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ISSN 1415-0778<br />
REVISTA da<br />
Faculdade de direito<br />
<strong>Milton</strong> campos<br />
2012<br />
Book 1.indb 1 27/4/2013 13:20:08
Book 1.indb 2 27/4/2013 13:20:08
ISSN 1415-0778<br />
Lucia Massara<br />
Diretora<br />
Carlos Alberto Rohrmann<br />
Rodolpho Barreto Sampaio Júnior<br />
Editores<br />
Revista da<br />
Faculdade de direito<br />
<strong>Milton</strong> campos<br />
2012<br />
Volume 24<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS V. 24 P. 1-382 2012<br />
Belo Horizonte – 2012<br />
Book 1.indb 3 27/4/2013 13:20:08
ISSN 1415-0778<br />
REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS<br />
Fundada em junho de 1993<br />
Rua <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>, 202 – CEP 34000-000<br />
Nova Lima<br />
Minas Gerais<br />
Brasil<br />
FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS<br />
ADMINISTRAÇÃO<br />
Entidade Mantenedora<br />
Centro Educacional de Formação Superior – CEFOS<br />
Prof. José Barcelos de Souza – Presidente<br />
Prof. Osmar Brina Corrêa Lima – Diretor Financeiro<br />
Prof. Haroldo da Costa Andrade – Secretário geral<br />
Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />
Prof.ª Lucia Massara – Diretora<br />
Prof. Marcos Afonso de Souza – Vice-Diretor e Coordenador<br />
Didático-Pedagógico<br />
Mestrado em Direito Empresarial<br />
Prof. Carlos Alberto Rohrmann – Coordenador Geral da Pós-graduação<br />
R454<br />
Revista da Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> – Coordenação de Lucia<br />
Massara e Carlos Alberto Rohrmann.- v. 24 (2012) – Belo Horizonte, Del Rey, 2012.<br />
Semestral<br />
Revista da Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />
Descrição baseada em: ano 1, n.1, 1994<br />
ISSN 1415-0778<br />
CCN: n. 092098-3<br />
1. Direito – periódicos. I. Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>. II. Massara, Lucia. III.<br />
Rohrmann, Carlos Alberto. IV. Título.<br />
CDU: 34(05)<br />
34:378(815.1)<br />
Ficha elaborada por Bibliotecários da Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />
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Direção da Revista<br />
Professora Lucia Massara<br />
SECRETÁRIO<br />
Professor Marcos Afonso de Souza<br />
Editores<br />
Carlos Alberto rohrmann<br />
Rodolpho Barreto Sampaio Júnior<br />
CoNSELHO Editorial<br />
Carlos Alberto Rohrmann (Brasil – FDMC)<br />
Ji Lian Yap (China – University of HK)<br />
Jorge Miranda (Portugal)<br />
Laurent Mayali (EUA UC Berkeley)<br />
Lucia Massara (Brasil – FDMC)<br />
Marcelo <strong>Campos</strong> Galuppo (Brasil – PUC/MG)<br />
Mario Losano (Itália)<br />
Misabel de Abreu Machado Derzi (Brasil – UFMG)<br />
Osmar Brina Corrêa-Lima (Brasil – UFMG)<br />
Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza (Brasil/Portugal)<br />
Rodolpho Barreto Sampaio Júnior (Brasil – FDMC)<br />
Sacha Calmon Navarro Coelho (Brasil – UFRJ)<br />
Sylvia Mercado Kierkegaard (Dinamarca – IAITL – University of<br />
communications – Pequim – China)<br />
CONSELHO CIENTÍFICO-ACADÊMICO<br />
DE CONSULTORES<br />
Humberto Theodoro Júnior (Brasil – UFMG)<br />
Joaquim Carlos Salgado (Brasil – UFMG)<br />
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira (Brasil – PUC/MG)<br />
Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong> (Brasil – FDMC)<br />
Silma Mendes Berti (Brasil – UFMG)<br />
Sonia Diniz Viana (Brasil – FDMC)<br />
v<br />
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BIBLIOTECÁRIA<br />
Emilce Maria Diniz<br />
ORGANIZAÇÃO DO MATERIAL PARA SELEÇÃO<br />
Rosely Braga de Oliveira<br />
Sonia Regina Nogueira<br />
DISTRIBUIÇÃO DAS PUBLICAÇÕES<br />
Felipe Julio Chamon<br />
Tissiane Torres Vieira<br />
REVISÃO ORTOGRÁFICA EM LÍNGUA INGLESA<br />
Carlos Alberto Rohrmann<br />
Maria Rita Barcelos de Souza Brandão<br />
vi<br />
Book 1.indb 6 27/4/2013 13:20:08
A indicação do Editor, Comissão Editorial e Conselho Científico-<br />
Acadêmico é feita pelo período de (três) anos, encerrando-se no 1º<br />
semestre de 2010 e encerrando-se no 2º semestre de 2012.<br />
Código no CCN (Catálogo Coletivo Nacional – 092098-3)<br />
Toda correspondência deverá ser endereçada à: REVISTA DA<br />
FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS – Rua <strong>Milton</strong><br />
<strong>Campos</strong>, 202 – Bairro Vila da Serra. Nova Lima ou pelo endereço<br />
eletrônico: revista@mcampos.br<br />
WWW.REVISTA.MCAMPOS.BR<br />
copyright © 2012 by REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO<br />
MILTON CAMPOS<br />
Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, sejam quais<br />
forem os meios empregados, sem que se cite a fonte.<br />
Impresso Brasil<br />
Printed in Brazil<br />
Tiragem:<br />
CLASSIFICADO NO QUALIS<br />
“B3” em Direito com recomendação para “B2”<br />
Base de Dados e Indexadores:<br />
Bases de dados nacionais<br />
RVBI - (Periódicos) - Senado Federal (www.senado.gov.br/sicon)<br />
Bases de dados internacionais<br />
Ulrich’ Periodicals Directory, Instituto Max Planck de Hamburgo, University of<br />
California, Berkeley, Un. de Porto Rico, Library of Congress, EUA, Melvyl – UC<br />
– UC, UCLA<br />
vii<br />
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APRESENTAÇÃO<br />
Dando continuidade ao seu consistente projeto, a Revista da Faculdade<br />
de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> entrega ao público mais um <strong>volume</strong>,<br />
reunindo artigos de autores da própria instituição, nacionais e de<br />
colaboradores internacionais, que cada vez mais voltam sua atenção<br />
para nossa produção acadêmica e se interessam em compartilhar conosco<br />
sua própria produção.<br />
Já plenamente consolidada e internacionalmente reconhecida,<br />
nossa Revista mantém neste <strong>volume</strong> a política editorial, implantada<br />
há alguns anos, de vincular seu conteúdo às linhas de pesquisa desenvolvidas<br />
em nossos programas de pós-graduação e extensão, o que<br />
tem nos garantido um rico debate acadêmico e a manutenção da boa<br />
avaliação obtida junto à Capes.<br />
A saudar como novidade na presente edição está a disponibilização<br />
do periódico na internet, com acesso pelos sites da Faculdade<br />
de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> e do Programa de Pós-graduação stricto<br />
sensu em Direito – Mestrado em Direito Empresarial, que vem universalizar<br />
o acesso aos artigos selecionados e publicados, contribuindo<br />
decisivamente para ampliar o debate acadêmico e, consequentemente,<br />
para a melhoria na qualidade dos artigos selecionados.<br />
Entregamos, pois, aos nossos leitores mais esta edição da Revista,<br />
com o sentimento renovado de estarmos cumprindo a meta traçada.<br />
Lucia Massara<br />
Diretora da Revista da Faculdade<br />
de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />
ix<br />
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PRESENTATION<br />
Continuing its consistent project, the Journal of <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />
Law School delivers to the public another <strong>volume</strong>, containing articles<br />
written by authors from the same institution, national and international<br />
collaborators, who increasingly turn their attention to our academic<br />
production and are interested in sharing us their own production.<br />
Already fully consolidated and internationally recognized, this<br />
<strong>volume</strong> retains editorial policy, introduced some years ago to link<br />
the content to the research lines developed in our graduate programs<br />
and extension, which has guaranteed us a rich academic debate and<br />
maintains a good ranking before the Brazilian Ministry of Education/<br />
Capes.<br />
We are proud to announce that this edition of the journal is<br />
available online, with free sites by <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> Law School and<br />
the Post-graduate studies in Law - Master in Business Law, which<br />
provides universal access to the selected articles, contributing decisively<br />
to expand the academic debate and thus to improve the quality<br />
of the selected articles.<br />
We deliver, for our readers this edition of the Journal, with the<br />
renewed sense of being fulfilling the target set.<br />
Lucia Massara<br />
Director of FDMC and of the Law Review<br />
xi<br />
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MISSÃO<br />
A Revista da Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>, criada em<br />
1994 por iniciativa do saudoso Professor Doutor Wille Duarte Costa,<br />
tornou-se, desde o primeiro semestre de 2009, vinculada ao Programa<br />
de Pós-graduação stricto sensu em Direito – Mestrado em Direito<br />
Empresarial oferecido pela Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>. Por<br />
conseguinte, algumas alterações substanciais foram implementadas<br />
sem, no entanto, desconsiderar-se a experiência adquirida em 18 anos<br />
de existência e 23 <strong>volume</strong>s publicados e gratuitamente distribuídos<br />
por inúmeras bibliotecas universitárias no Brasil, nos Estados Unidos,<br />
na Europa e na Ásia.<br />
Dentre essas alterações pode-se destacar, primeiramente, a indicação<br />
de dois professores do Programa de Pós-graduação stricto<br />
sensu em Direito – Mestrado em Direito Empresarial para ocuparem<br />
a função de editores da Revista, além da revisão da linha editorial,<br />
agora baseada nas linhas de pesquisa do Programa. Também se estabeleceu<br />
que os demais professores vinculados ao Programa serão<br />
membros natos do Comitê de Avaliadores, competindo-lhes zelar<br />
pela pertinência temática dos artigos submetidos à Revista às linhas<br />
de pesquisa desenvolvidas no Programa de Pós-graduação stricto<br />
sensu em Direito – Mestrado em Direito Empresarial. Ademais, a<br />
disponibilização do periódico na internet, com acesso pelo site da<br />
Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> e pelo site do Programa de Pósgraduação<br />
stricto sensu em Direito – Mestrado em Direito Empresarial,<br />
universaliza o acesso aos artigos selecionados e publicados,<br />
e a implementação da avaliação por pares pelo sistema double blind<br />
peer review contribui decisivamente para a melhoria na qualidade<br />
dos artigos selecionados.<br />
Dessa forma, a Revista da Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />
pode atingir plenamente a sua missão de se manter como um periódi-<br />
xiii<br />
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co científico que contribui para o desenvolvimento da pesquisa em<br />
Direito Empresarial, em suas mais variadas inter-relações, mediante<br />
a seleção baseada exclusivamente no mérito dos textos submetidos, e<br />
pela divulgação gratuita, em versão impressa e em ambiente virtual,<br />
dos <strong>volume</strong>s editados.<br />
xiv<br />
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MISSION<br />
The Journal of <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> School of Law, created in 1994<br />
by the initiative of late professor Wille Duarte Costa, has become,<br />
from the first semester of 2009 on, linked to the Post-graduate studies in<br />
Law, Masters in Commercial Law, offered by <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> School<br />
of Law. Therefore, some substantial changes were implemented. Besides,<br />
we keep our 18 year experience and 23 numbers published and<br />
freely distributed in many libraries in Brazil, USA, Europe and Asia.<br />
We present some changes such as the indication of two professors<br />
from our Post-graduate studies in Law, Masters in Commercial<br />
Law, to fill the role of editors of the Journal. Besides, our editorial<br />
line is now based on our research lines to the Post-graduate studies in<br />
Law. It was also decided that the other professors of the Post-graduate<br />
studies in Law will become members of the Committee of Examiners,<br />
in order to verify if the issues are according to the lines of research of<br />
the Masters Program. Moreover, the Journal is also available online,<br />
with full access to the issues through the website of <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />
School of Law and also through the site of the Post-graduate studies<br />
in Law. So, we universalize the access to the Journal of <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />
School of Law and we also make it sure that the issues selected<br />
are double blind peer reviewed, what has enhanced the quality of our<br />
selected issues for publication.<br />
Thus, the Journal of <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> School of Law is ready to<br />
fulfill its mission to keep itself as a scientific journal that contributes<br />
to the development of Commercial Law research, in its multiple inter-relations,<br />
through a selection of issues based only on merits and<br />
through the free divulgation, both print and online.<br />
xv<br />
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evista da faculdade de direito milton campos<br />
fundada em junho de 1993<br />
Rua <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>, 202 – CEP 34000-000<br />
Nova Lima<br />
Normas Editoriais<br />
1. A Revista da Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> divulga trabalhos na área<br />
do Direito Empresarial. Também são divulgados trabalhos que versem sobre<br />
a interrelação entre o Direito Empresarial e os demais ramos do Direito e das<br />
áreas afins.<br />
2. Serão publicadas colaborações inéditas, dentro da linha editorial da revista.<br />
3. Os originais recebidos não serão devolvidos.<br />
4. O recebimento do artigo enviado à Revista não implica a obrigatoriedade de sua<br />
publicação.<br />
5. O Editor da Revista poderá reapresentar os originais ao autor para que os adapte<br />
às normas editoriais ou esclareça dúvidas porventura existentes.<br />
6. O original deverá ser digitado no programa editor Microsoft Word, com espaço<br />
1,5, Fonte Time News Roman, tamanho 12, parágrafo 1,25 e seqüenciais e enviado<br />
por e-mail como anexo, endereçado para revista@mcampos.br<br />
7. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores e podem<br />
não representar as idéias desta Instituição.<br />
8. Os artigos da revista podem ser reproduzidos, desde que citada a fonte.<br />
9. O artigo deverá conter título; autor; resumo e abstract, com no máximo 250<br />
palavras, palavras chaves e keywords; sumário; texto dividido em seções; conclusão;<br />
notas de referência; notas explicativas e referências.<br />
10. Citações de referência no corpo do texto e citações explicativas nas notas de<br />
rodapé.<br />
11. A referência citada deverá obedecer às normas da ABNT, observando-se, para<br />
as entradas, o critério (autor, ano, p.) ou numérico.<br />
12. As informações sobre titulação, email, cidade e estado do autor devem ser completas.<br />
13. Os artigos são selecionados por pareceristas anônimos, pelo sistema doubleblind<br />
peer review.<br />
14. Ao submeter o artigo, o autor cede à Revista da Faculdade de Direito <strong>Milton</strong><br />
<strong>Campos</strong>, a título gratuito, os direitos autorais a ele referentes.<br />
xvii<br />
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SUMÁRIO<br />
ARTIGOS<br />
Uma análise jurídica e econômica da empresa<br />
individual de responsabilidade limitada<br />
Alexandre Bueno Cateb<br />
Ângela Barbosa Franco..................................................................... 23<br />
A empresa individual de responsabilidade<br />
limitada – EIRELI – Lei 12.441/2011<br />
Aurea Moscatini................................................................................ 55<br />
My body for a vote? No, thank you<br />
Carlos Alberto Rohrmann<br />
Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong>.............................................. 83<br />
Divergências epistemológicas do Estado Liberal<br />
e do estado de bem estar social: contribuições<br />
para uma teoria geral do estado<br />
Carolina Leister<br />
J.R.N. Chiappin............................................................................... 105<br />
On technology neutral policies for e-identity:<br />
A critical reflection based on UK identity<br />
policy<br />
Edgar A. Whitley............................................................................ 137<br />
O princípio da boa-fé e a utilização retroativa<br />
da CPFM<br />
Elcio Fonseca Reis<br />
Elcio Reis........................................................................................ 169<br />
Negociação coletiva de trabalho como fundamento<br />
da liberdade sindical x poder normativo<br />
da justiça do trabalho: o modelo brasileiro<br />
Gilberto Stürmer............................................................................. 187<br />
xix<br />
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Moving towards a comprehensive legal framework<br />
for electronic identification as a<br />
trust service in the European Union<br />
Hans Graux..................................................................................... 201<br />
Da assembleia geral de credores no processo<br />
de recuperação judicial<br />
Jason Soares de Albergaria Neto<br />
Amanda Vilarino Espindola............................................................ 217<br />
A proteção do perfume pela propriedade intelectual:<br />
qual a melhor proteção para a<br />
fragrância do perfume – direito de autor,<br />
marca, trade dress, patente, ou segredo industrial?<br />
Jöly Ingrid<br />
Leonardo Machado Pontes.............................................................. 255<br />
A importância do serviço público de protesto<br />
de títulos para a recuperação de crédito<br />
no Brasil<br />
Maria Christina dos Santos<br />
Juliana Derviche Guelfi Dubiela..................................................... 285<br />
Materialidades discursivas e modelos processuais.<br />
Oralidade, escrita, informática.<br />
Ricardo Adriano Massara Brasileiro<br />
Marco Antônio Sousa Alves........................................................... 315<br />
Os novos paradigmas da arbitragem no<br />
âmbito societário: a extensão subjetiva<br />
da convenção arbitral<br />
Valesca Raizer Borges Moschen<br />
Agatha Brandão de Oliveira............................................................ 349<br />
Falência e Recuperação de Empresas:<br />
Acordo de credores na Assembleia Geral<br />
Vinícius Jose Marques Gontijo....................................................... 371<br />
xx<br />
Book 1.indb 20 27/4/2013 13:20:09
SUMMARY<br />
ARTICLES<br />
A legal and economic analysis about the<br />
limited liability individual entrepreneur<br />
Alexandre Bueno Cateb<br />
Ângela Barbosa Franco..................................................................... 23<br />
Individual company limited – EIRELI – Law<br />
12.441/2011<br />
Aurea Moscatini................................................................................ 55<br />
My body for a vote? No, thank you<br />
Carlos Alberto Rohrmann<br />
Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong>.............................................. 83<br />
Divergence of the Liberal State and epistemological<br />
status of social welfare: contributions<br />
to a general theory of the state<br />
Carolina Leister<br />
J.R.N. Chiappin............................................................................... 105<br />
The principle of good faith and the use of<br />
retroactive CLPC.<br />
Elcio Fonseca reis<br />
Elcio Reis........................................................................................ 137<br />
Políticas de tecnologia neutras para identidade<br />
eletrônica: Uma reflexão crítica comparada<br />
com o Reino Unido<br />
Edgar A. Whitley............................................................................ 169<br />
Collective bargaining labor union as the<br />
foundation of freedom x normative power<br />
of labor justice: the Brazilian model<br />
Gilberto Stürmer............................................................................. 187<br />
xxi<br />
Book 1.indb 21 27/4/2013 13:20:09
Rumo a um quadro legal abrangente para a<br />
identificação electrônica como um serviço<br />
de confiança na União Europeia<br />
Hans Graux..................................................................................... 201<br />
General meeting of creditors in case of<br />
bankruptcy<br />
Jason Soares de Albergaria Neto<br />
Amanda Vilarino Espindola............................................................ 217<br />
The protection of perfume by intellectual<br />
property: what’s the optmum protection to<br />
perfume’s frangancy – copyright, trademark,<br />
trade dress, patent, or trade secret?<br />
Jöly Ingrid<br />
Leonardo Machado Pontes.............................................................. 255<br />
The importance of public service in protest<br />
of securities for the recovery of credit in<br />
Brazil<br />
Maria Christina dos Santos<br />
Juliana Derviche Guelfi Dubiela..................................................... 285<br />
Materialidades discursivas e modelos processuais.<br />
Oralidade, escrita, informática.<br />
Ricardo Adriano Massara Brasileiro<br />
Marco Antônio Sousa Alves........................................................... 315<br />
Arbitration’s new paradigm in coporate law:<br />
the extension of the arbitration agreement<br />
Valesca Raizer Borges Moschen<br />
Agatha Brandão de Oliveira............................................................ 349<br />
Bankruptcy and Corporate Restructuring:<br />
Agreement creditors in the General Assembly<br />
Vinícius Jose Marques Gontijo....................................................... 371<br />
xxii<br />
Book 1.indb 22 27/4/2013 13:20:09
1<br />
Uma análise jurídica e econômica da empresa<br />
individual de responsabilidade limitada<br />
Recebido:8/5/2012<br />
Analisado: 27/9/2012<br />
Alexandre Bueno Cateb *<br />
Ângela Barbosa Franco **<br />
alexandre@cateb.com.br<br />
abfranco@ufv.br<br />
Sumário<br />
1. Introdução. 2. Uma análise jurídica da lei 12.441/11.<br />
3. Uma análise econômica da Lei 12.441/11. 3.1. Os<br />
custos de transação e a competitividade. 3.2. A institucionalização<br />
formal da responsabilidade limitada<br />
do empresário individual como meio propulsor do<br />
desenvolvimento econômico. 4. Conclusão. Referências.<br />
Resumo<br />
A EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada),<br />
instituída pela lei 12.441/11, representa um eficiente mecanismo para<br />
se atingir uma equivalência justa entre o tratamento jurídico dispensado<br />
ao ente individual e ao coletivo no âmbito empresarial. Ape-<br />
1<br />
*<br />
Professor do Programa de Mestrado da FDMC. Doutor em Direito Comercial pela<br />
UFMG. Advogado e professor auxiliar da Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>. É fundador<br />
e preside a Associação Mineira de Direito e Economia – AMDE.<br />
**<br />
Graduada em Direito. Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>.<br />
Advogada e professora da Escola de Estudos Superiores de Viçosa.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 23 -54 2012<br />
Book 1.indb 23 27/4/2013 13:20:09
Alexandre Bueno Cateb / Ângela Barbosa Franco<br />
sar do recente diploma legal conter algumas imperfeições, simplifica<br />
oportunamente a dinâmica do empresário individual que formaliza<br />
sua atividade como EIRELI e estimula o empreendedorismo dando<br />
efetividade ao princípio da preservação da empresa, preconizado pelo<br />
Estado Democrático de Direito. O reconhecimento legal da EIRELI<br />
é possível sem abalar a garantia dos credores e, sobretudo, sem burocratizar<br />
a vida dos pequenos empreendedores, reduzindo seus custos<br />
de transação, tornando-os mais competitivos no mercado global<br />
e, consequentemente, impulsionando o desenvolvimento econômico<br />
do país.<br />
Palavras-chave: EIRELI. lei 12.441/11. custos de transação. competitividade.<br />
1 Introdução<br />
A Lei 12.441 de 11 de julho de 2011, ao introduzir no Brasil a<br />
EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada), acresce<br />
no Código Civil o artigo 980-A 1 e traz mudanças substanciais para o<br />
ordenamento jurídico brasileiro.<br />
Antes da promulgação da legislação em comento, a pessoa natural<br />
que exerce empresa encontrava-se obrigatoriamente subordinada,<br />
como qualquer outro particular, à indivisibilidade de seus bens, ou<br />
seja, representava necessariamente um sujeito jurídico-privado titular<br />
de uma única riqueza. Sob essa ótica, o patrimônio pessoal e o patrimônio<br />
reservado à atividade econômica constituem uma unidade<br />
suscetível de afetação pelos credores de forma indiscriminada ante as<br />
obrigações contraídas e não adimplidas denominada responsabilidade<br />
“ilimitada”. Como é inerente da empresarialidade o risco, diante de<br />
um cenário de instabilidade econômica, em caso de crise ou infortúnios<br />
nos negócios, ter a totalidade do patrimônio comprometida para<br />
a satisfação das obrigações assumidas é o temor daqueles que se aventuram<br />
a desempenhar as atividades empresariais individualmente.<br />
Em vista disso, o empresário individual precisa recorrer a variadas<br />
estratégias a fim de alcançar maior equilíbrio ou segurança fi-<br />
1<br />
Também são frutos da lei 12.441/11 os acréscimos nos artigos 44, inciso VI e 1033, parágrafo<br />
único, do Código Civil (BRASIL, 2002).<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 24-54 2012<br />
Book 1.indb 24 27/4/2013 13:20:09
Uma análise jurídica e econômica da empresa individual...<br />
nanceira na realização de seus negócios jurídicos. Uma delas consiste<br />
na criação de sociedades fictícias com o apoio de sócios “laranjas”<br />
que, sem poderes de direção ou interesse na vida empresarial (affectio<br />
societatis), auxiliam apenas na constituição de uma “sociedade limitada”.<br />
Todavia, a formalização societária, ainda que o capital esteja<br />
integralizado e o patrimônio pessoal dos sócios preservados, prejudica<br />
o gerenciador da sociedade de faz-de-conta, que normalmente é<br />
dono de uma atividade simples, que se submete à realização de atos<br />
complexos para proceder à constituição, às alterações contratuais ou a<br />
outros procedimentos impostos por lei à forma societária.<br />
Outra saída para a pessoa física que exerce empresa se aliviar<br />
dos encargos da responsabilidade é assumir sua forma singular e repassar<br />
os custos de transação para os preços dos bens ou serviços ofertados<br />
à sociedade. Quando se tem uma responsabilidade ilimitada, o<br />
risco nas transações é maior e, por isso, o produto da atividade pode<br />
ficar mais oneroso já que o empresário precisa manter uma reserva<br />
para as imprevisibilidades do mercado não afetarem imediatamente<br />
seu patrimônio pessoal. Essa conduta é prejudicial para o consumidor,<br />
mas também para o empresário, afinal, o acréscimo do preço o faz<br />
perder para a concorrência e não lhe traz necessariamente lucros.<br />
O empresário individual também pode optar por uma tática que<br />
seja menos gravosa para seus clientes. Ele não equilibra a álea negocial<br />
aumentando os valores de seus produtos ou serviços, mas reduz o<br />
capital investido no empreendimento, por receio de não poder adimplir<br />
as obrigações pactuadas. Dessa forma, tenta se resguardar das<br />
intempéries do mercado, porém restringe sua atuação e lucratividade.<br />
A problematização acima exposta tem como hipótese que, em<br />
qualquer dos artifícios citados, a pessoa natural tem dificuldades ou<br />
algum prejuízo para gerir sua atividade econômica. Sob essa perspectiva,<br />
o presente trabalho pretende asseverar que a responsabilidade<br />
ilimitada do empresário individual acaba por comprometer seu empreendimento,<br />
pois minora sua competitividade em relação à concorrência<br />
global e encurta suas chances de sobrevivência no mercado.<br />
Insta salientar que nada impede o empresário de criar caminhos<br />
diversos dos citados para amenizar o comprometimento de seu patrimônio<br />
pessoal e familiar, contudo, isso se torna dispensável e menos<br />
exaustivo, com a inserção legal da EIRELI, pela Lei 12.441/11.<br />
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Alexandre Bueno Cateb / Ângela Barbosa Franco<br />
Ante ao exposto e com fulcro em uma investigação jurídica e<br />
econômica da novidade legislativa introduzida pela lei 12.441/11,<br />
também se objetiva enfatizar que a adoção da responsabilidade limitada<br />
ao empresário individual é necessária, viável e não precisava<br />
passar por complexas transformações de conceitos já consolidados<br />
pelo Direito Brasileiro, com a forçosa criação de uma pessoa jurídica<br />
como corolário para a consecução da limitação. Para isso, a pesquisa<br />
tem como marco teórico a tese da separação patrimonial, proposta por<br />
Oskar Pisko. Apesar da novidade legislativa equivocadamente personalizar<br />
o patrimônio destinado à empresa e fundar sobre a atividade<br />
empresarial uma pessoa jurídica, acredita-se o que o caráter teleológico<br />
da lei 12.441/11 é válido e eficaz para o empresário individual que<br />
constitui uma EIRELI.<br />
Ao se averiguar os tipos empresariais mais crescentes no Brasil,<br />
as firmas individuais se destacam e contribuem de forma significativa<br />
para o recolhimento de tributos, geração de empregos e circulação de<br />
riquezas. Tendo em vista serem estes os fatores impulsionadores da<br />
economia, a proposta científica do presente trabalho faz-se relevante,<br />
pois defende a responsabilidade limitada ao empresário individual,<br />
apesar da lei 12.441/11 conter pontos falhos e omissos que precisam<br />
ser sanados. Diante de uma perspectiva otimista, espera-se que o novo<br />
instrumento legal estimule o empreendedorismo e represente um mecanismo<br />
para se dar efetividade ao princípio da preservação da empresa,<br />
preconizado pela Constituição Federal de 1988 2 e valorizado<br />
em um Estado Democrático de Direito.<br />
De vertente jurídico-teórica, a metodologia deste estudo científico<br />
firma-se em um enfoque interdisciplinar, combinada com a utilização<br />
de fontes primárias e secundárias estriadas na legislação, nas<br />
doutrinas jurídicas e econômicas, assim como nas instruções normativas<br />
referentes à matéria.<br />
Por fim, procura-se comprovar que a nova lei, a despeito de<br />
não ser positivada da forma mais adequada, ou seja, “empresário in-<br />
2<br />
O artigo 179 da Constituição Federal de 1988 preceitua a concessão de um tratamento<br />
diferenciado às microempresas e às empresas de pequeno porte, com o objetivo de desburocratizar,<br />
ou seja, de facilitar suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias<br />
e creditícias (BRASIL, 1988).<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 26-54 2012<br />
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Uma análise jurídica e econômica da empresa individual...<br />
dividual de responsabilidade limitada”, com normas mais detalhadas<br />
sobre a inscrição, a constituição, a administração do capital e o ônus<br />
em casos de fraude, má-fé ou confusão patrimonial, atualmente é o<br />
mecanismo mais eficiente para se atingir uma equivalência justa entre<br />
o tratamento dispensado ao ente individual e ao coletivo empresarial.<br />
Mais importante do que discutir as imperfeições técnicas da redação<br />
gramatical da Lei 12.441/11 é procurar lhe dar real aplicabilidade<br />
quanto à responsabilidade limitada, a fim de preservar a garantia<br />
dos credores, sem burocratizar a vida dos pequenos empreendedores,<br />
reduzindo seus custos de transação, tornando-os competitivos no mercado<br />
global e, consequentemente, impulsionando o desenvolvimento<br />
econômico do país.<br />
2 Uma análise jurídica da lei 12.441/11<br />
De acordo com a lei 12.441/11, que inseriu o artigo 980-A no<br />
Código Civil, a EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada)<br />
constitui-se por uma única pessoa titular do capital que deve<br />
ser devidamente integralizado no ato da constituição da empresa e<br />
não pode ser inferior a 100 (cem) vezes o salário-mínimo vigente no<br />
País 3 .<br />
Primeiramente, acredita-se não ser necessário que a lei<br />
12.441/11 atribua uma personalidade jurídica específica à empresa<br />
individual. Segundo os preceitos da disciplina empresarial é incorreto<br />
dar tal prerrogativa àquilo que é juridicamente denominado como<br />
atividade e não um sujeito de direitos e obrigações. O empresário que<br />
desenvolve singularmente atividade econômica é um sujeito único,<br />
cuja capacidade de fato lhe dá poderes para o exercício pleno da atividade<br />
economicamente organizada. Por isso, não faz sentido personalizar<br />
o patrimônio destinado à empresa, fundando sobre ele uma<br />
pessoa jurídica, transformando a atividade da empresa em sujeito de<br />
direito 4 . O que ora se defende é bem mais simples que a ampliação do<br />
3<br />
Art. 980-A do Código Civil: “A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída<br />
por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado,<br />
que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País”<br />
(BRASIL, 2002).<br />
4<br />
A confusão entre as expressões empresa (atividade), empresário (sujeito de direito) e estabelecimento<br />
(conjunto de bens organizados) não é uma particularidade da Lei 12.441/11.<br />
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rol discriminador das pessoas jurídicas de direito privado, contido no<br />
artigo 44 do Código Civil.<br />
O empresário individual é sujeito único, podendo ser protagonista,<br />
ao mesmo tempo, de vários papéis no microcosmo jurídico, sem<br />
que isso provoque um desdobramento de sua personalidade jurídica.<br />
Permitir a limitação da responsabilidade patrimonial do empresário<br />
singular ao ativo da empresa representa apenas uma qualidade adstrita<br />
ao personagem que já possui personalidade jurídica.<br />
Oskar Pisko (apud MACHADO, 1956, p. 56) é referência doutrinária<br />
dessa interpretação. O autor, como um dos principais precursores<br />
do assunto, propõe a tese da separação patrimonial do empresário<br />
individual, sem a criação de uma pessoa jurídica como corolário<br />
da responsabilidade limitada. O doutrinador entende que o Direito<br />
não pode permitir que a lei dissimule, ou melhor, oculte a personalidade<br />
do interessado em uma pessoa jurídica. Para se separar o patrimônio<br />
destinado ao exercício da atividade empresarial do patrimônio<br />
pessoal do empresário individual, deve-se observar o fim para o qual<br />
se destina. Sob essa perspectiva, o projeto de Pisko baseia-se em dois<br />
fundamentos: a constituição de um patrimônio destinado a um fim<br />
empresarial sem personalidade jurídica e a proteção da fortuna da empresa<br />
devedora, que deve responder apenas pelos negócios adstritos<br />
Antônio Martins Filho, Edson Isfer e Trajano de Miranda Valverde, por exemplo, não se<br />
preocupam com tais conceitos ao sustentar a tese da responsabilidade limitada àqueles<br />
sujeitos que singularmente exercem atividade econômica. O primeiro doutrinador ressalta:<br />
“Por enquanto limitamo-nos a admitir que é possível o acolhimento da empresa individual<br />
de responsabilidade limitada, desde que lhe seja reconhecida personalidade jurídica,<br />
a igual do que ocorre em relação às sociedades comerciais. Nesta hipótese, comerciante<br />
será a empresa, que se personaliza juridicamente, em função da autonomia do patrimônio<br />
afetado ao giro comercial, ou em virtude da declaração da vontade manifestada no ato de<br />
constituição”(MARTINS FILHO, 1951, p. 302). Para Edson Isfer: “personificada a empresa,<br />
seus bens responderiam pelas obrigações assumidas. Consequentemente, os bens<br />
do titular não responderiam, já que, perante o direito, seriam bens de terceiros, pessoas<br />
distintas da pessoa da empresa. Formar-se-ia um patrimônio autônomo, de titularidade<br />
da empresa, responsável pelas obrigações por ela contraídas” (ISFER, 1996, p. 177). Segundo<br />
Trajano de Miranda Valverde: “convém, pois, que o direito positivo autorize, com<br />
as devidas cautelas, a pessoa natural ou jurídica, a criar estabelecimentos autônomos,<br />
separando, para este fim, de seu patrimônio, bens ou valores, com faculdade de limitar a<br />
sua responsabilidade até determinada soma”. Segundo o jurista, “nenhum inconveniente<br />
advirá em se adotar o estabelecimento autônomo de personalidade jurídica, como, aliás,<br />
ocorre com as fundações (...)” (apud MACHADO, 1956, p. 89-90).<br />
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Uma análise jurídica e econômica da empresa individual...<br />
à dinâmica empresarial, escapando as dívidas da vida privada do empresário<br />
individual.<br />
Bruscato (2005, p. 267), ao defender a separação patrimonial<br />
para a afetação das obrigações empresariais, sem a necessidade de<br />
personalização, também a considera um núcleo patrimonial a ser<br />
administrado para atender particularmente a dinâmica empresarial.<br />
Afirma que a separação patrimonial de bens do empresário individual<br />
deve ter regime especial de responsabilidade estabelecido por lei,<br />
quando destinado a determinado fim.<br />
Essa consideração esclarece bem os ideais de Pisko, mentor da<br />
segregação patrimonial do empresário singular, tendo como divisor<br />
de águas a finalidade empresarial. Assim, o empresário singular investe<br />
seus bens para realizar as atividades econômicas. Estes bens<br />
formam o ativo da empresa responsável unicamente pelas satisfações<br />
das dívidas dos negócios jurídicos empresariais. Dessa forma, os bens<br />
não destinados a tal atividade constituem-se em bens particulares resguardados<br />
da afetação relativa aos débitos empresariais. O empresário<br />
já é um sujeito de direito, por isso, bastava que a lei 12.441/11<br />
reconhecesse a limitação da responsabilidade ao que é destinado à<br />
atividade empresarial, sem a necessidade de criar uma equivocada<br />
personalidade jurídica para a empresa com a inserção do inciso IV no<br />
rol das pessoas jurídicas de direito privado previsto no artigo 44 do<br />
Código Civil.<br />
Outro ponto polêmico da Lei 12.441/11 é a omissão legislativa<br />
sobre qual tipo de pessoa (física ou jurídica) pode constituir uma EI-<br />
RELI, assim como qual tipo de atividade deve ser exercida (empresarial<br />
ou profissional).<br />
O projeto de lei n. 4.605/2009, texto primitivo da Lei 12.441/11,<br />
previa de forma expressa a possibilidade de uma pessoa natural ser<br />
titular do capital da empresa. Contudo, o projeto sofreu modificações<br />
e a redação da lei promulgada, ao mencionar que “a empresa individual<br />
de responsabilidade limitada será constituída por uma única<br />
pessoa titular da totalidade do capital social”, permite a criação da<br />
EIRELI tanto por pessoa natural como também por pessoas jurídicas.<br />
Na tentativa de elucidar a omissão legal, o Departamento Nacional de<br />
Registro do Comércio (DNRC) editou a Instrução Normativa DNRC<br />
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Alexandre Bueno Cateb / Ângela Barbosa Franco<br />
nº 117/2011 5 que admite, em seu item 1.2.11, apenas a constituição de<br />
EIRELI por pessoa física. Essa recomendação é seguida pelas Juntas<br />
Comerciais, mas pode ser rechaçada pela falta de legitimidade do<br />
DNRC para regulamentar a lei e também pela violação dos princípios<br />
constitucionais da legalidade e da autonomia da vontade afinal “ninguém<br />
é obrigado a fazer ou deixar de alguma coisa senão em virtude<br />
de lei” 6 . Pautados na falta de especificidade da lei, os cartórios de registro<br />
de títulos e documentos civis permitem a abertura de EIRELI,<br />
oficialmente denominada de EIRELI/Simples pela Receita Federal do<br />
Brasil, por pessoa jurídica e dá inclusive a possibilidade de uma EI-<br />
RELI simples ser titular de outra EIRELI simples.<br />
Ainda em relação à titularidade da EIRELI, o artigo 980-A, parágrafo<br />
2º, assevera que “a pessoa natural que constituir empresa individual<br />
de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma<br />
única empresa dessa modalidade”. Tal condição é cláusula obrigatória<br />
do ato constitutivo da empresa individual de responsabilidade limitada<br />
nas juntas comerciais, mas, paradoxalmente, diante de uma análise<br />
gramatical da lei, não se estende à pessoa jurídica que constitui uma<br />
EIRELI. Assim, uma pessoa jurídica pode instituir quantas EIRELI’s<br />
tiver interesse. Conforme observa Pinheiro (2011, p.15),<br />
Pode-se dizer que a possibilidade de que dada pessoa jurídica<br />
constitua, isoladamente, uma nova pessoa jurídica, sob a roupagem<br />
de EIRELI, equivale à autorização genérica para a instituição<br />
da subsidiária integral. Em outras palavras, a partir da vigência da<br />
Lei 12.441/2011, a subsidiária integral também pode ser constituída<br />
por qualquer espécie de pessoa jurídica, sendo que antes de tal<br />
marco somente as sociedades anônimas eram autorizadas a fazê-lo<br />
(arts. 251 e 252 da Lei 6.404/76).<br />
5<br />
O Departamento Nacional de Registro do Comércio publicou três Instruções Normativas<br />
na tentativa de elucidar e regulamentar a EIRELI: a Instrução Normativa nº 116/2011que<br />
dispõe sobre a formação do nome empresarial da EIRELI e sua respectiva proteção, a<br />
Instrução Normativa DNRC nº 117/2011 que aprova o Manual de Atos de Registro da<br />
Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e a Instrução Normativa nº 118/2011<br />
que dispõe sobre o processo de transformação de registro de empresário individual em<br />
sociedade empresária, contratual, ou em empresa individual de responsabilidade limitada<br />
e vice-versa. Contudo, apesar da falta legitimidade do DNRC para regulamentar a lei, as<br />
instruções são aplicadas e surtem relevantes efeitos na vida do empresário individual que<br />
formaliza a EIRELI<br />
6<br />
Art. 5, inciso II, da Constituição Federal de 1988.<br />
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Uma análise jurídica e econômica da empresa individual...<br />
Importante também ressaltar que a limitação legal não apresenta<br />
um empecilho direto para a pessoa natural estabelecer nova EIRE-<br />
LI. Ao instituir uma pessoa jurídica, esta pode compor outras pessoas<br />
jurídicas da mesma espécie,<br />
pois basta que a referida EIRELI, na condição de pessoa jurídica,<br />
institua quantas outras pessoas jurídicas da mesma espécie que entender<br />
ser conveniente, mas desde que sejam subsidiárias integrais<br />
daquela. Nessa hipótese, diga-se de passagem, poderá a primeira<br />
EIRELI atuar como holding das demais subsidiárias integrais (PI-<br />
NHEIRO, 2011, p. 16).<br />
No que cerne à atividade desempenhada pela EIRELI, nota-se<br />
que a lacuna existente no caput do artigo 980-A do Código Civil, sobre<br />
o objeto tolera a constituição da empresa individual por atividades<br />
empresariais ou profissionais em geral, inclusive por pessoas jurídicas<br />
que atuam na participação e administração de outras pessoas jurídicas<br />
como as holdings.<br />
Vale destacar que as interpretações comentadas acima sobre a<br />
pessoa titular e a atividade desempenhada tem impacto relevante para<br />
os empresários, pois a utilização da EIRELI permite a blindagem do<br />
patrimônio da pessoa jurídica, reduzindo seus custos, principalmente<br />
tributários, vez que a tributação de uma pessoa jurídica é inferior ao<br />
de uma pessoa física.<br />
Dando continuidade a uma análise crítica da redação do artigo<br />
980-A, caput, também se questiona o alto valor para se integralizar o<br />
capital, assim como a inconstitucionalidade da vinculação do capital<br />
ao salário mínimo e, por fim, a qual salário mínimo a lei alude (salário<br />
mínimo nacional ou regional).<br />
Quanto à exigência valor do capital ser, no mínimo, cem vezes o<br />
maior salário mínimo vigente no país, a princípio representa um exagero<br />
do legislador. A exacerbada quantia dificulta a abertura da EIRE-<br />
LI pelos pequenos empreendedores e, consequentemente, restringe o<br />
surgimento de novos empreendimentos formais no mercado 7 . Além<br />
do mais, dá ensejo ao empresário individual manter uma sociedade de<br />
7<br />
Nesse sentido, há um projeto de lei n. 2468/11, cuja proposta é reduzir o capital da EIRELI<br />
de cem para cinqüenta vezes o maior salário mínimo vigente no país (CÂMARA DOS<br />
DEPUTADOS, 2011).<br />
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Alexandre Bueno Cateb / Ângela Barbosa Franco<br />
faz-de-conta, já que os entes coletivos não são obrigados a integralizar<br />
um valor mínimo para compor o capital social de uma empresa.<br />
Por outro lado, o capital integralizado é o suporte econômico imediato<br />
que dá segurança às relações jurídicas, pois em caso de dívidas, os<br />
bens pessoais não são utilizados para o cumprimento das obrigações,<br />
cuja responsabilidade está limitada ao capital de, no mínimo, cem vezes<br />
o valor do salário mínimo nacional. Com amparo neste valor, os<br />
credores estão cientes do potencial patrimonial do empreendimento<br />
que irá lhes tutelar. Cabe então ao empresário a obrigação de velar<br />
pela autossuficiência do ativo empresarial para fazer frente às obrigações<br />
contraídas, garantindo a transparência dos patrimônios pessoal<br />
e empresarial a fim de impedir que os benefícios e as perdas de um<br />
repercutam no outro.<br />
A inconstitucionalidade da vinculação do capital ao salário mínimo<br />
é outra falha legislativa. A carta máxima veda, em seu artigo<br />
7º, inciso IV, que o salário mínimo sirva de vinculação para qualquer<br />
fim, mas, enquanto o Supremo Tribunal Federal não se pronunciar<br />
sobre a questão ou surgir nova lei para revogar a atual, mantém-se sua<br />
aplicabilidade.<br />
Por fim, o valor do capital da EIRELI parece estar vinculado ao<br />
salário mínimo nacional, já que o legislador afirma ser o “salário mínimo<br />
vigente no país”. Essa é a interpretação mais razoável tendo em<br />
vista que o salário mínimo é unificado e, por isso, o mesmo em todo o<br />
território nacional, dando assim um tratamento igualitário a todos os<br />
que pretendem constituir EIRELI, independente de diferenças vinculadas<br />
ao valor do salário mínimo de cada região.<br />
Não se pode deixar de asseverar que ao novo instituto em análise<br />
podem ser aplicadas subsidiariamente as normas das sociedades limitadas<br />
8 . E, por isso, aproveitam-se as regras sobre a responsabilidade<br />
do titular da pessoa jurídica, a responsabilidade dos administradores,<br />
as responsabilidades de cunho ambiental, previdenciário, tributário,<br />
falimentar, dentre outras (ALMADA, 2012, p. 04).<br />
Já que a EIRELI segue, naquilo em que for compatível, os ditames<br />
das sociedades limitadas, obviamente a ela também se aplica o<br />
instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Esse fenôme-<br />
8<br />
Artigo 980-A, §6, do Código Civil (BRASIL, 2002).<br />
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Uma análise jurídica e econômica da empresa individual...<br />
no apenas deve acontecer de acordo com os limites estabelecidos no<br />
artigo 50 do Código Civil. Ele não consiste na revogação sumária da<br />
autonomia patrimonial da sociedade ou na revogação da responsabilidade<br />
limitada do sócio. Sua utilização advém de situações excepcionais,<br />
quando comprovada a má-fé e a fraude do sócio de responsabilidade<br />
limitada. Assim, não é qualquer situação que pode ser atingida<br />
com a desconsideração da personalidade jurídica. Apenas aquele que<br />
agiu com má-fé ou fraude, desde que comprovado que sua atitude<br />
contribuiu para um efetivo prejuízo ao credor (nexo de causalidade),<br />
pode ter seu patrimônio pessoal atingido a favor de quem se aplica a<br />
teoria da desconsideração da personalidade jurídica.<br />
No que tange à EIRELI, as mesmas regras delineadas pelo artigo<br />
50 do Código Civil servem de escopo para se afetar os bens pessoais<br />
do empreendedor. Os riscos da contratação com uma sociedade<br />
são os mesmos da celebração de um negócio jurídico com um empresário<br />
singular, sendo possível a quebra da proteção quando o sistema<br />
da limitação da responsabilidade for abusivamente aproveitado pelo<br />
mesmo, mediante desvio da finalidade econômica ou confusão patrimonial<br />
9 . As possibilidades de fraude são comuns em qualquer tipo societário<br />
ou não-societário e, portanto, não servem como alicerce para<br />
criticar a dinâmica da EIRELI. Para que o ordenamento jurídico possa<br />
recepcionar esse instituto, com reflexos favoráveis na economia, a<br />
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica precisa se ater<br />
às situações excepcionais previstas na lei 10 e não de forma indiscriminada<br />
como vem ocorrendo principalmente na justiça especializada<br />
das relações trabalhistas.<br />
9<br />
A utilização, oneração ou alienação de bens próprios do estabelecimento para fins estranhos<br />
à atividade, a realização de entradas fictícias, a atribuição de remuneração de administração<br />
exorbitante, a distribuição de lucros indisponíveis, a movimentação de valores<br />
da reversa legal para fora dos casos permitidos em lei, dentre outros, são exemplos de<br />
desrespeito à segregação patrimonial que dão ensejo à desconsideração da personalidade<br />
jurídica.<br />
10<br />
Nesse sentido, têm-se os ensinamentos de Fábio Tokars (2009, p. 03): “Não adianta aprovar<br />
uma lei permitindo que uma sociedade limitada seja criada por apenas um sócio<br />
enquanto nossos tribunais não compreenderem e aplicarem o princípio da autonomia<br />
patrimonial aos sócios das sociedades limitadas em geral. Antes de debatermos a unipessoalidade<br />
originária em sociedades limitadas, devemos disseminar um conceito bem<br />
mais simples: o de sociedade limitada.”<br />
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Alexandre Bueno Cateb / Ângela Barbosa Franco<br />
Uma questão relevante é a ressalva feita pelo §3º do artigo 980-<br />
A do Código Civil. Este motiva o sócio remanescente a dar continuidade<br />
à atividade empresarial na forma de EIRELI, após a retirada<br />
ou exclusão dos sócios, sem o risco da dissolução da sociedade,<br />
conforme dispõe o artigo 1.033, parágrafo único, do mesmo diploma<br />
legal. Assim, a transformação na estrutura dos sujeitos que exercem a<br />
empresa, não prejudica quem individualmente pretende manter o empreendimento,<br />
desde que formalize sua vontade na Junta Comercial.<br />
Obviamente esta transformação não pode prejudicar os direitos dos<br />
credores que contrataram com a antiga forma empresarial.<br />
Não há dúvidas de que a principal vantagem ao se constituir<br />
uma EIRELI é o empresário poder usufruir de seu desejo de administrar<br />
sozinho sem precisar criar sociedades fictícias para se resguardar<br />
das benesses de uma responsabilidade limitada, tampouco inventar<br />
estratégias para resguardar seu patrimônio pessoal.<br />
A lei 12.441/11, ainda que comprometida por imperfeições e<br />
omissões em sua narrativa, tem aplicabilidade prática e incentiva a<br />
criação de novos empreendimentos, que não podem ser ignorados<br />
devidos aos seus proveitosos reflexos na economia e, consequentemente,<br />
no aumento de circulação de riquezas no país, cuja análise<br />
econômica expõe a seguir.<br />
3 Uma análise econômica da Lei 12.441/11<br />
Todo empresário vislumbra na dinâmica empresarial uma oportunidade<br />
para se enriquecer. A busca por lucro é, naturalmente, uma<br />
das principais características da atividade empresária que nem sempre<br />
se materializa. Circunstâncias alheias ou não à vontade do empresário<br />
podem impedir que seu empreendimento seja lucrativo em determinado<br />
ou determinados exercícios. Contudo, mesmo durante o exercício<br />
contábil negativo da empresa, a atividade não se descaracteriza como<br />
empresária, pois o que deve ser observado é intenção e não a efetiva<br />
obtenção de lucro (CATEB, 2009, p. 02).<br />
A pessoa natural que deseja se tornar empresária deve investigar<br />
qual é a forma mais rentável para alcançar um satisfatório retorno<br />
do seu investimento. Assim, antes da realização de um negócio jurídico,<br />
precisa considerar os custos embutidos nas transações, a fim<br />
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Uma análise jurídica e econômica da empresa individual...<br />
de planejar suas ações em busca de melhor e mais eficiente resultado<br />
econômico.<br />
Os custos de um negócio jurídico são afetados por preceitos legais,<br />
sociais, estruturais e governamentais que podem aumentar ou reduzir<br />
a capacidade competitiva entre as empresas. A competitividade<br />
é a grande responsável pelo surgimento de novos produtos e métodos<br />
de produção, bem como novas maneiras de comercializar, acarretando<br />
novos segmentos de mercado e o enriquecimento do país. Conforme<br />
preceitua Schumpeter (apud PORTER, 1993, p. 21), a competitividade<br />
é sempre dinâmica, pois “a eficiência estática num ponto do tempo<br />
é rapidamente superada por índices de progresso mais intensos”. No<br />
mundo globalizado, a capacidade competitiva das empresas está atrelada<br />
à inovação e ao domínio das mudanças tecnológicas.<br />
Nesse cenário complexo, em que a competitividade é o fator<br />
determinante para o sucesso do empreendimento, a lei 12.441/11 em<br />
muito contribui, pois o patrimônio particular do empresário individual<br />
que constitui EIRELI não precisa mais assegurar débitos contraídos<br />
na atuação da empresa, como obrigatoriamente ocorria antes do advento<br />
da lei. De acordo com Féres (2003, p. 176),<br />
(...) quando o empresário tem sua responsabilidade limitada, ou<br />
seja, quando ele tem controle de seus riscos, o produto de sua atividade<br />
torna-se menos oneroso ao mercado. As atividades de alto<br />
grau de risco demandam maior remuneração, o que repercute no<br />
elevado preço de produtos e serviços. Ademais, a limitação da responsabilidade<br />
concorre para que haja constantes investimentos em<br />
atividades econômicas, isto é, coopera para o progresso.<br />
A limitação da responsabilidade dos sujeitos que exercem atividades<br />
econômicas de risco atua no sentido da distribuição social<br />
desses mesmos riscos. Ao se esquivar juridicamente da responsabilidade<br />
ilimitada sobre seus débitos, o sujeito tem como demandar<br />
menor remuneração do seu capital, revertendo-se o fato em<br />
benefício de toda a coletividade.<br />
Sob essa perspectiva, entende-se que a responsabilidade ilimitada<br />
do empresário individual é norma cuja eficácia impede o desempenho<br />
eficiente da atividade econômica. Para Sztajn (2005, p. 74), a<br />
idéia de eficiência deve estar associada à idéia de eficácia, a despeito<br />
de apresentarem sentidos diversos. Enquanto a eficiência significa a<br />
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capacidade de se obter o melhor resultado ou rendimento ou produtividade,<br />
com a menor perda ou dispêndio de esforços, a eficácia é a<br />
aptidão para se produzir efeitos. O posicionamento da doutrinadora<br />
revela que a combinação do binômio eficácia/eficiência deve ser meta<br />
de qualquer sistema jurídico. Se uma norma não surte efeitos na vida<br />
social, não é eficaz e, portanto, também não é eficiente. Por outro lado,<br />
se a norma é eficaz, mas não é eficiente, pois gera reflexos negativos<br />
para a economia, a sociedade não pode deixar que ela tenha eficácia.<br />
Diante dessa problemática, busca-se nos fundamentos econômicos<br />
atinentes aos custos de transação e à competitividade subsídios<br />
para corroborar a necessidade de maior valorização do instituto jurídico<br />
concernente à EIRELI para que não seja contestada sua eficiência<br />
e eficácia, apesar da existência de alguns aspectos controversos da lei<br />
12.441/11.<br />
3.1 Os custos de transação e a competitividade<br />
Ronald Coase (2009, p. 15), ao analisar os custos das transações<br />
dentro das empresas e dentro das organizações em geral, ensina:<br />
Para que alguém realize uma transação, é necessário descobrir<br />
quem é a outra parte com a qual essa pessoa deseja negociar, informar<br />
às pessoas sobre sua disposição para negociar, bem como<br />
sobre as condições sob as quais deseja fazê-lo, conduzir as negociações<br />
em direção à barganha, formular o contrato, empreender<br />
meios de inspeção para se assegurar que os termos do contrato<br />
estão sendo cumpridos, e assim por diante. Tais operações são,<br />
geralmente, extremamente custosas (COASE, 2009, p. 15).<br />
Os custos de transação são os custos para se mensurar aquilo<br />
que é trocado por meio da execução dos contratos. Esses custos se<br />
subdividem basicamente em três componentes: informação, negociação<br />
e execução contratual. Nesse sentido, Pinheiro e Saddi (2005, p.<br />
62) esclarecem que os custos de transação consistem nos custos da<br />
atividade em busca de informação para efetivá-la na negociação, na<br />
realização e na formalização dos contratos, no monitoramento dos<br />
parceiros contratuais e na correta aplicação do contrato. Os custos<br />
de informações consistem na obtenção de conhecimentos necessários<br />
para se realizar a transação como os preços, a qualidade dos bens<br />
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Uma análise jurídica e econômica da empresa individual...<br />
e dos serviços, na identificação dos compradores e dos vendedores<br />
em potencial, ou em qualquer outra informação que seja importante<br />
para a efetiva satisfação do empreendedor. Os custos de negociação<br />
se referem ao processo de planejamento e execução da negociação.<br />
A realização e a formalização dos contratos revestem o ato de garantias<br />
legais, dando segurança jurídica às partes envolvidas quanto aos<br />
direitos de propriedade. Nessa dinâmica, o monitoramento das partes<br />
contratantes é imprescindível para se averiguar se estão obedecendo<br />
aos termos do contrato, ou se estão acarretando prejuízos quando falham<br />
em observar as obrigações contratuais. Por fim, a correta aplicação<br />
do contrato consiste na devida cobrança de indenização por<br />
prejuízos ou inadimplemento da parte responsável.<br />
Sob essa perspectiva, os custos de transação são os custos para se<br />
realizar um negócio jurídico no mercado. Estes não devem ser restritos<br />
aos fatores de produção ou aos bens e serviços em si, mas se vinculam<br />
à utilização dos mecanismos de produção e de trocas. Mais especificamente,<br />
os custos de transação são os custos incorridos pelos agentes,<br />
quando trocam direitos de propriedade por ativos econômicos.<br />
Segundo Zylbersztajn e Sztajn (2005, p. 85), os custos de transação<br />
“são afetados pelo sistema legal e por normas não-positivadas,<br />
que recaem sobre a alocação do direito de propriedade”. O direito de<br />
propriedade para o Direito e a Economia representa “um conjunto<br />
de direitos sobre um recurso, que o dono está livre para exercer e<br />
cujo exercício é protegido contra interferência por outros agentes”<br />
(MUELLER, 2005, p. 92). Dessa maneira, a idéia de propriedade está<br />
primeiramente vinculada à relação entre pessoas e secundariamente a<br />
uma coisa ou um bem. Esses direitos não são absolutos e dependem<br />
do empenho do proprietário para defendê-los. Assim, representam<br />
uma forma do indivíduo estabelecer autoridade para selecionar qualquer<br />
classe de uso não proibido a um bem particular. Normalmente,<br />
o direito de propriedade se desdobra em três: direito de usar um bem,<br />
direito de auferir renda de um bem e o direito de transferir direitos.<br />
Mueller (2005, p. 92) ressalta que, se esse conjunto de direitos não for<br />
seguro, desestimula investimentos e traz conseqüências no desempenho<br />
econômico.<br />
Ante essas considerações, depreende-se que a responsabilidade<br />
ilimitada do empresário individual é fator de insegurança para o em-<br />
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preendedor, uma vez que a propriedade dos seus bens particulares fica<br />
vulnerável à afetação por dívidas contraídas pela atividade econômica.<br />
Dessa forma, seus investimentos na empresa são mais cautelosos e<br />
de pequena monta, a fim de se evitar o risco de ver os bens particulares<br />
comprometidos. Além disso, esse fator pode implicar custos mais elevados<br />
na oferta de bens e serviços para o mercado, acarretando uma<br />
margem de lucro reduzida do empresário individual, principalmente<br />
se esta comparação transcender o microcosmo empresarial nacional<br />
(em que suas correntes são as sociedades limitadas e as anônimas)<br />
para ser encarada mediante uma concorrência global.<br />
Shumpeter (apud PORTER, 1993, p. 21) ensina que a capacidade<br />
competitiva das empresas encontra-se vinculada à inovação e à<br />
mudança tecnológica. As vantagens competitivas são criadas a partir<br />
de inovações, ou melhor, a partir da capacidade de se levar ao mercado<br />
formas inovadoras e eficazes para se realizar negócios jurídicos de<br />
forma diferenciada dos demais empreendimentos. Em sentido amplo,<br />
a competitividade consiste na capacidade de as empresas desenvolverem<br />
vantagens que lhes permitam enfrentar a concorrência, de forma<br />
duradoura e sustentável.<br />
Para que uma empresa sobreviva em um cenário econômico<br />
extremamente dinâmico, terá de se adaptar à criação de novas tecnologias<br />
e de novas abordagens na comercialização, assim como às<br />
mudanças na regulação governamental. Em um mundo globalizado,<br />
é fundamental que o empresário tenha o domínio do conhecimento<br />
científico e tecnológico para que sua atividade econômica seja competitiva.<br />
Porter (1993, p. 21-24) assevera que a competitividade não se<br />
baseia apenas em fatores reais. No mundo real, as condutas empresariais<br />
não se restringem à alocação racional de recursos, ou seja, à<br />
transferência passiva de recursos para pontos onde os rendimentos<br />
são possivelmente mais elevados. Existe a idéia de maximizar dentro<br />
de limites fixos, mas a questão principal é como as empresas, em<br />
resposta às mudanças na economia, aumentam seus lucros através da<br />
promoção de novos produtos e processos.<br />
Para Esteves Filho (1991, p. 08), a competitividade pode ser<br />
analisada sob duas vertentes. Uma averigua o desempenho expor-<br />
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Uma análise jurídica e econômica da empresa individual...<br />
tador e coeficientes de produção das empresas para se diagnosticar<br />
o poder de competição entre elas no mercado doméstico e internacional.<br />
A outra considera a competitividade como a capacidade de<br />
empresas concorrerem no mercado em longo prazo. Nesta, avalia-<br />
-se a capacidade de sobreviver, desenvolver, ampliar e conquistar<br />
novas posições competitivas. A primeira vertente se respalda em<br />
vantagens comparativas reais; e a segunda, em vantagens competitivas.<br />
Esteves Filho (1991, p. 07) também analisa a competitividade<br />
adstrita a um amplo conjunto de fatores internos e externos às empresas.<br />
Os internos consistem nas decisões estratégicas das empresas,<br />
em que se distinguem seus competidores, definem as políticas<br />
de investimento, de marketing, de qualidade, de produtividade dos<br />
recursos humanos, de gestão da produção, das relações com clientes<br />
e com fornecedores, dentre outros fatores. Os externos condicionam-se<br />
às políticas públicas. Nestes, estão vinculados fatores econômicos<br />
(como a política de preços, monetária, cambial e fiscal que<br />
definem as taxas de juros e de câmbio, de inflação e a oferta de<br />
crédito), fatores político-institucionais (como políticas de intervenção<br />
por meio das instituições de pesquisa, crédito, dentre outras),<br />
fatores regulatórios (como as políticas de proteção à propriedade<br />
industrial, de defesa da concorrência e proteção ao consumidor e<br />
preservação do meio ambiente), fatores infraestruturais (como a capacidade<br />
de armazenamento, transporte, energia, telecomunicações,<br />
sistemas portuários e serviços tecnológicos), fatores sociais (como a<br />
qualificação de mão-de-obra, política salarial e de seguridade social<br />
e grau de exigência de consumidores) e fatores internacionais (como<br />
as tendências do comércio mundial, fluxos de tecnologia, capitais<br />
e investimentos de risco, políticas de comércio exterior e acordos<br />
internacionais).<br />
Além dos fatores internos e externos, Coutinho e Ferraz (1994)<br />
destacam os fatores estruturais como aqueles que estão parcialmente<br />
fora da área de influência das empresas, mas que constituem os<br />
mais importantes condicionantes do desempenho competitivo entre<br />
as mesmas. Esses fatores consistem nas características dos mercados<br />
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consumidores 11 , na configuração da indústria em que a empresa atua 12<br />
e na política de concorrência 13 .<br />
A influência dos fatores externos, internos e estruturais faz com<br />
que as empresas estejam constantemente redirecionando seus rumos,<br />
por isso, o estudo da vantagem competitiva é resultante das inter-relações<br />
de fatores extremamente dinâmicos.<br />
De modo geral, as empresas que obtêm lideranças tecnológicas,<br />
associadas com economia de escala ou com alto grau de diferenciação<br />
de produtos, são aquelas de melhor desempenho competitivo. Essas<br />
características são resultantes dos efeitos interativos das condições da<br />
demanda do produto, das condições da oferta de fatores, da estrutura<br />
do mercado com a rivalidade entre as empresas, do desenvolvimento<br />
de indústrias correlatas e de apoio e das estratégias empresariais. A<br />
combinação desses quatro elementos, tomados como sistema, constitui<br />
o que Porter (1993, p. 88-89) denomina “diamante” de uma nação.<br />
Este modela o ambiente econômico no qual as empresas operam, promovendo<br />
ou impedindo a criação da vantagem competitiva.<br />
O primeiro elemento, as condições de demanda, refere-se às demandas<br />
internas e externas de produtos e, ou, de serviços produzidos<br />
por uma determinada indústria. É o principal determinante da orientação<br />
empresarial na formulação de seu programa de melhorias e inovações.<br />
A ação da demanda sobre o processo de criação das vantagens<br />
competitivas ocorre mediante a identificação e atendimento da composição<br />
dessa demanda, satisfazendo as necessidades do consumidor<br />
final, pelo empenho empresarial em conquistar parcelas crescentes<br />
do mercado, pela adequação da oferta ao padrão de crescimento do<br />
mercado e pelo domínio dos mecanismos pelos quais as preferências<br />
internacionais são internalizadas dos diferentes sistemas de produção<br />
domésticos.<br />
11<br />
Verificam-se as formas e os custos de comercialização predominantes, a oportunidade de<br />
acesso a mercados internacionais, a sofisticação e os demais requisitos impostos aos produtos.<br />
12<br />
Verificam-se o grau de verticalização e diversificação setorial, o atributo dos insumos, as<br />
escalas de operação, a origem e a direção do progresso técnico.<br />
13<br />
Refere-se às condutas e às estruturas empresariais, ao sistema fiscal-tributário incidente<br />
sobre as operações industriais, as práticas de importação e exportação e a propriedade<br />
dos meios de produção.<br />
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Uma análise jurídica e econômica da empresa individual...<br />
O segundo elemento, as condições de oferta de fatores, representa<br />
as possibilidades de satisfazer aos requerimentos de fatores e<br />
de insumos para competir em qualquer indústria, como o trabalho<br />
especializado, abundância, qualidade e acessibilidade dos recursos<br />
físicos, estoque de conhecimentos científicos, técnicos e de mercado,<br />
os recursos de capital e a disponibilidade, a qualidade e o tipo de infraestrutura.<br />
As indústrias correlatas e de apoio, como terceiro elemento,<br />
consistem naquelas que produzem suprimento de produtos intermediários<br />
que sejam internacionalmente competitivas. A presença dessas<br />
empresas favorece a criação de vantagens às demais empresas<br />
industriais como resultado de acesso eficiente e rápido aos insumos<br />
economicamente rentáveis. Por outro lado, as participações mútuas<br />
no desenvolvimento de tecnologias, melhoramento de processos, distribuição<br />
e comercialização podem propiciar o surgimento de novas<br />
indústrias competitivas.<br />
O quarto elemento, baseado na estrutura do mercado e na rivalidade<br />
das empresas, versa no contexto em que as firmas são criadas,<br />
organizadas, dirigidas e concorrentes entre si. De modo geral, os países<br />
tendem a ter êxito em indústrias cujas estruturas empresariais e as<br />
formas organizacionais são adequadas ao desenvolvimento de fontes<br />
de vantagens competitivas.<br />
Porter (1993, p. 143-148) ainda assevera que as vantagens competitivas<br />
são resultantes da combinação da inter-relação de vários elementos<br />
que também são influenciados por duas variáveis: o acaso e<br />
o governo. O acaso é um evento que está fora do poder de interveniência<br />
das empresas, mas geram reflexos em sua dinâmica como, por<br />
exemplo, os acontecimentos políticos, as guerras, as descontinuidades<br />
tecnológicas etc. O governo é uma variável que pode influenciar<br />
a ação dos quatro elementos citados, facilitando ou não a obtenção de<br />
vantagens competitivas pelas empresas.<br />
Dentro desse cenário complexo e dinâmico de competitividade,<br />
encontram-se os empresários individuais em condições desvantajosas<br />
perante as organizações nacionais e estrangeiras, considerando-se os<br />
reflexos que a responsabilidade ilimitada impõe aos fatores estruturais<br />
da empresa. Contudo, com a entrada em vigor da EIRELI essa<br />
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competitividade pode tomar novos e prósperos rumos na exploração<br />
de atividades econômicas pelos micro e pequenos empresários.<br />
3.2 A institucionalização formal da responsabilidade limitada<br />
do empresário individual como meio propulsor do<br />
desenvolvimento econômico<br />
Uma das razões para o empresário individual se camuflar na<br />
forma societária é poder limitar sua responsabilidade. Dessa maneira,<br />
as ações do empresário individual ficam mascaradas, em uma sociedade<br />
de “faz-de-conta”, composta por “sócios laranjas” que não exercem<br />
nenhum tipo de direção sobre o empreendimento, mas gozam<br />
da prerrogativa de incomunicabilidade do patrimônio pessoal para a<br />
afetação de dívidas contraídas pela sociedade.<br />
Mesmo existindo a possibilidade de se constituir sociedades fictícias,<br />
os dados publicados pelo Departamento Nacional de Registro<br />
demonstram que a forma jurídica empresarial mais adotada no Brasil<br />
é a do empresário individual 14 . Essas informações denotam que as<br />
sociedades simuladas existem, mas não são utilizadas como solução<br />
para a limitação da responsabilidade, pois a maioria dos empreendedores,<br />
mesmo antes do advento da EIRELI, preferia assumir sua formação<br />
real, enfrentando as intempéries da responsabilidade ilimitada.<br />
O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno<br />
Porte, Lei Complementar 123/2006, ao estabelecer normas gerais<br />
relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a esses empreendimentos,<br />
tem contribuído bastante para a formalização e a sobrevivência<br />
do empresário individual que, normalmente, possui uma receita<br />
bruta anual significativamente baixa em relação aos empreendimentos<br />
de vulto. Com a aprovação dessa lei, institui-se um regime especial<br />
unificado que contempla a maioria das microempresas e empresas<br />
de pequeno porte, em diferentes segmentos de atuação no mercado,<br />
14<br />
A pesquisa demonstra um quadro evolutivo da constituição de empresa por tipos jurídicos,<br />
referente ao período de 1985 a 2005. Nesse estudo estatístico, a firma individual<br />
alcança o patamar de 4.569.288, em um total de 8.915.890 dos tipos jurídicos formalizados.<br />
Em segundo lugar, aparece a sociedade limitada (4.300.257) e, em terceiro, as<br />
cooperativas (21.731) praticamente empatadas com as sociedades anônimas (20.080).<br />
Por último, têm-se os demais tipos jurídicos (4.534).<br />
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Uma análise jurídica e econômica da empresa individual...<br />
nominado “Simples Nacional”. O sistema Simples Nacional ou Super<br />
Simples implica facilitar a arrecadação de tributos, mediante documento<br />
único, reduzindo o custo financeiro das empresas beneficiadas<br />
com pessoal qualificado especializado em calcular tributo e preencher<br />
guias de pagamento. Nesse sentido, Santos (2009, p. 37) discorre:<br />
O cálculo e recolhimento de tributos é extremamente complexo,<br />
dado a enorme quantidade e variedade das guias de recolhimento<br />
específicas para cada tributo, que obrigatoriamente devem ser<br />
preenchidas e recolhidas mensalmente pelas empresas. O custo financeiro<br />
e o custo com pessoal qualificado que calcula o tributo e<br />
preenche a guia para pagamento é muito elevado, inviabilizando a<br />
atividade das pequenas pessoas jurídicas. Resultado disso é que as<br />
empresas acabam gastando muito dinheiro com os departamentos<br />
responsáveis pelo cálculo e pagamento das guias de recolhimento,<br />
dinheiro esse que poderia ser aplicado na produção ou melhoria de<br />
condições gerais do negócio e do emprego.<br />
A unificação das guias de recolhimento em uma só reflete na<br />
redução dos custos de transação, aumentando o potencial competitivo<br />
entre as empresas. Santos (2009, p. 37-38), ao fazer uma análise econômica<br />
dos efeitos da lei complementar, dispõe:<br />
(...) é uma forma, senão a melhor, de simplificação do recolhimento<br />
dos impostos e contribuições devidos. Melhor ainda seria simplificar<br />
e reduzir significativamente a carga tributária do sujeito<br />
passivo, propiciando melhor ambiente econômico e de concorrência<br />
entre as microempresas e as empresas de pequeno porte.<br />
Esse tratamento jurídico diferenciado é fruto do comando legal<br />
previsto no artigo 179 da Constituição Federal, cujo objetivo é incentivar<br />
a simplificação ou a redução ou a eliminação das obrigações<br />
administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias destinadas às<br />
microempresas e às empresas de pequeno porte.<br />
Acontece que, no atual cenário jurídico, a idéia de desburocratização<br />
da Constituição Federal de 1988 impõe ao empresário individual<br />
as mesmas obrigações cabíveis à sociedade empresária. O empresário<br />
individual tem de se inscrever no Cadastro Nacional de Pessoa<br />
Jurídica, assim como tem a obrigação de apresentar as demonstrações<br />
contábeis e de declarar o Imposto de Renda como pessoa jurídica de<br />
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forma distinta da que precisa declarar como pessoa física. Da mesma<br />
forma, caso se enquadre nas regras do Estatuto das microempresas<br />
e empresas de pequeno porte, não importa se sua caracterização se<br />
dá na qualidade de empresário individual, sociedade empresária ou<br />
simples, pois o procedimento é o igualitário para quaisquer dos tipos<br />
empresariais.<br />
A responsabilidade ilimitada do empresário individual se reflete<br />
nos custos de transação e na concorrência entre as demais sociedades<br />
prejudicando sua atividade econômica e afetando sua lucratividade e<br />
sobrevivência no mercado. A consolidação dessas conseqüências provoca<br />
significativa redução de oferta de postos de trabalho, de recolhimento<br />
dos tributos, de aprimoramento tecnológico, dentre outros,<br />
observando-se que o empresário individual representa, conforme já<br />
ressaltado, o tipo jurídico mais utilizado formalmente para o desenvolvimento<br />
das atividades econômicas organizadas. Sem dúvida, a<br />
responsabilidade ilimitada é um gravame que minimiza o bem-estar<br />
social reduzindo o potencial econômico do país. Como a efetividade<br />
das regras depende da configuração do ambiente em que estão inseridas,<br />
as normas empresariais que não atendem aos anseios sociais<br />
precisam sofrer mudanças institucionais.<br />
É por isso que, a Lei 12.441/11, apesar de suas imperfeições,<br />
não pode ser desprezada. Os agentes econômicos precisam agir coerentemente<br />
dentro das normas empresárias. A EIRELI representa<br />
uma instituição que incentiva a formalização de milhares de empreendedores<br />
na economia, tornando-os mais competitivos. No caso do<br />
empresário individual, seus recursos são escassos em comparação ao<br />
poder de barganha e de negociação das empresas de grande vulto.<br />
Dessa forma, se o objetivo do empresário individual é a maximização<br />
de tais recursos, a EIRELI é a melhor opção para que o empreendedor<br />
tenha o menor custo de transação na execução de seus contratos. A<br />
busca por informações, a negociação e a execução contratual, quando<br />
necessários para a realização de transações com transferência de direitos<br />
e de propriedade entre indivíduos, impõe custos. Nesses custos,<br />
é acrescido o risco vivenciado pelo empresário individual de ver seu<br />
patrimônio pessoal atingido por dívidas contraídas com sua atividade<br />
empresarial.<br />
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Sob essa perspectiva, a EIRELI é uma instituição que tem como<br />
permitir o crescimento e o desenvolvimento do mercado, pois limitam<br />
a responsabilidade do empresário individual. Para North (2003),<br />
Nenhum país consegue crescer de forma consistente por um longo<br />
período de tempo sem que antes desenvolva de forma sólida suas<br />
instituições. Quando uso a palavra instituição, refiro-me a uma<br />
legislação clara que garanta os direitos de propriedade e impeça<br />
que contratos virem pó da noite para o dia. Refiro-me ainda a um<br />
sistema judiciário eficaz, a agências regulatórias firmes e atuantes.<br />
Só assim, com instituições firmes, um país pode estar preparado<br />
para dar o salto qualitativo, mudar de patamar.<br />
As instituições legais interferem diretamente no comportamento<br />
dos agentes econômicos, pois são comandos de autoridade que impõe<br />
custos ou benefícios aos participantes de uma dada transação e que<br />
sofrem incentivos (positivos ou negativos) no processo de seu cumprimento.<br />
Nesse sentido, Zylberstajn e Sztajn (2005, p. 03) afirmam:<br />
O Direito, por sua vez, ao estabelecer regras de conduta que modelam<br />
as relações entre pessoas, deverá levar em conta os impactos<br />
econômicos que dela derivarão, os efeitos sobre a distribuição ou a<br />
alocação dos recursos e os incentivos que influenciam o comportamento<br />
dos agentes econômicos privados. Assim, o Direito influencia<br />
e é influenciado pela Economia, e as Organizações influenciam<br />
e são influenciadas pelo ambiente institucional.<br />
(...)<br />
As instituições, por seus efeitos sobre os custos de troca e produção,<br />
afetam decisivamente a performance econômica e, juntamente<br />
com a tecnologia empregada, elas, as instituições, determinam<br />
os custos de transação e transformação que formam os custos totais<br />
da atividade econômica em determinado ambiente.<br />
Segundo Douglass C. North (2003), as instituições e a competitividade<br />
são os principais fatores de desenvolvimento de um país,<br />
ficando em segundo plano as riquezas naturais, o clima favorável ou<br />
a agricultura. Obviamente que esses fatores secundários contribuem<br />
para o crescimento econômico do país, mas não são suficientes sem a<br />
presença de instituições eficazes. Para corroborar esse entendimento,<br />
North (2003) exemplifica o caso da Venezuela e de Israel:<br />
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Veja o caso da Venezuela. Nos últimos dez anos, passei longos períodos<br />
lá e cheguei à triste conclusão de que a presença do petróleo<br />
não apenas não foi suficiente para mudar a situação socioeconômica<br />
dos venezuelanos como inclusive inibiu o desenvolvimento de<br />
outros setores. Isso porque eles concentraram forças nessa única<br />
atividade e, para piorar o quadro, não detinham o respaldo de boas<br />
instituições para turbiná-la. No outro extremo, gosto de colocar Israel,<br />
um país de terra pobre, pouquíssimos recursos naturais, mas<br />
que conseguiu dar um salto graças a um conjunto de instituições<br />
eficientes, especialmente na área econômica. A questão palestina<br />
atrapalha e evidencia certo atraso no campo da política, mas, no<br />
todo, Israel ultrapassou – e muito – países de natureza bastante<br />
mais promissora tendo partido do mesmo patamar.<br />
Para o doutrinador, o governo precisa criar regras econômicas<br />
para garantir a estabilidade. O país necessita de instituições eficazes<br />
e eficientes que possibilitem o aumento da competitividade. Uma instituição<br />
estável pressupõe a existência de uma regra eficaz, ou seja,<br />
de regras que surtem efeitos na sociedade de forma eficiente. A eficiência<br />
decorre de regras que incentivam a competitividade entre as<br />
empresas, dando-lhes condição de enfrentar a concorrência, de forma<br />
duradoura e sustentável.<br />
Conforme mencionado, a competitividade força uma empresa a<br />
ser mais produtiva e a buscar soluções mais criativas. Em vista disso,<br />
é fundamental a existência de instituições que proporcionem a redução<br />
dos riscos da atividade econômica, como a limitação da responsabilidade<br />
dos empresários individuais com o objetivo de tornar suas<br />
atividades menos onerosas e mais competitivas.<br />
Obviamente, há custos de transação dos quais não é possível<br />
esquivar, assim como não é possível através do reconhecimento da<br />
responsabilidade limitada do empresário individual, solucionar sua<br />
hipossuficiência em relação aos empreendimentos de vulto com maior<br />
capacidade de competitividade. Contudo, a limitação da responsabilidade<br />
do empresário individual é uma forma de remediar um dos<br />
empecilhos presentes na dinâmica empresarial.<br />
North (2003) afirma que, quanto mais desenvolvido é um país,<br />
maiores são os custos de transação, pois entre eles estão os gastos<br />
com impostos, seguro e operações no sistema financeiro. Essas des-<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 46-54 2012<br />
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Uma análise jurídica e econômica da empresa individual...<br />
pesas fazem crescer o preço final dos produtos; em contrapartida,<br />
compensa-se esse ônus com o aumento da produtividade.<br />
Veja o caso dos Estados Unidos. Em 1870, os custos de transação<br />
representavam 25% do PIB americano. Um século mais tarde, a<br />
fatia era de 45%, quase o dobro. Hoje um país precisa ser bastante<br />
mais produtivo para compensar esse tipo de gasto e poder competir,<br />
coisa que os EUA conseguiram com sucesso. (NORTH, 2003)<br />
Diante de um cenário econômico globalizado, encontram-se os<br />
países em desenvolvimento que perdem na competitividade com as<br />
grandes potências, pois, além dos custos de transação normais de todo<br />
negócio jurídico, somam-se outros decorrentes de instituições frágeis<br />
como a da responsabilidade ilimitada do empresário individual.<br />
O ordenamento jurídico brasileiro precisa sofrer mudanças<br />
institucionais para poder evoluir. Permitir que os empresários individuais<br />
ingressem em um mundo de economia globalizada, cuja<br />
margem de lucro encontra-se cada vez mais restrita, sem adotar mecanismos<br />
que melhorem suas condições de competitividade é permitir o<br />
retrocesso econômico e a morte daqueles que apenas buscam na vida<br />
empresarial a dignidade de ter seu próprio negócio.<br />
Isso é plenamente possível e não requer complexas alterações<br />
de preceitos já consolidados no ordenamento jurídico. A responsabilidade<br />
ilimitada que se aplicava de forma imperativa ao empresário<br />
singular não tem fundamento lógico para se manter no ordenamento<br />
jurídico e implica transtornos imediatos em sua dinâmica. Por isso,<br />
entende-se que a tese da separação patrimonial 15 deve ser a ele aproveitada,<br />
desde que formalizada a condição de empresário individual<br />
no órgão competente e integralizado o capital destinado ao exercí-<br />
15<br />
Nesse sentido, tem-se como referência doutrinária Oskar Pisko (apud MACHADO,<br />
1956, p. 55-56), que sugere a segregação do patrimônio do empresário em duas fortunas.<br />
Uma delas representa a fortuna social destinada às atividades empresariais e à proteção<br />
dos credores; a outra é destinada aos interesses pessoais da pessoa física sem nenhuma<br />
relação com seu empreendimento. A segurança dos credores é garantida pela fortuna<br />
social, cuja responsabilidade atinge exclusivamente os negócios concernentes às finalidades<br />
da empresa, sem que possa ser afetada pelos azares da vida privada do comerciante.<br />
Segundo o doutrinador, para proceder a essa separação patrimonial, não é necessário<br />
recorrer à personalização do patrimônio destinado à empresa, pois esse procedimento não<br />
é corolário para se aplicar a responsabilidade limitada.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 47 -54 2012<br />
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Alexandre Bueno Cateb / Ângela Barbosa Franco<br />
cio da empresa. Dessa maneira, os bens que formam o ativo ficam<br />
responsáveis pela satisfação das dívidas dos negócios empresariais,<br />
resguardando-se os bens pessoais do sócio.<br />
O reconhecimento legal dessa prerrogativa não pode ser encarado<br />
como um mecanismo ensejador de fraudes. O uso abusivo da<br />
personalidade é fator que também pode ser concretizado em sociedades,<br />
pois não há como ser plenamente coibido. Caso configurado,<br />
a irregularidade do ato deve ser sanada com os mesmos efeitos da<br />
desconsideração da personalidade jurídica 16 aplicada aos sócios da<br />
sociedade, ou seja, a afetação dos bens pessoais que não possuam<br />
finalidade empresarial. Além do mais, não se pode simplesmente desaprovar<br />
uma fórmula legislativa, que atenda aos interesses de desenvolvimento<br />
econômico do país, partindo do pressuposto de que<br />
a má-fé é a conduta norteadora das ações humanas (HENTZ, 1996).<br />
Nada impede que uma pessoa física seja titular de dois patrimônios<br />
distintos, sem que isso implique confusão patrimonial ou necessária<br />
criação de um novo sujeito de direito, o que desnecessariamente<br />
fez a Lei 12.441/11 ao dar personalidade jurídica à empresa<br />
individual de responsabilidade limitada. Antes da lei em comento, o<br />
próprio legislador brasileiro já reconhecia a possibilidade da divisibilidade<br />
patrimonial ao permitir que o incapaz, mediante autorização<br />
judicial, exerça a empresa resguardando seus bens pessoais, estranhos<br />
ao acervo da atividade econômica e anteriores a sua atuação como<br />
empresário, da afetação de credores por dívidas contraídas por atos<br />
empresariais 17 . A mesma ideia se estende ao empresário casado que<br />
pode, sem necessidade de outorga conjugal, alienar os bens da empresa<br />
18 . Qualquer uma das situações desvela a existência de um patrimônio<br />
especial que não se mistura necessariamente com o patrimônio<br />
pessoal pelo simples fato de pertencer a uma mesma pessoa natural.<br />
A EIRELI estabelece regras para a integralização do capital<br />
dedicado à atividade econômica, tornando-o de certa forma intangível.<br />
Essa é uma maneira de se ampliar a garantia aos credores e<br />
16<br />
Art. 50 do Código Civil (BRASIL, 2002).<br />
17<br />
Art. 974, §2º do Código Civil (BRASIL, 2002).<br />
18<br />
Art. 978 do Código Civil (BRASIL, 2002).<br />
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Uma análise jurídica e econômica da empresa individual...<br />
desmitificar a suposta desvantagem da positivação da responsabilidade<br />
limitada para estes. Após a integralização do valor equivalente<br />
a cem salários mínimos, torna-se viável limitar a responsabilidade do<br />
empresário individual. Com esse procedimento, os credores do empresário<br />
ficam tutelados, pois a publicidade do registro lhes assegura<br />
ciência do potencial patrimonial do sujeito que estão contratando e<br />
passam a ter a prerrogativa de afetar toda a riqueza destinada à empresa.<br />
Além disso, torna-se possível saber quem, de fato, gerencia a<br />
atividade e responde por ela, evitando a busca por sócios “laranjas”<br />
que nem sequer atuam na sociedade, dando maior transparência às<br />
atividades da empresa. Por fim, os credores do empresário individual<br />
também deixam de concorrer diretamente com os credores das dívidas<br />
da pessoa natural.<br />
4 Conclusão<br />
A EIRELI, apesar de algumas imperfeições e omissões de seu<br />
texto legal, é um mecanismo eficiente para se trilhar uma equivalência<br />
justa entre o tratamento dispensado ao empresário individual e ao<br />
sócio das sociedades sob um prisma jurídico e econômico.<br />
Sob a ótica das teorias pertencentes ao ramo da economia,<br />
conclui-se que a norma atinente à responsabilidade ilimitada provoca<br />
complicações no comportamento estratégico do empresário individual,<br />
pois reflete nos custos de transação e na competitividade, afetando<br />
sua lucratividade e sobrevivência no mercado. A concretização dessas<br />
conseqüências também gera expressiva redução do potencial econômico<br />
do país, por ser considerável a participação do empresário individual<br />
na economia brasileira.<br />
As normas jurídicas precisam ser efetivas e eficazes no ambiente<br />
em que estão inseridas e essas qualidades se vislumbram na<br />
EIRELI. O ordenamento jurídico precisava sofrer uma mudança institucional,<br />
assegurando a limitação da responsabilidade para permitir<br />
que seu maior contingente de empreendedor possa ingressar em um<br />
mundo de economia globalizada, regido de forma equânime aos concorrentes.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 49 -54 2012<br />
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Alexandre Bueno Cateb / Ângela Barbosa Franco<br />
A legal and economic analysis about the limited<br />
liability individual entrepreneur<br />
Abstract<br />
The “limited liability individual entrepreneur” (EIRELI), instituted<br />
by the law 12.441/11, represents an efficient mechanism towards<br />
a fair equivalency of juridical treatments given to an individual<br />
and a multi-person enterprise in the business context. Despite some<br />
imperfections, this recent regulation simplifies the dynamics of the<br />
individual entrepreneur, who formalizes the activity as EIRELI, and<br />
it also stimulates businesses by guaranteeing the principle of business<br />
preservation, which is advocated by the Democratic Rule-of-Law<br />
State. This is possible without risking the creditors’ guarantees and<br />
increasing bureaucracy for small business owners, resulting in lower<br />
transaction costs, making them more competitive in a globalized market,<br />
and, thus, raising the potential for economic development.<br />
Keywords: EIRELI. Law 12.441/11. Transaction costs. Competitiveness.<br />
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REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 53 -54 2012<br />
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2<br />
A empresa individual de responsabilidade<br />
limitada – EIRELI – Lei 12.441/2011<br />
Recebido:22/5/2012<br />
Analisado: 20/9/2012<br />
Áurea Moscatini*<br />
UNISAL/Americana<br />
aureamoscatini@aasp.org.br<br />
Sumário<br />
1. Introdução. 2. Panorama Histórico. 3. O Risco<br />
como Elemento da Atividade Empresarial. 4. A<br />
Hierarquia e Interpretação das Leis. 5. Principais<br />
aspectos controvertidos da Lei sobre a Empresa Individual<br />
de Responsabilidade Limitada. 5.1. Eireli –<br />
Espécie de Sociedade Limitada ou de Pessoa Jurídica?<br />
5.2. Possibilidade de Pessoa Natural ou Jurídica<br />
como único Sócio. 5.3. A questão do Capital Social<br />
– 100 Salários Mínimos. 5.4. O Administrador. 5.5.<br />
A Discussão sobre o Veto. 5.6. A Possibilidade de<br />
Constituir-se com Objeto Civil. 6. Conclusão. Referências<br />
1<br />
*<br />
Advogada, Mestre em Direito pela Unimep, Doutoranda em Direito Comercial pela<br />
PUC/SP, professora de Direito Empresarial pela UNISAL/Americana e pela USF Itatiba<br />
e Campinas.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 55 -82 2012<br />
Book 1.indb 55 27/4/2013 13:20:11
Áurea Moscatini<br />
Resumo<br />
O presente estudo trata das principais características e aspectos<br />
controvertidos da Lei que instituiu a EIRELI (Lei 12.441/2011). Tal<br />
lei, nova em nosso ordenamento jurídico, busca uma alternativa para<br />
que a atividade empresarial possa ser exercida por uma só pessoa,<br />
com responsabilidade limitada, ou seja, sem haja invasão de seu patrimônio<br />
pessoal em caso de a empresa contrair dívidas. Dessa forma, o<br />
objetivo do presente trabalho é demonstrar qual o objetivo da referida<br />
Lei.<br />
Palavras-chave: Direito Empresarial. Sociedades. Eireli. Empresa<br />
Ltda. Empresa Individual.<br />
1 Introdução<br />
No presente estudo, o objetivo será demonstrar as principais<br />
características e aspectos controvertidos da Lei 12.441/2011, que trata<br />
da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, a<br />
qual, atendendo a anseios da sociedade empresarial, busca uma alternativa<br />
para que a atividade possa ser exercida por uma única pessoa,<br />
porém com responsabilidade limitada, sem a invasão no patrimônio<br />
pessoal por dívidas da pessoa jurídica.<br />
Importante destaque será demonstrar se esta nova figura realmente<br />
limita a responsabilidade de seu titular, bem como apontar as<br />
principais distorções já ocorridas em tão pequeno tempo de sua vigência<br />
e possíveis caminhos para solução dos conflitos existentes, até então<br />
não analisados, chamando a atenção para o fato de que o risco faz<br />
parte da atividade empresarial, seja ela que contorno assumir, mesmo<br />
com um sócio apenas, porém isso não é motivo para afastar os investimentos<br />
na área empresarial.<br />
A EIRELI ganha relevância num ambiente econômico propício,<br />
haja vista a crescente crise que afeta o mundo, diante dos cuidados<br />
que a atividade empresarial demanda e em especial face à existência<br />
de sociedades fictícias, que com o fim único e exclusivo de atender<br />
a um dispositivo legal acerca da pluralidade de sócios, acabaram por<br />
concentrar o poder e administração numa única pessoa, a fim de garantir<br />
da autonomia patrimonial, mas que na verdade este procedi-<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 56-82 2012<br />
Book 1.indb 56 27/4/2013 13:20:11
A empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...<br />
mento acaba sendo uma saída insegura e de fácil constatação para a<br />
quebra da inviolabilidade do patrimônio pessoal.<br />
O Brasil até o momento, somente conhecia dois mecanismos,<br />
o do Empresário Individual com a conseqüente confusão patrimonial<br />
e o do Direito Societário com a recepção da autonomia patrimonial,<br />
mecanismos esses que engessam a oportunidade de pequenos investidores,<br />
quando pretendem explorar a atividade empresarial.<br />
Neste sentido, existem várias questões que devem ser tratadas<br />
pelos operadores do Direito, em especial pelos nossos tribunais, pois<br />
as interpretações dadas pelos órgãos executores do registro desta nova<br />
modalidade já apresentam equívocos primários, o que poderá comprometer<br />
o sucesso do instituto, fazendo com que o mesmo não seja<br />
utilizado, deixando margem para a ineficácia da referida lei.<br />
A partir da pesquisa doutrinária e jurisprudencial, até mesmo no<br />
Direito Comparado, objetiva-se apresentar as soluções e controvérsias<br />
sobre o tema, trazendo para os operadores da área subsídios para<br />
a melhora em sua aplicação e adaptação às regras do mercado.<br />
A matéria, inicialmente, parece de simples compreensão, trazendo<br />
uma nova opção de estrutura para a atividade empresarial, porém<br />
sua interpretação e aplicação vêm trazendo entraves, os quais<br />
afastam o investidor, que continua optando pela constituição de sociedades<br />
limitadas, correndo os riscos já delineados acima.<br />
Assim sendo, a principal tarefa que se impõe é a de demonstrar,<br />
tecnicamente, qual é o principal objetivo do novo instituto, pois interpretações<br />
equivocadas podem transformar a lei em um motivo para<br />
manobras desastrosas.<br />
2 Panorama histórico<br />
Oportuno mencionar, artigo cientifico publicado por Samuel<br />
Menezes de Oliveira 1 , onde menciona dois importantes colaboradores<br />
para o projeto de lei, posteriormente concretizado na Lei ora em<br />
estudo.<br />
O primeiro que ele cita é Guilherme Duque Estrada de Moraes,<br />
que elaborou um artigo sobre a necessidade de uma lei que atribuís-<br />
1<br />
OLIVEIRA, Samuel Menezes. 2011, p. 92.<br />
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Book 1.indb 57 27/4/2013 13:20:11
Áurea Moscatini<br />
se ao empresário individual a responsabilidade limitada, e este, segundo<br />
o autor, foi embasamento teórico utilizado no projeto de lei nº<br />
4.605/2009. Guilherme Duque foi um dos defensores da modernização<br />
e desburocratização da administração pública, demonstrando que<br />
o Brasil, em relação a outros países, estava atrasado no tratamento do<br />
empresário individual, já que tal procedimento é adotado em países<br />
da Europa diante da XII Diretiva do Conselho da União Européia de<br />
1989, a qual regulamentou a sociedade limitada unipessoal.<br />
O segundo colaborador registrado no artigo do autor foi o professor<br />
Paulo Vilela Cardoso, que colaborou com o Deputado Federal<br />
Marcos Montes Cordeiro (DEM-MG), de quem partiu a iniciativa da<br />
lei, na apuração da análise das legislações estrangeiras que serviram<br />
de base para a formatação do instituto.<br />
Neste sentido, passar-se-á a estudar a atividade empresarial organizada<br />
da seguinte maneira: a) Empresário individual, com natureza<br />
de pessoa natural, com responsabilidade ilimitada ou pessoal sobre<br />
as obrigações da atividade; b) As sociedades empresárias, tratando-se<br />
de pessoas jurídicas de pluralidade de titulares, cujas responsabilidades<br />
se verificam a cada espécie (sociedade anônima, sociedade limitada,<br />
sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples<br />
e sociedade em comandita por ações); e c) A Empresa individual de<br />
responsabilidade limitada, pessoa jurídica com titularidade unipessoal,<br />
com responsabilidade limitada das obrigações da atividade ao<br />
patrimônio constituído 1 .<br />
Vale lembrar que desde há muito tempo, muitas iniciativas foram<br />
tomadas a fim de que esta modalidade de organização da atividade<br />
empresarial fosse inserida no ordenamento jurídico, como por exemplo<br />
quando da edição do Decreto 3.708/19, conforme verifica-se:<br />
Sugerimos, então, a congressista, uma emenda ao Dec. 3.708, de<br />
10 de janeiro de 1919, nos seguintes termos: art. 1º – Além das<br />
sociedades a que se referem os arts. 395, 311, 315 e 317 do Código<br />
Comercial, poderão constituir-se sociedades por cotas de responsabilidade<br />
limitada, integradas por uma ou mais pessoas.<br />
Trata-se de um acréscimo ao art. 1º da lei de sociedades por cotas,<br />
porque, a par de ser imprudente abandonar-se a construção doutrinária<br />
e jurisprudencial que em torno dela se edificou, todas as<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 58-82 2012<br />
Book 1.indb 58 27/4/2013 13:20:11
A empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...<br />
normas das sociedades limitadas devem ser, em princípio, aplicadas<br />
à sociedade unipessoal; todas as disposições compatíveis que<br />
se destinem a regular o Direito Mercantil, à proteção dos credores,<br />
à formação e à perenidade do capital social, às demonstrações financeiras,<br />
balanços, relatórios, aos usos de natureza negocial, as<br />
instruções normativas do Departamento Nacional de Registro do<br />
Comércio e, last but not last, os riquíssimos julgados das Juntas<br />
Comerciais. Enfim, a jurisprudência de nossos Tribunais, a analogia<br />
e os princípios gerais de direito.<br />
A sociedade unipessoal, por cotas de responsabilidade limitada,<br />
terá como órgão o sócio, gerente, com amplos poderes para outorgar<br />
o estatuto (ato institucional), alterá-los, poderes de gestãocontrole<br />
e, naturalmente, de representação ativa e passiva, seja na<br />
esfera do direito processual, seja na esfera do direito substancial. 2<br />
Assim, tantas foram as oportunidades em que juristas preocupados<br />
com a inserção desta estrutura fosse feita, a fim de que o pequeno<br />
investidor pudesse ter proteção quanto aos investimentos feitos, mas<br />
que por conta de inúmeras investidas do Fisco ou de órgãos ligados<br />
à proteção de direitos trabalhistas, não foi possível, pois passaram a<br />
distorcer o instituto por conta da pseudo defesa de garantia de seus<br />
respectivos credores. Todavia, em momento algum a intenção do legislador<br />
durante todas as iniciativas foi o estruturar qualquer subterfúgio<br />
com o objetivo de furtar-se ao cumprimento de obrigações, sejam<br />
elas fiscais ou trabalhistas, pois a própria lei dispõe acerca da quebra<br />
da autonomia patrimonial, não necessitando da interferência das outras<br />
áreas.<br />
3 O risco como elemento da atividade<br />
empresarial<br />
Importante salientar, que o risco faz, e sempre fará parte da atividade<br />
empresarial, mas a preocupação nessa nova forma de organização<br />
é a de limitá-lo a uma parcela do patrimônio do único sócio.<br />
Pode-se verificar que a vida econômica proporcionou o aparecimento<br />
de grupos exploradores da atividade empresarial organizados<br />
sob a forma de sociedade, sendo em grandes ou pequenas estruturas,<br />
2<br />
Revista de Direito Mercantil Industrial, econômico e financeiro, 1989, p. 43.<br />
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Áurea Moscatini<br />
como as sociedades anônimas e as limitadas, ao mesmo tempo em que<br />
também foi disciplinada a exploração da atividade empresarial por<br />
um único indivíduo, porém com o comprometimento de todo o seu<br />
patrimônio pessoal.<br />
O risco é presente e, sendo a organização composta por um único<br />
indivíduo, ele passa a ser total, envolvendo todo o patrimônio individual,<br />
porém diante desta nova figura, reabre-se uma porta para os<br />
