Na região nordeste a carência em micronutrientes é mais comum.<br />
A Tabela 6 apresenta a recomendação de adubação com<br />
micronutrientes para a cana-de-açúcar, segundo IAC (RAIJ et al., 1996).<br />
Tabela 6. Recomendação de adubação com micronutrientes para o plantio<br />
da cana-de-açúcar.<br />
Zinco no solo Zn Cobre no solo Cu<br />
(mg dm -3 ) (kg ha -1 ) (mg dm -3 ) (kg ha -1 )<br />
0 - 0,5 5 0 - 0,2 4<br />
> 0,5 0 > 0,2 0<br />
13. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Embora as plantas necessitem de macro e micronutrientes<br />
para seu crescimento e produção, geralmente há preocupação apenas<br />
com os três macronutrientes principais (nitrogênio, fósforo e potássio).<br />
Assim, maior atenção deve ser dada aos demais nutrientes,<br />
principalmente se a cana estiver sendo cultivada há muitos anos no<br />
mesmo local, ou em situações de estresse.<br />
A manutenção da fertilidade do solo e, portanto, sua sustentabilidade<br />
não depende apenas da adubação. Outras práticas<br />
são igualmente importantes, como correção do solo em profundidade,<br />
uso de práticas de conservação do solo, controle de pragas<br />
e de plantas daninhas, plantio de adubos verdes ou leguminosas<br />
na época de reforma e mecanização, minimizando a compactação.<br />
14. REFERÊNCIAS<br />
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<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 11
3. AMBIENTES DE PRODUÇÃO DE CANA-DE-AÇÚCAR<br />
NA REGIÃO CENTRO-SUL DO BRASIL<br />
Hélio do Prado 1<br />
Oambiente de produção de cana-de-açúcar é definido<br />
em função das condições físicas, hídricas,<br />
morfológicas, químicas e mineralógicas dos solos<br />
sob manejo adequado da camada arável em relação ao preparo,<br />
calagem, adubação, adição de vinhaça, torta de filtro, palha no<br />
plantio direto, do controle de ervas daninhas e pragas, mas sempre<br />
associadas às propriedades da subsuperfície dos solos e, principalmente,<br />
ao clima regional (precipitação pluviométrica, temperatura,<br />
radiação solar, evaporação).<br />
Portanto, ambiente de produção é a soma das interações<br />
dos atributos de superfície e principalmente de subsuperfície,<br />
considerando-se, ainda, o grau de declividade onde os solos ocorrem<br />
na paisagem, associadas com as condições climáticas.<br />
Os componentes do ambiente de produção (Figura 1) são<br />
representados pela profundidade, a qual tem direta relação com a<br />
disponibilidade de água e com o volume de solo explorado pelas<br />
raízes; pela fertilidade, como fonte de nutrientes para as plantas;<br />
pela textura, relacionada com os níveis de matéria orgânica,<br />
capacidade de troca de cátions e disponibilidade hídrica; e pela<br />
água, como parte da solução do solo, que é vital para a sobrevivência<br />
das plantas.<br />
Figura 2. Hierarquia da classificação de solos (EMBRAPA,1999).<br />
Figura 3. Textura do solo.<br />
Figura 1. Componentes do ambiente de produção.<br />
Para um adequado conhecimento do ambiente de produção<br />
é necessário, em primeiro lugar, classificar os solos. A Figura 2<br />
mostra a hierarquia de classificação de solos, segundo a EMBRAPA<br />
(1999). Geralmente, a classificação de solos até o terceiro nível<br />
(grande grupo) é suficiente para se fazer o enquadramento no<br />
ambiente de produção.<br />
TEXTURA E ÁGUA<br />
A textura do solo se refere à distribuição porcentual de argila,<br />
silte, areia fina e areia grossa na terra fina seca ao ar. Dependendo<br />
do teor de argila a textura pode ser arenosa, média, argilosa ou<br />
muito argilosa (Figura 3).<br />
No teste de campo avaliam-se a argila no solo molhado pela<br />
sua pegajosidade, o silte pela sua sedosidade, e a areia pela sua<br />
aspereza.<br />
O teor de argila é importante por vários aspectos: por influir<br />
diretamente na disponibilidade de água e nas condições químicas<br />
(CTC, matéria orgânica), por ser utilizado no cálculo das doses de<br />
gesso e também na classificação de solos pelo cálculo do gradiente<br />
textural.<br />
Na legenda de solos do projeto Ambicana (Ambientes de<br />
Produção de Cana-de-açúcar), por exemplo, o limite de textura média<br />
foi subdividido, por se considerar muito amplo o limite de 15% a<br />
35% de argila e, conseqüentemente, muito ampla a disponibilidade<br />
hídrica.<br />
Solos com menor teor de argila apresentam menor disponibilidade<br />
de água; porém, isso não significa que os solos com teor<br />
de argila mais elevado disponibilizam maior volume de água. Os<br />
1<br />
Pesquisador Científico do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Ribeirão Preto, SP; e-mail: heprado@terra.com.br; website:<br />
www.pedologiafacil.com<br />
12<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
Latossolos argilosos e os Latossolos muito argilosos possuem<br />
reduzida disponibilidade hídrica devido a sua estrutura e principalmente<br />
a forte microagregação da fração argila, ressecando o solo<br />
em poucas horas. Nos Latossolos ácricos os microagregados são<br />
ainda mais evidentes, por isso são os solos que se ressecam mais<br />
facilmente.<br />
A Figura 4 mostra detalhadamente os microagregados de<br />
Latossolos da usina Jalles Machado, de Goianésia (GO). Esses<br />
microagregados foram observados também no Latossolo Vermelho<br />
ácrico na região de Tupaciguara (MG), que mostrou ressecamento<br />
5 horas após uma chuva de 25 mm, conforme a Figura 5.<br />
Figura 6. Baixa infiltração de água no Cambissolo da usina Jalles Machado,<br />
em Goianésia (GO).<br />
Original: Thiago Germano Piveta.<br />
Figura 4. Microagregados no Latossolo Vermelho da usina Jalles Machado,<br />
em Goianésia (GO).<br />
Original: Rober Ricardo de Matos.<br />
Figura 7. Erosão no sulco no Cambissolo da usina Jalles Machado, em<br />
Goianésia (GO).<br />
Original: Thiago Germano Piveta.<br />
Figura 5. Ressecamento da camada superficial de Latossolo Vermelho<br />
ácrico.<br />
Original: Hélio do Prado.<br />
Além da argila, o silte, o teor de areia fina e o de areia grossa<br />
também influem no armazenamento de água no solo. Solos com<br />
teores muito altos de silte dificultam a infiltração de água em<br />
profundidade (Figura 6), como observado no Cambissolo da usina<br />
Jalles Machado em Goianésia (GO).<br />
Como conseqüência da reduzida infiltração de água, ocorre<br />
erosão no sulco, quando a declividade favorece o arraste de partículas<br />
(Figura 7), e perda de área plantada (Figura 8), pela dificuldade<br />
do trânsito de máquinas agrícolas.<br />
Figura 8. Perda de área plantada no Cambissolo da usina Jalles Machado,<br />
em Goianésia (GO).<br />
Original: Thiago Germano Piveta.<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 13
Outro aspecto físico relacionado ao elevado teor de silte no<br />
solo refere-se à dificuldade da cana-de-açúcar em romper a camada<br />
siltosa endurecida, causando falhas no estande (Figura 9).<br />
Tabela 1. Critérios químicos-pedológicos da camada superficial de solos 1 .<br />
Solo V SB m Al 3+ RC<br />
Eutrófico > 50 > 1,5<br />
Mesotrófico 30-50 > 1,2<br />
Mesotrófico > 50 < 1,5<br />
Distrófico < 30 < 50 > 1,5<br />
Ácrico < 1,5<br />
Mesoálico 15-50 > 0,4<br />
Álico > 50 0,3-4,0<br />
Alumínico > 50 > 4,0<br />
1<br />
V = saturação por bases (%); SB = soma de bases (cmolc kg -1 de solo); m =<br />
saturação por alumínio (%); RC = retenção de cátions (cmol c<br />
kg -1 de argila).<br />
Figura 9. Dificuldade de brotação da cana-de-açúcar cultivada no Cambissolo<br />
da usina Jalles Machado, em Goianésia (GO).<br />
Original: Thiago Germano Piveta.<br />
A estrutura do solo está relacionada à sua textura, pois os<br />
agregados estruturais são influenciados pelo teor de argila, silte e<br />
tipo de areia (fina ou grossa). Existe maior disponibilidade hídrica<br />
quando há melhor estruturação do solo, como, por exemplo, na<br />
estrutura em blocos dos Nitossolos Vermelhos (anteriormente Terras<br />
Roxas Estruturadas), em relação à estrutura granular forte dos<br />
Latossolos Vermelhos férricos (Latossolos Roxos).<br />
A coloração dos agregados estruturais tem relação direta<br />
com o tipo de drenagem interna no perfil. Se o agregado estrutural<br />
apresentar cor mosqueada (cores contrastantes, com predomínio<br />
de uma delas) ou variegada (duas cores, mais ou menos na mesma<br />
proporção, na massa do solo) significa que o solo disponibiliza<br />
água por mais tempo, comparado a um mesmo solo sem essas<br />
características. Comparativamente, a velocidade de infiltração da<br />
água da chuva ou de irrigação é bem mais lenta no primeiro caso e,<br />
como conseqüência, a água permanece por mais tempo no perfil<br />
do solo.<br />
FERTILIDADE<br />
As condições químicas do solo influem diretamente nos<br />
ambientes de produção. A Tabela 1 apresenta os critérios químicos<br />
da camada subsuperficial dos solos adotados pela Embrapa (1999),<br />
com modificações em itálico por Prado (2004).<br />
Segundo Landell et al. (2003), a condição química do horizonte<br />
subsuperficial é determinante da produtividade da cana-deaçúcar,<br />
ampliando-se essa correlação com a produtividade (TCH)<br />
com o avançar dos cortes. Verificou-se, nessa pesquisa, que a produtividade<br />
nas soqueiras decresceu significativamente na seguinte<br />
ordem: eutrófico > mesotrófico > distrófico > ácrico ( Figura 10).<br />
PROFUNDIDADE<br />
A profundidade abaixo da camada arável é muito variável,<br />
pois os solos podem ser profundos, pouco profundos, moderadamente<br />
profundos, rasos ou até muito rasos. Um aspecto impor-<br />
Figura 10. Produtividade da cana-de-açúcar ao longo dos cortes (LAN-<br />
DELL et al., 2003).<br />
tante é conhecer o tipo de horizonte diagnóstico de subsuperfície<br />
que ocorre nessa referida profundidade para classificar o solo,<br />
que pode ser: B latossólico dos Latossolos (anteriormente Latossolos),<br />
B textural dos Argissolos (anteriormente Solos Podzólicos<br />
Tb), B nítico dos Nitossolos (anteriormente Terras Roxas Estruturadas)<br />
ou B incipiente dos Cambissolos (anteriormente Cambissolos).<br />
Se não ocorre horizonte B diagnóstico e a textura é arenosa<br />
em todo o perfil, classificam-se como Neossolos Quartzarênicos<br />
(anteriormente Areias Quartzosas), e se logo abaixo do horizonte<br />
A ocorre a rocha, enquadram-se como Neossolos Litólicos<br />
(anteriormente Solos Litólicos).<br />
Os solos da região Centro-Sul do Brasil, em sua grande<br />
maioria, são representados pelos Latossolos e Argissolos, seguidos<br />
pelos Neossolos Quartzarênicos, Nitossolos e Cambissolos.<br />
As profundidades ideais para o desenvolvimento radicular<br />
são encontradas nos solos muito profundos (Latossolos e Neossolos<br />
Quartzarênicos), profundos (a maioria dos Nitossolos) e<br />
moderadamente profundos (a maioria dos Cambissolos).<br />
Os Neossolos Litólicos possuem pequena profundidade<br />
efetiva, o que dificulta o enraizamento em profundidade e reduz o<br />
volume de água para a cana-de-açúcar.<br />
14<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
Nos Cambissolos de mesma textura, a disponibilidade hídrica<br />
aumenta dos mais rasos para os moderadamente profundos.<br />
É importante considerar que a quebra de capilaridade entre<br />
os horizontes A e B, exclusiva dos Argissolos, contribui para<br />
aumentar o tempo em que a água permanece no perfil. Entretanto,<br />
é preciso saber em qual profundidade ocorre a mudança textural<br />
responsável pela quebra de capilaridade, pois quanto mais longe<br />
da superfície, maior é a dificuldade de utilização da água pelas<br />
raízes.<br />
