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Padre Lancelote - JTM

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04 <strong>JTM</strong> | LOCAL<br />

Terça-feira, 18 de Junho de 2013<br />

FOTOS ARQUIVO<br />

O <strong>Padre</strong> <strong>Lancelote</strong> destacou-se no apoio a milhares de refugiados que passaram por Macau<br />

MORTE DO PADRE LANCELOTE RODRIGUES<br />

“Um homem grandioso na sua simplicidade”<br />

Era uma figura consensual. O seu trabalho em prol dos refugiados, e que durou desde 1949 até aos anos 90, foi incansável. Conseguiu ajudar, graças aos<br />

muitos contactos com diplomatas estrangeiros, milhares de pessoas a sobreviver em Macau e depois a conseguir uma nova vida no estrangeiro. Mas teve<br />

outros projectos e também esteve na China a ajudar jovens deficientes. Com uma personalidade extrovertida e um humor desarmante era alguém que<br />

conquistava facilmente os outros. Não era um padre convencional, como o descreveram, no melhor dos sentidos<br />

Helder Almeida<br />

Com nome de cavaleiro lendário,<br />

o homem que foi chamado de<br />

<strong>Lancelote</strong> travou inúmeras batalhas<br />

bem reais, em Macau mas não<br />

só, tendo ajudado milhares de pessoas<br />

a sobreviver e a iniciar uma nova<br />

vida. Mas ontem, perdeu-se o homem<br />

que uma vez disse que o Céu devia<br />

começar por ser encontrado na Terra,<br />

e que para sempre será reconhecido<br />

como um humanista e uma figura<br />

maior. Morreu no Hospital Kiang Wu,<br />

aos 89 anos, vítima de doença prolongada.<br />

<strong>Lancelote</strong> Rodrigues não era um<br />

padre convencional. A sua personalidade<br />

era de todos bem conhecida e é<br />

unanimemente descrito como um homem<br />

alegre, extrovertido, dedicado,<br />

inteligente, bom conversador, bem-<br />

-humorado e um “bon vivant”, dentro<br />

do que a vida de um padre poderia<br />

ser. Serão todas estas qualidades<br />

pessoais que conseguirá reverter em<br />

favor dos que mais precisavam.<br />

“A parte profana, social da vida<br />

dele, porque era muito dado a conversa,<br />

sempre respeitador, mas de uma<br />

grande proximidade, levou-o a fazer<br />

amizade com vários estrangeiros, incluindo<br />

vários diplomatas”, lembra<br />

Carlos Marreiros, que o conheceu desde<br />

muito novo.<br />

E foram, em muitas vezes, esses<br />

diplomatas com os quais se reunia à<br />

volta da mesa que acabaram por abrir<br />

as portas dos países que representavam<br />

para receber os milhares de refugiados<br />

que num período da história<br />

de Macau afluíram à cidade em busca<br />

de um porto seguro. E, de facto, apesar<br />

das poucas ou nenhumas condições,<br />

encontraram-no, com a sorte de<br />

na mesma altura aqui viver uma figura<br />

chamada <strong>Lancelote</strong>.<br />

Os primeiros refugiados que recebeu<br />

foram os portugueses residentes<br />

em Xangai, em 1948, quando ainda<br />

não tinha sido ordenado padre, e<br />

quando na China Continental os comunistas<br />

combatiam os nacionalistas,<br />

em busca de alcançar o poder. Diria,<br />

Chui Sai On: “uma referência altruísta incontornável<br />

O Chefe do Executivo expressou ontem grande pesar pelo falecimento do <strong>Padre</strong><br />

<strong>Lancelote</strong> Rodrigues. Num comunicado de imprensa, Chui Sai On destacou os serviços<br />

prestados aos refugiados e a dedicação, vários anos, ao serviço dos mais carenciados.<br />

