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Relatos de Gestantes Aloimunizadas - Biblioteca Virtual em Saúde ...

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Fundação Oswaldo Cruz<br />

Instituto Fernan<strong>de</strong>s Figueira<br />

Pós-Graduação <strong>em</strong> Saú<strong>de</strong> da Criança e da Mulher<br />

<strong>Relatos</strong> <strong>de</strong> <strong>Gestantes</strong> <strong>Aloimunizadas</strong><br />

Uma Reflexão Sobre Contextos <strong>de</strong> Vida e Risco<br />

à Saú<strong>de</strong> Reprodutiva<br />

Augusta Maria Batista <strong>de</strong> Assumpção<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2006


i<br />

Fundação Oswaldo Cruz<br />

Instituto Fernan<strong>de</strong>s Figueira<br />

Pós-Graduação <strong>em</strong> Saú<strong>de</strong> da Criança e da Mulher<br />

<strong>Relatos</strong> <strong>de</strong> <strong>Gestantes</strong> <strong>Aloimunizadas</strong>: Uma<br />

Reflexão Sobre Contextos <strong>de</strong> Vida e Risco à<br />

Saú<strong>de</strong> Reprodutiva<br />

Augusta Maria Batista <strong>de</strong> Assumpção<br />

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA A PÓS-<br />

GRADUAÇÃO EM SAÚDE DA CRIANÇA E DA MULHER DO<br />

INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA / FIOCRUZ COMO PRÉ–<br />

REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE.<br />

Orientadora: Drª Claudia Bonan Jannotti<br />

Co orientador: Dr.Alexandre José Baptista Trajano


ii<br />

Augusta Maria Batista <strong>de</strong> Assumpção<br />

<strong>Relatos</strong> <strong>de</strong> <strong>Gestantes</strong> <strong>Aloimunizadas</strong>: Uma Reflexão Sobre<br />

Contextos <strong>de</strong> Vida e Risco à Saú<strong>de</strong> Reprodutiva<br />

Banca Examinadora:<br />

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA A PÓS-<br />

GRADUAÇÃO EM SAÚDE DA CRIANÇA E DA MULHER DO<br />

INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA / FIOCRUZ COMO PRÉ–<br />

REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE<br />

MESTRE.<br />

__________________________________________<br />

Prof. Dr. Marcos Vianna Lacerda <strong>de</strong> Almeida<br />

________________________________________<br />

Prof a . Drª Kátia Silveira da Silva<br />

__________________________________________<br />

Prof a . Drª Maria Helena Cabral <strong>de</strong> Almeida Cardoso<br />

__________________________________________<br />

Prof a . Drª Claudia Bonan Jannotti – Orientadora<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

28 <strong>de</strong> Set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2006


iii<br />

FICHA CATALOGRÁFICA NA FONTE<br />

CENTRO DE INFORMAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA<br />

BIBLIOTECA DO INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA<br />

A851 Assumpção, Augusta Maria Batista <strong>de</strong><br />

<strong>Relatos</strong> <strong>de</strong> <strong>Gestantes</strong> <strong>Aloimunizadas</strong>: uma reflexão sobre contextos<br />

<strong>de</strong> vida e risco à saú<strong>de</strong> reprodutiva / Augusta Maria Batista <strong>de</strong><br />

Assumpção. – 2006.<br />

156 f., tab. , graf.<br />

Dissertação( Mestrado <strong>em</strong> Saú<strong>de</strong> da Criança e da Mulher )- Instituto<br />

Fernan<strong>de</strong>s Figueira, Rio <strong>de</strong> Janeiro , 2006.<br />

Orientador : Claudia Bonan Jannotti<br />

Bibliografia : f. 136 – 143 .<br />

1.Saú<strong>de</strong> reprodutiva. 2.Isoimunização Rh . I.Título.<br />

CDD - 20ª .ed. 612.6


iv<br />

Dedicatória:<br />

Ao meu PAI, que com sua sabedoria me ensinou a perseverança, a integrida<strong>de</strong>,<br />

a honestida<strong>de</strong> e a corag<strong>em</strong>.


v<br />

AGRADECIMENTOS<br />

A minha orientadora, Drª Claudia Bonan Jannotti, que com sua paciência,<br />

competência e amiza<strong>de</strong> me fez acreditar que eu conseguiria seguir nessa<br />

jornada. O meu muitíssimo obrigada!<br />

À Dra. Maria Helena Cabral <strong>de</strong> Almeida Cardoso e Dra. Kátia Silveira da Silva<br />

pelos incentivos e sugestões s<strong>em</strong>pre tão carinhosos.<br />

Ao Dr. Alexandre José Baptista Trajano meu co-orientador e conhecedor do<br />

meu trabalho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os t<strong>em</strong>pos do Hospital Pedro Ernesto.<br />

Ao meu primeiro preceptor Dr. Marcos Vianna Lacerda <strong>de</strong> Almeida por se<br />

dispor a participar <strong>de</strong>ssa banca.<br />

À coor<strong>de</strong>nação e aos professores da Pós-graduação <strong>em</strong> Saú<strong>de</strong> da Criança e<br />

da Mulher que muito contribuíram para ampliar o meu conhecimento.<br />

A Maria Alice, Tatiana, Euzeni, Paulo e <strong>de</strong>mais funcionários da pós-graduação<br />

por seu prestimoso trabalho estratégico.<br />

Ao Arquivo médico do Instituto Fernan<strong>de</strong>s Figueira e toda sua equipe pela boa<br />

vonta<strong>de</strong> no fornecimento dos prontuários.<br />

Aos meus queridos colegas do mestrado profissionalizante, por tudo que<br />

experimentamos e partilhamos.<br />

Ao diretor do IFF Dr. José Augusto e ao chefe da maternida<strong>de</strong> Dr. Júlio<br />

Alzuguir por sua amiza<strong>de</strong> e pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar concluindo essa jornada<br />

neste momento.<br />

Ao meu amigo e companheiro <strong>de</strong> trabalho Dr Miguel Angel pelo apoio<br />

incondicional e pelo auxílio na elaboração do banco <strong>de</strong> dados.<br />

Ao Dr. Fernando Guerra, Dra. Maria Cristina Pessôa dos Santos, Dra. Cynthia<br />

Amaral, Dra. Maria Célia e <strong>de</strong>mais colegas que lutam para melhor acolher<br />

essas mulheres aloimunizadas e extinguir essa doença <strong>de</strong> uma vez por todas.<br />

As equipes do Departamento <strong>de</strong> Obstetrícia do Instituto Fernan<strong>de</strong>s Figueira e<br />

do Hospital Geral <strong>de</strong> Nova Iguaçu, pelo companheirismo.<br />

À equipe técnica da Unida<strong>de</strong> Transfusional do IFF.<br />

Ao meu professor e amigo Dr. Luiz Guilherme Pessoa da Silva, test<strong>em</strong>unha<br />

inicial e gran<strong>de</strong> incentivador <strong>de</strong>sse projeto chamado mestrado.


vi<br />

As minhas amigas Sandra Muri e Sheila Atthie pela paciência e compreensão<br />

que tiveram comigo nesses dois anos <strong>de</strong> mestrado.<br />

Aos meus irmãos, <strong>de</strong> sangue e fé - João, Ana, Jorge, Cláudia, Luiz e Cristina –<br />

por compartilharmos uma história <strong>de</strong> vida repleta <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e felicida<strong>de</strong>.<br />

Aos meus queridos sobrinhos – Carlos Eduardo, Larissa, Tatiana, Ana Luisa e<br />

Luiz Guilherme. Que esse ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> fé e esperança possa trazer algum<br />

significado para vocês.<br />

Aos meus “novos filhos” Daniel, Inez e Ivo, pelo lindo sorriso que recebo <strong>de</strong><br />

vocês como estímulo para o meu aperfeiçoamento.<br />

A Zeferino, meu amor verda<strong>de</strong>iro, que compartilha comigo esse momento <strong>de</strong><br />

realização, com respeito e compreensão.<br />

A minha querida mãe – Sra. Aline – ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> mulher e companheira<br />

<strong>de</strong>dicada. S<strong>em</strong> você isso não estaria acontecendo. Eu te Amo!<br />

Às pacientes atendidas no ambulatório <strong>de</strong> DHPN, <strong>em</strong> particular: Joana, Paula,<br />

Clara, Ana e Rosa, que através <strong>de</strong> suas vidas po<strong>de</strong>m nos ensinar novas formas<br />

<strong>de</strong> enxergar a saú<strong>de</strong> com toda sua significância.<br />

Ao meu pai Leboir (in m<strong>em</strong>orian).<br />

Por fim, agra<strong>de</strong>ço à Deus minha fonte <strong>de</strong> inspiração.


vii<br />

RESUMO<br />

A aloimunização pelo fator Rh (D) e a Doença H<strong>em</strong>olítica Perinatal<br />

(DHPN), ainda constitu<strong>em</strong> importantes probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública no Brasil,<br />

apesar da disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos para sua profilaxia e dos avanços das<br />

políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção perinatal <strong>em</strong> nosso país, nos últimos vinte anos.<br />

A pesquisa apresentada teve como objeto <strong>de</strong> estudo relatos <strong>de</strong> vida <strong>de</strong><br />

gestantes aloimunizadas atendidas no ambulatório especializado do Instituto<br />

Fernan<strong>de</strong>s Figueira/FIOCRUZ. O objetivo geral foi compreen<strong>de</strong>r situações,<br />

vivências e dinâmicas sociais e culturais que possam ter potencializado o risco<br />

a sua saú<strong>de</strong> reprodutiva, indicado pela aloimunização como evento sentinela.<br />

Realizou-se um estudo qualitativo com base <strong>em</strong> relatos <strong>de</strong> gestantes,<br />

que foram obtidos através <strong>de</strong> entrevistas individuais não estruturadas, com<br />

roteiro t<strong>em</strong>ático. Delineou-se também o perfil socioeconômico da clientela do<br />

ambulatório analisando prontuários <strong>de</strong> 123 gestantes atendidas entre 2003 e<br />

2005.<br />

Sinteticamente, os contextos, dinâmicas e vivências que geraram<br />

vulnerabilida<strong>de</strong>s e potencializaram o risco à saú<strong>de</strong> reprodutiva <strong>de</strong>ssas<br />

mulheres estão relacionados a questões <strong>de</strong> gênero, condições<br />

socioeconômicas, suas experiências <strong>de</strong> relação com os profissionais e serviços<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, assim como por questões culturais e subjetivas.<br />

Palavras-chaves: isoimunização Rh (D), saú<strong>de</strong> reprodutiva e narrativas<br />

pessoais.


viii<br />

ABSTRACT<br />

The Rh (D) alloimmunization and the H<strong>em</strong>olytic Disease of the Fetus and<br />

Newborn treatment advances (HDFN), still constitutes important probl<strong>em</strong>s of<br />

public health in Brazil, <strong>de</strong>spite the availability of resources for its prophylaxis<br />

and the advances of the health politics of newborn attention in our country, in<br />

last the twenty years.<br />

The present research studied object life’s stories of alloimmunizated<br />

pregnant women that were assisted in the Instituto Fernan<strong>de</strong>s<br />

Figueira/FIOCRUZ. The general objective was to un<strong>de</strong>rstand social and cultural<br />

situations, experiences and dynamic that can have stimulate the risk their<br />

reproductive health, indicated for the alloimmunization as event sentry.<br />

A qualitative study was become fulfilled on the basis of pregnant’s<br />

stories, that had been gotten through not structuralized individual interviews,<br />

with a th<strong>em</strong>atic script. The social economic profile of the clinic’s clients was also<br />

<strong>de</strong>lineated, analyzing handbooks of 123 pregnant that were assisted between<br />

2003 and 2005.<br />

In synthesis, the contexts, dynamic and experiences that had generated<br />

vulnerabilities and helped the risk to the reproductive health of these women are<br />

related to the social economic conditions, gen<strong>de</strong>r questions, their experiences<br />

of relation with the professionals and health services, as well as for cultural and<br />

subjective questions.<br />

Key words: isoimmunization Rh (D), reproductive health and personal<br />

narratives.


ix<br />

A Lei do Ventre Livre (Lei nº 2040 <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1871), quando<br />

aprovada, foi objeto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s controvérsias para sua época. Entretanto, essa<br />

lei representou, na prática, um passo tímido na direção do fim da escravatura.<br />

"Declara <strong>de</strong> condição livre os filhos <strong>de</strong> mulher escrava que nascer<strong>em</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

data <strong>de</strong>sta lei, libertos os escravos da Nação e outros, e provi<strong>de</strong>ncia sobre a<br />

criação e tratamento daqueles filhos menores e sobre a libertação anual <strong>de</strong><br />

escravos...”<br />

Princesa imperial Regente.<br />

Theodoro Machado Freire Pereira da Silva.<br />

(Cal<strong>de</strong>ira, 1997).<br />

A abolição está incompleta. O caminho para completar a Lei do Ventre<br />

Livre é a garantia da educação e da saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> todas as pessoas da infância até<br />

a ida<strong>de</strong> adulta. Educar e cuidar <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> nós para um novo t<strong>em</strong>po. A<br />

liberda<strong>de</strong> é uma construção permanente que t<strong>em</strong> que ser garantida ao longo da<br />

vida. Defen<strong>de</strong>r o mestrado <strong>em</strong> 28 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2006 representa para mim,<br />

uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contribuir para a libertação do ventre <strong>de</strong>ssas mulheres,<br />

permitindo o nascimento <strong>de</strong> filhos livres e saudáveis.<br />

(Augusta Assumpção)


x<br />

LISTA DE ABREVIATURAS<br />

ABEP<br />

AIDS<br />

APAE<br />

ANVISA<br />

DHPN<br />

DST<br />

FEBRASGO<br />

FIOCRUZ<br />

IBGE<br />

IFF<br />

LILACS<br />

MS<br />

PAISM<br />

PHPN<br />

PN<br />

PNAISM<br />

PNPS<br />

PUBMED<br />

SES<br />

SIH<br />

SISPRENATAL<br />

SUS<br />

Associação Brasileira <strong>de</strong> Estudos Populacionais<br />

Síndrome da Imuno<strong>de</strong>ficiência Adquirida<br />

Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais<br />

Agência <strong>de</strong> Vigilância Sanitária<br />

Doença H<strong>em</strong>olítica Perinatal<br />

Doença Sexualmente Transmissível<br />

Fe<strong>de</strong>ração Brasileira <strong>de</strong> Ginecologia e Obstetrícia<br />

Fundação Instituto Oswaldo Cruz<br />

Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística<br />

Instituto Fernan<strong>de</strong>s Figueira<br />

Literatura Latino-Americana e do Caribe <strong>em</strong> Ciências da Saú<strong>de</strong><br />

Ministério da Saú<strong>de</strong><br />

Programa <strong>de</strong> Atenção Integral à Saú<strong>de</strong> da Mulher<br />

Programa <strong>de</strong> Humanização no Pré-Natal e Nascimento<br />

Pré-Natal<br />

Política Nacional <strong>de</strong> Atenção Integral à Saú<strong>de</strong> da Mulher<br />

Política Nacional <strong>de</strong> Promoção da Saú<strong>de</strong><br />

Publicações Médicas<br />

Secretaria <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong><br />

Sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Informação Hospitalar<br />

Sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Informação <strong>em</strong> Pré-Natal<br />

Sist<strong>em</strong>a Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>


xi<br />

LISTA DE TABELAS<br />

Tabela<br />

Pág.<br />

Tabela 1 Freqüência <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> das mulheres aloimunizadas por faixa etária 59<br />

Tabela 2 Cor da pele das mulheres aloimunizadas referida <strong>em</strong> prontuário 60<br />

Tabela 3 Estado civil das mulheres aloimunizadas 61<br />

Tabela 4<br />

Região geopolítica <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> das mulheres aloimunizadas no<br />

Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro 62<br />

Tabela 5 Grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> das mulheres aloimunizadas 63<br />

Tabela 6<br />

Ocupação das mulheres aloimunizadas no momento da matrícula do<br />

PN<br />

64<br />

Tabela 7 Perfil obstétrico das mulheres aloimunizadas na amostra estudada 65<br />

Tabela 8<br />

Conhecimento prévio sobre necessida<strong>de</strong> do uso da Imunoprofilaxia<br />

anti-Rh (D) no pós-parto e pós-aborto 69


xii<br />

LISTA DE GRÁFICOS<br />

Gráfico<br />

Pág.<br />

Gráfico 1 Acompanhamento pré-natal <strong>em</strong>, ao menos, uma gestação anterior 66<br />

Gráfico 2<br />

Gráfico 3<br />

Gráfico 4<br />

Gráfico 5<br />

Gráfico 6<br />

Conhecimento sobre tipag<strong>em</strong> sanguínea Rh (D) negativa antes do<br />

PN no IFF entre as mulheres aloimunizadas 67<br />

Período <strong>em</strong> que adquiriu a informação sobre tipag<strong>em</strong> sanguínea Rh<br />

(D) negativa 67<br />

Uso da imunoglobulina anti-Rh (D) no primeiro evento <strong>de</strong> parto ou<br />

aborto entre as mulheres aloimunizadas 68<br />

Conhecimento sobre aloimunização Rh (D) entre as mulheres<br />

aloimunizadas 69<br />

Período <strong>em</strong> que adquiriu o conhecimento sobre a aloimunização Rh<br />

(D) 70


xiii<br />

SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO 14<br />

CAPÍTULO 1 - REVISÃO DA LITERATURA E QUESTÕES TEÓRICAS 20<br />

1.1 Revisão da literatura científica sobre Aloimunização Rh 20<br />

1.2 Aloimunização Rh (D) e DHPN no contexto das políticas <strong>de</strong> atenção à<br />

gestante 26<br />

1.3 Questões teóricas e conceituais <strong>em</strong> torno do objeto <strong>de</strong> estudo 31<br />

CAPÍTULO 2 - DESENHO DO ESTUDO 50<br />

2.1 Campo e fontes da pesquisa 51<br />

2.2 Sobre o método 52<br />

2.3 Análise dos dados obtidos 54<br />

CAPÍTULO 3 – RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

3.1 Breve perfil socioeconômico e reprodutivo da clientela do Ambulatório<br />

<strong>de</strong> DHPN do IFF<br />

3.2 Vidas<br />

3.3 Reflexão geral sobre os resultados<br />

55<br />

56<br />

71<br />

115<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS 131<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 136<br />

APÊNDICES 143<br />

Apêndice I TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 144<br />

Apêndice II PAUTA TEMÁTICA PARA ENTREVISTA 146<br />

Apêndice III FICHA PARA COLETA DE DADOS 148<br />

ANEXOS 152<br />

Anexo I RESOLUÇÃO SES N.º 2.590, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2004 153


14<br />

INTRODUÇÃO<br />

Há mais <strong>de</strong> uma década, o Instituto Fernan<strong>de</strong>s Figueira presta<br />

atendimento pré-natal a gestantes com aloimunização Rh (D), justificado por<br />

ser um centro <strong>de</strong> assistência nas áreas da mulher, criança e adolescente<br />

especializado <strong>em</strong> gestação <strong>de</strong> alto-risco. Em torno do ano <strong>de</strong> 1999, no<br />

Departamento <strong>de</strong> Obstetrícia, organiza-se o ambulatório <strong>de</strong> Doença H<strong>em</strong>olítica<br />

Perinatal (DHPN), com esforços crescentes no sentido <strong>de</strong> protocolizar as ações<br />

no âmbito <strong>de</strong>sse probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> materno-infantil e <strong>de</strong> contribuir para as<br />

políticas públicas nessa área no Município do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Em 2003, o<br />

Instituto foi <strong>de</strong>signado oficialmente como centro <strong>de</strong> referência estadual para o<br />

atendimento <strong>de</strong> gestantes aloimunizadas e para treinamento das equipes <strong>de</strong><br />

unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> cadastradas no Programa <strong>de</strong> Profilaxia da Aloimunização<br />

Rh (D) do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, através da Resolução da Secretaria<br />

Estadual <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SES) n.º 2.154 <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2003, alterada pela<br />

Resolução SES n.º 2.590, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004 (Anexo I).<br />

A DHPN causada por incompatibilida<strong>de</strong> do fator Rh (D) entre mãe e feto<br />

era uma complicação bastante freqüente no mundo, antes do aparecimento da<br />

imunoglobulina anti-Rh (D) no final da década <strong>de</strong> 60 (Junqueira, 1991). A<br />

administração <strong>de</strong>ssa imunoglobulina no puerpério ou após abortamento das<br />

mulheres Rh (D) negativo permite a prevenção da maioria dos casos <strong>de</strong><br />

aloimunização e DHPN. Nos países on<strong>de</strong> a profilaxia <strong>de</strong>sta doença é<br />

habitualmente realizada após o parto ou aborto e também no período<br />

gestacional, houve consi<strong>de</strong>rável redução na incidência da mesma.<br />

Em nosso país, não dispomos <strong>de</strong> estudos estatísticos suficientes que<br />

dê<strong>em</strong> conta da magnitu<strong>de</strong> e da evolução da aloimunização Rh (D), além da


15<br />

incidência <strong>de</strong> DHPN. De toda maneira, as informações disponíveis sinalizam<br />

que, mesmo após décadas do <strong>de</strong>senvolvimento e comercialização da<br />

imunoglobulina anti-Rh (D), ainda nos <strong>de</strong>paramos com um número inaceitável<br />

<strong>de</strong> gestantes sensibilizadas a este antígeno. Em documento do Ministério da<br />

Saú<strong>de</strong>, Gestação <strong>de</strong> Alto Risco. Manual Técnico (2000b), estima-se que 10%<br />

das gestações têm incompatibilida<strong>de</strong> materno-fetal para o fator Rh e <strong>de</strong>stas,<br />

5% apresentam aloimunização. Este documento admite que “no Brasil, no<br />

entanto, ainda exist<strong>em</strong> casos, mesmo nos centros mais providos <strong>de</strong> recursos,<br />

pelo não-uso <strong>de</strong> imunoglobulina anti-D” (grifo meu) (p.61).<br />

Des<strong>de</strong> o ano 2000, trabalho como médica responsável pelo ambulatório<br />

que aten<strong>de</strong> gestantes aloimunizadas e observo a angústia das pacientes e<br />

seus familiares com o diagnóstico da Doença H<strong>em</strong>olítica Perinatal, os quais<br />

são submetidos a um protocolo <strong>de</strong> investigação e tratamento exaustivo, a partir<br />

do momento <strong>em</strong> que é feito o diagnóstico da mesma. A experiência acumulada<br />

nesse período levou-me a uma série <strong>de</strong> indagações sobre a história social<br />

<strong>de</strong>sse probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública e da complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> situações que po<strong>de</strong>m<br />

concorrer para sua instalação e interferir no <strong>de</strong>sfecho da experiência<br />

reprodutiva das mulheres.<br />

Quais são as razões para o “não uso da imunoglobulina anti-D” e,<br />

portanto, a alta incidência <strong>de</strong> aloimunização e DHPN <strong>em</strong> nosso meio? Essas<br />

são as questões que instigaram o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta pesquisa. A<br />

experiência nos sugere que múltiplas dinâmicas e situações estão envolvidas<br />

na reprodução <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>, tais como: a) a insuficiência <strong>de</strong> conhecimentos<br />

e capacitação dos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para lidar com a questão da DHPN e<br />

sua prevenção; b) a falta <strong>de</strong> políticas que garantam a imunoglobulina nos


16<br />

serviços que aten<strong>de</strong>m as gestantes; c) os probl<strong>em</strong>as inerentes à relação<br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>/usuários que compromet<strong>em</strong> a comunicação; d) a<br />

qualida<strong>de</strong> da assistência ao pré-natal e ao parto; e) a questão do aborto<br />

realizada <strong>em</strong> condições inseguras; f) a ausência <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> educação e<br />

informação <strong>em</strong> saú<strong>de</strong> reprodutiva; g) as condições sociais e econômicas das<br />

gestantes que muitas vezes impossibilitam tanto a aquisição da imunoglobulina<br />

no mercado, como uma participação ativa na promoção <strong>de</strong> seus cuidados <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>.<br />

Eleger uma forma <strong>de</strong> abordag<strong>em</strong> para um probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> conhecimento<br />

tão complexo e multidimensional – o porquê das mulheres continuar<strong>em</strong> se<br />

aloimunizando – é s<strong>em</strong>pre uma operação arriscada. Há muitos objetos <strong>de</strong><br />

estudos que po<strong>de</strong>m se <strong>de</strong>sdobrar <strong>de</strong>ssa pergunta e cada um <strong>de</strong>les po<strong>de</strong>ria<br />

gerar novas e distintas questões. Nesta dissertação <strong>de</strong> mestrado <strong>de</strong>limitamos<br />

como objeto <strong>de</strong> estudo as histórias <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> gestantes<br />

aloimunizadas atendidas no ambulatório especializado do IFF, reconstruídas a<br />

partir <strong>de</strong> seus próprios relatos, com o objetivo geral <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r os<br />

contextos <strong>em</strong> que se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> suas biografias, e situações, vivências e<br />

dinâmicas sociais e culturais que possam ter potencializado o risco a sua vida<br />

reprodutiva, indicado pela aloimunização como evento sentinela.<br />

A história <strong>de</strong> vida foi utilizada por se consi<strong>de</strong>rar como um instrumento<br />

privilegiado para se interpretar o processo social a partir das pessoas<br />

envolvidas, na medida <strong>em</strong> que se levam <strong>em</strong> conta as experiências subjetivas<br />

como dados importantes que falam além e através <strong>de</strong>las (Minayo, 2004). Por<br />

seu intermédio são traçadas as relações com os m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> seu grupo, <strong>de</strong><br />

sua profissão, <strong>de</strong> sua camada social e <strong>de</strong> sua socieda<strong>de</strong> global.


17<br />

Como estratégia para uma aproximação progressiva <strong>de</strong>sse objeto,<br />

<strong>de</strong>lineamos alguns objetivos mais específicos: a) compreen<strong>de</strong>r dinâmicas<br />

familiares e socioeconômicas das gestantes aloimunizadas; b) compreen<strong>de</strong>r os<br />

significados do evento da maternida<strong>de</strong>, os processos <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong><br />

conhecimentos referentes à saú<strong>de</strong> sexual e reprodutiva, as práticas<br />

contraceptivas e abortivas; d) reconstruir a história das gravi<strong>de</strong>zes e dos<br />

acompanhamentos pré-natal anteriores, investigando os antece<strong>de</strong>ntes<br />

obstétricos, as relações estabelecidas com o sist<strong>em</strong>a e os profissionais <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> e o apoio <strong>de</strong> sua re<strong>de</strong> social; e) i<strong>de</strong>ntificar e compreen<strong>de</strong>r o tipo <strong>de</strong><br />

conhecimento prévio das mulheres aloimunizadas acerca do significado <strong>de</strong> sua<br />

classificação sanguínea e da incompatibilida<strong>de</strong> Rh (D).<br />

O pressuposto geral que inspirou a <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong>sse objeto <strong>de</strong> estudo –<br />

e que t<strong>em</strong> sido também ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> outros estudos na área t<strong>em</strong>ática<br />

gênero e saú<strong>de</strong> - é que as condições que propiciam ou limitam o acesso a<br />

direitos, a participação social, a inclusão econômica, a autonomia e o<br />

reconhecimento como sujeito compõ<strong>em</strong> as fronteiras que <strong>de</strong>limitam o risco à<br />

sua saú<strong>de</strong> reprodutiva. Com o estudo aqui apresentado, preten<strong>de</strong>mos explorar<br />

meandros específicos <strong>de</strong>sse processo no universo <strong>de</strong> gestantes aloimunizadas,<br />

tendo como base a clientela atendida no ambulatório especializado do IFF.<br />

É necessário reconhecer o caráter limitado e parcial das reflexões e<br />

contribuições que po<strong>de</strong>m ser geradas por esta pesquisa, contudo acreditamos<br />

que estudos <strong>de</strong>sse tipo po<strong>de</strong>m contribuir para ampliar a visão dos gestores,<br />

formuladores <strong>de</strong> políticas públicas e profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> sobre os <strong>de</strong>safios a<br />

ser<strong>em</strong> enfrentados e as estratégias <strong>de</strong> intervenção a ser<strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvidas e


18<br />

impl<strong>em</strong>entadas quando se preten<strong>de</strong> dar conta <strong>de</strong> um probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

pública, como o é a questão da aloimunização e da DHPN.<br />

No estudo aqui apresentado, não pretendo fazer inferências causais e<br />

estabelecer variáveis que possam predizer o risco <strong>de</strong> aloimunização e <strong>de</strong><br />

DHPN. Como funcionária <strong>de</strong>ssa instituição e aluna do mestrado profissional,<br />

quero apresentar aos leitores <strong>de</strong>ste trabalho um cenário da ambiência sóciocultural<br />

e experiências <strong>de</strong> vida das mulheres atendidas no ambulatório<br />

especializado do IFF, que ao longo <strong>de</strong> anos nos têm relatado suas histórias. A<br />

produção <strong>de</strong>ssa pesquisa gerou como sub-produto uma melhor organização<br />

dos dados do ambulatório <strong>de</strong> DHPN.<br />

No Capítulo 1, “Revisão da literatura e questões teóricas” <strong>em</strong> torno do<br />

objeto, apresentamos <strong>em</strong> sua primeira parte uma revisão <strong>de</strong> estudos científicos<br />

sobre aloimunização Rh (D) e DHPN. Na segunda parte, faz<strong>em</strong>os uma revisão<br />

das políticas e programas voltados à atenção das gestantes, refletindo sobre o<br />

modo como abordam a questão da prevenção da aloimunização. Na última<br />

parte <strong>de</strong>sse capítulo, discutimos o quadro teórico-conceitual que nos ajudou na<br />

construção do objeto <strong>de</strong> estudo, principalmente os <strong>de</strong>bates sobre risco e po<strong>de</strong>r,<br />

integralida<strong>de</strong>, gênero e classe, e saú<strong>de</strong> reprodutiva.<br />

No Capítulo 2, apresentamos o “Desenho do estudo”.<br />

No Capítulo 3, apresentamos os “Resultados e Discussões” encontrados<br />

na pesquisa e os separamos <strong>em</strong> três sub-seções. Na primeira <strong>de</strong>lineamos um<br />

“Breve perfil socioeconômico e reprodutivo da clientela do Ambulatório <strong>de</strong><br />

DHPN”, na segunda, intitulada “Vidas”, apresentamos os relatos das mulheres<br />

que participaram da pesquisa, e, finalmente, expor<strong>em</strong>os nossa “Reflexão geral<br />

sobre os resultados”.


Encerramos, então, tecendo as “Consi<strong>de</strong>rações finais”.<br />

19


20<br />

CAPÍTULO 1. REVISÃO DA LITERATURA E QUESTÕES TEÓRICAS<br />

Nesse capítulo, apresentamos primeiramente uma revisão <strong>de</strong> estudos<br />

científicos sobre aloimunização Rh (D) e DHPN. Em seguida, faz<strong>em</strong>os uma<br />

revisão das políticas e programas voltados à atenção das gestantes, refletindo<br />

sobre o modo como abordam a questão da prevenção da aloimunização. Para<br />

finalizar, discutimos o quadro teórico-conceitual que nos ajudou na construção<br />

do objeto <strong>de</strong> estudo, principalmente os <strong>de</strong>bates sobre risco, integralida<strong>de</strong>,<br />

gênero e saú<strong>de</strong> reprodutiva.<br />

1.1 Revisão da literatura científica sobre Aloimunização Rh<br />

A DHPN é causada por anticorpos produzidos pela mãe e dirigidos<br />

contra antígenos das m<strong>em</strong>branas eritrocitárias fetais. A principal causa <strong>de</strong><br />

DHPN <strong>em</strong> nosso meio é s<strong>em</strong> sombra <strong>de</strong> dúvida, a incompatibilida<strong>de</strong> sanguínea<br />

Rh (D) que ocorre quando uma mulher Rh (D) negativo engravida <strong>de</strong> hom<strong>em</strong><br />

Rh (D) positivo 1 . Durante sua primeira gravi<strong>de</strong>z, no momento do parto ou <strong>de</strong><br />

um aborto, po<strong>de</strong> haver uma pequena h<strong>em</strong>orragia feto-materna; se o feto for Rh<br />

(D) positivo, a mulher entrará <strong>em</strong> contato com o antígeno D, que não possui, e<br />

se sensibilizará, passando a produzir anticorpo anti-D <strong>em</strong> um prazo que varia<br />

<strong>de</strong> duas s<strong>em</strong>anas a dois meses. Quando engravidar outra vez, haverá<br />

passag<strong>em</strong> do anticorpo anti-D, que é uma IgG, pela placenta; se o feto for Rh<br />

1 O sist<strong>em</strong>a Rh é caracterizado pela presença ou não <strong>de</strong> proteínas (antígenos) na superfície do<br />

eritrócito, sendo formado por mais <strong>de</strong> quarenta antígenos conhecidos. Contudo, seus principais<br />

antígenos são os cinco <strong>de</strong>scritos até o final da década <strong>de</strong> 40: D, C, c, E, e. O fator Rh é<br />

<strong>de</strong>finido pela presença do antígeno D na superfície da h<strong>em</strong>ácia. É transmitido geneticamente,<br />

sendo a sua presença característica dominante e a sua ausência, recessiva. Se a h<strong>em</strong>ácia<br />

possui esse antígeno, diz<strong>em</strong>os que a pessoa é Rh (D) + (Rh positivo). Se não possui,<br />

chamamos <strong>de</strong> Rh (D) - (Rh negativo). (Beiguelman, 2003).


21<br />

(D) positivo, o anticorpo se fixará nas suas h<strong>em</strong>ácias, e começará um processo<br />

<strong>de</strong> h<strong>em</strong>ólise e an<strong>em</strong>ia que po<strong>de</strong> levar à morte intra-uterina do feto ou a graves<br />

probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que po<strong>de</strong>m requerer a realização <strong>de</strong> transfusão intrauterina<br />

ou <strong>de</strong> exsanguíneotransfusão do recém-nato.<br />

Esta afecção generalizada v<strong>em</strong> sendo conhecida ao longo <strong>de</strong> vários<br />

séculos. Rezen<strong>de</strong> <strong>em</strong> 2005 relata a primeira tentativa <strong>em</strong> se <strong>de</strong>screver a<br />

etiologia <strong>de</strong>ssa doença no ano <strong>de</strong> 1609 por Louyese Bourgeois <strong>em</strong> Paris, ao<br />

<strong>de</strong>screver um parto g<strong>em</strong>elar <strong>em</strong> que um dos fetos nasceu hidrópico e morreu<br />

com poucas horas <strong>de</strong> vida e seu irmão que nasceu vivo, mas tornou-se<br />

intensamente amarelo e faleceu após alguns dias. Deve ser feito menção aos<br />

estudos <strong>de</strong>: H.Rautmann <strong>em</strong> 1912, criador do termo eritroblastose fetal, e<br />

Schri<strong>de</strong> <strong>em</strong> 1910 que sinalou a importância dos distúrbios da h<strong>em</strong>atopoese no<br />

e<strong>de</strong>ma universal do ovo (Hydrops faetus universalis), <strong>de</strong>monstrando que o<br />

t<strong>em</strong>a já não era consi<strong>de</strong>rado original (Rezen<strong>de</strong>, 2005).<br />

Coube a Diamond, Blackfan e Batty <strong>em</strong> 1932, importante contribuição<br />

no histórico da DHPN reunindo as formas hidrópica, ictérica e anêmica <strong>em</strong> uma<br />

única síndrome. Contudo, o marco fundamental no estabelecimento da<br />

etiopatogenia <strong>de</strong>ssa síndrome foi a <strong>de</strong>scrição do fator Rh (sist<strong>em</strong>a rhesus) <strong>em</strong><br />

1940 por Landsteiner e Wiener. T<strong>em</strong>os assim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, uma maior<br />

segurança nas transfusões sanguíneas. Esse fator eritrocitário gerador <strong>de</strong><br />

anticorpos, ao entrar na circulação materna, po<strong>de</strong> levar ao sombrio quadro <strong>de</strong><br />

DHPN, que já havia sido <strong>de</strong>scrito por Levine e Stetson <strong>em</strong> 1939.<br />

Em 1940, Wiener e colaboradores, rapidamente, <strong>de</strong>senvolveram<br />

técnicas para i<strong>de</strong>ntificar e quantificar o fator Rh no soro das mães e <strong>de</strong> seus<br />

filhos afetados (Rezen<strong>de</strong>, 2005). Eles acreditavam que esses anticorpos


22<br />

causavam uma an<strong>em</strong>ia severa nos recém-nascidos e que eles não tinham<br />

melhora importante do quadro com a transfusão <strong>de</strong> sangue Rh positivo. Em<br />

1941, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberto o fator Rh, Levine sugere o uso <strong>de</strong> sangue Rh<br />

negativo para transfusão <strong>de</strong>stes recém-nascidos. A redução da alta taxa <strong>de</strong><br />

mortalida<strong>de</strong> dos neonatos foi, porém, mo<strong>de</strong>sta.<br />

Em 1945, Coombs, Race e Mourant na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a<br />

existência <strong>de</strong> anticorpos anti-Rh <strong>em</strong> todos os casos clínicos da doença,<br />

<strong>de</strong>screveram uma prova <strong>de</strong> laboratório que permitia a verificação da<br />

sensibilização das h<strong>em</strong>ácias por um anticorpo (prova direta), como também<br />

<strong>de</strong>monstraram anticorpos no soro (prova indireta) <strong>de</strong> gestantes <strong>de</strong> filhos com<br />

DHPN. Essa prova obtida, <strong>de</strong> um soro antiglobulina humana, passou a ser<br />

reconhecida como Prova <strong>de</strong> Coombs.<br />

Em 1947, Diamond introduziu a cateterização da veia umbilical para que<br />

o sangue do recém-nascido afetado pu<strong>de</strong>sse ser trocado, este procedimento foi<br />

chamado <strong>de</strong> transfusão <strong>de</strong> troca ou exsanguíneotransfusão. Através <strong>de</strong>sta<br />

técnica muitos dos anticorpos seriam r<strong>em</strong>ovidos. Foi, porém <strong>em</strong> 1954 que<br />

Chown ao examinar o sangue <strong>de</strong> uma mãe que <strong>de</strong>u a luz a um feto<br />

extr<strong>em</strong>amente anêmico, encontrou h<strong>em</strong>ácias fetais abundantes. Dessa<br />

maneira postulou que as mulheres eram sensibilizadas por h<strong>em</strong>orragia fetomaterna<br />

e a associação então foi feita entre as h<strong>em</strong>ácias fetais e estimulação<br />

dos anticorpos maternos.<br />

A h<strong>em</strong>orragia feto-materna também foi <strong>de</strong>monstrada ocorrer,<br />

principalmente, próximo ao parto, através <strong>de</strong> uma prova simples proposta por<br />

Kleihauer, Braun e Betke <strong>em</strong> 1957. Um probl<strong>em</strong>a final permanecia: o que fazer<br />

com as mortes intra-uterinas? Muitos conceptos que tinham hidropisia fetal


23<br />

eram natimortos ou morriam logo após o parto. Nesta época já haviam sido<br />

estabelecidos critérios para interrupção precoce do parto com objetivo <strong>de</strong><br />

prevenir mortes fetais, porém o benefício foi pequeno (Chown e Bowman,<br />

1958).<br />

Em 1965, Liley mostrava um valor prognóstico da espectrofotometria do<br />

líquido amniótico para i<strong>de</strong>ntificar os pacientes que tinham risco <strong>de</strong> morrer intraútero.<br />

Liley também foi o primeiro a introduzir o conceito <strong>de</strong> transfusão intraútero<br />

(TIU).<br />

O marco da imunoprofilaxia da doença foi a <strong>de</strong>monstração por Freda,<br />

Gorman e Pollack, <strong>em</strong> 1964, que o tratamento pós-parto <strong>de</strong> mulheres Rh<br />

negativas, com imunoglobulina anti-Rh, po<strong>de</strong>ria prevenir a sensibilização inicial<br />

e virtualmente todos os casos <strong>de</strong> eritroblastose fetal.<br />

Outro marco fundamental na terapêutica da DHPN foi, <strong>em</strong> 1975, a<br />

associação da ultra-sonografia com a TIU. O próximo avanço, nesta técnica,<br />

ocorreu <strong>em</strong> 1983, quando Daffos realizou a transfusão intra-útero através da<br />

inserção <strong>de</strong> agulha diretamente no vaso fetal. Atualmente, a transfusão intraútero<br />

usa a veia umbilical ou a porção intra-hepática da veia umbilical como<br />

padrão. A infusão <strong>de</strong> concentrado <strong>de</strong> h<strong>em</strong>ácias no feto é, hoje <strong>em</strong> dia, uma das<br />

técnicas <strong>de</strong> maior sucesso para terapia intra-útero e não há dúvidas que este<br />

procedimento t<strong>em</strong> contribuído para sobrevida <strong>de</strong> fetos extr<strong>em</strong>amente<br />

anêmicos.<br />

A porcentag<strong>em</strong> <strong>de</strong> indivíduos Rh (D) negativos varia <strong>de</strong> acordo com a<br />

raça, calculando-se <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 15% entre os caucasianos e cerca <strong>de</strong> 8%<br />

entre os negrói<strong>de</strong>s (Rezen<strong>de</strong>, 2005). Isso significa que, <strong>em</strong> todo o mundo, uma


24<br />

população expressiva <strong>de</strong> mulheres <strong>em</strong> ida<strong>de</strong> reprodutiva está exposta a ter<br />

uma gravi<strong>de</strong>z Rh (D) incompatível.<br />

No mundo inteiro, a DHPN por incompatibilida<strong>de</strong> Rh (D) era uma<br />

complicação bastante freqüente logo após o nascimento. Na década <strong>de</strong> 70, a<br />

introdução do tratamento profilático com a imunoglobulina anti-Rh (D) <strong>em</strong> todas<br />

as gestantes Rh (D) negativo, e que tenham dado à luz um recém-nascido Rh<br />

(D) positivo reduziu consi<strong>de</strong>ravelmente a incidência <strong>de</strong>sta complicação<br />

(Bowman, 2003). Nos protocolos mundiais <strong>de</strong> imunoprofilaxia da DHPN,<br />

preconiza-se a administração da imunoglobulina anti-Rh (D) à puérpera, até 72<br />

horas <strong>de</strong>pois do parto ou <strong>de</strong> um aborto, com o objetivo <strong>de</strong> neutralizar as<br />

h<strong>em</strong>ácias fetais circulantes, e assim evitar que a mulher seja sensibilizada pelo<br />

antígeno D presente nestes eritrócitos (Crowther, 2000). Quando administrada<br />

corretamente, po<strong>de</strong> tornar o risco <strong>de</strong> sensibilização, quase nulo segundo<br />

Vicente e colaboradores (2003).<br />

Nos países, on<strong>de</strong> a profilaxia <strong>de</strong>sta doença é habitualmente realizada<br />

após o parto ou aborto e também no período gestacional, houve consi<strong>de</strong>rável<br />

redução na incidência da mesma, sendo praticamente erradicada <strong>em</strong> alguns<br />

<strong>de</strong>les, como no Canadá 2 e na maioria da Europa Oci<strong>de</strong>ntal. Em 1994, Clarke e<br />

Hussey estimaram uma redução no número <strong>de</strong> óbitos por Doença H<strong>em</strong>olítica<br />

<strong>de</strong>corrente da aloimunização Rh (D) <strong>de</strong> 18,4 para 1,3 por 100.000 nascidos<br />

vivos. Em 2000 estimou-se a incidência da doença nos Estados Unidos da<br />

2 Para prevenir a aloimunização anti-D ocorrida no transcurso da gestação, os Estados Unidos,<br />

o Canadá e a maioria dos países da Europa Oci<strong>de</strong>ntal passaram a acrescentar a profilaxia com<br />

anti-D na gestação ao esqu<strong>em</strong>a profilático habitual. Desta forma, a rotina hoje nestes países é<br />

o uso <strong>de</strong> duas injeções <strong>de</strong> 100 µg <strong>de</strong> anti-D na 28 a e 34 a s<strong>em</strong>ana <strong>de</strong> gestação, seguida por<br />

outra administração <strong>de</strong> 100 a 200 µg <strong>de</strong> anti-D no puerpério ou no pós-aborto imediato. Isto<br />

reduziu <strong>de</strong> forma consi<strong>de</strong>rável a incidência da DHPN por anti-D (Urbaniak, 1998).


