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DA SOCIEDADE DE GARANTIA SOLIDÁRIA - Milton Campos

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1<br />

SOLANGE <strong>DE</strong> OLIVEIRA LIMA MOURÃO<br />

<strong>DA</strong> SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong> <strong>DE</strong> <strong>GARANTIA</strong> SOLIDÁRIA<br />

Nova Lima<br />

Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />

2006


2<br />

SOLANGE <strong>DE</strong> OLIVEIRA LIMA MOURÃO<br />

<strong>DA</strong> SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong> <strong>DE</strong> <strong>GARANTIA</strong> SOLIDÁRIA<br />

Dissertação apresentada ao Curso de<br />

Mestrado em Direito Empresarial da<br />

Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>,<br />

como requisito parcial para a obtenção<br />

do título de Mestre em Direito.<br />

Área de concentração: Direito<br />

Empresarial<br />

Orientador: Professor Doutor Vinicius<br />

Jose Marques Gontijo<br />

Nova Lima<br />

Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />

2006


3<br />

FACUL<strong>DA</strong><strong>DE</strong> <strong>DE</strong> DIREITO MILTON CAMPOS<br />

CURSO <strong>DE</strong> PÓS-GRADUAÇÃO<br />

Dissertação intitulada <strong>DA</strong> SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong> <strong>DE</strong> <strong>GARANTIA</strong> SOLIDÁRIA, de autoria de<br />

Solange de Oliveira Lima Mourão, analisada pela Banca Examinadora constituída<br />

pelos seguintes professores:<br />

_____________________________________________________________________<br />

Professor Doutor Vinicius Jose Marques Gontijo – Orientador<br />

_____________________________________________________________________<br />

_____________________________________________________________________<br />

Nova Lima _____ de __________________ de 200


Ao meu pai e à minha mãe,<br />

Altamiro e Irene,<br />

por me ensinarem, desde pequena,<br />

o amor ao trabalho, à verdade e à justiça.<br />

4


5<br />

AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS<br />

Ao Prof. Dr. Vinicius Jose Marques Gontijo, por sua competência, dedicação,<br />

grandeza e simplicidade e, ainda, pelo privilégio de tê-lo como orientador.<br />

À Profa. Dra.Glória Maria de Pádua Moreira, pelo apoio e incentivo, além de suas<br />

valiosas orientações quanto à metodologia.<br />

Aos professores e colegas do Mestrado e a todos os que, direta ou indiretamente,<br />

contribuíram para a realização deste trabalho.<br />

Aos funcionários das Faculdades <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>, pela eficiência e prontidão.<br />

À minha família, pela paciência e incentivo, pelo apoio e amor incondicionais.<br />

A Deus, razão primeira de minha vida, por me cercar de tantas pessoas<br />

maravilhosas!


6<br />

Se a economia fosse uma genuína ciência social, os economistas<br />

teriam descoberto que o crédito é uma poderosa arma sócio-económica.<br />

Teriam reconhecido a necessidade de promover o crédito como um direito humano,<br />

e teriam desenvolvido um sistema que garantisse esse direito a todas as pessoas.<br />

Como cientistas sociais, os economistas teriam detectado<br />

a forma como o crédito confere à sociedade uma estrutura particular, ou,<br />

pelo menos, como o crédito podia ter evitado uma estrutura social indesejável.<br />

YUNUS, Muhammad. O banqueiro dos pobres, p. 313-314.


7<br />

RESUMO<br />

Neste trabalho analisa-se o instituto da Sociedade de Garantia Solidária (SGS),<br />

numa tentativa de conhecer melhor a respeito das causas que levaram à sua<br />

criação, dos objetivos de sua constituição, da sua estrutura jurídica e dos efeitos de<br />

sua implementação. Tal sociedade já existe em vários países e foi introduzida em<br />

nosso ordenamento jurídico com o objetivo de conceder garantia aos seus sócios<br />

participantes: microempresas e pequenas empresas. Surgiu da dificuldade, ou da<br />

impossibilidade, de microempresas e pequenas empresas oferecerem as garantias<br />

exigidas pelo sistema financeiro quando de suas necessidades de financiamento.<br />

Por meio deste trabalho procura-se entender os aspectos sociológico e filosófico que<br />

fundamentam sua criação; os aspectos históricos e econômicos que justificam seus<br />

objetivos e, principalmente, as normas legais que dão o suporte jurídico para sua<br />

implementação e alcance de seus objetivos. Analisar tal instituto sob esses vários<br />

aspectos permite melhor entendê-lo, eis que foi criado a partir da necessidade de um<br />

segmento social – micros e pequenas empresas – para atender às suas dificuldades<br />

econômicas, o que exigiu uma solução jurídica: a Sociedade de Garantia Solidária.<br />

Compõem o seu quadro social sócios participantes e sócios investidores, sendo<br />

estabelecidas, com cada categoria de sócios, relações diferentes mediante<br />

verdadeira engenharia jurídica e financeira: Aos sócios participantes –<br />

exclusivamente microempresas e pequenas empresas – são concedidas garantias<br />

para permitir seu acesso ao crédito, enquanto aos sócios investidores – quaisquer<br />

pessoas naturais ou jurídicas – são distribuídos os lucros. Para aqueles, sua<br />

finalidade é social, funcionando como uma cooperativa; para estes, o objetivo é<br />

lucrativo, atuando como uma verdadeira sociedade de capitais. E nessa sociedade<br />

híbrida os opostos se juntam e se solidarizam, atingindo cada categoria de sócios os<br />

seus objetivos e trazendo benefícios a toda a sociedade.


8<br />

ABSTRACT<br />

This work consits of Sociedade de Garantia Solidaria (SGS) institute analisys, in an<br />

attempt to get to know better its very foundations, its creation, the objective of its<br />

constitutions, its law based structure and the effects of its implementation. Such<br />

society already exists in other countries and it had been introduced in our Law<br />

System with the objective of guaranteeing our "active partners": micro or small<br />

businesses. It was originated from either the impossibility or difficulty, that such<br />

busnisses would offer the guarantees required by the financial system throughout its<br />

financial needs. Thus, through this work we try to understand both phylosophical and<br />

sociological aspects which its very creation is based upon; the historical and<br />

economical aspects that justify its objectives, and mainly, the legal matters which<br />

give support to its implemantation and help us reach its objective. Analysing such<br />

institute under these aspects gives us an overview, being this created from a<br />

necessity of a social segment to answer to its financial needs, which required a Law<br />

based solution: Sociedade de Garantia Solidaria. Its Board is composed of "The<br />

Participants Partners and Sponsors Partners" being stablished in each partnership<br />

segment different relations through a truly financial and law network. To the<br />

aprticipants partners –micro and small businesses –guarantee is granted so that they<br />

have free access to credit, and to the sponsors partners the profits are shared among<br />

them. To the former, this is a social aim, wprking as coorporation, to the latter, its<br />

objective is merely profitable, acting a sapitalist machine. And in this hibrid society,<br />

bothe sides get together as one, each and everyone in its own purpose so that only<br />

society wins.


9<br />

LISTA <strong>DE</strong> ABREVIATURAS<br />

CCB –<br />

CR –<br />

EPP –<br />

ME –<br />

PL –<br />

PLC –<br />

PLS –<br />

S.A. –<br />

SGM –<br />

SGS –<br />

SGR –<br />

Código Civil Brasileiro<br />

Constituição da República<br />

Empresa de pequeno porte<br />

Microempresa<br />

Projeto de Lei<br />

Projeto de Lei (originário da) Câmara<br />

Projeto de Lei (originário do) Senado<br />

Sociedade Anônima<br />

Sociedade de Garantia Mútua<br />

Sociedade de Garantia Solidária<br />

Sociedade de Garantia Recíproca


10<br />

SUMÁRIO<br />

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................<br />

11<br />

2 <strong>DA</strong> INTERAÇÃO SOCIAL E <strong>DA</strong> AÇÃO DO DIREITO....................................<br />

2.1 Da sociedade................................................................................................<br />

2.2 Da formação dos grupos sociais...............................................................<br />

2.3 Das formas de interação social: competição, cooperação e conflito....<br />

2.4 Da solidariedade..........................................................................................<br />

2.5 Da anomia jurídica em relação às atividades econômicas......................<br />

2.6 Do solidarismo: responsabilidade dos grupos sociais pela<br />

hegemonia do processo histórico..............................................................<br />

15<br />

15<br />

16<br />

17<br />

19<br />

23<br />

25<br />

3 <strong>DA</strong> SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong> <strong>DE</strong> <strong>GARANTIA</strong> MÚTUA – BREVES INCURSÕES NA<br />

EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL ..................................................................<br />

29<br />

4 <strong>DA</strong> SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong> <strong>DE</strong> <strong>GARANTIA</strong> SOLIDÁRIA...............................................<br />

4.1 Do comando constitucional........................................................................<br />

4.2 Da introdução das Sociedades de Garantia Solidária (SGS) no Brasil..<br />

4.3 Da regulamentação das Sociedades de Garantia Solidária....................<br />

4.4 Da securitização..........................................................................................<br />

4.5 Importantes mecanismos retirados do projeto de lei da SGS................<br />

4.5.1 Outros objetos sociais.............................................................................<br />

4.5.2 Exclusão do tratamento tributário diferenciado....................................<br />

34<br />

35<br />

36<br />

38<br />

43<br />

46<br />

46<br />

48<br />

5 SGS: SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong> COOPERATIVA OU ANÔNIMA?....................................<br />

5.1 Da forma de constituição e estrutura organizacional .............................<br />

5.2 Do objeto social...........................................................................................<br />

5.3 SGS: objetivo de lucro e/ou finalidade social?........................................<br />

5.4 Da constituição de fundo de reserva e do fundo de risco ......................<br />

5.5 Dos sócios da SGS: participantes e investidores....................................<br />

50<br />

52<br />

54<br />

56<br />

59<br />

61


11<br />

5.6 Da participação societária: transferibilidade versus<br />

intransferibilidade........................................................................................<br />

5.7 Dos elementos convergentes e divergentes: SGS versus sociedades<br />

cooperativas e anônimas ...........................................................................<br />

65<br />

66<br />

6 CONCLUSÃO...................................................................................................<br />

71<br />

REFERÊNCIAS..................................................................................................<br />

76<br />

ANEXOS.............................................................................................................<br />

Anexo A – PROJETO <strong>DE</strong> LEI N. 1.830, de 1996...............................................<br />

Anexo B – LEI N. 9.841, <strong>DE</strong> 5 <strong>DE</strong> OUTUBRO <strong>DE</strong> 1999...................................<br />

Anexo C – LEGISLAÇÃO QUE REGULAMENTA AS SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong>S <strong>DE</strong><br />

<strong>GARANTIA</strong> MÚTUA EM PORTUGAL............................................<br />

79<br />

79<br />

86<br />

95


11<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

O tema “Sociedade de Garantia Solidária (SGS)” despertou nosso interesse<br />

por se apresentar como solução jurídica para um problema social e uma<br />

necessidade econômica das microempresas e das empresas de pequeno porte:<br />

possibilitar-lhes o acesso ao crédito mediante a concessão de garantias.<br />

Iniciando o estudo sobre as SGSs, percebeu-se a necessidade de, além de<br />

tratar das questões jurídicas, adentrar seus fundamentos sociológicos e filosóficos,<br />

procurando entender os aspectos econômicos envolvidos e buscando conhecer a<br />

própria história do instituto.<br />

Dessa forma, corre-se o risco de o trabalho tornar-se superficial. Como foi<br />

feita a opção de tratar do instituto como um todo, o estudo torna-se mais amplo por<br />

analisar os vários aspectos envolvidos e, obrigatoriamente, menos profundo.<br />

Para essa opção foram levados em conta o fato de não se encontrar no Brasil<br />

um livro jurídico sequer sobre o assunto: somente encontramos um artigo de Féres<br />

(2000) e um artigo de Hentz (2000) e Corrêa-Lima (2003, p. 32-35) cita essa<br />

sociedade, bem como questiona a sua viabilidade num livro em que trata da<br />

sociedade anônima, e não da sociedade de garantia solidária<br />

Assim, dada a importância do tema e o pouco conhecimento que se tem<br />

sobre ele, entendemos que talvez seja o momento de conhecer melhor o instituto e<br />

deixar para os próximos trabalhos uma análise pormenorizada de aspectos<br />

relevantes.<br />

O fato de tal sociedade não ter sido ainda implementada, apesar de já<br />

regulamentada desde 1999, chamou nossa atenção. Seria desconhecimento da lei?<br />

Teria sido falta de discussão e participação dos interessados quando da<br />

apresentação e tramitação do projeto de lei? Seria falta de incentivo por parte do<br />

governo, por exemplo, com a isenção de impostos?<br />

O trabalho surge como desafio, por se tratar de uma sociedade cujo<br />

regramento não se enquadra em nenhum tipo societário do nosso ordenamento<br />

jurídico, desenhada num formato de sociedade que visa atender às menores<br />

empresas do mercado, concedendo-lhes garantias para seus financiamentos. Além<br />

disso, é baseada no princípio da cooperação e da solidariedade. Todas essas


12<br />

características nos instigam mais ainda a perquirir sua estrutura jurídica e sua forma<br />

de operar.<br />

Diante dessas questões, iniciamos nosso trabalho analisando os princípios<br />

que regem a natureza humana e o que pode levar os homens a formar e organizar<br />

grupos sociais para as mais diversas finalidades.<br />

O instinto gregário compõe a natureza do homem. Mas, além desse instinto, o<br />

homem, até por força de sua própria inteligência, sente a necessidade de viver em<br />

grupos, pois o trabalho em conjunto facilita o alcance de seus objetivos.<br />

A fragilidade humana é logo sentida diante de tantos obstáculos para a<br />

própria sobrevivência. O princípio da interdependência é, assim, natural e inerente à<br />

natureza humana. Essa interdependência surge da fragilidade – uma necessidade –<br />

e da diversidade – uma riqueza – de cada ser humano. Assim, para suprir suas<br />

necessidades, o homem se junta aos outros e se completa neles: além de instinto<br />

social, é exercício da inteligência.<br />

Mas sabemos também que essa interação entre os homens pode se<br />

manifestar por meio da competição ou da cooperação, podendo delas surgir<br />

conflitos. E por meio da ação do direito que a competição será regulamentada, os<br />

conflitos dirimidos e a cooperação disciplinada.<br />

A SGS tem como fundamento a cooperação entre os sócios. É fundada no<br />

princípio da interdependência que leva ou deve levar à solidariedade, exigindo<br />

atitude cooperativa numa interação direta e positiva.<br />

Assim, as ações e as reações do homem são, num primeiro momento,<br />

produzidas por seu instinto gregário e pela necessidade de sobrevivência. Essas<br />

condições, aliadas ao princípio da interdependência e ao princípio da solidariedade,<br />

levaram o homem a criar grupos sociais: família, escola, associação esportiva,<br />

recreativa, cultural, religiosa, profissional, sociedade agrícola, mercantil, industrial,<br />

partido político...<br />

Em Ávila (1963, p. 167), percebe-se a importância de tais sociedades como<br />

grupos sociais intermediários na relação entre o homem e o Estado. Assegura-se,<br />

por meio de tais grupos, a efetiva defesa dos interesses comuns de seus membros e<br />

da manutenção do próprio Estado, como instituições que se sustentam.


13<br />

Daí a importância da Sociedade de Garantia Solidária como um grupo social<br />

intermediário entre os sócios – pessoas naturais e jurídicas – e o Estado, entre os<br />

sócios e o sistema bancário, entre os sócios e o mercado de capitais.<br />

No terceiro capítulo, numa abordagem mais histórica, econômica e estatística,<br />

sem nenhuma pretensão de tratar de direito comparado, trouxemos, de forma<br />

sucinta, experiências sobre a implementação de sociedades similares em países<br />

como a Alemanha, a França, Itália, Portugal, Espanha.<br />

Mesmo sem advogar nenhuma transplantação literal de leis, dadas as<br />

diferenças culturais, sociais, políticas e econômicas, é interessante verificar alguns<br />

dos resultados obtidos em outros países a partir da constituição de tais sociedades<br />

de garantia mútua.<br />

No quarto capítulo, debruçamo-nos sobre o instituto da SGS, analisando-a<br />

sob o aspecto histórico e jurídico, na tentativa de entender em que consiste, quais<br />

princípios nortearam sua introdução no ordenamento jurídico brasileiro, qual a forma<br />

de constituição, a estrutura jurídica, o objetivo e a finalidade.<br />

E a SGS é mais um grupo social de microempresas e empresas de pequeno<br />

porte que, fragilizadas no seu desenvolvimento e ameaçadas de extinção por falta<br />

de acesso ao crédito, se juntam a investidores – pessoas naturais e/ou jurídicas –<br />

para encontrar uma solução eficaz para a sua necessidade de garantias.<br />

Assim, a SGS é uma sociedade sui generis em nosso ordenamento jurídico<br />

porque, apesar de ter a forma de uma sociedade anônima, tem finalidade e estrutura<br />

bem específicas, não encontradas em outras sociedades regulamentadas no Brasil.<br />

Tendo seu regramento jurídico elaborado a partir do modelo espanhol, tem<br />

por objeto a concessão de garantia a seus sócios participantes. Os sócios<br />

participantes abrem mão de 50% dos rendimentos destinados a essa categoria,<br />

entrando para a sociedade com a expectativa de resolver ou minimizar a dificuldade<br />

de acesso ao crédito mediante garantias que lhes serão concedidas. Já os sócios<br />

investidores tornam-se sócios com o objetivo exclusivo de auferir lucro<br />

Nesse capítulo são discutidos, ainda, dois importantes aspectos do Projeto de<br />

Lei n. 1.830/96 que não foram incluídos na regulamentação das SGSs: a nãoisenção<br />

de impostos, e a questão da possibilidade de esse tipo de sociedade ter<br />

outros objetos sociais além da concessão de garantia a seus sócios participantes,<br />

bem como as conseqüências dessas duas opções do legislador brasileiro.


14<br />

Desde as primeiras leituras sobre o assunto, culminando com o estudo<br />

detalhado da norma legal elaborado no quarto capítulo, começou a se desenhar a<br />

hipótese de que a SGS apresentasse, ao mesmo tempo, características de<br />

sociedade cooperativa e de sociedade de capitais.<br />

E, para comprovar tal hipótese, no quinto capítulo fizemos um cotejamento<br />

das características da SGS com as sociedades cooperativas e as sociedades<br />

anônimas. Por meio deste estudo, acreditamos ter conseguido comprovar que as<br />

relações da SGS com os sócios participantes guardam elementos comuns com as<br />

características das relações das cooperativas com seus sócios. No mesmo sentido,<br />

as relações da SGS com os sócios investidores é praticamente a mesma de uma<br />

sociedade de capitais com seus acionistas. Convém conferir!


15<br />

2 <strong>DA</strong> INTERAÇÃO SOCIAL E <strong>DA</strong> AÇÃO DO DIREITO<br />

Por meio do conhecimento empírico, já sabemos e também sentimos que o<br />

homem é essencialmente social e que somos, naturalmente, dependentes uns dos<br />

outros. E o conhecimento científico o ratifica:<br />

O homem é um ser gregário por natureza, é um ser eminentemente<br />

social, não só pelo instinto sociável, mas também por força de sua<br />

inteligência que lhe demonstra que é melhor viver em sociedade para<br />

atingir seus objetivos. (DINIZ, 2004, p. 5)<br />

Diante do fato de o homem ser “eminentemente social” (DINIZ, 2004, p. 5),<br />

tanto por sua natureza, quanto por reconhecer que viver em sociedade lhe<br />

proporciona melhor condição para atingir seus objetivos, entende-se, aqui, a<br />

necessidade de conceituar “sociedade”.<br />

2.1 Da sociedade<br />

Num conceito amplo e genérico, Ferreira (1986, p. 1602) a define como um<br />

“conjunto de pessoas que vivem em certa faixa de tempo e espaço, seguindo<br />

normas comuns, e que são unidas pelo sentimento de consciência de grupo; corpo<br />

social”. De fato, esse é um conceito bastante amplo, mas também bastante útil, uma<br />

vez que nele se ressaltar dois aspectos que interessam no momento: “conjunto de<br />

pessoas que vivem em certa faixa de tempo e espaço” e “ que são unidas pelo<br />

sentimento de consciência de grupo” (FERREIRA, 1986, p. 1.602).<br />

Para Caldas Aulete (1964, p. 3.779), sociedade é “reunião ou associação de<br />

pessoas que, em maior ou menor número, se associaram livremente para com seus<br />

esforços porem em prática certas obras ou obterem um fim comum. ”<br />

Segundo De Plácido e Silva (2000, p. 764) sociedade, “do latim societas<br />

(associação, reunião, comunidade de interesses), gramaticalmente e em sentido<br />

amplo, significa reunião, agrupamento, ou agremiação de pessoas, na intenção de


16<br />

realizar um fim, ou de cumprir um objetivo de interesse comum, para o qual todos<br />

devem cooperar, ou trabalhar”.<br />

Diante dos conceitos sobre sociedade colhidos em Ferreira, Caldas Aulete e<br />

De Plácido e Silva, percebem-se elementos comuns: conjunto, grupo, reunião ou<br />

associação de pessoas que, livremente, se juntaram com a intenção, a finalidade, o<br />

objetivo, ou interesse comum, pelo qual e para o qual todos devem cooperar e<br />

trabalhar.<br />

Por sua própria natureza, “é na sociedade que o homem encontra o ambiente<br />

propício ao seu pleno desenvolvimento” (NA<strong>DE</strong>R, 2004, p. 22) e é nesse ambiente<br />

que seus membros elegem objetivos e se solidarizam para atingi-los, eis que, “como<br />

ser racional e livre, o homem pensa e quer. A Comunidade é o lugar natural onde os<br />

homens pensam e querem juntos, projetam e decidem juntos em função do bemcomum”<br />

(ÁVILA, 1963, p. 11-12).<br />

Algumas vezes a sociedade é considerada em seu todo, mas, muitas vezes,<br />

em sentido mais estrito, é definida como “grupo de pessoas que se submetem a um<br />

regulamento a fim de exercer uma atividade comum ou defender interesses comuns;<br />

agremiação, centro, grêmio, associação” (FERREIRA, 1986, p. 1.602)<br />

2.2 Da formação dos grupos sociais<br />

O instinto gregário dos homens é assim confirmado não somente pela<br />

convivência em sociedade, de modo geral, mas também pela necessidade que têm<br />

de formar e participar de diversos grupos sociais, para, atendendo aos seus vários<br />

interesses, atingir o bem comum, como leciona Montoro (2005, p. 268-269):<br />

Para viver e para se desenvolver, os homens precisam de uma série<br />

de sociedades: família, escola, grupo profissional, empresa,<br />

associações, sociedade civil, etc. Em cada uma delas há, de certa<br />

forma, um bem comum, que é sempre o bem de uma comunidade de<br />

pessoas.


17<br />

Diniz (2004, p. 5-6) esclarece a respeito de alguns tipos de sociedades:<br />

[...] espontânea e até inconscientemente [o homem] é levado a<br />

formar grupos sociais: família, escola, associação esportiva,<br />

recreativa, cultural, religiosa, profissional, sociedade agrícola,<br />

mercantil, industrial, grêmio, partido político etc.<br />

Em Ávila (1963, p. 167), percebe-se a importância de tais sociedades como<br />

grupos sociais intermediários na relação entre o homem e o Estado. Assegura-se,<br />

por intermédio de tais grupos, a efetiva defesa dos interesses comuns de seus<br />

membros e da manutenção do próprio Estado, como instituições que se sustentam:<br />

Estes grupos, muitas vezes, são anteriores ao próprio Estado, e se<br />

aglutinaram por força do instinto social do homem. Constituem elas<br />

também comunidades naturais, que não perdem sua razão de ser<br />

nem seus direitos, com o aparecimento do Estado. Tais comunidades<br />

são, por exemplo, a família, as comunidades locais, profissionais, as<br />

comunidades de trabalho, os grupos religiosos.<br />

Assim, o homem “não existe apenas, mas coexiste, isto é, vive<br />

necessariamente em companhia de outros homens” (DINIZ, 2004, p. 5), eis que o<br />

homem é “essencialmente coexistência” (ACKER, apud DINIZ, 2004, p. 5) e “em<br />

estado convivencial e pela própria convivência é levado a interagir” (DINIZ, 2004, p.<br />

6).<br />

2.3 Das formas de interação social: competição, cooperação e conflito<br />

Nesse ambiente de convivência em sociedade ou em sociedades – grupos<br />

sociais – “os processos de mútua influência, de relações interindividuais e<br />

intergrupais, que se formam sob a força de variados interesses denominam-se<br />

interação social” (NA<strong>DE</strong>R, 2004, p. 22-23). Tal interação “se apresenta sob as<br />

formas de cooperação, competição e conflito e encontra no Direito a sua garantia, o<br />

instrumento de apoio que protege a dinâmica das ações. ” (NA<strong>DE</strong>R, 2004, p. 23)<br />

Analisando tais formatos – competição, cooperação e conflito – Nader (2004,<br />

p. 23) conceitua competição como uma forma de interação social, em que “há uma


18<br />

disputa, uma concorrência, em que as partes procuram obter o que almejam, uma<br />

visando a exclusão da outra”, ocorrendo, portanto, “uma interação indireta e, sob<br />

muitos aspectos, positiva”.<br />

Em relação à cooperação, Nader (2004, p. 23) ensina que, nessa forma de<br />

interação social, “[...] as pessoas estão movidas por um mesmo objetivo e valor e por<br />

isso conjugam o seu esforço”. Conclui, então, que, na cooperação, a interação se dá<br />

de maneira “direta e positiva”.<br />

O autor afirma, ainda, que quando a interação se manifesta sob a forma de<br />

conflito, este se caracteriza pelo “impasse, quando os interesses em jogo não logram<br />

uma solução pelo diálogo e as partes recorrem à luta, moral ou física, ou buscam a<br />

mediação da justiça”, esclarecendo, ainda que “no conflito a interação é direta e<br />

negativa (NA<strong>DE</strong>R 2004, p. 23).<br />

É o direito, então, que vai regulamentar e estabelecer as áreas em que esse<br />

conflito pode ser percebido e dirimido, o que reforça a intenção deste trabalho no<br />

sentido de estudar, na própria área jurídica, outras formas de solução de conflitos.<br />

Não deixa, no entanto, de se alimentar das fontes do direito, como disciplina que<br />

regula e busca soluções para esse tipo de relação na sociedade.<br />

E conclui que “o ordenamento jurídico torna possíveis os nexos de<br />

cooperação e disciplina a competição, estabelecendo as limitações necessárias ao<br />

equilíbrio e à justiça nas relações” (NA<strong>DE</strong>R, 2004, p. 25). Já em relação ao conflito,<br />

a ação do direito opera em duplo sentido: “De um lado, preventivamente, ao evitar<br />

desinteligências quanto aos direitos que cada parte julga ser portadora. [...] De outro<br />

lado, diante do conflito concreto, o Direito apresenta a solução (NA<strong>DE</strong>R, 2004, p.<br />

25).<br />

Pertinente, nesse contexto, o que diz Erhlich (apud MONTORO, 2005, p.<br />

627), para quem o Estado, os juristas e os tribunais se ocupam, normalmente, da<br />

decisão dos conflitos jurídicos, mas a função do direito é muito mais profunda e<br />

ampla, eis que “o direito não se reduz às regras de delimitação em casos de conflito<br />

e luta. Sua função especial é instruir a ordem pacífica na sociedade e servir de base<br />

