O controle da natureza e as origens da dicotomia entre fato e valor
O controle da natureza e as origens da dicotomia entre fato e valor
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Pablo Rubén Maricon<strong>da</strong><br />
resultado científico a confirmação experimental <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de <strong>controle</strong> de eventos<br />
naturais. Essa possibili<strong>da</strong>de de <strong>controle</strong> gera, por <strong>as</strong>sim dizer, um problema técnico,<br />
na medi<strong>da</strong> em que envolve a produção de um mecanismo ou dispositivo material<br />
por meio do qual o <strong>controle</strong> pode efetivar-se. Em geral, a partir do século xix, quando<br />
se confirma experimentalmente (o que pode envolver a construção de protótipos) uma<br />
possibili<strong>da</strong>de de <strong>controle</strong>, ela é patentea<strong>da</strong>, de modo a <strong>as</strong>segurar o necessário sigilo de<br />
proteção industrial. Note-se, <strong>entre</strong>tanto, que todo esse processo ocorre porque há um<br />
<strong>valor</strong> de b<strong>as</strong>e, que direciona to<strong>da</strong> a pesquisa científica – o <strong>controle</strong> <strong>da</strong> <strong>natureza</strong> –, que é<br />
o <strong>valor</strong> maximizado pel<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> tecnocientífic<strong>as</strong> e em torno do qual se organiza a<br />
hierarquia dos <strong>valor</strong>es envolvidos na ativi<strong>da</strong>de científica.<br />
Um tal desenvolvimento <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des de intervenção na <strong>natureza</strong> esteve,<br />
desde o início, <strong>as</strong>sociado a uma imagem de ciência que promove sua união com a técnica.<br />
A ciência de Galileu – a ciência moderna, representa<strong>da</strong> pela física clássica – não<br />
separa mais episteme e techne, ciência e artes mecânic<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> é uma ciência útil, no sentido<br />
não apen<strong>as</strong> de ter conseqüênci<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong>, isto é, de incluir um tratamento matemático<br />
de muitos problem<strong>as</strong> físicos de caráter prático, m<strong>as</strong> também de poder ser controla<strong>da</strong>,<br />
testa<strong>da</strong> e avalia<strong>da</strong> do ponto de vista de sua ver<strong>da</strong>de ou falsi<strong>da</strong>de por ess<strong>as</strong><br />
conseqüênci<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong>. Ora, a essa nova concepção de ciência está liga<strong>da</strong> uma nova<br />
concepção <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de cientítica, para a qual há uma estreita relação <strong>entre</strong> o trabalho<br />
científico e o trabalho técnico. Grande parte <strong>da</strong>s transformações que se produziram<br />
na mentali<strong>da</strong>de científica, em particular, na física do século xvii, originou-se <strong>da</strong>s<br />
sempre nov<strong>as</strong> exigênci<strong>as</strong> e <strong>da</strong>s questões ca<strong>da</strong> vez mais precis<strong>as</strong> levanta<strong>da</strong>s pelos técnicos.<br />
O que os técnicos procuram é saber com exatidão como se comportam certos fenômenos<br />
particulares, de modo que possamos saber como agir quando nos confrontamos<br />
com esses fenômenos. É por isso que, para os técnicos, como para Galileu, <strong>as</strong> discussões<br />
dos físicos aristotélicos cerca <strong>da</strong> terminologia e <strong>da</strong>s caus<strong>as</strong> dos fenômenos naturais<br />
e <strong>as</strong> especulações dos filósofos <strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des acerca <strong>da</strong> essência última <strong>da</strong> Natureza<br />
parecerão desprovi<strong>da</strong>s de interesse e significação.<br />
Essa aliança <strong>entre</strong> ciência e técnica, que tem em Galileu um de seus primeiros<br />
defensores, conduziu obviamente a uma caracterização inteiramente nova <strong>da</strong>s própri<strong>as</strong><br />
pesquis<strong>as</strong> científic<strong>as</strong> e de seus objetivos, a um novo estilo de sistematização e exposição.<br />
Na nova concepção de ciência, serão deixa<strong>da</strong>s de lado <strong>as</strong> especulações desprovi<strong>da</strong>s<br />
de relação com a experiência, abrindo espaço àquel<strong>as</strong> considerações teóric<strong>as</strong> (1)<br />
que podem conduzir a formulações de leis naturais, ao estabelecimento de previsões, à<br />
estipulação de regr<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> visando a ação e (2) que podem ser controla<strong>da</strong>s pela experiência<br />
e pel<strong>as</strong> conseqüênci<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong>. 11 Isso significa que a ciência, ao enfrentar os<br />
problem<strong>as</strong> levantados pela técnica, não realiza apen<strong>as</strong> uma função prática, m<strong>as</strong> preenche<br />
também uma função teórica de justificação racional de cert<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> técnic<strong>as</strong>, de<br />
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scientiæ zudia, São Paulo, v. 4, n. 3, p. 453-72, 2006