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AMANDA VILARINO ESPINDOLA - Milton Campos

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<strong>AMANDA</strong> <strong>VILARINO</strong> <strong>ESPINDOLA</strong><br />

DO ABUSO DE DIREITO DE VOTO EM<br />

ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES NO<br />

PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL<br />

FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS<br />

NOVA LIMA – MG<br />

2010


<strong>AMANDA</strong> <strong>VILARINO</strong> <strong>ESPINDOLA</strong><br />

DO ABUSO DE DIREITO DE VOTO EM<br />

ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES NO<br />

PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL<br />

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação<br />

Stricto Sensu da Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>,<br />

como requisito parcial para a obtenção do título de<br />

Mestre em Direito.<br />

Área de concentração: Direito Empresarial<br />

Orientador: Prof. Dr. Jason Soares de Albergaria Neto<br />

FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS<br />

NOVA LIMA – MG<br />

2010


Espindola, Amanda Vilarino.<br />

Do abuso de direito de voto em assembléia geral de credores no Processo de<br />

Recuperação Judicial.<br />

Amanda Vilarino Espindola 2010.<br />

135.fl.enc.<br />

Orientador: Prof. Dr. Jason Soares de Albergaria Neto<br />

Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de<br />

concentração empresarial junto a Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>.<br />

Bibliografia: f. 134-136<br />

1. Assembléia Geral de Acionistas. 2. Assembléia Geral de Credores. 3. Abuso de direito.<br />

Direito de voto. 4. Abuso de direito de voto. 5. Abuso de direito de voto em assembléia de<br />

acionistas. 6. Abuso de Direito de voto em assembléia de credores. Albergaria Neto, Jason<br />

Soares.


FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS<br />

Curso de Pós-graduação Stricto Sensu, Mestrado em Direito Empresarial<br />

Ao Colegiado do Curso de Pós-graduação Stricto Sensu – Mestrado em Direito<br />

Empresarial,<br />

Eu, Amanda Vilarino Espindola , aluna regularmente matriculada neste Curso de Pósgraduação,<br />

venho requerer a V.Exas. que seja deferido o depósito da minha dissertação<br />

de Mestrado, intitulada DO ABUSO DE DIREITO DE VOTO EM ASSEMBLÉIA GERAL DE<br />

CREDORES NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL, vinculada à Linha de<br />

Pesquisa: Efetivação Judicial dos Direitos Empresariais.<br />

Informo ainda, que a banca examinadora indicada pelo (a) Professor (a) orientador (a),<br />

cuja aprovação espera, será composta pelos Professores Doutores abaixo relacionados:<br />

_________________________________<br />

Prof. Dr. Jason Soares de Albergaria Neto<br />

_______________________________<br />

(Orientador)<br />

_________________________________ ________________________________<br />

Prof. Dr. Luiz Fernando da Silveira Gomes<br />

(Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>)<br />

_________________________________<br />

Prof. Dr. Jean Carlos Fernandes<br />

(Centro Universitário Newton Paiva)<br />

_______________________________<br />

________________________________<br />

Prof. Dra. Nanci de Melo e Silva<br />

(Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>)<br />

_______________________________<br />

Nova Lima, ______ de setembro de 2010.


Aos meus pais, Haruf Salmen Espindola e<br />

Maria Terezinha Bretas Vilarino que são<br />

meus pilares. Ao meu Padrinho Tio Amilton<br />

e à Tia Lulu que sempre me apoiaram nas<br />

escolhas dos caminhos. Às minhas avós<br />

Lucilia Furbino Bretas e Leicy Salmen<br />

Espindola e aos meus avôs Sivestre Bretas<br />

Vilarino (in memorian) e Manoel Teixeira<br />

Espindola (in memorian) que ficariam muito<br />

orgulhosos com essa conquista. Aos meus<br />

irmãos Manoel Assad Espindola e Pedro<br />

Haruf Vilarino Espindola com quem<br />

compartilho essa vitória!


AGRADECIMENTOS<br />

Ao professor Jason Soares de Albergaria Neto, pela disponibilidade e<br />

orientação.<br />

Agradeço aos meus colegas do curso de Mestrado Andréa Gouthier<br />

Caldas, Henrique Abi-Ackel, Márcia Portella, Silvia Persechini, Murilo César<br />

Ferreira, Manoel Brandão, Paulo Henrique Pires, Maria de Lourdes Carvalho, dentre<br />

outros, pelo aprendizado que me proporcionaram dentro e fora das salas de aula.<br />

À Mamãe, pelas correções pontuais, pelas críticas e elogios que<br />

sempre foram pertinentes e pelo carinho e dedicação.<br />

Ao Papai, pelo apoio e companheirismo de todas as horas e por ser<br />

um grande exemplo.<br />

Ao Manoel e ao Pedro pela torcida, amor e companheirismo.<br />

Às minhas amigas Manu e Juju, pelas traduções e pelos momentos<br />

alegres e tristes compartilhados.<br />

Aos colegas do escritório Jason Albergaria Advogados Associados,<br />

especialmente ao Dr. Jason Filho, Dr. Jason Neto, Alécio, Antônio e Lorena.<br />

À Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>.


“A sabedoria consiste não em impedir<br />

sacrifícios inevitáveis, mas em medi-los e<br />

coordena-los”. (Carvalho de Mendonça)


RESUMO<br />

A Lei de Falência e Recuperações que entrou em vigor no ano de 2005<br />

não previu os limites definidores do exercício regular do direito de voto em<br />

assembléia geral, tampouco em que medida esse exercício irá se revelar abusivo e<br />

prejudicial aos interesses conectados aos da empresa. A Assembléia Geral de<br />

Acionistas é o órgão deliberativo máximo de uma Companhia. Entretanto, apesar<br />

da grande liberdade conferida à Assembléia Geral pela Lei 6.404/76, estas<br />

obrigatoriamente deverão respeitar os ditames legais a respeito do quorum para<br />

instalação e deliberação, bem como as regras em relação ao dever de votar<br />

conforme o interesse social da companhia. Na recuperação judicial a Assembléia<br />

Geral de Credores constitui a instância adequada para exame e manifestação dos<br />

credores quanto à proposta de recuperação judicial, não havendo hipótese de a<br />

recuperação ser concedida sem manifestação favorável dos credores, ainda que<br />

em patamares legais mínimos. A deliberação é um ato positivo e sendo assim, na<br />

hipótese de apresentado plano de recuperação judicial e convocados os credores,<br />

nenhum deles se fizer presente para o conclave, o pedido de recuperação irá<br />

convolar-se em falência. Dirão os credores reunidos no conclave, se as condições<br />

propostas pelo devedor atenderão aos seus interesses, o que significa dizer que os<br />

credores atuarão na assembléia geral no resguardo de seus interesses creditícios,<br />

examinando se a proposta de recuperação constitui instrumento hábil a viabilizar a<br />

realização de seu crédito. A princípio poder-se-ia imaginar que se aplicaria<br />

subsidiariamente à Lei n° 11.101/2005 os pressupostos que permeiam a Lei n°<br />

6.404/1976 no que toca o direito de voto em assembléia e consequentemente o<br />

abuso deste direito. Entretanto tal paradigma não é verdadeiro, haja vista que os


princípios norteadores das assembléias de acionistas e assembléias de credores<br />

são completamente distintos, não se podendo, simplesmente, transportar os<br />

fundamentos da Lei de S/A para a Lei de Recuperações e Falências.<br />

Palavras-chave:<br />

Assembléia Geral de Acionistas. Assembléia Geral de Credores. Abuso de direito.<br />

Direito de voto. Abuso de direito de voto. Abuso de direito de voto em assembléia<br />

de acionistas. Abuso de Direito de voto em assembléia de credores.<br />

8


ABSTRACT<br />

The Bankruptcy and Recoveries law, which came into act in 2005, did not<br />

predict the limits in defining the regular exercise of voting rights in an Annual<br />

Shareholders‟ Meeting. Neither in what extent of this exercise will reveal to be<br />

unfair and prejudicial to the interests connected to the company. The Annual<br />

Shareholders' Meeting is the highest decision making body of any Company.<br />

However, despite the great freedom available to the shareholders in this annual<br />

meeting, by Law 6404/76, members must respect the legal obligations which dictate<br />

the quorum in regards to the installation and resolution of these laws. These rules<br />

refer to the duty to vote according to the social interest of the company. In the courtsupervised<br />

reorganization, the Annual Creditors‟ Meeting is the appropriate<br />

instance for review and demonstration of the creditors about the bankruptcy<br />

proposal, with no chance of the recovery to be granted without favorable opinion of<br />

the creditors, even in minimal legal levels. The decision is a positive act, assuming<br />

that, after the judicial recovery plan is presented, a meeting is called for over the<br />

creditors and pretending none of them is present in this meeting, the reorganization<br />

request will recover in bankruptcy. The creditors who are present in the meeting<br />

shall state if the conditions proposed by the debtor are in accordance to their<br />

interests. This means that the creditors will act in the Annual Meeting, in the<br />

protection of their credits interests, by examining whether the proposed<br />

restructuring is an effective instrument to facilitate the achievement of credit. At first<br />

it would be possible to imagine the possibility to apply an alternative to the law n°<br />

11.101/2005 the assumptions that underline the Law n° 6404/1976 as regards to<br />

the right to vote in the meeting and therefore the abuse of this right. However this


paradigm is not true, considering that the guiding principles of Annual Shareholders‟<br />

Meetings and Creditors‟ Meetings are completely different, not being possible to<br />

simply transfer the fundamentals of the law of S/A to the Bankruptcy Law and<br />

Recoveries.<br />

Keywords:<br />

Annual Shareholders' Meeting. Creditors‟ Meeting. Abuse of right. Right to vote.<br />

Abuse of voting rights. Abuse of voting rights at Annual Shareholders' Meeting.<br />

Abuse of Right to vote at Creditors‟ Meeting.<br />

10


Sumário<br />

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 13<br />

1. O NOVO SISTEMA DE INSOLVÊNCIA EMPRESARIAL BRASILEIRO ....................... 15<br />

1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO CONTEXTO MUNDIAL – DA FALÊNCIA À<br />

RECUPERAÇÃO JUDICIAL .......................................................................................... 15<br />

1.2. EVOLUÇÃO DOS INSTITUTOS DA FALÊNCIA, CONCORDATA E<br />

RECUPERAÇÃO JUDICIAL NO BRASIL ...................................................................... 23<br />

2. DOS ASPECTOS FORMAIS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL .................................... 32<br />

2.1. DA LEGITIMIDADE PASSIVA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL ............................. 32<br />

2.2. DA LEGITIMIDADE ATIVA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL .................................. 37<br />

2.3. DO FORO COMPETENTE PARA PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO<br />

JUDICIAL ...................................................................................................................... 39<br />

2.4. DOS CRÉDITOS SUBMETIDOS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL ........................... 44<br />

2.5. BREVE RESUMO DO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL ........ 46<br />

3. ASSEMBLÉIA GERAL ................................................................................................. 55<br />

3.1. DA ASSEMBLÉIA GERAL DE ACIONISTAS PREVISTA NA LEI 6.404/1976 ........ 55<br />

3.2. DA ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES PREVISTA NA LEI 11.101/2005. ....... 63<br />

3.2.1. ASPECTOS FORMAIS DA ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES NA<br />

RECUPERAÇÃO JUDICIAL: HIPÓTESES DE CONVOCAÇÃO E REALIZAÇÃO DA<br />

ASSEMBLÉIA DE CREDORES ................................................................................. 71<br />

3.2.2. ATRIBUIÇÕES DA ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES ........................... 78<br />

3.2.3. DA APROVAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL NOS TERMOS<br />

DO §1º DO ART. 58 DA LRF (CRAM DOWN). .......................................................... 81<br />

4. DO VOTO EM ASSEMBLÉIA GERAL .......................................................................... 83<br />

4.1. DIREITO DE VOTO NA ASSEMBLÉIA GERAL DE ACIONISTAS ......................... 83<br />

4.2. DO DIREITO DE VOTO NA ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES .................... 90<br />

4.3. EXCLUSÃO DO DIREITO DE VOTO ..................................................................... 92<br />

4.4. INVALIDADE DA ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES ..................................... 94<br />

5. ABUSO DE DIREITO .................................................................................................. 105<br />

5.1. CONCEITO E DISPOSITIVOS LEGAIS PERTINENTES. ..................................... 105<br />

5.2. BREVE DISTINÇÃO ENTRE O ABUSO DE DIREITO, A FRAUDE À LEI E O<br />

DESVIO DE PODER. .................................................................................................. 113<br />

5.3. DO ABUSO DO DIREITO DE VOTO NA LEI DE S/A ........................................... 116<br />

5.4. DO ABUSO DO DIREITO DE VOTO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL PREVISTA<br />

NA LEI 11.101/2005. ................................................................................................... 123<br />

CONCLUSÃO ................................................................................................................. 130<br />

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 133


ABREVIATURAS<br />

ABRASCA – Associação Brasileira das Companhias Abertas<br />

ANBID – Associação Nacional dos Bancos de Investimento<br />

AGC – Assembléia Geral de Credores<br />

ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar<br />

BACEN – Banco Central do Brasil<br />

BOVESPA – Bolsa de Valores de São Paulo<br />

CC – Código Civil<br />

CR/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988<br />

CVM – Comissão de Valores Mobiliários<br />

LRF – Lei de Recuperações e Falência (Lei n° 11.101/2005)<br />

RAET – Regime de Administração Especial Temporária<br />

S/A – Sociedade Anônima<br />

SUSEP – Superintendência de Seguros Privados


INTRODUÇÃO<br />

O presente estudo tem por intuito traçar um panorama geral sobre o abuso<br />

do direito de voto na Assembléia Geral de Credores instituída pela Lei<br />

n˚11.101/2005.<br />

O tema em apreço está intimamente ligado a outras áreas específicas do<br />

direito empresarial, as quais serão brevemente analisadas no que diz respeito ao<br />

conceito de abuso de direito, assembléia geral e exercício do direito de voto.<br />

A Lei de Falência e Recuperações que entrou em vigor no ano de 2005<br />

não estabeleceu o que seria o abuso do direito de voto na Assembléia Geral de<br />

Credores. Diante da constatação de impossibilidade da simples transposição das<br />

normas societárias previstas na Lei n° 6.404/76; haja vista a distinção entre a<br />

responsabilidade do acionista frente à companhia, aos demais sócios e a terceiros<br />

da responsabilidade do credor frente ao devedor, aos demais credores e a<br />

terceiros; pretende-se uma análise do instituto do abuso de direito de voto dos<br />

credores em assembléia.<br />

A análise proposta necessariamente carece de entendimentos<br />

preliminares. Nesse sentido a discussão em tela se apresenta dividida em cinco<br />

capítulos, a saber:<br />

No primeiro capítulo apresentaremos uma breve contextualização sobre a<br />

introdução do instituto da recuperação judicial de empresas prevista na Lei n°<br />

11.101/2005, a partir da evolução histórica da falência e concordata, no contexto<br />

mundial e brasileiro, bem como a utilização das assembléias gerais concursais.


No segundo capítulo serão abordados os aspetos formais da recuperação<br />

judicial, em especial a legitimidade passiva e ativa, o foro competente, os créditos<br />

que estão a ela submetidos, e por fim um breve resumo de seu processamento.<br />

O terceiro capítulo trata das assembléias gerais de acionistas e das<br />

assembléias de credores prevista na Lei n° 11.101/2005, fazendo distinções<br />

acerca dos aspectos formais de convocação e realização de cada uma delas, bem<br />

como de suas atribuições.<br />

Uma apresentação sobre o exercício do direito de voto em assembléias<br />

das anônimas, do direito de voto e exclusão de tal direito nas assembléias de<br />

credores, as invalidades das assembléias gerais de credores, bem como a<br />

distinção entre os vícios da assembléia os vícios das deliberações e vícios do voto,<br />

será feita no capitulo quatro dessa dissertação.<br />

No capítulo cinco será feita do conceito do abuso de direito, bem como de<br />

outros conceitos correlacionados à idéia de má utilização de um direito. Também<br />

serão analisadas as responsabilidades e direitos dos acionistas em assembléia<br />

geral de sócios e dos credores em assembléia geral instituída pela Lei de Falência<br />

e Recuperações; a fim de demonstrar as distinções de paradigmas existentes entre<br />

a responsabilização do sócio e do credor.<br />

Nesse capitulo, iremos tratar do direito de voto dos credores, a regular<br />

utilização deste direito, quem são os detentores do direito de voto na Lei nº.<br />

11.101/2005, para na seqüência adentrarmos a idéia de abuso do direito de voto<br />

na assembléia geral de credores, sem, no entanto, ter a pretensão de dar solução<br />

ao impasse existente acerca do que pode ser considerado como voto abusivo do<br />

credor.<br />

14


1. O NOVO SISTEMA DE INSOLVÊNCIA EMPRESARIAL<br />

BRASILEIRO<br />

1.1. Evolução histórica no contexto mundial – Da Falência à<br />

Recuperação Judicial<br />

Falência, do latim “fallere”, significa “quebra”, falha, carência, omissão 1 .<br />

Com o mesmo significado existe o termo de origem italiana bancarrota 2 (banca<br />

rotta).<br />

Conforme leciona Trajano de Miranda Valverde, a falência se caracteriza<br />

juridicamente por atos ou fatos que denotam, em geral, um desequilíbrio no<br />

patrimônio do devedor. 3<br />

Explica o autor que tal instituto é o complexo de regras jurídicas que define<br />

e regula uma situação especial, de ordem econômica, que tem na norma geral o<br />

paradigma de que o patrimônio do devedor é a garantia comum a todos os<br />

credores. 4 Formalmente a falência nada mais é que uma variante do processo de<br />

execução. Trata-se de um processo de execução coletiva, abrangendo todos os<br />

bens do devedor, a fim de garantir o pagamento dos titulares de crédito em face do<br />

devedor, atraindo para o juízo da falência quase a totalidade dos credores.<br />

Assinala a Professora Maria Celeste Morais Guimarães 5 que embora<br />

não existisse na Roma antiga a disciplinização do Direito Comercial, não se<br />

distinguindo, sob o aspecto jurídico, o comerciante do não comerciante, a situação<br />

1 BUENO, Francisco da Silveira. Mini-dicionário da língua portuguesa. São Paulo: FTD, 1996, p.286.<br />

2 Esse nome advém da prática de se literalmente quebrar as bancas de mercadorias em praças<br />

públicas quando um comerciante não honrasse seus pagamentos nas feiras e mercados italianos.<br />

3 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências (Decreto-lei 7.661, de 21 de<br />

junho de 1945). Rio de Janeiro: Forense, 1962, p. 12.<br />

4 VALVERDE, op. cit., p.13.<br />

5 GUIMARÃES, Maria Celeste Morais. Recuperação Judicial de Empresas. Belo Horizonte: Del Rey,<br />

2001, p.45.


de insolvência levava a um processo executivo, que naquele tempo incidia sobre o<br />

próprio corpo do devedor.<br />

A execução no direito romano permitia, como meio para assegurar uma<br />

obrigação, que fosse dada como garantia a própria pessoa do devedor e aquele<br />

que faltasse para com suas obrigações era de tal forma castigado que perdia a sua<br />

liberdade, quando não a própria vida.<br />

Segundo Guimarães 6 o credor que não recebia o pagamento tinha o<br />

direito de colocar o devedor sob ferros durante sessenta dias, dentro dos quais<br />

teria de levá-lo ao comitium 7 , em três mercados sucessivos, com intervalos de<br />

nove dias, tornando-se pública a importância devida. Se após o terceiro mercado<br />

ninguém se apresentasse para pagar a dívida, o devedor podia ser morto, vendido<br />

ou permanecer indefinidamente na prisão.<br />

Entretanto, segundo Luiz Tzirulnik 8 , o devedor civil de boa-fé, que<br />

alegasse a transitoriedade de suas dificuldades financeiras e demonstrasse a<br />

possibilidade de satisfazer seus credores em determinado espaço de tempo, podia<br />

pedir ao Imperador a indutia quinquinallis, ou seja, a dilação de prazo até cinco<br />

anos para sanar suas obrigações pendentes.<br />

Afirma o referido autor, que Justiniano 9 , quando de seu império,<br />

transferiu a subordinação do pedido da indutia quinquinallis à deliberação dos<br />

credores em assembléia. Assim, os credores reunidos em assembléia verificavam<br />

6 GUIMARÃES, op.cit., p.46.<br />

7 O comitium era o local onde se reunia a população da cidade romana para discussão política,<br />

apresentações, atividades econômicas etc.<br />

8 TZIRULNIK, Luiz. Direito Falimentar. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 47.<br />

9 Flávio Pedro Sabácio Justiniano, conhecido simplesmente como Justiniano I ou Justiniano, o<br />

Grande, foi imperador bizantino de 1 de agosto de 527 até à sua morte em 14 de novembro de 565,<br />

aos 82 anos.<br />

16


a importância dos créditos e podiam permitir que o devedor continuasse<br />

administrando seus bens.<br />

Ademais, conforme salienta Tzirulnik, naquela época, acreditava-se que,<br />

quando o devedor morria sem pagar suas dívidas, sua alma tornava-se “penada”,<br />

e, para salvá-la, os herdeiros se reuniam para verificar a força da herança e<br />

formular uma proposta aos credores, de modo que a divida fosse solvida. Tal<br />

possibilidade era denominada pactum ut minus solvatur e a proposta feita pelos<br />

herdeiros geralmente se referia à redução do crédito até a força da herança. Na<br />

hipótese dos credores não aceitarem a proposta, a memória do falecido<br />

permaneceria marcada pela infâmia.<br />

Com o advento da Lex Paetelia Papiria 10<br />

passa-se ao sistema da<br />

execução forçada das dívidas por meio da venditio bonorum 11 , na qual um<br />

magistrado autorizava por decreto que os credores entrassem na posse de todos<br />

os bens do devedor e posteriormente procedessem à venda destes, o que era<br />

denominado missio in bona. 12<br />

Desse modo, o regime executório deixou de ser sobre a pessoa do<br />

devedor, passando ao sistema da constrição patrimonial.<br />

Há de se destacar, no entanto, que naquela época a execução forçada<br />

sobre os bens do devedor não retirava o caráter pessoal, porquanto o pensamento<br />

jurídico dos romanos não concebia a obrigação senão sob o aspecto de um vínculo<br />

10 A Lei romana denominada Lex Paetelia Papiria foi promulgado no ano de 326 a.C. e estipulou<br />

que o patrimônio do devedor serviria como garantia de eventuais dívidas contraídas.<br />

11 O bonorum venditio era um meio de liquidação do patrimônio do devedor, pela qual se vendia<br />

todos os bens do devedor e pagava-se a dívida (por uma ficção o pretor abria o inventário dos bens<br />

do devedor e “leiloava sua herança”, àquele que a comprasse cabia o pagamento da dívida para a<br />

administração dos bens).<br />

12 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Nova Lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas,<br />

2005, p.22.<br />

17


exclusivamente pessoal. Era a pessoa do devedor a garantia comum dos<br />

credores. 13<br />

Segundo Carvalho de Mendonça, em Roma o credor ou os credores<br />

munidos de sentença, procuravam o magistrado que, causa cógnita, autorizava por<br />

decreto, a „missio in bona‟, e em virtude desta, entravam na posse de todos os<br />

bens do devedor, procedendo depois à venda mediante determinadas<br />

formalidades. 14<br />

A missio in bona não despia o devedor da propriedade nem da posse<br />

jurídica de seus bens, privando-o apenas da sua administração, que passava a um<br />

curador, nomeado pelo magistrado „ex consensu majoris partis creditorum‟;<br />

constituindo o patrimônio do devedor uma espécie de penhor em beneficio dos<br />

credores. 15<br />

Na última fase do direito romano, denominada época Justiniana que vai de<br />

530 a 565 d.C, já existiam a administração da massa, a assembléia de credores, a<br />

classificação dos créditos, a revogação dos atos fraudulentos do devedor e,<br />

sobretudo, a regra essencial da par conditio omnium creditorum.<br />

Segundo Bezerra Filho 16<br />

a evolução do procedimento executivo do<br />

insolvente, sendo num primeiro momento sobre a própria pessoa do devedor e<br />

posteriormente sobre o patrimônio deste, pode ser aferida em linhas gerais em<br />

todos os sistemas de direito. E destaca:<br />

O art.200 do Código de Hamurabi estipulava que, “se um homem arrancou um<br />

dente de outro homem livre igual a ele, arrancarão o seu dente”, No Código<br />

Manu, da Índia, o credor poderia submeter o devedor ao trabalho escravo,<br />

proibindo a lei qualquer excesso. Admitiu-se também no Egito antigo a<br />

13 JHERING, L’espirit du droit romain, trad. francesa de Meulenaere, tomo 2º, §35, pág.147 apud<br />

VALVERDE, op. cit., p.7.<br />

14 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas<br />

Bastos, 1946, p.12.<br />

15 MENDONÇA, op.cit., p.12<br />

16 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências Comentada. 3ª ed.,<br />

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 32.<br />

18


escravidão para pagamento de dividas. No antigo direito helênico o devedor<br />

vendia sua própria pessoa ao credor, para pagamento. Inúmeros são os<br />

exemplos deste tipo de execução, seguindo-se sempre na história o caminho em<br />

direção ao afastamento da execução sobre o corpo do devedor, para se passar à<br />

execução exclusiva sobre seu patrimônio.<br />

Assim, temos que o concursum creditorum, que era dirigido pelos próprios<br />

credores, passa então a ser realizado sob a égide judiciária do Poder do Estado<br />

constituído.<br />

Na Idade Média inicia-se a formação de um direito comercial informal,<br />

decorrente dos usos e costumes comerciais das corporações de ofício 17 e é nesse<br />

período que o processo de execução coletiva começa a se aperfeiçoar até ser<br />

previsto nos estatutos das cidades.<br />

Trajano de Miranda Valverde 18<br />

destaca que o instituto da execução<br />

coletiva figurava nos estatutos das cidades italianas, nos séculos XV e XVI, como<br />

um instituto de direito comum, ainda que o seu caráter fosse eminentemente<br />

comercial, haja vista que floresceu no direito estatutário das cidades italianas da<br />

Idade Média, onde o tráfico mercantil era a ocupação habitual da quase totalidade<br />

dos seus cidadãos, não podendo fugir dos usos e costumes que vigoravam à<br />

época e que refletiam as necessidades do comércio.<br />

Foram os estatutos das cidades que criaram o instituto da concordata, de<br />

caráter especificamente comercial, o qual permitia ao devedor comerciante evitar a<br />

sua falência ou obstar o seu curso, desde que apresentasse em juízo, uma<br />

proposta viável para a liquidação total ou parcial de seus débitos.<br />

Portanto, ainda na Idade Média, os estatutos das cidades italianas já<br />

admitiam a concordata, sendo imposta ao Juiz a obrigação de ajudar o falido, quer<br />

17 As Corporações de Ofício foram associações que surgiram na Idade Média, a partir do século XII,<br />

para regulamentar o processo produtivo artesanal nas cidades italianas que contavam com mais de<br />

10 mil habitantes.<br />

18 VALVERDE, op. cit., p.7 e 8.<br />

19


proporcionando-lhe auxílio para evitar que o mesmo fugisse, quer intervindo junto<br />

aos credores relutantes, a fim de conseguir a aceitação da proposta baseada em<br />

condições eqüitativas 19 .<br />

Já na Idade Moderna tem-se o Estado como entidade política e jurídica<br />

que intervém sensivelmente na disciplina das relações de crédito, regendo,<br />

inclusive, os casos de insolvência.<br />

Todavia, há de se deixar claro que o direito concursal dessa época não foi<br />

homogêneo nos diversos Estados, e apenas os Estados nacionais chamaram para<br />

si a exclusividade das imposições de sanções e judicializaram a solução das<br />

relações de conflito oriundas da insolvência.<br />

Em Portugal, as Ordenações Filipinas do século XVII trataram das quebras<br />

dos mercadores e o Alvará Real de 1756 (Séc. XVIII) estabeleceu em Lisboa um<br />

peculiar processo para os negociantes falidos: logo que estes dessem pela falta do<br />

crédito deveriam se apresentar perante uma Junta de Comércio para explicitar as<br />

causas que levaram à quebra, entregar as chaves de seu estabelecimento,<br />

oferecer a relação de seus bens e apresenta os documentos relativos a seu<br />

negócio.<br />

Tem-se ainda que na França moderna, o Código de Savary de 1673 (Séc.<br />

XVIII), regulamentou o regime de insolvência, entretanto, sem restringi-lo ao<br />

comerciante. Entretanto, foi apenas na primeira década do século XIX, com o<br />

advento do Código Napoleônico de 1807, que a falência foi disciplinada como<br />

instituição peculiar à classe dos comerciantes; servindo tal codificação como<br />

modelo para a elaboração das leis de comercio da maioria dos povos latinos. 20<br />

19 FARIA, Bento de. Direito comercial: falência e concordata. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho<br />

Editor, 1947, v.4, p.18.<br />

20 VALVERDE, op.cit., p.8.<br />

20


É na primeira metade do século XX, marcada por duas guerras mundiais,<br />

graves crises industriais e desastres financeiros, que se tem a valorização do<br />

instituto da concordata como expediente para prevenir ou suspender o estado de<br />

liquidação, sendo que as leis que a instruíram consagraram o entendimento de que<br />

o empresário honesto e infeliz em seus negócios deveria ter o direito, obtido<br />

perante o judiciário, de tentar se reerguer.<br />

É nesse dado contexto histórico que se tem a transformação da figura do<br />

comerciante individual para a figura do comerciante empresário e a consolidação<br />

do conceito de empresa como entidade organizadora dos fatores de produção no<br />

intuito de atender às exigências do mercado e satisfazer as necessidades das<br />

pessoas 21 .<br />

Destaque-se, no entanto, que o direito concursal ainda tinha como<br />

característica principal o caráter liquidatário do regime de insolvência, tal qual<br />

instituído pelos Estados Nacionais da Idade Moderna.<br />

Apenas em 1867 é que surge nos Estados Unidos da América, o primeiro<br />

procedimento de recuperação de empresa, através da Lei de Companhias<br />

Ferroviárias, que tratou da liquidação de empresas desse ramo, mediante<br />

esquemas de reorganização e composição das dívidas.<br />

Posteriormente, já no século XX, o procedimento de recuperação de<br />

empresa, que num primeiro momento fora criado exclusivamente para as<br />

empresas ferroviárias, foi ampliado para outros ramos de atividade. Através do<br />