Quando a erosão remove totalmente o horizonte A do perfil,<br />
além da diminuição do teor de matéria orgânica na superfície, elimina-se<br />
a quebra de capilaridade e o solo logo se resseca. Na usina<br />
Bonfim de Guariba (SP), por exemplo, estimou-se uma produtividade<br />
de apenas 50 t ha -1 no Argissolo com a total remoção do horizonte<br />
A pela erosão (PVAe-1), quando comparada com a produtividade<br />
de 90 t ha -1 no Argissolo com o horizonte A preservado (PVAe-2),<br />
ambos num mesmo talhão. A Figura 11 e a Figura 12 apresentam as<br />
diferenças encontradas no peso de colmos e na produtividade<br />
nessas duas condições.<br />
Outro exemplo interessante sobre a importância da quebra<br />
de capilaridade entre os horizontes A e B textural e sua influência<br />
decisiva na produtividade é mostrado na Figura 13, que destaca, no<br />
mesmo talhão, a ocorrência de Argissolos (Solos Podzólicos Tb) e<br />
Neossolos Quartzarênicos (Areias Quartzosas). A principal diferença<br />
pedológica entre ambos os solos é a presença do horizonte B<br />
textural abaixo do horizonte A arenoso no Argissolo e a ausência<br />
do B textural no Neossolo Quartzarênico.<br />
Figura 13. Desenvolvimento vegetativo da cana-de-açúcar no Argissolo<br />
Vermelho-Amarelo e no Neossolo Quartzarênico.<br />
Além da presença do horizonte B textural, outro aspecto<br />
morfológico importante associado à disponibilidade hídrica referese<br />
à presença de plintita em profundidade. Pode-se observar na<br />
Figura 14 que no mesmo talhão houve adequado desenvolvimento<br />
vegetativo da cana-de-açúcar onde existe a presença de plintita<br />
abaixo da camada arável (Figura 14a), comparado ao pouco desenvolvimento<br />
vegetativo na ausência de plintita em profundidade<br />
(Figura 14b), o que facilitou a rápida infiltração da água em profundidade,<br />
ressecando o solo e comprometendo a brotação da canade-açúcar.<br />
Figura 11. Peso de colmos de cana-de-açúcar no Argissolo Vermelho-<br />
Amarelo eutrófico com horizonte A totalmente erodido (PVAe-1)<br />
e no Argissolo Vermelho-Amarelo com horizonte A preservado<br />
(PVAe-2).<br />
(a)<br />
(b)<br />
Figura 12. Produtividade de cana-de-açúcar no Argissolo Vermelho-Amarelo<br />
eutrófico com horizonte A totalmente erodido (PVAe-1) e<br />
no Argissolo Vermelho-Amarelo com horizonte A preservado<br />
(PVAe-2).<br />
Figura 14. (a) Desenvolvimento vegetativo da cana-de-açúcar no Argissolo<br />
Vermelho-Amarelo eutrófico plíntico e (b) no Argissolo Vermelho-Amarelo<br />
eutrófico típico.<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 15
A Figura 15 mostra o perfil representativo do Argissolo<br />
Vermelho-Amarelo plíntico e o detalhe da profundidade onde existe<br />
a plintita. A água estagnada no Argissolo com plintita (Figura 16)<br />
não foi observada no Argissolo sem plintita, em subsuperfície (Figura<br />
17).<br />
PLINTITA<br />
Figura 17. Solo ressecado e inadequado desenvolvimento da cana-deaçúcar<br />
após o molhamento no Argissolo sem plintita abaixo<br />
da camada arável.<br />
Figura 15. Perfil representativo do Argissolo Vermelho-Amarelo eutrófico<br />
plíntico.<br />
Conforme destacado na Figura 1, a água ocupa a posição de<br />
maior destaque num ambiente de produção pois, quando limitante,<br />
reduz significativamente a produtividade da cana-de-açúcar até<br />
mesmo em solos mais férteis (eutróficos) e, quando adequada,<br />
desloca o ambiente de produção favoravelmente até mesmo nos<br />
solos com menor potencial químico em subsuperfície (distróficos,<br />
ácricos, mesoálicos e álicos).<br />
Um outro aspecto muito importante refere-se à precisão dos<br />
mapas de solos e, conseqüentemente, dos mapas dos ambientes de<br />
produção.<br />
A prática mostra que uma observação de campo a cada 10 a<br />
25 ha permite um adequado padrão de qualidade. É muito comum<br />
ocorrerem dois ou mais tipos de solos numa mesma gleba dificultando<br />
a correlação de produtividade com os solos, se não for<br />
obedecida a referida recomendação de amostragem pedológica.<br />
REFERÊNCIAS<br />
EMBRAPA. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. Brasília,<br />
1999. 412 p.<br />
Figura 16. Água estagnada e adequado desenvolvimento da cana-deaçúcar<br />
após o período de molhamento no Argissolo Vermelho-Amarelo<br />
com plintita abaixo da camada arável.<br />
AMBIENTES DE PRODUÇÃO DE CANA-DE-AÇÚCAR<br />
Os critérios dos ambientes de produção de cana-de-açúcar<br />
que constam no Quadro 1 incluem os aspectos fisico-hídricos,<br />
químicos e morfológicos dos solos (PRADO et al., 1998, 2003;<br />
PRADO, 2004, <strong>2005</strong>).<br />
Os dados de produtividade do referido Quadro foram obtidos<br />
com base nas observações pedológicas de centenas de ensaios<br />
estaduais e regionais do Programa Cana do Instituto Agronômico<br />
de Campinas e nas observações de produtividades nas usinas<br />
conveniadas com esse Programa. As produtividades apresentadas<br />
neste Quadro referem-se à média de 5 cortes (TCH 5<br />
), sem influência<br />
da aplicação de vinhaça.<br />
LANDELL, M.G. A.; PRADO, H.; VASCONCELOS, A. C. M.; PERE-<br />
CIN, D.; ROSSETTO, R.; BIDÓIA, M. A. P.; XAVIER, M. A. Oxisol<br />
subsurface chemical attributes related sugarcane productivity.<br />
Scientia Agricola, v. 60, p. 741-745, 2003.<br />
PRADO, H.; van LIER, Q. J.; LANDELL, M. G. A.; VASCONCELOS,<br />
A. C. M. Classes de disponibilidade de água para a cana-de-açúcar<br />
nos principais solos da região Centro-Sul do Brasil. In: CONGRES-<br />
SO NACIONAL DE IRRIGAÇÃO E DRENAGEM, 13., 2003, Juazeiro.<br />
Anais... 1 CD ROM.<br />
PRADO, H. Classes das condições químicas subsuperficiais para<br />
manejo. In: FERTIBIO, 2004, Lages. Anais... 1CD-ROM.<br />
PRADO, H. Solos do Brasil – gênese, morfologia,classificação, levantamento<br />
e manejo. Piracicaba, <strong>2005</strong>. 281 p.<br />
PRADO H.; LANDELL, M. G. A.; ROSSETTO, R.; CAMPANA, M.<br />
P.; ZIMBACK, L.; SILVA, M. A. Relation between chemical sub<br />
surface conditions of subsoils and sugarcane yield. In: WORLD<br />
SOIL SCIENCE CONGRESS, 16., 1998, Montpellier. Proceedings...<br />
Montpellier: ISSS, 1998, v. 1, p. 232. 1 CD-ROM.<br />
16<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
Quadro 1. Ambientes de produção de cana-de-açúcar na região Centro-Sul do Brasil.<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 17
4. SELEÇÃO DE NOVAS VARIEDADES DE<br />
CANA-DE-AÇÚCAR E SEU MANEJO DE PRODUÇÃO<br />
Marcos Guimarães de Andrade Landell 1 Antônio Carlos Machado Vasconcelos 1<br />
Luciana Rossini Pinto 1<br />
Márcio Aurélio Pitta Bidóia 2<br />
Silvana Creste 1<br />
Daniel Nunes da Silva 2<br />
Mauro Alexandre Xavier 1<br />
Marcelo de Almeida Silva 3<br />
Ivan Antônio dos Anjos 1<br />
1. INTRODUÇÃO<br />
Apesar da história da<br />
cana-de-açúcar, ao longo<br />
dos últimos sete séculos,<br />
estar associada principalmente à<br />
produção de açúcar, há registros da<br />
propagação vegetativa desse vegetal em<br />
seus centros de origem destinada, também,<br />
à ornamentação e à alimentação<br />
in natura. Nesse período, os nativos<br />
asiáticos propagavam as formas de<br />
Saccharum que apresentassem cores mais atraentes associadas ao<br />
baixo teor de fibra e caldo mais açucarado. Em 1493, supostamente,<br />
Cristóvão Colombo introduziu no “Novo Mundo” a variedade<br />
Crioula, resultado de uma hibridação natural entre Saccharum<br />
officinarum e Saccharum barberi (BREMER, 1932). Durante aproximadamente<br />
250 anos manteve-se em cultivo, sendo substituída,<br />
posteriormente, por formas de cana “nobre” (Saccharum officinarum),<br />
assim conhecida devido às suas qualidades distinguidas.<br />
Como se vê, é bastante antiga a busca por formas varietais<br />
que apresentem maior teor de sacarose, destacando-se nesta contribuição<br />
a espécie Saccharum officinarum, que até o início do<br />
século XX era responsável por grande parte da matéria-prima<br />
mundial, através de variedades como Bourbon. À doença do sereh<br />
e, posteriormente, ao mosaico e à gomose, pode ser creditada a<br />
grande importância que assumiu a técnica do melhoramento genético,<br />
a partir de 1880. Inicialmente, objetivou-se a resistência às<br />
principais doenças conhecidas, utilizando-se como “ferramenta” o<br />
cruzamento interespecífico envolvendo Saccharum officinarum,<br />
S. spontaneum, S. barberi e S. sinense. A exploração dessas outras<br />
espécies proporcionou uma significativa alteração no ideótipo<br />
varietal. <strong>Plant</strong>as, antes sem capacidade de perfilhamento, passaram<br />
a apresentar, a partir de então, não apenas tal característica, como<br />
também grande habilidade de brotação após o seu corte. Colmos que<br />
apresentavam diâmetro excessivo e baixíssimo teor de fibra, agora<br />
eram de média grossura, com valores médios-altos de fibra (EDGER-<br />
TON, 1955). Desde o advento de hibridações manipuladas, o perfil<br />
varietal se distinguiu, oferecendo à indústria uma nova concepção<br />
de matéria-prima. Os programas de melhoramento genético da cana<br />
conduzidos em dezenas de países têm sido responsáveis por essa<br />
mudança essencial, usando para tanto de estratégias de hibridação<br />
e seleção diferenciadas. São eles que, atentos às novas demandas,<br />
lançam-se no exercício de construir os cenários de médio e longo<br />
prazo, equivalente ao seu ciclo de produção tecnológica.<br />
2. PROCESSOS DE SELEÇÃO<br />
O sucesso de um programa de<br />
melhoramento genético está condicionado<br />
à utilização e ao manejo corretos<br />
dos recursos genéticos ao longo dos<br />
ciclos seletivos (RESENDE, 2002). O<br />
melhoramento genético da cana-de-açúcar<br />
inicia-se com a obtenção de populações<br />
com ampla variabilidade genética.<br />
Para obtenção dessa variabilidade utiliza-se<br />
o processo de hibridação para geração<br />
de populações segregantes. Isso pode ser obtido, convencionalmente,<br />
pelos seguintes tipos de hibridações:<br />
a) Cruzamentos Bi-Parentais: cruzamento simples utilizando-se<br />
dois parentais conhecidos;<br />
b) Policruzamentos: quando é utilizado um grupo de parentais<br />
selecionados, que é intercruzado. Nesse caso, conhece-se somente<br />
o parental feminino, de onde serão coletadas as panículas<br />
fecundadas por machos diversos.<br />
No Brasil, a atividade de hibridação tem sido desenvolvida<br />
em áreas litorâneas da Bahia e Alagoas, que oferecem condições<br />
climáticas bastante favoráveis ao florescimento e à viabilidade dos<br />
grãos de pólen. Muitos programas de melhoramento de cana no<br />
mundo utilizam-se de “Casa de Fotoperíodo”, ou seja, aplicam condições<br />
artificiais para induzir o florescimento da cana. O planejamento<br />
dos cruzamentos é realizado adotando-se como critérios principais:<br />
grau de endogamia entre parentais, teor de açúcar, produtividade<br />
agrícola, resistência às principais doenças (carvão, mosaico,<br />
ferrugem, amarelinho e escaldadura), capacidade de brotação da<br />
soqueira e hábito ereto de crescimento da touceira dos genitores. O<br />
grau de sucesso nessa etapa correlaciona-se com a qualidade da<br />
coleção de genótipos mantida para o fim de hibridação. Ela deve<br />
receber, de maneira contínua, germoplasma de diversas origens e,<br />
principalmente, conter uma estratégia para incorporação de indivíduos<br />
oriundos do processo de seleção recorrente, que tem como<br />
principal objetivo alterar a média populacional dos caracteres no<br />
sentido de uma melhor adequação aos interesses agrícolas (VEN-<br />
COVSKY e BARRIGA, 1992). O conhecimento da herdabilidade dos<br />