25<br />

América <strong>em</strong> 6,8 gestações acometidas por 1000 nascimentos (Moise, 2002).<br />

Infelizmente, a introdução da profilaxia <strong>em</strong> nosso país não foi universal apesar<br />

<strong>de</strong> Rezen<strong>de</strong> e Coslousky, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1972, já comprovar<strong>em</strong> sua eficácia <strong>em</strong><br />

sessenta mulheres da Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

No Brasil, exist<strong>em</strong> muito poucos estudos quantitativos sobre a incidência<br />

<strong>de</strong> DHPN <strong>em</strong> nosso meio. Os dados disponíveis ainda são muito esparsos, o<br />

que po<strong>de</strong> estar associado à falha diagnóstica e/ou a uma sub-notificação dos<br />

mesmos, por um lado, e a falta <strong>de</strong> uma política sist<strong>em</strong>ática <strong>de</strong> investigação e<br />

monitoramento <strong>de</strong>sses agravos, por outro. Estima-se que a incidência da<br />

doença ainda é alta e segundo os dados do Ministério da Saú<strong>de</strong> através do<br />

Sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Informação Hospitalar do Sist<strong>em</strong>a Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SIH-SUS), <strong>de</strong><br />

janeiro a agosto <strong>de</strong> 2004 foram notificados 982 casos segundo Sá (2006).<br />

Documento do Ministério da Saú<strong>de</strong> (2000b), relata que 5% das<br />

gestações Rh (D) incompatíveis apresentam aloimunização, sendo a causa <strong>de</strong><br />

retardo <strong>em</strong> 3% a 4% dos portadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência mental institucionalizados.<br />

Estima-se haver um caso a cada 150 a 200 nascimentos ao ano (APAE, 2005).<br />

Em pesquisa realizada <strong>em</strong> um h<strong>em</strong>ocentro na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, Amorim e colaboradores (1999) encontraram uma freqüência <strong>de</strong><br />

aloimunização <strong>de</strong> 6% <strong>em</strong> mulheres com fator Rh negativo que são doadoras <strong>de</strong><br />

sangue. Esse resultado sugere que ainda é muito gran<strong>de</strong> o percentual <strong>de</strong><br />

aloimunização anti-D na população fluminense, o que provavelmente po<strong>de</strong> ser<br />

extrapolado para a maioria dos estados.


26<br />

Em revisão bibliográfica pelo site <strong>de</strong> publicações médicas -<br />

www.pubmed.com 3<br />

-, feita <strong>em</strong> agosto <strong>de</strong> 2006, utilizando o <strong>de</strong>scritor<br />

isoimmunization Rh (D) encontramos um total <strong>de</strong> 1623 referências. Ao associar<br />

o <strong>de</strong>scritor prevention o número <strong>de</strong> referências cai para 466. Na base <strong>de</strong> dados<br />

<strong>de</strong> Literatura Latino-Americana e do Caribe <strong>em</strong> Ciências da Saú<strong>de</strong> (LILACS),<br />

utilizando o <strong>de</strong>scritor isoimunização Rh, foram encontrados <strong>de</strong>zessete artigos<br />

acerca da prevenção da DHPN. Des<strong>de</strong> 1998 foram publicados <strong>em</strong> revistas<br />

nacionais na área <strong>de</strong> Ginecologia e Obstetrícia (F<strong>em</strong>ina e Revista Brasileira <strong>de</strong><br />

Ginecologia e Obstetrícia) doze artigos sobre DHPN, porém, apenas dois<br />

faziam referência à profilaxia da doença através da utilização da<br />

imunoglobulina. A maioria dos trabalhos fazia referência apenas à investigação<br />

e tratamento da DHPN. A prevenção da aloimunização Rh ainda é vista<br />

somente sob a ótica <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> um protocolo <strong>de</strong> aplicação da<br />

imunoglobulina.<br />

1.2 Aloimunização Rh (D) e DHPN no contexto das políticas <strong>de</strong> atenção<br />

à gestante<br />

No Brasil, nas últimas duas décadas, o Ministério da Saú<strong>de</strong> t<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvido uma série <strong>de</strong> políticas e programas voltados à atenção à saú<strong>de</strong><br />

da mulher e da criança (MS, 1984). Publicado pela primeira vez <strong>em</strong> 1984, o<br />

Programa <strong>de</strong> Assistência Integral à Saú<strong>de</strong> da Mulher (PAISM), <strong>de</strong>ve ser<br />

entendido como uma política para a assistência às mulheres no contexto do<br />

3 O http//www.pubmed.com permite realizar pesquisa bibliográfica através do acesso à base<br />

bibliográfica MedLine, <strong>de</strong>senvolvida pela National Library of Medicine (NLM).


27<br />

SUS, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhora nos indicadores <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da população<br />

f<strong>em</strong>inina (Fleury, 1997) 4 .<br />

Mais recent<strong>em</strong>ente, o Ministério da Saú<strong>de</strong> instituiu o Programa <strong>de</strong><br />

Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN), através da portaria/GM n.º<br />

569 <strong>de</strong> 01 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2000 (MS, 2000c), buscando respon<strong>de</strong>r necessida<strong>de</strong>s<br />

específicas <strong>de</strong> atenção à gestante, ao recém-nascido e à mulher no período<br />

pós-parto. Entre outras atribuições, esse programa busca concentrar esforços<br />

no sentido <strong>de</strong> reduzir as altas taxas <strong>de</strong> morbi-mortalida<strong>de</strong> materna e perinatal,<br />

tendo como um dos pilares a assistência pré-natal, que se constitui <strong>em</strong> um<br />

conjunto <strong>de</strong> procedimentos clínicos e educativos cujo objetivo é promover a<br />

saú<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ntificar precoc<strong>em</strong>ente os probl<strong>em</strong>as que possam resultar <strong>em</strong> risco<br />

para a saú<strong>de</strong> da gestante e do concepto. Para tal fim, as unida<strong>de</strong>s integrantes<br />

do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>verão<br />

realizar diversas ativida<strong>de</strong>s e garantir entre<br />

outros procedimentos, a realização, na primeira consulta, da testag<strong>em</strong><br />

sanguínea para os sist<strong>em</strong>as ABO e Rh.<br />

Outra obrigação da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> é o fornecimento do cartão da<br />

gestante que é um instrumento <strong>de</strong> registro das consultas <strong>de</strong> pré-natal contendo<br />

os principais dados <strong>de</strong> acompanhamento da gestação incluindo os resultados<br />

dos exames realizados (MS, 2000a). Ele <strong>de</strong>ve ser apresentado na maternida<strong>de</strong><br />

quando a cliente for admitida <strong>em</strong> trabalho <strong>de</strong> parto ou por qualquer outra<br />

internação clínica. No momento da alta, a conduta a<strong>de</strong>quada do profissional é<br />

4 Os princípios fundamentais da atenção à saú<strong>de</strong> no Brasil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final da década <strong>de</strong> 80,<br />

baseiam-se no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atendimento do Sist<strong>em</strong>a Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS), cujas diretrizes<br />

básicas são: universalida<strong>de</strong>, integralida<strong>de</strong>, equida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>scentralização, e participação da<br />

socieda<strong>de</strong>. A questão da universalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>termina cobertura e atendimento <strong>em</strong> todos os níveis<br />

<strong>de</strong> complexida<strong>de</strong>, com o objetivo <strong>de</strong> garantir o atendimento integral, com priorida<strong>de</strong> para as<br />

ativida<strong>de</strong>s preventivas, s<strong>em</strong> prejuízo dos serviços assistenciais. (Bech et al, 2000).


28<br />

checar se os dados referentes ao parto foram preenchidos, caso este ocorra, e<br />

<strong>de</strong>volvê-lo para a usuária.<br />

Consi<strong>de</strong>rando a heterogeneida<strong>de</strong> que caracteriza o país, seja <strong>em</strong><br />

relação às condições socioeconômicas e culturais, seja <strong>em</strong> relação ao acesso<br />

às ações e serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, compreen<strong>de</strong>-se que o perfil epi<strong>de</strong>miológico da<br />

população f<strong>em</strong>inina apresente diferenças importantes <strong>de</strong> uma região para<br />

outra, e que no processo <strong>de</strong> implantação e impl<strong>em</strong>entação da Política Nacional<br />

para Atenção Integral à Saú<strong>de</strong> da Mulher (PNAISM), elas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser<br />

consi<strong>de</strong>radas, possibilitando uma atuação mais próxima da realida<strong>de</strong> local e,<br />

portanto, com melhores resultados. Em documento do Ministério da Saú<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

2004, um breve diagnóstico da situação da saú<strong>de</strong> da mulher no Brasil, mostra<br />

que apesar do aumento do número <strong>de</strong> consultas <strong>de</strong> pré-natal, a qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ssa assistência é precária, o que po<strong>de</strong> ser atestado pela alta incidência <strong>de</strong><br />

sífilis congênita (Saraceni, 2003).<br />

Os indicadores do Sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Informação <strong>em</strong> Pré-Natal -<br />

SISPRENATAL (MS, 2002) <strong>de</strong>monstram que somente 4,07% das gestantes<br />

inscritas no PHPN realizaram o elenco mínimo <strong>de</strong> ações preconizadas pelo<br />

Programa (MS, 2000c) e que somente 9,43% realizaram as seis consultas <strong>de</strong><br />

pré-natal e a consulta <strong>de</strong> puerpério. Os dados também evi<strong>de</strong>nciam que a<br />

atenção no puerpério não está consolidada nos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. A maioria<br />

das mulheres retorna ao serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> no primeiro mês após o parto.<br />

Entretanto, sua principal preocupação, assim como a dos profissionais <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>, é com a avaliação e vacinação do recém-nascido.<br />

Apesar <strong>de</strong> avanços <strong>em</strong> inúmeros sentidos, as políticas <strong>de</strong> melhoria da<br />

cobertura e qualida<strong>de</strong> da atenção à saú<strong>de</strong> da gestante e do neonato têm


29<br />

abordado o probl<strong>em</strong>a da aloimunização e da DHPN <strong>de</strong> modo limitado,<br />

restringindo-se praticamente a estabelecer <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma rotina <strong>de</strong> atenção à<br />

gestante uma norma técnica sobre a profilaxia <strong>de</strong>sses agravos através da<br />

utilização da imunoglobulina.<br />

Em 1999, um novo programa <strong>de</strong> atenção pré-natal para as mulheres<br />

usuárias do SUS passou a vigorar no Município <strong>de</strong> Curitiba, Paraná: Programa<br />

Mãe Curitibana (SMS-PMC, 2004); com modificações no fluxo <strong>de</strong> atendimento,<br />

número e distribuição <strong>de</strong> consultas, e reformulação dos procedimentos<br />

necessários a cada consulta, <strong>de</strong> acordo com o risco gestacional. Uma diretriz<br />

técnica estabelecida pelo programa, é a disponibilização da imunoglobulina<br />

anti-Rh (D) durante a gestação e no pós-parto, nos casos <strong>de</strong> incompatibilida<strong>de</strong><br />

Rh (Novaes et al, 2004).<br />

A <strong>de</strong>manda nacional por h<strong>em</strong>o<strong>de</strong>rivados, e aí está incluída a<br />

imunoglobulina anti-D, é atendida através <strong>de</strong> importações, a um custo anual<br />

estimado <strong>de</strong> R$ 500.000.000,00. Como o Brasil dispõe da matéria prima básica<br />

– o plasma humano, que respon<strong>de</strong> por cerca <strong>de</strong> 45% do custo <strong>de</strong> produção dos<br />

h<strong>em</strong>o<strong>de</strong>rivados - <strong>em</strong> volume suficiente, o M. Saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidiu criar uma <strong>em</strong>presa<br />

para produzir h<strong>em</strong>o<strong>de</strong>rivados, visando à auto-suficiência nacional neste tipo <strong>de</strong><br />

medicamento. Esta <strong>em</strong>presa – a HEMOBRÁS 5 – foi criada <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong><br />

2004, estando atualmente <strong>em</strong> vias <strong>de</strong> contratar companhia estrangeira que<br />

realizará transferência <strong>de</strong> tecnologia. A HEMOBRÁS <strong>de</strong>verá começar a<br />

produzir h<strong>em</strong>o<strong>de</strong>rivados no segundo s<strong>em</strong>estre <strong>de</strong> 2010, e <strong>de</strong>verá tornar o país<br />

auto-suficiente <strong>em</strong> alguns h<strong>em</strong>o<strong>de</strong>rivados, incluindo a imunoglobulina, quando<br />

5 Empresa Brasileira <strong>de</strong> H<strong>em</strong>o<strong>de</strong>rivados e Biotecnologia - HEMOBRÁS, vinculada ao Ministério<br />

da Saú<strong>de</strong>. Lei n.º 10.972, <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004.


30<br />

estiver atuando <strong>em</strong> sua capacida<strong>de</strong> plena, o que está previsto para ocorrer <strong>em</strong><br />

2015.<br />

Por enquanto, a importação da imunoglobulina anti-Rh está vinculada as<br />

normas impostas pela Agência <strong>de</strong> Vigilância Sanitária - ANVISA - <strong>em</strong> Brasília<br />

(2001).<br />

O Manual Técnico Gestação <strong>de</strong> Alto Risco (2000b) estabelece normas<br />

para a prevenção da sensibilização pelo fator Rh, com <strong>de</strong>staque para<br />

administração profilática <strong>de</strong> imunoglobulina anti-D após parto, abortamento,<br />

gravi<strong>de</strong>z ectópica, mola ou intervenções cirúrgico-obstétricas durante a<br />

gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> mulheres Rh (D) negativo com parceiros Rh positivo. Contudo não<br />

existe um programa nacional que abor<strong>de</strong> a questão da aloimunização <strong>de</strong><br />

maneira mais ampliada, garantindo inclusive a compra e distribuição regular da<br />

imunoglobulina para todas as unida<strong>de</strong>s do SUS que aten<strong>de</strong>m gestantes,<br />

mesmo consi<strong>de</strong>rando a situação como evento sentinela 6 .<br />

Sob a ótica da integralida<strong>de</strong>, a explicação causal da doença pela não<br />

administração da imunoglobulina é reducionista não sendo suficiente para uma<br />

compreensão do fenômeno <strong>em</strong> sua totalida<strong>de</strong>, contribuindo apenas <strong>de</strong> maneira<br />

limitada para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> políticas e práticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que possam<br />

dar conta do probl<strong>em</strong>a.<br />

No âmbito do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2003, existe um<br />

Programa <strong>de</strong> Profilaxia da Aloimunização Rh (D), cujo objetivo é proteger as<br />

mulheres Rh (D) negativo da aloimunização Rh (D) durante o ciclo gravídicopuerperal,<br />

oferecendo a imunoglobulina anti-Rh (D) a todas mulheres Rh (D)<br />

6 Enten<strong>de</strong>-se por evento sentinela a ocorrência <strong>de</strong> doença, invali<strong>de</strong>z ou morte <strong>de</strong>snecessária<br />

ou prevenível. Refere-se a condições que contam com tecnologia médica suficiente para evitálas<br />

(Penna, 1997).


31<br />

negativas, não sensibilizadas nesse período, e conseqüent<strong>em</strong>ente reduzir<br />

morbida<strong>de</strong> perinatal por incompatibilida<strong>de</strong> Rh (D). O Instituto Fernan<strong>de</strong>s<br />

Figueira foi <strong>de</strong>signado oficialmente como centro <strong>de</strong> referência estadual para o<br />

atendimento <strong>de</strong> gestantes aloimunizadas e para treinamento das equipes <strong>de</strong><br />

unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> cadastradas nesse programa.<br />

Como centro <strong>de</strong> referência, além da prestação da atenção à gestante<br />

aloimunizada e do treinamento <strong>de</strong> profissionais do SUS, o IFF t<strong>em</strong> um gran<strong>de</strong><br />

potencial para contribuir com um conhecimento maior da história social da<br />

doença e da complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores que po<strong>de</strong>m concorrer para sua instalação<br />

e interferir no <strong>de</strong>sfecho gestacional e perinatal.<br />

1.3 Questões teóricas e conceituais <strong>em</strong> torno do objeto <strong>de</strong> estudo<br />

Risco e po<strong>de</strong>r são as questões teóricas centrais que eleg<strong>em</strong>os para<br />

abordar o nosso objeto <strong>de</strong> estudo. Outros campos teóricos nos subsidiaram a<br />

pensar as noções <strong>de</strong> risco e po<strong>de</strong>r e suas inter-relações. Um primeiro campo<br />

teórico importante para pensar relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os probl<strong>em</strong>as e<br />

perguntas <strong>de</strong>ssa pesquisa é aquele on<strong>de</strong> t<strong>em</strong> sido <strong>de</strong>senvolvida a categoria<br />

analítica gênero - categoria proposta inicialmente no campo dos estudos<br />

f<strong>em</strong>inistas e posteriormente <strong>de</strong>senvolvida <strong>em</strong> outros campos disciplinares.<br />

Outro campo teórico importante é aquele que trabalha a categoria classe social<br />

(que t<strong>em</strong> longa tradição nas ciências sociais e inclui perspectivas teóricas<br />

diferentes) para analisar como as estruturas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais<br />

influenciam os processos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e doença. Os <strong>de</strong>bates teóricos sobre a<br />

noção <strong>de</strong> integralida<strong>de</strong> e seus vários sentidos também subsidiam nossa<br />

discussão sobre risco e po<strong>de</strong>r. Nas reflexões <strong>de</strong>sta pesquisa, também


32<br />

utilizamos o conceito <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> reprodutiva, consagrado no sist<strong>em</strong>a<br />

internacional com a Conferência Internacional sobre População e<br />

Desenvolvimento, realizada <strong>em</strong> Cairo <strong>em</strong> 1994 (ONU, 1994), e com a<br />

Conferência Mundial da Mulher, realizada <strong>em</strong> Beijin <strong>em</strong> 1995 (ONU, 1995).<br />

Esse conceito normativo permeia todo o corpo <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> voltada<br />

para as mulheres no Brasil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> meados dos anos <strong>de</strong> 1990.<br />

O conceito <strong>de</strong> risco conforme utilizado hoje <strong>em</strong> dia para pensar os<br />

fenômenos da saú<strong>de</strong> e da doença nasce no campo da epi<strong>de</strong>miologia, disciplina<br />

<strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente quantitativa. Para Czeresnia (2004), o conceito <strong>de</strong> risco<br />

epi<strong>de</strong>miológico é um <strong>de</strong>sses sist<strong>em</strong>as abstratos produzidos por especialistas<br />

que, segundo os teóricos da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porânea Anthony Gid<strong>de</strong>ns e<br />

Ulrich Beck 7 se tornaram tão centrais às dinâmicas e à regulação da vida social<br />

mo<strong>de</strong>rna. Na tradição da epi<strong>de</strong>miologia, a <strong>de</strong>finição dos riscos e o <strong>de</strong>senho <strong>de</strong><br />

estratégias <strong>de</strong> prevenção e controle dos mesmos são produtos <strong>de</strong> métodos <strong>de</strong><br />

cálculo estatístico e <strong>de</strong> estimativa da probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> eventos<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e doença associados à exposição a certos fatores objetivamente<br />

verificáveis e quantificáveis - os “fatores <strong>de</strong> risco” (Fletcher el al, 1996; Castiel,<br />

2001; Czeresnia, 2004).<br />

Nas últimas duas décadas, a i<strong>de</strong>ntificação, a prevenção e a redução <strong>de</strong><br />

riscos tornaram-se objetivos centrais da saú<strong>de</strong> pública (Czeresnia, 2004), e<br />

esse fato t<strong>em</strong> sido uma alavanca importante do <strong>de</strong>bate sobre promoção e<br />

prevenção <strong>em</strong> saú<strong>de</strong>. Entretanto, nesses mesmos anos, os pressupostos e<br />

7 Citação aos trabalhos <strong>de</strong>sses autores publicados no livro Mo<strong>de</strong>rnização reflexiva. São Paulo:<br />

Unesp; 1997. Organizadores Gid<strong>de</strong>ns A, Beck U, Lash S.


33<br />

implicações culturais do conceito <strong>de</strong> risco epi<strong>de</strong>miológico (enquanto<br />

conhecimento científico) e dos dispositivos <strong>de</strong> cálculo e gestão <strong>de</strong> riscos<br />

(tecnologias <strong>de</strong> intervenção) têm sido motivo <strong>de</strong> discussões, questionamentos<br />

e reflexões críticas (Barata, 2001; Castiel 2001; Czeresnia 2004; Carvalho<br />

2004a). Essas reflexões recuperam o princípio <strong>de</strong> que o conhecimento não é<br />

neutro, ao reafirmar que “a técnica, baseada na ciência, produz<br />

representações, discursos, experiências, afetando o corpo e os processos<br />

psíquicos” (Czeresnia, 2004: p. 448).<br />

Para Czeresnia (2004), construir um mo<strong>de</strong>lo mat<strong>em</strong>ático-estatístico para<br />

medir o efeito <strong>de</strong> uma causa ou <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> causas é um processo que<br />

implica <strong>em</strong> uma “purificação” ou uma “abstração” do fenômeno estudado,<br />

isolando alguns el<strong>em</strong>entos que se <strong>de</strong>seja observar. O fenômeno é apreendido<br />

mediante uma representação que reduz a sua complexida<strong>de</strong> à lógica do<br />

mo<strong>de</strong>lo “e é justamente a simplificação que viabiliza sua operacionalização”<br />

(Czeresnia, 2004: p. 448). Para essa autora, por mais sofisticados que sejam<br />

os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> análise, o cálculo do risco <strong>de</strong> um certo evento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>-doença<br />

ocorrer <strong>de</strong>ve selecionar alguns aspectos do fenômeno estudado e<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros aspectos envolvidos no mesmo<br />

fenômeno.<br />

Barata (2001) acrescenta que o probl<strong>em</strong>a não é somente o fato <strong>de</strong> que a<br />

representação do fenômeno saú<strong>de</strong>-doença, a partir do conceito <strong>de</strong> risco<br />

epi<strong>de</strong>miológico e dos cálculos <strong>de</strong> risco, substitui ou reduz a realida<strong>de</strong> (na<br />

verda<strong>de</strong>, a construção <strong>de</strong> qualquer conhecimento envolve produção <strong>de</strong><br />

representações da realida<strong>de</strong>); mas, sim, o fato <strong>de</strong> que nos cálculos do risco se<br />

reduz<strong>em</strong> todas as qualida<strong>de</strong>s do objeto/fenômeno estudado a somente uma: a


34<br />

quantida<strong>de</strong>. Para ela, o “fetiche do número” e a popularida<strong>de</strong> e centralida<strong>de</strong> da<br />

noção <strong>de</strong> risco nas socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas e, <strong>em</strong> particular, na saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>corre<br />

<strong>em</strong> parte da crença no seu caráter objetivo, neutro, não controverso.<br />

Castiel (2001) probl<strong>em</strong>atiza a constituição da noção <strong>de</strong> risco como uma<br />

entida<strong>de</strong> portadora <strong>de</strong> uma “substância”, uma “coisa”, que teria uma existência<br />

“concreta” e, portanto, passível <strong>de</strong> um conhecimento puramente objetivo: “ao<br />

trazer-se substância ao risco, este po<strong>de</strong> ser objetivado, e assim, <strong>de</strong>limitado <strong>em</strong><br />

termos <strong>de</strong> possíveis causas que, por sua vez, po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>compostas <strong>em</strong><br />

partições. Esta operação estatística permitiria respectivas quantificações e<br />

eventual estabelecimento <strong>de</strong> nexos, associações, correlações”. Ele l<strong>em</strong>bra que<br />

risco é um fenômeno multifacetado e atravessado por dimensões sócioculturais.<br />

Representações e respostas ao risco “são também <strong>de</strong>senvolvidas<br />

mediante a pertença das pessoas a grupos e re<strong>de</strong>s sociais, o acesso a<br />

recursos materiais e a inclusão/exclusão nas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r” (p. 1294).<br />

A crítica à substancialização do risco também está presente nas<br />

reflexões <strong>de</strong> Czeresnia (2004). Ela observa que, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que as<br />

ciências do risco se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> e os fatores <strong>de</strong> riscos adquir<strong>em</strong> um status <strong>de</strong><br />

coisa concreta, objetiva, mensurável e manejável, os indivíduos e os grupos<br />

são cada vez menos consi<strong>de</strong>rados <strong>em</strong> suas experiências e condições<br />

concretas e representados <strong>de</strong> maneira abstrata. Na nova lógica que se impõe,<br />

“o risco não surge da presença <strong>de</strong> um perigo localizado <strong>em</strong> um indivíduo ou<br />

grupo concreto. O objetivo não é enfrentar uma situação concreta <strong>de</strong> perigo,<br />

mas evitar todas as formas prováveis <strong>de</strong> irrupção do perigo. Dissolve-se ainda<br />

mais a noção <strong>de</strong> sujeito ou <strong>de</strong> indivíduo concreto, substituindo-a por uma<br />

combinatória <strong>de</strong> ‘fatores <strong>de</strong> risco’". Isso t<strong>em</strong> implicações profundas nas práticas


35<br />

nos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pois “o componente essencial das intervenções <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

ser uma relação direta face a face<br />

entre profissional (cuidador) e cliente<br />

(cuidado). Torna-se (passa a ser) a prevenção da freqüência <strong>de</strong> ocorrência na<br />

população <strong>de</strong> comportamentos in<strong>de</strong>sejáveis que produz<strong>em</strong> risco <strong>em</strong> geral” (p.<br />

451).<br />

Barata (2001) e Czeresnia (2004) faz<strong>em</strong> outras críticas às<br />

representações do indivíduo e do conhecimento científico que permeiam o<br />

discurso sobre risco <strong>em</strong> saú<strong>de</strong>. Consi<strong>de</strong>ra-se que o indivíduo, na medida que<br />

tenha acesso aos conhecimentos epi<strong>de</strong>miológicos sobre risco à saú<strong>de</strong>, ten<strong>de</strong> a<br />

conduzir-se com base nessa racionalida<strong>de</strong> e agir <strong>de</strong> modo a evitar e gerir os<br />

seus riscos. Para Barata (2001), na epist<strong>em</strong>ologia do risco se reincorporam<br />

el<strong>em</strong>entos do pensamento social e das ciências iluministas como o<br />

<strong>de</strong>terminismo mecânico, a fé cega na ciência, a noção <strong>de</strong> indivíduo racional e o<br />

evolucionismo.<br />

No campo da saú<strong>de</strong> coletiva, a reflexão critica cont<strong>em</strong>porânea sobre a<br />

ciência do risco não é restrita aos seus pressupostos teóricos. Os autores já<br />

citados e outros têm se <strong>de</strong>tido <strong>em</strong> examinar criticamente as diferentes<br />

reapropriações e utilizações da noção do risco epi<strong>de</strong>miológico no campo<br />

político da saú<strong>de</strong> - que envolve não somente autorida<strong>de</strong>s e profissionais <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>, como um amplo conjunto <strong>de</strong> atores do Estado, organismos<br />

internacionais, <strong>em</strong>presas, organismos da socieda<strong>de</strong> civil, etc. -, e compreen<strong>de</strong>r<br />

suas implicações nas dinâmicas <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, nas<br />

práticas e relações que se dão nos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e na experiência<br />

cotidiana das pessoas. Barata (2001), diz que ao se passar do plano conceitual<br />

ao plano prático e político “ocorre uma verda<strong>de</strong>ira ‘explosão polissêmica’ que


36<br />

esvazia o conteúdo estritamente conceitual da palavra risco, dando lugar a uma<br />

noção multifacetada, carregada <strong>de</strong> valor” (p. 1302). S<strong>em</strong> preten<strong>de</strong>r esgotar as<br />

várias questões que têm sido probl<strong>em</strong>atizadas na literatura, discutir<strong>em</strong>os <strong>em</strong><br />

seguida alguns <strong>de</strong>sses aspectos, concentrando-nos naqueles que mais<br />

contribu<strong>em</strong> para as reflexões <strong>de</strong>sta pesquisa.<br />

Os <strong>de</strong>bates sobre saú<strong>de</strong> pública e promoção e prevenção <strong>em</strong> saú<strong>de</strong> têm<br />

sido renovados ao longo dos últimos trinta anos. Para Carvalho (2004a), os<br />

novos <strong>de</strong>safios sociais, políticos e culturais, além do esgotamento do<br />

paradigma biomédico e a mudança do perfil epi<strong>de</strong>miológico da população nas<br />

últimas décadas, estimularam o aparecimento <strong>de</strong> novas formulações sobre o<br />

pensar e o fazer sanitários. Um dos marcos históricos do processo <strong>de</strong><br />

renovação do <strong>de</strong>bate sanitário foi a Primeira Conferência Internacional sobre<br />

Promoção da Saú<strong>de</strong>, realizada <strong>em</strong> Ottawa, no Canadá, <strong>em</strong> 1986. Segundo<br />

Czeresnia (2004) e Carvalho (2004a), na <strong>de</strong>finição explicitada na Carta <strong>de</strong><br />

Ottawa, a promoção à saú<strong>de</strong> é um processo que envolve a capacitação dos<br />

indivíduos – enfatizando a autonomia - e da comunida<strong>de</strong> para que tenham<br />

controle sobre os <strong>de</strong>terminantes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> através do conhecimento científico<br />

<strong>de</strong> seus riscos, com o objetivo <strong>de</strong> ter<strong>em</strong> uma melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

Carvalho (2004a) aponta como os dois el<strong>em</strong>entos-chave da noção <strong>de</strong><br />

promoção da saú<strong>de</strong> consagrada <strong>em</strong> Ottawa: a) a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudanças no<br />

modo <strong>de</strong> vida e, também, b) a melhoria das condições <strong>de</strong> vida. Desse modo,<br />

essa noção <strong>de</strong> promoção à saú<strong>de</strong> representaria uma estratégia <strong>de</strong> mediação<br />

entre as pessoas e o seu meio sócio-ambiental, “combinando escolhas<br />

pessoais com responsabilida<strong>de</strong> social com o objetivo <strong>de</strong> criar um futuro mais<br />

saudável” (p. 671).


37<br />

A i<strong>de</strong>ntificação e, conseqüente redução dos riscos, tornou-se um<br />

el<strong>em</strong>ento fundamental na gestão da saú<strong>de</strong> pública. Controlar os riscos é<br />

nuclear no discurso da promoção da saú<strong>de</strong>, buscando a reorientação das<br />

estratégias <strong>de</strong> intervenção nessa área (Czeresnia, 2004).<br />

No Brasil, o Ministério da Saú<strong>de</strong> através da Política Nacional <strong>de</strong><br />

Promoção da Saú<strong>de</strong> (PNPS), propõe que as diretrizes governamentais para a<br />

promoção e a prevenção <strong>em</strong> saú<strong>de</strong> perpass<strong>em</strong> pela integralida<strong>de</strong>, eqüida<strong>de</strong>,<br />

responsabilida<strong>de</strong> sanitária, mobilização e participação social, intersetorialida<strong>de</strong>,<br />

informação, educação e comunicação e sustentabilida<strong>de</strong> (MS, 2005).<br />

Para Carvalho (2004a), “a inegável contribuição do conceito <strong>de</strong> risco<br />

para a eficácia das ações sanitárias – tanto na epi<strong>de</strong>miologia quanto na<br />

promoção à saú<strong>de</strong> – não <strong>de</strong>ve nos <strong>de</strong>sobrigar <strong>de</strong> uma análise mais criteriosa<br />

<strong>de</strong>ste conceito, tendo <strong>em</strong> vista esclarecer ambigüida<strong>de</strong>s e amadurecer<br />

estratégias que tenham como objetivo a <strong>de</strong>fesa da vida individual e coletiva” (p.<br />

673). Uma primeira ambigüida<strong>de</strong> está na noção <strong>de</strong> autonomia, conforme t<strong>em</strong><br />

sido manejada no campo político da saú<strong>de</strong>. Muitos autores têm apontado a<br />

pouca clareza, as limitações conceituais e/ou as diferentes visões e interesses<br />

que circundam essa noção (Petersen, 1997; Czeresnia, 2004; Carvalho,<br />

2004a). Para eles, a autonomia preconizada aos indivíduos, e mesmo às<br />

comunida<strong>de</strong>s, po<strong>de</strong> ser compreendida, como uma “autonomia regulada”, por<br />

vários motivos: a) seja por ser prescrita para o cumprimento da norma<br />

sanitário-epi<strong>de</strong>miológica e a confirmação <strong>de</strong> seu postulado <strong>de</strong> que a ciência<br />

s<strong>em</strong>pre po<strong>de</strong> informar melhor quais as regras do viver b<strong>em</strong>; b) seja porque<br />

<strong>em</strong>bute uma concepção <strong>de</strong> que o indivíduo, tomando posse do conhecimento<br />

científico e agindo segundo a racionalida<strong>de</strong> da ciência do risco, terá melhores


38<br />

condições <strong>de</strong> realizar ativamente escolhas que minimizam os risco à saú<strong>de</strong>; c)<br />

seja porque o apelo à autonomia, a auto-responsabilida<strong>de</strong> e à auto-gestão <strong>de</strong><br />

suas condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> muitas vezes estão voltadas a aten<strong>de</strong>r objetivos<br />

estratégicos do Estado e da or<strong>de</strong>m social neoliberal, como, por ex<strong>em</strong>plo,<br />

maximizar os ganhos <strong>em</strong> saú<strong>de</strong> com gastos mínimos, principalmente gastos<br />

com a assistência médica.<br />

Os autores estudados analisam criticamente o caráter normativo e a<br />

imposição <strong>de</strong> novas regras disciplinares <strong>de</strong> muitos dos discursos sobre risco,<br />

gestão <strong>de</strong> riscos, escolhas saudáveis e promoção <strong>em</strong> saú<strong>de</strong> (Petersen, 1997;<br />

Castiel, 2001; Barata, 2001; Czeresnia, 2004; Carvalho, 2004a). Eles também<br />

chamam a atenção sobre como esses discursos e prescrições po<strong>de</strong>m aten<strong>de</strong>r<br />

interesses diferentes, às vezes muito distintos daqueles inscritos no projeto do<br />

movimento <strong>de</strong> reforma sanitária e direito à saú<strong>de</strong>, como os interesses dos<br />

projetos neoliberais. O enfoque prioritário nas mudanças <strong>de</strong> comportamento e o<br />

apelo a estilos <strong>de</strong> vida saudáveis aparec<strong>em</strong> como novas formas <strong>de</strong> controle e<br />

regulação da vida social, não necessariamente coercitivas mas persuasivas, na<br />

medida <strong>em</strong> que apelam para a gestão racional dos riscos por parte dos<br />

indivíduos e comunida<strong>de</strong>s; ao mesmo t<strong>em</strong>po, <strong>de</strong>ixam intocadas as estruturas<br />

históricas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, as quais são pontos <strong>de</strong> partida<br />

da experiência social e cultural <strong>de</strong> indivíduos e grupos.<br />

Czeresnia (2004) utiliza contribuições teóricas <strong>de</strong>senvolvidas por<br />

Canguilh<strong>em</strong> <strong>em</strong> seu livro O normal e o patológico para refletir sobre as<br />

implicações culturais do conceito <strong>de</strong> risco epi<strong>de</strong>miológico, especialmente aquilo<br />

que ela <strong>de</strong>signa como “inversão da anteriorida<strong>de</strong> da vida <strong>em</strong> relação à técnica<br />

baseada no conhecimento científico” (p. 449). Em outras palavras, o mo<strong>de</strong>lo


39<br />

abstrato do risco, construído através <strong>de</strong> cálculos estatísticos e correlações <strong>de</strong><br />

fatores selecionados, torna-se pro<strong>em</strong>inente (tanto no que diz respeito ao<br />

conhecimento quanto ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> intervenção) <strong>em</strong><br />

relação ao fenômeno concreto que ele busca explicar, isto é, aos sujeitos e as<br />

condições concretas <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong> e adoec<strong>em</strong>. Para a autora, nesse processo<br />

<strong>de</strong> inversão da anteriorida<strong>de</strong> da experiência vital na configuração da técnica<br />

“ocorre uma tendência <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar o aspecto redutor do conhecimento e<br />

das técnicas que se produz<strong>em</strong> por meio <strong>de</strong>le. A técnica obviamente interfere na<br />

experiência vital dos homens, ela constrói representações, discursos,<br />

experiências, e historicamente interfere também nas transformações biológicas<br />

e ambientais. [...] Institu<strong>em</strong>-se normas que ten<strong>de</strong>m a ocultar, na vida social,<br />

dimensões fundamentais da condição humana. Estas dimensões não são<br />

passíveis <strong>de</strong> exclusão, mas ten<strong>de</strong>m a ser negadas, recalcadas.” (p. 449).<br />

Acolhendo as reflexões criticas <strong>de</strong> autores como Petersen (1997),<br />

Castiel (2001), Cseresnia (2004) e Carvalho (2004a), para fins <strong>de</strong>ste estudo,<br />

consi<strong>de</strong>ramos que o risco <strong>em</strong> saú<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser reduzido a um fenômeno<br />

estático, objetivo e passível <strong>de</strong> ser esgotado <strong>em</strong> sua quantificação. Ele é algo<br />

construído e negociado <strong>em</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interações sociais e construção <strong>de</strong><br />

sentidos, imersos <strong>em</strong> contextos 8<br />

sociais e culturais e sujeito a suas<br />

<strong>de</strong>terminações, afetado também pelas dimensões subjetivas e inconscientes da<br />

experiência dos indivíduos Em resumo, consi<strong>de</strong>ramos o risco um fenômeno<br />

dinâmico, relacional, processual e histórico, envolvendo dimensões objetivas e<br />

subjetivas da existência <strong>de</strong> indivíduos e grupos que são atravessadas por<br />

8 Na sociologia, a noção <strong>de</strong> contexto é entendida como o ambiente sócio-histórico gerado por<br />

um conjunto <strong>de</strong> processos sociais, econômicos, políticos e culturais que <strong>em</strong>olduram e<br />

condicionam a experiência dos indivíduos, dos grupos e da socieda<strong>de</strong>, ao longo do t<strong>em</strong>po<br />

(Bonan, 2002).


40<br />

estruturas <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r segundo classe social, gênero, raça/etnia,<br />

hierarquias <strong>de</strong> conhecimentos e saberes, entre outras 9 .<br />

A discussão sobre risco e po<strong>de</strong>r está presente na literatura que<br />

revisamos. Citando o trabalho <strong>de</strong> Alan Petersen e Deborah Lupton 10 , Carvalho<br />

(2004a) afirma que “o que se observa é que, apesar da centralida<strong>de</strong> do<br />

discurso preconizando a ampliação da autonomia do sujeito e <strong>de</strong><br />

<strong>em</strong>powerment, muitas das narrativas <strong>de</strong> progresso que suportam as estratégias<br />

da Nova Saú<strong>de</strong> Pública <strong>de</strong>ixam intocadas as discussões sobre as relações<br />

<strong>de</strong>siguais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na relação entre especialistas e não-especialistas,<br />

populações dos países ricos ‘<strong>de</strong>senvolvidos’ e populações dos países pobres<br />

‘<strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento’, homens e mulheres, e heterossexuais e homossexuais<br />

masculinos e lésbicas”. Para esse autor, o “<strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramento” é um processo<br />

que perpassa distintas esferas da vida social. Nele, estão presentes dimensões<br />

encontráveis no plano individual, a ex<strong>em</strong>plo do <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

autoconfiança, da auto-estima e do direito a fazer escolhas; estruturas <strong>de</strong><br />

mediação nas quais os m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> um coletivo compartilham conhecimentos<br />

e ampliam a sua consciência crítica; e fatores socioeconômicos (Carvalho,<br />

2004b).<br />

Em um ensaio sobre os <strong>de</strong>safios teóricos para a construção <strong>de</strong> uma<br />

noção <strong>de</strong> direitos sexuais e reprodutivos que transcenda o marco das tradições<br />

liberais da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal, com seus vieses individualistas e<br />

9 Para a reflexão sobre as inter-relações entre experiências e contextos <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> gestantes<br />

aloimunizadas e risco à saú<strong>de</strong> reprodutiva, propostas por esta pesquisa, procuramos<br />

compreen<strong>de</strong>r, através <strong>de</strong> seus relatos <strong>de</strong> vida, as relações estabelecidas por essas mulheres<br />

com seu núcleo familiar; suas comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pertencimento; com os sist<strong>em</strong>as político,<br />

econômico e educacional; com os serviços públicos <strong>em</strong> geral e, <strong>de</strong>stacadamente, com os<br />

profissionais e os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

10 Petersen A & Lupton D 1996. The New Public Health: health and self in the age of risk. Sage<br />

Publications Ltd., Londres.