Chandler Act de 1938, o procedimento ingressou no meio jurídico norte-americano<br />

como conseqüência da depressão econômica oriunda da crise de 1929, tendo por<br />

finalidade reestruturar as empresas mediante planos formulados por diversas<br />

21 TZIRULNIK, op.cit., p.48.<br />

21


classes de credores, aprovados pela securities and Exchange 22 e homologado pelo<br />

judiciário.<br />

Nos EUA, o instituto foi novamente aprimorado em 1978 pelo Eduards<br />

Act 23 , até se chegar ao atual Bankruptcy Code 24 , cuja última reforma se deu em<br />

1994.<br />

Na Alemanha, em 1935, promulgou-se a denominada “Lei de Acordo”,<br />

segundo a qual a falência do devedor poderia ser evitada por meio de processo<br />

judicial de acordo que objetivasse o levantamento do passivo, o impedimento de<br />

abertura de novos processos de execução, o atendimento aos interesses dos<br />

credores e uma eventual remissão das dívidas 25 .<br />

Em 1999 a Alemanha introduziu no seu ordenamento jurídico a<br />

denominada Insolvenzortnung, com o fito de satisfação dos credores por meio da<br />

conservação da empresa administrada por devedores honestos.<br />

Por sua vez, a França, precursora do aperfeiçoamento do procedimento<br />

falimentar, através da Lei n.84/148 de 1984, regulamentou a prevenção e a<br />

composição amigável das dificuldades das empresas, seguida pela lei de<br />

redressement et liquidation judiciaires, de 1985, sendo ambas dirigidas ao<br />

saneamento e reorganização das empresas em crise. Tendo, no mesmo sentido, o<br />

a recente lei francesa n.94.475, de 1994, reforçado os meios preventivos de<br />

insolvência, simplificado os procedimentos, moralizado os planos de recuperação e<br />

apresentado medidas mais eficazes no sentido de assegurar os direitos dos<br />

credores.<br />

22 Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos da América.<br />

23 Consolidação das Leis Falimentares dos EUA.<br />

24 Lei de Bancarrota dos EUA.<br />

25 TZIRULNIK, op.cit., p.48.<br />

22


Na Itália, a modificação em 1942, do tratamento dado à falência, instituiu<br />

mediante lei, a denominada administração controlada: pela qual o empresário, em<br />

dificuldade temporária de arcar com suas obrigações, que comprovasse a<br />

possibilidade de saneamento e soerguimento de sua empresa poderia requerer ao<br />

judiciário permanecer no controle e gestão de sua empresa e seus respectivos<br />

bens, a fim de garantir o interesse de seus credores no período de até dois anos. 26<br />

O instituto italiano da administração controlada visava, portanto, o<br />

saneamento da empresa que comprovasse seu estado de crise econômicofinanceira<br />

temporária, mantendo o devedor na posse de seus bens e abrangendo a<br />

todos os credores.<br />

Nos anos de 1991 e 1999, o direito italiano promulgou respectivamente a<br />

lei nº. 223 e o Decreto Legislativo nº. 270, visando primordialmente a salvaguarda<br />

de empresa e regulamentação da administração extraordinária das grandes<br />

empresas.<br />

Este cenário apresenta, portanto, uma tendência mundial dos sistemas<br />

jurídicos que regem a insolvência em realizar os direitos creditícios através da<br />

recuperação e soerguimento da empresa devedora, ficando a falência como<br />

solução residual, de cunho liquidatário, dirigida com exclusividade às empresas<br />

inviáveis.<br />

1.2. Evolução dos Institutos da Falência, Concordata e<br />

Recuperação Judicial No Brasil.<br />

Durante o período colonial o Brasil não teve propriamente uma legislação<br />

especial sobre o instituto da falência, essa palavra não se empregava naquela<br />

época, utilizando-se em seu lugar o termo “quebra”, estando prevista na<br />

26 TZIRULNIK, op.cit., p.48/49.<br />

23


Ordenação do Livro V, título LXVI, intitulada “Dos mercadores que quebrão” e “dos<br />

que se levantão com a fazenda allheya”. 27<br />

Em 18 de agosto de 1769 é promulgada em Portugal a “Lei da Boa<br />

Razão”, que determinava a aplicação subsidiaria das leis dos povos cultos<br />

europeus nas colônias portuguesas.<br />

Embora a independência do Brasil tenha ocorrido no ano de 1822, apenas<br />

em 1850 foi instituído o primeiro Código Comercial pátrio, Lei n.556 de 25 de junho.<br />

Inspirado nos Códigos francês, espanhol e português, o Código Comercial<br />

brasileiro de 1850, pela primeira vez regulou a concordata suspensiva da falência<br />

em sua Parte Terceira – DAS QUEBRAS 28 – TÍTULO II, sendo posteriormente<br />

modificado pelos Decretos n.1.368, de 18 de abril de 1854, e n.1.597, de 1º de<br />

maio de 1855, notadamente quanto à concordata, nomeação de administradores<br />

em caso de destituição, concessão do recurso de agravo, extinção da divisão do<br />

processo em duas partes e determinação clara da extensão das atribuições do<br />

curador fiscal.<br />

Nesse período acolheu-se o conceito de contrato de união, seguindo o<br />

modelo francês, pelo qual os credores, após a instrução do processo, e não sendo<br />

apresentada proposta de concordata, podiam dispor em conjunto sobre os meios<br />

pelos quais os ativos seriam liquidados 29 .<br />

No processo falimentar de então, havia duas assembléias de credores: a<br />

primeira, perante a qual era submetido um relatório sobre o estado da falência e<br />

suas circunstancias, e na qual era também apresentado o rol de créditos e suas<br />

peculiaridades, bem como proposta para a formação de uma comissão verificadora<br />

27 GUIMARÃES, op.cit., p.51.<br />

28 Artigos 797 a 913.<br />

29 CRETELLA NETO, José. Nova lei de falências e recuperação de empresas: Lei nº11.101 de<br />

09.02.2005. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.5.<br />

24


da procedência da lista de credores; e a segunda, na qual os credores, encerrada<br />

a apresentação dos pareceres da comissão verificadora eleita na primeira<br />

assembléia, deliberavam sobre a concessão da concordata ou a forma de<br />

liquidação dos ativos.<br />

Destaque-se que a disciplina “das quebras” prescrita pelo Código<br />

Comercial de 1850, e seu regulamento no decreto n.738, do mesmo ano, foi sendo<br />

alterada, em pontos importantes, valendo citar a Lei nº 3.065 de 1879, a qual<br />

determinava que para a aprovação da concordata suspensiva seria necessária a<br />

concordância da maioria dos presentes na assembléia geral de credores e não<br />

mais da totalidade dos credores do falido, instituindo no Código Comercial de 1850<br />

o instituto da concordata preventiva.<br />

Após sucessivos decretos e leis tem-se em 24 de outubro de 1890, a<br />

publicação do Decreto Republicano n.º 917, que modificou consideravelmente a<br />

estrutura da legislação anteriormente vigente, passando o estado de insolvência a<br />

ser caracterizado pela impontualidade no pagamento de obrigação mercantil<br />

líquida e certa no seu vencimento. Foi esse mesmo decreto que instituiu como<br />

meios preventivos da declaração da falência, a cessão de bens, a moratória, o<br />

acordo extrajudicial e a concordata preventiva.<br />

Nesse sistema, o falido não perdia de imediato o seu patrimônio, ficando,<br />

no entanto, privado de sua posse direta, mas respondendo pelos ônus e<br />

obrigações que gravavam os seus bens. No entanto, a lei concedia ao devedor a<br />

possibilidade de retomar os bens arrecadados, por meio da concordata.<br />

Ocorre que tal procedimento falimentar caiu em descrédito tendo em vista<br />

seu alto custo e sua morosidade, não satisfazendo as aspirações dos comerciantes<br />

em geral.<br />

25


Trajano de Miranda Valverde justifica o descrédito do Decreto n.º 917 de<br />

1890, através da convergência de inúmeros fatores, emergentes da difícil situação<br />

que o país atravessava, tendo como pontos de destaque: a mudança brusca do<br />

sistema falimentar; a facilidade que tinham os devedores de afastar a decretação<br />

da falência pelo emprego dos meios preventivos; a autonomia excessiva dos<br />

credores; e sobretudo, o falseamento do sistema na aplicação da lei pelo<br />

cancelamento dos princípios que a inspiravam. 30<br />

Posteriormente, têm-se a lei nº 859 de 16 de agosto de 1902 e o Decreto<br />

nº 4.855 de 1903, que procuraram, sem sucesso, corrigir as falhas do Decreto nº.<br />

917 de 1890, e tiveram como ponto forte, a nomeação do administrador da massa<br />

falida (síndico), no intuito de impedir o conluio entre credores e devedores,<br />

mantendo o acordo extrajudicial, mas suprimindo a moratória.<br />

Em 17 de dezembro de 1908 entra em vigor a Lei 2.024, que teve como<br />

norte os mesmo princípios norteadores do Decreto º. 917/1890, mas que<br />

simplificou os mecanismos processuais falimentares, visando uma maior<br />

celeridade para os processos de falência e concordata, buscando reforçar a<br />

proteção de credores e devedores de boa-fé e aplicação de sanções aos<br />

fraudadores.<br />

Ainda assim, a práxis apontou defeitos e lacunas na Lei nº 2.024/1908,<br />

tendo sido promulgado em 09 de dezembro de 1929, o Decreto nº 5.746, com<br />

intuito de corrigir os defeitos e as lacunas, aperfeiçoando o procedimento<br />

falimentar brasileiro, tendo vigorado até o fim do governo ditatorial de Getúlio<br />

Vargas, quando é então promulgado o Decreto-lei nº.7.661 de 21 de junho de<br />

1945, popularmente denominado Lei de Falências e Concordatas.<br />

30 VALVERDE, op.cit., p.16.<br />

26


O Decreto-lei nº. 7.661 trouxe inúmeras inovações acerca da concordata,<br />

dando amplos poderes aos Juízes em detrimento dos credores, os quais passam a<br />

ter uma menor influência nos destinos da concordata, perdendo o instituto o caráter<br />

antes contratual e passando a ser um “favor legal” concedido pelo Estado ao<br />

devedor infeliz e honesto.<br />

Os artigos 122 e 123 do Decreto-lei nº 7.661/1945 previam a reunião de<br />

credores em assembléia, mas esta se limitava à falência, em especial à liquidação<br />

do ativo; haja vista que a Concorda era um favor legal concedido pelo Estado ao<br />

devedor infeliz em seus negócios, não havendo de se falar em manifestação dos<br />

credores.<br />

Sendo um benefício concedido pelo Estado, deixou de existir quorum<br />

mínimo de credores para a aprovação da concordata suspensiva e, no caso do<br />

pagamento à vista e a prazo, os percentuais foram substancialmente alterados por<br />

este diploma. 31<br />

Ressalte-se ainda que após o advento do Decreto-Lei nº 7.661/1945<br />

surgiram outras normas no intuito de aperfeiçoá-lo, valendo citar o Decreto-Lei nº<br />

4.595, de 31 de dezembro de 1964 que vedava a concordata preventiva para as<br />

instituições financeiras privadas; a Lei nº 4.983, de 18 de maio de 1966, que deu<br />

nova redação ao art. 175 da Lei de Falências, determinando que o prazo para o<br />

cumprimento da concordata preventiva se iniciava na data do ingresso do pedido<br />

31 Artigo 156. O devedor pode evitar a declaração da falência, requerendo ao juiz, que seria<br />

competente para decretá-la, lhe seja concedida concordata preventiva.<br />

§ 1º O devedor, no seu pedido, deve oferecer aos credores quirografários, por saldo de seus<br />

créditos, o pagamento mínimo de:<br />

I – 50% ( cinqüenta por cento), se for à vista;<br />

II – 60% (sessenta por cento), 75% (setenta e cinco por cento), 90% (noventa por cento) ou 100%<br />

(cem por cento), se a prazo, respectivamente, de 6 (seis), 12 (doze), 18 (dezoito), ou 24 (vinte e<br />

quatro) meses, devendo ser pagos, pelo menos, 2/5 (dois quintos) no primeiro ano, nas duas<br />

últimas hipóteses.<br />

§ 2º O pedido de concordata preventiva da sociedade não produz quaisquer alterações nas<br />

relações dos sócios, ainda que solidários, com os seus credores particulares.<br />

27


em juízo; o Decreto-lei nº 73 de 1966 que vedava a concordata preventiva para as<br />

seguradoras.<br />

Certamente o Decreto-Lei nº 7.661/1945, dentro do contexto em que foi<br />

elaborado, buscava outras inspirações para resolver o problema do devedor<br />

empresário em crise financeira. Baseado nas atividades desenvolvidas pelas<br />

indústrias brasileiras que naquela década, dedicavam-se mais às atividades de<br />

beneficiamento e transformação de produtos rurais, visto não possuírem o<br />

gigantismo atual das indústrias que aqui se instalaram e se desenvolveram<br />

posteriormente, serviu assim a concordata para resolver o problema da sociedade<br />

empresária em crise, sem a necessidade de uma deliberação entre os credores.<br />

Na realidade atual, entretanto, este sistema de favor legal concedido pelo<br />

Estado fracassou; haja vista o insucesso de diversos processos de concordata,<br />

optando então o legislador brasileiro por buscar, em leis passadas e nas<br />

legislações mais modernas espalhadas pelo mundo, o sistema de deliberação<br />

colegiada entre os credores como objetivo da recuperação do devedor, através de<br />

uma decisão baseada na maioria, sempre buscando o que seja mais justo para<br />

uma grande gama de interessados.<br />

Assim, o Decreto-lei nº.7661 de 21 de junho de 1945, elaborado sob uma<br />

realidade econômica completamente diferente da atual, que vigorou por mais de 50<br />

anos, estando ultrapassado em muitos aspectos, sobretudo quanto às questões<br />

que envolvem a recuperação de empresas em dificuldades, foi então substituído<br />

pela Lei n. 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, que, em tese, pretendeu redefinir o<br />

Direito Falimentar, tendo por intuito adequar o procedimento falimentar à realidade<br />

social e econômica atual.<br />

28


O princípio da preservação da empresa norteou a elaboração do novo<br />

instituto e priorizou a recuperação em detrimento da liquidação, a fim de garantir a<br />

circulação de riquezas, o pagamento de impostos e dívidas bem como a<br />

manutenção dos empregos.<br />

De acordo com os novos paradigmas advindos com a Carta Política de<br />

1988, consoante com as legislações alienígenas e buscando a função social da<br />

empresa (agregada no Código Civil de 2002) tramitou no Congresso Nacional,<br />

desde 1993 o Projeto de Lei n.4.376 visando trazer um novo enfoque ao direito<br />

concursal brasileiro e por conseqüência remodelar a legislação falimentar vigente<br />

em nosso país e inaugurar o instituto da recuperação de empresas.<br />

O referido projeto aprovado pelas mesas da Câmara dos Deputados e<br />

pelo Senado Federal, foi à sansão presidencial e promulgado pela Lei n. 11.101 de<br />

09 de fevereiro de 2005.<br />

Antes que o descumprimento de obrigação de pagar autorize a presunção de que<br />

o devedor está insolvente, a lei lhe oferece uma oportunidade de demonstrar que,<br />

simplesmente, pode sair da crise econômico-financeira em que se encontra. Isso<br />

quer dizer que ao devedor é outorgado uma chance de readquirir a capacidade<br />

de cumprir suas obrigações, de não descumpri-las. Essa oportunidade é<br />

chamada de recuperação. Recuperar é readquirir a capacidade de pagar.<br />

Não é o Estado que deve proporcionar essa chance ao insolvente. O Estado, via<br />

uma das suas instituições, o Judiciário, concede ao insolvente apenas o direito de<br />

pedir. Na verdade, quem pode conceder a oportunidade da recuperação são os<br />

credores, se entenderem que esse caminho é, para si, melhor do que a via<br />

falencial.<br />

Tem-se pois, que a Lei não concede a recuperação, enseja a faculdade de pedir<br />

recuperação. Nos termos da LRF é a assembléia geral de credores que deve<br />

decidir sobre sua eventual concessão. 32<br />

A nova lei prevê vários meios de recuperação judicial da empresa,<br />

entretanto, sem o fazê-lo exaustivamente. Ademais, as modalidades de<br />

recuperação delineadas na Lei n.11.101/2005 não são excludentes umas das<br />

outras. A relação entre elas é de interação, na medida em que podem ser<br />

32 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Op.cit., p.98/99.<br />

29


combinadas duas ou mais modalidades, conforme o caso e desde que sejam<br />

compatíveis.<br />

A nova lei prima pela manutenção do agente econômico, como ente<br />

produtivo e gerador de riquezas, não se restringindo à satisfação dos credores nem<br />

ao mero saneamento da crise econômico-financeira, mas tem o intuito de<br />

conservar a fonte produtora e resguardar o emprego, ensejando a realização da<br />

função social da empresa.<br />

Conforme a teoria processual, adotada pelo Decreto-lei n.7661 de 1945, a<br />

concordata era um direito garantido pelo Estado e concedido mediante<br />

determinação judicial ao comerciante honesto que foi infeliz em seus negócios.<br />

Sob a égide da Lei n.11.101 de 2005, a recuperação da empresa ganhou<br />

uma conotação predominantemente econômica, uma vez que visa eminentemente<br />

a superação da situação de crise econômico-financeira e conseqüentemente a<br />

recuperação do ente econômico.<br />

A nova lei introduz a recuperação judicial e extrajudicial da empresa, em<br />

substituição à concordata, criando mecanismos que possibilitam a recuperação da<br />

empresa em dificuldades e que terceiros interessados venham a assumir a<br />

atividade da mesma, prosseguindo a sua exploração comercial, como medidas<br />

para evitar que o estado de crise econômico-financeira acarrete a falência do<br />

empresário ou da sociedade empresária.<br />

Faz-se necessário que a legislação concursal promova tanto a liquidação<br />

eficiente de empresas inviáveis como também, e principalmente, a reorganização<br />

das empresas viáveis de forma clara e razoável, sendo esta a meta da nova lei.<br />

Portanto, sob a égide do novo diploma legal tem-se por extinta a<br />

concordata, que era um favor legal concedido pelo Estado ao devedor infeliz em<br />

30


seus negócios. O novo instituto da Recuperação Judicial tem um caráter<br />

eminentemente contratual, sendo que os credores, envolvidos diretamente com o<br />

ente produtivo é que irão avaliar sobre a viabilidade ou não de soerguimento<br />

daquele empreendimento, votando pela concessão ou não do plano de<br />

recuperação judicial.<br />

Em que pesem às opiniões contrárias, e conforme anteriormente afirmado,<br />

há de se considerar que muitas vezes uma falência e conseqüente liquidação de<br />

ativos pode ser muito mais eficaz do que a manutenção de uma empresa que gere<br />

maiores custos do que lucro, motivo pelo qual deverão ser examinados inúmeros<br />

fatores econômico e sociais para se avaliar a viabilidade ou não de recuperação de<br />

determinada empresa, sendo os credores diretamente ligados à atividade que se<br />

pretende preservar, os mais aptos a fazerem tal avaliação.<br />

Por fim, apenas destacamos que a recuperação judicial não tem natureza<br />

executiva coletiva, eis que não se trata de execução. Os bens do devedor ficam<br />

livres e desembaraçados e não há de se falar em classificação dos créditos.<br />

Ressalte-se, no entanto, que se trata de procedimento concursal, no sentido de<br />

que todos os credores a ele se submetem, salvo as exceções legais.<br />

31


2. DOS ASPECTOS FORMAIS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL<br />

2.1. Da legitimidade passiva na Recuperação Judicial<br />

A Lei nº. 11.101/2005 disciplina a recuperação judicial, a falência e a<br />

recuperação extrajudicial do empresário e da sociedade empresária 33 . A mesma lei<br />

não se aplica, no entanto, às empresas públicas, sociedades de economia mista,<br />

instituições financeiras públicas e privadas, cooperativa de crédito, consórcio,<br />

entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de<br />

assistência à saúde, sociedades seguradoras, sociedades de capitalização,<br />

sociedades simples, fundações sem fins lucrativos, cooperativas e outras<br />

entidades equiparadas às anteriores.<br />

O artigo 966 do Código Civil de 2002 conceitua o empresário como aquele<br />

que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou<br />

circulação de bens e serviços, não sendo considerado empresário aquele que<br />

exerce profissão intelectual, de natureza cientifica literária ou artística, ainda que<br />

tenha o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão<br />

constituir elemento de empresa.<br />

A título de conhecimento, vale lembrar que o Código Civil de 2002 inovou<br />

ao classificar as sociedades como: despersonificadas (sociedade em comum e<br />

sociedade em conta de participação); sociedades personificadas (que podem ser<br />

empresárias: sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples,<br />

sociedade limitada, sociedade por ações e sociedade em comandita por ações; ou<br />

não empresárias: sociedade simples e as cooperativas).<br />

33 Conforme artigo 1º da Lei 11.101/2005.


Ressalte-se que a sociedade só adquire personalidade jurídica com a<br />

inscrição dos seus atos constitutivos no registro próprio e na forma da lei, conforme<br />

determina o art. 985 do Código Civil de 2002, entretanto, como já afirmado<br />

anteriormente, tal registro possui natureza declaratória.<br />

Assim, temos que, a nova lei de recuperação adotou um sistema restritivo,<br />

sendo destinada exclusivamente àqueles que desenvolvem atividades voltadas<br />

para o mercado, enquadrados hoje como empresários e sociedades empresárias.<br />

Desse modo foram excluídas as sociedades simples, as antigas sociedades civis e<br />

os profissionais liberais que desenvolvem atividades intelectuais de natureza<br />

artística, literária ou científica.<br />

Desde já necessário destacar que muitas controvérsias surgiram até a<br />

aprovação do texto legal pelo Senado em 2005, haja vista que no projeto de lei<br />

também se previa a possibilidade de requerimento de concessão da recuperação<br />

judicial as sociedades simples.<br />

Todavia, o texto aprovado no Senado Federal manteve a restrição do<br />

alcance da atual lei, permanecendo excluídas as sociedades simples, que<br />

continuam sendo regidas pelo instituto da insolvência civil, regulado no Código de<br />

Processo Civil.<br />

Demais disso, necessário deixar claro que a nova Lei excluiu de sua<br />

abrangência as empresas e sociedades arroladas em seu art. 2º, quais sejam:<br />

empresa pública e sociedade de economia mista, instituição financeira pública ou<br />

privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar,<br />

sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora,<br />

sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às<br />

anteriores; haja vista que o legislador levou em consideração que elas possuem<br />

33


legislações específicas sujeitas a um regime especial de intervenção e liquidação,<br />

conforme brevemente iremos exposto a seguir.<br />

As entidades de previdência complementar submetem-se, nos termos da<br />

Lei complementar nº. 109/2001, a procedimentos especiais de intervenção e de<br />

liquidação extrajudicial, de competência do seu órgão fiscalizador (arts 47a 62);<br />

sendo expressamente vedado o pedido de falência, bem como da recuperação<br />

judicial ou extrajudicial 34 .<br />

Também as Cooperativas não são passiveis de falência, não se aplicando<br />

a elas os preceitos contidos na Lei de Falência e Recuperações conforme disposto<br />

no artigo 4º da Lei 5.764/1971, o qual prevê que estas são sociedades de pessoas,<br />

com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência.<br />

Em relação às sociedades seguradoras, a regra geral é de que a princípio<br />

estas não estão sujeitas à falência, sendo para tais sociedades previsto um regime<br />

especial de fiscalização pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) que<br />

poderá nomear um diretor-fiscal, que atuará na seguradora às expensas desta e<br />

por tempo indeterminado nos casos de insuficiência de cobertura das reservas<br />

técnicas ou de má situação econômico-financeira. No entanto, em caráter<br />

excepcional, as seguradoras serão passíveis de falência se uma vez decretada a<br />

liquidação extrajudicial o ativo não for suficiente para o pagamento de pelo menos<br />

a metade dos credores quirografários, ou quando houver fundados indícios da<br />

ocorrência de crime falimentar. 35<br />

Do mesmo modo as Sociedades de Capitalização, sobre as quais o<br />

Decreto-lei nº 261/1967 (em seu art. 4º) prevê a aplicação do artigo 26 do Decretolei<br />

73/1966, também não poderão falir ou pedir concordata.<br />

34 Conforme art. 47 da LC 109/2001 c/c Art. 198 da Lei 11.101/2005.<br />

35 Conforme art. 26 do Decreto-lei 73/1966.<br />

34


Por sua vez, em relação às Instituições Financeiras é necessário<br />

esclarecer que conforme a Lei 6.024/1974, a regra geral é de intervenção e se for o<br />

caso posterior liquidação extrajudicial, que será efetuada e decretada pelo Banco<br />

Central, havendo ainda a possibilidade do Regime de Administração Especial<br />

Temporária (RAET) regulado pelo Decreto-Lei nº 2.321/87. Entretanto, em razão<br />

de expressa disposição legal contida no art. 12, alínea “d” da Lei supracitada, tais<br />

instituições poderão ser sujeito passivo da falência, cabendo ao Banco Central<br />

autorizar o interventor a requerer a falência da entidade, quando o seu ativo não for<br />

suficiente para cobrir sequer metade do valor dos créditos quirografários, ou<br />

quando julgada inconveniente a liquidação extrajudicial, ou quando a complexidade<br />

dos negócios da instituição ou, a gravidade dos fatos apurados aconselharem a<br />

medida.<br />

Quanto à possibilidade de pedido de recuperação por Instituições<br />

Financeiras, conclui-se pela sua impossibilidade, haja vista a disposição contida no<br />

art.53 da Lei 6.024/74, que vedava expressamente a possibilidade de pedido de<br />

concordata para tais instituições.<br />

As Sociedades Operadoras de plano de assistência à saúde sujeitam-se<br />

primeiramente à liquidação extrajudicial, sendo, no entanto, passíveis de falência<br />

nas hipóteses expressas no §1º do art. 23º da Lei 9.656/1998 36 , devendo ser<br />

pleiteada pelo liquidante e devidamente autorizada pela ANS.<br />

36 Art. 23. As operadoras de planos privados de assistência à saúde não podem requerer<br />

concordata e não estão sujeitas a falência ou insolvência civil, mas tão-somente ao regime de<br />

liquidação extrajudicial.<br />

§ 1o As operadoras sujeitar-se-ão ao regime de falência ou insolvência civil quando, no curso da<br />

liquidação extrajudicial, forem verificadas uma das seguintes hipóteses:<br />

I - o ativo da massa liquidanda não for suficiente para o pagamento de pelo menos a metade dos<br />

créditos quirografários;<br />

II - o ativo realizável da massa liquidanda não for suficiente, sequer, para o pagamento das<br />

despesas administrativas e operacionais inerentes ao regular processamento da liquidação<br />

extrajudicial; ou<br />

III - nas hipóteses de fundados indícios de condutas previstas nos arts. 186 a 189 do Decreto-Lei no<br />

35


Quanto à possibilidade de pedido de recuperação por parte de tais<br />

sociedades, conclui-se pela sua impossibilidade, por expressa disposição legal<br />

contida no art. 198 da Lei de falência e recuperações.<br />

Por fim, devemos considerar entidades legalmente equiparadas às<br />

anteriores: aquelas sociedades que possuem legislação própria sejam em relação<br />

à falência, sejam em relação à concordata (Recuperação), podendo-se citar como<br />

exemplo as corretoras de câmbio e corretoras de valores mobiliários (art.55 da Lei<br />

nº. 6.024/1974); as sociedades de arrendamento mercantil (resolução 2309/96 do<br />

BACEN); dentre outras 37 .<br />

Em relação às sociedades de economia mista, destaca-se que<br />

conforme previsão contida no inciso I do artigo 2º, não se aplica a lei de falência e<br />

recuperações. Tal questão foi taxada como um verdadeiro retrocesso, haja vista a<br />

revogação expressa do art. 242 da Lei nº 6.404/76 que proibia as companhias de<br />

7.661, de 21 de junho de 1945.<br />

§ 2o Para efeito desta Lei, define-se ativo realizável como sendo todo ativo que possa ser<br />

convertido em moeda corrente em prazo compatível para o pagamento das despesas<br />

administrativas e operacionais da massa liquidanda.<br />

§ 3o À vista do relatório do liquidante extrajudicial, e em se verificando qualquer uma das hipóteses<br />

previstas nos incisos I, II ou III do § 1o deste artigo, a ANS poderá autorizá-lo a requerer a falência<br />

ou insolvência civil da operadora.<br />

§ 4o A distribuição do requerimento produzirá imediatamente os seguintes efeitos:<br />

I - a manutenção da suspensão dos prazos judiciais em relação à massa liquidanda;<br />

II - a suspensão dos procedimentos administrativos de liquidação extrajudicial, salvo os relativos à<br />

guarda e à proteção dos bens e imóveis da massa;<br />

III - a manutenção da indisponibilidade dos bens dos administradores, gerentes, conselheiros e<br />

assemelhados, até posterior determinação judicial; e<br />

IV - prevenção do juízo que emitir o primeiro despacho em relação ao pedido de conversão do<br />

regime.<br />

§ 5o A ANS, no caso previsto no inciso II do § 1o deste artigo, poderá, no período compreendido<br />

entre a distribuição do requerimento e a decretação da falência ou insolvência civil, apoiar a<br />

proteção dos bens móveis e imóveis da massa liquidanda.<br />

§ 6o O liquidante enviará ao juízo prevento o rol das ações judiciais em curso cujo andamento ficará<br />

suspenso até que o juiz competente nomeie o síndico da massa falida ou o liquidante da massa<br />

insolvente.<br />

37 Interessante, que o art. 199 da Lei 11.101/2005 revogou expressamente o disposto no art.187 do<br />

Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei nº7. 565/1986, o qual vedava o pedido de concordata e<br />

falência para as chamadas empresas aéreas. Assim, na atualidade, as sociedades que tenham por<br />

objeto a exploração de serviços aéreos de qualquer natureza ou de infra-estrutura aeronáutica<br />

podem ser sujeitos passivos de falência ou recuperação.<br />

36


economia mista de serem sujeitos passivos de falência, pelo então art.10 da Lei nº<br />

10.303/2001.<br />

Assim, as sociedades de economia mista, que nos termos do art. 173 §1º,<br />

II, da CR/88, se enquadram no regime jurídico das empresas privadas e, portanto,<br />

deveriam ser passíveis de falência e recuperação, deixam de sê-lo. O assunto é<br />

extremamente árido, não sendo objetivo da presente dissertação explorar o<br />

referido tema, motivo pelo qual apenas se faz esse breve comentário sobre o tema.<br />