caracteres de maior importância econômica também tem um grau de<br />
grande importância na eficácia do processo seletivo.<br />
Na cana-de-açúcar, o genótipo de cada planta pode ser<br />
transmitido integralmente através das gerações e multiplicados via<br />
clonagem através dos colmos (BRESSIANI, 2001). Dessa forma, a<br />
1<br />
Pesquisador Científico do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Ribeirão Preto, SP; e-mail: mlandell@iac.sp.gov.br<br />
2<br />
Engenheiro Agrônomo do Programa Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Ribeirão Preto, SP.<br />
3<br />
Pesquisador Científico do Pólo Regional Centro-Oeste (DDD/Apta/SAA), Jaú, SP.<br />
18<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
nova variedade de cana estará disponível na população na primeira<br />
fase de seleção (geração F1), ou seja, teoricamente, se houvessem<br />
instrumentos de discernimento eficazes, a variedade seria obtida<br />
logo após o processo de hibridação. No entanto, isso é normalmente<br />
atingido após 10 anos de avaliações contínuas. Nesse período,<br />
amplia-se a área experimental, as observações são repetidas em<br />
diferentes condições edafoclimáticas e distintos anos e, assim, os<br />
melhores materiais se distinguem. O eficaz progresso genético<br />
decorre da habilidade do melhorista em conduzir eficientemente<br />
todas as etapas desse longo processo, desde o planejamento da<br />
hibridação até os ensaios de competição em diferentes locais e<br />
épocas de colheita, passando por etapas de seleção em que o componente<br />
tácito é bastante exercitado. Diversos trabalhos destacam<br />
a base comum na árvore genealógica dos principais programas de<br />
melhoramento de cana no mundo (TAI e MILLER, 1978; POMMER<br />
e BASTOS, 1984; PIRES, 1993). Esse estreitamento da base genética<br />
é um aspecto crítico em relação à endogamia, afetando a variabilidade<br />
genética das populações. Na prática, porém, o que ocorre é a<br />
constatação de variabilidade em níveis que ensejam uma seleção<br />
satisfatória e ganhos genéticos significativos, principalmente, para<br />
o caráter produção agrícola. O fato de a cana-de-açúcar ser multiplicada<br />
via propagação vegetativa perpetua formas que podem<br />
apresentar alto grau de heterose, proporcionando a segregação<br />
constatada em F1.<br />
Os componentes de produção determinantes para o potencial<br />
agrícola são: altura de colmo (h), número de perfilhos (C) e diâmetro<br />
de colmos (d). Considerando-se a densidade do colmo igual a 1, o<br />
valor da tonelada de cana por hectare (TCH) pode ser estimada pela<br />
fórmula abaixo, no espaçamento entre os sulcos (E) (Figura 1):<br />
Pesquisa e Desenvolvimento de Jaú/APTA. Posteriormente, os<br />
seedlings produzidos serão distribuídos em oito regiões com características<br />
edafoclimáticas distintas, abrangendo algumas das mais<br />
importantes áreas canavieiras do Centro-Sul do Brasil. Esses pontos<br />
de introdução são: Piracicaba, Ribeirão Preto, Jaú, Mococa, Pindorama,<br />
Assis e Adamantina, no Estado de São Paulo, e Goianésia, no<br />
Estado de Goiás (Figura 2).<br />
20 o 0’0”S<br />
Mato Grosso<br />
Mato Grosso<br />
Adamantina<br />
Assis<br />
50 o 0’0”W<br />
Regiões de estudo: introdução e seleção de seedlings<br />
Goianésia<br />
Goiás<br />
Tocantins<br />
Pindorama<br />
Jaú<br />
Distrito<br />
Ribeirão<br />
Mococa<br />
Bahia<br />
Minas Gerais<br />
Rio de Janeiro<br />
20 o 0’0”S<br />
Piracicaba<br />
Localização<br />
São Paulo<br />
Oceano Atlântico<br />
50 o 0’0”W<br />
Figura 2. Regiões de estudo: introdução e seleção de seedlings e de clones<br />
de cana-de-açúcar pelo Programa Cana IAC.<br />
Figura 1. Componentes de produção em cana-de-açúcar e o cálculo do<br />
TCH volumétrico.<br />
2.1. Fases da seleção<br />
2.1.1. Seleções iniciais<br />
O termo seleção é definido como a reprodução diferencial<br />
dos diferentes genótipos em condições naturais ou sob intervenção<br />
do homem, esta última conhecida como seleção artificial, baseada<br />
em critérios definidos pelo próprio melhorista (RESENDE, 2002).<br />
Para exemplificar o processo de seleção, será doravante reportado<br />
o que é executado no programa de melhoramento de cana<br />
do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).<br />
Após a obtenção das sementes, essas serão germinadas<br />
no Núcleo de Produção de Seedlings instalado na Unidade de<br />
No Quadro 1 são apresentadas todas as fases de seleção<br />
que integram o programa de melhoramento de cana desenvolvido<br />
pelo IAC. Para avaliação das fases descritas, as características serão<br />
quantificadas pelas escalas conceituais apresentadas no Quadro 2.<br />
Essa escala conceitual é aplicada, principalmente, nas fases iniciais<br />
de seleção com o intuito de aprimorar a percepção tácita do<br />
melhorista.<br />
A escala de conceito 1 é utilizada para características como:<br />
altura, perfilhamento, diâmetro de colmo, germinação e brotação de<br />
soqueiras. A escala 2 presta-se para avaliações fitopatológicas, principalmente<br />
relacionadas à ferrugem (AMORIN et al., 1987), utilizando-se,<br />
para tanto, de diagrama com a intensidade de sintomas<br />
foliares. Conceitua-se, ainda, o florescimento e o hábito de crescimento<br />
de touceiras. Adota-se, para a variedade padrão, a nota 4,<br />
no caso das características relacionadas à produção, tais como altura<br />
e diâmetro de colmos e perfilhamento.<br />
Na primeira fase de seleção FS1, instala-se o campo de<br />
seedlings com as plantas individualizadas em touceiras, adotan-<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 19
Quadro 1. Cronograma das fases de seleção no programa de melhoramento de cana IAC.<br />
Fases<br />
<strong>Plant</strong>io Seleção e colheita Tipo de avaliação<br />
(mês/ano)<br />
(mês/ano)<br />
Hibridação realizada em Maio/ano 0. Germinação das sementes em Agosto/ano 0<br />
FS1 ⇒ Seedlings<br />
<strong>Plant</strong>a individual, com as touceiras<br />
Novembro/ano 0 <strong>Junho</strong>/ano 1 Levantamento de doenças nas progênies em cana-planta<br />
de FS1<br />
espaçadas 0,50 m na linha e 1,50 m<br />
Março/ano 2 Seleção fenotípica em soca de FS1 através da avaliação<br />
na entrelinha<br />
de diâmetro de colmo, altura, perfilhos, Brix refratométrico<br />
e aspecto fitossanitário<br />
FS2 ⇒ Clones Março/ano 2 Dezembro/ano 2 Seleção fenotípica<br />
Duas linhas de 3 m, espaçadas<br />
Março/ano 3 Seleção fenotípica e quantificação biométrica para<br />
em 1,50 m nas entrelinhas<br />
plantio de FS3<br />
Abril, maio e agosto/ano 3<br />
<strong>Junho</strong>-agosto/ano 3<br />
Março/ano 4<br />
Análise tecnológica<br />
Avaliação de outros caracteres (florescimento,<br />
isoporização e hábito de touceira, etc.)<br />
Seleção na soca de FS2<br />
FS3 ⇒ Clones<br />
Oito linhas de 5 metros, espaçadas<br />
em 1,50 m nas entre linhas<br />
Ensaios regionais<br />
Parcela de cinco linhas de 8 metros,<br />
espaçadas em 1,50 m, utilizando-se o<br />
delineamento em blocos ao acaso com<br />
quatro repetições<br />
Ensaios Estaduais<br />
Competição e<br />
Épocas de colheita<br />
Março/ano 4 Fevereiro/ano 5 Escolha de clones para serem estudados em ensaios<br />
regionais com base nas informações simultâneas dos<br />
campos FS2 e FS3<br />
Março/ano 5 1 o corte = ano 6 TCH, PCC, TPH, curva de maturação, caracterização<br />
2 o corte = ano 7<br />
3 o corte = ano 8<br />
4 o corte = ano 9<br />
biométrica (altura, diâmetro e número de colmos)<br />
Em fevereiro/ano 7 faz-se a eleição dos melhores<br />
clones os quais deverão ser multiplicados visando ao<br />
teste estadual no ano 8<br />
Março/ano 8 1 o corte = ano 9 TCH, PCC, TPH, curva de maturação, caracterização<br />
2 o corte = ano 10<br />
3 o corte = ano 11<br />
4 o corte = ano 12<br />
biométrica (altura, diâmetro e número de colmos)<br />
Ano 10 = criação de viveiros estratégicos, incluindo os<br />
clones que provavelmente serão considerados<br />
variedades<br />
LIBERAÇÃO DA VARIEDADE ANO 11-12<br />
Quadro 2. Escala conceitual de notas para avaliação de clones em fases<br />
de seleção no Programa Cana IAC.<br />
Grupo<br />
superior<br />
Grupo<br />
médio<br />
Grupo<br />
inferior<br />
Nota Conceito 1 Conceito 2<br />
1 Excepcional Muito resistente<br />
2 Ótimo Resistente<br />
3 Muito bom Moderadamente resistente<br />
4 Bom Intermediária +<br />
5 Médio Intermediária -<br />
6 Abaixo da média Moderadamente suscetível<br />
7 Inferior Suscetível<br />
8 Ruim Muito suscetível<br />
9 Péssimo Extremamente suscetível<br />
Fonte: AMORIN et al. (1987); LANDELL (1995).<br />
do-se o espaçamento de 1,50 m entre linhas e 0,50 m entre plantas.<br />
São realizadas observações ao longo dos ciclos de cana-planta e<br />
cana-soca, quantificando índices de doenças nas progênies. A<br />
seleção final é feita em cana-soca aproximadamente nove meses<br />
após o primeiro corte, utilizando-se de critérios visuais e do refratômetro<br />
de campo para avaliação do Brix. Atualmente, adota-se a<br />
seleção massal com taxas de seleção diferenciadas em função da<br />
qualidade da família.<br />
Na fase FS2, instala-se o campo de seleção com a multiplicação<br />
de duas linhas de 3 m por clone (2 x 3). Nessa segunda fase<br />
é feita uma pré-avaliação utilizando-se das escalas conceituais para<br />
características morfológicas e condições fitossanitárias, além do<br />
Brix. Após a identificação dos melhores genótipos, é realizada a<br />
biometria, conforme a seguinte metodologia:<br />
• Altura do colmo: medido da base à inserção da folha +3,<br />
amostrando-se cinco colmos seguidos na linha;<br />
• Diâmetro do colmo: estimado nos mesmos cinco colmos,<br />
mensurado no meio do internódio na altura dada por um terço de<br />
comprimento do colmo;<br />
• Número de colmos: estimado com a contagem dos colmos<br />
de todas as linhas da parcela.<br />
A fase FS3 consiste de um campo de seleção onde cada<br />
clone está numa parcela de oito linhas de 5 m (8 x 5). Nessa fase<br />
são realizadas as mesmas avaliações da fase anterior e em épocas<br />
também semelhantes.<br />
Concomitantemente, são mantidos os campos de seleção<br />
das fases FS2 e FS3, permitindo as observações, no mesmo período,<br />
dos parâmetros de produção e da longevidade de produção. A<br />
avaliação tecnológica é realizada coletando-se amostras na soca<br />
de FS2 em três épocas distintas para caracterizar a curva de maturação<br />
de cada genótipo.<br />
2.1.2. Ensaios de competição varietal<br />
Os clones que se destacarem na fase FS3 participarão dos<br />
ensaios de seleção nas empresas sucroalcooleiras colaboradoras<br />
20<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
do programa. Atualmente, cerca de 200 ensaios de competição<br />
varietal (ensaios regionais e estaduais) são conduzidos juntamente<br />
com usinas e cooperativas. O software CAIANA foi criado como<br />
um instrumento gestor, permitindo grande dinamismo para a realização<br />
dos relatórios estatísticos desses ensaios (Tabela 1). Uma<br />
rede de 40 empresas integram o chamado PROCANA IAC. A geração<br />
de dados em parceria com estas empresas permite que elas<br />
tenham contato precoce com a tecnologia variedade a ser lançada<br />
posteriormente pelo IAC. Essa estratégia aumenta a eficácia da<br />
difusão de tecnologias IAC, permitindo sua adoção mais efetiva<br />
pelo setor sucroalcooleiro.<br />
2.2. Caracterização dos ambientes de produção<br />
Cabe ao melhorista, portanto, selecionar os indivíduos<br />
superiores, sendo que esta tarefa muitas vezes é dificultada quando<br />
