é uma espécie facilitadora em restinga arbustiva?
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O GUANANDI, CALOPHYLLUM BRASILIENSE (CLUSIACEAE),<br />
É UMA ESPÉCIE FACILITADORA EM RESTINGA ARBUSTIVA?<br />
Andrea Sendoda, Gabriela Paise, Sandro Muniz do Nascimento & Tiago Carrijo<br />
INTRODUÇÃO<br />
Historicamente s<strong>em</strong>pre foi dada mais importância às<br />
interações como competição e predação para se explicar<br />
a estrutura de comunidades (Begon et al. 2007). No entanto,<br />
na última d<strong>é</strong>cada, as interações positivas começaram<br />
a ganhar força para explicar certos padrões encontrados<br />
(Bruno et al. 2003). Dentre as interações positivas,<br />
a facilitação t<strong>em</strong> sido muito estudada e oferece<br />
explicações para os padrões na estruturação de comunidades<br />
biológicas (Dias et al. 2005). Facilitação <strong>é</strong> o processo<br />
pelo qual <strong>uma</strong> esp<strong>é</strong>cie pavimenta o caminho para<br />
outra ao longo do processo de sucessão ecológica. Isso<br />
significa que <strong>uma</strong> esp<strong>é</strong>cie não pode colonizar um habitat<br />
antes que as condições ambientais tenham sido alteradas<br />
pela esp<strong>é</strong>cie <strong>facilitadora</strong> (Crawley 1989).<br />
Vários estudos mostram evidências de facilitação <strong>em</strong><br />
ambientes estressantes e adversos (Shumway 2000;<br />
Franks 2003; Martinez 2003; Dias et al. 2005). As<br />
<strong>restinga</strong>s são locais <strong>em</strong> que as esp<strong>é</strong>cies ali estabelecidas<br />
estão sujeitas à maresia de água salgada do mar, aos<br />
ventos intensos e eventos esporádicos de alagamentos<br />
durante as ressacas, al<strong>é</strong>m de crescer<strong>em</strong> <strong>em</strong> um solo arenoso,<br />
pobre <strong>em</strong> nutrientes e muito permeável (Souza &<br />
Capellari Jr. 2004). Em áreas de <strong>restinga</strong> <strong>arbustiva</strong>, a<br />
esp<strong>é</strong>cie lenhosa Calophyllum brasiliense Cambess<br />
(Clusiaceae) <strong>é</strong> muito comum (Sampaio et al. 2005). Como<br />
outras esp<strong>é</strong>cies da família Clusiaceae já foram apontadas<br />
esp<strong>é</strong>cies <strong>facilitadora</strong>s (Dias et al. 2005),<br />
Calophyllum brasiliense deve ser um bom modelo para<br />
se estudar facilitação <strong>em</strong> ambiente de <strong>restinga</strong>.<br />
O objetivo deste trabalho foi testar a hipótese de que<br />
Calophyllum brasiliense pode atuar como esp<strong>é</strong>cie<br />
<strong>facilitadora</strong> <strong>em</strong> ambiente de <strong>restinga</strong>, atuando na<br />
estruturação da comunidade de plantas sob sua influência.<br />
Nossa previsão <strong>é</strong> de que a abundância e a riqueza<br />
de plantas sob C. brasiliense são maiores do que <strong>em</strong><br />
locais onde ela não ocorre.<br />
MATERIAL E MÉTODOS<br />
Área de estudo<br />
Realizamos o trabalho <strong>em</strong> <strong>uma</strong> área de <strong>restinga</strong><br />
<strong>arbustiva</strong> localizada na planície litorânea da Floresta<br />
Atlântica latu sensu, situada na Ilha do Cardoso, município<br />
de Canan<strong>é</strong>ia, litoral sul de São Paulo (25°03’S e<br />
47°53’W). Nesse ambiente, a complexidade da vegetação<br />
aumenta a partir da praia <strong>em</strong> direção ao interior da<br />
planície costeira. Nas regiões intermediárias da planície<br />
