04.01.2015 Views

Considerações sobre a condição da mulher na Grécia ... - Mirabilia

Considerações sobre a condição da mulher na Grécia ... - Mirabilia

Considerações sobre a condição da mulher na Grécia ... - Mirabilia

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>Mirabilia</strong> 01<br />

49<br />

Dec 2001/ISSN 1676-5818<br />

Trabalhando fun<strong>da</strong>mentalmente com o caso ateniense, procuraremos<br />

apresentar alguns aspectos <strong>sobre</strong> a condição <strong>da</strong> <strong>mulher</strong> no Período Clássico.<br />

Observamos precipuamente que as <strong>mulher</strong>es gregas em geral eram<br />

despossuí<strong>da</strong>s de direitos políticos ou jurídicos e encontravam-se inteiramente<br />

submeti<strong>da</strong>s socialmente. A ateniense casa<strong>da</strong> vivia a maior parte do tempo<br />

confi<strong>na</strong><strong>da</strong> às paredes de sua casa, detendo no máximo o papel de organizadora<br />

<strong>da</strong>s funções domésticas, estando de fato submissa a um regime de quase<br />

reclusão.<br />

Mesmo antes do casamento, nem se pensava que a jovem pudesse encontrarse<br />

livremente com rapazes, visto que viviam fecha<strong>da</strong>s nos aposentos<br />

desti<strong>na</strong>dos às <strong>mulher</strong>es – o gineceu. Deviam lá permanecer para ficar longe<br />

<strong>da</strong>s vistas, separa<strong>da</strong>s até dos membros masculinos <strong>da</strong> própria família.<br />

A inferiori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>mulher</strong> e <strong>da</strong> sua posição pode ser atesta<strong>da</strong> pela Política de<br />

Aristóteles que a justificava em virtude <strong>da</strong> não plenitude <strong>na</strong> <strong>mulher</strong> <strong>da</strong> parte<br />

racio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> alma, o logos. Observamos inclusive no texto aristotélico, que para<br />

tanto faz uso <strong>da</strong>s palavras de Sófocles, que as <strong>mulher</strong>es deviam, por sua graça<br />

<strong>na</strong>tural, permanecer em silêncio, o que é por demais significativo de sua<br />

condição numa comuni<strong>da</strong>de democrática, <strong>na</strong> qual a participação isonômica <strong>na</strong><br />

política, ou seja, <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> pólis, caracterizava o ateniense, singularmente <strong>na</strong>s<br />

assembléias deliberativas <strong>da</strong> Pnix e <strong>na</strong> ocupação <strong>da</strong>s diversas magistraturas.<br />

Jean Pierre Ver<strong>na</strong>nt observa mesmo que o que implicava o sistema <strong>da</strong> pólis era<br />

primeiramente uma fantástica preeminência <strong>da</strong> palavra <strong>sobre</strong> todos os outros<br />

instrumentos do poder. Palavra que não era mais o termo ritual, a fórmula<br />

justa, mas o debate contraditório, a discussão, a argumentação (Ver<strong>na</strong>nt, 1989:<br />

34). Calar a <strong>mulher</strong> significava portanto, efetivamente, o mesmo que excluí-la<br />

inteiramente <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Vejamos então as palavras do Estagirita:<br />

Isto nos leva imediatamente de volta à <strong>na</strong>tureza <strong>da</strong> alma: nesta, há por <strong>na</strong>tureza<br />

uma parte que coman<strong>da</strong> e uma parte que é coman<strong>da</strong><strong>da</strong>, às quais atribuímos<br />

quali<strong>da</strong>des diferentes, ou seja, a quali<strong>da</strong>de do racio<strong>na</strong>l e a do irracio<strong>na</strong>l. (...) o<br />

mesmo princípio se aplica aos outros casos de coman<strong>da</strong>nte e coman<strong>da</strong>do.<br />

Logo, há por <strong>na</strong>tureza várias classes de coman<strong>da</strong>ntes e coman<strong>da</strong>dos, pois de<br />

maneiras diferentes o homem livre coman<strong>da</strong> o escravo, o macho coman<strong>da</strong> a<br />

fêmea e o homem coman<strong>da</strong> a criança. Todos possuem as diferentes partes <strong>da</strong><br />

alma, mas possuem-<strong>na</strong>s diferentemente, pois o escravo não possui de forma<br />

alguma a facul<strong>da</strong>de de deliberar, enquanto a <strong>mulher</strong> a possui, mas sem<br />

autori<strong>da</strong>de ple<strong>na</strong>, e a criança a tem, posto que ain<strong>da</strong> em formação. (...)<br />

Devemos então dizer que to<strong>da</strong>s aquelas pessoas tem suas quali<strong>da</strong>des<br />

próprias, como o poeta (Sófocles, Ájax, vv.405-408) disse <strong>da</strong>s <strong>mulher</strong>es: ‘O<br />

silêncio dá graça as <strong>mulher</strong>es’, embora isto em <strong>na</strong><strong>da</strong> se aplique ao homem<br />

(Aristóteles, Política, I, 1260 a-b, pp. 32 e 33).<br />

Segundo Maria <strong>da</strong> Graça Ferreira Schalcher, tal passagem <strong>da</strong> Política recoloca<br />

em questão a fraqueza <strong>da</strong> <strong>mulher</strong>, não ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> dimensão fisiológica, mas<br />

investi<strong>da</strong> de uma conotação ético-metafísica com as relações entre a alma e o

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!