se trabalha em diferentes ambientes, e não se tem a preocupação<br />
de caracterizá-los em relação ao seu potencial edafoclimático. Uma<br />
estratégia adotada é o desenvolvimento de pequenos programas<br />
regionais, reduzindo, assim, a diversidade ambiental e suas interações<br />
na população introduzida. Essa estratégia não impede de se<br />
selecionar genótipos de adaptação ampla, com base na média dos<br />
diversos locais. Mas a opção por uma seleção específica para cada<br />
local considerado deverá proporcionar ganhos superiores, como<br />
constatado por Bressiani (2001).<br />
Tabela 1. Relatório estatístico de um experimento de competição varietal da rede de ensaios IAC.<br />
PROGRAMA CANA IAC<br />
ENSAIO ESTADUAL 2000 – COLHEITA PRECOCE (média de 3 cortes)<br />
Ensaio: Estadual 2000 - Ribeirão Preto Época: 1 Espaçamento: 1,5<br />
Usina: Us. São Martinho <strong>Plant</strong>io: 16/03/00 Município: Pradópolis Solo: LRm<br />
Altitude:<br />
Ambiente: B2<br />
Variedade FIBRA POL TCH TPH<br />
IAC91-2195 9,92 12i a 13,2 4d ab 124,6 1s a 16,5 1s a<br />
* RB855156 10,02 10i a 13,4 2s ab 118,1 3s abc 16,0 2s a<br />
IAC91-2137 11,05 2s a 13,4 1s a 114,3 4d abc 15,5 3s ab<br />
IAC91-2205 9,93 11i a 12,5 11i ab 120,8 2s ab 15,4 4d ab<br />
IAC91-2218 10,65 4d a 13,0 5d ab 111,7 7d bc 14,8 5d ab<br />
* RB835486 10,72 3d a 13,2 3d ab 110,8 10d bc 14,8 6d ab<br />
IACSP93-6048 10,55 6d a 12,9 8d ab 113,6 6d abc 14,7 7d ab<br />
IAC91-4216 10,38 7d a 12,7 10i ab 113,6 5d abc 14,6 8d ab<br />
* IAC86-2210 10,16 9i a 13,0 7d ab 110,9 9d bc 14,6 9d ab<br />
* SP80-1842 11,24 1s a 13,0 6d ab 111,1 8d bc 14,5 10d ab<br />
IACSP93-7009 10,59 5d a 12,8 9i ab 106,5 11i cd 13,8 11i bc<br />
IAC91-5035 10,36 8d a 12,4 12i b 96,1 12i d 12,1 12i c<br />
Médias 10,47 13,0 112,7 14,8<br />
Méd. Padões 10,54 13,1 112,7 15,0<br />
DMS 1,57 1,0 12,2 2,1<br />
CV 5,57 2,85 4,01 5,17<br />
QMRES 0,34 0,14 20,39 0,58<br />
Lim. Inf. 10,19 12,9 110,0 14,5<br />
Lim. Sup. 10,88 13,4 115,4 15,4<br />
FVAR 1,57 2,33* 755** 6,32**<br />
Prob. > F 0,18 0,04 0,00 0,00<br />
Ensaios analisados<br />
Usina Tipo <strong>Plant</strong>io Estádio de corte Data do corte Ciclo<br />
Us. São Martinho Est. 2000 - Época 3/16/2000 1 5/24/2001 434<br />
Us. São Martinho Est. 2000 - Época 3/16/2000 2 5/22/2002 363<br />
Us. São Martinho Est. 2000 - Época 3/16/2000 3 5/8/2003 351<br />
O programa de melhoramento de cana desenvolvido pelo<br />
Instituto Agronômico de Campinas adota, inicialmente, uma estratégia<br />
de seleção regional, em que indivíduos adaptados a cada uma<br />
das regiões destacadas na Figura 1 são eleitos. Teoricamente, no<br />
final desse processo de seleção regional, tem-se uma variedade<br />
regional, em um curto espaço de tempo (6 a 7 anos). Para tanto, a<br />
acumulação de observações em anos sucessivos, abrangendo ciclos<br />
distintos das plantas (cana-planta, cana-soca e ressoca), interagindo<br />
com anos agrícolas subseqüentes, é usada como principal<br />
ferramenta para o exercício do discernimento do melhorista.<br />
Estratégias semelhantes são utilizadas nos programas de melhoramento<br />
de cana da Austrália (COX et al., 2000), da África do Sul<br />
(SASA, 2004) e do Caribe (KENNEDY e RAO, 2000).<br />
Conforme pode-se observar no Quadro 3 e na Tabela 2,<br />
regiões como Ribeirão Preto, Assis e Piracicaba diferem acentuadamente<br />
nos parâmetros climáticos. Assim, na região 02, existe um<br />
maior excedente hídrico no período de crescimento vegetativo em<br />
relação às demais, o que, associado às elevadas temperaturas,<br />
justifica as altas produtividades aí alcançadas. A região de Assis,<br />
dentre todas as estudadas, é a única que não apresenta déficit<br />
hídrico histórico no período de maturação, prejudicando esse processo<br />
fisiológico. Destaca-se também, a grande diferença das<br />
regiões 01 e 07 em relação às médias de temperaturas nos períodos<br />
de crescimento vegetativo e maturação, com diferenças médias de<br />
2,2 o C e 3,0 o C, respectivamente.<br />
No Quadro 4 estão relacionadas<br />
as características inerentes às<br />
regiões de estudo que, no processo<br />
de seleção, são metas peculiares a<br />
serem agregadas às outras características<br />
varietais prioritárias.<br />
Como ilustração, pode-se<br />
destacar a região 01, onde existe um<br />
esforço no sentido de identificar<br />
genótipos com maior potencial de<br />
desenvolvimento no período de setembro<br />
a abril, ou seja, que apresente<br />
grande eficiência no aproveitamento<br />
da água disponível no período, o<br />
que, normalmente, ocorre nos clones<br />
de maior tolerância ao alumínio. Na<br />
região 02, por exemplo, que se destaca<br />
pelo grande déficit hídrico no<br />
período de maturação, agravado pela<br />
alta freqüência de solos ácricos, busca-se<br />
genótipos capazes de sobressair<br />
na brotação no período de seca<br />
e, posteriormente, no crescimento<br />
das touceiras. O oposto ocorre na<br />
região de Assis, onde uma grande<br />
ênfase é dada para o potencial de<br />
maturação, pois esse consiste na<br />
principal limitação para a produtividade<br />
agroindustrial competitiva.<br />
2.3. Manejo varietal<br />
A produtividade agrícola,<br />
expressa por uma determinada cultivar,<br />
é conhecida como expressão<br />
fenotípica para o caráter em questão,<br />
e composta pelo genótipo da<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 21
Quadro 3. Características edafoclimáticas das oito regiões de seleção utilizadas pelo Programa Cana IAC.<br />
Regiões Clima* Solo<br />
Piracicaba Cwa Latossolo Vermelho distrófico; Argissolo Vermelho-Amarelo distrófico<br />
Ribeirão Preto Cwa para Aw Latossolos Vermelhos eutroférricos, distroférricos, acriférricos<br />
Jaú Cwa Latossolos Vermelhos eutroférricos, distroférricos, Latossolos Vermelhos distróficos<br />
Mococa Aw Latossolos Vermelhos eutróficos, distrófico<br />
Pindorama Aw Argissolo Vermelho-Amarelo eutrófico, Latossolo Vermelho eutrófico<br />
Assis Cwa para Cfa Neossolo Quartzarênico<br />
Adamantina Cwa Argissolo Vermelho-Amarelo eutrófico, Latossolo Vermelho eutrófico<br />
Goianésia Cwa Latossolos eutróficos, mesotróficos e distróficos<br />
* Classificação segundo Köppen.<br />
Tabela 2. Dados de precipitação e evapotranspiração potencial (P – Etp), temperaturas máximas e mínimas no período de crescimento vegetativo<br />
(C. Veg.- outubro a março) e no período de maturação (Mat. – abril a setembro) e grupos de solos predominantes.<br />
Regiões<br />
P – Etp Temperaturas máximas Temperaturas mínimas<br />
C. Veg. Mat. C. Veg. Mat. C. Veg. Mat.<br />
Solos predominantes<br />
01- Piracicaba + 268,4 - 161,3 29,2 25,9 16,6 10,5 Argissolos e Latossolos<br />
02 - Ribeirão Preto + 452,6 - 141,2 30,0 27,5 17,2 12,5 Latossolos<br />
03 - Jaú + 303,6 - 88,2 29,2 26,0 17,5 13,0 Latossolos<br />
04 - Mococa + 439,2 - 126,8 29,6 26,8 17,0 12,5 Argissolos<br />
05 - Pindorama + 307,6 - 118,4 29,8 26,9 18,0 13,2 Argissolos<br />
06 - Assis + 360,6 + 40,8 29,3 26,0 17,1 11,9 Latossolos e Argissolos<br />
07 - Adamantina + 195,0 - 105,0 31,5 28,7 18,7 13,7 Latossolos e Argissolos<br />
08 - Goianésia + 256,15 - 501,7 30,96 31,67 20,67 18,12 Latossolos<br />
Quadro 4. Características peculiares objetivadas no processo de seleção em cada uma das regiões de estudo.<br />
Regiões<br />
Características peculiares priorizadas<br />
Problemas fitossanitários priorizados<br />
por região<br />
01 - Piracicaba Aumento do potencial de produção agrícola e tolerância ao alumínio Ferrugem<br />
em subsuperfície<br />
02 - Ribeirão Preto Maior capacidade de brotar em período de estresse hídrico Mosaico, Escaldadura<br />
03 - Jaú Maior resistência às doenças fúngicas, maior capacidade de produção Ferrugem, Carvão, Escaldadura<br />
em solos de baixa fertilidade<br />
04 - Mococa Maior potencial de maturação em condições de baixo estresse hídrico Ferrugem<br />
05 - Pindorama Maior capacidade de brotação em período de estresse hídrico Escaldadura, Nematóides<br />
06 - Assis Maior potencial de maturação em condições de baixo estresse hídrico Mosaico, Estrias de folhas, Ferrugem<br />
07 - Adamantina Capacidade de realizar grande acúmulo de massa verde no período de Carvão<br />
crescimento vegetativo<br />
08 - Goianésia Capacidade de suportar período de estresse hídrico e ausência de Carvão<br />
florescimento<br />
planta somado ao efeito ambiental e a interação desses dois componentes.<br />
O manejo varietal em cana-de-açúcar é uma estratégia<br />
que procura explorar os ganhos gerados da interação genótipo<br />
versus ambiente, ou seja, tem como objetivo alocar diferentes<br />
cultivares comerciais no ambiente que proporcione a melhor expressão<br />
produtiva dessa no contexto considerado. Essa visão<br />
engloba um conhecimento especializado sustentado por elementos<br />
tácitos somados às informações geradas em um nicho específico. A<br />
qualificação do ambiente de produção fornece material essencial<br />
para essas interpretações, proporcionando a adoção de estratégias<br />
de manejo que reúnam ambientes mais homogêneos a partir da<br />
estratificação de sub-regiões equivalentes. A estratificação é um<br />
procedimento útil, mas restrito em sua eficácia em razão de ocorrência<br />
de fatores incontroláveis dos ambientes, como temperatura e chuvas.<br />
Os conceitos de ambientes de produção são insuficientes<br />
quando se desconhece a resposta do genótipo em relação à diversidade<br />
ambiental. Assim, uma cultivar deve ser analisada sob os<br />
seguintes critérios:<br />
a) Capacidade produtiva;<br />
b) Responsividade;<br />
c) Estabilidade fenotípica.<br />
22<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
Alguns autores reconhecem o genótipo ideal como aquele<br />
que tem alta capacidade produtiva, é responsivo para ambientes<br />
favoráveis, além de pouco afetado por condições desfavoráveis<br />
(por exemplo: IACSP93-3046, na Figura 3). No entanto, há variedades<br />
que, apesar de terem comportamento mediano sob condições<br />
ambientais desfavoráveis, se sobressaem nos melhores ambientes,<br />
caracterizando-se como responsivas/exigentes (por exemplo:<br />
IACSP94-2101, na Figura 3). Outras se destacam apenas em ambientes<br />
desfavoráveis e são denominadas rústicas/não exigentes<br />
(por exemplo: IACSP94-2094, na Figura 3). Freqüentemente, as<br />
cultivares que se enquadram nesse último grupo têm menor potencial<br />
produtivo.<br />
Com base na rede de experimentação do PROCANA IAC,<br />
construiu-se o Quadro 5, estabelecendo a amplitude dos ambientes<br />
e a época de colheita mais apropriadas para cada uma das variedades<br />
citadas. A caracterização das novas variedades também é<br />
feita por critérios morfológicos (Figura 4).<br />
interesse na cana-de-açúcar. Dessa forma, genes conferindo resistência<br />
às pragas e doenças e tolerância a herbicidas, a alumínio e<br />
à seca poderão ser diretamente inseridos em materiais elites, garantindo<br />
o potencial produtivo desses materiais.<br />
CASO 1:<br />
IACSP93-3046, VARIEDADE ESTÁVEL E RESPONSIVA<br />
3. APLICAÇÕES DA BIOTECNOLOGIA NO<br />
MELHORAMENTO DA CANA-DE-AÇÚCAR<br />
A biotecnologia constitui uma ferramenta valiosa para os<br />
programas de melhoramento genético, principalmente por oferecer<br />
a possibilidade de reduzir o tempo gasto na produção de novas<br />
variedades com características agronômicas desejáveis. Embora a<br />
aplicação da biotecnologia na cana-de-açúcar seja relativamente<br />
recente, progressos têm sido obtidos nas diferentes áreas de pesquisa.<br />
Marcadores moleculares, por exemplo, têm sido amplamente<br />
utilizados em estudos de diversidade genética e caracterização de<br />