à organização desta. A maior parte desse direito nunca é levada aos tribunais...”<br />

(EHRLICH apud MONTORO, 2005, p. 627).<br />

Assim, analisando as colocações de Nader e Ehrlich (apud MONTORO,<br />

2005), podemos inferir que haveria, sim, duas, e não três, formas de interação


19<br />

social: a competição e a cooperação. A primeira, indireta e, sob alguns aspectos,<br />

positiva; a segunda, direta e positiva. E o conflito talvez não devesse ser<br />

considerado uma forma de interação social, mas uma conseqüência do não-respeito<br />

às regras sociais, morais ou jurídicas, estabelecidas pela sociedade em sentido<br />

amplo ou pelos vários grupos sociais para a interação por competição ou por<br />

cooperação.<br />

Tanto a competição como a cooperação são importantes formas de interação<br />

que podem trazer benefícios para toda a sociedade, dependendo da área em que<br />

são utilizadas, como e com que finalidades. Para o enfoque dado a este trabalho,<br />

interessa-nos a interação social baseada na cooperação, o que nos conduz à<br />

solidariedade ou exige uma atitude solidária.<br />

2.4 Da solidariedade<br />

Para o funcionamento eficaz de uma sociedade, é essencial que as relações<br />

entre seus membros seja permeada pela solidariedade. Mas pergunta-se: O que é<br />

solidariedade? Um sentimento? Uma atitude? Uma regra moral? Um princípio<br />

jurídico?<br />

Segundo De Plácido e Silva (2000, p. 771), a palavra solidariedade vem de<br />

“solidário, radicado no solidus latino” e “gramaticalmente [...] traduz o sentido do que<br />

é total ou por inteiro ou pela totalidade. Assim, em realidade, revela-se a<br />

solidariedade numa comunidade de interesses, ou numa co-responsabilidade. ”<br />

Caldas Aulete (1964, p. 3.791) a define como “responsabilidade ou<br />

dependência mútua que se estabelece entre duas ou mais pessoas; estado de duas<br />

ou de muitas pessoas obrigadas umas pelas outras e cada uma por todas”.<br />

Ferreira (1986, p. 1.607) a considera um “laço ou vínculo recíproco de<br />

pessoas ou coisas independentes”, “Adesão ou apoio à causa, empresa, princípio,<br />

etc., de outrem”; “sentido moral que vincula o indivíduo à vida, aos interesses e às<br />

responsabilidades dum grupo social, duma nação, ou da própria humanidade”;<br />

“relação de responsabilidade entre pessoas unidas por interesses comuns, de


20<br />

maneira que cada elemento do grupo se sinta na obrigação moral de apoiar o(s)<br />

outro(s): solidariedade de classe”.<br />

Para Durkeim (1999, p. 31), mestre da sociologia francesa,<br />

a solidariedade social [...] é um fenômeno totalmente moral, que, por<br />

si, não se presta à observação exata [...]. É necessário, portanto,<br />

substituir o fato interno [solidariedade] que nos escapa por um fato<br />

externo que o simbolize e estudar o primeiro através do segundo.<br />

Esse símbolo visível é o Direito.<br />

Duguit (apud REALE, 2002, p. 440 e 441), jurista e sociólogo francês,<br />

“encantou-se com a Solidariedade e com a obra do mestre da Sociologia francesa<br />

Émile Durkeim”, apesar de alguns pontos de divergência.<br />

Enquanto Duguit (apud CAMPOS, 1995, p. 35) coloca o fato social da<br />

solidariedade na base de sua doutrina, não tendo dúvida “de que a solidariedade é<br />

um fato elementar e visível, de constatação imediata”, para Durkeim (1999, p. 35),<br />

em quem Duguit se fundamenta, “o direito reproduz as formas principais de<br />

solidariedade”.<br />

Para <strong>Campos</strong> (1995, p. 37), a solidariedade “não é mais do que a coesão em<br />

torno de certos interesses essenciais e que se manifesta através do sentimento de<br />

socialidade”, traduzindo-se por uma técnica “como o direito ou outra estrutura<br />

política qualquer.” <strong>Campos</strong> assim, explica a solidariedade como “uma formação<br />

secundária” “no processo de adaptação à coexistência” e leciona que a coexistência<br />

é que seria um “fato simples e essencial, de existência visível e observação direta”<br />

(CAMPOS, 1995, p. 37).<br />

Durkeim (1999, p. 31), ao contrário de Duguit (apud REALE, 2002), que toma<br />

a solidariedade como “fato elementar e visível, de constatação imediata”, entende<br />

que é necessário estudar a solidariedade – fato interno – por intermédio do direito –<br />

fato externo e “seu símbolo visível” – que “reproduz as formas principais de<br />

solidariedade”.<br />

E pode-se concluir, a partir de Durkeim (1999, p. 34), que a solidariedade “é<br />

um fato social que só pode ser bem conhecido por intermédio de seus efeitos<br />

sociais”.<br />

Segundo Duguit (apud REALE, 2002, p. 441), quer se queira ou não, o<br />

homem é obrigado a aceitar o fato de que tem necessidade das outras pessoas,


21<br />

conformando-se à lei de interdependência e à complementaridade, próprias da<br />

natureza humana, para conseguir sobreviver e se desenvolver como ser humano.<br />

Apesar do radicalismo de Duguit (apud REALE, 2002, p. 441), que “encontra<br />

no fato da solidariedade a explicação de todos os fenômenos de convivência, sem<br />

exceção”, ele contribuiu para “convencer os juristas de França de que o Direito é<br />

uma força social e que o princípio da socialidade do Direito deve ser levado em<br />

conta tanto pelo legislador como pelo intérprete da lei” (DUGUIT apud REALE, 2002,<br />

p. 439-440).<br />

Durkeim (apud REALE, 2002, p. 441) “mostra com grande força a<br />

interdependência das atividades humanas e o valor da divisão do trabalho”. Nessa<br />

obra, Durkeim (1999, p. 39, 85) distingue duas espécies de solidariedade: uma<br />

solidariedade mecânica e uma solidariedade orgânica” sendo a primeira, “aquela<br />

que se estabelece quando duas ou mais pessoas, tendendo a um mesmo fim,<br />

praticam a mesma série de atos” (apud REALE, 2002, p. 441), e a segunda “quando<br />

[...] os indivíduos, para realizar determinados fins, para alcançar determinada meta,<br />

não praticam os mesmos atos, mas atos distintos e complementares” (apud REALE,<br />

2002, p. 441-442).<br />

No contexto de uma sociedade complexa e cada vez mais desenvolvida, a<br />

partir, principalmente, da revolução industrial, nosso interesse recai sobre a<br />

solidariedade orgânica. Para explicar tal espécie de solidariedade, Durkeim (apud<br />

LOCHE et al., 1999, p. 52) usa a metáfora do corpo, segundo a qual<br />

cada membro e cada órgão, embora desempenhem funções<br />

diferentes, estão mutuamente relacionados de forma que a soma das<br />

partes compõem um todo integrado e homogêneo. Exatamente por<br />

isso, Durkeim chamou essa solidariedade de orgânica.<br />

Loche (1999) está se referindo à forma como Durkeim (apud LOCHE et al.,<br />

1999, p. 52) aplica o conceito de solidariedade orgânica: “[...] Ela, sendo<br />

característica das sociedades modernas e industriais, ao mesmo tempo está<br />

relacionada com os grandes grupos sociais que atingem alto grau de diferenciação<br />

interna” e “[...] por essa razão, que as funções coletivas sejam partilhadas e cada<br />

indivíduo possa desempenhar atividades totalmente diferentes, mas perfeitamente<br />

indispensáveis para a coletividade.”


22<br />

É ainda baseando-se nas idéias de Durkeim (apud LOCHE et al., 1999, p. 52)<br />

que se pode caracterizar o conceito de solidariedade na sociedade industrial: “Na<br />

solidariedade característica de uma sociedade industrial, os indivíduos desenvolvem<br />

funções especializadas, diferentes entre si, mas, ao mesmo tempo,<br />

interdependentes.” Não se perde a individualidade dos sujeitos, que são partes de<br />

um todo maior – a sociedade:<br />

Nela, embora cada indivíduo tenha um papel importante, a sociedade<br />

não é uma somatória dessas individualidades; a sociedade é algo sui<br />

generis, específico que, se procurada nas partes que a compõem,<br />

não será encontrada. Em futuras obras, Durkeim tiraria total partido<br />

lógico dessa conclusão, ao afirmar que o todo é mais do que a soma<br />

das partes. (DURKEIM apud LOCHE et al., 1999, p. 52).<br />

Nesse sentido, a solidariedade exige um agir individualmente, numa ação<br />

coordenada, visando atingir um fim coletivo esperado e predeterminado, cujo<br />

resultado traz, ao mesmo tempo, benefícios a cada um de seus membros e à<br />

sociedade, resultado este em que, como disse Durkeim (apud LOCHE, 1999, p. 52)<br />

“o todo é mais do que a soma das partes”.<br />

Assim, mediante a análise dos conceitos de sociedade e de solidariedade,<br />

pode-se perceber que a existência de uma sociedade pressupõe a coexistência de<br />

pessoas, o que, por sua vez, exige vínculo e comprometimento entre seus membros.<br />

Esse vínculo é manifestado por meio da solidariedade para atingir objetivos comuns,<br />

em atitude de co-responsabilidade, pois que, por sua própria natureza, essas<br />

pessoas dependem umas das outras.<br />

Quando tratamos de solidariedade, é fundamental distinguir que ela pode ser<br />

estabelecida tanto para o bem quanto para o mal, uma vez que o que determina o<br />

critério ético ou antiético é a intenção das pessoas que se solidarizam em torno de<br />

objetivos comuns. Nesse sentido, Reale (2002, p. 453) afirma que<br />

Solidariedade é um fato, mas, como todo fato, pode assumir<br />

qualificação ética negativa ou positiva, pois os homens se<br />

solidarizam tanto para o bem como para o mal. O critério ético e<br />

jurídico surge não da solidariedade, mas da atitude espiritual em face<br />

dela.


23<br />

Duguit (apud REALE, 2002, p. 441-443), afirmando que a lei de<br />

interdependência é obrigatória, induz à conclusão de que tal lei seria uma lei natural,<br />

portanto imutável e invariável, e que, não obedecer a seus princípios resultaria em<br />

uma reação ou desordem social, pois, para ele, “o fenômeno da solidariedade tem<br />

como elemento complementar um estado de vigilância da sociedade, zelando pela<br />

própria sobrevivência”.<br />

Durkeim (1999, p. V e VI) trata do papel que os agrupamentos profissionais<br />

estão destinados a desempenhar na organização social dos povos contemporâneos”<br />

[...] e tenta “dirimir os motivos que ainda impedem muitos espíritos de compreender<br />

corretamente sua urgência e seu alcance”. Isto é, a urgência e o alcance do papel<br />

que tais agrupamentos sociais desempenham atualmente na sociedade.<br />

2.5 Da anomia jurídica em relação às atividades econômicas<br />

Durkeim (1999, p. VI e VII) insiste “sobre o estado de anomia jurídica e moral<br />

em que se encontra atualmente a vida econômica”, concluindo que “é a esse estado<br />

de anomia que devem ser atribuídos, [...], os conflitos incessantemente renascentes<br />

e as desordens de todo tipo de que o mundo econômico nos dá o triste espetáculo”.<br />

Tais idéias foram lançadas por Durkeim há quase um século. Apesar de, após<br />

tais colocações, muitas das relações econômicas terem sido regulamentadas pelos,<br />

então, novos direitos, como o do trabalho, o da concorrência, o do consumidor,<br />

provavelmente se possa afirmar que tal regulação jurídica sobre as atividades<br />

econômicas ainda não seria suficiente em alguns aspectos e em algumas áreas<br />

continuariam atuais.<br />

O autor atribui ao desenvolvimento das funções econômicas nos últimos dois<br />

séculos um fator de crescente gravidade nesse estado de anomia, eis que<br />

“enquanto, outrora, [referindo-se às funções econômicas] desempenhavam apenas<br />

um papel secundário, hoje estão em primeiro plano.” E conclui: “Uma forma de<br />

atividade [referindo-se às atividades econômicas] que tomou tal lugar na vida social,<br />

não pode, evidentemente, permanecer tão desregulamentada, sem que disso resulte<br />

as mais profundas perturbações” (DURKEIM 1999, p. VIII).


24<br />

Mas, enquanto Duguit (apud REALE, 2002, p. 441) entende a causa da<br />

reação ou da desordem social como uma conseqüência da não-conformação do<br />

homem à lei da interdependência, Durkeim (1999, p. VIII) detecta como causa dessa<br />

desordem, principalmente, a anomia jurídica e moral em relação às atividades<br />

econômicas.<br />

Para Duguit (apud REALE, 2002, p. 443), “esta reação social contra o violador<br />

do princípio fundamental da solidariedade pode manifestar-se de três maneiras<br />

distintas: em leis morais, em leis econômicas e em leis jurídicas”. (Grifos do autor)<br />

Para que se possa perceber a relação entre a interação social dos indivíduos<br />

no grupo e a conseqüente necessidade de elaboração de tais normas, Machado<br />

Neto (1974, p. 119) apresenta a teoria do controle social de Duguit:<br />

Sua [de Duguit] teoria do controle social, fundado na solidariedade,<br />

distingue três tipos fundamentais de normas sociais decorrentes da<br />

interação dos indivíduos no grupo: normas econômicas, normas<br />

morais e normas jurídicas, em ordem de importância e coercitividade<br />

crescentes.<br />

E como exigência e pressuposto para que se tornem jurídicas, Duguit (apud<br />

MACHADO NETO, 1974, p. 119) explica que as normas econômicas e morais<br />

precisariam ser fundadas na solidariedade e na justiça:<br />

Para que as normas econômicas e as normas morais se tornem<br />

jurídicas, necessário se faz que elas passem a ter ressonância nos<br />

sentimentos fundamentais de solidariedade e justiça.<br />

Quando o sentimento unânime, ou quase tal, do grupo considera que<br />

a solidariedade social estaria gravemente comprometida se o<br />

respeito a uma de tais normas não fosse garantido pelo emprego da<br />

força social, então temos o momento oportuno do surgimento da<br />

norma jurídica do seio das normas morais e econômicas.


25<br />

2.6 Do solidarismo: responsabilidade dos grupos sociais pela hegemonia do<br />

processo histórico<br />

Segundo Durkeim (1999, p. IX), “para que a anomia tenha fim, é necessário,<br />

portanto, que exista ou que se forme um grupo em que se possa constituir o sistema<br />

de regras atualmente inexistente”, mas, observa que<br />

Nem a sociedade política em seu conjunto, nem o Estado, podem,<br />

evidentemente, incumbir-se dessa função; a vida econômica, por ser<br />

muito especial e por se especializar cada dia mais, escapa à sua<br />

competência e à sua ação (DURKEIM, 1999, p. X).<br />

Mas, se para Durkeim (1999) nem a sociedade política nem o Estado<br />

poderiam incumbir-se da tarefa de regular as atividades econômicas, então quem<br />

teria tal legitimidade para elaborar e propor tal regulamentação?<br />

Ávila (1963, p. 11), em seu Manifesto Solidarista de 1963, baseado no<br />

princípio da solidariedade, proclama que por meio do solidarismo defere-se “às<br />

comunidades reais, em todos os níveis em que se realizam, a hegemonia do<br />

processo histórico”, eis que “Esta não pode caber nem ao Capital nem ao Estado...”.<br />

Para Ávila (1963, p. 20), “o Solidarismo é um sistema que leva a democracia<br />

às suas últimas conseqüências”.<br />

Na visão durkeimiana, para se construir tal sistema de regras para as<br />

atividades econômicas, por exclusão da sociedade política e do Estado, ambos por<br />

incompetência, caberia à sociedade organizada em grupos, associações, pois é<br />

nesses grupamentos que se dá, por excelência, a interação social, especialmente<br />

aquela fundamentada na cooperação.<br />

Segundo Diniz (2004, p. 5),<br />

Se observarmos, atentamente, a sociedade, verificaremos que os<br />

grupos sociais são fontes inexauríveis de normas, [por conseguinte,]<br />

o estado não é o criador único de normas jurídicas, [...] mas ele é<br />

uma organização territorial capaz de exercer o seu poder sobre as<br />

associações e pessoas, regulando-as, dando, assim, uma expressão<br />

integrada às atividades sociais.


26<br />

Essa é uma questão muito discutida: o crescimento do direito “não estatal”:<br />

Principalmente nas áreas da economia, do trabalho, das profissões,<br />

é possível observar-se o alastramento de combinações de negócios,<br />

acordos reguladores, estatutos empresariais, etc., que preenchem<br />

uma necessidade de regulamentação, com a qual o legislador não se<br />

preocupa, a não ser excepcionalmente ao surgirem inconveniências<br />

(LUHMANN, 1985, p. 57).<br />

À semelhança de Durkeim (1999), também Ávila (1963, p. 11) expressa seu<br />

entendimento de que às comunidades reais, aos grupos sociais, caberia assumir a<br />

hegemonia do processo histórico, excluindo desse papel o capital e o Estado: “O<br />

solidarismo pretende deferir às comunidades reais, em todos os níveis em que se<br />

realizam, a hegemonia do processo histórico. Esta não pode caber nem ao Capital<br />

nem ao Estado [...]”.<br />

Ávila (1963, p. 167), ao defender a força renovadora do solidarismo, mostra<br />

também a importância dos grupos sociais no desenvolvimento da sociedade:<br />

Um dos segredos da força renovadora do Solidarismo reside em<br />

reivindicar entre a pessoa e o Estado, a existência de grupos<br />

intermediários, dotados de um ser próprio, e como tais, sujeitos a<br />

direitos e deveres.<br />

A comunidade é a grande descoberta e a grande força do<br />

Solidarismo. Este é portador da certeza inabalável de que, à medida<br />

em que as comunidades-reais assumirem em suas mãos os seus<br />

próprios destinos, através de seus representantes legitimamente e<br />

honestamente escolhidos, haverá de realizar-se numa democracia<br />

total, política, econômica e social (ÁVILA, 1963, p. 12)<br />

Interessante observar a sensibilidade de Ávila (1963, p. 13) que, um ano<br />

antes da revolução militar de 1964, lançou o “Manifesto Solidarista”, percebendo a<br />

oportunidade histórica para se aderir ao solidarismo como sistema ideal que levaria<br />

à verdadeira democracia: “O trabalho é árduo, mas sua chance histórica é poderosa,<br />

é irresistível, porque o Solidarismo é o ideal a que confusa e inconscientemente<br />

aspiram todos aquêles que anseiam por um Brasil realmente democrático [...]”<br />

E podemos completar, nesta mesma direção, com Montoro (2005, p. 679),<br />

que, anos mais tarde, fala da função transformadora do Direito no âmbito da<br />

sociedade:


27<br />

Essa função transformadora do direito ganha importância maior nos<br />

períodos de crise e nos momentos em que o desenvolvimento<br />

econômico e social do país torna-se imperativo histórico. Cabe então<br />

ao direito a missão de dirigir e ordenar o processo de<br />

desenvolvimento. No plano econômico, dirigindo, estimulando e<br />

disciplinando investimentos em áreas prioritárias, através de normas<br />

jurídicas adequadas, que disponham sobre a intervenção do Estado,<br />

disciplina de capitais, estímulos fiscais, defesa da tecnologia nacional<br />

e outras.<br />

Assim, o princípio da socialidade do direito e a regulação das normas<br />

econômicas e morais, que podem se tornar jurídicas se fundadas nos princípios de<br />

solidariedade e justiça, como defendido por Duguit (apud MACHADO NETO, 1974,<br />

p. 119), as formas de interação social – competição, cooperação e conflito –<br />

demonstradas por Nader (2004) e a anomia jurídica em relação às funções<br />

econômicas constatada por Durkeim (1999) conduzem à reflexão de Montoro (2005,<br />

p. 679) sobre a função do direito como instrumento eficaz de realização de uma<br />

“democracia total, política, econômica e social” no ideal de Ávila:<br />

O direito tem uma função transformadora do meio social que não<br />

pode ser esquecida. É tão grande sua capacidade de conservar as<br />

instituições como a de tornar-se o principal agente da mudança<br />

social. Não se pode esquecer que o legislador ao elaborar a lei, o<br />

administrador ao executá-la e complementá-la, o juiz ao aplicá-la a<br />

casos de dúvida, o advogado e o assessor jurídico, ao orientarem<br />

empreendimentos, contratos, acordos e outros atos jurídicos, estão,<br />

todos, contribuindo para a modificação da realidade social<br />

Assim, Della Giustina (2004, p. 180) também mostra a importância do direito<br />

como um instrumento dinâmico para transformar o meio social, por intermédio,<br />

principalmente, da força e da hegemonia dos grupos sociais:<br />

Este novo direito deverá constituir a forma como os valores sociais,<br />

os fundamentos da nova sociedade e seus instrumentos<br />

operacionais, ou seja, a ética essencial e sua evolução, são<br />

transformados em norma jurídica, em leis e instituições,<br />

caracterizando a nova organização da sociedade e seu<br />

funcionamento.


28<br />

Com tais fundamentos, verifica-se que outras formas associativas fundadas<br />

na cooperação e solidariedade podem e devem, por intermédio do direito, ser<br />

institucionalizadas. Um exemplo desse tipo de organização é a chamada Sociedade<br />

de Garantia Mútua, já constituída em alguns países da Europa, e a sua similar, a<br />

Sociedade de Garantia Solidária, ainda por ser aperfeiçoada e implementada no<br />

Brasil.


29<br />

3 <strong>DA</strong> SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong> <strong>DE</strong> <strong>GARANTIA</strong> MÚTUA – BREVES INCURSÕES NA<br />

EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL<br />

Primeiramente deve-se observar que essas breves incursões na experiência<br />

de outros países em relação às Sociedades de Garantia Mútua não têm como<br />

objetivo realizar um estudo de direito comparado.<br />

Ocorre que, em 1999, no Brasil, foi regulamentada a Sociedade de Garantia<br />

Solidária. Mas tal instituto não é resultado da criatividade brasileira, pois já existiam<br />

similares internacionais, como as Sociedades de Garantia Recíproca na Espanha, as<br />

Sociedades de Garantia Mútua em Portugal. (Cf. Anexo C)<br />

Assim, ao ser introduzida no Brasil, tal sociedade já trazia uma história de<br />

experiências bem-sucedidas em outros países, que serão, neste capítulo, pontuadas<br />

para que, por esses efeitos, se perceba seu potencial e a importância que poderá vir<br />

a ter também em nosso país.<br />

Em vários países europeus, a forma encontrada pelos micros e pequenos<br />

empresários para contornar o obstáculo da dificuldade de acesso ao crédito pelas<br />

suas empresas foi a associação em sistemas mutualistas:<br />

A melhoria das condições financeiras das empresas, que dificilmente<br />

seriam conseguidas a título individual, pode acontecer com a<br />

intervenção de uma Sociedade de Garantia Mútua, que actua como<br />

‘holding’ dos interesses das empresas participantes junto do sistema<br />

financeiro. (NORGARANTE, [s.d].)<br />

Tais sociedades surgiram na Alemanha no período do pós-guerra, como<br />

bancos mutualistas, tendo a função de prestar garantias financeiras para lastrear<br />

empréstimos contraídos por empresas acionistas junto aos bancos comerciais.<br />

(LISGARANTE, [s.d.])<br />

O sistema alemão já se encontra bastante testado, possuindo “actualmente<br />

24 Sociedades de Garantia Mútua, onde se encontram associadas mais de 25.430<br />

entidades, e às quais já prestaram cerca de 2 [dois] mil milhões de euros (400<br />

milhões de contos) de garantias”. (NORGARANTE, [s.d.])<br />

Com a própria evolução do sistema alemão, houve ampliação das funções<br />

dessas entidades. Hoje, essas sociedades de garantia mútua não atuam apenas


30<br />

como avalistas em empréstimos das empresas acionistas aos bancos. Exercem<br />

também a função de verdadeiros consultores à procura de soluções integradas para<br />

toda a problemática do financiamento de cada empresa associada.<br />

Na França, o mutualismo também tem prestado importante apoio na<br />

prestação de garantias para financiamentos contraídos por empresas de menor<br />

porte, possibilitando, assim, o acesso ao crédito: “A experiência francesa tem mais<br />

de 75 anos. Este país tem 277 Sociedades de Garantia Mútua, que englobam cerca<br />

630.000 associados e que já beneficiaram de cerca de 14. 600 milhões de euros (2.<br />

925 milhões de contos) de garantias.” (LISGARANTE, [s.d.])<br />

Assim, se não houvesse como prestador de garantia, uma sociedade de<br />

garantia mútua, o crédito, em muitos casos, ou não seria aprovado pelo sistema<br />

bancário ou seria concedido em condições mais onerosas. Tal dificuldade ou<br />

impossibilidade de acesso ao crédito ocorre “por desconhecimento das empresas e<br />

das pessoas [por parte do financiador], ou pela sua reduzida dimensão e<br />

incapacidade para prestar as garantias necessárias” (LISGARANTE, [s.d.]). Mas o<br />

problema tem encontrado solução, em vários países, por intermédio dessas<br />

sociedades de garantia mútua.<br />

Na Espanha, foi a partir de 1970 que o seu Sistema de Garantias Recíprocas<br />

começou a ser formatado. Regulamentado em 1977, teve a constituição de sua<br />

primeira Sociedade de Garantia Recíproca (SGR) em 1979, conforme estudo<br />

realizado por Puga (2002). O seu principal objetivo era melhorar as condições de<br />

financiamento, além de permitir e facilitar o acesso ao crédito por parte empresas de<br />

menor porte daquele país.<br />

“Nos anos seguintes, com o apoio do governo espanhol, mediante aportes de<br />

capital, iniciou-se um forte processo de criação dessas sociedades” (PUGA, 2002, ),<br />

sendo até hoje característica do sistema espanhol o aporte de recursos públicos.<br />

Segundo Puga (2002), na Espanha, tais sociedades de garantia recíproca<br />

contam com suporte dos governos regionais, do governo federal e da União<br />

Européia. Os governos regionais apóiam tais sociedades com aporte de recursos por<br />

meio de um Fundo de Provisões Técnicas; o governo federal, por meio da<br />

Companhia Espanhola de Refinanciamento S. A. (Cersa), que refinancia os riscos<br />

assumidos pelas SGRs, as quais por sua vez, mantêm convênio de colaboração


31<br />

com o Fundo Europeu de Investimentos, da União Européia, “que pode assumir até<br />

35% do risco de operações com empresas com até 100 empregados” (PUGA, 2002).<br />

Também na Espanha, além de conceder garantias a seus sócios, as<br />

chamadas SGRs atuam como consultoras das empresas aderentes, prestando-lhes<br />

serviços de aconselhamento e fazendo o estudo da forma mais adequada para o<br />

seu financiamento.<br />

Assim, apesar de mais recente que os sistemas da Alemanha e da França, o<br />

espanhol já “incorpora actualmente 20 SGRs, com 39.530 entidades associadas. As<br />

SGMs espanholas [denominadas Sociedades de Garantia Recíproca] já prestaram<br />

garantias de 645 milhões de euros (129 milhões de contos)” (NORGARANTE, [s.d]).<br />

