Dissertação Félix - versão 26 de maio - Milton Campos
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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS<br />
FELIX MAGNO VON DOLLINGER<br />
A FORMAÇÃO DA PROVA NOS CRIMES DE LAVAGEM DE<br />
CAPITAIS COMETIDOS ATRAVÉS DE SOCIEDADES EMPRESÁRIAS<br />
Nova Lima<br />
2013
FELIX MAGNO VON DOLLINGER<br />
A FORMAÇÃO DA PROVA NOS CRIMES DE LAVAGEM DE<br />
CAPITAIS COMETIDOS ATRAVÉS DE SOCIEDADES EMPRESÁRIAS<br />
Dissertação apresentada ao Curso <strong>de</strong> Pós<br />
Graduação Stricto Sensu, da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito<br />
<strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>, como requisito parcial para<br />
obtenção do título <strong>de</strong> Mestre em Direito<br />
Empresarial.<br />
Orientardor: Professor Doutor Jason Soares <strong>de</strong><br />
Albergaria Neto.<br />
Nova Lima<br />
2013
2<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> – Mestrado em Direito Empresarial<br />
Dissertação intitulada “A Formação da Prova nos<br />
Crimes <strong>de</strong> Lavagem <strong>de</strong> Capitais Cometidos através<br />
<strong>de</strong> Socieda<strong>de</strong>s Empresárias” <strong>de</strong> autoria do<br />
mestrando FELIX MAGNO VON DOLLINGER, para<br />
exame da banca constituída pelos seguintes<br />
professores:<br />
______________________________________<br />
Prof. Doutor Jason Soares <strong>de</strong> Albergaria Neto<br />
Orientador<br />
______________________________________<br />
Prof. Doutor<br />
______________________________________<br />
Prof. Doutor<br />
Nova Lima, 28 <strong>de</strong> <strong>maio</strong> <strong>de</strong> 2013.<br />
Alameda da Serra , 61, Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900
3<br />
AGRADECIMENTOS<br />
A Deus, o Gran<strong>de</strong> Arquiteto do Universo pela saú<strong>de</strong>.<br />
A Família, pelo amor, carinho e compreensão.<br />
Ao Dr. Jason Neto que acreditou nesse projeto.<br />
Aos amigos Otaviano e Mônica pela ajuda e apoio inestimáveis.
4<br />
RESUMO<br />
O presente texto tem por objetivo o estudo da formação da prova nos crimes<br />
<strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais através <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s empresariais. As chamadas<br />
socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> risco inserem-se em um contexto <strong>de</strong> mundo globalizado, on<strong>de</strong> as<br />
novas formas <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> se adaptam continuamente à mo<strong>de</strong>rna tecnologia e<br />
aos avanços das formas <strong>de</strong> comunicação. Apesar da lavagem <strong>de</strong> capitais, como<br />
forma <strong>de</strong> mascaramento da origem ilícitas <strong>de</strong> bens e valores obtidos através <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s ilegais, ser antiga conhecida das autorida<strong>de</strong>s estatais, tornando-se<br />
popularizada na década <strong>de</strong> 1930 nos Estados Unidos da América pela ação <strong>de</strong><br />
mafiosos. Esta forma <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> econômica tem sido alvo <strong>de</strong> constante<br />
preocupação dos governos em nível mundial, sendo um dos mais atuais e<br />
problemáticos temas do Direito Penal contemporâneo. A lavagem <strong>de</strong> dinheiro possui<br />
o perfil <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito transnacional e po<strong>de</strong> estar associada a um número ilimitado <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>litos antece<strong>de</strong>ntes, praticados por organizações criminosas atuantes no tráfico <strong>de</strong><br />
drogas, corrupção <strong>de</strong> agentes públicos, frau<strong>de</strong>s bancárias, crimes contra o sistema<br />
financeiro, <strong>de</strong>ntre outros. Trata-se <strong>de</strong> questão crucial para o legislador e para os<br />
aplicadores do direto, uma vez que as exigências <strong>de</strong> combate eficaz às formas mais<br />
nocivas da criminalida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, que justificam a referida incriminação, <strong>de</strong>vem ser<br />
compatibilizadas com as garantias substanciais e processuais que informam a<br />
ativida<strong>de</strong> repressiva no Estado <strong>de</strong> Direito. O combate à lavagem <strong>de</strong> capitais<br />
ultrapassa a luta contra a criminalida<strong>de</strong> comum, pois aqui o bem jurídico tutelado é<br />
supraindividual. A or<strong>de</strong>m econômico-financeira é o principal bem tutelado nessa<br />
seara, protegendo-se reflexamente a Administração da Justiça. A formação da prova<br />
<strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito (criminalida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna) não só <strong>de</strong>ve observar a evolução do<br />
bem jurídico tutelado, diferente daquele protegido pelo direito penal clássico, mas<br />
também o respeito pelos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição<br />
da República. Apesar do alto grau <strong>de</strong> especialização que se <strong>de</strong>ve ter para obter<br />
provas da lavagem <strong>de</strong> capitais, o qual muitas vezes se dá <strong>de</strong> forma sofisticada e em<br />
fases distintas, os agentes estatais responsáveis pela produção e julgamento <strong>de</strong>stas<br />
<strong>de</strong>vem estar cônscios das limitações impostas por um processo penal <strong>de</strong> cunho<br />
garantista, como é o caso brasileiro, superando as dificulda<strong>de</strong>s advindas da<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> novos tipos penais com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteger a
5<br />
economia e o mercado financeiro, que constituem o objeto do chamado Direito Penal<br />
Econômico.<br />
Palavras-chave: Lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Socieda<strong>de</strong>s empresariais. Socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
risco. Mundo globalizado. Bem jurídico tutelado. Prova.
6<br />
ABSTRACT<br />
This text aims at the study of the formation of proof in capital laun<strong>de</strong>ring<br />
crimes through business society. The so-called venture societies are in a context of<br />
globalized world, where new forms of crime continually adapt to mo<strong>de</strong>rn technology<br />
and to the advances of forms of communication. Despite the capital laun<strong>de</strong>ring, as a<br />
way of masking of illicit origin of goods and values obtained through illegal activities,<br />
be old known state authorities, becoming popularized in the United States of America<br />
in 1930 by the action of mobsters. This form of economic crime has been the subject<br />
of constant concern of Governments in the world, being one of the most problematic<br />
and current themes of the contemporary criminal law. Money laun<strong>de</strong>ring has the<br />
profile of transnational crime and may be associated with an unlimited number of<br />
background, offenses committed by criminal organizations involved in drug<br />
trafficking, public corruption, bank fraud, crimes against the financial system, among<br />
others. This is crucial issue for the legislature and for the direct applicators, once the<br />
requirements of combat-effective to most harmful mo<strong>de</strong>rn crime, justifying the said<br />
incrimination, should be ma<strong>de</strong> compatible with the substantial and procedural<br />
guarantees that inform the repressive activity on the rule of law. Combating capital<br />
laun<strong>de</strong>ring goes beyond the fight against common crime, because here the well legal<br />
tutored is supraindividual. The economic and financial or<strong>de</strong>r is the main well tutored<br />
in this harvest, protecting yourself reflexively to the administration of Justice. The<br />
formation of such proof of offence (mo<strong>de</strong>rn crime) must not only observe the<br />
evolution of the legal and tutored, other than that protected by criminal law, but also<br />
respect for the rights and guarantees provi<strong>de</strong>d for in the Constitution of the Republic.<br />
Despite the high <strong>de</strong>gree of specialisation that must have to obtain evi<strong>de</strong>nce of capital<br />
laun<strong>de</strong>ring, which often is so sophisticated and in distinct phases, State agents<br />
responsible for production and trial of these must be conscious of the limitations<br />
imposed by a criminal prosecution of the author, as is the case of Brazil, overcoming<br />
the difficulties arising from the need of creating new criminal types in or<strong>de</strong>r to protect<br />
the economy and the financial market, which are the object of economic criminal law.<br />
Keywords: Money laun<strong>de</strong>ring. Business society. Venture society. Globalized world.<br />
Well legal tutored. Proof.
7<br />
SUMÁRIO<br />
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 09<br />
2 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA .................................................................... 13<br />
2.1 As Socieda<strong>de</strong>s Empresárias como meio para a Prática do Crime <strong>de</strong><br />
Lavagem <strong>de</strong> Capitais ........................................................................................ 13<br />
2.2 A Questão da Responsabilida<strong>de</strong> Penal das Pessoas Jurídicas ................... 16<br />
2.3 A Or<strong>de</strong>m Econômica como Bem Jurídico Tutelado pelo Direito Penal ....... 20<br />
2.4 O Bem Jurídico para o Direito Penal Econômico e sua Diferença em<br />
Relação ao Direito Penal Clássico .................................................................. 22<br />
2.5 A Supraindividualida<strong>de</strong> do Bem Jurídico no Direito Penal Econômico ....... 24<br />
2.6 A Chamada Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Risco e a Utilização do Direito Penal<br />
Econômico como Mecanismo <strong>de</strong> Proteção .................................................... <strong>26</strong><br />
2.7 A Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Criminalização <strong>de</strong> Certas Condutas Praticadas Contra<br />
a Or<strong>de</strong>m Econômica ......................................................................................... 29<br />
2.8 Os Princípios da Subsidiarieda<strong>de</strong> e Fragmentarieda<strong>de</strong> e a Limitação<br />
Material Imposta ao Direito Penal Pela Carta Magna ..................................... 31<br />
2.9 A Incriminação <strong>de</strong> Condutas Lesivas à Or<strong>de</strong>m Econômica através dos<br />
Chamados Crimes <strong>de</strong> Perigo Abstrato ........................................................... 35<br />
2.10 A Análise Econômica do Crime ......................................................................... 37<br />
2.11 A Criminalida<strong>de</strong> Econômica e o Mo<strong>de</strong>rno Direito Penal .................................. 42<br />
2.12 Do crime societário ............................................................................................. 45<br />
3 DO CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS ......................................................... 46<br />
3.1 Consi<strong>de</strong>rações iniciais ..................................................................................... 46<br />
3.2 Antece<strong>de</strong>ntes históricos da lavagem <strong>de</strong> capitais .......................................... 51<br />
3.3 Mecanismos internacionais <strong>de</strong> combate à lavagem <strong>de</strong> capitais .................. 55<br />
3.4 Mecanismos nacionais <strong>de</strong> combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro ......................... 58<br />
3.5 Conceito <strong>de</strong> “lavagem <strong>de</strong> capitais” e suas principais características ......... 60<br />
3.6 Fases da lavagem <strong>de</strong> capitais .......................................................................... 61<br />
3.7 Aspectos dogmáticos do crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais ............................... 63<br />
3.8 Contaminação e <strong>de</strong>scontaminação <strong>de</strong> ativos ................................................ 81<br />
3.9 Hipóteses <strong>de</strong> cometimento do crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais (mediante<br />
socieda<strong>de</strong>s empresárias) ................................................................................. 83<br />
4 DA FORMAÇÃO DA PROVA EM GERAL E SEU TRATAMENTO EM FACE<br />
DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ..................................................... 93<br />
4.1 Disposições Preliminares Acerca da Prova ................................................... 93<br />
4.1.1 Conceito e sentidos ............................................................................................ 93<br />
4.1.2 Estados <strong>de</strong> espírito na busca da verda<strong>de</strong> ........................................................... 94<br />
4.1.3 Finalida<strong>de</strong> e objeto da prova ............................................................................... 97<br />
4.1.4 Classificação das provas .................................................................................... 98<br />
4.1.5 Do ônus probatório ............................................................................................. 100<br />
4.1.6 Fatos que não precisam ser provados e a prova dos fatos negativos ................ 101<br />
4.1.7 Sistemas <strong>de</strong> apreciação da prova ....................................................................... 102
8<br />
4.2 A Questão Da Verda<strong>de</strong> Processual ................................................................. 104<br />
4.3 A Força Normativa da Constituição e as Leis Processuais Penais.............. 106<br />
4.4 O Papel do Estado em Face da Constitucionalização do Direito<br />
Processual Penal .............................................................................................. 112<br />
4.5 Características do Processo Penal De Matriz Constitucional ...................... 114<br />
4.5.1 Noções gerais ..................................................................................................... 114<br />
4.5.2 O Processo Penal garantista .............................................................................. 116<br />
4.6 A Instrumentalida<strong>de</strong> do Processo Penal ........................................................ 118<br />
4.7 O direito à prova legitimamente produzida .................................................... 121<br />
5 ASPECTOS PROCESSUAIS DA PRODUÇÃO NA PROVA NO CRIME DE<br />
LAVAGEM DE CAPITAIS .................................................................................. 1<strong>26</strong><br />
5.1 Disposições processuais especiais ................................................................ 1<strong>26</strong><br />
5.2 Do Procedimento aplicável e ação penal ........................................................ 1<strong>26</strong><br />
5.3 Autonomia do processo e competência para julgamento ............................ 127<br />
5.4 A <strong>de</strong>núncia no crime <strong>de</strong> lavagem .................................................................... 128<br />
5.4.1 A questão da acusação genérica nos crimes societários ................................... 128<br />
5.4.2 A acusação – Sua importância e correlação com a sentença ............................ 129<br />
5.4.3 Requisitos formais da acusação: As circunstancias do fato <strong>de</strong>lituoso ................ 130<br />
5.4.4 Requisitos substanciais da <strong>de</strong>núncia .................................................................. 131<br />
5.4.5 Indícios, presunções e acusação nos crimes societários ................................... 131<br />
5.4.6 Os requisitos da <strong>de</strong>núncia na persecução dos crimes <strong>de</strong> “lavagem” .................. 132<br />
5.4.7 A prova do <strong>de</strong>lito antece<strong>de</strong>nte e con<strong>de</strong>nação por crime <strong>de</strong> “lavagem” ............... 135<br />
5.5 Deferimento <strong>de</strong> medidas cautelares reais e os “indícios suficientes” ........ 135<br />
5.6 Métodos <strong>de</strong> investigação relacionados à lavagem <strong>de</strong> capitais .................... 138<br />
5.6.1 Delação premiada ............................................................................................... 140<br />
5.6.2 Ação controlada, escutas ambientais e infiltração <strong>de</strong> agentes ........................... 140<br />
5.6.3 Quebras <strong>de</strong> sigilo ................................................................................................ 141<br />
5.6.4 Comunicações ao COAF .................................................................................... 142<br />
5.6.5 Cadastro Nacional <strong>de</strong> Correntistas ..................................................................... 142<br />
5.6.6 INFOSEG e BACEN JUD ................................................................................... 143<br />
5.6.7 Cooperação internacional ................................................................................... 143<br />
5.7 Encontro fortuito <strong>de</strong> provas ............................................................................. 144<br />
6 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 146<br />
REFERÊNCIAS .................................................................................................. 148<br />
ANEXOS ............................................................................................................. 156
9<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
O estudo da mo<strong>de</strong>rna criminalida<strong>de</strong> econômica, em especial aquela cometida<br />
no seio das socieda<strong>de</strong>s empresárias, vem <strong>de</strong>monstrando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
reestruturação do Direito Penal e Processual Penal tradicionais, em face da<br />
insuficiência <strong>de</strong>stes para coibir e reprimir a<strong>de</strong>quadamente condutas ilícitas<br />
vinculadas à ativida<strong>de</strong> empresarial.<br />
Nessa linha, uma das preocupações prepon<strong>de</strong>rantes do Direito Penal<br />
econômico é a correta i<strong>de</strong>ntificação dos responsáveis direitos pela infração à or<strong>de</strong>m<br />
econômica, bem jurídico penalmente tutelado, bem como a dificulda<strong>de</strong> na formação<br />
da prova.<br />
Os mecanismos <strong>de</strong> prova voltados para a criminalida<strong>de</strong> tradicional (furto,<br />
roubo, homicídio, por exemplo) não são suficientes para a formação a<strong>de</strong>quada da<br />
prova <strong>de</strong> crimes ocorridos no interior <strong>de</strong> entes coletivos muitas vezes complexos,<br />
sob pena <strong>de</strong> se promover a responsabilização penal objetiva <strong>de</strong> sócios e<br />
empregados do ente coletivo 1 .<br />
O capitulo dois trás em seu bojo os prece<strong>de</strong>ntes históricos das socieda<strong>de</strong>s<br />
empresárias, principalmente no que tange a sua organização para a produção <strong>de</strong><br />
riqueza. Dessa forma, são apresentados conceitos fundamentais para a<br />
compreenção tanto do tema proposto quanto do crime sociétario em si e suas<br />
principais vertentes.<br />
As socieda<strong>de</strong>s empresárias são analisadas sob o aspecto <strong>de</strong> sua utilização<br />
criminosa, ou seja, como veiculo para o crime <strong>de</strong> “lavagem” <strong>de</strong> dinheiro, implicando<br />
na abordagem do tema da responsabilida<strong>de</strong> penal das pessoas jurídicas.<br />
A or<strong>de</strong>m econômica é um bem juridicamente tutelado, assim como a vida e a<br />
proprieda<strong>de</strong>, mas dotado aquela <strong>de</strong> caráter supraindividual. Essa afirmação<br />
legitimou o nascimento necessário do direito penal econômico, sendo este uma<br />
1 De acordo com SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilida<strong>de</strong> penal da pessoa jurídica. 1. ed. 2.<br />
tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 97: É sabido que as gran<strong>de</strong>s empresas <strong>de</strong> hoje são<br />
mais do que pessoas especialmente po<strong>de</strong>rosas no terreno econômico. São complexas corporações<br />
com organismos sociais e técnicos diversos das somas <strong>de</strong> homens e recursos que contribuam para a<br />
consecução <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s. O po<strong>de</strong>rio <strong>de</strong> muitas <strong>de</strong>las faz com que se dividam em setores<br />
diversos, com mecanismos administrativos próprios. Poucos são os funcionários que têm i<strong>de</strong>ia do<br />
todo. Mesmo alguns diretores só conhecem sua esfera <strong>de</strong> atuação, não tendo capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discenir<br />
acerca do funcionamento global da empresa. Não raro se vê, quando a realida<strong>de</strong> está a exigir<br />
providências urgentes, a utilização <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> auditoria, controladas fora do âmbito da empresa,<br />
para o diagnóstico dos caminhos a serem trilhados em face <strong>de</strong> uma adaptação a uma realida<strong>de</strong> social<br />
mais can<strong>de</strong>nte.
10<br />
vertente do direito penal clássico, voltado inicialmente para a criminalida<strong>de</strong><br />
individual. O atual contexto mundial, com seus avanços <strong>de</strong> comunicação e<br />
tecnológicos reforçou a o crescimento da chamada socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco, a qual rompe<br />
com praticas sociais tradicionais, como foge do controle e da proteção das proprias<br />
instituições criadas pela socieda<strong>de</strong> industrial para sua segurança. Surge aí a <strong>de</strong><br />
criminalização das condutas lesivas contra a or<strong>de</strong>m econômica (preocupação em<br />
larga escala ou criminalização em massa), uma vez que nem sempre a<br />
compensação finaceira da vitima ou a mera responsabilização civil são capazes <strong>de</strong><br />
impedir a repetição do ato lesivo.<br />
Todavia, mesmo nas condutas que lesam a or<strong>de</strong>m econômica não se po<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> observar os limites <strong>de</strong> incriminação impostos pela or<strong>de</strong>m constitucional,<br />
com obediência, <strong>de</strong>ntre outros, aos princípios da subsidiarieda<strong>de</strong> e da<br />
fragmentarieda<strong>de</strong>, uma vez que o primeira <strong>de</strong>termina que o Direito Penal atuará<br />
somente quando os <strong>de</strong>mais ramos do or<strong>de</strong>namento jurídico forem insuficientes para<br />
a proteção do bem jurídico tutelado e o segundo significa que entre a multiplicida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> fatos ilícitos possíveis, somente os mais graves são alcançados pelas malhas do<br />
or<strong>de</strong>namento penal.<br />
O capitulo três trata especificamente do crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais,<br />
abordando-se as bases teóricas do tema e os mecanimos <strong>de</strong> combate, nacionais e<br />
internacionais, bem como as tipologias do <strong>de</strong>lito, ou seja, as recorrentes formas<br />
estudadas pela doutrina, como meio <strong>de</strong> cometimento da lavagem <strong>de</strong> capitais,<br />
restringindo a análise às formas relacionadas ao uso ilegal <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s<br />
empresárias.<br />
O próprio conceito <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais é complexo, necessitando-se o<br />
estudo <strong>de</strong> suas diversas fases, uma vez que a conduta criminosa, assim como a<br />
metodologia empregada foi se sofisticando ao longo do tempo. Além disso, a<br />
“lavagem” é acessório em relação aos <strong>de</strong>litos antece<strong>de</strong>ntes, apesar <strong>de</strong> seu processo<br />
e julgamento ser in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />
O capitulo quatro trata especificamente da formação da prova e o seu<br />
tratamento no Estado Democratico <strong>de</strong> Direito. Preeliminarmente tem-se a<br />
abordagem das disposições gerais da prova, esclarecendo-se o assunto para uma<br />
posterior apresentação do amplo conceito <strong>de</strong> prova. Falar em verda<strong>de</strong> é falar em<br />
certeza, conceito este dotado <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong>, uma vez que a certeza é um estado<br />
subjetivo da alma, que po<strong>de</strong> não correspon<strong>de</strong>r à verda<strong>de</strong> objetiva. Portanto, é
11<br />
importante ressaltar a finalida<strong>de</strong> e o objeto da prova, assim como a sua<br />
classificação, já que no atual sistema jurídico brasileiro não existe a chamada<br />
hierarquia <strong>de</strong> provas, com possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inversão do ônus probatório em alguns<br />
casos.<br />
Ainda no tocante a verda<strong>de</strong> tem-se a questão da verda<strong>de</strong> processual, que<br />
contrariamente a verda<strong>de</strong> real limita-se a <strong>de</strong>screver uma “verda<strong>de</strong>” estabelecida por<br />
critérios que caracterizam uma fidúcia apenas judicial, ou seja, a verda<strong>de</strong> processual<br />
é aquela construída pelo e no processo, a partir das provas abarcadas por ele.<br />
O princípio da supremacia da Constituição e dos seus efeitos sobre todo o<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico, o processo penal passou a buscar a solidificação dos<br />
alicerces políticos e institucionais do Estado Democrático <strong>de</strong> Direito em seu bojo, <strong>de</strong><br />
modo a preservar a liberda<strong>de</strong> jurídica dos acusados e ao mesmo tempo garantir a<br />
proteção da socieda<strong>de</strong> contra atos lesivos aos bens jurídicos penalmente tutelados.<br />
Os princípios garantistas costitucionais são informadores do processo penal e<br />
nasceram da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consolidação do Estado Democrático <strong>de</strong> Direito,<br />
passando a ser um elemento <strong>de</strong> legitimação do próprio Estado frente à liberda<strong>de</strong><br />
individual. O processo penal ficou mais humano com os princípios garantistas, pois<br />
eles interferem diretamente na obtenção <strong>de</strong> provas. O impacto <strong>de</strong>ssas mudanças é<br />
sentindo quando a ilicitu<strong>de</strong> na produção <strong>de</strong> alguma prova acarreta a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
todo processo, se não tanto, <strong>de</strong> alguns atos processuais relevantes a uma das<br />
partes.<br />
Entrando na seara processual propriamente dita, o capitulo cinco <strong>de</strong>screve os<br />
aspectos processuais na produção da prova no crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais. No<br />
entanto, a pretensão não é avaliar todos os aspectos processuais relativos à<br />
persecução penal da lavagem <strong>de</strong> capitais, mas apenas os concernentes à<br />
concepção da prova especificamente.<br />
O fato da ação penal do crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais ser pública e<br />
incondicionada, não obstrui o caráter acessório <strong>de</strong>sse crime, pois o referido crime<br />
pressupõe a existência <strong>de</strong> uma infração penal anterior. Contudo, o crime <strong>de</strong> lavagem<br />
possui a <strong>de</strong>nominada autonomia processual.<br />
No tocante a <strong>de</strong>núncia, sabemos que o Brasil adota como sistema processual<br />
o <strong>de</strong>nominado acusatório. O juízo precisa ser provocado e a relação jurídica<br />
processual só se instaura mediante o recebimento da peça acusatória, que mesmo
12<br />
possuindo natureza jurídica diversa da sentença, assim como esta, <strong>de</strong>ve estar<br />
<strong>de</strong>vidamente motivada.<br />
As circunstancias do fato <strong>de</strong>lituoso é um dos requisitos formais da acusação,<br />
pois é através <strong>de</strong>la que se imputa a alguém o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> ato criminoso. Não<br />
havendo a <strong>de</strong>scrição fática dos <strong>de</strong>litos o pedido per<strong>de</strong> sua essência, uma vez que o<br />
fato e suas circunstancias são a razão do pedido acusatório.<br />
Outro ponto importante é o relativo aos requisitos substanciais da <strong>de</strong>núncia.<br />
Não se excluem os requisitos formais, todavia, o processo penal não po<strong>de</strong> ser<br />
iniciado sem um embasamento probatório. Não havendo provas sobre a<br />
materialida<strong>de</strong> e a autoria, assinala-se uma ausência <strong>de</strong> justa causa para a<br />
instauração do processo.<br />
No tocante aos métodos <strong>de</strong> investigação relacionados à lavagem <strong>de</strong> capitais,<br />
a busca se dá a partir, basicamente, da ocorrência <strong>de</strong> um crime antece<strong>de</strong>nte ou<br />
advém do conhecimento <strong>de</strong> uma operação consi<strong>de</strong>rada suspeita. Com a<br />
especialização das técnicas e meios empregados pelos criminosos, os métodos <strong>de</strong><br />
investigação tem sido, muitas vezes invasivos na esfera da intimida<strong>de</strong>, como é o<br />
caso das interceptações telefônicas e quebra <strong>de</strong> sigilo bancário e fiscal, mas têm se<br />
tornados cada vez mais frequentes e necessários ante a impossibilida<strong>de</strong> da<br />
<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> provas por meio <strong>de</strong> outras fontes.
13<br />
2 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA<br />
2.1 As Socieda<strong>de</strong>s Empresárias como meio para a Prática do Crime <strong>de</strong><br />
Lavagem <strong>de</strong> Capitais<br />
As socieda<strong>de</strong>s empresárias, como veículos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> riqueza, surgiram<br />
como mecanismos <strong>de</strong> intermediação entre seus criadores e o mercado, visando a<br />
uma melhor organização dos fatores <strong>de</strong> produção, capital e trabalho, além é claro,<br />
da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se atenuar a responsabilida<strong>de</strong> patrimonial daqueles envolvidos<br />
na empreitada econômica e da própria natureza sociável do ser humano. Neste<br />
ponto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início das civilizações, percebeu que suas chances <strong>de</strong> sobrevivência<br />
seriam <strong>maio</strong>res se trabalhasse em conjunto com seus semelhantes 2 .<br />
Durante a Ida<strong>de</strong> Média surgiram as primeiras socieda<strong>de</strong>s com fins<br />
econômicos (a palavra companhia, vem do latim cum panis, repartindo o mesmo<br />
pão), com o pai auxiliado pelos filhos, na exploração <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong>.<br />
Gonçalves Neto assim relata:<br />
Falecendo o pai, a atuação comum prosseguia com seus her<strong>de</strong>iros, só mais<br />
tar<strong>de</strong> sendo admitidos estranhos ao grupo familiar, quando adveio a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formalizar o ajuste por contrato. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> atuação em<br />
comum levava à solidarieda<strong>de</strong> dos sócios pelo cumprimento dos negócios<br />
que eram celebrados por terceiros. A solidarieda<strong>de</strong> entre os sócios, por<br />
isso, era a regra.<br />
(...)<br />
a criação <strong>de</strong> um sinal i<strong>de</strong>ntificador ou distintivo da socieda<strong>de</strong> (signum<br />
societatis), <strong>de</strong> que se originou a firma social, formada pelo nome civil <strong>de</strong> um<br />
ou mais sócios, com o objetivo <strong>de</strong> separar os negócios celebrados em<br />
comum daqueles que cada qual realizasse individualmente, etc. Daí a<br />
expressão em nome coletivo, a <strong>de</strong>signar a atuação coletiva, em socieda<strong>de</strong>,<br />
que veio a i<strong>de</strong>ntificar uma das espécies <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> comercial- a<br />
socieda<strong>de</strong> solidária, geral ou livre [...] 3<br />
Posteriormente surgiram novos tipos societários com divisão <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>s. Através do empréstimo marítimo, nasceu a commenda, em que o<br />
comerciante (sócio comanditário) financiava um comandante <strong>de</strong> navio (sócio<br />
2 GUSMÃO, Mônica. Lições <strong>de</strong> direito empresarial. 7. ed. São Paulo: Lumen Juris, 2008. p. 49.<br />
3 GONÇALVES NETO, Alfredo <strong>de</strong> Assis. Direito <strong>de</strong> empresa. 2. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 111.
14<br />
comanditado), sendo que o primeiro tinha responsabilida<strong>de</strong> apenas sobre o capital<br />
emprestado 4 . Esse tipo <strong>de</strong> responsabilização logicamente tinha sua razão <strong>de</strong> ser nos<br />
riscos que o empreendimento trazia e esperteza dos comerciantes da época, pois os<br />
níveis <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong> uma viagem marítima naquela época eram precários. Caso o<br />
capitão morresse no naufrágio, leva para o fundo do mar a <strong>maio</strong>r parte das dívidas<br />
sociais. Se sobrevivesse, voltaria cheio <strong>de</strong> raras mercadorias (especiarias),<br />
enriquecendo junto com o comanditário.<br />
Ao lado <strong>de</strong> sua função normal <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> voltada para<br />
“promover a produção/circulação <strong>de</strong> bens e serviços, satisfazer as necessida<strong>de</strong>s<br />
sociais e criar riquezas” 5 , verifica-se que as socieda<strong>de</strong>s empresárias já há algum<br />
tempo vem sendo utilizadas para o cometimento <strong>de</strong> crimes, em virtu<strong>de</strong> da blindagem<br />
que a personalida<strong>de</strong> jurídica da socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> vir a oferecer aos agentes <strong>de</strong>litivos.<br />
Já nos anos <strong>de</strong> 1809, discutia a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da personalida<strong>de</strong> jurídica no<br />
processo judicial Bank of the United States vs. Deveaux, “em que as Cortes norteamericanas<br />
já admitiam a responsabilida<strong>de</strong> pessoal dos sócios, a fim <strong>de</strong> evitar<br />
manobras fraudulentas” 6<br />
De acordo com Silva:<br />
[...] <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rou o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a personalida<strong>de</strong> jurídica da socieda<strong>de</strong><br />
para afirmar sua competência em face do tribunal estadual que seria<br />
competente para o processo caso se admitisse o domicílio da pessoa<br />
jurídica como fator <strong>de</strong>terminante para o estabelecimento da competência do<br />
órgão judiciário. 7<br />
O caso mais conhecido é o processo judicial Salomon X Salomon Co.,<br />
ocorrido em 1897, na Inglaterra, também relativo à <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da<br />
personalida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> empresária.<br />
Para Gusmão:<br />
4 JOÃO, Juliana. Evolução histórica das socieda<strong>de</strong>s empresárias. In: BERALDO, Leonardo <strong>de</strong> Faria<br />
(Organizador e Colaborador). Direito societário na atualizada: aspectos polêmicos. Belo Horizonte:<br />
Del Rey, 2005. p.19.<br />
5 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa. São Paulo: Atlas, 2004. p. 11.<br />
6 GUSMÃO, Mônica. Lições <strong>de</strong> direito empresarial. 7. ed. São Paulo: Lumen Juris, 2008. p. 95.<br />
7 SILVA, Bruno Mattos e. Direito <strong>de</strong> empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas,<br />
2007. p. 223.
15<br />
Aaron Salomon criou uma companhia que <strong>de</strong>tinha 20.000 ações. Os <strong>de</strong>mais<br />
sócios, todos da família, <strong>de</strong>tinham uma ação. O acionista majoritário Aaron<br />
Salomon também exercia ativida<strong>de</strong> mercantil como comerciante individual.<br />
A integralização das ações na companhia criada, <strong>de</strong>u-se com bens <strong>de</strong> seu<br />
estabelecimento comercial. Em razão do inadimplemento do comerciante<br />
individual Aaron Salomon, vislumbrou-se a hipótese <strong>de</strong> que o esvaziamento<br />
do patrimônio do <strong>de</strong>vedor se tenha dado por ser utilizado na integralização<br />
das ações da companhia constituídos por seus familiares. A frau<strong>de</strong> foi<br />
reconhecida no primeiro grau, que <strong>de</strong>terminou o alcance dos bens<br />
particulares do sócio Aaron Salomon, mas negada pela House of Lords, que<br />
reformou o julgado por enten<strong>de</strong>r não configurada a frau<strong>de</strong> e por admitir que<br />
o patrimônio da companhia não se confun<strong>de</strong> com os dos sócios. 8<br />
Ao longo século XX, após o surgimento <strong>de</strong> novas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>lituosas<br />
(Sutherland, na década <strong>de</strong> 1930 já estudava o <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> colarinho branco),<br />
começaram as análises da repercussão <strong>de</strong> condutas comerciais fraudulentas no<br />
âmbito penal, ganhando no atual estágio <strong>de</strong> estudos, uma autonomia, <strong>de</strong>nominada<br />
criminalida<strong>de</strong> econômica, criminalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresa, culminando com a criação <strong>de</strong><br />
um novo ramo do Direito: o Direito Penal econômico, o qual passa a ter importância,<br />
também, em contexto <strong>de</strong> interesse transnacional 9 .<br />
Este novo ramo, voltado para a proteção <strong>de</strong> bens jurídicos supraindividuais 10 ,<br />
possui princípios e técnicas próprios, uma vez que o Direito Penal clássico,<br />
acostumado com bens jurídicos individuais (vida, patrimônio, liberda<strong>de</strong>, etc...) não<br />
estaria suficientemente preparado para essa nova forma <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>: a<br />
econômica.<br />
Salienta-se, contudo, que apesar <strong>de</strong> ser uma tema conexo, o escopo <strong>de</strong>ste<br />
trabalho não é o discorrer sobre a responsabilida<strong>de</strong> penal das pessoas jurídicas,<br />
mas acerca da formação da prova do chamado crime societário, como aquele<br />
“praticado por indivíduo, isolada ou coletivamente, agindo em nome da pessoa<br />
jurídica, como seu mandatário ou representante”. 11<br />
O crime societário, para o sua a<strong>de</strong>quada compreensão, necessita da<br />
discussão <strong>de</strong> outros conceitos <strong>de</strong> suma relevância como a questão da chamada<br />
8 GUSMÃO, Mônica. Lições <strong>de</strong> direito empresarial. 7. ed. São Paulo: Lumen Juris, 2008. p. 95.<br />
9 AMBOS, Kai. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e direito penal. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2007. p. 15.<br />
10 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico: or<strong>de</strong>m econômica, relações <strong>de</strong> consumo, sistema<br />
financeiro, or<strong>de</strong>m tributária, sistema previ<strong>de</strong>nciário, lavagem <strong>de</strong> capitais, crime organizado. 3 ed. ver.,<br />
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 36.<br />
11 PRATES, Renato Martins. Acusação genérica em crimes societários. Belo Horizonte: Del Rey,<br />
2000. p. 14.
16<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco, criminalida<strong>de</strong> organizada, distinção entre criminalida<strong>de</strong> na<br />
empresa, criminalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresa e empresa ilícita, <strong>de</strong>ntre outros.<br />
Baigún 12 já alerta que os estudos realizados nas últimas décadas em torno da<br />
<strong>de</strong>linquência organizada possuem vinculação com o fenômeno da globalização ou<br />
mundialização.<br />
As inúmeras e céleres transformações realizadas pela economia globalizada<br />
e pelos avanços dos meios <strong>de</strong> comunicação, tem afetado a forma como Direito<br />
Penal (agora sob a divisa do Direito Penal econômico) vem lidando a necessária<br />
<strong>de</strong>fesa da or<strong>de</strong>m econômica (bem jurídico tutelado pelo Direito Penal econômico),<br />
muitas vezes se valendo dos chamados crimes <strong>de</strong> perigo abstrato (<strong>de</strong> duvidosa<br />
constitucionalida<strong>de</strong>) e a preservação dos postulados constitucionais <strong>de</strong><br />
culpabilida<strong>de</strong>, ampla <strong>de</strong>fesa, <strong>de</strong>vido processo legal, presunção <strong>de</strong> inocência.<br />
Nessa esteira, torna-se esclarecedor o exemplo das chamadas <strong>de</strong>núncias<br />
genéricas, em que o Ministério Público, por dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> penetração na estrutura<br />
das socieda<strong>de</strong>s em que ocorrera o crime societário, oferece <strong>de</strong>núncia contra os<br />
componentes do quadro social, sem <strong>de</strong>scrição pormenorizada da conduta individual<br />
dos agentes, colocando-se em risco os princípios constitucionais citados<br />
anteriormente.<br />
Feitas essas consi<strong>de</strong>rações, são necessários alguns comentários prévios<br />
sobre o Direito Penal econômico, seu conteúdo, função, características e o bem<br />
jurídico tutelado, para se permitir a exata compreensão do <strong>de</strong>lito societário e<br />
contexto no qual ele está imerso, e a responsabilização das pessoas jurídicas como<br />
se verá na sequência.<br />
2.2 A Questão da Responsabilida<strong>de</strong> Penal das Pessoas Jurídicas<br />
A discussão sobre a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação e consequente responsabilida<strong>de</strong><br />
penal das pessoas jurídicas passa necessariamente pela i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> culpabilida<strong>de</strong>, a<br />
qual é um pressuposto da responsabilização penal. O princípio da culpabilida<strong>de</strong> (não<br />
há crime sem culpabilida<strong>de</strong>) obriga à subjetivida<strong>de</strong> da responsabilização penal. De<br />
12 BAIGÚN, David. La responsabilidad penal <strong>de</strong> las personas jurídicas: ensayo <strong>de</strong> um nuevo mo<strong>de</strong>lo<br />
teórico. Buenos Aires: Depalma, 2000. p. 04.
17<br />
fato a culpabilida<strong>de</strong> é vista atualmente (em face da teoria finalista da ação) como o<br />
juízo <strong>de</strong> reprovação social sobre uma conduta típica e ilícita, cumprindo no direito<br />
pátrio as seguintes funções: fundamento da pena, fator <strong>de</strong> graduação da pena e<br />
limita da pena.<br />
Gomes 13 , referindo-se à culpabilida<strong>de</strong> afirma:<br />
a) “é fundamento da pena (porque esta, no sistema brasileiro, tem [também]<br />
finalida<strong>de</strong> retributiva (CP, art. 59, in fine); b) é fator <strong>de</strong> graduação da pena<br />
(CP, art. 59: “o juiz levará em conta, para a fixação da pena, a culpabilida<strong>de</strong>,<br />
antece<strong>de</strong>ntes etc.) e c) é o seu limite máximo (CP, art. 29: cada um <strong>de</strong>ve<br />
ser punido nos limites <strong>de</strong> sua culpabilida<strong>de</strong>).<br />
Shecaria 14 presecreve a presença <strong>de</strong> requisitos para a responsabilização da<br />
pessoa jurídica. Inicialmente, o crime <strong>de</strong>ve ser útil ao ente coletivo, ou seja,<br />
cometido em proveito da socieda<strong>de</strong> e não em proveito do agente. Além disso, o<br />
<strong>de</strong>lito praticado <strong>de</strong>ve ser cometido <strong>de</strong>ntro da esfera da ativida<strong>de</strong> empresarial,<br />
excluindo-se <strong>de</strong>litos, como por exemplo, estupro, bigamia. Por último, o crime <strong>de</strong>ve<br />
ser cometido por alguém ligado diretamente à pessoa jurídica 15 e com o auxílio da<br />
infra estrutura <strong>de</strong>sta.<br />
A doutrina brasileira em geral adota o postulado <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> não po<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>linquir (societas <strong>de</strong>linquere non potest), uma vez que nosso direito penal fulcrado<br />
no princípio da culpabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo que só a pessoa física po<strong>de</strong> ser punida<br />
criminalmente.<br />
A única exceção a esse posicionamento estaria nos artigos 173, §5º e 225, §<br />
3º, ambos da Constituição da República <strong>de</strong> 1988:<br />
§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilida<strong>de</strong> individual dos dirigentes da<br />
pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta, sujeitando-a às<br />
13 GOMES, Luis Flávio. Erro <strong>de</strong> tipo e erro <strong>de</strong> proibição: erro <strong>de</strong> tipo e suas modalida<strong>de</strong>s: Erro <strong>de</strong><br />
proibição e suas modalida<strong>de</strong>s: Erro <strong>de</strong> tipo permissivo (CP, art. 20, §1º): Evolução da teoria causalnaturalistapara<br />
a teoria finalista da ação: Teorias sobre a culpabilida<strong>de</strong>: Conceito complexo <strong>de</strong><br />
culpabilida<strong>de</strong>. 5. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 41.<br />
14 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilida<strong>de</strong> penal da pessoa jurídica. 1. ed. 2. tir. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 1998. p. 99-100.<br />
15<br />
BACIGALUPO, Silvina. La responsabilida<strong>de</strong> penal <strong>de</strong> las personas jurídicas. Barcelona: Bosch,<br />
Casa Editorial, SA, 1998. p. 129, afirma: “La acción <strong>de</strong> las personas jurídicas se <strong>de</strong>be llevar a cabo<br />
por personas físicas, quienes <strong>de</strong>ben actuar em calidad <strong>de</strong> “órgano” o <strong>de</strong> “representante legal”, pero la<br />
imputación <strong>de</strong> la acción se <strong>de</strong>be hacer a la persona jurídica.”
18<br />
punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a<br />
or<strong>de</strong>m econômica e financeira e contra a economia popular.<br />
§ 3º - As condutas e ativida<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>radas lesivas ao meio ambiente<br />
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e<br />
administrativas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da obrigação <strong>de</strong> reparar os danos<br />
causados.<br />
Os que acreditam na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prática <strong>de</strong> crime pelo ente moral<br />
afirmam que o Direito Penal tradicional é incapaz <strong>de</strong> combater ativida<strong>de</strong>s ilícitas<br />
perpetradas por empresas, as quais seriam na verda<strong>de</strong> capazes <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, uma<br />
vez que sua existência <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong> social que a legitima. Além disso, as<br />
punições <strong>de</strong> cunho administrativo são seriam suficientes para reprimir <strong>de</strong> forma<br />
qualificada eventuais ações criminosas praticadas através <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s<br />
empresárias.<br />
Argumentando a favor da responsabilida<strong>de</strong> penal das pessoas jurídicas,<br />
Shecaria 16 rebate as principais críticas a esse tipo <strong>de</strong> imputação, quais sejam:<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> responsabilização sem culpa (a culpabilida<strong>de</strong> entendida como<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o caráter ilícito do fato e <strong>de</strong> comportar-se diante <strong>de</strong> tal<br />
situação); leão ao princípio da personalida<strong>de</strong> da pena, que po<strong>de</strong>ria atingir os sócios<br />
inocentes; ausência da pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>; ausência <strong>de</strong> arrependimento da<br />
pessoa jurídica no caso <strong>de</strong> cometimento <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito. Começando pelo princípio da<br />
personalida<strong>de</strong> da pena, Shecaria afirma que as penas existentes no código penal<br />
também afetam terceiros, como é o caso do chefe <strong>de</strong> família cuja prisão ou<br />
aplicação da pena <strong>de</strong> multa po<strong>de</strong>rá afetar seus <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Além disso, a<br />
aplicação <strong>de</strong> sanções puramente administrativa (<strong>de</strong>fendida por aqueles que rejeitam<br />
a punição criminal ao ente coletivo) também afetaria o patrimônio dos sócios<br />
inocentes.<br />
Quanto à pena <strong>de</strong> prisão, essa não é a regra geral do atual mo<strong>de</strong>lo penal,<br />
mas exceção aos casos mais graves (ultima ratio). A pena criminal não tem objetivos<br />
morais, sendo aplicada no interesse social, não requerendo como resultado nenhum<br />
arrependimento.<br />
Por fim, Shecaria sustenta que a culpa, apesar <strong>de</strong> uma base filosófica<br />
justificativa para aplicação <strong>de</strong> pena, não é algo que seja <strong>de</strong>monstrado<br />
16 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilida<strong>de</strong> penal da pessoa jurídica. 1. ed. 2. tir. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 1998. p. 88-96.
19<br />
cientificamente, por ser consequência do livre arbítrio. A reprovação em âmbito civil<br />
ou administrativo também é imposta ao ente coletivo, <strong>de</strong> modo que não haveria<br />
justificativa para não ser aplicar o direito penal à pessoa jurídica.<br />
Contrapondo-se ao pensamento acima exposto, Dotti 17 enten<strong>de</strong> que a<br />
pretensão <strong>de</strong> se imputar a pessoas jurídicas responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cunho penal fere<br />
a letra e o espírito da Constituição, apesar do disposto em seus artigos 173, §5º e<br />
225, §3º:<br />
Tal disposição, em sua interpretação literal, po<strong>de</strong>ria ensejar o entendimento<br />
<strong>de</strong> que é admissível a responsabilida<strong>de</strong> penal dos entes coletivos. Porém, a<br />
melhor compreensão da norma nos leva à conclusão <strong>de</strong> que tanto a pessoa<br />
física como a jurídica po<strong>de</strong>m respon<strong>de</strong>r nas or<strong>de</strong>m civil, administrativa e<br />
tributária pelos seus atos; mas a responsabilida<strong>de</strong> penal continuaria sendo<br />
<strong>de</strong> natureza e caráter estritamente humanos.<br />
Além <strong>de</strong>ssa interpretação equivocada do Texto Magno e valendo-se dos<br />
argumentos supra expostos, Dotti aduz que a responsabilização da pessoa jurídica<br />
po<strong>de</strong>ria fomentar um novo tipo <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> na medida em a pessoa jurídica<br />
po<strong>de</strong>ria ser utilizada para ocultar a verda<strong>de</strong>ira i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos autores criminosos<br />
(funcionando como “laranja”).<br />
Em recente <strong>de</strong>cisão proferida pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, em embargos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>claração no Recurso Especial nº 865864/PR, publicada em 01/02/2012,<br />
enten<strong>de</strong>u-se que a jurisprudência da Corte é no sentido <strong>de</strong> admitir a<br />
responsabilida<strong>de</strong> penal das pessoas jurídicas em crimes ambientais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja<br />
<strong>de</strong>núncia contra a pessoa natural que a comanda:<br />
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL.<br />
PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DE<br />
PESSOA JURÍDICA. IMPUTAÇÃO SIMULTÂNEA DA PESSOA NATURAL.<br />
NECESSIDADE. PRECEDENTES. ARTIGOS 619<br />
E 620 DO CPP. DECISÃO EMBARGADA QUE NÃO SE MOSTRA<br />
AMBÍGUA, OBSCURA, CONTRADITÓRIA OU OMISSA. EMBARGOS<br />
REJEITADOS.<br />
1. A jurisprudência <strong>de</strong>ste Sodalício é no sentido <strong>de</strong> ser possível a<br />
responsabilida<strong>de</strong> penal da pessoa jurídica em crimes ambientais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa natural que atua<br />
em seu nome ou em seu benefício.<br />
17 DOTTI, René Ariel. A incapacida<strong>de</strong> criminal da pessoa jurídica (uma perpectiva do direito<br />
brasileiro). In: PRADO, Luis Regis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilida<strong>de</strong> penal da pessoa<br />
jurídica. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 162-163.
20<br />
2. Os embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração constituem recurso <strong>de</strong> estritos limites<br />
processuais <strong>de</strong> natureza integrativa, cujo cabimento requer estejam<br />
presentes os pressupostos legais insertos na legislação processual, mais<br />
especificamente nos artigos 619 e 620 do Código <strong>de</strong> Processo Penal.<br />
Assim, somente, são cabíveis nos casos <strong>de</strong> eventuais ambiguida<strong>de</strong>,<br />
obscurida<strong>de</strong>, contradição ou omissão, vícios inexistentes no julgado.<br />
3. Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração rejeitados. (Relator Ministro Adilson Vieira<br />
Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ).<br />
Sem embargo da <strong>de</strong>cisão acima referida, o mesmo sodalício já manifestou no<br />
sentido <strong>de</strong> reconhecer o principio da não transcendência das penas em matéria <strong>de</strong><br />
crime ambiental, quando a natureza <strong>de</strong>stas for penal ou administrativa:<br />
[...] a responsabilida<strong>de</strong> civil por dano ambiental é subjetivamente mais<br />
abrangente do que as responsabilida<strong>de</strong>s administrativa e penal, não<br />
admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa<br />
ambientais praticadas por outrem.” (Recurso Especial nº 1251697 / PR,<br />
Relator Ministro Mauro Campbell Marques)<br />
2.3 A Or<strong>de</strong>m Econômica como Bem Jurídico Tutelado pelo Direito Penal<br />
O atual estágio do capitalismo tem exigido dos países elevado nível <strong>de</strong> rigor<br />
no controle <strong>de</strong> suas respectivas finanças públicas e <strong>de</strong>senvolvimento padronizado<br />
<strong>de</strong> suas or<strong>de</strong>ns econômicas domésticas.<br />
Tal situação é orientada por organismos internacionais como o Fundo<br />
Monetário Internacional, em um quadro mundial formado por gran<strong>de</strong>s blocos<br />
econômicos e <strong>de</strong> intensa relação comercial propiciada pelos avançados meios <strong>de</strong><br />
comunicação.<br />
Resultado disso é uma <strong>maio</strong>r inter<strong>de</strong>pendência entre os países, os quais<br />
passam a exercer, em <strong>maio</strong>r ou menor grau, mútuas fiscalizações sobre a higi<strong>de</strong>z<br />
financeira dos componentes <strong>de</strong> um mesmo bloco econômico.<br />
Sob esse aspecto, a or<strong>de</strong>m econômico-financeira passa a ser visualizada<br />
como parte essencial da estrutura do Estado, para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> todas as<br />
suas políticas, merecendo, portanto, proteção jurídica.<br />
Des<strong>de</strong> o fim da I Guerra Mundial, os Estados perceberam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
sua intervenção na economia, não po<strong>de</strong>ndo ser apenas expectadores (típico dos<br />
Estados Liberais), o que implicaria na própria <strong>de</strong>sestruturação do Estado, uma vez
21<br />
que a economia estava relegada aos interesses particulares e não ao interesse<br />
coletivo. Vigendo assim o mais puro darwinismo social, o que imperava no<br />
liberalismo era a máxima do pacta sunt servanda, sem ingerência do Estado, que<br />
<strong>de</strong>ixava aos particulares controlar os rumos da economia.<br />
No Brasil, somente a partir da Constituição <strong>de</strong> 1934, foi <strong>de</strong>dicado um Título<br />
sobre a Or<strong>de</strong>m Econômica e Social, sendo que na Constituição <strong>de</strong> 1937, houve<br />
previsão do momento e forma <strong>de</strong> intervenção do Estado no domínio econômico.<br />
Des<strong>de</strong> aquele período <strong>de</strong> 1934, as Cartas Políticas brasileiras não mais<br />
<strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> tratar em seu bojo a respeito da or<strong>de</strong>m econômica. De fato, a Carta<br />
Política brasileira <strong>de</strong> 1988 em seu artigo 170 estabelece que a or<strong>de</strong>m econômica,<br />
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim<br />
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.<br />
Estabelece ainda a repressão ao abuso do po<strong>de</strong>r econômico e punição dos atos<br />
praticados contra a or<strong>de</strong>m econômica e financeira e contra a economia popular.<br />
A tutela <strong>de</strong>ssa or<strong>de</strong>m econômico-financeira, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua relevância, em<br />
especial dos efeitos que causa na vida em socieda<strong>de</strong>, torna-se bem jurídico a ser<br />
tutelado pelo Direito Penal, instrumento <strong>de</strong> proteção mais rigoroso do Estado.<br />
Todavia, o tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>linquência que ataca a or<strong>de</strong>m econômica possui<br />
características bem distintas daquelas combatidas pelo Direito Penal clássico,<br />
acostumado com a proteção <strong>de</strong> bens individualizados, tais como a vida, o patrimônio<br />
e a honra.<br />
Albor 18 já alertava que:<br />
Esta situación se está produciendo en nuestra sociedad, ante la aparición<br />
<strong>de</strong> nuevas formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>lincuencia económica que no tienen facil acomodo<br />
en los textos punitivos. La corrupción y el llamado <strong>de</strong>lito económico hallan<br />
campo abonado en nuestros dias y la administración <strong>de</strong> justicia encuentra<br />
serias dificulda<strong>de</strong>s en la persecución <strong>de</strong>l po<strong>de</strong>roso que <strong>de</strong>tenta, en la<br />
sociedad <strong>de</strong> consumo, influencias que entremezclan la economia y la<br />
política.<br />
Casos recientes ocurridos en nuestra sociedad evi<strong>de</strong>ncian la aparicón <strong>de</strong> la<br />
<strong>de</strong>nominada “<strong>de</strong>lincuencia <strong>de</strong> cuello blanco”, que se contrapone a la<br />
“<strong>de</strong>lincuencia <strong>de</strong> cuello azul”. Aquélla perteneciente a la clase acomodada,<br />
dirigente, “distinguida”, está a la clase proletária, trabajadora, “obediente.<br />
18 ALBOR, Agustín Fernan<strong>de</strong>s. Estudios sobre criminalidad económica. Barcelona: Bosch, Casa<br />
Editorial, S.A., 1978. p. 07-08.
22<br />
Todas essas observações implicam necessariamente na discussão dos<br />
limites da proteção a ser conferida pelo Direito Penal Econômico, em face <strong>de</strong>sse<br />
novo paradigma <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>, uma vez que o “direito da sanção máxima é ao<br />
mesmo tempo o direito da intervenção mínima”, nos mol<strong>de</strong>s do que diz Malheiros<br />
Filho 19 .<br />
A classificação dos <strong>de</strong>litos em geral tem por pressuposto os bens jurídicos<br />
que visam a proteger, o que no caso do Direito Penal econômico é <strong>de</strong>fesa jurídicopenal<br />
da or<strong>de</strong>m econômica, conceito este último <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> imprecisão, com<br />
reflexos na elaboração dos tipos penais. Oliveira Júnior 20 afirma que “[...] é lícito<br />
<strong>de</strong>clarar, findando, que a or<strong>de</strong>m econômica (mundo do <strong>de</strong>ver ser) é um sistema<br />
normativo escalonado a partir <strong>de</strong> grau legislativo superior, a Constituição, [...]”<br />
Prado 21 ao se referir a or<strong>de</strong>m econômica, <strong>de</strong>fine-a latu sensu, como a “or<strong>de</strong>m<br />
econômica do estado, que abrange a intervenção estatal na economia, organização,<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento e a conservação dos bens econômicos (inclusive serviços), bem<br />
como a produção, distribuição e consumo.<br />
A partir do critério <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição do Direito Penal econômico através do bem<br />
jurídico tutelado, “[...] os autores concluem, invariavelmente, pelo caráter supra<br />
individual <strong>de</strong>stes bens – o que os distinguiria, nomeadamente, dos que estão na<br />
base do direito penal patrimonial” 22 .<br />
2.4 O Bem Jurídico para o Direito Penal Econômico e sua Diferença em<br />
Relação ao Direito Penal Clássico<br />
Em toda socieda<strong>de</strong> são eleitos valores, os quais são reputados fundamentais<br />
para o seu <strong>de</strong>senvolvimento, sua segurança e sua estabilida<strong>de</strong>. São i<strong>de</strong>ais que<br />
19 MALHEIROS FILHO, Arnaldo. Direito penal econômico e crimes <strong>de</strong> mero capricho. In: Direito<br />
penal econômico: análise contemporânea. VILARDI, Celso Sanchez, PEREIRA, Flávia Rahal Bresser,<br />
DIAS NETO, Theodomiro, coor<strong>de</strong>nadores. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 66.<br />
20 OLIVEIRA JÚNIOR, Gonçalo Farias <strong>de</strong>. Or<strong>de</strong>m econômica e direito penal antitruste. Curitiba:<br />
Juruá, 2008. p. 43.<br />
21 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico: or<strong>de</strong>m econômica, relações <strong>de</strong> consumo, sistema<br />
financeiro, or<strong>de</strong>m tributária, sistema previ<strong>de</strong>nciário, lavagem <strong>de</strong> capitais, crime organizado. 3 ed. ver.,<br />
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 35.<br />
22 ANDRADE, Manuel da Costa; DIAS, Jorge Figueiredo. Problemática das infrações contra a<br />
economia nacional. In: PODVAL, Roberto. Temas <strong>de</strong> direito penal econômico. São Paulo: Revista<br />
dos Tribunais, 2001. p. 87.
23<br />
inspiram o seu progresso. Nessa linha, o bem, em sentido lato, é tudo aquilo dotado<br />
<strong>de</strong> valor, dignida<strong>de</strong>, utilida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ndo ser material ou imaterial e, portanto,<br />
merecedor <strong>de</strong> proteção.<br />
Mas o que seria o bem jurídico<br />
Para Toledo 23 , “bens jurídicos são valores ético-sociais que o direito<br />
seleciona, com o objetivo <strong>de</strong> assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para<br />
que não sejam expostos a perigo <strong>de</strong> ataque ou a lesões efetivas”.<br />
Ao se transplantar o conceito supra para o Direito Penal econômico, volta-se<br />
a sua raiz, a Constituição da República, que ao regulamentar a or<strong>de</strong>m econômica,<br />
indica que esta apresenta conexão direta com valores fundamentais para o Estado<br />
Democrático <strong>de</strong> Direito brasileiro, como dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, soberania,<br />
justiça social.<br />
Assim, a or<strong>de</strong>m econômica ganha especial <strong>de</strong>staque e proteção na or<strong>de</strong>m<br />
jurídica, merecendo, pois, a tutela da or<strong>de</strong>m penal. Aquela po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida como o<br />
controle estatal da produção, distribuição e consumo <strong>de</strong> bens e serviços. Seus<br />
reflexos se dão em todo o organismo social, na estrutura do Estado (este não po<strong>de</strong><br />
estar mais alheio às questões econômicas, como no liberalismo). Aliás, é comum a<br />
expressão que sem liberda<strong>de</strong> econômica não há liberda<strong>de</strong> política. Oliveira Júnior 24<br />
afirma que: “O substrato do bem jurídico (...) correspon<strong>de</strong> ao valor axiológico<br />
intrinsecamente vinculado a este último e que aposta na tutela exaurida no tipo <strong>de</strong><br />
injusto como unida<strong>de</strong> indissociável (ratio legis)”.<br />
Valle 25 , faz importantes consi<strong>de</strong>rações:<br />
La crítica <strong>de</strong> que esta caracterización <strong>de</strong>l Derecho penal económico es<br />
excesivamente amplia y meramente <strong>de</strong>scriptiva porque carece <strong>de</strong> la<br />
<strong>de</strong>terminación <strong>de</strong> um bien jurídico-protegido no tiene en cuenta la necesaria<br />
referencia político-criminal a la criminalidad económica: el esfuerzo para la<br />
contención o la supresión <strong>de</strong> la criminalidad en el ámbito <strong>de</strong> la vida<br />
económica. La relación económica en sentido estricto <strong>de</strong>l comportamiento<br />
socialmente dañoso no permite afirmar que una conducta ilícita se<br />
encuentra <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l âmbito <strong>de</strong> estúdio <strong>de</strong>l Derecho penal económico. No<br />
se trata, por tanto, <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitar un sector <strong>de</strong> la parte especial <strong>de</strong>l Derecho<br />
23 TOLEDO, Francisco <strong>de</strong> Assis. Princípios básicos <strong>de</strong> direito penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986.<br />
p. 16.<br />
24 OLIVEIRA JÚNIOR, Gonçalo Farias <strong>de</strong>. Or<strong>de</strong>m econômica e direito penal antitruste. Curitiba:<br />
Juruá, 2008. p. 154.<br />
25 VALLE, Carlos Perez Del. Introduccion al Derecho penal econômico. In: BACIGALUPO, Enrique<br />
(Dir). Derecho penal económico. Buenos Aires: Hammurabi, 2004. p. 33-34.
24<br />
penal con el factor común <strong>de</strong> protección <strong>de</strong> un interés que pueda ser<br />
abarcado en único concepto, sino <strong>de</strong>l estudio <strong>de</strong> un sector <strong>de</strong> la criminalidad<br />
en el que concurren aspectos especiales que pue<strong>de</strong>n justificar un<br />
tratamiento preventivo específico.<br />
Com isso, todos os valores interligados à or<strong>de</strong>m econômica, tais como os<br />
consumidores, o mercado, o sistema financeiro, <strong>de</strong>vem ser igualmente tutelados<br />
penalmente, uma vez que fazem parte <strong>de</strong> um complexo unitário, em que a atuação<br />
saudável <strong>de</strong> um valor é fundamental para o funcionamento do outro.<br />
A nota distintiva <strong>de</strong>sta or<strong>de</strong>m econômica em relação aos <strong>de</strong>mais bens<br />
jurídicos tutelados pelo Direito Penal (clássico) é o seu caráter supraindivididual,<br />
típico <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massas, como se verá na sequência.<br />
2.5 A Supraindividualida<strong>de</strong> do Bem Jurídico no Direito Penal Econômico<br />
Classicamente, os romanos subdividiam o direito objetivo em dois ramos: o<br />
público e o privado. Este regula as relações das pessoas entre si, enquanto aquele<br />
cuida dos interesses da comunida<strong>de</strong> <strong>26</strong> .<br />
Com o <strong>de</strong>senvolvimento das relações sociais e a evolução dos direitos<br />
fundamentais, foram reconhecidos novas situações, cujo enquadramento não se dá<br />
<strong>de</strong> forma perfeita na classificação referida. É o caso dos chamados direitos supra<br />
individuais, <strong>de</strong> terceira geração, cuja natureza supera a suma divisio do direito<br />
público-privado.<br />
Celso <strong>de</strong> Mello, Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, apud Morais 27 , assim<br />
se expressou:<br />
[...] os direitos <strong>de</strong> terceira geração, que materializam po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong><br />
coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram<br />
o princípio da solidarieda<strong>de</strong> e constituem um momento importante no<br />
processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos<br />
humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela<br />
nota <strong>de</strong> uma essencial inexauribilida<strong>de</strong>”. (STF-Pleno- MS nº 22164/SP- Rel.<br />
Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1995, p.<br />
39.206.)<br />
<strong>26</strong> MONTEIRO, Washington <strong>de</strong> Barros. Curso <strong>de</strong> direito civil. V. 1. São Paulo: Saraiva, 1996. 08-10.<br />
27 MORAIS, Alexandre <strong>de</strong>. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2001. p. 57.
25<br />
Esses bens <strong>de</strong> terceira geração (meio ambiente, a or<strong>de</strong>m econômicofinanceira,<br />
por exemplo), criaram novos microssistemas, com características<br />
peculiares, com a marca da supraindividualida<strong>de</strong>, ou seja, bens transindividuais,<br />
indivisíveis.<br />
A or<strong>de</strong>m econômica, bem jurídico tutelado pelo Direito Penal Econômico, pela<br />
sua natureza, cria a principal diferença em relação ao Direito Penal Clássico, cuja<br />
tutela sempre se notabilizou pela proteção <strong>de</strong> bens individuais, tais como a vida, a<br />
liberda<strong>de</strong>, o patrimônio. A proteção da or<strong>de</strong>m econômica encerra também uma<br />
proteção dos valores que ela abriga, “[...] como sendo o <strong>de</strong> assegurar a todos<br />
existência com dignida<strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo econômico que propicie a<br />
construção do Estado Democrático - e Social - <strong>de</strong> Direito, e por conseguinte, o<br />
progresso coletivo”. 28<br />
Todavia, lembra Berruezo 29 que há outros autores que enten<strong>de</strong>m que o<br />
Direito Penal não existe para proteger bens jurídicos, mas restabelecer, através da<br />
punição, a vigência da norma violada, como é o caso <strong>de</strong> Jakobs. Para Diéz<br />
Ripollés 30 , “a legislação penal, como sistema penal em conjunto, se move no campo<br />
do controle social jurídico sancionador, controle <strong>de</strong>stinado a garantir a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />
convivência social.”<br />
Cervini 31 , ao discorrer sobre as teorias que <strong>de</strong>finem o Direito Penal econômico<br />
como ramo <strong>de</strong> proteção da or<strong>de</strong>m econômica, afirma que esta posição reduz<br />
exageradamente os limites do Direito Penal econômico a infrações fiscais,<br />
monetárias, contrabando, formação <strong>de</strong> preços, com a consequência <strong>de</strong> ser uma<br />
tutela penal <strong>de</strong> emergência, com origem nos Estados totalitários.<br />
28 OLIVEIRA JÚNIOR, Gonçalo Farias <strong>de</strong>. Or<strong>de</strong>m econômica e direito penal antitruste. Curitiba:<br />
Juruá, 2008. p. 154.<br />
29 BERRUEZO, Rafael et. al. Derecho penal económico. Buenos Aires: B <strong>de</strong> F editorial, 2010, p. 25.<br />
30 DIÉZ RIPOLLÉS, José Luis. A racionalida<strong>de</strong> das leis penais: teoria e prática. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2005. p. 117.<br />
31 CERVINI, Raúl. Derecho penal económico <strong>de</strong>mocrático. In: VILLARDI, Celso Sanchez; PEREIRA,<br />
Flávia Rahal Bresser; DIAS NETO, Theodomiro (Coord). São Paulo: Saraiva, 2009. p. 5-12.
<strong>26</strong><br />
2.6 A Chamada Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Risco e a Utilização do Direito Penal Econômico<br />
como Mecanismo <strong>de</strong> Proteção<br />
Consi<strong>de</strong>rando o caráter supraindividual do bem jurídico tutelado pelo Direito<br />
Penal Econômico, a or<strong>de</strong>m econômica ganha especial relevo na análise da<br />
aplicabilida<strong>de</strong> daquele direito sancionador em face da socieda<strong>de</strong> que visa proteger.<br />
O sociólogo alemão Ulrich Beck em sua obra A Socieda<strong>de</strong> do risco (título em<br />
original Risikogeselllschaft. Auf <strong>de</strong>m Weg in eine an<strong>de</strong>re Mo<strong>de</strong>rne) faz uma análise<br />
da atual socieda<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> sua mo<strong>de</strong>rnização, que por seu turno criou uma série<br />
<strong>de</strong> riscos aos seus membros. Passa a refletir sobre os limites, os valores e as<br />
conseqüências que esses perigos trazem ao convívio social, citando como exemplo<br />
o aci<strong>de</strong>nte nuclear <strong>de</strong> Chernobyl, ocorrido no ano <strong>de</strong> 1986. A partir <strong>de</strong>sse evento<br />
trágico, o autor traça um paralelo entre as conquistas alcançadas pelo progresso<br />
tecnológico e os riscos a que se submete a nova vida em socieda<strong>de</strong>. Na obra citada,<br />
em sua tradução para o espanhol 32 afirma:<br />
Las centrales nucleares (que son la cumbre <strong>de</strong> las fuerzas productivas y<br />
creativas humanas) se han convertido a partir <strong>de</strong> Chernobyl en signos <strong>de</strong><br />
una Edad Media mo<strong>de</strong>rna Del peligro, en signos <strong>de</strong> amenazas que, al<br />
mismo tiempo que impulsionam al máximo el individualismo <strong>de</strong> la<br />
mo<strong>de</strong>rnidad, lo convierten en su contrario.<br />
Avançando pelo estudo da repartição <strong>de</strong> riquezas e riscos em socieda<strong>de</strong>, as<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, globalização e a reflexão <strong>de</strong> todos esses fenômenos, po<strong>de</strong>-se<br />
sumariamente <strong>de</strong>finir a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco como aquela em que a influência do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento tecnológico e econômico não só rompe as práticas sociais<br />
tradicionais (família, por exemplo), mas está em constante perigo causado pelas<br />
rápidas e constantes mudanças políticas, econômicas e industriais, que tomam<br />
proporções cada vez <strong>maio</strong>res e fugindo do controle e proteção das instituições<br />
criadas pela socieda<strong>de</strong> industrial.<br />
O Direito Penal ao interpretar a teoria da socieda<strong>de</strong> do risco, por sua vez,<br />
enten<strong>de</strong> que quanto <strong>maio</strong>res os riscos sociais, <strong>maio</strong>r a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />
32 BECK, Ulrich. La socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>l riesgo. Hacia una nueva mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Barcelona: Paidós Basica,<br />
2002. p. 12.
27<br />
intervenção, formatando-se um Direito Penal da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Risco ou Direito<br />
Penal <strong>de</strong> Risco.<br />
O Direito Penal passa a estar diante <strong>de</strong> novos paradigmas <strong>de</strong> interpretação,<br />
nos quais o chamado risco é limite <strong>de</strong> atuação e interpretação daquele ramo.<br />
Esse posicionamento não é pacífico na doutrina conforme esclarece 33 , uma<br />
vez que não se admitiria a proteção antecipada <strong>de</strong> bens jurídicos, uma vez que se<br />
negaria a própria existência <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco, ou seja, o risco seria inerente a<br />
qualquer socieda<strong>de</strong>.<br />
Já a corrente contraria enxerga a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito Penal do Risco<br />
como uma necessida<strong>de</strong> dos novos tempos <strong>de</strong> globalização, economia<br />
supranacional, mas sob uma perspectiva <strong>de</strong> um sistema aberto. “O sistema jurídico,<br />
por ele, nada mais seria do que um subsistema social, utilizando-se da<br />
operacionalida<strong>de</strong> comunicativa com o sistema <strong>de</strong> normas”. 34<br />
Os questionamentos sobre essa <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> bens jurídicos supraindividuais<br />
referem-se basicamente a forma como se tem valido o Direito Penal econômico das<br />
chamadas normas <strong>de</strong> perigo abstrato e <strong>de</strong> efetivamente quais seriam os bens<br />
jurídicos dignos <strong>de</strong> proteção penal. Tais assuntos serão aprofundados no capítulo<br />
seguinte. Todavia, o que se preten<strong>de</strong> chamar a atenção é para o fato <strong>de</strong> que<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do da forma ou do limite como <strong>de</strong>ve agir o Direito Penal<br />
econômico, seus operadores (em especial legisladores) não po<strong>de</strong>m abrir mão dos<br />
princípios e garantias constitucionais que fazem parte da estrutura básica do Direito<br />
Penal mo<strong>de</strong>rno, tais como culpabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>finição dos tipos penais.<br />
Berruezo 35 chama atenção para o expansionismo do Direito Penal, com<br />
criação <strong>de</strong> tipos penais que antes eram regulados pelo Direito Administrativo: “Así,<br />
vemos la creación <strong>de</strong> nuevos “bienes jurídicos penales”, ampliación <strong>de</strong> los espacios<br />
<strong>de</strong> riesgos jurídicos penalmente relevantes, flexibilización <strong>de</strong> las reglas <strong>de</strong><br />
imputación e relativización <strong>de</strong> los princípios político-criminales [...]”<br />
33 SILVEIRA, Renato <strong>de</strong> Mello Jorge. Direito penal econômico como direito penal <strong>de</strong> perigo. São<br />
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 40.<br />
34 SILVEIRA, Renato <strong>de</strong> Mello Jorge. Direito penal econômico como direito penal <strong>de</strong> perigo. São<br />
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 47.<br />
35 BERRUEZO, Rafael et. al. Derecho penal económico. Buenos Aires: B <strong>de</strong> F editorial, 2010. p. 64-65.
28<br />
Questões como lavagem <strong>de</strong> capitais, crimes falimentares, frau<strong>de</strong>s tributárias,<br />
<strong>de</strong>litos contra o consumidor, <strong>de</strong>ntre outros, por certo sempre chamaram a atenção<br />
do Direito Penal (o Brasil, na década <strong>de</strong> 1940, já punia criminalmente crimes<br />
falimentares no bojo do Decreto-Lei 7661/1945, hoje revogado pela Lei<br />
11.101/2005). Entretanto, existe um <strong>de</strong>scompasso entre as mo<strong>de</strong>rnas conquistas do<br />
Direito Penal insculpidas na Carta Magna e a utilização ou flexibilização <strong>de</strong> técnicas<br />
<strong>de</strong> tipificação penal (v.g a das normas penais em branco) para se conseguir um<br />
“eficiência” penal para a punição <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos econômicos, que em última sob a análise<br />
da teoria do risco, seriam um efeito perverso das socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> risco. 36<br />
Outro problema que se <strong>de</strong>staca é a ofensa ao princípio constitucional da<br />
reserva legal, previsto no artigo 5º, inciso XXXIX da Carta Polícia <strong>de</strong> 1988, que<br />
impe<strong>de</strong> a criação <strong>de</strong> normas penais que estabeleçam incriminações vagas e<br />
imprecisas. Tal dispositivo é ofendido quando a lei <strong>de</strong>ixa ao arbítrio da autorida<strong>de</strong><br />
fiscal a <strong>de</strong>finição do prazo para entrega <strong>de</strong> documentação requisitada, po<strong>de</strong>ndo este<br />
prazo ser convertido em horas em razão da complexida<strong>de</strong> da matéria. Mas o que<br />
complexida<strong>de</strong> da matéria em termos tributários Como submeter o cidadão ao<br />
exclusivo talante <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong> administrativa, sob pena <strong>de</strong> cometimento <strong>de</strong><br />
crime, sem que haja bases claras <strong>de</strong> qual conduta criminosa possa se estar<br />
cometendo “A lei penal incriminadora <strong>de</strong>ve ser certa, isto é, <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>terminar com<br />
precisão o fato consi<strong>de</strong>rado criminoso e a pena que será atribuída como resposta.” 37<br />
O caráter casuístico <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>ssas normas do Direito Penal econômico,<br />
valendo-se, muitas vezes sem o rigor e a técnica necessários, <strong>de</strong> normas penais em<br />
branco e <strong>de</strong> perigo abstrato é “justificada” como socorro da economia nacional, da<br />
uma or<strong>de</strong>m econômica volátil e em constante transformação, com a proteção<br />
antecipada <strong>de</strong> condutas que po<strong>de</strong>m vir a lesionar bens jurídicos supraindividuais,<br />
com sérios riscos ao princípio da culpabilida<strong>de</strong> penal.<br />
A solução para essa situação é apontada por Cervini 38 , através <strong>de</strong> um<br />
conceito integrado e <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> Direito Penal econômico:<br />
36 SILVA, Pablo Rodrigo Alfen da. Leis penais em branco e o direito penal do risco: aspectos críticos<br />
e fundamentais. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 88.<br />
37<br />
ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Direito penal.Curso completo. Parte Geral. 2. ed. rev. e ampl.<br />
Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 73.<br />
38 CERVINI, Raúl. Derecho penal económico <strong>de</strong>mocrático. In: VILLARDI, Celso Sanchez; PEREIRA,<br />
Flávia Rahal Bresser; DIAS NETO, Theodomiro (Coord). São Paulo: Saraiva, 2009. p. 52-53.
29<br />
[...] compatibilizando un concepto <strong>de</strong> base amplia, pero estructuralmente<br />
referenciado y consecuentemente acotado, com la protección <strong>de</strong> um bien<br />
jurídico<strong>de</strong> contornos suficientemente precisos, uma legslación con vocación<br />
antropológica <strong>de</strong>stinada a la protección <strong>de</strong>l individuo o <strong>de</strong> um colectivo<br />
<strong>de</strong>limitado, y el componente <strong>de</strong> inexorable legimitad <strong>de</strong>mocrática que<br />
impone la participación <strong>de</strong> todos em el processo <strong>de</strong> gestación e<br />
implementación <strong>de</strong>l contol social punitivo em el Estado Democrático Social<br />
<strong>de</strong> Derecho”<br />
Em mérito a ello po<strong>de</strong>mos ensayar uma primera aproximación conceptual<br />
integrada, manifestando que el <strong>de</strong>lito económico es uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sviación estructural, tipificada penalmente mediando um processo <strong>de</strong><br />
legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática y exacta <strong>de</strong>terminación <strong>de</strong>l bien jurídico<br />
penalmente tutelado, com el fin <strong>de</strong> proteger las personas concretas y su<br />
entorno humano.<br />
A tipificação <strong>de</strong> condutas, <strong>de</strong>ve seguir princípios básicos do Direito Penal,<br />
como a fragmentarieda<strong>de</strong>, subsidiarieda<strong>de</strong> e ofensivida<strong>de</strong>, esta, como “eixo<br />
fundamental do sistema penal”. 39 Nesse sentido, complementa Dias 40 : “Sem ter a<br />
pretensão <strong>de</strong> eliminar os conceitos normativos e in<strong>de</strong>terminados, as cláusulas em<br />
branco e as fórmulas gerais <strong>de</strong> valor, <strong>de</strong>vem estes elementos ser reduzidos ao<br />
mínimo;”.<br />
Nota-se, pelo exposto, que o Direito Penal econômico, fruto <strong>de</strong> uma<br />
socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, traz consigo diversas mudanças <strong>de</strong> paradigma 41 , uma vez que<br />
o próprio objeto que visa a tutelar (a or<strong>de</strong>m econômica) é complexo e sofre<br />
diretamente “impactos vários como a globalização, multiculturalismo e diversida<strong>de</strong>,<br />
além das socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco hodiernas, alteraram – e ainda estão a alterar- a<br />
realida<strong>de</strong> humana.”<br />
2.7 A Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Criminalização <strong>de</strong> Certas Condutas Praticadas Contra a<br />
Or<strong>de</strong>m Econômica<br />
De acordo com o citado princípio da subsidiarieda<strong>de</strong>, o Direito Penal somente<br />
será utilizado quando os <strong>de</strong>mais meios <strong>de</strong> intervenção judicial não forem suficientes<br />
para impedimento do ilícito ou mesmo a reparação do dano provocado.<br />
39 GOMES, Luis Flávio. Princípio da ofensivida<strong>de</strong> no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />
2002. p. 12.<br />
40 DIAS, Jorge Figueiredo. A reforma do Direito penal económico e social português. In: PODVAL,<br />
Roberto. Temas <strong>de</strong> direito penal econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 63.<br />
41 SILVEIRA, Renato <strong>de</strong> Mello Jorge. Direito penal econômico como direito penal <strong>de</strong> perigo. São<br />
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 13.
30<br />
A responsabilização civil do indivíduo faz com este seja submetido aos<br />
ônus/custos que sua ação resultou, ou seja, uma compensação financeira à vítima.<br />
Todavia, essa responsabilização civil, em certos casos não é suficiente, como<br />
nos casos <strong>de</strong> impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compensação e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se impedir a<br />
repetição do ato lesivo. 42 O homicídio é um exemplo clássico. Não basta uma<br />
tentativa <strong>de</strong> compensação financeira (apesar <strong>de</strong> haver a actio civilis ex <strong>de</strong>lito), mas é<br />
evi<strong>de</strong>nte que o sistema jurídico, através do Direito Penal quer evitar que outros<br />
crimes ocorram.<br />
Pereira 43 prossegue explicando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incriminação em relação<br />
aos crimes falimentares e que é perfeitamente ajustável à or<strong>de</strong>m econômica em<br />
geral:<br />
Em relação aos crimes falimentares a explicação acima referida é <strong>de</strong><br />
aplicação indubitável. Com efeito, impossível seria responsabilizar o autor<br />
das condutas tipificadas como crime falimentar com mera in<strong>de</strong>nização<br />
oriunda <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil, pelos seguintes motivos:<br />
(1) A in<strong>de</strong>terminação e a pluralida<strong>de</strong> das vítimas dos <strong>de</strong>litos falimentares...<br />
(2) Os danos causados pelos crimes falimentares na <strong>maio</strong>r parte são<br />
incalculáveis...<br />
(3) Pelos mesmos motivos elencados no item anterior, seria impossível<br />
aplicar o conceito <strong>de</strong> indiferença econômica ao crime falimentar, <strong>de</strong> modo a<br />
sustentar que as vítimas, ao serem in<strong>de</strong>nizadas, enten<strong>de</strong>ssem como<br />
economicamente similar sofrer ou não sofrer o dano causado pela conduta<br />
criminosa.<br />
(4) A imposição <strong>de</strong> compensação econômica em crimes falimentares, <strong>de</strong><br />
forma isolada, não teria o condão <strong>de</strong> impedir ou <strong>de</strong>ter a prática <strong>de</strong>sses<br />
<strong>de</strong>litos.<br />
Vista a necessida<strong>de</strong> que se impõe à criminalização <strong>de</strong> condutas que ofen<strong>de</strong>m<br />
à or<strong>de</strong>m econômica, a seguir serão analisados os limites à ação interventora do<br />
Direito Penal.<br />
42 PEREIRA, Alexandre Demétrius. Crimes falimentares, teoria, prática e questões <strong>de</strong> concurso<br />
comentadas. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 30.<br />
43 PEREIRA, Alexandre Demétrius. Crimes falimentares, teoria, prática e questões <strong>de</strong> concurso<br />
comentadas. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 31-32.
31<br />
2.8 Os Princípios da Subsidiarieda<strong>de</strong> e Fragmentarieda<strong>de</strong> e a Limitação<br />
Material Imposta ao Direito Penal Pela Carta Magna<br />
A Constituição da República <strong>de</strong> 1988 dispõe do artigo 170 ao 181 a or<strong>de</strong>m<br />
econômica e financeira, parte essa da Carta Magna conhecida como constituição<br />
econômica, em que estão <strong>de</strong>scritos os princípios e objetivos daquela or<strong>de</strong>m.<br />
A or<strong>de</strong>m econômica para Prado 44 é a intervenção do Estado para<br />
regulamentar o <strong>de</strong>senvolvimento e a conservação da produção circulação,<br />
distribuição e consumo <strong>de</strong> bens e serviços no mercado.<br />
Pelo texto constitucional, essa intervenção do Estado na or<strong>de</strong>m econômica se<br />
dá por exceção, uma vez que “a exploração direta <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> econômica pelo<br />
Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional<br />
ou a relevante interesse coletivo, conforme <strong>de</strong>finidos em lei.”<br />
Prado 45 ainda salienta:<br />
Esse conceito <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica acaba por agasalhar as or<strong>de</strong>ns<br />
tributária, financeira, monetária e a relação <strong>de</strong> consumo, entre outros<br />
setores, e constitui um bem jurídico-penal supra individual, genericamente<br />
consi<strong>de</strong>rado (bem jurídico categorial), o que por si só não exclui a proteção<br />
<strong>de</strong> interesses individuais. Além disso, em cada tipo legal <strong>de</strong> injusto há um<br />
<strong>de</strong>terminado bem jurídico específico ou em sentido estrito (essencialmente<br />
<strong>de</strong> natureza supra individual), diretamente protegido em cada figura <strong>de</strong>litiva.<br />
Tal concepção fundamenta em se<strong>de</strong> penal um conceito amplo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito<br />
econômico, mas não totalizador ou amplíssimo.<br />
Nesse diapasão, se o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito econômico não é total, on<strong>de</strong> estão os<br />
limites ou círculo <strong>de</strong> atuação do Direito Penal Econômico<br />
Inicialmente, é preciso esclarecer que <strong>de</strong>vido à constante mutabilida<strong>de</strong> da<br />
economia, não é possível ao legislador, mesmo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma Constituição analítica<br />
como a brasileira, <strong>de</strong>finir todos os bens merecedores <strong>de</strong> proteção penal. Na<br />
verda<strong>de</strong>, Carta Magna <strong>de</strong> 1988 em seu art.173, §4º, fornece um norte ao legislador<br />
44 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico: or<strong>de</strong>m econômica, relações <strong>de</strong> consumo, sistema<br />
financeiro, or<strong>de</strong>m tributária, sistema previ<strong>de</strong>nciário, lavagem <strong>de</strong> capitais, crime organizado. 3 ed. ver.,<br />
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 35.<br />
45 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico: or<strong>de</strong>m econômica, relações <strong>de</strong> consumo, sistema<br />
financeiro, or<strong>de</strong>m tributária, sistema previ<strong>de</strong>nciário, lavagem <strong>de</strong> capitais, crime organizado. 3 ed. ver.,<br />
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 36.
32<br />
ordinário ao prever que “a lei reprimirá o abuso do po<strong>de</strong>r econômico que vise à<br />
dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos<br />
lucros”.<br />
Valle 46 , fala que a Constituição não exige um padrão <strong>de</strong> sanção para lesões à<br />
or<strong>de</strong>m econômica, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se garanta a confiança na vigência das normas que<br />
regulam a ativida<strong>de</strong> econômica e prossegue nesse sentido:<br />
[...] no existe ninguma obligación constitucional <strong>de</strong> regulación <strong>de</strong>l Derecho<br />
penal económico mediante leyes penales, si bien una regulación <strong>de</strong><br />
sanciones <strong>de</strong> Derecho penal administrativo o <strong>de</strong> Derecho sancionatorio<br />
administrativo no pue<strong>de</strong> prescindir <strong>de</strong> la exigencia <strong>de</strong> cohesión con las leyes<br />
penales, sean el Código Penal, sean leyes penales especiales. Sin<br />
embargo, las infraciones <strong>de</strong> las normas que rigen la vida económica y que,<br />
a su vez, representan un peligro para la vida o para otros intereses<br />
personales <strong>de</strong>ben ser sancionadas a través <strong>de</strong>l Derecho penal, pues en las<br />
socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas la valoración a través <strong>de</strong> leyes penales en sentido<br />
estricto, pues representan lesiones <strong>de</strong>l bien común <strong>de</strong> tal gravedad que la<br />
confianza en la vigencia <strong>de</strong> normas que lo protegen en esos ámbitos no<br />
pue<strong>de</strong> ser garantizada <strong>de</strong> outra manera.<br />
Os valores elencados pela Constituição em sua or<strong>de</strong>m econômica são, ao<br />
mesmo tempo, os limites à atuação do Direito Penal econômico, como também<br />
fundamental a sua dimensão material. Não basta, que o ato incriminado preencha os<br />
requisitos <strong>de</strong> conduta, a<strong>de</strong>quação típica, nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> e resultado. É preciso<br />
também averiguar se a dimensão material do tipo penal (econômico) também esteja<br />
completa, ou seja, se o resultado fora juridicamente relevante para a necessária<br />
intervenção penal, ou seja, algo socialmente danoso 47 .<br />
Nessa linha, a doutrina elenca uma série <strong>de</strong> princípios limitadores e<br />
informadores da tipificação <strong>de</strong> crimes, <strong>de</strong>ntre eles a intervenção mínima, a<br />
fragmentarieda<strong>de</strong> e a subsidiarieda<strong>de</strong>.<br />
O princípio da intervenção mínima, como o próprio nome indica, é aquele que<br />
orienta limitação da intervenção do Direito Penal nas ações estatais e daí “<strong>de</strong>corre<br />
46 VALLE, Carlos Perez Del. Introduccion al Derecho penal econômico. In: BACIGALUPO, Enrique<br />
(Dir). Derecho penal económico. Buenos Aires: Hammurabi, 2004, p. 42-43.<br />
47 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGILI, José Henrique. Manual <strong>de</strong> direito penal brasileiro. Parte<br />
Geral. 2. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 568.
33<br />
que o direito da sanção máxima é ao mesmo tempo o direito da intervenção<br />
mínima”. 48<br />
“Intervenção mínima é uma tendência político-criminal contemporânea que<br />
postula a redução ao mínimo da solução punitiva dos conflitos sociais, em atenção<br />
ao efeito frequentemente contraproducente da ingerência penal do Estado”. 49<br />
Essa intervenção mínima é, por sua vez, traduzida pelo caráter fragmentário e<br />
subsidiário do Direito Penal.<br />
A subsidiarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>termina que o Direito Penal atuará apenas quando os<br />
<strong>de</strong>mais ramos do or<strong>de</strong>namento jurídico forem insuficientes para a proteção do bem<br />
jurídico tutelado.<br />
Para Toledo, o caráter fragmentário do Direito Penal significa que “<strong>de</strong>ntre a<br />
multidão <strong>de</strong> fatos ilícitos possíveis, somente alguns - os mais graves - são<br />
selecionados para serem alcançados pelas malhas do or<strong>de</strong>namento penal”. 50<br />
Referidos princípios informadores do Direito Penal são consagradores das<br />
garantias individuais constitucionais (liberda<strong>de</strong> em especial, uma vez que a pena <strong>de</strong><br />
morte é exceção para os casos <strong>de</strong> guerra externa <strong>de</strong>clarada). Aliás, sob o enfoque<br />
da doutrina constitucional, todos os princípios <strong>de</strong> Direito Penal <strong>de</strong>vem ser<br />
interpretados primeiro à luz da Carta Magna, pois é <strong>de</strong>la que <strong>de</strong>corre toda a fonte <strong>de</strong><br />
valida<strong>de</strong> do sistema jurídico.<br />
Com isso, a subsidiarieda<strong>de</strong> e a fragmentarieda<strong>de</strong> passam a ser barreiras<br />
constitucionais ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> normas penais do Estado, evitando-se com<br />
isso a criação das chamadas “norma <strong>de</strong> mero capricho”. Para Arnaldo Malheiros<br />
Filho 51 , o “<strong>de</strong>scontrole começa pelo surgimento <strong>de</strong> certa interpretação, nada rara, <strong>de</strong><br />
que algumas vedações são conseqüência <strong>de</strong> mero capricho do legislador que, como<br />
vimos acima, estaria a dizer “não po<strong>de</strong> porque não quero”.<br />
48 MALHEIROS FILHO, Arnaldo. Direito penal econômico e crimes <strong>de</strong> mero capricho. In: Direito<br />
penal econômico: análise contemporânea. VILARDI, Celso Sanchez, PEREIRA, Flávia Rahal Bresser,<br />
DIAS NETO, Theodomiro, (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2009. p. 65-66.<br />
49 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGILI, José Henrique. Manual <strong>de</strong> direito penal brasileiro. Parte<br />
Geral. 2. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 358.<br />
50 TOLEDO, Francisco <strong>de</strong> Assis. Princípios básicos <strong>de</strong> direito penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986.<br />
p. 14-15.<br />
51 MALHEIROS FILHO, Arnaldo. Direito penal econômico e crimes <strong>de</strong> mero capricho. In: Direito<br />
penal econômico: análise contemporânea. VILARDI, Celso Sanchez, PEREIRA, Flávia Rahal Bresser,<br />
DIAS NETO, Theodomiro, (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2009. p. 84.
34<br />
Gomes 52 já alerta sobre a criminalização, por exemplo, do fabrico <strong>de</strong> açúcar<br />
não autorizado (Decreto-Lei 16/66) e o fornecimento <strong>de</strong> bebida alcoólica para índios<br />
não integrados (Lei 6001/73).<br />
Nessa seara, problema mais grave ocorre quando a norma penal não está a<br />
serviço da proteção dos mais relevantes bens jurídicos sociais, mas da ativida<strong>de</strong><br />
fiscal do Estado. O Direito Penal Econômico <strong>de</strong>ve necessariamente manter coesão<br />
com o resto do sistema penal, observando seus princípios basilares. Valle 53 , alerta<br />
que “[...] el sistema <strong>de</strong> Derecho penal económico, y los límites <strong>de</strong>rivan tan solo <strong>de</strong><br />
los límites que se establecen a su vez en el <strong>de</strong>nominado Derecho penal nuclear, en<br />
relación con el cual <strong>de</strong>be existir siempre una total cohesión.”<br />
Os crimes <strong>de</strong> apropriação indébita previ<strong>de</strong>nciária e <strong>de</strong> sonegação<br />
previ<strong>de</strong>nciária são exemplos <strong>de</strong> ofensa à subsidiarieda<strong>de</strong> e fragmentarieda<strong>de</strong>. Nos<br />
dois tipos penais, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> política criminal do Estado 54 , o Legislador previu<br />
penas que variam <strong>de</strong> dois a cinco anos <strong>de</strong> reclusão para aquele que <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
repassar à previdência social as contribuições recolhidas, no prazo e forma legal,<br />
alternando o convencional, a supressão e a redução da contribuição social<br />
previ<strong>de</strong>nciária e qualquer acessório.<br />
À prima facie po<strong>de</strong>r-se-ia, equivocadamente, argumentar que o Legislador<br />
estaria apenas adaptando o sistema a uma nova forma <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>, protegendo<br />
um bem jurídico previsto constitucionalmente, qual seja, a previdência social e todos<br />
os seus consectários.<br />
Todavia, a leitura do §2º do art. 168-A (apropriação indébita previ<strong>de</strong>nciária) e<br />
do §1º do art. 337-A (sonegação <strong>de</strong> contribuição previ<strong>de</strong>nciária), expõe a intenção<br />
arrecadadora do Estado, quando este prevê que a extinção da punibilida<strong>de</strong> se o<br />
agente, espontaneamente, <strong>de</strong>clara, confessa e efetua o pagamento das<br />
contribuições, importâncias ou valores e presta as informações <strong>de</strong>vidas à<br />
previdência social, na forma <strong>de</strong>finida em lei ou regulamento, antes do início da ação<br />
fiscal.<br />
52 GOMES, Luis Flávio. Erro <strong>de</strong> tipo e erro <strong>de</strong> proibição: erro <strong>de</strong> tipo e suas modalida<strong>de</strong>s: Erro <strong>de</strong><br />
proibição e suas modalida<strong>de</strong>s: Erro <strong>de</strong> tipo permissivo (CP, art. 20, §1º): Evolução da teoria causalnaturalistapara<br />
a teoria finalista da ação: Teorias sobre a culpabilida<strong>de</strong>: Conceito complexo <strong>de</strong><br />
culpabilida<strong>de</strong>. 5. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 29.<br />
53 VALLE, Carlos Perez Del. Introduccion al Derecho penal econômico. In: BACIGALUPO, Enrique<br />
(Dir). Derecho penal económico. Buenos Aires: Hammurabi, 2004. p. 43.<br />
54 EISELE, Andreas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário. São Paulo: Dialética, 2001. p. 15.
35<br />
Ainda <strong>de</strong>monstrando uma intenção puramente arrecadadora do Estado, temse<br />
ainda a Lei 9964 <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2000, que prevê a suspensão da pretensão<br />
punitiva se a pessoa jurídica relacionada com o agente do crime estiver incluída em<br />
programa <strong>de</strong> recuperação fiscal do governo antes do oferecimento da <strong>de</strong>núncia.<br />
Prevê também a referida Lei a extinção dos crimes contra a or<strong>de</strong>m tributária se a<br />
pessoa jurídica relacionada com o agente dos <strong>de</strong>litos efetuar o pagamento integral<br />
dos débitos oriundos <strong>de</strong> tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que<br />
tiverem sido objeto <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> parcelamento antes do recebimento da<br />
<strong>de</strong>núncia criminal.<br />
Ao se comparar os referidos tipos penais, que lesam essencialmente um bem<br />
patrimonial (tributos que <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ingressar nos cofres públicos), com outros que<br />
também lesam o bem jurídico patrimônio (o furto, por exemplo), não se tem previsão<br />
<strong>de</strong> extinção da punibilida<strong>de</strong> em caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>volução da res furtiva antes <strong>de</strong> qualquer<br />
ação estatal.<br />
Tal medida, acaso existisse, talvez obtivesse <strong>maio</strong>r resultado em termos <strong>de</strong><br />
política criminal, mormente em um país com elevados índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
social e má distribuição <strong>de</strong> renda.<br />
O mais próximo disso, para os crimes contra o patrimônio, cometidos sem<br />
violência ou grave ameaça à pessoa, é a redução da pena prevista no art. 16 do CP<br />
(arrependimento posterior).<br />
Com essas críticas, caminha-se à discussão sobre o uso dos crimes <strong>de</strong> perigo<br />
abstrato às condutas lesivas à or<strong>de</strong>m econômica.<br />
2.9 A Incriminação <strong>de</strong> Condutas Lesivas à Or<strong>de</strong>m Econômica através dos<br />
Chamados Crimes <strong>de</strong> Perigo Abstrato<br />
As mudanças <strong>de</strong> paradigmas vistas entre o Direito Penal clássico e o Direito<br />
Penal Econômico tornam-se mais evi<strong>de</strong>ntes diante da chamada socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> riscos.<br />
Alguns penalistas, consi<strong>de</strong>rando que a atual socieda<strong>de</strong> propiciaria mais riscos às<br />
pessoas, que no passado, passaram a enten<strong>de</strong>r que o Direito Penal <strong>de</strong>veria<br />
antecipar-se aos riscos, coibindo-os, através dos crimes <strong>de</strong> perigo.
36<br />
A afetação do bem jurídico po<strong>de</strong> ocorrer <strong>de</strong> duas formas: dano ou lesão e<br />
<strong>de</strong> perigo. Há dano ou lesão quando a relação <strong>de</strong> disponibilida<strong>de</strong> entre o<br />
sujeito e o ente foi realmente afetada, isto é, quando, efetivamente, impediu<br />
a disposição, seja <strong>de</strong> forma permanente (como ocorre no homicídio) ou<br />
transitória. Há afetação do bem jurídico por perigo quando a tipicida<strong>de</strong><br />
requer apenas que essa relação tenha sido colocada em perigo. 55<br />
A proliferação <strong>de</strong> crimes <strong>de</strong> perigo na seara do Direito Penal Econômico não<br />
passou incólume às críticas da doutrina, que argumentaram que não cabe ao Direito<br />
Penal afastar todos os riscos sociais e que a interferência <strong>de</strong>sse ramo não seria <strong>de</strong><br />
fato efetiva 56 .<br />
Os <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> perigo se divi<strong>de</strong>m em abstrato e concreto. Neste caso, o perigo<br />
faz parte do tipo e <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>monstrado caso a caso (como no caso do crime <strong>de</strong><br />
perigo <strong>de</strong> contágio venéreo, previsto no art. 130 do Código Penal). No perigo<br />
abstrato, sua existência é uma presunção legal (v.g. o porte ilegal <strong>de</strong> arma <strong>de</strong> fogo).<br />
Silveira 57 faz menção à mudança da doutrina penal nos anos 60 e 70, que<br />
passa a substituir a i<strong>de</strong>ia clássica <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> perigo concreto e abstrato por,<br />
respectivamente, crimes <strong>de</strong> resultado <strong>de</strong> perigo e crimes <strong>de</strong> mera conduta perigosa.<br />
Os primeiros são resultado <strong>de</strong> uma ação prévia, um estado intermediário entre a<br />
conduta e a lesão ao bem jurídico, on<strong>de</strong> estão presentes um <strong>de</strong>svalor da ação e um<br />
<strong>de</strong>svalor do resultado. Nos crimes <strong>de</strong> mera conduta perigosa, aplica-se a doutrina da<br />
imputação objetiva (punição do incremento do risco socialmente <strong>de</strong>saprovado) em<br />
que é avaliada a perigosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ação ex ante, não se exigindo um resultado<br />
perigoso, mas o risco <strong>de</strong> uma conduta.<br />
Em virtu<strong>de</strong> da chamada socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> riscos, há uma proliferação dos crimes<br />
<strong>de</strong> perigo (em especial os <strong>de</strong> perigo abstrato), opção legislativa mais freqüente em<br />
relação à forma <strong>de</strong> proteção da or<strong>de</strong>m econômica, cujo caráter supra individual<br />
exigiria <strong>maio</strong>r <strong>de</strong>fesa através dos tipos penais <strong>de</strong> perigo abstrato. “Por outro lado,<br />
tendo por princípio a presença da i<strong>de</strong>ia da violência ou lesivida<strong>de</strong>, é <strong>de</strong> se ter que tal<br />
55 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGILI, José Henrique. Manual <strong>de</strong> direito penal brasileiro. Parte<br />
Geral. 2. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 561.<br />
56 MALHEIROS FILHO, Arnaldo. Direito penal econômico e crimes <strong>de</strong> mero capricho. In: Direito<br />
penal econômico: análise contemporânea. VILARDI, Celso Sanchez, PEREIRA, Flávia Rahal Bresser,<br />
DIAS NETO, Theodomiro, (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2009. p. 66, p. 94-95.<br />
57 SILVEIRA, Renato <strong>de</strong> Mello Jorge. Direito penal econômico como direito penal <strong>de</strong> perigo. São<br />
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 127-141.
37<br />
técnica não po<strong>de</strong> ser simples expediente legislativo, mas sim única forma <strong>de</strong> guarida<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado bem”. 58<br />
2.10 A Análise Econômica do Crime<br />
A Constituição da República <strong>de</strong> 1988- CR/88, a partir do art. 170 estabelece<br />
os regramentos da ativida<strong>de</strong> econômica no Brasil, a qual é fundada na valorização<br />
do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por objetivo assegurar a todos<br />
existência digna, baseada na justiça social e por princípios, <strong>de</strong>ntre outros, a<br />
soberania nacional, a proprieda<strong>de</strong> privada, a livre concorrência.<br />
Para alcançar esse <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato, o Estado brasileiro intervém na or<strong>de</strong>m<br />
econômica <strong>de</strong> forma direta e indireta:<br />
Diretamente, através da exploração <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> econômica pelo Estado,<br />
limitada aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo,<br />
conforme <strong>de</strong>finidos em lei (art. 173 da CR/1988).<br />
Indiretamente, normatizando e regulamentando a ativida<strong>de</strong> econômica,<br />
exercendo, na forma da lei, as funções <strong>de</strong> fiscalização, incentivo e planejamento,<br />
sendo este <strong>de</strong>terminante para o setor público e indicativo para o setor privado (art.<br />
174 da CR/1988).<br />
Na busca por uma tutela mais “eficiente” e mais vigorosa da or<strong>de</strong>m<br />
econômica, o Estado tem se utilizado cada vez mais do Direito Penal, como<br />
instrumento <strong>de</strong> prima ratio, remetendo-se, assim, à discussão sobre os limites da<br />
intervenção <strong>de</strong>ste ramo jurídico na ativida<strong>de</strong> econômica.<br />
Prado 59 assim se manifesta:<br />
Na verda<strong>de</strong>, impõe reconhecer, para efeito <strong>de</strong> proteção penal, a noção <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m econômica lato sensu, apreendida como or<strong>de</strong>m econômica do<br />
Estado, que abrange a intervenção estatal na economia, a organização, o<br />
58 SILVEIRA, Renato <strong>de</strong> Mello Jorge. Direito penal econômico como direito penal <strong>de</strong> perigo. São<br />
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 177.<br />
59 PRADO, Rodrigo Leite. Dos crimes: aspectos subjetivos. In: CARLI, Carla Veríssimo <strong>de</strong>; MENDONÇA,<br />
Andrey <strong>de</strong>. et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo<br />
Jurídico, 2011. p. 39.