germoplasma, os quais são fundamentais para ampliar a base genética<br />
das variedades de cana-de-açúcar. Esses marcadores também<br />
apresentam o potencial de diferenciar de forma segura e precisa<br />
clones individuais, proporcionando perfis únicos de DNA, isto é,<br />
uma “impressão digital” (fingerprinting) para cada clone de interesse.<br />
Este tipo de análise é essencial quando se deseja proteger<br />
legalmente uma nova variedade, garantindo ao melhorista a sua<br />
patente e, conseqüentemente, o retorno do investimento financeiro<br />
à Instituição de Pesquisa envolvida no desenvolvimento da nova<br />
variedade.<br />
Outra aplicação dos marcadores moleculares é a construção<br />
de mapas de ligação, os quais permitem a localização de regiões<br />
genômicas de efeito significativo na expressão de características<br />
agronômicas importantes. A disponibilidade de marcadores genéticos<br />
fortemente ligados a genes de resistência, por exemplo, pode<br />
auxiliar na identificação de plantas resistentes, nas fases iniciais de<br />
avaliação, sem a necessidade de submeter as mesmas ao ataque do<br />
patógeno.<br />
Estudos de expressão gênica, pela análise das etiquetas de<br />
seqüências expressas (ESTs), obtidas em estímulo a diferentes sinais<br />
do ambiente, como estresse biótico e abiótico, têm permitido identificar<br />
os genes diretamente envolvidos em cada resposta. A identificação<br />
desses genes apresenta conseqüências significativas<br />
tanto para o mapeamento quanto para a manipulação genética.<br />
Certamente, o grande impacto da biotecnologia no melhoramento<br />
da cana-de-açúcar advém do desenvolvimento de variedades<br />
transformadas. A busca contínua por estratégias de controle<br />
de doenças na produção agrícola, bem como a necessidade crescente<br />
de uma agricultura sustentável, têm despertado grande interesse<br />
na tecnologia de organismos geneticamente modificados como<br />
uma ferramenta moderna para incorporação de características de<br />
CASO 2:<br />
IACSP94-2101, VARIEDADE EXIGENTE E RESPONSIVA<br />
CASO 3:<br />
IACSP94-2094, VARIEDADE RÚSTICA E NÃO RESPONSIVA<br />
Figura 3. Comportamento de diferentes variedades de cana-de-açúcar<br />
quando testadas em ambientes distintos.<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 23
Quadro 5. Indicação de alocação de variedades, considerando-se os ambientes de<br />
produção e época de colheita (baseado no banco de ensaios PROCANA<br />
IAC).<br />
Figura 4. Características morfológicas da variedade IAC91-5155.<br />
4. REFERÊNCIAS<br />
AMORIN, L.; BERGAMIN FILHO, A.; SAN-<br />
GUINO, A.; CARDOSO, C. O. N.; MORAES, V. A.;<br />
FERNANDES, C. R. Metodologia de avaliação da ferrugem<br />
da cana-de-açúcar (Puccinia bmelanocephala).<br />
Boletim Técnico Copersucar, São Paulo, v. 39, p. 13-<br />
16, 1987.<br />
BREMER, G. On the somatic chromosome numbers of<br />
sugarcane forms of endogenous cane. Proc. ISSCT, v.<br />
4, p. 30, 1932.<br />
BRESSIANI, J. A. Seleção seqüencial em cana-deaçúcar.<br />
Piracicaba, 2001. 133 p. Tese (Doutorado)–<br />
Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”/USP.<br />
COX, M.; HOGARTH, M.; SMITH, G. Cane breeding<br />
and improvement. In: HOGARTH, M.; ALLSOPP, P.<br />
(Ed.) Manual of canegrowing. 3.ed. Brisbane: PK Editorial<br />
Services Pty Ltd., 2000. chap.5, p. 91-110.<br />
EDGERTON, C. W. Sugarcane and its disease. Baton<br />
Rouge: Lousiana State University Press, 1955. 290 p.<br />
KENNEDY, A. J.; RAO, S. HANDBOOK 2000.<br />
George, Barbados: West Indies Central Sugar Cane<br />
Breeding Station, 2000. 66 p.<br />
LANDELL, M. G. de A. Método experimental: Ensaios<br />
de competição em cana-de-açúcar. In: MARTINS , A. L.<br />
M.; LANDELL, M. G. de A. Conceitos e critérios<br />
para avaliação experimental em cana-de-açúcar<br />
utilizados no Programa Cana IAC. Pindorama: Instituto<br />
Agronômico, 1995. p. 2-14.<br />
LANDELL, M. G. de A.; CAMPANA, M. P.; FIGUEIREDO, P.;<br />
ZIMBACK, L.; SILVA, M. de A.; PRADO, H. do. Novas variedades de<br />
cana-de-açúcar. Campinas: Instituto Agronômico, 1997, 28 p. (Boletim<br />
Técnico 169).<br />
LANDELL, M. G. de A.; SILVA, M. de A. As estratégias de seleção da<br />
cana em desenvolvimento no Brasil. Piracicaba: ESALQ-USP, Visão<br />
Agrícola, v. 1, p. 18-23, 2004.<br />
MATSUOKA, S.; GARCIA, A. A. F.; ARIZONO, H. Melhoramento da<br />
cana-de-açúcar. In: BORÉM, A. Melhoramento de plantas cultivadas.<br />
Viçosa: UFV, 1999. p. 205-251.<br />
PIRES, C. E. L. S. Diversidade genética de variedades de cana-deaçúcar<br />
(Saccharum spp) cultivadas no Brasil. Piracicaba, 1993. 120 p.<br />
Tese (Doutorado)–Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”/USP.<br />
POMMER, C. V.; BASTOS, C. R. Genealogia de varidades IAC de canade-açúcar:<br />
vulnerabilidade genética e necessidade de programas básicos de<br />
melhoramento. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 19, n. 5, p. 623-<br />
629, 1984.<br />
RESENDE, M. D. V. de. Genética biométrica e estatística no melhoramento<br />
de plantas. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2002.<br />
975 p.<br />
SASA. <strong>Plant</strong> breeding crossing and selection programmes. SOUTH<br />
AFRICAN SUGAR ASSOCIATION. Disponível em . Acesso em 2004.<br />
TAY, P. Y. P.; MILLER, J. D. The pedigree of selected Canal Point (CP)<br />
varieties of sugarcane. Proc. Cong. Am. Soc. Sugarcane Techs., v. 8,<br />
p. 34-39, 1978.<br />
VENCOVSKY, R.; BARRIGA, P. Genética biométrica no fitomelhoramento.<br />
Revista Brasileira de Genética, 1992. 496 p.<br />
24<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
5. NEMATÓIDES E PRAGAS DE SOLO<br />
EM CANA-DE-AÇÚCAR<br />
Leila Luci Dinardo-Miranda 1<br />
1. NEMATÓIDES<br />
Nas condições brasileiras,<br />
três espécies de<br />
nematóides são economicamente<br />
importantes para a<br />
cana-de-açúcar, em função dos danos<br />
que causam à cultura: Meloidogyne<br />
javanica, Meloidogyne incognita e<br />
Pratylenchus zeae. Em muitos canaviais<br />
pouco desenvolvidos e com<br />
baixa produção, são encontradas altas<br />
populações de pelo menos uma<br />
delas.<br />
A espécie P. brachyurus é<br />
muito freqüente em canaviais paulistas,<br />
ocorrendo, de acordo com<br />
DMLab – laboratório de análises<br />
agrícolas, em cerca de 35% das amostras<br />
coletadas em áreas com suspeita<br />
de problemas nematológicos, mas<br />
ainda não tem sua patogenicidade<br />
devidamente avaliada, razão pela<br />
qual é alvo de uma série de pesquisas<br />
em andamento no Instituto Agronômico<br />
(IAC).<br />
O ataque dos nematóides à<br />
cana-de-açúcar restringe-se às raízes,<br />
de onde extraem nutrientes para<br />
o crescimento e desenvolvimento.<br />
Além do dano causado pela utilização<br />
de nutrientes da planta, estes<br />
parasitos injetam toxinas no sistema<br />
radicular, resultando em deformações<br />
nas raízes, como as galhas provocadas<br />
por Meloidogyne (Figura 1),<br />
e extensas áreas necrosadas, quando os nematóides presentes são<br />
Pratylenchus (Figura 2). Em conseqüência do ataque de nematóides,<br />
as raízes se tornam pouco desenvolvidas, pobres em radicelas,<br />
deficientes e impossibilitadas de desempenhar normalmente suas<br />
funções. Os prejuízos à parte aérea são reflexos de um sistema<br />
radicular debilitado, incapaz de absorver água e nutrientes necessários<br />
para o bom desenvolvimento das plantas, que, em conseqüência,<br />
tornam-se menores, raquíticas, cloróticas, com sintomas<br />
de “fome de minerais”, murchas nas horas mais quentes do dia e<br />
menos produtivas. Em condições de campo, são verificadas reboleiras<br />
de plantas menores e cloróticas entre outras de porte e coloração<br />
aparentemente normais.<br />
Figura 1. Raízes de cana-de-açúcar infestadas por nematóides<br />
do gênero Meloidogyne.<br />
Figura 2. Raízes de cana-de-açúcar atacadas por nematóides do<br />
gênero Pratylenchus.<br />
A grandeza dos danos causados<br />
por nematóides é claramente<br />
quantificada em ensaios nos quais<br />
se faz a aplicação de nematicidas<br />
químicos. Assim, em um estudo com<br />
diversas variedades em campos altamente<br />
infestados por M. javanica,<br />
o uso de nematicidas resultou em<br />
acréscimos de produtividade da ordem<br />
de 15% em variedades suscetíveis<br />
(DINARDO-MIRANDA et al.,<br />
1995). No entanto, experimentos anteriores<br />
demonstraram que tais incrementos<br />
de produtividade podem<br />
atingir a média de 30%. Também em<br />
áreas infestadas por M. incognita, a<br />
redução das populações do nematóide,<br />
pelo emprego de produtos<br />
químicos, resultou em aumentos<br />
médios de produtividade da ordem<br />
de 40% (GARCIA et al., 1997).<br />
Em relação a P. zeae, ensaio<br />
em campo revelou que a aplicação<br />
de nematicidas no plantio de diversas<br />
variedades contribuiu para incrementos<br />
de produtividade altamente<br />
significativos, atingindo valores<br />
de até 40 t ha -1 (DINARDO-<br />
MIRANDA et al., 1996; 1998),<br />
comprovando a patogenicidade de<br />
P. zeae à cana-de-açúcar.<br />
A avaliação criteriosa de<br />
dados experimentais e de outros<br />
obtidos em áreas comerciais revelou<br />
que os danos causados pelos<br />
nematóides variam em função da espécie ou de espécies presentes<br />
na área, dos seus níveis populacionais e da variedade cultivada.<br />
Em média, M. javanica e P. zeae causam cerca de 20% a 30% de<br />
redução de produtividade, em variedades suscetíveis. M. incognita<br />
pode ocasionar perdas maiores, ao redor de 40%. Em casos de<br />
variedades muito suscetíveis e níveis populacionais muito altos,<br />
as perdas provocadas por nematóides podem chegar a até 50% da<br />
produtividade.<br />
Dada a ausência de variedades comerciais resistentes a uma<br />
ou a mais espécies de nematóides, o manejo de áreas infestadas,<br />
atualmente, tem se baseado principalmente no uso de nematicidas<br />
químicos aplicados no plantio e/ou nas soqueiras.<br />
1<br />
Pesquisadora Científica do Centro de Cana do Instituto Agronômico (IAC/Apta/SAA), Ribeirão Preto, SP; e-mail: leiladinardo@iac.sp.gov.br<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 25
Três nematicidas são registrados para uso comercial em<br />
cana-de-açúcar: aldicarb (Temik 150G), carbofuran (Furadan 50G ou<br />
100G ou 350SC) e terbufós (Counter 150G). No plantio, são aplicados<br />
no sulco, sobre os toletes, imediatamente antes da cobertura<br />
deles. Nas soqueiras, geralmente são aplicados ao lado da linha de<br />
cana ou sobre elas.<br />
A aplicação de nematicidas no plantio em áreas infestadas<br />
resulta em significativos incrementos de produtividade, como nos<br />
casos anteriormente citados e ilustrados na Figura 3. Outro exemplo<br />
pode ser visto em experimento conduzido por Dinardo-Miranda<br />
et al. (2003a), em Piracicaba, SP, em área infestada pelas três espécies<br />
mais importantes: M. javanica, M. incognita e P. zeae. Nesse<br />
ensaio, as variedades IAC86-2480, IAC87-3184, IAC87-3396, IAC91-<br />
3186, IAC91-5155, SP83-2847 e SP87-365 foram plantadas com ou<br />
sem a aplicação do nematicida aldicarb 150G, a 12 kg ha -1 . Verificouse,<br />
por ocasião da colheita, que o nematicida contribuiu para<br />
incrementos de produtividade variando de 17,3 t ha -1 , para a<br />
variedade IAC86-2480, até 38,1 t ha -1 , para a IAC91-5155, sendo em<br />
média de 28,2 t ha -1 ou 34%.<br />
Em cana-soca, os incrementos de produtividade obtidos em<br />
função do tratamento nematicida são menores, mas também economicamente<br />