Interessante verificar que<br />

as SGRs são instituições financeiras sem fins lucrativos, cujo capital<br />

é integralizado majoritariamente pelas próprias MPMEs (sócios<br />

participantes), tendo como sócios minoritários as câmaras de<br />

comércio e indústria, governos locais, federações de empresas,<br />

instituições financeiras e empresas (sócios protetores). (PUGA,<br />

2002)<br />

Essas sociedades de garantia são sempre formadas por duas categorias de<br />

sócios. Na Espanha, sócios participantes e sócios protetores. Em Portugal,<br />

acionistas beneficiários e acionistas promotores (cf. Anexo C). Também no Brasil –<br />

assunto que será tratado no quarto capítulo – as sociedades de garantia solidária<br />

deverão ser constituídas por sócios participantes e sócios investidores.<br />

Ainda segundo o mesmo autor, serão cobradas comissões pelo aval<br />

concedido e por outros serviços, como assessoria e consultoria, pagas pelas<br />

empresas às SGRs, existindo um sistema de punição para as sociedades que<br />

tiverem problemas recorrentes de inadimplência.<br />

O princípio fundamental desse sistema é sempre uma forte cooperação e<br />

solidariedade entre as empresas, além do compartilhamento dos riscos, como se<br />

confirma pelas considerações de Puga (2002) sobre o modelo italiano e do espanhol<br />

de garantia de crédito às médias, pequenas e microempresas:<br />

O modelo das cooperativas de crédito italianas e o sistema espanhol<br />

de garantias solidárias exigem uma forte cooperação entre as<br />

empresas. Os dois minimizam os problemas de exigência de<br />

garantias das MPMES para a obtenção de empréstimos, através de


32<br />

uma ampla rede de instituições que compartilham entre si os riscos<br />

das operações de crédito dos bancos.<br />

A principal diferença entre o sistema espanhol e o italiano é que, no<br />

primeiro, existe um maior envolvimento do setor público no processo.<br />

Enquanto o capital dos consórcios italianos de garantia de crédito é<br />

integralizado pelas próprias empresas.<br />

Já em Portugal, assim como no Brasil e na maioria dos países europeus, as<br />

micros e pequenas empresas também representam um percentual significativo do<br />

setor produtivo, sendo um dos principais responsáveis pela criação de riqueza e de<br />

emprego (cf. LISGARANE, [s.d])<br />

Em Portugal, como também no Brasil,<br />

uma grande parte das micro e pequenas empresas portuguesas<br />

apresenta estruturas financeiras caracterizadas por uma excessiva<br />

dependência de financiamento de curto prazo, além de grandes<br />

dificuldades na obtenção de qualquer financiamento bancário<br />

(NORGARANTE, [s.d]).<br />

Percebe-se que a questão do acesso ao crédito, mesmo em países do<br />

chamado Primeiro Mundo, constitui para as menores empresas um problema crítico,<br />

tornando-se fundamental o aparecimento de soluções que permitam<br />

uma correcta adequação das fontes e prazos de financiamento aos<br />

investimentos realizados e às características do ciclo de exploração<br />

de cada uma delas (NORGARANTE, [s.d]).<br />

Em Portugal, o sistema mutualista data de 1994, atuando a partir da<br />

associação de empresários em sociedades, que poderá prestar-lhes as garantias<br />

necessárias às menores empresas a custos interessantes (cf. LISGARANTE, [s.d])<br />

Também em Portugal, as Sociedades de Garantia Mútua podem, além das<br />

garantias, “prestar às empresas um apoio de ‘consultoria’ na escolha de soluções de<br />

financiamento e mesmo de análise de situações de investimento” (Cf.<br />

NORGARANTE, [s.d]).<br />

Segundo Puga (2002), “no que tange à adaptação dessas experiências para a<br />

realidade brasileira, o sistema espanhol parece ser uma alternativa mais viável, pelo<br />

menos no curto prazo.” E o mesmo autor ainda reforça essa convicção, concluindo<br />

que


33<br />

a transposição do sistema espanhol poderia ser impulsionada com o<br />

estímulo à criação das sociedades de garantia solidária, autorizadas<br />

desde de 5 de outubro de 1999, pela Lei 9. 841, que instituiu o<br />

Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte 1 (PUGA,<br />

2002).<br />

Apesar de terem sido citadas apenas algumas experiências pontuais em<br />

outros países sobre os sistemas de garantia de crédito para as empresas de menor<br />

porte, percebe-se que o setor apresenta como elemento comum a necessidade de<br />

acesso a crédito e a falta de condições de oferecer garantias.<br />

E essas micros, pequenas e, alguns países também as médias empresas,<br />

têm encontrado a solução para seus problemas de acesso ao crédito por intermédio<br />

das sociedades de garantia mútua que, sofrendo variações de país para país, têm<br />

guardado, no essencial, características similares, apresentando-se tal modelo como<br />

uma tendência para o setor das empresas de menor porte.<br />

1 Legislação brasileira que será analisada no quarto capítulo.


34<br />

4 <strong>DA</strong> SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong> <strong>DE</strong> <strong>GARANTIA</strong> SOLIDÁRIA<br />

Os grupos sociais se formam para atender aos interesses comuns de seus<br />

membros. Através dos séculos, as chamadas sociedades comerciais, as<br />

associações, fundações, partidos políticos foram sendo regulamentadas pelo direito.<br />

“A sociedade comercial, em sua forma mais rudimentar, é tão antiga quanto a<br />

civilização. No momento em que duas pessoas somaram seus esforços para obter<br />

resultado econômico comum, a sociedade começava a despontar” (BORBA, 2003, p.<br />

1).<br />

Sabe-se que no Brasil é obrigatória, para as empresas, a adoção de<br />

um dos modelos estabelecidos pela lei para dar legalidade ao<br />

exercício da atividade. Segue-se a exigência de registro e atos<br />

burocráticos não desconhecidos de toda sociedade brasileira, pelos<br />

ônus que acarretam ao consumidor ou usuário de serviços. Também<br />

se sabe que os modelos são antigos (somente a sociedade limitada<br />

nasceu neste século, em 1919; todas as demais se originaram nos<br />

séculos XVIII e XIX) (HENTZ, 2000, p. 1)<br />

E Hentz (2000, p. 1) chama atenção para um novo instituto dizendo que “está<br />

passando despercebida a introdução no direito societário nacional da sociedade de<br />

garantia solidária. O que é e para o quê serve?”<br />

Apesar de já se terem passado sete anos de sua introdução no nosso<br />

ordenamento jurídico, é sua importância e o desconhecimento sobre esse instituto<br />

jurídico no Brasil que nos instigam a estudá-lo. Assim, especialmente neste capítulo,<br />

será estudada a disciplina legal que rege a SGS.<br />

A regulamentação dada pelo direito ao instituto da “Sociedade de Garantia<br />

Solidária” se reveste de características bem específicas, porém não menos<br />

interessantes e importantes, sobre as quais podem ser levantadas questões como:<br />

Corresponde a algum tipo societário já regulamentado pelo ordenamento jurídico<br />

brasileiro? Seria um novo tipo societário? Quais suas peculiaridades? Qual seu<br />

objeto? E sua finalidade?<br />

Apesar de ter sido autorizada no Brasil, em 1999, por intermédio da Lei n.<br />

9.841/99, a Sociedade de Garantia Solidária, pessoa jurídica de direito privado, a ser<br />

constituída sob a forma de sociedade anônima, para a concessão de garantia a seus


35<br />

sócios participantes, ainda resiste à implementação. E novas questões podem ser<br />

levantadas: Sob quais princípios foi criada? A partir de quais fundamentos foi<br />

introduzida no nosso ordenamento? Com que objetivo?<br />

4.1 Do comando constitucional<br />

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagra sob o<br />

título “Princípios Fundamentais” (BRASIL, 2006, p. 17-20) aqueles relativos à<br />

organização da sociedade brasileira que, segundo Silva (1998, p. 98), são os<br />

“princípios da livre organização social, princípio da convivência justa e princípio da<br />

solidariedade”.<br />

Tal a importância desses princípios no contexto sociopolítico nacional que já<br />

no seu art. 1º, IV, da nossa Carta Magna, o constituinte brasileiro incluiu como um<br />

dos fundamentos da República Federativa do Brasil “os valores sociais do trabalho e<br />

da livre iniciativa”.<br />

O art. 3º da Carta Magna define os objetivos fundamentais da República<br />

Federativa do Brasil, relacionando em primeiro lugar a construção de “uma<br />

sociedade livre, justa e solidária”.<br />

Conexos a tais fundamentos, colocam-se os princípios da Ordem Econômica<br />

e Financeira, onde se encontram definidos os princípios gerais da atividade<br />

econômica, inseridos nos arts. 170 e seguintes da Constituição da República,<br />

inclusive “o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte”.<br />

Observe-se que ao Estado incumbe também assegurar “o livre exercício de<br />

qualquer atividade econômica” (art. 170, IX, parágrafo único, da CR/88), mas, como<br />

agente normativo e regulador da atividade econômica, além de garantir direitos e<br />

exercer as funções de planejamento e fiscalização, deverá promover o incentivo de<br />

tais atividades, conforme se depreende do art. 174 da CR.<br />

Uma forma de o Estado, efetivamente, assegurar a todos o livre exercício de<br />

qualquer atividade econômica é facilitar as condições de acesso ao crédito, por<br />

exemplo, mediante criação ou do incentivo à constituição de mecanismos de<br />

garantia de crédito, como o demonstra Kandir (1996, p. 1).


36<br />

A dificuldade de obter financiamento bancário responde em grande<br />

medida pelo alto índice de mortalidade de micro e pequenas<br />

empresas e pela imensurável quantidade de projetos de pequenos<br />

negócios que morrem no nascedouro. Perdem-se, assim, renda e<br />

empregos.<br />

Outra maneira de o Estado valorizar o trabalho humano e a livre iniciativa,<br />

assegurando a todos uma existência digna deve-se dar através de apoio e estímulo<br />

ao “cooperativismo e outras formas de associativismo”. (BRASIL, 2006, p. 202),<br />

conforme determina o § 2° do art. 174 da CR.<br />

Constitui ainda dever do Estado, em todos os seus níveis, dispensar às<br />

microempresas e às empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado,<br />

nos termos do art. 179 da CR, “visando a incentivá-las pela simplificação de suas<br />

obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela<br />

eliminação ou redução destas por meio de lei”.<br />

Dessa forma, o incentivo ao cooperativismo e ao associativismo, a criação de<br />

mecanismos que facilitem o acesso ao crédito, principalmente mediante a<br />

constituição de um sistema de garantias para micros e pequenas empresas seria<br />

uma forma de concretizar os “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (art. 1º,<br />

IV, da CR) e, efetivamente, “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I<br />

da CR).<br />

4.2 Da introdução das Sociedades de Garantia Solidária (SGS) no Brasil<br />

Em 1996, o então deputado federal Antônio Kandir apresentou Projeto de Lei<br />

visando à regulamentação das SGSs. À época, na justificativa (cf. anexo A) que<br />

acompanhava o projeto de lei, Kandir explicitou que a criação de tais sociedades<br />

viria “ampliar radicalmente as possibilidades de obtenção de crédito por parte de<br />

micro e pequenas empresas” (KANDIR, 1996, p. 48 et seq.), atendendo à sua<br />

necessidade de acesso ao crédito, evitando, assim, uma das principais causas de<br />

mortalidade dessas empresas, além da perda de renda e de empregos.<br />

Segundo Kandir (1996, p. 5), apesar de as microempresas (ME) e as<br />

empresas de pequeno porte (EPP) exercerem “o importante papel de permitir a


37<br />

organização das atividades produtivas de maneira versátil e flexível em todos os<br />

setores da economia, [...] mediante o uso mais intensivo de mão-de-obra e a<br />

utilização relativamente menor de capital”, tais empresas não têm acesso facilitado<br />

ao crédito, principalmente, pela dificuldade de oferecerem garantias.<br />

Assim, para Kandir (1996, p. 5), a criação e a regulamentação das<br />

Sociedades de Garantia Solidária visariam à formação solidária de garantias, “com a<br />

finalidade de conceder garantia aos seus sócios participantes [ME e EPP], para a<br />

obtenção do crédito, que seria de difícil acesso, caso a empresa [ME ou EPP]<br />

tentasse individualmente, em virtude da falta de garantias a oferecer”.<br />

Com essas justificativas, o então deputado Antônio Kandir apresentou o<br />

Projeto de Lei n. 1.830/96 (vide anexo A), que visava criar e regulamentar uma<br />

sociedade que seria denominada “Sociedade de Garantia Solidária”, conhecida pela<br />

sigla “SGS” (PL 1.830/96, art. 2º, § 2º). Tal sociedade teria a “finalidade de facilitar o<br />

financiamento das microempresas (ME) e das empresas de pequeno porte (EPP)”<br />

(PL 1.830/96, art. 1º,), através da concessão de garantias aos seus sócios<br />

participantes mediante a celebração de contratos (PL 1830/96, art. 2º).<br />

Segundo Hentz (2000), a SGS não nasceu no Brasil, como se pode verificar<br />

em alguns de seus formatos citados no terceiro capítulo. Já foi regulamentada e<br />

implementada em vários países, sendo largamente utilizada. Tais experiências têm<br />

proporcionado excelentes resultados para as empresas de pequeno porte desses<br />

países, pois visam à facilitação de acesso ao crédito para as micros e pequenas<br />

empresas, mediante a concessão de garantias, proporcionando-lhes um<br />

desenvolvimento e melhoria de suas condições financeiras.<br />

Segundo Hentz (2000, p. 1-2),<br />

não é uma novidade no mundo. A Espanha autoriza a constituição de<br />

‘sociedades de garantia recíproca’ desde 1978. E mais<br />

recentemente, em 1993, regulamentou em detalhes esse mecanismo<br />

de facilitação de acesso ao crédito e melhora das condições<br />

financeiras das pequenas e médias empresas. No Brasil, a<br />

‘sociedade de garantia solidária’ (a pequena mudança no nome não<br />

retira a evidência de ser cópia do modelo estrangeiro) está<br />

autorizada desde 5/10/1999, pela Lei nº 9. 841. Trata-se da lei que<br />

instituiu, mais uma vez, o Estatuto da Microempresa e da Empresa<br />

de Pequeno Porte. As alterações do estatuto são mínimas em<br />

relação ao regime anterior, de 1994, a não ser mesmo pela<br />

disciplina, nos artigos 25 a 31, da sociedade de garantia solidária.


38<br />

Hentz (2000) citou como exemplo a Espanha, mas tal espécie de sociedade já<br />

existe também em vários outros países, como na Itália, Japão, Estados Unidos<br />

(BN<strong>DE</strong>S, 2004), o que vem demonstrar tratar-se de uma experiência testada. Apesar<br />

de variações na sua constituição e estrutura, respeitadas as diferenças culturais e<br />

legais, sua finalidade é prestar garantias a micros e pequenas empresas para<br />

possibilitar-lhes ou facilitar-lhes acesso ao crédito.<br />

4.3 Da regulamentação das Sociedades de Garantia Solidária<br />

Desde 1996, tramitavam, simultaneamente, dois projetos de lei: um iniciado<br />

na Câmara, o PL 1830/96 (KANDIR, 1996 – Anexo A), que instituiria as Sociedades<br />

de Garantia Solidária. O outro projeto de lei originário do Senado (PLS 32/96) que,<br />

quando sancionado, transformou-se na Lei n. 9.841/99 – Estatuto da Microempresa<br />

e da Empresa de Pequeno Porte. (BRASIL, 2006)<br />

Ocorreu que, na fase final de tramitação do PLS 32/96, a criação das SGSs<br />

foi a ele incorporada por meio de substitutivo elaborado a partir do Projeto de Lei n.<br />

1.830/96 apresentado por Kandir. Por essa razão, a regulamentação das<br />

Sociedades de Garantia Solidária encontra-se na Lei n. 9.841/99, art. 25 a 31, eis<br />

que o PLS 32/96, ao ser aprovado e sancionado, transformou-se nessa lei que<br />

institui o “Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte” (BRASIL,<br />

2006).<br />

A Lei n. 9.841/99 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno<br />

Porte) surgiu para dar efetividade ao comando constitucional, regulamentando o<br />

tratamento jurídico diferenciado, simplificado e favorecido às micros e pequenas<br />

empresas, previsto nos arts. 170 e 179 da Constituição Federal.<br />

Assim, a Lei n. 9.841/99 introduziu em nosso ordenamento jurídico a figura da<br />

Sociedade de Garantia Solidária, regulamentando-a como prevista no seu capítulo<br />

VIII, cujo art. 25 determina que tal sociedade deve ser constituída sob a forma de<br />

sociedade anônima, tendo por objeto a concessão de garantia a seus sócios<br />

participantes.


39<br />

Tal lei dispõe que a SGS será constituída de sócios participantes e sócios<br />

investidores e, assim, por determinação legal do seu art. 25, parágrafo único, “os<br />

sócios participantes serão, exclusivamente, microempresas e empresas de pequeno<br />

porte com, no mínimo, 10 (dez) participantes e participação máxima individual de 10<br />

(dez) por cento do capital social”.<br />

Já o art. 25, parágrafo único, II, dispõe que “os sócios investidores serão<br />

pessoas físicas ou jurídicas que efetuarão aporte de capital na sociedade, com o<br />

objetivo exclusivo de auferir rendimentos, não podendo sua participação, em<br />

conjunto, exceder a quarenta e nove por cento do capital social”.<br />

Ao tratar da limitação do número de sócios participantes para a constituição<br />

de uma Sociedade de Garantia Solidária, Féres (2000, p. 7) indaga qual deveria ser<br />

o número mínimo de sócios necessário para a constituição dessa sociedade.<br />

Ora, a lei determina que uma SGS seja constituída por sócios participantes<br />

cujo número mínimo será de 10, com participação societária individual de no máximo<br />

10% (dez por cento) do capital social e sócios investidores.<br />

A lei não dispõe sobre a quantidade mínima de sócios investidores, tampouco<br />

sobre o percentual máximo de sua participação individual, somente estabelecendo o<br />

limite máximo da participação dos sócios da categoria investidores no seu conjunto,<br />

ou seja 49% do capital social.<br />

À pergunta formulada – Qual o número mínimo de sócios necessário para a<br />

constituição dessa sociedade? – segundo Féres (2000, p. 7-8), duas respostas<br />

apresentam-se plausíveis – a primeira, 10 sócios participantes, mínimo legal de<br />

sócios dessa categoria, cada um com 10% do capital social, máximo legal permitido<br />

para cada sócio dessa categoria:<br />

A primeira delas, e mais acertada, é no sentido de que devem<br />

concorrer, no mínimo, dez sócios, número representativo do mínimo<br />

legal de sócios participantes (MEs e/ou EPPs). Isso, em se<br />

entendendo dispositiva a norma do referido ditame legal. A própria<br />

lei, ao estabelecer que cada qual dos dez sócios participantes<br />

(mínimo legal dessa categoria) concorrerá com, no máximo, 10% do<br />

capital social, enseja a possibilidade de criação de uma sociedade<br />

com dez sócios e capital distribuído igualmente entre eles.<br />

Dispensada, destarte, na sociedade, a integração de sócio investidor.<br />

A segunda resposta, 12 sócios, sendo 10 sócios participantes (mínimo legal<br />

exigido) e 2 sócios investidores, assim justificado:


40<br />

Lado outro, se se imprimisse imperatividade ao conteúdo do art. 25,<br />

parágrafo único, deveria haver o número mínimo de 12 (doze) sócios.<br />

Chegar-se-ia a esse resultado pela adição de dois sócios<br />

investidores ao imperativo mínimo de 10 (dez) sócios participantes.<br />

Os dois investidores justificar-se-iam por ser o menor número inteiro<br />

extraível do plural da expressão ‘e sócios investidores’ (FÉRES,<br />

2000, p. 8).<br />

Quanto ao fato de ora ser considerada como norma dispositiva, ora como<br />

norma imperativa, as duas interpretações são permitidas, apesar de,<br />

hermeneuticamente, Féres (2000, p. 8) entender mais correta a primeira, salientando<br />

que a razão de ser dessa sociedade é, primordialmente:<br />

[...] envidar um patrimônio idôneo a fazer frente às necessidades de<br />

garantia, que tanto embaraçam o exercício das atividades das MEs e<br />

das EPPs. Essa finalidade pode, perfeitamente, ser atingida por<br />

intermédio de sociedade de garantia solidária composta por dez<br />

pessoas enquadradas como MEs e/ou EPPs.<br />

Entretanto, mesmo sendo possível a constituição de uma SGS com a<br />

participação de 10 sócios participantes, cada um com 10% de participação no capital<br />

social, observa-se que, salvo melhor juízo, todos serão micro e/ou pequenas<br />

empresas, que demandarão por garantias a serem prestadas pela SGS. Nessas<br />

circunstâncias, apesar de possível juridicamente, a sua capacidade de efetivar o seu<br />

objeto social restará reduzida e a sua finalidade comprometida.<br />

Quanto ao novo instituto introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, para<br />

ser utilizado como mecanismo de garantias para concessão de crédito às micros e<br />

pequenas empresas, Hentz (2000, p. 2) assim analisou o seu mérito:<br />

O mérito do novo sistema é a formação de parcerias nos negócios,<br />

ao contrário dos mecanismos tradicionais de concessão de crédito,<br />

em que os bancos não têm como meta financiar empreendimentos,<br />

mas obter remuneração para o capital dos seus acionistas e<br />

emprestadores.<br />

Quanto à estrutura, como nas sociedades anônimas, o art. 26, IV, da Lei n.<br />

9.841, determina que o órgão máximo das SGSs será a Assembléia Geral, que<br />

elegerá o Conselho Fiscal e o Conselho de Administração, e este último indicará a<br />

Diretoria Executiva, cujas atribuições deverão ser estabelecidas no estatuto social.


41<br />

Entretanto, o art. 26, caput, da Lei n. 9.841, diferentemente do que ocorre<br />

numa sociedade anônima, determina que o estatuto social da SGS “deve<br />

estabelecer, [além da] finalidade social, condições e critérios para admissão de<br />

novos sócios participantes e para sua saída e exclusão”.<br />

Como exemplo, podemos levantar a hipótese em que a SGS fosse obrigada a<br />

honrar uma garantia prestada e não fosse ressarcida pelo sócio participante<br />

beneficiário: a SGS deverá excluir esse sócio inadimplente da sociedade, tendo,<br />

nesse caso, como previsto no art. 26, II, da Lei n. 9.841, o “privilégio sobre as ações<br />

detidas pelo sócio excluído por inadimplência”.<br />

Exige-se também a constituição de reserva legal (art. 27, III, da Lei n. 9.841),<br />

alocando-se 5% dos resultados líquidos até o limite de 20% do capital social.<br />

Após a alocação dos 5% para a reserva legal, até o limite de 20% do capital<br />

social (art. 27, III, da Lei n. 9.841) aos sócios participantes, como os beneficiários de<br />

concessão de garantia por parte das SGSs, somente serão distribuídos 50% do<br />

resultado líquido a que proporcionalmente lhes caiba (art. 27, III, da Lei n. 9.841). Os<br />

outros 50% serão destinados ao fundo de risco (art. 27, III, da Lei n. 9.841).<br />

De forma diferente, a distribuição do resultado líquido aos sócios investidores,<br />

por não haver nenhuma limitação legal, deverá ser feita na proporção de sua<br />

participação no capital social, lembrando que o seu objetivo na sociedade é auferir<br />

rendimentos (art. 25, II, da Lei n. 9.841), e para os sócios participantes o objetivo é a<br />

obtenção de garantias por parte da SGS (art. 25 da Lei n. 9.841).<br />

Como essa sociedade que tem por principal objeto social a concessão de<br />

garantia a seus sócios participantes, a SGS deverá instituir um fundo de risco, que<br />

fará parte de seu patrimônio. Tal fundo de risco será integrado por 50% da parte<br />

correspondente aos sócios participantes, por aporte dos sócios investidores e de<br />

outras receitas aprovadas pela Assembléia-Geral da sociedade (art. 27, III, 2ª parte<br />

da Lei n. 9.841).<br />

Além desse fundo de risco, deverá ser constituída uma reserva legal,<br />

aprovisionando-se 5% dos resultados líquidos decorrentes das atividades da<br />

Sociedade de Garantia Solidária, até completar 20% do capital social (art. 27, III, da<br />

Lei n. 9.841).<br />

Ainda visando à preservação das próprias sociedades de garantia solidária,<br />

deverão ser atendidas as seguintes condições: “proibição de concessão de crédito a


42<br />

seus sócios ou a terceiros” (art. 27, II, da Lei n. 9.841) e “proibição de concessão a<br />

um mesmo sócio participante de garantia superior a dez por cento do capital social<br />

ou do total garantido pela sociedade, o que for maior” (art. 27, I, da Lei n. 9.841).<br />

Assim, essas limitações foram determinadas para preservar a capacidade de a SGS<br />

conceder garantia a seus sócios participantes, cumprindo o seu objeto social.<br />

Dessa forma, para não fugir à finalidade da Sociedade de Garantia Solidária,<br />

ao definir como seu objeto somente a concessão de garantias a seus sócios<br />

participantes, proíbe expressamente a concessão de crédito seja a sócios ou a<br />

terceiros.<br />

Para realizar o objeto das SGSs – a concessão de garantia ao sócio<br />

participante –, necessário que se formalize tal negócio jurídico mediante um contrato<br />

de garantia solidária entre o sócio beneficiário e a SGS. Tal contrato, além de regular<br />

a concessão da garantia, mediante recebimento de taxa de remuneração pelo<br />

serviço prestado, deve fixar as cláusulas necessárias ao cumprimento das<br />

obrigações pelo sócio beneficiário perante a SGS (art. 28, caput, da Lei n. 9.841).<br />

Dentre tais disposições contratuais, conforme Feres (2000, p. 9), deve<br />

também estar prevista a possibilidade de o sócio participante – ME ou EPP – vir a<br />

ser desenquadrado de sua condição de micro ou de pequena empresa, ao exceder o<br />

limite de faturamento. Nessa hipótese, duas situações devem ser previstas e estar<br />

acordadas: ou sócio participante se retira da SGS, ou se torna um sócio investidor.<br />

Acredita-se que a segunda hipótese – o sócio participante tornar-se um sócio<br />

investidor – seja uma solução melhor para esse provável problema, eis que<br />

preserva, para aquele que era participante, a condição de sócio, agora na categoria<br />

de investidor. Convém lembrar, ainda, que há para aquele sócio – ME ou EPP – que<br />

foi desenquadrado de tal condição a possibilidade de voltar a se reenquadrar como<br />

micro ou pequena empresa, o que lhe permitiria novamente voltar a ser um sócio<br />

participante.<br />

Em caso de desenquadramento de sócio participante como ME ou EPP, “no<br />

referente ao contrato de garantia solidária firmado entre a sociedade e o sócio<br />

participante que ulteriormente vier a ser excluído, ele não será afetado, pois é ato<br />

jurídico perfeito, subsistindo sua plena eficácia” (FÉRES, p. 9).<br />

Para preservar a possibilidade de os sócios participantes tomarem créditos<br />

para seus empreendimentos mediante o oferecimento de garantias concedidas pela


43<br />

SGS, “para a concessão da garantia, a Sociedade de Garantia Solidária poderá<br />

exigir a contra-garantia por parte do sócio participante beneficiário” (art. 28,<br />

parágrafo único da Lei n. 9.841), sendo que as ações representativas do capital<br />

social dos sócios participantes não poderão ser oferecidas como garantia de<br />

qualquer espécie (art. 26, III, da Lei n. 9.841), protegendo-se, dessa forma, a sua<br />

participação acionária.<br />

Ao sócio participante beneficiário incumbe remunerar a Sociedade de<br />

Garantia Solidária pelo serviço prestado, isto é, pela concessão da garantia (art. 28,<br />

caput, da Lei n. 9.841) podendo ser-lhe exigida uma contragarantia (art. 28,<br />

parágrafo único da Lei n. 9.841).<br />

Tal concessão de garantia será regulada, nos termos do art. 28 da Lei n.<br />

9.841), por um contrato de garantia solidária, no qual serão fixadas as cláusulas<br />

necessárias ao cumprimento das obrigações do sócio beneficiário perante a<br />

sociedade.<br />

Entretanto, se o fim almejado pelas SGSs é, principalmente, prestar garantia<br />

aos seus sócios, que não têm exatamente essas garantias a oferecer ao sistema<br />

bancário, e sendo-lhes vedado dar como garantia as ações representativas do<br />

capital social, então como poderiam tais sócios oferecer às SGSs uma<br />

contragarantia? Tal exigência transformaria a tentativa de solução do problema em<br />

um círculo vicioso?<br />

4.4 Da securitização<br />

A Lei n. 9.841/99 traz a solução para essa questão nos seus arts. 29 e 30: a<br />

securitização dos recebíveis das microempresas e das empresas de pequeno porte,<br />

eis que “as microempresas e as empresas de pequeno porte podem oferecer as<br />

suas contas e valores a receber como lastro para a emissão de valores mobiliários a<br />

serem colocados junto aos investidores no mercado de capitais” (art. 29), e “a SGS<br />

pode conceder garantia sobre o montante dos recebíveis de seus sócios<br />

participantes, objeto de securitização” (art. 30).