litorânea, local onde realizamos o estudo, a vegetação<br />
apresenta porte mais elevado, ocorrendo alguns arbustos<br />
e árvores esparsas que chegam a 8 m de altura.<br />
Nos locais onde ocorr<strong>em</strong> as árvores há acúmulo de mat<strong>é</strong>ria<br />
orgânica no solo e menor incidência de luz (Sampaio<br />
et al. 2005).<br />
Coleta de dados<br />
Amostramos nove indivíduos adultos de C. brasiliense.<br />
Para cada indivíduo, estabelec<strong>em</strong>os na direção oeste ao<br />
caule duas parcelas de 60 cm 2 , sendo <strong>uma</strong> disposta <strong>em</strong>baixo<br />
da copa (15 cm do tronco – ambiente “sob copa”) e<br />
outra a 1 m do limite externo da copa deste indivíduo<br />
(ambiente “aberto”). Dentro de cada parcela, contamos<br />
todos os indivíduos não-gramíneas e morfotipamos aqueles<br />
maiores do que 1 cm, classificando-os <strong>em</strong> dois grupos:<br />
plântulas rec<strong>é</strong>m germinadas (PRG), ou seja, indivíduos<br />
com menos de 1 cm de altura e plântulas maiores<br />
que 1 cm, indivíduos jovens e adultos (PJA).<br />
Análise dos dados<br />
Para testar a existência de facilitação, contamos o número<br />
de esp<strong>é</strong>cies e indivíduos presentes na parcela de<br />
ambiente aberto e sob a copa. Subtraímos o valor de<br />
riqueza e abundância encontrado na parcela <strong>em</strong> ambiente<br />
aberto da parcela sob a copa. Calculamos a m<strong>é</strong>dia<br />
dessa diferença obtida para cada <strong>uma</strong> das nove amostras<br />
de parcelas pareadas por planta. Reamostramos<br />
(n=1000) os valores coletados de cada indivíduos de forma<br />
pareada (parcela de ambiente aberto e sob copa)<br />
para saber a probabilidade da m<strong>é</strong>dia das diferenças<br />
obtida ocorrer ao acaso.<br />
Em cada parcela, estimamos a porcentag<strong>em</strong> de cobertura<br />
de dossel atrav<strong>é</strong>s de fotografias h<strong>em</strong>isf<strong>é</strong>ricas. Classificamos<br />
o conteúdo das fotos <strong>em</strong> duas categorias: dossel<br />
e não dossel e calculamos a porcentag<strong>em</strong> de pontos escuros<br />
(pixels) de cada categoria.<br />
RESULTADOS<br />
Amostramos 210 indivíduos (somando-se PRG e PJA), dos<br />
quais 136 se situavam sob a copa de C. brasiliense e 74 <strong>em</strong><br />
1
ambientes abertos. Em m<strong>é</strong>dia, o número de indivíduos<br />
encontrados sob a copa foi 1,8 vezes maior do que no ambiente<br />
aberto (p=0,02), cuja distribuição dos pontos se encontram<br />
na Fig. 1.<br />
30<br />
.O índice de Shannon foi maior <strong>em</strong> parcelas <strong>em</strong>baixo de<br />
C. brasiliense (H’=0,0065) do que nas parcelas fora da<br />
influência de sua copa (H’=0,002). Os intervalos de confiança<br />
dos índices de Shannon dos dois ambientes não<br />
se sobrepuseram, sendo maior para o ambiente sob copa<br />
do que no ambiente aberto. Adicionalmente, a cobertura<br />
de dossel foi, <strong>em</strong> m<strong>é</strong>dia, 2,8 vezes maior nas parcelas<br />
<strong>em</strong> ambientes abertos do que <strong>em</strong>baixo da copa de C.<br />
brasiliense (Fig. 3).<br />
ABUNDANCIA<br />
20<br />
10<br />
80<br />
70<br />
60<br />
0<br />
aberto sob copa<br />
AMBIENTE<br />
Figura 1. Densidade de indivíduos encontrados <strong>em</strong><br />
parcelas a 1m do limite da copa (fora da copa) e a 10 cm<br />