vantajosos em muitas situações (Figura 4). Um dos<br />
exemplos está nos dados do ensaio de Dinardo-Miranda e Garcia<br />
Figura 3. Variedade RB867515 cultivada em área infestada por<br />
M. javanica e P. zeae não tratada (à esquerda) e tratada com<br />
nematicida (à direita).<br />
(2002), no qual a aplicação de carbofuran 100G, a 22,7 kg ha -1 , ou<br />
aldicarb 150G, a 10 kg ha -1 , em soqueira da variedade RB835113,<br />
infestada por P. zeae, reduziram significativamente as populações<br />
do nematóide e contribuíram para incrementos de produtividade,<br />
em relação à testemunha, da ordem de 11,6 t ha -1 a 16,7 t ha -1 .<br />
O período ocorrente entre o corte do canavial e a aplicação<br />
dos nematicidas em soqueiras exerce grande influência sobre os<br />
incrementos de produtividade decorrentes do uso desses produtos.<br />
Assim, no ensaio anteriormente citado (DINARDO-MIRANDA e<br />
GARCIA, 2002), conduzido em área colhida em agosto, os maiores<br />
incrementos de produtividade foram obtidos quando os produtos<br />
foram aplicados aos 40 e 60 dias depois da colheita, enquanto os<br />
menores, em aplicações feitas aos 20 dias depois do corte. Esses<br />
dados sugerem que, para um canavial colhido no período seco da<br />
safra, a aplicação tardia de nematicidas (aos 40 ou 60 dias depois<br />
do corte) é mais adequada porque, provavelmente, uma maior<br />
quantidade dos produtos torna-se disponível no solo e na planta,<br />
na primavera/verão, período em que as populações dos nematóides<br />
se elevam, favorecidas pelas temperaturas mais altas e chuvas<br />
abundantes. É provável que parte dos produtos aplicados em<br />
agosto (primeira aplicação), período ainda seco, se decomponha<br />
antes da época em que seriam mais úteis, ou seja, época chuvosa.<br />
Por outro lado, em canaviais colhidos no final da safra, período de<br />
chuvas abundantes e temperaturas elevadas, no qual há crescimento<br />
pleno de raízes e das populações de nematóides, aplicações<br />
de nematicidas feitas imediatamente após o corte resultam em maiores<br />
incrementos de produtividade do que aquelas mais tardias, por<br />
reduzirem o período em que altas populações de nematóides<br />
parasitam as raízes, causando danos à cultura.<br />
Deve-se salientar, no entanto, que a decisão sobre o tratamento<br />
químico em soqueira deve considerar, além da infestação<br />
na área (nível populacional de nematóides) e período entre a colheita<br />
e a aplicação do nematicida, o potencial produtivo da cultura.<br />
Áreas nas quais se espera baixa produtividade, em função de falhas<br />
na brotação da soca, mato, etc., não devem ser tratadas, mesmo se as<br />
populações de nematóides forem elevadas, pois os incrementos de<br />
produtividade obtidos podem ser inferiores (em função da baixa<br />
produtividade) aos custos de aplicação dos nematicidas.<br />
Como medidas auxiliares no manejo de áreas com problemas<br />
de nematóides pode-se citar o uso da torta de filtro no sulco de<br />
plantio e o plantio de Crotalaria em áreas de reforma. Embora essas<br />
medidas não interfiram, de uma maneira geral, nas populações de<br />
nematóides na área, pelo menos nas doses (torta de filtro) e no<br />
período de cultivo (Crotalaria) empregados em nossas condições,<br />
elas contribuem para um melhor<br />
desenvolvimento da cultura,<br />
sendo, portanto, bastante<br />
indicadas para áreas<br />
com infestações médias ou<br />
altas de nematóides, associadas<br />
ou não a nematicidas.<br />
Figura 4. Soqueira da variedade SP80-3280 cultivada em área infestada por P. zeae, não tratada (à esquerda) e tratada<br />
com nematicida após o corte (à direita).<br />
Exemplos do uso dessas<br />
medidas podem ser encontrados<br />
em Dinardo-Miranda<br />
et al. (2003b), que avaliaram<br />
o efeito da torta de filtro, aplicada<br />
isoladamente ou em<br />
associação com os nematicidas<br />
aldicarb, carbofuran e<br />
terbufós, no plantio da cana-<br />
26<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
de-açúcar, em áreas infestadas por nematóides. A torta não apresentou<br />
efeito nematicida consistente, mas contribuiu para incrementos<br />
médios de produtividade de 20 t ha -1 . Os nematicidas contribuíram<br />
para incrementos de produtividade variando de 14,2 t ha -1 a<br />
25,5 t ha -1 e a utilização simultânea de torta de filtro e nematicidas<br />
resultou em incrementos médios de até 40 t ha -1 .<br />
O efeito do cultivo de Crotalaria juncea, por cinco meses<br />
com incorporação, em área de reforma do canavial, sobre as populações<br />
de nematóides e a produtividade da cana-de-açúcar, plantada<br />
em seguida, com ou sem nematicidas, foi avaliado em ensaio em<br />
campo conduzido por Dinardo-Miranda e Gil (<strong>2005</strong>). Os autores<br />
não observaram diferença entre as populações de M. javanica nas<br />
raízes de cana-de-açúcar, cultivada em área com ou sem rotação<br />
com C. juncea, mas as populações de P. zeae foram significativamente<br />
maiores nas áreas cultivadas após o plantio dessa leguminosa.<br />
Apesar disso, a rotação com C. juncea contribuiu para<br />
incrementar a produtividade da cana em 20,8 t ha -1 , fato atribuído<br />
aos benefícios da adubação verde. Tanto em áreas com ou sem rotação<br />
com crotalária, carbofuran 100G a 21 kg ha -1 reduziu as populações<br />
de nematóides e incrementou a produtividade em 12,1 t ha -1 .<br />
Para que medidas de controle ou manejo possam ser adequadamente<br />
utilizadas é imprescindível conduzir um levantamento<br />
nematológico, com a finalidade de identificar quais as áreas com<br />
problemas de nematóides. O levantamento inclui a coleta de amostras<br />
de raízes e de solo e o envio para análise em laboratório.<br />
A coleta de amostras deve ser feita sempre em época chuvosa,<br />
sendo cada amostra composta por raízes e solo da rizosfera<br />
de pelo menos 10 touceiras de cana por talhão homogêneo de até<br />
10 ha. Considera-se talhão homogêneo aquele cultivado com a<br />
mesma variedade, mesma data de plantio, recebendo os mesmos<br />
tratos culturais, etc. É recomendável que talhões maiores que 10 ha<br />
sejam subdivididos, a fim de que cada amostra represente área não<br />
superior a 10 ha. O levantamento pode ser efetuado tanto em canaplanta<br />
como em soqueiras. Em áreas a serem reformadas, pode ser<br />
feito de dezembro a fevereiro, antes do último corte, adotando-se o<br />
mesmo critério citado anteriormente. Quando as soqueiras já foram<br />
destruídas e as áreas se encontram preparadas para o plantio da<br />
cana, o levantamento pode ser efetuado utilizando-se raízes e solo<br />
da rizosfera de uma variedade suscetível, como a SP80-1842, por<br />
exemplo, plantada ao acaso, em aproximadamente 10 covas por<br />
talhão homogêneo. O plantio desta variedade, conhecida como<br />
isca, deve ser feito o mais breve possível (entre setembro e dezembro),<br />
de modo que a planta possa vegetar e se desenvolver por um<br />
período superior a 60 dias. Antes do plantio da cultura definitiva<br />
na área, as iscas devem ser arrancadas para compor a amostra a<br />
ser analisada.<br />
Algumas usinas costumam coletar solo da área a ser amostrada<br />
e colocá-lo em um vaso em viveiro, no qual plantam duas ou<br />
três gemas de uma variedade sabidamente suscetível às espécies<br />
de nematóides importantes para a cultura, como a SP80-1842 ou a<br />
RB72454. Cerca de 60 a 90 dias depois do plantio, coletam as raízes<br />
dessas plantas e as encaminham ao laboratório para análise. A esse<br />
material chamam de “iscas em viveiro”. Em testes feitos em parceria<br />
com as usinas e com o DMLab, o IAC verificou que, em muitos<br />
casos, não há correlação entre as populações encontradas nas<br />
“iscas em viveiro” e as populações em campo, indicando que esse<br />
método deve ser utilizado com muita cautela.<br />
Durante a coleta em campo, as amostras devem ser mantidas<br />
na sombra, de preferência em caixas de isopor. A remessa ao<br />
laboratório deve ser feita o mais rapidamente possível, porém, se<br />
for necessário aguardar alguns dias (4 a 5) para o envio das amostras<br />
ao laboratório, elas podem ser mantidas em sala fresca, longe da luz<br />
direta do sol.<br />
É importante que o laboratório identifique as espécies de<br />
nematóides e os níveis populacionais ocorrentes nas áreas. Embora<br />
alguns laboratórios identifiquem e contem os nematóides presentes<br />
nas amostras, pouquíssimos interpretam os dados observados.<br />
A interpretação dos dados consiste em definir se as populações<br />
encontradas na área são baixas ou altas, o que implica em estabelecer<br />
se há ou não necessidade de adotar medidas de controle na<br />
área amostrada.<br />
2. CIGARRINHA-DAS-RAÍZES<br />
Desde que as áreas de colheita de cana sem queima prévia<br />
(cana crua) foram expandidas no Estado de São Paulo, uma praga<br />
até então de pouca importância econômica vem causando sérios<br />
danos, tornando-se um problema de relevância para a cultura: a<br />
cigarrinha-das-raízes, Mahanarva fimbriolata. Esta espécie se<br />
encontra disseminada em praticamente todas as regiões canavieiras<br />
do Brasil e, além de cana-de-açúcar, se hospeda freqüentemente<br />
em diversos capins e gramas (GUAGLIUMI, 1973; DINARDO-<br />
MIRANDA, 2003).<br />
Os adultos (Figura 5) têm hábitos crepusculares e, após<br />
acasalamento, as fêmeas ovipositam na palhada e, principalmente,<br />
na subsuperfície do solo, em reentrâncias próximas à base das<br />
touceiras. Uma fêmea põe entre 310 e 380 ovos (GARCIA, 2002)<br />
que, no período seco, ficam em diapausa, com emergência das ninfas<br />
somente no início do período úmido, que para região Centro-Sul<br />
do país corresponde à primavera/verão. Em condições de temperatura<br />
e umidade elevadas, as ninfas emergem dos ovos, cerca de<br />
15 a 20 dias após a postura, e dirigem-se às raízes, de onde sugam<br />
grande volume de seiva. Passam por cinco ecdises, num período de<br />
30 a 45 dias, e estão sempre envolvidas por uma espuma densa,<br />
bastante característica, cuja função principal é proteger as ninfas<br />
da dessecação (Figura 6).<br />
Em condições de umidade e temperatura elevadas, o ciclo<br />
evolutivo completo é de 45 a 60 dias (GUAGLIUMI, 1973; GARCIA,<br />
2002). O nome vulgar, cigarrinha-das-raízes, está, portanto, relacionado<br />
ao local de alimentação e desenvolvimento das ninfas – as<br />
raízes.<br />
Figura 5. Adultos de Mahanarva fimbriolata.<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 27
Figura 6. Espuma característica do ataque de ninfas de cigarrinha-dasraízes.<br />
Figura 7. Aspecto de um canavial atacado por cigarrinha-dasraízes.<br />
Os fatores climáticos têm grande influência na dinâmica<br />
populacional destes insetos. Ambientes quentes e úmidos, como<br />
o proporcionado pela palhada resultante da colheita de cana crua,<br />
favorecem significativamente o desenvolvimento da cigarrinha.<br />
Períodos de seca, ao contrário, reduzem drasticamente as populações.<br />
Os danos à cana-de-açúcar são causados principalmente<br />
pelas formas jovens da cigarrinha-das-raízes, que extraem grande<br />
quantidade de água e nutrientes das raízes. Os adultos também<br />
causam danos às plantas, pois, ao sugarem a seiva das folhas,<br />
injetam saliva nos estomas, local onde são armazenadas a água e as<br />
substâncias que se transformarão em nutrientes para a planta,<br />
durante a fotossíntese. A saliva liberada, tanto pelas ninfas como<br />
pelos adultos, é rica em enzimas e aminoácidos e auxiliam o inseto<br />
no processo de ingestão do alimento. No entanto, são tóxicas<br />
