06.11.2014 Views

Sinais e Presença concreta do amor de Deus no mundo

Sinais e Presença concreta do amor de Deus no mundo

Sinais e Presença concreta do amor de Deus no mundo

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Sinais</strong> e Presença <strong>concreta</strong> <strong>do</strong> <strong>amor</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> <strong>no</strong> mun<strong>do</strong><br />

Houston 2001<br />

Carlo e Maria Carla VOLPINI<br />

SR ITALIA<br />

Procurar a presença e os sinais <strong>do</strong> Amor <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve querer dizer procurar a<br />

<strong>no</strong>ssa relação com <strong>Deus</strong> Pai que pelo Seu Amor infinito pelo homem Se incar<strong>no</strong>u na História.<br />

Hoje talvez comecemos a compreen<strong>de</strong>r que o fundamento da <strong>no</strong>ssa Fé – que é uma Fé<br />

incarnada –, está precisamente na relação : que <strong>Deus</strong> quis ter com a humanida<strong>de</strong>, que a<br />

humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve estabelecer entre si para <strong>de</strong>scobrir o rosto <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> e que cada ser huma<strong>no</strong><br />

<strong>de</strong>ve tecer com <strong>Deus</strong> Pai.<br />

É sobre esta imagem <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> Pai que queremos incidir a <strong>no</strong>ssa atenção, da<strong>do</strong> que <strong>no</strong>s parece<br />

que é o núcleo principal <strong>de</strong> cada relação sucessiva possível e, por isso mesmo, queremos<br />

reflectir juntos sobre a oração <strong>do</strong> Pai-Nosso – oração que repetimos em cada dia, com as<br />

palavras que <strong>Deus</strong>, como Pai amantíssimo, ensi<strong>no</strong>u aos seus filhos e também a oração<br />

<strong>de</strong>finitiva para Tertulia<strong>no</strong> (160/225) a «síntese <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o Evangelho».<br />

Por on<strong>de</strong> começar ? Como fazer para dizer algo, sem <strong>de</strong> alguma forma pensar afrontar a<br />

síntese <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o Evangelho numa relação ? As <strong>no</strong>ssas reflexões <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> humanas não<br />

po<strong>de</strong>m presumir uma explicação completa <strong>do</strong> Pai-Nosso, apenas po<strong>de</strong>mos balbuciar algumas<br />

sensações, algumas intuições e juntos rogar a <strong>Deus</strong> que <strong>no</strong>s acompanhe <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso esforço. Ao<br />

ritmo <strong>do</strong> homem, à medida <strong>do</strong>s <strong>no</strong>ssos passos, com a consciência <strong>de</strong> que o próprio Jesus –<br />

autor <strong>de</strong>sta oração – se pôs <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso caminho para, antes <strong>de</strong> mais, dar ao <strong>no</strong>sso Pai-Nosso um<br />

carácter <strong>de</strong> simplicida<strong>de</strong>.<br />

“Senhor Jesus, Tu conhecias certamente, cada palavra <strong>de</strong> teologia para po<strong>de</strong>r<br />

falar a <strong>Deus</strong> omnipotente, a criatura <strong>do</strong> homem, certamente terás utiliza<strong>do</strong><br />

correctamente as palavras <strong>no</strong> Templo, o termo mais apropria<strong>do</strong> para discutir as<br />

coisas <strong>do</strong> Céu, <strong>no</strong> entanto, quan<strong>do</strong> Tu quiseste ensinar aos homens como<br />

apren<strong>de</strong>r a linguagem <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, Tu escolheste a palavra mais simples, a palavra<br />

que mais facilmente sai das <strong>no</strong>ssas bocas, a palavra que <strong>no</strong>s faz sentir crianças e<br />

que faz viver emoções <strong>de</strong> uma confiança feita na confiança sempre que a<br />

repetimos : ABBÁ, PAPÁ ... um <strong>Deus</strong> que abarca o infinito, um <strong>Deus</strong> que é infinito<br />

e omnipotente, é para nós simplesmente ABBÁ, o PAPÁ : o mistério <strong>de</strong> <strong>Deus</strong><br />

trazi<strong>do</strong> para a <strong>no</strong>ssa dimensão humana através da simplicida<strong>de</strong> total e absoluta<br />

... quem teria alguma vez ousa<strong>do</strong> dizer «PAPÁ» a <strong>Deus</strong>, Aquele <strong>de</strong> quem nem o<br />

<strong>no</strong>me <strong>de</strong>veria alguma vez ter si<strong>do</strong> pronuncia<strong>do</strong> ? ”<br />

Mas a simplicida<strong>de</strong> não está associada à banalida<strong>de</strong>, “Pedi gran<strong>de</strong>s coisas e <strong>Deus</strong> dar-vos-á<br />

as pequenas” (Clemente <strong>de</strong> Alexandria, 140/211); por isso para <strong>no</strong>s aproximarmos <strong>do</strong><br />

Mistério <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, somos convida<strong>do</strong>s a falar ao Pai, tratan<strong>do</strong> com Ele das coisas <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>.<br />

– Pai-Nosso que estais <strong>no</strong>s Céus<br />

– santifica<strong>do</strong> seja o vosso <strong>no</strong>me<br />

– venha a nós o Vosso Rei<strong>no</strong><br />

– seja feita a Vossa Vonta<strong>de</strong>


– «Pai-Nosso que estais <strong>no</strong>s Céus»<br />

Um Pai é aquele que tenho junto <strong>de</strong> mim, que me sustenta, que me faz crescer, que está<br />

próximo <strong>de</strong> mim ... mas ... este <strong>Deus</strong> Pai está tão longe, <strong>no</strong>s Céus – próximo e longínquo,<br />

em mim e fora <strong>de</strong> mim, <strong>no</strong> presente e para além <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os tempos, o Contingente e o<br />

Eter<strong>no</strong>, o ABBÁ e o Absoluto, o <strong>Deus</strong> que está junto a mim, o Inatingível, o Desconheci<strong>do</strong><br />

«Pai» – Aquele a Quem eu me posso dirigir com a certeza <strong>de</strong> ter a Sua atenção e o Seu<br />

<strong>amor</strong> por mim;<br />

«que estais <strong>no</strong>s Céus» – para me lembrar que Ele não me pertence só a mim, à minha<br />

realida<strong>de</strong>, à minha raça, à minha cultura, à minha história ..., para me lembrar que Ele não<br />

se esgota na minha relação <strong>de</strong> filho e <strong>de</strong> criatura ..., para me lembrar que Ele conserva a<br />