Por fim, destacamos que como sociedades empresárias, as sociedades<br />

em comum, também chamadas de sociedades de fato 38 , poderão sujeitar-se à<br />

falência; entretanto, o mesmo não acontecerá em relação à recuperação judicial,<br />

haja vista o disposto no art. 46 da Lei 11.101/2005 que determina como requisito<br />

para o pedido de recuperação judicial que o devedor exerça regularmente as suas<br />

atividades a mais de dois anos, vedando portanto, as sociedades que não<br />

possuem registro.<br />

2.2. Da legitimidade ativa na Recuperação Judicial<br />

Nos termos do artigo 48 c/c artigo 2º da Lei de Falências e Recuperações,<br />

ordinariamente tem legitimidade para requerer a recuperação judicial o empresário<br />

e a sociedade empresária que, no momento do pedido, exerçam regularmente<br />

suas atividades há mais de dois anos, desde que atendam, cumulativamente, os<br />

seguintes requisitos:<br />

a) não sejam falidos e, se o foram, estejam declaradas extintas, por<br />

sentença transitada em julgado, as responsabilidades dela decorrentes;<br />

38 Reguladas pelos artigos 986 a 990 do Código Civil<br />

37


) não tenham há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação<br />

judicial;<br />

c) não tenham, há menos de oito anos, obtido concessão de recuperação<br />

judicial especial para micro e pequenas empresas; e<br />

d) não tenham sido condenados ou não ter, como administrador ou sócio<br />

controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na lei<br />

11.101/2005.<br />

Além do empresário e da sociedade empresária que preencham os<br />

requisitos acima expostos, poderão, em caráter extraordinário, requerer a<br />

recuperação judicial o cônjuge sobrevivente ou os herdeiros do devedor; bem<br />

como o inventariante.<br />

Do mesmo modo tem legitimidade ativa para requerer a recuperação<br />

judicial, o sócio remanescente no caso de dissolução da sociedade 39 .<br />

Por fim, também terão legitimidade para requerer a concessão da<br />

Recuperação, os Administradores de Sociedade Anônima, desde que seja caso de<br />

urgência e tenham a concordância do acionista controlador 40 .<br />

Apenas a título de curiosidade, levantamos a seguinte questão: nos<br />

termos do artigo 47 da Lei 11.101/2005 a Recuperação Judicial tem por objetivo<br />

sanar a superação de crise econômico financeira do devedor, a fim de permitir a<br />

manutenção da fonte produtora do emprego dos trabalhadores e dos interesses<br />

dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e<br />

o estimulo à atividade econômica. Portanto, distintamente do que ocorria na<br />

concordata (que a sua concessão era um favor legal concedido pelo Estado ao<br />

39 Conforme parágrafo único do art. 48 da Lei de Falência e Recuperação.<br />

40 Conforme parágrafo único do artigo 122 da lei nº. 6.404/1976.<br />

38


devedor infeliz em seus negócios), sob a égide da Lei 11.101/2005 o objetivo é a<br />

salvaguarda da atividade empresária e não do empresário devedor.<br />

Assim, se o objetivo da lei é tutelar a atividade empresária e não mais o<br />

devedor infeliz em seus negócios, há de se questionar porque o legislador não<br />

previu a possibilidade do Ministério Público ser sujeito ativo do pedido de<br />

Recuperação. Este talvez seja um ponto a ser revisto na atual legislação, não<br />

cabendo no momento aprofundarmos no tema.<br />

2.3. Do foro competente para processamento da Recuperação<br />

Judicial<br />

Dispõe o art. 3º da Lei 11.101/2005 que “é competente para homologar o<br />

plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a<br />

falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de<br />

empresa que tenha sede fora do Brasil”.<br />

Permanece portanto, a regra exposta no Decreto-lei nº 7.661/1945, qual<br />

seja, a do principal estabelecimento do devedor. Entretanto, assim como naquele<br />

decreto-lei, a Lei 11.101/2005 não previu o conceito de principal estabelecimento,<br />

cabendo à doutrina e à Jurisprudência definir o que configura o principal<br />

estabelecimento do devedor.<br />

Para melhor entendermos o conceito de “principal estabelecimento”,<br />

destacaremos primeiro o conceito básico de empresa e posteriormente a definição<br />

do que é estabelecimento.<br />

A noção inicial de empresa advém da economia e está ligada à idéia de<br />

organização dos fatores da produção para a realização de uma atividade<br />

econômica. Na acepção jurídica, a empresa é tida como a atividade econômica<br />

39


organizada para a produção e circulação de bens e serviços, não se confundindo<br />

com o sujeito que a exerce, o empresário, tampouco com o complexo de bens por<br />

meio do qual ela é exercida.<br />

E é esse complexo de bens por meio do qual a atividade empresaria é<br />

exercida que chamamos de estabelecimento. Trata-se de uma universalidade de<br />

fato, ou seja, um conjunto de bens com destinação comum de constituir o<br />

instrumento da atividade empresária.<br />

Óbvio que se o empresário tiver apenas um único estabelecimento, a<br />

competência será da comarca em que este se encontra. Entretanto, havendo mais<br />

de um estabelecimento, a delimitação do foro competente acaba se tornando<br />

complexa, haja vista que a Lei não previu regra específica sobre qual seria o<br />

principal estabelecimento.<br />

Assim, a jurisprudência e a doutrina pacificaram que prevalece como<br />

principal estabelecimento o local em que o empresário ou a sociedade empresária<br />

detém a sua sede administrativa, não importando a sede determinada no Contrato<br />

Social, tampouco se se trata da matriz ou do maior estabelecimento.<br />

Conforme leciona Amaury Campinho 41 , o principal estabelecimento<br />

consiste “no lugar onde o empresário centraliza todas as suas atividades, irradia<br />

todas as ordens, onde mantém a organização e a administração da empresa. Não<br />

é necessário que seja o de melhor ornamentação, o de maior luxo, ou o local onde<br />

o empresário faça maior propaganda. O que importa, em ultima análise, é ser o<br />

local de onde governa sua empresa”.<br />

41 CAMPINHO, Amaury. Manual de Falência e Concordata, 8ª ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris,<br />

2002, p.14.<br />

40


No mesmo sentido a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça<br />

no Conflito de Competência nº 366/PR 42 :<br />

Entende-se por principal estabelecimento, não necessariamente aquele indicado<br />

como sede, nos estatutos ou no contrato social, mas a verdadeira sede<br />

administrativa, em que está situada a direção da empresa, de onde parte o<br />

comando de seus negócios.<br />

Outra situação que, embora se aplique apenas à Falência, vale destacar, é<br />

a hipótese em que ocorreu o encerramento das atividades do empresário ou da<br />

sociedade empresária.<br />

Conforme decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no Conflito<br />

de Competência nº29712/SP 43 , se a empresa cuja falência foi requerida encerrou<br />

suas atividades tanto na sede quanto na filial, nada se sabendo a respeito da<br />

localização dos respectivos bens e sócios, prevalece o foro do local em que, de<br />

acordo com o contrato social, mantinha o seu estabelecimento principal.<br />

No mesmo sentido a decisão proferida por aquele Tribunal no Conflito de<br />

Competência 22147/PR 44 , ao consignar que cessadas por completo as atividades<br />

comerciais da devedora, a competência para processar e julgar o pedido de<br />

falência contra ela ajuizado é do foro onde a mesma mantinha a sua sede, pouco<br />

relevando que um de seus representantes legais tenha sido encontrado em outra<br />

localidade, onde simplesmente possui residência.<br />

Portanto, na hipótese de encerramento da atividade empresarial, o foro<br />

competente não será o local onde se dava a gestão da empresa, mas sim do local<br />

do principal estabelecimento previsto no contrato social.<br />

42 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência nº. 366/PR. Disponível em:<br />

. Data da consulta 05/05/2010.<br />

43 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência nº29712/SP. Disponível em:<br />

. Data da consulta 05/05/2010.<br />

44 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência 22147/PR. Disponível em:<br />

. Data da consulta 05/05/2010.<br />

41


Outra é a situação de modificação da localidade do estabelecimento<br />

principal, quando já em curso a Recuperação Judicial ou a Falência.<br />

Em tal hipótese será prevento o juízo do local onde foi distribuída a ação,<br />

haja vista a prevenção insculpida no §8º do art.6º da Lei de Recuperações e<br />

Falência.<br />

o STJ 45 :<br />

Neste sentido o Conflito de Competência nº. 101552/AL; suscitado perante<br />

Conflito de competência. Pedidos de falência. Alteração do contrato social.<br />

Transferência da sede da empresa. Perpetuatio jurisdictionis e prevenção.<br />

1. A distribuição do primeiro pedido de falência e a realização da citação, perante<br />

o Juízo onde a requerida tem seu principal estabelecimento (art. 7º, caput, 1ª<br />

parte, do Decreto-lei nº 7.661/45), acarreta a perpetuatio jurisdictionis prevista no<br />

art. 87 do Código de Processo Civil, sendo irrelevante a posterior alteração do<br />

contrato social para a transferência da sede da empresa para outro estado. O<br />

Juízo que recebeu o primeiro pedido de falência, então, encontra-se prevento<br />

para decidir requerimentos semelhantes, posteriormente apresentados, incidindo<br />

as regras dos artigos 7º, § 2º, e 202, § 1º, do Decreto-lei nº 7.661/45.<br />

2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito de<br />

Niterói/RJ.<br />

Ademais, há de se destacar que na hipótese de mudança do lugar do<br />

principal estabelecimento ocorrida antes da distribuição do pedido de recuperação<br />

ou de falência, sendo constatada indicio de fraude ou mesmo intenção de fraudar;<br />

o Juízo competente será o do antigo principal estabelecimento.<br />

32988/RJ 46 :<br />

Neste sentido a decisão do STJ no Conflito de Competência nº.<br />

COMPETÊNCIA. CONFLITO. FALÊNCIA. FORO DO ESTABELECIMENTO<br />

PRINCIPAL DA RÉ. PRECEDENTES. MUDANÇA DE DOMICÍLIO. INTENÇÃO<br />

DE FRAUDAR. CONFLITO CONHECIDO.<br />

I - Segundo o art. 7º do Decreto-Lei 7.661/45, "é competente para declarar a<br />

falência o juiz em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento<br />

ou casa filial de outra situada fora do Brasil".<br />

45 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência nº. 101552/AL. Disponível em:<br />

. Data da consulta 05/05/2010.<br />

46 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência nº. 32988/RJ. Disponível em:<br />

. Data da consulta 05/05/2010.<br />

42


II - Consoante entendimento jurisprudencial, respaldado em abalizada doutrina,<br />

"estabelecimento principal é o local onde a atividade se mantém centralizada",<br />

não sendo, de outra parte, "aquele a que os estatutos conferem o título principal,<br />

mas o que forma o corpo vivo, o centro vital das principais atividades do<br />

devedor".<br />

III - A transferência da sede da empresa do Rio de Janeiro, RJ, onde manteve<br />

seus negócios por muitos anos, para Caucaia, CE, depois de mais de trezentos<br />

títulos protestados e seis pedidos de falência distribuídos na Comarca<br />

fluminense, e o subseqüente pedido de autofalência no domicílio cearense,<br />

evidenciam a pretensão de fraudar credores e garantir o deferimento da<br />

continuidade dos negócios em antecipação a qualquer credor ou interessado.<br />

Não se operando a intenção de fraudar, será considerada a nova sede<br />

administrativa como principal estabelecimento e, por conseguinte, o foro<br />

competente para requerimento da falência ou recuperação.<br />

Quanto à recuperação ou falência de filiais de sociedade estrangeira,<br />

importa dizer que estas serão processadas perante o foro do lugar onde se<br />

encontra a filial e na hipótese de várias filiais, adotar-se-á o critério do principal<br />

estabelecimento, ou no caso, da principal filial.<br />

Demais disso, vale lembrar que a recuperação ou a falência de filial de<br />

sociedade que tenha sede fora do Brasil se processará apenas em relação às filiais<br />

que se encontram em território brasileiro, e não da matriz estrangeira.<br />

Ainda em relação às regras de competência, importante salientar a<br />

universalidade e indivisibilidade do Juízo da recuperação ou da falência, sendo<br />

este competente para conhecer todas as ações e reclamações sobre bens,<br />

interesses e negócios do devedor, ressalvadas as demandas onde o devedor<br />

figurar como autor ou litisconsorte ativo, como é o caso de ação de despejo movida<br />

pela recuperanda ou pela massa falida.<br />

43


Conforme lecionam MARCELO M. BERTOLDI e MARCIA CARLA<br />

PEREIRA RIBEIRO 47 :<br />

"O juízo universal da recuperação judicial está vinculado aos princípios da<br />

universalidade e da unidade. Uma vez concedida, será aberto um leque de<br />

procedimentos que estarão sujeitos a uma direção única. O principio da unidade<br />

tem por finalidade a eficiência do processo, evitar repetições de atos e<br />

contradições. Seria inviável mais de uma recuperação, por isso a exigência da lei<br />

de um único processo para o mesmo devedor. O principio da universalidade está<br />

na previsão de um só juízo para todas as medidas judiciais, todos os atos<br />

relativos ao devedor empresário. Todas as ações e processos estarão na<br />

competência do juízo da recuperação (...)".<br />

Por fim, em relação às demandas trabalhistas e tributárias, necessário<br />

deixar claro que aquelas se processarão perante a Justiça do Trabalho até a<br />

liquidação do crédito, sendo este posteriormente habilitado perante o juízo da<br />

falência ou da recuperação, enquanto estas serão processadas perante as varas<br />

da fazenda pública.<br />

2.4. Dos créditos submetidos à Recuperação Judicial<br />

Conforme previsto no caput do artigo 49 da Lei de Recuperações e<br />

Falência, ressalvadas as exceções legais, estarão sujeitos à recuperação judicial<br />

todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.<br />

Assim, distintamente do que ocorria com a concordata, a qual abrangia<br />

apenas e tão somente os créditos quirografários, submeter-se-ão à recuperação<br />

judicial uma maior gama de credores, tendo o legislador buscado ampliar as<br />

possibilidades de elaboração do plano de recuperação, bem como aumentar a<br />

capacidade de um credor reaver seu crédito em caso de inadimplência do devedor,<br />

47 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial.<br />

São Paulo: RT, 2006, p.462.<br />

44


fortalecendo a segurança jurídica e contribuindo para a redução do custo de<br />

transação do crédito em momentos de estabilidade econômica.<br />

Portanto, haja vista que a regra é a submissão do crédito à recuperação<br />

judicial, importa destacarmos as exceções expressamente previstas em lei, sem,<br />

no entanto, nos estendermos em cada uma delas, por não ser este o objetivo do<br />

presente trabalho.<br />

Pois bem, nos termos do art. 5º da Lei 11.101, não estão sujeitos à<br />

recuperação judicial as obrigações a título gratuito, bem como as despesas que os<br />

credores fizerem para tomar parte na recuperação, ficando ressalvadas, no<br />

entanto, as custas judiciais decorrentes de litígio com o devedor, que nos termos<br />

do caput e inciso IV do artigo 84 da lei supracitada, serão considerados créditos<br />

extraconcusais, devendo ser pagos com precedência sobre os demais créditos.<br />

Também os créditos fiscais não estarão sujeitos à recuperação judicial, sendo, no<br />

entanto, facultado o parcelamento destes, nos termos do Código Tributário<br />

Nacional 48 .<br />

Por sua vez, as importâncias entregues ao devedor, em moeda corrente<br />

nacional, em razão de adiantamento de contrato de câmbio para exportação<br />

também não se sujeitarão à recuperação judicial, nos termos do §4º do art.49 c/c<br />

inciso II do art. 86 da lei de LRF.<br />

Também não estarão sujeitos à recuperação judicial, nos termos do §3º do<br />

art.49, os créditos titularizados por proprietário fiduciário de bens móveis ou<br />

imóveis; por arrendador mercantil; por proprietário ou promitente vendedor de<br />

imóveis cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou<br />

irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias; ou de proprietário em<br />

48 Conforme art. 6º § 7º, da Lei nº 11.101/2005 c/c com art. 155-A, § 3º do Código Tributário<br />

Nacional.<br />

45


contrato de venda com reserva de domínio. Para esses prevalecerão os direitos de<br />

propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observando-se a tutela a<br />

eles garantida na legislação específica.<br />

A disposição acima tem sido um dos principais focos de crítica pela<br />

doutrina. Segundo Manoel Justino Bezerra Filho 49 ,<br />

(...) esta disposição foi o ponto que mais diretamente contribuiu para que a Lei<br />

deixasse de ser conhecida como “lei de recuperação de empresas” e passasse a<br />

ser conhecida com “lei de recuperação do crédito bancário” ou “crédito<br />

financeiro”, ao estabelecer que tais bens não são atingidos pelos efeitos da<br />

recuperação judicial. Ou seja, praticamente todos os bens da empresa que forem<br />

objeto de alienação fiduciária, arrendamento ou reserva de domínio, não estarão<br />

englobados pela recuperação. Ficará extremamente dificultada qualquer<br />

recuperação, se os maquinários, veículos, ferramentas etc., com os quais a<br />

empresa trabalha e dos quais depende para seu funcionamento, forem retirados.<br />

Entretanto, apesar das críticas ao §3º, do art.49, há de se destacar que tal<br />

previsão vai ao encontro de diversas outras disposições legais no mesmo sentido,<br />

que conferem maior segurança jurídica às garantias reais de um credor, o que<br />

conseqüentemente ao garantir o crédito, diminui o risco Brasil e fomenta a<br />

economia e a circulação de riquezas.<br />

2.5. Breve resumo do processamento da Recuperação Judicial<br />

O procedimento da recuperação judicial inicia-se por ato do devedor que<br />

apresenta ao Judiciário um plano de recuperação em que reconhece seu estado de<br />

crise econômico-financeira, contendo o diagnóstico da situação da empresa, bem<br />

como uma proposta para o seu soerguimento.<br />

Nos termos do art.51 da LRF a petição inicial de recuperação judicial<br />

deverá ser instruída com:<br />

49 BEZERRA FILHO, op.cit., p.136.<br />

46


I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor<br />

e das razões da crise econômico-financeira;<br />

II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios<br />

sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com<br />

estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente<br />

de:<br />

a) balanço patrimonial;<br />

b) demonstração de resultados acumulados;<br />

c) demonstração do resultado desde o último exercício social;<br />

d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;<br />

III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por<br />

obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a<br />

natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem,<br />

o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de<br />

cada transação pendente;<br />

IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas<br />

funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o<br />

correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de<br />

pagamento;<br />

V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas,<br />

o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;<br />

VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos<br />

administradores do devedor;<br />

VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas<br />

eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de<br />

47


investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições<br />

financeiras;<br />

VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do<br />

domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;<br />

IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que<br />

este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos<br />

respectivos valores demandados.<br />

Importa destacar que ao dispor no inciso I do artigo supracitado, que o<br />

devedor deverá apresentar a exposição das causas concretas da situação<br />

patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira, pretendeu o<br />

legislador que o devedor apresentasse os reais motivos que levaram à situação de<br />

crise patrimonial, econômica e financeira e não apenas linhas gerais da economia<br />

macroeconômica. Conforme Fábio Ulhoa Coelho 50 “quer a lei que a exposição de<br />

motivos mencione causas “concretas”, devendo-se entender como tais as que<br />

atingem diretamente ao requerente. Não atende à exigência legal uma exposição<br />

vaga, com difusas referências a dados macroeconômicos nacionais ou mundiais.”<br />

Quanto à exigência de apresentação das demonstrações contábeis do<br />

balanço patrimonial, de resultados e de fluxo de caixa, importa dizer que o intuito é<br />

dar amplo conhecimento dos dados técnicos contábeis e financeiros aos credores,<br />

a fim de que estes possam decidir sobre a viabilidade concreta de soerguimento da<br />

empresa.<br />

Destaque-se a importância da apresentação da relação nominal dos<br />

credores, inclusive daqueles por obrigação de fazer ou dar, com a indicação do<br />

endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito,<br />

50 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentário à nova lei de falências e recuperação de empresas. 2ª Ed.<br />

São Paulo: Saraiva, 2005, p.146.<br />

48


discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos<br />

registros contábeis de cada transação pendente, prevista no inciso terceiro do art.<br />

51 da LRF, eis que de acordo com o art.55, qualquer credor, sujeito ou não ao<br />

plano de recuperação, poderá apresentar objeção a este.<br />

Do mesmo modo, é de suma importância a apresentação da relação<br />

integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários,<br />

indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de<br />

competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento, haja vista<br />

que nos termos do artigo 54, o plano de recuperação judicial não poderá prever<br />

prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação<br />

do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido<br />

de recuperação judicial, bem como não poderá prever prazo superior a 30 (trinta)<br />

dias para pagamento das parcelas salariais vencidas nos 3 (três) meses anteriores<br />

ao pedido de recuperação judicial.<br />

Por sua vez, como previsto no art.48, as certidões de regularidade do<br />

devedor no Registro Público de Empresas tem por objetivo comprovar o exercício<br />

regular da atividade empresarial há mais de 2 (dois) anos.<br />

Quanto à exigência de apresentação da relação dos bens particulares dos<br />

sócios controladores e dos administradores do devedor prevista no inciso IV,<br />

importa dizer, que em que pesem opiniões contrárias, entendemos que por motivos<br />

diversos 51 que se aplica única e exclusivamente às sociedades em que os sócios<br />

respondem ilimitadamente.<br />

No que toca a apresentação dos extratos atualizados das contas<br />

bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras, o intuito é óbvio,<br />

51 A discussão desse ponto oferece diferentes opiniões e não compromete a proposta desse<br />

estudo.<br />

49


qual seja, informar aos credores o montante dos ativos financeiros que o devedor<br />

titulariza.<br />

Do mesmo modo, a exigência prevista no inciso VIII de apresentação das<br />

certidões de protestos, tem intuito de informar aos credores a situação econômicofinanceira<br />

da empresa, haja vista que o número, valor ou conteúdo dos protestos,<br />

não obstam a concessão da recuperação judicial.<br />

Em relação à previsão contida no inciso IX, importa dizer que a<br />

apresentação da relação das ações judiciais em andamento em face do devedor<br />

tem por objetivo possibilitar aos credores mensurar a contingência possível de tais<br />

demandas e conseqüentemente avaliar a possibilidade ou não de soerguimento da<br />

empresa.<br />

Estando em termos os requisitos previstos no art. 51 da Lei n.11.101/2005,<br />

o juiz proferirá despacho ordenando o processamento do pedido de recuperação e<br />

nos termos do art. 52:<br />

a) nomeará administrador judicial 52 ;<br />

b) dispensará a apresentação de certidões negativas para que o devedor<br />

exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou<br />

para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditórios;<br />

c) ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o<br />

devedor pelo prazo de 180 dias; ressalvadas aquelas que digam respeito a<br />

créditos não sujeitos à recuperação judicial ou que a lei prevê que não<br />

devam ser suspensas;<br />

52 Administrador judicial não se confunde com gestor judicial. O administrador judicial será um fiscal<br />

do judiciário no processamento da recuperação judicial; não cabendo a ele dirigir ou administrar a<br />

empresa em recuperação. Por sua vez, na hipótese de serem afastados os gestores e<br />

administradores estatutários, competirá à AGC eleger o gestor judicial, o qual irá administrar a<br />

empresa em recuperação.<br />

50


d) determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas<br />

mensais;<br />

e) ordenará a intimação do Ministério Público e comunicação por carta à<br />

Fazenda Pública Federal e de todos os Estados e Municípios em que o<br />

devedor tiver estabelecimento;<br />

f) e, por fim, determinará a expedição de edital com o resumo do pedido<br />

do devedor, a decisão que deferiu o processamento, a relação nominal<br />

dos credores com a indicação do respectivo valor e classe do crédito bem<br />

como a advertência para habilitação dos créditos.<br />

Ressalte-se que no exame inicial do pedido de recuperação judicial, não<br />

haverá apreciação do mérito pelo magistrado, estando este limitado à verificação<br />

das exigências de ordem processual impostas pela lei. Trata-se, portanto, de fase<br />

meramente instrutória.<br />

Ao deferir o processamento da recuperação judicial, o juiz não está<br />

concedendo ao devedor a recuperação em si, mas tão somente está admitindo tal<br />

pedido como processualmente apto e idôneo.<br />

Destaque-se que a nosso ver, o despacho que defere o pedido de<br />

recuperação é decisão interlocutória, da qual, embora a Lei 11.101/2005 não tenha<br />

previsto recurso, caberá agravo, haja vista a aplicação subsidiária do código de<br />

processo civil.<br />

Nos termos do §4º do art. 52, uma vez deferido o pedido inicial de<br />

recuperação judicial, o devedor não poderá dele desistir, salvo mediante a<br />

anuência dos credores em assembléia geral.<br />

Uma vez deferido o pedido inicial de recuperação judicial e cumpridas as<br />

determinações expressas no artigo 52, o devedor deverá, no prazo improrrogável<br />

51


de 60 (sessenta) dias da publicação do despacho, apresentar plano contendo a<br />

discriminação dos meios de recuperação a serem empregados, a demonstração da<br />

viabilidade econômica da empresa e laudo econômico financeiro de avaliação dos<br />

bens e ativos do devedor 53 .<br />

Apresentado o plano de recuperação pelo devedor e publicada a relação<br />

de credores, estes terão o prazo de 30 dias para manifestarem ao Juiz a sua<br />

objeção ao plano de recuperação judicial.<br />

Não havendo objeções ao plano por parte dos credores e uma vez<br />

cumpridas as exigências legais, o Magistrado concederá a recuperação judicial ao<br />

devedor, presumindo-se a anuência tácita de todos os credores em relação ao<br />

plano apresentado.<br />

Destaque-se que na recuperação judicial a Assembléia Geral de Credores<br />

constitui a instância adequada para exame e manifestação dos credores quanto à<br />

proposta de recuperação judicial, não havendo hipótese de esta ser concedida sem<br />

manifestação favorável dos credores, ainda que em patamares legais mínimos.<br />

Rachel Sztajn 54<br />

destaca que a nova lei dá a quem tem interesse na<br />

preservação do regular funcionamento do mercado de crédito a possibilidade de<br />

analisar as condições de superação da crise e o poder para decidir quanto à<br />

viabilidade de preservar, ou não, aquelas atividades econômicas que passem por<br />

processo de crise, seja ele de iliquidez, seja de desequilíbrio patrimonial adverso.<br />

Ressalte-se que a deliberação da assembléia é um ato positivo e na<br />

hipótese de apresentado plano de recuperação judicial e convocados os credores,<br />

nenhum deles se fizer presente para o conclave, o pedido de recuperação irá<br />

convolar-se em falência.<br />

53 Conforme art.53 da Lei 11.101/2005.<br />

54 SZTAJN, Rachel. Notas sobre as assembléias de credores na lei de recuperação de empresas.<br />

Revista de Direito Mercantil. v.138, p.55.<br />

52


O legislador de 2005 deferiu aos credores participação e<br />

responsabilidades decisivas na recuperação judicial. Sem eles não há como o<br />

devedor prosperar no seu intuito de evitar a declaração judicial da falência por<br />

intermédio da reestruturação da empresa.<br />

Havendo discordância ou objeções por parte de qualquer credor, o Juiz<br />

convocará a Assembléia Geral de Credores nos termos do artigo 56 da Lei<br />

n.11.101/2005, iniciando-se a fase deliberativa do processo de recuperação<br />

judicial, que tem por principal objetivo a votação do plano apresentado pelo<br />

devedor.<br />

Não cabe ao Magistrado apreciar o conteúdo da objeção ou decidi-la. A<br />

competência é da Assembléia de Credores, devendo o Juiz limitar-se a convocá-la.<br />

São os credores reunidos em assembléia que detêm o poder de aprovar, modificar<br />

ou mesmo rejeitar o plano apresentado pelo devedor.<br />

Ressalte-se ainda, que nos termos do §1º do art. 56, o prazo para a<br />

realização da Assembléia Geral de Credores não poderá exceder 150 dias,<br />

contados do deferimento do processamento da recuperação judicial e na hipótese<br />

de nenhum plano ter sido aprovado pela Assembléia de Credores, a rejeição é<br />

transmitida ao juiz, para que ele decrete a falência do devedor.<br />

Da decisão que rejeita o plano caberá agravo de instrumento, nos termos<br />

do art. 100.<br />

Aprovado o plano pela Assembléia Geral de Credores, o Juiz proferirá a<br />

sentença concessiva, nos termos do caput do art. 58. Da Sentença concessiva da<br />

recuperação judicial caberá agravo, que, nos termos do §2º do art. 59, poderá ser<br />

interposto por qualquer credor ou pelo Ministério Público.<br />

53


Concedida a Recuperação Judicial haverá novação de todos os créditos<br />

sujeitos ao plano recuperacional. O devedor permanecerá em recuperação até<br />

serem cumpridas todas as obrigações previstas no plano.<br />

Todavia, caso haja o descumprimento de qualquer das obrigações<br />

previstas no plano, ocorrerá a convolação da recuperação judicial em falência.<br />

Nesse caso, conforme preceitua o art. 61, §2º, os credores terão seus direitos e<br />

garantias reconstituídos nas condições originalmente contratadas, deduzidos os<br />

valores pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da<br />

recuperação judicial.<br />

54


3. ASSEMBLÉIA GERAL<br />

3.1. Da Assembléia Geral de Acionistas prevista na Lei 6.404/1976<br />

Em sentido amplo, assembléia é denominação dada à reunião de pessoas<br />

convocadas em obediência à determinação legal, regulamentar ou estatutária para<br />

deliberação de assuntos diversos, a fim de expressar uma vontade coletiva dos<br />

participantes.<br />

Sendo assim, por assembléia de acionistas podemos entender a reunião<br />

de sócios de uma determinada Companhia para deliberação de assuntos diversos,<br />

a fim de expressar uma vontade colegiada.<br />

A importância da disciplina das assembléias reside no fato de que as<br />

deliberações tomadas em assembléias alcançam a toda comunidade com a qual<br />

ela se relaciona e não apenas aos acionistas. Por tal motivo, o legislador estipulou<br />

regras básicas a serem observadas a fim de dar maior segurança e credibilidade<br />

às decisões colegiadas, de tal maneira que sejam resguardados os direitos e<br />

garantias do acionista, ou da minoria de acionistas, bem como de terceiros.<br />

Conforme define Modesto Carvalhosa 55 :<br />

A assembléia geral é um órgão da sociedade, definido como o conjunto de<br />

pessoas a quem a lei atribui, mediante determinados procedimentos, o encargo<br />

de formar a vontade eficaz. Trata-se de órgão cuja vontade é oponível<br />

diretamente aos demais órgãos sociais e aos acionistas individual e<br />

externamente, perante terceiros em geral, mediante representação da diretoria.<br />

No presente estudo se faz necessário pontuar as características da<br />

assembléia de acionistas, em especial os seus princípios e fundamentos, a fim de<br />

posteriormente demonstrar as suas semelhanças e diferenças com a assembléia<br />

geral de credores prevista na Lei 11.101/2005.<br />

55 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol.2. São Paulo:<br />

Saraiva, 2009, p.605.


