livro completo - CiFEFiL
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ANÁLISE E CRÍTICA LITERÁRIA II<br />
É, então, que Ângela, o bebê torturado assim que saíra do ventre de<br />
sua mãe, pega a arma e o mata, disparando contra o peito de seu algoz.<br />
Essa cena dramática revela a ligação entre os personagens.<br />
Ligação de cunho metafísico. O destino cumprira sua missão de religar<br />
pai e filha e de punição do malfeitor.<br />
Na liquidez fluida da modernidade líquida, o fluxo, as pedras<br />
e curvas da crônica da vida constroem uma linha condutora, um destino<br />
a cumprir-se.<br />
ÚLTIMO PONTO<br />
“Por que, na vida cotidiana, os homens normalmente dizem a<br />
verdade? – Não porque deus tenha proibido a mentira, certamente.<br />
Mas em primeiro lugar, por que é mais cômodo; pois a mentira exige<br />
invenção, dissimulação e memória." (Nietzsche, 2000, p. 56) A mentira,<br />
a fabulação exige um jogo, não é possível abrir mão dos dados<br />
da realidade, nem mesmo das criações do imaginário. Nem sempre<br />
se está disposto a jogar. Agualusa em O Vendedor de Passados esteve<br />
plenamente disposto a esse jogo.<br />
Depois de tantos anos passando por um processo em que se<br />
desprezava o valor da ficção em nome de uma afirmação da realidade,<br />
a modernidade líquida se apresenta como um momento propício<br />
à plena exposição da ficção. Como as coisas se apresentam tão incertas,<br />
voláteis, inconstantes, diante da velocidade com que a vida líquida<br />
se transforma, a partir da transferência de valores dos objetos e<br />
da urgência de inserção e adequação dos indivíduos, habituamo-nos<br />
a ver o mundo com diversas polaridades. É como se estivéssemos<br />
sempre a olhar um caleidoscópio. E a literatura, campo plural em si<br />
mesmo, não poderia deixar de refletir essa multiplicidade caleidoscópica<br />
em seu corpo. E, assim, temos O Vendedor de Passados, tão<br />
plural, tão múltiplo, mergulhado na modernidade líquida. A tal ponto<br />
embrenhado nela que a nega, em determinados momentos.<br />
A duplicidade do discurso, sempre apresentando um quê de<br />
incerteza, de volatilidade, e, ao mesmo tempo, apresentando uma fé<br />
na ligação entre os fatos, em uma possibilidade de apreender o futuro<br />
e a “verdade” através dos sonhos, é uma forma de o romance se tor-<br />
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CADERNOS DO CNLF, VOL. XII, Nº 15