41<br />

universalizantes, Corrêa e Petchesky (1994) <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> uma<br />

conceitualização dos direitos <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e recursos e fornec<strong>em</strong><br />

subsídios importantes para uma nova teoria política do po<strong>de</strong>r. Para elas, o<br />

direito às <strong>de</strong>cisões reprodutivas e sexuais não é meramente uma questão <strong>de</strong><br />

autonomia e liberda<strong>de</strong>s individuais, pois o corpo existe <strong>em</strong> um universo<br />

mediado socialmente. Não há eqüida<strong>de</strong> no direito à autonomia e à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cidir se não há eqüida<strong>de</strong> no acesso a recursos sociais, políticos e simbólicos<br />

que propici<strong>em</strong> e viabiliz<strong>em</strong> as escolhas. Desse modo, a transformação do<br />

mo<strong>de</strong>lo liberal e o reposicionamento do discurso dos direitos <strong>em</strong> universo<br />

referencial mais inclusivo e eqüitativo implica: enfatizar a natureza social e não<br />

unicamente individual dos direitos; reconhecer os contextos comunitários nos<br />

quais os indivíduos atuam para exercer ou alcançar seus direitos, que <strong>de</strong> modo<br />

algum <strong>de</strong>ve se resumir ao contexto do livre mercado e suas regras <strong>de</strong><br />

competição; colocar <strong>em</strong> primeiro plano as bases substantivas dos direitos nas<br />

necessida<strong>de</strong>s humanas e na redistribuição <strong>de</strong> recursos sociais; reconhecer os<br />

titulares <strong>de</strong> direitos <strong>em</strong> suas múltiplas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>finidas dialeticamente por<br />

eles mesmos e pelos outros, <strong>em</strong> suas interações; transformar o imaginário<br />

liberal do público e do privado 11 , re<strong>de</strong>finir a idéia <strong>de</strong> “livre escolha” e <strong>de</strong> “direito<br />

a <strong>de</strong>cidir”, superando as idéias <strong>de</strong> individualismo, competitivida<strong>de</strong> utilitarista ou<br />

isolamento, e incorporando as mediações sociais, culturais e subjetivas<br />

envolvidas nos processos <strong>de</strong> escolha.<br />

11 Para as autoras, nas distintas versões da teoria liberal, os direitos exist<strong>em</strong> <strong>em</strong> um domínio<br />

privado no qual os indivíduos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser <strong>de</strong>ixados <strong>em</strong> paz pelo o Estado com o fim <strong>de</strong><br />

maximizar seus interesses individuais <strong>de</strong> acordo com as exigências do mercado. A construção<br />

liberal do público e do privado isola as praticas rotineiras da subordinação <strong>de</strong> gênero, seja no<br />

lar, nos lugares <strong>de</strong> trabalho, nas ruas, nas instituições religiosas ou <strong>em</strong> outros espaços.


42<br />

Na formulação crítica das autoras, a construção efetiva <strong>de</strong> direitos<br />

humanos, <strong>em</strong> geral, e <strong>de</strong> direitos sexuais e reprodutivos, especificamente,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformações profundas nos modos como se concebe, se<br />

redistribui e se exerce o po<strong>de</strong>r. Elas propõ<strong>em</strong> que para o avanço da construção<br />

dos direitos humanos e uma reestruturação das bases do po<strong>de</strong>r seria<br />

importante estabelecer alguns princípios ético-políticos que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser<br />

consi<strong>de</strong>rados <strong>em</strong> suas articulações e inter<strong>de</strong>pendências: a integrida<strong>de</strong> corporal,<br />

o reconhecimento e exercício como sujeito político e moral, a eqüida<strong>de</strong> no<br />

acesso e uso dos recursos sociais e o reconhecimento e valorização da<br />

diversida<strong>de</strong> das experiências humanas e sociais, seja <strong>em</strong> termos culturais,<br />

religiosos, familiares, corporais, sexuais ou outros.<br />

Enfim, o ensaio <strong>de</strong> Corrêa e Petchesky, nos sugere uma teorização do<br />

po<strong>de</strong>r como um fenômeno <strong>de</strong> dimensões múltiplas e inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes,<br />

envolvendo liberda<strong>de</strong>s e autonomia <strong>de</strong>cisória, reconhecimento dos indivíduos<br />

como sujeitos com capacida<strong>de</strong> moral e política, valorização das singularida<strong>de</strong>s<br />

e particularida<strong>de</strong>s das experiências <strong>de</strong> indivíduos e grupos sociais e justiça<br />

social no acesso e gozo dos bens sociais e culturais.<br />

Essas contribuições que vêm da teoria crítica f<strong>em</strong>inista também nos<br />

ajudam a refletir sobre as relações entre risco e po<strong>de</strong>r. Consi<strong>de</strong>ramos que o<br />

risco à saú<strong>de</strong> está relacionado a processos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> sujeitos e a<br />

dinâmicas <strong>de</strong> interação e relações sociais que são enviesados por po<strong>de</strong>r,<br />

envolvendo valores, i<strong>de</strong>ologias, hierarquias, processos <strong>de</strong> conflitos, dominação<br />

e resistência e mecanismos <strong>de</strong> distribuição e controle dos recursos sociais e<br />

simbólicos, que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre se expressam <strong>de</strong> maneira objetiva e mensurável.<br />

Essa visão sustenta teoricamente a hipótese <strong>de</strong>sta pesquisa que a falta <strong>de</strong>


43<br />

po<strong>de</strong>r das mulheres é um el<strong>em</strong>ento central dos contextos que vulnerabilizam e<br />

potencializam os riscos à sua saú<strong>de</strong> reprodutiva.<br />

Ayres e colaboradores (2003) consi<strong>de</strong>ram a vulnerabilida<strong>de</strong> como a<br />

“chance <strong>de</strong> exposição das pessoas ao adoecimento como a resultante <strong>de</strong> um<br />

conjunto <strong>de</strong> aspectos não apenas individuais, mas também coletivos,<br />

contextuais, que acarretam maior suscetibilida<strong>de</strong> à infecção e ao adoecimento<br />

e, <strong>de</strong> modo inseparável, maior ou menor disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong> todas<br />

as or<strong>de</strong>ns para se proteger <strong>de</strong> ambos” (p. 123). A análise da vulnerabilida<strong>de</strong><br />

envolveria a articulação entre três componentes interligados: individual, social e<br />

programático.<br />

Gênero, classe social e hierarquia dos sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> conhecimento<br />

(científico/leigo, por ex<strong>em</strong>plo) são alguns eixos estruturantes <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que quer<strong>em</strong>os abordar no resto <strong>de</strong>ste capítulo.<br />

Para Scott (1990b), gênero é um el<strong>em</strong>ento constitutivo do conjunto das<br />

relações sociais e uma forma primeira <strong>de</strong> significação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, sendo uma<br />

construção social sobreposta a um corpo sexuado. Para ela o gênero opera <strong>em</strong><br />

várias dimensões da vida social e humana: no plano simbólico, na or<strong>de</strong>m<br />

normativa, nas instituições, e no plano das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e das subjetivida<strong>de</strong>s.<br />

Para Barbieri (1995), “o po<strong>de</strong>r do gênero opera mais fort<strong>em</strong>ente nas etapas<br />

reprodutivas da vida quando os meios para o controle da sexualida<strong>de</strong>,<br />

reprodução e acesso ao trabalho estão localizados e funcionam <strong>de</strong> modo mais<br />

claro e agudo” (apud Corrêa, 1999: 44).<br />

O conceito <strong>de</strong> classe social como uma categoria chave para o estudo da<br />

<strong>de</strong>terminação social do processo saú<strong>de</strong>-doença, t<strong>em</strong> sido alvo <strong>de</strong> inúmeras<br />

investigações no campo da saú<strong>de</strong> pública. Para Solla (1996), é inquestionável


44<br />

“a importância do <strong>em</strong>prego do conceito <strong>de</strong> classe social e <strong>de</strong> sua<br />

operacionalização, para reforçar o instrumental metodológico, articulando o<br />

processo saú<strong>de</strong>-doença com as relações sociais <strong>de</strong> produção através da<br />

inserção <strong>de</strong> classe dos indivíduos investigados” (p. 330). Contudo, esse autor<br />

probl<strong>em</strong>atiza uma certa simplificação efetivada no conceito <strong>de</strong> classe social<br />

quando este é reduzido a uma série quantificada <strong>de</strong> variáveis, tais como<br />

estabilida<strong>de</strong> no <strong>em</strong>prego e salários, pois se limita ao plano <strong>em</strong>pírico com<br />

objetivo <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>terminações sociais relativas ao processo<br />

saú<strong>de</strong>-doença e ao acesso aos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Revisando o uso do conceito <strong>de</strong> classe na literatura da saú<strong>de</strong> pública,<br />

Solla (1996) constata que, <strong>em</strong> geral, apesar das diferentes operacionalizações,<br />

as análises part<strong>em</strong> do conceito clássico <strong>de</strong>finido por Lênin. Resumidamente, o<br />

conceito abrange as seguintes dimensões: a) lugar que os indivíduos ocupam<br />

<strong>em</strong> um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> produção social <strong>de</strong>terminado; b) modo como eles se<br />

inser<strong>em</strong> nas relações <strong>de</strong> exploração e a proprieda<strong>de</strong> ou não dos meios <strong>de</strong><br />

produção e <strong>de</strong> trabalho; c) modo e proporção <strong>em</strong> que os indivíduos receb<strong>em</strong> a<br />

parte da riqueza social. Ou seja, na produção acadêmica no campo da saú<strong>de</strong>,<br />

o critério inicial e fundamental é a relação com os meios <strong>de</strong> produção, sendo as<br />

<strong>de</strong>mais variáveis utilizadas a partir <strong>de</strong>ste ponto.<br />

Conforme a revisão <strong>de</strong> Solla (1996), <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte dos casos, o uso<br />

do conceito <strong>de</strong> classe social nos estudos sobre os fenômenos saú<strong>de</strong>-doença<br />

enfatiza prioritariamente a <strong>de</strong>terminação da estrutura econômica e produtiva.<br />

Porém, como <strong>de</strong>monstra o autor, há também outros estudiosos que<br />

probl<strong>em</strong>atizam essa ênfase, argumentando que questões culturais, i<strong>de</strong>ológicas,<br />

experiências políticas (dominação, resistência, conflitos, lutas, organização),


45<br />

jurídicas e formas <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, também contribu<strong>em</strong> para a maneira como,<br />

no processo social, se constitu<strong>em</strong>, <strong>de</strong> modo dinâmico, as classes e os grupos<br />

sociais. Essa visão mais ampliada da noção <strong>de</strong> classe social, nos proporciona<br />

el<strong>em</strong>entos mais enriquecedores para uma reflexão sobre a t<strong>em</strong>ática <strong>de</strong> risco e<br />

po<strong>de</strong>r.<br />

Nos últimos anos, um conjunto <strong>de</strong> pesquisadores no campo da saú<strong>de</strong><br />

coletiva t<strong>em</strong> investido esforços <strong>em</strong> avançar na construção teórica da noção <strong>de</strong><br />

integralida<strong>de</strong> que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos <strong>de</strong> 1980, t<strong>em</strong> sido uma ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> luta do<br />

movimento <strong>de</strong> reforma sanitária, e que é um dos pilares principais do corpo<br />

jurídico-normativo do SUS. No <strong>de</strong>bate atual, consi<strong>de</strong>ra-se que a integralida<strong>de</strong><br />

não é um conceito acabado e n<strong>em</strong> unívoco, mas, sim, uma noção que abrange<br />

vários sentidos – por isso, diz-se que seu caráter é polissêmico. Na tentativa <strong>de</strong><br />

fazer um inventário amplo sobre esses vários sentidos, Mattos (2001) propõe<br />

reorganizá-los analiticamente <strong>em</strong> três campos principais: aspectos que<br />

envolv<strong>em</strong> as relações entre trabalhadores da saú<strong>de</strong> e usuários dos serviços; a<br />

organização dos serviços e das práticas <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong>; a elaboração e<br />

impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong> políticas e programas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Para o estudo proposto, um dos pressupostos importantes do <strong>de</strong>bate da<br />

integralida<strong>de</strong> é que os processos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e doença não são condicionados<br />

somente por fatores biológicos, mas também pelas condições sociais,<br />

econômicas e culturais (crítica ao reducionismo da visão biomédica tradicional).<br />

Outro pressuposto é que para uma atenção integral da saú<strong>de</strong> é necessário que<br />

os profissionais, os serviços e as políticas consi<strong>de</strong>r<strong>em</strong> as necessida<strong>de</strong>s<br />

abrangentes das pessoas e que a prestação da assistência não se estruture


46<br />

exclusivamente <strong>em</strong> torno das disfunções dos sist<strong>em</strong>as anátomo-fisiológicos<br />

(crítica à lógica da fragmentação).<br />

No primeiro campo <strong>de</strong> sentidos da integralida<strong>de</strong>, um aspecto importante<br />

a se estudar são as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre o profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e o<br />

paciente, que, tradicionalmente, se faz<strong>em</strong> <strong>de</strong> modo <strong>de</strong>sigual. A crença na<br />

superiorida<strong>de</strong> e suficiência dos conhecimentos técnico-científicos, por parte dos<br />

profissionais, faz com que, muitas vezes, eles não reconheçam os diferentes<br />

saberes, histórias, modos <strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> viver dos pacientes. Assumindo-se como<br />

responsáveis pelo cliente, os profissionais tomam <strong>de</strong>cisões s<strong>em</strong> consultá-lo,<br />

acreditando que sab<strong>em</strong> o que é melhor para ele e que estão agindo <strong>de</strong> um<br />

modo a<strong>de</strong>quado e aceitável. A obediência exigida pelos profissionais da saú<strong>de</strong><br />

<strong>em</strong> relação aos seus pacientes, dá-se mediante o estabelecimento <strong>de</strong> relações<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência, visando à modificação <strong>de</strong> seus hábitos, como aparente prérequisito<br />

para melhorar e assegurar a sua saú<strong>de</strong>. As diferenças <strong>de</strong> saber,<br />

culturais, históricas e sociais, assim como a sua comunicação, concretizada<br />

através <strong>de</strong> uma linguag<strong>em</strong> técnica utilizada pelos profissionais da saú<strong>de</strong>,<br />

po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>stacadas como possíveis barreiras para o entendimento do<br />

cliente (Soares, 2002).<br />

A capacida<strong>de</strong> dos serviços e profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rar e<br />

valorizar as necessida<strong>de</strong>s abrangentes das pessoas que os procuram é,<br />

também, um aspecto que não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scuidado. Para isso, a boa qualida<strong>de</strong><br />

da comunicação entre os sujeitos envolvidos nas ações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> é<br />

fundamental. Teixeira (2003) e Deslan<strong>de</strong>s (2004) enfatizam que a qualida<strong>de</strong><br />

comunicacional <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do acolhimento, do diálogo, do respeito pelos saberes<br />

e experiências dos pacientes, por parte dos profissionais. A análise dos relatos


47<br />

dos sujeitos <strong>de</strong>sta pesquisa, principalmente <strong>de</strong> seus contatos com o serviço <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>raram esse aspecto.<br />

Em um segundo campo <strong>de</strong> sentidos, a integralida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser entendida,<br />

também, como um eixo norteador da organização dos serviços e dos<br />

processos <strong>de</strong> trabalho, enfim, do próprio sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Isso implica, entre<br />

outras coisas, a articulação entre ações <strong>de</strong> promoção, prevenção e assistência<br />

médica, com oferta <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> vários níveis <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong>, <strong>em</strong><br />

uma re<strong>de</strong> articulada e hierarquizada, com sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> referência e contrareferência<br />

eficazes, conjugando vários profissionais e várias disciplinas<br />

(Mattos, 2001). Por fim, <strong>em</strong> um terceiro sentido, a integralida<strong>de</strong> também <strong>de</strong>ve<br />

ser um atributo das respostas governamentais a certos probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ou<br />

às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> grupos específicos (Mattos, 2001).<br />

Camargo Jr (2003) aponta alguns probl<strong>em</strong>as no <strong>de</strong>bate cont<strong>em</strong>porâneo<br />

sobre a integralida<strong>de</strong> e seus vários sentidos. Para ele, a articulação da<br />

integralida<strong>de</strong> como ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> luta dos movimentos sanitários, como conceito<br />

normativo e operacional nas políticas e programas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e na organização<br />

dos serviços e como conceito teórico é probl<strong>em</strong>ática. Nesse sentido, a<br />

integralida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada um conceito. É uma terminologia que<br />

aglutina um conjunto <strong>de</strong> tendências cognitivas e políticas com alguma<br />

imbricação entre si, mas não articuladas totalmente. Para ele, a integralida<strong>de</strong><br />

dos cuidados po<strong>de</strong> ser uma idéia sedutora, mas esse i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> “totalida<strong>de</strong>”<br />

acarreta perigos e <strong>de</strong>ve ser questionado. O autor se pergunta se é possível e<br />

<strong>de</strong>sejável uma atenção que se dirija à totalida<strong>de</strong> das necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um ser<br />

humano, e se isso não po<strong>de</strong>ria acarretar um controle s<strong>em</strong> prece<strong>de</strong>ntes da<br />

pessoa alvo do cuidado, uma perda <strong>de</strong> autonomia e uma medicalização


48<br />

integral. Camargo consi<strong>de</strong>ra que no <strong>de</strong>bate teórico e político da integralida<strong>de</strong>, o<br />

maior <strong>de</strong>safio é encontrar um caminho do meio entre a medicalização<br />

avassaladora que normaliza a vida dos indivíduos e o exercício <strong>de</strong> práticas<br />

que possam superar o reducionismo e a fragmentação da tradição da<br />

biomedicina.<br />

Esses <strong>de</strong>bates sobre integralida<strong>de</strong>, suas potencialida<strong>de</strong>s e seus limites,<br />

nos fornec<strong>em</strong> pistas e questões para uma reflexão que articula as t<strong>em</strong>áticas do<br />

risco e do po<strong>de</strong>r.<br />

Saú<strong>de</strong> reprodutiva é uma noção recente e t<strong>em</strong> suas origens no <strong>de</strong>bate<br />

do movimento f<strong>em</strong>inista sobre direitos reprodutivos. Assim como a<br />

integralida<strong>de</strong>, saú<strong>de</strong> reprodutiva é uma noção com vários sentidos e seus<br />

significados têm sido disputados por atores políticos distintos. No sentido<br />

normativo, a saú<strong>de</strong> reprodutiva é <strong>de</strong>finida como sendo um estado <strong>de</strong> completo<br />

b<strong>em</strong> estar físico, mental e social <strong>em</strong> todas as matérias concernentes ao<br />

sist<strong>em</strong>a reprodutivo, suas funções e processos, e não a simples ausência <strong>de</strong><br />

doença ou enfermida<strong>de</strong> (Conferência Internacional sobre População e<br />

Desenvolvimento, Cairo – ONU, 1994). Esta visão inclui homens e mulheres,<br />

<strong>em</strong> todas as etapas da vida para além do período reprodutivo,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente da orientação sexual. Cook (2004) acrescenta que a saú<strong>de</strong><br />

reprodutiva também <strong>de</strong>veria ser compreendida como sendo a possibilida<strong>de</strong> das<br />

pessoas manter<strong>em</strong> uma vida sexual satisfatória e segura. Essa autora ainda<br />

afirma que a saú<strong>de</strong> reprodutiva não é uma questão importante apenas na área<br />

da saú<strong>de</strong> e não está relacionada apenas aos fatos ligados à reprodução e a<br />

doenças sexualmente transmissíveis, pois também envolve aspectos ligados<br />

ao <strong>de</strong>senvolvimento e aos direitos humanos.


49<br />

A aloimunização Rh (D) e DHPN <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser reconhecidas como um<br />

agravo à saú<strong>de</strong> das mulheres, mas afetam também os homens, pois os<br />

resultados <strong>de</strong> uma gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong>sfavorável po<strong>de</strong>m levar à frustração ou a uma<br />

carga adicional resultante dos cuidados com um bebê e uma criança com<br />

saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>bilitada. Nesse ponto, outra vez, a noção <strong>de</strong> integralida<strong>de</strong> e seus<br />

vários sentidos nos ajudam não somente a compreen<strong>de</strong>r os fenômenos<br />

estudados, como também <strong>em</strong> uma reflexão <strong>de</strong> como abordá-los no âmbito das<br />

ações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Para uma abordag<strong>em</strong> integral <strong>de</strong>sses probl<strong>em</strong>as, as ações <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser voltadas, ao mesmo t<strong>em</strong>po, para a promoção e a prevenção.<br />

Os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>v<strong>em</strong> funcionar aten<strong>de</strong>ndo o indivíduo como um ser<br />

humano integral submetido às mais diferentes situações <strong>de</strong> vida e trabalho, que<br />

o leva a adoecer e a morrer (Kell, 2005).<br />

Essa noção <strong>de</strong> risco nos r<strong>em</strong>ete aos <strong>de</strong>bates reavivados mais<br />

recent<strong>em</strong>ente no campo da saú<strong>de</strong> coletiva sobre os vários sentidos da<br />

integralida<strong>de</strong>.<br />

No que tange à doença h<strong>em</strong>olítica perinatal, procuramos estudar os<br />

contextos <strong>de</strong> vida e o cenário <strong>de</strong> risco à saú<strong>de</strong> reprodutiva das mulheres.


50<br />

CAPÍTULO 2. DESENHO DO ESTUDO<br />

Foi realizada uma pesquisa exploratória com abordag<strong>em</strong> qualitativa e<br />

quantitativa (Minayo e Deslan<strong>de</strong>s, 2003). Utilizamos dois tipos <strong>de</strong><br />

procedimentos investigativos: a) história <strong>de</strong> vida, a partir <strong>de</strong> fontes orais<br />

(abordag<strong>em</strong> qualitativa) e b) análise quantitativa <strong>de</strong> dados obtidos a partir <strong>de</strong><br />

fontes primárias impressas, para <strong>de</strong>linear um perfil socioeconômico e<br />

reprodutivo das mulheres aloimunizadas.<br />

No que tange às histórias <strong>de</strong> vida, Queiroz (1987) as <strong>de</strong>fine como o<br />

relato <strong>de</strong> um narrador sobre sua existência através do t<strong>em</strong>po, tentando<br />

reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que<br />

adquiriu. O sujeito narra os acontecimentos que ele consi<strong>de</strong>ra significativos <strong>em</strong><br />

sua vida, e através <strong>de</strong> sua narrativa se <strong>de</strong>lineiam as relações com os m<strong>em</strong>bros<br />

<strong>de</strong> seu grupo, <strong>de</strong> sua profissão, <strong>de</strong> sua camada social e <strong>de</strong> sua socieda<strong>de</strong><br />

global (Freitas, 2002). Na reconstrução da história <strong>de</strong> vida, o pesquisador<br />

busca captar algo que ultrapassa o caráter individual do que é transmitido,<br />

inserindo o narrador na coletivida<strong>de</strong> a qual ele pertence.<br />

Minayo (2004) consi<strong>de</strong>ra a história <strong>de</strong> vida um instrumento privilegiado<br />

para se interpretar o processo social a partir das pessoas envolvidas, na<br />

medida <strong>em</strong> que se consi<strong>de</strong>ram as experiências subjetivas como dados<br />

importantes que falam além e através <strong>de</strong>las. Por meio <strong>de</strong>la se <strong>de</strong>lineiam as<br />

relações com os m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> seu grupo, <strong>de</strong> sua profissão e <strong>de</strong> sua camada<br />

social.<br />

A escolha pelo método <strong>em</strong> questão - histórias <strong>de</strong> vida - ocorreu por<br />

consi<strong>de</strong>rar que através <strong>de</strong>ssas histórias contadas a partir dos relatos das


51<br />

gestantes aloimunizadas, po<strong>de</strong>ria nos permitir compreen<strong>de</strong>r aspectos<br />

fundamentais do contexto <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong> essas mulheres e a conformação dos<br />

riscos à sua saú<strong>de</strong> reprodutiva. Fiz<strong>em</strong>os uma história <strong>de</strong> vida tópica. Segundo<br />

Denzin (apud Minayo, 2004), esse tipo <strong>de</strong> história <strong>de</strong> vida enfatiza um<br />

<strong>de</strong>terminado período ou setor da vida pessoal. Nossa pesquisa está enfocada<br />

na investigação <strong>de</strong> aspectos do contexto <strong>de</strong> vida das mulheres que po<strong>de</strong>m<br />

afetar as condições <strong>de</strong> sua saú<strong>de</strong> reprodutiva.<br />

Queiroz (1987) e Bertaux (1999), consi<strong>de</strong>ram que a pesquisa sociológica<br />

que utiliza histórias <strong>de</strong> vida, ganha novas dimensões e maior profundida<strong>de</strong>, se<br />

acompanhadas e compl<strong>em</strong>entadas por outras maneiras <strong>de</strong> coleta, lançando<br />

mão <strong>de</strong> outras fontes. A combinação <strong>de</strong> abordagens qualitativas e quantitativas<br />

nessa pesquisa buscou justamente ampliar a compreensão dos contextos do<br />

risco à saú<strong>de</strong> reprodutiva das mulheres aloimunizadas.<br />

2.1 – Campo e fontes da pesquisa<br />

A pesquisa foi <strong>de</strong>senvolvida no ambulatório <strong>de</strong> pré-natal do IFF,<br />

especializado no atendimento à gestante aloimunizada. A coleta <strong>de</strong> dados foi<br />

iniciada somente após apreciação e aprovação do Comitê <strong>de</strong> Ética <strong>em</strong><br />

Pesquisa (CEP) da instituição.<br />

As fontes documentais impressas foram obtidas a partir <strong>de</strong> formulários<br />

do prontuário, especificamente: ficha geral <strong>de</strong> anamnese do serviço <strong>de</strong> prénatal<br />

com dados <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, escolarida<strong>de</strong>, renda e dados obstétricos;<br />

ficha <strong>de</strong> acompanhamento da gestante aloimunizada, específica do ambulatório<br />

<strong>de</strong> Doença H<strong>em</strong>olítica Perinatal, impl<strong>em</strong>entada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1999 com dados


52<br />

imunoh<strong>em</strong>atológicos, antece<strong>de</strong>ntes obstétricos e clínico-terapêuticos 12 ; ficha<br />

para investigação <strong>de</strong> aloimunização anti-Rh (D), específica do ambulatório <strong>de</strong><br />

DHPN, adaptada <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo utilizado <strong>em</strong> pesquisa realizada pelo Serviço<br />

<strong>de</strong> H<strong>em</strong>oterapia do HEMORIO <strong>em</strong> 2002, aplicada a 123 gestantes<br />

acompanhadas no ambulatório, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2003 até agosto <strong>de</strong> 2005.<br />

Nossas fontes documentais orais foram os relatos <strong>de</strong> gestantes<br />

aloimunizadas inscritas no ambulatório <strong>de</strong> Doença H<strong>em</strong>olítica Perinatal do IFF.<br />

2.2 - Sobre o método<br />

2.2.1 – Captação <strong>de</strong> dados a partir das fontes documentais impressas<br />

Através <strong>de</strong> estudo retrospectivo, analisamos informações<br />

socioeconômicas e reprodutivas referentes a gestantes aloimunizadas, cuja<br />

assistência pré-natal ocorreu no Instituto Fernan<strong>de</strong>s Figueira/FIOCRUZ, no<br />

período <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005, <strong>em</strong> um total <strong>de</strong> 123 prontuários.<br />

Com essas informações, construímos um perfil socioeconômico e reprodutivo<br />

<strong>de</strong>ssas mulheres. Primeiramente esses dados foram compilados <strong>em</strong> uma ficha<br />

<strong>de</strong> coleta elaborada especificamente para esta pesquisa (Apêndice III) e<br />

tabulados no programa Microsoft Access 2002 para Windows XP, e<br />

posteriormente foram analisados.<br />

2.2.2 – Construção das fontes orais<br />

A reconstrução das historias <strong>de</strong> vida das gestantes aloimunizadas foi<br />

feita a partir <strong>de</strong> entrevistas individuais e não-estruturadas. As entrevistas foram<br />

feitas por mim e gravadas <strong>em</strong> fita cassete, e somente realizadas após a<br />

12 O ambulatório especializado <strong>em</strong> gestantes aloimunizadas possuiu um livro <strong>de</strong> registros on<strong>de</strong><br />

constam 293 matriculas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999 até agosto <strong>de</strong> 2006.


53<br />

assinatura <strong>de</strong> consentimento livre e esclarecido (Apêndice I). Entrevistei um<br />

total <strong>de</strong> catorze gestantes, uma amostra <strong>de</strong> mulheres que consi<strong>de</strong>ramos<br />

capazes <strong>de</strong> refletir a totalida<strong>de</strong> nas dimensões - <strong>em</strong> suas vivências - <strong>de</strong><br />

interesse <strong>de</strong>ssa pesquisa, tendo atingido o ponto <strong>de</strong> saturação.<br />

Para estimular a narrativa <strong>de</strong>ssas mulheres sobre suas vidas e<br />

experiências reprodutivas, utilizei uma pauta composta por <strong>de</strong>z campos<br />

t<strong>em</strong>áticos (Apêndice II). Dentro <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses campos, formulamos um<br />

conjunto <strong>de</strong> perguntas que por si mesmo compõ<strong>em</strong> um conjunto <strong>de</strong> sub-t<strong>em</strong>as.<br />

Na condução das entrevistas, a pauta t<strong>em</strong>ática foi utilizada <strong>de</strong> maneira flexível,<br />

na medida que uma única pergunta suscitava narrativas que percorriam<br />

diversas outras questões <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um campo t<strong>em</strong>ático e mesmo questões<br />

relativas a outros campos t<strong>em</strong>áticos. As perguntas foram aplicadas <strong>de</strong> modo a<br />

estimular os relatos <strong>de</strong> vida. Minha conduta foi a <strong>de</strong> permitir que a entrevistada<br />

selecionasse e articulasse livr<strong>em</strong>ente os fatos vividos e as correlações e<br />

explicações sobre suas experiências. Assim sendo, a proposição <strong>de</strong> perguntas<br />

não seguia necessariamente a seqüência apresentada na pauta t<strong>em</strong>ática e<br />

mantinha total abertura para outras questões articuladas pela própria<br />

entrevistada.<br />

Foram incluídas no estudo gestantes aloimunizadas ao antígeno D do<br />

sist<strong>em</strong>a Rh, <strong>em</strong> sua segunda ou mais gravi<strong>de</strong>z, assistidas no ambulatório <strong>de</strong><br />

pré-natal do IFF. Os critérios <strong>de</strong> exclusão foram a aloimunização a outro<br />

antígeno da m<strong>em</strong>brana eritrocitária diferente do D e a aloimunização <strong>em</strong><br />

primigesta.<br />

As entrevistas foram feitas no período compreendido entre fevereiro e<br />

junho <strong>de</strong> 2006.


54<br />

2.3 - Análise dos dados<br />

2.3.1 – Análise dos dados documentais impressos<br />

A análise estatística das variáveis quantitativas foi realizada com o<br />

programa Epi Info 3.2.2 (versão <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004) para Windows XP.<br />

Os resultados das freqüências estão <strong>de</strong>scritos no capítulo a seguir, na subseção<br />

3.1.<br />

2.3.2 – Análise das entrevistas<br />

Foram feitas transcrições das catorze entrevistas realizadas e análise<br />

dos relatos <strong>de</strong>ssas mulheres. Fiz<strong>em</strong>os leitura flutuante <strong>de</strong> todo material, <strong>de</strong>pois<br />

organizamos as experiências captadas seguindo os tópicos que compõ<strong>em</strong> os<br />

campos t<strong>em</strong>áticos do roteiro da entrevista. Em uma etapa mais avançada da<br />

análise, procuramos sintetizar os achados <strong>de</strong> modo a <strong>de</strong>senvolver uma reflexão<br />

<strong>em</strong> torno dos objetivos específicos da pesquisa. Selecionamos cinco relatos<br />

para apresentação <strong>de</strong>ssas mulheres no capítulo três <strong>em</strong> uma sub-seção (3.2)<br />

intitulada “Vidas”, por julgarmos ter<strong>em</strong> um conteúdo <strong>de</strong> significância que<br />

englobam núcleos <strong>de</strong> sentido obtidos nas <strong>de</strong>mais entrevistas. Os nomes das<br />

mulheres apresentados neste trabalho são fictícios, visando resguardar o seu<br />

anonimato.


CAPÍTULO 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

55


56<br />

3.1 Breve perfil socioeconômico e reprodutivo da clientela do Ambulatório <strong>de</strong><br />

DHPN do IFF<br />

Des<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 2003, o IFF tornou-se oficialmente referência para o<br />

atendimento <strong>de</strong> gestantes aloimunizadas no Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

(Resolução SES n.º 2.154 <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2003, alterada para Resolução<br />

SES n.º .2.590, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004). Contudo, <strong>de</strong> fato, há mais <strong>de</strong><br />

uma década t<strong>em</strong>os sido referência para a re<strong>de</strong> do SUS, no que diz respeito à<br />

abordag<strong>em</strong> das gestantes aloimunizadas e da DHPN. Em <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1999,<br />

assumi a chefia do ambulatório <strong>de</strong> pré-natal especializado no atendimento a<br />

essas gestantes, inicialmente chamado ambulatório <strong>de</strong> Rh e, atualmente,<br />

ambulatório <strong>de</strong> DHPN. Nesses anos, participei diretamente do atendimento a<br />

essas mulheres, assim como da estruturação do serviço, inclusive da evolução<br />

do seu sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> registros, e da construção dos acordos com a Secretaria<br />

Estadual <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> que resultaram na sua oficialização como serviço <strong>de</strong><br />

referência.<br />

Nesses oito anos, foram registradas 293 matrículas <strong>de</strong> gestantes<br />

aloimunizadas, com uma média <strong>de</strong> quatro novas matrículas por mês. Essas<br />

mulheres chegam ao ambulatório <strong>em</strong> diversas fases da gravi<strong>de</strong>z, sendo mais<br />

comum se inscrever<strong>em</strong> no terceiro trimestre gestacional. Sá (2006) estimou<br />

que 47,4% das pacientes matriculadas no ambulatório <strong>de</strong> DHPN do IFF, entre<br />

janeiro <strong>de</strong> 1995 e <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004, estavam no terceiro trimestre <strong>de</strong><br />

gestação, período da gravi<strong>de</strong>z <strong>em</strong> que a condução tardia da doença po<strong>de</strong><br />

comprometer o seu <strong>de</strong>sfecho, principalmente <strong>em</strong> suas formas mo<strong>de</strong>rada e<br />

grave.


57<br />

Atualmente, são utilizadas três fichas <strong>de</strong> atendimento das gestantes<br />

atendidas no ambulatório <strong>de</strong> DHPN. A primeira ficha correspon<strong>de</strong> ao formulário<br />

geral <strong>de</strong> atendimento pré-natal das gestantes no IFF, com dados clínicos e<br />

obstétricos. A segunda ficha, correspon<strong>de</strong> a um formulário com dados<br />

exclusivamente obstétricos e imuno-h<strong>em</strong>atológicos específicos para o<br />

atendimento das gestantes aloimunizadas. Essa ficha foi modificada <strong>em</strong> 2004,<br />

aten<strong>de</strong>ndo às mudanças dos protocolos <strong>de</strong> investigação da doença durante a<br />

gravi<strong>de</strong>z. Em 2003, acrescentei um terceiro formulário, adaptando um<br />

questionário utilizado <strong>em</strong> projeto <strong>de</strong> pesquisa do H<strong>em</strong>ocentro do Estado do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro (HEMORIO), cujo objetivo era a i<strong>de</strong>ntificação das causas para a<br />

aloimunização anti-Rh (D) neste estado, a partir <strong>de</strong> mulheres Rh (D) negativas<br />

doadoras <strong>de</strong> sangue 13 .<br />

O perfil socioeconômico e reprodutivo da clientela do ambulatório <strong>de</strong><br />

DHPN do IFF apresentado nesse capítulo foi construído através da análise<br />

quantitativa <strong>de</strong> dados obtidos <strong>de</strong>ssas fontes documentais. Foram utilizadas<br />

informações referentes a 123 pacientes atendidas no período <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2003 -<br />

quando fiz<strong>em</strong>os inovações no sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> coletas <strong>de</strong> dados com a introdução<br />

da ficha do HEMORIO adaptada – a agosto <strong>de</strong> 2005, quando iniciamos a<br />

compilação e o tratamento dos dados.<br />

O objetivo da apresentação <strong>de</strong>sse perfil da clientela não é fazer<br />

inferências causais, investigando fatores <strong>de</strong>terminantes da aloimunização Rh<br />

(D) e da DHPN. Em primeiro lugar, nossa intenção foi apresentar, aos leitores<br />

<strong>de</strong>ste trabalho, um cenário do universo <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foram selecionadas as<br />

13 A adaptação <strong>de</strong>sse questionário e utilização no IFF foi autorizada pelo Dr. Luis Amorim,<br />

coor<strong>de</strong>nador da pesquisa.


58<br />

mulheres que nos relataram suas histórias <strong>de</strong> vida, e ampliar a compreensão<br />

sobre qu<strong>em</strong> são as gestantes que compõ<strong>em</strong> a clientela do ambulatório do IFF.<br />

Em segundo lugar, a apresentação do perfil da clientela <strong>de</strong>sse serviço <strong>de</strong><br />

referência aos gestores e profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que trabalham com a atenção<br />

à gestante - e, <strong>em</strong> particular, àqueles que se <strong>de</strong>dicam ao t<strong>em</strong>a da<br />

aloimunização e da DHPN - po<strong>de</strong> contribuir no sentido <strong>de</strong> aumentar seu nível<br />

<strong>de</strong> informações e conhecimentos sobre essas mulheres e colocar <strong>em</strong> questão<br />

idéias pré-concebidas ou s<strong>em</strong> evidências científicas, que tantas vezes<br />

permeiam as práticas e as <strong>de</strong>cisões políticas <strong>em</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Nossa clientela recobre todas as faixas etárias da vida reprodutiva das<br />

mulheres. A ida<strong>de</strong> variou <strong>de</strong> 15 a 45 anos, com média <strong>de</strong> 29,8 anos ± 6,2 anos<br />

(Tabela 1), ou seja, uma parte importante da amostra se concentrava naquelas<br />

faixas etárias (20-25 anos e 25-30 anos), <strong>em</strong> torno das quais oscilam as<br />

maiores taxas <strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong> do Brasil, segundo o Censo D<strong>em</strong>ográfico <strong>de</strong><br />

2000 (IBGE, 2000). Nessas faixas etárias, muitas mulheres mesmo diante <strong>de</strong><br />

um quadro <strong>de</strong> sensibilização apresentam gravi<strong>de</strong>zes sucessivas, algumas<br />

planejadas, enquanto outras não. A falta <strong>de</strong> informação sobre os riscos da<br />

doença a cada gravi<strong>de</strong>z subseqüente e a falta <strong>de</strong> orientação sobre<br />

planejamento familiar po<strong>de</strong>m contribuir para que essas mulheres, muitas vezes<br />

chegu<strong>em</strong> para nós com relatos <strong>de</strong> múltiplas gestações.


59<br />

Tabela 1- Freqüência <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> das mulheres aloimunizadas por faixa etária.<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

FAIXA ETÁRIA (ANOS) N %<br />

< 20<br />

20 ┤25<br />

25 ┤30<br />

30 ┤35<br />

35 ┤40<br />

≥ 40<br />

04 3,3<br />

18 14,6<br />

43 34,9<br />

25 20,3<br />

28 22,8<br />

05 4,1<br />

TOTAL 123 100,0<br />

Fonte: PN IFF<br />

Média = 29,81 anos (± 6,23 anos)<br />

Em nossa amostra, a relação entre mulheres brancas e não brancas foi<br />

<strong>de</strong> aproximadamente 1,25:1, sendo 52,8% para o primeiro grupo e 42,2% para<br />

o segundo (Tabela 2). Em 4,9% dos prontuários, o campo referente à cor da<br />

gestante não foi preenchido. Os dados sobre cor que constam nas fichas das<br />

pacientes seguiram o critério <strong>de</strong> avaliação dos profissionais médicos que<br />

aten<strong>de</strong>ram as mulheres <strong>em</strong> sua primeira consulta <strong>de</strong> pré-natal.


60<br />

Tabela 2 - Cor da pele das mulheres aloimunizadas referida <strong>em</strong> prontuário.<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

COR N %<br />

Branca<br />

65 52,8<br />

Preta<br />

18 14,6<br />

Parda<br />

34 27,6<br />

Não relatado<br />

06 4,9<br />

TOTAL 123 100,0<br />

Fonte: PN IFF<br />

A incidência <strong>de</strong> negativida<strong>de</strong> do fator Rh na população mundial varia<br />

segundo a raça: 15% da população caucasiana e 8% entre negrói<strong>de</strong>s<br />

(Rezen<strong>de</strong>, 2005). No Brasil, não t<strong>em</strong>os estudos específicos sobre essa<br />

questão. Segundo dados do Censo D<strong>em</strong>ográfico <strong>de</strong> 2000 (IBGE, 2000), a<br />

proporção <strong>de</strong> população branca no Brasil é <strong>de</strong> 55% e <strong>de</strong> população parda e<br />

negra é <strong>de</strong> 44,2%, o que dá uma relação 1,24:1. Nessa amostra <strong>de</strong> gestantes<br />

aloimunizadas encontramos uma proporção entre brancas e negrói<strong>de</strong>s (1,25:1)<br />

muito s<strong>em</strong>elhante a relação entre mulheres brancas e mulheres negras e<br />

pardas na população (1,24:1).<br />

A maioria das gestantes do ambulatório <strong>de</strong> DHPN (83%) vivia <strong>em</strong> união<br />

conjugal estável (Tabela 3).


61<br />

Tabela 3 - Estado civil das mulheres aloimunizadas.<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

ESTADO CIVIL N % Acumulado %<br />

Casada<br />

42 34,2 34,2<br />

União consensual<br />

60 48,8 83,0<br />

Solteira<br />

07 5,7 88,7<br />

Separada<br />

03 2,4 91,1<br />

Ignorado<br />

03 2,4 93,5<br />

Não relatado<br />

08 6,5 100,0<br />

TOTAL 123 100,0<br />

Fonte: PN IFF<br />

Os achados <strong>de</strong> nossa amostra não corroboram estudos que<br />

estabelec<strong>em</strong> maior risco gestacional entre solteiras (Rezen<strong>de</strong>, 2005). Em 2005,<br />

Zugaib <strong>de</strong>screve que a falta <strong>de</strong> uma união conjugal estável das mulheres no<br />

pré-natal é um <strong>de</strong>terminante nas dificulda<strong>de</strong>s <strong>em</strong>ocionais e <strong>de</strong> seguimento<br />

médico das mesmas. No Tratado <strong>de</strong> Obstetrícia da Fe<strong>de</strong>ração Brasileira <strong>de</strong><br />

Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) Benzecry (2000) reafirma esse dado,<br />

ao consi<strong>de</strong>rar a falta <strong>de</strong> união conjugal estável como fator gerador <strong>de</strong> risco<br />

gestacional. Talvez, ao menos no cenário da aloimunização Rh (D), essa visão<br />

<strong>de</strong>va ser relativizada.<br />

As mulheres, no ambulatório <strong>de</strong> DHPN, são oriundas <strong>de</strong> várias regiões<br />

do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (Tabela 4), e até mesmo <strong>de</strong> outros estados do<br />

Brasil 14 . No período estudado, 75,6% das mulheres residiam na Região<br />

Metropolitana I, área que abrange os municípios do Rio <strong>de</strong> Janeiro e da<br />

14 Recent<strong>em</strong>ente recebi uma gestante vinda do Acre especialmente para fazer pré-natal no<br />

IFF.