44<br />

Para melhor interpretar tais disposições legais e os efeitos de sua aplicação,<br />

Borba (2003, p. 569) ensina:<br />

Securitização provém do vocábulo anglo-saxão securitization, que, por<br />

sua vez, deriva de securities, palavra que significa títulos-valores em<br />

geral. Por securitização, portanto, entende-se a conversão de créditos<br />

contratuais ou dos chamados ‘recebíveis’ em geral em títulos de<br />

crédito ou em valores mobiliários.<br />

No mesmo sentido, Kandir (1996, p. 5 – cf. Anexo A) explica sobre<br />

securitização na justificativa apresentada juntamente com o projeto de lei para<br />

criação das SGSs,<br />

com o objetivo de agilizar o ingresso de recursos em seu fluxo de<br />

caixa, as microempresas e as empresas de pequeno porte podem<br />

oferecer as suas contas e valores a receber como lastro para a<br />

emissão de títulos e valores mobiliários a serem colocados junto aos<br />

investidores no mercado de capitais.<br />

Assim, esses recebíveis, além de servirem de lastro para a emissão de títulos<br />

e valores mobiliários a serem colocados à disposição dos investidores, segundo<br />

Kandir (1996) também podem servir como contragarantia às SGSs, pelas garantias<br />

prestadas aos sócios participantes, exclusivamente micros e pequenas empresas.<br />

Segundo Borba (2003, p. 570), poderão ser objeto de securitização “créditos<br />

com garantia hipotecária ou pignoratícia, [...] créditos decorrentes de contrato de<br />

locação, de cartões de crédito ou de simples empréstimos, ou ainda contas a cobrar<br />

em geral (os recebíveis),” “de forma a transformá-los em lastro para a emissão de<br />

títulos-valores” que serão negociados no mercado de capitais.<br />

No caso das SGSs, esses créditos de contas e valores a receber convertidos<br />

em títulos-valores – títulos de crédito ou valores mobiliários – por intermédio da<br />

securitização, além de poderem servir de contragarantia para as garantias prestadas<br />

pela SGS, possibilitariam outras fontes de financiamento para tais sócios<br />

participantes – micros e pequenas empresas –, diminuindo sua dependência do<br />

sistema bancário.<br />

Ocorre que, conforme Borba (2003, p. 572), “a securitização, no direito<br />

brasileiro, [ainda] opera de maneira incipiente e limitada”.


45<br />

No Brasil, face à ausência de mecanismos legais específicos, [...] a<br />

securitização tem operado basicamente através do mecanismo de<br />

emissão de debêntures. Os créditos a serem securitizados, uma vez<br />

classificados e estruturados, são transferidos a uma sociedade de<br />

propósito específico [...], que, com base no lastro assim constituído,<br />

emite debêntures para colocação no mercado. (BORBA, 2003, p.<br />

571)<br />

Assim, por meio desses mecanismos – o da prestação de garantia e o da<br />

securitização – segundo Kandir (1996, p. 1),<br />

as Sociedades de Garantia Solidária desempenharão duas<br />

funções básicas:<br />

1) facilitar a formação de garantias para ampliar o acesso de<br />

micro e pequenas empresas ao crédito bancário;<br />

2) abrir-lhes as portas do mercado de capitais, por meio de<br />

operações de securitização de suas contas e valores a receber.<br />

Entretanto, mesmo para os sócios participantes que não precisem de<br />

garantias ou para aqueles de quem não forem exigidas contragarantias, as SGSs<br />

podem “também prestar o serviço de colocação de recebíveis perante a empresa de<br />

securitização especializada na emissão dos títulos e valores mobiliários<br />

transacionáveis no mercado de capitais” (art. 30, 2ª parte, da Lei n. 9.841/99).<br />

Consta da justificativa que acompanhou o projeto de lei que, além de “ampliar<br />

as possibilidades de oferta de garantias por parte de micro e pequenas empresas<br />

interessadas no crédito bancário”, a SGS também ampliaria “as fontes possíveis de<br />

captação de recursos, por meio da securitização de recebíveis [contas e valores a<br />

receber]” Kandir (1996), dessas empresas (ME e EPP), permitindo-lhes “o acesso<br />

[...] aos recursos do mercado de capitais, reduzindo-se dessa forma a sua<br />

dependência do crédito bancário” (KANDIR, 1996, p. 6 – cf. Anexo A).<br />

No mesmo sentido, Hentz (2000, p. 2) assim se manifesta: “ [...] Não vai dar<br />

ainda para viver sem banco. Mas a dependência em relação ao mercado financeiro<br />

dos gigantes, dessa os micro e pequenos empresários podem ficar livres.”<br />

Assim constituída, a SGS terá como receita os rendimentos gerados pelos<br />

investimentos feitos com a participação acionária dos sócios participantes e dos<br />

sócios investidores, o recebimento de taxa de remuneração pelas garantias<br />

prestadas aos sócios participantes, podendo também auferir remuneração ao<br />

“prestar o serviço de colocação de recebíveis junto à empresa de securitização


46<br />

especializada na emissão dos títulos e valores mobiliários transacionáveis no<br />

mercado de capitais” (art. 30, caput, da Lei n. 9.841/99).<br />

4.5 Importantes mecanismos retirados do projeto de lei da SGS<br />

Infelizmente, com o substitutivo e a sua incorporação ao PLS 32/96, que,<br />

posteriormente, se transformou na Lei n. 9.841/99, o projeto original – PL n. 1.830/96<br />

– do Deputado Antônio Kandir sofreu distorções que, salvo melhor juízo, retiraramlhe<br />

mecanismos importantes de incentivo à criação das SGSs, como:<br />

• redução dos objetos dessa espécie de sociedade, o que ampliaria o seu<br />

campo de atuação, mas também reforçaria a sua capacidade de ação para<br />

efetivação de seu objeto principal, questão desenvolvida no item 4.5.1;<br />

• tratamento tributário diferenciado para as próprias SGSs e também para<br />

aqueles que aplicassem o seu capital na SGS, como tratado no item 4.5.2.<br />

4.5.1 Outros objetos sociais<br />

Cotejando a regulamentação dada às SGSs (art. 25 a 31 da Lei n. 9.841/99) e<br />

o projeto de lei apresentado (PL n. 1.830/96), não foram mantidas na lei as várias<br />

possibilidades de objeto social relacionados no projeto. Na lei, o objeto de tal<br />

sociedade é exclusivamente a concessão de garantia a seus sócios participantes:<br />

Art. 25. É autorizada a constituição de Sociedade de Garantia<br />

Solidária, constituída sob a forma de sociedade anônima, para a<br />

concessão de garantia a seus sócios participantes, mediante a<br />

celebração de contrato.<br />

Tratando-se de direito privado, poder-se-ia entender que outros objetos não<br />

relacionados na lei seriam permitidos. Mas, a sua enumeração traria maior<br />

entendimento sobre o novo e importante instituto que, então, era regulamentado.


47<br />

Compare-se o art. 25 da Lei n. 9.841/99, já transcrito, com o art. 2º e seu § 1º do PL<br />

n. 1.830/96:<br />

Art. 2º. O principal objeto da Sociedade de Garantia Solidária é a<br />

concessão de garantia a seus sócios participantes mediante a<br />

celebração de contratos regulados por esta Lei.<br />

§ 1º. A Sociedade de Garantia Solidária pode realizar assessorias<br />

técnica, econômica, financeira e legal aos sócios, diretamente ou<br />

através de terceiros contratados para esse fim.<br />

O caput do art. 2º do PL n. 1.830/96 determinava como principal objeto social<br />

da SGS a “concessão de garantia a seus sócios participantes mediante a celebração<br />

de contratos...” Entretanto, visando a uma abrangência maior da área de atuação<br />

das SGSs, o projeto relacionava, além da concessão de garantia aos sócios<br />

participantes, outros objetos sociais, como realizar assessorias técnica, econômica,<br />

financeira e legal aos sócios, diretamente ou através de terceiros contratados para<br />

esse fim (Cf. PL n. 1.830/96, art. 2º, § 1º).<br />

Observe-se que, mesmo não constando como objeto das SGSs, tais<br />

mecanismos de apoio já eram preocupação do legislador, eis que na mesma Lei n.<br />

9.841/99 determinou-se:<br />

Art. 15. As instituições financeiras oficiais que operam com crédito<br />

para o setor privado manterão linhas de crédito específicas para as<br />

microempresas e para as empresas de pequeno porte, devendo o<br />

montante disponível e suas condições de acesso ser expressas, nos<br />

respectivos documentos de planejamento, e amplamente divulgados.<br />

Art. 16. As instituições de que trata o art. 15, nas suas operações<br />

com as microempresas e com as empresas de pequeno porte,<br />

atuarão, em articulação com as entidades de apoio e representação<br />

daquelas empresas, no sentido de propiciar mecanismos de<br />

treinamento, desenvolvimento gerencial e capacitação tecnológica<br />

articulados com as operações de financiamento.<br />

Art. 22. O Poder Executivo diligenciará para que se garantam às<br />

entidades de apoio e de representação das microempresas e<br />

empresas de pequeno porte condições para capacitarem essas<br />

empresas para que atuem de forma competitiva no mercado interno<br />

e externo, inclusive mediante o associativismo de interesse<br />

econômico.<br />

Assim, além da prestação de garantia a seus sócios – seu objeto principal –, a<br />

atuação da SGS poderia abranger outros objetos sociais, como essas assessorias


48<br />

técnica, econômica, financeira e legal aos sócios, uma vez que lhe é permitido “[...]<br />

prestar o serviço de colocação de recebíveis junto a empresa de securitização<br />

especializada na emissão dos títulos a valores mobiliários transacionáveis no<br />

mercado de capitais” (Lei n. 9.841/99, art. 30, 2ª parte), independentemente de<br />

haver demanda por garantia ou necessidade de se prestar contragarantia.<br />

Segundo Hentz (2000, p. 2),<br />

a nova figura [referindo-se à Sociedade de Garantia Solidária] vai<br />

depender muito do apoio das entidades vinculadas às<br />

microempresas e às empresas de pequeno porte, em especial o<br />

Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas –<br />

SEBRAE. Aliás, a Lei n. 9.841/99 diz que o Poder Executivo firmará<br />

convênio com o Sebrae para o registro, acompanhamento e<br />

fiscalização das sociedades de garantia solidária.<br />

4.5.2 Exclusão do tratamento tributário diferenciado<br />

Provavelmente, a mais importante proposta do projeto que não restou incluída<br />

na lei tenha sido o tratamento tributário diferenciado. Ao contrário da Lei n. 9.841/99,<br />

o PL n. 1.830/96, cujo texto serviu de base para o substitutivo que introduziu a<br />

regulamentação das SGSs na Lei n. 9.841/99, previa tratamento tributário especial<br />

para as SGSs: um importante instrumento de incentivo à criação de tais sociedades<br />

e uma forma de dar efetividade ao tratamento jurídico diferenciado determinado pelo<br />

art. 179 da CR, eis que apesar de não ser microempresa nem empresa de pequeno<br />

porte, o objeto social das SGSs beneficia diretamente essas empresas.<br />

Pelo PL n. 1.830/96, as SGSs seriam sociedades cujo principal objeto deveria<br />

ser a concessão de garantias a seus sócios participantes, exclusivamente<br />

microempresas e empresas de pequeno porte. Com o tratamento tributário<br />

diferenciado, encontra-se, diretamente, uma fórmula de incentivar a constituição de<br />

sociedades de garantia solidária, proporcionando condições para sua manutenção e,<br />

indiretamente, uma maneira de “ampliar radicalmente as possibilidades de obtenção<br />

de crédito por parte de micro e pequenas empresas”, por meio do mecanismo de<br />

concessão de garantias a tais empresas. Pelo art. 14 do projeto de lei,


49<br />

Art. 14. a Sociedade de Garantia Solidária fica [ficaria] isenta dos<br />

seguintes tributos:<br />

I – imposto de renda e proventos de qualquer natureza.<br />

II – imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas<br />

a títulos e valores mobiliários.<br />

III – imposto sobre serviços de qualquer natureza.<br />

Além da previsão de isenção de tais tributos para as próprias SGSs, o<br />

tratamento tributário seria ainda mais abrangente, já que permitia a dedutibilidade do<br />

aporte de capital efetivado pelos sócios no imposto de renda: para as pessoas<br />

jurídicas, dedução para fins de cálculo de lucro tributável; para as pessoas naturais,<br />

para o cálculo do imposto de renda, como se verifica na transcrição do art. 15 do PL<br />

n. 1.830/96:<br />

Art. 15. Os aportes de capital de sócios participantes e investidores<br />

serão dedutíveis para os fins de cálculo do lucro tributável, no caso<br />

de pessoa jurídica, e para o cálculo do imposto devido, no caso de<br />

pessoa física.<br />

Assim, além da isenção para as SGSs do imposto de renda e proventos de<br />

qualquer natureza, do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou<br />

relativas a títulos e valores mobiliários e do imposto sobre serviços de qualquer<br />

natureza, constantes do art. 14 do PL 1830/96), também não foi aprovada a<br />

dedutibilidade no imposto de renda dos investimentos realizados pelos sócios,<br />

pessoas naturais ou jurídicas, à conta das Sociedades de Garantia Solidária.<br />

Tal dedução seria um importante incentivo para a adesão dos sócios e a<br />

criação de tais sociedades, o que não ocorreu. Deixou o Estado, dessa forma, de<br />

dar a sua contribuição e incentivo à implementação de tal instituto.


50<br />

5 SGS: SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong> COOPERATIVA OU ANÔNIMA?<br />

No segundo capítulo deste trabalho, tratamos de sociedade de modo geral,<br />

sob o ponto de vista da filosofia e da sociologia, especialmente da filosofia e da<br />

sociologia jurídicas.<br />

No terceiro capítulo, verificamos algumas experiências referentes à<br />

implementação de sociedades de garantia mútua em outros países e quais<br />

resultados foram alcançados.<br />

No quarto capítulo, debruçamo-nos sobre o instituto da Sociedade de<br />

Garantia Solidária, analisando-a sob o aspecto histórico e jurídico, na tentativa de<br />

entender em que consiste, quais princípios nortearam sua introdução no<br />

ordenamento jurídico brasileiro, qual a forma de constituição, a estrutura jurídica, o<br />

objeto, a finalidade.<br />

Neste quinto capítulo, após estudar as características da SGS, propomos-nos<br />

a verificar se as relações da SGS com os sócios participantes guarda elementos<br />

comuns com as características das relações das cooperativas com seus sócios e,<br />

também, se as relações da SGS com os sócios investidores apresenta<br />

características similares às das sociedades anônimas com seus acionistas.<br />

Para realizar tal incursão no direito societário, limitar-nos-emos a identificar<br />

em outras espécies de pessoa jurídica, atualmente previstas na legislação brasileira,<br />

as características das Sociedades de Garantia Solidária, a partir da análise de<br />

alguns de seus elementos estudados no quarto capítulo e de outros incluídos nesta<br />

quinta parte.<br />

A Lei n. 10.406, de 2002, instituiu o Código Civil brasileiro que, em seu art. 44,<br />

enumera as pessoas jurídicas de direito privado: fundações, associações,<br />

sociedades, organizações religiosas e partidos políticos.<br />

As organizações religiosas e partidos políticos em nada interessam neste<br />

estudo. Também as fundações não apresentam ponto de contato com este trabalho,<br />

pois, segundo Borges (2003, p. 5) não representam “um fenômeno associativo”, não<br />

dispondo de um quadro de sócios, sendo instituídas a partir de um patrimônio e<br />

destinando-se a “atividades religiosas, morais, culturais ou de assistência”.


51<br />

Em relação às associações, conforme o art. 53 do Código Civil dispõe:<br />

“Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins<br />

não econômicos”.<br />

A partir desse conceito, percebe-se que as associações se diferenciam das<br />

SGSs no essencial: faltam-lhes os elementos para caracterizá-las como empresas<br />

que representam o objeto das sociedades, como definidos no art. 969 do Código<br />

Civil: “Empresa é o exercício profissional de atividade econômica organizada para a<br />

produção ou a circulação de bens e serviços” porque, ao contrário das associações,<br />

as SGSs têm fins econômicos. Desse modo, a análise das características das<br />

associações não se mostra pertinente ao tema em estudo.<br />

Assim, se já descartamos para este trabalho o estudo das organizações<br />

religiosas, os partidos políticos, as associações e as fundações, nossas observações<br />

ficarão concentradas nas sociedades.<br />

A partir da vigência do o Código Civil (Lei n. 10.406/02), em janeiro de 2003,<br />

houve a unificação do direito privado. A primeira parte do Código Comercial foi<br />

incorporada ao Código Civil. O Direito de Empresa é tratado no Livro II do Código<br />

Civil vigente.<br />

A nova legislação sobre as sociedades as divide em sociedades<br />

personificadas e não personificadas. Nesta última classificação, incluem-se a<br />

sociedade em comum e a sociedade em conta de participação, as chamadas<br />

sociedades não personificadas. Estas, por não serem regularmente registradas,<br />

deixam de oferecer contribuição a este trabalho, porque não é possível imaginar<br />

uma SGS na informalidade.<br />

Quanto às sociedades personificadas, o atual Código Civil regulamenta os<br />

seguintes tipos societários: sociedade simples, sociedade em nome coletivo,<br />

sociedade em comandita simples, sociedade em comandita por ações e também as<br />

sociedades limitadas que eram reguladas pelo Decreto-Lei n. 3.708/19, então<br />

revogado. Quanto às sociedades anônimas e às sociedades cooperativas, o<br />

legislador as relaciona entre as sociedades no Código Civil, ressalvando, porém, as<br />

leis especiais n. 6.404/76 e n. 5.764/71, que disciplinam, respectivamente, as<br />

sociedades anônimas e as cooperativas.<br />

A Sociedade de Garantia Solidária, objeto de nosso estudo, por determinação<br />

legal, deve ser constituída sob a forma de uma sociedade anônima. Todavia, ao


52<br />

analisar a regulamentação da SGS, poder-se-ia questionar se, realmente, tal<br />

sociedade, além da forma, seria essencialmente uma sociedade anônima ou se<br />

apresentaria características de uma cooperativa. Ou, ainda, se teria elementos<br />

característicos de ambas as sociedades, sendo, nesse caso, uma sociedade híbrida.<br />

Diante dessa questão, levanta-se a hipótese de que possa haver elementos<br />

comuns ou semelhantes entre as disposições legais que regulamentam as<br />

sociedades cooperativas e as sociedades anônimas e aquelas que regem as<br />

relações da SGS, respectivamente, com seus sócios participantes e sócios<br />

investidores.<br />

Dessa forma, apresenta-se oportuna e necessária a análise e a comparação<br />

de algumas das características das sociedades anônimas e das disposições que<br />

regem as relações dos sócios investidores com a SGS. De outro lado, torna-se,<br />

também, imprescindível, o cotejamento das características das sociedades<br />

cooperativas com os dispositivos legais que regulam as relações dos sócios<br />

participantes com a SGS. Por meio desse trabalho, surgirá a possibilidade de<br />

comprovar ou afastar tal hipótese.<br />

5.1 Da forma de constituição e estrutura organizacional<br />

Por determinação da Lei n. 9.841/99, a SGS será constituída sob a forma de<br />

sociedade anônima que, por sua vez é regulamentada pela Lei n. 6.404/76. Essa lei,<br />

em seu art. 1°, dispõe que “a companhia ou sociedade anônima terá o capital<br />

dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao<br />

preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas” e em seu art. 2° determina<br />

como “[...] objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo”. Assim,<br />

a sociedade anônima oferece as seguintes características básicas: a)<br />

é sociedade de capitais; b) é sempre empresária; c) o seu capital é<br />

dividido em ações transferíveis pelos processos aplicáveis aos títulos<br />

de crédito; d) a responsabilidade dos acionistas é limitada ao preço<br />

de emissão das ações subscritas. (BORBA, 2003, p. 141)


53<br />

Conforme Corrêa-Lima (2003, p. 17) “a sociedade anônima pode ter objeto<br />

civil ou mercantil, [observando-se que], em qualquer das hipóteses, é mercantil e se<br />

rege pelas leis e usos do comércio (art. 2º, § 1º)”. E, quanto à estrutura, o mesmo<br />

jurista ainda adverte da exigência legal quanto à sua estrutura organizacional<br />

formada pelas assembléias gerais, conselho de administração, diretoria e conselho<br />

fiscal:<br />

Nada impede – e é até mesmo conveniente – que as sociedades<br />

civis [hoje, sociedades não-empresárias], sem se revestirem da<br />

forma de sociedade anônima, adotem a estrutura organizacional<br />

desta, com assembléias gerais, conselho de administração, diretoria,<br />

conselho fiscal, etc. (CORRÊA-LIMA, 2003, p. 17)<br />

Realmente, é de todo conveniente tal estrutura. À SGS, além da exigência de<br />

se revestir da forma de sociedade anônima, o legislador determinou, no art. 26, IV,<br />

que sua estrutura organizacional compreendesse “a Assembléia-Geral, órgão<br />

máximo da sociedade, que elegerá o Conselho Fiscal e o Conselho de<br />

Administração, que, por sua vez, indicará a Diretoria Executiva”.<br />

Mas também nas cooperativas, entre os órgãos sociais, a Assembléia Geral<br />

dos associados constitui o órgão supremo da sociedade por determinação do art. 38<br />

da Lei n. 5.764. Como órgãos de administração das sociedades cooperativas, a<br />

mesma norma legal exige uma Diretoria ou Conselho de Administração e também o<br />

Conselho Fiscal.<br />

Bulgarelli (1999, p. 253) relaciona como aspectos semelhantes entre<br />

sociedades cooperativas e anônimas o regime de administração, o sistema de<br />

publicidade e a forma de constituição e funcionamento, além de alguns aspectos de<br />

sua extinção:<br />

As semelhanças referem-se ao regime de administração, visto que a<br />

estrutura é formada de instrumentos aptos a conter um grande<br />

número de associados, com o regime estatutário sendo capaz de<br />

fazê-la manter-se independentemente da entrada e saída daqueles;<br />

o sistema de publicidade e a forma de constituição, funcionamento e<br />

alguns aspectos de sua extinção, discrepando, apenas, no tocante<br />

ao capital social, em razão do regime de sociedade de pessoas<br />

inerente às cooperativas.


54<br />

Mas, apesar de a SGS apresentar aspectos comuns às sociedades anônimas<br />

e às sociedades cooperativas, observa-se, porém, que, enquanto algumas das<br />

características da SGS são análogas às das sociedades anônimas, outras<br />

apresentam-se claramente contrastantes, assemelhando-se às das sociedades<br />

cooperativas, pelo que convém analisá-las.<br />

Meinen (2003, p. 186) salienta que a identificação do que seja uma sociedade<br />

cooperativa encontra o melhor balizamento justamente no diploma regulador próprio<br />

do tipo societário – Lei n. 5.764/71 – o qual, em seu art. 3º, prevê:<br />

Art. 3°. Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que<br />

reciprocamente se obrigam a contribuir com bens e serviços para o<br />

exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem<br />

objetivo de lucro.<br />

Já o art. 4º da Lei n. 5.764/71 dispõe que “as cooperativas são sociedades de<br />

pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil [hoje, nãoempresárias],<br />

não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos<br />

associados [...]”.<br />

Enquanto se exige para a constituição da SGS a forma de sociedade<br />

anônima, quanto à estrutura organizacional, as SGSs devem, obrigatoriamente,<br />

constituir Assembléia Geral, Conselho Fiscal, Conselho Administrativo e Diretoria<br />

Executiva, órgãos sociais e administrativos também exigidos tanto para as<br />

sociedades anônimas quanto para as sociedades cooperativas.<br />

5.2 Do objeto social<br />

Segundo Borba (2003, p. 46) “o objeto social é um dos elementos mais<br />

sensíveis da sociedade empresária, uma vez que, definindo a atividade a que se<br />

propõe a empresa, demarca-lhe o âmbito em que exercerá o comércio”.<br />

Corrêa-Lima (2006, p. 5) afirma que “a empresa continua mero objeto.<br />

Significa atividade organizada, exercida profissionalmente para a produção ou a<br />

circulação de bens ou de serviços”.