38<br />
<strong>de</strong>senvolvimento e a conservação dos bens econômicos (inclusive<br />
serviços), bem como sua produção, circulação, distribuição e consumo.<br />
Assim, a tutela penal se en<strong>de</strong>reça às ativida<strong>de</strong>s realizadas no âmbito<br />
econômico, e, <strong>de</strong> certo modo, no empresarial.<br />
O resultado <strong>de</strong>sta intervenção, ligada diretamente aos fenômenos da<br />
chamada socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco, da globalização econômica e o expansionismo do<br />
direito penal 60 , implicou uma mudança <strong>de</strong> foco, lançando o direito penal (econômico)<br />
suas luzes sobre um bem jurídico supraindividual/coletivo (a or<strong>de</strong>m econômica).<br />
Percebe-se que o relacionamento entre Direito e Economia precisa ser<br />
harmonizado, para melhor eficiência do efeito econômico na or<strong>de</strong>m jurídica, uma vez<br />
que a Economia se ocupa do uso dos recursos limitados em face das necessida<strong>de</strong>s<br />
ilimitadas, enquanto o Direito se <strong>de</strong>dica ao regramento comportamental em<br />
socieda<strong>de</strong>. Some-se a tudo isso, o fato <strong>de</strong> que o homem é um ser racional, sujeito a<br />
estímulos e que almeja maximizar as utilida<strong>de</strong>s que estão ao seu dispor.<br />
Nesse diapasão, a Análise Econômica do Direito (AED) representa importante<br />
instrumento por ser “o campo do conhecimento humano que tem por objetivo<br />
empregar os variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das ciências<br />
afins para expandir a compreensão e alcance do direito [...]” 61<br />
Dentre as várias teorias que compõem a AED, a Teoria da Escolha Pública<br />
(Public Choice) tem por objeto o emprego das teorias econômicas para análise dos<br />
fenômenos políticos, <strong>de</strong> modo a explicar como são tomadas as <strong>de</strong>cisões nos<br />
Estados <strong>de</strong>mocráticos, a atuação do legislativo, dos grupos <strong>de</strong> pressão (lobbies).<br />
De acordo do Gonzáles 62 :<br />
En realidad lo que se consigue a través <strong>de</strong>l AED es pre<strong>de</strong>cir conductas <strong>de</strong><br />
seres humanos. Se parte <strong>de</strong>l principio que los seres humanos actúan em<br />
base a incentivos, y que en consecuencia buscan los que les favorece y<br />
evitan lo que les perjudica. En otras palabras tratan <strong>de</strong> maximizar beneficios<br />
y minimizar costos. En base a ello es posible encontrar formulas que<br />
60 SICA, Leonardo. Tutela Penal da or<strong>de</strong>m econômica no direito brasileiro: comparação entre as leis<br />
n. 8.137/90 e 8.884/94. In, Direito Penal econômico: análise contemporânea. VILLARDI, Celso<br />
Sanchez; PEREIRA, Flávia Rahal Bresser; DIAS NETO, Theodomiro (Coord). São Paulo: Saraiva,<br />
2009. p. 145.<br />
61 GICO JÚNIOR, Ivo. Introdução ao direito e economia. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e<br />
economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012. p. 01.<br />
62 GONZÁLES, Alfredo Bullard. Derecho y economía el análisis económico <strong>de</strong> las instituciones<br />
legales. 2. ed. Lima: Palestra, 2006. p. 41.
39<br />
permiten pre<strong>de</strong>cir (al menos presumir) como los individuos actuaran ante<br />
tales incentivos.<br />
Dado que el Derecho es un sistema <strong>de</strong> regulación <strong>de</strong> conductas, su relación<br />
con la economía aparece como evi<strong>de</strong>nte. Si uno quiere regular conducta,<br />
apren<strong>de</strong>r a pre<strong>de</strong>cirla es <strong>de</strong> suma utilidad. Saber el impacto <strong>de</strong> uma Ley, <strong>de</strong><br />
una <strong>de</strong>cisión judicial o <strong>de</strong> un contrato en la conducta futura permite poner al<br />
Derecho en contexto <strong>de</strong> realidad.<br />
Os próximos itens lavarão o leitor a reflexões sobre formação do Direito penal<br />
econômico pela a ação <strong>de</strong> grupos e os reflexos <strong>de</strong>sse ramo jurídico na tutela da<br />
or<strong>de</strong>m econômica.<br />
A Análise Econômica do Direito- EAD (na doutrina norte-americana Law and<br />
Economicis) tem sua origem mo<strong>de</strong>rna a partir <strong>de</strong> artigos produzidos na década <strong>de</strong><br />
1960 por autores ganhadores do prêmio Nobel como “Ronald Coase e Gary Becker,<br />
e os livros <strong>de</strong> Guido Calabresi e Richard Posner”. 63<br />
Em artigo publicado no Jornal Law and Economics em outubro <strong>de</strong> 1960,<br />
<strong>de</strong>nominado “O problema do custo social” (The problem of social cost), Ronald<br />
Coase <strong>de</strong>screve que os custos sociais como a poluição atmosférica <strong>de</strong>corrente das<br />
fábricas não é <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> falhas <strong>de</strong> mercado e portanto merecedor <strong>de</strong> <strong>maio</strong>r<br />
intervenção estatal, mas sim da in<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>.<br />
Coase 64 discorrendo sobre como as <strong>de</strong>cisões judiciais afetam a ativida<strong>de</strong><br />
econômica e seus custos, afirma:<br />
Of course, if market transactions were costless, all that matters (questions of<br />
equity apart) is that the rights of the various parties should be well-<strong>de</strong>fined<br />
and the results of legal actions easy to forecast. But as we have seen, the<br />
situation is quite different when market transactions are so costly as to make<br />
it difficult to change the arrangement of rights estab-lished by the law. In<br />
such cases, the courts directly influence economic activity. It would therefore<br />
seem <strong>de</strong>sirable that the courts should un<strong>de</strong>rstand the economic<br />
consequences of their <strong>de</strong>cisions and should, insofar as this is possible<br />
without creating too much uncertainty about the legal position itself, take<br />
these consequences into account when making their <strong>de</strong>cisions. Even when it<br />
is possible to change the legal <strong>de</strong>limitation of rights through market<br />
transactions, it is obviously <strong>de</strong>sirable to reduce the need for such<br />
transactions and thus reduce the employment of resources in carrying them<br />
out.<br />
63 GAROUPA, Nuno; GINSBURG, Tom. Análise econômica e direito comparado. In: TIMM, Luciano<br />
Benetti (Org.). Direito e economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012. p. 140.<br />
64 COASE, Ronald H. The problem of social cost. The Journal of Law and Economics, Vol. 3 (Oct.,<br />
1960), p. 19. Published by: The University of Chicago Press Stable. URL:<br />
.
40<br />
A Análise Econômica do Direito se apresenta, pois, como o fim <strong>de</strong> aplicar às<br />
<strong>de</strong>cisões jurídicas as regras e princípios da Economia, analisando-se os custos e os<br />
benefícios para se chegar à <strong>de</strong>cisão mais justa.<br />
Masso 65 prossegue citando parte do voto da Ministra Nancy Andrighi do<br />
Superior tribunal <strong>de</strong> Justiça, no Recurso especial nº 355.392-RJ, on<strong>de</strong> se discutia a<br />
fixação <strong>de</strong> danos morais:<br />
Enraizada na Escola <strong>de</strong> Chicago e tendo como <strong>maio</strong>res expoentes os<br />
Professores <strong>de</strong> Economia e Juizes da Corte <strong>de</strong> Apelação do Sétimo Circuito<br />
Richard Posner e Robert Bork, a Escola da. Análise Econômica do Direito<br />
parte do pressuposto <strong>de</strong> que a empresa jornalística atua como um agente<br />
<strong>de</strong> mercado: ao <strong>de</strong>cidir se publica ou não uma matéria difamatória, a<br />
imprensa toma em conta, <strong>de</strong> um lado, os valores fixados pelos Tribunais a<br />
título <strong>de</strong> danos morais e, <strong>de</strong> outro, a expectativa <strong>de</strong> receita que o ato ilícito<br />
irá trazer.<br />
Tomando o exemplo adotado por Jerrery L. Harrison (in Law and<br />
Economics, University od Florida, 2000, pg. 186/187), se a jurisprudência<br />
em casos semelhantes sinaliza que a con<strong>de</strong>nação não passará <strong>de</strong> US$ 90 e<br />
a expectativa <strong>de</strong> receita com a publicação da matéria difamatória alcança<br />
US$ 100, o ato ilícito será praticado pelo veículo informativo, eis que <strong>de</strong>ixará<br />
<strong>de</strong> lucrar US$ 10 (100 - 90) se não publicar a reportagem.<br />
De forma a coibir este comportamento socialmente in<strong>de</strong>sejável, como anota<br />
a linha <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>ntes oriundos da Suprema Corte dos Estados Unidos<br />
(cite-se, a respeito: New York Times Co., v. Sullivan, 376 U. S. 254, 1964),<br />
<strong>de</strong>ve o julgador, ao fixar o quantum <strong>de</strong>vido a título <strong>de</strong> danos morais, tomar<br />
em consi<strong>de</strong>ração a receita auferida pela imprensa com o ilícito praticado,<br />
pois do contrário estará estimulando os que buscam maximizar seu lucro<br />
em prejuízo <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>.<br />
Na avaliação do dano moral provocado por ofensa veiculada na imprensa<br />
escrita, que se utiliza <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas matérias para impulsionar a sua<br />
venda, mostra-se razoável o patamar fixado na sentença monocrática e<br />
mantida pelo e, TJRJ, porque leva em consi<strong>de</strong>ração aspectos peculiares do<br />
meio <strong>de</strong> transmissão do texto <strong>de</strong>preciativo e o benefício pecuniário auferido<br />
pelo agressor, às custas <strong>de</strong> sua vítima.<br />
A aplicação da AED ao fenômeno da criminalida<strong>de</strong> tem-se tornado um<br />
necessida<strong>de</strong> cada vez mais presente em nossa atual socieda<strong>de</strong>. O aumento da<br />
ocorrência <strong>de</strong> certos <strong>de</strong>litos, a efetivida<strong>de</strong> das penas aplicadas, a reincidência, o<br />
custo mensal para a manutenção <strong>de</strong> um <strong>de</strong>tento, são exemplos frequentes da<br />
relação entre crime e economia.<br />
Becker em seu artigo Crime e castigo uma abordagem econômica (Crime and<br />
punishment: na economic approach), <strong>de</strong> 1968, aprofunda o tema da análise<br />
econômica do crime, abordando questões como o uso dos recursos públicos para<br />
65 MASSO, Fabiano Del. Direito econômico esquematizado. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense; São Paulo:<br />
Método, 2012, p. 243-244.
41<br />
prevenir e pren<strong>de</strong>r criminosos, a gravida<strong>de</strong> da pena, a perda social e a própria<br />
impunida<strong>de</strong>.<br />
Não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> notar, por exemplo, o efeito econômico das penas<br />
restritivas <strong>de</strong> direito (art. 43 e seguintes do Código Penal), ao evitar a prisão celular<br />
e suas consequentes mazelas àqueles que cometeram <strong>de</strong>litos sem violência ou<br />
grave ameaça à pessoa.<br />
Becker 66 , discorrendo sobre o processo penal norte-americano assim se<br />
manifesta:<br />
Actual criminal proceedings in the United States appear to seek a mixture of<br />
<strong>de</strong>terrence, compensation, and vengeance. I have already indicated that<br />
these goals are somewhat contradictory and cannot generally be<br />
simultaneously achieved; for example, if punishment were by fine,<br />
minimizing the social loss from offenses would be equivalent to<br />
compensating<br />
"victims" fully, and <strong>de</strong>terrence or vengeance could only be partially pursued.<br />
Therefore, if the case for fines were accepted, and punishmentby optimal<br />
fines became the norm, the traditional approach to criminal law would have<br />
to be significantly modified.<br />
First and foremost, the primary aim of all legal proceedings would become<br />
the same: not punishment or <strong>de</strong>terrence, but simply the assessment of the<br />
"harm" done by <strong>de</strong>fendants. Much of traditional criminal law would become a<br />
branch of the law of torts,53 say "social torts," in which the public would<br />
collectively sue for "public" harm. A "criminal" action<br />
would be <strong>de</strong>fined fundamentally not by the nature of the action but by the<br />
inability of a person to compensate for the "harm" that he caused.<br />
Thus an action would be "criminal" precisely because it results in<br />
uncompensated "harm" to others. Criminal law would cover all such actions,<br />
while tort law would cover all other (civil) actions. As a practical example of<br />
the fundamental changes that would be wrought, consi<strong>de</strong>r the antitrust field.<br />
A doutrina exposta pela Análise Econômica do Direito, ainda pouco conhecida<br />
entre os juristas brasileiros, apesar <strong>de</strong> ser discutida aca<strong>de</strong>micamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
década <strong>de</strong> 1960 nos países da common law (em especial os Estados Unidos) vem<br />
aumentando seu raio <strong>de</strong> influência em boa hora, gerando a expectativa <strong>de</strong> uma<br />
melhor produção legislativa, bem como uma interpretação mais justa e consentânea<br />
com direitos e garantias fundamentais do Estado Democrático <strong>de</strong> Direito.<br />
66 BECKER, Gary S. Crime and Punishment: An Economic Approach. Journal of Political Economy, V<br />
76, nº 1, p 169-217, 1968. p. 33.
42<br />
2.11 Criminalida<strong>de</strong> Econômica e o Mo<strong>de</strong>rno Direito Penal<br />
O Direito Penal dito liberal tem sua origem após a Revolução Francesa do<br />
século XVIII com o intuito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos direitos fundamentais do homem contra o<br />
arbítrio do Estado, ou seja, limitação do po<strong>de</strong>r punitivo estatal.<br />
Essa limitação ocorre na medida em que somente alçam proteção por parte<br />
<strong>de</strong>sse ramo do direito aqueles bens jurídicos consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> suma relevância para<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> (princípio da fragmentarieda<strong>de</strong>), quando<br />
outros instrumentos do estado forem insuficientes para a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>sses bens<br />
(princípio da subsidiarieda<strong>de</strong>).<br />
Discorrendo sobre os princípios da ofensivida<strong>de</strong>, fragmentarieda<strong>de</strong> e<br />
subsisdiarieda<strong>de</strong>, leciona Gomes 67 :<br />
O legislador <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>screver as figuras típicas <strong>de</strong> tal modo a reconhecer a<br />
ofensivida<strong>de</strong> da conduta. Mas para além da ofensivida<strong>de</strong> é preciso também<br />
constatar sua intolerabilida<strong>de</strong>. Somente o ataque intolerável (segundo o<br />
princípio da fragmentarieda<strong>de</strong>) é que po<strong>de</strong> ser penalmente castigado. E<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não haja outros meios mais idôneos (princípio da<br />
subsidiarieda<strong>de</strong>).<br />
A lógica que os dois aspectos da intervenção mínima (fragmentarieda<strong>de</strong> e<br />
subsidiarieda<strong>de</strong>) comporta, por conseguinte, é esta: não há crime sem<br />
conduta; não há conduta penalmente relevante sem ofensa a um bem<br />
jurídico; não há ofensa penalmente punível senão quando for intolerável;<br />
porém, em razão da intervenção mínima do Direito penal, nem toda a<br />
ofensa intolerável <strong>de</strong>ve constituir <strong>de</strong>lito, porque po<strong>de</strong> haver outros meios<br />
mais idôneos para sua proteção.<br />
A ofensivida<strong>de</strong>, como se vê, no plano político-criminal, é uma exigência<br />
prévia à fragmentarieda<strong>de</strong> e à subsidiarieda<strong>de</strong>. Precisamente porque a<br />
intervenção mínima está voltada para a análise tanto do caráter intolerável<br />
do ataque como da existência <strong>de</strong> outros meios mais idôneos para a<br />
proteção do bem jurídico.<br />
O chamado mo<strong>de</strong>rno Direito Penal, por seu turno, surge após a II Guerra<br />
Mundial, diferenciando-se do outrora citado liberal “na medida em que leva ao<br />
extremo a pretensão <strong>de</strong> tutela <strong>de</strong> bens jurídicos, acabando por colocar <strong>de</strong>ntro do<br />
direito penal muita coisa que nele não encontra solução a<strong>de</strong>quada”. 68<br />
67 GOMES, Luis Flávio. Princípio da ofensivida<strong>de</strong> no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />
2002. p. 44-45.<br />
68 GOMES, Luis Flávio. Princípio da ofensivida<strong>de</strong> no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />
2002. p. 22.
43<br />
Nessa linha, os chamados bens jurídicos supraindividuais, tais como a “or<strong>de</strong>m<br />
econômica” sofrem críticas em virtu<strong>de</strong> da perda <strong>de</strong> certeza da noção <strong>de</strong> bem<br />
jurídico, uma vez que o direito penal mo<strong>de</strong>rno vem para <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> expectativas<br />
sociais em relação ao or<strong>de</strong>namento jurídico.<br />
Para tanto, o legislador tem se valido das chamadas normas penais em<br />
branco, cuja complementação se dá no caso concreto, colocando-se em risco o<br />
princípio da taxativida<strong>de</strong> penal. Ao lado disso, esse Direito Penal do risco<br />
(expansionista) sugere o troca da figura do legislador por uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fontes<br />
normativas (portarias, <strong>de</strong>cretos...), ferindo-se assim o postulado da separação <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>res.<br />
Sobre o tema se manifesta Yacobucci 69 :<br />
Essa nova realida<strong>de</strong> repercute na consi<strong>de</strong>ração das exigências do princípio<br />
da legalida<strong>de</strong> penal. Assim é possível verificar um consi<strong>de</strong>rável aumento<br />
nas leis penais em branco proporcional ao avanço do direito penal nos<br />
campos da economia, da regulação do mercado bancário e financeiro, do<br />
meio ambiente e da saú<strong>de</strong> pública.<br />
(...)<br />
A<strong>de</strong>mais as novas técnicas <strong>de</strong> legislação têm tornado problemática a<br />
proibição da analogia, visto que o legislador se vale <strong>de</strong> analogias intratípicas<br />
ou mesmo da enumeração <strong>de</strong> características que <strong>de</strong>ve completar o juiz<br />
diante do caso concreto. Dessa forma a taxativida<strong>de</strong> (certeza) se relativiza.<br />
Por outro lado, o <strong>maio</strong>r uso <strong>de</strong> elementos normativos e valorativos também<br />
conduz a colocar em dúvida a certeza da lei penal, <strong>de</strong>ixando nas mãos do<br />
juiz o complemento final (a moldura) do tipo.<br />
(...)<br />
Hoje se fala <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> riscos em que se <strong>de</strong>ve aten<strong>de</strong>r a<br />
situações especiais em áreas muito complexas como meio ambientes, das<br />
finanças, do mercado, etc. A partir <strong>de</strong>sses critérios se sustenta que a<br />
legislação penal <strong>de</strong>ve adiantar-se à lesão dos bens que preten<strong>de</strong> proteger.<br />
Isso significa que a técnica legislativa <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado o mo<strong>de</strong>lo dos<br />
<strong>de</strong>litos <strong>de</strong> lesão para adotar tipos penais <strong>de</strong> perigo (incluindo-se aí o perigo<br />
abstrato).<br />
As razões para esse adiantamento da tutela penal residiram em que uma<br />
lesão <strong>de</strong>sses bens macrossociais seria <strong>de</strong> tamanha importância que a<br />
função do direito penal resultaria inútil (não po<strong>de</strong> esperar a lesão; <strong>de</strong>ve-se<br />
punir <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo o mero perigo). Os tipos penais <strong>de</strong> perigo abstrato<br />
admitem um “adiantamento” e a aplicação da sanção só com o comprovarse<br />
que se superou o padrão <strong>de</strong> risco socialmente permitido.<br />
69 YACOBUCCI, Jorge Guillermo. A crise do conceito tradicional <strong>de</strong> bem jurídico penal. In: As gran<strong>de</strong>s<br />
transformações do direito penal tradicional. GOMES, Luiz Flávio; YACOBUCCI, Jorge Guillermo.<br />
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 43-45.
44<br />
A criminalida<strong>de</strong> econômica no Brasil sofre forte influxo <strong>de</strong>sse direito penal<br />
“mo<strong>de</strong>rno”, uma vez que a or<strong>de</strong>m econômica, tal como <strong>de</strong>limitada na Carta Política<br />
<strong>de</strong> 1988 a partir do art. 170.<br />
Os crimes contra a Or<strong>de</strong>m Tributária, previstos na Lei 8.137/1990 são<br />
exemplos claros disso.<br />
Oliveira Júnior 70 em relação à citada Lei assim comenta:<br />
A normação em causa também vem impregnada <strong>de</strong> elementos normativos,<br />
e enunciada, muita vez, através <strong>de</strong> cláusulas abertas, algumas das quais<br />
extremamente lacunosas e <strong>de</strong> apoucada clareza conteudística, colocando<br />
em xeque-<strong>de</strong> certa forma- o princípio garantístico da taxativida<strong>de</strong> (nullum<br />
crime sine lege scripta et stricta) e dificultando a compreensão da<br />
literalida<strong>de</strong> das disposições normativas. Exemplificando o que afirmado<br />
retro, tem-se as alíneas “b”, “c” e “d”, inc. I, do art. 4º, as quais <strong>de</strong>finem<br />
práticas concentracionistas, apesar <strong>de</strong> a redação da alínea “d” dar a<br />
enten<strong>de</strong>r que somente os atos <strong>de</strong> concentração ali elencados são<br />
incriminados pela lei, <strong>de</strong>sacertos quiçá <strong>de</strong>correntes das peculiarida<strong>de</strong>s e<br />
complexida<strong>de</strong>s do fenômeno concorrencial. Estas e outras tantas<br />
inexatidões constantes no texto da norma- é bem verda<strong>de</strong>- cobram<br />
minu<strong>de</strong>nte e rigorosa análise empírica por parte do intérprete.<br />
Outro aspecto importante a ser salientado refere-se ao aspecto social da<br />
norma penal econômica. Trata-se <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> diferente daquela<br />
clássica, voltada para bens jurídicos individuais (vida, patrimônio, honra, etc). O bem<br />
jurídico tutelado (or<strong>de</strong>m econômica) enfrenta a chamada criminalida<strong>de</strong> do “colarinho<br />
branco” praticada por pessoas <strong>de</strong> elevada instrução, boa reputação e status social.<br />
De acordo com Diéz Ripollés 71 :<br />
O processo sociológico <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado por uma <strong>de</strong>cisão legislativa penal<br />
tem início com o êxito <strong>de</strong> um agente social em tornar crível a existência <strong>de</strong><br />
uma disfunção social, e que necessita, portanto, <strong>de</strong> algum tipo <strong>de</strong><br />
intervenção penal. Por disfunção social <strong>de</strong>ve-se enten<strong>de</strong>r, em linhas gerais,<br />
a falta <strong>de</strong> relação entre uma <strong>de</strong>terminada situação social ou econômica e a<br />
resposta ou falta <strong>de</strong> resposta que a ela dá o subsistema jurídico, nesse caso<br />
o Direito Penal.<br />
70 OLIVEIRA JÚNIOR, Gonçalo Farias <strong>de</strong>. Or<strong>de</strong>m econômica e direito penal antitruste. Curitiba:<br />
Juruá, 2008. p. 124.<br />
71 DIÉZ RIPOLLÉS, José Luis. A racionalida<strong>de</strong> das leis penais: teoria e prática. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2005. p. 21.
45<br />
2.12 Do crime societário<br />
De uso corrente na jurisprudência, Prates 72 <strong>de</strong>fine crime societário “como<br />
aquele praticado por indivíduo, isolada ou coletivamente, agindo em nome da<br />
pessoa jurídica, como seu mandatário ou representante”.<br />
Ressalta-se que o crime societário não se equipara ao crime praticado pela<br />
pessoa jurídica. O conceito <strong>de</strong> crime societário diz respeito aos indivíduos que agem<br />
em nome da socieda<strong>de</strong>.<br />
No âmbito civil é possível a atribuição, inclusive acumulação da<br />
responsabilida<strong>de</strong> pelo ilícito a pessoa jurídica e aos seus mandatários<br />
simultaneamente. No direito penal isso não é possível, sendo responsabilizada<br />
apenas a pessoa natural.<br />
Apesar <strong>de</strong> <strong>maio</strong>r relevância no âmbito da criminalida<strong>de</strong> econômica, os crimes<br />
societários não se restringem a essa esfera, uma vez que po<strong>de</strong> abarcar outros bens<br />
jurídicos como o meio ambiente e os crimes <strong>de</strong> imprensa.<br />
No que tange ao concurso <strong>de</strong> pessoas, esse não se faz necessário para se<br />
consumar a pratica do <strong>de</strong>lito em questão. Mesmo que para a constituição <strong>de</strong> uma<br />
socieda<strong>de</strong> seja necessário à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> varias pessoas, um individuo isoladamente<br />
po<strong>de</strong> agir em nome da organização, praticando atos criminosos.<br />
Com essas consi<strong>de</strong>rações, passa-se ao estudo dos aspectos materiais do<br />
crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais.<br />
72 PRATES, Renato Martins. Acusação genérica em crimes societários. Belo Horizonte: Del Rey,<br />
2000. p. 13.
46<br />
3 DO CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS<br />
3.1 Consi<strong>de</strong>rações iniciais<br />
A preocupação com a lavagem <strong>de</strong> capitais tem evoluído ao longo do tempo,<br />
não somente em face da constante sofisticação das formas pelas quais ela é<br />
perpetrada, mas também pelo dano que esse tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito causa nas economias<br />
nacionais. A situação se agrava quando se leva em conta o fenômeno da<br />
globalização e seu paralelo avanço tecnológico 73 .<br />
Como resultado <strong>de</strong>sse momento, as relações políticas sociais e econômicas<br />
passam a ser <strong>de</strong>terminadas por processos globais, cada vez mais influenciados pela<br />
internet (a chamada socieda<strong>de</strong> da informação), com a comunicação <strong>de</strong> massa em<br />
tempo real. Diversas foram as facilida<strong>de</strong>s criadas no que se refere a transações<br />
comerciais, como por exemplo, as pessoas po<strong>de</strong>m se valer <strong>de</strong> seus smartphones<br />
para pagar contas, transferir valores.<br />
Aproveitando-se <strong>de</strong>ssas maravilhosas invenções, a inteligência humana<br />
voltada para a criminalida<strong>de</strong>, procurou se adaptar a esses novos tempos, on<strong>de</strong><br />
culturas, economias e fronteiras são voláteis e até mesmo virtuais, na medida em<br />
73<br />
Sobre o papel do Estado face à Globalização, COELHO, Edihermes Marques. Direitos humanos:<br />
globalização <strong>de</strong> mercados e o garantismo como referência jurídica necessária. São Paulo: Juarez <strong>de</strong><br />
Oliveira, 2003. p. 62-64, assim se manifesta:<br />
O que se vê, entretanto, é uma crise do Estado como instituição política e do Estado <strong>de</strong> Direito como<br />
referência jurídico-política.<br />
(...)<br />
O que se propugna aqui é que os Estados, diante da socieda<strong>de</strong> do conhecimento e da tecnologia, <strong>de</strong>vem<br />
congregar ao menos dois papéis, para que possa aten<strong>de</strong>r ao conjunto social como um todo: o papel d<br />
organizador da economia e o papel <strong>de</strong> garantidor da cidadania. A conjunção <strong>de</strong>stes dois fatores é que<br />
po<strong>de</strong> dar ao Estado as características que o mundo contemporâneo necessita, tanto no aspecto<br />
econômico quanto no aspecto social.<br />
Como organizador da economia, cabe ao Estado servir como estimulador das ativida<strong>de</strong>s privadas<br />
(singulares, associadas ou cooperativadas), monitorando as realida<strong>de</strong>s regionais <strong>de</strong> tal maneira que<br />
se possa qualificar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> acordo com as potencialida<strong>de</strong>s específicas <strong>de</strong> cada espaço<br />
geográfico. Por um lado, haveria <strong>de</strong> incentivar as iniciativas e empreendimentos privados; porém,<br />
haveria <strong>de</strong> controlar, fiscalizar e monitorar as ativida<strong>de</strong>s econômicas <strong>de</strong> tal modo que o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do país se dê <strong>de</strong> acordo com as necessida<strong>de</strong>s coletivas, <strong>de</strong> modo a se compartilhar<br />
os benefícios do <strong>de</strong>senvolvimento econômico-financeiro.<br />
Como garantidor da cidadania, caberia ao Estado: guarnecer juridicamente e fomentar através <strong>de</strong><br />
políticas públicas a efetivação dos direitos fundamentais essenciais à condição humana <strong>de</strong> existência<br />
no mundo; controlar as violações jurídicas e políticas do sistema jurídico, que <strong>de</strong>satendam aos<br />
preceitos constitucionais garantidores da condição humana; e, ainda, direcionar suas ativida<strong>de</strong>s para<br />
o planejamento da vida humana no futuro, garantindo o espaço humano <strong>de</strong> convivência na Terra.
47<br />
que as relações pessoais passam a migrar para o ciberespaço (sem fronteiras) 74 .<br />
As ações <strong>de</strong> grupos criminosos passam a ser um problema transnacional e não mais<br />
doméstico <strong>de</strong> cada país, o que dificulta o combate a tais grupos, não só em face da<br />
peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada legislação nacional, mas também pela sofisticação dos meios<br />
empregados para o mascaramento e cometimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s ilícitas, em um<br />
mundo <strong>de</strong> privatizações, abertura <strong>de</strong> mercados e incremento do comércio<br />
internacional.<br />
O fortalecimento <strong>de</strong> blocos econômicos no final dos anos <strong>de</strong> 1990 e início<br />
<strong>de</strong>sse século XX, começaram a colocar em discussão a noção <strong>de</strong> soberania, uma<br />
vez que tais comunida<strong>de</strong>s supranacionais passaram a interferir em questões locais<br />
<strong>de</strong> seus membros, alterando as estruturas políticas, econômicas, culturais e<br />
sociais 75 . Passa-se a discutir o caráter absoluto da soberania nacional, que se vê<br />
relativizada ou até mesmo extinta em face <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r constituinte <strong>de</strong> caráter<br />
supranacional, que impõe a uniformização <strong>de</strong> legislações internas e sua<br />
subordinação a uma or<strong>de</strong>m jurídica internacional, afetando assim a autonomia e a<br />
in<strong>de</strong>pendência dos Estados nacionais.<br />
Nessa linha, consi<strong>de</strong>rando que a criminalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser um fenômeno<br />
local para ultrapassar as fronteiras nacionais (sejam fisicamente ou no mundo virtual<br />
da internet) há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se compatibilizar as legislações internas <strong>de</strong> cada<br />
país para o combate à criminalida<strong>de</strong> transnacional através <strong>de</strong> tratados internacionais<br />
estabelecedores <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> cooperação.<br />
Tal receio <strong>de</strong>corre do fato <strong>de</strong> que não se está diante <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos tradicionais ou<br />
perceptíveis pelos sentidos como o furto, ou roubou ou a lesão corporal, mas <strong>de</strong><br />
74<br />
Para BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 35. “Resulta daí a chamada criminalida<strong>de</strong> transnacional, gerada pelo contexto<br />
globalizado em que vivemos, no qual a inter<strong>de</strong>pendência generalizada faz com que ações locais e<br />
singulares tenham consequências gerais, longínquas e inesperadas. “<br />
75 De acordo com BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas:<br />
com comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 37: “De fato, a globalização se tornou uma realida<strong>de</strong> impulsionada pela economia<br />
mundial. Constitui um fenômeno movido pela expansão do capital produtivo e financeiro. Por força<br />
disto é que se <strong>de</strong>u <strong>maio</strong>r integração <strong>de</strong> mercados e a consequente inter<strong>de</strong>pendência econômica dos<br />
países, geralmente difundida no seio <strong>de</strong> blocos econômicos regionais, como são exemplos a União<br />
Européia, o NAFTA (América do Norte), o Pacto do Pacífico (leste e su<strong>de</strong>ste da Ásia) e o Mercosul.<br />
Mas, para tanto, foi <strong>de</strong> fundamental importância o advento das mo<strong>de</strong>rnas tecnologias, notadamente o<br />
emprego da internet como instrumento <strong>de</strong> apoio.<br />
Na medida em que os blocos econômicos vão se formando e se estabelecem novas relações <strong>de</strong> mútuo<br />
interesse, também novas situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgaste interno do sistema vão se multiplicando, gerando<br />
crises <strong>de</strong> in<strong>de</strong>finição jurídica.”
48<br />
condutas que não são palpáveis e ao mesmo tempo afetam bens jurídicos<br />
pertencentes a um número in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> pessoas 76 .<br />
A regulação da política econômica estatal passa a revelar novas relações<br />
entre capital e trabalho, necessitando-se <strong>de</strong> instrumentos eficazes <strong>de</strong> intervenção<br />
estatal no domínio econômico para a <strong>de</strong>fesa da or<strong>de</strong>m pública econômica e social,<br />
<strong>de</strong> modo que a participação estatal na or<strong>de</strong>m econômica não se restringisse à mera<br />
criação <strong>de</strong> leis econômicas.<br />
Sutherland 77 ao analisar a <strong>de</strong>finição do <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> colarinho branco <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
uma teoria <strong>de</strong> conduta <strong>de</strong>litiva, afirma que são elementos necessários para tanto a<br />
<strong>de</strong>scrição legal <strong>de</strong> um ato como socialmente lesivo e a previsão legal <strong>de</strong> uma pena<br />
para tal ato. O critério aplicado para <strong>de</strong>finir os <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> colarinho branco não é<br />
diferente daquele usado para <strong>de</strong>finir outros <strong>de</strong>litos. As diferenças encontram-se na<br />
<strong>maio</strong>r proteção conferida ao acusado da prática <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> colarinho branco 78<br />
(regras sobre o dolo e a presunção <strong>de</strong> inocência), o elevado status social <strong>de</strong>ste<br />
(enquanto que nos <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>litos, os acusados, em sua, gran<strong>de</strong> <strong>maio</strong>ria são<br />
pessoas pobres, estigmatizadas). Define-o o autor “como um <strong>de</strong>lito cometido por<br />
uma persona <strong>de</strong> respetabilidad y estatus social alto en el curso <strong>de</strong> su ocupación.<br />
Des<strong>de</strong> a crise do liberalismo evi<strong>de</strong>nciada pelo crash da bolsa <strong>de</strong> Nova Iorque<br />
em 1929, cria-se um intervencionismo estatal (diretriz <strong>de</strong> condução <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados<br />
setores econômicos e proteção da economia nacional e popular) faz surgir um<br />
conjunto <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> controle das das ativida<strong>de</strong>s econômicas, que implicou<br />
76 De acordo com ALLER, Gérman. White collar crime: Edwin Suterland Y "el <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> cuello blanco" 1.<br />
In: SUTHERLAND, Edwin H. El <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> cuello blanco. Buenos Aires: Editorial B <strong>de</strong> F, 2009, p. XIV)<br />
em seus comentários sobre a obra <strong>de</strong> Sutherland (O <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> colarinho branco), “En virtud <strong>de</strong> lo<br />
abundante que se habla y escribe em el ámbito académico acerca <strong>de</strong> los <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> cuello blanco,<br />
resulta pertinente retroce<strong>de</strong>r en el tiempo y revisar los orígenes <strong>de</strong> tan intrincado nudo gordiano para<br />
procurar compreen<strong>de</strong>r mejor lo que hoy se percebe como uno <strong>de</strong> los aspectos <strong>de</strong>ficientes <strong>de</strong>l aparato<br />
penal, como sin duda lo es la criminalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. A su vez, este tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos no se refieren<br />
exclusivamente a um único elenco <strong>de</strong> conductas, pero sí se aglutinan emtrono a la <strong>de</strong>lincuencia<br />
económica. Vale <strong>de</strong>cir, ésta es uma fiel manifestación <strong>de</strong> los <strong>de</strong>nominados <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> cuello blanco,<br />
pero há <strong>de</strong> hacerse la salvedad em cuanto a que no todos los <strong>de</strong>litos económicos son <strong>de</strong> ese tipo noi<br />
todos los <strong>de</strong> cuello blanco son ilícitos económicos. Por outra parte, el lego pue<strong>de</strong> confundir<br />
expresiones que se asemejan, aunque guardan escassa relación. Así, viene al caso apuntar que el<br />
<strong>de</strong>lito <strong>de</strong> cuello blancono es lo mismo que el <strong>de</strong> guante blanco, a pesar <strong>de</strong> la semejanza linguística,<br />
dado que el primeiro es relativo al po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que disponga el autor <strong>de</strong> la conducta <strong>de</strong>lictiva, em tanto<br />
que el segundo se refiere a la actuación impoluta <strong>de</strong>l agente criminal.”<br />
77 SUTHERLAND, Edwin H. El <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> cuello blanco. Buenos Aires: Editorial B <strong>de</strong> F, 2009. p. 09.<br />
78<br />
ALMEIDA, André Vinícius <strong>de</strong>. O erro <strong>de</strong> tipo no direito penal econômico. Porto Alegre: Sérgio<br />
Antônio Fabris, 2005. p. 86-87, em sua obra O Erro <strong>de</strong> Tipo no Direito Penal Econômico afirma que:<br />
[...] propôs-se no âmbito do direito legislado que adotassem os tribunais, para o Direito Penal<br />
Econômico, tratamento hermenêutico próprio, consistente na afirmação <strong>de</strong> que o erro sobre os<br />
elementos normativos jurídicos, tais como o “<strong>de</strong>ver tributário”, embora erro <strong>de</strong> proibição, haveria que<br />
ser reconhecido sempre como invencível, <strong>de</strong> sorte a tornar impunível a conduta [...].
49<br />
também na criação <strong>de</strong> normas penais que protejam esta regulação (criação <strong>de</strong> um<br />
escudo protetor da soberania nacional em dispositivos constitucionais versando<br />
sobre a or<strong>de</strong>m econômica e social). É <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse contexto que começa a se<br />
discutir um novo tipo <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>, que envolvia o mundo dos negócios, on<strong>de</strong> a<br />
violência ce<strong>de</strong> à inteligência (crimes <strong>de</strong> colarinho Branco - teoria do White collar<br />
crime, como acima referido.<br />
Há uma mudança na feição da criminalida<strong>de</strong> 79 . Da simplicida<strong>de</strong> para a<br />
complexida<strong>de</strong>. Da violência para a frau<strong>de</strong>. Todavia, não houve historicamente uma<br />
política criminal totalmente bem <strong>de</strong>finida para a interferência penal na economia,<br />
mas sim intervenções estatais esparsas.<br />
A partir daí, a or<strong>de</strong>m econômica passa a ser tutelada como um bem jurídico<br />
supraindividual, no qual não são encontradas vítimas reconhecíveis. A construção<br />
do direito penal econômico acaba por se mostrar em tutela <strong>de</strong> um direito penal<br />
diverso da tradição liberal (bens jurídicos individuais) 80 .<br />
O mundo globalizado trouxe novas formatações para a ativida<strong>de</strong> criminosa,<br />
com a criminalida<strong>de</strong> supranacional 81 e o crime organizado, trazendo a tona o<br />
binômio po<strong>de</strong>r hegemônico global e <strong>de</strong>litos macroeconômicos.<br />
79 DE SANCTIS, Fausto Martin. Combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Teoria e prática. Campinas:<br />
Milliennium, 2008. p. 149, afirma que a característica básica dos crimes econômicos é a ausência <strong>de</strong><br />
valoração social negativa que proce<strong>de</strong> <strong>de</strong> vários fatores:<br />
a) Egoísmo exagerado (total <strong>de</strong>sprezo às classes menos favorecidas);<br />
b) Certeza <strong>de</strong> impunida<strong>de</strong> (mediante organização criminosa com conveniência das autorida<strong>de</strong>s<br />
encarregadas <strong>de</strong> sua repressão; provas mal produzidas e <strong>de</strong> difícil apuração).”<br />
80 A Carta Magna <strong>de</strong> 1988 consigna a partir do art. 170 o modo <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> nossa economia, a qual <strong>de</strong>ve<br />
ser fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos<br />
existência digna, conforme os ditames da justiça social. Nesse ponto a doutrina discute se o Texto<br />
Magno representa nesse ponto uma constituição econômica. “A garantia da or<strong>de</strong>m econômica<br />
autoriza a custódia cautelar, se as ativida<strong>de</strong>s ilícitas do grupo criminoso a que, supostamente,<br />
pertence o paciente repercutem negativamente no comércio lícito e, portanto, alcançam um<br />
in<strong>de</strong>terminado contingente <strong>de</strong> trabalhadores e comerciantes honestos. Vulneração do princípio<br />
constitucional da livre concorrência.” (HC 91.285, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 13-11-2007,<br />
Primeira Turma, DJE <strong>de</strong> 25-4-2008.)<br />
81 O Direito Penal clássico foi moldado <strong>de</strong>ntre uma estrutura liberal (econômica), portanto individualista,<br />
ao passo que esse mo<strong>de</strong>rno ramo do direito surgido após a II Guerra Mundial, focado no coletivo<br />
(sem <strong>de</strong>spreocupar com os interesses individuais) tem sua legitimida<strong>de</strong> pautada na <strong>de</strong>fesa dos<br />
interesses fundamentais da vida social. Nesse sentido se pronuncia SILVEIRA, Renato <strong>de</strong> Mello<br />
Jorge. Direito penal supraindividual: interesses difusos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.<br />
62): Os bens jurídicos coletivos <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>finidos a partir <strong>de</strong> uma relação social baseada numa<br />
satisfação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada um dos membros da socieda<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong>, em<br />
consonância com o sistema social. Não hão <strong>de</strong> ser fundamentados, pois, sob uma i<strong>de</strong>ia tradicional,<br />
vislumbrando-se um caráter microssocial, mas a própria e particularmente macrossocial. Assim,<br />
<strong>de</strong>ixando a latere a dimensão individual e <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>, ter-se-á com eles, a i<strong>de</strong>ia referente ao<br />
funcionamento do sistema, ou seja, a processos ou funções que este venha a cumprir para que,<br />
justamente, possam estar materialmente asseguradas as bases e as condições do mesmo, isto é, as<br />
relações microssociais, os mencionados bens jurídicos individuais.
50<br />
A consequência <strong>de</strong>ste fenômeno é que a estrutura tradicional <strong>de</strong> punição<br />
penal não consegue alcançar a nova criminalida<strong>de</strong>, uma vez que o crescente<br />
domínio do <strong>de</strong>lito econômico, que se utiliza da economia mundial, torna impotente os<br />
estados nacionais e <strong>de</strong> organismos internacionais.<br />
Diante <strong>de</strong>sses fatos, os Estado tem se valido do Direito Penal para a <strong>de</strong>fesa<br />
<strong>de</strong> suas or<strong>de</strong>ns econômicas, criando um conjunto <strong>de</strong> normas para a proteção da<br />
produção, distribuição e consumo <strong>de</strong> bens e serviços (sentido latu). Já em sentido<br />
restrito, um conjunto <strong>de</strong> normas jurídico-penais que protegem a or<strong>de</strong>m econômica,<br />
tida como regulação jurídica do intervencionismo estatal na economia 82 . Assim, o<br />
crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado uma subespécie <strong>de</strong> crime contra<br />
a or<strong>de</strong>m econômica. Consi<strong>de</strong>rado crime do colarinho branco, a lavagem <strong>de</strong> capitais<br />
é um <strong>de</strong>lito que causa graves danos à economia dos países, além <strong>de</strong> estar<br />
claramente vinculada ao narcotráfico e ao financiamento do terrorismo 83 .<br />
Barros 84 afirma que no caso brasileiro, o processo <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro foi<br />
impulsionado pelo mo<strong>de</strong>lo neoliberal aqui adotado, caracterizado pelas privatizações<br />
e gran<strong>de</strong>s fusões, com gran<strong>de</strong> volume <strong>de</strong> dinheiro em circulação no sistema<br />
econômico e financeiro virtual. A criminalização da lavagem <strong>de</strong> capitais segue uma<br />
tendência internacional na medida em esse tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito se insere em um contexto<br />
82<br />
Sobre tal, importante a lição <strong>de</strong> SILVA, José Afonso da. Curso <strong>de</strong> direito constitucional positivo.<br />
15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 756-757: “Reconhecemos valor ao conceito <strong>de</strong> constituição<br />
econômica, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não pensemos que as bases constitucionais da or<strong>de</strong>m econômica é que<br />
<strong>de</strong>finem a estrutura <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado sistema econômico, pois isso seria admitir que a constituição<br />
formal (superestrutura) constitua a realida<strong>de</strong> material (constituição material: infra-estrutura). Mas<br />
também não se trata <strong>de</strong> aceitar um <strong>de</strong>terminismo econômico mecânico sobre a realida<strong>de</strong> jurídica<br />
formal. Se esta é forma, torna evi<strong>de</strong>nte que recebe daquela os fundamentos <strong>de</strong> seu conteúdo.”<br />
(...)<br />
“Vale dizer: a constituição econômica formal brasileira consubstancia-se na parte da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral que contém os direitos que legitimam a atuação dos sujeitos econômicos, o conteúdo e<br />
limites <strong>de</strong>sses direitos e a responsabilida<strong>de</strong> que comporta o exercício da ativida<strong>de</strong> econômica”.<br />
83 MARTINS, Patrick Salgado. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro transnacional e obrigatorieda<strong>de</strong> da ação penal.<br />
Belo Horizonte: Arraes, 2011. p. 79, afirma: “E, mesmo que diversas as organizações criminosas em<br />
sua cultura, estrutura, território, finanças, força política, especialida<strong>de</strong> etc., todas apresentam a<br />
finalida<strong>de</strong> do lucro e as conexões (locais, nacionais e transnacionais) como características comuns,<br />
além do planejamento empresarial, da exigência <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong> dos membros e da estrutura<br />
hierarquizada, baseada em organismos direcionais <strong>de</strong> classes e divisões funcionais.<br />
84 BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com comentários,<br />
artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.<br />
38.
51<br />
<strong>de</strong> economia globalizada 85 .<br />
No presente capítulo analisaremos os aspectos materiais do crime lavagem<br />
<strong>de</strong> dinheiro previstos na Lei 9613/1998, ficando os aspectos<br />
processuais/investigativos a cargo do capítulo IV.<br />
3.2 Antece<strong>de</strong>ntes históricos da lavagem <strong>de</strong> capitais<br />
É certo que a lavagem <strong>de</strong> capitais proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s ilícitas não é um<br />
fenômeno novo, historicamente, os criminosos sempre tentaram ocultar os frutos <strong>de</strong><br />
suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>litivas, supondo, logicamente que o <strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong> tais fundos<br />
por parte das autorida<strong>de</strong>s conduziria, obviamente, aos <strong>de</strong>litos que os geraram.<br />
A origem o <strong>de</strong>lito per<strong>de</strong>-se na história, mas é sabido que a pirataria já fazia<br />
uso da lavagem <strong>de</strong> capitais, conforme afirma Mendroni, “Muitas coisas eram obtidas<br />
através <strong>de</strong> roubos, mas muitas outras através dos portos amigos” 86 , com mol<strong>de</strong>s<br />
parecidos com os atuais, senão vejamos:<br />
O navio pirata necessitava <strong>de</strong> “dinheiro” para funcionar. Na verda<strong>de</strong>, eles<br />
mantinham um esquema <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais a exemplo do que se<br />
observa nos dias atuais. Eles davam – entregavam ou “colocavam”<br />
(placement) – o lote e as mercadorias (ouro, moedas espanholas, peças<br />
caras <strong>de</strong> ouro e prata) para mercadores americanos <strong>de</strong> reputação, que as<br />
trocavam por várias quantias menores ou por moedas mais caras. As<br />
cargas dos navios capturados eram muito procuradas pelos mercadores<br />
americanos. Não havia real necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acomodação (layering), já que<br />
os piratas operavam abertamente e as mercadorias eram facilmente aceitas<br />
e trocadas. Integração (integration) dos fundos lavados se tornava<br />
importante somente quando o pirata resolvia se aposentar, e todos o faziam<br />
na então alegre velha Inglaterra. Lá, aportando a gama <strong>de</strong> valores<br />
amealhados, pela falta <strong>de</strong> documentação um pirata aposentado podia<br />
tranquilamente trazer consigo uma verda<strong>de</strong>ira fortuna aparentemente nas<br />
colônias sob a aparência <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> negócios legítimos.<br />
85 BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com comentários,<br />
artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.<br />
39) ao afirmar que o combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro não se limita à proteção da estabilida<strong>de</strong> da<br />
moeda nacional ou da credibilida<strong>de</strong> econômico-financeira <strong>de</strong> um país, amplia o âmbito <strong>de</strong> atuação<br />
das normas antilavagem, uma vez que vê também a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong> direitos e interesses<br />
<strong>de</strong> outros sistemas econômicos e financeiros que se interagem em escala transnacional.<br />
86 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Atlas, 2006. p. 05.
52<br />
Para funcionar tal esquema, a cooperação entre as partes, ou seja, piratas,<br />
mercadores e oficiais do governo <strong>de</strong>veria ser total e silenciosa, assim como hoje em<br />
dia, os lavadores <strong>de</strong> dinheiro procuram paraísos fiscais on<strong>de</strong> estas operações são<br />
mais facilmente realizáveis. E ao longo da história vemos o mesmo esquema<br />
funcionar em várias ativida<strong>de</strong>s mercantis, como ressalta Sutherland:<br />
Gran cantidad <strong>de</strong> material, aún disperso y <strong>de</strong>sorganizado, indica que lós<br />
<strong>de</strong>litos <strong>de</strong> cuello Blanco son muy frecuentes. Los “barones ladrones” <strong>de</strong> la<br />
última mitad Del siglo XIX eran <strong>de</strong>lincuentes <strong>de</strong> cuello Blanco, como<br />
admiten prácticamente todos en la actualidad. Las siguintes aseveraciones<br />
ilustraron su comportamiento. El coronel Van<strong>de</strong>rbilt preguntó: “¿usted no<br />
supone que pue<strong>de</strong> administrar un ferrocarril <strong>de</strong> acuerdo com las leyes,<br />
verdad”. Em 1890, A. B. Stickney, presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> un ferrocarril, dijo a otros<br />
dieciséis presi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> ferrocarriles em la casa <strong>de</strong> J. P. Morgan: “Tengo El<br />
mayor respeto por cada uno <strong>de</strong> uste<strong>de</strong>s como caballeros, pero, como<br />
presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ferrocarriles, no <strong>de</strong>scuidaría ni siquiera mi reloj em presencia<br />
<strong>de</strong> uste<strong>de</strong>s”. Charles Francis Adams afirmó: “Una dificultad em el<br />
gerenciamiento <strong>de</strong> los ferrocarrilles (...) resi<strong>de</strong> en la codicia, la mala fe, la<br />
baja moral <strong>de</strong> lós administradores <strong>de</strong> ferrocarriles, en la completa ausencia<br />
<strong>de</strong> niveles elevados <strong>de</strong> honestidad comercial”. James M. Beck expresó, con<br />
respecto al período 1905-1917: “Diógenes hubiera tenido gran dificultad en<br />
encontrar un hombre honesto em Wall Street, entre los que conoci como<br />
abogado <strong>de</strong> una corporación”. 87<br />
Com o surgimento das famílias mafiosas, na Itália, e, nos Estados Unidos, a<br />
figura notória <strong>de</strong> Al Capone que controlava Chicago através do seu “Sindicato<br />
Nacional do Crime” (U.S. National Crime Sindicate – NCS), <strong>de</strong>u-se o início da<br />
diversificação e aperfeiçoamento do <strong>de</strong>lito. A ativida<strong>de</strong> ganhou força, ao entrar em<br />
cena as organizações criminosas que foram se enraizando nos Estados Unidos<br />
durante a Gran<strong>de</strong> Depressão. No período conhecido por “Lei Seca” que proibia o<br />
fabrico e a comercialização <strong>de</strong> bebidas alcoólicas, várias empresas se beneficiaram<br />
<strong>de</strong>sse comércio ilegal, utilizando-se <strong>de</strong> lavan<strong>de</strong>rias ou car-wash, que recebiam<br />
pagamento em dinheiro vivo para fazer circular os valores obtidos com a venda<br />
ilegal <strong>de</strong> bebidas. A posterior revogação <strong>de</strong>ssa lei mudou o foco para a exploração<br />
<strong>de</strong> jogos e o tráfico <strong>de</strong> entorpecentes, tornando este esquema insuficiente frente às<br />
gran<strong>de</strong>s somas recebidas, que também incluíam outros <strong>de</strong>litos.<br />
Por estes aspectos o branqueamento <strong>de</strong> capital, outro nome dado ao tipo<br />
penal, vem recebendo tratamento diferenciado em vários países, exigindo normas<br />
especiais <strong>de</strong> <strong>maio</strong>r abrangência para efetivar sua repressão. Nos últimos anos o<br />
87 SUTHERLAND, Edwin H. El <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> cuello blanco. Buenos Aires: Editorial B <strong>de</strong> F, 2009. p. 10.
53<br />
fenômeno da lavagem <strong>de</strong> capitais chegou a alcançar dimensões extraordinárias, o<br />
que também gerou, como consequência, a preocupação tanto dos governos como<br />
dos organismos internacionais. Esse crescimento infindável <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s criminosas<br />
geradoras dos fundos objetos <strong>de</strong> lavagem. Apesar das inúmeras <strong>de</strong>finições, o crime<br />
<strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais caracteriza-se pela tentativa <strong>de</strong> ocultação da origem do<br />
capital e sua reinserção na economia local já possuindo aparência legal.<br />
Devido à internacionalização das transações econômico-financeiras, o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento e a rapi<strong>de</strong>z que as novas tecnologias oferecem, o narcotráfico, o<br />
terrorismo e os paraísos fiscais que incrementaram a prática da lavagem <strong>de</strong> capitais<br />
e, visando <strong>maio</strong>r eficácia em reprimir a criminalida<strong>de</strong> globalizada, diversos tratados<br />
internacionais (como se verá a seguir) tipificam a lavagem <strong>de</strong> capitais em três tipos<br />
penais básicos:<br />
A conversão ou transferência dos objetos patrimoniais produzidos ilegalmente<br />
(property) com uma <strong>de</strong>terminada finalida<strong>de</strong> (tipo penal <strong>de</strong> intenção);<br />
- A ocultação ou encobrimento da verda<strong>de</strong>ira natureza, da origem, da<br />
disposição disso, dos direitos sobre isso, etc. (tipo penal <strong>de</strong> ocultação);<br />
- A aquisição, posse ou o uso <strong>de</strong> tais objetos patrimoniais condicionados aos<br />
princípios constitucionais nacionais e às características principais da or<strong>de</strong>m jurídica<br />
(tipo penal <strong>de</strong> aquisição ou posse).<br />
Qualquer participação em um <strong>de</strong>stes tipos penais fundamentais, inclusive a<br />
união ou conspiração (conspiracy) para a perpetração, assim como a tentativa, <strong>de</strong>ve<br />
ser punida 88 .<br />
Como se percebe, o criminoso sempre tentou dar aparência lícita ao produto<br />
<strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> ilegal, utilizando-se, com o passar do tempo, <strong>de</strong> mecanismos cada<br />
vez mais sofisticados para ser <strong>de</strong>tectado pelo sistema repressor do Estado. Todavia,<br />
à medida em que essa ação <strong>de</strong> ocultação da origem ilícita <strong>de</strong> bens e valores se<br />
tornou mais complexa, houve o envolvimento <strong>maio</strong>r do sistema econômico-financeiro<br />
dos Estados, colocando-se em risco o seu equilíbrio, sua credibilida<strong>de</strong> e sua relação<br />
com outros Estados.<br />
88 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Atlas, 2006. p. 17.
54<br />
Segundo Martins 89 informa que a expressão lavagem <strong>de</strong> dinheiro (money<br />
laun<strong>de</strong>ring) tem origem nos Estados Unidos, nos anos <strong>de</strong> 1920, como a forma<br />
utilizada pelas autorida<strong>de</strong>s daquele país para se referirem às ativida<strong>de</strong>s<br />
empresariais <strong>de</strong> fachada (lojas para lavagem <strong>de</strong> roupas) utilizadas por mafiosos para<br />
ocultarem a origem ilícita <strong>de</strong> seus lucros, resultantes <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong> ilícitas 90 .<br />
Somente em 1982, a expressão lavagem <strong>de</strong> dinheiro começou a ser utilizada em<br />
sentido jurídico, através <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão judicial relacionada ao confisco <strong>de</strong> dinheiro<br />
proveniente do tráfico <strong>de</strong> drogas.<br />
Os Estados Unidos da América, entretanto, a partir da década <strong>de</strong> 1970 91<br />
editou norma que tornava obrigatório o registro bancário <strong>de</strong> operações superiores a<br />
<strong>de</strong>z mil dólares. O aumento do tráfico internacional <strong>de</strong> drogas aumentou a atenção<br />
das autorida<strong>de</strong>s estaduni<strong>de</strong>nses em relação ao volume <strong>de</strong> dinheiro <strong>de</strong> origem ilícita,<br />
resultando em diversas prisões e apreensões <strong>de</strong> somas elevadas <strong>de</strong> dinheiro ao<br />
longo dos anos seguintes.<br />
O ponto <strong>de</strong> partida para o estabelecimento <strong>de</strong> normas gerais <strong>de</strong> combate à<br />
lavagem <strong>de</strong> capitais segundo Martins 92 foi em 1980, “[...] quando o Comitê <strong>de</strong><br />
Ministros do Conselho da Europa adotou medidas contra a transferência e<br />
encobrimento do dinheiro sujo oriundo <strong>de</strong> assaltos e raptos, por meio da<br />
Recomendação R (80) 10 [...]”.<br />
89 MARTINS, Patrick Salgado. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro transnacional e obrigatorieda<strong>de</strong> da ação penal.<br />
Belo Horizonte: Arraes, 2011. p. 62.<br />
90 BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com comentários,<br />
artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.<br />
41, afirma que “Prece<strong>de</strong>ndo o surgimento da expressão money laun<strong>de</strong>ring, que na época ainda não<br />
era formalmente utilizada para <strong>de</strong>signar este tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> criminosa, o certo é que tal expressão<br />
já era conhecida pelas autorida<strong>de</strong> norte-americanas, que frequentemente a empregavam para se<br />
referir à exploração <strong>de</strong> máquinas automáticas utilizadas para a “lavagem” <strong>de</strong> roupas por parte da<br />
máfia, que durante as décadas <strong>de</strong> 1920 e 1930 adquiriu inúmeros negócios legítimos para a<br />
proporcionar a mescla dos lucros provenientes <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s ilegais com receitas das<br />
lavan<strong>de</strong>rias.”<br />
91 BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com comentários,<br />
artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.<br />
41.<br />
92 MARTINS, Patrick Salgado. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro transnacional e obrigatorieda<strong>de</strong> da ação penal.<br />
Belo Horizonte: Arraes, 2011. p. 62.
55<br />
3.3 Mecanismos internacionais <strong>de</strong> combate à lavagem <strong>de</strong> capitais<br />
A lavagem <strong>de</strong> capitais, como exposto no item anterior, sempre foi alvo <strong>de</strong><br />
preocupação dos Estados nacionais, seja em face dos danos que provoca por si só<br />
aos sistemas econômicos e financeiros, mas também pela sua íntima associação<br />
com outros <strong>de</strong>litos como tráfico ilícito <strong>de</strong> drogas, terrorismo, <strong>de</strong>ntre outros.<br />
As razões acima explicam a mudança na práxis jurídica e a especialização da<br />
legislação sobre o tema, em com base em De Sanctis 93 veremos os principais<br />
instrumentos internacionais utilizados no combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro, a saber:<br />
a) Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes<br />
e substâncias psicotrópicas 94 :<br />
Aprovada pela ONU em 1988, na cida<strong>de</strong> Viena, buscou a repressão à<br />
lavagem <strong>de</strong> dinheiro através do combate ao tráfico <strong>de</strong> drogas, sendo ratificada pelo<br />
Brasil em 1991, por meio do Decreto nº 154, comprometendo-se o país a tipificar<br />
criminalmente a “lavagem”. 95<br />
b) Declaração <strong>de</strong> Basiléia <strong>de</strong> 1988<br />
Fruto <strong>de</strong> reunião realizada em 12 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1988, a <strong>de</strong>claração foi<br />
<strong>de</strong>stinada ao setor financeiro internacional, obrigando bancos e entida<strong>de</strong>s<br />
financeiras a aplicar regras e princípios que evitassem o uso <strong>de</strong>stes para a lavagem<br />
<strong>de</strong> dinheiro, tais como a política <strong>de</strong> conheça seu cliente (know your customer) e<br />
93 DE SANCTIS, Fausto Martin. Combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Teoria e prática. Campinas:<br />
Milliennium, 2008. p. 02-13.<br />
94 Segundo DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 39-43: “Na formação do sistema internacional antilavagem <strong>de</strong><br />
dinheiro, têm ainda relevância os tratados e convenções internacionais que, como tema principal ou<br />
secundário, abordam a criminalização <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro, do terrorismo e seu financiamento. A<br />
expressão hard law provém da doutrina anglófona, que assim os <strong>de</strong>nomina em alusão ao fato <strong>de</strong><br />
criarem direitos e obrigações.” Prossegue a autora, informando a prática <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> estudos<br />
antilavagem (soft law), através do peer review e do peer pressure (submissão do texto científico à<br />
revisores anônimos que contribuem para o aprimoramento do trabalho; ou grupos que atuam para<br />
incentivar outros mudarem seus posicionamentos para uniformização do pensamento)<br />
95 BRASIL. Disponível em: . Acesso<br />
em: 08 mai. 2013.
56<br />
recusa <strong>de</strong> operações com ativos ilícitos 96 .<br />
c) Grupo <strong>de</strong> Egmont:<br />
É um grupo informal criado a partir <strong>de</strong> uma iniciativa da Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
inteligência financeira belga, com o escopo <strong>de</strong> estabelecer uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> cooperação<br />
entre países 97 para a troca <strong>de</strong> informações e <strong>de</strong>bates. O Brasil passou a integrar o<br />
referido grupo em 1999, através <strong>de</strong> sua unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inteligência financeira (COAF).<br />
d) Ativida<strong>de</strong>s do grupo <strong>de</strong> ação financeira (GAFI-Groupe d’action<br />
Financière sur le Blachiment <strong>de</strong>s Capitaux; FATF- Financial Action Task Force on<br />
Money Laun<strong>de</strong>ring) :<br />
Criado em 1988, pela ação <strong>de</strong> Estados Unidos, Japão, França, Alemanha,<br />
Grã Gretanha, Canadá, Itália (hoje conta com a participação <strong>de</strong> outros países,<br />
inclusive o Brasil), tem por objetivo ser um organismo intergovernamental para a<br />
criação e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> políticas antilavagem <strong>de</strong> dinheiro. O GAFI estabeleceu<br />
recomendações para a prevenção geral e o combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro 98 .<br />
e) Convenção europeia nº 141 sobre lavagem, rastreamento e confisco<br />
dos produtos do crime no âmbito do Conselho da Europa, <strong>de</strong> 1990.<br />
Surgiu com o escopo <strong>de</strong> dotar as autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>maio</strong>res po<strong>de</strong>res <strong>de</strong><br />
investigação ao permitir a quebra <strong>de</strong> sigilos bancários e tornar como crime<br />
prece<strong>de</strong>nte qualquer <strong>de</strong>lito, sem limitações <strong>de</strong> um rol taxativo <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos, como<br />
ocorria com a Lei 9613/1998, antes da das alterações realizadas pela Lei<br />
1<strong>26</strong>83/2012.<br />
96 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Atlas, 2006. p. 16. afirma<br />
que “os princípios para avaliação <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> controle interno <strong>de</strong>vem abranger:<br />
- visão gerencial e formação <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong> controle;<br />
- avaliação e risco;<br />
-efetivação das ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle, informação, comunicação e monitoramento;<br />
-avaliação dos sistemas <strong>de</strong> controles internos por parte das autorida<strong>de</strong>s legalmente <strong>de</strong>signadas com<br />
po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> supervisão.<br />
97 Segundo MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Atlas, 2006. p.<br />
20-21, as i<strong>de</strong>ias que permearam a criação do grupo <strong>de</strong> Egmont passam pela <strong>de</strong>scoberta das rotas <strong>de</strong><br />
dinheiro oriundo do tráfico <strong>de</strong> drogas, criação <strong>de</strong> bancos <strong>de</strong> dados para mútua ajuda.<br />
A cooperação <strong>de</strong>senvolve-se em quatro planos:<br />
-sistematização e expansão <strong>de</strong> informações <strong>de</strong> inteligência financeira;<br />
-treinamento <strong>de</strong> pessoal especializado;<br />
-melhoria das comunicações entre as FIU (Financial Inteligence Unit) através da aplicação <strong>de</strong><br />
tecnologias <strong>de</strong> ponta; e<br />
-ajuda para a elaboração das legislações nacionais.<br />
98<br />
As recomendações do GAFI po<strong>de</strong>m ser encontradas em:<br />
. Acesso em: 08<br />
mai. 2013.
57<br />
f) Diretivas relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro para<br />
a lavagem.<br />
Elaboradas a partir do ano <strong>de</strong> 1991, pelos Ministros da Comunida<strong>de</strong><br />
Econômica Europeia, têm por objetivos fazer com que os países membros se<br />
comprometam a colocar em vigor a legislação penal. Nos anos seguintes, foram<br />
editadas novas diretivas abrangendo obrigações como a que advogados e<br />
profissões jurídicas em geral <strong>de</strong>veriam comunicar operações suspeitas, regras mais<br />
rígidas para i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> clientela e a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> pessoas politicamente<br />
expostas (aqueles que assumiram funções políticas proeminentes e ou pessoas<br />
próximas a estas).<br />
g) Ação comum <strong>de</strong> 1988 e <strong>de</strong>cisões-Quadro do Conselho da União<br />
Europeia.<br />
Os Estados-membros da União Europeia, em face do Tratado <strong>de</strong> Maastricht<br />
<strong>de</strong> 1992, comprometem-se a caracterizar o crime <strong>de</strong> lavagem como crime<br />
organizado (essas ações tiveram início a partir <strong>de</strong> 1998). Todavia, em 2001, a<br />
Decisão-Quadro <strong>26</strong> revogou essa última política, para que os Estados-Membros<br />
caracterizem como lavagem <strong>de</strong> dinheiro aquele <strong>de</strong>lito resultante <strong>de</strong> qualquer infração<br />
penal grave.<br />
h) Comissão Interamericana para o controle do abuso <strong>de</strong> drogas<br />
A Organização dos Estado Americanos criou em 1999 uma unida<strong>de</strong> para<br />
combate à lavagem <strong>de</strong> capitais, sendo que ainda em 1992 foi criado um regulamento<br />
mo<strong>de</strong>lo, relacionando a lavagem ao tráfico <strong>de</strong> drogas e outros <strong>de</strong>litos 99 .<br />
i) Convenção das Nações Unidas contra a criminalida<strong>de</strong> organizada<br />
transnacional<br />
99<br />
De acordo com MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Atlas,<br />
2006. p. 17-18, os principais pontos do Regulamento Mo<strong>de</strong>lo Americano <strong>de</strong> Lavagem <strong>de</strong> Dinheiro<br />
são:<br />
-tipificação do crime <strong>de</strong> lavagem como crime autônomo;<br />
-medidas cautelares sobre bens, produtos ou instrumentos do crime;<br />
-confisco e <strong>de</strong>stinação dos bens, produtos e instrumentos;<br />
-estabelecimento <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> para recebimento, análise e intercâmbio <strong>de</strong> informações (unida<strong>de</strong><br />
financeira <strong>de</strong> inteligência);<br />
-sequestro e confisco <strong>de</strong> bens, produtos e instrumentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos praticados no estrangeiro;<br />
-<strong>de</strong>finição das pessoas sujeitas às medidas preventivas dispostas no regulamento (instituições<br />
financeiras, off-shore, casas <strong>de</strong> câmbio, entre outras);<br />
-<strong>de</strong>finição das obrigações <strong>de</strong>correntes do regulamento (i<strong>de</strong>ntificação dos clientes, manutenção e<br />
disponibilida<strong>de</strong> dos registros, registro e notificação <strong>de</strong> operações suspeitas, entre outros);<br />
-cooperação internacional.
58<br />
A presente convenção prevê a seus membros a obrigação <strong>de</strong> criminalizar a<br />
lavagem das vantagens <strong>de</strong> um crime, quando a lavagem for <strong>de</strong> natureza<br />
transnacional e envolva organização criminosa. Foi aprovado pelo Brasil por meio do<br />
Decreto-Legislativo nº 231 100 .<br />
j) Convenção das Nações Unidas contra a corrupção ou Convenção <strong>de</strong><br />
Mérida<br />
Assinada em 2003 e ratificada pelo Brasil em 2005 (Decreto-Legislativo nº<br />
348), cria as bases para a tipificação <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> corrupção, cooperação<br />
internacional e recuperação <strong>de</strong> ativos <strong>de</strong>sviados para o exterior 101 .<br />
k) Convenção do Conselho da Europa relativa à lavagem <strong>de</strong> dinheiro,<br />
apreensão, perda e confisco das Vantagens do crime e ao financiamento ao<br />
terrorismo.<br />
Também conhecida como Convenção <strong>de</strong> Varsóvia, visa à repressão do<br />
financiamento ao terrorismo e o confisco dos bens utilizados para seu financiamento,<br />
ainda que <strong>de</strong> origem lícita 102 .<br />
3.4 Mecanismos nacionais <strong>de</strong> combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro<br />
Conforme exposto acima, o Brasil procurou manter-se vinculado aos<br />
chamados internacionais para o combate à lavagem <strong>de</strong> capitais, dotando o país <strong>de</strong><br />
uma série <strong>de</strong> órgãos, estratégias e normas para a investigação, rastreamento e<br />
punição <strong>de</strong>ssa forma <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>, para a qual o país somente começou a<br />
<strong>de</strong>spertar sua atenção a partir da década <strong>de</strong> 1990.<br />
Tal fato <strong>de</strong>corre não apenas da inserção do Brasil em organismos<br />
internacionais que já pregavam a luta contra essa forma <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> naquela<br />
década, mas também pelo fato <strong>de</strong> que nesse momento o país começa a viver um<br />
momento <strong>de</strong> abertura econômica, combate à inflação, privatizações e estabilida<strong>de</strong><br />
100<br />
Disponível em: . Acesso em: 07 mai. 2013.<br />
101<br />
Disponível em: .<br />
Acesso em: 08 abr. 2013.<br />
102 Disponível em: . Acesso em: 05 abr. 2013.
59<br />
monetária. Tais circunstâncias por certo influenciaram o aporte <strong>de</strong> capitais <strong>de</strong> origem<br />
ilícita para investimentos internos e seu consequente branqueamento.<br />
O marco principal <strong>de</strong>ssa normatização é sem dúvida a Lei 9613/1988, com<br />
alterações feitas pela lei 1<strong>26</strong>83/2012 (disponível no anexo ao final <strong>de</strong>ste trabalho) e<br />
cuja análise mais <strong>de</strong>talhada se fará nos itens seguintes.<br />
Por ora, citaremos os principais instrumentos normativos e ações<br />
governamentais voltadas para o combate à lavagem <strong>de</strong> capitais:<br />
a) Resolução 2025/1993 do Banco Central do Brasil, a qual altera,<br />
consolida as normas relativas à abertura, manutenção e movimentação <strong>de</strong> contas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>pósitos 103 .<br />
b) Resolução nº 314 do Conselho <strong>de</strong> Justiça Fe<strong>de</strong>ral: cria varas fe<strong>de</strong>rais<br />
especializadas em crimes contra o sistema financeiro nacional, lavagem <strong>de</strong> dinheiro<br />
e organizações criminosas 104 .<br />
c) Estratégia Nacional <strong>de</strong> Combate à Corrupção e à lavagem <strong>de</strong> dinheiro<br />
(ENCCLA), criada em 2003, por iniciativa do Ministério da Justiça, consiste na<br />
articulação <strong>de</strong> diversos órgãos estatais e da socieda<strong>de</strong> civil com vistas à prevenção<br />
e combate à corrupção e à lavagem <strong>de</strong> dinheiro, e seu constante aprimoramento 105 .<br />
d) Conselho <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s Financeiras (COAF)<br />
103<br />
Disponível em: http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1993/pdf/res_2025_v6_P.pdf>. Acesso em:<br />
08 mai. 2013.<br />
104 Disponível em: http://www.cjf.jus.br/download/res314.pdf>. Acesso em: 08 mai. 2013.<br />
105 Segundo o site do Ministério da Justiça, “Atualmente, cerca <strong>de</strong> 60 órgãos e entida<strong>de</strong>s fazem parte da<br />
ENCCLA, tais como, Ministérios Públicos, Policiais, Judiciário, órgãos <strong>de</strong> controle e supervisão –<br />
Controladoria Geral da União - CGU, Tribunal <strong>de</strong> Contas da União - TCU, Comissão <strong>de</strong> Valores<br />
Mobiliários – CVM, Conselho <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s Financeiras - COAF, Superintendência<br />
Nacional <strong>de</strong> Previdência Complementar - Previc, Susep, Banco Central do Brasil - BACEN, Agência<br />
Brasileira <strong>de</strong> Inteligência - ABIN, Advocacia Geral da União - AGU, Fe<strong>de</strong>ração Brasileira <strong>de</strong> Bancos -<br />
FEBRABAN, etc.<br />
A ENCCLA atualmente funciona da seguinte forma:<br />
1. uma Reunião Plenária anual, da qual participam todos os órgãos, com o objetivo <strong>de</strong> discutir o<br />
trabalho realizado ao longo do ano que passou e <strong>de</strong>liberar asações a serem realizadas no(s)<br />
ano(s) subseqüente(s);<br />
2. diversas reuniões dos Grupos <strong>de</strong> Trabalho, formados pelos órgãos participantes ou<br />
convidados, com o objetivo <strong>de</strong> executar as ações <strong>de</strong>liberadas pela Plenária; e,<br />
3. reuniões bimestrais do Gabinete <strong>de</strong> Gestão Integrada – GGI, que consiste em grupo <strong>de</strong> 25<br />
órgãos participantes da ENCCLA com o objetivo <strong>de</strong> acompanhar a execução das ações, bem<br />
como propor as ações e recomendações a serem discutidas nas Reuniões Plenárias.”<br />
(http://portal.mj.gov.br/main.aspView={7AE041E8-8FD4-472C-9C08-<br />
68DD0FB0A795}&BrowserType=IE&LangID=ptbr¶ms=itemID%3D%7B3239224C%2DC51F%2D4A29%2D9E51%2D74AC98153FD1%7<br />
D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C%2D1C72%2D4347%2DBE11%2DA<strong>26</strong>F70F4CB<strong>26</strong>%7D)
60<br />
Criado pela Lei 9613/1998, no âmbito do Ministério da Fazenda, o COAF é a<br />
unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inteligência financeira brasileira e tem por objetivo disciplinar, aplicar<br />
penas administrativas, receber, examinar e i<strong>de</strong>ntificar as ocorrências suspeitas <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s ilícitas, além <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar e propor mecanismos <strong>de</strong> cooperação e <strong>de</strong><br />
troca <strong>de</strong> informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à<br />
ocultação ou dissimulação <strong>de</strong> bens, direitos e valores, po<strong>de</strong>ndo ainda requerer aos<br />
órgãos da Administração Pública as informações cadastrais bancárias e financeiras<br />
<strong>de</strong> pessoas envolvidas em ativida<strong>de</strong>s suspeitas 106 .<br />
Feitas estas consi<strong>de</strong>rações, passemos a análise do tipo penal <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong><br />
capitais e seus aspectos conceituais.<br />
3.5 Conceito <strong>de</strong> “lavagem <strong>de</strong> capitais” e suas principais características<br />
A Lei 9613/1998 trata o <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> “lavagem” <strong>de</strong> bens, direitos e valores, como<br />
a ação <strong>de</strong> ocultar, ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,<br />
movimentação ou proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens, direitos ou valores provenientes, direta ou<br />
indiretamente, <strong>de</strong> infração penal (art. 1º).<br />
Segundo o COAF, o crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais é consistente em um<br />
“conjunto <strong>de</strong> operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na<br />
economia <strong>de</strong> cada país, <strong>de</strong> modo transitório ou permanente, <strong>de</strong> recursos, bens e<br />
valores <strong>de</strong> origem ilícita [...]” 107<br />
Inicialmente, é preciso consi<strong>de</strong>rer duas questões: a terminologia empregada e<br />
sua abrangência. No que tange à terminologia, a doutrina 108 afirma que “lavagem”<br />
106<br />
Disponível em: .<br />
Acesso em: 08 mai.<br />
2013.<br />
107 Disponível em: . Acesso<br />
em: 08 mai. 2013.<br />
108<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 45): “É certo que essa terminologia não é mundialmente uniforme. Na França e<br />
Bélgica fala-se em blachimente d’argent; na Espanha, blanqueo <strong>de</strong> capitales ou blanqueo <strong>de</strong> dinero;<br />
em Portugal, branqueamento <strong>de</strong> dinheiro. Enquanto no direito <strong>de</strong>stes países a <strong>de</strong>nominação o<br />
resultado da ação (tornar limpo, branquear o dinheiro), noutras legislações predominou o verbo<br />
indicativo da natureza da ação praticada (lavar). É assim no direito anglo-saxão, money laun<strong>de</strong>ring;<br />
na Argentina, lavado <strong>de</strong> dinero; na Itália, riciclagio <strong>de</strong> <strong>de</strong>naro.<br />
Entre nós, em linguagem popular (....) é chamado dinheiro sujo, cuja origem correspon<strong>de</strong> ao produto do<br />
ilícito penal.”
61<br />
significa “tirar a sujeira do crime” ligado ao dinheiro, através <strong>de</strong> várias formas que<br />
possam secon<strong>de</strong>r a origem sua origem criminosa, dando-lhe aparência lícita. Já a<br />
abrangência do termo “lavagem <strong>de</strong> dinheiro” é mais restrita do que “lavagem <strong>de</strong><br />
capitais”, uma vez que a legislação não tipifica apenas a lavagem <strong>de</strong> moeda, mas<br />
também direitos, valores e bens <strong>de</strong> natureza econômica. Todavia, o uso da<br />
expressão “lavagem <strong>de</strong> dinheiro” tornou-se mais frequente no meio acadêmico e do<br />
dia a dia dos órgãos <strong>de</strong> investigação criminal.<br />
Sobre as principais características da lavagem <strong>de</strong> capitais, De Grandis 109<br />
aponta o caráter transnacional e sua profissionalização. A primeira característica<br />
<strong>de</strong>corre da própria globalização e da evolução tecnológico, que permite que os<br />
efeitos <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito não fiquem restritos ao território on<strong>de</strong> é praticado. A<br />
profissionalização do <strong>de</strong>lito tem por escopo dificultar as investigações sobre o<br />
cometimento do <strong>de</strong>lito, uma vez que quanto mais sofisticado for o meio empregado,<br />
<strong>maio</strong>res as chances <strong>de</strong> impunida<strong>de</strong>.<br />
3.6 Fases da lavagem <strong>de</strong> capitais<br />
Todo o processo <strong>de</strong> lavagem dar aparência lícita aos bens e valores obtidos<br />
em ativida<strong>de</strong>s ilícitas, através <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> operações comerciais ou<br />
financeiras. De acordo com Barros 110 , chega-se a um momento em que o criminoso,<br />
cujo patrimônio já foi aumentado pela prática <strong>de</strong> crimes, precisa tomar medidas para<br />
justificar a entrada <strong>de</strong> dinheiro “sujo” no circuito monetário, ocultando assim sua<br />
origem criminosa 111 .<br />
Nessa linha, tem-se i<strong>de</strong>ntificado três fases distintas e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes entre si<br />
no processo da lavagem: colocação, ocultação e integração 112 .<br />
109 DE GRANDIS, Rodrigo. O exercício da advocacia e o crime <strong>de</strong> “lavagem” <strong>de</strong> dinheiro. In: DE<br />
CARLI, Carla Verissimo; MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção<br />
e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p.122.<br />
110<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 46.<br />
111 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Atlas, 2006, p. 57, afirma<br />
que a lavagem <strong>de</strong> dinheiro é normalmente subdividida em 2(duas) categorias e 3 (três) estágios,<br />
sendo as categorias são: conversão <strong>de</strong> bens e movimentação do dinheiro.<br />
112<br />
Dispoível em: .<br />
Acesso em: 08 mail. 2013.
62<br />
A colocação ou placement consiste em introduzir no circuito financeiro,<br />
através <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s financeiras ou <strong>de</strong> instituições bancárias ou não, certas somas<br />
<strong>de</strong> dinheiro, misturando os recursos ilícitos com os lícitos em ativida<strong>de</strong>s legais.<br />
“Geralmente utiliza-se o sistema financeiro (bancos e empresas <strong>de</strong> crédito, inclusive<br />
paraísos fiscais) o sistema geral da economia (casas <strong>de</strong> câmbio, investimentos em<br />
operações <strong>de</strong> bolsas […]” 113 . Trata-se da fase mais vulnerável à <strong>de</strong>tecção, uma vez<br />
que nesse momento normalmente o dinheiro sujo é entregue, em espécie, às<br />
instituições que primeiro receberão os valores.<br />
Sobre os paraísos fiscais, a lição <strong>de</strong> Mendroni 114 se expressa:<br />
Importante estabelecer que “paraísos fiscais” são países que proporcionam<br />
incentivos fiscais aos investidores, isentando ou diminuendo<br />
consi<strong>de</strong>ravelmente a carga <strong>de</strong> tributos por <strong>de</strong>terminado período <strong>de</strong> tempo,<br />
ou para <strong>de</strong>terminados tipos <strong>de</strong> aplicações financeiras, ou ainda diminuendo<br />
a carga tributária especificamente para <strong>de</strong>terminados negócios que ali<br />
venham a se estabelecer. Não significa e não po<strong>de</strong>m, entretanto, consentir<br />
que o dinheiro aplicado, ou investido, tenha origem criminosa no país <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> provém. É preciso, então distinguir que uma coisa é permitir incentivos<br />
fiscais e outra totalmente diversa é admitir a introdução <strong>de</strong> dinheiro sujo<br />
como forma <strong>de</strong> aplicação financeira ou investimento qualquer. Essa é<br />
totalmente vedada pela comunida<strong>de</strong> internacional.<br />
A ocultação, dissimulação, acomodação, estratificação ou layering é a fase<br />
em que se busca afastar o capital ilícito <strong>de</strong> sua origem, revestindo-o <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />
operações e transações econômico-financeiras, para dificultar o rastreamento. As<br />
técnicas utilizadas são as mais variadas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> transferências eletrônicas para<br />
países que dificultam a quebra do sigilo bancário por autorida<strong>de</strong>s estrangeiras, uso<br />
<strong>de</strong> empresas fantasmas 115 .<br />
Na integração (integration) o capital “lavado” é reintroduzido na economia<br />
legal, aplicado em negócios legítimos (compra <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> arte, compra <strong>de</strong> jóias,<br />
veículos…), incorporando-se à economia formal. “As organizações criminosas<br />
113<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 47.<br />
114 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Atlas, 2006, p. 58-59.<br />
115 Para BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 48, “Basicamente, multiplica-se a movimentação <strong>de</strong> uma conta bancária sobre<br />
outra, e cada conta po<strong>de</strong> ser dividida em inúmeras sub-contas conhecidas como “contas <strong>de</strong><br />
passagem”, abertas com o único propósito <strong>de</strong> dificultar o rastreamento do dinheiro ilegal e para<br />
dissociar os fundos <strong>de</strong> sua origem. É no <strong>de</strong>senrolar <strong>de</strong>sta “superposição <strong>de</strong> transações” que o ciclo<br />
<strong>de</strong> “lavagem”basicamente se efetiva...”
63<br />
buscam investir em negócios que facilitem suas ativida<strong>de</strong>s e, uma vez formada a<br />
ca<strong>de</strong>ia, torna-se mais fácil legitimar o dinheiro ilegal” 116 .<br />
Barros 117 chama a atenção para o fato <strong>de</strong> que as fases acima citadas são<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes entre si e que parte da doutrina já não exige que sejam todas<br />
necessárias para a configuração da lavagem <strong>de</strong> capitais, ou seja, somente a<br />
primeira fase (colocação) seria necessária, até porque a legislação brasileira não<br />
exige expressamente a superação <strong>de</strong> todas as fases para a configuração do<br />
<strong>de</strong>lito 118 .<br />
Analisadas as fases <strong>de</strong>scritas pela doutrina para o cometimento do crime <strong>de</strong><br />
lavagem <strong>de</strong> dinheiro, passemos ao estudo dos aspectos penais da legislação<br />
brasileira tipificadora do <strong>de</strong>lito.<br />
3.7 Aspectos dogmáticos do crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais<br />
A Lei 9613/1998 foi alterada recentemente pela Lei 1<strong>26</strong>83/2012, que, <strong>de</strong>ntre<br />
outros, eliminou o rol taxativo <strong>de</strong> crimes antece<strong>de</strong>ntes, tornou obrigatório o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />
prestar informações para outras pessoas físicas ou jurídicas e aumentou os po<strong>de</strong>res<br />
da Autorida<strong>de</strong> Policial e do Ministério Público, que nas investigações sobre lavagem<br />
<strong>de</strong> dinheiro po<strong>de</strong>m ter:<br />
Acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam<br />
qualificação pessoal, filiação e en<strong>de</strong>reço, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong><br />
autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas<br />
telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores <strong>de</strong> internet e<br />
pelas administradoras <strong>de</strong> cartão <strong>de</strong> crédito. (art. 17-B)<br />
Feitas essas observações, passemos à análise do bem jurídico tutelado,<br />
sujeitos do <strong>de</strong>lito e o elemento subjetivo.<br />
116 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Atlas, 2006. p. 61.<br />
117<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 49-50.<br />
118 “Os a<strong>de</strong>ptos <strong>de</strong>sta corrente enten<strong>de</strong>m que para a configuração da “lavagem” é <strong>de</strong>snecessário atingir<br />
o auge da aparente licitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens ou valores, eis que tem se tornado frequente, especialmente no<br />
caso <strong>de</strong> somas elevadas, a circunstância <strong>de</strong> permanecerem estacionadas na esfera financeira, on<strong>de</strong><br />
estão seguras, sendo os juros <strong>de</strong> tal colocação suficientes para manter a organização criminosa ou o<br />
criminoso.”
64<br />
a) Bem jurídico tutelado<br />
A questão do bem jurídico tutelado na combate à lavagem <strong>de</strong> capitais não é<br />
unânime na doutrina, passando-se pela i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o crime em comento lesiona um<br />
único bem jurídico (crime uniofensivo) e pela i<strong>de</strong>ia ser tal <strong>de</strong>lito pluriofensivo, ou<br />
seja, lesa mais <strong>de</strong> um bem jurídico. Tal dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>corre do fato <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong><br />
matéria complexa e multidisciplinar 119 .<br />
Segundo De Grandis 120 há dois grupos sobre a questão do bem jurídico<br />
tutelado. Para aqueles que vislumbram um único bem jurídico tutelado, este po<strong>de</strong><br />
ser: a administração da justiça; as funções <strong>de</strong> polícia em relação ao <strong>de</strong>lito prévio; a<br />
segurança interior do Estado; o bem jurídico tutelado é o mesmo do crime<br />
antece<strong>de</strong>nte 121 ; a or<strong>de</strong>m socioeconômica 122 . Para aqueles que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a<br />
pluriofensivida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitas, os bens jurídicos são: a or<strong>de</strong>m<br />
socioeconômica e a administração da justiça; a or<strong>de</strong>m socioeconômica e a<br />
estabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática; a or<strong>de</strong>m socioeconômica e o bem jurídico tutelado pelo<br />
crime antece<strong>de</strong>nte; a administração da justiça e o bem jurídico tutelado pelo crime<br />
antece<strong>de</strong>nte 123 .<br />
De Sanctis 124 elenca <strong>de</strong> forma magistral uma série <strong>de</strong> bens jurídicos arguidos<br />
pela doutrina e em seguida faz a crítica competente, da seguinte forma:<br />
119<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 53.<br />
120 DE GRANDIS, Rodrigo. O exercício da advocacia e o crime <strong>de</strong> “lavagem” <strong>de</strong> dinheiro. In: DE<br />
CARLI, Carla Verissimo; MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção<br />
e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 119.<br />
121 A Lei 1<strong>26</strong>83/2012 extinguiu o rol taxativo <strong>de</strong> crimes antece<strong>de</strong>ntes previstos na primitiva redação da<br />
Lei 9613/1998.<br />
122<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 53-54, invocando a exposição <strong>de</strong> motivos da Lei 9613/1998, afirma que os bens<br />
jurídicos tutelados são a credibilida<strong>de</strong> e a estabilida<strong>de</strong> financeira do país, enten<strong>de</strong>ndo ser<br />
pluriofensivo.<br />
123<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 54-55, critica essa posição: “Não po<strong>de</strong>mos aceitar a tese <strong>de</strong>fendida por alguns<br />
doutrinadores, no sentido <strong>de</strong> que na “lavagem” existe o mesmo bem jurídico protegido pelo crime<br />
antece<strong>de</strong>nte, pois contraria a teoria <strong>de</strong> que cada situação socialmente valiosa merece a turela do<br />
respectivo tipo individualizador da conduta proibida. Ora o <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> “lavagem” correspon<strong>de</strong> a uma<br />
conduta criminosa adicional, que se caracteriza mediante nova ação dolosa, distinta daquela que é<br />
própria do exaurimento <strong>de</strong> crime do qual provém o capital “sujo” “.<br />
124 DE SANCTIS, Fausto Martin. Combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Teoria e prática. Campinas:<br />
Milliennium, 2008. p. 30-34.
65<br />
- Saú<strong>de</strong> Pública: tendo em vista a íntima relação que existe entre o tráfico <strong>de</strong><br />
drogas e o crime <strong>de</strong> “lavagem”. Todavia, essa teoria <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> levar em consi<strong>de</strong>ração<br />
outros bens e valores sociais protegidos constitucionalmente, bem como não<br />
abrange outros <strong>de</strong>litos antece<strong>de</strong>ntes que po<strong>de</strong>riam ser praticados com o fito garantir<br />
o lucro criminoso com a “lavagem”;<br />
- Administração da Justiça: levam-se em conta os empecilhos criados para<br />
<strong>de</strong>scobrir e processar os crimes antece<strong>de</strong>ntes à “lavagem” e esta própria. O<br />
prevalecimento <strong>de</strong>sta doutrina levaria a não punição do “lavador” quando o crime<br />
prece<strong>de</strong>nte estivesse prescrito, bem como a “lavagem” seria absorvida pelo crime<br />
anterior, por ser entendida como <strong>de</strong>sdobramento daquele;<br />
- Or<strong>de</strong>m econômica ou socioeconômica: o objetivo aqui é a preservação da<br />
confiança nas instituições financeiras e no sistema econômico em seu conjunto. A<br />
crítica resulta do fato <strong>de</strong> que nem sempre a “lavagem” gera prejuízo ao sistema<br />
econômico (em geral ou em particular) sendo certo que até certos <strong>de</strong>litos (terrorismo,<br />
por exemplo) po<strong>de</strong>m ser sustentados por ativida<strong>de</strong>s lícitas. A or<strong>de</strong>m econômica já<br />
seria protegidas por tipos penais próprios, causando então a absorção pelos <strong>de</strong>litos<br />
contra or<strong>de</strong>m econômica, eventualmente praticados anteriormente.<br />
- Pluriofensivida<strong>de</strong>: diversos bens jurídicos seriam afetados pela “lavagem”,<br />
tais como o sistema econômico, a administração da justiça, o que geraria imprecisão<br />
e in<strong>de</strong>finição quanto ao bem a ser alvo <strong>de</strong> proteção.<br />
- Licitu<strong>de</strong> dos bens que circulam no mercado: proteção do mercado contra o<br />
ingresso <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> origem duvidosa. Tal posição permitira a confusão entre o crime<br />
<strong>de</strong> “lavagem” com os <strong>de</strong> receptação e favorecimento real, não se aplicando às<br />
legislações on<strong>de</strong> se restringem os crimes antece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> “lavagem”.<br />
- Or<strong>de</strong>m econômico-financeira diretamente e indiretamente a administração<br />
da justiça: o bem jurídico tutelado é <strong>de</strong> natureza supraindividual, protegendo-se <strong>de</strong><br />
forma direta o correto funcionamento dos mercados e indiretamente a administração<br />
da justiça, como forma <strong>de</strong> persecução e repressão <strong>de</strong> condutas lesivas à or<strong>de</strong>m<br />
econômico-financeira.<br />
Nesse ponto, interessante a lição <strong>de</strong> De Carli 125 :<br />
125 DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 182.
66<br />
Por outro lado, a lesivida<strong>de</strong> das condutas <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiropressuposto<br />
<strong>de</strong> legitimação da intervenção penal- não mais se discute. Seja<br />
pelo universo <strong>de</strong> crimes antece<strong>de</strong>ntes (em sua <strong>maio</strong>ria, crimes graves e <strong>de</strong><br />
alta rentabilida<strong>de</strong>), seja pelas distorções causadas pela inserção <strong>de</strong> valores<br />
ilícitos na economia legal; dos riscos à saú<strong>de</strong> e à estabilida<strong>de</strong> das<br />
instituições e dos sistemas financeiros; ou ainda pela repercussão<br />
socioeconômica do <strong>de</strong>lito (impunida<strong>de</strong> quanto aos crimes antece<strong>de</strong>ntes,<br />
corrupção-mesmo a do setor privado-para a prática das operações<br />
financeiras que caracterizam a lavagem <strong>de</strong> dinheiro; <strong>de</strong>scrédito das<br />
instituições públicas, prejuízo à livre concorrência, etc.) a prevenção e a<br />
repressão são justificadas.<br />
Na interpretação da lei, portanto, será preciso levar em conta os objetivos<br />
que preten<strong>de</strong> alcançar com a criminalização da lavagem <strong>de</strong> dinheiro: evitar<br />
a fruição e o aproveitamento econômico dos bens e valores obtidos em<br />
práticas criminosas anteriores, bem como sua inserção na economia legal.<br />
b) Conflito aparente <strong>de</strong> normas e concurso <strong>de</strong> crimes<br />
O <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais possui pontos <strong>de</strong> contato com os crimes <strong>de</strong><br />
receptação, favorecimento real e evasão <strong>de</strong> divisão, <strong>de</strong> modo que se faz necessária<br />
a distinção entre eles. No conflito aparente <strong>de</strong> normas, o crime se enquadra em uma<br />
ou mais normas, mas, no caso concreto, em face do princípio da especialida<strong>de</strong>,<br />
somente uma <strong>de</strong>las será aplicada, evitando-se o bis in i<strong>de</strong>m 1<strong>26</strong> . O <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> “lavagem”<br />
pressupõe a ocorrência <strong>de</strong> um crime anterior, cuja <strong>de</strong>monstração não <strong>de</strong>manda <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cisão com trânsito em julgado, bastando indícios <strong>de</strong> sua existência.<br />
No crime <strong>de</strong> receptação 127 , o bem jurídico tutelado é o patrimônio, tendo como<br />
antece<strong>de</strong>nte qualquer <strong>de</strong>lito o qual advenha vantagem econômica. Na “lavagem”, o<br />
bem jurídico tutelado 128 é a or<strong>de</strong>m socioeconômica (indiretamente a Administração<br />
da Justiça). Assemelham-se pelo fato <strong>de</strong> ambos os <strong>de</strong>litos tratarem-se <strong>de</strong> crimes<br />
acessórios (vinculado à existência <strong>de</strong> um crime anterior), mas ao mesmo tempo<br />
autônomo (a investigação e a punição são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes). Na receptação há o dolo<br />
1<strong>26</strong> De acordo com BARROS, Flávio Augusto Monteiro <strong>de</strong>. Direito penal, parte geral. 3. ed. rev., atual. e<br />
ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 207, “A configuração do conflito aparente <strong>de</strong> normas<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> necessariamente <strong>de</strong> três requisitos:<br />
a) unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato, que po<strong>de</strong> ser simples ou complexa;<br />
b) pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> normas nas quais se enquadram esse fato <strong>de</strong>lituoso;<br />
c) vigência contemporânea das normas no momento em que o fato é praticado.<br />
127<br />
Artigo 180 do Código Penal: Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio<br />
ou alheio, coisa que sabe ser produto <strong>de</strong> crime, ou influir para que terceiro, <strong>de</strong> boa-fé, a adquira,<br />
receba ou oculte)<br />
128 WELTER, Antônio Carlos. Dos crimes: dogmática básica. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, (Coord.) et al.. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 160, afirma que “muito embora a lavagem envolva a dissimulação da<br />
origem <strong>de</strong> bens, direitos ou valores, o bem jurídico que tutela é mais amplo, não havendo como<br />
confundir-se. O tipo visa asseguras a higi<strong>de</strong>z da or<strong>de</strong>m econômica dos efeitos resultantes do ingresso<br />
no seu meio <strong>de</strong> bens cuja origem ilícita ocultada, e não preservar os interesses patrimoniais<br />
eventualmente envolvidos.”
67<br />
<strong>de</strong> se obter vantagem econômica em face do <strong>de</strong>lito anteriormente praticado, o que<br />
não é exigido na “lavagem”. Não haverá <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> “lavagem” se não ocorrera um<br />
crime anterior, sobre cujos bens, direitos ou valores incidam as condutas materiais<br />
da “lavagem”, sendo, portanto os crimes antece<strong>de</strong>ntes um elemento normativo <strong>de</strong><br />
todos os tipos penais <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais.<br />
O crime evasão <strong>de</strong> divisas 129 também se diferencia da “lavagem” pelo bem<br />
jurídico tutelado, que é a política cambial do país. Além disso, na evasão, recursos<br />
líticos e ilícitos po<strong>de</strong>m ser objeto <strong>de</strong> remessa clan<strong>de</strong>stina, enquanto que a “lavagem”<br />
tem por objeto bens, valores ou direitos <strong>de</strong> origem ilícita 130 .<br />
O crime <strong>de</strong> favorecimento real 131 tem por bem jurídico a ser tutelado o normal<br />
e correto funcionamento da administração da justiça, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong><br />
vantagem econômica. Qualquer pessoa po<strong>de</strong> pratica esse <strong>de</strong>lito, exceto o autor o<br />
partícipe do crime anterior. Já na “lavagem”, o autor do crime anterior também po<strong>de</strong><br />
ser autor daquele <strong>de</strong>lito.<br />
Realizadas as referidas distinções, nota-se que é perfeitamente possível o<br />
concurso entre a “lavagem” e outros <strong>de</strong>litos. O concurso <strong>de</strong> crimes ocorre “quando o<br />
agente mediante uma ou várias condutas, pratica duas ou mais infrações penais.” 132<br />
São espécies <strong>de</strong> concurso <strong>de</strong> crimes o material 133 e o formal 134 .<br />
129<br />
Artigo 22 da Lei 7492/1986: Efetuar operação <strong>de</strong> câmbio não autorizada, com o fim <strong>de</strong> promover<br />
evasão <strong>de</strong> divisas do País. Pena - Reclusão, <strong>de</strong> 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo<br />
único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída <strong>de</strong><br />
moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver <strong>de</strong>pósitos não <strong>de</strong>clarados à repartição fe<strong>de</strong>ral<br />
competente.<br />
130 De acordo WELTER, Antônio Carlos. Dos crimes: dogmática básica. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, (Coord.) et al.. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 163. “A conduta <strong>de</strong> evasão <strong>de</strong> divisas, no entanto, po<strong>de</strong>rá<br />
caracterizar também a lavagem <strong>de</strong> ativos quando violados ambos os bens jurídicos, sendo propósito<br />
do agente não só remeter recursos para fora do país, como também <strong>de</strong>sta forma ocultar sua origem<br />
ilícita...”<br />
131<br />
Artigo 349 do Código Penal - Prestar a criminoso, fora dos casos <strong>de</strong> co-autoria ou <strong>de</strong> receptação,<br />
auxílio <strong>de</strong>stinado a tornar seguro o proveito do crime.<br />
132 BARROS, Flávio Augusto Monteiro <strong>de</strong>. Direito penal, parte geral. 3. ed. rev., atual. e ampl. São<br />
Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 513.<br />
133 Concurso material<br />
Art. 69 - Quando o agente, mediante mais <strong>de</strong> uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes,<br />
idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> em que haja incorrido.<br />
No caso <strong>de</strong> aplicação cumulativa <strong>de</strong> penas <strong>de</strong> reclusão e <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção, executa-se primeiro aquela.<br />
134 Concurso formal<br />
Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou<br />
não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma <strong>de</strong>las, mas<br />
aumentada, em qualquer caso, <strong>de</strong> um sexto até meta<strong>de</strong>. As penas aplicam-se, entretanto,<br />
cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam <strong>de</strong> <strong>de</strong>sígnios<br />
autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.