pequenos investidores, a fim de atrair o capital e incentivar a abertura<br />
de pequenas atividades, que representam a mola propulsora do desenvolvimento<br />
econômico, em especial num país como o Brasil marcado<br />
por grandes contrastes econômicos.<br />
Verdade que alguns doutrinadores clássicos, como por exemplo,<br />
Waldemar Ferreira entende que a responsabilidade do investidor<br />
deve ser total, pois aquele que se atira para a atividade empresarial<br />
deve ter em mente que o negócio depende dele integralmente:<br />
[...] Pouco importa que se trate de pessoa natural ou de pessoa jurídica.<br />
De certo modo, pode-se dizer que todo o mundo responde<br />
limitadamente pelas dívidas que assume; e o limite dessa responsabilidade<br />
alcança os limites de sua força patrimonial. 3<br />
De forma um tanto quanto agressiva, tal posicionamento coloca<br />
aquele que é responsável pela atividade como o único responsável<br />
pelo processo produtivo atingindo toda a sua força patrimonial, porém<br />
é a atenção deve se voltar para o fato de que a empresa como<br />
atividade acaba por envolver todos os que participam deste processo<br />
de circulação de riquezas, pois a fonte produtora é uma só e quem se<br />
relaciona com ela é co-responsável, não podendo ser atribuída a responsabilidade<br />
única e exclusivamente a seu titular.<br />
Por conseguinte continua o referido autor daquela época, que<br />
aquele que é comerciante deve ser previdente e controlar os riscos,<br />
uma vez que o investimento encontra-se sob sua responsabilidade:<br />
Quem se obriga vincula todos os seus bens. Eis o princípio geral<br />
de direito... Quem, portanto, não queira obrigar todo o seu patrimônio<br />
pelas dívidas recorrentes de sua atividade mercantil ou<br />
industrial, que seja previdente. Destine e reserve, como chefe de<br />
3<br />
FERREIRA, 1951, p. 171.<br />
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A empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...<br />
família, um prédio para domicílio desta, com a cláusula de ficar<br />
isento de execução por dívidas, salvo as provenientes dos impostos<br />
relativos ao mesmo prédio. 4<br />
Em que pese tal posicionamento do referido autor clássico, tem-se<br />
que, atualmente, a sobrevivência da atividade empresarial depende de<br />
investimentos, distanciando-se do aspecto pessoal, pois não é mais<br />
importante ter determinada pessoa à frente do investimento, mas sim<br />
investimentos que mantêm a circulação de riquezas. O titular da atividade<br />
empresarial não pode ser o único a suportar os percalços, pois<br />
ele não é o único também a suportar os louros, já que todos usufruem<br />
do benefício da atividade empresarial, seja direta ou indiretamente,<br />
conforme lições de Asquini quando discorre sobre o perfil corporativo<br />
deixando evidente que a empresa é considerada como uma organização<br />
de pessoas ligadas entre si por várias relações individuais, mas<br />
que formam na verdade um núcleo social organizado para a obtenção<br />
do melhor resultado econômico 4 **** Rodape. Assim, o risco deve<br />
ser dividido para todos e não só para o empresário, que é apenas um<br />
dos componentes deste todo.<br />
Fábio Ulhoa Coelho esclarece que o risco é inerente à atividade<br />
econômica, mas não pode servir como escudo para que o empresário<br />
se furte a cumprir suas obrigações:<br />
A inerência do risco da empresa, esclareça-se, não pode servir de<br />
escusa para o empresário furtar-se à suas responsabilidades. [...]<br />
Este princípio embasa, também, o instituto da recuperação judicial.<br />
Sempre que um empresário lança mão deste recurso, é inevitável<br />
que seus credores e toda a coletividade suportem os respectivos<br />
custos. [...]<br />
Sendo o risco inerente a qualquer empreendimento, não se pode<br />
imputar exclusivamente ao empresário a responsabilidade pelas<br />
crises da empresa. 5<br />
A questão aqui diz respeito, portanto, em respeitar o princípio<br />
da autonomia patrimonial, segundo o qual os bens, direitos, obrigações<br />
da pessoa jurídica não se confundem com a de seus membros.<br />
4<br />
ASQUINI, 1943, p. 117.<br />
5<br />
COELHO, 2010, p. 56.<br />
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Áurea Moscatini<br />
Porém, até o momento, como já mencionado, o Direito Brasileiro dispunha<br />
apenas de dois mecanismos: a pluralidade de pessoas no Direito<br />
Societário, e o Empresário Individual, sendo que neste último, é<br />
evidente a confusão patrimonial advinda do próprio texto legislativo.<br />
Agora, com a EIRELI o princípio da autonomia patrimonial<br />
é de rigor, pois ele representa uma técnica de segregação de riscos,<br />
segundo Coelho, já que o investidor deve ser atraído, a fim de que<br />
permaneça gerando empregos e riquezas, conforme sua exposição: 6<br />
Como técnica de segregação de riscos, a autonomia patrimonial<br />
das sociedades empresárias é um dos mais importantes instrumentos<br />
de atração de investimentos na economia globalizada. Trata-se<br />
de expediente que, em última instância, aproveita toda a coletividade,<br />
como proteção do investimento. A segregação dos riscos<br />
motiva e atrai novos investimentos por poupar o investidor de<br />
perdas elevadas ou totais, em caso de insucesso da empresa. [...]<br />
Afinal, se o fato de empresa não prosperar e vir a experimentar<br />
perdas que acabem por levá-la à quebra, num determinado país,<br />
colocar em risco a totalidade do patrimônio do investidor (e não<br />
somente o que investiu no infeliz negócio), é provável que ele opte<br />
por direcionar seu capital para outro lugar. 6<br />
Mesmo sendo o risco inerente à atividade empresarial, o princípio<br />
da autonomia patrimonial representa a mola propulsora do crédito<br />
e da segurança nas relações econômicas, portanto o Direito deve<br />
buscar mecanismos para diminuir esse risco, e a EIRELI é vista como<br />
um deles, pois traz a oportunidade para que o pequeno investidor, individualmente,<br />
com poucos recursos se sinta atraído e seguro para se<br />
dedicar à atividade empresarial.<br />
4 A hierarquia e interpretação das leis<br />
Antes de qualquer análise acerca das principais contradições<br />
encontradas na aplicação da nova lei, faz-se necessário demonstrar as<br />
mais simples regras de interpretação e de aplicação das leis, a fim de<br />
facilitar o estudo que se fará a seguir.<br />
6<br />
COELHO, 2012, p. 80 e 82.<br />
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A empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...<br />
Quanto à hierarquia, é bem salutar lembrar que as leis ordinárias<br />
estão acima das Resoluções, o que se evidencia pelas lições de<br />
Maria Helena Diniz quando escreve a respeito da classificação das<br />
leis, discorre sobre os partidos políticos:<br />
São entidades integradas por pessoas com idéias comuns, tendo<br />
por finalidade conquistar o poder para a consecução de um programa.<br />
São associações civis, que visam assegurar, no interesse do<br />
regime democrático, a autenticidade do sistema representativo defender<br />
os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.<br />
Adquirem personalidade jurídica com o registro de seus estatutos<br />
mediante requerimento ao cartório competente do Registro Civil<br />
das Pessoas Jurídicas da capital federal e ao Tribunal Superior<br />
Eleitoral. 7<br />
No momento da aplicação, o intérprete deve atender as regras<br />
estabelecidas no próprio sistema, no caso a Lei de Introdução ao Ordenamento<br />
Jurídico, a qual estabelece as regras para que o ordenamento<br />
jurídico seja coerente.<br />
Portanto, diante do conflito de normas, a antinomia é aparente,<br />
sendo a resolução das contradições efetuada através dos critérios normativos,<br />
no caso, o hierárquico, cronológico e especial.<br />
Se existe antinomia no momento da aplicação, a solução está<br />
no próprio sistema elaborado pelo jurista, e os operadores do Direito<br />
devem interpretar, integrar e corrigir as normas, mantendo-se dentro<br />
das regras do próprio sistema, segundo Maria Helena Diniz:<br />
O magistrado tem, ao aplicar o direito, criando uma norma individual,<br />
autorização de interpretar, integrar e corrigir as normas,<br />
devendo, para tanto, manter-se dentro dos limites assinalados pelo<br />
direito, de maneira que o desenvolvimento do direito só poderia<br />
dar-se dentro dos marcos jurídicos. As decisões do juiz devem estar<br />
em consonância com o espírito do ordenamento jurídico, que é<br />
mais rico de conteúdo do que a disposição normativa, pois contém<br />
ideias jurídicas, critérios jurídicos e éticos, ideias jurídicas fáticas<br />
que não encontram expressão na norma do direito. Assim sendo,<br />
em caso de lacuna, por exemplo, a norma individual completante<br />
do sistema não é elaborada fora do sistema jurídico, pois o órgão<br />
7<br />
DINIZ, 2011, p. 54 e 77-78.<br />
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Áurea Moscatini<br />
juridicante terá, ao emiti-la, que se ater aos fatos, valores e normas<br />
que o integram. 8<br />
Assim, o critério hierárquico resolve facilmente a possível<br />
contradição existente entre a Lei que estabeleceu a EIRELI, Lei nº<br />
12.441/11, e a Resolução Normativa do DNRC, nº 117, de 22 de novembro<br />
de 2011, sendo que esta não poderá modificar aquela, pois a<br />
sua missão é a de integrar a Lei e não de modificá-la. Sua função é<br />
a de operacionalizar a aplicação da lei, que encontra-se hierarquicamente<br />
superior à mencionada Resolução.<br />
Por conta disso, não pode o intérprete valer-se de normas hierarquicamente<br />
inferiores, mesmo quando as mesmas representam a<br />
execução, mas se chocam com a lei superior.<br />
5 Principais aspectos controvertidos<br />
da Lei sobre a empresa individual de<br />
responsabilidade limitada<br />
A Lei entrou em vigência, e sua integração no ordenamento<br />
jurídico já apresenta aspectos controvertidos, que merecem análise<br />
detalhada, mas que evidentemente não esgotam o debate, reclamando<br />
maiores estudos e ponderações a esse respeito.<br />
Os tópicos seguintes devem ser vistos como um incentivo à pesquisa<br />
e ao debate, já que as vertentes estabelecidas até então, primeiro<br />
por desconhecimento e segundo por distorções ao texto legal, poderão<br />
afastar o investidor da opção por esta forma de organização da atividade<br />
empresarial.<br />
Evidentemente que mudanças sempre provocam incômodos por<br />
retirar as pessoas da zona de conforto com seus próprios conceitos e<br />
dogmas, mas em hipótese alguma podem se tornar âncoras para impedir<br />
qualquer mudança ou adaptação. Torna-se salutar lembrar, nesse<br />
instante, o clássico Mestre Carvalho de Mendonça, quando recebeu<br />
com pessimismo a nova Sociedade Limitada, figura esta absolutamente<br />
enraizada em nosso ordenamento e com absoluta receptividade<br />
até os dias de hoje:<br />
A admissão dessas sociedades romperia a tradição perturbaria o<br />
nosso sistema e não traria outras vantagens mais positivas além<br />
das que oferecem as sociedades anônimas e as comanditárias. [...]<br />
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A empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...<br />
Estas sociedades reúnem as economias particulares com o fim da<br />
restituição dos capitais. Mediante o recebimento de contribuições<br />
ou entradas periódicas ou de uma só entrada, elas obrigam-se a pagar<br />
a cada um dos aderentes certa quantia no fim de determinado<br />
tempo. Para conseguir esse resultado empregam, por sua conta, os<br />
capitais que aceitam, percebendo rendas ou juros mais ou menos<br />
elevados. 8<br />
Neste sentido, apenas por esta experiência de anos atrás, verifica-se<br />
que a ciência do Direito cresceu com o debate e aplicação a<br />
respeito da sociedade limitada, e este é exatamente o objetivo do presente<br />
estudo em relação à Empresa Individual de Responsabilidade<br />
Limitada, embora existam opositores enraizados em seus conceitos. E<br />
já em tão pouco período de vigência da Lei, a JUCESP (Junta Comercial<br />
do Estado de São Paulo), registrou, durante o primeiro trimestre<br />
deste ano, 2.087 EIRELIs, este número representa 4,29% do total de<br />
48.605 novas empresas criadas no período. Segundo a notícia, publicada<br />
em abril deste ano, no mês de março foram constituídas 2.774<br />
empresas do novo modelo em todo o Brasil. 9<br />
Mesmo com seus tropeços, a lei está ai e vem em boa hora, lei<br />
esta que já está em vigência há muitos anos na Europa e que também<br />
vem passando por transformações, especialmente com relação à crise<br />
que a assola neste momento, e que a cada instante surgem novos desafios,<br />
os quais no caso do Brasil, poderão ser utilizados como exemplo,<br />
a fim de que não sejam cometidos os mesmos erros ali experimentados.<br />
Essas considerações são necessárias para demonstrar que já surgiram<br />
interpretações absolutamente equivocadas, as quais deverão ser<br />
experimentadas e resolvidas quando da aplicação e desenvolvimento<br />
acerca da aplicação da referida Lei, o que provocou a reação de estudos<br />
de doutrina especializada, que evidentemente já vem produzindo<br />
ensinamentos salutares para tranqüilizar os incômodos gerados.<br />
5.1 EIRELI – Espécie de sociedade limitada ou de pessoa jurídica?<br />
A primeira discussão que surge é se a de que Empresa Individual<br />
de Responsabilidade Limitada é uma espécie nova de sociedade<br />
8<br />
MENDONÇA, 1933, p. 58.<br />
9<br />
Jornal Folha de São Paulo, 17/04/2012<br />
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limitada ou uma espécie de pessoa jurídica, por conta de que embora<br />
tenha sido inserida no rol do artigo 44 do Código Civil, a lei determina<br />
que serão aplicadas as regras da Sociedade Limitada, subsidiariamente.<br />
Em Portugal fica evidente que se trata de uma espécie de sociedade<br />
limitada, conforme se depreende da doutrina a seguir:<br />
A designação sugere logo que estamos em face de uma sociedade<br />
por quotas, que se apresenta com a característica adicional de ser<br />
unipessoal, mas que é uma sociedade por quotas.<br />
[...] Há na lei uma indicação muito nítida no sentido de que a sociedade<br />
unipessoal por quotas é uma espécie do gênero (tipo) sociedade<br />
por quotas; na verdade, o legislador regulou apenas as<br />
especialidades de regime de sociedades unipessoais e estabeleceu<br />
expressamente, no art. 270º-G, no mais (isto é, no não previsto em<br />
especial) vale o regime (geral) das sociedades por quotas. 10<br />
Isto porque a legislação portuguesa não alterou o rol de pessoas<br />
jurídicas, mantendo-o intacto, daí porque a única solução seja inserir<br />
o novo modelo como espécie da sociedade limitada, conforme segue:<br />
Por fim, assinale-se que o preceito em que se enumeram os tipos<br />
comerciais não foi alterado, nem quando da introdução da sociedade<br />
unipessoal por quotas nem nas reformas subsequentes do Código.<br />
O resultado é que continuam a ser enumerados como tipos<br />
societários mercantis disponíveis (e de adoção obrigatória sempre<br />
que se pretenda constituir uma sociedade cujo objetivo seja total<br />
ou parcialmente comercial) as sociedades em nome coletivo, em<br />
comandita simples e por ações, as anônimas e as por quotas – mas<br />
não também as sociedades unipessoais por quotas, que não foram<br />
aditadas ao n.º 2 do art. 1º, decerto por não serem propriamente<br />
um novo tipo. 12<br />
Ora, se não há um novo tipo, a mudança de uma sociedade por quotas<br />
pluripessoal para unipessoal ou desta para aquela não consiste numa<br />
real transformação, a qual supõe justamente a mudança de tipo.<br />
A última orientação constante é de se reconhecer como uma<br />
espécie de pessoa jurídica, tanto é bem claro o texto do artigo 44 do<br />
10<br />
SANTOS, 2009, p. 47-49.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 66-82 2012<br />
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A empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...<br />
Código Civil neste sentido ao incluir o inciso IV, bem como o Enunciado<br />
469 da V. Jornada de Direito Civil, realizada nos dias 8, 9 e 10<br />
de novembro de 2011, pelo Conselho Federal de Justiça. 11<br />
Entende-se que realmente trata-se de uma espécie de pessoa jurídica<br />
e não de sociedade limitada, vez que o mesmo tratamento deu o<br />
legislador quando inseriu a questão relacionada aos partidos políticos,<br />
recepcionando-os como uma espécie de pessoa jurídica.<br />
Neste particular, Diniz esclarece que aos partidos políticos será<br />
dado o tratamento das associações, mesmo eles estando no rol de pessoas<br />
jurídicas como forma distinta:<br />
As associações políticas, ou partidos políticos (CC, art. 44, V),<br />
que são entidades integradas PR pessoas com ideias comuns, tendo<br />
por finalidade conquistar o poder para a consecução de um programa.<br />
São associações civis, que visam assegurar, no interesse<br />
do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo<br />
e defender os direitos fundamentais definidos na Constituição<br />
Federal. Adquirem personalidade jurídica com o registro de seus<br />
estatutos mediante requerimento ao cartório competente do Registro<br />
Civil das Pessoas Jurídicas da capital federal e ao Tribunal<br />
Superior Eleitoral. 12<br />
Ainda sobre o tema, Venosa:<br />
A Lei nº 10.825, de 22 de dezembro de 2003, a qual, como já<br />
referimos, acrescentou dois incisos ao art. 44. Assim, além das associações,<br />
das sociedades e das fundações, o ordenamento conclui<br />
pela existência de duas outras pessoas jurídicas de direito privado:<br />
as organizações religiosas e os partidos políticos. 13<br />
Já Carlos Roberto Gonçalves classifica os partidos políticos<br />
como uma das espécies de pessoa jurídica distinta de todas as demais<br />
mencionadas no artigo 44 do Código Civil:<br />
Quanto aos partidos políticos, têm eles natureza própria. Seus fins<br />
são políticos, não se caracterizando pelo fim econômico ou não.<br />
11<br />
Enunciado 469 – Arts. 44 e 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada<br />
(EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado.<br />
12<br />
DINIZ, 2011, p. 286.<br />
13<br />
VENOSA, 2010, p. 270.<br />
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Áurea Moscatini<br />
Assim, não podem ser associações ou sociedades, nem fundações,<br />
porque não têm fim cultural, assistencial, moral ou religioso. Não<br />
obstante, o Enunciado 142 da III Jornada de Direito Civil retromencionada<br />
proclama: ‘Os partidos políticos, sindicatos e associações<br />
religiosas possuem natureza associativa, aplicando-se-lhes<br />
o Código Civil’. 14<br />
Por fim em que pese tais considerações, entende-se que a Empresa<br />
Individual de Responsabilidade Limitada seja uma nova forma de<br />
pessoa jurídica, onde devam ser aplicados os preceitos da sociedade<br />
limitada, conforme determinado pela própria lei. Aliás, neste discorda<br />
Fabio Ulhoa Coelho 15 que a considera como uma espécie de sociedade<br />
limitada e não uma nova espécie de pessoa jurídica<br />
Em que pese esses posicionamentos divergentes, entende-se<br />
seja a EIRELI modalidade de pessoa jurídica, pois os dispositivos<br />
acerca das Sociedades por Ações também são aplicados subsidiariamente<br />
à Sociedade Limitada, quando permitidos em cláusula específica<br />
constante do contrato social deste e nem por isso deixou a mesma<br />
de ser considerada uma espécie diferente, portanto perfeita a interpretação<br />
dada na última Jornada de Direito Civil de que a EIRELI é uma<br />
forma distinta de pessoa jurídica, ainda porque o texto legal é bem<br />
expresso a esse respeito.<br />
5.2 Possibilidade de pessoa natural ou jurídica como único sócio<br />
Na redação do Projeto de Lei nº 4.605/2009 que ensejou na publicação<br />
da Lei nº 12.441/11, constava expressamente que a Empresa<br />
Individual de Responsabilidade Limitada seria constituída por um<br />
único sócio, pessoa natural, que é o titular da totalidade do capital<br />
social e que somente poderá figurar numa única empresa dessa modalidade.<br />
Ocorre que o projeto sofreu algumas alterações em sua redação,<br />
valendo destacar que foi permitida a constituição de EIRELI por pessoa<br />
jurídica, ou seja, que esse direito não foi proibido. 16<br />
14<br />
GONÇALVES, 2012, p. 248-249.<br />
15<br />
COELHO, 2010, p. 409.<br />
16<br />
Artigo Portal da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Desenvolvido por<br />
eireli.com.ti<br />
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A empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...<br />
De acordo com o disposto na Lei nº 12.441/11, a qual deu nova<br />
redação ao artigo 980-A, a empresa individual será constituída por<br />
pessoa e, portanto, não faz qualquer distinção entre pessoa natural<br />
ou jurídica. Todavia, em face do disposto no §2º deu-se interpretação<br />
equivocada no sentido de que somente pessoa natural poderia ser sócio<br />
da EIRELI.<br />
Assim, a Instrução Normativa nº 117, do DNRC, de 22 de novembro<br />
de 2011, regulamentando a lei só permite que seja constituída<br />
por pessoas naturais 17 , e esta distorção fez com que o texto original da<br />
lei fosse desvirtuada.<br />
Art. 980-A – A empresa individual de responsabilidade limitada<br />
será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital<br />
social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100<br />
(cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. 18<br />
O caput do referido artigo, nos leva ao entendimento de que a<br />
EIRELI poderá constituir-se por qualquer pessoa, não fazendo qualquer<br />
menção à qualidade de pessoa física ou jurídica.<br />
Entretanto, a 5ª Jornada de Direito Civil, realizada entre os dias<br />
8 e 10 de novembro de 2011, cujos Enunciados já se tornaram referência<br />
no meio jurídico nacional, pronunciou-se da seguinte forma:<br />
“Enunciado 468 – Art. 980-A. A Empresa Individual de Responsabilidade<br />
Limitada só poderá ser constituída por pessoa natural.”<br />
Ocorre que, apesar do Enunciado supracitado, não existe qualquer<br />
empecilho para a constituição de EIRELI por pessoa jurídica,<br />
conforme assinala Ricardo Alberto Santos Costa em relação à legislação<br />
portuguesa:<br />
A redação final optou por uma espécie de ‘norma em branco’, através<br />
da qual se delegou nos estados-membros a faculdade genérica<br />
de introduzir nas suas legislações ‘disposições especiais ou sanções<br />
aplicáveis’ nas situações de constituição de uma sociedade<br />
unipessoal por uma pessoa singular, relativamente à possibilidade<br />
de a mesma pessoa ser sócia única de várias sociedades, e de uma<br />
outra sociedade unipessoal ou qualquer outra pessoa coletiva ser<br />
17<br />
Item 1.2.10 – “Pode ser titular de EIRELI a pessoa natural, desde que não haja impedimento<br />
legal.”<br />
18<br />
Código Civil – Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002.<br />
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Áurea Moscatini<br />
sócio único de uma sociedade. Foi uma óbvia mudança de política<br />
legislativa. Afastou-se o legislador comunitário da órbita de condicionamento<br />
dos critérios ‘desconfiados’ de introdução da unipessoalidade,<br />
e qualquer das suas manifestações, e aproximou-se<br />
do modelo germânico, como uma forma de organização da empresa<br />
que se abstrai do seu substrato associativo-pessoal, bem como<br />
da sua fundamentação jurídico-conceptual de base, aproveitável<br />
em toda a plenitude no âmbito dos grupos de empresa. 19<br />
Na verdade, a questão da personificação traz segurança para o<br />
seu titular e também para os credores, pois os riscos são separados da<br />
pessoa natural.<br />
Desta sorte, em que pese ser constituída sob uma forma ou outra,<br />
o que nos interessa é o objetivo da organização empresarial, qual<br />
seja o de reduzir os custos de transação, e permitindo-se a sua constituição<br />
tanto por uma pessoa jurídica, quanto pessoa natural tal objetivo<br />
é cumprido, pois o que interessa na verdade é a organização na<br />
forma societária e não individual.<br />
Neste sentido, Erasmo Valladão Azevedo:<br />
A visão contemporânea da perspectiva da Análise Econômica do<br />
Direito, parte da constatação da estreita interrelação entre essas<br />
duas áreas, que exercem entre si influencias recíprocas, sustentado<br />
que a função precípua do Direito, a par da solução de litígios,<br />
é induzir o comportamento dos agentes econômicos, criando um<br />
ambiente institucional propício à maior eficiência do mercado.<br />
E, no caso em foco, a possibilidade de estabelecer a autonomia<br />
patrimonial da empresa pela forma societária, organizando-a no<br />
moldes de uma sociedade unipessoal, incentivaria a pequena e média,<br />
bastando que instituísse uma disciplina jurídica moldada por<br />
regras estáveis e confiáveis, adequadas à realidade econômica de<br />
modo a induzir seu bom funcionamento. 20<br />
A intenção maior é fomentar os investimentos, buscando o crescimento<br />
da atividade empresarial, e respeitando as mesmas oportunidades<br />
para todos, em respeito ao princípio da autonomia.<br />
19<br />
COSTA, 2002. p. 36.<br />
20<br />
AZEVEDO, 2010, p. 504.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 70-82 2012<br />
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A empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...<br />
O referido artigo do Código Civil não leva ao entendimento de<br />
que somente à pessoa natural seria dado direito de constituir EIRELI<br />
sendo que não existe qualquer limite previsto no §2º do mesmo preceito,<br />
pois o que foi disciplinado refere-se à situação de constituição<br />
por pessoa natural, esta só poderá figurar em uma EIRELI, qual seja:<br />
“Art. 980-A § 2º A pessoa natural que constituir empresa individual<br />
de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única<br />
empresa dessa modalidade.”<br />
Vale esclarecer, inclusive, que na Espanha, por exemplo, esta figura<br />
é permitida também com patrimônio público, pois garante uma redução<br />
de custos de funcionamento no mercado, abrindo assim mais uma<br />
vertente para melhora a atividade econômica que agora encontra-se sob<br />
A esse respeito, Maria Belém Gonzalez Fernandes:<br />
Sin embargo, esse tratamiento especial genera para lãs sociedades<br />
unipersonales de titularidad pública uma reducción de costes de<br />
funcionamiento que lãs situa em El mercado, sin más motivación<br />
que la ofrecida por razones de mera oportunidad, en uma posición<br />
privilegiada frene a las sociedades unipersonales que se encuentran<br />
en manos privadas. 21<br />
E interessante é que, assumir este tipo de organização, a legislação<br />
Espanhola dispõe acerca de inúmeras facilidades e dispensa de<br />
formalidades exigidas para os outros tipos societários:<br />
Esta Disposición dispensa a lãs sociedades cuyo capital pertence<br />
aL Estado, lãs Comunidades Autónomas, lãs Corporaciones<br />
Locales o a organismos o entidades dependientes ed lós anteriores,<br />
de determinadas cargas y sanciones prevista en lós artículos<br />
126.2, 128.2 y 3, y 129 LSRL (indicación de La condición de unipersonal<br />
en documentos, facturas, anuncios, etc.; inoponibilidad,<br />
en detrminados casos, de lós contratos celebrados entre El sócio<br />
único y La sociedad; responsabilidad personal Del socio único<br />
respecto a las deudas sociales por falta de publicación de La unipersonalidad<br />
sobrevenida; etc.) y que si resultarán exigibles a las<br />
sociedades unipersonales constituidas por particulares. 20<br />
21<br />
FERNÁNDEZ, 2004, p. 129.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 71 -82 2012<br />
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Áurea Moscatini<br />
Tal expediente não ficou bem claro na legislação brasileira, que<br />
neste momento merece reflexão também para acirrar ainda mais o debate,<br />
pois até mesmo o patrimônio público pode ser objeto de EIRELI<br />
dispensando-se publicações de atas e demais formalidades, absolutamente<br />
dispensáveis para a legislação espanhola. Percebe-se, porém,<br />
que o Direito Comparado já há muito evoluído, além de não trazer<br />
qualquer empecilho para a constituição de pessoa natural ou jurídica,<br />
vai além, em estabelecer que a Empresa Individual de Responsabilidade<br />
Limitada pode ser constituída por patrimônio público, e ainda<br />
sem qualquer formalidade exagerada, diminuindo ainda mais os custos,<br />
agora quando o Estado se dedica à atividade econômica.<br />
No caso poderia ser utilizada esta modalidade por conta das<br />
empresas públicas, comumente constituídas com a integralidade do<br />
capital titularizado por um único Ente Público 22 , mas aplicando-se a<br />
simplicidade deste instituto, proporcionando a diminuição dos custos<br />
administrativos para tal.<br />
5.3 A questão do capital social – 100 salários mínimos<br />
Tema interessante diz respeito ao limite para a constituição do<br />
capital social da EIRELI, questão essa colocada dentro do Código Civil,<br />
e que não existe justificativa para tanto. Talvez, pudesse até colocar-se<br />
neste momento o limite de faturamento da Micro Empresa<br />
e da Empresa de Pequeno Porte, conforme disposto na Lei 9841/99,<br />
também como forma de permissão. Todavia, verifica-se que o limite<br />
diz respeito ao faturamento e aqui o limite diz respeito à constituição,<br />
sendo que do ponto de vista constitucional, merece lembrar o disposto<br />
no artigo 5º Inciso XVII, 23 colocar o da livre associação. Sendo assim,<br />
não pode existir qualquer empecilho para a constituição de sociedades.<br />
Todavia, algumas investidas já foram feitas junto ao Poder Judiciário,<br />
conforme vê-se:<br />
A Justiça Federal paulista negou pedido de liminar formulado por<br />
uma empresa de Consultoria Empresarial para que não lhe fosse<br />
22<br />
Art. 5º do Decreto-Lei nº 200/1967.<br />
23<br />
Art. 5º, inciso XVII, da Constituição Federal de 1988: “É plena a liberdade de associação<br />
para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar.”<br />
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A empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...<br />
exigido o capital mínimo de R$62,2 mil para a abertura de uma<br />
Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI). A<br />
decisão é do juiz José Carlos Motta, da 19ª Vara Cível. Ao decidir,<br />
o juiz declarou que o capital mínimo não impede a empresa de<br />
iniciar suas atividades, uma vez que a constituição na forma de<br />
empresa individual de responsabilidade limitada não é a única colocada<br />
a sua disposição. ‘A vinculação do capital social da empresa<br />
ao salário mínimo não afronta o ordenamento jurídico em vigor,<br />
porquanto a vedação constitucional busca tão somente impedir a<br />
sua utilização como indexador de prestações periódicas.<br />
Esse é o primeiro questionamento judicial sobre a EIRELI recebido<br />
pela Jucesp. Segundo José Constantino de Bastos Júnior, presidente<br />
da Jucesp, a exigência de capital mínimo não é novidade na<br />
legislação brasileira. ‘A Lei nº 6.019, de 1974, sobre trabalho temporário,<br />
por exemplo, exigem um capital mínimo de 550 salários<br />
mínimos da empresa que quiser explorar essa atividade.’ Afirma<br />
Constantino. 24<br />
No Brasil, tal exigência também foi questionada por meio de<br />
uma Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADIN 4637) no Supremo<br />
Tribunal Federal contra esse limite. O PPS (Partido Popular Socialista)<br />
ajuizou a Ação no STF contra a parte final do caput do art. 980-A<br />
do Código Civil, que exige o capital mínimo mencionado acima. A<br />
referida peça questiona a vinculação do capital ao salário mínimo,<br />
bem como a liberdade de iniciativa. 25<br />
O Estado pode limitar a liberdade empresarial, respeitando os<br />
princípios da legalidade, igualdade e proporcionalidade, ponderando<br />
os valores da livre iniciativa e da livre concorrência.<br />
Na verdade os argumentos, em sua maioria restringem-se ao<br />
fato de que a utilização do salário mínimo não deve ser feita quando<br />
para prestações periódicas e por conta de vencimentos percebidos, e<br />
que de certa maneira não está impedida a constituição da sociedade,<br />
em razão de que existem outras modelos disponíveis para o investidor.<br />
24<br />
Jornal Valor Econômico, 30/03/2012.<br />
25<br />
ADI 4637, Relator Min. Gilmar Mendes, STF, Distrito Federal, distribuição 12/08/2011<br />
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Áurea Moscatini<br />
O que a Constituição veda é a sua utilização como indexador de prestações<br />
periódicas, e não como parâmetro de indenizações ou condenações,<br />
de acordo com remansosa jurisprudência desta Suprema<br />
Corte. 26<br />
Lembra ainda que a Súmula Vinculante 4, do STF 27 , impede a<br />
utilização do salário mínimo como indexador de base de cálculo de<br />
vantagem de servidor público ou de empregado, ou sua substituição<br />
por decisão judicial, salvo nos casos previstos na Constituição.<br />
Ao que tudo indica, a vinculação ao salário não afetará a constitucionalidade<br />
da lei, mesmo porque se considerarmos a realizada<br />
brasileira, o valor limite é alto, e não afastará o pequeno investidor<br />
desta modalidade, com certeza.<br />
5.4 O administrador<br />
Como a EIRELI conta com sócio único, surge a indagação de<br />
que se não se concentrarem na mesma pessoa os poderes de deliberação<br />
e de gestão, como se estabelecerá a relação, a fim de evitar-se<br />
contratempos, no que tange à responsabilidade pelos atos praticados.<br />
Primeiramente, não existe qualquer problema em delegar-se a administração<br />
da EIRELI para terceiro estranho. Porém, seria interessante<br />
aderir-se ao exemplo da Espanha, segundo o qual, o ato constitutivo<br />
deve vedar o ingresso de terceiro não sócio na administração:<br />
Al no ser necesario, salvo que los estatutos sociales dispongan lo<br />
contrario q eu se trate de uma limitada nueva empresa (art. 139.3<br />
LSRL), ostentar La condición de sócio para ser nombrado administrador<br />
[...]. 28<br />
Outro ponto a ser considerado é que no Brasil somente pessoas<br />
naturais podem ser nomeadas como administradores. Muitas críticas<br />
26<br />
ADI 3934, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 27/05/2009,<br />
DJe-208 divulgaçao 05-1102009, publicação 06-11-2009, ementa vol-02381-02-<br />
PP-00374<br />
27<br />
STF Súmula Vinculante nº 4 - Sessão Plenária de 30/04/2008 – DJe nº 83/2008, p. 1, em<br />
9/5/2008 – DO de 9/5/2008, p. 1. Salário Mínimo – Indexador de Base de Cálculo de<br />
Vantagem de Servidor Público ou de Empregado. “Salvo nos casos previstos na constituição,<br />
o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem<br />
de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.”<br />
28<br />
FERNANDES,2004, p. 267.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 74-82 2012<br />
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A empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...<br />
já foram feitas a esse respeito, vez que não há qualquer justificativa<br />
para tanto, e diante de tal assertiva, e aplicação subsidiária da legislação<br />
sobre a sociedade limitada, também com a EIRELI não é permitida<br />
a administração por pessoa jurídica.<br />
Em relação ao administrador nomeado, exigem-se todos os requisitos,<br />
como o dever de diligência e de informação e que o mesmo<br />
não incorre em nenhum impedimento, conforme disposto na Lei<br />
8934/94, inciso II. Pode-se cogitar, inclusive, da possibilidade da administração<br />
ser atribuída a um órgão colegiado, conforme dispõe o<br />
artigo 1060 e seguintes do Código Civil, quando dispõe a respeito das<br />
sociedades Limitadas.<br />
Enfim, é bom destacar o fim social da empresa deve prevalecer<br />
como principal objetivo, tanto na hipótese de um único sócio<br />
administrá-la, quanto no caso de vários administradores. Isto porque<br />
a deliberação é única, podendo levar ao autoritarismo em relação à<br />
administração, e esta, por sua vez, poderá fugir das decisões do único<br />
sócio, buscando soluções individualistas, fugindo do objetivo principal,<br />
que é a manutenção da fonte produtora. Uma sugestão que deve<br />
ser estudada é a adoção da governança corporativa, como ditame a<br />
ser consagrado no ato constitutivo, a fim de evitar-se dissabores com<br />
interpretações equivocadas em possível embate jurídico, a fim de discutir-se<br />
a responsabilidade dos envolvidos em possível responsabilidade<br />
pessoal, o que evidentemente afetará o patrimônio pessoal, seja<br />
de administrador ou de sócio, quando apenas delibera, mas que passa<br />
a ser fato decisivo por conta do regresso estabelecido entre ambos.<br />
Uma boa alternativa do Direito Espanhol a esse respeito, é a<br />
possibilidade de determinar em ata, ou até em documento público, as<br />
decisões do sócio único, a fim de que os órgãos de administração se<br />
vinculem a ela ou mesmo para o fim de, posteriormente, se valerem<br />
do referido documento para se protegerem de eventuais responsabilidades.<br />
Neste particular, Maria Belén Ferndandéz:<br />
Algunos autores, sin diferenciar entre ambos términos, circurscriben<br />
La eficácia de La referencia final Del artículo 127 LSRL<br />
AL processo de elevación a instrumento público de lãs decisiones<br />
adoptadas por El sócio único para su posterior inscripción em El<br />
Registro mercantil (428). Ciertamente, esto sería lo más coherente<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 75 -82 2012<br />
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Áurea Moscatini<br />
com El próprio enunciado Del artículo y com El hecho que ambos<br />
términos Sean reproducidos em el artículo 108.1, 2º parágrafo<br />
RRM, cuando se hace referencia a lãs personas facultadas para<br />
elevar a instrumento público lãs decisiones Del sócio único. 29<br />
Mais uma vez, a colaboração do Direito Comparado é de grande<br />
valia para o nosso aprendizado e adaptação.<br />
5.5 A discussão sobre o veto<br />
Antes de adentrarmos à discussão propriamente sobre o veto do<br />
§4º do art. 980-A, do Código Civil 30 , cumpre citar o art. 50 do mesmo<br />
Diploma Legal, que contempla as hipóteses de desconsideração da<br />
personalidade jurídica:<br />
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado<br />
pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode<br />
o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público<br />
quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e<br />
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens<br />
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.<br />
A Presidente Dilma, vetou o §4º do art. 980-A por entender que<br />
cingir a responsabilidade pelas dívidas da empresa, apenas ao seu patrimônio<br />
poderia dar azo à interpretação de que as EIRELIs não estariam<br />
sujeitas às sanções previstas no art. 50, acima referido.<br />
Na Justiça do Trabalho prevalece o entendimento de ser a simples<br />
insuficiência de patrimônio para solver os débitos é causa bastante<br />
e suficiente para desconsiderar a personalidade jurídica.<br />
29<br />
FERNANDES, 2004, p. 275-276.<br />
30<br />
A Lei 12.441/2011 sofreu veto presidencial quanto ao §4º do art. 980-A, que teria a seguinte<br />
redação: “§4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas<br />
da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer<br />
situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua<br />
declaração anual de bens entregue ao órgão competente.” O veto teve as seguintes razões:<br />
“Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão ‘em qualquer situação’,<br />
que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração<br />
da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força<br />
do §6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive<br />
quanto à separação do patrimônio.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 76-82 2012<br />
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A empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...<br />
No entanto, será possível a atribuição de responsabilidade à pessoa<br />
natural titular da EIRELI, dada a sujeição legal às medidas excepcionais<br />
de desconsideração da personalidade jurídica, seja nos<br />
termos do art. 50 do Código Civil, sejam pelas demais previsões<br />
legais em situações especiais. 31<br />
Consagrou-se, portanto, a sonhada previsão de limitação de responsabilidade<br />
de atividade do empresário individual, diante da EI-<br />
RELI. Não sendo o caso de abuso de personalidade que justifique a<br />
desconsideração da personalidade jurídica, restringir-se-á à execução<br />
de crédito por credor da EIRELI somente ao esgotamento dos bens<br />
constantes do patrimônio empresarial, cabendo em caso de insolvência,<br />
o pedido de decretação de falência, em processo especial de concorrência<br />
de credores. 30<br />
Assim sendo, evidente que o veto não tem razão de ser, pois o<br />
texto do artigo 50 do Código Civil é mais que suficiente para autorizar<br />
a invasão no patrimônio pessoal dos sócios e dos administradores, o<br />
que na verdade vem ocorrendo é um desvirtuamento na aplicação do<br />
instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que infelizmente,<br />
acabou por extrapolar os limites da jurisprudência invadindo<br />
o Poder Legislativo.<br />
5.6 A possibilidade de constituir-se com objeto civil<br />
Outra questão que vem provocando um certo incômodo é a possibilidade<br />
da EIRELI ter como objeto atividade civil. Bem, os Cartórios<br />
de Registro Civil já estão operando normalmente o registro desta<br />
modalidade, sem qualquer problema de ordem prática, aliás, em aplicação<br />
bem mais salutar e simplificada que a própria Junta Comercial.<br />
Neste sentido, a colaboração da doutrina portuguesa:<br />
Mas pode também visar-se o exercício de atividades econômicas<br />
não comerciais – a agricultura tradicional, o artesanato e as profissões<br />
liberais. 32<br />
Mas, ao abrigo do art. 1º, nº 4, são também possíveis sociedades<br />
unipessoais por quotas com objecto não comercial -quer dizer: em<br />
31<br />
OLIVEIRA, In: Âmbito jurídico.<br />
32<br />
SANTOS, 2009, p. 44 e 46.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 77 -82 2012<br />
Book 1.indb 77 27/4/2013 13:20:12
Áurea Moscatini<br />
que as actividades que o sócio quer prosseguir são nãos comerciais<br />
(à luz do dito antes, as hipóteses são as de se pretender exercer<br />
a agricultura não empresarial, o artesanato ou profissões liberais<br />
puras.<br />
[...]<br />
Neste caso, teremos uma sociedade civil sob forma comercial que<br />
adoptou a forma unipessoal por quotas e que fica sujeita ao regime<br />
do Código das Sociedades Comerciais. 30<br />
No Brasil, a dúvida foi resolvida recentemente por nota da Coordenação<br />
Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal, esclarecendo<br />
que sociedades consideradas simples pelo Código Civil, que na prática<br />
são as formadas por autônomos ou profissionais liberais – como<br />
cabeleireiros, dentistas e contadores, também podem ser registradas<br />
em cartório, sendo que as demais continuam a ser abertas pelas Juntas<br />
Comerciais, quando a atividade for empresarial, de acordo com os<br />
ditames do artigo 966 do Código Civil.<br />
A Coordenação Geral de Tributação emitiu a nota em razão de<br />
um pedido de esclarecimentos do Instituto de Registro de Títulos e<br />
Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil (IRTDPJ Brasil) e da<br />
Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg Brasil). 33<br />
Também neste sentido a opinião de Jorge Lobo:<br />
Para adquirir personalidade jurídica, o estatuto deve ser registrado<br />
e arquivado no Registro Público de Empresas Mercantis, se a<br />
EIRELI se enquadrar na categoria de sociedade empresária, ou no<br />
Registro Civil das Pessoas Jurídicas, se se enquadrar na categoria<br />
de sociedade simples. 34<br />
A referida Nota da Cosit, pronunciou-se da seguinte forma, em<br />
seus itens 19 e 20:<br />
19. Portanto, tem-se que a Lei nº 12.441/11, não informa qual é o<br />
órgão competente para o registro de EIRELI, sendo que, pela legislação<br />
vigente, entende-se que a classificação é importante para<br />
essa definição, pois o empreendedor poderá optar pela modalidade<br />
33<br />
Jornal Valor Econômico, São Paulo, 10/01/2012, Laura Ignácio.<br />
34<br />
Jornal Valor Economico – Legislaçao e Tributos, 18/10/2011, Jorge Lobo, Finalmente as<br />
Empresas individuais.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 78-82 2012<br />
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A empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...<br />
que melhor atenda a seus critérios de atuação, observada a legislação<br />
pertinente.<br />
20. Destarte, embora não se trate de matéria de competência da<br />
RFB se manifestar acerca da competência de registro de nova figura<br />
jurídica, responde-se à consulente que, pelo exposto – em<br />
especial em função da indefinição da lei, pela referencia feita às<br />
regras previstas para sociedades limitadas e pela analogia ao que<br />
se tem hoje positivado relativamente ao registro de sociedade empresária<br />
e simples, ambas podendo ser de responsabilidade limitada<br />
-, infere-se que o registro de EIRELI poderá ser feito tanto no<br />
Registro das Empresas Mercantis pelas Juntas Comerciais, como<br />
no Registro Civil de Pessoas Jurídicas. 35<br />
Essa observação é importante, na medida em que os Cartórios<br />
de Registro de Títulos e Documentos de Pessoas Jurídicas também<br />
estão oferecendo a abertura de EIRELI.<br />
Portanto, as pessoas jurídicas com atividade não empresarial<br />
terão a possibilidade de constituir EIRELI perante os cartórios. Além<br />
das atividades profissionais em geral, aquelas pessoas jurídicas que<br />
atuam na participação e administração de outras pessoas jurídicas<br />
(conhecidas como holdings) poderão adotar essa nova modalidade<br />
de pessoa jurídica, uma vez que os Cartórios não vêm oferecendo<br />
qualquer entrave quanto à pessoa jurídica como única integrante da<br />
EIRELI. Há que se fazer um registro de ordem prática, que a tarefa de<br />
execução do registro pela ficou mais simplificada junto aos Cartórios<br />
que nas Juntas Comerciais.<br />
Sobre esse assunto, importante colocar a dúvida de como a<br />
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vai proceder com relação à<br />
possível adoção de EIRELI/Simples por parte dos advogados. É que<br />
a lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB) somente fala em sociedade<br />
de advogados, porém a princípio, não há nenhum impedimento legal<br />
para que os advogados adotem tal modalidade para exercerem suas<br />
atividades profissionais. 36<br />
35<br />
Nota Cosit nº 446, de 16 de dezembro de 2011.<br />
36<br />
Artigo Portal da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Desenvolvido por<br />
eireli.com.ti<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 79 -82 2012<br />
Book 1.indb 79 27/4/2013 13:20:12
Áurea Moscatini<br />
6 Conclusão<br />
Diante de tudo o que se discutiu no presente estudo, torna-se<br />
claro que a EIRELI representa uma nova espécie de pessoa jurídica,<br />
que subsidiariamente deve ser aplicada a legislação acerca da sociedade<br />
limitada.<br />
Conclusão se impõe de que tal organização somente poderá ter<br />
em seu quadro tanto pessoa natural quanto jurídica, vez que foi esta a<br />
intenção do legislador, observando que o contrário poderia desvirtuar<br />
o instituto, acarretando o desrespeito a princípios de ordem constitucional,<br />
como da Livre Iniciativa e da Isonomia.<br />
Outra questão abordada foi a do limite de cem salários mínimos<br />
para a constituição do capital social, teto este que alguns entendem<br />
que acaba por cercear, até que, indiretamente a vida do pequeno investidor<br />
para esta modalidade, porém em que pesem entendimentos<br />
em contrário, diante da realidade brasileira o teto estabelecido é até<br />
elevado, sendo que este motivo evidentemente, não afetará a adoção<br />
desta forma de organização.<br />
A administração pode ser delegada, no Brasil, apenas à pessoa<br />
natural, em razão da aplicação subsidiária da legislação que disciplina<br />
a sociedade limitada. Porém, observando a experiência de outros países,<br />
cogitou-se sobre a administração ser atribuída a pessoa jurídica e<br />
a órgãos colegiados com o cuidado de registrar as decisões do único<br />
sócio, a fim de se evitar abusos e autoritarismos, bem como garantir-se<br />
eventuais responsabilidades sobre o patrimônio pessoal, quando da prática<br />
de atos lesivos.<br />
No que se refere à aplicação da desconsideração da personalidade<br />
jurídica, para se permitir a invasão patrimonial, em possíveis<br />
litígios, diante da discussão estabelecida em torno do veto, a mesma é<br />
inócua, pois tal assertiva ocorreria diante do texto expresso do artigo<br />
50 do Código Civil, dispensando-se qualquer delonga a respeito. Por<br />
esta razão, absolutamente desnecessária qualquer colocação, sendo<br />
que o veto de certa maneira alimenta possível responsabilidade no<br />
patrimônio pessoal indistintamente.<br />
Por fim, não existe qualquer empecilho na legislação acerca da<br />
constituição da EIRELI para a exploração de objeto civil, tanto que<br />
os Cartórios de Registro Civil já estão com absoluta tranqüilidade<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 80-82 2012<br />
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A empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI...<br />
operando o registro, até mesmo quando o sócio é pessoa jurídica, em<br />
absoluta empreitada arrojada.<br />
O certo é que o novo instituto parece simples, mas já provoca<br />
distorções entre seus aplicadores e também traz conflitos com a Carta<br />
Magna, os quais merecem ser revistos com brevidade.<br />
Todavia, trata-se de uma opção interessantíssima para o investidor<br />
que concentra o capital em suas mãos, acabando com as chamadas<br />
sociedades fictícias, trazendo assim transparência para a exploração<br />
da atividade empresarial.<br />
Enfim, feita a exposição, merece elogio a iniciativa e aprovação<br />
da referida lei, que há muito tempo vem tentando ganhar espaço. Cabe<br />
a todos maiores estudos, mesmo porque as próprias exigências da prática<br />
moldarão o novo instituto, quando de sua aplicação e adaptação<br />
às regras do mercado.<br />
Individual company limited – EIRELI –<br />
Law 12.441/2011<br />
Abstract<br />
The present study addresses the key features and controversial<br />
aspects of the law establishing the EIRELI (Law 12.441/2011). This<br />
law, new in our legal system, seek an alternative to the business activity<br />
may be exerted by a single person with limited liability, ie, there<br />
is no invasion of their personal assets in case of company debt. Thus,<br />
the objective of this paper is to show what the purpose of that law.<br />
Key words: Business Law – Corporations – Eireli – Ltd – Company<br />
Individual.<br />
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REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 82-82 2012<br />
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3<br />
My body for a vote? No, thank you.<br />
Recebido: 21/5/2012<br />
Analisado: 31/7/2012<br />
Carlos Alberto Rohrmann*<br />
Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong>**<br />
Nova Lima/MG<br />
crohrmann@mcampos.br<br />
miriam.abreu.campos@gmail.com<br />
Sumário<br />
1. Introduction. 2. From modern law to post-modernity.<br />
2.1 Abelard and the role of Protestantism<br />
in shaping Modern Law. 2.2. Ius Commune and the<br />
role of Justinian codification in modernization of<br />
1<br />
*<br />
Carlos Alberto Rohrmann is Professor of Cyberlaw at Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />
(FDMC, Brazil) and holds a Doctorate in the Science of Law, J.S.D. (UC Berkeley, USA),<br />
an LL.M. (University of California at Los Angeles, USA) a Master of Commercial Law<br />
(UFMG, Brazil), a Bachelor of Laws (FDMC, Brazil) and a Bachelor of Computer Science<br />
(UFMG, Brazil). Professor Rohrmann is the academic director of the LL.M. Program of<br />
Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> – FDMC (Brazil), Dean of the <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> School<br />
of Administration and the Dean of the Post-Graduation Programs of FDMC. He is the<br />
author of Curso de Direito Virtual – “Course of Cyberlaw”, a book about cyberlaw in Brazil<br />
(Ed. Del Rey, 2005 and 2010) and he has written other legal articles about the subject. Prof.<br />
Rohrmann also serves as the secretary of the Minas Gerais Academy of Legal Science,<br />
where he holds the chair number 16 since 2006, and practices law in the state.<br />
**<br />
Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong> is a Professor of Civil Law and Professor of Consumer<br />
Law at Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> – FDMC (Brazil). Professor <strong>Campos</strong><br />
is a specialist in Civil Law and in Consumer Law in Brazil. Professor Miriam <strong>Campos</strong><br />
is fluent in German and lived and studied in Germany, Friedrich Alexander University in<br />
the city of Erlangen, during her doctoral research in the early nineties. Prof. Miriam de<br />
Abreu M. e <strong>Campos</strong> belongs to the law faculty of the post-graduation program of FDMC<br />
(master of laws) where she teaches and where has served as thesis advisor for many students,<br />
besides, she holds a Doctorate in the Science of Law from UFMG, Brazil.<br />
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Carlos Alberto Rohrmann / Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong><br />
the law. 2.3. Renée Descartes and modern law. 2.4<br />
Post-modernity and the role of protecting the trust<br />
in the interpretation of Law. 3. Right to vote or duty<br />
to vote in the electronic era? 3.1. Electronic voting<br />
machines: some pros and cons. 3.2. Biometrical<br />
data and the constitutional right to privacy. 3.3. Biometrical<br />
electronic voting machines: the next step<br />
towards security or too much trust in the system? 4.<br />
Conclusion. References<br />
Abstract<br />
Cyberspace has made it easier for private companies and for<br />
government agencies to collect, store and manage personal data.<br />
Customers are identified by their digitalized hand signatures that are<br />
stored in the computers of credit card companies; customers’ finger<br />
prints are also used by health insurance companies to identify their<br />
clients. Besides that, the electronic collection of biometric data has<br />
also increased over the last years as a practice used to identify citizens<br />
when crossing international boarders. This article discusses the practice<br />
of governments collecting and storing individual personal biometric<br />
data, such as fingerprints for voting. The text will present such<br />
practice as a phenomenon of the Post-modernity era that threatens<br />
fundamental rights such as the right to privacy. The article addresses<br />
the characteristics of post-modernity and presents the inherent risks of<br />
citizens being required to allow governments to store their biometric<br />
data as a threat to fundamental rights.<br />
Key-words: Biometrics. Personal biometric data. Law in the postmodernity.<br />
Electronic voting. Electronic voting machines.<br />
1 Introduction<br />
The collection of personal data has increased significantly with<br />
the development of the electronic age. Legal concerns about the collection,<br />
the storage and the electronic processing of data such as personal<br />
identification numbers, medical records and other sensitive data<br />
has been addressed by commentators and by legislation, such as by<br />
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My body for a vote? No, thank you<br />
the European Union Directive for the processing of personal data (Directive95/46/EC).<br />
With the development of scanning technology, a<br />
more elaborate form of collecting personal data has evolved to the<br />
collection of biometric data such as images of the face, digital impression<br />
of the fingerprints and even the digitalized detailed image of the<br />
eyes of a human being. As an example of such practice we identify the<br />
requirement that some countries such as the United States and Thailand<br />
for foreigners to take a digital picture or to leave their digitalized<br />
fingerprints when crossing the boarder.<br />
This article analyzes the legal effects of the collection of biometrical<br />
data of citizens by governments and the processing of such<br />
data as a requirement for the right to vote in a general election. This<br />
analysis will be made under the philosophical and historical perspective<br />
of the post-modernity era. Section two will address the Postmodernity<br />
era under a historical and a legal perspective. Section two<br />
will present the origins of the modern law and how it was shaped<br />
during the Renaissance in order to, afterwards, present some of the<br />
differences and the principles of Port-modernity law. After defining<br />
and reviewing the foundations of the post-modernity, the text will address<br />
the principle of trust as an important legal principle that will<br />
inform the legal regulation and the relationship between citizens and<br />
the government. Trust is a relevant principle that will conduct citizens<br />
to accept the electronic processing of their biometrical data by the<br />
government. Section three addresses the right to vote and the use of<br />
electronic voting machines. The text will analyze the advantages and<br />
the risks of adopting electronic voting machines in an election. Finally,<br />
the text presents an experience of biometrical data requirement<br />
for voting in an election and discusses the boundaries between trust<br />
and the risks of jeopardizing fundamental rights such as the right to<br />
privacy in an election.<br />
We conclude that the use of electronic technology is a wide<br />
trend of the post-modernity era. Personal data collection devices have<br />
evolved to small and relatively cheap instruments that are used in<br />
a daily basis by private companies and governmental agencies. The<br />
arguments of efficiency and security have been used to convince the<br />
average citizen to accept the fact that he or she has to agree in releasing<br />
his or her personal and biometrical data in common situations<br />
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Carlos Alberto Rohrmann / Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong><br />
such as scheduling a medical consultation or making a payment by<br />
card. The issue of how to balance the requirements of efficiency and<br />
security with the preservation of fundamental rights and trust is the<br />
most difficult especially in countries where democratic governments<br />
have not been solid for long periods of time.<br />
2 From modern law to post-modernity<br />
The concept of post-modernity is a difficult one. It makes it<br />
easier to understand what would be the post-modernity in view of the<br />
characteristics of the so called modern thought.<br />
The term “modernus” is an adjective accepted by the postclassical<br />
Latin, and which means “precisely current” (of manner = currently),<br />
it has been used in the Escolastic, from the thirteenth century<br />
on, to indicate the new Terminist logic, designed as modern via in<br />
face of the Aristotelian logic via antíqua. With the historic meaning<br />
that the word is currently used, it indicates the occidental history period<br />
that begins after the Renaissance, that is, from the seventeenth<br />
century, within the modern period, and yet it is distinguished from the<br />
expression “contemporary” that includes the last decades (see Abagnano,<br />
1988).<br />
The expression “modernus” was not a word created by the modernity,<br />
as its origins were from the fifth century (meaning the new,<br />
the Christian, in opposition to the old, to the pagan), as Habermas<br />
suggests, founding strong semantic reinsertion in each new historic<br />
age of Europe’s successive transformation periods, particularly during<br />
the Renaissance. Although being a curious etymologic detail, the<br />
expression gains vulgar use, being very much used and even well accepted<br />
to design the new, the recent, the innovative, the advanced, the<br />
current, the unknown, as necessary reference for the opposition to the<br />
past, ancient (see Abagnano, 1988)<br />
Back to a little more remote past it is necessary to determine<br />
precisely the moment of most lucidity, in which the man looking into<br />
itself, has perceived to be another one besides that body, another one<br />
that could think leaving behind the religion ties, which strangle the<br />
soul and the rationality.<br />
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My body for a vote? No, thank you<br />
The progress of the societies is evidenced jointly with the consciences<br />
continuity. Consciences innovations even more than the institutions,<br />
prepared the evolution that was to come in the future centuries.<br />
It is still evident, to test the society’s spiritual evolution, the fact<br />
that at this time, several “Treaties of the Conscience”, which impose<br />
conscience exams, conscience awareness, making possible to nominate<br />
the twelfth century as the Renaissance century that sweeps the<br />
several corners of Europe, this new Renaissance presenting a new<br />
mentality that is noted by a man called Abelard.<br />
2.1 Abelard and the role of Protestantism in shaping Modern Law<br />
Abelard stands out among the wisest men of that time, due to<br />
the observations expressed in his writings, coined with wit and originality,<br />
with deep reflection on man’s feelings and conscience with the<br />
conduct adopted by the canons, the regulars, in the Retaken of the<br />
Rule (and of the Saint Augustine spirituality).<br />
Estevan de Tournai, around 1160, would describe joyfully the<br />
proliferation of sacramental forms, being interesting to evidence in<br />
his writings the fact that what is not usual annoys, and in case it deals<br />
of the amount of new words that had appeared, cause of great trouble<br />
for some. “Roberto de Melun”, who died in 1167, protested against<br />
the detestabilis quaedam verborum novitas (certain obnoxious words<br />
innovation), that is an example of this position taken peremptorily<br />
against the innovation, the fear of the innovation; even though as the<br />
mere creation of new words (see Chenu, 2006).<br />
Abelard discovered the subject, and with this a new man appears.<br />
In his doctrine, moral of the intention, our actions value and<br />
the judgment they invoke before God and before the men, are determined<br />
not radically by the objects, good or evil themselves, involved<br />
by these actions – a robbery, a murder, a carnal act -, but by the internal<br />
consent (consensus intentio) we have given them. It is not the<br />
fact of killing, which is itself a sin, but the unfair previous consent to<br />
the assassination. It is the will to accomplish the forbidden act that<br />
constitutes the evil, even if this will is prevented from effective accomplishment<br />
(see Chenu, Marie-Dominique. (2006), O Despertar da<br />
Consciência na Civilização Medieval, translation of Juvenal Savian<br />
Filho, São Paulo: Ed. Loyola, p. 20).<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 87 -104 2012<br />
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Carlos Alberto Rohrmann / Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong><br />
In his ethics, Abelard multiplies examples to distinguish vice<br />
and sin. The consequences of Abelard’s position produce a subversive<br />
shock that undermines through the basis the existing moral and<br />
penitential discipline. “The penitence sacrament practice implies the<br />
conscience of the committed acts, and, then, the contrition, double requirement<br />
of subjective interiority.” In Abelard’s doctrine, contrition<br />
is a factor from where emerges essential effects, such as the immediate<br />
release from sin, reducing the absolution role, which becomes<br />
declaratory, which threatens even the power of the keys, that is, the<br />
forgiveness from the sins founded in the sacerdotal authority, society<br />
objective factor (see Chenu, Marie-Dominique(2006).<br />
Saint Bernard in the Concilio de Sens (1140) would denounce<br />
this as one of Abelard’s heresies because God’s internal forgiveness is<br />
not provoked by the priest during the confession, even though this is<br />
so much necessary. Forgiveness turns up since the moment when man<br />
cries his sin and loves his God, asserts Pedro Lombardo, going on with<br />
Abelard’s contrition theology (in the sentences IV d. XVIII C. IV).<br />
The Ancien Regime dealt with great amounts of juridical sources.<br />
The abstract notion of the “Subject of Right” was not known then<br />
(see Archives de Philosophie Du Droit, Tome 34 (1989). “Le sujet<br />
de droit publié avec le concours du C.N.R.S.”, Editions Sirey, Paris,<br />
France). Protestantism was an important contribution to the study of<br />
Law, as in the different cultures where it was spread, it shaped different<br />
notions of the “Subject of Right” in the Scandinavian or Prussian<br />
Lutheranism, in the Anglo-Saxon Puritanism or among the Vaudois in<br />
the Piemont, and in each of these a different relation of the right with<br />
the politics will always be found.<br />
The Law historians should not ignore the religious dissention<br />
in the sixteenth century due to the consequences it generated for the<br />
Law. With the religious divergence, from the sixteenth century on<br />
the occidental world was divided into Catholic nations (Italy, Spain,<br />
France) and Protestant countries, Lutherans (Germany and Scandinavia)<br />
or Calvinists (Netherlands, Switzerland, part of the Reno valley,<br />
Scotland, part of the United States).<br />
As much as in the manner of conceiving the Right as the moral<br />
ethics of the Protestant doctrine, from Luther to Calvin, that in the<br />
following centuries would deeply pervade the modern world, which is<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 88 -104 2012<br />
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My body for a vote? No, thank you<br />
said in a general manner, without taking into consideration its ramifications<br />
into different groups and frequently intransigent among themselves,<br />
it is a movement that may be expressed as “the first social revolution<br />
in the modern world” (see Comparato, Fábio Konder.(2006)).<br />
Luther, founder and chief of the Lutheran Confession, based the<br />
Reform material principle on the “Justification through Faith”: “Man<br />
is not saved by the works, by the merit of his moral conduct, he is only<br />
justified, in Saint Paul’s words, “by the Faith, the trust in Christ, and<br />
only by the latter’s merit.”” Luther is deeply disinterested in the Law,<br />
and in this point he comes near to the “philosophical trends of the<br />
modern juridical”, whose great names Hobbes, Locke, Hume or Kant,<br />
only show a marginal interest in the study of Law (see Comparato,<br />
Fábio Konder. (2006).<br />
The new conception of the Law inherently defended by Luther<br />
will take him far away from the classic theory of natural law. Some<br />
characteristics of the conception of law by Luther are as follows:<br />
a) The purpose of Law is reduced to a transitory and purely<br />
instrumental objective, the sinners’ repression. The Law is conceived<br />
in its repressive form, upon the aspect of the Penal Law; it abolishes<br />
the private justice, the “suum cuique tribuere” (to each his own – to<br />
attribute to each one his fair part as the purpose of the Law). The<br />
only values taken into account are the Salvation ones. From Justice<br />
its eternal value is taken away. Luther turns to the moral value and to<br />
the politics: “it is not in vain that the prince holds the power, being the<br />
Minister of God, in charge of the punishment to those who practice<br />
the evil.” from the Epistle to the Romans text.<br />
b) Reduction of the Law to a repression technique on behalf of<br />
the order, and the rupture between the Law and the Justice is going<br />
to influence the whole Theory of the Law, as said Villey (Villey, Michel.<br />
(2005) A formação do pensamento jurídico moderno, São Paulo:<br />
Ed. Martins Fontes, p. 312), from its definitions up to its sources, as<br />
the Law being repressive, one of its essential elements will be the<br />
coercion. So far the Faculties of Law teach that Law would be the<br />
set of rules sanctioned by the State – in the quality of sanctioned and<br />
coercion (Villey, Michel (2005)). In a parallel with the classic natural<br />
law, which viewed as the jurist essential function to find out the fair<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 89 -104 2012<br />
Book 1.indb 89 27/4/2013 13:20:13
Carlos Alberto Rohrmann / Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong><br />
part corresponding to each plaintiff, and it wasn’t on its jurisdiction<br />
to enforce the sentence, but on the justice’s auxiliaries, who could use<br />
well the force for that. Yet in Luther’s view, the jurist activity can only<br />
be the effective use of force and coercion, as required by the corrupted<br />
world.<br />
c) Luther conceives the Law not as something to be searched<br />
for and discovered, it does not deal with looking for justice, the ide<br />
quode justum est, (Villey (2005) but it is only an instrument used to<br />
kept the status of things. The Christian must comply with the laws,<br />
the positive, the divine ones, contained in the Holy Writ, as well as<br />
the Princes’ positive laws. Lutheranism is a connection point with<br />
the modern identification of the Law as a set of ready made laws, imposed<br />
from the outside (Villey, 2005)<br />
d) There is no place for the natural law in the Lutheran theology;<br />
instead, in opposition to Saint Thomas that set the Eternal Law<br />
at the top of his system of Law, the division conceived by Luther<br />
between the Kingdom of God and the Kingdom of the World prevented<br />
him from elaborating a synthesis between the natural law and<br />
the Christianity In Villey’s words, Luther “planted into the German<br />
soul, the germ of an original kind of juridical positivism, founded on<br />
the religious faith, extreme in its consequences, and that summarizes<br />
the authority worship and the apology of the obedience that through<br />
thousands of indirect channels makes us feel its influence.” (see Comparato,<br />
Fábio Konder (2006) p. 107)<br />
e) The Lutheran doctrine abolishes the hierarchy among the<br />
Church members, founded on Saint Paul’s First Epistle to the Corinthians,<br />
(12.12 and next). Luther rises up against the papal authority<br />
and the Roman ecclesiastic organization. He was successful as he<br />
called to integrate his revolutionary movement with the princes and<br />
sovereigns from the several principalities existing in Germany.<br />
The Calvinist doctrine is a continuation of Luther’s doctrine;<br />
however, there are remarkable differences. In the Calvinist theology,<br />
the distinction between “moral” precepts and “juridical” precepts is<br />
clearly outlined. The Christian moral was kept under rigid control, as<br />
it was precisely the “moral according to the Holy Writing”. Natural<br />
Right is set aside in the same way by Luther.<br />
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My body for a vote? No, thank you<br />
The Calvinist ethics denote deep pessimism concerning the human<br />
nature, man for his natural reason, does not know the divine law<br />
any more. By his own sin, he has interrupted his access to the moral.<br />
Maybe tonight God comes to rescue the man bestowing upon him<br />
a “common grace”. The moral defended by Calvin includes entirely<br />
all the acts in the Christians’ temporal life, equally to the seculars as<br />
to the monks. It preached the sanctity of daily life and condemned<br />
the carnal pleasures and dissipation, parties, dances, card games, and<br />
even advised frugality concerning the meals. However, human skills<br />
(music, trade) were encouraged, as they were divine gifts. Max Weber<br />
has elaborated his well known thesis The Protestant Ethic and<br />
the Spirit of the Capitalism linking the development of the rational<br />
economic behaviour to certain kinds of Protestantism, particularly<br />
Calvinism. (see Weber, Max. 1996,p.63 )<br />
2.2 Ius Commune and the role of Justinian codification in<br />
modernization of the law<br />
In the Middle Ages there were multiple competing producers<br />
for sources of law, legitimated by the different orders. These sources<br />
presented a set of truth and criteria constantly re-modernized through<br />
the jurists’ wisdom. The constitution of the ius commune was shaped<br />
by uncertain and frequently contradictory dispersed materials (see<br />
Comparato, Conder (2005, p. 179).<br />
In the time of ius commune, jurists played a role radically opposed<br />
to that required at the time of the codification. They interpreted<br />
the legal rules, answering the requirements of a society that moved<br />
within a rigid social stratification, and with their labour promoted the<br />
update and renewal of the old principles, concepts and rules, keeping<br />
in mind the observation of the texts’ original validity and the produced<br />
judgments are conditioned by the interdiction of the forbidden<br />
words. As Foucault says: “he must say, according to a paradox that<br />
he always displaces but of which he can never be rid, for the first<br />
time that which, however, had already been said before, and repeat<br />
indefatigably that which, however, had never been said before” (see<br />
Foucault,2001,p.25) Historical fact that has played preponderantly in<br />
the construction of the ius commune system was the discovery in the<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 91 -104 2012<br />
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Carlos Alberto Rohrmann / Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong><br />
occident of the Justinian Roman Law. The ius commune started in the<br />
twelfth century would be consolidated in the next centuries, and it is a<br />
jurists’ law, which promotes the Science of the Law as a source of law<br />
and legitimates a creator Juridical Science.<br />
The medieval man absorbed the juridical idea emphasized by<br />
the Roman myth and aspired to the exigency of the unit (reductio ad<br />
unitaten). The Roman spirit continued revived with the deepened and<br />
reverential studies of the Roman law. The common law did not know<br />
the modern notion of the sources’ hierarchy. But there is effectively a<br />
survival game between the coexisting orders.<br />
The changes of the medieval law into modern law, under a logic<br />
methodology seeking the guarantee of the rights of the people against<br />
the abuses of the state of the absolutism will now be addressed under<br />
the modern philosophy of Descartes.<br />
2.3 Renée Descartes and modern law<br />
Law is a cultural phenomenon and history will be always referred<br />
to for understanding the past facts. The philosophy of the new<br />
times, of the tardy Scholastic up to Kant, already expresses the modernity<br />
self-understanding, however “only by the end of the eighteenth<br />
century, the problem of the modernity self-certification was<br />
sharpened to such a point that Hegel could perceive this issue as his<br />
philosophy fundamental problem.” In Hegel is found the discovery of<br />
the principle of the New Times: subjectivity. According to Habermas<br />
(see Habermas, 2002)), Hegel sees the modern times characterized by<br />
a structure of self-relation that he calls “subjectivity”: “the principle<br />
of the modern world is in general the freedom of the subjectivity”<br />
principle according which all the essential aspects present in the totality<br />
develop to achieve its right. (see id. p. 25).<br />
From the seventeenth century on, Law became the guaranteeing<br />
of opposition against the State, the sovereign, the monarch, and<br />
the power abuses. This is an important issue for our analysis of risks<br />
of the requirement of biometrical data for voting, in the next chapter.<br />
At the same time, the ideal of a massive unity of social behaviours<br />
started to spread everywhere thus offering a favourable field for the<br />
development of a normative control. The continuous stabilization of<br />
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the modernity ideal will require the written and codified law, as a<br />
proper project for the unification of certain fields of law.<br />
The father of the modern philosophy is undeniably Renée Descartes<br />
(1596/1650). He established, which for the Science so far remains<br />
its most elevated principle: clara et distincta perceptio, clear<br />
and distinct knowledge (Meditationes de prima philosophia, “Meditatio<br />
IV”, 1641, quoted by Arthur Kaufmann, in his Introduction to the<br />
Contemporary Philosophy of the Law (see Kaufmann, 1998).<br />
Yet in 1619 Descartes believed to have discovered a unitary science<br />
developed with the mathematic method. These science characteristics<br />
are understood by reading the rules of the method displayed<br />
in the second part of the Discourse, and having presented the Regulae<br />
ad directionem ingenii: the “Regulae” says that the philosophic studies<br />
must guide the intelligence to pronounce solid and true judgments.<br />
The “true and solid judgments” are obtained not by turning to the<br />
several knowledgeable things, not by choosing a particular science,<br />
but by reinforcing the instrument so as to bring the reason light. The<br />
methodology must precede the object knowledge. Nevertheless, we<br />
realize that Descartes qualification as the modernity beginner is denied<br />
by authors such as Habermas, who understands that it would<br />
have appeared with Hegel, as “his omnipresent rationalism would be<br />
the maximum manifestation of the modern world colonizer will.” To<br />
others like Foucault, modernity would have appeared with Kant, as<br />
nobody better than he would have pronounced so well about the individual<br />
dimension and about the duty ethical conscience.<br />
In the modernity, the modern State is structured becoming<br />
extremely significant in the Civil Law formation and development,<br />
against the absolute State in force till the end of the eighteenth century.<br />
With the French Revolution the Rule of Law is instituted, which<br />
results in the end of the ancient absolutist regime and predicts the<br />
liberal regimes appearance.<br />
We understand that there are some inherent characteristics of<br />
modern law that are found in the states that respect the rule of law in<br />
modernity: Law, under the modern approach, is made for the public<br />
good, and to benefit a group of people, and its ultimate goal is to<br />
promote general and equal justice (see Rohrmann, 2007, p. 85-93).<br />
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Carlos Alberto Rohrmann / Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong><br />
Besides, the rule of law has to be the expression of the general will of<br />
a democratic society.<br />
2.4 Post-modernity and the role of protecting the trust in the<br />
interpretation of Law<br />
In 1917, the German philosopher, Rudolf Pannwitz, created the<br />
term post-modern. He was influenced by Nietzsche’s philosophy, relating<br />
it with the nihilism that dominated the occidental culture in<br />
the twentieth century (see Diniz, 2006,p.64) .Actually, in his work<br />
“Crepuscule of the Idols”, in the preface, Nietzsche makes allusion<br />
to the transvaluation of all values, (“Umwertung aller Werte”), which<br />
for others would be better translated as “reversal of the values” (see<br />
De Souza, 2006). He hammered away whatever was believed in the<br />
Modernity: the worship of reason in the real world.<br />
Some authors defend that the expression post-modernity appeared<br />
at the end of the fifties, in North-American literature, where in<br />
the sixties it goes to the arts, the sociology, the politics, and the sciences<br />
in general. A remarkable amount of terms are used for naming<br />
these decades that try to explain “the new way of being in the world”:<br />
Information Society, Consumer Society, Post-modern Society. Many<br />
jurists defend the opinion according to which, rather than a precedent<br />
state of things, we are now reaching a closing, post-modernity, postmodernism,<br />
post-industrial society, hypermodernism, modernity crisis,<br />
or as it is named by Anthony Giddens, “tardy modernity”, or by<br />
Ulrich Beck, “reflexive modernity”. The prefix post does not mean<br />
history’s linear continuity; rather, to the contrary it expresses an opposition<br />
to the modern thought.<br />
The postmodern philosophy is the philosophy of the difference,<br />
now expressed in the pluralism that is spread in different situations, in<br />
different fields of knowledge. Just remember Rainer Fetting art, Robert<br />
Venturi architecture (see Venturi, 2003) that meant rather a style<br />
than a movement in consonance with the post-modernity signs. In<br />
the Architecture, the two World Wars provoked economic phenomena<br />
and social commotions, announced the modern movement with the<br />
consequent alteration of the social values, the information diffusion,<br />
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concretely visualizing the globalization, opened room for the movement<br />
named “constructivism”.<br />
The public space is not anymore the exchange space, the learning<br />
space. And the plurality of the forms of life, of subjects to be<br />
protected, sometimes diffuse, of active agents in the same relation,<br />
such as suppliers that are organized in chain and in extremely impersonal<br />
relations. Finally, the pluralism of different legislative sources<br />
ruling the same fact, require that the law, regarding the differences,<br />
manifests, works out a new theory appropriate to the post-modernity,<br />
the “dialogue of the sources”, which comes to propose a dialogue<br />
between the Consumer Defence Code and the Civil Code . The acknowledgement<br />
of the differences leads to a sensitivity refinement in<br />
order to observe them, reinforcing our support capacity (see Lyotard.<br />
(1979) O Incomensurável, o Inconciliável, Paris, p. 8-9 quoted by<br />
Erik Jayme, Revista dos Tribunais n. 759, january, 1999).<br />
Following this new point of view, the UNESCO 28 th General<br />
Conference recognized the value of tolerance as a fundamental element<br />
for guarantee and protection of human rights and pluralism –<br />
inclusive and cultural. Communication is a post-modernity maximum<br />
value, associated to the extreme valuation of time, of the Law as a<br />
communication instrument, of information as valuation of time passing<br />
in the human relations, valuation of the eternal and the transitory,<br />
of freezing times and actions to guarantee the protection of the weakest<br />
and of the groups that the law wants to privilege. Communication<br />
is the legitimating method (Sprachspiele), whereas ethics and philosophy<br />
are more discursive. (see Jayme,2005 )<br />
A remarkable characteristic of Law in the Post-modernity is<br />
the power given to the interpreter, specifically in the Roman-German<br />
Systems, in opposition to the narrow and neutral space given in the<br />
past. However, it is underlined that in certain times a greater freedom<br />
was given to the interpreter. In certain historical moments the interpreter<br />
has also assumed wide freedom of action (see Koshaker, 1953,<br />
p. 247, in: Barroso, Luis Roberto. (2006) .<br />
The constitutions of most of the countries of the civilized democratic<br />
world display the provision of material values of diffuse contents<br />
(human dignity, social justice) that, besides undergoing varia-<br />
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Carlos Alberto Rohrmann / Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong><br />
tions in function of time and space, are going to require when applied<br />
to the concrete situation, the analysis of certain circumstances. The<br />
complexity of the social relations, together with technological innovations,<br />
changing in habits, traditions and the coexistence of the plural<br />
societies, all together, are factors that lead to the necessity of more<br />
work from the interpreter. The Constitution filters all the divergences<br />
and complies its texts rights that, in a certain measure, may present in<br />
their development situations almost uncontrollable, leading to actual<br />
antinomies.<br />
We propose that satisfactory devices must be found for the ethical<br />
interpretation of the Law to effectively answer the precepts of<br />
the social justice, thus trying to rescue the trust, the certainty and the<br />
safety in the juridical institutions, as actually trust in the Law is also<br />
trust in the juridical institutions. The role of the legal protection of<br />
trust in the Public Law as taught by Calmes( 2001) “is in the crossing<br />
of the juridical order mutation issue on one side (of one part) and<br />
that of the non-maintained engagement on the other side (by the other<br />
part); it reveals a temporal dimension, and in the sense that it intends,<br />
by its own way, to oppose the predictability and stability to the time<br />
that runs and that requires the perpetual change of rights and engagements.”<br />
Furthermore, this principle must be imposed to the global<br />
exigency of juridical safety, however answering an extremely difficult<br />
conciliation between the predictability and stability, with the mutation<br />
that must be one of the characteristics of the Law; to conciliate the<br />
individual and concrete expectations of the people among themselves<br />
an in relation to the State.<br />
So, we identify the protection of trust in the behaviour of the<br />
State as an important issue to be considered when we interpret laws<br />
that deal with fundamental rights of the individuals in the post-modern<br />
era (especially those that are exercised against the State). We now<br />
turn to apply this theory of the necessity of protecting trust in the postmodern<br />
interpretation of the law to demonstrate that the requirement<br />
of collecting biometrical data for voting is a violation of privacy that<br />
goes beyond the reasonable expectation of the protection of trust by<br />
the people in the government (especially in the case of the jurisdiction<br />
from where the case is addressed).<br />
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3 Right to vote or duty to vote in the<br />
electronic era?<br />
The right to vote under Brazilian Law is both a right and a<br />
duty. It is a right for obvious reasons: most of the citizens do want<br />
to vote for their senators and other representatives in the Legislative<br />
Branch and also for president, governors and mayors in the Executive<br />
Branch. It is a duty because the Brazilian Constitution says that voting<br />
is mandatory for literate people who are older than eighteen (Art.<br />
14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo<br />
voto direto e secreto, com valor igual para todos [...] – Art 14. Popular<br />
sovereignty shall be exercised by universal suffrage, through direct<br />
and secret voting, with the same value for all […]).<br />
Of course, on the one hand, most of the Brazilian people want to<br />
vote, especially when we think that Brazil has had dictatorships during<br />
the sixties and seventies, when voting for president was not a right<br />
of the people. On the other hand, it seems like, after more than twenty<br />
years of democracy, with five direct elections for president, part of<br />
the people could be willing not to vote every two years. Nevertheless,<br />
nowadays, not voting in Brazil leads to serious consequences such as<br />
fines, restriction of certain rights such as to apply for public positions<br />
and other public benefits. So, we can conclude that voting in Brazil<br />
refers to both: a right and a duty that if is not performed may lead to<br />
serious negative sanctions as a direct consequence.<br />
3.1 Electronic voting machines: some pros and cons<br />
Paper ballots were used in Brazil since its independence back<br />
in 1822 until the mid-nineties when the first electronic voting machines<br />
started to be used in the country. In 1994, the country had its<br />
first election for president with electronic voting machines in almost<br />
all of the countries’ voting districts. Elections are usually considered<br />
to be fair in the country and accusations of fraud have not been issued<br />
either domestically or from the international community. There<br />
has been change in the political parties that have ruled the country,<br />
and democracy has been reasonably stable in Brazil. Specific cases of<br />
fraud have been addressed in the past, usually related to the counting<br />
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Carlos Alberto Rohrmann / Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong><br />
of paper ballots. With the use of electronic voting machines, a feeling<br />
of trust in the system spread throughout the country. In other words,<br />
electronic voting machines are considered by the average Brazilian<br />
person to be more efficient in avoiding simple fraud schemes in Brazil<br />
than paper ballots (for an interesting and important different view,<br />
see, generally, Simons, Barbara. ,<br />
visited on April 29, 2008).<br />
Despite the local common sense that led to the conclusion that<br />
those electronic voting machines are fraud-free, some concerns have<br />
to be addressed by legislators and policy makers. First, we had the<br />
fact that the code of the software of the machine had to be secure<br />
and kept safe from alterations. That is an important point because a<br />
simple change in the code could lead to the “contamination” of all the<br />
machines when the software is burned into the Eproms, the memory<br />
chips of the hardware. Second, there is the risk of environmental conditions<br />
that could affect the functioning of the electronic voting machines:<br />
humidity, heat, barometric pressure, electrical transients and<br />
weather conditions vary tremendously in a big and diverse country<br />
as Brazil. Third, there is a major concern related to Brazilian electronic<br />
voting machines because the machines keep no paper records<br />
of each vote; so, if an error occurs, we all have to rely upon the machine<br />
itself to report the error. In other words, there is absolutely no<br />
other way to confront the results of the electronic records of the voting<br />
machine with an actual counting of the paper ballots associated<br />
with the electors that voted in that machine. This third concern has<br />
not been addressed in the country yet (for a broader view of the issue,<br />
see The First Society in Computing. ACM Policy Recommendations<br />
on Electronic Voting Systems, September, 2004, Retrieved from<br />
http://usacm.acm.org/usacm/Issues/EVoting.htm, on April 29, 2008:<br />
“RECOMMENDATIONS: […] Voting systems should also enable<br />
each voter to inspect a physical (e.g., paper) record to verify that his<br />
or her vote has been accurately cast and to serve as an independent<br />
check on the result produced and stored by the system. Making those<br />
records permanent (i.e., not based solely in computer memory) provides<br />
a means by which an accurate recount may be conducted.”).<br />
Finally, even though the electronic voting procedure itself could be<br />
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My body for a vote? No, thank you<br />
safe, that did not prevent the possibility of one person voting as if he<br />
or she were another elector.<br />
Back to the last century, one scheme of fraud was known in<br />
Brazil as the “chain voting”. This scheme required one person to collect<br />
the paper ballot and to fill it with the data of the desired candidate<br />
but not to drop the vote, instead, the person would leave the voting<br />
place with the ballot in the pocket. Outside the voting place the voting<br />
ballot was given to the next elector that would return with a blank ballot<br />
to be filled with the data of the candidate, given to a third elector<br />
and the “chain” continued. The rationale behind the “chain voting”<br />
scheme is relatively simple: to make it sure that the elector did really<br />
vote for candidate “A” (with whom the elector has made a certain<br />
kind of illicit “arrangement” as a quid pro quo for a vote) and not for<br />
another candidate “B”. Of course this is a fraudulent scheme associated<br />
with some form of blackmail, illegal benefits or even of someone<br />
really buying votes (all crimes under the local voting legislation).<br />
Electronic voting machines were presented as a panacea for<br />
avoiding fraudulent voting schemes such as that one that we have discussed<br />
hereinbefore. But the truth is that electronic voting machines<br />
themselves do not prevent one person going to vote as if he or she<br />
were another person. If there is a fraud scheme that allows one person<br />
to identify his or her self as being another elector, a “chain vote” like<br />
scheme could be managed. In order to avoid that, the Brazilian electoral<br />
system has recently introduced the biometrical identification of<br />
the electors as a form of making it sure that no one would be voting<br />
for another person.<br />
A new electronic voting machine with biometrical data collection<br />
is now being introduced in Brazil as an attempt to avoid frauds<br />
such as the “chain vote” scheme. The new voting machines have a<br />
biometrical device that reads fingerprints of the electors as a requirement<br />
for being identified for voting. Of course, electors have to have<br />
been digitally fingerprinted before and their personal biometrical data<br />
must be kept in a state database. Besides, the database of the electors<br />
that will vote in a specific electronic voting machine must be saved<br />
in that voting machine. There are obvious risks of theft related to the<br />
biometrical data.<br />
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Carlos Alberto Rohrmann / Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong><br />
3.2 Biometrical data and the constitutional right to privacy<br />
Article 5, section X of the Brazilian Constitution (hereinafter<br />
simply “Article 5, section X”) establishes that “X. the privacy, private<br />
life, honour and image of persons are inviolable, and the right to compensation<br />
for property or moral damages resulting from the violation<br />
thereof is ensured”.<br />
Brazilian law professors have addressed the relationship between<br />
the right to privacy of Article 5, section X and the online world.<br />
This Article assumes that the right to privacy is protected in cyberspace<br />
under the Brazilian Federal Constitution.<br />
When we address constitutional rights such as the right to privacy<br />
under Brazilian Law, we have to remember that Brazil has had<br />
periods when the rule of law was not respected. Dictatorships are<br />
especially rude to constitutional and fundamental rights such as the<br />
right to privacy and to free speech. Unlike the United States where<br />
one can refer to the US Supreme Court decisions in order to establish<br />
the boundaries of constitutional rights, in Brazil, those boundaries are<br />
still being built (see generally, Rohrmann, 2006).<br />
Of course, we understand that the twenty years of the Brazilian<br />
1988 Federal Constitution is not a long enough time for the Brazilian<br />
Supreme Court to hear many cases about the multiple aspects of<br />
the right to privacy in order to build a consistent and comprehensive<br />
jurisprudence. Nevertheless, the constitutional provision that protects<br />
privacy is applicable to the human body, including personal data and,<br />
of course, to biometrical data of a human being.<br />
3.3 Biometrical electronic voting machines: the next step towards<br />
security or too much trust in the system?<br />
We understand that computer systems have made individuals’<br />
privacy less protected. Many facts that could be, on the one hand, held<br />
as public, such as a public paper based document in a municipality<br />
agency, but on the other hand were, in practice, difficult to be found,<br />
are more and more publicized through the internet (see Rothfeder,<br />
1992) Privacy for Sale: How Computerization Has Made Everyone’s<br />
Private Life an Open Secret, Simon and Schuster). Thus, not only per-<br />
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sonal data such as social security numbers, addresses and telephone<br />
number, but also data related to law suits or businesses someone has<br />
entered have become more easily legally accessed by the general public<br />
through online means.<br />
Keeping more personal data in computerized electronic systems,<br />
by itself, enhances the inherent risks of disclosure of personal information<br />
that most of the people want to be kept away from the public<br />
knowledge (see Kang ,1998, 3). When individuals give their data to<br />
the state, they demonstrate trust in the state. The level of trust has to<br />
be balanced with the objectives pursued by the state in each case. So,<br />
for example, in a situation of risk to the safety of the people, society<br />
might be willing to trust more data in the hands of the state (such as a<br />
requirement of being fingerprinted for entering the borders).<br />
The main issue we find here is that in the name of security the<br />
state cannot require biometrical data for an individual to exercise his<br />
or her right to vote (especially under Brazilian constitutional system<br />
where voting is not a privileged, but it is a right and, as we have seen,<br />
a serious duty constitutionally imposed). Therefore, electors cannot<br />
be forced to release their biometrical data, which identifies part of<br />
their personal and physical body to vote. Such a requirement goes beyond<br />
the expectation of behaviour that individuals have on the State<br />
and would impose a high level of trust by the electors in the State, not<br />
only in the electronic management of the data but also in the eventual<br />
manipulation of the biometrical data that can be made, in the future,<br />
by a less democratic state.<br />
4 Conclusion<br />
Electronic data processing has indeed made privacy less protected<br />
because private facts and private data are more easily accessed<br />
through the internet (see Rothfeder, 1992) Privacy for Sale: How<br />
Computerization Has Made Everyone’s Private Life an Open Secret,<br />
Simon and Schuster). Even facts that were public (such as public records<br />
of a person, or public contracts entered by individuals or even<br />
data pertaining to law suits) but were relatively difficult to be accessed<br />
in hard copies are more and more easily accessed and processed<br />
electronically, despite of the “tyranny of geography”.<br />
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Carlos Alberto Rohrmann / Miriam de Abreu Machado e <strong>Campos</strong><br />
Therefore, electronic voting can be presented as an advance in<br />
the electoral system for reasons related to the efficiency of the system,<br />
such as rapid counting, reducing the costs of personal involved with<br />
the whole electoral procedure and, also, reliability in the system. We<br />
also conclude that not using any paper records for the ballots in electronic<br />
voting machines is a serious risk because it makes it not possible<br />
for someone to challenge the results that are presented by the electronic<br />
voting machines. Of course, such a waiver of the right of recounting<br />
the paper ballots demonstrates a sincere trust of the people (of the<br />
electors) in the electronic voting machines adopted in each country.<br />
The balance between safety and privacy is an ongoing debate.<br />
Positions vary, in that debate, accordingly to each society in a specific<br />
period of time and history. The same debate is applicable to the issue<br />
of electronic voting machines that identify electors by collecting and<br />
storing their personal biometrical data. Such a legal requirement has<br />
to be interpreted under the perspective of constitutional provisions<br />
that protect privacy. Besides, we have to conciliate the fact that such<br />
a requirement for the exercise of the fundamental right to vote (and<br />
therefore to choose representatives, members of the parliaments, and<br />
even the chief of the executive power) goes beyond the reasonable<br />
elector’s expectation of trust in government and therefore it is also a<br />
violation of the rights of the dignity of the human person.<br />
meu corpo por um voto? Não, obrigado.<br />
Resumo<br />
O Espaço virtual facilitou a forma que as empresas e o Estado<br />
coletam, armazenam e administram dados pessoais. Os clientes podem<br />
identificados por suas assinaturas digitalizadas que são armazenadas<br />
nos computadores das empresas de cartões de crédito; sendo que impressões<br />
digitais dos clientes também são usados por empresas de seguros<br />
de saúde para identificação. Além disso, a coleta eletrônica de<br />
dados biométricos também tem aumentado ao longo dos últimos anos<br />
como uma prática utilizada para identificar cidadãos quando atravessam<br />
fronteiras internacionais. Este artigo discute a prática dos governos<br />
de coleta e armazenamento de dados biométricos individuais pessoais,<br />
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como impressões digitais para o exercício do direito ao voto. O texto<br />
vai apresentar tal prática como um fenômeno da erada pós-modernidade<br />
que ameaça os direitos fundamentais, como o direito à privacidade.<br />
O artigo aborda as características da pós-modernidade e apresenta os<br />
riscos inerentes aos cidadãos quando os governos exigem os dados biométricos<br />
dos cidadão para o exercício do voto como uma ameça aos<br />
direitos fundamentais.<br />
Palavras-chave: Biometria. Dados pessoais biométricos. Direito na<br />