do tronco (<strong>em</strong>baixo da copa) de Calophyllum brasiliense.<br />
Em relação à riqueza, encontramos um total de 32 morfoesp<strong>é</strong>cies<br />
de plantas (apenas para PJA), sendo 29 nas<br />
parcelas <strong>em</strong>baixo da copa de C. brasiliense e cinco naquelas<br />
de ambientes abertos. Quando comparamos as<br />
m<strong>é</strong>dias, a riqueza sob C. brasiliense (6,3) foi três vezes<br />
maior que <strong>em</strong> ambientes abertos (2,1). Al<strong>é</strong>m disso, não<br />
há sobreposição das amplitudes da riqueza dos ambientes<br />
abertos e sob copa (Fig. 2).<br />
BLE<br />
50<br />
40<br />
30<br />
20<br />
10<br />
aberto sob copa<br />
AMBIENTE<br />
Figura 3. Porcentag<strong>em</strong> de abertura do dossel <strong>em</strong> ambientes<br />
a 1 m do limite da copa (aberto) e a 10 cm do<br />
tronco (sob copa) de indivíduos de Calophyllum<br />
brasiliense. Linha horizontal: mediana; caixa: quartis<br />
inferior e superior; barras verticais: amplitude dos valores.<br />
RIQUEZA<br />
12<br />
10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
Quando consideradas somente as plântulas rec<strong>é</strong>m germinadas<br />
(PRG), há mais indivíduos <strong>em</strong> ambientes abertos<br />
do que <strong>em</strong>baixo da copa de C. brasiliense (m<strong>é</strong>dia das<br />
diferenças de 7,4, p=0,01). Entretanto, houve muito mais<br />
plantas jovens e adultas (PJA) nas parcelas sob C.<br />
brasiliense (m<strong>é</strong>dia das diferenças de 6,9, p=0,03). Não<br />
houve diferença das m<strong>é</strong>dias quando consideradas todas<br />
as plantas (PRG + PJA) (p=0,55).<br />
DISCUSSÃO<br />
2<br />
0<br />
aberto sob copa<br />
AMBIENTE<br />
Figura 2. Riqueza de plantas acima de 1 cm, a 1 m do<br />
limite da copa (aberto) e a 10 cm do tronco (sob copa) de<br />
indivíduos Calophyllum brasiliense<br />
Este trabalho corroborou a hipótese de que C. brasiliense<br />
facilita o estabelecimento de plântulas sob sua copa.<br />
Um fator que poderia explicar a facilitação seria a<br />
cobertura de dossel. Observando a grande diferença<br />
dessa variável que encontramos sob a copa e fora da<br />
copa de C. brasiliense. Desta maneira, vimos que há<br />
indícios de mudança de microclima sob a copa de C.<br />
brasiliense, podendo este ser um fator que explica a<br />
facilitação do estabelecimento de novos indivíduos.<br />
Martinez (2003) tamb<strong>é</strong>m observou que mudanças<br />
2
microclimáticas, provocadas por <strong>uma</strong> planta de<br />
ambientes costeiros, pod<strong>em</strong> melhorar o habitat para o<br />
estabelecimento de plântulas.<br />
Uma vez testada a facilitação, seria interessante saber<br />
se ela ocorre durante todo o processo de desenvolvimento,<br />
<strong>em</strong> alg<strong>uma</strong>s fases ou apenas <strong>uma</strong> fase da ontogenia<br />
das esp<strong>é</strong>cies (Harper 1977) que ocorr<strong>em</strong> sob a copa de C.<br />
brasiliense. Analisando os resultados, v<strong>em</strong>os que a facilitação<br />
ocorre na fase de estabelecimento da plântula,<br />
pois ela aumenta a probabilidade de sobrevivência de<br />
cada indivíduo que consegue germinar ali. Pod<strong>em</strong>os inferir<br />
isso porque observamos um maior número de plantas<br />
jovens e adultas <strong>em</strong>baixo da copa de C. brasiliense.<br />
Este fato tamb<strong>é</strong>m foi descrito para Chamaecrista<br />