68<br />
Welter 135 cita como exemplo o concurso entre o crime <strong>de</strong> “lavagem” e o <strong>de</strong><br />
evasão <strong>de</strong> divisas quando há remessa clan<strong>de</strong>stina <strong>de</strong> recursos para fora do país e<br />
também há a intenção <strong>de</strong> ocultar ou dissimular a origem ilegal <strong>de</strong>sses recursos,<br />
reconhecendo assim a hipótese <strong>de</strong> cúmulo material 136 .<br />
c) Sujeitos do <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> “lavagem”<br />
O crime <strong>de</strong> “lavagem” é do tipo comum, ou seja, no que se refere ao sujeito<br />
ativo qualquer pessoa po<strong>de</strong> ser autora <strong>de</strong>ste crime tanto em relação às condutas<br />
previstas no caput do art. 1º, como também em relação àquelas previstas nos<br />
parágrafos primeiro e segundo da Lei 9613/1998. Po<strong>de</strong> ser autor da “lavagem”<br />
aquele que cometeu o crime antece<strong>de</strong>nte, bem como aquele que não foi autor ou<br />
partícipe do crime anterior 137 .<br />
Autor é aquele que pratica o núcleo verbal do tipo penal, que no caso da<br />
lavagem <strong>de</strong> dinheiro significa praticar um dos comportamentos <strong>de</strong>scritos no artigo 1º,<br />
caput da Lei 9613/1998, §1º e §2º, inciso I. Já as condutas do inciso II, do § 2º são<br />
<strong>de</strong> participação.<br />
135<br />
136<br />
WELTER, Antônio Carlos. Dos crimes: dogmática básica. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, (Coord.) et al.. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 165.<br />
PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – FORMAÇÃO DE QUADRILHA – FALSIDADE<br />
IDEOLÓGICA – LAVAGEM DE DINHEIRO – OPERAÇÃO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SEM<br />
AUTORIZAÇÃO – FALSA IDENTIDADE PARA REALIZAÇÃO DE OPERAÇÃO CAMBIAL – EVASÃO<br />
DE DIVISAS – AJUIZAMENTO DE DUAS AÇÕES PENAIS – CONTINÊNCIA – CONEXÃO –<br />
ESTREITA VIA DO WRIT – CONCURSO FORMAL QUE ENSEJARIA A CONTINÊNCIA NÃO<br />
DEMONSTRADO – NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE PROVAS PARA APRECIÁ-LO –<br />
IMPOSSIBILIDADE – CONEXÃO INSTRUMENTAL – AÇÕES QUE VÊM TENDO REGULAR<br />
CURSO, ENCONTRANDO-SE, INCLUSIVE, EM FASES PROCESSUAIS DIVERSAS – REUNIÃO<br />
DOS FEITOS QUE ACARRETARIA EMBARAÇOS PROCESSUAIS – ORDEM DENEGADA.<br />
A estreita via do habeas corpus, carente <strong>de</strong> dilação probatória, não comporta o exame <strong>de</strong> teses que<br />
<strong>de</strong>man<strong>de</strong>m o profundo revolvimento do conjunto fático-probatório colhido nos autos da investigação<br />
preliminar instaurada contra o acusado, bem como das ações penais que a seguiram. Evi<strong>de</strong>nciandose<br />
que o reconhecimento da continência (por concurso formal) e/ou da conexão (instrumental)<br />
<strong>de</strong>manda a ampla apreciação das provas já produzidas, mostra-se inviável sua análise por meio da<br />
via eleita, sendo oportuno salientar que o procedimento a<strong>de</strong>quado para a apreciação da quaestio<br />
seria a oposição <strong>de</strong> exceção <strong>de</strong> incompetência. Prece<strong>de</strong>ntes.<br />
A<strong>de</strong>mais, ainda que estivesse presente a conexão instrumental, ambos os processos encontram-se<br />
em fases distintas (um ainda está na fase instrutória enquanto que o outro já está concluso com o<br />
Juiz para a prolação <strong>de</strong> sentença), o que inviabiliza a almejada reunião, sob pena <strong>de</strong> causar<br />
embaraços <strong>de</strong>snecessários ao bom andamento processual. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada. HC 46745 / PR<br />
HABEAS CORPUS 2005/0131206-0. Relator(a) Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA<br />
CONVOCADA DO TJ/MG)<br />
137<br />
A autonomia do crime antece<strong>de</strong>nte e a chamada autolavagem (selflaun<strong>de</strong>ring) foi reconhecida<br />
pelo Supremo tribunal Fe<strong>de</strong>ral no Inquérito 2245, da Relatoria do Ministro Joaquim Barbosa,<br />
disponível em:<br />
.
69<br />
Bottini e Badaró 138 chamam a atenção para o fato <strong>de</strong> que a restrição da figura<br />
do autor a pratica das condutas <strong>de</strong>scritas no tipo penal po<strong>de</strong> excluir figuras<br />
importantes na “lavagem”, tais como o coor<strong>de</strong>nador do aparato <strong>de</strong> lavagem e o<br />
chefe da organização criminosa que não praticam diretamente o tipo penal. Dessa<br />
forma, todos os que concorrem para o crime são autores 139 .<br />
Salienta-se, também, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrência da chamada autoria<br />
mediata, quando o “lavador” se utiliza <strong>de</strong> terceiro que age sem dolo ou sem<br />
culpabilida<strong>de</strong>, não conhecendo as circunstâncias em que atua. Esse último age em<br />
erro <strong>de</strong> tipo, impunível, pois, <strong>de</strong> acordo com artigo 20 do Código Penal (ausência <strong>de</strong><br />
dolo). Ocorrerá também a ausência <strong>de</strong> punição daquele que age sem culpabilida<strong>de</strong>,<br />
seja por inimputabilida<strong>de</strong> (menor <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, por exemplo), erro <strong>de</strong> proibição ou por<br />
inexigibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conduta diversa. A coautoria é perfeitamente possível, nos termos<br />
do artigo 29 do Código Penal.<br />
No que tange à participação, esta ocorre quando alguém auxilia ou colabora<br />
com o “lavador”, sem executar a conduta <strong>de</strong>scrita no núcleo do tipo penal, po<strong>de</strong>ndo<br />
ser uma colaboração moral ou material. No primeiro caso, dá-se a colaboração por<br />
meio <strong>de</strong> induzimento ou instigação 140 . A colaboração material é marcada por<br />
exclusão, ou seja, quando não se enquadra na coautoria, nem na colaboração<br />
moral.<br />
Bottini e Badaró 141 utilizam-se da teoria da imputação objetiva para explicar o<br />
momento a partir do qual o auxílio à lavagem <strong>de</strong> capitais torna-se punível. Segundo<br />
essa teoria, o fato é consi<strong>de</strong>rado penalmente relevante quando se cria um risco não<br />
138 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BARARÓ, Gistavo Henrique. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: aspectos penais e<br />
processuais penais: comentários à Lei 9613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2012. p. 117.<br />
139 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BARARÓ, Gistavo Henrique. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: aspectos penais e<br />
processuais penais: comentários à Lei 9613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2012, p. 118) afirmam que “Ter domínio dos fatos significa controlar<br />
conscientemente o curso causal e ter po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> interrupção <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sdobramento. Assim, também é<br />
autor aquele que não executa diretamente a ação típica, mas tem à sua disposição a configuração<br />
central do <strong>de</strong>lito, que faz mivimentar o sistema <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro com consciência e vonta<strong>de</strong>, e<br />
possui condições <strong>de</strong> interromper o processo por seus próprios atos.”<br />
140<br />
De acordo com o artigo 31 do Código Penal: “O ajuste, a <strong>de</strong>terminação ou instigação e o auxílio,<br />
salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser<br />
tentado”..<br />
141 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BARARÓ, Gistavo Henrique. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: aspectos penais e<br />
processuais penais: comentários à Lei 9613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2012. p. 122.
70<br />
permitido ao bem jurídico penalmente tutelado, quando o risco é intolerável 142 . O<br />
problema não é a criação <strong>de</strong> um risco, mas <strong>de</strong> um risco não permitido.<br />
O sujeito passivo é o Estado, pela lesão a sua estrutura econômica.<br />
d) Consumação do <strong>de</strong>lito e tentativa<br />
O <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> “lavagem” é instantâneo, ou seja, consuma-se no momento em<br />
que o agente pratica um dos verbos <strong>de</strong>scritos no caput do artigo 1º e seus<br />
parágrafos, da Lei 9613/1998. Como visto anteriormente, não se tem exigido que o<br />
agente cumpra todas as fases da “lavagem” 143 .<br />
A tentativa será punida na forma do artigo 14 do Código Penal (pena do crime<br />
consumado, diminuída <strong>de</strong> um a dois terços).<br />
e) Causas <strong>de</strong> aumento e diminuição <strong>de</strong> pena<br />
A Lei 9613/1998, com a redação alterada pela Lei 1<strong>26</strong>83/2012 prevê que a<br />
pena será aumentada <strong>de</strong> um a dois terços, se os crimes forem cometidos <strong>de</strong> forma<br />
reiterada ou por intermédio <strong>de</strong> organização criminosa.<br />
A diminuição da pena <strong>de</strong>correrá <strong>de</strong> <strong>de</strong>lação premiada, po<strong>de</strong>ndo ocorrer sua<br />
redução <strong>de</strong> um a dois terços se o autor, coautor ou partícipe colaborar<br />
espontaneamente com as autorida<strong>de</strong>s, prestando esclarecimentos que conduzam à<br />
apuração das infrações penais, à i<strong>de</strong>ntificação dos autores, coautores e partícipes,<br />
ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. Nesses casos, o<br />
regime <strong>de</strong> cumprimento <strong>de</strong> pena po<strong>de</strong> se iniciar no aberto ou semiaberto, facultandose<br />
ao juiz <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva <strong>de</strong><br />
direitos.<br />
f) Elemento subjetivo do tipo<br />
142 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BARARÓ, Gistavo Henrique. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: aspectos penais e<br />
processuais penais: comentários à Lei 9613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2012. p. 123) cita como exemplo “...o gerente do banco que movimenta<br />
recursos entre contas correntes, cria um risco <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro, porque os valores po<strong>de</strong>m ter<br />
origem ilícita e tal operação dificultará seu rastreamento. No entanto, se ele observa as regras<br />
profissionais pertinentes e as normas <strong>de</strong> cuidado exigíveis, não ultrapassao risco permitido. Mesmo<br />
que colabore efetivamente com a lavagem <strong>de</strong> dinheiro, este resultado não lhe será objetivamente<br />
imputável, nem a título <strong>de</strong> participação.”<br />
143 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Atlas, 2006. p. 33, assim<br />
se manifesta: “Em outras palavras, não é possível exigir-se a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> toda a trilha do<br />
dinheiro, bastando apresentar a primeira transação financeira, até porque isso seria tornar a lei<br />
inaplicável, tanto em razão da complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados mecanismos <strong>de</strong> lavagem, envolvendo<br />
inúmeras e variadas etapas, como também exigiria mais tempo do que o possível para a apuração<br />
completa. E não é esse o espírito da lei. A lei preten<strong>de</strong> que sejam punidos extamente os agentes<br />
mais graduados e <strong>de</strong> <strong>maio</strong>r periculosida<strong>de</strong> dos processos <strong>de</strong> lavagem, justamente os que<br />
<strong>de</strong>senvolvem a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma mais complexa, e não só aqueles que executam simples<br />
operações, mas que também po<strong>de</strong>m configurar os crimes”.
71<br />
A Lei 9613/1998 não possui previsão para a modalida<strong>de</strong> culposa do <strong>de</strong>lito <strong>de</strong><br />
“lavagem”, portanto todas as formas <strong>de</strong> execução do citado crime se dão mediante<br />
dolo 144 , po<strong>de</strong>ndo este ser direto (conhecimento das condutas tipificadas na Lei<br />
9613/1998 e a vonta<strong>de</strong> livre e consciente <strong>de</strong> produzir o resultado) 145 ou eventual 146 .<br />
144<br />
145<br />
146<br />
Penal. Recebimento <strong>de</strong> dinheiro <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> Peculato. "Lavagem" ou ocultação <strong>de</strong><br />
Valores (Lei 9.613/98, Art. 1º, § 1º). Especial Elemento Subjetivo: Propósito <strong>de</strong> Ocultar ou Dissimular<br />
a Utilização. Ausência. Configuração <strong>de</strong> Receptação Qualificada (Cp, Art. 180, § 6º). Emendatio<br />
Libelli. Viabilida<strong>de</strong>. Denúncia Proce<strong>de</strong>nte. 1. No crime <strong>de</strong> "lavagem" ou ocultação <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> que<br />
trata o inciso II do § 1° do art. 1º da Lei 9.613/98, as ações <strong>de</strong> adquirir, receber, guardar ou ter em<br />
<strong>de</strong>pósito constituem elementos nucleares do tipo, que, todavia, se compõe, ainda, pelo elemento<br />
subjetivo consistente na peculiar finalida<strong>de</strong> do agente <strong>de</strong>, praticando tais ações, atingir o propósito <strong>de</strong><br />
ocultar ou dissimular a utilização <strong>de</strong> bens, direitos ou valores provenientes <strong>de</strong> quaisquer dos crimes<br />
indicados na norma incriminadora. Embora seja dispensável que o agente venha a atingir tais<br />
resultados, relacionados à facilitação do aproveitamento ("utilização") <strong>de</strong> produtos <strong>de</strong> crimes, é<br />
inerente ao tipo que sua conduta esteja direcionada e apta a alcançá-los. Sem esse especial<br />
elemento subjetivo (relacionado à finalida<strong>de</strong>) <strong>de</strong>scaracteriza-se o crime <strong>de</strong> ocultação, assumindo a<br />
figura típica <strong>de</strong> receptação, prevista no art. 180 do CP. 2. No caso, não está presente e nem foi<br />
indicado na peça acusatória esse especial elemento subjetivo (= propósito <strong>de</strong> ocultar ou dissimular a<br />
utilização <strong>de</strong> valores), razão pela qual não se configura o crime <strong>de</strong> ocultação indicado na <strong>de</strong>núncia<br />
(inciso II do § 1º do art. 1º da Lei 9.613/98). Todavia, foram <strong>de</strong>scritos e <strong>de</strong>vidamente comprovados os<br />
elementos configuradores do crime <strong>de</strong> receptação (art. 180 do CP): (a) a existência do crime anterior,<br />
(b) o elemento objetivo (o acusado recebeu dinheiro oriundo <strong>de</strong> crime), (c) o elemento subjetivo (o<br />
acusado agiu com dolo, ou seja, tinha pleno conhecimento da origem criminosa do dinheiro) e (d) o<br />
elemento subjetivo do injusto, representado no fim <strong>de</strong> obter proveito ilícito para outrem. Presente,<br />
também, a qualificadora do § 6º do art. 180 do CP, já que o dinheiro recebido pelo acusado é produto<br />
do crime <strong>de</strong> peculato, praticado mediante a apropriação <strong>de</strong> verba <strong>de</strong> natureza pública. 3. Impõe-se,<br />
assim, mediante emendatio libelli (art. 383 do CPP), a modificação da qualificação jurídica dos fatos<br />
objeto da <strong>de</strong>núncia, para con<strong>de</strong>nar o réu pelo crime do art. 180, § 6º do Código Penal. 4. Nesses<br />
termos, é proce<strong>de</strong>nte a <strong>de</strong>núncia. APn 472 / ES 2003/0051867-6 Relator : Ministro TEORI ALBINO<br />
ZAVASCKI.<br />
Segundo DE SANCTIS, Fausto Martin. Combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Teoria e prática.<br />
Campinas: Milliennium, 2008. p. 49-50: “Basta que se saiba ou suponha saber que a fonte dos bens é<br />
uma infração penal (art. 1º, caput, e seu parágrafo 2º, inciso I), não sendo necessário que conheça<br />
exatamente a <strong>de</strong>scrição da modalida<strong>de</strong> típica, nem que tenha conhecimento <strong>de</strong> que se trate<br />
exatamente <strong>de</strong> um fato culpável e punível, requerendo ciência que se cuida <strong>de</strong> um injusto penal,<br />
bastando se tratar <strong>de</strong> fato ilícito-típico (bens originários ou supostamente origináriosprobabilida<strong>de</strong>/dolo<br />
eventual duma infração antece<strong>de</strong>nte). Não requer conhecimento <strong>de</strong> quem cometeu<br />
a infração antece<strong>de</strong>nte, as suas circunstâncias ou que exista um vínculo pessoal entre os autores. O<br />
conhecimento <strong>de</strong>ve existir no momento em que a ação típica é executada...”<br />
A questão sobre a admissibilida<strong>de</strong> do dolo eventual não é pacífica. PRADO, Rodrigo Leite. Dos<br />
crimes: aspectos subjetivos. In: CARLI, Carla Veríssimo <strong>de</strong>; MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>. et al. (Coord.).<br />
Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 228,<br />
esclarece que as figuras previstas no parágrafos 1º e2º do artigo 1º da Lei 9613/1998 não admitem o<br />
dolo eventual, ao passo que o as condutas <strong>de</strong>scritas no caput o admitem. Nesse ponto o autor se<br />
baseia, <strong>de</strong>ntre outros, no Regulamento mo<strong>de</strong>lo sobre <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> lavagem (disponível em<br />
https://www.coaf.fazenda.gov.br/conteudo/publicacoes/regulamento-mo<strong>de</strong>lo-cicad-comisioninteramericana-para-el-control-<strong>de</strong>l-abuso-<strong>de</strong>-drogas/):<br />
1.Comete <strong>de</strong>lito penal la persona que<br />
convierta, transfiera o transporte bienes a sabiendas, <strong>de</strong>biendo saber o con ignorancia intencional<br />
que tales bienes son producto <strong>de</strong> un <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> tráfico ilícito u otros <strong>de</strong>litos graves. 2.Comete <strong>de</strong>lito<br />
penal la persona que adquiera, posea, tenga, utilice o administre bienes a sabiendas, <strong>de</strong>biendo saber,<br />
o con ignorancia intencional que tales bienes son producto <strong>de</strong> un <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> trafico ilícito, u otros <strong>de</strong>litos<br />
graves. 3. Comete <strong>de</strong>lito penal la persona que oculte, encubra o impida la <strong>de</strong>terminación real <strong>de</strong> la<br />
naturaleza, el origen, la ubicación, el <strong>de</strong>stino, el movimiento o la propiedad <strong>de</strong> bienes, o <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos<br />
relativos a tales bienes, a sabiendas, <strong>de</strong>biendo saber, o con ignorancia intencional que tales bienes<br />
son producto <strong>de</strong> un <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> tráfico ilícito, u otros <strong>de</strong>litos graves.
72<br />
De acordo com Prado 147 o dolo do autor da “lavagem” abrange (através <strong>de</strong> um juízo<br />
<strong>de</strong> valoração mental) o conhecimento <strong>de</strong> todos os elementos <strong>de</strong>scritivos do <strong>de</strong>lito e o<br />
proveito econômico que se preten<strong>de</strong> dar ao produto do crime antece<strong>de</strong>nte. Não se<br />
trata <strong>de</strong> um conhecimento técnico-jurídico, mas uma representação própria do leigo<br />
<strong>de</strong> que a origem dos ativos é ilícita. Também não se <strong>de</strong>ve exigir total conhecimento<br />
do crime antece<strong>de</strong>nte, uma vez que os responsáveis pela lavagem (salvo os que<br />
cometeram o crime antece<strong>de</strong>nte), não são abastecidos <strong>de</strong> informações, em face dos<br />
riscos naturais que isso po<strong>de</strong>ria gerar.<br />
Em relação às figuras penais previstas no § 1º, incisos I a III do artigo 1º da<br />
Lei 9613/1998, exige-se o elemento subjetivo específico consistente na finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
ocultar ou dissimular a utilização dos bens, direitos ou valores oriundos dos <strong>de</strong>litos<br />
antece<strong>de</strong>ntes. Já os tipos penais previstos no § 2º não exigem nenhum elemento<br />
subjetivo específico, sendo suficiente o conhecimento da origem ilícita dos bens ou<br />
valores e a vonta<strong>de</strong> livre e consciente <strong>de</strong> utilizá-los em ativida<strong>de</strong> econômica ou a<br />
participação em grupo, associação ou escritório cuja ativida<strong>de</strong> principal ou<br />
secundária seja a lavagem <strong>de</strong> capitais.<br />
Quanto ao momento em que o dolo <strong>de</strong>ve estar presente, enten<strong>de</strong>-se que ele<br />
<strong>de</strong>ve ser contemporâneo ou anterior ao crime antece<strong>de</strong>nte, ou seja, a ciência sobre<br />
a origem ilícita dos bens ou valores não po<strong>de</strong> ser posterior à “lavagem”. 148<br />
A prova do dolo é inferida do estado anímico do acusado, dos aspectos<br />
externos <strong>de</strong> seu comportamento e se torna mais difícil nos crimes societários em que<br />
a manifestação da vonta<strong>de</strong> se dá através <strong>de</strong> um ente coletivo ou quando há hipótese<br />
<strong>de</strong> autoria intelectual 149 .<br />
Neste ponto, assaz interessante é a teoria da cegueira <strong>de</strong>liberada, trazida à<br />
baila por Prado 150 . Conhecida pelos tribunais ingleses <strong>de</strong>s<strong>de</strong> meados do século XIX,<br />
essa teoria (também <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> cegueira voluntária, da evitação da consciência<br />
ou das instruções do avestruz) implica na responsabilização daquele que renunciou<br />
147<br />
PRADO, Rodrigo Leite. Dos crimes: aspectos subjetivos. In: CARLI, Carla Veríssimo <strong>de</strong>;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>. et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 225-2<strong>26</strong>.<br />
148 Admite-se contudo o dolo superveniente, aquele adquirido no curso da prática do <strong>de</strong>lito.<br />
149 De acordo com o Decreto 5687/2006, que promulgou no território nacional a Convenção das Nações<br />
Unidas contra a corrupção: Artigo 28: O conhecimento, a intenção ou o propósito que se requerem<br />
como elementos <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito qualificado <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção po<strong>de</strong>rão inferir-se <strong>de</strong><br />
circunstâncias fáticas objetivas.<br />
150<br />
PRADO, Rodrigo Leite. Dos crimes: aspectos subjetivos. In: CARLI, Carla Veríssimo <strong>de</strong>;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>. et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 237-241.
73<br />
a ter conhecimento hábil sobre a conduta <strong>de</strong>lituosa da mesma forma daquele que<br />
age com dolo eventual. Ou seja, aquele que sabe que po<strong>de</strong> agir <strong>de</strong> forma criminosa,<br />
e preten<strong>de</strong> auferir vantagem não <strong>de</strong>sejando aprofundar seu conhecimento sobre o<br />
fato criminoso, respon<strong>de</strong> a título <strong>de</strong> dolo eventual face à indiferença para com o bem<br />
jurídico tutelado.<br />
Para o autor, a adoção <strong>de</strong>sta teoria no Brasil, apesar <strong>de</strong> pouco explorada, tem<br />
guarida como punição a título <strong>de</strong> dolo eventual (artigo 18, inciso I do Código Penal):<br />
Transladada a proposta para a hipótese <strong>de</strong> cegueira <strong>de</strong>liberada strictu<br />
sensu, atuaria com dolo eventual, assumindo o risco <strong>de</strong> produzir o<br />
resultado, o agente que, ciente do risco da prática <strong>de</strong>um <strong>de</strong>lito em sua<br />
esfera <strong>de</strong> domínio factual, optasse por privar-se, mediante a prática <strong>de</strong> uma<br />
conduta comissiva, do conhecimento <strong>de</strong> tal realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> prevenir<br />
o branqueamento. Registre-se que a eventual representação mais fluida do<br />
resultado, a admitir mais <strong>de</strong> um injusto possível, não elimina o elemento<br />
cognoscitivo do dolo, limitando-se a elastecer sua extensão, na medida da<br />
indiferença do agente à proteção <strong>de</strong>ste ou daquele bem jurídico.<br />
(...) Em acréscimo, não se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista que os institutos da<br />
ignorância <strong>de</strong>liberada e da actio libera in causa, esta última positivada no<br />
art. 28, II, do Código Penal, têm amparo em um <strong>de</strong>nominador comum: a<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que ninguém po<strong>de</strong> beneficiar-se <strong>de</strong> uma causa <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong> penal provocada por si próprio.<br />
Todavia, Barros 151 refuta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação do dolo eventual aos<br />
crimes <strong>de</strong> “lavagem” que indicam intencionalida<strong>de</strong> ou prévia ciência da origem ilícita<br />
dos bens, direitos ou valores. “Por isso, só se configura o crime <strong>de</strong> “lavagem”<br />
quando o sujeito ocultar ou dissimular a natureza, origem ou localização (...)<br />
“sabendo” que estes são provenientes <strong>de</strong> ao menos um dos <strong>de</strong>litos primários”.<br />
Com essas observações sobre o elemento subjetivo da “lavagem” passa-se à<br />
análise dos tipos objetivos previstos na Lei 9613/1998.<br />
f) Tipos objetivos da “lavagem” <strong>de</strong> capitais<br />
Inicialmente é preciso esclarecer que a Lei 1<strong>26</strong>83/2012, <strong>de</strong>ntre outros, alterou<br />
a redação do artigo 1º da Lei 9613/1998, eliminando o rol <strong>de</strong> crimes antece<strong>de</strong>ntes,<br />
permanecendo a estrutura <strong>de</strong> um único artigo, com a previsão das condutas<br />
incriminadoras previstas no caput e parágrafos. Com isso, o crime <strong>de</strong> “lavagem” é <strong>de</strong><br />
151<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 59.
74<br />
ação múltipla 152 . Os bens, valores e direitos resultantes dos crimes antece<strong>de</strong>ntes são<br />
o objeto material dos crimes <strong>de</strong> lavagem 153 - 154 . O objetivo aqui não é gerar<br />
responsabilização pelos crimes antece<strong>de</strong>ntes (estes serão alvo <strong>de</strong> investigação e<br />
processo próprios), mas investigar e punir o “lavador”, ou seja, aquele que, embora<br />
eventualmente tenha praticado também o crime antece<strong>de</strong>nte, aja na intenção <strong>de</strong><br />
mascarar a origem ilícita dos bens ou valores <strong>de</strong>rivados do cometimento <strong>de</strong> crimes<br />
anteriores.<br />
Estabelece caput do artigo 1º da Lei 9613/1998:<br />
Ocultar 155 ou dissimular 156 a natureza 157 , origem 158 , localização 159 ,<br />
disposição, movimentação 160 ou proprieda<strong>de</strong> 161 <strong>de</strong> bens, direitos ou<br />
valores 162<br />
152 Crimes <strong>de</strong> ação múltipla ou conteúdo variado são aqueles que po<strong>de</strong>m ser praticados mediante mais<br />
<strong>de</strong> uma conduta <strong>de</strong>lituosa, as quais, quando fazem parte <strong>de</strong> um único fato, <strong>de</strong>vem ser reputadas<br />
como um único crime.<br />
153<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007, p. 60.<br />
154 DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011, p. 214, lembra que não se <strong>de</strong>ve confundir objeto material com bem<br />
jurídico tutelado. “É sobre o objeto material do <strong>de</strong>lito que recaem as ações típicas. E é com base na<br />
intensida<strong>de</strong> da ofensa ao objeto material que se distinguem os <strong>de</strong>litos entre <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> lesão e <strong>de</strong>litos<br />
<strong>de</strong> perigo (concreto e abstrato). Nos primeiros, o tipo pressupõe um prejuízo (um dano) ao objeto<br />
material protegido, enquanto que nos últimos é suficiente o risco <strong>de</strong> sua lesão como resultado da<br />
ação.”<br />
155 ocultar significa escon<strong>de</strong>r, encobrir, colocar em local insólito..<br />
156 Dissimular é disfarçar, aparentar o contrário daquilo que ocorre. É criar artifícios para dar aparência<br />
<strong>de</strong> que o bem, valor ou direito não teria origem ilícita.<br />
157 A natureza é o conjunto <strong>de</strong> características dos bens, direitos e valores, enquanto que a origem é a<br />
procedência <strong>de</strong>stes<br />
158 Origem é a procedência dos bens, direitos e valores.<br />
159 Localização é o lugar on<strong>de</strong> os bens, direitos e valores po<strong>de</strong>m ser encontrados.<br />
160<br />
Movimentação é o ato <strong>de</strong> aplicar, por em circulação os bens, direitos e valores.<br />
161<br />
De acordo com o artigo 1228 do Código Civil: O proprietário tem a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar, gozar e dispor<br />
da coisa, e o direito <strong>de</strong> reavê-la do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> quem quer que injustamente a possua ou <strong>de</strong>tenha.<br />
162<br />
Bem é tudo aquilo <strong>de</strong> algum modo traga satisfação, <strong>de</strong> acordo com ROSENVALD, Nelson; FARIAS,<br />
Cristiano Chaves <strong>de</strong>. Direito civil - Teoria Geral. 6. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 337.<br />
Po<strong>de</strong>m ser objeto <strong>de</strong> relações jurídicas, representando uma utilida<strong>de</strong>, passível <strong>de</strong> valoração<br />
econômica (po<strong>de</strong>m ser materiais ou imateriais). Direito é o objeto <strong>de</strong> uma relação jurídica subjetiva<br />
consistente em um comportamento do <strong>de</strong>vedor, a prestação <strong>de</strong> um fato positivo ou abstenção <strong>de</strong> um<br />
comportamento (<strong>de</strong>ve ser lícito, possível física e juridicamente). Valores, em sentido econômico,<br />
exprimem o grau <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> das coisas, ou bens, ou a importância que lhes conce<strong>de</strong>mos para a<br />
satisfação <strong>de</strong> nossas necessida<strong>de</strong>s” BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e<br />
obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e<br />
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 78.
75<br />
provenientes, direta ou indiretamente, <strong>de</strong> infração penal 163 - 164 - 165 .<br />
As condutas previstas no caput do artigo 1º da Lei 9613/1998 representam<br />
crimes formais, não se exigindo, portanto que haja a consumação do <strong>de</strong>lito, ou seja,<br />
que se consiga efetivamente ocultar ou dissimular o patrimônio oriundo <strong>de</strong> crime 166 .<br />
De Carli 167 chama a atenção para o fato <strong>de</strong> que o processo <strong>de</strong> “lavagem” não<br />
se utiliza necessariamente <strong>de</strong> meios ilícitos, diferenciando-se das ativida<strong>de</strong>s legais<br />
pelo fato <strong>de</strong> não possuir o conteúdo que <strong>de</strong>le se esperaria no negócio. “Ou seja:<br />
abrir contas bancárias, fazer investimentos financeiros, (…) não são transações, em<br />
163<br />
Segundo DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla<br />
Verissimo; MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle<br />
penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 178, são elementos do tipo: Mens re (dolo): o autor quis<br />
agir e <strong>de</strong>sejou os resultados <strong>de</strong> sua conduta Physical act (ou conduta): o autor converteu, trocou,<br />
negociou, <strong>de</strong>u, movimentou ou transferiu os produtos <strong>de</strong> crime, ou importou/exportou os bens com<br />
valores que não correspon<strong>de</strong>m ao seu verda<strong>de</strong>iro valor. Purpose/intention (elemento subjetivo<br />
específico): o autor agiu com o propósito <strong>de</strong> ocultar ou dissimular o uso dos produtos do crime.<br />
164<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 77: “Enquanto a ocultação correspon<strong>de</strong> à primeira das fases que compõe o<br />
processo <strong>de</strong> “lavagem”, também chamada <strong>de</strong> ocultação ou <strong>de</strong> aplicação dos ativos ilícitos, sendo<br />
geralmente utilizada com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar <strong>maio</strong>r visibilida<strong>de</strong> ao conjunto <strong>de</strong> capitais obtidos em<br />
razão dos crimes praticados, a dissimulação consiste na segunda fase, e se realiza com o propósito<br />
<strong>de</strong> disfarçar a procedência ilícita, mediante sucessivas operações financeiras e comerciais ten<strong>de</strong>ntes<br />
a cobrir os lucros para dar-lhes aparente regularida<strong>de</strong>...”<br />
165 Artigo 31 da Convenção das Nações Unidas contra a corrupção: “1. Cada Estado Parte adotará, no<br />
<strong>maio</strong>r grau permitido em seu or<strong>de</strong>namento jurídico interno, as medidas que sejam necessárias para<br />
autorizar o confisco:<br />
a) Do produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito qualificado <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção ou <strong>de</strong> bens cujo valor<br />
corresponda ao <strong>de</strong> tal produto;<br />
b) Dos bens, equipamentos ou outros instrumentos utilizados ou <strong>de</strong>stinados utilizados na prática<br />
dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
2. Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias para permitir a i<strong>de</strong>ntificação,<br />
localização, embargo preventivo ou a apreensão <strong>de</strong> qualquer bem a que se tenha referência no<br />
parágrafo 1 do presente Artigo com vistas ao seu eventual confisco.<br />
3. Cada Estado Parte adotará, em conformida<strong>de</strong> com sua legislação interna, as medidas legislativas<br />
e <strong>de</strong> outras índoles que sejam necessárias para regular a administração, por parte das autorida<strong>de</strong>s<br />
competentes, dos bens embargados, incautados ou confiscados compreendidos nos parágrafos 1 e 2<br />
do presente Artigo.<br />
4. Quando esse produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito se tiver transformado ou convertido parcialmente ou totalmente<br />
em outros bens, estes serão objeto das medidas aplicáveis a tal produto <strong>de</strong> acordo com o presente<br />
Artigo.<br />
166<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 61: “Isto não quer dizer que o processo <strong>de</strong> “lavagem” seja absolutamente ineficaz<br />
para gerar a obtenção <strong>de</strong> novos lucros. Ao contrário, em <strong>de</strong>terminados casos, a “lavagem” po<strong>de</strong> sim<br />
proporcionar novo resultado material <strong>de</strong>lituoso, notadamente na hipótese em que se dá a aplicação<br />
financeira do capital originário, fruto do crime antece<strong>de</strong>nte, colhendo-se daí elevadas somas <strong>de</strong><br />
juros.”<br />
167 DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 187-188.
76<br />
si, ilegais. A ilicitu<strong>de</strong> ocorre quando essas operações são realizadas sobre bens ou<br />
valores ilicitamente obtidos, […]”. O tipo não fica <strong>de</strong>scaracterizado quando o ativo 168<br />
é utilizado em ativida<strong>de</strong> lícita, uma vez que o objetivo da incriminação da “lavagem”<br />
é o <strong>de</strong> punir aqueles que <strong>de</strong>sejam dar aparência lícita ao resultado econômico <strong>de</strong> um<br />
crime antece<strong>de</strong>nte.<br />
Ao contrário, não há a conduta <strong>de</strong> ocultar ou dissimular a origem ilícita do<br />
bem, direito ou valor, mas proveito econômico (direito) <strong>de</strong>ste, como, por exemplo, o<br />
dinheiro da corrupção é <strong>de</strong>positado na própria conta. 169<br />
As formas <strong>de</strong>rivadas do crime <strong>de</strong> “lavagem” previstas no artigo 1º, §§ 1º e 2º<br />
da Lei 9613/1998 divi<strong>de</strong>m-se em: conversão <strong>de</strong> produtos ilícitos, receptação do<br />
produto dos crimes antece<strong>de</strong>ntes, importação ou exportação <strong>de</strong> bem com valores<br />
falsos, utilização do produto do crime anterior na ativida<strong>de</strong> econômico-financeira e<br />
participação em coletivida<strong>de</strong> que pratique a “lavagem”:<br />
§ 1 o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização<br />
<strong>de</strong> bens, direitos ou valores provenientes <strong>de</strong> infração penal: (Redação dada<br />
pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012) 170<br />
I - os converte em ativos lícitos;<br />
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda,<br />
tem em <strong>de</strong>pósito, movimenta ou transfere;<br />
III - importa ou exporta bens com valores não correspon<strong>de</strong>ntes aos<br />
verda<strong>de</strong>iros.<br />
§ 2 o Incorre, ainda, na mesma pena quem: .<br />
I - utiliza, na ativida<strong>de</strong> econômica ou financeira, bens, direitos ou valores<br />
provenientes <strong>de</strong> infração penal; (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong><br />
2012)<br />
168<br />
Ativo é o conjunto <strong>de</strong> direitos, bens e valores que uma pessoa física ou jurídica tem direito <strong>de</strong><br />
receber.<br />
169 DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 195. Cita a seguinte <strong>de</strong>cisão: PENAL. LAVAGEM DE DINHEIRO.<br />
CONDUTAS DE OCULTAR OU DISSIMULAR. NECESSIDADE. CRIME DERIVADO, ACESSÓRIO<br />
OU PARASITÁRIO. EXIGÊNCIA DE DELITO ANTERIOR. PUNIÇÕES AUTÔNOMAS. EXISTÊNCIA<br />
DE CONCURSO DE CRIMES. CONFIGURAÇÃO DE CRIME ANTECEDENTE. DESNECESSIDADE<br />
DE PARTICIPAÇÃO. PRECEDENTES. JURISDIÇÃO PENAL E PROCESSO ADMINISTRATIVO<br />
FISCAL. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO. EMPRÉSTIMO DE REGRESSO. DENÚNCIA RECEBIDA.<br />
I - O mero proveito econômico do produto do crime não configura lavagem <strong>de</strong> dinheiro, que requer a<br />
prática das condutas <strong>de</strong> ocultar ou dissimular. Assim, não há que se falar em lavagem <strong>de</strong> dinheiro se,<br />
com o produto do crime, o agente se limita a <strong>de</strong>positar o dinheiro em conta <strong>de</strong> sua própria titularida<strong>de</strong>,<br />
paga contas ou consome os valores em viagens ou restaurantes.<br />
(...)<br />
APn 458 / SP AÇÃO PENAL 2001/0060030-7 Ministro FERNANDO GONÇALVES (1107).<br />
170<br />
DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 199: “São tipos dolosos; acessórios relativamente aos crimes<br />
antece<strong>de</strong>ntes; mas ao mesmo tempo autônomos (autonomia material e processual); e comuns...”.
77<br />
II - participa <strong>de</strong> grupo, associação ou escritório tendo conhecimento <strong>de</strong> que<br />
sua ativida<strong>de</strong> principal ou secundária é dirigida à prática <strong>de</strong> crimes previstos<br />
nesta Lei.<br />
No caso do § 1º, e seus incisos, o objetivo é impedir que o terceiro que tenha<br />
ciência da origem ilícita dos bens, direitos e valores, possa convertê-los em ativos<br />
lícitos 171 , sendo que qualquer modificação do bem pela sua substituição por ativo<br />
diverso é tipificado como crime. Deve haver a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocultar ou dissimular a<br />
origem dos bens, direitos e valores para que a conversão seja consi<strong>de</strong>rada crime.<br />
São <strong>de</strong>litos dolosos, autônomos em relação aos <strong>de</strong>litos antece<strong>de</strong>ntes e po<strong>de</strong>m ser<br />
cometidos por qualquer pessoa (<strong>de</strong>lito comum), formais 172 , <strong>de</strong> forma livre.<br />
Converter, em sentido financeiro é a troca <strong>de</strong> entre ativos financeiros, moedas<br />
ou qualquer outro tipo <strong>de</strong> ativo (troca <strong>de</strong> títulos por ações, <strong>de</strong> moedas <strong>de</strong> um país<br />
por divisas estrangeiras, etc.) 173 Tais ativos po<strong>de</strong>m ainda representar capital social,<br />
investimentos, empréstimos, participação acionária, constituição <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong><br />
empresária, compra <strong>de</strong> ações, por exemplo.<br />
Segundo De Carli 174 , a conversão <strong>de</strong> ativos ilícitos em lícitos representa uma<br />
modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crime que po<strong>de</strong> ter uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> execução sem limites, <strong>de</strong> modo<br />
171<br />
172<br />
173<br />
174<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 182: Afirma que as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>lituosas previstas no caput do artigo 1º da Lei<br />
9613/1998 referem-se à “lavagem” direta ou primária, enquanto que as figuras previstas no §1º são<br />
condutas secundárias ou paralelas.<br />
Para DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 203, “o tipo do inciso I (assim como os previstos nos incisos II e III) é<br />
<strong>de</strong> mera ativida<strong>de</strong>- o tipo se consuma pelas diferentes modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação, praticadas com a<br />
finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocultar ou dissimular, sem que o resultado ‘ocultação ou dissimulação’ apareça como<br />
efeito externo separável espaço-temporalmente. Caso ele chegue a ocorrer, fica caracterizado o tipo<br />
do caput)<br />
DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 200. I - O mero proveito econômico do produto do crime não<br />
configura lavagem <strong>de</strong> dinheiro, que requer a prática das condutas <strong>de</strong> ocultar ou dissimular. Assim,<br />
não há que se falar em lavagem <strong>de</strong> dinheiro se, com o produto do crime, o agente se limita a<br />
<strong>de</strong>positar o dinheiro em conta <strong>de</strong> sua própria titularida<strong>de</strong>, paga contas ou consome os valores em<br />
viagens ou restaurantes.(...)<br />
APn 458 / SP AÇÃO PENAL 2001/0060030-7 Ministro FERNANDO GONÇALVES (1107)<br />
DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 201. I - O mero proveito econômico do produto do crime não<br />
configura lavagem <strong>de</strong> dinheiro, que requer a prática das condutas <strong>de</strong> ocultar ou dissimular. Assim,<br />
não há que se falar em lavagem <strong>de</strong> dinheiro se, com o produto do crime, o agente se limita a<br />
<strong>de</strong>positar o dinheiro em conta <strong>de</strong> sua própria titularida<strong>de</strong>, paga contas ou consome os valores em<br />
viagens ou restaurantes.(...)<br />
APn 458 / SP AÇÃO PENAL 2001/0060030-7 Ministro FERNANDO GONÇALVES (1107)
78<br />
que o resultado da conversão po<strong>de</strong> ser novamente convertido em outro ativo lícito e<br />
daí por diante (por exemplo, um carro é comprado com o dinheiro <strong>de</strong> corrupção,<br />
<strong>de</strong>pois trocado por um lote e este <strong>de</strong>pois vendido a terceiro e assim<br />
sucessivamente).<br />
Os crimes previstos no inciso II (adquirir 175 , receber 176 , trocar 177 , negociar 178 ,<br />
dar ou receber 179 em garantia, guardar 180 , ter em <strong>de</strong>pósito 181 , movimentar 182 ou<br />
transferir 183 ) referem-se a bens, direitos e valores que circulam na economia legal<br />
(fase da dissimulação), mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seja com o objetivo <strong>de</strong> ocultar ou dissimular<br />
a origem ilícita dos ativos 184 .<br />
As condutas <strong>de</strong> receber, adquirir e receber em garantia só po<strong>de</strong>m ser<br />
praticadas por terceiros, ou seja, aqueles que não praticaram o crime antece<strong>de</strong>nte<br />
(não po<strong>de</strong> haver autolavagem aqui).<br />
Com relação ao inciso III (importar 185 ou exportar 186 bens com valores não<br />
correspon<strong>de</strong>ntes aos verda<strong>de</strong>iros) tem-se o subfaturamento e superfaturamento <strong>de</strong><br />
bens e serviços para a sonegação <strong>de</strong> impostos e/ou evasão <strong>de</strong> divisas 187 , bastando<br />
que a exportação ou importação <strong>de</strong> bens, direitos ou valores provenientes <strong>de</strong> crime<br />
175 Adquirir ter a condição <strong>de</strong> proprietário, a título oneroso ou gratuito.<br />
176 Receber é obter, o mesmo que adquirir.<br />
177 Trocar é permutar, substituir alguma coisa ou outra.<br />
178 Negociar é comerciar, contratar, transacionar.<br />
179 Dar ou receber em garantia tem por objetivo criar meios para que o credor obtenha seu crédito<br />
180 Guardar é <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, vigiar, proteger.<br />
181 Ter em <strong>de</strong>pósito é acumular, armazenar, conservar.<br />
182 Movimentar é fazer circular, funcionar, ter o domínio.<br />
183 Transferir é ce<strong>de</strong>r, repassar a outrem, passar uma quantia <strong>de</strong> uma conta a outra.<br />
184 Ementa: PENAL. RECEBIMENTO DE DINHEIRO DECORRENTE DE CRIME DE PECULATO.<br />
"LAVAGEM" OU OCULTAÇÃO DE VALORES (LEI 9.613/98, ART. 1º, § 1º). ESPECIAL ELEMENTO<br />
SUBJETIVO: PROPÓSITO DE OCULTAR OU DISSIMULAR A UTILIZAÇÃO. AUSÊNCIA.<br />
CONFIGURAÇÃO DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (CP, ART. 180, § 6º). EMENDATIO LIBELLI.<br />
VIABILIDADE. DENÚNCIA PROCEDENTE. 1. No crime <strong>de</strong> "lavagem" ou ocultação <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> que<br />
trata o inciso II do § 1° do art. 1º da Lei 9.613/98, as ações <strong>de</strong> adquirir, receber, guardar ou ter em<br />
<strong>de</strong>pósito constituem elementos nucleares do tipo, que, todavia, se compõe, ainda, pelo elemento<br />
subjetivo consistente na peculiar finalida<strong>de</strong> do agente <strong>de</strong>, praticando tais ações, atingir o propósito <strong>de</strong><br />
ocultar ou dissimular a utilização <strong>de</strong> bens, direitos ou valores provenientes <strong>de</strong> quaisquer dos crimes<br />
indicados na norma incriminadora. Embora seja dispensável que o agente venha a atingir tais<br />
resultados, relacionados à facilitação do aproveitamento ("utilização") <strong>de</strong> produtos <strong>de</strong> crimes, é<br />
inerente ao tipo que sua conduta esteja direcionada e apta a alcançá-los. Sem esse especial<br />
elemento subjetivo (relacionado à finalida<strong>de</strong>) <strong>de</strong>scaracteriza-se o crime <strong>de</strong> ocultação, assumindo a<br />
figura típica <strong>de</strong> receptação, prevista no art. 180 do CP. (...)APn 472 / ES AÇÃO PENAL<br />
2003/0051867-6 Relator(a) Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI<br />
185 Importar significa trazer <strong>de</strong> fora do país mercadorias e ou mão <strong>de</strong> obra, i<strong>de</strong>ias.<br />
186 Exportar é mandar para fora do país aquilo que produzido internamente.<br />
187<br />
DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 207.
79<br />
ou tenha apenas o escopo <strong>de</strong> ocultar ou dissimular a origem <strong>de</strong>stes, está configura o<br />
crime.<br />
Segundo Barros 188 :<br />
Com a importação ou exportação <strong>de</strong> coisas sobre-faturadas ou<br />
subfaturadas, o agente que encobrir ou dissimular o lucro ilícito obtido com<br />
a prática do crime antece<strong>de</strong>nte e, ao mesmo tempo, preten<strong>de</strong> introduzi-lo no<br />
mercado econômico e financeiro com aparência <strong>de</strong> lícito. Na ação penal<br />
caberá ao Ministério Público provar que o réu tinha ciência da origem<br />
criminosa do capital constituído por bens, direitos e valores, os quais são<br />
provenientes do crime antece<strong>de</strong>nte; que a importação ou a exportação <strong>de</strong><br />
bens tinha por finalida<strong>de</strong> ocultar ou dissimular a utilização <strong>de</strong>sse capita; e<br />
que os valores da transação realizada não são verda<strong>de</strong>iros.<br />
As figuras do inciso em comento são crimes formais, plurissubsistentes, cuja<br />
consumação se dá com a entrada ou saída do bem do país.<br />
Os tipos penais do § 2º, inciso I da Lei 9613/1998 (utilizar 189 em ativida<strong>de</strong><br />
econômica 190 ou financeira 191 , bens direitos ou valores que sabe serem provenientes<br />
<strong>de</strong> infração penal), a qual se encaixa na fase da integração ou do exaurimento,<br />
bastando que o “agente- no caso uma terceira pessoa, que não participou das fases<br />
que compõe o processo <strong>de</strong> “lavagem”- exerça a ativida<strong>de</strong> econômica ou financeira, e<br />
que no exercício <strong>de</strong>stas, utilize o lucro ou o patrimônio lavado...” 192<br />
Interessante neste ponto a lição <strong>de</strong> Moro 193 :<br />
A redação do inciso I do § 2º ainda revela que seu propósito explícito é a<br />
proteção da or<strong>de</strong>m econômica ou financeira. Não é qualquer emprego <strong>de</strong><br />
bens, direitos ou valores proce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> crime que configura o tipo penal,<br />
mas apenas o emprego na <strong>de</strong>stinação específica, ativida<strong>de</strong> financeira ou<br />
econômica. Investimentos proce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> crime em uma empresa<br />
econômica configuram o crime, mas não a mera utilização dos recursos<br />
criminosos para a aquisição <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> consumo. De certa forma, o tipo<br />
subsidiário exige menos que o tipo do caput, ao não exigir as condutas<br />
188<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 184.<br />
189 Significa empregar, usar.<br />
190 DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 208, afirma que “ativida<strong>de</strong> econômica é conjunto <strong>de</strong> atos pelos quais<br />
as pessoas satisfazem às suas necessida<strong>de</strong>s, através da produção e troca <strong>de</strong> bens e <strong>de</strong> serviços.”<br />
191 Ativida<strong>de</strong> financeira refere-se ao câmbio, crédito, intermediação <strong>de</strong> e captação <strong>de</strong> ativos no mercado<br />
<strong>de</strong> capitais.<br />
192<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 185.<br />
193 MORO, Sérgio Fernando. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 45.
80<br />
“ocultar” ou “dissimular”, mas exige mais ao criminalizar apenas a utilização<br />
do produto do crime na ativida<strong>de</strong> econômica ou financeira.<br />
Os crimes previstos no inciso I do § 2º são <strong>de</strong> forma livre e <strong>de</strong> mera conduta,<br />
unissubsistente. É habitual impróprio ou aci<strong>de</strong>ntalmente habitual-uma única ação<br />
tem relevância para configurar o tipo, e sua reiteração não caracteriza pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
crimes se estiver relacionada com o mesmo objeto material” 194<br />
Os <strong>de</strong>litos previstos no inciso II do § 2º (participar 195 <strong>de</strong> grupo 196 ,<br />
associação 197 ou escritório 198 tendo conhecimento <strong>de</strong> que sua ativida<strong>de</strong> principal ou<br />
secundária é dirigida à prática <strong>de</strong> crimes previsto na lei <strong>de</strong> “lavagem”) <strong>de</strong>stina-se aos<br />
integrantes <strong>de</strong> grupos, escritórios ou associações que executem operações voltadas<br />
aos crimes <strong>de</strong> “lavagem”. 199<br />
Barros 200 critica o presente inciso, reputando-o como uma forma arriscada e<br />
perigosa <strong>de</strong> inculpação, uma vez que não se po<strong>de</strong> contentar com a mera<br />
participação consciente, sem que haja a exigência <strong>de</strong> prova suficiente da prática <strong>de</strong><br />
atos <strong>de</strong> “lavagem”.<br />
Prossegue o referido autor afirmando sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração,<br />
no caso <strong>de</strong> coautoria, do vínculo psicológico e do comportamento relevante e eficaz.<br />
O Órgão do Ministério Público <strong>de</strong>ve provar que o “escritório, associação ou grupo”<br />
atue com o propósito (principal ou secundário) <strong>de</strong> promover a “lavagem” <strong>de</strong> bens<br />
direitos ou valores provenientes <strong>de</strong> crime, bem como provar que o agente tinha<br />
conhecimento <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s ilícitas e que <strong>de</strong> alguma forma colaborou para a<br />
“lavagem”.<br />
194 DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 211.<br />
195 Significa tomar parte, atuar em conjunto.<br />
196<br />
Refere-se a uma reunião <strong>de</strong> pessoa físicas ou a uma pessoa jurídica DE CARLI, Carla Veríssimo.<br />
Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo; MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al.<br />
(Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p.<br />
211.<br />
197 Conjunto <strong>de</strong> pessoas voltadas para o cometimento <strong>de</strong> crime, na acepção tomada pela Lei 9613/1998<br />
198 Empresas que prestam serviços <strong>de</strong> blindagem patrimonial<br />
199 De acordo com o artigo 29 do Código Penal, “Quem, <strong>de</strong> qualquer modo, concorre para o crime inci<strong>de</strong><br />
nas penas a este cominadas, na medida <strong>de</strong> sua culpabilida<strong>de</strong>”<br />
200<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 187.
81<br />
Vê-se que o tipo penal em comento dificulta a <strong>de</strong>limitação das condutas, em<br />
face do uso <strong>de</strong> elementos normativos imprecisos (escritório, grupo, associação), 201<br />
ao se tentar criar um tipo especial <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> bando ou quadrilha voltado para a<br />
lavagem <strong>de</strong> capitais.<br />
Os crimes do inciso II, do § 2º são <strong>de</strong> mera conduta 202 , <strong>de</strong> perigo abstrato (é<br />
suficiente apenas a associação) e <strong>de</strong> natureza permanente.<br />
3.8 Contaminação e <strong>de</strong>scontaminação <strong>de</strong> ativos<br />
Questão interessante trazida à baila por De Carli 203 refere-se à transmissão<br />
da ilicitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> um bem a outro por meio <strong>de</strong> sucessivas operações (contaminação).<br />
Com alteração produzida pela Lei 12.683/2012 que extinguiu o rol taxativo <strong>de</strong><br />
crimes antece<strong>de</strong>ntes, enten<strong>de</strong>-se possível a lavagem <strong>de</strong> capitais sobre uma<br />
“lavagem” anterior, ou seja, a “lavagem” em ca<strong>de</strong>ia. Todavia, consi<strong>de</strong>rando tais<br />
operações <strong>de</strong> lavagem po<strong>de</strong>m se perpetuar no tempo, questiona-se a existência <strong>de</strong><br />
um limite, pois caso contrário, não só aqueles bens, valores e direitos ligados<br />
diretamente, mas também indiretamente estariam “contaminados”, e aqueles<br />
indivíduos com eles relacionados passariam a ser suspeitos. 204<br />
Nessa linha, a doutrina questiona a mescla <strong>de</strong> bens lícitos com ilícitos, <strong>de</strong><br />
modo, a saber, até que ponto um bem estaria contaminado, como no caso <strong>de</strong> “A”<br />
comprar um bem com uma parte em dinheiro proveniente <strong>de</strong> crime e outra parte com<br />
201<br />
Segundo PRADO, Rodrigo Leite. Dos crimes: aspectos subjetivos. In: CARLI, Carla Veríssimo <strong>de</strong>;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>. et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 368):” No que se refere aos elementos normativos grupo, associação<br />
e escritório, são conceitos extremamente in<strong>de</strong>terminados e revelam falta <strong>de</strong> técnica legislativa, o que<br />
dificulta a i<strong>de</strong>ntificação clara e sem dubieda<strong>de</strong> da figura <strong>de</strong>litiva <strong>de</strong>scrita no tipo legal (...) Em razão<br />
<strong>de</strong>ssa má redação, o legislador acaba por violar um dos princípios norteadores do Direito Penal, que<br />
é o princípio da legalida<strong>de</strong>, na sua vertente <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação, que exige que as leis sejam claras,<br />
<strong>de</strong>terminadas e objetivas.”<br />
202<br />
Para DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 213, “...o tipo é <strong>de</strong> mera conduta, bastando neste caso a associação<br />
com ânimo <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> e affectio em grupo, associação ou escritório <strong>de</strong>stinado à prática <strong>de</strong><br />
lavagem <strong>de</strong> dinheiro, como ativida<strong>de</strong> principal ou secundária...”<br />
203 DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 217-200.<br />
204<br />
O caput do artigo 1º da Lei 9613/1998 fala em bens, direitos ou valores provenientes direta e<br />
indiretamente <strong>de</strong> infração penal. Com isso, o texto legal tem por objetivo evitar sejam consi<strong>de</strong>rados<br />
“lavados” apenas os originalmente ligados ao crime antece<strong>de</strong>nte.
82<br />
dinheiro <strong>de</strong> origem lícita. Há aqueles que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que a mínima parte ilícita<br />
contaminaria todo o bem, enquanto outros enten<strong>de</strong>m que <strong>de</strong>va haver um percentual<br />
para acarretar a contaminação do bem. 205<br />
A <strong>de</strong>scontaminação, assim, po<strong>de</strong> se dar por mescal, pela substituição <strong>de</strong> bens<br />
ou pela ação <strong>de</strong> terceiro <strong>de</strong> boa-fé.<br />
No primeiro caso, a <strong>de</strong>scontaminação ocorre quando o bem for único e a<br />
parte ilícita (em menor proporção) não pu<strong>de</strong>r ser excluída sem <strong>de</strong>svalorização do<br />
bem. Mas se for possível o fracionamento do bem e o individuo ter ciência <strong>de</strong> que<br />
parte dos bens é <strong>de</strong> origem ilícita, respon<strong>de</strong>rá por lavagem, caso pratique uma das<br />
condutas previstas no artigo 1º e parágrafos da Lei 9613/1998.<br />
A <strong>de</strong>scontaminação <strong>de</strong> bens substituídos, o bem (lavado) adquirido com o<br />
produto do crime ante<strong>de</strong>nte per<strong>de</strong> a característica <strong>de</strong> ilícito, quando repassado a<br />
terceiro 206 .<br />
A <strong>de</strong>scontaminação pela aquisição do bem “sujo” por terceiro <strong>de</strong> boa-fé é<br />
consequência natural daquilo que foi exposto linha acima, pois para que haja a<br />
“lavagem” é preciso ter consciência que o bem é <strong>de</strong> origem ilícita e que está agindo<br />
para ocultar ou dissimular esta origem profana. Com isso, o bem <strong>de</strong> origem escusa,<br />
adquirido por terceiro <strong>de</strong> boa-fé per<strong>de</strong> essa qualida<strong>de</strong>.<br />
205 Ementa: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO QUE CONCEDEU,<br />
PARCIALMENTE, A SEGURANÇA, LIBERANDO PARTE DOS VALORES BLOQUEADOS. CRIME<br />
CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. LAVAGEM DE DINHEIRO. ORIGEM<br />
LÍCITA DE ALGUNS DOS RECURSOS NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-<br />
CONSTITUÍDA. INVIABILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO<br />
INDEMOSTRADO. DESPROVIMENTO DO RECURSO.<br />
1. Elementos insuficientes, nos autos, a ensejar o levantamento <strong>de</strong> parte da quantia existente em<br />
aplicação financeira, <strong>de</strong>ixando a recorrente <strong>de</strong> trazer prova pré-constituída do alegado direito líquido e<br />
certo.<br />
2. A <strong>de</strong>cisão atacada não se mostra teratológica ou inapropriada, consi<strong>de</strong>rando que o pagamento por<br />
meio <strong>de</strong> cheque não foi, cabalmente, <strong>de</strong>monstrado <strong>de</strong> plano.<br />
3. Evi<strong>de</strong>nciada ausência <strong>de</strong> ofensa ao direito líquido e certo da recorrente, refoge à via mandamental<br />
<strong>de</strong>terminar o <strong>de</strong>sbloqueio <strong>de</strong> seus recursos financeiros, na totalida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>rando não estar<br />
provado <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>cisiva a origem lícita dos valores.<br />
4. Inexistência <strong>de</strong> direito líquido e certo.<br />
5. Recurso Ordinário a que se nega provimento.<br />
RMS 32947 / RJ RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA<br />
2010/0156703-9 Relator: Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO<br />
DO TJ/RJ)<br />
206 DE CARLI, Carla Veríssimo. Dos crimes: aspectos objetivos. In: DE CARLI, Carla Verissimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>; et. al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011, p. 219, cita o seguinte exemplo: “...o autor do <strong>de</strong>lito antece<strong>de</strong>nte<br />
adquire um automóvel importado com dinheiro auferido em tráfico <strong>de</strong> drogas. Posteriormente, ven<strong>de</strong><br />
o automóvel e com esse dinheiro (ou ao menos parte <strong>de</strong>le) compra um iate <strong>de</strong> luxo. O automóvel foi<br />
vendido para um terceiro- e nas mãos <strong>de</strong>ste, o automóvel per<strong>de</strong> a “marca” da ilicitu<strong>de</strong>”.
83<br />
3.9 Hipóteses <strong>de</strong> cometimento do crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais (mediante<br />
socieda<strong>de</strong>s empresárias)<br />
O raio <strong>de</strong> ação para cometimento do crime <strong>de</strong> “lavagem” aumenta (adapta-se)<br />
à medida que novas formas negócios jurídicos são criados ou aperfeiçoados, uma<br />
vez que o cerne <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>lituosa é justamente ocultar, dissimular a<br />
origem <strong>de</strong> bens, valores ou direitos provenientes <strong>de</strong> crime. Muito embora possa<br />
envolver frau<strong>de</strong>s ou simulações, a “lavagem” po<strong>de</strong> se valer <strong>de</strong> meios lícitos, <strong>de</strong><br />
modo que a origem ilícita dos bens, valores e direitos é pressuposto para a análise<br />
do tipo <strong>de</strong> “lavagem” empreendida 207 .<br />
Se <strong>de</strong>terminado negócio po<strong>de</strong> permitir o mascaramento da origem ilícita <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminado proveito econômico, ali estará o “lavador” para se a<strong>de</strong>quar à nova<br />
realida<strong>de</strong>. Dallagnol 208 lembra que as técnicas <strong>de</strong> lavagem estão em constante<br />
mudança, colaborando para tanto, <strong>de</strong>ntre outros: o aumento da regulação dos<br />
setores econômicos, surgimento <strong>de</strong> novos ativos financeiros e da variada forma <strong>de</strong><br />
movimentação <strong>de</strong> capital, novas estruturas <strong>de</strong> pessoas jurídicas, <strong>maio</strong>r<br />
profissionalização dos “lavadores”.<br />
As chamadas rotinas <strong>de</strong> “lavagem” são estudadas pelas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
inteligência financeira, com trocas <strong>de</strong> informações sobre as práticas mais comuns,<br />
servindo <strong>de</strong> alerta a todos aqueles que lidam com transações financeiras <strong>de</strong> bens,<br />
direitos e valores 209 . Tais rotinas po<strong>de</strong>m se valer <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma técnica (<strong>de</strong> forma<br />
simultânea ou sucessiva para a efetivação da ativida<strong>de</strong> criminosa).<br />
Grupo <strong>de</strong> Ação Financeira contra a Lavagem <strong>de</strong> Dinheiro e o Financiamento<br />
do Terrorismo (GAFI - Sigla francesa para Groupe d’Action Financière (Grupo <strong>de</strong><br />
207<br />
208<br />
209<br />
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 290, afirma que “Para aumentar a utilida<strong>de</strong> dos estudos e das<br />
classificações, as técnicas ou tipo categorizados pela tipologia da lavagem <strong>de</strong>vem apresentar um<br />
nível <strong>de</strong> abstração, evi<strong>de</strong>ntemente, <strong>maio</strong>r do que o caso concreto e menor do que o texto do tipo<br />
penal. Essa observações é relevante porque orienta a fugir <strong>de</strong> casuísmos.”<br />
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 291.<br />
O Conselho <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s Financeiras elaborou uma cartilha, com vistas a difundir<br />
informações sobre o combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro:<br />
.
84<br />
Ação Financeira Internacional); em inglês Financial Action Task Force (FATF -<br />
Força-tarefa <strong>de</strong> Ação Financeira) elabora relatórios periódicos sobre as tipologias ou<br />
condutas que se caracterizam como forma <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais. Tais relatórios<br />
visam à troca <strong>de</strong> informações entre autorida<strong>de</strong>s internacionais, servindo assim <strong>de</strong><br />
alerta para o estabelecimento <strong>de</strong> medidas operacionais contra as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
“lavagem”. 210<br />
Moro 211 relaciona os principais conceitos utilizados na análise da “lavagem” a<br />
saber:<br />
-uma “técnica” <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro é uma ação ou um modo particular<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do crime <strong>de</strong> lavagem, como a realização <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>pósito em conta-corrente, <strong>de</strong> uma transferência internacional <strong>de</strong> dinheiro<br />
ou <strong>de</strong> uma operação <strong>de</strong> importação subfaturada;<br />
-um “mecanismo” <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro é um sistema ou uma coisa na<br />
qual se <strong>de</strong>senvolve o crime <strong>de</strong> lavagem , como uma instituição financeira ou<br />
um cassino;<br />
-um “instrumento” <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro é um objeto <strong>de</strong> valor ou que<br />
representa um valor e que é utilizado no crime <strong>de</strong> lavagem , como dinheiro,<br />
cheques ou proprieda<strong>de</strong> imobiliária;<br />
-um “método” <strong>de</strong> lavagem é um procedimento específico utilizado para a<br />
prática do crime <strong>de</strong> lavagem, compreen<strong>de</strong>ndo a utilização <strong>de</strong> uma técnica,<br />
um mecanismo e um instrumento;<br />
-um “esquema” <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro é um processo particular <strong>de</strong><br />
lavagem que combina vários métodos (técnicas, mecanismo e instrumentos)<br />
emu ma única operação;<br />
-uma “tipologia” <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro representa uma série <strong>de</strong> esquemas<br />
que aparentam ter sido <strong>de</strong>senvolvidos <strong>de</strong> maneira similar, com utilização <strong>de</strong><br />
método similar ou idêntico; e<br />
-uma “tendência” <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada a evolução<br />
no tempo <strong>de</strong> um método ou <strong>de</strong> uma tipologia <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro.<br />
Dallagnol 212 chama atenção para a migração das técnicas <strong>de</strong> “lavagem” dos<br />
setores financeiros para os não financeiros à medida que ocorreu o aumento da<br />
regulamentação <strong>de</strong>sse setor. Além disso, haveria uma tendência para a<br />
internacionalização da “lavagem”, uma vez que a globalização da economia e a<br />
210<br />
Nos sítios seguintes po<strong>de</strong>m ser encontrados exemplos <strong>de</strong> trabalhos nesse sentido:<br />
.<br />
.<br />
211 MORO, Sérgio Fernando. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 48.<br />
212<br />
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 292-294.
85<br />
tecnologia <strong>de</strong> ponta dificultariam o rastreamento da origem ilicita <strong>de</strong> bens, direitos ou<br />
valores. A profissionalização e terceirização da “lavagem” também são<br />
consequências do aperfeiçoamento <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> criminosa, uma vez que<br />
se tem exigido cada vez mais um conhecimento aprofundado, técnico para a sua<br />
efetivação.<br />
Referindo-se às principais classificações em uso pela doutrina e pelos grupos<br />
<strong>de</strong> pesquisa, assim as agrupa:<br />
- Com base na licitu<strong>de</strong> em si: a) por si só licita; b) por si só criminosa;<br />
- Com base no uso do sistema financeiro: a)financeiro; b) não financeiro;<br />
- Com base no âmbito geográfico: a) nacional; b) internacional;<br />
- Com base na frequência em que é encontrada (grupo Egmont): a)<br />
ocultação <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> estruturas empresariais: b) utilização in<strong>de</strong>vida <strong>de</strong><br />
empresas legítimas; c) uso <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s ou documentos falsos e <strong>de</strong><br />
testas <strong>de</strong> ferro; d) exploração <strong>de</strong> questões jurisdicionais internacionais;<br />
e) uso <strong>de</strong> ativos ao portador;<br />
- Com base nos crimes antece<strong>de</strong>ntes, país, região ou setor envolvido a<br />
que se vinculam com elevada frequência;<br />
- Com base na complexida<strong>de</strong>: a) lavagem à mão; b) máquina <strong>de</strong> lavar<br />
familiar; c) máquina <strong>de</strong> lavar conjunta; d) lavan<strong>de</strong>ria;<br />
- Com base na estrutura (própria ou terceirizada) que a conduz: a)<br />
própria; b) terceirizada;<br />
- Com base na necessida<strong>de</strong> e nos constrangimentos: a) elementar; b)<br />
elaborada; c) sofisticada;<br />
- Por categorias: a) conversão em bens; b) movimentação do dinheiro;<br />
- Com base na fase em que frequentemente ocorre: a) técnicas típicas <strong>de</strong><br />
colocação, ocultação ou conversão (placement stage); b)técnicas típicas<br />
<strong>de</strong> estratificação, circulação, dissimulação, difusão, camuflagem ou<br />
transformação (layering stage, empilage ou ensombrecimento); c)<br />
técnicas típicas <strong>de</strong> integração ou reinvestimento (integration stage, ou<br />
recycling);<br />
- Com base na completu<strong>de</strong> do ciclo: a) lavagem <strong>de</strong> ciclo complete, <strong>de</strong><br />
crime exaurido; b) lavagem <strong>de</strong> ciclo incompleto, <strong>de</strong> crime tentando ou<br />
consumado;<br />
- Com base no setor econômico em que é efetivada (jogos ou cassinos,<br />
futebol, bancário, seguros, ações, etc.);<br />
- Com base na quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> setores em que é efetivada: a) unissetorial;<br />
b) bissetorial; c) multissetorial.
86<br />
Dallagnol 213 propõe, por seu turno, a seguinte classificação: “a) técnicas <strong>de</strong><br />
mera movimentação; b) técnicas que simulam origem aos recursos; e c) técnicas <strong>de</strong><br />
uso <strong>de</strong> terceiros (pessoas físicas ou jurídicas)”.<br />
No primeiro caso (<strong>de</strong>svinculação da fonte), o objetivo do “lavador” é dificultar<br />
o rastreamento da origem ilícita dos bens, direitos e valores. Aqui a o uso comum <strong>de</strong><br />
transferências financeiras sucessivas, criando-se filtros entre a origem e o <strong>de</strong>stino<br />
dos recursos, impondo-se barreiras que dificultam a investigação. É recorrente a<br />
utilização <strong>de</strong> instituições financeiras diferentes, a transferência <strong>de</strong> capitais por países<br />
distintos. A dificulda<strong>de</strong> da comprovação da origem ilicita dos bens, direitos ou<br />
valores po<strong>de</strong> ser maximizada na hipótese da utilização conjunta <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong><br />
terceiros, como no caso das empresas offshores 214 .<br />
No segundo (conferir uma nova fonte) a i<strong>de</strong>ia é simular uma origem lícita<br />
mediante negócios jurídicos simulados, os quais geralmente dão prejuízo, <strong>de</strong> modo<br />
que o “custo do negócio” é a forma <strong>de</strong> legitimar o dinheiro sujo.<br />
O ultimo caso (disfarce da proprieda<strong>de</strong>), tem por escopo vincular os bens<br />
direitos ou valores <strong>de</strong> origem ilícita a pessoas físicas ou jurídicas sem relação com<br />
os crimes antece<strong>de</strong>ntes.<br />
Neste tópico e para aten<strong>de</strong>r aos escopos do trabalho, serão <strong>de</strong>scritos as<br />
principais formas para cometimento do crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais através <strong>de</strong><br />
socieda<strong>de</strong>s empresariais, cujo emprego, <strong>de</strong>ntro da classificação retro, po<strong>de</strong> se dar<br />
nas hipóteses <strong>de</strong> técnica <strong>de</strong> mera movimentação, simulação <strong>de</strong> origem recursos ou<br />
como uso <strong>de</strong> terceiros (pessoas jurídicas). Dessa forma, com base em Dallagnol 215 ,<br />
po<strong>de</strong>-se citar:<br />
a) Comminglig ou mescla<br />
213<br />
214<br />
215<br />
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 294-295.<br />
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 296-297. Explica que nessa técnica <strong>de</strong> mera movimentação, é<br />
preciso distinguir entre a lavagem propriamente dita e o exaurimento do crime anterior, <strong>de</strong> modo que<br />
ocorrerá a primeira hipótese se a operação não se trata <strong>de</strong> algo usual, ou seja, não haveria interesse<br />
<strong>de</strong> ocultar ou dissimular a origem ilícita dos recursos.<br />
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 297-353.
87<br />
Ocorre quando ativos <strong>de</strong> origem ilícita são misturados com os <strong>de</strong> origem lícita,<br />
fazendo parte da receita total da empresa, por exemplo, para dificultar o<br />
rastreamento das origens dos recursos.<br />
b) Private banking e blindagem patrimonial<br />
Os serviços <strong>de</strong> private banking po<strong>de</strong>m oferecer serviços que tenham por<br />
escopo ocultar o proprietário dos bens, direitos ou valores <strong>de</strong> origem ilícita, através<br />
da constituição <strong>de</strong> offshores, o que será explicado adiante.<br />
A blindagem ocorre por meio da aquisição <strong>de</strong> bens e ativos financeiros <strong>de</strong><br />
pessoas físicas ou jurídicas por outras pessoas jurídicas recém- criadas para esse<br />
fim, mas que não possuem se<strong>de</strong> física.<br />
Tal aquisição por meio <strong>de</strong>ssas pessoas jurídicas é, na verda<strong>de</strong>, uma compra<br />
falsa, que blinda o patrimônio daquele ven<strong>de</strong>, pois este último permanece com tutela<br />
real <strong>de</strong> seus bens e valores, <strong>de</strong>vido à emissão <strong>de</strong> ações ao portador pela empresa<br />
adquirente. Deste modo, o ven<strong>de</strong>dor, <strong>de</strong> forma mascarada, torna-se dono da<br />
empresa que faz a blindagem e, por consequência, <strong>de</strong> seus próprios bens.<br />
c) Contas bancárias ocultas no exterior<br />
Dá-se através do <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> recursos em contas bancárias localizadas no<br />
exterior e não <strong>de</strong>claradas no Brasil, movimentadas através <strong>de</strong> empresas (trusts,<br />
offshores, por exemplo), cuja titularida<strong>de</strong> é mantida em segredo. Po<strong>de</strong> ocorrer<br />
também a retenção da correspondência, para que não haja possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />
<strong>de</strong>scoberta em caso <strong>de</strong> investigação dos suspeitos.<br />
d) Contas conduítes:<br />
Representa a abertura <strong>de</strong> diversas contas em nome <strong>de</strong> empresas, com<br />
movimentações financeiras diversas, através <strong>de</strong> cartões <strong>de</strong> crédito/débito, emissão<br />
<strong>de</strong> cheques, com uma súbita movimentação <strong>de</strong> ativos ilícitos, evitando a vinculação<br />
<strong>de</strong>sta com a “lavagem”.<br />
e) Centros Financeiros Offshores e Paraísos Fiscais<br />
Denomina-se <strong>de</strong> “socieda<strong>de</strong>s não resi<strong>de</strong>ntes” ou <strong>de</strong> offshore (fora da costa,<br />
em português a socieda<strong>de</strong> que exerce suas ativida<strong>de</strong>s comerciais ou industriais fora<br />
do Estado on<strong>de</strong> foi formalmente registrada).
88<br />
Estabelecida, geralmente, em “paraísos fiscais” 216 , esse tipo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong> ter a forma <strong>de</strong> instituição financeira ou ser, inclusive, filial <strong>de</strong> banco estrangeiro<br />
ou até mesmo se<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma multinacional. Os paraísos fiscais 217 , por seu turno, se<br />
caracterizam por um território com pela tributação reduzida ou nula em relação aos<br />
rendimentos <strong>de</strong> pessoas não resi<strong>de</strong>ntes naquele país on<strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong> empresária<br />
fora constituída, pelas facilida<strong>de</strong>s na constituição <strong>de</strong> tais socieda<strong>de</strong>s com a garantia<br />
<strong>de</strong> anonimato 218 .<br />
Não obstante o <strong>maio</strong>r objetivo do “lavador” seja o anonimato, Dallagnol 219<br />
elenca uma série vantagens para a constituição <strong>de</strong> empresas offshores além das já<br />
mencionadas:<br />
[...] societárias: c) baixo nível <strong>de</strong> exigências, custos e prazos para a<br />
constituição <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s; d) regime <strong>de</strong> licenciamento <strong>de</strong> empresas aberto<br />
e flexível; e) <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> presença física para empresas e<br />
instituições financeiras; f) uso flexível <strong>de</strong> trusts e veículos corporativos<br />
especiais (offshores) que permitam a ocultação <strong>de</strong> ativos; g) uso <strong>de</strong> ações<br />
ao portador para indicar a titularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresas; bancárias: h) existência<br />
<strong>de</strong> sistemas financeiros bancários e não bancários bem estabelecidos; i)<br />
existência <strong>de</strong> contas anônimas, numeradas ou nominees; domiciliares: j)<br />
indisponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incentivos similares para resi<strong>de</strong>ntes; legais quanto ao<br />
sigilo: k) alto nível <strong>de</strong> confi<strong>de</strong>ncialida<strong>de</strong> baseado em leis <strong>de</strong> sigilo<br />
impenetráveis- sigilo bancário, comercial profissional e fiscal; cambiais: l)<br />
regime <strong>de</strong> câmbio liberal, com pouco ou nenhum controle, inclusive quanto<br />
ao ingresso e saída <strong>de</strong> recursos do país; m) liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> remessas<br />
financeiras <strong>de</strong> renda ou capital e baixo ou nenhum monitoramento dos<br />
fluxos; quanto à economia: n) estabilida<strong>de</strong> econômica (o que engloba<br />
estabilida<strong>de</strong><strong>de</strong> política); o) estabilida<strong>de</strong> jurídica, com legislação bancária,<br />
comercial e fiscal clara e estável; p) vinculação da moeda local a uma<br />
moeda forte com dólar, euro ou libra, ou possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar operações<br />
com moeda estrangeira (...) w) lavagem <strong>de</strong> dinheiro não ser tipificada como<br />
crime ou lista <strong>de</strong> crimes antece<strong>de</strong>ntes bem restrita; x) capacida<strong>de</strong> reduzida<br />
<strong>de</strong> investigação e coibição <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro, inclusive no tocante ao<br />
216<br />
217<br />
218<br />
219<br />
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 316, faz menção aos seguintes sinônimos: refúgio fiscal, oásis fiscal,<br />
escon<strong>de</strong>rijo fiscal, país <strong>de</strong> tributação favorecida, jurisdição fiscal mais vantajosa, regime tributário<br />
mais vantajosos, zona <strong>de</strong> exclusão fiscal, regime fiscal preferencial, território <strong>de</strong> regime fiscal<br />
privilegiado, centro financeiro offshore.<br />
Relação <strong>de</strong> paraísos fiscais feita pela Receita Fe<strong>de</strong>ral. Disponível em:<br />
. Acesso em: 08<br />
mail. 2013.<br />
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 316, afirma que quando o é oferecido o serviço <strong>de</strong> sigilo bancário aos<br />
proprietários <strong>de</strong> empresas offshores, o paraíso fiscal também é um centro financeiro offshore.<br />
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 317.
89<br />
bloqueio e perdimento <strong>de</strong> valores; y) ausência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação no<br />
fechamento <strong>de</strong> operação financeira.<br />
Tendo em vista que uma offshore permite o gerenciamento <strong>de</strong> ativos<br />
financeiros em uma socieda<strong>de</strong> sediada em “paraíso fiscal”, esta po<strong>de</strong> ser utilizada<br />
para a realização <strong>de</strong> “lavagem” <strong>de</strong> capitais. Mas esse não é único atrativo para que<br />
organizações criminosas usem tal tipo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> para cometer práticas ilícitas,<br />
haja vista que a sua localização po<strong>de</strong> trazer benefícios tácitos ao negócio como, por<br />
exemplo, tributação reduzida e condições cambiais melhores.<br />
f) Simulação <strong>de</strong> lucro em empresas<br />
Nesse caso, uma entida<strong>de</strong> legalmente constituída recebe aporte <strong>de</strong> recursos<br />
ilícitos, <strong>de</strong> modo que estes contam como faturamento ou como lucro fictício, com<br />
pagamento <strong>de</strong> tributos e <strong>de</strong>claração às receitas estadual e fe<strong>de</strong>ral. A atuação<br />
comercial po<strong>de</strong> ser simulada ou po<strong>de</strong> ocorrer a mescla <strong>de</strong> recursos lícitos com<br />
ilícitos (mescla) 220 . Po<strong>de</strong> ocorrer também pela prestação serviços fictícios mediante<br />
a internete, com remessa do “pagamento”, também pela internete, aos centros<br />
offshore.<br />
Salienta-se também a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso da técnica <strong>de</strong> Múltiplo<br />
faturamento, há a distribuição <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma fatura comercial para a mesma<br />
transação, o que justifica os pagamentos múltiplos que po<strong>de</strong>m inclusive se efetuar<br />
através <strong>de</strong> bancos diferentes, sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> falso valor aos<br />
produtos e serviços.<br />
g) Constituição <strong>de</strong> empresa<br />
O lavador constitui socieda<strong>de</strong>s empresárias com recursos ilícitos, as quais<br />
passam a se in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente, obtendo lucros “lícitos” que passam a justificar o<br />
patrimônio visível do criminoso, ao longo do tempo. Tal medida permite separar os<br />
patrimônios do lavador, evitando possível bloqueio.<br />
220<br />
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 327, cita como exemplos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> preferencias nesta tipologia os<br />
hotéis, restaurantes, bares, boates, <strong>de</strong>ntre outros, em face da movimentação <strong>de</strong> dinheiro em espécie<br />
e por lidarem com um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas.
90<br />
Nessa linha ainda po<strong>de</strong>m ser constituídas empresas, on<strong>de</strong> uma é a matriz e a<br />
outra filial, em países diferentes, permitindo a transferência <strong>de</strong> recursos entre elas,<br />
sob a forma <strong>de</strong> investimento ou empréstimo 221 .<br />
h) Empresa <strong>de</strong> fachada, fictícia e fantasma<br />
O emprego <strong>de</strong> empresas como forma <strong>de</strong> distanciamento pessoal trás varias<br />
vantagens, por exemplo, nas empresas organizadas para obtenção <strong>de</strong> lucro, sendo<br />
ela a conjugação <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra, matéria prima e capital, a ocultação dos negócios<br />
ilícitos se dá sob seu objeto <strong>de</strong> cunho social que é legitimo. As empresas também<br />
conferem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>maio</strong>r movimentação <strong>de</strong> saldos sem <strong>de</strong>spertar as<br />
suspeitas que uma pessoa física <strong>de</strong>spertaria e a responsabilida<strong>de</strong> da pessoa física<br />
não é a mesma da pessoa jurídica, dificultando ou impedindo assim a<br />
responsabilização nas pessoas dos sócios.<br />
A empresa <strong>de</strong> fachada é aquela que é legalmente constituída para participar<br />
ou aparentemente participar <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> lícita. Já a empresa fictícia só existe<br />
no papel, ou seja, inexistem fisicamente 222 . As empresas <strong>de</strong> fantasmas como o<br />
próprio nome remete não existem, mas são mencionadas em documentos como se<br />
existissem.<br />
Utilizada para “lavagem” <strong>de</strong> proventos ilícitos, a empresa <strong>de</strong> “fachada” é uma<br />
socieda<strong>de</strong> que, como próprio nome indica, somente existe na aparência, apesar <strong>de</strong><br />
ser regularmente constituída.<br />
Ao contrário, do que muitos pensam, esta po<strong>de</strong> vir também a exercer<br />
ativida<strong>de</strong> legítima auferindo receita lícita. Porém como seu objetivo e camuflar a<br />
“lavagem” <strong>de</strong> dinheiro, esta po<strong>de</strong>rá misturar seus ativos com aqueles oriundos <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong> criminosa.<br />
i) Investimento em empresas <strong>de</strong>ficitárias<br />
221<br />
222<br />
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 338, cita o exemplo da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> clubes, os quais seriam<br />
empresas perfeitas para se garantir recursos sujos à aquisição <strong>de</strong> clubes torna-se um atrativo. Essa<br />
modalida<strong>de</strong> tanto vale para os casos em que os clubes estão <strong>de</strong>sesperados por investidores que lhes<br />
salvem as finanças quanto pela aquisição seguida <strong>de</strong> pagamento superfaturado, simulando origem <strong>de</strong><br />
recursos. Ressalta-se ainda que a proprieda<strong>de</strong> do clube po<strong>de</strong> servir para a injeção <strong>de</strong> dinheiro sujo<br />
como as receitas falsas <strong>de</strong> ingresso na hora da distribuição dos lucros.<br />
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 344, afirma que as empresas offshore, quando utilizadas para fins<br />
criminosos, são empresas fictícias.
91<br />
Nessa hipótese o lavador i<strong>de</strong>ntifica uma empresa com dificulda<strong>de</strong>s financeiras<br />
e investe nela recursos ilícitos com a condição <strong>de</strong> se tornar seu administrador<br />
mediante mudança no contrato social. À medida que a empresa se recupera, o<br />
lavador vai auferindo os lucros oriundos dos recursos ilícitos.<br />
j) Subfaturamento ou superfaturamento <strong>de</strong> importação/exportação<br />
Nas palavras do próprio Dallagnol 223 , “essa técnica envolve a falsa<br />
representação do preço da mercadoria com o objetivo <strong>de</strong> transferir valores<br />
econômicos entres os polos da operação”. Com a aplicação <strong>de</strong>ssa técnica os<br />
recursos são legitimados, em beneficio do exportador no superfaturamento e em<br />
beneficio do importador no subfaturamento. Para coibir a interposição fraudulenta<br />
em importações, o Ministério da Fazenda editou a portaria 350/2002 224 .<br />
k) Arranjos legais (legal arrengements): Trusts.<br />
Uma criação do Common Law, os Trusts são úteis e importantes no que<br />
tange a transferência e gerenciamento <strong>de</strong> ativos, sendo o mais importante arranjo<br />
legal no estudo da lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Os Truts não possuem personalida<strong>de</strong><br />
jurídica própria, po<strong>de</strong>ndo inclusive ser instituída verbalmente. Nas palavras <strong>de</strong><br />
Dalagnoll 225 : “trusts é um relacionamento legal criado por uma pessoa (instituidor ou<br />
settlor), quando ativos são colocados sob controle <strong>de</strong> uma pessoa (trustee), em<br />
favor <strong>de</strong> um beneficiário (beneficiary) ou para propósito especificado”.<br />
l) Empresa na “prateleira”<br />
“Socieda<strong>de</strong> na prateleira”, também chamada <strong>de</strong> “socieda<strong>de</strong> em rayon” ou<br />
“sociétes prêtes à l’emploi” é aquela cujos atos constitutivos foram registrados em<br />
total <strong>de</strong>sacordo com a verda<strong>de</strong>ira data do início <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s (reais ou<br />
aparentes).<br />
Trata-se <strong>de</strong> empresas fictícias criadas por um intermediário, que garante sua<br />
regularida<strong>de</strong> perante o Estado. Porém não exercem comércio, po<strong>de</strong>ndo ficar apenas<br />
no papel, tendo principal função dissimular a movimentação <strong>de</strong> fundos ilícitos.<br />
223<br />
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 331.<br />
224<br />
Disponível<br />
em:<br />
.<br />
Acesso em: 08 mail. 2013.<br />
225 DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Tipologias <strong>de</strong> lavagem. In: DE CARLI, Carla Veríssimo;<br />
MENDONÇA, Andrey <strong>de</strong>, et al. (Coord.). Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: prevenção e controle penal. Porto<br />
Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 352.
92<br />
Destaca-se que as “socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> prateleira”, em alguns paraísos fiscais, são<br />
vendidas por preços que variam conforme o tempo e o lugar on<strong>de</strong> foram registradas.<br />
m) Empresas <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> passageiros e <strong>de</strong> carga e Postos <strong>de</strong><br />
combustíveis<br />
Apesar da importância das empresas <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> passageiros e <strong>de</strong> carga<br />
para a socieda<strong>de</strong>, estas vêm sendo usadas por organizações criminosas para<br />
“lavagem” <strong>de</strong> capitais, haja vista que a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalização <strong>de</strong> passageiros e<br />
<strong>de</strong> cargas permite “lavar” ativos ilícitos por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações falsas sobre o<br />
número real <strong>de</strong> pessoas ou bens transportados.<br />
Igualmente, os postos <strong>de</strong> combustíveis são utilizados para “limpar” dinheiro<br />
sujo, pois o gran<strong>de</strong> fluxo <strong>de</strong> capital envolvido com esse tipo <strong>de</strong> comércio facilita a<br />
prática <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>s por meio do envolvimento <strong>de</strong> um “laranja”. Assim, dificulta-se o<br />
rastreamento <strong>de</strong> proventos ilícitos.
93<br />
4 DA FORMAÇÃO DA PROVA EM GERAL E SEU TRATAMENTO EM FACE DO<br />
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO<br />
4.1Disposições Preliminares Acerca da Prova<br />
4.1.1 Conceito e sentidos<br />
A palavra prova <strong>de</strong> acordo com Houaiss 2<strong>26</strong> , oriunda do latim (proba),<br />
representa aquilo que <strong>de</strong>monstra que uma afirmação ou um fato são verda<strong>de</strong>iros;<br />
evidência, comprovação.<br />
O vocábulo po<strong>de</strong> ter várias acepções, como ensaio, exame, verificação,<br />
inspeção, confronto, tudo no sentido daquilo que se preten<strong>de</strong> convencer. Para<br />
Aquino 227 , o termo prova indica um conjunto <strong>de</strong> atos processuais praticados para<br />
averiguar a verda<strong>de</strong> e formar o convencimento do juiz sobre os fatos, mas po<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>signar o resultado <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> ou apontar os meios <strong>de</strong> prova”.<br />
Nessa linha, Santos 228 já afirmava que a prova po<strong>de</strong> significar a produção dos<br />
atos ou dos meios com os quais as partes ou o juiz enten<strong>de</strong>m afirmar a verda<strong>de</strong> dos<br />
fatos alegados. Po<strong>de</strong> representar o meio <strong>de</strong> prova em si mesmo consi<strong>de</strong>rado ou<br />
também o resultado dos atos ou dos meios produzidos na apuração da verda<strong>de</strong>. A<br />
prova é o recurso <strong>de</strong> se vale a inteligência para chegar ao conhecimento da<br />
verda<strong>de</strong>.<br />
Malatesta 229 , em sua obra A lógica das provas em matéria criminal, afirma<br />
que sendo a prova o meio objetivo pelo qual o espírito humano se apo<strong>de</strong>ra da<br />
verda<strong>de</strong>, sua eficácia será tanto <strong>maio</strong>r, quanto mais clara, mais plena e mais<br />
seguramente ela induzir no espírito a crença <strong>de</strong> estarmos <strong>de</strong> posse da verda<strong>de</strong>.<br />
2<strong>26</strong> HOUAISS, Antônio. Gran<strong>de</strong> dicionário da língua portuguesa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Objetiva, 2008. p.<br />
2320.<br />
227 AQUINO, José Carlos G. Xavier <strong>de</strong>. Ensaio sobre o fato, a verda<strong>de</strong> e a certeza no processo<br />
penal. São Paulo: Juarez <strong>de</strong> Oliveira, 2005. p. 1.<br />
228 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judicária no cível e no comercial. 4. ed. São Paulo: Max Limond,<br />
1970. v. I. p. 11-12.<br />
229 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Volume I. Trad.<br />
Paolo Capitanic. Campinas: Bookseller, 1996. p. 19.
94<br />
Feitas essas consi<strong>de</strong>rações iniciais, passa-se à análise dos estados <strong>de</strong><br />
espírito quanto ao conhecimento da verda<strong>de</strong>.<br />
4.1.2 Estados <strong>de</strong> espírito na busca da verda<strong>de</strong><br />
De acordo com Malatesta 230 , na busca pela verda<strong>de</strong> o espírito humano po<strong>de</strong><br />
se encontrar no estado <strong>de</strong> ignorância, dúvida ou certeza. A ignorância é um estado<br />
negativo, <strong>de</strong> absoluto <strong>de</strong>sconhecimento.<br />
A dúvida existe quando uma afirmação se apresenta com motivos negativos<br />
ou positivos, on<strong>de</strong> a prevalência dos primeiros sobre os segundos gera o<br />
improvável. Com a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> motivos positivos e negativos, tem-se o crível (que<br />
se po<strong>de</strong> crer). Quando os motivos positivos superam os negativos, tem-se o<br />
provável. Na dúvida, po<strong>de</strong>m ser gerados dois estados <strong>de</strong> espírito: credulida<strong>de</strong>, ou<br />
credibilida<strong>de</strong>, e probalida<strong>de</strong>. 231 .<br />
A certeza segundo Malatesta 232 é a crença na percepção da verda<strong>de</strong> (crença<br />
na posse da verda<strong>de</strong>), a qual, por seu turno, é a conformida<strong>de</strong> da noção i<strong>de</strong>ológica<br />
com a realida<strong>de</strong>. A certeza é um estado subjetivo da alma (simples e indivisível e<br />
por isso sempre igual a si mesma), que po<strong>de</strong> não correspon<strong>de</strong>r à verda<strong>de</strong> objetiva,<br />
<strong>de</strong> modo que verda<strong>de</strong> e certeza po<strong>de</strong>m não correspon<strong>de</strong>r (duvidando-se do que é<br />
verda<strong>de</strong>iro ou tendo-se certeza do que é falso). Para que a verda<strong>de</strong> seja apo<strong>de</strong>rada,<br />
necessário que o espírito a perceba, o que se dá através da inteligência (por si sóverda<strong>de</strong><br />
puramente inteligível ou com o auxílio dos outros sentidos- verda<strong>de</strong><br />
sensível). A inteligência como faculda<strong>de</strong> imprescindível à obtenção da verda<strong>de</strong><br />
possui ainda a intuição e a reflexão como funções.<br />
A essência da certeza repousa na crença da coincidência entre os que se<br />
passa no mundo das i<strong>de</strong>ias e a verda<strong>de</strong> no seu sentido mais geral e abrangente. É a<br />
conciliação entre o pensamento e a realida<strong>de</strong> em relação àquilo que se tem por<br />
verda<strong>de</strong>.<br />
230 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Volume I. Trad.<br />
Paolo Capitanic. Campinas: Bookseller, 1996. p. 19.<br />
231 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judicária no cível e no comercial. 4. ed. São Paulo: Max Limond,<br />
1970. v. I, p. 13.<br />
232 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Volume I.<br />
Trad.Paolo Capitanic. Campinas: Bookseller, 1996. p. 21.
95<br />
Com o objetivo <strong>de</strong> explicitar as espécies <strong>de</strong> certeza, Malatesta 233 principia<br />
pelas citadas funções em relação as verda<strong>de</strong> inteligíveis. De fato, o referido<br />
subdivi<strong>de</strong> as certezas em puramente lógica, puramente física ou mista, <strong>de</strong> modo que<br />
a natureza <strong>de</strong> uma certeza <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá do seu objeto (a coisa a ser verificada):<br />
Como a verda<strong>de</strong>, em geral, é a conformida<strong>de</strong> da noção i<strong>de</strong>ológica da<br />
realida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>-se dizer, por isso, que a crença da percepção <strong>de</strong>sta<br />
conformida<strong>de</strong> é a certeza. Ora, referindo-se em especial à verda<strong>de</strong><br />
puramente inteligível, a certeza, esta opinião da verda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>, antes <strong>de</strong><br />
tudo, <strong>de</strong>rivar da percepção imediata <strong>de</strong>la; é o caso da intuição pura,<br />
primeira função intelectiva, atribuída às verda<strong>de</strong>s puramente inteligíveis:<br />
tem-se, em primeiro lugar, a realida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológica que se afirma; e a certeza<br />
que se tem é filha da evidência i<strong>de</strong>ológica e certeza intuitiva puramente<br />
lógica.<br />
Outras vezes, a verda<strong>de</strong> puramente inteligível não se percebe por via<br />
imediata: chega-se por intermédio <strong>de</strong> uma outra realida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológica<br />
presente em nossa mente. Esta outra verda<strong>de</strong> percebida diretamente,<br />
fazendo-nos conhecer a verda<strong>de</strong> que procuramos e não percebemos <strong>de</strong><br />
forma direta, constitui sua <strong>de</strong>monstração e nos dá a certeza. A função do<br />
intelecto, que, neste caso, leva-nos <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong> conhecida a uma<br />
<strong>de</strong>sconhecida, é a reflexão; e o meio pelo qual a reflexão leva nosso espírito<br />
a uma outra verda<strong>de</strong> é sempre o raciocínio.<br />
(...)<br />
Das verda<strong>de</strong>s puramente inteligíveis, como tais, só se po<strong>de</strong> obter, seja por<br />
intuição ou reflexão, a certeza puramente lógica.<br />
A certeza puramente física (apta a verificar os fatos materiais e contingentes e<br />
campo da certeza em matéria criminal) se obtém principalmente por obra dos<br />
sentidos, ao qual a<strong>de</strong>re o intelecto <strong>de</strong> forma acessória à ação do sentido. Enquanto<br />
a certeza puramente lógica chega à verda<strong>de</strong> por trabalho exclusivo do intelecto<br />
(mediante intuição ou reflexão), a certeza física age sobre aquilo que é<br />
materialmente percebido. Por isso, quando em matéria criminal sempre se cogita <strong>de</strong><br />
fatos humanos, segundo Malatesta, não se <strong>de</strong>ve falar em verda<strong>de</strong> puramente<br />
inteligível, uma vez que não é possível tais fatos sem a percepção sensorial (uso <strong>de</strong><br />
uma verda<strong>de</strong> puramente inteligível).<br />
A certeza dita mista é resultado da reflexão aplicada às verda<strong>de</strong>s sensíveis. A<br />
percepção pelo sentido <strong>de</strong> dada materialida<strong>de</strong> (da qual se tem certeza física) é<br />
apreendida pela reflexão, <strong>de</strong> modo que a pessoa é conduzida ao conhecimento <strong>de</strong><br />
um <strong>de</strong>sconhecido, que apesar <strong>de</strong> ser material não é percebido material e<br />
sensivelmente. Através da reflexão ao levar a um trabalho <strong>de</strong> reflexão do<br />
233 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Volume I.<br />
Trad.Paolo Capitanic. Campinas: Bookseller, 1996. p. 23.
96<br />
conhecimento <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sconhecido, fera uma certeza lógica. Essa certeza mista, por<br />
sua vez, possui como subespécies a lógica, a histórica e a histórico-lógica.<br />
A certeza físico-lógica ou lógica por antonomásia ocorre quando <strong>de</strong> uma<br />
percepção imediata <strong>de</strong> um fato material do se tem uma certeza física, passa-se a<br />
afirmar outro fato que não fora diretamente percebido. Esse tipo <strong>de</strong> certeza se<br />
apresenta muito útil na formação da prova do crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais, como no<br />
do indivíduo que mesmo se possuir renda ou emprego, mas suspeito da prática <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong> ilícitas (tráfico <strong>de</strong> drogas, por exemplo) começa a ostentar patrimônio<br />
incompatível com seu quadro econômico-financeiro.<br />
A certeza físico-histórica ou histórica por anatomásia baseia-se na afirmação<br />
escrita ou falada <strong>de</strong> uma testemunha e a partir daí, por um trabalho racional passase<br />
a acreditar na verda<strong>de</strong> do que fora afirmado. Difere-se da certeza lógica, pois<br />
enquanto esta é dirigida a estabelecer a relação entre a afirmação e a coisa<br />
afirmada, na certeza histórica busca-se estabelecer uma relação entre a pessoa que<br />
afirma e sua afirmação. Busca-se aqui, afirmar se um testemunho é falso ou<br />
verda<strong>de</strong>iro.<br />
Já o resultado da concomitância das certezas histórica e logica é a chamada<br />
certeza histórico-lógica. Nesse tipo <strong>de</strong> certeza há uma afirmação indireta sobre a<br />
coisa, que não é percebida imediatamente. Após perceber através dos sentidos a<br />
afirmação da testemunha (obtendo-se a certeza física), submete-se tal testemunho<br />
ao raciocínio (por meio da reflexão) para estabelecer a sua veracida<strong>de</strong>. Por fim,<br />
também através do raciocínio, estabelece-se a relação probatória entre o fato<br />
afirmado pela testemunha e o <strong>de</strong>lito que se <strong>de</strong>seja <strong>de</strong>monstrar. Eis porque<br />
chamamos físico-lógico-histórica esta certeza, que tem por fonte a prova pessoa<br />
indireta, isto é, a afirmação indireta da coisa, como conteúdo da afirmação da<br />
pessoa. 234<br />
Quanto à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> erro, Malatesta 235 adverte que a esse será menor<br />
em relação à certeza puramente lógica uma vez que essa certeza é construída<br />
apenas com o trabalho intelectual, enquanto que na certeza física (resultado da<br />
atuação dos sentidos e da inteligência) a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> erro é <strong>maio</strong>r quando então<br />
234 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Volume I. Trad.<br />
Paolo Capitanic. Campinas: Bookseller, 1996. p. 33.<br />
235 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Volume I. Trad.<br />
Paolo Capitanic. Campinas: Bookseller, 1996. p. 39.
97<br />
precisa <strong>de</strong> dois caminhos por on<strong>de</strong> po<strong>de</strong> percorrer. Por outro lado, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
erro é máxima quando se consi<strong>de</strong>ra a lógica intuitiva e mínima quando se leva em<br />
conta a lógica reflexa.<br />
4.1.3 Finalida<strong>de</strong> e objeto da prova<br />
Inicialmente, As alegações feitas no processo pren<strong>de</strong>m-se a fatos e as<br />
dúvidas sobre a veracida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais fatos se resolvem por meio do que ocorrera, <strong>de</strong><br />
modo a se promover a convicção judicial. Os fatos, segundo Aquino 236 são a<br />
modificação da realida<strong>de</strong> existente, não se confundindo com o fenômeno, o qual é a<br />
aparência sensível que se contrapõe à realida<strong>de</strong>.<br />
A finalida<strong>de</strong> da prova é convencer o juiz da verda<strong>de</strong> dos fatos sobres os quais<br />
se discute. É através da prova que se torna efetivo o direito, pela realização da<br />
verda<strong>de</strong> em sua expressão máxima. Se a verda<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>sse ser a resultante das<br />
impressões pessoais do julgador, sem atenção aos meios que a apresentam no<br />
processo, a Justiça seria o arbítrio e o Direito a manifestação <strong>de</strong>spótica da vonta<strong>de</strong><br />
do encarregado pelo Estado <strong>de</strong> distribuí-lo. 237 .<br />
A Justiça <strong>de</strong>ve agir sobre fatos reais, <strong>de</strong>monstrados no curso do processo <strong>de</strong><br />
forma clara e real, na <strong>de</strong>fesa da or<strong>de</strong>m jurídica e assim atingir os escopos políticos,<br />
sociais e jurídicos do processo.<br />
O objetivo da prova é conferir a verda<strong>de</strong> dos fatos, apurar os fatos. Estes são<br />
os objetos da prova.<br />
236 AQUINO, José Carlos G. Xavier <strong>de</strong>. Ensaio sobre o fato, a verda<strong>de</strong> e a certeza no processo<br />
penal. São Paulo: Juarez <strong>de</strong> Oliveira, 2005. p. 25<br />
237 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judicária no cível e no comercial. 4. ed. São Paulo: Max Limond,<br />
1970. v. I, p. 16.