55<br />

Mas, “independentemente de seu objeto, considera-se empresária a<br />

sociedade por ações; e não empresária a cooperativa (art. 982, parágrafo único)”.<br />

(CORRÊA-LIMA, 2006, p. 11).<br />

A Lei n. 6.404, de 1976, a denominada “Lei das Sociedades Anônimas”, trata<br />

do objeto social já em seu art. 2°, dispondo que “pode ser objeto da companhia<br />

qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons<br />

costumes”, e determina, em seu § 2° que “o estatuto social definirá o objeto de modo<br />

preciso e completo”.<br />

Assim, reveste-se de grande importância ao se constituir uma sociedade a<br />

definição do seu objeto social. Tal definição tanto limita a atividade quanto<br />

estabelece seu foco e “os próprios sócios ou acionistas, ao decidirem ingressar na<br />

sociedade, fazem-no, normalmente, tomando como referência básica o objeto social,<br />

pois neste se qualifica o tipo de empreendimento de que querem participar”<br />

(BORBA, 2003, p. 46).<br />

Na sociedade anônima, “deverá o objeto social corresponder a um fim<br />

lucrativo, uma vez que não se admite sociedade anônima beneficente ou caritativa.<br />

Nessas hipóteses, ter-se-ia uma associação [...]” (BORBA, 2003, p. 164) que não<br />

poderia se revestir da forma da sociedade anônima.<br />

Importante salientar, ainda, que “a anônima é uma sociedade de fins<br />

econômicos, destinando-se a produzir lucros para distribuição a seus acionistas”<br />

(BORBA, 2003, p. 164), devendo-se entender, assim, que não basta a atividade<br />

lucrativa, mas também que o lucro se destine, fundamentalmente, a remunerar o<br />

quadro social que, no caso da anônima, corresponde aos seus acionistas.<br />

Já o objeto da sociedade cooperativa, segundo Franke (apud SIQUEIRA,<br />

2004, p. 47), é “o ramo da atividade [em] que estão os cooperados inseridos, e que<br />

será utilizado para viabilizar os fins da sociedade”. Quanto ao objetivo da<br />

cooperativa, Martins (2003, p. 46) explica: “Bem melhor avaliando o cooperativismo,<br />

considera o objetivo da [sociedade] cooperativa a cooperação entre pessoas para<br />

determinado fim comum, visando a melhoria das condições de vida dos seus<br />

participantes”.<br />

Dessa forma, em relação às cooperativas, Siqueira (2004, p. 47) identifica o<br />

seu objeto com o ramo da atividade em que os cooperados estejam inseridos, o que,<br />

por sua vez, será o meio para se atingir os fins da sociedade. E se tal sociedade, a


56<br />

cooperativa, não tem fins lucrativos, sua finalidade será social, eis que visa à<br />

melhoria das condições de vida dos seus associados, hoje denominados pela<br />

legislação civil como sócios (art. 1094 e seguintes, CCB).<br />

A partir desse entendimento, percebe-se que o mesmo ocorre com a SGS. O<br />

seu objeto seria a prestação de garantia a seus sócios participantes. Por meio desse<br />

objeto – a prestação de garantia –, alcançaria a sua finalidade social, resultado<br />

esperado pelos sócios participantes, bem como atingiria sua finalidade lucrativa, que<br />

atenderia ao objetivo de lucro esperado pelos sócios investidores.<br />

5.3 SGS: objetivo de lucro e/ou finalidade social?<br />

Questão interessante foi levantada por Corrêa-Lima (2003) sobre a SGS que<br />

tem por objeto a concessão de garantia a seus sócios participantes, mediante a<br />

celebração de contratos. Diante de tal determinação legal, Corrêa-Lima (2003, p. 35)<br />

observa que “dentre os “contratos”, referidos no artigo 25, da Lei n. 9.841/99, inserese,<br />

naturalmente, o contrato de fiança”. Sobre isso, o respeitado doutrinador levanta<br />

a seguinte questão:<br />

É certo que o contrato de fiança tanto pode ser gratuito como<br />

oneroso. Contudo, à luz do esquema tradicional do Direito<br />

empresarial, não é fácil conceber que uma empresa possa,<br />

simultaneamente: a) ter por objeto ‘a concessão de garantia a seus<br />

sócios participantes, mediante a celebração de contratos’ e b) ter<br />

finalidade lucrativa e, principalmente, produzir lucros [...].<br />

Tal colocação de Corrêa-Lima merece detida análise, assim como a seguinte<br />

questão que lhe é pertinente: O art. 26 da Lei n. 9.841/99 exige que no estatuto<br />

social da sociedade de garantia solidária seja definida a sua “finalidade social”. A<br />

esse respeito, Corrêa-Lima (2003, p. 35) confirma que tal disposição legal sobre a<br />

SGS “não se refere à finalidade lucrativa. Refere-se a ‘finalidade social’”.<br />

Cotejando o inciso II do parágrafo único do art. 25 e o inciso I do art. 26 da Lei<br />

n. 9.841/99, a questão se torna ainda mais complexa, eis que no art. 25 o legislador<br />

usou a palavra objetivo (exclusivo de auferir lucro) e no art. 26 a expressão


57<br />

finalidade social em relação à sociedade de garantia solidária, como se pode<br />

constatar:<br />

Art. 25. [...]<br />

Parágrafo único – A sociedade de garantia solidária será constituída<br />

de sócios participantes e sócios investidores:<br />

I – [...];<br />

II – os sócios investidores serão pessoas físicas ou jurídicas, que<br />

efetuarão aporte de capital na sociedade, com o objetivo exclusivo de<br />

auferir rendimentos, não podendo sua participação, em conjunto,<br />

exceder a 49% (quarenta e nove por cento) do capital social.<br />

Art. 26. O estatuto social da sociedade de garantia solidária deve<br />

estabelecer:<br />

I – Finalidade social, condições e critérios para admissão de novos<br />

sócios participantes e para sua saída e exclusão.<br />

Dessa forma, questiona-se a essência da SGS. A sua finalidade seria<br />

lucrativa ou social? O seu “objetivo exclusivo de auferir rendimentos”, do art. 25,<br />

parágrafo único, II, seria compatível com “finalidade social”, disposta no art. 26, I?<br />

Ou comportaria o objetivo de lucro e a finalidade social?<br />

Diante de tais questões, necessário se faz analisar o conceito de objetivo e<br />

finalidade:<br />

Objetivo quer dizer “Mat. No método interativo, o valor final para o qual<br />

convergem progressivamente os resultados das sucessivas interações” (FERREIRA,<br />

1986, p. 1.208).<br />

Finalidade significa “fim a que se destina uma coisa; objetivo, alvo;<br />

destinação” (FERREIRA, 1986, p. 781).<br />

Como as definições se mostram semelhantes, questiona-se: Teria tal<br />

sociedade uma finalidade social para atender os sócios participantes que precisam<br />

de garantias e outra lucrativa, que visaria dar retorno aos sócios investidores que<br />

aplicaram valores para auferir rendimentos?<br />

Mas como compatibilizar objetivo de lucro com finalidade social numa mesma<br />

sociedade? Ou a SGS aglutinaria características tanto das sociedades cooperativas<br />

quanto das sociedades de capital, como a sociedade anônima?<br />

Num trabalho comparativo, Meinen (2003, p. 187) afirma que as cooperativas<br />

“têm como objetivo essencial a prestação de serviços aos cooperativados, [enquanto<br />

as sociedades empresárias] visam lucro”.


58<br />

No mesmo sentido, Reis (2004, p. 385) ratifica:<br />

Sabemos que a sociedade cooperativa não se confunde com as<br />

sociedades empresárias. Estas têm finalidade de lucro, o que não<br />

ocorre com aquela, que é mera prestadora de serviços a seus<br />

associados, não obstante possa exercer atividades econômicas.<br />

As relações entre cooperados e cooperativa guardam diferenças essenciais<br />

daquelas estabelecidas entre sócios de sociedades empresariais, como as<br />

sociedades anônimas. Da mesma forma, por analogia, tentaríamos entender as<br />

relações dos sócios participantes e do sócios investidores com a SGS, eis que nas<br />

cooperativas<br />

o usuário é o próprio dono/cooperativado, estabelecendo [entre ele e<br />

a cooperativa] uma relação interna/não mercantil, [ao passo que, na<br />

sociedade empresária], o usuário é estranho ao dono,<br />

[estabelecendo-se entre eles uma] relação comercial/de consumo<br />

[entre o usuário e aquela sociedade] (MEINEN, 2003, p. 186-188).<br />

Em Reis (2004, p. 385), o mesmo entendimento: “[...] as cooperativas são<br />

organizadas para atender aos associados, fornecendo-lhes bens e serviços,<br />

enquanto que as empresas capitalistas, nesse espectro a sociedade por ações, para<br />

operarem no mercado e distribuir entre os sócios o lucro proveniente dessas<br />

atividades”.<br />

Nas sociedades cooperativas, “os excedentes são retornados na proporção<br />

das operações dos cooperativados (aos próprios usuários), [enquanto] o lucro é<br />

devolvido na proporção das ações detidas pelos acionistas (os usuários a nada têm<br />

direito)” (MEINEN, 2003, p. 186-188), o que vem demonstrar, mais uma vez, a<br />

finalidade social de uma e o objetivo lucrativo de outra.<br />

Assim, “a distribuição dos resultados nas cooperativas será proporcional às<br />

operações realizadas por cada sócio [...] e, com relação às sociedades anônimas, a<br />

distribuição dos lucros é calculada levando-se em consideração a proporção da<br />

participação de cada acionista no capital social”. (REIS, 2004, p. 386)<br />

Mas Reis (2004, p. 385) alerta:<br />

O investimento realizado pelos associados, nas sociedades<br />

cooperativas, têm diminuta, ou quase irrelevante importância,


59<br />

comparando-se com a expectativa dos benefícios que terão em<br />

serviços por ela prestados. Já na sociedade por ações ocorre o<br />

inverso, os acionistas, por assumirem o papel de investidor, se<br />

voltam em torno da expectativa de retribuição financeira como<br />

remuneração do capital aplicado.<br />

Conclui-se, dessa forma, que o cooperado espera benefícios sociais,<br />

enquanto o acionista, o lucro. A razão disso é que se associaram com finalidade e<br />

objetivo diferentes. Assim, suas expectativas se amoldam à finalidade social porque<br />

se associaram, ou ao objetivo lucrativo no qual investiram seu capital.<br />

Nesse sentido, as disposições legais da SGS apontam para diferentes<br />

categorias de sócios, com previsão de tratamento jurídico diferenciado para cada<br />

uma dessas categorias. Quanto aos sócios, os investidores se associam com o<br />

objetivo de auferir rendimentos, e os participantes, com a finalidade de ter acesso a<br />

benefícios por meio dos serviços que lhe serão prestados pela própria Sociedade de<br />

Garantia Solidária.<br />

5.4 Da constituição de fundo de reserva e do fundo de risco<br />

O art. 27, III, da Lei n. 9.841, o Estatuto da Microempresa e da Empresa de<br />

Pequeno Porte, determina quanto à SGS, a constituição de um Fundo de Reserva,<br />

mediante a alocação de 5% dos resultados líquidos até o limite de 20% do capital<br />

social.<br />

Trata-se de determinação legal idêntica à prevista na lei das sociedades<br />

anônimas, em seu art. 193. Senão vejamos:<br />

Art. 193. Do lucro líquido do exercício, 5% (cinco por cento) serão<br />

aplicados, antes de qualquer outra destinação, na constituição da<br />

reserva legal, que não excederá de 20% (vinte por cento) do capital<br />

social.<br />

Além do fundo de reserva, o art. 27, III, 2ª parte, da Lei n. 9.841/99, que<br />

regulamenta as SGSs, determina seja constituído o Fundo de Risco com 50% dos<br />

resultados líquidos da parte correspondente aos sócios participantes e também por


60<br />

aporte dos sócios investidores e de outras receitas aprovadas pela Assembléia Geral<br />

da sociedade.<br />

Da mesma forma que o fundo de reserva, o fundo de risco encontra<br />

permissivo legal no art. 194, I e II, da Lei n. 6.404/76, que regula as Sociedades<br />

Anônimas, dispondo sobre a possibilidade de se criar reservas estatutárias:<br />

Art. 194. O estatuto poderá criar reservas desde que, para cada uma:<br />

I – indique, de modo preciso e completo, a sua finalidade;<br />

II – fixe os critérios para determinar a parcela anual dos lucros<br />

líquidos que<br />

serão destinados à sua constituição.<br />

[...].<br />

Entretanto, a obrigatoriedade legal de constituição de fundos não é exclusiva<br />

das sociedades anônimas. Observa-se, também, na Lei n. 5.764, que define a<br />

Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades<br />

cooperativas e dá outras providências, que há determinação para a constituição de<br />

fundos, o de Reserva, o de Assistência Técnica, Educacional e Social, além de<br />

outros, desde que com fins determinados:<br />

Art. 28. As cooperativas são obrigadas a constituir:<br />

I – Fundo de Reserva destinado a reparar perdas e atender ao<br />

desenvolvimento de suas atividades, constituído com 10% (dez por<br />

cento), pelo menos, das sobras líquidas do exercício;<br />

[...].<br />

§ 1° Além dos previstos neste artigo, a Assembléia Geral poderá criar<br />

outros fundos, inclusive rotativos, com recursos destinados a fins<br />

específicos fixando o modo de formação, aplicação e liquidação.<br />

No caso das SGSs, dado o risco inerente ao seu próprio objeto – concessão<br />

de garantia a seus sócios participantes –, há obrigatoriedade de constituição de<br />

reserva para o fundo de risco, como também ocorre em relação às cooperativas, e,<br />

neste caso, não se trata somente de uma possibilidade, como disposto no art. 194<br />

da lei das sociedades anônimas.<br />

Assim, em mais um aspecto, no caso a determinação de constituição dos<br />

fundos de risco e o de reserva, as SGSs se assemelham tanto às sociedades<br />

anônimas quanto às sociedades cooperativas.


61<br />

5.5 Dos sócios da SGS: participantes e investidores<br />

O art. 25, parágrafo único da Lei n. 9.841, dispõe que a SGS será constituída<br />

de sócios participantes e sócios investidores, mas dá tratamento jurídico<br />

diferenciado a estes e àqueles, como se verifica nos arts. 25 e 26 da mesma norma<br />

legal, restando determinado que:<br />

Art. 25 [...]:<br />

I – Os sócios participantes, serão, exclusivamente, microempresas e<br />

empresas de pequeno porte...<br />

Art. 26 [...]:<br />

I – O estatuto social da sociedade de garantia solidária deve<br />

estabelecer [...] condições e critérios para admissão de novos sócios<br />

participantes e para sua saída e exclusão.<br />

Dessa forma, há determinação legal no sentido de estabelecer condições e<br />

critérios para a admissão e exclusão somente de sócios participantes, não havendo<br />

qualquer restrição em relação aos sócios investidores. Os sócios investidores –<br />

pessoas naturais ou jurídicas – somente efetuarão aporte de capital na sociedade<br />

com o objetivo exclusivo de auferir rendimentos, não demandarão por nenhum<br />

serviço da SGS, tampouco trarão nenhum risco para a sociedade.<br />

Assim, a lei não faz nenhuma restrição ao ingresso dos sócios investidores na<br />

SGS, como ocorre, por exemplo, com os acionistas das sociedades anônimas.<br />

Ao contrário, a admissão dos sócios participantes – exclusivamente micro e<br />

pequenas empresas – deve preencher os requisitos estabelecidos no estatuto social.<br />

Tais exigências se tornam necessárias, eis que os sócios participantes serão os<br />

beneficiários de garantias prestadas pela SGS, trazendo sempre algum risco para tal<br />

sociedade, podendo ocorrer até situações em que tal sócio deva ser dela excluído.<br />

De outra forma, “os sócios investidores serão pessoas físicas [naturais] e<br />

jurídicas, que efetuarão aporte de capital na sociedade, com o objetivo exclusivo de<br />

auferir rendimento...” (Lei n. 9.841, art. 25, II), não havendo nenhum critério especial<br />

para sua admissão ou exclusão. Nem poderia haver, pois que, em relação a tais<br />

sócios, não importa a qualificação, e, sim, o capital que investem na sociedade.


62<br />

Confrontando as exigências para admissão de sócios participantes e o nãoestabelecimento<br />

de condições para a entrada de sócios investidores na SGS,<br />

verifica-se que “ela se sujeita, [...], a restrições subjetivas, ora qualitativas, ora<br />

quantitativas”. (FÉRES, 2000, p. 7)<br />

Por exemplo, Féres (2000, p. 7) analisa as conseqüências das restrições<br />

legais impostas em relação à distribuição das ações entre os sócios da SGS:<br />

A distribuição das ações, na Sociedade de Garantia, sofre restrições<br />

censitárias. Os sócios investidores, em conjunto, não poderão ser<br />

titulares de ações que representem mais de 49% do capital social e,<br />

em conseqüência, os sócios participantes terão sempre a maioria<br />

acionária, não podendo, individualmente, deter mais de 10% do<br />

capital social.<br />

Observe-se que, em relação aos sócios investidores, o total de suas ações<br />

não poderá ultrapassar 49% do capital social, mas não há limitação máxima quanto<br />

ao percentual dos sócios participantes em conjunto, e, sim, a sua participação<br />

mínima exigida de 51% do capital social.<br />

A admissão de sócios participantes sofre restrições quantitativas<br />

individualmente consideradas, como quando a participação de cada um desses<br />

sócios fica limitada a 10% do capital social, ou quando se exige o mínimo de 10<br />

sócios dessa categoria para que uma SGS seja constituída.<br />

Pesquisando outros tipos de sociedades que limitariam quantitativamente a<br />

participação individual de cada sócio, foi possível verificar no art. 1.094, III, do<br />

Código Civil brasileiro, Lei n. 10.406/02, nas disposições referentes às cooperativas:<br />

“São características da sociedade cooperativa: [...] limitação do valor da soma de<br />

quotas do capital social que cada sócio poderá tomar”, da mesma forma como já<br />

determinado no art. 4º, III, da Lei n. 5.764.<br />

Dessa forma, apesar de não haver na lei civil ou na lei especial determinação<br />

do valor ou percentual de participação de cada sócio na cooperativa, tal limitação<br />

será definida em estatuto. Assim seja na lei – no caso das SGS – ou em previsão<br />

estatutária – caso das cooperativas –, essa limitação da participação societária é<br />

elemento comum entre os sócios das cooperativas e os sócios participantes das<br />

SGS. E, em mais um aspecto, verifica-se novo elemento comum entre SGS e as<br />

sociedades cooperativas.


63<br />

De outro lado, verifica-se restrição qualitativa quando se exige que os sócios<br />

participantes sejam, exclusivamente, microempresas e ou empresas de pequeno<br />

porte. Tal determinação, embora adequada às características e fins da SGS,<br />

diferencia-se das exigências legais para constituição das sociedades de capital. Por<br />

exemplo, as sociedades anônimas, que não escolhem sócios ou acionistas por<br />

categoria nem limitam a sua participação naquelas sociedades, exatamente por não<br />

serem sociedades de pessoas, e sim sociedades de capital. Nesse sentido,<br />

importante a conclusão de Féres (2000, p. 7) sobre a índole capitalista mitigada da<br />

SGS, o que poderia caracterizar a SGS como uma sociedade somente em parte<br />

capitalista e não totalmente capitalista: “Não se pode deixar de observar que, ao<br />

exigir aquelas qualidades de determinada categoria de sócios, a Sociedade de<br />

Garantia Solidária, embora se revista da forma de S/A, tem sua índole capitalista<br />

mitigada”.<br />

Claro está que essa índole capitalista mitigada, na expressão de Féres (2000)<br />

refere-se às relações da SGS com os sócios participantes.<br />

Os sócios investidores, ao contrário, poderão ser quaisquer pessoas naturais<br />

ou jurídicas, desde que façam aporte de capital com o objetivo de auferir lucro,<br />

estabelecendo-se entre eles e a sociedade uma relação de ordem societária. Sobre<br />

as características da relação dos sócios investidores com a SGS, são oportunas as<br />

considerações de Bulgarelli (2000, p. 23-24) ao tratar das diferenças das relações<br />

entre as empresas capitalistas e as sociedades cooperativas e seus respectivos<br />

sócios:<br />

Necessário é destacar que as empresas capitalistas mantém<br />

relações com seus sócios ou acionistas, apenas de ordem<br />

‘societária’, vale dizer, imanente e proveniente do seu contrato ou<br />

estatuto, relações essas em que não entra necessariamente, a<br />

prática de atividades ‘operacionais’, mas, apenas as referentes às<br />

obrigações societárias.<br />

De outra forma, os sócios participantes deverão preencher os requisitos de<br />

estarem enquadrados como microempresas ou pequenas empresas, além de<br />

atenderem a outras condições e critérios para a sua admissão e sua saída ou<br />

exclusão estabelecidos no estatuto. São eles, porém, os destinatários do objeto da


64<br />

sociedade, e serão os próprios clientes da SGS aqueles que demandarão por<br />

garantia.<br />

Diante disso, quanto às relações da SGS com os sócios participantes, que<br />

além de sócios são clientes da SGS, outras características se apresentam, à<br />

semelhança das relações dos associados com as sociedades cooperativas:<br />

Por força da característica das cooperativas, de empresa de<br />

serviços, criada para atender às necessidades de seus associados,<br />

resulta que estes são ao mesmo tempo, [...], associados e clientes.<br />

Destinam-se as cooperativas, portanto, em função da sua natureza<br />

intrínseca a operar com seus associados e os atos por elas<br />

praticados dirigem-se não ao mercado, mas, prevalecentemente aos<br />

seus associados (BULGARELLI, 2000, p. 24).<br />

Assim, por analogia, percebe-se que as relações que os sócios participantes<br />

mantêm com a SGS não são de ordem societária, mas verdadeiros atos de<br />

cooperação, ou seja, atos próprios de cooperados com sua cooperativa.<br />

Bulgarelli (2000, p. 24), cotejando as sociedades cooperativas com as<br />

empresas de capital, apresenta a distinção que parece se amoldar à diferenciação<br />

entre o tipo de relação da SGS com seus sócios participantes a aquela que deve ser<br />

mantida entre a SGS e seus sócios investidores: “As cooperativas são organizadas<br />

para atender aos associados, fornecendo-lhes bens e serviços; as empresas<br />

capitalistas para operarem no mercado e distribuir entre os sócios a renda<br />

proveniente dessas atividades.”<br />

Assim, confrontando o tratamento jurídico diferenciado determinado pela Lei<br />

n. 9.841, quanto às relações da SGS com os sócios participantes e com os sócios<br />

investidores, começa a se tornar facilmente perceptível o seguinte:<br />

• as relações dos sócios participantes com a SGS apresentam vários<br />

aspectos análogos às relações dos cooperados com as sociedades cooperativas e<br />

• as relações dos sócios investidores com a SGS se baseiam na relação das<br />

sociedades anônimas com seus acionistas.


65<br />

5.6 Da participação societária: transferibilidade versus intransferibilidade<br />

Interessante notar outra exigência comum quanto às obrigações dos sócios<br />

em relação à sociedade cooperativa e aquelas dos sócios participantes para com a<br />

Sociedade de Garantia Solidária: a intransferibilidade da participação societária.<br />

Embora não expressa, tal restrição vige em relação à SGS, como também<br />

pode ser verificado no art. 1094, IV, do Código Civil brasileiro, que dispõe sobre a<br />

sociedade cooperativa, determinando a “intransferibilidade das quotas do capital a<br />

terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança”. Também o art. 4º, IV, da<br />

Lei n. 5.764/71, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime<br />

jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências, determina a “IV –<br />

incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade [...]”.<br />

Ora, tanto a Lei n. 10.406/02 – Código Civil – quanto a Lei especial n.<br />

5.764/71 determinam que as quotas do sócios das cooperativas não podem ser<br />

transferidas, alienadas ou cedidas a terceiros, estranhos à sociedade, bem como<br />

estabelecem restrições quanto à sua transferência a outros sócios daquela mesma<br />

sociedade.<br />

Neste último caso, a cessão de cotas poderia ser parcial ou total. Se for<br />

parcial ou total, deverá atender, ainda, a outros dispositivos legais – verificação se a<br />

soma das quotas originárias e das quotas adquiridas não ultrapassa o limite máximo<br />

de participação societária individual permitida pelo estatuto e, se, total, atendida à<br />

exigência anterior, o sócio cedente ficaria excluído da sociedade cooperativa.<br />

Também nas SGSs, em relação aos sócios participantes, vige a cláusula da<br />

intransferibilidade da sua participação societária, apesar de esta não se encontrar<br />

expressa no texto legal. É mister observar: para se tornar um sócio participante de<br />

uma SGS, a pessoa jurídica deve estar enquadrada como microempresa (ME) ou<br />

como empresa de pequeno porte (EPP), além de preencher outras condições e<br />

critérios estipulados no estatuto.<br />

Assim, a admissão dos sócios participantes depende de aprovação da SGS, a<br />

partir do preenchimento de requisitos preestabelecidos, não podendo suas ações<br />

serem negociadas, transferidas ou cedidas, ao contrário do que é permitido em<br />

relação às ações dos sócios investidores.


66<br />

Quanto à possibilidade de cessão parcial ou total das ações de um sócio<br />

participante a outro da mesma categoria, entendemos, salvo melhor juízo, de acordo<br />

com o princípio do direito privado segundo o qual o que não é proibido é permitido,<br />

que seria possível, desde que respeitada a condição de o sócio cessionário não<br />

ultrapassar o limite máximo de 10% de participação no capital da SGS, podendo<br />

ocorrer a situação de o sócio cedente ficar sem participação societária e ser excluído<br />

da SGS, se a cessão for total.<br />

Dessa forma, o legislador, expressamente ou não, tratou da mesma maneira<br />

a questão da intransferibilidade das quotas na sociedade cooperativa e das ações<br />

dos sócios participantes nas SGSs, ao contrário da possibilidade de as ações dos<br />

sócios investidores da SGS serem livremente negociadas, como ocorre com as<br />

ações dos acionistas das sociedades anônimas, por exemplo.<br />

5.7 Dos elementos convergentes e divergentes: SGS versus sociedades<br />

cooperativas e anônimas<br />

Assim, cotejando a disciplina legal das sociedades cooperativas e a das<br />

sociedades anônimas, pode-se encontrar elementos convergentes e divergentes em<br />

relação às SGSs.<br />

A partir das características elencadas no art. 4º da Lei n. 5.764/71, Meinen<br />

(2003, p. 186-188) compara as sociedades cooperativas com as sociedades<br />

mercantis. Desse cotejamento, podem-se estabelecer as distinções entre estas e<br />

aquelas.


