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Eu, que fabrico o futuro como uma aranha diligente. E o<br />
melhor de mim é quando nada sei e fabrico não sei o quê.<br />
Eis que de repente vejo que não sei nada. o gume de<br />
minha faca está ficando cego? Parece-me que p mais provável é<br />
que não entendo porque o que vejo agora é difícil: estou<br />
entrando sorrateiramente em contato com uma realidade nova<br />
para mim e que ainda não tem pensamentos correspondentes, e<br />
muito menos ainda uma palavra que a signifique. É mais uma<br />
sensação atrás do pensamento.<br />
Como te explicar? Vou tentar. É que estou percebendo uma<br />
realidade enviesada. Vista por um corte oblíquo. Só agora<br />
pressenti o oblíquo da vida. Antes só via através de cortes retos e<br />
paralelos. Não percebia o sonso traço enviesado. Agora adivinho<br />
que a vida é outra. Que viver não é só desenrolar sentimentos<br />
grossos - é algo mais sortilégico e mais grácil, sem por isso<br />
perder o seu fino vigor animal. Sobre esta vida insolitamente<br />
enviesada tenho posto minha pata que pesa, fazendo assim que a<br />
existência feneça no que tem de oblíquo e fortuito e no entanto ao<br />
mesmo tempo sutilmente fatal. Compreendi a fatalidade do acaso<br />
e não existe nisso contradição.<br />
A vida oblíqua é muito íntima. Não digo mais sobre essa<br />
intimidade para não ferir o pensar-sentir com palavras secas. Para<br />
deixar esse oblíquo na sua independência desenvolta.<br />
E conheço também um modo de vida que é suave orgulho,<br />
graça de movimentos, frustração leve e contínua, de uma<br />
habilidade de esquivança que vem de longo caminho antigo. Como<br />
sinal de revolta apenas uma ironia sem peso e excêntrica. Tem um<br />
lado da vida que é como no inverno tomar café em um terraço<br />
dentro da friagem e aconchegada na lã.<br />
Conheço um modo de vida que é sombra leve desfraldada<br />
ao vento e balançando leve no chão: vida que é sombra flutuante,<br />
levitação e sonhos no dia aberto: vivo a riqueza da terra.<br />
Sim. A vida é muito oriental. Só algumas pessoas<br />
escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade<br />
esquiva e delicada da vida. É como saber arrumar flores em um