para a planta, causando necrose nos tecidos foliares e radiculares<br />
(FEWKES, 1969).<br />
Em conseqüência do ataque dos adultos e, principalmente,<br />
das ninfas, o processo de fotossíntese é reduzido e, como não<br />
ocorre a formação de açúcares nas folhas, não há acúmulo nos<br />
colmos e eles se tornam menores, mais finos e com entrenós mais<br />
curtos. Sob infestações severas, os colmos apresentam-se desnutridos<br />
e desidratados, secando do topo para a base, as folhas se<br />
tornam de início amareladas e posteriormente secas, e toda a planta<br />
pode atingir a morte. O canavial fica completamente seco, com<br />
aspecto queimado. Estes sintomas podem ser notados mesmo na<br />
época das chuvas, embora sejam mais evidentes no período seco<br />
subseqüente (Figura 7).<br />
As quebras de produtividade podem chegar a 40-50%, em<br />
culturas colhidas em final de safra. Em culturas colhidas em começo<br />
de safra as quebras são menores, ao redor de 8 a 10%, embora,<br />
muitas vezes, as populações encontradas nessas áreas sejam mais<br />
elevadas que nas demais. Isso revela que a cultura colhida no início<br />
de safra suporta melhor o ataque da praga, provavelmente porque<br />
as plantas estão mais desenvolvidas, com vários entrenós. Além<br />
disso, esta cultura passa por um curto período de estresse hídrico,<br />
entre o final da época de ocorrência da cigarrinha e a colheita. Os<br />
campos colhidos no final da safra sofrem o ataque quando suas<br />
plantas estão ainda pouco desenvolvidas e, após ele, o longo período<br />
de estresse hídrico até a colheita não favorece a recuperação<br />
das plantas, fazendo com que os danos provocados pelas cigarrinha<br />
sejam acentuados nestas condições (DINARDO-MIRANDA<br />
et al., 2001).<br />
Visto que o ataque da cigarrinha resulta em colmos menores,<br />
mais finos e secos, chegando muitas vezes à morte, ocorrem também<br />
alterações na qualidade da cana-de-açúcar, geralmente com<br />
redução nos valores de pol e aumento nos de fibra, como visto em<br />
Dinardo-Miranda et al. (2000). Além disso, há prejuízos nos processos<br />
industriais. Embora difícil de mensurar, a grandeza desse<br />
tipo de dano é sentida na indústria, sempre que material proveniente<br />
de canavial severamente atacado entra para moagem e<br />
extração de açúcar. Os colmos mortos e secos, em decorrência do<br />
ataque da praga, diminuem a capacidade de moagem e, como muitas<br />
vezes estão rachados e deteriorados, os contaminantes dificultam a<br />
recuperação de açúcar e inibem a fermentação, reduzindo, portanto,<br />
os rendimentos industriais e dificultando a obtenção de açúcar de<br />
qualidade.<br />
Manejo integrado da cigarrinha<br />
O manejo de áreas com problemas de cigarrinha, para ser<br />
bem sucedido, deve englobar todas as ferramentas disponíveis,<br />
pois, para cada situação de cultivo, uma delas se mostra mais<br />
adequada. Assim, é apresentado a seguir um programa de manejo<br />
de cigarrinha-das-raízes em cana-de-açúcar, extraído de Dinardo-<br />
Miranda (2003).<br />
• Uso de variedades resistentes<br />
Do ponto de vista econômico e ambiental, o método mais<br />
adequado para reduzir os danos causados pela cigarrinha, assim<br />
como por qualquer outra praga ou patógeno, é o uso de variedades<br />
resistentes. No entanto, dados experimentais e de áreas comerciais<br />
mostram que quase a totalidade das variedades cultivadas comercialmente<br />
é atacada pela praga, sofrendo significativas reduções<br />
na produtividade e na qualidade tecnológica, o que torna o uso de<br />
variedades resistentes uma ferramenta de difícil utilização, atualmente,<br />
num programa de manejo da cigarrinha, simplesmente pela<br />
falta de material comercial com essa característica.<br />
• Levantamentos populacionais<br />
Como todo canavial é um alvo potencial da praga, por se<br />
constituir de material suscetível a ela, resta aos produtores identi-<br />
28<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
ficar onde, quando e como fazer o manejo da cigarrinha, a fim de<br />
minimizar os prejuízos. Para isso são necessários levantamentos<br />
populacionais da praga, que devem iniciar cerca de 15 a 20 dias<br />
depois das primeiras chuvas da primavera, quando as ninfas<br />
começam a eclodir dos ovos em diapausa. Devem ser amostrados<br />
pelo menos dois pontos por ha, sendo cada ponto constituído<br />
por 2 m de sulco, onde afasta-se com cuidado a palha entre os<br />
colmos, dispondo-a na entrelinha, a fim de que os pontos de<br />
espuma possam ser visualizados. Depois disso, contam-se as<br />
ninfas e eventuais adultos nas raízes. A ocorrência de inimigos<br />
naturais, especialmente da mosca Salpingogaster nigra (Diptera,<br />
Syrphidae) e de ninfas e adultos de cigarrinha mortos pela ação de<br />
fungos, tais como Metarhizium anisopliae e Batkoa, poderá ser<br />
anotada. O registro dos dados observados deve ser feito em ficha<br />
apropriada.<br />
• Nível de controle e nível de dano econômico<br />
Muito se discute sobre a densidade populacional de cigarrinha-das-raízes<br />
(Mahanarva fimbriolata) acima da qual se deve<br />
entrar com medidas de controle, sejam elas químicas ou biológicas.<br />
Esse valor, chamado em entomologia de nível de controle (NC), é<br />
sempre inferior ao nível de dano econômico (NDE), que, por definição,<br />
é a densidade populacional da praga na qual ela causa prejuízo<br />
à cultura semelhante ao custo de adoção de uma medida de<br />
controle.<br />
Considerando os custos (dos insumos, das aplicações, da<br />
cana, do açúcar, do álcool, etc.), variedades e condições de cultivo<br />
atuais, o NDE, hoje, está provavelmente entre 4 e 10 insetos m -1 ,<br />
ficando mais próximo do limite inferior – 4 insetos m -1 – em canaviais<br />
colhidos no final de safra e, no limite superior – 10 insetos m -1 –, em<br />
canaviais de início de safra. Como as medidas de controle devem<br />
ser adotadas antes das populações atingirem o NDE, os valores de<br />
NC são menores que os citados. Visto que os inseticidas, químicos<br />
ou biológicos, possuem características distintas, o NC varia com o<br />
produto escolhido para controle, bem como com sua dose. Assim,<br />
quanto maior o efeito de choque do inseticida, mais próximo do<br />
NDE se encontra o NC, ou seja, a medida de controle pode ser<br />
adotada (NC) em uma densidade populacional bem próxima, mas<br />
ligeiramente menor, do que aquela definida como NDE.<br />
• Controle biológico<br />
A ocorrência natural do fungo M. anisopliae, atacando<br />
cigarrinha-das-raízes em canaviais de todo o país, é bastante comum<br />
e incentiva o uso desse agente de controle biológico em áreas<br />
infestadas pela praga. Além disso, um programa envolvendo controle<br />
biológico é extremamente interessante, por razões ambientais<br />
e também econômicas.<br />
Atualmente, o fungo encontrado no comércio é multiplicado<br />
em grãos de arroz e pode ser adquirido no arroz ou em esporos, já<br />
isolados do arroz. Embora sua utilização tenha crescido nos últimos<br />
anos, são freqüentes os relatos de ineficiência do fungo em campo,<br />
mesmo quando as aplicações são feitas em condições ideais (ausência<br />
de sol e alta umidade relativa do ar).<br />
Dados o custo relativamente baixo do fungo, multiplicado<br />
em grãos de arroz, e sua ação inicial relativamente lenta, quando<br />
comparados com certos inseticidas químicos, preconiza-se que seu<br />
uso seja feito, preferencialmente, em áreas nas quais as infestações<br />
estejam entre 0,5 e 2 insetos m -1 , pulverizando a base das plantas<br />
com fungo na dose de aproximadamente 2 a 4.10 11 esporos viáveis<br />
ha -1 , o que corresponde a cerca de 1 a 2 kg ha -1 de arroz<br />
(2.10 8 esporos g -1 de arroz). Estas aplicações devem ser feitas de<br />
preferência no final da tarde, à noite ou em dias nublados, de modo<br />
a evitar a incidência de raios ultravioletas, que afetam a viabilidade<br />
dos esporos. Para aplicações aéreas, a distribuição direta do grão<br />
de arroz infestado parece mais apropriada que a de esporos em<br />
calda, já que o grão de arroz atinge o solo com mais facilidade. As<br />
gotas de água contendo os esporos podem, em grande parte, ficar<br />
retidas nas folhas, sujeitas à ação dos raios solares. Em ambos os<br />
casos, após a aplicação do fungo, as áreas devem ser continuamente<br />
monitoradas e uma segunda aplicação pode ser feita se as<br />
infestações subirem para 3 a 4 insetos m -1 .<br />
Embora o controle biológico deva ser priorizado, aplicações<br />
de M. anisopliae às vezes mostram resultados pouco satisfatórios,<br />
especialmente sob altas infestações iniciais da praga. Nesses casos,<br />
o controle químico é mais eficaz.<br />
• Controle químico<br />
O controle químico é uma ferramenta bastante valiosa no<br />
programa de manejo da cigarrinha, especialmente em canaviais<br />
colhidos a partir de agosto (meio para final de safra), que sofrem<br />
maiores danos devido ao ataque da praga, e naqueles severamente<br />
infestados. Embora os inseticidas químicos geralmente sejam mais<br />
caros e mais agressivos ao ambiente do que os biológicos, o seu<br />
uso criterioso resulta em uma relação custo/benefício bastante interessante<br />
e em baixos riscos ambientais.<br />
Os inseticidas registrados para controle de cigarrinha são<br />
thiamethoxam 250WG, na dose de 0,6 kg ha -1 a 1,0 kg ha -1 , imidacloprid<br />
480SC, de 1,5 L ha -1 a 1,8 L ha -1 , e aldicarb 150G, de 10 kg ha -1 a<br />
12 kg ha -1 .<br />
A aplicação de inseticidas químicos é recomendada nas áreas<br />
cujas populações, entre final de outubro e dezembro, estejam ao<br />
redor de 5 a 10 insetos m -1 . Como canaviais colhidos em início de<br />
safra (até julho) suportam populações maiores da praga, inseticidas<br />
químicos podem ser aplicados quando as infestações estão próximas<br />
a 10 insetos m -1 . Por outro lado, em canaviais colhidos a partir do<br />
meio de safra (agosto), mais sensíveis ao ataque da cigarrinha, a<br />
aplicação de inseticidas quando a praga atinge níveis populacionais<br />
ao redor de 5 insetos m -1 parece mais adequada.<br />
Dados experimentais e de campo revelam que, em áreas nas<br />
quais as infestações atingem níveis próximos ou superiores aos de<br />
dano, as respostas ao controle químico são mais significativas<br />
quanto antes ele for adotado (DINARDO-MIRANDA et al., 2004).<br />
Além disso, a aplicação de inseticidas mostra-se mais adequada<br />
quando efetuada de uma só vez, ao invés de parcelada ao longo do<br />
período de ocorrência da praga (DINARDO-MIRANDA et al., 2002).<br />
• Retirada ou afastamento da palha<br />
O acúmulo de palha no canavial, deixando-o mais úmido, foi<br />
um fator importante para os incrementos populacionais de cigarrinha.<br />
Assim, a retirada ou afastamento da palha de cima da linha de<br />
cana contribui para reduzir as populações da praga, por manter as<br />
linhas de cana mais secas, devido à maior incidência dos raios<br />
solares sobre ela (DINARDO-MIRANDA, 2002). No entanto, como<br />
o afastamento da palha reduz, de uma maneira geral, as infestações<br />
da praga em cerca de 70%, esta medida não é adequada para áreas<br />
severamente atacadas, por não reduzir as populações a níveis<br />
inferiores ao NDE.<br />
3. BESOURO Sphenophorus levis<br />
Nos últimos anos têm sido freqüentes, em várias regiões do<br />
Estado de São Paulo, os relatos de canaviais severamente dani-<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 29
ficados e até mesmo dizimados pelo besouro Sphenophorus levis<br />
