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Confira aqui a entrevista completa com o escritor. - Candango!

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<strong>Candango</strong>: Dentre os fatos narrados no seu novo livro – 1822 -, está o da diarreia de D.<br />

Pedro no momento do grito do Ipiranga. Esse fato não ridiculariza a história brasileira?<br />

Laurentino Gomes: É, mas você não pode ignorar. Se eu ignorar esse detalhe que está em<br />

documento - tem uma testemunha do Grito do Ipiranga, o Coronel Marcondes, que diz que o D.<br />

Pedro está <strong>com</strong> problemas intestinais - aí, eu participo da farsa. Porque entro na corrente das<br />

pessoas que querem deixar a história limpinha, bonitinha, uma história oficial. É o quadro do<br />

Pedro Américo. Um príncipe regente, em cima de um cavalo alazão, diante dos dragões da<br />

independência. Nada do que está no quadro do Pedro Américo é verdade. O D. Pedro não<br />

estava vestido de príncipe regente, ele estava <strong>com</strong>o tropeiro. Ele estava montado em uma<br />

mula, um animal de carga. Porque era a forma correta de se subir a Serra do Mar, naquela<br />

época, de caminhos difíceis e esburacados. Os Dragões da Independência ainda não existiam.<br />

Era a guarda de honra, que era <strong>com</strong>posta por sertanejos do Vale do Paraíba.<br />

O que eu estou mostrando é que esta é uma história mais brasileira. Ela é mais simples, mais<br />

próxima da realidade das pessoas de hoje do que o quadro do Pedro Américo. Então, eu não<br />

estou contando esse detalhe da dor de barriga para banalizar ou para tornar a história<br />

pitoresca. Estou mostrando um herói de carne e osso. É um príncipe regente que faz a<br />

independência do Brasil <strong>com</strong> 22 anos, mas, naquele momento, estava apaixonado pela amante<br />

Domitila de Castro, futura marquesa de Santos, que havia conhecido na semana anterior.<br />

Estava <strong>com</strong> dor de barriga. Tinha enfrentado uma viagem horrorosa. Então, é uma cena mais<br />

simples, mais bucólica.<br />

C: Como foi a reação de Portugal?<br />

LG: Foi boa! O livro vendeu mais lá do que <strong>aqui</strong>, proporcionalmente. Tem uma curiosidade<br />

muito interessante em Portugal, que é observar <strong>com</strong>o um <strong>escritor</strong> de uma ex-colônia conta a<br />

própria história de Portugal. Até porque a fuga de D. João para o Rio de Janeiro é uma coisa<br />

tão vexatória na história de Portugal que eles não estudavam isso. A história de Portugal vai<br />

até as invasões napoleônicas e pula para a Revolução do Porto, em 1820. É <strong>com</strong>o se não<br />

tivesse acontecido nada no Rio de Janeiro entre 1808 e 1820, quando era Portugal que estava<br />

exilado nos trópicos. Era a coroa portuguesa. Ou seja, é um pedaço da história de Portugal que<br />

acontece no Brasil. Sabe-se muito pouco em Portugal a respeito do grito do Ipiranga. O que foi<br />

o Grito do Ipiranga? Ninguém tinha ouvido falar do grito do Ipiranga. Aliás, nem sabiam o que<br />

era 1822. Me perguntaram: por que esse livro 1822? É <strong>com</strong>o se eu tivesse feito o caminho<br />

inverso de D. João e ido pra Lisboa ensinar os portugueses.<br />

<strong>Candango</strong>: Você sempre teve vontade de recontar a história do Brasil?<br />

Laurentino Gomes: Isso é um trabalho importante. A história do Brasil sempre foi alvo de<br />

manipulações. E é da natureza dos governos e da oposição - a oposição participa dessa<br />

manipulação - de reescrever a história para defender bandeiras políticas do presente. Então,<br />

isso aparecia no regime militar nas disciplinas de Educação Moral e Cívica e Organização<br />

Social e Política Brasileira e está, hoje, nos livros didáticos <strong>com</strong> um viés de esquerda. É de<br />

novo uma tentativa de reescrever o passado para justificar bandeiras políticas do presente. E<br />

acho que um trabalho importante do jornalista é de relativizar isso, esse maniqueísmo que<br />

permeia a história. É importante mostrar que existem visões diferentes em que os papéis de<br />

heróis e vilões se confundem o tempo todo, dependendo da forma que você observa a história.<br />