Sua divinda<strong>de</strong> que é completamente diferente da minha humanida<strong>de</strong> ..., para me lembrar<br />

que Ele é transcen<strong>de</strong>nte em cada dimensão terrestre e limitada, que está <strong>no</strong> Céu e não sobre<br />

a terra.<br />

– «Santifica<strong>do</strong> seja o vosso <strong>no</strong>me»<br />

Uma contradição aparente – antes <strong>de</strong> mais, recor<strong>de</strong>mos que o Nome é a própria realida<strong>de</strong><br />

que ele exprime – quan<strong>do</strong> Adão dava <strong>no</strong>me aos objectos e aos animais, reconhecia-os pela<br />

sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e afirmava o seu po<strong>de</strong>r sobre eles.<br />

O Nome <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> é o próprio <strong>Deus</strong>, por isso durante os acontecimentos em Israel, <strong>Deus</strong><br />

nunca tinha si<strong>do</strong> <strong>no</strong>mea<strong>do</strong>, a não ser por sinónimos – A<strong>do</strong>nai, Sabaoth, ... – e, agora, pelo<br />

contrário, somos nós – os homens – que <strong>de</strong>vemos santificar o Nome <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> ... até parece<br />

que <strong>Deus</strong> não é por Si mesmo suficiente para ser o Santo !<br />

E há ainda uma outra aparente contradição : se por um la<strong>do</strong> a palavra Santo – na linguagem<br />

bíblica – significa perfeito, bendito, justo, por outro la<strong>do</strong> – na linguagem hebraica – tem<br />

um significa<strong>do</strong> etimológico <strong>de</strong> «separa<strong>do</strong>» e mesmo em latim o verbo «SANCIRE» (<strong>do</strong>n<strong>de</strong><br />

provém a palavra SANCTUS) significa «cortar com o mun<strong>do</strong>», «afastar» .<br />

Que po<strong>de</strong>m significar estas contradições ? Mais uma vez, <strong>no</strong> mesmo momento em que<br />

somos convida<strong>do</strong>s a pronunciar o Nome <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> e a santificar o Seu Nome, isto é a louvar<br />

e a bendizer, <strong>Deus</strong> lembra-<strong>no</strong>s que Ele está longe, que Ele está separa<strong>do</strong> <strong>de</strong> nós, que Ele é<br />

o Outro sempre procura<strong>do</strong> e nunca completamente agarra<strong>do</strong>.<br />

<strong>Deus</strong> que é Aquele que é, é o Santo que se apresenta como longínquo, separa<strong>do</strong>, distante, é<br />

o mesmo <strong>Deus</strong> que se faz próximo por Ele está ao <strong>no</strong>sso la<strong>do</strong> e <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> concreto é<br />

Aquele que <strong>no</strong>s dá a Sua mensagem <strong>de</strong> justiça e <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>.<br />

Portanto, a palavra Santo, separa e une simultaneamente – coloca <strong>Deus</strong> <strong>no</strong>s Céus, longe da<br />

humanida<strong>de</strong> e, ao mesmo tempo, insere-o na História e na vida <strong>do</strong> homem, pois é Ele, o<br />

Misericordioso, que é o Pai para o homem.<br />

– «Venha a nós o Vosso Rei<strong>no</strong>»


Qual é o Rei<strong>no</strong> <strong>de</strong> que <strong>no</strong>s fala Jesus e pelo qual Ele roga ? Será um rei<strong>no</strong> que está<br />

próximo e que sempre se verá manifestar ..., será um rei<strong>no</strong> conheci<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre e <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

sempre escondi<strong>do</strong> e procura<strong>do</strong> ..., será um rei<strong>no</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s que se manifesta na pequena vida<br />

<strong>de</strong> cada indivíduo ..., será um rei<strong>no</strong> que liberta <strong>de</strong> toda a escravatura e <strong>no</strong>s faz ser filhos<br />

sem sermos mais escravos ..., será um rei<strong>no</strong> que não obe<strong>de</strong>ce a qualquer regra – on<strong>de</strong> há<br />

ricos na pobreza, bem-aventura<strong>do</strong>s na humilda<strong>de</strong>, gran<strong>de</strong>s na pequenez ... É um Rei<strong>no</strong> que<br />

vem apenas quan<strong>do</strong> a humanida<strong>de</strong> se libertar a si mesma <strong>de</strong> toda a corrente humana e<br />

tornar livre os outros homens exortan<strong>do</strong> a dignida<strong>de</strong>, a cultura, a justiça, e, sobretu<strong>do</strong>,<br />

quan<strong>do</strong> amar a to<strong>do</strong>s. Isto é o Rei<strong>no</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, que foi posto nas mãos <strong>do</strong>s homens, para que<br />

eles o tornem vivo em cada dia.<br />

– «Seja feita a Vossa Vonta<strong>de</strong>»<br />

Para além <strong>de</strong> toda a <strong>no</strong>ssa aceitação <strong>do</strong>s sacrifícios e renúncias, há uma Vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong><br />

que é universal, que abraça toda a humanida<strong>de</strong> e que pertence simultaneamente a cada<br />

homem – esta Vonta<strong>de</strong> quer simplesmente que o homem realize a vida na sua plenitu<strong>de</strong>, o<br />

que na verda<strong>de</strong> significa, realizar o Rei<strong>no</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>.<br />

Efectivamente, cada vez que o homem se compromete com a justiça e com a paz, ele<br />

manifesta solidarieda<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong>, ele luta pela liberda<strong>de</strong> contra to<strong>do</strong>s os<br />

condicionalismos culturais, económicos, sociais e religiosos, ele apenas permite que a vida<br />

se exprima na sua plenitu<strong>de</strong> segun<strong>do</strong> a Vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>. Não se trata <strong>de</strong> uma resignação<br />

ao que <strong>no</strong>s possa acontecer, mas, bem ao contrário, é uma forte tomada <strong>de</strong> posição a favor<br />

da vida; ninguém <strong>no</strong>s pe<strong>de</strong> uma espera passiva e resignada, mas sim um procedimento<br />

activo e criativo !<br />

“Senhor Jesus ensina-<strong>no</strong>s a olhar para o Céu, para o alto, a <strong>de</strong>sviar os <strong>no</strong>ssos<br />

olhos <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o que <strong>no</strong>s engaiola e <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o que <strong>no</strong>s impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver na mesma<br />

perspectiva <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>.<br />

Mas, por vezes, acontece que, quan<strong>do</strong> dizemos que Tu estás <strong>no</strong>s Céus, nós Te<br />

colocamos longe e durante esse tempo recusamo-<strong>no</strong>s a compreen<strong>de</strong>r que o Céu não<br />

