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Siráj (A Gaivota) - Culturgest

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A <strong>Gaivota</strong><br />

do Teatro Krétakör<br />

Quando começámos a trabalhar na <strong>Gaivota</strong><br />

de Tchékhov, depois das primeiras ondas de<br />

entusiasmo e alegria — toda a gente sabia<br />

de antemão, mas foi à mesma uma aventura<br />

perceber como é uma peça perfeita — levantou-se<br />

uma série de questões e dúvidas.<br />

Os ensaios de análise duraram um mês,<br />

enquanto, por falta de espaço, discutíamos<br />

a peça no apartamento do encenador.<br />

Tivemos discussões extremadas sobre o<br />

significado de certas frases ou cenas; sobre<br />

as características e intenções das personagens;<br />

sobre o que Anton Pavlovitch poderia<br />

ter pensado aqui ou ali; e que mensagens<br />

a peça nos transmite. Era uma questão de<br />

grande importância revelar aqueles elementos<br />

da peça que agora, cem anos depois,<br />

têm o mesmo sentido para nós do que para<br />

os contemporâneos de Tchékhov.<br />

O espectáculo foi preparado em três etapas:<br />

a característica principal do método de<br />

trabalho do Teatro Krétakör, um retiro de<br />

dez dias, seguiu-se aos ensaios de análise.<br />

Desta vez recolhemo-nos numa casa<br />

de madeira nas florestas das montanhas<br />

Harghita na Transilvânia. Vivendo juntos<br />

e experimentando um trabalho intensivo,<br />

tentámos captar a essência das cenas e das<br />

personagens através da improvisação. A<br />

imersão colectiva na peça esboçou sem ambiguidades<br />

a nossa direcção: à medida que<br />

o tempo passava, as soluções formais tornaram-se<br />

cada vez mais claras, virámo-nos<br />

para menos meios e começámos a confiar<br />

apenas no texto de Tchékhov. Depois, na<br />

sala da cúpula do Fészek Klub — a escolha do<br />

espaço resultou em parte de uma limitação,<br />

mas acabou por revelar-se produtiva — começámos<br />

os ensaios de palco, baseados já<br />

na versão final do texto e no conceito do encenador.<br />

O nosso objectivo era apresentar A<br />

<strong>Gaivota</strong> como uma história contemporânea<br />

de pessoas contemporâneas. Por isso tentámos<br />

fazer uma selecção e substituir os<br />

elementos que estavam por um lado muito<br />

fortemente ligados ao tempo de Tchékhov<br />

ou que, por outro lado, contradissessem as<br />

situações e pessoas do nosso espectáculo.<br />

Tínhamos a sensação de nos aproximarmos<br />

gradualmente do núcleo da peça em<br />

cada etapa. Encontrámos respostas para<br />

muitas das perguntas, enquanto que outros<br />

problemas ficaram por resolver como matéria<br />

para o espectador pensar.<br />

É difícil resumir as discussões que tivemos<br />

durante o processo de ensaios; ainda<br />

assim, gostaria de mencionar alguns dos<br />

pontos em volta dos quais mais debatemos<br />

durante a preparação do espectáculo, e que<br />

esperamos os espectadores tomem também<br />

em consideração.<br />

Um dos temas centrais da <strong>Gaivota</strong> é o<br />

problema de se ser ou não talentoso e a questão<br />

do sucesso e falhanço artísticos. Todos<br />

os estudiosos de Tchékhov dão uma interpretação<br />

diferente do talento de Treplev, e<br />

trata-se sempre de saber quão dotados são<br />

Treplev e Nina — talvez ele pudesse ter sido<br />

um grande escritor se sobrevivesse. A sua<br />

revolta contra os clichés e rotinas da arte é<br />

sem dúvida justificada, mas em que base se<br />

apoia este tumulto? Era Treplev realmente<br />

um inovador artístico por cumprir ou teria<br />

a sua revolta origem apenas no desencanto<br />

provocado pela amargura da mãe e pelos<br />

ciúmes contra Trigorin? Há realmente “alguma<br />

coisa de especial” na sua peça que<br />

fracassa no I Acto, como diz o Doutor Dorn,<br />

ou tem Arkadina razão quando lhe chama<br />

“balelas”? Treplev exige “formas novas”;<br />

mas existirão agora, no início do séc. XXI,<br />

formas novas da arte teatral que ainda não<br />

tenham sido vistas algures? Era óbvio aquilo<br />

contra o que a peça se revoltava quando foi<br />

escrita, a sociedade e cultura fortemente<br />

repressivas da altura deram-lhe uma resposta<br />

— mas em que é que consiste o “velho”<br />

contra o qual nos revoltamos?

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