62<br />

Baixada Fluminense, sendo que entre essas, 73,1% tinham como local <strong>de</strong><br />

residência o próprio município do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Muitas mulheres, incluindo<br />

um gran<strong>de</strong> número que mora na capital, resi<strong>de</strong>m <strong>em</strong> regiões geograficamente<br />

distantes do Flamengo, bairro on<strong>de</strong> está situado o IFF. Uma parcela <strong>de</strong> nossa<br />

clientela é composta por mulheres que às vezes possu<strong>em</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> seu<br />

acompanhamento por razões socioeconômicas, tais como transporte e<br />

alimentação, o que po<strong>de</strong> gerar absenteísmo e <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>.<br />

Tabela 4 - Região geopolítica <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> das mulheres aloimunizadas no<br />

Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

Regiões N %<br />

Região Metropolitana I<br />

93 75,6<br />

Região Metropolitana II<br />

13 10,6<br />

Região das Baixadas Litorâneas 01 0,8<br />

Região do Médio Paraíba<br />

02 1,6<br />

Região Serrana<br />

03 2,4<br />

Região da Baía da Ilha Gran<strong>de</strong><br />

02 1,6<br />

Não relatado<br />

08 6,5<br />

Outros<br />

01 0,8<br />

Total 123 100,0<br />

Fonte: PN IFF<br />

O nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> das gestantes atendidas no IFF (Tabela 5)<br />

mostrou-se razoavelmente elevado, quando comparado àquele da população<br />

f<strong>em</strong>inina brasileira com mais <strong>de</strong> 18 anos. A maioria da clientela possuía no<br />

mínimo primeiro grau completo (60,0%), ou seja ao menos oito anos <strong>de</strong> estudo.


63<br />

O Censo D<strong>em</strong>ográfico <strong>de</strong> 2000 mostra que a população f<strong>em</strong>inina brasileira na<br />

faixa etária entre 18 e 24 anos t<strong>em</strong> <strong>em</strong> média 7,8 anos <strong>de</strong> estudo, enquanto as<br />

mulheres que têm 25 anos ou mais têm uma média <strong>de</strong> 5,9 anos <strong>de</strong> estudo<br />

(SEPM, 2005). Em três prontuários não havia relato sobre o grau <strong>de</strong><br />

escolarida<strong>de</strong> da gestante.<br />

Tabela 5 - Grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> das mulheres aloimunizadas.<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

GRAU DE<br />

ESCOLARIDADE<br />

Superior completo<br />

Superior incompleto<br />

2º grau completo<br />

2º grau incompleto<br />

1º grau completo<br />

1º grau incompleto<br />

Analfabeta<br />

N % Acumulado %<br />

06 5,0 5,0<br />

03 2,5 7,5<br />

32 26,7 34,2<br />

10 8,3 42,5<br />

21 17,5 60,0<br />

47 39,2 99,2<br />

01 0,8 100,0<br />

TOTAL 120 100,0<br />

Fonte: PN IFF<br />

Apesar da maioria das gestantes do ambulatório <strong>de</strong> DHPN ter<strong>em</strong> pelo<br />

menos o primeiro grau completo, a maioria <strong>de</strong>sconhecia esses agravos à<br />

saú<strong>de</strong> materno-fetal e a forma <strong>de</strong> profilaxia, até chegar no IFF.<br />

Como categorias <strong>de</strong> ocupação (Tabela 6), 48% das mulheres<br />

analisadas exerciam trabalho domiciliar não-r<strong>em</strong>unerado, enquanto 46,3%<br />

exerciam ativida<strong>de</strong> trabalhista r<strong>em</strong>unerada. No entanto, observa-se uma<br />

heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> funções; 8,2% eram domésticas, porém também foram<br />

atendidas nesse período mulheres com nível superior <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>, como


64<br />

bióloga, contadora e economista. A renda familiar relatada foi <strong>em</strong> média <strong>de</strong> 3,8<br />

salários-mínimos/mês, vale salientar que 55,4% dos prontuários não<br />

assinalavam essa renda.<br />

Tabela 6 – Ocupação das mulheres aloimunizadas no momento da matrícula<br />

do PN.<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

OCUPAÇÃO N %<br />

Do lar<br />

59 48,0<br />

Empregada doméstica<br />

10 8,2<br />

Estudante<br />

07 5,7<br />

Ven<strong>de</strong>dora<br />

05 4,1<br />

Comerciante<br />

04 3,3<br />

Técnica <strong>de</strong> enfermag<strong>em</strong><br />

03 2,4<br />

Auxiliar <strong>de</strong> serviços gerais<br />

03 2,4<br />

Cozinheira<br />

03 2,4<br />

Balconista<br />

02 1,6<br />

Costureira<br />

02 1,6<br />

Supervisora<br />

02 1,6<br />

Professora<br />

02 1,6<br />

Não relatado<br />

07 5,7<br />

Outras<br />

14 11,4<br />

TOTAL 123 100,0<br />

Fonte: PN IFF<br />

Quanto ao histórico das gravi<strong>de</strong>zes anteriores (Tabela 7), a amostra <strong>de</strong><br />

gestantes aloimunizadas é constituída na sua maioria <strong>de</strong> mulheres com três ou<br />

mais gestações (74,1%), o que <strong>de</strong>monstra que as mulheres aloimunizadas têm<br />

chegado ao serviço especializado <strong>em</strong> uma fase avançada <strong>de</strong> sua vida<br />

reprodutiva. Nessa sub-amostra, 34,4% <strong>de</strong>las já apresentavam três partos<br />

anteriores. Entre as mulheres aloimunizadas, no período proposto pela<br />

pesquisa, três <strong>de</strong>las estavam <strong>em</strong> sua primeira gravi<strong>de</strong>z.


65<br />

Do total da amostra, 49,2% da clientela tiveram ao menos um aborto<br />

anterior, e <strong>de</strong>stas, 21,5% informaram episódio <strong>de</strong> aborto provocado, ou seja,<br />

um aborto clan<strong>de</strong>stino muitas vezes <strong>em</strong> condições precárias <strong>em</strong> sua realização<br />

gerando uma exposição a riscos <strong>de</strong> infecção, h<strong>em</strong>orragia e morte.<br />

Tabela 7 – Perfil obstétrico das mulheres aloimunizadas na amostra<br />

estudada.<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

n<br />

0<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

≥6<br />

G<br />

N %<br />

0 0<br />

03 2,4<br />

29 23,5<br />

28 22,8<br />

23 18,7<br />

20 16,3<br />

20 16,3<br />

P<br />

N %<br />

17 13,9<br />

31 25,4<br />

32 26,2<br />

17 13,9<br />

15 12,3<br />

05 4,1<br />

05 4,1<br />

A<br />

N %<br />

62 50,8<br />

44 36,1<br />

09 7,4<br />

06 4,9<br />

0 0<br />

01 0,8<br />

0 0<br />

A.<br />

Espont.<br />

N %<br />

84 69,4<br />

29 24,0<br />

05 4,1<br />

03 2,5<br />

0 0<br />

0 0<br />

0 0<br />

A.<br />

Prov.<br />

N %<br />

95 78,5<br />

20 16,5<br />

03 2,5<br />

02 1,7<br />

0 0<br />

01 0,8<br />

0 0<br />

TOTAL 123 100,0 122 100,0 122 100,0 121 100,0 121 100,0<br />

Fonte: PN IFF<br />

G=Gesta<br />

P=Para<br />

A=Aborto (espontâneo e provocado)<br />

n=número <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>zes relatadas<br />

Dois achados chamam muita atenção. Em primeiro lugar, a constatação<br />

<strong>de</strong> que, majoritariamente, as mulheres chegam ao serviço especializado do IFF<br />

após inúmeras gestações. Sá (2006), ao estudar a mesma clientela, mostrou<br />

que as mulheres são encaminhadas tardiamente ao serviço <strong>de</strong> referência, ou<br />

seja, 47,4% no terceiro trimestre da gravi<strong>de</strong>z. Em segundo lugar, a maioria<br />

<strong>de</strong>ssas mulheres (85%) passou por serviços <strong>de</strong> pré-natal <strong>em</strong> suas gravi<strong>de</strong>zes<br />

anteriores (Gráfico 1). Isso nos faz refletir sobre o t<strong>em</strong>a das oportunida<strong>de</strong>s


66<br />

perdidas <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> informação e geração <strong>de</strong> conhecimentos para as<br />

mulheres sobre sua tipag<strong>em</strong> sanguínea, riscos <strong>de</strong> sensibilização e profilaxia da<br />

DHPN.<br />

Gráfico 1 – Acompanhamento pré-natal <strong>em</strong>, ao menos, uma gestação<br />

anterior.<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

15%<br />

SIM<br />

NÃO<br />

85%<br />

Fonte: PN IFF<br />

Des<strong>de</strong> a infância, passando pela adolescência até a vida adulta, são<br />

diversas as formas <strong>de</strong> adquirir conhecimento sobre a tipag<strong>em</strong> sanguínea. No<br />

momento da matrícula no IFF, 85,4% tinham conhecimento prévio sobre sua<br />

condição Rh (D) negativa (Gráfico 2). O período <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong>ssa informação<br />

foi variado nesse grupo (N= 105). Aproximadamente 57,1% adquiriram esse<br />

conhecimento <strong>em</strong> pré-natal anterior e 21% adquiriram esse conhecimento fora<br />

da gravi<strong>de</strong>z, <strong>de</strong>ssas, 81,8% sabia ser Rh (D) <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância/adolescência,<br />

s<strong>em</strong> saber como utilizar essa informação adquirida (Gráfico 3). Existe,


67<br />

inclusive, um caso <strong>de</strong> sensibilização prévia a primeira gravi<strong>de</strong>z associada à<br />

transfusão <strong>de</strong> plaquetas na infância.<br />

Gráfico 2 – Conhecimento sobre tipag<strong>em</strong> sanguínea Rh (D) negativa antes<br />

do PN no IFF entre as mulheres aloimunizadas.<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

15%<br />

SIM<br />

NÃO<br />

85%<br />

Fonte: PN IFF<br />

Gráfico 3 – Período <strong>em</strong> que adquiriu a informação sobre tipag<strong>em</strong> sanguínea<br />

Rh (D) negativa.<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

5%<br />

21%<br />

57%<br />

17%<br />

FORA DA GRAVIDEZ<br />

PARTO<br />

PN ANT<br />

IGN<br />

Fonte: PN IFF


68<br />

Apesar <strong>de</strong> tantas possíveis fontes <strong>de</strong> conhecimento sobre a tipag<strong>em</strong><br />

sanguínea <strong>de</strong> uma mulher <strong>em</strong> ida<strong>de</strong> reprodutiva e as diversas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

informação e orientação sobre fatores <strong>de</strong> risco e prevenção da DHPN, é<br />

flagrante a negligência quanto à profilaxia da doença. Na amostra <strong>em</strong> questão<br />

81,3% das mulheres negaram o uso da imunoglobulina anti-Rh (D) no primeiro<br />

evento <strong>de</strong> parto ou aborto anterior (Gráfico 4).<br />

Quanto ao conhecimento prévio sobre a necessida<strong>de</strong> do uso da<br />

imunoprofilaxia anti-Rh (D) no pós-parto e pós-aborto, 63,4% <strong>de</strong>sconheciam a<br />

necessida<strong>de</strong> do seu uso no pós-parto e 72,4% <strong>de</strong>sconheciam sua necessida<strong>de</strong><br />

no pós-aborto (Tabela 8), o que nos faz refletir sobre a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

informação sobre sua tipag<strong>em</strong> sanguínea e os fatores correlacionados, obtida<br />

no <strong>de</strong>correr da vida, especialmente no momento do pré-natal. Observo, <strong>em</strong><br />

algumas situações, representações diversas sobre o significado <strong>de</strong> ser Rh (D)<br />

negativo, tais como filhos “<strong>de</strong>ficientes”, “retardados” e “mongolói<strong>de</strong>s”.<br />

Gráfico 4 – Uso da imunoglobulina anti-Rh (D) no primeiro evento <strong>de</strong> parto ou<br />

aborto entre as mulheres aloimunizadas.<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

19%<br />

SIM<br />

NÃO<br />

Fonte: PN IFF<br />

81%


69<br />

Tabela 8 – Conhecimento prévio sobre necessida<strong>de</strong> do uso da<br />

Imunoprofilaxia anti-Rh (D) no pós-parto e pós-aborto.<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

CONHECIMENTO PÓS-PARTO % PÓS-<br />

%<br />

ABORTO<br />

SIM 43 35,0 16 13,0<br />

NÃO 78 63,4 89 72,4<br />

NÃO RELATADO 02 1,6 18 14,6<br />

TOTAL 123 100,0 123 100,0<br />

Fonte: PN IFF<br />

Sobre o estado <strong>de</strong> aloimunização, 56% das mulheres não tinham<br />

conhecimento sobre a doença antes <strong>de</strong> chegar<strong>em</strong> ao IFF (Gráfico 5). Das 44%<br />

que tinham conhecimento sobre a doença, 39% a adquiriram no momento do<br />

parto anterior (Gráfico 6).<br />

Muitas mulheres chegam ao IFF cercadas <strong>de</strong> dúvidas sobre a doença <strong>de</strong><br />

seu filho e o tipo <strong>de</strong> acompanhamento que será feito. Algumas <strong>de</strong>las não<br />

possu<strong>em</strong> conhecimento a<strong>de</strong>quado sobre planejamento familiar.<br />

Gráfico 5 - Conhecimento sobre aloimunização Rh (D) entre as mulheres<br />

aloimunizadas.<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

44%<br />

Fonte: PN IFF<br />

56% SIM<br />

NÃO


70<br />

Gráfico 6 - Período <strong>em</strong> que adquiriu o conhecimento sobre a aloimunização<br />

Rh(D).<br />

IFF - abril <strong>de</strong> 2003 a agosto <strong>de</strong> 2005<br />

11%<br />

9%<br />

41%<br />

39%<br />

FORA DA GRAVIDEZ<br />

PARTO<br />

PN ANT<br />

IGN<br />

Fonte: PN IFF


3.2 Vidas<br />

71


72<br />

JOANA, “...a gente b<strong>em</strong> dizer como analfabeta... mas agora, estou sabendo das<br />

coisas...”.<br />

Joana t<strong>em</strong> trinta e oito anos, é parda e resi<strong>de</strong> <strong>em</strong> Olaria, no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro. Atualmente não exerce trabalho r<strong>em</strong>unerado e se <strong>de</strong>dica,<br />

basicamente, ao trabalho <strong>de</strong> cuidados <strong>de</strong> sua família. Convidada a contar-me<br />

como foi sua infância, o primeiro evento que relata é a morte do pai,<br />

assassinado quando ela tinha <strong>de</strong>z anos. Essa perda marca a passag<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

uma infância consi<strong>de</strong>rada por ela como “boa” para outra “mais conturbada”. Ao<br />

longo da entrevista, volta a falar da figura do pai como um gran<strong>de</strong> referencial<br />

afetivo. Ela cresceu <strong>em</strong> uma família numerosa, a mãe teve sete filhos <strong>de</strong> seu<br />

pai e mais outro <strong>de</strong> um segundo casamento. Apesar <strong>de</strong> não falar <strong>em</strong> “pobreza”<br />

e, <strong>em</strong> seu relato, acentuar mais os aspectos positivos do que os negativos <strong>de</strong><br />

suas condições <strong>de</strong> vida na infância, quando <strong>de</strong>screve certos <strong>de</strong>talhes<br />

(habitação, arranjos econômicos da família) percebe-se que o cenário <strong>em</strong> que<br />

vivia era <strong>de</strong> pobreza.<br />

A partir dos doze anos, Joana teve que se envolver ativamente com as<br />

tarefas domésticas. Após a morte do pai, os arranjos familiares precisaram ser<br />

reestruturados e a nova equação entre cuidados domésticos e provisão<br />

econômica envolveu os vários m<strong>em</strong>bros da família. A mãe retornou ao<br />

mercado <strong>de</strong> trabalho r<strong>em</strong>unerado como auxiliar <strong>de</strong> enfermag<strong>em</strong> e ainda<br />

adolescente passou a se ocupar do cuidado da irmã mais nova, ainda um<br />

bebê. Para ela, essa nova situação significou interromper os estudos, entre a<br />

sexta e sétima séries. Somente um t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois, estudando <strong>de</strong> noite, ela<br />

conseguiu concluir o ensino fundamental, seu grau máximo <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>.


73<br />

Aos <strong>de</strong>zoito anos, Joana conseguiu seu primeiro <strong>em</strong>prego <strong>em</strong> uma fábrica<br />

<strong>de</strong> roupas, on<strong>de</strong> trabalhava s<strong>em</strong> carteira assinada. Os <strong>de</strong>mais trabalhos que<br />

teve posteriormente (cuidado <strong>de</strong> crianças, fábrica <strong>de</strong> máquinas <strong>de</strong> escrever)<br />

também foram informais. Apesar <strong>de</strong> ter<strong>em</strong> sido experiências eventuais, o<br />

trabalho fora do lar e a posse <strong>de</strong> uma fonte <strong>de</strong> renda própria são representados<br />

como algo que lhe confere, <strong>em</strong> primeiro lugar, um certo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tomar<br />

<strong>de</strong>cisões e aten<strong>de</strong>r necessida<strong>de</strong>s próprias (“eu via aquelas coisas minhas,<br />

queria comprar, tinha um dinheirinho, vai, ia comprar”); <strong>em</strong> segundo, um certo<br />

po<strong>de</strong>r para aten<strong>de</strong>r necessida<strong>de</strong>s alheias (“então eu estava ajudando o<br />

próximo, a minha mãe, eu ajudava muito a minha mãe também”); e, por fim,<br />

uma fonte <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> extradoméstica (“eu gostava. Aí, eu e essa colega<br />

que a gente ia para a igreja também trabalhava junto com ela e sentava nós<br />

duas. Aí tinha isso também”). Tudo isso é para ela fonte <strong>de</strong> satisfação pessoal<br />

e auto-afirmação. Quando ela e seu companheiro <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m por morar<strong>em</strong> juntos,<br />

e ele encontra um <strong>em</strong>prego r<strong>em</strong>unerado mais estável, ela pára <strong>de</strong> trabalhar<br />

fora (“aí eu parei <strong>de</strong> trabalhar, aí fiquei só pra casa mesmo, para ele... E <strong>de</strong>pois<br />

ainda cui<strong>de</strong>i do meu filho”).<br />

Joana conheceu seu marido Maurício aos <strong>de</strong>zoito anos e eles viv<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />

união consensual há treze anos. Ele foi seu único parceiro sexual até o<br />

momento. Antes <strong>de</strong> conhecer Maurício, teve outros namorados “mas era só<br />

beijinho e abraço. Porque nisso eu era chata. Eu tinha medo. Assim... [eu<br />

pensava] ‘ah, não eu não posso. Eu fico grávida, aí a minha mãe me bate e<br />

não sei o quê....’ O meu pensamento era assim, não é?”. Maurício trabalha<br />

como eletricista na Light. A <strong>de</strong>scrição da vida do casal é b<strong>em</strong> positiva: “ele é<br />

muito amoroso, legal, prestativo. É um bom marido, um bom pai também”.


74<br />

Joana enfatiza como prova da boa qualida<strong>de</strong> da relação conjugal, o fato <strong>de</strong> ele<br />

nunca ter batido nela e <strong>de</strong> ser um bom pai.<br />

A primeira menção à sua experiência com a maternida<strong>de</strong> é feita ao<br />

respon<strong>de</strong>r a pergunta se <strong>em</strong> algum momento <strong>em</strong> sua vida chegou a usar<br />

drogas. Respon<strong>de</strong>ndo negativamente, mas fazendo exceção a certos<br />

momentos sociais nos quais chegou a tomar “uns golinhos”, ressalva que<br />

durante a gestação nunca consumiu álcool porque “essas coisas assim eu<br />

respeito muito, sabe?”. Sua primeira gravi<strong>de</strong>z foi aos trinta e dois anos, e no<br />

momento da entrevista está <strong>em</strong> sua segunda gestação.<br />

Diz que custou muito a engravidar pela primeira vez e foi necessário fazer<br />

um tratamento médico. O tratamento foi realizado durante cinco anos <strong>em</strong> uma<br />

clínica que “era tipo assim essas clínicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>putado. [...] Só que ele per<strong>de</strong>u a<br />

eleição, porque ninguém votou nele, então a clínica fecha. E era boa a clínica.<br />

Eu fiquei até triste porque o pessoal não votou no hom<strong>em</strong>, não é?”. Indagada<br />

sobre a investigação realizada nessa clínica, conta que realizou exames <strong>de</strong><br />

sangue, ultra-som e preventivo, teve o diagnóstico <strong>de</strong> “cisto e inflamação” e<br />

foram-lhe prescritos “r<strong>em</strong>édios” e “pomadas”. Ela nega ter recebido nesse<br />

período informações específicas sobre seu tipo sanguíneo e os significados <strong>de</strong><br />

ser Rh (D) negativo.<br />

O tratamento na clínica do <strong>de</strong>putado é a primeira menção que faz à busca<br />

<strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> reprodutiva. Não aparec<strong>em</strong> espontaneamente relatos <strong>de</strong><br />

procura por serviços ginecológicos e, especificamente, a atenção à concepção<br />

nos serviços da re<strong>de</strong> do SUS. Obviamente isso não significa que ela não tenha<br />

procurado esses serviços, mas o próprio silêncio sobre o t<strong>em</strong>a, a não menção


75<br />

a possíveis dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso ou a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> seus<br />

probl<strong>em</strong>as no sist<strong>em</strong>a público <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> chamam a atenção.<br />

Joana não se l<strong>em</strong>bra <strong>de</strong> ter recebido maiores informações sobre concepção<br />

e contracepção, prevenção <strong>de</strong> doenças sexualmente transmissíveis e<br />

prevenção do câncer ginecológico, no período <strong>em</strong> que buscava auxílio médico<br />

para engravidar Diz que na escola recebeu, sim, algumas informações sobre o<br />

preventivo ginecológico. O medo <strong>de</strong> ir ao médico aparece outras vezes durante<br />

seu relato.<br />

“só que eu não procurava, não é? [...] porque tinha medo. S<strong>em</strong>pre eu gostava assim <strong>de</strong> ir<br />

alguém comigo pro médico, <strong>de</strong>ntista... nunca gostava <strong>de</strong> ir sozinha, porque eu tinha medo.<br />

Aí como não tinha ninguém pra ir comigo, aí eu não ia.”<br />

Em sua primeira gestação, <strong>de</strong>scobriu que estava grávida no segundo mês,<br />

mas iniciou o pré-natal somente no quarto mês:<br />

“por causa <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> passag<strong>em</strong>, essas coisas... E também ele pedia a mãe <strong>de</strong>le pra<br />

me levar, que eu não ia sozinha. Pra marcar também, porque é, era... Para marcar o prénatal<br />

era s<strong>em</strong>pre cheio, aí eu ia com a minha sogra, mas eu não estava acreditando que eu<br />

estava grávida. Que eu levei cinco anos, eu já tinha <strong>de</strong>sistido já. Eu <strong>de</strong>sisti, eu falava, ‘ah,<br />

<strong>de</strong>ixa pra lá na mão <strong>de</strong> Deus. Deus, eu acho que não quer me dar esse filho’. Aí quando eu<br />

<strong>de</strong>scobri que estava grávida <strong>de</strong> dois meses, aí ele ficava, ‘ah, você não vai entrar no prénatal?’.<br />

‘Eu vou, eu vou’. Mas acordar cedo, eu era muito preguiçosa. Aí a minha sogra<br />

falou, ‘já está com quatro meses...’. A minha sogra, não é? ‘Já está com quatro meses,<br />

você vai’. Aí eu fui. Então vamos <strong>em</strong>bora. Cheia <strong>de</strong> sono, mas eu ia.”<br />

Em vários momentos <strong>de</strong> sua entrevista, Joana <strong>de</strong>monstra sentimento <strong>de</strong><br />

baixa auto-estima ao se intitular como preguiçosa <strong>em</strong> seu autocuidado.<br />

O pré-natal da primeira gestação foi realizado <strong>em</strong> um hospital filantrópico <strong>de</strong><br />

Nova Iguaçu, conveniado com o SUS e, segundo relata, foi acompanhada<br />

s<strong>em</strong>pre pelo mesmo médico, até o nono mês. Ocorreu que antes do parto,<br />

começou a per<strong>de</strong>r líquido amniótico e, <strong>em</strong> mais <strong>de</strong> uma ocasião, procurou<br />

aquele hospital. Diziam-lhe s<strong>em</strong>pre que “não estava na hora”, que voltasse<br />

para casa. Aconselhada por uma colega, procurou um hospital universitário<br />

conveniado ao SUS, <strong>em</strong> Mesquita, on<strong>de</strong> nasceu seu bebê. Os profissionais que


76<br />

a aten<strong>de</strong>ram disseram-lhe que havia corrido um gran<strong>de</strong> risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o<br />

neném, por não ter sido internada imediatamente quando procurou o hospital<br />

on<strong>de</strong> realizou o pré-natal e que esse foi o motivo <strong>de</strong> ter sido indicada a<br />

cesariana. Ela conta que o bebê nasceu com um probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e teve<br />

que ficar internado:<br />

“Eu fiquei cinco dias no hospital. [...]. Porque eles disseram que ele tinha nascido com um<br />

probl<strong>em</strong>inha respiratório <strong>de</strong>vido... Porque eu perdi água. [...] Aí furavam ele, ficou todo<br />

furadinho aqui... Chegava a ficar inchada a mãozinha <strong>de</strong>le <strong>de</strong> tanto ficar furando. Aí... ‘ele<br />

vai ter que ficar aqui porque <strong>de</strong>u um probl<strong>em</strong>inha respiratório, por você per<strong>de</strong>u muita<br />

água’.”<br />

medo.<br />

A internação hospitalar mais prolongada trouxe para Joana sofrimento e<br />

“Eu queria até fugir. Ah! eu fiquei <strong>de</strong>sesperada. Eu disse, ‘ah! meu Deus, estou doida para<br />

ir <strong>em</strong>bora’. Cinco dias no hospital. Mas o médico disse que eu tinha que ficar, tinha por<br />

causa do neném, não é? Mas chorava muito. Ela, ‘ah! você não vai ter [alta] hoje’. ‘Ah! não<br />

faz isso comigo não, doutora’. Eu estava <strong>de</strong> alta já, só o neném que não estava. O<br />

probl<strong>em</strong>inha foi mais com ele, não é? Aí eu comecei a chorar. Chorando, chorando. Eu<br />

disse: ‘doutora, eu não agüento mais ficar aqui não’. “<br />

Nesse período, tampouco ela foi esclarecida sobre a tipag<strong>em</strong> sanguínea <strong>de</strong><br />

seu filho ou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser feita imunoprofilaxia para DHPN. Ao longo da<br />

entrevista, vai se tornando evi<strong>de</strong>nte a discrepância entre as preocupações <strong>de</strong><br />

Joana com a prevenção e cuidados com a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua criança e a<br />

preocupação com seu próprio autocuidado, Na alta hospitalar não recebeu<br />

orientação sobre retorno <strong>em</strong> consulta puerperal. Na consulta <strong>de</strong> revisão do<br />

parto para retirada dos pontos, foi informada sobre a necessida<strong>de</strong> da consulta<br />

<strong>em</strong> pediatria, mas não teve orientação sobre planejamento familiar, preventivo<br />

ginecológico ou outro assunto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> reprodutiva, “Não, eles tiraram o ponto<br />

e aí falou pra mim voltar lá, mas pra levar o neném pra pediatria ”.<br />

Joana amamentou seu filho até o oitavo mês e <strong>de</strong>monstra muita<br />

preocupação <strong>em</strong> manter o cartão <strong>de</strong> vacinação <strong>em</strong> dia. Duas coisas chamam a


77<br />

atenção no relato <strong>de</strong>la sobre sua primeira gestação. Em primeiro lugar, ela<br />

reafirma algumas vezes não ter tido informações sobre os resultados <strong>de</strong> seus<br />

exames realizados durante o pré-natal, inclusive sobre sua tipag<strong>em</strong> sanguínea.<br />

Em segundo, conta que após o parto coletaram amostras <strong>de</strong> sangue sua, do<br />

seu marido e do seu bebê para saber o tipo sanguíneo, mas “não falaram nada.<br />

Fizeram o exame, falou que era tudo normal e certinho”. Só veio saber <strong>de</strong> sua<br />

condição Rh (D) negativo ao iniciar o pré-natal <strong>de</strong> sua segunda gestação.<br />

Joana conta que, <strong>de</strong>pois que nasceu seu primeiro filho, não <strong>de</strong>sejava<br />

engravidar novamente, mas tampouco procurou assistência ao planejamento<br />

familiar ou usou métodos contraceptivos. A segunda gravi<strong>de</strong>z – cinco anos<br />

após a primeira - aconteceu aten<strong>de</strong>ndo a uma expectativa <strong>de</strong> seu parceiro:<br />

“Ele queria. Eu só queria ficar só com o menino, mas aí ele vê os irmãos <strong>de</strong>le. São dois<br />

irmãos, só que aí cada um dos dois t<strong>em</strong> dois filhos agora. Aí ele também queria um<br />

também. Aí eu disse: ‘ah! mas só esse está bom’.“<br />

A afirmação <strong>de</strong> que não <strong>de</strong>sejava mais ter filhos está <strong>em</strong> tensão com<br />

outra história que ela conta logo <strong>de</strong>pois:<br />

“Eu ia muito lá [no posto] pra fazer teste <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z, porque eu acho que eu tinha<br />

gravi<strong>de</strong>z psicológica antes <strong>de</strong> eu engravidar, eu cismava que estava grávida. Aí ia fazer<br />

os teste naqueles potinhos não é? Só que <strong>de</strong>ssa vez eu fiz a ultra-vaginal, que eu fui<br />

no particular.”<br />

A segunda gestação foi diagnosticada no segundo mês e seu pré-natal<br />

foi iniciado <strong>em</strong> posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> próximo à sua residência. Comparecia<br />

regularmente às consultas e realizava exames laboratoriais. Nesse período foi<br />

alertada para o risco <strong>de</strong> an<strong>em</strong>ia fetal <strong>de</strong>corrente da DHPN. Pela primeira vez<br />

fez o teste <strong>de</strong> Coombs indireto. O exame foi feito <strong>em</strong> laboratório particular, pois<br />

o posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> não o tinha disponível. Foi informada pelo profissional que a<br />

atendia no pré-natal que seu Coombs era positivo e foi encaminhada ao IFF. A


78<br />

notícia que ”‘está dando um probl<strong>em</strong>a no teu sangue, então lá eles vão ver o<br />

que vão fazer com você’” gerou muito sofrimento para ela e seus familiares:<br />

“Foi um choque, não é? [...] Eu chorei e tudo. Porque eu tive a minha sobrinha que teve<br />

um probl<strong>em</strong>inha. [...] Ela tinha síndrome <strong>de</strong> Down. Aí ela nasceu com uma porção <strong>de</strong><br />

probl<strong>em</strong>a, não é? De coração. [...] e faleceu com seis meses. Aí, eu já vi tudo aquilo na<br />

minha cabeça.”<br />

A falta <strong>de</strong> maiores esclarecimentos sobre o significado da<br />

aloimunização e da DHPN implicou a formulação <strong>de</strong> falsas idéias sobre essas<br />

condições, trazendo imediatamente a l<strong>em</strong>brança <strong>de</strong>sse caso <strong>de</strong> Sindrome<br />

Down na família e gerando associação com o risco <strong>de</strong> epilepsia, doença que<br />

acomete seu companheiro.<br />

Antes da atual gravi<strong>de</strong>z, Joana foi informada sobre a tipag<strong>em</strong> sanguínea<br />

(B negativo) do seu primeiro filho pela pediatra que o acompanha, mas isso foi<br />

compreendido por ela como apenas mais um exame <strong>de</strong> rotina. Soube <strong>de</strong> sua<br />

própria tipag<strong>em</strong> sanguínea (B negativo) somente no pré-natal da gravi<strong>de</strong>z<br />

atual, porém, antes <strong>de</strong> ser encaminhada ao IFF, não havia recebido maiores<br />

explicações sobre o seu significado e implicações para a gravi<strong>de</strong>z atual e<br />

futuras gestações. Ao relatar a relação com o profissional do posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> fazia o pré-natal, fica incomodada com a falta <strong>de</strong> diálogo:<br />

“Não, não conversava muito não, porque o médico também era meio bruto. Ai, eu acho<br />

que não era muito <strong>de</strong> conversa não. Estava tudo normal e pronto. Botava exame para<br />

mim e dizia que estava tudo normal. Eu n<strong>em</strong> sabia que o meu tipo <strong>de</strong> sangue... que eu<br />

sabia era que era tudo normal mesmo. [...] É, eu vou dizer que o melhor atendimento<br />

que eu estou tendo sobre essas coisas todas é esse posto [o IFF], não é ?”<br />

A avaliação <strong>de</strong> Joana sobre a qualida<strong>de</strong> do atendimento que recebeu<br />

<strong>em</strong> suas duas gestações t<strong>em</strong> alguns critérios implícitos e, às vezes, <strong>em</strong> tensão:<br />

a) o acolhimento, no sentido do bom trato; b) os resultados para a saú<strong>de</strong> do<br />

seu bebê; e, c) a informação recebida, na medida que essa consegue gerar<br />

uma sensação <strong>de</strong> maior entendimento e controle da situação. Apesar <strong>de</strong>


79<br />

reafirmar que no hospital <strong>de</strong> Mesquita, on<strong>de</strong> teve seu primeiro filho, a equipe <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> não lhe informou nada sobre sua tipag<strong>em</strong> sanguínea e a questão da<br />

prevenção da aloimunização e da DHPN, faz uma avaliação muito positiva <strong>de</strong><br />

seu <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho:<br />

“Porque lá os médicos também são maravilhosos. Por que é que eles, b<strong>em</strong> dizer,<br />

salvaram a vida do meu filho. Lá salvaram a vida do meu filho. E eram três, quatro<br />

médicos aten<strong>de</strong>ndo só... ali só para ele. Então, eu não tenho que falar.”<br />

Por sua vez, como vimos acima, o atendimento do posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

foi diagnosticada a aloimunização e feito o encaminhamento ao IFF é<br />

consi<strong>de</strong>rado ruim <strong>em</strong> função da atitu<strong>de</strong> pouco acolhedora do médico. Apesar<br />

<strong>de</strong> estar recém inscrita no ambulatório <strong>de</strong> pré-natal do IFF, pelo fato <strong>de</strong> ter sido<br />

não somente avaliada clinicamente, mas também escutada por assistente<br />

social, neonatologista e obstetra, ela se sente mais valorizada e faz uma<br />

avaliação positiva do atendimento, <strong>em</strong> função da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diálogo e da<br />

sensação <strong>de</strong> estar mais fortalecida.<br />

“Agora sim, estou mais informada. Porque antigamente não sabia <strong>de</strong> nada, porque eles<br />

não informavam a gente. A gente, b<strong>em</strong> dizer, [é tratada] como analfabeto. Mas agora<br />

estou sabendo das coisas. [...].”<br />

Os conhecimentos <strong>de</strong> Joana sobre saú<strong>de</strong> sexual e reprodutiva são muito<br />

escassos. Ela t<strong>em</strong> pouca informação sobre métodos <strong>de</strong> controle da<br />

fecundida<strong>de</strong>, nunca procurou serviço <strong>de</strong> planejamento familiar e, praticamente,<br />

não t<strong>em</strong> experiência com contraceptivos. Em sua percepção, o preventivo<br />

ginecológico é uma forma <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> infecção e não um procedimento <strong>de</strong><br />

investigação <strong>de</strong> câncer do colo uterino. Poucas vezes, e <strong>de</strong> modo pouco<br />

rotineiro, ela realizou o exame preventivo. Ao justificar essa conduta outra vez<br />

ela evoca uma visão <strong>de</strong>preciativa <strong>de</strong> si mesma: “a preguiça não <strong>de</strong>ixava”.


80<br />

Ao final da entrevista, Joana <strong>de</strong>monstra preocupação com sua gravi<strong>de</strong>z<br />

atual “ele [o médico] disse que não t<strong>em</strong> nada não, esse negócio só da an<strong>em</strong>ia,<br />

mas também não é grave, não é muito grave. Que falaram que era grave...”.<br />

Sente-se culpabilizada a respeito da doença <strong>de</strong> seu filho, e as condutas que lhe<br />

são prescritas para promoção e prevenção da saú<strong>de</strong> - a sua e <strong>de</strong> seus<br />

familiares - parece soar para ela como uma carga <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

adicional, às vezes difícil <strong>de</strong> incorporar <strong>em</strong> seu cotidiano.<br />

“ ‘A culpada é você [disse o marido]. Você não toma suco <strong>de</strong> beterraba’”. Eu disse:<br />

‘Mas às vezes não é pra mim precisar tomar suco <strong>de</strong> beterraba...’.. Meu Deus, ‘t<strong>em</strong> que<br />

tomar, porque não sei o que...’, ‘[t<strong>em</strong> que usar] camisinha, que não sei o que...’.”