é um lugar, mas é tu<strong>do</strong> o que pertence ao «mais longínquo», ao «ainda não», ao<br />

«tornar-se presente já» ; não compreen<strong>de</strong>mos que o Céu é tu<strong>do</strong> o que representa o<br />

Outro, o Outro como diferente, como <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, como incompreensível.<br />

Nós proclamamos que o Teu Nome seja santifica<strong>do</strong>, e em Teu <strong>no</strong>me erguemos<br />

barreiras, fazemos cruzadas, colocamos arreios, criamos separações, distinções e<br />

diferenças entre os homens e as igrejas e em Teu <strong>no</strong>me julgamos os bons e os<br />

maus, os fiéis e os infiéis, os regulares e os irregulares, os <strong>no</strong>rmais e os diferentes,<br />

os justos e os injustos ...<br />

Em Teu Nome ... mas segun<strong>do</strong> a <strong>no</strong>ssa lógica e os <strong>no</strong>ssos critérios ! ...<br />

Dizemos, que venha a nós o Teu Rei<strong>no</strong> e esforçamo-<strong>no</strong>s sempre mais por tornar<br />

estável o <strong>no</strong>sso rei<strong>no</strong>, o <strong>no</strong>sso peque<strong>no</strong> ou gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, por reforçar o <strong>no</strong>sso<br />

prestígio, por trabalhar sempre mais para trepar o mais alto possível, para<br />

<strong>de</strong>monstrar quem na família conta mais e nas relações <strong>do</strong> casal <strong>do</strong>minar o outro, e,<br />

enfim, <strong>no</strong> serviço se o vivemos como uma ocasião <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> e não como uma<br />

partilha.<br />

Afirmamos que a Tua Vonta<strong>de</strong> seja feita e, <strong>no</strong> entanto, estamos sempre prontos a<br />

pedir-Te aquilo <strong>de</strong> que precisamos, não confiamos <strong>no</strong> facto que Tu és<br />

verda<strong>de</strong>iramente um Pai para nós, pensamos que o maior esforço que <strong>no</strong>s é pedi<strong>do</strong><br />

é aceitar as pequenas cruzes <strong>do</strong> quotidia<strong>no</strong>, já que a Tua Vonta<strong>de</strong> é que cada<br />

homem conheça a alegria da Tua Ressurreição ! ”


A oração volta-se agora para a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s homens, o olhar <strong>de</strong> Jesus dirige-se para a terra,<br />

para o mun<strong>do</strong>, inci<strong>de</strong> sobre os homens e a perspectiva <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> torna-se a <strong>no</strong>ssa, pois <strong>no</strong><br />

mun<strong>do</strong> somos nós que agimos e vivemos.<br />

- o pão <strong>no</strong>sso <strong>de</strong> cada dia <strong>no</strong>s dai hoje<br />

- per<strong>do</strong>ai-<strong>no</strong>s as <strong>no</strong>ssas ofensas, assim como nós per<strong>do</strong>amos a quem <strong>no</strong>s tem<br />

ofendi<strong>do</strong><br />

- e não <strong>no</strong>s <strong>de</strong>ixeis cair em tentação, mas livrai-<strong>no</strong>s <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o mal<br />

– «O <strong>no</strong>sso pão <strong>de</strong> cada dia <strong>no</strong>s dai hoje»<br />

O pão, uma outra palavra simples e clara que <strong>no</strong>s reconduz ao fundamento da vida – sem<br />

pão não se vive, um boca<strong>do</strong> <strong>de</strong> pão com um copo <strong>de</strong> vinho põe em comum os pobres e os<br />

ricos, pois dá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver.<br />

O pão, a palavra simples e clara que constitui um arquétipo da humanida<strong>de</strong>, uma chave que<br />

<strong>no</strong>s abre para o senti<strong>do</strong> profun<strong>do</strong> da vida ; <strong>no</strong> pão está presente o trabalho <strong>do</strong>s homens, a<br />

evolução da história, o caminho da humanida<strong>de</strong>.<br />

O pão é o resulta<strong>do</strong>, é o fruto <strong>do</strong>s elementos mais simples, a água e o trigo, mas para que<br />

estes <strong>do</strong>is últimos se tornem pão é preciso formar (amassar), mexer, misturar – o pão é o<br />

símbolo <strong>de</strong>sta humanida<strong>de</strong> que em cada dia, durante séculos e durante milénios se mexe e<br />

se mistura, caminha através <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e se torna ela mesma pão, o alimento da vida.<br />

Mas como po<strong>de</strong> ser amargo o pão para aquele que o pe<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> a sua própria terra, ou<br />

para aquele que o pe<strong>de</strong> para os seus próprios filhos priva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> indispensável, ou para<br />

aquele que o pe<strong>de</strong> humilhan<strong>do</strong>-se ! E como po<strong>de</strong> ser duro o pão para aquele que é<br />

obriga<strong>do</strong> a comê-lo na injustiça e na exploração em tantas partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ... o pão é duro<br />

e amargo também para aqueles que aparentemente o tenham em abundância, para aqueles<br />

que o acumulem <strong>no</strong>s sótãos ... a preocupação <strong>de</strong> ter sempre mais dinheiro, a preocupação<br />