67<br />

AS COOPERATIVAS<br />

são sociedades de pessoas, de natureza civil<br />

[agora, não-empresárias]<br />

têm como objetivo essencial a prestação de<br />

serviços aos cooperativados<br />

o usuário é o próprio dono/cooperativado,<br />

estabelecendo uma relação interna/não mercantil<br />

reúnem número ilimitado de cooperativados<br />

o controle é democrático, cabendo um voto para<br />

cada cooperativado<br />

o quorum de instalação e de deliberação nas<br />

assembléias leva em conta o número de<br />

associados<br />

as quotas-partes são intransferíveis a nãoassociados<br />

os excedentes são retornados na proporção das<br />

operações dos cooperativados (aos próprios<br />

usuários)<br />

AS EMPRESAS MERCANTIS<br />

são sociedades de capital, de natureza<br />

mercantil [agora, empresárias]<br />

visam ao lucro<br />

o usuário é estranho ao dono – relação<br />

comercial/de consumo<br />

restringem o número de acionistas<br />

a força do voto é ditada pelo número de ações<br />

o quorum é baseado no capital<br />

a transferência de ações é livre<br />

o lucro é devolvido na proporção das ações<br />

detidas pelos acionistas (os usuários a nada<br />

têm direito)<br />

Neste trabalho de identificar os aspectos convergentes e divergentes das<br />

SGSs com as sociedades anônimas e as sociedades cooperativas, será utilizado<br />

esse trabalho comparativo elaborado por Meinen (2003, p. 186-188).<br />

Analisando suas conclusões, podemos, por analogia, e na tentativa de<br />

comprovar a hipótese levantada, cotejar as relações da SGS com os seus sócios<br />

participantes, comparando-as às relações das cooperativas com seus sócios:


68<br />

AS COOPERATIVAS<br />

são sociedades de pessoas, de natureza civil<br />

[agora, não-empresárias]<br />

têm como objetivo essencial a prestação de<br />

serviços aos cooperativados<br />

o usuário é o próprio dono/cooperativado,<br />

estabelecendo uma relação interna/não<br />

mercantil<br />

reúnem número ilimitado de cooperativados<br />

o controle é democrático, cabendo um voto<br />

para cada cooperativado<br />

o quorum de instalação e de deliberação nas<br />

assembléias leva em conta o número de<br />

associados<br />

as quotas-partes são intransferíveis a nãoassociados<br />

os excedentes são retornados na proporção<br />

das operações dos cooperativados (aos<br />

próprios usuários). (MEINEN, 2003, p. 186-188)<br />

AS SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong>S <strong>DE</strong> <strong>GARANTIA</strong> SOLIDÁRIA<br />

EM RELAÇÃO AOS SÓCIOS PARTICIPANTES<br />

apresentam características de sociedades de<br />

pessoas, de natureza não empresária<br />

têm como finalidade social a prestação de<br />

garantia aos seus sócios participantes (ME e<br />

EPP)<br />

os usuários da SGS são os próprios sócios<br />

participantes<br />

não restringem o número de sócios, somente<br />

estabelecem a quantidade mínima<br />

a participação societária é intransferível a nãoassociados,<br />

que devem preencher requisitos<br />

específicos para serem aceitos como sócios<br />

somente 50% do resultado líquido será<br />

retornado aos sócios participantes, após a<br />

alocação de recursos para os fundos de<br />

reserva e de risco<br />

Ainda por analogia ao trabalho de Meinen (2003), podemos comparar as<br />

principais características das relações da SGS com os seus sócios investidores com<br />

aquelas relações estabelecidas entre as sociedades de capital e seus acionistas, na<br />

tentativa de comprovar a hipótese levantada:


69<br />

AS EMPRESAS MERCANTIS<br />

são sociedades de capital, de natureza<br />

mercantil [agora, empresárias]<br />

visam lucro<br />

o usuário é estranho ao dono – relação<br />

comercial/de consumo<br />

restringem o número de acionistas<br />

a força do voto é ditada pelo número de ações<br />

o quorum é baseado no capital<br />

a transferência de ações é livre<br />

o lucro é devolvido na proporção das ações<br />

detidas pelos acionistas (os usuários a nada<br />

têm direito). (MEINEN, 2003, p. 186-188)<br />

AS SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong>S <strong>DE</strong> <strong>GARANTIA</strong> SOLIDÁRIA<br />

EM RELAÇÃO AOS SÓCIOS INVESTIDORES<br />

regem-se pelas normas das sociedades de<br />

capital, de natureza mercantil [agora,<br />

empresárias]<br />

têm objetivo exclusivo de auferir lucro<br />

a relação é de ordem societária, de acionista<br />

para sociedade de capital. Não é permitido aos<br />

acionistas demandar por serviços da SGS,<br />

portanto não podem ser clientes<br />

restringem os sócios investidores, no conjunto,<br />

eis que não podem ultrapassar 49% do capital<br />

social<br />

a transferência de ações é livre<br />

o lucro é devolvido na proporção das ações<br />

detidas pelos acionistas<br />

Constata-se que a SGS foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro para<br />

atender à necessidade de micros e pequenos empresários, possibilitando ou<br />

facilitando o seu acesso a crédito, pelo mecanismo de conceder-lhes garantia.<br />

Ocorre que o legislador brasileiro já vem percebendo o entrave ao<br />

desenvolvimento de micros e pequenas empresas causado pela dificuldade de<br />

acesso ao crédito e, tentando encontrar instrumentos jurídicos que possam resolver<br />

tal problema.<br />

A Lei n. 8.864/94, em seu art. 23, já previa a criação de um fundo garantidor<br />

de crédito, com recursos do governo. Tal fundo nem chegou a ser regulamentado,<br />

segundo Kandir (1996), por falta de recursos.<br />

Em 1999, a Lei n. 9.841 revogou a Lei n. 8.864/94, ao mesmo tempo em que<br />

introduziu as SGSs como uma nova solução para garantir o acesso ao crédito, mas<br />

não foi implementada.<br />

Hoje, novamente, a situação se repete sem que tenha sido resolvida:<br />

encontra-se na Câmara o PLC123/04, que regulamentará o novo Estatuto Nacional<br />

da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte que, por sua vez, se aprovado,<br />

revogará o atual Estatuto – Lei n. 9.841/99 – eis que, com certeza, terá a sanção<br />

presidencial, dado o empenho deste governo para sua aprovação.


70<br />

Para tentar resolver, no Brasil, a questão do acesso ao crédito, o Projeto de<br />

Lei Complementar n. 123/04 prevê, em seu art. 56, a criação do Sistema Nacional de<br />

Garantias, com prazo de regulamentação previsto para um ano.<br />

Observa-se que a primeira tentativa de solução desse problema foi a<br />

constituição de um fundo previsto na Lei n. 8.864/94 em que os recursos seriam<br />

públicos. A segunda tentativa de solução – SGS – está regulamentada pela Lei n.<br />

9.841/99, mas não foi implementada. Nesse caso, os recursos seriam privados.<br />

Atualmente, as circunstâncias políticas, o empenho do Sebrae e das<br />

entidades representativas dos empresários indicam que, em breve, deverá ser<br />

aprovado o novo Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno<br />

Porte, bem como serão iniciadas as discussões sobre a regulamentação do Sistema<br />

Nacional de Garantias que, talvez, tenha recursos públicos e privados. Espera-se,<br />

assim, que esse problema seja resolvido, o que trará benefícios não somente à<br />

micro e à pequena empresa, mas, direta ou indiretamente, a vários outros setores da<br />

economia e a toda a sociedade.


71<br />

6 CONCLUSÃO<br />

Estudando o tema Sociedade de Garantia Solidária, pode-se perceber o seu<br />

potencial de abrangência social, econômica e política. Se tais sociedades fossem<br />

implementadas, provocariam uma verdadeira revolução no País.<br />

A Sociedade de Garantia Solidária é um instituto vocacionado para as<br />

empresas de menor porte. Hoje, no Brasil, a micro e a pequena empresa<br />

representam um percentual significativo entre as sociedades constituídas,<br />

respondendo por geração de empregos e dando importante contribuição para o<br />

produto interno bruto (PIB), mas, ao mesmo tempo, o percentual de tais empresas<br />

que encerram as suas atividades nos primeiros anos de atividade é muito elevado. A<br />

principal causa reside na dificuldade de acesso a crédito, gerada pela incapacidade<br />

de essas empresas de menor porte prestarem as garantias exigidas pelo sistema<br />

financeiro. É uma enorme perda de renda e empregos, de riqueza e impostos, além<br />

dos benefícios sociais que proporcionariam.<br />

O Estado tem-se mostrado incapaz de resolver os problemas das micros e<br />

pequenas empresas. No máximo, o Estado intervém para limitar a atividade<br />

econômica, mas, raramente, age com eficácia quando se trata de encontrar soluções<br />

para seus problemas societários e econômicos, por exemplo, enfrentar o desafio de<br />

incentivar tais empresas.<br />

A meu ver, uma das soluções possíveis seria o Estado criar incentivos para<br />

que tais empresas se associassem, formando grupos de apoio com assessorias<br />

empresariais e consultorias especializadas, além, é claro, da utilização de<br />

mecanismos de concessão de garantias, como o previsto na Lei n. 9.841/99 para as<br />

Sociedades de Garantia Solidária.<br />

Nos últimos tempos, têm-se multiplicado pelo país as cooperativas de crédito<br />

e até algumas associações na tentativa de encontrar solução para a dificuldade de<br />

acesso ao crédito por parte das empresas de menor porte.<br />

Ora, salvo melhor juízo, dessa forma, pode haver aumento de oferta de<br />

crédito e não um maior acesso ao crédito, pois o que falta hoje no mercado para as<br />

pequenas e médias empresas não é oferta de dinheiro, e, sim, a capacidade de os<br />

menores oferecerem garantias para o crédito a ser tomado.


72<br />

Na impossibilidade de prestar tais garantias, o que acaba ocorrendo? Ou se<br />

elevam os juros cobrados – normalmente já tão altos – para tentar compensar o<br />

risco, ou se exigem mais e mais informações, aumentando o custo do serviço, ou<br />

não se concede o crédito por falta de garantias.<br />

Urge que se formem grupos de empresas, sob o arcabouço jurídico das<br />

SGSs: serão o elo entre as menores empresas e o sistema financeiro, entre aquelas<br />

e as consultorias e assessorias empresariais e jurídicas.<br />

Além de possibilitar o acesso das menores empresas ao crédito, concedendolhes<br />

as garantias exigidas pelo sistema bancário, as SGSs abrirão, para tais<br />

empresas, também o mercado de capitais, mediante a securitização dos recebíveis<br />

de seus sócios, alcançando crédito abundante, com custos menores e prazos<br />

maiores, reduzindo também sua dependência do sistema bancário.<br />

A SGS é um instrumento jurídico já testado em vários países e a experiência<br />

de concessão de garantias de crédito por meio delas tem-se mostrado eficaz.<br />

Podemos, entretanto nos perguntar: Mas, se a SGS é tão promissora para as<br />

empresas, por que, após sete anos da sua regulamentação não se tem notícia, no<br />

Brasil, de sequer uma SGS?<br />

A meu ver, uma das formas de incentivar a criação das SGSs seria isentandoa<br />

de impostos. O Projeto de Lei n. 1.830/96, apresentado à Câmara por Kandir,<br />

previa tal isenção (cf. Anexo A), mas nesse aspecto foi modificado. Ora, os impostos<br />

que os governos deixassem de receber, com certeza, seriam compensados, direta e<br />

indiretamente, por outros impostos gerados pela maior atividade produtiva e maior<br />

consumo.<br />

Pelo projeto, seriam beneficiados pela isenção de impostos a SGS e também<br />

os sócios, que poderiam deduzir do imposto de renda o valor investido na SGS<br />

referente à sua participação no capital social dessa sociedade de garantia.<br />

Acredito que essa seria uma forma mínima de o Estado dar incentivo à SGS.<br />

A seqüência histórica dos dispositivos legais sobre o assunto mostra que o<br />

Estado nunca deu uma contribuição real para a solução desse problema. A Lei n.<br />

8.864/94 já dispunha sobre a constituição de um fundo com recursos do Estado para<br />

a concessão de garantia às empresas de menor porte. Principalmente, por falta de<br />

recursos, essa matéria nunca foi sequer regulamentada.


73<br />

Por intermédio da Lei n. 9.841/99, a Sociedade de Garantia Solidária foi<br />

introduzida no nosso ordenamento jurídico. Desta vez, ao contrário do disposto na<br />

lei anterior (Lei n. 8.894/94), os recursos seriam privados e oriundos da participação<br />

societária dos sócios investidores e dos sócios participantes. Mas não foi<br />

implementada. E por que não?<br />

Ora, enquanto em outros países tais fundos são constituídos também com<br />

recursos públicos, no Brasil, além de não terem tal participação, não houve ainda a<br />

possibilidade de incentivo fiscal.<br />

Essa é uma questão de política pública, mas que traz conseqüências para as<br />

relações entre particulares, no caso para as microempresas e empresas de pequeno<br />

porte, o que, por sua vez, repercute para o Estado e para o desenvolvimento<br />

econômico e social dos outros setores.<br />

Outro aspecto a considerar é a possibilidade de a SGS ter outros objetos<br />

além da concessão de garantia. Aproveitando a experiência em outros países, a<br />

SGS poderia e deveria também prestar consultoria e assessoria as microempresas e<br />

às pequenas empresas como seus sócios participantes.<br />

Qual a importância disso? Além de a SGS poder contar com mais uma fonte<br />

de renda, teria conhecimento dos projetos de suas empresas associadas, faria<br />

melhor avaliação dos riscos do empreendimento na concessão das garantias, seria a<br />

intermediária dessas menores empresas no mercado, pesquisando e negociando<br />

melhores condições de financiamento. E também, no caso da securitização de<br />

recebíveis, já prevista em lei, assumiria o papel de agente intermediário entre os<br />

sócios – as microempresas (ME) e as empresas de pequeno porte (EPP) – e o<br />

mercado de capitais, criando a alternativa de acesso a uma enorme quantidade de<br />

recursos em melhores condições do que as ofertadas pelo mercado financeiro. E<br />

observe-se que os próprios recebíveis a serem securitizados seriam ou poderiam ser<br />

a contragarantia exigida pela SGS para a concessão da garantia às microempresas<br />

e as pequenas empresas, seus sócios participantes.<br />

Apesar de estarmos entrando na seara econômica, é preciso, mesmo que não<br />

profundamente, que aquele que analisa as possibilidades jurídicas perceba as<br />

causas e as conseqüências éticas, sociais e econômicas dos dispositivos legais.<br />

Ocorre que, durante a realização deste trabalho, estamos acompanhando o<br />

tramitar no Congresso do PLC-123/04, que regulamentará o novo Estatuto Nacional


74<br />

da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, que prevê a revogação da Lei n.<br />

9.841/99, que trata da SGS.<br />

Diante disso, neste momento, apesar de parecer inócuo este estudo, surge<br />

uma oportunidade histórica: a discussão e criação do Sistema Nacional de<br />

Garantias, previsto para regulamentação em até um ano após a aprovação desse<br />

projeto, chamado pela mídia de Projeto da Lei Geral da Micro e da Pequena<br />

Empresa, que já passou pelo Senado e voltou à Câmara para a aprovação.<br />

Ao ser revogada a Lei n. 9.841/99, o formato da SGS não será, certamente,<br />

relegado ao esquecimento, eis que é o modelo que tem sido utilizado em vários<br />

países, confirmado por uma tendência crescente e pelos resultados positivos. Assim,<br />

concedendo garantias às menores empresas do mercado, permite-lhes o acesso ao<br />

crédito, promovendo, além do seu desenvolvimento, sua permanência no mercado.<br />

Assim, o Sistema Nacional de Garantias, incluído no Projeto da Lei<br />

Complementar n. 123/04, que visa instituir o novo Estatuto Nacional da<br />

Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, previsto para ser regulamentado em<br />

um ano, deverá aperfeiçoar o instituto da Sociedade de Garantia Solidária, talvez<br />

agora constituído por um fundo composto por recurso públicos e privados, e<br />

permitindo o incentivo fiscal mediante a isenção de impostos.<br />

Analisar a SGS, verificando e confirmando sua natureza híbrida em relação às<br />

duas categorias de sócios, é importante. Reconhecer que em relação aos sócios<br />

participantes apresenta aspectos próprios das sociedades cooperativas e que, ao<br />

mesmo tempo, em relação aos sócios investidores precisa ser uma verdadeira<br />

sociedade de capitais é fundamental para seu inteiro conhecimento.<br />

Conhecer melhor sua estrutura, o tratamento diferenciado que dispensa aos<br />

sócios de cada categoria e as peculiares relações institucionais entre eles e a<br />

sociedade, permitirá maior familiaridade com a própria razão de ser do instituto e<br />

mais confiança no atingimento de seus objetivos, tanto os lucrativos como os sociais.<br />

Para que o sistema seja aperfeiçoado, necessário que o vigente seja bem<br />

conhecido. Somente a partir da análise da SGS como hoje regulamentada seremos<br />

capazes de discutir e construir o nosso Sistema Nacional de Garantias. Para isso, os<br />

aspectos da atual Sociedade de Garantia Solidária devem ser estudados e a<br />

experiência internacional, considerada. Além disso, dever-se-á promover o


75<br />

envolvimento de todos os atores políticos: governos, entidades de classe, empresas<br />

– desde as microempresas até as empresas de grande porte – e toda a sociedade.<br />

E o momento é agora, pois estaremos em contagem regressiva após a<br />

aprovação do Projeto de Lei n. 123/04 e a sanção da lei que instituirá o novo<br />

Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. O próximo<br />

passo será a regulamentação do Sistema Nacional de Garantias.<br />

E, ainda, para ratificar a importância desse sistema de garantias como<br />

alternativa de acesso ao crédito, vale recordar as palavras do economista escolhido<br />

como Prêmio Nobel da Paz de 2006, Yunus (2002, p. 313):<br />

É muito surpreendente que a economia nunca tenha compreendido o<br />

poder social do crédito.[...] Como o crédito cria poder econômico e,<br />

por isso, poder social, a instituição responsável por decidir quem<br />

deve ou não ter crédito, quando, quanto e em que termos, tornou-se<br />

extremamente importante numa perspectiva social. Esta instituição<br />

pode realmente criar ou destruir um indivíduo, um grupo de<br />

indivíduos, ou mesmo todo um segmento da sociedade, favorecendoo<br />

ou rejeitando-o. Foi exactamente isso que fez.


76<br />

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YUNUS, Muhammad. O banqueiro dos pobres. Algés, Portugal: Difel, 2002.


79<br />

ANEXOS<br />

Anexo A<br />

PROJETO <strong>DE</strong> LEI N. 1.830, de 1996 2<br />

Dispõe sobre a constituição e funcionamento<br />

de Sociedade de Garantia Solidária e a<br />

securitização de contas e valores a receber<br />

das microempresas e empresas de pequeno<br />

porte.<br />

(ÀS COMISSÕES <strong>DE</strong> ECONOMIA, INDÚSTRIA E COMÉRCIO; FINANÇAS E<br />

TRIBUTAÇÃO E <strong>DE</strong> CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E <strong>DE</strong> RE<strong>DA</strong>ÇÃO (ART. 54) – ART. 24,II)<br />

O Congresso Nacional decreta:<br />

CAPÍTULO I<br />

SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong> <strong>DE</strong> <strong>GARANTIA</strong> SOLIDÁRIA<br />

Característica<br />

Art. 1º. Nos termos do art. 179 da Constituição federal, fica autorizada a constituição da<br />

Sociedade de Garantia Solidária (SGS) com a finalidade de facilitar o financiamento das<br />

microempresas (ME) e das empresas de pequeno porte (EPP).<br />

Parágrafo único A Sociedade de Garantia Solidária será regida pelas disposições desta Lei<br />

e supletivamente pelas normas legais que regem as Sociedades Anônimas.<br />

Objeto social<br />

Parágrafo 2º O principal objeto da Sociedade de Garantia Solidária é a concessão de<br />

garantia a seus sócios participantes mediante a celebração de contratos regulados por esta<br />

Lei.<br />

§ 1º A Sociedade de Garantia Solidária pode realizar assessorias técnica, econômica,<br />

financeira e legal aos sócios, diretamente ou através de terceiros contratados para esse fim.<br />

§ 2º A Sociedade será designada pela denominação “Sociedade de Garantia Solidária”, ou<br />

pela sigla “SGS”.<br />

2 Publicado no Diário Oficial da União, 21 maio 1996. Disponível em:<br />

http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_detalhe.asp?id=40912. Acesso em: 17 ago. 2006.<br />

Publicado no Diário da Câmara dos Deputados em 21 maio 1996.


80<br />

Natureza dos sócios<br />

Art. 3º A Sociedade de Garantia Solidária será constituída de sócios participantes e sócios<br />

investidores.<br />

I – os sócios participantes serão exclusivamente as microempresas e as empresas de<br />

pequeno porte.<br />

II – os sócios investidores serão pessoas físicas ou jurídicas, que efetuarão aporte de capital<br />

na Sociedade com o objetivo exclusivo de auferir rendimento.<br />

Forma da Sociedade e Composição do Capital Social<br />

Art. 4º. A Sociedade de Garantia Solidária será constituída na forma de sociedade anônima,<br />

devendo-se submeter a registro na Comissão de Valores Mobiliários em caso de subscrição<br />

pública de ações e valores mobiliários.<br />

Parágrafo único O estatuto social deve estabelecer, além da finalidade da Sociedade e de<br />

seus requisitos relevantes, as condições e critérios para a admissão de novos sócios<br />

participantes e investidores, bem como as condições para a saída e exclusão dos sócios.<br />

Art. 5º A constituição da Sociedade de Garantia Solidária exigirá o mínimo de 10 (dez)<br />

sócios participantes, devendo esse quorum elevar-se para o mínimo de 50 (cinqüenta) no<br />

prazo de 05 (cinco) anos.<br />

Parágrafo único Caso não seja atingido o quorum mínimo em 5 anos, a SGS perderá as<br />

vantagens estabelecidas nos arts. 14 e 15.<br />

Art. 6º O capital social da SGS será representado por ações ordinárias nominativas de igual<br />

valor e direitos.<br />

§ 1º A participação do sócio participante, individualmente, não pode ultrapassar 10% (dez<br />

por cento) do capital social.<br />

§ 2º A participação do sócio investidor não pode exceder 49% (quarenta e nove por cento)<br />

do capital social no conjunto e 20% (vinte por cento), individualmente.<br />

Limite de Operações a Fundo de Risco<br />

Art. 7º A Sociedade de Garantia Solidária não poderá conceder a um mesmo sócio<br />

participante garantia superior a 10% (dez por cento) do capital social ou do total garantido<br />

pela SGS, o que for maior.<br />

Art. 8º A Sociedade de Garantia Solidária não poderá conceder crédito a seus sócios e nem<br />

a terceiros.<br />

Art. 9º A Sociedade de Garantia Solidária deverá instituir um fundo de risco, que fará parte<br />

de seu patrimônio, fundo esse integrado por<br />

I – aporte de parte dos resultados da sociedade;<br />

II – aporte dos sócios investidores;<br />

III – rendimentos financeiros;


81<br />

IV – valor das ações não reembolsadas dos sócios excluídos;<br />

V – outras receitas aprovadas pela Assembléia Geral.<br />

Administração e Distribuição dos Resultados<br />

Art. 10. O órgão máximo da Sociedade de Garantia Solidária será a Assembléia Geral, que<br />

elegerá o Conselho Fiscal e o Conselho de Administração, e este último indicará a Diretoria<br />

Executiva, cujas atribuições devem ser estabelecidas no estatuto social.<br />

Art. 11. Os resultados líquidos decorrentes das atividades da Sociedade de Garantia<br />

Solidária devem ser distribuídos da seguinte forma:<br />

I – 5% (cinco por cento) para a reserva legal, até completar-se 20% do capital sócia.<br />

II – distribuição aos sócios investidores, na proporção da sua participação no capital.<br />

III – da parte correspondente aos sócios participantes, 50 % (cinqüenta por cento) serão<br />

destinados ao fundo de risco e o restante a eles distribuídos.<br />

Contrato de Garantia, Taxa de Remuneração e Contragarantia<br />

Art. 12. O contrato de garantia solidária tem por finalidade regular a concessão da garantia<br />

pela SGS ao sócio participante, mediante recebimento da taxa de remuneração pelo serviço<br />

prestado, devendo se fixar as cláusulas necessárias ao cumprimento das obrigações do<br />

sócio beneficiário perante a SGS.<br />

Art. 13. Para a concessão da garantia, a Sociedade de Garantia Solidária poderá exigir a<br />

contragarantia por parte do sócio participante beneficiário<br />

§ 1º Caso a SGS seja obrigada a honrar a garantia e não seja ressarcida pelo sócio<br />

participante beneficiário, a Sociedade de Garantia Solidária poderá determinar a exclusão<br />

desse sócio inadimplente da Sociedade.<br />

§ 2º Em caso de exclusão prevista no parágrafo anterior, a SGS terá o privilégio sobre as<br />

ações detidas pelo sócio inadimplente no capital social<br />

§ 3º As ações dos sócios participantes não podem ser oferecidas como garantia de qualquer<br />

espécie.<br />

Tratamento Tributário<br />

Art. 14. A Sociedade de Garantia Solidária fica isenta dos seguintes tributos:<br />

I – imposto de renda e proventos de qualquer natureza.<br />

II – imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores<br />

mobiliários.<br />

III – imposto sobre serviços de qualquer natureza.


82<br />

Art. 15. Os aportes de capital de sócios participantes e investidores serão dedutíveis para<br />

os fins de cálculo do lucro tributável, no caso de pessoa jurídica, e para o cálculo do imposto<br />

devido, no caso de pessoa física.<br />

Registro e Fiscalização<br />

Art. 16. A função do registro, acompanhamento e fiscalização das Sociedades de garantia<br />

Solidária, sem prejuízo da competência das autoridades governamentais pertinentes, poderá<br />

ser exercida pelas entidades representativas de micro e pequenas empresas, mediante<br />

convênio a ser firmado com o Governo Federal.<br />

Art. 17. O relacionamento das SGS com as instituições do sistema financeiro e, em<br />

particular do mercado de capitais, deve ser objeto de fiscalização pelo Banco Central e pela<br />

Comissão de Valores Mobiliários, em suas respectivas áreas de atuação.<br />

Dissolução, Liquidação ou Extinção<br />

Art. 18. A Sociedade de Garantia Solidária poderá ser dissolvida, liquidada ou extinta em<br />

caso de<br />

I – impossibilidade de absorção das perdas que correspondam à totalidade do fundo de<br />

risco e da reserva legal e 40% (quarenta por cento) do capital social.<br />

II – por solicitação de autoridade governamental, caso a SGS não cumpra as normas<br />

estabelecidas nesta Lei e infrinja aquelas vigentes em áreas correlatas.<br />

CAPÍTULO II<br />

SECURITIZAÇÃO DOS RECEBÍVEIS <strong>DA</strong>S MICROEMPRESAS E <strong>DA</strong>S EMPRESAS <strong>DE</strong><br />

PEQUENO PORTE<br />

Art. 19. Com o objetivo de agilizar o ingresso de recursos em seu fluxo de caixa, as<br />

microempresas e as empresas de pequeno porte podem oferecer as suas contas e valores a<br />

receber como lastro para a emissão de títulos e valores mobiliários a serem colocados junto<br />

aos investidores no mercado de capitais.<br />

Art. 20. A Sociedade de Garantia Solidária pode conceder garantia sobre o montante dos<br />

recebíveis de seus sócios participantes, objeto de securitização.<br />

Art. 21. O agente fiduciário especializado, emissor dos títulos e valores mobiliários<br />

lastreados nos recebíveis das micro e pequenas empresas, não tem direito de regresso<br />

contra essas empresas, titulares dos valores e contas a receber objeto de securitização.<br />

Art. 22. A Sociedade de Garantia Solidária pode prestar o serviço de colocação dos<br />

recebíveis junto ao agente fiduciário especializado na emissão dos títulos e valores<br />

mobiliários transacionáveis no mercado de capitais.<br />

Art. 23. A operação de securitização deve ser submetida ao crivo do Banco Central ou da<br />

Comissão de Valores Mobiliários, sempre que envolver as suas respectivas áreas de<br />

atuação.<br />

Art. 24. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


83<br />

JUSTIFICATIVA<br />

Este projeto tem por objetivo ampliar radicalmente as possibilidades de obtenção de crédito<br />

por parte de micro e pequenas empresas. Sua importância é quase auto-evidente. As novas<br />

formas de organização da produção e as novas tecnologias, responsáveis por crescimento<br />

expressivo da produtividade, provocam, em contrapartida, a redução do número de postos<br />

de trabalho disponíveis. Esta é a causa estrutural de ser o desemprego duradouro de<br />

amplos contingentes de pessoas o grande problema social deste final de século. No Brasil, o<br />

problema assume feições e intensidade distintas das que tem nos países mais<br />

desenvolvidos. Mas o problema está aí e tende a acentuar-se, conforme a economia avance<br />

em seu processo de reestruturação. Para enfrentá-lo trata-se de estimular alternativas de<br />

geração de renda e ocupação.<br />

As microempresas (ME) e as empresas de pequeno porte (EPP) exercem o importante<br />

papel de permitir a organização das atividades produtivas de maneira versátil e flexível em<br />

todos os setores da economia, desde os mais tradicionais e artesanais até aqueles mais<br />

dinâmicos e de tecnologia de ponta, mediante o uso mais intensivo de mão-de-obra e a<br />

utilização relativamente menor de capital.<br />

No Brasil, não obstante as dificuldades enfrentadas, as ME e as EPP t6em contribuído<br />

substancialmente para o desenvolvimento social e econômico de parcela significativa da<br />

população nacional. Elas respondem por 65% da força de trabalho, e representam o enorme<br />

contingente de aproximadamente 4 milhões de empresas, correspondentes a cerca de 98%<br />

do total daquelas registradas no País.<br />

Apesar desta representatividade, as ME e as EPP sofrem diversos constrangimentos e<br />

dificuldades, sendo a maior delas a falta de fontes adequadas de financiamento,<br />

principalmente em decorrência da impossibilidade de oferecimento de garantias para a<br />

obtenção do crédito bancário. Nesse sentido, o presente Projeto de lei procura atenuar a<br />

situação atualmente vigente através da introdução de 2 mecanismos.<br />

• concessão de aval pelas Sociedades de Garantia Solidária (SGS) para as<br />

microempresas de pequeno porte com o fim de viabilizar o acesso ao crédito;<br />