Para a validade e eficácia das deliberações e decisões tomadas em<br />

assembléia deverão ser observados aspectos formais e materiais acerca da<br />

convocação, instalação e realização do conclave, conforme previsto nos arts.121 e<br />

seguintes da Lei nº 6.404/76, bem como nas regulamentações expedidas pelas<br />

autoridades regulatórias e entes auto-regulatórios, como por exemplo, a CVM, a<br />

BOVESPA, a ANBID e a ABRASCA.<br />

A Assembléia Geral de Acionistas é o órgão deliberativo máximo de uma<br />

companhia, configurando a forma mais perfeita de expressão da vontade social,<br />

sendo as decisões tomadas em conclave oponíveis a todos os demais órgãos da<br />

companhia, bem como a terceiros.<br />

Conforme leciona Rachel Sztajn 56 :<br />

Assembléias-gerais são mecanismos de consulta em que se reúnem as pessoas<br />

que tenham interesse comum em dada matéria – interesse que poderá ser<br />

afetado e que, conforme o resultado das declarações individuais da maioria delas<br />

em dada direção é aceito ou rejeitado. O voto, declaração individual do membro<br />

do colégio, soma-se ao dos demais membros e forma a deliberação.<br />

Regra ordinária para a aprovação de matérias de interesse comum por<br />

colegiados – e a assembléia-geral o é – requer a manifestação, em determinado<br />

sentido, de certo número de seus membros, alguma maioria, que pode ser tanto<br />

a presentes à reunião quanto a dos membros do grupo. A decisão será tomada<br />

por maioria simples quando baste a maioria dos presentes; por maioria<br />

qualificada quando se imponha a presença, para fins de deliberação – aprovação<br />

ou rejeição –, de mais da metade dos componentes do grupo.<br />

Dispõe o artigo 121 da lei 6.404/1976 que a assembléia-geral, convocada<br />

e instalada de acordo com a lei e o estatuto, tem poderes para decidir todos os<br />

negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar<br />

conveniente à sua defesa e desenvolvimento.<br />

A deliberação tomada em assembléia configura um processo complexo,<br />

composto pela exposição, debate e votação de cada matéria colocada em pauta.<br />

56 SZTAJN, Rachel. op.cit., p.57.<br />

56


Como dito anteriormente, os aspectos formais para a validade e eficácia<br />

da assembléia geral de acionistas estão previstos nos artigos 121 e seguintes da<br />

Lei 6.404/1976, devendo a Companhia cumprir com todas as disposições previstas<br />

na legislação, bem como no estatuto social, sobre a observação das formas<br />

adequadas para convocação e fornecimento tempestivo das informações aos<br />

acionistas, obediência ao quórum de instalação e formalidades de deliberação, e<br />

também acerca do registro e publicação das decisões tomadas em assembléia.<br />

A assembléia geral poderá ser ordinária ou extraordinária, diferenciandose<br />

em razão da matéria em votação.<br />

A Assembléia Geral Ordinária ocorre uma vez por ano, exigindo-se para<br />

tal um quórum de 25% do capital votante em 1ª convocação e qualquer número em<br />

2ª convocação, tendo competência restrita, nos termos do artigo 132 da Lei de S/A,<br />

para tomar as contas dos administradores; examinar discutir e votar as<br />

demonstrações financeiras do exercício anterior; deliberar sobre a destinação do<br />

lucro líquido do exercício e a distribuição dos dividendos; eleger os administradores<br />

e os membros do conselho fiscal, bem como aprovar a correção da expressão<br />

monetária do capital social.<br />

Por sua vez, as Assembléias Gerais Extraordinárias poderão ocorrer a<br />

qualquer tempo, possuindo prerrogativa de deliberação de quaisquer matérias de<br />

interesse social, sendo o quórum para votação determinado em razão da matéria.<br />

Destaque-se que seja a assembléia geral ordinária ou extraordinária, esta<br />

deverá servir de foro para reflexão, deliberação e solução de questões atinentes à<br />

companhia; devendo o processo deliberativo obedecer às regras de convocação,<br />

tanto em relação aos prazos quanto aos assuntos a serem deliberados, dando<br />

prazo hábil aos acionistas para se preparem para as deliberações.<br />

57


O art. 123 da Lei de S/A dispõe que compete ao Conselho de<br />

Administração ou à Diretoria da Companhia a convocação da assembléia geral,<br />

observado o disposto no estatuto social.<br />

Na hipótese de o Conselho de Administração ou da Diretoria retardarem<br />

por mais de um mês a convocação da assembléia geral ordinária ou sempre que<br />

houver motivo grave ou urgente para convocação de assembléia extraordinária e<br />

os órgão supracitados não a convocarem, terá competência para fazê-lo o<br />

Conselho Fiscal da Companhia.<br />

No caso dos órgãos competentes não convocarem a assembléia geral,<br />

quando deveriam fazê-lo por disposição expressa em lei ou estatuto social, no<br />

prazo de 60 dias, qualquer acionista poderá fazê-lo.<br />

Também terão competência para convocar a assembléia geral acionistas<br />

que representem no mínimo cinco por cento do capital social, quando os<br />

administradores não atenderem, no prazo de oito dias, o pedido de convocação<br />

que apresentarem devidamente fundamentado, com indicação das matérias a<br />

serem tratadas.<br />

Por fim, serão competentes para convocar a assembléia geral os<br />

acionistas que representem no mínimo 5% do capital votante, ou no mínimo 5%<br />

dos acionistas sem direito a voto, quando os administradores não atenderem, no<br />

prazo de oito dias, o pedido de convocação de assembléia para instalação do<br />

Conselho Fiscal.<br />

Ademais, conforme disposto na Instrução da Comissão de Valores<br />

Mobiliários nº 341 de 13 de julho de 2000, o anúncio de convocação de assembléia<br />

geral deverá enumerar, expressamente, na ordem do dia, todas as matérias a<br />

58


serem deliberadas, não se admitindo que sob a rubrica “assuntos gerais” haja<br />

matéria que dependa de deliberação assemblear.<br />

No mesmo sentido a Instrução nº481, publicada pela CVM em 17 de<br />

dezembro de 2009, dispôs em seu art. 3º:<br />

Art. 3º O anúncio de convocação deve enumerar, expressamente, na ordem do<br />

dia, todas as matérias a serem deliberadas na assembléia.<br />

Parágrafo único. É vedada a utilização da rubrica “assuntos gerais” para matérias<br />

que dependam de deliberação assemblear.<br />

Portanto, os assuntos que venham a ser objeto de debate em assembléia<br />

devem ser expressamente descritos no Edital de Convocação em linguagem clara,<br />

precisa e detalhada.<br />

Demais disso, o edital de convocação deve indicar de forma clara a data, a<br />

hora e o local previsto para a realização da assembléia, bem como os<br />

procedimentos para a representação do acionista e a possibilidade de adoção de<br />

voto múltiplo, nos casos em que este for aplicável, o quórum de instalação da<br />

assembléia em primeira e segunda convocação.<br />

O edital de convocação deve também fazer referência ao local em que as<br />

informações complementares se encontram disponíveis aos acionistas e à<br />

possibilidade de sua obtenção por meio eletrônico, seja por correio eletrônico, seja<br />

por meio de acesso aos documentos via pagina eletrônica da companhia. 57<br />

Também importa destacar que as assembléias obrigatoriamente deverão<br />

respeitar os ditames legais a respeito do quórum para instalação e deliberação.<br />

Isso porque nem sempre os interesses dos acionistas serão homogêneos<br />

e assim, a formação da convicção individual de cada acionista e decisões tomadas<br />

em assembléia pelo colegiado de acionistas dependerão de exame do mérito e dos<br />

57 Conforme art.6º e ss. da Instrução Normativa nº481 de 17 de dezembro de 2009 da CVM.<br />

59


iscos envolvidos nas propostas a eles submetidas, bem como sobre os impactos<br />

da deliberação sobre seu investimento.<br />

Ressalte-se que certas decisões em assembléia podem afetar direitos de<br />

parte dos acionistas, como por exemplo, as matérias previstas no art.136 da Lei de<br />

S/A. 58 Nesses casos, exigi-se quórum qualificado para instalação e deliberação.<br />

Isso, porque apesar da grande liberdade conferida à assembléia de acionistas, as<br />

decisões da maioria têm como limites objetivos, direitos individuais dos acionistas<br />

que não podem ser modificados sem expressa anuência dos afetados.<br />

Portanto, apesar da lei 6.404/1976 dispor que a assembléia geral poderá<br />

deliberar sobre qualquer assunto, deve ficar claro que ela está submetida a regras<br />

de conduta previamente estabelecidas, não podendo dispor contra ordem pública,<br />

contra os bons costumes ou contra a lei.<br />

Caso exista irregularidade na convocação da assembléia, ou na hipótese<br />

de sua instalação ocorrer sem a presença do quorum legal mínimo; ou, ainda, se<br />

algum acionista votar contrariamente aos interesses da companhia, por exemplo, a<br />

deliberação tomada ou todo o conclave poderão ser invalidados judicialmente.<br />

58 Art. 136. É necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das<br />

ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações<br />

não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, para deliberação sobre:<br />

I - criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais existentes, sem<br />

guardar proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou<br />

autorizados pelo estatuto;<br />

II - alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais<br />

classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida;<br />

III - redução do dividendo obrigatório;<br />

IV - fusão da companhia, ou sua incorporação em outra;<br />

V - participação em grupo de sociedades (art. 265);<br />

VI - mudança do objeto da companhia;<br />

VII - cessação do estado de liquidação da companhia;<br />

VIII - criação de partes beneficiárias;<br />

IX - cisão da companhia;<br />

X - dissolução da companhia.<br />

60


Ademais, importa destacar em relação às assembléias gerais de<br />

acionistas que na prática ela apenas se reúne de fato, nas hipóteses previstas no<br />

art.122 da Lei de S/A, que dispõe in verbis:<br />

Art. 122. Compete privativamente à assembléia-geral:<br />

I - reformar o estatuto social;<br />

II - eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da<br />

companhia, ressalvado o disposto no inciso II do art. 142;<br />

III - tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar sobre as<br />

demonstrações financeiras por eles apresentadas;<br />

IV - autorizar a emissão de debêntures, ressalvado o disposto no § 1 o do art. 59;]<br />

V - suspender o exercício dos direitos do acionista (art. 120);<br />

VI - deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista concorrer para a<br />

formação do capital social;<br />

VII - autorizar a emissão de partes beneficiárias;<br />

VIII - deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia,<br />

sua dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas;<br />

IX - autorizar os administradores a confessar falência e pedir concordata.<br />

Parágrafo único. Em caso de urgência, a confissão de falência ou o pedido de<br />

concordata poderá ser formulado pelos administradores, com a concordância do<br />

acionista controlador, se houver, convocando-se imediatamente a assembléiageral,<br />

para manifestar-se sobre a matéria.<br />

Conforme Moacyr Lobato de <strong>Campos</strong> Filho 59 , esse último fato (caso de<br />

urgência) se dá em razão das atuais transformações econômicas experimentadas<br />

no mundo e que exigiram das empresas maior agilidade e rapidez como condição<br />

de sobrevivência. O ritual das assembléias mostrou-se incompatível com as<br />

exigências de celeridade. Em decorrência dessas mudanças e em função da<br />

considerável dispersão do capital, o próprio acionista passou a não mais<br />

manifestar interesse pelas assembléias gerais, às quais comparecem apenas<br />

majoritários ou acionistas controladores.<br />

Nos termos do artigo 116 da Lei de S/A, entende-se por acionista<br />

controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou grupo de pessoas vinculadas por<br />

acordo de voto, ou sob controle comum, que lhe assegurem, de modo permanente<br />

59 CAMPOS FILHO, Moacyr Lobato de. Falência e Recuperação. Belo Horizonte: Del Rey, 2007,<br />

p.128.<br />

61


a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e o poder de eleger a<br />

maioria dos administradores da companhia, usando efetivamente seu poder para<br />

dirigir as atividade sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.<br />

Na prática temos que o poder de controle na sociedade anônima<br />

contemporânea divide-se em quatro espécies: totalitário, majoritário, minoritário e<br />

gerencial.<br />

No chamado controle totalitário todos os acionistas têm direito a voto, o<br />

que ocorre comumente nas sociedades anônimas de capital fechado. Por sua vez,<br />

no denominado controle majoritário, o acionista titular da maioria das ações, ou o<br />

grupo que detém a maioria das ações com direito a voto é o que detém o poder de<br />

controle da sociedade. Já no controle minoritário, tem-se que o poder de controle é<br />

exercido por acionista detentor de menos da metade das ações com direito a voto,<br />

mas só ocorrerá na hipótese de dispersão acionária na sociedade. Por fim, no<br />

denominado controle gerencial, o poder de controle é exercido pelos<br />

administradores da sociedade em razão de grande dispersão acionária, sendo os<br />

acionistas meros investidores.<br />

Para esse estudo nos importa destacar que o acionista controlador detém<br />

em relação aos demais sócios, funcionários da companhia, investidores e terceiros,<br />

uma série de responsabilidades e apenas poderá se utilizar do poder de controle<br />

para realizar o objeto social da Companhia, devendo se ater aos interesses da<br />

sociedade.<br />

Senão vejamos a lição de Modesto Carvalhosa 60 :<br />

O interesse coletivo ou comum dos sócios deve prevalecer sobre os seus<br />

interesses individuais, ainda que eles representem a maioria.<br />

A minoria está, portanto, submetida à decisão tomada pelos controladores,<br />

enquanto estes exercem sua vontade no interesse social. Essa submissão não<br />

60 CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p.513.<br />

62


epresenta um principio absoluto e indiscutível, mas, sim, relativo e anulável, na<br />

medida em que não pode o voto dos controladores prevalecer contrariamente ao<br />

interesse social, mediante abuso e desvio de poder (art.117). A idéia de um poder<br />

majoritário na assembléia geral não implica um poder arbitrário, fora de qualquer<br />

limite, verificação e fiscalização. É simplesmente o poder de dirimir conflitos de<br />

opiniões, conforme o interesse coletivo e social. Assim, o poder deve, em<br />

principio, ser acatado. Porém, a não conformidade dessa decisão com o<br />

interesse coletivo e social pode ser argüida. É por isso que a intervenção da<br />

maioria no conclave, em vez de representar contestação ao principio majoritário,<br />

completa-o e o legitima.<br />

(...)<br />

Os poderes da assembléia geral não são absolutos e, portanto, ilimitados. As<br />

decisões nela tomadas devem relacionar-se com o objeto da companhia. Devem,<br />

outrossim, visar ao interesse social, ou seja, serem convenientes à preservação e<br />

ao desenvolvimento da companhia. Tem, assim, a assembléia geral poderes<br />

limitados pela lei, pela ordem publica e pelos bons costumes (art.2º) como<br />

qualquer ato jurídico.<br />

Interessante destacar que apesar das decisões tomadas em assembléia<br />

serem soberanas e oponíveis a todos os demais órgãos da companhia, bem como<br />

a terceiros, ela não tem poderes para representar a companhia, eis que somente a<br />

diretoria poderá fazê-lo.<br />

Nos limitamos a essa breve apresentação acerca da assembléia geral de<br />

acionistas, adiantando, no entanto, que nos capítulos subseqüentes trataremos do<br />

direito de voto de acionista, bem como dos conceitos de abuso de poder e abuso<br />

de direito de voto em assembléia, devido à importância da comparação entre os<br />

conceitos de abuso de direito de voto na assembléia de acionistas e na assembléia<br />

de credores prevista pela lei nº 11.101/2005.<br />

3.2. Da Assembléia Geral de Credores prevista na Lei 11.101/2005.<br />

Conforme já apresentado no primeiro capítulo, a assembléia de credores<br />

no direito brasileiro não é uma inovação da Lei 11.101/2005. O Código Comercial<br />

de 1850, inspirado no código francês, acolheu o conceito de contrato de união,<br />

63


pelo qual os credores após a instrução do processo, e não sendo apresentada<br />

proposta de concordata, podiam dispor em conjunto sobre os meios pelos quais os<br />

ativos seriam liquidados.<br />

No processo falimentar de então, havia duas assembléias de credores: a<br />

primeira, perante a qual era submetido um relatório sobre o estado da falência e<br />

suas circunstâncias, e na qual era também apresentado o rol de créditos e suas<br />

peculiaridades, bem como proposta para a formação de uma comissão verificadora<br />

da procedência da lista de credores; e a segunda, na qual os credores, encerrada<br />

a apresentação dos pareceres da comissão verificadora eleita na primeira<br />

assembléia, deliberavam sobre a concessão da concordata ou a forma de<br />

liquidação dos ativos<br />

Também os artigos 122 e 123 do Decreto-lei nº 7.661/1945 61 , previam a<br />

reunião de credores em assembléia, mas esta se limitava à falência, em especial à<br />

61 Art. l22. Credores que representem mais de um quarto do passivo habilitado, podem requerer ao<br />

juiz a convocação de assembléia que delibere em termos precisos sobre o modo de realização do<br />

ativo, desde que não contrários ao disposto na presente lei, e sem prejuízo dos atos já praticados<br />

pelo síndico na forma dos artigos anteriores, sustando-se o prosseguimento da liquidação ou o<br />

decurso de prazos até a deliberação final.<br />

§ 1º A convocação dos credores será feita por edital, mandado publicar pelo síndico, com a<br />

antecedência de oito dias, e do qual constarão lugar, dia e hora designados.<br />

§ 2º Na assembléia, a que deve estar presente o síndico, o juiz presidirá os trabalhos, cabendo-lhe<br />

vetar as deliberações dos credores contrários às disposições desta lei.<br />

§ 3º As deliberações serão tomadas por maioria calculada sobre a importância dos créditos dos<br />

credores presentes. No caso de empate, prevalecerá a decisão do grupo que reunir maior número<br />

de credores.<br />

§ 4º Nas deliberações relativas ao patrimônio social, somente tomarão parte os credores sociais;<br />

nas que se relacionarem com o patrimônio individual de cada sócio, concorrerão os respectivos<br />

credores particulares e os credores sociais.<br />

§ 5º Do ocorrido na assembléia, o escrivão lavrará ata que conterá o nome dos presentes e será<br />

assinada pelo juiz. Os credores assinarão lista de presença que, com a ata, será junta aos autos da<br />

falência.<br />

Art. 123. Qualquer outra forma de liquidação do ativo pode ser autorizada por credores que<br />

representem dois terços dos créditos.<br />

§ 1º Podem ditos credores organizar sociedade para continuação do negócio do falido, ou autorizar<br />

o síndico a ceder o ativo a terceiro.<br />

§ 2º O ativo somente pode ser alienado, seja qual for a forma de liquidação aceita, por preços<br />

nunca inferiores aos da avaliação, feita nos termos do parágrafo 2º do artigo 70.<br />

§ 3º A deliberação dos credores pode ser tomada em assembléia, que se realizará com observância<br />

das disposições do artigo anterior, exceto a do parágrafo 3º; pode ainda ser reduzida a instrumento,<br />

público ou particular, caso em que será publicado aviso para ciência dos credores que não<br />

64


liquidação do ativo; haja vista que a Concorda era um favor legal concedido pelo<br />

Estado ao devedor infeliz em seus negócios, não havendo de se falar em<br />

manifestação dos credores.<br />

Entretanto, distintamente do Decreto-lei nº 7.661/1945, a Lei 11.101/2005<br />

deferiu aos credores participação e responsabilidades decisivas na recuperação<br />

judicial, instituto que veio substituir a concordata. Sem os credores não há como o<br />

devedor prosperar no seu intuito de evitar a declaração judicial da falência por<br />

intermédio da reestruturação da empresa prevista na Lei n˚11.101/2005.<br />

A Assembléia Geral de Credores é o órgão que, na Recuperação Judicial<br />

e na falência, manifesta a vontade da comunhão de credores, exercendo “um<br />

poder-função deliberante (art.35, caput), mas sujeito ao que a doutrina denomina<br />

de método assemblear 62 , com regular convocação etc., e observância do<br />

contraditório entre os participantes”. 63<br />

A Lei 11.101/2005 facultou aos credores a participação no conclave<br />

(art.37), visando assim, propiciar um regular debate sobre as matérias constantes<br />

na ordem do dia.<br />

Na recuperação judicial a Assembléia Geral de Credores constitui a<br />

instância adequada para exame e manifestação dos credores quanto à proposta de<br />

assinaram o instrumento, os quais, no prazo de cinco dias, podem impugnar a deliberação da<br />

maioria.<br />

§ 4º A deliberação dos credores dependem de homologação do juiz e da decisão cabe agravo de<br />

instrumento, aplicando-se ao caso o disposto no parágrafo único do artigo 17.<br />

§ 5º Se a forma de liquidação adotada for de sociedade organizada pelos credores, os dissidentes<br />

serão pagos, pela maioria, em dinheiro, na base do preço da avaliação dos bens, deduzidas as<br />

importâncias correspondentes aos encargos e dívidas da massa.<br />

62 Por método assemblear podemos entender o procedimento que tem por função precípua ensejar<br />

a formação da vontade social, sendo assegurada aos participantes a plena informação sobre os<br />

assuntos a serem deliberados, bem como o exercício do contraditório em relação às matérias<br />

debatidas para a formação da vontade social.<br />

63 FRANÇA, Erasmo Valadão Azevedo e Novaes. A assembléia geral de credores na nova Lei<br />

falimentar. Revista de Direito Mercantil. v.138, p.73.<br />

65


ecuperação judicial, não havendo hipótese de a recuperação ser concedida sem<br />

manifestação favorável dos credores, ainda que em patamares legais mínimos.<br />

A deliberação é um ato positivo e sendo assim, na hipótese de<br />

apresentado plano de recuperação judicial e convocados os credores, nenhum<br />

deles se fizer presente para o conclave, o pedido de recuperação irá convolar-se<br />

em falência.<br />

Dirão os credores reunidos no conclave, se as condições propostas pelo<br />

devedor atenderão, primordialmente, aos seus interesses 64 , ou seja, o credor irá<br />

atuar na assembléia geral no resguardo de seus interesses creditícios, examinando<br />

se a proposta de recuperação constitui instrumento hábil para viabilizar a<br />

realização de seu crédito.<br />

Ademais, distintamente do que ocorria na concordata preventiva prevista<br />

no Decreto-lei nº 7.661/1945, que abrangia apenas os credores quirografários,<br />

podendo as outras classes de credores promoverem suas respectivas ações de<br />

forma autônoma a fim de receberem seus créditos; em sede de recuperação<br />

judicial o plano a ser apresentado pelo devedor poderá nos termos do art. 41 da<br />

Lei 11.101/2005, abranger três classes de credores, quais sejam: I) titulares de<br />

créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de<br />

trabalho, II) titulares de créditos com garantia real, e III) titulares de créditos<br />

quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.<br />

Supõe-se que tal separação em grupos ou classes pretendeu, em tese,<br />

agrupar aqueles que têm interesses homogêneos, separando os distintos<br />

conjuntos de interesses, a par de especificar como são tomadas as decisões<br />

dentro de cada classe 65 .<br />

64 CAMPOS FILHO, Moacyr Lobato. op.cit., p.134.<br />

65 SZTAJN, Rachel. op. cit., p.58.<br />

66


Os titulares de crédito derivados da legislação do trabalho votam com a<br />

classe I, pelo total dos seus créditos, independentemente do montante deste 66 .<br />

Ressalte-se que a deliberação não é tomada em função do valor pretendido, mas<br />

por cabeça 67 , haja vista que não seria viável a utilização do critério de valor do<br />

crédito, pois poderia acarretar uma desproporção entre os credores trabalhistas em<br />

razão das inúmeras variáveis para apuração do valor do crédito trabalhista, tal qual<br />

o cargo ocupado, o salário, o tempo de serviço etc.<br />

O art. 54 da LRF dispõe que o plano de recuperação judicial não poderá<br />

prever prazo superior a um ano para pagamento dos da classe I, vencidos até a<br />

data do pedido de recuperação judicial e também não poderá prever prazo superior<br />

a trinta dias para pagamento, até o limite de cinco salários mínimos por<br />

trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses<br />

anteriores ao pedido de recuperação judicial.<br />

E em que pesem às criticas feitas em relação à restrição do pagamento<br />

dos créditos de natureza salarial até o limite de cinco salários mínimos por<br />

trabalhador, há de se esclarecer que foi opção política do legislador que pretendeu<br />

garantir de alguma forma que o maior número de credores recebessem os seus<br />

créditos; evitando-se que credores titulares de maiores pretensões exaurissem os<br />

fundos alocados para pagamento, em detrimento daqueles que tem menores<br />

valores a receber.<br />

Por sua vez, os titulares de crédito com garantia real, votam com a classe<br />

dos credores com garantia real, mas somente até o limite do valor do bem gravado,<br />

66 Conforme art. 54 da Lei 11.101/2005.<br />

67 Conforme art.41 c/c §2º do art. 45 da Lei 11.101/2005.<br />

67


sendo que aquilo que superar este limite passa a valer para a classe dos credores<br />

quirografários pelo restante do valor de seu crédito 68 .<br />

Nos termos do §1º do art. 45 da LRF, nas classes II e III o plano de<br />

recuperação judicial deverá ser aprovado por credores que representem mais da<br />

metade do valor total dos créditos presentes à Assembléia e, cumulativamente,<br />

pela maioria simples dos credores presentes. Tem-se, portanto, um duplo critério<br />

para aprovação do plano de recuperação.<br />

Assim, o plano de recuperação será considerado aprovado quando obtiver<br />

o voto favorável de credores presentes que representem mais de 50% da<br />

totalidade dos créditos representativos de cada classe de credores, e,<br />

cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes na respectiva<br />

Assembléia Geral, ressalvada a hipótese prevista no §1º do art.58, em que o plano<br />

poderá ser aprovado pela maioria de apenas duas classes de credores, desde que<br />

preenchidos alguns requisitos cumulativos.<br />

Terão direito a voto as pessoas declinadas no quadro geral de credores,<br />

ou, em sua ausência, na relação de credores elaborada pelo administrador judicial,<br />

ou ainda na lista de credores elaborada pelo devedor que também deverá instruir a<br />

petição inicial do pedido de recuperação judicial. No capitulo subseqüente<br />

trataremos especificamente do direito de voto na Assembléia de Credores, motivo<br />

pelo qual nos limitamos a esse breve comentário acerca do tema.<br />

É certo que os interesses das três classes de credores; bem como dos<br />

próprios credores dentro de cada uma de suas classes, serão bastante<br />

heterogêneos.<br />

68 Conforme §2º do art. 51 da Lei 11.101/2005.<br />

68


O único interesse realmente uniforme ou homogêneo entre os credores é<br />

o fato de que todos pretendem evitar maiores perdas do que teriam com a simples<br />

liquidação dos ativos do devedor.<br />

Assim, a maior dificuldade do devedor ao elaborar o plano recuperacional<br />

será de convencer os credores que devem deliberar cooperativamente; eis que<br />

estes só o aprovarão se forem convencidos de que a aprovação do plano será<br />

mais vantajosa do que a falência e conseqüente liquidação dos ativos.<br />

Bem salientou Rachel Sztajn 69 em artigo publicado na Revista de Direito<br />

Mercantil, volume 138; intitulado “Notas sobre as assembléias de credores na lei<br />

de recuperação de empresas”, que:<br />

Se todos os credores aceitarem que o plano não os deixará pior que a liquidação<br />

da empresa, que os resultados projetados serão melhores, superando os da<br />

falência, a aprovação do plano favorecerá a todos – e, por isso, os votos serão<br />

majoritariamente nessa direção, favoráveis à implementação do plano.<br />

(...)<br />

Claro que não há garantia de que a recuperação ou reorganização da empresa<br />

em crise venha a ser feita sem algum sacrifício dos credores, porque as<br />

obrigações não serão solvidas integralmente. Haverá perdas, até mesmo<br />

substanciais; mas, como se dá aos credores a possibilidade de avaliar e<br />

comparar a perda atual e eventual compensação futura (mesmo que não real,<br />

efetiva), se for preservada a atividade, presume-se que as decisões serão<br />

focadas em estratégias que minimizem os prejuízos, que mantenham as relações<br />

negociais e que o crédito seja preservado na medida do possível.<br />

Portanto, o plano de recuperação da empresa deverá satisfazer a<br />

interesses da maioria dos credores em cada uma das três classes de credores<br />

enumeradas no art.41; haja vista que sempre será interesse daqueles minimizar os<br />

prejuízos ou perdas futuras. Desse modo, é imprescindível que o devedor<br />

demonstre aos credores que os benefícios da recuperação superam os custos e<br />

que os ganhos derivados da liquidação serão inferiores aos da recuperação.<br />

69 SZTAJN, Rachel. op. cit., p.60.<br />

69


Para tanto, é necessário que antes da deliberação em assembléia todos<br />

os credores entendam em sua plenitude o plano apresentado pelo devedor e isso<br />

só será possível se demonstrado através de dados expressos toda a situação<br />

econômico-financeira da sociedade recuperanda, bem como das perspectivas que<br />

o mercado apresenta para aquele ramo de atividade.<br />

Conforme disposto no artigo 35 da LRF; a Assembléia Geral de Credores<br />

terá por atribuição na recuperação judicial deliberar sobre a aprovação, rejeição ou<br />

modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor; constituir<br />

o Comitê de Credores, bem como substituí-lo quando necessário; e aprovar ou<br />

rejeitar o pedido de desistência feito pelo devedor, nos termos do §4º, do art.52.<br />