pós-modernidade. O voto eletrônico. Máquinas de votação eletrônicas.<br />
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4<br />
Divergências epistemológicas do Estado<br />
Liberal e do estado de bem estar social: contribuições<br />
para uma teoria geral do estado<br />
Recebido: 31/07/2012<br />
Analisado: 26/11/2012<br />
Ana Carolina Corrêa da Costa Leister *<br />
J.R.N. Chiappin**<br />
EESP-FGV<br />
FEA-USP<br />
carolina.leister@fgv.br<br />
Chiappin@usp.br<br />
Sumário<br />
1. Introdução. 2. As concepções epistemológicas da<br />
ciência moderna. 3. Contratualismo e utilitarismo.<br />
4. As teorias do estado contratualista e utilitarista.<br />
5. Estado liberal e estado de bem estar social: modus<br />
operandi, estado negativo e estado positivo. 6.<br />
Conclusão. Referências.<br />
1<br />
*<br />
Mestre e Doutora em Filosofia (USP). Pós-doutoramento no departamento de Economia<br />
da FEA-USP. É professora na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio<br />
Vargas (EESP-FGV). Foi professora na Fundação Instituto de Administração (FIA) em<br />
2008, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de<br />
São Paulo (FEA-USP)<br />
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Ana Carolina Corrêa da Costa Leister / J.R.N. Chiappin<br />
Resumo<br />
O objetivo deste artigo é colacionar as concepções epistemológicas<br />
que dão fundamento ao conhecimento produzido na ciência<br />
moderna, respectivamente racionalismo clássico e neoclássico, com<br />
as teorias do estado liberal e de bem estar social desenvolvidas pelos<br />
programas de pesquisa contratualista e utilitarista, esboçando o desenho<br />
institucional e o modus operandi do Estado em cada caso.<br />
Palavras-Chave: Concepções Epistemológicas. Racionalismo Clássico.<br />
Racionalismo Neoclássico. Estado. Ciência Moderna.<br />
1 Introdução<br />
O objetivo deste trabalho é desenvolver e relacionar as concepções<br />
epistemológicas que engendraram os pressupostos teóricos da<br />
ciência moderna na elaboração de uma teoria geral do estado, bem<br />
como seus desdobramentos com a construção do desenho institucional<br />
e dos instrumentos de governança do Estado Liberal e do Estado de<br />
Bem Estar Social. Para tanto, retomaremos as teses de duas concepções<br />
epistemológicas, aquelas que denominamos como racionalismo<br />
clássico, vigente a partir do século XVII, e o racionalismo neoclássico<br />
e crítico, desenvolvido com o declínio do primeiro, a partir do século<br />
XVIII e XIX (Chiappin, 1996). A partir, principalmente, de seus<br />
diferentes modelos de justificação científica, são construídos os fundamentos<br />
para as teorias do estado liberal e de bem-estar, bem como<br />
seus desenhos institucionais e instrumentos de atuação política (Leister,<br />
2005). Defendemos que cada qual, a seu modo, buscou solucionar<br />
o problema envolvendo as condições de emergência e estabilidade da<br />
cooperação entre indivíduos interagentes, tomando, pois, o indivíduo<br />
nascido no século XVII com Descartes como o fundamento do mundo<br />
político e quebrando com a tradição antiga da prevalência do Estado e<br />
da sociedade como predecessores lógicos na construção de um modelo<br />
de homem que dessas instituições não poderia desvencilhar-se sob<br />
pena de perder sua humanidade (Chiappin e Oliveira, 1999). Assim,<br />
é ao tomar o indivíduo, suposto livre, igual e auto-interessado, como<br />
o fundamento do Estado, que a cooperação tornar-se-á um problema,<br />
e é visando à construção de soluções para o problema da cooperação<br />
que são desenvolvidas duas classes de teorias do estado, uma funda-<br />
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Divergências epistemológicas do Estado...<br />
mentada sob o racionalismo clássico e engendrando o programa de<br />
pesquisa contratualista clássico e moderno que possibilita a construção<br />
do desenho institucional e instrumentos de governança do Estado<br />
Liberal, e outra formulada a partir dos pressupostos epistemológicos<br />
do racionalismo neoclássico e crítico dando origem ao programa de<br />
pesquisa utilitarista que elabora os traços das instituições políticas e<br />
ferramentas de atuação estatal do Estado de Bem Estar Social.<br />
Ao fundarmos os programas de pesquisa contratualista e utilitarista<br />
nessas diferentes concepções epistemológicas, defendemos aqui<br />
que contratualismo e utilitarismo são, ambos, programas de pesquisa<br />
distintos no que se refere a seus fundamentos e às teorias do Estado<br />
deles derivados, tanto seu desenho institucional quanto seus instrumentos<br />
de operação estatal, incluindo aí as competências e os limites<br />
da atuação política imputados ao Estado. Desta forma, os projetos<br />
epistemológicos dos séculos XVII e depois, XVIII e XIX, em suas<br />
tentativas de definir as condições que a serem satisfeitas pelo conhecimento<br />
que se pretende científico, foram aplicados por contratualistas<br />
e utilitaristas na projeção de teorias de estado modernas. Entendemos<br />
que para a compreensão das diferenças das teorias do estado liberal e<br />
de bem estar social, seu desenho institucional e modus operandi, faz-se<br />
necessário o conhecimento da matriz epistemológica a partir do qual<br />
foram engendradas.<br />
Para tanto, a seguir esboçamos algumas das principais teses das<br />
concepções epistemológicas do racionalismo clássico e neoclássico<br />
dos quais essas teorias são supostas aqui terem sido derivadas.<br />
2 As concepções epistemológicas da ciência<br />
moderna<br />
O racionalismo clássico, desenvolvido ao longo do século XVII<br />
a partir da matriz cartesiana, figura como construção epistemológica<br />
que teoriza e racionaliza o otimismo decorrente das descobertas<br />
científicas de então, notadamente os avanços da física com Kepler,<br />
Galileu e Newton e a algebrização da geometria por Descartes, e que<br />
tem como propósito definir as condições a serem satisfeitas pelo conhecimento<br />
que se pretende científico, incluindo a construção de um<br />
método capaz de produzir novo conhecimento (método de descober-<br />
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Ana Carolina Corrêa da Costa Leister / J.R.N. Chiappin<br />
ta). Segundo este programa, é admitido como conhecimento científico<br />
apenas o conhecimento certo e verdadeiro. Para satisfazer essa<br />
condição do conhecimento cientifico adota-se a estrutura da organização<br />
geométrica do conhecimento, segundo a qual a gênese do conhecimento<br />
envolve a construção de uma base teórica na forma de<br />
um sistema axiomático admitido como verdadeiro e a partir do qual<br />
se podem obter decisões conclusivas quanto ao valor de verdade das<br />
demais proposições a partir dessa base teórica.<br />
Faz-se, então, necessário, no intuito de evitar o mero dogmatismo<br />
na aceitação de uma base de conhecimento qualquer admitida<br />
como verdadeira sem questionamentos, ou seja, no intuito de abster-se do<br />
dogmatismo que caracteriza as construções teóricas na Idade Média,<br />
mas sem abrir mão do fundacionismo (ou, diriam os juristas quando<br />
aplicado ao saber jurídico, da principiologia), a elaboração de um<br />
método capaz de descobrir essas primeiras verdades, os princípios ou<br />
pressupostos que formam a base teórica a partir das quais novas proposições<br />
verdadeiras possam ser deduzidas.<br />
Assim sendo, o projeto epistemológico do racionalismo clássico<br />
tinha por estratégia a formulação de um método que funcionasse<br />
como método de descoberta capaz de acessar as primeiras verdades<br />
(proposições verdadeiras) que formariam a base teórica, e, por meio<br />
deste, de um método de justificação que permitiria decidir conclusivamente<br />
com relação ao valor de verdade das demais proposições,<br />
partindo-se desta base formada de proposições verdadeiras. Método<br />
de descoberta e método de justificação eram, pois, segundo a tradição<br />
racionalista clássica, um único e mesmo método: justificar uma<br />
proposição é apontar para o seu fundamento, e este fundamento era<br />
obtido a partir do método de descoberta. Desta forma, o racionalismo<br />
manteve o apego medieval ao fundacionismo, mas foi capaz de trazer<br />
elementos novos à epistemologia de então na medida em que logrou<br />
escapar do dogmatismo do medievo. Assim sendo, se uma vez obtidas<br />
as primeiras verdades, a base teórica mostrar-se-ia decidível com<br />
relação ao valor de verdade das demais proposições, então o único<br />
problema para se produzir conhecimento certo e verdadeiro (por conseguinte,<br />
conhecimento científico) seria encontrar um método capaz<br />
de acessar essas primeiras verdades que comporiam a base teórica do<br />
sistema. Para Descartes, v.g., essa base haveria de ser obtida a partir<br />
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Divergências epistemológicas do Estado...<br />
de um método racional que constituiria a base teórica, no caso deste<br />
teórico, a metafísica, mãe ou matriz das demais ciências, e que é<br />
construída em sua obra Meditações Metafísicas. Para Locke, que admite<br />
a mesma organização geométrica para o conhecimento, apenas<br />
a natureza da base difere daquela de Descartes, sendo esta composta<br />
de proposições particulares obtidas da experiência, e, por esta razão,<br />
tidas por verdadeiras.<br />
Por conseguinte, em função dessas diferenças quanto à natureza<br />
da base teórica e do método para acessá-la, o programa epistemológico<br />
do racionalismo clássico se subdivide em dois subprogramas<br />
(Chiappin, 1996): (i) o intelectualismo, cujos proponentes são, principalmente,<br />
Descartes e Kant; (ii) o empirismo, formulado nas teorias<br />
de Locke e Hume. Descartes, para construir a metafísica como<br />
ciência, encontra na dúvida um método (dúvida metódica) capaz de<br />
acessar as primeiras verdades: eu sou, eu existo (primeira verdade),<br />
eu sou uma coisa que pensa (segunda verdade), lançando mão, inclusive,<br />
de construções auxiliares, como aquelas da álgebra e da lógica,<br />
para sair do solipsismo que a dúvida radical parecia encerrar<br />
sua epistemologia. Formada a base, restava a partir dessas primeiras<br />
proposições verdadeiras, derivar novas verdades. Para os empiristas,<br />
diversamente, apenas proposições particulares obtidas da experiência<br />
são passíveis de serem admitidas como verdadeiras, posto ser possível<br />
sua confrontação com os dados empíricos. Para empiristas, o mesmo<br />
não poderia ser logrado por meio das proposições universais, cujo<br />
valor de verdade permaneceria em suspenso. Como as proposições de<br />
interesse para as ciências são proposições universais, sua verdade deveria<br />
ser garantida pelo método indutivo, que permitiria derivar proposições<br />
universais a partir de proposições particulares (admitindo-se<br />
aqui que apenas com Hume é apresentado de forma acabada o problema<br />
da indução, que trata da impossibilidade de se garantir a verdade<br />
das proposições universais por meio de sua derivação a partir de um<br />
número sempre finito de proposições particulares). De sorte que o racionalismo<br />
clássico, quer em sua versão intelectualista, quer na empirista,<br />
sustenta existir um método capaz de decidir com certeza acerca<br />
do valor de verdade das proposições a partir de uma base teórica tida<br />
como certa e verdadeira.<br />
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Ana Carolina Corrêa da Costa Leister / J.R.N. Chiappin<br />
Nada obstante, no transcorrer do século XVIII e XIX, muitas das<br />
teorias que se supunha serem verdadeiras, mostraram-se falsa, uma<br />
vez questionadas por novas evidências empíricas, contra- exemplos<br />
para essas teorias, caso, v.g., da teoria do flogistico, que explicava<br />
a combustão. Assim, a idéia de que se poderia partir de um corpo de<br />
proposições, uma base teórica, tida por verdadeira, mostrou-se inadequada.<br />
As conseqüências epistemológicas dessa conclusão engendram<br />
a construção de um novo programa de pesquisa epistemológico, o<br />
racionalismo neoclássico, particularmente aquele de Duhem e operacionalizado<br />
por Popper, e que irá refletir o ceticismo epistemológico<br />
com relação à possibilidade de sustentar o acesso direto e imediato<br />
à verdade (Chiappin, 1996). Segundo este programa, as proposições<br />
que formam a base teórica de conhecimento não permitem mais uma<br />
decisão conclusiva com relação à verdade de outras proposições, posto<br />
serem, elas mesmas, tidas como hipotéticas, não mais como verdadeiras.<br />
Ou seja, o valor de verdade das proposições formadoras da<br />
base teórica permanece indefinidamente em suspenso, não sendo possível<br />
um método para gerá-las ou decidir com relação à sua verdade<br />
ou falsidade. A partir daí separa-se método de descoberta, este pertencendo<br />
ao domínio da psicologia, do método de justificação, este sim<br />
de interesse para a epistemologia e para a filosofia da ciência. Por esta<br />
razão, a verdade deixa de ser um critério ou condição a ser satisfeita<br />
pelo conhecimento que se pretende cientifico. Como, ainda assim,<br />
construir ciência? Como separar conhecimento científico daquele não<br />
científico? E como fazê-lo sem abandonar totalmente a idéia de verdade<br />
ainda que como um ideal? Se no racionalismo clássico, justificar<br />
um conhecimento como científico (verdadeiro, portanto, nesta visão)<br />
dependia de se apontar seu fundamento ou origem, quer dizer, a base<br />
teórica formada de proposições certas e verdadeiras e a partir da qual<br />
ele poderia ser derivado, no racionalismo neoclássico a justificativa<br />
para se sustentar como científico um corpo de proposições é a possibilidade<br />
deste derivar conseqüências e submeter essas conseqüências<br />
ao teste experimental, que forneceria evidências positivas em favor<br />
da base teórica 1 . Trata-se agora da emergência do teste experimen-<br />
1<br />
No campo jurídico, um teórico que passa da primeira para a segunda abordagem, quer<br />
dizer, do fundacionismo ao funcionalismo, é Bobbio (2007), um kelseniano convertido à<br />
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Divergências epistemológicas do Estado...<br />
tal como método de decidir acerca do valor de verdade das proposições.<br />
A análise das proposições passa a ser, por isto, a análise de suas<br />
conseqüências, além de sua confrontação com os dados empíricos.<br />
Importante dizer que essas conseqüências devem ser empiricamente<br />
observáveis ou ao menos passíveis de sê-lo (critério da verificabilidade<br />
do significado segundo os positivistas lógicos), ou passíveis de<br />
refutação, portanto, devem proibir a ocorrência de certas conseqüências,<br />
dadas certas condições (critério falseabilista segundo Popper e<br />
os popperianos) 2 . Qualquer que seja o caso, contudo, trata-se de um<br />
critério lógico, não um critério empírico, uma vez que segundo o crianálise<br />
funcionalista do direito. Em Kelsen, a análise fundacionista ou estrutural do direito<br />
sem maiores preocupações com sua função é bastante clara, como comenta Bobbio:<br />
Na obra de Kelsen, não só a análise funcional e estrutural estão declaradamente<br />
separadas, como esta separação é a base teórica sobre a qual ele funda a exclusão<br />
da primeira em favor da segunda. Como todos sabem, para o fundador<br />
da teoria pura do direito, uma teoria científica do direito não deve se ocupar da<br />
função do direito, mas tão-somente dos seus elementos estruturais. A análise<br />
funcional é confiada aos sociólogos e, talvez, aos filósofos’ (2007, p. 54).<br />
Contudo, da impossibilidade da abordagem kelseniana trazer respostas em termos da<br />
aplicação do direito ao caso concreto, i.e., em função de não ser dotada de uma teoria da<br />
decisão que permita decidir quando uma sentença decorre de um certo ordenamento ou<br />
não, surge a perspectiva funcionalista do direito. Nessa perspectiva, o objetivo é avaliar a<br />
correção na aplicação do direito em termos de sua função social e de critérios de justiça<br />
social. Para Bobbio, diferente de Kelsen, as normas jurídicas devem ser avaliadas não<br />
apenas em função do critério de validade ou pertencimento ao ordenamento jurídico e<br />
sua identificação não pode ser restrita ao seu elemento coativo, mas principalmente em<br />
termos de outros critérios mais afeitos à análise funcional, como aquele de eficiência. Na<br />
abordagem funcionalista de Bobbio dá-se, outrossim, importância ao elemento premial<br />
da norma jurídica.<br />
2<br />
Para os primeiros, qualquer proposição ou conjunto de proposições capaz de gerar implicações<br />
que são outras proposições passíveis de serem submetidas a testes empíricos é tida<br />
por científica. Este é o chamado critério de verificabilidade do significado. Todavia, este<br />
critério é insuficiente para distinguir sequer uma proposição de uma tautologia. Assim,<br />
por exemplo, a expressão chove ou não chove hoje é passível de implicar a proposição<br />
chove hoje e a proposição não chove hoje, portanto, satisfazendo o critério de verificabilidade<br />
do significado. Mas qualquer que seja a evidência empírica obtida, ela sempre deve<br />
confirmar a afirmação chove ou não chove hoje, pois se trata de uma tautologia, uma fórmula<br />
verdadeira independente dos fatos empíricos no mundo. Assim, uma outra escola,<br />
a escola popperiana ou falseabilista, adota um critério mais rigoroso e capaz de separar<br />
proposições de tautologias. Trata-se do critério da falseabilidade, segundo o qual uma<br />
proposição científica é aquela que proíbe certos fatos empíricos de ocorrerem, e quanto<br />
mais ela proíbe, tanto mais científica e passível de testes ela é. Segundo este critério, a<br />
afirmação chove ou não chove hoje não é científica porque ela não proíbe a ocorrência de<br />
qualquer fato empírico, podendo sustentar toda a classe possível de fatos empíricos abar-<br />
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tério da verificabilidade do significado uma proposição é científica se<br />
dela podem ser implicadas outras proposições que expressam fatos<br />
observáveis e passíveis de teste, e no caso do critério falseabilista, que<br />
as proposições (não se testam proposições isoladas mas teorias em<br />
Popper) possam implicar proposições existenciais que são negações<br />
das primeiras, por exemplo, da proposição todo cisne é branco pode<br />
ser gerada a proposição existencial não existe cisnes não brancos.<br />
Contudo, a análise das conseqüências não garante uma decisão<br />
com certeza com relação ao valor de verdade de uma proposição, quer<br />
pela sua verdade, quer pela falsidade. No caso da evidência positiva<br />
que atestaria pela verdade de uma proposição a partir de suas conseqüências,<br />
porque, pela lógica dedutiva, a verdade da conseqüência C<br />
não garante a verdade da proposição que a gera P:<br />
P → C (tal que C expressa fatos observáveis)<br />
C<br />
∴P<br />
Neste caso, como é sabido na lógica, a afirmação do conseqüente<br />
se constitui em um argumento falacioso porque não satisfaz o critério<br />
da validade, i.e., aquele segundo o qual um argumento é válido<br />
se for impossível suas premissas serem verdadeiras e sua conclusão<br />
falsa.<br />
No caso da evidência negativa porque a tese Duhem-Quine indica<br />
que uma proposição assumida como hipótese nunca é testada<br />
isoladamente, apenas associada a outras proposições, chamadas de<br />
hipóteses auxiliares e, ainda, que da negação do conseqüente pode-se<br />
somente alegar que o conjunto das hipóteses testadas é falso, mas não<br />
se pode localizar a fonte da falsidade (se a hipótese principal que está<br />
sendo testada, ou apenas as hipóteses auxiliares a ela associadas) 3 .<br />
Assim, dado um conjunto de três proposições P 1<br />
, P 2<br />
, P 3<br />
que implicam<br />
uma certa conseqüência C que, por sua vez, expressa um fato observável,<br />
da não observação deste fato (evidência negativa), podemos<br />
cados pela expressão, i.e., a expressão não arrisca nada, e, por isso, não pode ser testada<br />
verdadeiramente.<br />
3<br />
A respeito dessa problemática, consultar Hempel ([1966] 1981).<br />
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Divergências epistemológicas do Estado...<br />
supor que as três proposições não são simultaneamente verdadeiras,<br />
mas não sabemos qual a fonte da falsidade, se P 1<br />
, P 2<br />
, P 3<br />
, se duas delas<br />
ou se as três:<br />
((P 1<br />
^ P 2<br />
) ^ P 3<br />
) → C<br />
⌐ c<br />
∴ ⌐ ((P 1<br />
^ P 2<br />
) ^ P 3<br />
)<br />
É por esta razão que permanece indefinidamente em suspenso<br />
o valor de verdade da base teórica, a cientificidade desta devendo<br />
ser garantida agora por critérios outros, mais puramente lógicos que<br />
empíricos 4 , que não mais o critério de verdade, por exemplo, a capacidade<br />
de derivar, da associação de certas hipóteses, algumas implicações<br />
que são conseqüências empíricas (critério verificacionista do<br />
significado). (Popper, a exemplo de Duhem, mantém uma metodologia<br />
decidível com relação ao falso, mas apenas sustentando ser a<br />
unidade básica de teste a teoria, e não uma proposição isolada, portanto,<br />
resolvendo o problema exposto acima na tese de Duhem-Quine<br />
por meio de uma regra metodológica consistente com sua abordagem<br />
falseabilista. 5 )<br />
Resumidamente, essas são as principais teses encampadas pelos<br />
programas epistemológicos racionalista clássico e neoclássico: (i) que<br />
o conhecimento científico é conhecimento certo (racionalismo clássico)/<br />
conhecimento incerto ou hipotético (racionalismo neoclássico);<br />
(ii) que existe um método capaz de garantir com certeza pela verdade<br />
do conhecimento (racionalismo clássico) ou não há método conclusivo<br />
quanto à verdade ou falsidade do conhecimento científico (racionalismo<br />
neoclássico). A seguir tratamos de seus desdobramentos para<br />
a construção das teorias do estado contratualista e utilitarista.<br />
4<br />
Por exemplo, o critério verificacionista do significado, segundo Hempel e os positivistas<br />
lógicos, ou o critério falseabilista popperiano.<br />
5<br />
A este respeito, cito Popper:<br />
‘a introdução de uma hipótese auxiliar deve sempre ser encarada como uma tentativa<br />
de construir um sistema novo’ ([1959] 2000, p. 87). Grifo meu.<br />
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Ana Carolina Corrêa da Costa Leister / J.R.N. Chiappin<br />
3 Contratualismo e utilitarismo<br />
Embora apenas delineada a apresentação desses dois programas<br />
epistemológicos, as características aqui esboçadas são suficientes<br />
para derivarmos os programas contratualista e utilitarista e suas<br />
respectivas teorias do estado obtidas a partir da aplicação dessas matrizes<br />
epistemológicas, o programa contratualista implicado do programa<br />
epistemológico racionalista clássico, o programa utilitarista<br />
aplicação do programa epistemológico do racionalismo neoclássico.<br />
O contratualismo, como o racionalismo clássico, sustenta haver um<br />
método capaz de identificar a natureza e a origem do Estado Civil, garantindo,<br />
a partir dessa origem, a sua legitimidade, no caso, o método<br />
contratualista (sua legitimidade dada pelo seu fundamento, tal como<br />
a justificação das proposições era obtida de uma base teórica que lhe<br />
dava fundamento no racionalismo clássico); o utilitarismo, em contrapartida,<br />
sustenta que a origem do Estado Civil não o legitima, uma<br />
vez que comumente a instituição do poder político é resultado da mais<br />
absoluta das arbitrariedades, a força. Para os utilitaristas, são as suas<br />
conseqüências benéficas para o bem-estar social que legitimam o Estado<br />
Civil (sua legitimidade encontra-se, pois, em suas boas conseqüências).<br />
Contudo, antes de atentarmos para as diferenças entre os dois<br />
programas, contratualismo e utilitarismo, há que se identificar sua<br />
pretensão comum: ambos os programas buscam tratar do problema<br />
de identificar e garantir as condições de emergência e estabilidade da<br />
cooperação a partir da interação entre indivíduos interagentes. E, para<br />
ambos os programas, a solução para este problema é a construção<br />
de mecanismos institucionais capazes de coordenar as ações desses<br />
indivíduos, notadamente o Estado Civil, mas também, a economia de<br />
mercado. Com relação às suas diferenças, cabe ressaltar a primeira<br />
delas, ainda de cunho epistemológico, relativa às suas formas de argumentação.<br />
Para os contratualistas, assim como para os racionalistas clássicos,<br />
parte-se de um método capaz de acessar as primeiras verdades,<br />
aquelas que compõem uma base do conhecimento, para, apenas depois,<br />
derivar novas proposições a partir dela, e também assumidas<br />
como certas e verdadeiras. Dentre os métodos encontrados por Hob-<br />
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Divergências epistemológicas do Estado...<br />
bes, temos: (i) os experimentos mentais construídos por Galileu, em<br />
particular o modelo do corpo isolado, abstração do corpo real, e construído<br />
em um espaço ideal e não físico (espaço euclidiano), e a partir<br />
do qual Galileu deriva as leis do movimento; (ii) o método analítico<br />
que decompõe o fenômeno a ser explicado em naturezas simples e<br />
estuda suas propriedades, e a idéia do cogito cartesiano, que dá vida<br />
à noção de indivíduo como separado do sistema social, e simulando a<br />
idéia de corpo isolado de Galileu. Assim aparatado, Hobbes pretende<br />
construir uma engenharia social para justificar o Estado Civil como<br />
solução para o problema da emergência e estabilidade da cooperação<br />
entre indivíduos interagentes.<br />
Primordialmente constrói seu modelo de indivíduo, em total<br />
isolamento da sociedade, portanto simulando as idéias de corpo isolado<br />
e cogito cartesiano de Galileu e Descartes, nos doze primeiros<br />
capítulos de sua obra Leviatã (Leister e Chiappin, 2010a; 2010b).<br />
Deriva desta análise as principais propriedades desse indivíduo, átomo<br />
e natureza simples do corpo social, particularmente: (i) sua racionalidade,<br />
i.e., sua capacidade de cálculo, portanto, racionalidade<br />
instrumental; (ii) suas paixões, os fins perseguidos pelo indivíduo e<br />
caracterizados como fins auto-interessados, constituindo-se no principal<br />
desses fins a busca pela autoconservação. Construído o modelo<br />
de indivíduo, que delineia suas principais propriedades, esses indivíduos-átomos<br />
são colocados em interação, interação esta analisada<br />
por Hobbes principalmente no capítulo treze do Leviatã. Esta análise<br />
é construída em um experimento mental, um estado hipotético, o Estado<br />
de Natureza. Ainda duas outras características desses indivíduos<br />
podem ser levantadas nesse Estado de Natureza: (i) os indivíduos são<br />
iguais entre si relativamente às suas capacidades; (ii) os indivíduos<br />
são livres para buscarem, por quaisquer meios, sua autoconservação.<br />
Mas mais do que isso, esses indivíduos se reconhecem como dotados<br />
de direitos, por conta de sua racionalidade, particularmente o direito à<br />
igual liberdade de fazer uso das coisas no ambiente, incluindo o outro<br />
se necessário, para satisfazer suas paixões e garantir sua autoconservação<br />
(Chiappin e Leister, 2007). Assim, liberdade pode ser definida,<br />
para os contratualistas, como o campo de ação humana em que o indivíduo<br />
é livre para deliberar, e essa liberdade, no Estado de Natureza<br />
hobbesiano, é absoluta e igual para todos os indivíduos, de modo que<br />
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Ana Carolina Corrêa da Costa Leister / J.R.N. Chiappin<br />
as coisas no ambiente são de uso comum. O conflito emerge porque,<br />
ao fazer uso desse direito à liberdade de uso das coisas (incluindo o<br />
outro que, para o indivíduo é coisa que pertence ao ambiente), o indivíduo<br />
invariavelmente viola o igual direito que o outro dispõe de fazer<br />
uso das mesmas coisas no ambiente. Assim, pode-se dizer que, para<br />
Hobbes e os contratualistas, uma externalidade é gerada da ação individual<br />
livre sempre que ela viola o direito alheio à mesma liberdade.<br />
E sendo essas coisas de uso comum, o que quer que faça o indivíduo<br />
deve levar à violação do direito alheio, que é individual. Por conseguinte,<br />
se liberdade é o campo de ação em que os indivíduos são livres<br />
para deliberar sobre as coisas e se estas coisas são de uso comum, a<br />
sobreposição e a interdependência entre essas ações é completa, de<br />
modo que todo campo de ação humana é gerador de externalidade e<br />
potencialmente ou efetivamente conflagrador de conflito.<br />
A solução para esse problema de conflito e sobreposição das<br />
ações individuais, consiste na limitação do direito à liberdade, que é<br />
pleno para cada um dos indivíduos, no intuito de preservar-lhe um outro<br />
direito, o direito à vida e à segurança. Em Hobbes, como o campo<br />
de ação potencialmente conflituoso é todo o campo de ação humana,<br />
a possibilidade de solução implica em um Estado Absoluto, capaz<br />
de conter as fontes potenciais de conflito. A instituição desse Estado<br />
Civil Absoluto depende de um contrato social no qual cada um<br />
dos indivíduos, por conta de sua racionalidade e autointeresse, decide<br />
transferir seu direito à liberdade a um Soberano em troca da garantia<br />
do direito à vida e à segurança, portanto, como forma de minimizar<br />
a incerteza do comportamento do outro. Como cada indivíduo toma<br />
essa decisão de participar do contrato social, a limitação do direito à<br />
liberdade por parte de cada um deles possibilita o respeito ao direito<br />
à vida dos demais indivíduos. A obrigação de cumprir este contrato<br />
decorre, portanto, do cálculo empreendido por indivíduos racionais.<br />
Todavia, apesar da decisão ter sido tomada, sabe-se que, pelo dilema<br />
do prisioneiro, no momento seguinte ao acordo, pode ser racional<br />
quebrar o contrato, sendo esta a melhor forma de satisfazer seu autointeresse.<br />
Para evitar a quebra desse contrato social é que emerge<br />
o Estado Civil, que passa a monopolizar o uso da força, e adquire o<br />
direito e as condições para punir aqueles que violarem o pacto. Assim,<br />
se o fundamento da obrigação de respeitar o direito alheio formula-<br />
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Divergências epistemológicas do Estado...<br />
do no contrato decorre de uma decisão racional, a garantia de que<br />
essa obrigação deverá ser cumprida, sendo racionais os indivíduos,<br />
depende do poder coercitivo. Apenas com a instituição do Estado Civil<br />
torna-se possível a atividade econômica, inexistente no Estado de<br />
Natureza.<br />
Locke minimiza a teoria contratualista hobbesiana e produz sua<br />
própria versão do contratualismo, segundo a qual o campo de ações<br />
potencialmente conflituoso reside exclusivamente na aplicação da<br />
justiça, que é parcial já que administrada de maneira descentralizada<br />
por cada um dos indivíduos (Leister e Chiappin, 2007). Se o conflito é<br />
mais ameno, a solução também o será. Sem embargo, Locke constrói<br />
um modelo de Estado Civil de menor extensão, quer dizer, um Estado<br />
Limitado, pois assume que, dentre todo o campo de ação humana,<br />
subsiste áreas nas quais a cooperação emerge espontaneamente, no<br />
caso, Locke está vislumbrando já a possibilidade de cooperação via<br />
mercado, uma vez que a atividade econômica implica ganhos mútuos,<br />
assemelhando-se a um jogo de coordenação, antes que um dilema de<br />
prisioneiro. A instituição do Estado Civil em Locke, é pois, limitada,<br />
porque o campo de ação humana potencialmente conflituoso é restrito<br />
e é apenas sobre este campo que o Estado deve intervir, deixando<br />
espaço para que a cooperação econômica emerja espontaneamente,<br />
na ausência da coordenação por parte do Estado. Mais do que isto,<br />
o que deseja Locke é evitar a intervenção indevida do Estado na atividade<br />
econômica, mantendo-o restrito ao desempenho da atividade<br />
jurisdicional. Assim, se o âmbito dos direitos naturais era minimalista<br />
em Hobbes, restringindo-se ao direito à vida (uma vez que o direito<br />
à liberdade embora admitido constituiu-se em moeda de troca na<br />
garantia do direito à vida, mais importante que aquele), em Locke a<br />
extensão dos direitos naturais é ampliada, passando a compreender<br />
também o direito à propriedade e à liberdade econômica (livre empreendimento).<br />
A teoria contratualista de Rousseau, terceira teoria do<br />
programa contratualista, pretende ampliar ainda mais esse campo de<br />
direitos, os direitos naturais individuais defendidos por Hobbes e Locke,<br />
passando a incluir também os direitos políticos, particularmente<br />
o direito de participar do processo decisório e da ação coletiva como<br />
forma de evitar a exploração e a desigualdade social. Kant, o último<br />
teórico do programa contratualista clássico, tem como projeto fazer<br />
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Ana Carolina Corrêa da Costa Leister / J.R.N. Chiappin<br />
valer os direitos naturais individuais ainda na ausência do Estado Civil.<br />
Portanto, se o Estado Civil contratualista começa como absoluto<br />
em Hobbes, ele termina inexistente em Kant, quando sua necessidade<br />
deixa de existir na garantia dos direitos, em um mundo no qual os indivíduos<br />
são plenamente racionais, o reino dos fins kantiano (Leister<br />
e Chiappin, 2007).<br />
4 As teorias do estado contratualista e<br />
utilitarista<br />
Dessa reconstrução do programa contratualista bem como da<br />
teoria do estado dele engendrado podemos delinear alguns traços do<br />
desenho institucional do Estado Civil projetado por este programa.<br />
Primeiramente, o contratualismo trata da construção do Estado de Direito,<br />
uma instituição política limitada em sua extensão e poder por<br />
conta dos direitos naturais individuais (direitos de primeira geração),<br />
que antecedem e legitimam sua própria constituição e os quais o Estado<br />
deve reconhecer e proteger. Uma segunda característica decorrente<br />
da anterior sustenta ser a engenharia institucional construída pelos<br />
contratualistas, por conta de serem os direitos naturais individuais direitos<br />
negativos, uma engenharia que projeta um Estado Civil inativo,<br />
um no qual é exigida dele uma não interferência ou não ação na vida<br />
dos particulares, mantendo-os proprietários e gestores de sua própria<br />
liberdade na maior extensão quanto seja possível, restringindo-se a<br />
legislar apenas sobre o campo de ação gerador de conflito e externalidade<br />
ou interferência o direito alheio individual. De sorte que uma<br />
terceira característica do Estado Civil contratualista, no que tange ao<br />
campo de ação em que ele delibera, e com vistas a proteger os direitos<br />
naturais, que são direitos negativos, é sua competência restringir-se à<br />
elaboração de legislação (poder legislativo), e ao cumprimento dela<br />
(poder executivo, mas principalmente poder judiciário). Em razão<br />
dessas características, o Estado Civil e o conjunto de regras (legislação)<br />
por ele elaborado e feitos cumprir pelos indivíduos no intuito de<br />
proteger os direitos naturais individuais, sobretudo os direitos à vida,<br />
à propriedade privada e à liberdade de empreendimento, são aqui interpretados<br />
como restrições a possibilidade de satisfação plena do autointeresse<br />
individual. (No contratualismo moderno, podemos afirmar<br />
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Divergências epistemológicas do Estado...<br />
que o Estado Civil, e as instituições políticas e jurídicas, de um modo<br />
geral consiste em um conjunto de restrições impostas as funções utilidades<br />
individuais, considerando, assim, como restrições, também as<br />
institucionais e normativas, e não apenas as restrições materiais como<br />
a restrição orçamentária.)<br />
O outro programa de pesquisa aqui esboçado é o programa utilitarista.<br />
A emergência desse novo programa decorre menos da degenerescência<br />
do programa contratualista, uma vez que este mostrou<br />
ser bem sucedido para solucionar os problemas colocados no interior<br />
de suas teorias, portanto, como progressivo do ponto de vista de sua<br />
capacidade de resolver problemas no sentido lakatosiano dado ao instrumental<br />
dos programas de pesquisa, mas muito mais em função da<br />
falência do projeto epistemológico que o engendrou, o racionalismo<br />
clássico. Como vimos, o programa racionalista clássico é abandonado<br />
por conta da impossibilidade, admitida nos séculos XVIII e XIX, de<br />
se construir ciência enquanto conhecimento certo e verdadeiro. Segundo<br />
Chiappin: A conclusão do desenvolvimento deste programa,<br />
com Hume, é que o domínio do conhecimento certo não contém nenhuma<br />
proposição (1996, p. 160).<br />
Por conta da emergência de um novo projeto epistemológico,<br />
o programa racionalista neoclássico, que assume que não existe um<br />
método conclusivo para decidir quanto ao valor de verdade das proposições,<br />
portanto, que as proposições científicas são proposições hipotéticas,<br />
um novo programa como aplicação daquele na construção<br />
de uma teoria geral do Estado deve emergir. Trata-se do programa<br />
utilitarista. A principal atribuição deste programa é justificar o Estado<br />
Civil como solução para o problema da emergência, mas principalmente<br />
da estabilidade da cooperação, segundo o método conseqüencialista,<br />
e evitando fazer uso de termos e elementos metafísicos como<br />
as idéias de leis e direitos naturais e contrato social, idéias adotadas<br />
pelos contratualistas clássicos. Ainda, se a razão assume papel crucial<br />
na emergência do Estado Civil contratualista, no utilitarismo as paixões<br />
assumem maior saliência. Segundo os utilitaristas, a semelhança<br />
dos contratualistas, o Estado Civil é admitido como solução para o<br />
problema da cooperação.<br />
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Ana Carolina Corrêa da Costa Leister / J.R.N. Chiappin<br />
Mas este não decorre de um contrato social empreendido por<br />
homens livres, iguais e racionais que tomam uma decisão pela instituição<br />
do Estado Civil. Sua emergência é, antes, fruto da força, da<br />
astúcia, da violência e da dominação. Sendo esta sua origem, e sendo<br />
estas fontes de caráter arbitrário na instituição do poder político, sua<br />
legitimidade não pode aí residir (em sua origem). Esta, pelo contrário,<br />
pode apenas ser derivada das conseqüências benéficas que o Estado<br />
e o poder político, uma vez instituídos arbitrariamente, são capazes<br />
de produzir, dentre as quais a ordem e a segurança necessárias para o<br />
desenvolvimento da atividade econômica, atividade esta geradora de<br />
bens que aumentam o conforto e o bem estar social.<br />
Assim, para os utilitaristas, o melhor Estado Civil não é um<br />
Estado Civil ideal, um modelo congelado cujo intuito seria o de proteger<br />
direitos naturais individuais prefixados, imutáveis, e que não<br />
podem ser modificados, como propunham os contratualistas, e também<br />
um modelo de Estado ideal que levasse à instabilidade social e<br />
à guerra civil, como caso das Revoluções Inglesa, Americana e Francesa,<br />
inspiradas na abordagem contratualista. Ao contrário, para os<br />
utilitaristas, no intuito de evitar a instabilidade que este modelo de<br />
Estado é capaz de engendrar, o melhor Estado Civil é o status quo,<br />
i.e., o Estado Civil que emergiu naturalmente, posto ser este o mais<br />
estável. A despeito de admitir o status quo como o melhor Estado<br />
Civil, isto não significa, contudo, que o Estado não possa ser reformado<br />
no intuito de poder aperfeiçoar-se. Mas estes aperfeiçoamentos<br />
são implementados, segundo os utilitaristas (e aqui incluo a teoria do<br />
estado de Hume), gradualmente ou marginalmente com vistas a evitar<br />
a instabilidade social que grandes reformas poderiam ocasionar. Por<br />
conseguinte, se os contratualistas preocupam-se com a emergência da<br />
cooperação, os utilitaristas estão comprometidos, em maior extensão,<br />
com sua estabilidade, antes que com sua emergência 6 . E o principal<br />
elemento no direcionamento das reformas sociais, segundo os utilitaristas,<br />
são as paixões individuais, antes que um planejamento ra-<br />
6<br />
Por óbvio que a preocupação do utilitarismo mostra-se diversa da contratualista em<br />
função dos diferentes períodos históricos que floresceram cada um dos programas: os<br />
problemas envolvendo as guerras civis e religiosas haviam sido em grande parte sido<br />
solucionados com a pacificação interna trazida pelo fortalecimento e centralização do<br />
poder político na instituição estatal, restava, pois, garantir a manutenção dessa solução.<br />
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Divergências epistemológicas do Estado...<br />
cional. Vejamos. Para os utilitaristas, a legitimidade do Estado Civil<br />
decorre das conseqüências benéficas que esta instituição é capaz de<br />
proporcionar, ainda que sua emergência possa ser imputada do uso<br />
arbitrário e ilegítimo da força. No modelo de indivíduo do programa<br />
racionalista neoclássico, e também do utilitarista, o indivíduo não é<br />
tido por um agente epistemológico, abstrato e abstraído da experiência.<br />
Ao contrário, o indivíduo é psicológico ou empírico, antes que<br />
epistêmico e racionalmente infalível como supunham os racionalistas<br />
clássicos. Por força dessa sua caracterização menos abstrata e mais<br />
realista, ele aprende por meio da experiência, e sua razão não é tida<br />
por perfeita ou capaz de um cálculo antecipado de conseqüências que<br />
o torne capaz de prever acertadamente as conseqüências das causas<br />
e das ações 7 . Sua capacidade de aprendizagem decorre da experiência,<br />
de modo que não é possível supor que os indivíduos entrem em<br />
acordo e, por meio de um contrato social, projetem um Estado Civil<br />
racionalmente planejado. A instituição do Estado não depende de um<br />
cálculo de conseqüências, de um planejamento racional e antecipado,<br />
ao contrário, ele é uma decorrência natural da interação humana, mais<br />
artefato que tecnologia, como é tido na proposta contratualista 8 . Mas<br />
a manutenção desse Estado decorre de um cálculo de conseqüências,<br />
posto que, uma vez dentro desse Estado, i.e., tendo sido ele já instituído,<br />
o indivíduo é capaz de perceber as vantagens ou os benefícios<br />
que ele proporciona, e, portanto, aceitar a obediência (que, diferente<br />
da obrigação política dos contratualistas, não decorre de uma decisão<br />
voluntária, mas da dominação e da sujeição).<br />
7<br />
Rousseau foi, talvez, o único contratualista a não acreditar plenamente na solução racional,<br />
apostando em grande medida nas paixões como forma de obter coesão social, notadamente<br />
a partir de sua formulação da vontade geral e da necessidade do Estado fazer<br />
florescer bons costumes a partir da formação da opinião pública e da censura. É por esta<br />
razão que temos defendido alhures que Hume não faz senão reconstruir a teoria do estado<br />
de Rousseau sob uma nova matriz epistemológica (Leister, 2005).<br />
8<br />
A função de mediador de conflitos surgida no interior das favelas e visando a redução<br />
dos confrontos envolvendo traficantes e moradores pode ser vista como a construção<br />
de um mecanismo de resolução de conflitos natural, instituído na ausência do Estado<br />
(FRAGA, P. Mediador de conflito atua em morros do Rio: ONG contrata ex-traficantes<br />
e ex-presidiários para minimizar efeitos de confrontos em favelas e resgatar jovens do<br />
tráfico. In.: Folha de São Paulo. Cotidiano, Domingo, 22 de junho de 2008, p. C-4).<br />
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Entretanto, se o status quo, i.e., o Estado Civil vigente é tido<br />
como o melhor Estado, seu aperfeiçoamento gradual é recomendado<br />
como forma de aumentar e reforçar a estabilidade da cooperação<br />
que naturalmente emergiu, ainda que sob os auspícios da força e da<br />
violência 9 . As reformas graduais promovidas nas instituições devem<br />
ser dirigidas pelo interesse comum, que não é, na concepção utilitarista,<br />
senão a somatória dos interesses ou paixões dos indivíduos que<br />
compõem uma sociedade. Ainda, é suposto que esse interesse varia<br />
conforme o tempo, de modo que essas alterações devem se refletir nas<br />
instituições políticas, o que exige que estas possam ser passíveis de<br />
reformas graduais, reformas estas previstas em seu próprio estatuto<br />
jurídico. Podemos pensar, v.g., que as emendas à Constituição e o processo<br />
legislativo para a elaboração de (novas) leis cumpre justamente<br />
essa função de reformar as instituições tornando-as mais adaptadas à<br />
dinâmica incorporada ao interesse comum. Assim, diferente do contratualismo,<br />
no qual as instituições políticas e o Estado Civil possuem<br />
uma forma definitiva e não podem ser alterado senão sob revoluções<br />
violentas, portanto, constituindo-se em um modelo estático de Estado<br />
Civil, o Estado Civil utilitarista é moldável, adaptável e passível<br />
de reformas conformes ao interesse comum e as mudanças que esse<br />
interesse sofre, incorporando, assim, a dinâmica em sua teoria do<br />
Estado 10 . É importante ressaltar, que a incorporação das mudanças<br />
do interesse comum nas instituições, tornando-as permeáveis a essa<br />
dinâmica, possibilita aumentar, ainda mais, a estabilidade da cooperação.<br />
Na concepção contratualista, mudanças no interesse comum<br />
deveriam levar, fatalmente, a instabilidade social, posto que as insti-<br />
9<br />
Assim, podemos falar de um modelo de história continuísta subjacente à concepção utilitarista.<br />
O mesmo não pode ser dito da abordagem contratualista, que é estática, ou, caso<br />
se quisesse embutir-lhe alguma concepção de história, esta poderia ser apenas não continuista<br />
ou com rupturas, nesse sentido aproximando-se da concepção marxista de história.<br />
10<br />
Verdade seja dita que as teorias do Estado dos dois últimos contratualistas, Rousseau e<br />
Kant, já incorporam uma concepção dinâmica das instituições, Rousseau introduzindo<br />
a história como forma de construir o problema da cooperação em sua obra Discurso<br />
da Desigualdade, portanto, da dinâmica como forma de corromper o homem, e Kant<br />
por conta de seu modelo convergentista que assume um aperfeiçoamento constante da<br />
racionalidade dos indivíduos e das instituições, de modo que, no reino dos fins, a sociedade<br />
prescindiria mesmo de um Estado Civil capaz de proteger os direitos individuais.<br />
Contudo, a dinâmica é um elemento mais característico da concepção utilitarista que do<br />
contratualismo clássico.<br />
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Divergências epistemológicas do Estado...<br />
tuições deixariam de corresponder às aspirações da sociedade 11 . Na<br />
abordagem utilitarista, contudo, sendo permeáveis a essas mudanças<br />
sociais, as instituições tornam-se muito mais estáveis, não havendo<br />
necessidade de grandes revoluções para que as instituições possam<br />
ser alteradas. Uma conseqüência da incorporação da dinâmica social<br />
nas instituições políticas é o abandono da idéia de direitos absolutos,<br />
direitos que não podiam ser modificados (salvo por meio de grandes<br />
transformações, as revoluções, que implicavam em grande instabilidade<br />
social e perda de muitas vidas), como eram os direitos naturais,<br />
e que, portanto, não podiam satisfazer as demandas sociais, que são<br />
dinâmicas. Vejamos o que nos diz Bobbio a este respeito:<br />
Quando os direitos do homem eram considerados unicamente<br />
como direitos naturais, a única defesa possível contra a sua violação<br />
pelo Estado era um direito igualmente natural, o chamado<br />
direito de resistência. Mas tarde, nas Constituições que reconheceram<br />
a proteção jurídica de alguns desses direitos, o direito natural<br />
de resistência transformou-se no direito positivo de promover<br />
uma ação judicial contra os próprios órgãos do Estado ([1992]<br />
2004, p. 51).<br />
Assim, um dos ganhos auferidos pela concepção utilitarista relativamente<br />
à contratualista, e admissível no enquadre teórico daquela<br />
graças ao fato do enquadre epistemológico que o gerou, o racionalismo<br />
neoclássico, operar com proposições admitidas como hipóteses,<br />
e nunca como verdades absolutas, foi a positivação de direitos<br />
supostos naturais, portanto, absolutos. Apenas com essa positivação<br />
dos direitos, retirando-lhes seu estatuto e fundamentação metafísica,<br />
estes puderam ser relativizados. É Bobbio novamente quem comenta<br />
a este respeito:<br />
Na maioria das situações em que está em causa um direito do homem,<br />
ao contrário, ocorre que dois direitos igualmente fundamentais<br />
se enfrentem, e não se pode proteger incondicionalmente um<br />
deles sem tornar o outro inoperante. (...) Nesses casos, que são<br />
11<br />
A Economia Constitucional, herdeira do contratualismo, incorpora já a idéia de reformas<br />
institucionais. Nada obstante, estabelece mecanismos muito mais rígidos para promovê-la,<br />
por exemplo, uma maioria qualificada, privilegiando, assim, o status quo sobre as mudanças<br />
institucionais (Leister, 2005).<br />
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a maioria, deve-se falar de direitos fundamentais não absolutos,<br />
mas relativos, no sentido de que a tutela deles encontra, em certo<br />
ponto, um limite insuperável na tutela de um direito igualmente<br />
fundamental, mas concorrente (idem, p. 61).<br />
O que nos afirma Bobbio é que apenas com a relativização dos<br />
direitos naturais individuais, os direitos de primeira geração (direitos<br />
ou liberdades negativas), incluindo direito à vida, propriedade e liberdade,<br />
e essa relativização graças à positivação desses direitos, pode<br />
ser criado um ambiente em que uma nova classe de direitos possa surgir,<br />
os direitos políticos (liberdades positivas), e, finalmente, depois<br />
desses, os direitos sociais 12 . Do mesmo modo, é que podemos falar<br />
em nossa Constituição Federal (C.F. brasileira de 1988), de direitos<br />
individuais protegidos simultaneamente aos direitos sociais (art. 5 o e<br />
6 o , C.F.), e também, de um direito à propriedade privada e, também,<br />
sua função social:<br />
Art. 5 o . .....<br />
....<br />
XXII – é garantido o direito de propriedade;<br />
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social 13 ;<br />
Deste modo, nossa Constituição Federal Brasileira de 1988 encampa<br />
a concepção utilitarista, e constrói no Brasil, o Estado Social<br />
e Democrático de Direito, que se constitui em um compromisso envolvendo<br />
o tradeoff de direitos muitas vezes tidos por contraditórios,<br />
como os direitos à liberdade versus o direito à igualdade, o direito<br />
12<br />
Se o Estado Liberal construído pelos contratualistas visa minimizar os riscos advindos<br />
do comportamento do outro, também um particular, o Estado de Bem-Estar Social vem<br />
minimizar o risco produzido pela sociedade, no caso, o risco produzido pela atividade<br />
econômica, quer dizer, o risco que pode sofrer o trabalhador e que, com a construção do<br />
Estado de Bem-Estar Social, é socializado, conforme sustenta Ewald (1986).<br />
13<br />
Uma boa forma de atribuirmos alguma clareza na aplicação do termo jurídico ainda bastante<br />
vago função social, seja ele da propriedade privada, seja do contrato ou da empresa,<br />
seria considerar sua aplicação nos casos em que a propriedade privada ou o contrato<br />
incorrem em externalidades, um conceito de caráter econômico. Nos casos em que o uso<br />
da propriedade, a empresa ou o contrato firmado envolverem conseqüências para terceiros<br />
(externalidades), limites jurídicos podem ser impostos, justificados estes na noção de<br />
função social da propriedade privada, da empresa ou dos contratos.<br />
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Divergências epistemológicas do Estado...<br />
à propriedade privada, mas também os direitos sociais 14 . O Estado<br />
produzido pela concepção contratualista, ao contrário, é um Estado<br />
defensor de uma certa (e única) classe de direitos, direitos estes admitidos<br />
como absolutos, portanto, não passíveis de serem submetidos a<br />
tradeoffs relativamente a qualquer outra classe de direitos. Para tanto,<br />
envolve a criação de um Estado Liberal, de um estado limitado, um<br />
que não intervém no campo de liberdade dos particulares, e que opera,<br />
principalmente, por meio do reconhecimento dessa classe de direitos<br />
absolutos, e, também, pela garantia de sua proteção. Por ser a classe<br />
de direitos absolutos defendidos por esta concepção uma classe de<br />
direitos negativos, quer dizer, uma que envolve um não agir, mais<br />
que por um agir, da parte do Estado, o desenho institucional deste<br />
Estado produzido pelo contratualismo é o de um Estado de Direito,<br />
mas não o desenho institucional do Estado Social e Democrático<br />
de Direito, como engenham os utilitaristas. Segundo Queiró (citado<br />
por Sundfeld), o Estado de Direito: deve assegurar inviolavelmente<br />
e perfeitamente determinar os confins e limites de sua atividade e as<br />
esferas de liberdade dos seus cidadãos na forma do Direito ([1992]<br />
2006, p. 37).<br />
Trata-se, segundo Sundfeld, de um Estado definido apenas formalmente,<br />
uma vez que mantém nas mãos dos particulares, por meio<br />
dos direitos negativos, a liberdade para que estes possam perseguir<br />
os seus próprios interesses privados. Sob este desenho institucional,<br />
o Estado de Direito, é limitado em sua extensão. Sundfeld comenta:<br />
O liberalismo, gerador do Estado de Direito, tinha seu modelo<br />
econômico calcado no absenteísmo estatal: era preciso que o Estado<br />
não interferisse nos negócios dos indivíduos, restringindo sua<br />
ação à garantia da ordem, da paz, da segurança. Em suma, queria-se<br />
um Estado mínimo, com reduzidas funções, sem interferência na<br />
vida econômica ([1992] 2006, p. 54).<br />
Dissemos anteriormente, que o utilitarismo incorpora a dinâmica<br />
em sua teoria, e que as instituições são reformadas no sentido de<br />
responderem mais adequadamente ao interesse comum. Resta agora<br />
14<br />
É por esta relativização dos direitos que os juristas afirmam que embora um direito seja<br />
absoluto, seu exercício é sempre limitado pelo ordenamento jurídico.<br />
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Ana Carolina Corrêa da Costa Leister / J.R.N. Chiappin<br />
saber como esse interesse pode ser conhecido. Segundo os utilitaristas,<br />
para que o interesse comum e as mudanças sofridas por esse interesse<br />
possam se refletir nas instituições, faz-se necessário a ampliação<br />
dos direitos protegidos pelo Estado, que incluem não mais apenas os<br />
direitos individuais, i.e., o direito dos particulares à liberdade de gerirem<br />
sozinhos, sem a interferência do Estado, sua vida privada, mas<br />
também, devem ser incorporados a esse rol de direitos protegidos,<br />
também os direitos políticos 15 , no sentido de garantir a expressão dos<br />
interesses individuais e a somatória desses interesses por meio de instrumentos<br />
capazes de agregá-los e permitir a identificação do interesse<br />
comum. Alguns desses instrumentos propostos da parte dos utilitaristas<br />
são a função utilidade total e a regra da maioria (Bentham), o<br />
sistema de voto proporcional que simula no legislativo a unanimidade<br />
da sociedade (Stuart Mill) e a função de bem-estar social (utilitaristas<br />
modernos da escola de bem estar social).<br />
Da possibilidade de se conhecer esses direitos, e em função de<br />
novas demandas que a maioria da população passa a exigir do Estado<br />
Civil, uma nova classe de direitos passa a ser reivindicada: além dos<br />
individuais ou civis e os políticos, também os direitos sociais. Faz-se<br />
necessário, então, não apenas o reconhecimento e a garantia do direito<br />
à liberdade de pensamento e de expressão (direito civil) e da possibilidade<br />
de expressar e identificar o interesse comum (direito político),<br />
mas também deve ser fornecida a possibilidade (inicialmente teórica)<br />
de que novos direitos possam emergir e ser reconhecidos pelo Estado,<br />
se a sociedade assim os reivindicar. Esta possibilidade passa a ser teoricamente<br />
garantida por meio da relativização dos direitos, graças ao<br />
seu reconhecimento como direitos positivos, em vez de sustentá-los<br />
como direitos naturais, portanto, como direitos absolutos. É por esta<br />
razão que, na concepção utilitarista, os direitos não são um parti pris,<br />
um pressuposto fixado de antemão. Ao contrário, para o utilitarismo<br />
eles podem ser reformados, substituídos ou relativizados em função<br />
da dinâmica e das reivindicações que vão assumindo os interesses da<br />
sociedade. Apenas assim os direitos sociais podem ser reconhecidos e<br />
15<br />
Apenas Rousseau, de fato, dentre os contratualistas, incluía os direitos políticos no portfólio<br />
dos direitos defendidos pelos contratualistas.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 126 -136 2012<br />
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Divergências epistemológicas do Estado...<br />
protegidos pela autoridade estatal. A este respeito, o texto da Constituição<br />
Federal Brasileira é lapidar:<br />
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia<br />
Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado<br />
a assegurar o exercício dos direitos sociais, e individuais, a<br />
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade<br />
e a justiça com valores supremos de uma sociedade fraterna,<br />
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,<br />
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica<br />
das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a<br />
seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO<br />
BRASIL. (C.F.B.) Grifos meus.<br />
Cabe colocar, vinculando o programa utilitarista à sua matriz<br />
epistemológica, que a relativização dos direitos torna-se possível por<br />
conta do modelo de justificação adotado por essa matriz, o racionalismo<br />
neoclássico. Como vimos, o modelo de justificação encampado<br />
pelo contratualismo é fundacionista, de modo que justificar alguma<br />
coisa significa indicar sua fonte/ origem/ fundamento. Desta forma,<br />
os direitos individuais ou civis figuram, para o contratualismo, como<br />
fundamentos ou pressupostos do Estado de Direito, não havendo a<br />
menor possibilidade de trocá-los, em qualquer espécie de compromisso,<br />
ou combiná-los com outras classes de direitos que os possa limitar.<br />
O utilitarismo, diversamente, adota, na esteira do racionalismo neoclássico,<br />
um modelo de explicação conseqüencialista, de modo que o<br />
reconhecimento dos direitos depende dos benefícios que cada classe<br />
de direitos é capaz de proporcionar. Neste caso, podemos adiantar<br />
que, para a abordagem utilitarista, a decisão acerca de dois valores ou<br />
direitos que se limitam, como o caso do dilema envolvendo liberdade<br />
versus igualdade, direito de propriedade versus direitos sociais, nunca<br />
devem ser interpretado como um dilema verdadeiramente, uma vez<br />
que o utilitarismo permite sempre a possibilidade de reconhecer simultaneamente<br />
classes diferentes de direitos, combinando essas classes<br />
em uma mesma Constituição ou Carta de Direitos, visando auferir<br />
o mais eficiente tradeoff ou compromisso entre eles 16 .<br />
16<br />
Ainda, se no caso do contratualismo externalidade era definida como qualquer ação livre<br />
da parte de um indivíduo que viole o igual direito à liberdade de outro indivíduo, por-<br />
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Ana Carolina Corrêa da Costa Leister / J.R.N. Chiappin<br />
Por conseguinte, dessa discussão envolvendo as matrizes epistemológicas<br />
e seus desdobramentos na projeção das teorias do estado<br />
de bem estar social e liberal, podemos concluir que enquanto a primeira<br />
advoga em favor do desenho e da construção do Estado como<br />
um Estado de Bem-Estar Social ou Estado Social e Democrático de<br />
Direito, que reconhece direitos individuais e civis, direitos políticos<br />
e, também, direitos sociais, a segunda escola molda o Estado como<br />
um Estado Liberal ou Estado de Direito, reconhecedor este, apenas<br />
dos direitos individuais e civis, como a vida, a propriedade privada e<br />
a liberdade, que permanecem como valores absolutos, acima de todos<br />
os demais direitos, e, por esta razão, não passíveis de limites ao seu<br />
exercício em favor de outras classes de direitos, mas mais particularmente,<br />
dos direitos sociais 17 . Ocorre, contudo, que essas classes<br />
diferentes de direitos, direitos individuais e civis, direitos políticos e<br />
direitos sociais, exigem funções ou modos de agir (ou não agir) diversos<br />
da parte do Estado. Direitos individuais ou civis são designados<br />
direitos negativos, direitos que exigem do Estado uma abstenção, uma<br />
inação. Direitos sociais, por sua vez, são tipificados como direitos<br />
positivos, que demandam do Estado um agir, posto que apenas por<br />
meio dele, Estado, podem ser implementados. Fried define direitos<br />
positivos e negativos:<br />
tanto, um direito individual que viole um outro direito individual, para os utilitaristas,<br />
parece-nos que a externalidade pode ser definida diversamente, constituindo-se na ação<br />
individual que diminua a felicidade ou a utilidade total, da sociedade. Portanto, externalidade<br />
é um conceito que se aplica, em maior medida, às relações privadas no contratualismo,<br />
mas empregada nas relações entre um particular e a sociedade como um todo<br />
no utilitarismo.<br />
Daí parece decorrer a preocupação e o interesse dos utilitaristas pelo direito penal, área<br />
do direito que tutela direitos e bens jurídicos caros não apenas ao indivíduo, mas à sociedade<br />
como um todo, como o direito à Vida, ao Patrimônio, à Integridade Física, etc. Ou<br />
seja, a proteção desses direitos é de interesse da sociedade como um todo, não apenas do<br />
indivíduo prejudicado (ainda que os direitos citados possam ser classificados como direitos<br />
individuais, não sociais como na classificação feita). Podemos verificar, nesse sentido,<br />
que ao menos dois utilitaristas preocuparam-se em escrever obras na área do direito<br />
penal, obras estas basilares no desenvolvimento dessa área do direito: (i) Beccaria, que<br />
escreveu a obra Dos delitos e das penas; (ii) Bentham, cuja obra é nomeada Panopticon.<br />
17<br />
Uma possibilidade de construir Constituições Liberais que contemplem, em uma certa<br />
medida, direitos sociais, é incorporá-los à Constituição apenas como normas programáticas,<br />
passíveis de cumprimento desde que limitadas pelo princípio da reserva do possível,<br />
que introduz limites à prestação pública de serviços e à oferta de bens pelo Estado.<br />
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Book 1.indb 128 27/4/2013 13:20:16
Divergências epistemológicas do Estado...<br />
A positive right is a claim to something – a share of material goods,<br />
or some particular good like the attention of a lawyer or a doctor or<br />
perhaps the claim to a result like health or enlightenment – while<br />
a negative right is a right that something not be done to one, that<br />
some particular imposition be withheld (1978, p. 110).<br />
Definidas essas duas classes de direitos, direitos negativos e direitos<br />
positivos, as funções do Estado são duas, um não agir (direitos<br />
negativos) ou um agir (direitos positivos). Bobbio comenta:<br />
Embora as exigências de direitos possam estar dispostas cronologicamente<br />
em diversas fases ou gerações, suas espécies são<br />
sempre – com relação aos poderes constituídos – apenas duas:<br />
ou impedir os malefícios de tais poderes ou obter seus benefícios<br />
([1992] 2004, p. 26).<br />
Quanto está em questão a capacidade do Estado em reconhecer<br />
e proteger direitos, no caso dos direitos negativos, podemos falar<br />
do Estado como Estado Protetor. Este é o Estado Mínimo ou Estado<br />
de Direito e sua função é, principalmente, jurisdicional. Quando<br />
o Estado é chamado a fornecer certos direitos, os direitos positivos<br />
ou sociais, temos o Estado Produtor. Este é o Estado de Bem-Estar<br />
ou Estado Social e Democrático de Direito e sua principal função é<br />
a administrativa. As designações Estado Protetor e Estado Produtor<br />
são dadas por Buchanan (1975). Na operacionalização do primeiro, o<br />
Estado Protetor, é exigido uma Constituição que reconheça, por parte<br />
do Estado, os direitos do cidadão (direitos negativos), um Poder Judiciário<br />
que guarde o texto constitucional evitando abusos pelo Estado<br />
e pelo poder político, e um Poder Legislativo capaz de incorporar à<br />
legislação a dinâmica do interesse coletivo na forma de leis, no segundo,<br />
o Estado Produtor, trata-se, principalmente, de instituir um poder<br />
executivo capaz de fornecer bens e serviços que garantam a satisfação<br />
dos direitos sociais por meio de políticas públicas 18 .<br />
18<br />
Nesse particular, o sobredimensionamento do poder executivo planejado por nossa Carta<br />
Maior ao dar-lhe instrumentos de manejo político e ampla margem de atuação logra,<br />
justamente, garantir a instituição de um Estado de Bem-Estar Social no Brasil. Além da<br />
Constituição Federal de 1988, é cediço a tendência à centralização política desenvolvida<br />
principalmente em função de nossa passagem, após a independência, por um período de<br />
monarquia de poder centralizado antes do advento da república federativa, contrariando<br />
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Ana Carolina Corrêa da Costa Leister / J.R.N. Chiappin<br />
5 Estado liberal e estado de bem estar<br />
social: modus operandi, estado negativo e<br />
estado positivo<br />
Por conta das garantias que o Estado deve proporcionar e das<br />
funções/atividades e poderes/competências que deve dispor para<br />
cumpri-las, o contratualismo clássico e seu desdobramento moderno,<br />
a concepção liberal do estado, e o utilitarismo, e seu herdeiro, o<br />
estado de bem estar social, adotam diferentes perspectivas sobre as<br />
ações que devem tomar o Estado na garantia desses direitos, sejam<br />
eles negativos (contratualistas/liberais), sejam esses direitos positivos<br />
(utilitaristas/estado de bem estar social). De sorte que o utilitarismo<br />
aposta, em maior medida, nas decisões coletivas positivas, aquelas<br />
que objetivam a promoção de alguma espécie de bem-estar social,<br />
geralmente a oferta de um bem ou serviço demandado em termos de<br />
direitos sociais. Em contrapartida, o tipo de ação ou decisão desempenhada<br />
pelo estado liberal é de cunho negativo, que pode ser coercitivo<br />
sobre o indivíduo, quando este viola o direito de outrem, ou restritivo<br />
sobre o Estado, sempre na tentativa de proteger direitos individuais 19 .<br />
De sorte que enquanto os particulares têm direito a agir segundo o<br />
princípio da autonomia da vontade, atestado, v.g., no artigo 5 o , inciso<br />
II da CF, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma<br />
coisa senão em virtude da lei, o Estado age conforme o princípio do<br />
interesse público, e as ações admitidas para ele devem ser expressas<br />
na legislação, i.e., ao Estado é permitido fazer apenas o que é determinado<br />
no ordenamento jurídico.<br />
a independência dos demais países da América Latina cujo território fragmentou-se em<br />
diversas nacionalidades ao passarem de colônia diretamente à república.<br />
19<br />
Esta pode ser uma das razões pela qual Bentham escreve uma obra inteira para dar conta<br />
do sistema penal, O Panóptico. Intuitivamente essa instituição pode ser descrita como um<br />
mecanismo de coerção, o que a caracterizaria como promovendo ações negativas. Contudo,<br />
Bentham toma as ações do Estado positivamente, como possibilidade de angariar benefício.<br />
Portanto, mesmo a ação punitiva é defendida positivamente por este teórico – seu<br />
objetivo é regenerar o indivíduo, aumentando, em última instância, o bem-estar social,<br />
não sendo sua meta a punição de per se. Na versão do utilitarismo negativo popperiana,<br />
as ações promovidas pelo sistema penal poderiam ser interpretadas negativamente, tal<br />
como no contratualismo.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 130 -136 2012<br />
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Divergências epistemológicas do Estado...<br />
A ação positiva do estado de bem estar dos utilitaristas, e a negativa<br />
(pelo Estado), enfatizada por contratualistas/liberais, determina<br />
algumas das diferenças em termos dos instrumentos adotados por<br />
cada uma dessas abordagens, quais sejam eles, a função de bem-estar<br />
social para utilitaristas e escola de bem estar social, é um instrumento<br />
com ênfase na identificação do interesse comum no direcionamento<br />
da ação positiva por parte do Estado, ou alternativamente, para contratualistas<br />
e liberais, os direitos individuais expressos na constituição<br />
como restrições a funções utilidade individuais e como limites para<br />
os abusos do poder estatal, e também, com Madison, como limites ao<br />
poder da maioria. Ainda quanto a seus instrumentais, o utilitarismo<br />
pauta-se em um cálculo que visa identificar o maior benefício social<br />
ou agregado descontados os custos. Em contrapartida, o contratualismo<br />
pende para uma metodologia que envolve um cálculo das ações<br />
estatais sempre em termos de custos individualmente mensurados.<br />
Assim, o Estado é interpretado como um mecanismo de alocação eficiente<br />
de recursos operando em paralelo com a economia de mercado<br />
para os utilitaristas e para a escola do bem estar social, mas como um<br />
mecanismo de coerção/restrição para os contratualistas e liberais 20 .<br />
Com base nessa análise, e em conformidade com a teoria do<br />
desenho institucional (Goodin, 1996), assumimos que as instituições,<br />
definidas aqui como conjuntos de regras, podem adquirir duas interpretações:<br />
(i) instituições como incentivos; (ii) instituições como<br />
restrições 21 . Decorrem, dessas diferentes interpretações, alguns corolários.<br />
Definimos aqui um incentivo como um mecanismo capaz de<br />
alterar a atratividade das alternativas que compõem o conjunto oportunidade<br />
22 , assumindo as preferências para o indivíduo ou sociedade<br />
e as alternativas disponíveis no conjunto oportunidade como dadas.<br />
Assim, um indivíduo pode preferir maças a uvas, mas, se o preço é um<br />
incentivo, e se a uva está mais barata, este indivíduo tenderá a com-<br />
20<br />
A perspectiva liberal interpreta a coerção, em última instância, como um mecanismo de<br />
alocação às avessas, posto que coerção possibilita minimizar externalidades, particularmente<br />
as negativas, que são uma forma de ineficiência, daí a justificação, ainda da parte<br />
dos liberais, da necessidade do Estado.<br />
21<br />
Essas seriam as funções promotoras e coercitivas do Estado no entendimento de Bobbio.<br />
22<br />
O conjunto oportunidade definido na economia como o conjunto das alternativas disponíveis<br />
para escolha.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 131 -136 2012<br />
Book 1.indb 131 27/4/2013 13:20:16
Ana Carolina Corrêa da Costa Leister / J.R.N. Chiappin<br />
prar mais uvas do que compraria se o preço dessa fruta fosse maior.<br />
Diferente do incentivo, uma restrição opera na definição mesma desse<br />
conjunto oportunidade. Neste caso, se o indivíduo dispõe de uma<br />
certa quantia monetária e entre suas alternativas encontram-se opções<br />
que ultrapassam essa quantia, então essas opções não pertencem ao<br />
seu conjunto oportunidade, a quantia monetária disponível operando<br />
como restrição e como definidor do conjunto oportunidade. Na economia<br />
clássica tem-se admitido apenas as restrições materiais (orçamentárias)<br />
na definição do conjunto oportunidade, mas na economia<br />
institucional, a categoria dessas restrições é estendida, também, para<br />
as normas ou instituições que restringem o comportamento individual<br />
ou estatal. Neste último caso, portanto, instituições são admitidas<br />
como restrições, proibindo ou retirando do conjunto oportunidade algumas<br />
de suas alternativas, que deixam de estar disponíveis para o<br />
indivíduo e para a sociedade.<br />
Com base no argumento construído neste artigo, pretendemos<br />
afirmar que o utilitarismo e a escola de bem estar social entende as<br />
instituições estatais como incentivos, ao passo que o contratualismo e<br />
liberalismo toma as instituições como restrições às escolhas individuais<br />
e estatal. O que significa, contudo, essa diferença de interpretação<br />
das instituições, seja como incentivos, seja como restrições? Quando<br />
instituições são entendidas como incentivos, essas incorporam a idéia<br />
de que o Estado age não apenas negativamente, desestimulando certas<br />
ações da parte dos particulares, v.g., por meio de uma lei que pune<br />
aquele que executa uma certa ação que viola o direito alheio, mas<br />
também positivamente, estimulando alguns tipos de ações que podem<br />
ser benéficas à sociedade, por exemplo, promovendo direitos sociais.<br />
Quando instituições, alternativamente, são interpretadas como restrições,<br />
estas podem ser compreendidas apenas como promovendo uma<br />
espécie de ação negativa, i.e., desestimulando certos tipos de ações,<br />
mas não estimulando outras ações (como diria Bobbio, nessa perspectiva,<br />
o Estado não assume qualquer função promotora).<br />
Nessa perspectiva, o Estado que opera negativamente é o Estado<br />
de Direito ou Estado Liberal, ao passo que o Estado que opera<br />
tanto negativa quanto positivamente é o Estado de Bem-Estar Social<br />
ou Estado Social e Democrático de Direito. Desta forma, faz todo<br />
sentido vincular o utilitarismo e a escola do bem estar social à inter-<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 132 -136 2012<br />
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Divergências epistemológicas do Estado...<br />
pretação das instituições como incentivos, visto prever essas abordagens<br />
não apenas admitem a função e atividade negativa da parte do<br />
Estado, mas também um agir seu, visando promover direitos sociais.<br />
É intuitivo desta argumentação aqui desenvolvida, também, vincular<br />
o contratualismo e o liberalismo à compreensão das instituições como<br />
restrições, posto que essas abordagens sustentam apenas a atividade<br />
negativa da parte do Estado, um fazer ou não fazer seu sempre na<br />
tentativa de garantir o respeito aos direitos individuais.<br />
6 Conclusão<br />
Nosso objetivo neste artigo foi esboçar as concepções epistemológicas<br />
dos séculos XVII e XVIII/ XIX, respectivamente racionalismo<br />
clássico e neoclássico/crítico e seus desdobramentos na construção<br />
dos programas de pesquisa contratualista ou liberal e utilitarista ou<br />
de bem estar social. A partir dos modelos de justificação identificados<br />
nessas concepções epistemológicas na construção da ciência moderna,<br />
foram projetadas as teorias do estado liberal e de bem estar social,<br />
tornando compreensíveis seus desenhos institucionais e modus operandi<br />
diversos, seja implementando sua função coercitiva por meio da<br />
restrição às violações de direitos individuais por outros indivíduos ou<br />
pelo Estado (contratualismo/liberalismo), seja promovendo direitos<br />
sociais por meio de ações positivas do Estado (utilitarismo/ escola de<br />
bem estar social).<br />
Divergence of the Liberal State and epistemological<br />
status of social welfare: contributions<br />
to a general theory of the state<br />
Abstract<br />
The objective of this article is to compare the epistemological<br />
conceptions that give the foundations to the knowledge produced in<br />
modern science, respectively classic rationalism and neo-classic, with<br />
the theories of the liberal state and of welfare state developed for the<br />
programs of contractualism and utilitarian research, sketching the institutional<br />
design and the modus operandi of the State in each case.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 133 -136 2012<br />
Book 1.indb 133 27/4/2013 13:20:16
Ana Carolina Corrêa da Costa Leister / J.R.N. Chiappin<br />
Key words: Epistemological concepts. Classic rationalism. Neoclassical<br />
rationalism. State. Modern Science.<br />
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LEISTER, C., CHIAPPIN, J. R. N. (2010a). O programa de pesquisa<br />
sobre a política e o direito como ciência e o problema das condições<br />
de emergência e estabilidade da cooperação entre indivíduos interagentes:<br />
a construção do Estado de Direito e o núcleo teórico do contratualismo.<br />
Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, v. 25,<br />
p. 110-129.<br />
LEISTER, C., CHIAPPIN, J. R. N. (2010b). O programa de pesquisa<br />
sobre a política e o direito como ciência e o problema das condições<br />
de emergência e estabilidade da cooperação entre indivíduos interagentes:<br />
a construção do Estado de Direito e a heurística do contratualismo.<br />
Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, v. 26, p. 42-64.<br />
POPPER, K.R. ([1959] 2000). A Lógica da Pesquisa Científica. São<br />
Paulo: Cultrix.<br />
SUNDFELD, C.A. (2005). Fundamentos do Direito Público. São<br />
Paulo: Malheiros Ltda.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 135 -136 2012<br />
Book 1.indb 135 27/4/2013 13:20:16
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5<br />
On technology neutral policies for<br />
e–identity: A critical reflection based on UK<br />
identity policy<br />
Recebido: 31/07/2012<br />
Analisado: 26/11/2012<br />
Edgar A. Whitley*<br />
Londres<br />
e.a.whitley@lse.ac.uk<br />
Sumário<br />
1. Introduction. 2. The UK Identity Cards Act: Enabling<br />
legislation or wiring in design choices? 3. The<br />
legal view of technology neutral policies A technological<br />
view of technology neutral policies. 4. Technology<br />
specific alternatives for e–identity. 5. From identifiability<br />
to levels of assurance. 6. A study on identification,<br />
authentication and signature (IAS) policy. 7. Concluding<br />
discussion. References<br />
Abstract<br />
This paper reviews the arguments for technology neutral e–<br />
identity policies. It uses the recent experience of identity policy in<br />
the UK, as well as a consideration of technological developments, to<br />
1<br />
distinguish between two perspectives on technology neutral policies:<br />
*<br />
Professor na Information Systems and Innovation Group, Department of Management,<br />
London School of Economics and Political Science, London WC2A<br />
2AE, United Kingdom, Grã Bretanha.<br />
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Edgar A. Whitley<br />
legal and technological. Whilst the legal perspective on technology<br />
neutrality is intended to provide legal certainty, it fails to address<br />
discontinuous technological developments such as zero–knowledge<br />
systems and risk based assessments of identity and attribute claims.<br />
These are transforming the basis of identity policies and highlight<br />
the challenges of proposing technology neutral identity policies in<br />
law. The paper then applies the technological critique of technology<br />
neutrality to review a recent study on identity, authentication and signature<br />
policy in the EU.<br />
Keywords: Technology neutral policy. E–identity. Identity assurance.<br />
Zero–knowledge proofs. Risk based assessments. Liability. Regulation.<br />
Statutory instruments.<br />
1 Introduction<br />
For apparently intuitive reasons, many EU regulations and policies<br />
in the area of technology and communications are intended to<br />
be “technology neutral”. They typically require that “national regulatory<br />
authorities take the utmost account of the desirability of making<br />
regulation technology neutral, that is to say that it neither imposes nor<br />
discriminates in favour of the use of a particular type of technology”<br />
(EU, 2002 para 18). It is often suggested that this is because policies<br />
should be based on general, context–free principles rather than instantiations<br />
of technology.<br />
Focussing on specific technologies carries the risk that the technology<br />
might change rapidly or become obsolete, rendering the associated<br />
regulations ineffective and requiring special parliamentary<br />
time to refresh them. For example, just as wiretap regulations have<br />
had to develop and be redefined as interception capabilities moved<br />
from alligator clips on copper wires to IP packet sniffing (Diffie &<br />
Landau, 2009) so regulations on e–mail interception which are based<br />
around inspecting SMTP packets are problematic in situations where<br />
browser–based web–mail predominates (Whitley & Hosein, 2005)<br />
or lawful access to communications context data is highly dependent<br />
on what counts as context and what is effectively content (Escudero-<br />
Pascual & Hosein, 2004).<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 138 -168 2012<br />
Book 1.indb 138 27/4/2013 13:20:16
On technology neutral policies for e–identity...<br />
These experiences from the regulation of technology resonate<br />
with recent social science thinking on science and technology that<br />
questions the extent to which technology can meaningfully be seen<br />
as a distinct area of activity that is separate from social activity (Latour,<br />
1993; Orlikowski, 2010; Suchman, 2007). Instead, these scholars<br />
seek to understand “how matter comes to matter” (Barad, 2003;<br />
Orlikowski & Scott, 2008), returning the “missing masses” of technology<br />
to the policy debate (Latour, 1992) and taking the specifics of<br />
technology seriously (Martin & Whitley, 2012).<br />
These concerns are particularly important because it is increasingly<br />
recognised that the technological itself embodies political<br />
choices. Langdon Winner’s classic paper “Do artifacts have politics?”<br />
(1980) illustrates this with perhaps the most famous example he presents<br />
being the “extraordinarily low” overpasses on the parkways on<br />
Long Island, New York. Winner suggests these were “deliberately designed”<br />
by Robert Moses, “to specifications that would discourage<br />
the presence of buses on his parkways” leaving the parkways (and<br />
beaches) free for the “automobile owning whites of ‘upper’ and ‘comfortable<br />
middle’ classes” (pp. 123–124). (Although see, Woolgar and<br />
Cooper (1999).)<br />
In some cases, political and social choices may be explicitly<br />
designed into regulations about technology to encourage or discourage<br />
their uptake. As an example, the UK has recently introduced a<br />
“digital by default” policy, the intention of which is both to provide<br />
better services for citizens and to deliver gross annual savings of more<br />
than £1.3 billion (Cabinet Office, 2010). Winner’s analysis, however,<br />
warns us that some political decisions may be hidden within apparently<br />
neutral propositions, such as the design of parkways. In other<br />
cases, the political consequences may be entirely autonomous of individual<br />
decision–makers (Winner, 1977) but still need appropriate<br />
oversight. In this context, claims that a policy is technology neutral<br />
and based around general principles need to be treated with suspicion<br />
as it might, in fact, reveal precisely the kinds of politics that Winner<br />
identified. e–identity policy is one such area where claims for technology<br />
neutrality are frequently made.<br />
Recent UK experiences around identity policies will be used<br />
to explore potential limitations of technology neutral policies. The<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 139 -168 2012<br />
Book 1.indb 139 27/4/2013 13:20:16
Edgar A. Whitley<br />
unique features of the UK case make explicit a range of technological<br />
assumptions that are hidden in more conventional or less problematic<br />
national identity policies (e.g. see discussion of implicit assumptions<br />
in Cormack, 2012) and provide a useful basis for evaluating the<br />
scope and applicability of technology neutral policies and highlight<br />
a distinctive technological viewpoint on this issue, a viewpoint that<br />
extends the existing legal discourse surrounding technology neutral<br />
policies. The paper then analyses a recent study on identity and authentication<br />
services (IAS) (IAS Project, 2011b) from this perspective.<br />
The paper begins by reviewing the recent UK identity policy,<br />
starting with the recently abandoned National Identity Scheme,<br />
as legislated for in the Identity Cards Act 2006. It was claimed that<br />
the Identity Cards Act was technology neutral, ‘enabling’ legislation<br />
that would not restrict the development of identity policy. However,<br />
it will be argued that key design choices were hard–coded into the<br />
legislation. The UK Coalition Government’s alternative Identity Assurance<br />
programme will then be briefly presented to illustrate how<br />
many similar goals can be achieved in very different ways. The paper<br />
next reviews the legal arguments used to support technology neutral<br />
policy based around general, context–free principles. This is followed<br />
by technological consideration of the same issue including some recent<br />
examples of technology–based innovations that offer privacy–<br />
friendly identity solutions that do not fit within the existing general<br />
principles of e–identity policy. The paper then uses this perspective to<br />
assess critically the IAS proposals before ending with a discussion of<br />
the implications of this perspective on e–identity policy more generally.<br />
2 The UK Identity Cards Act: Enabling<br />
legislation or wiring in design choices?<br />
In 2005, the Labour Government presented plans to introduce<br />
identity cards to the UK for the first time since the Second World War<br />
(Agar, 2005). The National Identity Scheme (“the Scheme”) would<br />
include the use biometrics and would be based on a centralised National<br />
Identity Register (“the Register”) containing the identity details<br />
of all UK citizens and residents as well as an audit trail detailing<br />
whenever identity claims were verified against the Register. Whilst<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 140 -168 2012<br />
Book 1.indb 140 27/4/2013 13:20:16
On technology neutral policies for e–identity...<br />
this audit trail would be useful to citizens seeking to query particular<br />
transactions, it also opened up the possibility of surreptitious surveillance<br />
of citizens by state agencies (e.g. Lyon, 2009).<br />
To support the Scheme, the government introduced primary legislation<br />
in the form of the Identity Cards Bill, which, after a controversial<br />
passage through Parliament (see Whitley & Hosein, 2010a)<br />
became law in 2006 (Wadham et al., 2006).<br />
Throughout the Parliamentary debate about the legislation<br />
Home Office Ministers repeatedly emphasized the fact that the Bill<br />
was ‘enabling legislation’ that would “allow” a National Identity System<br />
based on identity cards to be introduced. As a result, they stated<br />
that there was “much still to be done in terms of detail, regulations<br />
and all the other elements” [Tony McNulty, 28 June 2005 : Column<br />
1253].<br />
Many of the details of the Scheme were not included in the Act,<br />
with these details being left to secondary legislation and statutory instruments.<br />
The use of secondary legislation is not without its critics<br />
as, in practice, the debates about them are often poorly attended and<br />
so effective scrutiny of the details of the Scheme could be limited,<br />
raising the prospect of what Conservative MP Edward Garnier described<br />
as “legislation by statutory instrument” [18 October 2005 :<br />
Column 804].<br />
The absence of such important technological details in “enabling<br />
legislation” makes it particularly difficult for Parliament “to<br />
scrutinise the proposed measures effectively” (Constitution Committee,<br />
2009 Recommendation Paragraph 474).<br />
Regardless of these practical considerations, one of the main<br />
arguments in favour of “enabling legislation” is that it allows for a<br />
“technology neutral” policy as “it may be counter–productive to adjust<br />
current regulation incrementally” (Lusoli & Compañó, 2010).<br />
Rather than specifying in legislation what technological measures<br />
might need to be put in place, this form of legislation allows for these<br />
details to be added at a later stage, such as during the procurement<br />
process.<br />
Nevertheless, achieving the appropriate level of non–specific<br />
detail can be problematic. For example, the final version of the Act<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 141 -168 2012<br />
Book 1.indb 141 27/4/2013 13:20:17
Edgar A. Whitley<br />
states that an individual may be required to allow “his fingerprints,<br />
and other biometric information about himself, to be taken and recorded”<br />
thus both leaving some details to be added at the procurement<br />
stage (will face and iris biometrics be used?) whilst also specifying<br />
that fingerprint biometrics will be used by the Scheme.<br />
The Act further confuses the distinction between technology<br />
neutral legislation and legislation with specific design implications<br />
in the role of the Register. Thus, whilst the Act does not completely<br />
specify all of the biometrics to be stored by Government, it does<br />
specify that the Secretary of State “establish and maintain a register<br />
of individuals” (s.1(2)) that includes “information about occasions on<br />
which information recorded about him in the Register has been provided<br />
to any person” (s.1(5)(i)) (i.e. the audit trail mentioned above).<br />
Schedule 1 (6) of the Act also specifies other audit details that are<br />
recorded on the Register.<br />
This is a very detailed (political) design specification for the<br />
Scheme and its operation. Whilst nominally neutral about the technology<br />
it actually implies a very particular way in which the Scheme<br />
would be used in practice-one that enhances the powers of the state<br />
and downplays the rights of privacy for citizens. For example, it<br />
strongly suggests identity verification based on a centralising approach<br />
to identity management that involves verifying details such<br />
as biometrics against those stored on the Register when confirming<br />
someone’s identity. This process would also involve creating an associated<br />
audit trail record.<br />
In contrast, the legislation appears to rule out formal use of<br />
identity verification simply against details held on the card, with no<br />
audit trail record created. The reasons for this design decision have<br />
never been disclosed however an internal “benefits overview” document<br />
(Home Office, 2005) noted that the Scheme (and particularly,<br />
the centralised database of fingerprint biometrics stored on the Register)<br />
would improve the ability of police to detect crime by “increasing<br />
the likelihood of matching marks from scenes of crime. There are currently<br />
900,000 outstanding crime scene marks on police databases”.<br />
This point was repeated by then Prime Minister Tony Blair in a newspaper<br />
article (Blair, 2006) suggesting that such secondary uses of the<br />
identity database may well have been officially sanctioned.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 142 -168 2012<br />
Book 1.indb 142 27/4/2013 13:20:17
On technology neutral policies for e–identity...<br />
The government’s proposals for identity cards proved to be unpopular<br />
with fewer than 15,000 cards issued by 2010. Indeed, much<br />
of the media coverage of the Scheme was very critical of the proposals<br />
(Pieri, 2009; Whitley, 2009) and, following the General Election<br />
in May 2010 (when only the Labour Party was still supporting the<br />
proposals (Whitley & Hosein, 2010c)), the new Coalition Government<br />
scrapped the whole scheme, physically destroying the National<br />
Identity Register and introducing the Identity Documents Act (2010)<br />
that repealed the Identity Cards Act.<br />
The challenge of effective identity policies, for example for accessing<br />
government services online, did not disappear with the election<br />
of a new government and since May 2010 the UK Cabinet Office<br />
has been developing identity assurance (IdA) policies. A report by Sir<br />
James Crosby for then Chancellor Gordon Brown provided a useful distinction<br />
between identity management and identity assurance whereby<br />
‘identity management’ suggests data sharing and database consolidation,<br />
concepts which principally serve the interests of the owner of the<br />
database, for example the Government or the banks whereas ‘identity<br />
assurance’ is a consumer-led concept, a process that meets an important<br />
consumer need without necessarily providing any spin–off benefits to<br />
the owner of any database (Sir James Crosby, 2008).<br />
The IdA programme embodies its own political assumptions,<br />
not least the realpolitik that any UK identity policy must now align<br />
with the policy commitments of supporting privacy and citizen empowerment<br />
that formed the basis of the election manifestos of both<br />
coalition partners. In particular, it means that the UK identity policy<br />
will not be based around a government held register of identities (i.e.<br />
the National Identity Register by another name (Maude, 2012)). Instead,<br />
the provision of identity assurance services has been moved<br />
entirely to the private sector, through commercial identity providers<br />
such as the Post Office, banks, mobile phone providers, etc. Government<br />
departments then become consumers of these identity services<br />
(via a distributed hub that enhances privacy by explicitly breaking the<br />
link between the identity provider and the government service). In<br />
addition, because the government is keen to develop a thriving marketplace<br />
of identity providers, it has told industry that it will not enter<br />
the market place itself.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 143 -168 2012<br />
Book 1.indb 143 27/4/2013 13:20:17
Edgar A. Whitley<br />
Although the private sector will be providing the identity assurance<br />
services, the government provides oversight of the overall<br />
process. For example, it has issued a series of “Good practice guides”<br />
that detail the requirements for the secure delivery of online public<br />
services, for authentication credentials and the means of validating<br />
and verifying the identity of an individual in support of online services<br />
(Cabinet Office, 2012).<br />
The particular configuration of the UK’s identity assurance programme<br />
reveals a series of technological assumptions that are often<br />
implicit in other countries’ identity policies, where the state plays a<br />
key role as an identity provider. In this configuration, the state is no<br />
longer an identity provider-instead it becomes an attribute verifier<br />
for important, state-based attributes such as citizenship, entitlement<br />
to social security benefits, etc. As the consumer of identity services<br />
that require minimum security levels, the state specifies the requirements<br />
that identity providers must meet in order to be qualified to<br />
provide those identity services (Cabinet Office, 2012). In so doing, it<br />
makes explicit the considerations of ‘trust’ that previously existed (or<br />
didn’t exist) between different government departments and the data<br />
they provided when “the Government” was itself the identity provider<br />
(Lips, 2012; Wilton, 2012).<br />
3 The legal view of technology neutral<br />
policies<br />
A recent paper by Koops (2006) provides a useful review of<br />
many of the legal arguments put forward for using technology neutral<br />
policies “as a starting point”. Koops’ analysis starts with the classic<br />
concern that technology specific regulation might rapidly become out<br />
of date or obsolete (Bennett Moses, 2011). He also notes that at times<br />
of technological “turbulence” legal certainty is a reasonable desire<br />
of regulators and industry. Using the example of in–line skates (are<br />
skaters ‘pedestrians’ or ‘cyclists’?), he highlights the challenge of defining<br />
categories and the need to be able to revise categories as new<br />
technologies emerge (Bowker & Star, 1999; Marche, 1991; Whitley<br />
et al., 1989).<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 144 -168 2012<br />
Book 1.indb 144 27/4/2013 13:20:17
On technology neutral policies for e–identity...<br />
Koops then provides a series of different categories of what is<br />
meant by technology neutral policies. The first of these is whether the<br />
policy should be neutral in terms of how it is formulated or in terms<br />
of its effect, with most cases focussing on technology neutral effects<br />
that might feed back to technology neutral formulations. Reed (2007)<br />
describes this as technology indifference and gives the example of<br />
copyright law applying whether a copyrighted work was communicated<br />
by e–mail or by semaphore flags. There are also clear parallels<br />
here with regards to ongoing debates around network neutrality and<br />
associated privacy concerns (Cooper, 2011; Ohm, 2010b).<br />
A variation of this concern about the purpose of technology<br />
regulation argues that what holds off–line should also hold on–line—<br />
paraphrased by Reed (2007) as implementation neutrality (i.e. the<br />
regulation should be neutral about whether the process is implemented<br />
via digital technology or not). This is perhaps most clearly<br />
seen in regulations about the introduction of e–signatures which are<br />
explicitly intended to ‘neutralise’ the organisational choice between<br />
e–signatures and wet–ink signatures. e–signatures appear frequently<br />
in legal discussions of technology neutral policies (Ali, 2009; Koops,<br />
2006; Reed, 2007).<br />
In terms of the consequences of regulation, another variation<br />
of technology neutrality (and one which features heavily in debates<br />
about network neutrality) is that regulation should not discriminate<br />
against certain technologies, but should also not hinder the development<br />
of particular technologies. Reed (2007) calls this potential<br />
neutrality. In this latter sense, Zittrain’s arguments about generativity<br />
(Zittrain, 2008) are particularly relevant.<br />
A third theme in Koops’ classification focuses on technology<br />
neutrality as a legislative technique that allows laws to be sufficiently<br />
sustainable in order to provide certainty but also explicit about which<br />
technologies they are intended to cover (and why) so that whenever<br />
there are fundamental changes to the technology it is possible to trigger<br />
a revision in the law.<br />
Variations of this approach include the use of ‘enabling’ legislation<br />
and secondary legislation / statutory instruments to present and<br />
update the details of the legislation as was the case for the UK Identity<br />
Cards Act.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 145 -168 2012<br />
Book 1.indb 145 27/4/2013 13:20:17
Edgar A. Whitley<br />
4 A technological view of technology<br />
neutral policies<br />
Reed (2007), among others, notes that potential neutrality might<br />
be undermined by changing business models associated with the use<br />
of new technologies. In this context, he discusses the problems faced<br />
by e–money initiatives given that the associated EU Directive defines<br />
electronic money as value which is “stored on an electronic device”<br />
nothing that this fails to differentiate between the payment and credit<br />
activities that e–money could facilitate. Nevertheless, he claims that it<br />
is possible to “futureproof” regulations so that “these laws are still capable<br />
of applying in spite of the changes in technology” (Reed, 2007<br />
p. 276). Arguably this view carries an implicit essentialist assumption<br />
that there are particular attributes of a technology that are “essential to<br />
achieve the legal results that the regulator is aiming for” (Reed, 2007<br />
p. 276).<br />
Such essentialist perspectives on technology (Grint & Woolgar,<br />
1997) have been called into question in a range of cases (e.g. Cadili &<br />
Whitley, 2005) where, time and again, it is the specifics of the technology<br />
that are significant, not generalisable and generalised principles<br />
or attributes.<br />
Data protection laws are frequently cited as a classic example<br />
of technology neutral policies that are based on such essential principles.<br />
National data protection laws in Europe, such as the UK’s Data<br />
Protection Act (1998), are local transpositions of the EU Data Protection<br />
Directive 95/46/EC. This is itself based on a series of earlier best<br />
practice guidelines that were frequently presented in terms of a series<br />
of ‘principles’ of data protection.<br />
In the early 1970s “Fair Information Practices” emerged from<br />
a report published by the U.S. Department of Health, Education and<br />
Welfare (U.S. Department of Health Education and Welfare (HEW),<br />
1973). These principles are technology–independent procedural guarantees<br />
which attempt to balance the rights of individuals with those<br />
of organizations.<br />
The HEW Fair Information Practices were developed further<br />
in a document produced by the OECD in 1980 (OECD, 1980). The<br />
document was explicitly designed as a response to the “development<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 146 -168 2012<br />
Book 1.indb 146 27/4/2013 13:20:17
On technology neutral policies for e–identity...<br />
of automatic data processing, which enables vast quantities of data to<br />
be transmitted within seconds across national frontiers, and indeed<br />
across continents” and was presented in terms of “a consensus on<br />
basic principles which can be built into existing national legislation,<br />
or serve as a basis for legislation in those countries which do not yet<br />
have it”.<br />
Within Europe similar considerations gave rise to the introduction<br />