98<br />
4.1.4 Classificação das provas<br />
De acordo com Malatesta 238 a prova é o meio objetivo com a verda<strong>de</strong> atinge o<br />
espírito. Por meio das provas, estabelece-se uma relação concreta entre a verda<strong>de</strong><br />
e o espírito, o qual po<strong>de</strong> chegar à credibilida<strong>de</strong>, à probalida<strong>de</strong> ou à certeza.<br />
Prossegue o autor, que o objetivo do processo penal é a busca da prova da<br />
certeza, que se não conquistada obriga à absolvição. A prova <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>m servir á construção <strong>de</strong> uma prova cumulativa <strong>de</strong> certeza quando aos motivos<br />
convergentes à afirmação são agregados outra prova exclu<strong>de</strong>ntes dos motivos<br />
divergentes. O convencimento que a prova no espírito humano é proporcional à<br />
convicção <strong>de</strong> que se está na posse da verda<strong>de</strong>.<br />
As provas <strong>de</strong>vem necessariamente gerar convencimento para assumirem<br />
como tal a natureza <strong>de</strong> prova. Surge aí a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> prova plena, uma vez que ela (a<br />
prova) <strong>de</strong>ve ser analisada como um todo e ser apta a gerar o espírito certeza em<br />
relação ao todo que se preten<strong>de</strong> provar, sendo ao contrário incompleta em relação<br />
àquilo que não po<strong>de</strong> ou não consegue provar. Sua eficácia se refere ao objeto que<br />
se <strong>de</strong>seja provar.<br />
Malatesta 239 afirma que a para se promover o convencimento judicial através<br />
da prova, esta <strong>de</strong>ve ser natural e não artificial, ou seja, influenciada por razões<br />
estranhas à verda<strong>de</strong>. Para que tal ocorra, é preciso que a prova chegue inalterada<br />
ao juiz, <strong>de</strong> maneira direta (tanto quanto possível), permitir ao magistrado que este<br />
expresse seu livre convencimento (ausência <strong>de</strong> pré-valoração legal da prova) e que<br />
se garanta a liberda<strong>de</strong> subjetiva da prova (não alteração material da prova, nem<br />
alteração do ânimo da pessoa atestante).<br />
Neste ponto interessante a lição <strong>de</strong> Malatesta 240 quando se refere a verda<strong>de</strong><br />
em matéria penal. Para o autor, essa verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser do tipo objetiva. “Não se<br />
trata <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> formal, que resulta do estado das provas, suficientes ou<br />
insuficientes que sejam, mas <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong> substancial, extra subjetiva, da qual<br />
238 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Volume I. Trad.<br />
Paolo Capitanic. Campinas: Bookseller, 1996. p. 81.<br />
239 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Volume I. Trad.<br />
Paolo Capitanic. Campinas: Bookseller, 1996. p. 90.<br />
240 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Volume I. Trad.<br />
Paolo Capitanic. Campinas: Bookseller, 1996. p. 102.
99<br />
se chega à verificação por meio <strong>de</strong> provas suficientes”. Trata-se <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong><br />
não suscetível <strong>de</strong> dúvidas. 241<br />
De acordo com as lições <strong>de</strong> Santos 242 , seguindo os parâmetros propostos por<br />
Malatesta, a prova po<strong>de</strong> ser classificada <strong>de</strong> acordo com o objeto, o sujeito e a forma.<br />
Quanto ao objeto, ou seja, o fato que se <strong>de</strong>seja provar, a prova po<strong>de</strong> ser<br />
direta ou indireta. Direta quando se refere diretamente ao fato a ser provado e<br />
indireta quando se refere a outro fato que, por sua vez se liga ao fato a ser provado<br />
(presunções e indícios). Na prova direta, por meio <strong>de</strong> simples percepção, extrai-se<br />
uma conclusão objetiva, enquanto que na indireta, a conclusão se dá por meio <strong>de</strong><br />
um trabalho <strong>de</strong> raciocínio.<br />
Quanto ao sujeito, a prova po<strong>de</strong> ser pessoal e real. Pessoal, quando se<br />
analisam as impressões pessoais em relação ao fato. É a exposição consciente<br />
daquilo que a pessoa contem em sua memória. A prova real é a representação<br />
inconsciente feita por uma coisa, que po<strong>de</strong>m ser modificações corpóreas ou<br />
psíquicas manifestadas pela própria pessoa. Esta forma <strong>de</strong> prova é submetida a<br />
vistorias ou perícias para atestar as modificações sofridas pelo objeto.<br />
Quanto à forma, a prova po<strong>de</strong> testemunhal, material ou documental. Na prova<br />
testemunhal são avaliados os <strong>de</strong>poimentos pessoais, que po<strong>de</strong>m se dar pela palavra<br />
falada, escrita ou gravada (a afirmação oral é o testemunho e a afirmação escrita é o<br />
documento). A prova documental se vale do escrito ou outra materialida<strong>de</strong> que não<br />
reproduzida verbalmente. A prova material é a própria coisa que é verificada em<br />
suas formas diretamente percebidas.<br />
241 Para MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Volume I.<br />
Trad. Paolo Capitanic. Campinas: Bookseller, 1996. p. 106, também haveriam limites objetivos e<br />
subjetivos no tocante à essência das provas. Para ele, “têm-se as seguintes regras gerais <strong>de</strong> crítica<br />
judiciária:<br />
1ª Ingraduabilida<strong>de</strong> das provas <strong>de</strong> certeza;<br />
2ª Originalida<strong>de</strong> e oralida<strong>de</strong>;<br />
3ª Liberda<strong>de</strong> objetiva das provas;<br />
4ª Liberda<strong>de</strong> subjetiva das provas;<br />
5ª Publicida<strong>de</strong>;<br />
6ª Produção da melhor prova;<br />
7ª Em matéria Penal, as provas <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong> forma que revelem a verda<strong>de</strong> substancial, não<br />
bastando a verda<strong>de</strong> formal, como no cível.<br />
As primeiras cinco regras <strong>de</strong>rivam da contemplação do convencimento, isto é, do limite subjetivo da<br />
relação em que se baseia a eficácia da prova; as últimas duas, da contemplação da verda<strong>de</strong>, isto é,<br />
do limite objetivo da relação probatória.<br />
242 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judicária no cível e no comercial. 4. ed. São Paulo: Max Limond,<br />
1970. v. I, p. 53.
100<br />
4.1.5 Do ônus probatório<br />
Com a etimologia latina (onus) significa carga, peso, significando, pois, a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se provar aquilo que é alegado. Trata-se <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver 243 , no sentido<br />
<strong>de</strong> interesse que se tem <strong>de</strong> convencer o juiz.<br />
Esse ônus 244 cabe a quem alega ou faz afirmação, que inicialmente é o autor<br />
(aquele que inicia o processo) e também o réu, quando alega fato modificativo,<br />
extintivo ou impeditivo à afirmação do autor. O ônus da prova incumbe a quem<br />
<strong>de</strong>seja mostrar <strong>de</strong>terminação situação que lhe seja favorável, <strong>de</strong> modo que cabe a<br />
cada parte provar suas respectivas alegações. 245<br />
Dessa forma distribui-se entre as partes do processo, <strong>de</strong> modo que nenhum<br />
pedido ou exceção po<strong>de</strong>m ser admitidos em juízo sem que haja a <strong>de</strong>monstração dos<br />
fatos alegados. Essa repartição do onus probandi se funda no critério do tratamento<br />
igualitário entre as partes. 246 Aquele que expõe <strong>de</strong>terminado fato em juízo <strong>de</strong>ve<br />
provar os fatos que lhe dão sustentação.<br />
243 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judicária no cível e no comercial. 4. ed. São Paulo: Max Limond,<br />
1970. v. I, p. 94, afirma que não se trata <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver jurídico, pois não correspon<strong>de</strong>ria a ele uma<br />
equivalente obrigação, nem qualquer sanção pelo seu <strong>de</strong>scumprimento.<br />
244 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. Ver. e ampl.. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2006. p. 145, afirma que o ônus da prova, ao lado do contraditório e da<br />
motivação das <strong>de</strong>cisões judiciais, possui um caráter epistemológico, ou seja, “não pre<strong>de</strong>terminam<br />
normativamente a valoração das provas, mas simplesmente refletem, na investigação judicial, a<br />
lógica da indução científica. Mas, precisamente por isso, reduzem ao mínimo o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> verificação<br />
ou <strong>de</strong>notação fática do juiz e a arbitrarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua convicção, assegurando a máxima certeza ou<br />
segurança possível das <strong>de</strong>cisões con<strong>de</strong>natórias....”<br />
245 Segundo o artigo 156 do Código <strong>de</strong> Processo Penal: A prova da alegação incumbirá a quem a fizer,<br />
sendo, porém, facultado ao juiz <strong>de</strong> ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, <strong>de</strong> 2008)<br />
I – or<strong>de</strong>nar, mesmo antes <strong>de</strong> iniciada a ação penal, a produção antecipada <strong>de</strong> provas consi<strong>de</strong>radas<br />
urgentes e relevantes, observando a necessida<strong>de</strong>, a<strong>de</strong>quação e proporcionalida<strong>de</strong> da<br />
medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, <strong>de</strong> 2008)<br />
II – <strong>de</strong>terminar, no curso da instrução, ou antes <strong>de</strong> proferir sentença, a realização <strong>de</strong> diligências<br />
para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, <strong>de</strong> 2008)<br />
246 Segundo MESSIAS, Irajá Pereira. Da prova penal. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2001. p. 180, “Esse<br />
sistema <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> encargos procura, <strong>de</strong> forma igualitária, permitir que cada uma das partes<br />
possa fornecer ao juiz, na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus recíprocos interesses, a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> cada uma das<br />
alegações, obe<strong>de</strong>cendo ao princípio constitucional da isonomia processual...”
101<br />
4.1.6 Fatos que não precisam ser provados e a prova dos fatos negativos<br />
Inicialmente, é preciso esclarecer que são suscetíveis <strong>de</strong> serem provados<br />
todos os fatos tenham relação direta ou indireta com o objeto <strong>de</strong> apuração no<br />
processo. Assim, a prova precisa ser potencialmente possível, <strong>de</strong> acordo com<br />
variáveis <strong>de</strong> tempo, lugar e modo.<br />
Segundo entendimento <strong>de</strong> Barros 247<br />
não necessitariam <strong>de</strong> prova os fatos<br />
evi<strong>de</strong>ntes, as presunções legais, os fatos inúteis e os fatos notórios.<br />
Os fatos evi<strong>de</strong>ntes ou intuitivos não precisam ser provados, pois se o fato é<br />
evi<strong>de</strong>nte, a convicção judicial já está formada. Tal fato se <strong>de</strong>monstra por si mesmo<br />
em face <strong>de</strong> suas formas usuais ou habituais na sua ocorrência. É o fato manifesto,<br />
que não oferece dúvidas. 248<br />
As presunções legais referem-se a fatos que a lei <strong>de</strong> forma absoluta (juris et<br />
<strong>de</strong> jure) ou relativa (juris tantum) consi<strong>de</strong>ra como certos ou prováveis. 249<br />
Os fatos inúteis são aqueles cuja comprovação não terá repercussão jurídica<br />
no processo, enquanto que os fatos notórios são aqueles que pertencem à cultura<br />
média do homem em <strong>de</strong>terminado momento histórico da socieda<strong>de</strong>.Fazem parte da<br />
cultura <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong>. São estes <strong>de</strong> conhecimento publico.<br />
Santos 250<br />
estabelece três regras para caracterização do fato notório.<br />
Primeiramente, o fato precisa ser <strong>de</strong> conhecimento em certa esfera social, entre os<br />
habitantes <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada região. 251 Segundo, o conhecimento do fato po<strong>de</strong> ser<br />
obtido por meio da ciência pública, não necessitando ser efetivamente conhecido,<br />
por fazerem parte da cultura ordinária. Por fim, não é necessário que as pessoas<br />
247 BARROS, Antônio <strong>Milton</strong> <strong>de</strong>. Da prova no processo penal: apontamentos gerais. São Paulo:<br />
Juarez <strong>de</strong> Oliveira, 2001. p. 04-06.<br />
248 BARROS, Antônio <strong>Milton</strong> <strong>de</strong>. Da prova no processo penal: apontamentos gerais. São Paulo:<br />
Juarez <strong>de</strong> Oliveira, 2001. p. 05, cita como exemplos: que a cocaína produz <strong>de</strong>pendência; que o<br />
orifício irregular ou estrelado e <strong>maio</strong>r que um projétil representa um disparo feito em contato ao corpo<br />
atingido.<br />
249 MESSIAS, Irajá Pereira. Da prova penal. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2001. p. 192, cita como<br />
exemplo, “a presunção <strong>de</strong> violência nos crimes sexuais contra menores <strong>de</strong> 14 anos tem sido<br />
superada por <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> julgados, quando a prova mostra que uma vítima, <strong>de</strong> 13 anos, por exemplo,<br />
já era corrompida ou já se mostrava experiente e conhecedora dos fatos da vida sexual, quando<br />
ocorreu o evento incriminado, essa presunção não prevalece”.<br />
250 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judicária no cível e no comercial. 4. ed. São Paulo: Max Limond,<br />
1970. v. I. p. 166-167.<br />
251 O autor cita como exemplo o dia 25 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro como dia <strong>de</strong> Natal, para os cristão, a revolução<br />
constitucionalista <strong>de</strong> 1932 para os brasileiros.
102<br />
tenham relação direta com o fato notório, como é o caso da In<strong>de</strong>pendência do Brasil<br />
ocorrida há quase dois séculos.<br />
4.1.7 Sistemas <strong>de</strong> apreciação da prova<br />
De acordo com Santos 252 a avaliação <strong>de</strong> uma prova é o método intelectual<br />
mediante o qual se estabelece a verda<strong>de</strong> produzida pela prova. Com a produção<br />
<strong>de</strong>sta permite-se que o espírito do julgador possa se persuadido da verda<strong>de</strong>. Para<br />
se apossar da verda<strong>de</strong> é preciso por meio do raciocínio se parte da prova (o<br />
conhecido) para se chegar ao <strong>de</strong>sconhecido. A certeza é a crença do espírito <strong>de</strong> que<br />
está na posse na verda<strong>de</strong>.<br />
Cada sistema <strong>de</strong> avaliação da prova tem por objetivo <strong>de</strong>monstrar a<br />
transparência no ato <strong>de</strong> julgar 253 , revelando os motivos do convencimento, servindo<br />
<strong>de</strong> fator <strong>de</strong> aceitação das partes e fiscalização do Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />
A doutrina divi<strong>de</strong> tais sistemas em três:<br />
a) Das regras legais ou das provas legais;<br />
b) Da íntima convicção;<br />
c) Da persuasão racional.<br />
No sistema das provas legais, também conhecido como da prova tarifada 254 a<br />
lei estabelece antecipadamente o valor <strong>de</strong> cada prova, o qual é inalterável, não<br />
sendo lícito ao juiz apreciá-la <strong>de</strong> forma diferente daquilo que for a estabelecido pela<br />
lei, limitando a aplicar a lei aos casos concretos. Cada prova tem um valor tabelado,<br />
<strong>de</strong>vendo o juiz julgar apenas na conformida<strong>de</strong> do alegado pelas partes. 255<br />
252 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judicária no cível e no comercial. 4. ed. São Paulo: Max Limond,<br />
1970. v. I. p. 340.<br />
253 TÁVORA, Nestor. ANTONNI, Rosnar. Curso <strong>de</strong> Direito processual penal. 3. ed. revista, ampliada e<br />
atualizada. Salvador: Jus Podivm, 2009. p. 328.<br />
254 De acordo com SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judicária no cível e no comercial. 4. ed. São<br />
Paulo: Max Limond, 1970. v. I, p. 341, o sistema das provas positivas, ou legais, tem sua origem no<br />
processo bárbaro, das ordálias, e, mais especialmente, no rigoroso e formalista direito germânico,<br />
que se esparramou com as invasões”.<br />
255 De acordo com TÁVORA, Nestor. ANTONNI, Rosnar. Curso <strong>de</strong> Direito processual penal. 3. ed.<br />
revista, ampliada e atualizada. Salvador: Jus Podivm, 2009. p. 329, o art. 158 do Código <strong>de</strong> Processo<br />
Penal é um resquício <strong>de</strong> prova tarifada no direito brasileiro. Determina o referido artigo que “quando a<br />
infração <strong>de</strong>ixar vestígios, será indispensável o exame <strong>de</strong> corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, direto ou indireto, não<br />
po<strong>de</strong>ndo supri-lo a confissão do acusado.
103<br />
Pelo sistema da livre convicção ou da íntima convicção o juiz está livre para<br />
<strong>de</strong>cidir sem qualquer obstáculo, sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fundamentar sua <strong>de</strong>cisão 256 . A<br />
verda<strong>de</strong> está na consciência do juiz, sem vinculação á regras legais, <strong>de</strong> modo que a<br />
convicção se dá pelo conhecimento pessoal do juiz e não somente pelas provas<br />
colhidas nos autos.<br />
O sistema da persuasão racional ou do livre convencimento motivado permite<br />
que o juiz aprecie livremente a prova, mas <strong>de</strong>ve fazê-lo <strong>de</strong> forma motivada. Trata-se<br />
<strong>de</strong> um sistema misto 257 , uma vez que o critério da íntima convicção <strong>de</strong>ve se<br />
submeter a certos requisitos 258 . O juiz, pelo sistema do livre convencimento<br />
motivado, tira sua convicção das provas apresentadas, <strong>de</strong>vendo mencionar os<br />
motivos que formam sua <strong>de</strong>cisão.<br />
Santos 259<br />
condicionada:<br />
estabelece que a convicção no sistema persuasão racional fica<br />
a) Aos fatos nos quais se funda a relação jurídica controvertida;<br />
b) Às provas <strong>de</strong>sses fatos, colhidas na causa;<br />
c) As regras legais e máxima <strong>de</strong> experiência;<br />
e, por isso, que é condicionada,<br />
d) <strong>de</strong>ve ser motivada.<br />
A prova, inicialmente, <strong>de</strong>ve estar ligada aos fatos que são objeto da<br />
controvérsia, <strong>de</strong>vendo juiz extrair dos fatos narrados pelas partes os motivos<br />
formadores <strong>de</strong> sua convicção (é dos fatos que o juiz <strong>de</strong>ve extrair a verda<strong>de</strong>).<br />
O juiz <strong>de</strong>ve condicionar sua convicção às provas colhidas no processo, <strong>de</strong><br />
acordo com a legislação (existência <strong>de</strong> provas legais). A liberda<strong>de</strong> do magistrado<br />
256 O exemplo no Brasil é o Tribunal do Júri, on<strong>de</strong> os jurados votam sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fundamentar.<br />
257 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judicária no cível e no comercial. 4. ed. São Paulo: Max Limond,<br />
1970. v. I. p. 346.<br />
258 Estabelece o artigo 155 do Código <strong>de</strong> Processo Penal: O juiz formará sua convicção pela livre<br />
apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não po<strong>de</strong>ndo fundamentar sua <strong>de</strong>cisão<br />
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas<br />
cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, <strong>de</strong> 2008)<br />
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições<br />
estabelecidas na lei civil. (Incluído pela Lei nº 11.690, <strong>de</strong> 2008)<br />
259 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judicária no cível e no comercial. 4. ed. São Paulo: Max Limond,<br />
1970. v. I. p. 347.
104<br />
está na valoração das provas que enten<strong>de</strong>r ser prepon<strong>de</strong>rantes, discernindo <strong>de</strong><br />
forma livre e consciente sobre o valor real que as provas apresentam diante <strong>de</strong> si <strong>26</strong>0 .<br />
No concerne às regras legais, ao juiz não é facultado afastar a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
uma prova cujo valor é <strong>de</strong>terminado pela própria lei, como é o caso do estado <strong>de</strong><br />
casado que é provado pela certidão <strong>de</strong> casamento, o que não po<strong>de</strong>ria ser afastado<br />
por testemunhas que dizem que a pessoa é solteira <strong>26</strong>1 . Já as máximas <strong>de</strong><br />
experiência são juízos formados pela observação daquilo normalmente acontece,<br />
em face da experiência <strong>de</strong> vida.<br />
A motivação das <strong>de</strong>cisões judiciais é hoje uma garantia constitucional prevista<br />
no artigo 93, inciso IX da Constituição da República <strong>26</strong>2 , e representa a obrigação <strong>de</strong><br />
expor com clareza as razões em que se baseou o magistrado para formar seu<br />
convencimento. É uma forma <strong>de</strong> fiscalização dos atos do Po<strong>de</strong>r Judiciário e meio <strong>de</strong><br />
apaziguamento social. Através da motivação, conhece-se o trabalho mental do juiz<br />
na apreciação da prova, os critérios por este utilizados e suas impressões em<br />
relação ao processo.<br />
4.2 A Questão da Verda<strong>de</strong> Processual<br />
Quando se refere à verda<strong>de</strong>, no processo, e, portanto, uma verda<strong>de</strong><br />
processual, está-se a <strong>de</strong>screver uma verda<strong>de</strong> construída por critérios<br />
caracterizadores <strong>de</strong> uma certeza exclusivamente judicial.<br />
<strong>26</strong>0 Para SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judicária no cível e no comercial. 4. ed. São Paulo: Max<br />
Limond, 1970. v. I, p. 349, é certo , o juiz, com o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> apreciar as provas, tem o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ficar<br />
bem com a sua consciência e, pois, não se compreen<strong>de</strong> forme sua convicção baseado em provas<br />
que seguramente sabe não traduzirem a verda<strong>de</strong>.<br />
<strong>26</strong>1 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judicária no cível e no comercial. 4. ed. São Paulo: Max Limond,<br />
1970. v. I, p. 350.<br />
<strong>26</strong>2 Artigo 93, IX da Constituição da República: todos os julgamentos dos órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />
serão públicos, e fundamentadas todas as <strong>de</strong>cisões, sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ndo a lei limitar a<br />
presença, em <strong>de</strong>terminados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em<br />
casos nos quais a preservação do direito à intimida<strong>de</strong> do interessado no sigilo não prejudique o<br />
interesse público à informação;
105<br />
A verda<strong>de</strong> levada ao processo é uma verda<strong>de</strong> possível (por verossimilhança),<br />
<strong>de</strong> recriação do passado, mediante regras processuais previamente<br />
estabelecidas <strong>26</strong>3 .<br />
A verda<strong>de</strong> processual é resultante da conjugação do conceito <strong>de</strong> verda<strong>de</strong><br />
fática (os fatos ocorridos na realida<strong>de</strong>) e <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> jurídica (produzida <strong>de</strong> acordo<br />
com as normas processuais). Esse é um tipo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> aproximada, uma vez ser<br />
inalcançável a verda<strong>de</strong> absoluta <strong>26</strong>4 .<br />
Rosenvald; Farias <strong>26</strong>5 questionam sobre o que seja substancialmente a prova e<br />
a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>monstração concreta através da ciência jurídica. Para eles,<br />
fatores como sentimentos, emoções, discrepâncias da comunicação humana<br />
interferem na produção da verda<strong>de</strong>, sendo necessário o concurso <strong>de</strong> outras áreas<br />
do conhecimento humano (psicologia, filosofia, antropologia, [...]) em face da<br />
incompletu<strong>de</strong> do prisma jurídico. “Por isso pretenciosa a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> se <strong>de</strong>scortinar a<br />
verda<strong>de</strong> por meio da prova não passa <strong>de</strong> utopia, em face da intangibilida<strong>de</strong> do seu<br />
conceito.”<br />
A reconstrução dos fatos pretéritos sofre a influência daqueles que <strong>de</strong>la<br />
participam, daqueles que elaboram a prova e, ao final, à submissão a fatores <strong>de</strong><br />
<strong>26</strong>3 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. Ver. e ampl.. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2006. p. 47-48, ao <strong>de</strong>screver as diferenças entre a verda<strong>de</strong> formal e a verda<strong>de</strong><br />
substancial, afirma que “a alternativa epistemológica entre os dois mo<strong>de</strong>los- um estritamente<br />
juspositivista e outro ten<strong>de</strong>ncialmente jusnaturalista- se manifesta, portanto, no distinto tipo <strong>de</strong><br />
“verda<strong>de</strong> jurídica” por eles perseguida. A verda<strong>de</strong> que inspira o mo<strong>de</strong>lo substancialista do direito<br />
penal é a chamada verda<strong>de</strong> substancial ou material, quer dizer, uma verda<strong>de</strong> absoluta e<br />
onicompreensiva em relação às pessoas investigadas, carente <strong>de</strong> limites e <strong>de</strong> confins legais,<br />
alcançável por qualquer meio, para além das rígidas regras procedimentais....<br />
Em sentido inverso, a verda<strong>de</strong> perseguida pelo mo<strong>de</strong>lo formalista como fundamento <strong>de</strong> uma<br />
con<strong>de</strong>nação é, por sua vez, uma verda<strong>de</strong> formal ou processual, alcançada pelo respeito a regras<br />
precisas, e relativa somente a fatos e circunstâncias perfilados como penalmente relevantes...”<br />
<strong>26</strong>4 De acordo com FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. Ver. e ampl..<br />
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 53, “A “verda<strong>de</strong>” <strong>de</strong> uma teoria científica e, geralmente, <strong>de</strong><br />
qualquer argumentação ou proposição empírica é sempre, em suma, uma verda<strong>de</strong> não <strong>de</strong>finitiva,<br />
mas contingente, não absoluta, mas relativa ao estado dos conhecimentos e experiências levados a<br />
cabo na or<strong>de</strong>m das coisas <strong>de</strong> que se fala, <strong>de</strong> modo que, sempre, quando se afirma a “verda<strong>de</strong>” <strong>de</strong><br />
uma ou <strong>de</strong> várias proposições, a única coisa que se diz é que estas são (plausivelmente) verda<strong>de</strong>iras<br />
pelo que sabemos sobre elas, ou seja, em relação ao conjunto dos conhecimentos confirmados que<br />
<strong>de</strong>la possuímos.<br />
(....)<br />
Tudo isto vale com <strong>maio</strong>r razão para a verda<strong>de</strong> processual, que também po<strong>de</strong> ser concebida como<br />
uma verda<strong>de</strong> aproximada a respeito do i<strong>de</strong>al iluminista da perfeita correspondência. Este i<strong>de</strong>al<br />
permanece apenas como i<strong>de</strong>al. Mas nisto resi<strong>de</strong> precisamente seu valor: é um princípio regulador (ou<br />
um mo<strong>de</strong>lo limite) na jurisdição, assim como a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> objetiva é um princípio regulador (ou<br />
um mo<strong>de</strong>lo limite) na ciência.<br />
<strong>26</strong>5 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves <strong>de</strong>. Direito civil - Teoria Geral. 6. ed. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 603-604.
106<br />
or<strong>de</strong>m subjetiva do espírito do juiz da causa, <strong>de</strong> modo que este não interprete os<br />
fatos da forma como estes exatamente aconteceram. Aqueles que presenciaram ou<br />
tiveram conhecimento dos fatos, imprimiram nestes suas impressões pessoais<br />
(distorcendo a realida<strong>de</strong>).<br />
A ativida<strong>de</strong> probatória, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> visão argumentativa e dialética, não visa à<br />
reconstrução perfeita dos fatos, mas a formação na mente do magistrado <strong>de</strong> um<br />
juízo <strong>de</strong> verossimilhança, como uma espécie <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> possível, aproximada da<br />
realida<strong>de</strong> possível ao conhecimento humano. A verda<strong>de</strong> dos fatos seria resultado<br />
dos efeitos produzidos pelos sinais do passado <strong>de</strong>ixados no presente, os quais<br />
<strong>de</strong>screvem a ocorrência <strong>de</strong> eventos passados <strong>26</strong>6 .<br />
4.3 A Força Normativa da Constituição e as Leis Processuais Penais<br />
O constitucionalismo mo<strong>de</strong>rno surge no final do século XVIII com o objetivo<br />
<strong>de</strong> limitar o po<strong>de</strong>r do Estado, i<strong>de</strong>ntificando-se com valores marcados pelo<br />
individualismo, ausência <strong>de</strong> intervenção estatal nas relações econômicas e<br />
valorização da proprieda<strong>de</strong> privada. São gran<strong>de</strong>s marcos <strong>de</strong>sse período, as<br />
Constituições Americana (1787) e Francesa (1791).<br />
Todavia, a correlação entre constitucionalismo e <strong>de</strong>mocracia ganha ênfase<br />
após a II Guerra Mundial, na Europa, e no Brasil, com a promulgação da Carta<br />
Política <strong>de</strong> 1988.<br />
O Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> direito surge <strong>de</strong>ssa união entre constitucionalismo e<br />
<strong>de</strong>mocracia, cuja pedra <strong>de</strong> toque é o estabelecimento <strong>de</strong> uma teoria <strong>de</strong> direitos<br />
fundamentais, fulcrada na dignida<strong>de</strong> da pessoa humana.<br />
<strong>26</strong>6 De acordo com FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. Ver. e ampl..<br />
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 55, o juiz não experimenta os fatos <strong>de</strong>lituosos objeto do<br />
juízo, mas as provas <strong>de</strong>ste. “<strong>de</strong> modo não diverso do historiador, não po<strong>de</strong>, pois, examinar o fato que<br />
tem a tarefa <strong>de</strong> julgar e que escapa, em todo caso, à observação direta, mas somente suas provas,<br />
que são experiências <strong>de</strong> fatos presentes, mesmo se interpretáveis como sinais <strong>de</strong> fatos passados.<br />
Esta diferença entre “experimento (<strong>de</strong> um fato presente) e “provas” (<strong>de</strong> um fato passado) fen<strong>de</strong><br />
profundamente o mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> processual fática como correspondência objetiva. Sem<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> penetrar em todas as difíceis questões relativas ao conhecimento do passado, po<strong>de</strong>se<br />
realmente afirmar que a verda<strong>de</strong> processual fática, da mesma forma que a verda<strong>de</strong> histórica, em<br />
vez <strong>de</strong> ser predicável em referência direta ao fato julgado, é o resultado <strong>de</strong> uma ilação dos fatos<br />
“comprovados” do passado com os fatos “probatórios” do presente.
107<br />
De acordo com Barroso <strong>26</strong>7 :<br />
O constitucionalismo <strong>de</strong>mocrático foi a i<strong>de</strong>ologia vitoriosa do século XX,<br />
<strong>de</strong>rrotando diversos projetos alternativos e autoritários que com ele<br />
concorreram. Também referido como Estado constitucional ou, na<br />
terminologia da Constituição brasileira, como Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> direito,<br />
ele é o produto da fusão <strong>de</strong> duas i<strong>de</strong>ias que tiveram trajetórias históricas<br />
diversas, mas que se conjugaram para produzir o mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>al<br />
contemporâneo. Constitucionalismo significa Estado <strong>de</strong> direito, po<strong>de</strong>r<br />
limitado e respeito aos direitos fundamentais. Democracia, por sua vez,<br />
traduz a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> soberania popular, governo do povo, vonta<strong>de</strong> da <strong>maio</strong>ria.<br />
O constitucionalismo <strong>de</strong>mocrático, assim, é uma fórmula política baseada<br />
no respeito aos direitos fundamentais e no autogoverno popular. E é,<br />
também, um modo <strong>de</strong> organização social fundado na cooperação <strong>de</strong> pessoa<br />
livres e iguais.<br />
Foi durante esse interregno <strong>de</strong> aproximadamente duzentos anos é que se<br />
construíram as bases <strong>de</strong> um movimento que <strong>de</strong>slocou a Constituição da periferia<br />
(uma carta <strong>de</strong> intenções, mera or<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> programas, admoestações aos<br />
legisladores) para o centro do sistema jurídico, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> promana todo seu<br />
fundamento <strong>de</strong> valida<strong>de</strong>. Ao longo do último século, as constituições <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong><br />
ser apenas um texto político, <strong>de</strong> índole programática, sem aplicabilida<strong>de</strong> imediata.<br />
Na esteira da evolução <strong>de</strong>sse pensamento, passa-se a reconhece a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
força normativa da Constituição, através da qual é atribuído caráter (status) <strong>de</strong><br />
norma jurídica ao texto constitucional, cujas normas possuem imperativida<strong>de</strong>,<br />
obrigatorieda<strong>de</strong> e mecanismos específicos para realização <strong>de</strong> seu cumprimento<br />
(mandado <strong>de</strong> injunção e habeas corpus são exemplos encontrados na CR/88). Ao<br />
Po<strong>de</strong>r Judiciário cabe a missão <strong>de</strong> garantir a supremacia da Constituição, agindo<br />
como intérprete último na <strong>de</strong>finição concreta do texto constitucional.<br />
Na prática, em todas as hipóteses em que a Constituição tenha criado<br />
direitos subjetivos-políticos, individuais, sociais ou difusos-são eles, como<br />
regra, direta e imediatamente exigíveis, do Po<strong>de</strong>r Público ou do particular,<br />
por via <strong>de</strong> ações constitucionais e infraconstitucionais contempladas no<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico. O Po<strong>de</strong>r Judiciário, como consequência, passa a ter a<br />
atuação <strong>de</strong>cisiva na realização da Constituição. <strong>26</strong>8<br />
<strong>26</strong>7 BARROSO, Luiz Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a<br />
construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. 1 reimpressão. Belo<br />
Horizonte, Fórum, 2013. p. 25.<br />
<strong>26</strong>8 BARROSO, Luiz Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a<br />
construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. 1 reimpressão. Belo<br />
Horizonte, Fórum, 2013. p. 29.
108<br />
Além disso, a Constituição se torna o modo <strong>de</strong> interpretação <strong>de</strong> todos os<br />
ramos do direito, cujas normas <strong>de</strong>vem estar necessariamente em consonância com<br />
o Texto Magno (cujos efeitos se irradiam para todo o or<strong>de</strong>namento jurídico), bem<br />
como buscar atingir os fins por este <strong>de</strong>terminados.<br />
No centro do or<strong>de</strong>namento jurídico encontra-se o princípio constitucional da<br />
dignida<strong>de</strong> humana como valor fundamental e fundamento <strong>de</strong> normativo dos direitos<br />
fundamentais. Seu conteúdo perpassa pela afirmação da posição especial da<br />
pessoa humana no mundo (direito à vida, à igualda<strong>de</strong>, à integrida<strong>de</strong> física, moral),<br />
ao exercício da vonta<strong>de</strong> em conformida<strong>de</strong> com as normas e pelos valores<br />
compartilhados pela comunida<strong>de</strong>/padrões <strong>de</strong> civilização. <strong>26</strong>9<br />
Outro ponto digno <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque é a nova interpretação dada ao texto<br />
constitucional, dotado <strong>de</strong> cláusulas abertas, diante da qual po<strong>de</strong>m se <strong>de</strong>senhar<br />
possibilida<strong>de</strong>s diferentes, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do caso concreto. Todavia, essa nova<br />
interpretação conserva os valores tradicionais (gramatical, histórico, teleológico,<br />
sistemático). Os princípios <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser a última opção do intérprete (a Lei <strong>de</strong><br />
Introdução às Normas do Direito Brasileiro- nome atual da antiga Lei <strong>de</strong> Introdução<br />
ao Código Civil- ainda prevê em seu artigo 4º que “Quando a lei for omissa, o juiz<br />
<strong>de</strong>cidirá o caso <strong>de</strong> acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais <strong>de</strong><br />
direito”) para ganhar posição <strong>de</strong> relevo ao lado das normas, em face da<br />
normativida<strong>de</strong> e efetivida<strong>de</strong> do chamado pós-positivismo, que é a “<strong>de</strong>signação<br />
provisória e genérica <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>ário difuso, no qual se incluem a <strong>de</strong>finição das<br />
relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica<br />
constitucional [...]”. 270<br />
Os princípios, agora figurando como normas jurídicas, passam a ter<br />
concretu<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rados sob uma perspectiva meramente ética,<br />
cuja aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> leis específicas, que por sua vez <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>riam da<br />
vonta<strong>de</strong> do legislador ordinário.<br />
Robert Alexy em sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais <strong>de</strong>senvolveu<br />
uma teoria para diferencial qualitativa entre regra e princípio, como forma <strong>de</strong><br />
superação do positivismo legalista, imprescindível para o estudo da Constituição<br />
<strong>26</strong>9 BARROSO, Luiz Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a<br />
construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. 1 reimpressão. Belo<br />
Horizonte, Fórum, 2013. p. 44-46.<br />
270 BARROSO, Luiz Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a<br />
construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. 1 reimpressão. Belo<br />
Horizonte, Fórum, 2013. p. 146.
109<br />
como um sistema aberto, on<strong>de</strong> a efetivida<strong>de</strong> dos direitos fundamentais ganha relevo.<br />
“Essa distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos<br />
fundamentais e uma chave para a solução <strong>de</strong> problemas centrais da dogmática dos<br />
direitos fundamentais”. 271<br />
Alexy 272 vê os princípios como mandamentos <strong>de</strong> otimização. São NORMAS<br />
que <strong>de</strong>terminam que algo seja realizado na <strong>maio</strong>r medida do possível, <strong>de</strong>ntro das<br />
possibilida<strong>de</strong>s fáticas e jurídicas, po<strong>de</strong>ndo ser satisfeitos em graus diversos. As<br />
regras ou são cumpridas (se válida) ou não são cumpridas. As regras são<br />
<strong>de</strong>terminações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível, <strong>de</strong> modo que<br />
sua distinção em relação aos princípios é qualitativa e não hierárquica, uma vez que<br />
são espécies do gênero norma.<br />
No caso <strong>de</strong> conflito entre regras a solução se dá pela introdução <strong>de</strong> uma<br />
cláusula <strong>de</strong> exceção ou se uma <strong>de</strong>les for consi<strong>de</strong>rada inválida. A colisão entre<br />
princípios não implica em eliminação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les do sistema jurídico, ou seja,<br />
submetido a uma cláusula <strong>de</strong> exceção. Os princípios têm pesos diferentes a<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do caso concreto, prevalecendo aquele <strong>de</strong> <strong>maio</strong>r peso, levando-se em<br />
conta seu <strong>maio</strong>r grau <strong>de</strong> abstração. É o uso da técnica da pon<strong>de</strong>ração, preservandose<br />
o máximo <strong>de</strong> cada princípio.<br />
A busca por um sistema jurídico i<strong>de</strong>al reflete o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> equilíbrio entre<br />
regras e princípios, on<strong>de</strong> as primeiras <strong>de</strong>sempenham um papel <strong>de</strong> segurança<br />
jurídica-caráter objetivo das condutas-, enquanto que os princípios visam à<br />
realização da justiça no caso concreto. 273<br />
A Constituição da República sob essa perspectiva do novo constitucionalismo,<br />
com seu <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> Estado Democrático <strong>de</strong> Direito ali traçado e fundamento <strong>de</strong><br />
valida<strong>de</strong> do or<strong>de</strong>namento jurídico pátrio, passa a exigir uma tutela penal em<br />
consonância com um catálogo <strong>de</strong> direito e garantias fundamentais, com repercussão<br />
na teoria geral do processo penal, citando-se, por exemplo:<br />
a) Garantia <strong>de</strong> acesso à Justiça Criminal: LXXIV - o Estado prestará<br />
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência<br />
<strong>de</strong> recursos; LXXVII - são gratuitas as ações <strong>de</strong> "habeas-corpus" e<br />
271 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 85.<br />
272 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90-94.<br />
273 BARROSO, Luiz Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a<br />
construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. 1 reimpressão. Belo<br />
Horizonte, Fórum, 2013. p. 149.
110<br />
"habeas-data", e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da<br />
cidadania;<br />
b) Juiz Natural: XXXVII - não haverá juízo ou tribunal <strong>de</strong> exceção; XXXVIII - é<br />
reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe <strong>de</strong>r a lei,<br />
assegurados: a) a plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa; b) o sigilo das votações; c) a<br />
soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes<br />
dolosos contra a vida; LIII - ninguém será processado nem sentenciado<br />
senão pela autorida<strong>de</strong> competente;<br />
c) Plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa: LV - aos litigantes, em processo judicial ou<br />
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e<br />
ampla <strong>de</strong>fesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LVI - são<br />
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;<br />
d) Publicida<strong>de</strong> dos atos processuais: LX - a lei só po<strong>de</strong>rá restringir a<br />
publicida<strong>de</strong> dos atos processuais quando a <strong>de</strong>fesa da intimida<strong>de</strong> ou o<br />
interesse social o exigirem; art, 93, IX todos os julgamentos dos órgãos do<br />
Po<strong>de</strong>r Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as <strong>de</strong>cisões, sob<br />
pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ndo a lei limitar a presença, em <strong>de</strong>terminados atos,<br />
às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos<br />
quais a preservação do direito à intimida<strong>de</strong> do interessado no sigilo não<br />
prejudique o interesse público à informação.<br />
e) Proibição da tortura: III - ninguém será submetido a tortura nem a<br />
tratamento <strong>de</strong>sumano ou <strong>de</strong>gradante; XLIX - é assegurado aos presos o<br />
respeito à integrida<strong>de</strong> física e moral;<br />
f) Inviolabilida<strong>de</strong> do domicílio e dos dados pessoais: XI - a casa é asilo<br />
inviolável do indivíduo, ninguém nela po<strong>de</strong>ndo penetrar sem consentimento<br />
do morador, salvo em caso <strong>de</strong> flagrante <strong>de</strong>lito ou <strong>de</strong>sastre, ou para prestar<br />
socorro, ou, durante o dia, por <strong>de</strong>terminação judicial; XII - é inviolável o sigilo<br />
da correspondência e das comunicações telegráficas, <strong>de</strong> dados e das<br />
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por or<strong>de</strong>m judicial, nas<br />
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins <strong>de</strong> investigação criminal<br />
ou instrução processual penal;
111<br />
g) Presunção <strong>de</strong> inocência: LVII - ninguém será consi<strong>de</strong>rado culpado até<br />
o trânsito em julgado <strong>de</strong> sentença penal con<strong>de</strong>natória;<br />
h) In<strong>de</strong>nização no caso <strong>de</strong> erro judiciário: LXXV - o Estado in<strong>de</strong>nizará o<br />
con<strong>de</strong>nado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo<br />
fixado na sentença;<br />
Diante dos dispositivos constitucionais supra elencados, está-se diante <strong>de</strong> um<br />
mo<strong>de</strong>lo processual penal garantista, ou seja, um processo penal moldado,<br />
interpretado à luz dos princípios estabelecidos pela Carta Magna, uma vez que o<br />
novo constitucionalismo vê a Constituição mais do que um instrumento <strong>de</strong> limitação<br />
do po<strong>de</strong>r estatal, localizada no topo do or<strong>de</strong>namento jurídico. A Constituição é um<br />
meio <strong>de</strong> efetivação dos direitos fundamentais nela enunciados, através do chamado<br />
<strong>de</strong>vido processo penal (contempla em seu bojo as garantias acima mencionadas)<br />
para que se evitem abusos e injustiças por parte do Estado e a própria violação da<br />
dignida<strong>de</strong> humana.<br />
Com base no que fora exposta nas linhas anteriores, po<strong>de</strong>-se afirmar com<br />
segurança que no atual estágio em se encontra estruturado o Direito Constitucional<br />
brasileiro, e o reconhecimento à supremacia da Constituição e <strong>de</strong> sua forma<br />
normativa, o Direito Processual Penal não apenas passa a ser interpretado sob os<br />
auspícios <strong>de</strong> uma principiologia <strong>de</strong> direitos fundamentais previstos no Texto Magno,<br />
como se torna protagonista da árdua tarefa <strong>de</strong> concretização <strong>de</strong>stes direitos.<br />
Fernan<strong>de</strong>s 274 nos lembra que <strong>de</strong>ssa interação entre Processo e Constituição,<br />
fala-se em Direito Processual Constitucional e Direito Constitucional Processual. O<br />
primeiro trata da previsão constitucional <strong>de</strong> princípios aplicáveis ao processo, tais<br />
como contraditório, ampla <strong>de</strong>fesa. O segundo cuida das normas constitucionais<br />
sobre órgãos jurisdicionais e dos remédios constitucionais-processuais para o<br />
controle da constitucionalida<strong>de</strong> das leis e atos da administração.<br />
Oliveira 275 reconhece que o processo penal brasileiro se estrutura a partir do<br />
<strong>de</strong>vido processo penal constitucional: a Constituição da República <strong>de</strong> 1988 afetou<br />
profundamente o atual Código <strong>de</strong> Processo Penal: “Que o nosso processo somente<br />
se realiza validamente se observados o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa já não resta<br />
274 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2000. p. 16.<br />
275 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais.<br />
3. ed. revista e atualizada. São Paulo: Atlas S.A., 2012. p. 136.
112<br />
qualquer dúvida, ocupando tais princípios posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na configuração <strong>de</strong><br />
um mo<strong>de</strong>lo garantista, [...]”<br />
As garantias na persecução penal (na fase pré-processual e processual) são<br />
um direito fundamental do indivíduo contra os eventuais excessos dos agentes do<br />
Estado.<br />
Feitas essas consi<strong>de</strong>rações preliminares, on<strong>de</strong> se verifica que a imposição <strong>de</strong><br />
uma sanção penal <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> um processo que garanta os direitos fundamentais<br />
do indivíduo e não instrumento <strong>de</strong> violência estatal, passemos à análise do papel do<br />
Estado no Processo Penal interpretado e aplicado sob a influência da força<br />
normativa da Constituição.<br />
4.4 O Papel do Estado em Face da Constitucionalização do Direito Processual<br />
Penal<br />
Antes <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ntrar propriamente ao tema é necessário comentar em breves<br />
linhas a evolução da configuração do Estado após o surgimento das constituições<br />
escritas.<br />
Inicialmente, o fenômeno constitucional veio a lume com o propósito <strong>de</strong> limitar<br />
o po<strong>de</strong>r estatal, valorizando <strong>de</strong> forma expressiva a proprieda<strong>de</strong> privada e o<br />
individualismo. Era a época do absenteísmo estatal (instituição <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s<br />
negativas asseguradas em face do po<strong>de</strong>r estatal). Surge o Estado Liberal,<br />
caracterizado pela gran<strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> renda nas mãos <strong>de</strong> uma minoria e<br />
exclusão social, uma vez que liberalismo econômico somente garantia a igualda<strong>de</strong><br />
formal (perante a lei). Os efeitos <strong>de</strong>sta forma <strong>de</strong> Estado resultaram em diversas<br />
revoluções ao longo do século XIX e culminando nas primeiras décadas do século<br />
XX com a I Gran<strong>de</strong> Guerra Mundial.<br />
Estados como o México (1917), Alemanha (1919) e Brasil (a partir <strong>de</strong> 1930)<br />
passaram a ter Constituições que davam ao Estado a incumbência <strong>de</strong> intervir na<br />
or<strong>de</strong>m econômica (a intervenção estatal na economia, a organização, o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento e a conservação <strong>de</strong> bens econômicos. Deixa-se <strong>de</strong> lado o<br />
absenteísmo e migra-se para o dirigismo estatal. Os efeitos da ativida<strong>de</strong> econômica<br />
possuem reflexos em toda a vida social, <strong>de</strong> modo a se estabelecer um rol <strong>de</strong> direitos<br />
<strong>de</strong> conteúdo social (salário-mínimo, direito trabalhistas, greve...), como forma <strong>de</strong>
113<br />
inclusão do indivíduo como sujeito <strong>de</strong> direitos perante a socieda<strong>de</strong> e o Estado. É o<br />
chamado Estado Social.<br />
Todavia, em um terceiro momento, a partir dos anos 70 os economistas<br />
começam a criticar a “ineficiência” e o tamanho do Estado, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 30<br />
havia se agigantado, assumindo para si uma série <strong>de</strong> serviços voltados para o<br />
atendimento das necessida<strong>de</strong>s públicas, mas muitas vezes imbuído <strong>de</strong> um espírito<br />
populista. Exploração <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas (como se empresário fosse) nas<br />
áreas <strong>de</strong> si<strong>de</strong>rurgia, mineração, telecomunicações são exemplos brasileiros <strong>de</strong><br />
intervenção direta do Estado na economia.<br />
Tais críticas resultaram por seu turno na criação <strong>de</strong> uma nova doutrina<br />
econômica <strong>de</strong>nominada neoliberalismo, que propõe a redução do tamanho do<br />
Estado, o qual <strong>de</strong>veria retornar a uma posição <strong>de</strong> garantias <strong>de</strong> direitos básicos ao<br />
cidadão (vida, liberda<strong>de</strong>, proprieda<strong>de</strong>, livre iniciativa, meio ambiente...), sem<br />
embargos <strong>de</strong> permanecer como regulador da ativida<strong>de</strong> econômica.<br />
Do Estado Liberal, passando pelo Social, chega-se à concepção intermediária<br />
do Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, que busca o reconhecimento da afirmação<br />
concreta da igualda<strong>de</strong> material. Tal Estado tem origem legítima na vonta<strong>de</strong> popular<br />
pela finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização dos direitos fundamentais.<br />
Oliveira 276 observa que para pensar em Estado <strong>de</strong> Direito é preciso ter como<br />
referência o seu valor fundante que é a realização dos direitos fundamentais e para<br />
que seja Democrático, <strong>de</strong>ve-se levar em conta a manifestação popular. Assim, o<br />
Direito é a única alternativa viável para o exercício do po<strong>de</strong>r em nome da<br />
comunida<strong>de</strong>.<br />
Dessa forma, o processo penal <strong>de</strong>ve ser meio para a proteção e realização <strong>de</strong><br />
direitos fundamentais, o que se torna mais evi<strong>de</strong>nte quando se leva em<br />
consi<strong>de</strong>ração o fato <strong>de</strong> que esta forma processual é voltada para o Direito Penal, o<br />
instrumental mais rígido <strong>de</strong> que dispõe o Estado para a proteção dos bens jurídicos<br />
da socieda<strong>de</strong>.<br />
A perspectiva do Estado Democrático <strong>de</strong> Direito obriga a criação <strong>de</strong> critérios<br />
<strong>de</strong> tutela penal dos direitos fundamentais, on<strong>de</strong> as garantias processuais têm por<br />
finalida<strong>de</strong>, a proteção ao interesse processual das partes, através <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão<br />
judicial:<br />
276 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais.<br />
3. ed. revista e atualizada. São Paulo: Atlas S.A., 2012. p. 11.
114<br />
(a) participada; ou seja, <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão que permita a efetiva contribuição<br />
dos interessados imediatos nos efeitos <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes; (b) imparcial, no<br />
sentido da não vinculação ex ante do julgador ao interesse específico da<br />
causa e, por fim, (c) segundo regras (procedimentais e probatórias) prévias,<br />
para o controle da legalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> idoneida<strong>de</strong> do processo, daí as<br />
exigências do juiz natural, do contraditório, da ampla <strong>de</strong>fesa, da motivação<br />
das <strong>de</strong>cisões, etc. 277<br />
O código <strong>de</strong> processo penal <strong>de</strong>ve ser então interpretado <strong>de</strong> acordo com a<br />
Constituição e não a Constituição <strong>de</strong> acordo com o processo penal. É da<br />
Constituição que emana a força normativa do sistema jurídico, <strong>de</strong> modo que o<br />
processo penal tira seu fundamento <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> do Texto Magno e não o contrário.<br />
Em face <strong>de</strong>ssa hermenêutica as normas processuais penais do Código <strong>de</strong><br />
1942 que estiverem em choque com a Constituição <strong>de</strong> 1988 <strong>de</strong>vem consi<strong>de</strong>radas<br />
como revogadas, ao passo que as posteriores a esta Carta e forem incompatíveis,<br />
serão inconstitucionais.<br />
4.5 Características do Processo Penal <strong>de</strong> Matriz Constitucional<br />
4.5.1 Noções gerais<br />
O processo penal, em virtu<strong>de</strong> do princípio da supremacia da Constituição e da<br />
irradiação dos efeitos <strong>de</strong>sta sobre todo o or<strong>de</strong>namento jurídico, busca a cristalização<br />
dos fundamentos políticos e institucionais do Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, <strong>de</strong><br />
modo a preservar a liberda<strong>de</strong> jurídica dos acusados em geral, ao mesmo tempo em<br />
que é a garantia da socieda<strong>de</strong> contra atos lesivos aos bens jurídicos penalmente<br />
tutelados. Seu pressuposto é um conflito <strong>de</strong> interesses entre o indivíduo, membro da<br />
comunida<strong>de</strong>, e o Estado.<br />
Este conflito <strong>de</strong> interesses, não se caracteriza como pretensão resistida 278<br />
assim como ocorre no processo civil. Isto em virtu<strong>de</strong> da indispensabilida<strong>de</strong> do<br />
processo penal para a solução da controvérsia que em envolve o status libertatis do<br />
indivíduo. Esse processo penal <strong>de</strong> matiz constitucional é instrumento <strong>de</strong> limitação do<br />
277 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais.<br />
3. ed. revista e atualizada. São Paulo: Atlas S.A., 2012. p. 134-135.<br />
278 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 3. ed.<br />
revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 36.
115<br />
po<strong>de</strong>r estatal, garantindo a efetivida<strong>de</strong> dos direitos individuais como o contraditório,<br />
ampla <strong>de</strong>fesa, presunção <strong>de</strong> inocência, proibição da utilização <strong>de</strong> provas ilícitas,<br />
<strong>de</strong>ntre outros.<br />
Des<strong>de</strong> que o Estado assumiu para si a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> solucionar os<br />
conflitos em socieda<strong>de</strong>, monopolizando a ativida<strong>de</strong> processual, a regulação da forma<br />
<strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> pena é uma imposição do Estado <strong>de</strong> Direito, sendo fruto <strong>de</strong> uma<br />
reflexão e não da emoção. O Estado, <strong>de</strong>ntro do processo penal, divi<strong>de</strong>-se entre os<br />
papéis <strong>de</strong> Juiz e como titular da ação (Ministério Público), <strong>de</strong> modo a promover a<br />
autolimitação <strong>de</strong> seu jus imperii.<br />
Nessa esteira, consi<strong>de</strong>rando que o Direito Penal é o ramo jurídico<br />
responsável pela prisão das penas criminais (mais gravosa forma <strong>de</strong> punição<br />
estatal), o Direito Processual Penal caracteriza-se como meio para viabilizar a<br />
aplicação da pena.<br />
De acordo com Lopes Júnior 279 “o objetivo primordial da tutela não será<br />
somente a salvaguarda dos interesses da coletivida<strong>de</strong>, mas também a tutela da<br />
liberda<strong>de</strong> processual do imputado, o respeito a sua dignida<strong>de</strong> como pessoa [...]”,<br />
rompendo-se, assim, a tradição <strong>de</strong> um Estado regulador, para se tornar um Estado<br />
promover e transformador, reduzindo-se os riscos <strong>de</strong> cometimento <strong>de</strong> injustiças<br />
através do estabelecimento <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> garantias.<br />
O processo penal <strong>de</strong>ve ser formatado <strong>de</strong> acordo com o sistema constitucional<br />
<strong>de</strong>mocrático vigente, com o fortalecimento do indivíduo perante o Estado, o qual tem<br />
por fim a <strong>de</strong>fesa do ser humano e <strong>de</strong> seus direitos fundamentais. Deve ser um<br />
processo vinculado necessariamente ao texto constitucional. Assim, “los <strong>de</strong>rechos<br />
<strong>de</strong>clarados em la Constituición suprema participan positivamente <strong>de</strong>l nível y<br />
jerarquia que se assigna a ésta, están sobrepostos a toda normativa inferior...” 280<br />
A estrutura do processo penal <strong>de</strong>ve estar voltada para a que a s partes <strong>de</strong>le<br />
participem em contraditório, contribuindo dialeticamente para a formação da<br />
sentença, garantindo efetivida<strong>de</strong> ao processo e os direitos sejam assegurados,<br />
através <strong>de</strong> uma simétrica igualda<strong>de</strong> entre as partes. “A primeira proteção que o<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico necessita oferecer aos jurisdicionados é a proteção <strong>de</strong> seu<br />
direito <strong>de</strong>, quando <strong>de</strong>stinatário dos efeitos da sentença, participar dos atos que a<br />
279 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal (fundamentos da instrumentalida<strong>de</strong><br />
constitucional) 4. ed. revista, atualizada e ampliada. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Lumen Juirs, 2006. p. 40.<br />
280 CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoria general <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos humanos. Buenos Aires: Astrea,<br />
1991. p. 348.
116<br />
preparem, concorrendo para sua formação...” 281 Busca-se aqui a construção <strong>de</strong> uma<br />
<strong>de</strong>cisão que seja imparcial (sem interesses específicos do julgador no resultado final<br />
da causa), com efetiva participação dos interessados diretos e sob o crivo do <strong>de</strong>vido<br />
processo legal (regras prévias para o <strong>de</strong>senvolvimento do processo).<br />
Em face do atual mo<strong>de</strong>lo constitucional brasileiro, o processo penal <strong>de</strong>ve se<br />
visto sob uma perspectiva eminentemente garantista, uma vez que é através <strong>de</strong>le<br />
que efetivará os direitos e garantias fundamentais <strong>de</strong> índole processual previstos na<br />
Carta Magna.<br />
Segundo Oliveira 282 :<br />
É garantista, sobretudo no sentido <strong>de</strong> reconhecer que, embora formalmente,<br />
as faculda<strong>de</strong>s processuais entre ambos sejam iguais, há inegável<br />
superiorida<strong>de</strong> material da acusação, se se consi<strong>de</strong>rar que a persecução<br />
penal no processo é patrocinada por órgão dotado <strong>de</strong> amplas garantias e<br />
prerrogativas institucionais (em que quase tudo equivalentes à da<br />
magistratura), além é claro, da inquisitorieda<strong>de</strong> na fase <strong>de</strong> investigação.<br />
A seguir aprofundaremos a feição garantista do mo<strong>de</strong>lo processo penal sob a<br />
luz do constitucionalismo.<br />
4.5.2 O Processo Penal garantista<br />
O garantismo no processo penal é um elemento <strong>de</strong> legitimação do próprio<br />
Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, como limite a atuação do Estado frente à liberda<strong>de</strong><br />
do indivíduo e <strong>de</strong> participação <strong>de</strong>ste na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões que vão afetá-lo.<br />
Para Lopes Júnior 283 consiste na tutela <strong>de</strong> direitos fundamentais (vida,<br />
liberda<strong>de</strong>, etc...), os quais representam os valores, bens e interesses materiais e<br />
pré-políticos cujo gozo constitui a base da <strong>de</strong>mocracia. Tais direitos, fundamentais a<br />
existência do ser humano, são a este inerentes e o qualificam como tal, impondo ao<br />
Estado o respeito a sua existência individual e coletiva (quando analisado sob o<br />
prima da relação entres os indivíduos em socieda<strong>de</strong>).<br />
281 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. 2. ed. Belo Horizonte: Del<br />
Rey, 2012. p. 151.<br />
282 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais.<br />
3. ed. revista e atualizada. São Paulo: Atlas S.A., 2012. p. 127.<br />
283 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal (fundamentos da instrumentalida<strong>de</strong><br />
constitucional) 4. ed. revista, atualizada e ampliada. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Lumen Juirs, 2006. p. 46.
117<br />
A origem do garantismo remonta a um longo período <strong>de</strong> evolução que<br />
culminou com a <strong>de</strong>rrubada do ancien régime e a previsão <strong>de</strong> limitação dos po<strong>de</strong>res<br />
do Estado face o cidadão e o reconhecimento <strong>de</strong> direitos inerentes ao homem,<br />
através das primeiras Constituições escritas. A secularização e a tolerância são, na<br />
visão <strong>de</strong> Carvalho 284 , os elementos estruturais do garantismo, na medida em que as<br />
funções do Estado e da Igreja passam a se separar (rompimento dos laços<br />
existentes entre direito e moral eclesiástica), ao mesmo tempo em que se começam<br />
a tolerar posicionamentos religiosos distintos daqueles pregados pelo Catolicismo,<br />
incorporando-se, assim, o pensamento Iluminista contra o processo <strong>de</strong> feições<br />
inquisitoriais medieval.<br />
As garantias, por seu turno, são a salvaguarda dos direitos fundamentais,<br />
como forma <strong>de</strong> reconhecimento, satisfação, efetivação pelo Estado, mediante<br />
previsões constitucionais <strong>de</strong> instrumentos idôneos para a referida tutela.<br />
A proteção dos direitos fundamentais se dá através do Direito, cujo exercício<br />
se dá através da prestação jurisdicional, uma vez que cabe ao Estado o monopólio<br />
da administração da justiça (direito à tutela jurisdicional do Estado, prevista no art.<br />
5º, inciso XXXV da CR/88, sendo concedido <strong>de</strong> forma indistinta e incondicionada a<br />
todos os membros da socieda<strong>de</strong>).<br />
Essa atuação jurisdicional se dá por meio do processo, que nos termos do art.<br />
5º, inciso LIV da CR/88 <strong>de</strong>ve ser materializado em um procedimento <strong>de</strong>senvolvido<br />
com regularida<strong>de</strong>: ninguém será privado da liberda<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> seus bens sem o <strong>de</strong>vido<br />
processo legal.<br />
Tal garantia, além da imparcialida<strong>de</strong> do juiz e da efetiva participação das<br />
partes na formação da convicção judicial (contraditório substancial), segundo<br />
Tucci 285 se efetiva através <strong>de</strong>:<br />
a) Elaboração <strong>de</strong> leis previamente ajustadas para aplicação ao caso<br />
concreto, dotadas <strong>de</strong> razoabilida<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> justiça, conforme a<br />
constituição (substantive due processo of law);<br />
b) Aplicação através <strong>de</strong> um instrumento capaz <strong>de</strong> disciplinar as relações<br />
entre as partes envolvidas: o processo.<br />
284 CARVALHO, Salo. Pena e garantia. Uma leitura do garantismo <strong>de</strong> Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro, Lumen Juris, 2001. p. 45.<br />
285 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 3. ed.<br />
revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 58.
118<br />
c) Garantia <strong>de</strong> parida<strong>de</strong> <strong>de</strong> armas entre as partes, visando a igualda<strong>de</strong><br />
substancial, que somente é atingida quando ao equilíbrio <strong>de</strong> situações<br />
correspon<strong>de</strong>r à realida<strong>de</strong> processual.<br />
O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio do Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> Direito, ultrapassada a fase <strong>de</strong><br />
reconhecimento e positivação <strong>de</strong> direitos fundamentais, traduz-se agora na<br />
efetivação <strong>de</strong> tais direitos, necessitando da difícil tarefa <strong>de</strong> interiorização do<br />
processo <strong>de</strong> constitucionalização, que no caso brasileiro é chamado por Lopes<br />
Júnior 286 <strong>de</strong> baixa eficácia da Constituição.<br />
De fato, para que haja o funcionamento constitucional dos direitos humanos é<br />
preciso que esses se encarnem na dimensão sociológica do mundo jurídico, e não<br />
apenas estejam positivados.<br />
Nesse aspecto, também se pronunciou <strong>Campos</strong> 287 :<br />
Que los <strong>de</strong>rechos humanos funcione, o que funcione la Constituición que los<br />
reconoce e incorpora a su conjunto normativo, significa- em equivalênciaque<br />
tengan unos y outra la aptitud <strong>de</strong> encarnarse em la dimensión<br />
sociológica <strong>de</strong>l mundo jurídico, es dicir, <strong>de</strong> lograr vigência sociológica. El<br />
fenómeno sociológico <strong>de</strong> la vigência es, muchas veces, más reacio y difícil<br />
que el <strong>de</strong> poner uma norma formulada em el or<strong>de</strong>n normológico <strong>de</strong> mundo<br />
jurídico, y por eso el <strong>de</strong>recho constitucional tiene que estimular y propen<strong>de</strong>r<br />
a la vigência sociológica mediante uma serie <strong>de</strong> elementos e instrumentos.<br />
O processo, como o Direito em seu todo, contém valores sociológicos, éticos<br />
e políticos, refletindo assim a i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado país, em dado momento<br />
histórico. 288<br />
4.6 A Instrumentalida<strong>de</strong> do Processo Penal<br />
A evolução da ciência processual permitiu o <strong>de</strong>sligamento <strong>de</strong> uma origem<br />
conceitual fulcrada no direito material (um conjunto <strong>de</strong> formas voltado para o<br />
exercício <strong>de</strong> direitos), passando pela <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> ação como instituto <strong>de</strong> direito<br />
processual até o momento do reconhecimento <strong>de</strong> sua instrumentalida<strong>de</strong>. As busca<br />
286 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal (fundamentos da instrumentalida<strong>de</strong><br />
constitucional) 4. ed. revista, atualizada e ampliada. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Lumen Juirs, 2006. p. 46.<br />
287 CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoria general <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos humanos. Buenos Aires: Astrea,<br />
1991. p. 341.<br />
288 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2000. p. 13
119<br />
por soluções aos problemas políticos, sociais e econômicos, na <strong>de</strong>fesa dos direitos<br />
fundamentais previstos na Constituição, promove a busca por um sistema jurídico<br />
processual com uma estrutura, que segundo Gonçalves 289 <strong>de</strong>ve ser a<strong>de</strong>quada e ágil,<br />
para dar respostas ao fim para o qual se instaura: a emanação <strong>de</strong> um ato do Estado<br />
<strong>de</strong> caráter imperativo, para cuja formação concorrem em contraditório, aqueles que<br />
receberão, na esfera <strong>de</strong> seus direitos, os efeitos <strong>de</strong> tal ato. O processo como<br />
procedimento em contraditório (participação em igualda<strong>de</strong> na formação da sentença)<br />
tem por finalida<strong>de</strong> a preparação do provimento jurisdicional.<br />
O Estado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que assumiu o monopólio da administração da justiça não<br />
po<strong>de</strong> prescindir do processo para a aplicação <strong>de</strong> suas penas. Como os particulares<br />
não po<strong>de</strong>m fazer justiça com as próprias mãos (superação da vingança privada), o<br />
Estado passa a ter o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> proteger a socieda<strong>de</strong> e também aquele que é<br />
acusado da prática <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito.<br />
Todavia, como o Direito Penal não é dotado <strong>de</strong> coerção direta, necessário se<br />
faz a existência do processo como instrumento legítimo para imposição <strong>de</strong><br />
penalida<strong>de</strong>s. Com efeito, é preciso esclarecer que o processo não é efeito do <strong>de</strong>lito,<br />
senão da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impor a pena ao <strong>de</strong>lito por meio do processo. 290 Aliás, o<br />
processo penal não po<strong>de</strong> ser uma pena em si mesmo, mas <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>monstrar a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um resultado útil e não uma forma <strong>de</strong> punição antecipada. Não há<br />
base constitucional para utilização do processo como pena em si mesmo. O<br />
processo penal é instrumento <strong>de</strong> aplicação da pena, uma vez que não é possível<br />
impor a reprovação sem prévio processo (nulla poena sine iudicio). Direito penal e<br />
processual estão voltado para os mesmos objetivos sociais e políticos <strong>de</strong> proteção<br />
do indivíduo, <strong>de</strong> promoção das garantias fundamentais previstas na Constituição.<br />
Para a complementação do caráter instrumental do processo, Dinamarco 291<br />
afirma que é preciso fazer a indicação dos objetivos a serem alcançados mediante o<br />
seu uso, revelando assim, o seu grau <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>. Sob uma perspectiva teleológica,<br />
o processo <strong>de</strong>ve estar apto a prestar serviços à comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo que essa<br />
visão instrumentalista do processo é alimentada pelos resultados que <strong>de</strong>la se<br />
289 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. 2. ed. Belo Horizonte: Del<br />
Rey, 2012. p. 148.<br />
290 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal (fundamentos da instrumentalida<strong>de</strong><br />
constitucional) 4. ed. revista, atualizada e ampliada. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Lumen Juirs, 2006. p. 03.<br />
291 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalida<strong>de</strong> do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros,<br />
2008. p. 177.
120<br />
espera. A legitimação do processo, sob um enfoque instrumentalista, se dá pela<br />
aptidão <strong>de</strong> prestar serviços à comunida<strong>de</strong>.<br />
Ultrapassando os limites direito, o processo possui objetivos (escopos, na<br />
expressão empregada por Dinamarco) além do puramente jurídico, alcançando<br />
também uma visão social e política, quem em conjunto com o escopo jurídico são<br />
expressão do po<strong>de</strong>r do Estado, voltado para a harmonização da socieda<strong>de</strong>.<br />
Os escopos sociais do processo têm por fim pacificar os conflitos em<br />
socieda<strong>de</strong> através da justiça (paz social). Uma vez que a vida em socieda<strong>de</strong> traz<br />
insatisfações (é natural do ser humano não querer ser contrariado), a atuação do<br />
Estado através do processo age no sentido <strong>de</strong> diminuir esse sentimento <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cepção. Ao estabelecer as condutas proibidas e permitidas, bem como os critérios<br />
para acesso aos bens da vida, o Estado tenta evitar condutas antissociais, criando<br />
um clima <strong>de</strong> paz entre as pessoas.<br />
Os escopos políticos do processo possuem três aspectos: expressão da<br />
capacida<strong>de</strong> do Estado <strong>de</strong> impor suas <strong>de</strong>cisões (instrumento predisposto ao exercício<br />
do po<strong>de</strong>r); culto à liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo que haja limitações ao po<strong>de</strong>r do Estado;<br />
propiciar a participação popular na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões públicas (legitimação<br />
<strong>de</strong>mocrática). Através do processo, o Estado toma <strong>de</strong>cisões e as impõe <strong>de</strong> forma<br />
coercitiva em caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento. Além disso, tais <strong>de</strong>cisões po<strong>de</strong>m assumir o<br />
caráter <strong>de</strong> <strong>de</strong>finitivida<strong>de</strong> (coisa julgada), não admitindo sua revisão. No que<br />
concerne ao culto à liberda<strong>de</strong>, o Estado, <strong>de</strong>ntro do espírito <strong>de</strong> preservação das<br />
liberda<strong>de</strong> individuais, age <strong>de</strong>ntro do limites impostos pela Lei, não interferindo na<br />
esferas privada <strong>de</strong> seus cidadãos, salvo quando autorizado. Já a participação<br />
popular através do processo se dá através da previsão <strong>de</strong> mecanismos que possam<br />
permitir a influência popular nas <strong>de</strong>cisões do Estado e na <strong>de</strong>fesa do interesses da<br />
comunida<strong>de</strong>, como é o caso da ação popular.<br />
Sob o enfoque jurídico, a instrumentalida<strong>de</strong> do processo ganha relevo na<br />
medida em que se perquire o modo como os resultado obtidos através do processo<br />
repercutem no sistema jurídico. Verifica-se aqui a forma como o processo atua em<br />
relação ao direito material, bem como o momento em que ele (processo) se insere<br />
no sistema jurídico. No que diz respeito ao processo penal, sua função não se<br />
esgota na satisfação da pretensão acusatória, mas abrange também a função <strong>de</strong><br />
instrumento (instrumentalida<strong>de</strong> constitucional) para preservação das garantias
121<br />
fundamentais do Estado Democrático <strong>de</strong> Direito (tendo-se em mira a dignida<strong>de</strong><br />
humana como princípio reitor do sistema <strong>de</strong>mocrático).<br />
Lopes Júnior 292 ao comentar sobre a socieda<strong>de</strong> consumista e acostumada<br />
com a velocida<strong>de</strong>, na qual nos encontramos, afirma que esta não <strong>de</strong>seja esperar<br />
pelo processo (daí a busca pelas prisões provisórias e a imediatida<strong>de</strong> da punição<br />
para conter a violência). Segundo o referido processualista “[...] não po<strong>de</strong>mos<br />
sacrificar a necessárias maturação, reflexão e tranquilida<strong>de</strong> do ato <strong>de</strong> julgar, tão<br />
importante na esfera penal. Tampouco acelerar a ponto <strong>de</strong> atropelar os direitos e<br />
garantias do acusado”.<br />
O processo não po<strong>de</strong> ser empregado sob um ótica <strong>de</strong> banalização da<br />
urgência ou como forma <strong>de</strong> aplacar <strong>de</strong>sejos incontidos <strong>de</strong> vingança, muitas vezes<br />
levados a cabo pela mídia televisiva, a qual promove casos policiais como reality<br />
shows como evi<strong>de</strong>nte prejuízo à dignida<strong>de</strong> e à imagem dos acusados.<br />
4.7 O direito à prova legitimamente produzida<br />
A inadmissibilida<strong>de</strong> provas obtidas por meios ilícitos, ao lado do direito ao<br />
silêncio e da presunção <strong>de</strong> inocência representam os pilares do processo penal<br />
garantista, como formas <strong>de</strong> tutela da liberda<strong>de</strong> individual do acusado.<br />
A formação legítima da prova é consequência da efetiva da garantia<br />
constitucional do contraditório e da ampla <strong>de</strong>fesa, <strong>de</strong> modo que às partes atuantes<br />
no processo é garantido as mesmas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produzir todos os elementos<br />
<strong>de</strong> convicção dos fatos por eles alegados, participar <strong>de</strong> todos os atos processuais e<br />
sobre eles se manifestar 293 .<br />
Como consequência surgem os postulados <strong>de</strong> que somente serão admitidas<br />
as provas inerente ao caso discutido no processo e a obtenção <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>ve se dar<br />
292 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal (fundamentos da instrumentalida<strong>de</strong><br />
constitucional) 4. ed. revista, atualizada e ampliada. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Lumen Juirs, 2006. p. 28-29.<br />
293 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 3. ed.<br />
revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 165 afirma que se impõe<br />
ao legislador, aos agentes estatais <strong>de</strong> persecução e execução penal e ao imputado “absoluta<br />
igualda<strong>de</strong> no direito <strong>de</strong> obter ou produzir provas dos fatos perqueridos, estatuir normas <strong>de</strong>terminantes<br />
<strong>de</strong> que: a) quando necessário, o indiciado, acusado ou con<strong>de</strong>nado necessário não sofra, <strong>de</strong> modo<br />
que seja, limitação em sua ativida<strong>de</strong> probatória; e, b) o órgão jurisdicional, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente das<br />
provas produzidas pelas partes, e inquisitorialmente, proveja à realização daquelas por ele tidas<br />
como indispensáveis à <strong>de</strong>scoberta da verda<strong>de</strong> material ou atingível.”
122<br />
por meios não proibidos pela legislação. Neste último caso, trata-se da proibição <strong>de</strong><br />
ingresso no processo <strong>de</strong> provas não admitidas pela legislação (com infringência das<br />
normas que regulam a produção e a recepção da prova), seja em função <strong>de</strong> sua<br />
fonte, seja em razão <strong>de</strong> seu meio <strong>de</strong> produção 294 .<br />
Vê-se que o princípio da inadmissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> provas ilícitas po<strong>de</strong> ser<br />
analisado sob uma dupla perspectiva: como regra <strong>de</strong> julgamento e como regra <strong>de</strong><br />
convencimento. Na primeira situação, limita-se a valoração da prova obtida<br />
ilicitamente, que não po<strong>de</strong> ser utilizada no processo. No segundo aspecto, não se<br />
po<strong>de</strong> admitir que o magistrado forme seu convencimento com fulcro em provas que<br />
não po<strong>de</strong>m fornecer a certeza dos fatos (meio <strong>de</strong> prova ilícito), nem em provas cuja<br />
forma <strong>de</strong> obtenção se revela clan<strong>de</strong>stina e violadora <strong>de</strong> direitos fundamentais (como<br />
as escutas telefônicas clan<strong>de</strong>stinas). 295<br />
Tucci 296 ainda se refere aos meios moralmente legítimos e acrescenta, que<br />
“[...] ainda que observada a permissão legal, somente po<strong>de</strong>rá ser admitida a prova<br />
realizada em conformida<strong>de</strong> com os preceitos éticos; e assim também, por certo, a<br />
que não tenha sido obtida <strong>de</strong> modo iníquo ou con<strong>de</strong>nável [...]”.<br />
Em termos processuais, os fins não po<strong>de</strong>m justificar os meios, uma vez que o<br />
princípio da dignida<strong>de</strong> humana repele a procura da verda<strong>de</strong> a qualquer custo, não se<br />
po<strong>de</strong>ndo legitimar qualquer fonte probatória 297 . Trata-se <strong>de</strong> uma proteção à<br />
personalida<strong>de</strong>, sendo a esfera privada e íntima, honra, imagem, por exemplo,<br />
aspectos relevantes. 298<br />
294 Estabelece o artigo 5º, inciso LVI da Constituição da República <strong>de</strong> 1988: são inadmissíveis, no<br />
processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.<br />
295 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais.<br />
3. ed. revista e atualizada. São Paulo: Atlas S.A., 2012. p. 151, afirma que “[...] a inadmissibilida<strong>de</strong><br />
das provas obtidas ilicitamente impõe-se, primeiro, como ativida<strong>de</strong> cognitiva, <strong>de</strong>vendo o juiz fundar<br />
sua <strong>de</strong>cisão em provas materializadas nos autos, sendo-lhe vedada a construção do convencimento<br />
com base na insuficiência da atuação da <strong>de</strong>fesa, isto é, com base em uma certeza formalizada,<br />
<strong>de</strong>corrente do mero estabelecimento <strong>de</strong> ônus probatório não cumprido, como ocorre, por exemplo, no<br />
art. 302 do CPC, no qual se prevê reputarem-se verda<strong>de</strong>iros os fatos articulados na inicial quando<br />
não impugnados pela <strong>de</strong>fesa.”<br />
296 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 3. ed.<br />
revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 168.<br />
297 Estabelece o artigo 5º, incisos XI e XII da Constituição da República <strong>de</strong> 1988: XI a casa é asilo<br />
inviolável do indivíduo, ninguém nela po<strong>de</strong>ndo penetrar sem consentimento do morador, salvo em<br />
caso <strong>de</strong> flagrante <strong>de</strong>lito ou <strong>de</strong>sastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por <strong>de</strong>terminação<br />
judicial; XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, <strong>de</strong> dados e das<br />
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por or<strong>de</strong>m judicial, nas hipóteses e na forma que a<br />
lei estabelecer para fins <strong>de</strong> investigação criminal ou instrução processual penal;<br />
298 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.<br />
p. 103.
123<br />
A negação <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> às provas ilícitas também funciona como forma <strong>de</strong><br />
inibição <strong>de</strong> novas condutas violadoras, <strong>de</strong> práticas abusivas, reafirmando-se, assim,<br />
os direitos e garantias fundamentais já mencionados.<br />
Importante salientar, em face da pon<strong>de</strong>ração dos valores proteção <strong>de</strong> um<br />
direito fundamental e o direito à prova da inocência, prevalece este último, uma vez<br />
que não há interesse do Estado na punição do inocente, como também a dignida<strong>de</strong><br />
humana é um valor insuperável no Estado Democrático <strong>de</strong> Direito 299 .<br />
Neste aspecto, argumentar que a prova ilícita po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser valorada para<br />
a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> inocência, como verda<strong>de</strong>iro subprincípio extraído do <strong>de</strong>vido<br />
processo legal, leciona Oliveira 300 :<br />
Por ora, cabe assinalar: se a prova é, do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> sua aptidão para<br />
produzir certeza, suficiente a <strong>de</strong>monstrar a inocência do réu, ela sempre<br />
<strong>de</strong>verá ser utilizada, pois, do contrário, a pretexto <strong>de</strong> proteção aos direitos e<br />
às garantias individuais, o Estado estaria violando não só um direito<br />
individual fundamental, mas a própria i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Direito, incompatível, a todas<br />
as luzes, com a con<strong>de</strong>nação do não culpado, para a proteção <strong>de</strong> vítimas<br />
possíveis (não seria ele –o não culpado- uma <strong>de</strong>las). A punição <strong>de</strong> quem<br />
se sabe e se reconhece inocente é ato <strong>de</strong> puro arbítrio, <strong>de</strong> não Direito, pois<br />
afastado <strong>de</strong> suas finalida<strong>de</strong> últimas.<br />
Nessa linha, em face da técnica <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> princípios, é possível<br />
encontrar uma alternativa interpretativa para se justificar o uso do critério da<br />
proporcionalida<strong>de</strong> 301 , quando da colisão dos princípios da inadmissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
299 CAMPOS, Germán J. Bidart. Teoria general <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos humanos. Buenos Aires: Astrea,<br />
1991. p. 345, afirma: Las garantias tienen, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> entonces, el alcance <strong>de</strong> prestar auxílio al<br />
funcionamento <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos humanos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l campo <strong>de</strong>l <strong>de</strong>recho constitucional.<br />
Em sentido lato, toleramos visualizar y compreen<strong>de</strong>r a las garantias constitucionales, entendidas<br />
globalmente em toda su gama, como la cobertura coactiva o coercible <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos<br />
constitucionalmente <strong>de</strong>clarados. Son garantias la propia Constituición, su supremacia, su rigi<strong>de</strong>z, la<br />
division <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, el control <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>, las vías procesales sumarias y sumaríssimas, y<br />
entre todas, el habeas corpus y el amparo, com cualquier <strong>de</strong>nominación que se propia <strong>de</strong> cada<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico.<br />
300 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais.<br />
3. ed. revista e atualizada. São Paulo: Atlas S.A., 2012. p. 149.<br />
301 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais.<br />
3. ed. revista e atualizada. São Paulo: Atlas S.A., 2012. p. 159, esclarece que a proporcionalida<strong>de</strong><br />
possui os seguintes aspectos: “a) quanto às possibilida<strong>de</strong>s fáticas <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> um princípio em<br />
<strong>maio</strong>r escala que outro, o princípio se <strong>de</strong>sdobra no exame da necessida<strong>de</strong> e da a<strong>de</strong>quabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
maneira a se po<strong>de</strong>r justificar a otimização <strong>de</strong> um (<strong>maio</strong>r aplicabilida<strong>de</strong> ou aplicação em <strong>maio</strong>r grau)<br />
segundo mais consistente seja a justificativa <strong>de</strong> sua necessida<strong>de</strong> (da aplicação) e da a<strong>de</strong>quação (<strong>de</strong><br />
meio a fim) ao caso concreto; b) quanto a sua possibilida<strong>de</strong> jurídica, o exame se dá pela constatação<br />
da existência do confronto das normas no caso concreto, daí se falar em proporcionalida<strong>de</strong> em<br />
sentido estrito.
124<br />
provas ilícitas e a proteção <strong>de</strong> direitos fundamentais. Todavia, a regra, <strong>de</strong> certo, é a<br />
inadmissibilida<strong>de</strong> das provas ilícitas no processo, como forma <strong>de</strong> conter os abusos<br />
por parte do Estado 302 .<br />
Questiona-se a partir <strong>de</strong> então a teoria dos frutos da árvore envenenada<br />
(fruits of the poisonous tree) segundo a qual todas as provas obtidas (mesmo que<br />
licitamente) após uma prova originalmente ilícita, não po<strong>de</strong>riam ser valoradas no<br />
processo.<br />
A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relativização <strong>de</strong>sta teoria importa em evitar situação<br />
extremas como a do próprio criminoso que produzisse provas <strong>de</strong> forma ilícita para<br />
obter imunida<strong>de</strong>. Busca-se, assim, permitir que a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> um crime <strong>de</strong>va ser<br />
aceita, em face <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados meios <strong>de</strong> prova normal e frequentemente<br />
utilizados. 303<br />
Pela teoria da <strong>de</strong>scoberta inevitável, as provas obtidas por meios<br />
originalmente ilícitos, po<strong>de</strong>m ser validadas no processo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong> uma forma ou<br />
302 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais.<br />
3. ed. revista e atualizada. São Paulo: Atlas S.A., 2012. p. 154-155, ressalta a diferença entre<br />
ativida<strong>de</strong> probatória abusiva e a ativida<strong>de</strong> lícita, cujo limite entre ambas é o excesso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r dos<br />
responsáveis pela produção da prova. Prossegue o autor, citando o exemplo o caso do encontro<br />
fortuito da prova durante uma interceptação telefônica. Parte da doutrina enten<strong>de</strong> que se houver<br />
violação da regra processual probatória (não era admitida interceptação telefônica para obtenção<br />
daquele tipo <strong>de</strong> prova encontrada <strong>de</strong> forma fortuita), essa não po<strong>de</strong>rá ser utilizada. OLIVEIRA,<br />
contudo, enten<strong>de</strong> que se houve autorização para a dita interceptação, todas as comunicações do<br />
investigados estariam <strong>de</strong>vassadas, sem quaisquer limites, po<strong>de</strong>ndo então ser utilizada como prova,<br />
aquela encontrada <strong>de</strong> forma fortuita. Não teria ocorrido excesso por parte do Estado.<br />
303 O artigo 157, §§ 1º e 2º do Código <strong>de</strong> Processo Penal abarca a teoria da fonte in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> prova<br />
e da <strong>de</strong>scoberta inevitável: São inadmissíveis, <strong>de</strong>vendo ser <strong>de</strong>sentranhadas do processo, as provas<br />
ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada<br />
pela Lei nº 11.690, <strong>de</strong> 2008)<br />
§ 1 o São também inadmissíveis as provas <strong>de</strong>rivadas das ilícitas, salvo quando não evi<strong>de</strong>nciado o<br />
nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre umas e outras, ou quando as <strong>de</strong>rivadas pu<strong>de</strong>rem ser obtidas por uma<br />
fonte in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, <strong>de</strong> 2008)<br />
§ 2 o Consi<strong>de</strong>ra-se fonte in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e <strong>de</strong><br />
praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz <strong>de</strong> conduzir ao fato objeto da<br />
prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, <strong>de</strong> 2008)<br />
§ 3 o Preclusa a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> <strong>de</strong>sentranhamento da prova <strong>de</strong>clarada inadmissível, esta será<br />
inutilizada por <strong>de</strong>cisão judicial, facultado às partes acompanhar o inci<strong>de</strong>nte. (Incluído pela Lei nº<br />
11.690, <strong>de</strong> 2008)
125<br />
<strong>de</strong> outra fossem obtidas, posteriormente (por meios lícitos). 304<br />
Enfatiza Oliveira 305 que a prova ilícita quando produzida pelo Estado não po<strong>de</strong><br />
valorada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um processo (mo<strong>de</strong>lo garantista do Estado Democrático <strong>de</strong><br />
Direito), pois do contrário este tipo <strong>de</strong> prova se fundaria em uma pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong><br />
princípios sem balizamento minimamente objetivo. Em outros termos, há a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se colocar freios à ação estatal (proibição do excesso). Todavia, o<br />
autor enten<strong>de</strong> que haveria exceção no caso da prova ilícita ter sido produzida pelo<br />
particular, uma vez que tornaria a efetiva a proteção <strong>de</strong> direitos fundamentais no<br />
âmbito penal, pela aplicação do princípio da proporcionalida<strong>de</strong> (ausência <strong>de</strong><br />
turbação no âmbito da efetivida<strong>de</strong> e eficácia da norma) e ausência <strong>de</strong> estímulo aos<br />
agentes públicos no tocante à produção <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> prova.<br />
Feitas essas consi<strong>de</strong>rações sobre a prova em geral e sua formação <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
um processo penal <strong>de</strong> índole garantista, passa-se a analise da formação da prova<br />
no crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro.<br />
304<br />
EMENTA: CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. PROVA ILÍCITA.<br />
CONTAMINAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO: DERIVAÇÃO INEXISTENTE. LEGALIDADE DE<br />
PRORROGAÇÕES DO PRAZO INICIAL DA ESCUTA. ELEVADO NÚMERO DE TERMINAIS<br />
ALCANÇADOS PELA MEDIDA: POSSIBILIDADE. QUALIDADE DA DEGRAVAÇÃO DAS ESCUTAS<br />
TELEFÔNICAS: TEMA ESTRANHO AOS LIMITES DO HABEAS CORPUS. 1. As referências às<br />
escutas telefônicas empreendidas sem autorização judicial, por ilícitas, <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>sentranhadas<br />
dos autos, na esteira do que <strong>de</strong>termina o inciso LVI do art. 5º da Constituição da República.<br />
Prece<strong>de</strong>ntes. 2. A ilicitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma prova não contamina os <strong>de</strong>mais elementos cognitivos obtidos e<br />
que <strong>de</strong>la não <strong>de</strong>rivaram. Prece<strong>de</strong>ntes. 3. O tempo das escutas telefônicas autorizadas e o número <strong>de</strong><br />
terminais alcançados subordinam-se à necessida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> investigatória e ao princípio da<br />
razoabilida<strong>de</strong>, não havendo limitações legais pre<strong>de</strong>terminadas. Prece<strong>de</strong>ntes. 4. Eventuais<br />
<strong>de</strong>ficiências qualitativas na tradução do material <strong>de</strong>gravado não invalidam a prova regularmente<br />
colhida, <strong>de</strong>vendo o tema ser tratado no curso da instrução da ação penal, consi<strong>de</strong>rados os limites do<br />
habeas corpus. 5. Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>negada. HC 106244 / RJ - RIO DE JANEIRO Relator(a): Min. CÁRMEN<br />
LÚCIA Julgamento: 17/05/2011 Órgão Julgador: Primeira Turma<br />
Ementa<br />
305 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais.<br />
3. ed. revista e atualizada. São Paulo: Atlas S.A., 2012. p. 161.
1<strong>26</strong><br />
5 ASPECTOS PROCESSUAIS DA PRODUÇÃO NA PROVA NO CRIME DE<br />
LAVAGEM DE CAPITAIS<br />
5.1 Disposições processuais especiais<br />
A partir <strong>de</strong> seu artigo 2º, a Lei 9613/1998 estabelece regras processuais para<br />
a formação da prova dos crimes <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais, que afastam a aplicação do<br />
Código <strong>de</strong> Processo Penal. Todavia, <strong>de</strong> acordo com o art. 17-A, “aplicam-se,<br />
subsidiariamente, as disposições do Decreto-Lei no 3.689, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1941<br />
(Código <strong>de</strong> Processo Penal), no que não forem incompatíveis com esta Lei”.<br />
Com a edição da Lei 12.683/2012 diversas alterações na redação original<br />
forma promovidas, tais como a possibilida<strong>de</strong> do Delegado <strong>de</strong> Polícia e o membro do<br />
Ministério Público terem acesso aos dados cadastrais do investigado que informam<br />
qualificação pessoal, filiação e en<strong>de</strong>reço, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> autorização<br />
judicial, alienação antecipada <strong>de</strong> bens, <strong>de</strong>ntre outros.<br />
Neste item não se tem por escopo analisar todos os aspectos processuais<br />
relativos à persecução penal da lavagem <strong>de</strong> capitais, mas apenas relativos à<br />
formação da prova especificamente.<br />
5.2 Do Procedimento aplicável e ação penal<br />
De acordo com o artigo 2º, inciso I da Lei 9613/1998, aos crimes <strong>de</strong> lavagem<br />
<strong>de</strong> dinheiro aplicam-se as disposições relativas ao procedimento comum dos crimes<br />
punidos com reclusão, da competência do juiz singular.<br />
Bottini e Badaró 306 sustentam que no caso <strong>de</strong> conexão entre o processo por<br />
crime <strong>de</strong> lavagem (procedimento comum ordinário) e processo submetido a rito<br />
especial, <strong>de</strong>ve prevalecer o primeiro por ser mais amplo.<br />
A ação penal será sempre pública e incondicionada.<br />
306 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BARARÓ, Gistavo Henrique. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: aspectos penais e<br />
processuais penais: comentários à Lei 9613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2012. p. 181-182.
127<br />
5.3 Autonomia do processo e competência para julgamento<br />
Dispõe o artigo 2º, inciso II da Lei 9613/1998 que in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do processo e<br />
julgamento das infrações penais antece<strong>de</strong>ntes, ainda que praticados em outro país,<br />
cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a <strong>de</strong>cisão sobre a<br />
unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> processo e julgamento 307 .<br />
O crime <strong>de</strong> “lavagem” pressupõe a existência <strong>de</strong> uma infração penal anterior<br />
(crime ou contravenção), <strong>de</strong> modo que aquele é acessório em relação à este, sendo<br />
que “do ponto <strong>de</strong> vista processual, essa relação <strong>de</strong> acessorieda<strong>de</strong> caracteriza uma<br />
questão prejudicial, isto é, é uma questão que se coloca em relação a outra, por<br />
meio <strong>de</strong> vínculo <strong>de</strong> subordinação 308 ”, todavia, não havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
suspensão do processo, em face da autonomia material do crime <strong>de</strong> “lavagem”.<br />
Assim, é necessária a <strong>de</strong>monstração da existência <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito anterior do qual se<br />
originou bens, direitos ou valores a serem lavados. Nesse caso não há aplicação<br />
dos artigos 92 e 93 do Código <strong>de</strong> Processo Penal, uma vez que o primeiro trata do<br />
estado civil das pessoas e o segundo sobre a competência do juízo cível, não<br />
afastando, contudo, as regras <strong>de</strong> conexão e continência previstas no citado<br />
código 309 .<br />
307 De acordo com BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas:<br />
com comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 194, “Pon<strong>de</strong>ra-se no sentido <strong>de</strong> que a interpretação a ser dada a este dispositivo<br />
não é a <strong>de</strong> que a lei veda a reunião <strong>de</strong> processos. É temerário concluir que essa autonomia seja<br />
absoluta, irrestrita e incondicional. Na verda<strong>de</strong>, a in<strong>de</strong>pendência do processo criminal <strong>de</strong> “lavagem”<br />
em relação a qualquer um dos crimes básicos é relativa. Isto significa dizer que, emborasejam<br />
processos autônomos, sempre <strong>de</strong>verá existir entre eles um elo <strong>de</strong> conexão que atenda ao<br />
pressuposto do crime <strong>de</strong> “lavagem”, posto ser condição essencial para o recebimento da <strong>de</strong>núncia o<br />
fato <strong>de</strong> ela ser instruída com indícios suficientes da existência do crime antece<strong>de</strong>nte”<br />
308 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BARARÓ, Gistavo Henrique. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: aspectos penais e<br />
processuais penais: comentários à Lei 9613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2012. p. 181-183.<br />
309 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BARARÓ, Gistavo Henrique. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: aspectos penais e<br />
processuais penais: comentários à Lei 9613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2012. p. 185 afirma que a Lei <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro não tratou da “ influência<br />
da coisa julgada já formada em processo que tinha por objeto a infração antece<strong>de</strong>nte po<strong>de</strong>rá ter na<br />
instauração ou no resultado final <strong>de</strong> subsequente processo pelo crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro.” Como<br />
não há código <strong>de</strong> processo penal regra expressa sobre os limites da coisa julgada em relação ao fato<br />
principal, utiliza-se o fato criminoso <strong>de</strong>scrito na sentença, sua caracterização e autor como limites<br />
objetivos da coisa julgada. Se houver absolvição (por motivação do in dubio pro reo ou pela negativa<br />
da ocorrência do <strong>de</strong>lito) no crime antece<strong>de</strong>nte por inexistência do fato, atipicida<strong>de</strong> e exclu<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
ilicitu<strong>de</strong> não haverá a caracterização da lavagem <strong>de</strong> dinheiro, com projeção da coisa julgada na causa<br />
prejudicial, impedidndo o processo por lavagem.
128<br />
No que tange à competência para julgamento os crimes <strong>de</strong> “lavagem”,<br />
verifica-se que a competência da Justiça Estadual é residual 310 , na medida em que<br />
dispõe o inciso III do artigo 2º da Lei 9613/1998 que são da competência da Justiça<br />
Fe<strong>de</strong>ral: a) quando praticados contra o sistema financeiro e a or<strong>de</strong>m econômicofinanceira,<br />
ou em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> bens, serviços ou interesses da União, ou <strong>de</strong> suas<br />
entida<strong>de</strong>s autárquicas ou empresas públicas; b) quando a infração penal<br />
antece<strong>de</strong>nte for <strong>de</strong> competência da Justiça Fe<strong>de</strong>ral 311 .<br />
Questão interessante surge quando o <strong>de</strong>lito antece<strong>de</strong>nte for uma<br />
contravenção penal, uma vez que a Lei 12.683/2012 suprimiu o rol <strong>de</strong> crimes<br />
antece<strong>de</strong>ntes. Verifica-se que apesar da nova redação do artigo 1º da Lei 9613/1998<br />
(abrangendo como <strong>de</strong>lito antece<strong>de</strong>nte tanto os crimes quanto as contravenções), a<br />
Justiça Fe<strong>de</strong>ral não processa e julga contravenções penais (conforme <strong>de</strong>finido pela<br />
Constituição da República) não po<strong>de</strong>ndo ter ampliada a competência por força <strong>de</strong><br />
norma infraconstitucional.<br />
5.4 A <strong>de</strong>núncia no crime <strong>de</strong> lavagem<br />
5.4.1 A questão da acusação genérica nos crimes societários<br />
A acusação genérica po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida simploriamente como aquela em que<br />
não é imputada individualmente, nem com as circunstancias necessárias à conduta<br />
310<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 202-203 lembra que a o objetivo da lei <strong>de</strong> “lavagem” não é apenas proteger o<br />
sistema financeiro e a or<strong>de</strong>m econômico-financeira, lembrado, por exemplo, que o crime <strong>de</strong> “lavagem”<br />
<strong>de</strong>rive <strong>de</strong> crime contra a administração municipal e estadual.<br />
311 Dispõe o art. 109, incisos IV a X da Constituição da República <strong>de</strong> 1988: Aos juízes fe<strong>de</strong>rais compete<br />
processar e julgar: (...) IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong><br />
bens, serviços ou interesse da União ou <strong>de</strong> suas entida<strong>de</strong>s autárquicas ou empresas públicas,<br />
excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; V -<br />
os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o<br />
resultado tenha ou <strong>de</strong>vesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; V-A as causas relativas a<br />
direitos humanos a que se refere o § 5º <strong>de</strong>ste artigo; VI - os crimes contra a organização do trabalho<br />
e, nos casos <strong>de</strong>terminados por lei, contra o sistema financeiro e a or<strong>de</strong>m econômico-financeira; VII -<br />
os "habeas-corpus", em matéria criminal <strong>de</strong> sua competência ou quando o constrangimento provier<br />
<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição; VIII - os mandados <strong>de</strong><br />
segurança e os "habeas-data" contra ato <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral, excetuados os casos <strong>de</strong> competência<br />
dos tribunais fe<strong>de</strong>rais; IX - os crimes cometidos a bordo <strong>de</strong> navios ou aeronaves, ressalvada a<br />
competência da Justiça Militar; X - os crimes <strong>de</strong> ingresso ou permanência irregular <strong>de</strong> estrangeiro, a<br />
execução <strong>de</strong> carta rogatória, após o "exequatur", e <strong>de</strong> sentença estrangeira, após a homologação, as<br />
causas referentes à nacionalida<strong>de</strong>, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
129<br />
criminosa ao acusado. Prates 312 clareia o assunto dizendo que na <strong>de</strong>núncia “narrase<br />
o genericamente o fato <strong>de</strong>lituoso e atribui-se a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le aos<br />
mandatários da socieda<strong>de</strong>, sem, porém, precisar da participação individual no ilícito<br />
praticado em nome ou em proveito da socieda<strong>de</strong>” 313 .<br />
Uma vez apresentado o conceito, cabe informar que a noção <strong>de</strong> acusação<br />
genérica está entre os conceitos <strong>de</strong>nominados vagos no mundo jurídico. Nas<br />
palavras <strong>de</strong> Prates 314 , “o conceito <strong>de</strong> acusação genérica configura-se como uma<br />
antítese ao <strong>de</strong> acusação circunstanciada”.<br />
5.4.2 A acusação – Sua importância e correlação com a sentença<br />
O Brasil adota o sistema processual penal acusatório, que contrariamente ao<br />
sistema inquisitivo, possui uma nítida diferenciação das funções <strong>de</strong> acusar, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />
e julgar. Não cabe ao juiz a instauração do processo <strong>de</strong> ofício, necessitando assim<br />
<strong>de</strong> uma provocação.<br />
A relação jurídica processual só se instaura mediante o recebimento da peça<br />
acusatória, a qual se manifesta como um <strong>de</strong>lineamento <strong>de</strong> sentença, pois ela<br />
312 PRATES, Renato Martins. Acusação genérica em crimes societários. Belo Horizonte: Del Rey,<br />
2000. p. 17.<br />
313 PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.<br />
TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NULIDADE. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA<br />
DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. CRIME DE AUTORIA COLETIVA. INDIVIDUALIZAÇÃO<br />
MINUCIOSA DAS CONDUTAS. DESNECESSIDADE. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP<br />
PREENCHIDOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE.<br />
1. Segundo a novel orientação <strong>de</strong>sta Corte Superior, ratificada pela Jurisprudência do Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, não se conhece <strong>de</strong> habeas corpus impetrado em substituição ao cabível recurso<br />
constitucional. 2. A ina<strong>de</strong>quação da via eleita, todavia, não <strong>de</strong>sobriga esta Corte Superior <strong>de</strong> fazer<br />
cessar manifesta ilegalida<strong>de</strong> que resulte no cerceamento do direito <strong>de</strong> ir e vir do paciente.<br />
Inexistência, in casu, <strong>de</strong> constrangimento ilegal. 3. "1. Não po<strong>de</strong> ser acoimada <strong>de</strong> inepta a <strong>de</strong>núncia<br />
formulada em obediência aos requisitos traçados no art. 41 do Código <strong>de</strong> Processo Penal,<br />
<strong>de</strong>screvendo perfeitamente os fatos típicos imputados, crimes em tese, com todas as suas<br />
circunstâncias, atribuindo-os ao paciente, terminando por classificá-los, ao indicar os ilícitos<br />
supostamente infringidos. 2. Se a vestibular acusatória narra em que consistiu a ação criminosa do<br />
réu nos <strong>de</strong>litos em que lhe incursionou, permitindo o exercício da ampla <strong>de</strong>fesa, é inviável acolher-se<br />
a pretensão <strong>de</strong> invalida<strong>de</strong> da peça vestibular. 3. A <strong>de</strong>núncia, nos crimes <strong>de</strong> autoria coletiva, embora<br />
não possa ser <strong>de</strong> todo genérica, é válida quando, apesar <strong>de</strong> não <strong>de</strong>screver, minuciosamente, as<br />
atuações individuais dos acusados, <strong>de</strong>monstra um liame entre o agir do paciente e a suposta prática<br />
<strong>de</strong>lituosa, estabelecendo a plausibilida<strong>de</strong> da imputação e possibilitando o exercício da ampla <strong>de</strong>fesa,<br />
caso em que se enten<strong>de</strong> preenchidos os requisitos do art. 41 do Código <strong>de</strong> Processo Penal<br />
(Prece<strong>de</strong>ntes)". (HC n. 199.190/AC, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 29/6/2011). 4. Habeas<br />
corpus não conhecido. HC 143733 / SC HABEAS CORPUS<br />
2009/0148833-8 Relatora Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA<br />
CONVOCADA DO TJ/PE)<br />
314 PRATES, Renato Martins. Acusação genérica em crimes societários. Belo Horizonte: Del Rey,<br />
2000. p. 18.