81<br />

PAULA, “...sabe que eu ainda não consegui assim abraçar isso, essa doença<br />

h<strong>em</strong>olítica? Eu ainda não consegui abraçar ela...”.<br />

Paula é uma mulher <strong>de</strong> trinta e oito anos, parda, moradora <strong>de</strong><br />

Cascadura no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Atualmente trabalha como catadora <strong>de</strong> papel ao<br />

lado <strong>de</strong> seu companheiro, com r<strong>em</strong>uneração escassa. Sua renda familiar<br />

correspon<strong>de</strong> a hum salário-mínimo.<br />

Ela avalia sua infância como “muito triste”, sendo marcada por<br />

mudanças sucessivas do núcleo familiar. A figura paterna aparece como uma<br />

pessoa ausente. Sua mãe faleceu quando tinha apenas cinco anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, e<br />

por essa razão, juntamente aos seus três irmãos mais velhos, foi morar com a<br />

avó materna, que se ocupou da criação dos netos. Quando Paula tinha catorze<br />

anos, a avó faleceu e ela com os irmãos voltaram novamente a residir com o<br />

pai, que há alguns anos, tinha constituído uma nova família. A nova esposa do<br />

pai era sua irmã <strong>de</strong> criação e ele tinha filhos <strong>de</strong>sse novo relacionamento.<br />

“A minha infância foi pra mim triste, muito triste. Porque o meu pai ele bebia muito e a<br />

minha mãe também ela bebia, mas minha mãe bebia mais <strong>em</strong> casa e meu pai mais na<br />

rua. Então qu<strong>em</strong> criou praticamente eu e minha irmã e meus dois irmãos foi minha avó.<br />

Aí minha mãe veio a falecer, aí ficamos só com a minha avó. E o meu pai arrumou<br />

outra pessoa, ficou com essa pessoa, aí queria levar a gente da minha avó, minha avó<br />

muito velhinha. Aí minha avó brigava muito pela gente, não é? Porque a minha mãe<br />

tinha falecido, foi quando ele veio também a falecer, já com noventa e seis anos, não<br />

é? Ela veio a falecer. Aí a gente <strong>de</strong> todo jeito tinha que ficar com o meu pai.”<br />

Toda sua infância foi marcada por muita precarieda<strong>de</strong>, seja afetiva,<br />

econômica ou social. Nos diversos arranjos familiares <strong>em</strong> que viveu, as<br />

relações eram tensas. L<strong>em</strong>bra-se que seus pais bebiam muito e chegou a<br />

presenciar agressões verbais entre ambos; negou, entretanto, que houvesse<br />

test<strong>em</strong>unhado agressão física entre eles. Quando se agregaram à nova família<br />

do pai, Paula e seus irmãos sofriam maus-tratos por parte da madrasta. Conta


82<br />

que, por fugir <strong>de</strong> casa para evitar as agressões, seu irmão teve internações na<br />

FUNABEM 15 .<br />

“Aí com ela já era diferente porque ela batia na gente. Ela qualquer coisinha, qualquer<br />

coisinha que a gente fazia ela já vinha com um pedaço <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pra bater na gente.<br />

Foi aon<strong>de</strong> a gente começou a se perguntar, se era nossa irmã porquê estava morando<br />

com ele e porquê fazia isso com a gente. Ela s<strong>em</strong>pre batia na gente. Teve até o meu<br />

irmão, esse meu irmão, o mais novo, que <strong>de</strong> tanto ele fugir <strong>de</strong> casa porque ela batia,<br />

ele foi parar na antiga FUNABEM, uma que existia ali <strong>em</strong> Quintino.”<br />

A situação <strong>de</strong> pobreza durante a infância também é muito marcante.<br />

Paula e a família viviam no limiar da miséria absoluta e da fome, “a gente<br />

passou muita dificulda<strong>de</strong>, s<strong>em</strong> ter às vezes o que comer”. As condições <strong>de</strong><br />

habitação eram precárias. Quando morava no Engenho Novo, vivia uma casa<br />

<strong>de</strong> “estuque”, s<strong>em</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> água e esgoto.<br />

Paula começou a freqüentar a escola somente na adolescência, contudo<br />

as graves condições materiais e financeiras da família foram motivo <strong>de</strong><br />

interrupções <strong>em</strong> seus estudos. Com catorze anos, ela começou a trabalhar no<br />

mercado informal, s<strong>em</strong>pre com ocupações muito mal-r<strong>em</strong>uneradas, como<br />

forma <strong>de</strong> ajuda financeira <strong>em</strong> seu domicílio.<br />

“Não sabia nada, não sabia nada, nada, nada. Aí <strong>de</strong>pois comecei a estudar. Aí<br />

conforme eu te falei, logo eu tive que parar, não é? Porque a situação era muito ruim, a<br />

gente quase passando necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comida <strong>em</strong> casa com catorze anos já ficar<br />

esperando só passar necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa; ‘vamos dar um jeito <strong>de</strong> arranjar um<br />

jeito <strong>de</strong> arranjar um serviço pra po<strong>de</strong>r arrumar o que comer’, não é? Aí foi on<strong>de</strong> eu<br />

comecei trabalhar <strong>em</strong> casa <strong>de</strong> família.”<br />

Iniciou sua vida sexual aos <strong>de</strong>zessete anos com o atual companheiro<br />

que foi o seu primeiro e único parceiro, e eles já moram juntos há vinte anos.<br />

Ela engravidou logo no início <strong>de</strong> sua relação, pois não tinha conhecimento<br />

sobre contracepção.<br />

O companheiro, mais novo que ela, é analfabeto e também trabalha<br />

como catador <strong>de</strong> papel. Paula diz que ele já teve algumas boas oportunida<strong>de</strong>s<br />

15 Fundação Nacional do B<strong>em</strong>-Estar do Menor.


83<br />

<strong>de</strong> trabalho, mas, como é<br />

usuário <strong>de</strong> cocaína, s<strong>em</strong>pre t<strong>em</strong> o serviço<br />

prejudicado pelo vício com bebida e drogas.<br />

“Já trabalhou <strong>em</strong> que? Já trabalhou assim <strong>de</strong> porteiro, auxiliar <strong>de</strong> serviços gerais,<br />

arranja serviços bons, ta? Ele arranja serviço bom mesmo, mas o negócio... É aon<strong>de</strong><br />

eu estou falando, é aon<strong>de</strong> envolve esse vício <strong>de</strong>le. Porque se ele fizer esse... Usar isso<br />

uma noite, ele passa a noite todinha acordado, é a noite toda. Parece que a pessoa<br />

não t<strong>em</strong> sono, não t<strong>em</strong> fome, que quando eu olho <strong>de</strong> manhã cedo a comida está lá<br />

intocada, eu faço o prato das crianças. Aí preparo o <strong>de</strong>le e <strong>de</strong>ixo lá arrumadinho.”<br />

No cômputo geral, ela consi<strong>de</strong>ra seu companheiro como uma pessoa<br />

pacífica e um bom pai, e nega ser vítima <strong>de</strong> violência doméstica.<br />

“Olha, ele é uma boa pessoa, é um ótimo pai. Apesar <strong>de</strong>le usar isso, ele não... Ele<br />

usou aquele negócio ali, aí o que ele faz? Ele pega dois, três ventilador aí fica ali, a<br />

noite todinha ali martelando, quando é <strong>de</strong> manhã o ventilador está funcionando. Aí o<br />

ventilador está funcionando, o ferro <strong>de</strong> passar roupa está funcionando, qualquer<br />

eletrodoméstico que ele pegar ali naquele dia ele faz tudinho, faz aquele serviço todo,<br />

mas não chateia, não me ataca, não ataca as crianças, não se mete com ninguém.<br />

Graças a Deus, é uma pessoa passiva, passiva, quando ele usa essa droga, b<strong>em</strong><br />

passiva mesmo.”<br />

Paula, ainda na adolescência, trabalhou com <strong>em</strong>pregada doméstica e<br />

<strong>em</strong>pacotadora <strong>de</strong> supermercado. Aos <strong>de</strong>zoito anos, quando engravidou <strong>de</strong> seu<br />

primeiro filho, as novas responsabilida<strong>de</strong>s introduzidas pela maternida<strong>de</strong><br />

criaram dificulda<strong>de</strong>s no trabalho.<br />

“Porque engravi<strong>de</strong>i <strong>de</strong>sse meu primeiro filho. Aí eu tive ele, aí voltei a trabalhar nos<br />

Três Po<strong>de</strong>res. Aí fui trabalhar já <strong>de</strong> <strong>em</strong>pacotadora lá nos Três Po<strong>de</strong>res. Lá, o moço lá<br />

do supermercado falou, ‘t<strong>em</strong> uma coisa, você escolhe filho ou escolhe o serviço,<br />

porque com os dois não dá pra ficar’.”<br />

Conciliar a vida doméstica com o trabalho r<strong>em</strong>unerado s<strong>em</strong>pre foi uma<br />

fonte <strong>de</strong> tensão para ela, ainda mais consi<strong>de</strong>rando a <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

apoio mais próxima. Ao longo da entrevista, mais <strong>de</strong> uma vez, Paula ressentese<br />

por ter que abandonar suas ativida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>sejos pessoais <strong>em</strong> prol <strong>de</strong> outras<br />

necessida<strong>de</strong>s mais urgentes.<br />

“E a mãe <strong>de</strong>le falava assim pra mim... Um dia ela ficava, ‘tudo b<strong>em</strong>, é meu netinho...’,<br />

não sei o que... No dia seguinte ela já falava... Eu acordava cedo pra po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>scer<br />

cedo pro supermercado, ela já falava assim, ‘Ah! hoje você leva ele com você porque<br />

não dá pra mim ficar’. Aí eu falei, ‘quando eu vou me comprometer... Se a senhora se<br />

comprometeu pra mim arranjar serviço pra mim ficar com a criança, eu não tenho<br />

condições <strong>de</strong> levar ele e botar <strong>em</strong> cima da caixa e ficar <strong>em</strong>pacotando coisas dos<br />

fregueses’. Que naquela época existia ainda <strong>em</strong>pacotadora, agora não existe mais. Eu


84<br />

pensei assim, ‘pronto, eu não vou pegar o meu filho e <strong>de</strong>ixar o meu filho por aí por<br />

causa <strong>de</strong> serviço’. Quer dizer, eu não vou abandonar mais uma coisa <strong>em</strong> prol do<br />

serviço. Já tinha abandonado a escola antes por causa <strong>de</strong> serviço. Aí <strong>de</strong>pois estava <strong>em</strong><br />

jogo, era uma vida que estava <strong>em</strong> jogo, era o meu filho com pouco t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> vida, por<br />

causa <strong>de</strong> serviço. Aí eu <strong>de</strong>cidi ficar com o meu filho, aí fiquei com ele.”<br />

Segundo nos conta Paula, as condições <strong>de</strong> trabalho dos catadores <strong>de</strong><br />

papel são muito insalubres com riscos <strong>de</strong> atropelamento, doenças e outros.<br />

Contudo, ela acha que na gravi<strong>de</strong>z é necessário interromper essa ativida<strong>de</strong>,<br />

por po<strong>de</strong>r comprometer a saú<strong>de</strong> da gestante e do bebê.<br />

“Quando ele fez três anos, coloquei na creche. Aí ele ficou na creche até os seis anos.<br />

De seis anos foi pra escola. Aí eu pensei, ‘agora está na hora <strong>de</strong> dar uma ajuda <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> casa, não é? Porque senão, fica difícil também. Aí era o serviço que ele já estava<br />

fazendo, não é? Catar papel na rua. Eu falei, ‘bom, vou tentar também, tentar também<br />

ajudar um pouco. Foi aí que eu comecei e não parei mais. Agora só paro mesmo<br />

enquanto... No caso <strong>de</strong> uma gravi<strong>de</strong>z pra não apanhar peso, porque é um serviço<br />

pesado. Às vezes a gente pega 100 quilos, 200 quilos, 300 quilos, quer dizer, é um<br />

serviço pesado. Pra pessoa que está grávida é pesado. Aí t<strong>em</strong> que parar por motivo <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>, então pára mesmo.”<br />

Paula está na sua quinta gravi<strong>de</strong>z. Fez pré-natal <strong>em</strong> unida<strong>de</strong>s da re<strong>de</strong><br />

municipal <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>em</strong> todas as suas gestações,<br />

inscrevendo-se precoc<strong>em</strong>ente e freqüentando periodicamente as consultas.<br />

Realizou todos os exames solicitados, e tinha cartão <strong>de</strong> gestante. Reconhece a<br />

importância <strong>de</strong> realização do pré-natal e consi<strong>de</strong>ra seus pré-natais como <strong>de</strong><br />

boa qualida<strong>de</strong>, com exceção da quarta gravi<strong>de</strong>z. Ela valoriza o fato <strong>de</strong> ter feito<br />

os três primeiros pré-natais com o mesmo médico a cada gravi<strong>de</strong>z.<br />

“Começa assim com um mês, dois meses começava já e daí ia seguindo direto s<strong>em</strong><br />

faltar às consultas não é? Por medo <strong>de</strong> faltar às consultas e dá alguma coisa errada...<br />

Eu acho que o único pré-natal que pra mim não significou muita coisa, e se b<strong>em</strong> que eu<br />

fiz um <strong>de</strong> tudo pra ver se não acontecia foi esse agora, mas os outros foram ótimos.<br />

Foram ótimos! Sabe?”<br />

Sua primeira gestação transcorreu s<strong>em</strong> intercorrências e seu bebê<br />

nasceu <strong>de</strong> parto a fórceps com boas condições clínicas. Apesar <strong>de</strong> ter sido<br />

informada sobre sua tipag<strong>em</strong> sanguínea A Rh (D) negativo, diz que nesse prénatal<br />

não recebeu nenhuma informação sobre riscos e prevenção <strong>de</strong> DHPN.


85<br />

Soube posteriormente que seu filho é Rh (D) positivo, mas nesse parto não<br />

recebeu imunoprofilaxia.<br />

Na segunda gestação, o pré-natal e o parto foram realizados nas<br />

mesmas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que a anterior. O parto ocorreu s<strong>em</strong> complicações<br />

e o bebê nasceu b<strong>em</strong>. Essa sua filha é Rh (D) negativo. Até esse momento<br />

continuava <strong>de</strong>sconhecendo o significado <strong>de</strong> sua tipag<strong>em</strong> sanguínea, a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imunoprofilaxia e os riscos <strong>de</strong> aloimunização.<br />

Em sua terceira gravi<strong>de</strong>z, o pré-natal e o parto foram realizados <strong>em</strong><br />

outras unida<strong>de</strong>s da re<strong>de</strong> municipal. Ela não teve intercorrências na gravi<strong>de</strong>z e<br />

parto, mas o bebê nasceu com “pele amarela” e “ficou três dias no banho <strong>de</strong><br />

luz”. A médica que a aten<strong>de</strong>u não lhe explicou porque seu filho necessitava <strong>de</strong><br />

fototerapia, “não. Só falou que estava alterado [bilirrubina] só e pronto. Mas não<br />

me explicou porque razão”.<br />

Se lhe faltaram informações sobre a imunoprofilaxia da aloimunização,<br />

ela recebeu orientações completas sobre amamentação e cuidados com o<br />

recém-nato. Essa experiência foi bastante gratificante para Paula, tanto pelo<br />

conteúdo das informações e orientações recebidas, como pela qualida<strong>de</strong> do<br />

diálogo entre ela e o profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

“Ah! amamentação, como amamentar. Eu aprendi tanto sobre amamentação que<br />

(risos) até hoje, não precisa mais falar comigo que tudo que eu sabia passei tudinho<br />

pra minha nora: como pegar no peito pra dar ao menino, como dar o peito ao menino.<br />

Explicava pra ela que o leite era a melhor coisa que tinha... Mas entrar na cabeça <strong>de</strong>la<br />

era uma coisa...”<br />

O pré-natal <strong>de</strong> sua quarta gestação é avaliado por ela como <strong>de</strong> péssima<br />

qualida<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> ter sido realizado na mesma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu terceiro<br />

acompanhamento pré-natal. A questão que ela mais critica é o fato <strong>de</strong> ter sido


86<br />

atendida <strong>em</strong> cada consulta por um profissional diferente, dificultando o vínculo,<br />

o diálogo e o esclarecimento <strong>de</strong> suas dúvidas.<br />

“Porque nos outros três pré-natal, além <strong>de</strong> eu me consultar com um médico só até os<br />

nove meses, as coisas eram muito b<strong>em</strong> mais explicada, muito b<strong>em</strong> mesmo. E, sei lá,<br />

uma coisa aqui que lá não fazia, lá só tirava a pressão uma vez só, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> três<br />

meses ia tirar <strong>de</strong> novo. Tanto que às vezes eu estava inchada lá, ‘doutora, o que é<br />

isso, o que está acontecendo que o meu pé está s<strong>em</strong>pre inchando?’ ‘Isso é assim<br />

mesmo, porque a barriga pesa’. Eu digo, ‘gente, mas não po<strong>de</strong> ser assim. Quando eu<br />

estava grávida das outras crianças não acontecia d’eu ficar pé inchado’. ‘Ah! probl<strong>em</strong>a<br />

<strong>de</strong> pressão’. ‘A senhora não po<strong>de</strong> passar nada pra esse probl<strong>em</strong>a acabar?’. ‘Ah! não,<br />

se passar po<strong>de</strong> prejudicar a criança’. ‘<br />

O parto ocorreu <strong>em</strong> maternida<strong>de</strong> da re<strong>de</strong> municipal <strong>em</strong> Madureira, e se<br />

sentia pouco acolhida pela equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

“Lá no H.P. eu já senti mais diferença, porque lá a doutora quase não vai. Quando você<br />

t<strong>em</strong> neném, a doutora quase não vai. Está mais perto, não é? Ali do Campinho pra<br />

maioria é mais perto, mas também, a questão <strong>de</strong> atendimento ali é horrível. [...]. Mas<br />

eu cheguei no hospital, eu falei assim, ‘doutora, pelo amor <strong>de</strong> Deus, me ajuda que a<br />

criança está nascendo’. A doutora, ‘mãe espera mais um pouquinho, aguarda aí<br />

sentada’. Eu falei, ‘doutora, eu estou com sete meses e a criança está nascendo, pelo<br />

amor <strong>de</strong> Deus! Me ajuda’. A doutora, ‘então entra aqui’. Quando ela me <strong>de</strong>itou na cama<br />

pra me dar uma injeção, o que aconteceu? O menino veio.”<br />

Seu quarto filho nasceu pr<strong>em</strong>aturo e faleceu com um mês <strong>de</strong> vida, tendo<br />

diagnóstico <strong>de</strong> pneumonia. Foi uma experiência <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sofrimento e medo<br />

para ela e seu companheiro.<br />

“...eu acho que pra ele a perda pior do que comigo, porque ele sentiu muito, ele sentiu<br />

muito. Ele estava no hospital todo dia, às vezes ele ia <strong>de</strong> manhã só voltava <strong>de</strong> noite do<br />

hospital...Eu falei, ‘bom, se não me <strong>de</strong>ram, então a culpa não é minha’. Eu chegar <strong>em</strong><br />

cima, do jeito que eu estava com a minha cabeça, o menino lá, a gente todo dia no<br />

berçário, dia após dia. Eu ficava <strong>de</strong> manhã e <strong>de</strong> noite, toda hora ia lá <strong>de</strong>ntro do<br />

berçário. N<strong>em</strong> me veio a cabeça que eu tive neném e não me <strong>de</strong>ram essa injeção.<br />

Talvez por alguma coisa que eles pensaram assim... alguma coisa, eu pensei também<br />

que não era tão necessária assim essa injeção conforme eu estou vendo que é.”<br />

Paula chegou na sua quarta gestação s<strong>em</strong> compreen<strong>de</strong>r os significados<br />

<strong>de</strong> sua tipag<strong>em</strong> sanguínea para sua saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> seu bebê e s<strong>em</strong> ter<br />

informações sobre imunoprofilaxia da aloimunização Rh e DHPN. Saber sobre<br />

sua condição Rh (D) negativa não significa automaticamente transformar essa<br />

informação <strong>em</strong> conhecimento útil para o autocuidado com a saú<strong>de</strong> reprodutiva.<br />

“Pra mim havia <strong>de</strong> ser como qualquer outro [tipag<strong>em</strong> sanguínea], não é? Achei que<br />

não era uma coisa assim tão conforme eu estou vendo aqui. Esse sangue, esse


87<br />

sangue... Sei lá, não é uma coisa tão benéfica assim, não é? Mas também não é tão<br />

ruim não é? Não é o pior <strong>de</strong> todos, não é? Mas também não é uma coisa que traz<br />

muito beneficio a saú<strong>de</strong>.”<br />

No início da gravi<strong>de</strong>z atual, ao procurar serviço <strong>de</strong> pré-natal no mesmo<br />

posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> on<strong>de</strong> havia sido assistida <strong>em</strong> suas duas primeiras gestações,<br />

Paula recebeu informação sobre a DHPN, e soube que sua gravi<strong>de</strong>z teria risco<br />

gestacional e <strong>de</strong>veria ser acompanhada no IFF.<br />

“Não, o doutor E. ele falou comigo assim, ‘olha, o seu neném... Você está com<br />

probl<strong>em</strong>a com o seu neném tanto <strong>de</strong>le po<strong>de</strong> morrer <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> você, ou assim que ele<br />

nascer ele po<strong>de</strong> morrer, inchar e morrer. Porque você <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> tomar uma injeção e<br />

essa injeção parece que afetou o sangue, alguma coisa’. Aí eu peguei e falei assim,<br />

‘mas essa injeção... Eu me l<strong>em</strong>bro que na época eu não tomei mesmo <strong>de</strong>pois que eu<br />

tive criança não’. Aí o médico pegou e falou assim, ‘mas eles <strong>de</strong>viam ter te dado essa<br />

injeção que era pra prevenir’.”<br />

A atual gravi<strong>de</strong>z ocorreu aten<strong>de</strong>ndo um <strong>de</strong>sejo do companheiro, que não<br />

se conformava com a perda do bebê anterior.<br />

“Ah, muito boa [participação do marido nos partos]! S<strong>em</strong>pre muito carinhoso. Então<br />

nessa gravi<strong>de</strong>z agora, eu só engravi<strong>de</strong>i mesmo porque ele... Olha, mas ele pedia,<br />

pedia chorando pra eu ter outro filho que tinha que superar aquilo que aconteceu, que<br />

ele achou que não aconteceu só comigo.”<br />

Sente-se insegura pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r novamente um filho e<br />

acredita que não suportaria tal fato, principalmente pela reação <strong>de</strong> seu<br />

companheiro.<br />

“Aí o médico falou, ‘olha, você vai ter que sofrer um bocadinho, mas tu vai ter que ir lá<br />

pra baixo pra cida<strong>de</strong> pra fazer esse pré-natal lá’. Eu peguei e falei assim, ‘mas doutor,<br />

se eu não for fazer esse pré-natal lá?’, ‘aí você que sabe, talvez não seja n<strong>em</strong> esse<br />

probl<strong>em</strong>a que eu estou passando pra você, mas é melhor você ir direto do que pegar e<br />

eu ficar amaciando as coisas pra você pensar que está tudo b<strong>em</strong>, porque não está tudo<br />

b<strong>em</strong> mesmo. Po<strong>de</strong> a criança nascer muito b<strong>em</strong>, e po<strong>de</strong> a criança não durar n<strong>em</strong> dois<br />

minutos <strong>de</strong> vida, ou então morrer <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> você mesma e você n<strong>em</strong> saber’. Eu peguei<br />

e falei, ‘bom, já que não t<strong>em</strong> outro jeito, vamos então pra cida<strong>de</strong>’. Foi o que fiz. Falei<br />

com o meu marido, cheguei <strong>em</strong> casa, conversei com ele. Ele falou, ‘bom, vamos ver<br />

se a gente arranja o dinheiro da passag<strong>em</strong> primeiro, não é? Que eu não sei n<strong>em</strong><br />

quanto que é a passag<strong>em</strong> pra po<strong>de</strong>r a gente ir procurar esse hospital pra ver o que vão<br />

dizer lá não é? De repente, é pra você se tratar lá, <strong>de</strong> repente, é pra você se tratar <strong>em</strong><br />

Madureira. É uma questão só dos exames’. Aí eu vim pra cá. Foi assim.”<br />

Fazer pré-natal no IFF exige um sacrifício pessoal <strong>de</strong>la e <strong>de</strong> seu<br />

companheiro, principalmente pelo quadro <strong>de</strong> pobreza <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>.


88<br />

“Olha, está sendo dificultoso. Está sendo dificultoso porque às vezes eu tenho que<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> comprar no caso alguma coisa, assim, comprar uma fruta, comprar uma<br />

coisa que eu quero comer assim, que s<strong>em</strong>pre dá uma vonta<strong>de</strong> doida às vezes <strong>de</strong><br />

comer alguma coisa, aí eu <strong>de</strong>ixo, ‘ah, não. Não vou comprar não, vou fazer o seguinte,<br />

‘oh! esse dinheiro é da passag<strong>em</strong>, é sagrado’. Aí eu já falo com o meu marido, ‘oh! não<br />

adianta, o dinheiro da passag<strong>em</strong> é sagrado’. Aí essa s<strong>em</strong>ana... Foi o quê... Eu separei<br />

vinte reais, que dá oito. Eu pensei assim, ‘esse dinheiro aqui é da passag<strong>em</strong>, pelo<br />

amor <strong>de</strong> Deus é sagrado, não adianta n<strong>em</strong> tocar, n<strong>em</strong> pra nada’. Pra po<strong>de</strong>r... É<br />

dificultoso, mas t<strong>em</strong> que ser, não po<strong>de</strong> faltar as consultas. É bom que seja, está sendo<br />

dificultoso, mas o que eu vou fazer, não é pra o meu b<strong>em</strong> e b<strong>em</strong> do meu neném?<br />

Então é nisso só que eu penso.”<br />

Paula t<strong>em</strong> conhecimento sobre contracepção <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento <strong>de</strong><br />

seu primeiro filho. O uso <strong>de</strong> anticoncepcional oral foi indicado por sua irmã<br />

mais velha que já tinha experiência com o método. O intervalo entre suas<br />

gestações foi <strong>de</strong> aproximadamente quatro anos.<br />

“Não foi sugestão do médico, já foi sugestão <strong>de</strong> uma irmã minha que estava usando,<br />

essa que teve filho primeiro, a mais velha, ela teve uma menina então ela começou a<br />

usar esse anticoncepcional. Foi no caso até um tal <strong>de</strong> ? Nor<strong>de</strong>te®.”<br />

Ela t<strong>em</strong> preocupação com outros cuidados <strong>em</strong> sua vida reprodutiva.<br />

Sabe sobre a importância do uso <strong>de</strong> camisinha e faz preventivo ginecológico<br />

rotineiro na BEMFAM, no entanto não faz referência sobre a importância da<br />

realização do preventivo como exame <strong>de</strong> rastreio do câncer do colo uterino, e<br />

sim <strong>em</strong> uma forma <strong>de</strong> manter-se livre <strong>de</strong> uma “inflamação uterina”.<br />

parceiro.<br />

“Já, já me explicaram sobre a importância <strong>de</strong> usar s<strong>em</strong>pre um método pra evitar a<br />

gravi<strong>de</strong>z e no caso também algumas doenças transmissíveis também, que às vezes<br />

pelo preventivo dá pra se ver o que a pessoa t<strong>em</strong> se é um corrimento, se é uma<br />

inflamação uterina, se é uma, sei lá, qualquer tipo <strong>de</strong> infecção que está na urina às<br />

vezes, não é?”<br />

A realização do preventivo ocorre após uma negociação com seu<br />

“Aí eu digo, ‘não, não adianta eu faço. Acordo cedo, vou, mas tenho que fazer meu<br />

preventivo e vou fazer’. Pronto. Ah! Deus me livre! ‘ah!, amanhã não vai no hospital<br />

porque amanhã t<strong>em</strong> que ter...’. ‘Não adianta, eu tenho que ir no hospital é que eu<br />

estou sentindo uma dorzinha aqui, estou sentido...’. Aí invento um monte <strong>de</strong> coisa que<br />

não t<strong>em</strong>. ‘Então vai’. Aí vou fazer o preventivo.”<br />

O po<strong>de</strong>r do gênero fica explícito na fala <strong>de</strong> Paula. ao legitimar a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu companheiro ter relações extraconjugais e,


89<br />

conseqüent<strong>em</strong>ente, ser fonte <strong>de</strong> contágio <strong>de</strong> doenças transmitidas pela relação<br />

sexual. Caberia a mulher o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> se cuidar para prevenir o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

da doença. A vivência da própria sexualida<strong>de</strong> estaria relacionada a algo “sujo”,<br />

imoral, in<strong>de</strong>cente, obsceno, e próprio do masculino.<br />

“Que ninguém está fora <strong>de</strong> acontecer isso um dia. E também, alguma doença<br />

também... Porque hoje <strong>em</strong> dia a gente não po<strong>de</strong> bobear com hom<strong>em</strong>, ‘se bobear o<br />

bicho pega, se ficar bicho come’. Porque hom<strong>em</strong> é bicho doido. A gente pensa, ‘ah!, é<br />

muito bonzinho, ele só está comigo’. Quando você vai ver cadê? Ai está lá com<br />

três,quatro, cinco, aí está toda suja e não sabe.”<br />

O passado obstétrico <strong>de</strong>sfavorável com antece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> pr<strong>em</strong>aturida<strong>de</strong> e<br />

morte neonatal <strong>de</strong>ixam Paula receosa por ter um <strong>de</strong>sfecho também ruim nessa<br />

gravi<strong>de</strong>z. A DHPN, neste momento, é vista como um probl<strong>em</strong>a secundário, se<br />

comparado com os riscos da pr<strong>em</strong>aturida<strong>de</strong>.<br />

“Aí toda vez que eu venho fazer pré-natal eu pergunto, ‘eu já estou com quantos<br />

meses?’. Com medo <strong>de</strong> chegar já aos sete meses. Você está vendo que eu já estou<br />

com medo <strong>de</strong> chegar aos sete meses..., porque foi quando eu tive esse menino e eu<br />

perdi ele...eu não tinha medo <strong>de</strong> chegar aos sete, agora nessa gravi<strong>de</strong>z aqui eu, só<br />

falar comigo, ‘sete meses’, eu já fico assim meia confusa, meia com caraminhola na<br />

cabeça... Sabe que eu ainda não consegui assim abraçar isso, essa doença<br />

h<strong>em</strong>olítica? Eu ainda não consegui abraçar ela, é que eu penso tanto no perigo dos<br />

sete meses que eu vou fugir... ”<br />

A qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu atendimento nos diversos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pelos<br />

quais passou, não se relaciona diretamente com os resultados obtidos, e sim<br />

com o tipo <strong>de</strong> acolhimento recebido <strong>em</strong> seu contato com eles. Mesmo tendo<br />

avaliado seus dois primeiros pré-natais e partos positivamente, Paula não teve<br />

informação ou orientação sobre imunoprofilaxia e DHPN.<br />

“Eu estou me sentindo aqui, que eu estou sendo b<strong>em</strong> tratada aqui, não é? Que aqui é<br />

quase igual lá no PAM <strong>de</strong> M., porque lá foi o melhor lugar que eu me tratei pra fazer<br />

esse pré-natal. Agora esse hospital <strong>de</strong>... O posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do Q. foi o pior <strong>de</strong> todos, foi<br />

o pior <strong>de</strong> todos.”<br />

Apesar <strong>de</strong> não-praticante, ela vê a religião como fonte <strong>de</strong> apoio e<br />

segurança pelas dificulda<strong>de</strong>s que passa.<br />

“Eu acho que é o modo <strong>de</strong> ficar mais perto <strong>de</strong> Deus. Porque a situação da gente anda<br />

tão crítica, assim, é tanta coisa que você passa, tanta coisa que você vê aí nesse


90<br />

mundo, tanto.... Sei lá! Você passa por tanta coisa que se você não tiver assim alguma<br />

coisa pra você segurar, como uma religião, eu acho que você se per<strong>de</strong> totalmente.”<br />

E, ao final da entrevista, <strong>de</strong> modo conformado com sua vida.<br />

“É o único jeito, não é? Pra ver se aquele lá <strong>de</strong> cima ajuda a gente, pelo amor <strong>de</strong> Deus!<br />

Porque está difícil, está difícil. Agora, mês que v<strong>em</strong>, Deus quer que aconteça... Eu vou<br />

direto até os nove, só sai com nove meses. Eu já conversei com ela, já pedi a ela, ela<br />

até aí tudo b<strong>em</strong>, mas <strong>de</strong> vez enquanto ela ainda dá um chute, está reclamando ainda.<br />

Mas vou chegar até os nove porque Deus quer que aconteça.”


91<br />

CLARA, “...eu não vou dizer que o pré-natal foi ruim porque não foi. Fizeram vários<br />

exames. Eu acho que o que falta é o que, é o diálogo...”.<br />

Clara é uma mulher <strong>de</strong> trinta e oito anos, branca, casada e moradora <strong>de</strong><br />

Campo Gran<strong>de</strong>, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. No momento da entrevista estava na sua<br />

quarta gestação e tinha um filho vivo. Trabalha exclusivamente no lar,<br />

ocupando-se dos afazeres domésticos. Possui uma renda familiar <strong>de</strong> cinco<br />

salários-mínimos por mês. Ela conta que nasceu <strong>em</strong> Bangu, e relata ter tido<br />

uma infância “tranqüila”, com uma família unida constituída pelos pais e irmãos.<br />

Suas condições <strong>de</strong> moradia eram boas e teve acesso a instrução, pois chegou<br />

a concluir o segundo grau. A representação da figura paterna é permeada por<br />

ambigüida<strong>de</strong>s. O pai é apresentado como um hom<strong>em</strong> trabalhador e profissional<br />

- era mo<strong>de</strong>lista gráfico - e <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhava a contento o papel <strong>de</strong> provedor<br />

financeiro da família. Ao mesmo t<strong>em</strong>po a l<strong>em</strong>brança do pai é marcada,<br />

também, pelo vício <strong>em</strong> álcool, o que trazia transtornos <strong>de</strong> relacionamento<br />

familiar.<br />

”Meu pai bebia, mas não era nada assim... Depois que a minha mãe foi para igreja, ele<br />

bebia muito. Não porque ele fosse violento <strong>em</strong> casa, mas aquele bêbado chato, que<br />

incomoda, que reclama. Então isso <strong>de</strong> uma certa maneira traz algum transtorno, não<br />

é? Enjoava com tudo, aquela coisa... Mas assim maus tratos, violência, não.”<br />

A mãe <strong>de</strong> Clara se <strong>de</strong>dicava aos cuidados da família, e o aspecto<br />

enfatizado da figura materna é sua religiosida<strong>de</strong> fervorosa sendo praticante da<br />

Ass<strong>em</strong>bléia <strong>de</strong> Deus, na qual introduziu também os filhos. Clara freqüenta a<br />

igreja com gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>voção e seu esposo colabora com ativida<strong>de</strong>s religiosas.<br />

Ela acredita que sua crença a ajuda <strong>em</strong> suas perdas e sofrimento.<br />

“Ah, t<strong>em</strong> uma importância muito gran<strong>de</strong>. Porque na minha infância eu não tive muito<br />

sofrimento não, mas <strong>de</strong>pois tive perdas. Perdi dois filhos. Então isso eu acho que é...<br />

Como eu vou te passar? Lá acontece assim uma cura interior....”


92<br />

Ela diz que começou a trabalhar aos <strong>de</strong>zessete anos para ajudar<br />

financeiramente a família e explica também que<br />

“a situação financeira...<br />

Porque a gente vai ficando mocinha, gosta <strong>de</strong> comprar as nossas coisas. N<strong>em</strong><br />

s<strong>em</strong>pre o meu pai tinha como me dar”. Ainda na juventu<strong>de</strong>, buscou<br />

aprimoramento profissional através da realização <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> informática,<br />

datilografia e outros. Trabalhou <strong>em</strong> uma firma <strong>de</strong> vendas por onze anos, aon<strong>de</strong><br />

chegou a ter uma ascensão profissional.<br />

“E pela <strong>em</strong>presa eu fiz cursos <strong>de</strong> vendas. Até eu entrei como auxiliar <strong>de</strong>... Eu trabalhei<br />

onze anos nessa <strong>em</strong>presa. Eu entrei como a auxiliar <strong>de</strong> escritório, aí lá <strong>de</strong>ntro eles,<br />

assim, aproveitavam muito a gente, Aí pagava curso <strong>de</strong> vendas. Eu sei que a minha<br />

carteira é auxiliar <strong>de</strong> escritório, tele marketing, t<strong>em</strong> vários setores na <strong>em</strong>presa.”<br />

A experiência no mercado <strong>de</strong> trabalho é valorizada, tanto pela<br />

possibilida<strong>de</strong> que confere <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> consumo próprias,<br />

quanto pelo que trás <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, reconhecimento e auto-estima, conforme<br />

aparece nas falas acima. Além disso, o trabalho permite uma sociabilida<strong>de</strong><br />

extra-familiar que é apresentada para ela como uma gran<strong>de</strong> fonte <strong>de</strong><br />

satisfação.<br />

“Eu tenho amiza<strong>de</strong> até hoje. Inclusive no meu aniversário eles s<strong>em</strong>pre ligam lá pra<br />

casa pra <strong>de</strong>ixar feliz aniversário. Eu, ‘gente, vocês não esqueceram <strong>de</strong> mim não?’.<br />

Trabalhei muito t<strong>em</strong>po, construí boas amiza<strong>de</strong>s. Apesar <strong>de</strong> já ter saído bastante gente<br />

<strong>de</strong> lá, assim, da minha época. T<strong>em</strong> poucas pessoas, mas foi uma experiência que eu<br />

não vou esquecer nunca.”<br />

Clara <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> trabalhar após o nascimento <strong>de</strong> sua primeira filha. Os<br />

probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da criança, a falta <strong>de</strong> condições financeiras <strong>de</strong> pagar uma<br />

babá e a ”maratona” que representou esse período da sua vida foram as<br />

razões alegadas para interromper o trabalho. O abandono do trabalho e dos<br />

estudos é um fator <strong>de</strong> muita frustração para ela, “eu <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> trabalhar me<br />

arrependi muito. Arrependi-me.”


93<br />

Ela possui uma relação conjugal estável. Descreve seu parceiro como<br />

uma pessoa companheira, amiga, amorosa e carinhosa, “é uma benção”. Seu<br />

marido t<strong>em</strong> nível superior <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>, é geógrafo e t<strong>em</strong> sua ida<strong>de</strong>. Sua<br />

vida sexual foi iniciada aos vinte e seis anos, ao se casar com ele, que até<br />

então foi seu único parceiro sexual.<br />

Ao saber que estava grávida pela primeira vez, consciente da<br />

importância da assistência pré-natal, Clara procurou imediatamente o serviço<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Matriculou-se <strong>em</strong> uma maternida<strong>de</strong> da re<strong>de</strong> municipal, on<strong>de</strong> fez todo<br />

o acompanhamento da gravi<strong>de</strong>z. O <strong>de</strong>sfecho <strong>de</strong>ssa gestação foi traumático<br />

para ela, pois per<strong>de</strong>u seu bebê por causa <strong>de</strong> um <strong>de</strong>scolamento placentário.<br />

“O pré-natal estava indo tudo b<strong>em</strong>. Assim, as consultas. Só que a doutora alegou que<br />

eu engor<strong>de</strong>i muito. Eu s<strong>em</strong>pre fui muito magrinha, não é? Mas já assim eu acho que a<br />

partir do quarto e quinto mês eu peguei muito peso, então a minha pressão... Porque<br />

eu nunca tive pressão alta, que eu me l<strong>em</strong>bre s<strong>em</strong>pre que mediu a pressão. Mas<br />

assim, <strong>de</strong>ssa primeira gravi<strong>de</strong>z a partir do quarto, quinto mês ela foi... Porque eu<br />

estava com oito meses e acho que umas duas s<strong>em</strong>anas. Estava enorme. Aí comecei a<br />

passar mal. Sentir dor e sangramento, muito sangue, muito sangue. Aí fui para o<br />

hospital. Chegou lá, eles fizeram uma ultra-som, o neném ainda estava vivo, só que<br />

nesse negócio <strong>de</strong> sobe, <strong>de</strong>sce... Porque é fogo, <strong>de</strong>moraram pra me levar pra sala,<br />

aquela coisa, vai e v<strong>em</strong>, aí quando nasceu foi morto. E era um hom<strong>em</strong>. Aí o médico, eu<br />

l<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>le até hoje, muito bom médico. Não foi o que fez o meu pré-natal não, doutor<br />

Pedro o nome <strong>de</strong>le. Eu l<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>le até hoje. Ele eu acho que não está mais lá não.<br />

Um médico muito bom, muito atencioso. Depois ele me explicou tudo que aconteceu<br />

direitinho, coisa que lá eles não faz<strong>em</strong>. O pré-natal é muito assim... Pelo menos a<br />

minha experiência lá nesse hospital, nenhuma das duas vezes. O meu pré-natal foi<br />

feito com a doutora Rebeca. Ela era assim <strong>de</strong> falar pouco, não perguntar muita coisa.<br />

Aí foi assim, aí ele me explicou que teve um <strong>de</strong>scolamento <strong>de</strong> placenta, <strong>de</strong>scolou total<br />

e o bebê morreu.”<br />

Relata essa experiência sob forte <strong>em</strong>oção, e conta que foi um gran<strong>de</strong><br />

sofrimento para ela e seu marido, mas acabou fortalecendo seu<br />

relacionamento, “e a enfermeira trouxe uma cartinha que ele tinha escrito.<br />

Naquela carta ele escreveu que mais importante era a minha vida”.<br />

Inconformada com o <strong>de</strong>sfecho <strong>de</strong>ssa gravi<strong>de</strong>z, Clara resume seus sentimentos,<br />

“não foi n<strong>em</strong> pela doença h<strong>em</strong>olítica”.


94<br />

A razão da complicação h<strong>em</strong>orrágica na primeira gravi<strong>de</strong>z foi<br />

hipertensão arterial. Recebeu h<strong>em</strong>otransfusão na internação, assim como<br />

alguma informação sobre a incompatibilida<strong>de</strong> Rh (D) e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

imunoprofilaxia, que foi realizada no próprio hospital.<br />

“No caso do meu primeiro filho eu l<strong>em</strong>bro que a enfermeira chegou no meu quarto com<br />

a tal injeção, lá no A.[maternida<strong>de</strong>] Veio até com um comprovantezinho que <strong>de</strong>u. Aí eu<br />

falei, ‘mas que injeção é essa?’. Aí ela só me disse assim, ‘ é porque você t<strong>em</strong> o Rh<br />

Negativo’.”<br />

Apesar da informação recebida sobre a incompatibilida<strong>de</strong> Rh (D), não<br />

ficou claro para Clara a real necessida<strong>de</strong> do uso da imunoglobulina no pósparto,<br />

“[a enfermeira] não entrou <strong>em</strong> <strong>de</strong>talhes. [Não explicou] o porquê daquilo.<br />

Tinha que tomar! ”.<br />

“Aí <strong>de</strong>pois, na consulta [pós-natal], com o doutor Pedro, o doutor que foi o que me<br />

operou, ele me explicou também assim superficialmente, não entrou muito <strong>em</strong> <strong>de</strong>talhe,<br />

‘ah, porque você t<strong>em</strong> o sangue negativo, e mais tar<strong>de</strong>, não sei o que, não sei o que...’<br />

Não t<strong>em</strong> assim aquela, vamos dizer assim, as causas, o que po<strong>de</strong>ria causar se eu não<br />

tomasse na outra gravi<strong>de</strong>z.”<br />

Na segunda gestação, fez pré-natal <strong>em</strong> serviço privado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. A<br />

gravi<strong>de</strong>z transcorreu s<strong>em</strong> intercorrências, mas vivia sob forte ansieda<strong>de</strong>,<br />

t<strong>em</strong>endo per<strong>de</strong>r novamente o bebê que esperava. Realizou os exames <strong>de</strong><br />

rotina pré-natal, inclusive o teste <strong>de</strong> Coombs, mas não se l<strong>em</strong>brava <strong>de</strong> haver<br />

sido informada sobre os resultados. Assim como ao falar da primeira gestação,<br />

avaliando a segunda também faz críticas ao pré-natal pela pouca qualida<strong>de</strong> do<br />

diálogo entre o profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e ela.<br />

“Aí eu fiz lá. Eu não vou dizer que o pré-natal foi ruim porque não foi. Fizeram vários<br />

exames, mas eu estou dizendo assim, eu acho que o que falta é o que, é o diálogo.<br />

Falar claro, está enten<strong>de</strong>ndo? Não falam claro. Muito superficial, não entram <strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>talhes. É difícil.”<br />

A criança nasceu por parto cesáreo <strong>em</strong> boas condições clínicas. Conta<br />

que no pós-parto não recebeu a imunoglobulina, <strong>em</strong>bora tivesse informação


95<br />

que era necessário. Ela e o marido l<strong>em</strong>braram-se da “vacina” somente após<br />

algum t<strong>em</strong>po.<br />

“É como eu te falei, quando eu fui l<strong>em</strong>brar, meu esposo l<strong>em</strong>brou, ‘Clara, a gente não<br />

l<strong>em</strong>brou, você tinha que ter tomado a vacina’. Ele l<strong>em</strong>brou que o médico tinha falado.<br />

Aí quando eu fui falar com ela, tinha passado. T<strong>em</strong> um prazo para dar, aí não podia<br />

mais dar. Aí a gente ficou assim... Mas ela nasceu positiva, é positiva.”<br />

O nascimento da filha viva e b<strong>em</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> foi um momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

alegria e alívio <strong>de</strong> tensões para Clara e sua família. Na sua própria<br />

interpretação, o esquecimento do uso da imunoglobulina foi influenciado pelo<br />

fato <strong>de</strong>ssas <strong>em</strong>oções positivas prevalecer<strong>em</strong> nesse período. Entretanto o<br />

esquecimento não foi somente <strong>de</strong>la e do esposo, como também da médica.<br />

“Aí o que aconteceu? Eu tive a minha filha naquela euforia, nasceu a criança e tal. Olha<br />

que foi no hospital particular, eles não... Depois eu procurei a doutora, no dia que eu fui<br />

fazer a revisão dos pontos, não é? Ela ficou toda s<strong>em</strong> graça, ‘Ah, tinha que ter tomado.<br />

Mas agora não dá mais t<strong>em</strong>po.’”<br />

Em sua terceira gravi<strong>de</strong>z, consciente que precisava <strong>de</strong> uma atenção<br />

especializada, procurou pré-natal <strong>de</strong> alto-risco e inscreveu-se na maternida<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> foi acompanhada na primeira gestação. Nessa fase <strong>de</strong> sua vida, já mais<br />

informada sobre possíveis agravos à saú<strong>de</strong> do bebê pela incompatibilida<strong>de</strong><br />

sanguínea, criou expectativas maiores <strong>em</strong> relação ao controle do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua gestação. Mais uma vez suas expectativas foram<br />

frustradas: o acolhimento e a qualida<strong>de</strong> do diálogo com os profissionais <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> são, outra vez, os critérios pior avaliados “não sei que hospital <strong>de</strong> risco é<br />

esse, mas eles diz<strong>em</strong> que é. Aí eu fui para lá <strong>de</strong> novo”.<br />

“Aí o que eu te falei, comecei a fazer o pré-natal, n<strong>em</strong> olharam para gente. Só olhava<br />

na hora que ia examinar, b<strong>em</strong> rápido. Tentei mudar <strong>de</strong> médico, fui lá na ...do hospital,<br />

[ver] se não dava pra trocar, porque tinha um outro médico e tal. Mas pra ser sincera<br />

não tinha n<strong>em</strong>... Era aquela pessoa que te quebra assim logo que você chega. Não<br />

tinha diálogo nenhum. Enten<strong>de</strong>u? Falava monossílabo, só o essencial. Não entrava <strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>talhe <strong>de</strong>sse negócio <strong>de</strong> Coombs. Eu fiz, eles não falaram nada. ... Eu l<strong>em</strong>bro que ele<br />

perguntou se eu tinha tomado a tal da vacina, eu disse que não. Se ele sabia que eu<br />

não tinha tomado tinha que ter, sei lá, encaminhado, não sei.”