of the Council of Europe Convention of 1981 that provided, in<br />
turn, the impetus for the first UK Data Protection Act in 1984. A decade<br />
later, the EU revised its stance on data protection with a new<br />
directive (EU, 1995) and has done so again with proposals to replace<br />
the data protection directive with a new regulation (EU, 2012a; EU,<br />
2012b).<br />
The UK’s Information Commissioner’s Office (ICO) presents<br />
the UK Data Protection Act in terms of eight Data Protection Principles<br />
(Information Commissioner’s Office, 2011) and a recent technical<br />
report on the Data Protection Directive sponsored by the ICO<br />
noted that one of the main strengths of the directive was the fact that<br />
it was “flexible due to a principles–based framework” and that it was<br />
“technology neutral”, making “no reference to specific technologies”<br />
and that its “concept of personal data was broad enough to be technologically<br />
neutral” (Robinson et al., 2009 p. 22).<br />
Nevertheless, recent opinions by the EU Article 29 Working<br />
Party call into question the ongoing usefulness of the technology neutral<br />
principles underlying the directive. For example, online services<br />
like social networking sites such as Facebook call into question the<br />
distinction between data controller and data processor (Article 29<br />
Data protection working party, 2010). In the mainframe era, when the<br />
data protection principles were first formulated, technological considerations<br />
meant that the distinction was clear. However, as the Working<br />
Party notes:<br />
Social network service providers provide online communication<br />
platforms which enable individuals to publish and exchange information<br />
with other users. These service providers are data controllers,<br />
since they determine both the purposes and the means of the<br />
processing of such information. The users of such networks, uplo-<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 147 -168 2012<br />
Book 1.indb 147 27/4/2013 13:20:17
Edgar A. Whitley<br />
ading personal data also of third parties, would qualify as controllers<br />
provided that their activities are not subject to the so–called<br />
‘household exception’ (Article 29 Data protection working party,<br />
2010 p. 23).<br />
Other concerns have been raised by the Working Party when<br />
exploring what should be considered to be ‘personal data’, particularly<br />
in relation to search engines and their retention of IP addresses<br />
(Article 29 Data protection working party, 2008), see also (Pounder,<br />
200) and questions of re–identification more generally (Narayanan &<br />
Shmatikov, 2010; O’Hara et al., 2011; Ohm, 2010a).<br />
Whilst it is possible to categorise these changes in terms of the<br />
evolution of underlying business models, there are also technological<br />
developments that produce a much sharper discontinuity from the<br />
existing ways of doing things. A number of such discontinuities can<br />
be found in the area of e–identity and are discussed more fully in the<br />
next section.<br />
5 Technology specific alternatives for e–<br />
identity<br />
The argument for general principles underlying technology<br />
neutral policies presumes a linear innovation path (or a Kuhnian “normal<br />
science”) where technological developments refine and enhance<br />
existing technologies. In the case of identity related technologies, this<br />
assumption of linearity is no longer valid. Work in cryptographic areas<br />
by researchers such as Stefan Brands (Brands, 2000) and others<br />
(Auerbach, 2004; Deswarte & Gambs, 2009; Engberg, 2004) offers a<br />
Kuhnian paradigm shift in terms of our thinking about identity. As privacy<br />
policy expert Caspar Bowden notes, “Since about 1997 we have<br />
known that a viable solution is mathematically (really) anonymous<br />
credentials, transacted over onion routing, and fleshed out in projects<br />
such a PRIME. All these transactions can be done mathematically<br />
privately and even audit and performance statistics can be collected<br />
(perfectly) privately. Indeed, this is precisely what cryptographic and<br />
privacy engineering was invented for, and without it ‘trusted’ parties<br />
unnecessarily collect log data which can track a whole nation in a<br />
transactional surveillance grid”.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 148 -168 2012<br />
Book 1.indb 148 27/4/2013 13:20:17
On technology neutral policies for e–identity...<br />
Some, such as privacy and security expert Stephan Engberg<br />
(2011), suggest that the use of these cryptographic techniques can<br />
transform modern society, enabling individual citizens to reassert<br />
meaningful control over their personal data, effecting a sophisticated<br />
form of informational self–determination (cf Hornung & Schnabel,<br />
2009). In Engberg’s view, liberal democracy in the digital age “will<br />
depend on digital structures that by default are not able to distinguish<br />
(end–to–end across purposes) between two transactions by the same<br />
person / device and two transactions by two different entities”.<br />
Whilst there are practical questions to be addressed in transforming<br />
existing identity infrastructures and services to operate in this<br />
way (most public services still use “names” as important (secondary)<br />
identifiers for the citizens they interact with, not least because<br />
that simplifies the customer experience in case of problems with the<br />
transaction), arguably a technologically sophisticated country like the<br />
UK (and particularly one without legacy centralised identity systems<br />
to integrate with) should be looking forward to technologically sophisticated,<br />
citizen–centric systems rather than relying on “rear–view<br />
mirror” perspectives that, intentionally or not, incorporate technologically<br />
unnecessary surveillance capabilities.<br />
Even without moving to the sophistication of systems such as<br />
these, there are other forms of technological innovations that do not<br />
sit well with the ‘general principles’ of identity management. For example,<br />
biometric technologies are widely considered to be essential<br />
components of secure, robust and dependable identity assurance, especially<br />
in today’s interlinked digital economy where passwords and<br />
PINs no longer suffice as a strong means of user authentication.<br />
However, thinking of biometrics in technology neutral terms<br />
(“a means of identifying someone”) rather than a means of linking<br />
claims to a person has a number of risks, not least in terms of biometric<br />
failures.<br />
In her recent book, Shoshana Magnet (2011) reviews the very<br />
real ways in which biometric systems can fail. These failures are<br />
“failures to meet basic standards of objectivity and neutrality in their<br />
application, and the failure to adequately conceive of the human subjects<br />
and identities that are their purported objects” (p. 2). That is,<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 149 -168 2012<br />
Book 1.indb 149 27/4/2013 13:20:17
Edgar A. Whitley<br />
“these new identification technologies suffer from ‘demographic failures’,<br />
in which they reliably fail to identify particular segments of the<br />
population. That is, even though they are sold as able to target markets<br />
and sell products to people specifically identified on the basis of<br />
their gender and race identities, instead these technologies regularly<br />
overtarget, fail to identify and exclude particular communities” (p. 5).<br />
She notes that “biometric technologies that rely on erroneous<br />
assumptions about the biological nature of race, gender, and sexuality<br />
produce unbiometrifiable bodies, resulting in individuals who are<br />
denied their basic human rights to mobility, employment, food and<br />
housing” (p. 151).<br />
Another risk associated with an uncritical acceptance of biometrics<br />
in technologically neutral terms is that of closing down opportunities<br />
for innovation—opportunities which companies such as<br />
Touch2id have been exploring.<br />
Touch2id is a private organisation (http://www.touch2id.co.uk)<br />
that has been operating its biometric age–verification scheme in Wiltshire,<br />
UK since January 2010 in partnership with Wiltshire Council,<br />
NHS PCT, Police, Licensing Authority and Trading Standards officials.<br />
Touch2id seeks to use the principles of data minimization and<br />
minimal disclosure to use biometric data in a privacy–friendly and effective<br />
manner. These principles call for systems that store and reveal<br />
the minimum amount of personal data for the transaction at hand. It<br />
provides a proof–of–age card, NFC service or mobile phone ‘sticker’<br />
for 18–25 year olds that uses a single fingerprint sensor instead of a<br />
picture to confirm the claim that a person is 18 or over. It does not<br />
need to store personal details like name, date–of–birth, gender or address,<br />
operates free of a central database and does not capture and<br />
store a fingerprint at enrolment or during authentication.<br />
Diversifying from biometric–based access control systems,<br />
Touch2id was set up in 2008 to develop a unique, database–free solution<br />
for proof–of–age for the UK. The technology harnesses the latest<br />
multi–spectral fingerprint sensors which can read the fingerprint<br />
from below the epidermis (overcoming typical performance failures<br />
in the field due to dirty or damaged fingerprints) and the emerging use<br />
of contactless smart–card technology, such as London’s Oyster card<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 150 -168 2012<br />
Book 1.indb 150 27/4/2013 13:20:17
On technology neutral policies for e–identity...<br />
and NFC–enabled smart phones. The unique aspect of the technology,<br />
which has been developed in the UK with overseas OEM partners, is a<br />
database–free application that stores only a unique code created from<br />
the fingerprint, using a process known as minutiae mapping. That is,<br />
the fingerprint itself is never captured and the approach therefore minimises<br />
the risks of unrevokable biometrics (e.g. Ratha et al., 2007).<br />
Having enrolled with Touch2id (which involves generating the<br />
unique fingerprint code and storing it on the credential alongside a<br />
verified date–of–birth and other system information), the young person<br />
is free to use this credential to prove their age. For example, when<br />
entering a bar, they present their credential to a reader device and<br />
present their fingerprint on the reader, where a second code is generated<br />
from the presented fingerprint. If the codes match and the date–<br />
of–birth stored on the chip confirms that the person is over–18 on that<br />
day, a green light flashes and sound is generated confirming that the<br />
person is over–18.<br />
Touch2id therefore provides a form of zero–knowledge proof<br />
for the claim that an individual is over 18. It does so without revealing<br />
anything other than the veracity of that claim. The bar owner checking<br />
whether someone is over 18 can do so with a sufficient level of<br />
assurance in this claim (the date–of–birth has been verified and the<br />
person presenting the credential is the person that it was issued to)<br />
without having (or needing) to know the individual’s name, address,<br />
gender or date–of–birth and without generating an archival record of<br />
who visited which bars when.<br />
Both Touch2id and the cryptographic approaches outlined above<br />
raise serious questions about the notion of technology neutral e–identity<br />
policies. They offer zero–knowledge proofs and are not based on<br />
databases or transactional surveillance grids. Whilst, of course, these<br />
technologies could be presented using their own technology neutral<br />
vocabulary, finding a form of general principles that incorporates both<br />
these technologies and the existing identity management techniques<br />
found in the marketplace at present would be difficult.<br />
6 From identifiability to levels of<br />
assurance<br />
In parallel to the development of innovative technologies, another<br />
theme that is being adopted in the UK as elsewhere, is an explicit<br />
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Book 1.indb 151 27/4/2013 13:20:17
Edgar A. Whitley<br />
move from the idea of ‘perfect identifiability’ to a risk–based perspective<br />
based on required levels of assurance. Just as the bar owner does<br />
not need to know the name of the customer only— whether they are<br />
over 18—in many cases so–called identification claims are actually<br />
authentication claims (Whitley & Hosein, 2010b). That is, a relying<br />
party in the interaction must be able to assess the likelihood that the<br />
person they are interacting with legitimately has the attributes they<br />
claim (Cabinet Office, 2012). As in the case of Touch2id, this attribute<br />
might be a claim to be over 18, or being allergic to penicillin or, for<br />
online interactions, a ‘real person’ to move past ‘captcha’ screens.<br />
Some of these claims might be self–asserted (such as allergies,<br />
or avatar name), others might be backed by a level of assurance provided<br />
by a commercial identity provider (a credit reference agency<br />
might provide support for claims of credit worthiness) whilst others<br />
might require particularly high levels of assurance, for example,<br />
claims that a person is a UK citizen and hence entitled to a British<br />
passport, or has no criminal record history and is therefore eligible to<br />
work with vulnerable people.<br />
Such a risk–based perspective, if followed through logically<br />
and taking advantage of recent developments in computational computer<br />
science and cryptography, potentially removes the need to use<br />
identities for many transactions at all. For example, payments to an<br />
online store are currently based around the customer sending their<br />
bank details and other personal data to the store (which acts as the<br />
relying party for the financial part of the transaction; symmetrically,<br />
the customer is also a relying party in terms of the claim that the store<br />
will deliver the purchased goods or services). However, logically, all<br />
that is required is for the online store to receive an assertion (or guarantee)<br />
from the customer’s bank that the bank will cover the claimed<br />
payment (once, for that amount at (around) that time / date). If the<br />
customer makes another online transaction to a different store, a new<br />
one–off guarantee would be issued to this new relying party by the<br />
bank. Each online store is able to process the payment securely without<br />
ever needing to know who the customer was and without the need<br />
to receive, and store securely, the customer’s data. A public demonstration<br />
of this capability is available at: (Trusted Attribute Aggregation<br />
Service Demonstration, 2011).<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 152 -168 2012<br />
Book 1.indb 152 27/4/2013 13:20:17
On technology neutral policies for e–identity...<br />
This perspective, informed by recent developments in technology<br />
raise important concerns about arguments for technology neutral<br />
policies based on general principles. The next section uses this perspective<br />
to review recent proposals on identity policies for the EU.<br />
7 A study on identification, authentication<br />
and signature (IAS) policy<br />
Recent work financed by the European Commission studies the<br />
feasibility of a comprehensive EU legal framework that would apply<br />
to electronic assertions needed to secure electronic transactions as<br />
well as the ancillary services needed to use them: electronic identification,<br />
authentication, signature, seals and certified delivery. The objective<br />
would be to facilitate the smooth working of electronic transactions<br />
in the internal market (IAS Project, 2011b).<br />
The draft of the first IAS deliverable echoes the EU’s Digital<br />
Agenda (EU, 2010) by explicitly stating that “the policy goals that<br />
an IAS approach should cover, including such aspects as the enabling<br />
of the internal market, technological neutrality and legal reliability”<br />
(IAS Project, 2011a emphasis added).<br />
The study makes many useful recommendations, particularly<br />
around the challenges of electronic signatures for the internal market<br />
(where the question of being technology neutral between paper and<br />
electronic signatures across national boundaries becomes significant).<br />
However, there are a number of elements where the attempts to be<br />
‘technology neutral’ from a legal perspective undermine the benefits<br />
of the proposals from a technological one.<br />
Given Engberg’s assertion that it should be possible to design<br />
systems that are unable to distinguish between two transactions by<br />
the same person / device and two transactions by two different entities,<br />
many of the claims about uniqueness and identifiability made<br />
in the IAS study bear further scrutiny. For example, when discussing<br />
Electronic Identity Establishment the report argues that enrolment<br />
“relates those (identity) attributes to a primary key (electronic identity<br />
primary key, i.e. an identifier consisting in itself a Unique Identity) for<br />
later retrieval”. It continues: “There is typically a repository or database<br />
that may be centralised or decentralised in nature” (IAS Project,<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 153 -168 2012<br />
Book 1.indb 153 27/4/2013 13:20:17
Edgar A. Whitley<br />
2011a p. 23 emphasis added). As noted above, no such repository or<br />
database should be needed, nor should it be necessary (or even desirable)<br />
to try to identify or define a ‘unique identity’.<br />
This focus on unique identification also affects the description<br />
of biometrics, where the report presents the wish that: “in the ideal<br />
world there would be a technology providing some inimitable unique<br />
identity (IUI) to every natural person”. This IUI would have the properties<br />
of being “a Unique Identity of the entity it is related to; 100%<br />
unique to that entity; derived from biometric properties with 100% reliability<br />
for a lifetime; be as short as possible” (IAS Project, 2011a p.<br />
25). Empirical studies of biometrics have shown how dependent they<br />
are on all sorts of contextual factors, including the technology used to<br />
capture the biometric image (Bowyer et al., 2009; Magnet, 2011). In<br />
addition there are important conceptual questions about what uniqueness<br />
means in any particular context (Cole, 2009). Moreover, as the<br />
UK Identity Assurance Programme shows, it is possible (through the<br />
use of required levels of assurance) to allow individuals to use multiple<br />
credentials, from multiple identity assurance providers with different<br />
levels of assurance rather than requiring the system to fixate<br />
on some inimitable unique identity that is used for all identity related<br />
transactions regardless of the required level of assurance.<br />
The report states that “the current state–of–the–art can certainly<br />
rely on the concept of Unique Identity … while trying to evolve towards<br />
Inimitable Unique Identity in the future”. The intention is to<br />
link this unique identity, through a one–way function, to a Unique<br />
Identity Derivation “a special type of electronic identity primary key<br />
as named above, i.e. a special unique identifier consisting in itself a<br />
Unique Identity of the entity it is related to” (IAS Project, 2011a p.<br />
25).<br />
Moreover, even this disguised identity derivation is, according<br />
to the study, intended to be used by Identity Attribute Assertion Providers<br />
who assign identity attributes to persons in a way that would<br />
“ideally be 100% in the context of an official Governmental identification<br />
scheme but may vary between different levels in more relaxed<br />
market or business or social application domains” (IAS Project,<br />
2011a p. 26).<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 154 -168 2012<br />
Book 1.indb 154 27/4/2013 13:20:17
On technology neutral policies for e–identity...<br />
Achieving close to 100% certainty in a unique identity is always<br />
a costly process, particularly because of the opportunities for fraud<br />
that are opened up if an unique identity is incorrectly assigned. Moreover,<br />
in addition to the removal of a technological need for 100%<br />
identifiability, a risk–based perspective also reduces the emphasis on<br />
100% certainty, instead any service provider (whether public or private<br />
sector) needs to assess the level of assurance it requires from an<br />
identity provider and these will clearly vary from context to context<br />
(Cabinet Office, 2012).<br />
For example, the report gives a number of use cases where entity<br />
authentication is seen as “a process of establishing an acceptable<br />
level of assurance that a claimed identity is genuine” (IAS Project,<br />
2011a p. 28). However, many of the use cases do not actually require<br />
identity, only support for the claims being made. That is, many are<br />
transactions that could easily be achieved through a form of pseudonymity<br />
rather than identity. These are transactions where the relying<br />
party does not need to know ‘who’ they are dealing with, only that<br />
they have the required attributes—see Table 1 for an analysis of these<br />
use cases.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 155 -168 2012<br />
Book 1.indb 155 27/4/2013 13:20:17
Edgar A. Whitley<br />
Use Case<br />
Demonstration of holding<br />
a credential for being<br />
eligible for benefits (address,<br />
family status, age,<br />
etc.) by the claimant;<br />
Log on to an electronic<br />
Service Provider or eGovernment<br />
service<br />
Managing the domestic<br />
services of your house<br />
Internet buying<br />
Internet selling (including<br />
reputation management<br />
aspects);<br />
Listening to streaming<br />
music through a paying<br />
subscription<br />
Border control<br />
Voting<br />
Identity or Attribute<br />
Claim?<br />
Attribute<br />
Either<br />
Attribute<br />
Attribute<br />
Attribute<br />
Attribute<br />
Identity<br />
Attribute<br />
Comment<br />
This example, in fact, confuses<br />
the possession of a credential<br />
which supports the claim (which<br />
is all the benefits agency requires)<br />
with the information used to issue<br />
the credential (address, family<br />
status, age, etc.)<br />
Some service providers may not<br />
require ‘identity’, others (currently)<br />
do, for example, to link tax<br />
payments to a particular person<br />
Pseudonymous with links back to<br />
real identity in case of fraud<br />
Pseudonymous with links back to<br />
real identity in case of fraud<br />
Pseudonymous with links back to<br />
real identity in case of fraud<br />
Pseudonymous with links back to<br />
real identity in case of fraud<br />
At present, this is based on open<br />
standards and human–readable<br />
credentials (passports) but should<br />
be attribute–based claims (“entitled<br />
to enter the country”)<br />
Pseudonymous with links back to<br />
real identity in case of fraud<br />
Checking e–mail and<br />
voice mail<br />
Attribute<br />
Pseudonymous with links back to<br />
real identity in case of fraud<br />
Table 1 Identification use cases (IAS Project, 2011a pp. 28–29)<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 156 -168 2012<br />
Book 1.indb 156 27/4/2013 13:20:18
On technology neutral policies for e–identity...<br />
In many of the use cases, pseudonymous transactions based on<br />
attributes are feasible and possibly desirable. These transactions are<br />
not truly anonymous, rather they are cases where the pseudonymity<br />
of the transaction is maintained by the identity provider that is supporting<br />
the claims. That is, if my bank knows that I am credit worthy<br />
then it should be able to support my claim to make be able to make<br />
purchases online (for example by issuing me with a credit card for<br />
online purchases), even if the relying party sees my (pseudonymous)<br />
name (“Mickey Mouse”) rather than my real name. If a transaction<br />
is believed to be fraudulent, it may become necessary to break the<br />
pseudonymisation and the identity provider will be able to do this, on<br />
presentation of a suitably authorised ‘search’ warrant.<br />
Another example given in the study is where social networks or<br />
other service providers are used to support attribute assertions and the<br />
example of a mobile phone number and a phone bill is used to identify<br />
and authenticate a person applying for a bank loan. Once again, this<br />
example confuses two things, identifying the person and supporting<br />
their suitability for credit. Whilst mobile phone SIM cards are regulated<br />
in some countries (i.e. they can only be sold on presentation of<br />
official identification documents) in others there is no such restriction.<br />
Indeed, it is possible to buy SIM cards in UK airports (both airside<br />
and terminal side) from automatic dispensers, for cash.<br />
The discussion of e–signature types again reveals some technological<br />
assumptions, which originate in the previous e–signatures<br />
directive (EU, 1999). In the original directive, an ‘advanced electronic<br />
signature’ means an electronic signature which satisfies various<br />
requirements, such as being uniquely linked to the signatory and is<br />
created using means that the signatory can maintain under his sole<br />
control. However it also states that an ‘advanced electronic signature’<br />
“(b) is capable of identifying the signatory”.<br />
As the discussion of technological developments presented<br />
above has shown, it is now possible to implement functionality which<br />
addresses all the requirements of advanced electronic signatures and<br />
more, but which either are capable of pseudonymously identifying the<br />
signatory or which do not need to identify the signatory at all to maintain<br />
their utility. As such, simply restating this particular requirement<br />
highlights the technological dangers of ‘technology neutral’ policies.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 157 -168 2012<br />
Book 1.indb 157 27/4/2013 13:20:18
Edgar A. Whitley<br />
8 Concluding discussion<br />
The examples presented in the paper suggest that the unqualified<br />
support for technology neutral policy for e–identity needs to be<br />
reconsidered. Developments in technology as well as innovative business<br />
models that are explicitly designed to be privacy–friendly have<br />
the potential to reshape the very form of e–identity policy. As such,<br />
the ‘general principles’ underlying e–identity have been subject to a<br />
paradigm shift and it is difficult to reconcile the new principles of e–<br />
identity with those found in earlier technologies. Whilst it is possible<br />
to formulate new general principles, a more straightforward response<br />
might be to recognise that general principles or technology neutral<br />
policies should be restricted to being a starting point rather than a<br />
desirable end point. That is, in line with Koops’ potential neutrality<br />
technology specific regulations should be reviewed regularly to ensure<br />
that they are not unnecessarily distorting the market and innovation<br />
opportunities by supporting or restricting particular developments<br />
(Bennett Moses, 2011).<br />
It also suggests that technology neutrality is not a simple binary<br />
choice—these regulations are technology neutral / those are not.<br />
Instead, technology neutrality might end up being more a question of<br />
degree.<br />
A related concern with technologically neutral policy in practice<br />
is that it shifts detailed, technology–specific decisions to secondary<br />
legislation, statutory instruments and their equivalents. Although, in<br />
principle, such mechanisms are entirely appropriate, in practice they<br />
face far less parliamentary scrutiny even though they may have far<br />
greater practical implications. This unintended consequence of the<br />
neutrality argument, where detailed considerations are made by unnamed<br />
technocrats and civil servants rather than the elected legislature,<br />
is inherently problematic and open to abuse. Similar problems arise<br />
when these issues are transferred to international standards bodies<br />
that claim to act on behalf of citizens.<br />
Technology neutral policies also raise significant concerns for<br />
techno–legal integration across EU member states. The certainty<br />
about legal and technical interoperability can only be achieved by<br />
being specific about technology and regulations. Failing to do so mi-<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 158 -168 2012<br />
Book 1.indb 158 27/4/2013 13:20:18
On technology neutral policies for e–identity...<br />
ght achieve political agreement but runs the risk of low levels of take–<br />
up and adoption.<br />
By removing the state from being an identity provider, the UK<br />
experience brings to the forefront questions of liability that might remain<br />
implicit if the state is intimately involved in both the issuing and<br />
use of identity credentials.<br />
The technology alternatives presented in this paper are particularly<br />
amenable to user–centric considerations. Rather than being<br />
restricted to a single identity provider (the state), UK citizens are intended<br />
to be able to take more control over their identity credentials,<br />
organising them in ways which support their own needs rather than<br />
those of the state. For example, a citizen may choose to use some<br />
one credential for work–related activities, another for family and household<br />
identity claims, a third for their hobbies etc. Moreover, the<br />
technologies discussed above allow for various forms of anonymous<br />
(e.g. Touch2id) and pseudonymous actions. These will have knock–<br />
on effects on legal models (and liability), particularly in the case of<br />
zero–knowledge proofs. What underlying law should apply if a zero–<br />
knowledge proof is used? Who is liable in cases of dispute?<br />
Koops ends his review by asking four questions when thinking<br />
of using technology neutral regulation “as a starting point”: What is<br />
the goal of the regulation? Is it desirable to control technology? What<br />
level of legal certainty is required? And how urgent is the need for<br />
regulation?<br />
In the context of e–identity policies it is clear that the goal of<br />
regulation should not be to provide equivalence between online and<br />
offline worlds. Indeed, as was shown in the paper, recent technological<br />
developments offer the opportunity for enhancing privacy whilst<br />
supporting identity claims in ways that have no meaningful equivalence<br />
in offline worlds.<br />
The role of a market of identity providers in the UK programme<br />
highlights the tension between the need to control, at one level, both<br />
the companies and the services they provide, while explicitly not restricting<br />
new, innovative companies from entering the market place.<br />
The associated level of legal certainty is therefore provided by the accreditation<br />
schemes associated with becoming an authorised identity<br />
provider that can provide identity services to public service providers.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 159 -168 2012<br />
Book 1.indb 159 27/4/2013 13:20:18
Edgar A. Whitley<br />
What each of these examples has shown is that in addition to<br />
legal concerns about the applicability of technology neutral policies<br />
there are increasingly important technological concerns that limit this<br />
applicability. If e–identity, and similar technologically sophisticated<br />
services, are to succeed we need to reflect critically on the assumption<br />
that technology neutral policies are the most effective way forward.<br />
Políticas de tecnologia neutras para identidade<br />
eletrônica: Uma reflexão crítica comparada<br />
com o Reino Unido<br />
Resumo<br />
Este artigo analisa os argumentos de tecnologia neutra para identidade<br />
eletrônica. Ele usa a experiência recente da política de identidade<br />
no Reino Unido, bem como uma análise da evolução tecnológica,<br />
a distinção entre duas perspectivas sobre as políticas de tecnologia<br />
neutra: modelos legais e tecnológicos. Embora a perspectiva jurídica<br />
sobre a neutralidade da tecnologia se destina a proporcionar segurança<br />
jurídica, não consegue resolver descontínuas inovações tecnológicas<br />
como de sistemas de avaliações de risco baseados em declarações<br />
de identidade e de atributo. Estes estão transformando a base das políticas<br />
de identidade e destacando os desafios da proposição de políticas<br />
de tecnologia neutras no direito. O artigo, portanto, aplica a crítica da<br />
neutralidade tecnológica para rever um estudo recente sobre autenticação<br />
de identidade e assinatura na União Europeia.<br />
Palavras-chave: Tecnologia neutra, identidade digital, segurança de<br />
identidade, regulamentação, instrumentos legais<br />
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Book 1.indb 168 27/4/2013 13:20:18
6<br />
O princípio da boa-fé e a utilização<br />
retroativa da CPFM.<br />
Recebido: 30/07/2012<br />
Analisado: 20/11/2012<br />
Elcio Fonseca Reis *<br />
Elcio reis **<br />
Nova Lima/MG<br />
elcio@elcioreis.com.br<br />
elcioreis@elcioreis.com.br<br />
Sumário<br />
1. Introdução. 2. A tensão entre os princípios constitucionais<br />
e a retroatividade da quebra do sigilo<br />
bancário. 2.1 Princípios e regras. 2.2. O princípio<br />
da capacidade contributiva e a solidariedade tributária.<br />
2.3. O princípio da boa-fé. 2.4. O princípio da<br />
segurança jurídica. 3. A aplicação retrospectiva da<br />
lei 10.174/2001 e a violação ao principio da boa-fé<br />
e da segurança jurídica. 4. Conclusão. Referências.<br />
Resumo<br />
O presente artigo tem como objeto discutir a utilização, de modo<br />
retroativo, dos dados da CPFM para fins de constituição do crédito<br />
1<br />
*<br />
Mestre e Doutor em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da UFMG. Professor<br />
de Direito Tributário da Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> nos cursos de graduação e<br />
mestrado. Ex-Procurador da Fazenda do Estado de Minas Gerais – Advogado.<br />
**<br />
Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais (2001).<br />
Professor de Direito Tributário no Mestrado da Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />
Ex-Procurador da Fazenda do Estado de Minas Gerais<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 169 -186 2012<br />
Book 1.indb 169 27/4/2013 13:20:18
Elcio Fonseca Reis / Elcio reis<br />
tributário. Analisa-se, para tanto, a evolução legislativa passando pela<br />
vedação anteriormente existente com relação a utilização dos dados<br />
da CPMF para fins de tributação e a modificação introduzida pela Lei<br />
. Busca-se interpretar o tema a luz não apenas do direito tributário<br />
formal, mas, sobretudo, dos princípios constitucionais. Perpassa-se<br />
pela tensão entre os princípios constitucionais que seriam aplicáveis<br />
ao caso, tais como: capacidade contributiva, solidariedade, boa-fé e<br />
segurança jurídica. Ao final, analisa-se a Lei 10.174 que pretende ter<br />
aplicação retroativa em face dos princípios da segurança jurídica e da<br />
boa-fé objetiva.<br />
Palavra Chave: Boa-Fé. Retroatividade. Direito tributário.<br />
1 Introdução<br />
Ainda é corrente na doutrina a discussão a respeito da validade<br />
da LC 105 que pretendeu instituir a possibilidade de quebra do sigilo<br />
fiscal para fins de investigação da capacidade contributiva dos contribuintes,<br />
independentemente de autorização judicial.<br />
Embora a questão esteja sob a análise do Supremo Tribunal Federal,<br />
que ainda não se manifestou a respeito da constitucionalidade<br />
ou não da quebra do sigilo pela autoridade administrativa, essa questão<br />
vem provocando manifestação do Poder Judiciário, em especial<br />
dos Tribunais Regionais.<br />
Isto porque, a par da LC 105/01, foi alterada a Lei Ordinária<br />
9.311/96 pela Lei Ordinária 10.174/2001, a fim de que os dados da<br />
CPFM pudessem ser utilizados pela Recita Federal para fins de apuração<br />
da capacidade contributiva, notadamente da receita e rendimentos<br />
de pessoas jurídicas e naturais.<br />
A Receita Federal, em defesa, aduz que a possibilidade de utilização<br />
dos dados da CPMF, como mecanismo inicial de busca da identificação<br />
de receita e rendimentos dos contribuintes encontra apoio no<br />
princípio da capacidade contributiva.<br />
Por outro lado, os contribuintes, embora discutam a questão sob<br />
a égide do princípio da irretroatividade e da violação ao direito e garantia<br />
individual que protege e garante a inviolabilidade dos dados<br />
(art. 5, XII da Constituição), não vêm encontrando apoio nas decisões<br />
proferidas pelos Tribunais.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 170 -186 2012<br />
Book 1.indb 170 27/4/2013 13:20:19
O princípio da boa-fé e a utilização retroativa da CPFM<br />
Isto porque os Tribunais vêm analisando esta questão a luz do<br />
direito tributário formal, ao invés de buscarem solução para o conflito<br />
nos princípios constitucionais, preferindo discutir a validade da<br />
alteração legislativa em face do art. 144, § 1º, do Código Tributário<br />
Nacional.<br />
O presente estudo terá como norte a análise do problema a luz<br />
exclusivamente do princípio da boa-fé, na faceta proteção da confiança<br />
e segurança jurídica, e a tensão com o princípio da capacidade<br />
contributiva.<br />
2 A tensão entre os princípios constitucionais<br />
e a retroatividade da quebra do sigilo<br />
bancário<br />
2.1 Princípios e regras<br />
O estudo do ordenamento jurídico passa necessariamente pela<br />
análise da diversidade das normas que o compõe, de forma a se buscar<br />
todas as dimensões do fenômeno normativo.<br />
A evolução e superação das teorias que estudam os princípios<br />
surgem num contexto de superação do formalismo, coincidindo ainda<br />
com a evolução dos direitos fundamentais, sobretudo pela positivação<br />
constitucional desses direitos e a forte dose de carga valorativa que<br />
vem sendo inserida nas Cartas Constitucionais.<br />
É a teoria dos princípios, na visão de Bonavides (1996, 264),<br />
que confere uma nova versão de legitimidade ao ordenamento jurídico<br />
com fundamento na Constituição, fazendo o equilíbrio e a essência<br />
de um sistema jurídico legítimo. Situam-se no ápice da pirâmide<br />
normativa, sendo qualitativamente a viga-mestra do sistema, o esteio<br />
da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das<br />
regras de uma Constituição.<br />
Os princípios distinguem-se dos demais preceitos jurídicos uma<br />
vez que se constituem em “expressão primeira dos valores fundamentais<br />
expressos pelo ordenamento jurídico, informando materialmente<br />
as demais normas.” (ROTHENBURG.1999, 16)<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 171 -186 2012<br />
Book 1.indb 171 27/4/2013 13:20:19
Elcio Fonseca Reis / Elcio reis<br />
Os princípios podem ser cumpridos em diferentes graus, ou<br />
seja, os princípios apresentam razões as quais podem ser afastadas<br />
por razões opostas, não trazendo em si determinações acerca da forma<br />
pela qual deverá ser eliminada a tensão entre a razão que a contém e<br />
aquela que eventualmente se apresente como oposta.<br />
O conflito de princípios somente tem existência diante de um<br />
caso concreto, enquanto os conflitos entre as regras têm existência em<br />
abstrato. No caso das regras o conflito somente será resolvido se for<br />
introduzida uma cláusula de exceção, 1 pois a aplicação de uma afasta<br />
a outra, ou se uma delas for declarada não válida. Ou seja, as regras<br />
são vistas segundo a sua estrutura dinâmica, utilizando a terminologia<br />
de Kelsen, assim, ou valem ou não valem (juízo de validade), o que<br />
não significa não possam as mesmas ser densificadas com base no<br />
princípio da razoabilidade.<br />
Os princípios, em específico, não estão submetidos, tão-somente,<br />
a um juízo de validade, mas especialmente a uma ponderação, a<br />
um balanceamento; não se declara válido ou não válido um princípio,<br />
não há uma norma de exceção. A solução é diversa: as circunstâncias<br />
concretas motivadoras da aplicação dos princípios conflitantes devem<br />
ser analisadas, observando-se qual o princípio prevalecerá no caso<br />
concreto, uma vez que eles têm peso diferente. Na escolha do princípio<br />
a incidir deverá ser utilizada a máxima da proporcionalidade. 2<br />
Não há, portanto, verdadeira hierarquia entre os princípios, uma<br />
vez que ora poderá prevalecer um ora outro, deve ser feito o teste de<br />
proporcionalidade, para decidir qual regerá o caso concreto. Há, pois,<br />
uma hierarquização em função do caso concreto.<br />
Hesse (1998-65) 3 afirma a necessidade de se buscar uma interpretação<br />
das normas constitucionais levando em consideração, o<br />
1<br />
As normas de exceção podem estabelecer que a lei posterior revoga a anterior ou que a<br />
lei especial prevalece sobre a geral<br />
2<br />
Segundo a doutrina alemã de Alexy, a máxima da proporcionalidade se submete ao teste<br />
de adequação, de necessidade e da ponderação.<br />
3<br />
“A conexão e interdependência dos elementos individuais da Constituição fundamentam<br />
a necessidade de olhar nunca somente a norma individual, senão sempre também a<br />
conexão total na qual ela deve ser colocada; todas as normas constitucionais devem ser<br />
interpretadas de tal modo que contradições com outras normas constitucionais sejam<br />
evitadas. Somente uma tal resolução do problema corresponde a esse princípio, que se<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 172 -186 2012<br />
Book 1.indb 172 27/4/2013 13:20:19
O princípio da boa-fé e a utilização retroativa da CPFM<br />
princípio da unidade da Constituição, tendo em vista a conexão e a<br />
interdependência dos elementos individuais da Constituição.<br />
Importante para o autor, é a vinculação da interpretação da norma<br />
a ser aplicada ao caso concreto, pelo que não se pode desconhecer<br />
o problema concreto a ser resolvido. Afirma que “não pode haver<br />
método de interpretação autônomo, separado desses fatores, positivamente,<br />
que o procedimento de concretização deve ser determinado<br />
pelo objeto da interpretação, pela Constituição e pelo problema respectivo.”<br />
Hesse (1998-63)<br />
2.2 O princípio da capacidade contributiva e a solidariedade<br />
tributária.<br />
As normas de tributação não são de fácil interpretação, especialmente<br />
pela tensão existente entre princípios que informam o dever<br />
de tributar e aqueles que protegem o contribuinte.<br />
O tributo, nesse contexto, deixa de ser simples fonte de receita<br />
para o Estado, passando a ser utilizado como instrumento de realização<br />
de justiça, vale-se do princípio da capacidade contributiva como<br />
meio de onerar aqueles economicamente mais favorecidos, sendo utilizado,<br />
também, de forma extrafiscal, para criar benefícios para regiões<br />
mais pobres. Dessa forma, a igualdade no tratamento tributário deixa<br />
de ser meramente formal, passando a ser material. Esta é uma característica<br />
do Estado Social.<br />
Derzi (2005, 289) ao atualizar a clássica obra de Aliomar Baleeiro,<br />
afirma que são os critérios de comparação que permitem agrupar<br />
os seres em iguais ou desiguais, traçando as linhas mestras da<br />
igualdade material e cristalizando a escala de valores constitucionalmente<br />
adotada. Ensina que no campo tributário, o critério básico que<br />
mensura a igualdade ou a desigualdade é a capacidade econômica do<br />
contribuinte.<br />
Desta forma, a capacidade contributiva é o critério que deve ser<br />
observado pelo legislador para estabelecer as discriminações, de forma<br />
que se faça justiça, tributando de forma mais gravosa as manifesmantém<br />
em consonância com as decisões fundamentais da Constituição e se preserva da<br />
restrição unilateral a aspectos parciais.<br />
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Elcio Fonseca Reis / Elcio reis<br />
tações de riqueza mais acentuadas, o que se dá pela progressividade<br />
para os tributos diretos e pela seletividade para os indiretos. Assim,<br />
verificada a existência de capacidade contributiva, a isonomia deve<br />
ser respeitada em face desta, no sentido de que capacidades contributivas<br />
equivalentes devem receber igual carga tributária.<br />
Isso implica ampliação e intensificação da tributação. Expansão<br />
essa que encontra na capacidade contributiva seu lastro inicial, o que<br />
permite ao legislador buscar a realização da justiça fiscal, porquanto o<br />
princípio da capacidade contributiva possibilita que o legislador busque<br />
seleção e identificação da riqueza que será tributada. 4<br />
Dentro da idéia de que o cidadão deve observar as normas de<br />
tributação e cumpri-las, tem-se o princípio da capacidade contributiva<br />
como norte para a tributação, que submete tanto o contribuinte quanto<br />
o Estado, sendo meio para se atingir a justiça tributária e a igualdade<br />
material.<br />
Não se pode, todavia, invocar o princípio da capacidade contributiva<br />
para justificar a carga tributária de forma absoluta, pois este<br />
deve potencializar a arrecadação tributária, na medida em que busca<br />
a tributação de todas as manifestações signo presuntivas de riqueza,<br />
também atua como limite para a tributação.<br />
A capacidade contributiva, princípio informador de todo o Sistema<br />
Tributário Nacional, tem como principal norte proporcionar a<br />
realização da justiça fiscal, mediante oneração daqueles que revelem<br />
signos presuntivos de riqueza, os quais serão tomados como pressuposto<br />
de fato da norma de tributação, ou serão utilizados como critério<br />
de graduação da imposição fiscal.<br />
Gomes (1999, 200) enxerga no princípio da capacidade contributiva<br />
duas funções: uma protetiva do contribuinte – imanente ao<br />
Estado Liberal, e a outra vinculada ao princípio da solidariedade – ligada<br />
ao Estado Democrático de Direito.<br />
Alberto Xavier (2002, 129) discorda da posição acima, entendendo<br />
que os princípios da igualdade e da capacidade contributiva<br />
4<br />
“Uma tributação assente no princípio da capacidade contributiva (isto é, na justiça contributiva)<br />
permite uma tributação mais extensiva e intensiva do que a baseada no princípio<br />
da equivalência (isto é, na justiça comutativa que estende a relação de troca, típica do<br />
mercado, às relações estado/contribuinte.)” NABAIS (1998, 576).<br />
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O princípio da boa-fé e a utilização retroativa da CPFM<br />
desempenham assim uma função negativa ou proibitiva: vedam ao<br />
Poder Legislativo uma tributação alheia à capacidade contributiva,<br />
bem como uma tributação discriminatória, arbitrária ou desrazoável<br />
“entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente” de<br />
idênticas manifestações de capacidade contributiva. Mas esses mesmos<br />
princípios não têm uma função positiva ou preceptiva de ordenar<br />
ao legislador a tributação de toda e qualquer manifestação de capacidade<br />
contributiva.<br />
O princípio da capacidade contributiva, porém, não deve ser<br />
vista, ainda que se adote a sua função positiva ou de solidariedade,<br />
como uma “carta branca” para a tributação ou para a legislação tributária,<br />
porquanto deverá ser analisado a luz dos demais princípios<br />
constitucionais, notadamente o princípio da segurança jurídica e da<br />
boa-fé objetiva.<br />
2.3 O princípio da boa-fé<br />
Para uma correta compreensão do princípio da boa-fé e sua aplicação<br />
ao direito público, especialmente no campo do direito tributário,<br />
é necessário se fazer uma breve digressão histórica a respeito da<br />
origem e evolução do conceito de boa-fé.<br />
Sem dúvida alguma é na fides romana que se encontram as raízes<br />
do principio da boa-fé. Menezes Cordeiro (1997, 54) informa que<br />
três são os elementos históricos conhecidos da fides primitiva: fidessacra,<br />
fides-fato e fides-ética.<br />
A fides-sacra era uma sanção de ordem religiosa que era aplicada<br />
ao patrão que defraudasse a fides do cliente. A fides-fato era assim<br />
denominada por não se revestir de qualquer qualificação moral ou<br />
religiosa, estando associada à noção de garantia e à noção de clientela.<br />
5 A fides-ética extrapolaria a idéia simplesmente de fato, pois a<br />
partir do momento em que a garantia de que é expressão a fides passa<br />
a residir na pessoa, a fides deixa de ter simplesmente fato e passa a ter<br />
uma conotação moral.<br />
5<br />
Clientela correspondia a um tipo de estratificação social que pressupunha uma graduação<br />
entre o cidadão livre totalmente sui iuris e o escravo. Implicava a existência de pessoas<br />
adstritas a certos deveres de lealdade e obediência perante outras em troca de proteção.<br />
MENEZES CORDEIRO. (1997, 59).<br />
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Elcio Fonseca Reis / Elcio reis<br />
Paolo Frezza, tratando da origem da boa-fé, observa na fides<br />
dois significados: (i) papel auto-limitador que o sujeito de um<br />
poder impõe a si mesmo; (ii) respeito às obrigações livremente<br />
contraídas. 6<br />
Da fides passou-se a bona fides, com as ações processuais de<br />
bonae fidei iudicia, que partiam do estudo das situações concretas,<br />
sendo as ações expressamente construídas pelo pretor, que apresentavam<br />
traços comuns. São exemplos: as ações de tutela, sociedade,<br />
fidúcia, mandato, comodato, depósito, gestão de negócios etc.<br />
A bona fides influenciou também o direito alemão, porém a<br />
partir da década de quarenta do século passado, com os estudos de<br />
Pretzel e de Neumann, estudos consolidados por Stratz passaram a<br />
conhecer a moderna teoria da boa-fé.<br />
A doutrina alemã passa a adotar o conceito de Treu und Glauben<br />
quando se pretende designar a boa fé objetiva, enquanto que a boa-fé<br />
subjetiva ligada ao conceito de bona fides é identificada pela expressão<br />
guter Glauben.<br />
A boa-fé germânica partiu da idéia de crença, confiança, honra,<br />
lealdade alargando o sentido romano de boa-fé, construindo assim<br />
uma teoria própria, a da boa-fé objetiva, ligada ao racionalismo.<br />
A boa fé é um conceito indeterminado e cambiante que sofre<br />
mutações em face de seu caráter móvel, sendo definido no momento<br />
de sua aplicação/reconhecimento conforme as circunstâncias de fato<br />
do caso e influências do meio.<br />
A boa-fé subjetiva se funda no erro ou na ignorância da verdadeira<br />
situação jurídica, por isso que o erro ou a ignorância funcionam<br />
como pressuposto da crença do sujeito da relação jurídica na validade<br />
do ato ou da conduta humana. A boa-fé subjetiva está relacionada<br />
ao sujeito da relação jurídica, enquanto a objetiva à própria relação<br />
jurídica.<br />
A boa-fé subjetiva refere-se a correta situação do sujeito dentro<br />
da relação jurídica, não ao conteúdo ou aos efeitos da relação. É a<br />
consciência do sujeito em face da situação jurídica, consistente na<br />
crença ou ignorância de agir conforme o direito.<br />
6<br />
Apud ZANELLATO. (2002, 21).<br />
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O princípio da boa-fé e a utilização retroativa da CPFM<br />
A boa-fé é um princípio implícito constitucional, derivado do<br />
princípio da moralidade, 7 que determina que as relações jurídicas de<br />
direito público devam ser praticadas com a observância do dever de<br />
lealdade e com a confiança de que a conduta de ambas as partes ocorrerá<br />
sempre em respeito aos princípios éticos e morais. A boa-fé não<br />
está baseada na vontade das partes, mas na adequação da relação jurídica<br />
aos valores que esta inspira. Enquanto a boa-fé subjetiva está<br />
relacionada com o agente/parte, a boa fé objetiva atua sobre a própria<br />
relação jurídica, sobre o conteúdo desta.<br />
A utilização do princípio da boa-fé trará um campo muito amplo<br />
de controle dos atos jurídicos, sendo de grande utilidade, sobretudo<br />
como um novo instrumento de defesa por parte do contribuinte contra<br />
os abusos e despautérios cometidos diuturnamente pela administração<br />
pública, sendo utilizado, inclusive, pelo Pode Judiciário como mecanismo<br />
de controle dos atos legislativos, quando estes forem praticados<br />
com abuso (abuso do poder de legislar), ou ainda quando violarem a<br />
proteção da confiança, na medida em que a boa-fé deve atuar de forma<br />
estabilizadora do sistema. 8<br />
Afinal, a boa-fé expressa na Carta Constitucional pelo Princípio<br />
da Moralidade, igualmente aplicável aos atos legislativos, constituindo-se,<br />
o apontado mandamento, em obstáculo à edição de normas<br />
arbitrárias, discriminatórias e abusivas, que visam tão-somente a<br />
criação de dificuldades e óbices injustificáveis no cumprimento das<br />
7<br />
BATISTA JÚNIOR (2004, 371-372. “A idéia de moralidade administrativa, assim, adentra<br />
o reino do Direito, fornecendo referencias para a garantia da realização dos valores<br />
expressos nas idéias de bem comum, de honestidade, de boa-fé, de lealdade, que se ajustam<br />
a uma idéia substancial de justiça. (...) A propósito, a moralidade administrativa,<br />
trazida para o mundo do Direito, não carrega a ilusão de poder expurgar todos os vícios<br />
e assentar todas as virtudes da atuação administrativa, mas volta-se apenas para alguns<br />
aspectos determinados da conduta da AP de grande relevância social. Podemos apontar<br />
algumas de suas facetas mais importantes: probidade administrativa, boa-fé, proteção da<br />
confiança dos administrados na AP, veracidade.”<br />
8<br />
“Se a boa-fé objetiva se desenvolve do venire contra factum proprium, nos institutos<br />
materiais da supressio e da surrectio, ou ainda no instituto processual anglo-saxão do<br />
stoppel, o fato é que no Direito Privado e, com mais razão, no Direito Público, a proteção<br />
da confiança, das expectativas criadas e o respeito à lealdade transformam-se em<br />
importantes equivalentes funcionais ou em acopladores estruturantes e estabilizadores do<br />
sistema.” DERZI (2005, 245-284).<br />
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Elcio Fonseca Reis / Elcio reis<br />
obrigações tributárias, podendo, entretanto, ser oposta, também, em<br />
face do administrado que agir em desacordo com a boa-fé.<br />
A boa-fé objetiva atua diretamente na relação jurídica, valendo-se<br />
como norma de interpretação, de controle de posição jurídica, de limitação<br />
de exercício de direito subjetivo e de direito potestativo.<br />
O princípio da proteção da confiança se encontra intimamente<br />
ligado ao conteúdo material da boa-fé. A idéia de confiança implica<br />
a validação de uma conduta e dos seus efeitos, na hipótese em que a<br />
pessoa tenha agido de forma omissiva ou comissiva, em virtude da<br />
aparência criada pela parte contrária de que a conduta teria sido praticada<br />
em conformidade com o ordenamento jurídico.<br />
Derzi (2006, 961-992) manifesta-se no mesmo sentido entendendo<br />
que a boa-fé existe na confiança protegida, decorrente de uma<br />
das partes ter criado na outra, em virtude de um determinado comportamento,<br />
uma expectativa com relação ao comportamento adotado.<br />
Todavia, faz a ressalva que Roland Kreibich entende que a proteção da<br />
confiança seria mais abrangente que a boa-fé objetiva, na medida em<br />
que aquela seria aplicável a situações gerais e abstratas, enquanto que<br />
esta somente poderia alcançar as situações individuais e concretas.<br />
Menezes Cordeiro (1997, 1234-1235) assim se manifesta a respeito<br />
do princípio da proteção da confiança: “A confiança exprime<br />
a situação em que uma pessoa adere em termos de actividade ou de<br />
crença, a certas representações, passadas, presentes ou futuras, que<br />
tenha por efectivas. O princípio da confiança explicitaria o reconhecimento<br />
dessa situação e sua tutela. (...) Começou, então, por ser entendido<br />
como uma legitimação formal, atribuída por norma específica,<br />
para o exercício de determinado direito que, em abstracto, não teria<br />
sido conferido pelo ordenamento.<br />
Desta forma o princípio da proteção da confiança e o princípio<br />
da boa-fé formariam círculos jurídicos que parcialmente se justapõem<br />
e cuja interseção define a proteção da confiança na relação tributária<br />
concreta.<br />
As conseqüências decorrentes da proteção da confiança podem,<br />
em teoria, ser duas: (i) manutenção da situação jurídica praticada com<br />
base na boa-fé objetiva; (ii) dever de indenizar pelos danos materiais<br />
e morais sofridos, em face da quebra, pela parte contrária, da situação<br />
praticada com base na confiança.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 178 -186 2012<br />
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O princípio da boa-fé e a utilização retroativa da CPFM<br />
2.4 O princípio da segurança jurídica<br />
No Estado de Direito, a idéia de segurança jurídica em que está<br />
assente o princípio da legalidade é muito mais ampla do que este,<br />
moldando-o de forma que não basta a reserva formal, para a certeza<br />
e segurança do Direito, mas necessita-se da reserva material, ou seja,<br />
as condutas propulsoras de conseqüência jurídica devem ser descritas,<br />
exaustivamente, pela lei. 9<br />
A idéia de segurança jurídica vem enraizada desde o iluminismo<br />
como forma de se proteger a liberdade e a propriedade dos cidadãos,<br />
que sofriam interferências do Estado, muitas vezes arbitrárias. Daí a<br />
necessidade de se prever nas leis as formas e condutas desencadeadoras<br />
de deveres jurídicos.<br />
O princípio da legalidade visava retirar a ampla margem de livre<br />
apreciação e decisão, ou seja, pretendia-se restringir os poderes<br />
discricionários em matéria fiscal, os quais seriam incompatíveis com<br />
a idéia de segurança jurídica, de certeza do direito.<br />
Gomes (1999, 161-161) analisando o princípio da legalidade e<br />
a necessidade desta se apresentar através de conceitos determinados,<br />
ou seja, a impossibilidade da lei tributária valer-se de conceitos indeterminados<br />
ou de possibilitar a discricionariedade administrativa<br />
entende como inconstitucionais quaisquer tentativas de frustração do<br />
princípio da especificidade conceitual, impropriamente denominada<br />
de tipicidade fechada.<br />
Derzi (1998, 84-91) a respeito do princípio da segurança jurídica<br />
e sua posição em face da norma tributária, tanto com relação àquela<br />
composta por tipos abertos e indeterminados, como em face daquela<br />
que se amolda em conceitos determinados e fechados – princípio<br />
da especificidade conceitual (denominado de forma equivocada pela<br />
doutrina como tipicidade fechada) revela que a segurança jurídica se-<br />
9<br />
Xavier (2002, 17-18). “Reserva ‘absoluta’ significa a exigência constitucional de que a<br />
lei deve conter não só o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio<br />
critério de decisão do órgão de aplicação do direito no caso concreto.” (...) “ O princípio<br />
da tipicidade ou da reserva absoluta de lei tem como corolários o princípio da seleção, o<br />
princípio do numerus clausus, o princípio do exclusivismo e o princípio da determinação<br />
ou tipicidade fechada.”<br />
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Elcio Fonseca Reis / Elcio reis<br />
ria mais afeita aos conceitos do que aos tipos, embora estes pudessem<br />
estar mais presentes na idéia de justiça.<br />
Diante disso, outra solução não pode ser exceto a de minimizar<br />
o impacto da rigidez normativa, em face da boa-fé do contribuinte,<br />
adotando, no caso concreto, uma solução equilibrada, razoável e coerente<br />
com as circunstâncias, quer se tratem de deveres instrumentais<br />
ou de lançamento de tributo, inclusive hipótese de alterabilidade do<br />
lançamento.<br />
Pode-se criticar tal postura em face do princípio da segurança<br />
jurídica, que não deve ser vista sob uma ótica restrita, apenas como<br />
critério de se proteger a liberdade e propriedade do particular, mas,<br />
sobretudo, numa forma de estabilidade das relações jurídicas.<br />
Infelizmente, a análise do princípio da segurança jurídica sob a<br />
ótica do princípio da legalidade não pode ser a mesma, porque houve<br />
uma hipertrofia do ordenamento jurídico de tal forma que tornou impraticável<br />
ao contribuinte o conhecimento de seus deveres. Por isso,<br />
a idéia de segurança jurídica não pode ser resumida, tão somente, ao<br />
prévio conhecimento das leis, deve ser analisada e interpretada à luz<br />
do princípio da boa-fé, em todas as suas funções, faces e campo de<br />
atuação.<br />
A segurança não é um princípio lógico da estrutura formal das<br />
normas, como um elemento estático, ao contrário, é um conceito dinâmico<br />
que busca a proteção de valores liberdade, justiça, os quais<br />
também são cambiantes, e que não mais possuem a configuração do<br />
Estado Liberal, sobretudo após a decretação da nova ordem constitucional<br />
que instalou o Estado Democrático de Direito, com princípios<br />
e valores típicos do Estado Liberal e outros tantos pertencentes ao Estado<br />
Social, que, agora, devem ser vistos em conjunto e em conjunto<br />
com a realidade que envolve o Direito (mundo circundante).<br />
Caso contrário, a idéia de segurança jurídica se dará sempre do<br />
ponto de vista estritamente formal, sem que, de fato, esta esteja presente<br />
nas relações envolvendo os contribuintes e o fisco. Não se pode<br />
perder do contexto que o princípio da segurança jurídica não pode ser<br />
dissociado da idéia de justiça, pois não existe justiça sem segurança. 10<br />
10<br />
Carvalho (1998, 92). “Desnecessário encarecer que a segurança das relações jurídicas é<br />
indissociável do valor justiça, e sua realização concreta se traduz numa conquista paulatinamente<br />
perseguida pelos povos cultos.”<br />
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O princípio da boa-fé e a utilização retroativa da CPFM<br />
Isto significa que não podem ser aceitas mudanças na legislação<br />
tributária, que, a pretexto e estarem em conformidade com o princípio<br />
da capacidade contributiva, revelam evidente desprezo pelo princípio<br />
da boa-fé e, sobretudo, pelo princípio da segurança jurídica, que, extreme<br />
de dúvida, atua como um sobre-princípio.<br />
3 A aplicação retrospectiva da lei 10.174/2001<br />
e a violação ao principio da boa-fé e da<br />
segurança jurídica.<br />
Dentro do contexto acima, pode-se mencionar como hipótese<br />
de violação ao princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança,<br />
a ampliação dos poderes de fiscalização decorrente da modificação<br />
da Lei 9.311/96 que instituiu a CPMF. O §3º do artigo 11º da<br />
referida lei, em sua redação original, expressamente impossibilitava a<br />
utilização dos dados da movimentação financeira para fins de constituição<br />
de crédito tributário.<br />
Art. 11. Compete á Secretaria da Receita Federal a administração<br />
da contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização<br />
e arrecadação.<br />
§2º As instituições responsáveis pela retenção e pelo recolhimento<br />
da contribuição prestarão à Secretaria da Receita Federal<br />
as informações necessárias à identificação dos contribuintes e os<br />
valores globais das respectivas operações, nos termos, nas condições<br />
e nos prazos que vierem a ser estabelecidos pelo Ministério<br />
do Estado da Fazenda.<br />
§3º A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da<br />
legislação aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas,<br />
vedada sua utilização para constituição do crédito tributário relativo<br />
a outras contribuições ou impostos.<br />
Posteriormente, em virtude da introdução no ordenamento juridico<br />
da Lei Complementar n. 105, que veio flexibilizar as regras<br />
atinentes ao sigilo bancário, foi decreta a Lei n. 10.174/2001 que modificou<br />
a redação originária do § 3º do art. 11º da Lei 9.311/96, de<br />
forma a possibilitar a utilização pela administração tributária os dados<br />
anteriormente protegidos para a constituição de crédito tributário.<br />
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Elcio Fonseca Reis / Elcio reis<br />
§3º A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da<br />
legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas,<br />
facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo<br />
tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a<br />
impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento<br />
fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado<br />
o disposto no art. 42 da Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996,<br />
e alterações posteriores.<br />
Esta modificação não teria relevância ante o princípio da proteção<br />
da confiança caso fosse aplicada sem retroatividade, apenas<br />
àquelas situações de fato nascidas posteriormente à modificação legislativa.<br />
Todavia, não foi isto que ocorreu, porquanto o fisco passou<br />
a utilizar os dados que eram anteriormente protegidos para constituir<br />
créditos tributários relativos a fatos geradores já ocorridos, sob o argumento<br />
de que o § 1º do art. 144 do Código Tributário Nacional<br />
possibilita a aplicação retroativa das novas técnicas de fiscalização e<br />
dos poderes de investigação. Assim, não seria necessário o respeito ao<br />
princípio da irretroatividade das leis, pois se trata de norma de direito<br />
tributário formal e não material.<br />
Todavia, a questão não deve ser analisada sob a ótica do princípio<br />
da irretroatividade das leis no âmbito do direito tributário formal 11 ,<br />
que possibilita a aplicação imediata dos novos poderes de investigação<br />
inclusive àquelas situações já ocorridas. Deve, sim, ser analisada<br />
à luz do princípio da boa-fé objetiva (proteção da confiança) e do<br />
princípio da segurança jurídica. 12<br />
Desta forma, constata-se evidente violação ao princípio da segurança<br />
jurídica, temperado pela proteção da confiança, na medida<br />
em que o contribuinte foi surpreendido por uma conduta contrária à<br />
11<br />
Neste sentido foram as decisões proferidas pelos Tribunais, conforme se infere dos acórdãos<br />
AI 2003.04.01.036218-7/RS, DJU 19.11.2003, RDDT 101/240; AP 2002.71.11.002890-0/<br />
RS, RDDT 100/195; Medida Cautelar 7.513-SP (2003/0223357-0), RDDT 102/213; REsp<br />
792.812-RJ (2005/0180117-9), RDDT 141/233.<br />
12<br />
“A segurança jurídica é um sobre-valor do ordenamento jurídico, que é alcançada com<br />
o respeito ao princípio da irretroatividade, da estrita legalidade, da anterioridade, do<br />
não confisco. Entende que o respeito a estes princípios possibilita a realização do sobre-<br />
-princípio da segurança jurídica, porquanto somente haverá segurança jurídica se forem<br />
respeitados os princípios ordenadores da tributação brasileira tal como consagrados na<br />
Carta Constitucional.” CARVALHO (2005, 79-86.)<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 182 -186 2012<br />
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O princípio da boa-fé e a utilização retroativa da CPFM<br />
expectativa criada anteriormente, qual seja, a de que seus dados bancários<br />
estariam protegidos e não seriam utilizados para a constituição<br />
de fato gerador. Ou seja, o contribuinte não precisaria se preocupar em<br />
criar modelos de controle da movimentação financeira para justificar<br />
eventuais e aparentes divergências entre a movimentação da CPFM<br />
e a sua declaração de Imposto de Renda, até porque movimentação<br />
financeira não é, por si só, prova de renda tributável. 13<br />
Ora, os cidadãos confiavam que os dados estavam protegidos<br />
e que não seriam utilizados para a constituição de crédito tributário.<br />
A confiança decorria não de uma mera aparência, mas sim de expressa<br />
previsão legislativa. Desta forma, a mudança da legislação jamais<br />
poderia atingir aquelas situações que nasceram sob a égide da norma<br />
modificada, porquanto assim fazendo se rompe com o princípio moral<br />
14<br />
que norteia a conduta da administração, quebrando a confiança do<br />
contribuinte na administração, violando, consequentemente, o princípio<br />
da boa-fé objetiva.<br />
13<br />
Confiram-se as decisões proferidas pelo Conselho de Contribuinte: “IRPJ – OMISSÃO<br />
DE RECEITAS – DEPÓSITOS BANCÁRIOS – Compete ao fisco demonstrar que a<br />
operação que deu origem a depósito bancário derivara de receita tributável. A presunção<br />
de desvio de receitas baseada única e exclusivamente na existência de depósito não contabilizado,<br />
cuja origem o contribuinte não seja capaz de justificar, nasceu com o advento<br />
do art. 42 da Lei n. 9.430, de 27/12/96. Prevalecente, na caso dos autos, a orientação<br />
jurisprudencial da súmula 182 do antigo TFR, bem como o disposto no artigo 9º, inciso<br />
VII, do Decreto-Lei 2.471/88. Multiplicidade de precedentes. Recurso provido”. (Acórdão<br />
108-07424, 8ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, 12.6.2003).<br />
“IRPF – OMISSÃO DE RENDIMENTOS – DEPÓSITOS BANCÁRIOS – Os depósitos<br />
bancários, embora possam indicar auferimento de renda, não caracterizam, por si só,<br />
disponibilidade de rendimentos, cabendo à fiscalização demonstrar o nexo causal entre<br />
cada depósito e o fato para caracterizar omissão de rendimentos. Lançamento calcado em<br />
depósito bancário somente é admissível quando provado o vínculo do valor depositado<br />
com a omissão de receita que o originou”. (Acórdão 102-12191, 6ª Câmara do 1º Conselho<br />
de Contribuintes, 24.08.2001).<br />
14<br />
“a moral não faz mais que submeter-se aqui a uma legislação estranha, abandonando-se<br />
à dialéctica específica dum outro domínio da razão e assinalando, por assim dizer, numa<br />
letra em branco, a aceitação dum dever, cujo conteúdo exacto há-de vir a fixar-se depois<br />
num outro domínio normativo. É ela quem, embora pondo no direito e na justiça o selo<br />
que os há de transformar em normas duma actividade moral, os abandono depois, para a<br />
determinação de seu conteúdo, a uma legislação diferente da sua e portanto extra-moral.<br />
(...) Verdadeiramente, se o direito serve a moral, não é isso devido aos deveres jurídicos<br />
que impõe, mas sim graças aos direitos que outorga. É do lado destes últimos, e não do<br />
lado dos primeiros, que ele se acha voltado para a moral.” RADBRUCH (1974, 110-111).<br />
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Elcio Fonseca Reis / Elcio reis<br />
4 Conclusão<br />
Embora o princípio da capacidade contributiva seja informador<br />
do sistema tributário nacional e possa ser aplicável, tanto na feição de<br />
garantia constitucional ao contribuinte, quanto na de dever de solidariedade<br />
na repartição da carga tributária, deve ser visto em concordância<br />
com os demais princípios constitucionais.<br />
Não se pode, dentro desta ótica, preferir o princípio da capacidade<br />
contributiva em detrimento do princípio da segurança jurídica<br />
ou do princípio da boa-fé, por razões eminentemente arrecadatórias.<br />
A utilização retroativa dos dados da CPMF para fins de constituição<br />
do crédito tributário viola o princípio da boa-fé objetiva, na sua<br />
feição de proteção da confiança e o princípio da segurança jurídica.<br />
A questão não é de direito tributário formal e não deveria ser<br />
analisada com espeque no § 1º do art. 144 do CTN, mas sim à luz dos<br />
princípios constitucionais e da idéia de justiça, com a lembrança de<br />
que não pode haver estado justo se este não é moral, ético e se este se<br />
esquece dos princípios constitucionais que asseguram a liberdade e a<br />
segurança jurídica.<br />
Diante disto, não resta dúvida de que a utilização retrospectiva<br />
dos dados da CPFM para fins de constituição de crédito tributário,<br />
como sói ocorrer, é totalmente inconstitucional.<br />
The principle of good faith and the use<br />
of retroactive CLPC.<br />
Abstract<br />
This article aims to discuss the use, in retroactive manner, of the<br />
data of CPMF for formation of the tax credit. Is analyzed the legislative<br />
developments, the previously existing fence with respect to the<br />
use of data of the CPMF for purposes of taxation and the modification<br />
by the Law. Intend to interpret the theme in light of the tax law not<br />
only formal but, of constitutional principles. Goes through the tension<br />
between the constitutional principles that should be applicable to the<br />
case as ability to pay, solidarity, good faith and legal security. At the<br />
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O princípio da boa-fé e a utilização retroativa da CPFM<br />
closing, analyses the law 10.174, you want to have retroactive application<br />
due to principles of legal security and good faith. Retroactivity<br />
Keywords: Good Faith. Retroactivity. Tax Law<br />
Referências<br />
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REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 185 -186 2012<br />
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Elcio Fonseca Reis / Elcio reis<br />
HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República<br />
Federal da Alemanha. Trad. Luiz Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio<br />
Antônio Fabris Editor, 1998.<br />
MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no<br />
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Coimbra: Almedina, 1998.<br />
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Tradução do Prof. Luis<br />
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(Dissertação, Mestrado em Direito Civil).<br />
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7<br />
Negociação coletiva de trabalho<br />
como fundamento da liberdade sindical x<br />
poder normativo da justiça do trabalho:<br />
o modelo brasileiro.<br />
Recebido: 28/6/2012<br />
Analisado: 26/11/2012<br />
Gilberto Stürmer*<br />
PUC/RS<br />
gsturmer@sturmer.com.br<br />
Sumário<br />
1. Introdução. 2. Conflitos Coletivos de Trabalho. 3.<br />
Formas de Solução dos Conflitos Coletivos de Trabalho.<br />
4. Autocomposição – Negociação Coletiva.<br />
5. Convenção Coletiva de Trabalho. 6. Liberdade<br />
Sindical. 7. Conclusões. Referências.<br />
Resumo<br />
O trabalho aborda o sistema brasileiro de autocomposição dos<br />
conflitos coletivos do trabalho – negociação coletiva de trabalho<br />
como meio para a fixação de normas categoriais – Convenção Cole-<br />
1<br />
*<br />
Advogado e Parecerista. Professor de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da<br />
PUCRS (Graduação, Especialização, Mestrado e Doutorado). Coordenador do Departamento<br />
de Direito Público e Social da Faculdade de Direito da PUCRS. Coordenador do<br />
Curso de Pós-Graduação – Especialização em Direito e Processo do Trabalho da Faculdade<br />
de Direito da PUCRS. Pesquisador Líder do Grupo de Pesquisa “Estado, Processo<br />
e Sindicalismo” do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da<br />
Faculdade de Direito da PUCRS. Mestre em Direito pela PUCRS. Doutor em Direito do<br />
Trabalho pela UFSC. Pós-Doutorando em Direito pela UFSC<br />
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Gilberto Stürmer<br />
tiva de Trabalho e Acordo Coletivo de Trabalho como fundamentos<br />
do conceito jurídico de liberdade sindical proposto pela Organização<br />
Internacional do Trabalho, em contraponto com a heterocomposição<br />
jurisdicional dos conflitos coletivos de trabalho (dissídio coletivo).<br />
Palavras-chave: Negociação Coletiva. Liberdade Sindical. Poder Normativo.<br />
1 Introdução<br />
O Título VI da Consolidação das Leis do Trabalho trata das<br />
convenções e acordos coletivos de trabalho. Dispõem sobre a matéria<br />
os artigos 611 a 625 do diploma consolidado.<br />
A Constituição Federal reconhece as convenções e acordos coletivos<br />
de trabalho, nos artigos 7º, inciso XXVI e 8º, inciso VI.<br />
No Título X da Consolidação, estão dispostas as regras sobre<br />
o processo judiciário do trabalho e, no capítulo IV do referido título,<br />
a lei dispõe sobre os dissídios coletivos. A seção III, que abriga os<br />
artigos 868 a 871, trata da extensão das decisões, ou seja, da possibilidade<br />
que o Tribunal do Trabalho tem de estender normas coletivas<br />
vigentes em uma parte da categoria para outra, ou, ainda, de estender<br />
normas coletivas de uma mesma categoria, de uma base territorial<br />
para outra, na mesma jurisdição.<br />
Outra fonte formal de direito a tratar dos dissídios coletivos era<br />
a Instrução Normativa do Tribunal Superior do Trabalho de nº 4, de<br />
08 de junho de 1993 que, embora revogada, continua a dar substrato<br />
ao procedimento. Da mesma forma, a Lei nº 8.984, de 08 de fevereiro<br />
de 1995, que dispõe sobre a “competência da Justiça do Trabalho para<br />
conciliar e julgar os dissídios que tenham origem no cumprimento de<br />
convenções coletivas de trabalho ou acordos coletivos de trabalho,<br />
mesmo quando ocorram entre sindicatos ou entre sindicato de trabalhadores<br />
e empregador.”<br />
Por outro lado, a Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de<br />
2004, alterando a redação do parágrafo 2º, do artigo 114 da Constituição<br />
Federal, mitigou mas não extinguiu o Poder Normativo da Justiça<br />
do Trabalho. Dispõe a nova redação do referido dispositivo:<br />
Art. 114............................................................................................<br />
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Negociação coletiva de trabalho como fundamento da liberdade...<br />
§ 2º. Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à<br />
arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio<br />
coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho<br />
decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de<br />
proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.<br />
Ora, se a Justiça do Trabalho decide conflito coletivo de natureza<br />
econômica, por certo está exercendo o Poder Normativo, ainda que<br />
mitigado pelo ajuizamento de “comum acordo”. Não se discute aqui<br />
a expressão. O fato é que os Tribunais do Trabalho estão convictos<br />
sobre a obrigatoriedade ou não do ajuizamento conjunto 1 .<br />
2 Conflitos coletivos de trabalho<br />
Os conflitos de trabalho têm um divisor de águas. É da natureza<br />
humana que, aqueles que dão a sua força de trabalho para outrem,<br />
busquem sempre melhores condições de trabalho e de salário.<br />
Por outro lado, os que dispõem da atividade econômica visam<br />
lucro. Não há, em um caso e em outro, juízo de valor. Trata-se apenas<br />
de realidade oriunda da própria natureza humana. Na medida em que<br />
o trabalhador subordinado busca melhores condições de trabalho e<br />
o empregador, dono do empreendimento busca lucro, há um natural<br />
conflito de trabalho de ordem sociológica. Tal conflito é solucionado<br />
pelo contrato 2 .<br />
Este é o divisor de águas, já que os conflitos posteriores ao contrato<br />
têm natureza jurídica, ou seja, em regra discutem-se cláusulas<br />
desrespeitadas ou cuja interpretação é divergente.<br />
Inserem-se nesse contexto, os conflitos de natureza econômica,<br />
já que, estabelecidos os parâmetros iniciais, a tendência é buscar sempre<br />
o melhor. Para Sergio Pinto Martins “os conflitos coletivos do trabalho<br />
podem ser econômicos ou de interesse e jurídicos ou de direito.<br />
Os conflitos econômicos são aqueles nos quais os trabalhadores<br />
reivindicam novas condições de trabalho ou melhores salários. Já<br />
1<br />
O Tribunal Superior do Trabalho firmou precedente sobre condição para dissídio coletivo,<br />
ao decidir no DC 165049/2005-000-00-00.4, que a expressão “comum acordo” quer<br />
dizer petição conjunta e, portanto, seria uma condição sui generis da ação.<br />
2<br />
No caso da relação individual, o contrato de trabalho; no caso das relações coletivas, as<br />
normas coletivas (acordo, convenção, sentença normativa ou laudo arbitral).<br />
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Gilberto Stürmer<br />
nos conflitos jurídicos tem-se por objeto apenas a declaração da existência<br />
ou inexistência de relação jurídica controvertida, como ocorre<br />
em dissídio coletivo em que se declara a legalidade ou ilegalidade da<br />
greve.” 3<br />
Amauri Mascaro Nascimento entende que o “conflito não é apenas<br />
um fenômeno de dimensões sociológicas. É também um fato jurídico,<br />
estruturado em conjunto com instrumentos criados pela cultura<br />
jurídica dos povos, incluído nos sistemas de organização normativa<br />
da sociedade, indispensáveis para o equilíbrio da vida na sociedade e<br />
nas relações entre as pessoas e os grupos.” 4<br />
Com efeito, sendo o conflito de trabalho e, especialmente, o<br />
conflito coletivo de trabalho, um fato social e jurídico, é certo que<br />
existe por insatisfação, mas também é certo que existe com o objetivo<br />
fundamental de busca da paz social, o que se dá através dos instrumentos<br />
de solução previstos no ordenamento jurídico.<br />
3 Formas de solução dos conflitos coletivos<br />
de trabalho<br />
As formas de solução ou de composição dos conflitos coletivos<br />
de trabalho são basicamente três, com suas subdivisões. Martins fala<br />
em autodefesa, autocomposição e heterocomposição 5 .<br />
Para melhor observância da técnica, inicia-se pela autocomposição,<br />
que é a forma de solução dos conflitos trabalhistas realizada<br />
pelas próprias partes 6 . As fontes formais de Direito do Trabalho privilegiam<br />
a autocomposição 7 . É meio autocompositivo de solução dos<br />
conflitos coletivos de trabalho, a negociação coletiva. O resultado da<br />
negociação pode ser a convenção coletiva de trabalho 8 ou o acordo<br />
coletivo de trabalho 9 .<br />
3<br />
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 15. ed. 2002.<br />
4<br />
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. São Paulo: LTr, 2. ed.<br />
2000.<br />
5<br />
Idem, ibidem., p. 710.<br />
6<br />
Idem, ibidem, p. 710.<br />
7<br />
É o caso da Constituição Federal, nos artigos 7º, XXVI; 8º, III e VI; 114, § 2º; e da Consolidação<br />
das Leis do Trabalho, nos artigos 611, 611, § 1º, e 616.<br />
8<br />
Art. 611, da CLT.<br />
9<br />
Art. 611, § 1º, da CLT.<br />
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Negociação coletiva de trabalho como fundamento da liberdade...<br />
A heterocomposição dos conflitos coletivos de trabalho, surge<br />
ante o insucesso da negociação e pressupõe a participação de uma<br />
fonte suprapartes, com a prerrogativa de imposição da solução do<br />
conflito, à qual as partes deverão se submeter.<br />
São formas tradicionais de heterocomposição, a arbitragem 10 e<br />
a jurisdição 11 .<br />
Cabe aqui registrar uma posição contrária à grande maioria da<br />
doutrina, que entende a mediação como forma heterocompositiva de<br />
solução dos conflitos coletivos de trabalho 12 .<br />
É entendimento deste autor, que a mediação seria uma forma híbrida<br />
entre autocomposição e heterocomposição dos conflitos. Ocorre<br />
que há a participação de um terceiro (em regra a autoridade regional<br />
do Ministério do Trabalho), mas não há imposição obrigatória da<br />
solução apresentada pelo mediador, como ocorre na arbitragem e na<br />
jurisdição.<br />
Por fim, a autodefesa, como forma em que as próprias partes procedem<br />
à defesa dos seus interesses 13 . É dividida em greve 14 e lockout 15 .<br />
4 Autocomposição – Negociação coletiva<br />
As formas de solução dos conflitos coletivos de trabalho são<br />
levadas a efeito por meios legais que buscam o chamado fim normativo<br />
16 . Na autocomposição, o meio utilizado é a negociação coletiva.<br />
Para Amauri Mascaro Nascimento, a negociação coletiva é característica<br />
do plurinormativismo do Direito, já que o seu resultado (convenção<br />
coletiva de trabalho) tem força de lei entre as partes 17 .<br />
10<br />
Art. 114, § 2º, da Constituição Federal e Lei nº 9.307/96.<br />
11<br />
Art. 114, § 2º, da Constituição Federal, arts. 856 a 875, da CLT, IN/TST 04/1993.<br />
12<br />
MARTINS, Sergio Pinto, idem, ibidem, p.710.<br />
13<br />
MARTINS, Sergio Pinto, idem, ibidem, p. 710.<br />
14<br />
Na forma do art. 2º, da Lei nº 7.783/89, “greve é a suspensão coletiva, temporária e pacífica<br />
total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”.<br />
15<br />
“Paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar<br />
negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados”<br />
(art. 17 da Lei nº 7.783/89). O lockout é proibido no Brasil.<br />
16<br />
As normas coletivas (acordos coletivos de trabalho, convenções coletivas de trabalho,<br />
sentenças normativas e laudos arbitrais são leis entre as partes).<br />
17<br />
Idem, ibidem., p.267.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 191 -200 2012<br />
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Gilberto Stürmer<br />
Segundo a Convenção nº 154, da Organização Internacional do<br />
Trabalho, a Negociação Coletiva compreende todas as negociações<br />
que tenham lugar entre, de uma parte o empregador, um grupo de<br />
empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores<br />
e, de outra parte, uma ou várias organizações de trabalhadores,<br />
visando: 1-fixar as condições de trabalho e de emprego; 2-regular<br />
as relações entre empregadores e trabalhadores; 3-regular as relações<br />
entre empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações<br />
de trabalhadores ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.<br />
É, pois, uma forma de ajuste de interesses entre as partes, que<br />
acertam as diferentes posições existentes, visando encontrar uma solução<br />
capaz de compor suas posições 18 .<br />
No Brasil, o procedimento da negociação coletiva segue os seguintes<br />
passos:<br />
1. os sindicatos trabalhistas comunicam aos sindicatos patronais<br />
ou diretamente às empresas as suas reivindicações, iniciando-se<br />
um procedimento de negociação direta, sem interferência do Estado.<br />
A lei obriga às partes a manter o diálogo (art. 616) e o Poder<br />
Judiciário tem admitido a instauração de instância (ajuizamento<br />
de dissídio coletivo) somente com prova robusta de que houve<br />
negociação e que a mesma se esgotou;<br />
2. havendo recusa à negociação, a DRT poderá convocar mesa<br />
redonda, iniciando-se, assim, a mediação do Delegado regional<br />
do Trabalho que, como em toda a mediação, não terá<br />
poderes decisórios, mas apenas apresentará propostas que as<br />
partes aceitarão ou não;<br />
3. havendo iminência de greve, também poderá ser convocada<br />
mesa redonda pela DRT;<br />
4. não havendo autocomposição (convenção ou acordo coletivo<br />
de trabalho), sem ou com mediação, a lei autoriza a greve,<br />
segundo procedimento e nas hipóteses previstas;<br />
5. finalmente, não havendo autocomposição, o conflito buscará<br />
a solução através da heterocomposição, transferindo-se para<br />
os tribunais do trabalho, caso as partes não tenham preferido<br />
a arbitragem (art. 114 e parágrafos da Constituição Federal).<br />
18<br />
MARTINS, Sergio Pinto, idem, ibidem, p. 727.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 192 -200 2012<br />
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Negociação coletiva de trabalho como fundamento da liberdade...<br />
Ajuizado o dissídio coletivo, este será julgado pelos tribunais<br />
do trabalho (TRTs e TST) que, através de uma sentença normativa,<br />
decidirá o conflito, respeitadas, na decisão, as disposições mínimas<br />
legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.<br />
O poder judiciário age como poder legislativo, eis que fixa normas<br />
a serem observadas pelas partes conflituadas.<br />
Consoante previsão constitucional, a negociação coletiva é requisito<br />
para a arbitragem e para a jurisdição 19 . Ademais, a própria<br />
CLT 20 , condiciona a instauração da instância à comprovação cabal e<br />
inequívoca da tentativa de negociação prévia. A negociação coletiva<br />
distingue-se da convenção e do acordo coletivo de trabalho, já que se<br />
trata de procedimento que visa superar divergência entre as partes,<br />
sendo o seu resultado, a convenção ou o acordo coletivo de trabalho 21 .<br />
5 Convenção coletiva de trabalho<br />
A Constituição Federal reconhece as convenções e os acordos<br />
coletivos de trabalho 22 . Determina, ainda, a Constituição Federal,<br />
que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos<br />
ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou<br />
administrativas” 23 , e que “é obrigatória a participação dos sindicatos<br />
nas negociações coletivas de trabalho.” 24<br />
Como resultado das negociações coletivas de trabalho (formas<br />
autocompositivas de solução dos conflitos coletivos de trabalho), o<br />
ordenamento jurídico abriga as convenções e os acordos coletivos de<br />
trabalho.<br />
Segundo o artigo 611, da Consolidação das Leis do Trabalho,<br />
“convenção coletiva de trabalho é o acordo de caráter normativo pelo<br />
qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas<br />
19<br />
Art. 114, § 2º.<br />
20<br />
Art. 856 e segs.<br />
21<br />
Ver MARTINS, Sergio Pinto, idem, ibidem, p. 727.<br />
22<br />
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria<br />
de sua condição social:<br />
XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.<br />
23<br />
Art. 8º, III.<br />
24<br />
Art. 8º, VI.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 193 -200 2012<br />
Book 1.indb 193 27/4/2013 13:20:20
Gilberto Stürmer<br />
e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito<br />
das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.”<br />
Com efeito, pelo menos dois sindicatos – de um lado o dos<br />
trabalhadores e de outro, o dos empregadores – colocam um fim no<br />
conflito através de um acordo (negociação) que estabelece regras aplicáveis<br />
às relações individuais de trabalho da respectiva categoria no<br />
âmbito de sua representação, obedecida a regra da unicidade sindical.<br />
O caráter é normativo porque a convenção coletiva é lei entre as<br />
partes. Por se tratar de um contrato, há também o caráter obrigacional<br />
das cláusulas e condições que estipulam regras entre os sindicatos<br />
convenentes. O parágrafo primeiro, do artigo 611 da CLT, dispõe que<br />
“é facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais<br />
celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente<br />
categoria econômica, que estipulem condições de trabalho,<br />
aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas<br />
relações de trabalho.”<br />
Assim, em menor escala, o sindicato dos trabalhadores poderá<br />
negociar com uma ou mais empresas, para estipular regras aplicáveis<br />
às relações de trabalho naquelas empresas.<br />
Apesar de posições em contrário, entende-se que o dispositivo<br />
foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, já que o artigo 7º,<br />
inciso XXVI da Lei Maior reconhece as convenções e acordos coletivos<br />
de trabalho. Assim, quando o artigo 8º, inciso VI, determina ser<br />
obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas<br />
de trabalho, é certo estar se referindo ao sindicato dos trabalhadores<br />
(categoria profissional).<br />
O artigo 616, da CLT, determina que “os sindicatos representativos<br />
de categorias econômicas ou profissionais e as empresas, inclusive<br />
as que não tenham representação sindical, quando provocados,<br />
não podem recusar-se à negociação coletiva, que visa a convenção ou<br />
o acordo coletivo de trabalho.<br />
Registre-se, ainda, que nos termos do artigo 620, da CLT, as<br />
condições estabelecidas em convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão<br />
sobre as estipuladas em acordo. Isto porque, sendo especial,<br />
em regra o acordo prevalece sobre a convenção. Todavia, em face do<br />
princípio protetor, no Direito do Trabalho vige a regra da norma mais<br />
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Negociação coletiva de trabalho como fundamento da liberdade...<br />
favorável ao trabalhador, o que explica a regra prevista no artigo 620<br />
da CLT 25 .<br />
6 Liberdade sindical<br />
O sistema sindical brasileiro nasceu, cresceu e floresceu sob os<br />
nefastos mantos do corporativismo e do intervencionismo. Embora<br />
signatário da Organização Internacional do Trabalho (OIT) desde a<br />
sua criação em 1919, o Brasil não recepcionou a principal Convenção<br />
da entidade, qual seja, a de nº 87, publicada em 1948 e que dispõe<br />
sobre liberdade sindical. Foi somente com a promulgação da atual<br />
Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988, que alguma luz de<br />
liberdade sindical surgiu no horizonte.<br />
O artigo 8º da Carta dispõe que é livre a associação profissional<br />
ou sindical e determina que a lei não poderá exigir autorização do<br />
Estado para a fundação do sindicato, ressalvado o registro no órgão<br />
competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção<br />
na organização sindical 26 . Ocorre que o sindicalismo nacional ainda<br />
sofre com o intervencionismo e com a ausência de liberdade plena. Os<br />
traços marcantes são os seguintes:<br />
Unicidade sindical: segundo o artigo 8º, II, da Constituição Federal,<br />
“é vedada a criação de mas de uma organização sindical, em<br />
qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica,<br />
na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou<br />
empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um<br />
município”. A alternativa, através de emenda constitucional, seria o<br />
pluralismo ou até a unidade sindical, onde os sindicatos se unem sem<br />
imposição estatal.<br />
Enquadramento sindical por categoria: segundo o artigo 570 e<br />
seguintes da CLT, o enquadramento sindical no Brasil se dá por categoria<br />
idêntica, similar ou conexa 27 , o que quer dizer que um traba-<br />
25<br />
Ver RODRIGUEZ, Américo Plá (trad. Wagner D. Giglio). Princípios de direito do<br />
trabalho. São Paulo: LTr, 1. ed. 1996.<br />
26<br />
Art. 8º, caput e inciso I.<br />
27<br />
Nos termos do parágrafo único, do artigo 570, da CLT, “quando os exercentes de quaisquer<br />
atividades ou profissões se constituírem, seja pelo número reduzido, seja pela natureza<br />
mesma dessas atividades ou profissões, seja pelas afinidades existentes entre elas,<br />
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Gilberto Stürmer<br />
lhador ou um empregador que exercem determinada atividade (por<br />
exemplo, ramo metalúrgico), não podem ser representado por outro<br />
sindicato que, por ventura, lhes seja mais representativo 28 . Alteração<br />
legislativa, em conjunto com as modificações constitucionais acima<br />
citadas, resolveria a questão.<br />
Contribuição sindical compulsória: prevista nos artigos 578 e<br />
seguintes da CLT, existe desde 1940 e fere de morte o princípio da liberdade<br />
sindical e também a regra constitucional que diz que ninguém<br />
será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato 29 . Os trabalhadores,<br />
os autônomos, os profissionais liberais e os empregadores<br />
são obrigados a contribuírem para o sistema sindical 30 . Tal circunstância,<br />
além de ser contrária à liberdade, faz com que se mantenham<br />
sindicatos que não são representativos, quando não verdadeiros fantasmas.<br />
A modificação depende de alteração na lei, mas, mais do que isso,<br />
depende da superação do lobismo, do conservadorismo, do corporativismo<br />
e do intervencionismo que emperram o sindicalismo no Brasil.<br />
Efetivo exercício do direito de greve: a Constituição Federal<br />
prevê o direito nos artigos 9º (trabalhadores privados) e 37, VII (servidores<br />
públicos). Os servidores públicos ainda não têm legislação que<br />
regulamente o direito 31 . Os trabalhadores privados têm o seu direito<br />
de greve regulado pela Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, mas a<br />
liberdade ao exercício do direito ainda é muito reprimida. O que não<br />
se pode olvidar é que, mais do que um fato jurídico, a greve é um fato<br />
social.<br />
em condições tais que não se possam sindicalizar eficientemente pelo critério de especificidade<br />
de categoria, é-lhes permitido sindicalizar-se pelo critério de categorias similares<br />
ou conexas, entendendo-se como tais as que se acham compreendidas nos limites de cada<br />
grupo constante do quadro de atividades ou profissões.”<br />
28<br />
Por tal circunstância entende-se que, salvo exceções, o Capítulo II, do Título V, da CLT,<br />
que trata do enquadramento sindical e abrange os artigos 570 a 577, foi recepcionado<br />
pela Constituição Federal de 1988.<br />
29<br />
Art. 8º, V, da Constituição Federal.<br />
30<br />
Art. 580 e incisos, da CLT.<br />
31<br />
Decisão do STF de 25/10/2007, por unanimidade, declarou a omissão legislativa. Também<br />
foi unânime a decisão plenária no sentido de conferir efetividade ao Mandado de<br />
Injunção, divergindo os ministros quanto à forma de regulamentação do direito de greve<br />
dos servidores públicos. A maioria decidiu pela extensão da lei de greve 7783/89, vencidos<br />
os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e Lewandovski, que estabeleciam<br />
algumas restrições quanto ao exercício do direito de greve. A decisão foi tomada nos<br />
Mandados de Injunção 670, 708 e 712.<br />
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Negociação coletiva de trabalho como fundamento da liberdade...<br />
Estes são alguns exemplos da ausência de liberdade sindical no<br />
Brasil. A PEC n° 369/2005, o Anteprojeto de lei de Reforma Sindical<br />
(sobrestado) e os demais textos legislativos propostos, não têm o<br />
condão de afastar do sindicalismo nacional a ausência da liberdade<br />
sindical, já que não atacam, de forma efetiva, os problemas aqui referidos<br />
32 .<br />
Entende-se que a Emenda Constitucional nº 45/2004 deu uma<br />
oportunidade jurídica impar para o advento da liberdade sindical no<br />
Brasil. O novo parágrafo 3º, do artigo 5º, dispõe que os tratados e convenções<br />
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados,<br />
em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos<br />
dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas<br />
constitucionais 33 .<br />
É indiscutível que a Convenção 87 da OIT, que trata de liberdade<br />
sindical é, de fato, um tratado sobre direitos humanos. Havendo<br />
vontade política para superar a questão formal, o status de emenda<br />
constitucional abriria as portas para o pluralismo sindical, o fim do<br />
enquadramento, da contribuição compulsória e do poder normativo.<br />
Para finalizar, este autor propõe um conceito de liberdade sindical,<br />
onde efetivamente não há lugar para a unicidade sindical, o<br />
enquadramento sindical, a contribuição compulsória e o poder normativo<br />
da Justiça do Trabalho 34 :<br />
direito de trabalhadores, entendidos como tal empregados, empregadores,<br />
autônomos e profissionais liberais, de livremente constituírem<br />
e desconstituírem sindicatos; de individualmente ingressarem<br />
e saírem dos sindicatos conforme seus interesses e sem limites<br />
decorrentes da profissão à qual pertençam; de livremente administrarem<br />
as organizações sindicais, constituírem órgãos superiores<br />
e de associarem-se a órgãos internacionais; de livremente negociarem<br />
sem qualquer interferência do Poder Público (executivo,<br />
legislativo ou judiciário); e de livremente exercerem o direito de<br />
32<br />
No momento em que é produzido este artigo, o texto está parado no Congresso Nacional,<br />
devendo serrem retomadas as discussões na nova legislatura.<br />
33<br />
Ver STÜRMER, Gilberto. A Liberdade Sindical na Constituição da República Federativa<br />
do Brasil de 1988 e sua relação com a Convenção nº 87 da Organização Internacional do<br />
Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 64-65.<br />
34<br />
Idem, ibidem, p. 60-61.<br />
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Gilberto Stürmer<br />
greve, observadas as formalidades legais; tudo isso sem limitação<br />
de base territorial e num regime de pluralismo, sendo o sistema financiado<br />
única e exclusivamente pelas contribuições espontâneas<br />
por eles mesmos fixadas.<br />
7 Conclusão<br />
Os conflitos coletivos de trabalho têm origem sociológica antes<br />
de jurídica.<br />
O sistema legal brasileiro privilegia a negociação coletiva de<br />
trabalho como meio de solução dos conflitos e as convenções e acordos<br />
coletivos de trabalho como resultado da autocomposição.<br />
Tal privilégio está expresso na Constituição Federal, artigos 7º,<br />
XXVI, 8º, III, 8º VI, e 114, § 2º, e na Consolidação das Leis do Trabalho,<br />
nos artigos 611, 611, § 1º, 616 e parágrafos.<br />
As formas heterocompositivas (arbitragem e jurisdição) e autodefensivas<br />
(greve e lockout) de solução dos conflitos de trabalho<br />
são utilizadas somente ante o insucesso da negociação. Entende-se,<br />
ainda, que a mediação é uma forma híbrida de solução dos conflitos<br />
de trabalho, já que a fonte suprapartes não impõe a sua decisão, mas<br />
apenas busca solucionar o conflito.<br />
Para melhor aproveitamento da negociação coletiva no sistema<br />
brasileiro, deve ser implantada a liberdade sindical plena, recepcionando<br />
a Convenção 87 da OIT, e estabelecendo o pluralismo sindical, o<br />
enquadramento sindical livre, o fim da contribuição sindical compulsória,<br />
a abertura ao direito constitucional de greve e a efetiva extinção<br />
do poder normativo da Justiça do Trabalho. A adoção da Convenção<br />
87 da OIT, que é um tratado internacional de direitos humanos, deveria<br />
se dar através do instrumento previsto no artigo 5º, parágrafo 3º, da<br />
Constituição Federal, com redação dada pela Emenda nº 45/2004.<br />
Collective bargaining labor union as the<br />
foundation of freedom x normative power of<br />
labor justice: the Brazilian model.<br />
Abstract<br />
This paper addresses the Brazilian system of collective conflicts<br />
autocomposição labor – labor collective bargaining as a means of set-<br />
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Negociação coletiva de trabalho como fundamento da liberdade...<br />
ting standards categorical – Collective Bargaining Agreement and the<br />
Collective Bargaining Agreement as grounds for legal concept of freedom<br />