<strong>de</strong> trabalhar mais, sempre mais para manter um certo esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida, para respon<strong>de</strong>r à<br />

lógica <strong>de</strong> ter para consumir ...Este é um pão escuro aos olhos <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, pois, como acontece<br />

nesta oração, os <strong>do</strong>is adjectivos «<strong>no</strong>sso» e «<strong>de</strong> cada dia» estão sempre uni<strong>do</strong>s à palavra<br />

pão.<br />

A palavra «<strong>no</strong>sso» aparece tal como «<strong>no</strong>sso é o Pai <strong>do</strong>s Céus, o <strong>Deus</strong> da vida ... não estou<br />

autoriza<strong>do</strong> a pedir o «meu» pão, um pão apenas para mim, eu <strong>de</strong>vo pedi-lo para to<strong>do</strong>s,<br />

assim se eu o peço para to<strong>do</strong>s não me é permiti<strong>do</strong> viver dia após dia pensan<strong>do</strong> apenas em<br />

mim. Esta é a razão pela qual o <strong>no</strong>sso pão se torna num outro compromisso – o <strong>de</strong> viver a<br />

fraternida<strong>de</strong> mais <strong>no</strong> concreto e não apenas com palavras, o <strong>de</strong> viver a partilha na realida<strong>de</strong><br />

e não apenas em teoria, o <strong>de</strong> viver a colaboração <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> verda<strong>de</strong>iro e não apenas<br />

aparente ... Quanto ao «<strong>de</strong> cada dia» – o pão para hoje que me serve <strong>de</strong> alimento<br />

quotidia<strong>no</strong> “não levem nada para o caminho ... ” e por fim, o convite a abstrair <strong>de</strong> toda a<br />

preocupação irregular, a saber avaliar e distinguir o que realmente precisamos para viver<br />

ou aquilo que transformámos em necessário, a acreditar verda<strong>de</strong>iramente que <strong>Deus</strong> é Pai<br />

para nós to<strong>do</strong>s.<br />

«De cada dia» – o pão quotidia<strong>no</strong> ou o pão <strong>de</strong> cada dia. É bom lembrar que muitos<br />

programas a longo prazo encalharam, que a maioria <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s objectivos se diluem<br />

confronta<strong>do</strong>s com a realida<strong>de</strong>, que um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> certezas caem e voam num ápice<br />

ao chocarem com os milhares <strong>de</strong> peque<strong>no</strong>s acontecimentos.


O pão é igualmente interpreta<strong>do</strong> como o Pão <strong>do</strong> Espírito, o Pão da Eucaristia – este Pão<br />

não <strong>no</strong>s afasta das <strong>no</strong>ssas reflexões, pois não po<strong>de</strong>mos pedir, e muito me<strong>no</strong>s alimentarmo<strong>no</strong>s<br />

<strong>do</strong> Pão <strong>do</strong> Espírito se não tomarmos consciência da necessida<strong>de</strong> fundamental <strong>de</strong> um<br />

compromisso para termos o Pão a que cada homem tem direito : “Tive fome e <strong>de</strong>ste-me <strong>de</strong><br />

comer ... ” ... “ Não haveis reza<strong>do</strong> olhan<strong>do</strong> apenas para minha pobreza ou escutan<strong>do</strong><br />

apenas o meu grito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero, não haveis reza<strong>do</strong> olhan<strong>do</strong> apenas para o Céu mas<br />

<strong>de</strong>bruçastes-te sobre mim e saciastes-me ..”<br />

– « Per<strong>do</strong>ai-<strong>no</strong>s as <strong>no</strong>ssas ofensas, assim como nós per<strong>do</strong>amos a quem <strong>no</strong>s<br />

tem ofendi<strong>do</strong>»<br />

Seria bastante limitativo se déssemos uma interpretação literária a esta frase, pois<br />

provavelmente esta frase tinha si<strong>do</strong> utilizada por Jesus para fazer compreen<strong>de</strong>r melhor a<br />

quem o escutava até que ponto era importante recriar uma situação harmoniosa on<strong>de</strong> esta<br />

se tivesse quebra<strong>do</strong>. Ter uma dívida para com alguém significa seguramente não ser<br />

completamente livre, significa não estar em harmonia, significa não ter uma relação<br />

positiva com alguém.<br />

Contu<strong>do</strong>, a questão não é para interpretar <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> económico <strong>do</strong> termo, a questão tem a<br />

ver com a <strong>no</strong>ssa relação – a minha relação com o próximo – assim não é apenas um gesto,<br />

uma acção específica a corrigir, a pôr em or<strong>de</strong>m, é mais uma situação harmoniosa a<br />

recompor, e, isso, implica mais, bastante mais <strong>do</strong> que uma simples restituição ou<br />

pagamento <strong>de</strong> uma dívida.<br />

Se substituirmos a palavra dívida pela palavra peca<strong>do</strong>, como <strong>de</strong> resto o faz o Evangelista<br />

Lucas, que compreen<strong>de</strong>mos melhor, quan<strong>do</strong> <strong>no</strong>s diz porque é que o peca<strong>do</strong> não é só um<br />

<strong>de</strong>feito particular mas representa sobretu<strong>do</strong> a ruptura que se instalou entre os homens e<br />

entre o homem e <strong>Deus</strong>. A ruptura <strong>de</strong> uma relação positiva exige uma recomposição, mas<br />

para recriar a harmonia não basta fazer um gesto mecânico ou expressar uma palavra <strong>de</strong><br />

cortesia. A serenida<strong>de</strong> precisa <strong>de</strong> um olhar <strong>no</strong>s olhos bem profun<strong>do</strong>, mas para que tal se<br />

realize não é suficiente uma palavra ou um gesto particular, é preciso uma <strong>no</strong>va situação<br />

que será construída <strong>de</strong> uma forma positiva, caso contrário não passará <strong>de</strong> acto formal.<br />

Da <strong>no</strong>ssa experiência conjugal conhecemos bem os valores <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> gestos e <strong>de</strong><br />

palavras que constróem a trama <strong>do</strong> <strong>amor</strong>, mesmo <strong>no</strong> silêncio, e a inutilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> palavras e<br />

gestos apenas por <strong>de</strong>ver ou a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma quietu<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nte que <strong>no</strong>s convida a dizê-las<br />

ou a realizá-los. Como to<strong>do</strong>s sabemos o perdão concedi<strong>do</strong> ou recebi<strong>do</strong> e a reconciliação<br />

verda<strong>de</strong>iramente vivida são compostos <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> actos, <strong>de</strong> palavras, <strong>de</strong> gestos, <strong>de</strong><br />

olhares, que o perdão da<strong>do</strong> e recebi<strong>do</strong> <strong>no</strong>s incita como pessoas e põe em acção uma<br />

situação dinâmica <strong>no</strong>va que cria <strong>no</strong>vas realida<strong>de</strong>s positivas. O perdão da<strong>do</strong> e recebi<strong>do</strong>, não<br />

é um ponto <strong>de</strong> chegada, é uma realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> partida, pois re<strong>no</strong>va a vida e abre para <strong>no</strong>vas<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sconhecidas.<br />