• operações de securitização dos recebíveis das ME e das EPP com o objetivo de permitir<br />

o acesso dessas empresas aos recursos do mercado de capitais, reduzindo-se dessa forma<br />

a sua dependência do crédito bancário.<br />

A Sociedade de Garantia Solidária (capítulo I) visa congregar solidariamente as<br />

microempresas e empresas de pequeno porte, com a finalidade de conceder garantia aos<br />

seus sócios participantes, para a obtenção do crédito, que seria de difícil acesso, caso a<br />

empresa tentasse individualmente, em virtude da falta de garantias a oferecer.<br />

Sabe-se que a dificuldade de oferecer garantias aceitáveis é um dos maiores obstáculos a<br />

que micro e pequenas empresas consigam tomar empréstimos junto ao sistema financeiro.<br />

Esse problema é um dos responsáveis pela mortalidade elevada e precoce dessas<br />

empresas, bem como por tornar inviáveis, em seu nascedouro, projetos de investimento<br />

que, em outras condições de crédito, poderiam prosperar. Perdem-se assim renda e<br />

empregos em quantidade imensurável.<br />

A possibilidade de constituírem-se Sociedades de Garantia Solidária oferece uma solução<br />

para o problema. A razão é simples, individualmente as micro e pequenas empresas<br />

esbarram em enormes dificuldades para oferecer garantias, visto que, em geral, são pouco<br />

capitalizadas, já em conjunto, não só terão melhores condições para oferecer garantias e


84<br />

transpor essa barreira de acesso ao crédito bancário, como também os benefícios a todos<br />

os participantes, em termos do montante de garantias à disposição, serão maiores que os<br />

ônus que terão de assumir para constituição das Sociedades. E tão maiores quanto mais<br />

numerosos forem os sócios participantes.<br />

Os beneficiários das garantias (arts. 2º e 3º) seriam apenas os sócios participantes,<br />

caracterizados como micro ou pequenas empresas, nos termos da lei 8 864, de 28/03/94, e<br />

cuja conceituação está sendo objeto de aperfeiçoamento conforme os projetos do senado<br />

no. 31/96 e no. 32/96.<br />

Para assegurar maior transparência e organicidade (art. 4º.) da entidade, optou-se pela<br />

adoção da forma de sociedade anônima (S.A.). Dessa maneira, viabiliza-se a participação<br />

dos sócios investidores, permitindo-se maior alavancagem da SGS. Estabelecem-se, ainda,<br />

diversos requisitos para a consecução dos objetivos da Sociedade.<br />

• Pulverização e crescimento: quorum mínimo de 10 sócios participantes na constituição e<br />

de 50 sócios participantes em 5 anos (art. 5º).<br />

• Desconcentração do capital participação individual máxima de 10% pelo participante e<br />

de 20% pelo sócio investidor (art. 5º).<br />

• Transparência e decisão compartilhada: Assembléia Geral como órgão máximo, que<br />

elegerá o Conselho Fiscal e o conselho de Administração (art. 10).<br />

• Limites operacionais: concessão de garantia de no máximo 10% do total garantido pela<br />

SGS ou de seu capital social, o que for maior, para cada sócio participante (art. 7º.).<br />

• Equilíbrio na distribuição dos resultados entre constituição de reserva legal, destinação<br />

ao fundo de risco para o aumento das operações e distribuição aos sócios (art.11)<br />

O art. 179 da Constituição Federal determina o tratamento diferenciado às micro e pequenas<br />

empresas nos aspectos administrativo, tributário, previdenciário e creditício. Nesse sentido,<br />

para que se fortaleça o aporte na SGS de recursos dos sócios participantes e dos sócios<br />

investidores, torna-se importante a concessão de algum benefício tributário, como definido<br />

nos arts. 14 e 15. a alternativa da SGS, certamente, é mais adequada do que a constituição<br />

do fundo de garantia ou fiança, que está previsto no art. 23, da Lei 8864/94, o qual nunca foi<br />

regulamentado por falta de recursos por parte do Poder Executivo. Também é mais<br />

vantajosa do que as propostas de aporte de recursos fiscais ou parafiscais, como do FAT,<br />

para a concessão de créditos subsidiados às micro e pequenas empresas.<br />

Com o objetivo de aumentar a parceria entre o Estado e as entidades de caráter privado,<br />

permite-se o exercício da função de registro e fiscalização das SGS pelas entidades<br />

representativas das micro e pequenas empresas, sem prejuízo da competência das<br />

autoridades governamentais pertinentes. Com isso, evita-se a criação de mais um órgão<br />

público para a fiscalização e controle desse segmento amplo de empresas, evitando-se,<br />

assim, o aumento do dispêndio público (art. 16).<br />

A securitização dos recebíveis das micro e pequenas empresas (Capítulo II) objetiva<br />

canalizar os recursos abundantes, estáveis e de longo prazo dos investidores do mercado<br />

de capitais, como os fundos de pensão, seguradoras e fundos de investimento para financiar<br />

as atividades das ME e da EPP. Esse mecanismo pode ser viabilizado mediante o<br />

oferecimento das contas e valores a receber das ME e das EPP como lastro para a emissão<br />

de títulos e valores mobiliários, pelo agente fiduciário especializado, para a colocação junto<br />

aos investidores institucionais.


85<br />

Enfim, o projeto não se limita a ampliar as possibilidades de oferta de garantias por parte de<br />

micro e pequenas empresas interessadas no crédito bancário. Ele vai um passo além. Ele<br />

amplia as fontes possíveis de captação de recursos, por meio da securitizaçào de recebíveis<br />

de micro e pequenas empresas. Nessa engenharia financeira, reserva-se às Sociedades de<br />

Garantia Solidária o papel fundamental de articular, de um lado, micro e pequenas<br />

empresas com contas a receber e interessadas em agilizar o ingresso de recursos em seu<br />

fluxo de caixa e, de outro, investidores institucionais interessados na aquisição de títulos<br />

com lastro confiável.<br />

Esse esquema pode ser substancialmente facilitado pela atuação da Sociedade de Garantia<br />

Solidária, como intermediário entre as ME e as EPP e o agente fiduciário, ou como<br />

garantidor de créditos dessas empresas oferecidos para fins de securitizaçào.<br />

Assim, o projeto estabelece que, na hipótese de não pagamento das contas a receber, a<br />

Sociedade de Garantia Solidária da qual participam as empresas emissoras seria<br />

responsável por honrar os títulos emitidos com lastro naquelas contas. Seria dessa maneira<br />

franqueado a um número crescente de micro e pequenas empresas uma fonte de obtenção<br />

de crédito que tem importância crescente. Quanto mais bem-sucedida ess engenharia<br />

financeira, maior o desenvolvimento do mercado de títulos dessa natureza e menor a<br />

dependência que micros e pequenas empresas teriam do crédito bancário, quer para fins de<br />

investimento, quer para fins de capital de giro.<br />

O mecanismo de securitização dos recebíveis das ME e das EPP tem um grande potencial<br />

de crescimento, como comprova as várias experiências internacionais. Nos EUA, em 1993,<br />

os ativos securitizados atingiram USS 1,8 trilhão, representando 30% do seu produto<br />

nacional. Esse instrumento vem apresentando crescimento recente significativo entre as<br />

empresas de pequeno porte nos EUA, alcançando-se cifra em torno de USS 6,3 bilhões por<br />

ano. Na América latina, diversas experiências têm sido iniciadas. Na Colômbia, foi criado um<br />

fundo de garantia às pequenas empresas financiado por empréstimos privados da Suíça e<br />

da Colômbia. Na Argentina, em março de 1995, foi regulamentada por lei a constituição de<br />

sociedades de garantia recíproca, com o objetivo de conceder garantias às micro e<br />

pequenas empresas para obtenção do crédito bancário, bem como para facilitar a operação<br />

de securitização.<br />

Trata-se, em suma de um projeto que, a um só tempo, facilita o acesso de micro e pequenas<br />

empresas ao crédito bancário e diminui a dependência que dele têm hoje essas empresas,<br />

na medida que lhes abre a porta do mercado de capitais, propiciando as condições efetivas<br />

para a expansão da renda e do emprego na economia brasileira neste final de século.<br />

Sala das Sessões, em 25 de abril de 1966.<br />

Deputado Antônio Kandir


86<br />

Anexo B<br />

LEI N o 9.841, <strong>DE</strong> 5 <strong>DE</strong> OUTUBRO <strong>DE</strong> 1999 3<br />

Institui o Estatuto da Microempresa e da Empresa<br />

de Pequeno Porte, dispondo sobre o tratamento<br />

jurídico diferenciado, simplificado e favorecido<br />

previsto nos arts. 170 e 179 da Constituição<br />

Federal.<br />

O PRESI<strong>DE</strong>NTE <strong>DA</strong> REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu<br />

sanciono a seguinte Lei:<br />

CAPÍTULO I<br />

DO TRATAMENTO JURÍDICO DIFERENCIADO<br />

Art. 1 o Nos termos dos arts. 170 e 179 da Constituição Federal, é assegurado às<br />

microempresas e às empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado e<br />

simplificado nos campos administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista, creditício e de<br />

desenvolvimento empresarial, em conformidade com o que dispõe esta Lei e a Lei n o 9.317,<br />

de 5 de dezembro de 1996, e alterações posteriores.<br />

Parágrafo único. O tratamento jurídico simplificado e favorecido, estabelecido nesta Lei, visa<br />

facilitar a constituição e o funcionamento da microempresa e da empresa de pequeno porte,<br />

de modo a assegurar o fortalecimento de sua participação no processo de desenvolvimento<br />

econômico e social.<br />

CAPÍTULO II<br />

<strong>DA</strong> <strong>DE</strong>FINIÇÃO <strong>DE</strong> MICROEMPRESA E <strong>DE</strong> EMPRESA <strong>DE</strong> PEQUENO PORTE<br />

Art. 2 o Para os efeitos desta Lei, ressalvado o disposto no art. 3 o , considera-se:<br />

I – microempresa, a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que tiver receita bruta<br />

anual igual ou inferior a R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais); (Vide<br />

Decreto nº 5.028, de 31.3.2004)<br />

II – empresa de pequeno porte, a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que, não<br />

enquadrada como microempresa, tiver receita bruta anual superior a R$ 244.000,00<br />

(duzentos e quarenta e quatro mil reais) e igual ou inferior a R$ 1.200.000,00 (um milhão e<br />

duzentos mil reais). (Vide Decreto nº 5.028, de 31.3.2004)<br />

§ 1 o No primeiro ano de atividade, os limites da receita bruta de que tratam os incisos I e II<br />

serão proporcionais ao número de meses em que a pessoa jurídica ou firma mercantil<br />

individual tiver exercido atividade, desconsideradas as frações de mês.<br />

3 Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 17 jul. 2004.


87<br />

§ 2 o O enquadramento de firma mercantil individual ou de pessoa jurídica em microempresa<br />

ou empresa de pequeno porte, bem como o seu desenquadramento, não implicarão<br />

alteração, denúncia ou qualquer restrição em relação a contratos por elas anteriormente<br />

firmados.<br />

§ 3 o O Poder Executivo atualizará os valores constantes dos incisos I e II com base na<br />

variação acumulada pelo IGP-DI, ou por índice oficial que venha a substituí-lo.<br />

Art. 3 o Não se inclui no regime desta Lei a pessoa jurídica em que haja participação:<br />

I – de pessoa física domiciliada no exterior ou de outra pessoa jurídica;<br />

II – de pessoa física que seja titular de firma mercantil individual ou sócia de outra empresa<br />

que receba tratamento jurídico diferenciado na forma desta Lei, salvo se a participação não<br />

for superior a dez por cento do capital social de outra empresa desde que a receita bruta<br />

global anual ultrapasse os limites de que tratam os incisos I e II do art. 2 o .<br />

Parágrafo único. O disposto no inciso II deste artigo não se aplica à participação de<br />

microempresas ou de empresas de pequeno porte em centrais de compras, bolsas de<br />

subcontratação, consórcios de exportação e outras formas de associação assemelhadas,<br />

inclusive as de que trata o art. 18 desta Lei.<br />

CAPÍTULO III<br />

DO ENQUADRAMENTO<br />

Art. 4 o A pessoa jurídica ou firma mercantil individual que, antes da promulgação desta Lei,<br />

preenchia os seus requisitos de enquadramento como microempresa ou empresa de<br />

pequeno porte, excetuadas as já enquadradas no regime jurídico anterior, comunicará esta<br />

situação, conforme o caso, à Junta Comercial ou ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas,<br />

para fim de registro, mediante simples comunicação, da qual constarão:<br />

I – a situação de microempresa ou de empresa de pequeno porte;<br />

II – o nome e demais dados de identificação da empresa;<br />

III – a indicação do registro de firma mercantil individual ou do arquivamento dos atos<br />

constitutivos da sociedade;<br />

IV – a declaração do titular ou de todos os sócios de que o valor da receita bruta anual da<br />

empresa não excedeu, no ano anterior, o limite fixado no inciso I ou II do art. 2º, conforme o<br />

caso, e de que a empresa não se enquadra em qualquer das hipóteses de exclusão<br />

relacionadas no art. 3 o .<br />

Art. 5 o Tratando-se de empresa em constituição, deverá o titular ou sócios, conforme o caso,<br />

declarar a situação de microempresa ou de empresa de pequeno porte, que a receita bruta<br />

anual não excederá, no ano da constituição, o limite fixado no inciso I ou II do art. 2º,<br />

conforme o caso, e que a empresa não se enquadra em qualquer das hipóteses de exclusão<br />

relacionadas no art. 3º desta Lei.<br />

Art. 6 o O arquivamento, nos órgãos de registro, dos atos constitutivos de firmas mercantis<br />

individuais e de sociedades que se enquadrarem como microempresa ou empresa de<br />

pequeno porte, bem como o arquivamento de suas alterações, é dispensado das seguintes<br />

exigências:


88<br />

I – certidão de inexistência de condenação criminal, exigida pelo inciso II do art. 37 da Lei n o<br />

8.934, de 18 de novembro de 1994, que será substituída por declaração do titular ou<br />

administrador, firmada sob as penas da lei, de não estar impedido de exercer atividade<br />

mercantil ou a administração de sociedade mercantil, em virtude de condenação criminal;<br />

II – prova de quitação, regularidade ou inexistência de débito referente a tributo ou<br />

contribuição de qualquer natureza, salvo no caso de extinção de firma mercantil individual<br />

ou de sociedade.<br />

Parágrafo único. Não se aplica às microempresas e às empresas de pequeno porte o<br />

disposto no § 2 o do art. 1 o da Lei n o 8.906, de 4 de julho de 1994.<br />

Art. 7 o Feita a comunicação, e independentemente de alteração do ato constitutivo, a<br />

microempresa adotará, em seguida ao seu nome, a expressão "microempresa" ou,<br />

abreviadamente, "ME", e a empresa de pequeno porte, a expressão "empresa de pequeno<br />

porte" ou "EPP".<br />

Parágrafo único. É privativo de microempresa e de empresa de pequeno porte o uso das<br />

expressões de que trata este artigo.<br />

CAPÍTULO IV<br />

DO <strong>DE</strong>SENQUADRAMENTO E REENQUADRAMENTO<br />

Art. 8 o O desenquadramento da microempresa e da empresa de pequeno porte dar-se-á<br />

quando excedidos ou não alcançados os respectivos limites de receita bruta anual fixados<br />

no art. 2 o .<br />

§ 1 o Desenquadrada a microempresa, passa automaticamente à condição de empresa de<br />

pequeno porte, e esta passa à condição de empresa excluída do regime desta Lei ou<br />

retorna à condição de microempresa.<br />

§ 2 o A perda da condição de microempresa ou de empresa de pequeno porte, em<br />

decorrência do excesso de receita bruta, somente ocorrerá se o fato se verificar durante dois<br />

anos consecutivos ou três anos alternados, em um período de cinco anos.<br />

Art. 9 o A empresa de pequeno porte reenquadrada como empresa, a microempresa<br />

reenquadrada na condição de empresa de pequeno porte e a empresa de pequeno porte<br />

reenquadrada como microempresa comunicarão este fato ao órgão de registro, no prazo de<br />

trinta dias, a contar da data da ocorrência.<br />

Parágrafo único. Os requerimentos e comunicações previstos neste Capítulo e no Capítulo<br />

III poderão ser feitos por via postal, com aviso de recebimento.<br />

CAPÍTULO V<br />

DO REGIME PREVI<strong>DE</strong>NCIÁRIO E TRABALHISTA<br />

Art. 10. O Poder Executivo estabelecerá procedimentos simplificados, além dos previstos<br />

neste Capítulo, para o cumprimento da legislação previdenciária e trabalhista por parte das<br />

microempresas e das empresas de pequeno porte, bem como para eliminar exigências<br />

burocráticas e obrigações acessórias que sejam incompatíveis com o tratamento<br />

simplificado e favorecido previsto nesta Lei.


89<br />

Art. 11. A microempresa e a empresa de pequeno porte são dispensadas do cumprimento<br />

das obrigações acessórias a que se referem os arts. 74; 135, § 2 o ; 360; 429 e 628, § 1 o , da<br />

Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.<br />

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não dispensa a microempresa e a<br />

empresa de pequeno porte dos seguintes procedimentos:<br />

I – anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS;<br />

II – apresentação da Relação Anual de Informações Sociais – Rais e do Cadastro Geral de<br />

Empregados e Desempregados – Caged;<br />

III – arquivamento dos documentos comprobatórios de cumprimento das obrigações<br />

trabalhistas e previdenciárias, enquanto não prescreverem essas obrigações;<br />

IV – apresentação da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e<br />

Informações à Previdência Social – Gfip.<br />

Art. 12. Sem prejuízo de sua ação específica, as fiscalizações trabalhista e previdenciária<br />

prestarão, prioritariamente, orientação à microempresa e à empresa de pequeno porte.<br />

Parágrafo único. No que se refere à fiscalização trabalhista, será observado o critério da<br />

dupla visita para lavratura de autos de infração, salvo quando for constatada infração por<br />

falta de registro de empregado, ou anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social –<br />

CTPS, ou ainda na ocorrência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à<br />

fiscalização.<br />

Art. 13. Na homologação de rescisão de contrato de trabalho, o extrato de conta vinculada<br />

ao trabalhador relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS poderá ser<br />

substituído pela Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e<br />

Informações à Previdência Social – Gfip pré-impressa no mês anterior, desde que sua<br />

quitação venha a ocorrer em data anterior ao dia dez do mês subseqüente a sua emissão.<br />

CAPÍTULO VI<br />

DO APOIO CREDITÍCIO<br />

Art. 14. O Poder Executivo estabelecerá mecanismos fiscais e financeiros de estímulo às<br />

instituições financeiras privadas no sentido de que mantenham linhas de crédito específicas<br />

para as microempresas e para as empresas de pequeno porte.<br />

Art. 15. As instituições financeiras oficiais que operam com crédito para o setor privado<br />

manterão linhas de crédito específicas para as microempresas e para as empresas de<br />

pequeno porte, devendo o montante disponível e suas condições de acesso ser expressas,<br />

nos respectivos documentos de planejamento, e amplamente divulgados.<br />

Parágrafo único. As instituições de que trata este artigo farão publicar, semestralmente,<br />

relatório detalhado dos recursos planejados e aqueles efetivamente utilizados na linha de<br />

crédito mencionada neste artigo, analisando as justificativas do desempenho alcançado.<br />

Art. 16. As instituições de que trata o art. 15, nas suas operações com as microempresas e<br />

com as empresas de pequeno porte, atuarão, em articulação com as entidades de apoio e<br />

representação daquelas empresas, no sentido de propiciar mecanismos de treinamento,<br />

desenvolvimento gerencial e capacitação tecnológica articulados com as operações de<br />

financiamento.


90<br />

Art. 17. Para fins de apoio creditício à exportação, serão utilizados os parâmetros de<br />

enquadramento de empresas, segundo o porte, aprovados pelo Mercado Comum do Sul –<br />

Mercosul para as microempresas e para as empresas de pequeno porte.<br />

Art. 18. (VETADO)<br />

CAPÍTULO VII<br />

DO <strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO EMPRESARIAL<br />

Art. 19. O Poder Executivo estabelecerá mecanismos de incentivos fiscais e financeiros, de<br />

forma simplificada e descentralizada, às microempresas e às empresas de pequeno porte,<br />

levando em consideração a sua capacidade de geração e manutenção de ocupação e<br />

emprego, potencial de competitividade e de capacitação tecnológica, que lhes garantirão o<br />

crescimento e o desenvolvimento.<br />

Art. 20. Dos recursos federais aplicados em pesquisa, desenvolvimento e capacitação<br />

tecnológica na área empresarial, no mínimo vinte por cento serão destinados,<br />

prioritariamente, para o segmento da microempresa e da empresa de pequeno porte.<br />

Parágrafo único. As organizações federais atuantes em pesquisa, desenvolvimento e<br />

capacitação tecnológica deverão destacar suas aplicações voltadas ao apoio às<br />

microempresas e às empresas de pequeno porte.<br />

Art. 21. As microempresas e as empresas de pequeno porte terão tratamento diferenciado e<br />

favorecido no que diz respeito ao acesso a serviços de metrologia e certificação de<br />

conformidade prestados por entidades tecnológicas públicas.<br />

Parágrafo único. As entidades de apoio e de representação das microempresas e das<br />

empresas de pequeno porte criarão condições que facilitem o acesso aos serviços de que<br />

trata o art. 20.<br />

Art. 22. O Poder Executivo diligenciará para que se garantam às entidades de apoio e de<br />

representação das microempresas e das empresas de pequeno porte condições para<br />

capacitarem essas empresas para que atuem de forma competitiva no mercado interno e<br />

externo, inclusive mediante o associativismo de interesse econômico.<br />

Art. 23. As microempresas e as empresas de pequeno porte terão tratamento diferenciado e<br />

favorecido quando atuarem no mercado internacional, seja importando ou exportando<br />

produtos e serviços, para o que o Poder Executivo estabelecerá mecanismos de facilitação,<br />

desburocratização e capacitação.<br />

Parágrafo único. Os órgãos e entidades da Administração Federal Direta e Indireta,<br />

intervenientes nas atividades de controle da exportação e da importação, deverão adotar<br />

procedimentos que facilitem as operações que envolvam as microempresas e as empresas<br />

de pequeno porte, otimizando prazos e reduzindo custos.<br />

Art. 24. A política de compras governamentais dará prioridade à microempresa e à empresa<br />

de pequeno porte, individualmente ou de forma associada, com processo especial e<br />

simplificado nos termos da regulamentação desta Lei.


91<br />

CAPÍTULO VIII<br />

<strong>DA</strong> SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong> <strong>DE</strong> <strong>GARANTIA</strong> SOLIDÁRIA<br />

Art. 25. É autorizada a constituição de Sociedade de Garantia Solidária, constituída sob a<br />

forma de sociedade anônima, para a concessão de garantia a seus sócios participantes,<br />

mediante a celebração de contratos.<br />

Parágrafo único. A sociedade de garantia solidária será constituída de sócios participantes e<br />

sócios investidores:<br />

I – os sócios participantes serão, exclusivamente, microempresas e empresas de pequeno<br />

porte com, no mínimo, dez participantes e participação máxima individual de dez por cento<br />

do capital social;<br />

II – os sócios investidores serão pessoas físicas ou jurídicas, que efetuarão aporte de capital<br />

na sociedade, com o objetivo exclusivo de auferir rendimentos, não podendo sua<br />

participação, em conjunto, exceder a quarenta e nove por cento do capital social.<br />

Art. 26. O estatuto social da sociedade de garantia solidária deve estabelecer:<br />

I – finalidade social, condições e critérios para admissão de novos sócios participantes e<br />

para sua saída e exclusão;<br />

II – privilégio sobre as ações detidas pelo sócio excluído por inadimplência;<br />

III – proibição de que as ações dos sócios participantes sejam oferecidas como garantia de<br />

qualquer espécie; e<br />

IV – estrutura, compreendendo a Assembléia-Geral, órgão máximo da sociedade, que<br />

elegerá o Conselho Fiscal e o Conselho de Administração, que, por sua vez, indicará a<br />

Diretoria Executiva.<br />

Art. 27. A sociedade de garantia solidária é sujeita ainda às seguintes condições:<br />

I – proibição de concessão a um mesmo sócio participante de garantia superior a dez por<br />

cento do capital social ou do total garantido pela sociedade, o que for maior;<br />

II – proibição de concessão de crédito a seus sócios ou a terceiros; e<br />

III – dos resultados líquidos, alocação de cinco por cento, para reserva legal, até o limite de<br />

vinte por cento do capital social; e de cinqüenta por cento da parte correspondente aos<br />

sócios participantes para o fundo de risco, que será constituído também por aporte dos<br />

sócios investidores e de outras receitas aprovadas pela Assembléia-Geral da sociedade.<br />

Art. 28. O contrato de garantia solidária tem por finalidade regular a concessão da garantia<br />

pela sociedade ao sócio participante, mediante o recebimento da taxa de remuneração pelo<br />

serviço prestado, devendo fixar as cláusulas necessárias ao cumprimento das obrigações do<br />

sócio beneficiário perante a sociedade.<br />

Parágrafo único. Para a concessão da garantia, a sociedade de garantia solidária poderá<br />

exigir a contragarantia por parte do sócio participante beneficiário.