O que se pode concluir do artigo supracitado é que ao deliberarem sobre a<br />

aprovação, rejeição ou modificação do plano apresentado pelo devedor, os<br />

credores irão avaliar conforme os seus próprios interesses se aceitarão ou não o<br />

risco de manutenção da empresa ou se a liquidação do ativo lhes é mais<br />

proveitosa.<br />

Ressalte-se aqui que a decisão é dos credores e em que pesem opiniões<br />

contrárias, que, data venia, fundamentado no principio da preservação da empresa<br />

de uma forma distorcida defendem que a decisão dos credores em assembléia<br />

pode ser ultrapassada, ressalvada aqui a hipótese prevista no §1º do art. 58, a<br />

decisão daqueles em Assembléia deve ser seguida e uma vez não aprovado o<br />

plano de recuperação apresentado, deverá o Juiz decretar a falência do devedor.<br />

A função social da empresa é gerar lucro, ou seja, é criar e fazer circular<br />

riquezas. Uma empresa que não o faça cumprirá a sua função social sendo<br />

liquidada. Manter em operação atividades ineficientes, a título de função social, de<br />

70


assistencialismo inconseqüente, pode beneficiar alguns, mas desestimular<br />

muitos 70 .<br />

A preservação de atividade não pode dar espaço para oportunismos, não<br />

deve servir como paliativo na transferência de riscos aos credores, sob pena de<br />

aumento do custo do crédito, que, em ultima análise, é o que deve orientar as<br />

deliberações. 71<br />

Após essa breve introdução acerca das Assembléias Gerais de Credores<br />

prevista na Lei nº 11.101/2005, passemos à analise dos aspectos formais de<br />

convocação e realização de tais assembléias para sua plena validade e eficiência.<br />

3.2.1. Aspectos formais da assembléia geral de credores na<br />

recuperação judicial: hipóteses de convocação e realização da<br />

assembléia de credores<br />

Tal como a Lei de Sociedade Anônima, que dispõe expressamente sobre<br />

os procedimentos de convocação e instalação das reuniões, quorum de instalação<br />

e de deliberação como garantia de validade e eficácia das deliberações colegiadas,<br />

também a Lei 11.101/2005 dispõe sobre os aspectos formais de convocação e<br />

realização da assembléia de credores, haja vista que a deliberação tomada na<br />

assembléia vincula-se a todos os credores, ainda que ausentes ou dissidentes.<br />

Ressalte-se que conforme regra prevista nos §§ 3º, 4º e 5º do art.37 da Lei<br />

11.101/2005 é obrigatória a presença dos credores ou de seus representantes no<br />

conclave, visando, assim, propiciar um regular debate sobre as matérias<br />

constantes da ordem do dia, bem como a aprovação do plano de recuperação<br />

judicial.<br />

70 SZTAJN, Rachel. op. cit., p.56.<br />

71 SZTAJN, Rachel. op. cit., p.66/67.<br />

71


Conforme dito anteriormente, a deliberação é um ato positivo e sendo<br />

assim, na hipótese de apresentado plano de recuperação judicial e convocados os<br />

credores, nenhum deles se fizer presente para o conclave, o pedido de<br />

recuperação irá convolar-se em falência. São os credores reunidos no conclave<br />

que tem competência para aprovar, modificar ou rejeitar o plano de recuperação<br />

apresentado pelo devedor. Destaque-se que se trata de competência privativa e<br />

ressalvada a hipótese prevista no §1º do art.58 a decisão tomada em assembléia<br />

não poderá ser superada.<br />

Dispõe o artigo 36 da LRF que a assembléia geral de credores será<br />

convocada pelo Juiz por edital publicado no órgão oficial e em jornais de grande<br />

circulação nas localidades da sede e filial, com antecedência mínima de 15 dias da<br />

sua realização em 1ª convocação. Tal prazo contar-se-á excluindo o dia da<br />

publicação e incluindo o do vencimento, conforme regra prevista no art. 132 do<br />

CC/2002. Ademais, não há interrupção da contagem do prazo em razão de dias<br />

úteis, podendo a contagem do prazo se iniciar inclusive em domingos e feriados.<br />

Também determina o artigo 36 da LRF que o edital de convocação deverá<br />

conter expressamente o local, a data e horário da assembléia em 1ª e 2ª<br />

convocação, bem como as matérias a serem deliberadas na ordem do dia, que<br />

deverão ser expostas de forma clara e detalhada a fim de dar amplo conhecimento<br />

prévio aos credores para que estes possam se preparar para debate.<br />

Do mesmo modo, deve estar expresso no edital de convocação o local em<br />

que os credores poderão obter cópia do plano de recuperação judicial a ser votado,<br />

a fim de que estes tenham conhecimento prévio do plano recuperacional para<br />

maior eficiência das deliberações assembleares acerca do projeto de recuperação.<br />

72


Ademais, a cópia do Edital de convocação da assembléia de credores<br />

deverá ser afixada de forma ostensiva na sede e filiais do devedor.<br />

Em relação à competência para convocação da assembléia, deve-se ficar<br />

clara que esta é exclusiva do juiz, seja a convocação ex officio, seja a<br />

requerimento dos credores que representem no mínimo 25% do valor total dos<br />

créditos de uma determinada classe, ou a requerimento do comitê de credores<br />

conforme previsto na alínea “e” do inciso I do art.27; ou mesmo a requerimento do<br />

administrador judicial nos termos da alínea “g”, inciso I do art.22 da LRF. Assim,<br />

ainda que a convocação seja requerida por parte dos credores, pelo administrador<br />

judicial ou pelo comitê de credores, a competência para convocação é do<br />

Magistrado.<br />

Ressalte-se que para a instalação válida da assembléia em primeira<br />

convocação, nos termos do §2º do art.37, far-se-á necessário a presença de<br />

credores titulares de mais da metade do passivo do devedor, em cada classe.<br />

Caso o quorum de instalação não seja alcançado em 1ª convocação, a<br />

assembléia geral será validamente instalada em 2ª convocação com qualquer<br />

número de credores, respeitado o intervalo mínimo de 5 dias entre a 1ª e a 2ª<br />

assembléia.<br />

Conforme previsto no §1º do artigo 39 c/c §§ 3º e 4º do art. 49 da LRF, não<br />

serão considerados para fins do quorum de instalação, os credores titulares da<br />

posição de proprietário fiduciário, de arrendador mercantil, de proprietário ou<br />

promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de<br />

irrevogabilidade ou irretratabilidade; de proprietário em contrato de venda com<br />

reserva de domínio e de credor de importância entregue ao devedor decorrente de<br />

adiantamento a contrato de câmbio para exportação.<br />

73


Ademais, nos termos do art. 43 da LRF, poderão participar da assembléia<br />

os sócios do devedor, bem como as sociedades coligadas, controladoras,<br />

controladas ou as que detenham sócio acionista com participação superior a 10%<br />

(dez por cento) do capital social do devedor ou em que o devedor ou algum de<br />

seus sócios detenham participação superior a 10% (dez por cento) do capital<br />

social, entretanto sem direito a voto e sem serem considerados para fins de<br />

verificação do quorum de instalação e deliberação.<br />

Também poderão participar da assembléia, mas sem direito a voto e sem<br />

serem considerados para fins de verificação do quorum de instalação e<br />

deliberação, o cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, colateral até o 2º grau,<br />

ascendente ou descendente do devedor, do administrador, do sócio controlador, de<br />

membro dos conselhos consultivos, fiscal ou semelhantes da sociedade devedora<br />

e da sociedade em que quaisquer dessas pessoas exerçam essas funções 72 .<br />

Destaquemos que além do próprio devedor e do administrador judicial, a<br />

princípio, apenas os credores detêm legitimidade para participar da assembléia<br />

geral, sendo certo que cada credor deverá assinar a lista de presença, que será<br />

encerrada no momento da instalação. Uma vez iniciados os trabalhos, não há<br />

possibilidade de inscrição retardatária de credor para que este vote na assembléia<br />

já instalada. A importância dessa regra reside na idéia de dar segurança jurídica às<br />

assembléias, em razão das regras de quorum para sua instalação e deliberação.<br />

O credor poderá estar acompanhado de advogado, que ficará restrito a<br />

assessorá-lo durante a assembléia, não podendo se dirigir ao plenário ou à mesa<br />

sem prévia autorização, sendo o direito de voz e de voto exclusiva do credor.<br />

72 Conforme parágrafo único do art. 43 da LRF.<br />

74


Entretanto, nos termos do §4º do art. 37 da LRF, o credor poderá ser<br />

representado na assembléia geral por mandatário ou representante legal, desde<br />

que entregue ao administrador judicial, 24 (vinte quatro) horas antes da data<br />

prevista no aviso de convocação, documento hábil que comprove seus poderes ou<br />

indicação das folhas dos autos do processo em que se encontre o documento.<br />

Ressalte-se que o procurador ou mandatário deverá possuir poderes específicos<br />

para participar da assembléia, podendo deliberar, renunciar, transigir; não sendo<br />

aceita procuração ou mandato com poderes gerais 73 , ou simplesmente ad judicia.<br />

Também os sindicatos de trabalhadores poderão representar seus<br />

associados titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes<br />

de acidente de trabalho que não comparecem, pessoalmente ou por procurador, à<br />

assembléia de credores. Para tanto, os sindicatos deverão apresentar ao<br />

administrador judicial, até dez dias antes da assembléia, a relação dos associados<br />

que pretenda representar, e o trabalhador que conste da relação de mais de um<br />

sindicato deverá esclarecer, até 24 (vinte quatro) horas antes da assembléia, qual<br />

sindicato o representa, sob pena de não ser representado em assembléia por<br />

nenhum deles. 74<br />

Jairo Saddi 75<br />

vê com reservas esta representação, vislumbrando<br />

vantagens e desvantagens na participação desse órgão em uma das mais<br />

importantes classes da recuperação judicial:<br />

Há, como tudo, vantagens e desvantagens nessa provisão: por um lado, o<br />

sindicato, entidade coletiva e legítima, supõe-se mais organizado e preparado do<br />

que um trabalhador individual, que muitas vezes não dispõe nem de tempo nem<br />

do conhecimento especializado. No entanto, com essa representação, está se<br />

trazendo para a arena da Assembléia um novo ator que pode ter uma agenda de<br />

73 Conforme § 1º do art. 661 do CC/2002.<br />

74 Conforme §§ 5º e 6º do art.37 da LRF.<br />

75 SADDI, Jairo. Considerações sobre o Comitê e a Assembléia de Credores na Nova Lei<br />

Falimentar. In:PAIVA, Luiz Fernando Valente de Paiva (Coord.). Direito Falimentar e a Nova Lei de<br />

Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 208.<br />

75


facto muito diferente daquela necessária ou mais adequada a um processo de<br />

recuperação ou liquidação de ativos, onde a todos são impostos sacrifícios. O<br />

leitor facilmente perceberá que, se um sindicalista é eleito pelo voto dos<br />

sindicalizados, sua atuação será na esfera da política sindical, não<br />

necessariamente na de credor interessado na recuperação. Claro que não é<br />

regra geral, mas a história recente do sindicalismo brasileiro mostra que isso<br />

pode ocorrer. Deveria haver, ao lado da possibilidade de participação do<br />

sindicato como representante dos trabalhadores - o que poderia acontecer de<br />

qualquer jeito, por meio de representação legal -, mecanismos de controle de<br />

abusos que possam vir a ser cometidos.<br />

A assembléia será presidida pelo administrador judicial 76 , salvo, na<br />

hipótese incompatibilidade deste, quando então a assembléia será presidida pelo<br />

credor presente que seja titular do maior crédito.<br />

Ao presidente compete verificar a legitimidade dos credores antes de<br />

assinarem a lista de presença. É conveniente que ao lado da assinatura de cada<br />

credor conste o valor de seu crédito, de acordo com a respectiva classificação,<br />

facilitando assim, o computo do quorum para instalação e votação.<br />

Se, por ventura, for instalada a assembléia e aparecer algum credor que<br />

não assinou a lista, este não poderá participar das deliberações, pois será<br />

considerado como não presente.<br />

Destaque-se que a participação de devedor na assembléia-geral de<br />

credores é indispensável quando a deliberação for relacionada à modificação do<br />

plano de recuperação judicial, entretanto, fora dessa situação, a participação do<br />

devedor ocorrerá somente se for ele convidado pelos credores, ou convocado pelo<br />

juiz para prestar esclarecimentos sobre o plano de recuperação judicial.<br />

O presidente da assembléia designará um secretário, dentre os credores<br />

presentes, para auxiliá-lo em suas tarefas. Os trabalhos serão iniciados com a<br />

leitura da ordem do dia pelo presidente da assembléia, prosseguindo-se, então,<br />

com a discussão e votação de cada uma das matérias.<br />

76 Conforme caput do art. 37.<br />

76


Durante o debate a mesa resume a matéria a ser debatida, eventualmente<br />

passando a palavra aos profissionais que auxiliam o administrador judicial<br />

convocados para explanarem sobre a matéria. Seguem-se as perguntas dos<br />

credores e as respostas com os esclarecimentos pertinentes. O presidente então<br />

dá inicio ao debate dando a palavra a cada um dos credores. Encerrado o debate,<br />

tem-se o início da votação.<br />

Conforme Leciona Jorge Lobo 77 :<br />

Abertos os trabalhos da assembléia e lida a ordem do dia, o presidente deverá<br />

informar: a) o número de credores presentes, caso se vá deliberar sobre as<br />

matérias previstas no art. 35 I, a, c/c o art. 45, caput ; b) o valor total dos créditos<br />

dos credores presentes; c) o quorum de deliberação de cada classe de credores;<br />

d) a forma de votação; e e) o quorum de deliberação para apuração do resultado<br />

final.<br />

A seguir, se a assembléia geral houver sido convocada com fundamento no art.<br />

56, o secretário fará uma síntese da objeção oposta com respaldo no art. 55,<br />

facultado a qualquer credor pleitear a sua leitura integral e dos documentos que a<br />

instruem, devendo o administrador judicial, no exercício da presidência dos<br />

trabalhos, conceder a palavra aos credores, que desejarem manifestar-se, e ao<br />

devedor, para que responda à objeção.<br />

Encerrados os debates, o presidente deverá pôr em votação a matéria para<br />

deliberação da assembléia, na forma dos arts. 38, 39 e 42. Igual procedimento<br />

deverá ser observado na hipótese de haver sido apresentada proposta de<br />

alteração do plano de recuperação (art. 56 § 3º) e nos casos especificados no art.<br />

35, I, b a f, e II da LRE.<br />

Destaque-se que cabe à mesa diretora dos trabalhos delimitar com<br />

cuidado o conjunto de credores envolvidos para votação de cada matéria em<br />

apreciação. Se a revisão do passivo trabalhista constante do plano de<br />

reorganização implicar, por exemplo, antecipação de pagamentos devidos aos<br />

trabalhadores, o que impacta o fluxo de caixa da sociedade devedora todos os<br />

credores sujeitos à recuperação judicial são interessados e não apenas os titulares<br />

77 LOBO, Jorge. Da Assembléia-Geral de Credores. In: TOLEDO, Paulo F. C. Salles, ABRÃO,<br />

Carlos Henrique (Coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo:<br />

Saraiva, 2005, p.91.<br />

77


de créditos trabalhistas. Assim, no caso deste exemplo, as três classes de<br />

credores irão deliberar. 78<br />

Ao presidente do conclave competirá manter a ordem no recinto, tendo<br />

autoridade, inclusive, para dele expulsar quem pratique atos que possam ser<br />

caracterizados como crimes e/ou contravenções, ou atentarem contra o decoro,<br />

inclusive por motivos de embriagues ou manifesta insanidade mental, mas não por<br />

excessos verbais ou pela apresentação de protestos veementes, eis que tais<br />

desdobramentos são naturais quando há dissídio no conclave. 79<br />

A assembléia de credores se encerrará com a proclamação do resultado<br />

das deliberações constantes da ordem do dia e lavratura de ata, que deverá conter<br />

o resultado das deliberações, os nomes dos presentes, bem como a assinatura do<br />

presidente, do devedor e de 2 (dois) membros de cada classe votante, devendo ser<br />

entregue ao juiz, juntamente com a lista de presença, no prazo de 48 (quarenta e<br />

oito) horas.<br />

3.2.2. Atribuições da Assembléia Geral de Credores<br />

Dispõe o art. 35 da Lei de Recuperações e Falência que a assembléia<br />

geral de credores terá por atribuições, na recuperação judicial, deliberar sobre:<br />

a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial<br />

apresentado pelo devedor;<br />

b) a constituição do comitê de credores, a escolha de seus membros e a<br />

sua substituição;<br />

78 COELHO, Fábio Ulhoa. op.cit., p. 106.<br />

79 FRANÇA, Erasmo Valadão Azevedo e Novaes. op.cit., p.76.<br />

78


c) o pedido de desistência do devedor, nos termos do §4º do art.52;<br />

d) o nome do gestor judicial quando do afastamento do devedor;<br />

e) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.<br />

Como se percebe, o rol de atribuições determinados na lei não é um rol<br />

taxativo, estando aberta à convocação da assembléia para quaisquer assuntos<br />

relevantes ao interesse dos credores.<br />

Leciona Sergio Campinho 80 que<br />

Na fluência dos processos de recuperação judicial ou falência podem emergir<br />

matérias que demandem a deliberação dos credores neles envolvidos. Essas<br />

matérias que reclamam decisão podem ser simplesmente acidentais ou decorrem<br />

de uma situação processual específica. No primeiro caso, a instalação da<br />

assembléia-geral de credores será facultativa, motivada, assim, por interesse<br />

momentaneamente verificado, de cunho geral ou particular a uma categoria de<br />

credores. No segundo caso, a instalação do conclave deliberativo se mostra<br />

obrigatória, funcionando como condição necessária e indispensável de uma<br />

questão do processo.<br />

Em regra, serão consideradas necessárias ou obrigatórias as assembléias<br />

para aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial<br />

apresentado pelo devedor; a assembléia para analisar pedido de desistência do<br />

devedor de seu requerimento de recuperação judicial (formulado após o despacho<br />

de deferimento do processamento da recuperação judicial) e aquela para a escolha<br />

do gestor judicial, quando do afastamento do devedor da condução de seus<br />

negócios.<br />

Serão facultativas as assembléias para constituição do comitê de<br />

credores, bem como a substituição deste e as que tratam de qualquer outra<br />

matéria que possa afetar os interesses dos credores.<br />

Importa destacar que embora facultativas, algumas assembléias são<br />

extremamente importantes para a recuperação judicial, como é o caso, por<br />

80 CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa – o novo regime de insolvência<br />

empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 75.<br />

79


exemplo, da assembléia para constituição do comitê de credores que terá como<br />

atribuições na recuperação judicial:<br />

a) Fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial;<br />

b) Zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei;<br />

c) Comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos<br />

interesses dos credores;<br />

d) Apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados;<br />

e) Requerer ao juiz a convocação da assembléia geral de credores;<br />

f) Manifestar-se nas hipóteses previstas na Lei 11.101/2005;<br />

g) Fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a<br />

cada 30 dias, relatório de sua situação;<br />

h) Fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial;<br />

i) Submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do<br />

devedor nas hipóteses previstas na LRF, a alienação de bens do ativo<br />

permanente, a constituição de ônus reais e outras garantias, bem como<br />

atos de endividamento necessários à continuação da atividade<br />

empresarial durante o período que antecede a aprovação do plano de<br />

recuperação judicial.<br />

Ainda sobre o Comitê de Credores importa dizer, que este, embora seja<br />

um órgão facultativo, será de extrema valia para as recuperações judiciais de maior<br />

vulto, haja vista o seu papel de agente fiscalizador. Entretanto, na hipótese de<br />

recuperação judicial de pequeno vulto, entendemos que tal órgão pode acabar<br />

sendo um verdadeiro entrave à recuperação da empresa, haja vista que será mais<br />

uma burocracia a ser superada; devendo os credores reunidos em assembléia<br />

decidirem sobre a viabilidade ou não de constituição de tal comitê.<br />

80


3.2.3. Da aprovação do Plano de Recuperação Judicial nos termos<br />

do §1º do art. 58 da LRF (Cram Down).<br />

A Lei de Recuperações e Falência estabeleceu no §1º do art. 58 a<br />

possibilidade de ser concedida a recuperação judicial cujo plano tenha sido<br />

aprovado em assembléia com substancial apoio entre os credores, mas sem<br />

alcançar quorum qualificado previsto no art. 45. Trata-se do que a doutrina<br />

denomina de cram down.<br />

Em tal hipótese tem-se uma segunda alternativa à hipótese prevista no<br />

art. 45 da LRF, possibilitando a aprovação do plano de recuperação com um<br />

quorum alternativo, permanecendo, no entanto, o poder de decisão a cargo dos<br />

credores.<br />

Assim, nos termos do §1º do art. 58, o juiz poderá conceder a recuperação<br />

judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 da LRF,<br />

desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa o voto<br />

favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os<br />

créditos presentes à assembléia, independentemente da classe e a aprovação de<br />

duas das classes de credores nos termos do art. 45 e o voto favorável de mais de<br />

1/3 dos credores na classe em que foi rejeitado.<br />

Em que pesem opiniões contrárias, estando presentes os requisitos<br />

previstos nos incisos do § 1º do art. 58, o juiz não poderá deixar de conceder a<br />

recuperação.<br />

81


Limitamos-nos a essa breve explanação sobre a hipótese do cram down<br />

prevista no § 1º do art. 58 da Lei 11.101/2005, eis que o tema não é objeto do<br />

presente estudo.<br />

82


4. DO VOTO EM ASSEMBLÉIA GERAL<br />

4.1. Direito de voto na Assembléia Geral de Acionistas<br />

O voto é uma declaração de vontade, aplicando-se normalmente à<br />

disciplina dos negócios jurídicos.<br />

Nas sociedades anônimas, a vontade social forma-se por meio do<br />

exercício do direito de voto, manifestado nas Assembléias Gerais. Assim, nas<br />

anônimas, o voto é o meio pelo qual os acionistas mediante vontades individuais,<br />

criam a vontade coletiva. 81<br />

O Decreto n.434 de 1891 estabelecia um regime de voto a partir de um<br />

número mínimo de ações, cabendo ao estatuto social da companhia dispor a<br />

respeito desse quantum de capital que cada acionista deveria possuir para votar.<br />

Desse modo, o art. 114 do antigo decreto, ao vincular o direito de voto aos lotes de<br />

ações possuídos, consagrava o domínio oligárquico da sociedade anônima, na<br />

qual somente os grandes detentores do capital poderiam votar. 82<br />

Com o advento do Decreto-lei 2.627 de 1940, que se filiou à teoria da<br />

igualdade de direitos de todos os acionistas, o direito de voto passou a ser<br />

garantido pela lei à classe das ações ordinárias independentemente do número de<br />

ações, sendo tal direito inderrogável pelo estatuto ou pela assembléia geral.<br />

Assim, o acionista minoritário, ao participar e votar nas Assembléias<br />

Gerais estaria exercendo uma prerrogativa fundamental da condição de acionista,<br />

visto que o voto por ele manifestado poderia, pelo menos em tese, influenciar na<br />

formação da vontade da sociedade anônima.<br />

81 LAMY FILHO, Aedo; PEDREIRA FILHO, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A.: pressupostos,<br />

elaboração e aplicação. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, v.1, p. 85.<br />

82 VALVERDE, Trajano de Miranda citado por Modesto Carvalhosa. Comentários à Lei de<br />

Sociedade Anônima. São Paulo: Saraiva, 1998, v.2, p. 323.


No entanto, há de se destacar que o Decreto-lei 2.627/1940 apenas<br />

admitia o direito de voto pelo próprio acionista, sendo inadmissível a cessão do<br />

direito de voto, eis que este era considerado inseparável da propriedade da ação e,<br />

portanto, dos interesses patrimoniais que esta representava. Desse modo, apenas<br />

o proprietário da ação ou seu representante que fosse também acionista poderia<br />

exercer a prerrogativa do voto.<br />

Ressalte-se ainda, que o referido decreto-lei não admitia qualquer<br />

distinção quanto ao direito de voto das ações ordinárias e limitava a emissão de<br />

ações preferenciais sem direito a voto à metade do capital da companhia;<br />

conferindo assim, o direito de voto a pelo menos metade das ações representativas<br />

do capital social.<br />

Por sua vez, a Lei 6.404 de 1976 apesar de manter a mesma redação do<br />

artigo 80 do revogado Decreto-lei 2.627/1940, passou a seguir em matéria de voto,<br />

a escola contratual do direito anglo americano, abandonando o princípio de que o<br />

direito de voto é inerente à propriedade da ação. Desse modo, o titular da ação<br />

passou a deter a prerrogativa de dispor do seu direito de voto; podendo inclusive<br />

outorgar poderes a não-acionistas, na qualidade de procuradores dos proprietários<br />

das ações; e podendo os administradores da companhia representar acionistas na<br />

assembléia geral.<br />

Ressalte-se inclusive, que a Lei de 1976 induziu a cessão do direito de<br />

voto a favor das instituições financeiras, ao atribuir-lhes, juntamente com as bolsas,<br />

o monopólio dos serviços de agente emissor de certificados, de administradores de<br />

ações escriturais, de custódia de ações fungíveis e de emissão de certificados de<br />

depósitos de ações 83 .<br />

83 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol.2. São Paulo:<br />

Saraiva, 1998, p.326.<br />

84


Outra modificação da Lei n° 6.404/1976 em relação ao antigo Decreto n°<br />

2.627/1940 foi a autorização de emissão de diversas classes de ações ordinárias<br />

nas companhias fechadas, deixando tais ações de se caracterizarem pela absoluta<br />

igualdade de direitos entre seus titulares, como era o caso, por exemplo, das<br />

revogadas ações ordinárias ao portador que não tinham direito de voto.<br />

Leciona Modesto Carvalhosa 84 :<br />

A Lei 6.404, de 1976, ao adotar o regime de cessão de voto e ao cercear o seu<br />

exercício através da forma e da classe, legalizou o fenômeno do absenteísmo<br />

dos acionistas nas assembléias gerais.<br />

Ao assim proceder, o legislador tornou irreversível a tendência não associativa do<br />

acionista moderno. A lei deixou de ser educativa, portanto, no que diz respeito à<br />

reversão dessa tendência danosa de não participação dos acionistas na<br />

condução e na elaboração da política da companhia.<br />

Ao obstaculizar o direito de voto aos acionistas não controladores ou ao drenar<br />

os votos dos minoritários para as instituições financeiras, a Lei 6.404/76 negou à<br />

sociedade anônima o caráter de instrumento de democratização do capitalismo<br />

no País; a não ser que se entenda por capitalismo democrático a reserva do<br />

exercício do poder social unicamente ao controlador, outorgando-se ao acionista<br />

minoritário, como compensação, a realização unicamente de seu interesse<br />

patrimonial, representado pelo dividendo obrigatório (art. 202).<br />

Entretanto, com a entrada em vigor da Lei 8.021/1990 tem-se uma<br />

significativa mudança no que tange ao direito de voto nas companhias, eis que<br />

foram revogadas todas as ações ao portador e endossáveis, instituindo-se, por<br />

conseqüência, a obrigatoriedade de todas as ações serem nominativas.<br />

Interessante lembrar que as razões que levaram a entrada em vigor da Lei<br />

8.021/1990 não tinham qualquer intuito de reduzir a hegemonia absoluta dos<br />

controladores, mas sim de reduzir ou mesmo acabar com os efeitos que o sistema<br />

de ações ao portador produzia na evasão fiscal e na formação de patrimônios<br />

fantasmas junto às instituições financeiras.<br />

84 CARVALHOSA, Modesto. op.cit, 1998, p.327.<br />

85


De qualquer modo, fato é que a Lei 8.021/1990 ao acabar com os títulos<br />

ao portador e endossáveis, derrogou o art. 112, eis que este passou a ser<br />

incompatível com o ordenamento jurídico e ampliou o colégio votante das<br />

companhias, pois o direito de voto já não poderia mais ser cerceado tendo em<br />

conta a forma das ações ordinárias.<br />

Ocorre que na década de 1990 tem-se no Brasil o início de inúmeras<br />

privatizações, cisões, aquisições e fusões que objetivando melhorar os resultados<br />

empresariais e reestruturar o modelo empresarial nacional, levaram à modificação<br />

da Lei 6.404/76 através da Lei 9.457 de 1997. Ou seja, para viabilizar a abertura do<br />

mercado ao capital estrangeiro e operações de cisão, incorporação, fusões e em<br />

especial as de desestatização, afastou-se o direito de retirada dos minoritários e<br />

introduziu a noção de valor econômico na sistemática de cálculo das indenizações,<br />

levando ao desestímulo do pequeno investidor.<br />

Entretanto, efetivadas as modificações objetivadas, em especial as<br />

privatizações, o mercado passa a sentir a necessidade de maior participação dos<br />

minoritários e é dentro desse panorama que se tem inicio a uma nova reformulação<br />

da Lei de S/A.<br />

Antes mesmo da aprovação do projeto de Lei que levou à entrada em<br />

vigor da Lei 10.303/2001, a BOVESPA já vinha estabelecendo regras para o Novo<br />

Mercado em que ampliava o direito das minorias e restringia a utilização, pelas<br />

companhias, de ações preferenciais sem direito a voto.<br />

Em 31/10/2001 é então publicada a Lei 10.303 que alterou e acrescentou<br />

dispositivos na lei 6.404/1976 visando atrair investidores para o mercado de<br />

capitais brasileiro, estabelecendo regras garantidoras de direitos dos acionistas<br />

minoritários, bem como a adoção de padrões de governança corporativa, em voga<br />

86


no mundo todo e que tem por objetivo garantir tratamento eqüitativo a todos os<br />

acionistas.<br />

Damos destaque às modificações inseridas no art.115 que trata do abuso<br />

de direito de voto e do qual trataremos especificamente no capítulo subseqüente;<br />

às modificações inseridas no art. 117 que trata das ações preferenciais sem direito<br />

a voto ou com voto restrito e que deu maiores garantias às ações preferenciais; as<br />

modificações introduzidas no art. 118 que dispôs sobre o acordo de acionistas; e<br />

por fim os artigos 155, 157 e 165-A que cuidam do dever de lealdade do<br />

administrador.<br />

Em relação ao acordo de acionistas no que tange ao exercício do direito<br />

de voto, citamos a lição de Celso Barbi Filho citado pela Professora Márcia Carla<br />

Pereira Ribeiro 85 em artigo publicado na Revista da Faculdade de Direito da UFPR:<br />