of association proposed by the International Labour, in contrast<br />
with the heterocomposição jurisdictional conflicts collective bargaining<br />
(collective bargaining agreement).<br />
Keywords: Collective Bargaining. Freedom of Association. Normative<br />
power.<br />
Referências<br />
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 15.<br />
ed. 2002.<br />
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. COMPÊNDIO DE DIREITO<br />
SINDICAL. São Paulo: LTr, 2ª edição, 2000.<br />
RODRIGUEZ, Américo Plá. (trad. Wagner D. Giglio). PRINCÍPIOS<br />
DE DIREITO DO TRABALHO. São Paulo: LTr, 1. ed. 4. tir. 1996.<br />
ROMITA, Arion Sayão. Direito do Trabalho – Temas em aberto. São<br />
Paulo: LTr, 1998.<br />
RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios gerais de direito sindical.<br />
Rio de Janeiro: Forense, 2. ed. 1998.<br />
STÜRMER, Gilberto. A Liberdade Sindical na Constituição da República<br />
Federativa do Brasil de 1988 e sua relação com a Convenção 87<br />
da Organização Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do<br />
Advogado, 2006.<br />
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8<br />
Moving towards a comprehensive legal<br />
framework for electronic identification as<br />
a trust service in the European Union 1<br />
Recebido: 31/07/2012<br />
Analisado: 26/11/2012<br />
Hans Graux*<br />
ICT/Bélgica<br />
hans.graux@timelex.eutime.lex<br />
Sumário<br />
1. Introduction. Table of content. 2. Background<br />
and scope of the eSignature Directive. 3. A future<br />
legal framework for IAS services in Europe: a notso-modest<br />
proposal. 3.1. Consistency and comprehensiveness.<br />
3.2. Electronic identification as an<br />
e-authen tication service in this Directive. 4. Concluding.<br />
References<br />
Abstract<br />
This paper explores avenues for the creation of a legal framework<br />
for electronic identification, specifically by tying this into the<br />
future development of the European eSignatures Directive. It builds<br />
on the observation that the eSignature Directive has largely been unable<br />
to support an internal market for certification service providers,<br />
1<br />
Hans Graux é pesquisador do K.U.Leuven – Interdisciplinary Centre for Law and ICT da<br />
Bélgica.<br />
*<br />
Note: this discussion paper is largely based on a more comprehensive article called “Rethinking<br />
the e-signatures Directive: on laws, trust services, and the digital single market”,<br />
which is planned to be published in the Digital Evidence and Electronic Signature Law<br />
Review in the second half of 2011.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 201 -216 2012<br />
Book 1.indb 201 27/4/2013 13:20:21
Hans Graux<br />
partially because it insufficiently considers the essential link between<br />
e-signatures and ancillary services. Electronic identification is one of<br />
these ancillary services. The current review of the Directive is an opportunity<br />
to remedy this issue. Based on this idea, this paper examines<br />
the possibility of creating a comprehensive framework for trust services<br />
that would also include electronic identification services. 2<br />
key words: electronic identification. EID. Electronic signatures.<br />
esignatures. Esignatures directive. Authentication. Trust services.<br />
Legal framework.<br />
1 Introduction<br />
In recent years, e-signatures have enjoyed increasing attention<br />
at the European policy level. As such, this is not surprising: both in<br />
the private and public sector, more and more sensitive transactions<br />
are conducted electronically, increasing the need for mechanisms that<br />
enable trust. E-signatures are a primary example of such a tool, given<br />
their stated purpose of serving as a method of authentication. 3<br />
Unfortunately, this increasing policy interest in e-signatures is<br />
largely caused by a relatively gloomy observation: advanced e-<br />
signatures in the European Union and elsewhere function largely<br />
in the context of closed public key frameworks. As long as a signatory<br />
remains within that specific context – e-banking applications,<br />
national e-government services, professional document management<br />
systems – the policy framework established within that context<br />
provides clearly for any problems. But as soon as he attempts<br />
to use a digital signature outside of that policy framework, digital<br />
signatures are virtually unused. 4 This is a fairly disappointing<br />
and sobering conclusion for a technology that was entrusted with<br />
the seemingly simple task of replacing the hand written signature.<br />
2<br />
Supported by the ongoing study SMART 2010/008 ‘Feasibility study on an electronic<br />
identification, authentication and signature policy (IAS)’. The EU have awarded the<br />
contract to DLA Piper, Brussels, supported by subcontractors PricewaterhouseCoopers,<br />
SEALED, Studio Notarile Genghini and time.lex. The other of the present article is thus<br />
a co-contributor to this study.<br />
3<br />
As stated in Article 2.12 of the e-Signatures Directive.<br />
4<br />
Dr Aashish Srivastava considered the problems of electronic signatures for his PhD, and<br />
some of his findings can be found at ‘Businesses’ perception of electronic signatures: An<br />
Australian study’, Digital Evidence and Electronic Signature Law Review, 6 (2009) 46 – 56.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 202 -216 2012<br />
Book 1.indb 202 27/4/2013 13:20:21
Moving towards a comprehensive legal framework...<br />
Hand written signatures are at best a moderately reliable authentication<br />
tool, whose value stems mainly from the fact that people<br />
have been used to it for a long time, rather than from any objective<br />
security characteristics. And yet, modern technology has failed to<br />
come up with a similarly simple, flexible and universally accepted<br />
electronic equivalent.<br />
2 Background and scope of the eSignature<br />
Directive<br />
Much of the issues covered in the introduction above are also<br />
reflected in the e-signatures Directive, or more formally, Directive<br />
1999/93/EC of the European Parliament and of the Council of 13 December<br />
1999 on a Community framework for electronic signatures.<br />
This Directive states its purpose in article 2: it aims “to facilitate the<br />
use of electronic signatures and to contribute to their legal recognition.<br />
It establishes a legal framework for electronic signatures and<br />
certain certification-services in order to ensure the proper functioning<br />
of the internal market.”<br />
The Directive aimed to ensure that legal uncertainties surrounding<br />
the value of e-signatures would not become a barrier to the budding<br />
e-signatures market in the European Union, or perhaps more accurately,<br />
that such uncertainties could reasonably be kept to a minimum.<br />
The conceptual framework in European e-signature laws is<br />
very much centered around e-signatures as a tool for emulating hand<br />
written signatures. While the market access and internal market rules<br />
(articles 3 and 4 of the Directive) apply to all types of certification<br />
service providers and certification services, the only provision in the<br />
Directive that governs the legal effect of these services is focused on<br />
achieving equivalence with hand written signatures. This observation<br />
may appear to be trivial, but it is not. From a technical perspective, the<br />
cryptographic process of signing specific data can serve many other<br />
functions which have little to no logical connection to a hand written<br />
signature. As examples, one might consider:<br />
1. The identification of a person (entity authentication) may use<br />
identical technologies, yet there is no intention of achieving<br />
equivalence to a hand written signature.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 203 -216 2012<br />
Book 1.indb 203 27/4/2013 13:20:21
Hans Graux<br />
2. The use of electronic stamps or seals, where a entity signs a<br />
document to authenticate it on behalf of a legal person (e.g. a<br />
company seal or administrative stamp), or even on behalf of<br />
an computer system or process, in which hand written signatures<br />
may be entirely inappropriate or even nonsensical as an<br />
analogy.<br />
3. Authorization management, where the user wants to demonstrate<br />
a certain legal mandate (e.g. to confirm the status of doctor,<br />
lawyer, notary public, etc) or access/usage right (e.g. the<br />
status of employee, citizenship, or simply of being an adult).<br />
In these cases, equivalence to a hand written signature may<br />
not necessarily be the desired goal.<br />
4. Time stamping, where the equivalence to a hand written signature<br />
is irrelevant, since the only intention is to add a trustworthy<br />
time reference to a specific transaction.<br />
The Directive is only marginally relevant to all of these functions.<br />
This is not to say that it has no effect on them:<br />
1. First, the e-signature itself is defined as “data in electronic<br />
form which are attached to or logically associated with other<br />
electronic data and which serve as a method of authentication”<br />
(emphasis added). This definition makes no explicit or<br />
implied reference to the purpose of creating a substitute for<br />
a hand written signature; indeed, based on this terminology<br />
alone, all of the examples above could be said to be covered<br />
by the definition of an electronic signature, since they are<br />
all methods of authentication (either entity authentication or<br />
data authentication). 5<br />
2. Second, the notion of a “certification-service-provider” is<br />
very broadly defined in the Directive as “an entity or a legal<br />
or natural person who issues certificates or provides other<br />
services related to electronic signatures” (emphasis added).<br />
Again, the definition is so broad that virtually all types of<br />
authentication service providers could be said to be covered.<br />
5<br />
Stephen Mason, Electronic Signatures in Law, (2nd edn, Tottel, 2007), 4.5 also illustrates<br />
this issue.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 204 -216 2012<br />
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Moving towards a comprehensive legal framework...<br />
None the less, even under this broad interpretation of the<br />
Directive’s terminology, the Directive does not provide a material<br />
legal framework for the services mentioned above. Admittedly, the<br />
market access and internal market provisions of the Directive (mainly<br />
article 4.1) apply, meaning that Member States may establish the<br />
rules which apply to service providers established on their territories,<br />
and that they may not restrict the provision of services originating in<br />
another Member State. However, with respect to the legal value of<br />
trust services, the relevant provisions of the Directive (article 5 of the<br />
Directive) are only meaningful when the signatory aims to create a<br />
substitute for a hand written signature. In all the other examples mentioned<br />
above, it is impossible on the basis of the Directive to link any<br />
legal value to a service, other than perhaps to state that its electronic<br />
nature does not invalidate it outright. As legal support to a trust service<br />
goes, this would appear to be a relatively weak endorsement.<br />
The provisions of the Directive thus clearly focus principally<br />
on electronic signatures as a substitute for hand written signatures.<br />
This emphasis disregards the reality that finding a substitute for hand<br />
written signatures is only one possible application of certification services.<br />
There are many other varieties of such services, as shown in the<br />
graphic below:<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 205 -216 2012<br />
Book 1.indb 205 27/4/2013 13:20:21
Hans Graux<br />
As it stands, the EU legal framework mainly covers e-signatures,<br />
at the exclusion of any other service using, or ancillary to, electronic<br />
signatures, such as electronic identification, time-stamping services,<br />
long term archiving services, electronic registered mail, or signature<br />
validation services. More importantly, there are clear dependencies<br />
between these services that affect their viability in the market.<br />
As an example, an e-signature as a substitute for a hand written<br />
signature is only meaningful if it can be adequately linked to a<br />
signatory, either as an identifiable individual, or at least by a pseudonym.<br />
Indeed, the eSignature Directive recognizes this issue, as it<br />
defines certificates as electronic attestations “which link signatureverification<br />
data to a person and confirm the identity of that person”<br />
(article 2.9). Similarly, advanced 6 signatures under the Directive must<br />
(amongst others) be “uniquely linked to the signatory” 7 and “ capable<br />
of identifying the signatory” (article 2.2). Thus, when e-signatures<br />
are intended to emulate hand written signatures, identification is a<br />
prerequisite. Yet the Directive does not address how this should be<br />
done, other than to note that the use of pseudonyms in certificates<br />
“should not prevent Member States from requiring identification of<br />
persons pursuant to Community or national law” (recital 25). This<br />
requirement is echoed in Annex II (d) in relation to qualified signature<br />
certificates, noting that CSPs must “verify, by appropriate means in<br />
accordance with national law, the identity and, if applicable, any specific<br />
attributes of the person to which a qualified certificate is issued.”<br />
Identification (either as an independent process preceding the issuing<br />
of signature certificates or as a separate type of authentication service)<br />
is not harmonized by the Directive in any meaningful way.<br />
The same observation applies to time stamping, another type of<br />
certification service that supports the determination of the authenticity<br />
of e-signatures. Other ancillary services mentioned in the over-<br />
6<br />
Interestingly, no such requirement applies to the base notion of “electronic signatures”,<br />
for which the Directive requires that they ‘serve as a method of authentication’ in general.<br />
This is in line with the observation made above, namely that electronic signatures in<br />
general could be interpreted to cover any application of authentication services, but that<br />
the Directive only provides a meaningful legal framework for e-signatures as a substitute<br />
for hand written signatures.<br />
7<br />
For a critical analysis of this concept, see Stephen Mason, Electronic Signatures in Law, 4.9.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 206 -216 2012<br />
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Moving towards a comprehensive legal framework...<br />
view above build on these tools: electronic archiving depends on time<br />
stamping, 8 and electronic registered mail requires both reliable identification<br />
of the signatories (senders and recipients alike) and time<br />
stamping. In the absence of the basic tools, the derivative services<br />
cannot be created either.<br />
In short, it is important to recognize that e-signatures are a component<br />
of an ecosystem of certification services. When the Directive<br />
covers only one element of that ecosystem (and imperfectly at that, as<br />
argued above), new market distortions will inevitably arise.<br />
Based on these observations, it would appear that the eSignature<br />
Directive is in serious need of review. This may be a good opportunity<br />
to broaden the legal framework to ensure that certification<br />
services (thus including electronic identification) are more comprehensively<br />
covered and to avoid further barriers in the internal market.<br />
Obviously, the lessons learned from the eSignature Directive should<br />
be considered if this broader approach is taken.<br />
3 A future legal framework for IAS services<br />
in Europe: a not-so-modest proposal<br />
The Digital Agenda has unambiguously announced a revision<br />
of the eSignature Directive, together with a possible Decision to ensure<br />
mutual recognition of certain eIDs between Member States. As<br />
an input to this process, this paper discusses an ambitious vision for a<br />
much more comprehensive framework.<br />
This vision builds on a simple but powerful observation: e-authentication<br />
systems (to use the terminology of the Digital Agenda)<br />
are similar in most respects, but differ in small important details. The<br />
policy framework should ideally reflect this. Broadly, an e-authentication<br />
Directive could be structured as follows:<br />
8<br />
Stefanie Fischer-Dieskau and Daniel Wilke, ‘Electronically signed documents: legal<br />
requirements and measures for their long-term conservation’ Digital Evidence and<br />
Electronic Signature Law Review, 3 (2006) 40 – 44<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 207 -216 2012<br />
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Hans Graux<br />
Logically, the common section would specify the common<br />
characteristics of all e-authentication services. Subsequent sections<br />
would thereafter focus on specific services and their unique characteristics.<br />
As with the current eSignature Directive, it is possible to<br />
envisage technical elements that require greater flexibility and more<br />
frequent updates to be adopted separately via Commission Decisions.<br />
3.1 Consistency and comprehensiveness<br />
An important question is how e-authentication services will be<br />
defined, and which types of service providers should be covered by<br />
such a Directive. The common element of e-authentication services<br />
can be derived from the current definition of e-signatures (which, as<br />
noted above, is not inherently linked to the emulation of hand written<br />
signatures): an e-authentication service is any type of information<br />
society service 9 which serves as a method of authentication of<br />
electronic data. This definition is technologically neutral, and is sufficiently<br />
broad to cover most of the services mentioned above.<br />
9<br />
Building on the definition provided by the eCommerce Directive 2000/31/EC, which in<br />
turn was based on the definitions of Directive 98/34/EC, as amended.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 208 -216 2012<br />
Book 1.indb 208 27/4/2013 13:20:22
Moving towards a comprehensive legal framework...<br />
Based on this generic definition, the Directive can define subtypes<br />
of e-authentication services, using similar technologically neutral<br />
language. As a basic requirement, electronic signatures (both for<br />
natural persons and legal entities), electronic identification and time<br />
stamping would be obvious candidates for inclusion. These are the<br />
fundamental building blocks to make other e-authentication services<br />
work, and are thus crucial to an e-authentication framework.<br />
To provide for the full potential of e-authentication services, it<br />
would be appealing to include other services in a common Directive,<br />
including electronic archiving, digitization, validation services, and<br />
electronic registered mail. It should be acknowledged, however, that<br />
the addition of new services may also create unforeseen complexities.<br />
To mention two examples: the digitization of paper documents cannot<br />
unequivocally be considered to be an information society service,<br />
since it is not necessarily provided at a distance; and the introduction<br />
of rules for electronic registered mail as an internal market service<br />
may well have interesting overlaps with existing EU regulations for<br />
postal services.<br />
Apart from the different definitions, most of the Common Section<br />
of the Directive would borrow heavily from the existing eSignature<br />
Directive, as the principles of this Directive – if not necessarily<br />
the details behind their implementation – are fundamentally sound.<br />
Basic principles of the common section would include:<br />
1. Internal market rules, based on articles 3 and 4 of the eSignature<br />
Directive. The basic rule for all e-authentication services<br />
would be free market access, without prior authorization<br />
schemes, and applicability of the rules of the service<br />
provider’s country of establishment.<br />
2. The introduction of two basic tiers of services: general e-authentication<br />
services (as determined by the definitions) and<br />
qualified e-authentication services. As is currently the case<br />
for e-signatures, general services need not meet any additional<br />
requirements (other than respecting applicable laws, such<br />
as the national transpositions of the Data Protection Directive),<br />
and benefit from a non-discrimination principle (i.e. they<br />
may not be denied legal value on the grounds that they are<br />
electronic services or on the grounds that they are not quali-<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 209 -216 2012<br />
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Hans Graux<br />
fied, comparable to the phrasing of article 5.2 of the eSignature<br />
Directive). In contrast, qualified services would:<br />
a. Be granted a clear legal effect, to be established in the<br />
relevant specific section.<br />
b. Need to satisfy basic quality requirements. Common<br />
quality requirements for all qualified e-authentication<br />
services would include independence, liability (comparable<br />
to article 6 of the e-signatures Directive), availability<br />
of suitably qualified staff, insurance coverage<br />
to satisfy its potential liabilities, etc. The common section<br />
should only specify requirements that apply to all<br />
qualified e-authentication services; requirements that<br />
apply only to specific e-authentication service types<br />
can be specified in the relevant specific section.<br />
1. The introduction of a mechanism for recognizing equivalent<br />
non-European e-authentication service providers, similar to<br />
the principles in article 7 of the eSignatures Directive.<br />
2. Rules in relation to supervision, voluntary accreditation, and<br />
conformity assessments. These will require some changes<br />
compared to the present eSignature Directive:<br />
a. Supervision should remain mandatory for qualified<br />
e-authentication service providers, and should still be<br />
undertaken by national supervisory bodies. However,<br />
minimum requirements for appropriate supervision<br />
should be set through a Commission Decision, and<br />
national supervisory bodies should publish the supervised<br />
status of service providers through trusted lists.<br />
This would address the weaknesses of the eSignature<br />
Directive as described in the introductory section.<br />
b. Voluntary accreditation may still be undertaken at<br />
the national level by any body designated to operate<br />
such a national voluntary accreditation scheme in the<br />
Member State. However, as an important terminological<br />
point, it may be useful to no longer describe such<br />
accreditation as ‘permissions’ (the way the current Directive<br />
does in article 2.13), since this often makes it<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 210 -216 2012<br />
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Moving towards a comprehensive legal framework...<br />
virtually impossible to distinguish legitimate voluntary<br />
accreditation from forbidden prior authorization.<br />
Rather, it may be advisable to simply refer to them as<br />
what they should be: quality assurance schemes.<br />
c. As a new element, the e-authentication Directive<br />
should also permit the establishment of European<br />
voluntary accreditation schemes through Commission<br />
Decisions. This is a simple but very potent addition<br />
to address a crucial problem with accreditation<br />
schemes: currently, they may be beneficial at the national<br />
level, but they cause disruptions in the internal<br />
market. The introduction of common EU level accreditation<br />
schemes could address this: an EU accreditation<br />
scheme could determine quality requirements that<br />
Member States agree on to enable interoperability in<br />
cases where a service does not meet the qualified level,<br />
but is still ‘good enough’ for a specific horizontal<br />
or vertical application domain. By way of examples,<br />
one might consider:<br />
i. An EU accreditation scheme formalizing the<br />
STORK Quality Authentication Assurance<br />
framework, thus allowing any e-ID means to be<br />
assessed and accredited against this framework.<br />
ii. An EU accreditation scheme for e-procurement,<br />
identifying the types of e-signatures accepted for<br />
public procurement portals.<br />
iii. An EU accreditation scheme for legal services,<br />
identifying the basic requirements for e-ID providers<br />
in the legal services sectors (e.g. bar associations,<br />
Ministries of Justice, professional bodies<br />
of public notaries).<br />
iv. An EU accreditation scheme linking international<br />
schemes to their European equivalents, which<br />
could facilitate the establishment of international<br />
interoperability of e-authentication services, with<br />
the benefit of a clear legal basis.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 211 -216 2012<br />
Book 1.indb 211 27/4/2013 13:20:22
Hans Graux<br />
It would go beyond the purposes of this contribution to assess<br />
for each of these examples whether they make business<br />
and policy sense or whether they are conceptually sound; but<br />
based on discussions in relation to eID and e-signatures – including<br />
the contemplated Commission Decision relating to<br />
the mutual recognition of eIDs – it would appear that there is<br />
a clear need for such instruments. Rather than a one-off Decision<br />
for eIDs, it might be beneficial to establish a re-usable<br />
approach to establish such EU wide schemes when there is<br />
a need and benefit for European administrations, businesses<br />
and citizens.<br />
d. Conformity assessments in relation to e-authentication<br />
devices (such as SSCDs in the case of qualified<br />
e-signatures) will require a clarification whether<br />
such assessments are mandatory or optional, and who<br />
should provide them. At any rate, when a conformity<br />
assessment is granted, there will be a need to publish<br />
the assessment status in a homogeneous way, to ensure<br />
that they are actually useful at the European level.<br />
Again, the use of trusted lists (as is currently already<br />
done for CSPs issuing qualified signature certificates<br />
to the public) would be a good instrument for this.<br />
5. Finally, a mechanism will need to be defined for the establishment<br />
(or more accurately, the referencing) of standards at the<br />
European level. This can be based on the current approach,<br />
with a Committee evaluating the need for such standards and<br />
formalizations through Commission Decisions. However, the<br />
requirement of occasional updates will require some further<br />
attention, either by making the Committee permanent, or by<br />
clarifying the legal value of updates of referenced standards.<br />
3.2 Electronic identification as an e-authentication service in this<br />
Directive.<br />
Separately from the Common Section, the details in relation to<br />
individual e-authentication services – mainly their specific requirements<br />
and legal effect at the qualified level – should be regulated in<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 212 -216 2012<br />
Book 1.indb 212 27/4/2013 13:20:22
Moving towards a comprehensive legal framework...<br />
separate sections. The main challenge in this respect is obviously the<br />
definition of clear legal effects for qualified services. While the legal<br />
effect of qualified e-signatures (equivalent to hand written signatures)<br />
now seems obvious, it would also be necessary to define the legal<br />
value of qualified identities or qualified time stamps.<br />
However, this is not an insurmountable obstacle. The most difficult<br />
type of qualified authentication service is probably the qualified<br />
electronic identity, which lacks a clear physical analogy. Since<br />
an electronic identity is fundamentally a collection of electronic attributes<br />
pertaining to a specific entity, the legal effect of a qualified<br />
electronic identity could however be addressed by regulating the reliability<br />
of these attributes and the liability model behind their correctness,<br />
in much the same way as the eSignatures Directive already does.<br />
With respect to qualified certificates – a prerequisite for the creation<br />
of qualified electronic signatures – article 6.1 states that certification<br />
service providers issuing qualified certificates to the public are as a<br />
minimum liable<br />
for damage caused to any entity or legal or natural person who<br />
reasonably relies on that certificate:<br />
(a) as regards the accuracy at the time of issuance of all information<br />
contained in the qualified certificate and as regards the<br />
fact that the certificate contains all the details prescribed for a<br />
qualified certificate;<br />
(b) for assurance that at the time of the issuance of the certificate,<br />
the signatory identified in the qualified certificate held the<br />
signature-creation data corresponding to the signature-verification<br />
data given or identified in the certificate;<br />
(c) for assurance that the signature-creation data and the signature-verification<br />
data can be used in a complementary manner<br />
in cases where the certification-service-provider generates them<br />
both;<br />
unless the certification-service-provider proves that he has not<br />
acted negligently.<br />
Similarly, such a certification service provider is also liable for<br />
damages resulting from a failure to register revocation of the certifi-<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 213 -216 2012<br />
Book 1.indb 213 27/4/2013 13:20:22
Hans Graux<br />
cate (article 6.2). Limitations on this liability may be indicated in the<br />
certificate itself (articles 6.3 and 6.4).<br />
This liability model certainly has its flaws, notably the lack of<br />
any explicit obligation to act on indications that the information in the<br />
certificate is no longer correct, and the rather broad flexibility of the<br />
liability mitigation options. None the less, this approach of providing<br />
assurances of identity through liability may be as viable for qualified<br />
identities as they are for qualified signatures. While qualified identities<br />
would not benefit from an intuitive equivalence rule, they would<br />
at least provide the assurance of monetary compensation.<br />
Of course, stronger approaches could also be considered, but<br />
are likely to be much less palatable from a political or practical perspective.<br />
A significantly more far reaching approach to regulating the<br />
legal value of qualified identities would be to require Member States<br />
to ensure that the constituent attributes are admissible as evidence in<br />
legal proceedings and benefit from a refutable legal presumption of<br />
correctness. However, this approach is unlikely to hold much appeal<br />
for certain Member States with a strong tradition of official identity<br />
documents, who might perceive this model as encroaching upon their<br />
monopoly of issuing strong credentials. It may also not appeal due to<br />
the reversal of the burden of proof, as it would then be for relying parties<br />
to show that the end user’s identity claims would not be correct,<br />
which might be a costly and complicated process. For these reasons,<br />
a lighter liability based approach might be preferable.<br />
4 Concludin<br />
The observations above on the weaknesses of the e-signatures<br />
rules are not new, and it is clear that these ambitious suggestions for<br />
an e-authentication framework are incomplete and imperfect. The<br />
goal of this contribution was however, not to draft a near-final Directive,<br />
or to convince the reader that all the answers are readily available.<br />
Rather, this paper aims to make and justify a few observations:<br />
1. The current European framework for e-signatures is built on<br />
healthy principles, but flawed in many important respects.<br />
These issues need to be fixed.<br />
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Moving towards a comprehensive legal framework...<br />
2. E-signatures are not the only type of authentication service.<br />
Authenticity is a basic building block for trust and security in<br />
the information society. By focusing exclusively on e-signatures,<br />
the European policy framework will remain incomplete.<br />
3. There is a business opportunity in establishing a coherent and<br />
comprehensive framework for authenticity services, including<br />
electronic identification. So far, the European Union has<br />
failed to do this.<br />
Ultimately, the aim of this paper is to add to the discussion on<br />
policy, and provide at least one avenue for progress. It is certainly not<br />
the only available solution, and may not be the best one. But one thing<br />
is clear: the EU needs to be more ambitious. And it cannot afford to<br />
wait.<br />
Rumo a um quadro legal abrangente para a<br />
identificação electrônica como um serviço<br />
de confiança na União Europeia<br />
Resumo<br />
Este artigo explora caminhos para a criação de uma solução jurídica<br />
para a identificação electrônica, especificamente, vinculando<br />
este para o desenvolvimento futuro da Diretiva Europeia assinaturas<br />
electrônicas. Baseia-se na observação de que a Diretiva eSignature<br />
tem sido largamente incapaz de sustentar um mercado interno para os<br />
prestadores de serviços de certificação, em parte porque ele considera<br />
insuficiente a ligação essencial entre as assinaturas electrônicas e os<br />
serviços auxiliares. A identificação electrônica é um desses serviços<br />
auxiliares. A atual revisão da directiva é uma oportunidade de resolver<br />
esta questão. Com base nessa ideia, este artigo analisa a possibilidade<br />
de criar um quadro global para os serviços de confiança, que também<br />
incluem os serviços de identificação electrônica.<br />
Palavras-chave: Identificação electrônica. Eid. Assinaturas electrônicas.<br />
Diretiva assinaturas electrônicas. Autenticação. Serviços de<br />
Confiança.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 215 -216 2012<br />
Book 1.indb 215 27/4/2013 13:20:23
Hans Graux<br />
References<br />
SRIVASTAVA, Aashish . Digital Evidence and Electronic Signature<br />
Law Review, 46 – 56, 2009<br />
MASON, Stephen, Electronic Signatures in Law, (2nd edn, Tottel,<br />
2007), 4.5 also illustrates this issue.<br />
FISCHER, Stefanie & Dieskau and Daniel Wilke, ‘Electronically signed<br />
documents: legal requirements and measures for their long-term<br />
conservation’ Digital Evidence and Electronic Signature Law Review,<br />
3 2006<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 216 -216 2012<br />
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9<br />
Da assembléia geral de credores no processo<br />
de recuperação judicial<br />
Recebido: 31/07/2012<br />
Analisado: 22/11/2012<br />
Jason Soares de Albergaria Neto *<br />
Amanda Vilarino Espindola **<br />
Nova Lima/MG<br />
jasonneto@jasonalbergaria.com.br<br />
amanda@jasonalbergaria.com.br<br />
Sumário<br />
1. Introdução. 2. Breve resumo do processamento<br />
da recuperação judicial; 3. Da assembléia geral de<br />
credores prevista na lei 11.101/2005; 4. Aspectos<br />
formais da assembléia geral de credores na recuperação<br />
judicial: hipóteses de convocação e realização<br />
da assembléia de credores; 5. Atribuições da assembléia<br />
geral de credores; 6. Da aprovação do plano de<br />
recuperação judicial nos termos do §1º do art. 58 da<br />
lrf (cram down) ; 7. Invalidade da assembléia geral<br />
de credores; 8. Vícios da assembléia, das deliberações<br />
e do voto; 9. Conclusão. Referências<br />
1<br />
*<br />
Professor Doutor de Direito Processual Civil na Faculdade <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> e no Curso<br />
de Mestrado da Faculdade <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>, Coordenador do Curso de Especialização em<br />
Direito Processual Civil da FDMC. Doutor em Direito pela UFMG, Advogado.<br />
**<br />
Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>, Advogada.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 217 -254 2012<br />
Book 1.indb 217 27/4/2013 13:20:23
Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
Resumo<br />
A Lei 11.101 que entrou em vigor no ano de 2005 e previu os<br />
limites definidores da Assembléia Geral de Credores, sendo este o<br />
órgão deliberativo máximo no Processo de Recuperação Judicial,<br />
constituindo a instância adequada para exame e manifestação dos credores<br />
quanto à proposta de recuperação, não havendo hipótese desta<br />
ser concedida sem manifestação favorável dos credores, ainda que<br />
em patamares legais mínimos. A deliberação é um ato positivo e sendo<br />
assim, na hipótese de apresentado plano de recuperação judicial e<br />
convocados os credores, nenhum deles se fizer presente para o conclave,<br />
o pedido de recuperação irá convolar-se em falência. Dirão os credores<br />
reunidos no conclave, se as condições propostas pelo devedor<br />
atenderão aos seus interesses, o que significa dizer que os credores<br />
atuarão na assembléia geral no resguardo de seus interesses creditícios,<br />
examinando se a proposta de recuperação constitui instrumento<br />
hábil a viabilizar a realização de seu crédito.<br />
Palavras-chave: Recuperação Judicial. Assembléia Geral de Credores.<br />
falencia<br />
1 Introdução<br />
O presente estudo tem por intuito traçar um panorama geral da<br />
Assembléia Geral de Credores instituída pela Lei n˚11.101/2005.<br />
A referida legislação, denominada de Lei de Falência e Recuperações,<br />
entrou em vigor no ano de 2005 e instituiu a Assembléia Geral<br />
de Credores, sem, no entanto, delinear a forma do funcionamento das<br />
assembléias, bem como sem informar se ir-se-ia transpor as normas<br />
societárias previstas na Lei n° 6.404/76 para a sua condução.<br />
Importante verificar se as assembléias gerais de acionistas e as<br />
assembléias gerais de credores prevista na Lei n° 11.101/2005, tem<br />
distinções acerca dos aspectos formais de convocação e realização de<br />
cada uma delas, bem como de suas atribuições.<br />
Esta breve análise dará uma perspectiva sobre a validade das<br />
assembléias gerais de credores, bem como a distinção entre os vícios<br />
de convocação, realização da assembléia, vícios das deliberações e<br />
vícios do voto.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 218 -254 2012<br />
Book 1.indb 218 27/4/2013 13:20:23
Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
É importante destacar que o Decreto-Lei nº.7661 de 21 de junho<br />
de 1945, elaborado sob uma realidade econômica completamente<br />
diferente da atual, vigorou por mais de 50 anos, estando ultrapassado<br />
em muitos aspectos, sobretudo quanto às questões que envolvem a<br />
recuperação de empresas em dificuldades, foi substituído pela Lei nº.<br />
11.101/2005, que, em tese, pretendeu redefinir o Direito Falimentar,<br />
tendo por intuito adequar o procedimento falimentar à realidade social<br />
e econômica atual.<br />
O princípio da preservação da empresa norteou a elaboração do<br />
novo instituto e priorizou a recuperação em detrimento da liquidação,<br />
a fim de garantir a circulação de riquezas, o pagamento de impostos e<br />
dívidas, bem como a manutenção dos empregos.<br />
De acordo com os novos paradigmas advindos com a Carta Política<br />
de 1988, consoante com as legislações alienígenas e buscando<br />
a função social da empresa (agregada no Código Civil de 2002) tramitou<br />
no Congresso Nacional, desde 1993 o Projeto de Lei nº.4.376<br />
visando trazer um novo enfoque ao direito concursal brasileiro e foi<br />
aprovado pelas mesas da Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal,<br />
foi à sansão presidencial e promulgado pela Lei n. 11.101 de 09<br />
de fevereiro de 2005.<br />
Assim, a lei lhe oferece uma oportunidade de demonstrar que,<br />
simplesmente, o devedor pode sair da crise econômico-financeira em<br />
que se encontra e readquirir a capacidade de cumprir suas obrigações.<br />
Essa oportunidade é chamada de recuperação. Recuperar é readquirir<br />
a capacidade de pagar.<br />
Na verdade, quem concede a oportunidade da recuperação são<br />
os credores, se entenderem que esse caminho é, para si, melhor do que<br />
a via falencial.<br />
A Lei não concede a recuperação, enseja a faculdade de pedir<br />
recuperação. Nos termos da LRF é a assembléia geral de credores que<br />
deve decidir sobre sua eventual concessão. 1<br />
A nova lei prevê vários meios de recuperação judicial da empresa,<br />
entretanto, sem o fazê-lo exaustivamente. Ademais, as modalidades<br />
de recuperação delineadas na Lei n.11.101/2005 não são exclu-<br />
1<br />
FAZZIO JUNIOR, Waldo. Nova Lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo:<br />
Atlas, 2005, p.98/99.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 219 -254 2012<br />
Book 1.indb 219 27/4/2013 13:20:23
Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
dentes umas das outras. A relação entre elas é de interação, na medida<br />
em que podem ser combinadas duas ou mais modalidades, conforme<br />
o caso e desde que sejam compatíveis.<br />
Conforme a teoria processual, adotada pelo Decreto-lei nº.7661<br />
de 1945, a concordata era um direito garantido pelo Estado e concedido<br />
mediante determinação judicial ao comerciante honesto que foi<br />
infeliz em seus negócios.<br />
Sob a égide da Lei n.11.101 de 2005, a recuperação da empresa<br />
ganhou uma conotação predominantemente econômica, uma vez<br />
que visa eminentemente a superação da situação de crise econômico-<br />
-financeira e conseqüentemente a recuperação do ente econômico.<br />
A nova lei introduz a recuperação judicial e extrajudicial da<br />
empresa, em substituição à concordata, criando mecanismos que possibilitam<br />
a recuperação da empresa em dificuldades e que terceiros<br />
interessados venham a assumir a atividade da mesma, prosseguindo<br />
a sua exploração comercial, como medidas para evitar que o estado<br />
de crise econômico-financeira acarrete a falência do empresário ou da<br />
sociedade empresária.<br />
Portanto, sob a égide do novo diploma legal tem-se por extinta a<br />
concordata, que era um favor legal concedido pelo Estado ao devedor<br />
infeliz em seus negócios. O novo instituto da Recuperação Judicial<br />
tem um caráter eminentemente contratual, sendo que os credores, envolvidos<br />
diretamente com o ente produtivo é que irão avaliar sobre a<br />
viabilidade ou não de soerguimento daquele empreendimento, votando<br />
pela concessão ou não do plano de recuperação judicial.<br />
Em que pesem às opiniões contrárias, e conforme anteriormente<br />
afirmado, há de se considerar que muitas vezes uma falência e conseqüente<br />
liquidação de ativos pode ser muito mais eficaz do que a<br />
manutenção de uma empresa que gere maiores custos do que lucro,<br />
motivo pelo qual deverão ser examinados inúmeros fatores econômico<br />
e sociais para se avaliar a viabilidade ou não de recuperação de<br />
determinada empresa, sendo os credores diretamente ligados à atividade<br />
que se pretende preservar, os mais aptos a fazerem tal avaliação.<br />
Por fim, apenas destacamos que a recuperação judicial não tem<br />
natureza executiva coletiva, eis que não se trata de execução. Os bens<br />
do devedor ficam livres e desembaraçados e não há de se falar em<br />
classificação dos créditos. Ressalte-se, no entanto, que se trata de pro-<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 220 -254 2012<br />
Book 1.indb 220 27/4/2013 13:20:23
Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
cedimento concursal, no sentido de que todos os credores a ele se<br />
submetem, salvo as exceções legais.<br />
Para situarmos a assembléia de credores é importante termos<br />
uma visão do processamento da recuperação judicial.<br />
2 Breve resumo do processamento da<br />
Recuperação Judicial<br />
O procedimento da recuperação judicial inicia-se por ato do devedor<br />
que apresenta ao Judiciário um plano de recuperação em que<br />
reconhece seu estado de crise econômico-financeira, contendo o diagnóstico<br />
da situação da empresa, bem como uma proposta para o seu<br />
soerguimento.<br />
Dispõe o art.51 da LRF, in verbis:<br />
Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída<br />
com:<br />
I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do<br />
devedor e das razões da crise econômico-financeira;<br />
II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos<br />
exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o<br />
pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária<br />
aplicável e compostas obrigatoriamente de:<br />
a) balanço patrimonial;<br />
b) demonstração de resultados acumulados;<br />
c) demonstração do resultado desde o último exercício social;<br />
d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;<br />
III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles<br />
por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço<br />
de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do<br />
crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos<br />
e a indicação dos registros contábeis de cada transação<br />
pendente;<br />
IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas<br />
funções, salários, indenizações e outras parcelas a que<br />
têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação<br />
dos valores pendentes de pagamento;<br />
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V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de<br />
Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos<br />
atuais administradores;<br />
VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e<br />
dos administradores do devedor;<br />
VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e<br />
de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade,<br />
inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos<br />
pelas respectivas instituições financeiras;<br />
VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do<br />
domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;<br />
IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais<br />
em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista,<br />
com a estimativa dos respectivos valores demandados.<br />
Importa destacar que ao dispor no inciso I do artigo supracitado,<br />
que o devedor deverá apresentar a exposição das causas concretas<br />
da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômicofinanceira,<br />
pretendeu o legislador que o devedor apresentasse os reais<br />
motivos que levaram à situação de crise patrimonial, econômica e<br />
financeira e não apenas linhas gerais da economia macroeconômica.<br />
Conforme Fábio Ulhoa Coelho 2 “quer a lei que a exposição<br />
de motivos mencione causas “concretas”, devendo-se entender como<br />
tais as que atingem diretamente ao requerente. Não atende à exigência<br />
legal uma exposição vaga, com difusas referências a dados macroeconômicos<br />
nacionais ou mundiais.”<br />
Quanto à exigência de apresentação das demonstrações contábeis<br />
do balanço patrimonial, de resultados e de fluxo de caixa, importa<br />
dizer que o intuito é dar amplo conhecimento dos dados técnicos contábeis<br />
e financeiros aos credores, a fim de que estes possam decidir<br />
sobre a viabilidade concreta de soerguimento da empresa.<br />
Destaque-se a importância da apresentação da relação nominal<br />
dos credores, inclusive daqueles por obrigação de fazer ou dar, com<br />
a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o<br />
valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos<br />
2<br />
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentário à nova lei de falências e recuperação de empresas.<br />
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.146.<br />
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Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada<br />
transação pendente, prevista no inciso terceiro do art. 51 da LRF, eis<br />
que de acordo com o art.55, qualquer credor, sujeito ou não ao plano<br />
de recuperação, poderá apresentar objeção a este.<br />
Do mesmo modo, é de suma importância a apresentação da relação<br />
integral dos empregados, em que constem as respectivas funções,<br />
salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com<br />
o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores<br />
pendentes de pagamento, haja vista que nos termos do artigo 54, o<br />
plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1<br />
(um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho<br />
ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do<br />
pedido de recuperação judicial, bem como não poderá prever prazo<br />
superior a 30 (trinta) dias para pagamento das parcelas salariais vencidas<br />
nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial.<br />
Por sua vez, como previsto no art.48, as certidões de regularidade<br />
do devedor no Registro Público de Empresas tem por objetivo<br />
comprovar o exercício regular da atividade empresarial há mais de 2<br />
(dois) anos.<br />
Quanto à exigência de apresentação da relação dos bens particulares<br />
dos sócios controladores e dos administradores do devedor<br />
prevista no inciso IV, importa dizer, que em que pesem opiniões contrárias,<br />
entendemos que por motivos diversos 3 que se aplica única e<br />
exclusivamente às sociedades em que os sócios respondem ilimitadamente.<br />
No que toca a apresentação dos extratos atualizados das contas<br />
bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras, o intuito<br />
é óbvio, qual seja, informar aos credores o montante dos ativos<br />
financeiros que o devedor titulariza.<br />
Do mesmo modo, a exigência prevista no inciso VIII de apresentação<br />
das certidões de protestos, tem intuito de informar aos credores<br />
a situação econômico-financeira da empresa, haja vista que o<br />
número, valor ou conteúdo dos protestos, não obstam a concessão da<br />
recuperação judicial.<br />
3<br />
A discussão desse ponto oferece diferentes opiniões e não compromete a proposta desse<br />
estudo.<br />
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Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
Em relação à previsão contida no inciso IX, importa dizer que a<br />
apresentação da relação das ações judiciais em andamento em face do<br />
devedor tem por objetivo possibilitar aos credores mensurar a contingência<br />
possível de tais demandas e conseqüentemente avaliar a possibilidade<br />
ou não de soerguimento da empresa.<br />
Estando em termos os requisitos previstos no art. 51 da Lei<br />
n.11.101/2005, o juiz proferirá despacho ordenando o processamento<br />
do pedido de recuperação e nos termos do art. 52, nomeará administrador<br />
judicial 4 ; dispensará a apresentação de certidões negativas<br />
para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação<br />
com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos<br />
fiscais ou creditórios; ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções<br />
contra o devedor pelo prazo de 180 dias; ressalvadas aquelas<br />
que digam respeito a créditos não sujeitos à recuperação judicial ou<br />
que a lei prevê que não devam ser suspensas; determinará ao devedor<br />
a apresentação de contas demonstrativas mensais; ordenará a intimação<br />
do Ministério Público e comunicação por carta à Fazenda Pública<br />
Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver<br />
estabelecimento; e, por fim, determinará a expedição de edital com o<br />
resumo do pedido do devedor, a decisão que deferiu o processamento,<br />
a relação nominal dos credores com a indicação do respectivo valor<br />
e classe do crédito bem como a advertência para habilitação dos créditos.<br />
Ressalte-se que no exame inicial do pedido de recuperação judicial,<br />
não haverá apreciação do mérito pelo magistrado, estando este<br />
limitado à verificação das exigências de ordem processual impostas<br />
pela lei. Trata-se, portanto, de fase meramente instrutória.<br />
Ao deferir o processamento da recuperação judicial, o juiz não<br />
está concedendo ao devedor a recuperação em si, mas tão somente<br />
está admitindo tal pedido como processualmente apto e idôneo.<br />
Destaque-se que, a nosso ver, o despacho que defere o pedido<br />
de recuperação é decisão interlocutória, da qual, embora a Lei<br />
4<br />
Administrador judicial não se confunde com gestor judicial. O administrador judicial<br />
será um fiscal do judiciário no processamento da recuperação judicial; não cabendo a<br />
ele dirigir ou administrar a empresa em recuperação. Por sua vez, na hipótese de serem<br />
afastados os gestores e administradores estatutários, competirá à AGC eleger o gestor<br />
judicial, o qual irá administrar a empresa em recuperação.<br />
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Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
11.101/2005 não tenha previsto recurso, caberá agravo, haja vista a<br />
aplicação subsidiária do código de processo civil.<br />
Nos termos do §4º do art. 52, uma vez deferido o pedido inicial<br />
de recuperação judicial, o devedor não poderá dele desistir, salvo mediante<br />
a anuência dos credores em assembléia geral.<br />
Uma vez deferido o pedido inicial de recuperação judicial e<br />
cumpridas as determinações expressas no artigo 52, o devedor deverá,<br />
no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação do<br />
despacho, apresentar plano contendo a discriminação dos meios de<br />
recuperação a serem empregados, a demonstração da viabilidade econômica<br />
da empresa e laudo econômico financeiro de avaliação dos<br />
bens e ativos 5 .<br />
Apresentado o plano de recuperação e publicada a relação de<br />
credores, estes terão o prazo de 30 dias para manifestarem ao Juiz a<br />
sua objeção ao plano de recuperação judicial, onde reunidos os credores<br />
e não havendo objeções ao plano por parte destes e estando cumpridas<br />
as exigências legais, o Magistrado concederá a recuperação<br />
judicial ao devedor.<br />
Não há hipótese da Recuperação Judicial ser concedida sem<br />
manifestação favorável dos credores, ainda que em patamares legais<br />
mínimos. A deliberação da assembléia é um ato positivo e na hipótese<br />
de apresentado plano de recuperação judicial e convocados os credores,<br />
se nenhum deles se fizer presente para o conclave, o pedido de<br />
recuperação irá convolar-se em falência.<br />
Rachel Sztajn 6 destaca que a nova lei dá a quem tem interesse<br />
na preservação do regular funcionamento do mercado de crédito, a<br />
possibilidade de analisar as condições de superação da crise e o poder<br />
para decidir quanto à viabilidade de preservar, ou não, aquelas<br />
atividades econômicas que passem por processo de crise, seja ele de<br />
iliquidez, seja de desequilíbrio patrimonial adverso.<br />
Havendo discordância ou objeções por parte de qualquer credor,<br />
o Juiz convocará a Assembléia Geral de Credores nos termos do<br />
artigo 56 da Lei n.11.101/2005, iniciando-se a fase deliberativa do<br />
5<br />
Conforme art.53 da Lei 11.101/2005.<br />
6<br />
SZTAJN, Rachel. Notas sobre as assembléias de credores na lei de recuperação de empresas.<br />
Revista de Direito Mercantil. v.138, p.55.<br />
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Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
processo de recuperação judicial, que tem por principal objetivo a<br />
votação do plano apresentado pelo devedor.<br />
Não cabe ao Magistrado apreciar o conteúdo da objeção ou decidi-la.<br />
A competência é da Assembléia de Credores, devendo o Juiz<br />
limitar-se a convocá-la. São os credores reunidos em assembléia que<br />
detêm o poder de aprovar, modificar ou mesmo rejeitar o plano apresentado<br />
pelo devedor.<br />
Ressalte-se ainda, que nos termos do §1º do art. 56, o prazo para<br />
a realização da Assembléia Geral de Credores não poderá exceder 150<br />
dias, contados do deferimento do processamento da recuperação judicial<br />
e na hipótese de nenhum plano ter sido aprovado pela Assembléia<br />
de Credores, a rejeição é transmitida ao juiz, para que ele decrete a<br />
falência do devedor. Da decisão que rejeita o plano caberá agravo de<br />
instrumento, nos termos do art. 100.<br />
Aprovado o plano pela Assembléia Geral de Credores, o Juiz<br />
proferirá a sentença concessiva, nos termos do caput do art. 58. Da<br />
Sentença concessiva da recuperação judicial caberá agravo, que, nos<br />
termos do §2º do art. 59, poderá ser interposto por qualquer credor ou<br />
pelo Ministério Público.<br />
Concedida a Recuperação Judicial haverá novação de todos os<br />
créditos sujeitos ao plano recuperacional. O devedor permanecerá em<br />
recuperação até serem cumpridas todas as obrigações previstas no<br />
plano.<br />
Todavia, caso haja o descumprimento de qualquer das obrigações<br />
previstas no plano, ocorrerá a convolação da recuperação judicial<br />
em falência.<br />
3 Da Assembléia Geral de Credores prevista<br />
na Lei 11.101/2005.<br />
A assembléia de credores no direito brasileiro não é uma inovação<br />
da Lei 11.101/2005. O Código Comercial de 1850, inspirado no<br />
código francês, acolheu o conceito de contrato de união, pelo qual os<br />
credores após a instrução do processo, e não sendo apresentada proposta<br />
de concordata, podiam dispor em conjunto sobre os meios pelos<br />
quais os ativos seriam liquidados.<br />
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Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
No processo falimentar de então, havia duas assembléias de credores:<br />
a primeira, perante a qual era submetido um relatório sobre o<br />
estado da falência e suas circunstâncias, e na qual era também apresentado<br />
o rol de créditos e suas peculiaridades, bem como proposta<br />
para a formação de uma comissão verificadora da procedência da lista<br />
de credores; e a segunda, na qual os credores, encerrada a apresentação<br />
dos pareceres da comissão verificadora eleita na primeira assembléia,<br />
deliberavam sobre a concessão da concordata ou a forma de<br />
liquidação dos ativos<br />
Também os artigos 122 e 123 do Decreto-lei nº 7.661/1945 7 ,<br />
previam a reunião de credores em assembléia, mas esta se limitava à<br />
falência, em especial à liquidação do ativo; haja vista que a Concorda<br />
7<br />
Art. 122. Credores que representem mais de um quarto do passivo habilitado, podem<br />
requerer ao juiz a convocação de assembléia que delibere em termos precisos sobre o<br />
modo de realização do ativo, desde que não contrários ao disposto na presente lei, e sem<br />
prejuízo dos atos já praticados pelo síndico na forma dos artigos anteriores, sustando-se<br />
o prosseguimento da liquidação ou o decurso de prazos até a deliberação final.<br />
§ 1º A convocação dos credores será feita por edital, mandado publicar pelo síndico, com<br />
a antecedência de oito dias, e do qual constarão lugar, dia e hora designados.<br />
§ 2º Na assembléia, a que deve estar presente o síndico, o juiz presidirá os trabalhos,<br />
cabendo-lhe vetar as deliberações dos credores contrários às disposições desta lei.<br />
§ 3º As deliberações serão tomadas por maioria calculada sobre a importância dos créditos<br />
dos credores presentes. No caso de empate, prevalecerá a decisão do grupo que reunir<br />
maior número de credores.<br />
§ 4º Nas deliberações relativas ao patrimônio social, somente tomarão parte os credores<br />
sociais; nas que se relacionarem com o patrimônio individual de cada sócio, concorrerão<br />
os respectivos credores particulares e os credores sociais.<br />
§ 5º Do ocorrido na assembléia, o escrivão lavrará ata que conterá o nome dos presentes e<br />
será assinada pelo juiz. Os credores assinarão lista de presença que, com a ata, será junta<br />
aos autos da falência.<br />
Art. 123. Qualquer outra forma de liquidação do ativo pode ser autorizada por credores<br />
que representem dois terços dos créditos.<br />
§ 1º Podem ditos credores organizar sociedade para continuação do negócio do falido, ou<br />
autorizar o síndico a ceder o ativo a terceiro.<br />
§ 2º O ativo somente pode ser alienado, seja qual for a forma de liquidação aceita, por<br />
preços nunca inferiores aos da avaliação, feita nos termos do parágrafo 2º do artigo 70.<br />
§ 3º A deliberação dos credores pode ser tomada em assembléia, que se realizará com<br />
observância das disposições do artigo anterior, exceto a do parágrafo 3º; pode ainda ser<br />
reduzida a instrumento, público ou particular, caso em que será publicado aviso para<br />
ciência dos credores que não assinaram o instrumento, os quais, no prazo de cinco dias,<br />
podem impugnar a deliberação da maioria.<br />
§ 4º A deliberação dos credores dependem de homologação do juiz e da decisão cabe<br />
agravo de instrumento, aplicando-se ao caso o disposto no parágrafo único do artigo 17.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 227 -254 2012<br />
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Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
era um favor legal concedido pelo Estado ao devedor infeliz em seus<br />
negócios, não havendo de se falar em manifestação dos credores.<br />
Entretanto, distintamente do Decreto-lei nº 7.661/1945, a Lei<br />
11.101/2005 deferiu aos credores participação e responsabilidades<br />
decisivas na recuperação judicial, instituto que veio substituir a concordata.<br />
Sem os credores não há como o devedor prosperar no seu<br />
intuito de evitar a declaração judicial da falência por intermédio da<br />
reestruturação da empresa prevista na Lei n˚11.101/2005.<br />
A Lei 11.101/2005 facultou aos credores a participação no conclave<br />
(art.37), visando assim, propiciar um regular debate sobre as<br />
matérias constantes na ordem do dia.<br />
Na recuperação judicial a Assembléia Geral de Credores constitui<br />
a instância adequada para exame e manifestação dos credores<br />
quanto à proposta de recuperação judicial, não havendo hipótese de a<br />
recuperação ser concedida sem manifestação favorável dos credores,<br />
ainda que em patamares legais mínimos.<br />
A deliberação é um ato positivo e sendo assim, na hipótese de<br />
apresentado plano de recuperação judicial e convocados os credores,<br />
nenhum deles se fizer presente para o conclave, o pedido de recuperação<br />
irá convolar-se em falência.<br />
Dirão os credores reunidos no conclave, se as condições propostas<br />
pelo devedor atenderão, primordialmente, aos seus interesses 8 ,<br />
ou seja, o credor irá atuar na assembléia geral no resguardo de seus<br />
interesses creditícios, examinando se a proposta de recuperação constitui<br />
instrumento hábil para viabilizar a realização de seu crédito.<br />
Ademais, distintamente do que ocorria na concordata preventiva<br />
prevista no Decreto-lei nº 7.661/1945, que abrangia apenas os credores<br />
quirografários, podendo as outras classes de credores promoverem<br />
suas respectivas ações de forma autônoma a fim de receberem<br />
seus créditos; em sede de recuperação judicial o plano a ser apresentado<br />
pelo devedor poderá nos termos do art. 41 da Lei 11.101/2005,<br />
abranger três classes de credores, quais sejam: I) titulares de créditos<br />
§ 5º Se a forma de liquidação adotada for de sociedade organizada pelos credores, os dissidentes<br />
serão pagos, pela maioria, em dinheiro, na base do preço da avaliação dos bens,<br />
deduzidas as importâncias correspondentes aos encargos e dívidas da massa.<br />
8<br />
CAMPOS FILHO, Moacyr Lobato. op.cit., p.134.<br />
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Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de<br />
trabalho, II) titulares de créditos com garantia real, e III) titulares de<br />
créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral<br />
ou subordinados.<br />
Supõe-se que tal separação em grupos ou classes pretendeu, em<br />
tese, agrupar aqueles que têm interesses homogêneos, separando os<br />
distintos conjuntos de interesses, a par de especificar como são tomadas<br />
as decisões dentro de cada classe 9 .<br />
Os titulares de crédito derivados da legislação do trabalho votam<br />
com a classe I, pelo total dos seus créditos, independentemente<br />
do montante deste 10 . Ressalte-se que a deliberação não é tomada em<br />
função do valor pretendido, mas por cabeça 11 , haja vista que não seria<br />
viável a utilização do critério de valor do crédito, pois poderia acarretar<br />
uma desproporção entre os credores trabalhistas em razão das<br />
inúmeras variáveis para apuração do valor do crédito trabalhista, tal<br />
qual o cargo ocupado, o salário, o tempo de serviço etc.<br />
O art. 54 da LRF dispõe que o plano de recuperação judicial não<br />
poderá prever prazo superior a um ano para pagamento dos da classe<br />
I, vencidos até a data do pedido de recuperação judicial e também não<br />
poderá prever prazo superior a trinta dias para pagamento, até o limite<br />
de cinco salários mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza<br />
estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores ao pedido de<br />
recuperação judicial.<br />
E em que pesem às criticas feitas em relação à restrição do pagamento<br />
dos créditos de natureza salarial até o limite de cinco salários<br />
mínimos por trabalhador, há de se esclarecer que foi opção política<br />
do legislador que pretendeu garantir de alguma forma que o maior<br />
número de credores recebessem os seus créditos; evitando-se que credores<br />
titulares de maiores pretensões exaurissem os fundos alocados<br />
para pagamento, em detrimento daqueles que tem menores valores a<br />
receber.<br />
9<br />
SZTAJN, Rachel. Notas sobre as assembléias de credores na lei de recuperação de empresas.<br />
Revista de Direito Mercantil. v.138, p.58.<br />
10<br />
Conforme art. 54 da Lei 11.101/2005.<br />
11<br />
Conforme art.41 c/c §2º do art. 45 da Lei 11.101/2005.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 229 -254 2012<br />
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Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
Por sua vez, os titulares de crédito com garantia real, votam<br />
com a classe dos credores com garantia real, mas somente até o limite<br />
do valor do bem gravado, sendo que aquilo que superar este limite<br />
passa a valer para a classe dos credores quirografários pelo restante<br />
do valor de seu crédito 12 .<br />
Nos termos do §1º do art. 45 da LRF, nas classes II e III o plano<br />
de recuperação judicial deverá ser aprovado por credores que representem<br />
mais da metade do valor total dos créditos presentes à Assembléia<br />
e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.<br />
Tem-se, portanto, um duplo critério para aprovação do plano de<br />
recuperação.<br />
Assim, o plano de recuperação será considerado aprovado<br />
quando obtiver o voto favorável de credores presentes que representem<br />
mais de 50% da totalidade dos créditos representativos de cada<br />
classe de credores, e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores<br />
presentes na respectiva Assembléia Geral, ressalvada a hipótese<br />
prevista no §1º do art.58, em que o plano poderá ser aprovado pela<br />
maioria de apenas duas classes de credores, desde que preenchidos<br />
alguns requisitos cumulativos.<br />
Terão direito a voto as pessoas declinadas no quadro geral de<br />
credores, ou, em sua ausência, na relação de credores elaborada pelo<br />
administrador judicial, ou ainda na lista de credores elaborada pelo<br />
devedor que também deverá instruir a petição inicial do pedido de<br />
recuperação judicial. No capitulo subseqüente trataremos especificamente<br />
do direito de voto na Assembléia de Credores, motivo pelo qual<br />
nos limitamos a esse breve comentário acerca do tema.<br />
É certo que os interesses das três classes de credores; bem como<br />
dos próprios credores dentro de cada uma de suas classes, serão bastante<br />
heterogêneos.<br />
O único interesse realmente uniforme ou homogêneo entre os<br />
credores é o fato de que todos pretendem evitar maiores perdas do que<br />
teriam com a simples liquidação dos ativos do devedor.<br />
Assim, a maior dificuldade do devedor ao elaborar o plano recuperacional<br />
será de convencer os credores que devem deliberar co-<br />
12<br />
Conforme §2º do art. 51 da Lei 11.101/2005.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 230 -254 2012<br />
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Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
operativamente; eis que estes só o aprovarão se forem convencidos<br />
de que a aprovação do plano será mais vantajosa do que a falência e<br />
conseqüente liquidação dos ativos.<br />
Bem salientou Rachel Sztajn 13 em artigo publicado na Revista<br />
de Direito Mercantil, <strong>volume</strong> 138; intitulado “Notas sobre as assembléias<br />
de credores na lei de recuperação de empresas”, que:<br />
Se todos os credores aceitarem que o plano não os deixará pior<br />
que a liquidação da empresa, que os resultados projetados serão<br />
melhores, superando os da falência, a aprovação do plano favorecerá<br />
a todos – e, por isso, os votos serão majoritariamente nessa<br />
direção, favoráveis à implementação do plano.<br />
(...) Claro que não há garantia de que a recuperação ou reorganização<br />
da empresa em crise venha a ser feita sem algum sacrifício<br />
dos credores, porque as obrigações não serão solvidas integralmente.<br />
Haverá perdas, até mesmo substanciais; mas, como se dá<br />
aos credores a possibilidade de avaliar e comparar a perda atual<br />
e eventual compensação futura (mesmo que não real, efetiva), se<br />
for preservada a atividade, presume-se que as decisões serão focadas<br />
em estratégias que minimizem os prejuízos, que mantenham<br />
as relações negociais e que o crédito seja preservado na medida do<br />
possível.<br />
Portanto, o plano de recuperação da empresa deverá satisfazer<br />
a interesses da maioria dos credores em cada uma das três classes de<br />
credores enumeradas no art.41; haja vista que sempre será interesse<br />
daqueles minimizar os prejuízos ou perdas futuras. Desse modo, é<br />
imprescindível que o devedor demonstre aos credores que os benefícios<br />
da recuperação superam os custos e que os ganhos derivados da<br />
liquidação serão inferiores aos da recuperação.<br />
Para tanto, é necessário que antes da deliberação em assembléia<br />
todos os credores entendam em sua plenitude o plano apresentado<br />
pelo devedor e isso só será possível se demonstrado através de dados<br />
expressos toda a situação econômico-financeira da sociedade recuperanda,<br />
bem como das perspectivas que o mercado apresenta para<br />
aquele ramo de atividade.<br />
13<br />
SZTAJN, Rachel. op. cit., p.60.<br />
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Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
Conforme disposto no artigo 35 da LRF; a Assembléia Geral de<br />
Credores terá por atribuição na recuperação judicial deliberar sobre<br />
a aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial<br />
apresentado pelo devedor; constituir o Comitê de Credores, bem<br />
como substituí-lo quando necessário; e aprovar ou rejeitar o pedido de<br />
desistência feito pelo devedor, nos termos do §4º, do art.52.<br />
O que se pode concluir do artigo supracitado é que ao deliberarem<br />
sobre a aprovação, rejeição ou modificação do plano apresentado<br />
pelo devedor, os credores irão avaliar conforme os seus próprios interesses<br />
se aceitarão ou não o risco de manutenção da empresa ou se a<br />
liquidação do ativo lhes é mais proveitosa.<br />
Ressalte-se aqui que a decisão é dos credores e em que pesem<br />
opiniões contrárias, que, data venia, fundamentado no principio da<br />
preservação da empresa de uma forma distorcida defendem que a decisão<br />
dos credores em assembléia pode ser ultrapassada, ressalvada<br />
aqui a hipótese prevista no §1º do art. 58, a decisão daqueles em Assembléia<br />
deve ser seguida e uma vez não aprovado o plano de recuperação<br />
apresentado, deverá o Juiz decretar a falência do devedor.<br />
A função social da empresa é gerar lucro, ou seja, é criar e fazer<br />
circular riquezas. Uma empresa que não o faça cumprirá a sua função<br />
social sendo liquidada. Manter em operação atividades ineficientes, a<br />
título de função social, de assistencialismo inconseqüente, pode beneficiar<br />
alguns, mas desestimular muitos 14 .<br />
A preservação de atividade não pode dar espaço para oportunismos,<br />
não deve servir como paliativo na transferência de riscos aos<br />
credores, sob pena de aumento do custo do crédito, que, em ultima<br />
análise, é o que deve orientar as deliberações. 15<br />
Após essa breve introdução acerca das Assembléias Gerais de<br />
Credores prevista na Lei nº 11.101/2005, passemos à analise dos aspectos<br />
formais de convocação e realização de tais assembléias para<br />
sua plena validade e eficiência.<br />
14<br />
SZTAJN, Rachel. op. cit., p.56.<br />
15<br />
SZTAJN, Rachel. op. cit., p.66/67.<br />
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Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
4 Aspectos formais da assembléia geral<br />
de credores na recuperação judicial: –<br />
hipóteses de convocação e realização da<br />
assembléia de credores<br />
Tal como a Lei de Sociedade Anônima, que dispõe expressamente<br />
sobre os procedimentos de convocação e instalação das reuniões,<br />
quorum de instalação e de deliberação como garantia de validade<br />
e eficácia das deliberações colegiadas, também a Lei 11.101/2005 dispõe<br />
sobre os aspectos formais de convocação e realização da assembléia<br />
de credores, haja vista que a deliberação tomada na assembléia<br />
vincula-se a todos os credores, ainda que ausentes ou dissidentes.<br />
Ressalte-se que conforme regra prevista nos §§ 3º, 4º e 5º do<br />
art.37 da Lei 11.101/2005 é obrigatória a presença dos credores ou de<br />
seus representantes no conclave, visando, assim, propiciar um regular<br />
debate sobre as matérias constantes da ordem do dia, bem como a<br />
aprovação do plano de recuperação judicial.<br />
Conforme dito anteriormente, a deliberação é um ato positivo<br />
e sendo assim, na hipótese de apresentado plano de recuperação judicial<br />
e convocados os credores, nenhum deles se fizer presente para<br />
o conclave, o pedido de recuperação irá convolar-se em falência. São<br />
os credores reunidos no conclave que tem competência para aprovar,<br />
modificar ou rejeitar o plano de recuperação apresentado pelo devedor.<br />
Destaque-se que se trata de competência privativa e ressalvada<br />
a hipótese prevista no §1º do art.58 a decisão tomada em assembléia<br />
não poderá ser superada.<br />
Dispõe o artigo 36 da LRF que a assembléia geral de credores<br />
será convocada pelo Juiz por edital publicado no órgão oficial e em<br />
jornais de grande circulação nas localidades da sede e filial, com antecedência<br />
mínima de 15 dias da sua realização em 1ª convocação. Tal<br />
prazo contar-se-á excluindo o dia da publicação e incluindo o do vencimento,<br />
conforme regra prevista no art. 132 do CC/2002. Ademais, não<br />
há interrupção da contagem do prazo em razão de dias úteis, podendo<br />
a contagem do prazo se iniciar inclusive em domingos e feriados.<br />
Também determina o artigo 36 da LRF que o edital de convocação<br />
deverá conter expressamente o local, a data e horário da as-<br />
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Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
sembléia em 1ª e 2ª convocação, bem como as matérias a serem deliberadas<br />
na ordem do dia, que deverão ser expostas de forma clara e<br />
detalhada a fim de dar amplo conhecimento prévio aos credores para<br />
que estes possam se preparar para debate.<br />
Do mesmo modo, deve estar expresso no edital de convocação<br />
o local em que os credores poderão obter cópia do plano de recuperação<br />
judicial a ser votado, a fim de que estes tenham conhecimento<br />
prévio do plano recuperacional para maior eficiência das deliberações<br />
assembleares acerca do projeto de recuperação.<br />
Ademais, a cópia do Edital de convocação da assembléia de<br />
credores deverá ser afixada de forma ostensiva na sede e filiais do<br />
devedor.<br />
Em relação à competência para convocação da assembléia, deve-se<br />
ficar clara que esta é exclusiva do juiz, seja a convocação ex<br />
officio, seja a requerimento dos credores que representem no mínimo<br />
25% do valor total dos créditos de uma determinada classe, ou a requerimento<br />
do comitê de credores conforme previsto na alínea “e” do<br />
inciso I do art.27; ou mesmo a requerimento do administrador judicial<br />
nos termos da alínea “g”, inciso I do art.22 da LRF. Assim, ainda que<br />
a convocação seja requerida por parte dos credores, pelo administrador<br />
judicial ou pelo comitê de credores, a competência para convocação<br />
é do Magistrado.<br />
Ressalte-se que para a instalação válida da assembléia em primeira<br />
convocação, nos termos do §2º do art.37, far-se-á necessário a<br />
presença de credores titulares de mais da metade do passivo do devedor,<br />
em cada classe.<br />
Caso o quorum de instalação não seja alcançado em 1ª convocação,<br />
a assembléia geral será validamente instalada em 2ª convocação<br />
com qualquer número de credores, respeitado o intervalo mínimo de<br />
5 dias entre a 1ª e a 2ª assembléia.<br />
Conforme previsto no §1º do artigo 39 c/c §§ 3º e 4º do art. 49<br />
da LRF, não serão considerados para fins do quorum de instalação, os<br />
credores titulares da posição de proprietário fiduciário, de arrendador<br />
mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos<br />
respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade;<br />
de proprietário em contrato de venda com reserva de<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 234 -254 2012<br />
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Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
domínio e de credor de importância entregue ao devedor decorrente<br />
de adiantamento a contrato de câmbio para exportação.<br />
Ademais, nos termos do art. 43 da LRF, poderão participar da<br />
assembléia os sócios do devedor, bem como as sociedades coligadas,<br />
controladoras, controladas ou as que detenham sócio acionista<br />
com participação superior a 10% (dez por cento) do capital social do<br />
devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação<br />
superior a 10% (dez por cento) do capital social, entretanto<br />
sem direito a voto e sem serem considerados para fins de verificação<br />
do quorum de instalação e deliberação.<br />
Também poderão participar da assembléia, mas sem direito a<br />
voto e sem serem considerados para fins de verificação do quorum de<br />
instalação e deliberação, o cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim,<br />
colateral até o 2º grau, ascendente ou descendente do devedor, do administrador,<br />
do sócio controlador, de membro dos conselhos consultivos,<br />
fiscal ou semelhantes da sociedade devedora e da sociedade em<br />
que quaisquer dessas pessoas exerçam essas funções 16 . Destaquemos<br />
que além do próprio devedor e do administrador judicial, a princípio,<br />
apenas os credores detêm legitimidade para participar da assembléia<br />
geral, sendo certo que cada credor deverá assinar a lista de presença,<br />
que será encerrada no momento da instalação. Uma vez iniciados<br />
os trabalhos, não há possibilidade de inscrição retardatária de credor<br />
para que este vote na assembléia já instalada. A importância dessa regra<br />
reside na idéia de dar segurança jurídica às assembléias, em razão<br />
das regras de quorum para sua instalação e deliberação.<br />
O credor poderá estar acompanhado de advogado, que ficará<br />
restrito a assessorá-lo durante a assembléia, não podendo se dirigir ao<br />
plenário ou à mesa sem prévia autorização, sendo o direito de voz e<br />
de voto exclusiva do credor.<br />
Entretanto, nos termos do §4º do art. 37 da LRF, o credor poderá<br />
ser representado na assembléia geral por mandatário ou representante<br />
legal, desde que entregue ao administrador judicial, 24 (vinte quatro)<br />
horas antes da data prevista no aviso de convocação, documento hábil<br />
que comprove seus poderes ou indicação das folhas dos autos do processo<br />
em que se encontre o documento. Ressalte-se que o procurador<br />
16<br />
Conforme parágrafo único do art. 43 da LRF.<br />
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Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
ou mandatário deverá possuir poderes específicos para participar da<br />
assembléia, podendo deliberar, renunciar, transigir; não sendo aceita<br />
procuração ou mandato com poderes gerais 17 , ou simplesmente ad<br />
judicia.<br />
Também os sindicatos de trabalhadores poderão representar<br />
seus associados titulares de créditos derivados da legislação do trabalho<br />
ou decorrentes de acidente de trabalho que não comparecem,<br />
pessoalmente ou por procurador, à assembléia de credores. Para tanto,<br />
os sindicatos deverão apresentar ao administrador judicial, até dez<br />
dias antes da assembléia, a relação dos associados que pretenda representar,<br />
e o trabalhador que conste da relação de mais de um sindicato<br />
deverá esclarecer, até 24 (vinte quatro) horas antes da assembléia,<br />
qual sindicato o representa, sob pena de não ser representado em assembléia<br />
por nenhum deles. 18<br />
Jairo Saddi 19 vê com reservas esta representação, vislumbrando<br />
vantagens e desvantagens na participação desse órgão em uma das<br />
mais importantes classes da recuperação judicial:<br />
Há, como tudo, vantagens e desvantagens nessa provisão: por<br />
um lado, o sindicato, entidade coletiva e legítima, supõe-se mais organizado<br />
e preparado do que um trabalhador individual, que muitas<br />
vezes não dispõe nem de tempo nem do conhecimento especializado.<br />
No entanto, com essa representação, está se trazendo para a arena da<br />
Assembléia um novo ator que pode ter uma agenda de facto muito<br />
diferente daquela necessária ou mais adequada a um processo de recuperação<br />
ou liquidação de ativos, onde a todos são impostos sacrifícios.<br />
O leitor facilmente perceberá que, se um sindicalista é eleito<br />
pelo voto dos sindicalizados, sua atuação será na esfera da política<br />
sindical, não necessariamente na de credor interessado na recuperação.<br />
Claro que não é regra geral, mas a história recente do sindicalismo<br />
brasileiro mostra que isso pode ocorrer. Deveria haver, ao lado<br />
da possibilidade de participação do sindicato como representante dos<br />
trabalhadores – o que poderia acontecer de qualquer jeito, por meio de<br />
17<br />
Conforme § 1º do art. 661 do CC/2002.<br />
18<br />
Conforme §§ 5º e 6º do art.37 da LRF.<br />
19<br />
SADDI, Jairo. Considerações sobre o Comitê e a Assembléia de Credores na Nova Lei Falimentar.<br />
In:PAIVA, Luiz Fernando Valente de Paiva (Coord.). Direito Falimentar e a Nova<br />
Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 208.<br />
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Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
representação legal -, mecanismos de controle de abusos que possam<br />
vir a ser cometidos.<br />
A assembléia será presidida pelo administrador judicial 20 , salvo,<br />
na hipótese incompatibilidade deste, quando então a assembléia será<br />
presidida pelo credor presente que seja titular do maior crédito.<br />
Ao presidente compete verificar a legitimidade dos credores antes<br />
de assinarem a lista de presença. É conveniente que ao lado da<br />
assinatura de cada credor conste o valor de seu crédito, de acordo com<br />
a respectiva classificação, facilitando assim, o computo do quorum<br />
para instalação e votação.<br />
Se, por ventura, for instalada a assembléia e aparecer algum<br />
credor que não assinou a lista, este não poderá participar das deliberações,<br />
pois será considerado como não presente.<br />
Destaque-se que a participação de devedor na assembléia-geral<br />
de credores é indispensável quando a deliberação for relacionada à<br />
modificação do plano de recuperação judicial, entretanto, fora dessa<br />
situação, a participação do devedor ocorrerá somente se for ele convidado<br />
pelos credores, ou convocado pelo juiz para prestar esclarecimentos<br />
sobre o plano de recuperação judicial.<br />
O presidente da assembléia designará um secretário, dentre os<br />
credores presentes, para auxiliá-lo em suas tarefas. Os trabalhos serão<br />
iniciados com a leitura da ordem do dia pelo presidente da assembléia,<br />
prosseguindo-se, então, com a discussão e votação de cada uma<br />
das matérias.<br />
Durante o debate a mesa resume a matéria a ser debatida, eventualmente<br />
passando a palavra aos profissionais que auxiliam o administrador<br />
judicial convocados para explanarem sobre a matéria.<br />
Seguem-se as perguntas dos credores e as respostas com os esclarecimentos<br />
pertinentes. O presidente então dá inicio ao debate dando a<br />
palavra a cada um dos credores. Encerrado o debate, tem-se o início<br />
da votação.<br />
Conforme Leciona Jorge Lobo 21 :<br />
20<br />
Conforme caput do art. 37.<br />
21<br />
LOBO, Jorge. Da Assembléia-Geral de Credores. In: TOLEDO, Paulo F. C. Salles,<br />
ABRÃO, Carlos Henrique (Coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e<br />
Falência. São Paulo: Saraiva, 2005, p.91.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 237 -254 2012<br />
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Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
Abertos os trabalhos da assembléia e lida a ordem do dia, o presidente<br />
deverá informar: a) o número de credores presentes, caso<br />
se vá deliberar sobre as matérias previstas no art. 35 I, a, c/c o art.<br />
45, caput ; b) o valor total dos créditos dos credores presentes; c)<br />
o quorum de deliberação de cada classe de credores; d) a forma de<br />
votação; e e) o quorum de deliberação para apuração do resultado<br />
final.<br />
A seguir, se a assembléia geral houver sido convocada com fundamento<br />
no art. 56, o secretário fará uma síntese da objeção oposta<br />
com respaldo no art. 55, facultado a qualquer credor pleitear a sua<br />
leitura integral e dos documentos que a instruem, devendo o administrador<br />
judicial, no exercício da presidência dos trabalhos, conceder a<br />
palavra aos credores, que desejarem manifestar-se, e ao devedor, para<br />
que responda à objeção.<br />
Encerrados os debates, o presidente deverá pôr em votação a<br />
matéria para deliberação da assembléia, na forma dos artigos 38, 39<br />
e 42. Igual procedimento deverá ser observado na hipótese de haver<br />
sido apresentada proposta de alteração do plano de recuperação (art.<br />
56 § 3º) e nos casos especificados no art. 35, I, b a f, e II da LRE.<br />
Destaque-se que cabe à mesa diretora dos trabalhos delimitar<br />
com cuidado o conjunto de credores envolvidos para votação de cada<br />
matéria em apreciação. Se a revisão do passivo trabalhista constante do<br />
plano de reorganização implicar, por exemplo, antecipação de pagamentos<br />
devidos aos trabalhadores, o que impacta o fluxo de caixa da sociedade<br />
devedora todos os credores sujeitos à recuperação judicial são<br />
interessados e não apenas os titulares de créditos trabalhistas. Assim, no<br />
caso deste exemplo, as três classes de credores irão deliberar. 22<br />
Ao presidente do conclave competirá manter a ordem no recinto,<br />
tendo autoridade, inclusive, para dele expulsar quem pratique atos<br />
que possam ser caracterizados como crimes e/ou contravenções, ou<br />
atentarem contra o decoro, inclusive por motivos de embriagues ou<br />
manifesta insanidade mental, mas não por excessos verbais ou pela<br />
apresentação de protestos veementes, eis que tais desdobramentos são<br />
naturais quando há dissídio no conclave. 23<br />
22<br />
COELHO, Fábio Ulhoa. op.cit., p. 106.<br />
23<br />
FRANÇA, Erasmo Valadão Azevedo e Novaes. op.cit., p.76.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 238 -254 2012<br />
Book 1.indb 238 27/4/2013 13:20:24
Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
A assembléia de credores se encerrará com a proclamação do<br />
resultado das deliberações constantes da ordem do dia e lavratura de<br />
ata, que deverá conter o resultado das deliberações, os nomes dos presentes,<br />
bem como a assinatura do presidente, do devedor e de 2 (dois)<br />
membros de cada classe votante, devendo ser entregue ao juiz, juntamente<br />
com a lista de presença, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.<br />
5 Atribuições da Assembléia Geral de Credores<br />
Dispõe o art. 35 da Lei de Recuperações e Falência que a assembléia<br />
geral de credores terá por atribuições, na recuperação judicial,<br />
deliberar sobre: a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de<br />
recuperação judicial apresentado pelo devedor; b) a constituição do<br />
comitê de credores, a escolha de seus membros e a sua substituição;<br />
c) o pedido de desistência do devedor, nos termos do §4º do art.52;<br />
d) o nome do gestor judicial quando do afastamento do devedor; e)<br />
qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.<br />
Como se percebe, o rol de atribuições determinados na lei não<br />
é um rol taxativo, estando aberta à convocação da assembléia para<br />
quaisquer assuntos relevantes ao interesse dos credores.<br />
Leciona Sergio Campinho 24 que:<br />
Na fluência dos processos de recuperação judicial ou falência podem<br />
emergir matérias que demandem a deliberação dos credores<br />
neles envolvidos. Essas matérias que reclamam decisão podem ser<br />
simplesmente acidentais ou decorrem de uma situação processual<br />
específica. No primeiro caso, a instalação da assembléia- geral de<br />
credores será facultativa, motivada, assim, por interesse momentaneamente<br />
verificado, de cunho geral ou particular a uma categoria<br />
de credores. No segundo caso, a instalação do conclave deliberativo<br />
se mostra obrigatória, funcionando como condição necessária<br />
e indispensável de uma questão do processo.<br />
Em regra, serão consideradas necessárias ou obrigatórias as assembléias<br />
para aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação<br />
judicial apresentado pelo devedor; a assembléia para analisar<br />
24<br />
CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa – o novo regime de insolvência<br />
empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 75.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 239 -254 2012<br />
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Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
pedido de desistência do devedor de seu requerimento de recuperação<br />
judicial (formulado após o despacho de deferimento do processamento<br />
da recuperação judicial) e aquela para a escolha do gestor judicial,<br />
quando do afastamento do devedor da condução de seus negócios.<br />
Serão facultativas as assembléias para constituição do comitê<br />
de credores, bem como a substituição deste e as que tratam de qualquer<br />
outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.<br />
Importa destacar que embora facultativas, algumas assembléias<br />
são extremamente importantes para a recuperação judicial, como é<br />
o caso, por exemplo, da assembléia para constituição do comitê de<br />
credores que terá como atribuições na recuperação judicial, fiscalizar<br />
as atividades e examinar as contas do administrador judicial; zelar<br />
pelo bom andamento do processo; comunicar ao juiz, caso detecte<br />
violação dos direitos ou prejuízo aos interesses dos credores; fiscalizar<br />
a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada<br />
30 dias, relatório de sua situação; fiscalizar a execução do plano de<br />
recuperação judicial, dentre outros.<br />
Ainda sobre o Comitê de Credores importa dizer, que este, embora<br />
seja um órgão facultativo, será de extrema valia para as recuperações<br />
judiciais de maior vulto, haja vista o seu papel de agente fiscalizador.<br />
Entretanto, na hipótese de recuperação judicial de pequeno<br />
vulto, entendemos que tal órgão pode acabar sendo um verdadeiro<br />
entrave à recuperação da empresa, haja vista que será mais uma burocracia<br />
a ser superada; devendo os credores reunidos em assembléia<br />
decidirem sobre a viabilidade ou não de constituição de tal comitê.<br />
6 Da aprovação do Plano de Recuperação<br />
Judicial nos termos do §1º do art. 58 da LRF<br />
(Cram Down).<br />
A Lei de Recuperações e Falência estabeleceu no §1º do art.<br />
58 a possibilidade de ser concedida a recuperação judicial cujo plano<br />
tenha sido aprovado em assembléia com substancial apoio entre os<br />
credores, mas sem alcançar quorum qualificado previsto no art. 45.<br />
Trata-se do que a doutrina denomina de cram down.<br />
Em tal hipótese tem-se uma segunda alternativa à hipótese prevista<br />
no art. 45 da LRF, possibilitando a aprovação do plano de recu-<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 240 -254 2012<br />
Book 1.indb 240 27/4/2013 13:20:24
Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
peração com um quorum alternativo, permanecendo, no entanto, o<br />
poder de decisão a cargo dos credores.<br />
Assim, nos termos do §1º do art. 58, o juiz poderá conceder a<br />
recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação<br />
na forma do art. 45 da LRF, desde que, na mesma assembléia, tenha<br />
obtido, de forma cumulativa o voto favorável de credores que<br />
representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à<br />
assembléia, independentemente da classe e a aprovação de duas das<br />
classes de credores nos termos do art. 45 e o voto favorável de mais<br />
de 1/3 dos credores na classe em que foi rejeitado.<br />
Em que pesem opiniões contrárias, estando presentes os requisitos<br />
previstos nos incisos do § 1º do art. 58, o juiz não poderá deixar<br />
de conceder a recuperação.<br />
Limitamo-nos a essa breve explanação sobre a hipótese do cram<br />
down prevista no § 1º do art. 58 da Lei 11.101/2005, eis que o tema<br />
não é objeto do presente estudo.<br />
7 Invalidade da Assembléia Geral de<br />
Credores<br />
Nenhuma deliberação da assembléia geral será invalidada em<br />
razão de posterior decisão judicial acerca da existência, quantificação<br />
ou classificação de créditos que serviram de base de cálculo para apuração<br />
do quorum de instalação e de deliberação 25 .<br />
Não há uma disciplina geral das invalidades relativas à assembléia-geral<br />
de credores, cuidando a lei apenas de uma hipótese especial<br />
no §2º do art. 39 e aludindo à “invalidação de deliberação de<br />
assembléia” no §3º do mesmo artigo 26 , senão vejamos:<br />
§ 2 o As deliberações da assembléia-geral não serão invalidadas<br />
em razão de posterior decisão judicial acerca da existência, quantificação<br />
ou classificação de créditos.<br />
§ 3 o No caso de posterior invalidação de deliberação da assembléia,<br />
ficam resguardados os direitos de terceiros de boa-fé, res-<br />
25<br />
Conforme §2º do art. 39 da LRF.<br />
26<br />
FRANÇA, Erasmo Valadão Azevedo e Novaes. A assembléia geral de credores na nova<br />
Lei falimentar. Revista de Direito Mercantil. v.138, p.78.<br />
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pondendo os credores que aprovarem a deliberação pelos prejuízos<br />
comprovados causados por dolo ou culpa.<br />
É obvio, ou pelo menos deveria ser, que a regra prevista no §<br />
2º supracitado, não significa dizer que, verificada posteriormente, por<br />
decisão judicial, a existência, por exemplo, de um crédito forjado,<br />
que tenha sido determinante para a deliberação de aprovação de uma<br />
recuperação judicial absolutamente inviável, com a nomeação de um<br />
gestor judicial conluiado com o devedor etc., não possam os interessados<br />
requerer a anulação da deliberação.<br />
O que se deve entender é que a assembléia não será invalidade<br />
em razão de simples modificação judicial acerca da existência, quantificação<br />
ou classificação de créditos.<br />
No caso de nulidade da decisão assemblear decorrente de vício<br />
de convocação, instalação e deliberação ou decorrente de dolo,<br />
erro essencial, simulação, fraude, falsidade ou qualquer outra causa<br />
de invalidade dos negócios jurídicos (artigos 138 e ss. do CC/2002),<br />
os direitos e interesses dos terceiros de boa-fé serão respeitados, sem<br />
prejuízo da ação que couber contra os que participaram do pleito e<br />
agiram com culpa ou dolo (art. 39, § 3º), esclarecendo ainda que a<br />
deliberação que decorrer do chamado ”voto comprado” ou “voto cantado”<br />
é anulável por vício substancial. 27<br />
A lei pretende, através de tais dispositivos, dar segurança jurídica<br />
tanto aos credores como ao devedor e demais interessados, de que<br />
as decisões tomadas em assembléia não poderão ser modificadas.<br />
Claro está, por outro lado, que nada impede seja revista qualquer<br />
deliberação da Assembléia em novo conclave quando se alterar,<br />
por decisão judicial, o perfil do quadro de credores 28 .<br />
Ainda no que diz respeito ao direito de voto em assembléia geral<br />
de credores, importa salientar que o quorum de votação segue regras<br />
distintas conforme a matéria a ser tratada, podendo adotar um<br />
sistema misto em que será necessária a maioria dos créditos e o voto<br />
por cabeça.<br />
27<br />
LOBO, Jorge. op. cit., p. 96.<br />
28<br />
COELHO, Fábio Ulhoa. op.cit., p. 102.<br />
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Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
Na recuperação judicial a regra geral é o princípio majoritário<br />
para aprovação de assuntos que não estejam ligados à aprovação,<br />
modificação ou rejeição do plano de recuperação judicial, bem como<br />
para a composição do Comitê de Credores, para os quais a lei exige<br />
quorum especial. 29<br />
Assim, pelo principio majoritário, quando a assembléia for convocada<br />
para tratar, por exemplo, da convolação da recuperação judicial<br />
em falência 30 , bastará que os credores representando a metade<br />
mais um dos créditos, decidam pela falência.<br />
Para as deliberações acerca da aprovação, modificação ou rejeição<br />
do plano de recuperação o legislador optou por estabelecer um<br />
quorum bastante diferenciado. Todas as classes de credores deverão<br />
aprovar a proposta, sendo, portanto, necessária aprovação unânime<br />
em relação às três classes de credores.<br />
O plano de recuperação judicial será então, apreciado e votado<br />
dentro de cada uma das classes de credores, sendo que na classe dos<br />
titulares de crédito derivado da legislação do trabalho (classe I) a apuração<br />
dos votos se dará pela maioria simples dos presentes.<br />
Já na classe dos titulares de crédito com garantia real (classe II)<br />
e credores quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral<br />
ou subordinados (classe III); prevalecerá o sistema da dupla maioria,<br />
pelo qual se faz necessário o voto favorável de mais da metade<br />
da totalidade dos créditos correspondentes e concomitantemente pela<br />
maioria dos credores presentes à assembléia.<br />
Jairo Saddi 31 observa que:<br />
O voto do credor será proporcional ao valor de seu crédito, ressalvado<br />
nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial. No<br />
entanto, o mecanismo de deliberação pelo voto é desnecessariamente<br />
complicado. Senão vejamos: cada classe vota individualmente.<br />
Os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho<br />
votam com a sua classe, independentemente de valor; os titulares<br />
de créditos com garantia real votam com a respectiva classe até<br />
29<br />
Há ainda a hipótese de quorum diferenciado na falência, quando da deliberação sobre a<br />
adoção de forma alternativa de realização do ativo, que levará em conta não a maioria dos<br />
créditos presentes, mas sim, o quorum de dois terços dos créditos presentes ao conclave.<br />
30<br />
Art. 73, I c/c art. 42 da LRF.<br />
31<br />
SADDI, Jairo. op. cit., p.212.<br />
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o limite do valor do bem gravado e com a classe dos credores<br />
quirografários com o saldo do valor de seu crédito. Considerar-se-<br />
-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores<br />
que representem mais da metade do valor dos créditos presentes a<br />
assembléia geral, exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação<br />
judicial (que é o mais importante), e sobre a composição<br />
do Comitê de Credores ou forma alternativa de realização do ativo<br />
nos termos do art. 145. Nestas deliberações em específico (sobretudo<br />
acerca do plano de recuperação judicial) todas as classes de<br />
credores referidas no artigo 41 deverão aprovar a proposta. Contudo,<br />
a unanimidade de votos de cada classe tem um requisito.<br />
Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do artigo<br />
41, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem<br />
mais da metade do valor total dos créditos presentes a Assembléia<br />
e, cumulativamente, por maioria simples dos credores presentes.<br />
Ou seja, une-se o critério de voto qualitativo com o quantitativo,<br />
com exceção da classe dos credores trabalhistas em que a proposta<br />
deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes,<br />
não importa o valor do crédito.<br />
Ademais, há de se considerar que se por um lado existe certa<br />
homogeneidade dos créditos nas classes I e II, o mesmo não se<br />
pode dizer em relação à classe III, em que foram reunidos credores<br />
privilegiados com credores quirografários como se estes tivessem as<br />
mesmas garantias (o que não é o caso), podendo levar a um resultado<br />
imprevisível das deliberações.<br />
Em relação à distinção ao voto por cabeça na classe I, o Senador<br />
Ramez Tebet 32 , em relatório apresentado à Comissão de Assuntos<br />
Econômicos do Senado, esclareceu que:<br />
A regra geral para a deliberação sobre propostas na assembléia<br />
geral de credores é o voto proporcional ao valor do crédito e a proporção<br />
pela maioria dos presentes, independentemente da natureza<br />
do crédito. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial,<br />