96<br />

No sexto mês <strong>de</strong> gestação, o bebê, morreu intra-útero e, nessa<br />

maternida<strong>de</strong>, teve o seu parto conduzido. O relato da experiência <strong>de</strong>sse<br />

momento aparece também como traumático e, outra vez, o diálogo e o<br />

acolhimento estão no centro das críticas <strong>de</strong> Clara aos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

“Um horror. Marcou b<strong>em</strong> também. Foi muito traumatizante. Porque eu cheguei com<br />

contração mesmo para... Só que eu sofri muito, eles botaram soro... Quando eu<br />

cheguei eles já viram logo que o bebê estava morto, escutaram, mas não ouviram o<br />

bebê. Só que pra se confirmar isso, eu fui para o hospital num sábado, não tinha uma<br />

ultra-som no hospital. Quer dizer, eles falaram que tinha morrido porque não estavam<br />

ouvindo, mas não tinha como fazer uma ultra-som para confirmar.”.<br />

“’Ué! o que você está fazendo aqui?’ Eu falei, ‘o quê?’. Aí expliquei para ele o que eu<br />

estava fazendo ali. Ele, ‘Ah! o bebê morreu, não é?’. Prescreveu um r<strong>em</strong>édio para<br />

secar o leite. E ainda me falou o seguinte, ‘t<strong>em</strong> que pedir para um responsável vir aqui<br />

fazer o enterro do bebê porque se <strong>de</strong>morar a gente enterra como indigente’. Assim, ele<br />

usou essas palavras que eu estou te falando aqui. Pra você ver com ele não t<strong>em</strong><br />

sensibilida<strong>de</strong> nenhuma. Enten<strong>de</strong>u? Incrível!”<br />

A vivência <strong>de</strong>ssa experiência como verda<strong>de</strong>iro mau trato, motivou a<br />

família a fazer uma reclamação formal.<br />

“Meu esposo fez um... No caso com... como é que fala, gente? Não é presi<strong>de</strong>nte não, o<br />

diretor. Fez uma cartinha, <strong>de</strong>u o nome do médico. Só que eu não sei, porque é<br />

aquela... Eles tampam o sol com a peneira, não foi muito à frente. Não sei n<strong>em</strong> se ele<br />

ainda continua lá. Aí é isso, explicação nenhuma, só isso aí que eu estou te falando.”<br />

O diagnóstico <strong>de</strong> sensibilização Rh (D) foi feito nessa gravi<strong>de</strong>z e, no<br />

pós-parto, soube <strong>de</strong> sua condição <strong>de</strong> aloimunização. Entretanto, na consulta<br />

puerperal não lhe <strong>de</strong>ram orientações sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

acompanhamento <strong>em</strong> serviço especializado, caso engravidasse novamente.<br />

Ela obteve essa informação através da sogra que é enfermeira. Ao ser<br />

perguntada sobre outras orientações recebidas na consulta pós-parto, nega ter<br />

sido aconselhada sobre acompanhamento ginecológico e prevenção <strong>de</strong><br />

gravi<strong>de</strong>z.<br />

Clara não é uma pessoa <strong>de</strong>satenta às questões referentes à saú<strong>de</strong><br />

reprodutiva. Procura, com certa regularida<strong>de</strong>, assistência ginecológica para<br />

realizar preventivo e planejamento familiar.


97<br />

“Aí eu fiz o preventivozinho. Passaram o r<strong>em</strong>édio. Eu acho que <strong>de</strong>ve ter passado. Foi<br />

só isso. Antes d’eu me casar também não fiz exame pré-nupcial. Agora que a gente vai<br />

ficando mais esclarecida. Quer dizer, não sabia <strong>de</strong>sse perigo <strong>de</strong> meu esposo positivo,<br />

eu negativo, enten<strong>de</strong>u? Não sabia nada disso, nada. Quer dizer, agora que eu vim ter<br />

conhecimento disso.”<br />

Em sua história, a aquisição <strong>de</strong> conhecimentos no que diz respeito à<br />

saú<strong>de</strong> reprodutiva é um processo que vai ocorrendo ao longo da vida,<br />

impulsionado por experiências <strong>de</strong>sfavoráveis que manifestam os riscos e<br />

vulnerabilida<strong>de</strong>s aos quais estava exposta.<br />

“Ah! eu acho que <strong>de</strong> todas as provações que a gente passa a gente adquire<br />

experiência. Embora tenha ficado seqüelas, estou carregando até hoje”.<br />

A gravi<strong>de</strong>z atual é fonte <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> para Clara e sua família<br />

– ansieda<strong>de</strong>, que na verda<strong>de</strong>, já se manifestava antes, mediante a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong><br />

ter um outro filho ou não.<br />

“ É, eu acho que o meu psicológico, não é ? Abalou <strong>de</strong>mais o meu psicológico [...].<br />

Porque cria uma expectativa. É está com uma pulga atrás da orelha, enquanto não se<br />

<strong>de</strong>finir. Inclusive eu, da última gravi<strong>de</strong>z, da última agora, eu l<strong>em</strong>bro que a minha sogra<br />

comigo na maca, eu disse, ‘olha, a senhora <strong>de</strong>siste <strong>de</strong> ter outro neto, porque eu não<br />

tenho mais filho’. A minha sogra é uma pessoa muito... Apesar <strong>de</strong> ela ter até certo<br />

estudo, ter estudado, ter feito enfermag<strong>em</strong>, mas ainda t<strong>em</strong> aquele pensamento, t<strong>em</strong><br />

um monte <strong>de</strong> filhos, e tal. Então, aí, ‘ficar com um filho só?’. Eu disse, ‘ah! não tenho<br />

mais estrutura não, a senhora não está vendo?’. ‘Não, isso acontece...’ Enten<strong>de</strong>u?<br />

Então eu acho que influencia na família, com certeza. Fica... o pessoal fica com aquele<br />

cuidado excessivo, aquela coisa <strong>de</strong> ficar protegendo.”<br />

No pré-natal do IFF recebeu informações <strong>de</strong>talhadas sobre a<br />

incompatibilida<strong>de</strong> Rh (D), aloimunização e DHPN. Apesar disso, suas<br />

preocupações não são sustentadas basicamente pelas informações sobre a<br />

doença: os tipos e a intensida<strong>de</strong> dos agravos para a saú<strong>de</strong> do bebê, os<br />

recursos terapêuticos disponíveis, etc. A preocupação <strong>de</strong> Clara não se<br />

concentra na DHPN, mas na garantia da sobrevivência do filho.<br />

“Ah! eu sei que aqui a gente eu estou sendo b<strong>em</strong> tratada, mas a gente fica naquela<br />

expectativa, não é? [Meu medo nesse momento] é perda <strong>de</strong> novo. Ah! [minha<br />

expectativa é] a <strong>de</strong> ter meu filho no colo, não é?”


98<br />

ANA, “...t<strong>em</strong> gente que fala na rua, ‘ah!, teu filho vai nascer com probl<strong>em</strong>a, vai nascer<br />

com cabeça d’água, vai nascer com isso...’”.<br />

Ana é uma mulher <strong>de</strong> vinte e nove anos, parda, moradora do Engenho<br />

Novo no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Estudou até a quinta série do primeiro grau e trabalha<br />

<strong>em</strong> confecção <strong>de</strong> roupa. Sua renda familiar é <strong>de</strong> quatro salários mínimos, na<br />

qual participa com entrada <strong>de</strong> um pouco mais <strong>de</strong> um salário. Quando se<br />

matricula no pré-natal do IFF, está <strong>em</strong> sua quarta gestação e t<strong>em</strong> dois filhos<br />

vivos,<br />

Começa a entrevista contando-me sobre sua infância que <strong>em</strong> sua<br />

avaliação “não t<strong>em</strong> muita coisa agradável”. Esse período foi marcado pela<br />

separação dos pais, uma gravi<strong>de</strong>z na adolescência e pela situação <strong>de</strong> pobreza<br />

<strong>em</strong> Mesquita. Após a separação, a mãe assumiu sozinha a criação <strong>de</strong>la e do<br />

irmão e a família vivia <strong>em</strong> condição precária <strong>de</strong> moradia.<br />

N<strong>em</strong> a figura paterna, n<strong>em</strong> a materna são apresentadas <strong>de</strong> modo<br />

positivo. O pai é ausente física e afetivamente, “pelo que eu sei até hoje ele é<br />

vivo, mas nunca conviveu com a gente. Não vê, não pergunta, n<strong>em</strong> nada. Ele é<br />

vivo”. A mãe é <strong>de</strong>scrita como uma pessoa negligente com os filhos e com a<br />

qual não conseguia manter diálogo. Conta ter presenciado agressão física<br />

entre os pais.<br />

Começou estudar com seis anos, mas interrompeu a formação escolar<br />

<strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> doenças da infância, num primeiro momento, e por motivo <strong>de</strong><br />

uma gravi<strong>de</strong>z quando tinha catorze anos, após sua primeira relação sexual.<br />

“Eu tive... Eu fiquei doente, a minha mãe não esquentava muito a cabeça na época. Aí<br />

<strong>de</strong>pois eu voltei a estudar por si mesma, aí quando eu voltei já a estudar eu já estava<br />

com a Glória. Estava com a Glória, mas só que eu não continuei a estudar porque eu<br />

tive as crianças e trabalhava também, aí ficava muito ruim pra mim. Por isso ”


99<br />

Grávida <strong>de</strong> sua primeira filha, foi morar com o namorado, na casa <strong>de</strong><br />

sua família. Ali, as condições <strong>de</strong> habitação também eram precárias: quinze<br />

pessoas dividiam uma quitinete. Eles permaneceram juntos por seis anos e<br />

tiveram dois filhos, ambos não planejados. Ela <strong>de</strong>sconhecia métodos<br />

contraceptivos, até o nascimento <strong>de</strong> seu segundo filho, não tendo recebido<br />

qualquer orientação sobre planejamento familiar, seja no ambiente familiar ou<br />

no serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

“Eu não tomava r<strong>em</strong>édio porque enfim eu não tinha ninguém pra conversar comigo, e<br />

há muito t<strong>em</strong>po não tinha o diálogo que a gente t<strong>em</strong> hoje, ‘Toma r<strong>em</strong>édio’.”<br />

Seu primeiro companheiro era uma pessoa agressiva, usava drogas e<br />

nunca trabalhou. As tensões familiares eram constantes e Ana sofreu violência<br />

física nesse relacionamento, inclusive no período da gravi<strong>de</strong>z.<br />

“Eu comecei a namorar esse cara foi num baile funk. Minha mãe já nunca gostou <strong>de</strong>le,<br />

e eu já <strong>de</strong> barriga ele já me batia, então foi uma coisa muito ruim.“<br />

Ana começou a trabalhar ainda na adolescência para sustentar os dois<br />

filhos que já tinha aos <strong>de</strong>zessete anos. Assume os papéis <strong>de</strong> provedora e<br />

cuidadora da família, s<strong>em</strong> po<strong>de</strong>r contar com a ajuda <strong>de</strong> seu companheiro.<br />

“Era ruim, não é? Que bom é impossível ser. Porque eu saía pra trabalhar tinha que<br />

<strong>de</strong>ixar as crianças na creche, <strong>de</strong>ixava as crianças na creche aí saia cinco horas<br />

correndo pra po<strong>de</strong>r ir pra creche correndo pegar as crianças. E ele <strong>em</strong> casa s<strong>em</strong> fazer<br />

nada. Nunca gostou <strong>de</strong> trabalhar. Aí nisso eu chegava <strong>em</strong> casa com as crianças ainda<br />

tinha que arrumar a casa tinha que fazer comida e ele não queria comida ali na hora e<br />

muitas das vezes a gente brigava por causa disso também, muitas das vezes. Eu não<br />

podia sair pra lugar nenhum, ele podia sair, quando eu saía pra casa... Final <strong>de</strong> ano<br />

quando eu ia passar Ano Novo na casa da minha tia ele queria me bater. Foi muito<br />

difícil! Muito difícil mesmo, mas graças a Deus eu consegui me separar <strong>de</strong>le.”<br />

Teve <strong>em</strong>pregos informais e mal r<strong>em</strong>unerados, principalmente como<br />

trabalhadora doméstica.<br />

“Aí nisso eu fiquei <strong>em</strong> casa e só <strong>em</strong> casa <strong>de</strong> família direto. Trabalhei <strong>em</strong> casa <strong>de</strong><br />

família, s<strong>em</strong>pre trabalhei, nunca fui <strong>de</strong> ficar parada, porque eu tinha as minhas duas<br />

crianças pra criar, minha mãe não podia me ajudar, o pai das crianças nunca me<br />

ajudou <strong>em</strong> nada, então s<strong>em</strong>pre tive que trabalhar. ”


100<br />

Após seis anos <strong>de</strong> relacionamento, por sua iniciativa, Ana separou-se <strong>de</strong><br />

seu primeiro companheiro.<br />

“Eu já queria me separar há muito t<strong>em</strong>po, mas não gostava <strong>de</strong>le, porque ninguém vai<br />

gostar <strong>de</strong> uma pessoa que bate, que não gosta dos seus filhos ”.<br />

A separação foi um marco <strong>em</strong> sua vida. Uma nova e gratificante<br />

experiência afetiva ajudou a recuperar uma auto-estima, que durante a infância<br />

e adolescência foi tão baixa.<br />

“Quando eu me separei eu senti uma liberda<strong>de</strong> imensa, que eu fiquei sabendo que ele<br />

não ia mais atrás <strong>de</strong> mim. Foi uma alegria imensa. Imensa mesmo ”<br />

Conheceu o seu novo companheiro no seu trabalho, e hoje se sente<br />

feliz, além <strong>de</strong> valorizada como mulher.<br />

“Maravilhoso, <strong>de</strong>pois que eu conheci ele. Depois ele me tirou <strong>de</strong> lá, ele comprou uma<br />

casa, estou morando com meus filhos. S<strong>em</strong>pre tratou muito b<strong>em</strong> meus filhos que não é<br />

filho <strong>de</strong>le, mas como se fosse. Totalmente diferente. Eu já sofri muito. Então eu acho<br />

que Deus agora está me dando uma liberda<strong>de</strong> e só felicida<strong>de</strong> agora.”<br />

Apesar <strong>de</strong> não ter uma opção religiosa b<strong>em</strong> <strong>de</strong>finida, para ela, a religião<br />

aparece como uma fonte <strong>de</strong> apoio e tranqüilida<strong>de</strong>.<br />

“É uma importância fundamental, porque você está indo na igreja, se apega com Deus<br />

se t<strong>em</strong> probl<strong>em</strong>a, mesmo não tendo. Te tranqüiliza muito. Eu s<strong>em</strong>pre fui católica mas<br />

agora eu vou assim às vezes na igreja evangélica. Eu adoro ir <strong>em</strong> qualquer religião. Eu<br />

vou na igreja outro me chama eu vou. A única religião que eu não gosto muito é<br />

negócio <strong>de</strong> macumba. Mas cada um por si, também não critico que é não. Aí é isso.”<br />

Em suas quatro gestações, incluindo a atual, Ana se inscreveu<br />

precoc<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> serviço <strong>de</strong> pré-natal e freqüentou regularmente as consultas.<br />

Referindo-se as duas primeiras gravi<strong>de</strong>zes, conta que “passei uma gestação<br />

maravilhosa, não senti nada. [Eu] ia no médico direitinho ”. Teve seus dois<br />

primeiros filhos por parto normal na re<strong>de</strong> do SUS e os bebês nasceram b<strong>em</strong>.<br />

Ela nega ter recebido durante o acompanhamento pré-natal e após o parto<br />

qualquer informação sobre sua tipag<strong>em</strong> sangüínea e riscos <strong>de</strong> aloimunização e<br />

DHPN.


101<br />

A terceira gestação, já do companheiro atual, foi <strong>de</strong>sejada e planejada<br />

com suspensão do método contraceptivo, “não, eu queria, eu quis engravidar.<br />

Eu quis.”. O diagnóstico <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z foi precoce e inscreveu-se <strong>em</strong> serviço prénatal<br />

<strong>de</strong> uma maternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> referência do município do Rio <strong>de</strong> Janeiro. No<br />

segundo mês apresentou ameaça <strong>de</strong> abortamento, “eu estava sangrando.<br />

Então eles falaram que era <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> placenta, aí me passaram<br />

r<strong>em</strong>édio para segurar a criança.”. Retrospectivamente, soube ter realizado<br />

nesse período o teste <strong>de</strong> Coombs indireto, cujo resultado foi negativo. Até esse<br />

momento, continuava <strong>de</strong>sconhecendo sua tipag<strong>em</strong> sanguínea e não tinha<br />

qualquer informação sobre imunoprofilaxia.<br />

A gravi<strong>de</strong>z evoluiu com perda fetal espontânea e pr<strong>em</strong>atura, aos cinco<br />

meses. Assim como nas gestações anteriores, Ana <strong>de</strong>sconhece ter recebido a<br />

imunoglobulina anti-Rh (D).<br />

Na atual gravi<strong>de</strong>z, a quarta, ela entendia que, por ter perdido um bebê<br />

antes, necessitava <strong>de</strong> cuidados mais específicos. Procurou o pré-natal da<br />

mesma maternida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> havia sido acompanhada na gravi<strong>de</strong>z anterior<br />

porque, segundo ela, ali os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> já conheciam seu histórico.<br />

Mais consciente <strong>de</strong> seu risco, ela pô<strong>de</strong> argumentar com os profissionais sobre<br />

suas necessida<strong>de</strong>s específicas, o que contribuiu <strong>de</strong>cisivamente para o seu<br />

encaminhamento a um serviço especializado.<br />

“Aí eu fui lá pra fazer o pré-natal <strong>de</strong> novo. E isso a moça não queria... Falou assim, ‘oh!<br />

vou te encaminhar pra um postinho’. Aí eu falei assim, ‘olha só, eu queria ficar aqui<br />

porque eu perdi um neném aqui e até agora eu não sei o motivo da perda do neném. A<br />

senhora não podia me <strong>de</strong>ixar aqui?’. Ela falou assim, ‘Ah! você per<strong>de</strong>u? Ah! então você<br />

vai ficar aqui’. Aí nisso que aconteceu <strong>de</strong>la encaminhar pra uma doutora que eu n<strong>em</strong><br />

me l<strong>em</strong>bro a especialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la, esqueci o nome. Falou assim, ‘Oh! você t<strong>em</strong> que vir<br />

com o seu esposo, que ela vai fazer umas perguntas pra vocês, <strong>de</strong>pois você me voltam<br />

aqui’. Aí marquei, foi meu esposo lá, fez uma série <strong>de</strong> perguntas pra ele, e aí ele<br />

respon<strong>de</strong>u. E o exame <strong>de</strong>le <strong>de</strong> sangue, ela falou que A positivo. Aí nisso ela foi e falou<br />

pra ele, falou pra gente vir pra cá. Encaminhou pra cá, mas aí me falou que ele está<br />

com complicação, mas também não explicou o motivo.”


102<br />

Depois <strong>de</strong> reconhecido o risco gestacional <strong>de</strong> Ana, ela é encaminhada<br />

ao IFF. Na passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> um momento a outro Ana recebe algumas<br />

informações sobre sua condição <strong>de</strong> aloimunizada, mas estas lhe parec<strong>em</strong><br />

pouco claras e incompletas.<br />

“Aí ela falou que eu não podia fazer o pré-natal lá, porque é muito complicado. Aí<br />

enfim, eu perguntei, ‘mas complicado como? É muito grave isso?’. Ela também não me<br />

falou nada. Aí eu fiquei com mais coisa na cabeça. Assim, ‘puxa, é grave ou não é?’. Aí<br />

v<strong>em</strong> esse pessoal me falando um montão <strong>de</strong> doença na minha cabeça, a doutora já<br />

não me explicou o motivo disso. Ela, ‘não, o pessoal lá do hospital vão te acompanhar<br />

e vão te dizer direitinho’. Aí me encaminhou pra cá.”<br />

A falta <strong>de</strong> orientação a<strong>de</strong>quada gerou <strong>em</strong> Ana sentimentos <strong>de</strong> medo e<br />

insegurança com o <strong>de</strong>sfecho <strong>de</strong> sua gravi<strong>de</strong>z atual.<br />

“Eu imaginei coisas sérias. B<strong>em</strong> graves, porque ela como uma doutora ela podia me<br />

falar, ‘ah! porque po<strong>de</strong> acontecer isso; acontecer isso...’. Ela não falou nada. Essa<br />

complicação me <strong>de</strong>ixou no ar. Aí eu perguntando as pessoas lá perto <strong>de</strong> casa, a minha<br />

ex-cunhada....Aí uma pessoa falou assim, ‘ah! não esquenta a cabeça não, porque isso<br />

é tal e tal..’. Outra já me falava, ‘oh! teu filho po<strong>de</strong> nascer com probl<strong>em</strong>a, teu filho po<strong>de</strong><br />

nascer com isso’. Mas eu não me conformei porque a doutora não me tranqüilizou, ou<br />

seja, se tivesse que nascer com probl<strong>em</strong>a me falava alguma coisa. Eu saí <strong>de</strong> lá s<strong>em</strong><br />

solução nenhuma, nenhuma, nenhuma. Estou encontrando solução agora, que os<br />

exames estão já está tudo feito, já estava, mas só que foi necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer outro<br />

exame, já está fazendo e eu estou me tranqüilizando.”<br />

No momento da entrevista, Ana está apenas na fase <strong>de</strong> matrícula com<br />

todos seus ritos: triag<strong>em</strong>, matrícula e primeira consulta com assistente social,<br />

enfermag<strong>em</strong>, obstetra e pediatra. O acolhimento, a escuta ativa e o diálogo que<br />

estabelece nesse processo (inclusive a própria entrevista) gera uma sensação<br />

<strong>de</strong> mais confiança e consciência sobre o percurso <strong>de</strong> sua gravi<strong>de</strong>z.<br />

“Bom, agora eu estou vendo a minha gravi<strong>de</strong>z agora, digamos com luz, porque estava<br />

um clarão na minha mente, na minha vida, que cada um falava coisas piores, terrores.<br />

E, falaram até que meu filho ia nascer s<strong>em</strong> braço, s<strong>em</strong> isso, s<strong>em</strong> aquilo. Aí agora já<br />

está aparecendo uma luz sobre isso. Eu estou mais tranqüila. Apesar <strong>de</strong> que falta<br />

bastante coisa ainda pra po<strong>de</strong>r fazer, não é? Estamos no meio ainda da gestação, b<strong>em</strong><br />

dizer.”<br />

Avaliando sua experiência com os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, Ana não ressalta<br />

especificamente dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso. Contudo, inúmeras vezes, se ressente<br />

da falta <strong>de</strong> informação, orientação e espaço para diálogo.


103<br />

“Foi. Relações boas. Boas sim, só agora eu estou recebendo mais auxílio, uma pessoa<br />

que me explica melhor, porque antes eu não tinha isso. Eu fazia exame <strong>de</strong> sangue, ia<br />

<strong>em</strong>bora pra casa, quando chegava, eu como tímida não perguntava nada. O médico,<br />

‘ah, está tudo b<strong>em</strong>’. Acabou, eu ia <strong>em</strong>bora para casa. Agora <strong>de</strong>vido a esses probl<strong>em</strong>as<br />

que eu estou tendo agora, eu estou perguntando. Aqui no hospital t<strong>em</strong> como me<br />

explicar direito.”<br />

Assim como aparece <strong>em</strong> outras entrevistas, no relato <strong>de</strong> Ana a<br />

representação da gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> risco é associada a imagens <strong>de</strong> <strong>de</strong>formida<strong>de</strong>s<br />

(cabeça d’água, Síndrome <strong>de</strong> Down, malformação, etc.) Essa representação é<br />

compartilhada por ela, seus familiares e sua comunida<strong>de</strong>.<br />

.<br />

“T<strong>em</strong> gente que fala na rua, ‘ah, teu filho vai nascer com probl<strong>em</strong>a, vai nascer com<br />

cabeça d’água, vai nascer com isso...’. Ih! mês passado eu estava... Não conseguia<br />

n<strong>em</strong> trabalhar direito. Chorando direto, direto. Aí até eu ter uma conversa na primeira<br />

consulta que eu tive aqui, vocês me passaram, conversaram comigo, eu já estou mais<br />

tranqüila.”<br />

Depois da separação do primeiro companheiro e com a reconstrução <strong>de</strong><br />

sua vida familiar, conjugal e afetiva <strong>em</strong> um segundo relacionamento, inicia-se<br />

uma nova fase na vida <strong>de</strong> Ana. Nesse período, ela se preocupa mais <strong>em</strong><br />

buscar atenção à saú<strong>de</strong> reprodutiva, como planejamento familiar e preventivo<br />

ginecológico. O autocuidado com a saú<strong>de</strong> começa a fazer parte <strong>de</strong> sua rotina,<br />

“preventivo é pra gente prevenir, como é que se diz...? É, pra gente prevenir,<br />

alguma infecção, alguma coisa assim, não é?”. Entretanto, a necessida<strong>de</strong><br />

econômica e a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar para o sustento da família<br />

aparec<strong>em</strong> no seu discurso como obstáculos que dificultam<br />

a busca da<br />

assistência à saú<strong>de</strong>.<br />

“É, eu procurava [preventivo], mas não com t<strong>em</strong>po. Às vezes, meses que eu tinha que<br />

ir, porque é <strong>de</strong> seis <strong>em</strong> seis meses. Eu não ia. Eu não ia <strong>de</strong>vido o trabalho. [...] Eu não<br />

podia n<strong>em</strong> faltar serviço para po<strong>de</strong>r ir a médico e me cuidar. Com medo da patroa<br />

mandar <strong>em</strong>bora e eu não ter como sustentar meus filhos. Então, eu só procuro médico,<br />

eu só estou aqui agora porque é necessário. E é, pré-natal t<strong>em</strong> que fazer. Agora se<br />

<strong>de</strong>sse uma dor <strong>de</strong> cabeça, ou uma febre, eu tinha que ir trabalhar passando mal, por<br />

medo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r serviço, e outras coisas mais, e meus filhos precisar das coisas.”<br />

Assim como para outras entrevistadas, para Ana é difícil equilibrar a<br />

criação dos filhos, os estudos, o trabalho r<strong>em</strong>unerado e o cuidado consigo


104<br />

mesma: interrompe os estudos por causa <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z; t<strong>em</strong> que se lançar no<br />

mercado <strong>de</strong> trabalho para sustentar os filhos; enfrenta dificulda<strong>de</strong> para conciliar<br />

o trabalho fora <strong>de</strong> casa e o trabalho no lar; sacrifica o autocuidado com a saú<strong>de</strong><br />

pela necessida<strong>de</strong> econômica; prioriza o cuidado com a saú<strong>de</strong> dos filhos <strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>trimento da própria.


105<br />

ROSA, “...eu amo meus filhos acima <strong>de</strong> tudo. Não... Não quero dar pra eles a vida que<br />

eu tive”.<br />

Rosa t<strong>em</strong> vinte e quatro anos, é parda, e resi<strong>de</strong> <strong>em</strong> Nova Iguaçu. Está<br />

<strong>em</strong> sua quinta gestação e t<strong>em</strong> dois filhos vivos. Iniciou o pré-natal da gestação<br />

atual no IFF, com vinte e oito s<strong>em</strong>anas. No momento da entrevista está<br />

internada. Sua renda familiar é <strong>de</strong> dois salários-mínimos, tendo renda individual<br />

<strong>de</strong> meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um salário-mínimo..<br />

Ela nasceu na Bahia, mas ainda na infância veio com a mãe e a irmã<br />

morar no Rio <strong>de</strong> Janeiro na casa <strong>de</strong> sua tia, “por favor”, no bairro da Prata <strong>em</strong><br />

Nova Iguaçu. Mal conheceu o pai, pois este já havia se separado <strong>de</strong> sua mãe<br />

antes da vinda para o Rio. Sua mãe trabalhava fora <strong>de</strong> casa como doméstica,<br />

enquanto Rosa e sua irmã ficavam sob os cuidados <strong>de</strong>ssa tia.<br />

No Rio <strong>de</strong> Janeiro, a mãe <strong>de</strong> Rosa conheceu um novo companheiro, e<br />

<strong>de</strong>ssa nova união nasceram mais quatro crianças, totalizando <strong>em</strong> seis o<br />

número <strong>de</strong> irmãos. O nascimento <strong>de</strong>ssas crianças gerou tensões familiares,<br />

principalmente entre o padrasto e as enteadas. A ausência da figura paterna é<br />

relatada como um fato marcante <strong>em</strong> sua infância, sentia falta <strong>de</strong> um “carinho <strong>de</strong><br />

pai”. O padrasto além <strong>de</strong> não preencher essa lacuna, revelou-se uma pessoa<br />

violenta, agredindo com freqüência ela e a irmã. A mãe é apresentada como<br />

uma pessoa que s<strong>em</strong>pre trabalhou muito para o sustento da família,<br />

principalmente como <strong>em</strong>pregada doméstica, e que se <strong>de</strong>ixava explorar pelos<br />

patrões. De certa forma, a figura materna também é marcada pela ausência.<br />

“A minha mãe é explorada, enten<strong>de</strong>u? Se t<strong>em</strong> uma páscoa ela não po<strong>de</strong> ir pra casa.<br />

Se é Natal ela não po<strong>de</strong> ir pra casa. Eles que <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> isso, ‘você vai se eu quiser’.<br />

Enten<strong>de</strong>u? E eu não quero isso. E eu...”<br />

“Eu mesma me batizei porque a minha mãe não me batizou.”


106<br />

“Não. Nadinha [<strong>de</strong> orientação sobre contracepção e prevenção <strong>de</strong> DST/AIDS]. N<strong>em</strong> do<br />

lado <strong>de</strong>le [do companheiro] n<strong>em</strong> do meu. Da minha família assim, a minha mãe nunca<br />

conversou comigo sobre isso.”<br />

Muito cedo Rosa teve que assumir responsabilida<strong>de</strong>s no trabalho<br />

doméstico. Aos <strong>de</strong>z anos começou a cuidar dos irmãos menores, para que a<br />

mãe e o padrasto pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> sair para trabalhar. Esses afazeres não chegaram<br />

a atrapalhar sua educação formal, contudo comprometiam outras dimensões<br />

<strong>de</strong> sua vida, como o lazer e o t<strong>em</strong>po para estar com os amigos.<br />

“...nunca tive probl<strong>em</strong>a com a escola por causa <strong>de</strong> tomar conta dos meus irmãos não.<br />

Assim, lazer sim, eu não podia sair final <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ana porque a minha mãe tinha que<br />

trabalhar e eu tinha que ficar, mas escola eu s<strong>em</strong>pre estu<strong>de</strong>i, tudo no horário direitinho.<br />

Levava as crianças para o colégio, normal. Não tive probl<strong>em</strong>a com a escola por causa<br />

disso não.”<br />

O ambiente <strong>de</strong> conflito e violência na família gerava reações diferentes:<br />

Rosa consi<strong>de</strong>ra que ela era uma pessoa passiva, ao contrário <strong>de</strong> sua irmã que<br />

era “mais rebel<strong>de</strong>”. Entretanto, quando <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> reagir, a <strong>de</strong>cisão que toma para<br />

modificar sua situação é engravidar. Sua vida sexual teve início aos quinze<br />

anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> com seu primeiro namorado, com qu<strong>em</strong> vive até hoje. Até então,<br />

não tinha qualquer informação sobre contracepção.<br />

“Aí tudo b<strong>em</strong>, aí quando eu fiz quinze anos eu achei que eu engravidando do meu<br />

primeiro namorado seria a solução <strong>de</strong> tudo. Ele ia me tirar <strong>de</strong> casa e eu ia viver na paz.<br />

Aí fui <strong>em</strong>bora [...] Aí eu fui, nós nos conhec<strong>em</strong>os, aí ficamos um ano juntos.... Um ano<br />

não, menos <strong>de</strong> um ano, até engravidar foi menos <strong>de</strong> um ano. Eu conheci <strong>em</strong> 95 e<br />

engravi<strong>de</strong>i <strong>em</strong> 97. Aí engravi<strong>de</strong>i e ele achou o máximo. Eu com quinze e ele com<br />

<strong>de</strong>zesseis. Aí a gente não pensava aon<strong>de</strong> ia morar, com qu<strong>em</strong> ia morar, como ia fazer<br />

para pagar as contas.”<br />

Ao saber que estava grávida, Rosa tentou escon<strong>de</strong>r o fato <strong>de</strong> todos, com<br />

medo <strong>de</strong> uma possível reação <strong>de</strong> violência por parte do padrasto. Para sua<br />

surpresa essa reação não aconteceu. Ao contrário, relata que sua<br />

agressivida<strong>de</strong> foi amenizada na medida <strong>em</strong> que ela constituía uma nova família<br />

e <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhava novos papéis: mãe e esposa.<br />

“Do meu padrasto me surpreen<strong>de</strong>u, porque por ele ter me batido a vida toda eu achei<br />

que, ‘não vou contar porque vou levar uma surra e vou per<strong>de</strong>r meu filho...’. Mas quando


107<br />

eu conheci o meu marido ele parou, ele começou a ter outro comportamento, assim,<br />

não me <strong>de</strong>srespeitava mais, não levantava a voz para mim, enten<strong>de</strong>u?“<br />

Apesar <strong>de</strong> Rosa consi<strong>de</strong>rar-se mais respeitada, a atitu<strong>de</strong> do padrasto<br />

po<strong>de</strong> ser interpretada também como a passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong> paterna<br />

para outra. Na primeira oportunida<strong>de</strong>, ele <strong>de</strong>ixa claro que ela <strong>de</strong>veria sair <strong>de</strong><br />

casa e viver a sua vida.<br />

“A minha mãe contou para ele que eu estava grávida, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dois meses d’eu ter<br />

contado pra ela. E eu já estava com seis meses.... Aí a minha mãe contou pra ele, eu<br />

já estava fazendo pré-natal. Aí ele foi e falou assim, ‘mas você está indo no médico?’.<br />

Eu falei, ‘estou’. Ele só falou, ‘continue’. Aí quando foi um t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois teve uma<br />

discussão lá que ele só falou que não ia me sustentar que era pra mim arrumar minhas<br />

coisas e ir me <strong>em</strong>bora. Sendo que a minha sogra, a mãe do meu marido tinha feito<br />

planos d’eu ir para casa <strong>de</strong>la <strong>de</strong>pois que o neném nascesse, não antes, porque não ia<br />

ter como...”<br />

Foi acolhida pelos sogros, com qu<strong>em</strong> passou a morar. Apesar <strong>de</strong> ter<br />

sido b<strong>em</strong> recebida por eles, as sensações já conhecidas <strong>de</strong> abandono,<br />

privação e falta <strong>de</strong> espaço próprio foram atualizadas.<br />

“Morei na casa da minha sogra e a vida foi aquilo, não é? Morar na casa dos outros. Eu<br />

me tranquei <strong>de</strong>ntro do quarto e ficava o dia inteiro trancada <strong>de</strong>ntro do quarto. Não<br />

almoçava, não tomava café, não jantava.... A minha sogra saía <strong>de</strong> manhã pra trabalhar<br />

e eu ficava com vergonha <strong>de</strong> mexer nas coisas <strong>de</strong>la na cozinha. Ficava com fome,<br />

esperando meu marido chegar do serviço. Chegar do serviço e do colégio...”<br />

Apesar <strong>de</strong> afirmar que a gravi<strong>de</strong>z foi <strong>de</strong>sejada, como uma forma <strong>de</strong> ter<br />

vida própria e se liberar da situação familiar, após o nascimento <strong>de</strong> sua filha,<br />

Rosa se <strong>de</strong>u conta das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ser mãe. Ficou frustrada por não po<strong>de</strong>r<br />

estudar ou trabalhar, por não ter o seu próprio lar e por não ter encontrado na<br />

sua nova família uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio. Além disso, sua vida social continuou<br />

estreitada: ela não podia sair <strong>de</strong> casa, ao contrário <strong>de</strong> seu companheiro que<br />

não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ter vida própria.<br />

“Foi ruim, não é? Porque eu com neném pequeno não podia sair.... Aí ela foi crescendo<br />

e continuei s<strong>em</strong> po<strong>de</strong>r fazer nada, s<strong>em</strong> po<strong>de</strong>r estudar, s<strong>em</strong> po<strong>de</strong>r sair.... E a minha<br />

sogra trabalhava, não tinha como tomar conta, minha mãe trabalhava não tinha como<br />

tomar conta. Meus irmãos pequenos.”


108<br />

Ela <strong>de</strong>screve seu parceiro como uma pessoa “infantil”, farrista, porém<br />

trabalhadora. Relata que ele mudou com ela ao longo do relacionamento, pois<br />

antes saiam juntos, e agora ele vai sozinho.<br />

“Ah, ele ainda continua infantil. Eu já acho que estou mais madura, aceito mais. Não<br />

sei se pra não voltar para casa da minha mãe, mas eu aceito muito mais as coisas [...].<br />

Por causa <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>. Assim, eu não gosto <strong>de</strong> farra, não gosto <strong>de</strong> sair e nada. Ele se<br />

tiver um lugar pra ir não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ir. Enten<strong>de</strong>u? E com as crianças... Quando era só<br />

com a Renata, ele ia sozinho e eu ficava <strong>em</strong> casa. Depois veio o Carlos ele continua<br />

saindo sozinho e eu ficando <strong>em</strong> casa. “<br />

Ela se consi<strong>de</strong>ra uma mulher ciumenta e frustrada na sua relação, e<br />

acredita que, na atualida<strong>de</strong>, ele não goste <strong>de</strong>la com a mesma intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

antes.<br />

“A única coisa que eu acho que ele me maltrata é saber que eu sou muito ciumenta e<br />

ele [...]. Aí ele saindo aquilo parece que pra mim é tudo <strong>de</strong> ruim que ele não podia<br />

fazer, ele faz. E como no começo ele mentia muito, aí hoje fica meio difícil <strong>de</strong> acreditar<br />

<strong>em</strong> qualquer coisa, enten<strong>de</strong>u?”<br />

Rosa estudou <strong>em</strong> colégio público até o segundo ano do segundo grau.<br />

Em mais <strong>de</strong> uma ocasião, os estudos foram interrompidos <strong>de</strong>vido à gravi<strong>de</strong>z.<br />

“Eu estudando, ele estudando. Aí foi. Com o t<strong>em</strong>po a minha barriga foi crescendo, eu<br />

com seis já ficava com vergonha <strong>de</strong> ir a escola. Ele continuou estudando, tanto é que<br />

ele terminou, com <strong>de</strong>zessete anos ele terminou e eu continuei estudando.”<br />

O conflito entre gravi<strong>de</strong>z e estudos é explicado assim:<br />

“Primeiro por causa da barriga que começou a crescer e eu me senti incomodada <strong>de</strong> ir<br />

para escola com barrigão. E <strong>de</strong>pois quando a neném nasceu porque eu não tinha com<br />

qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixar a neném.”<br />

A interrupção <strong>de</strong> sua formação escolar é motivo <strong>de</strong> frustração, mas ela<br />

valoriza os estudos e t<strong>em</strong> planos para o futuro. Preten<strong>de</strong> voltar a escola após o<br />

nascimento <strong>de</strong> seu filho. A instrução é percebida como condição necessária<br />

para a melhoria das condições <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> vida. Dessa forma Rosa projeta<br />

para si mesma uma trajetória diferenciada daquela <strong>de</strong> sua mãe.<br />

“Eu não terminei, mas se eu tivesse terminado, e eu pretendo, mesmo <strong>de</strong>pois do<br />

neném nascer eu pretendo terminar, mas faltam dois anos e mais os cursos que eu<br />

pretendo fazer, eu acho que vai contar muito <strong>em</strong> relação a <strong>em</strong>prego, enten<strong>de</strong>u? Porque<br />

a minha mãe trabalha <strong>em</strong> casa <strong>de</strong> família a vida toda, e eu não quero isso para mim.”


109<br />

Rosa t<strong>em</strong> pouca experiência no mercado <strong>de</strong> trabalho. Chegou a<br />

acompanhar sua mãe nas casas <strong>de</strong> família, contudo não conseguiu se adaptar.<br />

O trabalho <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregada doméstica é percebido como exploração e<br />

subordinação. Por isso <strong>de</strong>seja trabalhar como “autônoma” para não ter<br />

relações <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito no trabalho,<br />

“Eu, fazendo o que é meu, eu vou ser a minha patroa. Eu vou mandar no meu dinheiro.<br />

E não pretendo também ter <strong>em</strong>pregadas pra não fazer..., pra elas [não] passar<strong>em</strong> por<br />

isso.”<br />

Em sua primeira gravi<strong>de</strong>z, Rosa fez pré-natal <strong>em</strong> maternida<strong>de</strong><br />

conveniada com o SUS, no município <strong>de</strong> Belford Roxo. Comparecia<br />

rotineiramente às consultas e realizou todos os exames solicitados. Inclusive<br />

seu companheiro também fez exame <strong>de</strong> sangue a pedido do profissional do<br />

pré-natal. Tinha cartão da gestante, contudo os resultados <strong>de</strong> seus exames não<br />

estavam escritos ali. Desconhecia sua tipag<strong>em</strong> sanguínea e não recebeu<br />

orientação sobre riscos <strong>de</strong> aloimunização Rh e imunoprofilaxia. Ela entrou <strong>em</strong><br />

trabalho <strong>de</strong> parto espontaneamente, mas evoluiu para cesariana. Ela<br />

<strong>de</strong>sconhece o motivo da indicação do parto cirúrgico. O neném nasceu <strong>em</strong><br />

boas condições clínicas e sobreviveu.<br />

Em sua segunda gravi<strong>de</strong>z, seu pré-natal foi acompanhado na mesma<br />

clínica conveniada. Quando lhe pergunto se nesse momento recebeu<br />

informação sobre sua tipag<strong>em</strong> sanguínea, ela diz que não, e se queixa da<br />

indiferença do profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e o pouco diálogo. Além disso, nessa<br />

gestação as consultas <strong>de</strong> pré-natal eram muito espaçadas entre si, mais <strong>de</strong><br />

trinta dias entre elas.<br />

“Era assim, era muita gente. Você entra, aí examina a sua barriga, passa os exames,<br />

não olha n<strong>em</strong> pra você, para a sua cara, nada... Passa os exames. Você vai no SUS lá,<br />

no lugar que t<strong>em</strong> pra fazer, faz, tira, não é? Colhe. Eles marcam o dia, com uns<br />

quarenta dias você apanha o resultado, leva pra o médico <strong>de</strong> volta e só. O médico não<br />

conversa, não fala nada.”


110<br />

Apesar <strong>de</strong> ter entrado <strong>em</strong> trabalho <strong>de</strong> parto, outra vez lhe indicaram<br />

cesariana. Relata que “ainda tentaram forçar [o parto]”. Seu filho nasceu “b<strong>em</strong><br />

roxinho” e “cansadinho”, permanecendo internado por sete dias até falecer.<br />

Rosa não recebeu uma explicação <strong>de</strong>finitiva sobre a causa da morte <strong>de</strong> seu<br />

filho.<br />

“E estava com...como se chama, estava com infecção. Tinha pego uma infecção e<br />

estava inchadinho e estava com an<strong>em</strong>ia. Mas não me explicaram que a an<strong>em</strong>ia do<br />

neném era por causa do meu tipo sanguíneo.”<br />

Na alta hospitalar, estando no terceiro dia após o parto, ela foi orientada<br />

a receber uma “vacina”, ou seja, a imunoprofilaxia anti-Rh (D). A<br />

imunoglobulina <strong>de</strong>veria ser comprada <strong>em</strong> farmácia, pois não seria<br />

disponibilizada pelo hospital conveniado do SUS. Rosa comunicou ao<br />

profissional que não teria disponibilida<strong>de</strong> financeira para compra da medicação.<br />

“Explicaram, só que eu tinha que tomar essa vacina.... Me <strong>de</strong>ram a receita e<br />

mandaram eu tomar na farmácia quando eu fosse pra casa. Aí não tinha....”<br />

O seu companheiro chegou a conseguir o dinheiro para comprar a<br />

medicação, contudo teve que utilizá-lo para o enterro do filho. Além da questão<br />

financeira, a razão da não utilização da imunoglobulina t<strong>em</strong> a ver com fato<br />

<strong>de</strong>les não estar<strong>em</strong> informados e b<strong>em</strong> esclarecidos <strong>de</strong> sua real necessida<strong>de</strong>, ou<br />

seja, não estar<strong>em</strong> conscientes <strong>de</strong> que o não uso da medicação no período<br />

correto po<strong>de</strong>ria acarretar probl<strong>em</strong>as <strong>em</strong> futuras gestações.<br />

“Eu falei, e quando meu marido conseguiu o dinheiro já estava tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais. E o<br />

dinheiro que ele conseguiu que era da vacina ficou guardado para a gente fazer o<br />

enterro do neném.”<br />

Rosa engravidou novamente e nessa terceira gestação ocorreu<br />

abortamento espontâneo aos três meses. Foi assistida naquela mesma casa<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>em</strong> que fez o acompanhamento pré-natal e os partos anteriores.