130<br />
<strong>de</strong>screve os limites da li<strong>de</strong>. Mesmo possuindo natureza jurídica diversa da sentença,<br />
a acusação <strong>de</strong>ve ser, assim como esta <strong>de</strong>vidamente fundamentada.<br />
É uma garantia constitucional a relação entre a imputação e a sentença,<br />
tendo em vista o consagrado principio do nulla poena sine judicio. Ora, o acusado<br />
não po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r daquilo que não é objeto do processo, ferindo-se assim a<br />
ampla <strong>de</strong>fesa e o contraditório.<br />
No processo penal a acusação é formalizada através da <strong>de</strong>núncia ou da<br />
queixa, não necessitando que o pedido seja certo e <strong>de</strong>terminado como na esfera<br />
cível. Ao acusador cabe <strong>de</strong>screver os fatos e postular a punição, a i<strong>de</strong>ntificação legal<br />
final do crime cabe ao julgador.<br />
Em âmbito penal a proibição da sentença extra ou ultra petita diz respeito à<br />
imputação do <strong>de</strong>lito, não ao pedido <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação. O juiz está adstrito à <strong>de</strong>scrição<br />
dos fatos que revelam a conduta do acusado no julgamento.<br />
5.4.3 Requisitos formais da acusação: As circunstancias do fato <strong>de</strong>lituoso<br />
A acusação po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida como imputar a alguém o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> ato<br />
criminoso. Para que o acusado possa se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r dos fatos que lhe foram<br />
imputados, se faz necessária a <strong>de</strong>scrição da conduta do acusado <strong>de</strong> forma clara e<br />
precisa.<br />
Sem uma <strong>de</strong>scrição fática dos <strong>de</strong>litos o pedido per<strong>de</strong> sua essência, pois o fato<br />
e suas circunstancias são a razão do pedido acusatório. O artigo 41 do Código <strong>de</strong><br />
Processo Penal 315 dispõe expressamente essa necessida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ndo acarretar a<br />
nulida<strong>de</strong> do processo por inépcia da peça acusatória.<br />
A peça acusatória <strong>de</strong>ve indicar não só a ação transitiva como a pessoa que a<br />
pratica, os meios empregados, o malefício produzido, os motivos que a<br />
<strong>de</strong>terminaram a isso, a maneira que praticou, o lugar que praticou e o tempo.<br />
A lei penal <strong>de</strong>screve <strong>de</strong> forma abstrata as condutas criminosas, com<br />
elementos objetivos e subjetivos. O fato é que em sempre esses elementos estão a<br />
disposição do acusador para formular a <strong>de</strong>núncia.<br />
315 Artigo 41 do Código <strong>de</strong> Processo Penal assim preceitua: A <strong>de</strong>núncia ou queixa conterá a exposição<br />
do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos<br />
pelos quais se possa i<strong>de</strong>ntificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das<br />
testemunhas.
131<br />
Quanto as <strong>de</strong>nominadas circunstancias que legais que po<strong>de</strong>m apenas influir<br />
na dosimetria da pena, “não são necessárias na <strong>de</strong>scrição do <strong>de</strong>lito, porque <strong>de</strong>vem<br />
ser consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong> oficio pelo juiz na sentença” 316 .<br />
Todavia, não acabe ao acusador a mera reprodução da letra da lei, ele <strong>de</strong>ve<br />
precisar a conduta dos acusados <strong>de</strong> maneira que possibilite o exercício do direito <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> modo efetivo. A correção da <strong>de</strong>núncia ou queixa, só é possível, no<br />
<strong>de</strong>correr da ação penal, em falha pertinente a formalida<strong>de</strong> secundaria.<br />
5.4.4 Requisitos substanciais da <strong>de</strong>núncia<br />
Mesmo com a presença dos requisitos formais, o processo penal não po<strong>de</strong><br />
ser iniciado sem um embasamento probatório. Sem ele a acusação po<strong>de</strong> ser<br />
consi<strong>de</strong>rada abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. A ausência <strong>de</strong> provas, mesmo que mínimas, sobre a<br />
materialida<strong>de</strong> e a autoria, apontam a ausência <strong>de</strong> justa causa para a instauração do<br />
processo.<br />
Nos crimes societários não é <strong>de</strong> forma diversa, pois “a atribuição a alguém <strong>de</strong><br />
um fato <strong>de</strong>lituoso, não po<strong>de</strong> se fazer sem que esteja embasada em elementos <strong>de</strong><br />
prova 317 ”. O inquérito policial se faz fundamental para o colhimento <strong>de</strong> tais<br />
elementos, os indicativos <strong>de</strong> autoria e materialida<strong>de</strong>.<br />
5.4.5 Indícios, presunções e acusação nos crimes societários<br />
A utilização <strong>de</strong> indícios e presunções é generalizada, através <strong>de</strong>les chega-se<br />
a um juízo <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> acerca <strong>de</strong> um fato em todos os ramos do direito. Uma<br />
vez que a <strong>de</strong>núncia ou queixa tenha por base elementos fáticos, torna-se vital a<br />
apresentação <strong>de</strong> indícios e presunções para sustentá-la.<br />
No que tange aos crimes societários, a presunção é estabelecida a partir dos<br />
atos constitutivos da pessoa jurídica. Prates assinala que “po<strong>de</strong>-se formar, a partir<br />
do contrato social ou dos estatutos, um juízo <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> positivo ou negativo<br />
acerca da participação <strong>de</strong> cada um dos integrantes da socieda<strong>de</strong> no fato criminoso”.<br />
316 PRATES, Renato Martins. Acusação genérica em crimes societários. Belo Horizonte: Del Rey,<br />
2000. p. <strong>26</strong>.<br />
317 PRATES, Renato Martins. Acusação genérica em crimes societários. Belo Horizonte: Del Rey,<br />
2000. p. 28.
132<br />
Apesar do juízo <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> ser uma presunção juris tantum, levando-se<br />
em consi<strong>de</strong>ração o princípio constitucional da presunção <strong>de</strong> inocência, prevalece o<br />
status <strong>de</strong> não culpado ate o transito em julgado da sentença con<strong>de</strong>natória.<br />
Ao formular a <strong>de</strong>núncia ou queixa, o acusador <strong>de</strong>ve imputar ao acusado um<br />
fato típico, assim é <strong>de</strong>monstrada a base indiciária <strong>de</strong> suas assertivas, ou seja,<br />
elementos que indiquem a participação do acusado na prática <strong>de</strong>lituosa 318 .<br />
Contudo, cabe ressaltar que mesmo que haja uma responsabilida<strong>de</strong> civil<br />
firmada, esta não é por si só prova suficiente para a responsabilização penal.<br />
Segundo Prates 319 “a responsabilida<strong>de</strong> civil firmada pelo contrato social ou pelos<br />
estatutos é indicio, mas não prova perfeita, robusta e <strong>de</strong>finitiva da responsabilida<strong>de</strong><br />
criminal”.<br />
5.4.6 Os requisitos da <strong>de</strong>núncia na persecução dos crimes <strong>de</strong> “lavagem”<br />
De acordo com o artigo 2º, § 1º da Lei 9613/1988, a <strong>de</strong>núncia será instruída<br />
com indícios suficientes da existência da infração penal antece<strong>de</strong>nte, sendo puníveis<br />
os fatos previstos nesta Lei, ainda que <strong>de</strong>sconhecido ou isento <strong>de</strong> pena o autor, ou<br />
extinta a punibilida<strong>de</strong> da infração penal antece<strong>de</strong>nte.<br />
318 PENAL E PROCESSO PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO, CONTRA A ORDEM<br />
TRIBUTÁRIA E CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.<br />
ALEGAÇÃO DE INÉPCIA E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. EXAME<br />
APROFUNDADO DAS PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.<br />
1 - No que diz respeito à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conclusão do procedimento administrativo para o<br />
oferecimento da <strong>de</strong>núncia nos crimes contra a or<strong>de</strong>m tributária, observa-se que a matéria não foi<br />
examinada pelo Tribunal <strong>de</strong> origem, não po<strong>de</strong>ndo esta Corte enfrentá-la, sob pena <strong>de</strong> supressão <strong>de</strong><br />
instância. 2 - Quanto à alegada inépcia da <strong>de</strong>núncia, não vejo como reconhecê-la, pois a peça<br />
acusatória aten<strong>de</strong> aos requisitos do art. 41 do CPP, <strong>de</strong>screvendo todos os elementos indispensáveis<br />
à persecução penal, sendo evi<strong>de</strong>nte a tipicida<strong>de</strong> dos fatos ali narrados, assim também a existência <strong>de</strong><br />
indícios <strong>de</strong> autoria, bem como da materialida<strong>de</strong> dos crimes. 3 - Não merece abrigo também a<br />
alegação <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>núncia não <strong>de</strong>screve a conduta do paciente. Ao contrário do afirmado, a peça<br />
acusatória operou uma <strong>de</strong>scrição suficiente dos comportamentos do paciente tidos como <strong>de</strong>lituosos,<br />
possibilitando sua <strong>de</strong>fesa sem qualquer dificulda<strong>de</strong>. A<strong>de</strong>mais, esta Corte já firmou compreensão no<br />
sentido <strong>de</strong> que nos crimes societários, ou <strong>de</strong> autoria coletiva, admite-se que a <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong>screva a<br />
conduta dos acusados <strong>de</strong> forma mais ou menos genérica, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que atribua a todos a prática<br />
<strong>de</strong>lituosa e permita, por parte <strong>de</strong> cada um, o exercício da <strong>de</strong>fesa. 4 - O trancamento da ação penal<br />
por falta <strong>de</strong> justa causa revela-se prematuro, dado que na via estreita do habeas corpus não é<br />
possível o exame aprofundado da prova, o que ocorrerá por ocasião da sentença, quando se dirá se<br />
os <strong>de</strong>litos atribuídos ao paciente realmente ocorreram e se ele os cometeu. 5 - Habeas corpus<br />
parcialmente conhecido e <strong>de</strong>negado. HC 33232 / MS HABEAS CORPUS<br />
2004/0007975-7 Relator Ministro PAULO GALLOTTI .<br />
319 PRATES, Renato Martins. Acusação genérica em crimes societários. Belo Horizonte: Del Rey,<br />
2000. p. 33.
133<br />
O presente dispositivo <strong>de</strong>ve ser conjugado com o artigo 41 do Código <strong>de</strong><br />
Processo Penal, <strong>de</strong> modo que <strong>de</strong>ve ser verificado, além dos requisitos formais da<br />
<strong>de</strong>núncia, o nexo causal entre a ocultação ou dissimulação <strong>de</strong> bens, direitos ou<br />
valores e o(s) <strong>de</strong>lito(s) antece<strong>de</strong>nte(s) 320 .<br />
Para Barros 321 , a <strong>de</strong>núncia que trata do crime <strong>de</strong> “lavagem” não precisa<br />
<strong>de</strong>screver pormenorizadamente a conduta relativa ao crime anterior, mas narrar este<br />
<strong>de</strong> modo a <strong>de</strong>monstrar, através <strong>de</strong> indícios, a conexão com o processo da<br />
“lavagem”. Mas se em um único processo estiverem reunidas as provas do <strong>de</strong>lito<br />
antece<strong>de</strong>nte e da “lavagem”, então a <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>screver <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>talhada<br />
todos os <strong>de</strong>litos. Deve conter a <strong>de</strong>núncia a indicação da infração antece<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> provieram direta ou indiretamente os bens, direitos e valores, sob pena <strong>de</strong><br />
inviabilizar a ampla <strong>de</strong>fesa. 322 .<br />
Referindo à palavra “indício”, Bottini e Badaró 323 afirmam que esta não é<br />
utilizada no mesmo sentido do artigo 239 324 do Código <strong>de</strong> Processo Penal, mas<br />
320 HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.<br />
INVIABILIDADE. MEDIDA EXCEPCIONAL. 1. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NÃO OCORRÊNCIA.<br />
ACUSAÇÃO FUNDADA EM INDÍCIOS VEEMENTES DE CRIME ANTECEDENTE. 2. INÉPCIA DA<br />
DENÚNCIA. AUSÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE<br />
PROCESSO PENAL. EXPOSIÇÃO FÁTICA QUE PERMITE O COMPLETO EXERCÍCIO DO<br />
CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. 3. ORDEM DENEGADA.<br />
1. O trancamento da ação penal, por ser medida <strong>de</strong> exceção, somente cabe nas hipóteses em que<br />
se <strong>de</strong>monstrar, à luz da evidência, a atipicida<strong>de</strong> da conduta, a extinção da punibilida<strong>de</strong> ou outras<br />
situações comprováveis <strong>de</strong> plano, suficientes ao prematuro encerramento da persecução penal,<br />
hipóteses que não se verificam no presente caso. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
consolidou o entendimento <strong>de</strong> que é suficiente, para fins <strong>de</strong> oferecimento da <strong>de</strong>núncia referente ao<br />
<strong>de</strong>lito <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro, a utilização <strong>de</strong> prova indiciária para a comprovação da existência do<br />
<strong>de</strong>lito antece<strong>de</strong>nte. 3. Os fatos e conclusões apontados na inicial <strong>de</strong>screvem, satisfatoriamente, com<br />
base nos elementos até então conhecidos, um acordo <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s entre os acusados para a<br />
perpetração do <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro, com a <strong>de</strong>scrição individualizada da participação <strong>de</strong><br />
cada um dos envolvidos na prática <strong>de</strong>lituosa, <strong>de</strong> modo a permitir ao paciente o <strong>de</strong>sembaraçado<br />
exercício da ampla <strong>de</strong>fesa. 4. Habeas corpus <strong>de</strong>negado. HC 139940 / PE<br />
HABEAS CORPUS 2009/0120677-1 Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE<br />
321<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 206.<br />
322 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BARARÓ, Gistavo Henrique. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: aspectos penais e<br />
processuais penais: comentários à Lei 9613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2012. p. <strong>26</strong>7-<strong>26</strong>8.: “Assim, em relação ao crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro, não<br />
basta apenas repetir os termos da lei, como, por exemplo, que o acusado “Ocultou ou dissimulou a<br />
natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens, direitos ou valores<br />
provenientes, direta ou inidiretamente, <strong>de</strong> infração penal”. Em tal caso, a <strong>de</strong>núnica permanece no<br />
campo abstrato do preceito penal incriminador. Esquecendo-se que o fatoprocessual penal é um fato<br />
concreto, um acontecimento histórico, e não um tipo penal i<strong>de</strong>al”.<br />
323 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BARARÓ, Gistavo Henrique. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: aspectos penais e<br />
processuais penais: comentários à Lei 9613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2012. p. <strong>26</strong>1-<strong>26</strong>2.<br />
324 Art. 239. Consi<strong>de</strong>ra-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato,<br />
autorize, por indução, concluir-se a existência <strong>de</strong> outra ou outras circunstâncias.
134<br />
significando um início <strong>de</strong> prova do crime antece<strong>de</strong>nte, um juízo <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong><br />
sem <strong>de</strong>monstração da certeza <strong>de</strong> sua existência. Tem-se, assim, o mínimo para se<br />
caracterizar a justa causa para a ação penal no crime <strong>de</strong> lavagem 325 , <strong>de</strong>vendo haver<br />
suporte probatório em relação à existência <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito antece<strong>de</strong>nte, não se<br />
referindo a Lei 9613/1998 em indícios suficientes <strong>de</strong> autoria da infração da qual<br />
originou bens, valores ou direitos ilícitos.<br />
De acordo com Moro 3<strong>26</strong><br />
Portanto, para o recebimento da <strong>de</strong>núncia, basta a ‘prova indiciária’, ou<br />
seja, ainda não categórica, do crime antece<strong>de</strong>nte e a bem da verda<strong>de</strong>, do<br />
próprio crime <strong>de</strong> lavagem, como é a geral para o recebimento da <strong>de</strong>núncia<br />
em qualquer processo criminal. Já para a con<strong>de</strong>nação, será necessária<br />
prova categórica do crime <strong>de</strong> lavagem, o que inclui prova convincente <strong>de</strong><br />
que o objeto <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>lito é produto <strong>de</strong> crime antece<strong>de</strong>nte. Tal prova<br />
categórica po<strong>de</strong>, porém, ser constituída apenas <strong>de</strong> prova indireta.<br />
Nota-se pela redação do parágrafo em comento que a acessorieda<strong>de</strong> do<br />
crime <strong>de</strong> “lavagem” é restrita, não se chegando ao ponto que a infração antece<strong>de</strong>nte<br />
seja punível.<br />
325 4. A <strong>de</strong>núncia que <strong>de</strong>screve minuciosamente fatos que se subsumem ao disposto no art. 1º, VI, da Lei<br />
9.613/98, qual seja, o crime contra o sistema financeiro nacional, não é inepta, porquanto traz a<br />
narrativa dos crimes antece<strong>de</strong>ntes. Para a instauração da ação penal ou para o ato <strong>de</strong> recebimento<br />
da <strong>de</strong>núncia,não se faz necessária a certeza quanto aos crimes antece<strong>de</strong>ntes. 5. O processo e<br />
julgamento do crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro é regido pelo Princípio da Autonomia, não se exigindo,<br />
para que a <strong>de</strong>núncia que imputa ao réu o <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro seja consi<strong>de</strong>ra apta, prova<br />
concreta da ocorrência <strong>de</strong> uma das infrações penais exaustivamente previstas nos incisos I a VIII do<br />
art. 1º do referido diploma legal, bastando a existência <strong>de</strong> elementos indiciários <strong>de</strong> que o capital<br />
lavado tenha origem em algumas das condutas ali previstas. 6. A autonomia<br />
do crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro viabiliza inclusive a con<strong>de</strong>nação, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da existência <strong>de</strong><br />
processo pelo crime antece<strong>de</strong>nte. (...) 8. A doutrina do tema assenta: “Da própria redação do<br />
dispositivo <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-se que é suficiente a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> indícios da existência do crime<br />
antece<strong>de</strong>nte, sendo <strong>de</strong>snecessária a indicação da sua autoria. Portanto, a autoria ignorada ou<br />
<strong>de</strong>sconhecida do crime antece<strong>de</strong>nte não constitui óbice ao ajuizamento da ação<br />
pelo crime <strong>de</strong> lavagem. (...) Na verda<strong>de</strong>, a palavra ‘indício’ usada na Lei <strong>de</strong> Lavagem representa uma<br />
prova dotada <strong>de</strong> eficácia persuasiva atenuada (prova semiplena), não sendo apta, por si só, a<br />
estabelecer a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um fato, ou seja, no momento do recebimento da <strong>de</strong>núncia, é necessário<br />
um início <strong>de</strong> prova que indique a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que os bens, direitos ou valores ocultados sejam<br />
provenientes, direta ou indiretamente, <strong>de</strong> um dos crimes antece<strong>de</strong>ntes. Não é necessário <strong>de</strong>screver<br />
pormenorizadamente a conduta <strong>de</strong>lituosa relativa ao crime antece<strong>de</strong>nte, que po<strong>de</strong> inclusive sequer<br />
ser objeto <strong>de</strong>sse processo (art. 2º, II, da Lei 9.613/98), mas se afigura indispensável ao menos a sua<br />
<strong>de</strong>scrição resumida, evitando-se eventual argüição <strong>de</strong> inépcia da peça acusatória, ou até mesmo<br />
trancamento da ação penal por meio <strong>de</strong> habeas corpus.(...)O trancamento da ação penal só é cabível<br />
quando evi<strong>de</strong>nte está uma causa extintiva da punibilida<strong>de</strong>, o fato narrado é atípico e ressalta aos<br />
olhos, <strong>de</strong> plano, a ausência <strong>de</strong> justa causa para o seu prosseguimento, o que não se po<strong>de</strong>, na<br />
hipótese dos autos, se verificar sem aprofundamento na prova, situação totalmente incompatível com<br />
o writ. (...) HC 93368 / PR - PARANÁ HABEAS CORPUS Relator(a): Min. LUIZ FUX<br />
Julgamento: 09/08/2011.<br />
3<strong>26</strong> MORO, Sérgio Fernando. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 89.
135<br />
5.4.7 A prova do <strong>de</strong>lito antece<strong>de</strong>nte e con<strong>de</strong>nação por crime <strong>de</strong> “lavagem”<br />
No processo <strong>de</strong> lavagem, o juiz ao fundamentar a sentença con<strong>de</strong>natória,<br />
<strong>de</strong>ve <strong>de</strong>monstrar que está convencido da existência <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito antece<strong>de</strong>nte,<br />
indicando as provas nos autos que representam seu pensamento, apesar <strong>de</strong>ste, a<br />
infração antece<strong>de</strong>nte, não ser julgada no processo que apura a “lavagem”.<br />
Por seu turno, Bottini e Badaró 327 chamam a atenção para se para a<br />
con<strong>de</strong>nação por crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro basta indícios <strong>de</strong> prova do <strong>de</strong>lito<br />
antece<strong>de</strong>nte ou se <strong>de</strong>veria haver um juízo <strong>de</strong> certeza.<br />
Alicerçados no princípio da presunção <strong>de</strong> inocência, os autores que a<br />
con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong>ve exigir prova plena, afastando-se eventuais dúvidas sobre a<br />
existência do crime <strong>de</strong> “lavagem”, aplicando-se o princípio do in dubio pro reo 328 .<br />
Moro 329 afirma que o princípio da presunção <strong>de</strong> inocência é o princípio car<strong>de</strong>al<br />
do processo penal em um Estado Democrático <strong>de</strong> Direito. É o alicerce sobre o qual<br />
todo o sistema normativo processual penal é construído. Trata-se <strong>de</strong> uma presunção<br />
i<strong>de</strong>ntificada como standard <strong>de</strong> prova <strong>de</strong> modo que a responsabilida<strong>de</strong> penal sob ser<br />
imputada a alguém quando se estiver acima da dúvida razoável, ou seja, <strong>de</strong>ve estar<br />
fulcrada em prova categórica da referida responsabilida<strong>de</strong>. Impe<strong>de</strong> que o acusado<br />
ou investigado sofra sanções penais antes da con<strong>de</strong>nação.<br />
Havendo dúvidas sobre a existência do crime antece<strong>de</strong>nte, o magistrado<br />
<strong>de</strong>verá absolver o réu, por falta <strong>de</strong> provas, com base no in dubio pro reo 330 .<br />
5.5 Deferimento <strong>de</strong> medidas cautelares reais e os “indícios suficientes”<br />
Embora não seja objetivo <strong>de</strong>ste trabalho a análise das medidas cautelares<br />
<strong>de</strong>feridas ao logo das investigações <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro, sobre bens, direitos ou<br />
327 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BARARÓ, Gistavo Henrique. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: aspectos penais e<br />
processuais penais: comentários à Lei 9613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2012. p. <strong>26</strong>5-<strong>26</strong>6.<br />
328 Dispõe o artigo 5º, inciso LVII da Constituição da República: ninguém será consi<strong>de</strong>rado culpado até o<br />
trânsito em julgado <strong>de</strong> sentença penal con<strong>de</strong>natória;<br />
329 MORO, Sérgio Fernando. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 134, 148.<br />
330<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 210.
136<br />
valores para reparação do dano <strong>de</strong>corrente da infração penal antece<strong>de</strong>nte 331 , é preciso<br />
analisar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “indícios suficientes” <strong>de</strong> infração penal, prevista no caput do artigo 4º da<br />
Lei 9613/1998:<br />
O juiz, <strong>de</strong> ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante<br />
representação do <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia, ouvido o Ministério Público em 24<br />
(vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes <strong>de</strong> infração penal,<br />
po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>cretar medidas assecuratórias <strong>de</strong> bens, direitos ou valores do<br />
investigado ou acusado, ou existentes em nome <strong>de</strong> interpostas pessoas,<br />
que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei<br />
ou das infrações penais antece<strong>de</strong>ntes. (Redação dada pela Lei nº 12.683,<br />
<strong>de</strong> 2012)<br />
Inicialmente, <strong>de</strong>staca-se que o <strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong> tais medidas submete-se a um<br />
juízo da probabilida<strong>de</strong> do direito e não um juízo <strong>de</strong> certeza. Nessa linha, Bottini e<br />
Badaró 332 afirmam que o conceito <strong>de</strong> “indícios suficientes” <strong>de</strong>ve ser esclarecido à luz<br />
<strong>de</strong> standards probatórios ou mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> constatação, sendo que cabe ao legislador<br />
<strong>de</strong>finir um critério <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> acordo com a natureza do processo e ou do bem<br />
jurídico tutelado. Com isso cria-se um grau <strong>de</strong> convencimento a ser atingido pelo<br />
julgador (critérios <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão ou standard probatórios), os quais são mais elevados<br />
no processo penal em face do princípio da presunção <strong>de</strong> inocência, cabendo ao<br />
acusador toda a carga probatória.<br />
Numa escala crescente, po<strong>de</strong>-se trabalhar com “mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> constatação”<br />
ou “critérios <strong>de</strong> convencimento”, ou ainda “standards probatórios” variados:<br />
(i) simples “prepon<strong>de</strong>rância <strong>de</strong> provas” (prepon<strong>de</strong>rance evi<strong>de</strong>nce), que<br />
significa simplesmente a probalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um fato ter ocorrido; (ii) “prova clara<br />
e convincente” (clear and convincing evi<strong>de</strong>nce), que po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificada<br />
como probabilida<strong>de</strong> elevada; (iii) e “prova além da dúvida razoável” (beyond<br />
a reasonable doubt), como uma probabilida<strong>de</strong> elevadíssima, que muito se<br />
aproxima da certeza.<br />
Com isso há um escalonamento para o grau <strong>de</strong> convencimento do juiz em<br />
situações distintas ao longo do processo penal, que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um juízo <strong>de</strong><br />
probabilida<strong>de</strong> até provas que vão além da dúvida razoável, como po<strong>de</strong> ser visto nos<br />
331 As medidas cautelares reais previstas na Lei 9613/1998, com redação da Lei 1<strong>26</strong>83/2012 são:<br />
sequestro <strong>de</strong> bens, especialização e registro <strong>de</strong> hipoteca legal, arresto prévio à especialização e<br />
registro da hipoteca legal, arresto subsidiário <strong>de</strong> bens móveis, busca e apreensão.<br />
332 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BARARÓ, Gistavo Henrique. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: aspectos penais e<br />
processuais penais: comentários à Lei 9613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2012. p. 294-301.
137<br />
seguintes exemplos: Lei 7960/1989, artigo 1º, inciso III 333 , artigos 1<strong>26</strong> 334 , 149<br />
caput 335 , 312 336 e 413 caput 337 , todos do Código <strong>de</strong> Processo Penal. Com isso não é<br />
necessária a certeza da origem ilícita dos bens, direitos ou valores, mas indícios<br />
suficientes <strong>de</strong> tal origem.<br />
No que concerne à chamada inversão do ônus da prova, a qual estaria<br />
<strong>de</strong>scrita no § 2º do mencionado artigo 4º da Lei 9613/1998:<br />
O juiz <strong>de</strong>terminará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores<br />
quando comprovada a licitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua origem, mantendo-se a constrição dos<br />
bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e<br />
ao pagamento <strong>de</strong> prestações pecuniárias, multas e custas <strong>de</strong>correntes da<br />
infração penal.<br />
Segundo Barros 338 o objetivo aqui é distribuir o onus probandi conforme<br />
previsto no artigo 5º da Convenção <strong>de</strong> Viena, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma política criminal, on<strong>de</strong>,<br />
na esfera patrimonial, cabe ao réu afastar os indícios <strong>de</strong> origem ilícita <strong>de</strong> bens,<br />
direitos e valores. À Autorida<strong>de</strong> Policial e ao membro do Ministério Público, basta a<br />
<strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> indícios para a representação <strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> medidas cautelares<br />
reais. Mas ao Juiz cabe verificar a fumaça do bom direito e o perigo da <strong>de</strong>mora, não<br />
sendo necessária, nesta etapa, a <strong>de</strong>monstração da origem ilícita dos bens, direitos e<br />
333 Art. 1° Caberá prisão temporária:<br />
(...)<br />
III - quando houver fundadas razões, <strong>de</strong> acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, <strong>de</strong><br />
autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:<br />
334 Para a <strong>de</strong>cretação do seqüestro, bastará a existência <strong>de</strong> indícios veementes da proveniência ilícita<br />
dos bens.<br />
335<br />
Quando houver dúvida sobre a integrida<strong>de</strong> mental do acusado, o juiz or<strong>de</strong>nará, <strong>de</strong> ofício ou a<br />
requerimento do Ministério Público, do <strong>de</strong>fensor, do curador, do ascen<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, irmão ou<br />
cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.<br />
336 A prisão preventiva po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>cretada como garantia da or<strong>de</strong>m pública, da or<strong>de</strong>m econômica, por<br />
conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova<br />
da existência do crime e indício suficiente <strong>de</strong> autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, <strong>de</strong> 2011).<br />
337 O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialida<strong>de</strong> do fato e da<br />
existência <strong>de</strong> indícios suficientes <strong>de</strong> autoria ou <strong>de</strong> participação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, <strong>de</strong><br />
2008)<br />
338<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 238-239.
138<br />
valores investigados 339 .<br />
Todavia, Bottini e Badaró 340 negam que haja verda<strong>de</strong>ira inversão do ônus da<br />
prova, mas a mera possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> medidas cautelares <strong>de</strong> sequestro<br />
<strong>de</strong> bens ou <strong>de</strong> busca e apreensão, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja “indícios suficientes” <strong>de</strong><br />
proveniência ilícita”, baseada em juízo <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>. Todavia, ao acusado, para<br />
afastar esse juízo <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve haver <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> um juízo <strong>de</strong><br />
certeza baseado na prova da origem lícita dos bens, direitos e valores acautelados,<br />
o que já existia na legislação brasileira (artigos 1<strong>26</strong> e 130, inciso I 341 do Código <strong>de</strong><br />
Processo Penal).<br />
5.6 Métodos <strong>de</strong> investigação relacionados à lavagem <strong>de</strong> capitais<br />
A bisca por provas do cometimento do crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais po<strong>de</strong><br />
partir, basicamente, da ocorrência <strong>de</strong> um crime antece<strong>de</strong>nte, com vistas a i<strong>de</strong>ntificar<br />
o produto do ilícito (ocultado ou dissimulado) ou parte da notícia <strong>de</strong> uma operação<br />
suspeita, como a movimentação <strong>de</strong> somas vultosas por pessoas cuja renda mensal<br />
é incompatível ou transação bancária estrutura em artifícios para se evitar<br />
comunicações obrigatórias 342 . Em ambas as hipóteses, a suspeição <strong>de</strong> cometimento<br />
do crime <strong>de</strong> “lavagem” <strong>de</strong>corre do patrimônio e gastos incompatíveis com a renda<br />
<strong>de</strong>clarada do investigado.<br />
339<br />
BARROS, Marco Antônio <strong>de</strong>. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro e obrigações civis correlatas: com<br />
comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos<br />
Tribunais, 2007. p. 241-243, chama a atenção para o fato <strong>de</strong> que as medidas cautelares não<br />
possuem caráter absoluto e <strong>de</strong>finitivo, po<strong>de</strong>ndo ser revogadas no caso <strong>de</strong> prova da origem lícita dos<br />
bens, direitos e valores, bem como no caso <strong>de</strong> absolvição do réu: Consequentemente, ao atingir a<br />
fase final do processo, <strong>de</strong>verá o juiz olhar para trás e então sopesar se o que foi alegado pela<br />
acusação restou efetivamente comprovado. (...) É mister consi<strong>de</strong>rar, ainda, que se houver dúvida<br />
sobre a ilicitu<strong>de</strong> ou sobre a conexão do patrimônio com o crime antece<strong>de</strong>nte, do qual <strong>de</strong>riva o crime<br />
<strong>de</strong> “lavagem”, <strong>de</strong>verá o juiz reconhecer a primazia do axioma in dubio pro reo (...) Se a ação penal for<br />
julgada improce<strong>de</strong>nte os bens, direitos ou valores apreendidos ou sequestrados haverão <strong>de</strong> ser<br />
restituídos ao réu absolvido... se houver dúvida sobre quem seja o verda<strong>de</strong>iro dono, o juiz remeterá<br />
as partes para o juízo cível...<br />
340 BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BARARÓ, Gistavo Henrique. Lavagem <strong>de</strong> dinheiro: aspectos penais e<br />
processuais penais: comentários à Lei 9613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo:<br />
Revista dos Tribunais, 2012. p. 298-301.<br />
341<br />
Artigo 130: O seqüestro po<strong>de</strong>rá ainda ser embargado:<br />
I - pelo acusado, sob o fundamento <strong>de</strong> não terem os bens sido adquiridos com os proventos da<br />
infração;<br />
342 O Banco Central do Brasil editou Cartas-Circulares que regulamentam a comunicação <strong>de</strong> operações<br />
supeitas <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais. Disponível em:<br />
. Acesso em: 15 mai.2013.
139<br />
A Lei 9613/1998, em sua redação original, bem como após as alterações<br />
realizadas pela Lei 12.683/2012, a par dos instrumentos <strong>de</strong> investigação<br />
tradicionalmente empregados no processo penal brasileiro, busca se valer <strong>de</strong><br />
técnicas especiais para a apuração do <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro em face da<br />
sofisticação dos meios para cometimento <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>lito.<br />
Como <strong>de</strong>scrito nos itens anteriores, os lavadores têm se valido não só <strong>de</strong><br />
indivíduos especializados, transações financeiras complexas, como o próprio avanço<br />
da tecnologia tem permitido a rápida movimentação <strong>de</strong> valores com vistas a facilitar<br />
a ocultação e dissimulação <strong>de</strong> bens, direitos ou valores <strong>de</strong> origem ilícita. Quando<br />
praticada a “lavagem” por meio <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s empresárias, evi<strong>de</strong>nte se torna a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conhecer a estrutura social <strong>de</strong>sta, o grau <strong>de</strong> participação dos<br />
envolvidos, enfim, a engenharia complexa que visa ao ocultamento ou dissimulação<br />
<strong>de</strong> bens, direitos ou valores <strong>de</strong> origem ilícita.<br />
Os mo<strong>de</strong>rnos métodos <strong>de</strong> investigação muitas vezes são invasivos da<br />
intimida<strong>de</strong>, como é o caso das interceptações telefônicas e quebra <strong>de</strong> sigilo bancário<br />
e fiscal, mas têm se tornados cada vez mais frequentes e necessários ante a<br />
impossibilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> provas por meio <strong>de</strong> outras fontes, bem como pela<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agilida<strong>de</strong> das investigações 343 .<br />
A Convenção das Nações Unidas contra a crime organizado transnacional<br />
(promulgada no Brasil através do <strong>de</strong>creto nº 5015/2004 prevê em seu artigo 11, item<br />
2:<br />
Cada Estado Parte diligenciará para que qualquer po<strong>de</strong>r judicial<br />
discricionário conferido pelo seu direito interno e relativo a processos<br />
judiciais contra indivíduos por infrações previstas na presente Convenção<br />
seja exercido <strong>de</strong> forma a otimizar a eficácia das medidas <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e <strong>de</strong><br />
repressão <strong>de</strong>stas infrações, tendo na <strong>de</strong>vida conta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
exercer um efeito cautelar da sua prática.<br />
343 Determina a Lei 9613/1998: Art. 17-B. A autorida<strong>de</strong> policial e o Ministério Público terão acesso,<br />
exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e<br />
en<strong>de</strong>reço, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas<br />
empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores <strong>de</strong> internet e pelas<br />
administradoras <strong>de</strong> cartão <strong>de</strong> crédito. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
Art. 17-C. Os encaminhamentos das instituições financeiras e tributárias em resposta às or<strong>de</strong>ns judiciais<br />
<strong>de</strong> quebra ou transferência <strong>de</strong> sigilo <strong>de</strong>verão ser, sempre que <strong>de</strong>terminado, em meio informático, e<br />
apresentados em arquivos que possibilitem a migração <strong>de</strong> informações para os autos do processo<br />
sem redigitação. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012).
140<br />
5.6.1 Delação premiada<br />
Consiste em um utilizar como testemunha aquele participou da ação<br />
criminosa contra os outros <strong>de</strong>linquentes, em troca <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> pena ou mesmo<br />
sua isenção:<br />
A pena po<strong>de</strong>rá ser reduzida <strong>de</strong> um a dois terços e ser cumprida em regime<br />
aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> aplicá-la ou substituíla,<br />
a qualquer tempo, por pena restritiva <strong>de</strong> direitos, se o autor, coautor ou<br />
partícipe colaborar espontaneamente com as autorida<strong>de</strong>s, prestando<br />
esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à<br />
i<strong>de</strong>ntificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens,<br />
direitos ou valores objeto do crime. (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong><br />
2012) 344<br />
Trata-se <strong>de</strong> medida prevista também na Convenção das nações Unidas<br />
contra a corrupção, a qual prevê em seu artigo 37 que os Estado signatários<br />
adotarão medidas para em casos apropriados, a mitigação <strong>de</strong> pena <strong>de</strong> toda pessoa<br />
acusada que preste cooperação substancial à investigação ou ao indiciamento dos<br />
<strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
Moro 345 propõe duas regras para o uso <strong>de</strong>sse instrumento <strong>de</strong> prova: primeiro<br />
o testemunho do criminoso <strong>de</strong>ve ser corroborado por outras provas para servir <strong>de</strong><br />
sustentação à acusação e à con<strong>de</strong>nação. Segundo, a <strong>de</strong>lação <strong>de</strong>ve permitir o<br />
progresso na investigação e da persecução da hierarquia <strong>de</strong>ntro da organização<br />
criminosa.<br />
5.6.2 Ação controlada, escutas ambientais e infiltração <strong>de</strong> agentes<br />
Prevista na lei 9034/1995, consiste em retardar a interdição policial do que se<br />
supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize<br />
no momento mais eficaz do ponto <strong>de</strong> vista da formação <strong>de</strong> provas e fornecimento <strong>de</strong><br />
informações 346 .<br />
344 Artigo 1º, §5º da Lei 9613/1998.<br />
345 MORO, Sérgio Fernando. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 111-112.<br />
346 Artigo 2º, inciso II da Lei 9034/1995.
141<br />
Também com redação semelhante, a Lei 9613/1998 prevê que a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />
prisão <strong>de</strong> pessoas ou as medidas assecuratórias <strong>de</strong> bens, direitos ou valores po<strong>de</strong>rão ser<br />
suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata pu<strong>de</strong>r<br />
comprometer as investigações 347 .<br />
No que concerne à infiltração <strong>de</strong> agentes <strong>de</strong>ntro da organização criminosa 348 , apesar<br />
relevância da medida, De Sanctis 349 critica a pouca utilida<strong>de</strong> prática da ação controlada,<br />
quando por meio <strong>de</strong> agente infiltrado, uma vez que a legislação não prevê questões como<br />
mudança <strong>de</strong> nome do infiltrado, da responsabilida<strong>de</strong> penal <strong>de</strong>sse enquanto “membro” da<br />
organização criminosa, <strong>de</strong>ntre outros. Além disso, o enunciado <strong>de</strong> súmula nº 145 do<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral prescreve que “não há crime, quando a preparação do<br />
flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.<br />
5.6.3 Quebras <strong>de</strong> sigilo<br />
A <strong>de</strong>fesa da intimida<strong>de</strong> é assegurada pela Constituição da República em seu artigo<br />
5º, inciso X 350 . Todavia, como todo direito fundamental, a intimida<strong>de</strong> não é absoluta, sendo<br />
necessária, muitas vezes, a sua violação em favor da repressão estatal do crime, pois o<br />
indivíduo não po<strong>de</strong> se amparar em uma garantia fundamental para a prática <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos.<br />
Diante da colisão <strong>de</strong> princípios (intimida<strong>de</strong> versus segurança), aplica-se a técnica da<br />
pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> interesses, prevalecendo portando, nesse caso, o interesse coletivo 351 .<br />
No auxílio das investigações, a quebra <strong>de</strong> sigilo po<strong>de</strong> incidir sobre informações<br />
financeiras 352 , bancárias, fiscais, telefônicas e <strong>de</strong> dados 353 , mostrando-se imprescindíveis,<br />
haja vista a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> provas por outros meios não invasivos.<br />
347 Artigo 4º-B, da Lei 9613/1998.<br />
348 Preve o artigo 2º, inciso V da Lei 9034/1995: “infiltração por agentes <strong>de</strong> polícia ou <strong>de</strong> inteligência, em<br />
tarefas <strong>de</strong> investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante<br />
circunstanciada autorização judicial”<br />
349 DE SANCTIS, Fausto Martin. Combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Teoria e prática. Campinas:<br />
Milliennium, 2008. p. 1<strong>26</strong>.<br />
350 são invioláveis a intimida<strong>de</strong>, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a<br />
in<strong>de</strong>nização pelo dano material ou moral <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> sua violação;<br />
351 DE SANCTIS, Fausto Martin. Combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Teoria e prática. Campinas:<br />
Milliennium, 2008. p. 131, afirma: “Não se olvida que no momento em que os direitos fundamentais<br />
sejam empregados como escudo para possibilitar o cometimento <strong>de</strong> práticas ilícitas, é correto que se<br />
dê prevalência a outros princípios constitucionais, implícitos ou explícitos, sobre tais direitos, sem que<br />
haja qualquer ofensa à or<strong>de</strong>m jurídica.”<br />
352 Dispõe a Lei complementar 101/2001, em seu artigo 1º, § 4º: “A quebra <strong>de</strong> sigilo po<strong>de</strong>rá ser<br />
<strong>de</strong>cretada, quando necessária para apuração <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> qualquer ilícito, em qualquer fase do<br />
inquérito ou do processo judicial...”<br />
353 Artigo, 5º, inciso XII da Constituição da Repúbica <strong>de</strong> 1988: XII - é inviolável o sigilo da<br />
correspondência e das comunicações telegráficas, <strong>de</strong> dados e das comunicações telefônicas, salvo,<br />
no último caso, por or<strong>de</strong>m judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins <strong>de</strong><br />
investigação criminal ou instrução processual penal;
142<br />
5.6.4 Comunicações ao COAF<br />
A lei 9613/1998 estabelece que <strong>de</strong>terminadas pessoas físicas ou jurídicas 354<br />
que tenham relação <strong>de</strong> forma principal ou acessória, em caráter permanente ou<br />
eventual, com ativida<strong>de</strong>s potencialmente ligadas à lavagem <strong>de</strong> dinheiro,<br />
comuniquem ativida<strong>de</strong>s suspeitas. São exemplos bolsas <strong>de</strong> valores, bolsas <strong>de</strong><br />
mercadorias ou seguradoras, empresas <strong>de</strong> arrendamento mercantil (leasing) e as <strong>de</strong><br />
fomento comercial (factoring), socieda<strong>de</strong>s que efetuem distribuição <strong>de</strong> dinheiro ou<br />
quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, <strong>de</strong>ntre outras.<br />
Tais pessoas, sob pena <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> administrativa, darão especial<br />
atenção às operações que, nos termos <strong>de</strong> instruções emanadas das autorida<strong>de</strong>s<br />
competentes, possam constituir-se em sérios indícios <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong><br />
dinheiro comunicando-as ao Conselho <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s financeiras-COAF.<br />
As operações tidas por suspeitas levarão em conta as partes envolvidas,<br />
valores, forma <strong>de</strong> realização, instrumentos utilizados, ou falta <strong>de</strong> fundamento econômico ou<br />
legal 355 .<br />
5.6.5 Cadastro Nacional <strong>de</strong> Correntistas<br />
Determina a Lei 9613/1998 em seu artigo 10-A que o Banco Central manterá<br />
registro centralizado formando o cadastro geral <strong>de</strong> correntistas e clientes <strong>de</strong><br />
instituições financeiras, bem como <strong>de</strong> seus procuradores.<br />
Segundo De Sanctis 356 , o objetivo é “permitir a i<strong>de</strong>ntificação do lugar on<strong>de</strong> os<br />
clientes <strong>de</strong> instituições mantêm contas <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósitos à vista, <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> poupança,<br />
<strong>de</strong>pósitos a prazo e outros bens...”, sem que haja informações <strong>de</strong> valores, o permite<br />
a rápida busca <strong>de</strong> informações relevantes. Para ele, os órgãos <strong>de</strong> investigação e o<br />
Ministério Público <strong>de</strong>veriam ter acesso a tal banco <strong>de</strong> dados, sem que isso<br />
caracterizasse violação constitucional ao direito ao sigilo (aplicação dos princípios da<br />
354 Relação constante do artigo 9º da Lei 9613/1998<br />
355 DE SANCTIS, Fausto Martin. Combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Teoria e prática. Campinas:<br />
Milliennium, 2008, p. 132-133, lembra que as comunicações feitas ao COAF se dão <strong>de</strong> forma<br />
eletrônica, garantindo agili<strong>de</strong>z a possível bloqueio <strong>de</strong> valores. No sítio do órgão, haverá o<br />
cadastramento da pessoa responsável pela comunicação <strong>de</strong> operação suspeita, a qual preencherá os<br />
campos com as informações requisitadas e da qual será emitido recibo eletrônico pelo Conselho.<br />
356 DE SANCTIS, Fausto Martin. Combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Teoria e prática. Campinas:<br />
Milliennium, 2008, p. 134-135.
143<br />
razoabilida<strong>de</strong> e proporcionalida<strong>de</strong> para a <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autorização judicial,<br />
sob pena <strong>de</strong> tornar inócua a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inteligência fiscal e financeira).<br />
5.6.6 INFOSEG e BACEN JUD<br />
A Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Integração Nacional <strong>de</strong> Informações <strong>de</strong> Segurança Pública, Justiça<br />
e Fiscalização – REDE INFOSEG tem sua origem na troca <strong>de</strong> informações <strong>de</strong><br />
interesse policial entre órgãos <strong>de</strong> segurança estaduais e fe<strong>de</strong>rais 357 .<br />
Acessível através da plataforma da internete, com a integração <strong>de</strong> bancos <strong>de</strong><br />
dados estaduais e fe<strong>de</strong>rais, permite a consulta <strong>de</strong> informações sobre cadastro <strong>de</strong><br />
pessoas físicas e jurídicas, armas, carteira nacional <strong>de</strong> habilitação, inquéritos<br />
policiais, mandados <strong>de</strong> prisão, <strong>de</strong>ntre outros.<br />
O BACEN JUD é um mecanismo <strong>de</strong> comunicação eletrônica entre o Po<strong>de</strong>r<br />
Judiciário e instituições financeiras bancárias, através do qual a justiça po<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminar o bloqueio, <strong>de</strong>sbloqueio e transferência <strong>de</strong> valores bloqueados ou a<br />
requisição <strong>de</strong> informações 358 .<br />
5.6.7 Cooperação internacional<br />
Em face da natureza transnacional do <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> capitais, implica a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> informações entre os órgãos <strong>de</strong> inteligência financeira <strong>de</strong><br />
diversos países. No caso brasileiro, o Conselho <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s<br />
Financeiras- COAF é a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inteligência financeira com a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
coor<strong>de</strong>nar e propor mecanismos <strong>de</strong> cooperação e <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> informações que<br />
viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação <strong>de</strong><br />
bens, direitos e valores 359 .<br />
Para operacionalizar os pedidos <strong>de</strong> cooperação jurídica internacional, o<br />
Departamento <strong>de</strong> Recuperação <strong>de</strong> Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do<br />
Ministério da Justiça 360 atua <strong>de</strong> forma centralizada, articulando órgãos fe<strong>de</strong>rais e<br />
estaduais no que se refere ao crime organizado transnacional e lavagem <strong>de</strong> capitais<br />
e promovendo a divulgação <strong>de</strong> informações sobre a recuperação <strong>de</strong> ativos.<br />
357 Disponível em: . Acesso em: 18 <strong>de</strong> mai. 2013<br />
358 Disponível em: . Acesso em: 18 <strong>de</strong> mai. 2013<br />
359 Artigo 14,§2º da Lei 9613/1998.<br />
360 Rol <strong>de</strong> competências está previsto no Decreto 6061/2007, Anexo I.
144<br />
5.7 Encontro fortuito <strong>de</strong> provas<br />
A questão que ora se apresenta refere-se à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> provas<br />
relacionadas a outros <strong>de</strong>litos que sejam encontradas durante uma <strong>de</strong>terminada<br />
investigação criminal serem aproveitadas em outro processo ou investigação<br />
criminal. Tais provas po<strong>de</strong>m ser encontradas <strong>de</strong> duas formas: através <strong>de</strong> um método<br />
<strong>de</strong> investigação restrito a <strong>de</strong>terminado crime (diverso daquele cuja prova se<br />
encontrou) ou quando sendo o mesmo método <strong>de</strong> investigação, as provas<br />
encontradas se relacionam a crimes outros que não motivaram a autorização<br />
judicial 361 .<br />
Ao enfrentar o tema, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u ser possível o uso<br />
da prova encontrada fortuitamente em face se sua compatibilida<strong>de</strong> com o artigo 5º,<br />
incisos XII e LVI, no caso <strong>de</strong> prova <strong>de</strong> um crime punido com <strong>de</strong>tenção e <strong>de</strong>scoberto<br />
durante uma interceptação telefônica autorizada judicialmente para apurar outro<br />
(punido com reclusão) 362 . Todavia, com relação aos <strong>de</strong>litos apenas com <strong>de</strong>tenção,<br />
se a sua <strong>de</strong>scoberta se <strong>de</strong>r em face interceptação telefônica, <strong>de</strong>ve haver conexão<br />
entre os crimes, para aproveitamento da prova do crime menos grave.<br />
Em acórdão proferido pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, admitiu-se a valida<strong>de</strong><br />
da prova colhida fortuitamente durante interceptação telefônica que apurava outro<br />
<strong>de</strong>lito, dispensando-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conexão entre os <strong>de</strong>litos (a própria lei <strong>de</strong><br />
9296/96 não exige entre <strong>de</strong>litos ali <strong>de</strong>scobertos) e pelo fato <strong>de</strong> que o estado não<br />
po<strong>de</strong> ficar inerte diante da notícia <strong>de</strong> prática criminosa futura, uma vez que 363 .<br />
361 MORO, Sérgio Fernando. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 122-123.<br />
362<br />
AI 6<strong>26</strong>214 AgR / MG - MINAS GERAIS Disponível em<br />
. Acesso em: 18 <strong>de</strong> mai. 2013<br />
363 Penal e processual penal. Habeas corpus substitutivo <strong>de</strong> recurso ordinário. art. 288 do código penal.<br />
Inépcia da <strong>de</strong>núncia oferecida em <strong>de</strong>sfavor dos pacientes baseada em material colhido durante a<br />
realização <strong>de</strong> interceptação telefônica para apurar a prática <strong>de</strong> crime diverso. encontro fortuito.<br />
Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração da conexão entre o crime inicialmente investigado e aquele<br />
fortuitamente <strong>de</strong>scoberto. I - Em princípio, havendo o encontro fortuito <strong>de</strong> notícia da prática futura <strong>de</strong><br />
conduta <strong>de</strong>lituosa, durante a realização <strong>de</strong> interceptação telefônica <strong>de</strong>vidamente autorizada pela<br />
autorida<strong>de</strong> competente, não se <strong>de</strong>ve exigir a <strong>de</strong>monstração da conexão entre o fato investigado e<br />
aquele <strong>de</strong>scoberto, a uma, porque a própria Lei nº 9.296/96 não a exige, a duas, pois o Estado não<br />
po<strong>de</strong> se quedar inerte diante da ciência <strong>de</strong> que um crime vai ser praticado e, a três, tendo em vista<br />
que se por um lado o Estado, por seus órgãos investigatórios, violou a intimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguém, o fez<br />
com respaldo constitucional e legal, motivo pelo qual a prova se consolidou lícita. II - A discussão a<br />
respeito da conexão entre o fato investigado e o fato encontrado fortuitamente só se coloca em se<br />
tratando <strong>de</strong> infração penal pretérita, porquanto no que concerne as infrações futuras o cerne da<br />
controvérsia se dará quanto a licitu<strong>de</strong> ou não do meio <strong>de</strong> prova utilizado e a partir do qual se tomou<br />
conhecimento <strong>de</strong> tal conduta criminosa. Habeas corpus <strong>de</strong>negado. HC 69552 / PR HABEAS<br />
CORPUS 2006/0241993-5. Relator Ministro FELIX FISCHER.
145<br />
Moro 364 propõe como regras para a admissão da utilização da prova<br />
encontrada fortuitamente o preenchimento dos requisitos legais da medida<br />
autorizada judicialmente (interceptação telefônica ou busca e apreensão por<br />
exemplo). Deve haver ainda boa fé por parte dos executores da medida, os quais<br />
<strong>de</strong>vem comunicar ao magistrado sobre o encontro fortuito, para que este possa<br />
permitir a utilização da prova ou esten<strong>de</strong>r eventual prorrogação da medida sobre o<br />
crime, cujas provas foram encontradas fortuitamente. Além disso, por uma questão<br />
<strong>de</strong> interesse público, é também possível o compartilhamento da prova (prova<br />
emprestada) <strong>de</strong>scoberta em investigação criminal para ser utilizada em processo<br />
administrativo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que preservado o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa 365 .<br />
364 MORO, Sérgio Fernando. Crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 128-130.<br />
365<br />
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PROVA<br />
EMPRESTADA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. 1. Não se<br />
vislumbra nos autos qualquer mácula no procedimento administrativo que culminou com a <strong>de</strong>missão<br />
dos ora impetrantes. Muito ao revés, verifica-se que restaram atendidos os princípios do contraditório<br />
e da ampla <strong>de</strong>fesa em sua plenitu<strong>de</strong>. 2. A jurisprudência do STJ está consolidada no sentido <strong>de</strong> que,<br />
respeitado o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa, é possível a utilização <strong>de</strong> prova emprestada,<br />
<strong>de</strong>vidamente autorizada na esfera criminal, como ocorreu na espécie. Prece<strong>de</strong>ntes. 3. Mandado <strong>de</strong><br />
segurança <strong>de</strong>negado. MS 142<strong>26</strong> / DF MANDADO DE SEGURANÇA<br />
2009/0053302-7 Relator Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO<br />
DO TJ/RJ).
146<br />
6 CONCLUSÃO<br />
A globalização e o multiculturalismo, com suas forças econômicas e<br />
tecnológicas, impuseram a internacionalização do Direito Penal para o combate<br />
daquelas infrações <strong>de</strong> caráter transnacional, tais como o tráfico <strong>de</strong> drogas, o<br />
terrorismo, e a própria lavagem <strong>de</strong> capitais, sendo o Direito Penal econômico um dos<br />
expoentes dos tempos mo<strong>de</strong>rnos, com progressiva uniformização <strong>de</strong> tipos penais e<br />
cooperação entre os órgãos <strong>de</strong> investigação.<br />
A alteração das relações econômicas, cada vez mais profundas e<br />
supranacionais, bem como o acentuado comércio internacional, vêm provocando<br />
mudanças <strong>de</strong> parâmetros no tange à aplicação do Direito Penal, em face <strong>de</strong> uma<br />
preocupação <strong>de</strong> larga escala, supra individual, com necessário questionamento<br />
sobre os limites constitucionais da imputação criminal. Para a efetivação da proteção<br />
da chamada socieda<strong>de</strong> do risco, a doutrina tem buscando respostas que trilham<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o caminho do abolicionismo, passando pelo da responsabilida<strong>de</strong> das pessoas<br />
jurídicas, o uso dos crimes <strong>de</strong> perigo abstrato e o chamado Direito Administrativopenal.<br />
Dentro <strong>de</strong> um contexto <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> da criminalida<strong>de</strong> econômica, em<br />
especial a lavagem <strong>de</strong> capitais, percebe-se que a empresa econômica ganha relevo<br />
no processo <strong>de</strong> globalização, on<strong>de</strong> meios eletrônicos permitem que gran<strong>de</strong>s<br />
conglomerados financeiros tomem <strong>de</strong>cisões que afetam economias <strong>de</strong> nações<br />
inteiras, com a consequente necessida<strong>de</strong> tutela penal para a repressão <strong>de</strong> condutas<br />
lesivas às economias e aos mercados. Na política criminal voltada ao combate da<br />
lavagem <strong>de</strong> capitais, outros agentes (que não apenas o sistema <strong>de</strong> justiça criminal),<br />
como os bancos, são chamados a colaborar no fornecimento <strong>de</strong> dados que levem<br />
i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> condutas com indícios <strong>de</strong> ocultação ou dissimulação <strong>de</strong> bens,<br />
direitos e valores <strong>de</strong> origem suspeita.<br />
São novos os <strong>de</strong>safios colocados pela nova criminalida<strong>de</strong> (sem rosto, sem<br />
fronteiras e silenciosa), os quais não po<strong>de</strong>m ser vencidos pelo direito penal e<br />
processual penal tradicionais (clássicos). Assim, novas medidas <strong>de</strong>vem ser tomadas,<br />
como o fato <strong>de</strong> o processo criminal sobre a lavagem <strong>de</strong> capitais possuir autonomia<br />
perante o processo que apura o crime antece<strong>de</strong>nte, para garantir agilida<strong>de</strong> na<br />
punição, sem, contudo, fazer <strong>de</strong>monstrar a prova da origem ilícita do bens, direitos
147<br />
ou valores, bem como fato <strong>de</strong> o acusado ter ciência <strong>de</strong>ssa origem espúria ou que<br />
assumiu o risco <strong>de</strong> produzir o resultado proibido. Nessa linha, o escopo é retirar<br />
obstáculos para acabar com esquemas montados com alta complexida<strong>de</strong>, pelos<br />
quais os <strong>de</strong>linquentes cometem suas ações livremente, <strong>de</strong> modo a esvaziar todo<br />
elemento <strong>de</strong> prova que possa implicá-los, uma vez que o crime <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong><br />
capitais envolve técnicas sofisticadas que visam <strong>de</strong>scaracterizar condutas e apagar<br />
rastros da origem ilícita dos bens, valores ou direitos <strong>de</strong> origem ilícita.<br />
O Processual Penal do Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> Direito exigem, para fins <strong>de</strong><br />
con<strong>de</strong>nação, provas acima <strong>de</strong> qualquer suspeita, além do que a <strong>de</strong>finição das<br />
condutas praticadas no seio <strong>de</strong> um ente coletivo <strong>de</strong>manda uma clara<br />
pormenorização para se evitar qualquer tipo <strong>de</strong> excesso por parte dos agentes<br />
estatais. Opção inversa permitiria a adoção da responsabilida<strong>de</strong> penal objetiva, algo<br />
inadmissível na atual fase em que se encontra a dogmática penal mo<strong>de</strong>rna.<br />
Em face da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma persecução apropriada contra a mo<strong>de</strong>rna<br />
criminalida<strong>de</strong>, faz-se obrigatório um processo que acompanhe a evolução da própria<br />
criminalida<strong>de</strong> (organizada, tecnológica e sem fronteiras) sem haver a supressão <strong>de</strong><br />
direitos e garantias fundamentais próprios do direito processual <strong>de</strong> cunho garantista.<br />
Não é possível que, diante da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contenção da criminalida<strong>de</strong><br />
econômica e em nome <strong>de</strong> suposta pacificação social, o Estado possa abrir suprimir<br />
direitos e garantias fundamentais. As exigências <strong>de</strong> controle penal <strong>de</strong>correntes da<br />
<strong>de</strong>fesa da or<strong>de</strong>m econômica <strong>de</strong>vem estar atreladas a uma adaptação da intervenção<br />
aos princípios constitucionais e não o oposto.<br />
Diante do fato <strong>de</strong> que a estrutura estatal permite uma interferência direta na<br />
esfera <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus cidadãos, os interesses <strong>de</strong>stes <strong>de</strong>vem estar inseridos no<br />
i<strong>de</strong>al normativo do Direito. Este, por seu turno, nos Estados <strong>de</strong>mocráticos <strong>de</strong>ve se<br />
conformar com a moral mínima <strong>de</strong> reconhecimento do respeito mutuo entre os seres<br />
humanos e submetido a rigorosas regras <strong>de</strong>ntro do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mocracia.
148<br />
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156<br />
ANEXOS<br />
LEI Nº 9.613, DE 3 DE MARÇO DE 1998.<br />
Vi<strong>de</strong> Decreto nº 2.799, <strong>de</strong> 1998<br />
O PRESIDENTE DA<br />
sanciono a seguinte Lei:<br />
Dispõe sobre os crimes <strong>de</strong> "lavagem" ou ocultação<br />
<strong>de</strong> bens, direitos e valores; a prevenção da utilização<br />
do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta<br />
Lei; cria o Conselho <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s<br />
Financeiras - COAF, e dá outras providências.<br />
REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional <strong>de</strong>creta e eu<br />
CAPÍTULO I<br />
Dos Crimes <strong>de</strong> "Lavagem" ou Ocultação <strong>de</strong> Bens, Direitos e Valores<br />
Art. 1 o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou<br />
proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, <strong>de</strong> infração<br />
penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
III - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
IV - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
V - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
VI - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
VII - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
VIII - (revogado). (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
Pena: reclusão, <strong>de</strong> 3 (três) a 10 (<strong>de</strong>z) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong><br />
2012)<br />
§ 1 o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização <strong>de</strong> bens, direitos ou<br />
valores provenientes <strong>de</strong> infração penal: (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
I - os converte em ativos lícitos;<br />
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em <strong>de</strong>pósito,<br />
movimenta ou transfere;<br />
III - importa ou exporta bens com valores não correspon<strong>de</strong>ntes aos verda<strong>de</strong>iros.<br />
§ 2 o Incorre, ainda, na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
I - utiliza, na ativida<strong>de</strong> econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes <strong>de</strong><br />
infração penal; (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)
157<br />
II - participa <strong>de</strong> grupo, associação ou escritório tendo conhecimento <strong>de</strong> que sua ativida<strong>de</strong><br />
principal ou secundária é dirigida à prática <strong>de</strong> crimes previstos nesta Lei.<br />
§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.<br />
§ 4 o A pena será aumentada <strong>de</strong> um a dois terços, se os crimes <strong>de</strong>finidos nesta Lei forem<br />
cometidos <strong>de</strong> forma reiterada ou por intermédio <strong>de</strong> organização criminosa. (Redação dada pela Lei nº<br />
12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 5 o A pena po<strong>de</strong>rá ser reduzida <strong>de</strong> um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou<br />
semiaberto, facultando-se ao juiz <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena<br />
restritiva <strong>de</strong> direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autorida<strong>de</strong>s,<br />
prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à i<strong>de</strong>ntificação dos<br />
autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do<br />
crime. (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
CAPÍTULO II<br />
Disposições Processuais Especiais<br />
Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:<br />
I – obe<strong>de</strong>cem às disposições relativas ao procedimento comum dos crimes punidos com<br />
reclusão, da competência do juiz singular;<br />
II - in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do processo e julgamento das infrações penais antece<strong>de</strong>ntes, ainda que<br />
praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a <strong>de</strong>cisão<br />
sobre a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> processo e julgamento; (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
III - são da competência da Justiça Fe<strong>de</strong>ral:<br />
a) quando praticados contra o sistema financeiro e a or<strong>de</strong>m econômico-financeira, ou em<br />
<strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> bens, serviços ou interesses da União, ou <strong>de</strong> suas entida<strong>de</strong>s autárquicas ou empresas<br />
públicas;<br />
b) quando a infração penal antece<strong>de</strong>nte for <strong>de</strong> competência da Justiça Fe<strong>de</strong>ral. (Redação dada<br />
pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 1 o A <strong>de</strong>núncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal<br />
antece<strong>de</strong>nte, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que <strong>de</strong>sconhecido ou isento <strong>de</strong> pena<br />
o autor, ou extinta a punibilida<strong>de</strong> da infração penal antece<strong>de</strong>nte. (Redação dada pela Lei nº 12.683,<br />
<strong>de</strong> 2012)<br />
§ 2 o No processo por crime previsto nesta Lei, não se aplica o disposto no art. 366 do Decreto-<br />
Lei nº 3.689, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1941 (Código <strong>de</strong> Processo Penal), <strong>de</strong>vendo o acusado que não<br />
comparecer nem constituir advogado ser citado por edital, prosseguindo o feito até o julgamento, com<br />
a nomeação <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor dativo. (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
Art. 3º (Revogado pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
Art. 4 o O juiz, <strong>de</strong> ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do<br />
<strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios<br />
suficientes <strong>de</strong> infração penal, po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>cretar medidas assecuratórias <strong>de</strong> bens, direitos ou valores do<br />
investigado ou acusado, ou existentes em nome <strong>de</strong> interpostas pessoas, que sejam instrumento,<br />
produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antece<strong>de</strong>ntes. (Redação<br />
dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)
158<br />
§ 1 o Proce<strong>de</strong>r-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que<br />
estiverem sujeitos a qualquer grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>terioração ou <strong>de</strong>preciação, ou quando houver dificulda<strong>de</strong><br />
para sua manutenção. (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 2 o O juiz <strong>de</strong>terminará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando<br />
comprovada a licitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores<br />
necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento <strong>de</strong> prestações pecuniárias, multas<br />
e custas <strong>de</strong>correntes da infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 3 o Nenhum pedido <strong>de</strong> liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado<br />
ou <strong>de</strong> interposta pessoa a que se refere o caput <strong>de</strong>ste artigo, po<strong>de</strong>ndo o juiz <strong>de</strong>terminar a prática <strong>de</strong><br />
atos necessários à conservação <strong>de</strong> bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no §<br />
1 o . (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 4 o Po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>cretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para<br />
reparação do dano <strong>de</strong>corrente da infração penal antece<strong>de</strong>nte ou da prevista nesta Lei ou para<br />
pagamento <strong>de</strong> prestação pecuniária, multa e custas. (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
Art. 4 o -A. A alienação antecipada para preservação <strong>de</strong> valor <strong>de</strong> bens sob constrição será<br />
<strong>de</strong>cretada pelo juiz, <strong>de</strong> ofício, a requerimento do Ministério Público ou por solicitação da parte<br />
interessada, mediante petição autônoma, que será autuada em apartado e cujos autos terão<br />
tramitação em separado em relação ao processo principal. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 1 o O requerimento <strong>de</strong> alienação <strong>de</strong>verá conter a relação <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>mais bens, com a<br />
<strong>de</strong>scrição e a especificação <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les, e informações sobre quem os <strong>de</strong>tém e local on<strong>de</strong> se<br />
encontram. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 2 o O juiz <strong>de</strong>terminará a avaliação dos bens, nos autos apartados, e intimará o Ministério<br />
Público. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 3 o Feita a avaliação e dirimidas eventuais divergências sobre o respectivo laudo, o juiz, por<br />
sentença, homologará o valor atribuído aos bens e <strong>de</strong>terminará sejam alienados em leilão ou pregão,<br />
preferencialmente eletrônico, por valor não inferior a 75% (setenta e cinco por cento) da<br />
avaliação. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 4 o Realizado o leilão, a quantia apurada será <strong>de</strong>positada em conta judicial remunerada,<br />
adotando-se a seguinte disciplina: (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
I - nos processos <strong>de</strong> competência da Justiça Fe<strong>de</strong>ral e da Justiça do Distrito Fe<strong>de</strong>ral: (Incluído<br />
pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
a) os <strong>de</strong>pósitos serão efetuados na Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral ou em instituição financeira<br />
pública, mediante documento a<strong>de</strong>quado para essa finalida<strong>de</strong>; (Incluída pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
b) os <strong>de</strong>pósitos serão repassados pela Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral ou por outra instituição<br />
financeira pública para a Conta Única do Tesouro Nacional, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> qualquer<br />
formalida<strong>de</strong>, no prazo <strong>de</strong> 24 (vinte e quatro) horas; e (Incluída pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
c) os valores <strong>de</strong>volvidos pela Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral ou por instituição financeira pública<br />
serão <strong>de</strong>bitados à Conta Única do Tesouro Nacional, em subconta <strong>de</strong> restituição; (Incluída pela Lei nº<br />
12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
II - nos processos <strong>de</strong> competência da Justiça dos Estados: (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong><br />
2012)<br />
a) os <strong>de</strong>pósitos serão efetuados em instituição financeira <strong>de</strong>signada em lei, preferencialmente<br />
pública, <strong>de</strong> cada Estado ou, na sua ausência, em instituição financeira pública da União; (Incluída<br />
pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
b) os <strong>de</strong>pósitos serão repassados para a conta única <strong>de</strong> cada Estado, na forma da respectiva<br />
legislação. (Incluída pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)
159<br />
§ 5 o Mediante or<strong>de</strong>m da autorida<strong>de</strong> judicial, o valor do <strong>de</strong>pósito, após o trânsito em julgado da<br />
sentença proferida na ação penal, será: (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
I - em caso <strong>de</strong> sentença con<strong>de</strong>natória, nos processos <strong>de</strong> competência da Justiça Fe<strong>de</strong>ral e da<br />
Justiça do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, incorporado <strong>de</strong>finitivamente ao patrimônio da União, e, nos processos <strong>de</strong><br />
competência da Justiça Estadual, incorporado ao patrimônio do Estado respectivo; (Incluído pela Lei<br />
nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
II - em caso <strong>de</strong> sentença absolutória extintiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, colocado à disposição do réu pela<br />
instituição financeira, acrescido da remuneração da conta judicial. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong><br />
2012)<br />
§ 6 o A instituição financeira <strong>de</strong>positária manterá controle dos valores <strong>de</strong>positados ou<br />
<strong>de</strong>volvidos. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 7 o Serão <strong>de</strong>duzidos da quantia apurada no leilão todos os tributos e multas inci<strong>de</strong>ntes sobre o<br />
bem alienado, sem prejuízo <strong>de</strong> iniciativas que, no âmbito da competência <strong>de</strong> cada ente da Fe<strong>de</strong>ração,<br />
venham a <strong>de</strong>sonerar bens sob constrição judicial daqueles ônus. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong><br />
2012)<br />
§ 8 o Feito o <strong>de</strong>pósito a que se refere o § 4 o <strong>de</strong>ste artigo, os autos da alienação serão<br />
apensados aos do processo principal. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 9 o Terão apenas efeito <strong>de</strong>volutivo os recursos interpostos contra as <strong>de</strong>cisões proferidas no<br />
curso do procedimento previsto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 10. Sobrevindo o trânsito em julgado <strong>de</strong> sentença penal con<strong>de</strong>natória, o juiz <strong>de</strong>cretará, em<br />
favor, conforme o caso, da União ou do Estado: (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
I - a perda dos valores <strong>de</strong>positados na conta remunerada e da fiança; (Incluído pela Lei nº<br />
12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
II - a perda dos bens não alienados antecipadamente e daqueles aos quais não foi dada<br />
<strong>de</strong>stinação prévia; e (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
III - a perda dos bens não reclamados no prazo <strong>de</strong> 90 (noventa) dias após o trânsito em julgado<br />
da sentença con<strong>de</strong>natória, ressalvado o direito <strong>de</strong> lesado ou terceiro <strong>de</strong> boa-fé. (Incluído pela Lei nº<br />
12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 11. Os bens a que se referem os incisos II e III do § 10 <strong>de</strong>ste artigo serão adjudicados ou<br />
levados a leilão, <strong>de</strong>positando-se o saldo na conta única do respectivo ente. (Incluído pela Lei nº<br />
12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 12. O juiz <strong>de</strong>terminará ao registro público competente que emita documento <strong>de</strong> habilitação à<br />
circulação e utilização dos bens colocados sob o uso e custódia das entida<strong>de</strong>s a que se refere<br />
o caput <strong>de</strong>ste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 13. Os recursos <strong>de</strong>correntes da alienação antecipada <strong>de</strong> bens, direitos e valores oriundos do<br />
crime <strong>de</strong> tráfico ilícito <strong>de</strong> drogas e que tenham sido objeto <strong>de</strong> dissimulação e ocultação nos termos<br />
<strong>de</strong>sta Lei permanecem submetidos à disciplina <strong>de</strong>finida em lei específica. (Incluído pela Lei nº 12.683,<br />
<strong>de</strong> 2012)<br />
Art. 4 o -B. A or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> prisão <strong>de</strong> pessoas ou as medidas assecuratórias <strong>de</strong> bens, direitos ou<br />
valores po<strong>de</strong>rão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução<br />
imediata pu<strong>de</strong>r comprometer as investigações. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
Art. 5 o Quando as circunstâncias o aconselharem, o juiz, ouvido o Ministério Público, nomeará<br />
pessoa física ou jurídica qualificada para a administração dos bens, direitos ou valores sujeitos a<br />
medidas assecuratórias, mediante termo <strong>de</strong> compromisso. (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong><br />
2012)
160<br />
Art. 6 o A pessoa responsável pela administração dos bens: (Redação dada pela Lei nº 12.683,<br />
<strong>de</strong> 2012)<br />
I - fará jus a uma remuneração, fixada pelo juiz, que será satisfeita com o produto dos bens<br />
objeto da administração;<br />
II - prestará, por <strong>de</strong>terminação judicial, informações periódicas da situação dos bens sob sua<br />
administração, bem como explicações e <strong>de</strong>talhamentos sobre investimentos e reinvestimentos<br />
realizados.<br />
Parágrafo único. Os atos relativos à administração dos bens sujeitos a medidas assecuratórias<br />
serão levados ao conhecimento do Ministério Público, que requererá o que enten<strong>de</strong>r<br />
cabível. (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
CAPÍTULO III<br />
Dos Efeitos da Con<strong>de</strong>nação<br />
Art. 7º São efeitos da con<strong>de</strong>nação, além dos previstos no Código Penal:<br />
I - a perda, em favor da União - e dos Estados, nos casos <strong>de</strong> competência da Justiça Estadual -,<br />
<strong>de</strong> todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes<br />
previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar a fiança, ressalvado o direito do lesado<br />
ou <strong>de</strong> terceiro <strong>de</strong> boa-fé; (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
II - a interdição do exercício <strong>de</strong> cargo ou função pública <strong>de</strong> qualquer natureza e <strong>de</strong> diretor, <strong>de</strong><br />
membro <strong>de</strong> conselho <strong>de</strong> administração ou <strong>de</strong> gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º, pelo<br />
dobro do tempo da pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> aplicada.<br />
§ 1 o A União e os Estados, no âmbito <strong>de</strong> suas competências, regulamentarão a forma <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stinação dos bens, direitos e valores cuja perda houver sido <strong>de</strong>clarada, assegurada, quanto aos<br />
processos <strong>de</strong> competência da Justiça Fe<strong>de</strong>ral, a sua utilização pelos órgãos fe<strong>de</strong>rais encarregados<br />
da prevenção, do combate, da ação penal e do julgamento dos crimes previstos nesta Lei, e, quanto<br />
aos processos <strong>de</strong> competência da Justiça Estadual, a preferência dos órgãos locais com idêntica<br />
função. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 2 o Os instrumentos do crime sem valor econômico cuja perda em favor da União ou do<br />
Estado for <strong>de</strong>cretada serão inutilizados ou doados a museu criminal ou a entida<strong>de</strong> pública, se houver<br />
interesse na sua conservação.(Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
CAPÍTULO IV<br />
Dos Bens, Direitos ou Valores Oriundos <strong>de</strong> Crimes Praticados no Estrangeiro<br />
Art. 8 o O juiz <strong>de</strong>terminará, na hipótese <strong>de</strong> existência <strong>de</strong> tratado ou convenção internacional e por<br />
solicitação <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> estrangeira competente, medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou<br />
valores oriundos <strong>de</strong> crimes <strong>de</strong>scritos no art. 1 o praticados no estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº<br />
12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> tratado ou convenção<br />
internacional, quando o governo do país da autorida<strong>de</strong> solicitante prometer reciprocida<strong>de</strong> ao Brasil.<br />
§ 2 o Na falta <strong>de</strong> tratado ou convenção, os bens, direitos ou valores privados sujeitos a medidas<br />
assecuratórias por solicitação <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> estrangeira competente ou os recursos provenientes da<br />
sua alienação serão repartidos entre o Estado requerente e o Brasil, na proporção <strong>de</strong> meta<strong>de</strong>,<br />
ressalvado o direito do lesado ou <strong>de</strong> terceiro <strong>de</strong> boa-fé. (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)
161<br />
CAPÍTULO<br />
(Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
V<br />
DAS PESSOAS SUJEITAS AO MECANISMO DE CONTROLE<br />
(Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
Art. 9 o Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que<br />
tenham, em caráter permanente ou eventual, como ativida<strong>de</strong> principal ou acessória, cumulativamente<br />
ou não: (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
I - a captação, intermediação e aplicação <strong>de</strong> recursos financeiros <strong>de</strong> terceiros, em moeda<br />
nacional ou estrangeira;<br />
II – a compra e venda <strong>de</strong> moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento<br />
cambial;<br />
III - a custódia, emissão, distribuição, liqüidação, negociação, intermediação ou administração <strong>de</strong><br />
títulos ou valores mobiliários.<br />
Parágrafo único. Sujeitam-se às mesmas obrigações:<br />
I – as bolsas <strong>de</strong> valores, as bolsas <strong>de</strong> mercadorias ou futuros e os sistemas <strong>de</strong> negociação do<br />
mercado <strong>de</strong> balcão organizado; (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
II - as seguradoras, as corretoras <strong>de</strong> seguros e as entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> previdência complementar ou <strong>de</strong><br />
capitalização;<br />
III - as administradoras <strong>de</strong> cartões <strong>de</strong> cre<strong>de</strong>nciamento ou cartões <strong>de</strong> crédito, bem como as<br />
administradoras <strong>de</strong> consórcios para aquisição <strong>de</strong> bens ou serviços;<br />
IV - as administradoras ou empresas que se utilizem <strong>de</strong> cartão ou qualquer outro meio<br />
eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência <strong>de</strong> fundos;<br />
V - as empresas <strong>de</strong> arrendamento mercantil (leasing) e as <strong>de</strong> fomento comercial (factoring);<br />
VI - as socieda<strong>de</strong>s que efetuem distribuição <strong>de</strong> dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis,<br />
mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam <strong>de</strong>scontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método<br />
assemelhado;<br />
VII - as filiais ou representações <strong>de</strong> entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das<br />
ativida<strong>de</strong>s listadas neste artigo, ainda que <strong>de</strong> forma eventual;<br />
VIII - as <strong>de</strong>mais entida<strong>de</strong>s cujo funcionamento <strong>de</strong>penda <strong>de</strong> autorização <strong>de</strong> órgão regulador dos<br />
mercados financeiro, <strong>de</strong> câmbio, <strong>de</strong> capitais e <strong>de</strong> seguros;<br />
IX - as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como<br />
agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por qualquer forma representem interesses <strong>de</strong><br />
ente estrangeiro que exerça qualquer das ativida<strong>de</strong>s referidas neste artigo;<br />
X - as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> promoção imobiliária ou compra e<br />
venda <strong>de</strong> imóveis; (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
XI - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem jóias, pedras e metais preciosos, objetos<br />
<strong>de</strong> arte e antigüida<strong>de</strong>s.
162<br />
XII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens <strong>de</strong> luxo ou <strong>de</strong> alto valor,<br />
interme<strong>de</strong>iem a sua comercialização ou exerçam ativida<strong>de</strong>s que envolvam gran<strong>de</strong> volume <strong>de</strong><br />
recursos em espécie; (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
XIII - as juntas comerciais e os registros públicos; (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços <strong>de</strong><br />
assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, <strong>de</strong> qualquer natureza,<br />
em operações: (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
a) <strong>de</strong> compra e venda <strong>de</strong> imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações<br />
societárias <strong>de</strong> qualquer natureza; (Incluída pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
b) <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> fundos, valores mobiliários ou outros ativos; (Incluída pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong><br />
2012)<br />
c) <strong>de</strong> abertura ou gestão <strong>de</strong> contas bancárias, <strong>de</strong> poupança, investimento ou <strong>de</strong> valores<br />
mobiliários; (Incluída pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
d) <strong>de</strong> criação, exploração ou gestão <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> qualquer natureza, fundações, fundos<br />
fiduciários ou estruturas análogas; (Incluída pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e (Incluída pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
f) <strong>de</strong> alienação ou aquisição <strong>de</strong> direitos sobre contratos relacionados a ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sportivas<br />
ou artísticas profissionais; (Incluída pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
XV - pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização,<br />
agenciamento ou negociação <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> atletas, artistas ou feiras, exposições ou<br />
eventos similares; (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
XVI - as empresas <strong>de</strong> transporte e guarda <strong>de</strong> valores; (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
XVII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens <strong>de</strong> alto valor <strong>de</strong> origem rural ou<br />
animal ou interme<strong>de</strong>iem a sua comercialização; e (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
XVIII - as <strong>de</strong>pendências no exterior das entida<strong>de</strong>s mencionadas neste artigo, por meio <strong>de</strong> sua<br />
matriz no Brasil, relativamente a resi<strong>de</strong>ntes no País. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
CAPÍTULO VI<br />
Da I<strong>de</strong>ntificação dos Clientes e Manutenção <strong>de</strong> Registros<br />
Art. 10. As pessoas referidas no art. 9º:<br />
I - i<strong>de</strong>ntificarão seus clientes e manterão cadastro atualizado, nos termos <strong>de</strong> instruções<br />
emanadas das autorida<strong>de</strong>s competentes;<br />
II - manterão registro <strong>de</strong> toda transação em moeda nacional ou estrangeira, títulos e valores<br />
mobiliários, títulos <strong>de</strong> crédito, metais, ou qualquer ativo passível <strong>de</strong> ser convertido em dinheiro, que<br />
ultrapassar limite fixado pela autorida<strong>de</strong> competente e nos termos <strong>de</strong> instruções por esta expedidas;<br />
III - <strong>de</strong>verão adotar políticas, procedimentos e controles internos, compatíveis com seu porte e<br />
volume <strong>de</strong> operações, que lhes permitam aten<strong>de</strong>r ao disposto neste artigo e no art. 11, na forma<br />
disciplinada pelos órgãos competentes; (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
IV - <strong>de</strong>verão cadastrar-se e manter seu cadastro atualizado no órgão regulador ou fiscalizador<br />
e, na falta <strong>de</strong>ste, no Conselho <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s Financeiras (Coaf), na forma e condições<br />
por eles estabelecidas; (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)
163<br />
V - <strong>de</strong>verão aten<strong>de</strong>r às requisições formuladas pelo Coaf na periodicida<strong>de</strong>, forma e condições<br />
por ele estabelecidas, cabendo-lhe preservar, nos termos da lei, o sigilo das informações<br />
prestadas. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 1º Na hipótese <strong>de</strong> o cliente constituir-se em pessoa jurídica, a i<strong>de</strong>ntificação referida no inciso I<br />
<strong>de</strong>ste artigo <strong>de</strong>verá abranger as pessoas físicas autorizadas a representá-la, bem como seus<br />
proprietários.<br />
§ 2º Os cadastros e registros referidos nos incisos I e II <strong>de</strong>ste artigo <strong>de</strong>verão ser conservados<br />
durante o período mínimo <strong>de</strong> cinco anos a partir do encerramento da conta ou da conclusão da<br />
transação, prazo este que po<strong>de</strong>rá ser ampliado pela autorida<strong>de</strong> competente.<br />
§ 3º O registro referido no inciso II <strong>de</strong>ste artigo será efetuado também quando a pessoa física ou<br />
jurídica, seus entes ligados, houver realizado, em um mesmo mês-calendário, operações com uma<br />
mesma pessoa, conglomerado ou grupo que, em seu conjunto, ultrapassem o limite fixado pela<br />
autorida<strong>de</strong> competente.<br />
Art. 10A. O Banco Central manterá registro centralizado formando o cadastro geral <strong>de</strong><br />
correntistas e clientes <strong>de</strong> instituições financeiras, bem como <strong>de</strong> seus procuradores. (Incluído pela Lei<br />
nº 10.701, <strong>de</strong> 9.7.2003)<br />
CAPÍTULO VII<br />
Da Comunicação <strong>de</strong> Operações Financeiras<br />
Art. 11. As pessoas referidas no art. 9º:<br />
I - dispensarão especial atenção às operações que, nos termos <strong>de</strong> instruções emanadas das<br />
autorida<strong>de</strong>s competentes, possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos nesta Lei, ou<br />
com eles relacionar-se;<br />
II - <strong>de</strong>verão comunicar ao Coaf, abstendo-se <strong>de</strong> dar ciência <strong>de</strong> tal ato a qualquer pessoa,<br />
inclusive àquela à qual se refira a informação, no prazo <strong>de</strong> 24 (vinte e quatro) horas, a proposta ou<br />
realização: (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
a) <strong>de</strong> todas as transações referidas no inciso II do art. 10, acompanhadas da i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong><br />
que trata o inciso I do mencionado artigo; e (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
b) das operações referidas no inciso I; (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
III - <strong>de</strong>verão comunicar ao órgão regulador ou fiscalizador da sua ativida<strong>de</strong> ou, na sua falta, ao<br />
Coaf, na periodicida<strong>de</strong>, forma e condições por eles estabelecidas, a não ocorrência <strong>de</strong> propostas,<br />
transações ou operações passíveis <strong>de</strong> serem comunicadas nos termos do inciso II. (Incluído pela Lei<br />
nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 1º As autorida<strong>de</strong>s competentes, nas instruções referidas no inciso I <strong>de</strong>ste artigo, elaborarão<br />
relação <strong>de</strong> operações que, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores,<br />
forma <strong>de</strong> realização, instrumentos utilizados, ou pela falta <strong>de</strong> fundamento econômico ou legal,<br />
possam configurar a hipótese nele prevista.<br />
§ 2º As comunicações <strong>de</strong> boa-fé, feitas na forma prevista neste artigo, não acarretarão<br />
responsabilida<strong>de</strong> civil ou administrativa.<br />
§ 3 o O Coaf disponibilizará as comunicações recebidas com base no inciso II do caput aos<br />
respectivos órgãos responsáveis pela regulação ou fiscalização das pessoas a que se refere o art.<br />
9 o . (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)
164<br />
Art. 11-A. As transferências internacionais e os saques em espécie <strong>de</strong>verão ser previamente<br />
comunicados à instituição financeira, nos termos, limites, prazos e condições fixados pelo Banco<br />
Central do Brasil. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
CAPÍTULO VIII<br />
Da Responsabilida<strong>de</strong> Administrativa<br />
Art. 12. Às pessoas referidas no art. 9º, bem como aos administradores das pessoas jurídicas,<br />
que <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> cumprir as obrigações previstas nos arts. 10 e 11 serão aplicadas, cumulativamente<br />
ou não, pelas autorida<strong>de</strong>s competentes, as seguintes sanções:<br />
I - advertência;<br />
II - multa pecuniária variável não superior: (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
a) ao dobro do valor da operação; (Incluída pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
b) ao dobro do lucro real obtido ou que presumivelmente seria obtido pela realização da<br />
operação; ou (Incluída pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
c) ao valor <strong>de</strong> R$ 20.000.000,00 (vinte milhões <strong>de</strong> reais); (Incluída pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
III - inabilitação temporária, pelo prazo <strong>de</strong> até <strong>de</strong>z anos, para o exercício do cargo <strong>de</strong><br />
administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9º;<br />
IV - cassação ou suspensão da autorização para o exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, operação ou<br />
funcionamento. (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 1º A pena <strong>de</strong> advertência será aplicada por irregularida<strong>de</strong> no cumprimento das instruções<br />
referidas nos incisos I e II do art. 10.<br />
§ 2 o A multa será aplicada sempre que as pessoas referidas no art. 9 o , por culpa ou<br />
dolo: (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
I – <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong> sanar as irregularida<strong>de</strong>s objeto <strong>de</strong> advertência, no prazo assinalado pela<br />
autorida<strong>de</strong> competente;<br />
II - não cumprirem o disposto nos incisos I a IV do art. 10; (Redação dada pela Lei nº 12.683,<br />
<strong>de</strong> 2012)<br />
III - <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r, no prazo estabelecido, a requisição formulada nos termos do inciso V<br />
do art. 10; (Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
IV - <strong>de</strong>scumprirem a vedação ou <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong> fazer a comunicação a que se refere o art. 11.<br />
§ 3º A inabilitação temporária será aplicada quando forem verificadas infrações graves quanto ao<br />
cumprimento das obrigações constantes <strong>de</strong>sta Lei ou quando ocorrer reincidência específica,<br />
<strong>de</strong>vidamente caracterizada em transgressões anteriormente punidas com multa.<br />
§ 4º A cassação da autorização será aplicada nos casos <strong>de</strong> reincidência específica <strong>de</strong> infrações<br />
anteriormente punidas com a pena prevista no inciso III do caput <strong>de</strong>ste artigo.<br />
Art. 13. O procedimento para a aplicação das sanções previstas neste Capítulo será regulado<br />
por <strong>de</strong>creto, assegurados o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa.<br />
CAPÍTULO IX
165<br />
Do Conselho <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s Financeiras<br />
Art. 14. É criado, no âmbito do Ministério da Fazenda, o Conselho <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s<br />
Financeiras - COAF, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar<br />
e i<strong>de</strong>ntificar as ocorrências suspeitas <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s ilícitas previstas nesta Lei, sem prejuízo da<br />
competência <strong>de</strong> outros órgãos e entida<strong>de</strong>s.<br />
§ 1º As instruções referidas no art. 10 <strong>de</strong>stinadas às pessoas mencionadas no art. 9º, para as<br />
quais não exista órgão próprio fiscalizador ou regulador, serão expedidas pelo COAF, competindolhe,<br />
para esses casos, a <strong>de</strong>finição das pessoas abrangidas e a aplicação das sanções enumeradas<br />
no art. 12.<br />
§ 2º O COAF <strong>de</strong>verá, ainda, coor<strong>de</strong>nar e propor mecanismos <strong>de</strong> cooperação e <strong>de</strong> troca <strong>de</strong><br />
informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação <strong>de</strong><br />
bens, direitos e valores.<br />
§ 3 o O COAF po<strong>de</strong>rá requerer aos órgãos da Administração Pública as informações cadastrais<br />
bancárias e financeiras <strong>de</strong> pessoas envolvidas em ativida<strong>de</strong>s suspeitas. (Incluído pela Lei nº 10.701,<br />
<strong>de</strong> 9.7.2003)<br />
Art. 15. O COAF comunicará às autorida<strong>de</strong>s competentes para a instauração dos procedimentos<br />
cabíveis, quando concluir pela existência <strong>de</strong> crimes previstos nesta Lei, <strong>de</strong> fundados indícios <strong>de</strong> sua<br />
prática, ou <strong>de</strong> qualquer outro ilícito.<br />
Art. 16. O Coaf será composto por servidores públicos <strong>de</strong> reputação ilibada e reconhecida<br />
competência, <strong>de</strong>signados em ato do Ministro <strong>de</strong> Estado da Fazenda, <strong>de</strong>ntre os integrantes do quadro<br />
<strong>de</strong> pessoal efetivo do Banco Central do Brasil, da Comissão <strong>de</strong> Valores Mobiliários, da<br />
Superintendência <strong>de</strong> Seguros Privados, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Secretaria<br />
da Receita Fe<strong>de</strong>ral do Brasil, da Agência Brasileira <strong>de</strong> Inteligência, do Ministério das Relações<br />
Exteriores, do Ministério da Justiça, do Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral, do Ministério da Previdência<br />
Social e da Controladoria-Geral da União, aten<strong>de</strong>ndo à indicação dos respectivos Ministros <strong>de</strong><br />
Estado.(Redação dada pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
§ 1º O Presi<strong>de</strong>nte do Conselho será nomeado pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, por indicação do<br />
Ministro <strong>de</strong> Estado da Fazenda.<br />
§ 2º Das <strong>de</strong>cisões do COAF relativas às aplicações <strong>de</strong> penas administrativas caberá recurso ao<br />
Ministro <strong>de</strong> Estado da Fazenda.<br />
Art. 17. O COAF terá organização e funcionamento <strong>de</strong>finidos em estatuto aprovado por <strong>de</strong>creto<br />
do Po<strong>de</strong>r Executivo.<br />
CAPÍTULO<br />
(Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
DISPOSIÇÕES<br />
(Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
X<br />
GERAIS<br />
Art. 17-A. Aplicam-se, subsidiariamente, as disposições do Decreto-Lei nº 3.689, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 1941 (Código <strong>de</strong> Processo Penal), no que não forem incompatíveis com esta Lei. (Incluído<br />
pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
Art. 17-B. A autorida<strong>de</strong> policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados<br />
cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e en<strong>de</strong>reço, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
<strong>de</strong> autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições<br />
financeiras, pelos provedores <strong>de</strong> internet e pelas administradoras <strong>de</strong> cartão <strong>de</strong> crédito. (Incluído pela<br />
Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)
166<br />
Art. 17-C. Os encaminhamentos das instituições financeiras e tributárias em resposta às or<strong>de</strong>ns<br />
judiciais <strong>de</strong> quebra ou transferência <strong>de</strong> sigilo <strong>de</strong>verão ser, sempre que <strong>de</strong>terminado, em meio<br />
informático, e apresentados em arquivos que possibilitem a migração <strong>de</strong> informações para os autos<br />
do processo sem redigitação. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
Art. 17-D. Em caso <strong>de</strong> indiciamento <strong>de</strong> servidor público, este será afastado, sem prejuízo <strong>de</strong><br />
remuneração e <strong>de</strong>mais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em <strong>de</strong>cisão<br />
fundamentada, o seu retorno. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong> 2012)<br />
Art. 17-E. A Secretaria da Receita Fe<strong>de</strong>ral do Brasil conservará os dados fiscais dos<br />
contribuintes pelo prazo mínimo <strong>de</strong> 5 (cinco) anos, contado a partir do início do exercício seguinte ao<br />
da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> renda respectiva ou ao do pagamento do tributo. (Incluído pela Lei nº 12.683, <strong>de</strong><br />
2012)<br />
Art. 18. Esta Lei entra em vigor na data <strong>de</strong> sua publicação.<br />
Brasília, 3 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998; 177º da In<strong>de</strong>pendência e 110º da República.<br />
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO<br />
Iris<br />
Rezen<strong>de</strong><br />
Luiz Felipe Lampreia<br />
Pedro Malan<br />
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. <strong>de</strong> 4.3.1998<br />
DECRETO N o 154 DE <strong>26</strong> DE JUNHO DE 1991.<br />
Promulga a Convenção Contra o Tráfico Ilícito <strong>de</strong> Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas.<br />
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV da<br />
Constituição, e<br />
Consi<strong>de</strong>rando que a Convenção Contra o Tráfico Ilícito <strong>de</strong> Entorpecentes e Substâncias<br />
Psicotrópicas, foi concluída em Viena, a 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1988;<br />
Consi<strong>de</strong>rando que a referida Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional, pelo Decreto<br />
Legislativo n° 162, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1991;<br />
Consi<strong>de</strong>rando que a Convenção ora promulgada entrou em vigor internacional em 11 <strong>de</strong><br />
novembro <strong>de</strong> 1990,<br />
DECRETA:<br />
Art. 1° A Convenção Contra o Tráfico Ilícito <strong>de</strong> Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas,<br />
apensa por cópia a este Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.<br />
Art. 2° Este Decreto entra em vigor na data prevista no parágrafo 2° do artigo 29 da Convenção.<br />
Brasília, <strong>26</strong> <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1991; 170° da In<strong>de</strong>pendência e 103° da República.<br />
FERNANDO COLLOR<br />
Francisco Rezek<br />
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. <strong>de</strong> 27.6.1991
167<br />
CONVENÇÃO CONTRA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E DE SUBSTÂNCIAS<br />
PSICOTRÓPICAS<br />
As Partes nesta Convenção,<br />
Profundamente preocupadas com a magnitu<strong>de</strong> e a crescente tendência da produção, da<br />
<strong>de</strong>manda e do tráfico ilícitos <strong>de</strong> entorpecentes e <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas, que representam uma<br />
grave ameaça à saú<strong>de</strong> e ao bem-estar dos seres humanos e que têm efeitos nefastos sobre as bases<br />
econômicas, culturais e políticas da socieda<strong>de</strong>,<br />
Profundamente preocupadas também com a sustentada e crescente expansão do tráfico ilícito<br />
<strong>de</strong> entorpecentes e <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas nos diversos grupos sociais e, em particular, pela<br />
exploração <strong>de</strong> crianças em muitas partes do mundo, tanto na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumidores como na<br />
condição <strong>de</strong> instrumentos utilizados na produção, na distribuição e no comércio ilícitos <strong>de</strong><br />
entorpecentes e <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas, o que constitui um perigo <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong> incalculável.<br />
Reconhecendo os vínculos que existem entre o tráfico ilícito e outras ativida<strong>de</strong>s criminosas<br />
organizadas, a ele relacionadas, que minam as economias lícitas <strong>de</strong> ameaçam a estabilida<strong>de</strong>, a<br />
segurança e a soberania dos Estados,<br />
Reconhecendo também que o tráfico ilícito é uma ativida<strong>de</strong> criminosa internacional, cuja<br />
supressão exige atenção urgente e a mais alta priorida<strong>de</strong>,<br />
Conscientes <strong>de</strong> que o tráfico ilícito gera consi<strong>de</strong>ráveis rendimentos financeiros e gran<strong>de</strong>s<br />
fortunas que permitem às organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as<br />
estruturas da administração pública, as ativida<strong>de</strong>s comerciais e financeiras lícitas e a socieda<strong>de</strong> em<br />
todos os seus níveis.<br />
Decididas a privar as pessoas <strong>de</strong>dicadas ao tráfico ilícito do produto <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s<br />
criminosas e eliminar, assim, o principal incentivo a essa ativida<strong>de</strong>,<br />
Interessadas em eliminar as causas profundas do problema do uso in<strong>de</strong>vido <strong>de</strong> entorpecentes e<br />
<strong>de</strong> substâncias psicotrópicas, compreen<strong>de</strong>ndo a <strong>de</strong>manda ilícita <strong>de</strong> tais drogas e substâncias e os<br />
enormes ganhos <strong>de</strong>rivados do tráfico ilícito,<br />
Consi<strong>de</strong>rando que são necessárias medidas para o controle <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas substâncias, tais<br />
como precursores, produtos químicos e solventes que são utilizados na fabricação <strong>de</strong> entorpecentes<br />
e substâncias psicotrópicas e que, pela facilida<strong>de</strong> com que são obtidas, têm provocado um aumento<br />
da fabricação clan<strong>de</strong>stina <strong>de</strong>ssas drogas e substâncias,<br />
Decididas a melhorar a cooperação internacional para a supressão do tráfico ilícito pelo mar,<br />
Reconhecendo que a erradicação <strong>de</strong> tráfico ilícito é responsabilida<strong>de</strong> coletiva <strong>de</strong> todos os<br />
Estados e que, para esse fim, é necessária uma ação coor<strong>de</strong>nada no nível da cooperação<br />
internacional,<br />
Reconhecendo a competência das Nações Unidas em matéria <strong>de</strong> fiscalização <strong>de</strong> entorpecentes<br />
e <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas e <strong>de</strong>sejando que os organismos internacionais interessados nessa<br />
fiscalização atuem <strong>de</strong>ntro do quadro das Nações Unidas,<br />
Reafirmando os princípios que regem os tratados vigentes sobre a fiscalização <strong>de</strong> entorpecentes<br />
e <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas e o sistema <strong>de</strong> fiscalização estabelecido por esses tratados,<br />
Reconhecendo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fortalecer e complementar as medidas previstas na<br />
Convenção Única <strong>de</strong> 1961 sobre Entorpecentes, emendada pelo Protocolo <strong>de</strong> 1972 <strong>de</strong> Modificação<br />
da Convenção Única sobre Entorpecentes, <strong>de</strong> 1961, e na Convenção sobre Substâncias
168<br />
Psicotrópicas <strong>de</strong> 1971, a fim <strong>de</strong> enfrentar a magnitu<strong>de</strong> e a expansão do tráfico ilícito e suas graves<br />
conseqüências,<br />
Reconhecendo também a importância <strong>de</strong> fortalecer e intensificar os meios jurídicos efetivos para<br />
a cooperação internacional em matéria penal para suprimir as ativida<strong>de</strong>s criminosas internacionais do<br />
tráfico ilícito, Interessadas em concluir uma convenção internacional, que seja um instrumento<br />
completo, eficaz e operativo, especificamente dirigido contra o tráfico ilícito, levando em conta os<br />
diversos aspectos nos tratados vigentes, no âmbito dos entorpecentes e das substâncias<br />
psicotrópicas.<br />
Convêm o que segue:<br />
ARTIGO 1<br />
Definições<br />
Salvo indicação expressa em contrário, ou on<strong>de</strong> o contexto exigir outra interpretação, as<br />
seguintes <strong>de</strong>finições se aplicarão em todo o texto <strong>de</strong>sta Convenção:<br />
a) Por "apreensão preventiva" ou "apreensão" se enten<strong>de</strong> a proibição temporária <strong>de</strong> transferir,<br />
converter, alienar ou mover bens, ou manter bens em custódia ou sob controle temporário, por or<strong>de</strong>m<br />
expedida por um tribunal ou por autorida<strong>de</strong> competente;<br />
b) Por "arbusto <strong>de</strong> coca" se enten<strong>de</strong> a planta <strong>de</strong> qualquer espécie do gênero Erythroxylon;<br />
c) Por "bens" se enten<strong>de</strong>m os ativos <strong>de</strong> qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis e<br />
imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou instrumentos legais que confirmam a<br />
proprieda<strong>de</strong> ou outros direitos sobre os ativos em questão;<br />
d) Por "Comissão" se enten<strong>de</strong> a Comissão <strong>de</strong> Entorpecentes do Conselho Econômico e Social<br />
das Nações Unidas;<br />
e) Por "confisco" se enten<strong>de</strong> a privação em caráter <strong>de</strong>finitivo, <strong>de</strong> algum bem, por <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> um<br />
tribunal ou <strong>de</strong> outra autorida<strong>de</strong> competente;<br />
f) Por "Conselho" se enten<strong>de</strong> o Conselho Econômico social das Nações Unidas;<br />
g) Por "Convenção <strong>de</strong> 1961" se enten<strong>de</strong> a Convenção Única <strong>de</strong> 1961 sobre Entorpecentes;<br />
h) Por "Convenção <strong>de</strong> 1961 em sua forma emendada" se enten<strong>de</strong> a Convenção Única <strong>de</strong> 1961<br />
sobre Entorpecentes, emendada pelo Protocolo <strong>de</strong> 1972 que modifica a Convenção Única <strong>de</strong> 1961<br />
sobre Entorpecentes;<br />
i) Por "Convenção <strong>de</strong> 1971" se enten<strong>de</strong> a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas <strong>de</strong> 1971;<br />
j) Por "entorpecente" se enten<strong>de</strong> qualquer substância, natural ou sintética, que figura na Lista I<br />
ou na Lista II da Convenção Única <strong>de</strong> 1961 sobre Entorpecentes, emendada pelo Protocolo <strong>de</strong> 1972<br />
que modifica a Convenção Única <strong>de</strong> 1961 sobre Entorpecentes;<br />
l) Por "entrega vigiada" se entenda a técnica <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar que remessas ilícitas ou suspeitas <strong>de</strong><br />
entorpecentes, substâncias psicotrópicas, substâncias que figuram no Quadro I e no Quadro II<br />
anexos nesta Convenção, ou substâncias que tenham substituído as anteriormente mencionadas,<br />
saiam do território <strong>de</strong> um ou mais países, que o atravessem ou que nele ingressem, com o<br />
conhecimento e sob a supervisão <strong>de</strong> suas autorida<strong>de</strong>s competentes, com o fim <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar as<br />
pessoas envolvidas em praticar <strong>de</strong>litos especificados no parágrafo 1 do Artigo 2 <strong>de</strong>sta Convenção;
169<br />
m) Por "Estado <strong>de</strong> trânsito" se enten<strong>de</strong> o Estado, através <strong>de</strong> cujo território passam <strong>de</strong> maneira<br />
ilícita entorpecentes, substâncias psicotrópicas e substâncias que figuram no Quadro I e no Quadro II,<br />
e que não seja nem o ponto <strong>de</strong> procedência nem o ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino final <strong>de</strong>ssas substâncias;<br />
n) Por "Junta" se enten<strong>de</strong> a Junta Internacional <strong>de</strong> Fiscalização <strong>de</strong> Entorpecentes, estabelecida<br />
pela Convenção Única <strong>de</strong> 1961 sobre Entorpecentes, emendada pelo Protocolo <strong>de</strong> 1972 que modifica<br />
a Convenção Única <strong>de</strong> 1961 sobre Entorpecentes;<br />
o) Por "semente <strong>de</strong> ópio" se enten<strong>de</strong> a planta da espécie papaver Somniferum L;<br />
p) Por "planta <strong>de</strong> cannabis" se enten<strong>de</strong> toda planta do gênero cannabis;<br />
q) Por "produto" se enten<strong>de</strong>m os bens obtidos ou <strong>de</strong>rivados, direta ou indiretamente, da prática<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>litos estabelecidos <strong>de</strong> acordo com o parágrafo 1 do Artigo 3;<br />
r) Por "Quadro I e Quadro II" se enten<strong>de</strong> a lista <strong>de</strong> substâncias que, com essa numeração, se<br />
anexa a esta Convenção, emendada oportunamente em conformida<strong>de</strong> com o Artigo 12;<br />
s) Por "Secretário Geral" se enten<strong>de</strong> o Secretário Geral das Nações Unidas;<br />
t) Por "substâncias psicotrópicas" se enten<strong>de</strong> qualquer substância, natural que sintética, ou<br />
qualquer material natural, que figure nas listas I, II, III, IV da Convenção sobre Substâncias<br />
Psicotrópicas <strong>de</strong> 1971;<br />
u) Por "tráfico ilícito" se enten<strong>de</strong>m os <strong>de</strong>litos estabelecidos <strong>de</strong> acordo com os parágrafos 1 e 2<br />
do Artigo 3 <strong>de</strong>sta Convenção.<br />
ARTIGO 2<br />
Alcance da Presente Convenção<br />
1 - O propósito <strong>de</strong>sta Convenção é promover a cooperação entre as Partes a fim <strong>de</strong> que se<br />
possa fazer frente, com <strong>maio</strong>r eficiência, aos diversos aspectos do tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes e <strong>de</strong><br />
substâncias psicotrópicas que tenham dimensão internacional. No cumprimento das obrigações que<br />
tenham sido contraídas em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta Convenção, as Partes adotarão as medidas necessárias,<br />
compreendidas as <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m legislativa e administrativa, <strong>de</strong> acordo com as disposições fundamentais<br />
<strong>de</strong> seus respectivos or<strong>de</strong>namentos jurídicos internos.<br />
2 - As Partes cumprirão suas obrigações oriundas <strong>de</strong>sta Convenção <strong>de</strong> maneira a se coadunar<br />
com os princípios da igualda<strong>de</strong> soberana e da integrida<strong>de</strong> territorial dos Estado e da não-ingerência<br />
em assuntos internos <strong>de</strong> outros Estados.<br />
3 - Uma Parte não terá, no território <strong>de</strong> outra Parte, nem jurisdição nem funções que tenham sido<br />
reservadas exclusivamente às autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa outra Parte, por seu direito interno.<br />
ARTIGO 3<br />
Delitos e Sanções<br />
1 - Cada uma das Partes adotará as medidas necessárias para caracterizar como <strong>de</strong>litos penais<br />
em seu direito interno, quando cometidos internacionalmente:<br />
a) i) a produção, a fabricação, a extração, a preparação, a oferta para venda, a distribuição, a<br />
venda, a entrega em quaisquer condições, a corretagem, o envio, o envio em trânsito, o transporte, a<br />
importação ou a exportação <strong>de</strong> qualquer entorpecente ou substância psicotrópica, contra o disposto<br />
na Convenção <strong>de</strong> 1961 em sua forma emendada, ou na Convenção <strong>de</strong> 1971;
170<br />
ii) o cultivo <strong>de</strong> sementes <strong>de</strong> ópio, do arbusto da coca ou da planta <strong>de</strong> cannabis, com o objetivo<br />
<strong>de</strong> produzir entorpecentes, contra o disposto na Convenção <strong>de</strong> 1961 em sua forma emendada;<br />
iii) a posse ou aquisição <strong>de</strong> qualquer entorpecente ou substância psicotrópica com o objetivo <strong>de</strong><br />
realizar qualquer uma das ativida<strong>de</strong>s enumeradas no item i) acima;<br />
iv) a fabricação, o transporte ou a distribuição <strong>de</strong> equipamento, material ou das substâncias<br />
enumeradas no Quadro I e no Quadro II, sabendo que serão utilizados para o cultivo, a produção ou<br />
a fabricação ilícita <strong>de</strong> entorpecentes ou substâncias psicotrópicas;<br />
v) a organização, a gestão ou o financiamento <strong>de</strong> um dos <strong>de</strong>litos enumerados nos itens i), ii), iii)<br />
ou iv);<br />
b) i) a conversão ou a transferência <strong>de</strong> bens, com conhecimento <strong>de</strong> que tais bens são<br />
proce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> algum ou alguns dos <strong>de</strong>litos estabelecidos no inciso a) <strong>de</strong>ste parágrafo, ou da prática<br />
do <strong>de</strong>lito ou <strong>de</strong>litos em questão, com o objetivo <strong>de</strong> ocultar ou encobrir a origem ilícita dos bens, ou <strong>de</strong><br />
ajudar a qualquer pessoa que participe na prática do <strong>de</strong>lito ou <strong>de</strong>litos em questão, para fugir das<br />
conseqüências jurídicas <strong>de</strong> seus atos;<br />
ii) a ocultação ou o encobrimento, da natureza, origem, localização, <strong>de</strong>stino, movimentação ou<br />
proprieda<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira dos bens, sabendo que proce<strong>de</strong>m <strong>de</strong> algum ou alguns dos <strong>de</strong>litos<br />
mencionados no inciso a) <strong>de</strong>ste parágrafo ou <strong>de</strong> participação no <strong>de</strong>lito ou <strong>de</strong>litos em questão;<br />
c) <strong>de</strong> acordo com seus princípios constitucionais e com os conceitos fundamentais <strong>de</strong> seu<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico;<br />
i) a aquisição, posse ou utilização <strong>de</strong> bens, tendo conhecimento, no momento em que os recebe,<br />
<strong>de</strong> que tais bens proce<strong>de</strong>m <strong>de</strong> algum ou alguns <strong>de</strong>litos mencionados no inciso a) <strong>de</strong>ste parágrafo ou<br />
<strong>de</strong> ato <strong>de</strong> participação no <strong>de</strong>lito ou <strong>de</strong>litos em questão;<br />
ii) a posse <strong>de</strong> equipamentos ou materiais ou substâncias, enumeradas no Quadro I e no Quadro<br />
II, tendo conhecimento prévio <strong>de</strong> que são utilizados, ou serão utilizados, no cultivo, produção ou<br />
fabricação ilícitos <strong>de</strong> entorpecentes ou <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas;<br />
iii) instigar ou induzir publicamente outrem, por qualquer meio, a cometer alguns dos<br />
<strong>de</strong>litos mencionados neste Artigo ou a utilizar ilicitamente entorpecentes ou <strong>de</strong> substâncias<br />
psicotrópicas;<br />
iv) a participação em qualquer dos <strong>de</strong>litos mencionados neste Artigo, a associação e a<br />
confabulação para cometê-los, a tentativa <strong>de</strong> cometê-los e a assistência, a incitação, a facilitação ou<br />
o assessoramento para a prática do <strong>de</strong>lito.<br />
2 - Reservados os princípios constitucionais e os conceitos fundamentais <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico, cada Parte adotará as medidas necessárias para caracterizar como <strong>de</strong>lito penal, <strong>de</strong> acordo<br />
com seu direito interno, quando configurar a posse, à aquisição ou o cultivo intencionais <strong>de</strong><br />
entorpecentes ou <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas para consumo pessoal, contra o disposto na<br />
Convenção <strong>de</strong> 1961, na Convenção <strong>de</strong> 1961 em sua forma emendada, ou na Convenção <strong>de</strong> 1971.<br />
3 - O conhecimento, a intenção ou o propósito como elementos necessários <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>lito<br />
estabelecido no parágrafo 1 <strong>de</strong>ste Artigo po<strong>de</strong>rão ser inferidos das circunstâncias objetivas <strong>de</strong> cada<br />
caso.<br />
4 - a) Cada uma das Partes disporá que, pela prática dos <strong>de</strong>litos estabelecidos no parágrafo I<br />
<strong>de</strong>ste Artigo, se apliquem sanções proporcionais à gravida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>litos, tais como a pena <strong>de</strong> prisão,<br />
ou outras formas <strong>de</strong> privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, sanções pecuniárias e o confisco.