Antes da Lei, a doutrina dividia-se em duas grandes vertentes na análise das<br />

situações de acordo de acionistas: uma que reconhecia a validade do acordo<br />

como negócio jurídico fundado no direito das obrigações, válido dentro dos<br />

princípios privatistas de aceitar como permitido o que a lei não proíbe; outra que<br />

repudiava o pacto porque estar-se-ia a retirar da assembléia sua função<br />

institucional de fórum de debates, por permitir o estabelecimento de resoluções<br />

prévias dos signatários sobre os temas encaminhados ao debate e deliberação,<br />

para esta segunda corrente o pacto poderia ser válido entre as partes do negócio<br />

mas não seriam oponíveis à companhia.<br />

E continuando, salienta a Professora Márcia Carla P. Ribeiro 86 :<br />

A Lei 6.404 não criou nem definiu o instituto, apenas legalizou-o pelo<br />

reconhecimento. Trata-se de um contrato firmado por acionistas de uma mesma<br />

companhia. Em razão de suas peculiaridades, tem como fonte primária a Lei<br />

societária e secundária o direito das obrigações. No art. 118 da lei do anonimato<br />

tem-se a matriz legal do acordo no direito positivo pátrio, mas a validade deste<br />

contrato deve estar sempre amparada pelas regras do direito comum aos<br />

negócios jurídicos.<br />

Na sistemática que antecedeu a reforma, a Lei previa a possibilidade de que tais<br />

ajustes parassociais versassem primordialmente, sobre dois objetos: a regulação<br />

do exercício de voto e a regulação da negociabilidade das ações. Quando o<br />

objeto do acordo enquadrava-se na tipificação, os pactos deveriam ser<br />

observados pela companhia e surtiriam efeitos perante terceiros, desde que<br />

85 BARBI FILHO, Celso citado por RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Acordo de Acionistas: Um breve<br />

estudo acerca das modalidades. Revista da Faculdade de Direito da UFPR. v.36.p.64.<br />

86 RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. op.cit., p.64.<br />

87


arquivados na sede da companhia. Certamente que tais acordos não se<br />

resumiriam às hipóteses previstas pelo legislador. Ao enumerá-las o legislador<br />

não inibiu que se estipulassem outros objetos, mas, valendo-se de situações<br />

específicas, disciplinou os seus efeitos em relação à própria sociedade.<br />

Com a reforma, a nova redação do art.118 consagra a ampliação da utilização<br />

desses acordos ao incluir no caput do dispositivo um novo objeto do pacto que se<br />

refere ao exercício do poder de controle. Na redação originaria o pacto já poderia<br />

estar associado ao exercício do poder de controle, não como objeto, mas como<br />

efeito do conteúdo do acordo de acionistas. A partir da nova redação abre-se<br />

espaço para que o pactuado verse de forma especifica sobre o exercício do<br />

poder de controle, podendo ser registrado e arquivado na companhia, de forma a<br />

garantir maior segurança aos signatários e observância pela companhia, que, de<br />

qualquer sorte, deverá cumprir o pactuado.<br />

O acordo de acionistas é um importante instrumento de administração<br />

coorporativa vez que nas sociedades anônimas a dispersão societária muitas<br />

vezes acaba por levar inúmeros conflitos de interesses. Desse modo, os acordos<br />

viabilizam uma melhor organização empresarial, evitando surpresas e desconforto<br />

nas assembléias de acionistas, deixando menos conflituosa a gestão da<br />

companhia, pois possibilita aos acionistas uma forma lícita de controle da<br />

administração da companhia.<br />

Deve ficar claro, no entanto, que em que pese a possibilidade de acordo<br />

de acionistas visando o controle acionário, a lei preceitua limites, seja vedando o<br />

exercício abusivo do direito de voto, seja vedando o abuso de poder do acionista,<br />

devendo o pacto respeitar o ordenamento jurídico vigente. Não pode, por exemplo,<br />

o acordo versar sobre o tráfico de voto 87 , o qual constitui crime previsto no §2º do<br />

art. 177 do Código Penal, apenado com detenção de seis meses a dois anos e<br />

multa; também são vedados os acordos que tenham por objeto aprovações de<br />

contas da companhia (declaração de verdade); violação da legislação antitruste, de<br />

87 O tráfico de votos distingui-se da cessão de direito de voto pelo acionistas, eis que neste o<br />

acionista cede a terceiros o exercício do direito de voto, mantendo os demais direitos e deveres<br />

inerentes à ação; enquanto no tráfico de votos o próprio acionista vota na assembléia geral,<br />

mediante vantagem direta ou indireta recebida, para atender a interesses de outros acionistas, dos<br />

administradores ou dos controladores.<br />

88


proteção à economia popular e aos consumidores; bem como violação de direitos<br />

essenciais dos acionistas.<br />

Demais disso, os acordos de acionistas não apenas possibilitam o poder<br />

de controle, como também permitem aos sócios minoritários, mediante aglutinação<br />

de suas ações, fazerem sentir a sua opinião nas decisões societárias 88 .<br />

As alterações consagradas na Lei Societária demonstram o poder de<br />

adaptação do direito comercial, e muito especialmente, do direito societário, em<br />

face das modificações dos instrumentos e suas necessidades fáticas 89 .<br />

No direito brasileiro, o voto não está enumerado entre as prerrogativas<br />

essenciais do acionista. Vale dizer que não se inclui entre os direitos individuais<br />

cabíveis a todos os sócios. 90<br />

O direito de voto na S/A é direito de classe de acionista; podendo,<br />

portanto, inexistir para uma determinada classe de ações, mas não para um<br />

determinado acionista (ressalvada a exceção prevista no art. 120 da Lei de S/A 91 ).<br />

É a propriedade da ação com direito a voto que implica no exercício de tal direito e<br />

não o valor patrimonial despendido pelo acionista. Não há uma proporcionalidade<br />

entre o risco patrimonial do sócio e o exercício do direito de voto.<br />

Destaque-se que a lei estabelece que a cada ação ordinária corresponda<br />

um voto nas deliberações da assembléia geral, o que não poderá ser suprimido<br />

pelo estatuto, pois se trata de preceito de ordem pública. Ademais, o voto não pode<br />

ser dividido; ainda que haja condomínio sobre a propriedade da ação.<br />

88 MODESTO, Carvalhosa. op.cit., 2009, p.475.<br />

89 RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. op.cit., p.63.<br />

90 CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p. 331.<br />

91 Art. 120. A assembléia-geral poderá suspender o exercício dos direitos do acionista que deixar de<br />

cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto, cessando a suspensão logo que cumprida a<br />

obrigação.<br />

89


Distintamente do que ocorre com o direito de voto político, que é entendido<br />

como uma obrigação de cidadania, o voto na S/A é um direito individual do<br />

acionista, tendo este a prerrogativa de exercitar o seu direito ou não.<br />

Assim, o direito de voto, nas sociedades por ações, em todas as<br />

legislações e não apenas na nossa, é direito a liberdade, sem qualquer dos<br />

aspectos de obrigatoriedade que caracterizam as normas reguladoras das eleições<br />

de natureza política, em alguns países. 92<br />

Entretanto, deve ficar claro que embora seja um direito individual, o direito<br />

de voto detém uma profunda conotação social, eis que é destinado a formar uma<br />

vontade coletiva.<br />

Por fim, importa destacar que o direito de voto de acionistas tem seus<br />

preceitos delimitados no sistema normativo em geral e em especial na lei societária<br />

e no estatuto social da companhia, devendo, como qualquer direito, ser exercido<br />

dentro dos limites da lei e da boa-fé.<br />

4.2. Do direito de voto na Assembléia Geral de Credores<br />

O voto constitui a forma legal adequada de manifestação dos credores<br />

reunidos em assembléia geral para aprovação, modificação ou rejeição do plano<br />

de recuperação, bem como para outras decisões a cargo da assembléia de<br />

credores.<br />

Distintamente do que ocorre nas assembléias das anônimas em que a<br />

regra geral é de que a cada ação ordinária corresponde um voto, nas assembléias<br />

de credores a regra geral é de que o voto será proporcional ao valor do crédito.<br />

92 CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p. 333.<br />

90


Dispõe o art. 38 da Lei 11.101/2005, in verbis:<br />

Art.38. O voto do credor será proporcional ao valor de seu crédito, ressalvado,<br />

nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, o disposto no §2º do art.<br />

45 93 desta Lei.<br />

Parágrafo único. Na recuperação judicial, para fins exclusivos de votação em<br />

assembléia-geral, o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda<br />

nacional pelo cambio da véspera da data de realização da assembléia.<br />

Temos, portanto, como regra geral que o voto proferido em assembléia de<br />

credores será proporcional ao valor de seu crédito quando a assembléia deliberar<br />

sobre: constituição do Comitê de Credores, escolha de seus membros e sua<br />

substituição; pedido de desistência da recuperação; nome do gestor judicial;<br />

adoção de outras modalidades de realização do ativo; bem como quaisquer outras<br />

matérias que possam afetar os interesses dos credores. Como exceção, tem-se<br />

que nas deliberações para aprovação, modificação ou rejeição do plano de<br />

recuperação, o voto dos titulares de crédito derivado da legislação do trabalho será<br />

computado por cabeça, dos presentes à assembléia.<br />

Ademais, conforme parágrafo único do artigo supracitado, o crédito em<br />

moeda estrangeira deverá ser convertido para a moeda nacional, pelo cambio da<br />

véspera da data de realização da assembléia, a fim de enquadrar-se no sistema<br />

proporcional de seus votos.<br />

Todos os credores do devedor poderão participar da assembléia-geral,<br />

entretanto, apenas os titulares de crédito arrolados no quadro geral de credores<br />

estão legitimados a votar.<br />

Na hipótese de indefinição do quadro geral de credores, estarão<br />

legitimados a votar os credores constantes da relação apresentada pelo<br />

93 § 2 o do art. 45. Na classe prevista no inciso I do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada<br />

pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito.<br />

91


administrador 94 ; ou ainda, na ausência desta, na relação nominal apresentada pelo<br />

devedor nos termos do inciso III e IV do art.51 da LRF. 95<br />

Também estarão legitimados a votar os credores que estiverem<br />

habilitados na data da realização da assembléia, os titulares de crédito admitido ou<br />

alterado por decisão judicial 96 , inclusive os que tenham obtido reserva de<br />

importâncias, bem como os credores de quantia ilíquida, hipótese em que caberá<br />

ao juiz estimar o valor do crédito para apuração do voto.<br />

4.3. Exclusão do direito de voto<br />

Os credores por obrigação a título gratuito não terão qualquer participação<br />

no processo de recuperação, sendo extinto o referido crédito e exonerado o<br />

devedor de honrá-lo 97 .<br />

Os credores retardatários, excetuando-se os trabalhistas, por não terem<br />

observado o prazo legal para habilitação previsto no §1º do art.7º, não terão direito<br />

de voto na assembléia 98 , e em que pese às críticas feitas por parte da doutrina,<br />

deve ficar claro que o objetivo do legislador foi de garantir uma maior celeridade no<br />

processo de recuperação, bem como de dar segurança jurídica às decisões<br />

94 §2º do Art. 7º da Lei 11.101. O administrador judicial, com base nas informações e documentos<br />

colhidos na forma do caput e do §1º deste artigo, fará publicar edital contendo a relação de<br />

credores no prazo de 45 dias, contado do fim do prazo do §1º deste artigo, devendo indicar o local,<br />

o horário e o prazo comum em que às pessoas indicadas no art.8º desta Lei terão acesso aos<br />

documentos que fundamentam a elaboração dessa relação.<br />

95 Conforme art.39 da LRF.<br />

96 Permite o parágrafo único do art. 17 que o credor que tiver rejeitado pelo Juiz da Recuperação<br />

Judicial, o pedido de habilitação ou a impugnação apresentada, interponha agravo requerendo seja<br />

determinado a inscrição ou modificação do valor ou classificação do seu crédito, para fins do<br />

exercício do direito de voto em assembléia geral. Concedida antecipadamente a tutela recursal,<br />

poderá o credor exercer o seu direito de voto no conclave.<br />

97 Conforme art.5º, §1º da LRF.<br />

98 Conforme §1º do art. 10 da LRF.<br />

92


assembleares, evitando-se atrasos e adiamentos com o objetivo de evasão dos<br />

bens patrimoniais do devedor, tal qual ocorria em sede de concordata.<br />

Ademais, a recuperação atinge apenas os credores existentes ao tempo<br />

do pedido de recuperação judicial; dela não participando os credores cujas<br />

obrigações tenham sido constituídas após o pedido.<br />

Os titulares de créditos não abrangidos pelo plano de recuperação judicial,<br />

também não terão direito de voto e tampouco serão considerados para fins de<br />

verificação do quorum de deliberação, desde que o plano não altere as condições<br />

originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos<br />

encargos. 99<br />

Se houver mais de um plano em votação, e apenas um deles alterar o direito de<br />

determinado credor, ele participa apenas da votação deste e não do outro.<br />

Essa exclusão da base de cálculo do quorum de deliberação do Plano justifica-se<br />

no pressuposto da lei de que o credor não atingido pela proposta de<br />

reorganização da empresa não teria nenhum interesse no resultado da votação.<br />

Tal pressuposto é questionável porque, mesmo não sendo atingido diretamente<br />

pela proposta em votação, é claro que o credor pode ter o seu direito ameaçado<br />

na hipótese de aprovação de um plano inconsistente, que não leve à efetiva<br />

recuperação do devedor. 100<br />

Destaque-se que este impedimento poderá afetar inclusive classes inteiras<br />

de credores, como por exemplo, se o plano estabelecer a alienação de<br />

estabelecimento e a venda parcial de bens (art. 50, VII e XII). Caso tais credores<br />

entendam que o plano poderá causar-lhes prejuízo, poderão fazer objeção ao<br />

plano apresentado nos termos do art.55 da LRF.<br />

Também não terão direito a voto e não serão considerados para fins de<br />

verificação do quorum de instalação e deliberação da assembléia os titulares de<br />

créditos titularizados por proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis;<br />

arrendador mercantil; proprietário ou promitente vendedor de imóveis cujos<br />

99 Conforme §3º do art. 45 da LRF.<br />

100 COELHO, Fábio Ulhoa. op.cit., p.112.<br />

93


contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em<br />

incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de<br />

domínio, para os quais prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as<br />

condições contratuais, observando-se a tutela a eles garantida na legislação<br />

específica 101 .<br />

Além disso, não terão direito a voto e não serão considerados para fins de<br />

verificação do quorum de instalação e de deliberação (embora possam participar<br />

da assembléia de credores) os sócios do devedor, assim como as sociedades<br />

coligadas, sociedades controladoras ou controladas ou as que tenham sócios ou<br />

acionistas com participação superior a 10% do capital social 102 .<br />

Entretanto, aos credores excluídos da votação, a lei concede direito de<br />

voz, que consiste em participar da discussão das matérias submetidas à<br />

deliberação.<br />

4.4. Invalidade da Assembléia Geral de Credores<br />

Nenhuma deliberação da assembléia geral será invalidada em razão de<br />

posterior decisão judicial acerca da existência, quantificação ou classificação de<br />

créditos que serviram de base de cálculo para apuração do quorum de instalação e<br />

de deliberação 103 .<br />

Não há uma disciplina geral das invalidades relativas à assembléia-geral<br />

de credores, cuidando a lei apenas de uma hipótese especial no §2º do art. 39 e<br />

101 Conforme §1º do art. 39 da LRF<br />

102 Conforme art. 43 da LRF.<br />

103 Conforme §2º do art. 39 da LRF.<br />

94


aludindo à “invalidação de deliberação de assembléia” no §3º do mesmo artigo 104 ,<br />

senão vejamos:<br />

§ 2 o As deliberações da assembléia-geral não serão invalidadas em razão de<br />

posterior decisão judicial acerca da existência, quantificação ou classificação de<br />

créditos.<br />

§ 3 o No caso de posterior invalidação de deliberação da assembléia, ficam<br />

resguardados os direitos de terceiros de boa-fé, respondendo os credores que<br />

aprovarem a deliberação pelos prejuízos comprovados causados por dolo ou<br />

culpa.<br />

É obvio, ou pelo menos deveria ser, que a regra prevista no § 2º<br />

supracitado, não significa dizer que, verificada posteriormente, por decisão judicial,<br />

a existência, por exemplo, de um crédito forjado, que tenha sido determinante para<br />

a deliberação de aprovação de uma recuperação judicial absolutamente inviável,<br />

com a nomeação de um gestor judicial conluiado com o devedor etc., não possam<br />

os interessados requerer a anulação da deliberação.<br />

O que se deve entender é que a assembléia não será invalidade em razão<br />

de simples modificação judicial acerca da existência, quantificação ou classificação<br />

de créditos.<br />

No caso de nulidade da decisão assemblear decorrente de vício de convocação,<br />

instalação e deliberação ou decorrente de dolo, erro essencial, simulação, fraude,<br />

falsidade ou qualquer outra causa de invalidade dos negócios jurídicos (arts 138<br />

e ss. do CC/2002), os direitos e interesses dos terceiros de boa-fé serão<br />

respeitados, sem prejuízo da ação que couber contra os que participaram do<br />

pleito e agiram com culpa ou dolo (art. 39, § 3º), esclarecendo ainda que a<br />

deliberação que decorrer do chamado ”voto comprado” ou “voto cantado” é<br />

anulável por vício substancial. 105<br />

A lei pretende, através de tais dispositivos, dar segurança jurídica tanto<br />

aos credores como ao devedor e demais interessados, de que as decisões<br />

tomadas em assembléia não poderão ser modificadas.<br />

104 FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. op.cit., p.78.<br />

105 LOBO, Jorge. op. cit., p. 96.<br />

95


Claro está, por outro lado, que nada impede seja revista qualquer<br />

deliberação da Assembléia em novo conclave quando se alterar, por decisão<br />

judicial, o perfil do quadro de credores 106 .<br />

Ainda no que diz respeito ao direito de voto em assembléia geral de<br />

credores, importa salientar que o quorum de votação segue regras distintas<br />

conforme a matéria a ser tratada, podendo adotar um sistema misto em que será<br />

necessária a maioria dos créditos e o voto por cabeça.<br />

Na recuperação judicial a regra geral é o princípio majoritário para<br />

aprovação de assuntos que não estejam ligados à aprovação, modificação ou<br />

rejeição do plano de recuperação judicial, bem como para a composição do Comitê<br />

de Credores, para os quais a lei exige quorum especial. 107<br />

Assim, pelo principio majoritário, quando a assembléia for convocada para<br />

tratar, por exemplo, da convolação da recuperação judicial em falência 108 , bastará<br />

que os credores representando a metade mais um dos créditos, decidam pela<br />

falência.<br />

Para as deliberações acerca da aprovação, modificação ou rejeição do<br />

plano de recuperação o legislador optou por estabelecer um quorum bastante<br />

diferenciado. Todas as classes de credores deverão aprovar a proposta, sendo,<br />

portanto, necessária aprovação unânime em relação às três classes de credores.<br />

O plano de recuperação judicial será então, apreciado e votado dentro de<br />

cada uma das classes de credores, sendo que na classe dos titulares de crédito<br />

derivado da legislação do trabalho (classe I) a apuração dos votos se dará pela<br />

maioria simples dos presentes.<br />

106 COELHO, Fábio Ulhoa. op.cit., p. 102.<br />

107 Há ainda a hipótese de quorum diferenciado na falência, quando da deliberação sobre a adoção<br />

de forma alternativa de realização do ativo, que levará em conta não a maioria dos créditos<br />

presentes, mas sim, o quorum de dois terços dos créditos presentes ao conclave.<br />

108 Art. 73, I c/c art. 42 da LRF.<br />

96


Já na classe dos titulares de crédito com garantia real (classe II) e<br />

credores quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou<br />

subordinados (classe III); prevalecerá o sistema da dupla maioria, pelo qual se faz<br />

necessário o voto favorável de mais da metade da totalidade dos créditos<br />

correspondentes e concomitantemente pela maioria dos credores presentes à<br />

assembléia.<br />

Jairo Saddi 109 observa que:<br />

O voto do credor será proporcional ao valor de seu crédito, ressalvado nas<br />

deliberações sobre o plano de recuperação judicial. No entanto, o mecanismo de<br />

deliberação pelo voto é desnecessariamente complicado. Senão vejamos: cada<br />

classe vota individualmente. Os titulares de créditos derivados da legislação do<br />

trabalho votam com a sua classe, independentemente de valor; os titulares de<br />

créditos com garantia real votam com a respectiva classe até o limite do valor do<br />

bem gravado e com a classe dos credores quirografários com o saldo do valor de<br />

seu crédito. Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de<br />

credores que representem mais da metade do valor dos créditos presentes a<br />

assembléia geral, exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial<br />

(que é o mais importante), e sobre a composição do Comitê de Credores ou<br />

forma alternativa de realização do ativo nos termos do art. 145. Nestas<br />

deliberações em específico (sobretudo acerca do plano de recuperação judicial)<br />

todas as classes de credores referidas no artigo 41 deverão aprovar a proposta.<br />

Contudo, a unanimidade de votos de cada classe tem um requisito. Em cada uma<br />

das classes referidas nos incisos II e III do artigo 41, a proposta deverá ser<br />

aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos<br />

créditos presentes a Assembléia e, cumulativamente, por maioria simples dos<br />

credores presentes. Ou seja, une-se o critério de voto qualitativo com o<br />

quantitativo, com exceção da classe dos credores trabalhistas em que a proposta<br />

deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, não importa o<br />

valor do crédito.<br />

Ademais, há de se considerar que se por um lado existe certa<br />

homogeneidade dos créditos nas classes I e II, o mesmo não se pode dizer em<br />

relação à classe III, em que foram reunidos credores privilegiados com credores<br />

quirografários como se estes tivessem as mesmas garantias (o que não é o caso),<br />

podendo levar a um resultado imprevisível das deliberações.<br />

109 SADDI, Jairo. op. cit., p.212.<br />

97


Em relação à distinção ao voto por cabeça na classe I, o Senador Ramez<br />

Tebet 110 , em relatório apresentado à Comissão de Assuntos Econômicos do<br />

Senado, esclareceu que:<br />

A regra geral para a deliberação sobre propostas na assembléia geral de<br />

credores é o voto proporcional ao valor do crédito e a proporção pela maioria dos<br />

presentes, independentemente da natureza do crédito. Nas deliberações sobre o<br />

plano de recuperação judicial, contudo, as deliberações são tomadas por classe,<br />

observada a proporção do crédito de cada credor. Na classe dos trabalhadores,<br />

as diferenças entre os credores podem implicar inadmissível detrimento dos<br />

pequenos, que tem menor capacidade econômica para aceitar descontos ou<br />

diferimentos no recebimento, dado o caráter alimentar das parcelas trabalhistas e<br />

tanto maior quanto menor for o crédito. Propomos, assim que os votos dos<br />

trabalhadores nas votações por classe sejam tomados na proporção de um voto<br />

por trabalhador, e não em função do valor do crédito de cada um. Com esta<br />

medida, à todos os trabalhadores é dado igual peso na votação, o que protege os<br />

mais humildes. Em deliberações outras, que não as referentes ao plano de<br />

recuperação, os credores votam independentemente de classes e, nesse caso,<br />

não é possível mesclar os critérios de votação por valor do crédito e por cabeça.<br />

Assim, nas demais deliberações, e também para fins de verificação de quorum de<br />

instalação, os trabalhadores são contados e votam como todos os demais<br />

credores, ou seja, em função do valor de seu crédito.<br />

Desse modo, para aprovação do plano de recuperação apresentado, o<br />

devedor deverá ter posição favorável em todas as classes de credores, sendo<br />

certo que em cada classe haverá uma votação interna, para somente depois se<br />

juntar às demais e verificar se houve consenso. Não havendo consenso entre os<br />

credores nos termos acima especificados, o plano de recuperação será rejeitado e<br />

o juiz decretará a falência do devedor 111 ; ressalvada a hipótese do cram down<br />

prevista no § 1º do art. 58 da LRF.<br />

Destaque-se que para cada matéria em apreciação, caberá à mesa<br />

diretora dos trabalhos delimitar com cuidado o conjunto dos credores envolvidos.<br />

Se, por exemplo, o plano de recuperação prever a antecipação de pagamentos<br />

devidos aos credores trabalhistas, como tal decisão impacta o fluxo de caixa da<br />

110 Relatório do Senador Ramez Tebet. In MACHADO, Rubens Approbato (coord.). Comentários à<br />

Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.368.<br />

111 Conforme §4º do art. 56 da LRF.<br />

98


sociedade devedora, todos os credores sujeitos a recuperação judicial serão<br />

interessados e portanto, todas as classes de credores deverão deliberar a respeito.<br />

Por sua vez, nas deliberações acerca da composição do Comitê de<br />

Credores, o quorum de aprovação levará em conta o voto favorável de mais da<br />

metade de qualquer das classes de credores presentes à assembléia geral, sendo<br />

que, cada classe escolherá o seu representante e somente seus membros poderão<br />

votar 112 . Tem-se, portanto, uma votação dentro de cada classe para a escolha do<br />

representante e de seus suplentes, fugindo à regra geral para a aprovação de<br />

outras deliberações.<br />

Por fim importa tecer um breve comentário acerca da proibição de<br />

provimento liminar, de caráter cautelar ou antecipatório dos efeitos da tutela, para<br />

suspender ou adiar a realização da assembléia-geral de credores, em função de<br />

pendência de discussão acerca da existência, da quantificação ou da classificação<br />

de créditos, prevista no art. 40 da Lei 11.101/2005.<br />

Considera a lei que a suspensão ou adiamento da Assembléia dos<br />

credores são medidas incompatíveis com os breves prazos estabelecidos para a<br />

recuperação judicial e com o princípio da celeridade processual que rege a Lei de<br />

Recuperações e Falência.<br />

Parte da doutrina critica a opção do legislador, ao argumento, de que tal<br />

regra afronta o princípio constitucional de que a lei não excluirá da apreciação do<br />

Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito 113 .<br />

Neste sentido, Jairo Saddi 114 dispõe que:<br />

Enquanto se entende a preocupação de avançar nas providências operacionais,<br />

não pode uma lei afastar da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça da<br />

lesão a que determinados credores possam estar sujeitos. Essa é uma típica<br />

112 Conforme art. 44 da LRF.<br />

113 Conforme inciso XXXV do art. 5º da CR/88.<br />

114 SADDI, Jairo. op.cit., p.216.<br />

99


provisão que não deveria estar contida na lei. Já a matéria de concessão de<br />

provimento liminar ou de caráter cautelar é rígida matéria processual contida no<br />

Código de Processo Civil, e uma lei como a falimentar não teria o condão de<br />

alterá-la.<br />

Entretanto, data venia, compartilho da opinião de que não há qualquer<br />

inconstitucionalidade no artigo em comento.<br />

Neste sentido Jorge Lobo 115 argumenta que:<br />

Na hipótese de haver sido interposto agravo da decisão judicial sobre habilitação<br />

tempestiva ou retardatária ou impugnação, se o relator conceder-lhe efeito<br />

suspensivo, para determinar, em provimento liminar, a inclusão do crédito, a<br />

modificação de seu valor ou nova classificação, o credor, beneficiado com a<br />

liminar, poderá participar da assembléia geral e votar (art. 17, parágrafo único),<br />

mas não suspendê-la ou adiá-la.<br />

Ainda no mesmo sentido e com muita propriedade, dispõe Erasmo<br />

Valadão A. e N. França 116 :<br />

Esse artigo tem sido injustamente apodado de inconstitucionalidade, em razão de<br />

suposta violação ao art.5º, XXXV, da Carta Magna (“a lei não excluirá da<br />

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”). “Injustamente”<br />

porque a Lei 11.101 assegura aos credores – na hipótese de discussão acerca<br />

da existência, da quantificação ou da classificação de créditos – a participação na<br />

assembléia. Com efeito, se o juiz deixa de reconhecer um crédito, ou o quantifica<br />

abaixo do valor pretendido pelo credor, ou ordena sua classificação em outra<br />

classe, o credor poderá agravar, prevendo o parágrafo único do art.17 que,<br />

“recebido o agravo, o relator poderá conceder efeito suspensivo à decisão que<br />

reconhece o crédito ou determinar a inscrição ou modificação de seu valor ou<br />

classificação no quadro geral de credores, para fins de exercício de direito de<br />

voto em assembléia geral”. Assegurada ficará, assim, a participação do credor no<br />

conclave. O que a Lei 11.101 salutarmente proíbe é que, em razão de discussão<br />

acerca de crédito, venha a ser ordenada a suspensão ou o adiamento da<br />

assembléia – medidas que não fariam sentido algum se, por outro meio, já se<br />

possibilita que o credor participe da mesma. Assim, como o credor impugnante<br />

de crédito poderá, por exemplo, em caso de rejeição da impugnação, solicitar ao<br />

tribunal que dê efeito suspensivo ao agravo da decisão que reconhecer o crédito<br />

(parágrafo único do art.17), impedindo, assim, o voto, do credor impugnado na<br />

assembléia, sem necessidade de suspender ou adiar o conclave. Não tem o<br />

artigo em questão, assim, qualquer eiva de inconstitucionalidade.<br />

115 LOBO, Jorge. op. cit., p. 97.<br />

116 FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. op.cit., p.82/83.<br />

100


4.4.1. Vícios da Assembléia, vícios das deliberações e vícios do<br />

voto.<br />

Conforme já afirmado no tópico anterior, não há uma disciplina geral das<br />

invalidades relativas à assembléia-geral de credores, dispondo a Lei 11.101/2005<br />

no § 2º do art. 39 que as deliberações da assembléia-geral não serão invalidadas<br />

em razão de posterior decisão judicial acerca da existência, quantificação ou<br />

classificação de créditos e no § 3º do mesmo artigo que no caso de invalidação de<br />

deliberação da assembléia, ficarão resguardados os direitos de terceiros de boa-fé,<br />

respondendo os credores que aprovarem a deliberação pelos prejuízos<br />

comprovados causados por dolo ou culpa.<br />

A deliberação da assembléia de credores é manifestação de vontade<br />

coletiva, enquadrada na categoria de negócios jurídicos, sendo-lhe aplicada, no<br />

que couber, a disciplina dos negócios jurídicos, prevista no Livro III, Titulo I, do<br />