111<br />

“Não. Quando eu abortei, perdi esse neném <strong>de</strong> três meses, sabe o que eles fizeram?<br />

Eu cheguei lá sentindo muita dor nas costas e falando que eu estava grávida. Aí ela foi<br />

e me botou <strong>de</strong> bruços na mesa, <strong>de</strong>u uns tapas assim nas minhas costas e falou,’oh!<br />

vamos te <strong>de</strong>ixar internada’. Isso era <strong>de</strong> madrugada, meu marido foi comigo. ‘Vamos te<br />

<strong>de</strong>ixar internada pra ver o que acontece’. Me internou, me botou no soro, eu <strong>de</strong>itei,<br />

quando eu <strong>de</strong>itei a minha bolsa estourou. Aí me levaram para fazer a curetag<strong>em</strong>.<br />

Quando tiraram o feto... Não, o feto saiu sozinho, <strong>de</strong>pois que me levaram pra fazer a<br />

curetag<strong>em</strong>. O que aconteceu? Ela foi, já era noite, chegou lá, botou o feto numa<br />

garrafa, numa garrafa <strong>de</strong> soro cortada, eu vi ela colocando ele <strong>de</strong>ntro da garrafa. Falou<br />

assim, ‘ah! é muito pequeninho, não dá n<strong>em</strong> pra ver o sexo’.”<br />

O profissional que acompanhou o seu parto, ainda lhe ofereceu<br />

investigar as causas da morte do bebê, mas ela teria que arcar com os custos<br />

disso. Ela é enfática ao dizer que gostaria muito <strong>de</strong> ter sabido, contudo sua<br />

situação econômica não lhe permitia. Tampouco, foi orientada a procurar uma<br />

unida<strong>de</strong> pública para investigar a perda fetal.<br />

“Colocou <strong>de</strong>ntro da garrafa, foi <strong>em</strong>bora. Daqui a pouco ela voltou e falou assim, ‘você<br />

vai querer saber a causa da morte do bebê?’. Eu falei assim, ‘claro’. Ela falou assim,<br />

‘cada exame é oitenta reais, são dois exames’. Aí eu falei assim, ‘então eu vou ficar<br />

s<strong>em</strong> saber’. Como é que eu ia tirar dinheiro do nada? Fiquei s<strong>em</strong> saber porque o<br />

neném faleceu.”<br />

Rosa conta que sua quarta gravi<strong>de</strong>z aconteceu aten<strong>de</strong>ndo um pedido <strong>de</strong><br />

seu companheiro, que <strong>de</strong>sejava um outro filho. Chegou a interromper o uso <strong>de</strong><br />

contraceptivo, “ele queria muito aí eu falei, ‘só se você mudar’. Porque eu já<br />

estava tomando r<strong>em</strong>édio, então eu parei para engravidar.”. Acreditava que<br />

aten<strong>de</strong>ndo o <strong>de</strong>sejo do parceiro, barganharia sua presença mais próxima a ela.<br />

“Só que diminuiu, não é? Depois que eu engravi<strong>de</strong>i... Quando eu engravi<strong>de</strong>i do Carlos<br />

ele queria muito.”<br />

Como havia tido experiências ruins na maternida<strong>de</strong> conveniada <strong>de</strong><br />

Belford Roxo, Rosa <strong>de</strong>cidiu procurar um outro lugar on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>sse ter um<br />

atendimento <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong>. Então, nos conta sua peregrinação.<br />

“[...] quando eu engravi<strong>de</strong>i eu não sabia que tinha que fazer o tratamento aqui. Aí, o<br />

que eu fiz? Fui para maternida<strong>de</strong> I. para tentar fazer um pré-natal lá, por que lá era<br />

melhor do que Belford Roxo, o que diziam, não É? Fui para I. e fiquei dois meses<br />

seguidos. Eu tinha engravidado, a menstruação não <strong>de</strong>sceu, eu já fui. Não consegui,<br />

marcaram para três meses <strong>de</strong>pois. Ai eu falei, ‘não posso esperar isso tudo, porque eu<br />

já sei, t<strong>em</strong> alguma coisa errada comigo. Eu tenho que cuidar do neném. Aí fui para<br />

Belford Roxo [a mesma maternida<strong>de</strong> das gestações anteriores]. [...] Fiz o pré-natal três<br />

vezes, aí tive que fazer esse exame <strong>de</strong> Coombs <strong>em</strong> outro lugar. Fiz. Aí quando eu levei


112<br />

o resultado para ele, ele mandou eu ir para a [maternida<strong>de</strong>] P. Não mandou eu fazer<br />

nada na P. só tomar as injeções. Aí ele pegou... Aí, na [maternida<strong>de</strong>] P. me mandou vir<br />

para cá e ele tinha marcado pra mim voltar pra fazer o pré-natal. Vamos supor, eu fui<br />

para a [maternida<strong>de</strong>] P., não consegui tomar, a mulher não mandasse eu vir para cá...<br />

então, eu ia continuar grávida, e ele marcou o meu pré-natal para o dia vinte e oito <strong>de</strong><br />

agosto, só que o Carlos nasceu dia vinte e quatro”<br />

Após essa peregrinação, Rosa realizou o teste <strong>de</strong> Coombs, que foi<br />

positivo, e tomou conhecimento sobre sua tipag<strong>em</strong> sanguínea. Foi<br />

encaminhada para o pré-natal <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> alto risco no IFF por causa da<br />

DHPN. Seu filho nasceu vivo, tendo recebido tratamento a<strong>de</strong>quado antes e<br />

após o nascimento.<br />

A atual gestação, a quinta, não foi planejada ou <strong>de</strong>sejada. O<br />

companheiro reagiu mal à sua gravi<strong>de</strong>z, criticou-lhe duramente e pressionou<br />

para que ela abortasse. A cada gestação, o afastamento entre eles se tornava<br />

mais profundo.<br />

‘Eu engravi<strong>de</strong>i e aí contei para ele. Ele ficou traumatizado e <strong>de</strong>sesperado, e queria tirar.<br />

Aí o t<strong>em</strong>po foi passando, passando. A corag<strong>em</strong> <strong>de</strong> tirar não vinha, e a gente não<br />

contava para a família com medo das críticas. E foi passando mais t<strong>em</strong>po, eu falei, ‘eu<br />

vou ter que tratar porque eu já estava me sentindo mal’.“<br />

No balanço geral que faz <strong>de</strong> sua vida reprodutiva, observamos um misto<br />

<strong>de</strong> vergonha, culpa, rejeição, sensação <strong>de</strong> punição e baixa auto-estima.<br />

“Ah! eu acho que era para eu ter tomado vergonha, não é? Quando eu tive o Carlos<br />

[quarto filho], e mesmo quando eu tive a Renata [primeira filha], eu não pensei muito,<br />

porque eu era infantil. Aí <strong>de</strong>pois eu engravi<strong>de</strong>i <strong>de</strong> novo por não estar tomando r<strong>em</strong>édio.<br />

Depois veio Carlos. Por ele [o marido] ter achado que tinha que ter, eu concor<strong>de</strong>i e foi.<br />

Eu <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> estudar <strong>de</strong> novo, eu já tinha voltado, parei <strong>de</strong> estudar <strong>de</strong> novo para po<strong>de</strong>r<br />

ter o Carlos [...]. E é por isso que quando eu vi, eu te perguntei logo sobre como é que<br />

eu fazia para ligar, porque... “<br />

Aos vinte e quatros e com cinco gestações acompanhadas <strong>em</strong> serviços<br />

<strong>de</strong> pré-natal, Rosa ainda é uma mulher que t<strong>em</strong> pouca informação e pouca<br />

experiência com planejamento familiar. Justificando a escolha pela laqueadura<br />

tubária, ela diz:<br />

“E a pílula anticoncepcional, eu tomo num dia e noutro dia sai. E ela sai inteira, ela não<br />

dissolve. E se ela dissolve fica como se fosse uma borracha. E eu boto para fora, e


113<br />

comecei a tomar por conta própria. Enten<strong>de</strong>u? E eu quero cuidar mesmo <strong>de</strong> mim para<br />

não engravidar. Eu não quero mais passar por isso.”<br />

Depois do nascimento <strong>de</strong> seu quarto filho, no IFF, foi encaminhada ao<br />

serviço <strong>de</strong> planejamento familiar, porém faltou às consultas. As exigências<br />

domésticas e as responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cuidados com os filhos são colocadas<br />

como entraves ao seu próprio cuidado.<br />

“Eu estou aqui e meu filho pequeninho <strong>em</strong> casa precisando <strong>de</strong> mim, não sei o que ele<br />

está passando. Ele está começando a falar agora. Eu estou com três s<strong>em</strong>anas dando<br />

mama<strong>de</strong>ira pra ele. Então ele só toma a mama<strong>de</strong>ira que eu faço. Aí eu estou<br />

imaginando: E ele lá s<strong>em</strong> mamar nada?” Ele come tudo, mas mesmo assim não é a<br />

mesma coisa. De madrugada ele acordava para mamar peito, eu dava mama<strong>de</strong>ira, ele<br />

já estava se conformando com aquilo. Eu <strong>de</strong>ixava mama<strong>de</strong>ira pronta, <strong>de</strong> manhã ele<br />

mesmo ia lá pegar a mama<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>le.”<br />

Ela mesma conclui que não t<strong>em</strong> ”nenhum [t<strong>em</strong>po para cuidar <strong>de</strong> si]. Às<br />

vezes eu paro para pensar assim, eu não cuido <strong>de</strong> mim <strong>de</strong> forma nenhuma.<br />

S<strong>em</strong>pre abro mão do que é para fazer para mim, para fazer pra os outros.”.<br />

Apesar <strong>de</strong> todas as dificulda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> sua trajetória reprodutiva, consi<strong>de</strong>ra<br />

a gravi<strong>de</strong>z como um dom divino, achando-se uma boa mãe. Empenha-se na<br />

criação dos filhos e tenta não reproduzir o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> sua própria criação. Ela<br />

t<strong>em</strong> muito medo que seus filhos pass<strong>em</strong> dificulda<strong>de</strong>s que teve na infância e<br />

adolescência.<br />

“É tudo. Eu amo meus filhos acima <strong>de</strong> tudo. Não... Não quero dar pra eles a vida que<br />

eu tive. Não admito que ninguém grite com eles, porque eu fui... Eu sou super<br />

protetora. Eu grito muito, mas só eu, mais ninguém. Não bato, não <strong>de</strong>ixo ninguém<br />

bater. Meu marido não po<strong>de</strong> falar n<strong>em</strong> um pouco mais alto que eu já fico chateada.<br />

Quando a gente vai sair que eles não se comportam no lugar que ele fica <strong>de</strong> cara feia.<br />

Eu falo, ‘Oh! você é o pai <strong>de</strong>les, não é padrasto não’. Ele se comporta. Aí vai.”<br />

Assim como <strong>em</strong> outras entrevistas, no relato <strong>de</strong> Rosa, também<br />

aparec<strong>em</strong> idéias associando malformação e an<strong>em</strong>ia fetal.<br />

“E teve neném um mês antes <strong>de</strong> mim e a filha <strong>de</strong>la nasceu s<strong>em</strong> o céu da boca. Eles<br />

disseram que era por causa disso. Só que comigo os médicos não mandaram e eu não<br />

fiz nada também.“


114<br />

O balanço final <strong>de</strong> Rosa sobre a sua experiência com os serviços <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> atenção ao pré-natal e ao parto, po<strong>de</strong> ser resumido no<br />

termo que ela mesma utiliza: “<strong>de</strong>scaso”.


115<br />

3.3 Reflexão geral sobre os resultados<br />

Neste capítulo, discutimos os resultados obtidos na análise <strong>de</strong> nossas<br />

fontes documentais orais e impressas, à luz do referencial teórico que norteou<br />

essa investigação.<br />

O cruzamento dos relatos das mulheres participantes da pesquisa revela<br />

aspectos <strong>de</strong> suas experiências e contextos <strong>de</strong> vida que geraram<br />

vulnerabilida<strong>de</strong>s e que, possivelmente, potencializaram os riscos à sua saú<strong>de</strong><br />

reprodutiva. A análise do perfil socioeconômico e reprodutivo da clientela do<br />

ambulatório <strong>de</strong> DHPN do IFF também contribui com achados que enriquec<strong>em</strong><br />

essas reflexões. L<strong>em</strong>bramos que trabalhamos com as contribuições críticas <strong>de</strong><br />

Petersen (1997), Barata (2001), Castiel (2001), Carvalho (2004a) e Czeresnia<br />

(2004) e consi<strong>de</strong>ramos que o risco <strong>em</strong> saú<strong>de</strong> é um fenômeno multidimensional<br />

(envolvendo aspectos biológicos, sociais e culturais), dinâmico (envolvendo<br />

processos <strong>de</strong> interação social e construção <strong>de</strong> sentidos) e está inscrito na<br />

história (sendo moldados pelas formas <strong>de</strong> vida social <strong>de</strong> cada época e lugar e<br />

se transformando com elas). Nesse sentido, o risco não po<strong>de</strong> ser<br />

compreendido apenas através <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> fatores objetivos e quantificáveis;<br />

sua compreensão requer métodos como o das ciências sociais e da história<br />

que ajudam abordar suas dimensões sociais e culturais.<br />

Para a discussão dos resultados do perfil socioeconômico e reprodutivo<br />

das gestantes aloimunizadas atendidas <strong>em</strong> nosso serviço <strong>de</strong> referência e da<br />

análise dos relatos <strong>de</strong> vida, recuperamos os objetivos específicos propostos no<br />

projeto original da dissertação <strong>de</strong> mestrado. Porém, a riqueza dos achados da<br />

pesquisa nos levou a <strong>de</strong>sm<strong>em</strong>brar alguns <strong>de</strong>sses objetivos específicos e


116<br />

reestruturar os eixos da discussão final dos resultados. Dessa maneira, neste<br />

capítulo, procuramos compreen<strong>de</strong>r os contextos que potencializaram o risco à<br />

saú<strong>de</strong> reprodutiva da nossa clientela, a partir <strong>de</strong> suas condições sociais e<br />

econômicas, suas dinâmicas familiares, os processos <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong><br />

conhecimentos e práticas referentes à saú<strong>de</strong> sexual e reprodutiva, as histórias<br />

das gravi<strong>de</strong>zes e <strong>de</strong> acompanhamentos pré-natal, os significados culturais e<br />

práticos atribuídos ao evento da maternida<strong>de</strong>, suas auto-representações como<br />

sujeitos e os significados que atribu<strong>em</strong> a sua tipag<strong>em</strong> sanguínea, a sua<br />

condição <strong>de</strong> aloimunização e à DHPN.<br />

A condição socioeconômica encontrada na análise do perfil da clientela<br />

foi variável. A renda familiar média foi <strong>de</strong>scrita como 3,8 salários mínimos,<br />

porém cerca da meta<strong>de</strong> dos prontuários não fazia referência a esse dado. Na<br />

análise das entrevistas, o achado comum foi <strong>de</strong> pobreza e, <strong>em</strong> alguns casos,<br />

como o <strong>de</strong> Paula, encontramos uma situação extr<strong>em</strong>a <strong>de</strong> miséria, marcada por<br />

insegurança alimentar e precarieda<strong>de</strong> das condições <strong>de</strong> moradia e<br />

saneamento. Chama a atenção, também, domicílios com muitos habitantes e<br />

famílias estendidas, tal como era a experiência <strong>de</strong> Ana. Quando foi morar com<br />

seu primeiro companheiro, vivia <strong>em</strong> uma habitação <strong>de</strong> dois dormitórios, feita <strong>de</strong><br />

tábua e s<strong>em</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> água e esgoto, on<strong>de</strong> moravam onze pessoas, entre filhos,<br />

cunhadas, sobrinhos, sogros e outros.<br />

Marandola Jr (2004), <strong>em</strong> artigo apresentado à Associação Brasileira <strong>de</strong><br />

Estudos Populacionais (ABEP), refere que a linha da pobreza t<strong>em</strong> sido vista, às<br />

vezes, como um limite on<strong>de</strong> haveria maior vulnerabilida<strong>de</strong>. Por sua vez, a<br />

vulnerabilida<strong>de</strong> <strong>em</strong> saú<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser entendida a partir <strong>de</strong> três componentes: a<br />

existência <strong>de</strong> um evento potencialmente adverso (risco), endógeno ou


117<br />

exógeno; a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r à situação, seja por causa da<br />

ineficiência <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>fesas ou ausência <strong>de</strong> recursos que lhe dê<strong>em</strong> suporte; a<br />

inabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptar-se à situação gerada pela materialização do risco. Sabese<br />

hoje, também, que a percepção <strong>de</strong> pertencer a grupos sociais excluídos da<br />

maioria dos benefícios da socieda<strong>de</strong> gera sofrimento e sentimentos <strong>de</strong><br />

inferiorida<strong>de</strong> e discriminação, e isso contribui na <strong>de</strong>terminação dos padrões <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> dos indivíduos (MS, 2006).<br />

Na amostra <strong>de</strong> gestantes aloimunizadas, cujos dados socioeconômicos<br />

e reprodutivos foram analisados, encontramos uma relação entre brancas e<br />

não brancas <strong>de</strong> 1,25:1, proporção muito s<strong>em</strong>elhante à representação <strong>de</strong><br />

mulheres brancas e mulheres negras e pardas na população brasileira, ou seja,<br />

1,24:1 (SEPM, 2005). Consi<strong>de</strong>rando que as mulheres brancas compõ<strong>em</strong> a<br />

maioria da população f<strong>em</strong>inina <strong>em</strong> nosso país e projetando para a população<br />

brasileira as estimativas <strong>de</strong> incidência <strong>de</strong> negativida<strong>de</strong> do fator Rh da<br />

população mundial segundo cor/raça – 15% da população branca e 8% da<br />

população negra (Rezen<strong>de</strong>, 2005) –, seria <strong>de</strong> se esperar que as mulheres<br />

consi<strong>de</strong>radas brancas tivess<strong>em</strong> um risco <strong>de</strong> exposição a aloimunização Rh (D)<br />

e DHPN pelo menos duas vezes maior <strong>em</strong> relação às não-brancas.<br />

Entretanto, no que se refere à saú<strong>de</strong> <strong>em</strong> geral e, especificamente, à<br />

saú<strong>de</strong> reprodutiva, incluindo a aloimunização Rh (D) e a DHPN, sab<strong>em</strong>os que<br />

não apenas fatores genéticos/biológicos <strong>de</strong>terminam o risco <strong>de</strong> adoecer. Na<br />

perspectiva da integralida<strong>de</strong> (Mattos, 2001), consi<strong>de</strong>ra-se que dimensões<br />

simbólicas, culturais, políticas, econômicas e subjetivas compõ<strong>em</strong> o ambiente<br />

<strong>de</strong> proteção ou <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> à saú<strong>de</strong>. Documentos do Ministério da<br />

Saú<strong>de</strong>, estudos acadêmicos e pesquisas realizadas por entida<strong>de</strong>s da


118<br />

socieda<strong>de</strong> civil têm apontado como as condições históricas da população afrobrasileira<br />

(exclusão e poucas chances <strong>de</strong> ascensão social, dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

acesso à saú<strong>de</strong>, educação, moradia e trabalhos b<strong>em</strong> r<strong>em</strong>unerados,<br />

discriminação) têm sido um el<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> maior importância na geração <strong>de</strong><br />

vulnerabilida<strong>de</strong>s à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa população e, inclusive, no que diz respeito à<br />

saú<strong>de</strong> sexual e reprodutiva (Werneck et al, 2000; MS, 2004).<br />

Vivências <strong>de</strong> violência doméstica e social estiveram presentes nos<br />

discursos das mulheres entrevistadas, trazendo à tona sentimentos <strong>de</strong> tristeza<br />

<strong>em</strong> relação ao período <strong>de</strong> sua infância e adolescência. Paula e seus irmãos<br />

sofriam agressão física por parte da madrasta e atribui as fugas <strong>de</strong> casa e as<br />

internações <strong>de</strong> seu irmão na FUNABEM às tensões domésticas. Ana também<br />

relata que sofria agressão <strong>de</strong> seu ex-companheiro.<br />

Condições socioeconômicas e dinâmicas familiares tiveram<br />

repercussões sobre o processo <strong>de</strong> educação formal <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte das<br />

entrevistadas. Algumas vezes, os estudos foram interrompidos pela<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingresso no mercado <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> colaborar no sustento<br />

financeiro domiciliar. Outras vezes, as mulheres tiveram que se ocupar dos<br />

irmãos mais novos, enquanto os pais trabalhavam. A maternida<strong>de</strong> precoce foi<br />

outro motivo referido para a interrupção dos estudos, implicando <strong>em</strong><br />

constituição <strong>de</strong> novas famílias e surgimento <strong>de</strong> novas responsabilida<strong>de</strong>s para<br />

as mulheres, como os cuidados com os próprios filhos e com o novo lar. A<br />

vergonha da barriga grávida foi outro motivo para a interrupção da educação<br />

formal. Rosa, por ex<strong>em</strong>plo, morava com os sogros que a apoiavam e o<br />

companheiro dava conta da provisão econômica da família, mesmo assim<br />

relata que se sentia constrangida <strong>em</strong> freqüentar a escola durante as


119<br />

gravi<strong>de</strong>zes. Ana, por sua vez, precisou interromper os estudos para ingressar<br />

no mercado <strong>de</strong> trabalho r<strong>em</strong>unerado, pois seu companheiro nunca trabalhou. A<br />

literatura relata que, durante a gravi<strong>de</strong>z, muitas adolescentes abandonam<br />

escola e <strong>em</strong>prego. Constrangimentos e pressões <strong>de</strong> diretores, professores,<br />

colegas e pais <strong>de</strong> colegas estão entre os fatores que <strong>de</strong>terminam a saída da<br />

escola antes do nascimento do filho. Alguns pais contribu<strong>em</strong> <strong>de</strong>cisivamente<br />

para esse abandono, também, pelo caráter vexatório (Oliveira, 1998; Souza,<br />

1999).<br />

Na análise quantitativa <strong>de</strong> informações referentes às gestantes do<br />

ambulatório <strong>de</strong> DHPN, encontramos um total <strong>de</strong> 60% <strong>de</strong> mulheres que tinham<br />

pelo menos o primeiro grau <strong>de</strong> ensino completo. Entre nossas entrevistadas,<br />

também três das cinco mulheres, apesar das dificulda<strong>de</strong>s e interrupções,<br />

conseguiram concluir o primeiro grau. Esse nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> encontrado<br />

entre as nossas clientes é razoavelmente elevado, quando comparado àquele<br />

da população f<strong>em</strong>inina brasileira com mais <strong>de</strong> 18 anos (SEPM, 2005).<br />

O sist<strong>em</strong>a educacional po<strong>de</strong>ria e <strong>de</strong>veria ser um primeiro formador <strong>de</strong><br />

conhecimentos sobre saú<strong>de</strong>, inclusive sobre os significados da tipag<strong>em</strong><br />

sanguínea e sua relação com a promoção da saú<strong>de</strong> reprodutiva. Nos<br />

Parâmetros Curriculares Nacionais 16 do Ministério da Educação são incluídos<br />

conteúdos relativos ao estudo do corpo e da fisiologia humana. Além disso,<br />

muitas vezes na matrícula escolar, são solicitados ao aluno dados sobre sua<br />

tipag<strong>em</strong> sanguínea e, <strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong> outra, muitas crianças,<br />

adolescentes e jovens são submetidos a testag<strong>em</strong> sanguínea através <strong>de</strong><br />

16 http://www.bibvirt.futuro.usp.br/textos/humanas/educacao/pcns/fundamental/in<strong>de</strong>x.html.<br />

Página acessada <strong>em</strong> 22 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2006.


120<br />

campanhas. Entretanto, parece que <strong>em</strong> geral, essas são oportunida<strong>de</strong>s<br />

perdidas para a promoção da saú<strong>de</strong> reprodutiva, ao menos no que diz respeito<br />

à prevenção da aloimunização e do DHPN.<br />

Aproximadamente a meta<strong>de</strong> das mulheres atendidas no ambulatório <strong>de</strong><br />

DHPN, no período entre 2003 e 2005, não exercia trabalho r<strong>em</strong>unerado. A<br />

outra meta<strong>de</strong> distribui-se <strong>de</strong> forma heterogênea entre várias ocupações, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

<strong>em</strong>pregadas domésticas até profissões com nível superior <strong>de</strong> ensino, tais como<br />

bióloga, economista e contadora.<br />

Nas entrevistas <strong>em</strong> profundida<strong>de</strong> com as gestantes, constatamos uma<br />

realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingresso precoce no mercado <strong>de</strong> trabalho, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte das<br />

vezes, associada a uma formação técnica <strong>de</strong>ficiente e uma baixa r<strong>em</strong>uneração.<br />

Trabalhos informais, ou seja, s<strong>em</strong> carteira assinada, eram a regra na<br />

experiência profissional <strong>de</strong>ssas mulheres entrevistadas, principalmente<br />

ocupando serviços domésticos e como cuidadoras <strong>de</strong> crianças 17 .<br />

No relato das mulheres participantes da pesquisa, a conciliação entre<br />

trabalho e maternida<strong>de</strong> aparece como uma área <strong>de</strong> tensão. Os companheiros<br />

muito pouco se responsabilizam pela criação dos filhos. Outras pessoas <strong>de</strong> seu<br />

círculo <strong>de</strong> convivência mais próximo - tias, mães, irmãs e sogras - n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre<br />

po<strong>de</strong>m compartilhar essas tarefas, estando elas também pressionadas pelas<br />

necessida<strong>de</strong>s econômicas e suas próprias responsabilida<strong>de</strong>s domésticas.<br />

Para Paula, Clara e Ana, t<strong>em</strong> sido difícil equilibrar a criação dos filhos,<br />

os estudos, os afazeres domésticos, o trabalho r<strong>em</strong>unerado e o cuidado<br />

consigo mesma. Paula ressente-se por ter tido que abandonar suas ativida<strong>de</strong>s<br />

17 Estudos mostram que a maioria dos trabalhos r<strong>em</strong>unerados aos quais as mulheres têm<br />

acesso relaciona-se às suas habilida<strong>de</strong>s "domésticas", informais, <strong>de</strong> baixa qualificação e malr<strong>em</strong>uneradas<br />

(Brito, 2000).


121<br />

e <strong>de</strong>sejos pessoais - por ex<strong>em</strong>plo estudar - por causa <strong>de</strong> outras necessida<strong>de</strong>s<br />

que se impuseram como mais urgentes (cuidar dos irmãos, cuidar dos filhos,<br />

cuidar do companheiro, botar comida <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa). Ana nos conta que<br />

sacrifica o seu próprio cuidado com a saú<strong>de</strong> - como fazer o preventivo<br />

ginecológico - pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar. Entretanto, o trabalho é<br />

sacrificado toda vez que há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidar da saú<strong>de</strong> dos filhos. Em<br />

outras palavras, a provisão econômica da família e o cuidado com a prole são<br />

priorida<strong>de</strong>s para ela, <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento da própria saú<strong>de</strong>. Em comum essas<br />

mulheres nos apresentam uma vida on<strong>de</strong> há falta <strong>de</strong> espaço para projetos<br />

pessoais, inclusive o cuidado consigo.<br />

Diante <strong>de</strong> um cenário atual <strong>em</strong> que os homens, especialmente <strong>em</strong><br />

populações <strong>de</strong> baixa renda, têm dificulda<strong>de</strong> crescente <strong>de</strong> garantir<strong>em</strong> uma renda<br />

familiar a<strong>de</strong>quada, ou mesmo manter um trabalho minimamente estável, Giffin<br />

(2002) t<strong>em</strong> a opinião que estamos passando por uma "transição <strong>de</strong> gênero".<br />

Nesse processo, as mulheres não somente "ajudam" na composição da renda<br />

familiar: são exigidas e se exig<strong>em</strong> a <strong>de</strong>senvolver também o papel <strong>de</strong><br />

provedoras, apesar (ou principalmente) tendo filhos menores. Sua "dupla<br />

jornada" não é fonte <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência financeira e n<strong>em</strong> mesmo <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong><br />

familiar, <strong>em</strong>bora necessária à sobrevivência e manutenção da família. Dentro<br />

<strong>de</strong> um contexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego e baixos salários, a falta <strong>de</strong> condições para<br />

<strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar o tradicional papel <strong>de</strong> provedor masculino po<strong>de</strong> resultar <strong>em</strong> uma<br />

representação <strong>de</strong> “fracasso”, ou mesmo na "expulsão" do hom<strong>em</strong> do lar (Scott,<br />

1990a; Giffin, 2002).<br />

Apesar <strong>de</strong>ssas mulheres, por condições sociais, culturais e econômicas,<br />

ter<strong>em</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> social restritas, essa perspectiva está <strong>de</strong>


122<br />

algum modo <strong>em</strong> seus horizontes, seja para o seu próprio futuro ou <strong>de</strong> seus<br />

filhos. Para Clara, a experiência no mercado <strong>de</strong> trabalho é valorizada tanto pela<br />

possibilida<strong>de</strong> que confere <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> consumo próprias,<br />

quanto pelo que traz <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, reconhecimento e auto-estima. Rosa<br />

projeta para breve seu retorno aos estudos e mercado <strong>de</strong> trabalho e diz que<br />

<strong>de</strong>seja ter uma vida distinta daquela que sua mãe levava. Porém, mesmo tendo<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> melhorar, <strong>em</strong> seus discursos aparec<strong>em</strong> sentimentos <strong>de</strong> baixa autoestima<br />

através do automenosprezo com relatos <strong>de</strong> “preguiça”, “ignorância” e<br />

“dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> entendimento”, e representações <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrota e dúvidas sobre<br />

sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conseguir o que almejam.<br />

O estudo do perfil das gestantes do ambulatório <strong>de</strong> DHPN revelou que a<br />

maioria vivia <strong>em</strong> união conjugal estável. O grupo <strong>de</strong> mulheres entrevistadas,<br />

também, seguia esse padrão conjugal. Em geral, as relações afetivas com o<br />

parceiro foram <strong>de</strong>scritas como satisfatórias com companheirismo e<br />

compartilhando alegrias e tristezas. Apenas Ana <strong>de</strong>screve o seu primeiro<br />

companheiro como <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregado, violento e drogado. O término <strong>de</strong>ssa<br />

relação representou um momento <strong>de</strong> mudança <strong>em</strong> sua vida com aumento <strong>de</strong><br />

sua auto-estima.<br />

Os achados referentes à situação conjugal das gestantes aloimunizadas<br />

nos levam a uma reflexão. Encontramos <strong>em</strong> trabalhos importantes da área <strong>de</strong><br />

ginecologia e obstetrícia, cujos responsáveis são gran<strong>de</strong>s formadores <strong>de</strong><br />

opiniões e valores nessa área médica, afirmações que a união conjugal estável<br />

serviria como fator <strong>de</strong> proteção contra a vulnerabilida<strong>de</strong> <strong>em</strong> saú<strong>de</strong> reprodutiva<br />

para as mulheres e o risco gestacional (Benzecry, 2000; Zugaib, 2005;<br />

Rezen<strong>de</strong>, 2005). Os resultados <strong>de</strong> nosso estudo suger<strong>em</strong> relativizar essa idéia


123<br />

e investigar mais essas relações, visto que na amostra <strong>de</strong> mulheres<br />

aloimunizadas da pesquisa, gran<strong>de</strong> parte tinha união conjugal estável. Essa<br />

visão também t<strong>em</strong> sido questionada por outros estudos, como aqueles que<br />

<strong>de</strong>monstram o avanço da epi<strong>de</strong>mia da Síndrome da Imuno<strong>de</strong>ficiência Adquirida<br />

(AIDS) <strong>em</strong> mulheres <strong>de</strong> baixa renda, com família constituída e relacionamento<br />

monogâmico (Bastos, 1994; Praça, 2003; Melo, 2005).<br />

Nos relatos <strong>de</strong> vidas das gestantes aloimunizadas, os pais não<br />

aparec<strong>em</strong> como fontes <strong>de</strong> informação e orientação <strong>em</strong> relação à vivência da<br />

sexualida<strong>de</strong> e aos t<strong>em</strong>as da saú<strong>de</strong> reprodutiva. Tampouco,<br />

o sist<strong>em</strong>a<br />

educacional cumpriu esse papel, como já mencionamos. Eventualmente,<br />

colegas aparec<strong>em</strong> como aconselhadoras. Apesar <strong>de</strong> essas mulheres ser<strong>em</strong><br />

adultas, possuír<strong>em</strong> um nível <strong>de</strong> instrução razoável, ter<strong>em</strong> história <strong>de</strong> várias<br />

gestações e acompanhamentos <strong>de</strong> pré-natal anterior, perceb<strong>em</strong>os no momento<br />

da entrevista da pesquisa que os seus conhecimentos sobre saú<strong>de</strong> sexual e<br />

reprodutiva são ainda bastante reduzidos.<br />

De modo geral, todas as mulheres entrevistadas tiveram acesso a<br />

serviço <strong>de</strong> preventivo ginecológico com periodicida<strong>de</strong>, mesmo com freqüência<br />

irregular (para mais ou para menos). No entanto, o conhecimento sobre o que é<br />

o exame preventivo e suas finalida<strong>de</strong>s é muito impreciso. Elas associam o<br />

exame com o tratamento <strong>de</strong> infecção ginecológica, mas não com a prevenção<br />

do câncer do colo uterino. Joana, Paula e Ana faz<strong>em</strong> preventivo ginecológico<br />

como forma <strong>de</strong> prevenir e tratar uma possível “inflamação uterina”. Ana fazia<br />

preventivo durante o pré-natal como forma <strong>de</strong> proteção do bebê que esperava.<br />

Para Paula é importante fazer o preventivo porque a mulher, às vezes, “está


124<br />

toda suja e não sabe”, por isso faz o exame a cada seis meses. Joana conta<br />

que t<strong>em</strong> medo <strong>de</strong> ir ao médico e ao <strong>de</strong>ntista, por isso raramente fazia o exame.<br />

Quanto às doenças sexualmente transmissíveis e AIDS, Joana sabe que<br />

camisinha previne essas doenças, mas não a usa, pois lhe parece uma<br />

responsabilida<strong>de</strong> a mais, da qual ela teria que se preocupar. Paula consi<strong>de</strong>ra a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu companheiro ter relações extraconjugais e,<br />

conseqüent<strong>em</strong>ente, ser fonte <strong>de</strong> contágio <strong>de</strong> doenças transmitidas pela relação<br />

sexual. Refere ter informações sobre o uso <strong>de</strong> camisinha, porém, para ela, a<br />

prevenção <strong>de</strong>ssas doenças é feita através do preventivo ginecológico. Rosa<br />

sabe que o uso da camisinha po<strong>de</strong> não só prevenir o contágio <strong>de</strong> certas<br />

doenças, como prevenir uma gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>sejada. Mesmo quando não<br />

conseguia adquiri-la no posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, as comprava, contudo, seu parceiro se<br />

recusava a usar. Através da fala <strong>de</strong>ssas mulheres, nota-se que cabe a elas o<br />

<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> se cuidar para prevenir o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> doenças e gravi<strong>de</strong>z.<br />

As mulheres entrevistadas iniciaram sua vida sexual s<strong>em</strong> conhecimentos<br />

sobre contracepção e uso <strong>de</strong> métodos. A prática contraceptiva aparece<br />

somente após o nascimento do primeiro filho. Quase s<strong>em</strong>pre, foi com amigas e<br />

colegas <strong>de</strong> trabalho que elas receberam informações, e não no sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>. Geralmente, o primeiro método adotado foi a pílula.<br />

Em nenhum relato colocou-se a gravi<strong>de</strong>z como um evento planejado, e<br />

muito menos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> planejá-lo. Joana, Paula e Rosa contam que<br />

engravidaram não por escolha própria, mas aten<strong>de</strong>ndo ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> seus<br />

companheiros, seja com a justificativa <strong>de</strong> aumentar a família, seja para suprir a<br />

perda <strong>de</strong> um filho anterior e minimizar o seu próprio sofrimento. Esse discurso


125<br />

que transfere o <strong>de</strong>sejo do filho para o parceiro é ambíguo, visto que elas<br />

sist<strong>em</strong>aticamente não usavam ou suspendiam os contraceptivos.<br />

Uma parte importante das mulheres atendidas no ambulatório <strong>de</strong> DHPN<br />

se concentra nas faixas etárias <strong>em</strong> torno das quais oscilam as maiores taxas<br />

<strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong> do Brasil (IBGE, 2000). Mesmo diante do quadro <strong>de</strong><br />

sensibilização, essas mulheres apresentam gravi<strong>de</strong>zes sucessivas. Os dados<br />

da pesquisa mostram que a maioria <strong>de</strong>las chega ao ambulatório com três ou<br />

mais gestações. As entrevistas <strong>em</strong> profundida<strong>de</strong> revelam que, geralmente,<br />

essas gravi<strong>de</strong>zes não foram planejadas. O <strong>de</strong>sconhecimento do risco<br />

gestacional para aloimunização Rh foi um discurso comum a todas.<br />

A análise do perfil reprodutivo da clientela e dos relatos <strong>de</strong> vida mostra<br />

que as mulheres tiveram acesso ao pré-natal. Entre as entrevistadas, o início<br />

do pré-natal foi <strong>de</strong>scrito como precoce, com consultas periódicas e na re<strong>de</strong><br />

pública <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, excetuando-se a segunda gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> Clara que utilizou<br />

plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> particular.<br />

Todas as entrevistadas fizeram referência ao cartão da gestante e<br />

realização <strong>de</strong> exames <strong>de</strong> rotina pré-natal, contudo <strong>de</strong>sconheciam os seus<br />

resultados. Relataram que o cartão, muitas vezes, não era preenchido e os<br />

resultados dos exames não eram mencionados n<strong>em</strong> transcritos. O Ministério da<br />

Saú<strong>de</strong> (2000a) preconiza o fornecimento obrigatório <strong>de</strong>sse cartão <strong>de</strong>vendo ser<br />

um instrumento <strong>de</strong> registro utilizado <strong>em</strong> todo serviço e por todo profissional que<br />

atenda a gestante, <strong>em</strong> todas as fases da gravi<strong>de</strong>z, e não apenas um el<strong>em</strong>ento<br />

acessório para ela.<br />

Em seu histórico gestacional, quase todas fizeram referência a pelo<br />

menos uma perda gestacional anterior. O passado obstétrico <strong>de</strong>sfavorável com


126<br />

antece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> abortamento, pr<strong>em</strong>aturida<strong>de</strong> e morte neonatal, <strong>de</strong>ixa a mulher<br />

receosa pela expectativa <strong>de</strong> ter um <strong>de</strong>sfecho também ruim na gravi<strong>de</strong>z atual. A<br />

DHPN passa a ser vista como um probl<strong>em</strong>a secundário, como nas falas <strong>de</strong><br />

Paula, Clara e Rosa. E, no primeiro plano <strong>de</strong> suas preocupações e ansieda<strong>de</strong>s<br />

está a sobrevivência <strong>de</strong> seus bebês.<br />

Com exceção <strong>de</strong> Clara, nenhuma das mulheres entrevistadas recebeu<br />

explicação <strong>de</strong>finitiva sobre a razão <strong>de</strong> suas perdas fetais. Pelos relatos<br />

perceb<strong>em</strong>os que <strong>em</strong> alguns casos o <strong>de</strong>sfecho gestacional anterior <strong>de</strong>sfavorável<br />

teve relação com complicação <strong>de</strong>corrente da doença h<strong>em</strong>olítica.<br />

No grupo estudado 85% das mulheres tinham feito pré-natal anterior <strong>em</strong><br />

alguma gestação, sendo que, ao se inscrever<strong>em</strong> no IFF, 63,4% <strong>de</strong>las<br />

<strong>de</strong>sconheciam a necessida<strong>de</strong> do uso da imunoglobulina no pós-parto e 72,4%<br />

<strong>de</strong>sconheciam sua necessida<strong>de</strong> no pós-aborto. Isso nos r<strong>em</strong>ete à qualida<strong>de</strong> da<br />

atenção e, <strong>em</strong> particular, da comunicação entre os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e as<br />

gestantes. Ao longo dos relatos, as entrevistadas também teceram<br />

consi<strong>de</strong>rações sobre a qualida<strong>de</strong> da atenção que receberam. Em seus<br />

parâmetros <strong>de</strong> avaliação, o bom atendimento se relaciona com o acolhimento<br />

(como bom trato), a sensação <strong>de</strong> estar b<strong>em</strong> informada sobre o que está<br />

acontecendo (o que passa pelo diálogo) e a sobrevivência do bebê. Joana,<br />

Paula, Clara, Ana e Rosa avaliam a qualida<strong>de</strong> do diálogo com os profissionais<br />

como precária, e se queixam <strong>de</strong> não ter<strong>em</strong> recebido informações<br />

esclarecedoras acerca dos agravos da gestação. O acompanhamento pré-natal<br />

por um profissional diferente a cada consulta foi consi<strong>de</strong>rado algo que dificultou<br />

o vínculo e construção <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> confiança e prejudicou o esclarecimento<br />

<strong>de</strong> dúvidas.