contudo, as deliberações são tomadas por classe, observada a<br />
proporção do crédito de cada credor. Na classe dos trabalhadores,<br />
32<br />
Relatório do Senador Ramez Tebet. In: MACHADO, Rubens Approbato (coord.). Comentários<br />
à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin,<br />
2005, p.368.<br />
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Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
as diferenças entre os credores podem implicar inadmissível detrimento<br />
dos pequenos, que tem menor capacidade econômica para<br />
aceitar descontos ou diferimentos no recebimento, dado o caráter<br />
alimentar das parcelas trabalhistas e tanto maior quanto menor for<br />
o crédito. Propomos, assim que os votos dos trabalhadores nas<br />
votações por classe sejam tomados na proporção de um voto por<br />
trabalhador, e não em função do valor do crédito de cada um. Com<br />
esta medida, à todos os trabalhadores é dado igual peso na votação,<br />
o que protege os mais humildes. Em deliberações outras, que<br />
não as referentes ao plano de recuperação, os credores votam independentemente<br />
de classes e, nesse caso, não é possível mesclar os<br />
critérios de votação por valor do crédito e por cabeça. Assim, nas<br />
demais deliberações, e também para fins de verificação de quorum<br />
de instalação, os trabalhadores são contados e votam como todos<br />
os demais credores, ou seja, em função do valor de seu crédito.<br />
Desse modo, para aprovação do plano de recuperação apresentado,<br />
o devedor deverá ter posição favorável em todas as classes de<br />
credores, sendo certo que em cada classe haverá uma votação interna,<br />
para somente depois se juntar às demais e verificar se houve consenso.<br />
Não havendo consenso entre os credores nos termos acima especificados,<br />
o plano de recuperação será rejeitado e o juiz decretará a<br />
falência do devedor 33 ; ressalvada a hipótese do cram down prevista<br />
no § 1º do art. 58 da LRF.<br />
Destaque-se que para cada matéria em apreciação, caberá à<br />
mesa diretora dos trabalhos delimitar com cuidado o conjunto dos<br />
credores envolvidos. Se, por exemplo, o plano de recuperação prever<br />
a antecipação de pagamentos devidos aos credores trabalhistas, como<br />
tal decisão impacta o fluxo de caixa da sociedade devedora, todos os<br />
credores sujeitos a recuperação judicial serão interessados e portanto,<br />
todas as classes de credores deverão deliberar a respeito.<br />
Por sua vez, nas deliberações acerca da composição do Comitê<br />
de Credores, o quorum de aprovação levará em conta o voto favorável<br />
de mais da metade de qualquer das classes de credores presentes à<br />
assembléia geral, sendo que, cada classe escolherá o seu representante<br />
33<br />
Conforme §4º do art. 56 da LRF.<br />
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Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
e somente seus membros poderão votar 34 . Tem-se, portanto, uma votação<br />
dentro de cada classe para a escolha do representante e de seus suplentes,<br />
fugindo à regra geral para a aprovação de outras deliberações.<br />
Por fim importa tecer um breve comentário acerca da proibição<br />
de provimento liminar, de caráter cautelar ou antecipatório dos efeitos<br />
da tutela, para suspender ou adiar a realização da assembléia-geral de<br />
credores, em função de pendência de discussão acerca da existência,<br />
da quantificação ou da classificação de créditos, prevista no art. 40 da<br />
Lei 11.101/2005.<br />
Considera a lei que a suspensão ou adiamento da Assembléia<br />
dos credores são medidas incompatíveis com os breves prazos estabelecidos<br />
para a recuperação judicial e com o princípio da celeridade<br />
processual que rege a Lei de Recuperações e Falência.<br />
Parte da doutrina critica a opção do legislador, ao argumento,<br />
de que tal regra afronta o princípio constitucional de que a lei não<br />
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito 35 .<br />
Neste sentido, Jairo Saddi 36 dispõe que:<br />
Enquanto se entende a preocupação de avançar nas providências<br />
operacionais, não pode uma lei afastar da apreciação do Poder Judiciário<br />
lesão ou ameaça da lesão a que determinados credores<br />
possam estar sujeitos. Essa é uma típica provisão que não deveria<br />
estar contida na lei. Já a matéria de concessão de provimento liminar<br />
ou de caráter cautelar é rígida matéria processual contida no<br />
Código de Processo Civil, e uma lei como a falimentar não teria o<br />
condão de alterá-la.<br />
Entretanto, data venia, compartilhamos da opinião de que não<br />
há qualquer inconstitucionalidade no artigo em comento.<br />
Neste sentido Jorge Lobo 37 argumenta que:<br />
Na hipótese de haver sido interposto agravo da decisão judicial<br />
sobre habilitação tempestiva ou retardatária ou impugnação, se o<br />
relator conceder-lhe efeito suspensivo, para determinar, em provimento<br />
liminar, a inclusão do crédito, a modificação de seu valor<br />
34<br />
Conforme art. 44 da LRF.<br />
35<br />
Conforme inciso XXXV do art. 5º da CR/88.<br />
36<br />
SADDI, Jairo. op.cit., p.216.<br />
37<br />
LOBO, Jorge. op. cit., p. 97.<br />
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Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
ou nova classificação, o credor, beneficiado com a liminar, poderá<br />
participar da assembléia geral e votar (art. 17, parágrafo único),<br />
mas não suspendê-la ou adiá-la.<br />
Ainda no mesmo sentido e com muita propriedade, dispõe Erasmo<br />
Valadão A. e N. França 38 :<br />
Esse artigo tem sido injustamente apodado de inconstitucionalidade,<br />
em razão de suposta violação ao art.5º, XXXV, da Carta<br />
Magna (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão<br />
ou ameaça a direito”). “Injustamente” porque a Lei 11.101<br />
assegura aos credores – na hipótese de discussão acerca da existência,<br />
da quantificação ou da classificação de créditos – a participação<br />
na assembléia. Com efeito, se o juiz deixa de reconhecer<br />
um crédito, ou o quantifica abaixo do valor pretendido pelo credor,<br />
ou ordena sua classificação em outra classe, o credor poderá<br />
agravar, prevendo o parágrafo único do art.17 que, “recebido o<br />
agravo, o relator poderá conceder efeito suspensivo à decisão que<br />
reconhece o crédito ou determinar a inscrição ou modificação de<br />
seu valor ou classificação no quadro geral de credores, para fins<br />
de exercício de direito de voto em assembléia geral”. Assegurada<br />
ficará, assim, a participação do credor no conclave. O que a Lei<br />
11.101 salutarmente proíbe é que, em razão de discussão acerca<br />
de crédito, venha a ser ordenada a suspensão ou o adiamento da<br />
assembléia – medidas que não fariam sentido algum se, por outro<br />
meio, já se possibilita que o credor participe da mesma. Assim,<br />
como o credor impugnante de crédito poderá, por exemplo, em<br />
caso de rejeição da impugnação, solicitar ao tribunal que dê efeito<br />
suspensivo ao agravo da decisão que reconhecer o crédito (parágrafo<br />
único do art.17), impedindo, assim, o voto, do credor impugnado<br />
na assembléia, sem necessidade de suspender ou adiar o<br />
conclave. Não tem o artigo em questão, assim, qualquer eiva de<br />
inconstitucionalidade.<br />
8 Vícios da Assembléia, vícios das deliberações<br />
e vícios do voto.<br />
Conforme já afirmado no tópico anterior, não há uma disciplina<br />
geral das invalidades relativas à assembléia-geral de credores, dis-<br />
38<br />
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. op.cit., p.82/83.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 247 -254 2012<br />
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Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
pondo a Lei 11.101/2005 no § 2º do art. 39 que as deliberações da<br />
assembléia-geral não serão invalidadas em razão de posterior decisão<br />
judicial acerca da existência, quantificação ou classificação de créditos<br />
e no § 3º do mesmo artigo que no caso de invalidação de deliberação<br />
da assembléia, ficarão resguardados os direitos de terceiros de<br />
boa-fé, respondendo os credores que aprovarem a deliberação pelos<br />
prejuízos comprovados causados por dolo ou culpa.<br />
A deliberação da assembléia de credores é manifestação de vontade<br />
coletiva, enquadrada na categoria de negócios jurídicos, sendo-lhe<br />
aplicada, no que couber, a disciplina dos negócios jurídicos, prevista<br />
no Livro III, Titulo I, do Código Civil.<br />
Destaque-se de início que sendo a instalação da assembléia geral<br />
de credores um negócio jurídico e não um ato judicial ou processual,<br />
não se lhe aplica o art. 245, do CPC 39 .<br />
Há hipóteses em que toda a assembléia poderá ser invalidada,<br />
ou somente parte das deliberações tomadas no conclave, ou mesmo<br />
apenas o voto, dependendo da espécie de vício ocorrida.<br />
Há que distinguir, nessa matéria, três diferentes espécies de vício,<br />
com conseqüências também diversas:<br />
(1) Vícios da própria assembléia – que pode ter sido irregularmente<br />
convocada ou instalada, hipótese em que sua invalidação trará<br />
como conseqüência, obviamente, a invalidade de todas as deliberações<br />
que nela forem tomadas;<br />
(2) Vícios das deliberações – nessa hipótese, o vício de uma das<br />
deliberações não se estende às demais, que não sejam viciadas.<br />
(3) Vício do voto – nessa hipótese, o vício do voto só acarretará<br />
o vício de determinada deliberação se o voto foi decisivo para formação<br />
da maioria; se não, será irrelevante, só atingindo o próprio voto<br />
viciado.<br />
São completamente diversos, pois, os vícios em questão. 40<br />
A validade da assembléia geral de credores depende do preenchimento<br />
de requisitos formais, sendo ela viciada quando não forem<br />
39<br />
Art. 245 do CPC – A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que<br />
couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.<br />
40<br />
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. op.cit., p.78.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 248 -254 2012<br />
Book 1.indb 248 27/4/2013 13:20:25
Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
observadas as normas legais de convocação e instalação previstas nos<br />
artigos 36 e seguintes da Lei 11.101/2005.<br />
Trata-se de nulidade formal da própria realização do conclave<br />
e não apenas das deliberações nele tomadas. Assim, mesmo que as<br />
decisões quanto ao conteúdo da assembléia estejam conforme a lei, o<br />
vício da instalação ou realização da assembléia geral irá invalidá-la<br />
de forma absoluta.<br />
Tal qual ocorre nas assembléias gerais das anônimas, na hipótese<br />
de todos os credores comparecerem à assembléia de credores,<br />
sanado estará o vicio da convocação. Entretanto, a assembléia apenas<br />
irá deliberar de forma valida se todos os credores estiverem de acordo<br />
com a ordem do dia proposta. Caso contrário, embora validamente<br />
instalada a assembléia, as deliberações nela tomadas serão nulas, por<br />
não haver sido concedido aos credores prazo legal para tomarem conhecimento<br />
da pauta e se preparem para a discussão e deliberação da<br />
ordem do dia.<br />
Ademais, os assuntos objetos de deliberação deverão ser lícitos,<br />
possíveis, determinados e determináveis, revestirem forma prescrita<br />
em lei, não tiverem por objetivo fraudar lei imperativa, tampouco a lei<br />
os declarar nulos ou proibir-lhes a prática. A não observância desses<br />
requisitos levará à invalidade da deliberação, e se for o caso, à invalidade<br />
da assembléia.<br />
Será nula, por exemplo, a deliberação que ocorrer com vícios<br />
de consentimento; incapacidade absoluta do agente; violação da lei;<br />
violação da ordem pública; dos bons costumes; ou com inobservância<br />
da forma legal, bem como se o objeto da deliberação for ilícito,<br />
impossível ou indeterminável; ou ainda, por vício resultante de erro,<br />
dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.<br />
Ressalte-se, no entanto, que a deliberação tomada em assembléia<br />
não será anulada por simples erro ou por dolo do voto. O que<br />
será anulado é o voto viciado e apenas se este foi determinante para a<br />
formação da maioria é que será anulada a deliberação.<br />
A deliberação de assembléia é manifestação de vontade coletiva<br />
à qual não se aplica inteiramente a disciplina das invalidades, prevista<br />
nos arts. 166 e seguintes do Código Civil. Com efeito, não se anula<br />
uma deliberação por erro ou por dolo, exemplificativamente. Anula-<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 249 -254 2012<br />
Book 1.indb 249 27/4/2013 13:20:25
Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
-se o voto viciado. Se ele foi determinante para a formação da maioria<br />
deliberante, anula-se a deliberação não porque seja ela contaminada<br />
pelo erro ou pelo dolo, mas sim por violação às regras cogentes dos<br />
arts. 42, 45 e 46 da Lei 11.101, que exigem aprovação das propostas<br />
por maioria. Anulado o voto decisivo, cai a maioria. A disciplina<br />
da invalidade das deliberações, assim, encontra correspondência no<br />
princípio da legalidade: as deliberações contrárias à lei podem ser<br />
invalidadas. A sanção para as deliberações invalidadas, em regra, é a<br />
anulabilidade. 41<br />
Erasmo Valladão A. e N. França indica que em franco descompasso<br />
com a Lei de S/A (art.115, §4º), o Código Civil, subsidiariamente<br />
aplicável à Lei 11.101, não prevê a anulação das deliberações<br />
tomadas em decorrência de voto conflitante, dispondo que:<br />
Nos dois dispositivos em que cuida de conflito de interesses a<br />
sanção estabelecida na lei civil é apenas a da responsabilidade<br />
por perdas e danos (art. 1.010, §3º – aplicável às deliberações de<br />
assembléia por força do disposto no art. 1.072, caput – e art.1017,<br />
parágrafo único). A Lei 11.101, infelizmente, não trata da matéria.<br />
E não faltarão hipóteses em que o interesse individual de<br />
determinado credor poderá ser substancialmente conflitante com<br />
o interesse comum dos credores, o que, em bom Direito, exigiria<br />
a anulação da deliberação. Não é fácil, entretanto, conceituar<br />
o que seja o interesse comum dos credores. Segundo autorizada<br />
opinião doutrinaria, tal interesse consistiria no interesse que<br />
tem cada credor em, ao menos a médio prazo, minimizar seus<br />
prejuízos, mediante a ampliação das disponibilidades da massa.<br />
Outras manifestações doutrinárias e jurisprudenciais têm considerado<br />
contrárias ao interesse comum dos credores as deliberações:<br />
(1) que causam prejuízo desproporcional, inadequado, para<br />
parte dos credores; (2) que favorecem um credor em particular,<br />
ou um grupo de credores, especialmente os credores privilegiados<br />
ou com garantia real, ou ainda terceiros, em detrimento da<br />
comunhão dos credores; (3) que não são úteis a ninguém; (4)<br />
que favorecem o devedor ou um terceiro sem qualquer vantagem<br />
para a massa. Como hipóteses concretas do conflito de interesses<br />
podem ser imaginadas, por exemplo, a de uma credora, indústria<br />
automobilística, que vote contrariamente à aprovação do plano<br />
41<br />
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. op.cit., p.80.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 250 -254 2012<br />
Book 1.indb 250 27/4/2013 13:20:25
Da assembléia geral de credores no processo de recuperação...<br />
de recuperação judicial por estar interessada na falência do devedor,<br />
seu concessionário, a fim de passar a concessão a outrem; ou<br />
da credora interessada na falência do seu agente ou distribuidor<br />
(art.710 do CC), igualmente para transferir a outrem a agência ou<br />
a distribuição de seus produtos; ou ainda, da credora que tenha<br />
interesse na falência de seu devedor simplesmente por ser sua<br />
concorrente.<br />
Demais disso, importante considerarmos sobre o prazo para<br />
requerer a anulação das deliberações. O legislador não previu prazo<br />
para requerimento da anulação das deliberações em Assembléia de<br />
Credores, aplicando-se subsidiariamente o disposto no art. 179 do Código<br />
Civil que determina, in verbis:Quando a lei dispuser que determinado<br />
ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação,<br />
será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.<br />
A crítica que aqui se faz é de que este prazo de dois anos é<br />
demasiadamente longo e inadequado às relações comercias/empresariais,<br />
haja vista a necessidade de dar estabilidade e segurança em<br />
relação às deliberações e decisões da Assembléia Geral de Credores.<br />
Portanto, concluímos que o voto poderá ser invalidado em virtude<br />
de nulidade (art. 166 e 167 do CC/02), entretanto, a nulidade do<br />
voto somente acarretará a invalidade da deliberação da assembléia se<br />
este for determinante para a formação da maioria.<br />
9 Conclusão<br />
A Assembléia Geral de Credores é o órgão que, na Recuperação<br />
Judicial e na Falência, manifesta a vontade da comunhão de credores;<br />
estes últimos exercendo um poder-função de exame e manifestação<br />
quanto à proposta de recuperação judicial, não havendo hipótese de<br />
esta ser concedida sem manifestação favorável daqueles, ainda que<br />
em patamares legais mínimos.<br />
Por outro lado, não há uma disciplina própria das invalidades<br />
relativas à assembléia-geral de credores, cuidando a lei apenas de uma<br />
hipótese especial no § 2º do art. 39 e aludindo à “invalidação de deliberação<br />
de assembléia” no § 3º do mesmo artigo.<br />
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Jason Soares de Albergaria Neto / Amanda Vilarino Espindola<br />
Importante destacar que o legislador não previu prazo para requerimento<br />
da anulação das deliberações em Assembléia de Credores,<br />
sendo aplicado subsidiariamente o prazo de dois anos previsto no art.<br />
179 do Código Civil.<br />
Por fim, concluímos que não é possível transpor da lei societária<br />
ou do Código Civil, o qual é aplicado subsidiariamente à Lei<br />
11.101/2005, haja vista que as responsabilidades dos sócios numa<br />
determinada sociedade empresarial são completamente distintas daquelas<br />
que o credor detém perante o devedor e a Assembléia Geral de<br />
Credores.<br />
General meeting of creditors in case of<br />
bankruptcy<br />
Abstract<br />
Law 11.101/ 2005 define the limits of the General Meeting of<br />
Creditors, which is the highest deliberative body in the Process of<br />
Reorganization. This General Meeting is the appropriate forum for<br />
examination and demonstration of the creditors about the proposed recovery.<br />
The decision is a positive act in the event of judicial recovery<br />
plan presented and summoned the creditors, none of them do this for<br />
the conclave, the request will convolar recovery inbankruptcy. They<br />
will tell the creditors meeting in conclave, if the conditions proposed<br />
by the debtor to meet its interests. The creditors will act in the general<br />
assembly in the protection of their interests credit by examining<br />
the proposed recovery is an effective instrument to enable the realization<br />
of his credit.<br />
Keywords: Judical Recovery. General Meeting of Creditors. Bankruptcy.<br />
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10<br />
A proteção do perfume pela propriedade<br />
intelectual: qual a melhor proteção para<br />
a fragrância do perfume – direito de autor,<br />
marca, trade dress, patente, ou segredo<br />
industrial?<br />
Recebido: 31/7/2012<br />
Analisado: 30/9/2012<br />
Jöly Ingrid<br />
Leonardo Machado Pontes<br />
Université de Potiers, em Lyon<br />
lm.pontes@hotmail.com<br />
Sumário<br />
1. Introdução. 2. A proteção de perfumes nos estados<br />
unidos. 2.1 A proteção pela marca. 2.2 Proteção<br />
pelo trade dress. 2.3 Proteção pela patente. 2.4<br />
Proteção pelo segredo de comércio. 2.4.1. A decisão<br />
do caso Monsanto e suas implicações para o segredo<br />
comercial de perfumes. 3. Proteção do perfume<br />
na França. 3.1. A decisão da Suprema Corte sobre<br />
a proteção do perfume pelo direito de autor. 3.1.1.<br />
Entendendo os argumentos e as conseqüências sobre<br />
a natureza legal da fragrância na decisão da<br />
Corte. 3.1.1.1. A questão do know-how na decisão<br />
da Corte. 3.1.1.2. A questão da originalidade na<br />
decisão da Corte. 3.1.1.3. A questão da legalidade<br />
na decisão da Corte. 3.1.1.4. A questão da prova da<br />
contrafação e da proteção pela patente na decisão da<br />
Corte. 3.2. A exploração dos critérios de patentiabilidade.<br />
3.2.1. Explorando as incompatibilidades da<br />
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Jöly Ingrid / Leonardo Machado Pontes<br />
proteção de patentes para perfumes. 3.2.2. Explorando<br />
as incompatibilidades da proteção da patente<br />
em relação ao segredo de comércio. 3.4 Explorando<br />
a proteção do perfume pelos direitos autorais e<br />
respondendo as objeções levantadas pela Suprema<br />
Corte. 3.4.1 Respondendo ao argumento de legalidade<br />
levantado pela Corte. 3.4.2 Respondendo<br />
ao argumento do know-how levantado pela Corte.<br />
3.4.3 Respondendo a questão da prova na decisão<br />
da Corte. 4. Conclusão. Referências<br />
Resumo<br />
Na França, de acordo com os juízes, as criações olfatórias são<br />
consideradas como produtos industriais, com todas as conseqüências<br />
que essa dogmática acarreta. O know-how é o principal argumento<br />
da Suprema Corte Francesa para recusar a proteção às fragrâncias de<br />
perfumes pelos direito autorais (droit d’auteur). Porém, a Suprema<br />
Corte da Holanda reconheceu a proteção pelos direitos autorais à fragrância<br />
do perfume Tresór de Lacôme – uma decisão revolucionária,<br />
ampliando o reino das criação do ‘espírito’. Nos Estados Unidos, por<br />
outro lado, a fragrância do perfume é principalmente protegida por segredo<br />
de comércio, embora haja outros tipos de proteção, como segue<br />
das decisões da Suprema Corte Norte- Americana em Ruckelshaus v.<br />
Monsanto, reafirmada pelo Primeiro Circuito em Philp Morris, Inc. v.<br />
Reily. Sendo o segredo de comércio uma propriedade constitucional,<br />
protegida pela Quinta Emenda da Constituição Norte-Americana, o<br />
fabricante do perfume não é obrigado pelo governo a informar aos<br />
consumidores sobre todos os componentes químicos da fórmula do<br />
perfume. Isto dá ao fabricante última proteção, contanto que a fórmula<br />
possa permanecer um segredo, isso é, não um objetivo de engenharia<br />
reversa ou qualquer outro tipo de prática que possa decodificar<br />
a fórmula, que do contrário cairia no domínio público. Segredos de<br />
comércio são usados porque o guarda-chuva da Propriedade Intelectual<br />
não provê atualmente aos fabricantes de perfume proteção adequada,<br />
a não ser, talvez, pela decisão holandesa. Isso precisa mudar.<br />
Testes laboratoriais, nos Estados Unidos, começam a demonstrar que<br />
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A proteção do perfume pela propriedade...<br />
substâncias fabricadas em perfumes são perigosas à saúde humana,<br />
incluindo algumas que podem causar inclusive câncer, como o cloreto<br />
de metileno, uma substância química perigosa, usada em veneno de<br />
ratos, proibida pelo FTA (Food and Drug Administration), e que ainda<br />
assim foi detectada recentemente em perfumes nos Estados Unidos. O<br />
regime do segredo de indústria para as substâncias utilizadas em perfumes,<br />
porque ocultam dos consumidores as substâncias nocivas nele<br />
‘escondidas’, é perigoso para a saúde pública. Por essa razão, o artigo<br />
argumenta que essa não deve ser uma opção viável, explorando outras<br />
formas de proteção que possam trazer segurança aos consumidores,<br />
e ao mesmo tempo resguardar os direitos dos fabricantes de perfume.<br />
Palavras-chave: perfume. Direito de autor. Segredo de comércio.<br />
Marca. Trade dress.<br />
1 Introdução<br />
Na França, de acordo com os juízes, as criações olfatórias são<br />
consideradas como produtos industriais, com todas as conseqüências<br />
que essa dogmática acarreta. O know-how é o principal argumento<br />
da Suprema Corte Francesa para recusar a proteção às fragrâncias<br />
de perfumes pelos direito autorais (droit d’auteur). 1 Porém, a Suprema<br />
Corte da Holanda reconheceu a proteção pelos direitos autorais à<br />
fragrância do perfume Tresór de Lacôme – uma decisão revolucionária,<br />
ampliando o reino das criações do ‘espírito’ 2 (JEHORAM, 2006,<br />
p.571).<br />
Nos Estados Unidos, por outro lado, a fragrância de perfume<br />
é principalmente protegida por segredo de comércio, embora haja<br />
outros tipos de proteção, como segue das decisões da Suprema Corte<br />
Norte-Americana em Ruckelshaus v. Monsanto 3 , reafirmada pelo<br />
Primeiro Circuito em Philp Morris, Inc. v. Reily 4 . Sendo o segredo<br />
de comércio uma propriedade constitucional, protegida pela Quinta<br />
Emenda da Constituição Norte-Americana, o fabricante do perfume<br />
1<br />
Ver Suprema Corte da França (Cour de Cassation – Cass. le civ.) (1 de janeiro, 2008).<br />
2<br />
Ver Suprema Corte da Holanda (Hoge Raad der Nederlanden – H.R) (16 de junho, 2006).<br />
3<br />
Ver Suprema Corte Norte-Americana (United States Supreme Court) 467 U.S. 986, 987-<br />
98 (1984).<br />
4<br />
Ver Primeiro Circuito (First Circuit) 312 F.3d 24, 47 (1st Cir. 2002).<br />
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Jöly Ingrid / Leonardo Machado Pontes<br />
não é obrigado pelo governo a informar aos consumidores sobre todos<br />
os componentes químicos da fórmula do perfume (GERVIN, 2007, p.<br />
319). Isto dá ao fabricante última proteção, contanto que a fórmula<br />
possa permanecer um segredo, isso é, não um objetivo de engenharia<br />
reversa ou qualquer outro tipo de prática que possa decodificar a fórmula,<br />
que do contrário cairia no domínio público. Como explica Field<br />
(2004, p. 25), “contanto que os perfumes comercializados não possam<br />
ser determinados organolépticamente por peritos altamente treinados,<br />
ou pelo uso de cromatografia de gás e outras técnicas analíticas modernas,<br />
[eles] desfrutam de proteção secreta”.<br />
Segredos de comércio são usados porque o guarda-chuva da<br />
Propriedade Intelectual não provê atualmente fabricantes de perfume<br />
com proteção adequada, a não ser, talvez, pela decisão holandesa. Isso<br />
precisa mudar. Confiar em segredos de comércio não é perigoso por<br />
causa de sua proteção frágil, mas por causa da inaptidão do governo<br />
que não pode analisar os componentes químicos do perfume seguramente<br />
antes que eles atinjam os mercados. A proteção pelo segredo<br />
comercial permite aos fabricantes de perfume esconder os componentes<br />
perigosos dos produtos antes que as agências reguladoras do governo<br />
possam inspecioná-los. Testes laboratoriais, nos Estados Unidos,<br />
começam a demonstrar que substâncias fabricadas em perfumes<br />
são perigosas à saúde humana, incluindo algumas que podem causar<br />
câncer, como o cloreto de metileno, uma substância química perigosa,<br />
usada em veneno de ratos, proibida pela Administração de Comidas e<br />
Drogas (Food and Drug Administration – FTA), e que ainda assim foi<br />
detectada recentemente em perfumes nos Estados Unidos (GERVIN,<br />
2007, p. 324-325).<br />
A primeira parte do artigo tentará expor todas as idiossincrasias<br />
da proteção de perfumes pelos segredos comerciais, utilizando, para<br />
tanto, os exemplos atuais das agências reguladoras nos Estados Unidos,<br />
constrangidas pela defesa constitucional do segredo de comércio,<br />
enquanto também explorando outras formas de proteção existentes<br />
nos Estados Unidos. A segunda parte analisará a decisão da Supre<br />
Corte Francesa que recusou a proteção pelos direitos autorais, criticá-<br />
-la, bem como explorar outras condições de proteção na França. A<br />
segunda parte pergunta: dado atualmente o guarda-chuva de proteção<br />
legal na França, deveria a decisão da Cour de Cassation ser recon-<br />
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A proteção do perfume pela propriedade...<br />
siderada? A terceira parte conclui o artigo, explicando qual seria a<br />
melhor forma de proteção intelectual às fragrâncias de perfumes, balanceando,<br />
por um lado, a proteção à saúde pública, e por outro, os direitos<br />
dos fabricantes. O debate existente atualmente entre esses dois<br />
países pode servir de orientação para as políticas públicas brasileiras<br />
nessa área.<br />
2 A proteção de perfumes nos estados unidos<br />
Nos Estados Unidos, os perfumes podem ser protegidos por um<br />
guarda-chuva de direitos – marca (item 2.1), trade dress (item 2.2),<br />
patente (item 2.3) e segredo de comércio (item 2.4). Embora sejam<br />
brevemente expostas todas as formas de proteção, os argumentos<br />
principais serão focados na proteção de perfumes por segredos comerciais<br />
e o perigo que disso possa resultar.<br />
2.1 A proteção pela marca<br />
As marcas podem ser utilizadas para proteger um nome, palavra,<br />
símbolo, dispositivo, ou qualquer combinação destes elementos<br />
que são usados no comércio, em relação a um fabricante de perfumes,<br />
e que são identificados pela função de origem pelos consumidores<br />
(source function), até mesmo se de fonte ‘anônima’ 5 .<br />
O Lanham Act 6 , como explica Allan (1991), tradicionalmente<br />
concedia proteção contra três categorias gerais de confusão no mercado<br />
consumidor – a) confusão em relação à fonte (confusion as to the<br />
5<br />
Ver Lanham Act 15 U.S.C § 1127 (Supp III 1985). Ver também o conceito de origem<br />
anônima em Coty, Inc. v. Le Blume Import Co., Inc. 292 F. 264, 267-68 (S.D.N.Y), bem<br />
como os comentários do caso por Frank Schechter (SCHECHTER, 1927, p. 816).<br />
6<br />
O The Lanham Trademark Act, de 1946, é a legislação federal nos Estados Unidos responsável<br />
por regular o direito das marcas no âmbito federal. Os Estados da Federação<br />
possuem seus próprios estatutos estaduais regulando também esse direito. O Comitê do<br />
Senado sobre Patentes, quando discutiu a o projeto de lei que virou o Lanham Act, explicou<br />
que o propósito do estatuto federal era duplo: proteger o público para que possa<br />
ter confiança o bastante para, quando compre um produto, seja aquele que ele desejava<br />
adquirir; quando o titular de uma marca tenha expendido energia, tempo e dinheiro, possa<br />
ele ter protegido o seu investimento contra a apropriação de piratas. Segundo o relatório<br />
do Comitê do Senado, proteger as marcas era essencial para proteger o público do engano,<br />
garantir a competição leal, e assegurar a comunidade de empresários as vantagens<br />
inerentes à reputação e goodwill. S. REP. No. 1333, 79th Cong., 2d Sess. 3.<br />
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Jöly Ingrid / Leonardo Machado Pontes<br />
source 7 ); b) confusão em relação ao patrocínio ou afiliação (confusion<br />
as to sponsorship or affiliation 8 ); e c) confusão reversa (reverse confusion<br />
9 ). Atualmente, a proteção da marca está sendo expandida para<br />
englobar casos de mera apropriação da goodwill (goodwill misappropriations),<br />
como as doutrinas judiciais da confusão pré-venda (pre-<br />
-sale confusion 10 ) e da confusão pós-venda (post-sale confusion 11 ).<br />
Também existe outra forma de proteção às marcas que é a proteção<br />
contra a diluição, acionada pelo obscurecimento (blurring) ou pela<br />
maculação (tarnishment) das qualidades distintivas de uma marca<br />
considerada famosa, sem a necessidade de qualquer probabilidade de<br />
confusão 12 .<br />
A proteção pela marca é uma grande barreira contra os knockoffs<br />
de perfumes, uma vez que é a marca que realmente vende o perfume,<br />
como uma conseqüência da goodwill criada por meio de extensos<br />
7<br />
Ver a decisão do Quarto Circuito (Fourth Circuit) em Perini Corp. v Perini Construction,<br />
Inc., 915 F2d 121, 127 (4th Cir 1990).<br />
8<br />
Ver as decisões em American Dairy Queen Corp. v. New Line Cinema, 35 F. Supp. 2d 727<br />
(D. Minn. 1998) ; Anheuser-Busch, Inc. v. Balducci Publ’ns, 28 F.3d 769, 772-73 (8th<br />
Cir. 1994); Mutual of Omaha Ins. Co. v. Novak, 836 F.2d 397, 397 (8th Cir. 1987); Burck<br />
v. Mars, Inc., 571 F. Supp. 2d 446 (S.D.N.Y. 2008), bem como os comentários de Mark<br />
Lemley e Mark McKenna sobre a expansão até mesmo irrefletida desse tipo de proteção<br />
(LEMLEY; MCKENNA, 2009, p. 418-419).<br />
9<br />
Ver a decisão do Décimo Circuito (Tenth Circuit) em Big 0 Tire Dealers v. Goodyear Tire &<br />
Rubber Co., 561 F.2d 1365, 1371 (10th Cir. 1977), cert. dismissed, 434 U.S. 1052 (1978).<br />
10<br />
Ver as decisões em Grotrian, Helfferich, Schulz, Th. Steinweg Nachf. v. Steinway & Sons<br />
523 F.2d 1331 (2d Cir. 1975), af’g 365 F. Supp. 707 (S.D.N.Y. 1973); Mobil Oil Corp.<br />
v. Pegasus Petroleum Corp. 818 F.2d 254 (2d Cir. 1987); Dreyfus Fund v. Royal Bank<br />
of Canada 525 F. Supp. 1108 (S.D.N.Y. 1981); Horphag Research Ltd v. Pellegrini 337<br />
F. 3d 1036 (9th Cir. 2003) e o excelente artigo escrito por Jennifer Rothman (2006),<br />
criticando essa aproximação como contrária aos interesses da livre concorrência e dos<br />
direitos dos consumidores.<br />
11<br />
Ver as decisões em Lois Sportswear,U.S.A., Inc. v. Levi Strauss & Co. 799 F2d 867, 230<br />
USPQ 831 (CA 2 1986), aff’g 631 F Supp 735, 228 USPQ 648 (SDNY 1985); Ferrari<br />
S.P.A Esercizio v. Roberts 944 F. 2d 1235, 1244-45 (6th Cir. 1991), bem como os comentários<br />
de David Tichane (1995) sobre o caso da Levi’s, e os comentários de Robert Bone<br />
(2006) sobre o caso da Ferrari.<br />
12<br />
Ver o Trademark Dilution Revision Act of 2006, Pub. L. No. 109-312, 120 Stat. 1730<br />
(2006) (considerado uma campanha legislativa para derrotar a decisão da Suprema Corte<br />
Norte-America em Moseley v. Victoria’s Secret Catalogue, Inc. 537 U.S. 418 (2003),<br />
que havia enfraquecido essa causa de ação, bem como a limitado. Ver os comentários de<br />
Jordan Blank (2003) sobre a decisão da Suprema Corte em Moseley, e os comentários de<br />
Robert Bone (2006a), criticando a nova lei federal promulgada pelo Congresso.<br />
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A proteção do perfume pela propriedade...<br />
expedientes de propaganda e investimento na imagem do produto.<br />
Reproduzir a fragrância do perfume sem o poder de venda do rótulo<br />
pode provar-se muito difícil de ‘vender’. Mesmo se um competidor<br />
não viesse a copiar a marca em si, ele poderia ainda vir a copiar a<br />
forma do recipiente do perfume, tentando criar uma associação com o<br />
fabricante da marca. Isso ou seria impedido pela apropriação inerente<br />
da goodwill ou pela proteção do trade dress em alguns casos.<br />
2.2 Proteção pelo trade dress<br />
O trade dress pode ser utilizado para proteger a forma do recipiente<br />
de um perfume; seu empacotamento, e o que Suprema Corte<br />
Norte-Americana veio a caracterizar como tertium quid – uma terceira<br />
via de proteção, que protege outras formas de ‘empacotamento’,<br />
como o interior de um restaurante ou de uma loja, quando sejam suficientemente<br />
distintivos 13 .<br />
Como explica o Anderson (2007), o trade dress é definido como<br />
a aparência e a impressão geral de um produto, desde esta aparência e<br />
esta impressão geral, sejam capazes de atuarem enquanto: a) um indicador<br />
particular e privado da fonte de um produto (source identifier);<br />
b) seja tangível; c) seja distintivo; d) seja mais que um mero tema de<br />
propaganda; e) não seja descritivo; f) não seja funcional; g) não seja<br />
esteticamente funcional (aesthetically functional 14 ); h) não seja meramente<br />
ornamental; i) não invada os campos destinados à proteção de<br />
direito autorais e da patente.<br />
Assim, o trade dress protege a natureza distintiva da função de<br />
fonte (source function), quando esta função pode ser percebida pela<br />
forma do recipiente do produto. Como explica Partridge (2002), a<br />
distintividade existe quando: a) a configuração de um produto não<br />
13<br />
Ver a decisão da Suprema Corte Norte-Americana (United States Supreme Court) em<br />
Two Pesos, Inc. v. Taco Cabana, Inc., 505 U.S. 763 (1992).<br />
14<br />
A teoria que funcionalidade estética tem perdido força nos Estados unidos, já que a<br />
maioria das cortes não a aplicam ou vêm reduzindo o seu alcance. O Circuito Federal<br />
(Federal Circuit), por exemplo, recusa esse tipo de alegação para proibir o registro do<br />
trade dress. Ver as seguintes decisões do Circuito Federal: In re DC Comics, Inc., 215<br />
U.S.P.Q. (BNA) 394 (C.C.P.A. 1982); In re Deere & Co., 7 U.S.P.Q.2d (BNA) 1401,<br />
1403 (T.T.A.B.1988); University Book Store v. University of Wisconsin, 33 U.S.P.Q.2d<br />
(BNA) 1385, 1405 (T.T.A.B. 1994).<br />
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Jöly Ingrid / Leonardo Machado Pontes<br />
seja uma forma básica ou um design comum; b) a configuração de<br />
um produto não seja um mero refinamento de uma forma comum ou<br />
ornamental bem conhecida, e c) a configuração de um produto seja<br />
capaz de criar uma identificação com o fabricante da marca que seja<br />
indiferente às palavras que acompanham o recipiente do perfume; d)<br />
a forma não seja funcional ou esteticamente funcional, proibindo-se<br />
a concessão de proteção monopolística às formas de recipientes de<br />
produtos que sejam necessários para estabelecer ‘chãos’ básicos de<br />
comércio – como formas comuns, necessárias, e úteis, revigoradas<br />
por anos de práticas comerciais.<br />
Consumidores não deveriam ser privados dos benefícios da<br />
competição em relação aos propósitos utilitários e estéticos que o design<br />
do produto ordinariamente serve por uma regra da lei que facilitasse<br />
ameaças plausíveis de ações contra a entrada de produtos novos<br />
no mercado. Por essa razão, a Suprema Corte Norte-Americana, em<br />
Wal-Mart Stores, Inc. v. Samara Bors 15 , julgou que um trade dress<br />
que não seja registrado nunca poderá ser inerentemente distintivo – o<br />
autor de uma ação tem que provar o significado secundário (diferente<br />
de uma mera natureza decorativa ou ornamental, realmente uma função<br />
de fonte) da forma do recipiente, sob a qual se presume a inexistência<br />
de distintividade.<br />
Assim, quando o trade dress é registrado, prova-se uma proteção<br />
agradável ao fabricante de perfume. É claro que, para ser protegido,<br />
o fabrique tem que investir em uma forma de produto que não<br />
seja funcionalmente ou esteticamente convencional, gastando muito<br />
dinheiro, assim, no processo de criação do design. Esta proteção,<br />
complementar à proteção da marca, prova-se uma barreira sólida contra<br />
associações com o rótulo ou com o formato do produto. Porém,<br />
quando o trade dress não for registrado, é uma proteção ruim, porque<br />
para se provar o significado secundário (secundary meaning) custa<br />
muito caro, como os custos de pesquisas de confusão do consumidor,<br />
que devem ser apresentadas aos juízes.<br />
É muito difícil para marca e para o trade dress protegerem a<br />
fragrância per se do perfume. Como explica Hammersley (1998, p.<br />
115), as aplicações de registro para marcas de cheiros (scent marks)<br />
15<br />
Ver Suprema Corte Norte-Americana (United States Supreme Court) 529 US 205 (2000).<br />
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A proteção do perfume pela propriedade...<br />
revelam que os examinadores de marca acham a maioria dos odores<br />
descritivos, criando, portanto, para o aplicante do pedido de registro,<br />
uma grande necessidade de demonstrar o significado secundário<br />
da marca de cheiro, impossibilitando a sua proteção na maioria dos<br />
casos. Outro problema principal é funcionalidade, como também explica<br />
Hammersley (1998, p. 115), porque independentemente de ser<br />
provado o significado secundário, mesmo assim um monopólio não é<br />
permitido para uma característica particular de um produto 16 , necessária<br />
para a competição básica, o que também exclui a possibilidade<br />
de muitos cheiros serem registrados como marcas. Isso não significa<br />
completamente que marcas de cheiro, de um modo geral, não possam<br />
ser protegidas ou registras. Uma marca de cheiro foi reconhecida primeiramente<br />
nos Estados Unidos em 1990, onde um cheiro, descrito<br />
como altamente impactante e de uma fragrância fresca de flores de<br />
plumeria, foi registrado como marca para o cozimento de linhas 17 .<br />
No caso Clarke, a Trademark Trial and Appeal Board (T.T.A.B),<br />
concendendo a proteção à marca de cheiro, explicou que Clarke era o<br />
único fabricante de linha com um ‘cheiro’; que Clark anunciou a sua<br />
linha com a característica do cheiro, e que Clarke tinha demonstrado<br />
que os consumidores reconheciam o cheiro de sua linha como um indicador<br />
de origem. Assim, Clarke foi capaz de provar a distintividade<br />
e a função de fonte do cheiro, que funcionava enquanto um indicador<br />
do produto, independentemente da própria linha. Mas a decisão<br />
foi clara o suficiente: “[esta decisão não é] para o registro de cheiros<br />
ou fragrâncias de produtos que são notados por essas características,<br />
como perfumes, água-de-colônia ou produtos de casa perfumados”<br />
(HAMMERSLEY, 1998, p. 127). A decisão é dura em relação aos<br />
perfumes, porque o cheiro: a) tem que criar uma fonte de origem independente,<br />
diferentemente das palavras que acompanham a marca<br />
ou da forma registrada do trade dress do perfume, o que é quase impossível;<br />
b) tem que provar o sentido secundário bem estabelecido; c)<br />
16<br />
Ver Suprema Corte Norte Americana (United States Supreme Court) em Inwood Laboratories<br />
v. Ives Laboratorie 456 U.S. 844,214 U.S.P.Q. (BNA) 1 (1982), definindo a<br />
característica de um produto como necessária quando seja essencial para o uso ou para o<br />
propósito do produto.<br />
17<br />
Ver a decisão da Trademark Trial and Appeal Board em In re Clarke, 17 U.S.P.Q.2d 1238<br />
(T.T.A.B. 1990).<br />
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Jöly Ingrid / Leonardo Machado Pontes<br />
o cheiro não pode ser funcional em relação aos ingredientes (cheiros<br />
não devem ser iguais aos ingredientes de perfumes ou serão funcionais).<br />
Como explica Churovich (2001), o estudo da Osfresiologia (a<br />
ciência dos cheiros), ergue mais obstáculos ainda à proteção das fragrâncias<br />
de perfumes por marcas, uma vez que a percepção do cheiro<br />
é muito diferente da percepção de cores ou sons, e os modos com que<br />
a memória afeta a percepção dos cheiros. O registro da fragrância de<br />
um perfume como marca de cheiro não é impossível, embora seja<br />
extremamente difícil de satisfazer todas as exigências. Isso explica a<br />
pequena quantidade de aplicações para registro de marcas de cheiro<br />
nos Estados Unidos.<br />
2.3 Proteção pela patente<br />
Como explica Radau (1985, p. 540) há três tipos de patentes<br />
que podem ser concedidas nos Estados Unidos: a) patentes de planta<br />
(plant patents), que protegem certos tipos de reprodução assexuada<br />
de plantas; b) patentes de design (design patents), que protegem<br />
designs ornamentais; e c) patentes de utilidade (utility patents), que<br />
protegem a idéia subjacente enquanto descrita para a invenção. Para<br />
ser patenteável, a invenção deve ser um processo, uma máquina, uma<br />
manufatura, uma composição de matéria, ou um melhoramento de<br />
algo dentro dessas classes. Como explicam Radau e Federico:<br />
Geralmente, um processo é um método tangível que inclui uma<br />
série de passos ou atos que são usados para transformar ou mudar<br />
algum assunto particular. Um exemplo de um processo típico é<br />
uma série moderna de passos para curar borracha em um plano<br />
industrial... Uma composição de matéria é resultado da união de<br />
dois ou mais ingredientes, quimicamente ou fisicamente, para produzir<br />
uma massa nova e homogênea. Esta composição nova pode<br />
ser uma combinação química nova ou um organismo vivo novo<br />
(RADAU, 1985, p. 542 – tradução nossa).<br />
... são concedidas patentes para o processo de produzir a combinação,<br />
quer dizer, para a reação química, embora o resultado<br />
posterior possa ser de um tipo convencional. Não só isto, mas a<br />
patente para o processo estende o seu efeito ao produto do processo.<br />
Usar ou vender o produto constituirá uma infração à patente<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 264 -284 2012<br />
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A proteção do perfume pela propriedade...<br />
de processo, da mesma maneira que usar o resultado do processo<br />
(FEDERICO, 1939, p. 544 – tradução nossa).<br />
Assim, a fórmula de perfumes pode satisfazer as exigências de<br />
um ‘processo’ ou da ‘composição de uma matéria’. Perfumes, por<br />
exemplo, podem ser protegidos através de patentes quando os aromatizantes<br />
são sintetizados. Explica Field (2004, p. 26) que, somente<br />
em 2004, uma patente foi concedida para um afixador/“aprimorador”<br />
de perfume 18 , para um ingrediente “perfumante” de condimento 19 , e<br />
para uma família de éteres útil como um componente de misturas de<br />
fragrância ou óleo de perfume 20 .<br />
São excluídos da proteção, porém, conforme explica Radou<br />
(1985, p. 543), meras matérias impressas 21 , princípios científicos 22 ,<br />
coisas que naturalmente ocorrem na natureza 23 , processos mentais,<br />
algoritmos matemáticos 24 , e métodos de negócios 25 . Por essa razão<br />
perfumes ‘naturais’, enquanto ‘coisas correndo na natureza’ ou mero<br />
‘material impresso’, não podem ser objeto de proteção patentária.<br />
Esse não é um problema grande, uma vez que a maioria dos perfumes<br />
é sintetizada em laboratórios por fórmulas químicas. ‘Eco-perfumes’,<br />
parece, são mais difíceis de ser protegidos por patentes.<br />
2.4 Proteção pelo segredo de comércio<br />
A definição de segredo de comércio é bastante ampla. Em Schulenburg<br />
v. Signatrol, Inc. 26 , segredo de comércio foi definido como um<br />
“plano secreto ou processo, ferramenta, mecanismo ou combinação<br />
só conhecidos por seu dono e seus empregados para quem é necessário<br />
confiá-lo” (DORVEE, 1981, p. 982). Outros comentadores descre-<br />
18<br />
Ver U. S. Pat. No. 6, 737, 396.<br />
19<br />
Ver U. S. Pat. No. 6, 734, 158.<br />
20<br />
Ver U. S. Pat. No. 6, 734, 158.<br />
21<br />
Ver Conover v. Coe, 90 F.2d 377, 379 (D.C. Cir. 1938).<br />
22<br />
Ver a decisão da Suprema Corte (United States Supreme Court) em Mackay Radio & Tel.<br />
Co. v. Radio Corp., 306 U.S. 86, 94 (1939).<br />
23<br />
Ver a decisão da Suprema Corte (United States Supreme Court) em Parker v. Flook, 437<br />
U.S. 583, 593 (1978).<br />
24<br />
Ver Diehr, 450 U.S. at 191.<br />
25<br />
Ver Conover, 99 F.2d at 379.<br />
26<br />
Ver 33 IlM2. d 379, 212 N.E.2d 865 (1965), cert. denied, 383 U.S. 959 (1966).<br />
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Jöly Ingrid / Leonardo Machado Pontes<br />
vem segredo de comércio como um “processo, fórmula, dispositivo,<br />
ou qualquer segredo empresarial que o proprietário fez esforços razoáveis<br />
para proteger” (ZIMMERMAN, 2010, p. 782). Em Chevron<br />
Chemical Co. v. Costle 27 , por exemplo, foi definido como qualquer<br />
dado, inclusive de saúde, segurança, ou ambiental, que satisfizesse<br />
os requerimentos do Restatement of Torts (1939) 28 (HAYNES, 1986,<br />
p. 140). O segredo de comércio pode cercar a proteção do perfume<br />
facilmente, por causa da fórmula per se ou por causa do processo que<br />
pode ser considerado um segredo.<br />
O Restatement of Torts (1939) dispunha que se alguém descobrisse<br />
ou usasse o segredo de comércio sem um privilégio para tanto,<br />
seria responsável perante o outro se: a) ele descobriu o segredo através<br />
de meios impróprios, ou se; b) a revelação dele ou uso dele constituiu<br />
uma brecha na confiança repousada nele pelo descobrimento do<br />
segredo, ou se; c) ele aprendeu o segredo de uma terceira pessoa com<br />
conhecimento dos fatos de que era um segredo e que a terceira pessoa<br />
descobriu isto através de meios impróprios ou que a revelação disso<br />
pela terceira pessoa era contrária a uma brecha do dever dela para<br />
com o outro, ou se; d) ele aprendeu o segredo com conhecimento de<br />
que era um segredo e que sua revelação foi feita a ele por um engano.<br />
Com efeito, o segredo de comércio foi definido pela Suprema<br />
Corte em Kewanee Oil Co. v. Bicron Corp 29 como “qualquer fórmula,<br />
padrão, dispositivo ou uma compilação de informação que seja usada<br />
no negócio da pessoa, e que lhe dá uma oportunidade para obter uma<br />
vantagem sobre seus competidores que não o conheçam ou o usem”.<br />
A idéia de segredo de comércio, como é explicada por Phillips (1990,<br />
p. 653), origina-se de uma relação confidencial que existe entre o empregador<br />
e o empregado, embora existam comentadores que pensam<br />
que a proteção é puramente um direito de propriedade e que não se<br />
27<br />
Ver 443 F. Supp. 1024 (N.D. Cal. 1978).<br />
28<br />
O Restatement (Second) of Torts, de 1979, eliminou o segredo comercial, que nesse época<br />
já havia se constituído em um corpo independente de lei, que não precisava se basear<br />
mais nos torts. Os Restatements são criados pelo American Law Institute para tentar<br />
estabelecer os princípios gerais dos institutos legais, tornando-os compreensíveis para os<br />
advogados e para os juízes. Embora não possuam uma natureza mandatória, são utilizados<br />
por juízes e objeto de grande respeito.<br />
29<br />
Ver Suprema Corte Norte-Americana (United States Supreme Court) 416 U.S. 470 (1974).<br />
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A proteção do perfume pela propriedade...<br />
relacionaria com lei do contrato ou com os princípios de empresa.<br />
Diferentemente dos direito autorais e da patente, o segredo de comércio<br />
não é permitido por meio de lei para encorajar a criação de mais<br />
segredos ou melhorar mecanismos de empreendimento do comércio<br />
– a proteção é basicamente fundada na brecha do dever de confiança.<br />
Depois da decisão da Suprema Corte em Ruckelshaus v. Monsato,<br />
entretanto, a natureza do segredo de comércio é do tipo proprietária.<br />
Também, o segredo de comércio, diferentemente dos direito autorais,<br />
patente e marca, não é protegido por um estatuto federal, sendo principalmente<br />
um dispositivo do common law. Os Estados norte-americanos,<br />
é claro, passam legislação individualmente sobre o assunto.<br />
Há condições prévias para a proteção de segredos de comércio<br />
que devem ser estabelecidas, como a vasta maioria das cortes<br />
baseava-se no Restatement of Torts (1939). Como explica Klitzke<br />
(1980), havia três questões principais no Restatement, algumas das<br />
quais foram até mesmo alteradas pela representação do Uniform Trade<br />
Secrets Act (U.T.S.A), adotado por vários Estados nos Estados<br />
Unidos. Primeiro, o Restatement, diferentemente do U.T.S.A., insistia<br />
na afirmação de que a proteção ao segredo de comércio só deveria<br />
ser aplicada a um evento não-transitório, de modo que deveria haver<br />
uma certa estabilidade e continuidade relacionada ao segredo. Isso<br />
foi alterado no U.T.S.A. para cercar situações como uma oferta secreta<br />
ou uma informação financeira transitória, tratando o segredo de<br />
comércio essencialmente como ‘informação’. Segundo, o segredo de<br />
comércio, embora não precisasse alcançar novidade ou não-obvidade,<br />
precisava atingir uma ‘descoberta’. Agora, com o U.T.S.A., é suficiente<br />
que possua algum nível ou potencial de valor econômico, bem<br />
como não seja um conhecimento tido por generalizado, eliminando<br />
a necessidade de uma descoberta 30 . Por último, exigia-se do dono o<br />
exercício de diligência razoável, prevenindo a revelação não intencional<br />
do segredo. O U.T.S.A. avançou essa questão, elucidando que o<br />
conceito de diligência dispensa um cuidado extremo ou propriamente<br />
medidas caras, bem como declarando que a medida de diligência deve<br />
30<br />
Ver o Sétimo Circuito (Seventh Circuit) em Forest Labs, Inc. v. Pillsbury Co., 452 F.2d<br />
621 (7th Cir. 1971) (explicando que o segredo de comércio não precisa ser novo, novável,<br />
ou único para ser protegido) (KLITSKE, 1980, p. 291).<br />
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Jöly Ingrid / Leonardo Machado Pontes<br />
ser avaliada de acordo com o nível do segredo protegido 31 . Como explica<br />
Klitzkr (1980, p. 279), as cortes, enquanto interpretando o que<br />
poderia constituir diligência razoável, utilizavam vários fatores, como<br />
a quantia de tempo, despesa, esforço e risco que envolvia o segredo 32 ;<br />
o valor da informação, ambos para os donos do segredo e para os<br />
rivais daquele; bem como as medidas específicas empregadas para a<br />
proteção do segredo 33 .<br />
Há duas decisões que podem ser relacionadas à problemática<br />
de se proteger perfumes pelo segredo de comércio: Ruckelshaus v.<br />
Monsanto Co. 34 , reafirmada pelo Quinto Circuito em Philp Morris,<br />
Inc. v. Reily 35 , conforme explicado na introdução do artigo. Somente<br />
a decisão do caso Monsanto será analisada.<br />
2.4.1 A decisão do caso Monsanto e suas implicações para o segredo<br />
comercial de perfumes<br />
Em Ruckelshaus v. Monsanto Co., o autor da ação, o fabricante<br />
de praguicida Monsanto, desafiou as provisões de revelação de informação<br />
para o público do Federal Insecticide, Fungicide, and Rodenticide<br />
Act (FIFRA), com base na violação da Quinta Emenda da Constituição,<br />
porque a lei estatal estava forçando o demandante a revelar a<br />
propriedade de suas informações, protegidas por segredo comercial,<br />
para o público, em relação ao seu herbicida Roundup. A FIFRA exige<br />
que os fabricantes de praguicida registrem os seus produtos na United<br />
States Environmental Protection Agency (EPA) antes de comercializá-los<br />
nos Estados Unidos. A Seção 10(d), 7 U.S.C. §136 (1976 ed.<br />
Supp. V) da FIFRA, dispunha que, contanto que os dados fornecidos<br />
pelo fabricante pudessem afetar a segurança e a saúde do público, as<br />
31<br />
Ver Quinto Circuito (Fifth Circuit) em E.L du Pont de Nemours & Co. v. Christopher,<br />
431 F.2d 1012 (5th Cir.), cert. denied, 400 U.S. 1024 (1970) (afirmando que a obtenção<br />
de fotografias aéreas de uma planta em construção é uma violação de segredo comercial)<br />
(KLITSKE, 1980, p. 293).<br />
32<br />
Ver Structural Dynamics Research Corp. v. Engineering Mechanics Research Corp., 401<br />
F. Supp. 1102, 1117 (E.D. Mich. 1975); Greenberg v. Croydon Plastics Co., 378 F. Supp.<br />
806 (E.D. Pa. 1974).<br />
33<br />
Ver RTE Corp. v. Coatings, Inc., 84 Wis. 2d 105, 118, 267 N.W.2d 226, 233 (1978).<br />
34<br />
Ver 467 U.S. 986, 987-98 (1984).<br />
35<br />
Ver 312 F.3d 24, 47 (1st Cir. 2002).<br />
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A proteção do perfume pela propriedade...<br />
informações poderiam ser reveladas. Todavia, essa disposição na lei<br />
foi alterada após o fornecimento dos dados pelo autor da ação. Monsanto<br />
processou o EPA, alegando que as provisões novas de revelação<br />
de dados da FIFRA representavam uma tomada inconstitucional de<br />
propriedade de seu segredo de comércio sem compensação. Como<br />
explica Tang (2000, p. 838), a Suprema Corte concluiu que enquanto<br />
a Monsanto tivesse um segredo de comércio reconhecido pela lei<br />
estadual, deveria também ter reconhecido um direito de propriedade<br />
protegido pela cláusula da Quinta Emenda. A Suprema Corte, como<br />
também observa Tang (2000, p. 839), mencionou que o direito de excluir<br />
outros é considerado um das características “mais essenciais no<br />
feixe de direitos (bundle of rights) que são caracterizados comumente<br />
como propriedade”, e que este direito, quando segredos comerciais<br />
são envolvidos, possuem uma significação maior, uma vez que, quando<br />
são descobertos, “o proprietário do segredo de comércio perde o<br />
interesse de propriedade nos dados”. De acordo com a Corte, “o valor<br />
econômico da [Monsanto] reside na vantagem competitiva sobre os<br />
outros, que a Monsanto desfruta em virtude de seu acesso exclusivo<br />
aos dados, e a revelação ou uso por outros dos dados destruiria aquela<br />
vantagem competitiva” (GERVIN, 2007, p. 332).<br />
Embora a decisão se baseie no fato de que a lei violou o direito<br />
da Monsanto porque as regras de submissão de dados foram alteradas<br />
após a Monsanto fornecer os dados a EPA, violando, assim, as suas<br />
expectativas legais, não obstante é um julgado poderoso a favor da<br />
proteção de combinações de substâncias químicas perigosas, pois a<br />
Suprema Corte acabou por negar acesso público aos dados perigos<br />
à saúde e à segurança de todos os consumidores do praguicida e a<br />
todos aqueles expostos às substâncias químicas. Os perfumes enfrentam<br />
um problema semelhante. As leis que regulam a submissão da<br />
lista de ingredientes de perfumes atualmente nos Estados Unidos são<br />
o Federal Food, Drug & Cosmetics Act (FDC), o Fair Packaging<br />
& Labeling Act (FPLA), e algumas regras da Food and Drug Administration<br />
(FTD). Como explica Gervin (2007, p. 326), nas brechas<br />
dos estatutos federais atuais e regulamentos, são excluídos legalmente<br />
muitos ingredientes achados em perfumes de seus próprios rótulos,<br />
uma vez que são considerados como parte da ‘fórmula da fragrância’,<br />
que é protegida por meio de segredos de comércio. O fabrique não<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 269 -284 2012<br />
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Jöly Ingrid / Leonardo Machado Pontes<br />
é exigido pela lei a fornecer para as agências, tampouco aos consumidores,<br />
a lista de substâncias químicas que incluem a ‘fórmula’ de<br />
fragrância. Isto é muito perigoso, pois os consumidores podem vir a<br />
utilizar perfumes com substâncias nocivas a sua saúde sem saber sobre<br />
isso, e até mesmo pior, o ato é sancionado pelo próprio governo e<br />
pelas autoridades judiciárias.<br />
Claramente, deve haver outra forma de proteção para as fragrâncias<br />
de perfumes, que não exclua do consumidor o acesso público<br />
à informação. É por isso que devem ser apresentadas outras formas de<br />
proteção. A melhor delas até agora foi a proteção pela patente (o trade<br />
dress e a marca são meios muito problemáticos para a proteção de<br />
fragrâncias). Mas as patentes apresentam os seus próprios problemas,<br />
como o tempo curto de proteção, os custos de registrar patentes em<br />
um nível internacional, o nível mais rígido da exigência de novidade<br />
e a questão da exclusão de fragrâncias de perfumes ‘naturais’, que são<br />
não sintetizados quimicamente.<br />
Por isso, é necessário procurar: a) modos que sejam mais baratos;<br />
b) que protejam os fabricantes de perfume internacionalmente; c)<br />
sem qualquer exigência de registros; d) com um termo grande de exploração<br />
legal; e) e que tenham por base uma proteção flexível, baseada<br />
na escolha arbitrária de ingredientes, que não excluam fragrâncias<br />
naturais. Isso tudo poderia ser proporcionado pela proteção autoral<br />
da fragrância do perfume, a ‘mensagem’ artística, conforme será explorado<br />
mais abaixo. Por exemplo, a proteção pelos direitos autorais<br />
do software provou ser essencial, até mesmo nos casos de segunda<br />
geração, quando a proteção foi alargada para cercar questões como<br />
interface de usuário, exibição de tela e SSO 36 . O mesmo efeito poderia<br />
ser alcançado aqui para as fragrâncias. Uma análise da proteção pelos<br />
direitos autorais para a fragrância de perfumes, portanto, é necessária.<br />
3 Proteção do perfume na França<br />
A segunda parte do artigo vai começar por explicar o pensamento<br />
da Suprema Corte Francesa (Cour de Cassation), notavelmente em<br />
36<br />
Sobre essa questão, ver Bixby (1981); Cady (2004); Hilton (1991); Karjala (1988); Laurie<br />
(1988); Nakamura (1993).<br />
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A proteção do perfume pela propriedade...<br />
sua decisão de 1 de janeiro de 2008 e a análise de suas conseqüências.<br />
Então será visto por que as criações olfatórias, embora contendo uma<br />
parte de know-how, podem estar entre as ‘criações do espírito’, assim<br />
protegidas pelos direito autorais.<br />
3.1 A decisão da Suprema Corte sobre a proteção do perfume pelo<br />
direito de autor<br />
Segundo a Cour de Cassation: “a fragrância de um perfume,<br />
procedendo somente de um know-how, previamente não está de acordo<br />
com os textos legais citados, a criação de uma forma de expressão<br />
capaz ser protegida por direito autorais”. Assim, se se entende corretamente<br />
as palavras da Corte, por causa de uma parte de know-how,<br />
não haveria nenhuma originalidade na criação de fragrâncias, e os<br />
direitos autorais não poderiam ser aplicados.<br />
3.1.1 Entendendo os argumentos e as conseqüências sobre a natureza<br />
legal da fragrância na decisão da Corte<br />
De acordo com a Corte, por um lado, a criação de uma fragrância<br />
é um resultado lógico de um know-how, e por outro lado, há uma<br />
incompatibilidade entre a forma olfatória e os direitos autorais que<br />
protegem as ‘obras do espírito’ (como se diz na França).<br />
Em primeiro lugar, parece importante notar que o know-how é<br />
uma parte incondicional de todo processo criativo. Mas se o perfume<br />
for só o resultado de um know-how, significa que é só um produto técnico<br />
e qualquer um com o conhecimento apropriado poderia criar um<br />
perfume. De acordo com esta teoria, não seria estranho argumentar<br />
então que os direitos autorais não têm nada a ver com esse raciocínio.<br />
Os criadores de formas olfatórias aprenderam um know-how sem o<br />
qual eles não poderiam criar. Além disso, o ambiente industrial no<br />
qual o perfume revolve ajuda a justificar a posição da Corte.<br />
3.1.1.1 A questão do know-how na decisão da Corte<br />
O know-how tem um grande valor econômico. De acordo com<br />
o Professor Cornu:<br />
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Jöly Ingrid / Leonardo Machado Pontes<br />
a experiência é um conjunto de conhecimento técnico (informação,<br />
conselhos, conhecimento de processos manufaturados…etc). Um<br />
certo know-how comercial ou industrial original o bastante para ser<br />
lidado com uma apropriação ou uma transferência; que não é em si<br />
mesmo um processo patenteável, mas qual o aspecto secreto deve<br />
ser respeitado (CORNU, 2007, p. 17 – tradução nossa).<br />
Esse critério só é aplicado em propriedade industrial e recorrer a<br />
esse critério só acontece em situações de propriedade industrial, onde<br />
a proteção somente é devida em função de uma coisa: o segredo. O<br />
segredo pode proteger a experiência ou até mesmo a fórmula, embora<br />
prove ser uma proteção frágil. Como acontece nos Estados Unidos, a<br />
proteção na França também é frágil porque, contanto o segredo seja<br />
mantido, a proteção também será. Sendo esse o raciocínio da Corte,<br />
não é difícil de entender porque a proteção teria sido negada.<br />
3.1.1.2 A questão da originalidade na decisão da Corte<br />
A originalidade, embora nenhuma definição tenha sido fornecida<br />
pelo legislador francês, é considerado na França de um modo<br />
subjetivo. Esta função da originalidade representa tradicionalmente a<br />
fundação do droit d’auteur, onde se reconhece uma ligação sem igual<br />
e forte entre o criador e a sua criação.<br />
A originalidade é bastante difícil de descobrir; depende de cada<br />
tipo de trabalho e de cada análise. É mais fácil de admitir que um autor<br />
pudesse impregnar sua personalidade em um trabalho mais comum,<br />
embora considerando que, quando alguém olha para a originalidade<br />
em um trabalho técnico, realmente um trabalho utilitário, seja mais<br />
difícil percebê-la – a técnica ou utilidade de um trabalho, todavia, não<br />
excluem em si a possibilidade de proteção pelo direito de autor.<br />
Um modo de entender isso é o fato de os juízes não reconhecerem<br />
o perfume como um trabalho original em função de seu meio<br />
técnico. A originalidade é mais facilmente identificada na expressão<br />
ou na composição de um trabalho escrito, na melodia, no ritmo, ou<br />
na harmonia de um trabalho musical; na luz, no ângulo da máquina<br />
fotográfica, ou na composição de um quadro fixo ou animado. Claro<br />
que há uma real parte técnica no processo de criação, mas o ambiente<br />
industrial não ajuda o juiz para a consideração da originalidade.<br />
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A proteção do perfume pela propriedade...<br />
3.1.1.3 A questão da legalidade na decisão da Corte<br />
Os juízes fizeram uma leitura rígida do artigo L. 112-2 do código<br />
de Propriedade Intelectual francês, que não menciona expressamente<br />
as fragrâncias na lista dos trabalhos protegidos pelos direitos autorais,<br />
a despeito de muitos outros trabalhos variados serem mencionados. O<br />
argumento não é tão absurdo: se o legislador quisesse proteger as fragrâncias,<br />
ele a teria incluído entre os trabalhos enumerados no artigo<br />
L. 112-2.<br />
3.1.1.4 A questão da prova da contrafação e da proteção pela patente na<br />
decisão da Corte<br />
Na realidade, outro argumento foi adjudicado pela Corte – não<br />
mais um argumento deontológico, mas puramente consequencialista:<br />
a impossibilidade de se provar a falsificação sem o registro de uma<br />
patente. Realmente, uma ação de contrafação, nesse sentido, seria impossível,<br />
bem como a demonstração do que foi contrafeito ou “emprestado”<br />
do primeiro perfume. Assim, essa idéia confirmaria que os<br />
direitos autorais não seriam para as fragrâncias, em função de seu<br />
esquema, que seria inadequado, e não muito eficiente. Portanto, uma<br />
fragrância, que é uma composição química (é verdade), deveria ser<br />
protegida pela ‘lei’ da patente. Alguns autores concordam com esta<br />
concepção, notavelmente P-Y Gautier (2010), que afirma que fragrâncias,<br />
resultando de uma pesquisa em laboratório e expressadas em<br />
uma fórmula, dependeriam da ‘lei’ da patente.<br />
3.2 A exploração dos critérios de patentiabilidade<br />
É necessário explorar os critérios de patentiabilidade no direito<br />
francês porque alguém deveria entender o argumento dos juízes,<br />
sua viabilidade, bem como prevenir decisões futuras; também é uma<br />
questão de ‘segurança’ jurídica. Há três deveres administrativos em<br />
relação a uma patente francesa: a) tornar a invenção disponível para o<br />
público, após a expiração do prazo de proteção; b) pagar a taxa anual;<br />
e c) usar a invenção ou fazer alguém usá-la.<br />
O perfume não se enquadra nos artigos L. 611-17 e L. 611-20 do<br />
Código de Propriedade Intelectual francês. As exigências primárias<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 273 -284 2012<br />
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Jöly Ingrid / Leonardo Machado Pontes<br />
para uma patente ser concedida estão no artigo L. 611-10: “é patenteável<br />
as invenções novas que, implicando em um passo inventivo,<br />
é provável de uma aplicação industrial”. É importante analisar cada<br />
pré-requisito.<br />
O primeiro é que uma patente deve ser uma ‘invenção’. Uma invenção<br />
é considerada pela lei francesa primeiramente como uma criação,<br />
mas também uma técnica. Em outras condições: “uma solução<br />
técnica para um problema técnico, por medidas técnicas que poderiam<br />
ser repetidas”. O código de Propriedade Intelectual francês não<br />
determina o que uma invenção é, mas somente aquilo que ela não é.<br />
Uma patente não é uma descoberta, uma teoria científica, um método,<br />
um software, tampouco uma apresentação de informação. Está claro<br />
que o perfume não é nada disso. Assim, não há nenhuma contradição<br />
com a consideração do perfume como uma invenção.<br />
A segunda condição prévia é a ‘novidade’. De acordo com artigo<br />
L. 611-11 CPI: é considerado que “uma invenção é nova se não<br />
formar uma parte do estado da arte. O estado da arte será assegurado<br />
para incluir tudo aquilo feito disponível ao público através de meios...<br />
antes da data.” Esse critério não apresenta qualquer incompatibilidade<br />
também.<br />
A terceira condição prévia é o ‘passo inventivo’. Esta exigência<br />
completa a novidade e é explicada no artigo L. 611-14 CPI: “Uma invenção<br />
será considerada como envolvendo um passo inventivo quando<br />
obter, considerando o estado da arte, um resultado não óbvio para<br />
uma pessoa qualificada naquela arte”. Se a invenção em causa não<br />
parece evidente aos juízes depois de perícias (por uma pessoa advertida),<br />
e se não houver nenhuma invenção semelhante no estado da<br />
técnica, o perfume cumprirá esta condição de ‘passo inventivo’.<br />
A quarta condição prévia é a ‘aplicação industrial’. Sendo a comercialização<br />
do perfume a meta, não há nenhum detalhe para dar sobre<br />
esta condição. Porque perfumes são largamente sintetizados, eles<br />
podem ser reproduzidos completamente em laboratórios, enquanto<br />
mantendo seu formato de aplicação industrial.<br />
3.2.1 Explorando as incompatibilidades da proteção de patentes para<br />
perfumes<br />
Outras incompatibilidades surgem entre as características da<br />
fragrância e a sua possível proteção pela patente. Embora o perfume<br />
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Book 1.indb 274 27/4/2013 13:20:27
A proteção do perfume pela propriedade...<br />
seja o resultado técnico de uma atividade humana, o perfume é em<br />
parte estético. Mas esta característica pode excluir um trabalho da<br />
possibilidade de ser patenteado, de acordo com L. 611-10 2° b), do<br />
Código de Propriedade Intelectual francês.<br />
Tudo isso apesar de uma moda chamada ‘esteticismo industrial’,<br />
que consiste na incorporação de elementos estéticos com elementos<br />
utilitários. Na lei de 1968, é dito “criações exclusivamente ornamentais”.<br />
Deveria então ser determinado se o perfume é exclusivamente<br />
ornamental… Um perfume é exclusivamente ornamental?<br />
Isso não parece particularmente satisfatório, o que poderia prejudicar<br />
a proteção da patente para perfumes. É necessário procurar<br />
outro modo: o segredo. Na realidade, a lei de patente apresenta outro<br />
inconveniente que o segredo não pode equilibrar.<br />
3.2.2 Explorando as incompatibilidades da proteção da patente em<br />
relação ao segredo de comércio<br />
Se a idéia é que o perfume seria patenteado sobre uma forma<br />
química, qual seria o interesse na divulgação para o público de profissionais<br />
e também para competidores a fórmula da própria invenção?<br />
Na realidade, nos documentos apresentados para obter a patente, há a<br />
descrição da invenção.<br />
O segredo parece ser outra solução, uma alternativa séria para<br />
a patente, mas não parece corresponder com as fragrâncias. Além do<br />
risco inevitável de revelação, como manter o segredo em substâncias<br />
nascidas para ser comercializadas e que são tão voláteis? Um perito<br />
em perfumes se cheirasse o perfume em uma senhora, ou em um homem,<br />
já poderia adquirir alguns elementos da composição, sensações,<br />
e uma noção da fragrância. E, se ele vier a adquirir uma amostra do<br />
perfume e tentar reconstruí-lo, a possibilidade é tão boa quanto possível,<br />
igual a M. Baldini com Amour et Psychè en Le Parfum. Claro que<br />
todo o mundo não pode fazer isso, mas não se deve esquecer que algumas<br />
empresas só vivem por causa das idéias de outras. E hoje em dia<br />
as tecnologias novas permitem a qualquer investidora adquirir acesso<br />
aos modos de decompor uma fragrância e colocá-la no mercado para<br />
competir com o original.<br />
Manter o segredo também é excessivamente insatisfatório.<br />
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Book 1.indb 275 27/4/2013 13:20:27
Jöly Ingrid / Leonardo Machado Pontes<br />
3.4 Explorando a proteção do perfume pelos direitos autorais e<br />
respondendo as objeções levantadas pela Suprema Corte<br />
Não só se poderia dar as boas-vindas ao perfume pelo droit<br />
d’auteur, como também parece que nenhuma mudança ou modificação<br />
na teoria dos direito autorais seria necessária. A fragrância está<br />
incorporada entre os ‘trabalhos’ mentais por causa de sua natureza e<br />
a aplicação de direitos autorais parece ser a melhor solução para interesses<br />
legais, morais, e econômicos.<br />
3.4.1 Respondendo ao argumento de legalidade levantado pela Corte<br />
Está certo, o legislador não menciona fragrâncias. Mas a lista<br />
não é exaustiva, em função do advérbio ‘notavelmente’, usado por<br />
ele. Recusar proteção aos direito autorais com base nesse argumento,<br />
como explica Gautier (2010), vai contra o princípio da igualdade dos<br />
trabalhos, disposto no artigo L. 112 – 1 CPI. Na realidade, é proibido<br />
para o juiz recusar a proteção de uma criação por causa de sua forma<br />
particular.<br />
3.4.2 Respondendo ao argumento do know-how levantado pela Corte<br />
O know-how só não pode produzir um trabalho protegido pelos direito<br />
autorais se esse resultado é exclusivamente produto do know-how.<br />
Não há nenhuma dúvida que em muitas áreas se tem que dominar o detalhe<br />
técnico para criar, sem que seja necessário declarar a inexistência de<br />
originalidade. O know-how é em geral uma parte de todos os trabalhos<br />
e criações. A Corte misturou a forma interna (processo de criação) com<br />
a produção da forma externa. Na França, uma criação tem que ter uma<br />
forma, mas isso não significa que a forma tem que ser percebida por<br />
todo o mundo – diz respeito à possibilidade de percepção. Não é uma<br />
obrigação dar qualquer descrição da criação para ela ser protegida pelo<br />
direito de autor.<br />
Como descobrir a forma? A forma poderia ser descoberta por<br />
causa de uma descrição objetiva técnica como O. Lalligant (1989)<br />
propõe. Mas o Código de Propriedade Intelectual francês tampouco<br />
requer uma descrição como condição de proteção, ou mesmo para<br />
determinação da existência da forma. Os magistrados teriam que dis-<br />
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A proteção do perfume pela propriedade...<br />
tinguir mais sutilmente entre o aspecto imaterial da criação, que é a<br />
composição olfatória (corpus mysticum), do próprio corpo mecânico<br />
(corpus mechanicum) que é o estado físico-químico, que não seja inteiramente<br />
funcional, e objeto de escolhas arbitrárias pelo compositor<br />
da mensagem artística olfativa. Há uma forma (uma forma interna),<br />
útil para se comunicar com os nossos sentidos. Esses sentidos são tocados<br />
pela fragrância, seja por seu <strong>volume</strong>, seus tons, suas notas...,etc.<br />
Brevemente, pode-se dizer que há um paradoxo no modo em<br />
que os juízes se comportam. Quando eles decidiram o caso Paradis 37 ,<br />
eles decidiram que a arte é protegida pela lei francesa em razão da<br />
escolha do criador e da adição de vários elementos que compõem o<br />
trabalho final, embora cada elemento não possa ser protegido individualmente.<br />
Aqui eles deveriam ter feito o mesmo com as fragrâncias de<br />
perfumes.<br />
3.4.3 Respondendo a questão da prova na decisão da Corte<br />
De acordo com os juízes, a prova da contrafação é impossível<br />
e isso seria uma razão para não se aceitar as fragrâncias como uma<br />
criação protegida pelos direito autorais. Essa não é uma valiosa justificação.<br />
É preciso procurar um modo para provar em vez de recusar a<br />
aplicação da lei.<br />
A Corte recusa considerar o perfume como um ‘trabalho’ estritamente<br />
mental. Para apoiar essa alegação, eles se referem ao excesso<br />
de detalhe técnico, e às vezes a falta de modos técnicos capazes de<br />
possibilitar notavelmente a prova da falsificação.<br />
É importante identificar bem qual o problema que os juízes encontram<br />
na realidade. Realmente, a eficiência da proteção depende<br />
desta identificação das dificuldades da Corte: a proporção de detalhe<br />
técnico pelo know-how e a composição.<br />
Breese (2003, p. 559) escreveu: “o que é essencial é uma determinada<br />
mensagem olfatória capaz de ser analisada objetivamente<br />
para comparar isto à mensagem do falsificar da composição”. Alguém<br />
também pode recordar a definição de O. Laligant (1989) de que o ‘tra-<br />
37<br />
Corte de Apelação, 28 de novembro de 2006.<br />
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Jöly Ingrid / Leonardo Machado Pontes<br />
balho mental’ nasce da combinação da substância físico-química e de<br />
seus ingredientes arbitrariamente escolhidos.<br />
Pense-se em exemplos mais clássicos de trabalhos, mais convencionais,<br />
como uma pintura ou uma escultura. Na escultura acha-se um<br />
material natural como um bloco de pedra, acrescentado a um toque de<br />
criação. É o mesmo com a pintura, que é, por exemplo, o resultado de<br />
elementos físico-químicos dos pastéis e das pinceladas do pintor que<br />
tocam a tela para trazer a originalidade do trabalho.<br />
Também, esta definição de Laligant (1989) parece servir para<br />
trabalhos convencionais. A fragrância cumpre os critérios também. O<br />
perfume sempre teve seu lugar nos direitos do criador. Caso contrário,<br />
o que seria novo é simplesmente a intervenção de material técnico e<br />
científico (talvez muito). O problema é saber qual é a parte do técnico<br />
e qual a parte da criação, além do contexto industrial.<br />
Há uma confusão do juiz que funda a comparação da originalidade<br />
na composição e não na ‘mensagem artística’. A composição<br />
é só o veículo da idéia para ir do criador para o público. É essencial<br />
traçar a diferença entre o papel técnico do perfumador (a experiência<br />
dele) e o criativo, o artístico do mesmo.<br />
Aos poucos, recentes técnicas de analise sensorial podem ser<br />
utilizadas para tornar a proteção mais eficiente. Eles oferecem modos<br />
objetivos de avaliação que aperfeiçoam a segurança jurídica. Acha-se<br />
a menção dessa nova tecnologia em uma declaração no caso Thierry<br />
Mügler Parfums v. Société Molinard (T. Com. setembro, 24º 1999).<br />
A meta é obter uma qualificação do perfume como um ‘trabalho’<br />
mental. Aqui, apresentam-se algumas destas técnicas: a metrologia<br />
sensorial, ou os métodos de análise sensorial, por exemplo.<br />
Admitir que o perfume é uma ‘criação’ mental é reconhecer a<br />
sua imaterialidade olfativa. A visão é um sentido muito demandado,<br />
mas outros gostam do olfato, talvez em razão de sua atividade quase<br />
consciente, que a permanência desconsiderou. Porque o perfume é<br />
impalpável, também é dito imaterial. Protegendo-o pelos direito autorais,<br />
tem que ser reconhecido que uma criação pode ser protegida por<br />
outros sentidos, além da visão ou do tato.<br />
Na realidade, o juiz tem que decidir considerando para o “inquestionável,<br />
objetivo, e os elementos incomparáveis”. Assim, a dificuldade<br />
está lá, provinda do perfume ou de uma criação do tato, em<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 278 -284 2012<br />
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A proteção do perfume pela propriedade...<br />
razão da falta de modo objetivo para caracterizar um cheiro ou um sabor.<br />
Mas, como enfatizado por Breese (2003), um registro incapaz de<br />
ser transcrito em uma partição apresentaria as mesmas imperfeições<br />
que os testes para transcrever uma fragrância.<br />
Alguém poderia se perguntar se os juízes estão esperando por<br />
um decodificador universal para permitir uma proteção homogênea<br />
de todas as criações existentes. Várias condições semelhantes existem<br />
na música e no mundo dos perfumes, como ‘composição’, ‘toque’,<br />
‘compositor’, etc. E ainda, os réquiens e outros recitais, e a música<br />
mais popular também, são reconhecidos e considerados sem qualquer<br />
problema como qualquer obra de arte. Novamente, na área da música<br />
o ‘som’ de um piano foi reconhecido até mesmo como uma criação,<br />
embora imaterial. Até mesmo um modo para iluminar também já foi<br />
reconhecido.<br />
Mas na música há know-how também. O know-how depende<br />
diferentemente do tipo de criação. Pode ser o domínio técnico de cordas<br />
vocais, da teoria da música, ou o domínio de um instrumento, etc.<br />
Reconhecer a imaterialidade olfatória poderia ser um exemplo para<br />
seguir para outros trabalhos, como as receitas, ou talvez os sabores.<br />
Argumentando contrariamente à extensão da proteção autoral para<br />
criações olfativas, considerando como campos de proteção somente<br />
os sentido da audição e da visão, ver Cronin (2009).<br />
4 Conclusão<br />
Os direitos autorais completariam a proteção conferida pelas<br />
marcas registradas e pelo trade dress na luta contra a rede de falsificadores<br />
de perfumes, e atravessaria os furos na proteção do perfume<br />
pela patente, sem negar esse tipo de proteção. Também os direitos autorais<br />
atravessariam a fragilidade dos segredos de comércio. A proteção<br />
fornecida pelos direitos autorais seria até mesmo melhor, porque<br />
os consumidores poderiam ter acesso aos componentes químicos dos<br />
perfumes, sem prejudicarem os direitos dos fabricantes.<br />
Recapitulando, o perfume pode ser protegido por uma patente<br />
quando sua fórmula é protegida por um processo ou por uma composição<br />
de matéria. A patente também pode proteger, por extensão, o<br />
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Jöly Ingrid / Leonardo Machado Pontes<br />
produto da reação química. Nesses casos, o perfume pode ser protegido<br />
pela patente, bem como por tabela a sua fragrância.<br />
Todavia, as demais reações químicas ou fragrâncias, que não<br />
impliquem em novidade ou em funcionalidade, não podem ser protegidas<br />
por uma patente. Essas fragrâncias, todavia, conforme sustentado<br />
nos itens 3.4.2 e 3.4.3, podem ser protegidas pelo direito de autor,<br />
uma vez que haja criatividade e originalidade. Para tanto, teria que<br />
ser distinguido o corpo mecânico (o estado físico-químico) do corpo<br />
místico (a mensagem artística olfativa). O corpo místico é que seria<br />
protegido pelos direitos autorais.<br />
O quadro se complica um pouco quando a reação química (que<br />
gera a fragrância) é protegida pela patente, ao passo que essa fragrância,<br />
possuindo também elementos de criatividade e originalidade,<br />
pudesse ser protegida como uma mensagem olfativa artística. Nessa<br />
hipótese, quando haja duplicidade de proteções sobre o mesmo objeto,<br />
as Cortes podem optar por somente aceitar um tipo de proteção,<br />
como uma forma de proteger o domínio público, ou por aceitar a duplicidade<br />
de proteção, considerando, nessa última hipótese, que as<br />
bases legais e os fundamentos para a proteção são diversos, criando<br />
dois direitos separados, como fez uma Corte francesa. 38 Todavia, esse<br />
é um tema complexo e que deve ser tratado em outra oportunidade.<br />
The protection of perfume by intellectual<br />
property: what’s the optmum protection to<br />
perfume’s frangancy – copyright, trademark,<br />
trade dress, patent, or trade secret?<br />
Abstract<br />
In France, according to the judges, the olfactory creations are<br />
just considered as industrial products, with all the consequences it<br />
implies. The know-how is the main argument given by the French<br />
Supreme Court to refuse copyright (droit d’auteur) protection to the<br />
38<br />
Ver a decisão em Bellure v. l’Oréal, et al., Cour d’appel (C.A.) [Regional Ct. App.] Paris,<br />
4’ ch. A, Jan. 25, 2006, decidindo que todos os trabalhos do intelecto são eleitos para a<br />
proteção do direito de autor, mesmo aqueles que podem ser protegidos por uma patente,<br />
e mesmo aqueles que não são fixados.<br />
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Book 1.indb 280 27/4/2013 13:20:28
A proteção do perfume pela propriedade...<br />
fragrances. On the other hand, the Dutch Supreme Court has recognized<br />
copyright protection to the fragrance of the perfume Tresór of<br />
Lacôme, handling a revolutionary decision, increasingly expanding<br />
the realm of copyright. In the United States the perfume fragrance is<br />
manly protected by trade secret, although there are other sorts of protection,<br />
as follows from the decisions of the United States Supreme<br />
Court in Ruckelshaus v. Monsanto Co., reaffirmed by the First Circuit<br />
in Philp Morris, Inc. v. Reily. Being the trade secret a constitutional<br />
property, protected by the Fifth Amendment of the United States<br />
Constitution, the perfume manufactures are not obliged by the government<br />
to inform the consumers about all the chemical components of<br />
the perfume’s formula. This gives the manufactures ultimate protection,<br />
as long as the formula can remain a secret, that is, not a target of<br />
reverse engineering or any other kind of practice that can decode the<br />
formula, which would otherwise push it to the public domain. Trade<br />
secrets are used because the Intellectual Property umbrella currently<br />
does not provide perfume fragrances with adequate protection, except,<br />
maybe, for the Dutch Supreme Court’s decision. This needs to<br />
change. Laboratorial tests, in the United States, are now demonstrating<br />
that substances used to manufacture some perfumes are dangerous<br />
to the human health, including some that can even cause cancer,<br />
like methylene chloride, a hazardous chemical, used in rat poison,<br />
which was banned by the FTA (Food and Drug Administration), and<br />
was still found in some perfumes in the United States. The regime<br />
of the trade secret for the substances used in perfumes, because they<br />
hide the noxious substances from the consumers, is dangerous for the<br />
public health. For that reason, the article argues that it should not be<br />
a viable option, exploring other protection forms that can bring safety<br />
to the consumers and at the same time protect the rights of perfume’s<br />
manufacturers.<br />
Key-words: Perfume. Copyright. Trade secret. Trademark. Trade dress.<br />
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11<br />
A importância do serviço público de<br />
protesto de títulos para a recuperação<br />
de crédito no Brasil<br />
Recebido: 26/06/2012<br />
Analisado: 20/9/2012<br />
Maria Christina dos Santos*<br />
Juliana Derviche Guelfi Dubiela**<br />
PUC/PR<br />
mcsissa@terra.com.br<br />
Sumário<br />
1. Introdução. 2. O Protesto de Títulos. 2.1 Conceito.<br />
2.2 Visão Tradicional da Função do Protesto. 2.3<br />
Visão Moderna da Função do Protesto. 3. Motivos<br />
do Protesto. 3.1 Protesto por Falta de Aceite. 3.2<br />
Protesto por Falta de Devolução. 3.3 Protesto por<br />
Falta de Pagamento. 4. A Recuperação do Crédito<br />
através do Protesto de Títulos. 4.1 Prova da Inadimplência.<br />
4.2 Prazo para Protesto e Intimação do Devedor.<br />
5. Conclusão. Referências<br />
1<br />
*<br />
Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2011/2013). Tabeliã<br />
do Tabelionato de Protesto de Títulos de Almirante Tamandaré. Especialista em<br />
Direito Civil e Processual Civil pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina<br />
– CESUSC (2006) e em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Arthur Thomaz –<br />
FAAT, em convênio com o Instituto Brasileiro de Estudos – IBEST (2007).<br />
**<br />
Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2011/2013), com<br />
o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).<br />
Advogada com atuação na área processual civil.<br />
Especialista em Direito Processual Civil pela Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar<br />
(2007). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2002).<br />
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Maria Christina dos Santos / Juliana Derviche Guelfi Dubiela<br />
Resumo<br />
O presente artigo começa demonstrando o que vem a ser o serviço<br />
público do protesto de títulos no Brasil, como funciona, para que<br />
serve, sua visão tradicional – como sempre foi encarado pela maioria<br />
da população. Depois apresenta-se a visão moderna do protesto de<br />
títulos e sua eficácia como meio de recuperação de crédito.<br />
Neste contexto, enfatiza-se a força que o instituto público do<br />
protesto de títulos tem para a cobrança eficaz de inadimplentes, eis<br />
que o não pagamento de um título protestado pode gerar efeitos devastadores<br />
na vida de uma pessoa. Além disso, o protesto de títulos é<br />
o meio legal para se provar a inadimplência e já que disponível pelo<br />
Poder Público, pode ser melhor utilizado pela comunidade.<br />
Dessa forma, o objetivo deste trabalho é demonstrar como o<br />
instituto jurídico do protesto de títulos pode ser melhor utilizado e os<br />
efeitos que pode gerar quando devidamente aproveitado. É um serviço<br />
público que está à disposição da população, então ao invés de<br />
vê-lo como inimigo, por que não utilizá-lo de forma correta e colher<br />
os benefícios por ele trazidos?<br />
Palavras-chaves: Protesto. Serviço público. Inadimplência. Crédito.<br />
Eficácia.<br />
1 Introdução<br />
Nos dias de hoje, mister se faz trazer à baila o que vem a ser<br />
o serviço extrajudicial referente ao protesto. O instituto jurídico do<br />
protesto de títulos sempre foi visto sob a ótica tradicional. Ocorre que,<br />
atualmente, deve-se enxergar o lado moderno do referido instituto, a<br />
pois o avanço do mercado comercial e financeiro exige que os tabeliães<br />
de protesto estejam sempre, atualizados, eis que é considerado,<br />
atualmente, pelos credores, como um forte instrumento de recuperação<br />
de crédito.<br />
O protesto é considerado pela lei como o meio legal para a prova<br />
da inadimplência e de fato o é, porém vai mais além. Antes de estar<br />
em vigor a lei número 9.492, de 10 de setembro de 1997, só eram passíveis<br />
de serem protestados os títulos de crédito. Após a promulgação<br />
desta lei, com a inclusão do termo: “outros documentos de dívida”, no<br />
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A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
teor do primeiro artigo, houve uma modificação bastante significativa<br />
no leque de dívidas que podem ser adimplidas por meio do protesto<br />
de títulos. Isso para acompanhar o progresso da sociedade, a evolução<br />
do instituto.<br />
Dessa forma, pretende-se por este artigo, apresentar o lado social<br />
e moderno do Instituto do protesto, e comprovar a eficácia dele<br />
como sendo um instrumento de recuperação de crédito.<br />
Para tanto, inicialmente é feita a apresentação do protesto de<br />
títulos, expondo seu conceito e breves noções históricas. Em seguida,<br />
informa-se os motivos cabíveis para se protestar um título de crédito<br />
ou documento de dívida. E, por fim, o tema central do estudo, a importância<br />
do protesto para a recuperação de crédito no Brasil.<br />
Ainda, na última parte do artigo, levantam-se os benefícios do<br />
protesto de títulos, como sendo o meio legal de se provar a inadimplência,<br />
a força da intimação e o prazo do protesto, e ainda, as conseqüências<br />
eficazes que provocam a recuperação do crédito, tendo em<br />
vista o caráter coativo do protesto.<br />
Isso posto, o principal objetivo do presente trabalho concentra-se<br />
na confirmação de que o protesto de títulos é um instrumento<br />
eficaz para a recuperação de crédito e de que a visão moderna deve<br />
prevalecer sobre a tradicional, devido ao avanço exigido pelo próprio<br />
mercado.<br />
2 O Protesto de títulos<br />
O nascimento do instituto do protesto de títulos conduz-nos às<br />
práticas medievais. Surgiu com o objetivo de dar conhecimento a todos<br />
da recusa do aceite da letra de câmbio. Boa parte da doutrina, conforme<br />
Emanoel Macabu Moraes 1 , apresenta a data de 14 de novembro<br />
de 1384 como sendo o dia em que foi extraído o primeiro protesto,<br />
em Gênova, Itália, fundado em letra de câmbio, pelo notário Therano<br />
de Magiolo.<br />
Para salva-guardar o seu direito, o portador da letra de câmbio<br />
era orientado a realizar protesto junto ao notário e às testemunhas,<br />
quando da inadimplência ou do não aceite do sacado.<br />
1<br />
MORAES, Emanoel Macabu. Protesto Extrajudicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.<br />
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Maria Christina dos Santos / Juliana Derviche Guelfi Dubiela<br />
Ve-se, portanto, que o protesto surgiu no litígio, no desacorno,<br />
na inadimplência, e por isso, sempre possuiu a carga de hostilidade<br />
que lhe é atribuída até hoje.<br />
O instituto do protesto foi acompanhando o desenvolvimento<br />
das relações comerciais, e por elas observa-se que cada vez mais se<br />
necessitava de um instrumento que proporcionasse uma maior segurança<br />
ao credor ou portador de um título cambiário. E assim foi que o<br />
protesto de títulos foi adquirindo uma forma, com base em dois pontos<br />
basilares: a mora e o inadimplemento da obrigação.<br />
Com o tempo o instituto do protesto foi se aperfeiçoando, e foi<br />
com a Convenção de Genebra, é que ganhou maior relevância, sendo<br />
que ela passou a disciplinar, conforme preceitua Carlos Henrique<br />
Abrão 2 , o caráter obrigatório ou facultativo do protesto, os efeitos no<br />
exercício do direito de regresso, na conservação hígida da obrigação,<br />
e a formalidade que acerca do ato solene.<br />
No direito brasileiro, sabe-se que em 1827, uma lei sem numeração<br />
específica, regulamentou o Tabelionato de Protesto, sendo<br />
que o primeiro foi criado na Bahia, “quando ainda vigorava o Alvará<br />
Português de 19 de novembro de 1789, que regulamentava o termo<br />
de denúncia dos protestos, na forma dos usos do comércio da praça” 3 .<br />
Outras normas passaram, então a regulamentar este instituto ao<br />
longo dos anos no direito brasileiro. Exemplo delas são, o Código Comercial<br />
de 1850, lei no. 556 de 25 de junho de 1850, que estabeleceu<br />
que o protesto das cambiais era necessário em alguns casos. Posteriormente,<br />
o decreto no. 2.044, de 31 de dezembro de 1908, revogou<br />
a parte do Código Comercial de 1850 que tratava sobre o protesto<br />
cambial, trazendo um capítulo específico a respeito do protesto das<br />
letras de câmbio e das notas promissórias.<br />
Em um momento posterior, como resultado do esforço internacional<br />
para uniformizar o tratamento jurídico dos títulos cambiários,<br />
o Brasil passou a basear-se na lei uniforme de Genebra (LUG), que<br />
regulamentou de maneira una as normas referentes a letras de câmbio<br />
e notas promissórias. Isso ocasionou um tratamento diferenciado em<br />
alguns aspectos em relação ao protesto destes títulos.<br />
2<br />
ABRÃO, Carlos Henrique. Do protesto. São Paulo: Leud, 1999.<br />
3<br />
MORAES, op. cit. 2004, p. 03.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 288 -314 2012<br />
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A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
Em relação aos demais títulos cambiários, a normatização do<br />
protesto ocorreu por meio de várias normas que vieram a regular os<br />
títulos específicos, tais como: a lei das duplicatas, lei no. 5.474/68, artigos<br />
13 e 14; lei do cheque, lei no. 7.357/85, artigo 48; a antiga lei de<br />
falências, decreto-lei no. 7.661/45, artigo 10; a nova lei de falências,<br />
lei no. 11.101/05, artigos 51, 94, 96 e 99.<br />
Atualmente, o protesto de títulos possui uma norma específica,<br />
a lei no. 9.492, de 10 de setembro de 1997, que regulamenta os<br />
serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de<br />
dívida.<br />
2.1 Conceito<br />
O protesto é um ato público e oficial, eis que se trata de atividade<br />
pública prestada em nome do Estado, mas por um particular,<br />
qual seja o tabelião de protesto, que recebe uma delegação do Estado<br />
para tanto, conforme artigo 236 da Constituição Federal. Portanto,<br />
cabe exclusivamente ao tabelião de protesto de títulos, conforme a lei<br />
9.492/97 e a lei 8.935/94, a prestação do serviço público referente ao<br />
protesto.<br />
O conceito de protesto de títulos é atribuído de diversas formas<br />
pelos doutrinadores. Assim, para Carlos Henrique Abrão, o protesto<br />
de títulos é “[...] ato formal e de natureza solene, destinado a servir<br />
de meio probatório na configuração do inadimplemento” 4 . Segundo<br />
Pontes de Miranda, o protesto também é “ato formal, pelo qual se<br />
salvaguardavam os direitos cambiários, solenemente feitos perante<br />
oficial público” 5 .<br />
Já para Ermínio Amarildo Darold 6 , o “protesto cambiário é ato<br />
formal, requerido ao organismo estatal pelo interessado, à salvaguarda<br />
dos seus direitos expressos em título de crédito e à constituição em<br />
mora do devedor para todos os efeitos legais”.<br />
4<br />
ABRÃO, op. cit., 1999, p. 18.<br />
5<br />
MIRANDA, Pontes de Miranda. Tratado de direito cambiário. Atualização de Vilson<br />
Rodrigues Alves. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2001. v. 1, p. 499.<br />
6<br />
DAROLD, Ermínio Amarildo. Protesto cambial: duplicatas x boletos. Curitiba: Juruá,<br />
1998, p. 17<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 289 -314 2012<br />
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Maria Christina dos Santos / Juliana Derviche Guelfi Dubiela<br />
Na opinião de Amador Paes de Almeida, “o protesto, é antes de<br />
tudo, o elemento que positiva o não-cumprimento da obrigação cambial,<br />
caracterizando a mora do devedor” 7 .<br />
De forma objetiva traz Fabio Ulhoa Coelho sua definição de<br />
protesto: “ato praticado pelo credor, perante o competente cartório,<br />
para fins de incorporar ao título de crédito a prova de fato relevante<br />
para as relações cambiais. Note-se que é o credor quem protesta; o<br />
cartório apenas reduz a termo a vontade expressa pelo titular do crédito.<br />
8 ” Este conceito elucida de forma fácil o que vem a ser o instituto<br />
do protesto. Falha apenas no dizer que o protesto se refere apenas aos<br />
títulos de crédito.<br />
O artigo 1 o da lei n o . 9.492, de 10 de setembro de 1997, é claro<br />
ao estabelecer uma definição legal bem mais ampla do que a trazida<br />
pelos doutrinadores. O referido artigo da lei de protesto incluiu o termo<br />
“outros documentos de dívida” na sua descrição, sendo disciplinado<br />
da seguinte forma: “Protesto é o ato formal e solene pelo qual<br />
se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada<br />
em títulos e outros documentos de dívida” 9 .<br />
O comentado conceito legal engloba as duas bases do protesto<br />
de títulos: a mora e o inadimplemento da obrigação. Há, portanto,<br />
dois aspectos quanto à função do protesto de títulos, provar a mora<br />
e buscar o adimplemento das obrigações. Sobre esses aspectos, os<br />
doutrinadores se dividem entre aqueles que condenam o instituto por<br />
seu caráter coativo, e aqueles que o consideram como uma ferramenta<br />
de grande valia para o sucesso das relações comercias e contratuais.<br />
2.2 Visão tradicional da função do protesto<br />
Parte dos doutrinadores acerca do protesto de títulos, possuem<br />
uma visão tradicional desse instituto, limitando-se a entender que o<br />
protesto de títulos possui dois grandes focos: o de caráter probatório e<br />
o de ser um pressuposto processual. Assim, nesta linha de raciocínio,<br />
7<br />
ALMEIDA, Amador Paes de. Teoria e prática dos títulos de crédito. 23. ed. São Paulo:<br />
Saraiva, 2004, p. 386.<br />
8<br />
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v.<br />
1., p. 422.<br />
9<br />
Art. 1º da Lei 9.492 de 10 de Setembro de 1997.<br />
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A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
o protesto limita-se a servir como um meio de prova acerca da obrigação<br />
de fazer, quando se tratar de aceite e devolução, e da obrigação<br />
de pagar, quando se verificar a inadimplência.<br />
Não é possível deixar de comentar que em alguns casos casos<br />
o instituto do protesto de títulos é até mesmo repudiado por alguns.<br />
Isso ocorre quando o protesto é entendido apenas como meio de coação<br />
por parte do credor em relação ao devedor para que este venha<br />
adimplir a sua obrigação.<br />
Como exemplo deste entendimento é possível citar Pedro Vieira<br />
Mota, o qual afirma:<br />
O espírito de aventura e ganância identificou na rigidez do instituto<br />
do protesto cambial mais uma brecha de nosso Direito Comercial:<br />
– se é só requerer, e o protesto sai, então basta ameaçar com ele, e<br />
o comerciante, temendo o abalo do crédito, ajoelha-se, e paga. O<br />
resultado foi a calamidade que aí está. Cidadãos e empresas são<br />
compelidos, sob ameaça de protesto, a aceites ou pagamentos que<br />
precisariam discutir e acertar, ou que não devem mesmo de forma<br />
alguma. Diariamente, na Vara dos Registros Públicos, em São<br />
Paulo, advogados ofegantes, mesmo de grandes empresas, instam<br />
pela sustação de um protesto cambial. E o instituto do protesto,<br />
que se destinava a dar segurança e tranqüilidade, tornou-se fonte<br />
de insegurança e sobressalto para o comércio paulista. E o mesmo<br />
sucede nas demais praças comerciais, naturalmente em escala correspondente<br />
ao seu vulto. Isso pelo Brasil afora, de norte a sul 10 .<br />
É verdade que ao se observar o ano desta obra, vê-se que o<br />
referido pensamento, data vênia, encontra-se ultrapassado. Quem trabalha<br />
com o protesto sabe que as ações de sustação são de pequeno<br />
número, eis que o instituto de protesto é, atualmente, tratado com<br />
muita seriedade e competência, produzindo os efeitos que se espera<br />
que produza, ou seja, repercute de forma negativa ao devedor, sendo<br />
esse mesmo seu objetivo.<br />
Nesse sentido Emanoel Macabu Moraes, esclarece:<br />
Não é por outra razão que, entre os autores tradicionais, é comum<br />
observar-se certo repúdio a tal circunstância, lamentando-se que<br />
10<br />
MOTA, Pedro Vieira. Sustação do protesto cambial. 3. ed. Piracicaba: Franciscana, 1973,<br />
p. 107.<br />
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Maria Christina dos Santos / Juliana Derviche Guelfi Dubiela<br />
de mero meio de prova, o protesto tenha se tornado uma forma<br />
violenta de cobrança e intimidação, motivo pelo qual frequentemente<br />
enquadram-no na Teoria do Abuso de Direito 11 .<br />
Este entendimento normalmente está associado ao uso indevido<br />
e abusivo do protesto, de sua utilização unicamente como um meio<br />