Além disso, se o pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>no</strong>s per<strong>do</strong>armos as <strong>no</strong>ssas ofensas <strong>no</strong>s põe imediatamente em<br />

relação com outros homens não po<strong>de</strong>mos fazer calar a reciprocida<strong>de</strong> contida neste<br />

versículo – nós estamos em relação com <strong>Deus</strong> na medida em que estivermos em relação<br />

com os homens. O «como» não se refere apenas à medida e à frequência <strong>do</strong> perdão, mas<br />

compromete a «modalida<strong>de</strong>» - como somos capazes <strong>de</strong> criar relações harmoniosas com as<br />

pessoas que entram na <strong>no</strong>ssa vida, po<strong>de</strong>remos igualmente experimentar a serenida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

uma relação positiva com <strong>Deus</strong>, pois <strong>Deus</strong> vem até nós através <strong>de</strong> Cristo, Ele vem até nós<br />

através <strong>do</strong> homem e da mulher que temos ao la<strong>do</strong>, vem até nós através <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os homens<br />

e <strong>de</strong> todas as mulheres que vêm ao <strong>no</strong>sso encontro to<strong>do</strong>s os dias. Os Céus e as <strong>no</strong>vas terras<br />

só terão o seu lugar através <strong>de</strong>sta reconciliação constante, através <strong>de</strong> uma retomada <strong>do</strong>


diálogo re<strong>no</strong>va<strong>do</strong> entre os casais, entre os pais e os filhos, entre os místicos e os activos,<br />

entre os crentes e os não crentes, entre os diferentes <strong>de</strong> qualquer espécie.<br />

– «Não <strong>no</strong>s <strong>de</strong>ixeis cair em tentação, mas livrai-<strong>no</strong>s <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o Mal»<br />

Quan<strong>do</strong> pedimos a <strong>Deus</strong> que não <strong>no</strong>s <strong>de</strong>ixe cair em tentação, Ele fica persuadi<strong>do</strong> que<br />

<strong>de</strong>sejamos simplesmente ficar afasta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> todas estas situações <strong>concreta</strong>s, afectivas,<br />

sociais, religiosas, que <strong>no</strong>s <strong>de</strong>ixariam longe d’Ele, que po<strong>de</strong>riam tornar mais difícil a <strong>no</strong>ssa<br />

procura d’Ele, que po<strong>de</strong>riam tornar o caminho ainda mais confuso e <strong>de</strong>sorienta<strong>do</strong>.<br />

Se <strong>de</strong>vemos afrontar uma viagem longa e difícil, é compreensível que <strong>de</strong>sejaremos ter<br />

indicações claras – itinerários, instrumentos <strong>de</strong> orientação, equipamento eficaz ...<br />

Ora não <strong>no</strong>s submetermos à tentação quer dizer evitar qualquer perigo. Dizen<strong>do</strong> isto não<br />

<strong>no</strong>s damos conta daquilo que pedimos a <strong>Deus</strong> – pedimos que diminua o <strong>no</strong>sso valor <strong>de</strong><br />

homem, que limite a <strong>no</strong>ssa liberda<strong>de</strong>, que não <strong>no</strong>s <strong>de</strong>ixe <strong>do</strong>minar sobre todas as criaturas<br />

<strong>do</strong> universo.<br />

Com efeito, a realida<strong>de</strong> da tentação está <strong>no</strong> facto <strong>de</strong> ser homem, não apenas porque somos<br />

chama<strong>do</strong>s a escolher entre o bem e o mal, mas porque a tentação tem a sua raiz na<br />

contradição entre experimentar a <strong>no</strong>ssa realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criaturas, <strong>de</strong> seres finitos e o <strong>no</strong>sso<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ir para junto <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, <strong>de</strong> O conhecer, <strong>de</strong> viver n’Ele. Só o homem entre as<br />

criaturas <strong>do</strong> universo tem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrar em diálogo com <strong>Deus</strong>, pois só o homem<br />

possui o espírito que o conduz a <strong>Deus</strong>, um espírito todavia limita<strong>do</strong> e <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> num corpo<br />

que o impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> se salvar completamente.<br />

O homem que está liga<strong>do</strong> à terra pelo instinto da carne é o mesmo homem que «habita as<br />

estrelas <strong>do</strong> céu» ; o homem que respon<strong>de</strong> aos impulsos <strong>do</strong> instinto animal é, por outro la<strong>do</strong>,<br />

o mesmo homem que se eleva até ao céu. A tentação é um facto que acompanha<br />

constantemente a <strong>no</strong>ssa vida, a me<strong>no</strong>s que o queiramos negar, seja da <strong>no</strong>ssa realida<strong>de</strong><br />

humana para <strong>no</strong>s sentirmos um animal ou um anjo.<br />

Então que significa pedir ao Pai que <strong>no</strong>s livre da tentação ? Talvez signifique não esquecer<br />

a <strong>no</strong>ssa realida<strong>de</strong> – a minha realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> homem e <strong>de</strong> mulher, sempre comprometi<strong>do</strong> a<br />

respon<strong>de</strong>r às exigências <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso corpo e aos <strong>de</strong>sejos da <strong>no</strong>ssa alma, a ser sempre chama<strong>do</strong><br />

a olhar para o céu sem <strong>de</strong>sviar os olhos da terra ... Talvez signifique que <strong>de</strong>vemos partilhar<br />

os momentos importantes da vida <strong>do</strong>s <strong>no</strong>ssos irmãos, ajudá-los a enfrentar as suas<br />

dificulda<strong>de</strong>s da vida, sem esquecer que tu<strong>do</strong> po<strong>de</strong> ser realiza<strong>do</strong> confian<strong>do</strong> o <strong>no</strong>sso trabalho<br />

a Ele – a <strong>Deus</strong> – as mãos nas mãos <strong>do</strong>s homens e o espírito nas mãos <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>.<br />

Não <strong>no</strong>s submetermos à tentação, talvez, signifique não cair <strong>no</strong> peca<strong>do</strong>, esquecer os <strong>no</strong>ssos<br />

limites <strong>de</strong> criaturas humanas ou o <strong>no</strong>sso <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>.<br />