(Coleoptera; Curculionidae), conhecido como gorgulho da canade-açúcar.<br />
De acordo com Precetti e Teran (1983), os adultos desta<br />
praga medem de 12 mm a 15 mm de comprimento, são marrons escuros<br />
com manchas pretas sobre o dorso e com a face ventral preta (Figura<br />
8). Após o acasalamento, as fêmeas perfuram os tecidos sadios<br />
do rizoma com as mandíbulas, presentes no ápice do rostro ou<br />
bico, e aí, na base das brotações, abaixo do nível do solo, inserem<br />
os ovos. De sete a doze dias depois da postura nascem as larvas,<br />
branco-leitosas, com a cabeça castanho-avermelhada e ápodas<br />
(Figura 8), que escavam galerias no interior do rizoma ao se alimentarem.<br />
Estas galerias permanecem cheias de serragem fina,<br />
característica do ataque da praga. O período larval médio é de 50 dias,<br />
findos os quais passa-se à fase pupal, ainda encerrada no interior<br />
dos colmos. A pupa é inicialmente branco-leitosa, tornando-se<br />
castanho-clara e com manchas dorsais à medida que se desenvolve.<br />
Esta fase dura cerca de 10 dias. Ao emergirem da câmara pupal, os<br />
adultos permanecem no solo, sob torrões e restos vegetais ou entre<br />
os perfilhos, na base das touceiras. São bastante longevos, vivendo<br />
por mais de 200 dias.<br />
Os danos são causados pelas larvas, que broqueiam os<br />
rizomas (Figura 9). Em conseqüência das galerias abertas na base<br />
dos colmos, ocorre amarelecimento de folhas, seguido pelo secamento<br />
e morte de perfilhos, que podem ser facilmente destacados<br />
da touceira. Sob infestações severas, as touceiras morrem e são<br />
observadas muitas falhas na rebrota, favorecendo altas populações<br />
de plantas daninhas (Figura 10). Estes sintomas são mais<br />
facilmente visualizados na época seca do ano (junho a agosto),<br />
quando são encontradas as maiores populações de larvas.<br />
Danos mais significativos em campos colhidos em maio/<br />
junho foram observados também em um experimento conduzido na<br />
Usina Costa Pinto – Grupo Cosan, com o objetivo de avaliar o<br />
comportamento de clones promissores IAC, quando colhidos em<br />
três épocas. Amostragens efetuadas em todos os campos experimentais<br />
revelaram que as populações encontradas nos blocos<br />
colhidos em maio foram muito superiores àquelas dos blocos<br />
colhidos em agosto ou outubro. Em conseqüência das altas populações<br />
de S. levis, as soqueiras de todas as variedades em teste<br />
foram totalmente destruídas.<br />
Os primeiros registros da praga, no final da década de 70<br />
e início da década de 80, foram feitos na região de Piracicaba, SP,<br />
quando o inseto foi detectado em 14 municípios, mas atualmente<br />
S. levis já foi observado nas regiões Central (Araraquara, São<br />
Carlos, Jaú, etc.), Sul (Assis, Ourinhos), Nordeste (Pradópolis)<br />
Figura 8. Adulto e larva de Sphenophorus levis.<br />
Figura 9. Danos causados pelas larvas de S. levis.<br />
Figura 10. Aspecto de um canavial infestado por S. levis.<br />
e Leste (Leme, Pirassununga, Araras, São João da Boa Vista,<br />
Santa Cruz das Palmeiras, etc.) do Estado de São Paulo, estando,<br />
portanto, em quase todas as regiões de cultivo de cana desse<br />
Estado.<br />
A dispersão da praga a longas distâncias se deu provavelmente<br />
com mudas retiradas de local infestado, já que a capacidade<br />
de vôo do inseto é muito<br />
restrita. As mudas podem transportar<br />
insetos tanto no interior<br />
dos colmos, já que em alguns<br />
casos as galerias podem atingir<br />
os primeiros internós basais,<br />
como entre os colmos, depositados<br />
no solo, após o corte, visto<br />
que os insetos adultos freqüentemente<br />
se alojam entre os<br />
colmos, atraídos pela exsudação<br />
de açúcares. Assim, a sanidade<br />
de viveiros, mais uma vez, se<br />
mostra fator importante para<br />
reduzir os problemas fitossanitários<br />
da cultura. Pelo solo, os<br />
30<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>
adultos deslocam-se muito lentamente, o que explica sua dispersão<br />
somente de um talhão para talhões vizinhos.<br />
Nos últimos anos, além de registros de novas áreas infestadas,<br />
ocorreram incrementos nas populações da praga, em decorrência<br />
das dificuldades de controle, já que vários inseticidas químicos<br />
e biológicos estudados não são muito eficientes, mesmo<br />
quando utilizados no sulco de plantio. Além disso, a destruição<br />
mecânica das soqueiras afetadas, embora contribua para reduzir as<br />
populações, especialmente quando feita nas épocas mais secas do<br />
ano, é insuficiente, em muitos casos, para um controle efetivo da<br />
praga. O uso de armadilhas tóxicas, feitas com toletes de cana<br />
rachados longitudinalmente e embebidos em uma solução de inseticida,<br />
como descrito em Precetti e Arrigoni (1990), muito comum no<br />
final dos anos 80 e início dos anos 90, tornou-se proibitivo pelo seu<br />
alto custo, em função da grande demanda de mão-de-obra, e<br />
praticamente foi abandonado.<br />
Embora seja uma praga importante, poucos estudos foram<br />
divulgados recentemente contemplando medidas de controle. O<br />
IAC desenvolve uma série de experimentos nesse sentido, mas os<br />
dados ainda são preliminares. Algumas unidades, baseadas em suas<br />
próprias experiências e em resultados de alguns ensaios conduzidos<br />
pelo IAC, adotam a aplicação de uma mistura de carbofuran<br />
(Furadan) e fipronil (Regent 800WG), imidacloprid (Evidence<br />
480SC) ou bifentrina (Talstar 100CE), no plantio, para reduzir os<br />
prejuízos causados pelo S. levis. Muitos produtores, no entanto,<br />
não adotam quaisquer cuidados com áreas infestadas, o que, com<br />
certeza, contribuiu para elevar as populações e para introduzir o<br />
inseto em novas áreas.<br />
Amostragens para estimar as populações ocorrentes da<br />
praga em cada talhão devem ser feitas conforme orientação constante<br />
para cupins e Migdolus, a seguir.<br />
4. CUPINS E Migdolus<br />
Muitas espécies de cupins são encontradas em canaviais e<br />
podem ser divididas em dois grupos pelos hábitos de construir<br />
suas colônias. Os mais importantes são os cupins subterrâneos,<br />
cujas colônias se distribuem em galerias no solo, sob rochas, no<br />
interior das raízes, etc. Alimentam-se de material lenhoso em várias<br />
fases de decomposição e das partes vivas das plantas, tais como<br />
raízes, toletes e entrenós basais da cana-de-açúcar. Neste grupo<br />
estão as espécies de Heterotermes, Procornitermes, Nasutitermes,<br />
Neocapritermes, Syntermes e outros. O outro grupo contempla os<br />
cupins de montículos, cuja espécie mais comum em canaviais é a<br />
Cornitermes cumulans. Estes insetos constroem ninhos acima do<br />
solo e são considerados de menor importância porque se alimentam<br />
basicamente de material vegetal morto e raramente são encontrados<br />
atacando tecidos vivos.<br />
Quando atacam a cana-de-açúcar no plantio, os cupins<br />
destroem os toletes e também as gemas (Figura 11) e, conseqüentemente,<br />
ocorrem falhas na brotação. Sob infestações severas, os<br />
cupins podem destruir o interior dos entrenós basais, provocando<br />
morte de perfilhos (“coração morto”), quando esses ainda são<br />
jovens, ou quebra de colmos adultos. Em decorrência do ataque<br />
de cupins, há severas reduções de produtividade. Em cana-soca,<br />
os danos se acentuam (Figura 12), com falhas na brotação da<br />
soqueira, baixa produtividade e redução na longevidade do<br />
canavial.<br />
A espécie mais comum do gênero Migdolus em cana-deaçúcar<br />
é M. fryanus. Este inseto é de hábito subterrâneo, sendo<br />
Figura 11. Danos causados por cupins nos toletes utilizados no plantio.<br />
Figura 12. Danos causados por cupins nos rizomas da cana-de-açúcar.<br />
encontrado tanto em solos arenosos quanto em argilosos. Os machos<br />
são ativos e voam enquanto as fêmeas possuem as asas<br />
atrofiadas e, portanto, não voam. Após o acasalamento, as fêmeas<br />
entram no solo colocando os ovos em diversas profundidades. As<br />
larvas recém-eclodidas possivelmente alimentam-se apenas de<br />
matéria orgânica, enquanto os estádios mais avançados nutrem-se<br />
das raízes e rizomas da cana. Os maiores danos à cana-de-açúcar<br />
são, portanto, causados pelas larvas que destroem as raízes e<br />
rizomas das plantas em qualquer idade. Em conseqüência do ataque<br />
de Migdolus ocorre morte de colmos, com redução significativa<br />
da produtividade e da longevidade do canavial.<br />
Em áreas atacadas são comuns canais ou galerias no solo,<br />
feitos durante a movimentação das larvas. Acredita-se que essas<br />
galerias são posteriormente utilizadas pelos adultos para atingir a<br />
superfície, durante as revoadas.<br />
Outros insetos de solo, tais como pão-de-galinha, larvaarame<br />
e percevejo castanho são também comuns em canaviais, mas<br />
não há estudos sobre os danos que causam. De maneira geral,<br />
considera-se que não têm importância econômica, na maioria das<br />
situações, embora, em certos casos, sejam encontrados em populações<br />
tão elevadas que esse pressuposto pode não ser correto.<br />
<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong> 31
Para áreas com problemas de pragas de solo, medidas de<br />
controle devem ser adotadas por ocasião do plantio, uma vez que<br />
tratamentos em soqueiras se mostram pouco eficientes. O indicado<br />
é fazer a destruição mecânica da soqueira, na época seca do ano,<br />
justamente porque nessa época as populações de pragas são mais<br />
elevadas, e utilizar inseticidas no plantio. Nessas áreas, não se<br />
recomenda a destruição química da soca.<br />
Contra cupins e Migdolus, os inseticidas de solo mais utilizados<br />
são fipronil (Regent 800WG), bifentrina (Talstar 100CE), imidacloprid<br />
(Evidence 480SC) e endosulfan (Endosulfan ou Thiodan).<br />
Para definir em quais áreas adotar medidas de controle são<br />
necessários levantamentos populacionais, feitos, de preferência<br />
logo após o último corte do canavial e antes da destruição da<br />
soqueira, o que coincide, normalmente, com o período mais seco do<br />
ano, quando as populações dessas pragas de solo são mais<br />
elevadas. O levantamento consta de dois pontos de amostragem<br />
por hectare. Em cada ponto, faz-se uma pequena cova de 50 cm x<br />
50 cm e 30 cm de profundidade (ou 50 cm, se se suspeita da ocorrência<br />
de Migdolus), na linha de cana, verificando a ocorrência de<br />
cupins, Migdolus e outras pragas de solo. Para cupins, deve-se<br />
atribuir nota em função do número de indivíduos presentes (0 =<br />
sem cupins; 1 = 1 a 10 indivíduos; 2 = 11 a 100 indivíduos; 3 = mais<br />
de 100 indivíduos). Os soldados devem ser coletados, colocados<br />
em vidros com álcool 70% ou formol para identificação da(s)<br />
espécie(s) presente(s). É importante identificar as espécies de cupins<br />
ocorrentes pois há aquelas mais daninhas à cana-de-açúcar<br />
que outras. O número de indivíduos de Migdolus e de outras pragas<br />
também deve ser anotado, bem como a ocorrência de danos nas<br />
touceiras. Para ocorrência de danos nas touceiras, recomenda-se<br />
contar o número total de rizomas e o número de rizomas danificados.<br />
Esses dados devem ser anotados em ficha apropriada.<br />
Em função das espécies e populações de pragas de solo<br />
identificadas e porcentagem de touceiras danificadas, recomendase<br />
o uso ou não de medidas de controle.<br />
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<strong>ENCARTE</strong> DO INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 110 – JUNHO/<strong>2005</strong>