171<br />
b) As Partes po<strong>de</strong>rão dispor, nos casos <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos estabelecidos no parágrafo 1 <strong>de</strong>ste Artigo,<br />
que, como complemento da con<strong>de</strong>nação ou da sanção penal, o <strong>de</strong>linqüente seja submetido a<br />
tratamento, educação, acompanhamento posterior, reabilitação ou reintegração social.<br />
c) Não obstante o disposto nos incisos anteriores, nos casos apropriados <strong>de</strong> infrações <strong>de</strong> caráter<br />
menor, as Partes po<strong>de</strong>rão substituir a con<strong>de</strong>nação ou a sanção penal pela aplicação <strong>de</strong> outras<br />
medidas tais como educação, reabilitação ou reintegração social, bem como, quando o <strong>de</strong>linqüente é<br />
toxicômano, <strong>de</strong> tratamento e <strong>de</strong> acompanhamento posterior.<br />
d) As Partes po<strong>de</strong>rão, seja a título substitutivo <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação ou <strong>de</strong> sanção penal por um <strong>de</strong>lito<br />
estabelecido no parágrafo 2 <strong>de</strong>ste Artigo, seja como complemento <strong>de</strong>ssa con<strong>de</strong>nação ou <strong>de</strong>ssa<br />
sanção penal, propor medidas <strong>de</strong> tratamento, educação, acompanhamento posterior, reabilitação ou<br />
reintegração social do <strong>de</strong>linqüente.<br />
5 - As Partes assegurarão que seus tribunais, ou outras autorida<strong>de</strong>s jurisdicionais competentes<br />
possam levar em consi<strong>de</strong>ração circunstâncias efetivas que tornem especialmente grave a prática dos<br />
<strong>de</strong>litos estabelecidos no parágrafo 1 <strong>de</strong>ste Artigo, tais como:<br />
a) o envolvimento, no <strong>de</strong>lito, <strong>de</strong> grupo criminoso organizado do qual o <strong>de</strong>linqüente faça parte;<br />
b) o envolvimento do <strong>de</strong>linqüente em outras ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> organizações criminosas<br />
internacionais;<br />
c) o envolvimento do <strong>de</strong>linqüente em outras ativida<strong>de</strong>s ilegais facilitadas pela prática <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito;<br />
d) o uso <strong>de</strong> violência ou <strong>de</strong> armas pelo <strong>de</strong>linqüente;<br />
e) o fato <strong>de</strong> o <strong>de</strong>linqüente ocupar cargo público com o qual o <strong>de</strong>lito tenha conexão;<br />
f) vitimar ou usar menores;<br />
g) o fato <strong>de</strong> o <strong>de</strong>lito ser cometido em instituição penal, educacional ou assistencial, ou em sua<br />
vizinhança imediata ou em outros locais aos quais crianças ou estudantes se dirijam para fins<br />
educacionais, esportivos ou sociais;<br />
h) con<strong>de</strong>nação prévia, particularmente se por ofensas similares, seja no exterior seja no país,<br />
com a pena máxima permitida pelas leis internas da Parte.<br />
6 - As Partes se esforçarão para assegurar que qualquer po<strong>de</strong>r legal discricionário, com base<br />
em seu direito interno, no que se refere ao julgamento <strong>de</strong> pessoas pelos <strong>de</strong>litos mencionados neste<br />
Artigo, seja exercido para dotar <strong>de</strong> eficiência máxima as medidas <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e repressão <strong>de</strong>sses<br />
<strong>de</strong>litos, levando <strong>de</strong>vidamente em conta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se exercer um efeito dissuasivo à prática<br />
<strong>de</strong>sses <strong>de</strong>litos.<br />
7 - As Partes velarão para que seus tribunais ou <strong>de</strong>mais autorida<strong>de</strong>s competentes levem em<br />
conta a gravida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>litos estabelecidos no parágrafo 1 <strong>de</strong>ste Artigo, e as circunstâncias<br />
especificadas no parágrafo 5 <strong>de</strong>ste Artigo, ao consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r liberda<strong>de</strong><br />
antecipada ou liberda<strong>de</strong> condicional a pessoas que tenham sido con<strong>de</strong>nadas por alguns <strong>de</strong>sses<br />
<strong>de</strong>litos.<br />
8 - Cada Parte estabelecerá, quando for proce<strong>de</strong>nte em seu direito interno, um prazo <strong>de</strong><br />
prescrição prolongado <strong>de</strong>ntro do qual se possa iniciar o julgamento <strong>de</strong> qualquer dos <strong>de</strong>litos<br />
estabelecidos no parágrafo 1 <strong>de</strong>ste Artigo. Tal prazo será <strong>maio</strong>r quando o suposto <strong>de</strong>linqüente houver<br />
eludido a administração da justiça.<br />
9 - Cada Parte adotará medidas a<strong>de</strong>quadas, conforme o previsto em seu próprio or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico, para que a pessoa que tenha sido acusada ou <strong>de</strong>clarada culpada <strong>de</strong> algum dos <strong>de</strong>litos
172<br />
estabelecidos no parágrafo 1 <strong>de</strong>ste Artigo, e que se encontre no território da Parte em questão,<br />
compareça ao processo penal correspon<strong>de</strong>nte.<br />
10 - Para os fins <strong>de</strong> cooperação entre as Partes, previstas nesta Convenção, em particular da<br />
cooperação prevista nos Artigos 5, 6, 7 e 9, os <strong>de</strong>litos estabelecidos no presente Artigo não serão<br />
consi<strong>de</strong>rados como <strong>de</strong>litos politicamente motivados, sem prejuízo das limitações constitucionais e dos<br />
princípios fundamentais do direito interno das Partes.<br />
11 - Nenhuma disposição do presente Artigo afetará o princípio <strong>de</strong> que a caracterização dos<br />
<strong>de</strong>litos a que se refere ou as exceções alegáveis com relação a estes fica reservada ao direito interno<br />
das Partes e que esses <strong>de</strong>litos <strong>de</strong>verão ser julgados e punidos <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com esse direito.<br />
ARTIGO 4<br />
Jurisdição<br />
1 - Cada parte:<br />
a) adotará as medidas que forem necessárias para <strong>de</strong>clarar-se competente no que se refere aos<br />
<strong>de</strong>litos estabelecidos no parágrafo 1 do Artigo 3:<br />
i) quando o <strong>de</strong>lito é cometido em seu território;<br />
ii) quando o <strong>de</strong>lito é cometido a bordo <strong>de</strong> navio que traz seu pavilhão ou <strong>de</strong> aeronave<br />
matriculada <strong>de</strong> acordo com sua legislação quando o <strong>de</strong>lito foi cometido;<br />
b) po<strong>de</strong>rá adotar as medidas que sejam necessárias para se <strong>de</strong>clarar foro competente quanto<br />
aos <strong>de</strong>litos estabelecidos no parágrafo 1 do Artigo 3:<br />
i) quando o <strong>de</strong>lito for cometido por nacional do país ou por pessoa que tenha residência habitual<br />
em seu território;<br />
ii) quando o <strong>de</strong>lito for cometido a bordo <strong>de</strong> nave sobre a qual a Parte tenha sido autorizada a<br />
tomar as medidas necessárias <strong>de</strong> acordo com o Artigo 17, uma vez que tal jurisdição fundamenta-se<br />
nos acordos ou ajustes referidos nos parágrafos 4 e 9 daquele Artigo;<br />
iii) quando o <strong>de</strong>lito for um dos referidos no subtítulo iv, do inciso c) do parágrafo 1 do Artigo 3 e<br />
seja cometido fora <strong>de</strong> seu território com o intuito <strong>de</strong> perpetuar nele um dos <strong>de</strong>litos estabelecidos no<br />
parágrafo 1 do Artigo 3.<br />
2 - Cada Parte:<br />
a) adotará também as medidas que forem necessárias para se <strong>de</strong>clarar foro competente com<br />
respeito a <strong>de</strong>litos, estabelecidos no parágrafo 1 do Artigo 3, quando o suposto <strong>de</strong>linqüente se<br />
encontre em seu território e a Parte em questão não extradita à outra, baseando-se em que:<br />
i) o <strong>de</strong>lito tenha sido cometido em seu território ou a bordo <strong>de</strong> um navio que traz seu pavilhão ou<br />
<strong>de</strong> aeronave matriculada <strong>de</strong> acordo com suas leis, no momento em que o <strong>de</strong>lito é cometido; ou<br />
ii) o <strong>de</strong>lito tenha sido cometido por nacionais do país em questão;<br />
b) po<strong>de</strong>rá adotar, também, as medidas que sejam necessárias para se <strong>de</strong>clarar foro competente<br />
com relação aos <strong>de</strong>litos estabelecidos no parágrafo 1 do Artigo 3, quando o suposto <strong>de</strong>linqüente se<br />
encontre em seu território e a Parte em questão não o extradite à outra.
173<br />
3 - Esta Convenção não exclui o exercício do foro penal, estabelecido por uma Parte, <strong>de</strong> acordo<br />
com seu direito interno.<br />
ARTIGO 5<br />
Confisco<br />
1 - Cada parte adotará as medidas necessárias para autorizar o confisco:<br />
a) do produto <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos estabelecidos no parágrafo 1 do Artigo 3, ou <strong>de</strong> bens cujo valor<br />
seja equivalente ao <strong>de</strong>sse produto;<br />
b) <strong>de</strong> entorpecentes e <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas, das matérias e instrumentos utilizados ou<br />
<strong>de</strong>stinados à utilização, em qualquer forma, na prática dos <strong>de</strong>litos estabelecidos no parágrafo 1 do<br />
Artigo 3.<br />
2 - Cada Parte adotará também as medidas necessárias para permitir que suas autorida<strong>de</strong>s<br />
competentes i<strong>de</strong>ntifiquem, <strong>de</strong>tectem e <strong>de</strong>cretem a apreensão preventiva ou confisco do produto, dos<br />
bens, dos instrumentos ou <strong>de</strong> quaisquer outros elementos a que se refere o parágrafo 1 <strong>de</strong>ste Artigo,<br />
com o objetivo <strong>de</strong> seu eventual confisco;<br />
3 - A fim <strong>de</strong> aplicar as medidas mencionadas neste Artigo, cada Parte facultará seus tribunais ou<br />
outras autorida<strong>de</strong>s competentes a or<strong>de</strong>nar a apresentação ou o confisco <strong>de</strong> documentos bancários,<br />
financeiros ou comerciais. As partes não po<strong>de</strong>rão negar-se a aplicar os dispositivos do presente<br />
parágrafo, alegando sigilo bancário.<br />
4 - a) Ao receber solicitações amparadas neste Artigo, por outra Parte que seja foro competente<br />
para julgar um dos <strong>de</strong>litos estabelecidos no parágrafo 1 do Artigo 3, a Parte em cujo território se<br />
encontra o produto, os bens, os instrumentos ou quaisquer outros elementos a que se refere o<br />
parágrafo 1 <strong>de</strong>ste Artigo;<br />
i) apresentará solicitação, às autorida<strong>de</strong>s competentes, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />
confisco à qual, caso concedida, se dará cumprimento;<br />
ii) apresentará, perante as autorida<strong>de</strong> competentes, para que se dê cumprimento à medida<br />
solicitada, a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> confisco expedida pela Parte requerente <strong>de</strong> acordo como parágrafo 1 <strong>de</strong>ste<br />
Artigo, no que se diz respeito ao produto, os bens, os instrumentos ou quaisquer outros elementos a<br />
que se refere o parágrafo 1, e que se encontram no território da Parte requerida.<br />
b) Ao receber a solicitação amparada neste Artigo, por outra Parte que seja foro competente<br />
para julgar o <strong>de</strong>lito estabelecido no parágrafo 1 do Artigo 3, a Parte requerida adotará medidas para a<br />
i<strong>de</strong>ntificação, <strong>de</strong>tecção e a apreensão preventiva ou o confisco do produto, dos bens ou dos<br />
instrumentos, ou <strong>de</strong> quaisquer outros elementos a que se refere o parágrafo 1 <strong>de</strong>ste Artigo, com o<br />
objetivo do eventual confisco que seja or<strong>de</strong>nado, seja pela Parte requerente, seja quando houver sido<br />
formulada solicitação, com amparo no inciso a) <strong>de</strong>ste parágrafo, pela Parte requerida.<br />
c) As <strong>de</strong>cisões ou medidas previstas nos incisos a) e b) do presente parágrafo serão adotadas<br />
pela Parte requerente, <strong>de</strong> acordo com seu direito interno e sujeitas, as suas disposições e <strong>de</strong> acordo<br />
com a regras dos ajustes, tratados ou acordos bilatérias ou multilaterais que tenham sido negociados<br />
com a Parte requerente.<br />
d) Será aplicável, mutatis mutandis, o disposto nos parágrafos 6 a 19 do Artigo 7. Além da<br />
informação mencionada o parágrafo 10 do Artigo 7, as solicitações formuladas, <strong>de</strong> acordo com este<br />
Artigo, conterão o seguinte:<br />
i) no caso <strong>de</strong> solicitação correspon<strong>de</strong>nte ao sub-item i) do inciso a) <strong>de</strong>ste parágrafo, uma<br />
<strong>de</strong>scrição dos bens a serem confiscados e uma exposição <strong>de</strong> motivos, em que se fundamente a Parte
174<br />
requerente, que seja suficiente para que a Parte requerida possa tramitar a or<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> acordo com<br />
seu direito interno;<br />
ii) no caso <strong>de</strong> solicitação, correspon<strong>de</strong>nte ao sub-item ii) do inciso a), uma cópia legalmente<br />
admissível <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> confisco, expedida pela Parte requerente, que sirva <strong>de</strong> fundamento à<br />
solicitação, uma exposição <strong>de</strong> motivos e informação sobre o alcance da solicitação <strong>de</strong> execução do<br />
mandato;<br />
iii) no caso <strong>de</strong> solicitação correspon<strong>de</strong>nte ao inciso b), uma exposição <strong>de</strong> motivos na qual a<br />
Parte requerente se fundamenta e uma <strong>de</strong>scrição das medidas solicitadas.<br />
e) Cada parte proporcionará, ao Secretário Geral, o texto <strong>de</strong> quaisquer leis ou regulamentos que<br />
tenham dado origem à aplicação do disposto neste parágrafo, assim como o texto <strong>de</strong> qualquer<br />
alteração posterior que se efetue nas leis e regulamentos em questão.<br />
f) Se uma das Partes optar por atrelar as medidas mencionadas nos incisos a) e b) <strong>de</strong>ste<br />
parágrafo à existência <strong>de</strong> um tratado pertinente, a Parte em questão consi<strong>de</strong>rará esta Convenção<br />
como a base convencional necessária e suficiente.<br />
g) As Partes procurarão negociar tratados, acordos ou entendimentos bilaterais ou multilaterais<br />
para reforçar a eficiência da cooperação internacional prevista neste Artigo.<br />
5 - a) As Partes que tenha confiscado o produto ou os bens <strong>de</strong> vendas <strong>de</strong> acordo com seu direito<br />
interno e seus procedimentos administrativos.<br />
b) Aten<strong>de</strong>ndo à solicitação <strong>de</strong> outra Parte, <strong>de</strong> acordo com o previsto no presente Artigo, a Parte<br />
po<strong>de</strong>rá prestar particular atenção à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> negociar acordos sobre a:<br />
i) contribuição com a totalida<strong>de</strong>, ou com uma parte consi<strong>de</strong>rável do valor do produto e dos bens<br />
em questão, ou dos fundos <strong>de</strong>rivados da venda dos produtos ou bens em questão, para organismos<br />
intergovernamentais especializados na luta contra o tráfico ilícito e o uso in<strong>de</strong>vido <strong>de</strong> entorpecentes e<br />
<strong>de</strong> substâncias psicotrópicas.<br />
ii) dividir com outras Partes, conforme critério preestabelecido e <strong>de</strong>finido para cada caso, o<br />
produto ou bens em questão , ou os fundo <strong>de</strong>rivados da venda do produto ou bens em questão, <strong>de</strong><br />
acordo com as <strong>de</strong>terminações do direito interno, seus procedimentos administrativos ou os acordos<br />
bilaterais ou multilaterais acertados para esse fim.<br />
6 - a) Quando o produto houver sido transformado ou convertido em outros bens, estes po<strong>de</strong>rão<br />
ser objeto das medidas, mencionadas no presente Artigo, aplicáveis ao produto.<br />
b) Quando o produto houver sido misturado com bens adquiridos <strong>de</strong> fontes lícitas, sem prejuízo<br />
<strong>de</strong> qualquer outra medida <strong>de</strong> apreensão ou confisco preventivo aplicável, esses bens po<strong>de</strong>rão ser<br />
confiscados até o valor estimativo do produto misturado.<br />
c) Tais medidas se aplicarão também à renda ou a outros benefícios <strong>de</strong>rivados:<br />
i) do produto;<br />
ii) dos bens, nos quais o produto tenha sido transformado ou convertido; ou<br />
iii) dos bens com os quais o produto tenha sido misturado, do mesmo modo e na mesma medida<br />
(em) que o produto (o foi).<br />
7 - cada Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inverter o ônus da prova com respeito à origem<br />
lícita do suposto produto ou outros bens sujeitos a confisco, na medida em que isto seja compatível
175<br />
com os princípios <strong>de</strong> direito interno e com a natureza <strong>de</strong> seus procedimentos jurídicos e <strong>de</strong> outros<br />
procedimentos.<br />
8 - O disposto neste Artigo não po<strong>de</strong>rá ser interpretado em prejuízo dos direitos <strong>de</strong> terceiros <strong>de</strong><br />
boa fé.<br />
9 - Nada do disposto neste Artigo afetará o princípio <strong>de</strong> que as medidas aqui previstas serão<br />
<strong>de</strong>finidas e implementadas <strong>de</strong> acordo como direito interno <strong>de</strong> cada uma das Partes.<br />
ARTIGO 6<br />
Extradição<br />
1 - O presente artigo se aplicará aos <strong>de</strong>litos estabelecidos pelas Partes, <strong>de</strong> acordo com o<br />
parágrafo I do Artigo 3.<br />
2 - Cada um dos <strong>de</strong>litos aos quais se aplica ao presente Artigo se consi<strong>de</strong>rará incluído entre os<br />
<strong>de</strong>litos passíveis <strong>de</strong> extradição em todo tratado <strong>de</strong> extradição vigente entre as Partes. As Partes se<br />
comprometem a incluir tais <strong>de</strong>litos, como casos passíveis <strong>de</strong> extradição, em todo tratado <strong>de</strong><br />
extradição que celebrem entre si.<br />
3 - Se uma Parte, que condiciona a extradição à exigência <strong>de</strong> tratado, receber <strong>de</strong> outra Parte,<br />
com a qual não tem nenhum tratado <strong>de</strong> extradição, um pedido <strong>de</strong> extradição, po<strong>de</strong>rá consi<strong>de</strong>rar a<br />
presente Convenção como base jurídica para a extradição por <strong>de</strong>litos aos quais se aplica este Artigo.<br />
As Partes que requeiram uma legislação <strong>de</strong>talhada para fazer valer esta Convenção com base<br />
jurídica da extradição, consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> promulgar a legislação necessária.<br />
4 - As Partes, que não condicionam a extradição à existência <strong>de</strong> um tratado, reconhecerão os<br />
<strong>de</strong>litos aos quais se aplica este Artigo como casos <strong>de</strong> extradição entre elas.<br />
5 - A extradição estará sujeita às condições previstas pela legislação da Parte requerida ou<br />
pelos tratados <strong>de</strong> extradição aplicáveis, incluindo os motivos pelos quais a Parte requerida po<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>negar a extradição.<br />
6 - Ao examinar as solicitações recebidas em conformida<strong>de</strong> com este Artigo, o Estado requerido<br />
po<strong>de</strong>rá negar-se a dar-lhes cumprimento, quando existam motivos justificados que induzam as<br />
autorida<strong>de</strong>s judiciárias ou outras autorida<strong>de</strong>s competentes a presumir que o cumprimento facilitaria o<br />
julgamento ou castigo <strong>de</strong> uma pessoa, por causa <strong>de</strong> sua raça, religião, nacionalida<strong>de</strong> ou convicções<br />
políticas, ou que o indivíduo, afetado pela solicitação, fosse prejudicado por uma <strong>de</strong>ssas razões.<br />
7 - As Partes se esforçarão em agilizar os procedimentos <strong>de</strong> extradição e em simplificar as<br />
necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> provas no que diz respeito a qualquer um dos <strong>de</strong>litos aos quais se<br />
aplica o presente Artigo.<br />
8 - Sujeito ao disposto em seu direito interno e em seus Tratados <strong>de</strong> Extradição, a Parte<br />
requerida, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver-se certificado <strong>de</strong> que as circunstâncias assim o justificam, <strong>de</strong> seu caráter<br />
<strong>de</strong> urgência e, por solicitação da Parte requerente, po<strong>de</strong>rá proce<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>tenção do indivíduo, cuja<br />
extradição foi solicitada e que se encontre em seu território, ou adotar outras medidas a<strong>de</strong>quadas<br />
para assegurar seu comparecimento aos trâmites <strong>de</strong> extradição.<br />
9 - Sem prejuízo do exercício <strong>de</strong> qualquer jurisdição estabelecida em conformida<strong>de</strong> com seu<br />
direito interino, a Parte em cujo território se encontre um suposto <strong>de</strong>linqüente <strong>de</strong>verá:<br />
a) se não extraditar por um <strong>de</strong>lito estabelecido <strong>de</strong> acordo com o parágrafo 1 do Artigo 3 pelos<br />
motivos mencionados no inciso a) do parágrafo 2 do Artigo 4, po<strong>de</strong>rá apresentar o caso perante suas<br />
autorida<strong>de</strong>s competentes para julgá-lo, salvo se houver ajustado outra ação com a Parte requerente;
176<br />
b) se não o extraditar por um <strong>de</strong>lito <strong>de</strong>sse tipo para o qual se tenha <strong>de</strong>clarado foro competente<br />
para julgar o <strong>de</strong>lito baseado no inciso b) do parágrafo 2 do Artigo 4, apresentará o caso perante suas<br />
autorida<strong>de</strong> competentes para julgá-lo, salvo quando a Parte requerente solicitar outra ação para<br />
salvaguardar sua competência legítima.<br />
10 - Se a extradição solicitada com o propósito <strong>de</strong> fazer cumprir uma con<strong>de</strong>nação, for <strong>de</strong>negada,<br />
porque o indivíduo objeto da solicitação é nacional da Parte requerida, esta, se sua legislação assim<br />
o permitir, e <strong>de</strong> acordo com as <strong>de</strong>terminações da legislação em questão, e a pedido da parte<br />
requerente, consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer cumprir a pena imposta, ou o que resta da pena<br />
ainda a cumprir, <strong>de</strong> acordo com a legislação da Parte requerente.<br />
11 - As Partes procurarão negociar acordos bilaterais e multilaterais seja para cumprir a<br />
extradição seja para aumentar sua eficácia.<br />
12 - As Partes po<strong>de</strong>rão consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> celebrar acordos bilaterais ou multilaterais,<br />
especiais ou gerais, que visem à transferência <strong>de</strong> pessoas con<strong>de</strong>nadas a prisão ou a outra forma <strong>de</strong><br />
privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> pelos <strong>de</strong>litos cometidos, aos quais se aplica este Artigo, a fim <strong>de</strong> que possam<br />
terminar <strong>de</strong> cumprir sua pena em seu país.<br />
ARTIGO 7<br />
Assistência Jurídica Recíproca<br />
1 - As Partes se prestarão, <strong>de</strong> acordo com o disposto no presente Artigo, a mais ampla<br />
assistência jurídica recíproca nas investigações, julgamentos e processos jurídicos referentes a<br />
<strong>de</strong>litos estabelecidos no parágrafo 1 do Artigo 3.<br />
2 - A assistência jurídica recíproca que <strong>de</strong>verá ser prestada, <strong>de</strong> acordo com este Artigo, po<strong>de</strong>rá<br />
ser solicitada para qualquer um dos seguintes fins:<br />
a) receber testemunhas ou <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> pessoas;<br />
b) apresentar documentos jurídicos;<br />
c) efetuar buscas e apreensões;<br />
d) examinar objetos e locais;<br />
e) facilitar acesso <strong>de</strong> informações e evidência;<br />
f) entregar originais ou cópias autenticadas <strong>de</strong> documentos e expedientes relacionadas ao caso,<br />
inclusive documentação bancária, financeira, social ou comercial;<br />
g) i<strong>de</strong>ntificar ou <strong>de</strong>tectar o produto, os bens, os instrumentos ou outros elementos<br />
comprobatórios.<br />
3 - As Partes po<strong>de</strong>rão prestar qualquer outra forma <strong>de</strong> assistência judicial recíproca autorizada<br />
pelo direito interno da Parte requerida.<br />
4 - As Partes, se assim lhes for solicitado e na medida compatível, com seu direito e prática<br />
interna, facilitarão ou encorajarão a apresentação ou disponibilida<strong>de</strong> das pessoas, incluindo a dos<br />
<strong>de</strong>tentos, que consintam em colocar com as investigações ou em intervir nos procedimentos.<br />
5 - As Partes não <strong>de</strong>clinarão a assistência jurídica recíproca prevista neste Artigo sob alegação<br />
<strong>de</strong> sigilo bancário.
177<br />
6 - O disposto neste Artigo não afetará as obrigações <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> outros tratados bilaterais ou<br />
multilaterais, vigentes ou futuros, que regem, total ou parcialmente, a assistência jurídica recíproca<br />
em assuntos penais.<br />
7 - Os parágrafos 8 e 19 <strong>de</strong>ste Artigo se aplicarão às solicitações formuladas <strong>de</strong> acordo com o<br />
mesmo, sempre que não exista entre as Partes interessadas um Tratado <strong>de</strong> Assistência Jurídica<br />
Recíproca. Quando as Partes estejam vinculadas por um tratado <strong>de</strong>sta natureza, as disposições<br />
correspon<strong>de</strong>ntes ao tratado em questão se aplicarão, salvo se as Partes convenham em aplicar, em<br />
seu lugar, os parágrafos 8 e 19 do presente Artigo.<br />
8 - As Partes <strong>de</strong>signarão uma autorida<strong>de</strong> ou, quando necessário, várias autorida<strong>de</strong>s, com o<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dar cumprimento às solicitações <strong>de</strong> assistência jurídica recíproca ou transmiti-las às<br />
autorida<strong>de</strong>s competentes para sua execução. O Secretário Geral será notificado da autorida<strong>de</strong> ou<br />
autorida<strong>de</strong>s que tenham sido <strong>de</strong>signadas para este fim. As autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>signadas pelas Partes<br />
serão encarregadas <strong>de</strong> transmitir as solicitações <strong>de</strong> assistência jurídica recíproca e qualquer outra<br />
comunicação pertinente; a presente disposição não afetará o direito <strong>de</strong> qualquer uma das Partes <strong>de</strong><br />
exigir que estas solicitações e comunicações lhes sejam enviadas por via diplomática e, em<br />
circunstâncias urgentes, quando as Partes assim o convierem, por meio da Organização Internacional<br />
<strong>de</strong> Polícia Criminal, caso seja possível.<br />
9 - As solicitações <strong>de</strong>verão ser apresentadas por escrito em um idioma aceitável pela Parte<br />
requerida. O Secretário Geral será notificado sobre o idioma ou idiomas que sejam aceitáveis a cada<br />
Parte. Em situações <strong>de</strong> urgência, ou quando as Partes assim o convierem, po<strong>de</strong>rão ser feitas<br />
solicitações verbais, <strong>de</strong>vendo ser imediatamente <strong>de</strong>pois confirmadas por escrito.<br />
10 - Nas solicitações <strong>de</strong> assistência jurídica recíproca, <strong>de</strong>verá figurar o seguinte:<br />
a) a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da autorida<strong>de</strong> que efetua a solicitação;<br />
b) o objetivo e a natureza da investigação, do processo ou dos procedimentos a que se refere a<br />
solicitação, o nome e as funções da autorida<strong>de</strong> quem está efetuando a investigação, o processo ou<br />
os procedimentos em questão;<br />
c) um resumo dos dados pertinentes, salvo quando se trate <strong>de</strong> solicitações para<br />
apresentação <strong>de</strong> documentos jurídicos;<br />
d) uma <strong>de</strong>scrição da assistência solicitada e pormenores sobre qualquer procedimento particular<br />
que a Parte requerente <strong>de</strong>seja aplicada;<br />
e) quando possível, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a nacionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> toda pessoa envolvida e o local em que<br />
se encontra;<br />
f) a finalida<strong>de</strong> para qual se solicita a prova, informação ou procedimento.<br />
11 - A Parte requerida po<strong>de</strong>rá pedir informação adicional, quando lhe pareça necessário, para<br />
dar cumprimento à solicitação, <strong>de</strong> acordo com seu direito interno ou para facilitar o cumprimento da<br />
solicitação.<br />
12 - Toda solicitação será executada, <strong>de</strong> acordo com o estabelecido no direito interno da Parte<br />
requerida e, na medida em que isso não contravenha a legislação da Parte em questão e, sempre<br />
que possível, <strong>de</strong> acordo com os procedimentos especificados na solicitação.<br />
13 - A Parte requerente não comunicará nem utilizará, sem prévia anuência da Parte requerida,<br />
a informação ou as provas coligidas pela Parte requerida para outras investigações, processos ou<br />
procedimentos diferentes dos indicados na solicitação.
178<br />
14 - A Parte requerente po<strong>de</strong>rá exigir que a Parte requerida mantenha reserva sobre a<br />
existência e o conteúdo da solicitação, salvo no que for necessário para dar-lhe cumprimento. Se a<br />
Parte requerida não pu<strong>de</strong>r manter sigilo, a Parte requerente será imediatamente informada.<br />
15 - A assistência jurídica recíproca solicitada po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>negada:<br />
a) quando a solicitação não se ajuste ao disposto no presente Artigo;<br />
b) quando a Parte requerida consi<strong>de</strong>rar que o cumprimento da solicitação possa prejudicar sua<br />
soberania, sua segurança, sua or<strong>de</strong>m pública ou outros interesses fundamentais;<br />
c) quando o direito interno da Parte requerida proibir suas autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r à solicitação<br />
formulada com respeito a <strong>de</strong>lito análogo, se este tiver sido objeto <strong>de</strong> investigação, processo ou<br />
procedimento no exercício da própria competência;<br />
d) no caso <strong>de</strong> a assistência jurídica recíproca <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r à solicitação contratar a or<strong>de</strong>m jurídica<br />
da Parte requerida.<br />
17 - A assistência jurídica recíproca po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>ferida, pela Parte requerida, caso perturbe o<br />
andamento <strong>de</strong> uma investigação, <strong>de</strong> um processo ou <strong>de</strong> um procedimento. Nesse caso, a Parte<br />
requerida <strong>de</strong>verá consultar a Parte requerente para <strong>de</strong>terminar se ainda é possível prestar assistência<br />
na forma e condições que a primeira estimaria necessário receber.<br />
18 - A testemunha, perito ou outra pessoa que consinta em <strong>de</strong>por em juízo ou colaborar em uma<br />
investigação, processo ou procedimento judicial no território da Parte requerente não será objeto <strong>de</strong><br />
processo, <strong>de</strong>tenção ou punição, nem <strong>de</strong> nenhum tipo <strong>de</strong> restrição <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong> pessoal no<br />
território em questão, por atos, omissões ou <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> culpa anteriores à data em que partiu o<br />
território da parte requerida. Contudo, este salvo-conduto cessará quando a testemunha, o perito ou<br />
outra pessoa tenha tido, por 15 dias consecutivos, ou durante qualquer outro período acertado pelas<br />
Partes, a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair do país, a partir da data em que tenha sido oficialmente informado <strong>de</strong><br />
que as autorida<strong>de</strong>s judiciais já não requeriam sua presença e não obstante, tenha permanecido<br />
voluntariamente no território ou a ele tenha regressada espontaneamente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter partido.<br />
19 - Os gastos ordinários oriundos da execução da solicitação serão cobertos pela Parte<br />
requerida, salvo se as Partes interessadas tenham acordado <strong>de</strong> outro modo. Quando for o caso <strong>de</strong><br />
gastos vultosos ou <strong>de</strong> caráter extraordinário, as Partes consultar-se-ão para <strong>de</strong>terminar os termos e<br />
as condições sob as quais se cumprirá a solicitação, assim como a maneira como se arrecadarão<br />
com os gastos.<br />
20 - Quando for necessário, as Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrar em acordos ou<br />
ajustes bilaterais ou multilaterais que sirvam para os fins <strong>de</strong>ste Artigo e que, na prática, dêem efeito<br />
às suas disposições ou os reforcem.<br />
ARTIGO 8<br />
Transferência dos Procedimentos Penais<br />
As Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> remeterem-se processos penais que dizem respeito<br />
aos <strong>de</strong>litos estabelecidos <strong>de</strong> acordo com o parágrafo 1 do Artigo 3, quando se estime que essa<br />
remissão será no interesse da correta administração da justiça.<br />
ARTIGO 9<br />
Outras Formas <strong>de</strong> Cooperação e Capacitação<br />
1 - As Partes Colaborarão estreitamente entre si, em harmonia com seus respectivos<br />
or<strong>de</strong>namentos jurídicos e sua administração, com o objetivo <strong>de</strong> aumentar a eficácia das medidas <strong>de</strong>
179<br />
<strong>de</strong>tecção e repressão, visando à supressão da prática <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos estabelecidos no parágrafo 1 do<br />
Artigo 3. Deverão fazê-lo, em particular, com base nos acordos ou ajustes bilaterais ou multilaterais:<br />
a) estabelecer e manter canais <strong>de</strong> comunicação entre seis órgãos e serviços competentes, a fim<br />
<strong>de</strong> facilitar o intercâmbio rápido e seguro <strong>de</strong> informação sobre todos os aspectos dos <strong>de</strong>litos<br />
estabelecidos <strong>de</strong> acordo com o parágrafo 1 do Artigo 3, inclusive, sempre que as Partes interessadas<br />
estimarem oportuno sobre seus vínculos com outras ativida<strong>de</strong>s criminosas;<br />
b) cooperar entre si na condução <strong>de</strong> inquéritos referentes aos <strong>de</strong>litos estabelecidos <strong>de</strong> acordo<br />
com o parágrafo 1 do Artigo 3, que tenham caráter internacional e digam respeito:<br />
i) à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, para<strong>de</strong>iro e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pessoas supostamente implicadas em <strong>de</strong>litos<br />
estabelecidos <strong>de</strong> acordo com o parágrafo 1 do Artigo 3;<br />
ii) à movimentação do produto ou dos bens <strong>de</strong>rivados da prática <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>litos;<br />
iii) no movimento <strong>de</strong> entorpecentes, <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas, substâncias que figuram no<br />
Quadro I e no Quadro II <strong>de</strong>sta Convenção e instrumentos utilizados ou <strong>de</strong>stinados a serem utilizados<br />
na prática <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>litos;<br />
c) quando for oportuno, e sempre que não contravenha o disposto no direito interno, criar<br />
equipes conjuntas, levando em consi<strong>de</strong>ração a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteger a segurança das pessoas e<br />
das operações, para dar cumprimento ao disposto neste parágrafo. Os funcionários <strong>de</strong> qualquer<br />
umas das Partes, que integrem as equipes, atuarão <strong>de</strong> acordo com a autorização das autorida<strong>de</strong>s<br />
competentes da Parte em cujo território se realizará a operação. Em todos os casos, as Partes em<br />
questão velarão para que seja plenamente respeitada a soberania da parte em cujo território se<br />
realizará a operação;<br />
d) proporcionar, quando corresponda, quantida<strong>de</strong>s necessárias <strong>de</strong> substâncias para análise ou<br />
procedimentos <strong>de</strong> investigação;<br />
e) facilitar uma coor<strong>de</strong>nação eficaz entre seus organismos e serviços competentes e promover<br />
intercâmbio <strong>de</strong> pessoal e <strong>de</strong> outros técnicos, inclusive <strong>de</strong>stacando funcionários <strong>de</strong> interligação.<br />
2 - Cada Parte, quando necessário, iniciará, <strong>de</strong>senvolverá ou aperfeiçoará programas<br />
específicos <strong>de</strong> treinamento <strong>de</strong>stinados ao seu pessoal <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e repressão, inclusive ao pessoal<br />
aduaneiro, encarregado <strong>de</strong> suprimir os <strong>de</strong>litos estabelecidos <strong>de</strong> acordo com o parágrafo 1 do Artigo 3.<br />
Em particular, os programas se referirão a:<br />
a) métodos utilizados para <strong>de</strong>tecção e supressão dos <strong>de</strong>litos estabelecidos <strong>de</strong> acordo com o<br />
parágrafo 1 do Artigo 3;<br />
b) rotas e técnicas utilizadas por pessoas supostamente implicadas em <strong>de</strong>litos estabelecidos <strong>de</strong><br />
acordo com o parágrafo 1 do Artigo 3, especialmente nos Estados <strong>de</strong> trânsito, e medidas a<strong>de</strong>quadas<br />
para controlar sua utilização;<br />
c) o monitoramento da exportação e importação <strong>de</strong> entorpecentes, substâncias psicotrópicas e<br />
substâncias que figuram no Quadro I e no Quadro II;<br />
d) <strong>de</strong>tecção e monitoramento da movimentação do produto e dos bens <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos<br />
estabelecidos <strong>de</strong> acordo com o parágrafo 1 do Artigo 3, dos entorpecentes, substâncias psicotrópicas<br />
e substâncias que figuram no Quadro I e no Quadro II, e dos instrumentos utilizados ou que se<br />
preten<strong>de</strong> utilizar para praticar os <strong>de</strong>litos;<br />
e) os métodos utilizados para a transferência, a ocultação e o encobrimento do produto, dos<br />
bens e dos instrumentos em questão;
180<br />
f) a coleta <strong>de</strong> evidência;<br />
g) as técnicas <strong>de</strong> fiscalização em zonas e portos livres;<br />
h) as técnicas mo<strong>de</strong>rnas <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e repressão;<br />
3 - As Partes assistir-se-ão mutuamente no planejamento e na execução <strong>de</strong> programas <strong>de</strong><br />
pesquisa e treinamento usados para fazer o intercâmbio <strong>de</strong> conhecimentos nas áreas a que faz<br />
referência o parágrafo 2 <strong>de</strong>ste Artigo e, para esse fim, <strong>de</strong>verão também, quando necessário, recorrer<br />
a conferências e seminários regionais e internacionais, a fim <strong>de</strong> promover a cooperação e estimular o<br />
exame dos problemas <strong>de</strong> interesse comum, incluídos, especialmente, os problemas e necessida<strong>de</strong>s<br />
especiais do Estado <strong>de</strong> trânsito.<br />
ARTIGO 10<br />
Cooperação Internacional <strong>de</strong> Assistência<br />
Aos Estados <strong>de</strong> Trânsito<br />
1 - As Partes cooperação diretamente ou por meio das organizações internacionais ou regionais<br />
competentes, para prestar assistência e apoio aos Estados <strong>de</strong> trânsito e, em particular, aos países<br />
em <strong>de</strong>senvolvimento que necessitem da assistência e do apoio em questão, na medida do possível,<br />
mediante programas <strong>de</strong> cooperação técnica para impedir a entrada e o trânsito ilícito, assim como<br />
para outras ativida<strong>de</strong>s conexas.<br />
2 - As Partes po<strong>de</strong>rão convir, diretamente ou por meio das organizações internacionais ou<br />
regionais competentes, em proporcionar assistência financeira aos Estados <strong>de</strong> trânsito em questão,<br />
com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aumentar e fortalecer a infra-estrutura <strong>de</strong> que necessitam para a fiscalização e a<br />
prevenção eficaz do tráfico ilícito.<br />
3 - As Partes po<strong>de</strong>rão celebrar acordos ou ajustes bilaterais ou multilaterais para aumentar a<br />
eficácia da cooperação internacional prevista neste Artigo e po<strong>de</strong>rão levar em consi<strong>de</strong>ração a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concluir acordos financeiros a esse respeito.<br />
ARTIGO 11<br />
Entrega Vigiada<br />
1 - Se os princípios fundamentais dos respectivos or<strong>de</strong>namentos jurídicos internos o permitirem,<br />
as Partes adotarão as medidas necessárias, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s, para que se possa<br />
recorrer, <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>quada, no plano internacional, à entrega vigiada, com base nos acordos e<br />
ajustes mutuamente negociados, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir as pessoas implicadas em <strong>de</strong>litos<br />
estabelecidos <strong>de</strong> acordo com o parágrafo 1 do Artigo 3 e <strong>de</strong> encetar ações legais contra estes.<br />
2 - As <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> recorrer à entrega vigiada serão adotadas, caso a caso, e po<strong>de</strong>rão, quando<br />
necessário, levar em conta ajustes financeiros e entendimentos relativos ao exercício <strong>de</strong> sua<br />
competência pelas Partes interessadas.<br />
3 - As remessas ilícitas, cuja entrega vigiada tenha sido negociada po<strong>de</strong>rão, com o<br />
consentimento das Partes interessadas, ser interceptadas e autorizadas a prosseguir intactas ou<br />
tendo sido retirado ou subtraído, total ou parcialmente, os entorpecentes ou substâncias psicotrópicas<br />
que continham.<br />
ARTIGO 12<br />
Substâncias Utilizadas com Freqüência na Fabricação Ilícita <strong>de</strong> Entorpecentes e <strong>de</strong> Substâncias<br />
Psicotrópicas
181<br />
1 - As Partes adotarão as medidas que julguem a<strong>de</strong>quadas para evitar o <strong>de</strong>svio das substâncias<br />
que figuram no Quadro I e no Quadro II, utilizadas na fabricação ilícita <strong>de</strong> entorpecentes e <strong>de</strong><br />
substâncias psicotrópicas e cooperar entre si para este fim.<br />
2 - Se uma Parte, ou a Junta, possuir dados que, a seu juízo, possam requerer a inclusão <strong>de</strong><br />
uma substância no Quadro I ou no Quadro II, esta notificará o Secretário Geral e lhe dará acesso aos<br />
dados em que foi fundamentada a notificação. O procedimento <strong>de</strong>scrito no parágrafo 2 a 7 <strong>de</strong>ste<br />
Artigo, também se aplicará quando uma das Partes, ou a Junta, possuir informações que justifiquem<br />
suprimir uma substância do Quadro I ou do Quadro II ou transferir uma substância <strong>de</strong> um Quadro<br />
para outro.<br />
3 - O Secretário Geral comunicará essa notificação e os dados que consi<strong>de</strong>rar pertinentes às<br />
Partes, à Comissão e, quando a notificação proce<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma das Partes, à Junta. As Partes<br />
comunicarão, aos Secretário Geral, suas observações sobre a notificação e toda informação<br />
complementar que possa auxiliar à Junta na elaboração <strong>de</strong> um julgamento e, à Comissão na adoção<br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão.<br />
4 - Se a Junta, levando em consi<strong>de</strong>ração a magnitu<strong>de</strong>, importância e diversida<strong>de</strong> do uso ilícito<br />
<strong>de</strong>ssa substância, e a possibilida<strong>de</strong> e a facilida<strong>de</strong> do uso <strong>de</strong> substância substitutiva tanto para o uso<br />
ilícito quanto para a fabricação ilícita <strong>de</strong> entorpecentes ou <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas, comprovar:<br />
a) que a substância se emprega com freqüência na fabricação ilícita <strong>de</strong> um entorpecente ou <strong>de</strong><br />
uma substância psicotrópica;<br />
b) que o volume e a magnitu<strong>de</strong> da fabricação ilícita <strong>de</strong> um entorpecente ou <strong>de</strong> uma substância<br />
psicotrópica crie gran<strong>de</strong>s problemas sanitários ou sociais, que justifique a adoção <strong>de</strong> medidas no<br />
plano internacional, comunicará à Comissão um parecer sobre a substância, no qual se assinala o<br />
efeito que sua incorporação ao Quadro I ou ao Quadro II teria, tanto sobre seu uso lícito quanto sobre<br />
sua fabricação ilícita, junto com recomendações sobre as medidas <strong>de</strong> vigilância que, nesse caso,<br />
sejam a<strong>de</strong>quadas à luz daquele parecer.<br />
5 - A Comissão, levando em conta as observações apresentadas pelas Partes e as observações<br />
e recomendações da Junta, cujo parecer será <strong>de</strong>terminante no plano científico e levando também em<br />
<strong>de</strong>vida consi<strong>de</strong>ração quaisquer outros fatores pertinentes, po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>cidir, por <strong>maio</strong>ria <strong>de</strong> dois terços<br />
<strong>de</strong> seus membros, incorporar uma substância ao Quadro I ou ao Quadro II.<br />
6 - Toda <strong>de</strong>cisão que a Comissão tomar, <strong>de</strong> acordo com este Artigo, será comunicada pelo<br />
Secretário Geral a todos os Estados e outras Entida<strong>de</strong>s que sejam Parte <strong>de</strong>sta Convenção ou, que<br />
possam vir a sê-lo, bem como à Junta. Assim, uma <strong>de</strong>cisão surtirá pleno efeito, para cada uma das<br />
Partes, 180 dias após a data da comunicação.<br />
7 - a) As <strong>de</strong>cisões da Comissão, adotadas <strong>de</strong> acordo com o presente Artigo, estarão sujeitas a<br />
revisão pelo Conselho, quando solicitado por qualquer uma das Partes, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um prazo <strong>de</strong> 180<br />
dias, contados a partir da data da notificação da <strong>de</strong>cisão. A solicitação <strong>de</strong> revisão será apresentada<br />
ao Secretário Geral, junto com toda informação pertinente que a instrue.<br />
b) O Secretário Geral transmitirá cópias da solicitação <strong>de</strong> revisão e da informação pertinente à<br />
Comissão, à Junta e a todas as Partes, convidando-as a apresentar suas observações recebidas<br />
serão comunicadas ao Conselho para que sejam por ele examinadas.<br />
c) O Conselho po<strong>de</strong>rá confirmar ou revogar a <strong>de</strong>cisão da Comissão. A notificação da <strong>de</strong>cisão do<br />
Conselho será transmitida não só a todos os Estados e outras entida<strong>de</strong>s que sejam Partes <strong>de</strong>sta<br />
Convenção ou que possam vir a sê-lo, mas também, à Comissão e à Junta.<br />
8 - a) Sem prejuízo das disposições <strong>de</strong> caráter geral contidas no parágrafo 1 do presente Artigo<br />
e do disposto na Convenção <strong>de</strong> 1961 em sua forma emendada, e na Convenção <strong>de</strong> 1971, as Partes<br />
tomarão as medidas que julgarem oportunas para controlar a fabricação e a distribuição das<br />
substâncias, que figuram no Quadro I e II, realizadas em seu território.
182<br />
b) com esse propósito, as Partes po<strong>de</strong>rão:<br />
i) exercer vigilância sobre todas as pessoas e empresas que se <strong>de</strong>diquem à fabricação ou à<br />
distribuição das substâncias em questão;<br />
ii) controlar, mediante licenças, o estabelecimento, e os locais em que se fabrica ou se fazem as<br />
distribuições em questão;<br />
iii) exigir que os licenciados obtenham autorização para efetuar as operações necessárias;<br />
iv) impedir os fabricantes e distribuidores <strong>de</strong> acumularem quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssas substâncias em<br />
excesso do que foi solicitado para o <strong>de</strong>sempenho normal das ativida<strong>de</strong>s comerciais e das condições<br />
prevalecentes no mercado.<br />
9 - Cada Parte adotará, com respeito às substâncias psicotrópicas inscritas no Quadro I e no<br />
Quadro II, as seguintes medidas:<br />
a) estabelecer e manter um sistema para controlar o comércio internacional <strong>de</strong> substâncias que<br />
figuram no Quadro I e no Quadro II a fim <strong>de</strong> facilitar o <strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong> operações suspeitas.<br />
Aqueles sistemas <strong>de</strong> controle <strong>de</strong>verão ser aplicados em estreita cooperação com os fabricantes,<br />
importadores e exportadores, atacadistas e varejistas, que <strong>de</strong>verão informar as autorida<strong>de</strong>s<br />
competentes sobre pessoa e operações suspeitas;<br />
b) dispor sobre o confisco <strong>de</strong> qualquer substância que figure no Quadro I ou no Quadro II, se<br />
existirem provas suficientes <strong>de</strong> que será utilizada para a fabricação ilícita <strong>de</strong> entorpecente ou <strong>de</strong><br />
substâncias psicotrópicas;<br />
c) notificar, a quanto antes, as autorida<strong>de</strong>s e serviços competentes das Partes interessadas se<br />
existem razões para se presumir que a importação ou a exportação ou o trânsito <strong>de</strong> uma substância<br />
que figure no Quadro I ou no Quadro II se <strong>de</strong>stina à fabricação ilícita <strong>de</strong> entorpecentes ou <strong>de</strong><br />
substâncias psicotrópicas, facilitando, em particular, acesso à informação sobre os meios <strong>de</strong><br />
pagamento ou quaisquer outros elementos essenciais em que se fundamenta aquela presunção;<br />
d) exigir que as importações e as exportações estejam corretamente etiquetadas e<br />
documentadas. Os documentos comerciais, tais como faturas, manifestos <strong>de</strong> carga, documentos<br />
aduaneiros e <strong>de</strong> transporte e outros documentos relativos aos <strong>de</strong>spacho, <strong>de</strong>verão conter nomes, tal<br />
como figuram no Quadro I ou no Quadro II, das substâncias importadas ou exportadas, a quantida<strong>de</strong><br />
que se importa ou exporta, o nome e o en<strong>de</strong>reço do exportador, importador e, quando possível, do<br />
consignatário;<br />
e) velar para que os documentos mencionados no inciso d) sejam conservados por, pelo menos,<br />
dois anos e posto à disposição das autorida<strong>de</strong>s competentes para inspeção.<br />
10 - a) Além do disposto no parágrafo 9 e da petição <strong>de</strong> Parte interessada, dirigida ao Secretário<br />
Geral, cada Parte, <strong>de</strong> cujo território se exportará uma das substâncias que figuram no Quadro I velará<br />
para que, antes da exportação, suas autorida<strong>de</strong>s competentes comuniquem a seguinte informação às<br />
autorida<strong>de</strong>s competentes do país importador:<br />
i) o nome e en<strong>de</strong>reço do exportador, do importador e, quando possível, do consignatário;<br />
ii) o nome da substância que figura no Quadro I;<br />
iii) a quantida<strong>de</strong> da substância a ser exportada;<br />
iv) o ponto <strong>de</strong> entrada e data prevista do envio;<br />
v) qualquer outra informação acordada mutuamente pelas Partes.
183<br />
b) As Partes po<strong>de</strong>rão adotar medidas <strong>de</strong> fiscalização mais estritas ou rigorosas que as previstas<br />
no presente parágrafo se, a seu juízo, tais medidas são convenientes ou necessárias.<br />
11 - Quando uma parte fornecer informação à outra, <strong>de</strong> acordo com o disposto nos parágrafos 9<br />
e 10 <strong>de</strong>ste Artigo, po<strong>de</strong>rá exigir que a Parte que a recebe respeite o caráter confi<strong>de</strong>ncial dos<br />
segredos industriais, empresariais, comerciais ou profissionais ou dos processos industriais que<br />
contenham.<br />
12 - Cada parte apresentará anualmente à Junta, na forma e modo que esta estabelecer e nos<br />
formulários que esta distribuir, informações sobre:<br />
a) as quantida<strong>de</strong>s confiscadas das substâncias inscritas no Quadro I e no Quadro II e, quando<br />
conhecida, sua origem;<br />
b) qualquer substância não inscrita no Quadro I ou no Quadro II, mas cuja utilização na<br />
fabricação ilícita <strong>de</strong> entorpecentes ou <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas é conhecida e que, a juízo <strong>de</strong>ssa<br />
Parte, seja consi<strong>de</strong>rada bastante importante para que seja trazida à atenção da Junta;<br />
c) os métodos <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio e fabricação ilícita.<br />
13 - A Junta informará anualmente à Comissão sobre a aplicação <strong>de</strong>ste Artigo, e a Comissão<br />
examinará periodicamente a idoneida<strong>de</strong> e a pertinência do Quadro I e do Quadro II.<br />
14 - As disposições <strong>de</strong>ste Artigo não se aplicarão nem aos preparados farmacêuticos, nem aos<br />
preparados que contenham substâncias que figuram no Quadro I ou no Quadro II e que estejam<br />
compostas <strong>de</strong> forma tal que essas substâncias não possam ser empregadas ou facilmente<br />
recuperadas pelos meios <strong>de</strong> fácil aplicação.<br />
ARTIGO 13<br />
Materiais e Equipamentos<br />
As partes adotarão as medidas que julguem a<strong>de</strong>quadas e cooperarão entre si para impedir o<br />
comércio e o <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> materiais e equipamentos <strong>de</strong>stinados à produção ou fabricação ilícita <strong>de</strong><br />
entorpecentes e <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas.<br />
ARTIGO 14<br />
Medidas para Erradicar o Cultivo Ilícito <strong>de</strong> Plantas das Quais se Extraem Entorpecentes<br />
e para Eliminar a Demanda Ilícita <strong>de</strong> Entorpecentes e <strong>de</strong> Substâncias Psicotrópicas<br />
1 - Qualquer medida adotada pelas Partes em virtu<strong>de</strong> da aplicação <strong>de</strong>sta Convenção não será<br />
menos estrita que as normas aplicáveis à erradicação do cultivo ilícito <strong>de</strong> plantas que contenham<br />
entorpecentes e substâncias psicotrópicas e a eliminação da <strong>de</strong>manda ilícita <strong>de</strong> entorpecentes e <strong>de</strong><br />
substâncias psicotrópicas conforme o disposto na Convenção <strong>de</strong> 1961, na Convenção <strong>de</strong> 1961 em<br />
sua forma emendada, e no Convênio <strong>de</strong> 1971.<br />
2 - Cada uma das Partes adotará medidas a<strong>de</strong>quadas para evitar o cultivo ilícito das plantas que<br />
contenham entorpecentes ou substâncias psicotrópicas, tais como as semente ópio; os arbustos <strong>de</strong><br />
coca e as plantas <strong>de</strong> cannabis, assim como para erradicar aquelas que são ilicitamente cultivadas em<br />
seu território. As medidas adotadas <strong>de</strong>verão respeitar os direitos humanos fundamentais e levarão<br />
em <strong>de</strong>vida consi<strong>de</strong>ração, não só os usos tradicionais, on<strong>de</strong> exista evidência histórica sobre o assunto,<br />
senão também a proteção do meio ambiente.<br />
3 - a) As Partes po<strong>de</strong>rão cooperar para aumentar a eficiência dos esforços <strong>de</strong> erradicação. Essa<br />
cooperação po<strong>de</strong>rá compreen<strong>de</strong>r, inter alia, apoio, quando proce<strong>de</strong>r, ao <strong>de</strong>senvolvimento rural<br />
integrado que ten<strong>de</strong> a oferecer soluções substitutivas e economicamente viáveis ao cultivo ilícito.
184<br />
Fatores como acesso ao mercado, disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos e condições sócioeconômicas<br />
urgentes <strong>de</strong>verão ser pon<strong>de</strong>rados antes <strong>de</strong> implementar aqueles programas. As Partes<br />
po<strong>de</strong>rão chegar a acordos sobre quaisquer outras medidas a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> cooperação.<br />
4 - A Partes adotarão medidas a<strong>de</strong>quadas que ten<strong>de</strong>rão a suprimir ou reduzir a <strong>de</strong>manda ilícita<br />
<strong>de</strong> entorpecentes e <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas com vistas a diminuir o sofrimento humano e<br />
eliminar is incentivos financeiros do tráfico ilícito. Aquelas medidas po<strong>de</strong>rão fundamentar-se, inter<br />
alia, em recomendações das Nações Unidas, tais como a Organização Mundial da Saú<strong>de</strong> e outras<br />
organizações internacionais competentes e, no Plano Amplo e Multidisciplinário aprovado pela<br />
Conferência Internacional sobre o Uso In<strong>de</strong>vido e o Tráfico Ilícito <strong>de</strong> Drogas, celebrado em 1987, na<br />
medida em que se relacione com os esforços das organizações governamentais e não<br />
governamentais e <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s privadas no âmbito da prevenção, tratamento e reabilitação. As<br />
Partes po<strong>de</strong>rão negociar Acordos ou Ajustes bilaterais ou multilaterais que tendam a eliminar ou<br />
reduzir a <strong>de</strong>manda ilícita <strong>de</strong> entorpecentes e substâncias psicotrópicas.<br />
5 - As Partes po<strong>de</strong>rão também adotar as medidas necessárias para que os entorpecentes, as<br />
substâncias psicotrópicas e outras substâncias inscritas no Quadro I e no Quadro II, que tenham sido<br />
retidas ou confiscadas, sejam prontamente <strong>de</strong>struídas ou utilizadas <strong>de</strong> acordo com a lei e para que as<br />
quantida<strong>de</strong>s necessárias e <strong>de</strong>vidamente certificadas <strong>de</strong>ssas substâncias sejam admissíveis como<br />
evidência.<br />
ARTIGO 15<br />
Transportadores Comerciais<br />
1 - As Partes adotarão medidas a<strong>de</strong>quadas a fim <strong>de</strong> garantir que, os meios <strong>de</strong> transporte<br />
utilizados por transportadores comerciais, não o sejam para cometer <strong>de</strong>litos estabelecidos <strong>de</strong> acordo<br />
com o parágrafo 1 do Artigo 3; entre essas medidas po<strong>de</strong>rão figurar arranjos especiais com os<br />
transportadores comerciais.<br />
2 - Cada Parte exigirá dos transportadores comerciais precauções razoáveis a fim <strong>de</strong> impedir<br />
que seus meios <strong>de</strong> transporte sejam utilizados para cometer <strong>de</strong>litos estabelecidos <strong>de</strong> acordo com o<br />
parágrafo 1 do Artigo 3. Entre essas precauções po<strong>de</strong>rão figurar as seguintes:<br />
a) quando a se<strong>de</strong> do transportador comercial encontrar-se no território da Parte em questão:<br />
i) treinamento <strong>de</strong> pessoal para i<strong>de</strong>ntificar pessoas ou remessas suspeitas;<br />
ii) estímulo à integrida<strong>de</strong> moral do pessoal.<br />
b) quando o transportador comercial <strong>de</strong>senvolve ativida<strong>de</strong>s no território da Parte em questão:<br />
i) apresentação adiantada, quando possível, dos manifestos <strong>de</strong> carga;<br />
ii) utilização <strong>de</strong> containers com selos invioláveis, e individualmente verificáveis;<br />
iii) informar sem <strong>de</strong>mora <strong>de</strong>núncia, às autorida<strong>de</strong>s competentes, <strong>de</strong> qualquer circunstância<br />
supeita que possa estar relacionada com a prática <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos estabelecidos <strong>de</strong> acordo com o<br />
parágrafo 1 do Artigo 3.<br />
3 - Cada Parte procurará garantir nos pontos <strong>de</strong> entrada e saída e em outras áreas <strong>de</strong> controle,<br />
a cooperação entre transportadores e autorida<strong>de</strong>s competentes a fim <strong>de</strong> impedir o acesso não<br />
autorizado ao meios <strong>de</strong> transportes e à carga, e que apliquem as medidas <strong>de</strong> segurança a<strong>de</strong>quadas.<br />
ARTIGO 16<br />
Documentos Comercias e Etiquetas <strong>de</strong> Exportação
185<br />
1 - Cada Parte exigirá que as exportações lícitas <strong>de</strong> entorpecentes e <strong>de</strong> substâncias<br />
psicotrópicas estejam <strong>de</strong>vidamente documentadas. Além dos requisitos <strong>de</strong> documentação, previstos<br />
no Artigo 31 da Convenção <strong>de</strong> 1961, no Artigo 31 da Convenção <strong>de</strong> 1961 em sua forma emendada, e<br />
no Artigo 12 do Convênio <strong>de</strong> 1971, os documentos comerciais, tais como faturas, manifestos <strong>de</strong><br />
carga, documentos aduaneiros e <strong>de</strong> transporte e outros documentos relativos ao envio, <strong>de</strong>verão<br />
indicar o nome dos entorpecentes e das substâncias psicotrópicas que são exportados, tal como<br />
figuram nas listas correspon<strong>de</strong>ntes da Convenção <strong>de</strong> 1961, da Convenção <strong>de</strong> 1961 em sua forma<br />
emendada, e do Convenio <strong>de</strong> 1971, assim como a quantida<strong>de</strong> exportada e o nome e en<strong>de</strong>reço do<br />
exportados, importador e, quando possível do consignatário.<br />
2 - Cada Parte exigirá que as remessas <strong>de</strong> entorpecentes e <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas não<br />
estejam incorretamente etiquetadas.<br />
ARTIGO 17<br />
Tráfico Ilícito por Mar<br />
1 - As Partes cooperação, <strong>de</strong> todas as maneiras possíveis, para eliminar o tráfico ilícito por mar,<br />
<strong>de</strong> acordo com o estabelecido no direito internacional do mar.<br />
2 - Toda Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio com seu pavilhão, ou<br />
que não traga nenhum, ou que não tenha registro, esteja sendo utilizada para o tráfico ilícito po<strong>de</strong>rá<br />
solicitar a assistência <strong>de</strong> outras Partes, para por fim a essa utilização. As Partes das quais se solicita<br />
assistência a prestarão <strong>de</strong>ntre os meios <strong>de</strong> que dispõem.<br />
3 - Toda Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio esteja exercendo<br />
liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> navegação, conforme o direito internacional, e que traga o pavilhão ou tenha registro em<br />
outra Parte, e que esteja sendo utilizado para o tráfico ilícito, po<strong>de</strong>rá notificá-lo ao Estado-pavilhão e<br />
solicitar que confirme o registro; se confirmado, po<strong>de</strong>rá solicitar-lhe autorização para adotar medidas<br />
a<strong>de</strong>quadas quanto ao navio.<br />
4 - De acordo com o parágrafo 3 ou com os tratados vigentes entre as Partes, ou com qualquer<br />
outro acordo ou ajuste que tenha sido concluído entre elas, o Estado-pavilhão po<strong>de</strong>rá autorizar o<br />
Estado requerente, entre outras coisas, a:<br />
a) abordar o navio;<br />
b) inspecionar o navio;<br />
c) se provas que impliquem em tráfico ilícito forem <strong>de</strong>scobertas, adotar medidas a<strong>de</strong>quadas com<br />
respeito ao navio, às pessoas e à carga que se encontrem a bordo.<br />
5 - Quando se adota uma medida em conformida<strong>de</strong> com este Artigo, as Partes interessadas<br />
levarão <strong>de</strong>vidamente em conta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não colocar em perigo a segurança da vida no mar<br />
e a da carga e <strong>de</strong> não prejudicar os interesses comerciais e jurídicos do Estado-pavilhão ou <strong>de</strong><br />
qualquer outro Estado interessado.<br />
6 - O Estado-Pavilhão po<strong>de</strong>rá, em consonância com suas obrigações, previstas no parágrafo 1<br />
do presente Artigo submeter sua autorização a condições que serão acordadas entre o Estado em<br />
questão e a Parte requerente, incluindo as condições referentes à responsabilida<strong>de</strong>.<br />
7 - Para o efeito dos parágrafos 3 e 4 <strong>de</strong>ste Artigo, as Partes respon<strong>de</strong>rão com presteza às<br />
solicitações <strong>de</strong> outras Partes <strong>de</strong> que se averigúe se um navio, que traz seu pavilhão, está autorizado<br />
a fazê-lo, assim como às solicitações <strong>de</strong> autorização que forem feitas <strong>de</strong> acordo como parágrafo 3.<br />
Cada Estado, no momento em que fizer Parte <strong>de</strong>sta Convenção, indicará uma ou, caso necessário,<br />
várias autorida<strong>de</strong>s que se encarregarão <strong>de</strong> receber as solicitações em questão e <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a elas.<br />
Essa indicação será divulgada, por intermédio do Secretário Geral, a todas as <strong>de</strong>mais Partes, <strong>de</strong>ntro<br />
do mês que se seguir à <strong>de</strong>signação.
186<br />
8 - A Parte que tiver adotado qualquer uma das medidas previstas no presente Artigo, informará<br />
prontamente o Estado-pavilhão sobre os resultados <strong>de</strong>ssa medida.<br />
9 - As Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> celebrar acordos e ajustes bilaterais e regionais<br />
para levar a cabo as disposições <strong>de</strong>ste Artigo ou torná-las mais eficazes.<br />
10 - As medias, que se adotam em cumprimento do parágrafo 4 <strong>de</strong>ste Artigo, somente serão<br />
aplicadas por navios <strong>de</strong> guerra ou aviões militares, ou por outros navios ou aviões que tenham sinais<br />
claros e que sejam i<strong>de</strong>ntificáveis como navios ou aviões a serviço <strong>de</strong> um Governo e que estejam<br />
autorizados a cumprir aquela finalida<strong>de</strong>.<br />
11 - Toda medida adotada <strong>de</strong> acordo com este Artigo levará em <strong>de</strong>vida consi<strong>de</strong>ração a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não intervir no exercício da jurisdição dos Estados ribeirinhos ou afetar seus direitos<br />
ou obrigações, em consonância com o Direito Internacional do Mar.<br />
ARTIGO 18<br />
Zonas e Portos Livres<br />
1 - As Partes, a fim <strong>de</strong> eliminar, nas zonas e portos livres, o tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes,<br />
substâncias psicotrópicas inscritas nos Quadros I e II, adotarão medidas não menos estritas que as<br />
aplicadas em outras partes <strong>de</strong> seu território.<br />
2 - As Partes procurarão:<br />
a) controlar o movimento <strong>de</strong> bens e pessoas nas zonas e portos livre, para o que facultarão as<br />
autorida<strong>de</strong>s a inspecionar as cargas e os navios na chegada e na partida, incluídos as embarcações<br />
<strong>de</strong> recreio e barcos pesqueiros, assim como aviões e veículos e, quando proce<strong>de</strong>r, a revistar os<br />
membros da tripulação, os passageiros e as respectivos bagagens;<br />
b) estabelecer e manter um sistema para <strong>de</strong>scobrir as remessas suspeitas <strong>de</strong> conter<br />
entorpecentes, substâncias psicotrópicas e substâncias inscritas nos Quadros I e II, que entrem ou<br />
saiam das zonas em questão;<br />
c) estabelecer e manter sistemas <strong>de</strong> vigilância nas zonas do porto, nas docas, nos aeroportos <strong>de</strong><br />
controle <strong>de</strong> fronteiras das zonas e portos livres.<br />
ARTIGO 19<br />
Utilização dos Serviços Postais<br />
1 - As Partes, <strong>de</strong> acordo com suas obrigações oriundas das Convenções da União Postal<br />
Universal, e <strong>de</strong> acordo com os princípios fundamentais <strong>de</strong> seus respectivos or<strong>de</strong>namentos jurídicos<br />
internos, adotarão medidas e cooperação entre si a fim <strong>de</strong> suprimir a utilização dos sérvios postais<br />
para o tráfico ilícito.<br />
2 - As medidas a que se refere o parágrafo 1 do presente Artigo incluirão, em particular:<br />
a) medidas coor<strong>de</strong>nadas e orientadas para prevenir e reprimir a utilização dos serviços postais<br />
para o tráfico ilícito;<br />
b) a introdução e a manutenção, por pessoal <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e repressão competente, <strong>de</strong> técnicas<br />
<strong>de</strong> pesquisa e controle direcionados para <strong>de</strong>tectar as remessas postais com conteúdo ilícito <strong>de</strong><br />
entorpecentes, <strong>de</strong> substâncias psicotrópicas e substâsncias incluídas nos Quadros I e II;<br />
c) medidas legislativas que permitam recorrer a meios a<strong>de</strong>quados a fim <strong>de</strong> assegurar as provas<br />
necessárias para iniciar procedimentos jurídicos.
187<br />
ARTIGO 20<br />
Informação a ser Fornecida pelas Partes<br />
1 - As Partes fornecerão, por intermédio do Secretário Geral, informação à comissão sobre<br />
funcionamento <strong>de</strong>sta Convenção em seus territórios e, em particular:<br />
a) textos das leis e regulamentos promulgados para dar efeito à Convenção;<br />
b) pormenores dos casos <strong>de</strong> tráfico ilícito <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua jurisdição, que julguem importantes,<br />
pelas novas tendências que revelam, as quantida<strong>de</strong>s em questão, a procedência das substâncias ou<br />
os métodos utilizados por pessoas que se <strong>de</strong>dicam ao tráfico ilícito.<br />
2 - As Partes facilitarão o acesso à informação do modo e na data em que a comissão o solicitar.<br />
ARTIGO 21<br />
FUNÇÕES DA cOMISSÃO<br />
1 - A Comissão está autorizada a consi<strong>de</strong>rar quaisquer questões relacionadas com os objetivos<br />
<strong>de</strong>sta Convenção e, em particular:<br />
a) a Comissão examinará o andamento da presente Convenção, com base nas informações<br />
apresentadas pelas Partes, <strong>de</strong> acordo com o Artigo 20;<br />
b) a Comissão po<strong>de</strong>rá fazer sugestões e recomendações <strong>de</strong> caráter geral com base no exame<br />
das informações recebidas das Partes;<br />
c) a Comissão po<strong>de</strong>rá levar á atenção da Junta qualquer questão que tenha relação a mesma;<br />
d) a Comissão tomará as medidas que julgar a<strong>de</strong>quadas sobre qualquer questão que lhe tenha<br />
sido remetida pela Junta, <strong>de</strong> acordo com o inciso b) do parágrafo 1 do Artigo 23;<br />
e) A Comissão, <strong>de</strong> acordo com o procedimento estabelecido no Artigo 12, po<strong>de</strong>rá emendar o<br />
Quadro I e o II;<br />
f) a Comissão po<strong>de</strong>rá levar à atenção dos Estados não-Partes as <strong>de</strong>cisões e recomendações<br />
que adote em cumprimento à presente Convenção, a fim <strong>de</strong> que examinem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar<br />
medidas cabíveis.<br />
ARTIGO 22<br />
Funções da Junta<br />
1 - Sem prejuízo das funções da Comissão prevista no Artigo 21 e sem prejuízo das funções da<br />
Junta e da Comissão, previstas na Convenção <strong>de</strong> 1961, na Convenção <strong>de</strong> 1961 em sua forma<br />
emendada, e no Convênio <strong>de</strong> 1971;<br />
a) Se, com base no exame da informação à disposição <strong>de</strong>la, do Secretário Geral, ou da<br />
Comissão, ou da informação comunicada pelos órgãos das Nações Unidas, a Junta tiver motivos<br />
para crer que os objetivos <strong>de</strong>sta Convenção não são cumpridos em assuntos <strong>de</strong> sua competência, a<br />
Junta po<strong>de</strong>rá convidar uma ou mais Partes a fornecer toda informação pertinente;<br />
b) com respeito aos Artigos 12, 13 e 16:
188<br />
i) uma vez cumprido o trâmite assinalado no inciso a) <strong>de</strong>ste Artigo, a Junta po<strong>de</strong>rá, se julgar<br />
necessário, pedir à Parte interessada que adote medidas corretivas que as circunstâncias<br />
aconselham para o cumprimento do disposto nos Artigos 12, 13 e 16;<br />
ii) antes <strong>de</strong> tomar qualquer medida, conforme o sub-item iii) infra, a Junta tratará<br />
confi<strong>de</strong>ncialmente suas comunicações com a Parte interessada <strong>de</strong> acordo com os subs-itens<br />
anteriores;<br />
iii) se a Junta consi<strong>de</strong>rar que a Parte interessada não tenha adotado as medidas corretivas<br />
conforme solicitação, <strong>de</strong> acordo com este sub-item, po<strong>de</strong>rá levar o assunto à atenção das Partes, do<br />
Conselho e da Comissão. Qualquer relatório publicado pela Junta, <strong>de</strong> acordo com este sub-item,<br />
incluirá também as opiniões da Parte interessada se esta assim o solicitar da Parte interessada se<br />
esta assim o solicitar.<br />
2 - Toda Parte interessada será convidada para ser representada nas reuniões da Junta, na qual<br />
se examinará, <strong>de</strong> acordo com este Artigo, uma questão que afete diretamente.<br />
3 - No caso <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão da Junta, adota em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste Artigo, não ser unânime, <strong>de</strong>ixarse-á<br />
constância das opiniões da minoria.<br />
4 - As <strong>de</strong>cisões da Junta, <strong>de</strong> acordo com este Artigo, tomar-se-ão pela <strong>maio</strong>ria <strong>de</strong> dois terços do<br />
número total <strong>de</strong> membros da Junta.<br />
5 - No <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas funções, <strong>de</strong> acordo com o inciso a) do parágrafo 1 <strong>de</strong>ste Artigo, a<br />
Junta protegerá o caráter confi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> toda informação que lhe seja dada.<br />
6 - A responsabilida<strong>de</strong> da Junta, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste Artigo, não se aplicará para o cumprimento <strong>de</strong><br />
tratados ou acordos celebrados entre as Partes, <strong>de</strong> acordo com o disposto na presente Convenção.<br />
7 - O disposto neste Artigo não se aplicará às controvérsias entre as Partes, mencionadas nas<br />
disposições do Artigo 32.<br />
ARTIGO 23<br />
Informações <strong>de</strong> Junta<br />
1 - A Junta preparará um relatório anual sobre seus trabalhos, contendo uma análise da<br />
informação a seu dispor e, nos casos a<strong>de</strong>quados, uma relação das explicações, se existirem,<br />
fornecidas pelas Partes ou por elas solicitadas, junto com quaisquer observações e recomendações<br />
que a Junta <strong>de</strong>seje formular. A Junta po<strong>de</strong>rá preparar os relatórios adicionais que consi<strong>de</strong>rar<br />
necessários. A Junta po<strong>de</strong>rá preparar os relatórios adicionais que consi<strong>de</strong>rar necessários. Os<br />
relatórios serão apresentados ao Conselho, por intermédio da comissão, que po<strong>de</strong>rá fazer as<br />
observações que julgar convenientes.<br />
2 - Os relatórios da Junta serão transmitidos às Partes e posteriormente publicadas pelo<br />
Secretário Geral. As Partes permitirão sua distribuição, sem restrições.<br />
ARTIGO 24<br />
Aplicação <strong>de</strong> Medidas mais Estritas que as Estabelecidas pela Presente Convenção<br />
As Partes po<strong>de</strong>rão, adotar medidas mais estritas ou rigorosas que as previstas na presente<br />
Convenção se, a seu juízo, tais medidas são convenientes ou necessárias para impedir ou eliminar o<br />
tráfico ilícito.<br />
(...)
189<br />
ANEXO<br />
QUADRO I<br />
Efedrina<br />
Ergometrina<br />
Ergotamina<br />
Ácido Lisérgico<br />
QUADRO II<br />
Anidrido acético<br />
Acetona<br />
Ácido Antranílico<br />
Éter etílico<br />
1 - fenil - 2 - propanona Ácido Fenilacético<br />
Pseudoefedrina<br />
Piperidina<br />
Os sais das substâncias listados no presente Os sais das substâncias listados no presente<br />
quadro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a existência dos sais em quadro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a existência dos sais em<br />
questão seja possível.<br />
questão seja possível.<br />
Presidência da República<br />
Casa<br />
Civil<br />
Subchefia para Assuntos Jurídicos<br />
DECRETO Nº 5.687, DE 31 DE JANEIRO DE 2006.<br />
Promulga a Convenção das Nações Unidas contra<br />
a Corrupção, adotada pela Assembléia-Geral das<br />
Nações Unidas em 31 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003 e<br />
assinada pelo Brasil em 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003.<br />
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da<br />
Constituição, e<br />
Consi<strong>de</strong>rando que o Congresso Nacional aprovou o texto da Convenção das Nações Unidas<br />
contra a Corrupção, por meio do Decreto Legislativo nº 348, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> <strong>maio</strong> <strong>de</strong> 2005;<br />
Consi<strong>de</strong>rando que o Governo brasileiro ratificou a citada Convenção em 15 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2005;<br />
Consi<strong>de</strong>rando que a Convenção entrou em vigor internacional, bem como para o Brasil, em 14<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005;<br />
DECRETA:
190<br />
Art. 1 o A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembléia-Geral<br />
das Nações Unidas em 31 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003 e assinada pelo Brasil em 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003,<br />
apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se<br />
contém.<br />
Art. 2 o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em<br />
revisão da referida Convenção ou que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio<br />
nacional, nos termos doart. 49, inciso I, da Constituição.<br />
Art. 3 o Este Decreto entra em vigor na data <strong>de</strong> sua publicação.<br />
Brasília, 31 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2006; 185 o da In<strong>de</strong>pendência e 118 o da República.<br />
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA<br />
Celso Luiz Nunes Amorim<br />
Este texto não substitui o publicado no DOU <strong>de</strong> 1º.2.2006<br />
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO<br />
Preâmbulo<br />
Os Estados Partes da presente convenção,<br />
Preocupados com a gravida<strong>de</strong> dos problemas e com as ameaças <strong>de</strong>correntes da corrupção,<br />
para a estabilida<strong>de</strong> e a segurança das socieda<strong>de</strong>s, ao enfraquecer as instituições e os valores da<br />
<strong>de</strong>mocracia, da ética e da justiça e ao comprometer o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável e o Estado <strong>de</strong><br />
Direito;<br />
Preocupados, também, pelos vínculos entre a corrupção e outras formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>linqüência, em<br />
particular o crime organizado e a corrupção econômica, incluindo a lavagem <strong>de</strong> dinheiro;<br />
Preocupados, ainda, pelos casos <strong>de</strong> corrupção que penetram diversos setores da socieda<strong>de</strong>, os<br />
quais po<strong>de</strong>m comprometer uma proporção importante dos recursos dos Estados e que ameaçam a<br />
estabilida<strong>de</strong> política e o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável dos mesmos;<br />
Convencidos <strong>de</strong> que a corrupção <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser um problema local para converter-se em um<br />
fenômeno transnacional que afeta todas as socieda<strong>de</strong>s e economias, faz-se necessária a cooperação<br />
internacional para preveni-la e lutar contra ela;<br />
Convencidos, também, <strong>de</strong> que se requer um enfoque amplo e multidisciplinar para prevenir e<br />
combater eficazmente a corrupção;<br />
Convencidos, ainda, <strong>de</strong> que a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assistência técnica po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar um<br />
papel importante para que os Estados estejam em melhores condições <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r prevenir e combater<br />
eficazmente a corrupção, entre outras coisas, fortalecendo suas capacida<strong>de</strong>s e criando instituições;<br />
Convencidos <strong>de</strong> que o enriquecimento pessoal ilícito po<strong>de</strong> ser particularmente nocivo para as<br />
instituições <strong>de</strong>mocráticas, as economias nacionais e o Estado <strong>de</strong> Direito;<br />
Decididos a prevenir, <strong>de</strong>tectar e dissuadir com <strong>maio</strong>r eficácia as transferências internacionais <strong>de</strong><br />
ativos adquiridos ilicitamente e a fortalecer a cooperação internacional para a recuperação <strong>de</strong>stes<br />
ativos;<br />
Reconhecendo os princípios fundamentais do <strong>de</strong>vido processo nos processos penais e nos<br />
procedimentos civis ou administrativos sobre direitos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>;
191<br />
Tendo presente que a prevenção e a erradicação da corrupção são responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> todos<br />
os Estados e que estes <strong>de</strong>vem cooperar entre si, com o apoio e a participação <strong>de</strong> pessoas e grupos<br />
que não pertencem ao setor público, como a socieda<strong>de</strong> civil, as organizações não-governamentais e<br />
as organizações <strong>de</strong> base comunitárias, para que seus esforços neste âmbito sejam eficazes;<br />
Tendo presentes também os princípios <strong>de</strong> <strong>de</strong>vida gestão dos assuntos e dos bens públicos,<br />
eqüida<strong>de</strong>, responsabilida<strong>de</strong> e igualda<strong>de</strong> perante a lei, assim como a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> salvaguardar a<br />
integrida<strong>de</strong> e fomentar uma cultura <strong>de</strong> rechaço à corrupção;<br />
Elogiando o trabalho da Comissão <strong>de</strong> Prevenção <strong>de</strong> Delitos e Justiça Penal e o Escritório das<br />
Nações Unidas contra as Drogas e o Delito na prevenção e na luta contra a corrupção;<br />
Recordando o trabalho realizado por outras organizações internacionais e regionais nesta<br />
esfera, incluídas as ativida<strong>de</strong>s do Conselho <strong>de</strong> Cooperação Aduaneira (também <strong>de</strong>nominado<br />
Organização Mundial <strong>de</strong> Aduanas), o Conselho Europeu, a Liga dos Estados Árabes, a Organização<br />
<strong>de</strong> Cooperação e Desenvolvimento Econômicos, a Organização dos Estados Americanos, a União<br />
Africana e a União Européia;<br />
Tomando nota com reconhecimento dos instrumentos multilaterais encaminhados para prevenir<br />
e combater a corrupção, incluídos, entre outros, a Convenção Interamericana contra a Corrupção,<br />
aprovada pela Organização dos Estados Americanos em 29 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1996, o Convênio relativo à<br />
luta contra os atos <strong>de</strong> corrupção no qual estão envolvidos funcionários das Comunida<strong>de</strong>s Européias e<br />
dos Estados Partes da União Européia, aprovado pelo Conselho da União Européia em <strong>26</strong> <strong>de</strong> <strong>maio</strong><br />
<strong>de</strong> 1997, o Convênio sobre a luta contra o suborno dos funcionários públicos estrangeiros nas<br />
transações comerciais internacionais, aprovado pelo Comitê <strong>de</strong> Ministros do Conselho Europeu em<br />
27 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1999, o Convênio <strong>de</strong> direito civil sobre a corrupção, aprovado pelo Comitê <strong>de</strong><br />
Ministros do Conselho Europeu em 4 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1999 e a Convenção da União Africana para<br />
prevenir e combater a corrupção, aprovada pelos Chefes <strong>de</strong> Estado e Governo da União Africana em<br />
12 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2003;<br />
Acolhendo com satisfação a entrada em vigor, em 29 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2003, da Convenção das<br />
Nações Unidas contra o Crime Organizado Internacional;<br />
Capítulo I<br />
Chegaram em acordo ao seguinte:<br />
Disposições gerais<br />
Artigo 1<br />
Finalida<strong>de</strong><br />
A finalida<strong>de</strong> da presente Convenção é:<br />
a) Promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater mais eficaz e eficientemente a<br />
corrupção;<br />
b) Promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a assistência técnica na prevenção e<br />
na luta contra a corrupção, incluída a recuperação <strong>de</strong> ativos;<br />
c) Promover a integrida<strong>de</strong>, a obrigação <strong>de</strong> ren<strong>de</strong>r contas e a <strong>de</strong>vida gestão dos assuntos e dos<br />
bens públicos.<br />
Artigo 2<br />
Definições
192<br />
Aos efeitos da presente Convenção:<br />
a) Por "funcionário público" se enten<strong>de</strong>rá: i) toda pessoa que ocupe um cargo legislativo,<br />
executivo, administrativo ou judicial <strong>de</strong> um Estado Parte, já <strong>de</strong>signado ou empossado, permanente ou<br />
temporário, remunerado ou honorário, seja qual for o tempo <strong>de</strong>ssa pessoa no cargo; ii) toda pessoa<br />
que <strong>de</strong>sempenhe uma função pública, inclusive em um organismo público ou numa empresa pública,<br />
ou que preste um serviço público, segundo <strong>de</strong>finido na legislação interna do Estado Parte e se<br />
aplique na esfera pertinente do or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>de</strong>sse Estado Parte; iii) toda pessoa <strong>de</strong>finida<br />
como "funcionário público" na legislação interna <strong>de</strong> um Estado Parte. Não obstante, aos efeitos <strong>de</strong><br />
algumas medidas específicas incluídas no Capítulo II da presente Convenção, po<strong>de</strong>rá enten<strong>de</strong>r-se<br />
por "funcionário público" toda pessoa que <strong>de</strong>sempenhe uma função pública ou preste um serviço<br />
público segundo <strong>de</strong>finido na legislação interna do Estado Parte e se aplique na esfera pertinente do<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>de</strong>sse Estado Parte;<br />
b) Por "funcionário público estrangeiro" se enten<strong>de</strong>rá toda pessoa que ocupe um cargo<br />
legislativo, executivo, administrativo ou judicial <strong>de</strong> um país estrangeiro, já <strong>de</strong>signado ou empossado; e<br />
toda pessoa que exerça uma função pública para um país estrangeiro, inclusive em um organismo<br />
público ou uma empresa pública;<br />
c) Por "funcionário <strong>de</strong> uma organização internacional pública" se enten<strong>de</strong>rá um funcionário<br />
público internacional ou toda pessoa que tal organização tenha autorizado a atuar em seu nome;<br />
d) Por "bens" se enten<strong>de</strong>rá os ativos <strong>de</strong> qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou<br />
imóveis, tangíveis ou intangíveis e os documentos ou instrumentos legais que creditem a proprieda<strong>de</strong><br />
ou outros direitos sobre tais ativos;<br />
e) Por "produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito" se enten<strong>de</strong>rá os bens <strong>de</strong> qualquer índole <strong>de</strong>rivados ou obtidos direta<br />
ou indiretamente da ocorrência <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito;<br />
f) Por "embargo preventivo" ou "apreensão" se enten<strong>de</strong>rá a proibição temporária <strong>de</strong> transferir,<br />
converter ou trasladar bens, ou <strong>de</strong> assumir a custódia ou o controle temporário <strong>de</strong> bens sobre a base<br />
<strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> um tribunal ou outra autorida<strong>de</strong> competente;<br />
g) Por "confisco" se enten<strong>de</strong>rá a privação em caráter <strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong> bens por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> um tribunal<br />
ou outra autorida<strong>de</strong> competente;<br />
h) Por "<strong>de</strong>lito <strong>de</strong>terminante" se enten<strong>de</strong>rá todo <strong>de</strong>lito do qual se <strong>de</strong>rive um produto que possa<br />
passar a constituir matéria <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito <strong>de</strong>finido no Artigo 23 da presente Convenção;<br />
i) Por "entrega vigiada" se enten<strong>de</strong>rá a técnica consistente em permitir que remessas ilícitas ou<br />
suspeitas saiam do território <strong>de</strong> um ou mais Estados, o atravessem ou entrem nele, com o<br />
conhecimento e sob a supervisão <strong>de</strong> suas autorida<strong>de</strong>s competentes, com o fim <strong>de</strong> investigar um<br />
<strong>de</strong>lito e i<strong>de</strong>ntificar as pessoas envolvidas em sua ocorrência.<br />
Artigo 3<br />
Âmbito <strong>de</strong> aplicação<br />
1. A presente Convenção se aplicará, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com suas disposições, à prevenção, à<br />
investigação e à instrução judicial da corrupção e do embargo preventivo, da apreensão, do confisco<br />
e da restituição do produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos i<strong>de</strong>ntificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
2. Para a aplicação da presente Convenção, a menos que contenha uma disposição em<br />
contrário, não será necessário que os <strong>de</strong>litos enunciados nela produzam dano ou prejuízo patrimonial<br />
ao Estado.<br />
Artigo 4
193<br />
Proteção da soberania<br />
1. Os Estados Partes cumprirão suas obrigações <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção em<br />
consonância com os princípios <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> soberana e integrida<strong>de</strong> territorial dos Estados, assim<br />
como <strong>de</strong> não intervenção nos assuntos internos <strong>de</strong> outros Estados.<br />
2. Nada do disposto na presente Convenção <strong>de</strong>legará po<strong>de</strong>res a um Estado Parte para exercer,<br />
no território <strong>de</strong> outro Estado, jurisdição ou funções que a legislação interna <strong>de</strong>sse Estado reserve<br />
exclusivamente a suas autorida<strong>de</strong>s.<br />
Capítulo II<br />
Medidas preventivas<br />
Artigo 5<br />
Políticas e práticas <strong>de</strong> prevenção da corrupção<br />
1. Cada Estado Parte, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico, formulará e aplicará ou manterá em vigor políticas coor<strong>de</strong>nadas e eficazes contra a<br />
corrupção que promovam a participação da socieda<strong>de</strong> e reflitam os princípios do Estado <strong>de</strong> Direito, a<br />
<strong>de</strong>vida gestão dos assuntos e bens públicos, a integrida<strong>de</strong>, a transparência e a obrigação <strong>de</strong> ren<strong>de</strong>r<br />
contas.<br />
2. Cada Estado Parte procurará estabelecer e fomentar práticas eficazes encaminhadas a<br />
prevenir a corrupção.<br />
3. Cada Estado Parte procurará avaliar periodicamente os instrumentos jurídicos e as medidas<br />
administrativas pertinentes a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar se são a<strong>de</strong>quadas para combater a corrupção.<br />
4. Os Estados Partes, segundo proce<strong>de</strong> e <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong><br />
seu or<strong>de</strong>namento jurídico, colaborarão entre si e com as organizações internacionais e regionais<br />
pertinentes na promoção e formulação das medidas mencionadas no presente Artigo. Essa<br />
colaboração po<strong>de</strong>rá compreen<strong>de</strong>r a participação em programas e projetos internacionais <strong>de</strong>stinados a<br />
prevenir a corrupção.<br />
Artigo 6<br />
Órgão ou órgãos <strong>de</strong> prevenção à corrupção<br />
1. Cada Estado Parte, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico, garantirá a existência <strong>de</strong> um ou mais órgãos, segundo proce<strong>de</strong>, encarregados <strong>de</strong> prevenir a<br />
corrupção com medidas tais como:<br />
a) A aplicação das políticas as quais se faz alusão no Artigo 5 da presente Convenção e, quando<br />
proce<strong>de</strong>r, a supervisão e coor<strong>de</strong>nação da prática <strong>de</strong>ssas políticas;<br />
b) O aumento e a difusão dos conhecimentos em matéria <strong>de</strong> prevenção da corrupção.<br />
2. Cada Estado Parte outorgará ao órgão ou aos órgãos mencionados no parágrafo 1 do<br />
presente Artigo a in<strong>de</strong>pendência necessária, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> seu<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico, para que possam <strong>de</strong>sempenhar suas funções <strong>de</strong> maneira eficaz e sem<br />
nenhuma influência in<strong>de</strong>vida. Devem proporcionar-lhes os recursos materiais e o pessoal<br />
especializado que sejam necessários, assim como a capacitação que tal pessoal possa requerer para<br />
o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas funções.
194<br />
3. Cada Estado Parte comunicará ao Secretário Geral das Nações Unidas o nome e a direção<br />
da(s) autorida<strong>de</strong>(s) que possa(m) ajudar a outros Estados Partes a formular e aplicar medidas<br />
concretas <strong>de</strong> prevenção da corrupção.<br />
Artigo 7<br />
Setor Público<br />
1. Cada Estado Parte, quando for apropriado e <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais<br />
<strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento jurídico, procurará adotar sistemas <strong>de</strong> convocação, contratação, retenção,<br />
promoção e aposentadoria <strong>de</strong> funcionários públicos e, quando proce<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> outros funcionários<br />
públicos não empossados, ou manter e fortalecer tais sistemas. Estes:<br />
a) Estarão baseados em princípios <strong>de</strong> eficiência e transparência e em critérios objetivos como o<br />
mérito, a eqüida<strong>de</strong> e a aptidão;<br />
b) Incluirão procedimentos a<strong>de</strong>quados <strong>de</strong> seleção e formação dos titulares <strong>de</strong> cargos públicos<br />
que se consi<strong>de</strong>rem especialmente vulneráveis à corrupção, assim como, quando proce<strong>de</strong>r, a rotação<br />
<strong>de</strong>ssas pessoas em outros cargos;<br />
c) Fomentarão uma remuneração a<strong>de</strong>quada e escalas <strong>de</strong> soldo eqüitativas, tendo em conta o<br />
nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico do Estado Parte;<br />
d) Promoverão programas <strong>de</strong> formação e capacitação que lhes permitam cumprir os requisitos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho correto, honroso e <strong>de</strong>vido <strong>de</strong> suas funções e lhes proporcionem capacitação<br />
especializada e apropriada para que sejam mais conscientes dos riscos da corrupção inerentes ao<br />
<strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas funções. Tais programas po<strong>de</strong>rão fazer referência a códigos ou normas <strong>de</strong><br />
conduta nas esferas pertinentes.<br />
2. Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará também a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar medidas legislativas e<br />
administrativas apropriadas, em consonância com os objetivos da presente Convenção e <strong>de</strong><br />
conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> sua legislação interna, a fim <strong>de</strong> estabelecer critérios<br />
para a candidatura e eleição a cargos públicos.<br />
3. Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar medidas legislativas e<br />
administrativas apropriadas, em consonância com os objetivos da presente Convenção e <strong>de</strong><br />
conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> sua legislação interna, para aumentar a<br />
transparência relativa ao financiamento <strong>de</strong> candidaturas a cargos públicos eletivos e, quando<br />
proce<strong>de</strong>r, relativa ao financiamento <strong>de</strong> partidos políticos.<br />
4. Cada Estado Parte, em conformida<strong>de</strong> com os princípios <strong>de</strong> sua legislação interna, procurará<br />
adotar sistemas <strong>de</strong>stinados a promover a transparência e a prevenir conflitos <strong>de</strong> interesses, ou a<br />
manter e fortalecer tais sistemas.<br />
Artigo 8<br />
Códigos <strong>de</strong> conduta para funcionários públicos<br />
1. Com o objetivo <strong>de</strong> combater a corrupção, cada Estado Parte, em conformida<strong>de</strong> com os<br />
princípios fundamentais <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento jurídico, promoverá, entre outras coisas, a integrida<strong>de</strong>, a<br />
honestida<strong>de</strong> e a responsabilida<strong>de</strong> entre seus funcionários públicos.<br />
2. Em particular, cada Estado Parte procurará aplicar, em seus próprios or<strong>de</strong>namentos<br />
institucionais e jurídicos, códigos ou normas <strong>de</strong> conduta para o correto, honroso e <strong>de</strong>vido<br />
cumprimento das funções públicas.