Talvez signifique que o projecto da <strong>no</strong>ssa salvação será só será realiza<strong>do</strong> se conseguirmos<br />

fazer viver o <strong>no</strong>sso corpo, as <strong>no</strong>ssas sensações, as <strong>no</strong>ssas emoções, as <strong>no</strong>ssas acções<br />

aman<strong>do</strong>-os com a vida <strong>do</strong> Espírito e fazen<strong>do</strong> viver o Espírito <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> através <strong>do</strong>s <strong>no</strong>ssos<br />

gestos, das <strong>no</strong>ssas palavras, <strong>do</strong>s <strong>no</strong>ssos procedimentos, ...<br />

Neste caso, as tentações tidas como provas mais ou me<strong>no</strong>s difíceis <strong>de</strong> viver, representam o<br />

caminho que <strong>de</strong>vemos experimentar, o percurso que <strong>de</strong>vemos verificar, o caminho que<br />

<strong>de</strong>vemos ensaiar e não po<strong>de</strong>mos pedir que sejam evita<strong>do</strong>s, pois não po<strong>de</strong>mos querer parar,<br />

pois para <strong>no</strong>s reunirmos com <strong>Deus</strong> <strong>de</strong>vemos estar a caminho e só o êxo<strong>do</strong> contínuo <strong>no</strong>s<br />

permitirá alcançar a terra prometida.


Apenas po<strong>de</strong>mos pedir para não sermos engana<strong>do</strong>s pelas tentações e para não morrermos<br />

na gran<strong>de</strong> tentação – a <strong>de</strong> não vivermos plenamente a <strong>no</strong>ssa humanida<strong>de</strong>.<br />

E a súplica final <strong>do</strong> Pai-Nosso, o <strong>no</strong>sso grito que se eleva para o Céu «livrai-<strong>no</strong>s <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o<br />

mal» aprova a <strong>no</strong>ssa confiança em <strong>Deus</strong> que não <strong>no</strong>s <strong>de</strong>ixará sós, em <strong>Deus</strong> que<br />

experimentou na Sua humanida<strong>de</strong> as mesmas angústias que nós e que as venceu na<br />

Ressurreição – <strong>Deus</strong> que já venceu a Morte. Livrai-<strong>no</strong>s <strong>do</strong> mal, livrai-<strong>no</strong>s para que não<br />

sejamos embosca<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s <strong>no</strong>ssos limites huma<strong>no</strong>s que só <strong>no</strong>s <strong>de</strong>ixam ver na óptica <strong>de</strong> um<br />

egoísmo pessoal, livrai-<strong>no</strong>s <strong>do</strong> mal <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso tempo, um mal que tem o rosto da pobreza<br />

contra o da riqueza, o rosto da injustiça contra o <strong>do</strong> direito, o rosto da mentira contra o da<br />

verda<strong>de</strong>, o rosto da exploração contra o da solidarieda<strong>de</strong>, o rosto da respeitabilida<strong>de</strong> contra<br />

o da transparência, o rosto <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r contra o <strong>do</strong> serviço, o rosto da morte contra o da vida.<br />

Mas é este o tempo a que pertencemos, o momento presente <strong>no</strong> qual somos convida<strong>do</strong>s a<br />

viver, a escolher a continuida<strong>de</strong>, pois na continuida<strong>de</strong> e através da <strong>no</strong>ssa própria vida, abrese<br />

o Caminho da Vida e cria-se o lugar <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>.<br />

“Senhor, nós Te pedimos para que à volta das <strong>no</strong>ssas mesas nada <strong>no</strong>s falte, para<br />

que continues a abastecer-<strong>no</strong>s, para que penses <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso pão, sem sabermos que<br />

pelo simples facto <strong>de</strong> o pedirmos se subenten<strong>de</strong> a re<strong>no</strong>vação da promessa <strong>de</strong><br />

viver em comunida<strong>de</strong> com a humanida<strong>de</strong> inteira e que o facto <strong>de</strong> Te pedirmos<br />

implica igualmente a re<strong>no</strong>vação <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso compromisso <strong>de</strong> não escolhermos o<br />

caminho <strong>do</strong> egoísmo, <strong>do</strong> individualismo mas <strong>de</strong> tomarmos aquele que é<br />

certamente me<strong>no</strong>s fácil que o <strong>de</strong> <strong>concreta</strong>mente partilhar o pão com toda a gente.<br />

Pedimos o pão <strong>de</strong> cada dia e preenchemos os <strong>no</strong>ssos dias <strong>de</strong> trabalho que muitas<br />

vezes serve para ganhar mais e que <strong>no</strong>s faz sentir indispensáveis e insubstituíveis<br />

; pedimos o pão <strong>de</strong> cada dia e acumulamos <strong>no</strong>s <strong>no</strong>ssos sótãos reservas <strong>de</strong> pão<br />

para os dias seguintes, para nós, para os <strong>no</strong>ssos filhos, para a <strong>no</strong>ssa família ... só<br />

para nós; pedimos o pão <strong>de</strong> cada dia e enchemo-<strong>no</strong>s <strong>de</strong> supérfluos e, além disso,<br />

com uma capacida<strong>de</strong> extrafina conseguimos tornar indispensável o supérfluo<br />

fechan<strong>do</strong> os olhos e tapan<strong>do</strong> os ouvi<strong>do</strong>s diante <strong>do</strong>s pedi<strong>do</strong>s das coisas<br />

indispensáveis, das verda<strong>de</strong>iramente indispensáveis, para populações inteiras ...<br />

o pão, a água potável, as estradas, as casas que po<strong>de</strong>m ser feitas <strong>de</strong> colmo ou <strong>de</strong><br />

argila como <strong>no</strong>s bairros <strong>de</strong> lata, uma cultura que não se limita à <strong>de</strong> saber escreve<br />

o seu próprio <strong>no</strong>me ...<br />

Depois, com a mesma humilda<strong>de</strong>, e com a mesma inconsciência, nós Te pedimos<br />

que sejas misericordioso para con<strong>no</strong>sco, como nós o somos para com os <strong>no</strong>ssos<br />

irmãos ..., pedimos-Te que <strong>no</strong>s per<strong>do</strong>es as <strong>no</strong>ssas ofensas ..., que vivas con<strong>no</strong>sco<br />

uma aliança <strong>de</strong> <strong>amor</strong>, quan<strong>do</strong> nós nem sequer somos capazes <strong>de</strong> tecer um laço <strong>de</strong><br />

<strong>amor</strong> com os outros ..., pedimos-Te que <strong>no</strong>s per<strong>do</strong>es ... pedimos-Te que não <strong>no</strong>s<br />