127<br />

As gestantes relatam participação <strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>s educativas durante os<br />

pré-natais anteriores, mas esses tocavam quase exclusivamente <strong>em</strong> questões<br />

como amamentação e cuidados com a criança. Não havia discussão sobre<br />

outros t<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> reprodutiva como planejamento familiar, DST/AIDS e,<br />

muito menos, sobre os significados da tipag<strong>em</strong> sanguínea Rh negativo,<br />

incompatibilida<strong>de</strong> Rh ou outros agravos intercorrentes da gravi<strong>de</strong>z. Esse<br />

achado sinaliza a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> efetivação <strong>de</strong> um dos sentidos da integralida<strong>de</strong><br />

e da humanização, que valoriza as necessida<strong>de</strong>s abrangentes das pessoas<br />

que procuram os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e, para tal, consi<strong>de</strong>ra a boa qualida<strong>de</strong> da<br />

comunicação entre os sujeitos envolvidos nas ações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (Mattos, 2001;<br />

Pinheiro, 2001; Deslan<strong>de</strong>s, 2004).<br />

Teixeira (2003) discute a requalificação do probl<strong>em</strong>a do acesso e da<br />

recepção dos usuários nos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, à luz do t<strong>em</strong>a do acolhimento<br />

nesses serviços. No campo médico-sanitário o foco da garantia <strong>de</strong> acesso<br />

universal ao sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> atenção, ou seja, o probl<strong>em</strong>a da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “portas<strong>de</strong>-entrada”<br />

está sendo ampliado para o probl<strong>em</strong>a da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas<br />

“portas”, que v<strong>em</strong> ganhando importância crescente. Não que o primeiro esteja<br />

totalmente resolvido, visto que muitas mulheres ainda sofr<strong>em</strong> com os<br />

probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> peregrinação para chegar aos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da re<strong>de</strong> pública,<br />

especialmente para o <strong>de</strong>sfecho do parto (Menezes, 2006). O papel do<br />

acolhimento nessa qualida<strong>de</strong> comunicacional seria o <strong>de</strong> manter todos essas<br />

ações interconectadas, oferecendo aos usuários as inúmeras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

mobilida<strong>de</strong> pela re<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, se constituindo num autêntico espaço coletivo<br />

<strong>de</strong> conversações (Teixeira, 2003).


128<br />

Entre as diversas atribuições das unida<strong>de</strong>s integrantes do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>, a realização, na primeira consulta, da testag<strong>em</strong> sanguínea para os<br />

sist<strong>em</strong>as ABO e Rh é obrigatória, assim como o fornecimento do cartão da<br />

gestante. Vimos, pelos relatos das gestantes entrevistadas, que mesmo na<br />

maternida<strong>de</strong> - local crucial para realização da imunoprofilaxia - as orientações<br />

sobre prevenção dos riscos da aloimunização Rh e outros agravos à saú<strong>de</strong><br />

reprodutiva foram <strong>de</strong>sperdiçados. No ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> Paula, ela soube o resultado<br />

<strong>de</strong> sua tipag<strong>em</strong> sanguínea na primeira gravi<strong>de</strong>z, mesmo assim, não recebeu a<br />

imunoprofilaxia para DHPN, ou orientação sobre aloimunização Rh.<br />

A consulta puerperal faz parte das ações preconizadas pelo PHPN (MS,<br />

2000c), com objetivo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> complicações nesse período e<br />

orientação <strong>de</strong> planejamento familiar. Joana e Paula não receberam informação<br />

sobre retorno <strong>em</strong> consulta puerperal, apenas foram orientadas sobre a saú<strong>de</strong><br />

do recém-nato.<br />

Na análise do perfil reprodutivo da clientela do ambulatório <strong>de</strong> DHPN,<br />

encontramos um total <strong>de</strong> 81,3% que negavam o uso da Imunoglobulina anti-Rh<br />

(D) no primeiro evento <strong>de</strong> parto ou aborto anterior. Nas entrevistas vimos, que<br />

a medicação <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser feita por várias razões: não fornecimento da<br />

medicação pela maternida<strong>de</strong>; falta <strong>de</strong> informação sobre o seu uso; falta <strong>de</strong><br />

recursos financeiros para sua compra, visto tratar-se <strong>de</strong> um insumo importado,<br />

e portanto com preço alto para a realida<strong>de</strong> da r<strong>em</strong>uneração da população<br />

brasileira, especialmente das classes menos favorecidas; ou mesmo por seu<br />

esquecimento por parte das mulheres, o que nos r<strong>em</strong>ete a um questionamento<br />

sobre a subjetivida<strong>de</strong> que envolve o momento do nascimento <strong>de</strong> uma criança.


129<br />

No entanto, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os mencionar também a não responsabilização do<br />

profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>em</strong> fornecer os meios para sua realização.<br />

Curiosamente, apareceu no discurso <strong>de</strong> todas as entrevistadas uma<br />

representação da an<strong>em</strong>ia fetal associada a outras anormalida<strong>de</strong>s, tais como<br />

anomalias estruturais do concepto e Síndrome Down. Nos relatos <strong>de</strong> Joana,<br />

Paula, e Ana, tanto as mulheres como seus familiares tinham medo do<br />

nascimento <strong>de</strong> bebês “mongolói<strong>de</strong>s”, com “cabeça d’água”, e outros.<br />

O <strong>de</strong>sconhecimento sobre imunoprofilaxia da DHPN, associado a um<br />

pensamento distorcido sobre o significado da tipag<strong>em</strong> sanguínea po<strong>de</strong><br />

contribuir para um preconceito fatalista da doença. Isso fica evi<strong>de</strong>nciado na fala<br />

<strong>de</strong> Paula ao dizer que sua condição Rh negativo po<strong>de</strong> não ser algo tão “ruim”,<br />

mesmo s<strong>em</strong> trazer muito beneficio a sua saú<strong>de</strong>. Essas observações po<strong>de</strong>m<br />

nos r<strong>em</strong>eter a futuros estudos sobre aspectos subjetivos e culturais das<br />

representações da tipag<strong>em</strong> sanguínea.<br />

O <strong>de</strong>sconhecimento sobre o estado <strong>de</strong> aloimunização antes <strong>de</strong> chegar<br />

ao IFF aparece <strong>em</strong> 56% da amostra coletada. Elas nos chegam cercadas <strong>de</strong><br />

dúvidas sobre a doença <strong>de</strong> seu filho e o tipo <strong>de</strong> acompanhamento que será<br />

feito.<br />

Em resumo, os contextos que geraram vulnerabilida<strong>de</strong>s ao risco à saú<strong>de</strong><br />

reprodutiva das mulheres estão permeados por questões <strong>de</strong> gênero e classe<br />

social, pelas suas experiências <strong>de</strong> relação com os profissionais e serviço <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>, assim como por questões culturais e subjetivas.<br />

Uma questão importante que surge do estudo do perfil da população<br />

estudada e da análise das entrevistas diz respeito às oportunida<strong>de</strong>s perdidas,<br />

ao longo da vida <strong>de</strong>ssas mulheres, para a promoção e prevenção no que diz


130<br />

respeito à saú<strong>de</strong> reprodutiva, tanto no sist<strong>em</strong>a educacional, no sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> e <strong>em</strong> contextos comunitários. É <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático o <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong><br />

oportunida<strong>de</strong>s para a aquisição <strong>de</strong> informações que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> gerar um<br />

conhecimento concreto para prevenção da DHPN, no caso, saber sobre os<br />

significados da tipag<strong>em</strong> sanguínea e a importância da utilização da<br />

imunoprofilaxia.<br />

Um outro aspecto muito importante observado nesse estudo, foi a<br />

qualida<strong>de</strong> comunicacional <strong>de</strong>ficiente entre profissionais da saú<strong>de</strong> e as clientes,<br />

gerando inseguranças por parte das gestantes e perpetuando o seu<br />

<strong>de</strong>sconhecimento sobre a aloimunização, a DHPN e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

prevenção.<br />

Por último, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os consi<strong>de</strong>rar a perpetuação intergeracional das<br />

situações <strong>de</strong> exclusão, <strong>de</strong> discriminação e <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que fomentam<br />

vulnerabilida<strong>de</strong>s e potencializam os riscos à saú<strong>de</strong> reprodutiva.


131<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A situação <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> envolve diversos aspectos da vida, como a relação<br />

com o meio ambiente, o lazer, a alimentação, e as condições <strong>de</strong> trabalho,<br />

moradia e renda. Com base nas contribuições da literatura científica que têm<br />

refletido criticamente o conceito <strong>de</strong> risco, consi<strong>de</strong>ramos que o risco à saú<strong>de</strong><br />

reprodutiva das mulheres está relacionado a processos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong><br />

sujeitos e a dinâmicas <strong>de</strong> interação e relações sociais que envolv<strong>em</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

Dentro <strong>de</strong>ssa perspectiva, os processos que conformam as vulnerabilida<strong>de</strong>s e<br />

o risco à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser compreendidos levando-se <strong>em</strong> conta condicionantes<br />

sociais, econômicos e culturais, dimensões subjetivas, além <strong>de</strong> aspectos<br />

relacionados à atenção <strong>em</strong> saú<strong>de</strong>, que contribu<strong>em</strong> para sua instalação. O<br />

projeto <strong>de</strong> transformação inscrito nas lutas da socieda<strong>de</strong> brasileira pelo direito à<br />

saú<strong>de</strong>, na perspectiva da integralida<strong>de</strong> e eqőida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>manda mais do que<br />

discursos genéricos contra a pobreza; requer uma postura ativa <strong>de</strong><br />

enfrentamento das <strong>de</strong>terminações macro e micro-sociais das iniqüida<strong>de</strong>s<br />

sociais, colocando <strong>em</strong> questão estruturas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r enviesadas por classe,<br />

gênero e raça, valores discriminatórios e mecanismos <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong> distribuição<br />

e controle dos recursos sociais e simbólicos. Esse entendimento t<strong>em</strong><br />

conseqüências práticas para os formuladores <strong>de</strong> políticas, os gestores e os<br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Assim como a sífilis congênita, o tétano neonatal e a morte materna, a<br />

aloimunização Rh (D) e a DHPN <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser consi<strong>de</strong>radas pelos gestores e<br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que trabalham com gestantes como evento sentinela.


132<br />

Penna (1997) consi<strong>de</strong>ra que os eventos sentinelas reflet<strong>em</strong> a qualida<strong>de</strong> da<br />

assistência nos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e as condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da população. Por<br />

isso, eles <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser sist<strong>em</strong>aticamente investigados para a prevenção <strong>de</strong><br />

eventos similares no futuro. A autora diz que “ao <strong>de</strong>talhar o processo que<br />

culminou com a ocorrência do evento sentinela, tenta-se <strong>de</strong>tectar suas<br />

<strong>de</strong>terminações que po<strong>de</strong>m estar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nível <strong>de</strong> alocações <strong>de</strong> recursos até <strong>de</strong><br />

falhas <strong>de</strong> processo ou <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> utilização dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> por parte da<br />

população e, então, impl<strong>em</strong>entar medidas” (p. 126).<br />

Des<strong>de</strong> as fases mais precoces <strong>de</strong> sua vida, como na escola e através <strong>de</strong><br />

programas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da criança e do adolescente, a informação da tipag<strong>em</strong><br />

sanguínea Rh (D) negativa, condição primeira <strong>de</strong> risco, <strong>de</strong>veria estar vinculada<br />

à formação <strong>de</strong> um conhecimento para a mulher sobre a aloimunização e a<br />

DHPN e sua prevenção. No estudo realizado, observamos diversas<br />

oportunida<strong>de</strong>s perdidas para aumentar o nível <strong>de</strong> informação e conhecimentos<br />

das mulheres, fortalecer sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar ativamente no controle<br />

<strong>de</strong> suas condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, inclusive nas suas relações com os serviços <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>, e, especificamente, prevenir a aloimunização e a DHPN, através do uso<br />

da imunoglobulina anti-Rh (D).<br />

A análise dos relatos <strong>de</strong> vida das gestantes aloimunizadas e do perfil<br />

socioeconômico e reprodutivo da clientela do ambulatório <strong>de</strong> DHPN do IFF<br />

permitiu-nos i<strong>de</strong>ntificar certas dinâmicas e situações geradoras <strong>de</strong> uma falta <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r, que se expressam ao mesmo t<strong>em</strong>po como falta <strong>de</strong> reconhecimento <strong>em</strong><br />

sua condição <strong>de</strong> sujeito, falta <strong>de</strong> autonomia e falta <strong>de</strong> direitos e acesso a<br />

recursos sociais. Sinteticamente, os el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> seus contextos <strong>de</strong> vida que<br />

geraram vulnerabilida<strong>de</strong>s e contribuíram para o risco a sua saú<strong>de</strong> reprodutiva


133<br />

estariam relacionados a condições sociais e econômicas, dinâmicas familiares<br />

e aspectos <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> reprodutiva nos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> - todos eles<br />

imbricados nas estruturas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero e <strong>de</strong> classe.<br />

Em comum, observamos vidas marcadas por carências<br />

socioeconômicas, ambientes <strong>de</strong> violência social, falta <strong>de</strong> orientação e<br />

informação sobre saú<strong>de</strong>, reprodução e sexualida<strong>de</strong>. Os relatos <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ixam<br />

perceber a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> romper com a transmissão geracional das situações<br />

<strong>de</strong> exclusão social e precarieda<strong>de</strong> econômica, o que contribui com o contexto<br />

<strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>. As vidas <strong>de</strong> seus pais foram marcadas por situações <strong>de</strong><br />

carências socioeconômicas, assim como as suas próprias vidas. E, ao que<br />

parece, no caso <strong>de</strong> algumas mulheres, seus filhos viv<strong>em</strong> nessas mesmas<br />

condições. N<strong>em</strong> os pais, n<strong>em</strong> os serviços <strong>de</strong> educação e saú<strong>de</strong> aparec<strong>em</strong><br />

como fontes primárias <strong>de</strong> informação sobre saú<strong>de</strong> sexual e reprodutiva, para as<br />

gestantes entrevistadas.<br />

Foram achados freqüentes na análise dos relatos <strong>de</strong> vida: a)<br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> eqőacionar estudos, trabalho e maternida<strong>de</strong>, assim como falta<br />

<strong>de</strong> espaço para projetos pessoais, inclusive o cuidado com a sua saú<strong>de</strong>,<br />

s<strong>em</strong>pre representados como experiências <strong>em</strong> tensão e contradição; e, b) baixa<br />

auto-estima, manifestada por discursos <strong>de</strong> automenosprezo. Questões <strong>de</strong><br />

classe e <strong>de</strong> gênero se entrelaçam na produção <strong>de</strong>ssas experiências e<br />

percepções <strong>de</strong> si mesmas.<br />

O acesso das mulheres a serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> sexual e reprodutiva é<br />

<strong>de</strong>ficiente ou irregular, principalmente se consi<strong>de</strong>ramos que, na perspectiva da<br />

integralida<strong>de</strong>, essa área da atenção à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria cont<strong>em</strong>plar um conjunto<br />

<strong>de</strong> ações integradas - como atenção clínico-ginecológica, prevenção do câncer,


134<br />

prevenção e controle <strong>de</strong> DST/AIDS, planejamento familiar, atenção ao prénatal,<br />

parto e puerpério -, assim como articular ações <strong>de</strong> promoção, prevenção<br />

e recuperação da saú<strong>de</strong>.<br />

O acesso ao pré-natal não reflete sua qualida<strong>de</strong> assistencial. A<br />

realização da tipag<strong>em</strong> sanguínea faz parte dos exames essenciais da rotina da<br />

atenção à gestante. Além da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua solicitação, é fundamental<br />

que o seu resultado seja checado e informado à gestante pelos profissionais<br />

que prestam atendimento a essa mulher. Deveriam ser oferecidas a todas as<br />

gestantes Rh negativo informações sobre aloimunização e DHPN, seja nas<br />

consultas <strong>de</strong> pré-natal, seja através <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> divulgação do risco para<br />

a doença. Além disso, é imperativo que os gestores das políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

disponibiliz<strong>em</strong> sist<strong>em</strong>aticamente os insumos e reforc<strong>em</strong> a capacitação e a<br />

sensibilização dos profissionais dos serviços para a prescrição e/ou uso da<br />

imunoprofilaxia após o parto, aborto e outras condições <strong>de</strong> risco. A atenção<br />

<strong>de</strong>ve ser estendida para mulheres com abortos ocorridos <strong>em</strong> condições <strong>de</strong><br />

clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> e partos domiciliares. O conhecimento da profilaxia por parte<br />

das pacientes, além <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> distribuição da imunoglobulina, po<strong>de</strong><br />

contribuir para a diminuição dos índices <strong>de</strong>ssa doença <strong>em</strong> nosso meio.<br />

A falta <strong>de</strong> informação sobre os riscos da doença a cada gravi<strong>de</strong>z<br />

subseqüente e a falta <strong>de</strong> orientação sobre planejamento familiar po<strong>de</strong>m<br />

contribuir para que essas mulheres, muitas vezes chegu<strong>em</strong> no ambulatório<br />

especializado com relatos <strong>de</strong> múltiplas gestações.<br />

A baixa qualida<strong>de</strong> dos serviços é agravada pela precária qualida<strong>de</strong> da<br />

comunicação entre os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e a clientela, perpetuando a falta<br />

<strong>de</strong> informação e o baixo nível <strong>de</strong> conhecimento sobre saú<strong>de</strong> reprodutiva.


135<br />

Particularmente <strong>em</strong> relação a aloimunização Rh, essa baixa qualida<strong>de</strong><br />

manifesta-se pela pouca informação sobre os significados da tipag<strong>em</strong><br />

sanguínea Rh (D) negativo, informação sobre riscos <strong>de</strong> sensibilização e<br />

imunoprofilaxia após parto e aborto e a DHPN.<br />

Na nossa experiência com gestantes aloimunizadas, perceb<strong>em</strong>os cada<br />

vez mais a importância <strong>de</strong> estarmos atentos ao grau <strong>de</strong> instrução e a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensão da gestante, pois isso fornece ao profissional que<br />

a está aten<strong>de</strong>ndo pistas sobre a melhor forma <strong>de</strong> transmitir as orientações<br />

necessárias no acompanhamento pré-natal, pós-natal e neonatal, no contexto<br />

da aloimunização Rh (D) e da DHPN.<br />

A elaboração <strong>de</strong> normas técnicas que padroniz<strong>em</strong> e atualiz<strong>em</strong> as<br />

condutas, segundo as evidências científicas aceitas, é importante, mas, por si<br />

mesmas, elas não dão conta isoladamente do probl<strong>em</strong>a da aloimunização Rh<br />

(D) e outros agravos relacionados à saú<strong>de</strong> reprodutiva. Dev<strong>em</strong>os s<strong>em</strong>pre situar<br />

os probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>em</strong> contextos sociais, políticos e econômicos.<br />

Acreditamos que estudos <strong>de</strong>sse tipo po<strong>de</strong>m contribuir para ampliar a visão dos<br />

gestores, formuladores <strong>de</strong> políticas públicas e profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> sobre os<br />

<strong>de</strong>safios a ser<strong>em</strong> enfrentados e as estratégias <strong>de</strong> intervenção a ser<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvidas quando se preten<strong>de</strong> dar conta <strong>de</strong> um probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

pública, como o é a questão da aloimunização e da DHPN.


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52.


APÊNDICES<br />

143


144<br />

Apêndice I - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO<br />

PROJETO DE PESQUISA: Contextos <strong>de</strong> risco à saú<strong>de</strong> reprodutiva das<br />

mulheres: estudo <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> gestantes aloimunizadas atendidas <strong>em</strong><br />

serviço <strong>de</strong> referência para doença h<strong>em</strong>olítica perinatal.<br />

PESQUISADOR RESPONSÁVEL: Augusta Maria Batista <strong>de</strong> Assumpção<br />

INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL: Instituto Fernan<strong>de</strong>s Figueira<br />

ORIENTADORES: Dra.Claudia Bonan Jannotti e Dr.Alexandre José Baptista<br />

Trajano<br />

Prezada senhora,<br />

Convidamos a senhora a participar voluntariamente <strong>de</strong> uma pesquisa <strong>de</strong><br />

mestrado, intitulada “Contextos <strong>de</strong> risco à saú<strong>de</strong> reprodutiva das mulheres:<br />

estudo <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> gestantes aloimunizadas atendidas <strong>em</strong> serviço <strong>de</strong><br />

referência para doença h<strong>em</strong>olítica perinatal.”.<br />

Pedimos que leia as informações abaixo antes <strong>de</strong> nos fornecer seu<br />

consentimento:<br />

1) a pesquisa <strong>de</strong> mestrado t<strong>em</strong> como objetivo conhecer as situações <strong>de</strong> vida<br />

das mulheres que freqüentam o ambulatório <strong>de</strong> doença h<strong>em</strong>olítica perinatal<br />

do IFF e enten<strong>de</strong>r como essas situações influenciam <strong>em</strong> sua saú<strong>de</strong> ou no<br />

seu risco <strong>de</strong> adoecimento.<br />

2) solicitamos que a senhora nos conceda entrevista, contando-nos<br />

experiências <strong>de</strong> sua vida, incluindo t<strong>em</strong>as como infância, família, relações<br />

com o companheiro e com os filhos, moradia, trabalho, educação, saú<strong>de</strong> e<br />

vivencia da reprodução como contracepção, gravi<strong>de</strong>z, pré-natal e parto.<br />

Somente serão entrevistadas, gestantes que freqüentam o mesmo<br />

ambulatório que a Sra. aqui no IFF;<br />

3) as entrevistas serão individuais e realizadas <strong>em</strong> dia, local e horário <strong>de</strong> sua<br />

conveniência;<br />

4) as entrevistas serão gravadas <strong>em</strong> fita cassete e transcritas por mim;<br />

5) será mantido o sigilo sobre o seu nome assim como o nome <strong>de</strong> todas as<br />

pessoas que por ventura a senhora citar;<br />

6) a senhora po<strong>de</strong>rá pedir todos os esclarecimentos que julgar necessários,<br />

antes, durante e <strong>de</strong>pois da realização da entrevista;<br />

7) a senhora po<strong>de</strong>rá retirar este consentimento e solicitar a sua retirada do<br />

protocolo <strong>de</strong> pesquisa, s<strong>em</strong> ter que dar nenhuma explicação. Isto <strong>em</strong> nada<br />

afetará o seu atendimento no IFF;<br />

8) a senhora po<strong>de</strong>rá ter acesso ao material gravado e transcrito, po<strong>de</strong>ndo<br />

inclusive fazer modificações que julgue necessárias;<br />

9) o material coletado ficará sob a minha guarda e será usado apenas para<br />

fins <strong>de</strong>ssa pesquisa;<br />

10) os resultados da pesquisa serão divulgados através do trabalho final <strong>de</strong><br />

mestrado e também po<strong>de</strong>rão ser difundidos <strong>em</strong> artigos, congressos,<br />

simpósios, reuniões, conferências, mesas redondas e <strong>de</strong>mais meios <strong>de</strong><br />

divulgação científica.


145<br />

Eu,______________________________________________________<br />

______, brasileira, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> n o __________________, <strong>de</strong>claro ter lido o<br />

documento e ter sido claramente informada pela pesquisadora acerca do<br />

protocolo <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> mestrado no qual serei incluída, e ter recebido<br />

respostas claras a todas as perguntas que fiz.<br />

Estou ciente que as informações fornecidas por mim serão agrupadas<br />

e analisadas junto com a <strong>de</strong> outras pacientes que apresentam probl<strong>em</strong>as<br />

s<strong>em</strong>elhantes ao meu, mas tenho a garantia <strong>de</strong> que essas informações serão<br />

tratadas sob o máximo sigilo.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, ___________________<br />

_________________________________________________________<br />

Nome do Paciente<br />

-----------------------------------------------------------------------------------------------<br />

Assinatura do paciente<br />

Confirmo ter dado todas as explicações ao paciente sobre os objetivos,<br />

o tipo do estudo e os riscos inerentes ao tratamento.<br />

-----------------------------------------------------------------------------------------------------<br />

Carimbo e assinatura do Médico<br />

Test<strong>em</strong>unha<br />

---------------------------------------------------------------------------<br />

ENDEREÇO: AV. RUI BARBOSA, 716 - 3° ANDAR - FLAMENG O –<br />

RIO DE JANEIRO<br />

TEL. 2554-1700, RAMAL: 1812.


146<br />

Apêndice II – PAUTA TEMÁTICA PARA ENTREVISTA<br />

IDENTIFICAÇÃO:<br />

1. Nome: ______________________________________________________________<br />

2. Prontuário no IFF: ____________________________________________________<br />

3. Data <strong>de</strong> nascimento: ___/___/____ 4. Escolarida<strong>de</strong>: _____________________<br />

5. Religião: ________________________ 6. Cor: __________________________<br />

7. Ocupação:___________________________________________________________<br />

8. Renda Familiar: ______________________ 9. Renda pessoal: _________________<br />

10. En<strong>de</strong>reço resi<strong>de</strong>ncial: __________________________________________________<br />

11..Tel.: ____________________<br />

12. Ida<strong>de</strong> gestacional na primeira entrevista: ________<br />

Campo t<strong>em</strong>ático 1: INFÂNCIA E FAMÍLIA DE ORIGEM<br />

• L<strong>em</strong>branças da infância<br />

• Condições <strong>de</strong> moradia<br />

• Relacionamento entre os cônjuges e entre pais e filhos<br />

• Violência familiar<br />

• Vícios<br />

• Acesso à escolarida<strong>de</strong> e assistência <strong>em</strong> saú<strong>de</strong><br />

Campo t<strong>em</strong>ático 2: PRÁTICA RELIGIOSA<br />

• Tipo <strong>de</strong> religião<br />

• Importância da religião no cotidiano<br />

• Aprendizado com a religião<br />

21<br />

Campo t<strong>em</strong>ático 3: EDUCAÇÃO E TRABALHO<br />

• Grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong><br />

• Experiência escolar<br />

• Relevância da escola sobre a vida<br />

• Práticas trabalhistas<br />

• Importância do trabalho<br />

• Re<strong>de</strong> social no trabalho<br />

• Satisfação no trabalho<br />

• Dificulda<strong>de</strong>s no trabalho<br />

Campo t<strong>em</strong>ático 4: VIDA AFETIVA, CONJUGAL E SEXUAL<br />

• Início da vida sexual<br />

• Experiência sexual<br />

• Vida conjugal pregressa e atual<br />

• Sentimento <strong>de</strong> afetivida<strong>de</strong><br />

• Relacionamento conjugal<br />

• Satisfação conjugal e sexual<br />

• Valorização pelo cônjuge<br />

Campo t<strong>em</strong>ático 5: FAMÍLIA E FILHOS<br />

• Experiência pessoal com a maternida<strong>de</strong><br />

• Significados da maternida<strong>de</strong> e da paternida<strong>de</strong>


147<br />

• Educação e relacionamento com os filhos<br />

• Condições econômicas e <strong>de</strong> moradia<br />

• Violência no ambiente familiar<br />

• Vícios no ambiente familiar<br />

• Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio doméstico<br />

Campo t<strong>em</strong>ático 6: CONTRACEPÇÃO<br />

• Início da vida sexual<br />

• Fontes <strong>de</strong> informações sobre sexualida<strong>de</strong> e reprodução<br />

• Planejamento reprodutivo (concepção, contracepção e aborto)<br />

• Participação do parceiro no planejamento reprodutivo<br />

• Acesso ao serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

• Relacionamento com equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

Campo t<strong>em</strong>ático 7: GRAVIDEZ, PARTO E MATERNIDADE<br />

• História das gestações: vivências subjetivas, impactos no cotidiano, influência<br />

sobre as dinâmicas familiares e o papel das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio.<br />

• História das gestações: acesso aos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pré-natal, parto e puerpério;<br />

qualida<strong>de</strong> da assistência; relação com os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

• Condições <strong>de</strong> nascimento e saú<strong>de</strong> do(s) filho(s)<br />

Campo t<strong>em</strong>ático 8: ALOIMUNIZAÇÃO E DHPN<br />

• Conhecimento sobre tipag<strong>em</strong> sanguínea<br />

• Período <strong>em</strong> que teve a informação sobre a tipag<strong>em</strong> sanguínea<br />

• Como obteve a informação sobre a tipag<strong>em</strong> sanguínea<br />

• Informação sobre a tipag<strong>em</strong> sanguínea Rh negativo<br />

• Informações sobre cuidados pré-natais e após parto ou aborto <strong>de</strong>vido o fator Rh<br />

negativo<br />

• Conhecimento sobre o fator Rh do parceiro<br />

• Conhecimento sobre a utilização da imunoglobulina anti-Rh(D)<br />

• Informação sobre tipag<strong>em</strong> sanguínea no momento do parto<br />

Campo t<strong>em</strong>ático 9: FONTES DE CONHECIMENTOS SOBRE SAÚDE,<br />

REPRODUÇÃO E SEXUALIDADE<br />

• Pessoas ou os momentos mais importantes na aquisição <strong>de</strong> conhecimentos sobre<br />

t<strong>em</strong>as como gravi<strong>de</strong>z, contracepção, sexualida<strong>de</strong>, doenças sexualmente<br />

transmissíveis e cuidados com a saú<strong>de</strong>.<br />

Campo t<strong>em</strong>ático 10: AUTOCUIDADO<br />

• Procura ao serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

• Dificulda<strong>de</strong> e facilida<strong>de</strong> no acesso ao serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

• Busca a prevenção do câncer ginecológico<br />

• Utilização <strong>de</strong> preservativo


148<br />

Apêndice III - FICHA PARA COLETA DE DADOS<br />

MINISTÉRIO DA SAÚDE<br />

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ<br />

INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA<br />

PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE DA CRIANÇA E DA MULHER<br />

Pesquisa <strong>de</strong> mestrado:<br />

“Contextos <strong>de</strong> risco à saú<strong>de</strong> reprodutiva das mulheres: estudo <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong><br />

gestantes aloimunizadas atendidas <strong>em</strong> serviço <strong>de</strong> referência para doença<br />

h<strong>em</strong>olítica perinatal”.<br />

IDENTIFICAÇÃO E DADOS SOCIOECONÔMICOS<br />

1. Nº da ficha <strong>de</strong> coleta: ________<br />

2. Nome da gestante: ____________________________________________<br />

3. Prontuário: _________________<br />

4. Ano da matrícula PN: _________<br />

5. Data <strong>de</strong> nascimento: / / _ . 6. Ida<strong>de</strong> na matrícula (anos): ________<br />

7. Município <strong>de</strong> residência: _________________________________________<br />

Em caso <strong>de</strong> residência no município do Rio <strong>de</strong> Janeiro, bairro: ___________<br />

8. Estado civil:<br />

1. Solteira ___ 2. Casada ___3. Viúva ___4. Separada ___5. União<br />

consensual ___ 9. Ignorado____<br />

9. Ocupação: ___________________<br />

10. Renda familiar: ___________________(salários) R$ __________Não<br />

relatado____<br />

11. Cor (<strong>de</strong>scrita pelo médico no prontuário): Br ___ Pt ___ Pd ___<br />

12. Escolarida<strong>de</strong>:<br />

SUPERIOR COMPLETO____ SUPERIOR INCOMPLETO ____<br />

1º GRAU COMPLETO____ 1º GRAU INCOMPLETO ____<br />

2º GRAU COMPLETO ____2º GRAU INCOMPLETO ____<br />

13. Doadora <strong>de</strong> sangue: S ___ N ____<br />

DADOS REPRODUTIVOS<br />

14. Início da vida sexual:______(anos) 15. G ____ P ____ A ____<br />

16. Nº <strong>de</strong> filhos vivos:_____


149<br />

17. Nº <strong>de</strong> filhos mortos:_____ (neomortos:_____ natimortos____)<br />

18. Nº <strong>de</strong> abortos ____ ( provocados:____ espontâneos:_____)Curetag<strong>em</strong>____<br />

19. Fez acompanhamento e exames pré-natais: SIM ____ NÃO ____<br />

Em caso afirmativo, <strong>em</strong> qual gravi<strong>de</strong>z:<br />

1ª____2ª____3ª____4ª____5ª____6ª____7ª____8ª____9ª____10ª____<br />

20. Procedimentos invasivos durante a(s) gravi<strong>de</strong>z(es): SIM ____NÃO ____<br />

Em caso afirmativo <strong>em</strong> qual gravi<strong>de</strong>z:<br />

1ª____2ª____3ª____4ª____5ª____6ª____7ª____8ª____9ª____10ª____<br />

21. Traumas abdominais durante a(s) gravi<strong>de</strong>z(es): SIM ____ NÃO ____<br />

Em caso afirmativo <strong>em</strong> qual gravi<strong>de</strong>z:<br />

1ª____2ª____3ª____4ª____5ª____6ª____7ª____8ª____9ª____10ª____<br />

22. Conhecimento sobre a tipag<strong>em</strong> sanguínea Rh(D) negativo: SIM ____ NÃO<br />

____<br />

Em caso afirmativo, <strong>em</strong> que momento soube:<br />

fora da gravi<strong>de</strong>z_____ (quando?_____ ;<br />

como?__________________________)<br />

no pré-natal____<br />

(anterior___:1ª___2ª____3ª____4ª____5ª____6ª____7ª____8ª____9ª___10ª_<br />

___; atual_____)<br />

no parto____ (<strong>em</strong> qual gravi<strong>de</strong>z?):<br />

1ª____2ª____3ª____4ª____5ª____6ª____7ª____8ª____9ª____10ª____<br />

23. Conhecimento sobre o estado <strong>de</strong> aloimunização antes do encaminhamento<br />

ao IFF: SIM ____ NÃO ____<br />

Em caso afirmativo, <strong>em</strong> que momento soube:<br />

fora da gravi<strong>de</strong>z_____ (quando?_____ ;<br />

como?__________________________)<br />

no pré-natal__<br />

(anterior___:1ª___2ª____3ª____4ª____5ª____6ª____7ª____8ª____9ª___10ª_<br />

___; atual_____)<br />

no parto____ (<strong>em</strong> qual gravi<strong>de</strong>z?):<br />

1ª____2ª____3ª____4ª____5ª____6ª____7ª____8ª____9ª____10ª____<br />

24. Sabia da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> receber anti-D após o parto: SIM____NÃO_____<br />

NÃO RELATADO_____


150<br />

25. Sabia da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> receber anti-D após aborto: SIM ____NÃO_____<br />

NÃO RELATADO_____<br />

26. Recebeu anti-D após todos os partos:SIM____NÃO____NÃO SABE_____<br />

NÃO CABE_____ NÃO RELATADO_____<br />

27. Recebeu anti-D após todos os abortos: SIM____NÃO____NÃO<br />

SABE_____<br />

NÃO CABE_____ NÃO RELATADO_____<br />

28. Em relação às perguntas 26 e 27:<br />

Em caso negativo, foi fornecida alguma explicação ou feita alguma<br />

recomendação a este respeito: SIM____ NÃO_____ NÃO CABE_____<br />

Qual? :___________________________________________________<br />

29. Fez teste <strong>de</strong> Coombs durante alguma gravi<strong>de</strong>z: SIM____NÃO____<br />

NÃO SABE_____<br />

Em caso afirmativo, <strong>em</strong> qual gravi<strong>de</strong>z:<br />

1ª____2ª____3ª____4ª____5ª____6ª____7ª____8ª____9ª____10ª____<br />

30. Em caso afirmativo soube o resultado: SIM____ NÃO_____ NÃO<br />

CABE_____<br />

31. Teve algum filho com "Doença H<strong>em</strong>olítica": SIM ___ NÃO____NÃO<br />

CABE_____


151<br />

Antece<strong>de</strong>ntes Obstétricos<br />

G<br />

Ano<br />

PN<br />

S/N<br />

LOCAL<br />

PN<br />

LOCAL<br />

PARTO/ABORTO<br />

A<br />

IgRh(D)<br />

S<br />

N<br />

NV<br />

NM<br />

N<br />

E<br />

O<br />

M<br />

Hidrop<br />

.<br />

IG<br />

Ex.<br />

sang<br />

TI<br />

U<br />

FOT<br />

O<br />

CO<br />

NH<br />

ECI<br />

ME<br />

NT<br />

O<br />

.AL<br />

OIM<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

6<br />

7<br />

8<br />

9<br />

10<br />

* Pré-natal<br />

** Imunoglobulina anti-Rh(D)<br />

NR= NÃO RELATADO


ANEXOS<br />

152


153<br />

Anexo I - RESOLUÇÃO SES N.º 2.590, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2004.<br />

SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE<br />

ATO DO SECRETÁRIO<br />

RESOLUÇÃO SES N.º 2.154<br />

2003.<br />

DE 25 DE AGOSTO DE<br />

Institui o Programa <strong>de</strong> Profilaxia da Aloimunização Rh(D) e <strong>de</strong>fine o<br />

protocolo <strong>de</strong> utilização e o fluxo <strong>de</strong> distribuição da imunoglobulina Anti-<br />

Rh(D).<br />

Alterada pela Resolução SES n.º 2.590, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004.<br />

O SECRETÁRIO DE ESTADO DE SAÚDE, no uso <strong>de</strong> suas atribuições legais,<br />

e consi<strong>de</strong>rando:<br />

• que é <strong>de</strong>ver do Estado prestar a assistência terapêutica aos que<br />

<strong>de</strong>la necessitam;<br />

• que a aloimunização t<strong>em</strong> dificultado a maternida<strong>de</strong> <strong>em</strong> mulheres<br />

Rh negativo;<br />

• que a aloimunização Rh(D) é responsável pelo aumento <strong>de</strong><br />

perdas fetais e <strong>de</strong> morbi-mortalida<strong>de</strong> perinatal;<br />

• que o uso da Imunoglobulina Anti-Rh(D) previne a aloimunização<br />

Rh(D) e as suas conseqüências;<br />

• a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instituir um fluxograma para a distribuição da<br />

Imunoglobulina Anti-Rh(D) no Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro;<br />

• a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instituir o protocolo <strong>de</strong> indicação da<br />

Imunoglobulina Anti-Rh(D).<br />

RESOLVE:<br />

Art.1º - Instituir no âmbito do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro o Programa <strong>de</strong><br />

Profilaxia da Aloimunização Rh(D), com o objetivo <strong>de</strong>:<br />

• Proteger as mulheres Rh(D) negativo, da aloimunização Rh(D)<br />

durante o ciclo gravídico puerperal;<br />

• Reduzir a morbida<strong>de</strong> e mortalida<strong>de</strong> perinatal por incompatibilida<strong>de</strong><br />

Rh(D);<br />

• Oferecer a Imunoglobulina Anti-Rh(D) a todas mulheres Rh(D)<br />

negativas, não sensibilizadas, no ciclo gravídico puerperal.


154<br />

Art.2º - Instituir o Fluxo <strong>de</strong> Aquisição e Distribuição da Imunoglobulina Anti-<br />

Rh(D), conforme o Anexo I .<br />

Art.3º - Instituir o Protocolo <strong>de</strong> Utilização Terapêutica da Imunoglobulina<br />

Anti-Rh(D) e os procedimentos necessários para a mulher Rh(D) negativo<br />

não-sensibilizada, conforme o Anexo II.<br />

Art.4º - Instituir a Planilha <strong>de</strong> Consumo <strong>de</strong> Imunoglobulina Anti-Rh(D), a ser<br />

utilizada pelas Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> cadastradas, conforme Anexo III.<br />

Art.5º - Instituir o Mapa <strong>de</strong> Controle Mensal <strong>de</strong> Estoque, a ser utilizado pelo<br />

HEMORIO e, encaminhado à Superintendência <strong>de</strong> Assistência Farmacêutica,<br />

mensalmente, conforme Anexo IV.<br />

Art.6º - Designar o Instituto Fernan<strong>de</strong>s Figueira da FIOCRUZ, como Centro <strong>de</strong><br />

Referência para o atendimento das gestantes aloimunizadas e responsável<br />

pela supervisão técnica e treinamento das equipes das Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong><br />

cadastradas conforme o protocolo instituído nesta resolução.<br />

Art.7º - Designar o H<strong>em</strong>ocentro Coor<strong>de</strong>nador do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro -<br />

HEMORIO, como órgão responsável pelo cadastramento das Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong>, assim como pela distribuição da Imunoglobulina Anti-Rh(D), para as<br />

unida<strong>de</strong>s cadastradas e pela prestação <strong>de</strong> contas com o consumo à<br />

Superintendência <strong>de</strong> Assistência Farmacêutica.<br />

Art.8º - Instituir os seguintes critérios para o cadastramento das Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> para o recebimento da Imunoglobulina Anti Rh(D):<br />

§1º - Realizar mais <strong>de</strong> 300 partos por ano;


155<br />

§2º - Possuir Agência Transfusional <strong>em</strong> suas instalações físicas ou<br />

Agência Transfusional <strong>de</strong> Referência <strong>de</strong>finida pelo H<strong>em</strong>ocentro Coor<strong>de</strong>nador -<br />

HEMORIO;<br />

§3º - Realizar a classificação sangüínea ABO/Rh(D) e teste <strong>de</strong> Coombs<br />

Indireto <strong>em</strong> laboratório próprio ou <strong>de</strong> referência;<br />

§4º - Transportar e armazenar a<strong>de</strong>quadamente a Imunoglobulina Anti-<br />

Rh(D) recebida;<br />

§5º - Preencher a Ficha <strong>de</strong> Cadastramento da Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, Anexo V<br />

e assinar o Termo <strong>de</strong> Compromisso para fornecimento <strong>de</strong> Imunoglobulina<br />

Anti-Rh(D), Anexo VI;<br />

§6º - Garantir o atendimento <strong>de</strong> todas as mulheres Rh negativo, no ciclo<br />

gravídico-puerperal, conforme o protocolo constante no Anexo II;<br />

§7º - Receber as mulheres Rh negativo referenciadas por Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> que não aten<strong>de</strong>m aos parágrafos 1º, 2º e 3º <strong>de</strong>ste artigo;<br />

§ 8º - Fornecer materiais informativos sobre a doença e o beneficio do uso<br />

da Imunoglobulina Anti-Rh(D) <strong>em</strong> mulheres Rh(D) negativo;<br />

§ 9º - Obter o consentimento informado da gestante, anexando-o ao<br />

prontuário, Anexo VII.<br />

Art. 9º - Instituir o Grupo Técnico Interinstitucional, responsável pela execução<br />

do Programa <strong>de</strong> Profilaxia da Aloimunização Rh(D), com a seguinte<br />

composição:<br />

1. Dr. Fernando Antônio Ramos Guerra, do PROGRAMA DE<br />

ASSISTÊNCIA INTEGRAL A SAÚDE DA MULHER CRIANÇA E<br />

ADOLESCENTE (PAISMCA), responsável pela coor<strong>de</strong>nação e<br />

supervisão da execução do Programa <strong>de</strong> Profilaxia da Aloimunização<br />

Rh(D).<br />

2. Dra.Simone Cristina Rodrigues <strong>de</strong> Carvalho, da SUPERINTENDENCIA<br />

DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA.


156<br />

3. Dra. Katia Machado da Motta, do HEMORIO .<br />

4. Dra. Cynthia Magluta, do INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA, da<br />

Fundação Oswaldo Cruz.<br />

Art. 10º - As mulheres Rh(D) negativos que por qualquer motivo não tiver<strong>em</strong><br />

acesso a Imunoglobulina Anti-Rh(D), po<strong>de</strong>rão solicitar orientação ao<br />

PAISMCA–SES/RJ, pelos telefaxs: 0xx21 2240-6145/0xx21 2240-6195.<br />

As mulheres Rh(D) negativos que por qualquer motivo não tiver<strong>em</strong> acesso a<br />

Imunoglobulina Anti-Rh(D), po<strong>de</strong>rão solicitar o h<strong>em</strong>o<strong>de</strong>rivado ao PAISMCA–<br />

SES/RJ, apresentando a prescrição médica, através do telefax 2240-6145 ou<br />

2240-6795.<br />

GILSON CANTARINO O`DWYER<br />

Secretário <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>

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