195<br />
3. Com vistas a aplicar as disposições do presente Artigo, cada Estado Parte, quando proce<strong>de</strong>r<br />
e em conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento jurídico, tomará nota das<br />
iniciativas pertinentes das organizações regionais, interregionais e multilaterais, tais como o Código<br />
Internacional <strong>de</strong> Conduta para os titulares <strong>de</strong> cargos públicos, que figura no anexo da resolução<br />
51/59 da Assembléia Geral <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996.<br />
4. Cada Estado Parte também consi<strong>de</strong>rará, em conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong><br />
sua legislação interna, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer medidas e sistemas para facilitar que os<br />
funcionários públicos <strong>de</strong>nunciem todo ato <strong>de</strong> corrupção às autorida<strong>de</strong> competentes quando tenham<br />
conhecimento <strong>de</strong>les no exercício <strong>de</strong> suas funções.<br />
5. Cada Estado Parte procurará, quando proce<strong>de</strong>r e em conformida<strong>de</strong> com os princípios<br />
fundamentais <strong>de</strong> sua legislação interna, estabelecer medidas e sistemas para exigir aos funcionários<br />
públicos que tenham <strong>de</strong>clarações às autorida<strong>de</strong>s competentes em relação, entre outras coisas, com<br />
suas ativida<strong>de</strong>s externas e com empregos, inversões, ativos e presentes ou benefícios importantes<br />
que possam das lugar a um conflito <strong>de</strong> interesses relativo a suas atribuições como funcionários<br />
públicos.<br />
6. Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar, em conformida<strong>de</strong> com os princípios<br />
fundamentais <strong>de</strong> sua legislação interna, medidas disciplinares ou <strong>de</strong> outra índole contra todo<br />
funcionário público que transgrida os códigos ou normas estabelecidos em conformida<strong>de</strong> com o<br />
presente Artigo.<br />
Artigo 9<br />
Contratação pública e gestão da fazenda pública<br />
1. Cada Estado Parte, em conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico, adotará as medidas necessárias para estabelecer sistemas apropriados <strong>de</strong> contratação<br />
pública, baseados na transparência, na competência e em critérios objetivos <strong>de</strong> adoção <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões,<br />
que sejam eficazes, entre outras coisas, para prevenir a corrupção. Esses sistemas, em cuja<br />
aplicação se po<strong>de</strong>rá ter em conta valores mínimos apropriados, <strong>de</strong>verão abordar, entre outras coisas:<br />
a) A difusão pública <strong>de</strong> informação relativa a procedimentos <strong>de</strong> contratação pública e contratos,<br />
incluída informação sobre licitações e informação pertinente ou oportuna sobre a adjudicação <strong>de</strong><br />
contratos, a fim <strong>de</strong> que os licitadores potenciais disponham <strong>de</strong> tempo suficiente para preparar e<br />
apresentar suas ofertas;<br />
b) A formulação prévia das condições <strong>de</strong> participação, incluídos critérios <strong>de</strong> seleção e<br />
adjudicação e regras <strong>de</strong> licitação, assim como sua publicação;<br />
c) A aplicação <strong>de</strong> critérios objetivos e pre<strong>de</strong>terminados para a adoção <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões sobre a<br />
contratação pública a fim <strong>de</strong> facilitar a posterior verificação da aplicação correta das regras ou<br />
procedimentos;<br />
d) Um mecanismo eficaz <strong>de</strong> exame interno, incluindo um sistema eficaz <strong>de</strong> apelação, para<br />
garantir recursos e soluções legais no caso <strong>de</strong> não se respeitarem as regras ou os procedimentos<br />
estabelecidos conforme o presente parágrafo;<br />
e) Quando proceda, a adoção <strong>de</strong> medidas para regulamentar as questões relativas ao pessoal<br />
encarregado da contratação pública, em particular <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> interesse relativo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />
contratações públicas, procedimentos <strong>de</strong> pré-seleção e requisitos <strong>de</strong> capacitação.<br />
2. Cada Estado Parte, em conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico, adotará medidas apropriadas para promover a transparência e a obrigação <strong>de</strong> ren<strong>de</strong>r contas<br />
na gestão da fazenda pública. Essas medidas abarcarão, entre outras coisas:<br />
a) Procedimentos para a aprovação do pressuposto nacional;
196<br />
b) A apresentação oportuna <strong>de</strong> informação sobre gastos e ingressos;<br />
c) Um sistema <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong> e auditoria, assim como a supervisão<br />
correspon<strong>de</strong>nte;<br />
d) Sistemas eficazes e eficientes <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> riscos e controle interno; e<br />
e) Quando proceda, a adoção <strong>de</strong> medidas corretivas em caso <strong>de</strong> não cumprimento dos<br />
requisitos estabelecidos no presente parágrafo.<br />
3. Cada Estado Parte, em conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> sua legislação<br />
interna, adotará as medidas que sejam necessárias nos âmbitos civil e administrativo para preservar<br />
a integrida<strong>de</strong> dos livros e registros contábeis, financeiros ou outros documentos relacionados com os<br />
gastos e ingressos públicos e para prevenir a falsificação <strong>de</strong>sses documentos.<br />
Artigo 10<br />
Informação pública<br />
Tendo em conta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> combater a corrupção, cada Estado Parte, em conformida<strong>de</strong><br />
com os princípios fundamentais <strong>de</strong> sua legislação interna, adotará medidas que sejam necessárias<br />
para aumentar a transparência em sua administração pública, inclusive no relativo a sua organização,<br />
funcionamento e processos <strong>de</strong> adoção <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões, quando proce<strong>de</strong>r. Essas medidas po<strong>de</strong>rão<br />
incluir, entre outras coisas:<br />
a) A instauração <strong>de</strong> procedimentos ou regulamentações que permitam ao público em geral obter,<br />
quando proce<strong>de</strong>r, informação sobre a organização, o funcionamento e os processos <strong>de</strong> adoção <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> sua administração pública, com o <strong>de</strong>vido respeito à proteção da intimida<strong>de</strong> e dos<br />
documentos pessoais, sobre as <strong>de</strong>cisões e atos jurídicos que incumbam ao público;<br />
b) A simplificação dos procedimentos administrativos, quando proce<strong>de</strong>r, a fim <strong>de</strong> facilitar o<br />
acesso do público às autorida<strong>de</strong>s encarregadas da adoção <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões; e<br />
c) A publicação <strong>de</strong> informação, o que po<strong>de</strong>rá incluir informes periódicos sobre os riscos <strong>de</strong><br />
corrupção na administração pública.<br />
Artigo 11<br />
Medidas relativas ao po<strong>de</strong>r judiciário e ao ministério público<br />
1. Tendo presentes a in<strong>de</strong>pendência do po<strong>de</strong>r judiciário e seu papel <strong>de</strong>cisivo na luta contra a<br />
corrupção, cada Estado Parte, em conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico e sem menosprezar a in<strong>de</strong>pendência do po<strong>de</strong>r judiciário, adotará medidas para reforçar a<br />
integrida<strong>de</strong> e evitar toda oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> corrupção entre os membros do po<strong>de</strong>r judiciário. Tais<br />
medidas po<strong>de</strong>rão incluir normas que regulem a conduta dos membros do po<strong>de</strong>r judiciário.<br />
2. Po<strong>de</strong>rão formular-se e aplicar-se no ministério público medidas com idêntico fim às adotadas<br />
no parágrafo 1 do presente Artigo nos Estados Partes em que essa instituição não forme parte do<br />
po<strong>de</strong>r judiciário mas goze <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência análoga.<br />
Artigo 12<br />
Setor Privado<br />
1. Cada Estado Parte, em conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> sua legislação<br />
interna, adotará medidas para prevenir a corrupção e melhorar as normas contábeis e <strong>de</strong> auditoria no
197<br />
setor privado, assim como, quando proce<strong>de</strong>r, prever sanções civis, administrativas ou penais<br />
eficazes, proporcionadas e dissuasivas em caso <strong>de</strong> não cumprimento <strong>de</strong>ssas medidas.<br />
em:<br />
2. As medidas que se adotem para alcançar esses fins po<strong>de</strong>rão consistir, entre outras coisas,<br />
a) Promover a cooperação entre os organismos encarregados <strong>de</strong> fazer cumprir a lei e as<br />
entida<strong>de</strong>s privadas pertinentes;<br />
b) Promover a formulação <strong>de</strong> normas e procedimentos com o objetivo <strong>de</strong> salvaguardar a<br />
integrida<strong>de</strong> das entida<strong>de</strong>s privadas pertinentes, incluídos códigos <strong>de</strong> conduta para o correto, honroso<br />
e <strong>de</strong>vido exercício das ativida<strong>de</strong>s comerciais e <strong>de</strong> todas as profissões pertinentes e para a prevenção<br />
<strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong> interesses, assim como para a promoção do uso <strong>de</strong> boas práticas comerciais entre as<br />
empresas e as relações contratuais das empresas com o Estado;<br />
c) Promover a transparência entre entida<strong>de</strong>s privadas, incluídas, quando proce<strong>de</strong>r, medidas<br />
relativas à i<strong>de</strong>ntificação das pessoas jurídicas e físicas envolvidas no estabelecimento e na gestão <strong>de</strong><br />
empresas;<br />
d) Prevenir a utilização in<strong>de</strong>vida dos procedimentos que regulam as entida<strong>de</strong>s privadas,<br />
incluindo os procedimentos relativos à concessão <strong>de</strong> subsídios e licenças pelas autorida<strong>de</strong>s públicas<br />
para ativida<strong>de</strong>s comerciais;<br />
e) Prevenir os conflitos <strong>de</strong> interesse impondo restrições apropriadas, durante um período<br />
razoável, às ativida<strong>de</strong>s profissionais <strong>de</strong> ex-funcionários públicos ou à contratação <strong>de</strong> funcionários<br />
públicos pelo setor privado <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua renúncia ou aposentadoria quando essas ativida<strong>de</strong>s ou<br />
essa contratação estejam diretamente relacionadas com as funções <strong>de</strong>sempenhadas ou<br />
supervisionadas por esses funcionários públicos durante sua permanência no cargo;<br />
f) Velar para que as empresas privadas, tendo em conta sua estrutura e tamanho, disponham <strong>de</strong><br />
suficientes controles contábeis internos para ajudar a prevenir e <strong>de</strong>tectar os atos <strong>de</strong> corrupção e para<br />
que as contas e os estados financeiros requeridos <strong>de</strong>ssas empresas privadas estejam sujeitos a<br />
procedimentos apropriados <strong>de</strong> auditoria e certificação;<br />
3. A fim <strong>de</strong> prevenir a corrupção, cada estado parte adotará as medidas que sejam necessárias,<br />
em conformida<strong>de</strong> com suas leis e regulamentos internos relativos à manutenção <strong>de</strong> livros e registros,<br />
à divulgação <strong>de</strong> estados financeiros e às normas <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong> e auditoria, para proibir os<br />
seguintes atos realizados com o fim <strong>de</strong> cometer quaisquer dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a<br />
presente Convenção:<br />
a) O estabelecimento <strong>de</strong> contas não registradas em livros;<br />
b) A realização <strong>de</strong> operações não registradas em livros ou mal especificadas;<br />
c) O registro <strong>de</strong> gastos inexistentes;<br />
d) O juízo <strong>de</strong> gastos nos livros <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong> com indicação incorreta <strong>de</strong> seu objetivo;<br />
e) A utilização <strong>de</strong> documentos falsos; e<br />
f) A <strong>de</strong>struição <strong>de</strong>liberada <strong>de</strong> documentos <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong> antes do prazo previsto em lei.<br />
4. Cada Estado Parte ditará a <strong>de</strong>dução tributária relativa aos gastos que venham a constituir<br />
suborno, que é um dos elementos constitutivos dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com os Artigos 15<br />
e 16 da presente Convenção e, quando proce<strong>de</strong>r, relativa a outros gastos que tenham tido por<br />
objetivo promover um comportamento corrupto.
198<br />
(...)<br />
Artigo 14<br />
Medidas para prevenir a lavagem <strong>de</strong> dinheiro<br />
1. Cada Estado Parte:<br />
a) Estabelecerá um amplo regimento interno <strong>de</strong> regulamentação e supervisão dos bancos e das<br />
instituições financeiras não-bancárias, incluídas as pessoas físicas ou jurídicas que prestem serviços<br />
oficiais ou oficiosos <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> dinheiro ou valores e, quando proce<strong>de</strong>r, outros órgãos<br />
situados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua jurisdição que sejam particularmente suspeitos <strong>de</strong> utilização para a lavagem<br />
<strong>de</strong> dinheiro, a fim <strong>de</strong> prevenir e <strong>de</strong>tectar todas as formas <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro, e em tal regimento<br />
há <strong>de</strong> se apoiar fortemente nos requisitos relativos à i<strong>de</strong>ntificação do cliente e, quando proce<strong>de</strong>r, do<br />
beneficiário final, ao estabelecimento <strong>de</strong> registros e à <strong>de</strong>núncia das transações suspeitas;<br />
b) Garantirá, sem prejuízo à aplicação do Artigo 46 da presente Convenção, que as autorida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> administração, regulamentação e cumprimento da lei e <strong>de</strong>mais autorida<strong>de</strong>s encarregadas <strong>de</strong><br />
combater a lavagem <strong>de</strong> dinheiro (incluídas, quando seja pertinente <strong>de</strong> acordo com a legislação<br />
interna, as autorida<strong>de</strong>s judiciais) sejam capazes <strong>de</strong> cooperar e intercambiar informações nos âmbitos<br />
nacional e internacional, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com as condições prescritas na legislação interna e, a tal<br />
fim, consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer um <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> inteligência financeira que sirva<br />
<strong>de</strong> centro nacional <strong>de</strong> recompilação, análise e difusão <strong>de</strong> informação sobre possíveis ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
lavagem <strong>de</strong> dinheiro.<br />
2. Os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicar medidas viáveis para <strong>de</strong>tectar e<br />
vigiar o movimento transfronteiriço <strong>de</strong> efetivo e <strong>de</strong> títulos negociáveis pertinentes, sujeitos a<br />
salvaguardas que garantam a <strong>de</strong>vida utilização da informação e sem restringir <strong>de</strong> modo algum a<br />
circulação <strong>de</strong> capitais lícitos. Essas medidas po<strong>de</strong>rão incluir a exigência <strong>de</strong> que os particulares e as<br />
entida<strong>de</strong>s comerciais notifiquem as transferências transfronteiriças <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>s elevadas <strong>de</strong><br />
efetivos e <strong>de</strong> títulos negociáveis pertinentes.<br />
3. Os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicar medidas apropriadas e viáveis para<br />
exigir às instituições financeiras, incluídas as que remetem dinheiro, que:<br />
a) Incluam nos formulários <strong>de</strong> transferência eletrônica <strong>de</strong> fundos e mensagens conexas<br />
informação exata e válida sobre o remetente;<br />
b) Mantenham essa informação durante todo o ciclo <strong>de</strong> operação; e<br />
c) Examinem <strong>de</strong> maneira mais minuciosa as transferências <strong>de</strong> fundos que não contenham<br />
informação completa sobre o remetente.<br />
4. Ao estabelecer um regimento interno <strong>de</strong> regulamentação e supervisão <strong>de</strong> acordo com o<br />
presente Artigo, e sem prejuízo do disposto em qualquer outro Artigo da presente Convenção,<br />
recomenda-se aos Estados Partes que utilizem como guia as iniciativas pertinentes das organizações<br />
regionais, interregionais e multilaterais <strong>de</strong> luta contra a lavagem <strong>de</strong> dinheiro.<br />
5. Os Estados Partes se esforçarão por estabelecer e promover a cooperação em escala<br />
mundial, regional, sub-regional e bilateral entre as autorida<strong>de</strong>s judiciais, <strong>de</strong> cumprimento da lei e <strong>de</strong><br />
regulamentação financeira a fim <strong>de</strong> combater a lavagem <strong>de</strong> dinheiro.<br />
Capítulo III<br />
Penalização e aplicação da lei<br />
Artigo 15
199<br />
Suborno <strong>de</strong> funcionários públicos nacionais<br />
Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e <strong>de</strong> outras índoles que sejam necessárias<br />
para qualificar como <strong>de</strong>lito, quando cometidos intencionalmente:<br />
a) A promessa, o oferecimento ou a concessão a um funcionário público, <strong>de</strong> forma direta ou<br />
indireta, <strong>de</strong> um benefício in<strong>de</strong>vido que redun<strong>de</strong> em seu próprio proveito ou no <strong>de</strong> outra pessoa ou<br />
entida<strong>de</strong> com o fim <strong>de</strong> que tal funcionário atue ou se abstenha <strong>de</strong> atuar no cumprimento <strong>de</strong> suas<br />
funções oficiais;<br />
b) A solicitação ou aceitação por um funcionário público, <strong>de</strong> forma direta ou indireta, <strong>de</strong> um<br />
benefício in<strong>de</strong>vido que redun<strong>de</strong> em seu próprio proveito ou no <strong>de</strong> outra pessoa ou entida<strong>de</strong> com o fim<br />
<strong>de</strong> que tal funcionário atue ou se abstenha <strong>de</strong> atuar no cumprimento <strong>de</strong> suas funções oficiais.<br />
Artigo 16<br />
Suborno <strong>de</strong> funcionários públicos estrangeiros e <strong>de</strong> funcionários <strong>de</strong> organizações internacionais<br />
públicas<br />
1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e <strong>de</strong> outras índoles que sejam necessárias<br />
para qualificar como <strong>de</strong>lito, quando cometido intencionalmente, a promessa, oferecimento ou a<br />
concessão, <strong>de</strong> forma direta ou indireta, a um funcionário público estrangeiro ou a um funcionário <strong>de</strong><br />
organização internacional pública, <strong>de</strong> um benefício in<strong>de</strong>vido que redun<strong>de</strong> em seu próprio proveito ou<br />
no <strong>de</strong> outra pessoa ou entida<strong>de</strong> com o fim <strong>de</strong> que tal funcionário atue ou se abstenha <strong>de</strong> atuar no<br />
exercício <strong>de</strong> suas funções oficiais para obter ou manter alguma transação comercial ou outro<br />
benefício in<strong>de</strong>vido em relação com a realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s comerciais internacionais.<br />
2. Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar medidas legislativas e <strong>de</strong> outras<br />
índoles que sejam necessárias para qualificar como <strong>de</strong>lito, quando cometido intencionalmente, a<br />
solicitação ou aceitação por um funcionário público estrangeiro ou funcionário <strong>de</strong> organização<br />
internacional pública, <strong>de</strong> forma direta ou indireta, <strong>de</strong> um benefício in<strong>de</strong>vido que redun<strong>de</strong> em proveito<br />
próprio ou no <strong>de</strong> outra pessoa ou entida<strong>de</strong>, com o fim <strong>de</strong> que tal funcionário atue ou se abstenha <strong>de</strong><br />
atuar no exercício <strong>de</strong> suas funções oficiais.<br />
Artigo 17<br />
Malversação ou peculato, apropriação indébita ou outras formas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>svio <strong>de</strong> bens por um funcionário público<br />
Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e <strong>de</strong> outras índoles que sejam necessárias<br />
para qualificar como <strong>de</strong>lito, quando cometido intencionalmente, a malversação ou o peculato, a<br />
apropriação indébita ou outras formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> bens, fundos ou títulos públicos ou privados ou<br />
qualquer outra coisa <strong>de</strong> valor que se tenham confiado ao funcionário em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu cargo.<br />
Artigo 18<br />
Tráfico <strong>de</strong> influências<br />
Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar as medidas legislativas e <strong>de</strong> outras<br />
índoles que sejam necessárias para qualificar como <strong>de</strong>lito, quando cometido intencionalmente:<br />
a) A promessa, o oferecimento ou a concessão a um funcionário público ou a qualquer outra<br />
pessoa, <strong>de</strong> forma direta ou indireta, <strong>de</strong> um benefício in<strong>de</strong>vido com o fim <strong>de</strong> que o funcionário público<br />
ou a pessoa abuse <strong>de</strong> sua influência real ou suposta para obter <strong>de</strong> uma administração ou autorida<strong>de</strong><br />
do Estado Parte um benefício in<strong>de</strong>vido que redun<strong>de</strong> em proveito do instigador original do ato ou <strong>de</strong><br />
qualquer outra pessoa;
200<br />
b) A solicitação ou aceitação por um funcionário público ou qualquer outra pessoa, <strong>de</strong> forma<br />
direta ou indireta, <strong>de</strong> um benefício in<strong>de</strong>vido que redun<strong>de</strong> em seu proveito próprio ou no <strong>de</strong> outra<br />
pessoa com o fim <strong>de</strong> que o funcionário público ou a pessoa abuse <strong>de</strong> sua influência real ou suposta<br />
para obter <strong>de</strong> uma administração ou autorida<strong>de</strong> do Estado Parte um benefício in<strong>de</strong>vido.<br />
Artigo 19<br />
Abuso <strong>de</strong> funções<br />
Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar as medidas legislativas e <strong>de</strong> outras<br />
índoles que sejam necessárias para qualificar como <strong>de</strong>lito, quando cometido intencionalmente, o<br />
abuso <strong>de</strong> funções ou do cargo, ou seja, a realização ou omissão <strong>de</strong> um ato, em violação à lei, por<br />
parte <strong>de</strong> um funcionário público no exercício <strong>de</strong> suas funções, com o fim <strong>de</strong> obter um benefício<br />
in<strong>de</strong>vido para si mesmo ou para outra pessoa ou entida<strong>de</strong>.<br />
Artigo 20<br />
Enriquecimento ilícito<br />
Com sujeição a sua constituição e aos princípios fundamentais <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento jurídico,<br />
cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar as medidas legislativas e <strong>de</strong> outras índoles<br />
que sejam necessárias para qualificar como <strong>de</strong>lito, quando cometido intencionalmente, o<br />
enriquecimento ilícito, ou seja, o incremento significativo do patrimônio <strong>de</strong> um funcionário público<br />
relativos aos seus ingressos legítimos que não po<strong>de</strong>m ser razoavelmente justificados por ele.<br />
Artigo 21<br />
Suborno no setor privado<br />
Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar medidas legislativas e <strong>de</strong> outras<br />
índoles que sejam necessárias para qualificar como <strong>de</strong>lito, quando cometido intencionalmente no<br />
curso <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas, financeiras ou comerciais:<br />
a) A promessa, o oferecimento ou a concessão, <strong>de</strong> forma direta ou indireta, a uma pessoa que<br />
dirija uma entida<strong>de</strong> do setor privado ou cumpra qualquer função nela, <strong>de</strong> um benefício in<strong>de</strong>vido que<br />
redun<strong>de</strong> em seu próprio proveito ou no <strong>de</strong> outra pessoa, com o fim <strong>de</strong> que, faltando ao <strong>de</strong>ver inerente<br />
às suas funções, atue ou se abstenha <strong>de</strong> atuar;<br />
b) A solicitação ou aceitação, <strong>de</strong> forma direta ou indireta, por uma pessoa que dirija uma<br />
entida<strong>de</strong> do setor privado ou cumpra qualquer função nela, <strong>de</strong> um benefício in<strong>de</strong>vido que redun<strong>de</strong> em<br />
seu próprio proveito ou no <strong>de</strong> outra pessoa, com o fim <strong>de</strong> que, faltando ao <strong>de</strong>ver inerente às suas<br />
funções, atue ou se abstenha <strong>de</strong> atuar.<br />
Artigo 22<br />
Malversação ou peculato <strong>de</strong> bens no setor privado<br />
Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar medidas legislativas e <strong>de</strong> outras<br />
índoles que sejam necessárias para qualificar como <strong>de</strong>lito, quando cometido intencionalmente no<br />
curso <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas, financeiras ou comerciais, a malversação ou peculato, por uma<br />
pessoa que dirija uma entida<strong>de</strong> do setor privado ou cumpra qualquer função nela, <strong>de</strong> quaisquer bens,<br />
fundos ou títulos privados ou <strong>de</strong> qualquer outra coisa <strong>de</strong> valor que se tenha confiado a essa pessoa<br />
por razão <strong>de</strong> seu cargo.<br />
Artigo 23<br />
Lavagem <strong>de</strong> produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito
201<br />
1. Cada Estado Parte adotará, em conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> sua<br />
legislação interna, as medidas legislativas e <strong>de</strong> outras índoles que sejam necessárias para qualificar<br />
como <strong>de</strong>lito, quando cometido intencionalmente:<br />
a) i) A conversão ou a transferência <strong>de</strong> bens, sabendo-se que esses bens são produtos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>lito, com o propósito <strong>de</strong> ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens e ajudar a qualquer pessoa<br />
envolvida na prática do <strong>de</strong>lito com o objetivo <strong>de</strong> afastar as conseqüências jurídicas <strong>de</strong> seus atos;<br />
ii) A ocultação ou dissimulação da verda<strong>de</strong>ira natureza, origem, situação, disposição, movimentação<br />
ou da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens o do legítimo direito a estes, sabendo-se que tais bens são produtos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>lito;<br />
b) Com sujeição aos conceitos básicos <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento jurídico: i) A aquisição, possessão<br />
ou utilização <strong>de</strong> bens, sabendo-se, no momento <strong>de</strong> sua receptação, <strong>de</strong> que se tratam <strong>de</strong> produto <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>lito; ii) A participação na prática <strong>de</strong> quaisquer dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com o presente<br />
Artigo, assim como a associação e a confabulação para cometê-los, a tentativa <strong>de</strong> cometê-los e a<br />
ajuda, incitação, facilitação e o assessoramento com vistas à sua prática.<br />
2. Para os fins <strong>de</strong> aplicação ou colocação em prática do parágrafo 1 do presente Artigo:<br />
a) Cada Estado Parte velará por aplicar o parágrafo 1 do presente Artigo à gama mais ampla<br />
possível <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos <strong>de</strong>terminantes;<br />
b) Cada Estado Parte incluirá como <strong>de</strong>litos <strong>de</strong>terminantes, como mínimo, uma ampla gama <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção;<br />
c) Aos efeitos do item "b)" supra, entre os <strong>de</strong>litos <strong>de</strong>terminantes se incluirão os <strong>de</strong>litos cometidos<br />
tanto <strong>de</strong>ntro como fora da jurisdição do Estado Parte interessado. Não obstante, os <strong>de</strong>litos cometidos<br />
fora da jurisdição <strong>de</strong> um Estado Parte constituirão <strong>de</strong>lito <strong>de</strong>terminante sempre e quando o ato<br />
correspon<strong>de</strong>nte seja <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> acordo com a legislação interna do Estado em que se tenha cometido e<br />
constitui-se assim mesmo <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> acordo com a legislação interna do Estado Parte que aplique ou<br />
ponha em prática o presente Artigo se o <strong>de</strong>lito houvesse sido cometido ali;<br />
d) Cada Estado Parte proporcionará ao Secretário Geral das Nações Unidas uma cópia <strong>de</strong> suas<br />
leis <strong>de</strong>stinadas a dar aplicação ao presente Artigo e <strong>de</strong> qualquer emenda posterior que se atenha a<br />
tais leis;<br />
e) Se assim requererem os princípios fundamentais da legislação interna <strong>de</strong> um Estado Parte,<br />
po<strong>de</strong>rá dispor-se que os <strong>de</strong>litos enunciados no parágrafo 1 do presente Artigo não se apliquem às<br />
pessoas que tenham cometido o <strong>de</strong>lito <strong>de</strong>terminante.<br />
Artigo 24<br />
Encobrimento<br />
Sem prejuízo do disposto no Artigo 23 da presente Convenção, cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar as medidas legislativas e <strong>de</strong> outra índole que sejam necessárias para<br />
qualificar o <strong>de</strong>lito, quando cometido intencionalmente após a prática <strong>de</strong> quaisquer dos <strong>de</strong>litos<br />
qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção mas sem haver participados <strong>de</strong>les, o<br />
encobrimento ou a retenção contínua <strong>de</strong> bens sabendo-se que tais bens são produtos <strong>de</strong> quaisquer<br />
dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
Artigo 25<br />
Obstrução da justiça<br />
Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e <strong>de</strong> outras índoles que sejam necessárias<br />
para qualificar como <strong>de</strong>lito, quando cometidos intencionalmente:
202<br />
a) O uso da força física, ameaças ou intimidação, ou a promessa, o oferecimento ou a<br />
concessão <strong>de</strong> um benefício in<strong>de</strong>vido para induzir uma pessoa a prestar falso testemunho ou a<br />
atrapalhar a prestação <strong>de</strong> testemunho ou a apartação <strong>de</strong> provas em processos relacionados com a<br />
prática dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com essa Convenção;<br />
b) O uso da força física, ameaças ou intimidação para atrapalhar o cumprimento das funções<br />
oficiais <strong>de</strong> um funcionário da justiça ou dos serviços encarregados <strong>de</strong> fazer cumprir-se a lei em<br />
relação com a prática dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção. Nada do<br />
previsto no presente Artigo menosprezará a legislação interna dos Estados Partes que disponham <strong>de</strong><br />
legislação que proteja a outras categorias <strong>de</strong> funcionários públicos.<br />
Artigo <strong>26</strong><br />
Responsabilida<strong>de</strong> das pessoas jurídicas<br />
1. Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias, em consonância com seus<br />
princípios jurídicos, a fim <strong>de</strong> estabelecer a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas jurídicas por sua participação<br />
nos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
2. Sujeito aos princípios jurídicos do Estado Parte, a responsabilida<strong>de</strong> das pessoas jurídicas<br />
po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong> índole penal, civil ou administrativa.<br />
3. Tal responsabilida<strong>de</strong> existirá sem prejuízo à responsabilida<strong>de</strong> penal que incumba às pessoas<br />
físicas que tenham cometido os <strong>de</strong>litos.<br />
4. Cada Estado Parte velará em particular para que se imponham sanções penais ou não-penais<br />
eficazes, proporcionadas e dissuasivas, incluídas sanções monetárias, às pessoas jurídicas<br />
consi<strong>de</strong>radas responsáveis <strong>de</strong> acordo com o presente Artigo.<br />
Artigo 27<br />
Participação ou tentativa<br />
1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e <strong>de</strong> outras índoles que sejam necessárias<br />
para qualificar como <strong>de</strong>lito, em conformida<strong>de</strong> com sua legislação interna, qualquer forma <strong>de</strong><br />
participação, seja ela como cúmplice, colaborador ou instigador, em um <strong>de</strong>lito qualificado <strong>de</strong> acordo<br />
com a presente Convenção.<br />
2. Cada Estado Parte po<strong>de</strong>rá adotar as medidas legislativas e <strong>de</strong> outras índoles que sejam<br />
necessárias para qualificar como <strong>de</strong>lito, em conformida<strong>de</strong> com sua legislação interna, toda tentativa<br />
<strong>de</strong> cometer um <strong>de</strong>lito qualificado <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
3. Cada Estado Parte po<strong>de</strong>rá adotar as medidas legislativas e <strong>de</strong> outras índoles que sejam<br />
necessárias para qualificar como <strong>de</strong>lito, em conformida<strong>de</strong> com sua legislação interna, a preparação<br />
com vistas a cometer um <strong>de</strong>lito qualificado <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
Artigo 28<br />
Conhecimento, intenção e propósito como elementos <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito<br />
O conhecimento, a intenção ou o propósito que se requerem como elementos <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito<br />
qualificado <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção po<strong>de</strong>rão inferir-se <strong>de</strong> circunstâncias fáticas<br />
objetivas.<br />
Artigo 29<br />
Prescrição
203<br />
Cada Estado Parte estabelecerá, quando proce<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> acordo com sua legislação interna, um<br />
prazo <strong>de</strong> prescrição amplo para iniciar processos por quaisquer dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo<br />
com a presente Convenção e estabelecerá um prazo <strong>maio</strong>r ou interromperá a prescrição quando o<br />
presumido <strong>de</strong>linqüente tenha evadido da administração da justiça.<br />
Artigo 30<br />
Processo, sentença e sanções<br />
1. Cada Estado Parte punirá a prática dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente<br />
Convenção com sanções que tenham em conta a gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>litos.<br />
2. Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias para estabelecer ou manter,<br />
em conformida<strong>de</strong> com seu or<strong>de</strong>namento jurídico e seus princípios constitucionais, um equilíbrio<br />
apropriado entre quaisquer imunida<strong>de</strong>s ou prerrogativas jurisdicionais outorgadas a seus funcionários<br />
públicos para o cumprimento <strong>de</strong> suas funções e a possibilida<strong>de</strong>, se necessário, <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r<br />
efetivamente à investigação, ao indiciamento e à sentença dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a<br />
presente Convenção.<br />
3. Cada Estado Parte velará para que se exerçam quaisquer faculda<strong>de</strong>s legais discricionárias <strong>de</strong><br />
que disponham conforme sua legislação interna em relação ao indiciamento <strong>de</strong> pessoas pelos <strong>de</strong>litos<br />
qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção a fim <strong>de</strong> dar máxima eficácia às medidas adotadas<br />
para fazer cumprir a lei a respeito <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>litos, tendo <strong>de</strong>vidamente em conta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
preveni-los.<br />
4. Quando se trate dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção, cada Estado<br />
Parte adotará as medidas apropriadas, em conformida<strong>de</strong> com sua legislação interna e levando<br />
<strong>de</strong>vidamente em consi<strong>de</strong>ração os direitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, com vistas a procurar que, ao impor condições<br />
em relação com a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r liberda<strong>de</strong> em espera <strong>de</strong> juízo ou apelação, se tenha presente<br />
a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir o comparecimento do acusado em todo procedimento penal posterior.<br />
5. Cada Estado Parte terá em conta a gravida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>litos pertinentes ao consi<strong>de</strong>rar a<br />
eventualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r a liberda<strong>de</strong> antecipada ou a liberda<strong>de</strong> condicional a pessoas que tenham<br />
sido <strong>de</strong>claradas culpadas <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>litos.<br />
6. Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer, na medida em que ele seja<br />
concordante com os princípios fundamentais <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento jurídico, procedimentos em virtu<strong>de</strong><br />
dos quais um funcionário público que seja acusado <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito qualificado <strong>de</strong> acordo com a<br />
presente Convenção possa, quando proce<strong>de</strong>r, ser <strong>de</strong>stituído, suspenso ou transferido pela autorida<strong>de</strong><br />
correspon<strong>de</strong>nte, tendo presente o respeito ao princípio <strong>de</strong> presunção <strong>de</strong> inocência.<br />
7. Quando a gravida<strong>de</strong> da falta não justifique e na medida em que ele seja concordante com os<br />
princípios fundamentais <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento jurídico, cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> estabelecer procedimentos para inabilitar, por mandado judicial ou outro meio apropriado e por um<br />
período <strong>de</strong>terminado em sua legislação interna, as pessoas con<strong>de</strong>nadas por <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong><br />
acordo com a presente Convenção para:<br />
a) Exercer cargos públicos; e<br />
b) Exercer cargos em uma empresa <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> total ou parcial do Estado.<br />
8. O parágrafo 1 do presente Artigo não prejudicará a aplicação <strong>de</strong> medidas disciplinares pelas<br />
autorida<strong>de</strong>s competentes contra funcionários públicos.<br />
9. Nada do disposto na presente Convenção afetará o princípio <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>scrição dos <strong>de</strong>litos<br />
qualificados <strong>de</strong> acordo com ela e dos meios jurídicos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa aplicáveis ou <strong>de</strong>mais princípios<br />
jurídicos que regulam a legalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma conduta que a reservada à legislação interna dos Estados
204<br />
Partes e <strong>de</strong> que esses <strong>de</strong>litos haverão <strong>de</strong> ser perseguidos e sancionados em conformida<strong>de</strong> com essa<br />
legislação.<br />
10. Os Estados Partes procurarão promover a reinserção social das pessoas con<strong>de</strong>nadas por<br />
<strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
Artigo 31<br />
Embargo preventivo, apreensão e confisco<br />
1. Cada Estado Parte adotará, no <strong>maio</strong>r grau permitido em seu or<strong>de</strong>namento jurídico interno, as<br />
medidas que sejam necessárias para autorizar o confisco:<br />
a) Do produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito qualificado <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção ou <strong>de</strong> bens cujo valor<br />
corresponda ao <strong>de</strong> tal produto;<br />
b) Dos bens, equipamentos ou outros instrumentos utilizados ou <strong>de</strong>stinados utilizados na prática<br />
dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
2. Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias para permitir a i<strong>de</strong>ntificação,<br />
localização, embargo preventivo ou a apreensão <strong>de</strong> qualquer bem a que se tenha referência no<br />
parágrafo 1 do presente Artigo com vistas ao seu eventual confisco.<br />
3. Cada Estado Parte adotará, em conformida<strong>de</strong> com sua legislação interna, as medidas<br />
legislativas e <strong>de</strong> outras índoles que sejam necessárias para regular a administração, por parte das<br />
autorida<strong>de</strong>s competentes, dos bens embargados, incautados ou confiscados compreendidos nos<br />
parágrafos 1 e 2 do presente Artigo.<br />
4. Quando esse produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito se tiver transformado ou convertido parcialmente ou totalmente<br />
em outros bens, estes serão objeto das medidas aplicáveis a tal produto <strong>de</strong> acordo com o presente<br />
Artigo.<br />
5. Quando esse produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito se houver mesclado com bens adquiridos <strong>de</strong> fontes lícitas,<br />
esses bens serão objeto <strong>de</strong> confisco até o valor estimado do produto mesclado, sem menosprezo <strong>de</strong><br />
qualquer outra faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> embargo preventivo ou apreensão.<br />
6. Os ingressos e outros benefícios <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong>sse produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, <strong>de</strong> bens nos quais se<br />
tenham transformado ou convertido tal produto ou <strong>de</strong> bens que se tenham mesclado a esse produto<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>lito também serão objeto das medidas previstas no presente Artigo, da mesma maneira e no<br />
mesmo grau que o produto do <strong>de</strong>lito.<br />
7. Aos efeitos do presente Artigo e do Artigo 55 da presente Convenção, cada Estado Parte<br />
facultará a seus tribunais ou outras autorida<strong>de</strong> competentes para or<strong>de</strong>nar a apresentação ou a<br />
apreensão <strong>de</strong> documentos bancários, financeiros ou comerciais. Os Estados Partes não po<strong>de</strong>rão<br />
abster-se <strong>de</strong> aplicar as disposições do presente parágrafo amparando-se no sigilo bancário.<br />
8. Os Estados Partes po<strong>de</strong>rão consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exigir <strong>de</strong> um <strong>de</strong>linqüente que<br />
<strong>de</strong>monstre a origem lícita do alegado produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito ou <strong>de</strong> outros bens expostos ao confisco, na<br />
medida em que ele seja conforme com os princípios fundamentais <strong>de</strong> sua legislação interna e com a<br />
índole do processo judicial ou outros processos.<br />
9. As disposições do presente Artigo não se interpretarão em prejuízo do direito <strong>de</strong> terceiros que<br />
atuem <strong>de</strong> boa-fé.<br />
10. Nada do disposto no presente Artigo afetará o princípio <strong>de</strong> que as medidas nele previstas se<br />
<strong>de</strong>finirão e aplicar-se-ão em conformida<strong>de</strong> com a legislação interna dos Estados Partes e com<br />
sujeição a este.
205<br />
Artigo 32<br />
Proteção a testemunhas, peritos e vítimas<br />
1. Cada Estado Parte adotará medidas apropriadas, em conformida<strong>de</strong> com seu or<strong>de</strong>namento jurídico<br />
interno e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s, para proteger <strong>de</strong> maneira eficaz contra eventuais atos <strong>de</strong><br />
represália ou intimidação as testemunhas e peritos que prestem testemunho sobre os <strong>de</strong>litos<br />
qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção, assim como, quando proce<strong>de</strong>r, a seus familiares<br />
e <strong>de</strong>mais pessoas próximas.<br />
2. As medidas previstas no parágrafo 1 do presente Artigo po<strong>de</strong>rão consistir, entre outras, sem<br />
prejuízo dos direitos do acusado e incluindo o direito <strong>de</strong> garantias processuais, em:<br />
a) Estabelecer procedimentos para a proteção física <strong>de</strong>ssas pessoas, incluída, na medida do<br />
necessário e do possível, sua remoção, e permitir, quando proce<strong>de</strong>r, à proibição total ou parcial <strong>de</strong><br />
revelar informação sobre sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e para<strong>de</strong>iro;<br />
b) Estabelecer normas probatórias que permitam que as testemunhas e peritos prestem<br />
testemunho sem pôr em perigo a segurança <strong>de</strong>ssas pessoas, por exemplo, aceitando o testemunho<br />
mediante tecnologias <strong>de</strong> comunicação como a vi<strong>de</strong>oconferência ou outros meios a<strong>de</strong>quados.<br />
3. Os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> celebrar acordos ou tratados com outros<br />
Estados para a remoção das pessoas mencionadas no parágrafo 1 do presente Artigo.<br />
4. As disposições do presente Artigo se aplicarão também às vítimas na medida em que sejam<br />
testemunhas.<br />
5. Cada Estado Parte permitirá, com sujeição a sua legislação interna, que se apresentem e<br />
consi<strong>de</strong>rem as opiniões e preocupações das vítimas em etapas apropriadas das ações penais contra<br />
os criminosos sem menosprezar os direitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.<br />
Artigo 33<br />
Proteção aos <strong>de</strong>núnciantes<br />
Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incorporar em seu or<strong>de</strong>namento jurídico<br />
interno medidas apropriadas para proporcionar proteção contra todo trato injusto às pessoas que<br />
<strong>de</strong>nunciem ante as autorida<strong>de</strong>s competentes, <strong>de</strong> boa-fé e com motivos razoáveis, quaisquer feitos<br />
relacionados com os <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
Artigo 34<br />
Conseqüências dos atos <strong>de</strong> corrupção<br />
Com a <strong>de</strong>vida consi<strong>de</strong>ração aos direitos adquiridos <strong>de</strong> boa-fé por terceiros, cada Estado Parte,<br />
em conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> sua legislação interna, adotará medidas para<br />
eliminar as conseqüências dos atos <strong>de</strong> corrupção. Neste contexto, os Estados Partes po<strong>de</strong>rão<br />
consi<strong>de</strong>rar a corrupção um fator pertinente em procedimentos jurídicos encaminhados a anular ou<br />
<strong>de</strong>ixar sem efeito um contrato ou a revogar uma concessão ou outro instrumento semelhante, o<br />
adotar qualquer outra medida <strong>de</strong> correção.<br />
Artigo 35<br />
In<strong>de</strong>nização por danos e prejuízos<br />
Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias, em conformida<strong>de</strong> com os<br />
princípios <strong>de</strong> sua legislação interna, para garantir que as entida<strong>de</strong>s ou pessoas prejudicadas como
206<br />
conseqüência <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong> corrupção tenham direito a iniciar uma ação legal contra os responsáveis<br />
<strong>de</strong>sses danos e prejuízos a fim <strong>de</strong> obter in<strong>de</strong>nização.<br />
Artigo 36<br />
Autorida<strong>de</strong>s especializadas<br />
Cada Estado Parte, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico, se certificará <strong>de</strong> que dispõe <strong>de</strong> um ou mais órgãos ou pessoas especializadas na luta contra<br />
a corrupção mediante a aplicação coercitiva da lei. Esse(s) órgão(s) ou essa(s) pessoa(s) gozarão da<br />
in<strong>de</strong>pendência necessária, conforme os princípios fundamentais do or<strong>de</strong>namento jurídico do Estado<br />
Parte, para que possam <strong>de</strong>sempenhar suas funções com eficácia e sem pressões in<strong>de</strong>vidas. Deverá<br />
proporcionar-se a essas pessoas ou ao pessoal <strong>de</strong>sse(s) órgão(s) formação a<strong>de</strong>quada e recursos<br />
suficientes para o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas funções.<br />
Artigo 37<br />
Cooperação com as autorida<strong>de</strong>s encarregadas <strong>de</strong> fazer cumprir a lei<br />
1. Cada Estado Parte adotará as medidas apropriadas para restabelecer as pessoas que<br />
participem ou que tenham participado na prática dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente<br />
Convenção que proporcionem às autorida<strong>de</strong>s competentes informação útil com fins investigativos e<br />
probatórios e as que lhes prestem ajuda efetiva e concreta que possa contribuir a privar os criminosos<br />
do produto do <strong>de</strong>lito, assim como recuperar esse produto.<br />
2. Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prever, em casos apropriados, a mitigação<br />
<strong>de</strong> pena <strong>de</strong> toda pessoa acusada que preste cooperação substancial à investigação ou ao<br />
indiciamento dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
3. Cada Estado parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prever, em conformida<strong>de</strong> com os princípios<br />
fundamentais <strong>de</strong> sua legislação interna, a concessão <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong> judicial a toda pessoa que preste<br />
cooperação substancial na investigação ou no indiciamento dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a<br />
presente Convenção.<br />
4. A proteção <strong>de</strong>ssas pessoas será, mutatis mutandis, a prevista no Artigo 32 da presente<br />
Convenção.<br />
5. Quando as pessoas mencionadas no parágrafo 1 do presente Artigo se encontrem em um<br />
Estado Parte e possam prestar cooperação substancial às autorida<strong>de</strong>s competentes <strong>de</strong> outro Estado<br />
Parte, os Estados Partes interessados po<strong>de</strong>rão consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> celebrar acordos ou<br />
tratados, em conformida<strong>de</strong> com sua legislação interna, a respeito da eventual concessão, por esse<br />
Estrado Parte, do trato previsto nos parágrafos 2 e 3 do presente Artigo.<br />
Artigo 38<br />
Cooperação entre organismos nacionais<br />
Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias, em conformida<strong>de</strong> com sua<br />
legislação interna, para estabelecer a cooperação entre, <strong>de</strong> um lado, seus organismos públicos,<br />
assim como seus funcionários públicos, e, do outro, seus organismos encarregados <strong>de</strong> investigar e<br />
processar judicialmente os <strong>de</strong>litos. Essa cooperação po<strong>de</strong>rá incluir:<br />
a) Informar a esses últimos organismos, por iniciativa do Estado Parte, quando tenha motivos<br />
razoáveis para suspeitar-se que fora praticado algum dos crimes qualificados <strong>de</strong> acordo com os<br />
Artigos 15, 21 e 23 da presente Convenção; ou<br />
b) Proporcionar a esses organismos toda a informação necessária mediante solicitação.
207<br />
Artigo 39<br />
Cooperação entre os organismos nacionais e o setor privado<br />
1. Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias, em conformida<strong>de</strong> com seu<br />
direito interno, para estabelecer a cooperação entre os organismos nacionais <strong>de</strong> investigação e o<br />
ministério público, <strong>de</strong> um lado, e as entida<strong>de</strong>s do setor privado, em particular as instituições<br />
financeiras, <strong>de</strong> outro, em questões relativas à prática dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a<br />
presente Convenção.<br />
2. Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer que seus cidadãos e <strong>de</strong>mais<br />
pessoas que tenham residência em seu território a <strong>de</strong>núnciar ante os organismos nacionais <strong>de</strong><br />
investigação e o ministério público a prática <strong>de</strong> todo <strong>de</strong>lito qualificado <strong>de</strong> acordo com a presente<br />
Convenção.<br />
Artigo 40<br />
Sigilo bancário<br />
Cada Estado Parte velará para que, no caso <strong>de</strong> investigações penais nacionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos<br />
qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção, existam em seu or<strong>de</strong>namento jurídico interno<br />
mecanismos apropriados para eliminar qualquer obstáculo que possa surgir como conseqüência da<br />
aplicação da legislação relativa ao sigilo bancário.<br />
Artigo 41<br />
Antece<strong>de</strong>ntes penais<br />
Cada Estado Parte po<strong>de</strong>rá adotar as medidas legislativas ou <strong>de</strong> outras índoles que sejam<br />
necessárias para ter em conta, nas condições e para os fins que estime apropriados, toda prévia<br />
<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> culpabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um presumido criminoso em outro Estado a fim <strong>de</strong> utilizar essa<br />
informação em ações penais relativas a <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
Artigo 42<br />
Jurisdição<br />
1. Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias para estabelecer sua<br />
jurisdição a respeito dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção quando:<br />
a) O <strong>de</strong>lito se cometa em seu território; ou<br />
b) O <strong>de</strong>lito se cometa a bordo <strong>de</strong> uma embarcação que possua i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> tal Estado ou <strong>de</strong><br />
uma aeronave registrada sob suas leis no momento <strong>de</strong> sua prática.<br />
2. Com sujeição ao disposto no Artigo 4 da presente Convenção, um Estado Parte também<br />
po<strong>de</strong>rá estabelecer sua jurisdição para ter conhecimento <strong>de</strong> tais <strong>de</strong>litos quando:<br />
a) O <strong>de</strong>lito se cometa contra um <strong>de</strong> seus cidadãos;<br />
b) O <strong>de</strong>lito seja cometido por um <strong>de</strong> seus cidadãos ou por um estrangeiro que tenha residência<br />
em seu território;<br />
c) O <strong>de</strong>lito seja um dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com o inciso "ii)" da parte "b)" do parágrafo<br />
1 do Artigo 23 da presente Convenção e se cometa fora <strong>de</strong> seu território com vistas à prática, <strong>de</strong>ntro
208<br />
<strong>de</strong> seu território, <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito qualificado <strong>de</strong> acordo com os incisos "i)" e "ii)" da parte "a)" ou inciso "i)"<br />
da parte "b)" do parágrafo 1 do Artigo 23 da presente Convenção; ou<br />
d) O <strong>de</strong>lito se cometa contra o Estado Parte.<br />
3. Aos efeitos do Artigo 44 da presente Convenção, cada Estado Parte adotará as medidas que<br />
sejam necessárias para estabelecer a jurisdição relativa aos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a<br />
presente Convenção quando o presumido criminoso se encontre em seu território e o Estado Parte<br />
não o extradite pelo fato <strong>de</strong> ser um <strong>de</strong> seus cidadãos.<br />
4. Cada Estado Parte po<strong>de</strong>rá também adotar as medidas que sejam necessárias para<br />
estabelecer sua jurisdição a respeito dos <strong>de</strong>litos qualificados na presente Convenção quando o<br />
presumido criminoso se encontre em seu território e o Estado Parte não o extradite.<br />
5. Se um Estado Parte que exerce sua jurisdição <strong>de</strong> acordo com os parágrafos 1 ou 2 do<br />
presente Artigo for notificado, ou tomar conhecimento por outro meio, <strong>de</strong> que outros Estados Partes<br />
estão realizando uma investigação, um processo ou uma ação judicial relativos aos mesmos fatos, as<br />
autorida<strong>de</strong>s competentes <strong>de</strong>sses Estados Partes se consultarão, segundo proceda, a fim <strong>de</strong><br />
coor<strong>de</strong>nar suas medidas.<br />
6. Sem prejuízo às normas do direito internacional geral, a presente Convenção não excluirá o<br />
exercício das competências penais estabelecidas pelos Estados Partes em conformida<strong>de</strong> com suas<br />
legislações internas.<br />
Capítulo IV<br />
Cooperação internacional<br />
Artigo 43<br />
Cooperação internacional<br />
1. Os Estados Partes cooperarão em assuntos penais conforme o disposto nos Artigos 44 a 50<br />
da presente Convenção. Quando proceda e estiver em consonância com seu or<strong>de</strong>namento jurídico<br />
interno, os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prestar-se assistência nas investigações e<br />
procedimentos correspon<strong>de</strong>ntes a questões civis e administrativas relacionadas com a corrupção.<br />
2. Em questões <strong>de</strong> cooperação internacional, quando a dupla incriminação seja um requisito,<br />
este se consi<strong>de</strong>rará cumprido se a conduta constitutiva do <strong>de</strong>lito relativo ao qual se solicita<br />
assistência é um <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> acordo com a legislação <strong>de</strong> ambos os Estados Partes, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
se as leis do Estado Parte requerido incluem o <strong>de</strong>lito na mesma categoria ou o <strong>de</strong>nominam com a<br />
mesma terminologia que o Estado Parte requerente.<br />
Artigo 44<br />
Extradição<br />
1. O presente Artigo se aplicará a todos os <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente<br />
Convenção no caso <strong>de</strong> que a pessoa que é objeto <strong>de</strong> solicitação <strong>de</strong> extradição se encontre no<br />
território do Estado Parte requerido, sempre e quando o <strong>de</strong>lito pelo qual se pe<strong>de</strong> a extradição seja<br />
punível <strong>de</strong> acordo com a legislação interna do Estado Parte requerente e do Estado Parte requerido.<br />
2. Sem prejuízo ao disposto no parágrafo 1 do presente Artigo, os Estados Partes cuja<br />
legislação o permitam po<strong>de</strong>rão conce<strong>de</strong>r a extradição <strong>de</strong> uma pessoa por quaisquer dos <strong>de</strong>litos<br />
compreendidos na presente Convenção que não sejam puníveis com relação à sua própria legislação<br />
interna.
209<br />
3. Quando a solicitação <strong>de</strong> extradição incluir vários <strong>de</strong>litos, dos quais ao menos um dê lugar à<br />
extradição conforme o disposto no presente Artigo e alguns não <strong>de</strong>rem lugar à extradição <strong>de</strong>vido ao<br />
período <strong>de</strong> privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> que toleram mas guar<strong>de</strong>m relação com os <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong><br />
acordo com a presente Convenção, o Estado Parte requerido po<strong>de</strong>rá aplicar o presente Artigo<br />
também a respeito <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>litos.<br />
4. Cada um dos <strong>de</strong>litos aos quais se aplicam o presente Artigo se consi<strong>de</strong>rará incluído entre os<br />
<strong>de</strong>litos que dão lugar à extradição em todo tratado <strong>de</strong> extradição vigente entre os Estados<br />
Partes. Estes se comprometem a incluir tais <strong>de</strong>litos como causa <strong>de</strong> extradição em todo tratado <strong>de</strong><br />
extradição que celebrem entre si. Os Estados Partes cujas legislações os permitam, no caso <strong>de</strong> que a<br />
presente Convenção sirva <strong>de</strong> base para a extradição, não consi<strong>de</strong>rarão <strong>de</strong> caráter político nenhum<br />
dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
5. Se um Estado Parte que submete a extradição à existência <strong>de</strong> um tratado recebe uma<br />
solicitação <strong>de</strong> extradição <strong>de</strong> outro Estado Parte com o qual não celebra nenhum tratado <strong>de</strong><br />
extradição, po<strong>de</strong>rá consi<strong>de</strong>rar a presente Convenção como a base jurídica da extradição a respeito<br />
dos <strong>de</strong>litos aos quais se aplicam o presente Artigo.<br />
6. Todo Estado Parte que submeta a extradição à existência <strong>de</strong> um tratado <strong>de</strong>verá:<br />
a) No momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>positar seu instrumento <strong>de</strong> ratificação, aceitação ou aprovação da presente<br />
Convenção ou <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são à ela, informar ao Secretário Geral das Nações Unidas se consi<strong>de</strong>rará ou<br />
não a presente Convenção como a base jurídica da cooperação em matéria <strong>de</strong> extradição em suas<br />
relações com os outros Estados Partes da presente Convenção; e<br />
b) Se não consi<strong>de</strong>ra a presente Convenção como a base jurídica da cooperação em matéria <strong>de</strong><br />
extradição, procurar, quando proce<strong>de</strong>r, celebrar tratados <strong>de</strong> extradição com outros Estados Partes da<br />
presente Convenção a fim <strong>de</strong> aplicar o presente Artigo.<br />
7. Os Estados Partes que não submetem a extradição à existência <strong>de</strong> um tratado reconhecerão<br />
os <strong>de</strong>litos aos quais se aplica o presente Artigo como causa <strong>de</strong> extradição entre eles.<br />
8. A extradição estará sujeita às condições previstas na legislação interna do Estado Parte<br />
requerido ou nos tratados <strong>de</strong> extradição aplicáveis, incluídas, entre outras coisas, as relativas ao<br />
requisito <strong>de</strong> uma pena mínima para a extradição e aos motivos que o Estado Parte requerido po<strong>de</strong><br />
incorrer na extradição.<br />
9. Os Estados Partes, em conformida<strong>de</strong> com sua legislação interna, procurarão agilizar os<br />
procedimentos <strong>de</strong> extradição e simplificar os requisitos probatórios correspon<strong>de</strong>ntes com relação a<br />
qualquer dos <strong>de</strong>litos aos quais se aplicam o presente Artigo.<br />
10. A respeito do disposto em sua legislação interna e em seus tratados <strong>de</strong> extradição, o Estado<br />
Parte requerido po<strong>de</strong>rá, após haver-se certificado <strong>de</strong> que as circunstâncias o justificam e têm caráter<br />
urgente, e à solicitação do Estado Parte requerente, proce<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>tenção da pessoa presente em seu<br />
território cuja extradição se peça ou adotar outras medidas a<strong>de</strong>quadas para garantir o<br />
comparecimento <strong>de</strong>ssa pessoa nos procedimentos <strong>de</strong> extradição.<br />
11. O Estado Parte em cujo território se encontre um presumido criminoso, se não o extradita<br />
quando <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito aos qual se aplica o presente Artigo pelo fato <strong>de</strong> ser um <strong>de</strong> seus cidadãos,<br />
estará obrigado, quando solicitado pelo Estado Parte que pe<strong>de</strong> a extradição, a submeter o caso sem<br />
<strong>de</strong>mora injustificada a suas autorida<strong>de</strong>s competentes para efeitos <strong>de</strong> indiciamento. As mencionadas<br />
autorida<strong>de</strong>s adotarão sua <strong>de</strong>cisão e levarão a cabo suas ações judiciais da mesma maneira em que o<br />
fariam feito com relação a qualquer outro <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> caráter grave <strong>de</strong> acordo com a legislação interna<br />
<strong>de</strong>sse Estado Parte. Os Estados Partes interessados cooperarão entre si, em particular no tocante<br />
aos aspectos processuais e probatórios, com vistas a garantir a eficiência das mencionadas ações.<br />
12. Quando a legislação interna <strong>de</strong> um Estado Parte só permite extraditar ou entregar <strong>de</strong> algum<br />
outro modo um <strong>de</strong> seus cidadãos a condição <strong>de</strong> que essa pessoa seja <strong>de</strong>volvida a esse Estado Parte
210<br />
para cumprir a pena imposta como resultado do juízo do processo por aquele que solicitou a<br />
extradição ou a entrega e esse Estado Parte e o Estado Parte que solicita a extradição aceitem essa<br />
opção, assim como toda outra condição que julguem apropriada, tal extradição ou entrega condicional<br />
será suficiente para que seja cumprida a obrigação enunciada no parágrafo 11 do presente Artigo.<br />
13. Se a extradição solicitada com o propósito <strong>de</strong> que se cumpra uma pena é negada pelo fato<br />
<strong>de</strong> que a pessoa procurada é cidadã do Estado Parte requerido, este, se sua legislação interna<br />
autoriza e em conformida<strong>de</strong> com os requisitos da mencionada legislação, consi<strong>de</strong>rará, ante<br />
solicitação do Estado Parte requerente, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer cumprir a pena imposta ou o resto<br />
pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> tal pena <strong>de</strong> acordo com a legislação interna do Estado Parte requerente.<br />
14. Em todas as etapas das ações se garantirá um tratamento justo a toda pessoa contra a qual<br />
se tenha iniciado uma instrução em relação a qualquer dos <strong>de</strong>litos aos quais se aplica o presente<br />
Artigo, incluindo o gozo <strong>de</strong> todos os direitos e garantias previstos pela legislação interna do Estado<br />
Parte em cujo território se encontre essa pessoa.<br />
15. Nada do disposto na presente Convenção po<strong>de</strong>rá interpretar-se como a imposição <strong>de</strong> uma<br />
obrigação <strong>de</strong> extraditar se o Estado Parte requerido tem motivos justificados para pressupor que a<br />
solicitação foi apresentada com o fim <strong>de</strong> perseguir ou castigar a uma pessoa em razão <strong>de</strong> seu sexo,<br />
raça, religião, nacionalida<strong>de</strong>, origem étnica ou opiniões políticas ou que seu cumprimento ocasionaria<br />
prejuízos à posição <strong>de</strong>ssa pessoa por quaisquer <strong>de</strong>stas razões.<br />
16. Os Estados Partes não po<strong>de</strong>rão negar uma solicitação <strong>de</strong> extradição unicamente porque se<br />
consi<strong>de</strong>re que o <strong>de</strong>lito também envolve questões tributárias.<br />
17. Antes <strong>de</strong> negar a extradição, o Estado Parte requerido, quando proce<strong>de</strong>r, consultará o<br />
Estado parte requerente para dar-lhe ampla oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar suas opiniões e <strong>de</strong><br />
proporcionar informação pertinente a sua alegação.<br />
18. Os Estados Partes procurarão celebrar acordos ou tratados bilaterais e multilaterais para<br />
levar a cabo a extradição ou com vistas a aumentar sua eficácia.<br />
Artigo 45<br />
Traslado <strong>de</strong> pessoas con<strong>de</strong>nadas a cumprir uma pena<br />
Os Estados Partes po<strong>de</strong>rão consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> celebrar acordos ou tratados bilaterais<br />
ou multilaterais sobre o traslado a seu território <strong>de</strong> toda pessoa que tenha sido con<strong>de</strong>nada a pena <strong>de</strong><br />
prisão ou outra forma <strong>de</strong> privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> por algum dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a<br />
presente Convenção a fim <strong>de</strong> que cumpra ali sua pena.<br />
Artigo 46<br />
Assistência judicial recíproca<br />
1. Os Estados Partes prestar-se-ão a mais ampla assistência judicial recíproca relativa a<br />
investigações, processos e ações judiciais relacionados com os <strong>de</strong>litos compreendidos na presente<br />
Convenção.<br />
2. Prestar-se-á assistência judicial recíproca no <strong>maio</strong>r grau possível conforme as leis, tratados,<br />
acordos e <strong>de</strong>clarações pertinentes do Estado Parte requerido com relação a investigações, processos<br />
e ações judiciais relacionados com os <strong>de</strong>litos dos quais uma pessoa jurídica po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada<br />
responsável em conformida<strong>de</strong> com o Artigo <strong>26</strong> da presente Convenção no Estado Parte requerente.<br />
3. A assistência judicial recíproca que se preste em conformida<strong>de</strong> com o presente Artigo po<strong>de</strong>rá<br />
ser solicitada para quaisquer dos fins seguintes:
211<br />
a) Receber testemunhos ou tomar <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> pessoas;<br />
b) Apresentar documentos judiciais;<br />
c) Efetuar inspeções, incautações e/ou embargos preventivos;<br />
d) Examinar objetos e lugares;<br />
e) Proporcionar informação, elementos <strong>de</strong> prova e avaliações <strong>de</strong> peritos;<br />
f) Entregar originais ou cópias certificadas dos documentos e expedientes pertinentes, incluída a<br />
documentação pública, bancária e financeira, assim como a documentação social ou comercial <strong>de</strong><br />
socieda<strong>de</strong>s mercantis;<br />
g) I<strong>de</strong>ntificar ou localizar o produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, os bens, os instrumentos e outros elementos para<br />
fins probatórios;<br />
h) Facilitar o comparecimento voluntário <strong>de</strong> pessoas ao Estado Parte requerente;<br />
i) Prestar qualquer outro tipo <strong>de</strong> assistência autorizada pela legislação interna do Estado Parte<br />
requerido;<br />
j) I<strong>de</strong>ntificar, embargar com caráter preventivo e localizar o produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, em conformida<strong>de</strong><br />
com as disposições do Capítulo V da presente Convenção;<br />
l) Recuperar ativos em conformida<strong>de</strong> com as disposições do Capítulo V da presente Convenção.<br />
4. Sem menosprezo à legislação interna, as autorida<strong>de</strong>s competentes <strong>de</strong> um Estado Parte<br />
po<strong>de</strong>rão, sem que se lhes solicite previamente, transmitir informação relativa a questões penais a<br />
uma autorida<strong>de</strong> competente <strong>de</strong> outro Estado Parte se crêem que essa informação po<strong>de</strong>ria ajudar a<br />
autorida<strong>de</strong> a empreen<strong>de</strong>r ou concluir com êxito indagações e processos penais ou po<strong>de</strong>ria dar lugar a<br />
uma petição formulada por este último Estado Parte <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
5. A transmissão <strong>de</strong> informação <strong>de</strong> acordo com o parágrafo 4 do presente Artigo se fará sem<br />
prejuízo às indagações e processos penais que tenham lugar no Estado das autorida<strong>de</strong>s<br />
competentes que facilitaram a informação. As autorida<strong>de</strong>s competentes que recebem a informação<br />
<strong>de</strong>verão aquiescer a toda solicitação <strong>de</strong> que se respeite seu caráter confi<strong>de</strong>ncial, inclusive<br />
temporariamente, ou <strong>de</strong> que se imponham restrições a sua utilização. Sem embargo, ele não obstará<br />
para que o Estado Parte receptor revele, em suas ações, informação que seja fator <strong>de</strong> absolvição <strong>de</strong><br />
uma pessoa acusada. Em tal caso, o Estado Parte receptor notificará o Estado Parte transmissor<br />
antes <strong>de</strong> revelar a mencionada informação e, se assim for solicitado, consultará o Estado Parte<br />
transmissor. Se, em um caso excepcional, não for possível notificar com antecipação, o Estado Parte<br />
receptor informará sem <strong>de</strong>mora ao Estado Parte transmissor sobre a mencionada revelação.<br />
6. O disposto no presente Artigo não afetará as obrigações inerentes <strong>de</strong> outros tratados<br />
bilaterais ou multilaterais vigentes ou futuros que rejam, total ou parcialmente, a assistência judicial<br />
recíproca.<br />
7. Os parágrafos 9 a 29 do presente Artigo se aplicarão às solicitações que se formulem <strong>de</strong><br />
acordo com o presente Artigo sempre que não se estabeleça entre os Estados Partes interessados<br />
um tratado <strong>de</strong> assistência judicial recíproca. Quando estes Estados Partes estiverem vinculados por<br />
um tratado <strong>de</strong>ssa índole se aplicarão as disposições correspon<strong>de</strong>ntes do tal tratado, salvo quando<br />
aos Estados Partes convenha aplicar, em seu lugar, os parágrafos 9 a 29 do presente Artigo. Insta-se<br />
encarecidamente aos Estados Partes que apliquem esses parágrafos se a cooperação for facilitada.<br />
8. Os Estados Partes não invocarão o sigilo bancário para negar a assistência judicial recíproca<br />
<strong>de</strong> acordo com o presente Artigo.
212<br />
9. a) Ao aten<strong>de</strong>r a uma solicitação <strong>de</strong> assistência <strong>de</strong> acordo com o presente Artigo, na ausência<br />
<strong>de</strong> dupla incriminação, o Estado Parte requerido terá em conta a finalida<strong>de</strong> da presente Convenção,<br />
enunciada no Artigo 1;<br />
b) Os Estados Partes po<strong>de</strong>rão negar-se a prestar assistência <strong>de</strong> acordo com o presente Artigo<br />
invocando a ausência <strong>de</strong> dupla incriminação. Não obstante, o Estado Parte requerido, quando esteja<br />
em conformida<strong>de</strong> com os conceitos básicos <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento jurídico, prestará assistência que<br />
não envolva medidas coercitivas. Essa assistência po<strong>de</strong>rá ser negada quando a solicitação envolva<br />
assuntos <strong>de</strong> minimis ou questões relativas às quais a cooperação ou a assistência solicitada estiver<br />
prevista em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras disposições da presente Convenção;<br />
c) Na ausência da dupla incriminação, cada Estado Parte po<strong>de</strong>rá consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
adotar as medidas necessárias que lhe permitam prestar uma assistência mais ampla <strong>de</strong> acordo com<br />
o presente Artigo.<br />
10. A pessoa que se encontre <strong>de</strong>tida ou cumprindo uma pena no território <strong>de</strong> um Estado Parte e<br />
cuja presença se solicite por outro Estado Parte para fins <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, para prestar testemunho<br />
ou para que aju<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguma outra forma na obtenção das provas necessárias para investigações,<br />
processos ou ações judiciais relativos aos <strong>de</strong>litos compreendidos na presente Convenção po<strong>de</strong>rá ser<br />
trasladada se cumprirem-se as condições seguintes:<br />
a) A pessoa, <strong>de</strong>vidamente informada, dá seu livre consentimento;<br />
b) As autorida<strong>de</strong>s competentes <strong>de</strong> ambos os Estados Partes estão <strong>de</strong> acordo, com sujeição às<br />
condições que estes consi<strong>de</strong>rem apropriadas.<br />
11. Aos efeitos do parágrafo 10 do presente Artigo:<br />
a) O Estado Parte ao qual se trasla<strong>de</strong> a pessoa terá a competência e a obrigação <strong>de</strong> mantê-la<br />
<strong>de</strong>tida, salvo se o Estado Parte do qual a pessoa fora trasladada solicitar ou autorizar outra coisa;<br />
b) O Estado Parte ao qual se trasla<strong>de</strong> a pessoa cumprirá sem <strong>de</strong>longas sua obrigação <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>volvê-la à custódia do Estado Parte do qual a trasladou, segundo convenham <strong>de</strong> antemão ou <strong>de</strong><br />
outro modo as autorida<strong>de</strong>s competentes <strong>de</strong> ambos os Estados Partes;<br />
c) O Estado Parte ao qual se trasla<strong>de</strong> a pessoa não po<strong>de</strong>rá exigir do Estado Parte do qual a<br />
pessoa tenha sido trasladada que inicie procedimentos <strong>de</strong> extradição para sua <strong>de</strong>volução;<br />
d) O tempo em que a pessoa tenha permanecido <strong>de</strong>tida no Estado Parte ao qual fora trasladada<br />
se computará como parte da pena que se cumpre no Estado Parte do qual fora trasladada.<br />
12. A menos que o Estado Parte remetente da pessoa a ser trasladada <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com os<br />
parágrafos 10 e 11 do presente Artigo estiver <strong>de</strong> acordo, tal pessoa, seja qual for sua nacionalida<strong>de</strong>,<br />
não po<strong>de</strong>rá ser processada, <strong>de</strong>tida, con<strong>de</strong>nada nem submetida a nenhuma outra restrição <strong>de</strong> sua<br />
liberda<strong>de</strong> pessoal no território do Estado ao qual fora trasladada em relação a atos, omissões ou<br />
penas anteriores a sua saída do território do Estado remetente.<br />
13. Cada Estado Parte <strong>de</strong>signará uma autorida<strong>de</strong> central encarregada <strong>de</strong> receber solicitações <strong>de</strong><br />
assistência judicial recíproca e permitida a dar-lhes cumprimento ou para transmiti-las às autorida<strong>de</strong>s<br />
competentes para sua execução. Quando alguma região ou algum território especial <strong>de</strong> um Estado<br />
Parte disponha <strong>de</strong> um regimento distinto <strong>de</strong> assistência judicial recíproca, o Estado Parte po<strong>de</strong>rá<br />
<strong>de</strong>signar outra autorida<strong>de</strong> central que <strong>de</strong>sempenhará a mesma função para tal região ou mencionado<br />
território. As autorida<strong>de</strong>s centrais velarão pelo rápido e a<strong>de</strong>quado cumprimento ou transmissão das<br />
solicitações recebidas. Quando a autorida<strong>de</strong> central transmitir a solicitação a uma autorida<strong>de</strong><br />
competente para sua execução, alentará a rápida e a<strong>de</strong>quada execução da solicitação por parte da<br />
mencionada autorida<strong>de</strong>. Cada Estado Parte notificará o Secretário Geral das Nações Unidas, no<br />
momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>positar seu instrumento <strong>de</strong> ratificação, aceitação ou aprovação da presente<br />
Convenção ou <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são a ela, o nome da autorida<strong>de</strong> central que tenha sido <strong>de</strong>signada para tal
213<br />
fim. As solicitações <strong>de</strong> assistência judicial recíproca e qualquer outra comunicação pertinente serão<br />
transmitidas às autorida<strong>de</strong>s centrais <strong>de</strong>signadas pelos Estados Partes. A presente disposição não<br />
afetará a legislação <strong>de</strong> quaisquer dos Estados Partes para exigir que estas solicitações e<br />
comunicações lhe sejam enviadas por via diplomática e, em circunstâncias urgentes, quando os<br />
Estados Partes convenham a ele, por condução da Organização Internacional <strong>de</strong> Polícia Criminal, <strong>de</strong><br />
ser possível.<br />
14. As solicitações se apresentarão por escrito ou, quando possível, por qualquer meio capaz <strong>de</strong><br />
registrar um texto escrito, em um idioma aceitável pelo Estado Parte requerido. Em condições que<br />
permitam ao mencionado Estado Parte <strong>de</strong>terminar sua autenticida<strong>de</strong>. Cada Estado Parte notificará o<br />
Secretário Geral das Nações Unidas, no momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>positar seu instrumento <strong>de</strong> ratificação,<br />
aceitação ou aprovação da presente Convenção ou <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são a ela, o(s) idioma(s) que<br />
é(são) aceitável(veis). Em situações <strong>de</strong> urgência, e quando os Estados Partes convenham a ele, as<br />
solicitações po<strong>de</strong>rão fazer-se oralmente, <strong>de</strong>vendo ser confirmadas por escrito sem <strong>de</strong>longas.<br />
15. Toda solicitação <strong>de</strong> assistência judicial recíproca conterá o seguinte:<br />
a) A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da autorida<strong>de</strong> que faz a solicitação;<br />
b) O objeto e a índole das investigações, dos processos e das ações judiciais a que se refere a<br />
solicitação e o nome e as funções da autorida<strong>de</strong> encarregada <strong>de</strong> efetuar tais investigações,<br />
processos ou ações;<br />
c) Um resumo dos feitos pertinentes, salvo quando se trate <strong>de</strong> solicitações <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong><br />
documentos judiciais;<br />
d) Uma <strong>de</strong>scrição da assistência solicitada e pormenores sobre qualquer procedimento particular<br />
que o Estado Parte requerente <strong>de</strong>seja que se aplique;<br />
e) Se possível, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, situação e nacionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada pessoa interessada; e<br />
f) A finalida<strong>de</strong> pela qual se solicita a prova, informação ou atuação.<br />
16. O Estado Parte requerido po<strong>de</strong>rá pedir informação adicional quando seja necessária para<br />
dar cumprimento à solicitação em conformida<strong>de</strong> com sua legislação interna ou para facilitar tal<br />
cumprimento.<br />
17. Dar-se-á cumprimento a toda solicitação <strong>de</strong> acordo com o or<strong>de</strong>namento jurídico interno do<br />
Estado Parte requerido e, na medida em que ele não o contravenha e seja factível, em conformida<strong>de</strong><br />
com os procedimentos especificados na solicitação.<br />
18. Sempre quando for possível e compatível com os princípios fundamentais da legislação interna,<br />
quando uma pessoa se encontre no território <strong>de</strong> um Estado Parte e tenha que prestar <strong>de</strong>claração<br />
como testemunha ou perito ante autorida<strong>de</strong>s judiciais <strong>de</strong> outro Estado Parte, o primeiro Estado Parte,<br />
ante solicitação do outro, po<strong>de</strong>rá permitir que a audiência se celebre por vi<strong>de</strong>oconferência se não for<br />
possível ou conveniente que a pessoa em questão compareça pessoalmente ao território do Estado<br />
Parte requerente. Os Estados Partes po<strong>de</strong>rão combinar que a audiência fique a cargo <strong>de</strong> uma<br />
autorida<strong>de</strong> judicial do Estado Parte requerente e que seja assistida por uma autorida<strong>de</strong> judicial do<br />
Estado Parte requerido.<br />
19. O Estado Parte requerente não transmitirá nem utilizará, sem prévio consentimento do<br />
Estado Parte requerido, a informação ou as provas proporcionadas por este para investigações,<br />
processos ou ações judiciais distintas daquelas indicadas na solicitação. Nada do disposto no<br />
presente parágrafo impedirá que o Estado Parte requerente revele, em suas ações, informação ou<br />
provas que sejam fatores <strong>de</strong> absolvição <strong>de</strong> uma pessoa acusada. Neste último caso, o Estado Parte<br />
requerente notificará o Estado Parte requerido antes <strong>de</strong> revelar a informação ou as provas e, se<br />
assim solicitado, consultará o Estado Parte requerido. Se, em um caso excepcional, não for possível
214<br />
notificar este com antecipação, o Estado Parte requerente informará sem <strong>de</strong>mora o Estado Parte<br />
requerido da mencionada revelação.<br />
20. O Estado Parte requerente po<strong>de</strong>rá exigir que o Estado Parte requerido mantenha sigilo<br />
acerca da existência e do conteúdo da solicitação, salvo na medida necessária para dar-lhe<br />
cumprimento. Se o Estado Parte requerido não po<strong>de</strong> manter esse sigilo, terá <strong>de</strong> fazer o Estado parte<br />
requerente sabê-lo <strong>de</strong> imediato.<br />
21. A assistência judicial recíproca po<strong>de</strong>rá ser negada:<br />
a) Quando a solicitação não esteja em conformida<strong>de</strong> com o disposto no presente Artigo;<br />
b) Quando o Estado Parte requerido consi<strong>de</strong>re que o cumprimento da solicitação po<strong>de</strong>ria agredir<br />
sua soberania, sua segurança, sua or<strong>de</strong>m pública ou outros interesses fundamentais;<br />
c) Quando a legislação interna do Estado Parte requerido proíba suas autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atuarem<br />
na forma solicitada relativa a um <strong>de</strong>lito análogo, se este tiver sido objeto <strong>de</strong> investigações, processos<br />
ou ações judiciais no exercício <strong>de</strong> sua própria competência;<br />
d) Quando aquiescer à solicitação seja contrário ao or<strong>de</strong>namento jurídico do Estado Parte<br />
requerido no tocante à assistência judicial recíproca.<br />
22. Os Estados Parte não po<strong>de</strong>rão negar uma solicitação <strong>de</strong> assistência judicial recíproca<br />
unicamente por consi<strong>de</strong>rarem que o <strong>de</strong>lito também envolve questões tributárias.<br />
23. Toda negação <strong>de</strong> assistência judicial recíproca <strong>de</strong>verá fundamentar-se <strong>de</strong>vidamente.<br />
24. O Estado Parte requerido cumprirá a solicitação <strong>de</strong> assistência judicial recíproca o quanto<br />
antes e terá plenamente em conta, na medida <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s, os prazos que sugira o Estado<br />
Parte requerente e que estejam <strong>de</strong>vidamente fundamentados, <strong>de</strong> preferência na própria solicitação. O<br />
Estado Parte requerente po<strong>de</strong>rá pedir informação razoável sobre o estado e a evolução das gestões<br />
realizadas pelo Estado Parte requerido para satisfazer tal petição. O Estado Parte requerido<br />
respon<strong>de</strong>rá às solicitações razoáveis que formule o Estado Parte requerente relativas ao estado e à<br />
evolução do trâmite da resolução. O Estado Parte requerente informará <strong>de</strong> pronto ao Estado Parte<br />
requerido quando já não mais necessite da assistência requisitada.<br />
25. A assistência judicial recíproca po<strong>de</strong>rá ser modificada pelo Estado Parte requerido se<br />
perturba investigações, processos ou ações judiciais em curso.<br />
<strong>26</strong>. Antes <strong>de</strong> negar uma solicitação apresentada <strong>de</strong> acordo com o parágrafo 21 do presente<br />
Artigo ou <strong>de</strong> modificar seu cumprimento <strong>de</strong> acordo com o parágrafo 25 do presente Artigo, o Estado<br />
Parte requerido consultará o Estado Parte requerente para consi<strong>de</strong>rar se é possível prestar a<br />
assistência solicitada submetendo-a às condições que julgue necessárias. Se o Estado Parte<br />
requerente aceita a assistência <strong>de</strong> acordo com essas condições, esse Estado Parte <strong>de</strong>verá cumprir<br />
as condições impostas.<br />
27. Sem prejuízo à aplicação do parágrafo 12 do presente Artigo, a testemunha, perito ou outra<br />
pessoa que, sob requisição do Estado Parte requerente, consente em prestar testemunho em juízo<br />
ou colaborar em uma investigação, processo ou ação judicial no território do Estado Parte requerente,<br />
não po<strong>de</strong>rá ser indiciado, <strong>de</strong>tido, con<strong>de</strong>nado nem submetido a nenhuma restrição <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong><br />
pessoal nesse território por atos, omissões ou <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> culpabilida<strong>de</strong> anteriores ao momento<br />
em que abandonou o território do Estado Parte requerido. Esse salvo-conduto cessará quando a<br />
testemunha, perito ou outra pessoa tenha tido, durante 15 (quinze) dias consecutivos ou durante o<br />
período acordado entre os Estados Partes após a data na qual se tenha informado oficialmente <strong>de</strong><br />
que as autorida<strong>de</strong>s judiciais já não requeriam sua presença, a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair do país e não<br />
obstante permaneceu voluntariamente nesse território ou a ele regressou livremente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> havêlo<br />
abandonado.
215<br />
28. Os gastos ordinários que ocasionem o cumprimento da solicitação serão sufragados pelo<br />
Estado Parte requerido, a menos que os Estados Partes interessados tenham acordado outro<br />
meio. Quando se requeiram para este fim gastos vultosos ou <strong>de</strong> caráter extraordinário, os Estados<br />
Partes se consultarão para <strong>de</strong>terminar as condições nas quais se dará cumprimento à solicitação,<br />
assim como a maneira em que se sufragarão os gastos.<br />
29. O Estado Parte requerido:<br />
a) Facilitará ao Estado Parte requerente uma cópia dos documentos oficiais e outros<br />
documentos ou papéis que tenha sob sua custódia e que, conforme sua legislação interna, sejam <strong>de</strong><br />
acesso do público em geral;<br />
b) Po<strong>de</strong>rá, a seu arbítrio e com sujeição às condições que julgue apropriadas, proporcionar ao<br />
Estado Parte requerente uma cópia total ou parcial <strong>de</strong> documentos oficiais ou <strong>de</strong> outros documentos<br />
ou papéis que tenha sob sua custódia e que, conforme sua legislação interna, não sejam <strong>de</strong> acesso<br />
do público em geral.<br />
30. Quando se fizer necessário, os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> celebrar<br />
acordos ou tratados bilaterais ou multilaterais que contribuam a lograr os fins do presente Artigo e<br />
que levem à prática ou reforcem suas disposições.<br />
Artigo 47<br />
Enfraquecimento <strong>de</strong> ações penais<br />
Os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enfraquecer ações penais para o<br />
indiciamento por um <strong>de</strong>lito qualificado <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção quando se estime que<br />
essa remissão redundará em benefício da <strong>de</strong>vida administração da justiça, em particular nos casos<br />
nos quais intervenham várias jurisdições, com vistas a concentrar as atuações do processo.<br />
Artigo 48<br />
Cooperação em matéria <strong>de</strong> cumprimento da lei<br />
1. Os Estados Partes colaborarão estritamente, em consonância com seus respectivos<br />
or<strong>de</strong>namentos jurídicos e administrativos, com vistas a aumentar a eficácia das medidas <strong>de</strong><br />
cumprimento da lei orientada a combater os <strong>de</strong>litos compreendidos na presente Convenção. Em<br />
particular, os Estados Parte adotarão medidas eficazes para:<br />
a) Melhorar os canais <strong>de</strong> comunicação entre suas autorida<strong>de</strong>s, organismos e serviços<br />
competentes e, quando necessário, estabelecê-los, a fim <strong>de</strong> facilitar o intercâmbio seguro e rápido <strong>de</strong><br />
informações sobre todos os aspectos dos <strong>de</strong>litos compreendidos na presente Convenção, assim<br />
como, se os Estados Partes interessados estimarem oportuno, sobre suas vinculações com outras<br />
ativida<strong>de</strong>s criminosas;<br />
b) Cooperar com outros Estados Partes na realização <strong>de</strong> indagações a respeito dos <strong>de</strong>litos<br />
compreendidos na presente Convenção acerca <strong>de</strong>: i) A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, o para<strong>de</strong>iro e as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
pessoas presumidamente envolvidas em tais <strong>de</strong>litos ou a situação <strong>de</strong> outras pessoas interessadas;<br />
ii) A movimentação do produto do <strong>de</strong>lito ou <strong>de</strong> bens <strong>de</strong>rivados da prática <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>litos; iii) A<br />
movimentação <strong>de</strong> bens, equipamentos ou outros instrumentos utilizados ou <strong>de</strong>stinados à prática<br />
<strong>de</strong>sses <strong>de</strong>litos.<br />
c) Proporcionar, quando proce<strong>de</strong>r, os elementos ou as quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> substâncias que se<br />
requeiram para fins <strong>de</strong> análise e investigação.<br />
d) Intercambiar, quando proce<strong>de</strong>r, informação com outros Estados Partes sobre os meios e<br />
métodos concretos empregados para a prática dos <strong>de</strong>litos compreendidos na presente Convenção,
216<br />
entre eles o uso <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s falsas, documentos falsificados, alterados ou falsos ou outros meios<br />
<strong>de</strong> encobrir ativida<strong>de</strong>s vinculadas a esses <strong>de</strong>litos;<br />
e) Facilitar uma coor<strong>de</strong>nação eficaz entre seus organismos, autorida<strong>de</strong>s e serviços competentes<br />
e promover o intercâmbio <strong>de</strong> pessoal e outros, incluída a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> oficiais <strong>de</strong> enlace com<br />
sujeição a acordos ou tratados bilaterais entre os Estados Partes interessados;<br />
f) Intercambiar informação e coor<strong>de</strong>nar as medidas administrativas e <strong>de</strong> outras índoles adotadas<br />
para a pronta <strong>de</strong>tecção dos <strong>de</strong>litos compreendidos na presente Convenção.<br />
2. Os Estados Partes, com vistas a dar efeito à presente Convenção, consi<strong>de</strong>rarão a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> celebrar acordos ou tratados bilaterais ou multilaterais em matéria <strong>de</strong> cooperação<br />
direta entre seus respectivos organismos encarregados <strong>de</strong> fazer cumprir a lei e, quando tais acordos<br />
ou tratados já existam, melhorá-los. Na falta <strong>de</strong> tais acordos ou tratados entre os Estados Partes<br />
interessados, os Estados Partes po<strong>de</strong>rão consi<strong>de</strong>rar que a presente Convenção constitui a base para<br />
a cooperação recíproca em matéria <strong>de</strong> cumprimento da lei no que diz respeitos aos <strong>de</strong>litos<br />
compreendidos na presente Convenção. Quando proceda, os Estados Partes aproveitarão<br />
plenamente os acordos e tratados, incluídas as organizações internacionais ou regionais, a fim <strong>de</strong><br />
aumentar a cooperação entre seus respectivos organismos encarregados <strong>de</strong> fazer cumprir a lei.<br />
3. Os Estados Partes se esforçarão por colaborar na medida <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s para fazer<br />
frente aos <strong>de</strong>litos compreendidos na presente Convenção que se cometam mediante o recurso <strong>de</strong><br />
tecnologia mo<strong>de</strong>rna.<br />
Artigo 49<br />
Investigações conjuntas<br />
Os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> celebrar acordos ou tratados bilaterais ou<br />
multilaterais em virtu<strong>de</strong> dos quais, em relação com questões que são objeto <strong>de</strong> investigações,<br />
processos ou ações penais em um ou mais Estados, as autorida<strong>de</strong>s competentes possam<br />
estabelecer órgãos mistos <strong>de</strong> investigação. Na falta <strong>de</strong> tais acordos ou tratados, as investigações<br />
conjuntas po<strong>de</strong>rão levar-se a cabo mediante acordos acertados caso a caso. Os Estados Partes<br />
interessados velarão para que a soberania do Estado Parte em cujo território se efetua a investigação<br />
seja plenamente respeitada.<br />
Artigo 50<br />
Técnicas especiais <strong>de</strong> investigação<br />
1. A fim <strong>de</strong> combater eficazmente a corrupção, cada Estado Parte, na medida em que lhe<br />
permitam os princípios fundamentais <strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento jurídico interno e conforme às condições<br />
prescritas por sua legislação interna, adotará as medidas que sejam necessárias, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas<br />
possibilida<strong>de</strong>s, para prever o a<strong>de</strong>quado recurso, por suas autorida<strong>de</strong>s competentes em seu território,<br />
à entrega vigiada e, quando consi<strong>de</strong>rar apropriado, a outras técnicas especiais <strong>de</strong> investigação como<br />
a vigilância eletrônica ou <strong>de</strong> outras índoles e as operações secretas, assim como para permitir a<br />
admissibilida<strong>de</strong> das provas <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong>ssas técnicas em seus tribunais.<br />
2. Para efeitos <strong>de</strong> investigação dos <strong>de</strong>litos compreendidos na presente Convenção, se<br />
recomenda aos Estados Partes que celebrem, quando proce<strong>de</strong>r, acordos ou tratados bilaterais ou<br />
multilaterais apropriados para utilizar essas técnicas especiais <strong>de</strong> investigação no contexto da<br />
cooperação no plano internacional. Esses acordos ou tratados se apoiarão e executarão respeitando<br />
plenamente o princípio da igualda<strong>de</strong> soberana dos Estados e, ao pô-los em prática, cumprir-se-ão<br />
estritamente as condições neles contidas.<br />
3. Não existindo os acordos ou tratados mencionados no parágrafo 2 do presente Artigo, toda<br />
<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> recorrer a essas técnicas especiais <strong>de</strong> investigação no plano internacional se adotará
217<br />
sobre cada caso particular e po<strong>de</strong>rá, quando seja necessário, ter em conta os tratados financeiros e<br />
os entendimentos relativos ao exercício <strong>de</strong> jurisdição pelos Estados Partes interessados.<br />
4. Toda <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> recorrer à entrega vigiada no plano internacional po<strong>de</strong>rá, com o<br />
consentimento dos Estados Partes interessados, incluir a aplicação <strong>de</strong> métodos tais como interceptar<br />
bens e fundos, autorizá-los a prosseguir intactos ou retirá-los ou substituí-los total ou parcialmente.<br />
Capítulo V<br />
Recuperação <strong>de</strong> ativos<br />
Artigo 51<br />
Disposição geral<br />
A restituição <strong>de</strong> ativos <strong>de</strong> acordo com o presente Capítulo é um princípio fundamental da<br />
presente Convenção e os Estados Partes se prestarão à mais ampla cooperação e assistência entre<br />
si a esse respeito.<br />
Artigo 52<br />
Prevenção e <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> transferências <strong>de</strong> produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito<br />
1. Sem prejuízo ao disposto no Artigo 14 da presente Convenção, cada Estado Parte adotará as<br />
medidas que sejam necessárias, em conformida<strong>de</strong> com sua legislação interna, para exigir das<br />
instituições financeiras que funcionam em seu território que verifiquem a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos clientes,<br />
adotem medidas razoáveis para <strong>de</strong>terminar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos beneficiários finais dos fundos<br />
<strong>de</strong>positados em contas vultosas, e intensifiquem seu escrutínio <strong>de</strong> toda conta solicitada ou mantida<br />
no ou pelo nome <strong>de</strong> pessoas que <strong>de</strong>sempenhem ou tenham <strong>de</strong>sempenhado funções públicas<br />
eminentes e <strong>de</strong> seus familiares e estreitos colaboradores. Esse escrutínio intensificado dar-se-á<br />
estruturado razoavelmente <strong>de</strong> modo que permita <strong>de</strong>scobrir transações suspeitas com objetivo <strong>de</strong><br />
informar às autorida<strong>de</strong>s competentes e não <strong>de</strong>verá ser concebido <strong>de</strong> forma que atrapalhe ou impeça<br />
o curso normal do negócio das instituições financeiras com sua legítima clientela.<br />
2. A fim <strong>de</strong> facilitar a aplicação das medidas previstas no parágrafo 1 do presente Artigo, cada<br />
Estado Parte, em conformida<strong>de</strong> com sua legislação interna e inspirando-se nas iniciativas pertinentes<br />
<strong>de</strong> suas organizações regionais, interregionais e multilaterais <strong>de</strong> luta contra a lavagem <strong>de</strong> dinheiro,<br />
<strong>de</strong>verá:<br />
a) Estabelecer diretrizes sobre o tipo <strong>de</strong> pessoas físicas ou jurídicas cujas contas as instituições<br />
financeiras que funcionam em seu território <strong>de</strong>verão submeter a um <strong>maio</strong>r escrutínio, os tipos <strong>de</strong><br />
contas e transações às quais <strong>de</strong>verão prestar particular atenção e a maneira apropriada <strong>de</strong> abrir<br />
contas e <strong>de</strong> levar registros ou expedientes relativos a elas; e<br />
b) Notificar, quando proce<strong>de</strong>r, as instituições financeiras que funcionam em seu território,<br />
mediante solicitação <strong>de</strong> outro Estado Parte ou por iniciativa própria, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />
pessoas físicas ou jurídicas cujas contas essas instituições <strong>de</strong>verão submeter a um <strong>maio</strong>r escrutínio,<br />
além das quais as instituições financeiras possam i<strong>de</strong>ntificar <strong>de</strong> outra forma.<br />
3. No contexto da parte "a)" do parágrafo 2 do presente Artigo, cada Estado Parte aplicará<br />
medidas para velar para que as instituições financeiras mantenham, durante um prazo conveniente,<br />
registros a<strong>de</strong>quados das contas e transações relacionadas com as pessoas mencionadas no<br />
parágrafo 1 do presente Artigo, os quais <strong>de</strong>verão conter, no mínimo, informação relativa à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
do cliente e, na medida do possível, do beneficiário final.<br />
4. Com o objetivo <strong>de</strong> prevenir e <strong>de</strong>tectar as transferências do produto dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong><br />
acordo com a presente Convenção, cada Estado Parte aplicará medidas apropriadas e eficazes para
218<br />
impedir, com a ajuda <strong>de</strong> seus órgãos reguladores e <strong>de</strong> supervisão, o estabelecimento <strong>de</strong> bancos que<br />
não tenham presença real e que não estejam afiliados a um grupo financeiro sujeito à<br />
regulação. A<strong>de</strong>mais, os Estados Partes po<strong>de</strong>rão consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exigir <strong>de</strong> suas<br />
instituições financeiras que se neguem a entabular relações com essas instituições na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
bancos correspon<strong>de</strong>ntes, ou a continuar relações existentes, e que se abstenham <strong>de</strong> estabelecer<br />
relações com instituições financeiras estrangeiras que permitam utilizar suas contas a bancos que<br />
não tenham presença real e que não estejam afiliados a um grupo financeiro sujeito a regulação.<br />
5. Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer, em conformida<strong>de</strong> com sua<br />
legislação interna, sistemas eficazes <strong>de</strong> divulgação <strong>de</strong> informação financeira para os funcionários<br />
públicos pertinentes e aplicará sanções a<strong>de</strong>quadas para todo <strong>de</strong>scumprimento do <strong>de</strong>ver a<br />
<strong>de</strong>clarar. Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará também a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar as medidas que sejam<br />
necessárias para permitir que suas autorida<strong>de</strong>s competentes compartilhem essa informação com as<br />
autorida<strong>de</strong>s competentes <strong>de</strong> outros Estados Partes, se essa é necessária para investigar, reclamar<br />
ou recuperar o produto dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
6. Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar as medidas que sejam necessárias,<br />
<strong>de</strong> acordo com sua legislação interna, para exigir dos funcionários públicos pertinentes que tenham<br />
algum direito ou po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> firma ou <strong>de</strong> outras índoles sobre alguma conta financeira em algum país<br />
estrangeiro que <strong>de</strong>clarem sua relação com essa conta às autorida<strong>de</strong>s competentes e que levem ao<br />
<strong>de</strong>vido registro da tal conta. Essas medidas <strong>de</strong>verão incluir sanções a<strong>de</strong>quadas para todo o caso <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scumprimento.<br />
Artigo 53<br />
Medidas para a recuperação direta <strong>de</strong> bens<br />
Cada Estado Parte, em conformida<strong>de</strong> com sua legislação interna:<br />
a) Adotará as medidas que sejam necessárias a fim <strong>de</strong> facultar a outros Estados Partes para<br />
entabular ante seus tribunais uma ação civil com o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a titularida<strong>de</strong> ou<br />
proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens adquiridos mediante a prática <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito qualificado <strong>de</strong> acordo com a presente<br />
Convenção;<br />
b) Adotará as medidas que sejam necessárias a fim <strong>de</strong> facultar a seus tribunais para or<strong>de</strong>nar<br />
àqueles que tenham praticado <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção que<br />
in<strong>de</strong>nizem ou ressarçam por danos e prejuízos a outro Estado Parte que tenha sido prejudicado por<br />
esses <strong>de</strong>litos; e<br />
c) Adotará as medidas que sejam necessárias a fim <strong>de</strong> permitir a seus tribunais ou suas<br />
autorida<strong>de</strong>s competentes, quando <strong>de</strong>vam adotar <strong>de</strong>cisões no que diz respeito ao confisco, que<br />
reconheça o legítimo direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> outro Estado Parte sobre os bens adquiridos mediante<br />
a prática <strong>de</strong> um dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção.<br />
Artigo 54<br />
Mecanismos <strong>de</strong> recuperação <strong>de</strong> bens mediante a<br />
cooperação internacional para fins <strong>de</strong> confisco<br />
1. Cada Estado Parte, a fim <strong>de</strong> prestar assistência judicial recíproca conforme o disposto no<br />
Artigo 55 da presente Convenção relativa a bens adquiridos mediante a prática <strong>de</strong> um dos <strong>de</strong>litos<br />
qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção ou relacionados a esse <strong>de</strong>lito, em conformida<strong>de</strong><br />
com sua legislação interna:<br />
a) Adotará as medidas que sejam necessárias para que suas autorida<strong>de</strong>s competentes possam<br />
dar efeito a toda or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> confisco ditada por um tribunal <strong>de</strong> outro Estado Parte;
219<br />
b) Adotará as medidas que sejam necessárias para que suas autorida<strong>de</strong>s competentes, quando<br />
tenham jurisdição, possam or<strong>de</strong>nar o confisco <strong>de</strong>sses bens <strong>de</strong> origem estrangeira em uma sentença<br />
relativa a um <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro ou quaisquer outros <strong>de</strong>litos sobre os quais possa ter<br />
jurisdição, ou mediante outros procedimentos autorizados em sua legislação interna; e<br />
c) Consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar as medidas que sejam necessárias para permitir o<br />
confisco <strong>de</strong>sses bens sem que envolva uma pena, nos casos nos quais o criminoso não possa ser<br />
indiciado por motivo <strong>de</strong> falecimento, fuga ou ausência, ou em outros casos apropriados.<br />
2. Cada Estado Parte, a fim <strong>de</strong> prestar assistência judicial recíproca solicitada <strong>de</strong> acordo com o<br />
parágrafo 2 do Artigo 55 da presente Convenção, em conformida<strong>de</strong> com sua legislação interna:<br />
a) Adotará as medidas que sejam necessárias para que suas autorida<strong>de</strong>s competentes possam<br />
efetuar o embargo preventivo ou a apreensão <strong>de</strong> bens em cumprimento a uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> embargo<br />
preventivo ou apreensão ditada por um tribunal ou autorida<strong>de</strong> competente <strong>de</strong> um Estado Parte<br />
requerente que constitua um fundamento razoável para que o Estado Parte requerido consi<strong>de</strong>re que<br />
existam razões suficientes para adotar essas medidas e que ulteriormente os bens seriam objeto <strong>de</strong><br />
uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> confisco <strong>de</strong> acordo com os efeitos da parte "a)" do parágrafo 1 do presente Artigo;<br />
b) Adotará as medidas que sejam necessárias para que suas autorida<strong>de</strong>s competentes possam<br />
efetuar o embargo preventivo ou a apreensão <strong>de</strong> bens em cumprimento <strong>de</strong> uma solicitação que<br />
constitua fundamento razoável para que o Estado Parte requerido consi<strong>de</strong>re que existam razões<br />
suficientes para adotar essas medidas e que ulteriormente os bens seriam objeto <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />
confisco <strong>de</strong> acordo com os efeitos da parte "a)" do parágrafo 1 do presente Artigo; e<br />
c) Consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar outras medidas para que suas autorida<strong>de</strong>s<br />
competentes possam preservar os bens para efeitos <strong>de</strong> confisco, por exemplo sobre a base <strong>de</strong> uma<br />
or<strong>de</strong>m estrangeira <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção ou imputação <strong>de</strong> culpa penal relacionada com a aquisição <strong>de</strong>sses<br />
bens.<br />
Artigo 55<br />
Cooperação internacional para fins <strong>de</strong> confisco<br />
1. Os Estados Partes que recebam uma solicitação <strong>de</strong> outro Estado Parte que tenha jurisdição<br />
para conhecer um dos <strong>de</strong>lito qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção com vistas ao<br />
confisco do produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, os bens, equipamentos ou outros instrumentos mencionados no<br />
parágrafo 1 do Artigo 31 da presente Convenção que se encontrem em seu território <strong>de</strong>verão, no<br />
<strong>maio</strong>r grau que lhe permita seu or<strong>de</strong>namento jurídico interno:<br />
a) Enviar a solicitação a suas autorida<strong>de</strong>s competentes para obter uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> confisco ao<br />
qual, em caso <strong>de</strong> concessão, darão cumprimento; ou<br />
b) Apresentar a suas autorida<strong>de</strong>s competentes, a fim <strong>de</strong> que se dê cumprimento ao solicitado, a<br />
or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> confisco expedida por um tribunal situado no território do Estado Parte requerente em<br />
conformida<strong>de</strong> com o disposto no parágrafo 1 do Artigo 31 e na parte "a)" do parágrafo 1 do Artigo 54<br />
da presente Convenção na medida em que guar<strong>de</strong> relação com o produto do <strong>de</strong>lito, os bens, os<br />
equipamentos ou outros instrumentos mencionados no parágrafo 1 do Artigo 31 que se encontrem no<br />
território do Estado Parte requerido.<br />
2. Com base na solicitação apresentada por outro Estado Parte que tenha jurisdição para<br />
conhecer um dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção, o Estado Parte requerido<br />
adotará as medidas encaminhadas para a i<strong>de</strong>ntificação, localização e embargo preventivo ou<br />
apreensão do produto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, os bens, os equipamentos ou outros instrumentos mencionados no<br />
parágrafo e do Artigo 31 da presente Convenção com vistas ao seu eventual confisco, que haverá <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>nar o Estado Parte requerente ou, em caso <strong>de</strong> que envolva uma solicitação apresentada <strong>de</strong><br />
acordo com o parágrafo 1 do presente Artigo, o Estado Parte requerido.