chamaecristoides Martinez (2003).<br />
Entretanto, o fato de haver mais plantas do grupo PRG<br />
(plântulas rec<strong>é</strong>m germinadas, que ainda depend<strong>em</strong> dos<br />
recursos armazenados na s<strong>em</strong>ente) no ambiente aberto,<br />
nos faz sugerir que a presença de C. brasiliense dificulta<br />
a fase de germinação das s<strong>em</strong>entes. Desse modo, a<br />
influência de C. brasiliense compensaria essa primeira<br />
barreira do desenvolvimento de <strong>uma</strong> planta (germinação),<br />
facilitando o estabelecimento e sobrevivência das<br />
poucas s<strong>em</strong>entes que conseguiram germinar. Assim, a<br />
facilitação <strong>é</strong> muito mais forte que o esperado inicialmente,<br />
já que mesmo com menos germinação existe <strong>uma</strong><br />
riqueza e abundância muito maior de plantas já<br />
estabelecidas (PJA) no ambiente sob a copa.<br />
Franks, S.J. 2003. Facilitation in multiple life-history<br />
stages: evidence for nucleated succession in coastal<br />
dunes. Plant Ecology 168: 1–11.<br />
Harper, J.L. 1977. Population Biology of Plants.<br />
Acad<strong>em</strong>ic Press, New York.<br />
Martinez, M.L. 2003. Facilitation of seedling<br />
establishment by an end<strong>em</strong>ic shrub in tropical<br />
coastal sand dunes. Plant Ecology 168: 333–345.<br />
Sampaio, D., Souza, V.C. Oliveira; A.A.; Paulo-Souza, J.<br />
& Rodrigues, R.R. 2005. Árvores da Restinga. Guia<br />
ilustrado para identificação das esp<strong>é</strong>cies da Ilha do<br />
Cardoso. Neotrópica LTDA, São Paulo.<br />
Shumway, S.W. 2000. Facilitative effects of a sand dune<br />
shrub on species growing beneath the shrub canopy.<br />
Oecologia 124:138-148.<br />
Souza, V.C. & Capellari Jr., L. 2004. A vegetação das<br />
dunas e <strong>restinga</strong>s da Estação Ecológica Jur<strong>é</strong>ia-Itatins,<br />
pp. 103-104. In: Estação Ecológica Jur<strong>é</strong>ia-Itatins.<br />
Ambiente Físico, Flora e Fauna (Marques, O.A.V. &<br />
Duleba, W., eds.). Holos Editora, Ribeirão Preto.<br />
Walter, H. 1986. Vegetação e zonas climáticas: tratado<br />
de ecologia global. E.P.U: Editora Pedagógica e Universitária<br />
LTDA.<br />
Orientação: Alexandre A. Oliveira<br />
Portanto, existe <strong>uma</strong> primeira fase com efeito<br />
negativo, <strong>em</strong> que as s<strong>em</strong>entes que chegam ali, poucas<br />
delas consegu<strong>em</strong> germinar. Existe <strong>uma</strong> segunda fase com<br />
efeito positivo (facilitação) no estabelecimento das<br />
plântulas provenientes das s<strong>em</strong>entes que conseguiram<br />
germinar. Assim, após superar primeira fase (negativa),<br />
as plântulas que estão ali têm muito mais possibilidade<br />
de chegar<strong>em</strong> à fase adulta.<br />
BIBLIOGRAFIA<br />
Begon, M.; Townsend, C.R., Harper, J.L. 2007. Ecologia:<br />
de indivíduos a ecossist<strong>em</strong>as. Artmed.<br />
Bruno, J.F.; Stachowicz, J.J. & Bertness, M.D. 2003.<br />
Inclusion of facilitation into ecological theory. Trends<br />
in Ecology and Evolution 18: 119-125.<br />
Crawley, M.J. 1989. The structure of Plant<br />
Communities, pp. 1-50. In: Plant Ecology (Crawley,<br />
M.J., ed.). Osney Mead, Oxford, London.<br />
Dias, A.T.C.; Zaluar, H.L.T.; Ganade, G. & Scarano, F.R.<br />
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of Tropical Ecology 21:343–347.<br />
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