de coação, na maioria das vezes, por parte de indivíduos mal intencionados,<br />
que, por fim, ocasionam constrangimentos a terceiros. De<br />
fato isso ocorre na prática. Contudo, não é possível desvirtuar a real<br />
função do protesto, seus inúmeros benefícios e sua peculiar eficácia,<br />
por causa de práticas abusivas e que devem ser rechaçadas. Para isso<br />
é importante enaltecer o verdadeiro fim que possui o instituto de protesto<br />
de títulos e incentivar que as pessoas venham a utilizá-lo de<br />
forma legal, para que ele venha favorecer o real prejudicado no caso<br />
de inadimplemento de uma obrigação, o credor. Por este ângulo é<br />
possível visualizar o protesto de títulos como sendo uma ferramenta<br />
útil e moderna para o direito brasileiro.<br />
2.3 Visão moderna da função do protesto<br />
Ao estudar e entender um pouco sobre protesto de títulos, percebe-se<br />
que este instituto possui grande importância para a sociedade,<br />
mesmo que ele seja analisado somente pela ótica de ser um meio de<br />
prova da falta de aceite ou de pagamento, ele acaba por conferir segurança<br />
jurídica e autenticidade que muitas vezes a cártula não confere<br />
por si só.<br />
Assim como todos os microssistemas jurídicos, o instituto do<br />
protesto também evoluiu com o decorrer dos anos, por exemplo, é<br />
inegável sua influência como um instrumento benéfico para a sociedade,<br />
para o comércio e para as relações contratuais.<br />
Com a entrada em vigor da lei no. 9.492, de 10 de setembro<br />
de 1997, o protesto de títulos evoluiu sobremaneira, principalmente,<br />
devido à inclusão do termo “outros documentos de dívida” no artigo<br />
1o da supracitada lei, que ampliou demasiadamente o leque de documentos<br />
que podem ser levados a protesto. Emanoel Macabu Moraes<br />
11<br />
MORAES, op. cit., 2004, p. 16.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 292 -314 2012<br />
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A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
comenta os benefícios que a inclusão do comentado termo trouxe ao<br />
ordenamento jurídico brasileiro:<br />
Ainda assim, principalmente após a vigência da Lei 9.492/97, que<br />
passou a permitir que, além dos títulos de crédito, outros documentos<br />
de dívida sejam objeto de protesto, tem-se nos Tabelionatos de<br />
Protesto um eficaz e rápido meio de se obter o cumprimento de<br />
obrigações pecuniárias, sobretudo se compararmos aos demorados<br />
processos de liquidação de sentença e de execução judicial 12 .<br />
Do mesmo entendimento compartilha Luiz Ricardo da Silva:<br />
Assim, após termos analisado todas as categorias de documentos<br />
de dívida passíveis de serem protestados e, diante do que foi estudado<br />
no capítulo anterior, ou seja, de que tais documentos não<br />
necessitam de executividade e, sim, tão-somente, de forma correta,<br />
certeza, liquidez e exigibilidade, podemos nos perguntar: Se a<br />
intenção do legislador fosse de dar apenas uma natureza probatória<br />
ao protesto, por que ampliar, de forma tão contundente, a sua<br />
utilização?<br />
Com base nestes questionamentos, é que entendemos que a mens<br />
legis tinha a intenção de conter as demandas judiciais, ofertando<br />
aos credores uma alternativa muito mais célere e eficiente do que<br />
a via judicial. Aliás, esta é a tendência moderna para fins de minimizar<br />
o <strong>volume</strong> de processos que abarrotam o Poder Judiciáio 13 .<br />
Dessa forma, observa-se que sob a ótica moderna, percebe-se<br />
o real obsjetivo do instituto do protesto de títulos, oferecer à população<br />
uma alternativa mais rápida, barata e eficaz de recebimento de<br />
seus haveres. Não exclui a via judicial, apenas tenta esclarecer que o<br />
protesto de títulos pode proporcionar um meio mais eficaz de cumprimento<br />
de obrigação.<br />
É, pois, essa visão que deve prevalecer, que não deixa de ser<br />
a função social do instituto de protesto de títulos. Afinal, o protesto<br />
foi criado para ajudar a facilitar a vida da sociedade que serve, para<br />
ser um meio acessível à população no que diz respeito à cobrança de<br />
obrigações e no geral, ajudar a recuperar o crédito das pessoas.<br />
12<br />
MORAES, op. cit., 2004, p. 24-25.<br />
13<br />
SILVA, Luiz Ricardo da. O protesto de documentos de dívida: um novo aspecto dentro<br />
da lei 9.492, de 10 de setembro de 1997. Porto Alegre: Norton Editor, 2004. p. 114-115.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 293 -314 2012<br />
Book 1.indb 293 27/4/2013 13:20:29
Maria Christina dos Santos / Juliana Derviche Guelfi Dubiela<br />
3 Motivos do protesto<br />
Segundo artigo 21 da Lei 9.492/97, o protesto pode ocorrer por<br />
três motivos: por falta de pagamento, de aceite ou de devolução. É<br />
fato que o motivo mais comum para o protesto é o por falta de pagamento.<br />
Quase 100% dos protestos na prática ocorrem por falta de<br />
pagamento do devedor. Entretanto, é necessário que o leitor conheça<br />
todos os motivos pelos quais um título pode ser levado a protesto.<br />
Inicialmente, o portador do título ou do documento de dívida<br />
deve saber se ele é passível de protesto. Conforme explicitado acima,<br />
o leque de possibilidades de títulos e de documentos de dívida que podem<br />
provar a inadimplência mediante o protesto foi ampliado sobremaneira<br />
com o advento da lei no. 9.492, de 10 de setembro de 1997.<br />
Existem três grupos principais de títulos e documentos de dívida<br />
que interessam ao protesto, sendo eles: os títulos executivos judiciais,<br />
os títulos executivos extrajudiciais e outros documentos de dívida.<br />
Os títulos executivos judiciais consistem principalmente nas<br />
sentenças judiciais transitadas em julgado e que determinam o pagamento<br />
de quantia certa. Mas, é preciso observar o que dispõe o artigo<br />
475-N do Código de Processo Civil:<br />
Art. 475-N. São títulos executivos judiciais: (Incluído pela Lei nº<br />
11.232, de 2005)<br />
I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência<br />
de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar<br />
quantia; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)<br />
II – a sentença penal condenatória transitada em julgado; (Incluído<br />
pela Lei nº 11.232, de 2005)<br />
III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda<br />
que inclua matéria não posta em juízo; (Incluído pela Lei nº<br />
11.232, de 2005)<br />
IV – a sentença arbitral; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)<br />
V – o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente;<br />
(Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)<br />
VI – a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal<br />
de Justiça; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)<br />
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A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
VII – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação<br />
ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou<br />
universal. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)<br />
Parágrafo único. Nos casos dos incisos II, IV e VI, o mandado<br />
inicial (art. 475-J) incluirá a ordem de citação do devedor, no juízo<br />
cível, para liquidação ou execução, conforme o caso. (Incluído<br />
pela Lei nº 11.232, de 2005) 14<br />
Já os títulos executivos extrajudiciais são os previstos no artigo<br />
585, do Código de Processo Civil, tais como:<br />
Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais: (Redação dada pela<br />
Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)<br />
I – a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e<br />
o cheque; (Redação dada pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994)<br />
II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo<br />
devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas<br />
testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério<br />
Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos<br />
transatores; (Redação dada pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994)<br />
III – os contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução,<br />
bem como os de seguro de vida; (Redação dada pela Lei nº<br />
11.382, de 2006).<br />
IV – o crédito decorrente de foro e laudêmio; (Redação dada pela<br />
Lei nº 11.382, de 2006).<br />
V – o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel<br />
de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas<br />
e despesas de condomínio; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de<br />
2006).<br />
VI – o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete,<br />
ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários<br />
forem aprovados por decisão judicial; (Redação dada pela Lei nº<br />
11.382, de 2006).<br />
VII – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos<br />
Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios,<br />
correspondente aos créditos inscritos na forma da lei; (Redação<br />
dada pela Lei nº 11.382, de 2006).<br />
14<br />
Art. 475 – N do Código de Processo Civil Brasileiro.<br />
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Maria Christina dos Santos / Juliana Derviche Guelfi Dubiela<br />
VIII – todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei<br />
atribuir força executiva. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).<br />
§ 1 o A propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do<br />
título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução.<br />
(Redação dada pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994)<br />
§ 2 o Não dependem de homologação pelo Supremo Tribunal Federal,<br />
para serem executados, os títulos executivos extrajudiciais,<br />
oriundos de país estrangeiro. O título, para ter eficácia executiva,<br />
há de satisfazer aos requisitos de formação exigidos pela lei<br />
do lugar de sua celebração e indicar o Brasil como o lugar de<br />
cumprimento da obrigação. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de<br />
1º.10.1973) 15<br />
Por último e de certa forma englobando todos os títulos já citados,<br />
a lei incluiu como passíveis de protesto “outros documentos de<br />
dívida”, ampliando, com isso, o leque de documentos protestáveis.<br />
Esta modificação proporcionou ao credor um estímulo ainda maior<br />
para a utilização do instituto do protesto de títulos.<br />
Isso quer dizer que não existe um rol de documentos que podem<br />
ser levados a protesto, essa suposta “lista” fica em aberto cabendo ao<br />
tabelião analisar qualquer outro documento que chegue à sua serventia<br />
para dar entrada no processo de protesto. E, sendo um documento<br />
que represente uma dívida, esteja vencido, assinado pelo devedor, e<br />
não cumprida, terá entrada no Tabelionato de Protesto, tendo em vista<br />
a amplitude da lei.<br />
Para esclarecer melhor esse entendimento, cita-se Luiz Emygdio<br />
Franco da Rosa Júnior:<br />
A doutrina tem se debruçado sobre o exato sentido da expressão<br />
“outros documentos de dívida”, considerando que o estatuto legal<br />
sobre protesto não a aclara. Entendemos que o sentido de tal expressão<br />
deve ser perquirido no mundo complexo e inesgotável das<br />
obrigações, e, por isso, o legislador agiu certo em não defini-la. Entretanto,<br />
se o protesto visa a provar a inadimplência e o descumprimento<br />
de obrigação originada em títulos e outros documentos de<br />
dívida, como consta da norma do art. 1o da LP, e se tais documentos<br />
não correspondem a títulos cambiários, parece-nos induvidoso<br />
15<br />
Art. 585 do Código de Processo Civil Brasileiro.<br />
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A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
que qualquer documento que traduza assunção de obrigação líquida,<br />
a prazo certo, exigível, vencida e não cumprida, pode ser objeto<br />
de protesto, inclusive contratos. Por outro lado, a título ilustrativo,<br />
são documentos de dívida protestáveis as Certidões da Dívida<br />
Ativa da Fazenda Pública, que correspondem a títulos executivos<br />
extrajudiciais (CPC, art. 585, VI), embora não se subsumam como<br />
títulos cambiários, posta de lado a discussão quanto a legitimidade<br />
e interesse da Fazenda Pública em ajuizar ação de falência em face<br />
de contribuinte comerciante, por escapar ao objeto deste trabalho.<br />
O ponto nodal da controvérsia a respeito da expressão “outros documentos<br />
de dívida” é que o instituto do protesto está umbelicalmente<br />
vinculado aos títulos de crédito. Daí a dificuldade de alguns<br />
entenderem que o título de crédito não é o único documento que<br />
pode traduzir obrigação líquida, vencida, não paga e exigível. Ademais,<br />
na hipótese de ser levado ao Tabelionato de Protesto de Títulos<br />
documento que não seja suscetível de protesto, o devedor terá<br />
sempre a via judicial da Ação Cautelar de Sustação do Protesto 16 .<br />
Dessa forma, vários são os exemplos de “outros documentos de<br />
dívida” passíveis de protesto. Basta que o título ou o documento de<br />
dívida esteja apto a ser encaminhado a protesto. Assim sendo, o portador<br />
deve observar o motivo pelo qual será protestado e nesse sentido,<br />
como dito anteriormente, existem três hipóteses, como preceitua o<br />
caput do artigo 21 da lei no. 9.492, de 10 de setembro de 1997, falta<br />
de pagamento, aceite ou devolução.<br />
3.1 Protesto por falta de aceite<br />
De acordo com Luiz Ricardo da Silva 17 , “A finalidade do protesto<br />
por falta de aceite é de comprovar a recusa do sacado em reconhecer<br />
a obrigação vinculada ao título de crédito”. Ou seja, existe um título<br />
que está representando uma obrigação, ocorre que esse título não está<br />
assinado pelo devedor, ou seja, ele não “aceitou” aquele título. Então,<br />
pode o credor levar esse título ao Tabelionato de Protesto para que o<br />
16<br />
ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Reflexões sobre protesto. Disponível em:<br />
http://www.institutodeprotestorj.com.br/novo/arquivos/Reflexoes%20Sobre%20o%20<br />
Protesto.pdf. Acesso em: 27 nov 2011.<br />
17<br />
SILVA, op. cit., 2004, p. 42.<br />
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Maria Christina dos Santos / Juliana Derviche Guelfi Dubiela<br />
tabelião intime o devedor, ou sacado, a aceitar o título, a assiná-lo e por<br />
assim dizer, reconhecer a dívida. Caso o sacado não assine, o título é<br />
protestado por falta de aceite, e o credor constata que o devedor não<br />
cumpriu com sua obrigação de aceitar o título em questão.<br />
A sua função restringe-se somente a isso. O protesto por falta de<br />
aceite não vincula o devedor ao título com as suas respectivas obrigações,<br />
apenas prova a falta do aceite por parte do devedor.<br />
João Roberto Parizatto comenta sobre o protesto por falta de<br />
aceite:<br />
O protesto por falta de aceite só pode ser efetuado após o decurso<br />
do prazo para o aceite ou devolução, estipulado na letra (art. 22 da<br />
Lei Uniforme). O sacado obriga- se pelo aceite, a pagar a letra à<br />
data do vencimento, daí a importância dessa modalidade, que poderá<br />
levar o título a protesto, para que seja tal aceite dado com os<br />
efeitos daí inerentes. Tem-se que se o devedor for intimado e comparecer,<br />
aceitando o título, o protesto não será registrado, cabendo<br />
ao Tabelião de Protestos, devolver o documento ao apresentante,<br />
eis que alcançada a finalidade almejada pelo mesmo 18 .<br />
Importante observar, ainda, que para que seja efeituado o protesto<br />
por falta de aceite o título não pode estar vencido. Ele apenas<br />
pode existir antes do vencimento do título. Isso está previsto no parágrafo<br />
primeiro do artigo 21 da lei no. 9.492, de 10 de setembro de<br />
1997: “O protesto por falta de aceite somente poderá ser efetuado antes<br />
do vencimento da obrigação e após o decurso do prazo legal para<br />
o aceite ou a devolução” 19 .<br />
Esta modalidade de protesto se restringe aos títulos de crédito,<br />
mais precisamente às duplicatas e às letras de câmbio. Contudo, são<br />
raros os casos de protesto por falta de aceite junto aos Tabelionatos<br />
de Protesto, fato esse de fácil compreensão tendo em vista os tempos<br />
atuais em que vivemos, tempos de cada vez mais informatização,<br />
onde as duplicatas são representadas por boletos bancários gerados<br />
eletronicamente, que passam a viver no mundo virtual, não havendo<br />
espaço para aceite físico do devedor.<br />
18<br />
PARIZATTO, João Roberto. Nova lei de protesto de títulos de crédito. São Paulo: Led,<br />
1998, p. 58.<br />
19<br />
Art. 21, § 1º, da Lei 9.492/97.<br />
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A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
3.2 Protesto por falta de devolução<br />
Esta modalidade de protesto também se restringe às duplicatas<br />
e às letras de câmbio e ocorre quando o emitente ou sacador ou credor<br />
envia o título ao sacado ou devedor a fim de que esse o aceite, porém<br />
ele não o aceita e também não o devolve o título. Então, pode o credor,<br />
baseado na segunda via da letra de câmbio ou nas indicações da<br />
duplicata, pedir o protesto por falta de devolução do título. Referida<br />
modalidade de protesto está prevista no parágrafo terceiro do artigo<br />
21 da lei no. 9.492, de 10 de setembro de 1997 e também quase não é<br />
utilizada no dia-a-dia de um Tabelionato de Protesto de Títulos:<br />
Quando o sacado retiver a letra de câmbio ou a duplicata enviada<br />
para aceite e não proceder à devolução dentro do prazo legal, o<br />
protesto poderá ser baseado na segunda via da letra de câmbio ou<br />
nas indicações da duplicata, que se limitarão a conter os mesmos<br />
requisitos lançados pelo sacador ao tempo da emissão da duplicata,<br />
vedada a exigência de qualquer formalidade não prevista na Lei<br />
que regula a emissão e circulação das duplicatas 20 .<br />
Note-se, entretanto, que o protesto por falta de devolução também<br />
somente pode ser realizado antes do vencimento do título, pois o<br />
prazo para a devolução do título é até seu vencimento. Isto acaba por<br />
tornar esta modalidade de protesto quase que impraticável na prática,<br />
haja vista que a não devolução do título por parte do devedor não impede<br />
o credor de protestá-lo quando do vencimento da cártula.<br />
Interessante é o entendimento de Luiz Ricardo da Silva sobre o<br />
assunto:<br />
Assim sendo, aparentemente, o § 3o do artigo 21 seria de uma<br />
absoluta inutilidade, uma vez que, ao protesto por falta de aceite,<br />
caberia o acontecimento exemplificado anteriormente, isto é, de o<br />
credor extraviar o comprovante de entrega de mercadoria. Já no<br />
caso de protesto por falta de devolução, nenhum exemplo prático<br />
ocorre para ser explanado. Mas, com certeza, não teria o legislador<br />
elaborado um parágrafo sem utilidade dentro de uma lei. Nos<br />
parece que a intenção foi de dar uma validade legal ao protesto por<br />
indicação ou através da segunda via da letra de câmbio, principal-<br />
20<br />
Art. 21, § 3º, da Lei 9.492/97.<br />
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Maria Christina dos Santos / Juliana Derviche Guelfi Dubiela<br />
mente levando-se em consideração a evolução dos meios eletrônicos<br />
que fazem com que, principalmente, a emissão de duplicatas<br />
ocorra de forma automatizada, através de boletos bancários 21 .<br />
Frisa-se aqui que o protesto por falta de aceite ou de devolução<br />
não impedem o protesto por falta de pagamento, após o vencimento<br />
do títutlo ou documento de dívida.<br />
3.3 Protesto por falta de pagamento<br />
Esta é, sem dúvida, a modalidade de protesto mais utilizada na<br />
prática. Tem como fundamento a apresentação de um título ou documento<br />
de dívida vencido e não pago. O parágrafo segundo do artigo<br />
21 da lei no. 9.492, de 10 de setembro de 1997, dispõe: “Após o<br />
vencimento, o protesto sempre será efetuado por falta de pagamento,<br />
vedada a recusa da lavratura e o registro do protesto por motivo não<br />
previsto na lei cambial” 22 .<br />
João Roberto Parizatto (1998, p. 57) escreve sobre o protesto<br />
por falta de pagamento:<br />
O protesto por falta de pagamento, forma mais comum, visa comprovar-se<br />
o inadimplemento do devedor em pagar determinada<br />
obrigação pelo mesmo assumida. O protesto por falta de pagamento<br />
só pode, pois, ser realizado após a data do vencimento consignada<br />
no título, pois que até tal momento existe possibilidade de<br />
ser paga a obrigação 23 .<br />
É, pois, a forma mais usual e de fácil compreensão das modalidades<br />
de protesto. Vencido um título ou documento de dívida e não<br />
pago, poderá ser levado a protesto.<br />
Esclareceu-se até aqui quais os títulos e documentos de dívida<br />
que podem ser encaminhados a protesto e quais as principais modalidades<br />
de protesto. Importante, portanto, se faz agora entender a<br />
eficácia do instituto de protesto e de que forma ele pode ser utilizado<br />
pelo credor para que seu crédito seja recuperado.<br />
21<br />
SILVA, op. cit. , 2004, p. 46.<br />
22<br />
Art. 21, § 2º, da lei 9.4.92/97.<br />
23<br />
PARIZATTO, op.cit., 1998, p. 57.<br />
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A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
4 A recuperação do crédito através do<br />
protesto de títulos<br />
Pelo visto até agora, percebe-se que o protesto de títulos traduz-se<br />
em uma proposta alternativa para a solução de conflitos no que diz respeito<br />
à recuperação de créditos, sendo um meio simples de ser utilizado,<br />
com solução rápida, exata, eficiente e de baixos custos.<br />
O êxito na recuperação de crédito através de um Tabelionato de<br />
Protesto deve-se à eficácia do procedimento que é muito mais fácil e<br />
ágil. Tendo sido apresentado o título de crédito ou o documento de<br />
dívida para protesto, o devedor deverá ser intimado pelo Tabelionato,<br />
no prazo de três dias úteis, conforme determina o artigo 12 da lei no.<br />
9.492, de 10 de setembro de 1997 24 , a fim de aceitar, devolver ou pagar<br />
o título de crédito ou o documento de dívida.<br />
Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza faz referência sobre a vantagem<br />
do protesto de títulos sobre o judiciário:<br />
[...] o devedor terá nova oportunidade para quitar seu débito, de<br />
forma muito menos onerosa que na via judicial, que importará em<br />
pagamento de custas, taxa judiciária e honorários de advogado.<br />
Ocorrendo o pagamento no tabelionato, não será lavrado o protesto<br />
e não constará o apontamento de qualquer relação que venha a<br />
ser solicitada por entidades vinculadas à proteção do crédito (art.<br />
29 da Lei 9.492, com a redação dada pela Lei 9.841), ou seja, nenhum<br />
prejuízo advirá para o devedor. Ao contrário, o ajuizamento<br />
da ação de cobrança, antes mesmo de qualquer despacho, já terá<br />
registrada sua distribuição, que constará das certidões que vierem<br />
a ser expedidas 25 .<br />
24<br />
Art. 12. O protesto será registrado dentro de três dias úteis contados da protocolização do<br />
título ou documento de dívida.<br />
§ 1º Na contagem do prazo a que se refere o caput exclui-se o dia da protocolização e<br />
inclui-se o do vencimento.<br />
§ 2º Considera-se não útil o dia em que não houver expediente bancário para o público ou<br />
aquele em que este não obedecer ao horário normal.<br />
Art. 13. Quando a intimação for efetivada excepcionalmente no último dia do prazo ou além<br />
dele, por motivo de força maior, o protesto será tirado no primeiro dia útil subseqüente.<br />
25<br />
SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Segundo tabelião de protesto de letras e títulos<br />
de São Bernardo do Campo. Cheque prescrito: apresentação ao tabelionato de protestos.<br />
Seção artigos. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2011.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 301 -314 2012<br />
Book 1.indb 301 27/4/2013 13:20:29
Maria Christina dos Santos / Juliana Derviche Guelfi Dubiela<br />
Também comenta o tema Aline Pinheiro:<br />
Essa dificuldade de receber o crédito na Justiça afeta diretamente<br />
a economia brasileira, afasta investidores e eleva a taxa de juros,<br />
já que os bancos representam cerca de 40% dos credores judiciais.<br />
‘Como falta a segurança de que o crédito vai ser reavido, o credor<br />
embute o risco nos juros’, explica Pierpaolo Bottini, o titular da<br />
Secretaria da Reforma do Judiciário, que lamenta a ‘falta de segurança<br />
judiciária no Brasil’. (Destaques do original).<br />
4.1 Prova da inadimplência<br />
Inadimplência remete à falta de cumprimento de uma obrigação.<br />
A inadimplência, no que se refere ao protesto de títulos, se dá<br />
quando o devedor não aceita, não devolve ou não paga o título, conforme<br />
o caso.<br />
Segundo artigo o caput do artigo 236 da Constituição Federal 26 ,<br />
o notário, incluindo o tabelião de protesto, exerce uma atividade pública,<br />
que é prestada em em caráter privado. Além disso, os artigos 1º<br />
e 3º da Lei 8.935/94 estabelecem que:<br />
Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica<br />
e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade,<br />
segurança e eficácia dos atos jurídicos.<br />
Art. 2º (Vetado).<br />
Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador,<br />
são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado<br />
o exercício da atividade notarial e de registro.<br />
Percebe-se desta leitura, portanto, que o protesto de títulos é o<br />
meio legal e idôneo a se provar a inadimplência. Nenhum outro meio<br />
tem competência técnica e jurídica, tampouco conferem segurança<br />
jurídica e eficácia como o protesto de títulos. Isso porque esse serviço<br />
é prestado pelo tabelião de protesto, pessoa dotada de fé pública, com<br />
conhecimento e responsabilidade suficiente para prestar tal serviço.<br />
26<br />
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação<br />
do Poder Público.<br />
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A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
Dessa forma, mesmo que a doutrina por vezes queira diminuir<br />
a função dos Tabelionatos de Protesto de Títulos frente aos órgãos<br />
de proteção ao crédito ou cadastros de consumidores inadimplentes,<br />
não há como. O protesto de títulos é o único meio legal a realizar esta<br />
função, qual seja, provar da inadimplência. Os órgãos de proteção ao<br />
crédito são alimentados pelas informação prestadas pelos Tabelionatos<br />
de Protesto de Títulos – artigo 29 da Lei 9.492/97 27 . E, quando<br />
não retiram dos cartórios as informações, nos casos de inadimplências<br />
que são diretamente incluídas nos cadastros de proteção ao crédito,<br />
normalmente geram problemas, eis que em muitos casos credores incluem<br />
devedores diretamente no Serasa e posteriormente à quitação<br />
do débito esquecem de retirar o nome do devedor do órgão de proteção<br />
ao crédito.<br />
Ainda, apenas os Tabelionatos de Protesto obedecem procedimentos<br />
descritos em lei específica para negativar uma pessoa e responsabilizam-se<br />
pela análise formal do documentos que lhes estam<br />
sendo apresentados e por seguir todos os procedimentos exigidos em<br />
lei para inclusão do nome de uma pessoa em um cadastro de proteção<br />
ao crédito<br />
A prova de que somente os Tabelionatos de Protesto de Títulos<br />
podem fornecer informações aos cadastros de proteção ao crédito<br />
vem descrita no §2º do artigo 29 da Lei 9.492/97, o qual dispõe que<br />
os cadastros ou banco de dados das entidades de proteção ao crédito<br />
somente poderão prestar informações restritivas ao crédito que sejam<br />
oriundas de protestos. Ou seja, apenas poderiam repassar as informações<br />
que os Tabelionatos de Protesto lhes prestassem. Infelizmente,<br />
27<br />
Art. 29. Os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e do comércio<br />
ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma<br />
de relação, dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar<br />
de informação reservada, da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo<br />
parcialmente. (Redação dada pela Lei nº 9.841, de 5.10.1999)<br />
§ 1 o O fornecimento da certidão será suspenso caso se desatenda ao disposto no caput ou<br />
se forneçam informações de protestos cancelados. (Redação dada pela Lei nº 9.841, de<br />
5.10.1999)<br />
§ 2º Dos cadastros ou bancos de dados das entidades referidas no caput somente serão<br />
prestadas informações restritivas de crédito oriundas de títulos ou documentos de dívidas<br />
regularmente protestados cujos registros não foram cancelados. (Redação dada pela Lei<br />
nº 9.841, de 5.10.1999)<br />
§ 3º Revogado. (Redação dada pela Lei nº 9.841, de 5.10.1999)<br />
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Maria Christina dos Santos / Juliana Derviche Guelfi Dubiela<br />
na prática não é isso que ocorre. Como dito acima, existe a possibilidade<br />
de credores pedirem a inclusão do nome de um devedor no Serasa<br />
de forma direta, sem passar pela serventia de protesto. Esse trâmite<br />
de informações não possui segurança jurídica e nem passou pelo crivo<br />
do tabelião o que pode gerar problemas e transtornos para pessoas que<br />
mereceriam estar incluídas nesses cadastros.<br />
Sobre o assunto o superintendente jurídico do Serasa, Silvânio<br />
Covas, dispõe:<br />
A proibição contida no parágrafo segundo do art. 29, da Lei Federal<br />
9.492/97, refere-se aos protestos cujos registros tenham sido<br />
cancelados por uma única e elementar razão: o cancelamento indica<br />
que a dívida de alguma forma deixou de existir; ou foi liquidada<br />
ou sobreveio decisão judicial que, cancelando o protesto, reconheceu<br />
que seu apontamento foi indevido. Por esses motivos, é que<br />
a norma proíbe a divulgação posterior de qualquer informação. É<br />
inquestionável que o pronome relativo “cujos”, na disposição em<br />
questão, qualifica os protestos, traçando uma linha divisória entre<br />
aqueles registros não cancelados e aqueles cancelados, para vedar<br />
a prestação de informações somente a estes 28 .<br />
Sem nenhuma razão, data vênia, está o Superintendente do Serasa.<br />
A lei é clara em dizer que que apenas podem ser prestadas informações<br />
de documentos protestados, ou seja, que tenham tido entrada<br />
no Tabelionato de Protesto de títulos. A discussão nem chega ao cancelamento,<br />
como tratado pelo superintendente. O legislador, portanto<br />
entende que se a informação não tiver origem em um Tabelionato de<br />
Protesto, ela pode ser temerária.<br />
Sobre o assunto, Claudio Marçal Freire 29 :<br />
Como também é indiscutível que o § 2 o , do referido artigo, destina-se,<br />
exclusivamente, aos cadastros e bancos de dados das referidas<br />
entidades e empresas, no sentido de que somente sejam<br />
28<br />
COVAS, Silvânio. Independe de protesto a anotação por entidades de proteção ao crédito.<br />
Disponível em: http://www.serasaexperian.com.br/serasaexperian/publicacoes/serasalegal/2001/02/serasalegal_0009.ht.<br />
Acesso em: 29 nov 2011.<br />
29<br />
FREIRE, Cláudio Marçal. O papel dos cartórios não se confunde com o de meros cadastros<br />
de consumidores inadimplentes. Disponível em: . Acesso em: 29 nov 2011.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 304 -314 2012<br />
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A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
prestadas informações restritivas de crédito oriundas de títulos e<br />
outros documentos de dívida regularmente protestados cujos registros<br />
não foram cancelados. A uma, a lei exige regular protesto<br />
para que haja a informação. A outra, o protesto não pode ter sido<br />
cancelado.<br />
Os referidos cadastros ou bancos de dados não pertencem aos cartórios<br />
de protesto. Logo, definitivamente afirmamos que as normas<br />
contidas no referido § 2o, não se destinam aos cartórios. Os cartórios<br />
de protesto apenas certificam aos referidos cadastros todos os<br />
protestos lavrados e cancelamentos efetuados. As informações são<br />
prestadas por eles e não pelos cartórios.<br />
Daí chamarmos a atenção de que são equivocadas as interpretações<br />
de que o § 2o, do artigo 29 da Lei no 9.492/97, destina-se aos<br />
cartórios, no sentido de não poderem informar protestos cancelados,<br />
as quais, lamentavelmente, tem sido prejudiciais aos consumidores,<br />
servindo de base inclusive para o arquivamento de suas<br />
representações, e, por outro lado, benéficas às entidades e empresas<br />
exploradoras de cadastros de consumidores.<br />
Os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e<br />
do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando<br />
solicitada, certidão diária, em forma de relação, dos protestos tirados<br />
e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de<br />
informação reservada, da qual não se poderá dar publicidade pela<br />
imprensa, nem mesmo parcialmente.<br />
Assim, pelo artigo 29 da Lei 9.492/97, acima citado, os tabelionatos<br />
de protesto de títulos devem fornecer uma certidão que contenha<br />
as informações dos protestos e dos cancelamentos realizados<br />
diariamente às entidades representativas da indústria e do comércio<br />
ou àquelas vinculadas à proteção do crédito. Importa destacar o fato<br />
de que esta certidão é encaminhada todos os dias a essas entidades<br />
para que elas se mantenham atualizadas.<br />
Observa-se, pois, que os cadastros de inadimplentes e os órgãos<br />
de proteção ao crédito obrigam-se a excluir de seus bancos de dados<br />
os títulos que foram cancelados nos Tabelionatos de Protesto, tendo<br />
em vista as listas de cancelamentos que recebem diariamente das serventias<br />
de protesto.<br />
Pelo exposto fica possível compreender que os títulos de crédito<br />
ou os documentos de dívida não pagos no vencimento devem, previa-<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 305 -314 2012<br />
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Maria Christina dos Santos / Juliana Derviche Guelfi Dubiela<br />
mente, ser encaminhados a protesto, promovendo, deste modo, a prova<br />
da inadimplência de forma legal, em concordância com o artigo 1º<br />
da lei no. 9.492, de 10 de setembro de 1997 30 . Em momento posterior,<br />
baseados nas informações recebidas pelos Tabelionatos de Protesto é<br />
que as entidades de proteção ao crédito poderão gerar alguma restrição<br />
ao nome de uma pessoa física ou jurídica.<br />
Veja-se que ao ser encaminhado um título para protesto antes de<br />
incluí-lo diretamente em um órgão de proteção ao crédito estar-se-á<br />
prevenindo o credor de possíveis indenizações, além de estar ele se<br />
utilizando do meio legal de se provar a inadimplência.<br />
Outro ponto positivo para o credor que encaminha o débito que<br />
tem a receber ao Tabelionato de Protesto de Títulos é que ele não tem<br />
de se preocupar em encaminhar aos órgãos de proteção ao crédito<br />
as informações a respeito do devedor inadimplente, haja vista que a<br />
própria certidão diária do Tabelionato fará esse trabalho sem custo<br />
algum para ele.<br />
O entendimento de Léo Barros Almada, presidente do Instituto<br />
de Estudo de Protesto de Títulos do Brasil – IEPTB, resume bem o<br />
que fora até gora tratado:<br />
Não se desconhece nem pode ser ignorada a importância desses<br />
cadastros e bancos de dados para o mundo dos negócios, nem se<br />
combate suas existências. Todavia, a atuação desses cadastros,<br />
quando se referirem à conduta depreciativa das pessoas, deve ser<br />
pautada em dados ou informações oriundas de atos ou registros<br />
oficiais, que só podem ser praticados quando exauridos todos os<br />
procedimentos legalmente estabelecidos, principalmente aqueles<br />
que dizem respeito ao direito de defesa do consumidor 31 .<br />
4.2 Prazo para protesto e intimação do devedor<br />
No que se refere ao prazo para apresentar um título para protesto,<br />
deve-se enfatizar que não cabe ao tabelião de protesto analisar os<br />
30<br />
Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento<br />
de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.<br />
31<br />
ALMADA, Léo Barros. Anteprojeto de banco de dados. Seção informações. Disponível em:<br />
. Acesso em: 29 nov 2011.<br />
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A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
aspectos materiais do título, o que inclui a prescrição ou a decadência.<br />
Quando apresentado para protesto, ao notário cabe analisar apenas os<br />
requisitos formais do documento de dívida e protocolar o título para<br />
que o devedor seja intimado.<br />
Isso é exatamente o que diz o artigo 9º da Lei 9.492/97, in verbis:<br />
Art. 9º Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados<br />
serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não<br />
apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar<br />
a ocorrência de prescrição ou caducidade.<br />
Parágrafo único. Qualquer irregularidade formal observada pelo<br />
Tabelião obstará o registro do protesto.<br />
Incluem-se entre os aspectos formais a serem analisados pelo<br />
tabelião antes de admitir a entrada do título para protesto: assinatura,<br />
data de emissão, data de vencimento, existência de rasuras, entre outros.<br />
Estando o título de crédito ou o documento de dívida formalmente<br />
legal, não cabe discussão. O devedor será intimado para aceitar,<br />
devolver ou pagar, sob pena de protesto no prazo de três dias úteis,<br />
contados a partir da data da protocolização, sendo excluído o primeiro<br />
dia e incluído o último 32 . Dessa forma, se o devedor, nesse prazo,<br />
não apresentar prova de pagamento para que o credor peça a retirada<br />
ou devolução do título, ou não pagar o débito, será então protestado,<br />
incorrendo, assim, o principal, os juros e as despesas de cartório.<br />
Portanto, sendo intimado pelo cartório sobre o débito em aberto,<br />
o devedor pode pagar a dívida; entrar em contato com o credor para<br />
que ele peça ao apresentante do título para retirá-lo junto ao Tabelionato<br />
– normalmente nos casos de se tratar de dívida indevida ou de já<br />
ter ocorrido o pagamento –; ou entrar com uma ação judicial pedindo<br />
a sustação do protesto. Nesse sentido:<br />
Uma vez intimado, o devedor tem duas hipóteses: pagar ou promover<br />
ação cautelar de sustação de protesto, tentando evitá-lo, o<br />
32<br />
Art. 12. O protesto será registrado dentro de três dias úteis contados da protocolização do<br />
título ou documento de dívida.<br />
§ 1º Na contagem do prazo a que se refere o caput exclui-se o dia da protocolização e<br />
inclui-se o do vencimento.<br />
§ 2º Considera-se não útil o dia em que não houver expediente bancário para o público ou<br />
aquele em que este não obedecer ao horário normal.<br />
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Maria Christina dos Santos / Juliana Derviche Guelfi Dubiela<br />
que ficará na dependência do deferimento de uma liminar pelo juiz<br />
competente. A desistência do apontamento do título que poderá<br />
ser feita pelo apresentante (art. 16), também obstará o registro do<br />
protesto.<br />
Não ocorrendo qualquer dessas hipóteses, competirá ao tabelião<br />
de protesto, promover a lavratura e o registro do protesto, por falta<br />
de pagamento, de aceite ou de devolução. Uma vez lavrado e registrado<br />
o protesto, será expedida uma via desse para ser entregue<br />
ao apresentante, atestando-se a realização do protesto então pleiteado,<br />
para que o mesmo tome, querendo, as providências que a<br />
lei lhe faculta 33 .<br />
Assim sendo, fica clara a eficácia do protesto de títulos como<br />
um meio de recuperação de crédito quando este instituto é analisado<br />
sob a ótica do prazo do protesto e da intimação do devedor.<br />
Note-se que, como ao notário não cabe analisar os aspectos da<br />
prescrição e da caducidade, o credor pode se utilizar do instituto do<br />
protesto para recuperar créditos antigos, que estavam esquecidos. É<br />
o caso de cheque prescrito e não pago que tenha sido apresentado<br />
ao banco em tempo hábil, tendo voltado por ausência de fundos, por<br />
exemplo.<br />
Neste caso, o devedor será intimado para efetuar o pagamento<br />
da dívida existente. Caberá, portanto, ao devedor pagar o título ou<br />
utilizar-se de uma ação cautelar de sustação do protesto, com base na<br />
prescrição da dívida.<br />
Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza acrescenta:<br />
Dessa forma, apresentado como cheque, poderá o devedor postular<br />
a sustação ou cancelamento judicial do protesto, alegando<br />
prescrição (art. 166 do Código Civil), protelando a solução do<br />
conflito de interesses. Ao contrário, apresentado como documento<br />
de dívida, não caberá alegação de prescrição, garantindo maior<br />
eficácia ao serviço de protestos, ante a impossibilidade de sustação<br />
ou cancelamento pela razão enfocada, parecendo a solução mais<br />
adequada 34 .<br />
33<br />
PARIZATTO, op. cit. 1998, p. 55.<br />
34<br />
SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Segundo tabelião de protesto de letras e títulos<br />
de São Bernardo do Campo. Cheque prescrito: apresentação ao tabelionato de protestos.<br />
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A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
Ou seja, segundo o autor, o cheque, mesmo prescrito, continua<br />
sendo um documento que comprova a existência da dívida, apesar<br />
dele ter perdido a sua força executiva. A divida ainda existe, então<br />
pode ser protestada como documento de dívida no Tabelionato de<br />
Protesto de Títulos.<br />
Existem algumas restrições a esse tipo de procedimento, mormente<br />
no que se refere ao cheque prescrito. No entanto, não há nada<br />
que impeça o protesto de cheque prescrito. Sobre o assunto aborda<br />
Luiz Ricardo da Silva (2004, p. 116-117)<br />
É um procedimento coercitivo? Sim, mas necessário para enxugar<br />
o Poder Judiciário e, assim, lhe proporcionar mais eficiência. E<br />
que mal há em se utilizar um meio coativo para sanar um defeito<br />
quase crônico de uma instituição? O único problema que poderia<br />
ocorrer é se este procedimento fosse utilizado de forma abusiva<br />
por parte de algumas pessoas, como muitos autores gritavam a<br />
quatro cantos, quando hostilizavam o instituto do protesto.<br />
Mas a utilização abusiva só tende a acontecer em títulos de crédito<br />
(emissão de duplicatas e letras de câmbio sem origem, falsificação<br />
de assinaturas e outros meios ilícitos que ensejavam a sustação do<br />
protesto). [...] Evidentemente que, nas raras vezes em que isto pudesse<br />
ocorrer, o devedor continuaria protegido pela possibilidade<br />
de ingressar com ação judicial de sustação de protesto, além de<br />
sanções penais e civis cabíveis contra o responsável.<br />
Esta é, em nossa opinião, a nova visão que se deve ter do instituto<br />
do protesto. Ato probatório? Sem dúvida, principalmente quando<br />
se fala de títulos de crédito. Ato coativo? Com certeza, mas a coação<br />
aqui não deve ser vista como um acontecimento maléfico, prejudicial<br />
a alguém. A coação, neste caso, tem um aspecto funcional,<br />
isto é, ao mesmo tempo que busca solucionar uma pendência, permite<br />
que Poder Judiciário se libere para julgar, com mais preparo<br />
e de forma mais rápida, outras lides que realmente merecem a<br />
sua atenção e que, muitas vezes, são prejudicadas pela quantidade<br />
exacerbada de ações que superlotam este Poder 35 .<br />
Seção artigos. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2011.<br />
35<br />
SILVA, op. cit., 2004, p. 116-117.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 309 -314 2012<br />
Book 1.indb 309 27/4/2013 13:20:30
Maria Christina dos Santos / Juliana Derviche Guelfi Dubiela<br />
Portanto, de fato se trata de um meio coercitivo de recuperação<br />
de crédito, mas é provável que se assim não fosse, não teria a mesma<br />
eficácia que hoje possui. Logo, não deve ser analisado como um<br />
abuso de poder, visto que este instituto avançou a requerimento do<br />
próprio mercado e está legitimado pela Constituição e pela Lei, sendo<br />
delegado do Estado. Além disso, o protesto de títulos traz o benefício<br />
da recuperação do crédito de forma rápida e eficaz. A recuperação do<br />
crédito constitui-se de extrema importância ao mercado financeiro, e<br />
torna-se uma ferramenta essencial ao mundo dos negócios atuais.<br />
5 Conclusão<br />
Pelo todo exposto percebe-se que o instituto do protesto de títulos<br />
evoluiu naturalmente seguindo as exigências do próprio mercado<br />
comercial e financeiro e do direito empresarial.<br />
Como visto, e por descrição legal, o protesto é a forma legal de<br />
se provar a inadimplência, e pela evolução do instituto, ele acabou por<br />
se tornar um forte instrumento de recuperação de crédito.<br />
Isso se deve a diversos fatores apresentados nesse artigo, como:<br />
a simplicidade para se efetuar o protesto; a força da intimação que<br />
proporciona agilidade na resolução, seja para o pagamento da dívida<br />
ou para a efetivação do protesto; a interligação com os órgãos de<br />
proteção ao crédito e cadastrado de inadimplentes; os baixos custos<br />
em relação a um requerimento judicial; a eficácia coercitiva de sua<br />
cobrança.<br />
Importa ressaltar também que o instituto do protesto de títulos<br />
constitui-se como alternativa à solução de conflitos, posicionando-se<br />
em contraponto a um sistema judiciário moroso e ineficiente. Essa<br />
tendência de utilizar soluções de conflito extrajudiciais é um requisito<br />
da modernidade do mundo jurídico, denotando, com isso, a atualização<br />
constante do protesto de títulos.<br />
Concluiu-se, portanto, que a visão moderna do protesto de títulos<br />
como sendo um instrumento eficaz e bastante vantajoso para o<br />
credor na recuperação de crédito deve prevalecer sobre a visão tradicional,<br />
que o considera apenas como um meio probatório.<br />
Logo, pode-se afirmar com clareza que o protesto de títulos é<br />
um eficaz instrumento de recuperação de crédito no Brasil.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 310 -314 2012<br />
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A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
The importance of public service in<br />
protest of securities for the recovery of<br />
credit in Brazil<br />
Abstract<br />
This article begins by demonstrating what happens to be the public<br />
service in protest of securities in Brazil, how it works, what is it<br />
traditional view – as has always been regarded by most people. After<br />
presents the modern view of the protest bond and its effectiveness as<br />
a means of credit recovery.<br />
In this context, we emphasize the power that the institute’s public<br />
protest of securities is effective for collecting delinquent, behold,<br />
the non-payment of a bond protested can generate devastating effects<br />
on a person’s life. Moreover, the protest of securities is the legal way<br />
to prove the default and as available by the Government, can be better<br />
utilized by the community.<br />
Thus, the objective is to demonstrate how the legal institute of<br />
protest bond may be better used and the effects it can produce when<br />
properly used. It is a public service that is available to the public, so<br />
instead of seeing it as an enemy, why not use it correctly and reap the<br />
benefits brought by it?<br />
Key words: Protest. Public service. Defaults. Credit. Effectiveness.<br />
Referências<br />
ABRÃO, Carlos Henrique. Do protesto. São Paulo: Leud, 1999.<br />
ALMADA, Léo Barros. Anteprojeto de banco de dados. Disponível em:<br />
. Acesso<br />
em: 29 nov 2011.<br />
ALMEIDA, Amador Paes de. Teoria e prática dos títulos de crédito.<br />
23. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.<br />
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em: .<br />
Acesso em: 28 nov 2011.<br />
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Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em:<br />
. Acesso em:<br />
28 nov 2011.<br />
BRASIL. Lei 8.935 de 18 de Novembro de 1994. Regulamenta o art.<br />
236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de<br />
registro. (Lei dos cartórios). Disponível em: . Acesso em: 28 nov 2011.<br />
BRASIL. Lei 9.492 de 10 de Setembro de 1997. Define competência,<br />
regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros<br />
documentos de dívida e dá outras providências. Disponível em: <<br />
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9492.htm>. Acesso em:<br />
28 nov 2011.<br />
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 6. ed. São Paulo:<br />
Saraiva, 2002. v. 1.<br />
COVAS, Silvânio. Independe de protesto a anotação por entidades de<br />
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DAROLD, Ermínio Amarildo. Protesto cambial: duplicatas x boletos.<br />
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Acesso em: 29 nov 2011.<br />
MIRANDA, Pontes de Miranda. Tratado de direito cambiário. Atualização<br />
de Vilson Rodrigues Alves. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2001.<br />
v. 1.<br />
MORAES, Emanoel Macabu. Protesto Extrajudicial. Rio de Janeiro:<br />
Lumen Juris, 2004.<br />
MOTA, Pedro Vieira. Sustação do protesto cambial. 3. ed. Piracicaba:<br />
Franciscana, 1973.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 312 -314 2012<br />
Book 1.indb 312 27/4/2013 13:20:30
A importância do serviço público de protesto de títulos...<br />
PARIZATTO, João Roberto. Nova lei de protesto de títulos de crédito.<br />
São Paulo: Led, 1998.<br />
ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Reflexões sobre protesto.<br />
Disponível em: http://www.institutodeprotestorj.com.br/novo/arquivos/Reflexoes%20Sobre%20o%20Protesto.pdf.<br />
Acesso em: 27 nov<br />
2011.17<br />
SILVA, Luiz Ricardo da. O protesto de documentos de dívida: um<br />
novo aspecto dentro da lei 9.492, de 10 de setembro de 1997. Porto<br />
Alegre: Norton Editor, 2004.<br />
SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Cheque prescrito: apresentação<br />
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Acesso em: 28<br />
nov. 2011.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 313 -314 2012<br />
Book 1.indb 313 27/4/2013 13:20:30
Book 1.indb 314 27/4/2013 13:20:30
12<br />
Materialidades discursivas e modelos processuais.<br />
Oralidade, escrita, informática.<br />
Recebido: 8/5/2012<br />
Analisado: 27/9/2012<br />
Ricardo Adriano Massara Brasileiro **<br />
Marco Antônio Sousa Alves *<br />
massarabrasileiro@gmail.com<br />
Sumário<br />
1. Introdução. 2. O direito e as mudanças nas materialidades<br />
discursivas. 2.1. Da oralidade à cultura<br />
escrita manuscrita e impressa. 2.2. Do impresso ao<br />
digital. 3. Modelos do processo oral, escrito e informático.<br />
3.1. Processo oral 3.2 Processo escrito 3.3<br />
Processo informático 4. Conclusão. Referências<br />
Resumo<br />
O objetivo do presente artigo consiste em analisar os reflexos da<br />
revolução digital no âmbito do direito processual. Para tal, propomos<br />
realizar um estudo comparativo das formas de materialização ou inscrição<br />
discursiva, oral, escrita e informática, com alguns modelos his-tóricos<br />
de processo oral, escrito e informático. Procuraremos ressaltar<br />
como essas mudanças envolvem o desenvolvimento de diferentes<br />
**<br />
Doutor e Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais,<br />
Professor de Direito Processual Civil e Filosofia do Direito nos Cursos de Graduação e<br />
Mestrado da Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />
*<br />
Mestre e Doutorando em Filosofia pela Faculdade de Filosofia da Universidade Federal<br />
de Minas Gerais, Professor de Hermenêutica Jurídica na Faculdade de Direito <strong>Milton</strong><br />
<strong>Campos</strong><br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 315 -348 2012<br />
Book 1.indb 315 27/4/2013 13:20:30
Ricardo Adriano Massara Brasileiro / Marco Antônio Sousa Alves<br />
competências ou perfis cognitivos e provocam a emergência de novas<br />
tecnologias da inteligência. Daremos destaque à nova experiência introduzida<br />
pela textualidade digital e aos seus reflexos no direito. Evitando<br />
retirar dos novos dispositivos tecnológicos uma conseqüência<br />
direta para a experiência jurídica, ou fazer uma previsão determinista<br />
do futuro do direito processual, nosso estudo busca levar em consideração<br />
como os dispositivos tecnológicos são apropriados socialmente,<br />
e especificamente no âmbito do direito processual, e pretende apenas<br />
mostrar algumas apropriações feitas, apontar as possibilidades abertas<br />
e indicar certos limites e problemas.<br />
Palavras-chave: Revolução digital. Modelos processuais. Materialidade<br />
discursiva.<br />
1 Introdução<br />
Vivemos em um mundo que passa por uma significativa mudança<br />
nas formas de inscrição, circulação e apropriação discursiva, um<br />
fenômeno que conduz muitos a afirmar que se trata de uma revolução<br />
e que estamos diante de uma nova cultura e sociedade: a revolução<br />
digital, a cibercultura e a sociedade da informação. Esses temas são<br />
hoje objeto dos mais variados estudos em diversas áreas, como a teoria<br />
da comunicação, a sociologia, a história, a filosofia e as ciências<br />
cognitivas. Em razão do grande impacto que essas transformações<br />
acarretam para a vida social, os juristas também se interessam cada<br />
vez mais pelo tema. Diversos são os domínios estudados: o direito autoral<br />
e a propriedade intelectual, a possibilidade de participação direta<br />
em decisões políticas ou na fiscalização dos atos do poder público, a<br />
utilização da internet com o objetivo de desburocratizar as relações do<br />
cidadão com o Estado, a questão dos contratos eletrônicos e da assinatura<br />
digital, dentre muitos outros. No presente artigo, nos limitaremos<br />
a analisar os reflexos dessa revolução no âmbito do direito processual.<br />
É fato que o uso da internet e do meio digital já trouxeram e podem<br />
ainda trazer muitas e importantes conseqüências processuais que convêm<br />
explorar e compreender. No entanto, até mesmo para uma maior<br />
compreensão do impacto dessa nova forma de discursividade para o<br />
meio processual, optamos pela análise comparativa das formas de dis-<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
cursividade oral, escrita e informática com alguns modelos históricos<br />
de processo oral, escrito e informático.<br />
Algumas dificuldades foram encontradas no percurso. Notadamente<br />
no concernente a uma possível, mas controlada, generalização<br />
do discurso. Não se ignora aqui que essas diversas modalidades<br />
das chamadas “tecnologias da inteligência” (Lévy, 1993) – oralidade,<br />
escrita e informática –, com seus elementos técnicos e restrições<br />
materiais, ao passo de imporem muitos condicionamentos (v.g., nas<br />
formas de pensamento e temporalidades de uma sociedade), não se<br />
constituem em camisas de força monodirecionais. Há o universo, algo<br />
autônomo, das apropriações sociais. Ilustrativamente, sabe-se, por<br />
exemplo, que a circunstância de Marco Polo ter trazido o espaguete<br />
da China não significou que na Itália fosse ele consumido com pauzinhos.<br />
1 Buscamos evitar tal esquiva generalidade através da análise de<br />
modelos processuais específicos, historicamente situados.<br />
2 O direito e as mudanças nas materialidades<br />
discursivas<br />
O direito é uma experiência discursiva extremamente institucionalizada.<br />
Num plano geral, o discurso jurídico opera a partir de<br />
certos procedimentos e tem uma materialidade própria, ou seja, ele se<br />
materializa ou se realiza através de um meio material próprio (oral,<br />
manuscrito, impresso, fonográfico, digital, etc.). A introdução da escrita<br />
no direito, ocorrida nos primórdios de nossa história, como atesta<br />
o Código de Hamurabi, provocou uma significativa mudança nos<br />
modos de preservação da memória legislativa e processual, na exposição<br />
das teses pelas partes e na formação mesma da cognição judicial.<br />
A impressão e a difusão em grande escala do impresso também<br />
provocou importantes mudanças na publicidade dos atos legislativos<br />
e jurisdicionais e na participação pública. Da mesma maneira, o meio<br />
digital introduz uma nova materialidade ao direito e já percebemos<br />
alguns reflexos em termos de interatividade e virtualização.<br />
1<br />
A exemplificação foi extraída de uma palestra oral de Mario Losano, possivelmente inspirada<br />
pela constatação de Michael Moerman, reproduzida em LOSANO (2007, p. XLVI).<br />
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Ricardo Adriano Massara Brasileiro / Marco Antônio Sousa Alves<br />
Para analisar a maneira como as mudanças nas formas de materialização<br />
discursiva afetam o direito, iniciaremos nossa exposição<br />
por uma breve análise da passagem da oralidade para a cultura escrita<br />
(manuscrita e impressa) e, na sequência, a revolução provocada pela<br />
cultura digital. Procuraremos ressaltar como essas mudanças envolvem<br />
o desenvolvimento de diferentes competências ou perfis cognitivos<br />
(cf. Santaella, 2004) e provocam a emergência de novas tecnologias<br />
da inteligência (cf. Lévy, 1993). Daremos destaque à nova<br />
experiência introduzida pela textualidade digital e aos seus reflexos<br />
no direito.<br />
É importante salientar que, embora a organização deste texto<br />
exponha as diferentes experiências discursivas de forma linear, como<br />
momentos que se sucedem, não devemos perder de vista que se trata<br />
de um fenômeno bem mais complexo, no qual certas práticas permanecem<br />
e outras sofrem deslizamentos e ganham novos sentidos.<br />
Como ressalta Chartier (1996, p.13), ao se referir às práticas de leitura,<br />
é preciso ter certa precaução e não atribuir afobadamente às práticas<br />
culturais uma qualificação social genérica e unívoca. Também<br />
Lévy (1993, p.10) é enfático ao dizer que “a sucessão da oralidade, da<br />
escrita e da informática como modos fundamentais de gestão social<br />
do conhecimento não se dá por simples substituição, mas antes por<br />
complexificação e deslocamento de centros de gravidade”. Portanto,<br />
cultura oral, manuscrita, impressa e digital não se sucedem linearmente,<br />
uma depois da outra, e não é o caso de profetizar uma catástrofe<br />
cultural provocada pela revolução digital. Se a apresentação se faz<br />
na forma de certos momentos e suas passagens, isso é uma estratégia<br />
didática que não deve obscurecer a complexidade das experiências<br />
em questão, como procuraremos mostrar a seguir.<br />
2.1 Da oralidade à cultura escrita manuscrita e impressa<br />
Nas sociedades de oralidade primária, nas quais não existe escrita,<br />
não apenas a comunicação cotidiana é oral (como ainda hoje),<br />
mas também a própria gestão da memória social é toda ela oral. A<br />
memória é assim algo vivo, encarnado na lembrança das pessoas. O<br />
desenvolvimento da capacidade de memorização tende a ser algo valorizado<br />
e é comum encontrarmos um culto a essa habilidade divi-<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
na (como a deusa Mnemosina na mitologia grega, mãe das musas).<br />
Apesar da impressionante capacidade de memorização que o homem<br />
é capaz de desenvolver, a transmissão oral está longe de ser um equipamento<br />
ideal para o armazenamento e a recuperação de informações.<br />
Uma das características da memória humana é justamente a tendência<br />
a enquadrar as informações em esquemas preestabelecidos, de modo<br />
a distorcer o conteúdo das mesmas. Não se trata de mentira ou desonestidade,<br />
mas sim do funcionamento próprio da memória humana.<br />
(Cf., para todo o conteúdo do parágrafo, LÉVY, 1993, p. 76-81).<br />
Ressaltando as tecnologias intelectuais características dessas<br />
sociedades, Lévy (1993, p. 127) descreve a oralidade primária como<br />
uma dinâmica cronológica sem referencial nem vestígio, marcada<br />
pela imediatez, na qual os parceiros da comunicação encontram-se<br />
mergulhados nas mesmas circunstâncias, a memória está encarnada<br />
em pessoas vivas e as formas canônicas de saber manifestam-se na<br />
narrativa, no canto e no rito.<br />
A princípio o direito é declamado, é cantado. “Antes dos doutores,<br />
os rapsodos”, escreveu um jurista romântico do século XIX,<br />
cansado do racionalismo exacerbado de sua época, do culto da<br />
lei e da adoração dos códigos. “O maior dos poetas é ainda o primeiro<br />
dos jurisconsultos”, acrescenta ele, sem refrear seu próprio<br />
lirismo. Antes de ser escrito, o direito é recitado. Apresenta-se sob<br />
a forma de máximas, de provérvios ou de adágios elaborados de<br />
modo que fiquem gravados nas memórias, que passem facilmente<br />
“de boca em boca, de século em século”, que expressem a medida<br />
das coisas, sendo construídos como o compasso musical de uma<br />
expressão verbal. O ritmo, a assonância, a aliteração, a harmonia<br />
imitativa, a concordância fônica proporcionam às sentenças um<br />
caráter normativo antes mesmo de se considerar o sentido das palavras<br />
que a compõem (ASSIER-ANDRIEU, 2000, p. 153). 2<br />
Nas sociedades de oralidade primária também há modelos consolidados<br />
de comportamento que tendem a ser seguidos pelos indivíduos<br />
pertencentes ao grupamento social. Tais modelos habituais de<br />
agir é o que se considera como o justo. A adesão aos costumes da<br />
2<br />
O jurista romântico aludido é CHASSAN. Essai sur la symbolique du droit. Paris: Villecoq,<br />
1847, p. XVI e XVIII.<br />
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comunidade exprime a relação dos indivíduos com ela e demonstra o<br />
seu pertencimento ao grupamento social e agudiza seu senso de dever<br />
(cf. STEIN, 1987, p. 3-4). Nesses sistemas ditos “arcaicos”, há, em<br />
geral, uma grande severidade na punição dos comportamentos antisociais,<br />
e, por outro lado, há uma acentuada tendência a procurar a<br />
conciliação para resolver os conflitos internos ao grupo; a resolução<br />
dos litígios está menos baseada na aplicação coativa de regras préestabelecidas<br />
do que na tentativa de obtenção de um acordo entre os<br />
envolvidos, pela via das concessões recíprocas; donde a importância<br />
das negociações que podem ser duradouras, e a ausência da idéia de<br />
autoridade de caso julgado (cf. GILISSEN, 1995, p. 36). No entanto,<br />
o recurso a um conciliador ou a um árbitro, em suma, a um terceiro<br />
com algum prestígio e legitimação social, é já um esboço da forma<br />
hoje tida como “civilizada” de resolução dos conflitos; já se pode enxergar<br />
aqui uma proto-jurisdição.<br />
Esse início de institucionalização atinge seu ápice com o fenômeno<br />
processual. Cannata (1980, p. 5-6, § 1), por exemplo, concebe<br />
que somente se pode reconhecer o surgimento de um ordenamento<br />
jurídico num grupamento social determinado com a instituição do<br />
processo, ou seja, com o estabelecimento de órgãos e procedimentos<br />
destinados a compor de modo vinculante as controvérsias, e que<br />
são necessários à manutenção da estabilidade e da própria existência<br />
da coletividade, para isso pouco importando o modo como esses órgãos<br />
operam, seja julgando por si próprios ou precisando os quesitos<br />
para outros organismos julgarem (como no modelo clássico romano),<br />
seja fundando a decisão final nos costumes, nas leis, em princípios de<br />
equidade ou em outras razões, seja investigando os fatos relevantes<br />
por meios probatórios ou por meio de oráculos ou ordálias. Segundo<br />
o autor, o que importa é que, qualquer que seja o momento histórico,<br />
é por meio do estudo do processo que se pode extrair as indicações<br />
mais precisas para o estabelecimento de quais sejam os elementos a<br />
que uma certa coletividade reduz o direito; quais as relações entre o<br />
coletivo e o individual, entre o público e o privado; e quais os esforços<br />
de emancipação que tiveram um sucesso autêntico, consistente na<br />
modificação da ordem jurídica, aferível na evolução processual.<br />
Segundo Stein (1987, p. 15-17), o sistema jurídico moderno se<br />
inicia com o advento de uma qualquer forma de autoridade central,<br />
cujo surgimento faz com que as relações entre esta e os membros<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
ordinários da comunidade tornem-se mais formais e impessoais do<br />
que eram as relações entre o povo e os chefes locais não oficiais. As<br />
cortes instituídas para tratar as controvérsias, de início seguiram os<br />
contumes trasmitidos por tradição oral desde tempos imemoráveis.<br />
Na sua essência, tais usos serão conhecidos de todos, mas a sua exata<br />
transmissão não se dará com precisão. Antes da existência das cortes,<br />
como já visto, o procedimento informal tendia a reconciliar as partes<br />
na perspectiva de se alinhavar um compromisso aceitável por ambas.<br />
Em tais circunstâncias, é certo que, também como já visto, as normas<br />
tradicionais não podem necessariamente ser aplicadas com rigidez.<br />
No modelo clássico de legal process, uma corte instituída pela autoridade<br />
central, que tem em si o peso da comunidade, não tem o dever de<br />
reconciliar as partes, e, em maior ou menor medida, pode impor-lhes<br />
uma decisão e aplicá-la coativamente. Este tipo de decião demanda<br />
uma aplicação mais rígida das normas, se comparada com os métodos<br />
informais de resolução de disputas. Em consequência, as regras tendem<br />
a ser definidas com maior precisão e, sempre que possível, anteriormente<br />
ao surgimento da disputa. As normas, ao revés de fazerem<br />
parte da geral tradição oral do povo, vêm expressas em formas verbais<br />
acuradamente escolhidas, e freqüentemente impressas ou inscritas em<br />
um meio material. A corte tende a definir a questão de modo mais<br />
preciso e limitado enquanto não o permitia os processos informais.<br />
A relação entre os primeiros Estados e a escrita não é fortuita.<br />
Segundo Lévy (1993, p. 88), seus senhores inscreviam sua nova potência<br />
sobre o solo, edificando os muros das cidades e dos templos,<br />
de modo a anunciar o declínio do tempo nômade e a estabelecer uma<br />
idéia de durabilidade. Reduplicando a inscrição urbana, a escrita pereniza<br />
sobre a pedra as palavras dos padres e dos reis, as narrativas<br />
de seus feitos memoráveis e as façanhas de seus deuses. “A pedra<br />
fala sempre, inalterável, repetindo incansavelmente a lei ou narrativa,<br />
retomando textualmente as palavras inscritas, como se o rei ou o<br />
padre estivessem lá em pessoa e para sempre.” Através da escrita o<br />
poder estatal busca ampliar seu comando sobre os homens. Presta-se<br />
à gestão dos grandes domínios agrícolas e para a organização dos<br />
impostos. Tal modalidade de relação entre Estado e escrita, por outro<br />
lado, tampouco é necessária. Verifica-se em Stein (1987, p. 90) que<br />
algumas sociedades manifestam resistência em colocar o direito por<br />
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escrito. Os brâmanes indus, por exemplo, se opuseram à redação das<br />
leis, porque o povo seria menos incentivado a aprendê-las de memória,<br />
e mais tentado a tornar-se indolente. Vemos, então, que a mesma<br />
invariável opção de domínio determinou soluções distintas acerca da<br />
opção ou não opção pela escrita.<br />
Outro exemplo histórico que permite problematizar o processo de<br />
introdução da escrita nas sociedades orais primárias, indicando as complexas<br />
apropriações sociais da escrita como mecanismo de poder e dominação,<br />
é o que se pôde verificar bem mais recentemente, entre os maoris<br />
da Nova Zelândia no século XIX. Como observa Chartier (1991, p.<br />
16), a língua escrita alfabética maori foi fixada no início do século XIX<br />
e seguida da impressão em 1837 do Novo testamento maori e de uma<br />
campanha de alfabetização. Mas a entrada dos maoris na cultura escrita<br />
não significou a aceitação dos conceitos, usos ou significações associados<br />
ao texto escrito na cultura ocidental. O texto escrito possui entre os<br />
maoris apenas um valor secundário com relação às convenções orais,<br />
sendo a leitura em voz alta utilizada apenas como um procedimento<br />
para a memorização e a recitação de textos conhecidos de cor. Essa<br />
diferente apropriação social da escrita manifestou-se claramente, e de<br />
forma trágica, na assinatura em 1840 do Tratado de Waitangi, no qual<br />
os maoris cederam “à Sua Majestade a Rainha da Inglaterra, absolutamente<br />
e sem reservas, todos os direitos e poderes da soberania”. 3 Além<br />
da diversa compreensão e complexa tradução do termo “sovereignty”<br />
(soberania), os maoris não davam maior importância ao ato de assinar,<br />
mas sim às palavras proferidas e aos engajamentos orais assumidos.<br />
No direito ocidental, ao contrário, a importância do texto (leis, contratos,<br />
etc.) é fundamental, ficando a palavra em segundo plano. Em um<br />
interessante estudo realizado sobre o caso, Mckenzie (1999, p. 69-70)<br />
observa que, para os maoris, os textos escritos ou impressos passaram a<br />
ser objeto de grande desconfiança, isso em função da força da tradição<br />
oral e da associação feita entre o escrito e o Tratado de Waitangi, visto<br />
como o símbolo mesmo da traição. Os maoris davam mais importância<br />
à palavra que ao texto, eles não entendiam como uma assinatura poderia<br />
ter mais valor que a palavra dita, posto que esta é viva e conclui-se<br />
pelo consenso dos presentes.<br />
3<br />
No original: “to Her Majesty the Queen of England, absolutely and without reservation,<br />
all the rights and powers of sovereignty” (CHARTIER, 1991, p. 16).<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
Para os maoris presentes, a forma mesma de um discurso público<br />
e da tomada de decisão era oral, e confirmada pelo consenso, não<br />
pelo documento. [...] Ao assinar o tratado, vários chefes maoris<br />
acrescentaram oralmente condições que eram mais importantes<br />
que as palavras na página (McKENZIE, 1999, p.117, tradução<br />
nossa).<br />
A passagem para o pólo da escrita, segundo Lévy (1993, p.<br />
127), é marcada por significativas alterações na ecologia cognitiva e<br />
na tecnologia intelectual. A dinâmica cronológica passa a ser marcada<br />
pelos vestígios e pela acumulação, uma distância se estabelece entre<br />
o autor e o leitor, de modo que a interpretação se faz necessária na<br />
ausência de um contexto comum de enunciação, a memória fica semiobjetivada<br />
no escrito e as formas canônicas de saber passam a ser a<br />
teoria ou exposição sistemática e a interpretação.<br />
[...] mediante a escrita de seu conteúdo, o direito adquire a faculdade<br />
de escapar tanto ao cunho social de suas condições de<br />
elaboração quanto à marcação particular devida ao contexto de<br />
sua aplicação. Quando um enunciado é posto por escrito, pode<br />
ser examinado com muito mais detalhe, tomado como um todo ou<br />
decomposto em elementos, manipulado em todos os sentidos, extaído<br />
ou não de seu contexto, entregue à análise, à exegese e a todas<br />
as técnicas de interpretação especialmente aperfeiçoadas para<br />
assegurar seu desígnio normativo. Pode, enfim, isso é o essencial,<br />
ir além de sua época, permanecer ao longo dos séculos e produzir<br />
conseqüências absolutamente não premeditadas por seus autores.<br />
A letra da lei sobrevive admiravelmente ao espírito de seu autor<br />
(ASSIER-ANDRIEU, 2000, p. 23).<br />
Consoante Stein (1987, p. 90), antes de ser redigido, o costume<br />
geralmente vem declarado somente quando surge a sua necessidade;<br />
por isso, toda sua explicitação é colorada pelos fatos do caso que<br />
originaram a necessidade de sua formulação. A redação das leis, por<br />
outro lado, provoca um descolamento do preceito jurídico dos fatos<br />
do caso e o torna assim mais geral e abstrato. A função dos sábios se<br />
modifica. Ao revés de declararem o direito sob as luzes de determinada<br />
circunstância de fato, e em termos que a resolveria, agora devem<br />
decidir se uma norma redigida precedentemente se aplica ou não à<br />
circunstância concreta. Se buscam propor uma formulação alternativa<br />
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Ricardo Adriano Massara Brasileiro / Marco Antônio Sousa Alves<br />
para a norma, tanto pode ser entendido como um desvio em favor de<br />
uma ou de outra parte, de modo que a regra escrita tende a tornar-se<br />
fixa e vinculante. O direito não escrito fornecia os critérios que as partes<br />
podiam seguir para encontrar um acordo, ou que a corte podia usar<br />
para chegar a uma decisão. Mas consentia numa boa dose de flexibilidade<br />
e discricionariedade que foram reduzidas com a escrita, considerada<br />
a possibilidade da insistência das partes quanto à “letra da lei”.<br />
As vastas margens de interpretação do texto favorecem o desenvolvimento<br />
de uma nova classe de expertos, prontos a aconselharem os<br />
litigantes, a nível individual, sobre o significado das leis, sugerindo a<br />
interpretação normativa mais suscetível de favorecer-lhes. O direito<br />
tende a tornar-se mais técnico.<br />
A introdução da escrita altera, é claro, a gestão da memória coletiva,<br />
mas não de forma global e instantânea. Uma grande fatia das<br />
tradições culturais continuam a se transmitir oralmente e mesmo nas<br />
esferas dominadas pela escrita, como o direito, a oralidade permanece<br />
um complemento essencial. Como ressalta Vandendorpe (1999, p.25),<br />
“a leitura foi durante muito tempo percebida como uma pura transcrição<br />
da fala, ou como um simples suplemento desta” (tradução nossa).<br />
A leitura silenciosa é uma prática muito incomum até o século XII e,<br />
antes da Renascença, os textos religiosos, filosóficos e jurídicos eram<br />
geralmente acompanhados de comentários e interpretações orais. A<br />
introdução da escrita tendeu a ocorrer de forma complementar e não<br />
em substituição à oralidade. Para ilustrar esse fenômeno, tomemos a<br />
experiência do direito escrito no mundo babilônico.<br />
Em uma sociedade em que o direito era consuetudinário e transmitido<br />
oralmente, pode-se perguntar sobre a finalidade de coleções<br />
escritas de leis. Certamente não se lhes pode atribuir simplesmente<br />
um valor normativo, que obrigasse os juízes a consultá-las antes<br />
de proferir uma sentença. Os juízes babilônicos decidiam seus processos<br />
de acordo com o direito consuetudinário vigente. No caso<br />
das leis contidas nas estelas reais [como o código de Hamurabi],<br />
o seu valor era, certamente, de caráter subsidiário: o cidadão que<br />
se sentisse injustiçado pela decisão de um juiz podia apelar para o<br />
rei. [...] Até o período babilônico antigo, pelo menos, a finalidade<br />
da introdução de uma coleção de leis nas inscrições reais e da proclamação<br />
solene de tais inscrições parece, pois, ter sido corrigir<br />
abusos e restabelecer a justiça (BOUZON, 2001, p. 29-30).<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 324 -348 2012<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
Como podemos perceber, é um equívoco tomar um texto legal<br />
antigo no mesmo sentido de um código moderno. O código de<br />
Hamurabi, por exemplo, escrito quando prevalecia a tradição oral,<br />
não deve ser lido como uma lei que vincula a decisão judicial, mas<br />
como uma compilação de decisões de justiça retiradas da prática contenciosa.<br />
É claro que ao escrever as leis na pedra podemos perceber<br />
um certo desejo de perenidade, de tornar a lei imutável, mas não no<br />
sentido moderno de conferir maior segurança jurídica e certeza do direito.<br />
Trata-se antes de fornecer exemplos da sabedoria do rei para ser<br />
usado pelas próximas gerações. Estamos assim mais próximo de um<br />
tratado de justiça que mostra bons exemplos a serem seguidos do que<br />
propriamente de um código de leis que serve de fundamento para a<br />
decisão judicial. Claro, o direito se vale da escrita, mas não da mesma<br />
maneira e com o mesmo fim que nós fazemos hoje. As legislações antigas,<br />
de modo geral, mesmo na Idade Média, limitavam-se a fixar por<br />
escrito e a colecionar apenas aquilo cuja transmissão era, por algum<br />
motivo, interessante. O direito só se transforma em uma experiência<br />
discursiva basicamente escrita aos poucos (e de forma diferente de<br />
cultura para cultura).<br />
O testemunho de Cícero igualmente ilustra a aludida complementariedade<br />
entre oralidade e escrita, e o modo de transmissão dos<br />
conteúdos legais na experiência romana pós XII Tábuas (cerca de 450<br />
a. C.). Ainda que o texto legal estivesse escrito, ao menos o romano<br />
mais educado o trazia de memória, do necessário aprendizado escolar<br />
cantado: “Discebamus enim pueri XII ut carmen necessarium, quas<br />
iam nemo discit” (CÍCERO, De legibus II, 23, 59). 4 Aliás, a maior ou<br />
menor supervivência dos costumes, mesmo com a institucionalização<br />
da escrita ou da codificação, não deixa dúvidas sobre o convívio dessas<br />
materialidades. 5<br />
Apesar de ser um processo lento e complexo, a tradição jurídica<br />
foi cada vez mais se tornando uma experiência baseada na escrita,<br />
conferindo maior importância ao texto e à letra do que à palavra e aos<br />
costumes. E essa mudança na materialidade do discurso jurídico, da<br />
4<br />
Confira-se também: MEIRA (1972, p. 37).<br />
5<br />
Para uma exposição, mais ou menos extensa, acerca da sobrevivência do costume nos<br />
direitos codificados, e sobre a relação entre direito e costume, confira-se Losano (2007,<br />
capítulo VI).<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 325 -348 2012<br />
Book 1.indb 325 27/4/2013 13:20:31
Ricardo Adriano Massara Brasileiro / Marco Antônio Sousa Alves<br />
fala para o escrito, é tão significativa que dificilmente podemos pensar<br />
o direito moderno sem a escrita e a impressão. Indo além, podemos<br />
até mesmo dizer que a escrita não deve ser tomada como um simples<br />
modo de expressão do direito moderno, posto que ela tem um papel<br />
constitutivo para essa experiência. O direito moderno (e poderíamos<br />
dizer o mesmo para a ciência moderna) não é apenas expressado por<br />
escrito, ele é constituído ou tornado possível pela experiência discursiva<br />
escrita. Nessa linha, afirma Lévy (1993, p. 96):<br />
[...] a prosa escrita não é um simples modo de expressão da filosofia,<br />
das ciências, da história ou do dieito. Ela os constitui, já que<br />
estes domínios de conhecimento, tal como os conhecemos hoje,<br />
não preexistem a ela. Sem escrita, não há datas nem arquivos, não<br />
há listas de observação, tabelas de números, não há códigos legislativos,<br />
nem sistemas filosóficos e muito menos crítica destes<br />
sistemas.<br />
O próprio linguajar usual do jurista demonstra esse atrelamento<br />
da sua experiência à escrita. O próprio termo lex, donde lei, provém<br />
do latim legere, que é o ler em voz alta (cf. STEIN, 1987, p.91). A título<br />
de ilustração do ponto e do sentido geral do texto, acompanhemos<br />
o discurso de D´ors (1977, p. 17-23):<br />
O estudo do Direito é um estudo de livros, e não de coisas, fenômenos<br />
ou números [...] Pertence às Humanidades, e não às Ciencias<br />
sociais. [...] A História do Direito é uma História de livros. [...] O<br />
que a essa interessa são os textos e não a realidade mesma. Dentro<br />
desses textos que interessam ao direito têm especial importância<br />
os códigos. “Codex” de onde vem “código”, era o livro de página<br />
e não em forma de rolo ou <strong>volume</strong>n. [...] essa nova forma editorial<br />
foi adotada para os livros de direito – tanto que as obras literárias<br />
continuaram mais tempo na forma de volumina – e disto que o<br />
“código” seja por excelência um livro de direito, um livro prático<br />
[...] Estes livros de páginas se achavam divididos, não em colunas<br />
e “capítulos” como nos textos em rolo, mas em páginas e “títulos”,<br />
como já era costume fazer nos textos escritos em tabuinhas. Dado<br />
o uso prático destes livros jurídicos, a palavra “título” chegou a<br />
significar o apoio legal de uma pretensão jurídica, como sinônimo<br />
às vezes de causa. [...] Assim, para dizê-lo simplificadamente, a<br />
História do Direito estuda antes de tudo os códigos antigos, enquanto<br />
o estudo do direito atual se refere aos códigos de hoje.<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
Já sublinhamos que não se deve ler um código atual do mesmo<br />
modo como se lê um “código” antigo, que, aliás, como bastante<br />
evidente, sequer poderia ter a forma de codex ou de livro de página.<br />
A denominação de tais recolhas de leis é seguramente pós-datada. A<br />
partir de critérios distintos, categoriza-se a existência de um “Código<br />
símbolo”, um “Código mito”, uma “forma Código” e uma “idéia de<br />
Código” (cf. GROSSI, 2007, p. 88-9). Como visto, a angulação de<br />
D´ors é notadamente formal, o que não invalida, em absoluto, a ampla<br />
significação do que assentou.<br />
Em qualquer caso, a escrita constitui o direito tal como hoje o<br />
conhecemos (as noções de lei, de documento, de prova, de publicidade,<br />
de registro, etc.), de modo que o “direito” das sociedades de<br />
oralidade primária é algo distinto, de outra natureza, uma espécie<br />
de prática pré-jurídica, assim como a história antes da escrita é uma<br />
pré- história. E se o direito antes da escrita pode ser considerado um<br />
pré- direito, convém se colocar a questão acerca do que será o direito<br />
depois da escrita, na era digital.<br />
2.2 Do impresso ao digital<br />
A qualificação das transformações ocorridas hoje nas técnicas<br />
de comunicação como uma “revolução” pode provocar entre muitos<br />
a impressão de um certo exagero e de que o meio digital e a internet<br />
não provocaram e nem provocarão tantas e tão significavas mudanças,<br />
especialmente no domínio do direito. Esse pensamento era mais<br />
comum há dez ou quinze anos atrás, mas a cada vez mais crescente<br />
popularização desse meio e as práticas das novas gerações nos indicam<br />
o contrário. Nesse sentido, ainda na década de noventa do século<br />
passado, Lévy (1993, p. 117 – o original francês é de 1990) alertava<br />
para o seguinte fato:<br />
Sem dúvida, os hipertextos e groupware ainda se encontravam<br />
pouco disseminados em 1990, mas é preciso pensar nos primeiros<br />
séculos da escrita na Mesopotâmia, quando ela apenas era empregada<br />
para o recenseamento dos rebanhos, para os inventários<br />
logo ultrapassados dos palácios e dos templos. Quem poderia ter<br />
previsto, nesta época, que signos gravados no barro, recém-ordenados,<br />
transmitiriam um dia a ciência, a literatura, a filosofia ou a<br />
opinião pública?<br />
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Ressaltando também a importância da revolução em curso,<br />
Chartier (1996, p. 29) entende ser ela mais radical que a provocada<br />
por Gutenberg:<br />
Ela não modifica apenas a técnica de reprodução do texto, mas as<br />
estruturas e as formas mesmas do suporte utilizado na comunicação.<br />
[...] Com a tela no lugar do codex, a reviravolta é mais radical,<br />
pois são os modos de organização e de estruturação do suporte do<br />
escrito que se encontram modificadas. Uma tal revolução requer<br />
assim outros termos de comparação. (tradução nossa)<br />
Para compreender as mudanças trazidas pelo meio digital, Lévy<br />
(1993, p. 127) volta sua atenção para as alterações que vêm ocorrendo<br />
na ecologia cognitiva e na tecnologia da inteligência. A dinâmica<br />
cronológica passa a ser marcada pela velocidade e pela pluralidade,<br />
as informações tendem a ser produzidas para um consumo rápido e<br />
a memória social encontra-se em permanente transformação e quase<br />
totalmente objetivada em dispositivos técnicos. Uma das principais<br />
características da textualidade digital é a fragmentação do texto na<br />
forma de uma rede na qual os fios se conectam, o chamado hipertexto.<br />
Segundo Lévy (1993, p.25-6), seis princípios caracterizam o hipertexto:<br />
a metamorfose (pois se trata de uma rede em constante construção),<br />
a heterogeneidade (pois os nós da rede hipertextual misturam<br />
imagens, sons, palavras, modelos, etc.), a multiplicidade (em razão da<br />
organização fractal, na qual cada nó pode ser composto por toda uma<br />
rede), a exterioridade (uma vez que a rede não possui unidade orgânica<br />
nem motor interno, dependendo de ser alimentada por elementos<br />
externos), a topologia (pois o curso dos acontecimentos é uma questão<br />
de caminhos, de localização espacial) e a mobilidade dos centros<br />
(pois a rede é como um rizoma, uma estrutura que possui diversos<br />
centros perpetuamente móveis). Estamos assim longe da linearidade<br />
e da estabilidade que marcam a experiência do texto escrito. Segundo<br />
Lévy (1993, p.121), “um modelo digital não é lido ou interpretado<br />
como um texto clássico, ele geralmente é explorado de forma interativa”,<br />
ou seja, trata-se de algo plástico e dinâmico, que incentiva uma<br />
relação de ação e reação na qual o leitor deixa de ser passivo e o texto<br />
deixa de ser inerte.<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
Para além dos dispositivos tecnológicos, convém também analisar<br />
os processos de “leitura” que cada novo dispositivo engendra.<br />
Doueihi (2008, p.37) observa que a cultura digital exige o desenvolvimento<br />
de uma competência digital, de uma espécie de savoir faire<br />
(know-how) ou savoir-lire (saber-ler), que, assim como a leitura tradicional,<br />
envolve uma complexa habilidade. Também Chartier (1998,<br />
p.13) ressalta que “a revolução do livro eletrônico é uma revolução<br />
nas estruturas do suporte material do escrito assim como nas maneiras<br />
de ler”.<br />
Nesse sentido, Santaella (2004) desenvolve um rico estudo distinguindo<br />
três momentos e focalizando as transformações sensórias,<br />
perceptivas e cognitivas envolvidas. O leitor contemplativo, típico da<br />
idade pré-industrial, é aquele caracterizado pela leitura individual, soliária,<br />
de foro privado, silenciosa. Após o desenvolvimento dos mass<br />
media, surge o leitor movente, filho da revolução industrial, o leitor<br />
apressado de um mundo em movimento, dos grandes centros urbanos,<br />
do jornal, da fotografia, do cinema e da televisão. Temos aqui um<br />
novo processo, com novos ritmos de atenção, com uma percepção<br />
instável. O leitor é agora fugaz, sobrecarregado de estímulos, praticante<br />
de uma leitura de fragmentos, diante de uma linguagem híbrida.<br />
Por fim, surge o leitor imersivo, aquele que emerge no ciberespaço,<br />
que navega interativamente entre nós e nexos da grande rede. A rede é<br />
marcada por uma linguagem em hipertexto e multimidiática, na qual a<br />
linearidade é rompida (o processo de leitura vaga entre diferentes nós<br />
de informação) e se integram dados, textos, imagens e sons, dentro<br />
de um ambiente único digital. Como ressalta Santaella (2004, p. 50):<br />
“A estrutura flexível e o acesso não linear da hipermídia permitem<br />
buscas divergentes e caminhos múltiplos no interior do documento”.<br />
Ressalta-se assim o caráter inteiramente dialógico e interativo da internet.<br />
Resumindo as características do hipertexto:<br />
O funcionamento da máquina hipertextual coloca em ação, por<br />
meio das conexões, um contexto dinâmico de leitura comutável<br />
entre vários níveis midiáticos. Cria-se, com isso, um novo modo<br />
de ler. A leitura orientada hipermidiaticamente é uma atividade<br />
nômade de perambulação de um lado para o outro, juntando fragmentos<br />
que vão se unindo mediante uma lógica associativa e de<br />
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Ricardo Adriano Massara Brasileiro / Marco Antônio Sousa Alves<br />
mapas cognitivos personalizados e intransferíveis (SANTAELLA,<br />
2004, p.175).<br />
Voltando nosso olhar novamente para o direito, percebemos<br />
como a experiência jurídica é ainda extremamente ligada à cultura<br />
escrita. Por exemplo, o simples ato de assinar um documento expressa<br />
muito dessa cultura 6 : a importância concedida à autografia (sinal gráfico<br />
de próprio punho que remete à pessoa do autor) e à função probatória<br />
assentada sobre o suporte (posto que a folha de papel assinada<br />
permite futura verificação para identificar o autor do documento e sua<br />
declaração concordando com o que está posto). Com o meio digital,<br />
todas essas noções sofrem um importante deslizamento.<br />
No caso de um documento eletrônico, o termo ‘assinatura’ pode<br />
ser entendido como um ‘lacramento’ personalizado de seu conteúdo.<br />
O ‘lacre’, no caso, permite garantir a integridade, enquanto<br />
o fato de apresentar atributo de personalização permite garantir a<br />
autenticidade (ZOCCOLI, 2000, p.180).<br />
Diferentemente dos documentos tradicionais, nos quais as formas<br />
de autenticação baseiam-se em características materializadas no<br />
suporte, como as assinaturas e marcas ou as perícias grafológicas e<br />
técnicas, nos documentos eletrônicos a autenticação é efetuada com<br />
base no conteúdo. Trata-se também de um novo conceito de documento,<br />
que prescinde da própria existência do suporte. A confiabilidade da<br />
prova documental não depende mais de nenhum objeto material, de<br />
um papel, pedra ou tábua de argila. Distante do peso da materialidade,<br />
6<br />
Fraenkel (1992) desenvolve um interessante estudo sobre a assinatura, entendida como<br />
um sistema de signos de identidade, uma forma de conferir materialidade à individualidade,<br />
estudo-a no interior de um universo de signos e práticas que estão intimamente relacionados<br />
com a cultura escrita. Segundo Fraenkel (1992, p. 9), a assinatura é a marca que<br />
melhor atende às exigências da identidade moderna, sendo que somente no séc. XVI ela<br />
encontrou sua forma canônica, como marca autográfica do nome próprio (que une o nome<br />
próprio, a escrita e o modo de inscrição autográfico), tornando-se também obrigatória<br />
(como indica a Ordonnance de Fontainebleau do rei Henrique II na França em 1554,<br />
tornando obrigatória a assinatura nos atos notariais e instaurando o sistema do nome hereditário).<br />
Até então, a assinatura era um modesto auxiliar dos selos e carimbos prestigiosos.<br />
A assinatura substitui assim os todo um universo de imagens, objetos e símbolos de<br />
identificação (brasão de família, os monogramas reais, selos, etc.), típicos da feudalidade<br />
(que concede mais importância ao status social e ao pertencimento a um grupo familiar<br />
do que à individualidade).<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
o meio digital confere um novo sentido ao que é um documento, ao<br />
que é uma assinatura e ao que é uma prova documental.<br />
Indo além de um discurso tecnológico determinista (no qual a<br />
técnica iria por si só mudar o mundo), Lévy (1993, p. 131) ressalta<br />
que esses dispositivos em si mesmos “não indicam absolutamente nenhuma<br />
direção para a aventura coletiva”, ou seja, é o envolvimento<br />
do homem com esses dispositivos, os conflitos gerados e os projetos<br />
animados pelos atores sociais que determinam o rumo das transformações<br />
futuras.<br />
As técnicas não determinam nada. Resultam de longas cadeias intercruzadas<br />
de interpretações e requerem, elas mesmas, que sejam<br />
interpretadas, conduzidas para novos devires pela subjetividade<br />
em atos dos grupos ou dos indivíduos que tomam posse dela. [...]<br />
O estado das técnicas influi efetivamente sobre a topologia da<br />
megarrede cognitiva, sobre o tipo de operação que nela são executadas,<br />
os modos de associação que nela se desdobram, as velocidades<br />
de transformação e de circulação das representações que<br />
dão ritmo a sua perpétua metamorfose. A situação técnica inclina,<br />
pesa, pode mesmo interditar. Mas não dita (LÉVY, 1993, p.186).<br />
Quais seriam as possibilidades abertas pela técnica? Só o tempo<br />
dirá. É bastante improvável que Gutemberg tivesse a mínima consciência<br />
do papel que a impressão teria no desenvolvimento da ciência<br />
moderna e na reforma protestante. Foram os atores humanos que<br />
fizeram da impressão o que ela foi. Da mesma forma não podemos<br />
prever o que será a internet. Vários projetos rivais estão hoje em disputa,<br />
desde o sonho de uma terra da liberdade e do compartilhamento<br />
até a imagem de um sistema totalmente controlado e submetido aos<br />
interesses comerciais e políticos. Como esses dispositivos afetarão o<br />
direito, por exemplo, depende muito menos dos meios técnicos em si<br />
mesmos e bem mais dos projetos delineados e da gestão dos conflitos<br />
gerados. Mais do que tentar prever o futuro em função dos meios<br />
técnicos disponíveis, o mais frutífero é acompanhar o lento processo<br />
de apropriação desses meios na sociedade, o que se faz por caminhos<br />
muitas vezes imprevisíveis.<br />
Para mostrar como os dispositivos técnicos podem provocar diferentes<br />
repercussões em função da forma de apropriação social, citemos<br />
o exemplo do desenvolvimento da imprensa na China e na Euro-<br />
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pa. Muitos séculos antes de Gutemberg os chineses já dominavam a<br />
técnica da impressão, mas por vários motivos (a complexa ideografia<br />
chinesa, o emprego da madeira ao invés do metal, etc.) a impressão<br />
não se tornou no oriente a primeira atividade industrial mecanizada<br />
como ocorreu na Europa do século XV. Como ressalta Lévy (1993,<br />
p. 147), “entre uma cultura e outra, esta técnica foi tomada por circuitos<br />
de significação e de uso radicalmente diferentes”. Enquanto<br />
na Europa a impressão tendeu a se desenvolver como uma atividade<br />
comercial descentralizada e competitiva (sobretudo a partir do século<br />
XVIII), levando ao público novidades em todos os domínios da vida<br />
cultural, na China a impressão permaneceu um monopólio do Estado,<br />
levando ao público apenas os clássicos do budismo, do taoísmo e a<br />
história oficial das dinastias. Curiosamente assistimos hoje em dia a<br />
uma tentativa similar da China, que controla como nenhum outro país<br />
do mundo o fluxo de informação da internet. Os grandes grupos comerciais<br />
da sociedade da informação, como o Google, são obrigados<br />
a respeitar as regras impostas pelo Estado chinês para poder ter espaço<br />
nesse imenso e promissor mercado. Qual será o futuro da internet<br />
depende assim de muitos e complexos fatores que vão muito além do<br />
simples desenvolvimento dos dispositivos técnicos.<br />
3 Modelos do processo oral, escrito e<br />
informático<br />
Em consonância com a base material sobre a qual se constrói o<br />
discurso processual, tradicionalmente têm sido categorizadas modalidades<br />
de sistemas, modelos ou tipos processuais. Assim, é bastante<br />
assentada a distinção entre um sistema processual da oralidade e um<br />
sistema processual da escritura. Tais sistemas podem ser identificados<br />
quer pela exclusividade do elemento oral ou escrito nas atuações processuais<br />
das partes e do magistrado, quer pela prevalência do elemento<br />
oral ou do elemento escrito como base material dos atos processuais<br />
(cf. MILLAR, 1945, p.144; CHIOVENDA, 1945, p.68). Nesta<br />
última hipótese fala-se também de um sistema processual misto.<br />
É certo que com o advento da linguagem informática se deva<br />
refletir sobre a existência de um modelo do processo informático. E<br />
aqui também é lícito se falar em um processo informático puro, ou<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
num processo notadamente informático, permeado por atos de materialidade<br />
oral ou escrita. A Lei Nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006,<br />
por exemplo, que dispõe sobre a informatização do processo judicial,<br />
abre possibilidade tanto da prática (1) de atos processuais escritos<br />
no bojo de um processo eletrônico, sem autos de papel (v.g., citações<br />
postais), como da possibilidade de prática (2) de atos processuais<br />
orais também no bojo de um processo eletrônico (v.g., depoimento de<br />
testemunhas), bem como da prática (3) de atos eletrônicos, no bojo de<br />
um processo escrito (v.g., intimações pelo Diário de Justiça Eletrônico<br />
ou pela publicação em portal próprio do Poder Judiciário, expedição<br />
de precatórias eletrônicas, etc.), num adensamento da mestiçagem do<br />
processo de tipo escrito.<br />
A partir de agora pretendemos fazer um cruzamento dos dados<br />
das possibilidades tecnológicas das materialidades discursivas com<br />
tais modelos processuais.<br />
3.1 Processo oral<br />
No contexto da grande institucionalização do direito entre os<br />
romanos, a ação judicial,– ou seja, “a atuação endereçada a resolver<br />
uma controvérsia mediante uma decisão definitiva (iudicatum) fundada<br />
na opinião de um juiz privado (sententia)” – é a atuação mais institucionalizada;<br />
segundo D´ors (2004, p. 121 – é deste autor o trecho<br />
reproduzido), a ação romana é o ato jurídico por excelência.<br />
O processo romano arcaico das legis actiones é um modelo histórico<br />
de processo oral puro sobre o qual dispomos de poucas informações.<br />
Prestava-se a tutelar o velho núcleo tradicional do direito<br />
assentado nos constumes imemoriais e nas já escritas XII Tábuas. As<br />
atuações processuais consistiam em determinados gestos e formas<br />
orais que deviam ter lugar diante do magistrado. Eram pouquíssimas<br />
as ações judiciais admitidas, usualmente descritas em número de cinco,<br />
número este talvez adequado para a tutela dos limitados direitos<br />
afetos a uma pequena comunidade rural. Tal processo era marcado<br />
por um formalismo ritual bastante acentuado, coisa esta que o tornou<br />
odioso. Veja-se o depoimento de Gaio (Institutas, 4, 11, e 4, 30):<br />
11. As acções usadas dos antigos chamavam-se acções da lei, seja<br />
de se originarem das leis (pois no tempo não existiam ainda os<br />
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editos do pretor, introductórios de várias acções), seja por se conformarem<br />
às palavras das próprias leis, conservando-se por isso<br />
imutáveis como as leis mesmas. Dai o ter-se respondido que perdia<br />
a acção quem, agindo por causa de videiras cortadas, mencionava<br />
videiras, pois a lei das XII Tábuas, na qual se fundava a<br />
acção por videiras cortadas, falava de árvores cortadas em geral.<br />
[...] 30. Mas tôdas estas acções da lei tornaram-se a pouco e pouco<br />
odiosas. Pois, dada a extrema sutileza dos antigos fundadores do<br />
direito, chegou-se à situação de, quem cometesse o menor êrro,<br />
perder a causa.<br />
O desenrolar do direito romano não se limitou às ações da lei.<br />
Ao contrário, conheceu três sistemas processuais que tiveram algum<br />
convívio simultâneo, mas que firdaram por se suceder reciprocamente:<br />
o já apontado velho sistema das legis actiones, o sistema do processo<br />
formular, também conhecido como processo clássico, surgido<br />
em meados do século II a. C. e tornado a regra geral em fins do século<br />
I a.C., e o sistema da cognitio extraordinaria, que conviveu com<br />
o processo clássico para situações específicas e findou por tornar-se<br />
o processo comum com Diocleciano (cf. CORRÊA & SCIASCIA,<br />
1988, §§ 40/49, p. 76-91).<br />
Nos dois primeiros sistemas, que ficaram posteriormente conhecidos<br />
como integrantes da ordo judiciorum privatorum, a estrutura<br />
do processo cognitivo é bipartida, havendo uma primeira fase<br />
de oitiva preliminar das partes e admissão do litígio, chamada fase in<br />
iure, desenvolvida perante um magistrado, e uma posterior fase, em<br />
que produzidas as provas e prolatada a sentença, chamada fase apud<br />
iudicem ou in iudicio, desenvolvida junto a um juiz privado (iudex<br />
unus) ou junto ao colégio de juízes privados (recuperatores).<br />
O distintivo do processo formular, como se pode perceber do<br />
seu próprio nome, era a fórmula, que era remetida de forma escrita<br />
ao juiz ou colégio de juízes, que continha um resumo dos termos fundamentais<br />
da lide, fixando o programa do futuro juízo sobre o mérito<br />
da causa.<br />
Nos princípios do processo formular, supõe-se que o decreto que<br />
fixava a fórmula não se representava por escrito, mas se comprovava<br />
ao juiz por via testemunhal. Posteriormente, o programa do processo<br />
e a ordem de julgamento direcionada ao juiz já se documentavam em<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 334 -348 2012<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
tabuinhas, na forma comum aos documentos com testemunhas (testationes).<br />
Tratava-se de tabuletas de madeira cobertas de cera ou de<br />
uma resina vegetal (tabulae ceratae), que eram superpostas, atadas<br />
com cordéis por perfurações laterais e seladas nas extremidades das<br />
amarras pelas partes, pelas testemunhas e, talvez, pelo magistrado,<br />
formando assim um documento escrito em duplicata, com uma face<br />
exposta e outra oculta, de modo a se evitarem adulterações do texto.<br />
No momento da apresentação do documento in iudicio, as testemunhas<br />
se apresentavam e, se necessário, reconheciam seus selos antes<br />
dos respectivos rompimentos. Nas tábuas se escrevia com um estilo<br />
(stilus) e se apagava com uma espátula ligeiramente aquecida, às vezes<br />
consistente de uma extremidade chata do próprio instrumento de<br />
riscadura. Ao que parece, as limitações tecnológicas à escrita contribuíram<br />
para a necessária concisão do texto formular – atributo este<br />
que findou como apanágio de todo o estilo jurídico romano – e para a<br />
correlata maior abertura semântica do registro, que ou deixava in albis<br />
a origem do dever jurídico em persecução judicial (fórmulas certas)<br />
ou não circunscrevia pormenorizadamente o próprio conteúdo da<br />
pretensão deduzida (fórmulas incertas), possibilitando, assim, alguma<br />
margem à apreciação judicial (cf. BRASILEIRO, 2007, p.127-8).<br />
Nesses dois sistemas processuais, há grande contato direto das<br />
partes tanto com o pretor como com o juiz. Consoante o que se apura<br />
numa reconstituição das XII Tábuas do século XVII, para a admissão<br />
do processo, o pretor somente tomava conhecimento da causa, antes<br />
do meio dia, se estivessem presentes as duas partes (2, 9). Se depois<br />
do meio dia apenas uma parte comparece, o pretor a decidia em favor<br />
da presente (2, 10). O pôr do sol será o termo final da audiência (2,<br />
11). 7 Todos os atos postulatórios são orais. São igualmente orais todas<br />
as atuações in iudicio das partes. Para a administração e interpretação<br />