<strong>de</strong>ixes cair em tentação e que <strong>no</strong>s livres <strong>do</strong> mal, mas não conseguimos fugir à<br />

tentação <strong>de</strong> viver isola<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> – <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso peque<strong>no</strong> mun<strong>do</strong> – na perspectiva<br />

das <strong>no</strong>ssas necessida<strong>de</strong>s, na preocupação das <strong>no</strong>ssas exigências <strong>de</strong> vivermos em<br />

função <strong>do</strong> <strong>no</strong>sso peque<strong>no</strong> «eu» que <strong>no</strong> máximo passa a «nós», conjugal ou<br />

familiar, mas que frequentemente exclui todas as outras pessoas que estão <strong>de</strong><br />

fora, todas as outras pessoas que são diferentes, <strong>de</strong>sconhecidas, as pessoas que<br />

se afastam <strong>do</strong> caminho certo e to<strong>do</strong>s aqueles que <strong>no</strong>s parecem «outro» ...<br />

Hoje, talvez tivéssemos compreendi<strong>do</strong> algo mais, <strong>de</strong>mos um peque<strong>no</strong> passo – um<br />

passo à medida <strong>do</strong> homem – e po<strong>de</strong>mos pedir-Te que só <strong>no</strong>s dês o pão se<br />

estivermos envolvi<strong>do</strong>s para que to<strong>do</strong>s o tenham, que só <strong>no</strong>s per<strong>do</strong>es as <strong>no</strong>ssas<br />

ofensas se trabalharmos para vivermos num mun<strong>do</strong> reconcilia<strong>do</strong>, se os <strong>no</strong>ssos<br />

caminhos estiverem abertos para os céus e para as <strong>no</strong>vas terras, que <strong>no</strong>s<br />

mantenhas na tentação se isso significa ter uma consciência contínua da minha


pequenez e da minha gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> homem dividi<strong>do</strong> entre a voz da Terra e um<br />

infinito <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Ti, que <strong>no</strong>s livres <strong>do</strong> mal só se tivermos inicia<strong>do</strong> o caminho em<br />

busca da Verda<strong>de</strong> e se tivermos procura<strong>do</strong> os atalhos me<strong>no</strong>s evi<strong>de</strong>ntes que <strong>no</strong>s<br />

conduzem a Ti, com me<strong>do</strong> talvez, mas também com a confiança <strong>de</strong> que nesse<br />

atalho e nesse caminho Tu <strong>no</strong>s esperas.<br />

É o mistério da Incarnação que se manifesta através da própria oração <strong>de</strong> Jesus : <strong>Deus</strong> não <strong>no</strong>s<br />

ouvirá se não O pu<strong>de</strong>rmos aperceber entre a vida e entre o homem e a sua história, pois é aí<br />

que Ele habita; não po<strong>de</strong>mos ficar nas céus, <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>scer à terra e ao mun<strong>do</strong>, pois é aí que<br />

nós O po<strong>de</strong>remos encontrar; Ele proibiu-<strong>no</strong>s <strong>de</strong> cruzar os braços e <strong>de</strong> ficar olhan<strong>do</strong> os céus,<br />

pois, bem pelo contrário <strong>de</strong>vemos utilizar as mãos – sujar as mãos, partilhar os sofrimentos,<br />

trabalhar para o bem, repor o <strong>no</strong>sso espírito nas mãos <strong>do</strong> Pai e as <strong>no</strong>ssas mãos nas mãos <strong>do</strong>s<br />

homens ...<br />

A incarnação que faz <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> um Homem na Pessoa <strong>de</strong> Cristo, que tor<strong>no</strong>u real a Palavra <strong>de</strong><br />

<strong>Deus</strong>, “o Verbo se fez carne”, que tor<strong>no</strong>u o acto <strong>de</strong> Fé num acto <strong>de</strong> autêntico compromisso,<br />

chega até nós pela oração <strong>do</strong> Pai-Nosso, uma oração que recitamos talvez to<strong>do</strong>s os dias para<br />

<strong>no</strong>s recordar em cada uma das vezes, que a <strong>no</strong>ssa Fé ou se transforma em carne, em gesto ou<br />

então transforma-se em acção, caso contrário não é Fé cristã. A <strong>no</strong>ssa Fé exige uma presença<br />

activa <strong>no</strong> mun<strong>do</strong>, pois é <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> que <strong>Deus</strong> vem ao <strong>no</strong>sso encontro, o <strong>no</strong>sso compromisso<br />

nas ENS exige uma presença activa, pois é <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> que transmitimos a mensagem e o<br />

testemunho <strong>do</strong> <strong>amor</strong>.<br />

Como cristãos e equipistas somos convida<strong>do</strong>s a uma leitura sobre a existência humana para<br />

fazer brotar a expressão da Fé – somos convida<strong>do</strong>s a promover uma cultura da eco<strong>no</strong>mia<br />

como uma cultura da igualda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> remover todas as barreiras entre os ricos e os pobres, pois<br />

o pão é um direito <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s ; somos chama<strong>do</strong>s a promover uma cultura da justiça fundada <strong>no</strong><br />

direito <strong>de</strong> cada homem, para ver satisfeitas todas as necessida<strong>de</strong>s fundamentais da vida ;<br />

somos chama<strong>do</strong>s a promover uma cultura da liberda<strong>de</strong> ali on<strong>de</strong> a liberda<strong>de</strong> está esquecida,<br />

anulada, negada ; somos chama<strong>do</strong>s a promover também uma cultura da obediência não à<br />

simples lei, mas à Vida, não ao Sabbat mas ao Homem, não aos princípios mas a Cristo.<br />

A Fé e a cultura não são antagónicas, nascem ambas <strong>de</strong> uma paixão única – conhecer <strong>Deus</strong>,<br />

procuran<strong>do</strong>-O entre os homens, conhecer o homem para procurar um aspecto <strong>do</strong> Rosto <strong>de</strong><br />