“Era uma pessoa muito ligada à comunidade macaense, foi distinguido com as mais<br />

altas condecorações e constitui uma referência altruísta incontornável e inspiradora<br />

de todos quantos em Macau, e pelo mundo fora, puderam com ele conviver”, apontou,<br />

citado na nota de imprensa. Em declarações à agência Lusa, o cônsul-geral de Portugal<br />

em Macau, Vítor Sereno, lamentou a morte e destacou o trabalho do padre ao longo de<br />

várias décadas junto da população de Macau, mas sobretudo junto dos refugiados. “Foi<br />

um exemplo no passado e será sempre um exemplo para todos no futuro”, assinalou.<br />

mais tarde, que o trabalho junto dos<br />

refugiados de Xangai o marcou para<br />

toda a vida.<br />

Na década de 50, milhares de refugiados<br />

estavam instalados junto do<br />

Canídromo, sofrendo muitas adversidades,<br />

incluindo falta de comida.<br />

A todos o <strong>Padre</strong> <strong>Lancelote</strong> conseguiu<br />

acudir. Como? O próprio explicou<br />

num trabalho elaborado pela Revista<br />

Macau, em 1993: “Em 1949 Macau era<br />

uma cidade aberta que fazia questão<br />

em receber bem todos os que fugiam<br />

de Xangai. Muitos tinham uma boa<br />

preparação e não foi muito difícil arranjar-lhes<br />

empregos mesmo aqui em<br />

Macau, entrando para a Polícia, para<br />

o Turismo – que estava a nascer nesse<br />

tempo – e para as fábricas. Ao longo<br />

de cerca de 14 anos, porém, a maioria<br />

foi encaminhada para Hong Kong, Estados<br />

Unidos, Canadá, Suécia, Angola<br />

e Portugal, com a ajuda das organizações<br />

americanas Catholic Relief Service<br />

e Oxfarm”.<br />

O campo de refugiados de Xangai<br />

fechou em 1963 mas a partir desse ano<br />

nova vaga de refugiados começou a<br />

chegar a Macau. A maioria eram vietnamitas<br />

fugidos da guerra no país,<br />

que lutava contra os Estados Unidos,<br />

mas também havia pessoas da China,<br />

Indonésia, Birmânia, Malásia, Laos<br />

e Camboja (entre 1977 e 1991 foram<br />

mais de 8.000). Ficaram em campos<br />

de refugiados em Ka Ho.<br />

“Ele apoiou os refugiados em todos<br />

os sentidos, com roupa, com dinheiro,<br />

reunia donativos de muitas<br />

áreas, fazia um esforço enorme”, lembra<br />

Cecília Jorge. As boas relações que<br />

mantinha com diplomatas de outros<br />

países e, essencialmente, dos Estados<br />

Unidos, também ajudou e muito. “Ele<br />

praticamente dirigia o Catholic Relief<br />

Services [uma agência internacional<br />

humanitária católica fundada por<br />

bispos norte-americanos] em Macau<br />

e conseguiu muitos fundos assim”,<br />

aponta.<br />

A ligação americana<br />

Mas essas ajudas monetárias que<br />

recebia dos americanos chegaram a<br />

ser usadas como argumento para o<br />

colar à Agência Central de Inteligência<br />

(CIA) responsável por fornecer<br />

informações ao Governo dos Estados<br />

Unidos. <strong>Lancelote</strong> nunca negou que<br />

não fosse chegado ao governo americano.<br />

Numa entrevista ao Correio<br />

da Manhã (CM) explicou melhor. “[O<br />

governo americano] sempre nos abriu<br />

muitas portas. De modo que aproveitávamos.<br />

Eles tinham que saber a posição,<br />

a situação e a política da China,<br />

pelo que mandava muitos relatórios<br />

para o consulado americano de Hong<br />

Kong. Fazíamos isso muito abertamente.<br />

Às vezes os elementos da CIA<br />

vinham ter comigo. Falávamos, tomávamos<br />

as nossas bebidas, dávamo-nos<br />

bem. Representante da CIA nunca fui<br />

porque isso é uma coisa política”, garantiu.<br />

Mas a Revista Macau, também em<br />

1993, explicou a origem desta história:<br />

o conturbado período do “1,2,3”.<br />

“Isso começou com os jornais chineses,<br />

que diziam que a CIA funcionava<br />

no Centro Católico... Sabe, eu desde<br />

1949, com a chegada dos refugiados<br />

de Xangai, lá fui conseguindo apoios<br />

financeiros substanciais, sobretudo<br />

americanos. Aliás, devo mesmo dizer<br />

que entre 1952 e 1967 arranjei apoios<br />

no valor de 90 milhões de dólares dos<br />

EUA. Claro, no calor da Revolução

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