das provas intervêm a retórica e a eloquência dos advogados. No processo<br />
formular vige, com maior plenitude, o princípio da liberdade do<br />
juiz na interpretação das provas, mas em compensação, o juiz deve<br />
ater-se às provas apresentadas, não podendo inquirir outras. Valem<br />
como prova as declarações das partes (juramentos e confissões) ou<br />
de testemunhas (testes), e documentos (instrumenta), sendo caracte-<br />
7<br />
A reconstituição é de J. Godefroy, reproduzida em MEIRA (1972, p 167-175).<br />
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rística do processo clássico a preferência pelas testemunhas, o que<br />
não impediu os instrumenta de irem ganhando maior importância<br />
ao longo do tempo (cf. D’ORS, 1972, p. 162-165). Kaser (1999,<br />
p. 456-7), sem descurar que a apresentação das provas compete às<br />
partes, e não ao juiz, e sem deixar de ressaltar o princípio da livre<br />
apreciação, sustenta que valem como prova quaisquer meios aptos a<br />
fundamentar a decisão, de modo a serem ocasionalmente utilizadas<br />
a inspeção e a oitiva de peritos (v.g., parteiras sobre uma gravidez;<br />
agrimensores).<br />
E são precisamente algumas dessas características acima apontadas,<br />
mais do que a integralidade da produção dos atos processuais<br />
na forma oral, aquilo que doutrinariamente se assentou como o característico<br />
do processo oral:<br />
Nós indicamos com a expressão sintética de “processo oral” um<br />
processo no qual é o mesmo juiz que deve pronunciar a sentença<br />
o que recolhe os elementos de sua convicção, isto é, o que interroga<br />
as partes, as testemunhas e os peritos, e examina com seus<br />
próprios olhos os objetos e lugares controvertidos: para que isto<br />
seja possível, é necessário que o juiz seja a mesma pessoa física<br />
desde o princípio até o fim da tramitação da causa; que as atividades<br />
processuais estejam concentradas num breve período de tempo<br />
e se desenvolvam sem interrupção, resolvendo-se os incidentes na<br />
mesma sessão; que o contato entre as partes e o juiz seja imediato e<br />
que, como meio de comunicação, sirva predominantemente a viva<br />
voz. “Oralidade” é um nome que indica, portanto, um conjunto de<br />
princípios interdependentes (CHIOVENDA, 1949, p. 363-4, tradução<br />
nossa; no mesmo sentido, cf. Chiovenda, 1942, p. 91-2).<br />
A categorização de Chiovenda é tributária da correlação que<br />
fez entre função da prova e forma do processo, no sentido de que,<br />
segundo entendeu, “um processo dominado pelo princípio da livre<br />
convicção do juiz, e que queira realizar seriamente este princípio, não<br />
pode ser senão oral, porque só o processo oral permite ao juiz formar<br />
um convencimento com a observação pessoal e direta do material da<br />
causa” (CHIOVENDA, 1949, p. 363, tradução nossa). Aqui, o que se<br />
entende como o cerne essencial da oralidade o contato direto entre<br />
o órgão judicial com as pessoas suscetíveis de se fazerem fontes de<br />
informação, em suma, partes e testemunhas que depõem e são in-<br />
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quiridas pelo juiz em audiência (cf. BARBOSA MOREIRA, 1994,<br />
p. 4). A chamada imediatidade, garantida pela chamada identidade<br />
física do juiz, que deve ser quem julga a causa. A esses princípios, se<br />
agregam o da concentração de grande quantidade de atos em uma ou<br />
poucas audiências, a intervalos breves – a fim de que o juiz não perca<br />
as impressões que colheu com a imediatidade –, com a consequente<br />
maior celeridade, e o princípio da irrecorribilidade em separado das<br />
decisões interlocutórias, de modo a não haver interrupções no curso<br />
do processo.<br />
Em suma, da perspectiva da dogmática processual consolidada:<br />
[...] oralidade não significa a abolição total da escritura como intrumento<br />
de comunicação ente os sujeitos, privados e públicos, do<br />
processo. Oralidade significa somente [...] que o processo culmina<br />
numa audiência oral, na qual o juiz ouve oralmente as testemunhas<br />
e, eventualmente, também as partes (CAPPELLETI, 2001, p. 43).<br />
E para a construção dogmática dessa concepção de oralidade –<br />
que se iniciou a contar de meados do século XIX, de modo atrelado<br />
a impulsos nacionalistas, tendentes ao desvencilhamento do modelo<br />
processual escrito do direito comum – foi de grande relevo a reapreciação<br />
das fontes romanas clássicas, para a qual muito significou a<br />
descoberta das institutas de Gaio em 1816 (cf. CAPELLETTI, 2001,<br />
p. 43).<br />
Um outro exemplo histórico de processo integralmente oral é<br />
o antigo processo praticado pelos povos germânicos que ocuparam<br />
os territórios de Roma, a contar de 476. Aqui se verifica uma modalidade<br />
distinta de apropriação da oralidade. Entre esses povos, a livre<br />
convicção do juiz não desempenhava qualquer papel, valendo como<br />
principal prova o resultado de algumas experiências solenes, em que<br />
o povo adverte a revelação de uma divindade, um ente superior e imparcial.<br />
O objeto da prova não são fatos, mas a afirmação jurídica da<br />
parte (cf. CHIOVENDA, 1942, p. 193-4). A função do juiz ou juízes<br />
era dirigir os debates e fiscalizar o desenvolvimento das solenidades<br />
probatórias e o resultado do experimento. Valiam como meios de prova<br />
o juramento das partes e dos seus conjuradores; as ordálias ou juízos<br />
de Deus, a que se submetia a parte, na suposição de Deus viria em<br />
seu socorro, tais como as provas pelo fogo, pela água fervente, pelo<br />
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cadáver, pela água fria, pela serpente, e o duelo, que era a modalidade<br />
de juízo de Deus possivelmente mais acreditada (cf. SANTOS, s.d.,<br />
p. 68-9). No Ocidente, o estudo da prova judiciária revela que até o<br />
Concílio de Latrão (1215), ou mesmo até mais tarde, a prova dos fatos<br />
ou da justiça de uma causa ainda era oferecida pelas ordálias (cf.<br />
PERELMAN, 1998, p. 35).<br />
3.2 Processo escrito<br />
Em contrapartida à noção dogmática de oralidade, a qualificação<br />
dogmática do sistema da escritura, antes de dizer respeito à forma<br />
da prática dos atos processuais, baseia-se na idéia de que o juiz deve<br />
julgar a causa com apoio apenas em escritos, sem contato direto com<br />
as partes, testemunhas ou peritos. Tal sistema tem uma origem mais<br />
antiga no processo justinianeu que, adaptado pelo processo italianocanônico<br />
da Idade Média, espalhou-se para todos os países da Europa<br />
continental. No período do direito comum, a escritura foi considerada<br />
como uma proteção do juiz contra a parcialidade, que poderia ser<br />
fomentada por seu contato direto com os protagonistas privados do<br />
processo.<br />
Às razões objetivas e “sem rosto” da verdade e da justiça, poderia<br />
ele [o juiz] ser induzido a se antecipar àquelas outras, conscientes<br />
ou inconscientes, da simpatia ou antipatia até uma parte em dano<br />
ou a favor da outra; ou poderia, talvez, inclinar-se a preferir as<br />
razões da parte culta às razões da parte inculta; ou as da parte<br />
nobre às da parte plebéia; e assim sucessivamente. [...] Deixa-se<br />
compreender com bastante clareza exatamente o famoso decreto<br />
do Papa Inocêncio III, de 1216, isto é, aquele decreto que indicou<br />
o triunfo definitivo do princípio da escritura no processo canônico.<br />
Nele se diz que o princípio da escritura, com base no qual todo o<br />
ato processual devia resultar por escrito e o juiz não podia julgar<br />
mais do que com base nos escritos (acta, ou seja acta scripta),<br />
estava dirigido para proteger as partes contra falsam assertionem<br />
iniqui judicis, conta a iniquidade e a falsidade, em suma, do juiz<br />
desonesto (CAPPELLETTI, 2001, p. 42).<br />
Para além dessa categorização dogmática, a própria tecnologia<br />
da escrita favorece uma maior contenção, uma maior reflexividade,<br />
um maior intelectualismo e uma maior elaboração das manifestações<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
das partes e do juiz, bem como a elaboração de múltiplos critérios<br />
para a valoração probatória. No século, XIII, por exemplo, Duranti,<br />
no seu Speculum iudiciale, enumerou, ordenou e classificou noventa e<br />
seis razões para se dar ou negar fé a um testemunho. Pela via da escrita<br />
é que se chegou ao chamado sistema da prova legal, que, segundo<br />
se tem como assente, “perturbou o convencimento do juiz, reduzindo<br />
a tarefa do magistrado a uma verificação, quase por inteiro aritmética,<br />
do concurso do número dos elementos necessários a formar, no caso<br />
concreto, aquilo que se convencionou como a verdade legal” (CHIO-<br />
VENDA, 1942, p. 202). Chiovenda propõe uma explicação para a<br />
relação entre prova legal e temor de parcialidade do juiz:<br />
A verdade é que um sistema em que se propunha garantir a atendibilidade<br />
das testemunhas por meio de regras preestabelecidas e<br />
formais, em que se despresava o valor da observação direta como<br />
expediente de investigação e o próprio juiz se mantinha estranho<br />
ao interrogatório, tinha de mostrar-se favônio ao conceito de que a<br />
presença das partes, cuja utilidade não se percebia, e de que só se<br />
ponderavam os inconvenientes, deveria evitar-se como perigosa<br />
(CHIOVENDA, 1942, p. 205).<br />
O maior intelectualismo igualmente conduz a maiores lentidão<br />
e vagar da marcha processual, comparativamente ao que ocorre no<br />
processo oral. Os tempos da oralidade e da escrita são bastante distintos.<br />
Basta que pensemos na possibilidade de um acordo entabulado<br />
em audiência, para cuja realização as idas e vindas das negociações<br />
transcorrem num tempo bastante reduzido, ao passo que, num processo<br />
nos moldes do atual processo brasileiro, um tempo muito maior<br />
seria exigido somente para que a petição escrita da oblação de uma<br />
das partes pudesse caminhar do protocolo aos autos. Sem falar nos<br />
prazos demandados para a prática dos atos posteriores, v.g., vista à<br />
parte contrária (5 dias), recusa ou contra-proposta etc. Ou seja, há a<br />
possibilidade de uma maior dispersão de atos, no sentido contraposto<br />
à idéia de concentração, o que se designa, doutrinariamente, de princípio<br />
da continuidade (cf. MARQUES, 1962, p. 126), segundo o qual<br />
o processo se desenvolve a partir de uma série de fases contínuas e<br />
vinculadas entre si por termos escritos.<br />
Vejamos agora uma decorrência da ausência da imediatidade,<br />
do contato direto do juiz com a prova. Por certo, a mediação ou inter-<br />
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mediação do contato entre o juiz e a prova pelos advogados das partes<br />
priva o juiz daquela verdadeira possibilidade de captar a prova em<br />
toda a sua inteireza, com todo o seu calor ou com toda a sua crueza,<br />
não esmaecida ou esquentada pelos advogados, que tendem a esquecer<br />
ou a dinamizar processualmente somente o que ditado pelos interesses<br />
das partes que representam. Isso quando não tendentes mesmo<br />
a deturpar a realidade fática em adequação ao interesse defendido.<br />
Por fim, uma palavra sobre as limitações das potencialidades da<br />
oralidade quando da sua inserção da estrutura de um processo escrito,<br />
regido pela máxima quod non est in actis non est in mundo. De pouco<br />
ou nada vale toda a vivacidade gestual e verbal das partes, testemunhas<br />
e perito se toda a matização de suas expressões não se reduzirem<br />
a termo; elas se dissiparão no ar. Verba volant, scripta manent. A<br />
interposição recursal e o distanciamento do tribunal do ocorrido em<br />
audiência anulam a imediatidade.<br />
3.3 Processo informático<br />
Chegamos agora ao processo informático. Desde 2001, com a<br />
lei n. 10.259, o direito brasileiro já admite a prática de atos processuais<br />
por meio eletrônico. Posteriormente, a lei n. 11.280 de 2006<br />
inseriu parágrafo único no art. 154 do CPC, ditando que “os tribunais,<br />
no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a<br />
comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos<br />
os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e<br />
interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileiras<br />
– ICP-Brasil”. Ainda no mesmo ano de 2006, a lei n. 11.419 acrescentou<br />
ao mesmo artigo 154 do CPC um § 2º, estabelecendo que “todos<br />
os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos,<br />
armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei”. Essa<br />
última lei dispôs sobre a informatização do processo judicial, veio<br />
regulamentar as formas de comunicação eletrônica abrindo a possibilidade<br />
para um processo totalmente digital, sem autos de papel.<br />
Essa importante aletração na materialidade do discurso jurídico<br />
não acontece, contudo, sem conflitos e inseguranças, que suscitam resistências<br />
diversas. Muitas questões surgem relativamente às cautelas<br />
determinadas pela legislação para a instauração do diário eletrônico, à<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
forma de autenticação dos atos de intimação e da inviolabilidade dos<br />
registros eletrônicos, à manutenção dos requisitos para a validade dos<br />
diversos atos de comunicação processual, à data da ocorrência da publicação<br />
e a forma de contagem dos prazos, dentre muitas outras (cf.<br />
BRASILEIRO, 2008). É claro que são naturais o receio e a precaução.<br />
De fato precisamos avaliar com cuidado a confiabilidade dos mecanismos<br />
de segurança e integridade das transmissões eletrônicas. Mas<br />
o medo do novo não deve impedir que o direito mude. Com o tempo,<br />
as novas práticas tendem a se naturalizar e, muitas vezes, chega a ser<br />
cômico relembrar as resistências ocorridas. Como lembra Almeida Filho<br />
(2007, p.5), por exemplo, na década de 1930 vozes se levantaram<br />
contra a inserção da máquina de escrever para a transcrição dos atos<br />
processuais.<br />
Em parte, percebemos nos debates e nas resistências enfrentadas<br />
dentro do âmbito processual a tendência de se tentar transportar<br />
para o novo dispositivo tecnológico de comunicação os mesmos<br />
mecanismos previstos para o meio impresso. Como observa Doueihi<br />
(2008, p.41), as primeiras tecnologias da internet tenderam a se esforçar<br />
para “reproduzir, de maneira idêntica, as características materiais<br />
da página impressa” (tradução nossa). E, aparentemente, é isso o que<br />
tem ocorrido nos diversos projetos-piloto de informatização processual<br />
espalhados ao longo do país. Mas o computador é bem mais que<br />
uma máquina de escrever de luxo. Mais do que uma simples digitalização<br />
da folha de papel, o meio digital implica uma alteração mais<br />
profunda na própria textualidade e nas práticas de leitura e cognição.<br />
Em verdade, a “página” digital não é propriamente uma página, mas<br />
uma outra realidade que implica em formas de leitura não lineares e<br />
dinâmicas. Em certo sentido, o direito vive ainda esse primeiro momento:<br />
ele está engatinhando nesse novo mundo digital.<br />
E, no que diz respeito ao processo eletrônico, de plano já identificamos<br />
empeços à plena potencialidade da linguagem digital, derivada<br />
da grande institucionalização e oficialidade do meio processual.<br />
As próprias exigências de segurança e de inviolabilidade dos registros<br />
processuais ditam regras de conformação dos programas de gestão do<br />
debate processual. E como o programa é fechado, as partes somente<br />
poderão postar registros admissíveis pelo mesmo. Ou seja, de nada<br />
adianta a possibilidade, em tese, da realização de um processo mul-<br />
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timídia, v.g, com a postagem de vídeos ou de áudios, se o programa<br />
de gestão processual não permitir. Para este caso, a própria legislação<br />
brasileira já conta com a regra da comunicação do fato ao juízo por<br />
petição eletrônica, e entrega do documento ou cópia da mídia, em<br />
secretaria, no prazo de 10 dias (art. 11, § 5º). E na situação brasileira,<br />
já se vislumbra que as limitações serão inúmeras, dada a própria estrutura<br />
do Poder Judiciário, que é estadualizado, de modo que, poderá<br />
haver tantos modelos de gestão processual quantos sejam os estados<br />
da federação, mais um modelo para a Justiça Federal e outros para as<br />
Justiças Especiais. Certamente inexistirão recursos financeiros suficientes<br />
para a elaboração de programas de alta qualidade técnica.<br />
Essas características de oficialidade e institucionalização em<br />
muito limitam aqueles princípios identificados por Lévy (1993, p.<br />
25-6) para o hipertexto. Assim, podemos claramente falar de limitações<br />
à idéia de (1) metamorfose, por exemplo, que, a despeito de ser<br />
certamente pertinente a longo prazo, a curtíssimo prazo, como o observável<br />
no corriqueiro da rede, parece totalmente incompatível com<br />
o ritmo lento de inovação do direito e com o ritmo lento de inovação<br />
dos tribunais, além de possíveis problemas concernentes à assimilação<br />
das inovações pela comunidade jurídica, com o concreto risco de<br />
perda de prazos ou de outras prerrogativas processuais, de modo a o<br />
aludido princípio poder encontrar uma contraposição no princípio da<br />
segurança jurídica. Somente para efeito de exemplificação, vide as<br />
amplas cautelas que a Lei estabeleceu somente para a mudança das<br />
intimações processuais do diário impresso para o eletrônico (art. 4º.,§<br />
5 o ., in fine). A (2) exterioridade também nos parece francamente limitada,<br />
em vista da necessidade de centralização da gestão processual. A<br />
alimentação do processo dependerá basicamente dos próprios atores<br />
processuais (partes, juiz, serventuários), nos limites do programa. O<br />
mesmo vale para o (3) princípio da mobilidade de centros, totalmente<br />
avesso à alta densidade institucional do processo, afinal, iudex est<br />
super partes. Sobre a (4) heterogeneidade, com a possibilidade de<br />
mistura de imagens, sons, palavras, modelos, etc., tanto é amplamente<br />
possível, desde que o permita o programa oficial de gestão processual.<br />
Um inegável fator de progresso, por outro lado, diz respeito à<br />
possibilidade de maior celeridade no desenvolvimento dos processos,<br />
considerada, v.g., a possibilidade de desoneração do pessoal de secre-<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
taria – que será dispensado das múltiplas rotinas de juntada de documentos,<br />
atendimento de balcão, certificações diversas, entre outros –,<br />
a maior brevidade dos atos de comunicação processual, a maior eficiência<br />
nas cooperações entre juízos, desnecessidade de se aguardar<br />
prazos de deslocamento físico de autos para tribunais ou de tribunais<br />
para os juízos de origem, etc.<br />
Para concluir, façamos uma comparação do processo eletrônico<br />
com aqueles princípios dos modelos oral e escrito de processo.<br />
Do processo oral, parecem francamente compatíveis a imediatidade,<br />
a concentração e a identidade física do juiz. É certo, contudo, que a<br />
legislação brasileira já permite a realização de interrogatório de réus<br />
presos por videoconferência ou outro sistema de transmissão de sons<br />
e imágens em tempo real, havendo alguma das hipóteses legais justificadoras<br />
do ato (Lei 11.900, de 8 de Janeiro de 2009). Do processo<br />
escrito, vale a máxima quod non est in actis non est in mundo.<br />
Quanto à avaliação probatória, parece-nos que a linguagem eletrônica<br />
é compatível seja com o sistema do livre convencimento, seja com<br />
o sistema da prova legal, sendo certo que a opção do nosso direito<br />
brasileiro é pelo primeiro sistema. Comparativamente ao processo escrito,<br />
o modelo do processo eletrônico é mais amplamente público e,<br />
portanto, mais amplamente controlável por agentes externos (controle<br />
exo-processual).<br />
4 Conclusão<br />
Partindo da compreensão do direito como uma experiência institucionalizada,<br />
que se realiza através de uma determinada forma de<br />
materialização ou inscrição discursiva, nosso estudo pretendeu analisar<br />
como o âmbito processual é sensível às mudanças na ordem do<br />
discurso. Essa sensibilidade, contudo, não permite retirar dos novos<br />
dispositivos tecnológicos, como pretendemos mostrar, uma conseqüência<br />
direta para a experiência jurídica, nem tampouco nos capacita<br />
a fazer qualquer previsão determinista do futuro do direito processual.<br />
Nossa análise procurou ressaltar como as alterações no direito são<br />
fruto de complexas apropriações e transformações, o que deu e dá<br />
origem a práticas bem específicas, situadas histórica e culturalmente.<br />
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Nesse sentido, foi realizado um estudo comparativo das formas<br />
de discursividade oral, escrita e informática e dos modelos históricos<br />
de processo oral – como o processo romano arcaico das legis actiones,<br />
o sistema formular ou processo clássico, ou ainda o processo praticado<br />
pelos povos germânicos que ocuparam os territórios de Roma<br />
–, de processo escrito – regido pela máxima quod non est in actis non<br />
est in mundo, em uma estrutura na qual pouco ou nada vale toda a<br />
vivacidade gestual e verbal se estas não se reduzirem a termo –, e de<br />
processo informático, que se inaugura no século XXI com a possibilidade<br />
de um processo totalmente digital, sem autos de papel, que vai<br />
além de uma mera transposição do meio impresso para o digital – o<br />
que tem ocorrido em diversos projetos-piloto de informatização processual<br />
espalhados pelo país –, mas que enfrenta dificuldades para a<br />
realização da plena potencialidade da linguagem digital em razão da<br />
grande institucionalização e oficialidade do meio processual.<br />
Mais do que um exercício de futurologia ou uma simplificação<br />
determinista para explicar qual será o modelo de processo informático<br />
do século XXI, cremos que apenas um estudo conjunto dos novos<br />
dispositivos tecnológicos, das novas habilidades ou capacidades cognitivas<br />
desenvolvidas e das apropriações sociais (e especificamente<br />
jurídicas) permitirão compreender de que maneira o direito processual<br />
será afetado pela revolução digital. E, nesse sentido, o interesse<br />
pelo passado não deve se reduzir a uma simples erudição ou a um<br />
colorido complementar, posto que é compreendendo o direito como<br />
algo que se constrói e se realiza historicamente, e em contextos culturais<br />
específicos, que seremos capazes de diagnosticar o presente e de<br />
respondermos aos desafios da atualidade.<br />
RESUME<br />
Le but de cet article consiste en analyser les effets de la révolution<br />
numérique au domaine du droit processuel. Ainsi, on fait une étude<br />
comparative des formes de matérialisation ou inscription discursive,<br />
orale, écrite et numérique, avec quelques modèles historiques de<br />
procédure orale, écrite et numérique. Notre analyse cherche à remarquer<br />
comment les changements sont liés au développement de plusieurs<br />
compétences cognitives et aussi à l’émergence des nouvelles<br />
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Materialidades discursivas e modelos processuais...<br />
technologies de l’intelligence. Notre étude met en relief la nouvelle<br />
expérience introduite par la textualité numérique et ses impacts dans<br />
le droit. Notre analyse a évité de faire suivre des nouveaux dispositifs<br />
technologiques une conséquence directe pour l’expérience juridique,<br />
aussi bien que faire une prévision déterministe sur l’avenir du droit<br />
processuel. Notre étude cherche surtout à prendre en considération<br />
comment les dispositifs technologiques sont appropriés socialement,<br />
et notamment dans le domaine du droit processuel, et nous voudrions<br />
tout simplement montrer certaines appropriations faites, signaler les<br />
possibilités ouvertes, et indiquer quelques bornes et problèmes.<br />
Mots-clés: Révolution numérique. Modèles processuels. Matérialité<br />
discursive.<br />
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SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil.<br />
3 ed. São Paulo: Max Limonad, [s.d.]. V. I<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 347 -348 2012<br />
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Ricardo Adriano Massara Brasileiro / Marco Antônio Sousa Alves<br />
STEIN, Peter. I fondamenti del diritto europeu: profili sostanziali e<br />
processuali dell’evoluzione dei sistemi giuridici [Legal institutions:<br />
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Book 1.indb 348 27/4/2013 13:20:33
13<br />
Os novos paradigmas da arbitragem no<br />
âmbito societário: a extensão subjetiva<br />
da convenção arbitral<br />
Recebido: 31/07/2012<br />
Analisado: 26/11/2012<br />
Valesca Raizer Borges Moschen*<br />
Agatha Brandão de Oliveira**<br />
Vitória/ES<br />
limanet@terra.com.br<br />
Sumário<br />
1. Introdução. 2. O Desenvolvimento da Arbitragem<br />
no Brasil e o seu Potencial no Âmbito Societário. 3.<br />
A Extensão Subjetiva da Convenção Arbitral; 3.1<br />
Premissas basilares; 3.2 Razões e limites. 4. Análise<br />
Jurisprudencial entre a Autonomia da Cláusula<br />
Arbitral e a Extensão de seus Efeitos. 5. Conclusão.<br />
6. Referências.<br />
Resumo<br />
Este trabalho possui o intuito de fomentar a análise dos novos<br />
1<br />
paradigmas e desafios da arbitragem no campo societário. No contexto<br />
das relações comerciais, a arbitragem é uma ferramenta eficaz<br />
*<br />
Coordenadora do programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do<br />
Espírito Santo (UFES), e Doutora em Direito e Relações Internacionais pela Universidade<br />
de Barcelona.<br />
**<br />
Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), bolsista<br />
de Iniciação Científica pela FAPES desenvolvendo linha de pesquisa em Direito Internacional<br />
Privado.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 349 -370 2012<br />
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Valesca Raizer Borges Moschen / Agatha Brandão de Oliveira<br />
que auxilia na resolução de controvérsias complexas que surgem em<br />
contratos e grupos empresariais. Dessa forma, o presente artigo pretende<br />
discutir a problemática da “extensão” dos efeitos da cláusula<br />
compromissória arbitral perante terceiros. Apresentam-se as razões<br />
e os limites convenção arbitral, em observância ao princípio da autonomia<br />
e o consentimento das partes. Desenvolve-se, portanto, um<br />
escopo teórico sob o viés casuístico da análise jurisprudencial nos tribunais<br />
brasileiros, abordando casos emblemáticos que passaram pelo<br />
Superior Tribunal de Justiça.<br />
Palavras-chaves: Direito Internacional Privado. Arbitragem Comercial<br />
Internacional. Extensão da Cláusula Compromissória Arbitral.<br />
1 Introdução<br />
A promulgação da Lei de Arbitragem em 1996 1 e a ratificação<br />
da Convenção de Nova Iorque em 2002 2 propôs novos paradigmas<br />
para a arbitragem no Brasil. Na realidade hodierna, a arbitragem é<br />
um instrumento de acesso eficaz a justiça, contribuindo para a transformação<br />
da cultura legal com os métodos alternativos de resolução<br />
de conflitos e, assim, para o fortalecimento de uma justiça efetiva e<br />
a concretização de um regime democrático via essa materialização.<br />
Com o desenvolvimento desse mecanismo alternativo de resolução<br />
de litígios, várias questões pertinentes à prática arbitral encontram-se<br />
presentes no Judiciário brasileiro, como a “extensão” efeitos<br />
da cláusula compromissória em grupos societários. Neste trabalho,<br />
discutir-se-á a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o julgamento<br />
de casos emblemáticos como Trelleborg do Brasil Ltda. Et<br />
al vs Anel Empreendimentos Participações e Agropecuária Ltda.<br />
Na dinâmica das transações empresariais, a arbitragem surge<br />
como uma ferramenta que potencializa a esfera comercial e, por isso,<br />
os casos da “extensão” dos efeitos da cláusula compromissória são<br />
de extrema importância. Sob o prisma de casos concretos, o instituto<br />
1<br />
Lei nº 9.307/1996. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9307.<br />
htm>. Acesso em 04 de maio 2012.<br />
2<br />
Convenção sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras, feita<br />
em Nova York. Disponível em: . Acesso em 04 de maio 2012.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 350 -370 2012<br />
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Os novos paradigmas da arbitragem no âmbito societário...<br />
arbitral é analisado pela sua eficácia normativa elementar – comprovando<br />
que a extensão da cláusula compromissória às partes não signatárias<br />
se propõe a partir do pressuposto de consentimento.<br />
A discussão se pauta em três questionamentos principais: (i) Poderia<br />
uma parte que não assinou a convenção arbitral, invocar o pacto<br />
arbitral ou ser demandada com base nele? (ii) Seria possível estender<br />
a terceiros a convenção de arbitragem já que eles não participaram do<br />
nascedouro legítimo das vontades das partes? (iii) Se sim, como se<br />
conforma esse procedimento e quais seriam seus limites?<br />
Discute-se, portanto, as possibilidades e os limites da extensão<br />
da eficácia da cláusula arbitral para terceiros na configuração do liame<br />
societário. Esse contexto ocorre com frequência na situação de um<br />
contrato celebrado contendo uma cláusula arbitral e a possibilidade<br />
de outras empresas do grupo integrar a extensão da convenção arbitral,<br />
firmada pela controladora. Dessa forma, colocam-se em pauta<br />
diversas questões concernentes ao desafio da interpretação sobre a<br />
manifestação de vontade como basilar do procedimento arbitral.<br />
A complexidade desses aspectos reflete claramente a evolução<br />
do instituto da arbitragem no cenário nacional, perante um panorama<br />
internacional comparado. Em países onde a prática da arbitragem é<br />
consolidada, como na França e nos Estados Unidos, o tratamento da<br />
questão da ‘extensão’ da convenção arbitral expõe-se à luz da “teoria<br />
da unidade econômica dos grupos” 3 . Propõe-se, portanto, discutir as<br />
razões e os limites da eficácia da convenção arbitral, em que o cerne da<br />
questão é a possibilidade de extensão dos efeitos da cláusula compromissória<br />
perante o fundamento basilar da autonomia na Arbitragem.<br />
2 O Desenvolvimento da arbitragem no Brasil<br />
e o seu potencial no âmbito societário<br />
É importante iniciar esse assunto pontuando que o Brasil passou<br />
por um histórico de grande ceticismo acerca do instituto arbitral.<br />
Contudo, com o advento da Lei 9.307 de 1996, o julgamento de constitucionalidade<br />
dessa Lei, em 2001, e a ratificação da Convenção de<br />
3<br />
A teoria também é denominada “[...] teoria dos grupos de sociedades”. (COMPARATO,<br />
Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima, p. 363).<br />
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Valesca Raizer Borges Moschen / Agatha Brandão de Oliveira<br />
Nova Iorque, em 2002, permitiram que a Arbitragem ganhasse terreno<br />
em nosso país. Esse avanço significativo da arbitragem no sistema jurídico<br />
brasileiro advém das transformações profundas feitas pela Lei<br />
de Arbitragem e a influência do Direito Internacional, no contexto<br />
de desenvolvimento do comércio exterior e atração de investimentos<br />
estrangeiros para o país.<br />
Carlos Alberto Carmona expõe o atual panorama no Brasil:<br />
A arbitragem é hoje entendida pelo empresariado do País como o<br />
meio mais adequado para a solução de controvérsias de médio ou<br />
de grande porte, de caráter civil, comercial ou societário. Não se<br />
concebe mais celebrar um acordo de acionistas sem a inserção de<br />
uma cláusula compromissória, da mesma forma que se vão tornando<br />
raros os contratos de construção civil de maior complexidade<br />
(pequenas centrais hidrelétricas, plantas industriais, centros<br />
de compras) sem que os contratantes prevejam a solução de eventuais<br />
e futuros litígios com o emprego de árbitros especializados.<br />
Com efeito, o princípio pacta sunt servanda (o pactuado deve<br />
ser cumprido) precisa ser reforçado em nossa sociedade (grifo<br />
próprio). Quem contrata tem de saber que está vinculado ao que<br />
prometeu. E em sede de arbitragem, a pedra de toque do sistema<br />
está na cláusula compromissória inserida nos contratos, na qual<br />
as partes prometem que, havendo litígio (futuro e eventual, no<br />
momento da contratação), deverão solucioná-lo pela via arbitral.<br />
Inserida a cláusula no contrato, não pode uma das partes, unilateralmente,<br />
mudar de ideia e tentar ingressar no sistema processual<br />
estatal 4 .<br />
Dessa forma, verificam as perspectivas prósperas da arbitragem<br />
no Brasil em contraponto a um histórico de hermetismo processual.<br />
Nesse sentido, é de grande relevância a recente súmula aprovada pelo<br />
Superior Tribunal de Justiça 5 , no dia 28 de junho de 2012: “Arbitragem<br />
- Súmula 485: A Lei de Arbitragem aplica-se aos contratos<br />
que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua<br />
edição”.<br />
4<br />
CARMONA, Carlos Alberto. Segurança jurídica e o papel institucional do STJ. Artigo<br />
publicado no Estado de S. Paulo, 19 de junho de 2012.<br />
5<br />
10 novas súmulas aprovadas pelo STJ, disponível em: .<br />
Acesso em 30 de junho de 2012.<br />
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Os novos paradigmas da arbitragem no âmbito societário...<br />
As súmulas consistem em um resumo do entendimento consolidado<br />
nos julgamentos da Corte; embora não tenham efeito vinculante,<br />
servem de orientação a toda a comunidade jurídica sobre a jurisprudência<br />
firmada pelo tribunal que tem a missão constitucional de unificar<br />
a interpretação da lei federal no país.<br />
A súmula supracitada demonstra que há um respaldo de cooperação<br />
jurisdicional que garante o pleno desenvolvimento da arbitragem,<br />
com o adequado reconhecimento do instituto por parte do Poder<br />
Judiciário. Percebe-se que, no período de mais de 15 anos de vigência<br />
da lei de Arbitragem, a arbitragem se consolidou como meio efetivo<br />
e vantajoso de solução de controvérsias no Brasil. É, portanto, instrumento<br />
essencial para o desenvolvimento econômico do nosso país,<br />
ratificando sua inegável eficácia. Nessa jornada, é imprescindível ressaltar<br />
a força jurisprudencial que o STJ 6 concede para a efetividade<br />
da nossa moderna legislação em consonância com os principais diplomas<br />
internacionais. Demonstrando um adequado conhecimento sobre<br />
as características da arbitragem internacional 7 , comprova-se que há<br />
segurança jurídica 8 nas decisões em matéria de arbitragem, um fator<br />
decisivo para o investimento estrangeiro 9 no âmbito societário.<br />
É válido ressaltar que a alteração legislativa decorrente da Lei<br />
nº 10.303, de 31.10.2001 – incluindo o §3º ao art. 109 da Lei das Sociedades<br />
Anônimas – constitui um aspecto deveras importante nessa<br />
6<br />
“É fundamental e decisiva a participação do STJ nesta nova era do Brasil, em que a arbitragem<br />
passa a ser uma constante nos contratos. Proteger a escolha das partes por esse<br />
meio adequado de solução de conflitos significa criar uma cultura de previsibilidade. A<br />
ideia de que a convenção de arbitragem deve ser respeitada, favorecida pela corte, coloca<br />
o Brasil na rota da modernidade e, muito mais do que isso, mostra aos cidadãos e aos<br />
estrangeiros que este é um país sério”. (CARMONA, Carlos Alberto. Segurança jurídica<br />
e o papel institucional do STJ. Estado de S. Paulo, 2012 jun 19).<br />
7<br />
Ao julgar as homologações de sentenças arbitrais estrangeiras SEC 831/EX, SEC 1210/<br />
EX e SEC 349/EX, o STJ afirma que a presença de cláusula arbitral no contrato é suficiente<br />
à instauração da arbitragem.<br />
8<br />
É essa previsibilidade que dá estabilidade às relações jurídicas e que oferece aos cidadãos,<br />
em geral, e aos empresários, de maneira especial, a segurança jurídica que faz crescer a<br />
economia do País.<br />
9<br />
Em recente notícia publicada em um dos maiores periódicos espanhóis (El País,<br />
21/5/2012), é atestado que o Brasil, dada a segurança jurídica que ostenta para a comunidade<br />
internacional, é um dos maiores receptores de capital estrangeiro na América Latina.<br />
Segundo a reportagem, em 2011 o Brasil foi o maior receptor de capitais estrangeiros,<br />
superando em muito México, Chile, Colômbia e Peru juntos.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 353 -370 2012<br />
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Valesca Raizer Borges Moschen / Agatha Brandão de Oliveira<br />
análise, pois dispõe que o estatuto da sociedade poderá estabelecer a<br />
arbitragem como meio de solução das divergências entre os acionistas<br />
e a companhia, ou entre os acionistas.<br />
Exemplo emblemático nesse contexto é o caso Odebrecht, que<br />
começou a tramitar no segundo semestre de 2012 no STJ, com recurso<br />
contra a decisão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) que<br />
ordenou a realização de uma audiência de conciliação e arbitragem,<br />
reconhecendo a convenção já existente. Essa é uma questão sobre a<br />
aplicabilidade da cláusula arbitral no contexto societário, em que uma<br />
parte gostaria de resolver a controvérsia sobre compras de ações pela<br />
via arbitral e recorre ao Judiciário para obter esse reconhecimento 10 .<br />
Pedro Batista Martins também demonstra com louvor que<br />
No Brasil, a batalha em favor da arbitragem registrou importantes<br />
vitórias quando se reconheceu, sucessivamente, nos vários níveis<br />
do Poder Judiciário, a constitucionalidade da Lei n. 9.307/96, a<br />
dispensa do compromisso arbitral quando há cláusula compromissória,<br />
e a viabilidade de ser usada a arbitragem nos conflitos com<br />
a Administração Pública e, em certos casos, nos processos decorrentes<br />
da insolvência ou recuperação judicial ou extrajudicial do<br />
devedor. Hoje, a luta se concentra em alguns aspectos secundários,<br />
mas não desprezíveis, da interpretação da cláusula compromissória<br />
como a chamada “cláusula por referência” (grifo<br />
próprio), à qual aludimos. É função dos advogados e dos árbitros<br />
ampliar adequadamente a incidência da cláusula compromissória<br />
quando decorrente tanto da vontade das partes como da natureza<br />
do negócio, ou dos usos e costumes. É este o atual front, no qual<br />
prossegue a batalha em favor da arbitragem. A nossa conclusão é,<br />
pois, que no mundo globalizado do século XXI e, em particular,<br />
no Brasil, considerado com líder dos BRICs no campo do direito,<br />
a cláusula compromissória deixou de ser anormal ou exótica. Imperativa<br />
em certos setores, como os do comércio internacional, ela<br />
passou a ser usual nas relações negociais em nosso país, especial-<br />
10<br />
Já a Odebrecht não reconhece a aplicabilidade da cláusula arbitral no contrato, pois apenas<br />
seria uma das opções, não a única forma de resolver conflitos. A cláusula 11.8 do acordo<br />
de acionistas, diz, segundo a inicial da Kieppe (empresa dos Odebrecht), que “as dúvidas<br />
ou divergências deverão ser resolvidas por mediação ou arbitragem”. Com a existência da<br />
palavra “ou”, o advogado coloca que não há acordo inequívoco de vontades para que se<br />
adote a jurisdição paraestatal, o que seria necessário para que a arbitragem fosse utilizada<br />
no conflito.<br />
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Os novos paradigmas da arbitragem no âmbito societário...<br />
mente no direito societário, nos contratos de construção civil e nos<br />
de fornecimento. A arbitragem corresponde a uma necessidade,<br />
em virtude da demora da Justiça, da complexidade crescente dos<br />
litígios e da falta de especialização na área comercial de alguns integrantes<br />
do Poder Judiciário, em matérias que exigem velocidade<br />
na solução de conflitos 11 .<br />
3 A extensão subjetiva da convenção arbitral:<br />
3.1 Premissas basilares<br />
Há uma série de premissas a respeito da visão sobre a Lei de<br />
Arbitragem, abrangendo questões que vão desde a intenção de eventualmente<br />
levar a julgamento arbitral um litígio que ainda não existe<br />
(inserção no contrato de uma cláusula compromissória) até a eficácia<br />
da sentença arbitral 12 . Os principais conceitos desenvolvidos são:<br />
(i) A cláusula arbitral e o compromisso arbitral são designados<br />
em conjunto como convenção arbitral pela Lei 9.307/96 13 , pois o ímpeto<br />
do legislador de 1996 era a implementação de uma fórmula efetiva<br />
de solução alternativa de controvérsias com respaldo do Estado,<br />
no que concerne o valor da cláusula compromissória. A cláusula compromissória<br />
não é ato preparatório ou preliminar do compromisso arbitral;<br />
por si só, é suficiente para que o árbitro assuma sua função e dê<br />
início ao processo arbitral, sem que haja necessidade de qualquer ouro<br />
providência. O Código de Processo Civil, no artigo 301, IX, acompanha<br />
esse entendimento dispondo que a convenção de arbitragem é<br />
matéria que o réu deve alegar antes de discutir o mérito, permitindo<br />
ao juiz que se afaste do processo (extinção do processo sem julgamento<br />
do mérito) diante da vontade manifestada pelas partes de resolver<br />
11<br />
MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitrabilidade e as Ressalvas Constantes do Artigo II (3)<br />
da Convenção de Nova Iorque. p. 121 -123.<br />
12<br />
“A fundamental premise of arbitration is the necessity for the parties to agree to arbitrate a dispute<br />
rather than proceed to litigation. An arbitration award is final and binding”. (KAZUTAKE,<br />
Okuma. Party Autonomy in International Commercial Arbitration: Consolidation of Multiparty<br />
and Classwide Arbitration. 9 Ann. Surv. Int’l & Comp. 189, 2003).<br />
13<br />
Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Disponível em: . Acesso em: 20 jun 2012.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 355 -370 2012<br />
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Valesca Raizer Borges Moschen / Agatha Brandão de Oliveira<br />
futuras controvérsias através do julgamento arbitral. Isso demonstra<br />
um grande incentivo à arbitragem e à vontade manifestada pelas partes<br />
em resolver disputas através deste meio alternativo de solução de<br />
litígios.<br />
(ii) A Lei de Arbitragem está centrada em um importantíssimo<br />
pilar: a autonomia da vontade 14 . Tal compreensão conduz a essência<br />
da arbitragem, que é o liame de consentimento. A jurisdição arbitral<br />
deriva exclusivamente do acordo entre as partes no qual escolhem 15<br />
a arbitragem como via de resolução de controvérsias. Assim, o princípio<br />
da autonomia se manifestaria no corolário de que a jurisdição<br />
arbitral apenas é posta àqueles que estão vinculados privativamente à<br />
convenção arbitral. Contudo, o conteúdo da autonomia não pode ser<br />
interpretado de maneira restritiva – não deve criar empecilhos a disposição<br />
das partes de submeter-se ao procedimento arbitral. É válido<br />
ressaltar que a interpretação da cláusula arbitral consiste em sempre<br />
prezar pela inequívoca intenção das partes. A hipótese proposta por<br />
essa pesquisa é comprovar a coesão dessas duas perspectivas. Nesse<br />
sentido, a determinação da abrangência da eficácia da cláusula arbitral<br />
depende da atitude das partes ao contrato-base que a contém,<br />
perante o princípio da autonomia. Tal princípio é consagrado nos mais<br />
diversos Regulamentos de Arbitragem Internacional, como disposto<br />
no artigo 16 da lei modelo UNCITRAL 16 e está presente em nosso<br />
sistema jurídico nacional no artigo 8º, da Lei de Arbitragem 17 .<br />
14<br />
“Autonomia com responsabilidade, o que tem preço. Em termos vulgares, quem disser:<br />
“quero arbitragem”, não se livra mais dela, a não ser que os dois contratantes resolvam,<br />
consensualmente, abandonar a via arbitral em prol da solução negociada ou da solução<br />
judicial”. (CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São<br />
Paulo: Ed. Malheiros, 1993. p. 19).<br />
15<br />
“The parties themselves decide the method and scope of arbitration; party autonomy<br />
is recognized”. (KAZUTAKE, Okuma. Party Autonomy in International Commercial<br />
Arbitration: Consolidation of Multiparty and Classwide Arbitration. 9 Ann. Surv. Int’l &<br />
Comp. 189, 2003).<br />
16<br />
United Nations Commission on International Trade Law, referente à Arbitragem Comercial<br />
Internacional. Disponível em: . Acesso em<br />
04 de maio 2012.<br />
17<br />
Art. 8º, L. 9.307/96: A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em<br />
que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade<br />
da cláusula compromissória.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 356 -370 2012<br />
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Os novos paradigmas da arbitragem no âmbito societário...<br />
(iii) A Arbitragem potencializa a esfera comercial. A cláusula<br />
arbitral, presente em 90% dos contratos internacionais 18 , desenvolve<br />
novos paradigmas na prática, como a extensão de seus efeitos no<br />
contexto dos grupos societários e teias contratuais. O fenômeno da<br />
extensão subjetiva ocorre onde há partes não signatárias da convenção<br />
arbitral inicial, mas, tacitamente, fazem parte do polo de sujeitos<br />
a serem demandados pela cláusula arbitral. A discussão do assunto<br />
ganha reconhecimento a partir do caso francês Dow Chemical 19 e o<br />
desenvolvimento na Câmara de Comércio Internacional (CCI). Esses<br />
preceitos seguem a concepção de Fouchard, que preleciona:<br />
The “extension” of the arbitration agreement does not cover all<br />
situations in which the issue of the subjective scope of the arbitration<br />
agreement arises. Indeed, whereas “extension” relates to<br />
situations in which a third party becomes party, willingly or not,<br />
to an existing arbitration agreement, it does not comprise the situation<br />
in which a third party replaces one of the original parties<br />
to the arbitration agreement, which arises when a contract containing<br />
an arbitration agreement is transferred to a third party,<br />
as a result of a contract assignment, a merger of companies or<br />
inheritance law 20 .<br />
Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as<br />
questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do<br />
contrato que contenha a cláusula compromissória.<br />
18<br />
RECHSTEINER, Beat Walter. Arbitragem Privada Internacional no Brasil: Depois da<br />
nova Lei 9.307, de 23.09.1996: Teoria e Prática. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,<br />
2001. p. 123.<br />
19<br />
French case law holds an arbitration agreement to be valid provided only that it reflects<br />
the common intention of the parties. This has fostered the development of very liberal<br />
case law, which started in the Dow Chemical v. Isover-Saint-Gobain case and culminated<br />
in a decision of the Cour d’Appel de Paris of 1995, in which the court held, in<br />
substance, that the self-standing validity of an arbitration agreement in an international<br />
contract requires that its scope be extended to parties which are directly implicated in the<br />
performance of the contract and in the disputes that may arise therefrom, as long as it is<br />
established that their situation and activities gives rise to the presumption that they were<br />
aware of the existence and the scope of the arbitration agreement, even though they were<br />
not named in the contract containing it.<br />
20<br />
GAILLARD, E. SAVAGE, J. Fouchard Gaillard Goldman on International Arbitration.<br />
Kluwer Law, 1999. p. 326.<br />
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Valesca Raizer Borges Moschen / Agatha Brandão de Oliveira<br />
3.2 Razões e limites<br />
Na dinamicidade das relações comerciais, a arbitragem, dentre<br />
os mecanismos alternativos de resolução de conflitos, surge como<br />
uma eficaz ferramenta para auxiliar a resolução de casos mais complexos,<br />
em prol dos benefícios da celeridade, especialidade, sigilo e<br />
efetividade no julgamento do litígio. Sob o prisma casuístico, analisa-se<br />
a “extensão” dos efeitos da cláusula arbitral em grupos societários e<br />
teias contratuais, discutindo as razões e os limites da eficácia dessa<br />
convenção perante a autonomia da cláusula compromissória. Na doutrina<br />
internacional, essa é reflexão é feita segundo a problemática do<br />
envolvimento de terceiros em “Complex arbitration – How far does<br />
“any dispute related to the […] agreement” go?” 21 .<br />
A abrangência subjetiva da cláusula compromissória é o objeto<br />
do presente artigo e, no contexto societário, é regida pelo parágrafo<br />
3º acrescentado ao art. 109 da Lei 10.303 22 : “o estatuto da sociedade<br />
pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia,<br />
ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários,<br />
poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos em que<br />
especificar”. De acordo com os preceitos de Carmona,<br />
Se, no momento da constituição da companhia, fizeram os sócios<br />
consignar que as disputas entre controladores e minoritários, ou<br />
entre sócios e companhia serão resolvidas por via arbitral, a cláusula<br />
compromissória obrigará a todos os signatários (sócios fundadores),<br />
sócios estes que terão manifestado declaração de vontade<br />
inequívoca no sentido de derrogar a competência da autoridade<br />
judiciária. Os acionistas que firmarem qualquer ato societário posterior<br />
à constituição da companhia, onde reste expressa a renúncia<br />
à competência do juiz togado, estarão igualmente vinculados à arbitragem.<br />
O problema está em saber se os sócios que não firma-<br />
21<br />
SEGESSER, George. Third parties and arbitration clauses in promissor/promissee contract:<br />
“In a decision, the Swiss Federal Supreme Court held that the arbitration clause<br />
contained in a License Agreement for boxing equipment, interpreted by the CAS arbitral<br />
tribunal as referring to any dispute related to the said agreement, could equally cover<br />
disputes arising out of other related contracts, such as the contract for the sale of the<br />
same boxing equipment” (4A_103, September 2011).<br />
22<br />
Importante modificação na Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), provendo um<br />
novo impulso à arbitragem em matéria societária.<br />
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Os novos paradigmas da arbitragem no âmbito societário...<br />
ram ato algum (omitiram-se, portanto), ou votaram contrariamente<br />
à alteração estatutária que pretenda inserir no regulamento da<br />
companhia a cláusula compromissória estariam vinculados a uma<br />
eventual arbitragem com a qual não teriam previamente consentido.<br />
O estatuo social, desnecessário dizer, é um e único para todos<br />
os sócios. Trata-se de lei interna, reguladora, principalmente, dos<br />
direitos e obrigações dos sócios em suas relações recíprocas e com<br />
terceiros. (...) Parece-me que a resposta está baseada na necessidade<br />
de a deliberação sobre a inclusão da cláusula ser sempre<br />
unânime, contando com a adesão de todos os sócios. Em conclusão,<br />
o interessado em adquirir ações – inclusive no mercado aberto<br />
– deverá tomar o cuidado de conhecer previamente o estatuto da<br />
companhia a que irá aderir 23 .<br />
No contexto de valorização da arbitragem, em especial no direito<br />
societário, vislumbra-se que, quando a sociedade empresarial<br />
é constituída já com cláusula compromissória, todos os sócios estão<br />
vinculados à arbitragem. Entretanto, surgem divergências quando a<br />
cláusula é inserida por posterior alteração do estatuto social, sem que<br />
tenha havido votação unânime, ou, especialmente, quando novo sócio<br />
passa a integrar a sociedade, sem expressamente manifestar concordância<br />
com a arbitragem. A fim de serem reduzidas as incertezas que<br />
envolvem a controvérsia, é desde logo possível tomar certos cuidados,<br />
segundo Carmona, como transparência e acesso à informação. Desse<br />
modo, sempre deveria haver a preocupação de informar os atuais e<br />
potenciais sócios sobre a adoção da cláusula compromissória 24 , prezando-se<br />
para que a declaração de vontade dos sócios seja manifesta.<br />
O posicionamento consagrado na doutrina internacional consiste<br />
em afirmar a predisposição expansiva dos efeitos da eficácia da<br />
cláusula arbitral:<br />
In international arbitration law, the effects of the arbitration clause<br />
extend to parties directly involved in the performance of the<br />
contract, provided that their respective situations and activities<br />
23<br />
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei n 9.307/96.<br />
São Paulo: Editora Atlas S.A., 2004. p. 110 e 111.<br />
24<br />
CARDOSO, Guilherme. Sócios minoritários e a arbitragem societária. Jornal Valor Econômico,<br />
2012 abr 26. Disponível em: .<br />
Acesso em 15 de junho de 2012.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 359 -370 2012<br />
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Valesca Raizer Borges Moschen / Agatha Brandão de Oliveira<br />
raise the presumption that they were aware of the existence and<br />
scope of the arbitration clause, so that the arbitrator can consider<br />
all economic and legal aspects of the dispute 25 .<br />
O cerne dessa apreciação confirma que a abrangência da eficácia<br />
da cláusula arbitral depende da autonomia da vontade das partes<br />
ao escopo do contrato-base e sua extensão. Deve-se considerar um<br />
novo paradigma para a compreensão de “partes” e “terceiros” 26 , não<br />
sendo figuras jurídicas impermeáveis, sim flexíveis perante os conceitos<br />
de boa-fé e a função teleológica da jurisdição arbitral. Propõe-se,<br />
dessa maneira, a essência da arbitragem como um liame contratual.<br />
Jean-Pierre Ancel 27 é um dos grandes doutrinadores que demonstra<br />
essa perspectiva da formação da cláusula compromissória como um<br />
acordo de vontades intrinsecamente ligado à negociação das cláusulas<br />
substanciais do contrato principal: as partes contratantes quiseram<br />
estender-se sobre as disposições de mérito e ao mesmo tempo submeter<br />
seus eventuais litígios à arbitragem, em um conjunto indissociável<br />
à sua vontade comum criadora de laços contratuais.<br />
Nos casos de cessão de créditos, transmissão e subrogação contratual,<br />
há um panorama claro: A substituição da contratante original<br />
pressupõe a assumpção dos direitos, deveres e obrigações presentes<br />
no contrato – bem como a própria cláusula arbitral inserida.<br />
Portanto, para determinar o escopo da “extensão” dos efeitos da<br />
cláusula arbitral, é necessário fazer uma análise fática na configuração<br />
das circunstâncias no caso concreto. Assim, a cláusula arbitral tem<br />
uma validade e eficácia/efetividade inerente a si e pode ser estendida<br />
a terceiros que estavam envolvidos diretamente com a performance<br />
do contrato. Analisa-se a operação econômica e suas vantagens que<br />
trazem causa a arbitragem e seu litígio, sendo isso o fundamento basilar<br />
para compreender as razões da extensão dos efeitos da cláusula<br />
compromissória arbitral.<br />
25<br />
GAILLARD, E. SAVAGE, J. Fouchard Gaillard Goldman on International Arbitration.<br />
Kluwer Law, 1999. p.428.<br />
26<br />
MARTINS, Pedro Martins. Arbitragem e intervenção voluntária de terceiros: uma proposta.<br />
In: Direito Civil e Processo. Estudos em homenagem ao Professor Arruda Alvim.<br />
São Paulo, RT, 2008.<br />
27<br />
ANCEL, J P. L’actualité de l’autonomie de la clause compromissoire. In: Travaux du<br />
comité français de droit international privé: annés 1991-1993. Paris: CNRS.<br />
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Os novos paradigmas da arbitragem no âmbito societário...<br />
Conclui-se, nessa visão contratualista, que o comportamento<br />
das partes, tanto durante a negociação, celebração e execução do contrato,<br />
quanto na própria arbitragem, não pode ser ignorado. Evita-se,<br />
assim, que as partes faltem com o dever de agir de boa-fé, que prevaleçam<br />
manobras protelatórias ou que se configure o venire contra<br />
factum proprium no âmbito da homologação da sentença arbitral estrangeira.<br />
É matéria na qual a interpretação deve obedecer aos princípios<br />
básicos que orientaram nosso Código Civil de 2002, quais sejam:<br />
a eticidade, a socialidade e operabilidade.<br />
Por fim, é importante dizer que existem limites inderrogáveis a<br />
segurança jurídica, como a confiança e a pessoalidade entre as partes<br />
que firmaram a convenção arbitral; contudo é admissível uma flexibilidade<br />
a terceiros desde que haja um compromisso maior acerca da<br />
manifestação da vontade na arbitragem.<br />
4 Análise jurisprudencial entre a autonomia<br />
da cláusula arbitral e a extensão de seus<br />
efeitos<br />
Em uma perspectiva geral, a convenção arbitral se reporta como<br />
um contrato 28 entre as partes e surge na forma de cláusula arbitral –<br />
ou cláusula compromissória – nele inserido. É interesse ressaltar o<br />
quesito do contrato no âmbito internacional, o qual pode ser elaborado<br />
entre sujeitos que pertencem a diferentes ordenamentos jurídicos,<br />
mas que partem do preceito de autonomia das vontades, da pacta sunt<br />
servanta 29 , do consensualismo e da boa-fé. Afirma-se, portanto, que a<br />
formação da convenção arbitral é mais do que uma mera manifestação<br />
de vontade das partes, é um liame contratual, que determina sua<br />
28<br />
ARAÚJO, Nádia de. A Nova Lei de arbitragem brasileira e os “princípios uniformes dos<br />
contratos comerciais internacionais”, elaborados pelo UNIDROIT. In: Arbitragem: lei<br />
brasileira e praxe internacional, por Marco Maciel. São Paulo: Editora LTr, 1999.<br />
29<br />
Carlos Alberto Carmona, dissertando sobre a cláusula arbitral – os problemas de direito<br />
intertemporal e limites de sua extensão, expõe que: “Em síntese, pacta sunt sevanda: a<br />
parte que se obrigou, por contrato, a resolver controvérsias eventuais e futuras através da<br />
arbitragem, não pode simplesmente mudar de idéia, sendo clara a intenção do legislador<br />
no sentido de tornar realmente eficaz esta manifestação de vontade que, sob o império das<br />
leis processuais de 1939 e de 1973, andava negligenciada”.<br />
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Valesca Raizer Borges Moschen / Agatha Brandão de Oliveira<br />
eficácia, cumprimento e efetividade. Carlos Alberto Carmona 30 é incisivo<br />
em dissertar sobre o pilar da autonomia da vontade na arbitragem<br />
e a responsabilidade inerente ao consenso.<br />
Cabe, neste momento, demonstrar o alcance da eficácia da<br />
autonomia da vontade na arbitragem nos casos concretos. Sendo a<br />
Convenção Arbitral a peça maestra da instituição da arbitragem, o<br />
conteúdo da autonomia não pode ser interpretado de maneira restritiva,<br />
especialmente no sentido que não criar empecilhos a disposição<br />
das partes de submeter-se ao procedimento arbitral. Disso se deduz,<br />
também, que a cláusula arbitral deve sempre prezar pela inequívoca<br />
intenção das partes, como bem afirmado pela jurisprudência internacional<br />
31 . Analisa-se, por exemplo, a interpretação de uma cláusula arbitral<br />
na Sentença da Sala Primeira da Corte Suprema da Costa Rica,<br />
em 3 de março de 2005 (Atrium Development, S.A/Residencias del<br />
Caribe SA), afirmando tais pressupostos:<br />
de la existencia del acuerdo inequívoco de someter el conflicto<br />
a una solución alterna como lo es el arbitraje Y, en ella misma,<br />
se consignó la posibilidad de que las partes renunciaran a dicha<br />
convención, lo cual no aconteció. De manera que, si no nació a<br />
la vida jurídica un “documento posterior” en que se renunciara a<br />
esa vía, se colige la vigencia de la aludida norma, la cual adquirió<br />
toda su eficacia al ejercitar la actora la facultad que contempla<br />
de permitid acudir a dicha forma alterna de solución de la controversia<br />
surgida.<br />
A hipótese deste artigo é comprovar a coerência de que a determinação<br />
da abrangência da eficácia da cláusula arbitral depende<br />
da atitude das partes relativamente ao contrato-base que a contém,<br />
perante o princípio da autonomia. Tal princípio, como já dito anteriormente,<br />
é imperioso na Arbitragem Comercial Internacional, sendo<br />
consagrado pelo sistema nacional no artigo 8º 32 , da Lei de Arbitra-<br />
30<br />
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei n 9.307/96.<br />
São Paulo: Editora Atlas S.A., 2004. p. 180 e ss.<br />
31<br />
ROZAS, José Carlos Fernández. Tratado del Arbitraje Comercial en América Latina. Madrid,<br />
2008: Iustel. p. 615.<br />
32<br />
L. 9.307/1996, Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em<br />
que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade<br />
da cláusula compromissória.<br />
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Os novos paradigmas da arbitragem no âmbito societário...<br />
gem; além de constar nos mais diversos Regulamentos de Arbitragem,<br />
como disposto no artigo 16 da lei modelo UNCITRAL 33 .<br />
Na realidade, é comum que o contrato celebrado entre as partes,<br />
embora não contenha expressamente cláusula compromissória, faça<br />
referência a outro documento que a contém. É o caso, por exemplo,<br />
de contratos com referência expressa a outra avença celebrada entre<br />
as mesmas partes, esta última contendo cláusula compromissória, ou,<br />
ainda, de contratos submetendo o negócio às regras de uma instituição<br />
ou associação de determinado setor do mercado, como, por exemplo,<br />
as regras do Novo Mercado da BOVESPA 34 , que preveem expressamente<br />
a utilização da arbitragem.<br />
Dessa maneira, a chamada “cláusula por referência” é discutida<br />
pelos tribunais brasileiros, pois se torna cada dia mais frequente nas<br />
teias contratuais. Eis que o TJ-SP analisou um caso paradigmático<br />
nesse sentido, sobre a extensão da cláusula arbitral à parte não signatária<br />
do contrato em que estava inserida e a sua incidência sobre o<br />
cessionário do contrato, sem necessidade de concordância expressa<br />
deste 35 . No caso Trelleborg do Brasil Ltda. Et al vs Anel Empreendimentos<br />
Participações e Agropecuária Ltda. 36 , concernente aos contratos<br />
de compra e venda de ações, estabeleceu-se que a cláusula compromissória<br />
prevista nos contratos celebrados se estendia à holding<br />
Parágrafo único: Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as<br />
questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato<br />
que contenha a cláusula compromissória.<br />
33<br />
United Nations Commission on International Trade Law, referente a Arbitragem Comercial<br />
Internacional. Disponível em:
Valesca Raizer Borges Moschen / Agatha Brandão de Oliveira<br />
do grupo Trelleborg. Embora a controladora da subsidiária brasileira<br />
não tivesse assinado qualquer dos contratos, entendeu a 7ª Câmara de<br />
Direito Privado do TJ-SP que a holding estava sujeita à arbitragem,<br />
tendo em vista a comprovação de que havia participado ativamente de<br />
toda a negociação e execução das avenças. Nesse mesmo âmbito da<br />
extensão dos efeitos da cláusula compromissória em caso de cessão<br />
de contrato decorrente de incorporação societária, o STJ, no caso Spie<br />
Enertrans S.A vs Inepar S.A Indústria e Construções 37 , decidiu ser admissível<br />
a extensão, ainda que não tenha havido aceitação específica<br />
da cláusula compromissória pelo cessionário. A sua adesão à arbitragem<br />
decorria do fato de se subrogar em todos os direitos e obrigações<br />
do cedente, abrangendo, inclusive, a cláusula compromissória 38 .<br />
Por se tratar de uma jurisprudência recente que apenas vem<br />
sendo consolidada nos últimos dez anos, ainda não há uma resposta<br />
uniforme dos tribunais brasileiros quanto à necessidade da cláusula<br />
compromissória sempre ser explícita. Nota-se, contudo, que a tendência<br />
dos tribunais é no sentido de não deixar o formalismo prevalecer<br />
sobre a intenção e o comportamento das partes, enfatizando a importância<br />
de usos e costumes da área comercial, especialmente no campo<br />
internacional, atentando para as novas interpretações que vêm sendo<br />
dadas aos princípios da Convenção de Nova Iorque pelos outros ordenamentos<br />
jurídicos, pela UNCITRAL e pela doutrina, tanto nacional<br />
quanto estrangeira.<br />
Assim, a intervenção de terceiros no procedimento arbitral se<br />
coloca como uma exceção a regra geral 39 de que a cláusula arbitral<br />
só pode produzir efeitos entre as partes que as assinou, visto que a<br />
37<br />
STJ, Corte Especial, SEC 831/FR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 3-10-2007, Revista<br />
de Arbitragem e Mediação, Revista dos Tribunais, n. 16, p. 255 e s., jan./mar/ 2008).<br />
38<br />
MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitrabilidade e as Ressalvas Constantes do Artigo II (3)<br />
da Convenção de Nova Iorque. p. 121 -123.<br />
39<br />
Prescindiendo de la posición que se adopte en torno a la institución es indudable que el<br />
arbitraje es una cuestión de naturaleza contractual por lo que una parte que no puedo<br />
ser obligada a someterse a un procedimiento que le es ajeno; dicho en otras palabras,<br />
quienes no han suscrito un convenio arbitral no pueden invocar derechos ni quedar sometidos<br />
a las obligaciones que de él dimanen. Bien es verdad que, como regla general, la<br />
cláusula arbitral sólo puede producir efectos entre las partes que la han suscrito. Ahora<br />
bien, sentada la regla general algunas excepciones han sido confirmadas de manera<br />
expresa en ciertos sistemas estatales de arbitraje. (ROZAS, José Carlos Fernández. Tratado<br />
del Arbitraje Comercial en América Latina. Madrid, 2008: Iustel. p. 619)<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 364 -370 2012<br />
Book 1.indb 364 27/4/2013 13:20:34
Os novos paradigmas da arbitragem no âmbito societário...<br />
prática atual mostra reiteradamente que a cláusula arbitral se depara<br />
com uma predisposição expansiva de sua eficácia, a respeito das relações<br />
que concernem as partes que originalmente subscreveram e a<br />
extensão desses efeitos do convenio arbitral a partes que não tenha<br />
assinado o mesmo.<br />
As possibilidades hodiernas superam a visão de que a “submissão<br />
ao juízo arbitral só obriga às partes que o contrataram.” Trata-se de<br />
uma verdade (no sentido estrito da res inter alios acta) que, posta frente<br />
a determinadas situações jurídicas torna-se relativa. É o caso, por<br />
exemplo, dos subscritores não acionistas de ações emitidas por companhia<br />
que contempla em seu estatuto uma cláusula compromissória.<br />
Ao passar a integrar a comunidade de sócios da empresa emitente, o<br />
novo acionista se subordina aos efeitos da arbitragem convencionada<br />
anteriormente ao seu ingresso na sociedade, independentemente de<br />
consentimento expresso para tal efeito. Por se caracterizar como um<br />
contrato aberto, os contratantes originários não se confundem com os<br />
subsequentes, podendo aqueles, inclusive, deixar de se subordinar à<br />
eficácia da cláusula pela mera cessão da participação acionária. Por<br />
isso, é importante indagar se o terceiro requer seu ingresso no processo<br />
de arbitragem e, espontânea e voluntariamente, concorda em<br />
aderir à cláusula de arbitragem anteriormente contratada pelas partes<br />
em disputa. Essa é a primeira situação posta, mas a maioria dos casos<br />
apresenta uma realidade mais complexa no que tange a manifestação<br />
da vontade das partes e o terceiro, bem como até mesmo o conflito de<br />
condições de eventuais cláusulas arbitrais já existentes.<br />
A Câmara de Comércio Internacional de Paris (CCI) estabeleceu<br />
tais disposições em um precedente paradigmático, o leading case<br />
Dow Chemical 40 . Nele, há o reconhecimento de que, se uma sociedade<br />
do grupo aceita a convenção de arbitragem, existe a possibilidade<br />
40<br />
Arnoldo Wald relata o precedente, citando o seguinte trecho da decisão proferida no caso<br />
da CCI 4131 (Isover Saint-Gobain versus Dow Chemical): “(...) a cláusula compromissória<br />
expressamente aceita por determinadas sociedades do grupo deve vincular as outras<br />
sociedades que, em virtude do papel que tiveram na conclusão, na execução ou na resilição<br />
dos contratos contendo as referidas cláusulas e, de acordo com a vontade comum de<br />
todas as partes no procedimento, aparentam terem sido verdadeiras partes nos contratos,<br />
ou terem sido consideravelmente envolvidas pelos mesmos e pelos litígios que deles podem<br />
resultar” (“A arbitragem, os grupos societários e os conjuntos de contratos conexos”,<br />
in Revista de Arbitragem e Mediação, 2:31-59, esp. p.33).<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 365 -370 2012<br />
Book 1.indb 365 27/4/2013 13:20:34
Valesca Raizer Borges Moschen / Agatha Brandão de Oliveira<br />
de envolver outras companhias que tenham tido papel relevante na<br />
performance do contrato.<br />
A extensão da eficácia da cláusula compromissória arbitral pode<br />
ser de grande amplitude, ou seja, abrange vários contratos apenas com<br />
referência ao principal 41 . Se duas sociedades, por meio de fusão, criam<br />
uma terceira sociedade conjunta, esta deverá suceder as sociedades<br />
que se fundiram, em seus direitos e obrigações. Nesse contexto, as<br />
cláusulas compromissórias contidas em documentos contratuais celebrados<br />
pelas sociedades que deram origem à sociedade resultante da<br />
fusão serão transmitidas para esta, ocorrendo mesmo no caso de cisão<br />
ou incorporação.<br />
Portanto, a autonomia da cláusula compromissória não deve<br />
representar obstáculo à abrangência de não signatárias quando a<br />
vontade destas se manifesta através de um comportamento concludente,<br />
durante a negociação, a conclusão a execução ou a rescisão<br />
do contrato litigioso. Em seu conteúdo, a cláusula arbitral se mostra<br />
inseparável das demais estipulações do contrato e não há como isolar<br />
a cláusula compromissória desse complexo de direitos e obrigações<br />
contratuais consubstanciados no contrato, quando da interpretação da<br />
vontade contratual.<br />
Já nos grupos de direito, ao contrário, a sociedade controladora<br />
pode impor às controladas políticas administrativas, financeiras,<br />
operacionais e subordinar interesses de certas sociedades em relação<br />
aos das outras ou em relação ao grupo, transferindo lucros e prejuízos,<br />
desde que obedecida a convenção. Carmona também expõe que,<br />
mesmo se o árbitro percebe confusão patrimonial entre sociedades do<br />
mesmo grupo, não é possível a inclusão na arbitragem de sociedade<br />
que não tenha celebrado o compromisso arbitral (ou que não seja signatária<br />
do contrato onde está inserida a cláusula compromissória). A<br />
desconsideração da personalidade jurídica, art. 50 do Código Civil,<br />
não poderia ser utilizada nesse sentido, pois a jurisdição do árbitro<br />
está naturalmente limitada pela convenção arbitral (objetiva e subje-<br />
41<br />
(Doc. LEGJUR 103.1674.7480.3900) STJ. Arbitragem. Contratos interligados para construção<br />
de navio. Previsão de Cláusula arbitral. Obrigatoriedade da solução de conflitos<br />
por tal via, acarretando a extinção sem julgamento de mérito de ação de reparação por<br />
perdas e danos. Hermenêutica. Lei 9.307/96. Aplicação aos contratos firmados antes de<br />
sua vigência.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 366 -370 2012<br />
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Os novos paradigmas da arbitragem no âmbito societário...<br />
tivamente), de forma que seria inadmissível (e ineficaz) a decisão do<br />
árbitro que envolvesse na arbitragem terceiro que não lhe outorgou<br />
jurisdição. Nesse sentido, há julgados como:<br />
Interpretação restritiva da convenção de arbitragem: Ementa<br />
– ação de dissolução parcial de sociedade. Desaparecimento da<br />
affectio societatis. Interesse processual. Convenção de arbitragem.<br />
Limites da convenção 42 .<br />
A título de conclusão, as razões da escolha pela arbitragem entre<br />
as partes são o fundamento basilar para determinar se é possível<br />
ou não a extensão da convenção. Se opção da arbitragem é em relação<br />
a pessoal confiança 43 de uma parte com a outra, há uma pessoalidade<br />
latente e existe um claro limite a extensão a outros que não fizeram<br />
parte da convenção; entretanto, se a cláusula arbitral foi firmada concernente<br />
a potencialidade do litígio, existe todo embasamento para<br />
a extensão desta. Esses casos são em função do negócio, da internacionalidade<br />
do contrato, da natureza que exige celeridade na solução<br />
de um eventual litígio de grande porte. Tais questões dependem de<br />
variáveis de acordo com as circunstâncias, e nesse sentido, o artigo<br />
apresenta somente um breve panorama. Sendo assim, o consentimento<br />
deve ser ligado diretamente ou indiretamente à realidade em que se<br />
vincula o negócio, em especial se há benefícios como em empresas<br />
holdings e a participação na realização e execução do contrato. Este é<br />
um tema muito importante na teoria da assumpção da responsabilidade<br />
nos grupos empresariais, e uma vez isso estando bem estabelecido,<br />
configura-se presente a possibilidade da amplitude da eficácia arbitral<br />
nos complexos de teias contratuais e nos grupos societários.<br />
5 Conclusão<br />
Os preceitos deste artigo partem de uma concepção contratual<br />
que concebe no cerne do consenso, a autonomia sob os postulados<br />
42<br />
TJ MG Apelação Cível 0280519-2 Relatora Juíza Maria Elza 4ª Câmara Cível.<br />
43<br />
Depurando o conceito da confiança no âmbito da cláusula compromissória, percebe-se<br />
que o pacto da convenção de arbitragem – autônomo em relação ao pacto principal – é<br />
um ajuste impregnado da noção de boa-fé e de cooperação entre as partes.<br />
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kantianos 44 : A autonomia da vontade das partes é um elemento imprescindível<br />
para a formação do contrato e, por consequente, fundamenta<br />
a inserção e o comprometimento efetivo com a cláusula arbitral. Além<br />
disso, deve-se considerar o aspecto da reciprocidade nos contratos. É<br />
com base no benefício e no proveito da execução do contrato que se<br />
cria um vínculo mútuo, o qual confirma a participação e o compromisso<br />
contratual – eis a interpretação de um consentimento tácito.<br />
Esse liame demonstra que, quando existem ganhos na performance<br />
direta entre as partes, há um vínculo maior do que a formalidade<br />
nas cláusulas contratuais. Esse é o entendimento explícito no<br />
caso brasileiro paradigmático sobre o assunto, “Trelleborg do Brasil<br />
Ltda. Et al vs Anel Empreendimentos Participações e Agropecuária<br />
Ltda.” Após um consistente embasamento teórico, essa pesquisa desenvolveu-se<br />
com o enfoque casuístico e jurisprudencial, visto que é<br />
indispensável o estudo com casos concretos, onde se avalia a potencialidade<br />
de litígio no objeto da arbitragem e o vínculo societário com<br />
a possível aplicação da Teoria da Unidade do Grupo Econômico.<br />
Conclui-se, portanto, que a análise da cláusula compromissória<br />
é um aspecto desafiador no que tange sua validade perante a autonomia<br />
inerente a inserção de terceiros, mas que está intrinsecamente<br />
vinculada a possibilidade de uma interpretação mais abrangente de<br />
manifestação da vontade.<br />
44<br />
No campo dos preceitos filosóficos que envolvem a concepção contractual, Kant estipula<br />
que “As voluntary acts, contracts express our autonomy; the obligations they create carry<br />
weight because they are self-imposed – we take them freely upon ourselves. As instruments<br />
of mutual benefit, contracts draw on the ideal of reciprocity; the obligation to fulfill them<br />
arises from the obligation to repay others for the benefits they provide us”. Já Rawls expõe<br />
que: “when two people make a deal, the terms of their agreement must be fair. We assume,<br />
in other words, that contracts justify the terms that they produce. We may be obligated<br />
to fulfill; consent matters. You might point to the agreement, but you might also point to<br />
the benefit enjoyed. Actual contracts carry moral weight insofar they realize two ideals –<br />
autonomy and reciprocity”. (in SANDEL, Michael J. “Justice: What’s the right thing to<br />
do?”. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2009. p. 116).<br />
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Os novos paradigmas da arbitragem no âmbito societário...<br />
Arbitration’s new paradigm in coporate law:<br />
the extension of the arbitration agreement<br />
Abstract<br />
This article aims to analyze the arbitration’s new paradigms and<br />
challenges in the field of corporate law. In the light of trade and economic<br />
relations, arbitration is an effective tool that assists in resolving<br />
disputes that arise in complex contracts and business groups. Hence,<br />
this paper discusses the “extension” of arbitration clause’s effects to<br />
third parties. Concerning this issue, it is presented the reasons and<br />
limits arbitration agreement, according to the principle of autonomy<br />
and consent of the parties. Therefore, this article develops a theoretical<br />
scope within a jurisprudential analysis of Brazilian courts, addressing<br />
emblematic cases that were judged by the Superior Court of Justice.<br />
Keywords: International Private Law. International Commercial Arbitration.<br />
Extension of the Arbitration Clause.<br />
Referências<br />
ANCEL, Jean Pierre. L’actualité de l’autonomie de la clause compromissoire.<br />
In: Travaux du comité français de droit international privé:<br />
annés 1991-1993. Paris: CNRS.<br />
ARAÚJO, Nádia de. A Nova Lei de arbitragem brasileira e os “princípios<br />
uniformes dos contratos comerciais internacionais”, elaborados<br />
pelo UNIDROIT. In: Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional,<br />
por Marco Maciel. São Paulo: Editora LTr, 1999.<br />
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário<br />
à Lei n 9.307/96. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2004.<br />
COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade<br />
anônima. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.<br />
FOUCHARD, Philippe. L’arbitrage commercial international. Paris:<br />
Dalloz, 1965. v. II.<br />
GAILLARD, Emmanuel; SAVAGE, John. Fouchard Gaillard Goldman<br />
on International Arbitration. Kluwer Law, 1999.<br />
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS NOVA LIMA V. 24 P. 369 -370 2012<br />
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Valesca Raizer Borges Moschen / Agatha Brandão de Oliveira<br />
JABARDO, Cristina Saiz – “Extensão da cláusula compromissória<br />
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São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009. Dissertação de<br />
Mestrado.<br />
KAZUTAKE, Okuma. Party Autonomy in International Commercial<br />
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9 Ann. Surv. Int’l & Comp. 189, 2003.<br />
MARTINS, Pedro A. Batista. “Arbitragem através dos tempos” in “A<br />
arbitragem da era da Globalização” Coord. José Maria Rossani Garcez,<br />
Editora Forense, 2ª Edição 1999.<br />
________________________. “Arbitragem e intervenção voluntária<br />
de terceiros: uma proposta”. In: Direito Civil e Processo. Estudos em<br />
homenagem ao Professor Arruda Alvim. São Paulo, RT, 2008.<br />
RECHSTEINER, Beat Walter. Arbitragem Privada Internacional no<br />
Brasil : Depois da nova Lei 9.307, de 23.09.1996: Teoria e Prática.<br />
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.<br />
ROZAS, José Carlos Fernández. Tratado del Arbitraje Comercial en<br />
América Latina. Madrid, 2008: Iustel.<br />
SANDEL, Michael J. “Justice: What’s the right thing to do?”. New<br />
York: Farrar, Straus and Giroux, 2009.<br />
WALD, Arnoldo. A teoria dos grupos de sociedades e a competência<br />
do juízo arbitral. Revista de Direito Mercantil: Indutrial, Econômico<br />
e Financeiro, ano XXXV, n. 101, p. 21-26, jan./mar. 1996.<br />
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14<br />
Falência e Recuperação de Empresas: Acordo<br />
de credores na Assembleia Geral<br />
Recebido: 25/4/2012<br />
Analisado: 30/9/2012<br />
Vinícius Jose Marques Gontijo*<br />
Nova Lima/MG<br />
vjgontijo@hotmail.com<br />
Sumário<br />
1. Introdução. 2. Definição. 3. Acordo de credores:<br />
instituto jurídico lícito e possível. 4. Partes, forma e<br />
objeto. 4.1. Partes. 4.2. Forma. 4.3. Objeto. 5. Duração.<br />
6. Exigibilidade. 7. Extinção. 8. Conclusões.<br />
Referências<br />
Resumo<br />
Nesse nosso artigo examinamos a possibilidade e validade de<br />
um acordo de credores em caso de falência e recuperação de empresas<br />
do devedor comum, bem como sua estruturação ordinária e extinção.<br />
Palavras-Chave: Falência. Recuperação de empresas. Acordo de credores.<br />
1<br />
*<br />
Doutor em Direito Comercial pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em<br />
Direito Comercial pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor nos Cursos<br />
de Mestrado, Pós-Graduação lato sensu e Graduação da Faculdade de Direito <strong>Milton</strong><br />
<strong>Campos</strong>. Professor dos Cursos de Pós-Graduação lato sensu e Graduação da Pontifícia<br />
Universidade Católica de Minas Gerais. Ex-Professor Substituto nos Cursos de Graduação<br />
da Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade Federal de Ouro Preto.<br />
Advogado.<br />
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Vinícius Jose Marques Gontijo<br />
1 Introdução<br />
A investigação científica do Direito Empresarial no que concerne<br />
à falência e à recuperação de empresas tem se revelado fonte de<br />
reiterada e necessária análise, principalmente a partir da edição da Lei<br />
n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Falências – LF).<br />
No entanto, muitas vezes nos vemos surpreendidos com autoquestionamentos<br />
e, ao nos debruçarmos a estudar a doutrina e a jurisprudência,<br />
nada encontramos que pudesse minimamente nos auxiliar<br />
para um estudo científico que redundasse na solução do questionamento;<br />
isso é exatamente o que acontece com o tema que ora propomos:<br />
é possível a celebração de um acordo de credores para o exercício<br />
dos direitos a eles assegurados principalmente na assembleia geral<br />
tanto na falência quanto na recuperação de empresas? Se possível,<br />
quais seriam as partes, a forma e o objeto? O acordo comportaria<br />
execução específica da obrigação ou se resolveria em perdas e danos?<br />
Como se estipularia sua duração e extinção?<br />
São estes os questionamentos que pretendemos responder neste<br />
nosso artigo.<br />
2. Definição<br />
Antes de adentramos o tema propriamente dito, faz-se necessário<br />
propormos uma definição acerca do que viria a ser um “acordo<br />
de credores” no concurso falencial ou de recuperação de empresas,<br />
judicial ou extrajudicial.<br />
Entendemos o “acordo de credores” como sendo o contrato atípico<br />
celebrado entre credores de um devedor comum em processo de<br />
falência ou recuperação de empresas visando à regulamentação dos<br />
interesses comuns no processo e ao exercício de seus direitos e obrigações,<br />
inclusive quanto ao direito de voto e de veto em deliberações<br />
na assembleia geral de credores.<br />
Trata-se, portanto, de uma modalidade contratual e, neste contexto,<br />
tem-se:<br />
Afinal, o que é contrato? A partir da demonstração do conflito<br />
entre teorias e paradigmas, sejam eles formalistas, voluntaristas,<br />
estruturalistas ou economicistas, com Roppo, acreditamos que “o<br />
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Falência e Recuperação de Empresas: Acordo de credores...<br />
contrato é a veste jurídico-formal das operações econômicas”. E,<br />
estruturalmente, como fato jurídico, em adaptação ao conceito fornecido<br />
por Antonio Junqueira, compreendemos o contrato como<br />
“todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o<br />
ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos<br />
pelas partes, respeitados os pressupostos de existência, validade e<br />
eficácia impostos pelo sistema jurídico que sobre ele incide”. 1<br />
Da mesma maneira, por não ter previsão expressa em lei, se<br />
enquadra como sendo um contrato atípico:<br />
Definem-se os contratos atípicos por aquilo que eles não são: ou<br />
seja, trata-se de contratos que não se enquadram nos modelos predispostos<br />
legalmente e que por isso, embora lícitos, não encontram<br />
disciplina jurídica no CC ou mesmo em leis especiais. 2<br />
O “acordo de credores” é um contrato atípico e também inominado.<br />
Contudo, para que possamos melhor identificá-lo, propomos<br />
neste artigo a taxonomia que ora adotamos, reitere-se: “acordo de credores”.<br />
A fim de que ele possa ser classificado, a partir de agora, como<br />
atípico e nominado. Isso porque é precisa a afirmação da doutrina<br />
quando leciona:<br />
Consistem os contratos atípicos justamente nessa maior amplitude<br />
de ação reservada aos particulares em sua autonomia privada<br />
e liberdade contratual. Não se confundem com os contratos inominados,<br />
apesar de ser comum a confluência. O contrato atípico<br />
não está devidamente regulamentado, já o contrato inominado é<br />
aquele que não possui nomem juris. Exemplificando, o contrato<br />
de franquia é nominado e atípico. Enfim, todo contrato típico é<br />
nominado, mas a recíproca não é válida. 3<br />
Constatada a definição do que seria um acordo de credores para<br />
os termos deste nosso artigo, há que se examinar agora a possibilidade,<br />
ou não, de haver este contrato em caso de falência ou recuperação<br />
de empresas do devedor.<br />
1<br />
ROSENVALD, Nelson. FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito dos contratos. Rio de<br />
Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 37.<br />
2<br />
TEPEDINO, Gustavo et alii. Código Civil interpretado. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.<br />
v. 2. p. 33.<br />
3<br />
ROSENVALD, Nelson. Código Civil comentado. 3. ed., Barueri: Manole, 2009. p. 462.<br />
Coordenação: PELUSO, Cezar.<br />
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Vinícius Jose Marques Gontijo<br />
3 Acordo de credores: instituto jurídico<br />
lícito e possível<br />
Não podemos perder de vista o fato de que estamos no campo<br />
do Direito Privado, em que tudo aquilo que não é vedado pelo legislador,<br />
é facultado.<br />
Nesse sentido, é válida a lição que se extrai de Carlos Maximiliano<br />
ao tratar da hermenêutica e aplicação do Direito Empresarial<br />
(antigamente nomeado Direito Comercial):<br />
A própria índole das relações mercantis, a prevalência dos objetivos<br />
econômicos, a maior variabilidade de operações e ampla<br />
despreocupação de fórmulas; enfim a liberdade de contratar e a<br />
rapidez de assumir compromissos e realizar transações imprimem<br />
peculiar ductilidade ao ramo do Direito Privado mais intimamente<br />
ligado à atividade dos homens de negócios, e forçam-no a um<br />
constante apelo aos usos e costumes, o que o intérprete precisa<br />
levar em conta, a fim de atingir à verdade, à regra objetiva, que<br />
exterioriza o pensamento gerador da lei, ou à vontade subjetiva<br />
declarada num ato jurídico. 4<br />
Portanto, estamos diante de um caso de autonomia privada do<br />
poder negocial, na medida em que o Estado considera mais conveniente<br />
não disciplinar diretamente a matéria, 5 delegando-a aos próprios<br />
interessados. Com efeito, na medida em que a Lei n. 11.101/2005 não<br />
regulamenta o acordo de credores, mas também não o veda, pensamos<br />
ser a pactuação lícita.<br />
A questão se mostra ainda mais viável diante do que prescreve<br />
literalmente o art. 425 do Código Civil, verbis:<br />
Art. 425, CC. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas<br />
as normas gerais fixadas neste Código.<br />
Com isso, se espanca qualquer discussão que se pudesse suscitar<br />
acerca da validade legal de um acordo de credores tanto na falência<br />
quanto na recuperação de empresas.<br />
4<br />
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 16. ed., Rio de Janeiro:<br />
Forense, 1996. p. 316.<br />
5<br />
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico – Lições de filosofia do Direito. São Paulo:<br />
Ícone, 1995. p. 165.<br />
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Falência e Recuperação de Empresas: Acordo de credores...<br />
4 Partes, forma e objeto.<br />
Naturalmente, o pacto entre os credores, como “todo negócio<br />
jurídico, o contrato está sujeito a requisitos, cuja inobservância vai<br />
dar na sua ineficácia. Uns são gerais, a que se submetem todos os atos<br />
negociais. Outros são específicos, dizem respeito particularmente aos<br />
contratos”. 6<br />
Portanto, ao acordo de credores deverão ser aplicados os requisitos<br />
de validade e eficácia prescritos na legislação empresarial para<br />
os contratos.<br />
Da mesma maneira, podemos afirmar que:<br />
Nos contratos atípicos, os direitos e deveres dos contratantes são<br />
mencionados no instrumento contratual que assinaram. Há normas<br />
gerais sobre as obrigações na legislação civil que, evidentemente, se<br />
aplicam, mas, à falta de norma específica sobre a relação contratual,<br />
delimitadora de direitos e deveres, as partes submetem-se apenas<br />
ao que contrataram. As cláusulas concernentes a essa matéria são,<br />
assim, válidas, já que nenhum dispositivo legal existe disciplinando<br />
a relação de modo diverso. 7<br />
Portanto, é sumamente importante uma regulamentação precisa<br />
e cuidadosa nos contratos atípicos; talvez maior que nos contratos<br />
típicos, que encontram boa parte de suas regras prescritas em lei. Por<br />
óbvio, isso também se estende ao acordo de credores que, não estruturado<br />
e disciplinado adequadamente pelas partes e não previsto<br />
expressamente em lei, ao invés de implicar solução, poderá redundar<br />
em grande confusão e litígios.<br />
4.1 Partes<br />
Ao se examinar as partes no acordo de credores é conveniente<br />
que se traga o escólio de Celso Barbi Filho:<br />
6<br />
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 13. ed., Rio de Janeiro:<br />
Forense, 2009. v. 3. p. 26.<br />
7<br />
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 12. ed., São Paulo: Saraiva, 2011.<br />
v. 3. p. 41.<br />
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Vinícius Jose Marques Gontijo<br />
No capítulo anterior, ao serem examinados os efeitos do acordo<br />
em relação às partes, verificou-se que, nesse aspecto, ele pode ser<br />
plurilateral, bilateral ou unilateral.<br />
Dessa análise resulta a conclusão de que o essencial na caracterização<br />
na natureza do acordo não é o número de convenentes, mas<br />
sim os efeitos produzidos em relação a eles.<br />
Nessa linha, um acordo que tenha vários contratantes não será necessariamente<br />
plurilateral, como não será obrigatoriamente bilateral<br />
aquele que reunir apenas dois.<br />
O relevante é o efeito em relação às partes e não o número de<br />
sujeitos. Não se confunde parte com sujeito. Como lembra Fábio<br />
Comparato, “o fato de que num contrato há mais de dois contratantes<br />
não significa, necessariamente, que se está diante de um<br />
contrato plurilateral. Não se deve confundir parte com sujeito. O<br />
contrato bilateral tem sempre duas partes, isto é, dois centros de<br />
interesse, justamente porque sua estrutura comporta um sinalagma,<br />
ou intercâmbio de dois interesses. Mas cada centro de interesses<br />
pode ser constituído por mais de um interessado. Por outro<br />
lado, o contrato plurilateral pode ter apenas duas partes (ex.<br />
sociedade com dois sócios), mas como elas perseguem o mesmo<br />
escopo, a relação contratual fica sempre aberta ao ingresso de<br />
outras partes. 8<br />
Para os termos deste nosso articulado, abordaremos apenas as<br />
partes no acordo de credores, ou seja, aquelas pessoas em relação a<br />
quem se produzem os efeitos que decorrem do pacto.<br />
O acordo de credores poderá ser entabulado entre os credores<br />
comuns de um mesmo devedor, admitidos ou não, ao processo concursal<br />
falencial, abrangidos ou não, pelo plano de recuperação de empresas.<br />
Por outro lado, pensamos não ser possível haver um acordo<br />
extra-autos que envolva o devedor, seus sócios ou seu administrador<br />
e qualquer credor, afora evidentemente se se tratar do próprio plano<br />
de recuperação, principalmente se isso implicar favorecimento de um<br />
credor em detrimento dos demais, na medida em que esta é uma conduta<br />
típica prescrita como crime pelo art. 172 da Lei n. 11.101/2005.<br />
8<br />
BARBI FILHO, Celso. Acordo de acionistas. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 81 e 82.<br />
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Falência e Recuperação de Empresas: Acordo de credores...<br />
Portanto, pensamos que apenas os credores podem entabular<br />
um acordo entre eles em caso de falência ou recuperação de empresas<br />
do devedor, no atual estágio do Direito Positivo brasileiro.<br />
4.2 Forma.<br />
Em que pese ser de bom alvitre a forma escrita, até porque na<br />
“atividade empresarial, particularmente, a prova documental é de extrema<br />
importância”, 9 tratando-se de contrato atípico não vemos ilicitude<br />
na sua entabulação verbal. Para tanto, basta lembrarmos que:<br />
O contrato consensual torna-se perfeito e acabado no momento<br />
em que nasce o vínculo entre as partes.<br />
Para sua formação, são necessárias duas ou mais declarações de<br />
vontade que se encontrem emitidas por duas ou mais partes, ou a<br />
atuação da vontade de oblato. 10<br />
Com efeito, ao teor do que prescreve o art. 107 do Código Civil,<br />
a validade do negócio não depende de forma especial, salvo quando a<br />
lei expressamente o exigir. Nesse sentido, tem-se:<br />
No direito brasileiro a forma é, em regra, livre. As partes podem<br />
celebrar por escrito, público ou particular, ou verbalmente, a não<br />
ser nos casos em que a lei, para dar maior segurança e seriedade ao<br />
negócio, exija a forma escrita, pública ou particular. O consensualismo,<br />
portanto, é a regra, e o formalismo, a exceção. 11<br />
Portanto, ordinariamente, o acordo de credores não exige forma<br />
especial podendo ser tanto escrito quanto verbal, em que pese a primeira<br />
forma ser a que sugerimos, por entendê-la melhor.<br />
4.3 Objeto.<br />
Naturalmente, tratando-se de contrato atípico, a verificação da<br />
licitude do objeto somente poderia se dar na casuística, ou seja, examinando-se<br />
caso-a-caso.<br />
9<br />
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16. ed., Rio de Janeiro: Forense,<br />
2010. p. 60.<br />
10<br />
GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 57.<br />
11<br />
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. 7. ed., São Paulo: Saraiva, 2010.<br />
v. 3. p. 39.<br />
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Vinícius Jose Marques Gontijo<br />
Não temos dúvida em afirmar que o objeto ordinariamente mais<br />
interessante e que se nos apresenta, a priori, lícito, seria o exercício<br />
do direito de voto na assembleia geral de credores tanto na falência<br />
quanto na recuperação de empresas.<br />
Este objeto para o acordo de credores poderá se revelar particularmente<br />
útil na hipótese de a assembleia pretender modificar o<br />
plano de recuperação apresentado pelo devedor ou mesmo apresentar-lhe<br />
um plano alternativo (alínea a do inciso I do art. 35 da Lei n.<br />
11.101/2005).<br />
É também de grande utilidade prática na hipótese de a assembleia<br />
geral de credores vir a deliberar sobre modalidade alternativa de<br />
realização do ativo na falência do devedor (alínea c do inciso II do art.<br />
35 da Lei n. 11.101/2005).<br />
De maneira semelhante, pode ser interessante o acordo de credores<br />
a fim de eleger membros para um eventual comitê de credores<br />
previsto no art. 26 da Lei n. 11.101/2005 ou para a eleição do gestor<br />
judicial em caso de recuperação de empresas (alínea e do inciso I do<br />
art. 35 da Lei de Falências).<br />
Em suma, tratando-se do exercício do direito de voto 12 na assembleia<br />
geral de credores há inúmeras hipóteses de sua regulamentação<br />
por meio de um acordo de credores o que, por si só, não representaria,<br />
a priori, qualquer ilícito, mas, ao revés, faculdade decorrente<br />
da autonomia privada.<br />
O direito de voto também não é o único objeto autorizado para<br />
o acordo credores tanto na falência quanto na recuperação de empresas,<br />
uma vez que, naturalmente, a criatividade aliada à licitude poderá<br />
redundar em um sem-número de objetos possíveis para o pacto eventualmente<br />
a ser celebrado.<br />
Diante disso, pensamos, ainda, ser lícito, por exemplo, o objeto<br />
do acordo que bloqueie a cessão dos créditos dos signatários do pacto<br />
a terceiro a fim de preservar o poder dos acordantes na assembleia de<br />
credores ou, ao revés, que imponha aos subscritores do acordo a obri-<br />
12<br />
Seria possível, inclusive, a estipulação de uma cláusula mandato a fim de que qualquer<br />
dos signatários possa exercer o direito de voto nos termos ajustados, na medida em que o<br />
credor poderá ser representado na assembleia geral por mandatário (§ 4 o do art. 37 da Lei<br />
n. 11.101/2005).<br />
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Falência e Recuperação de Empresas: Acordo de credores...<br />
gação de adquirirem créditos do devedor em recuperação ou falência<br />
exatamente para que o bloco de credores se fortifique em eventual<br />
conclave.<br />
Ante o exposto, podemos concluir que o objeto do acordo de<br />
credores, ate porque se trata de contrato atípico, comporta um leque<br />
indescritível de possibilidades hipotéticas, que somente a prática poderá<br />
revelar.<br />
5 Duração<br />
“As obrigações, direitos pessoais, têm como característica fundamental<br />
seu caráter transitório.” 13 Assim, o acordo de credores poderá<br />
ser estipulado com prazo determinado, indeterminado ou sujeito<br />
a termo, por exemplo, a convolação da recuperação judicial em falência<br />
ou o encerramento do processo concursal.<br />
Pensamos que, ordinariamente, o acordo de credores não deverá<br />
extrapolar o prazo de duração da tramitação do processo, uma vez<br />
que, encerrado o processo concursal, o acordo deve ter, ordinariamente,<br />
por exaurido o seu objeto. Com efeito:<br />
Havendo o adimplemento de todas as obrigações previstas no contrato,<br />
exatamente no tempo, no modo e nas condições avençadas<br />
pelas partes, este se extingue naturalmente face terem as partes<br />
contratantes atingido o fim desejado na contratação. 14<br />
Diz-se reiteradas vezes “ordinariamente” na medida em que<br />
nada impediria um acordo de credores, por exemplo, na falência que<br />
fixasse sua obrigatoriedade até a extinção das obrigações do falido.<br />
Portanto, a duração do contrato estará livremente pactuada no<br />
acordo de credores.<br />
6 Exigibilidade.<br />
Com didática, Celso Barbi Filho esclarece:<br />
13<br />
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 9. ed., São Paulo: Atlas, 2009. v. 2. p. 487.<br />
14<br />
SILVA, Américo Luís Martins da. Contratos mercantis. Rio de Janeiro: Forense, 2004.<br />
v. 1. p. 144.<br />
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Vinícius Jose Marques Gontijo<br />
No processo civil brasileiro, a execução compulsória das obrigações<br />
descumpridas pode ser por reparação ou específica. Na primeira,<br />
o direito do credor é restaurado pela recomposição patrimonial,<br />
enquanto na segunda obtém-se especificamente a prestação<br />
que o devedor se recusou a cumprir. 15<br />
Ora, considerando que as obrigações pactuadas no acordo de<br />
credores são fungíveis e, portanto, podem ser executadas por terceiros,<br />
ficando os custos daí decorrentes a cargo do inadimplente, tem-se<br />
que, por força do art. 461 do Código de Processo Civil, caberá execução<br />
específica da obrigação acertada.<br />
Logo, o acordo de credores não se resolverá, em regra, em perdas<br />
e danos, mas em suprimento judicial da vontade do inadimplente.<br />
O juiz dará a prestação jurisdicional para que se cumpra exatamente<br />
aquilo que foi ajustado entre as partes, compelindo o inadimplente aos<br />
termos da obrigação contratada.<br />
7 Extinção<br />
A partir da lição de Maria Helena Diniz 16 podemos afirmar por<br />
analogia que são modos de extinção do acordo de credores: a) a execução<br />
voluntária da obrigação; b) a execução indireta; c) a impossibilidade<br />
de execução sem culpa do devedor; d) o implemento de<br />
condição ou termo extintivo; e e) a execução forçada, em virtude de<br />
sentença.<br />
8 Conclusão<br />
A concluirmos este nosso articulado podemos afirmar que é lícito<br />
e possível a realização de um acordo de credores em caso de<br />
falência ou recuperação de empresas do devedor comum.<br />
Trata-se de contrato atípico para o qual propomos o nome “acordo<br />
de credores”. Ele decorre da autonomia privada do poder negocial,<br />
aplicando-se-lhe as regras ordinárias dos contratos empresariais e,<br />
15<br />
BARBI FILHO, Celso. Acordo de acionistas. São Paulo: Editora RT, 2011. Doutrinas<br />
essenciais do Direito Empresarial. v. 3. p. 627.<br />
16<br />
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. 24. ed., 2. tiragem. São Paulo:<br />
Saraiva, 2009. v. 2. p. 220 e 221.<br />
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Falência e Recuperação de Empresas: Acordo de credores...<br />
subsidiariamente, civis e, aquilo que não houver estipulação geral legal,<br />
faculta às partes dispor.<br />
Bankruptcy and Corporate Restructuring:<br />
Agreement creditors in the General Assembly<br />
Abstract<br />
In our article we examine the feasibility and validity of na arrangement<br />
with creditors in bankruptcy and business reorganization<br />
of the debtor common, ordinary as well as its structure and extinction.<br />
Keywords: Bankruptcy. Reorganization. Creditors Agreement.<br />
Referências<br />
BARBI FILHO, Celso. Acordo de acionistas. Belo Horizonte: Del<br />
Rey, 1993.<br />
________. Acordo de acionistas. São Paulo: RT, 2011. Doutrinas essenciais<br />
do Direito Empresarial. v. 3. p. 627.<br />
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