<strong>Deus</strong>.<br />

Então, o Pai-Nosso será um ensinamento da Fé e da Vida, não po<strong>de</strong>mos olhar para o alto sem<br />

voltar o olhar para a terra e vice-versa; não po<strong>de</strong>mos ficar entre os homens sem olhar, <strong>no</strong> dia a<br />

dia, para a bonda<strong>de</strong> harmoniosa <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> Pai que está <strong>no</strong>s Céus – é um percurso contínuo <strong>de</strong><br />

olhares e inter<strong>de</strong>pendência e, é igualmente, como dizíamos <strong>no</strong> início, uma oração <strong>de</strong><br />

incarnação e Cristo, o <strong>Deus</strong> Incarna<strong>do</strong> em Homem, não <strong>no</strong>s ensina por acaso a rezar <strong>de</strong>sta<br />

maneira.<br />

Fizemos uma análise <strong>de</strong>sta oração, o melhor que soubemos e pu<strong>de</strong>mos, mas, como conclusão,<br />

<strong>de</strong>vemos individualizar três pontos distintos que representam um pouco a síntese, portanto<br />

sublinharemos três palavras : PAI, REINO, PROXIMO.<br />

PAI – isto significa que somos filhos, to<strong>do</strong>s somos filhos e somos irmãos, to<strong>do</strong>s irmãos :<br />

<strong>de</strong>vemos apren<strong>de</strong>r a ser filhos sem <strong>no</strong>s tornarmos nem escravos nem pais, pois o Pai é só Ele ;<br />

<strong>de</strong>vemos apren<strong>de</strong>r a permanecer criaturas mesmo sen<strong>do</strong> velhos, pois a vida é-<strong>no</strong>s dada<br />

continuamente por Ele ; <strong>de</strong>vemos apren<strong>de</strong>r a permanecer irmãos, a sentirmo-<strong>no</strong>s to<strong>do</strong>s<br />

irmãos, pois dizemos «<strong>no</strong>sso». Pai-<strong>no</strong>sso, não apenas meu, ou o Pai <strong>de</strong> alguns ou o Pai <strong>de</strong> uns


quantos que pensam como eu, o Pai que eu amo e que me ama. Pai-Nosso – dizemo-lo em<br />

cada dia e, <strong>no</strong> entanto, renegamo-Lo em cada momento.<br />

REINO – O Rei<strong>no</strong> não virá, não existirá, não se realizará, o rei<strong>no</strong> é o Rei<strong>no</strong> que chega, o Rei<strong>no</strong><br />

é a realida<strong>de</strong> na qual eu vivo hoje e neste momento, nesta realida<strong>de</strong> social, neste mun<strong>do</strong> eu<br />

sou chama<strong>do</strong> a viver segun<strong>do</strong> a minha escolha <strong>de</strong> Fé.<br />

PRÓXIMO – não existe propriamente esta palavra, mas Cristo fala-<strong>no</strong>s <strong>do</strong> pão, da ofensa, <strong>do</strong><br />

perdão e da liberda<strong>de</strong> e lá on<strong>de</strong> não existe o seu próximo, sen<strong>do</strong> o próximo eu mesmo,<br />

po<strong>de</strong>mos partilhar o pão, experimentar o perdão ofereci<strong>do</strong> e recebi<strong>do</strong>, saborear o gosto da<br />

liberda<strong>de</strong> que adquirimos pelo facto <strong>de</strong> sermos to<strong>do</strong>s filhos <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>.<br />

Mas se finalmente não tivermos compreendi<strong>do</strong> como é profun<strong>do</strong> o compromisso e a<br />

implicação <strong>de</strong>sta oração, então :<br />

Não<br />

digamos<br />

Não<br />

digamos<br />

Não<br />

digamos<br />

Não<br />

digamos<br />

Não<br />

digamos<br />

Não<br />

digamos<br />

Não<br />

digamos<br />

Não<br />

digamos<br />

Não<br />

digamos<br />

Não<br />

digamos<br />

Pai<br />

Nosso<br />

Que estais <strong>no</strong>s Céus<br />

que venha a nós o Vosso<br />

Rei<strong>no</strong><br />

que seja feita a Vossa Vonta<strong>de</strong><br />

o pão <strong>de</strong> cada dia <strong>no</strong>s dai hoje<br />

per<strong>do</strong>ai-<strong>no</strong>s as <strong>no</strong>ssas ofensas<br />

não <strong>no</strong>s <strong>de</strong>ixeis cair em<br />

tentação<br />

livrai-<strong>no</strong>s <strong>do</strong> mal<br />

Amen<br />

se em cada dia não <strong>no</strong>s comportamos como filhos<br />

se vivemos isola<strong>do</strong>s <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso egoísmo<br />

se apenas pensamos nas coisas mundanas<br />

se o confundimos com o sucesso material<br />

se não a aceitamos se for <strong>do</strong>lorosa<br />

se não <strong>no</strong>s preocupamos com os que têm fome,<br />

com os que não têm cultura, com os que não têm<br />

meios <strong>de</strong> vida<br />

se conservamos o rancor para com os <strong>no</strong>ssos<br />

irmãos<br />

se mantemos a intenção <strong>de</strong> continuar a pecar<br />

se não tomamos uma posição contra o mal<br />

se não levamos a sério as Palavras <strong>do</strong> Pai.Nosso<br />

E, digamos o <strong>no</strong>sso AMEN apenas com esta consciência, que significa «que assim seja», ou<br />

«que assim se faça», que significa o <strong>no</strong>sso «SIM» a este compromisso <strong>de</strong> conversão <strong>de</strong> vida,<br />

que significa o <strong>no</strong>sso «SIM» re<strong>no</strong>va<strong>do</strong> <strong>no</strong> serviço, aquele que, <strong>de</strong> momento, estamos to<strong>do</strong>s a<br />

fazer, to<strong>do</strong>s os que aqui estamos como Casais Responsáveis <strong>do</strong>s <strong>no</strong>ssos Países, sem ter vivi<strong>do</strong><br />

para nós próprios mas especialmente para os outros, não viven<strong>do</strong> sozinhos mas com os outros,<br />

não viven<strong>do</strong> olhan<strong>do</strong> apenas o Céu ou apenas a terra, o mesmo é dizer, não viven<strong>do</strong> apenas a<br />

teoria ou a mística, e não viven<strong>do</strong> também numa prática baseada numa gran<strong>de</strong> eficácia mas<br />

percorren<strong>do</strong> continuamente o olhar <strong>do</strong> Céu e da terra – a terra e o Céu para conter o Rosto <strong>de</strong><br />

<strong>Deus</strong> entre os homens e a vida <strong>do</strong>s homens diante <strong>do</strong> Rosto <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>.<br />

AMEN !<br />

Que assim seja para nós to<strong>do</strong>s


* * *

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!