92<br />

Art. 29. As microempresas e as empresas de pequeno porte podem oferecer as suas contas<br />

e valores a receber como lastro para a emissão de valores mobiliários a serem colocados<br />

junto aos investidores no mercado de capitais.<br />

Art. 30. A sociedade de garantia solidária pode conceder garantia sobre o montante de<br />

recebíveis de seus sócios participantes, objeto de securitização, podendo também prestar o<br />

serviço de colocação de recebíveis junto a empresa de securitização especializada na<br />

emissão dos títulos e valores mobiliários transacionáveis no mercado de capitais.<br />

Parágrafo único. O agente fiduciário de que trata o caput não tem direito de regresso contra<br />

as empresas titulares dos valores e contas a receber, objeto de securitização.<br />

Art. 31. A função de registro, acompanhamento e fiscalização das sociedades de garantia<br />

solidária, sem prejuízo das autoridades governamentais competentes, poderá ser exercida<br />

pelas entidades vinculadas às microempresas e às empresas de pequeno porte, em<br />

especial o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae, mediante<br />

convênio a ser firmado com o Executivo.<br />

CAPÍTULO IX<br />

<strong>DA</strong>S PENALI<strong>DA</strong><strong>DE</strong>S<br />

Art. 32. A pessoa jurídica e a firma mercantil individual que, sem observância dos requisitos<br />

desta Lei, pleitear seu enquadramento ou se mantiver enquadrada como microempresa ou<br />

empresa de pequeno porte estará sujeita às seguintes conseqüências e penalidades:<br />

I – cancelamento de ofício de seu registro como microempresa ou como empresa de<br />

pequeno porte;<br />

II – aplicação automática, em favor da instituição financeira, de multa de vinte por cento<br />

sobre o valor monetariamente corrigido dos empréstimos obtidos com base nesta Lei,<br />

independentemente do cancelamento do incentivo de que tenha sido beneficiada.<br />

Art. 33. A falsidade de declaração prestada objetivando os benefícios desta Lei caracteriza o<br />

crime de que trata o art. 299 do Código Penal, sem prejuízo de enquadramento em outras<br />

figuras penais.<br />

CAPÍTULO X<br />

DISPOSIÇÕES FINAIS<br />

Art. 34. Os órgãos fiscalizadores de registro de produtos procederão a análise para inscrição<br />

e licenciamento a que estiverem sujeitas as microempresas e as empresas de pequeno<br />

porte, no prazo máximo de trinta dias, a contar da data de entrega da documentação ao<br />

órgão.<br />

Art. 35. As firmas mercantis individuais e as sociedades mercantis e civis enquadráveis<br />

como microempresa ou empresa de pequeno porte que, durante cinco anos, não tenham<br />

exercido atividade econômica de qualquer espécie, poderão requerer e obter a baixa no<br />

registro competente, independentemente de prova de quitação de tributos e contribuições<br />

para com a Fazenda Nacional, bem como para com o Instituto Nacional do Seguro Social –<br />

INSS e para com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.


93<br />

Art. 36. A inscrição e alterações da microempresa e da empresa de pequeno porte em<br />

órgãos da Administração Federal ocorrerá independentemente da situação fiscal do titular,<br />

sócios, administradores ou de empresas de que estes participem.<br />

Art. 37. As microempresas e as empresas de pequeno porte são isentas de pagamento de<br />

preços, taxas e emolumentos remuneratórios de registro das declarações referidas nos arts.<br />

4 o , 5 o e 9 o desta Lei.<br />

Art. 38. Aplica-se às microempresas o disposto no § 1 o do art. 8 o da Lei n o 9.099, de 26 de<br />

setembro de 1995, passando essas empresas, assim como as pessoas físicas capazes, a<br />

serem admitidas a proporem ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de<br />

direito de pessoas jurídicas.<br />

Art. 39. O protesto de título, quando o devedor for microempresário ou empresa de pequeno<br />

porte, é sujeito às seguintes normas:<br />

I – os emolumentos devidos ao tabelião de protesto não excederão um por cento do valor do<br />

título, observado o limite máximo de R$ 20,00 (vinte reais), incluídos neste limite as<br />

despesas de apresentação, protesto, intimação, certidão e quaisquer outras relativas à<br />

execução dos serviços;<br />

II – para o pagamento do título em cartório, não poderá ser exigido cheque de emissão de<br />

estabelecimento bancário, mas, feito o pagamento por meio de cheque, de emissão de<br />

estabelecimento bancário ou não, a quitação dada pelo tabelionato de protesto será<br />

condicionada à efetiva liquidação do cheque;<br />

III – o cancelamento do registro de protesto, fundado no pagamento do título, será feito<br />

independentemente de declaração de anuência do credor, salvo no caso de impossibilidade<br />

de apresentação do original protestado;<br />

IV – para os fins do disposto no caput e nos incisos I, II e III, caberá ao devedor provar sua<br />

qualidade de microempresa ou de empresa de pequeno porte perante o tabelionato de<br />

protestos de títulos, mediante documento expedido pela Junta Comercial ou pelo Registro<br />

Civil das Pessoas Jurídicas, conforme o caso.<br />

Art. 40. Os arts. 29 e 31 da Lei n o 9.492, de 10 de setembro de 1997, passam a vigorar com<br />

a seguinte redação:<br />

"Art. 29. Os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e do comércio ou<br />

àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma de<br />

relação, dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de<br />

informação reservada, da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo<br />

parcialmente." (NR)<br />

"§ 1 o O fornecimento da certidão será suspenso caso se desatenda ao disposto no caput ou<br />

se forneçam informações de protestos cancelados." (NR)<br />

"§ 2º Dos cadastros ou bancos de dados das entidades referidas no caput somente serão<br />

prestadas informações restritivas de crédito oriundas de títulos ou documentos de dívidas<br />

regularmente protestados cujos registros não foram cancelados." (NR)<br />

"§ 3º Revogado."


94<br />

"Art. 31. Poderão ser fornecidas certidões de protestos, não cancelados, a quaisquer<br />

interessados, desde que requeridas por escrito." (NR)<br />

Art. 41. Ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior compete<br />

acompanhar e avaliar a implantação efetiva das normas desta Lei, visando seu cumprimento<br />

e aperfeiçoamento.<br />

Parágrafo único. Para o cumprimento do disposto neste artigo, o Poder Executivo é<br />

autorizado a criar o Fórum Permanente da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte,<br />

com participação dos órgãos federais competentes e das entidades vinculadas ao setor.<br />

Art. 42. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de noventa dias, a contar da<br />

data de sua publicação.<br />

Art. 43. Revogam-se as Leis n o 7.256, de 27 de novembro de 1984, e n o 8.864, de 28 de<br />

março de 1994.<br />

Brasília, 5 de outubro de 1999; 178 o da Independência e 111 o da República.<br />

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO<br />

Pedro Malan<br />

Francisco Dornelles<br />

Alcides Lopes Tápias


95<br />

Anexo C<br />

LEGISLAÇÃO QUE REGULAMENTA AS SOCIE<strong>DA</strong><strong>DE</strong>S <strong>DE</strong> <strong>GARANTIA</strong> MÚTUA EM<br />

PORTUGAL<br />

Preâmbulo do Decreto-Lei nº 211/98 de Portugal<br />

As pequenas e médias empresas e as microempresas assumem um papel relevante na<br />

estrutura económico-empresarial portuguesa e na dinamização da economia. Entre outros<br />

aspectos preponderantes, contribuem para a atenuação dos ciclos económicos e para a<br />

criação e estabilização de emprego e de riqueza.<br />

Tem-se presente o conjunto de factores que, de forma geral, enquadram o processo de<br />

acesso, por aquelas empresas, aos financiamentos necessários e adequados à<br />

prossecução das suas actividades. Estas empresas, pela sua dimensão, encontram factores<br />

muitos específicos no acesso ao crédito, nomeadamente no que se refere às condições de<br />

preço e de prazo dos financiamento obtidos. Tais factores influenciam as suas relações com<br />

empresas de maior dimensão, no plano nacional e no contexto internacional, mas sobretudo<br />

com empresas de semelhante dimensão no âmbito da União Europeia. Influenciam,<br />

igualmente, a sua capacidade de expansão e competitividade.<br />

Tendo presente toda esta envolvente específica, visa-se criar um mecanismo adequado<br />

para que a dimensão da empresa possa ser menos relevante como factor a considerar na<br />

obtenção dos respectivos financiamentos, procurando-se, deste modo, melhorar a<br />

competitividade das empresas mencionadas, especialmente no que se refere às relações<br />

com mercados externos, obtendo-se, reflexamente, um factor de acréscimo de<br />

competitividade da economia nacional.<br />

Para tal, enquadra-se a actividade de caucionamento mútuo, criando, como veículo<br />

privilegiado de exercício da actividade, as sociedades de garantia mútua. Consagra-se um<br />

sistema largamente, e desde há muito, difundido por outros países da União Europeia.<br />

Pretende-se, fundamentalmente, que as sociedades de garantia mútua possam<br />

desempenhar papel relevante nas condições de obtenção de financiamentos pelas<br />

pequenas e médias empresas e pelas microempresas, tanto junto do sistema financeiro, em<br />

geral, como junto do mercado de capitais, em particular. Para tanto as sociedades de<br />

garantia mútua poderão conceder garantias às empresas suas accionistas e estudar<br />

soluções de acesso conjunto ao mercado de capitais, potenciando-se melhorias nas<br />

condições de obtenção de financiamentos, se confrontadas com soluções autónomas.<br />

Teve-se presente a experiência levada a cabo em Portugal, pela S.P.G.M. – Sociedade de<br />

Investimento, S.A., e a adesão das empresas ao sistema. Pretende-se agora que o<br />

desenvolvimento do sistema de garantia mútuo fique essencialmente a cargo da iniciativa<br />

privada, através das empresas, empresários e das associações representativas de umas e<br />

outros.<br />

Foram ouvidos o Banco de Portugal e o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas<br />

e ao Investimento.


96<br />

Assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º e do n.º 5 do artigo 112.º da<br />

Constituição, o Governo decreta o seguinte:<br />

Preâmbulo do Decreto-Lei nº 19/2001<br />

A criação das sociedades de garantia mútua, pelo Decreto-Lei n.º 211/98, de 16 de Julho,<br />

insere-se na estratégia de dinamização da economia portuguesa. Com efeito, estas<br />

instituições foram delineadas tendo em vista o apoio, nomeadamente através da concessão<br />

de garantias, no acesso a recursos financeiros necessários à prossecução de actividades<br />

das pequenas e médias empresas e das microempresas, já que a dimensão das referidas<br />

empresas condiciona, particularmente no que se refere a condições de preço e de prazos,<br />

os respectivos financiamentos.<br />

No entanto, para que as sociedades de garantia mútua possam prosseguir com eficiência os<br />

fins para os quais foram criadas é imperioso assegurar-lhes condições de competitividade,<br />

quer no que toca à captação dos recursos necessários ao exercício da respectiva actividade<br />

quer no que respeita a outros factores relevantes, como seja, por exemplo, a ponderação,<br />

para efeitos prudenciais, dos riscos sobre elas incorridos pelas suas contrapartes. A<br />

qualificação das sociedades de garantia mútua como instituições de crédito, operada pelo<br />

presente diploma, é condição necessária para realização de tais objectivos.<br />

Foram ouvidos o Banco de Portugal, o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e<br />

ao Investimento e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Assim, nos termos da<br />

alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta, para valer como lei<br />

geral da República, o seguinte:<br />

Artigo 1.º<br />

Noção<br />

CAPÍTULO I<br />

Disposições Gerais<br />

As sociedades de garantia mútua são instituições de crédito que têm por objecto uma<br />

actividade bancária restrita à realização de operações financeiras e à prestação de serviços<br />

conexos previstos neste diploma em benefício de pequenas e médias empresas e de<br />

microempresas, regendo-se pelo disposto no presente diploma e pelas disposições<br />

aplicáveis do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.<br />

Artigo 2.º<br />

Objecto<br />

1 – As sociedades de garantia mútua podem realizar as operações e prestar os serviços<br />

seguintes:<br />

a) Concessão de garantias destinadas a assegurar o cumprimento de obrigações contraídas<br />

por accionistas beneficiários, designadamente garantias acessórias de contratos de mútuo;<br />

b) Promoção, em favor dos accionistas beneficiários, da obtenção de recursos financeiros<br />

junto de instituições de crédito ou de outras instituições financeiras, nacionais ou<br />

estrangeiras;<br />

c) Participação na colocação, em mercado primário ou em mercado secundário, de acções,<br />

obrigações ou de quaisquer outros valores mobiliários, bem como de títulos de crédito


97<br />

emitidos nos termos do Decreto-Lei n.º 181/92, de 22 de Agosto, desde que a entidade<br />

emitente seja accionista beneficiário ou se encontrem previstos no n.º 2, e prestação de<br />

serviços correlativos;<br />

d) Prestação de serviços de consultoria de empresas, aos accionistas beneficiários, em<br />

áreas associadas à gestão financeira, designadamente em matéria de estrutura do capital,<br />

de estratégia empresarial e de questões conexas, bem como no domínio da fusão, cisão e<br />

compra ou venda de empresas.<br />

2 – Para além dos valores mobiliários emitidos pelos accionistas beneficiários, as<br />

sociedades de garantia mútua podem participar na colocação de valores mobiliários que,<br />

nos termos das respectivas condições de emissão, confiram direito à subscrição, sejam<br />

convertíveis ou permutáveis por acções representativas do capital social de accionistas<br />

beneficiários.<br />

3 – As sociedades de garantia mútua não podem tomar firme, total ou parcialmente,<br />

colocações de valores mobiliários em que participem, só podendo adquirir para carteira<br />

própria os valores mobiliários referidos no n.º 5 do artigo 229.º do Código dos Valores<br />

Mobiliários e, de acordo com as regras que venham a ser estabelecidas pelo Banco de<br />

Portugal, outros que este autorize.<br />

4 – As sociedades de garantia mútua só podem realizar operações e prestar serviços em<br />

benefício de accionistas beneficiários, para o desenvolvimento das respectivas actividades<br />

económicas.<br />

Artigo 3.º<br />

Accionistas beneficiários e accionistas promotores<br />

1 – As sociedades de garantia mútua têm accionistas beneficiários e, desde que os<br />

respectivos estatutos o prevejam, podem ter accionistas promotores.<br />

2 – Só podem ser accionistas beneficiários pequenas e médias empresas, microempresas<br />

ou entidades representativas de qualquer das categorias de empresas referidas.<br />

3 – Os estatutos das sociedades de garantia mútua devem definir com clareza quem pode<br />

adquirir a qualidade de accionista beneficiário.<br />

4 – As sociedades de garantia mútua não podem realizar operações nem prestar serviços<br />

em benefício de accionistas promotores.<br />

5 – Os accionistas promotores não podem deter, individual ou conjuntamente, directa ou<br />

indirectamente, uma participação superior a 50% do capital social ou dos direitos de voto da<br />

sociedade de garantia mútua, excepto nos três primeiros anos contados da data de<br />

constituição da sociedade, período durante o qual aquela percentagem será de 75%.<br />

Artigo 4.º<br />

Firma<br />

A firma destas sociedades deve incluir a expressão «sociedade de garantia mútua» ou a<br />

abreviatura SGM, as quais, ou outras que com elas se confundam, não poderão ser usadas<br />

por outras entidades que não as previstas no presente diploma.


98<br />

Artigo 5.º<br />

Representação do capital<br />

1 – As acções representativas do capital social das sociedades de garantia mútua são<br />

obrigatoriamente nominativas.<br />

2 – As contas de registo ou de depósito nas quais se encontrem registadas ou depositadas<br />

acções de sociedades de garantia mútua devem, para além das menções e factos exigidos<br />

nos termos gerais, revelar a qualidade de accionista beneficiário ou de accionista promotor.<br />

Artigo 6.º<br />

Realização do capital<br />

O capital social das sociedades de garantia mútua só pode ser realizado através de<br />

entradas em dinheiro, sem prejuízo da possibilidade de serem efectuados aumentos do<br />

capital social na modalidade de incorporação de reservas, nos termos gerais.<br />

Artigo 7.º<br />

Autorização e revogação da autorização<br />

1 – As sociedades de garantia mútua não podem ser constituídas por um número de<br />

accionistas beneficiários inferior a 20.<br />

2 – Para além dos fundamentos previstos nos termos gerais, a autorização das sociedades<br />

de garantia mútua pode também ser revogada se:<br />

Por um período superior a 18 meses, o número de accionistas beneficiários for inferior a 20;<br />

A assembleia geral não aprovar as condições gerais de concessão das garantias, no prazo<br />

de 180 dias contado da data de constituição da sociedade.<br />

Artigo 8.º<br />

Recursos financeiros<br />

CAPÍTULO II<br />

Actividade das sociedades de garantia mutual<br />

As sociedades de garantia mútua só podem financiar a sua actividade com fundos próprios<br />

e através dos seguintes recursos:<br />

Financiamentos concedidos por outras instituições de crédito ou por instituições financeiras,<br />

nacionais ou estrangeiras;<br />

Suprimentos e outras formas de financiamento concedido pelos accionistas, nos termos<br />

legalmente admissíveis;<br />

Emissão de obrigações de qualquer espécie, nas condições previstas na lei e sem<br />

obediência aos limites fixados no Código das Sociedades Comerciais.


99<br />

Artigo 9.º<br />

Reservas<br />

1 – Um montante não inferior a 10% dos resultados antes de impostos apurados em cada<br />

exercício pelas sociedades de garantia mútua é destinado à constituição de um fundo<br />

técnico de provisão até ao limite de 10% do saldo da carteira de garantias concedidas.<br />

2 – O fundo técnico de provisão previsto no número anterior destina-se à cobertura de<br />

prejuízos decorrentes da sinistralidade da carteira de garantias.<br />

3 – Uma fracção não inferior a 10% dos lucros líquidos apurados em cada exercício pelas<br />

sociedades de garantia mútua deve ser destinada à formação de uma reserva legal, até ao<br />

limite do capital social.<br />

4 – O Banco de Portugal poderá elevar qualquer das duas percentagens referidas no n.º 1.<br />

Artigo 10.º<br />

Prestação de garantias<br />

1 – As sociedades de garantia mútua não podem conceder garantias a favor dos accionistas<br />

beneficiários enquanto não se encontrar integralmente realizada a participação cuja<br />

titularidade seja exigida, nos termos do n.º 3 do artigo 13.º, como condição da sua obtenção.<br />

2 – Entre o momento de concessão da garantia e o da respectiva extinção, as acções que<br />

integrem a participação cuja titularidade seja exigida como condição de obtenção daquela<br />

garantia não poderão ser objecto de transmissão, excepto nos casos previstos no n.º 4, e<br />

serão dadas em penhor em benefício da sociedade de garantia mútua como contragarantia<br />

da garantia prestada por aquela sociedade.<br />

3 – Quer a intransmissibilidade quer a constituição de penhor ficam, nos termos gerais,<br />

sujeitos a averbamento nas contas de registo ou de depósito em que as acções da<br />

sociedade de garantia mútua objecto daquela limitação e daquele ónus se encontrem<br />

registadas ou depositadas.<br />

4 – No caso previsto no n.º 2, as acções podem ser objecto de transmissão, nos termos que<br />

os estatutos da sociedade de garantia mútua venham a estabelecer, se se verificar alguma<br />

das seguintes situações:<br />

Cisão ou fusão do accionista beneficiário;<br />

Cessão da posição contratual no negócio do qual resultem as obrigações garantidas;<br />

Falecimento do accionista beneficiário.<br />

Artigo 11.º<br />

Regime aplicável às garantias concedidas<br />

1 – Para efeitos do cômputo do ratio de solvabilidade, as garantias prestadas pelas<br />

sociedades de garantia mútua são ponderadas nos mesmos termos que as garantias<br />

prestadas por instituições de crédito da zona A. (revogado pelo Decreto-Lei n.º 19/2001, de<br />

30 de Janeiro).


100<br />

2 – A condição de sócio, inicial ou superveniente, da entidade credora da obrigação<br />

garantida não afectará o regime jurídico da garantia concedida, a qual se rege pelo disposto<br />

no presente diploma, pelas normas legais e regulamentares que, nos termos gerais, lhe<br />

sejam aplicáveis e pelas condições gerais de concessão das garantias fixadas nos termos<br />

do n.º 3 do artigo 13.º<br />

Artigo 12.º<br />

Não cumprimento de obrigações garantidas<br />

1 – Em caso de não cumprimento, por algum dos accionistas beneficiários, de obrigação<br />

que se encontre garantida pela sociedade de garantia mútua, pode esta, nos termos gerais,<br />

executar o penhor constituído, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º, sobre as acções do<br />

accionista beneficiário.<br />

2 – Independentemente de convenção nesse sentido entre a sociedade de garantia mútua e<br />

o accionista beneficiário faltoso, podem as acções objecto do penhor ser adjudicadas àquela<br />

sociedade ou ser vendidas extrajudicialmente.<br />

3 – Nos casos previstos no número anterior, o valor das acções para efeitos de adjudicação<br />

será o valor nominal, não podendo ser inferior a este o preço de venda.<br />

Artigo 13.º<br />

Contrato de sociedade<br />

1 – Do contrato de sociedade das sociedades de garantia mútua deve constar, sem prejuízo<br />

de outros elementos exigidos nos termos gerais:<br />

Se for caso disso, a possibilidade de existência de accionistas promotores;<br />

As entidades que podem subscrever ou, a outro título, adquirir acções na qualidade de<br />

accionista beneficiário;<br />

As transmissões de acções que, nos termos do artigo 14.º, fiquem sujeitas ao consentimento<br />

da sociedade, bem como os casos em que a constituição de penhor e de usufruto sobre<br />

acções fique sujeita ao consentimento da sociedade;<br />

Especificar os fundamentos com que, de acordo com o n.º 5 do artigo 14.º, o órgão de<br />

administração da sociedade de garantia mútua pode recusar o consentimento para a<br />

transmissão de acções e para a constituição de penhor ou de usufruto;<br />

As condições em que, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 10.º, as acções objecto de<br />

penhor podem ser transmitidas.<br />

2 – Para além das matérias referidas no n.º 1 do artigo 34.º do Regime Geral das<br />

Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, ficam igualmente sujeitas a autorização do<br />

Banco de Portugal as alterações dos estatutos de sociedades de garantia mútua que<br />

versem sobre alguma das matérias elencadas nas alíneas b) e d) do n.º 1.<br />

3 – As assembleias gerais das sociedades de garantia mútua devem aprovar as condições<br />

gerais de concessão das garantias, designadamente o montante mínimo da participação de<br />

que o accionista beneficiário deve ser titular para que possam ser concedidas garantias a<br />

seu favor.


101<br />

4 – As deliberações referidas no número anterior devem ser comunicadas ao Banco de<br />

Portugal.<br />

Artigo 14.º<br />

Transmissão de acções<br />

1 – São livres as transmissões de acções entre accionistas beneficiários, entre accionistas<br />

promotores e de accionistas promotores para accionistas beneficiários.<br />

2 – A transmissão de acções de accionistas beneficiários ou de accionistas promotores para<br />

novos accionistas beneficiários ficará obrigatoriamente sujeita ao consentimento da<br />

sociedade de garantia mútua.<br />

3 – Não podem ser transmitidas acções de accionistas beneficiários para accionistas<br />

promotores ou para novos accionistas promotores.<br />

4 – A competência para conceder ou recusar o consentimento para a transmissão de acções<br />

cabe obrigatoriamente ao órgão de administração da sociedade de garantia mútua.<br />

5 – O consentimento para a transmissão de acções só poderá ser recusado com<br />

fundamento na não verificação, em relação à entidade para a qual se pretendem transmitir<br />

as acções, de algum dos requisitos dos quais os estatutos da sociedade de garantia mútua<br />

faça depender a possibilidade de subscrever ou, a outro título, adquirir acções na qualidade<br />

de accionista beneficiário.<br />

6 – Caso seja recusado o consentimento para a transmissão de acções, a sociedade de<br />

garantia mútua fica obrigada a, no prazo de 90 dias contado da data da recusa do<br />

consentimento, adquirir ou fazer adquirir por terceiro as acções.<br />

7 – Na situação prevista no número anterior, as acções serão adquiridas pelo valor nominal.<br />

8 – Aplica-se à constituição de penhor ou usufruto sobre acções representativas do capital<br />

social de sociedades de garantia mútua, com as devidas adaptações, o disposto nos<br />

números anteriores.<br />

Artigo 15.º<br />

Aquisição e alienação de acções próprias<br />

1 – Para além do caso previsto no n.º 6 do artigo 14.º, a sociedade de garantia mútua ficará<br />

ainda obrigada a adquirir aos accionistas beneficiários, sempre que estes lho solicitem, as<br />

acções de que estes sejam titulares e que, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º, não sejam<br />

intransmissíveis, aplicando-se o disposto no n.º 7 do artigo 14.º<br />

2 – A aquisição de acções próprias pelas sociedades de garantia mútua só se torna eficaz<br />

no termo do exercício social, ficando dependente da verificação das seguintes condições:<br />

Terem decorrido, pelo menos, três anos desde a data de aquisição das acções;<br />

A aquisição não implicar o incumprimento, ou o agravamento do incumprimento, de<br />

nenhumas relações ou limites prudenciais fixados na lei ou pelo Banco de Portugal.


102<br />

3 – Para efeito da aquisição de acções próprias acrescerá aos bens distribuíveis referidos<br />

no n.º 4 do artigo 317.º do Código das Sociedades Comerciais o montante do fundo técnico<br />

de provisão.<br />

4 – Não dispondo a sociedade de fundos que permitam satisfazer, ou satisfazer<br />

integralmente, um pedido de aquisição de acções próprias, este ficará pendente e, até à sua<br />

integral satisfação, a sociedade não poderá distribuir dividendos.<br />

5 – As acções próprias de que a sociedade de garantia mútua seja titular destinam-se a ser<br />

alienadas a accionistas beneficiários ou a accionistas promotores, ou a terceiros que<br />

pretendam adquirir qualquer daquelas qualidades e, no primeiro caso, preencham requisitos<br />

para tanto.<br />

6 – A venda será deliberada pelo órgão de administração e o preço será igual ao valor<br />

nominal das acções.<br />

Artigo 16.º<br />

Fusão e cisão<br />

1 – O Banco de Portugal só concederá autorização para a fusão ou cisão de sociedades de<br />

garantia mútua se da operação resultar, pelo menos, uma sociedade do mesmo tipo.<br />

2 – As sociedades de garantia mútua não podem proceder a alterações dos respectivos<br />

objectos sociais que impliquem uma mudança do tipo de instituição.<br />

Artigo 17.º<br />

Fundo de Contragarantia Mútuo<br />

CAPÍTULO III<br />

Contragarantia das sociedades de garantia mútua<br />

As sociedades de garantia mútua, com a finalidade de oferecer uma cobertura e garantia<br />

suficientes para os riscos contraídos nas suas operações e assegurar a solvência do<br />

sistema, devem proceder à contragarantia das suas operações, através do Fundo de<br />

Contragarantia Mútuo, pelo saldo vivo, em cada momento, das garantias prestadas e pelo<br />

limite máximo de contragarantia admitido por aquele fundo.<br />

Artigo 18.º<br />

Entidade gestora do Fundo de Contragarantia Mútuo<br />

1 – Compete à entidade gestora do Fundo de Contragarantia Mútuo promover e incentivar a<br />

criação de sociedades de garantia mútua, designadamente através da tomada de<br />

participações iniciais no capital destas, na qualidade de accionista promotor.<br />

2 – A entidade gestora do Fundo de Contragarantia Mútuo tem o direito de designar um<br />

representante seu no conselho de administração das sociedades de garantia mútua em que<br />

detenha uma participação correspondente a, pelo menos, 10% do capital social.


103<br />

CAPÍTULO IV<br />

Disposições transitórias<br />

Artigo 19.º<br />

Início de funcionamento do sistema de caucionamento mútuo<br />

São isentos de taxas e emolumentos, devidos a quaisquer entidades, designadamente ao<br />

Registo Nacional de Pessoas Colectivas, conservatórias do registo comercial e cartórios<br />

notariais, todos os actos que sejam necessários praticar em virtude de quaisquer cisões da<br />

SPGM – Sociedade de Investimento, S.A.<br />

Artigo 20.º<br />

Entrada em vigor<br />

O presente decreto-lei entra em vigor no 1.º dia do mês seguinte ao da sua publicação.<br />

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 17 de Junho de 1998 – António Manuel de<br />

Oliveira Guterres – António Luciano Pacheco de Sousa Franco 0 José Eduardo Vera Cruz<br />

Jardim – Joaquim Augusto Nunes de Pina Moura.<br />

Promulgado em 3 de Julho de 1998. Publique-se.<br />

O Presidente da República, JORGE SAMPAIO. Referendado em 9 de Julho de 1998.<br />

O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.

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