Código Civil.<br />

Destaque-se de início que sendo a instalação da assembléia geral de<br />

credores um negócio jurídico e não um ato judicial ou processual, não se lhe aplica<br />

o art. 245, do CPC 117 .<br />

Há hipóteses em que toda a assembléia poderá ser invalidada, ou<br />

somente parte das deliberações tomadas no conclave, ou mesmo apenas o voto,<br />

dependendo da espécie de vício ocorrida.<br />

Há que distinguir, nessa matéria, três diferentes espécies de vício, com<br />

conseqüências também diversas:<br />

(1) Vícios da própria assembléia – que pode ter sido irregularmente convocada<br />

ou instalada, hipótese em que sua invalidação trará como conseqüência,<br />

obviamente, a invalidade de todas as deliberações que nela forem tomadas;<br />

117 Art. 245 do CPC - A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que<br />

couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.<br />

101


(2) Vícios das deliberações – nessa hipótese, o vício de uma das deliberações<br />

não se estende às demais, que não sejam viciadas.<br />

(3) Vício do voto – nessa hipótese, o vício do voto só acarretará o vício de<br />

determinada deliberação se o voto foi decisivo para formação da maioria; se não,<br />

será irrelevante, só atingindo o próprio voto viciado.<br />

São completamente diversos, pois, os vícios em questão. 118<br />

A validade da assembléia geral de credores depende do preenchimento de<br />

requisitos formais, sendo ela viciada quando não forem observadas as normas<br />

legais de convocação e instalação previstas nos artigos 36 e seguintes da Lei<br />

11.101/2005.<br />

Trata-se de nulidade formal da própria realização do conclave e não<br />

apenas das deliberações nele tomadas.<br />

Assim, mesmo que as decisões quanto ao conteúdo da assembléia<br />

estejam conforme a lei, o vício da instalação ou realização da assembléia geral irá<br />

invalidá-la de forma absoluta.<br />

Tal qual ocorre nas assembléias gerais das anônimas, na hipótese de<br />

todos os credores comparecerem à assembléia de credores, sanado estará o vicio<br />

da convocação. Entretanto, a assembléia apenas irá deliberar de forma valida se<br />

todos os credores estiverem de acordo com a ordem do dia proposta. Caso<br />

contrário, embora validamente instalada a assembléia, as deliberações nela<br />

tomadas serão nulas, por não haver sido concedido aos credores prazo legal para<br />

tomarem conhecimento da pauta e se preparem para a discussão e deliberação da<br />

ordem do dia.<br />

Ademais, os assuntos objetos de deliberação deverão ser lícitos,<br />

possíveis, determinados e determináveis, revestirem forma prescrita em lei, não<br />

tiverem por objetivo fraudar lei imperativa, tampouco a lei os declarar nulos ou<br />

118 FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. op.cit., p.78.<br />

102


proibir-lhes a prática. A não observância desses requisitos levará à invalidade da<br />

deliberação, e se for o caso, à invalidade da assembléia.<br />

Será nula, por exemplo, a deliberação que ocorrer com vícios de<br />

consentimento; incapacidade absoluta do agente; violação da lei; violação da<br />

ordem pública; dos bons costumes; ou com inobservância da forma legal, bem<br />

como se o objeto da deliberação for ilícito, impossível ou indeterminável; ou ainda,<br />

por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra<br />

credores.<br />

Ressalte-se, no entanto, que a deliberação tomada em assembléia não<br />

será anulada por simples erro ou por dolo do voto. O que será anulado é o voto<br />

viciado e apenas se este foi determinante para a formação da maioria é que será<br />

anulada a deliberação.<br />

A deliberação de assembléia é manifestação de vontade coletiva à qual não se<br />

aplica inteiramente a disciplina das invalidades, prevista nos arts. 166 e seguintes<br />

do Código Civil. Com efeito, não se anula uma deliberação por erro ou por dolo,<br />

exemplificativamente. Anula-se o voto viciado. Se ele foi determinante para a<br />

formação da maioria deliberante, anula-se a deliberação não porque seja ela<br />

contaminada pelo erro ou pelo dolo, mas sim por violação às regras cogentes dos<br />

arts. 42, 45 e 46 da Lei 11.101, que exigem aprovação das propostas por maioria.<br />

Anulado o voto decisivo, cai a maioria. A disciplina da invalidade das<br />

deliberações, assim, encontra correspondência no princípio da legalidade: as<br />

deliberações contrárias à lei podem ser invalidadas. A sanção para as<br />

deliberações invalidadas, em regra, é a anulabilidade. 119<br />

Erasmo Valladão A. e N. França indica que em franco descompasso com<br />

a Lei de S/A (art.115, §4º), o Código Civil, subsidiariamente aplicável à Lei 11.101,<br />

não prevê a anulação das deliberações tomadas em decorrência de voto<br />

conflitante, dispondo que:<br />

Nos dois dispositivos em que cuida de conflito de interesses a sanção<br />

estabelecida na lei civil é apenas a da responsabilidade por perdas e danos (art.<br />

1.010, §3º - aplicável às deliberações de assembléia por força do disposto no art.<br />

1.072, caput – e art.1017, parágrafo único). A Lei 11.101, infelizmente, não trata<br />

da matéria. E não faltarão hipóteses em que o interesse individual de<br />

determinado credor poderá ser substancialmente conflitante com o interesse<br />

119 FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. op.cit., p.80.<br />

103


comum dos credores, o que, em bom Direito, exigiria a anulação da deliberação.<br />

Não é fácil, entretanto, conceituar o que seja o interesse comum dos credores.<br />

Segundo autorizada opinião doutrinaria, tal interesse consistiria no interesse que<br />

tem cada credor em, ao menos a médio prazo, minimizar seus prejuízos,<br />

mediante a ampliação das disponibilidades da massa. Outras manifestações<br />

doutrinárias e jurisprudenciais têm considerado contrárias ao interesse comum<br />

dos credores as deliberações: (1) que causam prejuízo desproporcional,<br />

inadequado, para parte dos credores; (2) que favorecem um credor em particular,<br />

ou um grupo de credores, especialmente os credores privilegiados ou com<br />

garantia real, ou ainda terceiros, em detrimento da comunhão dos credores; (3)<br />

que não são úteis a ninguém; (4) que favorecem o devedor ou um terceiro sem<br />

qualquer vantagem para a massa. Como hipóteses concretas do conflito de<br />

interesses podem ser imaginadas, por exemplo, a de uma credora, indústria<br />

automobilística, que vote contrariamente à aprovação do plano de recuperação<br />

judicial por estar interessada na falência do devedor, seu concessionário, a fim de<br />

passar a concessão a outrem; ou da credora interessada na falência do seu<br />

agente ou distribuidor (art.710 do CC), igualmente para transferir a outrem a<br />

agência ou a distribuição de seus produtos; ou ainda, da credora que tenha<br />

interesse na falência de seu devedor simplesmente por ser sua concorrente.<br />

Demais disso, importante considerarmos sobre o prazo para requerer a<br />

anulação das deliberações. O legislador não previu prazo para requerimento da<br />

anulação das deliberações em Assembléia de Credores, aplicando-se<br />

subsidiariamente o disposto no art. 179 do Código Civil que determina, in verbis:<br />

Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo<br />

para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da<br />

conclusão do ato.<br />

A crítica que aqui se faz é de que este prazo de dois anos é<br />

demasiadamente longo e inadequado às relações comercias/empresariais, haja<br />

vista a necessidade de dar estabilidade e segurança em relação às deliberações e<br />

decisões da Assembléia Geral de Credores.<br />

Portanto, concluímos que o voto poderá ser invalidado em virtude de<br />

nulidade (art. 166 e 167 do CC/02), entretanto, a nulidade do voto somente<br />

acarretará a invalidade da deliberação da assembléia se este for determinante para<br />

a formação da maioria.<br />

104


5. ABUSO DE DIREITO<br />

5.1. Conceito e dispositivos legais pertinentes.<br />

Com o triunfo da Revolução Francesa e o fim do Estado absolutista, são<br />

proclamados os direitos individuais da liberdade, da vida e a propriedade privada.<br />

Entretanto, conquanto a tomada do poder político pela burguesia tenha<br />

representado inequívoco passo a frente no sentido da democratização da<br />

sociedade da época, a concepção individualista das legislações de então, das<br />

quais é exemplo maior o Código Civil de Napoleão, construiu um sistema de<br />

direitos absolutos, pelo qual o exercício de um direito, ainda que dele decorressem<br />

conseqüências funestas para a sociedade, era protegido em toda e qualquer<br />

hipótese e jamais poderia configurar abuso 120 .<br />

Após o advento da Revolução Francesa, o direito passa a ser a maior<br />

arma para a defesa dos direitos individuais, salvaguardando a autonomia da<br />

vontade e a liberdade de contratar em detrimento da intervenção do Estado nas<br />

relações privadas.<br />

À época a idéia de direito e de abuso eram antagônicas, não se<br />

concebendo que o exercício de um direito pudesse ser abusivo. Portanto, não<br />

havia quaisquer limitações ao exercício dos direitos individuais, sendo estes plenos<br />

e absolutos.<br />

120 LEVADA, Cláudio Antônio Soares. Anotações sobre o abuso de direito. Revista da Faculdade de<br />

Direito Padre Anchieta. Ano IV, nº7, Novembro/2003, p. 7.


Entretanto, a partir de fins do século XX, com a influência do Welfare<br />

State 121 , da quebra da bolsa de Nova York em 1929 e da explosão demográfica<br />

dos países do Terceiro Mundo, iniciou-se uma reação ao absolutismo dos direitos<br />

individuais, passando-se a conceber a idéia de finalidade social da propriedade e<br />

dos contratos.<br />

Nesse contexto, foi concebida a idéia de limitações dos direitos individuais,<br />

bem como do abuso de direito.<br />

Passou-se a reconhecer que certos atos, ainda que aparentemente<br />

conformes à lei, na verdade eram contrários à moral e aos princípios gerais de<br />

direito – ou seja, eram contrários ao ordenamento jurídico visto como um sistema<br />

não apenas de normas postas, mas, e principalmente, como um sistema dotado de<br />

valores éticos e que possui uma função teleológica em face da sociedade a que se<br />

dirige 122 .<br />

A maioria dos autores entende que a idéia de abuso de direito já era<br />

reconhecido no direito romano, ainda que em sede de exceção, eis que imperava a<br />

idéia de direitos absolutos. No direito romano, teria sido Cícero quem teve a<br />

intuição para a teoria do abuso de direito, quando afirmou: “summum jus, summa<br />

injuria”, ou seja, “do excesso do direito resulta a suprema injustiça”. Neste sentido,<br />

lecionam Alvino Lima, Fernando Augusto Cunha de Sá, Marcus Elidius Michelli de<br />

Almeida, Carlos Fernández Sessarego, dentre outros.<br />

121 O Welfare State ou Estado de bem-estar social é um tipo de organização política e econômica<br />

em que o Estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social, política e econômica do<br />

país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com a nação<br />

em questão. Cabe ao Estado do bem-estar social garantir serviços públicos e proteção à<br />

população. Os Estados de bem-estar social desenvolveram-se principalmente na Europa, onde<br />

seus princípios foram defendidos pela social-democracia.<br />

122 LEVADA, Cláudio Antônio Soares. op.cit., p.8.<br />

106


A teoria do abuso de direito só foi tratada de maneira ampla a partir da<br />

Idade Contemporânea, pelos franceses, entretanto, não faltam antecedentes dessa<br />

teoria no direito romano 123 .<br />

Uma vez reconhecida a possibilidade de exercício abusivo do direito,<br />

passou-se então, a discutir em que condições restaria configurado o abuso,<br />

surgindo as correntes subjetivas e objetivas, que até hoje se confrontam.<br />

Pela teoria subjetiva, ter-se-á configurado o abuso de direito quando ficar<br />

clara na atitude do agente, a intenção de prejudicar a terceiro, não se indagando a<br />

culpa ou o desvio de finalidade do direito, mas apenas da intenção do agente.<br />

Por tal teoria, até mesmo o dolo eventual estaria excluído da<br />

caracterização da abusividade, posto que exigida a intenção clara do agente em<br />

prejudicar a terceiro. As legislações alemã de 1900 e austríaca de 1916 adotavam<br />

esta teoria. A critica a esta teoria reside no fato de restringir excessivamente a<br />

configuração do abuso.<br />

Quanto às teorias objetivas acerca do abuso de direito, duas delas se<br />

destacam. Pela primeira corrente, o abuso de direito consiste no exercício anormal<br />

de um direito; pela segunda haverá abuso quando o exercício do direito deixar de<br />

atender à sua finalidade, ou em outras palavras, quando deixar de atender à<br />

função para a qual o direito foi criado e justificadamente existe.<br />

Para a primeira corrente objetiva, que possui como principal expoente o<br />

jurisconsulto francês Raymond Saleilles, o ato abusivo é um ato anormal, porque<br />

contrário à finalidade econômica e social do direito – ato sem conteúdo jurídico,<br />

123 SESSAREGO, Carlos Fernández. Abuso del derecho. Buenos Aires: Editora Astrea, 1992, p 92.<br />

107


economicamente prejudicial e reprovado pela consciência pública. O critério é<br />

eminentemente econômico 124 .<br />

Por sua vez, a segunda corrente objetiva, chamada finalista, tem como<br />

principal defensor o jurista francês Étienne Louis Josserand, que buscou<br />

demonstrar a existência do abuso do direito em duas frentes fundamentais: na<br />

finalidade social e no motivo legítimo do exercício do direito 125 .<br />

Josserand afirma de forma categórica que o termo “direito” tem duas acepções<br />

bem distintas – a de juridicidade e a de prerrogativa determinada – e que, ao<br />

falarmos de abuso do direito, estamos a reportar-nos ao ato que é realizado em<br />

virtude de um direito subjetivo cujos limites foram respeitados, mas que, no<br />

entanto, é contrario ao direito considerado no seu conjunto; já a juridicidade,<br />

como corpo de regras sociais obrigatórias, caracterizaria, conseqüentemente, a<br />

pobreza da nossa terminologia jurídica como responsável por esse jogo<br />

involuntário de palavras a que se presta a elasticidade do termo “direito” e,<br />

indiretamente, pela geral audição do argumento ora combatido, contudo não<br />

passaria de um mero “sofisma”. 126<br />

Como se percebe, pelas teorias objetivas não há de se investigar a<br />

intenção do agente, não importando o dolo ou a culpa, mas apenas e tão somente<br />

o fato material.<br />

O art. 160 do Código Civil pátrio de 1916, por via indireta, já consagrava o<br />

instituto do abuso de direito, ao dispor que não constituíam atos ilícitos aqueles<br />

praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.<br />

Assim, tínhamos que, a contrário sensu, seria ilícito todo e qualquer ato<br />

praticado em exercício não regular de um direito.<br />

Ainda sob a égide do Código Civil de 1916, Clóvis Bevilaqua 127 comentava<br />

o dispositivo supracitado nos seguintes termos:<br />

124 LUNA, Everaldo da Cunha. Abuso de Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1959, citado por<br />

LEVADA, Cláudio Antônio Soares. op.cit., p. 10.<br />

125 ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de. Abuso de Direito e Concorrência desleal. São Paulo:<br />

Quartier Latin, 2003, p.47.<br />

126 CUNHA DE SÁ, Fernando Augusto. Abuso de direito. Porto: Editora Almedina, 1997, p. 325.<br />

127 BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil – comentado – Edição Histórica.<br />

Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977, p.431. citado por ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli. op.cit., p.74.<br />

108


Abuso de direito. Estatue o art. 160, I, que não constitue (sic) ato ilícito o<br />

praticado no exercício regular de um direito reconhecido. A contrario sensu, o<br />

praticado em exercício não regular de um direito, é ilícito. Eis ai a condenação do<br />

abuso do direito, como bem notou o deputado Mello Franco (Diário do<br />

Congresso, de 21 de Novembro de 1915).<br />

No mesmo sentido, J. M. Carvalho Santos 128 lecionava que:<br />

Abuso de direito. Dispondo que não constitui ato ilícito o praticado no exercício<br />

regular de um direito reconhecido (art.160, I), a contrario sensu aceita o Código<br />

que é ilícito o ato praticado em exercício não regular de um direito.<br />

O abuso de direito, pois, é um ato ilícito, não podendo ser estudado senão como<br />

figurando dentro da teoria geral do ilícito, verdade que tem elevado alcance para<br />

atingir importantes conclusões, como haveremos de ver.<br />

Ao verificar na doutrina o abuso de direito ainda sob o império do Código<br />

de 1916, o que se percebe é que a maioria dos civilistas à época entendiam o<br />

instituto como enquadrado no rol dos atos ilícitos, restando o abuso de direito<br />

consagrado, a contrario sensu, no art. 160, inciso I.<br />

Demais disso, à época do Código de 1916 já se entendia que a violação a<br />

um direito se dá quando de um comportamento (ação ou omissão) irregular do<br />

direito ou quando este for utilizado de forma contrária à boa-fé, bem como se<br />

afastando daquilo a que se destina o próprio instituto.<br />

Tal entendimento consubstanciava-se na interpretação conjunta do inciso I<br />

do artigo 160 conjugado com o art. 159 do CC/1916, o qual dispunha que aquele<br />

que por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou<br />

causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.<br />

Além da situação do abuso de direito previsto no inciso I do art.160 do<br />

antigo Código Civil, deve-se destacar que a Lei de Introdução ao Código Civil, que<br />

disciplina a interpretação a ser dada às normas jurídicas, dispõe em seu art. 5º que<br />

na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às<br />

128 CARVALHO SANTOS, J.M. Código Civil Brasileiro interpretado. Volume III. 11ª Edição. São<br />

Paulo: Editora Freitas Bastos, 1980.p.338/339 citado por ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli. op.cit.<br />

p.74.<br />

109


exigências do bem comum. Assim, ao determinar que o julgador ao interpretar a lei<br />

deve se atentar aos fins sociais para que ela se dirige, bem como para o bem<br />

comum, conclui-se que no caso concreto, configurada a utilização abusiva do<br />

direito deve o julgador buscar equacionar a situação afastando assim o abuso do<br />

direito cometido.<br />

O Código Civil de 2002 consagrou definitivamente o instituto do abuso de<br />

direito como ato ilícito, adotando a teoria finalista, ao dispor em seu art. 187 que<br />

comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente<br />

os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons<br />

costumes.<br />

Assim, o direito brasileiro passa a disciplinar a matéria do abuso de direito<br />

além de forma analógica ao contrário (contrario sensu), como também de forma<br />

direta, determinando a caracterização de ato ilícito em razão da utilização de um<br />

direito, de forma a exercer manifestamente os limites impostos pelo seu fim<br />

econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes 129 .<br />

Ademais, o artigo 187 deve ser interpretado em consonância com o<br />

disposto no art. 186 que disciplina que aquele que, por ação ou omissão voluntária,<br />

negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que<br />

exclusivamente moral, comete ato ilícito.<br />

Dessa feita, o intérprete deve entender o exercício abusivo de um direito<br />

como a prática de um ato ou omissão do agente frente a seu direito.<br />

Demais disso, importa brevemente destacar cada um dos elementos<br />

expressos no art. 187 do CC/2002, quais sejam: “excesso manifesto”, “boa-fé”,<br />

“bons costumes” e “fim econômico ou social”.<br />

129 ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de. op.cit., p.83.<br />

110


O ato de ir além do razoável, de levar vantagem ou de ultrapassar o<br />

natural não configura por si só o “excesso manifesto”. Para tanto o ato deverá ser<br />

indiscutivelmente fora do razoável, ou melhor, explicitando, deverá se manifestar<br />

de forma clara e indiscutível como abusivo.<br />

Por sua vez, no que toca à noção de “boa-fé” e apesar das várias<br />

interpretações dadas a esta pela doutrina, a nosso ver, aqui ela deverá ser<br />

entendida como uma regra de conduta imposta, mas não definida em lei,<br />

remetendo a princípios e normas sociais gerais de conduta, relacionando-se com<br />

as idéias de honestidade, lealdade e probidade com a qual a pessoa condiciona o<br />

seu comportamento. Ocorre que estes conceitos também são subjetivos e serão<br />

interpretados conforme o lugar e a época.<br />

Do mesmo modo, a idéia de “bons costumes” é subjetiva, variando de<br />

acordo com a época e o lugar. Traduz um conjunto de preceitos morais, de regras<br />

e práticas da vida em sociedade, acatados pela coletividade em um dado lugar e<br />

em certo momento histórico.<br />

Em relação à idéia de “fim social ou econômico” não há na legislação um<br />

conceito expresso e caberá ao julgador em um dado momento histórico e em certo<br />

lugar definir o que será a finalidade social e econômica da norma.<br />

Vale transcrevemos os comentários do professor da Universidade de<br />

Coimbra Jorge Manuel Coutinho de Abreu 130 , haja vista ter sido o art. 334 do<br />

Código Civil português 131<br />

a norma inspiradora para a elaboração da norma<br />

positivada no artigo 187 do Código Civil brasileiro de 2002, senão vejamos:<br />

130 COUTINHO DE ABREU, Jorge Manuel. Do abuso de direito. Porto: Editora Livraria Almedina,<br />

1999, p.43.<br />

131 Art. 334 do Código Civil português. É ilegítimo, o exercício de um direito, quando o titular exceda<br />

manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou<br />

econômico desse direito.<br />

111


Os direitos subjetivos são instrumentos para as pessoas perseguirem interesses,<br />

são meios de satisfação de necessidades pessoais – é a idéia nuclear de que se<br />

parte. É para isso que a sociedade juridicamente ordenada os confere ou<br />

reconhece – revelando nessa medida o social. Logo, se se invoca um direito para<br />

legitimar um comportamento inadequado àquela funcionalidade, essa invocação<br />

é espúria, pois tal comportamento não pode então traduzir as faculdades em que<br />

o direito se analisa. Isto é, não pode em rigor falar-se nesse caso de exercício de<br />

um direito – por mais que o comportamento pareça sê-lo (residindo, porém, nesta<br />

aparência o sinal distintivo do abuso de direito, em relação à pura e simples<br />

legalidade). Mas só isto não basta. A simples não atuação ou mesmo negação de<br />

interesses próprios pelo sujeito de um direito é juridicamente irrelevante enquanto<br />

não se projetar na esfera de interesses de outrem. Só quando o referido<br />

comportamento for susceptível de causar um prejuízo não insignificante a um<br />

terceiro se configurará o abuso de direito.<br />

(...)<br />

é abusivo o comportamento emulativo, isto é, o que visa apenas prejudicar<br />

outrem. Neste caso, é claro, o comportamento não realiza interesses do seu<br />

autor, antes nega somente interesses alheios. Nem se diga constituir a negação<br />

de interesses alheios, só por si, um interesse. É evidente que tal interesse é<br />

ilegítimo, não prosseguível (sic) pelo direito invocado, um não interesse, em<br />

suma. Em segundo lugar, sempre que de um comportamento derivem utilidades<br />

actuáveis (sic) pelo direito invocado, quando a essas utilidades se juntem<br />

(escusadas) desutilidades (sic) para outrem (já não cobertas pelo direito), há,<br />

nessa medida, abuso de direito. Em terceiro lugar, é abusivo o comportamento<br />

que se diz exercício de um direito quando – não constituindo tal exercício, mesmo<br />

em abstrato, uma vantagem objetiva – se revela resultar dele, em concreto,<br />

apenas (ou sobretudo) uma desvantagem para terceiro. Sublinhe-se que nos dois<br />

últimos critérios não se exige dolo ou intenção de prejudicar.<br />

Neste mesmo sentido, Silvio Venosa 132 leciona que no abuso de direito,<br />

sob a máscara de um ato legítimo esconde-se uma ilegalidade. Trata-se de um ato<br />

jurídico (ação ou omissão) aparentemente lícito, mas que, levado a efeito sem a<br />

devida regularidade, ocasiona resultado tido como ilícito, não podendo o exercício<br />

de um direito afastar-se da finalidade para a qual ele foi criado.<br />

Assim, há de se concluir que se invocado um direito para legitimar um<br />

comportamento inadequado àquela funcionalidade, essa invocação é ilegítima,<br />

haja vista que não traduz a proteção ao valor implícito na norma, sendo, portanto,<br />

abusiva.<br />

132 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Editora Atlas, 2002, p.577.<br />

112


5.2. Breve distinção entre o abuso de direito, a fraude à lei e o<br />

desvio de poder.<br />

Com o fim de melhor elucidar o tema abuso de direito passamos a<br />

distingui-lo dos conceitos de fraude à lei e de desvio de poder, sem, no entanto,<br />

nos aprofundamos no tema, para não nos desviarmos do objeto em estudo.<br />

A fraude à lei consiste em valer-se de um expediente, pelo qual, usando<br />

de um instrumento aparentemente lícito, na realidade, visa-se alcançar um<br />

resultado proibido por lei; buscando-se tangenciar preceito legal proibitivo ou<br />

imperativo.<br />

A fraude não se confunde com o ato contra a lei, uma vez que este efetivamente<br />

contraria a lei de forma expressa, taxativa, ao passo que a fraude passa a<br />

aparência de estar de acordo com a lei.<br />

A fraude consiste na omissão, por parte de seus autores, de uma formalidade<br />

que a lei considera essencial para a validade do ato jurídico que em realidade<br />

pretende constituir, ou fazendo, por interposição real ou fictícia de pessoa, o que<br />

a lei proíbe.<br />

Desse modo, a fraude contraria o direito, utilizando meios para dar a impressão<br />

de que está respeitando fielmente o instituto. Apresenta, pois, uma ilusão de<br />

licitude, quando na realidade é contraria ao direito 133 .<br />

A fraude é processo astucioso e ardiloso tendente a burlar a lei ou<br />

convenção preexistente ou futura 134 . Geralmente ela se apresenta de forma velada,<br />

tangenciando a norma jurídica a fim de dar a impressão de legalidade, sem, no<br />

entanto, se enquadrar no conceito de simulação.<br />

No conceito jurídico haverá simulação, quando o ato existir apenas<br />

aparentemente. É um ato fictício, que encobre e disfarça uma declaração real da<br />

vontade, ou que simula a existência de uma declaração que se não fez. É uma<br />

133 ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de. op.cit., p.70.<br />

134 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. op.cit, p.423.<br />

113


declaração enganosa da vontade, visando a produzir efeito diverso do<br />

ostensivamente indicado 135 .<br />

Na simulação, que possui muitos pontos de contato com a fraude, as<br />

partes fazem aparentar negócio que não tinham a intenção de praticar. Na fraude,<br />

o negócio jurídico é real, verdadeiro, mas feito com o intuito de prejudicar a terceiro<br />

ou burlar a lei 136 .<br />

A fraude decorre sempre da prática de atos legais, em si mesmos, mas<br />

com a finalidade ilícita de prejudicar terceiros, ou pelo menos, frustrar a aplicação<br />

de determinada regra jurídica 137 .<br />

A diferença ente a fraude propriamente dita e o abuso de direito reside no<br />

fato de que neste o agente tem efetivamente um direito e desse se utiliza, porém<br />

de forma manifestamente contrária ao instituto, enquanto naquela existe apenas<br />

uma aparência desse direito, violando a lei de forma indireta.<br />

Por sua vez, o desvio de poder ocorrerá quando o agente, embora<br />

observando as formalidades e não cometendo violação alguma expressa em lei,<br />

exerce o seu poder com uma finalidade diversa daquela para a qual lhe foi<br />

conferida essa prerrogativa 138 . Trata-se de figura típica do direito público.<br />

Conforme leciona Hely Lopes Meirelles:<br />

O desvio de finalidade ou de poder verifica-se quando a autoridade, embora<br />

atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins<br />

diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de<br />

finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras<br />

palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não<br />

queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de<br />

um ato administrativo aparentemente legal. 139<br />

135 BEVILAQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Rio, 1980, p.225.<br />

136 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. op.cit., p.470.<br />

137 LIMA, Alvino. A responsabilidade Civil pelo fato de outrem. Rio de Janeiro: Forense, 1973. p. 29.<br />

138 RODRIGUES ARIAS, L. citado por CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p.508.<br />

139 MEIRELES, Lopes Hely. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª Edição. São Paulo: Malheiros,<br />

1990, p.109.<br />

114


Sempre é bom recordar que existe uma enorme e, até mesmo, paradoxal<br />

diferença entre as relações jurídicas de direito público e as relações jurídicas de<br />

direito privado: os particulares agem com ampla liberdade, mas são desprovidos de<br />

poderes e prerrogativas; a Administração Pública é detentora de poderes e<br />

prerrogativas, mas não tem liberdade 140 .<br />

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal.<br />

Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na<br />

Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza 141 .<br />

No desvio de poder, há, portanto, a utilização de uma determinada<br />

competência administrativa visando atingir resultado distinto daquele para a qual<br />

ela foi criada. Ressalte-se que existe o abuso de poder independentemente de ter<br />

o agente agido com dolo ou culpa. Assim, haverá desvio de poder sempre que a<br />

atuação concreta do agente administrativo desencontrar-se da finalidade visada<br />

pela norma jurídica.<br />

Portanto, o desvio de poder é toda ação que torna irregular a execução do<br />

ato administrativo, legal ou ilegal, e que propicia, contra seu autor, medidas<br />

disciplinares, civis e criminais 142 .<br />

Assim, temos que são distintos o abuso de direito do desvio de poder, haja<br />

vista que aquele diz respeito ao particular, enquanto este trata do direito público.<br />

140 DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sérgio. Processo Administrativo. 2ª Edição. São Paulo:<br />

Malheiros, 2007, pág. 72.<br />

141 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª Edição. São Paulo: Malheiros,<br />

2002, p. 86.<br />

142 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1992, p.63.<br />

115


5.3. Do abuso do direito de voto na Lei de S/A<br />

Conforme já afirmado no capítulo anterior, o exercício do direito de voto<br />

em assembléia das anônimas deve ser realizado pelo acionista no interesse da<br />

companhia.<br />

Na Lei de S/A o direito de voto é limitado por preceito imperativo, segundo<br />

o qual deve o acionista exercê-lo no interesse da companhia. Considerar-se-á<br />

abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à sociedade ou a outros<br />

acionistas, ou de obter para si ou para outrem vantagem a que não faz jus e de<br />

que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas<br />

(art.115) 143 .<br />

Não parece haver qualquer dúvida sobre o partido tomado pelo legislador no<br />

tocante à natureza do direito de voto. O acionista deve, diz o art. 115, exercer o<br />

direito de voto no interesse da companhia. Ao votar, portanto, o acionista tem o<br />

dever legal de perseguir o interesse social. Em formula feliz, assim se expressou<br />