C: Você acredita que seu livro seja neutro?<br />

LG: Não acredito na imparcialidade jornalística. Acho que na hora que você decide, em uma<br />

reunião de pauta, fazer um assunto ou outro, você já está tomando uma posição. O jornalista<br />

não é um ponto neutro no universo. Ele apura as informações e ele passa para os seus leitores<br />

o que ele apurou. Da forma <strong>com</strong>o ele aprendeu, ou seja, existe um trabalho de formação de<br />

opinião pública no jornalismo. É um erro, aliás, um grave erro esse pensamento assim: eu<br />

publico as informações e o leitor que tire suas próprias conclusões. Isso é um desserviço.<br />

Se eu investiguei uma coisa, e não cheguei a uma conclusão, eu digo isso. Por exemplo, no<br />

caso da independência. Existe o mito de que o D. Pedro teria surrado a imperatriz Leopoldina<br />

<strong>com</strong> chutes na barriga e que ela teria morrido por essa agressão, em 1826. Eu apurei isso


muito e não cheguei a nenhuma conclusão e digo isso no livro. Não deixo o leitor sem saber<br />

desse boato, mas sou transparente. Digo que não há <strong>com</strong>provação. Por exemplo, no 1808, eu<br />

digo que alguns historiadores levantam a hipótese de que o D. João VI seria homossexual. Não<br />

é que ele seria homossexual, seria mais por conveniência do que por convicção. Ele teria um<br />

caso homossexual <strong>com</strong> o Visconde de Vilanova da Rainha, que era o seu camareiro. Então, eu<br />

cito esses historiadores, mas, em seguida, eu faço uma ressalva. Eu digo que, <strong>com</strong>o não há<br />

<strong>com</strong>provação, pode ser que tudo não passe de intrigas da corte da época. É importante situar o<br />

leitor.<br />

C:Hoje em dia, você se considera mais um jornalista ou um historiador?<br />

LG: Sou um jornalista. Sempre fui e sempre vou ser. Sou um jornalista escrevendo sobre<br />

história do Brasil. Essa é uma diferença do trabalho que faço em relação aos historiadores<br />

acadêmicos. Eu não apenas leio livros e pesquiso os documentos. Eu vou aos locais em que<br />

as coisas aconteceram. Ou locais relacionados ao tema. Isso é próprio da reportagem. Acho<br />

que são trabalhos <strong>com</strong>plementares o dos historiadores e dos jornalistas. Os dois fazem<br />

reportagens. A diferença é a profundidade e a distância no tempo. O historiador faz a pesquisa<br />

primária, a pesquisa mais profunda, <strong>com</strong> uma metodologia mais rigorosa. Cabe ao jornalista<br />

divulgar esse trabalho sem banalizar.<br />

Então, eu continuo jornalista, só que fazendo reportagem num outro formato. Antes, eu fazia<br />

jornal e revista e, agora, faço livro. Mas a essência do trabalho é a mesma. Uso o que aprendi<br />

ao longo de 30 anos <strong>com</strong>o repórter e editor para tornar a história do Brasil mais acessível a um<br />

público mais amplo. Usando uma linguagem didática, mais atraente do que, normalmente, se<br />

encontra nos livros acadêmicos.<br />

C: Como jornalista, você é a favor ou contra a exigência do diploma?<br />

LG: Acho que o diploma não define automaticamente a qualidade da nossa profissão. Isso se<br />

resolve nas escolas de <strong>com</strong>unicação, na qualidade das nossas escolas de <strong>com</strong>unicação e na<br />

capacidade dos editores mais veteranos ensinarem os mais novos, os focas. Não é o diploma<br />

que vai fazer o jornalismo brasileiro melhor ou pior. Embora o diploma tenha sido fundamental<br />

no passado para profissionalizar o jornalismo - até a década de 60 era bico, era uma atividade<br />

secundária, a exigência do diploma ajudou a melhorar o ambiente da profissão - acho que,<br />

hoje, o ambiente está tão <strong>com</strong>petitivo que naturalmente irão se sobressair os melhores.

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