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três literatos e um conflito: a guerra do paraguai - XXVI Simpósio ...

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Sacudi fora os jornais e cheguei à janela. A antigüidade é boa, mas preciso<br />

descansar <strong>um</strong> pouco e respirar ares modernos. Reconheci então que tu<strong>do</strong><br />

hoje me anda impregna<strong>do</strong> <strong>do</strong> antigo, e que por mais que busque o vivo e o<br />

moderno, o antigo é que me cai nas mãos. Quan<strong>do</strong> não é o antigo, é o velho,<br />

Gladstone substitui Virgílio. A comissão uruguaia está trazen<strong>do</strong> medalhas<br />

comemorativas da campanha <strong>do</strong> Paraguai, não sen<strong>do</strong> propriamente antiga,<br />

fala de coisas velhas aos moços. Campanha <strong>do</strong> Paraguai! Mas então, houve<br />

alg<strong>um</strong>a campanha <strong>do</strong> Paraguai? Onde fica o Paraguai? Os que já forem<br />

entra<strong>do</strong>s na história e na geografia, poderão descrever essa <strong>guerra</strong>, quase<br />

tão bem como a de Jugurta. Faltar-lhes-á, porém, a sensação <strong>do</strong> tempo.<br />

Oh! A sensação <strong>do</strong> tempo! A vista <strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s que entravam e saíam, de<br />

semana em semana, de mês em mês, a ânsia das notícias, da leitura <strong>do</strong>s<br />

feitos heróicos, trazi<strong>do</strong>s de repente por <strong>um</strong> paquete ou <strong>um</strong> transporte de<br />

<strong>guerra</strong>.<br />

Não tínhamos ainda este cabo telegráfico, instr<strong>um</strong>ento destina<strong>do</strong> a<br />

amesquinhar tu<strong>do</strong>, a dividir as novidades em talhadas finas, poucas e breves.<br />

Naquele tempo as batalhas vinham por inteiro, com as bandeiras tomadas,<br />

os mortos e os feri<strong>do</strong>s, número de prisioneiros, nomes <strong>do</strong>s heróis <strong>do</strong> dia, as<br />

próprias partes oficiais.<br />

Uma vida intensa de cinco anos. Já lá vai <strong>um</strong> quarto de século. Os que ainda<br />

mamavam quan<strong>do</strong> Osório ganhava a grande batalha, podem aplaudi-lo<br />

amanhã revivi<strong>do</strong> no bronze, mas não terão o sentimento exato daqueles dias<br />

(MACHADO DE ASSIS, 1986: 689-91).<br />

Aponto a singular diferença entre o escritor de 1864-5 e o de 1894: aqui a <strong>guerra</strong><br />

já fora <strong>um</strong> evento conforma<strong>do</strong>, talvez esqueci<strong>do</strong> por alguns. A menção ao tempo foi<br />

característica marcante na crônica anterior. O Bruxo <strong>do</strong> Cosme Velho questionou o<br />

<strong>conflito</strong>. A justiça e a honra não são mais atributos tão caros que justificassem perdas<br />

h<strong>um</strong>anas. Macha<strong>do</strong> de Assis sentiu a necessidade de reviver o clima de combate, <strong>um</strong><br />

ambiente de efervescência, <strong>um</strong>a fábrica heróica com homens dispostos a defender a<br />

pátria.<br />

O autor indagou a validade <strong>do</strong> <strong>conflito</strong> e as conseqüências <strong>do</strong>s esforços<br />

dispensa<strong>do</strong>s. Os contrastes com os conteú<strong>do</strong>s e as temáticas das crônicas de 1864-5 são<br />

evidentes. Somos atropela<strong>do</strong>s por <strong>um</strong> ceticismo poderoso e motiva<strong>do</strong> pela saudade <strong>do</strong>s<br />

tempos i<strong>do</strong>s. Dessa maneira, Macha<strong>do</strong> de Assis não conseguia compreender a vida após<br />

a Guerra <strong>do</strong> Paraguai. Homem que clamava por heróis e, então arrependi<strong>do</strong>, chamava o<br />

nome <strong>do</strong>s mortos.<br />

Há significativa diversidade de opiniões no que tange a relação <strong>do</strong> <strong>conflito</strong><br />

quanto à construção de sentimentos pátrios. Nas crônicas machadianas parece inegável a<br />

relativa força da <strong>guerra</strong> como elemento de formação da identidade brasileira.<br />

Ao contrário, nos contos e no romance analisa<strong>do</strong>s a seguir, a construção literária<br />

verteu-se em interessante ação corporificada em suas personagens. A necessidade <strong>do</strong><br />

Anais <strong>do</strong> <strong>XXVI</strong> Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 8

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