220<br />
3. As disposições do Artigo 46 da presente Convenção serão aplicáveis, mutatis mutandis, ao<br />
presente Artigo. A<strong>de</strong>mais da informação indicada no parágrafo 15 do Artigo 46, as solicitações<br />
apresentadas em conformida<strong>de</strong> com o presente Artigo conterão o seguinte:<br />
a) Quando se trate <strong>de</strong> uma solicitação relativa à parte "a)" do parágrafo 1 do presente Artigo,<br />
uma <strong>de</strong>scrição dos bens suscetíveis <strong>de</strong> confisco, assim como, na medida do possível, a situação e,<br />
quando proce<strong>de</strong>r, o valor estimado dos bens e uma exposição dos fatos em que se baseia a<br />
solicitação do Estado Parte requerente que sejam suficientemente explícitas para que o Estado Parte<br />
requerido possa tramitar a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> acordo com sua legislação interna;<br />
b) Quando se trate <strong>de</strong> uma solicitação relativa à parte "b)" do parágrafo 1 do presente Artigo,<br />
uma cópia admissível pela legislação da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> confisco expedida pelo Estado Parte requerente<br />
na qual se baseia a solicitação, uma exposição dos feitos e da informação que proce<strong>de</strong>r sobre o grau<br />
<strong>de</strong> execução que se solicita dar à or<strong>de</strong>m, uma <strong>de</strong>claração na qual se indiquem as medidas adotadas<br />
pelo Estado Parte requerente para dar notificação a<strong>de</strong>quada a terceiros <strong>de</strong> boa-fé e para garantir o<br />
<strong>de</strong>vido processo e um certificado <strong>de</strong> que a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> confisco é <strong>de</strong>finitiva;<br />
c) Quando se trate <strong>de</strong> uma solicitação relativa ao parágrafo 2 do presente Artigo, uma exposição<br />
dos feitos nos quais se baseia o Estado Parte requerente e uma <strong>de</strong>scrição das medidas solicitadas,<br />
assim como, quando dispor-se <strong>de</strong>la, uma cópia admissível pela legislação da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> confisco na<br />
qual se baseia a solicitação.<br />
4. O Estado Parte requerido adotará as <strong>de</strong>cisões ou medidas previstas nos parágrafos 1 e 2 do<br />
presente Artigo conforme e com sujeição ao disposto em sua legislação interna e em suas regras <strong>de</strong><br />
procedimento ou nos acordos ou tratados bilaterais ou multilaterais pelos quais po<strong>de</strong>ria estar<br />
vinculado ao Estado Parte requerente.<br />
5. Cada Estado Parte proporcionará ao Secretário Geral das Nações Unidas uma cópia <strong>de</strong> suas<br />
leis e regulamentos <strong>de</strong>stinados a dar aplicação ao presente Artigo e <strong>de</strong> quaisquer emendas ulteriores<br />
que se tenham <strong>de</strong> tais leis e regulamentos ou uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>stas.<br />
6. Se um Estado Parte opta por submeter a adoção das medidas mencionadas nos parágrafos 1<br />
e 2 do presente Artigo à existência <strong>de</strong> um tratado pertinente, esse Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a<br />
presente Convenção como a base legal necessária e suficiente para cumprir esse requisito.<br />
7. A cooperação prevista no presente Artigo também se po<strong>de</strong>rá negar, ou po<strong>de</strong>r-se-ão levantar<br />
as medidas cautelares, se o Estado Parte requerido não receber provas suficientes ou oportunas ou<br />
se os bens são <strong>de</strong> valor escasso.<br />
8. Antes <strong>de</strong> levantar toda medida cautelar adotada em conformida<strong>de</strong> com o presente Artigo, o<br />
Estado Parte requerido <strong>de</strong>verá, sempre que possível, dar ao Estado Parte requerente a oportunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> apresentar suas razões a favor <strong>de</strong> manter em vigor a medida.<br />
9. As disposições do presente Artigo não se interpretarão em prejuízo dos direitos <strong>de</strong> terceiros<br />
<strong>de</strong> boa-fé.<br />
Artigo 56<br />
Cooperação especial<br />
Sem prejuízo ao disposto em sua legislação interna, cada Estado Parte procurará adotar as<br />
medidas que lhe facultem para remeter a outro Estado Parte que não tenha solicitado, sem prejuízo<br />
<strong>de</strong> suas próprias investigações ou ações judiciais, informação sobre o produto dos <strong>de</strong>litos qualificados<br />
<strong>de</strong> acordo com a presente Convenção se consi<strong>de</strong>rar que a divulgação <strong>de</strong>ssa informação po<strong>de</strong> ajudar<br />
o Estado Parte <strong>de</strong>stinatário a pôr em marcha ou levar a cabo suas investigações ou ações judiciais,<br />
ou que a informação assim facilitada po<strong>de</strong>ria dar lugar a que esse Estado Parte apresentará uma<br />
solicitação <strong>de</strong> acordo com o presente Capítulo da presente Convenção.
221<br />
Artigo 57<br />
Restituição e disposição <strong>de</strong> ativos<br />
1. Cada Estado Parte disporá dos bens que tenham sido confiscados conforme o disposto nos<br />
Artigos 31 ou 55 da presente convenção, incluída a restituição a seus legítimos proprietários<br />
anteriores, <strong>de</strong> acordo com o parágrafo 3 do presente Artigo, em conformida<strong>de</strong> com as disposições da<br />
presente Convenção e com sua legislação interna.<br />
2. Cada Estado Parte adotará, em conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais <strong>de</strong> seu direito<br />
interno, as medidas legislativas e <strong>de</strong> outras índoles que sejam necessárias para permitir que suas<br />
autorida<strong>de</strong>s competentes procedam à restituição dos bens confiscados, ao dar curso a uma<br />
solicitação apresentada por outro Estado Parte, em conformida<strong>de</strong> com a presente Convenção, tendo<br />
em conta os direitos <strong>de</strong> terceiros <strong>de</strong> boa-fé.<br />
3. Em conformida<strong>de</strong> com os Artigos 46 e 55 da presente Convenção e com os parágrafos 1 e 2<br />
do presente Artigo, o Estado Parte requerido:<br />
a) Em caso <strong>de</strong> malversação ou peculato <strong>de</strong> fundos públicos ou <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> fundos públicos<br />
malversados aos quais se faz referência nos Artigos 17 e 23 da presente Convenção, restituirá ao<br />
Estado Parte requerente os bens confiscados quando se tenha procedido ao confisco <strong>de</strong> acordo com<br />
o disposto no Artigo 55 da presente Convenção e sobre a base da sentença firme ditada no Estado<br />
Parte requerente, requisito ao qual po<strong>de</strong>rá renunciar o Estado Parte requerido;<br />
b) Caso se trate do produto <strong>de</strong> qualquer outro <strong>de</strong>lito compreendido na presente Convenção,<br />
restituirá ao Estado Parte requerente os bens confiscados quando se tenha procedido ao confisco <strong>de</strong><br />
acordo com o disposto no Artigo 55 da presente Convenção e sobre a base <strong>de</strong> uma sentença firme<br />
ditada no Estado Parte requerente, requisito ao qual po<strong>de</strong>rá renunciar o Estado Parte requerido, e<br />
quando o Estado Parte requerente acredite razoavelmente ante o Estado Parte requerido sua<br />
proprieda<strong>de</strong> anterior dos bens confiscados ou o Estado Parte requerido reconheça os danos<br />
causados ao Estado Parte requerente como base para a restituição dos bens confiscados;<br />
c) Em todos os <strong>de</strong>mais casos, dará consi<strong>de</strong>ração prioritária à restituição ao Estado Parte<br />
requerente dos bens confiscados, à restituição <strong>de</strong>sses bens a seus proprietários legítimos anteriores<br />
ou à in<strong>de</strong>nização das vítimas do <strong>de</strong>lito.<br />
4. Quando proce<strong>de</strong>r, a menos que os Estados Partes <strong>de</strong>cidam diferentemente, o Estado Parte<br />
requerido po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>duzir os gastos razoáveis que tenham sido feitos no curso das investigações ou<br />
ações judiciais que tenham possibilitado a restituição ou disposição dos bens confiscados conforme o<br />
disposto no presente Artigo.<br />
5. Quando proce<strong>de</strong>r, os Estados Partes po<strong>de</strong>rão também dar consi<strong>de</strong>ração especial à<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> celebrar acordos ou tratados mutuamente aceitáveis, baseados em cada caso<br />
particular, com vistas à disposição <strong>de</strong>finitiva dos bens confiscados.<br />
Artigo 58<br />
Departamento <strong>de</strong> inteligência financeira<br />
Os Estados Partes cooperarão entre si a fim <strong>de</strong> impedir e combater a transferência do produto<br />
<strong>de</strong> quaisquer dos <strong>de</strong>litos qualificados <strong>de</strong> acordo com a presente Convenção e promover meios para<br />
recuperar o mencionado produto e, para tal fim, consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer um<br />
<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> inteligência financeira que se encarregará <strong>de</strong> receber, analisar e dar a conhecer às<br />
autorida<strong>de</strong>s competentes toda informação relacionada com as transações financeiras suspeitas.<br />
(...)
222<br />
DECRETO Nº 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004.<br />
Promulga a Convenção das Nações Unidas contra<br />
o Crime Organizado Transnacional.<br />
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da<br />
Constituição, e<br />
Consi<strong>de</strong>rando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo n o 231, <strong>de</strong> 29<br />
<strong>de</strong> <strong>maio</strong> <strong>de</strong> 2003, o texto da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado<br />
Transnacional, adotada em Nova York, em 15 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2000;<br />
Consi<strong>de</strong>rando que o Governo brasileiro <strong>de</strong>positou o instrumento <strong>de</strong> ratificação junto à Secretaria-<br />
Geral da ONU, em 29 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004;<br />
Consi<strong>de</strong>rando que a Convenção entrou em vigor internacional, em 29 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2003, e<br />
entrou em vigor para o Brasil, em 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004;<br />
DECRETA:<br />
Art. 1 o A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em<br />
Nova York, em 15 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2000, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e<br />
cumprida tão inteiramente como nela se contém.<br />
Art 2 o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em<br />
revisão da referida Convenção ou que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio<br />
nacional, nos termos doart. 49, inciso I, da Constituição.<br />
Art. 3 o Este Decreto entra em vigor na data <strong>de</strong> sua publicação.<br />
Brasília, 12 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2004; 183 o da In<strong>de</strong>pendência e 116 o da República.<br />
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA<br />
Samuel Pinheiro Guimarães Neto<br />
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. <strong>de</strong> 15.3.2004<br />
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL<br />
Artigo 1<br />
Objetivo<br />
O objetivo da presente Convenção consiste em promover a cooperação para prevenir e combater<br />
mais eficazmente a criminalida<strong>de</strong> organizada transnacional.<br />
Artigo 2<br />
Terminologia<br />
Para efeitos da presente Convenção, enten<strong>de</strong>-se por:
223<br />
a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado <strong>de</strong> três ou mais pessoas, existente há algum<br />
tempo e atuando concertadamente com o propósito <strong>de</strong> cometer uma ou mais infrações graves ou<br />
enunciadas na presente Convenção, com a intenção <strong>de</strong> obter, direta ou indiretamente, um benefício<br />
econômico ou outro benefício material;<br />
b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena <strong>de</strong> privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, cujo<br />
máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;<br />
c) "Grupo estruturado" - grupo formado <strong>de</strong> maneira não fortuita para a prática imediata <strong>de</strong> uma<br />
infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente <strong>de</strong>finidas, que não haja<br />
continuida<strong>de</strong> na sua composição e que não disponha <strong>de</strong> uma estrutura elaborada;<br />
d) "Bens" - os ativos <strong>de</strong> qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou<br />
intangíveis, e os documentos ou instrumentos jurídicos que atestem a proprieda<strong>de</strong> ou outros direitos<br />
sobre os referidos ativos;<br />
e) "Produto do crime" - os bens <strong>de</strong> qualquer tipo, provenientes, direta ou indiretamente, da prática <strong>de</strong><br />
um crime;<br />
f) "Bloqueio" ou "apreensão" - a proibição temporária <strong>de</strong> transferir, converter, dispor ou movimentar<br />
bens, ou a custódia ou controle temporário <strong>de</strong> bens, por <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> um tribunal ou <strong>de</strong> outra<br />
autorida<strong>de</strong> competente;<br />
g) "Confisco" - a privação com caráter <strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong> bens, por <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> um tribunal ou outra<br />
autorida<strong>de</strong> competente;<br />
h) "Infração principal" - qualquer infração <strong>de</strong> que <strong>de</strong>rive um produto que possa passar a constituir<br />
objeto <strong>de</strong> uma infração <strong>de</strong>finida no Artigo 6 da presente Convenção;<br />
i) "Entrega vigiada" - a técnica que consiste em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do<br />
território <strong>de</strong> um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o<br />
controle das suas autorida<strong>de</strong>s competentes, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investigar infrações e i<strong>de</strong>ntificar as<br />
pessoas envolvidas na sua prática;<br />
j) "Organização regional <strong>de</strong> integração econômica" - uma organização constituída por Estados<br />
soberanos <strong>de</strong> uma região <strong>de</strong>terminada, para a qual estes Estados tenham transferido competências<br />
nas questões reguladas pela presente Convenção e que tenha sido <strong>de</strong>vidamente mandatada, em<br />
conformida<strong>de</strong> com os seus procedimentos internos, para assinar, ratificar, aceitar ou aprovar a<br />
Convenção ou a ela a<strong>de</strong>rir; as referências aos "Estados Partes" constantes da presente Convenção<br />
são aplicáveis a estas organizações, nos limites das suas competências.<br />
Artigo 3<br />
Âmbito <strong>de</strong> aplicação<br />
1. Salvo disposição em contrário, a presente Convenção é aplicável à prevenção, investigação,<br />
instrução e julgamento <strong>de</strong>:<br />
a) Infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção; e<br />
b) Infrações graves, na acepção do Artigo 2 da presente Convenção;<br />
sempre que tais infrações sejam <strong>de</strong> caráter transnacional e envolvam um grupo criminoso<br />
organizado;<br />
2. Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo, a infração será <strong>de</strong> caráter transnacional se:
224<br />
a) For cometida em mais <strong>de</strong> um Estado;<br />
b) For cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planeamento, direção<br />
e controle tenha lugar em outro Estado;<br />
c) For cometida num só Estado, mas envolva a participação <strong>de</strong> um grupo criminoso organizado que<br />
pratique ativida<strong>de</strong>s criminosas em mais <strong>de</strong> um Estado; ou<br />
d) For cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado.<br />
Artigo 4<br />
Proteção da soberania<br />
1. Os Estados Partes cumprirão as suas obrigações <strong>de</strong>correntes da presente Convenção no respeito<br />
pelos princípios da igualda<strong>de</strong> soberana e da integrida<strong>de</strong> territorial dos Estados, bem como da nãoingerência<br />
nos assuntos internos <strong>de</strong> outros Estados.<br />
2. O disposto na presente Convenção não autoriza qualquer Estado Parte a exercer, em território <strong>de</strong><br />
outro Estado, jurisdição ou funções que o direito interno <strong>de</strong>sse Estado reserve exclusivamente às<br />
suas autorida<strong>de</strong>s.<br />
Artigo 5<br />
Criminalização da participação em um grupo criminoso organizado<br />
1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para<br />
caracterizar como infração penal, quando praticado intencionalmente:<br />
a) Um dos atos seguintes, ou ambos, enquanto infrações penais distintas das que impliquem a<br />
tentativa ou a consumação da ativida<strong>de</strong> criminosa:<br />
i) O entendimento com uma ou mais pessoas para a prática <strong>de</strong> uma infração grave, com uma<br />
intenção direta ou indiretamente relacionada com a obtenção <strong>de</strong> um benefício econômico ou outro<br />
benefício material e, quando assim prescrever o direito interno, envolvendo um ato praticado por um<br />
dos participantes para concretizar o que foi acordado ou envolvendo a participação <strong>de</strong> um grupo<br />
criminoso organizado;<br />
ii) A conduta <strong>de</strong> qualquer pessoa que, conhecendo a finalida<strong>de</strong> e a ativida<strong>de</strong> criminosa geral <strong>de</strong> um<br />
grupo criminoso organizado, ou a sua intenção <strong>de</strong> cometer as infrações em questão, participe<br />
ativamente em:<br />
a. Ativida<strong>de</strong>s ilícitas do grupo criminoso organizado;<br />
b. Outras ativida<strong>de</strong>s do grupo criminoso organizado, sabendo que a sua participação contribuirá para<br />
a finalida<strong>de</strong> criminosa acima referida;<br />
b) O ato <strong>de</strong> organizar, dirigir, ajudar, incitar, facilitar ou aconselhar a prática <strong>de</strong> uma infração grave<br />
que envolva a participação <strong>de</strong> um grupo criminoso organizado.<br />
2. O conhecimento, a intenção, a finalida<strong>de</strong>, a motivação ou o acordo a que se refere o parágrafo 1<br />
do presente Artigo po<strong>de</strong>rão inferir-se <strong>de</strong> circunstâncias factuais objetivas.<br />
3. Os Estados Partes cujo direito interno condicione a incriminação pelas infrações referidas no inciso<br />
i) da alínea a) do parágrafo 1 do presente Artigo ao envolvimento <strong>de</strong> um grupo criminoso organizado<br />
diligenciarão no sentido <strong>de</strong> que o seu direito interno abranja todas as infrações graves que envolvam
225<br />
a participação <strong>de</strong> grupos criminosos organizados. Estes Estados Partes, assim como os Estados<br />
Partes cujo direito interno condicione a incriminação pelas infrações <strong>de</strong>finidas no inciso i) da alínea a)<br />
do parágrafo 1 do presente Artigo à prática <strong>de</strong> um ato concertado, informarão <strong>de</strong>ste fato o Secretário<br />
Geral da Organização das Nações Unidas, no momento da assinatura ou do <strong>de</strong>pósito do seu<br />
instrumento <strong>de</strong> ratificação, aceitação, aprovação ou a<strong>de</strong>são à presente Convenção.<br />
Artigo 6<br />
Criminalização da lavagem do produto do crime<br />
1. Cada Estado Parte adotará, em conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais do seu direito<br />
interno, as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração<br />
penal, quando praticada intencionalmente:<br />
a) i) A conversão ou transferência <strong>de</strong> bens, quando quem o faz tem conhecimento <strong>de</strong> que esses bens<br />
são produto do crime, com o propósito <strong>de</strong> ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens ou ajudar<br />
qualquer pessoa envolvida na prática da infração principal a furtar-se às conseqüências jurídicas dos<br />
seus atos;<br />
ii) A ocultação ou dissimulação da verda<strong>de</strong>ira natureza, origem, localização, disposição,<br />
movimentação ou proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens ou direitos a eles relativos, sabendo o seu autor que os ditos<br />
bens são produto do crime;<br />
b) e, sob reserva dos conceitos fundamentais do seu or<strong>de</strong>namento jurídico:<br />
i) A aquisição, posse ou utilização <strong>de</strong> bens, sabendo aquele que os adquire, possui ou utiliza, no<br />
momento da recepção, que são produto do crime;<br />
ii) A participação na prática <strong>de</strong> uma das infrações enunciadas no presente Artigo, assim como<br />
qualquer forma <strong>de</strong> associação, acordo, tentativa ou cumplicida<strong>de</strong>, pela prestação <strong>de</strong> assistência,<br />
ajuda ou aconselhamento no sentido da sua prática.<br />
2. Para efeitos da aplicação do parágrafo 1 do presente Artigo:<br />
a) Cada Estado Parte procurará aplicar o parágrafo 1 do presente Artigo à mais ampla gama possível<br />
<strong>de</strong> infrações principais;<br />
b) Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará como infrações principais todas as infrações graves, na acepção<br />
do Artigo 2 da presente Convenção, e as infrações enunciadas nos seus Artigos 5, 8 e 23. Os<br />
Estados Partes cuja legislação estabeleça uma lista <strong>de</strong> infrações principais específicas incluirá entre<br />
estas, pelo menos, uma gama completa <strong>de</strong> infrações relacionadas com grupos criminosos<br />
organizados;<br />
c) Para efeitos da alínea b), as infrações principais incluirão as infrações cometidas tanto <strong>de</strong>ntro como<br />
fora da jurisdição do Estado Parte interessado. No entanto, as infrações cometidas fora da jurisdição<br />
<strong>de</strong> um Estado Parte só constituirão infração principal quando o ato correspon<strong>de</strong>nte constitua infração<br />
penal à luz do direito interno do Estado em que tenha sido praticado e constitua infração penal à luz<br />
do direito interno do Estado Parte que aplique o presente Artigo se o crime aí tivesse sido cometido;<br />
d) Cada Estado Parte fornecerá ao Secretário Geral das Nações Unidas uma cópia ou <strong>de</strong>scrição das<br />
suas leis <strong>de</strong>stinadas a dar aplicação ao presente Artigo e <strong>de</strong> qualquer alteração posterior;<br />
e) Se assim o exigirem os princípios fundamentais do direito interno <strong>de</strong> um Estado Parte, po<strong>de</strong>rá<br />
estabelecer-se que as infrações enunciadas no parágrafo 1 do presente Artigo não sejam aplicáveis<br />
às pessoas que tenham cometido a infração principal;
2<strong>26</strong><br />
f) O conhecimento, a intenção ou a motivação, enquanto elementos constitutivos <strong>de</strong> uma infração<br />
enunciada no parágrafo 1 do presente Artigo, po<strong>de</strong>rão inferir-se <strong>de</strong> circunstâncias fatuais objetivas.<br />
Artigo 7<br />
Medidas para combater a lavagem <strong>de</strong> dinheiro<br />
1. Cada Estado Parte:<br />
a) Instituirá um regime interno completo <strong>de</strong> regulamentação e controle dos bancos e instituições<br />
financeiras não bancárias e, quando se justifique, <strong>de</strong> outros organismos especialmente susceptíveis<br />
<strong>de</strong> ser utilizados para a lavagem <strong>de</strong> dinheiro, <strong>de</strong>ntro dos limites da sua competência, a fim <strong>de</strong> prevenir<br />
e <strong>de</strong>tectar qualquer forma <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro, sendo nesse regime enfatizados os requisitos<br />
relativos à i<strong>de</strong>ntificação do cliente, ao registro das operações e à <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> operações suspeitas;<br />
b) Garantirá, sem prejuízo da aplicação dos Artigos 18 e 27 da presente Convenção, que as<br />
autorida<strong>de</strong>s responsáveis pela administração, regulamentação, <strong>de</strong>tecção e repressão e outras<br />
autorida<strong>de</strong>s responsáveis pelo combate à lavagem <strong>de</strong> dinheiro (incluindo, quando tal esteja previsto<br />
no seu direito interno, as autorida<strong>de</strong>s judiciais), tenham a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cooperar e trocar<br />
informações em âmbito nacional e internacional, em conformida<strong>de</strong> com as condições prescritas no<br />
direito interno, e, para esse fim, consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar um serviço <strong>de</strong> informação<br />
financeira que funcione como centro nacional <strong>de</strong> coleta, análise e difusão <strong>de</strong> informação relativa a<br />
eventuais ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro.<br />
2. Os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicar medidas viáveis para <strong>de</strong>tectar e vigiar o<br />
movimento transfronteiriço <strong>de</strong> numerário e <strong>de</strong> títulos negociáveis, no respeito pelas garantias relativas<br />
à legítima utilização da informação e sem, por qualquer forma, restringir a circulação <strong>de</strong> capitais<br />
lícitos. Estas medidas po<strong>de</strong>rão incluir a exigência <strong>de</strong> que os particulares e as entida<strong>de</strong>s comerciais<br />
notifiquem as transferências transfronteiriças <strong>de</strong> quantias elevadas em numerário e títulos<br />
negociáveis.<br />
3. Ao instituírem, nos termos do presente Artigo, um regime interno <strong>de</strong> regulamentação e controle, e<br />
sem prejuízo do disposto em qualquer outro artigo da presente Convenção, todos os Estados Partes<br />
são instados a utilizar como orientação as iniciativas pertinentes tomadas pelas organizações<br />
regionais, inter-regionais e multilaterais para combater a lavagem <strong>de</strong> dinheiro.<br />
4. Os Estados Partes diligenciarão no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver e promover a cooperação à escala<br />
mundial, regional, sub-regional e bilateral entre as autorida<strong>de</strong>s judiciais, os organismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e<br />
repressão e as autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> regulamentação financeira, a fim <strong>de</strong> combater a lavagem <strong>de</strong> dinheiro.<br />
Artigo 8<br />
Criminalização da corrupção<br />
1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e outras que sejam necessárias para<br />
caracterizar como infrações penais os seguintes atos, quando intencionalmente cometidos:<br />
a) Prometer, oferecer ou conce<strong>de</strong>r a um agente público, direta ou indiretamente, um benefício<br />
in<strong>de</strong>vido, em seu proveito próprio ou <strong>de</strong> outra pessoa ou entida<strong>de</strong>, a fim <strong>de</strong> praticar ou se abster <strong>de</strong><br />
praticar um ato no <strong>de</strong>sempenho das suas funções oficiais;<br />
b) Por um agente público, pedir ou aceitar, direta ou indiretamente, um benefício in<strong>de</strong>vido, para si ou<br />
para outra pessoa ou entida<strong>de</strong>, a fim <strong>de</strong> praticar ou se abster <strong>de</strong> praticar um ato no <strong>de</strong>sempenho das<br />
suas funções oficiais.<br />
2. Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar as medidas legislativas ou outras que<br />
sejam necessárias para conferir o caracter <strong>de</strong> infração penal aos atos enunciados no parágrafo 1 do
227<br />
presente Artigo que envolvam um agente público estrangeiro ou um funcionário internacional. Do<br />
mesmo modo, cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conferir o caracter <strong>de</strong> infração penal<br />
a outras formas <strong>de</strong> corrupção.<br />
3. Cada Estado Parte adotará igualmente as medidas necessárias para conferir o caráter <strong>de</strong> infração<br />
penal à cumplicida<strong>de</strong> na prática <strong>de</strong> uma infração enunciada no presente Artigo.<br />
4. Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo e do Artigo 9, a expressão "agente público" <strong>de</strong>signa,<br />
além do funcionário público, qualquer pessoa que preste um serviço público, tal como a expressão é<br />
<strong>de</strong>finida no direito interno e aplicada no direito penal do Estado Parte on<strong>de</strong> a pessoa em questão<br />
exerce as suas funções.<br />
Artigo 9<br />
Medidas contra a corrupção<br />
1. Para além das medidas enunciadas no Artigo 8 da presente Convenção, cada Estado Parte, na<br />
medida em que seja proce<strong>de</strong>nte e conforme ao seu or<strong>de</strong>namento jurídico, adotará medidas eficazes<br />
<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m legislativa, administrativa ou outra para promover a integrida<strong>de</strong> e prevenir, <strong>de</strong>tectar e punir<br />
a corrupção dos agentes públicos.<br />
2. Cada Estado Parte tomará medidas no sentido <strong>de</strong> se assegurar <strong>de</strong> que as suas autorida<strong>de</strong>s atuam<br />
eficazmente em matéria <strong>de</strong> prevenção, <strong>de</strong>tecção e repressão da corrupção <strong>de</strong> agentes públicos,<br />
inclusivamente conferindo a essas autorida<strong>de</strong>s in<strong>de</strong>pendência suficiente para impedir qualquer<br />
influência in<strong>de</strong>vida sobre a sua atuação.<br />
Artigo 10<br />
Responsabilida<strong>de</strong> das pessoas jurídicas<br />
1. Cada Estado Parte adotará as medidas necessárias, em conformida<strong>de</strong> com o seu or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico, para responsabilizar pessoas jurídicas que participem em infrações graves envolvendo um<br />
grupo criminoso organizado e que cometam as infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da<br />
presente Convenção.<br />
2. No respeito pelo or<strong>de</strong>namento jurídico do Estado Parte, a responsabilida<strong>de</strong> das pessoas jurídicas<br />
po<strong>de</strong>rá ser penal, civil ou administrativa.<br />
3. A responsabilida<strong>de</strong> das pessoas jurídicas não obstará à responsabilida<strong>de</strong> penal das pessoas<br />
físicas que tenham cometido as infrações.<br />
4. Cada Estado Parte diligenciará, em especial, no sentido <strong>de</strong> que as pessoas jurídicas consi<strong>de</strong>radas<br />
responsáveis em conformida<strong>de</strong> com o presente Artigo sejam objeto <strong>de</strong> sanções eficazes,<br />
proporcionais e acautelatórias, <strong>de</strong> natureza penal e não penal, incluindo sanções pecuniárias.<br />
Artigo 11<br />
Processos judiciais, julgamento e sanções<br />
1. Cada Estado Parte tornará a prática <strong>de</strong> qualquer infração enunciada nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da<br />
presente Convenção passível <strong>de</strong> sanções que tenham em conta a gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa infração.<br />
2. Cada Estado Parte diligenciará para que qualquer po<strong>de</strong>r judicial discricionário conferido pelo seu<br />
direito interno e relativo a processos judiciais contra indivíduos por infrações previstas na presente<br />
Convenção seja exercido <strong>de</strong> forma a otimizar a eficácia das medidas <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e <strong>de</strong> repressão<br />
<strong>de</strong>stas infrações, tendo na <strong>de</strong>vida conta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercer um efeito cautelar da sua prática.
228<br />
3. No caso <strong>de</strong> infrações como as enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção, cada<br />
Estado Parte tomará as medidas apropriadas, em conformida<strong>de</strong> com o seu direito interno, e tendo na<br />
<strong>de</strong>vida conta os direitos da <strong>de</strong>fesa, para que as condições a que estão sujeitas as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong><br />
aguardar julgamento em liberda<strong>de</strong> ou relativas ao processo <strong>de</strong> recurso tenham em consi<strong>de</strong>ração a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assegurar a presença do argüido em todo o processo penal ulterior.<br />
4. Cada Estado Parte provi<strong>de</strong>nciará para que os seus tribunais ou outras autorida<strong>de</strong>s competentes<br />
tenham presente a gravida<strong>de</strong> das infração previstas na presente Convenção quando consi<strong>de</strong>rarem a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma libertação antecipada ou condicional <strong>de</strong> pessoas reconhecidas como culpadas<br />
<strong>de</strong>ssas infrações.<br />
5. Sempre que as circunstâncias o justifiquem, cada Estado Parte <strong>de</strong>terminará, no âmbito do seu<br />
direito interno, um prazo <strong>de</strong> prescrição prolongado, durante o qual po<strong>de</strong>rá ter início o processo<br />
relativo a uma das infrações previstas na presente Convenção, <strong>de</strong>vendo esse período ser mais longo<br />
quando o presumível autor da infração se tenha subtraído à justiça.<br />
6. Nenhuma das disposições da presente Convenção prejudica o princípio segundo o qual a <strong>de</strong>finição<br />
das infrações nela enunciadas e dos meios jurídicos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa aplicáveis, bem como outros<br />
princípios jurídicos que rejam a legalida<strong>de</strong> das incriminações, são do foro exclusivo do direito interno<br />
<strong>de</strong>sse Estado Parte, e segundo o qual as referidas infrações são objeto <strong>de</strong> procedimento judicial e<br />
punidas <strong>de</strong> acordo com o direito <strong>de</strong>sse Estado Parte.<br />
Artigo 12<br />
Confisco e apreensão<br />
1. Os Estados Partes adotarão, na medida em que o seu or<strong>de</strong>namento jurídico interno o permita, as<br />
medidas necessárias para permitir o confisco:<br />
a) Do produto das infrações previstas na presente Convenção ou <strong>de</strong> bens cujo valor corresponda ao<br />
<strong>de</strong>sse produto;<br />
b) Dos bens, equipamentos e outros instrumentos utilizados ou <strong>de</strong>stinados a ser utilizados na prática<br />
das infrações previstas na presente Convenção.<br />
2. Os Estados Partes tomarão as medidas necessárias para permitir a i<strong>de</strong>ntificação, a localização, o<br />
embargo ou a apreensão dos bens referidos no parágrafo 1 do presente Artigo, para efeitos <strong>de</strong><br />
eventual confisco.<br />
3. Se o produto do crime tiver sido convertido, total ou parcialmente, noutros bens, estes últimos<br />
po<strong>de</strong>m ser objeto das medidas previstas no presente Artigo, em substituição do referido produto.<br />
4. Se o produto do crime tiver sido misturado com bens adquiridos legalmente, estes bens po<strong>de</strong>rão,<br />
sem prejuízo das competências <strong>de</strong> embargo ou apreensão, ser confiscados até ao valor calculado do<br />
produto com que foram misturados.<br />
5. As receitas ou outros benefícios obtidos com o produto do crime, os bens nos quais o produto<br />
tenha sido transformado ou convertido ou os bens com que tenha sido misturado po<strong>de</strong>m também ser<br />
objeto das medidas previstas no presente Artigo, da mesma forma e na mesma medida que o produto<br />
do crime.<br />
6. Para efeitos do presente Artigo e do Artigo 13, cada Estado Parte habilitará os seus tribunais ou<br />
outras autorida<strong>de</strong>s competentes para or<strong>de</strong>narem a apresentação ou a apreensão <strong>de</strong> documentos<br />
bancários, financeiros ou comerciais. Os Estados Partes não po<strong>de</strong>rão invocar o sigilo bancário para<br />
se recusarem a aplicar as disposições do presente número.
229<br />
7. Os Estados Partes po<strong>de</strong>rão consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exigir que o autor <strong>de</strong> uma infração<br />
<strong>de</strong>monstre a proveniência lícita do presumido produto do crime ou <strong>de</strong> outros bens que possam ser<br />
objeto <strong>de</strong> confisco, na medida em que esta exigência esteja em conformida<strong>de</strong> com os princípios do<br />
seu direito interno e com a natureza do processo ou outros procedimentos judiciais.<br />
8. As disposições do presente Artigo não <strong>de</strong>verão, em circunstância alguma, ser interpretadas <strong>de</strong><br />
modo a afetar os direitos <strong>de</strong> terceiros <strong>de</strong> boa fé.<br />
9. Nenhuma das disposições do presente Artigo prejudica o princípio segundo o qual as medidas nele<br />
previstas são <strong>de</strong>finidas e aplicadas em conformida<strong>de</strong> com o direito interno <strong>de</strong> cada Estado Parte e<br />
segundo as disposições <strong>de</strong>ste direito.<br />
Artigo 13<br />
Cooperação internacional para efeitos <strong>de</strong> confisco<br />
1. Na medida em que o seu or<strong>de</strong>namento jurídico interno o permita, um Estado Parte que tenha<br />
recebido <strong>de</strong> outro Estado Parte, competente para conhecer <strong>de</strong> uma infração prevista na presente<br />
Convenção, um pedido <strong>de</strong> confisco do produto do crime, bens, equipamentos ou outros instrumentos<br />
referidos no parágrafo 1 do Artigo 12 da presente Convenção que se encontrem no seu território,<br />
<strong>de</strong>verá:<br />
a) Submeter o pedido às suas autorida<strong>de</strong>s competentes, a fim <strong>de</strong> obter uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> confisco e, se<br />
essa or<strong>de</strong>m for emitida, executá-la; ou<br />
b) Submeter às suas autorida<strong>de</strong>s competentes, para que seja executada conforme o solicitado, a<br />
<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> confisco emitida por um tribunal situado no território do Estado Parte requerente, em<br />
conformida<strong>de</strong> com o parágrafo 1 do Artigo 12 da presente Convenção, em relação ao produto do<br />
crime, bens, equipamentos ou outros instrumentos referidos no parágrafo 1 do Artigo 12 que se<br />
encontrem no território do Estado Parte requerido.<br />
2. Quando um pedido for feito por outro Estado Parte competente para conhecer <strong>de</strong> uma infração<br />
prevista na presente Convenção, o Estado Parte requerido tomará medidas para i<strong>de</strong>ntificar, localizar,<br />
embargar ou apreen<strong>de</strong>r o produto do crime, os bens, os equipamentos ou os outros instrumentos<br />
referidos no parágrafo 1 do Artigo 12 da presente Convenção, com vista a um eventual confisco que<br />
venha a ser or<strong>de</strong>nado, seja pelo Estado Parte requerente, seja, na seqüência <strong>de</strong> um pedido<br />
formulado ao abrigo do parágrafo 1 do presente Artigo, pelo Estado Parte requerido.<br />
3. As disposições do Artigo 18 da presente Convenção aplicam-se mutatis mutandis ao presente<br />
Artigo. Para além das informações referidas no parágrafo 15 do Artigo 18, os pedidos feitos em<br />
conformida<strong>de</strong> com o presente Artigo <strong>de</strong>verão conter:<br />
a) Quando o pedido for feito ao abrigo da alínea a) do parágrafo 1 do presente Artigo, uma <strong>de</strong>scrição<br />
dos bens a confiscar e uma exposição dos fatos em que o Estado Parte requerente se baseia, que<br />
permita ao Estado Parte requerido obter uma <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> confisco em conformida<strong>de</strong> com o seu direito<br />
interno;<br />
b) Quando o pedido for feito ao abrigo da alínea b) do parágrafo 1 do presente Artigo, uma cópia<br />
legalmente admissível da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> confisco emitida pelo Estado Parte requerente em que se<br />
baseia o pedido, uma exposição dos fatos e informações sobre os limites em que é pedida a<br />
execução da <strong>de</strong>cisão;<br />
c) Quando o pedido for feito ao abrigo do parágrafo 2 do presente Artigo, uma exposição dos fatos<br />
em que se baseia o Estado Parte requerente e uma <strong>de</strong>scrição das medidas pedidas.<br />
4. As <strong>de</strong>cisões ou medidas previstas nos parágrafo 1 e parágrafo 2 do presente Artigo são tomadas<br />
pelo Estado Parte requerido em conformida<strong>de</strong> com o seu direito interno e segundo as disposições do
230<br />
mesmo direito, e em conformida<strong>de</strong> com as suas regras processuais ou com qualquer tratado, acordo<br />
ou protocolo bilateral ou multilateral que o ligue ao Estado Parte requerente.<br />
5. Cada Estado Parte enviará ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas uma cópia das<br />
suas leis e regulamentos <strong>de</strong>stinados a dar aplicação ao presente Artigo, bem como uma cópia <strong>de</strong><br />
qualquer alteração ulteriormente introduzida a estas leis e regulamentos ou uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>stas<br />
leis, regulamentos e alterações ulteriores.<br />
6. Se um Estado Parte <strong>de</strong>cidir condicionar a adoção das medidas previstas nos parágrafos 1 e 2 do<br />
presente Artigo à existência <strong>de</strong> um tratado na matéria, <strong>de</strong>verá consi<strong>de</strong>rar a presente Convenção<br />
como uma base jurídica necessária e suficiente para o efeito.<br />
7. Um Estado Parte po<strong>de</strong>rá recusar a cooperação que lhe é solicitada ao abrigo do presente Artigo,<br />
caso a infração a que se refere o pedido não seja abrangida pela presente Convenção.<br />
8. As disposições do presente Artigo não <strong>de</strong>verão, em circunstância alguma, ser interpretadas <strong>de</strong><br />
modo a afetar os direitos <strong>de</strong> terceiros <strong>de</strong> boa fé.<br />
9. Os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> celebrar tratados, acordos ou protocolos<br />
bilaterais ou multilaterais com o objetivo <strong>de</strong> reforçar a eficácia da cooperação internacional<br />
<strong>de</strong>senvolvida para efeitos do presente Artigo.<br />
Artigo 14<br />
Disposição do produto do crime ou dos bens confiscados<br />
1. Um Estado Parte que confisque o produto do crime ou bens, em aplicação do Artigo 12 ou do<br />
parágrafo 1 do Artigo 13 da presente Convenção, disporá <strong>de</strong>les <strong>de</strong> acordo com o seu direito interno e<br />
os seus procedimentos administrativos.<br />
2. Quando os Estados Partes agirem a pedido <strong>de</strong> outro Estado Parte em aplicação do Artigo 13 da<br />
presente Convenção, <strong>de</strong>verão, na medida em que o permita o seu direito interno e se tal lhes for<br />
solicitado, consi<strong>de</strong>rar prioritariamente a restituição do produto do crime ou dos bens confiscados ao<br />
Estado Parte requerente, para que este último possa in<strong>de</strong>nizar as vítimas da infração ou restituir este<br />
produto do crime ou estes bens aos seus legítimos proprietários.<br />
3. Quando um Estado Parte atuar a pedido <strong>de</strong> um outro Estado Parte em aplicação dos Artigos 12 e<br />
13 da presente Convenção, po<strong>de</strong>rá consi<strong>de</strong>rar especialmente a celebração <strong>de</strong> acordos ou protocolos<br />
que prevejam:<br />
a) Destinar o valor <strong>de</strong>ste produto ou <strong>de</strong>stes bens, ou os fundos provenientes da sua venda, ou uma<br />
parte <strong>de</strong>stes fundos, à conta criada em aplicação da alínea c) do parágrafo 2 do Artigo 30 da presente<br />
Convenção e a organismos intergovernamentais especializados na luta contra a criminalida<strong>de</strong><br />
organizada;<br />
b) Repartir com outros Estados Partes, sistemática ou casuisticamente, este produto ou estes bens,<br />
ou os fundos provenientes da respectiva venda, em conformida<strong>de</strong> com o seu direito interno ou os<br />
seus procedimentos administrativos.<br />
Artigo 15<br />
Jurisdição<br />
1. Cada Estado Parte adotará as medidas necessárias para estabelecer a sua competência<br />
jurisdicional em relação às infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção, nos<br />
seguintes casos:
231<br />
a) Quando a infração for cometida no seu território; ou<br />
b) Quando a infração for cometida a bordo <strong>de</strong> um navio que arvore a sua ban<strong>de</strong>ira ou a bordo <strong>de</strong> uma<br />
aeronave matriculada em conformida<strong>de</strong> com o seu direito interno no momento em que a referida<br />
infração for cometida.<br />
2. Sem prejuízo do disposto no Artigo 4 da presente Convenção, um Estado Parte po<strong>de</strong>rá igualmente<br />
estabelecer a sua competência jurisdicional em relação a qualquer <strong>de</strong>stas infrações, nos seguintes<br />
casos:<br />
a) Quando a infração for cometida contra um dos seus cidadãos;<br />
b) Quando a infração for cometida por um dos seus cidadãos ou por uma pessoa apátrida resi<strong>de</strong>nte<br />
habitualmente no seu território; ou<br />
c) Quando a infração for:<br />
i) Uma das previstas no parágrafo 1 do Artigo 5 da presente Convenção e praticada fora do seu<br />
território, com a intenção <strong>de</strong> cometer uma infração grave no seu território;<br />
ii) Uma das previstas no inciso ii) da alínea b) do parágrafo 1 do Artigo 6 da presente Convenção e<br />
praticada fora do seu território com a intenção <strong>de</strong> cometer, no seu território, uma das infrações<br />
enunciadas nos incisos i) ou ii) da alínea a) ou i) da alínea b) do parágrafo 1 do Artigo 6 da presente<br />
Convenção.<br />
3. Para efeitos do parágrafo 10 do Artigo 16 da presente Convenção, cada Estado Parte adotará as<br />
medidas necessárias para estabelecer a sua competência jurisdicional em relação às infrações<br />
abrangidas pela presente Convenção quando o presumível autor se encontre no seu território e o<br />
Estado Parte não o extraditar pela única razão <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> um seu cidadão.<br />
4. Cada Estado Parte po<strong>de</strong>rá igualmente adotar as medidas necessárias para estabelecer a sua<br />
competência jurisdicional em relação às infrações abrangidas pela presente Convenção quando o<br />
presumível autor se encontre no seu território e o Estado Parte não o extraditar.<br />
5. Se um Estado Parte que exerça a sua competência jurisdicional por força dos parágrafos 1 e 2 do<br />
presente Artigo tiver sido notificado, ou por qualquer outra forma tiver tomado conhecimento, <strong>de</strong> que<br />
um ou vários Estados Partes estão a efetuar uma investigação ou iniciaram diligências ou um<br />
processo judicial tendo por objeto o mesmo ato, as autorida<strong>de</strong>s competentes <strong>de</strong>stes Estados Partes<br />
<strong>de</strong>verão consultar-se, da forma que for mais conveniente, para coor<strong>de</strong>nar as suas ações.<br />
6. Sem prejuízo das normas do direito internacional geral, a presente Convenção não excluirá o<br />
exercício <strong>de</strong> qualquer competência jurisdicional penal estabelecida por um Estado Parte em<br />
conformida<strong>de</strong> com o seu direito interno.<br />
Artigo 16<br />
Extradição<br />
1. O presente Artigo aplica-se às infrações abrangidas pela presente Convenção ou nos casos em<br />
que um grupo criminoso organizado esteja implicado numa infração prevista nas alíneas a) ou b) do<br />
parágrafo 1 do Artigo 3 e em que a pessoa que é objeto do pedido <strong>de</strong> extradição se encontre no<br />
Estado Parte requerido, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a infração pela qual é pedida a extradição seja punível pelo direito<br />
interno do Estado Parte requerente e do Estado Parte requerido.<br />
2. Se o pedido <strong>de</strong> extradição for motivado por várias infrações graves distintas, algumas das quais<br />
não se encontrem previstas no presente Artigo, o Estado Parte requerido po<strong>de</strong> igualmente aplicar o<br />
presente Artigo às referidas infrações.
232<br />
3. Cada uma das infrações às quais se aplica o presente Artigo será consi<strong>de</strong>rada incluída, <strong>de</strong> pleno<br />
direito, entre as infrações que dão lugar a extradição em qualquer tratado <strong>de</strong> extradição em vigor<br />
entre os Estados Partes. Os Estados Partes comprometem-se a incluir estas infrações entre aquelas<br />
cujo autor po<strong>de</strong> ser extraditado em qualquer tratado <strong>de</strong> extradição que celebrem entre si.<br />
4. Se um Estado Parte que condicione a extradição à existência <strong>de</strong> um tratado receber um pedido <strong>de</strong><br />
extradição <strong>de</strong> um Estado Parte com o qual não celebrou tal tratado, po<strong>de</strong>rá consi<strong>de</strong>rar a presente<br />
Convenção como fundamento jurídico da extradição quanto às infrações a que se aplique o presente<br />
Artigo.<br />
5. Os Estados Partes que condicionem a extradição à existência <strong>de</strong> um tratado:<br />
a) No momento do <strong>de</strong>pósito do seu instrumento <strong>de</strong> ratificação, aceitação, aprovação ou a<strong>de</strong>são à<br />
presente Convenção, indicarão ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas se<br />
consi<strong>de</strong>ram a presente Convenção como fundamento jurídico para a cooperação com outros Estados<br />
Partes em matéria <strong>de</strong> extradição; e<br />
b) Se não consi<strong>de</strong>rarem a presente Convenção como fundamento jurídico para cooperar em matéria<br />
<strong>de</strong> extradição, diligenciarão, se necessário, pela celebração <strong>de</strong> tratados <strong>de</strong> extradição com outros<br />
Estados Partes, a fim <strong>de</strong> darem aplicação ao presente Artigo.<br />
6. Os Estados Partes que não condicionem a extradição à existência <strong>de</strong> um tratado reconhecerão<br />
entre si, às infrações às quais se aplica o presente Artigo, o caráter <strong>de</strong> infração cujo autor po<strong>de</strong> ser<br />
extraditado.<br />
7. A extradição estará sujeita às condições previstas no direito interno do Estado Parte requerido ou<br />
em tratados <strong>de</strong> extradição aplicáveis, incluindo, nomeadamente, condições relativas à pena mínima<br />
requerida para uma extradição e aos motivos pelos quais o Estado Parte requerido po<strong>de</strong> recusar a<br />
extradição.<br />
8. Os Estados Partes procurarão, sem prejuízo do seu direito interno, acelerar os processos <strong>de</strong><br />
extradição e simplificar os requisitos em matéria <strong>de</strong> prova com eles relacionados, no que se refere às<br />
infrações a que se aplica o presente Artigo.<br />
9. Sem prejuízo do disposto no seu direito interno e nos tratados <strong>de</strong> extradição que tenha celebrado,<br />
o Estado Parte requerido po<strong>de</strong>rá, a pedido do Estado Parte requerente, se consi<strong>de</strong>rar que as<br />
circunstâncias o justificam e que existe urgência, colocar em <strong>de</strong>tenção uma pessoa, presente no seu<br />
território, cuja extradição é pedida, ou adotar a seu respeito quaisquer outras medidas apropriadas<br />
para assegurar a sua presença no processo <strong>de</strong> extradição.<br />
10. Um Estado Parte em cujo território se encontre o presumível autor da infração, se não extraditar<br />
esta pessoa a título <strong>de</strong> uma infração à qual se aplica o presente Artigo pelo único motivo <strong>de</strong> se tratar<br />
<strong>de</strong> um seu cidadão, <strong>de</strong>verá, a pedido do Estado Parte requerente da extradição, submeter o caso,<br />
sem <strong>de</strong>mora excessiva, às suas autorida<strong>de</strong>s competentes para efeitos <strong>de</strong> procedimento judicial.<br />
Estas autorida<strong>de</strong>s tomarão a sua <strong>de</strong>cisão e seguirão os trâmites do processo da mesma forma que<br />
em relação a qualquer outra infração grave, à luz do direito interno <strong>de</strong>ste Estado Parte. Os Estados<br />
Partes interessados cooperarão entre si, nomeadamente em matéria processual e probatória, para<br />
assegurar a eficácia dos referidos atos judiciais.<br />
11. Quando um Estado Parte, por força do seu direito interno, só estiver autorizado a extraditar ou,<br />
por qualquer outra forma, entregar um dos seus cidadãos na condição <strong>de</strong> que essa pessoa retorne<br />
seguidamente ao mesmo Estado Parte para cumprir a pena a que tenha sido con<strong>de</strong>nada na<br />
seqüência do processo ou do procedimento que originou o pedido <strong>de</strong> extradição ou <strong>de</strong> entrega, e<br />
quando este Estado Parte e o Estado Parte requerente concordarem em relação a essa opção e a<br />
outras condições que consi<strong>de</strong>rem apropriadas, a extradição ou entrega condicional será suficiente<br />
para dar cumprimento à obrigação enunciada no parágrafo 10 do presente Artigo.
233<br />
12. Se a extradição, pedida para efeitos <strong>de</strong> execução <strong>de</strong> uma pena, for recusada porque a pessoa<br />
que é objeto <strong>de</strong>ste pedido é um cidadão do Estado Parte requerido, este, se o seu direito interno o<br />
permitir, em conformida<strong>de</strong> com as prescrições <strong>de</strong>ste direito e a pedido do Estado Parte requerente,<br />
consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar execução à pena que foi aplicada em conformida<strong>de</strong> com o direito<br />
do Estado Parte requerente ou ao que <strong>de</strong>ssa pena faltar cumprir.<br />
13. Qualquer pessoa que seja objeto <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong>vido a qualquer das infrações às quais se<br />
aplica o presente Artigo terá garantido um tratamento eqüitativo em todas as fases do processo,<br />
incluindo o gozo <strong>de</strong> todos os direitos e garantias previstos no direito interno do Estado Parte em cujo<br />
território se encontra.<br />
14. Nenhuma disposição da presente Convenção <strong>de</strong>verá ser interpretada no sentido <strong>de</strong> que impõe<br />
uma obrigação <strong>de</strong> extraditar a um Estado Parte requerido, se existirem sérias razões para supor que<br />
o pedido foi apresentado com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perseguir ou punir uma pessoa em razão do seu sexo,<br />
raça, religião, nacionalida<strong>de</strong>, origem étnica ou opiniões políticas, ou que a satisfação daquele pedido<br />
provocaria um prejuízo a essa pessoa por alguma <strong>de</strong>stas razões.<br />
15. Os Estados Partes não po<strong>de</strong>rão recusar um pedido <strong>de</strong> extradição unicamente por consi<strong>de</strong>rarem<br />
que a infração envolve também questões fiscais.<br />
16. Antes <strong>de</strong> recusar a extradição, o Estado Parte requerido consultará, se for caso disso, o Estado<br />
Parte requerente, a fim <strong>de</strong> lhe dar a mais ampla possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar as suas razões e <strong>de</strong><br />
fornecer informações em apoio das suas alegações.<br />
17. Os Estados Partes procurarão celebrar acordos ou protocolos bilaterais e multilaterais com o<br />
objetivo <strong>de</strong> permitir a extradição ou <strong>de</strong> aumentar a sua eficácia.<br />
Artigo 17<br />
Transferência <strong>de</strong> pessoas con<strong>de</strong>nadas<br />
Os Estados Partes po<strong>de</strong>rão consi<strong>de</strong>rar a celebração <strong>de</strong> acordos ou protocolos bilaterais ou<br />
multilaterais relativos à transferência para o seu território <strong>de</strong> pessoas con<strong>de</strong>nadas a penas <strong>de</strong> prisão<br />
ou outras penas <strong>de</strong> privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>vido a infrações previstas na presente Convenção, para<br />
que aí possam cumprir o resto da pena.<br />
Artigo 18<br />
Assistência judiciária recíproca<br />
1. Os Estados Partes prestarão reciprocamente toda a assistência judiciária possível nas<br />
investigações, nos processos e em outros atos judiciais relativos às infrações previstas pela presente<br />
Convenção, nos termos do Artigo 3, e prestarão reciprocamente uma assistência similar quando o<br />
Estado Parte requerente tiver motivos razoáveis para suspeitar <strong>de</strong> que a infração a que se referem as<br />
alíneas a) ou b) do parágrafo 1 do Artigo 3 é <strong>de</strong> caráter transnacional, inclusive quando as vítimas, as<br />
testemunhas, o produto, os instrumentos ou os elementos <strong>de</strong> prova <strong>de</strong>stas infrações se encontrem no<br />
Estado Parte requerido e nelas esteja implicado um grupo criminoso organizado.<br />
2. Será prestada toda a cooperação judiciária possível, tanto quanto o permitam as leis, tratados,<br />
acordos e protocolos pertinentes do Estado Parte requerido, no âmbito <strong>de</strong> investigações, processos e<br />
outros atos judiciais relativos a infrações pelas quais possa ser consi<strong>de</strong>rada responsável uma pessoa<br />
coletiva no Estado Parte requerente, em conformida<strong>de</strong> com o Artigo 10 da presente Convenção.<br />
3. A cooperação judiciária prestada em aplicação do presente Artigo po<strong>de</strong> ser solicitada para os<br />
seguintes efeitos:<br />
a) Recolher testemunhos ou <strong>de</strong>poimentos;
234<br />
b) Notificar atos judiciais;<br />
c) Efetuar buscas, apreensões e embargos;<br />
d) Examinar objetos e locais;<br />
e) Fornecer informações, elementos <strong>de</strong> prova e pareceres <strong>de</strong> peritos;<br />
f) Fornecer originais ou cópias certificadas <strong>de</strong> documentos e processos pertinentes, incluindo<br />
documentos administrativos, bancários, financeiros ou comerciais e documentos <strong>de</strong> empresas;<br />
g) I<strong>de</strong>ntificar ou localizar os produtos do crime, bens, instrumentos ou outros elementos para fins<br />
probatórios;<br />
h) Facilitar o comparecimento voluntário <strong>de</strong> pessoas no Estado Parte requerente;<br />
i) Prestar qualquer outro tipo <strong>de</strong> assistência compatível com o direito interno do Estado Parte<br />
requerido.<br />
4. Sem prejuízo do seu direito interno, as autorida<strong>de</strong>s competentes <strong>de</strong> um Estado Parte po<strong>de</strong>rão, sem<br />
pedido prévio, comunicar informações relativas a questões penais a uma autorida<strong>de</strong> competente <strong>de</strong><br />
outro Estado Parte, se consi<strong>de</strong>rarem que estas informações po<strong>de</strong>rão ajudar a empreen<strong>de</strong>r ou concluir<br />
com êxito investigações e processos penais ou conduzir este último Estado Parte a formular um<br />
pedido ao abrigo da presente Convenção.<br />
5. A comunicação <strong>de</strong> informações em conformida<strong>de</strong> com o parágrafo 4 do presente Artigo será<br />
efetuada sem prejuízo das investigações e dos processos penais no Estado cujas autorida<strong>de</strong><br />
competentes fornecem as informações. As autorida<strong>de</strong>s competentes que recebam estas informações<br />
<strong>de</strong>verão satisfazer qualquer pedido no sentido <strong>de</strong> manter confi<strong>de</strong>nciais as referidas informações,<br />
mesmo se apenas temporariamente, ou <strong>de</strong> restringir a sua utilização. Todavia, tal não impedirá o<br />
Estado Parte que receba as informações <strong>de</strong> revelar, no <strong>de</strong>curso do processo judicial, informações<br />
que inocentem um argüido. Neste último caso, o Estado Parte que recebeu as informações avisará o<br />
Estado Parte que as comunicou antes <strong>de</strong> as revelar e, se lhe for pedido, consultará este último. Se,<br />
num caso excepcional, não for possível uma comunicação prévia, o Estado Parte que recebeu as<br />
informações dará conhecimento da revelação, prontamente, ao Estado Parte que as tenha<br />
comunicado.<br />
6. As disposições do presente Artigo em nada prejudicam as obrigações <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> qualquer<br />
outro tratado bilateral ou multilateral que regule, ou <strong>de</strong>va regular, inteiramente ou em parte, a<br />
cooperação judiciária.<br />
7. Os parágrafos 9 a 29 do presente Artigo serão aplicáveis aos pedidos feitos em conformida<strong>de</strong> com<br />
o presente Artigo, no caso <strong>de</strong> os Estados Partes em questão não estarem ligados por um tratado <strong>de</strong><br />
cooperação judiciária. Se os referidos Estados Partes estiverem ligados por tal tratado, serão<br />
aplicáveis as disposições correspon<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sse tratado, a menos que os Estados Partes concor<strong>de</strong>m<br />
em aplicar, em seu lugar, as disposições dos parágrafos 9 a 29 do presente Artigo. Os Estados<br />
Partes são fortemente instados a aplicar estes números, se tal facilitar a cooperação.<br />
8. Os Estados Partes não po<strong>de</strong>rão invocar o sigilo bancário para recusar a cooperação judiciária<br />
prevista no presente Artigo.<br />
9. Os Estados Partes po<strong>de</strong>rão invocar a ausência <strong>de</strong> dupla criminalização para recusar prestar a<br />
assistência judiciária prevista no presente Artigo. O Estado Parte requerido po<strong>de</strong>rá, não obstante,<br />
quando o consi<strong>de</strong>rar apropriado, prestar esta assistência, na medida em que o <strong>de</strong>cida por si próprio,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> o ato estar ou não tipificado como uma infração no direito interno do Estado<br />
Parte requerido.
235<br />
10. Qualquer pessoa <strong>de</strong>tida ou a cumprir pena no território <strong>de</strong> um Estado Parte, cuja presença seja<br />
requerida num outro Estado Parte para efeitos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, para testemunhar ou para contribuir<br />
por qualquer outra forma para a obtenção <strong>de</strong> provas no âmbito <strong>de</strong> investigações, processos ou outros<br />
atos judiciais relativos às infrações visadas na presente Convenção, po<strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong> uma<br />
transferência, se estiverem reunidas as seguintes condições:<br />
a) Se referida pessoa, <strong>de</strong>vidamente informada, <strong>de</strong>r o seu livre consentimento;<br />
b) Se as autorida<strong>de</strong>s competentes dos dois Estados Partes em questão <strong>de</strong>rem o seu consentimento,<br />
sob reserva das condições que estes Estados Partes possam consi<strong>de</strong>rar convenientes.<br />
11. Para efeitos do parágrafo 10 do presente Artigo:<br />
a) O Estado Parte para o qual a transferência da pessoa em questão for efetuada terá o po<strong>de</strong>r e a<br />
obrigação <strong>de</strong> a manter <strong>de</strong>tida, salvo pedido ou autorização em contrário do Estado Parte do qual a<br />
pessoa foi transferida;<br />
b) O Estado Parte para o qual a transferência for efetuada cumprirá prontamente a obrigação <strong>de</strong><br />
entregar a pessoa à guarda do Estado Parte do qual foi transferida, em conformida<strong>de</strong> com o que<br />
tenha sido previamente acordado ou com o que as autorida<strong>de</strong>s competentes dos dois Estados Partes<br />
tenham <strong>de</strong>cidido;<br />
c) O Estado Parte para o qual for efetuada a transferência não po<strong>de</strong>rá exigir do Estado Parte do qual<br />
a transferência foi efetuada que abra um processo <strong>de</strong> extradição para que a pessoa lhe seja<br />
entregue;<br />
d) O período que a pessoa em questão passe <strong>de</strong>tida no Estado Parte para o qual for transferida é<br />
contado para o cumprimento da pena que lhe tenha sido aplicada no Estado Parte do qual for<br />
transferida;<br />
12. A menos que o Estado Parte do qual a pessoa for transferida, ao abrigo dos parágrafos 10 e 11<br />
do presente Artigo, esteja <strong>de</strong> acordo, a pessoa em questão, seja qual for a sua nacionalida<strong>de</strong>, não<br />
será objecto <strong>de</strong> processo judicial, <strong>de</strong>tida, punida ou sujeita a outras restrições à sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
movimentos no território do Estado Parte para o qual seja transferida, <strong>de</strong>vido a atos, omissões ou<br />
con<strong>de</strong>nações anteriores à sua partida do território do Estado Parte do qual foi transferida.<br />
13. Cada Estado Parte <strong>de</strong>signará uma autorida<strong>de</strong> central que terá a responsabilida<strong>de</strong> e o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
receber pedidos <strong>de</strong> cooperação judiciária e, quer <strong>de</strong> os executar, quer <strong>de</strong> os transmitir às autorida<strong>de</strong>s<br />
competentes para execução. Se um Estado Parte possuir uma região ou um território especial dotado<br />
<strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> cooperação judiciária diferente, po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>signar uma autorida<strong>de</strong> central distinta,<br />
que terá a mesma função para a referida região ou território. As autorida<strong>de</strong>s centrais <strong>de</strong>verão<br />
assegurar a execução ou a transmissão rápida e em boa e <strong>de</strong>vida forma dos pedidos recebidos.<br />
Quando a autorida<strong>de</strong> central transmitir o pedido a uma autorida<strong>de</strong> competente para execução, instará<br />
pela execução rápida e em boa e <strong>de</strong>vida forma do pedido por parte da autorida<strong>de</strong> competente. O<br />
Secretário Geral da Organização das Nações Unidas será notificado da autorida<strong>de</strong> central <strong>de</strong>signada<br />
para este efeito no momento em que cada Estado Parte <strong>de</strong>positar os seus instrumentos <strong>de</strong><br />
ratificação, aceitação, aprovação ou a<strong>de</strong>são à presente Convenção. Os pedidos <strong>de</strong> cooperação<br />
judiciária e qualquer comunicação com eles relacionada serão transmitidos às autorida<strong>de</strong>s centrais<br />
<strong>de</strong>signadas pelos Estados Partes. A presente disposição não afetará o direito <strong>de</strong> qualquer Estado<br />
Parte a exigir que estes pedidos e comunicações lhe sejam remetidos por via diplomática e, em caso<br />
<strong>de</strong> urgência, e se os Estados Partes nisso acordarem, por intermédio da Organização Internacional<br />
<strong>de</strong> Polícia Criminal, se tal for possível.<br />
14. Os pedidos serão formulados por escrito ou, se possível, por qualquer outro meio capaz <strong>de</strong><br />
produzir registro escrito, numa língua que seja aceita pelo Estado Parte requerido, em condições que<br />
permitam a este Estado Parte verificar a sua autenticida<strong>de</strong>. O Secretário Geral das Nações Unidas<br />
será notificado a respeito da língua ou línguas aceitas por cada Estado Parte no momento em que o<br />
Estado Parte em questão <strong>de</strong>positar os seus instrumentos <strong>de</strong> ratificação, aceitação, aprovação ou
236<br />
a<strong>de</strong>são à presente Convenção. Em caso <strong>de</strong> urgência, e se os Estados Partes nisso acordarem, os<br />
pedidos po<strong>de</strong>rão ser feitos oralmente, mais <strong>de</strong>verão ser imediatamente confirmados por escrito.<br />
15. Um pedido <strong>de</strong> assistência judiciária <strong>de</strong>verá conter as seguintes informações:<br />
a) A <strong>de</strong>signação da autorida<strong>de</strong> que emite o pedido;<br />
b) O objeto e a natureza da investigação, dos processos ou dos outros atos judiciais a que se refere o<br />
pedido, bem como o nome e as funções da autorida<strong>de</strong> que os tenha a cargo;<br />
c) Um resumo dos fatos relevantes, salvo no caso dos pedidos efetuados para efeitos <strong>de</strong> notificação<br />
<strong>de</strong> atos judiciais;<br />
d) Uma <strong>de</strong>scrição da assistência pretendida e pormenores <strong>de</strong> qualquer procedimento específico que<br />
o Estado Parte requerente <strong>de</strong>seje ver aplicado;<br />
e) Caso seja possível, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, en<strong>de</strong>reço e nacionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer pessoa visada; e<br />
f) O fim para o qual são pedidos os elementos, informações ou medidas.<br />
16. O Estado Parte requerido po<strong>de</strong>rá solicitar informações adicionais, quando tal se afigure<br />
necessário à execução do pedido em conformida<strong>de</strong> com o seu direito interno, ou quando tal possa<br />
facilitar a execução do pedido.<br />
17. Qualquer pedido será executado em conformida<strong>de</strong> com o direito interno do Estado Parte<br />
requerido e, na medida em que tal não contrarie este direito e seja possível, em conformida<strong>de</strong> com os<br />
procedimentos especificados no pedido.<br />
18. Se for possível e em conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais do direito interno, quando uma<br />
pessoa que se encontre no território <strong>de</strong> um Estado Parte <strong>de</strong>va ser ouvida como testemunha ou como<br />
perito pelas autorida<strong>de</strong>s judiciais <strong>de</strong> outro Estado Parte, o primeiro Estado Parte po<strong>de</strong>rá, a pedido do<br />
outro, autorizar a sua audição por vi<strong>de</strong>oconferência, se não for possível ou <strong>de</strong>sejável que a pessoa<br />
compareça no território do Estado Parte requerente. Os Estados Partes po<strong>de</strong>rão acordar em que a<br />
audição seja conduzida por uma autorida<strong>de</strong> judicial do Estado Parte requerente e que a ela assista<br />
uma autorida<strong>de</strong> judicial do Estado Parte requerido.<br />
19. O Estado Parte requerente não comunicará nem utilizará as informações ou os elementos <strong>de</strong><br />
prova fornecidos pelo Estado Parte requerido para efeitos <strong>de</strong> investigações, processos ou outros atos<br />
judiciais diferentes dos mencionados no pedido sem o consentimento prévio do Estado Parte<br />
requerido. O disposto neste número não impedirá o Estado Parte requerente <strong>de</strong> revelar, durante o<br />
processo, informações ou elementos <strong>de</strong> prova ilibatórios <strong>de</strong> um argüido. Neste último caso, o Estado<br />
Parte requerente avisará, antes da revelação, o Estado Parte requerido e, se tal lhe for pedido,<br />
consultará neste último. Se, num caso excepcional, não for possível uma comunicação prévia, o<br />
Estado Parte requerente informará da revelação, prontamente, o Estado Parte requerido.<br />
20. O Estado Parte requerente po<strong>de</strong>rá exigir que o Estado Parte requerido guar<strong>de</strong> sigilo sobre o<br />
pedido e o seu conteúdo, salvo na medida do que seja necessário para o executar. Se o Estado Parte<br />
requerido não pu<strong>de</strong>r satisfazer esta exigência, informará prontamente o Estado Parte requerente.<br />
21. A cooperação judiciária po<strong>de</strong>rá ser recusada:<br />
a) Se o pedido não for feito em conformida<strong>de</strong> com o disposto no presente Artigo;<br />
b) Se o Estado Parte requerido consi<strong>de</strong>rar que a execução do pedido po<strong>de</strong> afetar sua soberania, sua<br />
segurança, sua or<strong>de</strong>m pública ou outros interesses essenciais;
237<br />
c) Se o direito interno do Estado Parte requerido proibir suas autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> executar as providências<br />
solicitadas com relação a uma infração análoga que tenha sido objeto <strong>de</strong> investigação ou <strong>de</strong><br />
procedimento judicial no âmbito da sua própria competência;<br />
d) Se a aceitação do pedido contrariar o sistema jurídico do Estado Parte requerido no que se refere<br />
à cooperação judiciária.<br />
22. Os Estados Partes não po<strong>de</strong>rão recusar um pedido <strong>de</strong> cooperação judiciária unicamente por<br />
consi<strong>de</strong>rarem que a infração envolve também questões fiscais.<br />
23. Qualquer recusa <strong>de</strong> cooperação judiciária <strong>de</strong>verá ser fundamentada.<br />
24. O Estado Parte requerido executará o pedido <strong>de</strong> cooperação judiciária tão prontamente quanto<br />
possível e terá em conta, na medida do possível, todos os prazos sugeridos pelo Estado Parte<br />
requerente para os quais sejam dadas justificações, <strong>de</strong> preferência no pedido. O Estado Parte<br />
requerido respon<strong>de</strong>rá aos pedidos razoáveis do Estado Parte requerente quanto ao andamento das<br />
diligências solicitadas. Quando a assistência pedida <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser necessária, o Estado Parte<br />
requerente informará prontamente <strong>de</strong>sse fato o Estado Parte requerido.<br />
25. A cooperação judiciária po<strong>de</strong>rá ser diferida pelo Estado Parte requerido por interferir com uma<br />
investigação, processos ou outros atos judiciais em curso.<br />
<strong>26</strong>. Antes <strong>de</strong> recusar um pedido feito ao abrigo do parágrafo 21 do presente Artigo ou <strong>de</strong> diferir a sua<br />
execução ao abrigo do parágrafo 25, o Estado Parte requerido estudará com o Estado Parte<br />
requerente a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prestar a assistência sob reserva das condições que consi<strong>de</strong>re<br />
necessárias. Se o Estado Parte requerente aceitar a assistência sob reserva <strong>de</strong>stas condições,<br />
<strong>de</strong>verá respeitá-las.<br />
27. Sem prejuízo da aplicação do parágrafo 12 do presente Artigo, uma testemunha, um perito ou<br />
outra pessoa que, a pedido do Estado Parte requerente, aceite <strong>de</strong>por num processo ou colaborar<br />
numa investigação, em processos ou outros atos judiciais no território do Estado Parte requerente,<br />
não será objeto <strong>de</strong> processo, <strong>de</strong>tida, punida ou sujeita a outras restrições à sua liberda<strong>de</strong> pessoal<br />
neste território, <strong>de</strong>vido a atos, omissões ou con<strong>de</strong>nações anteriores à sua partida do território do<br />
Estado Parte requerido. Esta imunida<strong>de</strong> cessa quando a testemunha, o perito ou a referida pessoa,<br />
tendo tido, durante um período <strong>de</strong> quinze dias consecutivos ou qualquer outro período acordado<br />
pelos Estados Partes, a contar da data em que recebeu a comunicação oficial <strong>de</strong> que a sua presença<br />
já não era exigida pelas autorida<strong>de</strong>s judiciais, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o território do Estado Parte<br />
requerente, nele tenha voluntariamente permanecido ou, tendo-o <strong>de</strong>ixado, a ele tenha regressado <strong>de</strong><br />
livre vonta<strong>de</strong>.<br />
28. As <strong>de</strong>spesas correntes com a execução <strong>de</strong> um pedido serão suportadas pelo Estado Parte<br />
requerido, salvo acordo noutro sentido dos Estados Partes interessados. Quando venham a revelarse<br />
necessárias <strong>de</strong>spesas significativas ou extraordinárias para executar o pedido, os Estados Partes<br />
consultar-se-ão para fixar as condições segundo as quais o pedido <strong>de</strong>verá ser executado, bem como<br />
o modo como as <strong>de</strong>spesas serão assumidas.<br />
29. O Estado Parte requerido:<br />
a) Fornecerá ao Estado Parte requerente cópias dos processos, documentos ou informações<br />
administrativas que estejam em seu po<strong>de</strong>r e que, por força do seu direito interno, estejam acessíveis<br />
ao público;<br />
b) Po<strong>de</strong>rá, se assim o enten<strong>de</strong>r, fornecer ao Estado Parte requerente, na íntegra ou nas condições<br />
que consi<strong>de</strong>re apropriadas, cópias <strong>de</strong> todos os processos, documentos ou informações que estejam<br />
na sua posse e que, por força do seu direito interno, não sejam acessíveis ao público.
238<br />
30. Os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão, se necessário, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> celebrarem acordos ou<br />
protocolos bilaterais ou multilaterais que sirvam os objetivos e as disposições do presente Artigo,<br />
reforçando-as ou dando-lhes <strong>maio</strong>r eficácia.<br />
Artigo 19<br />
Investigações conjuntas<br />
Os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou<br />
multilaterais em virtu<strong>de</strong> dos quais, com respeito a matérias que sejam objeto <strong>de</strong> investigação,<br />
processos ou ações judiciais em um ou mais Estados, as autorida<strong>de</strong>s competentes possam<br />
estabelecer órgãos mistos <strong>de</strong> investigação. Na ausência <strong>de</strong> tais acordos ou protocolos, po<strong>de</strong>rá ser<br />
<strong>de</strong>cidida casuisticamente a realização <strong>de</strong> investigações conjuntas. Os Estados Partes envolvidos<br />
agirão <strong>de</strong> modo a que a soberania do Estado Parte em cujo território <strong>de</strong>corra a investigação seja<br />
plenamente respeitada.<br />
Artigo 20<br />
Técnicas especiais <strong>de</strong> investigação<br />
1. Se os princípios fundamentais do seu or<strong>de</strong>namento jurídico nacional o permitirem, cada Estado<br />
Parte, tendo em conta as suas possibilida<strong>de</strong>s e em conformida<strong>de</strong> com as condições prescritas no seu<br />
direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas<br />
vigiadas e, quando o consi<strong>de</strong>re a<strong>de</strong>quado, o recurso a outras técnicas especiais <strong>de</strong> investigação,<br />
como a vigilância eletrônica ou outras formas <strong>de</strong> vigilância e as operações <strong>de</strong> infiltração, por parte<br />
das autorida<strong>de</strong>s competentes no seu território, a fim <strong>de</strong> combater eficazmente a criminalida<strong>de</strong><br />
organizada.<br />
2. Para efeitos <strong>de</strong> investigações sobre as infrações previstas na presente Convenção, os Estados<br />
Partes são instados a celebrar, se necessário, acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais<br />
apropriados para recorrer às técnicas especiais <strong>de</strong> investigação, no âmbito da cooperação<br />
internacional. Estes acordos ou protocolos serão celebrados e aplicados sem prejuízo do princípio da<br />
igualda<strong>de</strong> soberana dos Estados e serão executados em estrita conformida<strong>de</strong> com as disposições<br />
neles contidas.<br />
3. Na ausência dos acordos ou protocolos referidos no parágrafo 2 do presente Artigo, as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong><br />
recorrer a técnicas especiais <strong>de</strong> investigação a nível internacional serão tomadas casuisticamente e<br />
po<strong>de</strong>rão, se necessário, ter em conta acordos ou protocolos financeiros relativos ao exercício <strong>de</strong><br />
jurisdição pelos Estados Partes interessados.<br />
4. As entregas vigiadas a que se tenha <strong>de</strong>cidido recorrer a nível internacional po<strong>de</strong>rão incluir, com o<br />
consentimento dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção <strong>de</strong> mercadorias e a<br />
autorização <strong>de</strong> prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração ou após subtração ou substituição<br />
da totalida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> parte <strong>de</strong>ssas mercadorias.<br />
Artigo 21<br />
Transferência <strong>de</strong> processos penais<br />
Os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transferirem mutuamente os processos relativos a<br />
uma infração prevista na presente Convenção, nos casos em que esta transferência seja consi<strong>de</strong>rada<br />
necessária no interesse da boa administração da justiça e, em especial, quando estejam envolvidas<br />
várias jurisdições, a fim <strong>de</strong> centralizar a instrução dos processos.<br />
Artigo 22<br />
Estabelecimento <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes penais
239<br />
Cada Estado Parte po<strong>de</strong>rá adotar as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para ter<br />
em consi<strong>de</strong>ração, nas condições e para os efeitos que enten<strong>de</strong>r apropriados, qualquer con<strong>de</strong>nação<br />
<strong>de</strong> que o presumível autor <strong>de</strong> uma infração tenha sido objeto noutro Estado, a fim <strong>de</strong> utilizar esta<br />
informação no âmbito <strong>de</strong> um processo penal relativo a uma infração prevista na presente Convenção.<br />
Artigo 23<br />
Criminalização da obstrução à justiça<br />
Cada Estado Parte adotará medidas legislativas e outras consi<strong>de</strong>radas necessárias para conferir o<br />
caráter <strong>de</strong> infração penal aos seguintes atos, quando cometidos intencionalmente:<br />
a) O recurso à força física, a ameaças ou a intimidação, ou a promessa, oferta ou concessão <strong>de</strong> um<br />
benefício in<strong>de</strong>vido para obtenção <strong>de</strong> um falso testemunho ou para impedir um testemunho ou a<br />
apresentação <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> prova num processo relacionado com a prática <strong>de</strong> infrações previstas<br />
na presente Convenção;<br />
b) O recurso à força física, a ameaças ou a intimidação para impedir um agente judicial ou policial <strong>de</strong><br />
exercer os <strong>de</strong>veres inerentes à sua função relativamente à prática <strong>de</strong> infrações previstas na presente<br />
Convenção. O disposto na presente alínea não prejudica o direito dos Estados Partes <strong>de</strong> disporem <strong>de</strong><br />
legislação <strong>de</strong>stinada a proteger outras categorias <strong>de</strong> agentes públicos.<br />
Artigo 24<br />
Proteção das testemunhas<br />
1. Cada Estado Parte, <strong>de</strong>ntro das suas possibilida<strong>de</strong>s, adotará medidas apropriadas para assegurar<br />
uma proteção eficaz contra eventuais atos <strong>de</strong> represália ou <strong>de</strong> intimidação das testemunhas que, no<br />
âmbito <strong>de</strong> processos penais, <strong>de</strong>ponham sobre infrações previstas na presente Convenção e, quando<br />
necessário, aos seus familiares ou outras pessoas que lhes sejam próximas.<br />
2. Sem prejuízo dos direitos do argüido, incluindo o direito a um julgamento regular, as medidas<br />
referidas no parágrafo 1 do presente Artigo po<strong>de</strong>rão incluir, entre outras:<br />
a) Desenvolver, para a proteção física <strong>de</strong>stas pessoas, procedimentos que visem, consoante as<br />
necessida<strong>de</strong>s e na medida do possível, nomeadamente, fornecer-lhes um novo domicílio e impedir ou<br />
restringir a divulgação <strong>de</strong> informações relativas à sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e para<strong>de</strong>iro;<br />
b) Estabelecer normas em matéria <strong>de</strong> prova que permitam às testemunhas <strong>de</strong>por <strong>de</strong> forma a garantir<br />
a sua segurança, nomeadamente autorizando-as a <strong>de</strong>por com recurso a meios técnicos <strong>de</strong><br />
comunicação, como ligações <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o ou outros meios a<strong>de</strong>quados.<br />
3. Os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> celebrar acordos com outros Estados para<br />
facultar um novo domicílio às pessoas referidas no parágrafo 1 do presente Artigo.<br />
4. As disposições do presente Artigo aplicam-se igualmente às vítimas, quando forem testemunhas.<br />
Artigo 25<br />
Assistência e proteção às vítimas<br />
1. Cada Estado Parte adotará, segundo as suas possibilida<strong>de</strong>s, medidas apropriadas para prestar<br />
assistência e assegurar a proteção às vítimas <strong>de</strong> infrações previstas na presente Convenção,<br />
especialmente em caso <strong>de</strong> ameaça <strong>de</strong> represálias ou <strong>de</strong> intimidação.<br />
2. Cada Estado Parte estabelecerá procedimentos a<strong>de</strong>quados para que as vítimas <strong>de</strong> infrações<br />
previstas na presente Convenção possam obter reparação.
240<br />
3. Cada Estado Parte, sem prejuízo do seu direito interno, assegurará que as opiniões e<br />
preocupações das vítimas sejam apresentadas e tomadas em consi<strong>de</strong>ração nas fases a<strong>de</strong>quadas do<br />
processo penal aberto contra os autores <strong>de</strong> infrações, por forma que não prejudique os direitos da<br />
<strong>de</strong>fesa.<br />
Artigo <strong>26</strong><br />
Medidas para intensificar a cooperação com as autorida<strong>de</strong>s competentes para a aplicação da lei<br />
1. Cada Estado Parte tomará as medidas a<strong>de</strong>quadas para encorajar as pessoas que participem ou<br />
tenham participado em grupos criminosos organizados:<br />
a) A fornecerem informações úteis às autorida<strong>de</strong>s competentes para efeitos <strong>de</strong> investigação e<br />
produção <strong>de</strong> provas, nomeadamente<br />
i) A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, natureza, composição, estrutura, localização ou ativida<strong>de</strong>s dos grupos criminosos<br />
organizados;<br />
ii) As conexões, inclusive conexões internacionais, com outros grupos criminosos organizados;<br />
iii) As infrações que os grupos criminosos organizados praticaram ou po<strong>de</strong>rão vir a praticar;<br />
b) A prestarem ajuda efetiva e concreta às autorida<strong>de</strong>s competentes, susceptível <strong>de</strong> contribuir para<br />
privar os grupos criminosos organizados dos seus recursos ou do produto do crime.<br />
2. Cada Estado Parte po<strong>de</strong>rá consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong>, nos casos pertinentes, <strong>de</strong> reduzir a pena <strong>de</strong><br />
que é passível um argüido que coopere <strong>de</strong> forma substancial na investigação ou no julgamento dos<br />
autores <strong>de</strong> uma infração prevista na presente Convenção.<br />
3. Cada Estado Parte po<strong>de</strong>rá consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong>, em conformida<strong>de</strong> com os princípios<br />
fundamentais do seu or<strong>de</strong>namento jurídico interno, <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r imunida<strong>de</strong> a uma pessoa que<br />
coopere <strong>de</strong> forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores <strong>de</strong> uma infração prevista<br />
na presente Convenção.<br />
4. A proteção <strong>de</strong>stas pessoas será assegurada nos termos do Artigo 24 da presente Convenção.<br />
5. Quando uma das pessoas referidas no parágrafo 1 do presente Artigo se encontre num Estado<br />
Parte e possa prestar uma cooperação substancial às autorida<strong>de</strong>s competentes <strong>de</strong> outro Estado<br />
Parte, os Estados Partes em questão po<strong>de</strong>rão consi<strong>de</strong>rar a celebração <strong>de</strong> acordos, em conformida<strong>de</strong><br />
com o seu direito interno, relativos à eventual concessão, pelo outro Estado Parte, do tratamento<br />
<strong>de</strong>scrito nos parágrafos 2 e 3 do presente Artigo.<br />
Artigo 27<br />
Cooperação entre as autorida<strong>de</strong>s competentes para a aplicação da lei<br />
1. Os Estados Partes cooperarão estreitamente, em conformida<strong>de</strong> com os seus respectivos<br />
or<strong>de</strong>namentos jurídicos e administrativos, a fim <strong>de</strong> reforçar a eficácia das medidas <strong>de</strong> controle do<br />
cumprimento da lei <strong>de</strong>stinadas a combater as infrações previstas na presente Convenção.<br />
Especificamente, cada Estado Parte adotará medidas eficazes para:<br />
a) Reforçar ou, se necessário, criar canais <strong>de</strong> comunicação entre as suas autorida<strong>de</strong>s, organismos e<br />
serviços competentes, para facilitar a rápida e segura troca <strong>de</strong> informações relativas a todos os<br />
aspectos das infrações previstas na presente Convenção, incluindo, se os Estados Partes envolvidos<br />
o consi<strong>de</strong>rarem apropriado, ligações com outras ativida<strong>de</strong>s criminosas;
241<br />
b) Cooperar com outros Estados Partes, quando se trate <strong>de</strong> infrações previstas na presente<br />
Convenção, na condução <strong>de</strong> investigações relativas aos seguintes aspectos:<br />
i) I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, localização e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pessoas suspeitas <strong>de</strong> implicação nas referidas infrações,<br />
bem como localização <strong>de</strong> outras pessoas envolvidas;<br />
ii) Movimentação do produto do crime ou dos bens provenientes da prática <strong>de</strong>stas infrações;<br />
iii) Movimentação <strong>de</strong> bens, equipamentos ou outros instrumentos utilizados ou <strong>de</strong>stinados a ser<br />
utilizados na prática <strong>de</strong>stas infrações;<br />
c) Fornecer, quando for caso disso, os elementos ou as quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> substâncias necessárias para<br />
fins <strong>de</strong> análise ou <strong>de</strong> investigação;<br />
d) Facilitar uma coor<strong>de</strong>nação eficaz entre as autorida<strong>de</strong>s, organismos e serviços competentes e<br />
promover o intercâmbio <strong>de</strong> pessoal e <strong>de</strong> peritos, incluindo, sob reserva da existência <strong>de</strong> acordos ou<br />
protocolos bilaterais entre os Estados Partes envolvidos, a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> agentes <strong>de</strong> ligação;<br />
e) Trocar informações com outros Estados Partes sobre os meios e métodos específicos utilizados<br />
pelos grupos criminosos organizados, incluindo, se for caso disso, sobre os itinerários e os meios <strong>de</strong><br />
transporte, bem como o uso <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s falsas, <strong>de</strong> documentos alterados ou falsificados ou outros<br />
meios <strong>de</strong> dissimulação das suas ativida<strong>de</strong>s;<br />
f) Trocar informações e coor<strong>de</strong>nar as medidas administrativas e outras tendo em vista <strong>de</strong>tectar o mais<br />
rapidamente possível as infrações previstas na presente Convenção.<br />
2. Para dar aplicação à presente Convenção, os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais que prevejam uma cooperação direta entre<br />
as suas autorida<strong>de</strong>s competentes para a aplicação da lei e, quando tais acordos ou protocolos já<br />
existam, consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os alterar. Na ausência <strong>de</strong> tais acordos entre os Estados<br />
Partes envolvidos, estes últimos po<strong>de</strong>rão basear-se na presente Convenção para instituir uma<br />
cooperação em matéria <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e repressão das infrações previstas na presente Convenção.<br />
Sempre que tal se justifique, os Estados Partes utilizarão plenamente os acordos ou protocolos,<br />
incluindo as organizações internacionais ou regionais, para intensificar a cooperação entre as suas<br />
autorida<strong>de</strong>s competentes para a aplicação da lei.<br />
3. Os Estados Partes procurarão cooperar, na medida das suas possibilida<strong>de</strong>s, para enfrentar o crime<br />
organizado transnacional praticado com recurso a meios tecnológicos mo<strong>de</strong>rnos.<br />
Artigo 28<br />
Coleta, intercâmbio e análise <strong>de</strong> informações sobre a natureza do crime organizado<br />
1. Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> analisar, em consulta com os meios científicos e<br />
universitários, as tendências da criminalida<strong>de</strong> organizada no seu território, as circunstâncias em que<br />
opera e os grupos profissionais e tecnologias envolvidos.<br />
2. Os Estados Partes consi<strong>de</strong>rarão a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver as suas capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise<br />
das ativida<strong>de</strong>s criminosas organizadas e <strong>de</strong> as partilhar diretamente entre si e por intermédio <strong>de</strong><br />
organizações internacionais e regionais. Para este efeito, <strong>de</strong>verão ser elaboradas e aplicadas,<br />
quando for caso disso, <strong>de</strong>finições, normas e metodologias comuns.<br />
3. Cada Estado Parte consi<strong>de</strong>rará o estabelecimento <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> acompanhamento das suas<br />
políticas e das medidas tomadas para combater o crime organizado, avaliando a sua aplicação e<br />
eficácia.<br />
Artigo 29
242<br />
Formação e assistência técnica<br />
1. Cada Estado Parte estabelecerá, <strong>de</strong>senvolverá ou melhorará, na medida das necessida<strong>de</strong>s,<br />
programas <strong>de</strong> formação específicos <strong>de</strong>stinados ao pessoal das autorida<strong>de</strong>s competentes para a<br />
aplicação da lei, incluindo promotores públicos, juizes <strong>de</strong> instrução e funcionários aduaneiros, bem<br />
como outro pessoal que tenha por função prevenir, <strong>de</strong>tectar e reprimir as infrações previstas na<br />
presente Convenção. Estes programas, que po<strong>de</strong>rão prever cessões e intercâmbio <strong>de</strong> pessoal,<br />
incidirão especificamente, na medida em que o direito interno o permita, nos seguintes aspectos:<br />
a) Métodos utilizados para prevenir, <strong>de</strong>tectar e combater as infrações previstas na presente<br />
Convenção;<br />
b) Rotas e técnicas utilizadas pelas pessoas suspeitas <strong>de</strong> implicação em infrações previstas na<br />
presente Convenção, incluindo nos Estados <strong>de</strong> trânsito, e medidas a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> combate;<br />
c) Vigilância das movimentações dos produtos <strong>de</strong> contrabando;<br />
d) Detecção e vigilância das movimentações do produto do crime, <strong>de</strong> bens, equipamentos ou outros<br />
instrumentos, <strong>de</strong> métodos <strong>de</strong> transferência, dissimulação ou disfarce <strong>de</strong>stes produtos, bens,<br />
equipamentos ou outros instrumentos, bem como métodos <strong>de</strong> luta contra a lavagem <strong>de</strong> dinheiro e<br />
outras infrações financeiras;<br />
e) Coleta <strong>de</strong> provas;<br />
f) Técnicas <strong>de</strong> controle nas zonas francas e nos portos francos;<br />
g) Equipamentos e técnicas mo<strong>de</strong>rnas <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e <strong>de</strong> repressão, incluindo a vigilância eletrônica,<br />
as entregas vigiadas e as operações <strong>de</strong> infiltração;<br />
h) Métodos utilizados para combater o crime organizado transnacional cometido por meio <strong>de</strong><br />
computadores, <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> telecomunicações ou outras tecnologias mo<strong>de</strong>rnas; e<br />
i) Métodos utilizados para a proteção das vítimas e das testemunhas.<br />
2. Os Estados Partes <strong>de</strong>verão cooperar entre si no planejamento e execução <strong>de</strong> programas <strong>de</strong><br />
investigação e <strong>de</strong> formação concebidos para o intercâmbio <strong>de</strong> conhecimentos especializados nos<br />
domínios referidos no parágrafo 1 do presente Artigo e, para este efeito, recorrerão também, quando<br />
for caso disso, a conferências e seminários regionais e internacionais para promover a cooperação e<br />
estimular as trocas <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista sobre problemas comuns, incluindo os problemas e<br />
necessida<strong>de</strong>s específicos dos Estados <strong>de</strong> trânsito.<br />
3. Os Estados Partes incentivarão as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> formação e <strong>de</strong> assistência técnica suscetíveis <strong>de</strong><br />
facilitar a extradição e a cooperação judiciária. Estas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cooperação e <strong>de</strong> assistência<br />
técnica po<strong>de</strong>rão incluir ensino <strong>de</strong> idiomas, cessões e intercâmbio do pessoal das autorida<strong>de</strong>s centrais<br />
ou <strong>de</strong> organismos que tenham responsabilida<strong>de</strong>s nos domínios em questão.<br />
4. Sempre que se encontrem em vigor acordos bilaterais ou multilaterais, os Estados Partes<br />
reforçarão, tanto quanto for necessário, as medidas tomadas no sentido <strong>de</strong> otimizar as ativida<strong>de</strong>s<br />
operacionais e <strong>de</strong> formação no âmbito <strong>de</strong> organizações internacionais e regionais e no âmbito <strong>de</strong><br />
outros acordos ou protocolos bilaterais e multilaterais na matéria.<br />
Artigo 30<br />
Outras medidas: aplicação da Convenção através do <strong>de</strong>senvolvimento econômico e da assistência<br />
técnica
243<br />
1. Os Estados Partes tomarão as medidas a<strong>de</strong>quadas para assegurar a melhor aplicação possível da<br />
presente Convenção através da cooperação internacional, tendo em conta os efeitos negativos da<br />
criminalida<strong>de</strong> organizada na socieda<strong>de</strong> em geral e no <strong>de</strong>senvolvimento sustentável em particular.<br />
2. Os Estados Partes farão esforços concretos, na medida do possível, em coor<strong>de</strong>nação entre si e<br />
com as organizações regionais e internacionais:<br />
a) Para <strong>de</strong>senvolver a sua cooperação a vários níveis com os países em <strong>de</strong>senvolvimento, a fim <strong>de</strong><br />
reforçar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes para prevenir e combater a criminalida<strong>de</strong> organizada transnacional;<br />
b) Para aumentar a assistência financeira e material aos países em <strong>de</strong>senvolvimento, a fim <strong>de</strong> apoiar<br />
os seus esforços para combater eficazmente a criminalida<strong>de</strong> organizada transnacional e ajudá-los a<br />
aplicar com êxito a presente Convenção;<br />
c) Para fornecer uma assistência técnica aos países em <strong>de</strong>senvolvimento e aos países com uma<br />
economia <strong>de</strong> transição, a fim <strong>de</strong> ajudá-los a obter meios para a aplicação da presente Convenção.<br />
Para este efeito, os Estados Partes procurarão <strong>de</strong>stinar voluntariamente contribuições a<strong>de</strong>quadas e<br />
regulares a uma conta constituída especificamente para este fim no âmbito <strong>de</strong> um mecanismo <strong>de</strong><br />
financiamento das Nações Unidas. Os Estados Partes po<strong>de</strong>rão também consi<strong>de</strong>rar, especificamente,<br />
em conformida<strong>de</strong> com o seu direito interno e as disposições da presente Convenção, a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>stinarem à conta acima referida uma percentagem dos fundos ou do valor correspon<strong>de</strong>nte do<br />
produto do crime ou dos bens confiscados em aplicação das disposições da presente Convenção;<br />
d) Para incentivar e persuadir outros Estados e instituições financeiras, quando tal se justifique, a<br />
associarem-se aos esforços <strong>de</strong>senvolvidos em conformida<strong>de</strong> com o presente Artigo, nomeadamente<br />
fornecendo aos países em <strong>de</strong>senvolvimento mais programas <strong>de</strong> formação e material mo<strong>de</strong>rno, a fim<br />
<strong>de</strong> os ajudar a alcançar os objetivos da presente Convenção.<br />
e) Tanto quanto possível, estas medidas serão tomadas sem prejuízo dos compromissos existentes<br />
em matéria <strong>de</strong> assistência externa ou <strong>de</strong> outros acordos <strong>de</strong> cooperação financeira a nível bilateral,<br />
regional ou internacional.<br />
4. Os Estados Partes po<strong>de</strong>rão celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais relativos a<br />
assistência técnica e logística, tendo em conta os acordos financeiros necessários para assegurar a<br />
eficácia dos meios <strong>de</strong> cooperação internacional previstos na presente Convenção, e para prevenir,<br />
<strong>de</strong>tectar e combater a criminalida<strong>de</strong> organizada transnacional.<br />
Artigo 31<br />
Prevenção<br />
1. Os Estados Partes procurarão elaborar e avaliar projetos nacionais, bem como estabelecer e<br />
promover as melhores práticas e políticas para prevenir a criminalida<strong>de</strong> organizada transnacional.<br />
2. Em conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais do seu direito interno, os Estados Partes<br />
procurarão reduzir, através <strong>de</strong> medidas legislativas, administrativas ou outras que sejam a<strong>de</strong>quadas,<br />
as possibilida<strong>de</strong>s atuais ou futuras <strong>de</strong> participação <strong>de</strong> grupos criminosos organizados em negócios<br />
lícitos utilizando o produto do crime. Estas medidas <strong>de</strong>verão incidir:<br />
a) No fortalecimento da cooperação entre autorida<strong>de</strong>s competentes para a aplicação da lei ou<br />
promotores e entida<strong>de</strong>s privadas envolvidas, incluindo empresas;<br />
b) Na promoção da elaboração <strong>de</strong> normas e procedimentos <strong>de</strong>stinados a preservar a integrida<strong>de</strong> das<br />
entida<strong>de</strong>s públicas e privadas envolvidas, bem como <strong>de</strong> códigos <strong>de</strong> conduta para <strong>de</strong>terminados<br />
profissionais, em particular advogados, tabeliães, consultores tributários e contadores;
244<br />
c) Na prevenção da utilização in<strong>de</strong>vida, por grupos criminosos organizados, <strong>de</strong> concursos públicos,<br />
bem como <strong>de</strong> subvenções e licenças concedidas por autorida<strong>de</strong>s públicas para a realização <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s comerciais;<br />
d) Na prevenção da utilização in<strong>de</strong>vida <strong>de</strong> pessoas jurídicas por grupos criminosos organizados;<br />
estas medidas po<strong>de</strong>rão incluir:<br />
i) O estabelecimento <strong>de</strong> registros públicos <strong>de</strong> pessoas jurídicas e físicas envolvidas na criação,<br />
gestão e financiamento <strong>de</strong> pessoas jurídicas;<br />
ii) A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> privar, por <strong>de</strong>cisão judicial ou por qualquer outro meio a<strong>de</strong>quado, as pessoas<br />
con<strong>de</strong>nadas por infrações previstas na presente Convenção, por um período a<strong>de</strong>quado, do direito <strong>de</strong><br />
exercerem funções <strong>de</strong> direção <strong>de</strong> pessoas jurídicas estabelecidas no seu território;<br />
iii) O estabelecimento <strong>de</strong> registos nacionais <strong>de</strong> pessoas que tenham sido privadas do direito <strong>de</strong><br />
exercerem funções <strong>de</strong> direção <strong>de</strong> pessoas jurídicas; e<br />
iv) O intercâmbio <strong>de</strong> informações contidas nos registros referidos nas incisos i) e iii) da presente<br />
alínea com as autorida<strong>de</strong>s competentes dos outros Estados Partes.<br />
3. Os Estados Partes procurarão promover a reinserção na socieda<strong>de</strong> das pessoas con<strong>de</strong>nadas por<br />
infrações previstas na presente Convenção.<br />
4. Os Estados Partes procurarão avaliar periodicamente os instrumentos jurídicos e as práticas<br />
administrativas aplicáveis, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar se contêm lacunas que permitam aos grupos<br />
criminosos organizados fazerem <strong>de</strong>les utilização in<strong>de</strong>vida.<br />
5. Os Estados Partes procurarão sensibilizar melhor o público para a existência, as causas e a<br />
gravida<strong>de</strong> da criminalida<strong>de</strong> organizada transnacional e para a ameaça que representa. Po<strong>de</strong>rão fazêlo,<br />
quando for o caso, por intermédio dos meios <strong>de</strong> comunicação social e adotando medidas<br />
<strong>de</strong>stinadas a promover a participação do público nas ações <strong>de</strong> prevenção e combate à criminalida<strong>de</strong>.<br />
6. Cada Estado Parte comunicará ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas o nome e<br />
o en<strong>de</strong>reço da(s) autorida<strong>de</strong>(s) que po<strong>de</strong>rão assistir os outros Estados Partes na aplicação das<br />
medidas <strong>de</strong> prevenção do crime organizado transnacional.<br />
7. Quando tal se justifique, os Estados Partes colaborarão, entre si e com as organizações regionais<br />
e internacionais competentes, a fim <strong>de</strong> promover e aplicar as medidas referidas no presente Artigo. A<br />
este título, participarão em projetos internacionais que visem prevenir a criminalida<strong>de</strong> organizada<br />
transnacional, atuando, por exemplo, sobre os fatores que tornam os grupos socialmente<br />
marginalizados vulneráveis à sua ação.<br />
(...)<br />
Artigo 34<br />
Aplicação da Convenção<br />
1. Cada Estado Parte adotará as medidas necessárias, incluindo legislativas e administrativas, em<br />
conformida<strong>de</strong> com os princípios fundamentais do seu direito interno, para assegurar o cumprimento<br />
das suas obrigações <strong>de</strong>correntes da presente Convenção.<br />
2. As infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção serão incorporadas no<br />
direito interno <strong>de</strong> cada Estado Parte, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da sua natureza transnacional ou da<br />
implicação <strong>de</strong> um grupo criminoso organizado nos termos do parágrafo 1 do Artigo 3 da presente<br />
Convenção, salvo na medida em que o Artigo 5 da presente Convenção exija o envolvimento <strong>de</strong> um<br />
grupo criminoso organizado.
245<br />
3. Cada Estado Parte po<strong>de</strong>rá adotar medidas mais estritas ou mais severas do que as previstas na<br />
presente Convenção a fim <strong>de</strong> prevenir e combater a criminalida<strong>de</strong> organizada transnacional.<br />
(...)