Leães sobre o tema: Assim, sendo, ao exercer o direito de voto, o sócio não pode<br />

perseguir nenhum interesse particular, mas o seu interesse de sócio uti socius,<br />

que se considera coincidente com o interesse social. Neste sentido, pode-se<br />

dizer que, embora o voto seja livre, o acionista está obrigado a perseguir o<br />

interesse social 144 .<br />

Em termos práticos, deve-se entender como dupla a função<br />

desempenhada pelo direito de voto na vida das sociedades anônimas: faculdade<br />

jurídica concedida ao acionista para a tutela de seu interesse individual – aspecto<br />

subjetivo – e instrumento de formação da vontade social – aspecto objetivo 145 .<br />

O Decreto-Lei n. 2.627 de 1940 regulava a matéria do abuso de direito de<br />

voto nas assembléias das anônimas de forma menos ampla que a atual lei de S/A,<br />

restringindo-se a proibir o acionista de votar nas deliberações da assembléia geral<br />

143 TEIXEIRA, Egberto L. e GUERREIRO, José Alexandre T. Das sociedades anônimas no direito<br />

brasileiro. São Paulo: Bushatsky, 1979, 2v.<br />

144 FRANÇA, Erasmo V. A. N. Conflito de interesses nas assembléias das S.A. São Paulo: 1993,<br />

p.63.<br />

145 SIMÕES, Paulo C. G. Governança Corporativa e o exercício de voto nas S.A. Rio de Janeiro:<br />

Lúmen Júris, 2003, p.21.<br />

116


elativas ao laudo de avaliação dos bens com que concorresse para formação do<br />

capital social, nas decisões que viessem a beneficiá-lo de modo particular ou,<br />

ainda, enquanto diretor na aprovação das suas contas 146 .<br />

Não havia impedimento expresso ao acionista com interesse formalmente<br />

contrário ao da companhia de votar. Responderia, no entanto, por perdas e danos,<br />

se a deliberação fosse influenciada pelo voto substancialmente conflitante, a ponto<br />

de com ele formar-se a maioria necessária 147 .<br />

A Lei n.6.404/1976, ampliou e generalizou a matéria de conflito formal e<br />

substancial de interesses entre acionistas e companhia, bem como explicitou a<br />

figura do abuso do direito de voto. Para tanto, usando de providencial técnica<br />

jurídica, estabeleceu determinados padrões (standards) que facilitam sobremaneira<br />

a construção administrativa (CVM), jurisdicional e arbitral das práticas concretas<br />

tanto de abuso como de declaração de conflito de interesses 148 .<br />

Dispôs o artigo 115 da Lei 6.404/76 in verbis:<br />

Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia;<br />

considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia<br />

ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não<br />

faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para<br />

outros acionistas.<br />

§ 1º O acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia-geral relativas<br />

ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital<br />

social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer<br />

outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse<br />

conflitante com o da companhia.<br />

§ 2º Se todos os subscritores forem condôminos de bem com que concorreram<br />

para a formação do capital social, poderão aprovar o laudo, sem prejuízo da<br />

responsabilidade de que trata o § 6º do artigo 8º 149 .<br />

146 CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p. 446.<br />

147 VALVERDE, Trajano de Miranda citado por CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p. 447.<br />

148 CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p. 447.<br />

149 § 6º do art. 8° da Lei 6.404/1976. Os avaliadores e o subscritor responderão perante a<br />

companhia, os acionistas e terceiros, pelos danos que lhes causarem por culpa ou dolo na<br />

avaliação dos bens, sem prejuízo da responsabilidade penal em que tenham incorrido; no caso de<br />

bens em condomínio, a responsabilidade dos subscritores é solidária.<br />

117


§ 3º O acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito<br />

de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido.<br />

§ 4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse<br />

conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos<br />

causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver<br />

auferido.<br />

Modesto Carvalhosa leciona que a norma supracitada sanciona o<br />

comportamento do acionista no exercício do direito de voto, e não apenas o<br />

exercício do poder majoritário ou de controle. Visando o comportamento e não o<br />

poder, a norma trata igualmente o abuso da maioria e da minoria 150 .<br />

O direito de voto nas sociedades por ações, em todas as legislações e não<br />

apenas na nossa, é direito à liberdade, sem qualquer dos aspectos de<br />

obrigatoriedade que caracterizam as normas reguladoras das eleições de natureza<br />

política, em alguns países. 151<br />

Entretanto, ressaltamos que embora seja um direito individual, o direito de<br />

voto dos acionistas, tal qual o direito de voto político, detém uma profunda<br />

conotação social, eis que é destinado a formar uma vontade coletiva.<br />

O voto não deverá ser um mecanismo de realização prevalecente dos<br />

interesses pessoais do sócio, mas o exercício de um poder delegado a ele pela<br />

comunidade de seus pares, a fim de que cada um contribua individualmente ou em<br />

bloco para a formação da vontade social 152 .<br />

O sócio, portanto, deve votar em estreita obediência à própria condição de<br />

membro da comunidade acionária, pois que somente assim será possível proteger<br />

o interesse comum, acima dos interesses individuais dos sócios, muitas vezes<br />

conflitantes 153 .<br />

150 CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p. 464.<br />

151 CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p. 333.<br />

152 BEVILACQUA, Giogio, citado por CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p. 460.<br />

153 BEVILACQUA, Giogio, citado por CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p. 460.<br />

118


Deve se entender, no entanto, que o abuso de direito de voto, esposado<br />

no caput do art.115 e o conflito de interesses previsto no §1º, são institutos<br />

distintos. O abuso de voto, mais abrangente, é definido pela orientação de voto<br />

contrário ao interesse social e o conflito de interesses, mais restrito e especifico,<br />

ocorre quando os objetivos da companhia e do acionista são divergentes 154 .<br />

No abuso do direito de voto, há necessidade de exercício volitivo, ainda que<br />

aferido objetivamente, seja como forma de causar dano, seja como meio de obter<br />

vantagem a que não faça jus. Nele, a revisão ocorre em vista do propósito<br />

específico e da potencialidade de dano. Já na figura do conflito de interesses não<br />

se requer a existência de dano e, mediante análise formal do conteúdo, procurase<br />

simplesmente verificar a orientação e a estrutura da relação posta sob<br />

deliberação. Havendo conflito, nulo seria o voto exercido em sentido contrário ao<br />

interesse social.<br />

(...)<br />

Ainda no caso do voto abusivo, prevê-se sua revisão expost, já que depende,<br />

necessariamente, da análise de conteúdo. Além disso, como sansão para o voto<br />

abusivo prescreve a lei somente indenização pecuniária, ainda que por voto não<br />

prevalecente (art.115, §1º). Nesse caso, a possibilidade de anulação da<br />

deliberação assemblear ocorre por vício intrínseco, ou seja, por defeito na<br />

formação do negócio jurídico em si. De modo diverso, no caso de conflito de<br />

interesses, eventual anulação da decisão resulta do dispositivo legal expresso<br />

(art.115, §4º).<br />

Desse exame é lícito concluir que as figuras do abuso do direito de voto e do<br />

conflito de interesses são autônomas e parcialmente independentes.<br />

O que se percebe na doutrina é que a expressão “conflito de interesses” é usada<br />

para exprimir conceitos múltiplos. Ora se faz aquele uso em sentido lato, como<br />

sinônimo de abuso do direito de voto (ou conflito de interesses lato sensu), ora<br />

em sentido estrito, para limitar ao conflito de interesses propriamente dito, de que<br />

trata parte do §1º do art.115.<br />

De qualquer modo, uma vez que o interesse da sociedade é definido pelo<br />

objeto social e pelos fins específicos da companhia e não pela vontade individual<br />

de cada um dos acionistas, temos que, por expressa disposição legal será abusivo<br />

o voto proferido contra a vontade social, seja ele no intuito de causar dano à<br />

companhia ou aos outros acionistas, seja o voto para obter vantagem para o sócio<br />

154 CUNHA, Rodrigo Ferraz Pimenta da. Estrutura de interesses nas Sociedades Anônimas. São<br />

Paulo: Quartier Latin, 2007, p.264.<br />

119


ou para terceiro, ou, ainda, o voto de que resulte, ou possa resultar prejuízo para<br />

companhia e para os outros acionistas.<br />

Haverá lesão aos interesses dos demais acionistas sempre que se tente, com o<br />

voto abusivo, tolher-lhes os direitos patrimoniais, como, v.g., o direito a uma<br />

distribuição eqüitativa de dividendos além dos obrigatórios ou mínimos; ou, então,<br />

o cerceamento do direito de subscrição preferencial de valores mobiliários de<br />

emissão da companhia; ou, ainda, o direito político de voto ou de eleição de<br />

representante dos minoritários nos órgãos de administração e fiscalização,<br />

assegurados por lei ou pelo estatuto.<br />

E haverá também conflito de interesses strictu sensu com a companhia e com os<br />

demais acionistas sempre que o voto é utilizado para obtenção de vantagem<br />

política ou patrimonial para si ou para terceiros.<br />

Ressalte-se que essas vantagens ilicitamente perseguidas por meio do voto<br />

podem não ser meramente patrimoniais. Também as vantagens políticas com<br />

que se obtém o controle mediante a utilização abusiva de formas legais (art. 118),<br />

como, v.g., a acessão de ações de outra companhia pela constituição de<br />

subsidiária integral (art.252), constituem fraude aos demais acionistas, sejam<br />

minoritários, sejam controladores.<br />

A lei considera abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia,<br />

ou com o fim de causar dano a outros acionistas; ou, ainda, com o fim de obter<br />

para si ou para outrem vantagem sem justa causa ou de que resulte ou possa<br />

resultar prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.<br />

A lei leva em conta a finalidade, ou seja, a intenção do acionista no exercício do<br />

direito de voto. O voto abusivo origina-se da figura do abuso de direito (abus du<br />

droit), que, em meio à grande discussão doutrinaria, tem servido como padrão<br />

normativo de decisões jurisprudenciais. Insere-se a figura nos princípios gerais<br />

do direito.<br />

O abuso do exercício do direito de voto configura-se quando o acionista não<br />

exerce com moderação, isto é, contrariamente ao interesse da companhia e dos<br />

demais acionistas e com o objetivo de causar-lhes danos, seja cerceando-lhes<br />

direitos patrimoniais ou políticos, seja tentando alcançar enriquecimento ou obter<br />

vantagem sem justa causa 155 .<br />

A análise da intenção do abuso de direito de voto deve ser objetiva, não<br />

sendo questionada a intenção do agente. Configurado o voto em conflito com o<br />

interesse social (objeto social) da companhia, restará configurado o abuso de<br />

direito e a obrigação de reparar o dano.<br />

155 CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p. 461/462.<br />

120


Neste sentido Modesto Carvalhosa leciona que:<br />

A intenção de lesar a companhia ou outros acionistas mediante o exercício do<br />

voto não deve ser subjetivamente perquirida, na medida em que dificilmente se<br />

pode distinguir, no capitulo da prova, o dolo do simples erro.<br />

Assim, poderia alegar o acionista inquinado de exercício abusivo que<br />

simplesmente errou na apreciação da matéria, não tendo qualquer intenção de<br />

lesar a companhia ou os outros acionistas.<br />

O caráter subjetivo da conduta tem sido posto de lado pela jurisprudência. Esta<br />

tem afirmado que o abuso deve reputar-se configurado mesmo que a intenção<br />

fraudulenta não esteja provada, bastando que a deliberação vise alcançar fins<br />

que repugnam o sentimento jurídico.<br />

O exame objetivo do ato de votar contrariamente ao interesse social é, pois,<br />

suficiente à configuração de um ilícito no exercício da prerrogativa, devendo o<br />

acionista responder pelos danos causados 156 .<br />

O abuso do direito existe nas deliberações sociais quando a deliberação<br />

não é imposta pelo interesse social (stricto sensu) da companhia; excedendo<br />

manifestamente os limites resultantes da boa-fé, dos bons costumes ou do fim<br />

social e econômico e devendo ser apurado de forma objetiva.<br />

Destaque-se ainda que o dano poderá ser material ou moral e conforme<br />

disposição expressa do § 3° do art. 115 da Lei de S/A, o acionista seja minoritário<br />

ou controlador, responderá pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito<br />

de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido.<br />

Haverá dano moral quando o voto vencido abusivo é exercido por mera emulação<br />

para difamar outros acionistas – controladores ou não – ou, ainda, para prejudicar<br />

o bom nome da companhia ou causar dissídio entre os sócios. Por outro lado, o<br />

dano será material quando, v.g., o acionista nega, por emulação, quorum mínimo<br />

para obstruir regular controle, para deliberação da assembléia geral (art. 118, 129<br />

e 135), obstruindo, dessa forma, medida de interesse da sociedade.<br />

Pode o acionista, no interesse próprio ou de alguma sociedade concorrente,<br />

argüir em assembléia abusivamente contra a administração ou de forma contrária<br />

à condução da política empresarial adotada pelos controladores (art.118). Essas<br />

manifestações, ainda que sumariamente constantes da ata (art.130), podem<br />

trazer prejuízos morais e materiais à companhia, inclusive repercutindo no seu<br />

crédito ou nas suas operações comerciais.<br />

156 CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p. 462.<br />

121


Do mesmo modo, poderá o acionista, com o intuito de especular com as ações<br />

da companhia, apresentar objeções ou proposições para o efeito de voto na<br />

assembléia geral, com o fito de provocar alta ou queda da cotação das ações no<br />

mercado.<br />

Por sua vez, o voto não prevalecente abusivo pode também visar induzir a<br />

compra das ações pela companhia (art.30) ou pelo grupo majoritário controlador<br />

(art.118). 157<br />

Assim, acertadamente o legislador não fez distinção ao aplicar sanção ao<br />

exercício abusivo da prerrogativa do voto em assembléia das anônimas.<br />

Demais disso, dispõe o § 4º do artigo 115 da Lei de S/A que a deliberação<br />

tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o<br />

da companhia é anulável e o acionista responderá pelos danos causados, sendo<br />

obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido.<br />

Portanto, a Lei de S/A impõe ao acionista o dever de votar no interesse da<br />

companhia, lhe impondo sanções pela má utilização do direito de voto, seja por<br />

abuso do direito de voto ou por voto conflitante com o interesse social.<br />

Necessário ainda destacar que o dispositivo relativo ao abuso do direito de<br />

voto complementa-se pelo disposto nos artigos 116, 116-A e 117, que regulam o<br />

exercício de voto dos acionistas controladores, haja vista que poderá ocorrer abuso<br />

de poder por parte do acionista controlador através do exercício abusivo do direito<br />

de voto.<br />

Ademais, destacamos que acerca da possibilidade de acordo de voto<br />

visando o controle acionário, a lei preceitua limites, seja vedando o exercício<br />

abusivo do direito de voto, seja vedando o abuso de poder do acionista, devendo o<br />

pacto respeitar o ordenamento jurídico vigente. Não pode, por exemplo, o acordo<br />

versar sobre o tráfico de voto, o qual constitui crime previsto no § 2º do art. 177 do<br />

Código Penal, apenado com detenção de seis meses a dois anos e multa; também<br />

157 CARVALHOSA, Modesto. op.cit., 2009, p. 463/464.<br />

122


são vedados os acordos que tenham por objeto aprovações de contas da<br />

companhia (declaração de verdade); violação da legislação antitruste, de proteção<br />

à economia popular e aos consumidores; bem como violação de direitos essenciais<br />

dos acionistas.<br />

Por todo o exposto, concluímos que o exercício do direito de voto pelo<br />

acionista em assembléia das anônimas está limitado aos fins sociais da<br />

companhia, sendo seus preceitos delimitados no sistema normativo em geral e em<br />

especial, na lei societária e no estatuto social da companhia, devendo, como<br />

qualquer direito, ser exercício dentro dos limites da lei, da boa-fé e dos bons<br />

costumes, sendo abusivo o voto proferido em contrário.<br />

5.4. Do abuso do direito de voto na Recuperação Judicial prevista<br />

na Lei 11.101/2005<br />

Conforme já afirmado alhures, o voto constitui a forma legal adequada de<br />

manifestação dos credores reunidos em assembléia geral para aprovação,<br />

modificação ou rejeição do plano de recuperação; bem como para outras decisões<br />

a seu cargo.<br />

Distintamente do que ocorre nas assembléias das anônimas, em que a<br />

regra geral é que a cada ação ordinária corresponde um voto, nas assembléias de<br />

credores a regra geral é que o voto será proporcional ao valor do crédito.<br />

Assim, a regra geral acerca do exercício do direito de voto na<br />

Recuperação Judicial prevista na Lei n° 11.1010/2005 é de que o voto proferido em<br />

assembléia de credores será proporcional ao valor de seu crédito quando a<br />

assembléia deliberar sobre: constituição do Comitê de Credores, escolha de seus<br />

membros e sua substituição; pedido de desistência da recuperação; nome do<br />

123


gestor judicial, adoção de outras modalidades de realização do ativo; bem como<br />

quaisquer outras matérias que possam afetar os interesses dos credores. Como<br />

exceção, tem-se que nas deliberações para aprovação, modificação ou rejeição do<br />

plano de recuperação, o voto dos titulares de crédito derivado da legislação do<br />

trabalho será computado por cabeça, dos presentes à assembléia.<br />

De qualquer modo, são os credores reunidos no conclave que dirão se as<br />

condições propostas pelo devedor atendem aos seus interesses, ou seja, o credor<br />

irá atuar na assembléia geral no resguardo de seus interesses creditícios,<br />

examinando se a proposta de recuperação constitui instrumento hábil a viabilizar a<br />

realização de seu crédito.<br />

Ocorre que os interesses das três classes de credores; bem como dos<br />

próprios credores dentro de cada uma de suas classes, serão bastante<br />

heterogêneos, sendo necessário definir quais os limites do exercício regular do<br />

direito de voto dos credores reunidos em assembléia.<br />

O exercício do direito de voto e eventuais sanções decorrentes do abuso<br />

no exercício de tal direito não foram contemplados na nova lei de Recuperação e<br />

Falência.<br />

Ao juiz caberá, no caso concreto, identificar as hipóteses de exercício<br />

abusivo do direito de voto, impondo as sanções correspondentes.<br />

Entretanto, temos que os conceitos expressos no artigo 187 do Código<br />

Civil, quais sejam: “exercício de um direito” e “excesso manifesto” contra os limites<br />

impostos pelo “fim econômico e social”, pela “boa-fé” ou pelos “bons costumes”;<br />

são de caráter eminentemente subjetivo e podem levar aos mais diversos<br />

entendimentos.<br />

124


Por “exercício de direito” podemos entender toda ação ou omissão, eis<br />

que a lei prevê faculdades, ou seja, o agente pode exercer seu direito ou não<br />

exercê-lo conforme melhor lhe aprouver. Assim, o abuso de direito poderá se dar<br />

tanto por uma ação quanto por omissão.<br />

Em relação ao conceito de “excesso manifesto” temos que a prática em<br />

excesso, ou seja, o ato de ir além do razoável, de levar uma vantagem ou de<br />

ultrapassar o natural não é por si um ato de abuso. O ato excessivo deverá ser<br />

manifesto, ou seja, o ato deverá ultrapassar clara e indiscutivelmente os ditame<br />

legais.<br />

Quanto à boa-fé, considerada por inúmeros doutrinadores, bem como pelo<br />

legislador, como princípio geral, temos que o sujeito de direito possui o dever de<br />

atuar como pessoa de bem, com honestidade e lealdade. A boa-fé seria, portanto,<br />

uma regra de conduta imposta, mas não definida em lei, remetendo a princípios e<br />

normas sociais gerais de conduta. Ocorre que estes conceitos também são<br />

subjetivos e serão interpretados conforme o lugar e a época.<br />

Do mesmo modo, a idéia de bons costumes é subjetiva, variando de<br />

acordo com a época e o lugar. Traduz um conjunto de preceitos morais, de regras<br />

e práticas da vida em sociedade, acatado pela coletividade em um dado lugar e em<br />

certo momento histórico.<br />

Em relação à idéia de “fim social ou econômico” não há na legislação um<br />

conceito expresso e caberá ao julgador em um dado momento histórico e em certo<br />

lugar definir o que será a finalidade social e econômica da norma.<br />

Portanto, caberá ao intérprete da norma identificar as hipóteses de<br />

exercício abusivo do direito, impondo as sanções correspondentes.<br />

125


Entretanto, a ressalva que aqui se pretende fazer é de impossibilidade de<br />

transposição dos preceitos contidos na Lei das sociedades anônimas ou do Código<br />

Civil, aplicados subsidiariamente à Lei das S/A, o que se considera abuso de<br />

direito de voto, haja vista que as responsabilidades dos sócios numa determinada<br />

sociedade empresarial são completamente distintas daquelas que o credor detém<br />

perante o devedor e a Assembléia Geral de Credores.<br />

O acionista é titular do status socii decorrente do vínculo jurídico<br />

estabelecido pela propriedade das ações. É sócio antes de ser eventual credor.<br />

Tem responsabilidades perante a companhia que compreendem, entre outros, o<br />

dever de informar e o de exercer o direito de voto na assembléia geral conforme o<br />

próprio interesse da sociedade anônima. 158<br />

Impende afastar, nesse passo, a simples transposição dos limites previstos na<br />

Lei 6.404/1976, quanto ao exercício regular do direito de voto pelo acionista,<br />

controlador ou não.<br />

É patente a diferença de posição jurídica daquele que titulariza o crédito em face<br />

de alguém que seja sócio, com os efeitos jurídicos decorrentes dessa condição.<br />

O credor, em principio, vela por interesses que são seus, representados por um<br />

crédito impago e que vê, na recuperação judicial, um instrumento eficaz de<br />

realização desse mesmo crédito. Para ele, a aprovação do plano de recuperação<br />

deve circunscrever-se ao interesse específico de solução de relação jurídica<br />

obrigacional que o identifique na posição jurídica de credor.<br />

Não se pode olvidar, entretanto, que a recuperação judicial contempla outros<br />

interesses tão legítimos quanto os do credor. Todos encartados na redação que o<br />

legislador conferiu ao artigo 47 da lei.<br />

O fenômeno econômico da insolvência, do ponto de vista legal, não pode mais<br />

conceber os estreitos lindes sugeridos pela relação jurídico-patrimonial havida<br />

entre credor e devedor. Transcende, hodiernamente, esses limites para deixar<br />

profundas raízes no enfoque do interesse social e nas exigências do bem<br />

comum, ressaltadas tanto no texto constitucional quanto na legislação própria.<br />

Ainda a considerar, para efeito da identificação do voto regular exercitado pelo<br />

credor nas assembléias gerais previstas na Lei 11.101/2005, que a falência veio<br />

concebida com irrecusável perfil liquidatário, à medida que, tão logo finde a<br />

arrecadação de bens, tem-se inicio o processo de alienação dos ativos da massa,<br />

independentemente da elaboração do quadro geral de credores.<br />

158 CAMPOS FILHO, Moacyr Lobato de. op.cit., p.134.<br />

126


Em sã consciência, não se pode, aprioristicamente, censurar o titular de um<br />

crédito que vislumbre na liquidação falimentar maiores e melhores possibilidades<br />

de realização de seu crédito que no ambiente da recuperação judicial. Assim,<br />

poderá ser considerado abusivo, o voto de credor que rejeite o plano de<br />

recuperação judicial porque a decretação judicial da falência poderá contemplar,<br />

de modo mais completo, seu crédito 159<br />

Assim, não há qualquer irregularidade no voto do credor que rejeita o<br />

plano de recuperação, em razão de enxergar na liquidação falimentar maiores e<br />

melhores possibilidades de realização do seu crédito. Aliás, muitas vezes a<br />

liquidação de ativos será muito mais produtiva e eficiente do que um plano fraco.<br />

A jurisprudência tem considerado contrárias aos interesses da lei e dos<br />

credores as deliberações que:<br />

1) Causam prejuízo desproporcional, inadequado, para parte dos<br />

credores;<br />

2) Favorecem um credor em particular, ou um grupo de credores,<br />

especialmente os credores privilegiados ou com garantia real, ou ainda<br />

terceiros, em detrimento da comunhão dos credores;<br />

3) Não são úteis a ninguém;<br />

4) Favoreçam o devedor ou um terceiro sem qualquer vantagem para a<br />

massa.<br />

Entretanto, como dito anteriormente, não é possível considerar abusivo o<br />

voto do credor que se manifesta contra o plano de recuperação judicial<br />

apresentado, porque vislumbra na falência uma forma mais eficaz de receber o seu<br />

crédito.<br />

Por exemplo, como considerar abusivo o voto de um credor que explora a<br />

atividade de indústria automobilística, que teria um voto decisivo e que vote<br />

contrariamente à aprovação do plano de recuperação judicial por estar interessada<br />

159 CAMPOS FILHO, Moacyr Lobato de. op.cit., p.144/145.<br />

127


na falência do devedor, seu concessionário, a fim de passar a concessão a<br />

outrem<br />

E nem se fale de manutenção da empresa em razão de sua função social,<br />

haja vista que muitas vezes a falência e a liquidação dos ativos em bloco é muito<br />

mais eficiente para tal finalidade.<br />

Suponhamos uma dada sociedade empresarial que apresenta plano de<br />

recuperação, beneficiando apenas um dado grupo de credores em detrimento de<br />

outros, e que a recuperação irá apenas postergar a falência de tal sociedade.<br />

Nesse caso, a venda em bloco dos ativos à uma outra sociedade empresarial que<br />

detém meios de reerguê-la mediante o investimento de capital, ou seja de que<br />

forma for, é muito mais eficiente para a manutenção dos postos de trabalho,<br />

recolhimento de impostos, circulação de mercadorias e outras idéias que estão<br />

inseridas no conceito de função social da empresa que norteou toda a elaboração<br />

da Lei n˚11.101/2005.<br />

Desse modo, em que pesem às opiniões daqueles que entendem que se<br />

deve forçar a aprovação de um plano recuperacional ao argumento de se fazer<br />

valer o princípio da função social da empresa, a nosso ver, a principal função social<br />

da empresa é gerar lucro, pois é apenas com a geração de lucro que se garantirão<br />

empregos, recolhimentos de tributos, melhor distribuição de renda etc.; não sendo<br />

possível estes sem aquele, e sendo certo que o fato de se fazer a liquidação de<br />

ativos não implica necessariamente em não se fazer cumprir a função social, mas<br />

muito pelo contrário, muitas vezes é a liquidação de ativos que dá segurança ao<br />

mercado, como por exemplo podemos citar um fornecer de um dado devedor<br />

insolvente que vê na liquidação de ativos a garantia de recebimento de seu crédito<br />

e a partir desse crédito fomentar novos negócios.<br />

128


Portanto, a conclusão a que chegamos é de que, pelo menos a princípio,<br />

será regular todo o voto do credor com observância das formalidades legais e que<br />

esteja de acordo com os seus interesses.<br />

129


CONCLUSÃO<br />

A fim de concluir o presente trabalho, traçamos algumas das principais<br />

idéias desenvolvidas:<br />

1. A Assembléia Geral de Acionistas é o órgão deliberativo máximo de<br />

uma Companhia.<br />

2. O acionista controlador, entendido como aquele que detém de modo<br />

permanente a maioria dos votos nas deliberações da Assembléia Geral, possui em<br />

relação aos demais sócios e terceiros, uma série de responsabilidades e apenas<br />

poderá se utilizar do poder de controle para a realização do objeto social da<br />

Companhia, devendo se ater aos interesses desta.<br />

3. A Assembléia Geral de Credores é o órgão que, na Recuperação<br />

Judicial e na Falência, manifesta a vontade da comunhão de credores; estes<br />

últimos exercendo um poder-função de exame e manifestação quanto à proposta<br />

de recuperação judicial, não havendo hipótese de esta ser concedida sem<br />

manifestação favorável daqueles, ainda que em patamares legais mínimos.<br />

4. Não há uma disciplina própria das invalidades relativas à assembléiageral<br />

de credores, cuidando a lei apenas de uma hipótese especial no § 2º do art.<br />

39 e aludindo à „invalidação de deliberação de assembléia‟ no § 3º do mesmo<br />

artigo.<br />

5. É possível distinguirmos três espécies de vícios do voto, com<br />

conseqüências também diversas: vícios da própria Assembléia; vícios das<br />

deliberações e vícios do voto.


6. Não se anula uma deliberação por erro ou por dolo no voto. Anula-se<br />

apenas e tão somente o voto viciado; e apenas se este voto viciado foi<br />

determinante para a formação da maioria deliberante, anular-se-á a deliberação.<br />

7. O legislador não previu prazo para requerimento da anulação das<br />

deliberações em Assembléia de Credores, sendo aplicado subsidiariamente o<br />

prazo de dois anos previsto no art. 179 do Código Civil.<br />

8. A Lei de Falência e Recuperações não previu os limites definidores do<br />

exercício regular do direito de voto em assembléia geral, tampouco em que medida<br />

esse exercício irá se revelar abusivo e prejudicial aos interesses conectados aos<br />

da empresa.<br />

9. O abuso de direito pode se dar com ou sem a intenção de trazer<br />

prejuízo, não sendo o abuso de direito caracterizado pelo dolo do agente. Invocado<br />

um direito para legitimar um comportamento inadequado à funcionalidade que o<br />

legislador pretendeu dar, essa invocação é ilegítima, pois tal comportamento não<br />

traduz a proteção ao valor implícito na norma.<br />

10. Não é possível transpor da lei societária ou do Código Civil, o qual é<br />

aplicado subsidiariamente à Lei 11.101/2005, o que se considera abuso de direito<br />

de voto, haja vista que as responsabilidades dos sócios numa determinada<br />

sociedade empresarial são completamente distintas daquelas que o credor detém<br />

perante o devedor e a Assembléia Geral de Credores.<br />

11. A jurisprudência tem considerado contrárias aos interesses da lei e dos<br />

credores as deliberações que: causam prejuízo desproporcional, inadequado, para<br />

parte dos credores; favorecem um credor em particular, ou um grupo de credores,<br />

especialmente os credores privilegiados ou com garantia real, ou ainda terceiros,<br />

131


em detrimento da comunhão dos credores; não são úteis a ninguém; ou favoreçam<br />

o devedor ou um terceiro sem qualquer vantagem para a massa.<br />

12. Por fim, a crítica que se faz é de que não é possível considerar abusivo<br />

o voto do credor que se manifesta contra o plano de recuperação judicial<br />

apresentado, porque vislumbra na falência uma forma mais eficaz de receber o seu<br />

crédito, sendo regular todo o voto do credor com observância das formalidades<br />

legais e que esteja de acordo com os seus interesses.<br />

132


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